sobre a maioridade no brasil
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Sobre a maioridade no Brasil
Ariovaldo Ramos
Transcrição de um pronunciamento feito pelo pastor Ariovaldo Ramos em resposta a questão da maioridade penal.
M.: – Boa noite. Sou M. Sou membro da Igreja Catedral da Família e minha
pergunta é - eu quero saber dos dois - o posicionamento né. Nós estamos diante
de dois mestres, e acho que a contribuição do Paul [Freston] hoje na questão da
sociologia pode contribuir muito para a gente estabelecer diálogo e reflexão mais
profunda a respeito de assuntos que são importantes para a gente pensar,
enquanto cristãos que querem fazer a diferença, que é a diminuição da
maioridade penal. Como que vocês veem isso para além disso. Se o retrato do
Brasil de hoje, contraditório, é o que pode estar gerando essa marginalidade que
efetivamente a gente, enquanto cristãos, que quer fazer a diferença pode pensar
e agir para mudar esse quadro. Obrigada.
Ariovaldo: – Bom é, essa coisa da diminuição da maioridade penal ela é uma
tentativa de fazer esconder a sujeira da parede com o apagar da luz. A parede
está suja, o sujeito ao invés de ir lá limpar, apaga a luz. E aí ninguém vê a parede,
então é como se ela não estivesse suja.
O Brasil tem 74% de analfabetos funcionais. Analfabetos funcionais são pessoas
que só conseguem entender até cerca de 50% do que leem. É só uma estatística.
Gilberto de Dimenstein espalhou essa estatística pelo país todo.
Quando você tem 10% de analfabetos funcionais, espera aí -20% de analfabetos
funcionais, você tem uma crise na educação. Quando você tem 74% de
analfabetos funcionais você tem um sistema de destruição da sociedade, de
aniquilamento da capacidade de compreensão e, portanto, de participação. O
que está por detrás disso? E aí, depois de ter produzido 74% de analfabetos
funcionais a elite começa a dizer que precisamos punir os brasileiros mais cedo,
que nós temos que punir os brasileiros com 16 anos de idade. Mas não são todos
os brasileiros. São os brasileiros pobres. São os brasileiros negros, não são todos
os brasileiros. Não são os brasileiros da elite branca. Não são os brasileiros filhos
de bilionários que compram McLaren e matam um ciclista na rua. Não. São os
brasileiros que estão dando trabalho na “cracolândia”, que estão impedindo a
especulação imobiliária. São os brasileiros que vivem em submoradias.
A elite está dizendo: “-Nós não precisamos dessa gente. Vamos erradicá-los mais
cedo. Vamos colocá-los na cadeia”. Que cadeia? Que sistema penitenciário? Qual?
Eu me lembro de um amigo pastor que começou a fazer um movimento social
indignado porque um menino tinha sido morto de forma brutal. E aí ele me
chamou, eu saí da minha cidade e fui para cidade dele e disse para ele: “Rapaz,
eu também estou indignado com isso, mas isso aí não é nem a ponto do iceberg.
Você não vê o que está acontecendo no Brasil”. Ele me olhou, assim, meio com
um ponto de interrogação no rosto, mas, como nós éramos muito amigos, ele foi
tolerante comigo e deixou passar e agradeceu porque, afinal de contas, eu fui lá
apoiá-lo na indignação dele. Mas um dia ele foi visitar a cadeia na polícia civil. Ele
chegou lá e foi visitar uma cela construída para oito pessoas e, quando ele entrou
na cela, ele viu oitocentas pessoas. Oitocentas pessoas dentro de uma cela
construída para oito. Naquele dia ele se converteu. Ele se agarrava as barras das
celas e gritava: “O sujeito que criou isto é que devia estar aqui”.
Mas agora, as pessoas estão dizendo que nós vamos resolver o problema da
criminalidade no Brasil diminuindo a maioridade dos brasileiros. Que brasileiros
com dezesseis anos comandam o crime no Brasil? Que brasileiros com dezesseis
anos importam armas no Brasil? Que brasileiros com dezesseis anos mantém um
sistema de corrupção no Brasil? Que brasileiros com dezesseis anos abastecem o
mercado das drogas, da prostituição, do tráfico humano, da corrupção nas obras
públicas no Brasil? Que brasileiros com dezesseis anos se tornam governadores
no Brasil e já deixam claro quanto é que custa a assinatura deles? Que brasileiros
com dezesseis anos pagam os custos os custos milionários dos juízes corruptos
que negociam sentenças? E que brasileiros com dezesseis anos se tornam juízes
corruptos que negociam suas sentenças? De que país nós estamos falando?
Então eu, como cristão, não posso nem considerar isso como sério. Quando eu
ouço uma coisa como essa, quando eu sei que o sistema educacional de base no
Brasil é um fracasso; quando eu sei o que é distribuição de renda no Brasil. Não,
o Brasil não é pobre. O Brasil é muito rico. Na pior das hipóteses nós somos uma
das seis mais ricas economias do mundo. Na pior das hipóteses. Num mundo de
duzentas e poucas nações, ser a sexta nação mais rica do planeta deve significar
alguma coisa, deve ter alguma importância isso. E essa sexta nação mais rica,
também considerada a nação mais injusta das nações modernas, que tem a pior
distribuição de renda, a pior distribuição de terras, quer matar brasileiros com
dezesseis anos. Quer colocá-los na cadeia e quer transformá-los em alunos do
crime.
E aí eles dizem: “Ah, é porque os bandidos aliciam as crianças, os menores para
que eles façam crimes porque eles são inimputáveis”. OK. Então vamos prender
os de dezesseis anos, os bandidos vão aliciar os de catorze. Depois nós vamos
prender os de catorze e eles vão aliciar os de doze. E depois nós vamos diminuir
a maioridade para doze. E, depois, eu sugiro o seguinte, que pobres e negros já
saiam da maternidade para a cadeia. [risos] Cria esses caras já na cadeia. Resolve
o problema do Brasil. O Brasil dos 2% de brasileiros que detém 50% das terras
brasileiras. O Brasil dos 2% de brasileiros que criam 240 milhões de cabeça de
gado. Vamos deixar só eles no Brasil. Vamos todos nós para a cadeia, quem sabe
isso resolve o problema do Brasil.
Como que eu - um seguidor de Jesus Cristo - posso levar uma coisa dessas a
sério? Como? Como que você, um seguidor de Jesus Cristo pode levar um negócio
desses a sério? Enquanto o Brasil não proteger as suas crianças. Enquanto o
ensino básico no Brasil não for minimamente eficiente eu não quero conversar
sobre isso com ninguém.
Eu estava na Igreja Batista na região oeste de São Paulo – fiquei lá no ministério
por sete anos –, e um dia eu chamei o meu amigo que era o pastor titular e disse
pra ele assim: “Você viu que a nossa Igreja apareceu no jornal?” Ele disse: “Não”.
Eu falei: “Pois é rapaz, apareceu no jornal” “É mesmo? Você viu onde?” “Eu vi
numa seção aqui. Vou te mostrar”. E peguei o jornal e mostrei para ele. E sabe
por que a nossa igreja apareceu no jornal? Porque aquele jornal tinha decidido
fazer uma pesquisa sobre educação na zona oeste de São Paulo. Talvez você não
conheça São Paulo. A zona oeste de São Paulo e a zona sudoeste de São Paulo,
o centro-sul de São Paulo é a maior concentração de riqueza em São Paulo.
Quando eu digo que é concentração de riqueza você pode imaginar do que é que
eu estou falando. Então eles foram avaliar a educação do Estado. Educação da
prefeitura e do governo do estado na região oeste, na região mais rica da cidade,
ou parte do centro rico da cidade. E eles descobriram que a maioria absoluta dos
meninos, filhos dos caras que trabalham nas mansões estavam saindo do ensino
fundamental sem entender o que liam. Aí, naquela varredura da zona oeste de
São Paulo, que é muito grande – São Paulo, você sabe que qualquer bairro em
São Paulo é um absurdo de gente – eles encontraram um nicho de crianças da
escola pública que lia e entendi o que tinha lido. E eles deram vários textos e as
crianças liam e diziam: “Ah, isso aí significa isso, isso, isso e isso”. “Como vocês
sabem?” E eles disseram: “Aquela Igreja Batista ali oh. Toda a vez que a gente
sai da escola a gente vai para lá e os crentes ensinam a gente a entender o que
a gente lê”.
Enquanto o governo não fizer isso, enquanto a Igreja de Jesus Cristo não prestar
serviço, eu não quero ouvir sobre isso. Eu não quero conversar sobre isso. Eu
não quero conversar com ninguém que venha me dizer que para resolver o
problema desse país eu tenha de prender jovens de dezesseis anos de idade.
Ninguém vai me fazer acreditar nisso porque eu conheço o meu país. Ninguém
vai me fazer acreditar nisso. Então isso é o que eu tenho a dizer sobre essa
questão da maioridade”.
Degravação de vídeo realizada em 7/5/2013.
LinkFonte: <http://vimeo.com/64759494>
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