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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL Por: Cláudia Costa Schäfer Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

Por: Cláudia Costa Schäfer

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

OBJETIVOS:

Esta publicação atende a

complementação didático-

pedagócida da metodologia da

pesquisa e a produção e

desenvolvimento de monografia,

para o curso de pós-graduação

em Direito Penal e Processual

Penal. Por Cláudia Costa

Schäfer.

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AGRADECIMENTOS

A todos os autores, corpo

docente do Instituto “A Vez do

Mestre”. Aos alunos, meus

colegas de jornada, e pessoas

que, direta ou indiretamente,

contribuíram para a confecção

desse trabalho acadêmico e sua

constante atualização.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à minha

família pelo incentivo e suporte

em toda minha vida e, em

especial, à memória de minha

amada avó Marta, que sempre

esteve ao meu lado, e também ao

meu querido avô José Geraldo,

homem íntegro e culto.

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RESUMO

Estamos no século XXI, as ciências evoluíram, os especialistas em Direito,

Psicologia, Sociologia, Criminologia, dentre outros, foram capazes de nos

oferecer as causas da criminalidade infanto-juvenil. Encontramos, no Brasil,

setores sociais e grupos políticos conservadores e reacionários discutindo

possíveis soluções para os efeitos, sem preocupações com as causas. A mídia

tem exercido grande influência na formação da opinião pública, principalmente

em casos de grandes comoções e repercussões. Assim, propõem-se, com o

apoio dos meios de comunicação de massa, a redução da maioridade penal

para os 16 (dezesseis) anos, ou ainda, para os 14 (quatorze) anos, sob

alegação de que o Estatuto da Criança e do Adolescente, comumente

conhecido por ECA, não tem surtido os efeitos esperados, pelo contrário,

tornou-se uma proteção para aqueles que desejam ingressar no crime.

Devemos refletir a esse respeito, levando em consideração que no país impera

o caos no sistema prisional. Apenas a redução da maioridade penal resolveria?

Devemos pugnar por outras políticas públicas, o Estado, bem como a

sociedade tem que se fazer presente em gerar empregos, educação, saúde e

laser a todos, principalmente às crianças e adolescentes, que estão amparados

por princípios constitucionais. Não devemos nos esquecer no importantíssimo

papel da família em formar e educar suas crianças e adolescentes. Todos

somos co-responsáveis pela caótica situação atual de violência e intolerância,

que acomete a todos e a cada vez mais os jovens.

Palavras-chave: Menoridade penal – Maioridade penal – Criminalidade –

Crianças – Adolescentes – Mídia.

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METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa baseada em livros, matérias divulgadas

em mídia impressa e eletrônica. Utilizando-se as configurações básicas

previstas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - CONTEXTO SOCIAL 11

CAPÍTULO II - O MENOR 14

2.1 - Vocábulo 14

2.2 – Evolução histórica da proteção à criança e adolescente no Brasil

14

2.3 - O menor segundo o Código Penal Brasileiro 17

2.4 - Da Aferição da Idade de Imputabilidade 18

2.5 - Conceito de menor segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente

20

2.6 - Justiça Restaurativa e o Estatuto da Criança e do Adolescente 21

CAPÍTULO III – O MENOR NA SOCIEDADE MODERNA 24

3.1 - O papel da Família 24

3.2 - O papel da Sociedade 25

3.3 - Maioridade Penal aos 18 anos é a causadora de violência? 26

CAPÍTULO IV - REDUÇAO DA MAIORIDADE PENAL 28

4.1 - Argumentos favoráveis 28

4.2 - Argumentos contrários 34

4.3 – Entendimento pessoal 36

CONCLUSÃO 41

ANEXOI - Definir Maioridade Penal é Desafio do Direito Moderno

44

ANEXOII - Excesso de Recursos e Legislação Superada Fazem com que a Justiça não Atenda Àquilo que a Sociedade Reclama

49

ANEXOIII - Redução da Maioridade Penal está Emperrada

54

ANEXO IV - Justiça Restaurativa Beneficia Menores em São Paulo

56

ANEXO V - FIA – Fundação Para Infância E Adolescência 59

BIBLIOGRAFIA 61

ÍNDICE 65

FOLHA DE AVALIAÇÃO 66

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INTRODUÇÃO

A violência permeia os agrupamentos

humanos desde épocas bem remotas, provavelmente a violência é inerente ao

comportamento humano, o que leva à discussão das suas causas e possíveis

soluções. Nesse contexto, sempre houve a preocupação com a criminalidade

infanto-juvenil como agente potencializador da violência. É comum, na

sociedade moderna, encontrarmos em famílias estruturadas ou não menores

cometendo delitos menores e crimes, até mesmo hediondos, sem falar no

constante aumento de consumo de substâncias entorpecentes entre a

juventude.

Quando o tema é violência e criminalidade,

especialmente envolvendo jovens, mitos e distorções tomam conta do debate

público. Esse trabalho objetiva desconstituir preconceitos e argumentos

falaciosos acerca de certos movimentos traduzidos pela ideologia de que a

repressão é o melhor remédio ao "fenômeno da violência”.

A redução da maioridade penal causa

polêmica em todo sistema jurídico penal, não só no Brasil, como em todo o

resto do planeta. Temos por um lado a questão inerente à reforma do Código

Penal pátrio e do outro a aplicação severa e minuciosa do Estatuto da Criança

e do Adolescente (o ECA). Muitos acreditam que a impunidade de que gozam

os adolescentes e crianças no Brasil, origina-se em torno da questão de ser o

Estatuto da Criança e do Adolescente um instrumento muito paternal e protetor.

Questiona-se a redução da maioridade penal como uma alternativa realmente

eficiente e solucionadora dos delitos juvenis.

Ressalte-se que o sistema carcerário e

penitenciário de que dispõe o nosso país, a estrutura prisional do Brasil é falha,

entretanto, faz-se necessário que, antes de arquitetar mudanças,

primordialmente, é salutar que se disponha de planejamento e organização

funcional relativos ao cerne carcerário, de forma que proporcione o bem estar e

a seguridade social no país.

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Não se pode simplesmente querer adotar ou

deixar de adotar certas providências, sem antes se cientificar se a estrutura

prisional é capaz de suprir aos anseios punitivos esperados.

A Constituição Federal de 1988 definiu a

idade limite para a maioridade penal, classificando como inimputáveis

penalmente os menores de 18 (dezoito) anos. O ECA, (Lei Federal nº 8.069, de

13 de julho de 1990), em consonância com a Constituição, instituiu a

responsabilização do adolescente de 12 (doze) a 18 (dezoito) anos, autor de

ato infracional, prevendo 6 (seis) diferentes medidas sócio-educativas. Nos

casos de maior gravidade, o adolescente pode cumprir medida sócio-educativa

de privação de liberdade, aludindo desse modo que, contrariamente ao que se

presume acerca do Estatuto, o mesmo não propõe a impunidade, mas sim,

dispositivos legais punitivos aos menores infratores.

A sociedade e os meios de comunicação de

massa discutem a questão da maioridade penal no Brasil. Essa problemática é

revivida, geralmente, face às notícias de crimes bárbaros cometidos por

menores. Recentemente, o motivo da comoção pública foi o fato de um menor,

executor do crime bárbaro do caso do garoto, João Hélio, que foi arrastado até

a morte pelas ruas do Rio de Janeiro, tenha completando 18 (dezoito) anos.

Aproveitando o clima de insegurança

disseminado no país frente aos crescentes índices de criminalidade, tramitam

atualmente no Congresso Nacional, vários projetos de lei que propõem o

rebaixamento da maioridade penal. Com isso, os adolescentes, passariam a

ser julgados pela justiça comum e cumpririam pena no sistema penitenciário já

a partir dos 16 (dezesseis) anos.

Os problemas jurídicos inerentes à

severidade ou ao tenro caráter punitivo legal em face dos menores

delinquentes, ocasionam facetas diversas à esfera jurídica: a redução da

maioridade penal é uma alternativa eficaz face aos delitos infantis? O Estatuto

da Criança e do Adolescente é suficiente para coibir a marginalidade infantil?

Este estudo pretende fazer abordagens a

partir da inserção do objeto de análise da realidade sócio-econômica e política

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brasileira, haja vista, os países cuja menoridade penal se dá aos 16

(dezesseis), 14 (quatorze) ou 10 (dez), coerentemente, cobrarem um

comportamento condizente com aquilo que eles oferecem. Oferecidas todas as

condições para os jovens se inserirem plenamente na sociedade, nada mais

justo que seja exigido deles um ajustamento às condições oferecidas.

Entretanto, o que se deve exigir daqueles que

não têm o que comer, que não possuem moradia digna, que não têm escola de

qualidade, que não têm lazer, que não têm perspectiva de emprego e renda,

que vivem numa atmosfera de violência e crime? Diante disso, há necessidade

de uma reflexão, buscando descobrir as causas da violência menorista e suas

possíveis soluções.

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CAPÍTULO I

CONTEXTO SOCIAL

Os alarmantes índices de miséria e pobreza que permeiam os grandes

centros urbanos do nosso país têm ocasionado um aumento significativo de

menores abandonados a vagar pelas ruas, concentrando-se em semáforos,

onde realizam toda a sorte de atividades lícitas e, principalmente, ilícitas.

É inegável que o grande contingente de menores que cometem atos

infracionais se encontra entre as camadas mais vulneráveis do estrato social. A

marginalização do menor não se restringe ao não enquadramento sócio-

econômico, está relacionada, também, a diversos fatores ligados à família do

daquele: desemprego dos pais, reduzida renda ou ausência desta, falta de

moradia ou em condições degradantes, dentre outras. Em decorrência desses

fatores, a família do menor, por falta de perspectivas, adquire vícios como

alcoolismo e violência doméstica (moral, física e sexual) que afetam direta e

indiretamente as crianças e os adolescentes.

Associado, temos o aumento desordenado dos bairros populares e

também das favelas, sem infra-estrutura básica, educação de baixa qualidade,

falta de sistema de saúde e saneamento, ausência de segurança pública e

consequente domínio de facções criminosas que traficam drogas e armas,

além de cometerem toda sorte de violências. Tais comunidades carentes se

encontram, em sua maioria, próximas dos bairros luxuosos, ou de classe

medida, onde os incluídos no sistema ostentam os fetiches do consumismo,

numa afronta àqueles que sequer tem o básico para viver dignamente. Tal

contradição vista de tão perto, gera um aumento ainda maior de revolta e

estimula o crescimento da marginalidade, mas não a justifica.

A falta de perspectiva da juventude de um modo geral gera um

fenômeno de banalização dos valores básicos da vida, uma juventude sem

educação e cultura, se volta às futilidades de consumo, muitas vezes

influenciadas pela mídia, que massacra a sociedade com informações de

pouca qualidade e é essa mesma mídia quem insufla a sociedade contra os

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menores, tornando-os os vilões. Mas esses “vilões” foram criados pela mesma

sociedade que os insufla a serem fúteis, alienados e até mesmo violentos. Um

verdadeiro ciclo vicioso.

A questão sócio-econômica desponta como mola-mestra a impulsionar

a origem e o aumento da criminalidade, não só entre os menores, mas da

criminalidade em geral. No contexto de uma sociedade globalizada, pautada

em valores consumistas, pobres, desempregados, mendigos, nômades e

migrantes representam classes perigosas que os sistemas de controle sociais

buscam separá-las das classes laboriosas e com condições de consumir. Esta

segregação é feita com intuito de “de neutralizar a ‘periculosidade’ das classes

ditas perigosas através de técnicas de prevenção do risco, que se articulam

principalmente sob as formas de vigilância, segregação urbana e contenção

carcerária”1.

Partindo da premissa de que o objetivo primordial das penas é

dissuadir a violação das leis, haverá necessidade de uma lógica de prevenção

em que “as instituições e práticas repressivas devem impor, a quem ousa violar

a ordem constituída, condições de existência piores do que as garantidas a

quem se submeter a ela”2.

Dentro dessa lógica, numa economia capitalista desordenada a

condição dos não-proletários determinará os rumos da política criminal, pois,

coincidência ou não, os delitos, em sua maior parte, são cometidos por

indivíduos que pertencem às classes socialmente mais oprimidas, sendo para

elas que o sistema penal se dirige seletivamente.

Sem dúvida, que apenas com uma justiça social ampla, poderemos

minorar o alto grau de criminalidade, tanto de adultos, quanto de adolescentes.

Todavia, ações que apontem nesse sentido, tem seus efeitos percebíeis,

somente a longo prazo, levando governo e parcela da sociedade a implantar, a

curto prazo, uma contenção social. Ressaltando que as favelas ou guetos

despontam como um internamento urbano, configurando-se como uma

1 De Giorgi, Alessandro. A miséria Governada Através do Sistema Penal. Rio de Janeiro: ICC,2006

(Pensamento criminológico; v.12)., p.28. 2 De Giorgi, Alessandro. A Miséria Governada Através do Sistema Penal. Rio de Janeiro: ICC,2006

(Pensamento criminológico; v.12)p.39.

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tentativa de definir espaços de contenção social, perímetros materiais traçados

em torno de populações excluídas do trabalho e consumo plenos.

No Brasil, após um conturbado período de repressão, a Constituição

Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, forneceu o norte jurídico

para ditar premissas que obrigatoriamente devem, ou pelo menos deveriam,

ser ponderadas e executadas pelo o Estado e seus representantes. A fórmula

adotada por essa Constituição instituiu a República brasileira como um Estado

Democrático de Direito, implicando ser a dignidade da pessoa humana, o

valor supremo da ordem jurídica, política, social e econômica. Assim:

“enquanto valor incorporado ao sistema jurídico constitucional sob a forma de

princípio – no moldes previstos no art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988 -, a

dignidade da pessoa humana sinaliza para uma inversão na prioridade política,

social, econômica e jurídica, até então inexistente, do Estado brasileiro

constitucionalmente idealizado. Passa-se, a partir do texto de 1988, a ter

consciência constitucional de que a prioridade do Estado (política, social,

econômica e jurídica) deve ser o homem, em todas as suas dimensões, como

fonte de sua inspiração e fim último.”3

3 Martins, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana: principio constitucional

fundamental. Curitiba: Juruá, 2006.p. 72.

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CAPÍTULO II

O MENOR

2.1 – Vocábulo

Derivado do latim minor, gramaticalmente é, como adjetivo,

comparativo de pequeno. No sentido técnico-jurídico, é empregado como

substantivo, designa a pessoa que não tenha ainda atingido a maioridade, isto

é, não atingiu a idade legal para que se considere maior e capaz.

Menor é o indivíduo que não atingiu a idade legal para a maioridade,

sendo assim, considerada incapaz ou isenta de responsabilidade para praticar

atos regulados pela idade legal.

Segundo a Lei nº 8069/90, criança é um indivíduo que possui idade até

12 (doze) anos incompletos, de 12 (doze) anos completos até 18 (dezoito)

anos, passa-se a ser chamado de adolescente.

2.2 – Evolução histórica da proteção à criança e

adolescente no Brasil

Ao longo dos séculos, o direito da criança e do adolescente vem

evoluindo. Em épocas remotas, a criança era quase uma coisa, um objeto, era

vista como propriedade do chefe de família, não possuía direito algum,

devendo obedecer todas as vontades do líder familiar que podia decidir,

inclusive, sobre vida e morte de seus filhos, netos etc.

Em 1927, foi publicado o Decreto nº 17.943-A, a primeira legislação

acerca dos menores do Brasil, chamado de Código Mello Matos. Esse texto

trouxe diversas inovações como, por exemplo, a figura do juiz de menores,

centralizando todas as decisões referentes ao destino de menores infratores.

Porém, mais uma vez, suprimia-se a figura da família como parte integrante e

necessária do desenvolvimento do menor, dando-se mais importância ao

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recolhimento dos infratores como forma de proteger a sociedade. Esse

pensamento passou a ser conhecido como doutrina da situação irregular.

Não havia uma política de proteção a todas as crianças, mas sim de

proteção à própria sociedade. Sendo assim, os menores deveriam ser

extirpados, retirados do seio familiar e social. Após algum tempo, sob forte

influência da Igreja Católica, as crianças e adolescentes adiquiriram alguns

direitos.

Em 1948, após a guerra, discussões acerca dos direitos humanos

aumentaram, o que levou a ONU (Organização das Nações Unidas) a publicar

2 (dois) documentos de suma importância para o desenvolver do direito da

criança: a Declaração Universal dos Direitos do homem (de 1948) e a

Declaração dos Direitos da Criança (de 1959). Tais documentos vieram a ser o

ponto de partida para a doutrina da proteção integral, reconhecendo as

crianças como sujeitos de direitos, carecedoras de proteção e cuidados

especiais.

A Declaração dos Direitos da Criança estabeleceu diversos princípios,

dentre eles, o princípio da proteção especial para o desenvolvimento físico,

mental, moral e espiritual e o princípio a educação gratuita e compulsória.

Em 1964, houve um retrocesso da tendência protetora, que se

concretizou no auge do regime militar, em 1967, com a redução da maioridade

penal para 16 (dezesseis) anos, perdurando esta até o ano de 1968, quando

voltaram à maioridade penal para os 18 (dezoito) anos. Cresciam ao redor do

mundo políticas visando resguardar os direitos da criança, como o Pacto de

São José da Costa Rica (de 1969), e as Regras Mínimas de Beijing (de 1985).

Em 1989, a Resolução nº 44 da Convenção dos Direitos da Criança

trouxe diversas novidades, era a primeira vez que se adotava a doutrina da

proteção integral fundada em três pilares principais: i) o reconhecimento da

condição da criança como sendo pessoa em desenvolvimento; ii) a criança

como carecedora de proteção especial, visando sempre que possível preservar

o direito a convivência familiar através de garantias; e iii) deveres das nações

subscritoras da Convenção para assegurar os direitos insculpidos na mesma,

com prioridade.

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Em 1988 nascia a Constituição Cidadã, onde podemos notar a

preocupação com o direito infanto-juvenil nos artigos 227 e 228. Dois anos

depois, objetivando regulamentar e implementar o sistema da proteção integral

previsto na nossa constituição da República, foi promulgada a Lei nº 8.069/90,

o Estatuto da Criança e do Adolescente, que abrangia diversos campos do

direito, bem como instituía novos ilícitos penais.

Adotou-se o princípio da descentralização político-administrativa

quanto às questões previstas no ECA, materializando uma maior atuação na

esfera municipal pela participação direta da comunidade através do Conselho

Municipal de Direitos e Conselho Tutelar de acordo com o artigo 88 do ECA.

Iniciava-se uma nova fase, um novo olhar sobre a mesma

problemática. As leis vieram com o intuito de prevenção, tentando evitar que os

menores se tornassem um problema social. Porém, na prática não era o que a

realidade iria nos mostrar.

Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela

lei para regularizar a situação dos menores, a prática era de uma atuação

segregatória na qual, normalmente, os menores eram levados para internatos,

ou no caso de infratores, institutos de detenção mantidos pela antiga Febem

(Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor). Inexistia preocupação em

manter vínculos familiares, até porque a família ou a falta dela era considerada

a causa da situação irregular.

Segundo José Ricardo Cunha4: “os menores considerados em situação

irregular passam a ser identificados por um rosto muito concreto: são os filhos

das famílias empobrecidas, geralmente negros ou pardos, vindos do interior e

das periferias.”

Na prática a situação se mantém, continuamos a culpar suas famílias,

ou pela falta desta, continuamos segregando e não agregando os menores que

não se enquadram no padrão social. As casas de reabilitação dos menores

infratores continuam sendo verdadeiros centros de abusos e descasos.

4 CUNHA, José Ricardo. “O estatuto da criança e do adolescente no marco da doutrina jurídica da

proteção integral”. In: Revista da faculdade de direito Cândido Mendes, Rio de Janeiro, vol 1, 1996, p.98.

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Para de fato, mudar o menor infrator, a sociedade deverá passar por

profundas transformações que, consequentemente, abrangerá toda sua

estrutura. As casas de reabilitação devem fazer o seu trabalho, tratando com

respeito e afeto aqueles que nunca tiveram essa possibilidade. Tais instituições

são incumbidas de mostrar e ensinar o limite, mas sem uso de violência ou

torturas físicas como vem ocorrendo ao longo dos anos nos Centros de

Internação.

Assim, conclui-se que no campo formal a doutrina da proteção integral

ao menor está perfeitamente delineada, porém o grande desafio é torná-la real,

efetiva, palpável. A municipalização deve ser real, cada município deveria

instalar Conselhos, além de exigir um comprometimento de todos os agentes

responsáveis em querer mudar e adequar o cotidiano infanto-juvenil a um

sistema garantista, que nos levará ao esperado progresso social. Enquanto

isso não ocorrer, não haverá mudança.

2.3 - O menor segundo o Código Penal Brasileiro

O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de

1940) objetiva a inserção, na esfera punitiva, de condutas lesivas ao interesse

social. O reajustamento do processo criminal deve estar acometido de uma

política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade e a ordem social,

a fim de impedir por meios eficazes, os delitos penais no âmago do cerne

social.

Vale-se o Código Penal das penas privativas de liberdade e também

das restritivas de direitos, dispondo assim, de sanções legais, dotadas de um

poder coercitivo voltado para a busca de um sistema criminal eficaz e rígido,

em face da criminalidade que acomete a sociedade.

Segundo o Código Penal brasileiro, menor é toda pessoa com menos

de 18 (dezoito) anos, ou seja, incapaz de responder por atos ilícitos antes de

completar a maioridade: 18 (dezoito) anos. Em outras palavras, menor é aquela

pessoa cuja responsabilidade não é imposta ou imputada face aos delitos

cometidos antes de 18 (dezoito) anos de idade, isto é, é inimputável o indivíduo

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antes de completar 18 (dezoito) anos. O menor infrator está em conduta

antijurídica, em virtude dele ser considerado incapaz de entender o caráter

delituoso do ato pretérito à idade legal, sendo este critério denominado sistema

biológico, conforme dispõe o artigo 26 do Código Penal: “É isento de pena o

agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou

retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento”.

Surge, assim, a figura da imputabilidade, em virtude de se tratar de um

encadeamento jurídico destinado a culminar na responsabilização penal,

seguida da punição. Imputabilidade deriva de imputar, do latim imputare (levar

em conta, atribuir, aplicar), exprime a qualidade do que é imputável. Ou seja, a

imputabilidade revela a indicação da pessoa ou do agente, a quem se deve

atribuir ou impor a responsabilidade, ou a autoria em virtude de fato verdadeiro

que lhe seja atribuído, ou cujas consequências seja responsável.

A imputabilidade, no sentido penal, é atribuir à pessoa a

responsabilidade de autor ou causador do ato ou fato ilícito.

Para Mirabete, há imputabilidade quando o sujeito é capaz de

compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse

entendimento, ensejando assim, a imputação penal mediante sua conduta

ilícita e antijurídica.

Damásio E. de Jesus entende que imputabilidade penal é o conjunto de

condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente

imputada a prática de um fato punível ou conduta que contraria os

mandamentos da ordem jurídica.

2.4 - Da Aferição da Idade de Imputabilidade

Existem 3 (três) formas de aferição da capacidade de discernimento de

uma pessoa juridicamente válidas. Uma delas é o critério biológico, o qual, leva

em conta, tão somente, a idade do indivíduo. A outra, o critério psicológico, que

se baseia na psique de cada pessoa para a compreensão do crime. A terceira

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forma, é a mista, que é que mesclagem das duas teorias anteriormente ditas.

De acordo com o sistema jurídico vigente no Brasil, a maioridade penal

se dá aos 18 (dezoito) anos de idade. O legislador constitucional e

infraconstitucional adotou o sistema biológico, onde a capacidade psíquica é

irrelevante.

A proteção do menor encontra-se em 3 (três) Diplomas Legais: i) artigo

27 do Código Penal; ii) artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do

Adolescente; e iii) artigo 228 da Constituição Federal de 1988.

Nem sempre foi assim, o Código Criminal de 1830 estabelecia a

maioridade penal acima dos 14 (quatorze) anos, adotando o sistema

psicológico: “Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que

tiverem cometido crimes obraram com discernimento, deverão ser recolhidos

ás casas de correcção, pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o

recolhimento não exceda a idade de dezesete annos”. Com o advento da

República, edita-se o Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890, adotando o

sistema misto, onde os menores de 09 (nove) anos segundo o sistema

biológico e entre 09 (nove) e 14 (quatorze) anos pelo sistema psicológico: “Art.

27. Não são criminosos: § 1.° Os menores de 9 annos completos; § 2.° Os

maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento”.

O primeiro Código de Menores do Brasil, de profundo teor

protecionista, conhecido como Código Mello Mattos (Decreto n° 17.943-A, de

12 de outubro de 1927), consolidou as leis de assistência e proteção aos

menores, consagrou a aliança entre Justiça e Assistência, com objetivo de se

constituir num instrumento de intervenção sobre a população pobre.

Transcorridos 50 (cinquenta) anos da proclamação da República, editou-se o

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (o Código Penal brasileiro),

que acolheu o sistema biológico: “Art. 23. Os menores de dezoito anos são

penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na

legislação.

A Constituição de 1988 no seu art. 27, caput , consagrou a Doutrina da

Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. O ECA (Lei nº 8.069, de 13 de

julho de 1990), disciplinou de forma especial a situação da criança e

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adolescente dentro de uma linha protecionista: “Art. 3º A criança e o

adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa

humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-

se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim

de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em

condições de liberdade e de dignidade”.

2.5 - Conceito de menor segundo o Estatuto da Criança e

do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) veio

consolidar os anseios de benefícios à população infanto-juvenil no Brasil,

sendo fundamental para garantir a condição de sujeitos de direitos à criança e

ao adolescente. A implantação do ECA, proporcionou o caráter protecionista

integral aos direitos infanto-juvenis, gozando estes de direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana.

O ECA é regido por três princípios orientadores: i) o princípio

absolutista, que trata da primazia em favor do menor; ii) o princípio do melhor

interesse, que veio a ganhar maior amplitude com o advento da Constituição de

1988, passando a ser aplicado a todo público infanto-juvenil, o que não ocorria

à época da doutrina da situação irregular; e iii) o princípio da municipalização,

que trata da descentralização somada com a aplicação das políticas

assistências, simplificando assim a fiscalização das implementações e

cumprimento das metas determinadas nos programas do poder público por

aqueles que encontram-se mais próximos dos cidadãos, os municípios.

Dentre os diversos avanços estabelecidos pelo ECA, ressalta-se a

criação dos Conselhos de Direitos e Tutelares, deflagração da participação do

Poder Público e da sociedade organizada na elaboração de políticas sociais,

garantindo e efetivando plenamente o exercício da cidadania a todas as

crianças e adolescentes.

No que concerne ao aspecto social, a aplicação efetiva do ECA

constituiria um meio de comprometer o jovem em um processo sócio-educativo

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e conscientizá-lo de sua responsabilidade social. Desse modo, o contexto

relativo à sistematização efetiva do Estatuto, advém do fato que não adianta

punir e castigar uma criança, é preciso que as disposições do ECA

fundamentem princípios de cidadania e estruturação da personalidade do

menor.

O critério de menor adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

alude que o ele (o menor) é uma pessoa incapaz de entender e discernir o

caráter ilícito do fato, não possuindo assim, suficiente capacidade de

desenvolvimento psíquico para entender o caráter criminoso do fato ou ação.

Este critério é denominado sistema biopsicológico ou biopsicológico normativo.

Dispõe o art. 104, do ECA: “São penalmente inimputáveis os menores

de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”. O artigo supra

citado, em seu parágrafo único reporta: “Para os efeitos desta Lei, deve ser

considerada a idade do adolescente à data do fato”.

Dessa forma, menor, é toda pessoa que à época de um ato delituoso

possuía menos de 18 (dezoito) anos, é inimputável, ou seja, não versa

responsabilidade acerca do fato ilícito praticado. Entretanto, para o Estatuto da

Criança e do Adolescente, inimputabilidade não é sinônimo de impunidade, é

sim, meio de se regular as responsabilidades do adolescente.

2.6 - Justiça Restaurativa e o Estatuto da Criança e do

Adolescente

A justiça restaurativa emergiu a partir de um conjunto de iniciativas

surgidas na década de 70 (setenta) do século XX buscando modificar o modo

de lidar com atos caracterizados como crime, principalmente em 3 (três)

grandes esferas: i) no fundamento do sistema criminal a partir de uma revisão

histórico-crítica do modo como são compreendidos os conflitos entre pessoas e

grupos sociais e o papel assumido pelo Estado diante deles; ii) no modo de

resolução desses conflitos e os direitos das diferentes pessoas envolvidas,

tanto direta como indiretamente, inclusive o próprio Estado; e iii) na

compreensão dos objetivos pretendidos com essa resolução, considerando o

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impacto que esses atos produzem nos “ofensores”, “vítimas”, na comunidade

em que se inserem e na sociedade como um todo, representada pelo Estado.

Diante da controvérsia na literatura especializada quanto aos

fundamentos da justiça restaurativa, atualmente, está sendo considerada como

um conceito aberto que se constrói em torno de valores, processos e/ou seus

resultados e/ou objetivos.

De maneira simples, a Justiça Restaurativa pode ser definida como um

processo de resolução de conflito participativo por meio do qual pessoas

afetadas direta e indiretamente pelo conflito (intersubjetivo, disciplinar,

correspondente a um ato infracional ou a um crime) se reúnem voluntariamente

e de modo previamente ordenado, para juntas (geralmente com a ajuda de um

conciliador) estabelecerem pelo diálogo um plano de ação que atenda as

necessidades e garanta o direito de todos afetados, com esclarecimento e

atribuição de responsabilidades.

Portanto, as práticas restaurativas implicam ajuste patente e cônscio

entre as partes envolvidas. Sem esta consonância, não haverá opção a não ser

apelar ao procedimento habitual.

Como o mote da violência e da criminalidade está, em princípio,

agregado a relações tumultuadas que evoluem de forma descontrolada, as

soluções de conciliação informal de conflitos guiados pelos ideais da Justiça

Restaurativa constituem um prestigioso instrumento de implementação da

cultura de paz.

A Justiça Restaurativa edifica-se na aceitação de que o sistema

punitivo clássico concentra-se demasiadamente no aparato estatal (juiz, policial

e promotor) e no vulto do réu e de seu defensor. Entre os referenciais

normativos em âmbito internacional da Justiça Restaurativa cite-se a

Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Resolução nº

12/2002), que conceitua e aborda os princípios básicos para utilização de

programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal.

Para além da esfera criminal, especialmente na área da justiça juvenil,

cite-se as Regras de Beijing (Regras mínimas das Nações Unidas para a

Administração da Justiça da Infância e Juventude) e as Diretrizes de Riad

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(Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da deliquência), que

possibilitam que os princípios restaurativos estejam em sintonia com ações

voltadas à prevenção, garantidoras de direitos.

Na legislação brasileira apesar de inexistirem dispositivos expressos

prevendo a aplicação de práticas integralmente restaurativas, o Código de

Processo Penal, a Lei nº 9.099/95 e o Estatuto da Criança e do Adolescente

prevêem a utilização de métodos de composição de conflitos de acordo com os

princípios restaurativos, sem afronta ao direito processuais.

A experiência de países como o Canadá e a Nova Zelândia, que

adotaram nacionalmente e de modo institucional a Justiça Restaurativa, tem

apontado eficácia no trato com adolescentes infratores.

No Brasil, a preceito aplicável aos menores de 18 (dezoito) anos é o

ECA. Há uma convergência entre ECA e Justiça Restaurativa. O ECA prevê

medidas de proteção (artigo 101), aplicáveis às crianças e aos adolescentes

com direitos violados e/ou na iminência de os serem e as medidas sócio-

educativas, aplicadas especificamente a adolescentes infratores, previstas no

artigo 112 e seguintes, que podem valer-se das práticas restaurativas. Na

prática de ato infracional, as autoridades, como o representante do Ministério

Público, anteriormente ao procedimento e o Juiz de Direito, durante o processo,

podem promover a participação do adolescente, de sua família e da vítima, na

busca de uma efetiva reparação dos danos e de uma responsabilização

conscienciosa do adolescente infrator.

Assim é que se põe a difusão dos princípios e práticas da Justiça

Restaurativa como estratégia eficaz de envolvimento participativo de crianças,

adolescentes, bem como suas famílias.

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CAPÍTULO III

O MENOR NA SOCIEDADE MODERNA

3.1 - O papel da família

As causas da criminalidade infanto-juvenil, no seio das famílias

brasileiras que não atravessam problemas de ordem sócio-econômica,

originam-se, em sua maioria, na permissividade dos pais, que não impõem

limites de ordem disciplinar ao menor, criando verdadeiros transgressores da

ordem social.

Essa correlação existente entre a negligência com a educação dos

filhos e as violências cometidas pelos chamados “pitboys” em boates e festas,

ou mesmo quando vem à tona casos como o da “patricinha do crime”, nome

pelo qual ficou conhecida a estudante de Direito, Ana Paula Jorge Souza,

presa em março 2007 suspeita de integrar uma quadrilha acusada de assaltos

a residências e casas lotéricas de Campinas, interior de São Paulo.

Em casos como os citados, é notório o fato de que o interesse

primordial desses jovens delinquentes não é o pecuniário, colocado em

segundo plano, e sim, pela busca de adrenalina, fortes emoções, numa procura

quase que compulsiva de romper limites que não foram postos pela família.

Esses jovens delinquem pelo simples desejo de desafiar a sociedade.

Existem também os jovens de classes econômicas menos abastadas,

que além das necessidades financeiras, padecem de uma família que lhes

deem suporte, como no caso do jovem Ezequiel Toledo da Silva (hoje com 19

anos) condenado pelo assassinato do menino João Hélio, em 2007 no subúrbio

do Rio de Janeiro, a cumprir medida de semiliberdade em um Centro de

Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (CRIAAD), um abrigo

para infratores do estado do Rio de Janeiro. Decisão proferida pelo Juiz de

Direito, titular da 2ª Vara de Infância e da Juventude, Dr. Marcius da Costa

Ferreira, em 24.02.2010. Ezequiel era o único menor à época do crime e foi

solto no dia 10.3.2010, depois de cumprir 3 (três) anos de internação, que é a

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pena máxima para menores infratores. A liberdade do jovem gerou polêmica

depois que ele foi incluído no programa de proteção.

3.2 - O papel da Sociedade

Destacam-se, ainda, entre outras causas, a cultura da violência, que a

sociedade afirma combater, mas que a realidade nos revela o inverso: ócio e

tédio, que acabam contribuindo para viciar o menor desde criança aos jogos

eletrônicos violentos, a influência dos meios de comunicação, que levam, em

horários predominantemente de audiência infanto-juvenil, imagens de violência,

sexo, drogas, de maneira explícita e chocante, que sem possibilidade mental

de filtrá-las, acaba por absorvê-las psicologicamente como algo normal. O que

aconteceu na sociedade atual é uma total inversão de valores, onde são

valorizadas personalidades vazias e fúteis, e muitas vezes, violentas.

Moralmente a sociedade possui uma parcela de responsabilidade na

tutela à criança e ao adolescente. Juridicamente, essa responsabilidade tornou-

se obrigação com a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde o

caput do art. 227 preceitua que: “É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,

à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão”.

Além disso, o artigo 4º, do ECA dispõe que: “É dever da família, da

comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com

absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Na realidade, todos temos consciência que o Estado destina verbas

insuficientes para a assistência ao menor, mas pouco fazemos para reverter

essa realidade.

No plano social, sendo a adolescência uma fase de instabilidade onde

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o jovem está sujeito a se identificar com modelos errados e fazer escolhas

equivocadas, é de vital importância um investimento real na educação

coligando o amparo social à questão da formação e estruturação da

personalidade do adolescente.

3.3 - Maioridade Penal aos 18 anos é causadora de

violência?

A compreensão de que a maioridade penal aos 18 (dezoito) anos é

causadora da situação de violência em nosso país, é uma dedução falaciosa e

demagógica, vez que, a solução não está em encarcerar adolescentes,

esquecer a chave e achar que resolveu o problema. A falha está na não

aplicação eficaz do ECA, pois o que falta, são medidas sócio-educativas, a fim

de reeducar o menor infrator, dentre elas o internamento, que é previsto no

Estatuto da Criança e do Adolescente. Há de se ressaltar que tais internatos ou

centros de reabilitação não podem ser locais de tortura ou cárceres

desumanos.

O Estatuto não prevê e nem defende a impunidade do adolescente

infrator, alude disposições legais pertinentes à inibição da prática de atos

ilícitos cometidos por menores e a sua posterior reeducação, de modo, que

haja um maior empenho para a plena aplicabilidade dos artigos elencados no

Estatuto.

Nesse diapasão, Miguel Reale Júnior explana: "A redução da

maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da

criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reluz

em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente

opressivas que expõe enorme contingente de crianças e adolescentes, em

nosso país, à situação de injusta marginalidade social".

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma disposição legal

suficientemente capaz de coibir a marginalidade infantil, sem a necessidade de

haver a redução da maioridade penal, mas para isso deve haver um interesse

do poder público aliado ao interesse social, onde sociedade e Estado devem

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caminhar de mãos dadas para a solução do problema. Não é encarcerando

jovens em instituições mais violentas que haverá uma reeducação, pelo

contrário.

A transformação do adolescente, como o responsável pelo clima de

violência e insegurança social, motivando a redução do patamar etário da

imputabilidade penal, gera somente uma “cortina de fumaça”, desviando a

atenção da opinião pública das causas reais da violência, que são a ausência

do direito ao trabalho, o fracasso dos mecanismos de controle social, a

desresponsabilização do Estado face ao contingente de crianças e

adolescentes.

A desqualificação do ECA como instrumento jurídico na regulação dos

direitos e responsabilidades dos adolescentes, bem como dos princípios

constitucionais que estatuem a proteção à infância como direito social (art. 6º,

CRFB/88) e a inimputabilidade penal aos menores de 18 (dezoito) anos (art.

228, CRFB/88), não presumem soluções inerentes à criminalidade juvenil e

insegurança social decorrente de atos ilícitos cometidos por menores

delinquentes.

Alguns crêem que o Poder Judiciário, particularmente, os Juizados da

Infância e da Juventude, poderiam executar as medidas coercitivas aos

delinquentes, com respaldo nos pressupostos da competência e da seriedade

no enfrentamento de problemas penais concernentes aos dispositivos do

Estatuto, objetivando evitar que se tornem em resultados inócuos e ineficazes,

em virtude de uma execução penal falha ou desastrada.

Assim, seria necessário a criação de mecanismos inibidores da

crescente onda de violência infanto-juvenil, como por exemplo poder registrar

na Folha de Antecedentes todo delito praticado pelo menor infrator e, quando

este atingisse a maioridade penal, na eventualidade deste vir a praticar outros

crimes, a pena aplicada ou prevista para o crime, fosse acrescida de sanções

cumulativas às dos crimes praticados durante a menoridade.

Ante ao aludido, a responsabilidade do Pode Judiciário no tocante ao

critério de fixação das penas elencadas no Estatuto (ECA), seria sinônimo

também de justiça punitiva.

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CAPÍTULO IV

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

4.1 - Argumentos favoráveis

Aos que defendem a redução da maioridade penal, a imputação penal

aos menores infratores é perfeitamente aceitável, pois os adolescentes

delinquentes já têm capacidade de entender o que é certo ou errado, por isso,

devem ser condenados caso cometam um crime. Os defensores dessa tese

acreditam ser hipocrisia dizer que na complexa sociedade brasileira

contemporânea, os adolescentes não têm discernimento do certo ou errado.

Em virtude de uma série de crimes violentos cometidos por menores de

18 (dezoito) anos, ou com a participação destes, tem-se ensejado a

necessidade da diminuição da faixa etária penal, propiciando assim, a

responsabilidade para os menores de 18 (dezoito) anos. Para tanto, é

fundamental que haja uma execução efetiva das penas, cumprindo-se com

competência e sapiência as disposições penais elencadas ao parâmetro etário

em questão.

Muitos acreditam que o ECA é um afronto jurídico, e principalmente,

um atentado à justiça social, já que Estatuto incentiva a criminalidade através

da impunidade dos criminosos menores de idade. Segundo este entendimento,

o paternalismo do ECA proporcionaria uma excessiva proteção aos menores

infratores, criando dessa forma uma situação de incredibilidade da sociedade

em face da Justiça. Veja-se que o Estatuto proíbe a divulgação do nome dos

menores e suas fotos só podem ser estampadas mediante uma tarja de

proteção.

Salientam também os defensores desta corrente, que os menores no

Brasil gozam de uma impunidade, graças a uma legislação, mais

especificamente o ECA, que contempla mais a sociologia do que a

criminologia. Por isso, não basta revogar o art. 27 do Código Penal, “os

menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às

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normas estabelecidas na legislação especial".5 Assim, faz-se primordial, que

um novo e menor parâmetro etário para o início da responsabilidade penal,

venha e seja convenientemente disciplinado, ou seja, acompanhado de

disposições e sanções que sabiamente o regule.

É necessário que as penas sejam executadas em estabelecimentos

carcerários especiais e realmente qualificados, que possam ensejar uma

efetiva educação do infrator, alfabetizando-o, nos casos necessários, e se até,

dando-lhe uma formação profissional. Desta feita, em caso de tais disposições

não serem cumpridas, estabelecer punições de caráter tributário,

administrativo, e mesmo penal, para os Estados, os entes públicos e as

pessoas que fossem incumbidas da execução de penas para os sentenciados

na faixa etária em causa.

Alegam os defensores que em relação ao aspecto social, a redução da

maioridade penal é alvo de certames inerentes à segurança e ordem social.

Fazendo jus ao clima de insegurança disseminado no país frente aos

crescentes índices de criminalidade. A sociedade se depara com o aspecto

humano ligado diretamente à criminalidade fruto das ações indiscriminadas dos

menores: o direito à vida.

A sociedade, sendo considerada como a segunda célula mater do ser

humano, é um conjunto de pessoas unidas pelo sentimento de consciência e

ética, que repudia por inteiro comportamentos nocivos à vida e à integridade do

ser humano, elementos estes, diretamente atacados e violados nas ações dos

delinquentes juvenis. Desse modo, os meios utilizados pelos menores

infratores, geram um clima de descontentamento social, e por isso, dentro da

conjuntura social a redução da responsabilidade penal reflete-se como uma

medida pró-princípios protegidos pela coletividade, que têm como bem maior a

vida.

Entretanto, tal redução etária não é sinônimo de vingança-repressiva,

mas sim, de um aspecto contributivo e preventivo, à medida que se insere

positivamente no combate aos anseios relacionados à violência e insegurança

social.

5 Estatuto da Criança e do Adolescente

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Face ao Poder Judiciário, o ponto primordial a ser analisado, é o fato

decorrente do efetivo preparo do Judiciário, frente à redução da idade penal. O

questionamento que surge é inerente à estrutura organizacional, estrutural e

funcional da orla judiciária, frente à demanda ocasionada pela redução da

responsabilidade penal. Os casos irão aumentar, a eficácia terá de agilizar e

principalmente, os magistrados e os operadores do direito terão de se preparar

para esta nova conjuntura jurídica inerente à redução da imputabilidade penal.

Segundo Fábio Diamante, integrante da Comissão de Direitos

Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): "A orla judiciária terá de

se adequar ao “efeito dominó” inerente à redução do patamar etário penal,

sendo tal efeito caracterizado pela necessidade dos magistrados e operadores

do direito, em se aperfeiçoarem e atualizarem os métodos e meios ensejadores

da correta e justa instrumentalização das disposições legais”.

Inerente às mudanças na orla de procedimento e processamento dos

atos legais relativos à redução do patamar etário, exsurge o fato de se

aprimorar o sistema judiciário face ao conjunto de transformações que

envolverão a orla dos magistrados e profissionais do direito em virtude, da

amplitude dos direitos e deveres que surgirão à medida que a redução da

responsabilidade penal adquirir pressupostos doutrinários e jurisprudenciais no

Brasil.

Para os defensores da diminuição de menoridade penal, através da

redução do patamar etário penal, poderia se ter uma redução da violência, visto

que, através da redução da maioridade penal o jovem criminoso seria punido

com a pena correspondente ao delito praticado, proporcionando assim, uma

justa punição aos jovens delinquentes. Segundo os adeptos dessa corrente, é

descabida a benevolência que o Estatuto da Criança e do Adolescente (o ECA)

confere a um adolescente que mata, estupra, rouba etc, vez que, a pretensão

punitiva estatuída pelo ECA, rende aos jovens marginais um incentivo à vida

pregressa no crime, não constituindo tal Estatuto em um meio ou alternativa

viável à recuperação ou reeducação do menor infrator.

Desta feita, a redução da idade penal, viria se constituir em um

mecanismo inibidor da criminalidade juvenil no Brasil, em virtude de tal medida

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constituir-se em uma forma de coibir o menor criminoso a praticar delitos, posto

que, os crimes que hoje estes menores praticam, mas a lei não pode puni-los

com severidade, através da redução da responsabilidade penal, os menores

delinquentes passarão a ser punidos pela sanção proporcional ao crime

cometido, não mais, gozando da impunidade e do paternalismo conferido pelo

ECA.

Segundo alguns, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê

sanções sócio-educativas aos infratores, fato este que acaba por gerar um

descrédito social face a ressocialização ou reeducação do delinquente juvenil.

Há adolescentes que cometem infrações e são punidos com benevolência, vez

que, são impostas a estes infratores penalidades brandas, como por exemplo,

a liberdade assistida, prestação de serviços para a comunidade etc.

É necessário imputar ao criminoso a respectiva pena, e não abrandar a

punição do delito. O ECA atribui ao marginal juvenil, prerrogativas que não

atendem ao anseio social de justiça, visto que, o menor fica internado em uma

instituição, por no máximo 3 (três) anos e sai com “a ficha limpa”, independente

do número e gravidade dos crimes cometidos.

Argumentam que este tratamento dado pelo Estatuto não corresponde

ao anseio de justiça e seguridade social. Assim, a impunidade dentro do seio

da sociedade, reluz uma irremediável situação destruidora do corpo social. A

sociedade tem o direito fazer jus, ao intento de eliminar a impunidade, e,

portanto, alude no bojo do âmbito social e público, a necessidade de

conservação de seus membros (cidadãos) inatos à formação de uma defesa

habitual contra uma ameaça iminente, a criminalidade infanto-juvenil.

O sistema carcerário brasileiro vive uma crise estrutural e funcional. A

população carcerária é um problema que a cada dia vem se agigantando, pois

o aumento da criminalidade e consequentemente da violência, vem aflorando a

fragilidade das prisões brasileiras, no tocante às condições para cumprimento

de penas privativas de liberdade.

Consoante ao exposto por Volker Nabor, Secretário de Administração

Penitenciária do Estado de São Paulo: "a imputação penal aos menores de 18

(dezoito) anos, só poderá vir a ser um benefício à sociedade, se o sistema

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prisional do país, adquirir condições materiais que possam vir a suportar o

contingente de presos, que atualmente superlota os presídios".

Enquanto o governo não se conscientizar, que o sistema carcerário

brasileiro está falido, e sem nenhuma condição de abrigar detentos, a redução

do patamar etário como alternativa para minimizar os delitos juvenis, ao invés

de gerar efeitos positivos à conjuntura da segurança social, propiciará uma

situação calcada em ineficiência face ao resultado pretendido, enfrentar a

problemática do menor infrator.

Com isso, ao invés de enfrentar a problemática dos delinquentes

juvenis, a legislação referente à redução da maioridade penal, constituiria em

um golpe fatídico ao sistema carcerário brasileiro, sendo, portanto descabido o

raciocínio de que, o sistema prisional, mormente a sua estrutura e

funcionamento nos dias de hoje, pudesse caracterizar-se como a solução

punitiva inibidora dos crimes juvenis, pois, se o sistema prisional não recupera

os adultos, quanto mais os menores.

Ressalte-se que a maioridade ou menoridade penal é uma opção

política. Não há um padrão mundial, científico, que possa se adequar a todos

os povos. Em verdade, os países mais desenvolvidos têm uma tendência de

diminuir a maioridade penal, não com o objetivo de reduzir a criminalidade, mas

sim de adequar às escolhas políticas à conjuntura social. O objetivo final da

redução, não tem a pretensão de diminuir a violência urbana através da

redução da menoridade penal.

Porém, se essa diminuição tiver como fulcro a adequação do Direito às

novas realidades fáticas, as quais se tornam cada vez mais complexas. E se, a

consciência de que, pessoas menos dotadas fisicamente têm que cumprir pena

junto com aqueles que compartilham os mesmos dotes físicos e níveis de

periculosidade, for difundida. Pode-se sim, falar em uma redução sadia e

consciente da maioridade.

No campo cível, o legislador já fez essa ponderação. Percebeu-se que

a maioridade cível em 21 (vinte e um) anos era exagerada e não estava de

acordo com a realidade fática. O legislador diminuiu a maioridade cível para 18

(dezoito) anos, mas nada, a não ser a própria conjuntura social, era impeditivo

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para que a escolha política fosse por 17 (dezessete), ou mesmo, 16

(dezesseis) anos.

Conforme nos ensina o jurista Damásio de Jesus, um dos maiores

nomes do Direito Penal do país, em entrevista dada ao sítio eletrônico da UOL,

Última Instância, em 22.2.2007: “Falam em alterar o Código Penal, a Lei de

Execução Penal, o Código do Processo Penal e o ECA. Tenho repetido que

podemos alterar qualquer lei de natureza penal um milhão de vezes, nada

altera. Porque o que deve ser alterado é na prática o sistema penitenciário”.

Ainda esclarece que: “Acredito que seja um princípio que só possa ser alterado

mudando a Constituição. Como alterar a Constituição, se é uma cláusula que

não pode ser alterada? Poderíamos discutir esse assunto. A cláusula pétrea é

terrível também, porque é pétrea até quando? Daqui a 200 anos não pode ser

alterada a Constituição?”6 Assim, a questão da maioridade penal faz parte das

chamadas cláusulas pétreas da Constituição, que não podem ser alteradas

pelo Poder Constituinte Derivado (o Congresso Nacional), somente pelo Poder

Constituinte Originário (Assembléia Constituinte).

Dizendo-se a favor da redução da maioridade para 16 (dezesseis) anos

em um contexto social distinto do vivenciado no Brasil atualmente, o professor

Damásio considera que um jovem dessa idade já tem plena capacidade de

entender o que é certo e o que é errado, mas diz que o problema em reduzir a

maioridade reside em enviar esses adolescentes para o precário sistema

penitenciário brasileiro.

Além disso, Damásio de Jesus diz que, caso de se aprovar projeto de

redução da maioridade penal, a questão vai parar no STF (Supremo Tribunal

Federal) e pelo que entende, a tendência será considerar inconstitucional a

redução da idade penal.

Como meio de colaborar com o Poder Judiciário no combate à

violência, o professor Damásio aponta a adoção de penas alternativas, solução

que pode afastar réus primários da “escola do crime” que é o sistema

carcerário brasileiro. Nesse sentido, ele cita o trabalho do Patrontato de Bauru,

transferido para São Paulo, que foi criado em 1997, é mantido pelo Complexo

6 http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/36317.shtml

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Jurídico Damásio de Jesus e que trabalha com penas alternativas.

4.2 - Argumentos contrários

O crime não é ontológico, e sim uma construção cultural inerente a

cada sociedade, cuja finalidade é regular determinadas condutas. Partindo

dessa premissa, as criminalizações não passam de mecanismos próprios do

sistema penal para distribuir o status de criminoso a alguns indivíduos. Essa

lógica seletiva do sistema penal vai incidir com maior intensidade sobre setores

mais vulneráveis da sociedade, alvo da real violência estatal. No que tange aos

estratos sociais privilegiados, a violência de conteúdo real não é sentida,

ficando limitada ao seu conteúdo simbólico.

Numa pesquisa feita no ano de 2007 pelo jornal O Estado de São

Paulo, percebeu-se que dispondo de 242 mil vagas, o sistema prisional

brasileiro atualmente abriga 401 mil presos (aproximadamente, 70% da

população carcerária é formada por reincidentes). Há cerca de 100 (cem) mil

mandados de prisão já expedidos pela Justiça e não cumpridos por falta de

vagas, bem como no ano de 2006, 57% do orçamento do Fundo Penitenciário

Nacional não foi repassado.7

Sem muitas dificuldades podemos perceber que o sistema prisional é

extremamente caótico. Transferir uma parcela de menores infratores para esse

modelo de sistema prisional seria potencializar ainda mais o fracasso. Associe-

se a esses dados estatísticos, milhares de presos em delegacias do país por

falta de vagas em presídios. Pergunta-se, como absorver essa demanda de

presos que a redução da menoridade produziria?

As dificuldades de implementação efetiva do Estatuto da Criança e do

Adolescente jamais deverão servir de fundamento para a redução da

menoridade penal, pois representaria um retrocesso histórico, na área da

infância e da juventude, a derrota dos ideais da Doutrina da Proteção Integral.

Em meio à discussão sobre as formas de se combater a violência,

7 Dados retirados do artigo, “O Retrato do sistema Prisional”, publicado no Jornal o Estado de São Paulo;

editoriais; 27/03/2007.

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diversos projetos de lei objetivando a redução da maioridade penal passaram a

ser analisados pelo Congresso Nacional (tanto na Câmara dos Deputados,

como no Senado Federal). No entanto, mudar o Código Penal, a Lei de

Execução Penal, o Código de Processo Penal ou mesmo o ECA não vai alterar

em nada os índices de criminalidade no Brasil.

A redução da maioridade penal, em contraponto com a Constituição

Brasileira, configura uma restrição ao direito fundamental da liberdade, previsto

no artigo 5º da Lei Suprema. Cumpre ressaltar, também, que é direito

fundamental do cidadão, além de todos aqueles arrolados no artigo 5º da

CRFB/88, outros decorrentes de princípios e regras por ela adotados.

Aos que são contrários à redução da maioridade penal, é

manifestamente inconstitucional tal redução, uma vez que a previsão da

inimputabilidade prevista na Carta Magna constitui uma das garantias

fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída

no respectivo Título II do diploma constitucional. Incabível, portanto, ser objeto

de emenda, pois constitui cláusula pétrea, visto que o § 4º do artigo 60, do

texto constitucional que prescreve não ser objeto de deliberação a proposta de

emenda tendente a abolir os direitos e as garantias individuais.

Para alguns doutrinadores, em que pese existência de texto expresso

de nossa Constituição referente à maioridade penal, esse fato não impede,

caso haja vontade política para tanto, de ser levada a efeito tal redução, uma

vez que o artigo 228 da Carta Política não trata de matéria considerada

irreformável por meio de Emenda Constitucional, pois não se amoldaria ao rol

de cláusulas pétreas dispostas nos incs. I a IV do § 4.º do art. 60 da CRFB/88.

Ocorre, no entanto, que o rol de direitos e garantias individuais previstos, em

especial, no artigo 5º da Carta Magna, e, consequentemente, abrangido como

cláusula pétrea pelo artigo 60, § 4º, é meramente exemplificativo. Qualquer ato

antagônico ao princípio da dignidade da pessoa humana consiste na violação a

um direito fundamental, esteja ele topograficamente descrito ou não no artigo

5º ou mesmo na própria Constituição do Brasil.

A diminuição nos números da criminalidade envolvendo menores

infratores, seja nos grandes centros, seja no interior do Brasil, ocorrerá com a

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eficaz implantação das políticas que promovam a valorização do indivíduo

como um verdadeiro cidadão. A redução da maioridade em nada influenciará

no sistema com o qual nos deparamos hodiernamente. Pelo contrário, pessoas

em desenvolvimento psíquico terão o mesmo tratamento penitenciário

dispensado àqueles com capacidade de discernimento pleno e com

personalidade já maculada, proporcionando certa confusão de valores e

gerando um círculo vicioso de erros e consequências futuras.

Aos que argumentam contra, é notório que o sistema penitenciário

brasileiro tem um baixo índice de ressocialização. Verifica-se que, caso seja

adotada a aludida medida, ocorrerá um retrocesso em relação aos direitos e às

garantias conferidos ao menor pela Constituição, destacando-se, dentre eles, o

artigo 227, o que produzirá um específico grau de invalidade da norma perante

o sistema constitucional.

A solução das mazelas sociais e, em especial, dos atos criminosos

praticados por menores de 18 (dezoito) anos envolve um conjunto de atos

efetivos de alçada, simultaneamente, do poder público e da sociedade em

geral. A precipitação e a discussão infundada, enfatizada por argumentos

desarrazoados, podem desestruturar ainda mais a sociedade.

Assim, a redução da maioridade penal pode consistir em um verdadeiro

retrocesso na política penitenciária brasileira. Ao menor, cabe a aplicação do

ECA, que prevê regras específicas, proporcionais e adequadas à reeducação

de pessoas em estágio de desenvolvimento mental personalíssimo incompleto.

4.3 – Entendimento pessoal

Haveria, de fato, uma necessidade de se reduzir a maioridade penal,

ou o ECA é suficientemente capaz de reintegrar ao seio social os menores que

delinquem?

A doutrina da proteção Integral à Criança e ao Adolescente ao ser

consagrada na Constituição de 1988 pode ser interpretada como princípio

constitucional. Sendo os princípios formados por valores culturais

historicamente consolidados, não podem ser modificados para atender as

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variações sazonais, onde o “4º Poder” (os meios de comunicação de massa)

que encabeçou um movimento popular, fazendo a sociedade clamar pela

redução da maioridade penal, fazendo-se acreditar que encarcerando menores

criminosos o problema estará sanado. Não estará. A sociedade, assim, estará

“tapando o sol com a peneira”, pois não é através da redução da idade penal

que as atitudes desses menores se modificará. A mídia deveria exercer seu

papel de informar com imparcialidade as notícias e não insuflar na sociedade

anseios de vingança.

A elaboração e o estabelecimento de um sistema jurídico próprio

abordando questões referentes à criança e ao adolescente englobando

proteção a direitos e disciplinando o tratamento dispensado aos autores de

infrações penais, representa conquista histórica e social, resultado da luta de

inúmeros segmentos nacionais e internacionais. Sua efetivação plena encontra

dificuldades devido a não participação de todos os setores sociais, direta ou

indiretamente, envolvidos com a questão, para alguns falta consciência do seu

papel, para outros falta coragem para enfrentar as verdadeiras causas, não os

efeitos.

“Enfim, para se admitir a redução da idade para a ‘responsabilidade

penal’, exige-se competência e seriedade, aspectos nada comuns no

tratamento do sistema repressivo penal brasileiro como um todo. Aliás, a

incompetência e a falta de seriedade no trato dessas questões têm sido a

tônica da nossa realidade político-criminal”.8

Mirabeti nos ensina: “que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio

social, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento

sobre a ilicitude de seus atos. Entretanto, a redução do limite de idade no

direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e

penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinqüentes

contumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, aliás,

instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por

pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados.”9

8 Bitencourt, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. P.353. 9 Mirabete, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal Brasileiro. V. I Parte Geral. 15 ed. São Paulo: Atlas,

1999. p. 217.

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Estamos cientes da pouca efetividade do sistema sócio-correcional ao

qual são submetidos os menores infratores. Precisamos estabelecer de quem é

a responsabilidade pelo fracasso do sistema. Problemas como: superlotação e

instalações inadequadas à missão proposta, funcionários despreparados e

desmotivados, ausência ou insuficiência de assistência psicológica e

pedagógica, objetivando a reintegração do menor como cidadão e potencial

trabalhador, a não separação por grau de periculosidade e reincidência, os

maus tratos sofridos etc certamente não são decorrentes do ECA, decorrem,

sim, de uma ingerência governamental na efetivação do Estatuto.

Dados da extinta FEBEM, de 2006, revelam que cerca de 69% dos

jovens infratores são primários e apenas 29% são reincidentes.

Aproximadamente, 85% dos atos infracionais cometidos por jovens e

adolescentes são: roubo simples e qualificado; porte de armas; extorsão; dano;

ato obsceno; violação de domicílio; tráfico; receptação; porte e uso de drogas.

Apenas 15% representam crimes graves como estupro, seqüestro, latrocínio e

homicídio10.

Verifica-se que o problema da criminalidade não se resolveria com a

redução da maioridade penal. Serviria, sim, para fugir do problema social que

encerra a violência e a desorganização e omissão do Estado brasileiro em

promover a dignidade da pessoa humana, que é um dos preceitos

fundamentais do Estado, previsto no artigo 1º, III da Constituição Federal de

1988, que impõe o reconhecimento de que o valor do indivíduo, enquanto ser

humano, deve prevalecer sobre todos os demais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma série de

procedimentos que visam, sobretudo, a proteção do menor, mesmo quando o

ECA discorre sobre a ação reeducadora estatal, por tanto, coerciva, expressa

está que a internação é de caráter excepcional, ou seja, uma ultima ratio.

“Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

10 Pesquisa FEBEN 2006, em

http://www.febem.sp.gov.br/files/pdf/PesquisaFebem/PesquisaInternos.pdf.

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Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.

Art. 121. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”11

O legislador previu as hipóteses dos artigos 116 e 122, afinal, seria

desproporcional submeter uma pessoa, em fase de desenvolvimento, a pena

privativa de liberdade, pelos crimes menos graves, como, por exemplo, num

crime de dano, resultado de uma travessura. Assim, mais didático é criar a

obrigação de reparar dano, o que alias, satisfaz muito mais os interesses da

vítima e da sociedade como um todo.

Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a

autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a

coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o

prejuízo da vítima.

Ressaltando que a satisfação, ou não, do preceito anterior, não isenta

os pais do menor das responsabilidades cíveis. Incidindo sobre eles os artigos

932, I, II conjuntamente ao artigo 942 do Código Civil.

O direito alienígena trata a questão da criminalidade menorista,

também, de forma especial, em respeito a sua condição peculiar, sobretudo no

que concerne a sua imaturidade, que dificulta ou impede a capacidade de

entender a extensão de seus atos. “Convém lembrar, para reflexão, que o

código Penal da Espanha, que entrou em vigor em maio de 1996 (Ley Orgánica

n. 10/95), elevou a idade do menor, para atribuir-lhe responsabilidade penal, de

dezesseis (16) para dezoito (18) anos (art. 19)”.12

11 Estatuto da Criança e Adolescente. 12 Cesar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 11.ed. atual. São Paulo: Saraiva,

2007. p.353.

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Associe-se a isso, o fundamento dessa proteção especial residir no fato

de que um menor de 18 (dezoito) anos tem mais condições de se reeducar, de

se ressocializar, de se reestruturar psiquicamente que um adulto, pois, é

inegável, que a sua personalidade e caráter, em formação, podem ser

modificados para melhor se lhes for dispensado um atendimento especial,

muito diverso daquele que é dado nas prisões.

Caso a administração pública fosse capaz de realmente criar unidades

sócio-reeducativas eficientes, não teríamos receio de prolongar o tempo de

internação, estabelecido no artigo 121, § 3º do ECA, o qual figuraria como um

ambiente saudável e educativo.

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CONCLUSÃO

Seria uma demagogia acreditar que a diminuição da maioridade penal

possa ser uma alternativa viável à segurança pública, vez que, as cadeias são

fábricas de crimes, pois a superpopulação carcerária, constitui-se em um

aspecto negativo no que se refere às repercussões na esfera da educação,

reabilitação e ressocialização dos presos. A superlotação prisional seria

agravada pela possível implantação da redução etária penal, pois, as

condições de encarceramento são insuficientes para atender a demanda

crescente de presos.

Assim, a sociedade viveria momentos de perplexidade diante do

paradoxismo do sistema penal, face ao fato de que a diminuição da maioridade

se constituiria em uma pseudo-solução aos delitos juvenis. Não havendo as

mínimas condições materiais de segurança nos presídios, o agravamento e a

rigidez das sanções aos menores infratores, de nada adiantará, pois não há

razão para desperdiçar dinheiro custeando presos, sendo que a situação

carcerária no país não tem subsídios para a efetiva adoção de penas privativas

de liberdade.

Assim sendo, o ECA é sim um Estatuto sedimentado em medidas

sócio-educativas que levam em conta a infração cometida e as penalidades

próprias a cada crime, não se constituindo em um Estatuto que acoberta os

delitos juvenis, mas sim, uma Lei (8.069/90) que vela pela dignidade do menor,

propiciando a mínima condição estrutural e funcional, no tocante ao local de

internação do infrator, para cumprimento da sanção inerente ao crime praticado

pelo menor.

No campo da responsabilidade civil, o menor responde com todo o seu

patrimônio pelos atos ilícitos que cometer, no campo penal, a imputabilidade

fora relativizada pela legislação especial, e mesmo assim a sociedade continua

a aclamar por uma diminuição da maioridade penal como se as penas nas

casas de reabilitações de menores não fossem suficientes por mantê-los até a

maioridade. O pensamento social pouco evoluiu, continuamos a preferir

distanciar os “maus elementos” a tentar recuperá-los.

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Muitos crêem que a redução da menoridade penal seja a fórmula

mágica capaz de reduzir a violência reinante na sociedade, o que é mera

utopia. A redução da criminalidade como consequência da redução da

menoridade penal é uma falácia de cunho muito mais político do que científico.

Políticas imediatistas, impulsionadas pelo calor dos acontecimentos,

pela ingenuidade de parte da população e pelo sensacionalismo da mídia,

geralmente, tendem a não obter êxito. Se ao invés dessa pirotecnia político-

midiática, a sociedade civil organizada e as entidades governamentais

buscassem a promoção da dignidade da pessoa humana, através de

investimentos em políticas educativas, desenvolvimento pleno das

potencialidades humanas, geração de empregos e renda, unindo-se a isso, a

melhoria da distribuição de renda em nosso país, possuidor de uma das mais

vergonhosas concentrações de riqueza do mundo, certamente, a redução da

maioridade penal seria temática fora de moda. Governos responsáveis tratam a

questão da criminalidade menorista como política pública e não como vitrine

eleitoral.

A redução da maioridade penal, diante do que foi exposto,

representaria um retrocesso histórico e um flagrante desrespeito aos princípios

norteadores da proteção integral à criança e ao adolescente firmados pelo

Brasil em convenções internacionais e consagrado na Constituição de1988.

Acreditar que a aplicação de penas mais severas constitui o recurso

adequado para a prevenção e redução da criminalidade infanto-juvenil, é

render-se ao falacioso exercício da pura intimidação. A simples redução da

maioridade penal terá o condão de encaminhar milhares de jovens às já

superlotadas prisões brasileiras, sem nenhuma perspectiva de reelaboração de

planos de vida destes adolescentes, ou de diminuição dos números da

criminalidade.

A taxa de reincidência entre adolescentes, embora significativa, ainda é

muito inferior a dos adultos. Dados demonstram que os adultos que já

estiveram presos reincidem, a grande maioria retorna ao sistema por

cometerem crimes mais graves. Desse modo, a prevenção à criminalidade está

diretamente associada à existência de políticas sociais básicas e não à

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repressão, pois não é a severidade da pena que se previne a criminalidade,

mas sim a certeza de sua aplicação e sua capacidade de inclusão social.

Assim, a responsabilização e a punição dos jovens infratores têm um

caráter de dever do Estado e de toda a sociedade, que não podem nem optar

pelo caminho do retribucionismo hipócrita nem tampouco do paternalismo

ingênuo. Retribuir o mal com o mal aos menores infratores seria perpetrar a

crueldade da exclusão, e tratá-los como se não tivessem violado direitos

alheios, seria negligenciá-los novamente, reproduzindo e sistematizando a

impunidade.

O adolescente autor de ato infracional deve ser responsabilizado por

suas ações de acordo com as condições definidas pelo ECA. O cumprimento

das medidas sócio-educativas promovem o resgate da cidadania dos

adolescentes no tocante aos seus direitos e deveres, sendo estas medidas

fator determinante no processo de inclusão do menor no convívio social.

Portanto, as medidas previstas no ECA, de caráter sancionatório e

sócio educador, devem ser mantidas e regularmente aplicadas afim de

respeitar os direitos básicos legalmente auferidos aos menores na orla jurídica.

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ANEXO I

DEFINIR MAIORIDADE PENAL É DESAFIO DO DIREITO MODERNO

Por Aline Pinheiro13

A condenação de duas crianças nesta semana pela tentativa de

estupro de outra na Inglaterra reacendeu a discussão sobre a maioridade penal

no país. Definir a partir de qual idade uma criança pode ser responsabilizada

judicialmente pelos seus atos é um dos pontos nevrálgicos do Direito moderno

em todo o mundo. Na União Europeia, não há uma regra única e cada país

estabelece a sua maioridade penal.

A Inglaterra é um dos que pune mais cedo. A partir dos 10 anos, a

criança já pode ser levada aos tribunais. Na Escócia, o limite é mais baixo

ainda: oito anos. Antes de 1995, era sete. A legislação escocesa, no entanto,

está em processo de mudança e a maioridade penal deve subir para os 12

anos. Na Itália e na Alemanha, a criança pode ser levada à corte a partir dos 14

anos.

A Corte Europeia dos Direitos Humanos já foi chamada pelo menos

uma vez para se pronunciar sobre a questão. Quando a Justiça inglesa

condenou dois meninos de 10 anos pela morte de outro de dois anos, a corte

europeia foi provocada e não se opôs à decisão. Os juízes europeus

observaram que ainda não existe nenhum acordo entre os países da

comunidade sobe o assunto, mas ressaltaram que a criança acusada deve ser

tratada nos tribunais de uma forma adequada à sua maturidade emocional e

intelectual e o julgamento deve ocorrer de uma forma que ela possa

compreender.

Na ocasião, alguns juízes da corte da União Europeia entenderam que

levar uma criança de 10 anos para uma corte de adultos viola as garantias dos

menores estabelecidas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

13 http://www.conjur.com.br/2010-mai-26/condenacao-criancas-inglesas-reacende-discussao-maioridade-

penal

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Em 2004, a ONG internacional Right to Education Project publicou um

estudo em que analisa a maioridade penal juntamente com a idade em que a

criança é obrigada a estar na escola e a partir de quantos anos pode casar,

além de outros limites de responsabilidade civil, como matrimônio. O estudo,

baseado em relatórios que os países enviam para a Organização das Nações

Unidas, concluiu que, em pelo menos 125, crianças entre sete e 15 anos

podem sentar no banco dos réus.

A ONU, por sua vez, também não tem uma idade como marco da

responsabilidade penal. Pede apenas que cada país use o seu bom senso. A

Convenção sobre os Direitos das Crianças diz apenas que cada país fixe uma

idade mínima. Protege também as crianças da pena capital e de ser

condenada à prisão perpétua.

De acordo com regras adotadas pela ONU em 1985, em Pequim, na

China, os países foram convidados a, ao fixar o início da maioridade penal,

considerar a maturidade emocional, mental e intelectual das crianças e

observar para não levar aos tribunais crianças muito novas. Como a

maturidade da criança depende da cultura do país onde mora, cada Estado foi

convidado a fixar a sua maioridade.

Em 1995, a ONU chegou a recomendar à Inglaterra que aumentasse a

idade penal. De acordo com a organização, a princípio, os 10 anos fixados

pelos ingleses pareciam incompatíveis com a Convenção sobre os Direitos das

Crianças. Sempre que é aberta a discussão sobre aumentar a maioridade

penal, o governo britânico dá sinais claros que não pretende alterar as suas

regras. A justificativa é de que, assim, protegem os interesses dos cidadãos.

De acordo com o governo, a prisão de menores de 18 anos é sempre a última

opção, reservada para crimes graves. Apenas 3% dos menores condenados

acabam na cadeia, diz o governo.

Lugar de criança

O julgamento concluído em uma das cortes criminais inglesas esta

semana reabriu também uma antiga discussão: como a Justiça deve lidar com

as crianças, estejam elas na posição de acusadas, vítimas ou testemunhas. Na

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ocasião, um menino de 10 anos e outro de 11 foram condenados por tentar

estuprar uma menina de oito anos. A sentença deve sair em oito semanas.

Enquanto isso, as crianças permanecem em liberdade condicional. Embora

condenados como adultos, a identidade dos dois é preservada de acordo com

normas legais da Inglaterra.

As duas semanas em que os meninos ficaram sentados nos bancos

dos réus foram permeadas de alguns cuidados especiais. Para que eles

pudessem compreender o que acontecia dentro das paredes da corte, os

procedimentos ao longo do dia foram divididos em períodos curtos e bem

marcados. Formalidades, como toga e peruca, foram dispensadas. A

linguagem também foi simplificada o máximo possível. Nem por isso, no

entanto, o promotor deixou de dizer para um júri de seis homens e seis

mulheres que estavam de frente ao crime mais grave cometido no último ano

na cidade de Hayes.

Os meninos assistiram ao julgamento sentados ao lado das mães. A

menina vítima não depôs ao vivo. Foi mostrado um vídeo em que ele conta ao

policial, enquanto brinca com seu urso de pelúcia, como foi abusada pelos

garotos.

Em março deste ano, a Suprema Corte do Reino Unido apreciou se

uma criança podia ser levada para depor como testemunha em um julgamento

sobre crime doméstico. A discussão foi travada no processo sobre a guarda de

cinco crianças, que viviam com os pais. A mais velha delas, de 14 anos, não

era filha biológica do pai de família e contou em junho do ano passado que foi

sexualmente abusada pelo padrasto. O padrasto foi condenado e todos os

filhos, colocados em custódia. Ao analisar o recurso do padrasto, a Suprema

Corte definiu que uma criança pode sim ser convocada como testemunha.

Cabe ao juiz que cuida do processo analisar a necessidade do depoimento da

criança e cuidar para garantir o seu bem-estar.

Lei e Jurisprudência

O caso julgado pela Justiça britânica nesta semana expôs a fragilidade

do sistema penal ao tentar equilibrar a aplicação da Justiça com a proteção da

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criança. Na Inglaterra, estupro de menores de 13 anos pode ser punido com

prisão perpétua. Sexo com menores, que não seja forçado, tem penas mais

brandas. Quando o acusado tem menos de 18 anos, a pena máxima é de cinco

anos.

Em abril de 2009, a chamada Casa dos Lordes, que funcionava como

última instância da Justiça de todo Reino Unido e pouco depois foi substituída

pela Suprema Corte do Reino Unido, se debruçou sobre a maioridade penal.

Foi levado à corte o apelo de um menino de 12 anos acusado de participar,

junto com outros, do estupro de crianças menores de 13 anos. A estratégia da

defesa era provar que o garoto, ao cometer o crime, não sabia que o que fazia

era errado. O pedido dos advogados era pra que ele fosse considerado doli

incapax, ou seja, incapaz de praticar ato criminoso.

O menino, que já havia sido condenado em todas as outras instâncias,

viu morrer sua última chance. Por unanimidade, os juízes da corte decidiram

que ele era juridicamente responsável e, por isso, devia ser criminalmente

punido.

A fixação da idade penal na Inglaterra é recente. Até meados de 1900,

era a jurisprudência que definia a partir de qual idade a pessoa podia ser

levada para uma corte criminal. Os juízes, então, consideravam que apenas

crianças menores de sete anos não responderiam pelos seus atos em hipótese

alguma. Dos sete aos 14 anos, a criança era presumidamente incapaz de

responder criminalmente, mas essa presunção podia ser derrubada se ficasse

provado que a criança sabia que o que estava fazendo era errado.

Na década de 1930, o Parlamento britânico resolveu interferir. A

primeira regra escrita publicada dizia que nenhuma criança com menos de oito

anos podia ser criminalmente julgada. Anos depois, essa idade subiu para 10

anos e, até os 14, o que prevalecia ainda era a jurisprudência que presumia a

incapacidade de a criança responder pelos seus atos.

A discussão que foi parar na Casa dos Lordes é se uma regra escrita

de 1998 aboliu apenas essa presunção para crianças entre 10 e 14 anos ou se

tornou menores nessa faixa etária capazes de responder pelos seus atos. A

conclusão unânime dos juízes foi a de que a norma escrita reduziu, de uma vez

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por todas, a maioridade penal para os 10 anos. A partir dessa idade, nenhuma

criança pode alegar a sua inimputabilidade para não responder por um crime

que cometeu.

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ANEXO II

EXCESSO DE RECURSOS E LEGISLAÇÃO SUPERADA FAZEM

COM QUE A JUSTIÇA NÃO ATENDA ÀQUILO QUE A

SOCIEDADE RECLAMA

Isto É Brasil (Crime e castigo - n° 1919 - 02.8.2010) 14

Morrer assassinado no Brasil é fácil. O criminoso ser preso, julgado,

condenado e trancafiado numa cadeia está cada vez mais difícil. Pessoas são

mortas num piscar de olhos, mas os assassinos, ainda que condenados,

permanecem a anos-luz do que se poderia chamar de uma punição justa. É

legal aquilo que está nos códigos. É justo aquilo que corresponde aos

parâmetros e aos reclames morais da sociedade – e o que é legal não é,

necessariamente, legítimo, justo e moral. Em nosso país, é justamente isso, o

abismo que separa o chão firme da moral do terreno pantanoso e pleno de

brechas da legislação criminal, que leva a sensação de impunidade à

população.

“O sistema processual penal foi feito para não funcionar”, diz a

procuradora do Ministério Público Federal de São Paulo, Janice Ascari. “Há

infinitas possibilidades de recursos e isso leva à impunidade.” Também o

ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, põe a enxurrada de recursos no

banco dos réus: “Há excesso deles.”

O Brasil possui, no campo das garantias individuais, uma das mais

modernas Constituições do planeta, à qual o doutor Ulysses Guimarães, no ato

de sua promulgação, chamou de “Constituição cidadã”. Por exemplo: aqui, o

réu tem direito a mentir, não é obrigado a produzir provas contra si mesmo – é

o caso de Christiam Cravinhos que mentiu deslavadamente ao dizer ao tribunal

do júri que não havia assassinado Marísia Richthofen ou do motorista

embriagado que pode se recusar a assoprar no bafômetro. Nos EUA, o réu

14

http://www.istoe.com.br/reportagens/5918_JUSTICA?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage

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flagrado em mentira é condenado não apenas pelo crime que praticou, mas

também por falso testemunho – e tem a sua pena aumentada. A nossa

Constituição é pródiga em benefícios desse tipo e na construção de uma

escadaria de recursos que vão empurrando a punição a tribunais superiores

porque vinha o Brasil dos porões da ditadura. Mas o Brasil de 1988, no campo

da criminalidade, não era o Brasil de hoje. Transcorridos quase duas décadas,

ficou-se com leis que não se casam com os desejos da sociedade e há uma

inadequação entre o crime e o castigo. É preciso mudar a legislação. “Muitos

homicidas quando são condenados, como o jornalista Antonio Pimenta Neves,

não vão para a cadeia”, diz a procuradora de Justiça do Ministério Público

Estadual de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, autora do livro A paixão no banco dos

réus.

Em relação a diversos países, as penas máximas previstas nos

códigos brasileiros são altas, só que geralmente os réus são condenados a

penas mínimas. Isso no terreno dos crimes contra o patrimônio, como, por

exemplo, o roubo e o seqüestro. O estranho é que, quando se trata de crimes

contra a vida, como o assassinato, as penas no Brasil são muito mais brandas

se comparadas às de outros países. Enquanto o homicídio qualificado (caso de

Suzane Richthofen, de Pimenta Neves, do ex-promotor público Igor Ferreira) é

punido com condenações que vão de 25 anos de cadeia à prisão perpétua (na

França, na Itália e na Alemanha), no Brasil a punição vai de 12 a 30 anos de

reclusão. Ou seja: protege-se mais o patrimônio do que a vida. “O que

estarrece a população é saber que a esmagadora maioria dos presos é

composta de assaltantes e de seqüestradores, muitos não julgados, enquanto

suspeitos e réus confessos de homicídio permanecem livres”, diz o juiz

aposentado Luiz Flávio Gomes, um dos maiores especialistas mundiais em

direito penal.

O paraíso dos que matam, no entanto, não termina aí. O horizonte para

os que cometem atrocidades vai mais além em outra aritmética. Primeiro:

ninguém fica preso no Brasil por mais de 30 anos, ainda que condenado a mais

de seis séculos – há casos de sentenciados a essa eternidade que saíram

livres do tribunal e aguardaram em liberdade o segundo júri, como o coronel

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Ubiratan Guimarães, responsabilizado em seu primeiro julgamento pela morte

de 111 presos na extinta Casa de Detenção de São Paulo em 1992. Segundo:

cumpridos um sexto ou dois terços da pena, o preso tem direito a pleitear,

respectivamente, regime semi-aberto ou liberdade condicional. Terceiro:

pesquisa recente no Rio Grande do Sul mostrou que, no Brasil, 95% dos

assassinatos não são investigados e, quando o são, os inquéritos policiais são

encerrados sem que se descubra o criminoso. Isso significa que apenas 5%

dos homicidas são julgados, enquanto esse índice é de 85% na Espanha, 93%

na Inglaterra e quase 100% nos EUA. “Temos uma ineficácia dos órgãos

policiais, temos uma ineficácia da máquina judiciária emperrada, temos uma

execução judicial lenta”, diz Alberto Zacarias Toron, um dos principais

advogados criminais do Brasil. Assim, a balança da Justiça, devido à legislação

e não ao desejo dos juízes, anda descalibrada na relação entre crime e castigo.

E anda pendendo, pobre de nós e de nossas famílias, para a impunidade dos

assassinos.

Punição nada exemplar

Enganam-se os que acham justa a pena de 39 anos e seis meses de

prisão dada a Suzane Louise von Richthofen, condenada pelo assassinato de

seus pais, a psiquiatra Marísia e o engenheiro Manfred von Richthofen (o crime

foi em 2002, em São Paulo, e dele também participaram os irmãos Daniel e

Christian Cravinhos). Pasmem! Em tese, ela poderá sair da cadeia em apenas

dois meses. A pena aplicada pelo juiz do I Tribunal do Júri Popular, Alberto

Anderson Filho, está tecnicamente legal. Ele fez o que o Código Penal manda

e, sendo juiz, não poderia agir diferente. Mas diferença há, isso sim, entre

legalidade e justiça. Como Suzane já ficou presa cerca de três anos antes do

júri (parte disso em prisão domiciliar), a pena cai agora para 36 anos e seis

meses. Com um sexto desse total, ou seja, seis anos e um mês, ela poderá

pleitear o direito de passar ao regime semi-aberto: sairá diariamente da cadeia

durante o dia e só retornará para dormir. O seu advogado, Mauro Nacif,

recorreu ao Tribunal de Justiça pedindo diretamente a absolvição da assassina

no caso da morte do pai (alega que os sete jurados se confundiram ao votar

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esse aspecto). Se o Tribunal concordar, a pena de Suzane desaba para 19

anos. Se isso fosse já, ela iria para o semi-aberto no final de setembro.

No ouvido, à queima-roupa

Um tiro pelas costas, disparado à distância, outro tiro à queima-roupa,

dessa vez no ouvido, matou a jornalista Sandra Gomide em agosto de 2000,

em um haras na cidade paulista de Ibiúna. O algoz foi o também jornalista

Antônio Pimenta Neves e o injustificável motivo do assassinato foi ciúme

patológico: Sandra não o queria mais como namorado. Ele chegou armado ao

haras e a esperou – premeditou o crime. Quando o consumou, saiu dirigindo

seu carro e se homiziou na casa de um amigo, depois se internou em uma

clínica. A tese da defesa foi a depressão. Equívoco: quem está deprimido nem

sequer consegue se mover para matar – pode até se suicidar, não assassinar.

Pimenta foi condenado a 19 anos de prisão, mas saiu livre do tribunal e

aguarda resultado de recursos em liberdade. “É um absurdo. A lei fixa que

homicídio é inafiançável, mas deixaram o réu na rua sob a alegação de

ausência de pressupostos da prisão preventiva”, diz o promotor de Justiça e

professor de direito processual penal Fábio Ramazzi Bechara. Nos EUA, ainda

que se aceitasse a tese de crime passional, o réu seria condenado à prisão

perpétua. Se ficasse diagnosticado o seu transtorno de personalidade

narcísica, seria internado por tempo indeterminado numa clínica, sob a

custódia do Estado.

Daqui a três meses, o monstro

O estômago dos brasileiros virou em novembro de 2003 com a

selvageria a que foi submetido o casal de namorados Felipe Café, 19 anos, e

Liana Friedenbach, 16. Eles acampavam na cidade paulista de Embu-Guaçu.

Foram seqüestrados. Felipe foi assassinado com um tiro na nuca. Liana

amargou um calvário ao longo de cinco dias nas mãos de um menor apelidado

Champinha: foram oito estupros até ser trucidada com um facão. Champinha,

então com 16 anos, foi o mentor de tudo. Preso, está internado na Febem para

cumprir “medida socioeducativa”, mas, segundo a lei, poderá voltar às ruas

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daqui a três meses quando completar 19 anos. “A Justiça deve entender que

há menores que têm de ser condenados como adultos porque cometem crimes

de adultos”, diz o promotor de Justiça Fábio Ramazzini Bechara. Na Inglaterra,

por exemplo, criança de 11 anos já foi condenada à prisão perpétua por

homicídio. Serve de alento às famílias de Liana e Felipe o fato de outros três

bandidos envolvidos no crime terem sido condenados a penas que, somadas,

beiram os 200 anos. Mas o principal responsável pela barbárie, o cérebro

Champinha, poderá ganhar a liberdade.

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ANEXO III

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL ESTÁ EMPERRADA

Luciana Abade, Jornal do Brasil (18/02/2010)15

A notícia de que o menor acusado pelo envolvimento na morte do

menino João Hélio foi solto e está amparado no programa do governo federal

de Proteção a Menores Ameaçados de Morte desagradou o senador

Demóstenes Torres (DEM-GO), autor do substitutivo à Proposta de Emenda à

Constituição (PEC) 20/99 que reduz a maioridade penal para 16 anos nos

casos de crime hediondo ou crimes equiparados como tráfico, tortura e

terrorismo. O substitutivo foi aprovado em 2007 pela Comissão de Constituição,

Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado por 12 votos a 10. Mas até agora a

tramitação não avançou. A PEC ainda deve ser submetida a dois turnos de

votação no plenário do Senado para seguir para a Câmara, onde também deve

ser avaliada em dois turnos.

– Isso é uma loucura. É a defesa completa do marginal – disparou

Torres. – Proteger o criminoso, ao invés de proteger a família da vítima. O

governo não deixa a gente mudar o ECA (Estatuto da Criança e do

Adolescente) e enquanto isto a marginalidade continua nadando de braçada.

Resistência

Segundo o senador, a tramitação da PEC não evolui por pressão da

bancada petista que é contra a redução, “mas também não tem coragem de

dizer”.

Na época da votação na CCJ, a senadora Patrícia Saboya (PSB-CE)

apresentou voto em separado pela manutenção da imputabilidade aos 18 anos.

Patrícia argumentou que a redução seria um retrocesso porque apenas 1% dos

homicídios são cometidos por adolescentes. O senador Aloizio Mercadante

(PT-SP) também apresentou voto separado. Os dois foram vencidos.

15 http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/02/18/e18027689.asp

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Além de ser autor do substitutivo, o democrata apresentou, em 2003, o

PL 478, que altera artigos do ECA para fixar novos prazos de duração das

medidas de liberdade assistida, de semiliberdade e de internação. Pela

proposta, a liberdade compulsória aos 21 anos de idade, por exemplo, passaria

para 25 anos. Assim como o período mínimo em regime de internação seria de

quatro anos pela prática de ato infracional grave e o período máximo de

internação seria de 12 anos. A proposta, contudo, continua emperrada na

Comissão de Assuntos Sociais da Casa.

Oficialmente, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contrária à

redução da maioridade penal. Segundo o advogado especializado em direito

penal Alberto Zacharias Toron, depois de debates acirrados prevaleceu a ideia

de que a redução traduziria apenas um desejo de vingança da sociedade

contra os adolescentes infratores “que na maioria das vezes são os excluídos

sociais”. Ainda segundo o advogado, a OAB acredita que o Estado não deve

reduzir a maioridade para compensar a falta de políticas preventivas para a

juventude brasileira.

Apesar da posição oficial, Toron admite que a defesa pela

imputabilidade penal aos 18 anos não é unanimidade na Ordem. Muitos

integrantes acreditam que os crimes cometidos por adolescentes de 16 e 17

anos deveriam ser julgados caso a caso. Para isso, a maturidade do

adolescente infrator deveria ser analisada individualmente.

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ANEXO IV

JUSTIÇA RESTAURATIVA BENEFICIA MENORES EM SÃO

PAULO

Gláucia Milício, repórter da revista Consultor Jurídico (17/12/2009)16

Começa a ganhar corpo no país um novo modelo de Justiça. É a

chamada Justiça Restaurativa, que busca a conciliação entre vítimas e

agressores em crimes de pouco poder ofensivo. Cinco anos depois de o

instituto, que também é chamada de cultura de paz, ser apresentado

oficialmente ao Brasil, mais de mil crianças e adolescentes infratores em São

Paulo já participaram de algum tipo de programa restaurativo.

De acordo com estatísticas do Centro de Estudos de Justiça

Restaurativa da Escola Paulista da Magistratura, daqueles que participaram de

programas restaurativos, 95% são meninos e 5% são meninas. Desses, 23%

são infratores primários, 45%, reincidentes, e 32%, multireincidente. A faixa

etária média é de 17 anos. O objetivo da Justiça Restaurativa é promover

diálogo entre infrator e vítima, independente da medida punitiva aplicada. E

mais: questionar a eficácia da aplicação de castigo àqueles que infringem leis.

Na prática, funciona assim. Aqueles que fazem parte do programa

restaurativo reúnem o menor infrator e a possível vítima. A partir daí, procuram,

por meio do diálogo, entender e fazer entender a infração cometida e seus

motivos de acontecer. Além disso, são feitas reuniões, círculos de debates,

palestras e outras atividades com adolescentes internados na Fundação Casa

(antiga Febem de São Paulo). O objetivo principal aqui é, independente da

punição que cada um sofreu, conscientizar sobre o erro e como corrigir.

O Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da Escola Paulista da

Magistratura foi criado em meados de 2005 um grupo de juízes, promotores e

16

http://www.idcb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=98:justica&catid=31:noticias

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defensores de São Paulo, que se uniram para trabalhar nas mais diversas

soluções de conflitos sociais. O juiz Egberto Penido, co-coordenador do centro,

conta que diversas medidas restaurativas para crianças e adolescentes vêm

sendo aplicadas não só em São Paulo, mas também em São Caetano (SP),

Porto Alegre e Brasília. Em São Caetano do Sul e em São Paulo, a experiência

é com escolas. Em Porto Alegre, no âmbito da justiça infanto-juvenil, e em

Brasília, o programa atende infratores adultos.

O juiz Penido diz que, mesmo com o passar dos anos, o grupo ainda

não chegou a um modelo padrão para a cultura de paz. A Justiça Restaurativa

é um conjunto de princípios a ser considerado, diz. Também é preciso respeitar

as peculiaridades de cada caso em que se está implementando as ações. “É

diferente trabalhar práticas de convívio social com crianças, adolescentes e

adultos. Temos buscado referenciais mais objetivos para chegar a um modelo,

mas que não comprometa essas diferenças.”

Penido conta que, em breve, o modelo de Justiça Restaurativa deve

chegar a outras regiões do estado de São Paulo, por meio de um projeto de

expansão do Ministério Público e da Magistratura estadual. “Posso dizer que já

há uma grande repercussão do nosso trabalho”, comemora.

Ele explica que, para o modelo de Justiça Restaurativa emplacar de

vez no país, é preciso uma mudança de cultura. “O brasileiro entende que

Justiça é vingança, é retaliação. Quem pede Justiça, pede punição. E não é

bem assim.” Penido lembra que o atual sistema criminal não ressocializa o

infrator, nem satisfaz a vítima. É justamente essa falha que a Justiça

Restaurativa tenta corrigir.

Justiça Restaurativa no mundo

O modelo de Justiça Restaurativa que o Brasil tenha adotar já é

realidade há mais de 30 anos em países como Estados Unidos, Canadá,

Senegal, Irã, Irlanda, Nova Zelândia e Colômbia. Pesquisa do portal

Aprendiz aponta que alguns países já introduziram a Justiça Restaurativa em

sua legislação. A Colômbia, por exemplo, inscreveu o programa na

Constituição (artigo 250) e na legislação ordinária (artigo 518 e seguintes, do

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novo Código de Processo Penal). A Nova Zelândia, em 1989, já introduziu a

restaurativa na legislação infanto-juvenil. Lá, o tribunal é considerado a última

opção para quem comete um crime, diferente de muitos países onde a Justiça

retributiva (baseada na punição) é a primeira instância. Os casos

neozelandeses são analisados e é feita uma conferência restaurativa.

No Canadá, o modelo também é inspirado nas culturas indígenas. Os

protagonistas sentam em círculo e utilizam um objeto que é passado de mão

em mão representando a posse da palavra. A reunião tem como objetivo a

convergência da percepção para a solução do conflito. Em Bogotá, cidade

considerada uma das mais violentas da América Latina, desde que adotou a

restaurativa, conseguiu derrubar a taxa de homicídios em 30%.

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ANEXO V

FIA – FUNDAÇÃO PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

História17

A Lei Federal 4.513 de 01/12/1964 criou a Fundação Nacional do Bem-

Estar do Menor - FUNABEM - em substituição ao Serviço de Assistência ao

Menor - SAM. À FUNABEM competia formular e implantar a Política Nacional

do Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A partir daí, criaram-se as

Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, com responsabilidade de

observarem a política estabelecida e de executarem, nos Estados, as ações

pertinentes a essa política.

A Lei Estadual 1.534 de 27/11/1967 autorizou o Poder Executivo a

instituir a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM, vinculada a

Secretaria de Estado e Serviço Social, destinada a prestar assistência ao

menor, na faixa etária entre zero e 18 anos de idade, no Estado da Guanabara.

A FEBEM passou a ter, então, por finalidade: "formular e implantar programas

de atendimento a menores em situação irregular, prevenindo-lhes a

marginalização e oferecendo-lhes oportunidades de promoção social." Na

mesma época foi criada, também, a Fundação Fluminense do Bem-Estar do

Menor - FLUBEM, cuja área de abrangência era o antigo Estado do Rio de

Janeiro.

A Lei Federal 4.513 de 01/12/1964 criou a Fundação Nacional do Bem-

Estar do Menor - FUNABEM - em substituição ao Serviço de Assistência ao

Menor - SAM. À FUNABEM competia formular e implantar a Política Nacional

do Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A partir daí, criaram-se as

Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, com responsabilidade de

observarem a política estabelecida e de executarem, nos Estados, as ações

pertinentes a essa política.

17 http://www.fia.rj.gov.br/historia.htm - Rua Voluntários da Pátria, 120, Botafogo, Rio de Janeiro - RJ, CEP. 22.270-010 - Telefones: (21) 2334-8012 | 2334-8030 | 2334-8014 - [email protected]

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A Lei Estadual 1.534 de 27/11/1967 autorizou o Poder Executivo a

instituir a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM, vinculada a

Secretaria de Estado e Serviço Social, destinada a prestar assistência ao

menor, na faixa etária entre zero e 18 anos de idade, no Estado da Guanabara.

A FEBEM passou a ter, então, por finalidade: "formular e implantar programas

de atendimento a menores em situação irregular, prevenindo-lhes a

marginalização e oferecendo-lhes oportunidades de promoção social." Na

mesma época foi criada, também, a Fundação Fluminense do Bem-Estar do

Menor - FLUBEM, cuja área de abrangência era o antigo Estado do Rio de

Janeiro.

"A Fundação funcionará como órgão técnico, com o objetivo de

formular, implantar e executar, no que concerne, a política a ser desenvolvida

em defesa dos direitos da criança e do adolescente, no âmbito do Estado do

Rio de Janeiro."

Entretanto, não se procedeu ao reordenamento institucional necessário

a adequação a seus novos objetivos, mantendo-se como retaguarda de

atendimento a crianças e adolescentes, o que demonstrava total desacordo

com os direitos garantidos no novo panorama legal, embora algumas iniciativas

tenham sido tomadas no sentido da descentralização político-administrativa,

com a criação de Pólos de Articulação Regional, ainda que de forma oficiosa.

A Política de Proteção Integral, preconizada no ECA, com ênfase na

defesa dos direitos de crianças e adolescentes, veio substituir os modelos

vigentes e, como consequência, provocou uma necessidade premente de

reordenar o sistema existente.

Em 1995, através do Decreto Estadual n.o 16.691, a então FEEM

passou a denominar-se Fundação para a Infância e Adolescência - FIA/RJ. No

ano de 1999, através do Decreto Estadual n.o 25.162, de 01/01/1999, foi criada

a Secretaria de Estado da Criança e do Adolescente - SECRIA, a qual a FIA

passou a ser vinculada. Em 31/05/2000, o Decreto Estadual n° 26.434 extingue

a SECRIA e vincula a FIA/RJ à Secretaria de Estado de Ação Social e

Cidadania - SASC. Atualmente a FIA/RJ encontra-se vinculada à Secretaria de

Estado de Assistência Social e Direitos Humanos - SEASDH.

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BIBLIOGRAFIA

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orientadores do Direito da Criança e do Adolescente — In.Curso de Direito da

Criança e do Adolescente, Editora Lumens Júris, Rio de Janeiro, 2009 3ª

edição.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, Volume 1,

11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007.

CAPEZ, Fernando, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São

Paulo, 2ª edição, 2001.

CUNHA, José Ricardo. O estatuto da criança e do adolescente no marco da

doutrina jurídica da proteção integral. In: Revista da faculdade de direito

Cândido Mendes, Rio de Janeiro, vol. 1, 1996.

DE JESUS, Dmásio E., Direito Penal, Parte Geral, v. 1, Editora Saraiva, 23ª

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Janeiro, 1999.

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criticas, 2ªed., Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.26.

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva,

São Paulo, 23ª edição, 1999.

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LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do

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MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, v. 1, Parte Geral, SP,

Editora Atlas, 11ª ed., 1999, p. 208.

MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Volume I, Parte Geral,

Editora Atlas, São Paulo, 11ª edição, 1999.

MIRABETE. Julio Fabrini. Manual de Direito Penal Brasileiro. V. I. Parte

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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 7ª ed., ver., atual.e

ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - CONTEXTO SOCIAL 11

CAPÍTULO II - O MENOR 14

2.1 - Vocábulo 14

2.2 – Evolução histórica da proteção à criança e adolescente no Brasil

14

2.3 - O menor segundo o Código Penal Brasileiro 17

2.4 - Da Aferição da Idade de Imputabilidade 18

2.5 - Conceito de menor segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente

20

2.6 - Justiça Restaurativa e o Estatuto da Criança e do Adolescente 21

CAPÍTULO III – O MENOR NA SOCIEDADE MODERNA 24

3.1 - O papel da Família 24

3.2 - O papel da Sociedade 25

3.3 - Maioridade Penal aos 18 anos é a causadora de violência? 26

CAPÍTULO IV - REDUÇAO DA MAIORIDADE PENAL 28

4.1 - Argumentos favoráveis 28

4.2 - Argumentos contrários 34

4.3 – Entendimento pessoal 36

CONCLUSÃO 41

ANEXOS I ao V 44

BIBLIOGRAFIA 61

ÍNDICE 65

FOLHA DE AVALIAÇÃO 66

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes - Instituto A Vez Do Mestre

Título da Monografia: A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

Autora: Cláudia Costa Schäfer

Data da entrega: 26.7.2010

Avaliado por: Prof. Francis Rajzman Conceito: