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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CENTRO DE LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Alcilene Costa de Souza Ana Mônica Monteiro Cleide Lúcia Magalhães de Souza O ARRAIAL DA CULTURA POPULAR PARAENSE É SÓ PAVULAGEM BELÉM - PA Março / 2003

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Este estudo intitulado "O Arraial da Cultura Popular Paraense é só Pavulagem" discute a cultura popular, tendo como objeto de análise o Arraial do Pavulagem, grupo que nasceu em 1987 com a finalidade de divulgar, juntamente com a participação popular, a cultura paraense. O Arraial, como ícone da cultura popular, não apenas reproduz as manifestações populares, mas também cria, renova e incorpora elementos, tanto da cultura amazônica como de outras regiões como linguagem, estilos e instrumentos musicais. Assim, em função do Arraial do Pavulagem misturar elementos do culto, do popular e do massivo e construir o sentido de identidade cultural amazônica, constitui-se num rico exemplo para mostrar que a cultura é dinâmica e está em constante rotação. Foi uma monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará (UFPA) como requisito parcial para obtenção do curso do grau de bacharel em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, sob a orientação da professora mestre Rosaly de Seixas Brito junto às estudantes Alcilene Costa de Souza, Ana Mônica Monteiro e Cleide Lúcia Magalhães de Souza, em 2003.

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CENTRO DE LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

Alcilene Costa de Souza

Ana Mônica Monteiro

Cleide Lúcia Magalhães de Souza

O ARRAIAL DA CULTURA POPULAR PARAENSE

É SÓ PAVULAGEM

BELÉM - PA

Março / 2003

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Alcilene Costa de Souza

Ana Mônica Monteiro

Cleide Lúcia Magalhães de Souza

O Arraial da Cultura Popular Paraense é só Pavulagem

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO CURSO DO GRAU DE BACHAREL EM COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM JORNALISMO, SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA MS. ROSALY DE SEIXAS BRITO.

Belém / PA

Março / 2003

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“Para conhecermos a cultura de um povo não deveremos ser etnocêntricos, mas estar

abertos para entender toda a história e representações em que ela está inserida”.

(Cleide Magalhães)

“Celebremos a mobilidade, os conflitos, a ternura, a fluidez, a beleza que emergem do

interior de cultura que cada povo escreve ao longo de sua existência. Ë por esse espelho que

percebemos o que vai no íntimo, o que vai na alma de cada um de nós. Portanto, celebremos”.

(Ana Mônica Monteiro)

“A beleza da cultura popular está na maneira criativa de interpretar o mundo, incorporando e transformando elementos do erudito e do massivo, em algo próprio.”

(Alcilene Costa)

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AGRADECIMENTOS

Ao Arraial do Pavulagem por ter nos dado a sua valiosa contribuição ao disponibilizar sua

atenção e material de arquivo para a concretização deste trabalho.

Ao Centro de Educação e Práticas Populares – CEPEPO que nos ofereceu condições para

desenvolvermos a parte complementar desta monografia que é a produção do vídeo –

documentário “Batalhão da Estrela”.

A professora Rosaly Brito por ter-nos norteado na elaboração desta monografia.

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5

A Deus,

Aos pais,

Aos amigos e professores,

que nos incentivaram durante a

vida de estudantes.

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SUMÁRIO

1 – Resumo 7

2 – Introdução 8

3 - Um sonho que virou cantoria 10

4 - As Culturas Populares na Contemporaneidade 25

5 – O Arraial do Pavulagem: Identidade em Rotação 42

6 - Considerações Finais 58

7 – Referências 60

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7

RESUMO

Este estudo discutirá a cultura popular, tendo como objeto de análise o

Arraial do Pavulagem, grupo que nasceu em 1987 com a finalidade de divulgar,

juntamente com a participação popular, a cultura paraense. O Arraial, como ícone

da cultura popular, não apenas reproduz as manifestações populares, mas

também cria, renova e incorpora elementos, tanto da cultura amazônica como de

outras regiões como linguagem, estilos e instrumentos musicais. Assim, em

função do Arraial do Pavulagem misturar elementos do culto, do popular e do

massivo e construir o sentido de identidade cultural amazônica, constitui-se num

rico exemplo para mostrar que a cultura é dinâmica e está em constante rotação.

Palavras-chave: hibridismo – cultura popular - identidade

ABSTRACT

This study will argue the popular culture, having as analysis object the

Arraial of the Pavulagem, group that was born in 1987 with the purpose to divulge,

together with the popular participation, the paraense culture. The Arraial, with the

icon of popular culture, not only reproduces the popular manifestations, also

create, renew and incorporate elements, as much of the Amazonian culture, as of

others regions as the language, styles and musical instruments. Thus, in function

of the Arraial of the Pavulagem to mix elements of cult, of popular and of mass and

to make the sense of Amazonian cultural identify, consist in a rich example to show

that the culture is dynamic and it is in constant rotation.

Key-words: hybrisdism - popular culture - identity

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INTRODUÇÃO

Para esboçar algumas discussões sobre a cultura popular e o processo de

hibridização, torna-se necessário fazer referências pontuais sobre a noção de

cultura que norteia este trabalho, realizando um breve, e certamente limitado

percurso do conceito até a sua compreensão em tempos de transformação global.

Assim, pode-se perceber como a cultura foi sendo compreendida ao longo do

tempo e ampliação do conceito na medida em que se tornou necessário atentar

para o significado de hibridização nas relações interculturais promovidos,

principalmente, pela globalização.

As condições desse processo devem ser observadas tendo como ponto de

partida o duplo processo, tanto global quanto local, que permite, no mesmo tempo

e espaço, a expressão de vozes diferentes e contrastantes. Trata-se, portanto, da

transposição de identidades, tempos e práticas de sociabilidade, reconstituindo o

cenário da cultura contemporânea.

Em decorrência desse processo de diversidade cultural, explicitada nas

atuais condições de intercâmbio, são as trocas simbólicas que consolidam e re-

configuram as noções de pertencimento em todas as suas possíveis expressões.

É nesse mundo conflitante de pluralidade e centralismo - formado por

diversos “eus”, tribos, identidades centradas e/ou múltiplas - que tentaremos situar

o nosso objeto de estudo, o Arraial do Pavulagem, que surgiu em 1987, na Praça

da República.

Sua proposta inicial era apenas uma brincadeira descontraída, que

acontecia sempre aos domingos. Porém, hoje, o Arraial é um ícone da cultura

popular paraense, onde estão representados vários elementos das diversas

manifestações existentes nas regiões Norte e Nordeste do país como marujada,

retumbão, xote bragantino, carimbó, boi-bumbá, reggae e lundu. Configurando-se,

assim, motivo suficiente para a análise das transformações a que a cultura está

sujeita, pois entendemos que esta não pode ser vista como algo estático e

acabado, mas que é ressignificado e que vai muito além da visão purista da busca

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de raiz, ou seja, está em constante construção e interação com os outros “campos

sociais1”.

Além disso, situaremos a cultura popular dentro do sistema capitalista, que

se apropria, reorganiza e ressignifica as manifestações culturais.

No primeiro momento deste estudo, há uma contextualização histórica do

objeto; no segundo momento, serão apresentadas as questões teóricas, que

norteiam as discussões sobre a cultura popular. Para finalizar, situaremos o Arraial

do Pavulagem no contexto da discussão da cultura popular como fruto do

processo de hibridismo cultural.

Além desta monografia, foi produzido o vídeo-documentário “Batalhão da

Estrela”, que trata sobre o Arraial do Pavulagem, ilustrando e complementando a

temática tratada neste trabalho.

1 Campo social: “uma rede, ou uma configuração de relações objetivas entre posições definidas objetivamente, na sua

existência e nas determinações que impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, pela sua situação presente e potencial ... na estrutura de distribuição do poder (ou capital), cuja posse comanda o acesso aos benefícios específicos que estão em jogo no campo, assim como pelas suas relações objectivas com outras posições... " (Pierre Bourdieu, La Distinction - Critique Sociale du jugement, Minuit, Paris, 1979)

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1º CAPÍTULO

UM SONHO QUE VIROU CANTORIA

A história do Arraial2 do Pavulagem3 começou em 1987, a partir de uma

brincadeira que reunia aos domingos na Praça da República4 diversos artistas

locais numa rodada de cantoria, que misturava ritmos diversos e empolgava quem

passava pelo local. A partir daí, começa a

ganhar corpo o sonho de Ruy Baldez,

compositor, cantor, poeta e um dos fundadores

do Arraial. Entre eles havia afinidades para

tocar e cantar ritmos do norte e nordeste como

os de Bragança5, Parintins6 e São Luiz7. A

princípio, o grupo era denominado “O Boi

Pavulagem do Teu Coração” e somente a partir

de 1988 passou a se chamar “Arraial do Pavulagem”. A mudança no nome foi

devido a possibilidade de ampliar-se e trazer o universo de elementos da cultura

popular para o Arraial, a fim de que este se tornasse um painel de representação

dessa cultura e não se restringir somente ao boi–bumbá.

Eles eram músicos, compositores, lutando por espaço e divulgação de suas

obras. Segundo Ronaldo Silva, a intenção imediata não era a criação de um boi-

bumbá, mas a formação de platéia, um público que justificasse o esforço de

produção, divulgação e principalmente, fosse o complemento da cadeia de

fortalecimento da música paraense. “Nós sentíamos, ao lado de outros

compositores, músicos letristas, legítimos agentes históricos responsáveis por

2 Arraial: lugar onde se realizam as festas populares 3 Pavulagem: a palavra vem de “pavão”, ave fasianídea de bela plumagem. Mas, na linguagem popular paraense significa pávulo, formoso, metido, sem modéstia. 4 Praça da República: uma das principais praças da cidade de Belém, capital paraense. A sua construção foi no início do século XVIII, período áureo da extração da borracha e, além disso, é um dos espaços públicos de lazer mais freqüentados da cidade. 5 Bragança: município localizada no nordeste paraense e fica a 210 quilômetros de Belém. Todos os anos, no mês de dezembro realiza a Festa da Marujada, em homenagem a São Benedito, santo padroeiro da cidade. 6 Parintins –cidade do Médio Amazonas, com cerca de 60 mil habitantes caboclos. Todos os anos, no último final de semana de junho, a cidade realiza o Festival Folclórico de Parintins.O evento reuniu em 2002 aproximadamente seis mil brincantes e mais de 35 mil espectadores. 7São Luiz: capital do Estado do Maranhão, localizado no Nordeste do Brasil.

Túnel das mangueiras, na Praça da República

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esse desafio de fortalecer a música brasileira. Por isso, ampliamos o universo e o

nosso campo musical para divulgar o carimbó, lundu8, xote bragantino9,

retumbão10, quadrilha e o boi-bumbá”.

“Vou contar uma história do Mangue Que fala do sonho que teve o Baldez, Quando foi pro Acará sem governo...

Era o boizinho azulado

Que ele ia ver crescer e alegrar a cidade” (“A Lenda, o Sonho” / Ronaldo Silva)

No início, o Arraial do Pavulagem era formado pelos músicos Arytanã,

Cincinato Marques, Dimmi Alberto, Júnior Soares, Luiz Pinto, Mari Martel, Nazako,

Ronaldo Silva, Ruy Baldez e contou com a participação do poeta Antônio Juracy

Siqueira, entre outros. Em 1994, o Arraial ganha mais um integrante, o cantor e

compositor Toni Soares. Ele trouxe uma sonoridade mais universal para o grupo

que antes tinha uma concepção mais voltada para o regional. A partir da idéia de

Toni, o ritmo do reggae-boi foi introduzido no Arraial. Em janeiro de 2003, o cantor

saiu do Arraial do Pavulagem por discordâncias internas.

A preferência do grupo pelo regional é devido a forte ligação que os

componentes têm com seu lugar de origem. Por exemplo, Júnior Soares tem suas

raízes de Bragança. Porém, mesmo os que nasceram em áreas urbanas como

Ruy Baldez - São Luís (MA), Ronaldo Silva e Toni Soares - Belém (PA),

receberam influências das culturas rurais, no caso de Cachoeira do Arari 11 - Ilha

do Marajó12 e da já citada região bragantina.

Um dos objetivos do Arraial do Pavulagem é divulgar a cultura paraense em

todas as suas vertentes, tanto na dança e música, quanto na expressão da cultura

e da arte cênica. Além disso, possibilitar que a população conheça os ritmos e

linguagens e possa reinventar essa cultura e criar mecanismos de participação.

8 Lundu: dança sensual de origem africana, com ritmo semelhante ao retumbão 9 Xote Bragantino: dança de origem Européia( Escócia) e típica da Festa da Marujada. 10 Retumbão: dança de origem africana e da Marujada. 11 Cachoeira do Arari: cidade localizada no oeste da Ilha do Marajó, esta última palavra de origem indígena que significa vento fresco, que sopra à tarde do lado da Ilha do Marajó.. 12 Ilha do Marajó: uma das maiores ilhas fluviais do mundo, localizada no delta do Rio Amazonas, no Pará.

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Em 22 de junho de 1999, o grupo sofreu uma grande perda com o

falecimento de Ruy Baldez, e isso acabou funcionando como mecanismo de

estímulo para novas ações do Arraial do Pavulagem, com os remanescentes do

grupo. Ainda hoje a imagem de Baldez se faz presente no Arraial através de

músicas e poesias que os artistas fazem em sua homenagem. Isso se deve à

relevante contribuição que Baldez deixou para o Arraial e também à cultura

popular paraense. Dentre essas homenagens, há a poesia do artista Antônio

Juracy Siqueira:

“Baldez – A voz que nunca Rui”

Calou do pássaro a voz, Mas vejam só! por encanto,

Ficou vibrando entre nós Os acordes do seu canto!

Partiu Baldez! Partiu nada!

Só fez que foi mas não foi Pois deixou a voz gravada

Em mil toadas de boi

Por sina, por devoção Ou talvez por pavulagem Resolveu seguir viagem Em noite de São João

Vai cantador! Vai na frente! Vai cantar pra outros bois!... Vai em paz, segue na frente Que a gente segue depois!

À medida que o tempo passava, o Arraial do Pavulagem amadurecia

enquanto proposta de ação cultural, buscando substanciar sua produção artística

através de pesquisas musicais, consultas de discos e livros que abordavam a

música popular, principalmente a regional. Assim, eles conseguiram reunir um

repertório variado e de boa qualidade, acima dos modismos. “Têm também

pesquisas que a gente fez, dos artesãos de brinquedos de miriti13, em Abaetetuba,

13 Miriti: palmeira existente na Amazônia, porém em outras regiões é conhecida como buriti.

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Itancoã-Mirim e Guajará-Miri14, o trabalho com os remanescentes de Quilombo,

com o boi Malhadinho, uma das maiores riquezas que a gente tem”, ressalta

Ronaldo Silva.

A relação entre o Arraial do Pavulagem e o boi Malhadinho, tradicional do

bairro do Guamá15, na passagem Pedreirinha, formado somente por crianças,

surgiu para mostrar e fortalecer a manifestação folclórica do boi-bumbá na

comunidade. “O Arraial como fazia um trabalho de palco tinha a intenção de

mostrar como era o tradicional. Fizemos pesquisas, inclusive o Ronaldo Silva

participou dos trabalhos de resgate do Malhadinho, que é da década de 30. Aí a

gente passou a conhecer o lado tradicional”, comenta Nazareno Silva16.

O Arraial utilizou-se de outros instrumentos como violão e contra baixo,

aliados aos tradicionais como barricas e tambores, surgindo assim, uma parceria

entre o Malhadinho, que representa o tradicional e o Arraial que remete ao novo.

“Traz meu chapéu enfeitado, meu tambor Traz a matraca, vaqueiro da Pedreirinha

Traz o bilhete do Nazo Diz o recado, meu mano,

Diz quem mandou

Que o Guamá ta em festa, Tem valor, jardim em flor

Tem malhadinho no pasto (...)” (“Bilhete do Nazo” / Ronaldo Silva e Toni Soares)

Foi a partir da saída em cortejo17 pela Praça da República, que contava

também com a presença de um boi de talinha18, que o Arraial do Pavulagem

começou a ganhar prestígio do público e, assim, conseguiu espaço para se

apresentar no Teatro Waldemar Henrique, localizado nessa praça, aos domingos.

Segundo Júnior Soares, as apresentações eram gratuitas e foram de tamanha

aceitação pelo público – o que fez com que o grupo resolvesse cobrar um preço

14 Guajará Mirin: município do Estado de Rondônia, na região Norte do país 15 Guamá: bairro localizado na periferia de Belém. É também uma das áreas mais populosas da capital. 16 Em entrevista concedida ao arquivo de imagens do Arraial do Pavulagem, no mês de outubro de 2001, na Praça da República. 17 Cortejo: reunião de pessoas que saem em festa pelas ruas da cidade. 18 Boi de Talinha: primeira representação do boi-bumbá no Arraial do Pavulagem.Era um boizinho feito de miriti e espetado ao meio com uma tala de bambu.

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simbólico no valor do ingresso. Porém, isso não foi muito bem aceito, pois uma

parte do público não tinha condições de pagá-lo. Então, a outra alternativa

encontrada foi a contribuição espontânea, através do que o grupo chamou de

“rolar o chapéu” numa alusão à esmolação19 dos santos católicos.

Em 1988, os integrantes do Pavulagem, entusiasmados com o prazer que o

cortejo junino20 provocava neles e nos brincantes, resolveram profissionalizar as

performances, cuidando mais dos arranjos, apurando os ritmos e as melodias e

fazendo composições específicas para o grupo. “Com o exercício da composição,

criamos a cara do Boi Pavulagem. E a imagem do Pavulagem pôde ser um pouco

mudada, ou melhor, acrescida, com a entrada de um boi doado pelo folclorista

bragantino ‘Bibiano’. O boi de talinha continua, mas terá agora um boizinho vestido

por uma criança do Malhadinho do Guamá", conta Ronaldo Silva. Outra novidade

foi a presença dos violeiros. Da percussividade dos primeiros anos, o Pavulagem

acrescentou instrumentos como o saxofone, contrabaixo, violão, tambores,

barricas, claves e tambor de onça (estes quatro últimos de fabricação artesanal) –

e um trabalho de vocalização. Ainda nesta época, o Arraial teve a sua primeira

participação em um projeto chamado “Eu quero Cultura”, da Rádio Cultura FM,

com a música ‘Toada do Igapó’, de composição de Rui Baldez e Ronaldo Silva.

Com essa motivação, veio a gravação da fita

cassete "Pavulagem do Teu Coração", no Estúdio Edgar

Proença, da Rádio Cultura FM, com arranjos de Tinoco

(teclados), Ney Conceição (contrabaixo), Dadadá

(percussão), Bererê (bateria), Júnior Soares (voz e violão),

Toni Soares (voz e violão), Ruy Baldez (voz e maracas) e

Ronaldo Silva (voz e tambor). A produção foi de Adriana

Sampaio e Beto Fares, produtor e radialista da Rádio

Cultura FM. O lançamento aconteceu no dia 03 de junho de

1994, no Teatro Waldemar Henrique.

19 Esmolação: prática popular voluntária que antecede as festividades católicas e consiste na arrecadação de dinheiro à realização das festas populares religiosas. 20 Junino: é referente a quadra junina, festejos que acontecem no mês de junho.

Fita Cassete

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A partir daí, o grupo foi convidado pelo artista e cantor paraense Nilson

Chaves, sócio da gravadora “Outros Brasis”, para a transformação das doze

músicas dessa fita cassete no primeiro CD do Arraial do

Pavulagem, chamado ”Gente da Nossa Terra”. Além disso,

acrescentaram-se três vinhetas e cinco composições inéditas:

Tupinambá, o Treme Terra (mistura do reggae e boi); Gueto

da Regueira (no estilo roots-reggae); as toadas Reunida e

Guarnecendo, além do xote Bela Certeza. Dentre estas

composições, a música Batalhão da Estrela é considerada uma das mais

importantes para o grupo, pois já foi executada por outros artistas paraenses e,

além disso, é a mais conhecida pelo público e tocada ainda hoje em todos os

shows do Arraial.

“Abre os olhos morena Vem ver meu boi

Ta vindo da estrela Traz batalhão afiado E o couro bordado Pra contrário ver

Do arraial que é do sol Do arraial que é da lua

Do povo na rua Do meu guarnicê”

(“ Batalhão da Estrela”/ Ronaldo Silva e Toni Soares)

Em 1995, o grupo lança o segundo CD, intitulado

“Sotaque do Reggae-Boi”. Nele, o grupo misturou e

incorporou ritmos como xote, retumbão, quadrilha, reggae21 e

carimbó22 As músicas possuem uma linguagem mais pop e

incluem instrumentos como guitarra e teclados eletrônicos.

Para Júnior Soares, essa combinação teve o objetivo de

21 Reggae: Ritmo de origem da Jamaica, na África, que passou a ser conhecido no Brasil, possivelmente, através do cantor Jimmy Cliff, em um dos Festivais Internacionais da Canção que aconteceram no fim dos anos 60. 22 Carimbó: Dança de origem indígena, que recebeu influência africana. È uma das mais famosas danças folclóricas do Estado do Pará. O título curimbó é formado por duas palavras: curi = pau oco e m’bó = furado. Assim, o pau que produz som. Posteriormente, a troca das vogais de curimbó para corimbo e para carimbó, denominação mais conhecida da dança.

1º CD

2º CD

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modernizar as leituras musicais do cancioneiro popular, afinal “não somos um

grupo folclórico, por isso não temos o compromisso de preservar algo na sua

forma original, mas somos criadores e intérpretes da cultura popular. O que resulta

em boas sonoridades, nós mostramos ao público”, diz Júnior.

“Bate tambor no baque do reggae-boi bate tambor, retumbão e marujada balança boi que a galera do farol

balança boi vai rompendo a madrugada.

Dança de boi pela rua Em noite clara de lua Faz o coração bater

Num compasso acelerado E quando o navio apita

Segue o reggae-boi na praia.” (“Bate Tambor” / Ronaldo Silva)

Ainda nesse período danças coreográficas foram introduzidas no Arraial.

Elas misturam ritmos tradicionais com moderno e tem como objetivo provocar

maior interação entre o público e o grupo. Segundo Max Soares, dançarino e

coreógrafo do Arraial, as danças foram introduzidas através de uma pesquisa

sobre os ritmos do boi-bumbá de Belém, Parintins e do próprio Arraial do

Pavulagem.

Embora haja uma preocupação de Max Soares em não tornar as

coreografias estilizadas, ele ainda é alvo de críticas. “Existe até uma polêmica

comigo porque dizem que estou fazendo um boi aeróbico, porém, tento modificar

um pouco, mas não fugindo da linha do boi-bumbá”, defende-se Max Soares. Vale

ressaltar que ele faz não somente coreografias do boi - bumbá, mas também de

variados ritmos como o retumbão, quadrilha23 e o reggae-boi.

Para o grupo, a dança, assim como as indumentárias, têm sido o maior

desafio, pois o boi-bumbá não pode ficar alheio às danças, às indumentárias,

porque possui uma linguagem específica.

23 Quadrilha: dança de origem européia do começo do século XIX. Ela foi trazida para o país através dos portugueses colonizadores.

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17

Com a introdução das danças, o público passou a interagir mais com o

grupo e a experimentar os ritmos tocados por eles. Ao mesmo tempo, as

coreografias trazem traços tradicionais, misturados com modernos.

O terceiro CD – Arrastão do Pavulagem - foi direcionado para a

manifestação do Arrastão do Pavulagem. Este CD mostra

somente os ritmos de boi-bumbá. “Nós pensamos em 30

toadas24, que caíram para 16, depois escolhemos 14

músicas que compõem esse CD do arrastão”, explicou

Toni Soares25. O repertório foi produzido em parceria com

Beto Fares e contou também com a participação do

Mestre Emílio Silva da Paixão, amo do boi-bumbá “Flor do

Campo”, considerado um dos mais antigos de Belém e de artistas paraenses

como Nilson Chaves, Kátia Teixeira, Sabá Moraes e Almirzinho Gabriel. O CD

trouxe um painel musical com obras de domínio público e uma leitura musical

moderna e atual, utilizando elementos rítmicos tradicionais, elaborando a partir

daí, uma releitura de folguedo paraense.

“Eiá lá vai o céu Lumiô céu

Meu canto de saudade Clariô céu

Levou chapéu de fita e maracá na mão

Partiu no mês de junho, mês de São João” (“Lumiô Céu”/Toni Soares)

O último CD, pré-lançado no dia 20 de dezembro de

2002, no Instituto de Artes do Pará (IAP), reúne ladainhas e

folias em homenagem a São Sebastião26, do município de

Cachoeira do Arari. Porém, a idéia do lançamento partiu de

uma apresentação, no Teatro do Centur, da Comissão de

24 Toadas:músicas no ritmo de boi-bumbá 25 Em entrevista baseada no arquivo de imagens do Arraial do Pavulagem, no mês de outubro de 2001, na praça Pedro Teixeira, localizada no Cais do Porto, em Belém. 26 São Sebastião: santo católico (de origem francesa), padroeiro dos vaqueiros e fazendeiros, na Ilha do Marajó.

3º CD

4º CD

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18

São Sebastião, que são os esmoladores do santo na região do Marajó,

principalmente nas cercanias de Cachoeira. As músicas são compostas a partir de

uma concepção de contato e de reinterpretação do mundo cultural marajoara27.

Além disso, no novo CD o grupo faz experimento de outros instrumentos

acústicos, como: rabecas e violinos, além de misturá-los com sons pré-gravados.

“A nossa intenção era produzir um disco para eles. Na busca de parcerias

para a realização do projeto, recebemos um convite do poeta, professor de

Estética e Pesquisador da Cultura, João de Jesus Paes Loureiro, que naquela

ocasião, era presidente do IAP para, além de fazer um disco com as folias do

Marajó – da comissão de São Sebastião – complementar com um segundo disco

com a nossa visão sobre o Marajó, e a proposta foi de ser uma viagem virtual

àquela região, como se saíssemos de Belém, de barco em direção à Cachoeira do

Arari, ‘descobríssemos’ as folias e voltássemos a Belém com este encantamento

nas nossas composições e foi o que fizemos”, explicou Júnior Soares.

“Lá vai lá vai Minha beleza de gado Navegando rio acima Aportando no Acará

Mandei recado

Balancei o maracá Na porteira abril cancela

Pro meu batalhão passar... (“Acará sem Governo” / Arraial do pavulagem)

Ao longo dos anos, passaram muitos músicos pelo grupo, que, se por

vários motivos não continuaram, de alguma forma o Arraial do Pavulagem de hoje

reflete a participação deles. Entre os que passaram estão: Ruy Baldez, Luis Pinto,

Aritanã, Lúcio Mouzinho, Alcyr Guimarães, João Moleque, Poli, Maurício Nery e

Nazaco, Tony Soares, entre outros.

Segundo Júnior Soares, o grupo já passou por várias mudanças ao longo

dos seus dezesseis anos de existência. “Estamos em constante ebulição, sempre

mudando a forma de fazer, mas com o mesmo objetivo. Entre as principais

27 Marajoara: pessoa que nasce na Ilha do Marajó.

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mudanças durante toda a nossa trajetória posso destacar a estruturação do grupo

musical, que no início era um grupo de percussionistas que tocava em frente ao

Teatro Waldemar Henrique; a introdução de instrumentos eletrônicos na banda;

minha entrada e saída dos outros integrantes; mistura dos ritmos reggae com o

boi; entrada, saída e depois entrada de novo do Toni Soares e a estruturação do

Arrastão do Pavulagem, com a entrada de Walter Figueiredo, um dos

organizadores do Arraial, em 1998.

O grupo se prepara para gravar um disco ao vivo com músicas que são

conhecidas pelo público, mas que nunca foram registradas pelo Arraial do

Pavulagem como “Marujada de São Benedito”:

“Marujada de São Benedito Em louvor ao protetor

Vem vestindo azul ou vermelho carmim Na festa, no barracão”

(“Marujada de São Benedito” - Júnior Soares / Edu Filho)

1.1- As interfaces do Arraial do Pavulagem O Arraial do Pavulagem é responsável por quatro ações que estão

integradas e têm o objetivo de resgatar a cultura popular paraense, conforme

discriminados abaixo:

1.1.1 – A Banda

A banda tem sido o foco

determinante para todas as ações do

Arraial, embora os projetos sejam

complementares, ou seja, estejam

intrinsecamente ligados. Surgiu quase

que simultaneamente à manifestação na

Praça da República, em 1987. Os

Banda do Arraial, na Praça da República

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20

instrumentos mais utilizados inicialmente foram tambores, guitarras, violões,

percussão e contra baixo.

De acordo com Ronaldo Silva, o objetivo da banda é “experimentar e vestir

os ritmos que são tradicionais da música popular paraense. É reinventar esses

ritmos e fazer conviver essas células dentro de um conceito futurístico”. A

gravação do CD faz parte de uma estratégia de registro e divulgação dos ritmos e

toadas de boi-bumbá dentro e fora do Estado do Pará. A última formação da

Banda, em 2002, é a seguinte: percussionistas Edgar Júnior; Nazareno Silva;

Ginja; Chico Henriques (bateria); Calibre (Contra baixo); Marcelo Pyrull (guitarra);

Júnior Soares e Toni Soares (Violão) e Ronaldo Silva (Vocal).

1.1.2 – Rodas de Boi

As Rodas de Boi são reuniões lítero-musicais envolvendo amos de bois

tradicionais, grupos parafolclóricos, músicos, compositores, bailarinos e artistas

populares diversos. Esses encontros são inspirados nas "esmolações" das festas

dos santos, que visam os preparativos e a permanência dos cultos sacros e

profanos. As peregrinações pelas cercanias do lugar prevêem o desenvolvimento

e a mobilização da comunidade acerca da festividade. As rodas de boi têm o

objetivo de difundir os ritmos da região, bem como mobilizar os produtores da

cultura popular e disponibilizar um produto cultural, com a finalidade de contribuir

para o fortalecimento do turismo na capital paraense. Elas se realizam sob duas

vertentes: as rodas de boi, com base fixa que acontecem todos os domingos, no

mês de junho.O local e data são definidos de acordo com o patrocínio que o grupo

consegue a cada ano; e as com base itinerante que acontecem semanalmente,

nos distritos de Belém, em lugares diversos como currais de boi tradicional e

centros comunitários, escolas, praças públicas e etc.

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21

1.1.3- Oficinas Públicas

São atividades sócio-educativas que

vislumbram o desenvolvimento da arte e da

cultura, enquanto processo pedagógico

contínuo. Têm como objetivo valorizar o boi-

bumbá paraense.

Elas são feitas em parceria com a

Fundação Curro Velho e destinadas gratuitamente

às crianças, adolescentes e adultos com

realização em espaços públicos. De acordo com

Natan Ribeiro, responsável pelos adereços no

Arraial do Pavulagem, este trabalho iniciou nos

coretos da Praça da República. “Trabalhamos com

papel reciclado, papelão e tinta. Chamávamos aquelas crianças que passavam

com seus pais, avós e acompanhantes, para que elas recortassem e dessem

formas aos adereços como estrela, chapéu, lua, fogueira e os colorissem”, explica

Natan28. Posteriormente, em função da necessidade de um espaço maior, as

oficinas passaram a ser realizadas na Escola de Samba Bole-Bole, no bairro do

Guamá. O resultado do trabalho realizado pelas crianças pôde ser visualizado há

três anos com a confecção de estandartes no tamanho oficial, chapéus e

bandeiras com imagens de santos juninos: Santo Antônio, São Pedro e São João

Menino.

As oficinas compreendem uma carga horária de 40 horas e iniciam três

meses antes do cortejo. As atividades enfocam técnicas de adereços de símbolos

juninos, sotaques rítmicos do boi–bumbá paraense, coreografias do Boi,

estandartes e bandeira, máscaras e cabeções, que foram introduzidas há quatro

anos. Os resultados destes trabalhos são apresentados por ocasião os Cortejos /

Arrastões.

Momento da confecção do boi Pavulagem, em 2001

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22

1.1.4 – Cortejo / Arrastão

O Arrastão do Pavulagem foi a

primeira ação do grupo e é hoje a

culminância das festividades do Arraial, pois

congrega os sotaques rítmicos do boi, com

orquestra e apresentação dos elementos

cênicos e visuais da brincadeira - o boi -

brinquedo; os estandartes e bandeiras com

as imagens dos santos festeiros, mastros,

cabeções juninos, brincantes mascarados conduzindo os adereços com os

símbolos da época, na cadência do boi e a cantoria, que expressam as toadas de

amos tradicionais e contemporâneos.

O Arrastão acontece há quinze anos. “Nos últimos quatro anos, o cortejo é

realizado nos seguintes períodos: nos domingos do mês de junho, saindo da

Praça Pedro Teixeira, na escadinha do Cais do Porto, localizada no início da

avenida Presidente Vargas29 e se encerra com um show no anfiteatro da Praça da

República; e na véspera do Círio de Nazaré, saindo da Praça do Operário e

encerrando na Praça do Carmo, na Cidade Velha30”, esclarece Júnior Soares.

Ao longo desse período, muitas mudanças ocorreram. “No início, dávamos

apenas uma volta em torno da Praça da República, tocando e cantando toadas de

boi. Os instrumentos utilizados eram basicamente de percussão como tambores e

barricas. Três anos depois, o Arrastão passou a ser finalizado com um show no

Teatro Waldemar Henrique e, em 1997, acrescentamos elementos novos como a

participação da orquestra”, disse Júnior Soares. No ano de 2000, as novidades

foram a introdução do boi, que antes era representado apenas através do boi de

talinha, além do atual local de saída do Arrastão. Nesse período, o público que

participa do Arrastão aumentou, atingindo em 2002 cerca de cinco mil pessoas.

28 Em entrevista baseada nas imagens de arquivo do Arraial do Pavulagem, no mês de outubro de 2001, na Praça da República. 29 Av. Presidente Vargas: uma das principais avenidas, localizada no centro de Belém.

Participantes do Arrastão, na Av.Presidente Vargas

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“O Arrastão é ainda um processo em construção. A vontade de conhecer

novos elementos da cultura popular é muito grande. Ainda não existe um formato

definitivo”, comenta Ronaldo Silva. Os estandartes com imagens dos santos

católicos da quadra junina abrem o Arrastão. Além dos bois, outros elementos

dessa tradição se juntam à brincadeira, como os vaqueiros da comédia e os

bonecos cabeçudos, numa alusão ao boi de orquestra de São Caetano de

Odivelas31. As toadas são levadas pelos barriqueiros e pela orquestra de sopros.

Bandeiras e muitos adereços de mão colorem essa caminhada.

No primeiro domingo de saída, o Arrastão do Pavulagem traz o mastro de

São João, adornado com frutas e elementos da natureza, através de um cortejo

fluvial, que sai da Praça Princesa Isabel32 e chega à Escadinha do Cais do Porto33.

Depois, é levado pelos participantes da festa pela avenida Presidente Vargas até a

Praça da República, onde é erguido e fica até o final do mês quando é derrubado,

simbolizando o encerramento do festejo. O levantamento do mastro é semelhante

ao que acontece nas festas populares religiosas dos santos católicos.

“A idéia de trazer o mastro de barco é porque a cidade de Belém é de costa

para o rio, assim como o ribeirinho. Então, nós queríamos inventar uma

brincadeira que falasse dessa orla. O barco só encosta quando a gente diz que é

para encostar”, ressalta Ronaldo Silva.

1.1.5 – Cordão de Peixe Boi

A mais recente ação do Arraial do Pavulagem é o Cordão do Peixe-Boi34. É uma manifestação de rua que tem um objetivo cultural-ecológico em defesa da vida do peixe-boi. O Cordão pretende compor o calendário cultural da cidade no período que antecede o carnaval, apresentando ritmos da região amazônica, como samba de cacete35, carimbó, bangüê36, siriá37 e folias. Este foi o primeiro

30 Cidade Velha: é a parte mais antiga de Belém, nela, acontecem os principais eventos da cultura popular paraense. Além disso, pode -se encontrar o que restou da arquitetura colonial portuguesa dos séculos XVII e XVIII. São casarões, palacetes e sobrados que ainda guardam fachadas de azulejos e os mais antigos templos religiosos da cidade. 31 São Caetano de Odivelas: município localizado no nordeste paraense, com cerca de 104 quilômetros de Belém. No mês de junho é realizado o festival folclórico do Boi de Máscara. 32 Praça Princesa Isabel: localizada no bairro do Condor, periferia da cidade 33 Escadinha do Cais do Porto: localizada na Praça PedroTeixeira, no final da avenida Presidente Vargas. 34 Peixe-boi: mamífero aquático herbívoro, que vive nos rios da Amazônia e está em extinção. 35 Samba de Cacete: mistura de danças como o Síria, Maçarico (de Cametá) e o frevo (de Recife - Ba)

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ano do cortejo, que saiu no dia 23 de fevereiro. A trajetória inicia-se com uma concentração na Praça do Pescador, no Ver-o-Pêso38. Depois, o cortejo percorre o centro histórico da cidade até a Praça do Carmo39, culminando com um encontro

de tambores com a participação de grupos regionais. Apesar do Arraial do Pavulagem contar com o apoio e estímulo de uma comitiva e de colaboradores, o grupo enfrenta dificuldades principalmente financeiras, pois não possui uma estrutura suficiente para trabalhar e poder viabilizar idéias e projetos para o coletivo. Na opinião deles, à medida que se faz um exercício coletivo, estão fortalecendo a identidade cultural. Mas para isso, é necessária uma estrutura maior, possivelmente, no formato de um Instituto ou de uma Organização Não Governamental - ONG.

36 Bangüê: palavra de origem africana e significa padiola de cipós trançados na qual se leva o bagaço da cana. É variante da palavra bangulê, dança de negros ao som de puíta, palmas e sapateados. 37 Síria: dança folclórica do município de Cametá, cerca de 150 km de Belém (em linha reta), no nordeste paraense. 38 Ver-o-Pêso: uma das maiores feiras livres da América Latina. Composto também por praças, mercado e porto. Estes últimos foram criados em1688, para que fosse mantido o controle das exportações e importações da capital paraense. O complexo, principalmente, o mercado de ferro, é um dos mais importantes cartão postal da cidade. O complexo do Ver-o-Pêso candidata-se a patrimônio histórico da humanidade. A sua localização é limitada pela travessa Frutuoso Guimarães e estende-se até a doca do Ver-o-Pêso, no centro da cidade. 39 Praça do Carmo: localizada no bairro da Cidade Velha, que é a parte mais antiga de Belém, onde ainda pode se encontrar arquiteturas coloniais portuguesas dos séculos XVII e XVIII. São casarões, palacetes e sobrados que ainda guardam fachadas de azulejos e os mais antigos templos religiosos da cidade.

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2º CAPÍTULO

AS CULTURAS POPULARES NA CONTEMPORANEIDADE

2.1 - Da origem à problematização

Para entrarmos numa discussão sobre cultura popular, antes de tudo,

devemos entender que ela é parte da cultura universal de um povo e que sua

definição requer uma compreensão no seu sentido lato, capaz de entendê-la nas

suas mais diversas dimensões sociais e simbólicas. Ela é fruto de todo um

processo histórico, que ao longo dos anos, constitui-se através da dinâmica social

das relações de poder.

Conceituar “cultura” é tão complexo, que qualquer tentativa de enquadrá-la

em um conceito definitivo, rígido e fechado pode ser um risco de mascarar o seu

sentido mais abrangente. O fenômeno da cultura ocupa um espaço privilegiado

em todas as teorias sociais. Apesar das diferentes perspectivas sobre o seu

conceito, há o entendimento geral de que se trata de um domínio no sentido da

atividade humana, porque está relacionada com as condições materiais de

produção. A cultura está situada no campo simbólico: não é ação pura, é resultado

do modo como se estabelecem as relações sociais.

O conceito de cultura popular é recente e está intimamente associado ao

processo de urbanização que ocorreu a partir do século XVIII. A cultura popular,

divulgada pelo romantismo, ocupou no imaginário da burguesia oitocentista a

memória de uma sociedade que estava prestes a desaparecer. Neste imaginário,

aparece retratada uma cultura feita por camponeses, símbolos de povo idealizado,

puro e feliz na sua ignorância.

Dois marcos importantes que construíram e reforçaram o sentimento

nacional e representaram tentativas de homogeneização das pluralidades que

compunham a vida nas comunidades e regiões no período medieval foram: a

configuração do Estado Moderno e as Guerras de Religião. Esses pontos estão

associados às transformações no sistema de produção capitalista e,

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26

consequentemente, à expansão de mercados com a colonização de outros povos,

provocando com isso, o contato entre diferentes culturas.

O próprio sentido dado no dicionário à palavra “cultura”, é alvo de

controvérsias, pois atribui um significado limitado:

“Ato, efeito ou modo de cultivar; o complexo dos padrões de comportamento, das diferenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc, transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade; o conjunto dos conhecimentos adquiridos em determinado campo” (FERREIRA, 2002. p. 197)

A palavra “cultura” é de origem latina e seu significado também está ligado

às atividades agrícolas. É derivada do verbo latino Colere, que significa cultivar.

Pensadores antigos ampliaram esse significado e usaram para se referir ao

refinamento, sofisticação e educação elaborada de uma pessoa.

A utilização do conceito de cultura no sentido figurado como "cultura do

espírito" surgiu no século XVI, com o Renascimento. A importância da

denominação foi enfatizada ao se tornar um símbolo do Iluminismo e dos seus

filósofos como, por exemplo, Hobbes, que designa "cultura" como o trabalho de

"educação do espírito". Esse conceito está baseado na concepção da pessoa

humana como um indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades de ação.

O que prevalecia era o conceito individualista, ao contrário do sociológico, que

segundo Stuart Hall (1998) tinha a identidade formada na interação entre o eu e a

sociedade, ou seja, entre o interior e o exterior.

Alguns teóricos como Kant e Voltaire relacionam a cultura com civilização.

Para eles, a cultura é a medida de uma civilização porque permite avaliar,

comparar e classificar civilizações. Outros pensadores, a inserem numa questão

dialético-histórico como Marx e Hegel, que concebem a cultura como campo

simbólico determinado pelas condições materiais de existência.

Até a primeira metade do século XIX imperou uma concepção tradicional e

singular de cultura - sinônimo de civilização. Nesse período, prevalecia uma visão

etnocêntrica e compartimentada da cultura.

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27

Posteriormente, essa concepção moderniza-se graças à importante

contribuição da Antropologia e, numa perspectiva evolucionista, Edward B. Tylor

(1871) faz a primeira formulação do conceito antropológico de cultura, definindo-a

através do desenvolvimento mental e organizacional das sociedades:

"Cultura é o complexo unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, as leis e todas as outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade" (TYLOR, apud GONÇALVES, 1998:2)

No início do século XX, essa teoria é criticada e surgem novas vertentes de

pensamento social como o Funcionalismo, que teve em Malinowsky um dos seus

principais teóricos. Essa corrente entende a cultura como um sistema de

comportamentos aprendidos e transmitidos pela educação, imitação e pelo

condicionamento num dado meio social.

Além disso, na década de 70, surgiu o Estruturalismo que teve C.Lévi-

Strauss como um dos mais importantes teóricos. Essa vertente enfatiza o aspecto

simbólico da cultura ao identificá-la como expressão de sistemas do espírito: a

cultura é uma manifestação do mundo das idéias abstratas do espírito; é um

instrumento de comunicação.

A partir desse momento, surgiram outros teóricos como Lucien Goldmann,

Marcel Rioux, Michel de Certeau, Pierre Bourdieu, E. Verón, que deram grande

contribuição para o estudo do fenômeno cultural. Suas reflexões tinham como

justificativa:

"Procurar vias para superar a aludida concepção etnocêntrica e compartimentada de cultura e possibilitar uma análise das relações entre as diversas culturas coexistentes numa sociedade" (SANTOS, apud GONÇALVES, 1988:2).

2.2 – Folclore, Cultura de Massa e Popular

“Cultura popular” está longe de ser um conceito bem definido pelas ciências

humanas, especialmente pela Antropologia Social. Isso porque lhe são atribuídos

os mais diversos significados e expressões, como “caipira”, “povo” (visto de

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28

maneira pejorativa), “inculto”, “grotesco”, “exótico”, “de mau gosto”, etc. Também

freqüentemente é confundida com “folclore” ou com a “cultura de massa”, porque

são expressões de um processo contínuo de mútuas influências e transformações.

Não podemos pensar que cultura popular, por ser uma manifestação

realizada fora do universo acadêmico e das instituições científicas, não tenha valor

social. Ela não é fruto exclusivamente das classes ditas subalternas e sim

resultado de um diálogo entre a cultura dominante e a do povo. Ela faz parte de

um mesmo processo que tanto recebe, quanto influencia na criação de

representações que formam a cultura.

Um dos principais equívocos é pensar a cultura popular como folclore, ou

seja, um conjunto de objetos, práticas, valores, símbolos e concepções

tradicionais parados no tempo.

Essa visão de folclore foi defendida pelos românticos e ilustrados no século

XIX. No entanto, as preocupações quanto ao estudo das manifestações populares

são herdeiras de debates e correntes intelectuais européias desde os séculos XVII

e XVIII, pelos Antiquários, autores dos primeiros escritos, que retrataram os

costumes populares na Europa e, posteriormente, pelo romantismo, poderoso

movimento intelectual e artístico.

“O povo começa a existir como referente do debate moderno no fim do século XVIII e início do século XIX, pela formação na Europa de Estados Nacionais que trataram de abarcar todos os estratos da população. Entretanto, a ilustração acredita que esse povo ao qual se deve recorrer para legitimar um governo secular e democrático é também portador daquilo que a razão quer abolir: a superstição, a ignorância e a turbulência. Por isso, desenvolve-se um dispositivo complexo. (...) O povo interessa como legitimador da hegemonia burguesa, mas incomoda como lugar do inculto por tudo aquilo que lhe falta” (CANCLINI, 1997: 208)

Vale ressaltar que havia algumas diferenças de pensamento entre os

românticos e ilustrados no que se refere à valorização do passado. Para os

românticos, a cultura popular seria a guardiã da tradição e do passado, enquanto

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29

que para os ilustrados, o passado seria um momento de selvageria e ignorância.

Porém, eles pensavam em comum quanto à origem da cultura popular.

“Os românticos se tornam cúmplices dos ilustrados. Ao decidir que a especificidade da cultura popular reside em sua fidelidade ao seu passado rural, tornam-se cegos às mudanças, que a definiam nas sociedades industriais e urbanas. Ao atribuir-lhe uma autonomia imaginada, suprimem a possibilidade de explicar o popular pelas interações que têm com a nova cultura hegemônica. O povo é ‘resgatado’, mas não reconhecido” (CANCLINI, 1997: 210)

No Brasil, uma ampla movimentação em torno do folclore iniciou-se no

século XX, com o movimento modernista, reunindo nomes como Cecília Meirelles,

Câmara Cascudo, Gilberto Freire, entre tantos outros.

Nessa época, o contexto histórico era marcado pelo avanço da

industrialização e pela modernização da sociedade, o que criou a Campanha de

Defesa do Folclore Brasileiro, organizado pelo Ministério da Educação e Cultura.

Seu objetivo era preservar e divulgar o folclore nacional, que possuía a atribuição

de uma autenticidade, pureza e essência cultural da nação.

“O desenvolvimento de estudos folclóricos brasileiros deve-se muito a objetivos tão pouco científicos como os de fixar o terreno da nacionalidade em que se fundem o negro, o branco e o índio. (...) Ortiz acrescenta que está também associado aos avanços da consciência regional oposta à centralização do Estado”. (ORTIZ, apud CANCLINI, 1997: 211-212)

A principal ausência nos trabalhos de folclore é deixar de ver as diferenças

culturais postas pelos movimentos histórico-sociais de uma sociedade de classes

e não questionar o que ocorria com as culturas populares quando a sociedade se

massifica.

As diferenças de classes eram escamoteadas por uma outra visão: a de

homogeneização da sociedade. Essa teoria foi sustentada pelos pensadores

norte-americanos, que criaram as expressões “sociedade de massa” e “cultura de

massa” para dar a entender que as classes sociais haviam desaparecido e,

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30

conseqüentemente, o fim das lutas entre elas. Essa teoria foi muito bem recebida

pelos pensadores liberais, porque, para eles, significava o triunfo do discurso da

democracia liberal, em que as divisões sociais se reduziam a divergências de

interesses entre grupos.

Para opor-se a essa apologia da sociedade de massas como democrática

frankfurtianos, trazem os conceitos de indústria cultural e de cultura administrada.

Os principais teóricos da chamada Escola de Frankfurt foram Max Hokheimer,

Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas e Walter Benjamin.

A Escola de Frankfurt surge num momento de grandes transformações

sociais e como vanguarda do marxismo, refletindo a problemática da comunicação

nos anos 30, quando se assistia toda a crise social das democracias liberais, à

ascensão do fascismo e à regressão do socialismo na Europa. Grande parte do

pensamento desses teóricos é baseada na relação cultura/capital e no uso intenso

da técnica como instrumento de controle social.

De acordo com a teoria da indústria cultural, a cultura passa a ser uma

mera mercadoria no capitalismo. Assim, o produto cultural torna-se um bem de

consumo, criando um homem unidimensional, a massa homogênea, anônima,

manipulável e sem relevo interno.

Segundo Marilena Chauí, com exceção de Herbert Marcuse, as duas

perspectivas, tanto a americana quanto a frankfurtiana,

“tendiam a concordar em um ponto: a identificação da cultura popular e da cultura de massa. Indepentemente do significado antagônico e irreconciliável das duas perspectivas, deixaram elas um saldo comum que repercute sobre a maioria das análises referentes à Cultura Popular nos países ditos centrais ou de capitalismo avançado. A Cultura Popular é identificada com a Cultura de Massa – Popcult e Masscult tornaram-se sinônimos ” (CHAUÍ, 1986:27)

Porém, ressalte-se que não se pode tomá-las como sendo idênticas, mas é

permitido dizer que as práticas populares se relacionam com as expressões da

cultura de massa. Esta tende a ocultar as diferenças, os conflitos e as

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31

contradições entre as classes sociais, ao contrário da cultura popular que, busca

assinalar aquilo que a cultura dominante pretende omitir.

“A cultura de massa não aparece de repente, como uma ruptura que permita seu confronto com a cultura popular. O massivo foi gerado lentamente a partir do popular. Só um enorme estrabismo histórico e um potente etnocentrismo de classe que se nega a nomear o popular como cultura pôde ocultar essa relação, a ponto de não enxergar a cultura de massa senão um processo de vulgarização e decadência da cultura culta” (BARBERO, 2001:181)

Deve-se entender a cultura popular como um conjunto de práticas

contraditórias e dispersas, que tem uma dinâmica própria, construída no seio dos

conflitos sociais, incorporando, readaptando e transformando símbolos, signos e

elementos de outras culturas em algo próprio.

“As culturas populares (termo que achamos mais adequado do que a cultura popular) se constituem por um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia por parte dos seus setores subalternos, e pela compreensão, produção e transformação real e simbólica das condições gerais e específicas do trabalho e da vida” (CANCLINI, 1982: 42)

A cultura popular possui originalidade, criatividade, que se transforma,

evolui, incorpora novos signos e os transforma uma expressão forte, identitária de

um povo e, por isso mesmo, revelando com maior amplitude a alma desse povo.

Por isso não é possível falar de cultura popular sem falar da classe social que a

produz.

”Quando você mistura dizendo que tudo é cultura, como se tudo fosse uma coisa única, você na verdade escamotea a origem social (...). A sociedade está dividida em inúmeras classes sociais e cada uma produz a sua expressão de cultura”. (Paes Loureiro)

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32

Nesse sentido, não podemos deixar de fazer referência ao conceito de

hegemonia, porque nesse processo são reproduzidas as relações de poder e a

correlação de forças entre classes sociais que estão em constante disputa por

representatividade.

“A hegemonia vive é sempre um processo. Não é, senão do ponto de vista analítico, um sistema ou uma estrutura. É um complexo realizado de experiências, atividades, compressões e limites específicos e mutáveis. Na prática, a hegemonia nunca pode ser singular. Suas estruturas concretas são altamente complexas e sobretudo, não existe apenas passivamente na forma de dominação. Deve ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada e é continuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por pressões que não são suas. Nesse sentido, devemos acrescentar ao conceito de hegemonia aos conceitos de contra-hegemonia e hegemonia alternativa, que são elementos reais e persistentes da prática (...). (GRAMSCI, apud CHAUÍ, 1986:22)

2.3 - Identidades Flexíveis: Desterritorialização e Deslocamento

As questões que cercam a discussão da “identidade” são demasiadamente

complexas e têm sido bastante discutidas por teóricos, principalmente aqueles

ligados aos estudos culturais.

O conceito da identidade cultural vem se transformando ao longo do

processo histórico. Sua discussão ganha força a partir do Iluminismo, cuja

concepção pautava-se num sujeito totalmente unificado, dotado das capacidades

de razão, consciência e ação. Em seguida, esse pensamento dá lugar ao “sujeito

sociológico” do mundo moderno, que se forma na interação social, ou seja, entre

relações com outras pessoas que mediam seus valores, sentidos e símbolos

expressos em uma cultura.

Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas relações que estão

mudando, na medida em que a identidade do sujeito moderno - que era vista

como estável e unificada – torna-se fragmentada. Agora, o sujeito não é mais

formado por uma única identidade, mas por várias. Isso é o que produz o “sujeito

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33

pós-moderno”, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou

permanente.

“A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia, pois cada vez mais, os sistemas de significação e representação cultural crescem e se entrelaçam, colocando-nos diante de um universo complexo de identidades, sendo que, em cada uma delas, o indivíduo pode se identificar – ao menos temporariamente”. (HALL,1998: 13)

Dessa forma, o sujeito assume identidades diferentes em momentos

distintos, afetadas tanto pelos processos de socialização quanto de globalização

dos meios de comunicação e informação. A sociedade em que vive o sujeito não é

um todo unificado, uma totalidade, que flui e evolui a partir de si mesma, pois está

também constantemente sendo descentrada e deslocada por forças externas.

“(...) entendo por identidade um processo de construção de significado com base num atributo cultural, ou ainda num conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (ais) prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo identidades múltiplas.” (CASTELL, 1999: 25)

Com o processo de globalização e industrialização, da expansão dos

mercados, do deslocamento de fronteiras, se amplia a visão de cultura,

introduzindo o conceito de diversidade, de heterogeneidade e de hibridismo,

trazendo consigo novas formas de sociabilidade, tais como a formação de círculos

de interesses parcializados, grupos de integração intermitentes capazes de gerar

formas culturais novas e altamente sincréticas, as quais implicam num universo

simbólico mais aberto e transitório, distinto do caráter totalizante e estável dos

símbolos culturais tradicionais.

“Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.

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34

Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração de sujeito.” (HALL, 1998: 9)

Nesse contexto, é válido ressaltar que as identidades são contraditórias e

que as pessoas participam de várias identidades simultaneamente, em

combinações às vezes conflitantes, tais como ser mulher, pobre, homossexual e

negro ao mesmo tempo. Vale também dizer que essa identidade muda com a

forma como o sujeito é interpelado ou representado, e que sua identificação nem

sempre é automática.

“De acordo com Laclau, o que caracteriza a sociedade da modernidade tardia é a diferença, isto é: um conjunto de divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de “posições do sujeito”, de identidades para os indivíduos. Tais sociedades não se desintegram, porque seus diferentes elementos e identidades podem ser articulados conjuntamente, no arranjo parcial que deixa em aberto a estrutura da identidade” (LACLAU apud FABRIS: 3)

È importante lembrar que, ao invés de se falar de identidade como uma

algo acabado, deve-se falar de uma identificação, de um processo, e que essa

identidade nunca é plena dentro dos indivíduos, ao contrário, ela precisa ser

"preenchida" e desenvolvida. As identidades nacionais não são nem genéticas

nem hereditárias, ao contrário, são formadas e transformadas no interior de uma

representação. Uma nação é, nesse processo formador de uma identidade, uma

comunidade simbólica em um sistema de representação cultural. E a cultura

nacional é um discurso ou modo de construir sentidos que influenciam e

organizam tanto as ações quanto as concepções que temos de nós mesmos.

No caso da América Latina, o processo de diversidade cultural não

aconteceu como na Europa com a formação de Estados Nacionais. Nos países

latinos, prevaleceu o uso da violência, da coerção por parte da burguesia

“nacional” com relação às populações indígenas e negras.

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35

Como resultado, as sociedades passaram a sofrer processos de

estranhamento incompletos, de fragmentação de referenciais tradicionais.

Originou-se assim um imbricado cruzamento de tempos históricos diferenciados,

coexistentes de modo desarticulado. Garcia Canclini denominou esse processo de

heterogeneidade multitemporal ou hibridismos culturais.

“Essa heterogeneidade multitemporal da cultura moderna é conseqüência de uma história na qual a modernização operou poucas vezes mediante a substituição do tradicional e do antigo. Houve rupturas provocadas pelo desenvolvimento e pela urbanização que, apesar de terem ocorrido depois que na Europa, foram mais aceleradas” (CANCLINI, 1997:74)

No caso do Brasil, a identidade está embutida na língua e nos sistemas

culturais, mas estão longe de uma homogeneidade. Ao contrário, estão

influenciadas pelas diferenças étnicas, pelas desigualdades sociais e regionais,

pelos desenvolvimentos históricos diferenciados, naquilo que é denominado

"unidade na diversidade". Nesse processo de intercâmbio, todas as nações são

híbridas culturais e isso constitui-se como um dos fatores de potencialização das

faculdades criativas.

Essa visão multifacetada da identidade foi promovida pelo colonialismo,

movimentos migratórios, intercâmbios culturais e pelo avanço tecnológico. Tudo

isso provocou um processo de fragmentações internas, ruptura, deslocamento e

desterritorialização do senso de identidade e das temporalidades diversas,

reconfigurando e transformando o tempo e o espaço.

“À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia “global” de telecomunicações e uma “espaçonave planetária” de interdependências econômicas e ecológicas – para usar apenas duas imagens familiares e cotidianas – e à medida em que os horizontes temporais se encurtam até ao ponto em que o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com um sentimento avassalador de compreensão de nossos mundos espaciais e temporais” (HARVEY, 1989: 240)

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36

É importante destacar o conceito de cada um desses fenômenos sócio-

culturais. Segundo Canclini (1997), a desterritorialização

“é a perda da relação ‘natural’ da cultura com os territórios geográficos e sociais, e, ao mesmo tempo, certas relocalizações territoriais relativas, parciais, das velhas e novas produções simbólicas”.(CANCLINI, 1997: 309)

Segundo Ernest Laclau (1990) as sociedades modernas não têm nenhum

centro, nenhum princípio articulador ou organizador único e não se desenvolvem

de acordo com o desdobramento de uma única “causa” ou “lei” afirma que seria

uma estrutura. Ele acrescenta que

“ uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por uma ‘pluralidade de centros de pode’ ’” (LACLAU, apud HALL, 1998:16)

Na contemporaneidade, observa-se o constante estabelecimento de novas

formas de significação, responsáveis pela criação de novas culturas, maneiras de

expressar as inúmeras identidades culturais e novos grupos de identificação.

Assim, ao romper com as fronteiras territoriais, as manifestações das

identidades podem ser consideradas um modo de tentar compreender e expressar

a sociedade contemporânea na sua pluralidade, segmentação e contradições.

2.4 – As Conseqüências dos Contatos Interculturais

2.4.1 – Hibridismo

A cultura tem se transformado radicalmente nos últimos anos,

ultrapassando fronteiras e fazendo com que cada grupo possa se abastecer de

repertórios culturais diferentes. As sociedade são naturalmente híbridas pela

mestiçagem racial, assimilação de “novas” culturas, pela reciclagem e

reprocessamento de valores importados e, como não poderia deixar de ser, pelos

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hábitos e valores de consumo. Assim, nada mais oportuno que utilizarmos o termo

hibridismo para caracterizar o momento vivido pelas culturas contemporâneas.

“O termo híbrido vem do grego “hybris”, que quer dizer destempero e excesso. É também um dos conceitos centrais para se entender o legado da tradição helenista; no Feudro, Platão descreve a hybris como a transgressão da justa-medida, sendo portanto uma expressão do caos com suas múltiplas faces e partes. O termo adquiriu ao longo da história o sentido de impureza e mistura”. (STANGL,2002: 3)

O espaço híbrido onde se produz o sentido de identidade, localidade,

conjuga num só tempo sistemas de identificação de um enraizamento cultural

como a própria demarcação de territórios, das renovações das tradições,

convivência comunitária, imagens e comportamentos facilmente identificáveis num

contexto globalizado, os quais são incorporados ao cotidiano de diversas culturas.

O hibridismo é um processo que agrega diversas manifestações culturais,

fundindo elementos tradicionais e modernos. Eles convivem num mesmo cenário

social, juntamente com o massivo, entendido como meios eletrônicos de

informação.

Um fator de intensificação do hibridismo é a expansão urbana, que traz

consigo a oferta cultural das comunidades rurais, tradicionais e homogêneas

transformando-se em função do contato com a oferta heterogênea das grandes

cidades, originando-se daí a mistura do regional com redes nacionais e

transnacionais de comunicação e a desestabilização dos limites entre uma e outra

cultura. Canclini salienta que os meios de comunicação de massa se converteram

nos grandes mediadores das interações coletivas, em função da subordinação da

chamada cultura urbana às tecnologias eletrônicas.

Segundo Lévi Strauss, os homens têm sempre dificuldades de encarar as

diversidades das culturas como fenômeno cultural, resultante da relação direta ou

indireta entre as sociedades. A cultura envolve, portanto, uma diversidade de

situações da vida social que se articulam e assumem significados variados em

meio às transformações e contatos cotidianos.

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38

Denys Cuche explicita essa questão ao desenvolver o pensamento de

autores que abordam a cultura como um processo permanente de construção,

desconstrução e reconstrução.

“Todas as culturas, devido ao fato dos contatos culturais, são culturas mistas, feitas de continuidades e descontinuidades” (CUCHE apud WOITOWICZ,2002: 14)

No entanto, alguns autores como Bruce Robbins, discutem a denominação

de hibridismo por ser um conceito com determinadas limitações, por não explicitar

certos aspectos do internacionalismo. Assim, a noção de cosmopolitismo seria

considerada a mais adequada, na visão de Robbins, para designar o momento

vivido pela sociedade atual que seriam os intercâmbios e fluxos, frutos da

globalização, do avanço tecnológico e, conseqüentemente, da mundialização da

cultura. (ROBBINS apud PRYSTHON: 02)

A celebração dos vários hibridismos é, senão o maior, pelo menos o mais

constante atributo a garantir a definição do multiculturalismo. Além de revelar

misturas e criar “identidades hifenadas” (SHOHAT & STAM, apud MACHADO,

1994:02) o multiculturalismo ganhou notoriedade, porque ampliou a possibilidade

de refletir sovbre o encontro das culturas não apenas com formação identitária,

mas como diálogo de diferentes sistemas comunicacionais.

O multiculturalismo pode ser visto como um sintoma de transformações

sociais básicos, ocorridos na segunda metade do século XX, no pós-guerra. O

multiculturalismo é, antes de mais nada, um questionamento de fronteiras de todo

tipo, principalmente da monoculturalidade e, com esta, de um conceito de nação

nela baseado. Visto como militância, o multiculturalismo implica em reivindicações

e conquistas vistas pelas chamadas minorias. Reivindicações e conquistas muito

concretas: legais, políticas, sociais e econômicas.

“O multiculturalismo hoje é uma marca da nossa realidade e felizmente, estamos num período da história cultural e artística, que está sendo denominada de pós-modernidade, onde há uma abertura para os contrastes, para os opostos. (...) A pós-modernidade aceita a união dos contrários, a coincidência

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deles. Nós podemos trabalhar hoje com o mais antigo e o mais novo, o mais local e não local sem que isso seja estranho, pelo contrário, é tido como um dado as mais, um enriquecimento para o processo criador.” (Paes Loureiro)

A partir da análise dos pensamentos de Robbins, Shohat, Stam e Canclini,

pode-se perceber que eles oferecem leituras que convergem em um ponto: todas

as culturas são de fronteira, devido ao fenômeno da desterritorialização, articulam-

se umas com as outras e, com isso, têm ampliado seu potencial de comunicação,

renovação e conhecimento.

“ (...) hoje as culturas são de fronteira. Todas as artes se

desenvolvem em relação com as outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento”. (CANCLINI, 1997: 348)

Não se pode promover um contato cultural sem que esse implique em troca

simbólica. Percebe-se, desse modo, que não há cultura unicamente doadora e

nem unicamente receptora, pois se trata de um trabalho coletivo de troca,

assimilação e reciclagem de sentidos culturais.

Outra conseqüência dos contatos interculturais é o processo de

mestiçagem, verificado com mais ênfase no Brasil. Teria começado no momento

em que o colonizador português desembarcava nestas terras e cedia aos

encantos das mulheres indígenas e teria se prolongado com a escravidão, que

deu aos senhores a oportunidade de escolherem as escravas "mais belas e mais

sãs para suas amantes". Desse encontro teria nascido a raça mais eugênica e

melhor adaptada aos trópicos: o mulato, feliz meio-termo entre a degradação do

escravo e os vícios dos senhores. Porém, a designação de “mestiçagem”, como é

concebida pelo prisma da etnicidade, não é suficiente para explicar a

complexidade e diversidades culturais contemporâneas marcadas pelo intenso

fluxo de troca de bens culturais entre as sociedades.

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Segundo Maria Isaura Queiroz (1989), as elites brasileiras negavam a

riqueza da contribuição das diferentes culturas responsáveis pela construção da

brasilidade, a saber: o negro, o índio e o branco. A identidade cultural no país

mostrou-se problemática desde o início do século XIX, pois esta era recheada pelo

preconceito e impregnada pelo racismo. Os teóricos admitiam a grande

heterogeneidade cultural e o sincretismo existente no país, porém viam essa

mistura como um obstáculo que impedia o Brasil de alcançar a ‘verdadeira’

identidade nacional, aos moldes europeus.

Somente na segunda metade do século XX, a multiplicidade étnica será

vista pelos intelectuais como um fator de grande relevância para a construção do

patrimônio cultural.

2.5 – O global e o local

Com a globalização, as fronteiras territoriais foram diluídas, possibilitando

um maior contato entre as diversas culturas. A despeito disso, as identidades

nacionais e outras identidades “locais” ou particulares estão sendo reforçadas pela

resistência à globalização e as identidades nacionais estão em declínio, mas

novas identidades – híbridas – estão surgindo.

“uma das características distintivas da modernidade é uma interconexão crescente entre os dois extremos da “extensionalidade” e da “intencionalidade”: de um lado influências globalizantes e, do outro, disposições pessoais... Quanto mais a tradição perde terreno, e quanto mais reconstitui-se a vida cotidiana em termos da interação dialética entre o local e o global, mais os indivíduos vêem-se forçados a negociar opções por estilos de vida em meio a uma série de possibilidades... O planejamento da vida organizada reflexivamente...torna-se característica fundamental da estruturação da auto-identidade” (GIDDENS, apud CANCLINI, 1999: 27)

O principal paradoxo da globalização é tentar impor a hegemonia a uma

nação, fragmentando determinadas culturas, ou conduzir a um ecumenismo

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global, que seria promover a interação entre o intercâmbio cultural, e o

fortalecimento das identidades, ou seja, o lugar de convívio entre diferentes

manifestações culturais.

“(...) ao lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da “alteridade”. Há juntamente com o impacto do ‘global’, um novo interesse pelo ‘local”. (HALL, 1997)

Em meio ao campo de produção e reprodução da cultura midiática

aparecem as contradições da sociedade globalizada: as definições e limites entre

a afirmação do local, regional, nacional e do internacional. Essa (in)definição de

fronteiras deve ser deslocada agora para a capacidade de interagir com as

múltiplas ofertas simbólicas internacionais a partir de posições próprias.

É em meio a esse mundo conflitante de pluralidade e centralismo que as

culturas se movimentam. As contradições desse processo devem ser observadas

a partir do duplo processo de globalização e de localização da cultura, permitindo

ao mesmo tempo e no mesmo espaço, a expressão de vozes diferentes,

dissonantes e contrastantes.

“À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma

aldeia “global” de telecomunicações e uma ‘espaçonave planetária’ de interdependências econômicas e ecológicas – para usar apenas duas imagens familiares e cotidianas – e à medida em que os horizontes temporais se encurtam até ao ponto em que o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com um sentimento avassalador de compreensão de nossos mundos espaciais e temporais” (HARVEY, apud HALL, 1998: 70)

Verifica-se, portanto, que há uma polarização entre o universal e o local. É

verdade que as sociedades fechadas e grupos tradicionais estão expostos a

mensagens multiculturais, mas isso não significa que eles sejam passivos diante

desse processo. Pelo contrário, a universalização crescente e imposta pela

ausência de um “outro lado” implica uma necessidade premente de auto-definição

e, acima de tudo, de auto-conhecimento.

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3º CAPÍTULO

O ARRAIAL DO PAVULAGEM: IDENTIDADE EM ROTAÇÃO

O Arraial do Pavulagem já se constitui um ícone da cultura amazônica que

congrega diversos elementos característicos das manifestações culturais,

principalmente dessa região. Ele pode ser situado em uma fronteira que funde o

tradicional e o moderno, o rural e o urbano, o popular e o massivo, revelando a

sua natureza híbrida.

Por se revelar um objeto rico enquanto fonte de representação, que se

renova e ressignifica a cultura popular paraense, o Arraial foi escolhido como fonte

de estudo e análise, pautado em uma discussão dialética e dinâmica de cultura.

Nele, estão presentes diversas manifestações culturais do Norte e Nordeste

do país como marujada, quadrilha junina, carimbó, retumbão, boi-bumbá, reggae,

lundu, etc. Por isso, apresenta-se como um rico fenômeno a que a cultura está

sujeita.

Segundo Canclini, tratar de cultura popular não é falar de sua beleza ou de

sua autenticidade, mas levar em consideração a participação do povo, pois ela

deve estar a serviço, ser elaborada e ser consumida por ele.

“O popular não deve por nós ser apontado como um

conjunto de objetos (peças de artesanato ou danças indígenas) mas sim como uma posição e uma prática. Ele não pode ser fixado num tipo particular de produtos ou mensagens, porque o sentido de ambos é constantemente alterado pelos conflitos sociais. Nenhum objeto tem seu caráter popular garantido para sempre, porque foi produzido pelo povo ou porque este o consome com avidez; o sentido e o valor populares vão sendo conquistados nas relações sociais.

É o uso e não a origem, a posição e a capacidade de suscitar práticas ou representações populares que conferem essa identidade” (CANCLINI, 1982:135)

O Arraial do Pavulagem é uma construção coletiva, pois, no Arrastão,

observa-se a participação do público não somente como espectador, mas também

como ator e produtor dessa festa popular, à medida que é realizada num espaço

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público, de maneira aberta, onde as pessoas podem entrar e sair a qualquer

momento; podem tocar instrumentos; servir de

suporte aos personagens da festa como o boi-

bumbá, porta-bandeira e os cabeções. Além

disso, os participantes são os próprios

produtores dos adereços presentes no Arrastão

- bandeiras, estandartes, chapéus, barricas,

cabeções, o próprio boi-bumbá e etc.

“Nessa experiência, há elementos que nos remetem para o futuro com o propósito de construir uma relação não apenas contemplativa ou participativa, mas, principalmente, reflexiva, pois, a cultura popular é o nosso mote”. (Ronaldo Silva)

3.2 – Arraial: Festa e Espetacularização

Partindo do que Jesus Gonzalez Requena denomina de “Tipologia do

Espetáculo” (REQUENA,1988:67) pode-se inserir o Arrastão do Pavulagem nesta

tipologia, já que adota um modelo carnavalesco, protagonizando uma cena aberta

e indefinida que tende a estender-se por toda a cidade.

O espetáculo é entendido como mais uma forma discursiva de expressar o

real no mundo contemporâneo. É o meio pelo qual cada indivíduo é percebido e

se faz perceber, numa encenação que permite dar visibilidade às ações dos

diversos atores sociais e demarcar o espaço que cada um deles ocupa nesse

cenário.

O espaço onde o espetáculo se desenvolve também ganha contornos e

sentidos diversos na medida em que é reorganizado, tanto simbólica quanto

esteticamente para a realização da festa. No caso do Arrastão do Pavulagem, a

Avenida Presidente Vargas e a Praça da República, localizadas no centro de

Belém, tornam-se palco onde sujeitos diferentes e diferenças culturais se cruzam

e são ressignificadas.

O Arraial do Pavulagem tem como uma de suas características o aspecto

festivo, fruto de toda contribuição cultural ibérica, colonizadores do continente

Porta-bandeiras, no momento do Arrastão

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44

americano. Para Maria Lúcia Monteiro, mergulhar fundo nas matrizes da cultura

popular brasileira significa retomar essas heranças, deixadas principalmente pelo

Barroco, que oferece uma multiplicidade de leituras.

Assim como o fenômeno das festas, o Barroco pode ser visto como capaz

de produzir uma multiplicidade de leituras todas centradas na ótica do poder. A

festa no período colonial funde a força do Estado e da Igreja, que conferem um

caráter sagrado e profano à celebração. No Arraial, isso é facilmente identificado

quando se observa a presença dos santos e mastros aliados à cantoria e à dança.

È justamente esse aspecto lúdico do cortejo que confere um sentido

inovador, possibilitando experimentar, criar e recombinar esses elementos. Isso se

deve ao processo de bricolage, característico da festa barroca, que incorpora e

ressignifica poderosos elementos simbólicos. Na festa a existência humana ganha

formas e contornos.

No dizer de Marcel Mauss (1974), a festa

“é um acontecimento que expõe uma ordem moral e social pelo

lugar que cada um ocupa no contexto”. (MONTEIRO: 150)

Clifford Geertz (1978) complementa:

“a festa nos permite ler por meio dela o que a sociedade diz

sobre si mesma”, (MONTEIRO: 150)

Daí se compreende que esta festa barroca possa, como uma matriz

simbólica, penetrar em profundidade nas formas da cultura. Nestas formas, são

conservados seus elementos constitutivos, às vezes quase intactos, mas na

maioria submetidos a um processo de ressignificação, segundo a própria lógica da

festa, entendida como bricolage material e simbólica.

Enquanto bricolage, o Arraial é uma festa que apresenta características

tanto rurais quanto urbanas, trazendo para o cortejo elementos que são típicos de

área rural como o boi Tinga (através dos cabeções), marujada, mastro,

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vocabulário, indumentárias, agregando-os a elementos urbanos como é o caso do

próprio lugar em que essa manifestação acontece, os instrumentos musicais

eletrônicos, padronização das camisetas.

3.3 – A Religiosidade Popular

Uma das principais características das festas populares, especialmente na

América Latina, é sua associação com a religião, ou seja, apresenta um caráter,

ritualizado e sagrado, segundo Gilberto Giménez40. Neste sentido, as três raças

(brancos, negros e índios) desempenham um papel básico formando aquilo que

Roberto DaMatta denomina como “Triângulo Racial” (DAMATTA, 1987:75 ),

resultando num sincretismo religioso.

Um traço comum nas festas religiosas é o pastoril, de caráter catequético,

trazido por portugueses e espanhóis. O povo brasileiro respondeu com o pastoril-

profano, de ponta de rua, e com a comicidade irreverente nos demais folguedos

como lundu, marujada, boi-bumbá e, também, com a criação dos cortejos

inspirados em elementos de outras manifestações culturais e religiosas.

Nesse sentido, o Arraial do Pavulagem faz referências às manifestações

religiosas, quando traz, no Arrastão, os estandartes com imagens dos santos

juninos, enquanto os homenageia nas composições musicais como acontece por

exemplo na música “Batalhão da Estrela”, em que a palavra “Estrela” refere-se a

São João Batista41, segundo a explicação de Ronaldo Silva. Além disso, o Arraial

utiliza elementos da marujada como o chapéu de palha com fitas coloridas, as

letras das músicas que fazem referências a São Benedito e aos preparativos

dessa festa.

A marujada é uma festa em homenagem a São Benedito, santo negro de

origem européia (Sicília). O ponto alto da festividade acontece entre o Natal e o

primeiro dia do ano. Porém, os festejos ocorrem ao longo de todo o ano, com a

"esmolação".

40 Canclini, Nestor. As Culturas Populares no Capitalismo. 41 São João Batista: Nasceu no dia 24 de junho na cidade de Judá. Chamaram-no "Batista" porque batizou Cristo, no Rio Jordão, e o "Precursor" porque pregou imediatamente antes de Jesus Cristo, o anunciando.

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Diferente de outras regiões do país, a marujada paraense mistura danças,

ritos, louvores e ritmos, herança dos negros africanos. Essa tradição começou

com o culto a São Benedito, em 1798, fruto da devoção religiosa. Como forma de

agradecer a permissão dada pelos

senhores para construir uma capela ao

santo, os negros realizam uma grande

festa, mesclada de reza e dança, onde o

sagrado e o profano se misturam.

Outra referência religiosa também

presente no Arraial é a de São Sebastião,

santo de origem francesa, padroeiro de

Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó. Ele

faz parte e é homenageado no CD “Comissão de São Sebastião” do Arraial do

Pavulagem, que representa todo um ritual de celebração, reunindo as folias e

ladainhas católicas, rezadas em latim. Entretanto, houve uma preocupação de

respeitar a oralidade rural ribeirinha42 das folias.

Os preparativos da festa de São Sebastião envolvem peregrinações dos

foliões pelo meio rural daquele município, objetivando a arrecadação de donativos

ao santo e à festa propriamente dita, que ocorre entre 10 e 20 de janeiro. É

constituída de diversas atrações religiosas e profanas (procissão, novena, corrida

de cavalo, luta marajoara, derrubada de mastro, entre outros).

A origem dessa manifestação, embora inexistam registros históricos, está

provavelmente na atuação dos padres jesuítas que tiveram importante

participação no processo de colonização da Ilha do Marajó, especialmente nas

margens do rio Arari, onde se dedicaram à criação de gado.

“As folias de São Sebastião são raízes cravadas no chão do tempo e, enquanto isso, visíveis à flor da terra, nos manguezais das ilhas do Marajó. Revelam a identidade espiritual de sua gente e essa atmosfera de transcedência que há na paisagem cultural marajoara. Elas dão forma de beleza e sonho, de

42 Ribeirinho: moradores que habitam as margens dos rios, na Amazônia.

Festa da marujada, no dia 26 de dezembro

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crença e doçura, àqueles que vivem ainda numa bela harmonia com a natureza e com a alma luminosa das coisas”43

(João de Jesus Paes Loureiro)

Desse modo, fica evidente que a invenção da cultura pela hibridização é um

fenômeno de apropriação de traços culturais de várias procedências. Luiz Antônio

Barreto chama atenção para uma conotação religiosa, nem sempre evidenciada

pelos estudiosos, no

“vasto repertório brasileiro da cultura popular ou folclórica”,

que “pode ser também percorrido pela intenção catequética, conversora, redutora adotada pelos colonizadores. (...) A catequese e a conversão ao cristianismo estão, dominantemente, no repertório da cultura popular brasileira”. (BARRETO apud BENJAMIN, 2002: 3)

3.4 – O Hibridismo no Arraial do Pavulagem

Hibridismo, híbrido, hibridização são conceitos-chave dos estudos culturais

de teóricos latino-americanos nos anos 90, prolongando discussões que haviam

iniciado na abordagem do pós-moderno.

A apropriação que há nos mais variados traços culturais coloca no mesmo

plano as diversas manifestações da cultura contemporânea, rompendo as

fronteiras estabelecidas pela lógica da modernidade, que colocava o culto nos

museus e nas universidades e o popular nas praças e feiras.

O Arraial do Pavulagem é um exemplo emblemático dessa miscigenação

cultural, em que estão presentes legados das culturas indígena, negra e européia.

Os próprios artistas, que fazem parte do Arraial, não se limitam apenas a serem

reprodutores de um processo cultural. Segundo Paes Loureiro o Arraial atua nas

duas vertentes da arte:

“Eles são criadores e intérpretes ao mesmo tempo. Intérpretes no sentido de que eles buscam, através de pesquisas, contatos com outras culturas e da própria experiência pessoal de cada um, fontes de inspiração,

43 Encarte do CD “Folias do Marajo”´, do Arraial do Pavulagem

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símbolos, signos, cores, materiais e ritmos. Também são criadores, quando contribuem com sua originalidade, inspiração e criatividade para fazer uma obra que resulta dessa releitura, que é feita de forma criativa e atualizadora, incorporando elementos novos e que fazem parte do cotidiano e da vida presente da população” (LOUREIRO, 2003)

Enquanto objeto híbrido, o Arraial do Pavulagem é um encontro de

inspirações e signos culturais, que constituem a própria dinâmica da cultura

popular. Nele, há um diálogo entre as origens e a atualidade, entre a tradição e o

moderno.

“Afirmar que a cultura é um processo social de produção significa, antes de tudo, opor-se às concepções que entendem a cultura como um ato espiritual (expressão, criação) ou como uma manifestação alheia, exterior e posterior às relações de produção (sendo uma simples representação delas)” (CANCLINI, 1982:30)

É necessário que se entenda que a criação popular não é um milagre da

natureza, mas produto do trabalho humano de criatividade. O homem do povo

também se faz artista e por isso é que é bonito o trabalho de transformação do ser

em transformador e artista.

Na proposta do Arraial do Pavulagem, de acordo com Ronaldo Silva

“são positivos os traços de outros formatos como o de São Luís do Maranhão, Parintins, São Caetano de Odivelas, marujada, etc., pois a cultura brasileira se caracteriza por essa mistura, por essa diversidade e nós estamos construindo com o nosso formato. Portanto, é saudável a convivência desses traços porque são para nós a garantia de um resultado a médio e longo prazo, rico, flexível, conectado com a raiz e aberto ao novo”.

No Arraial, o híbrido está presente nos elementos discriminados abaixo:

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3.4.1 – Linguagem

A utilização da linguagem regional usando elementos que compõem o

imaginário da região é uma forma de reforçar as matrizes estéticas que deram

origem a essas manifestações – negra, indígena e européia, expressando a

hibridização.

No Arraial, a linguagem é ressemantizada, através do processo de mistura

de diversos dialetos nacionais e estrangeiros, como monsieur, anarriê e balancê,

que são expressões de origem francesa; “mandinga”, palavra de origem africana;

“one”, de origem inglesa; a própria linguagem regional, típica do caboclo

amazônida, principalmente no nome “Pavulagem”, que significa “formoso, belo,

pávulo” e outros exemplos como:

“Me adesculpe os pais da moça Do modo d’eu versejar É que fiquei mundiado

Com esse zolho a me olhar” (“Clara”/ Rui Baldez)

“Fica velho de esperar

Aperpare o peito A demora é pequena”

(“Fortaleza”/Arraial do Pavulagem)

“Disse o Firmino Que ia me judiar”

(“Canto Estrangeiro”/Toni Soares)

“Oi retumba meu boi retumbão O mutuca vem ver na janela”

(“Arrastão da Mutuca”/ Ronaldo Silva)

“Eu nunca vi nada pior andar avexado”

(“Mastro Bastião”/Arraial do Pavulagem)

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Além disso, há referências a palavras indígenas como “Igapó”,

“Tupinambá”, “Icoaraci”, “cuieira”, “Curuçambá”, “cauê”; “Ananin”, “pajé”,

“mandinga”, “Cotijuba” e “Camutá”, todas presentes nas composições do Arraial.

3.4.2 – Danças

No Arraial do Pavulagem, as danças foram introduzidas com objetivo de

retratar e/ou representar a cultura amazônica nas suas diversas expressões, ou

seja, com o carimbó, o lundu, o retumbão, o xote bragantino, a quadrilha e o boi-

bumbá, entre outros.

Vale ressaltar que esses ritmos já trazem

consigo uma mistura desde a sua origem, pois

eles carregam elementos indígenas, europeus e

africanos. No caso do carimbó, é uma dança cuja

origem vem dos índios tupinambá; entretanto,

recebeu contribuição dos negros africanos, que

introduziram ritmos mais agitados, sincopados e movimentados.

O lundu possui origem africana expressa na sua grande sensualidade, que

insinua a relação sexual e por isso foi proibida no Brasil durante o período

imperial.

O retumbão é a principal dança da marujada, a mais conhecida dança

folclórica da região bragantina. O nome

retumbão se deve aos instrumentos de

percussão utilizados. Os negros pegaram

dois troncos de árvores e construíram os

tambores, que produziam um efeito sonoro

extraordinário. O seu som era ouvido muito

longe e segundo a expressão da época

"retumbavam".Estudiosos das manifestações folclóricas dizem que a dança é o

próprio lundu.

Grupo folclórico na dança do Lundu

Marujas na dança do retumbão

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O xote bragantino não é de origem africana, mas recebeu muitas influências

negras. Embora tenha surgido na Escócia, como Schotinch, em 1841, a dança

chegou ao Pará trazida pelos portugueses. Os escravos observavam os senhores

dançar e guardavam os passos na memória. Vale ressaltar que o povo introduziu

outros movimentos, com novas adaptações, detalhes, com objetivo de não

somente valorizar o efeito visual, como também despertar o interesse dos

espectadores.

A quadrilha é uma dança de origem européia

do início do século XIX. Ela é de origem

francesa, porém foi trazida para o Brasil,

através dos portugueses colonizadores.

Originalmente dividida em cinco partes

comandadas por um marcador, que mistura

palavras francesas e portuguesas.

O boi–bumbá é um folguedo popular,

que resultada da ‘mistura bonita de três raças - a indumentária do branco, o

atabaque do negro, a coreografia do índio.

Na segunda metade do século XIX, em Belém, o boi-bumbá reunia negros

escravos num folguedo, que misturava o ritmo forte, marcado no tambor de couro

representando um dado surpreendente para a época

segundo o historiador Vicente Sales - a luta de classes

dentro de uma sociedade colonial. Apesar da repressão, o

boi tornou-se uma das mais importantes representações da

cultura local.

Vale ressaltar que o boi-bumbá do Arraial do

Pavulagem é um exemplo emblemático das mudanças que

o folguedo sofrera na região. O cortejo não mais encena o

ritual que gira em torno do boi do Nordeste, mas tem,

sobretudo, uma conotação lúdica e traz também o rosário,

típico do boi - bumbá paraense.

A quadrilha junina é um dos folguedos presentes no Arraial

O boi Pavulagem exibe seu belo rosário

(adorno na cabeça)

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“Tem andor, tem rosário no caminho lírio e flor

Ô rola boi, o meu boi mandei rolar”

(“Acará sem Governo”/ Arraial do Pavulagem”) 3.4.3 - Instrumentos

A arte musical do Arraial do Pavulagem materializa a originalidade, beleza,

força nas intenções de resguardar uma emoção original, mas não como coisa do

passado e sim integrada no presente.

Para representar isso, o Arraial se apropria das novas tecnologias para

trabalhar elementos do culto, do popular e do massivo. Do culto, quando se utiliza

de violinos, cellos, trombone e saxofone. Do popular, quando usa instrumentos de

fabricação artesanal como barricas, matracas, xeques, maracás, reco-reco e

tambores. Do massivo, quando emprega instrumentos eletrônicos como guitarras

e teclados. Estes últimos foram incorporados, principalmente, a partir da entrada

de Toni Soares, que trouxe uma sonoridade mais urbana às composições do

Arraial.

“Nós éramos eminentemente percussivos no início (...).

Quando nós passamos para o palco, para fazer o show musical, aí sim, nós incorporamos todos os instrumentos elétricos até pela necessidade de facilitar essa linguagem musical no palco. Aí já colocamos os teclados, guitarras, os contra-baixos elétricos” (Júnior Soares)

Vale ressaltar que a princípio, o cenário em que o grupo trabalhava era de

músicas de Parintins, São Luís do Maranhão, de Bragança, mas eles começaram

a perceber que havia vários elementos que faziam parte do imaginário popular

amazônida que podiam ser trazidos para o Arraial. A partir daí, começaram a

fazer suas próprias composições e a incorporar elementos que fazem parte do

cotidiano dos amazônidas.

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3.4.4 – Adereços

Um dos elementos mais importantes no Arraial do Pavulagem são os

adereços, porque eles são ícones que representam toda a riqueza da cultura

popular como o mastro, o chapéu de palha, a cobra grande, o boi de talinha, as

bandeiras, os estandartes e os cabeções. Estes representam a diversidade

cultural que está presente no Arraial, proveniente do encontro e da incorporação

de ícones, símbolos e códigos que compõem o vasto universo do imaginário

social.

“Hoje, nós trabalhamos com a cultura de são Caetano de

Odivelas, de onde nós trouxemos os cabeções. Nós trouxemos o chapéu de fitas, uma leve inspiração a marujada de Bragança; temos os estandartes, dos santos festeiros; a cobra grande, que é uma reprodução da cobra de miriti do círio de Nazaré” (Júnior Soares)

O imaginário social constitui fonte de referências no vasto sistema simbólico

de qualquer sociedade. È um meio pelo qual ela se produz e se percebe, organiza,

divide e elabora seus próprios objetivos. Designa sua identidade; cria uma certa

representação de si, estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais;

exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de “bom

comportamento” através da instalação de modelos formadores.

O imaginário social é, pois, uma peça eficaz do dispositivo de controle da

vida coletiva e, em especial, do exercício de autoridade e do poder. Ao mesmo

tempo, ele torna-se o lugar dos conflitos sociais.

No imaginário popular amazônida, cada adereço presente no Arraial tem

um sentido simbólico. O Arraial é um exemplo da dinâmica cultural, pois a cada

ano, alguns adereços permanecem, como o chapéu de palha, os cabeções e o

mastro; e novos elementos são incorporados como a cobra grande de miriti, o

reco-reco, entre outros.

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a) Chapéu de palha

O chapéu de palha44 é um acessório indispensável no cotidiano do caboclo

amazônida. O Arraial do Pavulagem o

incorporou não somente por essa razão, mas

também em uma alusão à marujada, na qual o

chapéu é o ponto alto da indumendária

feminina. Porém, no Arraial ele é usado pelos

componentes e participantes da festa que o

adornam com fitas coloridas, longas e presas à

aba do chapéu.

b) Cabeções

Os cabeções presentes no Arraial do Pavulagem são figuras caricatas,

algumas remetem a personalidades da cultura regional como Waldemar Henrique,

maestro e compositor paraense. No Arraial, eles foram inspirados da manifestação

do Boi de Máscara, existente há mais de

cinqüenta anos, em São Caetano de Odivelas. A

sua confecção é feita pelos participantes do

Arraial durante as oficinas e os materiais

utilizados são basicamente paneiro, papel,

petecas e pinturas. Porém, os cabeções são

elementos presentes também em outras

manifestações populares do país como os que

acontecem em Olinda.

“Na festa ibérica, a presença de máscaras

sobredimensionadas, tais como os cabeções do Carnaval de Olinda ou da pequena Santana do Parnaíba, e que são encontradas também numa festa do Divino de São Luis do

44 Palha: é feita de folha seca de planta nativa da região. È utilizada para a confecção de outros adornos e para cobrir o teto das malocas dos índios ou casas dos ribeirinhos da região.

Participantes tocando barricas e, na cabeça, usam chapéus que

fazem alusão à marujada

Os cabeções de São Caetano de Odivelas estão também presentes

no Arraial do Pavulagem

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Paraitinga: representação de figuras monstruosas, (...) tantas vezes encontradas na iconografia do Carnaval brasileiro do século XIX”. (...)

E seria possível continuar indefinidamente a esmiuçar essas imagens, nessas aproximações que se estendem em escala continental, atestando semelhanças, coincidências e continuidades entre essas formas de cultuar popular”. (MONTEIRO:153-154)

Conclui-se que essas semelhanças, coincidências e continuidades entre

essas formas populares de cultura se recriam, dobram e desdobram e

recombinam, resultando em uma grande hibridação – exatamente o que o Arraial

do Pavulagem faz.

c) Cobra grande

A cobra grande foi mais um dos elementos incorporados no Arraial, no ano

de 2001. Ela e outros brinquedos de miriti estão presentes no Círio de Nazaré,

uma das maiores manifestações religiosas do Brasil, realizada no segundo

domingo de outubro, em Belém, que reuniu mais de dois milhões de pessoas na

sua procissão.

Os diversos brinquedos de miriti que fazem parte da festa do Círio são

barquinhos, rodas gigantes, animais, entre outros, que estão ligados ao imaginário

do popular paraense. Eles são produzidos por artesãos do município de

Abaetetuba, que fica a cerca de duas horas de Belém, capital paraense.

No Arraial do Pavulagem a cobra possuía mais de cinco metros de

comprimento, era carregada pelos participantes da festa e trazia um significado

místico de que se quem não a tocasse ficaria “panema”, que significa na

linguagem regional “com azar, mau sorte ao longo daquele ano”.

Segundo a lenda amazônica, uma índia, grávida da boiúna (cobra-grande,

sucuri), deu à luz duas crianças gêmeas, Honorato e Maria, que na verdade eram

Cobras, porém de personalidades que representavam o bem e o mal,

respectivamente.

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d) Mastro

A forma tradicional do levantamento do mastro de São João é feita no

anoitecer da véspera do dia 24 de junho, data de comemoração ao santo. O

mastro é composto por madeira resistente, roliça e lisa e uma bandeira triangular,

com três faces onde aparecem os três santos festejados: Santo Antônio, São João

e São Pedro. É costume, também, prender ao mastro milhos e laranjas.

A tradição do mastro existe em várias localidades do Brasil. Ele é erguido

diante das Igrejas com músicas, cantos e foguetes. Porém, em alguns lugares há

apenas o "levantar da bandeira" - o hasteamento de uma bandeira com a efígie do

sacro patrono.

No Arraial do Pavulagem, o mastro possui toda uma simbologia, pois ele

representa o ritual de abertura do Arrastão e o seu encerramento, além de ter uma

conotação religiosa e ao mesmo tempo profana.

No Arrastão há uma releitura de alguns

aspectos dessa tradição, pois o mastro é feito

de madeira da região, com aproximadamente

quatro metros, adornado com folhas de

açaizeiro e frutas regionais em oferenda ao

santo. Além disso, o hasteamento, ao invés de

acontecer diante de uma igreja, é realizado no meio da Praça da República.

“Todas as festas de santo do interior têm o mastro, onde toda brincadeira, toda festividade, todo folguedo desenvolve principalmente a parte profana. Ela se desenvolve ao redor desse mastro, então é um símbolo da cultura popular que está atrelado às culturas religiosas que nós trouxemos para o Arraial do Pavulagem. Tanto que nós fincamos o mastro na praça da república no início da brincadeira e derrubamos no último dia, simbolizando o início e o término do folguedo” (Júnior Soares)

Apesar de existir toda essa mistura de elementos, o Arraial do Pavulagem é

um exemplo de afirmação do local e de fortalecimento do regional. Essa é uma

característica que veio acompanhada do processo de globalização e aparece

Participantes do Arrastão enfeitando o mastro

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como fonte de resistência dos indivíduos à desterritorialização, imposta pelo

sistema no seu atual processo de reestruturação.

Em outras palavras, o global não substitui o local e o modelo neoliberal de

globalização não é o único possível. Este serve de eixo para, enfim, pensar a

relação entre nação, culturas locais e regionais e formas de expressão das mais

diversas manifestações culturais em meio às demandas e exigências do sistema.

Apesar dessa exploração global das formas simbólicas influenciar os

padrões de pensamento cultural e torná-los muito mais fragmentados, a cultura

jamais se deixa absorver integralmente. A cada dia, são acrescidas novas formas

de representações, que formam esse vasto universo que é a cultura popular.

“O Arraial do Pavulagem é uma força da natureza e a efervescência da cultura paraense. Como uma correnteza musical, avança em ondas, cresce, inunda, alaga, arrasta com a energia de seu ritmo não domesticado, pelas ruas de Belém do Pará, a nossa identidade cultural. Como o rio Amazonas, leva em seu destino tudo o que é fértil e fecundo da profundidade e das margens dos ciclos populares, tradicionais e de vanguarda, para um oceano de criatividade que é sua obra. Uma obra ousada, original, mobilizadora, emocionante, antropofágica e pós-moderna. Muito além do que um grupo de músicos talentosos, o Arraial do Pavulagem é a expressão simbólica atual de nossa identidade em rotação”45 (Paes Loureiro)

45

Declaração presente no encarte do CD do Arraial do Pavulagem “Folias do Marajó”

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As culturas populares, no sentido da sua pluralidade, são frutos das

relações humanas, por isso, devem ser entendidas como um conjunto de

representações criadas a partir da interação dos mais diversos campos sociais.

Na contemporaneidade, a cultura ganhou novos contornos em decorrência,

principalmente, do processo de globalização, pois houve o constante

estabelecimento de novas formas de significação, responsáveis pela criação de

novas culturas, novos grupos de identificação e novas maneiras de expressar as

múltiplas identidades.

Assim, ao romper com as fronteiras territoriais, as manifestações das

identidades podem ser consideradas um modo de tentar compreender e expressar

essa nova tendência em sua pluralidade, segmentação e contradição. Indícios de

identidades que procuram formas de se manifestar em meio às mudanças de

nosso tempo.

Nesse sentido, as culturas populares podem ser situadas no jogo de

permanência e renovação, buscando reinterpretar e aproveitar, através da

hibridização, elementos necessários para sua sobrevivência.

Muito do que nós chamamos de genuíno, espontâneo, elemento da

identidade brasileira é fruto da reinterpretação, do aproveitamento, da bricolage e

da sujeição aos fatores sócio-culturais.

Portanto, as relações das culturas populares com a cultura hegemônica,

nem sempre são conflitivas. Elas são freqüentemente adaptadas e combinadas,

não somente com o culto, mas também com o massivo.

Por isso, a cultura popular não pode ser vista como uma cultura ao lado ou

no fundo da cultura dominante, mas como algo que se efetua por dentro dela,

ainda que para resistir à cultura hegemônica.

Segundo Canclini, a cultura popular é resultado da apropriação desigual do

capital cultural. A cultura deve ser entendida como instrumento de reprodução das

relações sociais objetivas e expressão das condições materiais na qual está

inserida.

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Desse entrelaçamento, nasce uma cultura dinâmica, fruto da apropriação

recíproca entre as culturas. Porém, este processo nem sempre é harmônico, em

função de que há um jogo de forças, em que a cultura hegemônica se sobressai,

porque é expressão simbólica das classes que detêm o domínio político e

econômico.

Apesar dos diálogos com a cultura hegemônica, o Arraial do Pavulagem

figura como resistência, confirmando que a cultura está em constante mutação.

O Arraial é o local de efervescência cultural, em que diferentes vozes

ressoam. A partir do momento em que congrega, no mesmo espaço, elementos do

culto, do popular e do massivo, a identidade cultural amazônica ganha reforço,

operando um jogo entre a permanência e a renovação, com os meios técnicos be

dinâmicas tradicionais. O Pavulagem é fruto desse hibridismo, dessa dinâmica

cultural e é isso que o faz um ícone da cultura paraense.

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João de Jesus Paes Loureiros. Entrevista concedida às autoras. Janeiro, 2003

Júnior Soares. Entrevista concedida às autoras. Fevereiro, 2003

Max Soares. Entrevista retirada do arquivo de imagens do Arraial do Pavulagem.

Outubro, 2001

Nazareno Silva. Entrevista retirada do arquivo de imagens do Arraial do

Pavulagem. Outubro, 2001

Ronaldo Silva, Ronaldo. Entrevista concedida às autoras. Janeiro, 2003

Toni Soares. Entrevista concedida às autoras. Março, 2003.

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www.arquidiocese-bh.org.br

www.arraialpavulagem.cjb.net

www.filomenamatarazzo.com.br.

www.folclore.art.br

www.oliberal.com.br

www.tvliberal.com.br

Revistas

Amazon View. Ano VI. Edição 47

Pará Amazônia. Calendário de Eventos 2003. Governo do Pará e Secretaria

Especial de Produção

Pará Onde. Edição 4. Ano I

Pará Onde. Edição I. Ano I

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Planeta. Ano 25 nº 8. Edição 299