sÃo paulo - gedes

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS (PUC-SP, UNESP E UNICAMP) LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS TRÁFICO DE DROGAS ILÍCITAS NOS ANDES: A DIMENSÃO REGIONAL DA COOPERAÇÃO E DA SEGURANÇA SÃO PAULO 2015

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Page 1: SÃO PAULO - GEDES

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ldquoJUacuteLIO DE MESQUITA FILHOrdquo

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS (PUC-SP

UNESP E UNICAMP)

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

SAtildeO PAULO

2015

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais (PUC-

SP UNESP e Unicamp) como exigecircncia

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em

Relaccedilotildees Internacionais na linha de pesquisa

ldquoSeguranccedila Regionalrdquo na aacuterea de

concentraccedilatildeo ldquoPaz Defesa e Seguranccedila

Internacionalrdquo

Orientadora Suzeley Kalil Mathias

SAtildeO PAULO

2015

Santos Leandro Fernandes SampaioS237 Traacutefico de drogas iliacutecitas nos Andes a dimensatildeo regional da cooperaccedilatildeo e da

seguranccedila Leandro Fernandes Sampaio Santos ndash Satildeo Paulo 2015181 f il 30 cm

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Relaccedilotildees Internacionais) ndash UNESPUNICAMPPUC-SPPrograma San Tiago Dantas de Poacutes-graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais 2015

Orientador Suzeley Kalil Mathias

1 Traacutefico de drogas ndash Cooperaccedilatildeo internacional 2 Traacutefico de drogas ndash Boliacutevia 3Traacutefico de drogas ndash Colocircmbia 4 Traacutefico de drogas ndash Equador 5 Traacutefico de drogas ndashPeru 6 Narcoacuteticos ndash Controle ndash Ameacuterica do Sul 7 Seguranccedila internacional I Autor IITiacutetulo

CDD 36345098

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais (PUC-

SP UNESP e Unicamp) como exigecircncia

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em

Relaccedilotildees Internacionais na linha de pesquisa

ldquoSeguranccedila Regionalrdquo na aacuterea de

concentraccedilatildeo ldquoPaz Defesa e Seguranccedila

Internacionalrdquo

Orientadora Suzeley Kalil Mathias

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Profa Dr(a) Suzeley Kalil Mathias (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Heacutector Luis Saint-Pierre (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Paulo Gustavo Pellegrino Correcirca (Universidade Federal do Amapaacute)

Satildeo Paulo 05 de agosto de 2015

Somente uma ficccedilatildeo pode fazer crer que as leis satildeo feitas para serem acatadas a

poliacutecia e os tribunais destinados a fazer com que sejam respeitadas Somente uma

ficccedilatildeo teoacuterica pode nos levar a acreditar que aderimos de uma vez por todas agraves leis

da sociedade agrave qual pertencemos Todo mundo sabe tambeacutem que as leis satildeo feitas

por uns e impostas aos outros Parece poreacutem que se pode dar um passo a mais O

ilegalismo natildeo eacute um acidente uma imperfeiccedilatildeo mais ou menos inevitaacutevel Eacute um

elemento absolutamente positivo do funcionamento social cujo papel estaacute previsto

na estrateacutegia geral da sociedade Todo dispositivo legislativo organizou espaccedilos

protegidos e aproveitaacuteveis em que a lei pode ser violada outros em que ela pode

ser ignorada outros enfim em que as infraccedilotildees satildeo sancionadas No limite eu diria

simplesmente que a lei natildeo eacute feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento

mas para diferenciar as maneiras de burlar a proacutepria lei (FOUCAULT 2006 p 50)

RESUMO

A proposta desta pesquisa eacute investigar a cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para o combate

ao traacutefico de drogas iliacutecitas entre Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru no acircmbito da

Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) no transcurso de 1999 a 2012 Para tanto foi adotada

uma perspectiva histoacuterica para descrever e examinar o contexto da seguranccedila regional nos

Andes a emergecircncia intersticial das redes de traficantes o processo de construccedilatildeo do traacutefico

de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo na agenda poliacutetica e de seguranccedila da

CAN Este processo foi intenso no decorrer de toda deacutecada de 1990 e no iniacutecio dos anos 2000

periacuteodo que foi marcado pela elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Poliacutetica Externa Comum da CAN da

agenda de seguranccedila comunitaacuteria e do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Para Luta Contra as

Drogas e Delitos Conexos como formas de respostas antidrogas Para compreender este

processo abordamos o alinhamento e o questionamento agraves diretrizes internacionais o

desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo das drogas iliacutecitas em cada paiacutes que

compotildee o bloco andino no decorrer do recorte temporal delimitado e identificamos as

convergecircncias e divergecircncias das agendas de seguranccedila e das posturas adotadas pelos

governos andinos perante a questatildeo das drogas assim como os diferentes agentes

intervenientes enfocando a partir de uma perspectiva relacional as dimensotildees domeacutestica e

internacional (intermeacutestica) bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo que diluiu a fronteira

entre a seguranccedila interna e externa para combater o traacutefico de drogas e suas redes

transnacionais Por fim debatemos o combate ao traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo

regional em seguranccedila entre os paiacuteses andinos e problematizamos o conceito de comunidade

de seguranccedila quanto agrave sua aplicabilidade para compreender a dinacircmica da seguranccedila na regiatildeo

andina

Palavras-chave Traacutefico de Drogas Comunidade Andina Regiatildeo Andina Seguranccedila

Regional Cooperaccedilatildeo

ABSTRACT

The purpose of this research is to investigate the cooperation on security to combat illicit drug

trafficking between Bolivia Colombia Ecuador and Peru within the Andean Community of

Nations (CAN) in the course of 1999 and 2012 Thus it was adopted one historical

perspective and case studies to examine and describe the context of regional security in the

Andes the interstitial emergence of trafficking networks the construction process of drug

trafficking as a threat to security and their inclusion on the political agenda and Security

CAN this process was intense throughout the entire 1990s and early 2000s This period was

marked by the preparation and approval of the Common Foreign CAN community safety

agenda and the Andean Cooperation Plan for Fighting Against Drugs and Related Crimes as

forms of drug responses To understand this process we address alignment and questioning

the governments requirements the development and the exercise of coercive control of illicit

drugs in each country that makes up the Andean bloc during the defined time frame and

identified and analyzed the convergence and divergence of agendas security and postures

adopted by Andean governments to the drug issue as well as the different actors involved

focusing from a relational perspective the domestic and international dimensions

(intermestic) and the process of de-differentiation diluted the boundary between internal and

external security to combat drug trafficking and its transnational networks Finally we

discussed the fight against drug trafficking as a vector of regional cooperation on security

between the Andean countries and question the concept of security community and its

applicability to understand the dynamics of security in the Andean region

Keywords Drug Trafficking Andean Community Andean Region Regional Security

Cooperation

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Principais Conflitos Interestatais Entre Paiacuteses Andinos Motivados por Disputas

Territoriais27

Mapa 1 ndash Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da

Colocircmbia105

Graacutefico 1 ndash Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia126

Quadro 2 ndash Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas entre

1909 e 1961174

Quadro 3 ndash Exemplos de unidades militares e policiais antidrogas criadas com apoio norte-

americano na Regiatildeo Andina175

Mapa 2 ndash Densidade de Cultivaccedilatildeo de Coca na Regiatildeo Andina

(2007)176

Mapa 3 ndash Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo177

Mapa 4 ndash Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional178

Mapa 5 ndash Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina179

Graacutefico 2 ndash Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (1990-2004)180

Graacutefico 3 ndash Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo ndash (20042005-2011)181

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADEPCOCA Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca

ALALC Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio

AUC Autodefesas Unidas da Colocircmbia

CAN Comunidade Andina de Naccedilotildees

CICAD Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas

CND Commission on Narcotic Drugs

COMBIFRON Comisioacuten Binacional Fronteriza

CONALTID Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito de Drogas

CONSEP Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y Psicotroacutepicas

CSDP Common Sense for Drug Policy

DEA Drug Enforcement Administration

DROSICAN Decisioacuten 673 Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas

Sinteacuteticas

ECOSOC Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social

das Naccedilotildees Unidas

ELN Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FARC Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia

FELCN Forccedila Especial de Luta Contra o Narcotraacutefico

FOL Forward Operating Location

FTC Fuerza de Tarea Conjunta

FTE Fuerza Tarea Expedicionaria

GEMA Grupo Especial Moacutevil Antinarcoacuteticos

JIFE Junta Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes

NAS Narcotics Affairs Section

OEA Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

ONU Naccedilotildees Unidas

PESC Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum

PSD Poliacutetica Seguridad Democraacutetica

PSP Partido Sociedad Patrioacutetica

SAI Sistema Andino de Integraccedilatildeo

SGP-DROGAS Sistema Generalizado de Preferecircncias

SL Sendero Luminoso

SPI Sociologia Poliacutetica Internacional

UE Uniatildeo Europeia

UIAF Unidade Administrativa Especial de Informaccedilatildeo e Anaacutelise Financeira

UIES Unidade de Investigaccedilotildees Especiais

UMOPAR Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural

UNODC United Nations Office on Drugs and Crime

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO11

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO

ANDINA17

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes17

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina36

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE

NACcedilOcircES51

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais51

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes60

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteLTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS90

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila

Democraacutetica90

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana98

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contras as Drogas e os Planos VRAE E

VRAEM108

44 Boliacutevia Do Plano Dignidade agrave Revalorizaccedilatildeo da Folha de

Coca115

5 A COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO

COMBATE AO TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS130

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino Sobre o Traacutefico de Drogas

Iliacutecitas130

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em

Seguranccedila141

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS151

REFEREcircNCIAS157

ANEXOS174

11

1 INTRODUCcedilAtildeO

O processo de construccedilatildeo do traacutefico de drogas como uma ameaccedila agrave seguranccedila na

regiatildeo andina estaacute diretamente relacionado com a histoacuteria contemporacircnea das leis de controle

de drogas que foram conformadas ao longo do seacuteculo XX de acordo com a elaboraccedilatildeo de

tratados internacionais sob a eacutegide da hegemonia norte-americana a partir de 1909 com a

conferecircncia da Comissatildeo Internacional do Oacutepio1 a qual culminou na Convenccedilatildeo

Internacional do Oacutepio assinada em Haya em janeiro de 1912 A Convenccedilatildeo Internacional do

Oacutepio foi a mola propulsora para elaboraccedilatildeo do regime internacional de proibiccedilatildeo de drogas se

estendendo ateacute os dias de hoje O anseio norte-americano de se posicionar mais

assertivamente como potecircncia no concerto das naccedilotildees - principalmente perante as grandes

potecircncias imperiais ocidentais - somado agrave expansatildeo estadunidense em direccedilatildeo ao Oriente e

aliado agrave crenccedila de que as drogas psicoativas eram um obstaacuteculo para o desenvolvimento

econocircmico social e cultural das sociedades dos diferentes continentes foram fatores decisivos

para que os Estados Unidos impulsionassem a criaccedilatildeo de um regime internacional que

regulasse a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de drogas no mundo

O proibicionismo norte-americano natildeo estaacute apartado do discurso poliacutetico e cultural

Estas praacuteticas discursivas articulam uma seacuterie de variaacuteveis tais como a religiatildeo e a moral

puritana o racismo produto da rejeiccedilatildeo e discriminaccedilatildeo de determinados grupos de

imigrantes negros e indiacutegenas o contexto internacional da eacutepoca e o tracircnsito e o consumo

massivo de opiaacuteceos e cocaiacutena O endurecimento das leis antidrogas que faziam avanccedilar o

proibicionismo dentro dos Estados Unidos refletiu no seu posicionamento diplomaacutetico para

construccedilatildeo de um regime internacional unificado de controle de drogas o qual natildeo teve

consenso imediato entre os Estados durante as discussotildees nos anos 1950 e soacute veio ganhar

terreno feacutertil na deacutecada de 1960 (RODRIGUES 2004 ESCOHOTADO 2008)

1 A Comissatildeo Internacional do Oacutepio formada por 13 paiacuteses (Alemanha China Estados Unidos Franccedila Itaacutelia

Japatildeo Paiacuteses Baixos Peacutersia Portugal Reino Unido Ruacutessia e Reino do Siatildeo) se reuniram em uma conferecircncia

convocada pelos Estados Unidos na cidade de Xangai China no ano de 1909 se tornando o marco inaugural

para a articulaccedilatildeo internacional antidrogas apesar dos Estados Unidos natildeo conseguirem alcanccedilar os seus

objetivos de elaboraccedilatildeo de normas mais impositivas contra o oacutepio pois o seu consumo em territoacuterios

estadunidenses era associado pelas autoridades locais ao aumento da populaccedilatildeo chinesa provocado pela

imigraccedilatildeo maciccedila desta nacionalidade Somente no ano de 1912 com a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio foi

fixado controles mais riacutegidos para produccedilatildeo distribuiccedilatildeo venda importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo de morfina e outros

derivados do oacutepio e da cocaiacutena

12

O desdobramento desses acontecimentos foi a conversatildeo do ldquoespiacuterito proibicionistardquo

em normatividade planetaacuteria o que contribuiu para construccedilatildeo paulatina de consensos

sobretudo em termos juriacutedicos possibilitando a consolidaccedilatildeo do regime internacional de

proibiccedilatildeo das drogas no transcorrer do seacuteculo XX Da Conferecircncia do oacutepio em Shangai de

1909 agrave Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) de

19612 as drogas passaram por um processo contiacutenuo de associaccedilatildeo agrave criminalidade nos

tratados e acordos internacionais Esses tratados acordos e convenccedilotildees internacionais embora

natildeo fossem medidas obrigatoacuterias e impositivas na praacutetica foram se transformando em

mecanismos de pressatildeo para que os Estados adequassem de alguma forma suas respectivas

legislaccedilotildees nacionais a estes dispositivos Os paiacuteses andinos comeccedilaram a adaptar as suas

legislaccedilotildees nas primeiras deacutecadas do seacuteculo passado3 Segundo Rosa Del Olmo (2002)

Boliacutevia e Equador promulgaram suas primeiras leis em 1916 Seguidos por Colocircmbia em

1920 e Peru em 1921 O uacuteltimo paiacutes andino a comeccedilar aprovar leis antidrogas foi a

Venezuela em 19304 O discurso oficial justificava que para cumprir os compromissos

internacionais era preciso adequar as legislaccedilotildees nacionais Deste modo cada Estado andino

foi alterando suas leis nacionais com algumas variaccedilotildees e especificidades locais conforme o

surgimento de novos tratados internacionais ldquocom a singularidade de que o nuacutecleo essencial

dessa regulaccedilatildeo eacute constituiacutedo pela proibiccedilatildeordquo (GONZAacuteLEZ 2000 p55 apud DEL OLMO

2002 p 66)

A construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um regime internacional para combater as drogas

consideradas iliacutecitas foi produto de um processo longo na histoacuteria do seacuteculo XX cujo curso

natildeo eacute subjugado meramente agraves imposiccedilotildees norte-americanas pelo contraacuterio eacute resultado de

inuacutemeros fatores e variaacuteveis histoacutericas econocircmicas culturais (geo)poliacuteticas e internacionais

que se articulam e se entremeiam criando configuraccedilotildees que propiciaram aquiescecircncia sobre

2 Conferir quadro 2 na seccedilatildeo anexos

3 Os paiacuteses andinos assinaram e ratificaram a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio nas seguintes datas Boliacutevia

assinou em 04 de junho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 a Colocircmbia assinou em 15 de janeiro de

1913 e ratificou em 26 de junho de 1924 o Equador por sua vez assinou em 2 de julho de 1912 e ratificou em

25 de fevereiro de 1915 o Peru subscreveu em 24 de julho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 por

fim a Venezuela subscreveu em 10 de setembro de 1912 e ratificou em 28 de outubro de 1913 Os dados

foram extraiacutedos de UNITED NATIONS Treaty Collection Chapter VI Narcotic Drugs and Psychotropic

Substances Disponiacutevel em

lthttpstreatiesunorgPagesViewDetailsIVaspxampsrc=TREATYampmtdsg_no=VI~2ampchapter=6ampTemp=mtd

sg4amplang=en gt Acesso em 20 dez 2014 4 Conforme salienta Rosa Del Olmo (2002) ldquoNa Boliacutevia a Lei de Drogas no Equador a Lei do Comeacutercio do

Oacutepio e Demais Drogas (Decreto 39) na Colocircmbia a Lei sobre Importaccedilatildeo e Venda de Drogas que Causam

Haacutebito Pernicioso (Lei 11) no Peru a lei que regula a importaccedilatildeo exportaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cocaiacutena

oacutepio maconha e heroiacutena (Lei 4428) e na Venezuela a Lei dos Narcoacuteticos embora em 1920 jaacute existissem dois

regulamentos um sobre importaccedilatildeo e venda (no varejo) do oacutepio e seus alcaloidesrdquo (DEL OLMO 2002 p 76)

13

a ilicitude de ldquodrogas psicoativasrdquo por serem consideradas corruptoras dos ldquobons costumesrdquo e

sinocircnimo de ldquodelinquecircnciardquo Trata-se de um longo processo que ganhou novos contornos na

deacutecada de 1980 com a intensificaccedilatildeo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e ainda maior importacircncia nos

anos 1990 com o fim da Guerra Fria quando o traacutefico de drogas foi inserido no rol das

ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila internacional

Para combater o traacutefico de drogas na Ameacuterica Latina foram implementadas

estrateacutegias que obedeceram aos interesses percepccedilotildees e iniciativas estadunidenses sobre a

questatildeo (HERZ 2002 YOUNGERS ROSIN 2005a RODRUGUES 2003) A partir de uma

perspectiva maniqueiacutesta que dividia o mundo em ldquopaiacuteses consumidoresrdquo em oposiccedilatildeo aos

ldquopaiacuteses produtoresrdquo foi posto em marcha o pressuposto de que ao combater a oferta o traacutefico

de drogas se tornaria uma atividade mais arriscada e mais custosa desta forma ocorreria uma

reduccedilatildeo da produccedilatildeo com o aumento dos preccedilos bem como esse combate atuaria como fator

dissuasoacuterio para compra e consumo de drogas As drogas aparecem como uma ameaccedila

ldquoexternardquo aos EUA encarnando a figura do ldquoinimigordquo que deve ser aniquilado (PASSETTI

1991 KOPP 1997 FUKUMI 2008)

Os paiacuteses da regiatildeo andina passaram a ser vistos pelos EUA como ldquoprodutores de

drogasrdquo e como Estados ldquofracosrdquo institucionalmente o que propiciava a formaccedilatildeo de ldquoespaccedilos

vaziosrdquo que se tornavam redutos de organizaccedilotildees criminosas grupos insurgentes e

paramilitares ligados ao traacutefico de drogas e ao terrorismo Com base nesta interpretaccedilatildeo do

problema foram elaboradas estrateacutegias principalmente militares para coibir a produccedilatildeo e o

traacutefico de substacircncias iliacutecitas nos Estados andinos e mantecirc-los subordinados agrave poliacutetica de

drogas norte-americana A poliacutetica de drogas dos EUA para os Andes se tornou um

instrumento de ingerecircncia nos assuntos internos dos paiacuteses andinos Ao tratar o ldquonarcotraacuteficordquo

como ameaccedila agrave seguranccedila Washington favorecia os seus interesses mantendo a regiatildeo andina

sob o seu domiacutenio hemisfeacuterico

A problemaacutetica do traacutefico de drogas eacute comum a todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina e os

Andes satildeo um dos principais epicentros desta atividade iliacutecita Segundo o uacuteltimo Relatoacuterio

Mundial sobre Drogas da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) lanccedilado em

2014 na regiatildeo andina no de 2006 foram cultivados 157000 hectares e ocorreu uma reduccedilatildeo

de 23000 ha no ano de 2012 quando alcanccedilou o total de 133700 ha de arbusto de coca

distribuiacutedos da seguinte forma na Boliacutevia foram cultivados 25300 ha na Colocircmbia foram

48000 ha e no Peru foram 60400 ha ou seja o Peru tomou a dianteira e se tornou o maior

14

cultivador de coca do mundo O relatoacuterio estima que existam atualmente no mundo de 14 a 21

milhotildees de usuaacuterios de cocaiacutena o que demonstra a amplitude da induacutestria da cocaiacutena e

tambeacutem como a ldquoguerra agraves drogasrdquo na regiatildeo andina natildeo conseguiu alcanccedilar os resultados

esperados

Para compreendermos a complexidade do tema em questatildeo entende-se necessaacuterio um

estudo das poliacuteticas de seguranccedila antidrogas na regiatildeo andina principalmente por se tratar de

uma aacuterea emblemaacutetica no que tange agrave radicalizaccedilatildeo do combate agraves drogas e por conseguinte

ser uma das peccedilas centrais na compreensatildeo das transformaccedilotildees ocorridas na seguranccedila

internacional na contemporaneidade

Pretende-se investigar com esta pesquisa o traacutefico de drogas na Regiatildeo Andina e a

cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os atuais paiacuteses membros da Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) para combater o traacutefico de drogas As trecircs questotildees centrais que o presente trabalho

pretende responder satildeo as agendas de seguranccedila dos Estados andinos colocaram o traacutefico de

drogas como a principal ameaccedila para a regiatildeo andina O traacutefico de drogas eacute o vetor

predominante de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos A cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos

para combater o narcotraacutefico e as agendas de seguranccedila da Comunidade Andina se

configuram como uma comunidade de seguranccedila A nossa hipoacutetese eacute que as poliacuteticas

antidrogas destes paiacuteses fizeram com que o traacutefico de drogas se configurasse como a principal

ameaccedila agrave seguranccedila da regiatildeo andina e com isto o tema se tornou um vetor fundamental para

que os paiacuteses andinos mantivessem iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral em mateacuteria de

seguranccedila sobretudo no acircmbito da CAN Entretanto as iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral

foram sobrepujadas pelas dissensotildees e divergecircncias entre as formas pelas quais os governos

andinos procuraram responder ao problema e pela desarticulaccedilatildeo do projeto de integraccedilatildeo

sub-regional o que inviabilizou a orquestraccedilatildeo de uma cooperaccedilatildeo intra-andina e a formaccedilatildeo

de uma identidade comum de seguranccedila

Para responder estas questotildees a pesquisa tem sua estrutura divida em quatro capiacutetulos

aleacutem dos capiacutetulos de introduccedilatildeo e conclusatildeo No capiacutetulo 2 seraacute abordado o processo de

integraccedilatildeo e o contexto regional da seguranccedila nos Andes e estaacute divido em dois toacutepicos No

primeiro toacutepico (21) seraacute debatida a influecircncia que a geopoliacutetica tradicional e o realismo

claacutessico exerceram sobre o pensamento em seguranccedila e a divisatildeo da Ameacuterica do Sul

Apresentamos tambeacutem outras abordagens alternativas acerca do espaccedilo sul-americano Em

seguida seraacute discutido o conceito de geopoliacutetica do traacutefico de drogas e as suas implicaccedilotildees

15

para a seguranccedila domeacutestica e internacional bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo Por

fim analisamos as principais temaacuteticas que influiacuteram na construccedilatildeo da agenda de seguranccedila

dos paiacuteses andinos os conflitos tradicionais ligados aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos a

presenccedila dos EUA na regiatildeo as crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees

estatais as principais questotildees dos conflitos internos dos paiacuteses da regiatildeo e o traacutefico de drogas

e o crime organizado transnacional No segundo toacutepico (22) seraacute desenvolvida a trajetoacuteria

histoacuterica da integraccedilatildeo regional andina e as diferentes fases do processo de integraccedilatildeo do

Pacto Andino agrave CAN

No capiacutetulo 3 seraacute trabalhado o processo histoacuterico de inserccedilatildeo do traacutefico de drogas na

agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina com divisatildeo em dois toacutepicos Para

compreender este processo seraacute analisado como as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

emergem nos interstiacutecios das instituiccedilotildees do Estado e da sociedade se configurando como

novas redes de poder Problematizamos o conceito de ldquonarcotraacuteficordquo como instrumento de

anaacutelise e as suas implicaccedilotildees para a compreensatildeo do fenocircmeno do traacutefico de drogas e dos

inuacutemeros atores envolvidos com as redes do mercado ilegal das drogas Debateremos tambeacutem

o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo e a percepccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

(31) Depois de problematizado o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo abordaremos a construccedilatildeo

histoacuterica do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes articulando trecircs niacuteveis de

anaacutelise Internacional Regional e Nacional (32)

O capiacutetulo 4 seraacute divido em quatro seccedilotildees Para tratar a dinacircmica do combate agraves

drogas iliacutecitas na regiatildeo se faz necessaacuterio compreender cada caso nacional da CAN

(Colocircmbia Equador Peru e Boliacutevia) considerando os diferentes agentes envolvidos os

interesses nacionais para empreender a luta antidrogas a produccedilatildeo das drogas em cada paiacutes

os papeacuteis desempenhados pela poliacutecia e pelas forccedilas armadas na luta antidrogas as influecircncias

internacionais de proibiccedilatildeo das drogas sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais e como os

governos que constituem a CAN estatildeo individualmente travando o combate ao narcotraacutefico e

como tais medidas reverberam na regiatildeo Procurar-se-aacute identificar as divergecircncias e

convergecircncias das poliacuteticas antidrogas nacionais visando compreender se haacute uma

homogeneidade ou uma heterogeneidade na forma de lidar com a questatildeo Esta identificaccedilatildeo

seraacute fundamental para compreender a cooperaccedilatildeo regional entre os paiacuteses no combate ao

narcotraacutefico e perscrutar se esta cooperaccedilatildeo estaacute inserida em um contexto mais amplo e

intensificado de formaccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila

16

Apoacutes a identificaccedilatildeo e anaacutelise das particularidades nacionais das poliacuteticas e agendas de

seguranccedila para contenccedilatildeo do narcotraacutefico e os pontos de convergecircncia e divergecircncia na seccedilatildeo

(51) do capiacutetulo 5 seratildeo discutidos os marcos legais e o ordenamento institucional andino de

luta contra as drogas a partir de 1999 quando foi lanccedilada a Poliacutetica Externa Comum ateacute o

ano de 1912 quando foi lanccedilada a Estrateacutegia Andina Sobre El Problema Mundial de las

Drogas 2012-2019 Tal recorte possibilitaraacute analisar as principais mudanccedilas da cooperaccedilatildeo

andina de combate ao traacutefico de drogas na uacuteltima deacutecada E no uacuteltimo toacutepico (52) seraacute

analisado o traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os paiacuteses andinos

compreendendo as questotildees atinentes agraves divergecircncias das agendas de poliacutetica antidrogas e

entre governos no que tange agrave forma que deve ser combatido o narcotraacutefico e problematizado

o conceito de comunidade de seguranccedila em relaccedilatildeo agrave sua aplicabilidade para compreender a

dinacircmica da cooperaccedilatildeo andina em seguranccedila para reprimir o traacutefico de drogas

17

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO ANDINA

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes

Nas duas uacuteltimas deacutecadas o panorama da seguranccedila na Ameacuterica do Sul passou por

transformaccedilotildees significativas impulsionadas pelos processos de reabertura democraacutetica e

pelas mudanccedilas ocorridas no cenaacuterio internacional Com a redemocratizaccedilatildeo dos regimes

poliacuteticos abriram-se novas possibilidades nas relaccedilotildees civil-militares nas quais deveria

prevalecer a preeminecircncia civil no controle das forccedilas armadas das poliacutecias e dos serviccedilos de

inteligecircncia na definiccedilatildeo dos conceitos e conteuacutedos das poliacuteticas de seguranccedila e na forma

como devem ser tratadas as variadas temaacuteticas relativas a este campo As mudanccedilas ocorridas

no cenaacuterio internacional nesse periacuteodo incidiram nas poliacuteticas sul-americanas de seguranccedila

Com o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica (URSS) e a ausecircncia inequiacutevoca de uma potecircncia rival que

pudesse desafiar o poderio estadunidense os Estados Unidos (EUA) se tornaram uma

superpotecircncia militar poliacutetica e econocircmica mundial No decorrer do confronto bipolar os

EUA puseram em marcha a doutrina da seguranccedila hemisfeacuterica ocidental como instrumento de

contenccedilatildeo do comunismo O novo contexto internacional lanccedilou bases para discussatildeo de

concepccedilotildees alternativas agrave problemaacutetica da seguranccedila internacional e para definiccedilatildeo de ldquonovas

ameaccedilasrdquo e ldquonovos inimigosrdquo a partir de uma perspectiva global e multilateral

Na Ameacuterica do Sul no decorrer do seacuteculo XX ocorreram poucos conflitos

interestatais armados se comparado com outras regiotildees do mundo como a Aacutefrica e o Oriente

Meacutedio Todavia subsistem contenciosos entre os paiacuteses sul-americanos sobretudo entre os

paiacuteses andinos remanescentes do colonialismo ibeacuterico e dos processos de independecircncia e

consolidaccedilatildeo do Estado nacional no seacuteculo XIX (MARES 2003) Oscar Medeiros Filho

(2004) assinala que as abordagens realistas ndash focadas no Estado-naccedilatildeo ndash presentes na

geopoliacutetica claacutessica sul-americana natildeo desconsideram as possibilidades de conflitos armados

convencionais e para sustentar as suas prospecccedilotildees apresentam contenciosos histoacutericos como

exemplos de conflagraccedilotildees futuras sendo assim o conflito com o paiacutes vizinho eacute sempre

considerado nos caacutelculos militares O autor enfatiza que esta visatildeo claacutessica no trato das

questotildees de Defesa e Seguranccedila ainda prevalecente no pensamento militar sul-americano

coloca obstaacuteculos para o ldquodesenvolvimento de uma cooperaccedilatildeo maior entre os militares na

Ameacuterica do Sulrdquo mesmo que natildeo descarte por completo a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses ldquoporeacutem

18

ela natildeo altera a prioridade das poliacuteticas nacionais e a busca dos interesses particularesrdquo

(MEDEIROS FILHO 2004 p 26) A persistecircncia desta visatildeo em grande parte dos paiacuteses sul-

americanos coloca em questatildeo o controle civil sobre os militares fazendo com que o processo

de redemocratizaccedilatildeo permaneccedila inacabado e coloca em questatildeo a criaccedilatildeo de um ldquosistema

comum de seguranccedila subcontinentalrdquo

Apesar de todos os preacute-requisitos favoraacuteveis a consolidaccedilatildeo de um cenaacuterio

geopoliacutetico regional na Ameacuterica do Sul ainda estaacute longe de se tornar realidade

Enquanto persistirem as antigas concepccedilotildees de poder e rivalidade entre os paiacuteses

sul-americanos e enquanto natildeo forem definidos claramente interesses objetivos

poliacuteticas estrateacutegias e ndash principalmente ndash lsquoinimigosrsquo comuns torna-se difiacutecil

imaginar tal cenaacuterio para o subcontinente pelo menos para a proacutexima deacutecada

(MEDEIROS FILHO 2004 p 35)

A geopoliacutetica tradicional marcada pelo pensamento realista chegou agrave Ameacuterica do Sul

por meio de duas correntes de pensamento distintos a realpolitk e a geopolitik alematildes que

influenciaram alguns exeacutercitos sul-americanos e a presenccedila poliacutetica estrateacutegica e econocircmica

estadunidense nas escolas militares de formaccedilatildeo de oficiais latino-americanos A geopoliacutetica

chegou ao subcontinente a partir dos interesses dos oficiais do exeacutercito e dos professores das

escolas militares ldquoela surge como preocupaccedilatildeo castrenserdquo (GEOPOLIacuteTICA XXI 2011) Eacute

essa concepccedilatildeo de geopoliacutetica que esteve por detraacutes das tensotildees interestatais e que tambeacutem

norteou a divisatildeo tradicional da Ameacuterica do Sul a partir de seus projetos nacionalistas e

expansionistas de afirmaccedilatildeo nacional e territorial ldquoNeste cenaacuterio a ideia de Seguranccedila estaacute

intimamente vinculada agrave de Defesa entendida enquanto a luta do Estado por seus interesses

soberanos atraveacutes dos meios militaresrdquo (MEDEIROS FILHOS 2004 p 24)

De acordo com Pablo Gabriel Dreyfus (2002) a geopoliacutetica tradicional da Ameacuterica do

Sul dividiu a Ameacuterica do Sul em dois grupos de Estados os Andes e o Cone Sul Conforme

esta abordagem a sub-regiatildeo andina estaacute situada ao norte do subcontinente e eacute formada por

Colocircmbia Equador Peru Boliacutevia e Venezuela sendo que apenas os dois uacuteltimos paiacuteses natildeo

tecircm faixa litoracircnea no Oceano Paciacutefico Estes Estados compartilham algumas caracteriacutesticas

comuns como a geografia uma grande densidade demograacutefica de populaccedilatildeo indiacutegena ndash

principalmente na Boliacutevia Equador e Peru ndash e uma configuraccedilatildeo especiacutefica de rivalidades

histoacutericas e de inuacutemeras contendas territoriais A principal iniciativa de integraccedilatildeo e

construccedilatildeo de uma identidade comum foi a criaccedilatildeo do Pacto Andino em 1969 o qual contava

inicialmente com a participaccedilatildeo do Chile e que mais tarde a partir de um longo processo de

negociaccedilotildees econocircmicas e esforccedilo poliacutetico para mitigar os conflitos latentes veio a se tornar a

Comunidade Andina de Naccedilotildees O autor aponta que esta abordagem tradicional natildeo inclui a

19

Guiana o Suriname5 e a Guiana Francesa como parte da regiatildeo andino-amazocircnica pois estes

paiacuteses satildeo considerados como pertencentes agrave geopoliacutetica do Caribe devido ao seu

distanciamento geograacutefico a sua histoacuteria comum como ex-colocircnias holandesas britacircnicas e

francesas e seus arranjos de seguranccedila poliacuteticos e econocircmicos ndash Guiana e Suriname satildeo

membros do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM na sigla inglesa) ndash bem

como grande parte da literatura sobre o traacutefico de drogas na Ameacuterica do Sul tambeacutem natildeo os

incluem na anaacutelise devido a sua ldquoirrelevacircnciardquo nas operaccedilotildees do narcotraacutefico

A sub-regiatildeo do Cone Sul segundo esta visatildeo tradicional eacute formada por Argentina

Brasil Chile Paraguai e Uruguai No Cone Sul haacute uma diversidade geograacutefica mais

acentuada abrangendo desde a Patagocircnia ateacute o nordeste brasileiro Argentina e Chile tiveram

altercaccedilotildees territoriais a despeito de suas ambiccedilotildees geopoliacuteticas acerca do Canal Patagocircnico

(Canal de Beagle) e do acesso agrave Antaacutertida Argentina e Brasil tecircm sido rivais histoacutericos

principalmente no que tange agrave lideranccedila da Ameacuterica do Sul contudo nunca houve uma guerra

entre os dois paiacuteses O Cone Sul eacute caracterizado por um processo de integraccedilatildeo econocircmica e

cooperaccedilatildeo poliacutetica e de seguranccedila que ganhou novos contornos com a redemocratizaccedilatildeo dos

Estados que o conformam os acordos de negociaccedilatildeo firmados por Argentina e Brasil

impulsionaram a formaccedilatildeo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que eacute formado por

estes dois paiacuteses mais o Paraguai o Uruguai e a Venezuela O Chile eacute o uacutenico paiacutes do Cone

Sul que segue como membro associado6

As abordagens sobre Ameacuterica do Sul natildeo se restringiram somente agrave geopoliacutetica

tradicional descrita por Dreyfus Heacutector Luis Saint-Pierre (2006) por exemplo propotildee outra

anaacutelise sobre a regiatildeo e sua poliacutetica de defesa a qual ele denominou de ldquoarcos de equiliacutebrio

regionalrdquo Segundo o autor para pensar num sistema de seguranccedila sul-americano eacute necessaacuterio

compreender a heterogeneidade entre os paiacuteses e as sub-regiotildees existentes no subcontinente

A heterogeneidade entre os paiacuteses natildeo estaacute no e na histoacuteria ndash que satildeo comuns a quase todos os

paiacuteses da regiatildeo ndash ela eacute presente devido aos diferentes niacuteveis de desenvolvimento nacional

de capacidade econocircmica de estabilidade poliacutetica de solidez institucional e de desigualdade

na distribuiccedilatildeo de renda e concentraccedilatildeo de riqueza que gera um dos iacutendices mais elevados de

pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e de marginalizados do mundo Saint-Pierre

5 Esta abordagem da geopoliacutetica tradicional descrita por Dreyfus ignora que a Guiana e o Suriname satildeo membros

da Organizaccedilatildeo do Tratado de Cooperaccedilatildeo Amazocircnica o que demonstra a relevacircncia destes paiacuteses para a

geopoliacutetica sul-americana Vale mencionar a disputa territorial entre Guiana e Venezuela sobre a regiatildeo de

Essequibo territoacuterio profuso em recursos energeacuteticos tais como o petroacuteleo e o gaacutes o que coloca a Guiana

dentro do jogo geopoliacutetico sul-americano 6 Aleacutem do Chile a Boliacutevia Colocircmbia Peru e Equador satildeo membros associados ao Mercosul

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destaca que as sub-regiotildees satildeo caracterizadas por diferenccedilas territoriais que podem ser dividas

em Aacuterea Andina e o Mercosul ampliado no entanto o autor ressalta que esta divisatildeo natildeo eacute

estanque porque outras configuraccedilotildees ocorrem conforme os objetivos e caracteriacutesticas

associativas diferentes por exemplo Cone Sul e Grupo Amazocircnico

Para Saint-Pierre os ldquoarcos de equiliacutebrio regionalrdquo satildeo divididos em arco de

instabilidade e arco de estabilidade

Na regiatildeo pode-se identificar por um lado alguns paiacuteses com problemas nacionais

que ameaccedilam a estabilidade ndash seja social poliacutetica econocircmica institucional - com o

risco de projetar vulnerabilidade estrutural para toda a regiatildeo Por outro lado haacute um

conjunto de paiacuteses cuja situaccedilatildeo interna apresenta graus confiaacuteveis de estabilidade

podendo eventualmente irradiaacute-la para a regiatildeo (SAINT-PIERRE 2006 p196)

Conforme o autor o Arco Andino que eacute formado por Guianas Venezuela Equador

Peru Boliacutevia e Paraguai pertence agrave primeira categoria o ldquoArco de Instabilidaderdquo O Arco do

Mercosul Ampliado que abrange Brasil Argentina Uruguai e Chile integra a segunda

categoria o ldquoArco da Estabilidaderdquo Saint-Pierre salienta que um arco funciona ldquocomo

compensador do outro arco estabilizando a situaccedilatildeo e impedindo que ela se torne uma

situaccedilatildeo regional de instabilidaderdquo (SAINT-PIERRE 2006 p 197) Leonardo Morlino

argumenta que para uma definiccedilatildeo ldquosatisfatoacuteriardquo do conceito de estabilidade poliacutetica7 eacute

preciso isentaacute-lo de elementos avaliativos pois o conceito geralmente eacute empregado mais

para justificar a conservaccedilatildeo do que tratar da mudanccedila sendo assim ldquoum sistema poliacutetico por

exemplo eacute muitas vezes considerado estaacutevel justamente por ser capaz de manter o status

quordquo entretanto ldquoa Estabilidade natildeo eacute necessariamente nem deve ser o fim de todo o

sistemardquo (MORLINO 1998 p 394)

Segundo Morlino as definiccedilotildees de estabilidade que se identifica com o ldquoequiliacutebrio

estaacutevelrdquo natildeo colaboram para compreender o dinamismo poliacutetico de uma determinada

sociedade pois o equiliacutebrio pode ser estaacutetico ou dinacircmico por inuacutemeros fatores O autor

problematiza a associaccedilatildeo indiscriminada entre estabilidade e equiliacutebrio estaacutevel apresentando

dois motivos principais

a) a noccedilatildeo de equiliacutebrio estaacutevel natildeo leva longe e em todo caso natildeo parece suscetiacutevel

de se tornar operativa devido agrave distacircncia que separa esta concepccedilatildeo fiacutesica da

7 Morlino propotildee a seguinte definiccedilatildeo do conceito de estabilidade poliacutetica ldquoEstabilidade eacute a capacidade

previsiacutevel que um sistema tem de se prolongar no tempo Deste modo um sistema deve ser considerado estaacutevel

quando num momento dado tido em conta um conjunto de sinais eacute razoavelmente previsiacutevel que ele

continuaraacute no tempordquo (MORLINO 1998 p 394 grifos do autor)

21

realidade social b) o equiliacutebrio estaacutevel privilegia o status quo ao contraacuterio para ser

estaacutevel isto eacute para continuar no tempo o sistema tem de ser capaz de mudar

adaptando-se aos desafios que vecircm do ambiente soacute uma constante adaptaccedilatildeo agrave

realidade sempre mutaacutevel permite que o sistema sobreviva Pode-se pois afirmar

que paradoxalmente um sistema em equiliacutebrio estaacutevel corre o risco de se tornar o

mais instaacutevel (MORLINO 1998 p 395)

Portanto ao considerarmos esta proposta de Morlino a estabilidade e a instabilidade

seratildeo compreendidas natildeo como fenocircmenos contraditoacuterios radicalmente opostos mas como

um uacutenico fenocircmeno que varia de acordo com as circunstacircncias especiacuteficas e particularidades

de um sistema poliacutetico e de uma comunidade poliacutetica e seus diferentes atores A

caracterizaccedilatildeo da regiatildeo andina como arco de instabilidade pela teoria dos arcos de equiliacutebrio

regional pode servir como instrumento e justificativa de intervenccedilatildeo de grandes potecircncias

exoacutegenas agrave regiatildeo a ideia de instabilidade remonta agraves concepccedilotildees de Estado falido (ou

Estados debilitados) e aacutereas natildeo governadas Estas concepccedilotildees contribuiacuteram para o

delineamento da poliacutetica militarista de ldquoguerra agraves drogasrdquo contra paiacuteses produtores

principalmente os Estados andinos

Oscar Medeiros Filhos (2010) como base na teoria dos arcos de estabilidade regional

sustenta que a integraccedilatildeo regional no subcontinente sul-americano indica a existecircncia de

estabilidade (Cone Sul) e instabilidade (Amazocircnia e Andes) As sub-regiotildees instaacuteveis satildeo as

mesmas com processo de integraccedilatildeo menos pretensioso O autor conclui que ldquoos niacuteveis de

lsquointegraccedilatildeo geopoliacuteticarsquo na Ameacuterica do Sul parecem obedecer a uma linha de gradaccedilatildeo

crescente entre a vertente atlacircntica (maior niacutevel de integraccedilatildeoestabilidade) e a vertente

paciacutefica (integraccedilatildeo comprometida e instabilidade regional)rdquo (MEDEIROS FILHO 2010 p

65) A divisatildeo da Ameacuterica do Sul proposta por Medeiros Filho parece-nos mais adequada para

se pensar a Ameacuterica do Sul por considerar os diferentes niacuteveis e dinacircmicas de relacionamento

cooperaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo contudo natildeo coadunamos com a divisatildeo

em arcos de estabilidade e instabilidade devido agraves implicaccedilotildees anteriormente discutidas

Para a viabilidade do presente trabalho a regiatildeo a ser considerada para a anaacutelise eacute a

dos Andes mais precisamente os paiacuteses pertencentes agrave Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) que engloba maior parte da porccedilatildeo andina e parte da porccedilatildeo amazocircnica Atualmente

Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru conformam a CAN ndash o processo de integraccedilatildeo mais antigo

da Ameacuterica do Sul ndash e estes paiacuteses estatildeo ligados natildeo apenas geograacutefica e historicamente mas

tambeacutem no que tange agrave integraccedilatildeo conflito interestatal clientelismo desigualdade e

concentraccedilatildeo de renda crises poliacuteticas proeminecircncia das forccedilas armadas e dependecircncia

externa no acircmbito da seguranccedila Estes paiacuteses estatildeo interligados principalmente pelo

22

compartilhamento de uma ameaccedila comum o traacutefico de drogas Mas a regiatildeo andina estaacute

tambeacutem interconectada pela ldquogeopoliacutetica do traacutefico de drogasrdquo (DREYFUS 2002 OLMO

1993)

A anaacutelise geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura apreender o

papel de cada paiacutes bem como os seus muacuteltiplos atores nas diferentes etapas da produccedilatildeo ao

transporte de drogas iliacutecitas e como eles estatildeo inseridos nas relaccedilotildees de conflito cooperaccedilatildeo e

poder tambeacutem satildeo incluiacutedos na anaacutelise os padrotildees de interaccedilatildeo entre as vulnerabilidades

comum de um determinado grupo de paiacuteses ndash no nosso caso satildeo os paiacuteses andinos

pertencentes agrave CAN ndash e as ameaccedilas colocadas pelo traacutefico de drogas8

Para fins desta pesquisa privilegiaremos em nossa anaacutelise o envolvimento dos atores

natildeo-estatais e estatais nas atividades iliacutecitas do traacutefico de drogas e no combate ao narcotraacutefico

assim como as relaccedilotildees entre os paiacuteses que integram as redes narcotraficantes e seus esforccedilos

de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila frente agrave esta modalidade de crime organizado As

relaccedilotildees com os EUA se limitaram ao papel deste paiacutes no processo de construccedilatildeo do traacutefico de

psicoativos iliacutecitos como ameaccedila agrave seguranccedila durante o seacuteculo XX e princiacutepios do seacuteculo

XXI As relaccedilotildees bilaterais dos EUA com cada paiacutes andino em mateacuteria de luta antidrogas

poderaacute ser um tema abordado em trabalho futuro

A geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura uma abordagem que

contemple as duas dimensotildees do Estado a domeacutestica e a internacional ou ldquointermeacutesticardquo

assim como as relaccedilotildees e articulaccedilotildees existentes entre ambas e a seguranccedila satildeo tratadas como

um fenocircmeno relacional onde o acircmbito externo natildeo eacute dissociado do interno Portanto para

compreender a seguranccedila domeacutestica de um determinado Estado eacute preciso entender o padratildeo

regional e internacional de interdependecircncia de seguranccedila no qual ele estaacute inserido e os

muacuteltiplos atores intervenientes Esta abordagem mesmo apresentando algumas diferenccedilas

corrobora com a perspectiva relacional e processual da sociologia poliacutetica internacional (SPI)

de Didier Bigo Segundo este autor o Estado ldquonatildeo eacute um ator mas sim um campo de accedilotildeesrdquo e

8 A proposta analiacutetica do autor ainda estaacute arraigada na concepccedilatildeo dicotocircmica entre ldquopaiacuteses produtoresrdquo e ldquopaiacuteses

consumidoresrdquo Esta forma de compreender a problemaacutetica do traacutefico de drogas foi construiacuteda pelos discursos

e percepccedilotildees dos paiacuteses ocidentais que enviesaram os textos contidos nos regimes internacionais a partir da

deacutecada de 1980 (PASSETTI 1991) Esta visatildeo estanque natildeo apreende a dinacircmica do traacutefico de drogas

internacional e obnubila informaccedilotildees sobre a produccedilatildeo de drogas nos paiacuteses do centro do capitalismo como a

produccedilatildeo de maconha em larga escala nos Estados Unidos e a fabricaccedilatildeo de ecstasy na Holanda e em outros

paiacuteses europeus ou mesmo natildeo menciona que a Ameacuterica do Sul eacute uma das regiotildees que mais consomem

cocaiacutena (UNODC 2014)

23

analisar a emergecircncia do social ldquoeacute seguir relaccedilotildees quaisquer que sejam suas escalasrdquo pois o

internacional ldquonatildeo eacute uma esfera de accedilatildeo especiacutefica separada das demais (internas sociais)

mas o nome dado agrave investigaccedilatildeo de entendimento mais transversal de sociedade de

indiviacuteduosrdquo (BIGO 2013 p 187)

A seguranccedila de acordo com a perspectiva da SPI se configura como uma teacutecnica de

governo que envolve diferentes profissionais do campo da seguranccedila ndash ao contraacuterio das

concepccedilotildees excepcionalistas ndash os quais definem a seguranccedila atraveacutes da rotinizaccedilatildeo de suas

praacuteticas impondo as suas proacuteprias definiccedilotildees de ameaccedila e perigo bem como as tecnologias

de poder-saber para administrar e gerenciar estas ameaccedilas e perigos Jeff Huysman (2006)

aponta que o colapso da estrutura diplomaacutetico-militar e o alargamento do conceito de

seguranccedila no final dos anos 1980 e no decorrer dos anos 1990 colaboraram para o

estreitamento entre seguranccedila puacuteblica e defesa A inseguranccedila social ao mesmo passo que

configura a seguranccedila interna estaacute conectada agrave seguranccedila internacional principalmente em

questotildees atinentes ao crime organizado transnacional De acordo com Bigo (2000 2013) este

processo fez com que a incerteza sobre as missotildees e tarefas e os limites entre os universos

sociais da poliacutecia e das forccedilas armadas afetassem as organizaccedilotildees e as agecircncias de seguranccedila

tal como as identidades dos profissionais deste campo

Nos Andes o combate agraves drogas foi um elemento importante para que ocorresse este

processo descrito por Bigo e Huysman O traacutefico de drogas permitiu que as agecircncias de

seguranccedila andinas sob influecircncia norte-americana reduzissem a distinccedilatildeo entre seguranccedila

interna e externa aproximando funccedilotildees delimitadas claramente entre a poliacutecia e as forccedilas

armadas para combater uma ameaccedila que deve ser contida por ambos A construccedilatildeo e a

consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes9 de controle e luta contra as drogas

consideradas iliacutecitas foi resultado de um longo processo que natildeo se restringe apenas aos

ditames de Washington mas tambeacutem abrangem inuacutemeras variaacuteveis histoacutericas poliacuteticas

ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam entrelaccedilando interesses que

9 De acordo com Stephen D Krasner ldquoOs regimes podem ser definidos como princiacutepios normas e regras

impliacutecitos ou expliacutecitos e procedimentos de tomada de decisotildees de determinada aacuterea das relaccedilotildees

internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores Os princiacutepios satildeo crenccedilas em fatos

causas e questotildees morais As normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e

obrigaccedilotildees As regras satildeo prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees especificas para a accedilatildeo Os procedimentos para tomada de

decisotildees satildeo praacuteticas predominantes para fazer e executar a decisatildeo coletivardquo (KRASNER 2012 p 94) Para

fins desta pesquisa os regimes internacionais de drogas seratildeo compreendidos a partir desta definiccedilatildeo

24

geraram o consenso sobre a ilegalidade das drogas psicoativas reputando a elas o caraacuteter de

criminalidade e mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional A ldquoguerra agraves

drogasrdquo foi um dos principais fatores para que ocorresse o processo de ldquodes-diferenciaccedilatildeordquo

assinalado por Bigo cuja fusatildeo entre seguranccedila interna e externa faz com que os mundos do

policiamento e da guerra que tinham pouco em comum se misturem para combater um

inimigo sem rosto (BIGO 2000)

A ausecircncia de uma diferenciaccedilatildeo entre problemas internos e externos de seguranccedila

estaacute ligada agraves accedilotildees dos inuacutemeros agentes do campo da seguranccedila as quais natildeo se limitam agraves

fronteiras convencionais entre o domeacutestico e o internacional O processo de des-diferenciaccedilatildeo

estaacute adstrito agraves relaccedilotildees de poder e concorrecircncias existentes entre grupos sociais que

compotildeem o campo da seguranccedila o que descarta a existecircncia de um ator capaz de decidir

sobre as ameaccedilas unilateralmente Bigo com base nos estudos de Pierre Bourdieu percebe o

campo da seguranccedila como espaccedilo social construiacutedo atraveacutes da disputa entre as diversas

posiccedilotildees dos agentes de seguranccedila e conformado pelas agecircncias de seguranccedila e os lugares

que elas ocupam nas esferas nacionais e internacionais No interior do campo da seguranccedila

podem ser ensejados processos de ldquounificaccedilatildeordquo capazes de concentrar atores diferentes em

torno de uma determinada ameaccedila o que pode levar a uma ldquohomogeneizaccedilatildeordquo das

percepccedilotildees ou das doutrinas de seguranccedila deste modo uma ou mais questotildees passam a ser

compartilhadas por mais de um ator (BIGO 2000) Este processo de ldquounificaccedilatildeordquo descrito

pelo autor ocorreu entre os paiacuteses andinos entorno do traacutefico de drogas As drogas iliacutecitas

passaram a ser uma ameaccedila compartilhada pelos governos andinos as agendas de seguranccedila

dos Estados da regiatildeo andina estiveram subordinadas agraves diretrizes norte-americanas de

combate agraves drogas criando um foco comum de seguranccedila nos Andes para tratar e eliminar o

problema

Existem na regiatildeo andina muacuteltiplas temaacuteticas que influem na construccedilatildeo da agenda

de seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo Estas temaacuteticas podem ser dividas em cinco grupos

principais a) conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos b) a

presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das

instituiccedilotildees estatais d) conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-

culturais e identitaacuterias e) traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

a) Conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos

25

No que tange aos conflitos convencionais ou interestatais o norte e noroeste do

subcontinente sul-americano apresentam tensotildees remanescentes de litiacutegios histoacutericos ndash ou

tensotildees novas que emergiram em contextos especiacuteficos ndash entre os paiacuteses da regiatildeo que se

arrastam desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX ao princiacutepio do seacuteculo XXI colocando-os

dentro de um quadro complexo de conflitos ligados principalmente a fatores territoriais

limiacutetrofes e ou acerca de recursos naturais Conforme argumenta Adriaacuten Bonilla (1999) a

imagem de um Estado coeso fortalece e legitima a sua existecircncia e um dos seus sinais satildeo as

fronteiras sendo que cada Estado faz uma leitura distinta dos referidos sinais O resultado eacute

um conjunto de valores internalizados que criam uma imagem de uma comunidade a

comunidade nacional e ao mesmo tempo a percepccedilatildeo do ldquooutrordquo agressivo Estas imagens

identificam condutas e justificam a violecircncia para defender a si ldquoproacutepriordquo quando percebido

em risco frente agrave ameaccedila do ldquoestrangeirordquo o ldquooutrordquo Jorge I Domiacutenguez (2003) observa que

a persistecircncia de alguns conflitos histoacutericos na Ameacuterica Latina que se iniciaram no seacuteculo

XIX estatildeo relacionados a dois fatores principais 1) o geograacutefico pois as florestas e rios na

Ameacuterica do Sul e Central assim como a topografia montanhosa em determinadas aacutereas

colocaram oacutebices para demarcaccedilotildees fiacutesicas das fronteiras A confecccedilatildeo de mapas inexatos

contribuiu para o ressurgimento de conflitos como foi o caso de Equador e Peru 2) a

interrupccedilatildeo dos processos de negociaccedilatildeo que poderiam conduzir arranjos permanentes para

manter a paz na Ameacuterica do Sul Domiacutenguez salienta que a mediaccedilatildeo internacional em

muitos casos serviu para ldquoesfriar os conflitosrdquo e natildeo para resolvecirc-los As ldquoteacutecnicas de

congelamentordquo das demandas em uma conjuntura particular tambeacutem tiveram resultados

contraditoacuterios como foi o caso do Protocolo de Puerto Espantildea assinado em 1970 entre

Guiana e Venezuela o qual estabeleceu o acordo entre os dois paiacuteses para que ambos

cessassem as suas reivindicaccedilotildees e o conflito O que ocorreu foi a postergaccedilatildeo do litiacutegio para

doze anos depois Assim que o Protocolo expirou a crise entre os dois paiacuteses reiniciou e

permanece sem soluccedilatildeo

Na deacutecada de 1990 Equador e Peru entraram em disputa pelo territoacuterio da bacia do

Rio Cenepa que permanecia sem definiccedilatildeo limiacutetrofe A escalada do conflito culminou na

guerra entre os dois paiacuteses em 1995 Os dois paiacuteses deflagraram um conflito armado de

grandes proporccedilotildees apoacutes a derrubada de um helicoacuteptero MI-8TV do exeacutercito peruano por um

miacutessil antiaeacutereo equatoriano em 29 de janeiro do referido ano A partir daiacute os confrontos

armados envolveram os exeacutercitos e as suas forccedilas aacutereas de ambos os paiacuteses O emprego de

caccedilas helicoacutepteros aviotildees e combates com utilizaccedilatildeo de miacutesseis ar-ar se deu principalmente

26

pela dificuldade do acesso agrave regiatildeo que eacute uma zona de floresta densa com condiccedilotildees

climaacuteticas que natildeo favoreciam os movimentos militares e a logiacutestica para o combate

De acordo com Bonilla a altercaccedilatildeo fronteiriccedila entre Equador e Peru estaacute na proacutepria

fundaccedilatildeo destes Estados como repuacuteblicas Cada um dos dois paiacuteses narra os conflitos

territoriais a seu modo ou seja ldquoa construccedilatildeo de um imaginaacuterio nacional que decirc sentido as

instituiccedilotildees estatais e ao mesmo tempo lanccedila as bases da comunidade imaginada ndash a naccedilatildeo ndash

que foi erguida sobre mitos e relatos fundacionais relacionados agrave fronteirardquo (BONILLA 1999

p 19 traduccedilatildeo nossa) O conflito irrompe no meio de duas poliacuteticas externas inflexiacuteveis que

se baseiam em interpretaccedilotildees antinocircmicas sobre o tema fronteiriccedilo Conforme aponta o autor

Estas poliacuteticas natildeo deram espaccedilo para formulaccedilatildeo de processos e mecanismos de

negociaccedilatildeo que criassem condiccedilotildees para que tanto Equador como Peru fizessem

concessotildees Para o Equador a poliacutetica externa para o Peru foi concentrada na

impugnaccedilatildeo do Protocolo do Rio de Janeiro e na exigecircncia de um acesso ao

territoacuterio amazocircnico Por sua parte o Peru tem sido constante reconhecimento e

execuccedilatildeo irrestrita do Protocolo mesmo apesar das suas carecircncias teacutecnicas eacute

considerado um instrumento teacutecnica e juridicamente preciso (BONILLA 1999 p

19 traduccedilatildeo nossa)

Apesar das controveacutersias em torno do litiacutegio a resoluccedilatildeo do conflito aconteceu

mediante a intervenccedilatildeo multilateral de Argentina Chile Brasil e EUA no longo processo de

negociaccedilatildeo de paz com os Estados garantes (estes paiacuteses foram avalistas do Protocolo de Paz

Amizade e Limites do Rio de Janeiro ou Protocolo do Rio de Janeiro subscrito em 29 de

janeiro de 1942 para delimitaccedilatildeo da fronteira entre os dois paiacuteses e para pocircr fim ao litiacutegio)

cuja conclusatildeo ocorreu com a assinatura do Acordo de Brasiacutelia em 1998 que demarcou as

fronteiras entre os dois paiacuteses andinos A delimitaccedilatildeo fronteiriccedila foi traccedilada sobre o fastiacutegio

da Cordilheira do Condor a qual concedeu ao Peru o territoacuterio disputado mais a extensatildeo

territorial de Tiwinza Por sua vez o governo peruano permitiu que o Equador tivesse a

propriedade de uma aacuterea de 1 kmsup2 situada no territoacuterio de Tiwinza onde existia o

acampamento militar do exeacutercito equatoriano no entanto a soberania sobre a regiatildeo

continuou sendo do Estado peruano

Os conflitos interestatais nos Andes natildeo foram impulsionados somente por questotildees

fronteiriccedilas David Mares assinala que na Ameacuterica Latina a violecircncia entre os Estados ocorreu

por inuacutemeros outros motivos aleacutem das contendas limiacutetrofes Questotildees como a ldquoimigraccedilatildeo o

contrabando (incluindo as drogas iliacutecitas) as guerrilhas e ateacute mesmo os desacordos na

implementaccedilatildeo de tratados ratificados por todas as partes podem e tecircm produzido severos

conflitos inclusive a accedilatildeo militarrdquo (MARES 2003 p 53 traduccedilatildeo nossa) As relaccedilotildees de

27

Colocircmbia com Equador e Venezuela foram abaladas por motivos ligados agrave guerrilha ao

traacutefico de drogas e ao deslocamento forccedilado de populaccedilotildees A tiacutetulo de ilustraccedilatildeo o quadro 1

a seguir lista sinteticamente os principais conflitos ocorridos e ainda vigentes na regiatildeo

andina

28

29

b) A presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo andina

Para compreender a agenda de seguranccedila dos paiacuteses andinos eacute preciso considerar a

influecircncia dos Estados Unidos no seu processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo A presenccedila dos

EUA nos Andes se intensificou no decorrer da Guerra Fria principalmente para conter a

disseminaccedilatildeo do comunismo na Ameacuterica Latina Para levar a cabo este objetivo a estrateacutegia

anticomunista se valeu de intervenccedilotildees militares de fornecimento de treinamentos de

contrainsurgecircncia agraves forccedilas armadas e de apoio a golpes militares e a regimes autoritaacuterios nos

paiacuteses latino-americanos

Com o fim da Guerra Fria e o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica os EUA se tornaram a uacutenica

superpotecircncia mundial capaz de afirmar o seu poder global atraveacutes da ldquosupremacia militar

monetaacuteria e financeira norte-americana a serviccedilo do seu grande capital disposta a impedir

por um lado o fortalecimento ou surgimento de potecircncias concorrentes e por outro a

realizaccedilatildeo de um grande acordo internacional que limite as accedilotildees dos EUArdquo (SANTOS 2007

p 68)

Monica Herz (2002) assinala que a Ameacuterica Latina no contexto poacutes-Guerra Fria natildeo

figurou como uma regiatildeo de alta prioridade para os EUA no entanto os objetivos estrateacutegicos

de Washington para o subcontinente nesse contexto se concentraram em duas agendas

principais ldquoa promoccedilatildeo das reformas neoliberais e o combate ao comeacutercio iliacutecito de drogasrdquo

(HERZ 2002 p 86) Por sua vez Adrian Bonilla (2006) corrobora com a abordagem de Herz

ao destacar que os paiacuteses da CAN deixaram de ser prioridade estrateacutegica dos EUA apoacutes a

derrocada sovieacutetica A poliacutetica externa estadunidense para os paiacuteses andinos se ldquoenraizourdquo

numa agenda regional mas eacute executada bilateralmente de forma limitada e restrita agrave

seguranccedila e ao comeacutercio No que tange agrave seguranccedila nos Andes o autor aponta que com o fim

da Guerra Fria o narcotraacutefico e o conflito colombiano se tornaram assuntos de relativa

importacircncia para os EUA e com os atentados de 11 de setembro de 2001 o terrorismo e o

narcotraacutefico bem como o comeacutercio de armas e a lavagem de dinheiro associados estas duas

atividades se tornaram temas centrais da agenda estadunidense para regiatildeo andina Para

Consuelo A Beltraacuten (2007) as relaccedilotildees entre EUA e a regiatildeo andina na uacuteltima deacutecada

giraram em torno de trecircs temas prioritaacuterias ldquoa poliacutetica antinarcoacuteticos a cruzada antiterrorista

e as medidas de liberalizaccedilatildeo econocircmica e comercial impostas por organismos internacionais

como o Fundo Monetaacuterio Internacional (FMI) e a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

(OMC)rdquo (BELTRAacuteN 2007 p 95 traduccedilatildeo nossa)

30

Conforme abordado pelos autores supracitados as poliacuteticas de combate agraves drogas e a

construccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes foram fortemente influenciadas

pelos os Estados Unidos Conforme ressalta Herz

Observa-se que a poliacutetica de seguranccedila norte-americana na regiatildeo estaacute impregnada

de tensotildees A militarizaccedilatildeo do combate ao narcotraacutefico atinge o processo de

construccedilatildeo de um paradigma democraacutetico para a regiatildeo ao longo da deacutecada de 1990

Paradoxalmente a poliacutetica de combate agraves drogas na Colocircmbia tem solapado as bases

institucionais de uma das mais tradicionais democracias latino-americanas

Ademais o combate agraves drogas na regiatildeo andina natildeo tem favorecido o

desenvolvimento de uma cultura de proteccedilatildeo aos direitos humanos Da mesma

forma a tendecircncia do atual governo congruente com sua perspectiva de ordem

hegemocircnica de concentrar-se em medidas unilaterais e relaccedilotildees bilaterais abala os

alicerces das instituiccedilotildees multilaterais geradas durante a uacuteltima deacutecada (HERZ

2002 p 99)

No poacutes-Guerra Fria a agenda antidrogas norte-americana incidiu sobre as agendas de

seguranccedila dos paiacuteses andinos corroborando para os processos de policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas as quais satildeo empregadas em atividades de controle de drogas combate ao crime

organizado transnacional e garantia da lei e da ordem e de militarizaccedilatildeo da poliacutecia por meio

de treinamentos armamentos formaccedilatildeo de equipes especiais e operaccedilotildees guiadas por

modelos militares para combater os iliacutecitos transnacionais

Para Peter B Kraska a militarizaccedilatildeo eacute a implementaccedilatildeo da ideologia do militarismo

Segundo o autor o militarismo ldquoeacute um conjunto de crenccedilas valores e premissas que enfatizam

o uso da forccedila e a ameaccedila de violecircncia como meios mais adequados e eficazes para resolver

os problemasrdquo (KRASKA 2007 p 503 traduccedilatildeo nossa) Portanto a militarizaccedilatildeo da poliacutecia

eacute o processo pelo qual as instituiccedilotildees policiais recorrem aos princiacutepios do militarismo e ao

modelo militar para consecuccedilatildeo dos seus objetivos e a militarizaccedilatildeo do combate agraves drogas

seria o emprego desses princiacutepios e modelos militaristas e do proacuteprio exeacutercito para eliminar

a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo o traacutefico e o comeacutercio de drogas iliacutecitas Kraska reitera que

Metaacuteforas como a guerra contra as drogas crimes e terrorismo desempenham um

papel poderoso na construccedilatildeo da realidade eles moldam praacuteticas discursivas

esclarecem valores e compreensotildees e orientam os processos de resoluccedilatildeo de

problemas Enquadrar os problemas de crime terrorismo e drogas utilizando a

linguagem militarista assim provavelmente vai resultar em pensamentos e accedilotildees

que correspondem com a guerra paradigma militar (KRASKA 2001 apud

KRASKA 2007 p 505 traduccedilatildeo nossa)

Na regiatildeo andina a militarizaccedilatildeo das guerras agraves drogas e a policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas para este intento foram cabalmente impulsionadas pelas agendas de seguranccedila

nacional e hemisfeacuterica dos EUA esses dois processos podem ser visualizados nas principais

31

poliacuteticas de drogas de Washington para os paiacuteses andinos como a Iniciativa Andina (1989) o

Plano Colocircmbia (2000) e a Iniciativa Regional Andina (2002)

c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees estatais

As instituiccedilotildees estatais nos paiacuteses andinos sofreram um longo processo de

deslegitimaccedilatildeo no decorrer do seacuteculo XX Os Estados da regiatildeo natildeo deram respostas

satisfatoacuterias para a resoluccedilatildeo dos conflitos existentes e muito menos conseguiram legitimar as

decisotildees de suas autoridades A regiatildeo andina passou por uma experiecircncia de dificuldades

econocircmicas com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas neoliberais mal sucedidas que desaceleraram o

crescimento e aumentaram a volatilidade financeira agravando os problemas estruturais da

pobreza e da desigualdade na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado e nos primeiros anos do seacuteculo

XXI Cada paiacutes apresentou configuraccedilotildees e cenaacuterios poliacuteticos e sociais particulares distintos

entre si As poliacuteticas econocircmicas domeacutesticas norteadas pelo Consenso de Washington

contribuiacuteram para a crise poliacutetica e o descreacutedito das instituiccedilotildees Segundo Andreacutes Solimano

(2005) os paiacuteses andinos tiveram um nuacutemero elevado de mudanccedilas constitucionais que

levaram agrave aprovaccedilatildeo de uma nova constituiccedilatildeo no transcurso do seacuteculo passado Nos paiacuteses

pertencentes agrave CAN o Equador eacute o que teve mais mudanccedilas totalizando sete constituiccedilotildees

seguido de Boliacutevia com cinco constituiccedilotildees Peru com quatro constituiccedilotildees e Colocircmbia com

apena suma nova constituiccedilatildeo aprovada em 1991 Para o autor esta frequecircncia de mudanccedilas

nas regras baacutesicas da sociedade eacute um dos indicadores de instabilidade das instituiccedilotildees na

regiatildeo Solimano adiciona outro fator de instabilidade poliacutetica as recorrentes crises

presidenciais ou seja quando um presidente por inuacutemeras razotildees que vatildeo de golpe de

Estado agrave renuacutencia natildeo consegue concluir o seu mandato constitucional

O quadro econocircmico e social colaborou para dificultar a governanccedila nos paiacuteses

andinos que foram marcados por instabilidade poliacutetica e rotatividade de presidentes (como

foram os casos de Boliacutevia e Equador) baixos iacutendices de eficaacutecia institucional crises poliacuteticas

recorrentes e violecircncia (sobretudo na Colocircmbia) que afetaram a consolidaccedilatildeo da democracia

Na Colocircmbia o cenaacuterio eacute caracterizado por uma crise atravessada pelo conflito interno

armado violento que coloca em questatildeo o proacuteprio Estado colombiano principalmente quando

esse fenocircmeno de longa duraccedilatildeo no paiacutes se articula com outros fenocircmenos de natureza

transnacional e ilegal como eacute o caso das redes de traacutefico de drogas No Equador por sua vez

emergiu uma crise de legitimidade institucional relacionada com a instabilidade

governamental que aparece na segunda metade dos anos 1990 se estendendo ateacute a posse de

32

Rafael Correa em 2007 No Peru ocorreu uma crise no sistema poliacutetico e eleitoral com o

advento do autogolpe e do autoritarismo de Alberto Fujimori (1990-2000) marcado por

escacircndalos de corrupccedilatildeo desvio de recursos puacuteblicos assassinatos e intimidaccedilatildeo poliacutetica

envolvendo o chefe do Serviccedilo de Inteligecircncia Nacional do Peru Vladimiro Montesinos Com

a crise de legitimidade de seu governo Fujimori fugiu do paiacutes para natildeo ser julgado pelos seus

crimes Por fim na Boliacutevia o cenaacuterio poliacutetico e social no comeccedilo dos anos 2000 foi de

conflitos e inuacutemeros protestos sociais principalmente de grupos campesinos e indiacutegenas que

questionavam a legitimidade e autoridade poliacutetica com sucessivas trocas de governos ateacute a

chegada de Evo Morales ao poder em 2006

d) Conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-culturais e identitaacuterias

No arco andino por exemplo o conflito colombiano se arrasta desde os

acontecimentos ocorridos em 1948 Conhecido como La Violencia esse periacuteodo eacute marcado

por confrontos entre os defensores do Partido Conservador Colombiano e o Partido Liberal

Colombiano Para Forrest Hylton (2010) La Violencia (1946-1957) ldquofoi uma eacutepoca que

misturou terror oficial sectarismo partidaacuterio e poliacuteticas de terra arrasada que resultaram da

confluecircncia da crise da repuacuteblica cafeeira da debilidade do Estado central e da concorrecircncia

pelos direitos de propriedade principalmente no eixo do cafeacuterdquo (HYLTON 2010 p 71) A

revolta popular buscava destruir os siacutembolos de poder e privileacutegio da oligarquia dominante e

se espalhou pela capital do paiacutes ficando conhecida como Bogotazo O periacuteodo da La Violencia

foi caracterizado por uma guerra civil com confrontaccedilotildees violentas entre liberais e

conservadores que perdurou por quase dez anos alcanccedilando o nuacutemero de 200 mil pessoas

mortas (STOKES 2005)10

O conflito teve fim com um pacto para a formaccedilatildeo de uma

coligaccedilatildeo entre os dois partidos intitulada de Frente Nacional em 1958 Com a formaccedilatildeo da

Frente Nacional foi estabelecida a alternacircncia de poder entre os dois partidos permitindo

tambeacutem o alinhamento de ambos para o fortalecimento das forccedilas armadas colombianas para

supressatildeo das revoltas populares e das guerrilhas armadas rurais como forma de combater a

instalaccedilatildeo do comunismo no paiacutes (STOKES 2005)

A instabilidade poliacutetica da Colocircmbia neste periacuteodo foi interpretada pelos EUA como

uma ldquoameaccedilardquo aos seus interesses na regiatildeo O Departamento de Estado chegou a declarar que

10

No que tange ao nuacutemero de mortos nos confrontos na eacutepoca da La Violencia Forrest Hilton aponta que foram

assassinadas aproximadamente 300 mil pessoas das quais 80 eram homens camponeses e analfabetos

(HYLTON 2010 p 72)

33

a crise colombiana era uma ldquoameaccedilardquo agraves estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas norte-americanas

devido agrave proximidade da Colocircmbia com o Canal do Panamaacute O conflito colombiano ganhou

contornos internacionais ou intermeacutesticos jaacute na deacutecada de 1950 quando entra nos caacutelculos

estrateacutegicos geopoliacuteticos e geoeconocircmicos dos EUA O Plan Lazo lanccedilado em 1964 era uma

estrateacutegia contrainsurgente que tinha como principal objetivo aniquilar os inuacutemeros grupos

armados remanescentes da La Violencia nas zonas rurais da Colocircmbia sobretudo no sul

(HYLTON 2010) A estrateacutegia de contrainsurgecircncia do Plan Lazo agravou a situaccedilatildeo do

conflito na Colocircmbia Inuacutemeros massacres assassinatos e torturas contra guerrilheiros e

camponeses ndash organizados em grupos de autodefesa ndash foram perpetrados por militares

colombianos Nesse contexto surgiram as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia -

Exeacutercito do Povo (FARC ou FARC-EP) apoacutes a fragmentaccedilatildeo dos guerrilheiros liberales

limpios e o fortalecimento dos guerrilheiros comunes tendo na Operaccedilatildeo Marquetalia

desenhada com o objetivo de suprimir as ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo11

ndash que fazia parte do

Plan Lazo As FARC se orientavam pela ideologia marxista-leninista se distinguindo das

guerrilhas liberais por sua estrutura militar mais riacutegida e um objetivo poliacutetico mais definido

As investidas militares do governo colombiano para conter o avanccedilo do comunismo no paiacutes

fizeram com que pululassem inuacutemeros grupos guerrilheiros como o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo

Nacional (ELN) em 1965 o Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo (EPL) em 1967 e o Movimento

19 de Abril (M-19) em 1970 entre outros e posteriormente grupos paramilitares

antiguerrilha como a Alianccedila Americana Anticomunista (AAA ou Triplo A) em 1978 a

Autodefesas Campesinas de Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) no iniacutecio da deacutecada de 1980 as

Cooperativas de Vigilacircncia e Seguranccedila Privada (CONVIVIR) criadas em 1994 e as

Autodefesas Unidas da Colocircmbia (AUC) em 1997 para citarmos alguns desses primeiros

grupos A emergecircncia destes atores corroborou para o agravamento e prolongamento do

conflito colombiano ateacute os anos 200012

11

O termo ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo foi cunhado pelo senador Aacutelvaro Goacutemez Hurtado liacuteder conservador

numa sessatildeo do Senado colombiano em 23 de outubro de 1961 para denunciar a existecircncia de territoacuterios natildeo

controlados pelo Estado colombiano Essa denuacutencia de Hurtado fez com que crescesse a pressatildeo sobre o

presidente Gullermo Leoacuten Valencia tambeacutem do partido conservador para exterminar a sangue e fogo o

enclave comunista (LEONGOacuteMEZ 2006b) 12

Rodriguez (2010) acentua que os dados referentes ao conflito colombiano demonstram a magnitude do

problema e revelam a situaccedilatildeo alarmante do paiacutes na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado O autor destaca que a

Colocircmbia tinha dentro de suas fronteiras o maior nuacutemero de refugiados de guerra no mundo Eram cerca de

1900000 refugiados e cerca de 500000 foram obrigados a se exilarem por conta do conflito armado

Rodriguez enumera ainda que 2000 menores faziam parte de guerrilhas e 3000 foram arregimentados pelos

paramilitares O autor assinala que o conflito afetou a economia do paiacutes fazendo com que o crescimento

despencasse 5 no ano de 1999 paralisou a reforma agraacuteria as guerrilhas os ldquocarteacuteisrdquo da cocaiacutena dos anos

34

Na regiatildeo andina haacute diferentes fontes de tensotildees domeacutesticas que compotildeem o cenaacuterio

de conflitos na regiatildeo os quais incidem sobre a construccedilatildeo da agenda de seguranccedila andina A

questatildeo da identidade ou melhor das identidades satildeo mananciais de tensotildees entre as diversas

comunidades locais e o Estado-naccedilatildeo centralizador principalmente no que concerne agraves

distintas reivindicaccedilotildees autonomistas A crise de legitimidade das instituiccedilotildees do Estado

colocou tambeacutem em questatildeo a centralizaccedilatildeo das atribuiccedilotildees administrativas das

responsabilidades e do poder em um governo central gerando maior pressatildeo e tensatildeo poliacutetica

com os governos locais Os movimentos descentralizadores regionalistas e ou autonomistas

natildeo satildeo temas novos na histoacuteria da regiatildeo andina Esses movimentos se manifestam

constantemente irrompendo conflitos que desestabilizam o governo central Na Boliacutevia

emergiram identidades regionais que colocaram em questatildeo o proacuteprio Estado boliviano em

Cochabamba e nos departamentos da chamada ldquomeia luardquo (Pando Beni Santa Cruz13

e

Tarija) Outro caso sintomaacutetico dessa questatildeo ocorre entre as oligarquias e grupos dominantes

localizados cidades de Guayaquil e Quito no Equador No caso peruano haacute tensotildees histoacutericas

latentes de Cuzco e Arequipa contra o governo central

Outra fonte de tensatildeo poliacutetica e sociocultural domeacutestica estaacute ligada aos diferentes

movimentos sociais indiacutegenas nos Andes principalmente na Boliacutevia e no Equador e em

menor grau na Colocircmbia e no Peru Esses movimentos ganharam forccedila na passagem da

deacutecada de 1980 para a deacutecada de 1990 contexto esse marcado pela liberalizaccedilatildeo da economia

que acirrou mais ainda a exclusatildeo social e poliacutetica de cunho racista hieraacuterquico e autoritaacuterio

Os movimentos indiacutegenas trazem agrave tona o questionamento da legitimidade do Estado e da

proacutepria constituiccedilatildeo da sociedade que foi erigida sobre bases natildeo democraacuteticas tendo como

sua maior expressatildeo a experiecircncia de regimes poliacuteticos autoritaacuterios A emergecircncia das

identidades indiacutegenas colocou em questatildeo o imaginaacuterio social da homogeneidade e a proacutepria

ideia de naccedilatildeo colocando no centro do debate poliacutetico a construccedilatildeo de um Estado

plurinacional como uma nova forma de comunidade imaginada como foi caso da Boliacutevia e do

Equador14

Esses movimentos indiacutegenas natildeo se resumem ao rompimento ou deslegitimizaccedilatildeo

1980 e os paramilitares na deacutecada de 1990 acabaram por agravar a situaccedilatildeo de concentraccedilatildeo de propriedades

impulsionando o deslocamento interno de milhares de camponeses sem-terra 13

Em Santa Cruz se encontra a principal organizaccedilatildeo autonomista e regionalista da Boliacutevia a Uniatildeo Juvenil

Crucentildeista (UJC) fundada em 1957 A UJC eacute um dos movimentos de maior oposiccedilatildeo ao governo de Evo

Morales e ao seu partido Movimiento al Socialismo (MAS) 14

Boliacutevia e Equador se autodenominaram Estados plurinacionais a partir de suas novas constituiccedilotildees aprovadas

no ano de 2008 A ideia de Estado plurinacional se contrapotildee ao Estado claacutessico unificador e uniformizador de

matriz europeacuteia como forma de rompimento da colonialidade e criaccedilatildeo de novos paradigmas de organizaccedilatildeo

35

dos sistemas poliacuteticos ou defesa de territoacuterios e recursos naturais As lutas das populaccedilotildees

indiacutegenas estatildeo tambeacutem relacionadas agrave demanda por inclusatildeo social e nas atividades poliacuteticas

e econocircmicas essas lutas e conflitos impotildeem aos Estados diferentes desafios para criaccedilatildeo de

iniciativas e poliacuteticas puacuteblicas capazes de reconhecer as muacuteltiplas identidades e incluiacute-las na

sociedade e nos processos decisoacuterios democraacuteticos

As crises econocircmicas que persistiram por deacutecadas resistindo agraves mudanccedilas de governos

e de modelos econocircmicos tiveram impactos significativos na regiatildeo andina Entre os seus

sinais mais patentes se sobressaem o crescimento ininterrupto do desemprego e da

precarizaccedilatildeo do trabalho os baixos iacutendices de desenvolvimento humano (IDH) e o

aprofundamento da desigualdade socioeconocircmica entre ricos e pobres (SOLAMINO 2005)

Ademais a corrupccedilatildeo cresceu em ritmo acelerado se espalhando aleacutem das fronteiras e se

generalizando por todos os estratos sociais Estes fatores corroboraram para a persistecircncia da

criminalidade difusa da violecircncia social e poliacutetica dos deslocamentos internos forccedilados e

imigraccedilotildees internacionais do traacutefico de drogas e do crime organizado transnacional

e) Traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

O combate ao cultivo e traacutefico de drogas o conflito colombiano e a influecircncia dos

Estados Unidos incidiram tenazmente sobre agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina

O traacutefico de drogas fator mais recente e natildeo menos determinante nas duas uacuteltimas deacutecadas

do seacuteculo XX e na primeira do seacuteculo XXI influiu sobremaneira na economia na corrupccedilatildeo e

na violecircncia do mesmo modo que fez estremecer as relaccedilotildees entre os Estados nos Andes as

poliacuteticas nacionais e no plano das relaccedilotildees internacionais afetou as relaccedilotildees dos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo com os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo A luta antidrogas na contemporaneidade eacute uma

das questotildees que mais mobilizou os paiacuteses andinos a se articularem e a se engajarem para

contecirc-la

O traacutefico de psicoativos iliacutecitos e a sua cadeia produtiva satildeo pontos-chave para

compreender as poliacuteticas de seguranccedila nos Andes tanto na esfera domeacutestica quanto na

regional Como veremos adiante com o final do conflito bipolar o combate agraves drogas se

tornou um dos problemas prioritaacuterios dentro da agenda poliacutetica e de seguranccedila hemisfeacuterica

No final dos anos de 1980 o traacutefico de drogas passa a ser o principal inimigo dos EUA cuja

social poliacutetica e identitaacuteria visando atender agraves revindicaccedilotildees de povos e naccedilotildees alijados do ldquoprocesso

civilizadorrdquo ocidental

36

estrateacutegia eacute refrear a oferta de drogas aumentando a repressatildeo nos ldquopaiacuteses fontesrdquo quando

muito a demanda soacute foi tratada como consequecircncia da produccedilatildeo de substacircncias iliacutecitas ndash os

crimes provocados pelos usuaacuterios de drogas ndash e natildeo como um dos fatores que impulsionam e

aumentam a extensatildeo dos tentaacuteculos da induacutestria das drogas iliacutecitas que divide o seu trabalho

internacionalmente entre produtores traficantes e consumidores (GUAacuteQUETA 2004

TOKATLIAN 2009)

O traacutefico de drogas e o crime organizado em suas diferentes atividades satildeo percebidos

com uma das principais ameaccedilas transfronteiriccedila agrave seguranccedila e agrave democracia natildeo soacute nos

Andes mas tambeacutem toda Ameacuterica Latina seja pela violecircncia ensejada por estas atividades ou

mesmo pela sua capacidade de cooptar e corromper as instituiccedilotildees puacuteblicas Portanto ldquoo

crime organizado natildeo eacute contra-estatal seu objetivo natildeo eacute derrocar um regime ou uma

institucionalidade porque a violecircncia contra o Estado natildeo eacute sua caracteriacutestica o que ele busca

eacute ter graus altos de controle sobre essa institucionalidaderdquo (MARTIacuteNEZ 2012 p 31

traduccedilatildeo nossa)

As atividades iliacutecitas das organizaccedilotildees criminosas satildeo cada vez mais

transnacionalizada que se utiliza dos crescente fluxos financeiros humanos e de bens para

realizar as suas operaccedilotildees exigindo cada vez mais respostas multilaterais e fortalecimento da

cooperaccedilatildeo para combatecirc-los Entretanto no afatilde de combater as diferentes modalidades de

organizaccedilotildees criminosas (traficantes de armas e de pessoas contrabandistas de diversos

matizes entre outros) mas principalmente o traacutefico de drogas em muitos casos levou a um

emprego constante das forccedilas armadas para combatecirc-lo inclusive em centros urbanos

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina

A ideia de integraccedilatildeo da Ameacuterica Latina como diferentes autores jaacute mostraram

(DORATIOTO 1994 VILABOY 2007 SILVA 2009 GOMES 2010 FIGUEIREDO

2011) tem suas origens no seacuteculo XIX quando comeccedilaram os processos de independecircncia

dos paiacuteses do continente Simoacuten Boliacutevar deu iniacutecio agrave campanha sul-americana de libertaccedilatildeo

das colocircnias Na Carta da Jamaica redigida em 1815 Boliacutevar manifestou o seu anseio em

formar uma confederaccedilatildeo hispano-americana com as ex-colocircnias que pertenciam agrave monarquia

espanhola A primeira experiecircncia desse tipo foi a Gratilde Colocircmbia (1819-1831) criada pelo

proacuteprio Boliacutevar e mesmo com pouco tempo de existecircncia representou o primeiro modelo de

37

integraccedilatildeo nas Ameacutericas15

Os ideaacuterios de uma Ameacuterica Latina unida em um uacutenico projeto de

integraccedilatildeo como pretendia Boliacutevar ou melhor como pretenderam certas releituras do

pensamento bolivariano foram deteriorados pela experiecircncia histoacuterica latino-americana desde

as guerras pela emancipaccedilatildeo e a construccedilatildeo de novas estruturas poliacuteticas para consolidar as

receacutem-criadas naccedilotildees na Ameacuterica independente

A formaccedilatildeo dos paiacuteses andinos eacute produto desse processo histoacuterico e as suas

experiecircncias recentes satildeo pertinentes para se verificar as divergecircncias de projetos poliacuteticos

regionais A regiatildeo andina estaacute marcada por dissensotildees e atritos entre os diferentes modelos

de integraccedilatildeo como eacute o caso de Colocircmbia e Peru voltados para acordos bilaterais de livre

comeacutercio com os Estados Unidos e para a recente Alianccedila do Paciacutefico (aleacutem dos dois paiacuteses

conta com a participaccedilatildeo do Chile e do Meacutexico) e do outro lado a Boliacutevia e Equador que

em conjunto com a Venezuela Cuba e Nicaraacutegua (para citar alguns dos seus membros mais

proeminentes) buscam um modelo de integraccedilatildeo que procura aprofundar a consolidaccedilatildeo da

Alianccedila Bolivariana paras as Ameacutericas (ALBA)

A integraccedilatildeo regional16

eacute uma associaccedilatildeo institucionalizada de paiacuteses dentro de um

determinado territoacuterio geograacutefico definido que pode variar de regiatildeo para regiatildeo e de

formas e modelos As diferentes abordagens teoacutericas consagradas nos estudos de Relaccedilotildees

Internacionais sobre os processos de integraccedilatildeo regional utilizam a Uniatildeo Europeia como

paradigma explicativo e tipo ideacional a ser alcanccedilado por todos Problematizar tais

abordagens eacute possibilitar novos horizontes de anaacutelises que permitam uma compreensatildeo

15

No Congresso Anfictiocircnico do Panamaacute ocorrido em 1826 se reuniram os representantes da Gratilde Colocircmbia do

Meacutexico do Peru e das Proviacutencias Unidas da Centro-Ameacuterica (territoacuterios que hoje compreendem doze paiacuteses

latino-americanos) e contou com um observador da Gratilde-Bretanha e dos Paiacuteses Baixos com o intuito de discutir

a formaccedilatildeo de unidade poliacutetica entre os povos do continente americano Boliacutevar propocircs o encerramento do

trabalho escravo e a criaccedilatildeo de exeacutercito continental esta uacuteltima propositura tinha em vista a preocupaccedilatildeo com

os projetos ofensivos da Santa Alianccedila impulsionados pela restauraccedilatildeo do absolutismo na Espanha Todavia

trecircs grandes paiacuteses se opuseram agrave proposta bolivariana Brasil Estados Unidos e a Gratilde-Bretanha O Brasil e os

EUA natildeo corroboravam com a cessaccedilatildeo do regime escravista devido aos seus interesses econocircmicos nesta

atividade Para o impeacuterio brasileiro os ideais republicanos natildeo serviam aos interesses monaacuterquicos Os EUA

natildeo aceitavam o ideaacuterio do pan-americanismo por conta de suas pretensotildees expansionistas E a Gratilde-Bretanha

grande potecircncia econocircmica da eacutepoca via no pan-americanismo uma ameaccedila agraves suas pretensotildees hegemocircnicas

na regiatildeo (VILABOY 2007) 16

De acordo com Mocircnica Herz e Andrea Ribeiro Hoffman ldquoo termo integraccedilatildeo regional envolve dois conceitos

baacutesicos integraccedilatildeo e regiatildeo Uma regiatildeo pode ser definida por criteacuterios econocircmicos socioculturais poliacutetico-

institucionais climaacuteticos entre outros mas remete necessariamente a uma localidade territorial onde essas

caracteriacutesticas ocorrem Essa localidade pode ser geograficamente contiacutenua ou natildeo e pode mudar ao longo do

tempo o que dificulta a determinaccedilatildeo das fronteiras de certas regiotildees mas o importante a ser destacado eacute que

uma regiatildeo tem sempre uma correspondecircncia territorial A integraccedilatildeo pode ser definida como um processo ao

longo do qual atores inicialmente independentes se unificam ou seja se tornam parte de um todo Os atores

envolvidos em um processo de integraccedilatildeo podem ser classificados segundo dois criteacuterios Primeiramente

podem ser governamentais ou natildeo governamentais[] Em segundo lugar podem ser nacionais subnacionais

ou transnacionaisrdquo (HERZ HOFFMAN 2004 159-160)

38

maior dos processos de integraccedilatildeo latino-americanos ao longo da histoacuteria e no nosso caso

especiacutefico buscar compreender elementos que satildeo peculiares agrave Comunidade Andina

O processo de integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica e social na regiatildeo andina passou por

profundas transformaccedilotildees ao longo da sua trajetoacuteria histoacuterica A Comunidade Andina de

Naccedilotildees (CAN) teve a sua origem no Pacto Andino com a assinatura do Acordo de Cartagena

em 26 de maio de 1969 entre Boliacutevia Colocircmbia Chile Peru e Equador tornando-se a

primeira organizaccedilatildeo econocircmica internacional da Ameacuterica do Sul com o propoacutesito de

estabelecer a integraccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo econocircmica e social O Pacto Andino recebeu

posteriormente o nome de Grupo Andino Em 13 de fevereiro de 1973 a Venezuela aderiu ao

bloco e o Chile deixou o grupo em 30 de outubro de 1976 quando Augusto Pinochet

ascendeu ao poder por meio de golpe militar

Germaacutenico Salgado (1998 p6) objetivando analisar o processo de formaccedilatildeo da

Comunidade Andina de Naccedilotildees elaborou uma cronologia da integraccedilatildeo andina dividindo em

quatro fases a primeira seria de 1969 agrave 1976 fase de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do grupo

andino a fase seguinte teria sido de 1976 agrave 1982 momento esse em que ocorre um

enfraquecimento da integraccedilatildeo a terceira fase que vai de 1983 agrave 1988 eacute marcada pela

estagnaccedilatildeo por fim o periacuteodo de 1989 em diante fase que modificou radicalmente o Acordo

de Cartagena e eacute caracterizada pela reativaccedilatildeo da integraccedilatildeo e abertura para o mercado

externo

Para compreendermos o processo histoacuterico de configuraccedilatildeo da Comunidade Andina

natildeo descartaremos por completo a divisatildeo cronoloacutegica de Germaacutenico Salgado no entanto

propomos outra delimitaccedilatildeo temporal para descrever as diferentes fases pelas quais passou o

bloco andino O recorte temporal comeccedilaraacute pela Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que lanccedilou as bases

para a formulaccedilatildeo do Acordo de Cartagena e a constituiccedilatildeo do Pacto Andino que abrange o

final da deacutecada de 1960 e de 1970 Depois seraacute discutido o momento de estagnaccedilatildeo e de

reformulaccedilatildeo do Grupo Andino Em seguida discorreremos sobre a passagem dos anos 1980

para os anos de 1990 periacuteodo em que ocorre um novo impulso integracionista a partir de um

redesenho do projeto de integraccedilatildeo andina A deacutecada de 1990 foi marcada pela criaccedilatildeo e

consolidaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e de suas instituiccedilotildees nesse periacuteodo ocorreu

o alargamento da agenda comunitaacuteria andina para temas sociais e de seguranccedila Nesse

contexto o traacutefico de drogas passou a figurar como uma das principais preocupaccedilotildees da

agenda de seguranccedila da regiatildeo o que motivaraacute os paiacuteses andinos a orquestrarem no acircmbito

39

da CAN formas de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para combater o traacutefico de drogas

iliacutecitas

a) Deacutecada 1960 e 1970 Da Declaraccedilatildeo de Bogotaacute ao Acordo de Cartagena e o Surgimento

do Pacto Andino

O projeto de integraccedilatildeo que antecedeu o Pacto Andino foi a Associaccedilatildeo Latino-

Americana de Livre Comeacutercio (ALALC) criada originalmente no ano de 1960 em

Montevideacuteu contou em seu iniacutecio com a participaccedilatildeo de Argentina Brasil Meacutexico Paraguai

Peru e Uruguai anos mais tarde incorporou mais quatro Estados da zona andina aleacutem do

Meacutexico O principal objetivo da ALALC era a consolidaccedilatildeo de mecanismos de liberaccedilatildeo

parcial do comeacutercio entre seus paiacuteses membros entretanto o seu alcance foi limitado A

liberaccedilatildeo do comeacutercio ficou comprometida pelos interesses internos de cada paiacutes e os

incentivos para diminuir as barreiras comerciais natildeo foram suficientes para superar os

obstaacuteculos advindos das assimetrias entre os paiacuteses mais desenvolvidos e os menos

desenvolvidos da Ameacuterica Latina (BARRAL BOHRER 2010 p 92)

A aposta na integraccedilatildeo como vetor para o desenvolvimento econocircmico dos paiacuteses

latino-americanos comeccedilou a se mostrar contraproducente com a estagnaccedilatildeo da ALAC a

partir de 1967 ldquojaacute que natildeo conseguiu mudar a dinacircmica do comeacutercio internacional nem o

grau de desenvolvimento industrialrdquo (MOREIRA et all 2010) A ALALC tambeacutem natildeo

conseguiu promover uma harmonizaccedilatildeo real das poliacuteticas econocircmicas entre os paiacuteses

membros e a falta de equidade da distribuiccedilatildeo inter-regional dos benefiacutecios obtidos pela

integraccedilatildeo despertou a desconfianccedila dos Estados menos desenvolvidos para com o bloco

econocircmico

Em 1966 os presidentes do Chile Venezuela Colocircmbia e Equador mais os

representantes de Boliacutevia e Peru17

reuniram-se com o objetivo de procurar alternativas para

as disparidades geradas pela ALALC quando assinaram uma declaraccedilatildeo em que exprimiram

a necessidade de se fazer avanccedilar uma accedilatildeo conjunta para conseguir realizar

dentro da Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio a aprovaccedilatildeo de medidas

concretas que atendam os propoacutesitos formulados na presente declaraccedilatildeo e em

especial que se adotem foacutermulas praacuteticas que forneccedilam o tratamento adequado agrave

condiccedilatildeo de nossos paiacuteses cujas caracteriacutesticas correspondem as de menor

17

Quem participou das reuniotildees foram Carlos Lleras Restrepo presidente da Colocircmbia Eduardo Frei Montalva

presidente do Chile Rauacutel Leoni presidente da Venezuela Galo Plaza ex-presidente e foi como delegado do

presidente equatoriano Clemente Yerovi Indaburu e Fernando S Loacutepez Aldana presidente do Banco Central

de Reserva do Peru (VIDAL 2013)

40

desenvolvimento econocircmico relativo ou de mercado insuficiente Todo ele como

meio indispensaacutevel para alcanccedilar o desenvolvimento harmocircnico e equilibrado da

regiatildeo de conformidade com o espiacuterito do Tratado de Montevideacuteu

(DECLARACIOacuteN DE BOGOTAacute 16 de agosto de 1966 apud GARAY 1979 p17

traduccedilatildeo nossa)

A Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que eacute a base do Acordo de Cartagena elucida bem o

inconformismo dos paiacuteses andinos com os piacutefios resultados da ALALC pois estes paiacuteses

tinham como principais objetivos a promoccedilatildeo do desenvolvimento menos assimeacutetrico a

aceleraccedilatildeo do crescimento atraveacutes da integraccedilatildeo econocircmica e da criaccedilatildeo de condiccedilotildees para

que a ALALC fosse convertida em um mercado comum (GARAY 1979)

Esse interstiacutecio entre 1966 (Declaraccedilatildeo de Bogotaacute) e 1969 (Acordo de Cartagena) foi

um periacuteodo de formulaccedilatildeo e construccedilatildeo teoacuterica do processo de integraccedilatildeo os principais

arquitetos do Pacto Andino foram Carlos Lleras Restrepo (presidente da Colocircmbia 1966-

1970) Eduardo Frei Montalva (presidente do Chile 1964-1970) e Germaacutenico Salgado

(economista e poliacutetico equatoriano membro da Junta do Acordo de Cartagena) Esses atores

foram fundamentais para a teorizaccedilatildeo articulaccedilatildeo poliacutetica e a construccedilatildeo de uma ldquoconsciecircncia

integracionistardquo nos Andes Para Frei Montalva a Ameacuterica Latina passava por um periacuteodo de

forte ldquonacionalismo continental crescente e acentuadordquo no entanto ele tinha ldquoconsciecircncia de

que o esquema da ALALC natildeo estava desenhado para os paiacuteses medianos como Chile

Colocircmbia e Venezuela e nem para os pequenos Boliacutevia e Equadorrdquo (VIDAL 2013 p 76)

Para os paiacuteses andinos a ALALC natildeo satisfazia as suas necessidades motivando-os a

procurarem outras formas de atender os seus interesses econocircmicos e a partir de suas proacuteprias

iniciativas as naccedilotildees andinas desenharam um novo projeto de integraccedilatildeo com o propoacutesito de

estimular a ampliaccedilatildeo de seus mercados Em decorrecircncia desse projeto foi assinado o Acordo

de Cartagena em 1969 subescrito originalmente por Boliacutevia Colocircmbia Chile Equador e

Peru posteriormente em 1974 a Venezuela aderiu ao Pacto Andino (PRADO 1997 p 35)

O Pacto Andino impulsionou a economia trazendo benefiacutecios para os paiacuteses

signataacuterios18

No entanto o crescimento econocircmico da regiatildeo gradativamente foi perdendo a

sua forccedila O panorama que parecia favoraacutevel nos primeiros anos da deacutecada de 1970 em

relaccedilatildeo ao comeacutercio mundial foi afetado pela crise econocircmica que se alastrou pelo globo

atingindo direta e indiretamente os paiacuteses andinos no final da mesma deacutecada As crises

18

De acordo com Germaacutenico Salgado (1998 p 6) de 1971 a 1976 o Grupo Andino avanccedilou com o fim das

restriccedilotildees e dos encargos sobre o comeacutercio interno e com a adoccedilatildeo da tarifa externa miacutenima comum

repercutindo positivamente sobre o comeacutercio aumentando as exportaccedilotildees intrabloco de US$ 111 milhotildees em

1970 para US$ 613 milhotildees em 1976

41

subsequentes do petroacuteleo em 19731974 e em 19781979 fizeram com que paiacuteses petroliacuteferos

depositassem enormes quantias em bancos internacionais estes por sua vez viam nos

governos autoritaacuterios latino-americanos um negoacutecio altamente rentaacutevel e disponibilizaram

recursos a estes clientes com taxas de juros elevadas Deste modo os paiacuteses da Ameacuterica

Latina aumentaram significativamente a sua diacutevida externa sendo parte dos gastos destinados

a grandes obras de infraestrutura (MOREIRA et all 2010 p259)

O colapso econocircmico da deacutecada de 1970 refletiu-se numa gradual reduccedilatildeo de creacuteditos

e das ajudas financeiras por parte dos paiacuteses mais desenvolvidos para os menos

desenvolvidos tornando premente a necessidade de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da Ameacuterica

Latina A finalidade da integraccedilatildeo nesse contexto era conseguir um desenvolvimento mais

autocircnomo entre os paiacuteses que compartilhavam problemas comuns e a cooperaccedilatildeo poliacutetica e

econocircmica era um meio para se atingir esta meta Mas o processo de integraccedilatildeo passou por

um periacuteodo de difiacutecil sustentaccedilatildeo pois a crise econocircmica natildeo deixou alternativa para os

governos andinos a natildeo ser adotar medidas protecionistas que se chocaram frontalmente com

o Programa de Liberaccedilatildeo deixando-o em segundo plano

Cada naccedilatildeo que integrava o Pacto Andino tinha os seus interesses particulares O

processo de integraccedilatildeo foi mais vantajoso para uns do que para outros Apoacutes uma deacutecada o

Acordo de Cartagena natildeo conseguiu lograr os ecircxitos almejados incorrendo nos mesmos

problemas de distribuiccedilatildeo econocircmica da ALALC e da ausecircncia da sociedade civil na

participaccedilatildeo desse processo Esse e outros problemas como as questotildees de conjuntura

domeacutestica ligadas ao governo do General Pinochet fizeram com que o Chile deixasse o bloco

em 1976 Segundo Salgado (1998) o golpe militar de 1973 no Chile mudou por completo as

teses poliacuteticas do governo chileno e essa mudanccedila ficou evidenciada desde 1974 com o

fortalecimento do neoliberalismo no paiacutes

Aleacutem dos problemas econocircmicos regionais e poliacuteticos domeacutesticos havia uma

desconfianccedila entre os paiacuteses membros do Pacto Andino em relaccedilatildeo agraves disputas fronteiriccedilas

claacutessicas A Guerra do Paciacutefico que envolveu Boliacutevia Chile e Peru fez com que a Boliacutevia

perdesse a sua saiacuteda para o mar e desde o seacuteculo XIX permaneceu sem soluccedilatildeo A Boliacutevia natildeo

se conformou com a sua condiccedilatildeo mediterracircnea e procurou negociar com o Chile inuacutemeras

42

vezes O conflito fronteiriccedilo entre estes trecircs paiacuteses se arrasta sem soluccedilatildeo definitiva ateacute os dias

coevos19

Segundo Lucas Prado (1997) outro obstaacuteculo que ocorreu na primeira deacutecada de

funcionamento do Pacto Andino foi a crenccedila de que seria necessaacuterio apenas a implementaccedilatildeo

de uma tarifa externa comum na regiatildeo e equilibrar as economias nacionais sem considerar os

ajustes miacutenimos para harmonizar as poliacuteticas agraacuterias uma coordenaccedilatildeo maior dos

instrumentos tarifaacuterios como os sistemas de franquias direitos aduaneiros controles

administrativos entre outros seriam suficientes para erigir uma uniatildeo aduaneira entre os

paiacuteses andinos Sem os ajustes necessaacuterios a tarifa externa comum natildeo se tornaria uma

realidade efetiva incapaz de orientaccedilatildeo e alocaccedilatildeo dos recursos econocircmicos

O investimento estrangeiro contribuiu para os baixos resultados econocircmicos do Pacto

Andino No ano de 1971 entrou em vigor a Decisatildeo 2420

elaborada em dezembro de 1970 a

qual implementou um regime comum para os capitais estrangeiros no que concerne agraves

patentes licenccedilas marcas e royalties A Decisatildeo 24 pretendia fomentar o desenvolvimento da

induacutestria andina buscando converter paulatinamente as empresas estrangeiras em empresas

nacionais ou mistas e impedir que as induacutestrias transnacionais suplantassem as induacutestrias da

regiatildeo

O processo de integraccedilatildeo eacute por natureza supranacional o que implica produzir para

mercados que natildeo se restringem a um Estado-naccedilatildeo Todos querem obter lucros e benefiacutecios

inclusive as grandes empresas Todavia as medidas para proteger os mercados internos natildeo

foram bem recebidas pelos os empresaacuterios da regiatildeo ndash principalmente nos paiacuteses em que eles

tecircm uma forte presenccedila poliacutetico-econocircmica como satildeo os casos de Colocircmbia e Chile ndash que se

uniram aos empresaacuterios das transnacionais e se posicionaram contra estas medidas pois natildeo

aceitavam de bom grado que fossem criadas leis que contrariassem os seus interesses

(ROMERO 2008)

Segundo Luis E T Vidal (2013) apoacutes a saiacuteda do Chile os paiacuteses que permaneceram

no Grupo Andino assinaram em 30 de outubro de 1976 um Protocolo Adicional para

postergar em trecircs anos o prazo para vigorar o Programa de Liberaccedilatildeo e a tarifa externa

19

Para maiores informaccedilotildees sobre o conflito territorial entre Boliacutevia Chile e Peru bem como de outros conflitos

fronteiriccedilos na Ameacuterica Latina no seacuteculo XX consulte DOMIacuteNGUEZ Jorge (org) Conflictos territoriales y

democracia en Ameacuterica Latina Buenos Aires Siglo XXI Editores Argentina Flacso 2003 20

Nesse momento a Venezuela natildeo tinha firmado o Acordo de Cartagena mas a Boliacutevia jaacute fazia parte A

Colocircmbia demorou um pouco mais para implementaacute-la devido a problemas legais de ordem interna apenas em

1973 a Decisatildeo 24 foi aplicada plenamente por todos os paiacuteses membros (TIRONI 1977 p13)

43

comum conforme foi protocolado no Artigo 1ordm do referido documento As instituiccedilotildees

andinas comeccedilaram a ser criadas durante a deacutecada de 1970 com o desdobramento da

integraccedilatildeo foram se constituindo novas instituiccedilotildees que buscavam abarcar os niacuteveis

econocircmicos poliacuteticos e fiacutesicos21

Algumas destas instituiccedilotildees satildeo o Fundo Andino de

Reservas criado em 1976 o Tribunal de Justiccedila do Acordo de Cartagena o Parlamento

Andino22

e o Conselho Andino de Chanceleres Todos foram instituiacutedos em 1979 (CAN

1998)

b) Deacutecada de 1980 Estagnaccedilatildeo e Reformulaccedilatildeo do Grupo Andino

Na passagem da deacutecada de 1970 para 1980 ocorreu uma consolidaccedilatildeo institucional

com a criaccedilatildeo do Conselho Andino de Ministros de Assuntos Externos do Parlamento

Andino e da Tribuna Andina de Justiccedila (CAN 1998) Segundo Salgado (1998) no periacuteodo de

1976 a 1982 ocorreu uma dinamizaccedilatildeo maior do processo integracionista andino entretanto

no comeccedilo da deacutecada de 1980 este mesmo dinamismo se repetiu devido agraves consequecircncias da

crise da diacutevida externa que afetou as balanccedilas de pagamentos dos paiacuteses da regiatildeo andina e de

toda Ameacuterica Latina Segundo a Comunidade Andina (1998) os anos oitenta foram

infrutiacuteferos para o desenvolvimento pleno da integraccedilatildeo devido agrave estagnaccedilatildeo e o retrocesso

que ocorreram na regiatildeo pois a ldquodeacutecada perdida do desenvolvimento latino-americano foi

tambeacutem a deacutecada perdida da integraccedilatildeo andinardquo (CAN 1988)

No iniacutecio dos anos de 1980 a Venezuela passou por uma crise que afetou as relaccedilotildees

econocircmicas bilaterais com a Colocircmbia nos anos de 1982 e 1983 A integraccedilatildeo andina natildeo

apresentava muitos avanccedilos no plano comercial e nos fluxos de capitais deixando as relaccedilotildees

econocircmicas binacionais volaacuteteis as inconstacircncias das conjunturas econocircmicas de cada paiacutes

influiacuteam diretamente nos seus vizinhos Aleacutem da crise das relaccedilotildees bilaterais entre Colocircmbia

e Venezuela ocorreu o golpe de estado na Boliacutevia em 17 de julho de 1980 promovido por

Garciacutea Mesa que resultou numa suspensatildeo temporaacuteria do paiacutes nas negociaccedilotildees do Grupo

Andino Tambeacutem no comeccedilo dessa deacutecada ocorreu o conflito fronteiriccedilo entre Equador e

21

A primeira reuniatildeo sobre integraccedilatildeo fiacutesica aconteceu entre os dias 9 e 14 de dezembro de 1995 onde foi

aprovada a Decisatildeo 94 para criaccedilatildeo do Sistema Troncal Andino de Carreteras esta iniciativa contemplava

apenas os transportes terrestres (CAN 1975) 22

Em 19 de setembro de 2013 os Ministros de Relaccedilotildees Exteriores de Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

acordaram dissolver o Parlamento Andino (oacutergatildeo consultivo e deliberativo que natildeo tinha decisotildees vinculantes)

as justificativas apresentadas giraram entorno de duas questotildees a primeira eacute o alto custo para mantecirc-lo o

presidente colombiano Juan Manuel Santos declarou que o seu paiacutes gasta cerca de $35 milhotildees anuais para

manter o parlamento funcionando A segunda questatildeo estaacute relacionada ao avanccedilo do processo de integraccedilatildeo da

Unasul pois natildeo haveria necessidade de manter o Parlamento Andino tendo em vista a futura criaccedilatildeo de um

parlamento sul-americano (EL ESPECTADOR 2013)

44

Peru deflagrado em janeiro de 1981 na encosta leste da Cordilheira do Condor Por essas

razotildees entre outras as exportaccedilotildees intragrupo perderam dinamismo em 1980 e 1981 o que

levou a sua queda no ano subsequente

Conforme analisa Salgado (1998 p8) esses fatos foram um ldquopreluacutediordquo para o que

viria acontecer em 1983 com a eclosatildeo e proliferaccedilatildeo da crise da diacutevida externa iniciada com

as crises dos anos de 1970 dando lugar a uma tendecircncia negativa As exportaccedilotildees intrabloco

em 1983 caiacuteram cerca de 363 em relaccedilatildeo ao ano de 1982 e sofreram uma queda ainda

maior se compararmos com as taxas de 1986 cerca de 445 em relaccedilatildeo agrave 1982 Segundo

Salgado (1998) este iacutendice foi o mais baixo registrado em toda deacutecada de 1980 Entre 1982 e

1986 foi um periacuteodo de estagnaccedilatildeo em decorrecircncia da crise da diacutevida externa que afetou os

preccedilos de importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo Os paiacuteses andinos para conter os efeitos da crise

empregaram medidas para reduzir as importaccedilotildees e o consumo per capita o que levou agrave

desvalorizaccedilatildeo das moedas Todos os processos de integraccedilatildeo na Ameacuterica em curso nesse

contexto sofreram os seus efeitos negativos sobre as balanccedilas de pagamentos23

O autor frisa

que se comparado com os paiacuteses centro-americanos o Grupo Andino foi o menos atingido

pela crise mas isto natildeo significou que a crise natildeo tenha sido grave pois o bloco permaneceu

paralisado ateacute 1987 ano em que foi subescrito o Protocolo de Quito

O Acordo de Cartagena foi substituiacutedo em 1987 pelo Protocolo de Quito que entrou

em vigor no ano seguinte dando um novo impulso para a consolidaccedilatildeo do Grupo Andino e do

fortalecimento de suas bases poliacuteticas que se seguiram no mesmo ano com a Declaraccedilatildeo de

Caracas o Manifesto de Cartagena e as reuniotildees presidenciais de Galaacutepagos em 1989 e

depois com as reuniotildees de La Paz e Machu Pichu (Primeira reuniatildeo do conselho presidencial

andino) em 1990 e Caracas em 1991 O Protocolo de Quito procurava fazer uma ldquoabordagem

realistardquo24

sobre o que poderia ser feito nesse momento para alavancar o processo de

integraccedilatildeo segundo a Comunidade Andina ldquoesse realismo se traduziu na flexibilizaccedilatildeo das

novas disposiccedilotildees e na ampliaccedilatildeo do espectro de opccedilotildees de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeordquo (CAN

23

Para um estudo mais aprofundado da crise da diacutevida externa nos paiacuteses andinos e de seus efeitos econocircmicos

poliacuteticos e sociais consulte SOLIMANO Andreacutes (Ed) Political crises social Conflict and economic

development the political economy of the Andean Region Cheltenham-UKNorthampton-USA Edward Elgar

Publishing 2005 24

O ldquorealismordquo o qual se refere o Protocolo de Quito pode ser traduzido como ldquopragmatismordquo ou seja paiacuteses

do Grupo Andino natildeo deveriam se guiar por uma ideologia deveriam procurar flexibilizar assuas poliacuteticas

externa bem como o projeto de integraccedilatildeo andina para se adaptarem agrave ldquorealidaderdquo da conjuntura internacional

Portanto o ldquorealismordquo andino natildeo tem relaccedilatildeo alguma com as teorias realistas ou neorrealistas das relaccedilotildees

internacionais

45

1998 p 19) Aqui pode-se observar uma mudanccedila no discurso integracionista Essa

ldquoabordagem realistardquo equivale a dizer que o Grupo Andino iria se ajustar agraves exigecircncias e

transformaccedilotildees do cenaacuterio internacional ou seja a integraccedilatildeo andina ficaria agrave mercecirc das

relaccedilotildees internacionais o crescimento das economias nacionais e da regiatildeo poderia ser

alcanccedilado com a inserccedilatildeo internacional dos paiacuteses andinos deixando em segundo plano o

ideaacuterio nacionalista de desenvolvimentismo industrial voltado para interior do proacuteprio Estado

Inicialmente tratava-se de adaptar o Grupo Andino agraves novas tendecircncias mundiais de

modernizaccedilatildeo e internacionalizaccedilatildeo das economias vias pelas quais a Ameacuterica Latina natildeo

poderia se eximir Essa adesatildeo agraves mudanccedilas macroeconocircmicas demonstrava o interesse dos

paiacuteses andinos em continuar promovendo a integraccedilatildeo a despeito da corrosatildeo econocircmica e

juriacutedica ocorridas no curso do processo de integraccedilatildeo

As reuniotildees entre os presidentes da regiatildeo que ocorreram em Galaacutepagos em 1989

foram importantes para a elaboraccedilatildeo de uma estrateacutegia renovada para revigorar a integraccedilatildeo

andina e orientar sua constituiccedilatildeo na deacutecada seguinte Segundo Alfredo Fuentes Fernaacutendez

(2008) o contexto era caracterizado pela deterioraccedilatildeo dos termos de trocas esgotamento das

fontes de financiamento protecionismo dos paiacuteses industrializados e adequaccedilatildeo das poliacuteticas

econocircmicas internas o que foi altamente dispendioso para as economias do arco andino A

estrateacutegia encontrada pelas naccedilotildees andinas para driblar estes fatores foi a criaccedilatildeo de um

mercado regional que contribuiu para a diversificaccedilatildeo de exportaccedilotildees de bens industriais e

tecnoloacutegicos e para que se configurasse uma plataforma de aprendizagem e competitividade

A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi um divisor de aacuteguas do processo de integraccedilatildeo O

desenvolvimento do bloco andino no decorrer dos anos 1980 (preacute-Galaacutepagos) foi

caracterizado principalmente pela estagnaccedilatildeo como resultado dos desdobramentos da crise

internacional dos anos 1970 e da crise da diacutevida externa A fase que sucedeu a Declaraccedilatildeo de

Galaacutepagos foi de transiccedilatildeo A construccedilatildeo de novas estrateacutegias para impulsionar ampliar e

aprofundar o processo de integraccedilatildeo nos anos 1990 ganhou forccedila a partir deste momento

c) Deacutecada de 1990 A Criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e o Novo Desenho

Estrateacutegico de Integraccedilatildeo

Desde o final da deacutecada de 1980 a regiatildeo ingressou numa nova fase de integraccedilatildeo Os

anos de 1990 foram marcados pela renovaccedilatildeo do modelo integracionista do Pacto Andino em

decorrecircncia das modificaccedilotildees nas estrateacutegias de desenvolvimento para superar as crises do

baixo crescimento da diacutevida externa e da atrofia das economias da regiatildeo Entre as principais

46

mudanccedilas operadas no interior do bloco andino estava a aprovaccedilatildeo no ano de 1992 de uma

medida que tinha por meta a formaccedilatildeo de uma zona de livre comeacutercio que se efetivou com a

circulaccedilatildeo sem restriccedilatildeo e encargos sobre as mercadorias Outros temas natildeo necessariamente

novos foram incorporados agrave nova agenda de integraccedilatildeo andina tais como tarifa externa

comum investimento estrangeiro ajustamento das poliacuteticas econocircmicas propriedade

intelectual desenvolvimento da agropecuaacuteria integraccedilatildeo fiacutesica

No contexto internacional o ldquoConsenso de Washingtonrdquo seria determinante para as

reformas dos modelos econocircmicos dos paiacuteses latino-americanos que se seguiram a partir de

entatildeo e orientariam as mudanccedilas em mateacuteria econocircmica comercial e fiscal nos acircmbitos

nacional regional e internacional Aleacutem disso em 27 de junho de 1990 o governo

estadunidense de George H W Bush lanccedilou a ldquoIniciativa para as Ameacutericasrdquo cujo propoacutesito

era estabelecer novas regras comerciais para os paiacuteses do continente americano para criaccedilatildeo

de uma zona hemisfeacuterica de livre comeacutercio assim como mobilizar a construccedilatildeo de uma

ldquoidentidade hemisfeacutericardquo no continente americano

A Iniciativa para as Ameacutericas se insere dentro do projeto dos EUA de construccedilatildeo de

relaccedilotildees com os paiacuteses latino-americanos e caribenhos sobre bases que favoreccedilam os fatores

econocircmicos tais como o comeacutercio a diacutevida e o investimento sob a eacutegide da projeccedilatildeo

hegemocircnica dos Estados Unidos na regiatildeo a qual seria caracterizada pela economia e

comeacutercio em escala hemisfeacuterica

Em 28 de julho de 1990 foi realizada em Lima a Segunda Reuniatildeo do Conselho

Presidencial sob o comando do presidente Alberto Fujimori na qual o primeiro tema debatido

foi a Iniciativa Para as Ameacutericas Na reuniatildeo os mandataacuterios andinos demonstraram interesse

em aderir ao projeto hemisfeacuterico norte-americano e expressaram suas intenccedilotildees no

Documento da Reuniatildeo de Lima da seguinte forma

Na cidade de Santafeacute de Bogotaacute foi realizada em 7 de agosto de 1990 uma nova

reuniatildeo para analisar a iniciativa proposta por Bush e os paiacuteses signataacuterios do Pacto Andino

redigiram com bastante entusiasmo a Declaraccedilatildeo Andina sobre a Iniciativa para as Ameacutericas

na qual registraram o interesse em fazer parte dessa proposta e em se reunir com o governo de

Washington para discutir detalhadamente os termos do novo projeto hemisfeacuterico para as

relaccedilotildees econocircmicas e comerciais com os EUA

47

A ecircnfase dada pelos paiacuteses da regiatildeo andina ao comeacutercio proporcionou resultados

expressivos intrabloco em princiacutepios da deacutecada de 1990 o que propiciou o surgimento de uma

zona de livre comeacutercio inaugurada em 1992 entre os membros do bloco andino que no

entanto natildeo foi bem sucedida devido aos problemas ligados agraves dissonacircncias no que diz

respeito aos objetivos comerciais e aos problemas domeacutesticos dos paiacuteses A instituiccedilatildeo de

uma tarifa externa comum natildeo obteve os resultados esperados pois natildeo havia concordacircncia

quanto agrave sua estrutura Ateacute o comeccedilo do ano de 1993 soacute havia um acordo tarifaacuterio bilateral

entre Colocircmbia e Venezuela Os problemas internos do Peru fizeram com que o presidente

Alberto Fujimori deixasse de participar dos acordos de livre comeacutercio andino o que gerou um

mal estar com os paiacuteses da regiatildeo Em 31 de janeiro de 1993 entrou em pleno funcionamento

a zona de livre comeacutercio para quatro paiacuteses membros do bloco andino e em 11 de Abril de

1994 foram aprovadas as condiccedilotildees ndash dividindo-a em trecircs etapas e soacute terminaria em 30 de

junho de 1995 ndash pelas quais o Peru voltaria a participar plenamente da zona de livre comeacutercio

(CAN 1998)

Para sobrepujar esses problemas os Estados integrantes do Grupo Andino adotaram

uma nova tarifa externa comum em 1995 visando agrave consolidaccedilatildeo de uma uniatildeo aduaneira No

dia 5 de setembro do mesmo ano a VII Reuniatildeo do Conselho Presidencial aprovou um ldquoNovo

Desenho Estrateacutegicordquo da integraccedilatildeo andina adaptando-a para responder as ldquomudanccedilas e

dinacircmicas circunstanciais das atuais relaccedilotildees internacionaisrdquo (CAN 1998 p31)

De acordo com a CAN (1998) para os paiacuteses andinos alcanccedilarem os objetivos

traccedilados neste desenho estrateacutegico foram estabelecidas trecircs linhas de accedilatildeo A primeira eacute o

aperfeiccediloamento do espaccedilo econocircmico andino e a liberalizaccedilatildeo dos serviccedilos A segunda eacute o

aumento e melhoria da projeccedilatildeo externa do bloco a partir do modelo aberto de integraccedilatildeo

capaz de se adaptar ao contexto internacional e hemisfeacuterico cada vez mais interdependente

Esta segunda linha de accedilatildeo pretendia aprofundar a integraccedilatildeo com os paiacuteses de seu entorno

estrateacutegico como o Panamaacute o Mercosul25

e a Associaccedilatildeo dos Estados do Caribe (AEC) A

terceira eacute desenvolver uma agenda social mais ampla que vise o bem estar da populaccedilatildeo e

aumentar a participaccedilatildeo popular Nessa deacutecada a concepccedilatildeo integracionista nos Andes passou

por transformaccedilotildees e o processo de integraccedilatildeo se amplificou para penetrar em novos campos

como eacute o caso da agenda social e de seguranccedila

25

A Boliacutevia se tornou o primeiro paiacutes do Grupo Andino a se associar ao Mercosul em 1996 o Chile se tornou

membro associado no mesmo ano poreacutem natildeo pertencia mais ao bloco andino

48

No ano de 1996 a integraccedilatildeo andina passa por uma reestruturaccedilatildeo institucional

apresentando crescimento da necessidade de reformar o Acordo de Cartagena para ajustaacute-lo agraves

transformaccedilotildees recentes da conjuntura internacional O Conselho Presidencial aprovou em 10

de marccedilo do mesmo ano o Protocolo modificador do Acordo de Cartagena conhecido como

Protocolo de Trujillo que institui a criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN)

A Comunidade Andina foi inspirada na Declaraccedilatildeo de Bogotaacute (1978) e surgiu como

resultado dos esforccedilos dos governos de Boliacutevia Colocircmbia Equador Peru e Venezuela para

tornar mais soacutelida a uniatildeo entre os paiacuteses e criar os alicerces para formaccedilatildeo de uma

comunidade sub-regional A CAN era constituiacuteda no iniacutecio pelos cinco Estados soberanos e

pelas instituiccedilotildees e organismos do Sistema Andino de Integraccedilatildeo (SAI) e suas caracteriacutesticas

iniciais eram de uma Uniatildeo Aduaneira e Econocircmica com o objetivo de limitar a penetraccedilatildeo

de capital estrangeiro A partir de primeiro de agosto de 1997 quando entrou em vigecircncia o

Protocolo de Trujillo a Comunidade Andina adotou uma gestatildeo pautada na hierarquia

governamental com a criaccedilatildeo da figura da Secretaria Geral da CAN que substituiu a Junta de

trecircs ministros O bloco comeccedilou a exercer suas funccedilotildees com uma Secretaria Geral sediada em

Lima aleacutem disso foi instituiacutedo o Conselho de Presidentes e de Ministros de Relaccedilotildees

Exteriores como oacutergatildeos de diretrizes poliacuteticas do bloco bem como o papel normativo de uma

Comissatildeo formada por Ministros de Comeacutercio e Setoriais (LOacutePEZ CONTRERAS

POLANCO 2010)

Segundo Andreacutes Malamud (2003) os sucessos recentes da CAN devem ser

creditados ao Conselho Presidencial Andino pois este ator institucional foi responsaacutevel por

impulsionar novamente o processo de integraccedilatildeo poacutes-1989 e a crise que abateu a sub-

regiatildeo coincidiu com os anos os quais natildeo ocorreu reuniatildeo do Conselho Presidencial

(1991-1994) As instituiccedilotildees e a lideranccedila satildeo peccedilas-chave na integraccedilatildeo mas no caso

andino os chefes do executivo desempenharam um papel fundamental para o processo de

integraccedilatildeo andino O que Malamud chamou de ldquopresidencialismo concentradorrdquo pode ter

sido um dos fatores propulsores da integraccedilatildeo sul-americana

De acordo com Cabral (2010 p 08) a CAN procurou criar instituiccedilotildees deliberativas e

decisoacuterias com uma crescente participaccedilatildeo da sociedade civil tendo em vista o modelo

europeu aleacutem disso os paiacuteses andinos do bloco tambeacutem buscaram aprofundar as relaccedilotildees

comerciais entre si estimulando ldquoo desenvolvimento econocircmico a competitividade a

integraccedilatildeo da infraestrutura e a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica externa comumrdquo procurando

49

tambeacutem incorporar outros elementos para agenda andina como ldquoa discussatildeo de medidas de

caraacuteter de inclusatildeo social a luta contra as drogas o fortalecimento da democracia defesa dos

direitos humanosrdquo e o meio ambiente Essa incorporaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais

tambeacutem incorreu na abertura da agenda de seguranccedila para novos temas objetivando

estabelecer a zona de paz na regiatildeo andina

A supranacionalidade fixada pelo acordo de integraccedilatildeo transfere determinadas

prerrogativas para os organismos comunitaacuterios Uma vez que as normas satildeo aprovadas

elas tecircm aplicaccedilatildeo imediata sobrepondo-se agraves normas internas dos paiacuteses pertencentes ao

bloco A supranacionalidade da CAN entra em rota de colisatildeo com a soberania nacional e

faz transparecer diversos entraves e desafios para as instituiccedilotildees andinas A combinaccedilatildeo

entre intergovernamentalismo e supranacionalidade26

ndash que tambeacutem eacute denominada de

ldquoinstitucionalismo intergovernamentalrdquo27

ndash como ocorre na Uniatildeo Europeia natildeo se

processa do mesmo modo na Comunidade Andina Segundo Andreacutes Serbin (2010) para

entendermos a natildeo efetividade da supranacionalidade nos blocos regionais da Ameacuterica do

Sul temos que compreender o processo da consolidaccedilatildeo das soberanias nacionais desde as

lutas pela independecircncia no seacuteculo XIX que ocorreram na regiatildeo

Como salientou Arroye-Quintero (2008) a supranacionalidade desmedida gerou

conflitos no momento de sua implementaccedilatildeo como eacute o caso do Tribunal Andino de

Justiccedila cujas sanccedilotildees tomadas em seu acircmbito se sobrepotildeem ao poder judiciaacuterio nacional O

choque entre soberania e o modelo supranacional da CAN se tornou um obstaacuteculo para

aprofundamento da integraccedilatildeo intrabloco para os proacuteprios Estados que o consolidou

Aleacutem disso conforme aponta Carlos A Romero (2008) a CAN estaacute passando por uma

crise institucional relacionada agrave desarmonia entre os modelos de desenvolvimento econocircmico

26

Herz e Hoffman aponta que ldquoApesar de as organizaccedilotildees de integraccedilatildeo regional serem criadas por governos de

Estados e nesse sentido poderem ser classificadas como intergovernamentais seu formato juriacutedico

institucional pode ser a supranacionalidade ou seja pode limitar o escopo da soberania dos Estados nas

atividades exercidas pela organizaccedilatildeordquo (HERZ HOFFMAN 2004 p 161) 27

Johannes Lindner e Berthold Rittberger assinalam que ldquoOutras teorias e abordagens que se propotildeem a

explicar a integraccedilatildeo europeacuteia sobretudo a partir do iniacutecio dos anos 90 abrem um novo debate dessa vez entre

o institucionalismo intergovernamental e o institucionalismo supranacional Ambas as vertentes enfatizam o

papel das instituiccedilotildees suas origens sua histoacuteria suas estruturas internas e sua dinacircmica para a compreensatildeo da

accedilatildeo humana Nesse contexto teoacuterico instituiccedilotildees satildeo regras e praacuteticas embebidas em estruturas de sentido e de

recursos Mudanccedilas na ordem poliacutetica envolvem natildeo apenas a reorganizaccedilatildeo e a realocaccedilatildeo de recursos mas

tambeacutem a reconceituaccedilatildeo e modificaccedilatildeo das expectativas preferecircncias aspiraccedilotildees mentalidades e identidades

Nesse movimento de transformaccedilatildeo lsquoinstituiccedilotildees importamrsquo independentemente do niacutevel em que estiverem

situadasrdquo (Lindner e Rittberger 2003 apud CAMARGO Sonia 2004 p 68-69) Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrscielophppid=S0102-85292004000100002ampscript=sci_arttextgt Acesso em 29 nov

2014

50

escolhidos pelos paiacuteses do bloco bem como as divergecircncias entre estes paiacuteses concernentes agrave

assinatura ou natildeo do Tratado de Livre Comeacutercio com os Estados Unidos e ldquopelos problemas

de seguranccedila derivados da tensatildeo geopoliacutetica entre Venezuela e a Colocircmbia a Colocircmbia e o

Equador e o Peru a Boliacutevia e o Chilerdquo (ROMERO 2008 p 57) Essas tensotildees geopoliacuteticas

foram agravadas quando se somaram aos conflitos territoriais interestatais tradicionais os

conflitos assimeacutetricos provocados pelo crime organizado transnacional mais especificamente

quando o traacutefico de drogas ganha o status de ameaccedila agrave seguranccedila e ao desenvolvimento dos

paiacuteses andinos como veremos no proacuteximo capiacutetulo

51

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOcircES

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais

A construccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes de controle e

luta contra as drogas consideradas iliacutecitas foram resultados de um longo processo que natildeo se

restringe apenas aos ditames de Washington mas tambeacutem abrange inuacutemeras variaacuteveis

histoacutericas poliacuteticas ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam

entrelaccedilando interesses que geraram o consenso sobre a ilegalidade de determinadas drogas

consideradas ldquoperigosasrdquo e ldquoameaccediladorasrdquo reputando a elas o caraacuteter de criminalidade e

mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional O traacutefico de drogas se constituiu

como um dos problemas mais expressivos no cenaacuterio da histoacuteria hodierna da Ameacuterica Latina

e sobretudo da sua relaccedilatildeo com os EUA O crime organizado transnacional expandiu e se

ramificou de modo expressivo nas uacuteltimas deacutecadas natildeo soacute na Ameacuterica Latina mas tambeacutem

em outros continentes ultrapassando as fronteiras nacionais de seus paiacuteses de origem

colocando desafios natildeo apenas para a seguranccedila dos Estados mas tambeacutem para sua

investigaccedilatildeo acadecircmica sobretudo na aacuterea das relaccedilotildees internacionais

As poliacuteticas e medidas de combate agraves drogas transbordaram do acircmbito nacional para o

regional e do regional para o internacional assim como ocorreu simultaneamente o processo

inverso As redes iliacutecitas do traacutefico de drogas acompanharam este movimento ensejando

novas organizaccedilotildees articulaccedilotildees estrateacutegias e produtos que trouxeram muacuteltiplas implicaccedilotildees

para os Estados e sociedades contemporacircneas sobretudo nos diferentes niacuteveis do campo da

seguranccedila De acordo com Thiago Rodrigues (2003)

A proibiccedilatildeo e o narcotraacutefico conformam espaccedilos de luta que se desenvolvem em

diversos planos de modo fluiacutedo e variado Trata-se ainda assim de uma guerra que

se mostra como um conjunto de embates que envolvem Estados empresas

narcotraficantes grupos armados e forccedilas sociais Natildeo eacute um conflito tradicional mas

uma infinidade de batalhas (RODRIGUES 2003 p 13)

Para investigarmos este conjunto complexo de embates eacute preciso antes de tudo

compreender os sistemas de significaccedilatildeo para rastrear a emergecircncia dos atores e as suas

associaccedilotildees e relaccedilotildees que produzem e reproduzem as redes iliacutecitas do traacutefico de drogas

52

Primeiro eacute necessaacuterio compreender que sob o apanaacutegio ldquodrogasrdquo estatildeo amalgamadas

inuacutemeras substacircncias que pertencem a diferentes categorias que podem ser classificadas por

criteacuterios distintos ndash seja pela sua composiccedilatildeo quiacutemica ou pelos seus efeitos ndash e que cumprem

diferentes papeacuteis socioculturais Todavia o governo colocou sob o roacutetulo de narcoacuteticos todas

as substacircncias quiacutemicas psicoativas consideradas ilegais Portanto todas as atividades que

envolvem a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo da cocaiacutena (estimulante) da maconha

(alucinoacutegeno) e da heroiacutena (narcoacutetico) e de outras substacircncias estigmatizadas como iliacutecitas

foram classificadas como narcotraacutefico pelos EUA e pelos regimes internacionais sobre o

tema

Esta classificaccedilatildeo das diferentes drogas como narcoacuteticos28

segue criteacuterios poliacuteticos

para legitimar a famigerada ldquoguerra agraves drogasrdquo Deste modo o termo ldquonarcotraacuteficordquo ndash

inventado em 1981 pelo governo de Ronald Reagan ndash eacute produto do discurso e do imaginaacuterio

social estadunidense que nos induz a compreender um fenocircmeno complexo apenas em termos

de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de drogas iliacutecitas equivocadamente rotuladas de

ldquonarcoacuteticosrdquo destarte esta compreensatildeo natildeo engloba as drogas ldquosocialmente aceitasrdquo como

legais as fabricadas pelos conglomerados farmacecircuticos e todo o processo e atores que estatildeo

relacionados com o traacutefico de ldquodrogas iliacutecitasrdquo A terminologia ldquonarcotraacuteficordquo eacute uma categoria

homogecircnea que pertence a uma concepccedilatildeo uniacutessona aplicada para explicar fenocircmenos

heterogecircneos e plurais Portanto o termo ldquonarcotraacuteficordquo eacute adstrito ao discurso e produccedilatildeo

simboacutelica do imaginaacuterio coletivo norte-americano sobre as vaacuterias atividades e praacuteticas

relacionadas ao traacutefico de drogas iliacutecitas e ao seu mercado ilegal

Natildeo obstante apoacutes as devidas observaccedilotildees podemos compreender o narcotraacutefico

como um complexo industrial-mercadoloacutegico que compreende grupos e organizaccedilotildees

criminosas nacionais transnacionais ou internacionais que se articulam em redes complexas

para produzir distribuir comercializar e controlar as rotas e fluxos das drogas iliacutecitas

Todavia preferimos utilizar ldquotraacutefico de drogasrdquo enquanto instrumento conceitual ao inveacutes de

ldquonarcotraacuteficordquo pelas seguintes questotildees 1) o conceito de traacutefico de drogas abrange todas as

drogas consideradas iliacutecitas ndash alucinoacutegenas apaziguadoras estimulantes ndash e natildeo apenas as

narcoacuteticas (ESCOHOTADO 2002 RODRIGUEZ 2003) 2) o conceito natildeo se restringe

apenas agraves organizaccedilotildees e grupos criminosos procura abranger todos os niacuteveis e escalotildees do

28

Basicamente as substacircncias narcoacuteticas ldquotecircm propriedades analgeacutesicas e anesteacutesicas provocam sono e torpor e

podem criar haacutebito ou adiccedilatildeordquo (RODRIGUES 2003 p 19)

53

complexo industrial-mercadoloacutegico das drogas Existem atores que frequentemente natildeo

pertencem ao crime organizado e estatildeo envolvidos direta e indiretamente no processo por

exemplo o camponecircs que eacute aliciado por estas organizaccedilotildees para cultivar coca o policial

corrupto o agente de fiscalizaccedilatildeo da alfacircndega os militares que fazem operaccedilotildees de combate

agraves drogas entre outros

Para abarcar os inuacutemeros atores envolvidos no traacutefico de drogas Pierre Kopp (1997)

utiliza o conceito de ldquofilotildees do traacuteficordquo o qual estaacute divido em trecircs niacuteveis a produccedilatildeo o traacutefico

internacional e a distribuiccedilatildeo final Segundo o autor ldquoo filatildeo assemelha-se a um funil duplo a

montante e a jusante do qual se encontram centenas de milhares de agentes ocupados na

produccedilatildeo e na distribuiccedilatildeo enquanto no meio o traacutefico internacional se acha concentrado nas

matildeos de um nuacutemero restrito de agentesrdquo (KOPP 1997 p 92) Kopp com base nos estudos de

Michel Schiray enumera que dentro dos filotildees existem seis categorias de atores populaccedilotildees

de pequenos cultivadores (autocircnomos ou controlados por grupos criminosos) algumas

grandes organizaccedilotildees criminosas mais ou menos estruturadas multidotildees de pequenos

traficantes intermediaacuterios organizados em pequena escala e mais ou menos independente

inuacutemeros ofertadores especializados nos serviccedilos auxiliares agraves duas categorias anteriores uma

ampla gama de agentes puacuteblicos e privados corrompidos pelas trecircs categorias anteriores uma

imensidatildeo de revendedores finais autocircnomos ou controlados por organizaccedilotildees criminosas

O conceito de filotildees do traacutefico de Kopp abrange uma infinidade de agentes que estatildeo

envolvidos no traacutefico de drogas e este nuacutemero pode ser ainda maior se natildeo limitarmos o

traacutefico de drogas apenas aos trecircs niacuteveis descritos pelo autor como por exemplo se incluirmos

a lavagem de dinheiro e o proacuteprio consumo de drogas pois ambos fazem parte da dinacircmica do

traacutefico de drogas O conceito de traacutefico de drogas abrange agentes natildeo-estatais e estatais pois

as instituiccedilotildees estatais de combate agraves drogas tambeacutem fazem parte da sua dinacircmica O traacutefico

de drogas natildeo eacute algo externo agrave sociedade dos indiviacuteduos ao contraacuterio ele emerge nos

interstiacutecios do proacuteprio tecido social

Conforme Michael Mann (1991) a sociedade se organiza em relaccedilotildees sociais de poder

que podem conformar variedades de redes institucionalizadas de poder social envolvendo os

campos ideoloacutegico econocircmico militar e poliacutetico bem como relaccedilotildees intersticiais natildeo

institucionalizadas Entretanto natildeo satildeo todos os agentes que se submetem ao poder social

institucionalizado para estabelecer relaccedilotildees e realizar os seus objetivos Agrave margem dos canais

institucionalizados de poder acontece a ldquoemergecircncia intersticialrdquo de novos processos entre os

54

poros da interaccedilatildeo social das redes institucionalizadas Sendo assim os agentes sociais criam

formas alternativas de atingir os seus objetivos constituindo novas redes ou mesmo

subvertendo expandindo eou modificando as jaacute existentes configurando redes sociais de

poder que podem disputar com as redes institucionalizadas ou cooptaacute-las Por exemplo as

organizaccedilotildees criminosas de Medelliacuten e Cali nas deacutecadas de 1980-90 das FARC e do Sendero

Luminoso da deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais guardadas as suas especificidades emergiram

nos interstiacutecios da sociedade confrontando subvertendo eou cooptando redes

institucionalizadas de poder dos Estados colombiano e peruano para operarem

As redes criminosas emergem nos interstiacutecios da sociedade poreacutem natildeo atuam apenas

na margem mas no proacuteprio tecido da ordem poliacutetica juriacutedica e social para conseguir atingir

os seus objetivos ou seja auferir lucros e acumular riqueza O traacutefico de drogas eacute composto

por muacuteltiplos processos (produccedilatildeo processamento investimento comercializaccedilatildeo transporte

consumo lavagem de dinheiro entre outros) que compreendem inuacutemeros intervenientes

direta e indiretamente os quais configuram uma teia complexa e plural de relaccedilotildees e

associaccedilotildees (camponeses cultivadores produtores motoristas pilotos mulas sicaacuterios

financiadores traficantes de drogas armas e precursores quiacutemicos lavadores de dinheiro

forccedilas de seguranccedila poliacuteticos corruptos paramilitares guerrilheiros entre outros)

De acordo com Marcelo Fabiaacuten Sain (2003) o crime organizado se constitui como um

empreendimento de caraacuteter econocircmico e de poder Para o autor a criminalidade organizada se

conforma em uma empresa que

[] supotildee a colaboraccedilatildeo entre um conjunto de pessoas que compartilham e

perseguem determinados objetivos criminais e protagonizam uma seacuterie de crimes

graves por um periacuteodo de tempo prolongado e indefinido usando alguma forma de

disciplina e controle interno assim como tambeacutem uma metodologia operativa em

que combinam em diferente medida certas formas de violecircncia e intimidaccedilatildeo com

modalidades diferentes de exerciacutecios de influecircncia sobre a poliacutetica a imprensa a

administraccedilatildeo puacuteblica e as autoridades judiciais e econocircmicas tudo em busca de

obter lucro eou poder (SAIN 2003 p 196-197 traduccedilatildeo nossa)

Em um estudo pioneiro sobre o traacutefico de drogas Luis F Sarmiento e Ciro

Krauthausen (1991) identificaram que os grupos narcotraficantes colombianos funcionavam

como empresas que para obterem lucro natildeo restringiam as suas atividades apenas ao

mercado ilegal da cocaiacutena mas tambeacutem investiam em setores rentaacuteveis da economia legal De

acordo com os autores ldquosatildeo as expectativas de mercado e as leis econocircmicas bem como os

meacutetodos para escapar dos controles do governo que determinam a ordem e a dinacircmica do

mercado ilegal de cocaiacutenardquo (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 222 traduccedilatildeo nossa)

55

Sarmiento e Krauthausen ao pesquisarem o mercado ilegal das drogas

problematizaram o ldquoconceitordquo de ldquocartelrdquo como instrumento de anaacutelise e a sua aplicabilidade

para compreender os grupos narcotraficantes colombianos Segundo o economista Paulo

Sandroni (1999) ldquocartelrdquo pode ser compreendido como

Grupo de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuaccedilatildeo

coordenada com vistas a interesses comuns O tipo mais frequumlente de cartel eacute o de

empresas que produzem artigos semelhantes de forma a constituir um monopoacutelio de

mercado [] Os objetivos mais comuns dos carteacuteis satildeo 1) controle do niacutevel de

produccedilatildeo e das condiccedilotildees de venda 2) fixaccedilatildeo e controle de preccedilos 3) controle das

fontes de mateacuteria-prima (cartel de compradores) 4) fixaccedilatildeo de margens de lucros e

divisatildeo de territoacuterios de operaccedilatildeo As empresas que formam um cartel mantecircm sua

independecircncia e individualidade mas devem respeitar as regras aceitas pelo grupo

como a divisatildeo do mercado e a manutenccedilatildeo dos preccedilos combinados (SANDRONI

1999 p 84)

Os ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali natildeo fizeram acordos mercadoloacutegicos para equipararem

preccedilos ou qualquer outro pacto desta natureza Os dois grupos se reuniram em alguns

momentos especiacuteficos mas sem pretensotildees de formar um ldquocartelrdquo como foi o caso da

formaccedilatildeo do MAS (movimento Muerte a Secuestradores) que tinha o objetivo de criar um

grupo armado financiado pelos capos de Medelliacuten e Cali para conter os sequestros praticados

pelo M-19 contra os seus familiares No entanto dissolveram o grupo logo que cessaram os

sequestros

De acordo com os autores o conceito de ldquocartelrdquo eacute reducionista e natildeo compreende a

dinacircmica do traacutefico de drogas trata-se mais de uma invenccedilatildeo por parte das autoridades

estadunidenses para se referirem agraves organizaccedilotildees que atuavam de forma unitaacuteria no traacutefico de

cocaiacutena do que para explicar a operacionalidade destes grupos Para substituir a ideia de

ldquocartelrdquo Sarmiento e Krauthausen dividem as organizaccedilotildees narcotraficantes e suas atividades

em dois setores Oligopolista e Competitivo O primeiro eacute composto por um seleto grupo de

traficantes de cocaiacutena que transformam a pasta base em cocaiacutena para exportaccedilatildeo e ficam com

a fatia mais lucrativa enquanto o segundo abrange

[] os extremos da cadeia da cocaiacutena de um lado se encontram os cultivadores

camponeses em sua maioria independente e os pequenos coletores e comerciantes

de pasta base Do outro lado se encontram situados os pequenos distribuidores e

vendedores de rua de cocaiacutena (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 30

traduccedilatildeo nossa)

Aleacutem destas diferenccedilas entre os dois setores apontados pelos autores haacute outro que

demarca bem a diferenccedila entre eles a mobilizaccedilatildeo de recursos O setor do oligopoacutelio ao

contraacuterio do competitivo tem poucos rivais e concorrentes devido ao grande volume de

56

recursos29

que precisa mobilizar para se manter funcionando principalmente os recursos

econocircmicos ndash para investir no negoacutecio ilegal e sustentar a sua estrutura abastecer o mercado

da cocaiacutena e corromper e subornar as forccedilas de seguranccedila e os poderes judiciaacuterios e poliacuteticos

ndash e os recursos da violecircncia ndash para intimidar extorquir se defender de possiacuteveis grupos rivais

e das forccedilas de coerccedilatildeo estatal e expandir e controlar os seus negoacutecios ndash ou seja natildeo satildeo

todos que possuem estes recursos e os que vierem a possuiacute-los precisaratildeo de cada vez mais

recursos para continuar existindo Contudo o setor competitivo eacute marcado por grande

concorrecircncia e disputa entre inuacutemeros e diferentes atores menores que natildeo detecircm os recursos

financeiros e coercitivos para poder se conservar dentro do circuito produtivo e comercial do

mercado ilegal o que faz deste setor mais violento do que o primeiro (SARMIENTO

KRAUTHAUSEN 1991 RODRIGUES 2003)

A emergecircncia intersticial de organizaccedilotildees sociais natildeo institucionalizadas abre espaccedilos

tambeacutem para o surgimento de redes de traacutefico de drogas e para que organizaccedilotildees criminosas

transterritoriais se articulem constituindo uma ldquointegraccedilatildeo paralelardquo (OLIVEIRA 2006) De

acordo com Fernando Oliveira

A accedilatildeo transnacional das redes narcotraficantes e a cooperaccedilatildeo com outras

organizaccedilotildees criminosas colaboram para formar a chamada integraccedilatildeo paralela na

Amazocircnia Continental A integraccedilatildeo paralela eacute a situaccedilatildeo onde negoacutecios iliacutecitos

sustentam de forma consistente e duradoura a circulaccedilatildeo de bens pessoas e financcedilas

atraveacutes de fronteiras nacionais (OLIVEIRA 2006 p 1)

A integraccedilatildeo paralela andino-amazocircnica ocorre simultaneamente ao processo de

integraccedilatildeo institucional da CAN articulando organizaccedilotildees criminosas relacionadas com as

atividades iliacutecitas transnacionais e transcontinentais As drogas figuram entre as principais

destas atividades Nathan Moram (2008) ao analisar as atividades do traacutefico de drogas tratou

de diferentes conexotildees entre grupos narcotraficantes que satildeo processos de integraccedilatildeo paralela

transcontinental do traacutefico de drogas O autor descreve que os grupos de traacutefico de drogas da

Colocircmbia desenvolveram laccedilos com os mexicanos agrave medida que desenvolviam relaccedilotildees com a

maacutefia siciliana e outras organizaccedilotildees criminosas internacionais na Europa Eles tambeacutem

comeccedilaram a estabelecer contatos na Europa Oriental e na Comunidade de Estados

Independentes (CEI) posteriormente na Aacutefrica30

e mais recentemente na Aacutesia sobretudo com

os chineses Ocasionalmente fazem trocas de cocaiacutena por heroiacutena aleacutem de fazerem acordos

29

Thiago Rodrigues (2003) a partir de Sarmiento e Krauthausen sintetiza em quatro os principais recursos

necessaacuterios para sobrevivecircncia de uma empresa do mercado ilegal das drogas a) recursos financeiros b)

recursos coercitivos c) recurso a serviccedilos fundamentais e d) recursos para evitar a repressatildeo 30

Conferir os Mapas 3 e 4 da seccedilatildeo anexos

57

com teacutecnicos e especialistas asiaacuteticos em agricultura para estudar a viabilidade do cultivo de

papoula nas montanhas andinas Conforme o autor o oacutepio heroiacutena cocaiacutena e metanfetamina

satildeo as principais drogas comercializadas no mercado iliacutecito internacional e cada uma delas

implica o envolvimento de diferentes atores

Na Colocircmbia por exemplo existem inuacutemeros atores envolvidos com o traacutefico de

drogas Depois do desmantelamento dos ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali na primeira metade dos

anos 1990 emergiram inuacutemeros novos atores com a fragmentaccedilatildeo da induacutestria ilegal das

drogas Em meados dos anos 1990 as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia ndash

Exeacutercito do Povo (FARC-EP ou FARC) ndash iniciaram as suas atividades no traacutefico de drogas

para suprir a perda de recursos financeiros apoacutes o colapso sovieacutetico e conseguir recursos

econocircmicos para financiar as suas atividades Anteriormente elas atuavam na proteccedilatildeo dos

cultivos de coca e depois passaram a controlar estas plantaccedilotildees aleacutem de controlarem parte das

rotas de traacutefico em Narintildeo Putumayo e Puerto Tumaco com as Frentes 16 e 48 O Exeacutercito

de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) eacute uma das guerrilhas mais antigas da Colocircmbia ao lado das

FARC e soacute comeccedilou a se articular com as redes do traacutefico de drogas no comeccedilo dos anos

2000 tendo aliado-se com Los Rastrojos no governo de Uribe As Autodefensas Unidas de

Colombia (AUC)31

foram criadas em 1996 e o seu nascimento coincidiu com a dissoluccedilatildeo dos

oligopoacutelios da cocaiacutena o que possibilitou que a organizaccedilatildeo ficasse com parte da produccedilatildeo de

drogas As AUC chegaram a contar com cerca de 30000 integrantes e a sua principal fonte

provedora eacute o traacutefico de drogas Entre os anos de 2003 e 2006 durante o mandato do

presidente Aacutelvaro Uribe comeccedilaram os diaacutelogos de acordo para desmobilizaccedilatildeo dos blocos

paramilitares da AUC Contudo natildeo foram todos os blocos que se desmobilizaram dando

origem agraves Bandas Criminales Emergentes (BACRIM) que se fragmentou numa infinidade de

grupos criminosos Los Rastrojos Los Urabentildeos Las Aacuteguilas Negras Los Machos Los

Paisas Exeacutercito Revolucionaacuterio Popular Anticomunista da Colocircmbia (ERPAC) Oficina de

Envigado (formado por ex-sicarios de Pablo Escobar tendo ganhado forccedila com a

desmobilizaccedilatildeo) entre inuacutemeros outros

Traacutefico de Drogas ldquonova ameaccedilardquo agrave seguranccedila

31

As AUC nasceram da Federaccedilatildeo de Grupos de Autodefesas que foi criada pelas Autodefesas Camponesas de

Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) estes grupos pertencem agrave segunda geraccedilatildeo de paramilitares que nasceram com os

PEPES (Perseguidos por Pablo Escobar) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpesinsightcrimeorgnoticias-sobre-

crimen-organizado-en-colombiaauc-perfilgt Acesso em 11 mar 2015

58

No novo contexto mundial dos anos 1990 analistas de seguranccedila e poliacuteticos ocidentais

colocaram em primeiro plano variados temas e problemas que passaram a representar

ldquoameaccedilasrdquo aos Estados contemporacircneos e agrave medida que tais questotildees ultrapassavam as

fronteiras territoriais e aumentavam de escala eram percebidas como ldquoameaccedilasrdquo agrave

estabilidade regional e internacional foram inseridas na insiacutegnia de ldquonovas ameaccedilasrdquo De

acordo com Ernesto Loacutepez (2003) muitas das chamadas ldquonovas ameaccedilasrdquo natildeo eram novas em

sua ldquonatureza intriacutensecardquo mas foram apresentadas como ldquonovidaderdquo a partir de uma mudanccedila

no contexto internacional Eram problemas que jaacute existiam no passado e natildeo eram tidos como

ameaccedila aos Estados e que foram considerados como tal no presente

As ldquonovas ameaccedilasrdquo estariam em oposiccedilatildeo agraves ldquoameaccedilas tradicionaisrdquo que emanam dos

Estados Desta forma todo o tema que for considerado ameaccedilador e natildeo tiver um Estado

como origem passa a ser definido como uma ldquoameaccedila natildeo tradicionalrdquo e portanto satildeo

consideradas pertencentes a quatro setores da seguranccedila seguranccedila poliacutetica ndash o terrorismo e

conflitos eacutetnicos ndash econocircmica ndash traacutefico de drogas e crime organizado transnacional ndash societal

ndash pobreza e os fluxos de refugiados irregulares ndash e ambiental ndash cataacutestrofes naturais O

conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo ao contraacuterio do que sustenta ainda permanece estadocecircntrico

ou seja ainda estaacute associado agrave soberania pois eacute a ela que as ldquoameaccedilas emergentesrdquo ameaccedilam

em uacuteltima instacircncia

Na Ameacuterica Latina segundo Mathias (2007) podemos destacar sete temas principais

que estatildeo sob o roacutetulo de ldquonovas ameaccedilasrdquo traacutefico de drogas traacutefico de armas degradaccedilatildeo do

meio-ambiente migraccedilotildees internacionais direitos humanos crime organizado e terrorismo

Estes temas agora incorporados nas agendas de seguranccedila colocaram novas problemaacuteticas

sobre como os Estados os percebem e como devem ser tratados

De acordo com Heacutector Luis Saint-Pierre ldquoa ameaccedila eacute essencialmente diferente do que

ela manifesta natildeo eacute ela que provoca o temor mas quem o anunciardquo (SAINT-PIERRE 2003

p 25 grifos do autor) A ameaccedila eacute relacional ela surge na relaccedilatildeo do ameaccedilado com o

ameaccedilador e se constitui sempre na e para uma percepccedilatildeo portanto ldquoa ameaccedila eacute uma

representaccedilatildeo um sinal uma certa disposiccedilatildeo gesto ou manifestaccedilatildeo percebida como

anuacutencio de uma situaccedilatildeo natildeo desejada ou de risco para a existecircncia de quem perceberdquo

(SAINT-PIERRE 2003 p 26 grifos do autor) Ao seguirmos os passos de Saint-Pierre

podemos considerar que as ldquonovas ameaccedilasrdquo em si mesmas natildeo se constituem como um

perigo pois o perigo estaacute fora de noacutes e a ameaccedila ao contraacuterio se constitui em noacutes ela existe

59

no sujeito ameaccedilado que pertence a uma dada sociedade e estaacute inserido em um determinado

tempo e espaccedilo As percepccedilotildees de ameaccedilas natildeo estatildeo mais presas agraves disputas e confrontos

interestatais tradicionais foram redirecionadas para fatores transnacionais cujos agentes natildeo

estatais tecircm proeminecircncia O conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo daacute margem para obscurecer a

distinccedilatildeo entre seguranccedila puacuteblica e seguranccedila internacional entre os papeacuteis da poliacutecia e das

forccedilas armadas

Com efeito foram implementadas estrateacutegias para combater controlar ou mitigar as

ldquonovas ameaccedilasrdquo que incidiram sobre os Estados do mundo todo do mesmo modo que

impulsionaram a emergecircncia de novos atores e dinacircmicas internacionais com variadas

implicaccedilotildees obrigando o uso de todos os meios por parte do Estado para defrontaacute-los O

traacutefico de drogas eacute um exemplo disto Loacutepez salienta que ldquonatildeo eacute incomum que o roacutetulo de

lsquonovas ameaccedilasrsquo seja utilizado com fins espuacuterios Natildeo satildeo poucos os que procuram com seu

auxiacutelio militarizar funccedilotildees de seguranccedila natildeo militares (ou natildeo militarizaacuteveis)rdquo (LOacutePEZ

2003 p 62) Neste sentido sobre o traacutefico de drogas Mathias adverte que ldquoa insistecircncia da

metroacutepole em tratar o tema como ameaccedila que exige tratamento militar e a aceitaccedilatildeo desta

definiccedilatildeo por parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina representa a subordinaccedilatildeo estrateacutegica destes

agravequelardquo (MATHIAS 2007 p88)

Desde a Guerra Fria os EUA exercem uma destacada influecircncia sobre o pensamento

estrateacutegico na regiatildeo andina No decurso do conflito bipolar tudo aquilo que era percebido

como ldquoameaccedilardquo por este paiacutes consequentemente acabou por ser percebido como ldquoameaccedilardquo

para o resto do continente americano quando na realidade o grau de ameaccedila para cada paiacutes

tinha um peso diferente como foi o caso do comunismo Este processo ocorreu de modo

semelhante no contexto poacutes-Guerra Fria Quando o pensamento estrateacutegico identificou ldquonovas

ameaccedilasrdquo ou ldquoameaccedilas emergentesrdquo os paiacuteses da regiatildeo andina imediatamente assimilaram o

discurso norte-americano sem a ponderaccedilatildeo necessaacuteria para avaliar o peso de tais ameaccedilas e

os problemas que daiacute poderiam advir O exemplo mais notaacutevel eacute a ldquoguerra agraves drogasrdquo O

ldquonarcotraacuteficordquo convertido em ldquoameaccedilardquo agrave seguranccedila foi utilizado como justificaccedilatildeo para

intervir unilateralmente nas poliacuteticas domeacutesticas dos paiacuteses andinos subordinando-as agrave loacutegica

hemisfeacuterica dentro da concepccedilatildeo de ldquomultidimensionalidaderdquo da seguranccedila a qual tambeacutem eacute

um instrumento de subordinaccedilatildeo estrateacutegica

60

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes

A intensificaccedilatildeo do proibicionismo e da luta antidrogas em escola global

A Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes assinada em 30 de marccedilo de 1961 em Nova

York32

contribuiu de modo significativo para revigorar a internacionalizaccedilatildeo do controle

sobre as drogas33

Essa convenccedilatildeo revogou todos os tradados acordos e convenccedilotildees

multilaterais anteriores para a criaccedilatildeo de uma convenccedilatildeo que unificasse estes dispositivos por

meio de um instrumento cujo objetivo principal era restringir a produccedilatildeo distribuiccedilatildeo posse

uso e comeacutercio de drogas entorpecentes unicamente para fins meacutedicos e cientiacuteficos aleacutem de

estabelecer uma cooperaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo internacional permanente para a sua consecuccedilatildeo

(UNITED NATIONS 1972) A prerrogativa legal de fiscalizaccedilatildeo internacional de

entorpecentes ficou sob a responsabilidade da ONU ndash conforme o Artigo 5 da convenccedilatildeo ndash

que contaria com o apoio de todos os paiacuteses membros Os oacutergatildeos internacionais de controle

criados anteriormente foram diluiacutedos e em seus lugares ficaram apenas dois organismo das

Naccedilotildees Unidas responsaacuteveis pela fiscalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo o Escritoacuterio das Naccedilotildees Unidas

sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime ndash UNODC) e a Junta

Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes (JIFE)

Segundo Bellen Boville (2004) a unificaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo de ordenamentos legais

e estrateacutegias de controle de drogas com efeito universalizaram uma sucessatildeo de

incongruecircncias ldquocientiacuteficas semacircnticas farmacoloacutegicas e legaisrdquo que geraram uma confusatildeo

generalizada de terminologias e conceitos no que concerne agraves drogas naturais e sinteacuteticas

bem como questotildees subjetivas acerca de haacutebitos e viacutecios de drogas Essas listas taxionocircmicas

demonstraram ser imprecisas ao definir os conceitos de ldquodroga narcoacutetico entorpecentes

psicotroacutepicos e viacuteciordquo mas natildeo eram desprovidas de sentido poliacutetico e econocircmico

A emergecircncia do discurso proibicionista de combate ao traacutefico de drogas iliacutecitas se

apresenta como um novo pretexto para conservar a subalternidade da Ameacuterica Latina e de

32

O protocolo modificador da Convenccedilatildeo cujo objetivo era ampliaacute-la e aperfeiccediloaacute-la foi assinado em Genebra

em 25 de marccedilo de 1972 33

O primeiro pais andino a promulgar leis especiais sobre drogas em resposta agraves propostas da Convenccedilatildeo Uacutenica

foi o Equador em 1970 com a instituiccedilatildeo da lei nordm 366 de Controle e Fiscalizaccedilatildeo do Traacutefico de

Estupefacientes e Substacircncias Psicotroacutepicas o Peru foi o segundo paiacutes andino em 1972 com a promulgaccedilatildeo

da lei nordm 19505 a Boliacutevia veio em seguida com o decreto nordm 11245 a Lei Nacional de Controle de

Substacircncias Perigosas depois veio a Colocircmbia com a aprovaccedilatildeo da Lei Sobre Entorpecentes no ano de 1974

(DEL OLMO 1990 p 44)

61

outros paiacuteses subdesenvolvidos do hemisfeacuterio sul e submetecirc-los agrave loacutegica poliacutetica econocircmica e

militar das grandes potecircncias mundiais principalmente dos Estados Unidos A Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes pretendeu criar um controle rigoroso sobre as drogas de origem

natural e a mateacuteria prima de vaacuterias outras drogas consideradas iliacutecitas o que incluiu a folha de

coca A pressatildeo para inclusatildeo da folha de coca na lista de restriccedilotildees ganhou forccedila apoacutes as

investigaccedilotildees da CND - Commission on Narcotic Drugs - na Boliacutevia e no Peru sobre a folha

de coca e a sua mastigaccedilatildeo bem como estudos sobre a limitaccedilatildeo da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de

cocaiacutena

No que tange agrave erradicaccedilatildeo da coca o item 2 do Artigo 26 da convenccedilatildeo prevecirc ldquoNa

medida do possiacutevel as Partes seratildeo obrigadas a arrancar as raiacutezes de todos os arbustos de coca

que crescem em estado silvestre e destruiratildeo os cultivados ilicitamenterdquo (UNITED

NATIONS 1972 p 14 traduccedilatildeo nossa) A letra ldquoerdquo do item 2 do Artigo 49 determina que ldquoa

mastigaccedilatildeo da folha de coca ficaraacute proibida dentro dos 25 anos seguintes a partir da entrada

em vigor da presente convenccedilatildeordquo (UNITED NATIONS 1972 p 24 traduccedilatildeo nossa) Para

Boville (2004)

Previsivelmente esses objetivos seriamente prejudicados a mentalidade

etnocecircntrica do tempo e a metodologia natildeo-cientiacutefica resultaram em um Relatoacuterio

que requeria a obliteraccedilatildeo completa das colheitas de folha de coca ateacute mesmo para o

consumidor tradicional que natildeo estava produzindo cocaiacutena As conclusotildees do estudo

foram adotadas pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) Suas decisotildees de 1952

e 1953 bem como as do Comitecirc de Peritos em Dependecircncia de Drogas foram

contra a folha de coca porque era lsquoviciantersquo Pouco tempo depois a Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes (1961) destacou a folha de coca tradicional como um

produto a ser erradicado dentro de 25 anos comeccedilando em 1964 Este eacute um

paradoxo pois a mesma Convenccedilatildeo abriu uma exceccedilatildeo para usos industriais de coca

sem cocaiacutena como o condimento na Coca-Cola atribuindo assim o uso legal e um

monopoacutelio mundial da folha de coca para a empresa multinacional dos Estados

Unidos atraveacutes do artigo 27 (BOVILLE 2004 p28 traduccedilatildeo nossa)

A proibiccedilatildeo da coca e sua erradicaccedilatildeo fizeram emergir a divergecircncia entre os Estados

Unidos e os paiacuteses andinos especialmente Boliacutevia e Peru O informe elaborado pela

Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

(ECOSOC) concluiu que a mastigaccedilatildeo de coca provocava efeitos negativos mas natildeo tinham

certeza de que poderia ser considerada uma toxicomania no entanto o Comitecirc de

Especialistas em Farmacodependecircncia da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) ldquoretirou este

argumento e classificou o consumo de coca como uma forma de cocainismordquo

(TRANSNATIONAL INSTITUTE 2011 traduccedilatildeo nossa) O informe da ECOSOC sofreu

criacuteticas severas sobre a sua arbitrariedade falhas na metodologia e imprecisatildeo mas

principalmente pelo seu caraacuteter racista O etnocentrismo ocidentalista conforme destacado

62

anteriormente por Belen Boville natildeo reconhecia os costumes e haacutebitos de culturas e

sociedades tradicionais dos Andes

A proibiccedilatildeo da mastigaccedilatildeo e cultivo da folha de coca fez com que Boliacutevia e Peru

rejeitassem os artigos que previam estas sanccedilotildees O primeiro paiacutes34

natildeo assinou de imediato a

convenccedilatildeo de 1961 e o segundo assinou no mesmo ano com ressalva aos artigos sobre a coca

mas soacute ratificou em 22 de julho de 1964 quando o governo peruano retirou a restriccedilatildeo

aderindo completamente agrave convenccedilatildeo (UNITED NATIONS 1961 UNITED NATIONS

1972) O governo boliviano de Victor Paz Estenssoro (1960-1964) inicialmente natildeo fez

comentaacuterios adicionais sobre os artigos os quais estabeleciam a erradicaccedilatildeo dos cultivos e

consumos de coca em vinte e cinco anos pois acreditava que o acullico35

era um ldquoatraso

culturalrdquo e com avanccedilo da modernizaccedilatildeo seria extinto Apesar de natildeo haver aderido agrave referida

convenccedilatildeo o presidente Entenssoro assinou com os EUA o Primeiro Convecircnio Antidrogas

entre os dois paiacuteses ldquopelo qual a Boliacutevia se comprometia a erradicar os cultivos excedentes de

folha de coca assentados tanto na regiatildeo dos Yungas de La Paz como na regiatildeo do Chapare

Tropical em Cochabambardquo (ZAMORA 1999 p 121) A Boliacutevia terminou o seu processo de

adesatildeo agrave Convenccedilatildeo Uacutenica a qual tipificava a folha de coca como droga iliacutecita em 13 de

junho de 1979 com a assinatura do Decreto Lei 16562 no governo do presidente Gen David

Padilla sob pressatildeo internacional que exigia normas nacionais mais riacutegidas contra as drogas

(LASERNA 2011)

Os anos 1960 representavam o comeccedilo de uma escalada do consumo de drogas e o

traacutefico emerge como empresa transgressora da lei Nos EUA em meados desta deacutecada ateacute os

anos de 1990 o consumo de drogas como heroiacutena cocaiacutena maconha LSD e crack se

massificou (DEL OLMO 1990) Segundo Thiago Rodrigues (2003) as substacircncias

psicoativas mais usadas nos anos 1960 eram a mescalina o LSD e a maconha esta uacuteltima

considerada droga-siacutembolo do movimento de transformaccedilatildeo cultural que ficou conhecido

como contracultura (dentro desta nomenclatura eram agrupados movimentos como o power

flower e o hippie) A disseminaccedilatildeo do uso de drogas na sociedade estadunidense era vista com

perplexidade aleacutem da sua extensatildeo o consumo natildeo era exclusivo dos guetos urbanos e nem

dos negros e ldquolatinosrdquo dos pobres e delinquentes mas tambeacutem eram consumidores jovens

34

A Boliacutevia assinou a Convenccedilatildeo sobre Substacircncias Psicotroacutepicas de Viena em 1971 e a ratificou em 20 de

marccedilo de 1985 (UNITED NATIONS 1971) 35

A palavra acullico (tambeacutem conhecida como acuyico acusi pjcheo ou mascada) deriva da liacutengua queacutechua

akullikui que significa a accedilatildeo de mascar a bola feita de folha de coca com intuito de reduzir os efeitos

provocados pela falta de oxigecircnio em grandes altitudes e tambeacutem atenuar a sede e a fome

63

brancos das camadas meacutedias da sociedade norte-americana Este periacuteodo marcado pela

ldquocontestaccedilatildeo dos padrotildees moraisrdquo impulsionada pela contracultura levou a uma reformulaccedilatildeo

das leis de drogas e do instrumento repressivo estatal no paiacutes36

(RODRIGUES 2003 p 40)

As pressotildees poliacuteticas sobre o problema das drogas ainda estavam atreladas agrave moral

meacutedico-religiosa representada pela luta entre o ldquobemrdquo e o ldquomalrdquo entre ldquosauacutederdquo e ldquodoenccedilardquo

Esta ldquodemonizaccedilatildeordquo das substacircncias psicoativas se arrasta desde o iniacutecio do movimento

proibicionista na primeira metade do seacuteculo XX O discurso juriacutedico sobre drogas que

ganhou forccedila nos anos de 1950 com a Lei Boggs e a Lei de Controle de Narcoacuteticos37

colaboraram para a construccedilatildeo de estereoacutetipos criminoloacutegicos racistas principalmente em

relaccedilatildeo ao pequeno traficante o revendedor de rua que seria identificado ldquodelinquenterdquo e

ldquocorruptorrdquo da juventude de ldquoboa famiacuteliardquo esta por sua vez seria tratada como ldquodoenterdquo e

viacutetima

[] Este indiviacuteduo geralmente provinha dos guetos razatildeo pela qual era faacutecil

qualificaacute-lo de lsquodelinquentersquo O consumidor em troca como era de condiccedilatildeo social

distinta seria qualificado de lsquodoentersquo graccedilas agrave difusatildeo do estereoacutetipo da

dependecircncia de acordo com o discurso meacutedico que apresentava o jaacute bem

consolidado modelo meacutedico-sanitaacuterio

Deste modo pode-se afirmar que na deacutecada de sessenta se observa um duplo

discurso sobre a droga que pode ser chamado de discurso meacutedico-juriacutedico por

tratar-se de um hiacutebrido dos modelos predominantes (o modelo meacutedico-sanitaacuterio e o

modelo eacutetico-juriacutedico) o qual serviria para estabelecer a ideologia da diferenciaccedilatildeo

tatildeo necessaacuteria para poder distinguir entre consumidor e traficante Quer dizer

entre doente e delinquente (DEL OLMO 1990 p 34 grifos da autora)

As campanhas de ldquolei e ordemrdquo foram ressaltadas no final da deacutecada de 1960 agraves

veacutesperas das eleiccedilotildees presidenciais quando diversas accedilotildees antidrogas foram empreendidas

como a criaccedilatildeo de novos escritoacuterios governamentais de controle de entorpecentes sendo o de

maior destaque o Bureau of Narcotics and Dangerous Drug (BNDD) que fazia parte do

36

De acordo com Thiago Rodrigues (2003) ldquoA eacutepoca das reformas no aparato repressivo estatal comeccedilou com a

criaccedilatildeo do Bureau of Drug Abuse Control (Escritoacuterio para Controle do Abuso de Drogas) em 1966 e que dois

anos depois foi fundido ao antigo FBN (Federal Bureau of Narctics) criando o Bureau of Narcotics and

Dangerous Drug (BNDD) ndash Escritoacuterio sobre Narcoacuteticos e Drogas Perigosas A agecircncia que chegou a contar

com cerca de 1300 funcionaacuterios representou um aumento na centralizaccedilatildeo das iniciativas de aplicaccedilatildeo das leis

antidrogas nos EUA e a permanecircncia da praacutetica de se construir alvo do proibicionismo por meio da aglutinaccedilatildeo

um tanto arbitraacuteria das substacircncias psicoativas ilegais em classificaccedilotildees geneacutericas e pouco precisas como

atesta o tendencioso nome atribuiacutedo ao escritoacuteriordquo (RODRIGUES 2003 p 40-41) 37

Nos EUA durante a deacutecada de 1950 foram aprovadas duas leis que imprimiram maior rigidez agrave luta

antidrogas em 1951 o Boggs Act e em 1956 o Narcotics Control Act Ambas aumentaram as sanccedilotildees para

traficantes que variavam de cinco a noventa e nove anos e pena de morte para traficantes que vendessem

entorpecentes para menores de idade A maconha passou a ser considerada tatildeo perigosa quanto a heroiacutena pois

a primeira seria porta de entrada para a segunda Os redatores e defensores da Lei Boggs defenderam a tese do

ldquostepping-stonerdquo ou seja uma droga mais fraca seria um degrau ou um trampolim para uma droga mais pesada

(SCHAFFER LIBRARY OF DRUG POLICY [20--])

64

Departamento de justiccedila A busca irrefreaacutevel para impor a todo custo a ldquolei e a ordemrdquo

corroborou para a construccedilatildeo do estereoacutetipo criminoloacutegico do traficante e a criminalizaccedilatildeo

das drogas Com a eleiccedilatildeo do presidente Richard M Nixon (1969-1974) as drogas se

transformariam em inimigo interno momento este em que ocorre a transiccedilatildeo do discurso

meacutedico-juriacutedico38

para o discurso securitaacuterio

O limiar da famigerada War on Drugs (guerra agraves drogas) aconteceu nas eleiccedilotildees dos

presidenciaacuteveis norte-americanos em 1968 quando a campanha de Nixon acentuou a

necessidade de restaurar a ldquolaw and orderrdquo nos EUA que incluiacutea a repressatildeo aos narcoacuteticos

A retoacuterica antidroga de Richard Nixon ficou marcada em um discurso proferido no mesmo

ano em Anaheim Califoacuternia o qual abordou de forma comovente e inexoraacutevel as drogas

ilegais como ldquouma maldiccedilatildeo moderna da juventude americanardquo e prometeu ldquotomar medidas

executivas necessaacuterias para tornar as nossas fronteiras mais seguras contra a pestilecircncia dos

narcoacuteticosrdquo (CARPENTER 2003 p 11 traduccedilatildeo nossa)

O combate agraves drogas na Ameacuterica Latina ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo

Nixon No mesmo ano de sua posse foi colocado em curso a Operation Intercept em 21 de

setembro de 1969 que consistia numa accedilatildeo de vigilacircncia ao longo da fronteira entre EUA e

Meacutexico com objetivo de impedir entrada de ldquodrogas perigosasrdquo (principalmente a heroiacutena e a

maconha esta uacuteltima com maior ecircnfase) em territoacuterios norte-americanos aleacutem disso foi uma

forma encontrada pelo governo estadunidense para pressionar o presidente mexicano Gustavo

Diaz Ordaz a realizar operaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ndash principalmente no que tange agrave monitoraccedilatildeo

de campos de maconha e papoula em territoacuterios mexicanos realizada por agentes

estadunidenses ndash e a aderir agrave poliacutetica de luta contra as drogas dos EUA Com a Operation

Intercept a administraccedilatildeo norte-americana acreditava que reduziria o volume de narcoacuteticos

contrabandeados para os EUA conforme afirmaram o secretaacuterio do tesouro David M

Kennedy e o procurador-geral John N Mitchell ndash ambos faziam parte do comando da Forccedila-

Tarefa presidencial contra as drogas ndash a supressatildeo do fluxo de maconha advinda do Meacutexico

que representaria segundo eles oitenta por cento da maconha fumada nos EUA conseguiria

reduzir expressivamente o uso desta substacircncia (BRECHER et al 1972)

Todavia a crenccedila oficial na vitoacuteria contra as drogas caiu por terra A interceptaccedilatildeo dos

fluxos de maconha e sua erradicaccedilatildeo no Meacutexico ocasionaram uma escassez temporaacuteria desta

38

O discurso meacutedico-juriacutedico influenciou inuacutemeras legislaccedilotildees nacionais nesse contexto na Colocircmbia por

exemplo foi sancionado o decreto 1136 em 1970 ldquopelo qual se dispotildee como medida de proteccedilatildeo social lsquoa

reclusatildeo cliacutenica da pessoa que perturbe a paz puacuteblica quando se achar em estado de intoxicaccedilatildeorsquordquo (DEL

OLMO 1990 p 37)

65

substacircncia o que levou agrave procura da maconha vietnamita que era altamente potente Grandes

quantidades foram transportadas por militares norte-americanos que retornavam da guerra do

Vietnatilde e o nuacutemero de plantaccedilotildees clandestinas de cannabis apresentou crescimento Outro

efeito adverso dessa operaccedilatildeo foi a importaccedilatildeo em larga escala de haxixe advindo do norte da

Aacutefrica e do Oriente Meacutedio Aleacutem disso conforme salienta Del Olmo

Esta operaccedilatildeo sem duacutevida resultou num fracasso natildeo soacute porque abriu caminho para

a produccedilatildeo de maconha na Jamaica e posteriormente na Colocircmbia mas tambeacutem

porque levou milhares de dependentes dentro dos Estados Unidos a consumirem

outras drogas em especial a heroiacutena criando assim a chamada lsquoepidemia da

heroiacutenarsquo no final da deacutecada e sobretudo no iniacutecio dos anos setenta (DEL OLMO

1990 p 36)

Mesmo com o fracasso da Operation Intercept nos anos de 1970 o presidente

Richard Nixon fortificou a sua campanha de combate agraves drogas No comeccedilo da deacutecada o

congresso estadunidense aprovou o Drug Abuse Prevention and Control Act o qual aleacutem de

indicar o tratamento e a medicalizaccedilatildeo do usuaacuterio transladou para a esfera domeacutestica as

resoluccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 cuja seccedilatildeo segunda estabelecia o poder de regulaccedilatildeo

do comeacutercio interestadual ao Congresso e aplicava uma hierarquizaccedilatildeo das drogas conforme a

sua periculosidade nos mesmos moldes das Naccedilotildees Unidas

Dessa maneira tal seccedilatildeo conhecida como Controlled Substances Act (CSA)

hierarquizava as drogas segundo seu potencial para promoccedilatildeo de dependecircncia fiacutesica

e psiacutequica entendendo que sendo lsquoevidente que o uso (dessas substacircncias) cria o

prejuiacutezo agrave sauacutede ou agrave seguranccedila da comunidade (era preciso impedir) a proliferaccedilatildeo

dos canais de venda de drogas bem como o consumo de drogas sem conselho

meacutedicorsquo (RODRIGUES 2004 pp 78-79)

A intensificaccedilatildeo do regime internacional proibicionista acompanhou pari passu o

enrijecimento das poliacuteticas de drogas estadunidenses na deacutecada de 1970 O Convecircnio sobre

Substacircncias Psicotroacutepicas depois de muitas divergecircncias39

foi assinado em Viena em 21 de

fevereiro de 1971 e entrou em vigecircncia em 16 de Agosto de 1976 O objetivo perseguido por

este convecircnio era o controle e prevenccedilatildeo do uso abusivo de substacircncias psicotroacutepicas o

traacutefico iliacutecito e a circunscriccedilatildeo destas substacircncias unicamente para fins medicinais e

cientiacuteficos conforme as determinaccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 Este convecircnio assinado

multilateralmente foi uma resposta agrave diversificaccedilatildeo e expansatildeo principalmente das drogas

39

A Conferecircncia de Viena foi marcada pela divisatildeo entre a coalizatildeo dos paiacuteses que defendiam o ldquostrict controlrdquo

(os paiacuteses escandinavos e o bloco sovieacutetico) e o ldquogrupo de irreconciliaacuteveisrdquo (Alemanha Ocidental Suiccedila

Holanda Beacutelgica Aacuteustria e Dinamarca) Os Estados Unidos nesse momento procurava uma posiccedilatildeo

intermediaacuteria para conseguir garantir o equiliacutebrio entre os interesses econocircmicos sociais juriacutedicos

administrativos e cientiacuteficos (MCALLISTER 2000) Segundo Antonio Escohotado (2008) esse convecircnio eacute

chamado de ldquoacordo farmacraacutetico Leste-Oesterdquo uma vez que muitos paiacuteses do bloco sovieacutetico tambeacutem

possuiacuteam grande nuacutemero de induacutestrias farmacecircuticas Repuacuteblica Democraacutetica da Alemanha Hungria Uniatildeo

Sovieacutetica esta uacuteltima contava com uma ampla cadeia produtiva que contava com a colaboraccedilatildeo da Polocircnia

Tchecoslovaacutequia e Hungria

66

sinteacuteticas o qual recomendou que a comissatildeo de entorpecentes da ECOSOC e a JIFE

exercessem as funccedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e controle dos psicotroacutepicos A Organizaccedilatildeo Mundial

da Sauacutede (OMS) de acordo com as avaliaccedilotildees meacutedicas e cientiacuteficas ficou encarregada de

indexar as substacircncias a serem proibidas nas listas de classificaccedilatildeo das drogas da ONU O

convecircnio foi uma reaccedilatildeo ao crescimento do consumo recreativo de drogas sinteacuteticas40

sobretudo nos EUA e na Europa Ocidental prevendo normas para autorizaccedilatildeo de licenccedilas de

produccedilatildeo regulaccedilotildees para prescriccedilotildees meacutedicas e para o comeacutercio internacional de

psicotroacutepicos bem como meios de estreitar a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e as organizaccedilotildees

internacionais para coordenar a luta contra o traacutefico iliacutecito de substacircncias psicotroacutepicas

(UNITED NATIONS 1971)

Em julho de 1971 apoacutes os relatos de abuso de drogas realizado por soldados do

exeacutercito norte-americano o presidente Nixon enviou ao Congresso a Special Message to the

Congress o n Drug Abuse Prevention and Control na qual reconhecia os esforccedilos e fazia

criacuteticas agraves limitaccedilotildees das poliacuteticas e leis antidrogas existentes nos EUA pois para Nixon era

necessaacuterio ldquoaumentar nossos esforccedilos para apertar ainda mais o laccedilo ao redor do pescoccedilo dos

traficantes de drogasrdquo e assim propor ldquomedidas adicionais para atacar o lado da lsquoofertarsquo da

equaccedilatildeo de drogas ndash para deter o traacutefico de drogas atacando os produtores ilegais de drogas o

cultivo dessas plantas a partir das quais as drogas satildeo derivadas e o traacutefico destas drogas para

aleacutem das nossas fronteirasrdquo (NIXON 1971 traduccedilatildeo nossa) Com o direcionamento do foco

do combate agraves drogas para o ldquolado da ofertardquo ou seja os ldquopaiacuteses produtoresrdquo o documento

apresentava as primeiras metaacuteforas beacutelicas para tratar as questotildees das drogas tais como

ldquotravar uma guerra eficaz contra o viacutecio em heroiacutenardquo e ldquonoacutes lutaremos juntos na guerrardquo

contra os ldquonarcoacuteticosrdquo e as ldquodrogas perigosasrdquo O belicismo metafoacuterico natildeo se restringiu ao

documento numa conferecircncia de imprensa um dia apoacutes a mensagem dirigida ao Congresso

40

As induacutestrias farmacecircuticas que fabricavam psicotroacutepicos principalmente alematildes e japonesas ofereciam

inuacutemeros argumentos anticontrole para contrapor as restriccedilotildees impostas por este Convecircnio sobre os seus

produtos alegavam que essas substacircncias natildeo possuiacuteam propriedades para criar ldquoviacuteciordquo porque eram

produzidas com recursos modernos e cientiacuteficos e com base na Convenccedilatildeo Uacutenica afirmavam que o tratado

coibia sobretudo o comeacutercio de opiaacuteceos de produtos derivados da coca e da maconha bem como

substacircncias as quais produziam efeitos semelhantes ao dessas drogas Portanto os seus produtos natildeo podiam

ser regulados por nenhum dos acordos multilaterais existentes uma vez que eles produziam efeitos sem

qualquer semelhanccedila com narcoacuteticos Entretanto em meados da deacutecada de 1960 tais afirmaccedilotildees foram

refutadas Pesquisas realizadas com psicotroacutepicos apontaram que essas substacircncias causam um viacutecio que

diferia pouco daqueles produzidos por narcoacuteticos (por exemplo a cocaiacutena e o cacircnhamo ambos estavam

enquadrados desde a Convenccedilatildeo Uacutenica como drogas narcoacuteticas) a OMS publicou um estudo que indicava que

certos tipos de anfetamina apresentavam algumas caracteriacutesticas similares as encontradas na cocaiacutena bem

como existiam produtos psicotroacutepicos alucinoacutegenos que causavam efeitos anaacutelogos aos provocados pela

cannabis No final da deacutecada de 1960 surgiram pressotildees para restringir as drogas psicotroacutepicas e muitos

governos principalmente dos paiacuteses escandinavos e os do bloco sovieacutetico comeccedilaram a instituir medidas

nacionais para controlar o seu acesso (MCALLISTER 2000 pp 226-228)

67

Richard Nixon declarou que o abuso de droga era o ldquoinimigo puacuteblico nuacutemero umrdquo dos EUA e

em 1972 o presidente ldquoveio a puacuteblico anunciar que lsquoas drogasrsquo eram uma ameaccedila agrave sociedade

estadunidense e que para combatecirc-las era necessaacuterio declarar uma lsquoguerra agraves drogasrsquo (lsquowar

on drugsrsquo)rdquo (RODRIGUES 2012 p 16)

A partir de entatildeo o endurecimento das leis antidrogas era uma das formas mais

repressivas para a reduccedilatildeo da criminalidade que era associada ao uso e traacutefico de drogas De

acordo com Del Olmo (1990) as primeiras medidas dos EUA no acircmbito domeacutestico estavam

relacionadas ao discurso juriacutedico e implementavam um conjunto de leis proibicionistas o

Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act o Controlled Substances Act o

Racketeer Influenced and Corrupt Organization Statute e o Continuing Criminal Enterprise

Statute O traacutefico de drogas passou a ser considerado o uacutenico crime de niacutevel federal de modo

que essas leis permitiram maior regulaccedilatildeo interna do comeacutercio de drogas No ano de 1973 foi

criado o escritoacuterio federal para questotildees das drogas Drug Enforcement Agency cujo nome foi

alterado para Drug Enforcement Administration (DEA) o qual foi resultado da proposta de

unificaccedilatildeo e centralizaccedilatildeo das forccedilas federais em um uacutenico oacutergatildeo ligado ao Departamento de

Justiccedila dessa forma passaria a ser o centro de comando autocircnomo e com poder de poliacutecia

responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e execuccedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e perquisiccedilatildeo referentes ao

combate agraves drogas iliacutecitas bem como fazer cumprir as leis e regulamentos antidrogas e

reduzir nacional e internacionalmente a disponibilidade de substacircncias iliacutecitas Sendo assim a

DEA se tornou o principal instrumento de intervenccedilotildees contra o traacutefico de drogas iliacutecitas fora

dos limites das fronteiras norte-americanas (DEL OLMO 1990 ARBEX 1993

RODRIGUES 2004)

Desde a sua fundaccedilatildeo a DEA passou por um processo de incremento contiacutenuo de seu

quadro de funcionaacuterios especializados e de ampliaccedilatildeo de sua receita contribuindo dessa

forma para a expansatildeo de suas atividades no exterior

No decorrer das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo passado a DEA ampliou

significativamente a sua aacuterea de atuaccedilatildeo internacional No ano de 2002 ela estava presente em

vinte quatro paiacuteses com cerca de trinta e oito escritoacuterios Atualmente o oacutergatildeo antidroga conta

com oitenta e seis escritoacuterios em sessenta e sete paiacuteses41

No ano de 1996 o Congresso

41

A Boliacutevia cessou as atividades da DEA em novembro de 2008 quando Evo Morales acusou os funcionaacuterios da

agecircncia norte-americana de espionagem e financiamento de grupos de oposiccedilatildeo

68

destinou cerca de US$ 60 milhotildees de doacutelares para expansatildeo das investigaccedilotildees da DEA e no

ano de 2004 foram destinados US$ 104 milhotildees (DEA [20--] YOUNGERS ROSIN 2005a)

Poucos anos depois da sua fundaccedilatildeo a DEA estava fortemente presente na Ameacuterica

Latina para efetuar investigaccedilotildees e colaborar com seus pares locais objetivando deter

traficantes e impedir a chegada de mercadorias iliacutecitas nos EUA A presenccedila desse oacutergatildeo

estadunidense em paiacuteses latino-americanos nos anos 1970 consoante com autoritarismo

militar no continente levou a inuacutemeras denuacutencias de envolvimento de seus agentes em

detenccedilotildees participaccedilatildeo em interrogatoacuterios e ateacute mesmo em torturas a traficantes Tais

denuacutencias fizeram com que o Congresso norte-americano aprovasse a emenda Mansfield em

1976 proibindo os ldquoagentes da DEA de participarem de detenccedilotildees praticarem a vigilacircncia

eletrocircnica ou estarem presentes durante operaccedilotildees policiais no estrangeiro a menos que

tenham sido autorizados pelo embaixadorrdquo (NEILD 2005 pp 101-102 traduccedilatildeo nossa)

Em 9 de agosto 1974 Richard Nixon renunciou ao cargo de presidente apoacutes ser

acusado de envolvimento no Caso Watergate Os dois sucessores de Nixon Gerald Ford

(1974-1977) e Jimmy Carter (1977-1981) natildeo foram tatildeo impetuosos na cruzada contra as

drogas como fora seu antecessor Conforme observa Carpenter (2003 p16) o presidente Ford

natildeo seguiu agrave risca a poliacutetica antidrogas de Nixon O secretaacuterio antidrogas da Casa Branca

Robert DuPont defendeu abertamente a descriminalizaccedilatildeo da maconha e o proacuteprio Ford

procurou distinguir os traficantes de ldquodrogas pesadasrdquo daqueles que traficavam maconha Em

1976 Gerald Ford enviou ao Congresso uma lei que impunha penas de prisatildeo obrigatoacuteria para

condenados por traacutefico de ldquodrogas pesadasrdquo ndash ldquoalguns dos criminosos mais crueacuteis do mundordquo

ndash acreditava ele que o endurecimento das penas poderia ganhar a guerra contra as drogas

(FORD 1976) O presidente Ford tambeacutem se reuniu com governos do Meacutexico Turquia e

Colocircmbia para garantir a cooperaccedilatildeo internacional entre estes paiacuteses no combate agraves drogas42

Del Olmo (1990) identifica que a partir de 1976 a preocupaccedilatildeo com a cocaiacutena e o

temor de uma nova ldquoepidemiardquo comeccedilava a ganhar relevo dentro dos EUA A difusatildeo da

cocaiacutena nesse periacuteodo estava relacionada ao estereoacutetipo cultural da eacutepoca Esta droga antes

condenada passou a ser associada ao sucesso Tornou-se um ldquosiacutembolo de ecircxitordquo

42

Em 1976 como resultado de esforccedilos do governo Ford para cooperaccedilatildeo internacional contra as drogas o

secretaacuterio de Estado Henry Kissinger firmou um acordo de cooperaccedilatildeo antidrogas com o presidente boliviano

Gal Hugo Banzer intitulado Declaracioacuten Conjunta Sobre Cooperacioacuten Contra el Traacutefico de Cocaiacutena

69

[] todos os que estavam em evidecircncia a consumiam Ao mesmo tempo surgia

maciccedilamente a induacutestria da lsquoparafernaacuteliarsquo da cocaiacutena anunciando nos diversos

meios de comunicaccedilatildeo tipos de coleirinhas cigarros balanccedilas etc para facilitar seu

consumo (como havia ocorrido dez anos antes com a maconha) Tudo isto contribuiu

para aumentar a demanda a qual por sua vez estimulou a produccedilatildeo e a organizaccedilatildeo

do mercado (DEL OLMO 1990 p 48)

O consumo de cocaiacutena se tornou popular na eacutepoca fazendo com que o seu mercado se

ampliasse nos EUA Ela comeccedilou a substituir as anfetaminas e o seu comeacutercio no varejo era

basicamente feito por pessoas que distribuiacuteam pequenas quantidades entre conhecidos

Boville (2004) sustenta que os liacutederes da poliacutetica de drogas estadunidenses agiram com

lentidatildeo para responder agrave disseminaccedilatildeo da cocaiacutena com os olhares direcionados para as

chamadas ldquodrogas de protestordquo ndash maconha e LSD ndash natildeo se atentaram agrave entrada de toneladas

de cocaiacutena no paiacutes via Cuba A autora lembra que o crescente consumo de cocaiacutena estava

intrinsecamente ligado agraves mudanccedilas ocorridas na sociedade norte-americana permitindo que

valores atrelados agrave ldquofebre do trabalhordquo tais como a valorizaccedilatildeo da ldquocompetitividade

velocidade e produtividaderdquo sobrepusessem a ldquosolidariedade tradiccedilatildeo e famiacuteliardquo Desse

modo corroborou para criar condiccedilotildees favoraacuteveis para o crescimento do mercado da cocaiacutena

A induacutestria da cocaiacutena cresceu nesse contexto na regiatildeo andina cuja comercializaccedilatildeo nos

EUA era formada por uma extensa rede envolvendo colombianos grupos de cubanos

exilados e norte-americanos que contavam com ldquoexcelentes contatos do governo com as

forccedilas armadas e autoridades de vaacuterios paiacuteses latino-americanosrdquo fazendo com que

organizassem um ldquoanel de contrabando de cocaiacutenardquo com sede em Miami (BOVILLE 2004 p

49 traduccedilatildeo nossa)

Carpenter destaca que o governo Jimmy Carter deu menos ecircnfase agrave questatildeo das drogas

do que Ford e foi considerado por seus proacuteprios funcionaacuterios como um presidente sem

compromisso na luta contra as drogas Durante a sua administraccedilatildeo ocorreram polecircmicas

sobre funcionaacuterios da Casa Branca que usavam maconha e cocaiacutena Um pouco antes de esses

casos virem agrave tona Carter tinha pronunciado diante do Congresso que as ldquosanccedilotildees contra a

posse de uma droga natildeo deve ser mais prejudicial a um indiviacuteduo do que o uso da droga em

sirdquo No entanto as sutis mudanccedilas na retoacuterica escamoteavam os alicerces da poliacutetica de drogas

estabelecidas no governo Nixon (CARPENTER 2003 p 16)

No ano de 1977 a Secretaria Geral das Naccedilotildees Unidas convocou os seus membros a

participarem da Conferecircncia Internacional sobre o Abuso de Drogas e Traacutefico Iliacutecito cujo

objetivo era reexaminar o documento The Comprehensive Multidisciplinary Outline of Future

Activities in Drug Abuse Control trata-se de um repertoacuterio de recomendaccedilotildees dirigidas aos

70

governos e agraves diferentes organizaccedilotildees que prescreve medidas praacuteticas para reprimir o traacutefico

de drogas e impedir o abuso de drogas Seria mais um manual com sugestotildees de medidas

posto unilateralmente para suprimir o traacutefico de drogas nas instacircncias nacionais regionais e

internacionais em vez de um instrumento juriacutedico de cunho multilateral

ldquoGuerras agraves drogasrdquo e a emergecircncia do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

A chegada de Ronald Reagan agrave presidecircncia dos EUA apoiado por grupos

fundamentalistas e (neo)conservadores eacute marcada por uma inflexatildeo abrupta natildeo apenas na

poliacutetica de drogas mas em toda poliacutetica externa norte-americana o que a tornou conhecida

como Doutrina Reagan Para Walter LaFeber (1994) a Doutrina Reagan era um arcabouccedilo de

concepccedilotildees que balizavam a poliacutetica externa e a diplomacia militar estadunidense no contexto

da Guerra Fria e estava alicerccedilado em quatro pilares centrais ldquoa extensatildeo dos poderes

presidenciais de Reagan o anticomunismo a diferenciaccedilatildeo entre Autoritarismo e

Totalitarismo e a militarizaccedilatildeo da poliacutetica e economiardquo (LAFEBER 1994 apud SILVA 2013

p2) Sobre esse ponto de inflexatildeo na poliacutetica contra as drogas estadunidense a qual se

encontrava sob a eacutegide da poliacutetica externa desse paiacutes Del Olmo (2002) aponta que

Nessa linha dura a transformaccedilatildeo mais importante do lsquobem juriacutedicorsquo frente agrave drogas

se evidencia no comeccedilo da deacutecada de 80 quando a administraccedilatildeo Reagan considera

o fenocircmeno das drogas em termos de seguranccedila nacional o que legitimaria a

declaraccedilatildeo de lsquoguerra agraves drogasrsquo e a percepccedilatildeo do traacutefico como inimigo econocircmico e

da guerrilha eou terrorismo como inimigo poliacutetico e a difusatildeo atraveacutes dos meios de

massas do discurso beacutelico na referecircncia ao tema Ao mesmo tempo seriam

estabelecidas duas especificidades a droga prioritaacuteria seria a cocaiacutena qualificada

como ameaccedila e o principal campo de batalha dessa lsquoguerrarsquo seria a regiatildeo andina

[] com a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas nacionais e eventualmente o Pentaacutegono

[] (DEL OLMO 2002 p 66)

A Doutrina Reagan Antidrogas teve seu iniacutecio em outubro de 1982 quando o

presidente em seu programa semanal de raacutedio anunciou a campanha contra todas as drogas

sejam elas ldquolevesrdquo ou ldquopesadasrdquo O republicano ao explicar a sua campanha contra as drogas

proferiu em seu discurso metaacuteforas militares como ldquoguerrardquo ldquobatalhardquo e ldquorendiccedilatildeordquo No final

de seu discurso prometeu que venceria a guerra agraves drogas (NUNN 2002) Kenneth B Nunn

(2002) ressalta que a administraccedilatildeo Reagan se valeu de campanhas de relaccedilotildees puacuteblicas para

projetar e incutir ideias com intuito de mudar a percepccedilatildeo puacuteblica sobre o uso de drogas

representando as drogas ilegais como ameaccedila43

e ldquoa peccedila central dessa campanha de relaccedilotildees

puacuteblicas foi uma nova estrateacutegia retoacuterica que procurou demonizar as drogas e banir os

43

No ano de 1982 foi aprovada a Defense Autorization Act a qual autoriza a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas no

combate agraves drogas

71

usuaacuterios de drogasrdquo (NUNN 2002 p 387 traduccedilatildeo nossa) A ldquolinha durardquo do combate aos

psicoativos iliacutecitos no acircmbito domeacutestico se efetivou por meio da ldquoreduccedilatildeo da demandardquo com

educaccedilatildeo puacuteblica e tratamentos cliacutenicos e atraveacutes da ldquoreduccedilatildeo da ofertardquo com interdiccedilotildees

apreensotildees e repressotildees criminais No que concerne agrave repressatildeo criminal Escohotado (2008)

acentua que no ano de 1985 ldquoo nuacutemero de prisotildees relacionadas agraves drogas da Lista I superou as

800000 pessoas e em 1986 atingiu um milhatildeordquo44

(ESCOHOTADO 2008 p 1076)

Essa percepccedilatildeo da droga como ameaccedila nortearia doravante a estrateacutegia dos EUA de

intervenccedilotildees no que tange agraves drogas no cenaacuterio internacional com reverberaccedilotildees na

constituiccedilatildeo das poliacuteticas e leis nacionais O modelo de guerra agraves drogas de Reagan permitiu

medidas severas e hostis para atacar o ldquoproblema das drogasrdquo e desmantelar redes de

distribuiccedilatildeo e traacutefico de drogas na esfera domeacutestica na esfera internacional a intervenccedilatildeo

militar foi o paradigma da doutrina reaganiana de combate agraves drogas

Em 1986 o presidente Ronald Reagan expediu a National Security Decision Directive

on Narcotics and National Security (NSDD-221) Esse documento conferiu ao narcotraacutefico o

status de ameaccedila agrave seguranccedila nacional dos Estados Unidos ao lado do ldquoterrorismo comunistardquo

e se tornou um dos componentes centrais da agenda de seguranccedila hemisfeacuterica deste paiacutes

Washington delineou a sua estrateacutegia beacutelica frente agrave expansatildeo global do mercado das drogas

sob a crenccedila na dicotomia ldquopaiacuteses produtoresrdquo versus ldquopaiacuteses consumidoresrdquo (PASSETTI

1991 RODRIGUES 2004) A NSDD-221 conferiu agraves Forccedilas Armadas incluindo exeacutercito

marinha forccedila aacuterea e fuzileiros navais maior participaccedilatildeo junto agraves agecircncias federais de

combate agraves drogas a guarda costeira e oacutergatildeos civis de aplicaccedilatildeo da lei Nesse contexto a

produccedilatildeo e traacutefico de drogas deixam de ser apenas preocupaccedilotildees de leis penais e questatildeo de

poliacutecias especializadas e passam a ser um problema de seguranccedila nacional e internacional

direcionando a poliacutetica externa dos paiacuteses latino-americanos sobretudo daqueles paiacuteses sob o

roacutetulo de ldquoprodutoresrdquo como foi o caso dos paiacuteses andinos Para Rafael Villa e Maria Ostos

(2005)

Desde a administraccedilatildeo Reagan (1980-1988) os EUA tecircm definido as drogas como

lsquoum problema de seguranccedila nacionalrsquo cujo combate deveria ser feito por meio de

44

As prisotildees por porte de drogas e o crescimento exponencial da populaccedilatildeo carceraacuteria na Era Reagan incidiram

mais sobre os ldquonegrosrdquo do que sobre os ldquobrancosrdquo Conforme oberva Loiumlc Wacquant (1999) ldquoo

lsquoescurecimentorsquo sofrido pela populaccedilatildeo carceraacuteria explica-se quase que inteiramente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves

drogasrdquo lanccedilada com estardalhaccedilo por Ronald Reagan e ampliada depois por seus sucessores [] Essa poliacutetica

serviu de cobertura a uma verdadeira guerrilha policial e judiciaacuteria contra os traficantes de rua e por extensatildeo

contra os habitantes dos bairros negros deserdados Esses uacuteltimos satildeo de fato suspeitos de desviarem-se das

normas culturais nacionais e de adotarem lsquocomportamentos anti-sociaisrsquo que o discurso pseudocientiacutefico sobre

a underclass sustenta ser a causa das desagregaccedilotildees sociais na metroacutepole (WACQUANT 1999 p 47)

72

um ataque contundente in loacutecus agrave oferta da droga Em outras palavras a produccedilatildeo

deveria ser atacada na fonte em paiacuteses como Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

(VILLA OSTOS 2005 pp 1-2)

A partir daiacute com efeito Washington imputou aos paiacuteses produtores a culpa pela oferta

externa de drogas os problemas de sauacutede puacuteblica e o aumento da criminalidade nos EUA

isso permitiu que a Ameacuterica Latina sobremaneira a regiatildeo andina se configurasse como

palco das intervenccedilotildees militares de guerra contra as drogas45

Os EUA orquestraram esforccedilos

para intervenccedilatildeo e interdiccedilatildeo do cultivo de coca inicialmente na Boliacutevia e no Peru e mais

tarde na Colocircmbia os maiores cultivadores da folha de coca nas duas uacuteltimas deacutecadas do

seacuteculo XX com o objetivo de intensificar a poliacutetica proibicionista destruir os campos de

cultivo de drogas e desbaratar as redes comerciais ilegais No entanto o que ocorreu foi uma

ramificaccedilatildeo maior do capitalismo cocaleiro deslocando a produccedilatildeo de um paiacutes para outro e

expandindo a economia do narcotraacutefico

De acordo com Villa e Ostos (2005) os policy-markers estadunidenses defensores da

poliacutetica de ataque agraves drogas na ldquofonterdquo ndash going to the source ndash encontraram ldquosoacutelidos

argumentos empiacutericos no caso de Chepare da Boliacutevia e do Alto Hullaga do Peru onde eram

cultivadas cerca de 80 a 90 das folhas de coca destinadas agrave alimentaccedilatildeo da produccedilatildeo de

cocaiacutena do mundordquo (VILLA OSTOS 2005 p 2) O combate agraves drogas nos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo em 1986 encontrou na Boliacutevia o seu primeiro palco de operaccedilotildees militares

antidrogas

A Operation Blast Furnece na Boliacutevia comeccedilou no dia 14 de junho de 1986 e seria

realizada nos departamentos bolivianos do Beni Pando e Santa Cruz para eliminar os

laboratoacuterios clandestinos de processamento da coca acabar com as rotas fluviais de transporte

de coca e de precursores quiacutemicos interceptar pequenos aviotildees de transporte de drogas e

prender o traficante Roberto Suaacuterez Gomes (ldquorei da cocardquo) considerado o maior do paiacutes Para

realizar a operaccedilatildeo no departamento de Santa Cruz chegaram ldquotrecircs aviotildees de transporte

militar da forccedila aeacuterea dos Estados Unidos que traziam consigo veiacuteculos especiais seis

helicoacutepteros Black Hawk e 160 norte-americanos entre soldados teacutecnicos militares e agentes

45

O direcionamento do combate contra as drogas para Ameacuterica Latina estava atrelado agrave percepccedilatildeo de que os

paiacuteses da regiatildeo eram o foco de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de drogas ldquoBoliacutevia e Peru eram os principais

produtores de coca e pasta base enquanto a Colocircmbia dominava a produccedilatildeo e o traacutefico de cocaiacutena Meacutexico

aleacutem de ser o maior fornecedor de maconha no mercado dos EUA tornou-se o principal provedor de heroiacutena

Por outro lado vaacuterios paiacuteses da Ameacuterica Central e do Caribe junto com Venezuela e Paraguai se constituiacuteam

em estaccedilotildees na rota do narcotraacutefico assim como centros de lavagem de dinheiro Posteriormente a medida que

se acentuaram as accedilotildees de interdiccedilatildeo a mudanccedila de rotas comprometeu tambeacutem o Brasil e outros paiacuteses do

Cone Sul []rdquo (COTLER 1999 p 40)

73

da DEArdquo (RODRIGUES 2003 p 86) A operaccedilatildeo contou com a participaccedilatildeo dos Leopardos

forccedila de elite policial da Boliacutevia especializada em combate ao traacutefico de drogas e de soldados

da Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural (UMOPAR)46

A presenccedila de tropas norte-americanas na Boliacutevia gerou controveacutersias nas instituiccedilotildees

poliacuteticas da Boliacutevia pois elas natildeo tinham aprovaccedilatildeo do Congresso do paiacutes andino

Representantes do governo boliviano se sentiram enganados pelos EUA Acreditavam que o

auxiacutelio de Washington natildeo viria em aviotildees de guerra e muito menos com violaccedilotildees da

soberania nacional O presidente do Senado denunciou a operaccedilatildeo como uma ldquoverdadeira

invasatildeo estrangeirardquo (AMENDT 1987 p13)

As principais accedilotildees da Blast Furnece incidiram sobre os laboratoacuterios clandestinos

Gunter Amendt (1987) enumera que existiam cerca de cinquenta laboratoacuterios soacute no

departamento de Benin cuja produccedilatildeo anual estimada era de 80 toneladas quando

trabalhavam com toda a sua capacidade Amendt assinala que cada laboratoacuterio mantinha

diferentes trabalhadores encarregados da logiacutestica e da produccedilatildeo como transportadores

caminhoneiros e intermediaacuterios envolvidos no fornecimento de produtos quiacutemicos

contrabandeados do Brasil e no transporte de coca dos mercados locais para os laboratoacuterios

intermediaacuterios para produccedilatildeo de pasta base confeccionada pelos pateros47

Posteriormente a

pasta eacute transportada para os laboratoacuterios que confeccionam o produto final pronto para

exportaccedilatildeo o cloridrato de cocaiacutena cristalizado utilizando uma seacuterie de empregados

(AMENDT p16) De acordo com Thiago Rodrigues (2004) os leopardos em conjunto com

soldados estadunidenses fizeram inuacutemeras investidas em territoacuterio boliviano para destruir

pistas de pousos e laboratoacuterios na selva

A operaccedilatildeo norte-americana de combate agraves drogas em solo boliviano considerada por

Washington vitoriosa natildeo teve o sucesso almejado os resultados em termos de apreensotildees e

prisotildees foram piacutefios destruiacuteram seis laboratoacuterios e duzentos e cinquenta locais de maceraccedilatildeo

de folha de coca todos vazios e pistas de pouso No entanto as tropas conseguiram afetar

significativamente o preccedilo da coca ndash o quilo de folha de coca subiu de US$120 para US$200

ndash temporariamente tornando-a menos atrativa Com efeito isso levou milhares de

46

Marcelo Santos (2007) relata que ldquocom o retorno da democracia em 1982 sob pressatildeo norte-americana o

governo boliviano criou uma forccedila policial de elite denominada Unidad Moacutebil de Patrullaje Rural (UMOPAR)

para desenvolver accedilotildees secretas repressivas nas regiotildees de produccedilatildeo da folha de coca e de articulaccedilatildeo do

narcotraacuteficordquo (SANTOS 2007 p 198) 47

ldquoPaterordquo (ou esmagador) eacute uma terminologia utilizada em analogia com a qual se denomina aqueles que na

produccedilatildeo de vinho esmagam as uvas pisando-as com o peacute descalccedilo os pateros semifermentam as folhas de

coca e acrescenta bicarbonato de soacutedio e cerosina para fazer a pasta base (AMENDT 1987 p16)

74

trabalhadores rurais a migrarem para as cidades a procura de emprego e alimentos48

Contudo

a produccedilatildeo de pasta base ficou comprometida parcialmente no decorrer da operaccedilatildeo isso se

deve mais a uma postura de precauccedilatildeo dos traficantes do que um sinal de ecircxito de

desmantelamento completo da induacutestria da cocaiacutena boliviana49

(AMENDT 1987 SOMOZA

1990 RODRIGUES 2003 RODRIGUES 2004)

Mesmo apoacutes as polecircmicas relacionadas agrave Operation Blast Furnece (com duraccedilatildeo de

quatro meses) os EUA por meio das Forccedilas Armadas e da DEA prosseguiram interferindo

na poliacutetica de drogas boliviana A UMOPAR continuou recebendo treinamentos das forccedilas

especiais estadunidenses aleacutem de receber empreacutestimos de equipamentos militares e

helicoacutepteros por parte do Pentaacutegono para conduzir a guerra agraves drogas agora sob a eacutegide da

Operation Snowcap50

Desse modo as Forccedilas Armadas da Boliacutevia passaram a ter uma

participaccedilatildeo maior na luta contra as drogas iliacutecitas

Durante o ano de 1986 os EUA implantaram a Poliacutetica de Certificaccedilatildeo como

mecanismo para coagir os ldquopaiacuteses produtoresrdquo a se comprometerem com a luta contra as

drogas Guzzi (2008) assinala que essa poliacutetica estava apoiada na Lei 490 do Ato de

Assistecircncia Internacional (Foreign Assistence Act - FAA) de 1961 da administraccedilatildeo

Kennedy e permitia ao presidente estadunidense deliberar ldquoanualmente quais paiacuteses satildeo

produtores de tracircnsito e se seus respectivos governos cooperam com as medidas

estadunidenses no plano do combate agrave produccedilatildeo e ao traacutefico de drogas iliacutecitasrdquo (GUZZI

2008 p 33)

48

A intervenccedilatildeo militar norte-americana gerou inuacutemeros protestos na Boliacutevia ldquoa central sindical boliviana

decretou lsquodia de lutorsquo denunciando assim a presenccedila de tropas de ocupaccedilatildeo Os manifestantes carregavam

faixas com os dizeres lsquoBoliacutevia livre sim colocircnia ianque natildeorsquo Enquanto isso 28 sindicatos 25 instituiccedilotildees

ciacutevicas 26 partidos poliacuteticos e 200 personalidades representativas se uniram para formar o Conselho de Defesa

da Soberania Nacional ao mesmo tempo em que os parlamentares protestavam contra a violaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo da Boliacutevia Mas o governo (Victor Paz Entessoro) argumentou que se tratava apenas de uma

colaboraccedilatildeo agrave repressatildeo policial e que os helicoacutepteros significavam apenas apoio logiacutesticordquo (SOMOZA 1990

p 81) 49

Edson Passetti (1991) nota que os traficantes transferiram os laboratoacuterios para o norte da Argentina e para

regiatildeo sudoeste do Brasil no Mato Grosso dessa maneira conseguiram manter a lucratividade de seus

negoacutecios mesmo correndo riscos de terem a mercadoria apreendida 50

Marcelo Santos a partir da obra de Adalberto Santana ldquoEl Narcotraacutefico en Ameacuterica Latinardquo descreve que ldquoa

operaccedilatildeo Snowcap que envolveu os membros norte-americanos da DEA do Departamento de Estado do

Serviccedilo de Guarda Costeira da Patrulha de Fronteira e das Forccedilas Especiais do Departamento de Defesa tinha

o propoacutesito natildeo somente de atacar as fontes de produccedilatildeo como tambeacutem capacitar as Forccedilas Armadas locais em

estrateacutegias contra-insurgentes No Peru por exemplo tinha o objetivo de combater a guerrilha do Sendero

Luminoso Essa missatildeo regional envolveu ainda apoio econocircmico agrave Venezuela e o lanccedilamento da operaccedilatildeo

Blazing Trails no Equadorrdquo (SANTOS 2007 p 198)

75

Um determinado paiacutes para auferir a certificaccedilatildeo plenamente deve cumprir os

objetivos da Convenccedilatildeo de 1971 sobre Substacircncias Psicotroacutepicas da ONU bem como

concretizar accedilotildees para impedir ldquoo cultivo a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o transporte o

financiamento e a lavagem de dinheiro proveniente das drogasrdquo e tambeacutem deve ldquoatingir as

metas definidas em acordos bilaterais com os Estados Unidos e finalmente terem tomado

medidas jurisdicionais para combater a corrupccedilatildeo puacuteblica pois esta facilita o processo de

produccedilatildeo e traacutefico de drogasrdquo (GUZZI 2008 p 34) Portanto um paiacutes que demonstrar

esforccedilos e apresentar resultados no combate agraves drogas seraacute certificado e receberaacute todo auxiacutelio

dos EUA principalmente econocircmico Caso contraacuterio isto eacute natildeo seja certificado deixa de

receber esse auxiacutelio de Washington (entretanto se for o caso continua recebendo assistecircncia

humanitaacuteria e de combate agraves drogas) e sujeita-se as sanccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas aleacutem do

governo norte-americano vetar as propostas de empreacutestimos de instituiccedilotildees bancaacuterias

multilaterais de fomento ao desenvolvimento (por exemplo o Banco Interamericano de

Desenvolvimento e o Banco Mundial)

A Poliacutetica de Certificaccedilatildeo foi mais um instrumento ideoloacutegico do que eficaz contra o

traacutefico de drogas Elaborada na Guerra Fria os paiacuteses que pertenciam ou tinham alguma

ligaccedilatildeo com o bloco sovieacutetico ganhavam o roacutetulo de ldquonatildeo-certificadosrdquo pois representavam

uma ameaccedila aos paiacuteses ocidentais e ao Estado democraacutetico de direito O processo de

certificaccedilatildeo gerou dissensotildees entre Washington e os demais governos da Ameacuterica Latina nas

deacutecadas de 1980 e 199051

Esse processo era visto como um exerciacutecio unilateral e arbitraacuterio

perpetrado pela naccedilatildeo que mais consume drogas iliacutecitas no mundo Na Convenccedilatildeo da ONU

realizada em Viena em 1988 os representantes dos paiacuteses rotulados de ldquoprodutoresrdquo e de

ldquotracircnsitordquo de drogas se manifestaram contra o instrumento unilateral que os estigmatizavam

como sendo condescendentes com o narcotraacutefico argumentavam que a responsabilidade

deveria ser compartilhada Segundo esses paiacuteses para haver um controle mais eficaz da

produccedilatildeo seria preciso tambeacutem controlar o consumo pois ambos estatildeo inter-relacionados

entretanto o governo norte-americano natildeo produz documentos avaliando os seus proacuteprios

esforccedilos de controle de drogas Sayaka Fukumi (2008) sustenta que a poliacutetica de certificaccedilatildeo eacute

um meio encontrado pelos EUA para exercerem o seu poder econocircmico forccedilando os outros

51

O Panamaacute foi o primeiro paiacutes latino-americano a natildeo ser certificado isto ocorreu nos anos de 1988 e 1989 O

presidente Manuel Noriega foi acusado pelo governo estadunidense a colaborar com organizaccedilotildees criminosas

envolvidas com o narcotraacutefico (GUZZI 2008)

76

Estados a cumprirem o controle de drogas no estilo americano Mesmo tendo recebido

inuacutemeras criacuteticas e desaprovaccedilotildees o processo de certificaccedilatildeo continuou vigorando

No segundo mandato de Ronald Reagan o proibicionismo em sua forma poliacutetica

juriacutedica e beacutelica prosseguiu avanccedilando na Ameacuterica Latina De acordo com Del Olmo (1990)

um dos fatores que impulsionou o discurso de guerra contra as drogas natildeo soacute na regiatildeo

andina mas em todo continente foi o assassinato do ministro da justiccedila colombiano Rodrigo

Lara Bonilla em abril de 1984 No decorrer desse ano ocorreu uma sucessatildeo de reuniotildees e

acordos governamentais com o objetivo de fortalecer a cooperaccedilatildeo continental na luta contra

o traacutefico de drogas No mesmo ano foi assinada a Declaraccedilatildeo de Quito Contra o Traacutefico de

Drogas por presidentes da Ameacuterica do Sul a qual classificou o narcotraacutefico como ldquodelito

contra a humanidaderdquo Ainda em 1984 foi subscrita a Declaraccedilatildeo de Nova Iorque Esse

documento solicitava agrave ONU que convocasse uma nova conferecircncia para reexaminar os

tratados anteriores sobre drogas e criar um plano de accedilatildeo de cooperaccedilatildeo internacional contra o

traacutefico de drogas Essa conferecircncia teve iniacutecio em julho de 1987 Nesse mesmo ano na

Colocircmbia comeccedilou uma seacuterie de ofensivas com auxiacutelio estadunidense contra laboratoacuterios de

clandestinos e fumigaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantaccedilotildees de coca e de cannabis As investidas

conseguiram deter a Tranquilacircndia um dos principais complexo de produccedilatildeo de cocaiacutena dos

traficantes de Medelliacuten

No ano de 1985 a senadora republicana Paula Hawkins representante dos EUA na

Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas (CICAD) realizou uma

conferecircncia com participaccedilatildeo de vinte paiacuteses latino-americanos sobre o combate agraves drogas Os

EUA colocaram em praacutetica a Operation Intercept II Em abril 1986 foi consolidado em Lima

o Convecircnio Rodrigo Lara Bonilla sobre cooperaccedilatildeo para prevenccedilatildeo do uso indevido e a

repressatildeo do traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas entre os paiacuteses

membros do Acordo de Cartagena (Pacto Andino) No Mecircs subsequente em Quito aconteceu

o Simpoacutesio Interparlamentar sobre Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia promovido pelo

Parlamento Andino o qual culminou na assinatura da Ata Interparlamentar de Quito sobre

Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia cujos principais objetivos eram uniformizar as

legislaccedilotildees nacionais sobre narcoacuteticos e farmacodependecircncia e criar uma legislaccedilatildeo latino-

americana acerca dessas duas questotildees No Rio de Janeiro ocorreu a Primeira Conferecircncia

Especializadas Interamericana sobre Drogas no mesmo ano foi criada a Comissatildeo

Interamericana contra Abuso de Drogas (CICAD) da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

(OEA) e tambeacutem foi elaborado o Programa Interamericano de Accedilatildeo contra a Produccedilatildeo e o

77

Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas Ainda em 1986 nos EUA

ocorreu a aprovaccedilatildeo do Anti-Drug Abuse Act e da NSDD-221 aleacutem de ser estabelecido o

Processo de Certificaccedilatildeo sobre Drogas

No comeccedilo do ano de 1987 o Parlamento Andino e o Fundo das Naccedilotildees Unidas

organizaram em Lima um novo seminaacuterio para tratar da coordenaccedilatildeo legislativa contra

entorpecentes No decorrer de 1988 a CICAD compocircs um grupo de peritos para tratar

especificamente da lavagem de dinheiro Em dezembro de 1988 foi subscrita a Convenccedilatildeo de

Viena uma das principais vitoacuterias do proibicionismo a niacutevel internacional

A Convenccedilatildeo de Viena Contra o Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e de Substacircncias

Psicotroacutepicas aprovada em 20 de dezembro de 1988 passou a vigorar a partir de novembro

de 1990 e reconhecia ldquoa relaccedilatildeo existente entre traacutefico iliacutecito e outras atividades criminosas

organizadas com ele conexas que minam as bases de uma economia legiacutetima e ameaccedilam a

estabilidade a seguranccedila e a soberania dos Estadosrdquo (UNITED NATIONS 1988 p2)

Conforme o documento o objetivo principal da Convenccedilatildeo ldquoeacute o de promover a cooperaccedilatildeo

entre as Partes a fim de que possam fazer face de forma mais eficaz aos diversos aspectos do

traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas de acircmbito internacionalrdquo (UNITED

NATIONS 1988 p 4) Nessa Convenccedilatildeo foram determinadas medidas de amplo espectro

contra o traacutefico de drogas permitindo a criaccedilatildeo de um marco principal de cooperaccedilatildeo

internacional Outrossim esse regime estabelece obrigaccedilotildees para os paiacuteses signataacuterios

aplicarem os meios necessaacuterios para localizar congelar e apreender bens e ativos provenientes

do traacutefico iliacutecito52

O artigo 6ordm do referido documento permite que a extradiccedilatildeo seja utilizada

como mecanismo de luta contra os traficantes uma vez que assegura aos signataacuterios o poder

de invocar suas leis como fundamento para aplicar a extradiccedilatildeo aos envolvidos nos crimes

previstos e prescreve orientaccedilotildees em mateacuteria de assistecircncia juriacutedica troca de informaccedilotildees

sobre accedilotildees penais e cooperaccedilatildeo internacional Todavia ldquoas Partes que careccedilam de legislaccedilatildeo

detalhada para poderem utilizar a presente Convenccedilatildeo como base juriacutedica da extradiccedilatildeo

devem considerar a promulgaccedilatildeo da legislaccedilatildeo necessaacuteriardquo (UNITED NATIONS 1988 p 8)

52

Sobre a lavagem de dinheiro do traacutefico de drogas Passetti cita que ldquoa participaccedilatildeo dos bancos americanos

nesses mercados em 1980 era de quatrocentos bilhotildees de doacutelares De acordo com William Proximine

presidente da Comissatildeo de Bancos no Senado Americano seis em cada dez bancos operavam com contas de

traficantes sendo o Banco de Boston considerado o maior reduto do chamado lsquodinheiro sujorsquordquo (PASSETTI

1991 p 67)

78

A Convenccedilatildeo de Viena se posiciona de modo intransigente perante os consumidores

de psicoativos ilegais O documento apresenta uma mudanccedila em relaccedilatildeo ao discurso meacutedico-

moral abordado nas anaacutelises de Rosa Del Olmo (1990) o qual apresentava o indiviacuteduo

consumidor dentro de um estereoacutetipo como um enfermo psiquiaacutetrico cujo tratamento deveria

ser psicossocial Agora o consumidor eacute enquadrado pelo discurso juriacutedico-criminal O

consumo doravante seraacute criminalizado o usuaacuterio passa a ser visto dentro do estereoacutetipo

criminoloacutegico O item 2 do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo reitera o ldquoespiacuterito proibicionistardquo

estadunidense mesmo resguardando a soberania dos Estados

Como buscamos apontar a Era Reagan foi marcada pela intensificaccedilatildeo da war on drug

na Ameacuterica Latina no contexto do final da Guerra Fria sobretudo na regiatildeo andina medidas

ostensivas e coercitivas foram empregas para obter a cooperaccedilatildeo mais ativa dos paiacuteses

considerados ldquoprodutoresrdquo Para justificar a beligeracircncia norte-americana de combate agraves

drogas os grupos narcotraficantes da regiatildeo andina foram associados ao comunismo e ao

terrorismo de esquerda praticado por guerrilheiros A associaccedilatildeo entre narcotraacutefico e

terrorismo ou entre narcotraacutefico e guerrilha53

articulada pelo embaixador dos EUA na

Colocircmbia Lewis Tambs em 1983 que se baseia numa percepccedilatildeo da experiecircncia colombiana

a partir de uma visatildeo estadunidense do conflito foi generalizada para toda a regiatildeo andina e

se tornou uma justificativa perfeita para intervenccedilotildees militares no combate agraves drogas Essa

associaccedilatildeo fortaleceu a percepccedilatildeo desses temas como ameaccedila agrave seguranccedila A guerra agraves

drogas sob a eacutegide da Doutrina de Seguranccedila Nacional identifica ldquoos inimigos externosrdquo com

as redes de traficantes instaladas nos paiacuteses latino-americanos responsaacuteveis pela produccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo de drogas nos paiacuteses consumidores A declaraccedilatildeo de um inimigo externo

permitiu aos EUA empregarem os meios militares necessaacuterios para eliminaccedilatildeo deste inimigo

legitimando a sua presenccedila poliacutetico-estrateacutegico-militar na regiatildeo andina

Com a chegada de George H W Bush agrave presidecircncia dos EUA em 1989 a Operaccedilatildeo

Snowcap foi suspensa em 1989 apoacutes o Comitecirc de Assuntos Exteriores da Cacircmara

averiguaram que a DEA estava despreparada para os sucessivos confrontos que vinham tendo

com os guerrilheiros do Sendero Luminoso no Peru no Vale do Alto Huallaga e os seus

agentes natildeo estavam autorizados a fazerem incursotildees devido agrave falta de experiecircncia e

capacitaccedilatildeo militar O Departamento de Estado por meio do documento Cocaine A Supply

Side Strateg exigia a retirada constante da DEA do papel de assistecircncia militar e econocircmica e

53

A partir destas associaccedilotildees surgiram os termos ldquonarcoterrorismordquo e ldquonarcoguerrilhardquo

79

fortalecia a importacircncia de uma estrateacutegia eficaz para atacar a fonte principalmente contando

com uma efetiva atuaccedilatildeo das forccedilas armadas e policiais locais O documento ressaltava a

necessidade de fazer os paiacuteses andinos interpretarem as accedilotildees do traacutefico de drogas (e da

guerrilha) como ameaccedila a sobrevivecircncia dos Estados da regiatildeo e enfatizava que

O desafio eacute fazer com que os governos andinos ataquem o traacutefico de drogas como

uma ameaccedila direta agrave integridade de seus paiacuteses Um problema de poliacutetica externa

deve ser resolvido pelo uso inovador dos instrumentos tradicionais de poliacutetica

externa a diplomacia o militar e a assistecircncia econocircmica a coleta e

compartilhamento de informaccedilotildees (UNIED SATES 1989a p 1 traduccedilatildeo nossa)

Em resposta foi lanccedilado a National Security Directive 13 em 7 de junho de 1989

cuja finalidade era criar vinte forccedilas especiais das tropas do exeacutercito para irem ao Peru treinar

a poliacutecia e as forccedilas armadas em taacuteticas paramilitares para combater narcotraficantes e

guerrilheiros A Interangecy Working Group Draft que era um grupo de trabalho

interinstitucional criado pelo Conselho de Seguranccedila Nacional redigiu o documento Strategy

For Narcotics Control in the Andean Region apresentando um estudo onde aponta que a

cocaiacutena que entrava nos Estados Unidos vinha da coca cultivada no Peru (60) Boliacutevia

(30) e Colocircmbia (10) Esse uacuteltimo paiacutes contudo processa 80 da cocaiacutena que chega ao

territoacuterio norte-americano Segundo o estudo os EUA gastavam cerca de U$57 milhotildees na

assistecircncia para esses trecircs ldquopaiacuteses fonterdquo e U$15 bilhatildeo para conter a entrada de droga no

paiacutes Para a interagecircncia os programas antidrogas desenvolvidos ateacute o momento natildeo

obtiveram resultados expressivos na reduccedilatildeo do fornecimento de cocaiacutena Para tanto

recomenda que

A meta da poliacutetica internacional de controle de drogas dos EUA deve ser parar o

fluxo de cocaiacutena para este paiacutes a partir do estrangeiro Este objetivo pode ser mais

eficaz atacando todas as partes do traacutefico internacional de drogas nos seus pontos de

maior vulnerabilidade as suas organizaccedilotildees redes de transportes e sistema

financeiro [] Por vaacuterias razotildees os trecircs governos parecem estar cada vez mais

preparados para atacar o problema da cocaiacutena se dado os meios para fazecirc-lo Eles

natildeo querem (nem recomendamos) o envolvimento direto de forccedilas de combate dos

EUA Em vez disso eles querem assistecircncia material e treinamento dos EUA para

que o seu pessoal possa fazer o trabalho (UNIED STATES 1989b p1 traduccedilatildeo

nossa)

Com a morte de Luis Carlos Galaacuten candidato agrave presidecircncia da Colocircmbia em 18 de

agosto de 1989 o presidente republicano e o ldquoczar antidrogasrdquo William Bennet apresentaram

a Estrateacutegia Andina que abrangia a assistecircncia militar e econocircmica para atividades de

combate agraves drogas e maior pressatildeo para cooperaccedilatildeo militar na reduccedilatildeo da oferta de cocaiacutena

nos paiacuteses produtores da regiatildeo andina Essa pressatildeo era parte dos esforccedilos dos EUA em fazer

com que os governos andinos reconhecessem o narcotraacutefico como ameaccedila aos seus Estados

80

A assistecircncia norte-americana para os paiacuteses da regiatildeo estaria divida em 30 econocircmica e

70 militar Esta uacuteltima seria para equipar e treinar as forccedilas armadas e poliacutecias locais

(DREYFUS 2003)

No mesmo ano para justificar as accedilotildees militares antidrogas no exterior Bush lanccedilou

no acircmbito domeacutestico a National Drug Control Strategy a qual fazia com que o Departamento

de Defesa tivesse um engajamento mais efetivo na luta contra as drogas principalmente

acionando o Comando Sul A metaacutefora da ldquoguerra agraves drogasrdquo foi recuperada com a

promulgaccedilatildeo da National Defense Authorization Act em novembro de 1989 O documento

declara que a ldquoguerra agraves drogas eacute uma das mais altas prioridades do Governo Federalrdquo e

reforccedila a interdiccedilatildeo e combate agraves drogas por meio de atividades militares sob lideranccedila do

Departamento de Defesa (UNITED STATES 1989c) Com essas medidas a administraccedilatildeo

Bush estimulou de modo significativo o aumento da assistecircncia militar internacional para

conter o narcotraacutefico

Em 1989 o governo Bush elaborou um plano para treinar as forccedilas armadas sul-

americanas em operaccedilotildees de combate agraves drogas com participaccedilatildeo de assessores do exeacutercito

estadunidense sob os auspiacutecios do Comando Sul ndash agora reorganizado teacutecnica operacional e

humanamente para combater o narcotraacutefico no lugar do comunismo ndash esse plano foi intitulado

Iniciativa Andina A Iniciativa Andina imposta unilateralmente pelos EUA teria duraccedilatildeo de

cinco anos e abrangeria a Boliacutevia Colocircmbia e Peru No ano fiscal de 1990 foram destinados

agrave regiatildeo andina um total de 2316 milhotildees de doacutelares e apenas 486 milhotildees natildeo foram

aplicados no apoio militar e policial fazendo com que a regiatildeo andina se tornasse a maior

receptora de ajuda antinarcoacuteticos na Ameacuterica Latina (ISACSON 2005) No acircmbito da

Iniciativa Andina foi criado um programa para treinamento das forccedilas armadas em operaccedilotildees

de combate agraves drogas sob responsabilidade do Comando Sul Comeccedilou com os trecircs paiacuteses

produtores de cocaiacutena do arco andino e depois foram acrescidos outros Estados sul-

americanos considerados ldquopaiacuteses de tracircnsitordquo tais como Argentina Brasil Equador e

Venezuela

Sob o espectro do conflito de baixa intensidade a Iniciativa Andina por meio dos

funcionaacuterios norte-americanos incentivou as forccedilas armadas latino-americanas a se

envolverem na guerra agraves drogas dentro de seus proacuteprios paiacuteses Nos EUA seria inadmissiacutevel a

participaccedilatildeo de forccedilas militares na batalha contra os psicoativos iliacutecitos dentro do paiacutes Para

conseguirem esse intento conforme salienta Adam Isacson (2005) foi necessaacuterio treinar

81

(treinamento antidroga e anti-subersivo) equipar e respaldar poliacutetica e diplomaticamente as

forccedilas armadas latino-americanas para que desempenhassem um papel mais veemente nas

missotildees antinarcoacuteticos

Para conseguir concretizar esse objetivo George Bush convocou duas reuniotildees com os

presidentes dos paiacuteses produtores para discutir quais medidas seriam implementadas para que

seus Estados se envolvessem mais ativamente na guerra agraves drogas Em 15 de fevereiro de

1990 na Colocircmbia ocorreu o primeiro encontro da Cuacutepula Americana Antidrogas de

Cartagena que contava com a participaccedilatildeo do chefe de Estado dos EUA e dos presidentes

Jaime Paz Zamora da Boliacutevia Viacutergilo Barco Vagas da Colocircmbia e Alan Garcia do Peru

onde o mandataacuterio estadunidense acentuou o fortalecimento da contenccedilatildeo da oferta da

demanda e do consumo de psicoativos iliacutecitos e propocircs a criaccedilatildeo de uma forccedila militar

multinacional antidrogas que seria comandada pelos norte-americanos Esta uacuteltima foi

descartada pelos presidentes andinos A segunda reuniatildeo foi realizada em San Antonio no

Texas em fevereiro de 1992 Com um tom mais afaacutevel mas sem inovaccedilatildeo no discurso o

presidente norte-americano apresentou propostas de investimento econocircmico para fomentar

poliacuteticas de substituiccedilatildeo de cultivo de coca para que os camponeses cultivassem produtos

liacutecitos (PASSETTI 1991 RODRIGUES 2003)

Como aponta Boville (2004) as contribuiccedilotildees em mateacuteria econocircmica foram

determinantes para a aceitaccedilatildeo da estrateacutegia unilateral dos EUA A assistecircncia econocircmica

serviu como um elemento persuasivo para a inserccedilatildeo gradativa das forccedilas armadas na luta

contra as drogas e contribuiu para a liberalizaccedilatildeo da economia Mesmo apresentando

inicialmente relutacircncia em aumentar o emprego de forccedilas militares para o controle das drogas

internamente os paiacuteses andinos almejavam uma participaccedilatildeo maior nos mercados norte-

americanos como forma de alternativa econocircmica para a questatildeo pois para os governos da

regiatildeo andina o auxiacutelio econocircmico deveria vir antes do que os militares Entretanto a

preocupaccedilatildeo de ficar sem ajuda econocircmica por natildeo cumprir a reduccedilatildeo das aacutereas de cultivo de

coca e mostrar resultados efetivos de combate agraves drogas o que deixaria um paiacutes de fora da

lista de certificaccedilatildeo foi um dos ingredientes fundamentais para o envolvimento militar mais

contundente na guerra agraves drogas

No governo Bush a guerra agraves drogas com seus dois elementos baacutesicos (o militar e o

econocircmico) procurou abordar a questatildeo a partir de trecircs pontos diferentes 1) a proibiccedilatildeo 2) a

82

erradicaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de cultivos 3) desenvolvimento alternativo (CARPENTER 2003

BOVILLE 2004) Contudo

A militarizaccedilatildeo continuou como bandeira sustentada pelo governo norte-americano

poreacutem natildeo mais baseada na contraproducente presenccedila ostensiva de forccedilas proacuteprias

mas na combinaccedilatildeo eficaz de pressatildeo poliacutetica e econocircmica (Certificaccedilatildeo) envio de

lsquoconsultoresrsquo militares estiacutemulo agrave militarizaccedilatildeo interna em cada paiacutes latino-

americano e conquista da lsquocooperaccedilatildeorsquo dos Estados do continente agrave batalha guerra

luta ou qualquer outro substantivo que remeta agrave ideia de conflito militar contra o

narcotraacutefico (RODRIGUES 2004 p 300)

Esta militarizaccedilatildeo no combate agraves drogas na Ameacuterica Latina durante a presidecircncia de

George Bush segundo Marcelo Santos (2007 p180) foi reforccedilada a partir de quatro accedilotildees

primeira o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina segunda a reorganizaccedilatildeo do Comando Sul

terceira a Operaccedilatildeo Causa Justa que levou as forccedilas armadas estadunidenses a invadirem o

Panamaacute para prenderem o presidente Manoel Ortega por uacuteltimo as accedilotildees da DEA em solo

mexicano para prender um meacutedico acusado de assassinar um funcionaacuterio da agecircncia no paiacutes

vizinho Podemos elencar algumas outras accedilotildees como as assistecircncias econocircmicas e militares

para as forccedilas armadas desempenharem funccedilotildees antidrogas na regiatildeo e o incentivo a criaccedilatildeo

de unidades especializadas de luta contra as drogas54

Carpenter (2003) assinala que no comeccedilo da Iniciativa Andina foram destinados cerca

de US$ 260 milhotildees em ajuda militar e policial para Boliacutevia Colocircmbia e Peru Essa

assistecircncia ultrapassaria a cifra de US$ 2 bilhotildees num periacuteodo de cinco anos A Estrateacutegia

Andina tinha como objetivo reduzir drasticamente o fluxo de cocaiacutena para os EUA A guerra

antinarcoacuteticos no lugar do combate ao comunismo servia como justificativa para intervir

militarmente de forma direta e indireta em toda Ameacuterica Latina Enquanto natildeo existia uma

forccedila militar hemisfeacuterica Boville (2004) frisa que os EUA entre 1990 e 1997 procuraram

estender a sua estrateacutegia de guerra contra o narcotraacutefico a todo subcontinente dividindo as

operaccedilotildees antidrogas do Comando Sul em trecircs setores 1) Regiatildeo Andina (Boliacutevia Colocircmbia

e Peru) 2) Equador Venezuela Brasil e Cone Sul 3) Panamaacute e Ameacuterica Central

A luta armada antidrogas da administraccedilatildeo Bush contra os ldquopaiacuteses produtoresrdquo

mostrou-se esteacuteril no que tange agrave eliminaccedilatildeo do cultivo iliacutecito de arbusto de coca e da

produccedilatildeo de folha de coca Essa ineficaacutecia das accedilotildees militarizadas promovidas por

Washington pode ser constatada no relatoacuterio Global Illicit Drug Trends de 1999 elaborado

pela United Nations Office for Drug Control and Crime (UNODC) que segundo os

54

As principais forccedilas de seguranccedila que foram criadas com o apoio norte-americano podem ser consultadas no

Quadro 3 na seccedilatildeo anexos

83

redatores buscava fazer uma ldquoanaacutelise equilibradardquo do ldquolado da ofertardquo e tambeacutem do ldquolado da

demandardquo O estudo apresenta um balanccedilo do cultivo de arbusto e da produccedilatildeo da folha de

coca de 1986 a 1998 no qual podemos observar um crescimento de ambos durante a

administraccedilatildeo Bush principalmente apoacutes o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina em 1989

quando o nuacutemero de hectares de cultivo de coca alcanccedilou os 283300 ha em comparaccedilatildeo com

o ano anterior que foi de 260900 ha e em 1990 este nuacutemero saltou para 288400 ha

enquanto que a produccedilatildeo da folha de coca em toneladas era de 317472 t em 1988 e passou

para 361138 t em 1998 (UNODC 1999 p 41)

Segundo Fukumi (2008) no iniacutecio dos anos de 1990 durante o governo Bush a ajuda

militar para cada paiacutes do arco andino ultrapassou os US$ 100 milhotildees entretanto os valores

emitidos para regiatildeo natildeo estavam sendo suficientes para reduzir o cultivo e a produccedilatildeo da

coca Na Boliacutevia para a administraccedilatildeo Zamora seria necessaacuterio o repasse de US$ 300 a US$

500 milhotildees por ano para levar adiante a poliacutetica de desenvolvimento alternativo para os

agricultores de coca substituiacuterem o cultivo iliacutecito O apoio financeiro para o desenvolvimento

social e econocircmico era algo secundaacuterio dentro da estrateacutegia antidrogas do presidente

republicano

No primeiro ano de governo do presidente Bill Clinton (1993-201) foi lanccedilada a

Diretiva Presidencial nordm14 ndash documento esse que foi resultado de uma revisatildeo das poliacuteticas e

estrateacutegias internacionais anteriores ndash cuja ecircnfase foi dada agrave luta contra organizaccedilotildees

narcotraficantes internacionais aos paiacuteses de tracircnsito e agrave ajuda aos ldquopaiacuteses de origemrdquo para

resoluccedilatildeo das causas profundas da produccedilatildeo de narcoacuteticos e do traacutefico atraveacutes da

assistecircncia para o desenvolvimento sustentaacutevel o fortalecimento das instituiccedilotildees

democraacuteticas e programas cooperativos para combater os narcotraficantes lavagem

de dinheiro e fornecimento de produtos quiacutemicos [] Enfatizando interdiccedilotildees mais

seletivas e programas flexiacuteveis perto da fronteira com os EUA na zona de tracircnsito e

nos paiacuteses de origem (UNITED STATES 1993 traduccedilatildeo nossa)

Seguindo essa diretiva a administraccedilatildeo democrata fez uma reforma na Estrateacutegia

Andina para criaccedilatildeo de incentivos para Estados da regiatildeo andina aderirem agraves poliacuteticas de

controle de drogas e cumprirem as metas de reduccedilatildeo da produccedilatildeo de drogas Para conseguir

esse objetivo os EUA reforccedilaram o processo de Certificaccedilatildeo como meio de exercerem

coaccedilotildees e sanccedilotildees econocircmicas para garantirem a participaccedilatildeo dos paiacuteses produtores

localizados nos Andes Essa medida nada inovadora era mais uma forma de forccedilar os

governos andinos a priorizarem as poliacuteticas antidrogas A retomada da Certificaccedilatildeo dentro da

agenda da poliacutetica de seguranccedila norte-americana poacutes-Guerra Fria de acordo com Thiago

84

Lima (2009) estaria assentada em dois pilares ldquoo aprofundamento e a consolidaccedilatildeo da

democracia e das reformas neoliberaisrdquo (LIMA 2009 p 95)

Thiago Rodrigues (2012) assinala ainda que o governo Clinton em cumprimento com

as determinaccedilotildees da Conferecircncia de Viena sobre entorpecentes adicionou outros crimes ao

ldquoperigo das drogasrdquo tais como a lavagem de dinheiro e as suas conexotildees com traacutefico de armas

e de pessoas (que depois viria a ser chamado de ldquocrime organizado transnacionalrdquo) Sobre o

crime organizado internacional o autor lembra que o documento Presidential Decision

Directive n 42 com o tiacutetulo de International Organized Crime de 1995 ldquodestacou o crime

organizado como ameaccedila agrave seguranccedila dos EUA e internacional com destaque para o poder

econocircmico e de abalo poliacutetico-institucional do narcotraacuteficordquo (RODRIGUES 2012 p23)

No ano de 1995 conforme aponta Peter Lilley (2006) existia mais de 200 milhotildees de

usuaacuterios de psicoativos iliacutecitos no mundo inteiro e o comeacutercio internacional ilegal de drogas

movimentou cerca de US$ 400 bilhotildees o equivalente a 8 do comeacutercio mundial cujas cifras

superaram o comeacutercio de automoacuteveis ferro e accedilo Em 21 de outubro do mesmo ano Clinton

assinou a Ordem Executiva 12978 sobre sanccedilotildees econocircmicas contra os ldquocarteacuteis colombianosrdquo

a partir de uma lista de Specially Designated Narcotics Traffickers (SDNTs) Essa lista

continha nomes de empresas e pessoas envolvidas com a lavagem de dinheiro do traacutefico de

drogas principalmente dos grupos narcotraficantes colombianos

No ano subsequente sob pressatildeo poliacutetica o governo democrata retomou com maior

ecircnfase a poliacutetica de seu antecessor de combate agrave fonte do problema A Estrateacutegia Nacional de

Seguranccedila (National Security Strategy ndash NSS) lanccedilada em fevereiro de 199655

colocava o

traacutefico de drogas e a criminalidade internacional no mesmo patamar de ameaccedila do terrorismo

reforccedilando o combate ao traacutefico de armas ilegais e armas de destruiccedilatildeo em massa materiais

bioloacutegicos e quiacutemicos e narcoacuteticos O documento destaca que essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo tecircm

origens no exterior em paiacuteses que acolhem e reproduzem terroristas e carteacuteis de drogas do

crime organizado internacional Portanto era preciso manter a mudanccedila na estrateacutegia fazendo

com que ela permaneccedila ldquoequilibradardquo com accedilotildees nacionais e internacionais para conter tanto

a demanda quanto a oferta de drogas Essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo foram enfraquecidas na

administraccedilatildeo Clinton com a morte de Pablo Escobar em dezembro de 1993 e depois com

55

Isacson (2005) lembra que tanto no Congresso quanto no Senado a maioria era republicana bem como seus

liacutederes apoacutes as eleiccedilotildees de 1994 essa pressatildeo resultou na nomeaccedilatildeo do novo ldquoczar antidrogasrdquo general Barry

McCaffrey ndash ex-comandante do Comando Sul ndash para o Gabinete de Poliacutetica Nacional de Controle de Drogas

(Office of National Drug Control Policy ndash ONDCP) em novembro de 1996

85

uma seacuterie de prisotildees dos principais liacutederes das organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes de

Medelliacuten e Cali que em 1996 estavam praticamente pulverizadas

A Colocircmbia se torna nos anos 1990 o maior receptor de ajuda militar dos EUA no

Hemisfeacuterio Ocidental De acordo com o levantamento de dados do Departamento de Estado

realizado pela Common Sense for Drug Policy (CSDP) a ajuda fornecida para as forccedilas

armadas e a poliacutecia nacional colombianas para combate agraves drogas passou de US$288 milhotildees

em 1995 para cerca de US$959 milhotildees em 1997 e as vendas de materiais militares para o

paiacutes aumentou significativamente de US$219 milhotildees para US$75 milhotildees no mesmo

periacuteodo O pacote de ajuda militar anual acordado com o presidente colombiano Andreacute

Pastrana apoacutes a sua eleiccedilatildeo foi de US$289 milhotildees (COMMON SENSE FOR DRUG

POLICY 1999)

A Colocircmbia em 1994 durante a administraccedilatildeo Samper tambeacutem se tornou o uacutenico

paiacutes latino-americano a autorizar a fumigaccedilatildeo aeacuterea com herbicidas para deter o avanccedilo do

cultivo iliacutecito de coca e papoula conforme os ditames dos EUA para conter a produccedilatildeo No

entanto Boliacutevia e Peru continuavam com a erradicaccedilatildeo manual proibindo qualquer uso de

agente quiacutemico para esses fins Isacson (2005) aponta que o nuacutemero de hectares fumegados

subiu geometricamente passando de 5600 em 1996 para 127 mil hectares no ano de 2003

(ISACSON 2005 p45) Na Colocircmbia tanto o cultivo quanto a produccedilatildeo de coca cresceram

continuamente desde a deacutecada de 1980 de modo que o paiacutes ultrapassou a Boliacutevia e o Peru

juntos pela primeira vez no ano de 199856

demonstrando que a utilizaccedilatildeo de herbicidas para

deter o cultivo e a produccedilatildeo de coca natildeo atingiu os resultados almejados

Jaacute em 1999 foi elaborado o Plano Colocircmbia pela administraccedilatildeo Pastrana cujo nome

original era Plan de Desarollo Cambio para Construir la Paz que tinha como objetivo

principal cessar o conflito armado que se arrastava durante quatro deacutecadas atacando as

ldquocausas estruturaisrdquo do problema por meio de investimento econocircmico e social nas aacutereas

rurais da Colocircmbia como forma de reduzir a pobreza e a desigualdade na distribuiccedilatildeo da

riqueza Para promover o seu plano e angariar recursos o presidente colombiano foi aos EUA

O Plano em sua versatildeo original natildeo previa ajuda militar e seu foco era mais negociar um

processo de paz no paiacutes do que combater o narcotraacutefico Todavia para o governo

56

Conforme a CSDP (1999) os cultivos de coca natildeo foram erradicados porque ldquoestas culturas satildeo a uacutenica fonte

de renda dos camponeses uma vez que os campos satildeo fumigados os agricultores penetram mais

profundamente na floresta amazocircnica e cultivam em ladeiras iacutengremes Este impulso constante dos

camponeses levou ao desmatamento de mais de 175 milhotildees de hectares de floresta tropicalrdquo (COMMON

SENSE FOR DRUG POLICY 1999 traduccedilatildeo nossa)

86

estadunidense o desenho do Plano parecia vago e natildeo tinha qualquer relaccedilatildeo com os objetivos

prioritaacuterios da agenda poliacutetica norte-americana Com a visita do Ministro da Defesa

colombiano aos EUA para conseguir ajuda militar e negociaccedilotildees em torno do plano entre os

dois paiacuteses foi incluiacuteda uma estrateacutegia para fortalecer o papel do Estado na luta antinarcoacuteticos

com duraccedilatildeo de seis anos o que assumia seu caraacuteter eminentemente militar

O Plano Colocircmbia que previa um orccedilamento total de US$75 bilhotildees sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional reforccedilou o emprego de forccedilas militares e a

erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos por meio de fumigaccedilatildeo cujo foco principal foi alterado para o

combate agraves drogas para atender as diretrizes estabelecidas por Washington Para cumprir a

meta de erradicaccedilatildeo do traacutefico de drogas em 50 no periacuteodo de seis anos foram traccedilados seis

objetivos 1) reforccedilar a luta contra o traacutefico de drogas e desmantelar as organizaccedilotildees do traacutefico

atraveacutes de um esforccedilo integrado pelas forccedilas armadas 2) fortalecer o sistema judicial e

combater a corrupccedilatildeo 3) neutralizar o sistema financeiro do traacutefico de drogas e aproveitar os

seus recursos para o Estado 4) neutralizar e combater agentes violentos aliados do traacutefico de

drogas 5) integrar as iniciativas nacionais em esforccedilos regionais e internacionais e 6)

fortalecer e ampliar os planos de desenvolvimento alternativo em aacutereas afetadas pelo traacutefico

de drogas (FUKUMI 2008)

Os fundos enviados pela administraccedilatildeo Clinton deveriam ser destinados ao combate agraves

drogas e natildeo para a luta anti-subversiva contra as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da

Colocircmbia (FARC) e o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) entretanto os equipamentos e

forccedilas militares foram empregados para ambos os fins pois grande parte das operaccedilotildees

militares ocorreu contra grupos narcotraficantes em regiotildees do paiacutes que tambeacutem tecircm forte

presenccedila das guerrilhas

Essa distinccedilatildeo entre narcotraacutefico e guerrilha sofreu uma mudanccedila no decorrer da

campanha presidencial de George W Bush filho em 2000 Carpenter (2003) ressalta que o

assessor de poliacutetica externa da campanha de Bush Robert Zoellick discordava da

diferenciaccedilatildeo entre guerrilha e narcotraacutefico feita durante a administraccedilatildeo Clinton Durante a

campanha o proacuteprio Bush coadunou com as afirmaccedilotildees de Zoellick quando prometeu ajudar

ldquoo governo colombiano a proteger a sua populaccedilatildeo combater o traacutefico de drogas e conter os

impulsos dos guerrilheirosrdquo (CARPENTER 2003 p 62 traduccedilatildeo nossa)

No ano de 2001 durante a administraccedilatildeo Pastrana ocorreu um aumento de accedilotildees

consideradas terroristas perpetradas pelas guerrilhas e de outras atividades armadas contra a

87

populaccedilatildeo civil realizadas por grupos paramilitares ilegais Michelle M Norentildea (2011)

enumera que nesse ano ocorreram mais de quatrocentas accedilotildees ditas terroristas promovidas

pelas FARC As mais recorrentes foram emboscadas extorsotildees ataques agraves instalaccedilotildees

estatais entre outros Essas accedilotildees da guerrilha coincidiram cronologicamente com o atentado

contra as torres gecircmeas em 11 de setembro de 2001 em Nova York o qual desencadeou a

war on terrorism em escala global

Apoacutes os atentados de 11 de setembro a guerra contra o terrorismo global se tornou o

eixo principal da seguranccedila e poliacutetica externa norte-americana o que levou Washington a

direcionar sua atenccedilatildeo para outras regiotildees do globo fazendo com que neste contexto a

Ameacuterica Latina e Caribe deixassem de ser suas prioridades bem como o combate agraves drogas

tambeacutem perdesse terreno poliacutetico nos EUA De acordo com Coletta A Youngers e Eileen

Rosin (2005b) os funcionaacuterios encarregados da poliacutetica externa dos Estados Unidos para a

regiatildeo buscaram conseguir atenccedilatildeo e recursos colocando um leque amplo de assuntos no

mesmo bojo do terrorismo e narcoterrorismo referindo-se ldquoa todas as atividades

transfronteiriccedilas ilegais como potenciais ameaccedilas terroristas como a produccedilatildeo e traacutefico de

droga imigraccedilatildeo ilegal traacutefico de armas e lavagem de dinheirordquo chegando ao ponto de o

Comando Sul no momento do deliacuterio antiterrorismo declarar que as drogas eram uma ldquoarma

de destruiccedilatildeo massivardquo (YOUNGERS ROSIN 2005b p 12 traduccedilatildeo nossa)

Em 23 de setembro de 2001 a administraccedilatildeo Bush publicou a ordem executiva 13224

que apresentava uma lista de organizaccedilotildees terroristas que passaram a serem consideradas

como ameaccedilas para a seguranccedila nacional dos EUA em outubro do mesmo ano as FARC

foram incluiacutedas nessa lista de Terroristas Globais57

O presidente Bush chegou a identificar a

guerrilha como ldquogrupo narcotraficanterdquo e ldquosenhores da drogardquo O governo Colombiano em

dezembro de 2001 emitiu um informe ao Comitecirc Contra o Terrorismo do Conselho de

Seguranccedila da ONU no qual anunciou a criaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo contra o terrorismo

chamado El Camino Hacia la Paz y la Estrategia Contra el Terrorismo compreendendo os

ldquoprincipais riscos e ameaccedilas a seguranccedila regional hemisfeacuterica e mundial estatildeo representados

pelo crime transnacional (terrorismo narcotraacutefico traacutefico iliacutecito de armas lavagem de

dinheiro etc)rdquo (COLOcircMBIA 2001 p 50)

57

As FARC jaacute tinham sido consideradas ldquoOrganizaccedilatildeo Estrangeira Terroristardquo pelo Departamento de Estado em

1997

88

Ainda em 2001 o governo Bush elaborou a Iniciativa Regional Andina durante a III

Cuacutepula das Ameacutericas a qual depois foi apresentada e aprovada pelo Senado estadunidense

procurava abranger os mesmos paiacuteses da Iniciativa anterior58

e previa um orccedilamento de US$

731 para o ano fiscal de 2002 e estava distribuiacutedo da seguinte forma US$ 399 para a

Colocircmbia US$ 2061 milhotildees para o Peru US$ 1435 milhotildees para Boliacutevia US$ 765

milhotildees para o Equador US$ 262 para o Brasil US$ 205 milhotildees para o Panamaacute e US$ 105

milhotildees para Venezuela (BUITRAGO 2003 p 133) Segundo Villa e Ostos (2005) o

programa teve a sua nomenclatura alterada posteriormente para Iniciativa Andina Antidrogas

com o orccedilamento de US$ 700 milhotildees para 2003 e de US$ 731 milhotildees para 2004 sendo que

a Colocircmbia devido a sua prioridade estrateacutegica no combate agraves drogas ficaria com a maior

parte do recurso cerca de 63 e o restante seria divido em ordem de prioridade entre os

outros paiacuteses andinos na seguinte sequecircncia Peru Boliacutevia e Equador

A partir do Plano Colocircmbia e da Iniciativa Regional Andina a (in)definiccedilatildeo do traacutefico

de drogas como potencial ameaccedila terrorista permitiu aos EUA redirecionarem os seus

esforccedilos para combater o narcotraacutefico o crime organizado transterritorial e a insurgecircncia (das

FARC-EP na Colocircmbia ao Sendero Luminoso no Peru) como uma de suas prioridades em

mateacuteria de seguranccedila para a regiatildeo andina influindo direta e indiretamente nas agendas de

seguranccedila nacionais e regionais Ao colocar o traacutefico de drogas terrorismo e guerrilha sob o

mesmo tropo a compreensatildeo sobre as diferenccedilas particularidades e significados que existem

entre esses fenocircmenos seus agentes e suas atividades a niacutevel domeacutestico regional e global foi

prejudicada incorrendo em accedilotildees militares assimeacutetricas para combatecirc-las Isso eacute verificaacutevel

nas estrateacutegias de seguranccedila estadunidense para o arco andino as quais se tornaram

gradualmente mais ofensivas para responder agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo Tais redimensionamentos

repercutiram indireta e diretamente nos Andes colocando em questatildeo os atores regionais e

seus papeacuteis concernentes agrave seguranccedila

O papel desempenhando pelos EUA foi decisivo no processo de ldquoimposiccedilatildeordquo das

ldquoguerras agraves drogasrdquo no arco andino no entanto deve-se problematizar a unilateralidade das

poliacuteticas de Washington pois a implantaccedilatildeo da poliacutetica de drogas repressiva e seus

desdobramentos tecircm responsabilidade compartilhada (THOUMI 2001) A pressatildeo exercida

pelos diferentes governos estadunidenses recebeu algumas resistecircncias pontuais por exemplo

no que concerne agrave criaccedilatildeo de uma forccedila militar multinacional antidrogas que seria

58

Conferir Mapa 5 da seccedilatildeo anexos

89

administrada por Washington Os paiacuteses andinos incorporaram a percepccedilatildeo norte-americana

do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila gradativamente em um processo contiacutenuo de

construccedilatildeo Os marcos regulatoacuterios nacionais e as poliacuteticas de drogas implementados pelos os

Estados da regiatildeo no decorrer da emergecircncia do narcotraacutefico como ameaccedila corroboraram

para a prevalecircncia dessa construccedilatildeo e para o enraizamento do problema impedindo qualquer

iniciativa que favoreccedila o avanccedilo do debate sobre a legalizaccedilatildeo das drogas ou de outras

alternativas para a questatildeo A regiatildeo andina se tornou no decurso das trecircs uacuteltimas deacutecadas

um laboratoacuterio de experimentaccedilatildeo da guerra assimeacutetrica contra as drogas mas isso natildeo

ocorreu sem anuecircncia de governos andinos e de parte da sociedade que os apoiaram A

identificaccedilatildeo do traacutefico de drogas com problemas tradicionais de seguranccedila regional e

nacional bem como a sua vinculaccedilatildeo com a guerrilha e com o terrorismo demonstram que

esse processo de construccedilatildeo da ameaccedila foi exitoso ndash poreacutem improfiacutecuo no que tange aos seus

resultados ndash mas com alcances diferentes de acordo com as particularidades das poliacuteticas de

seguranccedila a esse respeito O proacuteximo capiacutetulo abordaraacute como cada paiacutes se alinhou e ou

contestou agraves diretrizes internacionais o desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo

das drogas iliacutecitas em cada Estado da CAN

90

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila Democraacutetica

A Colocircmbia estaacute entre os paiacuteses que mais auferiram recursos financeiros dos EUA

para pocircr em curso programas militares e ou de seguranccedila consequentemente eacute tambeacutem o

principal aliado de Washington na Ameacuterica do Sul A influecircncia do paiacutes norte-americano

sobre a Colocircmbia atravessou todo o seacuteculo XX

No final do seacuteculo passado a Colocircmbia passava por um momento de agravamento do

conflito interno que atingiu proporccedilotildees calamitosas59

e de expansatildeo das atividades do traacutefico

de drogas Naquele momento o paiacutes apresentou um crescimento desenfreado do cultivo de

coca que passou de 101800 ha em 1998 para 160100 ha em 1999 e da produccedilatildeo de cocaiacutena

que no mesmo periacuteodo passou de 435 para 680 toneladas meacutetricas (UNODC 2005 p 61)

Este crescimento do cultivo da coca e da produccedilatildeo de cocaiacutena estaacute relacionado com a

mudanccedila da dinacircmica do traacutefico de drogas ocorrida em meados de 1990 quando a ldquoponte

aeacutereardquo que ligava os centros de cultivo de coca na Boliacutevia e no Peru agraves instalaccedilotildees de

processamento de cocaiacutena na Colocircmbia foi desarticulada o que motivou o aumento dos

plantios de coca na Colocircmbia a partir da segunda metade dos anos 1990 Em 2000 o paiacutes

produzia 70 da cocaiacutena do mundo Frente a este quadro os governos de Andreacutes Pastrana

Arango (1998-2002) e Aacutelvaro Uribe Veacutelez (2002-2010) se propuseram consecutivamente

elaborar estrateacutegias para conter as fontes de financiamento do traacutefico de drogas e para

restabelecer a paz no paiacutes

Assim que assumiu a presidecircncia Pastrana declarou ldquoguerra agraves drogasrdquo e criou

iniciativas para modernizar e reequipar a poliacutecia nacional e as forccedilas armadas Pastrana tinha

como um dos seus objetivos chegar a um termo com as FARC que era o maior grupo

guerrilheiro colombiano e um dos atores centrais do conflito para consolidar a paz no paiacutes

59

No transcurso da deacutecada de 1990 o conflito armado na Colocircmbia resultou em numerosos iacutendices de mortos

desaparecidos sequestrados feridos chacinas massacres e refugiados Entre o comeccedilo de 1990 ateacute marccedilo de

2002 cerca de 37 mil pessoas foram mortas pelo conflito Outro nuacutemero alarmante foi o de refugiados

forccedilados dentro do territoacuterio colombiano que atingiu 2900000 pessoas (SANTOS 2007 p 183)

91

No ano de 199960

a administraccedilatildeo de Pastrana apresentou o Plan Colombia Plan para la

paz la prosperidad y el fortalecimiento del Estado que contemplava dez estrateacutegias 1) uma

estrateacutegia econocircmica para geraccedilatildeo de empregos e robustecimento da arrecadaccedilatildeo de impostos

para fortalecimento do Estado contra o narcotraacutefico 2) uma estrateacutegia fiscal e financeira para

fomentar a atividade econocircmica 3) uma estrateacutegia de paz com a guerrilha 4) uma estrateacutegia

para a defesa nacional para reestruturar e modernizar as forccedilas armadas e a poliacutecia 5) uma

estrateacutegia judicial e de direitos humanos 6) uma estrateacutegia antinarcoacuteticos coordenada com os

paiacuteses envolvidos na cadeia do narcotraacutefico 7) uma estrateacutegia de desenvolvimento

alternativo 8) uma estrateacutegia de participaccedilatildeo social com a finalidade de gerar o compromisso

da sociedade em geral 9) uma estrateacutegia de desenvolvimento humano com atenccedilatildeo especial

aos grupos vulneraacuteveis e 10) uma estrateacutegia de orientaccedilatildeo internacional que aborde o tema

das drogas a partir dos princiacutepios de corresponsabilidade accedilatildeo integrada e tratamento

equilibrado (COLOcircMBIA 1999) No ano 2000 apoacutes as negociaccedilotildees entre os governos

Pastrana e Clinton foi lanccedilada a quarta versatildeo do Plano a qual previa cinco componentes

principais para a assistecircncia norte-americana 1) melhoramento da capacidade de governanccedila

e respeito aos direitos humanos 2) expansatildeo das operaccedilotildees para o sul da Colocircmbia 3)

desenvolvimento econocircmico alternativo 4) aumento da interdiccedilatildeo na Colocircmbia e na regiatildeo

5) assistecircncia para a Poliacutecia Nacional da Colocircmbia

O Plano Colocircmbia foi uma das estrateacutegias mais abrangentes delineadas pelo governo

colombiano em parceria com os EUA para enfrentar o conflito armado e o narcotraacutefico Para

colocaacute-lo em praacutetica estava previsto um orccedilamento total de US$75 bilhotildees ndash sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional ndash e a estimativa de duraccedilatildeo era de cinco anos O

plano surge principalmente para combater o traacutefico de drogas e na sua ediccedilatildeo de 1999 o

narcotraacutefico era entendido como ldquouma ameaccedila para a seguranccedila interna natildeo soacute da Colocircmbia

mas tambeacutem para as outras naccedilotildees consumidoras e produtorasrdquo (COLOcircMBIA 1999 traduccedilatildeo

nossa) Este trecho expressa bem a influecircncia dos Estados Unidos que sob a premissa de

combater uma ldquoameaccedilardquo global incluiu todos os paiacuteses andinos na luta contra o

ldquonarcotraacuteficordquo O Plano trazia consigo a marca da ambiguidade Por um lado procurava

abordar as urgecircncias e problemas internos por outro respondia a interesses nacionais

regionais e geopoliacuteticos dos EUA A ambiguidade reflete natildeo apenas no conteuacutedo do plano

60

A primeira versatildeo do plano foi elaborada em 1998 cuja abordagem era mais focada nas questotildees sociais e

econocircmicas entendidas como os principais fatores para alcanccedilar a paz na Colocircmbia A segunda versatildeo foi

apresentada em junho de 2009 e a terceira foi publicada em setembro do mesmo ano

92

mas tambeacutem na forma como ele seria executado por exemplo o plano de paz que previa

soluccedilatildeo negociada com as FARC apoacutes a nova redaccedilatildeo sob as orientaccedilotildees de Washington no

ano de 2000 se tornou uma estrateacutegia de contrainsurgecircncia

Juan Gabriel Tokatlian (2009) aponta que a militarizaccedilatildeo da luta contra o narcotraacutefico

formulada sob o Plano Colocircmbia operou uma redefiniccedilatildeo dos interesses regionais dos EUA

no arco andino isto se deve ao paradigma securitaacuterio estadunidense que legitima a poliacutetica

intervencionista na regiatildeo para combater o narcotraacutefico que eacute considerado um problema natildeo

apenas transnacional mas tambeacutem internacional e geopoliacutetico Segundo Tokatlian

inicialmente a assistecircncia de Washington para o Plano Colocircmbia era restrita ao combate

contra o narcotraacutefico mas a partir dos atentados contra as torres gecircmeas em 2001 o governo

colombiano passou a tratar as FARC e as organizaccedilotildees criminosas como grupos terroristas e

isto permitiu que os fundos para o Plano fossem destinados tambeacutem para combater as

guerrilhas e internacionalizasse o conflito ocasionando o ldquoefeito derramerdquo ou seja a

intensidade dos combates contra o ldquonarcoterrorismordquo incorreu no espalhamento das atividades

do narcotraacutefico para as fronteiras e para dentro dos territoacuterios nacionais dos paiacuteses vizinhos

assim como outros fatores ligados direta e indiretamente agrave esta atividade iliacutecita

Desde o ano de seu lanccedilamento ateacute 2002 o Plano teve impacto sobre o plantio de

coca A erradicaccedilatildeo forccedilada que combinava accedilotildees de erradicaccedilatildeo manual e fumigaccedilotildees aeacutereas

com o uso de glifosato fizeram com que o total de cultivos que era de 163000 ha em 1999

fosse reduzido para 102000 ha em 2002 O uso indiscriminado de glifosato aleacutem de

aumentar os custos com a erradicaccedilatildeo provocou o deslocamento forccedilado de milhares de

famiacutelias impulsionando tambeacutem a transferecircncia dos cultivos para as aacutereas situadas nas

regiotildees limiacutetrofes principalmente na fronteira com o Equador como satildeo os casos dos

Departamentos de Narintildeo e Putumayo

Os resultados do Plano Colocircmbia ateacute o comeccedilo de 2001 foram vistos pelo presidente

norte-americano Clinton como piacutefios Mesmo com a reduccedilatildeo gradativa dos cultivos o traacutefico

de cocaiacutena continuava prosperando pois para Washington o fim dos ldquocarteacuteis colombianosrdquo

resultou no surgimento de inuacutemeros outros grupos narcotraficantes menores fazendo com que

ocorresse um processo de ldquodemocratizaccedilatildeo do narcotraacuteficordquo (FUKUMI 2008) Aleacutem disso as

93

negociaccedilotildees do presidente Pastrana com as FARC natildeo avanccedilaram61

assim como o governo

natildeo conseguiu fortalecer a presenccedila institucional no territoacuterio colombiano principalmente nas

aacutereas afetadas pela pobreza e pela violecircncia crescente Sua figura foi associada ao fracasso

poliacutetico e o marco simboacutelico dessa situaccedilatildeo foi o sequestro do aviatildeo comercial perpetrado

pelas FARC no comeccedilo de 2002 Todos os passageiros foram sequestrados e o presidente da

comissatildeo de paz do congresso foi feito refeacutem Essa accedilatildeo motivou Pastrana a romper o

processo de negociaccedilatildeo de paz De acordo com Villa e Ostos (2005) o maior ecircxito da

administraccedilatildeo de Pastrana foi no aspecto externo ldquoao restabelecer plenamente as relaccedilotildees

com os EUA aceitando no entanto a internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano e da luta

contra o narcotraacutefico por meio de mecanismos concretos como o Plano Colocircmbiardquo (VILLA

OSTOS 2005 p 7)

A eleiccedilatildeo no primeiro turno de Aacutelvaro Uribe em 2002 foi marcada pela sua bandeira

de luta contra a guerrilha apostando no uso da forccedila militar sob o lema mano firme y corazoacuten

grande o que divergia da poliacutetica de negociaccedilatildeo de seu antecessor A persistente existecircncia

das FARC e o seu espalhamento com a formaccedilatildeo de novas frentes de luta insurgente pelo

territoacuterio colombiano bem como o contexto da guerra contra o terrorismo promoveram uma

mudanccedila de como a guerra agraves drogas deveria ser conduzida Os atentados de 11 de setembro

criaram um ambiente favoraacutevel para que o receacutem-empossado presidente Uribe (2002-2010)

apresentasse o seu plano de seguranccedila no qual a insurgecircncia eacute classificada como ldquoterrorismordquo

e suas atividades como ldquonarcoterroristasrdquo Esta mudanccedila discursiva coadunava com a visatildeo

estadunidense sobre o conflito colombiano

O governo colombiano foi apoiado pelos EUA o presidente Bush enviou US$ 100

milhotildees para reequipar as forccedilas armadas para o combate ao ldquonarcoterrorismordquo e para a

proteccedilatildeo de oleodutos (TEICHER 2005) Esta forte presenccedila de Washington nos assuntos

internos da Colocircmbia estaacute relacionado com aquilo que Arlene B Tickner (2007) chamou de

ldquointervenccedilatildeo por conviterdquo ou seja tanto o presidente Pastrana quanto Uribe recorreram aos

EUA para que este paiacutes interviesse em sua poliacutetica domeacutestica para auxiliar na luta contra o

traacutefico de drogas e contra os grupos armados insurgentes

Nos primeiros anos de seu mandato Uribe concentrou seus esforccedilos para reafirmar o

controle do governo em todo o paiacutes e executar o Plano Colocircmbia As principais medidas

61

O presidente Pastrana chegou a conceder para a guerrilha uma zona desmilitarizada que cobria 40 do

territoacuterio colombiano (VILLA OSTOS 2005 p 7)

94

adotadas nos primeiros anos de seu governo foram a) a promulgaccedilatildeo de um decreto

emergencial que concedia poderes ao presidente para recrutar ateacute 6000 soldados para a elite

de brigadas moacuteveis 10 mil novos policiais e 100000 informantes civis b) a criaccedilatildeo de um

imposto de guerra para taxar em 12 a renda de pessoas ricas e grandes empresas no intuito

de levantar $ 800 milhotildees para criaccedilatildeo de 2 batalhotildees de elite com 3 mil soldados e a para a

contrataccedilatildeo de 10 mil policiais c) o lanccedilamento do Plano Meteoro o qual criou sete unidades

militares de seguranccedila rodoviaacuteria que integrava os Ministeacuterios da Defesa e do Transporte d)

e a apresentaccedilatildeo de um plano para armar entre 15 a 20 mil camponeses que seriam a primeira

linha de defesa contra guerrilheiros e paramilitares em aacutereas onde natildeo haacute presenccedila militar

(TEICHER 2005 p 7) A ecircnfase dada agrave presenccedila militar pelo governo colombiano tinha o

intuito de simbolizar e exercer efetivamente o poder do Estado sobre o territoacuterio e a

populaccedilatildeo mas tambeacutem criar as condiccedilotildees necessaacuterias para garantir um ambiente seguro para

a entrada do capital financeiro internacional e de seus investimentos

O Plano Colocircmbia incidiu sobremaneira na Poliacutetica de Defensa y Seguridad

Democraacutetica (tambeacutem conhecida como Poliacutetica Seguridad Democraacutetica - PSD)

implementada em 2003 que se tornou o marco legal orientador das questotildees de seguranccedila

neste paiacutes A PSD foi concebida como poliacutetica de Estado a longo prazo que deveria ser

desenvolvida por todos oacutergatildeos governamentais Esta poliacutetica objetivava recuperar a

legitimidade a legalidade e a governabilidade do Estado colombiano para aprofundar e

assegurar o Estado de Direito em todo o territoacuterio colombiano por meio da preservaccedilatildeo da

autoridade democraacutetica (COLOMBIA 2003) O governo Uribe tinha o propoacutesito de fortalecer

as instituiccedilotildees do Estado e reunificar o territoacuterio nacional politicamente fragmentado e a PSD

cumpriria esta tarefa pois a sua finalidade era ldquorestabelecer a ordem e a integridade territorial

na Colocircmbia e fortalecer a autoridade do Estadordquo (VILLA VIANA 2008 p167) A PSD foi

elaborada sobre trecircs alicerces fundamentais

Consolidaccedilatildeo do territoacuterio nacional (com destaque para o papel das

Forccedilas Armadas e uma desmobilizaccedilatildeo dos grupos paramilitares)

eliminaccedilatildeo do comeacutercio das drogas iliacutecitas fortalecendo para isso a

poliacutetica de fumigaccedilatildeo das zonas de plantio e combate pelo Exeacutercito

aos grupos de narcotraficantes e proteccedilatildeo das fronteiras mediante

acordos com os paiacuteses vizinhos (VILLA VIANA 2008 p167)

A PSD tinha como um dos seus pontos centrais qualificar o conflito armado como

ameaccedila militar De acordo com o governo os grupos guerrilheiros seriam financiados pelo

narcotraacutefico e utilizam ldquopraacuteticas terroristasrdquo como taacutetica de guerra portanto essa ameaccedila

95

militar deveria ser prioridade para seguranccedila nacional Essa poliacutetica militarista do governo

colombiano se aproximou das propostas de Washington de guerra ao terror (QUIROGA

2003) Essa descaracterizaccedilatildeo da dimensatildeo poliacutetica do conflito e das reivindicaccedilotildees dos

grupos insurgentes permitiu ao governo Uribe declarar desde o iniacutecio de seu governo o

ldquoestado de conmocioacuten interiorrdquo de acordo com a constituiccedilatildeo de 1991 ou seja essa

declaraccedilatildeo de estado de exceccedilatildeo permitiu ao presidente conceder poderes excepcionais agraves

forccedilas armadas acima das instituiccedilotildees judiciaacuterias do Estado submetendo tambeacutem as

autoridades civis eleitas democraticamente aos respectivos comandantes locais (VILLA

VIANA 2008 p169)

Este fortalecimento do papel das forccedilas armadas para combater as guerrilhas e o

narcotraacutefico era ambiacuteguo pois o conflito de interesses para resoluccedilatildeo do problema ficou

evidente nas formas distintas de tratar as guerrilhas e os grupos paramilitares No primeiro

caso cessaram-se as negociaccedilotildees e foi declarada guerra agraves FARC e a ELN no segundo o

governo iniciou em 2003 o processo de Desmobilizacioacuten Desarme y Reinsercioacuten (DDR) dos

grupos paramilitares A partir daiacute foi aberto um canal de diaacutelogo do governo com as AUC ndash o

maior e o mais bem armado grupo paramilitar colombiano no comeccedilo dos anos 2000 ndash que

visava a desmobilizar e desarmar cerca de 34 blocos da organizaccedilatildeo e reincorporar os seus

membros agrave vida civil com garantia de seus direitos Tal accedilatildeo objetivava unificar a poliacutetica de

seguranccedila e restabelecer o monopoacutelio estatal do uso da forccedila entretanto o paramilitarismo

natildeo foi extinto e continua descentralizado e presente em vaacuterios pontos do territoacuterio

colombiano principalmente como ldquobandas criminais emergentesrdquo (Bacrim)62

O presidente Uribe ao impor a sua poliacutetica de seguranccedila natildeo levou em consideraccedilatildeo

os problemas estruturais de longa duraccedilatildeo da Colocircmbia e a complexidade do conflito A

simplificaccedilatildeo do processo trouxe consequecircncias indeleacuteveis para a populaccedilatildeo e os deslocados

internos estavam entre os mais prejudicados com a crise dos direitos humanos a negaccedilatildeo do

direito internacional humanitaacuterio e a ausecircncia de garantias miacutenimas de sobrevivecircncia aleacutem da

natildeo distinccedilatildeo entre combatentes e natildeo combatentes que provocou inuacutemeros casos de

violaccedilotildees dos direitos humanos No ano de 2002 os deslocamentos internos alcanccedilaram

iacutendices elevados atingindo 411779 pessoas um aumento de 20 em relaccedilatildeo a 2001

62

As bandas criminales emergentes conhecidas pela sigla Bacrim em sua maioria emergiram apoacutes o processo

de desmobilizaccedilatildeo dos blocos que compunham as AUC Muitos de seus integrantes natildeo aceitaram se

desmobilizar e se reestruturaram e se fragmentaram em inuacutemeros novos grupos criminosos que continuaram

exercendo atividades iliacutecitas sendo o traacutefico de drogas uma das principais A nomenclatura Bacrim foi

utilizada pelo presidente Uribe para denunciar este fenocircmeno

96

(VIANA 2009 p 137) Para tentar solucionar o problema uma das medidas anunciadas pelo

Presidente Aacutelvaro Uribe Veacutelez foi a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Desenvolvimento

(2002-2006) o qual colocou a questatildeo dos deslocamentos internos como o maior problema

humanitaacuterio da Colocircmbia e se tornou prioridade no Plano Nacional de Defesa com a

promulgaccedilatildeo da lei 812 de 2003

A PSD considera fundamental para o fortalecimento do Estado de Direito a

consolidaccedilatildeo gradativa do controle estatal sobre a totalidade do territoacuterio nacional Para

consecuccedilatildeo deste objetivo o Estado colombiano utiliza com veemecircncia as Forccedilas Armadas e

a Poliacutecia Nacional para combater diferentes tipos de ameaccedilas sendo que muitas delas estatildeo

interligadas e satildeo de natureza transnacional o terrorismo o comeacutercio de drogas iliacutecitas as

financcedilas iliacutecitas o traacutefico de armas municcedilotildees e explosivos o sequestro e a extorsatildeo o

homiciacutedio (COLOMBIA 2003) O governo colombiano concebe o terrorismo e o traacutefico de

drogas como ldquoameaccedilas indissociaacuteveisrdquo conforme a Resoluccedilatildeo 1373 de 2001 do Conselho de

Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas a qual trata traacutefico de drogas crime organizado transnacional e

o terrorismo internacional como atividades inter-relacionadas63

A partir deste quadro

normativo as forccedilas armadas tecircm direcionado suas accedilotildees ao combate ao terrorismo e ao crime

organizado internacional desempenhado por uma seacuterie de organizaccedilotildees criminosas e grupos

subversivos que segundo o governo colombiano eram principalmente as FARC e em menor

grau o ELN

No comeccedilo do ano de 2007 o governo colombiano anunciou o lanccedilamento da

Estrategia de Fortalecimiento de la Democracia y del Desarrollo Social 2007-2013 (ou Plano

Colocircmbia II) que pretendia angariar apoio da ldquocomunidade internacionalrdquo sobretudo os

EUA para implementar a segunda fase do Plano Colocircmbia Diana Marcela Rojas (2007)

aponta que a Estrateacutegia pretendia consolidar as conquistas do Plano Colocircmbia I a partir de

uma reinterpretaccedilatildeo retrospectiva do primeiro Plano procurando ampliaacute-lo e aprofundaacute-lo e

natildeo restringi-lo agrave luta antidrogas e ao combate agraves guerrilhas Portanto deveria abarcar um

63

A Resoluccedilatildeo 1373 em seu art 4 ldquoObserva com preocupaccedilatildeo a estreita conexatildeo entre o terrorismo internacional

e o crime organizado transnacional as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro traacutefico ilegal de armas e a

circulaccedilatildeo iliacutecita materiais nucleares quiacutemicos materiais bioloacutegicos e outros materiais potencialmente letais e

nesse sentido enfatiza a necessidade de melhorar a coordenaccedilatildeo de esforccedilos em niacuteveis nacional sub-regional

regional e internacional a fim de reforccedilar uma resposta global a este grave problema e a esta grande ameaccedila agrave

seguranccedila internacionalrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwbportugalptpt-

PTLegislacaoenormasDocumentsResolucao1373ano2001pdfgt Acesso em 22 dez 2015

97

conjunto de estrateacutegias e contaria com o orccedilamento de US$ 438366 milhotildees dos quais 48

seriam dirigidos para as questotildees sociais

A administraccedilatildeo Uribe apresentou no mesmo ano a Poliacutetica de Consolidacioacuten de la

Seguridad Democraacutetica (PCSD) que ldquoestabelece as prioridades e objetivos poliacuteticos

especiacuteficos que orientariam a accedilatildeo do Ministeacuterio de Defesa as Forccedilas Armadas e a Poliacutecia

Nacionalrdquo (COLOMBIA 2007 p 29) e seu aspecto fundamental seria a Doutrina de Accedilatildeo

Integral (DAI) que constitui a ldquoprincipal coordenaccedilatildeo do uso legiacutetimo da forccedila e accedilatildeo social

do Estadordquo para determinar as accedilotildees mais adequadas em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo da

estrateacutegia militar e policial contra as principais ameaccedilas sobretudo aquelas relacionadas ao

crime organizado internacional Dentre os seus objetivos estatildeo a proteccedilatildeo da populaccedilatildeo contra

todas as ameaccedilas e o impedimento do desenvolvimento da atividade do narcotraacutefico elevando

os custos de sua realizaccedilatildeo

O combate ao narcotraacutefico eacute realizado mormente pela Divisatildeo Antinarcoacuteticos da

Poliacutecia Nacional Os militares estatildeo envolvidos na luta contra o traacutefico de drogas iliacutecitas ou

por meio de operaccedilotildees conjuntas com a poliacutecia ou por accedilotildees independentes Esse

envolvimento militar acontece especialmente pela Brigada Antinarcoacutetico do Exeacutercito

colombiano com base em Tres Esquinas (Putumayo) composta por 3 batalhotildees atribuiacutedos agrave

Fuerza de Tarea Conjunta del Sur cuja organizaccedilatildeo e formaccedilatildeo que comeccedilou em 1999

tiveram participaccedilatildeo ativa dos Estados Unidos por meio do Plano Colocircmbia (COMANDO

CONJUNTO DE LAS FUERZAS ARMADAS [2013])

Em 2011 durante o governo de Juan Manuel Santos foi implantada a Poliacutetica Integral

de Seguridad y Defensa para Prosperidad visando dentre outras questotildees diminuir a

produccedilatildeo nacional de narcoacuteticos fortalecer as capacidades de interdiccedilatildeo desarticular as

bandas criminales (Bacrim) e desmantelar os grupos armados agrave margem da lei O documento

considera como ameaccedila as FARC e o ELN as Bacrim as miliacutecias e redes criminosas a

delinquecircncia comum e o crime organizado (COLOMBIA 2011 p 19) Segundo o

documento o surgimento de um novo cenaacuterio nas uacuteltimas deacutecadas marcado pelas

transformaccedilotildees das ameaccedilas fez com que estas migrassem do acircmbito nacional para o regional

e o Ministeacuterio de Defesa Nacional as Forccedilas Militares a Poliacutecia Nacional e demais

instituiccedilotildees ligadas ao setor de seguranccedila teratildeo como tarefa principal a superaccedilatildeo da violecircncia

promovida por estas ameaccedilas para consolidaccedilatildeo da presenccedila estatal na totalidade do territoacuterio

nacional Para tanto o Ministeacuterio da Defesa delinearaacute um conjunto de estrateacutegias para atuar

98

com forccedilas polivalentes na seguranccedila interna e dissuasatildeo externa para conter a dinacircmica do

crime transnacional (COLOMBIA 2011)

Com a chegada de Juan Manuel Santos em 2010 ocorreu uma mudanccedila na poliacutetica

externa colombiana principalmente no que tange agraves relaccedilotildees com os paiacuteses vizinhos como o

Equador e a Venezuela cujas relaccedilotildees foram prejudicadas principalmente por conta da

internacionalizaccedilatildeo do conflito interno durante a administraccedilatildeo de Uribe e de sua agenda para

fortalecimento das relaccedilotildees na Ameacuterica do Sul Em relaccedilatildeo agrave seguranccedila a Poliacutetica Integral de

Seguranccedila de Manuel Santos manteacutem as forccedilas militares na atuaccedilatildeo da seguranccedila interna e na

luta antidrogas A retomada das negociaccedilotildees com as FARC em Havana apresentou alguns

avanccedilos e foram maiores do que os seus antecessores como a participaccedilatildeo poliacutetica da

guerrilha a aceitaccedilatildeo da proposta para criaccedilatildeo de uma Comissatildeo da Verdade com o anuacutencio

de cessar-fogo temporariamente por parte da guerrilha No entanto a luta militarizada para

combater o traacutefico de drogas e a percepccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila continuaram

As forccedilas armadas foram novamente acionadas para combater as guerrilhas insurgentes no

Plan Campantildea Espada de Honor (ou Operacioacuten Espada de Honor) no ano de 2012

Liderado pela Segunda Divisatildeo do Exeacutercito o plano pretendeu desarticular as FARC e o ELN

em 3 niacuteveis comando e controle estruturas armadas e redes de apoio As operaccedilotildees militares

ocorreram nos departamentos de Santander Boyacaacute Boliacutevar Cesar e Antioquia capturando

cerca de 428 integrantes de grupos armados ilegais As FARC tiveram 260 integrantes presos

o ELN sofreu prisatildeo de 111 membros o EPL (Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo) teve 17

integrantes presos e os outros 40 presos pertenciam as Bacrim64

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana

O Equador estaacute localizado entre os dois maiores produtores de cocaiacutena do mundo

Colocircmbia e Peru e a sua posiccedilatildeo costeira voltada para o Oceano Paciacutefico o insere na

geopoliacutetica das drogas como parte das redes do narcotraacutefico atraveacutes de seus corredores

terrestres mariacutetimos e aeacutereos e da estrateacutegia hemisfeacuterica antidrogas dos EUA No acircmbito do

traacutefico de drogas no que tange agrave produccedilatildeo circulaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo o paiacutes desempenha

quatro funccedilotildees fundamentais 1) Eacute uma das principais vias de tracircnsito de folha de coca

64

HSB Noticias Positivo balance del Plan Campantildea Espada de Honor 16 de maio de 2013 Disponiacutevel em

lthttpwwwhsbnoticiascomvernoticiaaspac=Positivo-balance-del-Plan-de-Campana-Espada-de-

HonorampWPLACA=51365gt Acesso em 25 mar 2015

99

cultivadas na Boliacutevia e no Peru para serem processadas na Colocircmbia 2) eacute ponto de partida de

diferentes rotas do traacutefico de drogas para os mercados internacionais como os EUA e

Europa65

(e mais recentemente para Aacutesia) 3) eacute mercado de contrabando de precursores

quiacutemicos utilizado no processamento da cocaiacutena e heroiacutena e de traacutefico de armas que

abastecem as organizaccedilotildees criminosas e grupos armados colombianos 4) eacute uma economia

receptora dos fluxos monetaacuterios iliacutecitos provenientes da lavagem de dinheiro66

(VEGA 2005

BONILLA URIGUumlEN 2009) O cultivo de coca no paiacutes eacute de pequena escala e inexpressivo

se comparado com Boliacutevia Colocircmbia e Peru (VEacuteLEZ 2005 BONILLA URIGUumlEN 2009

UNODC 2010a)67

No ano de 1990 o Congresso Nacional do Equador promulgou a Lei 108 sobre

Substacircncias Entorpecentes e Psicotroacutepicas a qual reproduzia no acircmbito interno a loacutegica

proibicionista e punitiva das convenccedilotildees internacionais Em seu Artigo 1ordm a Lei 108 expressa

o seu objetivo da seguinte forma ldquoEsta Lei tem como objetivo combater e erradicar a

produccedilatildeo oferta uso indevido e traacutefico iliacutecito de substacircncias entorpecentes e psicotroacutepicas

para proteger a comunidade dos perigos decorrentes destas atividadesrdquo (EQUADOR 1990

traduccedilatildeo nossa)

A lei antidrogas equatoriana depois de aprovada foi revisada pela Narcotics Affairs

Section (NAS) da Embaixada dos EUA no paiacutes e pela CICAD onde foram incorporados os

comentaacuterios e orientaccedilotildees destes oacutergatildeos Edwards (2010) salienta que esta lei em sua maior

parte era contraditoacuteria em relaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo do Equador vigente agrave eacutepoca pois dava

vazatildeo para constituir uma estrutura judicial paralela para processar os crimes relacionados agraves

drogas Assim sendo a Lei 108 se tornou uma das mais ldquoaplicadas pela administraccedilatildeo de

justiccedila penal e por um enorme aparato governamental que inclui um corpo policial

especializado instalaccedilotildees proacuteprias e um oacutergatildeo administrativo para manejar os recursos que

65

No ano de 1992 a Poliacutecia Nacional equatoriana prendeu Jorge Hugo Reyes o liacuteder do grupo narcotraficante

conhecido como Los Reys Magos (que tinha na eacutepoca um patrimocircnio de cerca de US$ 1 milhatildeo de doacutelares)

mais dois coroneacuteis e um major do exeacutercito e outros membros das forccedilas armadas do paiacutes No depoimento de

uma das fontes da poliacutecia foi denunciado que Los Reys Magos mantinham contato na Alemanha EUA Suiacuteccedila

Colocircmbia Peru e Meacutexico o que demonstrou o quatildeo articulada e extensa era a rede narcotraficante equatoriana

no iniacutecio dos anos 1990 Informaccedilotildees disponiacuteveis em lt httpwwweltiempocomarchivodocumentoMAM-

160772gt Acesso em 12 abr 2015 66

A dolarizaccedilatildeo integral da economia a partir de 2000 foi um fator imprescindiacutevel para inserir a economia

equatoriana nos circuitos da lavagem de dinheiro 67

Segundo o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas de 2011 no Equador o cultivo de coca eacute de 004 do total

regional Fredy Rivera Veacutelez (2005) explica que um dos motivos para a quase inexistecircncia do cultivo de folha

de coca no Equador estaacute relacionado com a eliminaccedilatildeo da coca das praacuteticas ritualiacutesticas e tradicionais dos

povos indiacutegenas da regiatildeo pelo governo colonial no seacuteculo XVII Mesmo com o fim do periacuteodo colonial o uso

tradicional da folha de coca natildeo foi reavivado no paiacutes pelos camponeses

100

gera a luta contra o narcotraacuteficordquo (CORDERO HEREDIA 2010 apud EDWARDS 2010 p

8 traduccedilatildeo nossa) Esta lei se tornou uma das mais riacutegidas da Ameacuterica Latina68

sobretudo

pelo fato de ser influenciada diretamente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves drogasrdquo dos EUA e por

atender irrefletidamente as exigecircncias dos regimes internacionais

A Lei 108 criou o Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y

Psicotroacutepicas (CONSEP) um oacutergatildeo oficial com orccedilamento proacuteprio sediado na capital Quito

cuja finalidade eacute coordenar a aplicaccedilatildeo da lei antidrogas na esfera nacional (EQUADOR

1990)69

O CONSEP tem como missatildeo o cumprimento da poliacutetica de Estado e da Declaraccedilatildeo

de Interesse nacional e estabelecer as poliacuteticas e normas teacutecnicas inerentes agrave problemaacutetica das

drogas70

No decurso dos anos 1990 a poliacutetica antidrogas do Equador foi enrijecendo

progressivamente conforme implementava o princiacutepio da ldquoguerra agraves drogasrdquo entretanto esta

temaacutetica natildeo era prioridade nesse contexto pois a contenda fronteiriccedila com o Peru que

culminou numa guerra entre os dois Estados era a principal questatildeo a ser tratada pelo

governo equatoriano exigindo a atuaccedilatildeo integral das forccedilas armadas

Apoacutes o teacutermino e resoluccedilatildeo do conflito limiacutetrofe com o paiacutes vizinho o governo

equatoriano se viu diante de um cenaacuterio de violecircncia na fronteira norte com a Colocircmbia

gerada pela atuaccedilatildeo das guerrilhas grupos paramilitares e narcotraficantes Essa situaccedilatildeo fez

com que o as autoridades equatorianas reavaliassem a agenda de seguranccedila nacional e o papel

que deveriam ter as forccedilas de seguranccedila da naccedilatildeo A partir de entatildeo o combate ao

narcotraacutefico ganha proeminecircncia na agenda de seguranccedila principalmente no que tange agrave

reduccedilatildeo da oferta Essa mudanccedila de ecircnfase culminou em um aumento da assistecircncia

econocircmica dos EUA para as forccedilas militares e policiais entre o periacuteodo de 1996 e 1999

passando de US$ 3 milhotildees para quase US$ 13 milhotildees (EDWARDS 2010 p 4) Com

efeito a estrateacutegia de controle de drogas adotada pelo governo equatoriano sob pressatildeo

estadunidense produziu inuacutemeros efeitos no paiacutes Um desses efeitos foi a competiccedilatildeo entre a

68

A Lei 108 natildeo distinguia consumidores mulas (transportadores de pequenas quantidades de drogas) pequenos

traficantes e as grandes redes de traacutefico de drogas internacional todos eram julgados da mesma forma e sem

proporcionalidade um indiviacuteduo condenado por vinculaccedilatildeo ao narcotraacutefico era punido com doze a quinze anos

de cadeia Depois de anos de sua elaboraccedilatildeo esta lei sofreu algumas alteraccedilotildees em 1997 e passou a diferenciar

traficantes de consumidores e modificou as sanccedilotildees e puniccedilotildees para cada caso (EQUADOR 1990

EDWARDS 2010) 69

No periacuteodo anterior agrave criaccedilatildeo do CONSEP a instituiccedilatildeo que exercia um papel semelhante era a Divisioacuten

Nacional Contra el Traacutefico Iliacutecito de Estupefacientes (DINACONTES) 70

Estas informaccedilotildees podem ser consultadas na paacutegina virtual da CONSEP que estaacute disponiacutevel em

lthttpwwwconsepgobecgt Acesso em 13 fev 2015

101

poliacutecia nacional e as forccedilas armadas para ver quem obteria a maior fatia possiacutevel dos recursos

provenientes dos EUA aleacutem de provocar sobreposiccedilatildeo de papeacuteis entre as duas instituiccedilotildees

(VEacuteLEZ 2005)

A intensa atuaccedilatildeo das redes iliacutecitas de traacutefico ilegal de precursores quiacutemicos e de

armas municcedilotildees e explosivos em territoacuterio equatoriano fez com que o governo deste paiacutes

fosse interpretado pelos EUA como ldquofacilitadorrdquo das atividades do traacutefico de drogas na

Colocircmbia Diante da situaccedilatildeo Washington pressionou as autoridades equatorianas para

revisarem as prioridades securitaacuterias do Equador uma vez que o conflito com o Peru tinha

terminado Vasquez ressalta que o governo norte-americano considerava o Equador como um

ldquoEstado tampatildeordquo o Congresso estadunidense se referiu ao paiacutes andino como ldquobuffer zonerdquo

que poderia conter o alastramento do conflito colombiano por toda a regiatildeo andina Para que

isto acontecesse era necessaacuterio apoiar o paiacutes por meio da Iniciativa Regional Andina

O interesse geoestrateacutegico dos EUA no Equador levou agrave assinatura de um acordo entre

os presidentes Bill Clinton e Jamil Mahuad (1998-2000) em 1999 que autorizava as forccedilas

armadas norte-americanas a utilizar a base militar situada na cidade portuaacuteria de Manta como

Centro Avanccedilado de Operaccedilotildees (Forward Operating Location ndash FOL) Com a instalaccedilatildeo da

FOL foram apreendidas cerca de 1600 toneladas meacutetricas de drogas entre novembro de 1999

a dezembro de 2008 (BONILLA URIGUumlEN 2009 p 135) A relevacircncia do territoacuterio

equatoriano na luta contra o traacutefico de drogas e posteriormente contra o terrorismo foi um

dos principais fatores para se estabelecer accedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

Nas eleiccedilotildees de 2002 o militar Lucio Gutieacuterrez71

do Partido Sociedad Patrioacutetica

(PSP) se destacou durante a sua campanha eleitoral devido a sua plataforma poliacutetica anti-

sistecircmica e marcadamente de esquerda aos olhos dos eleitores parecia uma alternativa aos

partidos tradicionais que se desgastaram durante a crise poliacutetica e econocircmica (a qual levou a

dolarizaccedilatildeo do paiacutes em 2000) que se arrastava desde a deacutecada de 1990 O candidato do PSP

se comprometeu a elaborar uma nova estrateacutegia de seguranccedila independente natildeo submissa aos

EUA Todavia apoacutes ser eleito Gutieacuterrez mudou de postura diante do fato de perder a ajuda

econocircmica norte-americana o governo equatoriano manteve os laccedilos de cooperaccedilatildeo com

Washington principalmente na mediaccedilatildeo do conflito colombiano

71

Lucio Gutieacuterrez jaacute assumiu o posto de mandataacuterio do Equador quando foi presidente da Junta de Salvaccedilatildeo

Nacional que governou o paiacutes no comeccedilo de 2000 apoacutes a queda de Jamil Mahuad

102

Com a chegada de Aacutelvaro Uribe agrave presidecircncia a Colocircmbia procurou estabelecer

acordos com o Equador em mateacuteria de seguranccedila Uribe tomou um caminho diferente de seu

antecessor e priorizou a confrontaccedilatildeo direta com as FARC dando ecircnfase a uma estrateacutegia que

privilegiava a escalda militar que coadunava com a poliacutetica de seguranccedila regional norte-

americana Com a intensificaccedilatildeo das accedilotildees militares e das fumigaccedilotildees na zona de fronteira

Uribe buscou apoio dos liacutederes dos paiacuteses vizinhos para que compartilhassem da sua leitura

sobre o conflito colombiano

De acordo com Veacutelez (2005) o secretaacuterio de Defesa Donald Rumsfeld visitou Bogotaacute

em agosto de 2003 e durante a sua passagem na cidade colombiana reiterou ao seu apoio agrave

Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica de Uribe e afirmou que ldquoos grupos irregulares

colombianos satildeo uma ameaccedila para toda regiatildeo e como tal devem ser enfrentados por todos

os paiacuteses da aacutereardquo (VEacuteLEZ 2005 p 296 traduccedilatildeo nossa) Trecircs dias depois Uribe visitou o

Equador e os temas mais debatidos da agenda bilateral foram relacionados agrave seguranccedila

Durante a estadia do presidente colombiano no paiacutes vizinho foi ratificado o convecircnio de

cooperaccedilatildeo policial e foi firmada uma declaraccedilatildeo conjunta sobre seguranccedila fronteiriccedila e de

combate ao traacutefico de drogas na qual previa a criaccedilatildeo de uma comissatildeo binacional para

implementarem acordos de seguranccedila

Em junho de 2004 o presidente Gutieacuterrez lanccedilou o Plan Nacional de Prevencioacuten

Desarrollo Alternativo y Control de Drogas 2004-2008 (ou Plano Nacional de Drogas) cujo

objetivo era ldquoreduzir o cultivo produccedilatildeo fabricaccedilatildeo venda traacutefico e distribuiccedilatildeo iliacutecita de

entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas o desvio de substacircncia controladas e delitos

conexosrdquo (EQUADOR 2004) Segundo o Plano Nacional a luta contra as drogas eacute uma

poliacutetica permanente do Estado equatoriano cuja prioridade conforme subscreve o plano eacute a

prevenccedilatildeo Contudo os esforccedilos se direcionaram para a reduccedilatildeo da oferta de drogas

Para consecuccedilatildeo do Plano Nacional de Drogas o Grupo Especial Moacutevil

Antinarcoacuteticos (GEMA) criado em 1993 para conter as atividades das FARC em solo

equatoriano exercia a funccedilatildeo de controle do traacutefico de drogas em vias terrestres mariacutetimas e

fluviais a niacutevel nacional O GEMA chegou a atuar com 300 homens e contou com auxiacutelio

financeiro anual de US$ 500 mil doacutelares do Escritoacuterio Antidrogas dos EUA ateacute 2009 Desde a

sua criaccedilatildeo esta instituiccedilatildeo policial recebeu por volta de US$ 8 milhotildees de doacutelares para o seu

funcionamento (BONILLA URIGUumlEN 2009)

103

Em meados dos anos 2000 a Poliacutecia Nacional do Equador contava com outros oacutergatildeos

para controlar as drogas iliacutecitas e fazer serviccedilos de inteligecircncia por exemplo o Serviccedilo de

Investigaccedilatildeo Antinarcoacuteticos (SIAN) e a Unidade de Investigaccedilotildees Especiais (UIES) cujo

nome foi alterado posteriormente para Unidade de Luta Contra o Crime Organizado (ULCO)

A UIES atuava na seguranccedila puacuteblica monitorando os movimentos sociais de indiacutegenas

estudantes e operaacuterios e na seguranccedila nacional sobretudo no combate ao traacutefico de drogas

Adriaacuten Bonilla e Hernaacuten Moreano Uriguumlen (2009) lembram que o sistema de inteligecircncia do

Equador passou por uma crise apoacutes as forccedilas armadas colombianas realizarem a Operaccedilatildeo

Fecircnix para capturar Raul Reyes ndash o segundo no comando das FARC ndash com bombardeios as

instalaccedilotildees da guerrilha em 1 de marccedilo de 2008 na regiatildeo de Angostura Depois do ocorrido

o presidente Rafael Correa criou uma comissatildeo civil para investigar as operaccedilotildees do sistema

de inteligecircncia da Poliacutecia Nacional e das Forccedilas Armadas cuja conclusatildeo foi que as

informaccedilotildees eram processadas e encaminhas para os EUA e natildeo para o governo equatoriano

Em abril de 2009 a UIES foi desfeita e no mesmo ano foi cancelado o convecircnio que

permitia o uso da base de Manta pelos militares norte-americanos No primeiro ano que

assumiu a presidecircncia Correa tinha anunciado que natildeo renovaria o convecircnio para a utilizaccedilatildeo

da base A nova Constituiccedilatildeo do paiacutes passou a proibir terminantemente a existecircncia de bases

militares estrangeiras em territoacuterio equatoriano Bonilla e Uriguumlen ressaltam que havia

suspeitas de que a FOL tenha colaborado com informaccedilotildees que auxiliaram logisticamente a

Operaccedilatildeo Fecircnix Correa interpretou as incursotildees das forccedilas armadas vizinhas como agressatildeo

militar o que levou a ruptura das relaccedilotildees com a Colocircmbia

O Livro Branco de Defesa publicado em 2006 no seu capiacutetulo III faz uma criacutetica agrave

poliacutetica de seguranccedila implantada pelos EUA para combater o terrorismo internacional o

narcotraacutefico e o crime organizado transnacional pois esta poliacutetica promoveria cooperaccedilatildeo

bilateral e multilateral para tratar destes temas como forma de escamotear os seus interesses

O documento trata com cautela a sua definiccedilatildeo de ameaccedilas diferencia fatores que incidem

sobre a seguranccedila e que derivam de desequiliacutebrios e assimetrias econocircmicas das tensotildees

sociais e das crises poliacuteticas e institucionais que natildeo seriam consideradas ameaccedilas A defesa

nacional se ocuparia especificamente de enfrentar as ameaccedilas que colocam em risco a vida da

populaccedilatildeo e os recursos do paiacutes bem como sua integridade territorial e a soberania do Estado

(EQUADOR 2006)

104

As accedilotildees das Forccedilas Armadas equatorianas frente ao crime organizado internacional

deram-se no enfrentamento intensivo ao contrabando O aumento do emprego de accedilotildees

militares em assuntos de seguranccedila nacional ocorreu a partir de 2007 ano em que o presidente

Rafael Correia tomou posse e anunciou um plano integral com maior participaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas para a contenccedilatildeo do contrabando principalmente de combustiacutevel armas e drogas

alinhando as accedilotildees com a agecircncia alfandegaacuteria e reequipamento dos efetivos

Fronteira Equatoriano-Colombiana Guerrilhas Traacutefico de Drogas e Crise Diplomaacutetica

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica colombiana lanccedilada em 2002 pelo presidente

Uribe incidiu de modo significativo nas relaccedilotildees fronteiriccedilas entre os dois paiacuteses Com o

objetivo de eliminar os cultivos iliacutecitos as guerrilhas e as organizaccedilotildees criminosas

narcotraficantes foram intensificadas as accedilotildees militares e as fumigaccedilotildees no paiacutes ndash sobretudo

na regiatildeo limiacutetrofe com o Equador ndash as quais geraram uma situaccedilatildeo de crise humanitaacuteria que

afetou milhares de famiacutelias colombianas No periacuteodo de 1997 a 2006 o nuacutemero de deslocados

forccedilados na Colocircmbia era cerca de 22 milhotildees de pessoas que equivale a 5 da populaccedilatildeo

Soacute no ano de 2002 o nuacutemero registrado de deslocados era de 416144 (ACCIOacuteN SOCIAL

2007)

O combate militarizado contra os grupos criminosos e guerrilheiros acentuou o

conflito nas zonas limiacutetrofes da Colocircmbia e impulsionou as atividades destes grupos para

aleacutem das fronteiras Perante a gravidade da situaccedilatildeo na Colocircmbia os Estados vizinhos

aumentaram o nuacutemero de efetivos das forccedilas armadas na faixa de fronteira com este paiacutes para

evitar que os efeitos do conflito transbordassem para os seus territoacuterios O Equador mobilizou

cerca de sete mil membros das forccedilas de seguranccedila ao longo da sua fronteira como forma de

conter a penetraccedilatildeo das FARC e do crime organizado e de suas atividades ilegais

principalmente as relacionadas com o traacutefico de drogas no territoacuterio nacional

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e posteriormente o Plano Patriota

incrementaram as accedilotildees militares do Estado colombiano na fronteira sul do paiacutes

principalmente em Putumayo e Narintildeo As operaccedilotildees conjuntas das forccedilas armadas com a

poliacutecia nacional desmantelaram laboratoacuterios clandestinos cultivos iliacutecitos corredores e rotas

de traacutefico de drogas e de transporte de sequestrados colocando obstaacuteculos para a

operacionalidade das FARC no territoacuterio colombiano Com o Plano Patriota a administraccedilatildeo

de Uribe fortificou a presenccedila do Estado na regiatildeo sul do paiacutes zona de intensa atividade das

guerrilhas com a presenccedila de mais de 15000 militares que atuaram na inteligecircncia accedilotildees

105

terrestres e aeacutereas Um dos resultados alcanccedilados foi a desmobilizaccedilatildeo do Bloque Central

Boliacutevar um dos braccedilos da AUC que aceitou negociar com o governo colombiano e parou as suas

atividades em 2005 Entretanto muitos integrantes dos grupos paramilitares que foram

desmobilizados comeccedilaram a organizar novos grupos criminosos (bandas criminales) voltados

para o traacutefico de drogas

No periacuteodo de 2002 a 2008 os departamentos de Narintildeo e Putumayo figuraram como

palcos de guerra entre os diferentes atores do conflito interno colombiano Guerrilhas

paramilitares e organizaccedilotildees narcotraficantes se constituiacuteram como os maiores obstaacuteculos para

que o Estado colombiano retomasse o controle territorial na fronteira com o Equador como

podemos verificar no mapa abaixo

Mapa 1 Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da Colocircmbia

Fonte Comando Conjunto das Forccedilas Armadas do Equador 2008 apud AacuteLVARO Eduardo Presencia de los

grupos ilegales armados colombianos (GIAC) como factor de inseguridad nacional en el Ecuador 2011 90

f Tesis (Maestriacutea en Seguridad y Desarrollo Instituto de Altos Estudios Nacionales Escuela Ecuatoriana de

Gobierno y Administracioacuten Puacuteblica 2011

Este mosaico composto por inuacutemeros grupos armados demonstra a complexidade do

problema enfrentado por ambos os paiacuteses na faixa de fronteira O traacutefico de drogas foi a

principal atividade iliacutecita praticada por estes grupos O nuacutemero de hectares de cultivos de coca

106

nos Departamentos colombianos que fazem fronteira com o Equador no decurso de 2001 a

2007 variou conforme as accedilotildees das forccedilas de seguranccedila para combater as drogas nestas

localidades

Os cultivos de coca no Departamento de Putumayo em 2001 eram de 47120 hectares

e no ano de 2007 foram reduzidos para 14813 hectares Os situados em Caquetaacute tambeacutem

tiveram queda neste mesmo periacuteodo de 14516 caiacuteram para 6318 hectares Enquanto isto no

Departamento de Narintildeo os cultivos de coca quase triplicaram passando de 7494 hectares

para 20259 hectares O Departamento de Cauca apresentou um aumento mais tiacutemido de

3139 passaram para 4168 hectares No geral com a intensificaccedilatildeo do Plano Colocircmbia e os

lanccedilamentos da Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e o Plano Patriota durante os seis

primeiros anos do governo de Uribe ocorreu uma queda significativa nos cultivos de coca na

regiatildeo de 73954 em 2001 caiu para 35209 hectares (UNODC 2005 UNODC 2008)

Conforme as accedilotildees repressivas de Bogotaacute contra o traacutefico de drogas aumentavam as

atividades iliacutecitas eram cada vez mais empurradas para o paiacutes vizinho A pasta base

ingressava no Equador pelo lado oriental da cordilheira dos Andes em Putumayo e era

transportada de volta por Narintildeo pelo lado ocidental da cordilheira para ser refinada

(CADENA GOacuteMEZ 2011)

As accedilotildees das forccedilas militares no Equador para combater organizaccedilotildees criminosas

transnacionais se intensificaram no norte do paiacutes e principalmente para reprimir as atividades

das FARC em solo equatoriano De acordo com Eduardo Aacutelvaro (2001) em junho de 2007 a

Operaccedilatildeo Fecircnix comeccedilou a ser planejada com a finalidade de capturar o nuacutemero dois da

hierarquia das FARC Rauacutel Reyes O serviccedilo de inteligecircncia colombiano apresentou alguns

indiacutecios de sua presenccedila no Equador Dez meses depois de seu planejamento no dia 1 de

marccedilo de 2008 membros das forccedilas armadas adentraram a fronteira equatoriana em

Angostura na Proviacutencia de Sucumbiacuteos sem autorizaccedilatildeo preacutevia do presidente do Equador

Rafael Correa para atacar o acampamento das FARC com helicoacutepteros da forccedila aeacuterea e tropas

do exeacutercito resultando na morte de vinte e duas pessoas entre elas estava Raul Reyes

Cadena Goacutemez (2011) aponta que no ano de 2007 no iniacutecio da administraccedilatildeo Correa o

Equador jaacute tinha emitido duas notas de protesto contra as accedilotildees das forccedilas armadas

colombianas em solo nacional Estes antecedentes culminaram na crise diplomaacutetica de 2008

entre Bogotaacute e Quito

107

Este episoacutedio que ficou conhecido tambeacutem como Bombardeios de Angostura rompeu

com as medidas de confianccedila na aacuterea da defesa e seguranccedila entre Equador e Colocircmbia e

desencadeou uma crise diplomaacutetica entre os dois paiacuteses provocando tambeacutem reaccedilotildees da

Venezuela de apoio ao governo Correa Para o governo equatoriano a incursatildeo ilegal de

militares colombianos apoiados pelos EUA foi vista como violaccedilatildeo do princiacutepio da

soberania Imediatamente ao fato o presidente Correa expulsou de seu paiacutes o embaixador

colombiano e retirou o seu embaixador de Bogotaacute Tal atitude foi acompanhada pela

Venezuela Em resposta agrave declaraccedilatildeo de Correa o presidente Uribe afirmou que a ldquo[]

Colocircmbia natildeo violou a soberania mas atuou de acordo com o princiacutepio de legiacutetima defesa

[] Os terroristas entre eles Rauacutel Reyes tinham costume de assassinar na Colocircmbia e

invadir o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos para se refugiar [] estas situaccedilotildees somos obrigados a

evitar em defesa dos nossos cidadatildeosrdquo (CADENA GOacuteMEZ 2011 p 142)

A Operaccedilatildeo Fecircnix fez crescerem as preocupaccedilotildees por parte de Quito sobre a presenccedila

de distintos grupos armados na faixa de fronteira com a Colocircmbia e tambeacutem evidenciou as

incongruecircncias e ambiguidades no que tange agraves percepccedilotildees das ameaccedilas ligadas ao conflito

colombiano resultando em dissensotildees diplomaacutetico-militares entre os dois paiacuteses Os

problemas de seguranccedila interna da Colocircmbia e a sua incidecircncia na seguranccedila interna e externa

do Equador colocaram em questatildeo a regionalizaccedilatildeo do conflito colombiano cujo processo

segundo Arlene B Tickner (2005) natildeo se acontece de forma unilateral e uniacutessona Cada paiacutes

limiacutetrofe com a Colocircmbia percebe interpreta e responde ao problema articulando ou natildeo com

sua agenda de seguranccedila Na uacuteltima deacutecada em termos de seguranccedila o governo equatoriano

concentrou sobremodo seus esforccedilos na fronteira norte com a Colocircmbia Apoacutes o advento de

marccedilo de 2008 foram empreendidas 76 operaccedilotildees e mobilizados 15000 efetivos das forccedilas de

seguranccedila resultando no desmantelamento de 156 laboratoacuterios clandestinos Os nuacutemeros de

apreensotildees de drogas iliacutecitas cresceram consideravelmente de 2007 para 2009 Foram

apreendidos no ano de 2007 o total de 26232 toneladas de drogas (cocaiacutena heroiacutena e

maconha) no ano de 2009 apoacutes a crise colombo-equatoriana este nuacutemero cresceu quase trecircs

vezes mais e atingiu o total de 68050 toneladas No ano de 2012 as apreensotildees de substacircncias

iliacutecitas totalizaram 42090 toneladas (EQUADOR 2012)

Estes dados apontam que o traacutefico de drogas ganhou relevacircncia significativa na

poliacutetica de seguranccedila e na percepccedilatildeo desta questatildeo como ameaccedila agrave populaccedilatildeo e ao territoacuterio

do paiacutes Contudo a poliacutetica de drogas equatoriana nos primeiros anos de presidecircncia de

Rafael Correa representou uma inflexatildeo sobre o tema Na nova Constituiccedilatildeo promulgada em

108

2008 as leis de drogas passaram por uma reforma O Art 364 da Carta Magna estabelece que

o problema do consumo de drogas eacute uma questatildeo de sauacutede puacuteblica ao inveacutes de tema de

seguranccedila nacional e garante que em nenhum caso seraacute permitido a sua criminalizaccedilatildeo ou a

negaccedilatildeo de direitos constitucionais No Art 393 declara que a seguranccedila humana72

deve

nortear as poliacuteticas de Estado para assegurar a convivecircncia paciacutefica e prevenir as formas de

violecircncia descriminaccedilatildeo e crimes (EQUADOR 2008) O Equador foi o primeiro Estado sul-

americano a incorporar a seguranccedila humana na Constituiccedilatildeo o conceito desloca o objeto

referencial de proteccedilatildeo do Estado para o indiviacuteduo Esta mudanccedila de postura do Equador

frente agraves drogas permitiu que o Congresso aprovasse em Juacutelio de 2008 o indulto para os

microtraficantes ndash mais conhecidos como mula transportadores de pequenas quantidades de

drogas ndash como forma de reparaccedilatildeo dos danos gerados pela Lei 108 (TRANSNATIONAL

INSTITUTE 2015)

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contra as Drogas e os Planos VRAE e VRAEM

O Peru eacute um dos paiacuteses com o maior cultivo de coca do mundo e a folha da coca eacute um

elemento importante da cultura inca-indiacutegena cuja tradiccedilatildeo milenar antecede a colonizaccedilatildeo

espanhola nos Andes O plantio de coca na contemporaneidade deixou de ser cultivado para

finalidades econocircmico-medicinais e simboacutelico-ritualiacutesticas e se tornou uma atividade que faz

parte da cadeia produtiva das redes do traacutefico de drogas internacional que integram o mercado

iliacutecito mundial No relatoacuterio sobre drogas da UNODC publicado em 2012 o Peru eacute colocado

como o maior cultivador de coca do mundo desbancando a Colocircmbia da primeira posiccedilatildeo As

plantaccedilotildees de coca no Peru totalizaram 60400 hectares enquanto o paiacutes vizinho atingiu

48000 hectares

O Alto Huallaga que se estende desde o norte do Departamento de Huaacutenuco ateacute o sul

do Departamento de San Martiacuten e o Vale dos rios Apuriacutemac e Ene conhecido como VRAE

que abrange os Departamentos de Ayacucho Cuzco e Juniacuten satildeo as regiotildees que mais cultivam

72

O conceito de seguranccedila humana foi empregado pela primeira vez no Relatoacuterio de Desenvolvimento Humano

do Programa para o Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) de 1994 O documento estabelecia uma

definiccedilatildeo ampla de ldquoseguranccedila humanardquo que englobava as dimensotildees da economia do meio-ambiente da

sauacutede dos alimentos das comunidades dos indiviacuteduos e da seguranccedila poliacutetica (PNUD 1994 p 24-25) O

conceito portanto natildeo nasceu da academia mas de um organismo poliacutetica internacional com fins praacuteticos a

saber influenciar os resultados da Cuacutepula Social de Copenhagen de 1995 Keith Krause assinala que a partir da

noccedilatildeo de que natildeo eacute possiacutevel que haja Estados seguros com indiviacuteduos inseguros a seguranccedila humana surgiu

com a proposta de colocar o indiviacuteduo agrave frente das preocupaccedilotildees em seguranccedila jaacute que o Estado pode ele

mesmo representar uma ameaccedila agrave sua populaccedilatildeo (KRAUSE 2004 p 44)

109

e produzem cocaiacutena no Peru No paiacutes atualmente eacute permitido cultivar 11500 hectares de

coca para fins tradicionais e o Estado controla a comercializaccedilatildeo e a industrializaccedilatildeo das

folhas de coca em produtos comerciais liacutecitos por meio da Empresa Nacional de la Coca

(ENACO) A ENACO foi criado a partir da Lei Geral de Drogas expedida em 1978 a qual

proibia o cultivo de coca e tornava ilegal a comercializaccedilatildeo que natildeo fosse controlada por esta

instituiccedilatildeo (UNODC 2006 UNODC 2010c SANTOS 2011)

As regiotildees do Alto Huallaga e VRAE desde a deacutecada de 1980 tambeacutem satildeo redutos do

grupo insurgente Sendero Luminoso (SL) que tem orientaccedilotildees ideoloacutegicas e poliacutetico-militares

de guerra popular fundamentadas no maoiacutesmo Segundo Joseacute Lis Reacutenique (2009) nos

primeiros anos da deacutecada de 1980 no comeccedilo da guerra contra o Estado peruano73

o SL tinha

pouco mais de quinhentos membros que atuavam dentro da estrateacutegia insurgente da guerra de

guerrilha prolongada

No comeccedilo da deacutecada de 1990 a guerrilha sofreu duros golpes do Estado peruano As

poliacuteticas de Fujimori em conjunto com as accedilotildees repressivas das forccedilas armadas e da poliacutecia

levaram agrave captura de integrantes do alto escalatildeo do SL que culminou na prisatildeo de Abimael

Guzmaacuten conhecido como ldquoPresidente Gonzalordquo ou ldquoCamarada Gonzalordquo em 12 de setembro

de 1992 colocando fim ao que seria o ldquovelhordquo Sendero luminoso A presenccedila histoacuterica do SL

na regiatildeo do VRAE e Huallaga ganhou forccedila novamente no iniacutecio dos anos 2000 e suas

atividades nos uacuteltimos anos estatildeo associadas ao traacutefico de drogas Os traficantes de drogas

peruanos estatildeo organizados em Firmas e contam com o auxiacutelio armado do SL para se

protegerem das accedilotildees da poliacutecia e do exeacutercito peruano

As firmas tambeacutem conhecidas como clanes satildeo grupos de narcotraficantes que

produzem e comercializam ilegalmente a cocaiacutena (mas natildeo cultivam a folha de coca)

organizados hierarquicamente por divisotildees de tarefas e responsabilidades e ligados por

tradiccedilotildees e normas de conduta Estas estruturas operam de modo semelhante agraves maacutefias e satildeo

organizadas entorno de familiares e ciacuterculos de amizades Parte delas eacute formada por

camponeses que subiram na hierarquia da induacutestria da cocaiacutena Pablo Dreyfus (1999) acentua

que as firmas buscam minimizar os riscos para o seu negoacutecio ampliando a sua rede de

influecircncia atraveacutes de acordos com grupos natildeo governamentais governamentais outras

organizaccedilotildees criminosas transnacionais e insurgentes Essas organizaccedilotildees criminosas satildeo

73

Em maio de 1980 os senderistas queimaram as urnas eleitorais da pequena cidade Chuschi situada no

departamento de Ayacucho cuja accedilatildeo foi uma declaraccedilatildeo de guerra contra o Estado peruano (REacuteNIQUE

2009)

110

compostas por chefes ldquoEl Patroacutenrdquo grupos de proteccedilatildeo armada pilotos quiacutemicos mulas

coletores de pasta assessores legais e ldquolavadoresrdquo de dinheiro Atualmente satildeo sete clatildes

principais que agem no Peru movimentando mais de US$ 300 milhotildees de doacutelares por ano

Clatilde Quispe Palomino Clatilde Lucho Flores Clatilde Los Loros Clatilde Los Pantildeacos Clatilde Los

Malambos Clatilde Runa Mula e Clatilde Los Pachos (DIARIO 16 2012)

No ano de 2005 de acordo com informe de monitoramento de cultivos de coca no

Peru (UNODC 2006) o nuacutemero de cultivos de coca foi de 482000 hectares uma reduccedilatildeo de

4 em relaccedilatildeo ao ano anterior que tinha totalizado 50300 haacute enquanto que no VRAE ao

contraacuterio ocorreu um crescimento de 6 no mesmo periacuteodo quando passou de 14700 ha em

2004 para 15500 em 2005 O aumento da repressatildeo antidrogas e o endurecimento das

poliacuteticas de erradicaccedilatildeo no Alto Huallaga no mecircs de maio de 200574

fez com que a

concorrecircncia e o conflito entre os clatildes aumentassem na regiatildeo Ao contraacuterio do que o governo

peruano esperava as operaccedilotildees antidrogas natildeo tornaram menos atrativa a regiatildeo Ocorreu um

aumento na concorrecircncia entre os clatildes do traacutefico de drogas para ver qual deles controlaria o

negoacutecio da cocaiacutena no Alto Huallaga no lugar das firmas que foram desmanteladas ou

enfraquecidas Esse fenocircmeno aumentou aquilo que Sarmiento e Krauthausen denominaram

de setor competitivo As firmas enfraquecidas passaram a ser desafiadas pelos novos clatildes que

se apoderaram de territoacuterios dos rivais exauridos o que impulsionou a espiral da violecircncia na

regiatildeo

Ao mesmo passo que subia os iacutendices de plantios de coca no Alto Huallaga as regiotildees

de Apuriacutemac e Ene tambeacutem apresentaram crescimento nos cultivos No ano de 2005 eram

15530 hectares aumentando para 16019 hectares em 2007 No mesmo ano o governo

peruano por meio da Comisioacuten Nacional para el Desarrollo y Vida sin Drogas (DEVIDA)75

implementou a Estrategia Nacional de Lucha Contra Las Drogas 2007-2011 (ENLCD) que

tinha como principal meta reduzir a superfiacutecie de plantios iliacutecitos de coca articulando accedilotildees de

erradicaccedilatildeo e desenvolvimento alternativo para coibir o traacutefico e consumo de drogas

74

A Poliacutecia Nacional do Peru no mecircs de maio de 2005 fez uma seacuterie de operaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantios

de coca no Alto Huallaga mobilizando 300 efetivos que contaram com apoio logiacutestico de helicoacutepteros

Contudo as operaccedilotildees ocasionaram a morte de dezessete policiais e de cinco camponeses Disponiacutevel

lthttpwwwlanacionclnoticiasperu-erradicacion-de-campos-de-coca-termina-con-17-heridos2005-05-

30081723htmlgt Acesso em 18 dez 2014 75

A DEVIDA eacute o oacutergatildeo responsaacutevel por planejar e conduzir a poliacutetica nacional de luta contra as drogas para

reduccedilatildeo da produccedilatildeo consumo e traacutefico de drogas que em 2001 substituiu a Comisioacuten de Lucha Contra el

Consumo de Drogas (CONTRADROGAS)

111

Os Planos VRAE e VRAEM Militarizaccedilatildeo da Luta Contra o Traacutefico de Drogas e o Sendero

Luminoso

A guerra de contrainsurgecircncia lanccedilada pelo presidente Alejandro Toledo colocou a

regiatildeo do VRAE em estado de emergecircncia a partir do ano de 2003 Em julho do referido ano

o presidente Toledo anunciou que ldquoseu governo iria por em marcha uma lsquouma nova estrateacutegia

de luta contra o terrorismorsquo para lsquorecuperar a presenccedila do Estado nas zonas sensiacuteveisrsquo do paiacutes

onde o terrorismo e o narcotraacutefico davam matildeordquo (ROJAS 2005 p 235 traduccedilatildeo nossa) Este

pronunciamento do mandataacuterio peruano foi direcionado para o SL que neste mesmo ano

realizou ataques contra transportadoras de gaacutes na regiatildeo do VRAE e para os EUA que apoacutes

os atentados de setembro de 2001 declararam o SL como ameaccedila ao Estado peruano por se

tratar de uma organizaccedilatildeo ldquonarcoterroristardquo Anos mais tarde Washington incluiu a guerrilha

peruana na Lista Kingpin

Com a chegada do novo presidente da repuacuteblica Alan Garciacutea Peacuterez as forccedilas armadas

e a Poliacutecia Nacional do Peru (PNP) passaram a fazer operaccedilotildees conjuntas sem medir esforccedilos

para acabar com os remanescentes do grupo insurgente Sendero Luminoso Os ataques

ocorridos no ano de 2005 e no iniacutecio do ano de 2006 fizeram com que o governo destinasse

um montante de verbas para que o exeacutercito e a poliacutecia nacional reforccedilassem suas accedilotildees no

combate aos ldquonarcoterroristasrdquo E em fevereiro de 2007 foi anunciado pelo governo peruano o

Plan VRAE em referecircncia ao ldquoPlano Colocircmbiardquo cujo objetivo era garantir a paz combater o

narcotraacutefico e o Sendero Luminoso (SL) e promover o desenvolvimento socioeconocircmico na

regiatildeo

O Plano VRAE da administraccedilatildeo Toledo enfatizou mais a luta militarizada contra o

traacutefico de drogas e o SL do que o investimento para promoccedilatildeo do desenvolvimento na regiatildeo

Esta ecircnfase militar do plano se baseia nas definiccedilotildees de seguranccedila e defesa presentes no Livro

Branco de Defesa Nacional (2005) O documento identifica em seu capiacutetulo III as ameaccedilas

externas e internas agrave seguranccedila da naccedilatildeo As ameaccedilas externas poderiam advir de aplicaccedilotildees

de doutrinas de seguranccedila incompatiacuteveis com o direito internacional na sub-regiatildeo da

Ameacuterica do sul do surgimento de uma crise devido agrave escassez de recursos naturais de valor

estrateacutegico e do terrorismo narcotraacutefico e do crime internacional As ameaccedilas internas

seriam grupos terroristas e subversivos que optam por violecircncia grupos radicais que

promovem a violecircncia social crime comum organizado traacutefico iliacutecito de drogas corrupccedilatildeo

degradaccedilatildeo do meio ambiente (PERU 2005 p 63)

112

Com base neste ordenamento legal as forccedilas armadas peruanas poderiam ser

acionadas para prevenir e confrontar qualquer ameaccedila externa ou interna que venha a colocar

em perigo a paz social a seguranccedila integral e o bem-estar geral (PERU 2005 p 64)

Portanto o governo poderia empregar meios militares no combate ao narcotraacutefico caso a

poliacutecia nacional natildeo tivesse meios necessaacuterios para cumprir o seu dever A Marinha e a Forccedila

Aeacuterea possuem papeacuteis importantes na luta contra o traacutefico de drogas e o contrabando de

precursores quiacutemicos pois as principais rotas estatildeo na regiatildeo costeira e nos rios da regiatildeo

amazocircnica e os aviotildees militares satildeo utilizados para encontrar e bombardear laboratoacuterios

ilegais de processamento de drogas e pistas de pouso clandestinas

O Plano estaacute fundamentado em trecircs pilares principais ldquoaccedilotildees militares para combater

os remanescentes do Sendero Luminoso accedilotildees policiais para combater o narcotraacutefico e

accedilotildees civis para promover o desenvolvimento social () a infraestrutura () e o

desenvolvimento econocircmicordquo (SANTOS 2011 p21) Os primeiros anos da execuccedilatildeo do

Plano VRAE natildeo trouxeram os resultados esperados As estrateacutegias contrainsurgentes mal

delineadas somadas ao mau preparo das tropas e aos equipamentos beacutelicos ultrapassados

fizeram com que as operaccedilotildees fracassassem e suas accedilotildees natildeo fossem suficientes para

conseguir combater o SL Os senderistas aleacutem de conhecerem muito bem o terreno contam

com armamentos modernos adquiridos com o dinheiro do traacutefico agem com taacuteticas

diversificadas e atuam em diferentes locais e regiotildees (Sinaycocha Santo Domingo de

Acobamba e Juniacuten)

Diante do problema do traacutefico de drogas e dos altos iacutendices dos cultivos de coca que

segundo o relatoacuterio da UNODC de 2010 voltaram a crescer 7 em 2008 registrando o

aumento de 55 no nuacutemero de hectares de coca em relaccedilatildeo a 1999 o presidente Alan Garciacutea

Peacuterez (2006-2011) reeditou o Plano VRAE em 2009 O plano de Garciacutea Peacuterez pretendia

alcanccedilar questotildees mais amplas e fundamentais para o desenvolvimento social e econocircmico da

regiatildeo que estava agora fundamentado em trecircs novos eixos desenvolvimento econocircmico e

social seguranccedila e legalidade (contra o narcotraacutefico e o terrorismo) e comunicaccedilatildeo e

participaccedilatildeo da sociedade civil (EL COMEacuteRCIO 2012) Todavia tanto a primeira ediccedilatildeo do

Plano VRAE quanto a segunda natildeo conseguiram aumentar de modo significativo a presenccedila

do Estado peruano na regiatildeo76

(ARCE 20008)

76

O jornal El Comeacutercio Peru de 16 de abril de 2012 apontou os altos gastos na consecuccedilatildeo dos dois primeiros

planos para o VRAE que alcanccedilou a cifra de 400 milhotildees de soles apenas com operaccedilotildees militares Disponiacutevel

em lthttp elcomerciopepolitica1402445noticia-que-plan-vrae-que-no-funcionagt Acesso em 15 jul 2014

113

No mesmo ano que foi relanccedilado o Plano VRAE foi promulgada a Ley que Establece

Reglas de Empleo de la Fuerza por Parte del Personal de las Fuerzas Armadas en el

Territorio Nacional (Nordm 29166) a qual estabelece o quadro legal para regular o uso da forccedila

por agentes das Forccedilas Armadas no que tange ao controle da ordem interna e combate ao

traacutefico iliacutecito de drogas No paraacutegrafo 4 que regulamenta o apoio das Forccedilas Armadas para o

controle da ordem interna em aacutereas natildeo declaradas como Estado de emergecircncia expressa em

seu art 47 com base no art 8 da Constituiccedilatildeo peruana a necessidade de se combater o

narcotraacutefico devido ao seu impacto na sociedade bem como o terrorismo provocado por

grupos insurgentes O principal deles seria o Sendero Luminoso conforme o art 48

O emprego das forccedilas armadas no combate ao traacutefico de drogas no Peru poacutes-Fujimori

ganhou forccedila com a promulgaccedilatildeo da lei nordm 29166 pois permite aos membros das forccedilas

armadas utilizarem a forccedila contra a subversatildeo armada para o reestabelecimento da ordem

interna e o controle de protestos sociais com regras claras e aplicaacuteveis para que integrantes

das forccedilas armadas em exerciacutecio de seu ofiacutecio possam contar com um marco juriacutedico que

evite acusaccedilotildees de violaccedilotildees legais e dos direitos humanos Com efeito quando o emprego da

forccedila militar foi aplicado nesse contexto de intensa participaccedilatildeo do exeacutercito na erradicaccedilatildeo de

cultivos iliacutecitos e na luta antidrogas e contrainsurgente natildeo houve clareza na distinccedilatildeo entre

objetivos civis e militares (DONGO 2007)

No ano de 2012 foi lanccedilado pelo presidente Ollanta Humala o Plano VRAEM

programa de intervenccedilatildeo nos Vales do Apuriacutemac Ene e agora se estende ateacute a regiatildeo de

Mantaro para ampliar a presenccedila estatal nessa regiatildeo orientado por quatro frentes de accedilatildeo 1)

luta contra a pobreza 2) luta contra a desigualdade 3) luta contra o traacutefico iliacutecito de drogas e

as organizaccedilotildees criminosas 4) luta contra o terrorismo (PERU 2013) Algumas mudanccedilas

ocorreram no Plano VRAEM 2012 como a participaccedilatildeo de todos os ministeacuterios expansatildeo da

luta contra o terrorismo e o narcotraacutefico para a regiatildeo do vale do rio Mantoro e construccedilatildeo de

escolas e implementaccedilatildeo de programas sociais Entretanto haacute muitas criacuteticas sobre esse novo

plano e a principal delas eacute que ele continua cometendo os mesmos erros das duas versotildees

anteriores por exemplo o natildeo envolvimento das populaccedilotildees camponesas nas elaboraccedilotildees das

poliacuteticas puacuteblicas de desenvolvimento e de seguranccedila

As consecuccedilotildees dos Planos VRAE 2007-2009 e do Plano VRAEM 2012 (que ainda

estaacute em curso) trouxeram agrave tona as limitaccedilotildees logiacutesticas estrateacutegicas e taacuteticas das forccedilas

armadas peruanas no combate ao narcotraacutefico armado como a utilizaccedilatildeo da guerra fixa contra

a guerra fluiacuteda dos senderistas o desconhecimento do territoacuterio e a ausecircncia de diaacutelogos e

114

interaccedilatildeo social com a comunidade local As mutaccedilotildees contiacutenuas que o Sendero Luminoso

vem sofrendo desde o seu surgimento colocam novos desafios para o governo e as forccedilas

armadas peruanas A substituiccedilatildeo do marxismo maoiacutesta pelo capitalismo das drogas iliacutecitas e

a revisatildeo de sua trajetoacuteria histoacuterica foram fundamentais para o grupo se aproximar dos

narcotraficantes de setores cocaleiros e do campesinato para conseguir apoio popular e obter

lucro iliacutecito para financiar a sua luta insurgente A sua alianccedila com os narcotraficantes e com

camponeses da regiatildeo de Ayacucho que dependem em larga medida do cultivo de coca

fortaleceu o grupo insurgente ampliando sua influecircncia suas accedilotildees e seus lucros A

metamorfose ideoloacutegica favoreceu a aquisiccedilatildeo de armas modernas e mais eficazes para a

consecuccedilatildeo de seus objetivos

As redes narcotraficantes garantem acesso do SL ao dinheiro armamentos sofisticados

e novos recrutas ao passo que amplia a sua disseminaccedilatildeo no meio rural e urbano e o tamanho

e a influecircncia da induacutestria iliacutecita do traacutefico de drogas no Peru transbordou afetando os paiacuteses

vizinhos A forte presenccedila do SL na regiatildeo do Vale dos rios Apuriacutemac e Ene associada ao

traacutefico de drogas levou os diferentes governos peruanos da uacuteltima deacutecada a intensificar a

presenccedila estatal atraveacutes do emprego das forccedilas armadas e policiais que utilizam taacuteticas de

contrainsurgecircncia para conter o avanccedilo da ldquonarcoguerrilhardquo Contudo para executar essa

tarefa no ano de 2007 foi lanccedilado o primeiro Plano VRAE que tinha como objetivo aumentar

a presenccedila estatal com accedilotildees militares combater os narcoterroristas e promover o

desenvolvimento socioeconocircmico entretanto natildeo alcanccedilou o sucesso desejado No de 2009

foi lanccedilado o segundo Plano VRAE o qual tambeacutem natildeo obteve o ecircxito esperado Jaacute em 2012

foi relanccedilado o Plano VRAEM abrangendo agora o vale do rio Mantaro com o propoacutesito de

lutar contra a pobreza a desigualdade o traacutefico iliacutecito de drogas e combater os terroristas

Todavia os Planos VRAE e as Estrateacutegias Nacionais de Luta Contra as Drogas fracassaram

como vimos no iniacutecio o Peru se tornou o maior produtor de coca e cocaiacutena do mundo

atualmente O novo programa para o VRAEM natildeo estaacute conseguindo atingir os seus objetivos

pois ao inveacutes de mudar o panorama da pobreza local fez com que o governo militarizasse a

regiatildeo para combater os seus ldquoinimigosrdquo internos

O emprego das forccedilas armadas na intervenccedilatildeo no VRAE para combater o narcotraacutefico

armado intensificou a militarizaccedilatildeo da regiatildeo gerando pontos de tensotildees que desestabilizam o

monopoacutelio do uso da forccedila por parte do Estado peruano e coloca em questatildeo a

governabilidade democraacutetica devido agraves constantes violaccedilotildees de direitos humanos gerando

desconfianccedila em grandes parcelas da sociedade civil O governo peruano ao levar ao

115

paroxismo a ldquoguerra agraves drogasrdquo por meio de erradicaccedilotildees compulsoacuterias combates

militarizados contras as organizaccedilotildees narcotraficantes e os enclaves de cocaiacutena incorreu no

agravamento da violecircncia nas regiotildees produtoras de coca A implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas e de serviccedilos de inteligecircncia que busquem alternativas agraves accedilotildees militares nas

territorialidades onde residem as populaccedilotildees campesinas que satildeo as principais cultivadoras de

coca poderaacute dar iniacutecio a uma mudanccedila estrutural do problema que desde a transiccedilatildeo

democraacutetica ainda perdura

44 Boliacutevia Plano Dignidade Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e a

Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca

Com o fim do regime autoritaacuterio boliviano (1964-1982) a Boliacutevia manteve os

compromissos antidrogas com os EUA principalmente por se tratar de uma das condiccedilotildees

para que ambos os paiacuteses assinassem o acordo de livre comeacutercio Para atender as expectativas

norte-americanas a administraccedilatildeo Paz Entenssoro aprovou em agosto de 1988 a Lei 1008

sobre Regime da Coca e Substacircncias Controladas que tinha como traccedilos basilares a

incorporaccedilatildeo da coca ao lado de outras substacircncias iliacutecitas em um uacutenico corpus legal a

regulaccedilatildeo dos cultivos legais que estabelecia apenas 12000 hectares para cultivaccedilatildeo

tradicional e a interdiccedilatildeo cuja caracteriacutestica era a proibiccedilatildeo prevenccedilatildeo e repressatildeo do cultivo

excedente e do traacutefico de ldquosubstacircncias controladasrdquo A interdiccedilatildeo conforme foi proposta pela

Lei 1008 previa a utilizaccedilatildeo de meios militares para a erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos e o

combate ao traacutefico de drogas para tanto a UMOPAR e a FELCN passaram por uma

reestruturaccedilatildeo e novos treinamentos financiados pelos EUA77

para realizaccedilatildeo de operaccedilotildees

antidrogas nas zonas78

que produzem excedente de coca Laserna comenta que esta lei gerou

atritos entre o governo e os camponeses produtores de coca que rejeitaram as accedilotildees

governamentais Os camponeses realizaram cerca de quatro encontros nacionais para

debaterem as medidas adotadas e negociarem com o governo especialmente a necessidade de

77

A UMOPAR era controlada pela Narcotics Affairs Section (NAS) da Embaixada dos EUA e a DEA traccedilava os

planos de interdiccedilatildeo e os supervisionavam A UMOPAR desde a sua criaccedilatildeo ateacute 1997 sempre manteve relaccedilotildees

proacuteximas com a DEA que iam do compartilhamento de uma base no Chapare ateacute colaboraccedilatildeo em

interrogatoacuterios de pessoas detidas por suspeita de traacutefico de drogas A FELCN tinha a missatildeo de repressatildeo agrave

cocaiacutena e aos insumos quiacutemicos recebia financiamento direto dos EUA para pagamento de bocircnus salariais

compra de equipamentos e treinamento militar (LEDEBUR 2005) 78

A Lei 1008 classificou as zonas de cultivo de coca em trecircs tipos 1) zona de produccedilatildeo tradicional 2) zona de

produccedilatildeo excedente em transiccedilatildeo e 3) zona de produccedilatildeo iliacutecita (ARAMAYO 2008 p443)

116

se retirar a coca do regime de drogas entretanto os camponeses natildeo conseguiram reverter

nenhuma claacuteusula da lei

O envolvimento dos EUA na repressatildeo agraves drogas na Boliacutevia e as medidas repressivas

governamentais tiveram impactos no cultivo e na produccedilatildeo de coca apresentando oscilaccedilotildees e

posterior reduccedilatildeo ao longo dos anos de 1990 No ano de 1990 o cultivo de coca no paiacutes foi de

38300 hectares representando uma queda de 2600 hectares em comparaccedilatildeo com o ano

anterior e a produccedilatildeo totalizou 105861 toneladas apresentando uma queda de 7187

toneladas Em 1992 as aacutereas de cultivo eram de 33500 hectares com uma produccedilatildeo de

99594 toneladas e em 1995 as aacutereas de cultivaccedilatildeo chegaram a totalizar 36600 ha e a soma

da produccedilatildeo de folha de coca alcanccedilou a cifra de 101162 t Mas no ano de 1998 estes

nuacutemeros voltaram a sofrer queda O nuacutemero de hectares de cultivaccedilatildeo caiu para 28000 e a

produccedilatildeo apresentou uma reduccedilatildeo atingindo 77392 toneladas (UNODC 1999 p 42)

Esta variaccedilatildeo nos resultados do controle dos cultivos e produccedilatildeo de coca estava

relacionada com o modo como os governos de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e Gonzalo

Saacutenchez de Lozada (1993-1997) conduziram a poliacutetica de drogas na Boliacutevia Viviana Garciacutea

Pinzoacuten (2014) salienta que mesmo estes governos sendo pressionados pelos EUA natildeo foram

intransigentes no que tange agrave erradicaccedilatildeo de cultivos para evitar conflito com os cocaleiros

devido ao apoio popular que tinham Destarte ambos procuraram negociar acordos de

desenvolvimento alternativo e erradicaccedilatildeo voluntaacuteria de cultivos mas os cocaleiros

permaneciam resistentes agraves propostas por natildeo confiarem no governo No ano de 1995 diante

do natildeo cumprimento das metas de erradicaccedilatildeo os EUA ameaccedilaram retirar a certificaccedilatildeo da

Boliacutevia para pressionar economicamente o governo Saacutenchez Lozada o que o levou a

intensificar as campanhas de erradicaccedilatildeo e consequentemente acirrou os acircnimos dos

cocaleiros gerando conflito entre os camponeses e o governo

Plan Dignidad e a Repressatildeo Militarizada ao Cultivo de Coca

Apoacutes uma eleiccedilatildeo conturbada o ex-ditador Hugo Banzer Suaacuterez foi eleito presidente

(1997-2002) e uma das primeiras medidas tomada pelo seu governo foi enfrentar diretamente

os cultivos iliacutecitos de coca com o intuito de eliminaacute-los completamente independente de isso

provocar conflitos com os cocaleiros Para por em marcha o seu objetivo Hugo Banzer

lanccedilou o Plan Dignidad no segundo ano de seu mandato sem nenhum diaacutelogo com a

sociedade O intuito principal era demarcar a diferenccedila de seu governo em relaccedilatildeo ao de seus

antecessores no que tange ao combate agraves drogas e estreitar as relaccedilotildees com os EUA O Plan

117

Dignidad era uma estrateacutegia boliviana para combater o traacutefico de drogas e a sua duraccedilatildeo

prevista era de cinco anos O plano antidrogas tinha quatro pilares que o norteavam

prevenccedilatildeo desenvolvimento alternativo interdiccedilatildeo e erradicaccedilatildeo de cultivos excedentes

iliacutecitos (LEDEBUR 2005 SALAZAR ORTUNtildeO 2003) Para a consecuccedilatildeo deste plano

segundo Garcia Pinzoacuten foi destinado um orccedilamento de US$ 952 milhotildees distribuiacutedos da

seguinte maneira US$ 108 milhotildees para erradicaccedilatildeo US$ 700 milhotildees para o

desenvolvimento alternativo US$ 129 milhotildees para interdiccedilatildeo e US$ 15 milhotildees para

prevenccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo

Para a implantaccedilatildeo do Plan Dignidad o presidente Banzer promulgou a Lei 1788 de

16 de setembro de 1997 a qual criava o Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito

de Drogas (CONALTID) que com o lanccedilamento da Estrateacutegia de Luta Contra o

Narcotraacutefico em fevereiro de 1998 passou a ser o oacutergatildeo maacuteximo para a definiccedilatildeo e execuccedilatildeo

das poliacuteticas de luta contra as drogas e substacircncias controladas O CONALTID era (e ainda eacute)

presidido pelo Presidente do paiacutes e eacute integrado pelos Ministros das Relaccedilotildees Exteriores da

Presidecircncia do Governo da Defesa e da Sauacutede e Desportes (BOLIacuteVIA 1998a)

Para cumprimento da poliacutetica de ldquococa cerordquo a estrateacutegia de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria

dos cultivos iliacutecitos tinha como fundamento o emprego das forccedilas armadas para a sua

execuccedilatildeo Em 1998 para implementaccedilatildeo da Estrateacutegia de Luta contra o Narcotraacutefico e do

Plano Integral de Prevenccedilatildeo Controle do Traacutefico Iliacutecito de Drogas e Desenvolvimento

Alternativo ndash tambeacutem lanccedilado em fevereiro de 1998 ndash foi criada a Fuerza de Tarea Conjunta

(FTC) que era composta pelas forccedilas armadas grupo de elite da UMOPAR ndash os Leopardos ndash

poliacutecia ecoloacutegica e a Fuerza Tarea Expedicionaria (FTE)79

ou seja era uma unidade de

erradicaccedilatildeo mista que agrupava forccedilas militares e policiais para o combate ao cultivo de coca

excedente Badraacuten aponta que no periacuteodo de 1995 a 1999 o controle dos cultivos excedentes

de folha de coca foi realizado por forccedilas militares tais como os Diablos Rojos forccedila aeacuterea e

as brigadas da FTC que contavam com o apoio informacional da Direccioacuten de Reconversioacuten

de La Coca (DIRECO) oacutergatildeo de controle de cultivo e produccedilatildeo da folha de coca do

Ministerio de Asuntos Campesinos y Agropecuarios As forccedilas policiais e militares eram

equipadas pela NAS da Embaixada dos EUA e treinadas pela DEA cujo modelo implantado

79

A FTE era um grupo paramilitar financiado pelos EUA e treinado com taacuteticas de contrainsurgecircncia para

erradicar os cultivos iliacutecitos e reprimir os cocaleiros mas devido agraves inuacutemeras denuacutencias de violaccedilotildees de

direitos humanos principalmente no Chapare Devido a estes acontecimentos a FTE foi desarticulada em 2002

(LEDEBUR 2005 p 202)

118

era o das forccedilas especiais norte-americanas80

As forccedilas armadas e a FTC participaram

ativamente em dois pilares do Plan Dignidad de ldquoguerra contra a cocardquo na erradicaccedilatildeo e na

interdiccedilatildeo Elena Ruiz Labrador (2009) destaca que estas forccedilas militares operavam em ritmo

acelerado chegando a superar a meacutedia de 50 hectares de erradicaccedilatildeo por dia

Entre 1998 e 2000 foi constituiacutedo um serviccedilo de inteligecircncia composto pelos

profissionais de Inteligecircncia da DIRECO integrantes da Unidad de Cartografiacutea

(UNICARDI) membros da inteligecircncia da poliacutecia nacional das forccedilas armadas e da FTC

Salazar Ortuntildeo (2002) ressalta que o objetivo deste serviccedilo de inteligecircncia era identificar e

perseguir os principais dirigentes dos sindicatos centrais federaccedilotildees pessoas das

administraccedilotildees municipais assessores e instituiccedilotildees que estavam relacionados com a

produccedilatildeo da folha de coca cuja ldquometodologia central consistia em contrataccedilatildeo de informantes

camponeses infiltrados nas organizaccedilotildees mencionadas e nos segmentos dos meios de

comunicaccedilatildeo das organizaccedilotildees do troacutepico [Cochabamba]rdquo (SALAZAR ORTUNtildeO 2002 p

13 traduccedilatildeo nossa)

No documento da FTC intitulado Trabajamos por la dignidad de Bolivia y por la

salud del mundo publicado em 2002 fica evidente como os componentes desta forccedila militar

viam os cocaleiros a coca e a cocaiacutena Eram vistas como drogas sem nenhuma distinccedilatildeo por

conseguinte as organizaccedilotildees camponesas de produtores de coca81

foram identificadas como

agrupamentos de criminosos ditadores terroristas e narcotraficantes mafiosos como

podemos ver no trecho abaixo

- Sindicato do crime (sindicatos camponeses de produtores de coca) agrupamento

iliacutecito para produzir drogas []

- Ditadura sindical outorga e retira a terra impotildee multa e realiza expulsotildees forccediladas

sem consulta

- Terrorismo sindical impotildee medo e terror castigos fiacutesicos prisotildees e execuccedilotildees

- Coacutedigo do silecircncio ameaccedila os informantes com execuccedilatildeo de suas famiacutelias (FTC

2002 apud SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 187 traduccedilatildeo nossa)

Estas imagens das organizaccedilotildees sindicais camponesas foram desenhadas pelo

imaginaacuterio coletivo dos militares da FTC a fim de definir e tipificar o ldquoinimigordquo endoacutegeno a

ser combatido pois os ldquonarcoterroristasrdquo se encontram dentro da fronteira Portanto a relaccedilatildeo

80

Os EUA auxiliaram pecuniariamente o Ministerio de Gobierno a pagar bonificaccedilatildeo por erradicaccedilatildeo para os

membros da FTC superando a casa dos US$ 33 milhotildees apenas em bocircnus e apoiaram militarmente a FTC

com equipamentos e treinamentos oferecidos por militares estadunidenses e oficiais da DEA nas seguintes

especialidades parameacutedicos explosivos armeiros franco-atiradores comunicaccedilotildees e mecacircnica de aeronaves

(SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 186-187) 81

Santos ressalta que ldquoO fato de grande parte da populaccedilatildeo do Chapare ser formada por ex-mineradores de

estanho ouro e prata das minas de Oururo e Potosiacute com experiecircncia sindical foi importante para a

organizaccedilatildeo do sindicato dos cocaleirosrdquo (SANTOS 2007 p 200)

119

com o ldquoinimigordquo daacute-se pelo emprego contiacutenuo de armas para combatecirc-lo onde a doutrina

militar do extermiacutenio eacute o uacutenico mecanismo existente na relaccedilatildeo com o ldquooutrordquo No mesmo

ano de lanccedilamento do referido documento a Anistia Internacional (2002) publicou um

relatoacuterio sobre as violaccedilotildees dos direitos humanos na Boliacutevia que trata diretamente das

denunciais de violecircncia tortura abuso de poder detenccedilotildees arbitraacuterias e assassinatos contra

camponeses cometidos pela FTC na regiatildeo do Chapare

A proviacutencia do Chapare epicentro do ldquosindicato do crimerdquo situada no Departamento

de Cochabamba era o cerne da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria das plantaccedilotildees de coca consideradas

ilegais pelo governo boliviano que destruiu cerca de 38000 hectares de cultivo iliacutecito nesta

regiatildeo no ano de 2000 (GARCIacuteA PINZOacuteN 2014) O sucesso da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria no

Chapare motivou o governo a expandir a erradicaccedilatildeo para regiatildeo de Yungas ndash tida como zona

cocaleira ldquotradicionalrdquo autorizada a plantar legalmente a coca ndash no ano de 2001 entretanto

encontrou muita resistecircncia dos camponeses que defenderam impetuosamente suas plantaccedilotildees

de coca Garciacutea Pinzoacuten relata que o descumprimento por parte do Estado boliviano do acordo

de investimento no desenvolvimento alternativo no Chapare provocou revolta nos cocaleiros

desta regiatildeo que voltaram a plantar coca e se organizaram contra as operaccedilotildees antidrogas

fazendo com que o governo da Boliacutevia recuasse na poliacutetica de erradicaccedilatildeo

De acordo com Ledebur (2005) a presenccedila das forccedilas de seguranccedila no Chapare

durante a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico foi constante Ateacute o final de 2001 cerca de

4500 efetivos militares e policiais estavam presentes na regiatildeo No ano de 2003 este nuacutemero

caiu para 2500 Mesmo com o acordo feito com os camponeses o governo continuou

instalando bases antidrogas com presenccedila de forccedilas de seguranccedila mista (militar e policial) nas

zonas cocaleiras do Troacutepico de Cochabamba tais accedilotildees foram interpretadas como

descumprimento do compromisso por parte das autoridades bolivianas ldquoTanto o governo

estadunidense como o boliviano declararam oficialmente que uma presenccedila militar sustentada

em longo prazo na regiatildeo era indispensaacutevel para manter as metas de erradicaccedilatildeo e evitar o

resurgimento dos cultivos de cocardquo (LEDEBUR 2005 p 201 traduccedilatildeo nossa)

De acordo com o Plan Integral de Prevencioacuten Control del Traacutefico Iliacutecito de Drogas y

Desarrollo Alternativo de 4 de fevereiro de 1998 redigido sob o manto do Plan Dignidad

considera que

[] as zonas de produccedilatildeo excedente estatildeo sujeitas a planos anuais de reduccedilatildeo

substituiccedilatildeo e desenvolvimento mediante a aplicaccedilatildeo do Programa Integral de

120

Desarrollo y Substitucioacuten (PIDYS)82

com metas concretas que devem ser

alcanccediladas com a participaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores de folha de coca excedente

e a disponibilidade de recursos financeiros provenientes do orccedilamento da naccedilatildeo

assim como a cooperaccedilatildeo internacional teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

orientada para o desenvolvimento alternativo (BOLIacuteVIA 1998b traduccedilatildeo nossa)

Portanto a erradicaccedilatildeo da coca excedente deveria ser um processo gradual e

voluntaacuterio que priorizasse os projetos econocircmicos e sociais desse modo o cultivo excedente

seria substituiacutedo83

por plantaccedilotildees liacutecitas com pagamentos de compensaccedilotildees econocircmicas que

beneficiassem os produtores individual e coletivamente Em vez disso o governo boliviano

financiado pelos EUA preferiu intervir militarmente de forma sistemaacutetica para conter a

produccedilatildeo de coca iliacutecita e forccedilar o agricultor cocaleiro a substituir suas plantaccedilotildees por

produtos menos rentaacuteveis sem muitas garantias de cumprimento do programa de

desenvolvimento alternativo Conforme aponta Santos

Seguindo fielmente as concepccedilotildees norte-americanas de luta contra o narcotraacutefico o

Estado boliviano atraveacutes da FTC intensificou a repressatildeo militar e policial aos

produtores do Chapare Como ocorre nos EUA onde a poliacutetica interna de combate

agraves drogas serve como um poderoso mecanismo de controle social sobre os pobres

na Boliacutevia milhares de camponeses pobres foram presos assassinados e desalojados

de suas terras por conta de uma suposta poliacutetica de combate ao narcotraacutefico

(SANTOS 2005 p 200)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico conhecida como Plan Dignidad

implementada a partir de 1998 trouxe resultados nos iacutendices de reduccedilatildeo do cultivo e

produccedilatildeo da coca na Boliacutevia fazendo com que estes nuacutemeros alcanccedilassem os niacuteveis mais

baixos em 2000 quando chegaram a 14600 hectares de arbusto de coca ou seja 7200

hectares a menos em relaccedilatildeo ao ano de 1999 cuja marca foi de 21800 (UNODC 2012 p

10) Todavia como apontamos anteriormente esta acentuada reduccedilatildeo do cultivo de coca estaacute

concatenada com o emprego permanente das forccedilas de seguranccedila policiais e militares na

tarefa de erradicaccedilatildeo nas zonas consideradas de cultivos excedentes afetando sobremodo a

economia local e polarizando o conflito entre os cocaleiros e o governo pois a poliacutetica de

desenvolvimento alternativo se revelou deficitaacuteria

Os camponeses que contemporizaram com os programas do governo de substituiccedilatildeo

de cultivos e compensaccedilatildeo natildeo foram amparados ademais os plantios alternativos de frutas

82

O PIDYS eacute um marco institucional que institui as condiccedilotildees prazos para substituiccedilatildeo e reduccedilatildeo voluntaacuteria dos

cultivos excedentes bem como o montante da compensaccedilatildeo e as accedilotildees poliacuteticas que garantem novas

alternativas de desenvolvimento para as aacutereas atingidas 83

O processo de substituiccedilatildeo de cultivos iliacutecitos tem por objetivo modificar a dinacircmica econocircmica e social

provocada pelo traacutefico de drogas a fim de promover novos padrotildees produtivos alternativos que assegurem

renda suficiente para garantir a subsistecircncia por meio de assistecircncia de creacutedito desenvolvimento do

agronegoacutecio e da comercializaccedilatildeo

121

verduras e legumes natildeo se revelaram promissores devido o seu baixo custo no mercado e os

obstaacuteculos logiacutesticos e de infraestrutura sobretudo na proviacutencia do Chapare regiatildeo que mais

sofreu com a erradicaccedilatildeo compulsoacuteria Segundo Fernando Rojas (2002) a administraccedilatildeo

Banzer pretendeu tambeacutem erradicar os plantios excedentes de coca na zona tradicional dos

Yungas no departamento de La Paz a partir de 2001 contudo diante de um cenaacuterio

potencialmente conflitivo devido uma organizaccedilatildeo mais profunda dos cocaleiros desta

localidade o governo natildeo realizou a destruiccedilatildeo de 2000 hectares de plantaccedilatildeo ilegal de coca

Conforme destaca Santos apoacutes as intervenccedilotildees militares sob o lema de ldquococa cerordquo do Plan

Dignidad ldquohouve em toda a Boliacutevia um crescimento significativo dos movimentos sociais

que cada vez mais passaram a organizar uma resistecircncia agraves accedilotildees militaristas dos governos e agrave

ingerecircncia dos EUA no paiacutesrdquo (SANTOS 2005 p 200)

Apoacutes a renuacutencia de Banzer em 6 de agosto de 2001 Jorge Quiroga Ramiacuterez tomou

posse e prosseguiu com a poliacutetica de ldquococa cerordquo de seu antecessor O presidente Quiroga

apertou o cerco contra os cocaleiros e em menos de um semestre de mandato o governo

boliviano decretou leis que aumentavam o controle a fiscalizaccedilatildeo e a penalizaccedilatildeo dos

camponeses que cultivavam coca ilegalmente A mais expressiva destas posturas foi o

Decreto Supremo 26415 promulgado no dia 27 de novembro do mesmo ano o qual

criminalizava e penalizava de oito a dez anos aquele que coletasse secasse transportasse e

comercializasse a folha de coca em seu estado natural pois em aacutereas onde o cultivo de coca eacute

proibido natildeo deveria existir mercado para a sua comercializaccedilatildeo ou seja no Troacutepico de

Cochabamba estava terminantemente proibida qualquer uma destas atividades Assim sendo

as folhas de coca que estivessem fora da delimitaccedilatildeo territorial autorizada pelo Estado eram

confiscadas e os infratores eram presos sem passar pelo devido processo legal o que feria os

princiacutepios constitucionais Este decreto tornou mais riacutegida a repressatildeo das forccedilas de seguranccedila

ndash principalmente a FTC ndash na regiatildeo do Chapare que segundo Ledebur eram cerca de 4000 a

4500 efetivos Para a autora este excesso de emprego das forccedilas militares e policiais se

caracterizou como a maacutexima expressatildeo da militarizaccedilatildeo de combate agraves drogas na regiatildeo

(LEDERBUR 2005)

Este uso desproporcional da forccedila por parte do Estado boliviano que aleacutem de reprimir

as camadas mais pobres da populaccedilatildeo com accedilotildees violentas que feriam as garantias

constitucionais e os direitos humanos acentuou a pobreza de famiacutelias e comunidades inteiras

o que desencadeou uma onda de protestos por parte dos camponeses Essas manifestaccedilotildees

contra a poliacutetica repressiva do governo Quiroga levaram a inuacutemeros confrontos entre os

122

membros das forccedilas de seguranccedila e os cocaleiros Sob o Plan Dignidad a poliacutecia e as forccedilas

armadas se constituiacuteram como uma das principais ameaccedilas agrave ordem constitucional e agrave

seguranccedila dos cidadatildeos bolivianos Estas instituiccedilotildees foram transformadas em instrumentos

poliacuteticos para atender aos interesses dos governos em receber auxiacutelio econocircmico

submetendo-se aos imperativos da ldquoguerra agraves drogasrdquo impulsionada pelos EUA A

policializaccedilatildeo das forccedilas armadas e seu emprego constante para estas finalidades

evidenciaram as limitaccedilotildees dos governantes para compreender a importacircncia estrateacutegica das

instituiccedilotildees militares profissionalizadas e comprometidas com a Defesa Nacional e a sua

submissatildeo ao Estado democraacutetico de direito

As accedilotildees permanentes dos cocaleiros para defender o cultivo e a produccedilatildeo da coca

contra as metas de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria e a pressatildeo dos EUA para que elas fossem

cumpridas trouxeram agrave tona a emergecircncia de um novo ator no cenaacuterio poliacutetico nacional o

partido Movimiento al Socialismo (MAS) Esse ambiente conflitivo permeou as eleiccedilotildees de

2002 A questatildeo da erradicaccedilatildeo forccedilada dos cultivos de coca assim como a intromissatildeo dos

EUA na poliacutetica interna boliviana fizeram com que as intenccedilotildees de voto em Evo Morales do

MAS crescesse e a subida do liacuteder sindical dos cocaleiros nas pesquisas levou o embaixador

estadunidense no paiacutes Manuel Rocha a pronunciar publicamente a sua oposiccedilatildeo ao candidato

do MAS e ateacute mesmo a ameaccedilar o cancelamento da assistecircncia econocircmica norte-americana

caso Evo Morales fosse eleito (SANTOS 2005 p 201) A popularidade do candidato agrave

presidecircncia do MAS aumentou a ponto de chegar em segundo lugar nas eleiccedilotildees com 209

dos votos perdendo para Gonzalo Saacutenchez de Lozada do partido Movimiento Nacionalista

Revolucionario (MNR) que mais uma vez chegou ao posto de presidente da Boliacutevia

Contudo a presidecircncia de Saacutenchez de Lozada natildeo se sustentou por muito tempo

Em 2003 ocorreram grandes manifestaccedilotildees contra o seu governo motivadas pela crise

econocircmica e social a continuaccedilatildeo do Plan Dignidad que contava com o apoio dos EUA a

criaccedilatildeo de um imposto sobre o salaacuterio dos trabalhadores ndash que ficou conhecido como

ldquoimpuestazordquo ndash e principalmente a Guerra do Gaacutes84

elementos que fizeram com que

84

No ano de 2002 o presidente Jorge Quiroga Ramirez fez um acordo para instalaccedilatildeo de uma central de

processamento de gaacutes natural no litoral do Chile com intuito de exportaacute-lo para os EUA mais especificamente

para a Califoacuternia No ano subsequente o presidente Saacutenchez de Lozada ratificou este acordo e as

manifestaccedilotildees contra a exportaccedilatildeo do gaacutes ganharam forccedila na cidade de El Alto nos meses de setembro e

outubro de 2003 fazendo com que o governo aumentasse a repressatildeo contra os protestos O emprego das

forccedilas de seguranccedila contra os manifestantes incorreu na morte de inuacutemeros civis este ocorrido intensificou a

revolta da populaccedilatildeo boliviana que passou a exigir a saiacuteda de Saacutenchez Lozada O presidente renunciou o seu

cargo e deixou o paiacutes em outubro do mesmo ano

123

Saacutenchez de Lozada fosse derrubado do poder e fugisse do paiacutes com sua famiacutelia e membros de

seu gabinete para Miami

Diplomacia dos Povos e a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da

Folha de Coca

No ano de 2005 Evo Morales candidato do MAS ganhou as eleiccedilotildees presidenciais

com 54 do votos se tornando o primeiro presidente indiacutegena da Boliacutevia Um dos principais

pontos de sua candidatura era por fim agrave erradicaccedilatildeo forccedilada e criar novas regras para

regulamentaccedilatildeo do cultivo e a produccedilatildeo da coca cujo lema era ldquococa si cocaiacutena nordquo Com

esta proposta Morales procurou controlar a produccedilatildeo da folha de coca que abastecia o traacutefico

de cocaiacutena sem entrar em confronto com os camponeses como fizeram os seus antecessores

cuja repressatildeo violenta prevaleceu sobre o diaacutelogo e sobre o investimento em poliacuteticas para o

desenvolvimento alternativo e reduccedilatildeo da pobreza A vitoacuteria de Morales nas eleiccedilotildees foi

explicada por Laserna da seguinte forma

A defesa dos cultivos de coca acabou representando a defesa dos recursos naturais e

da identidade cultural da naccedilatildeo frente agrave imposiccedilatildeo externa e globalizada do lsquoimpeacuterio

americanorsquo Neste imaginaacuterio poliacutetico os cocaleiros satildeo concebidos e apresentados

como a essecircncia do campesinato que por sua vez seria a essecircncia indiacutegena da

naccedilatildeo todavia submetida ao colonialismo interno e tambeacutem satildeo apresentadas como

povo organizado que se converte em Estado para enfrentar a agressatildeo externa agrave

paacutetria Evo Morales reuacutene todas as caracteriacutesticas do movimento camponecircs

cocaleiro e aymara (LASERNA 2011 p 248-249 traduccedilatildeo nossa)

Nos primeiros anos de seu mandato Evo Morales deu continuidade ao acordo feito

entre o ex-presidente Carlos Mesa e os cocaleiros que permitia a cada famiacutelia cultivar 1600

metros quadrados de arbusto de coca85

no entanto os plantios que excedessem o limite

previsto seriam erradicados de forma cooperativa com os camponeses A continuaccedilatildeo do

acordo assegurou aos cocaleiros do Chapare uma pequena renda do plantio de coca e por

conseguinte diminuiu significativamente os conflitos com o governo Nos primeiros dois

anos de seu mandato ao contraacuterio dos governos anteriores a administraccedilatildeo Morales

conseguiu cumprir com ecircxito a meta de reduccedilatildeo de 5000 hectares de coca sem o uso da forccedila

A produccedilatildeo de folha de coca na regiatildeo andina em 2005 era em torno de 159600 hectares A

produccedilatildeo boliviana que potencialmente foi desviada para o traacutefico de drogas foi o

equivalente de 13400 hectares ou seja 84 do total (BOLIacuteVIA 2006)

Em 18 de dezembro de 2006 Morales divulgou a Estrategia de Lucha contra el

Narcotraacutefico y Revalorizacioacuten de la Hoja de Coca 2007-2010 cujo objetivos satildeo combater o 85

Este periacutemetro tambeacutem eacute conhecido como ldquocatordquo que eacute um terccedilo de um campo de futebol ou 1600 msup2

124

crime organizado internacional o narcotraacutefico e o abuso de drogas fortalecendo os

mecanismos de interdiccedilatildeo e controle das substacircncias quiacutemicas e lavagem de dinheiro

revalorizar a folha de coca como patrimocircnio cultural do povo boliviano sobretudo das

populaccedilotildees queacutechua aymara e guarani por se tratar de um elemento cultural espiritual

medicinal nutricional e econocircmico destes povos A estrateacutegia prevecirc uma mudanccedila na poliacutetica

de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria que seria substituiacuteda por accedilotildees de interdiccedilatildeo que garantem o

controle social e o respeito aos direitos humanos como forma de criar uma interaccedilatildeo maior

entre a comunidade e o Estado Deste modo o documento previu a ampliaccedilatildeo do cultivo de

coca de 12000 para 20000 hectares ateacute o ano de 2010 e a produccedilatildeo excedente seria

ldquoracionalizadardquo em comum acordo com os produtores atraveacutes do controle social e do

zoneamento natildeo expansivo86

Este aumento resultaria na utilizaccedilatildeo de 4000 toneladas de coca

na induacutestria para confecccedilatildeo de produtos nutricionais medicinais etc (BOLIacuteVIA 2006)

Santos destaca que ldquoessa nova poliacutetica foi criticada pelos EUA que reduziram 25 do valor

da ajuda ao combate agraves drogas na Boliacutevia passando de US$ 45 milhotildees para US$ 338

milhotildees para o ano de 2007rdquo (SANTOS 2007 p 202)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca natildeo eacute

restrita ao acircmbito domeacutestico mas tambeacutem eacute parte constituinte da poliacutetica externa de Evo

Morales A poliacutetica externa boliviana ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo Morales

No ano de sua posse foi desenhada a Diplomacia de los Pueblos ldquocomo paradigma

alternativo agrave diplomacia claacutessica e como uma nova forma de representar o governo e o Estado

perante o resto do mundordquo trata-se de uma ldquoconstruccedilatildeo e conceituaccedilatildeo da diplomacia como

praacutetica socialrdquo (ZURITA 2013 p 1-2 traduccedilatildeo nossa) A Diplomacia dos Povos tem como

um de seus fundamentos garantir o exerciacutecio pleno dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais de todos os povos originaacuterios para tanto a folha de coca tem um papel

importante por ser um componente substancial do universo simboacutelico da cosmovisatildeo andino-

amazocircnica e da histoacuteria destas populaccedilotildees A partir desta perspectiva o Ministeacuterio das

Relaccedilotildees Exteriores e Culto estabeleceu como um dos eixos cardeais da poliacutetica externa

boliviana o reconhecimento internacional da ldquoproteccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da coca originaacuteria e

ancestral como patrimocircnio cultural recurso natural renovaacutevel e fator de coesatildeo socialrdquo

(BOLIacuteVIA [2009] traduccedilatildeo nossa) Portanto a articulaccedilatildeo entre revalorizaccedilatildeo da folha de

86

De acordo com Laserna (2011 p 255) a JIFE no seu informe anual de 2007 desaprovou as medidas do

governo Morales alegando que elas transgrediam a normativa acordada nas convenccedilotildees internacionais

125

coca com o combate ao traacutefico de drogas se tornou um grande desafio para o governo

boliviano conseguir por em praacutetica a sua poliacutetica de ldquococa siacute cocaiacutena nordquo

A poliacutetica de ldquoracionalizaccedilatildeordquo que dava mais autonomia aos camponeses para

controlar a produccedilatildeo da coca e reduzia a pressatildeo do governo para o cumprimento das metas

apresentou falhas na fiscalizaccedilatildeo do excedente produzido isto levou o Estado a intervir

novamente para controlar o processo para impedir que a expansatildeo dos hectares de plantio de

coca abastecesse o traacutefico de drogas Ruiz Labrador (2009) ressalta que um dos problemas

gerados por esta retomada das intervenccedilotildees por parte da administraccedilatildeo Morales ocorreu entre

o final de 2008 e o comeccedilo de 2009 quando o Vice-Ministro da Coca publicou a Resoluccedilatildeo

284 a qual retirava a autorizaccedilatildeo da venda da folha de coca dos produtores varejistas

membros da Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca (ADEPCOCA) nos

departamentos de Cochabamba e Santa Cruz porque eles natildeo faziam os registros detalhados

de quem produz e para quem eacute enviado conforme a lei A ausecircncia destas informaccedilotildees fez

com que o governo concluiacutesse que o excedente produzido era desviado para a induacutestria da

cocaiacutena e extinguisse o decreto que previa a ldquoracionalizaccedilatildeordquo dos plantios

No ano de 2008 Morales ordenou que as atividades da DEA na Boliacutevia fossem

interrompidas e que os seus funcionaacuterios que estavam haacute mais de vinte anos no paiacutes

deixassem o territoacuterio nacional O embaixador estadunidense Philip Goldberg foi declarado

persona non grata e acusado pelo presidente boliviano de intromissatildeo poliacutetica nos assuntos

internos do paiacutes Esta postura do presidente boliviano buscava resgatar a soberania do paiacutes nas

poliacuteticas de drogas e nacionalizar o combate ao traacutefico de drogas por meio da uma

reestruturaccedilatildeo da FELCN e da instituiccedilatildeo da Unidad Ejecutora de Lucha Integral contra el

Narcotraacutefico (UELIC) que exerceria as atividades realizadas anteriormente pela DEA Outra

accedilatildeo de Morales neste sentido foi modificar o financiamento da poliacutetica de drogas que agora

pertencia ao orccedilamento do Tesouro Geral da Naccedilatildeo

No periacuteodo de 2000 a 2009 segundo o Relatoacuterio Mundial Sobre Drogas da UNODC o

cultivo da folha de coca dobrou passando de 14600 para 30900 hectares Nos primeiros

cinco anos do mandato de Evo Morales os plantios de coca cresceram 5500 hectares e a

erradicaccedilatildeo tiveram um pequeno aumento de 268 ha como consta no graacutefico abaixo

126

Graacutefico 1 Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia (1995-2009)

Fonte UNODC World Drug Report 2010a p 260 Disponiacutevel em lthttpwwwunodcorgunodcdata-and-

analysisWDR-2010htmlgt Acesso em 30 mar 2015

Como aponta o graacutefico o aumento no cultivo de coca tambeacutem repercutiu no aumento

da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena no paiacutes durante os primeiros cinco anos da administraccedilatildeo

Morales cujo crescimento saltou de 80 toneladas em 2005 para 132 toneladas no ano de 2009

sendo que 54628 toneladas meacutetricas foram produzidas nas regiotildees de Yungas de La Paz e no

Troacutepico de Cochabamba (UNODC 2010b) O crescimento da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena

estaacute relacionado com os problemas no descumprimento da ldquoracionalizaccedilatildeordquo do cultivo da

coca excedente por parte de alguns setores do campesinato cocaleiro e a reduccedilatildeo da

fiscalizaccedilatildeo por parte do governo Morales desta produccedilatildeo Segundo o documento de

Monitoramento de Cultivo de Coca na Boliacutevia (2010b) este crescimento da produccedilatildeo de

cocaiacutena durante o governo do MAS ocorreu paradoxalmente ao mesmo passo que a

destruiccedilatildeo dos laboratoacuterios clandestinos e poccedilos de maceraccedilatildeo aumentaram passando de

2619 laboratoacuterios e 4064 poccedilos destruiacutedos no ano de 2005 para 4864 laboratoacuterios e 6664

poccedilos desmantelados

O aumento da destruiccedilatildeo de laboratoacuterios clandestinos natildeo surtiu tanto efeito na

contenccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena como esperava governo boliviano pois a cadeia de

produccedilatildeo da induacutestria da cocaiacutena eacute dinacircmica e envolve inuacutemeros atores sendo os camponeses

a ponta do iceberg A induacutestria da cocaiacutena na Boliacutevia funciona como uma rede complexa que

abrange a produccedilatildeo o comeacutercio e a exportaccedilatildeo Na produccedilatildeo estatildeo os cocaleiros que estatildeo na

127

escala mais baixa da rede recebem a menor fatia do traacutefico de drogas e natildeo tecircm contato direto

com as redes de comercializaccedilatildeo e os coletores que manufaturam a pasta base e fazem a ponte

entre a produccedilatildeo e os comerciantes Na primeira escala da comercializaccedilatildeo estatildeo os

transportadores os distribuidores os pequenos traficantes e os agentes puacuteblicos corruptos Na

escala mais alta deste processo estatildeo o administrador o investidor os grandes comerciantes e

os lavadores de dinheiro de um lado Na exportaccedilatildeo estatildeo os exportadores tanto do cloridrato

ndash principal substacircncia quiacutemica utilizada na confecccedilatildeo da pasta base ndash quanto da cocaiacutena que

atuam nos centros urbanos (na Boliacutevia satildeo Santa Cruz de La Sierra e La Paz) e as

organizaccedilotildees criminosas internacionais que atuam nas fronteiras e nas principais mercados no

exterior Todavia o controle e a repressatildeo soacute recaiacuteram sobre os camponeses e coletores Uma

vez destruiacutedo um laboratoacuterio clandestino e preso o funcionaacuterio que ali trabalhava as redes de

comercializaccedilatildeo abrem novos laboratoacuterios descentralizando a produccedilatildeo tornando-a mais

dispersa aliciando novas comunidades camponesas e ampliando as aacutereas de atuaccedilatildeo O

crescimento da produccedilatildeo de cocaiacutena neste periacuteodo estaacute relacionado diretamente com este

processo

Para Laserna (2011) a poliacutetica antidrogas do governo Morales foi um fracasso pois

produziu o resultado oposto do esperado Segundo o autor as drogas continuaram fluindo

abundantemente na Boliacutevia os preccedilos delas caiacuteram e as penitenciaacuterias permanecem

abarrotadas de pequenos traficantes sobretudo o ldquotraficante casualrdquo e consumidores de

drogas ademais quando um grupo criminoso eacute desmantelado surgem novos que os

substituem e se adaptam agraves novas circunstacircncias Laserna sustenta que as medidas

nacionalistas e populistas do governo afrouxaram a erradicaccedilatildeo e favoreceram a produccedilatildeo de

cocaiacutena O autor afirma que a ldquohistoacuteria do triunfo cocaleiro na Boliacutevia eacute tambeacutem uma

demonstraccedilatildeo de que haacute uma histoacuteria do fracasso das poliacuteticas antidrogas Um fracasso que jaacute

natildeo poderaacute esconder-se com o ecircxito das metas parciais que ao fim e a cabo mostram que a

burocracia se cumpre embora a poliacutetica falherdquo (LASERNA 2011 p 239 traduccedilatildeo nossa)

Segundo Ruiz Labrador (2009) a estrateacutegia de luta contra o narcotraacutefico e

revalorizaccedilatildeo da folha de coca apresentou alguns problemas para a sua implementaccedilatildeo e foi

recebida com ceticismo pelos EUA e alguns setores da ONU O sistema de racionalizaccedilatildeo dos

plantios em parceria com as comunidades camponesas traria resultados em longo prazo para a

reduccedilatildeo da produccedilatildeo da folha de coca ao contraacuterio da erradicaccedilatildeo forccedilada que trouxe

resultados imediatos e postergou a resoluccedilatildeo do problema A autora assinala que ldquoa

implementaccedilatildeo de novas iniciativas natildeo impediu que a administraccedilatildeo de Morales continuasse

128

coordenando e colaborando com as Naccedilotildees Unidas e a Uniatildeo Europeia em programas

antidrogasrdquo (RUIZ LABRADOR 2009 p 119) O governo de Evo Morales foi fundamental

para romper a loacutegica estigmatizadora do ldquococaleiro-narcotraficante-terroristardquo e para afirmar

que os membros das comunidades camponesas que integram o Estado boliviano tambeacutem satildeo

capazes de marcar a agenda poliacutetica a niacutevel nacional e internacional e mudar os conceitos que

norteiam a luta antidrogas propugnada pelos EUA Contudo Ruiz Labrador ressalta que a

estrateacutegia boliviana durante o primeiro mandato de Morales natildeo foi suficiente para promover

a reduccedilatildeo dos cultivos de coca e da produccedilatildeo da cocaiacutena que continuaram a crescer

Todavia a Diplomacia dos Povos foi um ponto forte do governo de Evo Morales

principalmente no que tange agrave luta pela descriminalizaccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da folha de coca na

ONU Maacuteximo Quitral Rojas (2014) salienta que a poliacutetica externa do presidente Morales

conseguiu algumas vitoacuterias importantes no plano internacional bem como ldquotranscender sua

visatildeo plurinacional para o contexto externordquo Entre tais conquistas o autor destaca o

ldquoreconhecimento dos direitos da Madre Tierra a declaraccedilatildeo de acesso agrave aacutegua como direito

humano a descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e a declaraccedilatildeo de 2013 como Ano Internacional

da Quinua a demanda mariacutetima perante a Corte de Haya pronunciamento internacionais a

favor de Morales quando os paiacuteses europeus lhe negaram o seu espaccedilo aeacutereo entre outros

temasrdquo (QUITRAL ROJAS 2014 p 187) A descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e do

ldquoacullicordquo proibidos desde a Convenccedilatildeo de Entorpecentes de 1961 foi um dos principais

marcos da poliacutetica externa boliviana sob a presidecircncia de Morales

Os avanccedilos nos esforccedilos do governo boliviano para reduzir o cultivo iliacutecito e conter o

traacutefico de drogas principalmente a cocaiacutena nos uacuteltimos anos natildeo conseguiram frear o traacutefico

de drogas no paiacutes Para Jeremy McDermott (2014) a Boliacutevia se tornou o novo ldquoepicentro do

narcotraacutefico na Ameacuterica do Sulrdquo De acordo com o autor a Boliacutevia oferece duas condiccedilotildees

fundamentais para instalaccedilatildeo e difusatildeo do crime organizado transnacional oportunidade e

pouca resistecircncia A Boliacutevia estaacute situada ao lado do Brasil ndash o segundo maior consumidor de

drogas iliacutecitas do mundo ndash do Peru ndash principal produtor de cocaiacutena do mundo atualmente ndash e

do Paraguai ndash o principal produtor de maconha da Ameacuterica do Sul Ademais o paiacutes andino

faz fronteira com a Argentina que possui um mercado de drogas em expansatildeo

principalmente com o aumento do consumo de ldquobasucordquo e de ldquopacordquo87

e o Chile que vem

87

O basuco (ou bazuco) eacute semelhante ao crack tanto no seu aspecto quanto na sua forma de usar e eacute mais barato

de ser confeccionado do que a cocaiacutena O paco eacute uma droga de baixo custo produzida a partir de resiacuteduos de

cocaiacutena processada no querosene e aacutecido sulfuacuterico podendo ser usado clorofoacutermio eacuteter ou bicarbonato de

129

apresentando crescimento no seu mercado de drogas interno O autor enfatiza que a Boliacutevia

estaacute ldquono coraccedilatildeo do comeacutercio de narcoacuteticos ilegais na Ameacuterica do Sulrdquo e que ldquoesta dinacircmica eacute

totalmente independente das tradicionais rotas de traacutefico de drogas que alimentam o mercado

dos Estados Unidosrdquo (MCDERMOTT 2014)

McDermott assinala o crescimento dos ldquoclatildes da drogardquo na Boliacutevia os quais procuram

ser mais discretos e se utilizam de violecircncia em casos extremos o que os torna mais

imperceptiacuteveis aos olhos das forccedilas de seguranccedila e um dos centros de suas atividades eacute o

departamento de Santa Cruz Com a perda do mercado norte-americano para os mexicanos as

organizaccedilotildees narcotraficantes colombianas procuraram novos mercados e a Boliacutevia se tornou

um ponto estrateacutegico para produccedilatildeo de cocaiacutena altamente pura devido a suas fronteiras com o

Brasil e a Argentina onde se vende parte da droga e o restante eacute enviado para os mercados

europeus e asiaacuteticos Aleacutem disso os colombianos instalaram na Boliacutevia os seus ldquoescritoacuterios de

cobranccedilardquo que satildeo estruturas do crime organizado que funcionam como uma agecircncia de

controle e regulaccedilatildeo do traacutefico de cocaiacutena

potaacutessio e eacute consumido via respiratoacuteria ou sobre a maconha em forma de cigarro esta uacuteltima mistura eacute

conhecida tambeacutem como basuco (o nome varia de regiatildeo para regiatildeo e tambeacutem eacute conhecido como marciano ou

nevado) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwhogaresbethelcombazucohtmgt Acesso em 30 mar 2015

130

5 ACOMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO COMBATE AO

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino sobre o Traacutefico de Drogas Iliacutecitas

O processo de integraccedilatildeo andina natildeo se limitou agrave agenda econocircmica e poliacutetica a

seguranccedila foi a ela incorporada gradualmente a partir de dezembro de 1989 tendo como

referecircncia a Reuniatildeo de Galaacutepagos a qual pretendia fomentar medidas de confianccedila e

cooperaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e militar com intuito de promover um aprofundamento do

projeto de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo A Reuniatildeo de Galaacutepagos estava imersa num

contexto marcado pelo colapso da Uniatildeo Sovieacutetica e fim da Guerra Fria no plano

internacional pela transiccedilatildeo democraacutetica nos paiacuteses latino-americanos no plano continental e

pela intensificaccedilatildeo da presenccedila dos EUA nos Andes com o lanccedilamento da Iniciativa Andina

no plano regional A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos de Paz Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo eacute o

primeiro documento que apresenta de forma mais organizada um programa de integraccedilatildeo com

vistas a implementar medidas de confianccedila e cooperaccedilatildeo para paz e seguranccedila na regiatildeo para

que isso acontecesse o documento considera que seria necessaacuterio um sistema democraacutetico

capaz de assegurar os ldquoideais de pazrdquo os direitos humanos a cooperaccedilatildeo entre os povos e que

contribua para a seguranccedila regional A declaraccedilatildeo incorporou a niacutevel regional a percepccedilatildeo

estadunidense sobre traacutefico de drogas como ameaccedila O inimigo em vez de ser externo eacute

interno e regional O narcotraacutefico eacute apresentado como vetor dos problemas sociais poliacuteticos e

econocircmicos o qual impulsiona a escalada da violecircncia bem como ameaccedila a seguranccedila

regional quando toma a forma de terrorismo88

A Comunidade Andina de Naccedilotildees manteve sintonia com as accedilotildees militarizadas contra

o narcotraacutefico lanccediladas pela Iniciativa Andina do governo norte-americano Na Reuniatildeo

Presidencial de Caracas de maio de 1991 no tocante agrave luta contra o narcotraacutefico foi

88

Quando o documento se refere ao terrorismo tem em vista os diferentes atentados realizados na Colocircmbia a

mando de Pablo Escobar No dia 6 de dezembro de 1989 onze dias antes da Reuniatildeo de Galaacutepagos o grupo

narcotraficante de Medelliacuten explodiu um caminhatildeo-bomba na sede do Departamento Administrativo de

Seguridad (DAS) com a intenccedilatildeo de assassinar o Gen Miguel Alfredo Maza Maacuterquez entretanto deixou

dezenas de mortos sem atingir o seu objetivo O grupo de Escobar promoveu uma seacuterie de atentados contra

oacutergatildeos do governo colombiano com intuito de barrar a aprovaccedilatildeo da extradiccedilatildeo para os EUA Em junho do

mesmo ano o Sendero Luminoso explodiu um ocircnibus do exeacutercito peruano matando seis soldados na cidade de

Juniacuten Portanto nesse momento o problema do terrorismo associado ao narcotraacutefico estaacute relacionado a

problemas internos de seguranccedila provocados por accedilotildees de narcotraficantes e guerrilheiros existentes na regiatildeo

andina (EL TIEMPO 1993 COMISIOacuteN DE LA VERDAD Y RECONCILIACIOacuteN 2003)

131

reafirmado o compromisso ldquoindividual e coletivo de lutar de maneira integral e com todos os

meios disponiacuteveis contra o flagelo do narcotraacuteficordquo e proposta a criaccedilatildeo de um Centro

Regional Andino de Coordenaccedilatildeo e Informaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES [2003] p 150) A utilizaccedilatildeo de ldquotodos os meios

disponiacuteveisrdquo dava margem tanto para o treinamento militar das poliacutecias nacionais quanto para

o emprego das forccedilas armadas para as atividades contra o comeacutercio iliacutecito de entorpecentes

No decorrer da deacutecada de 1990 a CAN procurou apoio dos EUA89

e da Uniatildeo

Europeia90

(UE) para implementar os programas de desenvolvimento alternativo para

substituiccedilatildeo de cultivos ilegais por produccedilatildeo de commodities liacutecitas e consecuccedilatildeo do Regime

de Preferecircncias Comerciais ambos para fomentar o desenvolvimento econocircmico nos paiacuteses

andinos e criar alternativas de combate ao narcotraacutefico No periacuteodo foram propostas

iniciativas de cooperaccedilatildeo para coibir a corrupccedilatildeo e a lavagem de dinheiro provenientes do

narcotraacutefico para o desenvolvimento sustentaacutevel o intercacircmbio de informaccedilotildees a criaccedilatildeo do

Grupo Operativo de Alto Niacutevel sobre Drogas o combate ao terrorismo e traacutefico de armas e

accedilotildees multilaterais concertadas nos foacuteruns mundiais sobre drogas

No ano de 1999 o Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores lanccedilaram os

Lineamientos de la Poliacutetica Exterior Comuacuten para aprofundar a construccedilatildeo de uma ldquoidentidade

comum andinardquo e consolidar os seguintes princiacutepios a paz e a seguranccedila na regiatildeo a soluccedilatildeo

paciacutefica de controveacutersias a vigecircncia da ordem democraacutetica os direitos humanos a

cooperaccedilatildeo o desenvolvimento econocircmico e social dos paiacuteses pertencentes ao bloco A

poliacutetica externa comum andina expotildee em um de seus objetivos a necessidade de uma

articulaccedilatildeo conjunta que tenha como princiacutepio a responsabilidade compartilhada na luta

internacional contra as drogas para ldquorealizar accedilotildees conjuntas que a partir de um enfoque

multilateral promovam a cooperaccedilatildeo internacional em todos os aspectos do problema em

89

A Lei de Preferecircncias Tarifaacuterias Andinas (ATPA na sigla me inglecircs) foi assinada pelo governo norte-

americano em dezembro de 1991 como parte do acordo de combate agraves drogas A ATPA permitia acesso ao

mercado estadunidense por meio da eliminaccedilatildeo parcial ou total de tarifas de cerca de 6000 produtos andinos o

objetivo era aumentar a criaccedilatildeo de empregos por meio da diversificaccedilatildeo e crescimento do comeacutercio com os

EUA desestimulando o recrutamento dessas pessoas para a induacutestria das drogas 90

No ano de 1991 foi assinado o convecircnio entre a CAN e a EU intitulado Sistema Generalizado de Preferecircncias

SGP-Drogas que era um instrumento de concessatildeo tarifaacuteria com a finalidade de apoiar a estabilizaccedilatildeo acelerar

o crescimento e promover a diversificaccedilatildeo e a competitividade econocircmica como meios de ajuda para a luta

contra a produccedilatildeo e o traacutefico de drogas O SGP-Drogas foi criado com base na Convenccedilatildeo de Viena de 1988

que previa accedilotildees conjuntas contra o narcotraacutefico e a responsabilidade compartilhada frente ao problema

mundial das drogas

132

particular para o desenvolvimento de cultivos alternativosrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 1999 p 4)

O combate agraves drogas eacute um dos temas que compotildeem a agenda da Poliacutetica Exterior

Comum da CAN No acircmbito da CAN existem oacutergatildeos especiacuteficos que executam tarefas de

cooperaccedilatildeo antidrogas tais como o Comiteacute Ejecutivo del Plan Andino de Cooperacioacuten para

la Lucha contra las Drogas o Comiteacute Andino para el Desarrollo Alternativo a Escuela

Regional de la Comunidad Andina de Inteligencia Anti-drogas o Comiteacute Ejecutivo del Plan

Andino de Cooperacioacuten Para la Lucha Contra las Drogas Iliacutecitas y Delitos Conexos Comiteacute

Andino de Asistencia y Cooperacioacuten Policial y Ministerios Puacuteblicos e o Observatorio Andino

de Drogas Para incrementar estas instituiccedilotildees foram implementadas as Decisiones que satildeo

instrumentos de aplicaccedilatildeo imediata e obrigatoacuteria nos paiacuteses membros

Os oacutergatildeos antidrogas que compotildeem a estrutura da CAN atuam da seguinte forma nas

poliacuteticas nacionais no tocante agrave erradicaccedilatildeo de cultivos iliacutecitos desmantelamento da

infraestrutura de produccedilatildeo e transporte de drogas reduccedilatildeo da demanda e combate agrave lavagem

de dinheiro nos acordos binacionais com apoio agraves estrateacutegias antidrogas conjuntas e

comissotildees fronteiriccedilas nas estrateacutegias de harmonizaccedilatildeo das legislaccedilotildees nacionais e na

captaccedilatildeo de recursos teacutecnicos e financeiros internacionais na coordenaccedilatildeo de accedilotildees e

posicionamentos conjuntos91

Em 22 de junho de 2001 O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

subscreveu a Desicioacuten 505 Plan Andino de Cooperacioacuten para la Lucha contra las Drogas

Iliacutecitas y Delitos Conexos Esse Plano pretendia fortalecer as accedilotildees nacionais binacionais e

multilaterais dentro da CAN para combater as drogas iliacutecitas em sua totalidade

compreendendo todos os aspectos envolvidos na produccedilatildeo traacutefico consumo e delitos

relacionados preservando os princiacutepios da ldquoresponsabilidade compartilhadardquo e do ldquopleno

respeito a suas respectivas legislaccedilotildees e soberaniardquo e ao Direito Internacional O Plano

Andino foi elaborado para combater ldquotodos os aspectos relacionados com o problema mundial

das drogas iliacutecitas e delitos conexosrdquo se fundamentando

[] na convicccedilatildeo de que a produccedilatildeo traacutefico e consumo iliacutecito de drogas eacute um

problema de alcance mundial que afeta gravemente o desenvolvimento e a seguranccedila

dos paiacuteses andinos e da comunidade internacional Reconhece que constitui uma das

91

No que tange ao posicionamento conjunto por exemplo no ano de 1998 os paiacuteses andinos tinham proposto na

II Cuacutepula das Ameacutericas a criaccedilatildeo de um Mecanismo de Avaliaccedilatildeo Multilateral em contraposiccedilatildeo agrave certificaccedilatildeo

unilateral realizada anualmente pelos EUA a proposta foi aprovada em outubro do ano seguinte pela CICAD

133

formas mais nocivas e perigosas do crime transnacional organizado que utiliza a

loacutegica globalizadora dos mercados perverte a dinacircmica social distorce a economia

enfraquece o estado de direito e subverte a ordem puacuteblica (COMUNIDAD ANDINA

DE NACIONES 2001 p3 traduccedilatildeo nossa)

O documento salienta que o Plano Andino se constitui como ldquoum tema central na

cooperaccedilatildeo poliacutetica andinardquo devido a sua proposta de articular a poliacutetica externa comum a

poliacutetica comunitaacuteria de integraccedilatildeo e desenvolvimento fronteiriccedilo a poliacutetica de

desenvolvimento sustentaacutevel a agenda social andina e as accedilotildees em mateacuteria de seguranccedila e

fomento da confianccedila aleacutem de fortalecer os programas nacionais antinarcoacuteticos mediante a

cooperaccedilatildeo e intercacircmbio de experiecircncias entre os paiacuteses andinos e tambeacutem com outros paiacuteses

fora do bloco (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2001 p 3 traduccedilatildeo nossa)

Portanto a poliacutetica antidrogas da CAN compreende que o narcotraacutefico estaacute no centro das

preocupaccedilotildees e deve ser combatido multidimensionalmente A poliacutetica andina antidrogas

compreende o tema como um problema multidimensional a partir da seguranccedila humana e da

seguranccedila estatal De acordo com esta visatildeo o ciclo produccedilatildeo traacutefico e consumo de drogas eacute

uma ameaccedila ldquoagrave sauacutede e ao bem estar dos seres humanosrdquo e ldquoafeta as bases culturais

econocircmicas e sociaisrdquo dos paiacuteses (SECRETARIA GENERAL DE LA CAN 2000 p 2)

Como vimos anteriormente os EUA desempenharam um papel substancial e constante

na construccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila na regiatildeo andina e depois dos

ataques terroristas agraves torres gecircmeas os norte-americanos aumentaram a pressatildeo internacional

para o combate ao terrorismo e agraves suas fontes de financiamento Para intensificar a war on

terror na Ameacuterica Latina foi assinada a Declaraccedilatildeo Poliacutetica Contra o Terrorismo na XI

Cuacutepula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo em novembro de 2001 na cidade

de Lima a qual destacava a repressatildeo agraves redes de financiamento das atividades terroristas

principalmente a lavagem de dinheiro e o narcotraacutefico A Carta Andina para La Paz y La

Seguridad Limitacioacuten y Control de los Gastos destinados a La Defensa Externa elaborada

no Compromisso de Lima em junho de 2002 foi uma das respostas dada pelos Estados

andinos agrave guerra ao terror Na agenda de seguranccedila andina foram incorporadas as ldquonovas

ameaccedilasrdquo com o foco no combate agraves ldquoatividades do crime transnacional especialmente as

vinculadas ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito

de armasrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2002 traduccedilatildeo nossa)

Em janeiro do ano seguinte na cidade de Bogotaacute foi firmado pelos ministros de

relaccedilotildees exteriores e de defesa da Comunidade Andina o Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

134

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos o qual confirma a anuecircncia dos Estados

andinos aos tratados internacionais de luta contra o terrorismo existentes na ONU e na OEA

ndash a Convenccedilatildeo Interamericana contra o Terrorismo (2002) e a Declaraccedilatildeo de San Salvador

(2003) ndash e declara o combate eneacutergico contra o ldquoterrorismo em todas as suas formas e

manifestaccedilotildees e o traacutefico iliacutecito de drogas e delitos conexos que representam graves ameaccedilas

para a paz e a seguranccedila regionais o direitos humanos e liberdades fundamentais e a

institucionalidade democraacuteticardquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2003 traduccedilatildeo

nossa) O documento aleacutem de incorporar o terrorismo como ameaccedila subordina a guerra

contra as drogas agrave guerra ao terror O narcotraacutefico deixa de ser compreendido como uma

ameaccedila autocircnoma com atividades proacuteprias e passa a ser entendido como um tentaacuteculo do

terrorismo Na Declaracioacuten de Galaacutepagos de Paz Seguridad y Cooperacioacuten de 1989 o

terrorismo foi definido como extensatildeo do traacutefico de drogas contudo no Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos de 2003 ocorre uma inversatildeo o narcotraacutefico

passa a ser uma extensatildeo do terrorismo

A Poliacutetica Externa Comum da CAN foi um passo fundamental para o processo de

integraccedilatildeo regional nos Andes e o ponto de partida para a redaccedilatildeo da Decisioacuten 587

Lineamientos de la Poliacutetica de Seguridad Externa Comuacuten Andina em julho de 2004 Segundo

a Decisioacuten 587 a seguranccedila ldquoeacute um conceito de caraacuteter multidimensional e compreensivo que

abrange assuntos de iacutendole poliacutetica econocircmica social e culturalrdquo e tambeacutem um componente

imprescindiacutevel para o ldquoaprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica para a consolidaccedilatildeo da

identidade e coesatildeo da Comunidade Andina assim como para fortalecer a participaccedilatildeo de

seus paiacuteses nos mecanismos de seguranccedila hemisfeacuterica e mundialrdquo e desenvolver a Zona de

Paz Andina (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004a p 1-2 traduccedilatildeo nossa)

A concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da CAN se fundamenta na Declaraccedilatildeo de

Bridgetown para o Enfoque Multidimensional da Seguranccedila Hemisfeacuterica assinada em 4 de

junho de 2002 na Assembleia Geral da OEA a qual reconhece que ldquoas ameaccedilas

preocupaccedilotildees e outros desafios da seguranccedila Hemisfeacuterica satildeo de natureza diversa e alcance

multidimensional o conceito e enfoque tradicionais devem ser ampliados para abranger

ameaccedilas novas e natildeo tradicionais incluindo aspectos poliacuteticos econocircmicos sociais de sauacutede e

ambientalrdquo (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2002) Portanto a

agenda de seguranccedila hemisfeacuterica incorpora as ldquonovas ameaccedilasrdquo em uma perspectiva

multidimensional abrangendo temas distintos como o traacutefico de drogas terrorismo e crime

135

organizado (que satildeo prioridades dos EUA Meacutexico e Colocircmbia) a luta contra a fome e a

pobreza (por parte de Brasil e Venezuela) e a luta contra a AIDS e os Desastres Naturais

(conforme as prioridades dos paiacuteses caribenhos) ou seja doravante todos esses problemas

seratildeo percebidos como uma potencial ameaccedila agrave seguranccedila Em outubro de 2003 na

Conferecircncia Especial de Seguranccedila da OEA ocorrida na Cidade do Meacutexico foi reforccedilada a

ampliaccedilatildeo do conceito de seguranccedila e seu enfoque sobre as ameaccedilas multidimensionais com a

aprovaccedilatildeo da Declaracioacuten Sobre Seguridad en las Ameacutericas que enfatiza a necessidade de

manter uma ldquoarquitetura de seguranccedilardquo capaz de preservar a democracia a justiccedila os direitos

humanos a seguranccedila e o respeito ao direito internacional atraveacutes do fortalecimento dos

mecanismos de cooperaccedilatildeo hemisfeacutericos para enfrentar as ameaccedilas tradicionais e as novas

ameaccedilas (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2003 p 2)

De acordo com Gaston Chilier e Laurie Freeman (2005) o conceito de seguranccedila

multidimensional adotado pela OEA pode dar margem para o aumento da securitizaccedilatildeo92

dos

problemas hemisfeacutericos e consequentemente empregar forccedilas militares para combatecirc-los

Para os autores isso seria possiacutevel devido a quatro fatores preciacutepuos

Primeiro a tendecircncia histoacuterica de intervenccedilotildees poliacuteticas das forccedilas armadas durante

a vigecircncia dos regimes autoritaacuterios ou em contexto de conflitos armados ou

instabilidade social Segundo a ldquoguerrardquo dos EUA contra as drogas que promove

um papel mais amplo das forccedilas armadas no cumprimento da lei Terceiro as crises

dos sistemas de seguranccedila puacuteblica que sofrem a maioria dos paiacuteses da regiatildeo

Quarto lsquoa guerra contra o terrorismorsquo lanccedilada pelos Estados Unidos que promove

uma definiccedilatildeo expansiva e nebulosa do terrorismo e portanto aumenta a

responsabilidade dos militares na luta contra o terrorismo sob qualquer forma que

seja expresso (CHILIER FREEMAN 2005 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum (PESC) propunha accedilotildees concretas de

cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses membros para ldquoreforccedilar a luta contra o problema mundial das

drogasrdquo em conformidade com a poliacutetica e agenda de seguranccedila hemisfeacuterica dos EUA contra

o traacutefico de drogas A PESC quando aplicada nacionalmente apresentou divergecircncias entre

os paiacuteses do bloco andino como foi o caso do Plano Colocircmbia financiado pelo governo

norte-americano que tinha o intuito de restaurar a paz reforccedilar as instituiccedilotildees democraacuteticas

combater o narcotraacutefico e erradicar os cultivos iliacutecitos implementar o desenvolvimento

alternativo e defender os direitos humanos Contudo sob a perspectiva da seguranccedila

92

A securitizaccedilatildeo eacute um ato de fala (speech act) no qual a proacutepria enunciaccedilatildeo eacute uma accedilatildeo quando um agente

utiliza o termo seguranccedila para dar um caraacuteter de emergecircncia para uma questatildeo poliacutetica essa questatildeo passa

desta esfera para esfera de seguranccedila portanto para proteger o objeto referente (aquilo que eacute percebido como

objeto de uma ameaccedila existencial por exemplo a democracia a integridade territorial o meio ambiente) passa

a ser legiacutetimo o uso de medidas extraordinaacuterias de exceccedilatildeo para conter a potencial ameaccedila (BUZAN

WAEVER WILDE 1998)

136

multidimensional o governo colombiano agiu militarmente contra os ldquonarcoterroristasrdquo

extrapolando as fronteiras da Colocircmbia o que gerou instabilidade na regiatildeo andina e tensotildees

diplomaacuteticas entre a Colocircmbia e os seus vizinhos Equador e Venezuela em 2008

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores se reuniu na cidade peruana

de Cuzco em dezembro de 2004 e subscreveu a Decisioacuten 602 Norma Andina para El Control

de Sustancias Quiacutemicas que se utilizan en la fabricacioacuten iliacutecita de estupefacientes y

sustancias psicotroacutepicas essa medida visa controlar as substacircncias quiacutemicas utilizadas na

confecccedilatildeo de drogas iliacutecitas93

principalmente a cocaiacutena e a heroiacutena e proteger o territoacuterio

aduaneiro comunitaacuterio para conter o desvio de importaccedilotildees e exportaccedilotildees dessas substacircncias

que podem ser utilizadas na produccedilatildeo de drogas Nesse documento tambeacutem foi proposta uma

lista uacutenica comunitaacuteria de substacircncias controladas de acordo com a Convenccedilatildeo de Viena de

1988 da ONU para aperfeiccediloar o controle e a vigilacircncia da importaccedilatildeo exportaccedilatildeo transporte

e qualquer outro tipo de transaccedilatildeo desses produtos quiacutemicos A criaccedilatildeo desse instrumento foi

uma forma de reiterar a Poliacutetica Andina de Control y Fiscalizacioacuten de Sustancias Quiacutemicas

que foi instituiacuteda em setembro do referido ano em parceria com a Uniatildeo Europeia

Na deacutecima quinta reuniatildeo do Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

ocorrida na cidade de Lima no dia 15 de julho de 2005 foi ratificada a Decisioacuten 614

Estrategia Andina de Desarrollo Alternativo Integral y Sostenible que tinha como finalidade

substituir o cultivo iliacutecito qualificado internacionalmente como ameaccedila por atividades

consideradas liacutecitas como o cultivo de cafeacute milho banana e outros produtos agriacutecolas

Segundo a CAN essa substituiccedilatildeo seria uma forma de ldquomelhorar o niacutevel de vida dos

habitantes da sub-regiatildeo andinardquo e ldquocontribuir para reduccedilatildeo da pobreza e promover a coesatildeo

social dos paiacuteses andinosrdquo conforme a Declaraccedilatildeo do Milecircnio da ONU e as Resoluccedilotildees da

Comissatildeo de Entorpecentes em mateacuteria de desenvolvimento alternativo Segundo a CAN

para a consecuccedilatildeo da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo era necessaacuterio

resguardar os seguintes princiacutepios respeitar a soberania contribuir com a pacificaccedilatildeo e

estabilizaccedilatildeo das aacutereas de intervenccedilatildeo oferecendo alternativas econocircmicas e poliacuteticas

programas e projetos setoriais que minimizem os impactos das accedilotildees de erradicaccedilatildeo agir

preventivamente natildeo apenas nas comunidades e territoacuterios afetados pelos cultivos iliacutecitos

mas tambeacutem naqueles que satildeo ameaccedilados por esse problema respeitar a diversidade

93

As principais substacircncias quiacutemicas submetidas ao controle no acircmbito da CAN satildeo acetona aacutecido cloriacutedrico

aacutecido sulfuacuterico amoniacuteaco anidro amoniacuteaco aquoso anidrido aceacutetico bicarbonato de soacutedio eacuteter etiacutelico metil-

etil-cetona permanganato de potaacutessio tolueno sem estrutura quiacutemica definida e tolueno derivado de HC com

estrutura quiacutemica definida (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004c p 14)

137

autonomia e particularidades nacionais assim como os grupos de minorias eacutetnicas

desenvolver condiccedilotildees miacutenimas de seguranccedila governabilidade e comunicaccedilatildeo que permitam

potencializar o desenvolvimento local cumprir com a estrateacutegia integral de luta contra as

drogas iliacutecitas para assegurar o impeacuterio da lei e para eliminaccedilatildeo sistemaacutetica das atividades

relacionadas com os cultivos iliacutecitos reafirmar a responsabilidade compartilhada ndash fazendo

com que as accedilotildees dos paiacuteses consumidores permitam combater a demanda de drogas ndash e a

cooperaccedilatildeo financeira teacutecnica e comercial para o desenvolvimento alternativo

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2005 p 2-3)

A poliacutetica de desenvolvimento alternativo nas aacutereas de cultivo e produccedilatildeo de coca no

acircmbito da CAN comeccedilou em 1989 um ano depois da Convenccedilatildeo de Viena com a aprovaccedilatildeo

de um Plano de Accedilatildeo para Substituiccedilatildeo e Desenvolvimento Alternativo que seguia os passos

das poliacuteticas nacionais de erradicaccedilatildeo do cultivo de coca em curso na eacutepoca as quais foram

implantadas sob pressatildeo poliacutetica econocircmica e militar dos EUA e conforme as determinaccedilotildees

das convenccedilotildees da ONU De acordo com o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas da UNODC

(2005) podemos verificar que as estrateacutegias de erradicaccedilatildeo e de desenvolvimento alternativo

surtiram algum efeito na reduccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena nos paiacuteses andinos a partir de 2001

quando comeccedilou a ocorrer uma queda na produccedilatildeo chegando ao total de 827 toneladas

meacutetricas No ano de 2003 o total de toneladas meacutetricas produzidas caiu para 674t

Os programas de substituiccedilatildeo de cultivos foram elaborados e impostos verticalmente e

natildeo horizontalmente Os camponeses tiveram uma participaccedilatildeo parca e foram praticamente

alijados das tomadas de decisatildeo Os projetos de desenvolvimento alternativo e sustentaacutevel em

tese pareciam perfeitos em sua elaboraccedilatildeo teacutecnica contudo natildeo estavam em consonacircncia

com a realidade do campo e as dinacircmicas e variantes culturais sociais e poliacuteticas natildeo foram

consideradas nos caacutelculos Conforme salienta Adriana Rossi (2006) a loacutegica do mercado

tambeacutem natildeo foi considerada pois as leis neoliberais vigentes satildeo impenetraacuteveis aos produtos

provenientes de microprodutores A autora assinala que ldquoalguns desses projetos deixaram

comunidades divididas camponeses endividados e sobretudo provocaram uma generalizada e

profunda desconfianccedila e a sensaccedilatildeo de que as medidas alternativas eram tatildeo soacute uma forma

para manter a burocracia nacional e internacionalrdquo (ROSSI 2006 p 38)

Em junho de 2005 o SGP-Drogas passou por um processo de revisatildeo e ajustes para

atender os questionamentos realizados na Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio e a UE adotou

um novo SGP para o periacuteodo de 2006 a 2015 que comeccedilou a vigorar em julho de 2005 No

138

mecircs de abril de 2007 a UE aprovou o Documento de Estrateacutegia Regional para o periacuteodo de

2007 a 2013 o qual destinava 50 milhotildees de euros para a CAN aplicar em trecircs setores

prioritaacuterios integraccedilatildeo econocircmica regional coesatildeo econocircmica e social e o combate agraves drogas

iliacutecitas A UE e a CAN subscreveram em 26 de setembro de 2007 o convecircnio de

financiamento de cooperaccedilatildeo para combate agraves drogas sinteacuteticas por meio da Decisioacuten 673

Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas Sinteacuteticas ou DROSICAN Para firmar

esse convecircnio a UE contribuiu com euro2550 milhotildees e a CAN entrou com euro320 mil O

DRASICAN tinha como objetivo ldquo[] propor metodologias e ferramentas que permitam

prevenir e controlar os possiacuteveis efeitos da oferta e da demanda das drogas iliacutecitas sinteacuteticas

nos Paiacuteses Membros (PPMM) da Comunidade Andina (CAN) []rdquo (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES 2007 p 2 traduccedilatildeo nossa)

No dia 6 de outubro de 2009 foi publicado o documento Seguridad y Lucha Contra el

Delito y la Violencia en la Comunidad Andina o qual reforccedilava as determinaccedilotildees da Poliacutetica

Externa Comum e da Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum para cooperaccedilatildeo no campo da

prevenccedilatildeo investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo para enfrentamento dos ldquofenocircmenos delitivos derivados do

crime organizado transnacionalrdquo como o narcotraacutefico traacutefico de armas bens culturais e

pessoas lavagem de dinheiro e corrupccedilatildeo Para o combate agraves drogas o documento reitera as

diretrizes do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Antidrogas e seus mecanismos institucionais sobre

a mateacuteria

Entre as estrateacutegias de cooperaccedilatildeo birregional CAN-UE foi elaborado o Programa

Antidrogas Iliacutecitas en La Comunidad Andina (PRADICAN) que vigoraria entre novembro de

2009 e fevereiro de 2013 O seu orccedilamento ficou estimado em euro402 milhotildees sendo que 81

desse total era de responsabilidade da UE O objetivo do PRADICAN era apoiar a

implementaccedilatildeo do Plano Andino de Luta contra as Droga Iliacutecitas e Crimes Conexos para

cumprimento da Norma Andina para controle de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas e

da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES [ca2011])

Entre os dias 15 e 18 de novembro de 2011 ocorreu na cidade de Bogotaacute o encontro

andino para implementar o Intercambio de Experiencias de Cooperacioacuten Policial en la

Comunidad Andina Frente a la Lucha Contra el Problema Mundial de las Drogas que fazia

parte do projeto PRADICAN participaram dessa reuniatildeo representantes da alta cuacutepula das

poliacutecias nacionais da Secretaria Geral da CAN da UE e do governo colombiano Para

139

consolidar diferentes processos de cooperaccedilatildeo para a ldquoluta efetiva e integral contra as ameaccedilas

a convivecircncia e a seguranccedila cidadatilderdquo o encontro visava criar mecanismos a niacutevel regional para

facilitar o diaacutelogo entre os governos e destes com a sociedade civil bem como criar

programas de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre as instituiccedilotildees policiais encarregadas da luta

antidrogas Para realizar essas accedilotildees foram estabelecidos dois objetivos principais

1 Gerar um espaccedilo de intercacircmbio de experiecircncias entre atores da luta contra o

problema mundial das drogas dos paiacuteses da Sub-regiatildeo Andina acerca de suas accedilotildees

e estrateacutegias para o problema mundial das drogas

2 Propor experiecircncias bem sucedidas ndash liccedilotildees aprendidas e boas praacuteticas ndash aplicadas

contra o fenocircmeno do narcotraacutefico nos paiacuteses andinos de Boliacutevia Colocircmbia

Equador e Peru como accedilotildees comuns a serem desenvolvidas no futuro

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2011 p 2 traduccedilatildeo nossa)

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores apresentaram em 5 de

fevereiro de 2012 os Principios Orientadores y Agenda Estrateacutegica Andina que tinham

como propoacutesito aprofundar o processo de integraccedilatildeo andino a partir da elaboraccedilatildeo de uma

agenda estrateacutegica que priorizava doze eixos principais 1) participaccedilatildeo dos cidadatildeos andinos

na integraccedilatildeo 2) Poliacutetica Exterior Comum 3) integraccedilatildeo comercial e complementaccedilatildeo

econocircmica promoccedilatildeo da produccedilatildeo do comeacutercio e do consumo sustentaacutevel 4) integraccedilatildeo

fiacutesica e desenvolvimento das fronteiras 5) desenvolvimento social 6) meio ambiente 7)

turismo 8) seguranccedila 9) cultura 10) cooperaccedilatildeo 11) integraccedilatildeo energeacutetica e recursos

naturais 12) desenvolvimento institucional da CAN (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 2010 p 2) A agenda estrateacutegica procurava conter o traacutefico de drogas e outras

accedilotildees do crime organizado a partir de accedilotildees integradas como o controle integrado de

fronteiras e o desenvolvimento dos Centros Binacionales de Atencioacuten en Frontera (CEBAF) e

das Zonas de Integracioacuten Fronteriza (ZIF) e em mateacuteria de seguranccedila se daria por meio da

coordenaccedilatildeo de programas regionais para facilitar a aplicaccedilatildeo da normativa andina sobre

combate agraves drogas de acordo com as diretrizes da Decisioacuten 505 e a implementaccedilatildeo do

PRADICAN

No transcurso do ano de 2012 ocorreram reuniotildees multilaterais de especialistas

governamentais dos paiacuteses andinos para atualizaccedilatildeo do Plano Andino de Luta Contra as

Drogas Iliacutecitas e Delitos Conexos As reuniotildees contaram com a participaccedilatildeo de teacutecnicos

especialistas em drogas da Secretaria Geral da Comunidade Andina e com funcionaacuterios dos

governos dos paiacuteses envolvidos especialmente dos setores de seguranccedila e luta contra as

drogas

140

Esse grupo multissetorial e multilateral lanccedilou no dia 5 de outubro de 2012 a

Estrategia Andina Sobre el Problema Mundial de las Drogas 2012-2019 A Estrateacutegia

Andina segundo o documento eacute respaldada pela Poliacutetica Externa Comum e pelo Acordo de

Cartagena e se fundamenta no direito comunitaacuterio andino que tem como pilares o respeito aos

direitos e dignidade humana a democracia e o Estado de direito A Estrateacutegia Andina

apresenta algumas mudanccedilas no que tange ao tratamento da questatildeo das drogas na regiatildeo

principalmente nas estrateacutegias de reduccedilatildeo da demanda e de desenvolvimento alternativo A

estrateacutegia de reduccedilatildeo da demanda passa a ser norteada natildeo mais pela loacutegica da criminalizaccedilatildeo

mas por uma loacutegica de reduccedilatildeo de danos

Thiago Rodrigues (2003b) ressalta que a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos surgiu na

Europa em meados da deacutecada de 1980 como medida para conter a propagaccedilatildeo da AIDS entre

usuaacuterios de drogas injetaacuteveis devido ao compartilhamento de seringas Contudo a reduccedilatildeo de

danos ampliou o seu enfoque e em suas medidas procurava natildeo apenas promover a troca de

seringas mas tambeacutem o acompanhamento meacutedico de usuaacuterios fornecer serviccedilos

interdisciplinares de assistecircncia e aconselhamento De acordo com esta loacutegica as poliacuteticas

sociais deveriam ser direcionadas para intervenccedilotildees que procurassem proscrever natildeo o uso de

drogas mas o uso indevido que pode redundar em ameaccedilas ao bem-estar do indiviacuteduo e da

sociedade Sendo assim

Os partidaacuterios das poliacuteticas de reduccedilatildeo de danos constroem seus argumentos a partir

de um pressuposto simples consumir psicoativos faz parte de qualquer cultura eacute

haacutebito sempre presente na histoacuteria humana e que natildeo pode ser suprimido

Assumindo a inevitabilidade do uso de drogas psicoativas a preocupaccedilatildeo deveria ser

em fazer com que esse consumo produzisse o menor prejuiacutezo possiacutevel ao indiviacuteduo

que se intoxica e agrave sociedade (RODRIGUES 2003b p 262)

Os adeptos das poliacuteticas alternativas antiproibicionistas compreendem que a guerra

contra as drogas natildeo erradicou e nem vai erradicar o traacutefico e nem o consumo de drogas mas

impeliu os usuaacuterios de psicoativos agrave marginalidade fazendo com que fosse perpetuado o uso

de drogas em condiccedilotildees insalubres Para os partidaacuterios dessa alternativa natildeo se trata de fazer

apologia ao uso das drogas e sim de agir pragmaticamente sobre a questatildeo Deve-se reduzir o

consumo ldquoinevitaacutevelrdquo dessas substacircncias e natildeo estimular o seu uso portanto a preocupaccedilatildeo eacute

ldquominimizar prejuiacutezosrdquo Rodrigues aponta que os discursos de defesa dos programas de

reduccedilatildeo de danos e a criacutetica ao proibicionismo neles contidos natildeo significa necessariamente

uma postura incisiva de apoio agraves poliacuteticas radicais de legalizaccedilatildeo das drogas pois a reduccedilatildeo

de danos pode ser adotada por diferentes tipos de poliacuteticas ela se situa entre a legalizaccedilatildeo

total e a proibiccedilatildeo total e nada impede que ela oscile de uma para outra Para o autor ldquoa

141

possibilidade de que taacuteticas de reduccedilatildeo de danos coexistam com medidas de guerra agraves drogas

expotildee a nu o fato de que em seu conjunto elas natildeo ambicionam mais do que reformulaccedilotildees

dentro do regime proibicionistardquo (RODRIGUES 2003b p 268)

Os paiacuteses andinos mesmo com toda sua multiplicidade de expressotildees poliacuteticas e

eacutetnico-culturais buscam se posicionar de forma comum perante aos desafios em termos de

seguranccedila principalmente por meio da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) como por

exemplo a Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum e a Carta Andina para a Paz e Seguranccedila

Contudo as posiccedilotildees e declaraccedilotildees dos governos do bloco andino revelam as controveacutersias e

diferenccedilas subjacentes a esse processo

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em Seguranccedila

A regiatildeo andina tem como caracteriacutestica a diversidade geograacutefica social poliacutetica e

econocircmica cujas semelhanccedilas estatildeo ligadas ao passado colonial e agraves relaccedilotildees de

subalternidade da poliacutetica externa dos paiacuteses andinos frente aos EUA principalmente no

contexto dos anos de 1990 se estendendo ateacute o comeccedilo do seacuteculo XXI os Andes estavam

dentro da zona de influecircncia hemisfeacuterica norte-americana Nesse contexto as relaccedilotildees de

dependecircncia de cada paiacutes andino com Washington natildeo foram uniformes no entanto como

vimos no decorrer do presente trabalho houve muitas semelhanccedilas na forma como foi

conduzida a poliacutetica de combate agraves drogas e a cooperaccedilatildeo com os EUA sobre o tema

ocorrendo mudanccedilas mais significativas apenas na segunda metade da primeira deacutecada deste

seacuteculo como foram os casos de Boliacutevia e Equador

Os esforccedilos dos paiacuteses andinos para criar instrumentos e mecanismos de cooperaccedilatildeo

regional em mateacuteria de seguranccedila comeccedilaram no fim dos anos de 1980 Neste primeiro

movimento o traacutefico de drogas jaacute figura como problema de seguranccedila ao lado das armas

nucleares A Declaracioacuten de Galaacutepagos Compromiso Andino de Paz Seguridad y

Cooperacioacuten assinada pelos presidentes do Pacto Andino em 1989 (Boliacutevia Colocircmbia

Equador Peru e Venezuela) tinha por objetivo principal criar medidas de confianccedila reciacuteproca

por meio do compromisso dos paiacuteses andinos em renunciar agrave produccedilatildeo ao desenvolvimento

ao uso agrave transferecircncia ou posse de qualquer tipo de arma de destruiccedilatildeo em massa (ADM)

sejam elas nucleares quiacutemicas ou bacterioloacutegicas O art 6 da Declaraccedilatildeo estabelece como

142

uma das medidas de confianccedila o intercacircmbio de informaccedilotildees encontros regulares e

cooperaccedilatildeo entre as Forccedilas Armadas e a coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de luta contra o terrorismo e

o narcotraacutefico A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi o primeiro documento que firmou o

compromisso entre as forccedilas armadas andinas para o combate ao traacutefico de drogas A ideia de

cooperaccedilatildeo contida na Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos deve ser entendida de acordo com a

abordagem de Robert Jervis (1978) sobre a seguranccedila cooperativa a qual foi elaborada

durante a Guerra Fria e por ela foi influenciada Segundo o autor a seguranccedila cooperativa

ocorre quando os contendores potenciais tecircm disposiccedilatildeo para cooperar com a finalidade de

aplacar os riscos provenientes do dilema de seguranccedila Deste modo ela eacute estadocecircntrica Este

tipo de cooperaccedilatildeo propicia a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo reduccedilatildeo e resoluccedilatildeo de

ameaccedilas militares que podem desdobrar em uma guerra Estas medidas estatildeo relacionadas

sobretudo agrave transparecircncia entre as forccedilas armadas que permita o recolhimento de dados e

informaccedilotildees sobre o estado das armas

Todavia somente dez anos depois com o lanccedilamento da Poliacutetica Externa Comum

Andina em 1999 a seguranccedila se torna um dos eixos do projeto de integraccedilatildeo andina que

forneceraacute as bases para criaccedilatildeo de mecanismos institucionais de cooperaccedilatildeo na mateacuteria O

narcotraacutefico foi o tema que ganhou mais destaque no iniacutecio da formulaccedilatildeo da poliacutetica de

seguranccedila comum andina A implementaccedilatildeo em 2001 da Decisatildeo 505 foi o primeiro

movimento de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica multilateral coordenada de seguranccedila antidrogas no

acircmbito da CAN para conter o avanccedilo das redes de traacutefico de drogas e os efeitos do conflito

colombiano na regiatildeo

Na Conferecircncia de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores e de Defesa da CAN ocorrida na

cidade de Lima em junho de 2002 os paiacuteses signataacuterios do bloco andino assinaram a Carta

Andina para a Paz e a Seguranccedila (ou Compromisso de Lima) a qual se baseava na proposta

do presidente peruano Alejandro Toledo que pretendia promover uma concepccedilatildeo comum de

seguranccedila paz e fomento da confianccedila pela reduccedilatildeo nos gastos de defesa O Compromisso de

Lima visava a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica comunitaacuteria de seguranccedila e de fomento da

confianccedila como parte da Poliacutetica Externa Comum e como um mecanismo de cooperaccedilatildeo

poliacutetica para implementaccedilatildeo de uma nova etapa de integraccedilatildeo andina para o desenvolvimento

de uma concepccedilatildeo regional de seguranccedila que fosse capaz de instaurar a Zona de Paz de la

Comunidad Andina Influenciado pela concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da OEA e

pela ldquoguerra ao terrorrdquo dos EUA o Compromisso de Lima estabelecia que o combate agraves

atividades do ldquocrime transnacionalrdquo deveria continuar ldquoespecialmente as que satildeo vinculadas

143

ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito de armasrdquo

(COMUNIDAD ANDINA 2002 p 4 traduccedilatildeo nossa)

O Compromisso de Lima foi determinante para criaccedilatildeo do Grupo de Alto Niacutevel em

Mateacuteria de Seguranccedila e Fomento da Confianccedila em 2003 este mecanismo compreende

reuniotildees bilaterais regulares entre Altos Comandos Militares intercacircmbio de informaccedilatildeo e de

serviccedilo de inteligecircncia e cooperaccedilatildeo fronteiriccedila A partir do Compromisso de Lima foi

elaborado a PESC que guiada pela concepccedilatildeo multidimensional de seguranccedila ldquoabarca as

ameaccedilas inerentes tanto agrave defesa quanto agrave institucionalidade democraacutetica e agrave seguranccedila cidadatilde

ndash incluindo suas inter-relaccedilotildees ndash []rdquo Portanto ldquoo seu propoacutesito eacute prevenir e combater de

maneira cooperativa e coordenada as ameaccedilas agrave seguranccedila quaisquer que seja sua natureza

dentro de uma concepccedilatildeo democraacutetica e natildeo ofensiva de seguranccedila externardquo (COMUNIDAD

ANDINA 2004 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A seguranccedila comum aparece nos anos de 1980 como um novo conceito em oposiccedilatildeo agrave

seguranccedila nacional tradicional focada na seguranccedila militar O conceito procurava um enfoque

mais abrangente que natildeo se restringisse agraves preocupaccedilotildees militares mas que captasse outros

temas como as ameaccedilas poliacuteticas econocircmicas e ambientais De acordo com Barry Buzan e

Lene Hansen (2012) a seguranccedila comum eacute um conceito ldquoexpansivordquo que foi criado em 1982

pela Comissatildeo Palme de Desarmamento e Questotildees de Seguranccedila tendo como pressuposto

impliacutecito que ldquoas principais ameaccedilas agrave seguranccedila internacional natildeo vinham de Estados

individuais mas de problemas globais compartilhados por toda a comunidade internacionalrdquo

(PORTER BROWN 1991 p 109 apud BUZAN HANSEN 2012 p 216) Ao redirecionar o

foco para os chamados ldquoproblemas globaisrdquo as ameaccedilas passariam a ser enfrentadas numa

escala planetaacuteria e para resoluccedilatildeo destes problemas seriam necessaacuterias poliacuteticas multilaterais e

transnacionais Entretanto os autores salientam que a ideia de seguranccedila comum ainda estava

submergida no contexto da Guerra Fria e devido a isto o seu foco predominante era o

desarmamento e o controle de armamentos muito embora o conceito procurasse tambeacutem

promover os direitos humanos e garantir a seguranccedila dos indiviacuteduos Segundo os autores este

duplo movimento da seguranccedila comum a tornava ldquoambiacuteguardquo o que levou a preparaccedilatildeo do

cenaacuterio para a seguranccedila individual e tambeacutem fez dela a precursora da seguranccedila humana

onde o indiviacuteduo eacute o objeto de referecircncia para a seguranccedila (BUZAN HANSEN 2012 p

218)

144

A PESC andina resgatou o conceito de seguranccedila comum e procurou fundamentaacute-lo

nas concepccedilotildees de seguranccedila democraacutetica e de seguranccedila multidimensional A seguranccedila

democraacutetica surge no contexto poacutes-colapso sovieacutetico em contraposiccedilatildeo agrave Doutrina de

Seguranccedila Nacional como concepccedilatildeo alternativa de seguranccedila marcadamente fundamentada

nos princiacutepios liberais cujos objetivos centrais satildeo a proteccedilatildeo das liberdades individuais e o

bem-estar da sociedade No quarto objetivo da PESC a seguranccedila democraacutetica aparece da

seguinte forma ldquoContribuir para promoccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico e o bem-estar

social dos habitantes da Comunidade Andina reforccedilando a seguranccedila da Sub-regiatildeordquo

(COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo nossa) A seguranccedila multidimensional se

baseia na concepccedilatildeo de seguranccedila hemisfeacuterica da OEA que procura abranger diferentes temas

poliacuteticos econocircmicos societais e ambientais como ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila A

concepccedilatildeo multidimensional influenciou sobremaneira a PESC Em um dos seus objetivos ela

se revela da seguinte forma ldquoPrevenir combater e erradicar as novas ameaccedilas agrave seguranccedila

[] atraveacutes da cooperaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo de accedilotildees orientadas os desafios que representam

ditas ameaccedilas para a Comunidade Andinardquo (COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo

nossa)

De acordo com Carlos Romero (2004) na Ameacuterica Latina houve poucas ocasiotildees em

que ocorreram esforccedilos para elaboraccedilatildeo de compromissos cooperativos de seguranccedila sem os

EUA Um exemplo citado pelo o autor eacute a poliacutetica de seguranccedila comum da CAN No entanto

Romero potildee em questatildeo se a agenda de seguranccedila andina natildeo se transformou em reprodutora

da agenda hemisfeacuterica e da agenda global da administraccedilatildeo Bush como foi o caso do

terrorismo transnacional e que em vez disso os paiacuteses da CAN deveriam discutir o tema de

terrorismo de Estado como problema de seguranccedila pois este eacute um tema mais presente na

histoacuteria andina Ao colocar entre os seus objetivos o combate agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo a agenda

de seguranccedila da CAN se tornou reprodutora das poliacuteticas de seguranccedila tanto da OEA quanto

dos EUA O exemplo mais emblemaacutetico eacute o traacutefico de drogas que ainda eacute tratado sob estas

perspectivas mesmo com uma mudanccedila recente no tratamento das drogas a partir do prisma

da reduccedilatildeo de danos o qual segue o modelo europeu

A CAN procurou reinterpretar a sua agenda de seguranccedila e a cooperaccedilatildeo multilateral

entre os paiacuteses do bloco agrave luz das ldquonovas ameaccedilasrdquo para combatecirc-las As medidas de

confianccedila estabelecidas pela PESC natildeo foram suficientes para solapar os conflitos fronteiriccedilos

latentes Entre as ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila da CAN a partir da segunda metade dos anos

de 1990 o traacutefico de drogas foi a ameaccedila que mais se destacou na agenda de seguranccedila

145

regional e que refletiu de maneira variada em cada contexto nacional A PESC estabeleceu

como condiccedilotildees necessaacuterias para a conformaccedilatildeo de uma Zona Andina de Paz as medidas de

confianccedila a soluccedilatildeo paciacutefica de controveacutersias e a cooperaccedilatildeo em seguranccedila principalmente

contra as ldquonovas ameaccedilasrdquo No que tange agrave cooperaccedilatildeo multilateral contra o traacutefico de drogas

no acircmbito do ordenamento institucional da CAN houve avanccedilos significativos No entanto

na praacutetica o que mais prevalece satildeo as medidas de cooperaccedilatildeo bilateral principalmente entre

as forccedilas armadas como satildeo os casos da formaccedilatildeo de Comisioacuten Binacional Fronteriza para o

fortalecimento da seguranccedila nas fronteiras (COMBIFRON) e Grupos de Trabalho Bilateral

COMBIFRON Equador-Colocircmbia COMBIFRON e Grupos de Trabalhos Bilateral em defesa

e assuntos policiais Peru-Colocircmbia COMBIFRON Boliacutevia-Peru A questatildeo que se coloca eacute

se a cooperaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas e os mecanismos institucionais para

enfrentaacute-las se inserem ou natildeo dentro de um espectro mais amplo de uma identidade coletiva

em mateacuteria de seguranccedila ou seja se a CAN se configura como uma Comunidade de

Seguranccedila

Comunidade de Seguranccedila Andina

Nos estudos da seguranccedila internacional a ideia de comunidade de seguranccedila surgiu

para compreender como determinadas organizaccedilotildees de grupos regionais foram capazes de

impulsionar processos que culminaram na criaccedilatildeo de zonas de paz estaacuteveis e duradouras que

propiciaram a construccedilatildeo de uma identidade comum Karl Deutsch (1957) foi o primeiro autor

a introduzir o conceito de comunidade poliacutetica para analisar os processos de integraccedilatildeo e as

relaccedilotildees entre seguranccedila e integraccedilatildeo Deutsch se concentrou em identificar as condiccedilotildees que

favoreciam a construccedilatildeo de identidades coletivas como forma de se alcanccedilar a paz Com o

crescimento da interdependecircncia e da responsabilidade compartilhada entre os Estados o uso

da forccedila fiacutesica deixaria de ser um meio legiacutetimo para resolver altercaccedilotildees O grau de

integraccedilatildeo distinguiria uma comunidade poliacutetica de uma comunidade de seguranccedila esta

uacuteltima eacute resultado da densidade e intensidade das relaccedilotildees e transaccedilotildees que asseguram

expectativas confiaacuteveis de mudanccedila paciacutefica por um tempo prolongado A comunidade de

seguranccedila conforme o autor pode ser pluralista quando se restringe apenas ao acircmbito da

seguranccedila para manter a paz ou amalgamada quando ocorre uma fusatildeo poliacutetica formalizada

entre os atores envolvidos podendo chegar a constituir um soacute governo

As comunidades pluralistas seriam como ldquoclustersrdquo de unidades poliacuteticas

(agrupamento de estados) que requerem trecircs pressupostos baacutesicos

146

a) a compatibilidade de valores fundamentais b) a capacidade dos governos e as

elites para responder em forma reciacuteproca as mensagens necessidades e accedilotildees de

forma veloz adequada e sem recorrer agrave violecircncia e c) a previsibilidade muacutetua dos

aspectos pertinentes da conduta poliacutetica econocircmica e social de uns em relaccedilatildeo aos

outros (DEUTSCH 1970 p 231 apud BURDISSO et al 2006 p 6 traduccedilatildeo

nossa)

Se seguirmos esta divisatildeo proposta por Deutsch a CAN estaria mais para uma

comunidade de seguranccedila pluralista do que para uma amalgamada pois o processo de

integraccedilatildeo andino preserva a soberania dos Estados da regiatildeo e natildeo visa agrave criaccedilatildeo de um

governo uacutenico supranacional Todavia a comunidade de seguranccedila pluralista natildeo se adeacutequa

ao caso andino pois inexiste uma reciprocidade entre os paiacuteses para responder a uma ameaccedila

e muito menos existe uma ldquoprevisibilidade muacutetuardquo A Operaccedilatildeo Fecircnix realizada pelas forccedilas

armadas da Colocircmbia em solo equatoriano gerou desconfianccedila devido agrave imprevisibilidade

Portanto esta classificaccedilatildeo natildeo eacute suficiente para abordar a complexidade da integraccedilatildeo e

cooperaccedilatildeo andina pois natildeo permite em sua abordagem compreender diferentes niacuteveis e

variedades intermediaacuterias de tipos de configuraccedilotildees de comunidades de seguranccedila

Para buscar analisar outras formas de orquestraccedilatildeo e conformaccedilatildeo de comunidades de

seguranccedila que emergiriam a partir de uma interaccedilatildeo maior que fortalecesse o

desenvolvimento da confianccedila e de uma identidade coletiva Emanuel Adler e Michael Barnet

(1998 p 17) partindo de Deutsch elaboraram um ldquomodelo heuriacutesticordquo para examinar trecircs

fases de desenvolvimento de uma comunidade de seguranccedila e as formas como os atores e suas

relaccedilotildees satildeo afetados em cada uma destas fases nascente ascendente e madura

Em linhas gerais na primeira fase a nascente natildeo haacute um movimento expliacutecito e

pouco esforccedilo por parte dos governos em criar uma comunidade de seguranccedila Os atores

buscam coordenar suas relaccedilotildees como forma de aumentar a seguranccedila muacutetua diminuir os

custos de suas transaccedilotildees e estimular a realizaccedilatildeo de trocas e interaccedilotildees A cooperaccedilatildeo entre

os atores pode ser mensurada pela ampliaccedilatildeo dos canais diplomaacuteticos bilaterais e

multilaterais As accedilotildees resultantes da cooperaccedilatildeo em seguranccedila provavelmente incorporaratildeo

uma especificaccedilatildeo maior do que eacute considerado uma ameaccedila poliacuteticas projetadas voltadas para

mitigar problemas de accedilotildees coletivas e o desenvolvimento de programas de seguranccedila

voltados para consecuccedilatildeo de objetivos compartilhados Nesta fase os Estados desenvolvem

laccedilos estreitos de seguranccedila natildeo apenas para se defenderem coletivamente contra uma

ameaccedila comum mas tambeacutem para aprofundar os viacutenculos institucionais e transnacionais que

os ligam bem como uma homogeneidade cultural poliacutetica social eou ideoloacutegica Nesta fase

147

ainda haacute a necessidade de fiscalizaccedilatildeo e controle dos membros (ADLER amp BARNET 1998

pp 50-51)

A segunda fase a ascendente assinala uma fortificaccedilatildeo dos viacutenculos mediante a

construccedilatildeo de novas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees Os membros da comunidade optam pela

integraccedilatildeo regional por consideraacute-la o meio mais profiacutecuo para atingir os objetivos coletivos

de seguranccedila e de desenvolvimento intensificando os fluxos estendendo os canais existentes

e reduzindo o medo de que um membro seja uma ameaccedila Os Estados estatildeo cada vez mais

incorporados em uma densa rede de relaccedilotildees retratadas coletivamente como ldquoamigaacuteveisrdquo A

amplitude e a densidade das instituiccedilotildees principalmente de seguranccedila demonstram confianccedila

muacutetua e deliberaccedilotildees militares interdependentes levando agrave reduccedilatildeo de mecanismos de

controle e fiscalizaccedilatildeo entre as partes (ADLER amp BARNET 1998 p53)

A terceira e uacuteltima fase a madura ocorre na formaccedilatildeo de uma comunidade de

seguranccedila com a institucionalizaccedilatildeo das expectativas tanto no acircmbito domeacutestico quanto na

esfera supranacional Nesta fase os atores regionais compartilham uma identidade comum e se

torna impensaacutevel entre os membros se prepararem para uma guerra entre si Esta fase inclui

o aspecto da ldquoajuda muacutetuardquo que estaacute inserida em um sistema ldquopoacutes-soberano dotado de

instituiccedilotildees supranacionais transnacionais e nacionais comuns e alguma forma de um sistema

de seguranccedila coletivardquo (ADLER amp BARNET 1998 p30 traduccedilatildeo nossa)

Para os autores haacute duas formas de comunidade de seguranccedila as com viacutenculo fraco e

as com viacutenculo estritamente acoplado Na comunidade de seguranccedila com viacutenculo fraco os

Estados se identificam positivamente um com o outro existem muacuteltiplos e diversos

mecanismos e padrotildees de interaccedilatildeo que reforccedilam e reproduzem a comunidade de seguranccedila

haacute um sistema de governanccedila informal com base em significados compartilhados e uma

identidade coletiva Em caso de conflitos de interesses e desacordos os atores mantecircm uma

postura de autolimitaccedilatildeo do uso da forccedila Na comunidade de seguranccedila estritamente acoplada

existem acordos de seguranccedila muacutetua e assistecircncia reciacuteproca contra ameaccedilas externas um

sistema de seguranccedila coletiva e organizaccedilatildeo de defesa militar integrada Este tipo de

comunidade de seguranccedila apresenta os seguintes componentes seguranccedila cooperativa e

coletiva um alto niacutevel de integraccedilatildeo militar coordenaccedilatildeo poliacutetica contra ameaccedilas ldquointernasrdquo

livre circulaccedilatildeo da populaccedilatildeo internacionalizaccedilatildeo da autoridade e institucionalizaccedilatildeo em

multiperspectiva nos niacuteveis nacional transnacional e supranacional (ADLER amp BARNET

1998 pp55-57)

148

Ao analisarmos a CAN a partir dos aportes teoacutericos de Adler e Barnet natildeo eacute claro

identificar em qual tipo de comunidade de seguranccedila ela poderia ser compreendida Na

primeira fase em relaccedilatildeo agrave cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses pertencentes ao bloco andino a CAN

especificou o que eacute considerado ameaccedila como eacute o caso das ldquonovas ameaccedilasrdquo e desenvolveu

um programa de seguranccedila que teoricamente estreitaria os laccedilos entre os atores da regiatildeo para

aprofundar os seus viacutenculos institucionais A CAN entretanto natildeo eacute uma instituiccedilatildeo de

seguranccedila mas sim de integraccedilatildeo regional que conteacutem alguns mecanismos de seguranccedila

comum

A fase ascendente eacute a que mais se aproxima da regiatildeo andina e do seu sistema de

integraccedilatildeo o qual fixou objetivos comuns em seguranccedila e desenvolvimento A PESC previa a

consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina que visava fortalecer as medidas de confianccedila e o

enfrentamento das ameaccedilas agrave seguranccedila de forma cooperativa Contudo a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da integraccedilatildeo andina em seus variados aspectos natildeo incidiram sobre o

campo da seguranccedila A PESC natildeo foi aprofundada e natildeo se tornou um mecanismo efetivo de

coordenaccedilatildeo dos planos e estrateacutegias de cooperaccedilatildeo As deliberaccedilotildees militares obedecem agrave

loacutegica da soberania O combate ao traacutefico de drogas eacute o exemplo mais expressivo da falta de

coordenaccedilatildeo de uma poliacutetica comum de seguranccedila A fase madura de acordo com os autores

requer entre outras coisas que a comunidade de seguranccedila seja ldquopoacutes-soberanardquo

No contexto regional andino atual emergem entre os paiacuteses da CAN novos blocos

econocircmicos regionais com diferentes niacuteveis de institucionalizaccedilatildeo dividindo os paiacuteses

andinos a partir de seus projetos estrateacutegicos que satildeo voltados ou para bacia do paciacutefico

(Colocircmbia e Peru) ou para a bacia amazocircnica (Boliacutevia e Equador) condicionando

ideologicamente natildeo apenas a economia e a poliacutetica mas tambeacutem a seguranccedila e o modo como

a questatildeo das drogas eacute abordada Desta maneira gravitam na regiatildeo andina dinacircmicas

contrapostas de integraccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo que colocam obstaacuteculos para a efetivaccedilatildeo da

PESC e construccedilatildeo de uma identidade de seguranccedila comum que satildeo elementos necessaacuterios

para o cumprimento dos acordos sobre drogas em acircmbito regional prevalecendo mais os

acordos bilaterais pontuais como satildeo as COMBIFRON do que os multilaterais intrabloco no

que tange ao combate agraves drogas Isto estaacute relacionado com as percepccedilotildees de cada paiacutes sobre o

problema Por exemplo a Boliacutevia e o Equador apresentaram mudanccedilas significativas no

decorrer da uacuteltima deacutecada no tratamento das drogas de forma divergente em muitos aspectos

das abordagens peruanas e colombianas sobre o tema

149

As iniciativas multilaterais tecircm acompanhado as estrateacutegias voltadas mais para a

reduccedilatildeo da oferta do que para a diminuiccedilatildeo da demanda Tambeacutem procuraram acompanhar as

poliacuteticas nacionais que se baseavam numa triacuteplice estrateacutegia a qual visava principalmente agrave

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos agrave militarizaccedilatildeo e ao desenvolvimento alternativo Os

instrumentos de cooperaccedilatildeo desenvolvidos no acircmbito da CAN obedeceram mais a loacutegica da

pressatildeo dos governos do que a busca de soluccedilotildees a partir de uma abordagem regional que

procurasse conciliar as heterogeneidades e assimetrias de cada Estado Para que o regime

multilateral antidrogas fosse efetivo seria necessaacuterio primeiro uma revisatildeo das poliacuteticas

nacionais e das suas consequecircncias de forma conjunta para em seguida elaborar mudanccedilas

no modelo existente onde cada paiacutes encara o problema a seu modo e por fim criar

instrumentos e mecanismo adequados para dar iniacutecio a uma estrateacutegia comum efetiva

conforme a PESC

No que tange agraves consequecircncias das poliacuteticas nacionais os Estados-membros da CAN

natildeo apresentaram nenhum documento ou iniciativa para avaliar os resultados do tripeacute

estrateacutegico de luta contra as drogas e de sua incidecircncia sobre a estabilidade das instituiccedilotildees

nacionais dos paiacuteses da regiatildeo Como vimos no decorrer do trabalho a erradicaccedilatildeo

compulsoacuteria natildeo redundou na diminuiccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena e tambeacutem natildeo impediu que

os fluxos desta droga fossem para os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo como pretenderam os EUA No

entanto para evitar confrontar as exigecircncias e pressotildees de Washington e tambeacutem seguindo os

seus interesses em se manterem receptores de assistecircncia militar e econocircmica norte-

americana os governos de Colocircmbia e Peru natildeo refletiram acerca do efeito contraacuterio que a

ldquoguerra agraves drogasrdquo provocou dentro de seus paiacuteses ou seja o aumento da erradicaccedilatildeo e da

apreensatildeo das folhas de coca levou ao crescimento e extensatildeo da produccedilatildeo para compensar

perdas como tambeacutem ramificou e capilarizou as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

A articulaccedilatildeo espuacuteria entre traacutefico de drogas e terrorismo encabeccedilada pelos EUA

incorreu em um aumento das tensotildees entre as iniciativas regionais de cooperaccedilatildeo em mateacuteria

de seguranccedila que tinha como objetivo a consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina e a

militarizaccedilatildeo dos mecanismos de repressatildeo estatal Estas tensotildees ocorrem na regiatildeo desde o

iniacutecio da luta contra o narcotraacutefico quando foram empregadas de forma indiscriminada as

forccedilas armadas para realizarem a erradicaccedilatildeo forccedilada de plantios de coca na Boliacutevia e no

Peru os dois maiores produtores de coca naquele contexto As erradicaccedilotildees forccediladas

ganharam novos contornos com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas de fumigaccedilatildeo aeacuterea na Colocircmbia

150

O uso excessivo do glifosato obrigou milhares de famiacutelias colombianas a migrarem para o

Equador o que fez estremecer as relaccedilotildees e a cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

De acordo com Mocircnica Hirst (2008) natildeo haacute respostas institucionais regionais na

Ameacuterica do Sul para lidar com o complexo conjunto de problemas de seguranccedila na regiatildeo

sobretudo o crime organizado transnacional No que concerne agrave CAN a autora destaca que as

aplicaccedilotildees das estrateacutegias antidrogas demonstraram que os paiacuteses que integram a regiatildeo

andina satildeo desprovidos de autonomia estrateacutegica e as suas agendas ainda obedecem agraves

premissas da seguranccedila hemisfeacuterica estadunidense ou seja a proacutepria concepccedilatildeo de seguranccedila

multidimensional e a noccedilatildeo de ldquonovas ameaccedilasrdquo presente na PESC satildeo constataccedilotildees desta

falta de autonomia na agenda de seguranccedila principalmente no que concerne ao combate agraves

drogas pois Washington ainda exerce grande pressatildeo com a poliacutetica de certificaccedilatildeo

alimentando a subordinaccedilatildeo estrateacutegica aos EUA (MATHIAS 2007) Portanto dentro do

atual cenaacuterio da poliacutetica e da seguranccedila da regiatildeo andina faz-se necessaacuteria a construccedilatildeo de

uma perspectiva comum e compartilhada entre os paiacuteses sul-americanos para fazer frente ao

problema da produccedilatildeo e traacutefico de drogas

151

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir da anaacutelise histoacuterica acerca da construccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo do traacutefico de drogas

como ameaccedila pudemos observar um processo gradual de aprofundamento e

institucionalizaccedilatildeo de uma percepccedilatildeo securitizada sobre o fenocircmeno e uma intensificaccedilatildeo do

seu combate na regiatildeo andina O traacutefico de drogas foi considerado uma ldquonova ameaccedilardquo natildeo

convencional e transnacional no decurso da deacutecada de 1990 Apoacutes o advento do ldquo11 de

setembrordquo ocorreu uma convergecircncia conceitual e perceptiva entre a ldquowar on drugrdquo e a ldquowar

on terrorrdquo sobretudo na Colocircmbia e no Peru que favoreceram os interesses securitaacuterios dos

EUA na regiatildeo andina No ambiente poacutes-colapso sovieacutetico a luta antidrogas se tornou o

veiacuteculo dileto para manter e ampliar a primazia estadunidense na regiatildeo

Pudemos tambeacutem depreender que a regiatildeo andina passou a ter relevacircncia para os EUA

no contexto poacutes-Guerra Fria A identificaccedilatildeo das ldquonovas ameaccedilasrdquo provocou uma alteraccedilatildeo na

definiccedilatildeo de relevacircncia de diferentes sub-regiotildees com isto a regiatildeo andina passou a ser a

maior receptora de recursos econocircmicos e militares em contraste com a Ameacuterica Central que

fora na deacutecada de 1980 Esta relevacircncia responde aos interesses da poliacutetica externa

estadunidense em eliminar o traacutefico de drogas devido agrave ameaccedila que representa para a

democracia a seguranccedila a governabilidade e a paz no arco andino Segundo a percepccedilatildeo

norte-americana desde Reagan o narcotraacutefico se constitui como uma ameaccedila agrave sua seguranccedila

nacional e por conseguinte agrave seguranccedila regional e hemisfeacuterica Aleacutem disso o arco andino

inspirou grande preocupaccedilatildeo no que concerne agrave conformaccedilatildeo de ldquoEstados Falidosrdquo ao mesmo

passo que despertou o interesse de Washington para implantaccedilatildeo de novas bases militares

como a de Manta no Equador em 1999 a qual substituiu a base que existia no Panamaacute Este

movimento dos EUA em direccedilatildeo aos Andes fez com que se ampliasse a sua zona de

influecircncia na Ameacuterica Latina levando tambeacutem a Colocircmbia a se tornar o ator central na sua

guerra contra o narcotraacutefico

A construccedilatildeo das drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo nas agendas de

seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo impulsionaram o emprego excessivo das forccedilas de seguranccedila

nacional que incorreu num processo de militarizaccedilatildeo das poliacutecias e policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas ou seja de des-diferenciaccedilatildeo entre os papeacuteis de cada uma das instituiccedilotildees e a

diluiccedilatildeo da fronteira entre seguranccedila interna e externa Este excesso no emprego da forccedila

militar para combater o narcotraacutefico fez com que ocorresse uma deslegitimaccedilatildeo social e

152

poliacutetica do Estado cujas poliacuteticas de desenvolvimento alternativo foram ineficazes para

mitigar os graves problemas causados pelas poliacuteticas antidrogas castrenses Outros efeitos

decorrentes deste excesso foram a corrupccedilatildeo das instituiccedilotildees policiais e militares a violaccedilatildeo

constante dos direitos humanos e erosatildeo do sistema democraacutetico A doutrina da militarizaccedilatildeo

permitiu que as forccedilas armadas ampliassem suas funccedilotildees internas em detrimento da

democracia e dos direitos humanos

Para empreender a luta antidrogas nos Andes as principais estrateacutegias adotadas pelos

paiacuteses da regiatildeo com a subvenccedilatildeo norte-americana podem ser resumidas em um tripeacute a

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos a militarizaccedilatildeo e o desenvolvimento alternativo Como

vimos ao longo do trabalho desde o lanccedilamento da poliacutetica de combate agraves drogas no arco

andino esta estrateacutegia tripartite direcionada aos ldquopaiacuteses produtoresrdquo natildeo alcanccedilou os

resultados almejados ou seja natildeo reduziu a oferta ndash no ano de 2014 foram registrados

133700 hectares de cultivos de coca nos paiacuteses andinos ndash e muito menos a demanda ndash o

nuacutemero de usuaacuterios de cocaiacutena chegou a cerca de 20 milhotildees em todo mundo no mesmo ano

(UNODC 2014) ndash as redes multiniacuteveis do traacutefico de drogas seguem com as suas atividades

iliacutecitas natildeo apenas na regiatildeo andina mas no mundo inteiro A crenccedila de que as accedilotildees de

combate agraves drogas iriam provocar um aumento dos preccedilos das drogas e tornaacute-las um negoacutecio

sem atratividade caiu por terra Os mercados das drogas se adaptaram e converteram o risco

em lucro A ldquoguerra agraves drogasrdquo fez do traacutefico de drogas o negoacutecio iliacutecito mais rentaacutevel no

mundo cujos lucros segundo a UNODC foram estimados em US$ 320 bilhotildees em 201294

Portanto podemos dizer que haacute uma lacuna expressiva entre os objetivos apregoados e os

resultados alcanccedilados por esta triacuteplice estrateacutegia elaborada pelos EUA e implementada pelos

paiacuteses andinos

Apreendemos tambeacutem que a partir das anaacutelises das poliacuteticas nacionais a execuccedilatildeo da

poliacutetica de drogas nos Andes natildeo foi colocada em praacutetica apenas unilateralmente com as

intervenccedilotildees estadunidenses Os governos nacionais de cada paiacutes andino natildeo soacute aceitaram e

adotaram o paradigma proibicionista securitaacuterio mas o apoiaram veementemente com um

conjunto de accedilotildees e medidas das quais sobressaiacuteram as operaccedilotildees militares indiscriminadas

Esta subordinaccedilatildeo que variou de acordo com cada contexto e paiacutes fez dos governos andinos

cuacutemplices e responsaacuteveis tambeacutem pela consecuccedilatildeo e legitimaccedilatildeo da guerra contra a induacutestria

94

A informaccedilatildeo estaacute disponiacutevel em lthttpswwwunodcorglpo-brazilptfrontpage20120716-unodc-lanca-

campanha-global-sobre-crime-organizado-transnacionalhtmlgt Acesso em 20 jul 2015

153

das drogas que trouxeram consequecircncias indeleacuteveis para as instituiccedilotildees e populaccedilotildees destes

paiacuteses principalmente para os camponeses e as camadas mais baixas da sociedade

Nos exemplos aqui estudados da Colocircmbia (e tambeacutem do Equador) pudemos verificar

que o lanccedilamento do Plano Colocircmbia e a declaraccedilatildeo de guerra contra a guerrilha o traacutefico de

drogas o terrorismo e os paramilitares impulsionaram o processo de internacionalizaccedilatildeo do

conflito armado colombiano que transbordou do acircmbito domeacutestico para o regional quando

afetou os paiacuteses vizinhos depois do regional para o internacional quando envolveu atores

extrarregionais como a OEA UE e os EUA A situaccedilatildeo conflitiva interna colombiana

condicionou e conformou a poliacutetica externa colombiana aos interesses dos atores externos

sobretudo aos interesses e ingerecircncias estadunidenses em mateacuteria de seguranccedila A

participaccedilatildeo de Washington no conflito alterou a natureza do processo colombiano o qual

deixou de ser um fenocircmeno interno com uma dinacircmica domeacutestica e passou a ser o epicentro

de uma guerra de ldquobaixa intensidaderdquo cada vez mais internacionalizada A internacionalizaccedilatildeo

do conflito interno colombiano desencadeou-se a partir do fortalecimento dos laccedilos entre os

governos de Pastrana e Uribe com os EUA os quais solicitaram a ingerecircncia de Washington

nos assuntos domeacutesticos ligados agrave luta contra o narcotraacutefico e a guerrilha

No que tange ao caso equatoriano notamos que a internacionalizaccedilatildeo do conflito

interno colombiano afetou significativamente as relaccedilotildees entre Equador e Colocircmbia a partir

da situaccedilatildeo conflituosa na fronteira comum onde as divergecircncias de percepccedilotildees e

posicionamentos perante a questatildeo se afloraram Com as operaccedilotildees desencadeadas a partir do

Plano Colocircmbia e da PSD que mais tarde resultou na Operaccedilatildeo Fecircnix o Equador apresentou

uma condiccedilatildeo de vulnerabilidade devido agrave sua baixa capacidade para responder aos efeitos da

internacionalizaccedilatildeo do conflito armado que abrange aleacutem das questotildees de seguranccedila temas

ambientais e de migraccedilatildeo A postura do presidente Rafael Correa perante o problema foi

principalmente de retaliaccedilatildeo diplomaacutetica e com a adoccedilatildeo do Plano Equador mobilizou

milhares de efetivos das forccedilas armadas para a zona fronteiriccedila O Estado colombiano natildeo foi

capaz de trazer uma soluccedilatildeo para pocircr fim aos diferentes grupos armados Com a intensificaccedilatildeo

do combate agraves guerrilhas e agraves organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes principalmente apoacutes a

mudanccedila de estrateacutegia que fundiu a luta contra as drogas com a guerra ao terror a

internacionalizaccedilatildeo do problema se estendeu para aleacutem das fronteiras atingindo primeiro a

fronteira colombo-equatoriana e em seguida a regiatildeo andina e o seu entorno A ocorrecircncia

acentuada do efeito derrame na Colocircmbia impulsionado pelo agravamento do conflito

armado e da ldquoguerra agraves drogasrdquo ensejou o espalhamento das redes narcotraficantes grupos

154

armados refugiados e problemas ambientais que penetraram as fronteiras dos Estados

limiacutetrofes Equador e Venezuela foram os paiacuteses que mais sofreram com este processo A

internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano provocada principalmente pelo efeito derrame

desdobrou em atritos diplomaacuteticos entre os governos colombiano equatoriano e venezuelano

que estremeceram as relaccedilotildees poliacuteticas entre estes paiacuteses A divergecircncia entre os governos de

Colocircmbia e Equador em torno da classificaccedilatildeo das guerrilhas como grupos ldquonarcoterroristasrdquo

colocou em questatildeo as pretensotildees da PESC andina de criar uma concepccedilatildeo de ameaccedila

regional unificada O presidente equatoriano Rafael Correa natildeo compartilhou da identificaccedilatildeo

das FARC como grupo ldquoterroristardquo ou ldquonarcoterroristardquo conforme foi feito pelo presidente

Aacutelvaro Uribe Este posicionamento do mandataacuterio equatoriano gerou dissensos e contribuiu

para desarmonia diplomaacutetica entre ambos os paiacuteses

No caso peruano observamos que o Peru se tornou o maior cultivador de coca do

mundo atualmente alcanccedilando a cifra de 60400 ha A dinacircmica interna do Peru foi afetada

com a intensificaccedilatildeo da luta contra o traacutefico de drogas na Colocircmbia Os cultivos e a produccedilatildeo

de coca cresceram exponencialmente mantendo a oferta em alta Um dos elementos para

compreender o incremento do traacutefico de drogas no paiacutes eacute a expansatildeo das redes criminosas

conhecidas como Firmas ou Clatildes No iniacutecio estas redes eram limitadas a obterem lucro no

entanto os seus interesses natildeo se restringiram ao ganho econocircmico Com o seu crescimento e

enraizamento na cultura local a atividade iliacutecita se tornou um meio de alcanccedilar status social

Para manter o seu controle sobre a induacutestria da cocaiacutena as Firmas se adaptaram agraves diferentes

situaccedilotildees sociopoliacuteticas e ampliaram o nuacutemero de atores envolvidos com a induacutestria da droga

Assim como o fez o Sendero Luminoso no passado e em certa medida ainda o fazem no

presente os Clatildes se espalham pelo tecido social se capilarizando e preenchendo o vazio de

poder local consolidando a sua influecircncia sobre as praacuteticas sociais e poliacuteticas das regiotildees

onde atuam Entre os camponeses porque sua organizaccedilatildeo ser marcadamente familiar os Clatildes

passaram a ser fundamentais para a geraccedilatildeo de renda organizaccedilatildeo da comunidade local e para

manterem a seguranccedila a partir de accedilotildees que visem minimizar as ameaccedilas aos seus negoacutecios

Esta postura de grande parte das firmas satildeo compartilhas pelas comunidades o que faz a

induacutestria da cocaiacutena se ramificar e prosperar

A ldquoguerra agraves drogasrdquo no Peru seguiu o vieacutes militarizado da Colocircmbia A Estrateacutegia

Nacional de Luta contra as Drogas e as trecircs ediccedilotildees do Plano VRAE priorizaram accedilotildees de

erradicaccedilatildeo forccedilada e operaccedilotildees militares para combater as organizaccedilotildees narcotraficantes e o

Sendero Luminoso grupo considerado ldquoterroristardquo pelo Estado peruano A ampliaccedilatildeo das

155

operaccedilotildees militares de combate agraves drogas no comeccedilo dos anos 2000 fez com que grupos

narcotraficantes se fragmentassem ou fossem extintos levando a uma mudanccedila na dinacircmica

da violecircncia com a chegada de novas Firmas sem viacutenculos com a comunidade local Aleacutem do

mais a militarizaccedilatildeo da luta antidrogas sob o signo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e a reduccedilatildeo draacutestica

das poliacuteticas de desenvolvimento alternativo impulsionaram o aumento do nuacutemero de pessoas

envolvidas com o traacutefico de cocaiacutena em pequena escala e fizeram com que uma infinidade de

novas Firmas emergisse Este duplo movimento contribuiu para a ampliaccedilatildeo do setor

concorrencial ou seja quando haacute mais grupos competindo pelo controle da produccedilatildeo e do

traacutefico de drogas a violecircncia aumenta O crescimento do setor concorrencial recente no Peru

fez com que o paiacutes ocupasse a terceira posiccedilatildeo dos paiacuteses mais conflitivos da Ameacuterica do

Sul95

No caso boliviano pudemos observar que o binocircmio neoliberalismo e proibicionismo

no comeccedilo dos anos 2000 repercutiu sobremodo nas esferas poliacutetica e econocircmica de forma

desestabilizadora engendrando inuacutemeros movimentos e revoltas sociais que derrubaram

governos eleitos democraticamente Desde a aprovaccedilatildeo do Plano Dignidade o qual

intensificou a luta antidrogas no paiacutes as organizaccedilotildees cocaleiras se transformaram em grandes

forccedilas poliacuteticas nacionais Quanto mais repressiva eram as operaccedilotildees antidrogas sobre os

cocaleiros mais mobilizados e organizados eles ficavam e esta loacutegica foi um dos fatores que

fortaleceu o MAS e consequentemente tornou a eleiccedilatildeo de Evo Morales possiacutevel A

consecuccedilatildeo da estrateacutegia tripartite norte-americana no cenaacuterio boliviano gerou um ambiente

conflituoso e instaacutevel ao passo que fortaleceu os movimentos sociais e mobilizou a opiniatildeo

puacuteblica contra as poliacuteticas antinarcoacuteticas coercitivas O governo de Evo Morales por meio da

Diplomacia dos Povos ndash que tinha como um dos seus principais pilares a revalorizaccedilatildeo da

coca ndash conseguiu na ONU que a tradiccedilatildeo de mastigaccedilatildeo da folha de coca (praacutetica conhecida

como akulliku) fosse descriminalizada recentemente

Na uacuteltima deacutecada ocorreu uma seacuterie de conflitos poliacuteticos econocircmicos e sociais que

conformaram o quadro regional andino Mesmo num ambiente conflitivo os paiacuteses andinos

por meio da CAN do Compromisso de Lima de 2001 e da Declaraccedilatildeo de San Francisco de

2004 procuraram conformar uma Zona de Paz Andina que ensejasse uma coordenaccedilatildeo maior

entre os paiacuteses em mateacuteria de seguranccedila a partir de um enfoque coletivo o qual orquestraria o

poder de decisatildeo para enfrentar os problemas securitaacuterios considerados comuns a todos os

95

Informaccedilotildees disponiacutevel em lthttpperu21peeconomiaccl-combatir-violencia-peru-cuesta-45-pbi-2211570gt

Acesso em 10 de jun 2015

156

paiacuteses do bloco e concomitantemente levasse ao aprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica

atraveacutes de mecanismos regionais como forma de conter potenciais ameaccedilas apresentando

uma abordagem preventiva em vez das abordagens defensivas Uma das abordagens

preventivas adotadas para conter o avanccedilo dos cultivos iliacutecitos foi a implementaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel em 2005 a qual buscou

coordenar poliacuteticas nacionais de desenvolvimento alternativo e substituiccedilatildeo de cultivos como

forma de reintegrar as comunidades envolvidas nos cultivos iliacutecitos em atividades produtivas

da economia legal Todavia os estudos sobre a poliacutetica de drogas nos paiacuteses andinos e as

dificuldades de manter um sistema de seguranccedila cooperativa multilateral autocircnoma intrabloco

demonstraram que as agendas de seguranccedila dos Estados-membros da CAN natildeo satildeo guiadas

por uma Poliacutetica de Seguranccedila Comum (PESC) natildeo obstante ser um objetivo declarado

oficial e institucionalmente

Portanto a desarticulaccedilatildeo do projeto andino de integraccedilatildeo e as mudanccedilas de ecircnfases

das poliacuteticas de drogas nacionais que variaram de acordo com cada governo de cada paiacutes

corroboraram para que a cooperaccedilatildeo multilateral intrabloco sobre o tema natildeo fosse bem-

sucedida uma vez que cada paiacutes membro da CAN ao formularem a sua poliacutetica de drogas

entraram em desacordo com ordenamento legal andino Este vaacutecuo cooperativo somado agrave

falta de clareza de uma identidade comum de seguranccedila que seja compartilhada por todos os

paiacuteses do bloco andino inviabilizou a construccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila andina de

modo que continuou sendo aproveitado pelos EUA para coordenar a sua agenda de seguranccedila

regional e a sua luta antidrogas conforme suas intenccedilotildees e para pressionar economicamente

os paiacuteses andinos por meio do processo de certificaccedilatildeo As poliacuteticas de combate ao traacutefico de

drogas financiadas pelos EUA e a sua constante presenccedila na regiatildeo andina para por em

marcha a sua panaceia das ldquoguerras agraves drogasrdquo se constituiacuteram como obstaacuteculos para que os

paiacuteses andinos cooperassem de forma mais efetiva para combater as redes de traacutefico de drogas

e elaborassem poliacuteticas de drogas mais autocircnomas e legislaccedilotildees alternativas em relaccedilatildeo ao

proibicionismo estadunidense

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ANEXOS

Quadro 2 Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas

entre 1909 e 1961

DATA E LUGAR

DA ASSINATURA TIacuteTULO DO ACORDO

DATA DE

ENTRADA

EM VIGOR

26 de fevereiro de 1909

Shangai China

Resoluccedilatildeo final da

Comissatildeo Internacional

do Oacutepio

N A

23 de janeiro de 1912

Haia Paiacuteses Baixos

Convenccedilatildeo Internacional

do Oacutepio

11 de fevereiro

de 1915 28 de

junho de 1919

11 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Acordo relativo agrave

fabricaccedilatildeo ao comeacutercio

interior e ao uso de oacutepio

preparado

28 de julho

de 1926

19 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio internacional sobre

o oacutepio

25 de setembro

de 1928

13 de julho de 1931

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para limitar a

manufatura e regular a

distribuiccedilatildeo de entorpecentes

9 de julho

de 1933

27 de novembro de 1931

Bangkok Tailacircndia

Acordo relativo agrave supressatildeo

do haacutebito de fumar oacutepio

22 de abril

de 1937

26 de junho de 1936

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para a supressatildeo do

traacutefico iliacutecito de drogas nocivas

26 de outubro

de 1939

11 de dezembro de 1946

Lake Success Estados

Unidos

Protocolo que atualiza no acircmbito da

ONU os acordos convecircnios e

protocolos sobre

entorpecentes concertados

em Haia (janeiro de 1912) em Genebra

(11 de fevereiro de 1925 19 de

fevereiro de 1925 e 13 de julho de

1931) em Bangkok (27 de novembro

de 1931) e em Genebra (26 de junho de

1936)

11 de dezembro

de 1946

23 de junho de 1953

Nova York Estados

Unidos

Protocolo para limitar e

regulamentar o cultivo de

papoula e a produccedilatildeo

o comeacutercio internacional o

comeacutercio atacadista e o uso

do oacutepio

8 de marccedilo de

1963

30 de marccedilo de 1961

Nova York Estados

Unidos

Convenccedilatildeo Uacutenica sobre

Entorpecentes

13 de dezembro

de 1964

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Quadro 3 Exemplos de Unidades Militares e Policiais Antidrogas Criadas com Apoio

Norte-americano na Regiatildeo Andina

Forccedilas Armadas Poliacutecia

Boliacutevia

Forccedila de Tarefa Diablos

Verdes e Diablos Negros

do Exeacutercito

Forccedila de Tarefa Diablos

Azules da Marinha Forccedila

de Tarefa Diablos

Rojos da Forccedila Aeacuterea

Forccedila Especial de Luta Contra o

Narcotraacutefico (FELCN)

Unidade Moacutevel de Patrulha Rural

(UMOPAR)

Colocircmbia

Primeira Brigada Contra o

Narcotraacutefico

do Exeacutercito Brigada

Fluvial da Marinha

Direccedilatildeo Antinarcoacuteticos (DIRAN)

Equador Direccedilatildeo Nacional Antinarcoacuteticos

(DNA)

Peru

Direccedilatildeo Nacional Antidrogas da

Poliacutecia

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Unidos en la ldquoguerra contra las drogasrdquo In YOUNGERS Coletta ROSIN Eileen (ed) Drogas y democracia

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Mapa 2 Densidade de Cultivaccedilatildeo de Coca na Regiatildeo Andina (2007)

Fonte UNODC Coca Cultivation in the Andean Region a survey of Bolivia Colombia and Peru 2008

Disponiacutevel em lthttpswwwunodcorgdocumentscrop-monitoringAndean_report_2008pdfgt Acesso em 10

Jun 2015

177

Mapa 3 Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo (1998-2008)

Fonte UNODC World Drug Report 2009 Disponiacutevel

lthttpwwwunodcorgdocumentswdrWDR_2009WDR2009_eng_webpdfgt Acesso em 15 jun 2015

178

Mapa 4 Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional - 2010

Fonte UNODC The globalization of crime 2010 p 4 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgdocumentsdata-and-analysistoctaTOCTA_Report_2010_low_respdfgt Acesso em

25 jun 2015

179

Mapa 5 Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina

Fonte UNITES STATES Report for Congress Andean Regional Initiative (ARI) assistance for Colombia

and Neighbors jan 2003 p 47 Disponiacutevel em lthttpfpcstategovdocumentsorganization16800pdfgt

Acesso em 10 mar 2015

180

Graacutefico 2 Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (190-2008)

Fonte UNODC World drug report 2010 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgunodcsecuredwdrwdr2010World_Drug_Report_2010pdfgt Acesso em 13 jul 2015

181

Graacutefico 3 Comparaccedilatildeo do Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo

(20042005 ndash 2011)

Fonte UNODC World drug report 2013 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgunodcsecuredwdrwdr2013World_Drug_Report_2013pdfgt Acesso em 13 jul 2015

Page 2: SÃO PAULO - GEDES

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais (PUC-

SP UNESP e Unicamp) como exigecircncia

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em

Relaccedilotildees Internacionais na linha de pesquisa

ldquoSeguranccedila Regionalrdquo na aacuterea de

concentraccedilatildeo ldquoPaz Defesa e Seguranccedila

Internacionalrdquo

Orientadora Suzeley Kalil Mathias

SAtildeO PAULO

2015

Santos Leandro Fernandes SampaioS237 Traacutefico de drogas iliacutecitas nos Andes a dimensatildeo regional da cooperaccedilatildeo e da

seguranccedila Leandro Fernandes Sampaio Santos ndash Satildeo Paulo 2015181 f il 30 cm

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Relaccedilotildees Internacionais) ndash UNESPUNICAMPPUC-SPPrograma San Tiago Dantas de Poacutes-graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais 2015

Orientador Suzeley Kalil Mathias

1 Traacutefico de drogas ndash Cooperaccedilatildeo internacional 2 Traacutefico de drogas ndash Boliacutevia 3Traacutefico de drogas ndash Colocircmbia 4 Traacutefico de drogas ndash Equador 5 Traacutefico de drogas ndashPeru 6 Narcoacuteticos ndash Controle ndash Ameacuterica do Sul 7 Seguranccedila internacional I Autor IITiacutetulo

CDD 36345098

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais (PUC-

SP UNESP e Unicamp) como exigecircncia

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em

Relaccedilotildees Internacionais na linha de pesquisa

ldquoSeguranccedila Regionalrdquo na aacuterea de

concentraccedilatildeo ldquoPaz Defesa e Seguranccedila

Internacionalrdquo

Orientadora Suzeley Kalil Mathias

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Profa Dr(a) Suzeley Kalil Mathias (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Heacutector Luis Saint-Pierre (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Paulo Gustavo Pellegrino Correcirca (Universidade Federal do Amapaacute)

Satildeo Paulo 05 de agosto de 2015

Somente uma ficccedilatildeo pode fazer crer que as leis satildeo feitas para serem acatadas a

poliacutecia e os tribunais destinados a fazer com que sejam respeitadas Somente uma

ficccedilatildeo teoacuterica pode nos levar a acreditar que aderimos de uma vez por todas agraves leis

da sociedade agrave qual pertencemos Todo mundo sabe tambeacutem que as leis satildeo feitas

por uns e impostas aos outros Parece poreacutem que se pode dar um passo a mais O

ilegalismo natildeo eacute um acidente uma imperfeiccedilatildeo mais ou menos inevitaacutevel Eacute um

elemento absolutamente positivo do funcionamento social cujo papel estaacute previsto

na estrateacutegia geral da sociedade Todo dispositivo legislativo organizou espaccedilos

protegidos e aproveitaacuteveis em que a lei pode ser violada outros em que ela pode

ser ignorada outros enfim em que as infraccedilotildees satildeo sancionadas No limite eu diria

simplesmente que a lei natildeo eacute feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento

mas para diferenciar as maneiras de burlar a proacutepria lei (FOUCAULT 2006 p 50)

RESUMO

A proposta desta pesquisa eacute investigar a cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para o combate

ao traacutefico de drogas iliacutecitas entre Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru no acircmbito da

Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) no transcurso de 1999 a 2012 Para tanto foi adotada

uma perspectiva histoacuterica para descrever e examinar o contexto da seguranccedila regional nos

Andes a emergecircncia intersticial das redes de traficantes o processo de construccedilatildeo do traacutefico

de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo na agenda poliacutetica e de seguranccedila da

CAN Este processo foi intenso no decorrer de toda deacutecada de 1990 e no iniacutecio dos anos 2000

periacuteodo que foi marcado pela elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Poliacutetica Externa Comum da CAN da

agenda de seguranccedila comunitaacuteria e do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Para Luta Contra as

Drogas e Delitos Conexos como formas de respostas antidrogas Para compreender este

processo abordamos o alinhamento e o questionamento agraves diretrizes internacionais o

desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo das drogas iliacutecitas em cada paiacutes que

compotildee o bloco andino no decorrer do recorte temporal delimitado e identificamos as

convergecircncias e divergecircncias das agendas de seguranccedila e das posturas adotadas pelos

governos andinos perante a questatildeo das drogas assim como os diferentes agentes

intervenientes enfocando a partir de uma perspectiva relacional as dimensotildees domeacutestica e

internacional (intermeacutestica) bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo que diluiu a fronteira

entre a seguranccedila interna e externa para combater o traacutefico de drogas e suas redes

transnacionais Por fim debatemos o combate ao traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo

regional em seguranccedila entre os paiacuteses andinos e problematizamos o conceito de comunidade

de seguranccedila quanto agrave sua aplicabilidade para compreender a dinacircmica da seguranccedila na regiatildeo

andina

Palavras-chave Traacutefico de Drogas Comunidade Andina Regiatildeo Andina Seguranccedila

Regional Cooperaccedilatildeo

ABSTRACT

The purpose of this research is to investigate the cooperation on security to combat illicit drug

trafficking between Bolivia Colombia Ecuador and Peru within the Andean Community of

Nations (CAN) in the course of 1999 and 2012 Thus it was adopted one historical

perspective and case studies to examine and describe the context of regional security in the

Andes the interstitial emergence of trafficking networks the construction process of drug

trafficking as a threat to security and their inclusion on the political agenda and Security

CAN this process was intense throughout the entire 1990s and early 2000s This period was

marked by the preparation and approval of the Common Foreign CAN community safety

agenda and the Andean Cooperation Plan for Fighting Against Drugs and Related Crimes as

forms of drug responses To understand this process we address alignment and questioning

the governments requirements the development and the exercise of coercive control of illicit

drugs in each country that makes up the Andean bloc during the defined time frame and

identified and analyzed the convergence and divergence of agendas security and postures

adopted by Andean governments to the drug issue as well as the different actors involved

focusing from a relational perspective the domestic and international dimensions

(intermestic) and the process of de-differentiation diluted the boundary between internal and

external security to combat drug trafficking and its transnational networks Finally we

discussed the fight against drug trafficking as a vector of regional cooperation on security

between the Andean countries and question the concept of security community and its

applicability to understand the dynamics of security in the Andean region

Keywords Drug Trafficking Andean Community Andean Region Regional Security

Cooperation

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Principais Conflitos Interestatais Entre Paiacuteses Andinos Motivados por Disputas

Territoriais27

Mapa 1 ndash Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da

Colocircmbia105

Graacutefico 1 ndash Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia126

Quadro 2 ndash Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas entre

1909 e 1961174

Quadro 3 ndash Exemplos de unidades militares e policiais antidrogas criadas com apoio norte-

americano na Regiatildeo Andina175

Mapa 2 ndash Densidade de Cultivaccedilatildeo de Coca na Regiatildeo Andina

(2007)176

Mapa 3 ndash Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo177

Mapa 4 ndash Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional178

Mapa 5 ndash Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina179

Graacutefico 2 ndash Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (1990-2004)180

Graacutefico 3 ndash Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo ndash (20042005-2011)181

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADEPCOCA Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca

ALALC Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio

AUC Autodefesas Unidas da Colocircmbia

CAN Comunidade Andina de Naccedilotildees

CICAD Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas

CND Commission on Narcotic Drugs

COMBIFRON Comisioacuten Binacional Fronteriza

CONALTID Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito de Drogas

CONSEP Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y Psicotroacutepicas

CSDP Common Sense for Drug Policy

DEA Drug Enforcement Administration

DROSICAN Decisioacuten 673 Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas

Sinteacuteticas

ECOSOC Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social

das Naccedilotildees Unidas

ELN Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FARC Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia

FELCN Forccedila Especial de Luta Contra o Narcotraacutefico

FOL Forward Operating Location

FTC Fuerza de Tarea Conjunta

FTE Fuerza Tarea Expedicionaria

GEMA Grupo Especial Moacutevil Antinarcoacuteticos

JIFE Junta Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes

NAS Narcotics Affairs Section

OEA Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

ONU Naccedilotildees Unidas

PESC Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum

PSD Poliacutetica Seguridad Democraacutetica

PSP Partido Sociedad Patrioacutetica

SAI Sistema Andino de Integraccedilatildeo

SGP-DROGAS Sistema Generalizado de Preferecircncias

SL Sendero Luminoso

SPI Sociologia Poliacutetica Internacional

UE Uniatildeo Europeia

UIAF Unidade Administrativa Especial de Informaccedilatildeo e Anaacutelise Financeira

UIES Unidade de Investigaccedilotildees Especiais

UMOPAR Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural

UNODC United Nations Office on Drugs and Crime

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO11

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO

ANDINA17

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes17

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina36

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE

NACcedilOcircES51

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais51

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes60

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteLTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS90

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila

Democraacutetica90

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana98

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contras as Drogas e os Planos VRAE E

VRAEM108

44 Boliacutevia Do Plano Dignidade agrave Revalorizaccedilatildeo da Folha de

Coca115

5 A COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO

COMBATE AO TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS130

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino Sobre o Traacutefico de Drogas

Iliacutecitas130

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em

Seguranccedila141

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS151

REFEREcircNCIAS157

ANEXOS174

11

1 INTRODUCcedilAtildeO

O processo de construccedilatildeo do traacutefico de drogas como uma ameaccedila agrave seguranccedila na

regiatildeo andina estaacute diretamente relacionado com a histoacuteria contemporacircnea das leis de controle

de drogas que foram conformadas ao longo do seacuteculo XX de acordo com a elaboraccedilatildeo de

tratados internacionais sob a eacutegide da hegemonia norte-americana a partir de 1909 com a

conferecircncia da Comissatildeo Internacional do Oacutepio1 a qual culminou na Convenccedilatildeo

Internacional do Oacutepio assinada em Haya em janeiro de 1912 A Convenccedilatildeo Internacional do

Oacutepio foi a mola propulsora para elaboraccedilatildeo do regime internacional de proibiccedilatildeo de drogas se

estendendo ateacute os dias de hoje O anseio norte-americano de se posicionar mais

assertivamente como potecircncia no concerto das naccedilotildees - principalmente perante as grandes

potecircncias imperiais ocidentais - somado agrave expansatildeo estadunidense em direccedilatildeo ao Oriente e

aliado agrave crenccedila de que as drogas psicoativas eram um obstaacuteculo para o desenvolvimento

econocircmico social e cultural das sociedades dos diferentes continentes foram fatores decisivos

para que os Estados Unidos impulsionassem a criaccedilatildeo de um regime internacional que

regulasse a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de drogas no mundo

O proibicionismo norte-americano natildeo estaacute apartado do discurso poliacutetico e cultural

Estas praacuteticas discursivas articulam uma seacuterie de variaacuteveis tais como a religiatildeo e a moral

puritana o racismo produto da rejeiccedilatildeo e discriminaccedilatildeo de determinados grupos de

imigrantes negros e indiacutegenas o contexto internacional da eacutepoca e o tracircnsito e o consumo

massivo de opiaacuteceos e cocaiacutena O endurecimento das leis antidrogas que faziam avanccedilar o

proibicionismo dentro dos Estados Unidos refletiu no seu posicionamento diplomaacutetico para

construccedilatildeo de um regime internacional unificado de controle de drogas o qual natildeo teve

consenso imediato entre os Estados durante as discussotildees nos anos 1950 e soacute veio ganhar

terreno feacutertil na deacutecada de 1960 (RODRIGUES 2004 ESCOHOTADO 2008)

1 A Comissatildeo Internacional do Oacutepio formada por 13 paiacuteses (Alemanha China Estados Unidos Franccedila Itaacutelia

Japatildeo Paiacuteses Baixos Peacutersia Portugal Reino Unido Ruacutessia e Reino do Siatildeo) se reuniram em uma conferecircncia

convocada pelos Estados Unidos na cidade de Xangai China no ano de 1909 se tornando o marco inaugural

para a articulaccedilatildeo internacional antidrogas apesar dos Estados Unidos natildeo conseguirem alcanccedilar os seus

objetivos de elaboraccedilatildeo de normas mais impositivas contra o oacutepio pois o seu consumo em territoacuterios

estadunidenses era associado pelas autoridades locais ao aumento da populaccedilatildeo chinesa provocado pela

imigraccedilatildeo maciccedila desta nacionalidade Somente no ano de 1912 com a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio foi

fixado controles mais riacutegidos para produccedilatildeo distribuiccedilatildeo venda importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo de morfina e outros

derivados do oacutepio e da cocaiacutena

12

O desdobramento desses acontecimentos foi a conversatildeo do ldquoespiacuterito proibicionistardquo

em normatividade planetaacuteria o que contribuiu para construccedilatildeo paulatina de consensos

sobretudo em termos juriacutedicos possibilitando a consolidaccedilatildeo do regime internacional de

proibiccedilatildeo das drogas no transcorrer do seacuteculo XX Da Conferecircncia do oacutepio em Shangai de

1909 agrave Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) de

19612 as drogas passaram por um processo contiacutenuo de associaccedilatildeo agrave criminalidade nos

tratados e acordos internacionais Esses tratados acordos e convenccedilotildees internacionais embora

natildeo fossem medidas obrigatoacuterias e impositivas na praacutetica foram se transformando em

mecanismos de pressatildeo para que os Estados adequassem de alguma forma suas respectivas

legislaccedilotildees nacionais a estes dispositivos Os paiacuteses andinos comeccedilaram a adaptar as suas

legislaccedilotildees nas primeiras deacutecadas do seacuteculo passado3 Segundo Rosa Del Olmo (2002)

Boliacutevia e Equador promulgaram suas primeiras leis em 1916 Seguidos por Colocircmbia em

1920 e Peru em 1921 O uacuteltimo paiacutes andino a comeccedilar aprovar leis antidrogas foi a

Venezuela em 19304 O discurso oficial justificava que para cumprir os compromissos

internacionais era preciso adequar as legislaccedilotildees nacionais Deste modo cada Estado andino

foi alterando suas leis nacionais com algumas variaccedilotildees e especificidades locais conforme o

surgimento de novos tratados internacionais ldquocom a singularidade de que o nuacutecleo essencial

dessa regulaccedilatildeo eacute constituiacutedo pela proibiccedilatildeordquo (GONZAacuteLEZ 2000 p55 apud DEL OLMO

2002 p 66)

A construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um regime internacional para combater as drogas

consideradas iliacutecitas foi produto de um processo longo na histoacuteria do seacuteculo XX cujo curso

natildeo eacute subjugado meramente agraves imposiccedilotildees norte-americanas pelo contraacuterio eacute resultado de

inuacutemeros fatores e variaacuteveis histoacutericas econocircmicas culturais (geo)poliacuteticas e internacionais

que se articulam e se entremeiam criando configuraccedilotildees que propiciaram aquiescecircncia sobre

2 Conferir quadro 2 na seccedilatildeo anexos

3 Os paiacuteses andinos assinaram e ratificaram a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio nas seguintes datas Boliacutevia

assinou em 04 de junho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 a Colocircmbia assinou em 15 de janeiro de

1913 e ratificou em 26 de junho de 1924 o Equador por sua vez assinou em 2 de julho de 1912 e ratificou em

25 de fevereiro de 1915 o Peru subscreveu em 24 de julho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 por

fim a Venezuela subscreveu em 10 de setembro de 1912 e ratificou em 28 de outubro de 1913 Os dados

foram extraiacutedos de UNITED NATIONS Treaty Collection Chapter VI Narcotic Drugs and Psychotropic

Substances Disponiacutevel em

lthttpstreatiesunorgPagesViewDetailsIVaspxampsrc=TREATYampmtdsg_no=VI~2ampchapter=6ampTemp=mtd

sg4amplang=en gt Acesso em 20 dez 2014 4 Conforme salienta Rosa Del Olmo (2002) ldquoNa Boliacutevia a Lei de Drogas no Equador a Lei do Comeacutercio do

Oacutepio e Demais Drogas (Decreto 39) na Colocircmbia a Lei sobre Importaccedilatildeo e Venda de Drogas que Causam

Haacutebito Pernicioso (Lei 11) no Peru a lei que regula a importaccedilatildeo exportaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cocaiacutena

oacutepio maconha e heroiacutena (Lei 4428) e na Venezuela a Lei dos Narcoacuteticos embora em 1920 jaacute existissem dois

regulamentos um sobre importaccedilatildeo e venda (no varejo) do oacutepio e seus alcaloidesrdquo (DEL OLMO 2002 p 76)

13

a ilicitude de ldquodrogas psicoativasrdquo por serem consideradas corruptoras dos ldquobons costumesrdquo e

sinocircnimo de ldquodelinquecircnciardquo Trata-se de um longo processo que ganhou novos contornos na

deacutecada de 1980 com a intensificaccedilatildeo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e ainda maior importacircncia nos

anos 1990 com o fim da Guerra Fria quando o traacutefico de drogas foi inserido no rol das

ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila internacional

Para combater o traacutefico de drogas na Ameacuterica Latina foram implementadas

estrateacutegias que obedeceram aos interesses percepccedilotildees e iniciativas estadunidenses sobre a

questatildeo (HERZ 2002 YOUNGERS ROSIN 2005a RODRUGUES 2003) A partir de uma

perspectiva maniqueiacutesta que dividia o mundo em ldquopaiacuteses consumidoresrdquo em oposiccedilatildeo aos

ldquopaiacuteses produtoresrdquo foi posto em marcha o pressuposto de que ao combater a oferta o traacutefico

de drogas se tornaria uma atividade mais arriscada e mais custosa desta forma ocorreria uma

reduccedilatildeo da produccedilatildeo com o aumento dos preccedilos bem como esse combate atuaria como fator

dissuasoacuterio para compra e consumo de drogas As drogas aparecem como uma ameaccedila

ldquoexternardquo aos EUA encarnando a figura do ldquoinimigordquo que deve ser aniquilado (PASSETTI

1991 KOPP 1997 FUKUMI 2008)

Os paiacuteses da regiatildeo andina passaram a ser vistos pelos EUA como ldquoprodutores de

drogasrdquo e como Estados ldquofracosrdquo institucionalmente o que propiciava a formaccedilatildeo de ldquoespaccedilos

vaziosrdquo que se tornavam redutos de organizaccedilotildees criminosas grupos insurgentes e

paramilitares ligados ao traacutefico de drogas e ao terrorismo Com base nesta interpretaccedilatildeo do

problema foram elaboradas estrateacutegias principalmente militares para coibir a produccedilatildeo e o

traacutefico de substacircncias iliacutecitas nos Estados andinos e mantecirc-los subordinados agrave poliacutetica de

drogas norte-americana A poliacutetica de drogas dos EUA para os Andes se tornou um

instrumento de ingerecircncia nos assuntos internos dos paiacuteses andinos Ao tratar o ldquonarcotraacuteficordquo

como ameaccedila agrave seguranccedila Washington favorecia os seus interesses mantendo a regiatildeo andina

sob o seu domiacutenio hemisfeacuterico

A problemaacutetica do traacutefico de drogas eacute comum a todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina e os

Andes satildeo um dos principais epicentros desta atividade iliacutecita Segundo o uacuteltimo Relatoacuterio

Mundial sobre Drogas da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) lanccedilado em

2014 na regiatildeo andina no de 2006 foram cultivados 157000 hectares e ocorreu uma reduccedilatildeo

de 23000 ha no ano de 2012 quando alcanccedilou o total de 133700 ha de arbusto de coca

distribuiacutedos da seguinte forma na Boliacutevia foram cultivados 25300 ha na Colocircmbia foram

48000 ha e no Peru foram 60400 ha ou seja o Peru tomou a dianteira e se tornou o maior

14

cultivador de coca do mundo O relatoacuterio estima que existam atualmente no mundo de 14 a 21

milhotildees de usuaacuterios de cocaiacutena o que demonstra a amplitude da induacutestria da cocaiacutena e

tambeacutem como a ldquoguerra agraves drogasrdquo na regiatildeo andina natildeo conseguiu alcanccedilar os resultados

esperados

Para compreendermos a complexidade do tema em questatildeo entende-se necessaacuterio um

estudo das poliacuteticas de seguranccedila antidrogas na regiatildeo andina principalmente por se tratar de

uma aacuterea emblemaacutetica no que tange agrave radicalizaccedilatildeo do combate agraves drogas e por conseguinte

ser uma das peccedilas centrais na compreensatildeo das transformaccedilotildees ocorridas na seguranccedila

internacional na contemporaneidade

Pretende-se investigar com esta pesquisa o traacutefico de drogas na Regiatildeo Andina e a

cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os atuais paiacuteses membros da Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) para combater o traacutefico de drogas As trecircs questotildees centrais que o presente trabalho

pretende responder satildeo as agendas de seguranccedila dos Estados andinos colocaram o traacutefico de

drogas como a principal ameaccedila para a regiatildeo andina O traacutefico de drogas eacute o vetor

predominante de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos A cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos

para combater o narcotraacutefico e as agendas de seguranccedila da Comunidade Andina se

configuram como uma comunidade de seguranccedila A nossa hipoacutetese eacute que as poliacuteticas

antidrogas destes paiacuteses fizeram com que o traacutefico de drogas se configurasse como a principal

ameaccedila agrave seguranccedila da regiatildeo andina e com isto o tema se tornou um vetor fundamental para

que os paiacuteses andinos mantivessem iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral em mateacuteria de

seguranccedila sobretudo no acircmbito da CAN Entretanto as iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral

foram sobrepujadas pelas dissensotildees e divergecircncias entre as formas pelas quais os governos

andinos procuraram responder ao problema e pela desarticulaccedilatildeo do projeto de integraccedilatildeo

sub-regional o que inviabilizou a orquestraccedilatildeo de uma cooperaccedilatildeo intra-andina e a formaccedilatildeo

de uma identidade comum de seguranccedila

Para responder estas questotildees a pesquisa tem sua estrutura divida em quatro capiacutetulos

aleacutem dos capiacutetulos de introduccedilatildeo e conclusatildeo No capiacutetulo 2 seraacute abordado o processo de

integraccedilatildeo e o contexto regional da seguranccedila nos Andes e estaacute divido em dois toacutepicos No

primeiro toacutepico (21) seraacute debatida a influecircncia que a geopoliacutetica tradicional e o realismo

claacutessico exerceram sobre o pensamento em seguranccedila e a divisatildeo da Ameacuterica do Sul

Apresentamos tambeacutem outras abordagens alternativas acerca do espaccedilo sul-americano Em

seguida seraacute discutido o conceito de geopoliacutetica do traacutefico de drogas e as suas implicaccedilotildees

15

para a seguranccedila domeacutestica e internacional bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo Por

fim analisamos as principais temaacuteticas que influiacuteram na construccedilatildeo da agenda de seguranccedila

dos paiacuteses andinos os conflitos tradicionais ligados aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos a

presenccedila dos EUA na regiatildeo as crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees

estatais as principais questotildees dos conflitos internos dos paiacuteses da regiatildeo e o traacutefico de drogas

e o crime organizado transnacional No segundo toacutepico (22) seraacute desenvolvida a trajetoacuteria

histoacuterica da integraccedilatildeo regional andina e as diferentes fases do processo de integraccedilatildeo do

Pacto Andino agrave CAN

No capiacutetulo 3 seraacute trabalhado o processo histoacuterico de inserccedilatildeo do traacutefico de drogas na

agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina com divisatildeo em dois toacutepicos Para

compreender este processo seraacute analisado como as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

emergem nos interstiacutecios das instituiccedilotildees do Estado e da sociedade se configurando como

novas redes de poder Problematizamos o conceito de ldquonarcotraacuteficordquo como instrumento de

anaacutelise e as suas implicaccedilotildees para a compreensatildeo do fenocircmeno do traacutefico de drogas e dos

inuacutemeros atores envolvidos com as redes do mercado ilegal das drogas Debateremos tambeacutem

o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo e a percepccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

(31) Depois de problematizado o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo abordaremos a construccedilatildeo

histoacuterica do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes articulando trecircs niacuteveis de

anaacutelise Internacional Regional e Nacional (32)

O capiacutetulo 4 seraacute divido em quatro seccedilotildees Para tratar a dinacircmica do combate agraves

drogas iliacutecitas na regiatildeo se faz necessaacuterio compreender cada caso nacional da CAN

(Colocircmbia Equador Peru e Boliacutevia) considerando os diferentes agentes envolvidos os

interesses nacionais para empreender a luta antidrogas a produccedilatildeo das drogas em cada paiacutes

os papeacuteis desempenhados pela poliacutecia e pelas forccedilas armadas na luta antidrogas as influecircncias

internacionais de proibiccedilatildeo das drogas sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais e como os

governos que constituem a CAN estatildeo individualmente travando o combate ao narcotraacutefico e

como tais medidas reverberam na regiatildeo Procurar-se-aacute identificar as divergecircncias e

convergecircncias das poliacuteticas antidrogas nacionais visando compreender se haacute uma

homogeneidade ou uma heterogeneidade na forma de lidar com a questatildeo Esta identificaccedilatildeo

seraacute fundamental para compreender a cooperaccedilatildeo regional entre os paiacuteses no combate ao

narcotraacutefico e perscrutar se esta cooperaccedilatildeo estaacute inserida em um contexto mais amplo e

intensificado de formaccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila

16

Apoacutes a identificaccedilatildeo e anaacutelise das particularidades nacionais das poliacuteticas e agendas de

seguranccedila para contenccedilatildeo do narcotraacutefico e os pontos de convergecircncia e divergecircncia na seccedilatildeo

(51) do capiacutetulo 5 seratildeo discutidos os marcos legais e o ordenamento institucional andino de

luta contra as drogas a partir de 1999 quando foi lanccedilada a Poliacutetica Externa Comum ateacute o

ano de 1912 quando foi lanccedilada a Estrateacutegia Andina Sobre El Problema Mundial de las

Drogas 2012-2019 Tal recorte possibilitaraacute analisar as principais mudanccedilas da cooperaccedilatildeo

andina de combate ao traacutefico de drogas na uacuteltima deacutecada E no uacuteltimo toacutepico (52) seraacute

analisado o traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os paiacuteses andinos

compreendendo as questotildees atinentes agraves divergecircncias das agendas de poliacutetica antidrogas e

entre governos no que tange agrave forma que deve ser combatido o narcotraacutefico e problematizado

o conceito de comunidade de seguranccedila em relaccedilatildeo agrave sua aplicabilidade para compreender a

dinacircmica da cooperaccedilatildeo andina em seguranccedila para reprimir o traacutefico de drogas

17

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO ANDINA

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes

Nas duas uacuteltimas deacutecadas o panorama da seguranccedila na Ameacuterica do Sul passou por

transformaccedilotildees significativas impulsionadas pelos processos de reabertura democraacutetica e

pelas mudanccedilas ocorridas no cenaacuterio internacional Com a redemocratizaccedilatildeo dos regimes

poliacuteticos abriram-se novas possibilidades nas relaccedilotildees civil-militares nas quais deveria

prevalecer a preeminecircncia civil no controle das forccedilas armadas das poliacutecias e dos serviccedilos de

inteligecircncia na definiccedilatildeo dos conceitos e conteuacutedos das poliacuteticas de seguranccedila e na forma

como devem ser tratadas as variadas temaacuteticas relativas a este campo As mudanccedilas ocorridas

no cenaacuterio internacional nesse periacuteodo incidiram nas poliacuteticas sul-americanas de seguranccedila

Com o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica (URSS) e a ausecircncia inequiacutevoca de uma potecircncia rival que

pudesse desafiar o poderio estadunidense os Estados Unidos (EUA) se tornaram uma

superpotecircncia militar poliacutetica e econocircmica mundial No decorrer do confronto bipolar os

EUA puseram em marcha a doutrina da seguranccedila hemisfeacuterica ocidental como instrumento de

contenccedilatildeo do comunismo O novo contexto internacional lanccedilou bases para discussatildeo de

concepccedilotildees alternativas agrave problemaacutetica da seguranccedila internacional e para definiccedilatildeo de ldquonovas

ameaccedilasrdquo e ldquonovos inimigosrdquo a partir de uma perspectiva global e multilateral

Na Ameacuterica do Sul no decorrer do seacuteculo XX ocorreram poucos conflitos

interestatais armados se comparado com outras regiotildees do mundo como a Aacutefrica e o Oriente

Meacutedio Todavia subsistem contenciosos entre os paiacuteses sul-americanos sobretudo entre os

paiacuteses andinos remanescentes do colonialismo ibeacuterico e dos processos de independecircncia e

consolidaccedilatildeo do Estado nacional no seacuteculo XIX (MARES 2003) Oscar Medeiros Filho

(2004) assinala que as abordagens realistas ndash focadas no Estado-naccedilatildeo ndash presentes na

geopoliacutetica claacutessica sul-americana natildeo desconsideram as possibilidades de conflitos armados

convencionais e para sustentar as suas prospecccedilotildees apresentam contenciosos histoacutericos como

exemplos de conflagraccedilotildees futuras sendo assim o conflito com o paiacutes vizinho eacute sempre

considerado nos caacutelculos militares O autor enfatiza que esta visatildeo claacutessica no trato das

questotildees de Defesa e Seguranccedila ainda prevalecente no pensamento militar sul-americano

coloca obstaacuteculos para o ldquodesenvolvimento de uma cooperaccedilatildeo maior entre os militares na

Ameacuterica do Sulrdquo mesmo que natildeo descarte por completo a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses ldquoporeacutem

18

ela natildeo altera a prioridade das poliacuteticas nacionais e a busca dos interesses particularesrdquo

(MEDEIROS FILHO 2004 p 26) A persistecircncia desta visatildeo em grande parte dos paiacuteses sul-

americanos coloca em questatildeo o controle civil sobre os militares fazendo com que o processo

de redemocratizaccedilatildeo permaneccedila inacabado e coloca em questatildeo a criaccedilatildeo de um ldquosistema

comum de seguranccedila subcontinentalrdquo

Apesar de todos os preacute-requisitos favoraacuteveis a consolidaccedilatildeo de um cenaacuterio

geopoliacutetico regional na Ameacuterica do Sul ainda estaacute longe de se tornar realidade

Enquanto persistirem as antigas concepccedilotildees de poder e rivalidade entre os paiacuteses

sul-americanos e enquanto natildeo forem definidos claramente interesses objetivos

poliacuteticas estrateacutegias e ndash principalmente ndash lsquoinimigosrsquo comuns torna-se difiacutecil

imaginar tal cenaacuterio para o subcontinente pelo menos para a proacutexima deacutecada

(MEDEIROS FILHO 2004 p 35)

A geopoliacutetica tradicional marcada pelo pensamento realista chegou agrave Ameacuterica do Sul

por meio de duas correntes de pensamento distintos a realpolitk e a geopolitik alematildes que

influenciaram alguns exeacutercitos sul-americanos e a presenccedila poliacutetica estrateacutegica e econocircmica

estadunidense nas escolas militares de formaccedilatildeo de oficiais latino-americanos A geopoliacutetica

chegou ao subcontinente a partir dos interesses dos oficiais do exeacutercito e dos professores das

escolas militares ldquoela surge como preocupaccedilatildeo castrenserdquo (GEOPOLIacuteTICA XXI 2011) Eacute

essa concepccedilatildeo de geopoliacutetica que esteve por detraacutes das tensotildees interestatais e que tambeacutem

norteou a divisatildeo tradicional da Ameacuterica do Sul a partir de seus projetos nacionalistas e

expansionistas de afirmaccedilatildeo nacional e territorial ldquoNeste cenaacuterio a ideia de Seguranccedila estaacute

intimamente vinculada agrave de Defesa entendida enquanto a luta do Estado por seus interesses

soberanos atraveacutes dos meios militaresrdquo (MEDEIROS FILHOS 2004 p 24)

De acordo com Pablo Gabriel Dreyfus (2002) a geopoliacutetica tradicional da Ameacuterica do

Sul dividiu a Ameacuterica do Sul em dois grupos de Estados os Andes e o Cone Sul Conforme

esta abordagem a sub-regiatildeo andina estaacute situada ao norte do subcontinente e eacute formada por

Colocircmbia Equador Peru Boliacutevia e Venezuela sendo que apenas os dois uacuteltimos paiacuteses natildeo

tecircm faixa litoracircnea no Oceano Paciacutefico Estes Estados compartilham algumas caracteriacutesticas

comuns como a geografia uma grande densidade demograacutefica de populaccedilatildeo indiacutegena ndash

principalmente na Boliacutevia Equador e Peru ndash e uma configuraccedilatildeo especiacutefica de rivalidades

histoacutericas e de inuacutemeras contendas territoriais A principal iniciativa de integraccedilatildeo e

construccedilatildeo de uma identidade comum foi a criaccedilatildeo do Pacto Andino em 1969 o qual contava

inicialmente com a participaccedilatildeo do Chile e que mais tarde a partir de um longo processo de

negociaccedilotildees econocircmicas e esforccedilo poliacutetico para mitigar os conflitos latentes veio a se tornar a

Comunidade Andina de Naccedilotildees O autor aponta que esta abordagem tradicional natildeo inclui a

19

Guiana o Suriname5 e a Guiana Francesa como parte da regiatildeo andino-amazocircnica pois estes

paiacuteses satildeo considerados como pertencentes agrave geopoliacutetica do Caribe devido ao seu

distanciamento geograacutefico a sua histoacuteria comum como ex-colocircnias holandesas britacircnicas e

francesas e seus arranjos de seguranccedila poliacuteticos e econocircmicos ndash Guiana e Suriname satildeo

membros do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM na sigla inglesa) ndash bem

como grande parte da literatura sobre o traacutefico de drogas na Ameacuterica do Sul tambeacutem natildeo os

incluem na anaacutelise devido a sua ldquoirrelevacircnciardquo nas operaccedilotildees do narcotraacutefico

A sub-regiatildeo do Cone Sul segundo esta visatildeo tradicional eacute formada por Argentina

Brasil Chile Paraguai e Uruguai No Cone Sul haacute uma diversidade geograacutefica mais

acentuada abrangendo desde a Patagocircnia ateacute o nordeste brasileiro Argentina e Chile tiveram

altercaccedilotildees territoriais a despeito de suas ambiccedilotildees geopoliacuteticas acerca do Canal Patagocircnico

(Canal de Beagle) e do acesso agrave Antaacutertida Argentina e Brasil tecircm sido rivais histoacutericos

principalmente no que tange agrave lideranccedila da Ameacuterica do Sul contudo nunca houve uma guerra

entre os dois paiacuteses O Cone Sul eacute caracterizado por um processo de integraccedilatildeo econocircmica e

cooperaccedilatildeo poliacutetica e de seguranccedila que ganhou novos contornos com a redemocratizaccedilatildeo dos

Estados que o conformam os acordos de negociaccedilatildeo firmados por Argentina e Brasil

impulsionaram a formaccedilatildeo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que eacute formado por

estes dois paiacuteses mais o Paraguai o Uruguai e a Venezuela O Chile eacute o uacutenico paiacutes do Cone

Sul que segue como membro associado6

As abordagens sobre Ameacuterica do Sul natildeo se restringiram somente agrave geopoliacutetica

tradicional descrita por Dreyfus Heacutector Luis Saint-Pierre (2006) por exemplo propotildee outra

anaacutelise sobre a regiatildeo e sua poliacutetica de defesa a qual ele denominou de ldquoarcos de equiliacutebrio

regionalrdquo Segundo o autor para pensar num sistema de seguranccedila sul-americano eacute necessaacuterio

compreender a heterogeneidade entre os paiacuteses e as sub-regiotildees existentes no subcontinente

A heterogeneidade entre os paiacuteses natildeo estaacute no e na histoacuteria ndash que satildeo comuns a quase todos os

paiacuteses da regiatildeo ndash ela eacute presente devido aos diferentes niacuteveis de desenvolvimento nacional

de capacidade econocircmica de estabilidade poliacutetica de solidez institucional e de desigualdade

na distribuiccedilatildeo de renda e concentraccedilatildeo de riqueza que gera um dos iacutendices mais elevados de

pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e de marginalizados do mundo Saint-Pierre

5 Esta abordagem da geopoliacutetica tradicional descrita por Dreyfus ignora que a Guiana e o Suriname satildeo membros

da Organizaccedilatildeo do Tratado de Cooperaccedilatildeo Amazocircnica o que demonstra a relevacircncia destes paiacuteses para a

geopoliacutetica sul-americana Vale mencionar a disputa territorial entre Guiana e Venezuela sobre a regiatildeo de

Essequibo territoacuterio profuso em recursos energeacuteticos tais como o petroacuteleo e o gaacutes o que coloca a Guiana

dentro do jogo geopoliacutetico sul-americano 6 Aleacutem do Chile a Boliacutevia Colocircmbia Peru e Equador satildeo membros associados ao Mercosul

20

destaca que as sub-regiotildees satildeo caracterizadas por diferenccedilas territoriais que podem ser dividas

em Aacuterea Andina e o Mercosul ampliado no entanto o autor ressalta que esta divisatildeo natildeo eacute

estanque porque outras configuraccedilotildees ocorrem conforme os objetivos e caracteriacutesticas

associativas diferentes por exemplo Cone Sul e Grupo Amazocircnico

Para Saint-Pierre os ldquoarcos de equiliacutebrio regionalrdquo satildeo divididos em arco de

instabilidade e arco de estabilidade

Na regiatildeo pode-se identificar por um lado alguns paiacuteses com problemas nacionais

que ameaccedilam a estabilidade ndash seja social poliacutetica econocircmica institucional - com o

risco de projetar vulnerabilidade estrutural para toda a regiatildeo Por outro lado haacute um

conjunto de paiacuteses cuja situaccedilatildeo interna apresenta graus confiaacuteveis de estabilidade

podendo eventualmente irradiaacute-la para a regiatildeo (SAINT-PIERRE 2006 p196)

Conforme o autor o Arco Andino que eacute formado por Guianas Venezuela Equador

Peru Boliacutevia e Paraguai pertence agrave primeira categoria o ldquoArco de Instabilidaderdquo O Arco do

Mercosul Ampliado que abrange Brasil Argentina Uruguai e Chile integra a segunda

categoria o ldquoArco da Estabilidaderdquo Saint-Pierre salienta que um arco funciona ldquocomo

compensador do outro arco estabilizando a situaccedilatildeo e impedindo que ela se torne uma

situaccedilatildeo regional de instabilidaderdquo (SAINT-PIERRE 2006 p 197) Leonardo Morlino

argumenta que para uma definiccedilatildeo ldquosatisfatoacuteriardquo do conceito de estabilidade poliacutetica7 eacute

preciso isentaacute-lo de elementos avaliativos pois o conceito geralmente eacute empregado mais

para justificar a conservaccedilatildeo do que tratar da mudanccedila sendo assim ldquoum sistema poliacutetico por

exemplo eacute muitas vezes considerado estaacutevel justamente por ser capaz de manter o status

quordquo entretanto ldquoa Estabilidade natildeo eacute necessariamente nem deve ser o fim de todo o

sistemardquo (MORLINO 1998 p 394)

Segundo Morlino as definiccedilotildees de estabilidade que se identifica com o ldquoequiliacutebrio

estaacutevelrdquo natildeo colaboram para compreender o dinamismo poliacutetico de uma determinada

sociedade pois o equiliacutebrio pode ser estaacutetico ou dinacircmico por inuacutemeros fatores O autor

problematiza a associaccedilatildeo indiscriminada entre estabilidade e equiliacutebrio estaacutevel apresentando

dois motivos principais

a) a noccedilatildeo de equiliacutebrio estaacutevel natildeo leva longe e em todo caso natildeo parece suscetiacutevel

de se tornar operativa devido agrave distacircncia que separa esta concepccedilatildeo fiacutesica da

7 Morlino propotildee a seguinte definiccedilatildeo do conceito de estabilidade poliacutetica ldquoEstabilidade eacute a capacidade

previsiacutevel que um sistema tem de se prolongar no tempo Deste modo um sistema deve ser considerado estaacutevel

quando num momento dado tido em conta um conjunto de sinais eacute razoavelmente previsiacutevel que ele

continuaraacute no tempordquo (MORLINO 1998 p 394 grifos do autor)

21

realidade social b) o equiliacutebrio estaacutevel privilegia o status quo ao contraacuterio para ser

estaacutevel isto eacute para continuar no tempo o sistema tem de ser capaz de mudar

adaptando-se aos desafios que vecircm do ambiente soacute uma constante adaptaccedilatildeo agrave

realidade sempre mutaacutevel permite que o sistema sobreviva Pode-se pois afirmar

que paradoxalmente um sistema em equiliacutebrio estaacutevel corre o risco de se tornar o

mais instaacutevel (MORLINO 1998 p 395)

Portanto ao considerarmos esta proposta de Morlino a estabilidade e a instabilidade

seratildeo compreendidas natildeo como fenocircmenos contraditoacuterios radicalmente opostos mas como

um uacutenico fenocircmeno que varia de acordo com as circunstacircncias especiacuteficas e particularidades

de um sistema poliacutetico e de uma comunidade poliacutetica e seus diferentes atores A

caracterizaccedilatildeo da regiatildeo andina como arco de instabilidade pela teoria dos arcos de equiliacutebrio

regional pode servir como instrumento e justificativa de intervenccedilatildeo de grandes potecircncias

exoacutegenas agrave regiatildeo a ideia de instabilidade remonta agraves concepccedilotildees de Estado falido (ou

Estados debilitados) e aacutereas natildeo governadas Estas concepccedilotildees contribuiacuteram para o

delineamento da poliacutetica militarista de ldquoguerra agraves drogasrdquo contra paiacuteses produtores

principalmente os Estados andinos

Oscar Medeiros Filhos (2010) como base na teoria dos arcos de estabilidade regional

sustenta que a integraccedilatildeo regional no subcontinente sul-americano indica a existecircncia de

estabilidade (Cone Sul) e instabilidade (Amazocircnia e Andes) As sub-regiotildees instaacuteveis satildeo as

mesmas com processo de integraccedilatildeo menos pretensioso O autor conclui que ldquoos niacuteveis de

lsquointegraccedilatildeo geopoliacuteticarsquo na Ameacuterica do Sul parecem obedecer a uma linha de gradaccedilatildeo

crescente entre a vertente atlacircntica (maior niacutevel de integraccedilatildeoestabilidade) e a vertente

paciacutefica (integraccedilatildeo comprometida e instabilidade regional)rdquo (MEDEIROS FILHO 2010 p

65) A divisatildeo da Ameacuterica do Sul proposta por Medeiros Filho parece-nos mais adequada para

se pensar a Ameacuterica do Sul por considerar os diferentes niacuteveis e dinacircmicas de relacionamento

cooperaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo contudo natildeo coadunamos com a divisatildeo

em arcos de estabilidade e instabilidade devido agraves implicaccedilotildees anteriormente discutidas

Para a viabilidade do presente trabalho a regiatildeo a ser considerada para a anaacutelise eacute a

dos Andes mais precisamente os paiacuteses pertencentes agrave Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) que engloba maior parte da porccedilatildeo andina e parte da porccedilatildeo amazocircnica Atualmente

Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru conformam a CAN ndash o processo de integraccedilatildeo mais antigo

da Ameacuterica do Sul ndash e estes paiacuteses estatildeo ligados natildeo apenas geograacutefica e historicamente mas

tambeacutem no que tange agrave integraccedilatildeo conflito interestatal clientelismo desigualdade e

concentraccedilatildeo de renda crises poliacuteticas proeminecircncia das forccedilas armadas e dependecircncia

externa no acircmbito da seguranccedila Estes paiacuteses estatildeo interligados principalmente pelo

22

compartilhamento de uma ameaccedila comum o traacutefico de drogas Mas a regiatildeo andina estaacute

tambeacutem interconectada pela ldquogeopoliacutetica do traacutefico de drogasrdquo (DREYFUS 2002 OLMO

1993)

A anaacutelise geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura apreender o

papel de cada paiacutes bem como os seus muacuteltiplos atores nas diferentes etapas da produccedilatildeo ao

transporte de drogas iliacutecitas e como eles estatildeo inseridos nas relaccedilotildees de conflito cooperaccedilatildeo e

poder tambeacutem satildeo incluiacutedos na anaacutelise os padrotildees de interaccedilatildeo entre as vulnerabilidades

comum de um determinado grupo de paiacuteses ndash no nosso caso satildeo os paiacuteses andinos

pertencentes agrave CAN ndash e as ameaccedilas colocadas pelo traacutefico de drogas8

Para fins desta pesquisa privilegiaremos em nossa anaacutelise o envolvimento dos atores

natildeo-estatais e estatais nas atividades iliacutecitas do traacutefico de drogas e no combate ao narcotraacutefico

assim como as relaccedilotildees entre os paiacuteses que integram as redes narcotraficantes e seus esforccedilos

de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila frente agrave esta modalidade de crime organizado As

relaccedilotildees com os EUA se limitaram ao papel deste paiacutes no processo de construccedilatildeo do traacutefico de

psicoativos iliacutecitos como ameaccedila agrave seguranccedila durante o seacuteculo XX e princiacutepios do seacuteculo

XXI As relaccedilotildees bilaterais dos EUA com cada paiacutes andino em mateacuteria de luta antidrogas

poderaacute ser um tema abordado em trabalho futuro

A geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura uma abordagem que

contemple as duas dimensotildees do Estado a domeacutestica e a internacional ou ldquointermeacutesticardquo

assim como as relaccedilotildees e articulaccedilotildees existentes entre ambas e a seguranccedila satildeo tratadas como

um fenocircmeno relacional onde o acircmbito externo natildeo eacute dissociado do interno Portanto para

compreender a seguranccedila domeacutestica de um determinado Estado eacute preciso entender o padratildeo

regional e internacional de interdependecircncia de seguranccedila no qual ele estaacute inserido e os

muacuteltiplos atores intervenientes Esta abordagem mesmo apresentando algumas diferenccedilas

corrobora com a perspectiva relacional e processual da sociologia poliacutetica internacional (SPI)

de Didier Bigo Segundo este autor o Estado ldquonatildeo eacute um ator mas sim um campo de accedilotildeesrdquo e

8 A proposta analiacutetica do autor ainda estaacute arraigada na concepccedilatildeo dicotocircmica entre ldquopaiacuteses produtoresrdquo e ldquopaiacuteses

consumidoresrdquo Esta forma de compreender a problemaacutetica do traacutefico de drogas foi construiacuteda pelos discursos

e percepccedilotildees dos paiacuteses ocidentais que enviesaram os textos contidos nos regimes internacionais a partir da

deacutecada de 1980 (PASSETTI 1991) Esta visatildeo estanque natildeo apreende a dinacircmica do traacutefico de drogas

internacional e obnubila informaccedilotildees sobre a produccedilatildeo de drogas nos paiacuteses do centro do capitalismo como a

produccedilatildeo de maconha em larga escala nos Estados Unidos e a fabricaccedilatildeo de ecstasy na Holanda e em outros

paiacuteses europeus ou mesmo natildeo menciona que a Ameacuterica do Sul eacute uma das regiotildees que mais consomem

cocaiacutena (UNODC 2014)

23

analisar a emergecircncia do social ldquoeacute seguir relaccedilotildees quaisquer que sejam suas escalasrdquo pois o

internacional ldquonatildeo eacute uma esfera de accedilatildeo especiacutefica separada das demais (internas sociais)

mas o nome dado agrave investigaccedilatildeo de entendimento mais transversal de sociedade de

indiviacuteduosrdquo (BIGO 2013 p 187)

A seguranccedila de acordo com a perspectiva da SPI se configura como uma teacutecnica de

governo que envolve diferentes profissionais do campo da seguranccedila ndash ao contraacuterio das

concepccedilotildees excepcionalistas ndash os quais definem a seguranccedila atraveacutes da rotinizaccedilatildeo de suas

praacuteticas impondo as suas proacuteprias definiccedilotildees de ameaccedila e perigo bem como as tecnologias

de poder-saber para administrar e gerenciar estas ameaccedilas e perigos Jeff Huysman (2006)

aponta que o colapso da estrutura diplomaacutetico-militar e o alargamento do conceito de

seguranccedila no final dos anos 1980 e no decorrer dos anos 1990 colaboraram para o

estreitamento entre seguranccedila puacuteblica e defesa A inseguranccedila social ao mesmo passo que

configura a seguranccedila interna estaacute conectada agrave seguranccedila internacional principalmente em

questotildees atinentes ao crime organizado transnacional De acordo com Bigo (2000 2013) este

processo fez com que a incerteza sobre as missotildees e tarefas e os limites entre os universos

sociais da poliacutecia e das forccedilas armadas afetassem as organizaccedilotildees e as agecircncias de seguranccedila

tal como as identidades dos profissionais deste campo

Nos Andes o combate agraves drogas foi um elemento importante para que ocorresse este

processo descrito por Bigo e Huysman O traacutefico de drogas permitiu que as agecircncias de

seguranccedila andinas sob influecircncia norte-americana reduzissem a distinccedilatildeo entre seguranccedila

interna e externa aproximando funccedilotildees delimitadas claramente entre a poliacutecia e as forccedilas

armadas para combater uma ameaccedila que deve ser contida por ambos A construccedilatildeo e a

consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes9 de controle e luta contra as drogas

consideradas iliacutecitas foi resultado de um longo processo que natildeo se restringe apenas aos

ditames de Washington mas tambeacutem abrangem inuacutemeras variaacuteveis histoacutericas poliacuteticas

ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam entrelaccedilando interesses que

9 De acordo com Stephen D Krasner ldquoOs regimes podem ser definidos como princiacutepios normas e regras

impliacutecitos ou expliacutecitos e procedimentos de tomada de decisotildees de determinada aacuterea das relaccedilotildees

internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores Os princiacutepios satildeo crenccedilas em fatos

causas e questotildees morais As normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e

obrigaccedilotildees As regras satildeo prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees especificas para a accedilatildeo Os procedimentos para tomada de

decisotildees satildeo praacuteticas predominantes para fazer e executar a decisatildeo coletivardquo (KRASNER 2012 p 94) Para

fins desta pesquisa os regimes internacionais de drogas seratildeo compreendidos a partir desta definiccedilatildeo

24

geraram o consenso sobre a ilegalidade das drogas psicoativas reputando a elas o caraacuteter de

criminalidade e mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional A ldquoguerra agraves

drogasrdquo foi um dos principais fatores para que ocorresse o processo de ldquodes-diferenciaccedilatildeordquo

assinalado por Bigo cuja fusatildeo entre seguranccedila interna e externa faz com que os mundos do

policiamento e da guerra que tinham pouco em comum se misturem para combater um

inimigo sem rosto (BIGO 2000)

A ausecircncia de uma diferenciaccedilatildeo entre problemas internos e externos de seguranccedila

estaacute ligada agraves accedilotildees dos inuacutemeros agentes do campo da seguranccedila as quais natildeo se limitam agraves

fronteiras convencionais entre o domeacutestico e o internacional O processo de des-diferenciaccedilatildeo

estaacute adstrito agraves relaccedilotildees de poder e concorrecircncias existentes entre grupos sociais que

compotildeem o campo da seguranccedila o que descarta a existecircncia de um ator capaz de decidir

sobre as ameaccedilas unilateralmente Bigo com base nos estudos de Pierre Bourdieu percebe o

campo da seguranccedila como espaccedilo social construiacutedo atraveacutes da disputa entre as diversas

posiccedilotildees dos agentes de seguranccedila e conformado pelas agecircncias de seguranccedila e os lugares

que elas ocupam nas esferas nacionais e internacionais No interior do campo da seguranccedila

podem ser ensejados processos de ldquounificaccedilatildeordquo capazes de concentrar atores diferentes em

torno de uma determinada ameaccedila o que pode levar a uma ldquohomogeneizaccedilatildeordquo das

percepccedilotildees ou das doutrinas de seguranccedila deste modo uma ou mais questotildees passam a ser

compartilhadas por mais de um ator (BIGO 2000) Este processo de ldquounificaccedilatildeordquo descrito

pelo autor ocorreu entre os paiacuteses andinos entorno do traacutefico de drogas As drogas iliacutecitas

passaram a ser uma ameaccedila compartilhada pelos governos andinos as agendas de seguranccedila

dos Estados da regiatildeo andina estiveram subordinadas agraves diretrizes norte-americanas de

combate agraves drogas criando um foco comum de seguranccedila nos Andes para tratar e eliminar o

problema

Existem na regiatildeo andina muacuteltiplas temaacuteticas que influem na construccedilatildeo da agenda

de seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo Estas temaacuteticas podem ser dividas em cinco grupos

principais a) conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos b) a

presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das

instituiccedilotildees estatais d) conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-

culturais e identitaacuterias e) traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

a) Conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos

25

No que tange aos conflitos convencionais ou interestatais o norte e noroeste do

subcontinente sul-americano apresentam tensotildees remanescentes de litiacutegios histoacutericos ndash ou

tensotildees novas que emergiram em contextos especiacuteficos ndash entre os paiacuteses da regiatildeo que se

arrastam desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX ao princiacutepio do seacuteculo XXI colocando-os

dentro de um quadro complexo de conflitos ligados principalmente a fatores territoriais

limiacutetrofes e ou acerca de recursos naturais Conforme argumenta Adriaacuten Bonilla (1999) a

imagem de um Estado coeso fortalece e legitima a sua existecircncia e um dos seus sinais satildeo as

fronteiras sendo que cada Estado faz uma leitura distinta dos referidos sinais O resultado eacute

um conjunto de valores internalizados que criam uma imagem de uma comunidade a

comunidade nacional e ao mesmo tempo a percepccedilatildeo do ldquooutrordquo agressivo Estas imagens

identificam condutas e justificam a violecircncia para defender a si ldquoproacutepriordquo quando percebido

em risco frente agrave ameaccedila do ldquoestrangeirordquo o ldquooutrordquo Jorge I Domiacutenguez (2003) observa que

a persistecircncia de alguns conflitos histoacutericos na Ameacuterica Latina que se iniciaram no seacuteculo

XIX estatildeo relacionados a dois fatores principais 1) o geograacutefico pois as florestas e rios na

Ameacuterica do Sul e Central assim como a topografia montanhosa em determinadas aacutereas

colocaram oacutebices para demarcaccedilotildees fiacutesicas das fronteiras A confecccedilatildeo de mapas inexatos

contribuiu para o ressurgimento de conflitos como foi o caso de Equador e Peru 2) a

interrupccedilatildeo dos processos de negociaccedilatildeo que poderiam conduzir arranjos permanentes para

manter a paz na Ameacuterica do Sul Domiacutenguez salienta que a mediaccedilatildeo internacional em

muitos casos serviu para ldquoesfriar os conflitosrdquo e natildeo para resolvecirc-los As ldquoteacutecnicas de

congelamentordquo das demandas em uma conjuntura particular tambeacutem tiveram resultados

contraditoacuterios como foi o caso do Protocolo de Puerto Espantildea assinado em 1970 entre

Guiana e Venezuela o qual estabeleceu o acordo entre os dois paiacuteses para que ambos

cessassem as suas reivindicaccedilotildees e o conflito O que ocorreu foi a postergaccedilatildeo do litiacutegio para

doze anos depois Assim que o Protocolo expirou a crise entre os dois paiacuteses reiniciou e

permanece sem soluccedilatildeo

Na deacutecada de 1990 Equador e Peru entraram em disputa pelo territoacuterio da bacia do

Rio Cenepa que permanecia sem definiccedilatildeo limiacutetrofe A escalada do conflito culminou na

guerra entre os dois paiacuteses em 1995 Os dois paiacuteses deflagraram um conflito armado de

grandes proporccedilotildees apoacutes a derrubada de um helicoacuteptero MI-8TV do exeacutercito peruano por um

miacutessil antiaeacutereo equatoriano em 29 de janeiro do referido ano A partir daiacute os confrontos

armados envolveram os exeacutercitos e as suas forccedilas aacutereas de ambos os paiacuteses O emprego de

caccedilas helicoacutepteros aviotildees e combates com utilizaccedilatildeo de miacutesseis ar-ar se deu principalmente

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pela dificuldade do acesso agrave regiatildeo que eacute uma zona de floresta densa com condiccedilotildees

climaacuteticas que natildeo favoreciam os movimentos militares e a logiacutestica para o combate

De acordo com Bonilla a altercaccedilatildeo fronteiriccedila entre Equador e Peru estaacute na proacutepria

fundaccedilatildeo destes Estados como repuacuteblicas Cada um dos dois paiacuteses narra os conflitos

territoriais a seu modo ou seja ldquoa construccedilatildeo de um imaginaacuterio nacional que decirc sentido as

instituiccedilotildees estatais e ao mesmo tempo lanccedila as bases da comunidade imaginada ndash a naccedilatildeo ndash

que foi erguida sobre mitos e relatos fundacionais relacionados agrave fronteirardquo (BONILLA 1999

p 19 traduccedilatildeo nossa) O conflito irrompe no meio de duas poliacuteticas externas inflexiacuteveis que

se baseiam em interpretaccedilotildees antinocircmicas sobre o tema fronteiriccedilo Conforme aponta o autor

Estas poliacuteticas natildeo deram espaccedilo para formulaccedilatildeo de processos e mecanismos de

negociaccedilatildeo que criassem condiccedilotildees para que tanto Equador como Peru fizessem

concessotildees Para o Equador a poliacutetica externa para o Peru foi concentrada na

impugnaccedilatildeo do Protocolo do Rio de Janeiro e na exigecircncia de um acesso ao

territoacuterio amazocircnico Por sua parte o Peru tem sido constante reconhecimento e

execuccedilatildeo irrestrita do Protocolo mesmo apesar das suas carecircncias teacutecnicas eacute

considerado um instrumento teacutecnica e juridicamente preciso (BONILLA 1999 p

19 traduccedilatildeo nossa)

Apesar das controveacutersias em torno do litiacutegio a resoluccedilatildeo do conflito aconteceu

mediante a intervenccedilatildeo multilateral de Argentina Chile Brasil e EUA no longo processo de

negociaccedilatildeo de paz com os Estados garantes (estes paiacuteses foram avalistas do Protocolo de Paz

Amizade e Limites do Rio de Janeiro ou Protocolo do Rio de Janeiro subscrito em 29 de

janeiro de 1942 para delimitaccedilatildeo da fronteira entre os dois paiacuteses e para pocircr fim ao litiacutegio)

cuja conclusatildeo ocorreu com a assinatura do Acordo de Brasiacutelia em 1998 que demarcou as

fronteiras entre os dois paiacuteses andinos A delimitaccedilatildeo fronteiriccedila foi traccedilada sobre o fastiacutegio

da Cordilheira do Condor a qual concedeu ao Peru o territoacuterio disputado mais a extensatildeo

territorial de Tiwinza Por sua vez o governo peruano permitiu que o Equador tivesse a

propriedade de uma aacuterea de 1 kmsup2 situada no territoacuterio de Tiwinza onde existia o

acampamento militar do exeacutercito equatoriano no entanto a soberania sobre a regiatildeo

continuou sendo do Estado peruano

Os conflitos interestatais nos Andes natildeo foram impulsionados somente por questotildees

fronteiriccedilas David Mares assinala que na Ameacuterica Latina a violecircncia entre os Estados ocorreu

por inuacutemeros outros motivos aleacutem das contendas limiacutetrofes Questotildees como a ldquoimigraccedilatildeo o

contrabando (incluindo as drogas iliacutecitas) as guerrilhas e ateacute mesmo os desacordos na

implementaccedilatildeo de tratados ratificados por todas as partes podem e tecircm produzido severos

conflitos inclusive a accedilatildeo militarrdquo (MARES 2003 p 53 traduccedilatildeo nossa) As relaccedilotildees de

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Colocircmbia com Equador e Venezuela foram abaladas por motivos ligados agrave guerrilha ao

traacutefico de drogas e ao deslocamento forccedilado de populaccedilotildees A tiacutetulo de ilustraccedilatildeo o quadro 1

a seguir lista sinteticamente os principais conflitos ocorridos e ainda vigentes na regiatildeo

andina

28

29

b) A presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo andina

Para compreender a agenda de seguranccedila dos paiacuteses andinos eacute preciso considerar a

influecircncia dos Estados Unidos no seu processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo A presenccedila dos

EUA nos Andes se intensificou no decorrer da Guerra Fria principalmente para conter a

disseminaccedilatildeo do comunismo na Ameacuterica Latina Para levar a cabo este objetivo a estrateacutegia

anticomunista se valeu de intervenccedilotildees militares de fornecimento de treinamentos de

contrainsurgecircncia agraves forccedilas armadas e de apoio a golpes militares e a regimes autoritaacuterios nos

paiacuteses latino-americanos

Com o fim da Guerra Fria e o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica os EUA se tornaram a uacutenica

superpotecircncia mundial capaz de afirmar o seu poder global atraveacutes da ldquosupremacia militar

monetaacuteria e financeira norte-americana a serviccedilo do seu grande capital disposta a impedir

por um lado o fortalecimento ou surgimento de potecircncias concorrentes e por outro a

realizaccedilatildeo de um grande acordo internacional que limite as accedilotildees dos EUArdquo (SANTOS 2007

p 68)

Monica Herz (2002) assinala que a Ameacuterica Latina no contexto poacutes-Guerra Fria natildeo

figurou como uma regiatildeo de alta prioridade para os EUA no entanto os objetivos estrateacutegicos

de Washington para o subcontinente nesse contexto se concentraram em duas agendas

principais ldquoa promoccedilatildeo das reformas neoliberais e o combate ao comeacutercio iliacutecito de drogasrdquo

(HERZ 2002 p 86) Por sua vez Adrian Bonilla (2006) corrobora com a abordagem de Herz

ao destacar que os paiacuteses da CAN deixaram de ser prioridade estrateacutegica dos EUA apoacutes a

derrocada sovieacutetica A poliacutetica externa estadunidense para os paiacuteses andinos se ldquoenraizourdquo

numa agenda regional mas eacute executada bilateralmente de forma limitada e restrita agrave

seguranccedila e ao comeacutercio No que tange agrave seguranccedila nos Andes o autor aponta que com o fim

da Guerra Fria o narcotraacutefico e o conflito colombiano se tornaram assuntos de relativa

importacircncia para os EUA e com os atentados de 11 de setembro de 2001 o terrorismo e o

narcotraacutefico bem como o comeacutercio de armas e a lavagem de dinheiro associados estas duas

atividades se tornaram temas centrais da agenda estadunidense para regiatildeo andina Para

Consuelo A Beltraacuten (2007) as relaccedilotildees entre EUA e a regiatildeo andina na uacuteltima deacutecada

giraram em torno de trecircs temas prioritaacuterias ldquoa poliacutetica antinarcoacuteticos a cruzada antiterrorista

e as medidas de liberalizaccedilatildeo econocircmica e comercial impostas por organismos internacionais

como o Fundo Monetaacuterio Internacional (FMI) e a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

(OMC)rdquo (BELTRAacuteN 2007 p 95 traduccedilatildeo nossa)

30

Conforme abordado pelos autores supracitados as poliacuteticas de combate agraves drogas e a

construccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes foram fortemente influenciadas

pelos os Estados Unidos Conforme ressalta Herz

Observa-se que a poliacutetica de seguranccedila norte-americana na regiatildeo estaacute impregnada

de tensotildees A militarizaccedilatildeo do combate ao narcotraacutefico atinge o processo de

construccedilatildeo de um paradigma democraacutetico para a regiatildeo ao longo da deacutecada de 1990

Paradoxalmente a poliacutetica de combate agraves drogas na Colocircmbia tem solapado as bases

institucionais de uma das mais tradicionais democracias latino-americanas

Ademais o combate agraves drogas na regiatildeo andina natildeo tem favorecido o

desenvolvimento de uma cultura de proteccedilatildeo aos direitos humanos Da mesma

forma a tendecircncia do atual governo congruente com sua perspectiva de ordem

hegemocircnica de concentrar-se em medidas unilaterais e relaccedilotildees bilaterais abala os

alicerces das instituiccedilotildees multilaterais geradas durante a uacuteltima deacutecada (HERZ

2002 p 99)

No poacutes-Guerra Fria a agenda antidrogas norte-americana incidiu sobre as agendas de

seguranccedila dos paiacuteses andinos corroborando para os processos de policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas as quais satildeo empregadas em atividades de controle de drogas combate ao crime

organizado transnacional e garantia da lei e da ordem e de militarizaccedilatildeo da poliacutecia por meio

de treinamentos armamentos formaccedilatildeo de equipes especiais e operaccedilotildees guiadas por

modelos militares para combater os iliacutecitos transnacionais

Para Peter B Kraska a militarizaccedilatildeo eacute a implementaccedilatildeo da ideologia do militarismo

Segundo o autor o militarismo ldquoeacute um conjunto de crenccedilas valores e premissas que enfatizam

o uso da forccedila e a ameaccedila de violecircncia como meios mais adequados e eficazes para resolver

os problemasrdquo (KRASKA 2007 p 503 traduccedilatildeo nossa) Portanto a militarizaccedilatildeo da poliacutecia

eacute o processo pelo qual as instituiccedilotildees policiais recorrem aos princiacutepios do militarismo e ao

modelo militar para consecuccedilatildeo dos seus objetivos e a militarizaccedilatildeo do combate agraves drogas

seria o emprego desses princiacutepios e modelos militaristas e do proacuteprio exeacutercito para eliminar

a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo o traacutefico e o comeacutercio de drogas iliacutecitas Kraska reitera que

Metaacuteforas como a guerra contra as drogas crimes e terrorismo desempenham um

papel poderoso na construccedilatildeo da realidade eles moldam praacuteticas discursivas

esclarecem valores e compreensotildees e orientam os processos de resoluccedilatildeo de

problemas Enquadrar os problemas de crime terrorismo e drogas utilizando a

linguagem militarista assim provavelmente vai resultar em pensamentos e accedilotildees

que correspondem com a guerra paradigma militar (KRASKA 2001 apud

KRASKA 2007 p 505 traduccedilatildeo nossa)

Na regiatildeo andina a militarizaccedilatildeo das guerras agraves drogas e a policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas para este intento foram cabalmente impulsionadas pelas agendas de seguranccedila

nacional e hemisfeacuterica dos EUA esses dois processos podem ser visualizados nas principais

31

poliacuteticas de drogas de Washington para os paiacuteses andinos como a Iniciativa Andina (1989) o

Plano Colocircmbia (2000) e a Iniciativa Regional Andina (2002)

c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees estatais

As instituiccedilotildees estatais nos paiacuteses andinos sofreram um longo processo de

deslegitimaccedilatildeo no decorrer do seacuteculo XX Os Estados da regiatildeo natildeo deram respostas

satisfatoacuterias para a resoluccedilatildeo dos conflitos existentes e muito menos conseguiram legitimar as

decisotildees de suas autoridades A regiatildeo andina passou por uma experiecircncia de dificuldades

econocircmicas com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas neoliberais mal sucedidas que desaceleraram o

crescimento e aumentaram a volatilidade financeira agravando os problemas estruturais da

pobreza e da desigualdade na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado e nos primeiros anos do seacuteculo

XXI Cada paiacutes apresentou configuraccedilotildees e cenaacuterios poliacuteticos e sociais particulares distintos

entre si As poliacuteticas econocircmicas domeacutesticas norteadas pelo Consenso de Washington

contribuiacuteram para a crise poliacutetica e o descreacutedito das instituiccedilotildees Segundo Andreacutes Solimano

(2005) os paiacuteses andinos tiveram um nuacutemero elevado de mudanccedilas constitucionais que

levaram agrave aprovaccedilatildeo de uma nova constituiccedilatildeo no transcurso do seacuteculo passado Nos paiacuteses

pertencentes agrave CAN o Equador eacute o que teve mais mudanccedilas totalizando sete constituiccedilotildees

seguido de Boliacutevia com cinco constituiccedilotildees Peru com quatro constituiccedilotildees e Colocircmbia com

apena suma nova constituiccedilatildeo aprovada em 1991 Para o autor esta frequecircncia de mudanccedilas

nas regras baacutesicas da sociedade eacute um dos indicadores de instabilidade das instituiccedilotildees na

regiatildeo Solimano adiciona outro fator de instabilidade poliacutetica as recorrentes crises

presidenciais ou seja quando um presidente por inuacutemeras razotildees que vatildeo de golpe de

Estado agrave renuacutencia natildeo consegue concluir o seu mandato constitucional

O quadro econocircmico e social colaborou para dificultar a governanccedila nos paiacuteses

andinos que foram marcados por instabilidade poliacutetica e rotatividade de presidentes (como

foram os casos de Boliacutevia e Equador) baixos iacutendices de eficaacutecia institucional crises poliacuteticas

recorrentes e violecircncia (sobretudo na Colocircmbia) que afetaram a consolidaccedilatildeo da democracia

Na Colocircmbia o cenaacuterio eacute caracterizado por uma crise atravessada pelo conflito interno

armado violento que coloca em questatildeo o proacuteprio Estado colombiano principalmente quando

esse fenocircmeno de longa duraccedilatildeo no paiacutes se articula com outros fenocircmenos de natureza

transnacional e ilegal como eacute o caso das redes de traacutefico de drogas No Equador por sua vez

emergiu uma crise de legitimidade institucional relacionada com a instabilidade

governamental que aparece na segunda metade dos anos 1990 se estendendo ateacute a posse de

32

Rafael Correa em 2007 No Peru ocorreu uma crise no sistema poliacutetico e eleitoral com o

advento do autogolpe e do autoritarismo de Alberto Fujimori (1990-2000) marcado por

escacircndalos de corrupccedilatildeo desvio de recursos puacuteblicos assassinatos e intimidaccedilatildeo poliacutetica

envolvendo o chefe do Serviccedilo de Inteligecircncia Nacional do Peru Vladimiro Montesinos Com

a crise de legitimidade de seu governo Fujimori fugiu do paiacutes para natildeo ser julgado pelos seus

crimes Por fim na Boliacutevia o cenaacuterio poliacutetico e social no comeccedilo dos anos 2000 foi de

conflitos e inuacutemeros protestos sociais principalmente de grupos campesinos e indiacutegenas que

questionavam a legitimidade e autoridade poliacutetica com sucessivas trocas de governos ateacute a

chegada de Evo Morales ao poder em 2006

d) Conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-culturais e identitaacuterias

No arco andino por exemplo o conflito colombiano se arrasta desde os

acontecimentos ocorridos em 1948 Conhecido como La Violencia esse periacuteodo eacute marcado

por confrontos entre os defensores do Partido Conservador Colombiano e o Partido Liberal

Colombiano Para Forrest Hylton (2010) La Violencia (1946-1957) ldquofoi uma eacutepoca que

misturou terror oficial sectarismo partidaacuterio e poliacuteticas de terra arrasada que resultaram da

confluecircncia da crise da repuacuteblica cafeeira da debilidade do Estado central e da concorrecircncia

pelos direitos de propriedade principalmente no eixo do cafeacuterdquo (HYLTON 2010 p 71) A

revolta popular buscava destruir os siacutembolos de poder e privileacutegio da oligarquia dominante e

se espalhou pela capital do paiacutes ficando conhecida como Bogotazo O periacuteodo da La Violencia

foi caracterizado por uma guerra civil com confrontaccedilotildees violentas entre liberais e

conservadores que perdurou por quase dez anos alcanccedilando o nuacutemero de 200 mil pessoas

mortas (STOKES 2005)10

O conflito teve fim com um pacto para a formaccedilatildeo de uma

coligaccedilatildeo entre os dois partidos intitulada de Frente Nacional em 1958 Com a formaccedilatildeo da

Frente Nacional foi estabelecida a alternacircncia de poder entre os dois partidos permitindo

tambeacutem o alinhamento de ambos para o fortalecimento das forccedilas armadas colombianas para

supressatildeo das revoltas populares e das guerrilhas armadas rurais como forma de combater a

instalaccedilatildeo do comunismo no paiacutes (STOKES 2005)

A instabilidade poliacutetica da Colocircmbia neste periacuteodo foi interpretada pelos EUA como

uma ldquoameaccedilardquo aos seus interesses na regiatildeo O Departamento de Estado chegou a declarar que

10

No que tange ao nuacutemero de mortos nos confrontos na eacutepoca da La Violencia Forrest Hilton aponta que foram

assassinadas aproximadamente 300 mil pessoas das quais 80 eram homens camponeses e analfabetos

(HYLTON 2010 p 72)

33

a crise colombiana era uma ldquoameaccedilardquo agraves estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas norte-americanas

devido agrave proximidade da Colocircmbia com o Canal do Panamaacute O conflito colombiano ganhou

contornos internacionais ou intermeacutesticos jaacute na deacutecada de 1950 quando entra nos caacutelculos

estrateacutegicos geopoliacuteticos e geoeconocircmicos dos EUA O Plan Lazo lanccedilado em 1964 era uma

estrateacutegia contrainsurgente que tinha como principal objetivo aniquilar os inuacutemeros grupos

armados remanescentes da La Violencia nas zonas rurais da Colocircmbia sobretudo no sul

(HYLTON 2010) A estrateacutegia de contrainsurgecircncia do Plan Lazo agravou a situaccedilatildeo do

conflito na Colocircmbia Inuacutemeros massacres assassinatos e torturas contra guerrilheiros e

camponeses ndash organizados em grupos de autodefesa ndash foram perpetrados por militares

colombianos Nesse contexto surgiram as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia -

Exeacutercito do Povo (FARC ou FARC-EP) apoacutes a fragmentaccedilatildeo dos guerrilheiros liberales

limpios e o fortalecimento dos guerrilheiros comunes tendo na Operaccedilatildeo Marquetalia

desenhada com o objetivo de suprimir as ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo11

ndash que fazia parte do

Plan Lazo As FARC se orientavam pela ideologia marxista-leninista se distinguindo das

guerrilhas liberais por sua estrutura militar mais riacutegida e um objetivo poliacutetico mais definido

As investidas militares do governo colombiano para conter o avanccedilo do comunismo no paiacutes

fizeram com que pululassem inuacutemeros grupos guerrilheiros como o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo

Nacional (ELN) em 1965 o Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo (EPL) em 1967 e o Movimento

19 de Abril (M-19) em 1970 entre outros e posteriormente grupos paramilitares

antiguerrilha como a Alianccedila Americana Anticomunista (AAA ou Triplo A) em 1978 a

Autodefesas Campesinas de Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) no iniacutecio da deacutecada de 1980 as

Cooperativas de Vigilacircncia e Seguranccedila Privada (CONVIVIR) criadas em 1994 e as

Autodefesas Unidas da Colocircmbia (AUC) em 1997 para citarmos alguns desses primeiros

grupos A emergecircncia destes atores corroborou para o agravamento e prolongamento do

conflito colombiano ateacute os anos 200012

11

O termo ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo foi cunhado pelo senador Aacutelvaro Goacutemez Hurtado liacuteder conservador

numa sessatildeo do Senado colombiano em 23 de outubro de 1961 para denunciar a existecircncia de territoacuterios natildeo

controlados pelo Estado colombiano Essa denuacutencia de Hurtado fez com que crescesse a pressatildeo sobre o

presidente Gullermo Leoacuten Valencia tambeacutem do partido conservador para exterminar a sangue e fogo o

enclave comunista (LEONGOacuteMEZ 2006b) 12

Rodriguez (2010) acentua que os dados referentes ao conflito colombiano demonstram a magnitude do

problema e revelam a situaccedilatildeo alarmante do paiacutes na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado O autor destaca que a

Colocircmbia tinha dentro de suas fronteiras o maior nuacutemero de refugiados de guerra no mundo Eram cerca de

1900000 refugiados e cerca de 500000 foram obrigados a se exilarem por conta do conflito armado

Rodriguez enumera ainda que 2000 menores faziam parte de guerrilhas e 3000 foram arregimentados pelos

paramilitares O autor assinala que o conflito afetou a economia do paiacutes fazendo com que o crescimento

despencasse 5 no ano de 1999 paralisou a reforma agraacuteria as guerrilhas os ldquocarteacuteisrdquo da cocaiacutena dos anos

34

Na regiatildeo andina haacute diferentes fontes de tensotildees domeacutesticas que compotildeem o cenaacuterio

de conflitos na regiatildeo os quais incidem sobre a construccedilatildeo da agenda de seguranccedila andina A

questatildeo da identidade ou melhor das identidades satildeo mananciais de tensotildees entre as diversas

comunidades locais e o Estado-naccedilatildeo centralizador principalmente no que concerne agraves

distintas reivindicaccedilotildees autonomistas A crise de legitimidade das instituiccedilotildees do Estado

colocou tambeacutem em questatildeo a centralizaccedilatildeo das atribuiccedilotildees administrativas das

responsabilidades e do poder em um governo central gerando maior pressatildeo e tensatildeo poliacutetica

com os governos locais Os movimentos descentralizadores regionalistas e ou autonomistas

natildeo satildeo temas novos na histoacuteria da regiatildeo andina Esses movimentos se manifestam

constantemente irrompendo conflitos que desestabilizam o governo central Na Boliacutevia

emergiram identidades regionais que colocaram em questatildeo o proacuteprio Estado boliviano em

Cochabamba e nos departamentos da chamada ldquomeia luardquo (Pando Beni Santa Cruz13

e

Tarija) Outro caso sintomaacutetico dessa questatildeo ocorre entre as oligarquias e grupos dominantes

localizados cidades de Guayaquil e Quito no Equador No caso peruano haacute tensotildees histoacutericas

latentes de Cuzco e Arequipa contra o governo central

Outra fonte de tensatildeo poliacutetica e sociocultural domeacutestica estaacute ligada aos diferentes

movimentos sociais indiacutegenas nos Andes principalmente na Boliacutevia e no Equador e em

menor grau na Colocircmbia e no Peru Esses movimentos ganharam forccedila na passagem da

deacutecada de 1980 para a deacutecada de 1990 contexto esse marcado pela liberalizaccedilatildeo da economia

que acirrou mais ainda a exclusatildeo social e poliacutetica de cunho racista hieraacuterquico e autoritaacuterio

Os movimentos indiacutegenas trazem agrave tona o questionamento da legitimidade do Estado e da

proacutepria constituiccedilatildeo da sociedade que foi erigida sobre bases natildeo democraacuteticas tendo como

sua maior expressatildeo a experiecircncia de regimes poliacuteticos autoritaacuterios A emergecircncia das

identidades indiacutegenas colocou em questatildeo o imaginaacuterio social da homogeneidade e a proacutepria

ideia de naccedilatildeo colocando no centro do debate poliacutetico a construccedilatildeo de um Estado

plurinacional como uma nova forma de comunidade imaginada como foi caso da Boliacutevia e do

Equador14

Esses movimentos indiacutegenas natildeo se resumem ao rompimento ou deslegitimizaccedilatildeo

1980 e os paramilitares na deacutecada de 1990 acabaram por agravar a situaccedilatildeo de concentraccedilatildeo de propriedades

impulsionando o deslocamento interno de milhares de camponeses sem-terra 13

Em Santa Cruz se encontra a principal organizaccedilatildeo autonomista e regionalista da Boliacutevia a Uniatildeo Juvenil

Crucentildeista (UJC) fundada em 1957 A UJC eacute um dos movimentos de maior oposiccedilatildeo ao governo de Evo

Morales e ao seu partido Movimiento al Socialismo (MAS) 14

Boliacutevia e Equador se autodenominaram Estados plurinacionais a partir de suas novas constituiccedilotildees aprovadas

no ano de 2008 A ideia de Estado plurinacional se contrapotildee ao Estado claacutessico unificador e uniformizador de

matriz europeacuteia como forma de rompimento da colonialidade e criaccedilatildeo de novos paradigmas de organizaccedilatildeo

35

dos sistemas poliacuteticos ou defesa de territoacuterios e recursos naturais As lutas das populaccedilotildees

indiacutegenas estatildeo tambeacutem relacionadas agrave demanda por inclusatildeo social e nas atividades poliacuteticas

e econocircmicas essas lutas e conflitos impotildeem aos Estados diferentes desafios para criaccedilatildeo de

iniciativas e poliacuteticas puacuteblicas capazes de reconhecer as muacuteltiplas identidades e incluiacute-las na

sociedade e nos processos decisoacuterios democraacuteticos

As crises econocircmicas que persistiram por deacutecadas resistindo agraves mudanccedilas de governos

e de modelos econocircmicos tiveram impactos significativos na regiatildeo andina Entre os seus

sinais mais patentes se sobressaem o crescimento ininterrupto do desemprego e da

precarizaccedilatildeo do trabalho os baixos iacutendices de desenvolvimento humano (IDH) e o

aprofundamento da desigualdade socioeconocircmica entre ricos e pobres (SOLAMINO 2005)

Ademais a corrupccedilatildeo cresceu em ritmo acelerado se espalhando aleacutem das fronteiras e se

generalizando por todos os estratos sociais Estes fatores corroboraram para a persistecircncia da

criminalidade difusa da violecircncia social e poliacutetica dos deslocamentos internos forccedilados e

imigraccedilotildees internacionais do traacutefico de drogas e do crime organizado transnacional

e) Traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

O combate ao cultivo e traacutefico de drogas o conflito colombiano e a influecircncia dos

Estados Unidos incidiram tenazmente sobre agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina

O traacutefico de drogas fator mais recente e natildeo menos determinante nas duas uacuteltimas deacutecadas

do seacuteculo XX e na primeira do seacuteculo XXI influiu sobremaneira na economia na corrupccedilatildeo e

na violecircncia do mesmo modo que fez estremecer as relaccedilotildees entre os Estados nos Andes as

poliacuteticas nacionais e no plano das relaccedilotildees internacionais afetou as relaccedilotildees dos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo com os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo A luta antidrogas na contemporaneidade eacute uma

das questotildees que mais mobilizou os paiacuteses andinos a se articularem e a se engajarem para

contecirc-la

O traacutefico de psicoativos iliacutecitos e a sua cadeia produtiva satildeo pontos-chave para

compreender as poliacuteticas de seguranccedila nos Andes tanto na esfera domeacutestica quanto na

regional Como veremos adiante com o final do conflito bipolar o combate agraves drogas se

tornou um dos problemas prioritaacuterios dentro da agenda poliacutetica e de seguranccedila hemisfeacuterica

No final dos anos de 1980 o traacutefico de drogas passa a ser o principal inimigo dos EUA cuja

social poliacutetica e identitaacuteria visando atender agraves revindicaccedilotildees de povos e naccedilotildees alijados do ldquoprocesso

civilizadorrdquo ocidental

36

estrateacutegia eacute refrear a oferta de drogas aumentando a repressatildeo nos ldquopaiacuteses fontesrdquo quando

muito a demanda soacute foi tratada como consequecircncia da produccedilatildeo de substacircncias iliacutecitas ndash os

crimes provocados pelos usuaacuterios de drogas ndash e natildeo como um dos fatores que impulsionam e

aumentam a extensatildeo dos tentaacuteculos da induacutestria das drogas iliacutecitas que divide o seu trabalho

internacionalmente entre produtores traficantes e consumidores (GUAacuteQUETA 2004

TOKATLIAN 2009)

O traacutefico de drogas e o crime organizado em suas diferentes atividades satildeo percebidos

com uma das principais ameaccedilas transfronteiriccedila agrave seguranccedila e agrave democracia natildeo soacute nos

Andes mas tambeacutem toda Ameacuterica Latina seja pela violecircncia ensejada por estas atividades ou

mesmo pela sua capacidade de cooptar e corromper as instituiccedilotildees puacuteblicas Portanto ldquoo

crime organizado natildeo eacute contra-estatal seu objetivo natildeo eacute derrocar um regime ou uma

institucionalidade porque a violecircncia contra o Estado natildeo eacute sua caracteriacutestica o que ele busca

eacute ter graus altos de controle sobre essa institucionalidaderdquo (MARTIacuteNEZ 2012 p 31

traduccedilatildeo nossa)

As atividades iliacutecitas das organizaccedilotildees criminosas satildeo cada vez mais

transnacionalizada que se utiliza dos crescente fluxos financeiros humanos e de bens para

realizar as suas operaccedilotildees exigindo cada vez mais respostas multilaterais e fortalecimento da

cooperaccedilatildeo para combatecirc-los Entretanto no afatilde de combater as diferentes modalidades de

organizaccedilotildees criminosas (traficantes de armas e de pessoas contrabandistas de diversos

matizes entre outros) mas principalmente o traacutefico de drogas em muitos casos levou a um

emprego constante das forccedilas armadas para combatecirc-lo inclusive em centros urbanos

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina

A ideia de integraccedilatildeo da Ameacuterica Latina como diferentes autores jaacute mostraram

(DORATIOTO 1994 VILABOY 2007 SILVA 2009 GOMES 2010 FIGUEIREDO

2011) tem suas origens no seacuteculo XIX quando comeccedilaram os processos de independecircncia

dos paiacuteses do continente Simoacuten Boliacutevar deu iniacutecio agrave campanha sul-americana de libertaccedilatildeo

das colocircnias Na Carta da Jamaica redigida em 1815 Boliacutevar manifestou o seu anseio em

formar uma confederaccedilatildeo hispano-americana com as ex-colocircnias que pertenciam agrave monarquia

espanhola A primeira experiecircncia desse tipo foi a Gratilde Colocircmbia (1819-1831) criada pelo

proacuteprio Boliacutevar e mesmo com pouco tempo de existecircncia representou o primeiro modelo de

37

integraccedilatildeo nas Ameacutericas15

Os ideaacuterios de uma Ameacuterica Latina unida em um uacutenico projeto de

integraccedilatildeo como pretendia Boliacutevar ou melhor como pretenderam certas releituras do

pensamento bolivariano foram deteriorados pela experiecircncia histoacuterica latino-americana desde

as guerras pela emancipaccedilatildeo e a construccedilatildeo de novas estruturas poliacuteticas para consolidar as

receacutem-criadas naccedilotildees na Ameacuterica independente

A formaccedilatildeo dos paiacuteses andinos eacute produto desse processo histoacuterico e as suas

experiecircncias recentes satildeo pertinentes para se verificar as divergecircncias de projetos poliacuteticos

regionais A regiatildeo andina estaacute marcada por dissensotildees e atritos entre os diferentes modelos

de integraccedilatildeo como eacute o caso de Colocircmbia e Peru voltados para acordos bilaterais de livre

comeacutercio com os Estados Unidos e para a recente Alianccedila do Paciacutefico (aleacutem dos dois paiacuteses

conta com a participaccedilatildeo do Chile e do Meacutexico) e do outro lado a Boliacutevia e Equador que

em conjunto com a Venezuela Cuba e Nicaraacutegua (para citar alguns dos seus membros mais

proeminentes) buscam um modelo de integraccedilatildeo que procura aprofundar a consolidaccedilatildeo da

Alianccedila Bolivariana paras as Ameacutericas (ALBA)

A integraccedilatildeo regional16

eacute uma associaccedilatildeo institucionalizada de paiacuteses dentro de um

determinado territoacuterio geograacutefico definido que pode variar de regiatildeo para regiatildeo e de

formas e modelos As diferentes abordagens teoacutericas consagradas nos estudos de Relaccedilotildees

Internacionais sobre os processos de integraccedilatildeo regional utilizam a Uniatildeo Europeia como

paradigma explicativo e tipo ideacional a ser alcanccedilado por todos Problematizar tais

abordagens eacute possibilitar novos horizontes de anaacutelises que permitam uma compreensatildeo

15

No Congresso Anfictiocircnico do Panamaacute ocorrido em 1826 se reuniram os representantes da Gratilde Colocircmbia do

Meacutexico do Peru e das Proviacutencias Unidas da Centro-Ameacuterica (territoacuterios que hoje compreendem doze paiacuteses

latino-americanos) e contou com um observador da Gratilde-Bretanha e dos Paiacuteses Baixos com o intuito de discutir

a formaccedilatildeo de unidade poliacutetica entre os povos do continente americano Boliacutevar propocircs o encerramento do

trabalho escravo e a criaccedilatildeo de exeacutercito continental esta uacuteltima propositura tinha em vista a preocupaccedilatildeo com

os projetos ofensivos da Santa Alianccedila impulsionados pela restauraccedilatildeo do absolutismo na Espanha Todavia

trecircs grandes paiacuteses se opuseram agrave proposta bolivariana Brasil Estados Unidos e a Gratilde-Bretanha O Brasil e os

EUA natildeo corroboravam com a cessaccedilatildeo do regime escravista devido aos seus interesses econocircmicos nesta

atividade Para o impeacuterio brasileiro os ideais republicanos natildeo serviam aos interesses monaacuterquicos Os EUA

natildeo aceitavam o ideaacuterio do pan-americanismo por conta de suas pretensotildees expansionistas E a Gratilde-Bretanha

grande potecircncia econocircmica da eacutepoca via no pan-americanismo uma ameaccedila agraves suas pretensotildees hegemocircnicas

na regiatildeo (VILABOY 2007) 16

De acordo com Mocircnica Herz e Andrea Ribeiro Hoffman ldquoo termo integraccedilatildeo regional envolve dois conceitos

baacutesicos integraccedilatildeo e regiatildeo Uma regiatildeo pode ser definida por criteacuterios econocircmicos socioculturais poliacutetico-

institucionais climaacuteticos entre outros mas remete necessariamente a uma localidade territorial onde essas

caracteriacutesticas ocorrem Essa localidade pode ser geograficamente contiacutenua ou natildeo e pode mudar ao longo do

tempo o que dificulta a determinaccedilatildeo das fronteiras de certas regiotildees mas o importante a ser destacado eacute que

uma regiatildeo tem sempre uma correspondecircncia territorial A integraccedilatildeo pode ser definida como um processo ao

longo do qual atores inicialmente independentes se unificam ou seja se tornam parte de um todo Os atores

envolvidos em um processo de integraccedilatildeo podem ser classificados segundo dois criteacuterios Primeiramente

podem ser governamentais ou natildeo governamentais[] Em segundo lugar podem ser nacionais subnacionais

ou transnacionaisrdquo (HERZ HOFFMAN 2004 159-160)

38

maior dos processos de integraccedilatildeo latino-americanos ao longo da histoacuteria e no nosso caso

especiacutefico buscar compreender elementos que satildeo peculiares agrave Comunidade Andina

O processo de integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica e social na regiatildeo andina passou por

profundas transformaccedilotildees ao longo da sua trajetoacuteria histoacuterica A Comunidade Andina de

Naccedilotildees (CAN) teve a sua origem no Pacto Andino com a assinatura do Acordo de Cartagena

em 26 de maio de 1969 entre Boliacutevia Colocircmbia Chile Peru e Equador tornando-se a

primeira organizaccedilatildeo econocircmica internacional da Ameacuterica do Sul com o propoacutesito de

estabelecer a integraccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo econocircmica e social O Pacto Andino recebeu

posteriormente o nome de Grupo Andino Em 13 de fevereiro de 1973 a Venezuela aderiu ao

bloco e o Chile deixou o grupo em 30 de outubro de 1976 quando Augusto Pinochet

ascendeu ao poder por meio de golpe militar

Germaacutenico Salgado (1998 p6) objetivando analisar o processo de formaccedilatildeo da

Comunidade Andina de Naccedilotildees elaborou uma cronologia da integraccedilatildeo andina dividindo em

quatro fases a primeira seria de 1969 agrave 1976 fase de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do grupo

andino a fase seguinte teria sido de 1976 agrave 1982 momento esse em que ocorre um

enfraquecimento da integraccedilatildeo a terceira fase que vai de 1983 agrave 1988 eacute marcada pela

estagnaccedilatildeo por fim o periacuteodo de 1989 em diante fase que modificou radicalmente o Acordo

de Cartagena e eacute caracterizada pela reativaccedilatildeo da integraccedilatildeo e abertura para o mercado

externo

Para compreendermos o processo histoacuterico de configuraccedilatildeo da Comunidade Andina

natildeo descartaremos por completo a divisatildeo cronoloacutegica de Germaacutenico Salgado no entanto

propomos outra delimitaccedilatildeo temporal para descrever as diferentes fases pelas quais passou o

bloco andino O recorte temporal comeccedilaraacute pela Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que lanccedilou as bases

para a formulaccedilatildeo do Acordo de Cartagena e a constituiccedilatildeo do Pacto Andino que abrange o

final da deacutecada de 1960 e de 1970 Depois seraacute discutido o momento de estagnaccedilatildeo e de

reformulaccedilatildeo do Grupo Andino Em seguida discorreremos sobre a passagem dos anos 1980

para os anos de 1990 periacuteodo em que ocorre um novo impulso integracionista a partir de um

redesenho do projeto de integraccedilatildeo andina A deacutecada de 1990 foi marcada pela criaccedilatildeo e

consolidaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e de suas instituiccedilotildees nesse periacuteodo ocorreu

o alargamento da agenda comunitaacuteria andina para temas sociais e de seguranccedila Nesse

contexto o traacutefico de drogas passou a figurar como uma das principais preocupaccedilotildees da

agenda de seguranccedila da regiatildeo o que motivaraacute os paiacuteses andinos a orquestrarem no acircmbito

39

da CAN formas de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para combater o traacutefico de drogas

iliacutecitas

a) Deacutecada 1960 e 1970 Da Declaraccedilatildeo de Bogotaacute ao Acordo de Cartagena e o Surgimento

do Pacto Andino

O projeto de integraccedilatildeo que antecedeu o Pacto Andino foi a Associaccedilatildeo Latino-

Americana de Livre Comeacutercio (ALALC) criada originalmente no ano de 1960 em

Montevideacuteu contou em seu iniacutecio com a participaccedilatildeo de Argentina Brasil Meacutexico Paraguai

Peru e Uruguai anos mais tarde incorporou mais quatro Estados da zona andina aleacutem do

Meacutexico O principal objetivo da ALALC era a consolidaccedilatildeo de mecanismos de liberaccedilatildeo

parcial do comeacutercio entre seus paiacuteses membros entretanto o seu alcance foi limitado A

liberaccedilatildeo do comeacutercio ficou comprometida pelos interesses internos de cada paiacutes e os

incentivos para diminuir as barreiras comerciais natildeo foram suficientes para superar os

obstaacuteculos advindos das assimetrias entre os paiacuteses mais desenvolvidos e os menos

desenvolvidos da Ameacuterica Latina (BARRAL BOHRER 2010 p 92)

A aposta na integraccedilatildeo como vetor para o desenvolvimento econocircmico dos paiacuteses

latino-americanos comeccedilou a se mostrar contraproducente com a estagnaccedilatildeo da ALAC a

partir de 1967 ldquojaacute que natildeo conseguiu mudar a dinacircmica do comeacutercio internacional nem o

grau de desenvolvimento industrialrdquo (MOREIRA et all 2010) A ALALC tambeacutem natildeo

conseguiu promover uma harmonizaccedilatildeo real das poliacuteticas econocircmicas entre os paiacuteses

membros e a falta de equidade da distribuiccedilatildeo inter-regional dos benefiacutecios obtidos pela

integraccedilatildeo despertou a desconfianccedila dos Estados menos desenvolvidos para com o bloco

econocircmico

Em 1966 os presidentes do Chile Venezuela Colocircmbia e Equador mais os

representantes de Boliacutevia e Peru17

reuniram-se com o objetivo de procurar alternativas para

as disparidades geradas pela ALALC quando assinaram uma declaraccedilatildeo em que exprimiram

a necessidade de se fazer avanccedilar uma accedilatildeo conjunta para conseguir realizar

dentro da Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio a aprovaccedilatildeo de medidas

concretas que atendam os propoacutesitos formulados na presente declaraccedilatildeo e em

especial que se adotem foacutermulas praacuteticas que forneccedilam o tratamento adequado agrave

condiccedilatildeo de nossos paiacuteses cujas caracteriacutesticas correspondem as de menor

17

Quem participou das reuniotildees foram Carlos Lleras Restrepo presidente da Colocircmbia Eduardo Frei Montalva

presidente do Chile Rauacutel Leoni presidente da Venezuela Galo Plaza ex-presidente e foi como delegado do

presidente equatoriano Clemente Yerovi Indaburu e Fernando S Loacutepez Aldana presidente do Banco Central

de Reserva do Peru (VIDAL 2013)

40

desenvolvimento econocircmico relativo ou de mercado insuficiente Todo ele como

meio indispensaacutevel para alcanccedilar o desenvolvimento harmocircnico e equilibrado da

regiatildeo de conformidade com o espiacuterito do Tratado de Montevideacuteu

(DECLARACIOacuteN DE BOGOTAacute 16 de agosto de 1966 apud GARAY 1979 p17

traduccedilatildeo nossa)

A Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que eacute a base do Acordo de Cartagena elucida bem o

inconformismo dos paiacuteses andinos com os piacutefios resultados da ALALC pois estes paiacuteses

tinham como principais objetivos a promoccedilatildeo do desenvolvimento menos assimeacutetrico a

aceleraccedilatildeo do crescimento atraveacutes da integraccedilatildeo econocircmica e da criaccedilatildeo de condiccedilotildees para

que a ALALC fosse convertida em um mercado comum (GARAY 1979)

Esse interstiacutecio entre 1966 (Declaraccedilatildeo de Bogotaacute) e 1969 (Acordo de Cartagena) foi

um periacuteodo de formulaccedilatildeo e construccedilatildeo teoacuterica do processo de integraccedilatildeo os principais

arquitetos do Pacto Andino foram Carlos Lleras Restrepo (presidente da Colocircmbia 1966-

1970) Eduardo Frei Montalva (presidente do Chile 1964-1970) e Germaacutenico Salgado

(economista e poliacutetico equatoriano membro da Junta do Acordo de Cartagena) Esses atores

foram fundamentais para a teorizaccedilatildeo articulaccedilatildeo poliacutetica e a construccedilatildeo de uma ldquoconsciecircncia

integracionistardquo nos Andes Para Frei Montalva a Ameacuterica Latina passava por um periacuteodo de

forte ldquonacionalismo continental crescente e acentuadordquo no entanto ele tinha ldquoconsciecircncia de

que o esquema da ALALC natildeo estava desenhado para os paiacuteses medianos como Chile

Colocircmbia e Venezuela e nem para os pequenos Boliacutevia e Equadorrdquo (VIDAL 2013 p 76)

Para os paiacuteses andinos a ALALC natildeo satisfazia as suas necessidades motivando-os a

procurarem outras formas de atender os seus interesses econocircmicos e a partir de suas proacuteprias

iniciativas as naccedilotildees andinas desenharam um novo projeto de integraccedilatildeo com o propoacutesito de

estimular a ampliaccedilatildeo de seus mercados Em decorrecircncia desse projeto foi assinado o Acordo

de Cartagena em 1969 subescrito originalmente por Boliacutevia Colocircmbia Chile Equador e

Peru posteriormente em 1974 a Venezuela aderiu ao Pacto Andino (PRADO 1997 p 35)

O Pacto Andino impulsionou a economia trazendo benefiacutecios para os paiacuteses

signataacuterios18

No entanto o crescimento econocircmico da regiatildeo gradativamente foi perdendo a

sua forccedila O panorama que parecia favoraacutevel nos primeiros anos da deacutecada de 1970 em

relaccedilatildeo ao comeacutercio mundial foi afetado pela crise econocircmica que se alastrou pelo globo

atingindo direta e indiretamente os paiacuteses andinos no final da mesma deacutecada As crises

18

De acordo com Germaacutenico Salgado (1998 p 6) de 1971 a 1976 o Grupo Andino avanccedilou com o fim das

restriccedilotildees e dos encargos sobre o comeacutercio interno e com a adoccedilatildeo da tarifa externa miacutenima comum

repercutindo positivamente sobre o comeacutercio aumentando as exportaccedilotildees intrabloco de US$ 111 milhotildees em

1970 para US$ 613 milhotildees em 1976

41

subsequentes do petroacuteleo em 19731974 e em 19781979 fizeram com que paiacuteses petroliacuteferos

depositassem enormes quantias em bancos internacionais estes por sua vez viam nos

governos autoritaacuterios latino-americanos um negoacutecio altamente rentaacutevel e disponibilizaram

recursos a estes clientes com taxas de juros elevadas Deste modo os paiacuteses da Ameacuterica

Latina aumentaram significativamente a sua diacutevida externa sendo parte dos gastos destinados

a grandes obras de infraestrutura (MOREIRA et all 2010 p259)

O colapso econocircmico da deacutecada de 1970 refletiu-se numa gradual reduccedilatildeo de creacuteditos

e das ajudas financeiras por parte dos paiacuteses mais desenvolvidos para os menos

desenvolvidos tornando premente a necessidade de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da Ameacuterica

Latina A finalidade da integraccedilatildeo nesse contexto era conseguir um desenvolvimento mais

autocircnomo entre os paiacuteses que compartilhavam problemas comuns e a cooperaccedilatildeo poliacutetica e

econocircmica era um meio para se atingir esta meta Mas o processo de integraccedilatildeo passou por

um periacuteodo de difiacutecil sustentaccedilatildeo pois a crise econocircmica natildeo deixou alternativa para os

governos andinos a natildeo ser adotar medidas protecionistas que se chocaram frontalmente com

o Programa de Liberaccedilatildeo deixando-o em segundo plano

Cada naccedilatildeo que integrava o Pacto Andino tinha os seus interesses particulares O

processo de integraccedilatildeo foi mais vantajoso para uns do que para outros Apoacutes uma deacutecada o

Acordo de Cartagena natildeo conseguiu lograr os ecircxitos almejados incorrendo nos mesmos

problemas de distribuiccedilatildeo econocircmica da ALALC e da ausecircncia da sociedade civil na

participaccedilatildeo desse processo Esse e outros problemas como as questotildees de conjuntura

domeacutestica ligadas ao governo do General Pinochet fizeram com que o Chile deixasse o bloco

em 1976 Segundo Salgado (1998) o golpe militar de 1973 no Chile mudou por completo as

teses poliacuteticas do governo chileno e essa mudanccedila ficou evidenciada desde 1974 com o

fortalecimento do neoliberalismo no paiacutes

Aleacutem dos problemas econocircmicos regionais e poliacuteticos domeacutesticos havia uma

desconfianccedila entre os paiacuteses membros do Pacto Andino em relaccedilatildeo agraves disputas fronteiriccedilas

claacutessicas A Guerra do Paciacutefico que envolveu Boliacutevia Chile e Peru fez com que a Boliacutevia

perdesse a sua saiacuteda para o mar e desde o seacuteculo XIX permaneceu sem soluccedilatildeo A Boliacutevia natildeo

se conformou com a sua condiccedilatildeo mediterracircnea e procurou negociar com o Chile inuacutemeras

42

vezes O conflito fronteiriccedilo entre estes trecircs paiacuteses se arrasta sem soluccedilatildeo definitiva ateacute os dias

coevos19

Segundo Lucas Prado (1997) outro obstaacuteculo que ocorreu na primeira deacutecada de

funcionamento do Pacto Andino foi a crenccedila de que seria necessaacuterio apenas a implementaccedilatildeo

de uma tarifa externa comum na regiatildeo e equilibrar as economias nacionais sem considerar os

ajustes miacutenimos para harmonizar as poliacuteticas agraacuterias uma coordenaccedilatildeo maior dos

instrumentos tarifaacuterios como os sistemas de franquias direitos aduaneiros controles

administrativos entre outros seriam suficientes para erigir uma uniatildeo aduaneira entre os

paiacuteses andinos Sem os ajustes necessaacuterios a tarifa externa comum natildeo se tornaria uma

realidade efetiva incapaz de orientaccedilatildeo e alocaccedilatildeo dos recursos econocircmicos

O investimento estrangeiro contribuiu para os baixos resultados econocircmicos do Pacto

Andino No ano de 1971 entrou em vigor a Decisatildeo 2420

elaborada em dezembro de 1970 a

qual implementou um regime comum para os capitais estrangeiros no que concerne agraves

patentes licenccedilas marcas e royalties A Decisatildeo 24 pretendia fomentar o desenvolvimento da

induacutestria andina buscando converter paulatinamente as empresas estrangeiras em empresas

nacionais ou mistas e impedir que as induacutestrias transnacionais suplantassem as induacutestrias da

regiatildeo

O processo de integraccedilatildeo eacute por natureza supranacional o que implica produzir para

mercados que natildeo se restringem a um Estado-naccedilatildeo Todos querem obter lucros e benefiacutecios

inclusive as grandes empresas Todavia as medidas para proteger os mercados internos natildeo

foram bem recebidas pelos os empresaacuterios da regiatildeo ndash principalmente nos paiacuteses em que eles

tecircm uma forte presenccedila poliacutetico-econocircmica como satildeo os casos de Colocircmbia e Chile ndash que se

uniram aos empresaacuterios das transnacionais e se posicionaram contra estas medidas pois natildeo

aceitavam de bom grado que fossem criadas leis que contrariassem os seus interesses

(ROMERO 2008)

Segundo Luis E T Vidal (2013) apoacutes a saiacuteda do Chile os paiacuteses que permaneceram

no Grupo Andino assinaram em 30 de outubro de 1976 um Protocolo Adicional para

postergar em trecircs anos o prazo para vigorar o Programa de Liberaccedilatildeo e a tarifa externa

19

Para maiores informaccedilotildees sobre o conflito territorial entre Boliacutevia Chile e Peru bem como de outros conflitos

fronteiriccedilos na Ameacuterica Latina no seacuteculo XX consulte DOMIacuteNGUEZ Jorge (org) Conflictos territoriales y

democracia en Ameacuterica Latina Buenos Aires Siglo XXI Editores Argentina Flacso 2003 20

Nesse momento a Venezuela natildeo tinha firmado o Acordo de Cartagena mas a Boliacutevia jaacute fazia parte A

Colocircmbia demorou um pouco mais para implementaacute-la devido a problemas legais de ordem interna apenas em

1973 a Decisatildeo 24 foi aplicada plenamente por todos os paiacuteses membros (TIRONI 1977 p13)

43

comum conforme foi protocolado no Artigo 1ordm do referido documento As instituiccedilotildees

andinas comeccedilaram a ser criadas durante a deacutecada de 1970 com o desdobramento da

integraccedilatildeo foram se constituindo novas instituiccedilotildees que buscavam abarcar os niacuteveis

econocircmicos poliacuteticos e fiacutesicos21

Algumas destas instituiccedilotildees satildeo o Fundo Andino de

Reservas criado em 1976 o Tribunal de Justiccedila do Acordo de Cartagena o Parlamento

Andino22

e o Conselho Andino de Chanceleres Todos foram instituiacutedos em 1979 (CAN

1998)

b) Deacutecada de 1980 Estagnaccedilatildeo e Reformulaccedilatildeo do Grupo Andino

Na passagem da deacutecada de 1970 para 1980 ocorreu uma consolidaccedilatildeo institucional

com a criaccedilatildeo do Conselho Andino de Ministros de Assuntos Externos do Parlamento

Andino e da Tribuna Andina de Justiccedila (CAN 1998) Segundo Salgado (1998) no periacuteodo de

1976 a 1982 ocorreu uma dinamizaccedilatildeo maior do processo integracionista andino entretanto

no comeccedilo da deacutecada de 1980 este mesmo dinamismo se repetiu devido agraves consequecircncias da

crise da diacutevida externa que afetou as balanccedilas de pagamentos dos paiacuteses da regiatildeo andina e de

toda Ameacuterica Latina Segundo a Comunidade Andina (1998) os anos oitenta foram

infrutiacuteferos para o desenvolvimento pleno da integraccedilatildeo devido agrave estagnaccedilatildeo e o retrocesso

que ocorreram na regiatildeo pois a ldquodeacutecada perdida do desenvolvimento latino-americano foi

tambeacutem a deacutecada perdida da integraccedilatildeo andinardquo (CAN 1988)

No iniacutecio dos anos de 1980 a Venezuela passou por uma crise que afetou as relaccedilotildees

econocircmicas bilaterais com a Colocircmbia nos anos de 1982 e 1983 A integraccedilatildeo andina natildeo

apresentava muitos avanccedilos no plano comercial e nos fluxos de capitais deixando as relaccedilotildees

econocircmicas binacionais volaacuteteis as inconstacircncias das conjunturas econocircmicas de cada paiacutes

influiacuteam diretamente nos seus vizinhos Aleacutem da crise das relaccedilotildees bilaterais entre Colocircmbia

e Venezuela ocorreu o golpe de estado na Boliacutevia em 17 de julho de 1980 promovido por

Garciacutea Mesa que resultou numa suspensatildeo temporaacuteria do paiacutes nas negociaccedilotildees do Grupo

Andino Tambeacutem no comeccedilo dessa deacutecada ocorreu o conflito fronteiriccedilo entre Equador e

21

A primeira reuniatildeo sobre integraccedilatildeo fiacutesica aconteceu entre os dias 9 e 14 de dezembro de 1995 onde foi

aprovada a Decisatildeo 94 para criaccedilatildeo do Sistema Troncal Andino de Carreteras esta iniciativa contemplava

apenas os transportes terrestres (CAN 1975) 22

Em 19 de setembro de 2013 os Ministros de Relaccedilotildees Exteriores de Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

acordaram dissolver o Parlamento Andino (oacutergatildeo consultivo e deliberativo que natildeo tinha decisotildees vinculantes)

as justificativas apresentadas giraram entorno de duas questotildees a primeira eacute o alto custo para mantecirc-lo o

presidente colombiano Juan Manuel Santos declarou que o seu paiacutes gasta cerca de $35 milhotildees anuais para

manter o parlamento funcionando A segunda questatildeo estaacute relacionada ao avanccedilo do processo de integraccedilatildeo da

Unasul pois natildeo haveria necessidade de manter o Parlamento Andino tendo em vista a futura criaccedilatildeo de um

parlamento sul-americano (EL ESPECTADOR 2013)

44

Peru deflagrado em janeiro de 1981 na encosta leste da Cordilheira do Condor Por essas

razotildees entre outras as exportaccedilotildees intragrupo perderam dinamismo em 1980 e 1981 o que

levou a sua queda no ano subsequente

Conforme analisa Salgado (1998 p8) esses fatos foram um ldquopreluacutediordquo para o que

viria acontecer em 1983 com a eclosatildeo e proliferaccedilatildeo da crise da diacutevida externa iniciada com

as crises dos anos de 1970 dando lugar a uma tendecircncia negativa As exportaccedilotildees intrabloco

em 1983 caiacuteram cerca de 363 em relaccedilatildeo ao ano de 1982 e sofreram uma queda ainda

maior se compararmos com as taxas de 1986 cerca de 445 em relaccedilatildeo agrave 1982 Segundo

Salgado (1998) este iacutendice foi o mais baixo registrado em toda deacutecada de 1980 Entre 1982 e

1986 foi um periacuteodo de estagnaccedilatildeo em decorrecircncia da crise da diacutevida externa que afetou os

preccedilos de importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo Os paiacuteses andinos para conter os efeitos da crise

empregaram medidas para reduzir as importaccedilotildees e o consumo per capita o que levou agrave

desvalorizaccedilatildeo das moedas Todos os processos de integraccedilatildeo na Ameacuterica em curso nesse

contexto sofreram os seus efeitos negativos sobre as balanccedilas de pagamentos23

O autor frisa

que se comparado com os paiacuteses centro-americanos o Grupo Andino foi o menos atingido

pela crise mas isto natildeo significou que a crise natildeo tenha sido grave pois o bloco permaneceu

paralisado ateacute 1987 ano em que foi subescrito o Protocolo de Quito

O Acordo de Cartagena foi substituiacutedo em 1987 pelo Protocolo de Quito que entrou

em vigor no ano seguinte dando um novo impulso para a consolidaccedilatildeo do Grupo Andino e do

fortalecimento de suas bases poliacuteticas que se seguiram no mesmo ano com a Declaraccedilatildeo de

Caracas o Manifesto de Cartagena e as reuniotildees presidenciais de Galaacutepagos em 1989 e

depois com as reuniotildees de La Paz e Machu Pichu (Primeira reuniatildeo do conselho presidencial

andino) em 1990 e Caracas em 1991 O Protocolo de Quito procurava fazer uma ldquoabordagem

realistardquo24

sobre o que poderia ser feito nesse momento para alavancar o processo de

integraccedilatildeo segundo a Comunidade Andina ldquoesse realismo se traduziu na flexibilizaccedilatildeo das

novas disposiccedilotildees e na ampliaccedilatildeo do espectro de opccedilotildees de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeordquo (CAN

23

Para um estudo mais aprofundado da crise da diacutevida externa nos paiacuteses andinos e de seus efeitos econocircmicos

poliacuteticos e sociais consulte SOLIMANO Andreacutes (Ed) Political crises social Conflict and economic

development the political economy of the Andean Region Cheltenham-UKNorthampton-USA Edward Elgar

Publishing 2005 24

O ldquorealismordquo o qual se refere o Protocolo de Quito pode ser traduzido como ldquopragmatismordquo ou seja paiacuteses

do Grupo Andino natildeo deveriam se guiar por uma ideologia deveriam procurar flexibilizar assuas poliacuteticas

externa bem como o projeto de integraccedilatildeo andina para se adaptarem agrave ldquorealidaderdquo da conjuntura internacional

Portanto o ldquorealismordquo andino natildeo tem relaccedilatildeo alguma com as teorias realistas ou neorrealistas das relaccedilotildees

internacionais

45

1998 p 19) Aqui pode-se observar uma mudanccedila no discurso integracionista Essa

ldquoabordagem realistardquo equivale a dizer que o Grupo Andino iria se ajustar agraves exigecircncias e

transformaccedilotildees do cenaacuterio internacional ou seja a integraccedilatildeo andina ficaria agrave mercecirc das

relaccedilotildees internacionais o crescimento das economias nacionais e da regiatildeo poderia ser

alcanccedilado com a inserccedilatildeo internacional dos paiacuteses andinos deixando em segundo plano o

ideaacuterio nacionalista de desenvolvimentismo industrial voltado para interior do proacuteprio Estado

Inicialmente tratava-se de adaptar o Grupo Andino agraves novas tendecircncias mundiais de

modernizaccedilatildeo e internacionalizaccedilatildeo das economias vias pelas quais a Ameacuterica Latina natildeo

poderia se eximir Essa adesatildeo agraves mudanccedilas macroeconocircmicas demonstrava o interesse dos

paiacuteses andinos em continuar promovendo a integraccedilatildeo a despeito da corrosatildeo econocircmica e

juriacutedica ocorridas no curso do processo de integraccedilatildeo

As reuniotildees entre os presidentes da regiatildeo que ocorreram em Galaacutepagos em 1989

foram importantes para a elaboraccedilatildeo de uma estrateacutegia renovada para revigorar a integraccedilatildeo

andina e orientar sua constituiccedilatildeo na deacutecada seguinte Segundo Alfredo Fuentes Fernaacutendez

(2008) o contexto era caracterizado pela deterioraccedilatildeo dos termos de trocas esgotamento das

fontes de financiamento protecionismo dos paiacuteses industrializados e adequaccedilatildeo das poliacuteticas

econocircmicas internas o que foi altamente dispendioso para as economias do arco andino A

estrateacutegia encontrada pelas naccedilotildees andinas para driblar estes fatores foi a criaccedilatildeo de um

mercado regional que contribuiu para a diversificaccedilatildeo de exportaccedilotildees de bens industriais e

tecnoloacutegicos e para que se configurasse uma plataforma de aprendizagem e competitividade

A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi um divisor de aacuteguas do processo de integraccedilatildeo O

desenvolvimento do bloco andino no decorrer dos anos 1980 (preacute-Galaacutepagos) foi

caracterizado principalmente pela estagnaccedilatildeo como resultado dos desdobramentos da crise

internacional dos anos 1970 e da crise da diacutevida externa A fase que sucedeu a Declaraccedilatildeo de

Galaacutepagos foi de transiccedilatildeo A construccedilatildeo de novas estrateacutegias para impulsionar ampliar e

aprofundar o processo de integraccedilatildeo nos anos 1990 ganhou forccedila a partir deste momento

c) Deacutecada de 1990 A Criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e o Novo Desenho

Estrateacutegico de Integraccedilatildeo

Desde o final da deacutecada de 1980 a regiatildeo ingressou numa nova fase de integraccedilatildeo Os

anos de 1990 foram marcados pela renovaccedilatildeo do modelo integracionista do Pacto Andino em

decorrecircncia das modificaccedilotildees nas estrateacutegias de desenvolvimento para superar as crises do

baixo crescimento da diacutevida externa e da atrofia das economias da regiatildeo Entre as principais

46

mudanccedilas operadas no interior do bloco andino estava a aprovaccedilatildeo no ano de 1992 de uma

medida que tinha por meta a formaccedilatildeo de uma zona de livre comeacutercio que se efetivou com a

circulaccedilatildeo sem restriccedilatildeo e encargos sobre as mercadorias Outros temas natildeo necessariamente

novos foram incorporados agrave nova agenda de integraccedilatildeo andina tais como tarifa externa

comum investimento estrangeiro ajustamento das poliacuteticas econocircmicas propriedade

intelectual desenvolvimento da agropecuaacuteria integraccedilatildeo fiacutesica

No contexto internacional o ldquoConsenso de Washingtonrdquo seria determinante para as

reformas dos modelos econocircmicos dos paiacuteses latino-americanos que se seguiram a partir de

entatildeo e orientariam as mudanccedilas em mateacuteria econocircmica comercial e fiscal nos acircmbitos

nacional regional e internacional Aleacutem disso em 27 de junho de 1990 o governo

estadunidense de George H W Bush lanccedilou a ldquoIniciativa para as Ameacutericasrdquo cujo propoacutesito

era estabelecer novas regras comerciais para os paiacuteses do continente americano para criaccedilatildeo

de uma zona hemisfeacuterica de livre comeacutercio assim como mobilizar a construccedilatildeo de uma

ldquoidentidade hemisfeacutericardquo no continente americano

A Iniciativa para as Ameacutericas se insere dentro do projeto dos EUA de construccedilatildeo de

relaccedilotildees com os paiacuteses latino-americanos e caribenhos sobre bases que favoreccedilam os fatores

econocircmicos tais como o comeacutercio a diacutevida e o investimento sob a eacutegide da projeccedilatildeo

hegemocircnica dos Estados Unidos na regiatildeo a qual seria caracterizada pela economia e

comeacutercio em escala hemisfeacuterica

Em 28 de julho de 1990 foi realizada em Lima a Segunda Reuniatildeo do Conselho

Presidencial sob o comando do presidente Alberto Fujimori na qual o primeiro tema debatido

foi a Iniciativa Para as Ameacutericas Na reuniatildeo os mandataacuterios andinos demonstraram interesse

em aderir ao projeto hemisfeacuterico norte-americano e expressaram suas intenccedilotildees no

Documento da Reuniatildeo de Lima da seguinte forma

Na cidade de Santafeacute de Bogotaacute foi realizada em 7 de agosto de 1990 uma nova

reuniatildeo para analisar a iniciativa proposta por Bush e os paiacuteses signataacuterios do Pacto Andino

redigiram com bastante entusiasmo a Declaraccedilatildeo Andina sobre a Iniciativa para as Ameacutericas

na qual registraram o interesse em fazer parte dessa proposta e em se reunir com o governo de

Washington para discutir detalhadamente os termos do novo projeto hemisfeacuterico para as

relaccedilotildees econocircmicas e comerciais com os EUA

47

A ecircnfase dada pelos paiacuteses da regiatildeo andina ao comeacutercio proporcionou resultados

expressivos intrabloco em princiacutepios da deacutecada de 1990 o que propiciou o surgimento de uma

zona de livre comeacutercio inaugurada em 1992 entre os membros do bloco andino que no

entanto natildeo foi bem sucedida devido aos problemas ligados agraves dissonacircncias no que diz

respeito aos objetivos comerciais e aos problemas domeacutesticos dos paiacuteses A instituiccedilatildeo de

uma tarifa externa comum natildeo obteve os resultados esperados pois natildeo havia concordacircncia

quanto agrave sua estrutura Ateacute o comeccedilo do ano de 1993 soacute havia um acordo tarifaacuterio bilateral

entre Colocircmbia e Venezuela Os problemas internos do Peru fizeram com que o presidente

Alberto Fujimori deixasse de participar dos acordos de livre comeacutercio andino o que gerou um

mal estar com os paiacuteses da regiatildeo Em 31 de janeiro de 1993 entrou em pleno funcionamento

a zona de livre comeacutercio para quatro paiacuteses membros do bloco andino e em 11 de Abril de

1994 foram aprovadas as condiccedilotildees ndash dividindo-a em trecircs etapas e soacute terminaria em 30 de

junho de 1995 ndash pelas quais o Peru voltaria a participar plenamente da zona de livre comeacutercio

(CAN 1998)

Para sobrepujar esses problemas os Estados integrantes do Grupo Andino adotaram

uma nova tarifa externa comum em 1995 visando agrave consolidaccedilatildeo de uma uniatildeo aduaneira No

dia 5 de setembro do mesmo ano a VII Reuniatildeo do Conselho Presidencial aprovou um ldquoNovo

Desenho Estrateacutegicordquo da integraccedilatildeo andina adaptando-a para responder as ldquomudanccedilas e

dinacircmicas circunstanciais das atuais relaccedilotildees internacionaisrdquo (CAN 1998 p31)

De acordo com a CAN (1998) para os paiacuteses andinos alcanccedilarem os objetivos

traccedilados neste desenho estrateacutegico foram estabelecidas trecircs linhas de accedilatildeo A primeira eacute o

aperfeiccediloamento do espaccedilo econocircmico andino e a liberalizaccedilatildeo dos serviccedilos A segunda eacute o

aumento e melhoria da projeccedilatildeo externa do bloco a partir do modelo aberto de integraccedilatildeo

capaz de se adaptar ao contexto internacional e hemisfeacuterico cada vez mais interdependente

Esta segunda linha de accedilatildeo pretendia aprofundar a integraccedilatildeo com os paiacuteses de seu entorno

estrateacutegico como o Panamaacute o Mercosul25

e a Associaccedilatildeo dos Estados do Caribe (AEC) A

terceira eacute desenvolver uma agenda social mais ampla que vise o bem estar da populaccedilatildeo e

aumentar a participaccedilatildeo popular Nessa deacutecada a concepccedilatildeo integracionista nos Andes passou

por transformaccedilotildees e o processo de integraccedilatildeo se amplificou para penetrar em novos campos

como eacute o caso da agenda social e de seguranccedila

25

A Boliacutevia se tornou o primeiro paiacutes do Grupo Andino a se associar ao Mercosul em 1996 o Chile se tornou

membro associado no mesmo ano poreacutem natildeo pertencia mais ao bloco andino

48

No ano de 1996 a integraccedilatildeo andina passa por uma reestruturaccedilatildeo institucional

apresentando crescimento da necessidade de reformar o Acordo de Cartagena para ajustaacute-lo agraves

transformaccedilotildees recentes da conjuntura internacional O Conselho Presidencial aprovou em 10

de marccedilo do mesmo ano o Protocolo modificador do Acordo de Cartagena conhecido como

Protocolo de Trujillo que institui a criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN)

A Comunidade Andina foi inspirada na Declaraccedilatildeo de Bogotaacute (1978) e surgiu como

resultado dos esforccedilos dos governos de Boliacutevia Colocircmbia Equador Peru e Venezuela para

tornar mais soacutelida a uniatildeo entre os paiacuteses e criar os alicerces para formaccedilatildeo de uma

comunidade sub-regional A CAN era constituiacuteda no iniacutecio pelos cinco Estados soberanos e

pelas instituiccedilotildees e organismos do Sistema Andino de Integraccedilatildeo (SAI) e suas caracteriacutesticas

iniciais eram de uma Uniatildeo Aduaneira e Econocircmica com o objetivo de limitar a penetraccedilatildeo

de capital estrangeiro A partir de primeiro de agosto de 1997 quando entrou em vigecircncia o

Protocolo de Trujillo a Comunidade Andina adotou uma gestatildeo pautada na hierarquia

governamental com a criaccedilatildeo da figura da Secretaria Geral da CAN que substituiu a Junta de

trecircs ministros O bloco comeccedilou a exercer suas funccedilotildees com uma Secretaria Geral sediada em

Lima aleacutem disso foi instituiacutedo o Conselho de Presidentes e de Ministros de Relaccedilotildees

Exteriores como oacutergatildeos de diretrizes poliacuteticas do bloco bem como o papel normativo de uma

Comissatildeo formada por Ministros de Comeacutercio e Setoriais (LOacutePEZ CONTRERAS

POLANCO 2010)

Segundo Andreacutes Malamud (2003) os sucessos recentes da CAN devem ser

creditados ao Conselho Presidencial Andino pois este ator institucional foi responsaacutevel por

impulsionar novamente o processo de integraccedilatildeo poacutes-1989 e a crise que abateu a sub-

regiatildeo coincidiu com os anos os quais natildeo ocorreu reuniatildeo do Conselho Presidencial

(1991-1994) As instituiccedilotildees e a lideranccedila satildeo peccedilas-chave na integraccedilatildeo mas no caso

andino os chefes do executivo desempenharam um papel fundamental para o processo de

integraccedilatildeo andino O que Malamud chamou de ldquopresidencialismo concentradorrdquo pode ter

sido um dos fatores propulsores da integraccedilatildeo sul-americana

De acordo com Cabral (2010 p 08) a CAN procurou criar instituiccedilotildees deliberativas e

decisoacuterias com uma crescente participaccedilatildeo da sociedade civil tendo em vista o modelo

europeu aleacutem disso os paiacuteses andinos do bloco tambeacutem buscaram aprofundar as relaccedilotildees

comerciais entre si estimulando ldquoo desenvolvimento econocircmico a competitividade a

integraccedilatildeo da infraestrutura e a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica externa comumrdquo procurando

49

tambeacutem incorporar outros elementos para agenda andina como ldquoa discussatildeo de medidas de

caraacuteter de inclusatildeo social a luta contra as drogas o fortalecimento da democracia defesa dos

direitos humanosrdquo e o meio ambiente Essa incorporaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais

tambeacutem incorreu na abertura da agenda de seguranccedila para novos temas objetivando

estabelecer a zona de paz na regiatildeo andina

A supranacionalidade fixada pelo acordo de integraccedilatildeo transfere determinadas

prerrogativas para os organismos comunitaacuterios Uma vez que as normas satildeo aprovadas

elas tecircm aplicaccedilatildeo imediata sobrepondo-se agraves normas internas dos paiacuteses pertencentes ao

bloco A supranacionalidade da CAN entra em rota de colisatildeo com a soberania nacional e

faz transparecer diversos entraves e desafios para as instituiccedilotildees andinas A combinaccedilatildeo

entre intergovernamentalismo e supranacionalidade26

ndash que tambeacutem eacute denominada de

ldquoinstitucionalismo intergovernamentalrdquo27

ndash como ocorre na Uniatildeo Europeia natildeo se

processa do mesmo modo na Comunidade Andina Segundo Andreacutes Serbin (2010) para

entendermos a natildeo efetividade da supranacionalidade nos blocos regionais da Ameacuterica do

Sul temos que compreender o processo da consolidaccedilatildeo das soberanias nacionais desde as

lutas pela independecircncia no seacuteculo XIX que ocorreram na regiatildeo

Como salientou Arroye-Quintero (2008) a supranacionalidade desmedida gerou

conflitos no momento de sua implementaccedilatildeo como eacute o caso do Tribunal Andino de

Justiccedila cujas sanccedilotildees tomadas em seu acircmbito se sobrepotildeem ao poder judiciaacuterio nacional O

choque entre soberania e o modelo supranacional da CAN se tornou um obstaacuteculo para

aprofundamento da integraccedilatildeo intrabloco para os proacuteprios Estados que o consolidou

Aleacutem disso conforme aponta Carlos A Romero (2008) a CAN estaacute passando por uma

crise institucional relacionada agrave desarmonia entre os modelos de desenvolvimento econocircmico

26

Herz e Hoffman aponta que ldquoApesar de as organizaccedilotildees de integraccedilatildeo regional serem criadas por governos de

Estados e nesse sentido poderem ser classificadas como intergovernamentais seu formato juriacutedico

institucional pode ser a supranacionalidade ou seja pode limitar o escopo da soberania dos Estados nas

atividades exercidas pela organizaccedilatildeordquo (HERZ HOFFMAN 2004 p 161) 27

Johannes Lindner e Berthold Rittberger assinalam que ldquoOutras teorias e abordagens que se propotildeem a

explicar a integraccedilatildeo europeacuteia sobretudo a partir do iniacutecio dos anos 90 abrem um novo debate dessa vez entre

o institucionalismo intergovernamental e o institucionalismo supranacional Ambas as vertentes enfatizam o

papel das instituiccedilotildees suas origens sua histoacuteria suas estruturas internas e sua dinacircmica para a compreensatildeo da

accedilatildeo humana Nesse contexto teoacuterico instituiccedilotildees satildeo regras e praacuteticas embebidas em estruturas de sentido e de

recursos Mudanccedilas na ordem poliacutetica envolvem natildeo apenas a reorganizaccedilatildeo e a realocaccedilatildeo de recursos mas

tambeacutem a reconceituaccedilatildeo e modificaccedilatildeo das expectativas preferecircncias aspiraccedilotildees mentalidades e identidades

Nesse movimento de transformaccedilatildeo lsquoinstituiccedilotildees importamrsquo independentemente do niacutevel em que estiverem

situadasrdquo (Lindner e Rittberger 2003 apud CAMARGO Sonia 2004 p 68-69) Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrscielophppid=S0102-85292004000100002ampscript=sci_arttextgt Acesso em 29 nov

2014

50

escolhidos pelos paiacuteses do bloco bem como as divergecircncias entre estes paiacuteses concernentes agrave

assinatura ou natildeo do Tratado de Livre Comeacutercio com os Estados Unidos e ldquopelos problemas

de seguranccedila derivados da tensatildeo geopoliacutetica entre Venezuela e a Colocircmbia a Colocircmbia e o

Equador e o Peru a Boliacutevia e o Chilerdquo (ROMERO 2008 p 57) Essas tensotildees geopoliacuteticas

foram agravadas quando se somaram aos conflitos territoriais interestatais tradicionais os

conflitos assimeacutetricos provocados pelo crime organizado transnacional mais especificamente

quando o traacutefico de drogas ganha o status de ameaccedila agrave seguranccedila e ao desenvolvimento dos

paiacuteses andinos como veremos no proacuteximo capiacutetulo

51

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOcircES

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais

A construccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes de controle e

luta contra as drogas consideradas iliacutecitas foram resultados de um longo processo que natildeo se

restringe apenas aos ditames de Washington mas tambeacutem abrange inuacutemeras variaacuteveis

histoacutericas poliacuteticas ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam

entrelaccedilando interesses que geraram o consenso sobre a ilegalidade de determinadas drogas

consideradas ldquoperigosasrdquo e ldquoameaccediladorasrdquo reputando a elas o caraacuteter de criminalidade e

mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional O traacutefico de drogas se constituiu

como um dos problemas mais expressivos no cenaacuterio da histoacuteria hodierna da Ameacuterica Latina

e sobretudo da sua relaccedilatildeo com os EUA O crime organizado transnacional expandiu e se

ramificou de modo expressivo nas uacuteltimas deacutecadas natildeo soacute na Ameacuterica Latina mas tambeacutem

em outros continentes ultrapassando as fronteiras nacionais de seus paiacuteses de origem

colocando desafios natildeo apenas para a seguranccedila dos Estados mas tambeacutem para sua

investigaccedilatildeo acadecircmica sobretudo na aacuterea das relaccedilotildees internacionais

As poliacuteticas e medidas de combate agraves drogas transbordaram do acircmbito nacional para o

regional e do regional para o internacional assim como ocorreu simultaneamente o processo

inverso As redes iliacutecitas do traacutefico de drogas acompanharam este movimento ensejando

novas organizaccedilotildees articulaccedilotildees estrateacutegias e produtos que trouxeram muacuteltiplas implicaccedilotildees

para os Estados e sociedades contemporacircneas sobretudo nos diferentes niacuteveis do campo da

seguranccedila De acordo com Thiago Rodrigues (2003)

A proibiccedilatildeo e o narcotraacutefico conformam espaccedilos de luta que se desenvolvem em

diversos planos de modo fluiacutedo e variado Trata-se ainda assim de uma guerra que

se mostra como um conjunto de embates que envolvem Estados empresas

narcotraficantes grupos armados e forccedilas sociais Natildeo eacute um conflito tradicional mas

uma infinidade de batalhas (RODRIGUES 2003 p 13)

Para investigarmos este conjunto complexo de embates eacute preciso antes de tudo

compreender os sistemas de significaccedilatildeo para rastrear a emergecircncia dos atores e as suas

associaccedilotildees e relaccedilotildees que produzem e reproduzem as redes iliacutecitas do traacutefico de drogas

52

Primeiro eacute necessaacuterio compreender que sob o apanaacutegio ldquodrogasrdquo estatildeo amalgamadas

inuacutemeras substacircncias que pertencem a diferentes categorias que podem ser classificadas por

criteacuterios distintos ndash seja pela sua composiccedilatildeo quiacutemica ou pelos seus efeitos ndash e que cumprem

diferentes papeacuteis socioculturais Todavia o governo colocou sob o roacutetulo de narcoacuteticos todas

as substacircncias quiacutemicas psicoativas consideradas ilegais Portanto todas as atividades que

envolvem a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo da cocaiacutena (estimulante) da maconha

(alucinoacutegeno) e da heroiacutena (narcoacutetico) e de outras substacircncias estigmatizadas como iliacutecitas

foram classificadas como narcotraacutefico pelos EUA e pelos regimes internacionais sobre o

tema

Esta classificaccedilatildeo das diferentes drogas como narcoacuteticos28

segue criteacuterios poliacuteticos

para legitimar a famigerada ldquoguerra agraves drogasrdquo Deste modo o termo ldquonarcotraacuteficordquo ndash

inventado em 1981 pelo governo de Ronald Reagan ndash eacute produto do discurso e do imaginaacuterio

social estadunidense que nos induz a compreender um fenocircmeno complexo apenas em termos

de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de drogas iliacutecitas equivocadamente rotuladas de

ldquonarcoacuteticosrdquo destarte esta compreensatildeo natildeo engloba as drogas ldquosocialmente aceitasrdquo como

legais as fabricadas pelos conglomerados farmacecircuticos e todo o processo e atores que estatildeo

relacionados com o traacutefico de ldquodrogas iliacutecitasrdquo A terminologia ldquonarcotraacuteficordquo eacute uma categoria

homogecircnea que pertence a uma concepccedilatildeo uniacutessona aplicada para explicar fenocircmenos

heterogecircneos e plurais Portanto o termo ldquonarcotraacuteficordquo eacute adstrito ao discurso e produccedilatildeo

simboacutelica do imaginaacuterio coletivo norte-americano sobre as vaacuterias atividades e praacuteticas

relacionadas ao traacutefico de drogas iliacutecitas e ao seu mercado ilegal

Natildeo obstante apoacutes as devidas observaccedilotildees podemos compreender o narcotraacutefico

como um complexo industrial-mercadoloacutegico que compreende grupos e organizaccedilotildees

criminosas nacionais transnacionais ou internacionais que se articulam em redes complexas

para produzir distribuir comercializar e controlar as rotas e fluxos das drogas iliacutecitas

Todavia preferimos utilizar ldquotraacutefico de drogasrdquo enquanto instrumento conceitual ao inveacutes de

ldquonarcotraacuteficordquo pelas seguintes questotildees 1) o conceito de traacutefico de drogas abrange todas as

drogas consideradas iliacutecitas ndash alucinoacutegenas apaziguadoras estimulantes ndash e natildeo apenas as

narcoacuteticas (ESCOHOTADO 2002 RODRIGUEZ 2003) 2) o conceito natildeo se restringe

apenas agraves organizaccedilotildees e grupos criminosos procura abranger todos os niacuteveis e escalotildees do

28

Basicamente as substacircncias narcoacuteticas ldquotecircm propriedades analgeacutesicas e anesteacutesicas provocam sono e torpor e

podem criar haacutebito ou adiccedilatildeordquo (RODRIGUES 2003 p 19)

53

complexo industrial-mercadoloacutegico das drogas Existem atores que frequentemente natildeo

pertencem ao crime organizado e estatildeo envolvidos direta e indiretamente no processo por

exemplo o camponecircs que eacute aliciado por estas organizaccedilotildees para cultivar coca o policial

corrupto o agente de fiscalizaccedilatildeo da alfacircndega os militares que fazem operaccedilotildees de combate

agraves drogas entre outros

Para abarcar os inuacutemeros atores envolvidos no traacutefico de drogas Pierre Kopp (1997)

utiliza o conceito de ldquofilotildees do traacuteficordquo o qual estaacute divido em trecircs niacuteveis a produccedilatildeo o traacutefico

internacional e a distribuiccedilatildeo final Segundo o autor ldquoo filatildeo assemelha-se a um funil duplo a

montante e a jusante do qual se encontram centenas de milhares de agentes ocupados na

produccedilatildeo e na distribuiccedilatildeo enquanto no meio o traacutefico internacional se acha concentrado nas

matildeos de um nuacutemero restrito de agentesrdquo (KOPP 1997 p 92) Kopp com base nos estudos de

Michel Schiray enumera que dentro dos filotildees existem seis categorias de atores populaccedilotildees

de pequenos cultivadores (autocircnomos ou controlados por grupos criminosos) algumas

grandes organizaccedilotildees criminosas mais ou menos estruturadas multidotildees de pequenos

traficantes intermediaacuterios organizados em pequena escala e mais ou menos independente

inuacutemeros ofertadores especializados nos serviccedilos auxiliares agraves duas categorias anteriores uma

ampla gama de agentes puacuteblicos e privados corrompidos pelas trecircs categorias anteriores uma

imensidatildeo de revendedores finais autocircnomos ou controlados por organizaccedilotildees criminosas

O conceito de filotildees do traacutefico de Kopp abrange uma infinidade de agentes que estatildeo

envolvidos no traacutefico de drogas e este nuacutemero pode ser ainda maior se natildeo limitarmos o

traacutefico de drogas apenas aos trecircs niacuteveis descritos pelo autor como por exemplo se incluirmos

a lavagem de dinheiro e o proacuteprio consumo de drogas pois ambos fazem parte da dinacircmica do

traacutefico de drogas O conceito de traacutefico de drogas abrange agentes natildeo-estatais e estatais pois

as instituiccedilotildees estatais de combate agraves drogas tambeacutem fazem parte da sua dinacircmica O traacutefico

de drogas natildeo eacute algo externo agrave sociedade dos indiviacuteduos ao contraacuterio ele emerge nos

interstiacutecios do proacuteprio tecido social

Conforme Michael Mann (1991) a sociedade se organiza em relaccedilotildees sociais de poder

que podem conformar variedades de redes institucionalizadas de poder social envolvendo os

campos ideoloacutegico econocircmico militar e poliacutetico bem como relaccedilotildees intersticiais natildeo

institucionalizadas Entretanto natildeo satildeo todos os agentes que se submetem ao poder social

institucionalizado para estabelecer relaccedilotildees e realizar os seus objetivos Agrave margem dos canais

institucionalizados de poder acontece a ldquoemergecircncia intersticialrdquo de novos processos entre os

54

poros da interaccedilatildeo social das redes institucionalizadas Sendo assim os agentes sociais criam

formas alternativas de atingir os seus objetivos constituindo novas redes ou mesmo

subvertendo expandindo eou modificando as jaacute existentes configurando redes sociais de

poder que podem disputar com as redes institucionalizadas ou cooptaacute-las Por exemplo as

organizaccedilotildees criminosas de Medelliacuten e Cali nas deacutecadas de 1980-90 das FARC e do Sendero

Luminoso da deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais guardadas as suas especificidades emergiram

nos interstiacutecios da sociedade confrontando subvertendo eou cooptando redes

institucionalizadas de poder dos Estados colombiano e peruano para operarem

As redes criminosas emergem nos interstiacutecios da sociedade poreacutem natildeo atuam apenas

na margem mas no proacuteprio tecido da ordem poliacutetica juriacutedica e social para conseguir atingir

os seus objetivos ou seja auferir lucros e acumular riqueza O traacutefico de drogas eacute composto

por muacuteltiplos processos (produccedilatildeo processamento investimento comercializaccedilatildeo transporte

consumo lavagem de dinheiro entre outros) que compreendem inuacutemeros intervenientes

direta e indiretamente os quais configuram uma teia complexa e plural de relaccedilotildees e

associaccedilotildees (camponeses cultivadores produtores motoristas pilotos mulas sicaacuterios

financiadores traficantes de drogas armas e precursores quiacutemicos lavadores de dinheiro

forccedilas de seguranccedila poliacuteticos corruptos paramilitares guerrilheiros entre outros)

De acordo com Marcelo Fabiaacuten Sain (2003) o crime organizado se constitui como um

empreendimento de caraacuteter econocircmico e de poder Para o autor a criminalidade organizada se

conforma em uma empresa que

[] supotildee a colaboraccedilatildeo entre um conjunto de pessoas que compartilham e

perseguem determinados objetivos criminais e protagonizam uma seacuterie de crimes

graves por um periacuteodo de tempo prolongado e indefinido usando alguma forma de

disciplina e controle interno assim como tambeacutem uma metodologia operativa em

que combinam em diferente medida certas formas de violecircncia e intimidaccedilatildeo com

modalidades diferentes de exerciacutecios de influecircncia sobre a poliacutetica a imprensa a

administraccedilatildeo puacuteblica e as autoridades judiciais e econocircmicas tudo em busca de

obter lucro eou poder (SAIN 2003 p 196-197 traduccedilatildeo nossa)

Em um estudo pioneiro sobre o traacutefico de drogas Luis F Sarmiento e Ciro

Krauthausen (1991) identificaram que os grupos narcotraficantes colombianos funcionavam

como empresas que para obterem lucro natildeo restringiam as suas atividades apenas ao

mercado ilegal da cocaiacutena mas tambeacutem investiam em setores rentaacuteveis da economia legal De

acordo com os autores ldquosatildeo as expectativas de mercado e as leis econocircmicas bem como os

meacutetodos para escapar dos controles do governo que determinam a ordem e a dinacircmica do

mercado ilegal de cocaiacutenardquo (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 222 traduccedilatildeo nossa)

55

Sarmiento e Krauthausen ao pesquisarem o mercado ilegal das drogas

problematizaram o ldquoconceitordquo de ldquocartelrdquo como instrumento de anaacutelise e a sua aplicabilidade

para compreender os grupos narcotraficantes colombianos Segundo o economista Paulo

Sandroni (1999) ldquocartelrdquo pode ser compreendido como

Grupo de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuaccedilatildeo

coordenada com vistas a interesses comuns O tipo mais frequumlente de cartel eacute o de

empresas que produzem artigos semelhantes de forma a constituir um monopoacutelio de

mercado [] Os objetivos mais comuns dos carteacuteis satildeo 1) controle do niacutevel de

produccedilatildeo e das condiccedilotildees de venda 2) fixaccedilatildeo e controle de preccedilos 3) controle das

fontes de mateacuteria-prima (cartel de compradores) 4) fixaccedilatildeo de margens de lucros e

divisatildeo de territoacuterios de operaccedilatildeo As empresas que formam um cartel mantecircm sua

independecircncia e individualidade mas devem respeitar as regras aceitas pelo grupo

como a divisatildeo do mercado e a manutenccedilatildeo dos preccedilos combinados (SANDRONI

1999 p 84)

Os ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali natildeo fizeram acordos mercadoloacutegicos para equipararem

preccedilos ou qualquer outro pacto desta natureza Os dois grupos se reuniram em alguns

momentos especiacuteficos mas sem pretensotildees de formar um ldquocartelrdquo como foi o caso da

formaccedilatildeo do MAS (movimento Muerte a Secuestradores) que tinha o objetivo de criar um

grupo armado financiado pelos capos de Medelliacuten e Cali para conter os sequestros praticados

pelo M-19 contra os seus familiares No entanto dissolveram o grupo logo que cessaram os

sequestros

De acordo com os autores o conceito de ldquocartelrdquo eacute reducionista e natildeo compreende a

dinacircmica do traacutefico de drogas trata-se mais de uma invenccedilatildeo por parte das autoridades

estadunidenses para se referirem agraves organizaccedilotildees que atuavam de forma unitaacuteria no traacutefico de

cocaiacutena do que para explicar a operacionalidade destes grupos Para substituir a ideia de

ldquocartelrdquo Sarmiento e Krauthausen dividem as organizaccedilotildees narcotraficantes e suas atividades

em dois setores Oligopolista e Competitivo O primeiro eacute composto por um seleto grupo de

traficantes de cocaiacutena que transformam a pasta base em cocaiacutena para exportaccedilatildeo e ficam com

a fatia mais lucrativa enquanto o segundo abrange

[] os extremos da cadeia da cocaiacutena de um lado se encontram os cultivadores

camponeses em sua maioria independente e os pequenos coletores e comerciantes

de pasta base Do outro lado se encontram situados os pequenos distribuidores e

vendedores de rua de cocaiacutena (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 30

traduccedilatildeo nossa)

Aleacutem destas diferenccedilas entre os dois setores apontados pelos autores haacute outro que

demarca bem a diferenccedila entre eles a mobilizaccedilatildeo de recursos O setor do oligopoacutelio ao

contraacuterio do competitivo tem poucos rivais e concorrentes devido ao grande volume de

56

recursos29

que precisa mobilizar para se manter funcionando principalmente os recursos

econocircmicos ndash para investir no negoacutecio ilegal e sustentar a sua estrutura abastecer o mercado

da cocaiacutena e corromper e subornar as forccedilas de seguranccedila e os poderes judiciaacuterios e poliacuteticos

ndash e os recursos da violecircncia ndash para intimidar extorquir se defender de possiacuteveis grupos rivais

e das forccedilas de coerccedilatildeo estatal e expandir e controlar os seus negoacutecios ndash ou seja natildeo satildeo

todos que possuem estes recursos e os que vierem a possuiacute-los precisaratildeo de cada vez mais

recursos para continuar existindo Contudo o setor competitivo eacute marcado por grande

concorrecircncia e disputa entre inuacutemeros e diferentes atores menores que natildeo detecircm os recursos

financeiros e coercitivos para poder se conservar dentro do circuito produtivo e comercial do

mercado ilegal o que faz deste setor mais violento do que o primeiro (SARMIENTO

KRAUTHAUSEN 1991 RODRIGUES 2003)

A emergecircncia intersticial de organizaccedilotildees sociais natildeo institucionalizadas abre espaccedilos

tambeacutem para o surgimento de redes de traacutefico de drogas e para que organizaccedilotildees criminosas

transterritoriais se articulem constituindo uma ldquointegraccedilatildeo paralelardquo (OLIVEIRA 2006) De

acordo com Fernando Oliveira

A accedilatildeo transnacional das redes narcotraficantes e a cooperaccedilatildeo com outras

organizaccedilotildees criminosas colaboram para formar a chamada integraccedilatildeo paralela na

Amazocircnia Continental A integraccedilatildeo paralela eacute a situaccedilatildeo onde negoacutecios iliacutecitos

sustentam de forma consistente e duradoura a circulaccedilatildeo de bens pessoas e financcedilas

atraveacutes de fronteiras nacionais (OLIVEIRA 2006 p 1)

A integraccedilatildeo paralela andino-amazocircnica ocorre simultaneamente ao processo de

integraccedilatildeo institucional da CAN articulando organizaccedilotildees criminosas relacionadas com as

atividades iliacutecitas transnacionais e transcontinentais As drogas figuram entre as principais

destas atividades Nathan Moram (2008) ao analisar as atividades do traacutefico de drogas tratou

de diferentes conexotildees entre grupos narcotraficantes que satildeo processos de integraccedilatildeo paralela

transcontinental do traacutefico de drogas O autor descreve que os grupos de traacutefico de drogas da

Colocircmbia desenvolveram laccedilos com os mexicanos agrave medida que desenvolviam relaccedilotildees com a

maacutefia siciliana e outras organizaccedilotildees criminosas internacionais na Europa Eles tambeacutem

comeccedilaram a estabelecer contatos na Europa Oriental e na Comunidade de Estados

Independentes (CEI) posteriormente na Aacutefrica30

e mais recentemente na Aacutesia sobretudo com

os chineses Ocasionalmente fazem trocas de cocaiacutena por heroiacutena aleacutem de fazerem acordos

29

Thiago Rodrigues (2003) a partir de Sarmiento e Krauthausen sintetiza em quatro os principais recursos

necessaacuterios para sobrevivecircncia de uma empresa do mercado ilegal das drogas a) recursos financeiros b)

recursos coercitivos c) recurso a serviccedilos fundamentais e d) recursos para evitar a repressatildeo 30

Conferir os Mapas 3 e 4 da seccedilatildeo anexos

57

com teacutecnicos e especialistas asiaacuteticos em agricultura para estudar a viabilidade do cultivo de

papoula nas montanhas andinas Conforme o autor o oacutepio heroiacutena cocaiacutena e metanfetamina

satildeo as principais drogas comercializadas no mercado iliacutecito internacional e cada uma delas

implica o envolvimento de diferentes atores

Na Colocircmbia por exemplo existem inuacutemeros atores envolvidos com o traacutefico de

drogas Depois do desmantelamento dos ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali na primeira metade dos

anos 1990 emergiram inuacutemeros novos atores com a fragmentaccedilatildeo da induacutestria ilegal das

drogas Em meados dos anos 1990 as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia ndash

Exeacutercito do Povo (FARC-EP ou FARC) ndash iniciaram as suas atividades no traacutefico de drogas

para suprir a perda de recursos financeiros apoacutes o colapso sovieacutetico e conseguir recursos

econocircmicos para financiar as suas atividades Anteriormente elas atuavam na proteccedilatildeo dos

cultivos de coca e depois passaram a controlar estas plantaccedilotildees aleacutem de controlarem parte das

rotas de traacutefico em Narintildeo Putumayo e Puerto Tumaco com as Frentes 16 e 48 O Exeacutercito

de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) eacute uma das guerrilhas mais antigas da Colocircmbia ao lado das

FARC e soacute comeccedilou a se articular com as redes do traacutefico de drogas no comeccedilo dos anos

2000 tendo aliado-se com Los Rastrojos no governo de Uribe As Autodefensas Unidas de

Colombia (AUC)31

foram criadas em 1996 e o seu nascimento coincidiu com a dissoluccedilatildeo dos

oligopoacutelios da cocaiacutena o que possibilitou que a organizaccedilatildeo ficasse com parte da produccedilatildeo de

drogas As AUC chegaram a contar com cerca de 30000 integrantes e a sua principal fonte

provedora eacute o traacutefico de drogas Entre os anos de 2003 e 2006 durante o mandato do

presidente Aacutelvaro Uribe comeccedilaram os diaacutelogos de acordo para desmobilizaccedilatildeo dos blocos

paramilitares da AUC Contudo natildeo foram todos os blocos que se desmobilizaram dando

origem agraves Bandas Criminales Emergentes (BACRIM) que se fragmentou numa infinidade de

grupos criminosos Los Rastrojos Los Urabentildeos Las Aacuteguilas Negras Los Machos Los

Paisas Exeacutercito Revolucionaacuterio Popular Anticomunista da Colocircmbia (ERPAC) Oficina de

Envigado (formado por ex-sicarios de Pablo Escobar tendo ganhado forccedila com a

desmobilizaccedilatildeo) entre inuacutemeros outros

Traacutefico de Drogas ldquonova ameaccedilardquo agrave seguranccedila

31

As AUC nasceram da Federaccedilatildeo de Grupos de Autodefesas que foi criada pelas Autodefesas Camponesas de

Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) estes grupos pertencem agrave segunda geraccedilatildeo de paramilitares que nasceram com os

PEPES (Perseguidos por Pablo Escobar) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpesinsightcrimeorgnoticias-sobre-

crimen-organizado-en-colombiaauc-perfilgt Acesso em 11 mar 2015

58

No novo contexto mundial dos anos 1990 analistas de seguranccedila e poliacuteticos ocidentais

colocaram em primeiro plano variados temas e problemas que passaram a representar

ldquoameaccedilasrdquo aos Estados contemporacircneos e agrave medida que tais questotildees ultrapassavam as

fronteiras territoriais e aumentavam de escala eram percebidas como ldquoameaccedilasrdquo agrave

estabilidade regional e internacional foram inseridas na insiacutegnia de ldquonovas ameaccedilasrdquo De

acordo com Ernesto Loacutepez (2003) muitas das chamadas ldquonovas ameaccedilasrdquo natildeo eram novas em

sua ldquonatureza intriacutensecardquo mas foram apresentadas como ldquonovidaderdquo a partir de uma mudanccedila

no contexto internacional Eram problemas que jaacute existiam no passado e natildeo eram tidos como

ameaccedila aos Estados e que foram considerados como tal no presente

As ldquonovas ameaccedilasrdquo estariam em oposiccedilatildeo agraves ldquoameaccedilas tradicionaisrdquo que emanam dos

Estados Desta forma todo o tema que for considerado ameaccedilador e natildeo tiver um Estado

como origem passa a ser definido como uma ldquoameaccedila natildeo tradicionalrdquo e portanto satildeo

consideradas pertencentes a quatro setores da seguranccedila seguranccedila poliacutetica ndash o terrorismo e

conflitos eacutetnicos ndash econocircmica ndash traacutefico de drogas e crime organizado transnacional ndash societal

ndash pobreza e os fluxos de refugiados irregulares ndash e ambiental ndash cataacutestrofes naturais O

conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo ao contraacuterio do que sustenta ainda permanece estadocecircntrico

ou seja ainda estaacute associado agrave soberania pois eacute a ela que as ldquoameaccedilas emergentesrdquo ameaccedilam

em uacuteltima instacircncia

Na Ameacuterica Latina segundo Mathias (2007) podemos destacar sete temas principais

que estatildeo sob o roacutetulo de ldquonovas ameaccedilasrdquo traacutefico de drogas traacutefico de armas degradaccedilatildeo do

meio-ambiente migraccedilotildees internacionais direitos humanos crime organizado e terrorismo

Estes temas agora incorporados nas agendas de seguranccedila colocaram novas problemaacuteticas

sobre como os Estados os percebem e como devem ser tratados

De acordo com Heacutector Luis Saint-Pierre ldquoa ameaccedila eacute essencialmente diferente do que

ela manifesta natildeo eacute ela que provoca o temor mas quem o anunciardquo (SAINT-PIERRE 2003

p 25 grifos do autor) A ameaccedila eacute relacional ela surge na relaccedilatildeo do ameaccedilado com o

ameaccedilador e se constitui sempre na e para uma percepccedilatildeo portanto ldquoa ameaccedila eacute uma

representaccedilatildeo um sinal uma certa disposiccedilatildeo gesto ou manifestaccedilatildeo percebida como

anuacutencio de uma situaccedilatildeo natildeo desejada ou de risco para a existecircncia de quem perceberdquo

(SAINT-PIERRE 2003 p 26 grifos do autor) Ao seguirmos os passos de Saint-Pierre

podemos considerar que as ldquonovas ameaccedilasrdquo em si mesmas natildeo se constituem como um

perigo pois o perigo estaacute fora de noacutes e a ameaccedila ao contraacuterio se constitui em noacutes ela existe

59

no sujeito ameaccedilado que pertence a uma dada sociedade e estaacute inserido em um determinado

tempo e espaccedilo As percepccedilotildees de ameaccedilas natildeo estatildeo mais presas agraves disputas e confrontos

interestatais tradicionais foram redirecionadas para fatores transnacionais cujos agentes natildeo

estatais tecircm proeminecircncia O conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo daacute margem para obscurecer a

distinccedilatildeo entre seguranccedila puacuteblica e seguranccedila internacional entre os papeacuteis da poliacutecia e das

forccedilas armadas

Com efeito foram implementadas estrateacutegias para combater controlar ou mitigar as

ldquonovas ameaccedilasrdquo que incidiram sobre os Estados do mundo todo do mesmo modo que

impulsionaram a emergecircncia de novos atores e dinacircmicas internacionais com variadas

implicaccedilotildees obrigando o uso de todos os meios por parte do Estado para defrontaacute-los O

traacutefico de drogas eacute um exemplo disto Loacutepez salienta que ldquonatildeo eacute incomum que o roacutetulo de

lsquonovas ameaccedilasrsquo seja utilizado com fins espuacuterios Natildeo satildeo poucos os que procuram com seu

auxiacutelio militarizar funccedilotildees de seguranccedila natildeo militares (ou natildeo militarizaacuteveis)rdquo (LOacutePEZ

2003 p 62) Neste sentido sobre o traacutefico de drogas Mathias adverte que ldquoa insistecircncia da

metroacutepole em tratar o tema como ameaccedila que exige tratamento militar e a aceitaccedilatildeo desta

definiccedilatildeo por parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina representa a subordinaccedilatildeo estrateacutegica destes

agravequelardquo (MATHIAS 2007 p88)

Desde a Guerra Fria os EUA exercem uma destacada influecircncia sobre o pensamento

estrateacutegico na regiatildeo andina No decurso do conflito bipolar tudo aquilo que era percebido

como ldquoameaccedilardquo por este paiacutes consequentemente acabou por ser percebido como ldquoameaccedilardquo

para o resto do continente americano quando na realidade o grau de ameaccedila para cada paiacutes

tinha um peso diferente como foi o caso do comunismo Este processo ocorreu de modo

semelhante no contexto poacutes-Guerra Fria Quando o pensamento estrateacutegico identificou ldquonovas

ameaccedilasrdquo ou ldquoameaccedilas emergentesrdquo os paiacuteses da regiatildeo andina imediatamente assimilaram o

discurso norte-americano sem a ponderaccedilatildeo necessaacuteria para avaliar o peso de tais ameaccedilas e

os problemas que daiacute poderiam advir O exemplo mais notaacutevel eacute a ldquoguerra agraves drogasrdquo O

ldquonarcotraacuteficordquo convertido em ldquoameaccedilardquo agrave seguranccedila foi utilizado como justificaccedilatildeo para

intervir unilateralmente nas poliacuteticas domeacutesticas dos paiacuteses andinos subordinando-as agrave loacutegica

hemisfeacuterica dentro da concepccedilatildeo de ldquomultidimensionalidaderdquo da seguranccedila a qual tambeacutem eacute

um instrumento de subordinaccedilatildeo estrateacutegica

60

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes

A intensificaccedilatildeo do proibicionismo e da luta antidrogas em escola global

A Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes assinada em 30 de marccedilo de 1961 em Nova

York32

contribuiu de modo significativo para revigorar a internacionalizaccedilatildeo do controle

sobre as drogas33

Essa convenccedilatildeo revogou todos os tradados acordos e convenccedilotildees

multilaterais anteriores para a criaccedilatildeo de uma convenccedilatildeo que unificasse estes dispositivos por

meio de um instrumento cujo objetivo principal era restringir a produccedilatildeo distribuiccedilatildeo posse

uso e comeacutercio de drogas entorpecentes unicamente para fins meacutedicos e cientiacuteficos aleacutem de

estabelecer uma cooperaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo internacional permanente para a sua consecuccedilatildeo

(UNITED NATIONS 1972) A prerrogativa legal de fiscalizaccedilatildeo internacional de

entorpecentes ficou sob a responsabilidade da ONU ndash conforme o Artigo 5 da convenccedilatildeo ndash

que contaria com o apoio de todos os paiacuteses membros Os oacutergatildeos internacionais de controle

criados anteriormente foram diluiacutedos e em seus lugares ficaram apenas dois organismo das

Naccedilotildees Unidas responsaacuteveis pela fiscalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo o Escritoacuterio das Naccedilotildees Unidas

sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime ndash UNODC) e a Junta

Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes (JIFE)

Segundo Bellen Boville (2004) a unificaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo de ordenamentos legais

e estrateacutegias de controle de drogas com efeito universalizaram uma sucessatildeo de

incongruecircncias ldquocientiacuteficas semacircnticas farmacoloacutegicas e legaisrdquo que geraram uma confusatildeo

generalizada de terminologias e conceitos no que concerne agraves drogas naturais e sinteacuteticas

bem como questotildees subjetivas acerca de haacutebitos e viacutecios de drogas Essas listas taxionocircmicas

demonstraram ser imprecisas ao definir os conceitos de ldquodroga narcoacutetico entorpecentes

psicotroacutepicos e viacuteciordquo mas natildeo eram desprovidas de sentido poliacutetico e econocircmico

A emergecircncia do discurso proibicionista de combate ao traacutefico de drogas iliacutecitas se

apresenta como um novo pretexto para conservar a subalternidade da Ameacuterica Latina e de

32

O protocolo modificador da Convenccedilatildeo cujo objetivo era ampliaacute-la e aperfeiccediloaacute-la foi assinado em Genebra

em 25 de marccedilo de 1972 33

O primeiro pais andino a promulgar leis especiais sobre drogas em resposta agraves propostas da Convenccedilatildeo Uacutenica

foi o Equador em 1970 com a instituiccedilatildeo da lei nordm 366 de Controle e Fiscalizaccedilatildeo do Traacutefico de

Estupefacientes e Substacircncias Psicotroacutepicas o Peru foi o segundo paiacutes andino em 1972 com a promulgaccedilatildeo

da lei nordm 19505 a Boliacutevia veio em seguida com o decreto nordm 11245 a Lei Nacional de Controle de

Substacircncias Perigosas depois veio a Colocircmbia com a aprovaccedilatildeo da Lei Sobre Entorpecentes no ano de 1974

(DEL OLMO 1990 p 44)

61

outros paiacuteses subdesenvolvidos do hemisfeacuterio sul e submetecirc-los agrave loacutegica poliacutetica econocircmica e

militar das grandes potecircncias mundiais principalmente dos Estados Unidos A Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes pretendeu criar um controle rigoroso sobre as drogas de origem

natural e a mateacuteria prima de vaacuterias outras drogas consideradas iliacutecitas o que incluiu a folha de

coca A pressatildeo para inclusatildeo da folha de coca na lista de restriccedilotildees ganhou forccedila apoacutes as

investigaccedilotildees da CND - Commission on Narcotic Drugs - na Boliacutevia e no Peru sobre a folha

de coca e a sua mastigaccedilatildeo bem como estudos sobre a limitaccedilatildeo da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de

cocaiacutena

No que tange agrave erradicaccedilatildeo da coca o item 2 do Artigo 26 da convenccedilatildeo prevecirc ldquoNa

medida do possiacutevel as Partes seratildeo obrigadas a arrancar as raiacutezes de todos os arbustos de coca

que crescem em estado silvestre e destruiratildeo os cultivados ilicitamenterdquo (UNITED

NATIONS 1972 p 14 traduccedilatildeo nossa) A letra ldquoerdquo do item 2 do Artigo 49 determina que ldquoa

mastigaccedilatildeo da folha de coca ficaraacute proibida dentro dos 25 anos seguintes a partir da entrada

em vigor da presente convenccedilatildeordquo (UNITED NATIONS 1972 p 24 traduccedilatildeo nossa) Para

Boville (2004)

Previsivelmente esses objetivos seriamente prejudicados a mentalidade

etnocecircntrica do tempo e a metodologia natildeo-cientiacutefica resultaram em um Relatoacuterio

que requeria a obliteraccedilatildeo completa das colheitas de folha de coca ateacute mesmo para o

consumidor tradicional que natildeo estava produzindo cocaiacutena As conclusotildees do estudo

foram adotadas pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) Suas decisotildees de 1952

e 1953 bem como as do Comitecirc de Peritos em Dependecircncia de Drogas foram

contra a folha de coca porque era lsquoviciantersquo Pouco tempo depois a Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes (1961) destacou a folha de coca tradicional como um

produto a ser erradicado dentro de 25 anos comeccedilando em 1964 Este eacute um

paradoxo pois a mesma Convenccedilatildeo abriu uma exceccedilatildeo para usos industriais de coca

sem cocaiacutena como o condimento na Coca-Cola atribuindo assim o uso legal e um

monopoacutelio mundial da folha de coca para a empresa multinacional dos Estados

Unidos atraveacutes do artigo 27 (BOVILLE 2004 p28 traduccedilatildeo nossa)

A proibiccedilatildeo da coca e sua erradicaccedilatildeo fizeram emergir a divergecircncia entre os Estados

Unidos e os paiacuteses andinos especialmente Boliacutevia e Peru O informe elaborado pela

Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

(ECOSOC) concluiu que a mastigaccedilatildeo de coca provocava efeitos negativos mas natildeo tinham

certeza de que poderia ser considerada uma toxicomania no entanto o Comitecirc de

Especialistas em Farmacodependecircncia da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) ldquoretirou este

argumento e classificou o consumo de coca como uma forma de cocainismordquo

(TRANSNATIONAL INSTITUTE 2011 traduccedilatildeo nossa) O informe da ECOSOC sofreu

criacuteticas severas sobre a sua arbitrariedade falhas na metodologia e imprecisatildeo mas

principalmente pelo seu caraacuteter racista O etnocentrismo ocidentalista conforme destacado

62

anteriormente por Belen Boville natildeo reconhecia os costumes e haacutebitos de culturas e

sociedades tradicionais dos Andes

A proibiccedilatildeo da mastigaccedilatildeo e cultivo da folha de coca fez com que Boliacutevia e Peru

rejeitassem os artigos que previam estas sanccedilotildees O primeiro paiacutes34

natildeo assinou de imediato a

convenccedilatildeo de 1961 e o segundo assinou no mesmo ano com ressalva aos artigos sobre a coca

mas soacute ratificou em 22 de julho de 1964 quando o governo peruano retirou a restriccedilatildeo

aderindo completamente agrave convenccedilatildeo (UNITED NATIONS 1961 UNITED NATIONS

1972) O governo boliviano de Victor Paz Estenssoro (1960-1964) inicialmente natildeo fez

comentaacuterios adicionais sobre os artigos os quais estabeleciam a erradicaccedilatildeo dos cultivos e

consumos de coca em vinte e cinco anos pois acreditava que o acullico35

era um ldquoatraso

culturalrdquo e com avanccedilo da modernizaccedilatildeo seria extinto Apesar de natildeo haver aderido agrave referida

convenccedilatildeo o presidente Entenssoro assinou com os EUA o Primeiro Convecircnio Antidrogas

entre os dois paiacuteses ldquopelo qual a Boliacutevia se comprometia a erradicar os cultivos excedentes de

folha de coca assentados tanto na regiatildeo dos Yungas de La Paz como na regiatildeo do Chapare

Tropical em Cochabambardquo (ZAMORA 1999 p 121) A Boliacutevia terminou o seu processo de

adesatildeo agrave Convenccedilatildeo Uacutenica a qual tipificava a folha de coca como droga iliacutecita em 13 de

junho de 1979 com a assinatura do Decreto Lei 16562 no governo do presidente Gen David

Padilla sob pressatildeo internacional que exigia normas nacionais mais riacutegidas contra as drogas

(LASERNA 2011)

Os anos 1960 representavam o comeccedilo de uma escalada do consumo de drogas e o

traacutefico emerge como empresa transgressora da lei Nos EUA em meados desta deacutecada ateacute os

anos de 1990 o consumo de drogas como heroiacutena cocaiacutena maconha LSD e crack se

massificou (DEL OLMO 1990) Segundo Thiago Rodrigues (2003) as substacircncias

psicoativas mais usadas nos anos 1960 eram a mescalina o LSD e a maconha esta uacuteltima

considerada droga-siacutembolo do movimento de transformaccedilatildeo cultural que ficou conhecido

como contracultura (dentro desta nomenclatura eram agrupados movimentos como o power

flower e o hippie) A disseminaccedilatildeo do uso de drogas na sociedade estadunidense era vista com

perplexidade aleacutem da sua extensatildeo o consumo natildeo era exclusivo dos guetos urbanos e nem

dos negros e ldquolatinosrdquo dos pobres e delinquentes mas tambeacutem eram consumidores jovens

34

A Boliacutevia assinou a Convenccedilatildeo sobre Substacircncias Psicotroacutepicas de Viena em 1971 e a ratificou em 20 de

marccedilo de 1985 (UNITED NATIONS 1971) 35

A palavra acullico (tambeacutem conhecida como acuyico acusi pjcheo ou mascada) deriva da liacutengua queacutechua

akullikui que significa a accedilatildeo de mascar a bola feita de folha de coca com intuito de reduzir os efeitos

provocados pela falta de oxigecircnio em grandes altitudes e tambeacutem atenuar a sede e a fome

63

brancos das camadas meacutedias da sociedade norte-americana Este periacuteodo marcado pela

ldquocontestaccedilatildeo dos padrotildees moraisrdquo impulsionada pela contracultura levou a uma reformulaccedilatildeo

das leis de drogas e do instrumento repressivo estatal no paiacutes36

(RODRIGUES 2003 p 40)

As pressotildees poliacuteticas sobre o problema das drogas ainda estavam atreladas agrave moral

meacutedico-religiosa representada pela luta entre o ldquobemrdquo e o ldquomalrdquo entre ldquosauacutederdquo e ldquodoenccedilardquo

Esta ldquodemonizaccedilatildeordquo das substacircncias psicoativas se arrasta desde o iniacutecio do movimento

proibicionista na primeira metade do seacuteculo XX O discurso juriacutedico sobre drogas que

ganhou forccedila nos anos de 1950 com a Lei Boggs e a Lei de Controle de Narcoacuteticos37

colaboraram para a construccedilatildeo de estereoacutetipos criminoloacutegicos racistas principalmente em

relaccedilatildeo ao pequeno traficante o revendedor de rua que seria identificado ldquodelinquenterdquo e

ldquocorruptorrdquo da juventude de ldquoboa famiacuteliardquo esta por sua vez seria tratada como ldquodoenterdquo e

viacutetima

[] Este indiviacuteduo geralmente provinha dos guetos razatildeo pela qual era faacutecil

qualificaacute-lo de lsquodelinquentersquo O consumidor em troca como era de condiccedilatildeo social

distinta seria qualificado de lsquodoentersquo graccedilas agrave difusatildeo do estereoacutetipo da

dependecircncia de acordo com o discurso meacutedico que apresentava o jaacute bem

consolidado modelo meacutedico-sanitaacuterio

Deste modo pode-se afirmar que na deacutecada de sessenta se observa um duplo

discurso sobre a droga que pode ser chamado de discurso meacutedico-juriacutedico por

tratar-se de um hiacutebrido dos modelos predominantes (o modelo meacutedico-sanitaacuterio e o

modelo eacutetico-juriacutedico) o qual serviria para estabelecer a ideologia da diferenciaccedilatildeo

tatildeo necessaacuteria para poder distinguir entre consumidor e traficante Quer dizer

entre doente e delinquente (DEL OLMO 1990 p 34 grifos da autora)

As campanhas de ldquolei e ordemrdquo foram ressaltadas no final da deacutecada de 1960 agraves

veacutesperas das eleiccedilotildees presidenciais quando diversas accedilotildees antidrogas foram empreendidas

como a criaccedilatildeo de novos escritoacuterios governamentais de controle de entorpecentes sendo o de

maior destaque o Bureau of Narcotics and Dangerous Drug (BNDD) que fazia parte do

36

De acordo com Thiago Rodrigues (2003) ldquoA eacutepoca das reformas no aparato repressivo estatal comeccedilou com a

criaccedilatildeo do Bureau of Drug Abuse Control (Escritoacuterio para Controle do Abuso de Drogas) em 1966 e que dois

anos depois foi fundido ao antigo FBN (Federal Bureau of Narctics) criando o Bureau of Narcotics and

Dangerous Drug (BNDD) ndash Escritoacuterio sobre Narcoacuteticos e Drogas Perigosas A agecircncia que chegou a contar

com cerca de 1300 funcionaacuterios representou um aumento na centralizaccedilatildeo das iniciativas de aplicaccedilatildeo das leis

antidrogas nos EUA e a permanecircncia da praacutetica de se construir alvo do proibicionismo por meio da aglutinaccedilatildeo

um tanto arbitraacuteria das substacircncias psicoativas ilegais em classificaccedilotildees geneacutericas e pouco precisas como

atesta o tendencioso nome atribuiacutedo ao escritoacuteriordquo (RODRIGUES 2003 p 40-41) 37

Nos EUA durante a deacutecada de 1950 foram aprovadas duas leis que imprimiram maior rigidez agrave luta

antidrogas em 1951 o Boggs Act e em 1956 o Narcotics Control Act Ambas aumentaram as sanccedilotildees para

traficantes que variavam de cinco a noventa e nove anos e pena de morte para traficantes que vendessem

entorpecentes para menores de idade A maconha passou a ser considerada tatildeo perigosa quanto a heroiacutena pois

a primeira seria porta de entrada para a segunda Os redatores e defensores da Lei Boggs defenderam a tese do

ldquostepping-stonerdquo ou seja uma droga mais fraca seria um degrau ou um trampolim para uma droga mais pesada

(SCHAFFER LIBRARY OF DRUG POLICY [20--])

64

Departamento de justiccedila A busca irrefreaacutevel para impor a todo custo a ldquolei e a ordemrdquo

corroborou para a construccedilatildeo do estereoacutetipo criminoloacutegico do traficante e a criminalizaccedilatildeo

das drogas Com a eleiccedilatildeo do presidente Richard M Nixon (1969-1974) as drogas se

transformariam em inimigo interno momento este em que ocorre a transiccedilatildeo do discurso

meacutedico-juriacutedico38

para o discurso securitaacuterio

O limiar da famigerada War on Drugs (guerra agraves drogas) aconteceu nas eleiccedilotildees dos

presidenciaacuteveis norte-americanos em 1968 quando a campanha de Nixon acentuou a

necessidade de restaurar a ldquolaw and orderrdquo nos EUA que incluiacutea a repressatildeo aos narcoacuteticos

A retoacuterica antidroga de Richard Nixon ficou marcada em um discurso proferido no mesmo

ano em Anaheim Califoacuternia o qual abordou de forma comovente e inexoraacutevel as drogas

ilegais como ldquouma maldiccedilatildeo moderna da juventude americanardquo e prometeu ldquotomar medidas

executivas necessaacuterias para tornar as nossas fronteiras mais seguras contra a pestilecircncia dos

narcoacuteticosrdquo (CARPENTER 2003 p 11 traduccedilatildeo nossa)

O combate agraves drogas na Ameacuterica Latina ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo

Nixon No mesmo ano de sua posse foi colocado em curso a Operation Intercept em 21 de

setembro de 1969 que consistia numa accedilatildeo de vigilacircncia ao longo da fronteira entre EUA e

Meacutexico com objetivo de impedir entrada de ldquodrogas perigosasrdquo (principalmente a heroiacutena e a

maconha esta uacuteltima com maior ecircnfase) em territoacuterios norte-americanos aleacutem disso foi uma

forma encontrada pelo governo estadunidense para pressionar o presidente mexicano Gustavo

Diaz Ordaz a realizar operaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ndash principalmente no que tange agrave monitoraccedilatildeo

de campos de maconha e papoula em territoacuterios mexicanos realizada por agentes

estadunidenses ndash e a aderir agrave poliacutetica de luta contra as drogas dos EUA Com a Operation

Intercept a administraccedilatildeo norte-americana acreditava que reduziria o volume de narcoacuteticos

contrabandeados para os EUA conforme afirmaram o secretaacuterio do tesouro David M

Kennedy e o procurador-geral John N Mitchell ndash ambos faziam parte do comando da Forccedila-

Tarefa presidencial contra as drogas ndash a supressatildeo do fluxo de maconha advinda do Meacutexico

que representaria segundo eles oitenta por cento da maconha fumada nos EUA conseguiria

reduzir expressivamente o uso desta substacircncia (BRECHER et al 1972)

Todavia a crenccedila oficial na vitoacuteria contra as drogas caiu por terra A interceptaccedilatildeo dos

fluxos de maconha e sua erradicaccedilatildeo no Meacutexico ocasionaram uma escassez temporaacuteria desta

38

O discurso meacutedico-juriacutedico influenciou inuacutemeras legislaccedilotildees nacionais nesse contexto na Colocircmbia por

exemplo foi sancionado o decreto 1136 em 1970 ldquopelo qual se dispotildee como medida de proteccedilatildeo social lsquoa

reclusatildeo cliacutenica da pessoa que perturbe a paz puacuteblica quando se achar em estado de intoxicaccedilatildeorsquordquo (DEL

OLMO 1990 p 37)

65

substacircncia o que levou agrave procura da maconha vietnamita que era altamente potente Grandes

quantidades foram transportadas por militares norte-americanos que retornavam da guerra do

Vietnatilde e o nuacutemero de plantaccedilotildees clandestinas de cannabis apresentou crescimento Outro

efeito adverso dessa operaccedilatildeo foi a importaccedilatildeo em larga escala de haxixe advindo do norte da

Aacutefrica e do Oriente Meacutedio Aleacutem disso conforme salienta Del Olmo

Esta operaccedilatildeo sem duacutevida resultou num fracasso natildeo soacute porque abriu caminho para

a produccedilatildeo de maconha na Jamaica e posteriormente na Colocircmbia mas tambeacutem

porque levou milhares de dependentes dentro dos Estados Unidos a consumirem

outras drogas em especial a heroiacutena criando assim a chamada lsquoepidemia da

heroiacutenarsquo no final da deacutecada e sobretudo no iniacutecio dos anos setenta (DEL OLMO

1990 p 36)

Mesmo com o fracasso da Operation Intercept nos anos de 1970 o presidente

Richard Nixon fortificou a sua campanha de combate agraves drogas No comeccedilo da deacutecada o

congresso estadunidense aprovou o Drug Abuse Prevention and Control Act o qual aleacutem de

indicar o tratamento e a medicalizaccedilatildeo do usuaacuterio transladou para a esfera domeacutestica as

resoluccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 cuja seccedilatildeo segunda estabelecia o poder de regulaccedilatildeo

do comeacutercio interestadual ao Congresso e aplicava uma hierarquizaccedilatildeo das drogas conforme a

sua periculosidade nos mesmos moldes das Naccedilotildees Unidas

Dessa maneira tal seccedilatildeo conhecida como Controlled Substances Act (CSA)

hierarquizava as drogas segundo seu potencial para promoccedilatildeo de dependecircncia fiacutesica

e psiacutequica entendendo que sendo lsquoevidente que o uso (dessas substacircncias) cria o

prejuiacutezo agrave sauacutede ou agrave seguranccedila da comunidade (era preciso impedir) a proliferaccedilatildeo

dos canais de venda de drogas bem como o consumo de drogas sem conselho

meacutedicorsquo (RODRIGUES 2004 pp 78-79)

A intensificaccedilatildeo do regime internacional proibicionista acompanhou pari passu o

enrijecimento das poliacuteticas de drogas estadunidenses na deacutecada de 1970 O Convecircnio sobre

Substacircncias Psicotroacutepicas depois de muitas divergecircncias39

foi assinado em Viena em 21 de

fevereiro de 1971 e entrou em vigecircncia em 16 de Agosto de 1976 O objetivo perseguido por

este convecircnio era o controle e prevenccedilatildeo do uso abusivo de substacircncias psicotroacutepicas o

traacutefico iliacutecito e a circunscriccedilatildeo destas substacircncias unicamente para fins medicinais e

cientiacuteficos conforme as determinaccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 Este convecircnio assinado

multilateralmente foi uma resposta agrave diversificaccedilatildeo e expansatildeo principalmente das drogas

39

A Conferecircncia de Viena foi marcada pela divisatildeo entre a coalizatildeo dos paiacuteses que defendiam o ldquostrict controlrdquo

(os paiacuteses escandinavos e o bloco sovieacutetico) e o ldquogrupo de irreconciliaacuteveisrdquo (Alemanha Ocidental Suiccedila

Holanda Beacutelgica Aacuteustria e Dinamarca) Os Estados Unidos nesse momento procurava uma posiccedilatildeo

intermediaacuteria para conseguir garantir o equiliacutebrio entre os interesses econocircmicos sociais juriacutedicos

administrativos e cientiacuteficos (MCALLISTER 2000) Segundo Antonio Escohotado (2008) esse convecircnio eacute

chamado de ldquoacordo farmacraacutetico Leste-Oesterdquo uma vez que muitos paiacuteses do bloco sovieacutetico tambeacutem

possuiacuteam grande nuacutemero de induacutestrias farmacecircuticas Repuacuteblica Democraacutetica da Alemanha Hungria Uniatildeo

Sovieacutetica esta uacuteltima contava com uma ampla cadeia produtiva que contava com a colaboraccedilatildeo da Polocircnia

Tchecoslovaacutequia e Hungria

66

sinteacuteticas o qual recomendou que a comissatildeo de entorpecentes da ECOSOC e a JIFE

exercessem as funccedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e controle dos psicotroacutepicos A Organizaccedilatildeo Mundial

da Sauacutede (OMS) de acordo com as avaliaccedilotildees meacutedicas e cientiacuteficas ficou encarregada de

indexar as substacircncias a serem proibidas nas listas de classificaccedilatildeo das drogas da ONU O

convecircnio foi uma reaccedilatildeo ao crescimento do consumo recreativo de drogas sinteacuteticas40

sobretudo nos EUA e na Europa Ocidental prevendo normas para autorizaccedilatildeo de licenccedilas de

produccedilatildeo regulaccedilotildees para prescriccedilotildees meacutedicas e para o comeacutercio internacional de

psicotroacutepicos bem como meios de estreitar a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e as organizaccedilotildees

internacionais para coordenar a luta contra o traacutefico iliacutecito de substacircncias psicotroacutepicas

(UNITED NATIONS 1971)

Em julho de 1971 apoacutes os relatos de abuso de drogas realizado por soldados do

exeacutercito norte-americano o presidente Nixon enviou ao Congresso a Special Message to the

Congress o n Drug Abuse Prevention and Control na qual reconhecia os esforccedilos e fazia

criacuteticas agraves limitaccedilotildees das poliacuteticas e leis antidrogas existentes nos EUA pois para Nixon era

necessaacuterio ldquoaumentar nossos esforccedilos para apertar ainda mais o laccedilo ao redor do pescoccedilo dos

traficantes de drogasrdquo e assim propor ldquomedidas adicionais para atacar o lado da lsquoofertarsquo da

equaccedilatildeo de drogas ndash para deter o traacutefico de drogas atacando os produtores ilegais de drogas o

cultivo dessas plantas a partir das quais as drogas satildeo derivadas e o traacutefico destas drogas para

aleacutem das nossas fronteirasrdquo (NIXON 1971 traduccedilatildeo nossa) Com o direcionamento do foco

do combate agraves drogas para o ldquolado da ofertardquo ou seja os ldquopaiacuteses produtoresrdquo o documento

apresentava as primeiras metaacuteforas beacutelicas para tratar as questotildees das drogas tais como

ldquotravar uma guerra eficaz contra o viacutecio em heroiacutenardquo e ldquonoacutes lutaremos juntos na guerrardquo

contra os ldquonarcoacuteticosrdquo e as ldquodrogas perigosasrdquo O belicismo metafoacuterico natildeo se restringiu ao

documento numa conferecircncia de imprensa um dia apoacutes a mensagem dirigida ao Congresso

40

As induacutestrias farmacecircuticas que fabricavam psicotroacutepicos principalmente alematildes e japonesas ofereciam

inuacutemeros argumentos anticontrole para contrapor as restriccedilotildees impostas por este Convecircnio sobre os seus

produtos alegavam que essas substacircncias natildeo possuiacuteam propriedades para criar ldquoviacuteciordquo porque eram

produzidas com recursos modernos e cientiacuteficos e com base na Convenccedilatildeo Uacutenica afirmavam que o tratado

coibia sobretudo o comeacutercio de opiaacuteceos de produtos derivados da coca e da maconha bem como

substacircncias as quais produziam efeitos semelhantes ao dessas drogas Portanto os seus produtos natildeo podiam

ser regulados por nenhum dos acordos multilaterais existentes uma vez que eles produziam efeitos sem

qualquer semelhanccedila com narcoacuteticos Entretanto em meados da deacutecada de 1960 tais afirmaccedilotildees foram

refutadas Pesquisas realizadas com psicotroacutepicos apontaram que essas substacircncias causam um viacutecio que

diferia pouco daqueles produzidos por narcoacuteticos (por exemplo a cocaiacutena e o cacircnhamo ambos estavam

enquadrados desde a Convenccedilatildeo Uacutenica como drogas narcoacuteticas) a OMS publicou um estudo que indicava que

certos tipos de anfetamina apresentavam algumas caracteriacutesticas similares as encontradas na cocaiacutena bem

como existiam produtos psicotroacutepicos alucinoacutegenos que causavam efeitos anaacutelogos aos provocados pela

cannabis No final da deacutecada de 1960 surgiram pressotildees para restringir as drogas psicotroacutepicas e muitos

governos principalmente dos paiacuteses escandinavos e os do bloco sovieacutetico comeccedilaram a instituir medidas

nacionais para controlar o seu acesso (MCALLISTER 2000 pp 226-228)

67

Richard Nixon declarou que o abuso de droga era o ldquoinimigo puacuteblico nuacutemero umrdquo dos EUA e

em 1972 o presidente ldquoveio a puacuteblico anunciar que lsquoas drogasrsquo eram uma ameaccedila agrave sociedade

estadunidense e que para combatecirc-las era necessaacuterio declarar uma lsquoguerra agraves drogasrsquo (lsquowar

on drugsrsquo)rdquo (RODRIGUES 2012 p 16)

A partir de entatildeo o endurecimento das leis antidrogas era uma das formas mais

repressivas para a reduccedilatildeo da criminalidade que era associada ao uso e traacutefico de drogas De

acordo com Del Olmo (1990) as primeiras medidas dos EUA no acircmbito domeacutestico estavam

relacionadas ao discurso juriacutedico e implementavam um conjunto de leis proibicionistas o

Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act o Controlled Substances Act o

Racketeer Influenced and Corrupt Organization Statute e o Continuing Criminal Enterprise

Statute O traacutefico de drogas passou a ser considerado o uacutenico crime de niacutevel federal de modo

que essas leis permitiram maior regulaccedilatildeo interna do comeacutercio de drogas No ano de 1973 foi

criado o escritoacuterio federal para questotildees das drogas Drug Enforcement Agency cujo nome foi

alterado para Drug Enforcement Administration (DEA) o qual foi resultado da proposta de

unificaccedilatildeo e centralizaccedilatildeo das forccedilas federais em um uacutenico oacutergatildeo ligado ao Departamento de

Justiccedila dessa forma passaria a ser o centro de comando autocircnomo e com poder de poliacutecia

responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e execuccedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e perquisiccedilatildeo referentes ao

combate agraves drogas iliacutecitas bem como fazer cumprir as leis e regulamentos antidrogas e

reduzir nacional e internacionalmente a disponibilidade de substacircncias iliacutecitas Sendo assim a

DEA se tornou o principal instrumento de intervenccedilotildees contra o traacutefico de drogas iliacutecitas fora

dos limites das fronteiras norte-americanas (DEL OLMO 1990 ARBEX 1993

RODRIGUES 2004)

Desde a sua fundaccedilatildeo a DEA passou por um processo de incremento contiacutenuo de seu

quadro de funcionaacuterios especializados e de ampliaccedilatildeo de sua receita contribuindo dessa

forma para a expansatildeo de suas atividades no exterior

No decorrer das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo passado a DEA ampliou

significativamente a sua aacuterea de atuaccedilatildeo internacional No ano de 2002 ela estava presente em

vinte quatro paiacuteses com cerca de trinta e oito escritoacuterios Atualmente o oacutergatildeo antidroga conta

com oitenta e seis escritoacuterios em sessenta e sete paiacuteses41

No ano de 1996 o Congresso

41

A Boliacutevia cessou as atividades da DEA em novembro de 2008 quando Evo Morales acusou os funcionaacuterios da

agecircncia norte-americana de espionagem e financiamento de grupos de oposiccedilatildeo

68

destinou cerca de US$ 60 milhotildees de doacutelares para expansatildeo das investigaccedilotildees da DEA e no

ano de 2004 foram destinados US$ 104 milhotildees (DEA [20--] YOUNGERS ROSIN 2005a)

Poucos anos depois da sua fundaccedilatildeo a DEA estava fortemente presente na Ameacuterica

Latina para efetuar investigaccedilotildees e colaborar com seus pares locais objetivando deter

traficantes e impedir a chegada de mercadorias iliacutecitas nos EUA A presenccedila desse oacutergatildeo

estadunidense em paiacuteses latino-americanos nos anos 1970 consoante com autoritarismo

militar no continente levou a inuacutemeras denuacutencias de envolvimento de seus agentes em

detenccedilotildees participaccedilatildeo em interrogatoacuterios e ateacute mesmo em torturas a traficantes Tais

denuacutencias fizeram com que o Congresso norte-americano aprovasse a emenda Mansfield em

1976 proibindo os ldquoagentes da DEA de participarem de detenccedilotildees praticarem a vigilacircncia

eletrocircnica ou estarem presentes durante operaccedilotildees policiais no estrangeiro a menos que

tenham sido autorizados pelo embaixadorrdquo (NEILD 2005 pp 101-102 traduccedilatildeo nossa)

Em 9 de agosto 1974 Richard Nixon renunciou ao cargo de presidente apoacutes ser

acusado de envolvimento no Caso Watergate Os dois sucessores de Nixon Gerald Ford

(1974-1977) e Jimmy Carter (1977-1981) natildeo foram tatildeo impetuosos na cruzada contra as

drogas como fora seu antecessor Conforme observa Carpenter (2003 p16) o presidente Ford

natildeo seguiu agrave risca a poliacutetica antidrogas de Nixon O secretaacuterio antidrogas da Casa Branca

Robert DuPont defendeu abertamente a descriminalizaccedilatildeo da maconha e o proacuteprio Ford

procurou distinguir os traficantes de ldquodrogas pesadasrdquo daqueles que traficavam maconha Em

1976 Gerald Ford enviou ao Congresso uma lei que impunha penas de prisatildeo obrigatoacuteria para

condenados por traacutefico de ldquodrogas pesadasrdquo ndash ldquoalguns dos criminosos mais crueacuteis do mundordquo

ndash acreditava ele que o endurecimento das penas poderia ganhar a guerra contra as drogas

(FORD 1976) O presidente Ford tambeacutem se reuniu com governos do Meacutexico Turquia e

Colocircmbia para garantir a cooperaccedilatildeo internacional entre estes paiacuteses no combate agraves drogas42

Del Olmo (1990) identifica que a partir de 1976 a preocupaccedilatildeo com a cocaiacutena e o

temor de uma nova ldquoepidemiardquo comeccedilava a ganhar relevo dentro dos EUA A difusatildeo da

cocaiacutena nesse periacuteodo estava relacionada ao estereoacutetipo cultural da eacutepoca Esta droga antes

condenada passou a ser associada ao sucesso Tornou-se um ldquosiacutembolo de ecircxitordquo

42

Em 1976 como resultado de esforccedilos do governo Ford para cooperaccedilatildeo internacional contra as drogas o

secretaacuterio de Estado Henry Kissinger firmou um acordo de cooperaccedilatildeo antidrogas com o presidente boliviano

Gal Hugo Banzer intitulado Declaracioacuten Conjunta Sobre Cooperacioacuten Contra el Traacutefico de Cocaiacutena

69

[] todos os que estavam em evidecircncia a consumiam Ao mesmo tempo surgia

maciccedilamente a induacutestria da lsquoparafernaacuteliarsquo da cocaiacutena anunciando nos diversos

meios de comunicaccedilatildeo tipos de coleirinhas cigarros balanccedilas etc para facilitar seu

consumo (como havia ocorrido dez anos antes com a maconha) Tudo isto contribuiu

para aumentar a demanda a qual por sua vez estimulou a produccedilatildeo e a organizaccedilatildeo

do mercado (DEL OLMO 1990 p 48)

O consumo de cocaiacutena se tornou popular na eacutepoca fazendo com que o seu mercado se

ampliasse nos EUA Ela comeccedilou a substituir as anfetaminas e o seu comeacutercio no varejo era

basicamente feito por pessoas que distribuiacuteam pequenas quantidades entre conhecidos

Boville (2004) sustenta que os liacutederes da poliacutetica de drogas estadunidenses agiram com

lentidatildeo para responder agrave disseminaccedilatildeo da cocaiacutena com os olhares direcionados para as

chamadas ldquodrogas de protestordquo ndash maconha e LSD ndash natildeo se atentaram agrave entrada de toneladas

de cocaiacutena no paiacutes via Cuba A autora lembra que o crescente consumo de cocaiacutena estava

intrinsecamente ligado agraves mudanccedilas ocorridas na sociedade norte-americana permitindo que

valores atrelados agrave ldquofebre do trabalhordquo tais como a valorizaccedilatildeo da ldquocompetitividade

velocidade e produtividaderdquo sobrepusessem a ldquosolidariedade tradiccedilatildeo e famiacuteliardquo Desse

modo corroborou para criar condiccedilotildees favoraacuteveis para o crescimento do mercado da cocaiacutena

A induacutestria da cocaiacutena cresceu nesse contexto na regiatildeo andina cuja comercializaccedilatildeo nos

EUA era formada por uma extensa rede envolvendo colombianos grupos de cubanos

exilados e norte-americanos que contavam com ldquoexcelentes contatos do governo com as

forccedilas armadas e autoridades de vaacuterios paiacuteses latino-americanosrdquo fazendo com que

organizassem um ldquoanel de contrabando de cocaiacutenardquo com sede em Miami (BOVILLE 2004 p

49 traduccedilatildeo nossa)

Carpenter destaca que o governo Jimmy Carter deu menos ecircnfase agrave questatildeo das drogas

do que Ford e foi considerado por seus proacuteprios funcionaacuterios como um presidente sem

compromisso na luta contra as drogas Durante a sua administraccedilatildeo ocorreram polecircmicas

sobre funcionaacuterios da Casa Branca que usavam maconha e cocaiacutena Um pouco antes de esses

casos virem agrave tona Carter tinha pronunciado diante do Congresso que as ldquosanccedilotildees contra a

posse de uma droga natildeo deve ser mais prejudicial a um indiviacuteduo do que o uso da droga em

sirdquo No entanto as sutis mudanccedilas na retoacuterica escamoteavam os alicerces da poliacutetica de drogas

estabelecidas no governo Nixon (CARPENTER 2003 p 16)

No ano de 1977 a Secretaria Geral das Naccedilotildees Unidas convocou os seus membros a

participarem da Conferecircncia Internacional sobre o Abuso de Drogas e Traacutefico Iliacutecito cujo

objetivo era reexaminar o documento The Comprehensive Multidisciplinary Outline of Future

Activities in Drug Abuse Control trata-se de um repertoacuterio de recomendaccedilotildees dirigidas aos

70

governos e agraves diferentes organizaccedilotildees que prescreve medidas praacuteticas para reprimir o traacutefico

de drogas e impedir o abuso de drogas Seria mais um manual com sugestotildees de medidas

posto unilateralmente para suprimir o traacutefico de drogas nas instacircncias nacionais regionais e

internacionais em vez de um instrumento juriacutedico de cunho multilateral

ldquoGuerras agraves drogasrdquo e a emergecircncia do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

A chegada de Ronald Reagan agrave presidecircncia dos EUA apoiado por grupos

fundamentalistas e (neo)conservadores eacute marcada por uma inflexatildeo abrupta natildeo apenas na

poliacutetica de drogas mas em toda poliacutetica externa norte-americana o que a tornou conhecida

como Doutrina Reagan Para Walter LaFeber (1994) a Doutrina Reagan era um arcabouccedilo de

concepccedilotildees que balizavam a poliacutetica externa e a diplomacia militar estadunidense no contexto

da Guerra Fria e estava alicerccedilado em quatro pilares centrais ldquoa extensatildeo dos poderes

presidenciais de Reagan o anticomunismo a diferenciaccedilatildeo entre Autoritarismo e

Totalitarismo e a militarizaccedilatildeo da poliacutetica e economiardquo (LAFEBER 1994 apud SILVA 2013

p2) Sobre esse ponto de inflexatildeo na poliacutetica contra as drogas estadunidense a qual se

encontrava sob a eacutegide da poliacutetica externa desse paiacutes Del Olmo (2002) aponta que

Nessa linha dura a transformaccedilatildeo mais importante do lsquobem juriacutedicorsquo frente agrave drogas

se evidencia no comeccedilo da deacutecada de 80 quando a administraccedilatildeo Reagan considera

o fenocircmeno das drogas em termos de seguranccedila nacional o que legitimaria a

declaraccedilatildeo de lsquoguerra agraves drogasrsquo e a percepccedilatildeo do traacutefico como inimigo econocircmico e

da guerrilha eou terrorismo como inimigo poliacutetico e a difusatildeo atraveacutes dos meios de

massas do discurso beacutelico na referecircncia ao tema Ao mesmo tempo seriam

estabelecidas duas especificidades a droga prioritaacuteria seria a cocaiacutena qualificada

como ameaccedila e o principal campo de batalha dessa lsquoguerrarsquo seria a regiatildeo andina

[] com a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas nacionais e eventualmente o Pentaacutegono

[] (DEL OLMO 2002 p 66)

A Doutrina Reagan Antidrogas teve seu iniacutecio em outubro de 1982 quando o

presidente em seu programa semanal de raacutedio anunciou a campanha contra todas as drogas

sejam elas ldquolevesrdquo ou ldquopesadasrdquo O republicano ao explicar a sua campanha contra as drogas

proferiu em seu discurso metaacuteforas militares como ldquoguerrardquo ldquobatalhardquo e ldquorendiccedilatildeordquo No final

de seu discurso prometeu que venceria a guerra agraves drogas (NUNN 2002) Kenneth B Nunn

(2002) ressalta que a administraccedilatildeo Reagan se valeu de campanhas de relaccedilotildees puacuteblicas para

projetar e incutir ideias com intuito de mudar a percepccedilatildeo puacuteblica sobre o uso de drogas

representando as drogas ilegais como ameaccedila43

e ldquoa peccedila central dessa campanha de relaccedilotildees

puacuteblicas foi uma nova estrateacutegia retoacuterica que procurou demonizar as drogas e banir os

43

No ano de 1982 foi aprovada a Defense Autorization Act a qual autoriza a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas no

combate agraves drogas

71

usuaacuterios de drogasrdquo (NUNN 2002 p 387 traduccedilatildeo nossa) A ldquolinha durardquo do combate aos

psicoativos iliacutecitos no acircmbito domeacutestico se efetivou por meio da ldquoreduccedilatildeo da demandardquo com

educaccedilatildeo puacuteblica e tratamentos cliacutenicos e atraveacutes da ldquoreduccedilatildeo da ofertardquo com interdiccedilotildees

apreensotildees e repressotildees criminais No que concerne agrave repressatildeo criminal Escohotado (2008)

acentua que no ano de 1985 ldquoo nuacutemero de prisotildees relacionadas agraves drogas da Lista I superou as

800000 pessoas e em 1986 atingiu um milhatildeordquo44

(ESCOHOTADO 2008 p 1076)

Essa percepccedilatildeo da droga como ameaccedila nortearia doravante a estrateacutegia dos EUA de

intervenccedilotildees no que tange agraves drogas no cenaacuterio internacional com reverberaccedilotildees na

constituiccedilatildeo das poliacuteticas e leis nacionais O modelo de guerra agraves drogas de Reagan permitiu

medidas severas e hostis para atacar o ldquoproblema das drogasrdquo e desmantelar redes de

distribuiccedilatildeo e traacutefico de drogas na esfera domeacutestica na esfera internacional a intervenccedilatildeo

militar foi o paradigma da doutrina reaganiana de combate agraves drogas

Em 1986 o presidente Ronald Reagan expediu a National Security Decision Directive

on Narcotics and National Security (NSDD-221) Esse documento conferiu ao narcotraacutefico o

status de ameaccedila agrave seguranccedila nacional dos Estados Unidos ao lado do ldquoterrorismo comunistardquo

e se tornou um dos componentes centrais da agenda de seguranccedila hemisfeacuterica deste paiacutes

Washington delineou a sua estrateacutegia beacutelica frente agrave expansatildeo global do mercado das drogas

sob a crenccedila na dicotomia ldquopaiacuteses produtoresrdquo versus ldquopaiacuteses consumidoresrdquo (PASSETTI

1991 RODRIGUES 2004) A NSDD-221 conferiu agraves Forccedilas Armadas incluindo exeacutercito

marinha forccedila aacuterea e fuzileiros navais maior participaccedilatildeo junto agraves agecircncias federais de

combate agraves drogas a guarda costeira e oacutergatildeos civis de aplicaccedilatildeo da lei Nesse contexto a

produccedilatildeo e traacutefico de drogas deixam de ser apenas preocupaccedilotildees de leis penais e questatildeo de

poliacutecias especializadas e passam a ser um problema de seguranccedila nacional e internacional

direcionando a poliacutetica externa dos paiacuteses latino-americanos sobretudo daqueles paiacuteses sob o

roacutetulo de ldquoprodutoresrdquo como foi o caso dos paiacuteses andinos Para Rafael Villa e Maria Ostos

(2005)

Desde a administraccedilatildeo Reagan (1980-1988) os EUA tecircm definido as drogas como

lsquoum problema de seguranccedila nacionalrsquo cujo combate deveria ser feito por meio de

44

As prisotildees por porte de drogas e o crescimento exponencial da populaccedilatildeo carceraacuteria na Era Reagan incidiram

mais sobre os ldquonegrosrdquo do que sobre os ldquobrancosrdquo Conforme oberva Loiumlc Wacquant (1999) ldquoo

lsquoescurecimentorsquo sofrido pela populaccedilatildeo carceraacuteria explica-se quase que inteiramente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves

drogasrdquo lanccedilada com estardalhaccedilo por Ronald Reagan e ampliada depois por seus sucessores [] Essa poliacutetica

serviu de cobertura a uma verdadeira guerrilha policial e judiciaacuteria contra os traficantes de rua e por extensatildeo

contra os habitantes dos bairros negros deserdados Esses uacuteltimos satildeo de fato suspeitos de desviarem-se das

normas culturais nacionais e de adotarem lsquocomportamentos anti-sociaisrsquo que o discurso pseudocientiacutefico sobre

a underclass sustenta ser a causa das desagregaccedilotildees sociais na metroacutepole (WACQUANT 1999 p 47)

72

um ataque contundente in loacutecus agrave oferta da droga Em outras palavras a produccedilatildeo

deveria ser atacada na fonte em paiacuteses como Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

(VILLA OSTOS 2005 pp 1-2)

A partir daiacute com efeito Washington imputou aos paiacuteses produtores a culpa pela oferta

externa de drogas os problemas de sauacutede puacuteblica e o aumento da criminalidade nos EUA

isso permitiu que a Ameacuterica Latina sobremaneira a regiatildeo andina se configurasse como

palco das intervenccedilotildees militares de guerra contra as drogas45

Os EUA orquestraram esforccedilos

para intervenccedilatildeo e interdiccedilatildeo do cultivo de coca inicialmente na Boliacutevia e no Peru e mais

tarde na Colocircmbia os maiores cultivadores da folha de coca nas duas uacuteltimas deacutecadas do

seacuteculo XX com o objetivo de intensificar a poliacutetica proibicionista destruir os campos de

cultivo de drogas e desbaratar as redes comerciais ilegais No entanto o que ocorreu foi uma

ramificaccedilatildeo maior do capitalismo cocaleiro deslocando a produccedilatildeo de um paiacutes para outro e

expandindo a economia do narcotraacutefico

De acordo com Villa e Ostos (2005) os policy-markers estadunidenses defensores da

poliacutetica de ataque agraves drogas na ldquofonterdquo ndash going to the source ndash encontraram ldquosoacutelidos

argumentos empiacutericos no caso de Chepare da Boliacutevia e do Alto Hullaga do Peru onde eram

cultivadas cerca de 80 a 90 das folhas de coca destinadas agrave alimentaccedilatildeo da produccedilatildeo de

cocaiacutena do mundordquo (VILLA OSTOS 2005 p 2) O combate agraves drogas nos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo em 1986 encontrou na Boliacutevia o seu primeiro palco de operaccedilotildees militares

antidrogas

A Operation Blast Furnece na Boliacutevia comeccedilou no dia 14 de junho de 1986 e seria

realizada nos departamentos bolivianos do Beni Pando e Santa Cruz para eliminar os

laboratoacuterios clandestinos de processamento da coca acabar com as rotas fluviais de transporte

de coca e de precursores quiacutemicos interceptar pequenos aviotildees de transporte de drogas e

prender o traficante Roberto Suaacuterez Gomes (ldquorei da cocardquo) considerado o maior do paiacutes Para

realizar a operaccedilatildeo no departamento de Santa Cruz chegaram ldquotrecircs aviotildees de transporte

militar da forccedila aeacuterea dos Estados Unidos que traziam consigo veiacuteculos especiais seis

helicoacutepteros Black Hawk e 160 norte-americanos entre soldados teacutecnicos militares e agentes

45

O direcionamento do combate contra as drogas para Ameacuterica Latina estava atrelado agrave percepccedilatildeo de que os

paiacuteses da regiatildeo eram o foco de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de drogas ldquoBoliacutevia e Peru eram os principais

produtores de coca e pasta base enquanto a Colocircmbia dominava a produccedilatildeo e o traacutefico de cocaiacutena Meacutexico

aleacutem de ser o maior fornecedor de maconha no mercado dos EUA tornou-se o principal provedor de heroiacutena

Por outro lado vaacuterios paiacuteses da Ameacuterica Central e do Caribe junto com Venezuela e Paraguai se constituiacuteam

em estaccedilotildees na rota do narcotraacutefico assim como centros de lavagem de dinheiro Posteriormente a medida que

se acentuaram as accedilotildees de interdiccedilatildeo a mudanccedila de rotas comprometeu tambeacutem o Brasil e outros paiacuteses do

Cone Sul []rdquo (COTLER 1999 p 40)

73

da DEArdquo (RODRIGUES 2003 p 86) A operaccedilatildeo contou com a participaccedilatildeo dos Leopardos

forccedila de elite policial da Boliacutevia especializada em combate ao traacutefico de drogas e de soldados

da Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural (UMOPAR)46

A presenccedila de tropas norte-americanas na Boliacutevia gerou controveacutersias nas instituiccedilotildees

poliacuteticas da Boliacutevia pois elas natildeo tinham aprovaccedilatildeo do Congresso do paiacutes andino

Representantes do governo boliviano se sentiram enganados pelos EUA Acreditavam que o

auxiacutelio de Washington natildeo viria em aviotildees de guerra e muito menos com violaccedilotildees da

soberania nacional O presidente do Senado denunciou a operaccedilatildeo como uma ldquoverdadeira

invasatildeo estrangeirardquo (AMENDT 1987 p13)

As principais accedilotildees da Blast Furnece incidiram sobre os laboratoacuterios clandestinos

Gunter Amendt (1987) enumera que existiam cerca de cinquenta laboratoacuterios soacute no

departamento de Benin cuja produccedilatildeo anual estimada era de 80 toneladas quando

trabalhavam com toda a sua capacidade Amendt assinala que cada laboratoacuterio mantinha

diferentes trabalhadores encarregados da logiacutestica e da produccedilatildeo como transportadores

caminhoneiros e intermediaacuterios envolvidos no fornecimento de produtos quiacutemicos

contrabandeados do Brasil e no transporte de coca dos mercados locais para os laboratoacuterios

intermediaacuterios para produccedilatildeo de pasta base confeccionada pelos pateros47

Posteriormente a

pasta eacute transportada para os laboratoacuterios que confeccionam o produto final pronto para

exportaccedilatildeo o cloridrato de cocaiacutena cristalizado utilizando uma seacuterie de empregados

(AMENDT p16) De acordo com Thiago Rodrigues (2004) os leopardos em conjunto com

soldados estadunidenses fizeram inuacutemeras investidas em territoacuterio boliviano para destruir

pistas de pousos e laboratoacuterios na selva

A operaccedilatildeo norte-americana de combate agraves drogas em solo boliviano considerada por

Washington vitoriosa natildeo teve o sucesso almejado os resultados em termos de apreensotildees e

prisotildees foram piacutefios destruiacuteram seis laboratoacuterios e duzentos e cinquenta locais de maceraccedilatildeo

de folha de coca todos vazios e pistas de pouso No entanto as tropas conseguiram afetar

significativamente o preccedilo da coca ndash o quilo de folha de coca subiu de US$120 para US$200

ndash temporariamente tornando-a menos atrativa Com efeito isso levou milhares de

46

Marcelo Santos (2007) relata que ldquocom o retorno da democracia em 1982 sob pressatildeo norte-americana o

governo boliviano criou uma forccedila policial de elite denominada Unidad Moacutebil de Patrullaje Rural (UMOPAR)

para desenvolver accedilotildees secretas repressivas nas regiotildees de produccedilatildeo da folha de coca e de articulaccedilatildeo do

narcotraacuteficordquo (SANTOS 2007 p 198) 47

ldquoPaterordquo (ou esmagador) eacute uma terminologia utilizada em analogia com a qual se denomina aqueles que na

produccedilatildeo de vinho esmagam as uvas pisando-as com o peacute descalccedilo os pateros semifermentam as folhas de

coca e acrescenta bicarbonato de soacutedio e cerosina para fazer a pasta base (AMENDT 1987 p16)

74

trabalhadores rurais a migrarem para as cidades a procura de emprego e alimentos48

Contudo

a produccedilatildeo de pasta base ficou comprometida parcialmente no decorrer da operaccedilatildeo isso se

deve mais a uma postura de precauccedilatildeo dos traficantes do que um sinal de ecircxito de

desmantelamento completo da induacutestria da cocaiacutena boliviana49

(AMENDT 1987 SOMOZA

1990 RODRIGUES 2003 RODRIGUES 2004)

Mesmo apoacutes as polecircmicas relacionadas agrave Operation Blast Furnece (com duraccedilatildeo de

quatro meses) os EUA por meio das Forccedilas Armadas e da DEA prosseguiram interferindo

na poliacutetica de drogas boliviana A UMOPAR continuou recebendo treinamentos das forccedilas

especiais estadunidenses aleacutem de receber empreacutestimos de equipamentos militares e

helicoacutepteros por parte do Pentaacutegono para conduzir a guerra agraves drogas agora sob a eacutegide da

Operation Snowcap50

Desse modo as Forccedilas Armadas da Boliacutevia passaram a ter uma

participaccedilatildeo maior na luta contra as drogas iliacutecitas

Durante o ano de 1986 os EUA implantaram a Poliacutetica de Certificaccedilatildeo como

mecanismo para coagir os ldquopaiacuteses produtoresrdquo a se comprometerem com a luta contra as

drogas Guzzi (2008) assinala que essa poliacutetica estava apoiada na Lei 490 do Ato de

Assistecircncia Internacional (Foreign Assistence Act - FAA) de 1961 da administraccedilatildeo

Kennedy e permitia ao presidente estadunidense deliberar ldquoanualmente quais paiacuteses satildeo

produtores de tracircnsito e se seus respectivos governos cooperam com as medidas

estadunidenses no plano do combate agrave produccedilatildeo e ao traacutefico de drogas iliacutecitasrdquo (GUZZI

2008 p 33)

48

A intervenccedilatildeo militar norte-americana gerou inuacutemeros protestos na Boliacutevia ldquoa central sindical boliviana

decretou lsquodia de lutorsquo denunciando assim a presenccedila de tropas de ocupaccedilatildeo Os manifestantes carregavam

faixas com os dizeres lsquoBoliacutevia livre sim colocircnia ianque natildeorsquo Enquanto isso 28 sindicatos 25 instituiccedilotildees

ciacutevicas 26 partidos poliacuteticos e 200 personalidades representativas se uniram para formar o Conselho de Defesa

da Soberania Nacional ao mesmo tempo em que os parlamentares protestavam contra a violaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo da Boliacutevia Mas o governo (Victor Paz Entessoro) argumentou que se tratava apenas de uma

colaboraccedilatildeo agrave repressatildeo policial e que os helicoacutepteros significavam apenas apoio logiacutesticordquo (SOMOZA 1990

p 81) 49

Edson Passetti (1991) nota que os traficantes transferiram os laboratoacuterios para o norte da Argentina e para

regiatildeo sudoeste do Brasil no Mato Grosso dessa maneira conseguiram manter a lucratividade de seus

negoacutecios mesmo correndo riscos de terem a mercadoria apreendida 50

Marcelo Santos a partir da obra de Adalberto Santana ldquoEl Narcotraacutefico en Ameacuterica Latinardquo descreve que ldquoa

operaccedilatildeo Snowcap que envolveu os membros norte-americanos da DEA do Departamento de Estado do

Serviccedilo de Guarda Costeira da Patrulha de Fronteira e das Forccedilas Especiais do Departamento de Defesa tinha

o propoacutesito natildeo somente de atacar as fontes de produccedilatildeo como tambeacutem capacitar as Forccedilas Armadas locais em

estrateacutegias contra-insurgentes No Peru por exemplo tinha o objetivo de combater a guerrilha do Sendero

Luminoso Essa missatildeo regional envolveu ainda apoio econocircmico agrave Venezuela e o lanccedilamento da operaccedilatildeo

Blazing Trails no Equadorrdquo (SANTOS 2007 p 198)

75

Um determinado paiacutes para auferir a certificaccedilatildeo plenamente deve cumprir os

objetivos da Convenccedilatildeo de 1971 sobre Substacircncias Psicotroacutepicas da ONU bem como

concretizar accedilotildees para impedir ldquoo cultivo a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o transporte o

financiamento e a lavagem de dinheiro proveniente das drogasrdquo e tambeacutem deve ldquoatingir as

metas definidas em acordos bilaterais com os Estados Unidos e finalmente terem tomado

medidas jurisdicionais para combater a corrupccedilatildeo puacuteblica pois esta facilita o processo de

produccedilatildeo e traacutefico de drogasrdquo (GUZZI 2008 p 34) Portanto um paiacutes que demonstrar

esforccedilos e apresentar resultados no combate agraves drogas seraacute certificado e receberaacute todo auxiacutelio

dos EUA principalmente econocircmico Caso contraacuterio isto eacute natildeo seja certificado deixa de

receber esse auxiacutelio de Washington (entretanto se for o caso continua recebendo assistecircncia

humanitaacuteria e de combate agraves drogas) e sujeita-se as sanccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas aleacutem do

governo norte-americano vetar as propostas de empreacutestimos de instituiccedilotildees bancaacuterias

multilaterais de fomento ao desenvolvimento (por exemplo o Banco Interamericano de

Desenvolvimento e o Banco Mundial)

A Poliacutetica de Certificaccedilatildeo foi mais um instrumento ideoloacutegico do que eficaz contra o

traacutefico de drogas Elaborada na Guerra Fria os paiacuteses que pertenciam ou tinham alguma

ligaccedilatildeo com o bloco sovieacutetico ganhavam o roacutetulo de ldquonatildeo-certificadosrdquo pois representavam

uma ameaccedila aos paiacuteses ocidentais e ao Estado democraacutetico de direito O processo de

certificaccedilatildeo gerou dissensotildees entre Washington e os demais governos da Ameacuterica Latina nas

deacutecadas de 1980 e 199051

Esse processo era visto como um exerciacutecio unilateral e arbitraacuterio

perpetrado pela naccedilatildeo que mais consume drogas iliacutecitas no mundo Na Convenccedilatildeo da ONU

realizada em Viena em 1988 os representantes dos paiacuteses rotulados de ldquoprodutoresrdquo e de

ldquotracircnsitordquo de drogas se manifestaram contra o instrumento unilateral que os estigmatizavam

como sendo condescendentes com o narcotraacutefico argumentavam que a responsabilidade

deveria ser compartilhada Segundo esses paiacuteses para haver um controle mais eficaz da

produccedilatildeo seria preciso tambeacutem controlar o consumo pois ambos estatildeo inter-relacionados

entretanto o governo norte-americano natildeo produz documentos avaliando os seus proacuteprios

esforccedilos de controle de drogas Sayaka Fukumi (2008) sustenta que a poliacutetica de certificaccedilatildeo eacute

um meio encontrado pelos EUA para exercerem o seu poder econocircmico forccedilando os outros

51

O Panamaacute foi o primeiro paiacutes latino-americano a natildeo ser certificado isto ocorreu nos anos de 1988 e 1989 O

presidente Manuel Noriega foi acusado pelo governo estadunidense a colaborar com organizaccedilotildees criminosas

envolvidas com o narcotraacutefico (GUZZI 2008)

76

Estados a cumprirem o controle de drogas no estilo americano Mesmo tendo recebido

inuacutemeras criacuteticas e desaprovaccedilotildees o processo de certificaccedilatildeo continuou vigorando

No segundo mandato de Ronald Reagan o proibicionismo em sua forma poliacutetica

juriacutedica e beacutelica prosseguiu avanccedilando na Ameacuterica Latina De acordo com Del Olmo (1990)

um dos fatores que impulsionou o discurso de guerra contra as drogas natildeo soacute na regiatildeo

andina mas em todo continente foi o assassinato do ministro da justiccedila colombiano Rodrigo

Lara Bonilla em abril de 1984 No decorrer desse ano ocorreu uma sucessatildeo de reuniotildees e

acordos governamentais com o objetivo de fortalecer a cooperaccedilatildeo continental na luta contra

o traacutefico de drogas No mesmo ano foi assinada a Declaraccedilatildeo de Quito Contra o Traacutefico de

Drogas por presidentes da Ameacuterica do Sul a qual classificou o narcotraacutefico como ldquodelito

contra a humanidaderdquo Ainda em 1984 foi subscrita a Declaraccedilatildeo de Nova Iorque Esse

documento solicitava agrave ONU que convocasse uma nova conferecircncia para reexaminar os

tratados anteriores sobre drogas e criar um plano de accedilatildeo de cooperaccedilatildeo internacional contra o

traacutefico de drogas Essa conferecircncia teve iniacutecio em julho de 1987 Nesse mesmo ano na

Colocircmbia comeccedilou uma seacuterie de ofensivas com auxiacutelio estadunidense contra laboratoacuterios de

clandestinos e fumigaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantaccedilotildees de coca e de cannabis As investidas

conseguiram deter a Tranquilacircndia um dos principais complexo de produccedilatildeo de cocaiacutena dos

traficantes de Medelliacuten

No ano de 1985 a senadora republicana Paula Hawkins representante dos EUA na

Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas (CICAD) realizou uma

conferecircncia com participaccedilatildeo de vinte paiacuteses latino-americanos sobre o combate agraves drogas Os

EUA colocaram em praacutetica a Operation Intercept II Em abril 1986 foi consolidado em Lima

o Convecircnio Rodrigo Lara Bonilla sobre cooperaccedilatildeo para prevenccedilatildeo do uso indevido e a

repressatildeo do traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas entre os paiacuteses

membros do Acordo de Cartagena (Pacto Andino) No Mecircs subsequente em Quito aconteceu

o Simpoacutesio Interparlamentar sobre Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia promovido pelo

Parlamento Andino o qual culminou na assinatura da Ata Interparlamentar de Quito sobre

Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia cujos principais objetivos eram uniformizar as

legislaccedilotildees nacionais sobre narcoacuteticos e farmacodependecircncia e criar uma legislaccedilatildeo latino-

americana acerca dessas duas questotildees No Rio de Janeiro ocorreu a Primeira Conferecircncia

Especializadas Interamericana sobre Drogas no mesmo ano foi criada a Comissatildeo

Interamericana contra Abuso de Drogas (CICAD) da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

(OEA) e tambeacutem foi elaborado o Programa Interamericano de Accedilatildeo contra a Produccedilatildeo e o

77

Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas Ainda em 1986 nos EUA

ocorreu a aprovaccedilatildeo do Anti-Drug Abuse Act e da NSDD-221 aleacutem de ser estabelecido o

Processo de Certificaccedilatildeo sobre Drogas

No comeccedilo do ano de 1987 o Parlamento Andino e o Fundo das Naccedilotildees Unidas

organizaram em Lima um novo seminaacuterio para tratar da coordenaccedilatildeo legislativa contra

entorpecentes No decorrer de 1988 a CICAD compocircs um grupo de peritos para tratar

especificamente da lavagem de dinheiro Em dezembro de 1988 foi subscrita a Convenccedilatildeo de

Viena uma das principais vitoacuterias do proibicionismo a niacutevel internacional

A Convenccedilatildeo de Viena Contra o Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e de Substacircncias

Psicotroacutepicas aprovada em 20 de dezembro de 1988 passou a vigorar a partir de novembro

de 1990 e reconhecia ldquoa relaccedilatildeo existente entre traacutefico iliacutecito e outras atividades criminosas

organizadas com ele conexas que minam as bases de uma economia legiacutetima e ameaccedilam a

estabilidade a seguranccedila e a soberania dos Estadosrdquo (UNITED NATIONS 1988 p2)

Conforme o documento o objetivo principal da Convenccedilatildeo ldquoeacute o de promover a cooperaccedilatildeo

entre as Partes a fim de que possam fazer face de forma mais eficaz aos diversos aspectos do

traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas de acircmbito internacionalrdquo (UNITED

NATIONS 1988 p 4) Nessa Convenccedilatildeo foram determinadas medidas de amplo espectro

contra o traacutefico de drogas permitindo a criaccedilatildeo de um marco principal de cooperaccedilatildeo

internacional Outrossim esse regime estabelece obrigaccedilotildees para os paiacuteses signataacuterios

aplicarem os meios necessaacuterios para localizar congelar e apreender bens e ativos provenientes

do traacutefico iliacutecito52

O artigo 6ordm do referido documento permite que a extradiccedilatildeo seja utilizada

como mecanismo de luta contra os traficantes uma vez que assegura aos signataacuterios o poder

de invocar suas leis como fundamento para aplicar a extradiccedilatildeo aos envolvidos nos crimes

previstos e prescreve orientaccedilotildees em mateacuteria de assistecircncia juriacutedica troca de informaccedilotildees

sobre accedilotildees penais e cooperaccedilatildeo internacional Todavia ldquoas Partes que careccedilam de legislaccedilatildeo

detalhada para poderem utilizar a presente Convenccedilatildeo como base juriacutedica da extradiccedilatildeo

devem considerar a promulgaccedilatildeo da legislaccedilatildeo necessaacuteriardquo (UNITED NATIONS 1988 p 8)

52

Sobre a lavagem de dinheiro do traacutefico de drogas Passetti cita que ldquoa participaccedilatildeo dos bancos americanos

nesses mercados em 1980 era de quatrocentos bilhotildees de doacutelares De acordo com William Proximine

presidente da Comissatildeo de Bancos no Senado Americano seis em cada dez bancos operavam com contas de

traficantes sendo o Banco de Boston considerado o maior reduto do chamado lsquodinheiro sujorsquordquo (PASSETTI

1991 p 67)

78

A Convenccedilatildeo de Viena se posiciona de modo intransigente perante os consumidores

de psicoativos ilegais O documento apresenta uma mudanccedila em relaccedilatildeo ao discurso meacutedico-

moral abordado nas anaacutelises de Rosa Del Olmo (1990) o qual apresentava o indiviacuteduo

consumidor dentro de um estereoacutetipo como um enfermo psiquiaacutetrico cujo tratamento deveria

ser psicossocial Agora o consumidor eacute enquadrado pelo discurso juriacutedico-criminal O

consumo doravante seraacute criminalizado o usuaacuterio passa a ser visto dentro do estereoacutetipo

criminoloacutegico O item 2 do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo reitera o ldquoespiacuterito proibicionistardquo

estadunidense mesmo resguardando a soberania dos Estados

Como buscamos apontar a Era Reagan foi marcada pela intensificaccedilatildeo da war on drug

na Ameacuterica Latina no contexto do final da Guerra Fria sobretudo na regiatildeo andina medidas

ostensivas e coercitivas foram empregas para obter a cooperaccedilatildeo mais ativa dos paiacuteses

considerados ldquoprodutoresrdquo Para justificar a beligeracircncia norte-americana de combate agraves

drogas os grupos narcotraficantes da regiatildeo andina foram associados ao comunismo e ao

terrorismo de esquerda praticado por guerrilheiros A associaccedilatildeo entre narcotraacutefico e

terrorismo ou entre narcotraacutefico e guerrilha53

articulada pelo embaixador dos EUA na

Colocircmbia Lewis Tambs em 1983 que se baseia numa percepccedilatildeo da experiecircncia colombiana

a partir de uma visatildeo estadunidense do conflito foi generalizada para toda a regiatildeo andina e

se tornou uma justificativa perfeita para intervenccedilotildees militares no combate agraves drogas Essa

associaccedilatildeo fortaleceu a percepccedilatildeo desses temas como ameaccedila agrave seguranccedila A guerra agraves

drogas sob a eacutegide da Doutrina de Seguranccedila Nacional identifica ldquoos inimigos externosrdquo com

as redes de traficantes instaladas nos paiacuteses latino-americanos responsaacuteveis pela produccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo de drogas nos paiacuteses consumidores A declaraccedilatildeo de um inimigo externo

permitiu aos EUA empregarem os meios militares necessaacuterios para eliminaccedilatildeo deste inimigo

legitimando a sua presenccedila poliacutetico-estrateacutegico-militar na regiatildeo andina

Com a chegada de George H W Bush agrave presidecircncia dos EUA em 1989 a Operaccedilatildeo

Snowcap foi suspensa em 1989 apoacutes o Comitecirc de Assuntos Exteriores da Cacircmara

averiguaram que a DEA estava despreparada para os sucessivos confrontos que vinham tendo

com os guerrilheiros do Sendero Luminoso no Peru no Vale do Alto Huallaga e os seus

agentes natildeo estavam autorizados a fazerem incursotildees devido agrave falta de experiecircncia e

capacitaccedilatildeo militar O Departamento de Estado por meio do documento Cocaine A Supply

Side Strateg exigia a retirada constante da DEA do papel de assistecircncia militar e econocircmica e

53

A partir destas associaccedilotildees surgiram os termos ldquonarcoterrorismordquo e ldquonarcoguerrilhardquo

79

fortalecia a importacircncia de uma estrateacutegia eficaz para atacar a fonte principalmente contando

com uma efetiva atuaccedilatildeo das forccedilas armadas e policiais locais O documento ressaltava a

necessidade de fazer os paiacuteses andinos interpretarem as accedilotildees do traacutefico de drogas (e da

guerrilha) como ameaccedila a sobrevivecircncia dos Estados da regiatildeo e enfatizava que

O desafio eacute fazer com que os governos andinos ataquem o traacutefico de drogas como

uma ameaccedila direta agrave integridade de seus paiacuteses Um problema de poliacutetica externa

deve ser resolvido pelo uso inovador dos instrumentos tradicionais de poliacutetica

externa a diplomacia o militar e a assistecircncia econocircmica a coleta e

compartilhamento de informaccedilotildees (UNIED SATES 1989a p 1 traduccedilatildeo nossa)

Em resposta foi lanccedilado a National Security Directive 13 em 7 de junho de 1989

cuja finalidade era criar vinte forccedilas especiais das tropas do exeacutercito para irem ao Peru treinar

a poliacutecia e as forccedilas armadas em taacuteticas paramilitares para combater narcotraficantes e

guerrilheiros A Interangecy Working Group Draft que era um grupo de trabalho

interinstitucional criado pelo Conselho de Seguranccedila Nacional redigiu o documento Strategy

For Narcotics Control in the Andean Region apresentando um estudo onde aponta que a

cocaiacutena que entrava nos Estados Unidos vinha da coca cultivada no Peru (60) Boliacutevia

(30) e Colocircmbia (10) Esse uacuteltimo paiacutes contudo processa 80 da cocaiacutena que chega ao

territoacuterio norte-americano Segundo o estudo os EUA gastavam cerca de U$57 milhotildees na

assistecircncia para esses trecircs ldquopaiacuteses fonterdquo e U$15 bilhatildeo para conter a entrada de droga no

paiacutes Para a interagecircncia os programas antidrogas desenvolvidos ateacute o momento natildeo

obtiveram resultados expressivos na reduccedilatildeo do fornecimento de cocaiacutena Para tanto

recomenda que

A meta da poliacutetica internacional de controle de drogas dos EUA deve ser parar o

fluxo de cocaiacutena para este paiacutes a partir do estrangeiro Este objetivo pode ser mais

eficaz atacando todas as partes do traacutefico internacional de drogas nos seus pontos de

maior vulnerabilidade as suas organizaccedilotildees redes de transportes e sistema

financeiro [] Por vaacuterias razotildees os trecircs governos parecem estar cada vez mais

preparados para atacar o problema da cocaiacutena se dado os meios para fazecirc-lo Eles

natildeo querem (nem recomendamos) o envolvimento direto de forccedilas de combate dos

EUA Em vez disso eles querem assistecircncia material e treinamento dos EUA para

que o seu pessoal possa fazer o trabalho (UNIED STATES 1989b p1 traduccedilatildeo

nossa)

Com a morte de Luis Carlos Galaacuten candidato agrave presidecircncia da Colocircmbia em 18 de

agosto de 1989 o presidente republicano e o ldquoczar antidrogasrdquo William Bennet apresentaram

a Estrateacutegia Andina que abrangia a assistecircncia militar e econocircmica para atividades de

combate agraves drogas e maior pressatildeo para cooperaccedilatildeo militar na reduccedilatildeo da oferta de cocaiacutena

nos paiacuteses produtores da regiatildeo andina Essa pressatildeo era parte dos esforccedilos dos EUA em fazer

com que os governos andinos reconhecessem o narcotraacutefico como ameaccedila aos seus Estados

80

A assistecircncia norte-americana para os paiacuteses da regiatildeo estaria divida em 30 econocircmica e

70 militar Esta uacuteltima seria para equipar e treinar as forccedilas armadas e poliacutecias locais

(DREYFUS 2003)

No mesmo ano para justificar as accedilotildees militares antidrogas no exterior Bush lanccedilou

no acircmbito domeacutestico a National Drug Control Strategy a qual fazia com que o Departamento

de Defesa tivesse um engajamento mais efetivo na luta contra as drogas principalmente

acionando o Comando Sul A metaacutefora da ldquoguerra agraves drogasrdquo foi recuperada com a

promulgaccedilatildeo da National Defense Authorization Act em novembro de 1989 O documento

declara que a ldquoguerra agraves drogas eacute uma das mais altas prioridades do Governo Federalrdquo e

reforccedila a interdiccedilatildeo e combate agraves drogas por meio de atividades militares sob lideranccedila do

Departamento de Defesa (UNITED STATES 1989c) Com essas medidas a administraccedilatildeo

Bush estimulou de modo significativo o aumento da assistecircncia militar internacional para

conter o narcotraacutefico

Em 1989 o governo Bush elaborou um plano para treinar as forccedilas armadas sul-

americanas em operaccedilotildees de combate agraves drogas com participaccedilatildeo de assessores do exeacutercito

estadunidense sob os auspiacutecios do Comando Sul ndash agora reorganizado teacutecnica operacional e

humanamente para combater o narcotraacutefico no lugar do comunismo ndash esse plano foi intitulado

Iniciativa Andina A Iniciativa Andina imposta unilateralmente pelos EUA teria duraccedilatildeo de

cinco anos e abrangeria a Boliacutevia Colocircmbia e Peru No ano fiscal de 1990 foram destinados

agrave regiatildeo andina um total de 2316 milhotildees de doacutelares e apenas 486 milhotildees natildeo foram

aplicados no apoio militar e policial fazendo com que a regiatildeo andina se tornasse a maior

receptora de ajuda antinarcoacuteticos na Ameacuterica Latina (ISACSON 2005) No acircmbito da

Iniciativa Andina foi criado um programa para treinamento das forccedilas armadas em operaccedilotildees

de combate agraves drogas sob responsabilidade do Comando Sul Comeccedilou com os trecircs paiacuteses

produtores de cocaiacutena do arco andino e depois foram acrescidos outros Estados sul-

americanos considerados ldquopaiacuteses de tracircnsitordquo tais como Argentina Brasil Equador e

Venezuela

Sob o espectro do conflito de baixa intensidade a Iniciativa Andina por meio dos

funcionaacuterios norte-americanos incentivou as forccedilas armadas latino-americanas a se

envolverem na guerra agraves drogas dentro de seus proacuteprios paiacuteses Nos EUA seria inadmissiacutevel a

participaccedilatildeo de forccedilas militares na batalha contra os psicoativos iliacutecitos dentro do paiacutes Para

conseguirem esse intento conforme salienta Adam Isacson (2005) foi necessaacuterio treinar

81

(treinamento antidroga e anti-subersivo) equipar e respaldar poliacutetica e diplomaticamente as

forccedilas armadas latino-americanas para que desempenhassem um papel mais veemente nas

missotildees antinarcoacuteticos

Para conseguir concretizar esse objetivo George Bush convocou duas reuniotildees com os

presidentes dos paiacuteses produtores para discutir quais medidas seriam implementadas para que

seus Estados se envolvessem mais ativamente na guerra agraves drogas Em 15 de fevereiro de

1990 na Colocircmbia ocorreu o primeiro encontro da Cuacutepula Americana Antidrogas de

Cartagena que contava com a participaccedilatildeo do chefe de Estado dos EUA e dos presidentes

Jaime Paz Zamora da Boliacutevia Viacutergilo Barco Vagas da Colocircmbia e Alan Garcia do Peru

onde o mandataacuterio estadunidense acentuou o fortalecimento da contenccedilatildeo da oferta da

demanda e do consumo de psicoativos iliacutecitos e propocircs a criaccedilatildeo de uma forccedila militar

multinacional antidrogas que seria comandada pelos norte-americanos Esta uacuteltima foi

descartada pelos presidentes andinos A segunda reuniatildeo foi realizada em San Antonio no

Texas em fevereiro de 1992 Com um tom mais afaacutevel mas sem inovaccedilatildeo no discurso o

presidente norte-americano apresentou propostas de investimento econocircmico para fomentar

poliacuteticas de substituiccedilatildeo de cultivo de coca para que os camponeses cultivassem produtos

liacutecitos (PASSETTI 1991 RODRIGUES 2003)

Como aponta Boville (2004) as contribuiccedilotildees em mateacuteria econocircmica foram

determinantes para a aceitaccedilatildeo da estrateacutegia unilateral dos EUA A assistecircncia econocircmica

serviu como um elemento persuasivo para a inserccedilatildeo gradativa das forccedilas armadas na luta

contra as drogas e contribuiu para a liberalizaccedilatildeo da economia Mesmo apresentando

inicialmente relutacircncia em aumentar o emprego de forccedilas militares para o controle das drogas

internamente os paiacuteses andinos almejavam uma participaccedilatildeo maior nos mercados norte-

americanos como forma de alternativa econocircmica para a questatildeo pois para os governos da

regiatildeo andina o auxiacutelio econocircmico deveria vir antes do que os militares Entretanto a

preocupaccedilatildeo de ficar sem ajuda econocircmica por natildeo cumprir a reduccedilatildeo das aacutereas de cultivo de

coca e mostrar resultados efetivos de combate agraves drogas o que deixaria um paiacutes de fora da

lista de certificaccedilatildeo foi um dos ingredientes fundamentais para o envolvimento militar mais

contundente na guerra agraves drogas

No governo Bush a guerra agraves drogas com seus dois elementos baacutesicos (o militar e o

econocircmico) procurou abordar a questatildeo a partir de trecircs pontos diferentes 1) a proibiccedilatildeo 2) a

82

erradicaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de cultivos 3) desenvolvimento alternativo (CARPENTER 2003

BOVILLE 2004) Contudo

A militarizaccedilatildeo continuou como bandeira sustentada pelo governo norte-americano

poreacutem natildeo mais baseada na contraproducente presenccedila ostensiva de forccedilas proacuteprias

mas na combinaccedilatildeo eficaz de pressatildeo poliacutetica e econocircmica (Certificaccedilatildeo) envio de

lsquoconsultoresrsquo militares estiacutemulo agrave militarizaccedilatildeo interna em cada paiacutes latino-

americano e conquista da lsquocooperaccedilatildeorsquo dos Estados do continente agrave batalha guerra

luta ou qualquer outro substantivo que remeta agrave ideia de conflito militar contra o

narcotraacutefico (RODRIGUES 2004 p 300)

Esta militarizaccedilatildeo no combate agraves drogas na Ameacuterica Latina durante a presidecircncia de

George Bush segundo Marcelo Santos (2007 p180) foi reforccedilada a partir de quatro accedilotildees

primeira o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina segunda a reorganizaccedilatildeo do Comando Sul

terceira a Operaccedilatildeo Causa Justa que levou as forccedilas armadas estadunidenses a invadirem o

Panamaacute para prenderem o presidente Manoel Ortega por uacuteltimo as accedilotildees da DEA em solo

mexicano para prender um meacutedico acusado de assassinar um funcionaacuterio da agecircncia no paiacutes

vizinho Podemos elencar algumas outras accedilotildees como as assistecircncias econocircmicas e militares

para as forccedilas armadas desempenharem funccedilotildees antidrogas na regiatildeo e o incentivo a criaccedilatildeo

de unidades especializadas de luta contra as drogas54

Carpenter (2003) assinala que no comeccedilo da Iniciativa Andina foram destinados cerca

de US$ 260 milhotildees em ajuda militar e policial para Boliacutevia Colocircmbia e Peru Essa

assistecircncia ultrapassaria a cifra de US$ 2 bilhotildees num periacuteodo de cinco anos A Estrateacutegia

Andina tinha como objetivo reduzir drasticamente o fluxo de cocaiacutena para os EUA A guerra

antinarcoacuteticos no lugar do combate ao comunismo servia como justificativa para intervir

militarmente de forma direta e indireta em toda Ameacuterica Latina Enquanto natildeo existia uma

forccedila militar hemisfeacuterica Boville (2004) frisa que os EUA entre 1990 e 1997 procuraram

estender a sua estrateacutegia de guerra contra o narcotraacutefico a todo subcontinente dividindo as

operaccedilotildees antidrogas do Comando Sul em trecircs setores 1) Regiatildeo Andina (Boliacutevia Colocircmbia

e Peru) 2) Equador Venezuela Brasil e Cone Sul 3) Panamaacute e Ameacuterica Central

A luta armada antidrogas da administraccedilatildeo Bush contra os ldquopaiacuteses produtoresrdquo

mostrou-se esteacuteril no que tange agrave eliminaccedilatildeo do cultivo iliacutecito de arbusto de coca e da

produccedilatildeo de folha de coca Essa ineficaacutecia das accedilotildees militarizadas promovidas por

Washington pode ser constatada no relatoacuterio Global Illicit Drug Trends de 1999 elaborado

pela United Nations Office for Drug Control and Crime (UNODC) que segundo os

54

As principais forccedilas de seguranccedila que foram criadas com o apoio norte-americano podem ser consultadas no

Quadro 3 na seccedilatildeo anexos

83

redatores buscava fazer uma ldquoanaacutelise equilibradardquo do ldquolado da ofertardquo e tambeacutem do ldquolado da

demandardquo O estudo apresenta um balanccedilo do cultivo de arbusto e da produccedilatildeo da folha de

coca de 1986 a 1998 no qual podemos observar um crescimento de ambos durante a

administraccedilatildeo Bush principalmente apoacutes o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina em 1989

quando o nuacutemero de hectares de cultivo de coca alcanccedilou os 283300 ha em comparaccedilatildeo com

o ano anterior que foi de 260900 ha e em 1990 este nuacutemero saltou para 288400 ha

enquanto que a produccedilatildeo da folha de coca em toneladas era de 317472 t em 1988 e passou

para 361138 t em 1998 (UNODC 1999 p 41)

Segundo Fukumi (2008) no iniacutecio dos anos de 1990 durante o governo Bush a ajuda

militar para cada paiacutes do arco andino ultrapassou os US$ 100 milhotildees entretanto os valores

emitidos para regiatildeo natildeo estavam sendo suficientes para reduzir o cultivo e a produccedilatildeo da

coca Na Boliacutevia para a administraccedilatildeo Zamora seria necessaacuterio o repasse de US$ 300 a US$

500 milhotildees por ano para levar adiante a poliacutetica de desenvolvimento alternativo para os

agricultores de coca substituiacuterem o cultivo iliacutecito O apoio financeiro para o desenvolvimento

social e econocircmico era algo secundaacuterio dentro da estrateacutegia antidrogas do presidente

republicano

No primeiro ano de governo do presidente Bill Clinton (1993-201) foi lanccedilada a

Diretiva Presidencial nordm14 ndash documento esse que foi resultado de uma revisatildeo das poliacuteticas e

estrateacutegias internacionais anteriores ndash cuja ecircnfase foi dada agrave luta contra organizaccedilotildees

narcotraficantes internacionais aos paiacuteses de tracircnsito e agrave ajuda aos ldquopaiacuteses de origemrdquo para

resoluccedilatildeo das causas profundas da produccedilatildeo de narcoacuteticos e do traacutefico atraveacutes da

assistecircncia para o desenvolvimento sustentaacutevel o fortalecimento das instituiccedilotildees

democraacuteticas e programas cooperativos para combater os narcotraficantes lavagem

de dinheiro e fornecimento de produtos quiacutemicos [] Enfatizando interdiccedilotildees mais

seletivas e programas flexiacuteveis perto da fronteira com os EUA na zona de tracircnsito e

nos paiacuteses de origem (UNITED STATES 1993 traduccedilatildeo nossa)

Seguindo essa diretiva a administraccedilatildeo democrata fez uma reforma na Estrateacutegia

Andina para criaccedilatildeo de incentivos para Estados da regiatildeo andina aderirem agraves poliacuteticas de

controle de drogas e cumprirem as metas de reduccedilatildeo da produccedilatildeo de drogas Para conseguir

esse objetivo os EUA reforccedilaram o processo de Certificaccedilatildeo como meio de exercerem

coaccedilotildees e sanccedilotildees econocircmicas para garantirem a participaccedilatildeo dos paiacuteses produtores

localizados nos Andes Essa medida nada inovadora era mais uma forma de forccedilar os

governos andinos a priorizarem as poliacuteticas antidrogas A retomada da Certificaccedilatildeo dentro da

agenda da poliacutetica de seguranccedila norte-americana poacutes-Guerra Fria de acordo com Thiago

84

Lima (2009) estaria assentada em dois pilares ldquoo aprofundamento e a consolidaccedilatildeo da

democracia e das reformas neoliberaisrdquo (LIMA 2009 p 95)

Thiago Rodrigues (2012) assinala ainda que o governo Clinton em cumprimento com

as determinaccedilotildees da Conferecircncia de Viena sobre entorpecentes adicionou outros crimes ao

ldquoperigo das drogasrdquo tais como a lavagem de dinheiro e as suas conexotildees com traacutefico de armas

e de pessoas (que depois viria a ser chamado de ldquocrime organizado transnacionalrdquo) Sobre o

crime organizado internacional o autor lembra que o documento Presidential Decision

Directive n 42 com o tiacutetulo de International Organized Crime de 1995 ldquodestacou o crime

organizado como ameaccedila agrave seguranccedila dos EUA e internacional com destaque para o poder

econocircmico e de abalo poliacutetico-institucional do narcotraacuteficordquo (RODRIGUES 2012 p23)

No ano de 1995 conforme aponta Peter Lilley (2006) existia mais de 200 milhotildees de

usuaacuterios de psicoativos iliacutecitos no mundo inteiro e o comeacutercio internacional ilegal de drogas

movimentou cerca de US$ 400 bilhotildees o equivalente a 8 do comeacutercio mundial cujas cifras

superaram o comeacutercio de automoacuteveis ferro e accedilo Em 21 de outubro do mesmo ano Clinton

assinou a Ordem Executiva 12978 sobre sanccedilotildees econocircmicas contra os ldquocarteacuteis colombianosrdquo

a partir de uma lista de Specially Designated Narcotics Traffickers (SDNTs) Essa lista

continha nomes de empresas e pessoas envolvidas com a lavagem de dinheiro do traacutefico de

drogas principalmente dos grupos narcotraficantes colombianos

No ano subsequente sob pressatildeo poliacutetica o governo democrata retomou com maior

ecircnfase a poliacutetica de seu antecessor de combate agrave fonte do problema A Estrateacutegia Nacional de

Seguranccedila (National Security Strategy ndash NSS) lanccedilada em fevereiro de 199655

colocava o

traacutefico de drogas e a criminalidade internacional no mesmo patamar de ameaccedila do terrorismo

reforccedilando o combate ao traacutefico de armas ilegais e armas de destruiccedilatildeo em massa materiais

bioloacutegicos e quiacutemicos e narcoacuteticos O documento destaca que essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo tecircm

origens no exterior em paiacuteses que acolhem e reproduzem terroristas e carteacuteis de drogas do

crime organizado internacional Portanto era preciso manter a mudanccedila na estrateacutegia fazendo

com que ela permaneccedila ldquoequilibradardquo com accedilotildees nacionais e internacionais para conter tanto

a demanda quanto a oferta de drogas Essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo foram enfraquecidas na

administraccedilatildeo Clinton com a morte de Pablo Escobar em dezembro de 1993 e depois com

55

Isacson (2005) lembra que tanto no Congresso quanto no Senado a maioria era republicana bem como seus

liacutederes apoacutes as eleiccedilotildees de 1994 essa pressatildeo resultou na nomeaccedilatildeo do novo ldquoczar antidrogasrdquo general Barry

McCaffrey ndash ex-comandante do Comando Sul ndash para o Gabinete de Poliacutetica Nacional de Controle de Drogas

(Office of National Drug Control Policy ndash ONDCP) em novembro de 1996

85

uma seacuterie de prisotildees dos principais liacutederes das organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes de

Medelliacuten e Cali que em 1996 estavam praticamente pulverizadas

A Colocircmbia se torna nos anos 1990 o maior receptor de ajuda militar dos EUA no

Hemisfeacuterio Ocidental De acordo com o levantamento de dados do Departamento de Estado

realizado pela Common Sense for Drug Policy (CSDP) a ajuda fornecida para as forccedilas

armadas e a poliacutecia nacional colombianas para combate agraves drogas passou de US$288 milhotildees

em 1995 para cerca de US$959 milhotildees em 1997 e as vendas de materiais militares para o

paiacutes aumentou significativamente de US$219 milhotildees para US$75 milhotildees no mesmo

periacuteodo O pacote de ajuda militar anual acordado com o presidente colombiano Andreacute

Pastrana apoacutes a sua eleiccedilatildeo foi de US$289 milhotildees (COMMON SENSE FOR DRUG

POLICY 1999)

A Colocircmbia em 1994 durante a administraccedilatildeo Samper tambeacutem se tornou o uacutenico

paiacutes latino-americano a autorizar a fumigaccedilatildeo aeacuterea com herbicidas para deter o avanccedilo do

cultivo iliacutecito de coca e papoula conforme os ditames dos EUA para conter a produccedilatildeo No

entanto Boliacutevia e Peru continuavam com a erradicaccedilatildeo manual proibindo qualquer uso de

agente quiacutemico para esses fins Isacson (2005) aponta que o nuacutemero de hectares fumegados

subiu geometricamente passando de 5600 em 1996 para 127 mil hectares no ano de 2003

(ISACSON 2005 p45) Na Colocircmbia tanto o cultivo quanto a produccedilatildeo de coca cresceram

continuamente desde a deacutecada de 1980 de modo que o paiacutes ultrapassou a Boliacutevia e o Peru

juntos pela primeira vez no ano de 199856

demonstrando que a utilizaccedilatildeo de herbicidas para

deter o cultivo e a produccedilatildeo de coca natildeo atingiu os resultados almejados

Jaacute em 1999 foi elaborado o Plano Colocircmbia pela administraccedilatildeo Pastrana cujo nome

original era Plan de Desarollo Cambio para Construir la Paz que tinha como objetivo

principal cessar o conflito armado que se arrastava durante quatro deacutecadas atacando as

ldquocausas estruturaisrdquo do problema por meio de investimento econocircmico e social nas aacutereas

rurais da Colocircmbia como forma de reduzir a pobreza e a desigualdade na distribuiccedilatildeo da

riqueza Para promover o seu plano e angariar recursos o presidente colombiano foi aos EUA

O Plano em sua versatildeo original natildeo previa ajuda militar e seu foco era mais negociar um

processo de paz no paiacutes do que combater o narcotraacutefico Todavia para o governo

56

Conforme a CSDP (1999) os cultivos de coca natildeo foram erradicados porque ldquoestas culturas satildeo a uacutenica fonte

de renda dos camponeses uma vez que os campos satildeo fumigados os agricultores penetram mais

profundamente na floresta amazocircnica e cultivam em ladeiras iacutengremes Este impulso constante dos

camponeses levou ao desmatamento de mais de 175 milhotildees de hectares de floresta tropicalrdquo (COMMON

SENSE FOR DRUG POLICY 1999 traduccedilatildeo nossa)

86

estadunidense o desenho do Plano parecia vago e natildeo tinha qualquer relaccedilatildeo com os objetivos

prioritaacuterios da agenda poliacutetica norte-americana Com a visita do Ministro da Defesa

colombiano aos EUA para conseguir ajuda militar e negociaccedilotildees em torno do plano entre os

dois paiacuteses foi incluiacuteda uma estrateacutegia para fortalecer o papel do Estado na luta antinarcoacuteticos

com duraccedilatildeo de seis anos o que assumia seu caraacuteter eminentemente militar

O Plano Colocircmbia que previa um orccedilamento total de US$75 bilhotildees sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional reforccedilou o emprego de forccedilas militares e a

erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos por meio de fumigaccedilatildeo cujo foco principal foi alterado para o

combate agraves drogas para atender as diretrizes estabelecidas por Washington Para cumprir a

meta de erradicaccedilatildeo do traacutefico de drogas em 50 no periacuteodo de seis anos foram traccedilados seis

objetivos 1) reforccedilar a luta contra o traacutefico de drogas e desmantelar as organizaccedilotildees do traacutefico

atraveacutes de um esforccedilo integrado pelas forccedilas armadas 2) fortalecer o sistema judicial e

combater a corrupccedilatildeo 3) neutralizar o sistema financeiro do traacutefico de drogas e aproveitar os

seus recursos para o Estado 4) neutralizar e combater agentes violentos aliados do traacutefico de

drogas 5) integrar as iniciativas nacionais em esforccedilos regionais e internacionais e 6)

fortalecer e ampliar os planos de desenvolvimento alternativo em aacutereas afetadas pelo traacutefico

de drogas (FUKUMI 2008)

Os fundos enviados pela administraccedilatildeo Clinton deveriam ser destinados ao combate agraves

drogas e natildeo para a luta anti-subversiva contra as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da

Colocircmbia (FARC) e o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) entretanto os equipamentos e

forccedilas militares foram empregados para ambos os fins pois grande parte das operaccedilotildees

militares ocorreu contra grupos narcotraficantes em regiotildees do paiacutes que tambeacutem tecircm forte

presenccedila das guerrilhas

Essa distinccedilatildeo entre narcotraacutefico e guerrilha sofreu uma mudanccedila no decorrer da

campanha presidencial de George W Bush filho em 2000 Carpenter (2003) ressalta que o

assessor de poliacutetica externa da campanha de Bush Robert Zoellick discordava da

diferenciaccedilatildeo entre guerrilha e narcotraacutefico feita durante a administraccedilatildeo Clinton Durante a

campanha o proacuteprio Bush coadunou com as afirmaccedilotildees de Zoellick quando prometeu ajudar

ldquoo governo colombiano a proteger a sua populaccedilatildeo combater o traacutefico de drogas e conter os

impulsos dos guerrilheirosrdquo (CARPENTER 2003 p 62 traduccedilatildeo nossa)

No ano de 2001 durante a administraccedilatildeo Pastrana ocorreu um aumento de accedilotildees

consideradas terroristas perpetradas pelas guerrilhas e de outras atividades armadas contra a

87

populaccedilatildeo civil realizadas por grupos paramilitares ilegais Michelle M Norentildea (2011)

enumera que nesse ano ocorreram mais de quatrocentas accedilotildees ditas terroristas promovidas

pelas FARC As mais recorrentes foram emboscadas extorsotildees ataques agraves instalaccedilotildees

estatais entre outros Essas accedilotildees da guerrilha coincidiram cronologicamente com o atentado

contra as torres gecircmeas em 11 de setembro de 2001 em Nova York o qual desencadeou a

war on terrorism em escala global

Apoacutes os atentados de 11 de setembro a guerra contra o terrorismo global se tornou o

eixo principal da seguranccedila e poliacutetica externa norte-americana o que levou Washington a

direcionar sua atenccedilatildeo para outras regiotildees do globo fazendo com que neste contexto a

Ameacuterica Latina e Caribe deixassem de ser suas prioridades bem como o combate agraves drogas

tambeacutem perdesse terreno poliacutetico nos EUA De acordo com Coletta A Youngers e Eileen

Rosin (2005b) os funcionaacuterios encarregados da poliacutetica externa dos Estados Unidos para a

regiatildeo buscaram conseguir atenccedilatildeo e recursos colocando um leque amplo de assuntos no

mesmo bojo do terrorismo e narcoterrorismo referindo-se ldquoa todas as atividades

transfronteiriccedilas ilegais como potenciais ameaccedilas terroristas como a produccedilatildeo e traacutefico de

droga imigraccedilatildeo ilegal traacutefico de armas e lavagem de dinheirordquo chegando ao ponto de o

Comando Sul no momento do deliacuterio antiterrorismo declarar que as drogas eram uma ldquoarma

de destruiccedilatildeo massivardquo (YOUNGERS ROSIN 2005b p 12 traduccedilatildeo nossa)

Em 23 de setembro de 2001 a administraccedilatildeo Bush publicou a ordem executiva 13224

que apresentava uma lista de organizaccedilotildees terroristas que passaram a serem consideradas

como ameaccedilas para a seguranccedila nacional dos EUA em outubro do mesmo ano as FARC

foram incluiacutedas nessa lista de Terroristas Globais57

O presidente Bush chegou a identificar a

guerrilha como ldquogrupo narcotraficanterdquo e ldquosenhores da drogardquo O governo Colombiano em

dezembro de 2001 emitiu um informe ao Comitecirc Contra o Terrorismo do Conselho de

Seguranccedila da ONU no qual anunciou a criaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo contra o terrorismo

chamado El Camino Hacia la Paz y la Estrategia Contra el Terrorismo compreendendo os

ldquoprincipais riscos e ameaccedilas a seguranccedila regional hemisfeacuterica e mundial estatildeo representados

pelo crime transnacional (terrorismo narcotraacutefico traacutefico iliacutecito de armas lavagem de

dinheiro etc)rdquo (COLOcircMBIA 2001 p 50)

57

As FARC jaacute tinham sido consideradas ldquoOrganizaccedilatildeo Estrangeira Terroristardquo pelo Departamento de Estado em

1997

88

Ainda em 2001 o governo Bush elaborou a Iniciativa Regional Andina durante a III

Cuacutepula das Ameacutericas a qual depois foi apresentada e aprovada pelo Senado estadunidense

procurava abranger os mesmos paiacuteses da Iniciativa anterior58

e previa um orccedilamento de US$

731 para o ano fiscal de 2002 e estava distribuiacutedo da seguinte forma US$ 399 para a

Colocircmbia US$ 2061 milhotildees para o Peru US$ 1435 milhotildees para Boliacutevia US$ 765

milhotildees para o Equador US$ 262 para o Brasil US$ 205 milhotildees para o Panamaacute e US$ 105

milhotildees para Venezuela (BUITRAGO 2003 p 133) Segundo Villa e Ostos (2005) o

programa teve a sua nomenclatura alterada posteriormente para Iniciativa Andina Antidrogas

com o orccedilamento de US$ 700 milhotildees para 2003 e de US$ 731 milhotildees para 2004 sendo que

a Colocircmbia devido a sua prioridade estrateacutegica no combate agraves drogas ficaria com a maior

parte do recurso cerca de 63 e o restante seria divido em ordem de prioridade entre os

outros paiacuteses andinos na seguinte sequecircncia Peru Boliacutevia e Equador

A partir do Plano Colocircmbia e da Iniciativa Regional Andina a (in)definiccedilatildeo do traacutefico

de drogas como potencial ameaccedila terrorista permitiu aos EUA redirecionarem os seus

esforccedilos para combater o narcotraacutefico o crime organizado transterritorial e a insurgecircncia (das

FARC-EP na Colocircmbia ao Sendero Luminoso no Peru) como uma de suas prioridades em

mateacuteria de seguranccedila para a regiatildeo andina influindo direta e indiretamente nas agendas de

seguranccedila nacionais e regionais Ao colocar o traacutefico de drogas terrorismo e guerrilha sob o

mesmo tropo a compreensatildeo sobre as diferenccedilas particularidades e significados que existem

entre esses fenocircmenos seus agentes e suas atividades a niacutevel domeacutestico regional e global foi

prejudicada incorrendo em accedilotildees militares assimeacutetricas para combatecirc-las Isso eacute verificaacutevel

nas estrateacutegias de seguranccedila estadunidense para o arco andino as quais se tornaram

gradualmente mais ofensivas para responder agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo Tais redimensionamentos

repercutiram indireta e diretamente nos Andes colocando em questatildeo os atores regionais e

seus papeacuteis concernentes agrave seguranccedila

O papel desempenhando pelos EUA foi decisivo no processo de ldquoimposiccedilatildeordquo das

ldquoguerras agraves drogasrdquo no arco andino no entanto deve-se problematizar a unilateralidade das

poliacuteticas de Washington pois a implantaccedilatildeo da poliacutetica de drogas repressiva e seus

desdobramentos tecircm responsabilidade compartilhada (THOUMI 2001) A pressatildeo exercida

pelos diferentes governos estadunidenses recebeu algumas resistecircncias pontuais por exemplo

no que concerne agrave criaccedilatildeo de uma forccedila militar multinacional antidrogas que seria

58

Conferir Mapa 5 da seccedilatildeo anexos

89

administrada por Washington Os paiacuteses andinos incorporaram a percepccedilatildeo norte-americana

do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila gradativamente em um processo contiacutenuo de

construccedilatildeo Os marcos regulatoacuterios nacionais e as poliacuteticas de drogas implementados pelos os

Estados da regiatildeo no decorrer da emergecircncia do narcotraacutefico como ameaccedila corroboraram

para a prevalecircncia dessa construccedilatildeo e para o enraizamento do problema impedindo qualquer

iniciativa que favoreccedila o avanccedilo do debate sobre a legalizaccedilatildeo das drogas ou de outras

alternativas para a questatildeo A regiatildeo andina se tornou no decurso das trecircs uacuteltimas deacutecadas

um laboratoacuterio de experimentaccedilatildeo da guerra assimeacutetrica contra as drogas mas isso natildeo

ocorreu sem anuecircncia de governos andinos e de parte da sociedade que os apoiaram A

identificaccedilatildeo do traacutefico de drogas com problemas tradicionais de seguranccedila regional e

nacional bem como a sua vinculaccedilatildeo com a guerrilha e com o terrorismo demonstram que

esse processo de construccedilatildeo da ameaccedila foi exitoso ndash poreacutem improfiacutecuo no que tange aos seus

resultados ndash mas com alcances diferentes de acordo com as particularidades das poliacuteticas de

seguranccedila a esse respeito O proacuteximo capiacutetulo abordaraacute como cada paiacutes se alinhou e ou

contestou agraves diretrizes internacionais o desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo

das drogas iliacutecitas em cada Estado da CAN

90

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila Democraacutetica

A Colocircmbia estaacute entre os paiacuteses que mais auferiram recursos financeiros dos EUA

para pocircr em curso programas militares e ou de seguranccedila consequentemente eacute tambeacutem o

principal aliado de Washington na Ameacuterica do Sul A influecircncia do paiacutes norte-americano

sobre a Colocircmbia atravessou todo o seacuteculo XX

No final do seacuteculo passado a Colocircmbia passava por um momento de agravamento do

conflito interno que atingiu proporccedilotildees calamitosas59

e de expansatildeo das atividades do traacutefico

de drogas Naquele momento o paiacutes apresentou um crescimento desenfreado do cultivo de

coca que passou de 101800 ha em 1998 para 160100 ha em 1999 e da produccedilatildeo de cocaiacutena

que no mesmo periacuteodo passou de 435 para 680 toneladas meacutetricas (UNODC 2005 p 61)

Este crescimento do cultivo da coca e da produccedilatildeo de cocaiacutena estaacute relacionado com a

mudanccedila da dinacircmica do traacutefico de drogas ocorrida em meados de 1990 quando a ldquoponte

aeacutereardquo que ligava os centros de cultivo de coca na Boliacutevia e no Peru agraves instalaccedilotildees de

processamento de cocaiacutena na Colocircmbia foi desarticulada o que motivou o aumento dos

plantios de coca na Colocircmbia a partir da segunda metade dos anos 1990 Em 2000 o paiacutes

produzia 70 da cocaiacutena do mundo Frente a este quadro os governos de Andreacutes Pastrana

Arango (1998-2002) e Aacutelvaro Uribe Veacutelez (2002-2010) se propuseram consecutivamente

elaborar estrateacutegias para conter as fontes de financiamento do traacutefico de drogas e para

restabelecer a paz no paiacutes

Assim que assumiu a presidecircncia Pastrana declarou ldquoguerra agraves drogasrdquo e criou

iniciativas para modernizar e reequipar a poliacutecia nacional e as forccedilas armadas Pastrana tinha

como um dos seus objetivos chegar a um termo com as FARC que era o maior grupo

guerrilheiro colombiano e um dos atores centrais do conflito para consolidar a paz no paiacutes

59

No transcurso da deacutecada de 1990 o conflito armado na Colocircmbia resultou em numerosos iacutendices de mortos

desaparecidos sequestrados feridos chacinas massacres e refugiados Entre o comeccedilo de 1990 ateacute marccedilo de

2002 cerca de 37 mil pessoas foram mortas pelo conflito Outro nuacutemero alarmante foi o de refugiados

forccedilados dentro do territoacuterio colombiano que atingiu 2900000 pessoas (SANTOS 2007 p 183)

91

No ano de 199960

a administraccedilatildeo de Pastrana apresentou o Plan Colombia Plan para la

paz la prosperidad y el fortalecimiento del Estado que contemplava dez estrateacutegias 1) uma

estrateacutegia econocircmica para geraccedilatildeo de empregos e robustecimento da arrecadaccedilatildeo de impostos

para fortalecimento do Estado contra o narcotraacutefico 2) uma estrateacutegia fiscal e financeira para

fomentar a atividade econocircmica 3) uma estrateacutegia de paz com a guerrilha 4) uma estrateacutegia

para a defesa nacional para reestruturar e modernizar as forccedilas armadas e a poliacutecia 5) uma

estrateacutegia judicial e de direitos humanos 6) uma estrateacutegia antinarcoacuteticos coordenada com os

paiacuteses envolvidos na cadeia do narcotraacutefico 7) uma estrateacutegia de desenvolvimento

alternativo 8) uma estrateacutegia de participaccedilatildeo social com a finalidade de gerar o compromisso

da sociedade em geral 9) uma estrateacutegia de desenvolvimento humano com atenccedilatildeo especial

aos grupos vulneraacuteveis e 10) uma estrateacutegia de orientaccedilatildeo internacional que aborde o tema

das drogas a partir dos princiacutepios de corresponsabilidade accedilatildeo integrada e tratamento

equilibrado (COLOcircMBIA 1999) No ano 2000 apoacutes as negociaccedilotildees entre os governos

Pastrana e Clinton foi lanccedilada a quarta versatildeo do Plano a qual previa cinco componentes

principais para a assistecircncia norte-americana 1) melhoramento da capacidade de governanccedila

e respeito aos direitos humanos 2) expansatildeo das operaccedilotildees para o sul da Colocircmbia 3)

desenvolvimento econocircmico alternativo 4) aumento da interdiccedilatildeo na Colocircmbia e na regiatildeo

5) assistecircncia para a Poliacutecia Nacional da Colocircmbia

O Plano Colocircmbia foi uma das estrateacutegias mais abrangentes delineadas pelo governo

colombiano em parceria com os EUA para enfrentar o conflito armado e o narcotraacutefico Para

colocaacute-lo em praacutetica estava previsto um orccedilamento total de US$75 bilhotildees ndash sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional ndash e a estimativa de duraccedilatildeo era de cinco anos O

plano surge principalmente para combater o traacutefico de drogas e na sua ediccedilatildeo de 1999 o

narcotraacutefico era entendido como ldquouma ameaccedila para a seguranccedila interna natildeo soacute da Colocircmbia

mas tambeacutem para as outras naccedilotildees consumidoras e produtorasrdquo (COLOcircMBIA 1999 traduccedilatildeo

nossa) Este trecho expressa bem a influecircncia dos Estados Unidos que sob a premissa de

combater uma ldquoameaccedilardquo global incluiu todos os paiacuteses andinos na luta contra o

ldquonarcotraacuteficordquo O Plano trazia consigo a marca da ambiguidade Por um lado procurava

abordar as urgecircncias e problemas internos por outro respondia a interesses nacionais

regionais e geopoliacuteticos dos EUA A ambiguidade reflete natildeo apenas no conteuacutedo do plano

60

A primeira versatildeo do plano foi elaborada em 1998 cuja abordagem era mais focada nas questotildees sociais e

econocircmicas entendidas como os principais fatores para alcanccedilar a paz na Colocircmbia A segunda versatildeo foi

apresentada em junho de 2009 e a terceira foi publicada em setembro do mesmo ano

92

mas tambeacutem na forma como ele seria executado por exemplo o plano de paz que previa

soluccedilatildeo negociada com as FARC apoacutes a nova redaccedilatildeo sob as orientaccedilotildees de Washington no

ano de 2000 se tornou uma estrateacutegia de contrainsurgecircncia

Juan Gabriel Tokatlian (2009) aponta que a militarizaccedilatildeo da luta contra o narcotraacutefico

formulada sob o Plano Colocircmbia operou uma redefiniccedilatildeo dos interesses regionais dos EUA

no arco andino isto se deve ao paradigma securitaacuterio estadunidense que legitima a poliacutetica

intervencionista na regiatildeo para combater o narcotraacutefico que eacute considerado um problema natildeo

apenas transnacional mas tambeacutem internacional e geopoliacutetico Segundo Tokatlian

inicialmente a assistecircncia de Washington para o Plano Colocircmbia era restrita ao combate

contra o narcotraacutefico mas a partir dos atentados contra as torres gecircmeas em 2001 o governo

colombiano passou a tratar as FARC e as organizaccedilotildees criminosas como grupos terroristas e

isto permitiu que os fundos para o Plano fossem destinados tambeacutem para combater as

guerrilhas e internacionalizasse o conflito ocasionando o ldquoefeito derramerdquo ou seja a

intensidade dos combates contra o ldquonarcoterrorismordquo incorreu no espalhamento das atividades

do narcotraacutefico para as fronteiras e para dentro dos territoacuterios nacionais dos paiacuteses vizinhos

assim como outros fatores ligados direta e indiretamente agrave esta atividade iliacutecita

Desde o ano de seu lanccedilamento ateacute 2002 o Plano teve impacto sobre o plantio de

coca A erradicaccedilatildeo forccedilada que combinava accedilotildees de erradicaccedilatildeo manual e fumigaccedilotildees aeacutereas

com o uso de glifosato fizeram com que o total de cultivos que era de 163000 ha em 1999

fosse reduzido para 102000 ha em 2002 O uso indiscriminado de glifosato aleacutem de

aumentar os custos com a erradicaccedilatildeo provocou o deslocamento forccedilado de milhares de

famiacutelias impulsionando tambeacutem a transferecircncia dos cultivos para as aacutereas situadas nas

regiotildees limiacutetrofes principalmente na fronteira com o Equador como satildeo os casos dos

Departamentos de Narintildeo e Putumayo

Os resultados do Plano Colocircmbia ateacute o comeccedilo de 2001 foram vistos pelo presidente

norte-americano Clinton como piacutefios Mesmo com a reduccedilatildeo gradativa dos cultivos o traacutefico

de cocaiacutena continuava prosperando pois para Washington o fim dos ldquocarteacuteis colombianosrdquo

resultou no surgimento de inuacutemeros outros grupos narcotraficantes menores fazendo com que

ocorresse um processo de ldquodemocratizaccedilatildeo do narcotraacuteficordquo (FUKUMI 2008) Aleacutem disso as

93

negociaccedilotildees do presidente Pastrana com as FARC natildeo avanccedilaram61

assim como o governo

natildeo conseguiu fortalecer a presenccedila institucional no territoacuterio colombiano principalmente nas

aacutereas afetadas pela pobreza e pela violecircncia crescente Sua figura foi associada ao fracasso

poliacutetico e o marco simboacutelico dessa situaccedilatildeo foi o sequestro do aviatildeo comercial perpetrado

pelas FARC no comeccedilo de 2002 Todos os passageiros foram sequestrados e o presidente da

comissatildeo de paz do congresso foi feito refeacutem Essa accedilatildeo motivou Pastrana a romper o

processo de negociaccedilatildeo de paz De acordo com Villa e Ostos (2005) o maior ecircxito da

administraccedilatildeo de Pastrana foi no aspecto externo ldquoao restabelecer plenamente as relaccedilotildees

com os EUA aceitando no entanto a internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano e da luta

contra o narcotraacutefico por meio de mecanismos concretos como o Plano Colocircmbiardquo (VILLA

OSTOS 2005 p 7)

A eleiccedilatildeo no primeiro turno de Aacutelvaro Uribe em 2002 foi marcada pela sua bandeira

de luta contra a guerrilha apostando no uso da forccedila militar sob o lema mano firme y corazoacuten

grande o que divergia da poliacutetica de negociaccedilatildeo de seu antecessor A persistente existecircncia

das FARC e o seu espalhamento com a formaccedilatildeo de novas frentes de luta insurgente pelo

territoacuterio colombiano bem como o contexto da guerra contra o terrorismo promoveram uma

mudanccedila de como a guerra agraves drogas deveria ser conduzida Os atentados de 11 de setembro

criaram um ambiente favoraacutevel para que o receacutem-empossado presidente Uribe (2002-2010)

apresentasse o seu plano de seguranccedila no qual a insurgecircncia eacute classificada como ldquoterrorismordquo

e suas atividades como ldquonarcoterroristasrdquo Esta mudanccedila discursiva coadunava com a visatildeo

estadunidense sobre o conflito colombiano

O governo colombiano foi apoiado pelos EUA o presidente Bush enviou US$ 100

milhotildees para reequipar as forccedilas armadas para o combate ao ldquonarcoterrorismordquo e para a

proteccedilatildeo de oleodutos (TEICHER 2005) Esta forte presenccedila de Washington nos assuntos

internos da Colocircmbia estaacute relacionado com aquilo que Arlene B Tickner (2007) chamou de

ldquointervenccedilatildeo por conviterdquo ou seja tanto o presidente Pastrana quanto Uribe recorreram aos

EUA para que este paiacutes interviesse em sua poliacutetica domeacutestica para auxiliar na luta contra o

traacutefico de drogas e contra os grupos armados insurgentes

Nos primeiros anos de seu mandato Uribe concentrou seus esforccedilos para reafirmar o

controle do governo em todo o paiacutes e executar o Plano Colocircmbia As principais medidas

61

O presidente Pastrana chegou a conceder para a guerrilha uma zona desmilitarizada que cobria 40 do

territoacuterio colombiano (VILLA OSTOS 2005 p 7)

94

adotadas nos primeiros anos de seu governo foram a) a promulgaccedilatildeo de um decreto

emergencial que concedia poderes ao presidente para recrutar ateacute 6000 soldados para a elite

de brigadas moacuteveis 10 mil novos policiais e 100000 informantes civis b) a criaccedilatildeo de um

imposto de guerra para taxar em 12 a renda de pessoas ricas e grandes empresas no intuito

de levantar $ 800 milhotildees para criaccedilatildeo de 2 batalhotildees de elite com 3 mil soldados e a para a

contrataccedilatildeo de 10 mil policiais c) o lanccedilamento do Plano Meteoro o qual criou sete unidades

militares de seguranccedila rodoviaacuteria que integrava os Ministeacuterios da Defesa e do Transporte d)

e a apresentaccedilatildeo de um plano para armar entre 15 a 20 mil camponeses que seriam a primeira

linha de defesa contra guerrilheiros e paramilitares em aacutereas onde natildeo haacute presenccedila militar

(TEICHER 2005 p 7) A ecircnfase dada agrave presenccedila militar pelo governo colombiano tinha o

intuito de simbolizar e exercer efetivamente o poder do Estado sobre o territoacuterio e a

populaccedilatildeo mas tambeacutem criar as condiccedilotildees necessaacuterias para garantir um ambiente seguro para

a entrada do capital financeiro internacional e de seus investimentos

O Plano Colocircmbia incidiu sobremaneira na Poliacutetica de Defensa y Seguridad

Democraacutetica (tambeacutem conhecida como Poliacutetica Seguridad Democraacutetica - PSD)

implementada em 2003 que se tornou o marco legal orientador das questotildees de seguranccedila

neste paiacutes A PSD foi concebida como poliacutetica de Estado a longo prazo que deveria ser

desenvolvida por todos oacutergatildeos governamentais Esta poliacutetica objetivava recuperar a

legitimidade a legalidade e a governabilidade do Estado colombiano para aprofundar e

assegurar o Estado de Direito em todo o territoacuterio colombiano por meio da preservaccedilatildeo da

autoridade democraacutetica (COLOMBIA 2003) O governo Uribe tinha o propoacutesito de fortalecer

as instituiccedilotildees do Estado e reunificar o territoacuterio nacional politicamente fragmentado e a PSD

cumpriria esta tarefa pois a sua finalidade era ldquorestabelecer a ordem e a integridade territorial

na Colocircmbia e fortalecer a autoridade do Estadordquo (VILLA VIANA 2008 p167) A PSD foi

elaborada sobre trecircs alicerces fundamentais

Consolidaccedilatildeo do territoacuterio nacional (com destaque para o papel das

Forccedilas Armadas e uma desmobilizaccedilatildeo dos grupos paramilitares)

eliminaccedilatildeo do comeacutercio das drogas iliacutecitas fortalecendo para isso a

poliacutetica de fumigaccedilatildeo das zonas de plantio e combate pelo Exeacutercito

aos grupos de narcotraficantes e proteccedilatildeo das fronteiras mediante

acordos com os paiacuteses vizinhos (VILLA VIANA 2008 p167)

A PSD tinha como um dos seus pontos centrais qualificar o conflito armado como

ameaccedila militar De acordo com o governo os grupos guerrilheiros seriam financiados pelo

narcotraacutefico e utilizam ldquopraacuteticas terroristasrdquo como taacutetica de guerra portanto essa ameaccedila

95

militar deveria ser prioridade para seguranccedila nacional Essa poliacutetica militarista do governo

colombiano se aproximou das propostas de Washington de guerra ao terror (QUIROGA

2003) Essa descaracterizaccedilatildeo da dimensatildeo poliacutetica do conflito e das reivindicaccedilotildees dos

grupos insurgentes permitiu ao governo Uribe declarar desde o iniacutecio de seu governo o

ldquoestado de conmocioacuten interiorrdquo de acordo com a constituiccedilatildeo de 1991 ou seja essa

declaraccedilatildeo de estado de exceccedilatildeo permitiu ao presidente conceder poderes excepcionais agraves

forccedilas armadas acima das instituiccedilotildees judiciaacuterias do Estado submetendo tambeacutem as

autoridades civis eleitas democraticamente aos respectivos comandantes locais (VILLA

VIANA 2008 p169)

Este fortalecimento do papel das forccedilas armadas para combater as guerrilhas e o

narcotraacutefico era ambiacuteguo pois o conflito de interesses para resoluccedilatildeo do problema ficou

evidente nas formas distintas de tratar as guerrilhas e os grupos paramilitares No primeiro

caso cessaram-se as negociaccedilotildees e foi declarada guerra agraves FARC e a ELN no segundo o

governo iniciou em 2003 o processo de Desmobilizacioacuten Desarme y Reinsercioacuten (DDR) dos

grupos paramilitares A partir daiacute foi aberto um canal de diaacutelogo do governo com as AUC ndash o

maior e o mais bem armado grupo paramilitar colombiano no comeccedilo dos anos 2000 ndash que

visava a desmobilizar e desarmar cerca de 34 blocos da organizaccedilatildeo e reincorporar os seus

membros agrave vida civil com garantia de seus direitos Tal accedilatildeo objetivava unificar a poliacutetica de

seguranccedila e restabelecer o monopoacutelio estatal do uso da forccedila entretanto o paramilitarismo

natildeo foi extinto e continua descentralizado e presente em vaacuterios pontos do territoacuterio

colombiano principalmente como ldquobandas criminais emergentesrdquo (Bacrim)62

O presidente Uribe ao impor a sua poliacutetica de seguranccedila natildeo levou em consideraccedilatildeo

os problemas estruturais de longa duraccedilatildeo da Colocircmbia e a complexidade do conflito A

simplificaccedilatildeo do processo trouxe consequecircncias indeleacuteveis para a populaccedilatildeo e os deslocados

internos estavam entre os mais prejudicados com a crise dos direitos humanos a negaccedilatildeo do

direito internacional humanitaacuterio e a ausecircncia de garantias miacutenimas de sobrevivecircncia aleacutem da

natildeo distinccedilatildeo entre combatentes e natildeo combatentes que provocou inuacutemeros casos de

violaccedilotildees dos direitos humanos No ano de 2002 os deslocamentos internos alcanccedilaram

iacutendices elevados atingindo 411779 pessoas um aumento de 20 em relaccedilatildeo a 2001

62

As bandas criminales emergentes conhecidas pela sigla Bacrim em sua maioria emergiram apoacutes o processo

de desmobilizaccedilatildeo dos blocos que compunham as AUC Muitos de seus integrantes natildeo aceitaram se

desmobilizar e se reestruturaram e se fragmentaram em inuacutemeros novos grupos criminosos que continuaram

exercendo atividades iliacutecitas sendo o traacutefico de drogas uma das principais A nomenclatura Bacrim foi

utilizada pelo presidente Uribe para denunciar este fenocircmeno

96

(VIANA 2009 p 137) Para tentar solucionar o problema uma das medidas anunciadas pelo

Presidente Aacutelvaro Uribe Veacutelez foi a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Desenvolvimento

(2002-2006) o qual colocou a questatildeo dos deslocamentos internos como o maior problema

humanitaacuterio da Colocircmbia e se tornou prioridade no Plano Nacional de Defesa com a

promulgaccedilatildeo da lei 812 de 2003

A PSD considera fundamental para o fortalecimento do Estado de Direito a

consolidaccedilatildeo gradativa do controle estatal sobre a totalidade do territoacuterio nacional Para

consecuccedilatildeo deste objetivo o Estado colombiano utiliza com veemecircncia as Forccedilas Armadas e

a Poliacutecia Nacional para combater diferentes tipos de ameaccedilas sendo que muitas delas estatildeo

interligadas e satildeo de natureza transnacional o terrorismo o comeacutercio de drogas iliacutecitas as

financcedilas iliacutecitas o traacutefico de armas municcedilotildees e explosivos o sequestro e a extorsatildeo o

homiciacutedio (COLOMBIA 2003) O governo colombiano concebe o terrorismo e o traacutefico de

drogas como ldquoameaccedilas indissociaacuteveisrdquo conforme a Resoluccedilatildeo 1373 de 2001 do Conselho de

Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas a qual trata traacutefico de drogas crime organizado transnacional e

o terrorismo internacional como atividades inter-relacionadas63

A partir deste quadro

normativo as forccedilas armadas tecircm direcionado suas accedilotildees ao combate ao terrorismo e ao crime

organizado internacional desempenhado por uma seacuterie de organizaccedilotildees criminosas e grupos

subversivos que segundo o governo colombiano eram principalmente as FARC e em menor

grau o ELN

No comeccedilo do ano de 2007 o governo colombiano anunciou o lanccedilamento da

Estrategia de Fortalecimiento de la Democracia y del Desarrollo Social 2007-2013 (ou Plano

Colocircmbia II) que pretendia angariar apoio da ldquocomunidade internacionalrdquo sobretudo os

EUA para implementar a segunda fase do Plano Colocircmbia Diana Marcela Rojas (2007)

aponta que a Estrateacutegia pretendia consolidar as conquistas do Plano Colocircmbia I a partir de

uma reinterpretaccedilatildeo retrospectiva do primeiro Plano procurando ampliaacute-lo e aprofundaacute-lo e

natildeo restringi-lo agrave luta antidrogas e ao combate agraves guerrilhas Portanto deveria abarcar um

63

A Resoluccedilatildeo 1373 em seu art 4 ldquoObserva com preocupaccedilatildeo a estreita conexatildeo entre o terrorismo internacional

e o crime organizado transnacional as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro traacutefico ilegal de armas e a

circulaccedilatildeo iliacutecita materiais nucleares quiacutemicos materiais bioloacutegicos e outros materiais potencialmente letais e

nesse sentido enfatiza a necessidade de melhorar a coordenaccedilatildeo de esforccedilos em niacuteveis nacional sub-regional

regional e internacional a fim de reforccedilar uma resposta global a este grave problema e a esta grande ameaccedila agrave

seguranccedila internacionalrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwbportugalptpt-

PTLegislacaoenormasDocumentsResolucao1373ano2001pdfgt Acesso em 22 dez 2015

97

conjunto de estrateacutegias e contaria com o orccedilamento de US$ 438366 milhotildees dos quais 48

seriam dirigidos para as questotildees sociais

A administraccedilatildeo Uribe apresentou no mesmo ano a Poliacutetica de Consolidacioacuten de la

Seguridad Democraacutetica (PCSD) que ldquoestabelece as prioridades e objetivos poliacuteticos

especiacuteficos que orientariam a accedilatildeo do Ministeacuterio de Defesa as Forccedilas Armadas e a Poliacutecia

Nacionalrdquo (COLOMBIA 2007 p 29) e seu aspecto fundamental seria a Doutrina de Accedilatildeo

Integral (DAI) que constitui a ldquoprincipal coordenaccedilatildeo do uso legiacutetimo da forccedila e accedilatildeo social

do Estadordquo para determinar as accedilotildees mais adequadas em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo da

estrateacutegia militar e policial contra as principais ameaccedilas sobretudo aquelas relacionadas ao

crime organizado internacional Dentre os seus objetivos estatildeo a proteccedilatildeo da populaccedilatildeo contra

todas as ameaccedilas e o impedimento do desenvolvimento da atividade do narcotraacutefico elevando

os custos de sua realizaccedilatildeo

O combate ao narcotraacutefico eacute realizado mormente pela Divisatildeo Antinarcoacuteticos da

Poliacutecia Nacional Os militares estatildeo envolvidos na luta contra o traacutefico de drogas iliacutecitas ou

por meio de operaccedilotildees conjuntas com a poliacutecia ou por accedilotildees independentes Esse

envolvimento militar acontece especialmente pela Brigada Antinarcoacutetico do Exeacutercito

colombiano com base em Tres Esquinas (Putumayo) composta por 3 batalhotildees atribuiacutedos agrave

Fuerza de Tarea Conjunta del Sur cuja organizaccedilatildeo e formaccedilatildeo que comeccedilou em 1999

tiveram participaccedilatildeo ativa dos Estados Unidos por meio do Plano Colocircmbia (COMANDO

CONJUNTO DE LAS FUERZAS ARMADAS [2013])

Em 2011 durante o governo de Juan Manuel Santos foi implantada a Poliacutetica Integral

de Seguridad y Defensa para Prosperidad visando dentre outras questotildees diminuir a

produccedilatildeo nacional de narcoacuteticos fortalecer as capacidades de interdiccedilatildeo desarticular as

bandas criminales (Bacrim) e desmantelar os grupos armados agrave margem da lei O documento

considera como ameaccedila as FARC e o ELN as Bacrim as miliacutecias e redes criminosas a

delinquecircncia comum e o crime organizado (COLOMBIA 2011 p 19) Segundo o

documento o surgimento de um novo cenaacuterio nas uacuteltimas deacutecadas marcado pelas

transformaccedilotildees das ameaccedilas fez com que estas migrassem do acircmbito nacional para o regional

e o Ministeacuterio de Defesa Nacional as Forccedilas Militares a Poliacutecia Nacional e demais

instituiccedilotildees ligadas ao setor de seguranccedila teratildeo como tarefa principal a superaccedilatildeo da violecircncia

promovida por estas ameaccedilas para consolidaccedilatildeo da presenccedila estatal na totalidade do territoacuterio

nacional Para tanto o Ministeacuterio da Defesa delinearaacute um conjunto de estrateacutegias para atuar

98

com forccedilas polivalentes na seguranccedila interna e dissuasatildeo externa para conter a dinacircmica do

crime transnacional (COLOMBIA 2011)

Com a chegada de Juan Manuel Santos em 2010 ocorreu uma mudanccedila na poliacutetica

externa colombiana principalmente no que tange agraves relaccedilotildees com os paiacuteses vizinhos como o

Equador e a Venezuela cujas relaccedilotildees foram prejudicadas principalmente por conta da

internacionalizaccedilatildeo do conflito interno durante a administraccedilatildeo de Uribe e de sua agenda para

fortalecimento das relaccedilotildees na Ameacuterica do Sul Em relaccedilatildeo agrave seguranccedila a Poliacutetica Integral de

Seguranccedila de Manuel Santos manteacutem as forccedilas militares na atuaccedilatildeo da seguranccedila interna e na

luta antidrogas A retomada das negociaccedilotildees com as FARC em Havana apresentou alguns

avanccedilos e foram maiores do que os seus antecessores como a participaccedilatildeo poliacutetica da

guerrilha a aceitaccedilatildeo da proposta para criaccedilatildeo de uma Comissatildeo da Verdade com o anuacutencio

de cessar-fogo temporariamente por parte da guerrilha No entanto a luta militarizada para

combater o traacutefico de drogas e a percepccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila continuaram

As forccedilas armadas foram novamente acionadas para combater as guerrilhas insurgentes no

Plan Campantildea Espada de Honor (ou Operacioacuten Espada de Honor) no ano de 2012

Liderado pela Segunda Divisatildeo do Exeacutercito o plano pretendeu desarticular as FARC e o ELN

em 3 niacuteveis comando e controle estruturas armadas e redes de apoio As operaccedilotildees militares

ocorreram nos departamentos de Santander Boyacaacute Boliacutevar Cesar e Antioquia capturando

cerca de 428 integrantes de grupos armados ilegais As FARC tiveram 260 integrantes presos

o ELN sofreu prisatildeo de 111 membros o EPL (Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo) teve 17

integrantes presos e os outros 40 presos pertenciam as Bacrim64

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana

O Equador estaacute localizado entre os dois maiores produtores de cocaiacutena do mundo

Colocircmbia e Peru e a sua posiccedilatildeo costeira voltada para o Oceano Paciacutefico o insere na

geopoliacutetica das drogas como parte das redes do narcotraacutefico atraveacutes de seus corredores

terrestres mariacutetimos e aeacutereos e da estrateacutegia hemisfeacuterica antidrogas dos EUA No acircmbito do

traacutefico de drogas no que tange agrave produccedilatildeo circulaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo o paiacutes desempenha

quatro funccedilotildees fundamentais 1) Eacute uma das principais vias de tracircnsito de folha de coca

64

HSB Noticias Positivo balance del Plan Campantildea Espada de Honor 16 de maio de 2013 Disponiacutevel em

lthttpwwwhsbnoticiascomvernoticiaaspac=Positivo-balance-del-Plan-de-Campana-Espada-de-

HonorampWPLACA=51365gt Acesso em 25 mar 2015

99

cultivadas na Boliacutevia e no Peru para serem processadas na Colocircmbia 2) eacute ponto de partida de

diferentes rotas do traacutefico de drogas para os mercados internacionais como os EUA e

Europa65

(e mais recentemente para Aacutesia) 3) eacute mercado de contrabando de precursores

quiacutemicos utilizado no processamento da cocaiacutena e heroiacutena e de traacutefico de armas que

abastecem as organizaccedilotildees criminosas e grupos armados colombianos 4) eacute uma economia

receptora dos fluxos monetaacuterios iliacutecitos provenientes da lavagem de dinheiro66

(VEGA 2005

BONILLA URIGUumlEN 2009) O cultivo de coca no paiacutes eacute de pequena escala e inexpressivo

se comparado com Boliacutevia Colocircmbia e Peru (VEacuteLEZ 2005 BONILLA URIGUumlEN 2009

UNODC 2010a)67

No ano de 1990 o Congresso Nacional do Equador promulgou a Lei 108 sobre

Substacircncias Entorpecentes e Psicotroacutepicas a qual reproduzia no acircmbito interno a loacutegica

proibicionista e punitiva das convenccedilotildees internacionais Em seu Artigo 1ordm a Lei 108 expressa

o seu objetivo da seguinte forma ldquoEsta Lei tem como objetivo combater e erradicar a

produccedilatildeo oferta uso indevido e traacutefico iliacutecito de substacircncias entorpecentes e psicotroacutepicas

para proteger a comunidade dos perigos decorrentes destas atividadesrdquo (EQUADOR 1990

traduccedilatildeo nossa)

A lei antidrogas equatoriana depois de aprovada foi revisada pela Narcotics Affairs

Section (NAS) da Embaixada dos EUA no paiacutes e pela CICAD onde foram incorporados os

comentaacuterios e orientaccedilotildees destes oacutergatildeos Edwards (2010) salienta que esta lei em sua maior

parte era contraditoacuteria em relaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo do Equador vigente agrave eacutepoca pois dava

vazatildeo para constituir uma estrutura judicial paralela para processar os crimes relacionados agraves

drogas Assim sendo a Lei 108 se tornou uma das mais ldquoaplicadas pela administraccedilatildeo de

justiccedila penal e por um enorme aparato governamental que inclui um corpo policial

especializado instalaccedilotildees proacuteprias e um oacutergatildeo administrativo para manejar os recursos que

65

No ano de 1992 a Poliacutecia Nacional equatoriana prendeu Jorge Hugo Reyes o liacuteder do grupo narcotraficante

conhecido como Los Reys Magos (que tinha na eacutepoca um patrimocircnio de cerca de US$ 1 milhatildeo de doacutelares)

mais dois coroneacuteis e um major do exeacutercito e outros membros das forccedilas armadas do paiacutes No depoimento de

uma das fontes da poliacutecia foi denunciado que Los Reys Magos mantinham contato na Alemanha EUA Suiacuteccedila

Colocircmbia Peru e Meacutexico o que demonstrou o quatildeo articulada e extensa era a rede narcotraficante equatoriana

no iniacutecio dos anos 1990 Informaccedilotildees disponiacuteveis em lt httpwwweltiempocomarchivodocumentoMAM-

160772gt Acesso em 12 abr 2015 66

A dolarizaccedilatildeo integral da economia a partir de 2000 foi um fator imprescindiacutevel para inserir a economia

equatoriana nos circuitos da lavagem de dinheiro 67

Segundo o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas de 2011 no Equador o cultivo de coca eacute de 004 do total

regional Fredy Rivera Veacutelez (2005) explica que um dos motivos para a quase inexistecircncia do cultivo de folha

de coca no Equador estaacute relacionado com a eliminaccedilatildeo da coca das praacuteticas ritualiacutesticas e tradicionais dos

povos indiacutegenas da regiatildeo pelo governo colonial no seacuteculo XVII Mesmo com o fim do periacuteodo colonial o uso

tradicional da folha de coca natildeo foi reavivado no paiacutes pelos camponeses

100

gera a luta contra o narcotraacuteficordquo (CORDERO HEREDIA 2010 apud EDWARDS 2010 p

8 traduccedilatildeo nossa) Esta lei se tornou uma das mais riacutegidas da Ameacuterica Latina68

sobretudo

pelo fato de ser influenciada diretamente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves drogasrdquo dos EUA e por

atender irrefletidamente as exigecircncias dos regimes internacionais

A Lei 108 criou o Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y

Psicotroacutepicas (CONSEP) um oacutergatildeo oficial com orccedilamento proacuteprio sediado na capital Quito

cuja finalidade eacute coordenar a aplicaccedilatildeo da lei antidrogas na esfera nacional (EQUADOR

1990)69

O CONSEP tem como missatildeo o cumprimento da poliacutetica de Estado e da Declaraccedilatildeo

de Interesse nacional e estabelecer as poliacuteticas e normas teacutecnicas inerentes agrave problemaacutetica das

drogas70

No decurso dos anos 1990 a poliacutetica antidrogas do Equador foi enrijecendo

progressivamente conforme implementava o princiacutepio da ldquoguerra agraves drogasrdquo entretanto esta

temaacutetica natildeo era prioridade nesse contexto pois a contenda fronteiriccedila com o Peru que

culminou numa guerra entre os dois Estados era a principal questatildeo a ser tratada pelo

governo equatoriano exigindo a atuaccedilatildeo integral das forccedilas armadas

Apoacutes o teacutermino e resoluccedilatildeo do conflito limiacutetrofe com o paiacutes vizinho o governo

equatoriano se viu diante de um cenaacuterio de violecircncia na fronteira norte com a Colocircmbia

gerada pela atuaccedilatildeo das guerrilhas grupos paramilitares e narcotraficantes Essa situaccedilatildeo fez

com que o as autoridades equatorianas reavaliassem a agenda de seguranccedila nacional e o papel

que deveriam ter as forccedilas de seguranccedila da naccedilatildeo A partir de entatildeo o combate ao

narcotraacutefico ganha proeminecircncia na agenda de seguranccedila principalmente no que tange agrave

reduccedilatildeo da oferta Essa mudanccedila de ecircnfase culminou em um aumento da assistecircncia

econocircmica dos EUA para as forccedilas militares e policiais entre o periacuteodo de 1996 e 1999

passando de US$ 3 milhotildees para quase US$ 13 milhotildees (EDWARDS 2010 p 4) Com

efeito a estrateacutegia de controle de drogas adotada pelo governo equatoriano sob pressatildeo

estadunidense produziu inuacutemeros efeitos no paiacutes Um desses efeitos foi a competiccedilatildeo entre a

68

A Lei 108 natildeo distinguia consumidores mulas (transportadores de pequenas quantidades de drogas) pequenos

traficantes e as grandes redes de traacutefico de drogas internacional todos eram julgados da mesma forma e sem

proporcionalidade um indiviacuteduo condenado por vinculaccedilatildeo ao narcotraacutefico era punido com doze a quinze anos

de cadeia Depois de anos de sua elaboraccedilatildeo esta lei sofreu algumas alteraccedilotildees em 1997 e passou a diferenciar

traficantes de consumidores e modificou as sanccedilotildees e puniccedilotildees para cada caso (EQUADOR 1990

EDWARDS 2010) 69

No periacuteodo anterior agrave criaccedilatildeo do CONSEP a instituiccedilatildeo que exercia um papel semelhante era a Divisioacuten

Nacional Contra el Traacutefico Iliacutecito de Estupefacientes (DINACONTES) 70

Estas informaccedilotildees podem ser consultadas na paacutegina virtual da CONSEP que estaacute disponiacutevel em

lthttpwwwconsepgobecgt Acesso em 13 fev 2015

101

poliacutecia nacional e as forccedilas armadas para ver quem obteria a maior fatia possiacutevel dos recursos

provenientes dos EUA aleacutem de provocar sobreposiccedilatildeo de papeacuteis entre as duas instituiccedilotildees

(VEacuteLEZ 2005)

A intensa atuaccedilatildeo das redes iliacutecitas de traacutefico ilegal de precursores quiacutemicos e de

armas municcedilotildees e explosivos em territoacuterio equatoriano fez com que o governo deste paiacutes

fosse interpretado pelos EUA como ldquofacilitadorrdquo das atividades do traacutefico de drogas na

Colocircmbia Diante da situaccedilatildeo Washington pressionou as autoridades equatorianas para

revisarem as prioridades securitaacuterias do Equador uma vez que o conflito com o Peru tinha

terminado Vasquez ressalta que o governo norte-americano considerava o Equador como um

ldquoEstado tampatildeordquo o Congresso estadunidense se referiu ao paiacutes andino como ldquobuffer zonerdquo

que poderia conter o alastramento do conflito colombiano por toda a regiatildeo andina Para que

isto acontecesse era necessaacuterio apoiar o paiacutes por meio da Iniciativa Regional Andina

O interesse geoestrateacutegico dos EUA no Equador levou agrave assinatura de um acordo entre

os presidentes Bill Clinton e Jamil Mahuad (1998-2000) em 1999 que autorizava as forccedilas

armadas norte-americanas a utilizar a base militar situada na cidade portuaacuteria de Manta como

Centro Avanccedilado de Operaccedilotildees (Forward Operating Location ndash FOL) Com a instalaccedilatildeo da

FOL foram apreendidas cerca de 1600 toneladas meacutetricas de drogas entre novembro de 1999

a dezembro de 2008 (BONILLA URIGUumlEN 2009 p 135) A relevacircncia do territoacuterio

equatoriano na luta contra o traacutefico de drogas e posteriormente contra o terrorismo foi um

dos principais fatores para se estabelecer accedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

Nas eleiccedilotildees de 2002 o militar Lucio Gutieacuterrez71

do Partido Sociedad Patrioacutetica

(PSP) se destacou durante a sua campanha eleitoral devido a sua plataforma poliacutetica anti-

sistecircmica e marcadamente de esquerda aos olhos dos eleitores parecia uma alternativa aos

partidos tradicionais que se desgastaram durante a crise poliacutetica e econocircmica (a qual levou a

dolarizaccedilatildeo do paiacutes em 2000) que se arrastava desde a deacutecada de 1990 O candidato do PSP

se comprometeu a elaborar uma nova estrateacutegia de seguranccedila independente natildeo submissa aos

EUA Todavia apoacutes ser eleito Gutieacuterrez mudou de postura diante do fato de perder a ajuda

econocircmica norte-americana o governo equatoriano manteve os laccedilos de cooperaccedilatildeo com

Washington principalmente na mediaccedilatildeo do conflito colombiano

71

Lucio Gutieacuterrez jaacute assumiu o posto de mandataacuterio do Equador quando foi presidente da Junta de Salvaccedilatildeo

Nacional que governou o paiacutes no comeccedilo de 2000 apoacutes a queda de Jamil Mahuad

102

Com a chegada de Aacutelvaro Uribe agrave presidecircncia a Colocircmbia procurou estabelecer

acordos com o Equador em mateacuteria de seguranccedila Uribe tomou um caminho diferente de seu

antecessor e priorizou a confrontaccedilatildeo direta com as FARC dando ecircnfase a uma estrateacutegia que

privilegiava a escalda militar que coadunava com a poliacutetica de seguranccedila regional norte-

americana Com a intensificaccedilatildeo das accedilotildees militares e das fumigaccedilotildees na zona de fronteira

Uribe buscou apoio dos liacutederes dos paiacuteses vizinhos para que compartilhassem da sua leitura

sobre o conflito colombiano

De acordo com Veacutelez (2005) o secretaacuterio de Defesa Donald Rumsfeld visitou Bogotaacute

em agosto de 2003 e durante a sua passagem na cidade colombiana reiterou ao seu apoio agrave

Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica de Uribe e afirmou que ldquoos grupos irregulares

colombianos satildeo uma ameaccedila para toda regiatildeo e como tal devem ser enfrentados por todos

os paiacuteses da aacutereardquo (VEacuteLEZ 2005 p 296 traduccedilatildeo nossa) Trecircs dias depois Uribe visitou o

Equador e os temas mais debatidos da agenda bilateral foram relacionados agrave seguranccedila

Durante a estadia do presidente colombiano no paiacutes vizinho foi ratificado o convecircnio de

cooperaccedilatildeo policial e foi firmada uma declaraccedilatildeo conjunta sobre seguranccedila fronteiriccedila e de

combate ao traacutefico de drogas na qual previa a criaccedilatildeo de uma comissatildeo binacional para

implementarem acordos de seguranccedila

Em junho de 2004 o presidente Gutieacuterrez lanccedilou o Plan Nacional de Prevencioacuten

Desarrollo Alternativo y Control de Drogas 2004-2008 (ou Plano Nacional de Drogas) cujo

objetivo era ldquoreduzir o cultivo produccedilatildeo fabricaccedilatildeo venda traacutefico e distribuiccedilatildeo iliacutecita de

entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas o desvio de substacircncia controladas e delitos

conexosrdquo (EQUADOR 2004) Segundo o Plano Nacional a luta contra as drogas eacute uma

poliacutetica permanente do Estado equatoriano cuja prioridade conforme subscreve o plano eacute a

prevenccedilatildeo Contudo os esforccedilos se direcionaram para a reduccedilatildeo da oferta de drogas

Para consecuccedilatildeo do Plano Nacional de Drogas o Grupo Especial Moacutevil

Antinarcoacuteticos (GEMA) criado em 1993 para conter as atividades das FARC em solo

equatoriano exercia a funccedilatildeo de controle do traacutefico de drogas em vias terrestres mariacutetimas e

fluviais a niacutevel nacional O GEMA chegou a atuar com 300 homens e contou com auxiacutelio

financeiro anual de US$ 500 mil doacutelares do Escritoacuterio Antidrogas dos EUA ateacute 2009 Desde a

sua criaccedilatildeo esta instituiccedilatildeo policial recebeu por volta de US$ 8 milhotildees de doacutelares para o seu

funcionamento (BONILLA URIGUumlEN 2009)

103

Em meados dos anos 2000 a Poliacutecia Nacional do Equador contava com outros oacutergatildeos

para controlar as drogas iliacutecitas e fazer serviccedilos de inteligecircncia por exemplo o Serviccedilo de

Investigaccedilatildeo Antinarcoacuteticos (SIAN) e a Unidade de Investigaccedilotildees Especiais (UIES) cujo

nome foi alterado posteriormente para Unidade de Luta Contra o Crime Organizado (ULCO)

A UIES atuava na seguranccedila puacuteblica monitorando os movimentos sociais de indiacutegenas

estudantes e operaacuterios e na seguranccedila nacional sobretudo no combate ao traacutefico de drogas

Adriaacuten Bonilla e Hernaacuten Moreano Uriguumlen (2009) lembram que o sistema de inteligecircncia do

Equador passou por uma crise apoacutes as forccedilas armadas colombianas realizarem a Operaccedilatildeo

Fecircnix para capturar Raul Reyes ndash o segundo no comando das FARC ndash com bombardeios as

instalaccedilotildees da guerrilha em 1 de marccedilo de 2008 na regiatildeo de Angostura Depois do ocorrido

o presidente Rafael Correa criou uma comissatildeo civil para investigar as operaccedilotildees do sistema

de inteligecircncia da Poliacutecia Nacional e das Forccedilas Armadas cuja conclusatildeo foi que as

informaccedilotildees eram processadas e encaminhas para os EUA e natildeo para o governo equatoriano

Em abril de 2009 a UIES foi desfeita e no mesmo ano foi cancelado o convecircnio que

permitia o uso da base de Manta pelos militares norte-americanos No primeiro ano que

assumiu a presidecircncia Correa tinha anunciado que natildeo renovaria o convecircnio para a utilizaccedilatildeo

da base A nova Constituiccedilatildeo do paiacutes passou a proibir terminantemente a existecircncia de bases

militares estrangeiras em territoacuterio equatoriano Bonilla e Uriguumlen ressaltam que havia

suspeitas de que a FOL tenha colaborado com informaccedilotildees que auxiliaram logisticamente a

Operaccedilatildeo Fecircnix Correa interpretou as incursotildees das forccedilas armadas vizinhas como agressatildeo

militar o que levou a ruptura das relaccedilotildees com a Colocircmbia

O Livro Branco de Defesa publicado em 2006 no seu capiacutetulo III faz uma criacutetica agrave

poliacutetica de seguranccedila implantada pelos EUA para combater o terrorismo internacional o

narcotraacutefico e o crime organizado transnacional pois esta poliacutetica promoveria cooperaccedilatildeo

bilateral e multilateral para tratar destes temas como forma de escamotear os seus interesses

O documento trata com cautela a sua definiccedilatildeo de ameaccedilas diferencia fatores que incidem

sobre a seguranccedila e que derivam de desequiliacutebrios e assimetrias econocircmicas das tensotildees

sociais e das crises poliacuteticas e institucionais que natildeo seriam consideradas ameaccedilas A defesa

nacional se ocuparia especificamente de enfrentar as ameaccedilas que colocam em risco a vida da

populaccedilatildeo e os recursos do paiacutes bem como sua integridade territorial e a soberania do Estado

(EQUADOR 2006)

104

As accedilotildees das Forccedilas Armadas equatorianas frente ao crime organizado internacional

deram-se no enfrentamento intensivo ao contrabando O aumento do emprego de accedilotildees

militares em assuntos de seguranccedila nacional ocorreu a partir de 2007 ano em que o presidente

Rafael Correia tomou posse e anunciou um plano integral com maior participaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas para a contenccedilatildeo do contrabando principalmente de combustiacutevel armas e drogas

alinhando as accedilotildees com a agecircncia alfandegaacuteria e reequipamento dos efetivos

Fronteira Equatoriano-Colombiana Guerrilhas Traacutefico de Drogas e Crise Diplomaacutetica

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica colombiana lanccedilada em 2002 pelo presidente

Uribe incidiu de modo significativo nas relaccedilotildees fronteiriccedilas entre os dois paiacuteses Com o

objetivo de eliminar os cultivos iliacutecitos as guerrilhas e as organizaccedilotildees criminosas

narcotraficantes foram intensificadas as accedilotildees militares e as fumigaccedilotildees no paiacutes ndash sobretudo

na regiatildeo limiacutetrofe com o Equador ndash as quais geraram uma situaccedilatildeo de crise humanitaacuteria que

afetou milhares de famiacutelias colombianas No periacuteodo de 1997 a 2006 o nuacutemero de deslocados

forccedilados na Colocircmbia era cerca de 22 milhotildees de pessoas que equivale a 5 da populaccedilatildeo

Soacute no ano de 2002 o nuacutemero registrado de deslocados era de 416144 (ACCIOacuteN SOCIAL

2007)

O combate militarizado contra os grupos criminosos e guerrilheiros acentuou o

conflito nas zonas limiacutetrofes da Colocircmbia e impulsionou as atividades destes grupos para

aleacutem das fronteiras Perante a gravidade da situaccedilatildeo na Colocircmbia os Estados vizinhos

aumentaram o nuacutemero de efetivos das forccedilas armadas na faixa de fronteira com este paiacutes para

evitar que os efeitos do conflito transbordassem para os seus territoacuterios O Equador mobilizou

cerca de sete mil membros das forccedilas de seguranccedila ao longo da sua fronteira como forma de

conter a penetraccedilatildeo das FARC e do crime organizado e de suas atividades ilegais

principalmente as relacionadas com o traacutefico de drogas no territoacuterio nacional

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e posteriormente o Plano Patriota

incrementaram as accedilotildees militares do Estado colombiano na fronteira sul do paiacutes

principalmente em Putumayo e Narintildeo As operaccedilotildees conjuntas das forccedilas armadas com a

poliacutecia nacional desmantelaram laboratoacuterios clandestinos cultivos iliacutecitos corredores e rotas

de traacutefico de drogas e de transporte de sequestrados colocando obstaacuteculos para a

operacionalidade das FARC no territoacuterio colombiano Com o Plano Patriota a administraccedilatildeo

de Uribe fortificou a presenccedila do Estado na regiatildeo sul do paiacutes zona de intensa atividade das

guerrilhas com a presenccedila de mais de 15000 militares que atuaram na inteligecircncia accedilotildees

105

terrestres e aeacutereas Um dos resultados alcanccedilados foi a desmobilizaccedilatildeo do Bloque Central

Boliacutevar um dos braccedilos da AUC que aceitou negociar com o governo colombiano e parou as suas

atividades em 2005 Entretanto muitos integrantes dos grupos paramilitares que foram

desmobilizados comeccedilaram a organizar novos grupos criminosos (bandas criminales) voltados

para o traacutefico de drogas

No periacuteodo de 2002 a 2008 os departamentos de Narintildeo e Putumayo figuraram como

palcos de guerra entre os diferentes atores do conflito interno colombiano Guerrilhas

paramilitares e organizaccedilotildees narcotraficantes se constituiacuteram como os maiores obstaacuteculos para

que o Estado colombiano retomasse o controle territorial na fronteira com o Equador como

podemos verificar no mapa abaixo

Mapa 1 Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da Colocircmbia

Fonte Comando Conjunto das Forccedilas Armadas do Equador 2008 apud AacuteLVARO Eduardo Presencia de los

grupos ilegales armados colombianos (GIAC) como factor de inseguridad nacional en el Ecuador 2011 90

f Tesis (Maestriacutea en Seguridad y Desarrollo Instituto de Altos Estudios Nacionales Escuela Ecuatoriana de

Gobierno y Administracioacuten Puacuteblica 2011

Este mosaico composto por inuacutemeros grupos armados demonstra a complexidade do

problema enfrentado por ambos os paiacuteses na faixa de fronteira O traacutefico de drogas foi a

principal atividade iliacutecita praticada por estes grupos O nuacutemero de hectares de cultivos de coca

106

nos Departamentos colombianos que fazem fronteira com o Equador no decurso de 2001 a

2007 variou conforme as accedilotildees das forccedilas de seguranccedila para combater as drogas nestas

localidades

Os cultivos de coca no Departamento de Putumayo em 2001 eram de 47120 hectares

e no ano de 2007 foram reduzidos para 14813 hectares Os situados em Caquetaacute tambeacutem

tiveram queda neste mesmo periacuteodo de 14516 caiacuteram para 6318 hectares Enquanto isto no

Departamento de Narintildeo os cultivos de coca quase triplicaram passando de 7494 hectares

para 20259 hectares O Departamento de Cauca apresentou um aumento mais tiacutemido de

3139 passaram para 4168 hectares No geral com a intensificaccedilatildeo do Plano Colocircmbia e os

lanccedilamentos da Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e o Plano Patriota durante os seis

primeiros anos do governo de Uribe ocorreu uma queda significativa nos cultivos de coca na

regiatildeo de 73954 em 2001 caiu para 35209 hectares (UNODC 2005 UNODC 2008)

Conforme as accedilotildees repressivas de Bogotaacute contra o traacutefico de drogas aumentavam as

atividades iliacutecitas eram cada vez mais empurradas para o paiacutes vizinho A pasta base

ingressava no Equador pelo lado oriental da cordilheira dos Andes em Putumayo e era

transportada de volta por Narintildeo pelo lado ocidental da cordilheira para ser refinada

(CADENA GOacuteMEZ 2011)

As accedilotildees das forccedilas militares no Equador para combater organizaccedilotildees criminosas

transnacionais se intensificaram no norte do paiacutes e principalmente para reprimir as atividades

das FARC em solo equatoriano De acordo com Eduardo Aacutelvaro (2001) em junho de 2007 a

Operaccedilatildeo Fecircnix comeccedilou a ser planejada com a finalidade de capturar o nuacutemero dois da

hierarquia das FARC Rauacutel Reyes O serviccedilo de inteligecircncia colombiano apresentou alguns

indiacutecios de sua presenccedila no Equador Dez meses depois de seu planejamento no dia 1 de

marccedilo de 2008 membros das forccedilas armadas adentraram a fronteira equatoriana em

Angostura na Proviacutencia de Sucumbiacuteos sem autorizaccedilatildeo preacutevia do presidente do Equador

Rafael Correa para atacar o acampamento das FARC com helicoacutepteros da forccedila aeacuterea e tropas

do exeacutercito resultando na morte de vinte e duas pessoas entre elas estava Raul Reyes

Cadena Goacutemez (2011) aponta que no ano de 2007 no iniacutecio da administraccedilatildeo Correa o

Equador jaacute tinha emitido duas notas de protesto contra as accedilotildees das forccedilas armadas

colombianas em solo nacional Estes antecedentes culminaram na crise diplomaacutetica de 2008

entre Bogotaacute e Quito

107

Este episoacutedio que ficou conhecido tambeacutem como Bombardeios de Angostura rompeu

com as medidas de confianccedila na aacuterea da defesa e seguranccedila entre Equador e Colocircmbia e

desencadeou uma crise diplomaacutetica entre os dois paiacuteses provocando tambeacutem reaccedilotildees da

Venezuela de apoio ao governo Correa Para o governo equatoriano a incursatildeo ilegal de

militares colombianos apoiados pelos EUA foi vista como violaccedilatildeo do princiacutepio da

soberania Imediatamente ao fato o presidente Correa expulsou de seu paiacutes o embaixador

colombiano e retirou o seu embaixador de Bogotaacute Tal atitude foi acompanhada pela

Venezuela Em resposta agrave declaraccedilatildeo de Correa o presidente Uribe afirmou que a ldquo[]

Colocircmbia natildeo violou a soberania mas atuou de acordo com o princiacutepio de legiacutetima defesa

[] Os terroristas entre eles Rauacutel Reyes tinham costume de assassinar na Colocircmbia e

invadir o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos para se refugiar [] estas situaccedilotildees somos obrigados a

evitar em defesa dos nossos cidadatildeosrdquo (CADENA GOacuteMEZ 2011 p 142)

A Operaccedilatildeo Fecircnix fez crescerem as preocupaccedilotildees por parte de Quito sobre a presenccedila

de distintos grupos armados na faixa de fronteira com a Colocircmbia e tambeacutem evidenciou as

incongruecircncias e ambiguidades no que tange agraves percepccedilotildees das ameaccedilas ligadas ao conflito

colombiano resultando em dissensotildees diplomaacutetico-militares entre os dois paiacuteses Os

problemas de seguranccedila interna da Colocircmbia e a sua incidecircncia na seguranccedila interna e externa

do Equador colocaram em questatildeo a regionalizaccedilatildeo do conflito colombiano cujo processo

segundo Arlene B Tickner (2005) natildeo se acontece de forma unilateral e uniacutessona Cada paiacutes

limiacutetrofe com a Colocircmbia percebe interpreta e responde ao problema articulando ou natildeo com

sua agenda de seguranccedila Na uacuteltima deacutecada em termos de seguranccedila o governo equatoriano

concentrou sobremodo seus esforccedilos na fronteira norte com a Colocircmbia Apoacutes o advento de

marccedilo de 2008 foram empreendidas 76 operaccedilotildees e mobilizados 15000 efetivos das forccedilas de

seguranccedila resultando no desmantelamento de 156 laboratoacuterios clandestinos Os nuacutemeros de

apreensotildees de drogas iliacutecitas cresceram consideravelmente de 2007 para 2009 Foram

apreendidos no ano de 2007 o total de 26232 toneladas de drogas (cocaiacutena heroiacutena e

maconha) no ano de 2009 apoacutes a crise colombo-equatoriana este nuacutemero cresceu quase trecircs

vezes mais e atingiu o total de 68050 toneladas No ano de 2012 as apreensotildees de substacircncias

iliacutecitas totalizaram 42090 toneladas (EQUADOR 2012)

Estes dados apontam que o traacutefico de drogas ganhou relevacircncia significativa na

poliacutetica de seguranccedila e na percepccedilatildeo desta questatildeo como ameaccedila agrave populaccedilatildeo e ao territoacuterio

do paiacutes Contudo a poliacutetica de drogas equatoriana nos primeiros anos de presidecircncia de

Rafael Correa representou uma inflexatildeo sobre o tema Na nova Constituiccedilatildeo promulgada em

108

2008 as leis de drogas passaram por uma reforma O Art 364 da Carta Magna estabelece que

o problema do consumo de drogas eacute uma questatildeo de sauacutede puacuteblica ao inveacutes de tema de

seguranccedila nacional e garante que em nenhum caso seraacute permitido a sua criminalizaccedilatildeo ou a

negaccedilatildeo de direitos constitucionais No Art 393 declara que a seguranccedila humana72

deve

nortear as poliacuteticas de Estado para assegurar a convivecircncia paciacutefica e prevenir as formas de

violecircncia descriminaccedilatildeo e crimes (EQUADOR 2008) O Equador foi o primeiro Estado sul-

americano a incorporar a seguranccedila humana na Constituiccedilatildeo o conceito desloca o objeto

referencial de proteccedilatildeo do Estado para o indiviacuteduo Esta mudanccedila de postura do Equador

frente agraves drogas permitiu que o Congresso aprovasse em Juacutelio de 2008 o indulto para os

microtraficantes ndash mais conhecidos como mula transportadores de pequenas quantidades de

drogas ndash como forma de reparaccedilatildeo dos danos gerados pela Lei 108 (TRANSNATIONAL

INSTITUTE 2015)

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contra as Drogas e os Planos VRAE e VRAEM

O Peru eacute um dos paiacuteses com o maior cultivo de coca do mundo e a folha da coca eacute um

elemento importante da cultura inca-indiacutegena cuja tradiccedilatildeo milenar antecede a colonizaccedilatildeo

espanhola nos Andes O plantio de coca na contemporaneidade deixou de ser cultivado para

finalidades econocircmico-medicinais e simboacutelico-ritualiacutesticas e se tornou uma atividade que faz

parte da cadeia produtiva das redes do traacutefico de drogas internacional que integram o mercado

iliacutecito mundial No relatoacuterio sobre drogas da UNODC publicado em 2012 o Peru eacute colocado

como o maior cultivador de coca do mundo desbancando a Colocircmbia da primeira posiccedilatildeo As

plantaccedilotildees de coca no Peru totalizaram 60400 hectares enquanto o paiacutes vizinho atingiu

48000 hectares

O Alto Huallaga que se estende desde o norte do Departamento de Huaacutenuco ateacute o sul

do Departamento de San Martiacuten e o Vale dos rios Apuriacutemac e Ene conhecido como VRAE

que abrange os Departamentos de Ayacucho Cuzco e Juniacuten satildeo as regiotildees que mais cultivam

72

O conceito de seguranccedila humana foi empregado pela primeira vez no Relatoacuterio de Desenvolvimento Humano

do Programa para o Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) de 1994 O documento estabelecia uma

definiccedilatildeo ampla de ldquoseguranccedila humanardquo que englobava as dimensotildees da economia do meio-ambiente da

sauacutede dos alimentos das comunidades dos indiviacuteduos e da seguranccedila poliacutetica (PNUD 1994 p 24-25) O

conceito portanto natildeo nasceu da academia mas de um organismo poliacutetica internacional com fins praacuteticos a

saber influenciar os resultados da Cuacutepula Social de Copenhagen de 1995 Keith Krause assinala que a partir da

noccedilatildeo de que natildeo eacute possiacutevel que haja Estados seguros com indiviacuteduos inseguros a seguranccedila humana surgiu

com a proposta de colocar o indiviacuteduo agrave frente das preocupaccedilotildees em seguranccedila jaacute que o Estado pode ele

mesmo representar uma ameaccedila agrave sua populaccedilatildeo (KRAUSE 2004 p 44)

109

e produzem cocaiacutena no Peru No paiacutes atualmente eacute permitido cultivar 11500 hectares de

coca para fins tradicionais e o Estado controla a comercializaccedilatildeo e a industrializaccedilatildeo das

folhas de coca em produtos comerciais liacutecitos por meio da Empresa Nacional de la Coca

(ENACO) A ENACO foi criado a partir da Lei Geral de Drogas expedida em 1978 a qual

proibia o cultivo de coca e tornava ilegal a comercializaccedilatildeo que natildeo fosse controlada por esta

instituiccedilatildeo (UNODC 2006 UNODC 2010c SANTOS 2011)

As regiotildees do Alto Huallaga e VRAE desde a deacutecada de 1980 tambeacutem satildeo redutos do

grupo insurgente Sendero Luminoso (SL) que tem orientaccedilotildees ideoloacutegicas e poliacutetico-militares

de guerra popular fundamentadas no maoiacutesmo Segundo Joseacute Lis Reacutenique (2009) nos

primeiros anos da deacutecada de 1980 no comeccedilo da guerra contra o Estado peruano73

o SL tinha

pouco mais de quinhentos membros que atuavam dentro da estrateacutegia insurgente da guerra de

guerrilha prolongada

No comeccedilo da deacutecada de 1990 a guerrilha sofreu duros golpes do Estado peruano As

poliacuteticas de Fujimori em conjunto com as accedilotildees repressivas das forccedilas armadas e da poliacutecia

levaram agrave captura de integrantes do alto escalatildeo do SL que culminou na prisatildeo de Abimael

Guzmaacuten conhecido como ldquoPresidente Gonzalordquo ou ldquoCamarada Gonzalordquo em 12 de setembro

de 1992 colocando fim ao que seria o ldquovelhordquo Sendero luminoso A presenccedila histoacuterica do SL

na regiatildeo do VRAE e Huallaga ganhou forccedila novamente no iniacutecio dos anos 2000 e suas

atividades nos uacuteltimos anos estatildeo associadas ao traacutefico de drogas Os traficantes de drogas

peruanos estatildeo organizados em Firmas e contam com o auxiacutelio armado do SL para se

protegerem das accedilotildees da poliacutecia e do exeacutercito peruano

As firmas tambeacutem conhecidas como clanes satildeo grupos de narcotraficantes que

produzem e comercializam ilegalmente a cocaiacutena (mas natildeo cultivam a folha de coca)

organizados hierarquicamente por divisotildees de tarefas e responsabilidades e ligados por

tradiccedilotildees e normas de conduta Estas estruturas operam de modo semelhante agraves maacutefias e satildeo

organizadas entorno de familiares e ciacuterculos de amizades Parte delas eacute formada por

camponeses que subiram na hierarquia da induacutestria da cocaiacutena Pablo Dreyfus (1999) acentua

que as firmas buscam minimizar os riscos para o seu negoacutecio ampliando a sua rede de

influecircncia atraveacutes de acordos com grupos natildeo governamentais governamentais outras

organizaccedilotildees criminosas transnacionais e insurgentes Essas organizaccedilotildees criminosas satildeo

73

Em maio de 1980 os senderistas queimaram as urnas eleitorais da pequena cidade Chuschi situada no

departamento de Ayacucho cuja accedilatildeo foi uma declaraccedilatildeo de guerra contra o Estado peruano (REacuteNIQUE

2009)

110

compostas por chefes ldquoEl Patroacutenrdquo grupos de proteccedilatildeo armada pilotos quiacutemicos mulas

coletores de pasta assessores legais e ldquolavadoresrdquo de dinheiro Atualmente satildeo sete clatildes

principais que agem no Peru movimentando mais de US$ 300 milhotildees de doacutelares por ano

Clatilde Quispe Palomino Clatilde Lucho Flores Clatilde Los Loros Clatilde Los Pantildeacos Clatilde Los

Malambos Clatilde Runa Mula e Clatilde Los Pachos (DIARIO 16 2012)

No ano de 2005 de acordo com informe de monitoramento de cultivos de coca no

Peru (UNODC 2006) o nuacutemero de cultivos de coca foi de 482000 hectares uma reduccedilatildeo de

4 em relaccedilatildeo ao ano anterior que tinha totalizado 50300 haacute enquanto que no VRAE ao

contraacuterio ocorreu um crescimento de 6 no mesmo periacuteodo quando passou de 14700 ha em

2004 para 15500 em 2005 O aumento da repressatildeo antidrogas e o endurecimento das

poliacuteticas de erradicaccedilatildeo no Alto Huallaga no mecircs de maio de 200574

fez com que a

concorrecircncia e o conflito entre os clatildes aumentassem na regiatildeo Ao contraacuterio do que o governo

peruano esperava as operaccedilotildees antidrogas natildeo tornaram menos atrativa a regiatildeo Ocorreu um

aumento na concorrecircncia entre os clatildes do traacutefico de drogas para ver qual deles controlaria o

negoacutecio da cocaiacutena no Alto Huallaga no lugar das firmas que foram desmanteladas ou

enfraquecidas Esse fenocircmeno aumentou aquilo que Sarmiento e Krauthausen denominaram

de setor competitivo As firmas enfraquecidas passaram a ser desafiadas pelos novos clatildes que

se apoderaram de territoacuterios dos rivais exauridos o que impulsionou a espiral da violecircncia na

regiatildeo

Ao mesmo passo que subia os iacutendices de plantios de coca no Alto Huallaga as regiotildees

de Apuriacutemac e Ene tambeacutem apresentaram crescimento nos cultivos No ano de 2005 eram

15530 hectares aumentando para 16019 hectares em 2007 No mesmo ano o governo

peruano por meio da Comisioacuten Nacional para el Desarrollo y Vida sin Drogas (DEVIDA)75

implementou a Estrategia Nacional de Lucha Contra Las Drogas 2007-2011 (ENLCD) que

tinha como principal meta reduzir a superfiacutecie de plantios iliacutecitos de coca articulando accedilotildees de

erradicaccedilatildeo e desenvolvimento alternativo para coibir o traacutefico e consumo de drogas

74

A Poliacutecia Nacional do Peru no mecircs de maio de 2005 fez uma seacuterie de operaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantios

de coca no Alto Huallaga mobilizando 300 efetivos que contaram com apoio logiacutestico de helicoacutepteros

Contudo as operaccedilotildees ocasionaram a morte de dezessete policiais e de cinco camponeses Disponiacutevel

lthttpwwwlanacionclnoticiasperu-erradicacion-de-campos-de-coca-termina-con-17-heridos2005-05-

30081723htmlgt Acesso em 18 dez 2014 75

A DEVIDA eacute o oacutergatildeo responsaacutevel por planejar e conduzir a poliacutetica nacional de luta contra as drogas para

reduccedilatildeo da produccedilatildeo consumo e traacutefico de drogas que em 2001 substituiu a Comisioacuten de Lucha Contra el

Consumo de Drogas (CONTRADROGAS)

111

Os Planos VRAE e VRAEM Militarizaccedilatildeo da Luta Contra o Traacutefico de Drogas e o Sendero

Luminoso

A guerra de contrainsurgecircncia lanccedilada pelo presidente Alejandro Toledo colocou a

regiatildeo do VRAE em estado de emergecircncia a partir do ano de 2003 Em julho do referido ano

o presidente Toledo anunciou que ldquoseu governo iria por em marcha uma lsquouma nova estrateacutegia

de luta contra o terrorismorsquo para lsquorecuperar a presenccedila do Estado nas zonas sensiacuteveisrsquo do paiacutes

onde o terrorismo e o narcotraacutefico davam matildeordquo (ROJAS 2005 p 235 traduccedilatildeo nossa) Este

pronunciamento do mandataacuterio peruano foi direcionado para o SL que neste mesmo ano

realizou ataques contra transportadoras de gaacutes na regiatildeo do VRAE e para os EUA que apoacutes

os atentados de setembro de 2001 declararam o SL como ameaccedila ao Estado peruano por se

tratar de uma organizaccedilatildeo ldquonarcoterroristardquo Anos mais tarde Washington incluiu a guerrilha

peruana na Lista Kingpin

Com a chegada do novo presidente da repuacuteblica Alan Garciacutea Peacuterez as forccedilas armadas

e a Poliacutecia Nacional do Peru (PNP) passaram a fazer operaccedilotildees conjuntas sem medir esforccedilos

para acabar com os remanescentes do grupo insurgente Sendero Luminoso Os ataques

ocorridos no ano de 2005 e no iniacutecio do ano de 2006 fizeram com que o governo destinasse

um montante de verbas para que o exeacutercito e a poliacutecia nacional reforccedilassem suas accedilotildees no

combate aos ldquonarcoterroristasrdquo E em fevereiro de 2007 foi anunciado pelo governo peruano o

Plan VRAE em referecircncia ao ldquoPlano Colocircmbiardquo cujo objetivo era garantir a paz combater o

narcotraacutefico e o Sendero Luminoso (SL) e promover o desenvolvimento socioeconocircmico na

regiatildeo

O Plano VRAE da administraccedilatildeo Toledo enfatizou mais a luta militarizada contra o

traacutefico de drogas e o SL do que o investimento para promoccedilatildeo do desenvolvimento na regiatildeo

Esta ecircnfase militar do plano se baseia nas definiccedilotildees de seguranccedila e defesa presentes no Livro

Branco de Defesa Nacional (2005) O documento identifica em seu capiacutetulo III as ameaccedilas

externas e internas agrave seguranccedila da naccedilatildeo As ameaccedilas externas poderiam advir de aplicaccedilotildees

de doutrinas de seguranccedila incompatiacuteveis com o direito internacional na sub-regiatildeo da

Ameacuterica do sul do surgimento de uma crise devido agrave escassez de recursos naturais de valor

estrateacutegico e do terrorismo narcotraacutefico e do crime internacional As ameaccedilas internas

seriam grupos terroristas e subversivos que optam por violecircncia grupos radicais que

promovem a violecircncia social crime comum organizado traacutefico iliacutecito de drogas corrupccedilatildeo

degradaccedilatildeo do meio ambiente (PERU 2005 p 63)

112

Com base neste ordenamento legal as forccedilas armadas peruanas poderiam ser

acionadas para prevenir e confrontar qualquer ameaccedila externa ou interna que venha a colocar

em perigo a paz social a seguranccedila integral e o bem-estar geral (PERU 2005 p 64)

Portanto o governo poderia empregar meios militares no combate ao narcotraacutefico caso a

poliacutecia nacional natildeo tivesse meios necessaacuterios para cumprir o seu dever A Marinha e a Forccedila

Aeacuterea possuem papeacuteis importantes na luta contra o traacutefico de drogas e o contrabando de

precursores quiacutemicos pois as principais rotas estatildeo na regiatildeo costeira e nos rios da regiatildeo

amazocircnica e os aviotildees militares satildeo utilizados para encontrar e bombardear laboratoacuterios

ilegais de processamento de drogas e pistas de pouso clandestinas

O Plano estaacute fundamentado em trecircs pilares principais ldquoaccedilotildees militares para combater

os remanescentes do Sendero Luminoso accedilotildees policiais para combater o narcotraacutefico e

accedilotildees civis para promover o desenvolvimento social () a infraestrutura () e o

desenvolvimento econocircmicordquo (SANTOS 2011 p21) Os primeiros anos da execuccedilatildeo do

Plano VRAE natildeo trouxeram os resultados esperados As estrateacutegias contrainsurgentes mal

delineadas somadas ao mau preparo das tropas e aos equipamentos beacutelicos ultrapassados

fizeram com que as operaccedilotildees fracassassem e suas accedilotildees natildeo fossem suficientes para

conseguir combater o SL Os senderistas aleacutem de conhecerem muito bem o terreno contam

com armamentos modernos adquiridos com o dinheiro do traacutefico agem com taacuteticas

diversificadas e atuam em diferentes locais e regiotildees (Sinaycocha Santo Domingo de

Acobamba e Juniacuten)

Diante do problema do traacutefico de drogas e dos altos iacutendices dos cultivos de coca que

segundo o relatoacuterio da UNODC de 2010 voltaram a crescer 7 em 2008 registrando o

aumento de 55 no nuacutemero de hectares de coca em relaccedilatildeo a 1999 o presidente Alan Garciacutea

Peacuterez (2006-2011) reeditou o Plano VRAE em 2009 O plano de Garciacutea Peacuterez pretendia

alcanccedilar questotildees mais amplas e fundamentais para o desenvolvimento social e econocircmico da

regiatildeo que estava agora fundamentado em trecircs novos eixos desenvolvimento econocircmico e

social seguranccedila e legalidade (contra o narcotraacutefico e o terrorismo) e comunicaccedilatildeo e

participaccedilatildeo da sociedade civil (EL COMEacuteRCIO 2012) Todavia tanto a primeira ediccedilatildeo do

Plano VRAE quanto a segunda natildeo conseguiram aumentar de modo significativo a presenccedila

do Estado peruano na regiatildeo76

(ARCE 20008)

76

O jornal El Comeacutercio Peru de 16 de abril de 2012 apontou os altos gastos na consecuccedilatildeo dos dois primeiros

planos para o VRAE que alcanccedilou a cifra de 400 milhotildees de soles apenas com operaccedilotildees militares Disponiacutevel

em lthttp elcomerciopepolitica1402445noticia-que-plan-vrae-que-no-funcionagt Acesso em 15 jul 2014

113

No mesmo ano que foi relanccedilado o Plano VRAE foi promulgada a Ley que Establece

Reglas de Empleo de la Fuerza por Parte del Personal de las Fuerzas Armadas en el

Territorio Nacional (Nordm 29166) a qual estabelece o quadro legal para regular o uso da forccedila

por agentes das Forccedilas Armadas no que tange ao controle da ordem interna e combate ao

traacutefico iliacutecito de drogas No paraacutegrafo 4 que regulamenta o apoio das Forccedilas Armadas para o

controle da ordem interna em aacutereas natildeo declaradas como Estado de emergecircncia expressa em

seu art 47 com base no art 8 da Constituiccedilatildeo peruana a necessidade de se combater o

narcotraacutefico devido ao seu impacto na sociedade bem como o terrorismo provocado por

grupos insurgentes O principal deles seria o Sendero Luminoso conforme o art 48

O emprego das forccedilas armadas no combate ao traacutefico de drogas no Peru poacutes-Fujimori

ganhou forccedila com a promulgaccedilatildeo da lei nordm 29166 pois permite aos membros das forccedilas

armadas utilizarem a forccedila contra a subversatildeo armada para o reestabelecimento da ordem

interna e o controle de protestos sociais com regras claras e aplicaacuteveis para que integrantes

das forccedilas armadas em exerciacutecio de seu ofiacutecio possam contar com um marco juriacutedico que

evite acusaccedilotildees de violaccedilotildees legais e dos direitos humanos Com efeito quando o emprego da

forccedila militar foi aplicado nesse contexto de intensa participaccedilatildeo do exeacutercito na erradicaccedilatildeo de

cultivos iliacutecitos e na luta antidrogas e contrainsurgente natildeo houve clareza na distinccedilatildeo entre

objetivos civis e militares (DONGO 2007)

No ano de 2012 foi lanccedilado pelo presidente Ollanta Humala o Plano VRAEM

programa de intervenccedilatildeo nos Vales do Apuriacutemac Ene e agora se estende ateacute a regiatildeo de

Mantaro para ampliar a presenccedila estatal nessa regiatildeo orientado por quatro frentes de accedilatildeo 1)

luta contra a pobreza 2) luta contra a desigualdade 3) luta contra o traacutefico iliacutecito de drogas e

as organizaccedilotildees criminosas 4) luta contra o terrorismo (PERU 2013) Algumas mudanccedilas

ocorreram no Plano VRAEM 2012 como a participaccedilatildeo de todos os ministeacuterios expansatildeo da

luta contra o terrorismo e o narcotraacutefico para a regiatildeo do vale do rio Mantoro e construccedilatildeo de

escolas e implementaccedilatildeo de programas sociais Entretanto haacute muitas criacuteticas sobre esse novo

plano e a principal delas eacute que ele continua cometendo os mesmos erros das duas versotildees

anteriores por exemplo o natildeo envolvimento das populaccedilotildees camponesas nas elaboraccedilotildees das

poliacuteticas puacuteblicas de desenvolvimento e de seguranccedila

As consecuccedilotildees dos Planos VRAE 2007-2009 e do Plano VRAEM 2012 (que ainda

estaacute em curso) trouxeram agrave tona as limitaccedilotildees logiacutesticas estrateacutegicas e taacuteticas das forccedilas

armadas peruanas no combate ao narcotraacutefico armado como a utilizaccedilatildeo da guerra fixa contra

a guerra fluiacuteda dos senderistas o desconhecimento do territoacuterio e a ausecircncia de diaacutelogos e

114

interaccedilatildeo social com a comunidade local As mutaccedilotildees contiacutenuas que o Sendero Luminoso

vem sofrendo desde o seu surgimento colocam novos desafios para o governo e as forccedilas

armadas peruanas A substituiccedilatildeo do marxismo maoiacutesta pelo capitalismo das drogas iliacutecitas e

a revisatildeo de sua trajetoacuteria histoacuterica foram fundamentais para o grupo se aproximar dos

narcotraficantes de setores cocaleiros e do campesinato para conseguir apoio popular e obter

lucro iliacutecito para financiar a sua luta insurgente A sua alianccedila com os narcotraficantes e com

camponeses da regiatildeo de Ayacucho que dependem em larga medida do cultivo de coca

fortaleceu o grupo insurgente ampliando sua influecircncia suas accedilotildees e seus lucros A

metamorfose ideoloacutegica favoreceu a aquisiccedilatildeo de armas modernas e mais eficazes para a

consecuccedilatildeo de seus objetivos

As redes narcotraficantes garantem acesso do SL ao dinheiro armamentos sofisticados

e novos recrutas ao passo que amplia a sua disseminaccedilatildeo no meio rural e urbano e o tamanho

e a influecircncia da induacutestria iliacutecita do traacutefico de drogas no Peru transbordou afetando os paiacuteses

vizinhos A forte presenccedila do SL na regiatildeo do Vale dos rios Apuriacutemac e Ene associada ao

traacutefico de drogas levou os diferentes governos peruanos da uacuteltima deacutecada a intensificar a

presenccedila estatal atraveacutes do emprego das forccedilas armadas e policiais que utilizam taacuteticas de

contrainsurgecircncia para conter o avanccedilo da ldquonarcoguerrilhardquo Contudo para executar essa

tarefa no ano de 2007 foi lanccedilado o primeiro Plano VRAE que tinha como objetivo aumentar

a presenccedila estatal com accedilotildees militares combater os narcoterroristas e promover o

desenvolvimento socioeconocircmico entretanto natildeo alcanccedilou o sucesso desejado No de 2009

foi lanccedilado o segundo Plano VRAE o qual tambeacutem natildeo obteve o ecircxito esperado Jaacute em 2012

foi relanccedilado o Plano VRAEM abrangendo agora o vale do rio Mantaro com o propoacutesito de

lutar contra a pobreza a desigualdade o traacutefico iliacutecito de drogas e combater os terroristas

Todavia os Planos VRAE e as Estrateacutegias Nacionais de Luta Contra as Drogas fracassaram

como vimos no iniacutecio o Peru se tornou o maior produtor de coca e cocaiacutena do mundo

atualmente O novo programa para o VRAEM natildeo estaacute conseguindo atingir os seus objetivos

pois ao inveacutes de mudar o panorama da pobreza local fez com que o governo militarizasse a

regiatildeo para combater os seus ldquoinimigosrdquo internos

O emprego das forccedilas armadas na intervenccedilatildeo no VRAE para combater o narcotraacutefico

armado intensificou a militarizaccedilatildeo da regiatildeo gerando pontos de tensotildees que desestabilizam o

monopoacutelio do uso da forccedila por parte do Estado peruano e coloca em questatildeo a

governabilidade democraacutetica devido agraves constantes violaccedilotildees de direitos humanos gerando

desconfianccedila em grandes parcelas da sociedade civil O governo peruano ao levar ao

115

paroxismo a ldquoguerra agraves drogasrdquo por meio de erradicaccedilotildees compulsoacuterias combates

militarizados contras as organizaccedilotildees narcotraficantes e os enclaves de cocaiacutena incorreu no

agravamento da violecircncia nas regiotildees produtoras de coca A implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas e de serviccedilos de inteligecircncia que busquem alternativas agraves accedilotildees militares nas

territorialidades onde residem as populaccedilotildees campesinas que satildeo as principais cultivadoras de

coca poderaacute dar iniacutecio a uma mudanccedila estrutural do problema que desde a transiccedilatildeo

democraacutetica ainda perdura

44 Boliacutevia Plano Dignidade Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e a

Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca

Com o fim do regime autoritaacuterio boliviano (1964-1982) a Boliacutevia manteve os

compromissos antidrogas com os EUA principalmente por se tratar de uma das condiccedilotildees

para que ambos os paiacuteses assinassem o acordo de livre comeacutercio Para atender as expectativas

norte-americanas a administraccedilatildeo Paz Entenssoro aprovou em agosto de 1988 a Lei 1008

sobre Regime da Coca e Substacircncias Controladas que tinha como traccedilos basilares a

incorporaccedilatildeo da coca ao lado de outras substacircncias iliacutecitas em um uacutenico corpus legal a

regulaccedilatildeo dos cultivos legais que estabelecia apenas 12000 hectares para cultivaccedilatildeo

tradicional e a interdiccedilatildeo cuja caracteriacutestica era a proibiccedilatildeo prevenccedilatildeo e repressatildeo do cultivo

excedente e do traacutefico de ldquosubstacircncias controladasrdquo A interdiccedilatildeo conforme foi proposta pela

Lei 1008 previa a utilizaccedilatildeo de meios militares para a erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos e o

combate ao traacutefico de drogas para tanto a UMOPAR e a FELCN passaram por uma

reestruturaccedilatildeo e novos treinamentos financiados pelos EUA77

para realizaccedilatildeo de operaccedilotildees

antidrogas nas zonas78

que produzem excedente de coca Laserna comenta que esta lei gerou

atritos entre o governo e os camponeses produtores de coca que rejeitaram as accedilotildees

governamentais Os camponeses realizaram cerca de quatro encontros nacionais para

debaterem as medidas adotadas e negociarem com o governo especialmente a necessidade de

77

A UMOPAR era controlada pela Narcotics Affairs Section (NAS) da Embaixada dos EUA e a DEA traccedilava os

planos de interdiccedilatildeo e os supervisionavam A UMOPAR desde a sua criaccedilatildeo ateacute 1997 sempre manteve relaccedilotildees

proacuteximas com a DEA que iam do compartilhamento de uma base no Chapare ateacute colaboraccedilatildeo em

interrogatoacuterios de pessoas detidas por suspeita de traacutefico de drogas A FELCN tinha a missatildeo de repressatildeo agrave

cocaiacutena e aos insumos quiacutemicos recebia financiamento direto dos EUA para pagamento de bocircnus salariais

compra de equipamentos e treinamento militar (LEDEBUR 2005) 78

A Lei 1008 classificou as zonas de cultivo de coca em trecircs tipos 1) zona de produccedilatildeo tradicional 2) zona de

produccedilatildeo excedente em transiccedilatildeo e 3) zona de produccedilatildeo iliacutecita (ARAMAYO 2008 p443)

116

se retirar a coca do regime de drogas entretanto os camponeses natildeo conseguiram reverter

nenhuma claacuteusula da lei

O envolvimento dos EUA na repressatildeo agraves drogas na Boliacutevia e as medidas repressivas

governamentais tiveram impactos no cultivo e na produccedilatildeo de coca apresentando oscilaccedilotildees e

posterior reduccedilatildeo ao longo dos anos de 1990 No ano de 1990 o cultivo de coca no paiacutes foi de

38300 hectares representando uma queda de 2600 hectares em comparaccedilatildeo com o ano

anterior e a produccedilatildeo totalizou 105861 toneladas apresentando uma queda de 7187

toneladas Em 1992 as aacutereas de cultivo eram de 33500 hectares com uma produccedilatildeo de

99594 toneladas e em 1995 as aacutereas de cultivaccedilatildeo chegaram a totalizar 36600 ha e a soma

da produccedilatildeo de folha de coca alcanccedilou a cifra de 101162 t Mas no ano de 1998 estes

nuacutemeros voltaram a sofrer queda O nuacutemero de hectares de cultivaccedilatildeo caiu para 28000 e a

produccedilatildeo apresentou uma reduccedilatildeo atingindo 77392 toneladas (UNODC 1999 p 42)

Esta variaccedilatildeo nos resultados do controle dos cultivos e produccedilatildeo de coca estava

relacionada com o modo como os governos de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e Gonzalo

Saacutenchez de Lozada (1993-1997) conduziram a poliacutetica de drogas na Boliacutevia Viviana Garciacutea

Pinzoacuten (2014) salienta que mesmo estes governos sendo pressionados pelos EUA natildeo foram

intransigentes no que tange agrave erradicaccedilatildeo de cultivos para evitar conflito com os cocaleiros

devido ao apoio popular que tinham Destarte ambos procuraram negociar acordos de

desenvolvimento alternativo e erradicaccedilatildeo voluntaacuteria de cultivos mas os cocaleiros

permaneciam resistentes agraves propostas por natildeo confiarem no governo No ano de 1995 diante

do natildeo cumprimento das metas de erradicaccedilatildeo os EUA ameaccedilaram retirar a certificaccedilatildeo da

Boliacutevia para pressionar economicamente o governo Saacutenchez Lozada o que o levou a

intensificar as campanhas de erradicaccedilatildeo e consequentemente acirrou os acircnimos dos

cocaleiros gerando conflito entre os camponeses e o governo

Plan Dignidad e a Repressatildeo Militarizada ao Cultivo de Coca

Apoacutes uma eleiccedilatildeo conturbada o ex-ditador Hugo Banzer Suaacuterez foi eleito presidente

(1997-2002) e uma das primeiras medidas tomada pelo seu governo foi enfrentar diretamente

os cultivos iliacutecitos de coca com o intuito de eliminaacute-los completamente independente de isso

provocar conflitos com os cocaleiros Para por em marcha o seu objetivo Hugo Banzer

lanccedilou o Plan Dignidad no segundo ano de seu mandato sem nenhum diaacutelogo com a

sociedade O intuito principal era demarcar a diferenccedila de seu governo em relaccedilatildeo ao de seus

antecessores no que tange ao combate agraves drogas e estreitar as relaccedilotildees com os EUA O Plan

117

Dignidad era uma estrateacutegia boliviana para combater o traacutefico de drogas e a sua duraccedilatildeo

prevista era de cinco anos O plano antidrogas tinha quatro pilares que o norteavam

prevenccedilatildeo desenvolvimento alternativo interdiccedilatildeo e erradicaccedilatildeo de cultivos excedentes

iliacutecitos (LEDEBUR 2005 SALAZAR ORTUNtildeO 2003) Para a consecuccedilatildeo deste plano

segundo Garcia Pinzoacuten foi destinado um orccedilamento de US$ 952 milhotildees distribuiacutedos da

seguinte maneira US$ 108 milhotildees para erradicaccedilatildeo US$ 700 milhotildees para o

desenvolvimento alternativo US$ 129 milhotildees para interdiccedilatildeo e US$ 15 milhotildees para

prevenccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo

Para a implantaccedilatildeo do Plan Dignidad o presidente Banzer promulgou a Lei 1788 de

16 de setembro de 1997 a qual criava o Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito

de Drogas (CONALTID) que com o lanccedilamento da Estrateacutegia de Luta Contra o

Narcotraacutefico em fevereiro de 1998 passou a ser o oacutergatildeo maacuteximo para a definiccedilatildeo e execuccedilatildeo

das poliacuteticas de luta contra as drogas e substacircncias controladas O CONALTID era (e ainda eacute)

presidido pelo Presidente do paiacutes e eacute integrado pelos Ministros das Relaccedilotildees Exteriores da

Presidecircncia do Governo da Defesa e da Sauacutede e Desportes (BOLIacuteVIA 1998a)

Para cumprimento da poliacutetica de ldquococa cerordquo a estrateacutegia de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria

dos cultivos iliacutecitos tinha como fundamento o emprego das forccedilas armadas para a sua

execuccedilatildeo Em 1998 para implementaccedilatildeo da Estrateacutegia de Luta contra o Narcotraacutefico e do

Plano Integral de Prevenccedilatildeo Controle do Traacutefico Iliacutecito de Drogas e Desenvolvimento

Alternativo ndash tambeacutem lanccedilado em fevereiro de 1998 ndash foi criada a Fuerza de Tarea Conjunta

(FTC) que era composta pelas forccedilas armadas grupo de elite da UMOPAR ndash os Leopardos ndash

poliacutecia ecoloacutegica e a Fuerza Tarea Expedicionaria (FTE)79

ou seja era uma unidade de

erradicaccedilatildeo mista que agrupava forccedilas militares e policiais para o combate ao cultivo de coca

excedente Badraacuten aponta que no periacuteodo de 1995 a 1999 o controle dos cultivos excedentes

de folha de coca foi realizado por forccedilas militares tais como os Diablos Rojos forccedila aeacuterea e

as brigadas da FTC que contavam com o apoio informacional da Direccioacuten de Reconversioacuten

de La Coca (DIRECO) oacutergatildeo de controle de cultivo e produccedilatildeo da folha de coca do

Ministerio de Asuntos Campesinos y Agropecuarios As forccedilas policiais e militares eram

equipadas pela NAS da Embaixada dos EUA e treinadas pela DEA cujo modelo implantado

79

A FTE era um grupo paramilitar financiado pelos EUA e treinado com taacuteticas de contrainsurgecircncia para

erradicar os cultivos iliacutecitos e reprimir os cocaleiros mas devido agraves inuacutemeras denuacutencias de violaccedilotildees de

direitos humanos principalmente no Chapare Devido a estes acontecimentos a FTE foi desarticulada em 2002

(LEDEBUR 2005 p 202)

118

era o das forccedilas especiais norte-americanas80

As forccedilas armadas e a FTC participaram

ativamente em dois pilares do Plan Dignidad de ldquoguerra contra a cocardquo na erradicaccedilatildeo e na

interdiccedilatildeo Elena Ruiz Labrador (2009) destaca que estas forccedilas militares operavam em ritmo

acelerado chegando a superar a meacutedia de 50 hectares de erradicaccedilatildeo por dia

Entre 1998 e 2000 foi constituiacutedo um serviccedilo de inteligecircncia composto pelos

profissionais de Inteligecircncia da DIRECO integrantes da Unidad de Cartografiacutea

(UNICARDI) membros da inteligecircncia da poliacutecia nacional das forccedilas armadas e da FTC

Salazar Ortuntildeo (2002) ressalta que o objetivo deste serviccedilo de inteligecircncia era identificar e

perseguir os principais dirigentes dos sindicatos centrais federaccedilotildees pessoas das

administraccedilotildees municipais assessores e instituiccedilotildees que estavam relacionados com a

produccedilatildeo da folha de coca cuja ldquometodologia central consistia em contrataccedilatildeo de informantes

camponeses infiltrados nas organizaccedilotildees mencionadas e nos segmentos dos meios de

comunicaccedilatildeo das organizaccedilotildees do troacutepico [Cochabamba]rdquo (SALAZAR ORTUNtildeO 2002 p

13 traduccedilatildeo nossa)

No documento da FTC intitulado Trabajamos por la dignidad de Bolivia y por la

salud del mundo publicado em 2002 fica evidente como os componentes desta forccedila militar

viam os cocaleiros a coca e a cocaiacutena Eram vistas como drogas sem nenhuma distinccedilatildeo por

conseguinte as organizaccedilotildees camponesas de produtores de coca81

foram identificadas como

agrupamentos de criminosos ditadores terroristas e narcotraficantes mafiosos como

podemos ver no trecho abaixo

- Sindicato do crime (sindicatos camponeses de produtores de coca) agrupamento

iliacutecito para produzir drogas []

- Ditadura sindical outorga e retira a terra impotildee multa e realiza expulsotildees forccediladas

sem consulta

- Terrorismo sindical impotildee medo e terror castigos fiacutesicos prisotildees e execuccedilotildees

- Coacutedigo do silecircncio ameaccedila os informantes com execuccedilatildeo de suas famiacutelias (FTC

2002 apud SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 187 traduccedilatildeo nossa)

Estas imagens das organizaccedilotildees sindicais camponesas foram desenhadas pelo

imaginaacuterio coletivo dos militares da FTC a fim de definir e tipificar o ldquoinimigordquo endoacutegeno a

ser combatido pois os ldquonarcoterroristasrdquo se encontram dentro da fronteira Portanto a relaccedilatildeo

80

Os EUA auxiliaram pecuniariamente o Ministerio de Gobierno a pagar bonificaccedilatildeo por erradicaccedilatildeo para os

membros da FTC superando a casa dos US$ 33 milhotildees apenas em bocircnus e apoiaram militarmente a FTC

com equipamentos e treinamentos oferecidos por militares estadunidenses e oficiais da DEA nas seguintes

especialidades parameacutedicos explosivos armeiros franco-atiradores comunicaccedilotildees e mecacircnica de aeronaves

(SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 186-187) 81

Santos ressalta que ldquoO fato de grande parte da populaccedilatildeo do Chapare ser formada por ex-mineradores de

estanho ouro e prata das minas de Oururo e Potosiacute com experiecircncia sindical foi importante para a

organizaccedilatildeo do sindicato dos cocaleirosrdquo (SANTOS 2007 p 200)

119

com o ldquoinimigordquo daacute-se pelo emprego contiacutenuo de armas para combatecirc-lo onde a doutrina

militar do extermiacutenio eacute o uacutenico mecanismo existente na relaccedilatildeo com o ldquooutrordquo No mesmo

ano de lanccedilamento do referido documento a Anistia Internacional (2002) publicou um

relatoacuterio sobre as violaccedilotildees dos direitos humanos na Boliacutevia que trata diretamente das

denunciais de violecircncia tortura abuso de poder detenccedilotildees arbitraacuterias e assassinatos contra

camponeses cometidos pela FTC na regiatildeo do Chapare

A proviacutencia do Chapare epicentro do ldquosindicato do crimerdquo situada no Departamento

de Cochabamba era o cerne da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria das plantaccedilotildees de coca consideradas

ilegais pelo governo boliviano que destruiu cerca de 38000 hectares de cultivo iliacutecito nesta

regiatildeo no ano de 2000 (GARCIacuteA PINZOacuteN 2014) O sucesso da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria no

Chapare motivou o governo a expandir a erradicaccedilatildeo para regiatildeo de Yungas ndash tida como zona

cocaleira ldquotradicionalrdquo autorizada a plantar legalmente a coca ndash no ano de 2001 entretanto

encontrou muita resistecircncia dos camponeses que defenderam impetuosamente suas plantaccedilotildees

de coca Garciacutea Pinzoacuten relata que o descumprimento por parte do Estado boliviano do acordo

de investimento no desenvolvimento alternativo no Chapare provocou revolta nos cocaleiros

desta regiatildeo que voltaram a plantar coca e se organizaram contra as operaccedilotildees antidrogas

fazendo com que o governo da Boliacutevia recuasse na poliacutetica de erradicaccedilatildeo

De acordo com Ledebur (2005) a presenccedila das forccedilas de seguranccedila no Chapare

durante a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico foi constante Ateacute o final de 2001 cerca de

4500 efetivos militares e policiais estavam presentes na regiatildeo No ano de 2003 este nuacutemero

caiu para 2500 Mesmo com o acordo feito com os camponeses o governo continuou

instalando bases antidrogas com presenccedila de forccedilas de seguranccedila mista (militar e policial) nas

zonas cocaleiras do Troacutepico de Cochabamba tais accedilotildees foram interpretadas como

descumprimento do compromisso por parte das autoridades bolivianas ldquoTanto o governo

estadunidense como o boliviano declararam oficialmente que uma presenccedila militar sustentada

em longo prazo na regiatildeo era indispensaacutevel para manter as metas de erradicaccedilatildeo e evitar o

resurgimento dos cultivos de cocardquo (LEDEBUR 2005 p 201 traduccedilatildeo nossa)

De acordo com o Plan Integral de Prevencioacuten Control del Traacutefico Iliacutecito de Drogas y

Desarrollo Alternativo de 4 de fevereiro de 1998 redigido sob o manto do Plan Dignidad

considera que

[] as zonas de produccedilatildeo excedente estatildeo sujeitas a planos anuais de reduccedilatildeo

substituiccedilatildeo e desenvolvimento mediante a aplicaccedilatildeo do Programa Integral de

120

Desarrollo y Substitucioacuten (PIDYS)82

com metas concretas que devem ser

alcanccediladas com a participaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores de folha de coca excedente

e a disponibilidade de recursos financeiros provenientes do orccedilamento da naccedilatildeo

assim como a cooperaccedilatildeo internacional teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

orientada para o desenvolvimento alternativo (BOLIacuteVIA 1998b traduccedilatildeo nossa)

Portanto a erradicaccedilatildeo da coca excedente deveria ser um processo gradual e

voluntaacuterio que priorizasse os projetos econocircmicos e sociais desse modo o cultivo excedente

seria substituiacutedo83

por plantaccedilotildees liacutecitas com pagamentos de compensaccedilotildees econocircmicas que

beneficiassem os produtores individual e coletivamente Em vez disso o governo boliviano

financiado pelos EUA preferiu intervir militarmente de forma sistemaacutetica para conter a

produccedilatildeo de coca iliacutecita e forccedilar o agricultor cocaleiro a substituir suas plantaccedilotildees por

produtos menos rentaacuteveis sem muitas garantias de cumprimento do programa de

desenvolvimento alternativo Conforme aponta Santos

Seguindo fielmente as concepccedilotildees norte-americanas de luta contra o narcotraacutefico o

Estado boliviano atraveacutes da FTC intensificou a repressatildeo militar e policial aos

produtores do Chapare Como ocorre nos EUA onde a poliacutetica interna de combate

agraves drogas serve como um poderoso mecanismo de controle social sobre os pobres

na Boliacutevia milhares de camponeses pobres foram presos assassinados e desalojados

de suas terras por conta de uma suposta poliacutetica de combate ao narcotraacutefico

(SANTOS 2005 p 200)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico conhecida como Plan Dignidad

implementada a partir de 1998 trouxe resultados nos iacutendices de reduccedilatildeo do cultivo e

produccedilatildeo da coca na Boliacutevia fazendo com que estes nuacutemeros alcanccedilassem os niacuteveis mais

baixos em 2000 quando chegaram a 14600 hectares de arbusto de coca ou seja 7200

hectares a menos em relaccedilatildeo ao ano de 1999 cuja marca foi de 21800 (UNODC 2012 p

10) Todavia como apontamos anteriormente esta acentuada reduccedilatildeo do cultivo de coca estaacute

concatenada com o emprego permanente das forccedilas de seguranccedila policiais e militares na

tarefa de erradicaccedilatildeo nas zonas consideradas de cultivos excedentes afetando sobremodo a

economia local e polarizando o conflito entre os cocaleiros e o governo pois a poliacutetica de

desenvolvimento alternativo se revelou deficitaacuteria

Os camponeses que contemporizaram com os programas do governo de substituiccedilatildeo

de cultivos e compensaccedilatildeo natildeo foram amparados ademais os plantios alternativos de frutas

82

O PIDYS eacute um marco institucional que institui as condiccedilotildees prazos para substituiccedilatildeo e reduccedilatildeo voluntaacuteria dos

cultivos excedentes bem como o montante da compensaccedilatildeo e as accedilotildees poliacuteticas que garantem novas

alternativas de desenvolvimento para as aacutereas atingidas 83

O processo de substituiccedilatildeo de cultivos iliacutecitos tem por objetivo modificar a dinacircmica econocircmica e social

provocada pelo traacutefico de drogas a fim de promover novos padrotildees produtivos alternativos que assegurem

renda suficiente para garantir a subsistecircncia por meio de assistecircncia de creacutedito desenvolvimento do

agronegoacutecio e da comercializaccedilatildeo

121

verduras e legumes natildeo se revelaram promissores devido o seu baixo custo no mercado e os

obstaacuteculos logiacutesticos e de infraestrutura sobretudo na proviacutencia do Chapare regiatildeo que mais

sofreu com a erradicaccedilatildeo compulsoacuteria Segundo Fernando Rojas (2002) a administraccedilatildeo

Banzer pretendeu tambeacutem erradicar os plantios excedentes de coca na zona tradicional dos

Yungas no departamento de La Paz a partir de 2001 contudo diante de um cenaacuterio

potencialmente conflitivo devido uma organizaccedilatildeo mais profunda dos cocaleiros desta

localidade o governo natildeo realizou a destruiccedilatildeo de 2000 hectares de plantaccedilatildeo ilegal de coca

Conforme destaca Santos apoacutes as intervenccedilotildees militares sob o lema de ldquococa cerordquo do Plan

Dignidad ldquohouve em toda a Boliacutevia um crescimento significativo dos movimentos sociais

que cada vez mais passaram a organizar uma resistecircncia agraves accedilotildees militaristas dos governos e agrave

ingerecircncia dos EUA no paiacutesrdquo (SANTOS 2005 p 200)

Apoacutes a renuacutencia de Banzer em 6 de agosto de 2001 Jorge Quiroga Ramiacuterez tomou

posse e prosseguiu com a poliacutetica de ldquococa cerordquo de seu antecessor O presidente Quiroga

apertou o cerco contra os cocaleiros e em menos de um semestre de mandato o governo

boliviano decretou leis que aumentavam o controle a fiscalizaccedilatildeo e a penalizaccedilatildeo dos

camponeses que cultivavam coca ilegalmente A mais expressiva destas posturas foi o

Decreto Supremo 26415 promulgado no dia 27 de novembro do mesmo ano o qual

criminalizava e penalizava de oito a dez anos aquele que coletasse secasse transportasse e

comercializasse a folha de coca em seu estado natural pois em aacutereas onde o cultivo de coca eacute

proibido natildeo deveria existir mercado para a sua comercializaccedilatildeo ou seja no Troacutepico de

Cochabamba estava terminantemente proibida qualquer uma destas atividades Assim sendo

as folhas de coca que estivessem fora da delimitaccedilatildeo territorial autorizada pelo Estado eram

confiscadas e os infratores eram presos sem passar pelo devido processo legal o que feria os

princiacutepios constitucionais Este decreto tornou mais riacutegida a repressatildeo das forccedilas de seguranccedila

ndash principalmente a FTC ndash na regiatildeo do Chapare que segundo Ledebur eram cerca de 4000 a

4500 efetivos Para a autora este excesso de emprego das forccedilas militares e policiais se

caracterizou como a maacutexima expressatildeo da militarizaccedilatildeo de combate agraves drogas na regiatildeo

(LEDERBUR 2005)

Este uso desproporcional da forccedila por parte do Estado boliviano que aleacutem de reprimir

as camadas mais pobres da populaccedilatildeo com accedilotildees violentas que feriam as garantias

constitucionais e os direitos humanos acentuou a pobreza de famiacutelias e comunidades inteiras

o que desencadeou uma onda de protestos por parte dos camponeses Essas manifestaccedilotildees

contra a poliacutetica repressiva do governo Quiroga levaram a inuacutemeros confrontos entre os

122

membros das forccedilas de seguranccedila e os cocaleiros Sob o Plan Dignidad a poliacutecia e as forccedilas

armadas se constituiacuteram como uma das principais ameaccedilas agrave ordem constitucional e agrave

seguranccedila dos cidadatildeos bolivianos Estas instituiccedilotildees foram transformadas em instrumentos

poliacuteticos para atender aos interesses dos governos em receber auxiacutelio econocircmico

submetendo-se aos imperativos da ldquoguerra agraves drogasrdquo impulsionada pelos EUA A

policializaccedilatildeo das forccedilas armadas e seu emprego constante para estas finalidades

evidenciaram as limitaccedilotildees dos governantes para compreender a importacircncia estrateacutegica das

instituiccedilotildees militares profissionalizadas e comprometidas com a Defesa Nacional e a sua

submissatildeo ao Estado democraacutetico de direito

As accedilotildees permanentes dos cocaleiros para defender o cultivo e a produccedilatildeo da coca

contra as metas de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria e a pressatildeo dos EUA para que elas fossem

cumpridas trouxeram agrave tona a emergecircncia de um novo ator no cenaacuterio poliacutetico nacional o

partido Movimiento al Socialismo (MAS) Esse ambiente conflitivo permeou as eleiccedilotildees de

2002 A questatildeo da erradicaccedilatildeo forccedilada dos cultivos de coca assim como a intromissatildeo dos

EUA na poliacutetica interna boliviana fizeram com que as intenccedilotildees de voto em Evo Morales do

MAS crescesse e a subida do liacuteder sindical dos cocaleiros nas pesquisas levou o embaixador

estadunidense no paiacutes Manuel Rocha a pronunciar publicamente a sua oposiccedilatildeo ao candidato

do MAS e ateacute mesmo a ameaccedilar o cancelamento da assistecircncia econocircmica norte-americana

caso Evo Morales fosse eleito (SANTOS 2005 p 201) A popularidade do candidato agrave

presidecircncia do MAS aumentou a ponto de chegar em segundo lugar nas eleiccedilotildees com 209

dos votos perdendo para Gonzalo Saacutenchez de Lozada do partido Movimiento Nacionalista

Revolucionario (MNR) que mais uma vez chegou ao posto de presidente da Boliacutevia

Contudo a presidecircncia de Saacutenchez de Lozada natildeo se sustentou por muito tempo

Em 2003 ocorreram grandes manifestaccedilotildees contra o seu governo motivadas pela crise

econocircmica e social a continuaccedilatildeo do Plan Dignidad que contava com o apoio dos EUA a

criaccedilatildeo de um imposto sobre o salaacuterio dos trabalhadores ndash que ficou conhecido como

ldquoimpuestazordquo ndash e principalmente a Guerra do Gaacutes84

elementos que fizeram com que

84

No ano de 2002 o presidente Jorge Quiroga Ramirez fez um acordo para instalaccedilatildeo de uma central de

processamento de gaacutes natural no litoral do Chile com intuito de exportaacute-lo para os EUA mais especificamente

para a Califoacuternia No ano subsequente o presidente Saacutenchez de Lozada ratificou este acordo e as

manifestaccedilotildees contra a exportaccedilatildeo do gaacutes ganharam forccedila na cidade de El Alto nos meses de setembro e

outubro de 2003 fazendo com que o governo aumentasse a repressatildeo contra os protestos O emprego das

forccedilas de seguranccedila contra os manifestantes incorreu na morte de inuacutemeros civis este ocorrido intensificou a

revolta da populaccedilatildeo boliviana que passou a exigir a saiacuteda de Saacutenchez Lozada O presidente renunciou o seu

cargo e deixou o paiacutes em outubro do mesmo ano

123

Saacutenchez de Lozada fosse derrubado do poder e fugisse do paiacutes com sua famiacutelia e membros de

seu gabinete para Miami

Diplomacia dos Povos e a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da

Folha de Coca

No ano de 2005 Evo Morales candidato do MAS ganhou as eleiccedilotildees presidenciais

com 54 do votos se tornando o primeiro presidente indiacutegena da Boliacutevia Um dos principais

pontos de sua candidatura era por fim agrave erradicaccedilatildeo forccedilada e criar novas regras para

regulamentaccedilatildeo do cultivo e a produccedilatildeo da coca cujo lema era ldquococa si cocaiacutena nordquo Com

esta proposta Morales procurou controlar a produccedilatildeo da folha de coca que abastecia o traacutefico

de cocaiacutena sem entrar em confronto com os camponeses como fizeram os seus antecessores

cuja repressatildeo violenta prevaleceu sobre o diaacutelogo e sobre o investimento em poliacuteticas para o

desenvolvimento alternativo e reduccedilatildeo da pobreza A vitoacuteria de Morales nas eleiccedilotildees foi

explicada por Laserna da seguinte forma

A defesa dos cultivos de coca acabou representando a defesa dos recursos naturais e

da identidade cultural da naccedilatildeo frente agrave imposiccedilatildeo externa e globalizada do lsquoimpeacuterio

americanorsquo Neste imaginaacuterio poliacutetico os cocaleiros satildeo concebidos e apresentados

como a essecircncia do campesinato que por sua vez seria a essecircncia indiacutegena da

naccedilatildeo todavia submetida ao colonialismo interno e tambeacutem satildeo apresentadas como

povo organizado que se converte em Estado para enfrentar a agressatildeo externa agrave

paacutetria Evo Morales reuacutene todas as caracteriacutesticas do movimento camponecircs

cocaleiro e aymara (LASERNA 2011 p 248-249 traduccedilatildeo nossa)

Nos primeiros anos de seu mandato Evo Morales deu continuidade ao acordo feito

entre o ex-presidente Carlos Mesa e os cocaleiros que permitia a cada famiacutelia cultivar 1600

metros quadrados de arbusto de coca85

no entanto os plantios que excedessem o limite

previsto seriam erradicados de forma cooperativa com os camponeses A continuaccedilatildeo do

acordo assegurou aos cocaleiros do Chapare uma pequena renda do plantio de coca e por

conseguinte diminuiu significativamente os conflitos com o governo Nos primeiros dois

anos de seu mandato ao contraacuterio dos governos anteriores a administraccedilatildeo Morales

conseguiu cumprir com ecircxito a meta de reduccedilatildeo de 5000 hectares de coca sem o uso da forccedila

A produccedilatildeo de folha de coca na regiatildeo andina em 2005 era em torno de 159600 hectares A

produccedilatildeo boliviana que potencialmente foi desviada para o traacutefico de drogas foi o

equivalente de 13400 hectares ou seja 84 do total (BOLIacuteVIA 2006)

Em 18 de dezembro de 2006 Morales divulgou a Estrategia de Lucha contra el

Narcotraacutefico y Revalorizacioacuten de la Hoja de Coca 2007-2010 cujo objetivos satildeo combater o 85

Este periacutemetro tambeacutem eacute conhecido como ldquocatordquo que eacute um terccedilo de um campo de futebol ou 1600 msup2

124

crime organizado internacional o narcotraacutefico e o abuso de drogas fortalecendo os

mecanismos de interdiccedilatildeo e controle das substacircncias quiacutemicas e lavagem de dinheiro

revalorizar a folha de coca como patrimocircnio cultural do povo boliviano sobretudo das

populaccedilotildees queacutechua aymara e guarani por se tratar de um elemento cultural espiritual

medicinal nutricional e econocircmico destes povos A estrateacutegia prevecirc uma mudanccedila na poliacutetica

de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria que seria substituiacuteda por accedilotildees de interdiccedilatildeo que garantem o

controle social e o respeito aos direitos humanos como forma de criar uma interaccedilatildeo maior

entre a comunidade e o Estado Deste modo o documento previu a ampliaccedilatildeo do cultivo de

coca de 12000 para 20000 hectares ateacute o ano de 2010 e a produccedilatildeo excedente seria

ldquoracionalizadardquo em comum acordo com os produtores atraveacutes do controle social e do

zoneamento natildeo expansivo86

Este aumento resultaria na utilizaccedilatildeo de 4000 toneladas de coca

na induacutestria para confecccedilatildeo de produtos nutricionais medicinais etc (BOLIacuteVIA 2006)

Santos destaca que ldquoessa nova poliacutetica foi criticada pelos EUA que reduziram 25 do valor

da ajuda ao combate agraves drogas na Boliacutevia passando de US$ 45 milhotildees para US$ 338

milhotildees para o ano de 2007rdquo (SANTOS 2007 p 202)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca natildeo eacute

restrita ao acircmbito domeacutestico mas tambeacutem eacute parte constituinte da poliacutetica externa de Evo

Morales A poliacutetica externa boliviana ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo Morales

No ano de sua posse foi desenhada a Diplomacia de los Pueblos ldquocomo paradigma

alternativo agrave diplomacia claacutessica e como uma nova forma de representar o governo e o Estado

perante o resto do mundordquo trata-se de uma ldquoconstruccedilatildeo e conceituaccedilatildeo da diplomacia como

praacutetica socialrdquo (ZURITA 2013 p 1-2 traduccedilatildeo nossa) A Diplomacia dos Povos tem como

um de seus fundamentos garantir o exerciacutecio pleno dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais de todos os povos originaacuterios para tanto a folha de coca tem um papel

importante por ser um componente substancial do universo simboacutelico da cosmovisatildeo andino-

amazocircnica e da histoacuteria destas populaccedilotildees A partir desta perspectiva o Ministeacuterio das

Relaccedilotildees Exteriores e Culto estabeleceu como um dos eixos cardeais da poliacutetica externa

boliviana o reconhecimento internacional da ldquoproteccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da coca originaacuteria e

ancestral como patrimocircnio cultural recurso natural renovaacutevel e fator de coesatildeo socialrdquo

(BOLIacuteVIA [2009] traduccedilatildeo nossa) Portanto a articulaccedilatildeo entre revalorizaccedilatildeo da folha de

86

De acordo com Laserna (2011 p 255) a JIFE no seu informe anual de 2007 desaprovou as medidas do

governo Morales alegando que elas transgrediam a normativa acordada nas convenccedilotildees internacionais

125

coca com o combate ao traacutefico de drogas se tornou um grande desafio para o governo

boliviano conseguir por em praacutetica a sua poliacutetica de ldquococa siacute cocaiacutena nordquo

A poliacutetica de ldquoracionalizaccedilatildeordquo que dava mais autonomia aos camponeses para

controlar a produccedilatildeo da coca e reduzia a pressatildeo do governo para o cumprimento das metas

apresentou falhas na fiscalizaccedilatildeo do excedente produzido isto levou o Estado a intervir

novamente para controlar o processo para impedir que a expansatildeo dos hectares de plantio de

coca abastecesse o traacutefico de drogas Ruiz Labrador (2009) ressalta que um dos problemas

gerados por esta retomada das intervenccedilotildees por parte da administraccedilatildeo Morales ocorreu entre

o final de 2008 e o comeccedilo de 2009 quando o Vice-Ministro da Coca publicou a Resoluccedilatildeo

284 a qual retirava a autorizaccedilatildeo da venda da folha de coca dos produtores varejistas

membros da Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca (ADEPCOCA) nos

departamentos de Cochabamba e Santa Cruz porque eles natildeo faziam os registros detalhados

de quem produz e para quem eacute enviado conforme a lei A ausecircncia destas informaccedilotildees fez

com que o governo concluiacutesse que o excedente produzido era desviado para a induacutestria da

cocaiacutena e extinguisse o decreto que previa a ldquoracionalizaccedilatildeordquo dos plantios

No ano de 2008 Morales ordenou que as atividades da DEA na Boliacutevia fossem

interrompidas e que os seus funcionaacuterios que estavam haacute mais de vinte anos no paiacutes

deixassem o territoacuterio nacional O embaixador estadunidense Philip Goldberg foi declarado

persona non grata e acusado pelo presidente boliviano de intromissatildeo poliacutetica nos assuntos

internos do paiacutes Esta postura do presidente boliviano buscava resgatar a soberania do paiacutes nas

poliacuteticas de drogas e nacionalizar o combate ao traacutefico de drogas por meio da uma

reestruturaccedilatildeo da FELCN e da instituiccedilatildeo da Unidad Ejecutora de Lucha Integral contra el

Narcotraacutefico (UELIC) que exerceria as atividades realizadas anteriormente pela DEA Outra

accedilatildeo de Morales neste sentido foi modificar o financiamento da poliacutetica de drogas que agora

pertencia ao orccedilamento do Tesouro Geral da Naccedilatildeo

No periacuteodo de 2000 a 2009 segundo o Relatoacuterio Mundial Sobre Drogas da UNODC o

cultivo da folha de coca dobrou passando de 14600 para 30900 hectares Nos primeiros

cinco anos do mandato de Evo Morales os plantios de coca cresceram 5500 hectares e a

erradicaccedilatildeo tiveram um pequeno aumento de 268 ha como consta no graacutefico abaixo

126

Graacutefico 1 Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia (1995-2009)

Fonte UNODC World Drug Report 2010a p 260 Disponiacutevel em lthttpwwwunodcorgunodcdata-and-

analysisWDR-2010htmlgt Acesso em 30 mar 2015

Como aponta o graacutefico o aumento no cultivo de coca tambeacutem repercutiu no aumento

da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena no paiacutes durante os primeiros cinco anos da administraccedilatildeo

Morales cujo crescimento saltou de 80 toneladas em 2005 para 132 toneladas no ano de 2009

sendo que 54628 toneladas meacutetricas foram produzidas nas regiotildees de Yungas de La Paz e no

Troacutepico de Cochabamba (UNODC 2010b) O crescimento da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena

estaacute relacionado com os problemas no descumprimento da ldquoracionalizaccedilatildeordquo do cultivo da

coca excedente por parte de alguns setores do campesinato cocaleiro e a reduccedilatildeo da

fiscalizaccedilatildeo por parte do governo Morales desta produccedilatildeo Segundo o documento de

Monitoramento de Cultivo de Coca na Boliacutevia (2010b) este crescimento da produccedilatildeo de

cocaiacutena durante o governo do MAS ocorreu paradoxalmente ao mesmo passo que a

destruiccedilatildeo dos laboratoacuterios clandestinos e poccedilos de maceraccedilatildeo aumentaram passando de

2619 laboratoacuterios e 4064 poccedilos destruiacutedos no ano de 2005 para 4864 laboratoacuterios e 6664

poccedilos desmantelados

O aumento da destruiccedilatildeo de laboratoacuterios clandestinos natildeo surtiu tanto efeito na

contenccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena como esperava governo boliviano pois a cadeia de

produccedilatildeo da induacutestria da cocaiacutena eacute dinacircmica e envolve inuacutemeros atores sendo os camponeses

a ponta do iceberg A induacutestria da cocaiacutena na Boliacutevia funciona como uma rede complexa que

abrange a produccedilatildeo o comeacutercio e a exportaccedilatildeo Na produccedilatildeo estatildeo os cocaleiros que estatildeo na

127

escala mais baixa da rede recebem a menor fatia do traacutefico de drogas e natildeo tecircm contato direto

com as redes de comercializaccedilatildeo e os coletores que manufaturam a pasta base e fazem a ponte

entre a produccedilatildeo e os comerciantes Na primeira escala da comercializaccedilatildeo estatildeo os

transportadores os distribuidores os pequenos traficantes e os agentes puacuteblicos corruptos Na

escala mais alta deste processo estatildeo o administrador o investidor os grandes comerciantes e

os lavadores de dinheiro de um lado Na exportaccedilatildeo estatildeo os exportadores tanto do cloridrato

ndash principal substacircncia quiacutemica utilizada na confecccedilatildeo da pasta base ndash quanto da cocaiacutena que

atuam nos centros urbanos (na Boliacutevia satildeo Santa Cruz de La Sierra e La Paz) e as

organizaccedilotildees criminosas internacionais que atuam nas fronteiras e nas principais mercados no

exterior Todavia o controle e a repressatildeo soacute recaiacuteram sobre os camponeses e coletores Uma

vez destruiacutedo um laboratoacuterio clandestino e preso o funcionaacuterio que ali trabalhava as redes de

comercializaccedilatildeo abrem novos laboratoacuterios descentralizando a produccedilatildeo tornando-a mais

dispersa aliciando novas comunidades camponesas e ampliando as aacutereas de atuaccedilatildeo O

crescimento da produccedilatildeo de cocaiacutena neste periacuteodo estaacute relacionado diretamente com este

processo

Para Laserna (2011) a poliacutetica antidrogas do governo Morales foi um fracasso pois

produziu o resultado oposto do esperado Segundo o autor as drogas continuaram fluindo

abundantemente na Boliacutevia os preccedilos delas caiacuteram e as penitenciaacuterias permanecem

abarrotadas de pequenos traficantes sobretudo o ldquotraficante casualrdquo e consumidores de

drogas ademais quando um grupo criminoso eacute desmantelado surgem novos que os

substituem e se adaptam agraves novas circunstacircncias Laserna sustenta que as medidas

nacionalistas e populistas do governo afrouxaram a erradicaccedilatildeo e favoreceram a produccedilatildeo de

cocaiacutena O autor afirma que a ldquohistoacuteria do triunfo cocaleiro na Boliacutevia eacute tambeacutem uma

demonstraccedilatildeo de que haacute uma histoacuteria do fracasso das poliacuteticas antidrogas Um fracasso que jaacute

natildeo poderaacute esconder-se com o ecircxito das metas parciais que ao fim e a cabo mostram que a

burocracia se cumpre embora a poliacutetica falherdquo (LASERNA 2011 p 239 traduccedilatildeo nossa)

Segundo Ruiz Labrador (2009) a estrateacutegia de luta contra o narcotraacutefico e

revalorizaccedilatildeo da folha de coca apresentou alguns problemas para a sua implementaccedilatildeo e foi

recebida com ceticismo pelos EUA e alguns setores da ONU O sistema de racionalizaccedilatildeo dos

plantios em parceria com as comunidades camponesas traria resultados em longo prazo para a

reduccedilatildeo da produccedilatildeo da folha de coca ao contraacuterio da erradicaccedilatildeo forccedilada que trouxe

resultados imediatos e postergou a resoluccedilatildeo do problema A autora assinala que ldquoa

implementaccedilatildeo de novas iniciativas natildeo impediu que a administraccedilatildeo de Morales continuasse

128

coordenando e colaborando com as Naccedilotildees Unidas e a Uniatildeo Europeia em programas

antidrogasrdquo (RUIZ LABRADOR 2009 p 119) O governo de Evo Morales foi fundamental

para romper a loacutegica estigmatizadora do ldquococaleiro-narcotraficante-terroristardquo e para afirmar

que os membros das comunidades camponesas que integram o Estado boliviano tambeacutem satildeo

capazes de marcar a agenda poliacutetica a niacutevel nacional e internacional e mudar os conceitos que

norteiam a luta antidrogas propugnada pelos EUA Contudo Ruiz Labrador ressalta que a

estrateacutegia boliviana durante o primeiro mandato de Morales natildeo foi suficiente para promover

a reduccedilatildeo dos cultivos de coca e da produccedilatildeo da cocaiacutena que continuaram a crescer

Todavia a Diplomacia dos Povos foi um ponto forte do governo de Evo Morales

principalmente no que tange agrave luta pela descriminalizaccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da folha de coca na

ONU Maacuteximo Quitral Rojas (2014) salienta que a poliacutetica externa do presidente Morales

conseguiu algumas vitoacuterias importantes no plano internacional bem como ldquotranscender sua

visatildeo plurinacional para o contexto externordquo Entre tais conquistas o autor destaca o

ldquoreconhecimento dos direitos da Madre Tierra a declaraccedilatildeo de acesso agrave aacutegua como direito

humano a descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e a declaraccedilatildeo de 2013 como Ano Internacional

da Quinua a demanda mariacutetima perante a Corte de Haya pronunciamento internacionais a

favor de Morales quando os paiacuteses europeus lhe negaram o seu espaccedilo aeacutereo entre outros

temasrdquo (QUITRAL ROJAS 2014 p 187) A descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e do

ldquoacullicordquo proibidos desde a Convenccedilatildeo de Entorpecentes de 1961 foi um dos principais

marcos da poliacutetica externa boliviana sob a presidecircncia de Morales

Os avanccedilos nos esforccedilos do governo boliviano para reduzir o cultivo iliacutecito e conter o

traacutefico de drogas principalmente a cocaiacutena nos uacuteltimos anos natildeo conseguiram frear o traacutefico

de drogas no paiacutes Para Jeremy McDermott (2014) a Boliacutevia se tornou o novo ldquoepicentro do

narcotraacutefico na Ameacuterica do Sulrdquo De acordo com o autor a Boliacutevia oferece duas condiccedilotildees

fundamentais para instalaccedilatildeo e difusatildeo do crime organizado transnacional oportunidade e

pouca resistecircncia A Boliacutevia estaacute situada ao lado do Brasil ndash o segundo maior consumidor de

drogas iliacutecitas do mundo ndash do Peru ndash principal produtor de cocaiacutena do mundo atualmente ndash e

do Paraguai ndash o principal produtor de maconha da Ameacuterica do Sul Ademais o paiacutes andino

faz fronteira com a Argentina que possui um mercado de drogas em expansatildeo

principalmente com o aumento do consumo de ldquobasucordquo e de ldquopacordquo87

e o Chile que vem

87

O basuco (ou bazuco) eacute semelhante ao crack tanto no seu aspecto quanto na sua forma de usar e eacute mais barato

de ser confeccionado do que a cocaiacutena O paco eacute uma droga de baixo custo produzida a partir de resiacuteduos de

cocaiacutena processada no querosene e aacutecido sulfuacuterico podendo ser usado clorofoacutermio eacuteter ou bicarbonato de

129

apresentando crescimento no seu mercado de drogas interno O autor enfatiza que a Boliacutevia

estaacute ldquono coraccedilatildeo do comeacutercio de narcoacuteticos ilegais na Ameacuterica do Sulrdquo e que ldquoesta dinacircmica eacute

totalmente independente das tradicionais rotas de traacutefico de drogas que alimentam o mercado

dos Estados Unidosrdquo (MCDERMOTT 2014)

McDermott assinala o crescimento dos ldquoclatildes da drogardquo na Boliacutevia os quais procuram

ser mais discretos e se utilizam de violecircncia em casos extremos o que os torna mais

imperceptiacuteveis aos olhos das forccedilas de seguranccedila e um dos centros de suas atividades eacute o

departamento de Santa Cruz Com a perda do mercado norte-americano para os mexicanos as

organizaccedilotildees narcotraficantes colombianas procuraram novos mercados e a Boliacutevia se tornou

um ponto estrateacutegico para produccedilatildeo de cocaiacutena altamente pura devido a suas fronteiras com o

Brasil e a Argentina onde se vende parte da droga e o restante eacute enviado para os mercados

europeus e asiaacuteticos Aleacutem disso os colombianos instalaram na Boliacutevia os seus ldquoescritoacuterios de

cobranccedilardquo que satildeo estruturas do crime organizado que funcionam como uma agecircncia de

controle e regulaccedilatildeo do traacutefico de cocaiacutena

potaacutessio e eacute consumido via respiratoacuteria ou sobre a maconha em forma de cigarro esta uacuteltima mistura eacute

conhecida tambeacutem como basuco (o nome varia de regiatildeo para regiatildeo e tambeacutem eacute conhecido como marciano ou

nevado) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwhogaresbethelcombazucohtmgt Acesso em 30 mar 2015

130

5 ACOMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO COMBATE AO

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino sobre o Traacutefico de Drogas Iliacutecitas

O processo de integraccedilatildeo andina natildeo se limitou agrave agenda econocircmica e poliacutetica a

seguranccedila foi a ela incorporada gradualmente a partir de dezembro de 1989 tendo como

referecircncia a Reuniatildeo de Galaacutepagos a qual pretendia fomentar medidas de confianccedila e

cooperaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e militar com intuito de promover um aprofundamento do

projeto de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo A Reuniatildeo de Galaacutepagos estava imersa num

contexto marcado pelo colapso da Uniatildeo Sovieacutetica e fim da Guerra Fria no plano

internacional pela transiccedilatildeo democraacutetica nos paiacuteses latino-americanos no plano continental e

pela intensificaccedilatildeo da presenccedila dos EUA nos Andes com o lanccedilamento da Iniciativa Andina

no plano regional A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos de Paz Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo eacute o

primeiro documento que apresenta de forma mais organizada um programa de integraccedilatildeo com

vistas a implementar medidas de confianccedila e cooperaccedilatildeo para paz e seguranccedila na regiatildeo para

que isso acontecesse o documento considera que seria necessaacuterio um sistema democraacutetico

capaz de assegurar os ldquoideais de pazrdquo os direitos humanos a cooperaccedilatildeo entre os povos e que

contribua para a seguranccedila regional A declaraccedilatildeo incorporou a niacutevel regional a percepccedilatildeo

estadunidense sobre traacutefico de drogas como ameaccedila O inimigo em vez de ser externo eacute

interno e regional O narcotraacutefico eacute apresentado como vetor dos problemas sociais poliacuteticos e

econocircmicos o qual impulsiona a escalada da violecircncia bem como ameaccedila a seguranccedila

regional quando toma a forma de terrorismo88

A Comunidade Andina de Naccedilotildees manteve sintonia com as accedilotildees militarizadas contra

o narcotraacutefico lanccediladas pela Iniciativa Andina do governo norte-americano Na Reuniatildeo

Presidencial de Caracas de maio de 1991 no tocante agrave luta contra o narcotraacutefico foi

88

Quando o documento se refere ao terrorismo tem em vista os diferentes atentados realizados na Colocircmbia a

mando de Pablo Escobar No dia 6 de dezembro de 1989 onze dias antes da Reuniatildeo de Galaacutepagos o grupo

narcotraficante de Medelliacuten explodiu um caminhatildeo-bomba na sede do Departamento Administrativo de

Seguridad (DAS) com a intenccedilatildeo de assassinar o Gen Miguel Alfredo Maza Maacuterquez entretanto deixou

dezenas de mortos sem atingir o seu objetivo O grupo de Escobar promoveu uma seacuterie de atentados contra

oacutergatildeos do governo colombiano com intuito de barrar a aprovaccedilatildeo da extradiccedilatildeo para os EUA Em junho do

mesmo ano o Sendero Luminoso explodiu um ocircnibus do exeacutercito peruano matando seis soldados na cidade de

Juniacuten Portanto nesse momento o problema do terrorismo associado ao narcotraacutefico estaacute relacionado a

problemas internos de seguranccedila provocados por accedilotildees de narcotraficantes e guerrilheiros existentes na regiatildeo

andina (EL TIEMPO 1993 COMISIOacuteN DE LA VERDAD Y RECONCILIACIOacuteN 2003)

131

reafirmado o compromisso ldquoindividual e coletivo de lutar de maneira integral e com todos os

meios disponiacuteveis contra o flagelo do narcotraacuteficordquo e proposta a criaccedilatildeo de um Centro

Regional Andino de Coordenaccedilatildeo e Informaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES [2003] p 150) A utilizaccedilatildeo de ldquotodos os meios

disponiacuteveisrdquo dava margem tanto para o treinamento militar das poliacutecias nacionais quanto para

o emprego das forccedilas armadas para as atividades contra o comeacutercio iliacutecito de entorpecentes

No decorrer da deacutecada de 1990 a CAN procurou apoio dos EUA89

e da Uniatildeo

Europeia90

(UE) para implementar os programas de desenvolvimento alternativo para

substituiccedilatildeo de cultivos ilegais por produccedilatildeo de commodities liacutecitas e consecuccedilatildeo do Regime

de Preferecircncias Comerciais ambos para fomentar o desenvolvimento econocircmico nos paiacuteses

andinos e criar alternativas de combate ao narcotraacutefico No periacuteodo foram propostas

iniciativas de cooperaccedilatildeo para coibir a corrupccedilatildeo e a lavagem de dinheiro provenientes do

narcotraacutefico para o desenvolvimento sustentaacutevel o intercacircmbio de informaccedilotildees a criaccedilatildeo do

Grupo Operativo de Alto Niacutevel sobre Drogas o combate ao terrorismo e traacutefico de armas e

accedilotildees multilaterais concertadas nos foacuteruns mundiais sobre drogas

No ano de 1999 o Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores lanccedilaram os

Lineamientos de la Poliacutetica Exterior Comuacuten para aprofundar a construccedilatildeo de uma ldquoidentidade

comum andinardquo e consolidar os seguintes princiacutepios a paz e a seguranccedila na regiatildeo a soluccedilatildeo

paciacutefica de controveacutersias a vigecircncia da ordem democraacutetica os direitos humanos a

cooperaccedilatildeo o desenvolvimento econocircmico e social dos paiacuteses pertencentes ao bloco A

poliacutetica externa comum andina expotildee em um de seus objetivos a necessidade de uma

articulaccedilatildeo conjunta que tenha como princiacutepio a responsabilidade compartilhada na luta

internacional contra as drogas para ldquorealizar accedilotildees conjuntas que a partir de um enfoque

multilateral promovam a cooperaccedilatildeo internacional em todos os aspectos do problema em

89

A Lei de Preferecircncias Tarifaacuterias Andinas (ATPA na sigla me inglecircs) foi assinada pelo governo norte-

americano em dezembro de 1991 como parte do acordo de combate agraves drogas A ATPA permitia acesso ao

mercado estadunidense por meio da eliminaccedilatildeo parcial ou total de tarifas de cerca de 6000 produtos andinos o

objetivo era aumentar a criaccedilatildeo de empregos por meio da diversificaccedilatildeo e crescimento do comeacutercio com os

EUA desestimulando o recrutamento dessas pessoas para a induacutestria das drogas 90

No ano de 1991 foi assinado o convecircnio entre a CAN e a EU intitulado Sistema Generalizado de Preferecircncias

SGP-Drogas que era um instrumento de concessatildeo tarifaacuteria com a finalidade de apoiar a estabilizaccedilatildeo acelerar

o crescimento e promover a diversificaccedilatildeo e a competitividade econocircmica como meios de ajuda para a luta

contra a produccedilatildeo e o traacutefico de drogas O SGP-Drogas foi criado com base na Convenccedilatildeo de Viena de 1988

que previa accedilotildees conjuntas contra o narcotraacutefico e a responsabilidade compartilhada frente ao problema

mundial das drogas

132

particular para o desenvolvimento de cultivos alternativosrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 1999 p 4)

O combate agraves drogas eacute um dos temas que compotildeem a agenda da Poliacutetica Exterior

Comum da CAN No acircmbito da CAN existem oacutergatildeos especiacuteficos que executam tarefas de

cooperaccedilatildeo antidrogas tais como o Comiteacute Ejecutivo del Plan Andino de Cooperacioacuten para

la Lucha contra las Drogas o Comiteacute Andino para el Desarrollo Alternativo a Escuela

Regional de la Comunidad Andina de Inteligencia Anti-drogas o Comiteacute Ejecutivo del Plan

Andino de Cooperacioacuten Para la Lucha Contra las Drogas Iliacutecitas y Delitos Conexos Comiteacute

Andino de Asistencia y Cooperacioacuten Policial y Ministerios Puacuteblicos e o Observatorio Andino

de Drogas Para incrementar estas instituiccedilotildees foram implementadas as Decisiones que satildeo

instrumentos de aplicaccedilatildeo imediata e obrigatoacuteria nos paiacuteses membros

Os oacutergatildeos antidrogas que compotildeem a estrutura da CAN atuam da seguinte forma nas

poliacuteticas nacionais no tocante agrave erradicaccedilatildeo de cultivos iliacutecitos desmantelamento da

infraestrutura de produccedilatildeo e transporte de drogas reduccedilatildeo da demanda e combate agrave lavagem

de dinheiro nos acordos binacionais com apoio agraves estrateacutegias antidrogas conjuntas e

comissotildees fronteiriccedilas nas estrateacutegias de harmonizaccedilatildeo das legislaccedilotildees nacionais e na

captaccedilatildeo de recursos teacutecnicos e financeiros internacionais na coordenaccedilatildeo de accedilotildees e

posicionamentos conjuntos91

Em 22 de junho de 2001 O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

subscreveu a Desicioacuten 505 Plan Andino de Cooperacioacuten para la Lucha contra las Drogas

Iliacutecitas y Delitos Conexos Esse Plano pretendia fortalecer as accedilotildees nacionais binacionais e

multilaterais dentro da CAN para combater as drogas iliacutecitas em sua totalidade

compreendendo todos os aspectos envolvidos na produccedilatildeo traacutefico consumo e delitos

relacionados preservando os princiacutepios da ldquoresponsabilidade compartilhadardquo e do ldquopleno

respeito a suas respectivas legislaccedilotildees e soberaniardquo e ao Direito Internacional O Plano

Andino foi elaborado para combater ldquotodos os aspectos relacionados com o problema mundial

das drogas iliacutecitas e delitos conexosrdquo se fundamentando

[] na convicccedilatildeo de que a produccedilatildeo traacutefico e consumo iliacutecito de drogas eacute um

problema de alcance mundial que afeta gravemente o desenvolvimento e a seguranccedila

dos paiacuteses andinos e da comunidade internacional Reconhece que constitui uma das

91

No que tange ao posicionamento conjunto por exemplo no ano de 1998 os paiacuteses andinos tinham proposto na

II Cuacutepula das Ameacutericas a criaccedilatildeo de um Mecanismo de Avaliaccedilatildeo Multilateral em contraposiccedilatildeo agrave certificaccedilatildeo

unilateral realizada anualmente pelos EUA a proposta foi aprovada em outubro do ano seguinte pela CICAD

133

formas mais nocivas e perigosas do crime transnacional organizado que utiliza a

loacutegica globalizadora dos mercados perverte a dinacircmica social distorce a economia

enfraquece o estado de direito e subverte a ordem puacuteblica (COMUNIDAD ANDINA

DE NACIONES 2001 p3 traduccedilatildeo nossa)

O documento salienta que o Plano Andino se constitui como ldquoum tema central na

cooperaccedilatildeo poliacutetica andinardquo devido a sua proposta de articular a poliacutetica externa comum a

poliacutetica comunitaacuteria de integraccedilatildeo e desenvolvimento fronteiriccedilo a poliacutetica de

desenvolvimento sustentaacutevel a agenda social andina e as accedilotildees em mateacuteria de seguranccedila e

fomento da confianccedila aleacutem de fortalecer os programas nacionais antinarcoacuteticos mediante a

cooperaccedilatildeo e intercacircmbio de experiecircncias entre os paiacuteses andinos e tambeacutem com outros paiacuteses

fora do bloco (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2001 p 3 traduccedilatildeo nossa)

Portanto a poliacutetica antidrogas da CAN compreende que o narcotraacutefico estaacute no centro das

preocupaccedilotildees e deve ser combatido multidimensionalmente A poliacutetica andina antidrogas

compreende o tema como um problema multidimensional a partir da seguranccedila humana e da

seguranccedila estatal De acordo com esta visatildeo o ciclo produccedilatildeo traacutefico e consumo de drogas eacute

uma ameaccedila ldquoagrave sauacutede e ao bem estar dos seres humanosrdquo e ldquoafeta as bases culturais

econocircmicas e sociaisrdquo dos paiacuteses (SECRETARIA GENERAL DE LA CAN 2000 p 2)

Como vimos anteriormente os EUA desempenharam um papel substancial e constante

na construccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila na regiatildeo andina e depois dos

ataques terroristas agraves torres gecircmeas os norte-americanos aumentaram a pressatildeo internacional

para o combate ao terrorismo e agraves suas fontes de financiamento Para intensificar a war on

terror na Ameacuterica Latina foi assinada a Declaraccedilatildeo Poliacutetica Contra o Terrorismo na XI

Cuacutepula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo em novembro de 2001 na cidade

de Lima a qual destacava a repressatildeo agraves redes de financiamento das atividades terroristas

principalmente a lavagem de dinheiro e o narcotraacutefico A Carta Andina para La Paz y La

Seguridad Limitacioacuten y Control de los Gastos destinados a La Defensa Externa elaborada

no Compromisso de Lima em junho de 2002 foi uma das respostas dada pelos Estados

andinos agrave guerra ao terror Na agenda de seguranccedila andina foram incorporadas as ldquonovas

ameaccedilasrdquo com o foco no combate agraves ldquoatividades do crime transnacional especialmente as

vinculadas ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito

de armasrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2002 traduccedilatildeo nossa)

Em janeiro do ano seguinte na cidade de Bogotaacute foi firmado pelos ministros de

relaccedilotildees exteriores e de defesa da Comunidade Andina o Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

134

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos o qual confirma a anuecircncia dos Estados

andinos aos tratados internacionais de luta contra o terrorismo existentes na ONU e na OEA

ndash a Convenccedilatildeo Interamericana contra o Terrorismo (2002) e a Declaraccedilatildeo de San Salvador

(2003) ndash e declara o combate eneacutergico contra o ldquoterrorismo em todas as suas formas e

manifestaccedilotildees e o traacutefico iliacutecito de drogas e delitos conexos que representam graves ameaccedilas

para a paz e a seguranccedila regionais o direitos humanos e liberdades fundamentais e a

institucionalidade democraacuteticardquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2003 traduccedilatildeo

nossa) O documento aleacutem de incorporar o terrorismo como ameaccedila subordina a guerra

contra as drogas agrave guerra ao terror O narcotraacutefico deixa de ser compreendido como uma

ameaccedila autocircnoma com atividades proacuteprias e passa a ser entendido como um tentaacuteculo do

terrorismo Na Declaracioacuten de Galaacutepagos de Paz Seguridad y Cooperacioacuten de 1989 o

terrorismo foi definido como extensatildeo do traacutefico de drogas contudo no Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos de 2003 ocorre uma inversatildeo o narcotraacutefico

passa a ser uma extensatildeo do terrorismo

A Poliacutetica Externa Comum da CAN foi um passo fundamental para o processo de

integraccedilatildeo regional nos Andes e o ponto de partida para a redaccedilatildeo da Decisioacuten 587

Lineamientos de la Poliacutetica de Seguridad Externa Comuacuten Andina em julho de 2004 Segundo

a Decisioacuten 587 a seguranccedila ldquoeacute um conceito de caraacuteter multidimensional e compreensivo que

abrange assuntos de iacutendole poliacutetica econocircmica social e culturalrdquo e tambeacutem um componente

imprescindiacutevel para o ldquoaprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica para a consolidaccedilatildeo da

identidade e coesatildeo da Comunidade Andina assim como para fortalecer a participaccedilatildeo de

seus paiacuteses nos mecanismos de seguranccedila hemisfeacuterica e mundialrdquo e desenvolver a Zona de

Paz Andina (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004a p 1-2 traduccedilatildeo nossa)

A concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da CAN se fundamenta na Declaraccedilatildeo de

Bridgetown para o Enfoque Multidimensional da Seguranccedila Hemisfeacuterica assinada em 4 de

junho de 2002 na Assembleia Geral da OEA a qual reconhece que ldquoas ameaccedilas

preocupaccedilotildees e outros desafios da seguranccedila Hemisfeacuterica satildeo de natureza diversa e alcance

multidimensional o conceito e enfoque tradicionais devem ser ampliados para abranger

ameaccedilas novas e natildeo tradicionais incluindo aspectos poliacuteticos econocircmicos sociais de sauacutede e

ambientalrdquo (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2002) Portanto a

agenda de seguranccedila hemisfeacuterica incorpora as ldquonovas ameaccedilasrdquo em uma perspectiva

multidimensional abrangendo temas distintos como o traacutefico de drogas terrorismo e crime

135

organizado (que satildeo prioridades dos EUA Meacutexico e Colocircmbia) a luta contra a fome e a

pobreza (por parte de Brasil e Venezuela) e a luta contra a AIDS e os Desastres Naturais

(conforme as prioridades dos paiacuteses caribenhos) ou seja doravante todos esses problemas

seratildeo percebidos como uma potencial ameaccedila agrave seguranccedila Em outubro de 2003 na

Conferecircncia Especial de Seguranccedila da OEA ocorrida na Cidade do Meacutexico foi reforccedilada a

ampliaccedilatildeo do conceito de seguranccedila e seu enfoque sobre as ameaccedilas multidimensionais com a

aprovaccedilatildeo da Declaracioacuten Sobre Seguridad en las Ameacutericas que enfatiza a necessidade de

manter uma ldquoarquitetura de seguranccedilardquo capaz de preservar a democracia a justiccedila os direitos

humanos a seguranccedila e o respeito ao direito internacional atraveacutes do fortalecimento dos

mecanismos de cooperaccedilatildeo hemisfeacutericos para enfrentar as ameaccedilas tradicionais e as novas

ameaccedilas (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2003 p 2)

De acordo com Gaston Chilier e Laurie Freeman (2005) o conceito de seguranccedila

multidimensional adotado pela OEA pode dar margem para o aumento da securitizaccedilatildeo92

dos

problemas hemisfeacutericos e consequentemente empregar forccedilas militares para combatecirc-los

Para os autores isso seria possiacutevel devido a quatro fatores preciacutepuos

Primeiro a tendecircncia histoacuterica de intervenccedilotildees poliacuteticas das forccedilas armadas durante

a vigecircncia dos regimes autoritaacuterios ou em contexto de conflitos armados ou

instabilidade social Segundo a ldquoguerrardquo dos EUA contra as drogas que promove

um papel mais amplo das forccedilas armadas no cumprimento da lei Terceiro as crises

dos sistemas de seguranccedila puacuteblica que sofrem a maioria dos paiacuteses da regiatildeo

Quarto lsquoa guerra contra o terrorismorsquo lanccedilada pelos Estados Unidos que promove

uma definiccedilatildeo expansiva e nebulosa do terrorismo e portanto aumenta a

responsabilidade dos militares na luta contra o terrorismo sob qualquer forma que

seja expresso (CHILIER FREEMAN 2005 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum (PESC) propunha accedilotildees concretas de

cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses membros para ldquoreforccedilar a luta contra o problema mundial das

drogasrdquo em conformidade com a poliacutetica e agenda de seguranccedila hemisfeacuterica dos EUA contra

o traacutefico de drogas A PESC quando aplicada nacionalmente apresentou divergecircncias entre

os paiacuteses do bloco andino como foi o caso do Plano Colocircmbia financiado pelo governo

norte-americano que tinha o intuito de restaurar a paz reforccedilar as instituiccedilotildees democraacuteticas

combater o narcotraacutefico e erradicar os cultivos iliacutecitos implementar o desenvolvimento

alternativo e defender os direitos humanos Contudo sob a perspectiva da seguranccedila

92

A securitizaccedilatildeo eacute um ato de fala (speech act) no qual a proacutepria enunciaccedilatildeo eacute uma accedilatildeo quando um agente

utiliza o termo seguranccedila para dar um caraacuteter de emergecircncia para uma questatildeo poliacutetica essa questatildeo passa

desta esfera para esfera de seguranccedila portanto para proteger o objeto referente (aquilo que eacute percebido como

objeto de uma ameaccedila existencial por exemplo a democracia a integridade territorial o meio ambiente) passa

a ser legiacutetimo o uso de medidas extraordinaacuterias de exceccedilatildeo para conter a potencial ameaccedila (BUZAN

WAEVER WILDE 1998)

136

multidimensional o governo colombiano agiu militarmente contra os ldquonarcoterroristasrdquo

extrapolando as fronteiras da Colocircmbia o que gerou instabilidade na regiatildeo andina e tensotildees

diplomaacuteticas entre a Colocircmbia e os seus vizinhos Equador e Venezuela em 2008

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores se reuniu na cidade peruana

de Cuzco em dezembro de 2004 e subscreveu a Decisioacuten 602 Norma Andina para El Control

de Sustancias Quiacutemicas que se utilizan en la fabricacioacuten iliacutecita de estupefacientes y

sustancias psicotroacutepicas essa medida visa controlar as substacircncias quiacutemicas utilizadas na

confecccedilatildeo de drogas iliacutecitas93

principalmente a cocaiacutena e a heroiacutena e proteger o territoacuterio

aduaneiro comunitaacuterio para conter o desvio de importaccedilotildees e exportaccedilotildees dessas substacircncias

que podem ser utilizadas na produccedilatildeo de drogas Nesse documento tambeacutem foi proposta uma

lista uacutenica comunitaacuteria de substacircncias controladas de acordo com a Convenccedilatildeo de Viena de

1988 da ONU para aperfeiccediloar o controle e a vigilacircncia da importaccedilatildeo exportaccedilatildeo transporte

e qualquer outro tipo de transaccedilatildeo desses produtos quiacutemicos A criaccedilatildeo desse instrumento foi

uma forma de reiterar a Poliacutetica Andina de Control y Fiscalizacioacuten de Sustancias Quiacutemicas

que foi instituiacuteda em setembro do referido ano em parceria com a Uniatildeo Europeia

Na deacutecima quinta reuniatildeo do Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

ocorrida na cidade de Lima no dia 15 de julho de 2005 foi ratificada a Decisioacuten 614

Estrategia Andina de Desarrollo Alternativo Integral y Sostenible que tinha como finalidade

substituir o cultivo iliacutecito qualificado internacionalmente como ameaccedila por atividades

consideradas liacutecitas como o cultivo de cafeacute milho banana e outros produtos agriacutecolas

Segundo a CAN essa substituiccedilatildeo seria uma forma de ldquomelhorar o niacutevel de vida dos

habitantes da sub-regiatildeo andinardquo e ldquocontribuir para reduccedilatildeo da pobreza e promover a coesatildeo

social dos paiacuteses andinosrdquo conforme a Declaraccedilatildeo do Milecircnio da ONU e as Resoluccedilotildees da

Comissatildeo de Entorpecentes em mateacuteria de desenvolvimento alternativo Segundo a CAN

para a consecuccedilatildeo da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo era necessaacuterio

resguardar os seguintes princiacutepios respeitar a soberania contribuir com a pacificaccedilatildeo e

estabilizaccedilatildeo das aacutereas de intervenccedilatildeo oferecendo alternativas econocircmicas e poliacuteticas

programas e projetos setoriais que minimizem os impactos das accedilotildees de erradicaccedilatildeo agir

preventivamente natildeo apenas nas comunidades e territoacuterios afetados pelos cultivos iliacutecitos

mas tambeacutem naqueles que satildeo ameaccedilados por esse problema respeitar a diversidade

93

As principais substacircncias quiacutemicas submetidas ao controle no acircmbito da CAN satildeo acetona aacutecido cloriacutedrico

aacutecido sulfuacuterico amoniacuteaco anidro amoniacuteaco aquoso anidrido aceacutetico bicarbonato de soacutedio eacuteter etiacutelico metil-

etil-cetona permanganato de potaacutessio tolueno sem estrutura quiacutemica definida e tolueno derivado de HC com

estrutura quiacutemica definida (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004c p 14)

137

autonomia e particularidades nacionais assim como os grupos de minorias eacutetnicas

desenvolver condiccedilotildees miacutenimas de seguranccedila governabilidade e comunicaccedilatildeo que permitam

potencializar o desenvolvimento local cumprir com a estrateacutegia integral de luta contra as

drogas iliacutecitas para assegurar o impeacuterio da lei e para eliminaccedilatildeo sistemaacutetica das atividades

relacionadas com os cultivos iliacutecitos reafirmar a responsabilidade compartilhada ndash fazendo

com que as accedilotildees dos paiacuteses consumidores permitam combater a demanda de drogas ndash e a

cooperaccedilatildeo financeira teacutecnica e comercial para o desenvolvimento alternativo

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2005 p 2-3)

A poliacutetica de desenvolvimento alternativo nas aacutereas de cultivo e produccedilatildeo de coca no

acircmbito da CAN comeccedilou em 1989 um ano depois da Convenccedilatildeo de Viena com a aprovaccedilatildeo

de um Plano de Accedilatildeo para Substituiccedilatildeo e Desenvolvimento Alternativo que seguia os passos

das poliacuteticas nacionais de erradicaccedilatildeo do cultivo de coca em curso na eacutepoca as quais foram

implantadas sob pressatildeo poliacutetica econocircmica e militar dos EUA e conforme as determinaccedilotildees

das convenccedilotildees da ONU De acordo com o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas da UNODC

(2005) podemos verificar que as estrateacutegias de erradicaccedilatildeo e de desenvolvimento alternativo

surtiram algum efeito na reduccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena nos paiacuteses andinos a partir de 2001

quando comeccedilou a ocorrer uma queda na produccedilatildeo chegando ao total de 827 toneladas

meacutetricas No ano de 2003 o total de toneladas meacutetricas produzidas caiu para 674t

Os programas de substituiccedilatildeo de cultivos foram elaborados e impostos verticalmente e

natildeo horizontalmente Os camponeses tiveram uma participaccedilatildeo parca e foram praticamente

alijados das tomadas de decisatildeo Os projetos de desenvolvimento alternativo e sustentaacutevel em

tese pareciam perfeitos em sua elaboraccedilatildeo teacutecnica contudo natildeo estavam em consonacircncia

com a realidade do campo e as dinacircmicas e variantes culturais sociais e poliacuteticas natildeo foram

consideradas nos caacutelculos Conforme salienta Adriana Rossi (2006) a loacutegica do mercado

tambeacutem natildeo foi considerada pois as leis neoliberais vigentes satildeo impenetraacuteveis aos produtos

provenientes de microprodutores A autora assinala que ldquoalguns desses projetos deixaram

comunidades divididas camponeses endividados e sobretudo provocaram uma generalizada e

profunda desconfianccedila e a sensaccedilatildeo de que as medidas alternativas eram tatildeo soacute uma forma

para manter a burocracia nacional e internacionalrdquo (ROSSI 2006 p 38)

Em junho de 2005 o SGP-Drogas passou por um processo de revisatildeo e ajustes para

atender os questionamentos realizados na Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio e a UE adotou

um novo SGP para o periacuteodo de 2006 a 2015 que comeccedilou a vigorar em julho de 2005 No

138

mecircs de abril de 2007 a UE aprovou o Documento de Estrateacutegia Regional para o periacuteodo de

2007 a 2013 o qual destinava 50 milhotildees de euros para a CAN aplicar em trecircs setores

prioritaacuterios integraccedilatildeo econocircmica regional coesatildeo econocircmica e social e o combate agraves drogas

iliacutecitas A UE e a CAN subscreveram em 26 de setembro de 2007 o convecircnio de

financiamento de cooperaccedilatildeo para combate agraves drogas sinteacuteticas por meio da Decisioacuten 673

Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas Sinteacuteticas ou DROSICAN Para firmar

esse convecircnio a UE contribuiu com euro2550 milhotildees e a CAN entrou com euro320 mil O

DRASICAN tinha como objetivo ldquo[] propor metodologias e ferramentas que permitam

prevenir e controlar os possiacuteveis efeitos da oferta e da demanda das drogas iliacutecitas sinteacuteticas

nos Paiacuteses Membros (PPMM) da Comunidade Andina (CAN) []rdquo (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES 2007 p 2 traduccedilatildeo nossa)

No dia 6 de outubro de 2009 foi publicado o documento Seguridad y Lucha Contra el

Delito y la Violencia en la Comunidad Andina o qual reforccedilava as determinaccedilotildees da Poliacutetica

Externa Comum e da Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum para cooperaccedilatildeo no campo da

prevenccedilatildeo investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo para enfrentamento dos ldquofenocircmenos delitivos derivados do

crime organizado transnacionalrdquo como o narcotraacutefico traacutefico de armas bens culturais e

pessoas lavagem de dinheiro e corrupccedilatildeo Para o combate agraves drogas o documento reitera as

diretrizes do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Antidrogas e seus mecanismos institucionais sobre

a mateacuteria

Entre as estrateacutegias de cooperaccedilatildeo birregional CAN-UE foi elaborado o Programa

Antidrogas Iliacutecitas en La Comunidad Andina (PRADICAN) que vigoraria entre novembro de

2009 e fevereiro de 2013 O seu orccedilamento ficou estimado em euro402 milhotildees sendo que 81

desse total era de responsabilidade da UE O objetivo do PRADICAN era apoiar a

implementaccedilatildeo do Plano Andino de Luta contra as Droga Iliacutecitas e Crimes Conexos para

cumprimento da Norma Andina para controle de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas e

da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES [ca2011])

Entre os dias 15 e 18 de novembro de 2011 ocorreu na cidade de Bogotaacute o encontro

andino para implementar o Intercambio de Experiencias de Cooperacioacuten Policial en la

Comunidad Andina Frente a la Lucha Contra el Problema Mundial de las Drogas que fazia

parte do projeto PRADICAN participaram dessa reuniatildeo representantes da alta cuacutepula das

poliacutecias nacionais da Secretaria Geral da CAN da UE e do governo colombiano Para

139

consolidar diferentes processos de cooperaccedilatildeo para a ldquoluta efetiva e integral contra as ameaccedilas

a convivecircncia e a seguranccedila cidadatilderdquo o encontro visava criar mecanismos a niacutevel regional para

facilitar o diaacutelogo entre os governos e destes com a sociedade civil bem como criar

programas de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre as instituiccedilotildees policiais encarregadas da luta

antidrogas Para realizar essas accedilotildees foram estabelecidos dois objetivos principais

1 Gerar um espaccedilo de intercacircmbio de experiecircncias entre atores da luta contra o

problema mundial das drogas dos paiacuteses da Sub-regiatildeo Andina acerca de suas accedilotildees

e estrateacutegias para o problema mundial das drogas

2 Propor experiecircncias bem sucedidas ndash liccedilotildees aprendidas e boas praacuteticas ndash aplicadas

contra o fenocircmeno do narcotraacutefico nos paiacuteses andinos de Boliacutevia Colocircmbia

Equador e Peru como accedilotildees comuns a serem desenvolvidas no futuro

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2011 p 2 traduccedilatildeo nossa)

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores apresentaram em 5 de

fevereiro de 2012 os Principios Orientadores y Agenda Estrateacutegica Andina que tinham

como propoacutesito aprofundar o processo de integraccedilatildeo andino a partir da elaboraccedilatildeo de uma

agenda estrateacutegica que priorizava doze eixos principais 1) participaccedilatildeo dos cidadatildeos andinos

na integraccedilatildeo 2) Poliacutetica Exterior Comum 3) integraccedilatildeo comercial e complementaccedilatildeo

econocircmica promoccedilatildeo da produccedilatildeo do comeacutercio e do consumo sustentaacutevel 4) integraccedilatildeo

fiacutesica e desenvolvimento das fronteiras 5) desenvolvimento social 6) meio ambiente 7)

turismo 8) seguranccedila 9) cultura 10) cooperaccedilatildeo 11) integraccedilatildeo energeacutetica e recursos

naturais 12) desenvolvimento institucional da CAN (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 2010 p 2) A agenda estrateacutegica procurava conter o traacutefico de drogas e outras

accedilotildees do crime organizado a partir de accedilotildees integradas como o controle integrado de

fronteiras e o desenvolvimento dos Centros Binacionales de Atencioacuten en Frontera (CEBAF) e

das Zonas de Integracioacuten Fronteriza (ZIF) e em mateacuteria de seguranccedila se daria por meio da

coordenaccedilatildeo de programas regionais para facilitar a aplicaccedilatildeo da normativa andina sobre

combate agraves drogas de acordo com as diretrizes da Decisioacuten 505 e a implementaccedilatildeo do

PRADICAN

No transcurso do ano de 2012 ocorreram reuniotildees multilaterais de especialistas

governamentais dos paiacuteses andinos para atualizaccedilatildeo do Plano Andino de Luta Contra as

Drogas Iliacutecitas e Delitos Conexos As reuniotildees contaram com a participaccedilatildeo de teacutecnicos

especialistas em drogas da Secretaria Geral da Comunidade Andina e com funcionaacuterios dos

governos dos paiacuteses envolvidos especialmente dos setores de seguranccedila e luta contra as

drogas

140

Esse grupo multissetorial e multilateral lanccedilou no dia 5 de outubro de 2012 a

Estrategia Andina Sobre el Problema Mundial de las Drogas 2012-2019 A Estrateacutegia

Andina segundo o documento eacute respaldada pela Poliacutetica Externa Comum e pelo Acordo de

Cartagena e se fundamenta no direito comunitaacuterio andino que tem como pilares o respeito aos

direitos e dignidade humana a democracia e o Estado de direito A Estrateacutegia Andina

apresenta algumas mudanccedilas no que tange ao tratamento da questatildeo das drogas na regiatildeo

principalmente nas estrateacutegias de reduccedilatildeo da demanda e de desenvolvimento alternativo A

estrateacutegia de reduccedilatildeo da demanda passa a ser norteada natildeo mais pela loacutegica da criminalizaccedilatildeo

mas por uma loacutegica de reduccedilatildeo de danos

Thiago Rodrigues (2003b) ressalta que a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos surgiu na

Europa em meados da deacutecada de 1980 como medida para conter a propagaccedilatildeo da AIDS entre

usuaacuterios de drogas injetaacuteveis devido ao compartilhamento de seringas Contudo a reduccedilatildeo de

danos ampliou o seu enfoque e em suas medidas procurava natildeo apenas promover a troca de

seringas mas tambeacutem o acompanhamento meacutedico de usuaacuterios fornecer serviccedilos

interdisciplinares de assistecircncia e aconselhamento De acordo com esta loacutegica as poliacuteticas

sociais deveriam ser direcionadas para intervenccedilotildees que procurassem proscrever natildeo o uso de

drogas mas o uso indevido que pode redundar em ameaccedilas ao bem-estar do indiviacuteduo e da

sociedade Sendo assim

Os partidaacuterios das poliacuteticas de reduccedilatildeo de danos constroem seus argumentos a partir

de um pressuposto simples consumir psicoativos faz parte de qualquer cultura eacute

haacutebito sempre presente na histoacuteria humana e que natildeo pode ser suprimido

Assumindo a inevitabilidade do uso de drogas psicoativas a preocupaccedilatildeo deveria ser

em fazer com que esse consumo produzisse o menor prejuiacutezo possiacutevel ao indiviacuteduo

que se intoxica e agrave sociedade (RODRIGUES 2003b p 262)

Os adeptos das poliacuteticas alternativas antiproibicionistas compreendem que a guerra

contra as drogas natildeo erradicou e nem vai erradicar o traacutefico e nem o consumo de drogas mas

impeliu os usuaacuterios de psicoativos agrave marginalidade fazendo com que fosse perpetuado o uso

de drogas em condiccedilotildees insalubres Para os partidaacuterios dessa alternativa natildeo se trata de fazer

apologia ao uso das drogas e sim de agir pragmaticamente sobre a questatildeo Deve-se reduzir o

consumo ldquoinevitaacutevelrdquo dessas substacircncias e natildeo estimular o seu uso portanto a preocupaccedilatildeo eacute

ldquominimizar prejuiacutezosrdquo Rodrigues aponta que os discursos de defesa dos programas de

reduccedilatildeo de danos e a criacutetica ao proibicionismo neles contidos natildeo significa necessariamente

uma postura incisiva de apoio agraves poliacuteticas radicais de legalizaccedilatildeo das drogas pois a reduccedilatildeo

de danos pode ser adotada por diferentes tipos de poliacuteticas ela se situa entre a legalizaccedilatildeo

total e a proibiccedilatildeo total e nada impede que ela oscile de uma para outra Para o autor ldquoa

141

possibilidade de que taacuteticas de reduccedilatildeo de danos coexistam com medidas de guerra agraves drogas

expotildee a nu o fato de que em seu conjunto elas natildeo ambicionam mais do que reformulaccedilotildees

dentro do regime proibicionistardquo (RODRIGUES 2003b p 268)

Os paiacuteses andinos mesmo com toda sua multiplicidade de expressotildees poliacuteticas e

eacutetnico-culturais buscam se posicionar de forma comum perante aos desafios em termos de

seguranccedila principalmente por meio da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) como por

exemplo a Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum e a Carta Andina para a Paz e Seguranccedila

Contudo as posiccedilotildees e declaraccedilotildees dos governos do bloco andino revelam as controveacutersias e

diferenccedilas subjacentes a esse processo

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em Seguranccedila

A regiatildeo andina tem como caracteriacutestica a diversidade geograacutefica social poliacutetica e

econocircmica cujas semelhanccedilas estatildeo ligadas ao passado colonial e agraves relaccedilotildees de

subalternidade da poliacutetica externa dos paiacuteses andinos frente aos EUA principalmente no

contexto dos anos de 1990 se estendendo ateacute o comeccedilo do seacuteculo XXI os Andes estavam

dentro da zona de influecircncia hemisfeacuterica norte-americana Nesse contexto as relaccedilotildees de

dependecircncia de cada paiacutes andino com Washington natildeo foram uniformes no entanto como

vimos no decorrer do presente trabalho houve muitas semelhanccedilas na forma como foi

conduzida a poliacutetica de combate agraves drogas e a cooperaccedilatildeo com os EUA sobre o tema

ocorrendo mudanccedilas mais significativas apenas na segunda metade da primeira deacutecada deste

seacuteculo como foram os casos de Boliacutevia e Equador

Os esforccedilos dos paiacuteses andinos para criar instrumentos e mecanismos de cooperaccedilatildeo

regional em mateacuteria de seguranccedila comeccedilaram no fim dos anos de 1980 Neste primeiro

movimento o traacutefico de drogas jaacute figura como problema de seguranccedila ao lado das armas

nucleares A Declaracioacuten de Galaacutepagos Compromiso Andino de Paz Seguridad y

Cooperacioacuten assinada pelos presidentes do Pacto Andino em 1989 (Boliacutevia Colocircmbia

Equador Peru e Venezuela) tinha por objetivo principal criar medidas de confianccedila reciacuteproca

por meio do compromisso dos paiacuteses andinos em renunciar agrave produccedilatildeo ao desenvolvimento

ao uso agrave transferecircncia ou posse de qualquer tipo de arma de destruiccedilatildeo em massa (ADM)

sejam elas nucleares quiacutemicas ou bacterioloacutegicas O art 6 da Declaraccedilatildeo estabelece como

142

uma das medidas de confianccedila o intercacircmbio de informaccedilotildees encontros regulares e

cooperaccedilatildeo entre as Forccedilas Armadas e a coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de luta contra o terrorismo e

o narcotraacutefico A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi o primeiro documento que firmou o

compromisso entre as forccedilas armadas andinas para o combate ao traacutefico de drogas A ideia de

cooperaccedilatildeo contida na Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos deve ser entendida de acordo com a

abordagem de Robert Jervis (1978) sobre a seguranccedila cooperativa a qual foi elaborada

durante a Guerra Fria e por ela foi influenciada Segundo o autor a seguranccedila cooperativa

ocorre quando os contendores potenciais tecircm disposiccedilatildeo para cooperar com a finalidade de

aplacar os riscos provenientes do dilema de seguranccedila Deste modo ela eacute estadocecircntrica Este

tipo de cooperaccedilatildeo propicia a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo reduccedilatildeo e resoluccedilatildeo de

ameaccedilas militares que podem desdobrar em uma guerra Estas medidas estatildeo relacionadas

sobretudo agrave transparecircncia entre as forccedilas armadas que permita o recolhimento de dados e

informaccedilotildees sobre o estado das armas

Todavia somente dez anos depois com o lanccedilamento da Poliacutetica Externa Comum

Andina em 1999 a seguranccedila se torna um dos eixos do projeto de integraccedilatildeo andina que

forneceraacute as bases para criaccedilatildeo de mecanismos institucionais de cooperaccedilatildeo na mateacuteria O

narcotraacutefico foi o tema que ganhou mais destaque no iniacutecio da formulaccedilatildeo da poliacutetica de

seguranccedila comum andina A implementaccedilatildeo em 2001 da Decisatildeo 505 foi o primeiro

movimento de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica multilateral coordenada de seguranccedila antidrogas no

acircmbito da CAN para conter o avanccedilo das redes de traacutefico de drogas e os efeitos do conflito

colombiano na regiatildeo

Na Conferecircncia de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores e de Defesa da CAN ocorrida na

cidade de Lima em junho de 2002 os paiacuteses signataacuterios do bloco andino assinaram a Carta

Andina para a Paz e a Seguranccedila (ou Compromisso de Lima) a qual se baseava na proposta

do presidente peruano Alejandro Toledo que pretendia promover uma concepccedilatildeo comum de

seguranccedila paz e fomento da confianccedila pela reduccedilatildeo nos gastos de defesa O Compromisso de

Lima visava a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica comunitaacuteria de seguranccedila e de fomento da

confianccedila como parte da Poliacutetica Externa Comum e como um mecanismo de cooperaccedilatildeo

poliacutetica para implementaccedilatildeo de uma nova etapa de integraccedilatildeo andina para o desenvolvimento

de uma concepccedilatildeo regional de seguranccedila que fosse capaz de instaurar a Zona de Paz de la

Comunidad Andina Influenciado pela concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da OEA e

pela ldquoguerra ao terrorrdquo dos EUA o Compromisso de Lima estabelecia que o combate agraves

atividades do ldquocrime transnacionalrdquo deveria continuar ldquoespecialmente as que satildeo vinculadas

143

ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito de armasrdquo

(COMUNIDAD ANDINA 2002 p 4 traduccedilatildeo nossa)

O Compromisso de Lima foi determinante para criaccedilatildeo do Grupo de Alto Niacutevel em

Mateacuteria de Seguranccedila e Fomento da Confianccedila em 2003 este mecanismo compreende

reuniotildees bilaterais regulares entre Altos Comandos Militares intercacircmbio de informaccedilatildeo e de

serviccedilo de inteligecircncia e cooperaccedilatildeo fronteiriccedila A partir do Compromisso de Lima foi

elaborado a PESC que guiada pela concepccedilatildeo multidimensional de seguranccedila ldquoabarca as

ameaccedilas inerentes tanto agrave defesa quanto agrave institucionalidade democraacutetica e agrave seguranccedila cidadatilde

ndash incluindo suas inter-relaccedilotildees ndash []rdquo Portanto ldquoo seu propoacutesito eacute prevenir e combater de

maneira cooperativa e coordenada as ameaccedilas agrave seguranccedila quaisquer que seja sua natureza

dentro de uma concepccedilatildeo democraacutetica e natildeo ofensiva de seguranccedila externardquo (COMUNIDAD

ANDINA 2004 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A seguranccedila comum aparece nos anos de 1980 como um novo conceito em oposiccedilatildeo agrave

seguranccedila nacional tradicional focada na seguranccedila militar O conceito procurava um enfoque

mais abrangente que natildeo se restringisse agraves preocupaccedilotildees militares mas que captasse outros

temas como as ameaccedilas poliacuteticas econocircmicas e ambientais De acordo com Barry Buzan e

Lene Hansen (2012) a seguranccedila comum eacute um conceito ldquoexpansivordquo que foi criado em 1982

pela Comissatildeo Palme de Desarmamento e Questotildees de Seguranccedila tendo como pressuposto

impliacutecito que ldquoas principais ameaccedilas agrave seguranccedila internacional natildeo vinham de Estados

individuais mas de problemas globais compartilhados por toda a comunidade internacionalrdquo

(PORTER BROWN 1991 p 109 apud BUZAN HANSEN 2012 p 216) Ao redirecionar o

foco para os chamados ldquoproblemas globaisrdquo as ameaccedilas passariam a ser enfrentadas numa

escala planetaacuteria e para resoluccedilatildeo destes problemas seriam necessaacuterias poliacuteticas multilaterais e

transnacionais Entretanto os autores salientam que a ideia de seguranccedila comum ainda estava

submergida no contexto da Guerra Fria e devido a isto o seu foco predominante era o

desarmamento e o controle de armamentos muito embora o conceito procurasse tambeacutem

promover os direitos humanos e garantir a seguranccedila dos indiviacuteduos Segundo os autores este

duplo movimento da seguranccedila comum a tornava ldquoambiacuteguardquo o que levou a preparaccedilatildeo do

cenaacuterio para a seguranccedila individual e tambeacutem fez dela a precursora da seguranccedila humana

onde o indiviacuteduo eacute o objeto de referecircncia para a seguranccedila (BUZAN HANSEN 2012 p

218)

144

A PESC andina resgatou o conceito de seguranccedila comum e procurou fundamentaacute-lo

nas concepccedilotildees de seguranccedila democraacutetica e de seguranccedila multidimensional A seguranccedila

democraacutetica surge no contexto poacutes-colapso sovieacutetico em contraposiccedilatildeo agrave Doutrina de

Seguranccedila Nacional como concepccedilatildeo alternativa de seguranccedila marcadamente fundamentada

nos princiacutepios liberais cujos objetivos centrais satildeo a proteccedilatildeo das liberdades individuais e o

bem-estar da sociedade No quarto objetivo da PESC a seguranccedila democraacutetica aparece da

seguinte forma ldquoContribuir para promoccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico e o bem-estar

social dos habitantes da Comunidade Andina reforccedilando a seguranccedila da Sub-regiatildeordquo

(COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo nossa) A seguranccedila multidimensional se

baseia na concepccedilatildeo de seguranccedila hemisfeacuterica da OEA que procura abranger diferentes temas

poliacuteticos econocircmicos societais e ambientais como ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila A

concepccedilatildeo multidimensional influenciou sobremaneira a PESC Em um dos seus objetivos ela

se revela da seguinte forma ldquoPrevenir combater e erradicar as novas ameaccedilas agrave seguranccedila

[] atraveacutes da cooperaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo de accedilotildees orientadas os desafios que representam

ditas ameaccedilas para a Comunidade Andinardquo (COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo

nossa)

De acordo com Carlos Romero (2004) na Ameacuterica Latina houve poucas ocasiotildees em

que ocorreram esforccedilos para elaboraccedilatildeo de compromissos cooperativos de seguranccedila sem os

EUA Um exemplo citado pelo o autor eacute a poliacutetica de seguranccedila comum da CAN No entanto

Romero potildee em questatildeo se a agenda de seguranccedila andina natildeo se transformou em reprodutora

da agenda hemisfeacuterica e da agenda global da administraccedilatildeo Bush como foi o caso do

terrorismo transnacional e que em vez disso os paiacuteses da CAN deveriam discutir o tema de

terrorismo de Estado como problema de seguranccedila pois este eacute um tema mais presente na

histoacuteria andina Ao colocar entre os seus objetivos o combate agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo a agenda

de seguranccedila da CAN se tornou reprodutora das poliacuteticas de seguranccedila tanto da OEA quanto

dos EUA O exemplo mais emblemaacutetico eacute o traacutefico de drogas que ainda eacute tratado sob estas

perspectivas mesmo com uma mudanccedila recente no tratamento das drogas a partir do prisma

da reduccedilatildeo de danos o qual segue o modelo europeu

A CAN procurou reinterpretar a sua agenda de seguranccedila e a cooperaccedilatildeo multilateral

entre os paiacuteses do bloco agrave luz das ldquonovas ameaccedilasrdquo para combatecirc-las As medidas de

confianccedila estabelecidas pela PESC natildeo foram suficientes para solapar os conflitos fronteiriccedilos

latentes Entre as ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila da CAN a partir da segunda metade dos anos

de 1990 o traacutefico de drogas foi a ameaccedila que mais se destacou na agenda de seguranccedila

145

regional e que refletiu de maneira variada em cada contexto nacional A PESC estabeleceu

como condiccedilotildees necessaacuterias para a conformaccedilatildeo de uma Zona Andina de Paz as medidas de

confianccedila a soluccedilatildeo paciacutefica de controveacutersias e a cooperaccedilatildeo em seguranccedila principalmente

contra as ldquonovas ameaccedilasrdquo No que tange agrave cooperaccedilatildeo multilateral contra o traacutefico de drogas

no acircmbito do ordenamento institucional da CAN houve avanccedilos significativos No entanto

na praacutetica o que mais prevalece satildeo as medidas de cooperaccedilatildeo bilateral principalmente entre

as forccedilas armadas como satildeo os casos da formaccedilatildeo de Comisioacuten Binacional Fronteriza para o

fortalecimento da seguranccedila nas fronteiras (COMBIFRON) e Grupos de Trabalho Bilateral

COMBIFRON Equador-Colocircmbia COMBIFRON e Grupos de Trabalhos Bilateral em defesa

e assuntos policiais Peru-Colocircmbia COMBIFRON Boliacutevia-Peru A questatildeo que se coloca eacute

se a cooperaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas e os mecanismos institucionais para

enfrentaacute-las se inserem ou natildeo dentro de um espectro mais amplo de uma identidade coletiva

em mateacuteria de seguranccedila ou seja se a CAN se configura como uma Comunidade de

Seguranccedila

Comunidade de Seguranccedila Andina

Nos estudos da seguranccedila internacional a ideia de comunidade de seguranccedila surgiu

para compreender como determinadas organizaccedilotildees de grupos regionais foram capazes de

impulsionar processos que culminaram na criaccedilatildeo de zonas de paz estaacuteveis e duradouras que

propiciaram a construccedilatildeo de uma identidade comum Karl Deutsch (1957) foi o primeiro autor

a introduzir o conceito de comunidade poliacutetica para analisar os processos de integraccedilatildeo e as

relaccedilotildees entre seguranccedila e integraccedilatildeo Deutsch se concentrou em identificar as condiccedilotildees que

favoreciam a construccedilatildeo de identidades coletivas como forma de se alcanccedilar a paz Com o

crescimento da interdependecircncia e da responsabilidade compartilhada entre os Estados o uso

da forccedila fiacutesica deixaria de ser um meio legiacutetimo para resolver altercaccedilotildees O grau de

integraccedilatildeo distinguiria uma comunidade poliacutetica de uma comunidade de seguranccedila esta

uacuteltima eacute resultado da densidade e intensidade das relaccedilotildees e transaccedilotildees que asseguram

expectativas confiaacuteveis de mudanccedila paciacutefica por um tempo prolongado A comunidade de

seguranccedila conforme o autor pode ser pluralista quando se restringe apenas ao acircmbito da

seguranccedila para manter a paz ou amalgamada quando ocorre uma fusatildeo poliacutetica formalizada

entre os atores envolvidos podendo chegar a constituir um soacute governo

As comunidades pluralistas seriam como ldquoclustersrdquo de unidades poliacuteticas

(agrupamento de estados) que requerem trecircs pressupostos baacutesicos

146

a) a compatibilidade de valores fundamentais b) a capacidade dos governos e as

elites para responder em forma reciacuteproca as mensagens necessidades e accedilotildees de

forma veloz adequada e sem recorrer agrave violecircncia e c) a previsibilidade muacutetua dos

aspectos pertinentes da conduta poliacutetica econocircmica e social de uns em relaccedilatildeo aos

outros (DEUTSCH 1970 p 231 apud BURDISSO et al 2006 p 6 traduccedilatildeo

nossa)

Se seguirmos esta divisatildeo proposta por Deutsch a CAN estaria mais para uma

comunidade de seguranccedila pluralista do que para uma amalgamada pois o processo de

integraccedilatildeo andino preserva a soberania dos Estados da regiatildeo e natildeo visa agrave criaccedilatildeo de um

governo uacutenico supranacional Todavia a comunidade de seguranccedila pluralista natildeo se adeacutequa

ao caso andino pois inexiste uma reciprocidade entre os paiacuteses para responder a uma ameaccedila

e muito menos existe uma ldquoprevisibilidade muacutetuardquo A Operaccedilatildeo Fecircnix realizada pelas forccedilas

armadas da Colocircmbia em solo equatoriano gerou desconfianccedila devido agrave imprevisibilidade

Portanto esta classificaccedilatildeo natildeo eacute suficiente para abordar a complexidade da integraccedilatildeo e

cooperaccedilatildeo andina pois natildeo permite em sua abordagem compreender diferentes niacuteveis e

variedades intermediaacuterias de tipos de configuraccedilotildees de comunidades de seguranccedila

Para buscar analisar outras formas de orquestraccedilatildeo e conformaccedilatildeo de comunidades de

seguranccedila que emergiriam a partir de uma interaccedilatildeo maior que fortalecesse o

desenvolvimento da confianccedila e de uma identidade coletiva Emanuel Adler e Michael Barnet

(1998 p 17) partindo de Deutsch elaboraram um ldquomodelo heuriacutesticordquo para examinar trecircs

fases de desenvolvimento de uma comunidade de seguranccedila e as formas como os atores e suas

relaccedilotildees satildeo afetados em cada uma destas fases nascente ascendente e madura

Em linhas gerais na primeira fase a nascente natildeo haacute um movimento expliacutecito e

pouco esforccedilo por parte dos governos em criar uma comunidade de seguranccedila Os atores

buscam coordenar suas relaccedilotildees como forma de aumentar a seguranccedila muacutetua diminuir os

custos de suas transaccedilotildees e estimular a realizaccedilatildeo de trocas e interaccedilotildees A cooperaccedilatildeo entre

os atores pode ser mensurada pela ampliaccedilatildeo dos canais diplomaacuteticos bilaterais e

multilaterais As accedilotildees resultantes da cooperaccedilatildeo em seguranccedila provavelmente incorporaratildeo

uma especificaccedilatildeo maior do que eacute considerado uma ameaccedila poliacuteticas projetadas voltadas para

mitigar problemas de accedilotildees coletivas e o desenvolvimento de programas de seguranccedila

voltados para consecuccedilatildeo de objetivos compartilhados Nesta fase os Estados desenvolvem

laccedilos estreitos de seguranccedila natildeo apenas para se defenderem coletivamente contra uma

ameaccedila comum mas tambeacutem para aprofundar os viacutenculos institucionais e transnacionais que

os ligam bem como uma homogeneidade cultural poliacutetica social eou ideoloacutegica Nesta fase

147

ainda haacute a necessidade de fiscalizaccedilatildeo e controle dos membros (ADLER amp BARNET 1998

pp 50-51)

A segunda fase a ascendente assinala uma fortificaccedilatildeo dos viacutenculos mediante a

construccedilatildeo de novas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees Os membros da comunidade optam pela

integraccedilatildeo regional por consideraacute-la o meio mais profiacutecuo para atingir os objetivos coletivos

de seguranccedila e de desenvolvimento intensificando os fluxos estendendo os canais existentes

e reduzindo o medo de que um membro seja uma ameaccedila Os Estados estatildeo cada vez mais

incorporados em uma densa rede de relaccedilotildees retratadas coletivamente como ldquoamigaacuteveisrdquo A

amplitude e a densidade das instituiccedilotildees principalmente de seguranccedila demonstram confianccedila

muacutetua e deliberaccedilotildees militares interdependentes levando agrave reduccedilatildeo de mecanismos de

controle e fiscalizaccedilatildeo entre as partes (ADLER amp BARNET 1998 p53)

A terceira e uacuteltima fase a madura ocorre na formaccedilatildeo de uma comunidade de

seguranccedila com a institucionalizaccedilatildeo das expectativas tanto no acircmbito domeacutestico quanto na

esfera supranacional Nesta fase os atores regionais compartilham uma identidade comum e se

torna impensaacutevel entre os membros se prepararem para uma guerra entre si Esta fase inclui

o aspecto da ldquoajuda muacutetuardquo que estaacute inserida em um sistema ldquopoacutes-soberano dotado de

instituiccedilotildees supranacionais transnacionais e nacionais comuns e alguma forma de um sistema

de seguranccedila coletivardquo (ADLER amp BARNET 1998 p30 traduccedilatildeo nossa)

Para os autores haacute duas formas de comunidade de seguranccedila as com viacutenculo fraco e

as com viacutenculo estritamente acoplado Na comunidade de seguranccedila com viacutenculo fraco os

Estados se identificam positivamente um com o outro existem muacuteltiplos e diversos

mecanismos e padrotildees de interaccedilatildeo que reforccedilam e reproduzem a comunidade de seguranccedila

haacute um sistema de governanccedila informal com base em significados compartilhados e uma

identidade coletiva Em caso de conflitos de interesses e desacordos os atores mantecircm uma

postura de autolimitaccedilatildeo do uso da forccedila Na comunidade de seguranccedila estritamente acoplada

existem acordos de seguranccedila muacutetua e assistecircncia reciacuteproca contra ameaccedilas externas um

sistema de seguranccedila coletiva e organizaccedilatildeo de defesa militar integrada Este tipo de

comunidade de seguranccedila apresenta os seguintes componentes seguranccedila cooperativa e

coletiva um alto niacutevel de integraccedilatildeo militar coordenaccedilatildeo poliacutetica contra ameaccedilas ldquointernasrdquo

livre circulaccedilatildeo da populaccedilatildeo internacionalizaccedilatildeo da autoridade e institucionalizaccedilatildeo em

multiperspectiva nos niacuteveis nacional transnacional e supranacional (ADLER amp BARNET

1998 pp55-57)

148

Ao analisarmos a CAN a partir dos aportes teoacutericos de Adler e Barnet natildeo eacute claro

identificar em qual tipo de comunidade de seguranccedila ela poderia ser compreendida Na

primeira fase em relaccedilatildeo agrave cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses pertencentes ao bloco andino a CAN

especificou o que eacute considerado ameaccedila como eacute o caso das ldquonovas ameaccedilasrdquo e desenvolveu

um programa de seguranccedila que teoricamente estreitaria os laccedilos entre os atores da regiatildeo para

aprofundar os seus viacutenculos institucionais A CAN entretanto natildeo eacute uma instituiccedilatildeo de

seguranccedila mas sim de integraccedilatildeo regional que conteacutem alguns mecanismos de seguranccedila

comum

A fase ascendente eacute a que mais se aproxima da regiatildeo andina e do seu sistema de

integraccedilatildeo o qual fixou objetivos comuns em seguranccedila e desenvolvimento A PESC previa a

consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina que visava fortalecer as medidas de confianccedila e o

enfrentamento das ameaccedilas agrave seguranccedila de forma cooperativa Contudo a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da integraccedilatildeo andina em seus variados aspectos natildeo incidiram sobre o

campo da seguranccedila A PESC natildeo foi aprofundada e natildeo se tornou um mecanismo efetivo de

coordenaccedilatildeo dos planos e estrateacutegias de cooperaccedilatildeo As deliberaccedilotildees militares obedecem agrave

loacutegica da soberania O combate ao traacutefico de drogas eacute o exemplo mais expressivo da falta de

coordenaccedilatildeo de uma poliacutetica comum de seguranccedila A fase madura de acordo com os autores

requer entre outras coisas que a comunidade de seguranccedila seja ldquopoacutes-soberanardquo

No contexto regional andino atual emergem entre os paiacuteses da CAN novos blocos

econocircmicos regionais com diferentes niacuteveis de institucionalizaccedilatildeo dividindo os paiacuteses

andinos a partir de seus projetos estrateacutegicos que satildeo voltados ou para bacia do paciacutefico

(Colocircmbia e Peru) ou para a bacia amazocircnica (Boliacutevia e Equador) condicionando

ideologicamente natildeo apenas a economia e a poliacutetica mas tambeacutem a seguranccedila e o modo como

a questatildeo das drogas eacute abordada Desta maneira gravitam na regiatildeo andina dinacircmicas

contrapostas de integraccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo que colocam obstaacuteculos para a efetivaccedilatildeo da

PESC e construccedilatildeo de uma identidade de seguranccedila comum que satildeo elementos necessaacuterios

para o cumprimento dos acordos sobre drogas em acircmbito regional prevalecendo mais os

acordos bilaterais pontuais como satildeo as COMBIFRON do que os multilaterais intrabloco no

que tange ao combate agraves drogas Isto estaacute relacionado com as percepccedilotildees de cada paiacutes sobre o

problema Por exemplo a Boliacutevia e o Equador apresentaram mudanccedilas significativas no

decorrer da uacuteltima deacutecada no tratamento das drogas de forma divergente em muitos aspectos

das abordagens peruanas e colombianas sobre o tema

149

As iniciativas multilaterais tecircm acompanhado as estrateacutegias voltadas mais para a

reduccedilatildeo da oferta do que para a diminuiccedilatildeo da demanda Tambeacutem procuraram acompanhar as

poliacuteticas nacionais que se baseavam numa triacuteplice estrateacutegia a qual visava principalmente agrave

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos agrave militarizaccedilatildeo e ao desenvolvimento alternativo Os

instrumentos de cooperaccedilatildeo desenvolvidos no acircmbito da CAN obedeceram mais a loacutegica da

pressatildeo dos governos do que a busca de soluccedilotildees a partir de uma abordagem regional que

procurasse conciliar as heterogeneidades e assimetrias de cada Estado Para que o regime

multilateral antidrogas fosse efetivo seria necessaacuterio primeiro uma revisatildeo das poliacuteticas

nacionais e das suas consequecircncias de forma conjunta para em seguida elaborar mudanccedilas

no modelo existente onde cada paiacutes encara o problema a seu modo e por fim criar

instrumentos e mecanismo adequados para dar iniacutecio a uma estrateacutegia comum efetiva

conforme a PESC

No que tange agraves consequecircncias das poliacuteticas nacionais os Estados-membros da CAN

natildeo apresentaram nenhum documento ou iniciativa para avaliar os resultados do tripeacute

estrateacutegico de luta contra as drogas e de sua incidecircncia sobre a estabilidade das instituiccedilotildees

nacionais dos paiacuteses da regiatildeo Como vimos no decorrer do trabalho a erradicaccedilatildeo

compulsoacuteria natildeo redundou na diminuiccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena e tambeacutem natildeo impediu que

os fluxos desta droga fossem para os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo como pretenderam os EUA No

entanto para evitar confrontar as exigecircncias e pressotildees de Washington e tambeacutem seguindo os

seus interesses em se manterem receptores de assistecircncia militar e econocircmica norte-

americana os governos de Colocircmbia e Peru natildeo refletiram acerca do efeito contraacuterio que a

ldquoguerra agraves drogasrdquo provocou dentro de seus paiacuteses ou seja o aumento da erradicaccedilatildeo e da

apreensatildeo das folhas de coca levou ao crescimento e extensatildeo da produccedilatildeo para compensar

perdas como tambeacutem ramificou e capilarizou as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

A articulaccedilatildeo espuacuteria entre traacutefico de drogas e terrorismo encabeccedilada pelos EUA

incorreu em um aumento das tensotildees entre as iniciativas regionais de cooperaccedilatildeo em mateacuteria

de seguranccedila que tinha como objetivo a consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina e a

militarizaccedilatildeo dos mecanismos de repressatildeo estatal Estas tensotildees ocorrem na regiatildeo desde o

iniacutecio da luta contra o narcotraacutefico quando foram empregadas de forma indiscriminada as

forccedilas armadas para realizarem a erradicaccedilatildeo forccedilada de plantios de coca na Boliacutevia e no

Peru os dois maiores produtores de coca naquele contexto As erradicaccedilotildees forccediladas

ganharam novos contornos com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas de fumigaccedilatildeo aeacuterea na Colocircmbia

150

O uso excessivo do glifosato obrigou milhares de famiacutelias colombianas a migrarem para o

Equador o que fez estremecer as relaccedilotildees e a cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

De acordo com Mocircnica Hirst (2008) natildeo haacute respostas institucionais regionais na

Ameacuterica do Sul para lidar com o complexo conjunto de problemas de seguranccedila na regiatildeo

sobretudo o crime organizado transnacional No que concerne agrave CAN a autora destaca que as

aplicaccedilotildees das estrateacutegias antidrogas demonstraram que os paiacuteses que integram a regiatildeo

andina satildeo desprovidos de autonomia estrateacutegica e as suas agendas ainda obedecem agraves

premissas da seguranccedila hemisfeacuterica estadunidense ou seja a proacutepria concepccedilatildeo de seguranccedila

multidimensional e a noccedilatildeo de ldquonovas ameaccedilasrdquo presente na PESC satildeo constataccedilotildees desta

falta de autonomia na agenda de seguranccedila principalmente no que concerne ao combate agraves

drogas pois Washington ainda exerce grande pressatildeo com a poliacutetica de certificaccedilatildeo

alimentando a subordinaccedilatildeo estrateacutegica aos EUA (MATHIAS 2007) Portanto dentro do

atual cenaacuterio da poliacutetica e da seguranccedila da regiatildeo andina faz-se necessaacuteria a construccedilatildeo de

uma perspectiva comum e compartilhada entre os paiacuteses sul-americanos para fazer frente ao

problema da produccedilatildeo e traacutefico de drogas

151

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir da anaacutelise histoacuterica acerca da construccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo do traacutefico de drogas

como ameaccedila pudemos observar um processo gradual de aprofundamento e

institucionalizaccedilatildeo de uma percepccedilatildeo securitizada sobre o fenocircmeno e uma intensificaccedilatildeo do

seu combate na regiatildeo andina O traacutefico de drogas foi considerado uma ldquonova ameaccedilardquo natildeo

convencional e transnacional no decurso da deacutecada de 1990 Apoacutes o advento do ldquo11 de

setembrordquo ocorreu uma convergecircncia conceitual e perceptiva entre a ldquowar on drugrdquo e a ldquowar

on terrorrdquo sobretudo na Colocircmbia e no Peru que favoreceram os interesses securitaacuterios dos

EUA na regiatildeo andina No ambiente poacutes-colapso sovieacutetico a luta antidrogas se tornou o

veiacuteculo dileto para manter e ampliar a primazia estadunidense na regiatildeo

Pudemos tambeacutem depreender que a regiatildeo andina passou a ter relevacircncia para os EUA

no contexto poacutes-Guerra Fria A identificaccedilatildeo das ldquonovas ameaccedilasrdquo provocou uma alteraccedilatildeo na

definiccedilatildeo de relevacircncia de diferentes sub-regiotildees com isto a regiatildeo andina passou a ser a

maior receptora de recursos econocircmicos e militares em contraste com a Ameacuterica Central que

fora na deacutecada de 1980 Esta relevacircncia responde aos interesses da poliacutetica externa

estadunidense em eliminar o traacutefico de drogas devido agrave ameaccedila que representa para a

democracia a seguranccedila a governabilidade e a paz no arco andino Segundo a percepccedilatildeo

norte-americana desde Reagan o narcotraacutefico se constitui como uma ameaccedila agrave sua seguranccedila

nacional e por conseguinte agrave seguranccedila regional e hemisfeacuterica Aleacutem disso o arco andino

inspirou grande preocupaccedilatildeo no que concerne agrave conformaccedilatildeo de ldquoEstados Falidosrdquo ao mesmo

passo que despertou o interesse de Washington para implantaccedilatildeo de novas bases militares

como a de Manta no Equador em 1999 a qual substituiu a base que existia no Panamaacute Este

movimento dos EUA em direccedilatildeo aos Andes fez com que se ampliasse a sua zona de

influecircncia na Ameacuterica Latina levando tambeacutem a Colocircmbia a se tornar o ator central na sua

guerra contra o narcotraacutefico

A construccedilatildeo das drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo nas agendas de

seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo impulsionaram o emprego excessivo das forccedilas de seguranccedila

nacional que incorreu num processo de militarizaccedilatildeo das poliacutecias e policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas ou seja de des-diferenciaccedilatildeo entre os papeacuteis de cada uma das instituiccedilotildees e a

diluiccedilatildeo da fronteira entre seguranccedila interna e externa Este excesso no emprego da forccedila

militar para combater o narcotraacutefico fez com que ocorresse uma deslegitimaccedilatildeo social e

152

poliacutetica do Estado cujas poliacuteticas de desenvolvimento alternativo foram ineficazes para

mitigar os graves problemas causados pelas poliacuteticas antidrogas castrenses Outros efeitos

decorrentes deste excesso foram a corrupccedilatildeo das instituiccedilotildees policiais e militares a violaccedilatildeo

constante dos direitos humanos e erosatildeo do sistema democraacutetico A doutrina da militarizaccedilatildeo

permitiu que as forccedilas armadas ampliassem suas funccedilotildees internas em detrimento da

democracia e dos direitos humanos

Para empreender a luta antidrogas nos Andes as principais estrateacutegias adotadas pelos

paiacuteses da regiatildeo com a subvenccedilatildeo norte-americana podem ser resumidas em um tripeacute a

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos a militarizaccedilatildeo e o desenvolvimento alternativo Como

vimos ao longo do trabalho desde o lanccedilamento da poliacutetica de combate agraves drogas no arco

andino esta estrateacutegia tripartite direcionada aos ldquopaiacuteses produtoresrdquo natildeo alcanccedilou os

resultados almejados ou seja natildeo reduziu a oferta ndash no ano de 2014 foram registrados

133700 hectares de cultivos de coca nos paiacuteses andinos ndash e muito menos a demanda ndash o

nuacutemero de usuaacuterios de cocaiacutena chegou a cerca de 20 milhotildees em todo mundo no mesmo ano

(UNODC 2014) ndash as redes multiniacuteveis do traacutefico de drogas seguem com as suas atividades

iliacutecitas natildeo apenas na regiatildeo andina mas no mundo inteiro A crenccedila de que as accedilotildees de

combate agraves drogas iriam provocar um aumento dos preccedilos das drogas e tornaacute-las um negoacutecio

sem atratividade caiu por terra Os mercados das drogas se adaptaram e converteram o risco

em lucro A ldquoguerra agraves drogasrdquo fez do traacutefico de drogas o negoacutecio iliacutecito mais rentaacutevel no

mundo cujos lucros segundo a UNODC foram estimados em US$ 320 bilhotildees em 201294

Portanto podemos dizer que haacute uma lacuna expressiva entre os objetivos apregoados e os

resultados alcanccedilados por esta triacuteplice estrateacutegia elaborada pelos EUA e implementada pelos

paiacuteses andinos

Apreendemos tambeacutem que a partir das anaacutelises das poliacuteticas nacionais a execuccedilatildeo da

poliacutetica de drogas nos Andes natildeo foi colocada em praacutetica apenas unilateralmente com as

intervenccedilotildees estadunidenses Os governos nacionais de cada paiacutes andino natildeo soacute aceitaram e

adotaram o paradigma proibicionista securitaacuterio mas o apoiaram veementemente com um

conjunto de accedilotildees e medidas das quais sobressaiacuteram as operaccedilotildees militares indiscriminadas

Esta subordinaccedilatildeo que variou de acordo com cada contexto e paiacutes fez dos governos andinos

cuacutemplices e responsaacuteveis tambeacutem pela consecuccedilatildeo e legitimaccedilatildeo da guerra contra a induacutestria

94

A informaccedilatildeo estaacute disponiacutevel em lthttpswwwunodcorglpo-brazilptfrontpage20120716-unodc-lanca-

campanha-global-sobre-crime-organizado-transnacionalhtmlgt Acesso em 20 jul 2015

153

das drogas que trouxeram consequecircncias indeleacuteveis para as instituiccedilotildees e populaccedilotildees destes

paiacuteses principalmente para os camponeses e as camadas mais baixas da sociedade

Nos exemplos aqui estudados da Colocircmbia (e tambeacutem do Equador) pudemos verificar

que o lanccedilamento do Plano Colocircmbia e a declaraccedilatildeo de guerra contra a guerrilha o traacutefico de

drogas o terrorismo e os paramilitares impulsionaram o processo de internacionalizaccedilatildeo do

conflito armado colombiano que transbordou do acircmbito domeacutestico para o regional quando

afetou os paiacuteses vizinhos depois do regional para o internacional quando envolveu atores

extrarregionais como a OEA UE e os EUA A situaccedilatildeo conflitiva interna colombiana

condicionou e conformou a poliacutetica externa colombiana aos interesses dos atores externos

sobretudo aos interesses e ingerecircncias estadunidenses em mateacuteria de seguranccedila A

participaccedilatildeo de Washington no conflito alterou a natureza do processo colombiano o qual

deixou de ser um fenocircmeno interno com uma dinacircmica domeacutestica e passou a ser o epicentro

de uma guerra de ldquobaixa intensidaderdquo cada vez mais internacionalizada A internacionalizaccedilatildeo

do conflito interno colombiano desencadeou-se a partir do fortalecimento dos laccedilos entre os

governos de Pastrana e Uribe com os EUA os quais solicitaram a ingerecircncia de Washington

nos assuntos domeacutesticos ligados agrave luta contra o narcotraacutefico e a guerrilha

No que tange ao caso equatoriano notamos que a internacionalizaccedilatildeo do conflito

interno colombiano afetou significativamente as relaccedilotildees entre Equador e Colocircmbia a partir

da situaccedilatildeo conflituosa na fronteira comum onde as divergecircncias de percepccedilotildees e

posicionamentos perante a questatildeo se afloraram Com as operaccedilotildees desencadeadas a partir do

Plano Colocircmbia e da PSD que mais tarde resultou na Operaccedilatildeo Fecircnix o Equador apresentou

uma condiccedilatildeo de vulnerabilidade devido agrave sua baixa capacidade para responder aos efeitos da

internacionalizaccedilatildeo do conflito armado que abrange aleacutem das questotildees de seguranccedila temas

ambientais e de migraccedilatildeo A postura do presidente Rafael Correa perante o problema foi

principalmente de retaliaccedilatildeo diplomaacutetica e com a adoccedilatildeo do Plano Equador mobilizou

milhares de efetivos das forccedilas armadas para a zona fronteiriccedila O Estado colombiano natildeo foi

capaz de trazer uma soluccedilatildeo para pocircr fim aos diferentes grupos armados Com a intensificaccedilatildeo

do combate agraves guerrilhas e agraves organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes principalmente apoacutes a

mudanccedila de estrateacutegia que fundiu a luta contra as drogas com a guerra ao terror a

internacionalizaccedilatildeo do problema se estendeu para aleacutem das fronteiras atingindo primeiro a

fronteira colombo-equatoriana e em seguida a regiatildeo andina e o seu entorno A ocorrecircncia

acentuada do efeito derrame na Colocircmbia impulsionado pelo agravamento do conflito

armado e da ldquoguerra agraves drogasrdquo ensejou o espalhamento das redes narcotraficantes grupos

154

armados refugiados e problemas ambientais que penetraram as fronteiras dos Estados

limiacutetrofes Equador e Venezuela foram os paiacuteses que mais sofreram com este processo A

internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano provocada principalmente pelo efeito derrame

desdobrou em atritos diplomaacuteticos entre os governos colombiano equatoriano e venezuelano

que estremeceram as relaccedilotildees poliacuteticas entre estes paiacuteses A divergecircncia entre os governos de

Colocircmbia e Equador em torno da classificaccedilatildeo das guerrilhas como grupos ldquonarcoterroristasrdquo

colocou em questatildeo as pretensotildees da PESC andina de criar uma concepccedilatildeo de ameaccedila

regional unificada O presidente equatoriano Rafael Correa natildeo compartilhou da identificaccedilatildeo

das FARC como grupo ldquoterroristardquo ou ldquonarcoterroristardquo conforme foi feito pelo presidente

Aacutelvaro Uribe Este posicionamento do mandataacuterio equatoriano gerou dissensos e contribuiu

para desarmonia diplomaacutetica entre ambos os paiacuteses

No caso peruano observamos que o Peru se tornou o maior cultivador de coca do

mundo atualmente alcanccedilando a cifra de 60400 ha A dinacircmica interna do Peru foi afetada

com a intensificaccedilatildeo da luta contra o traacutefico de drogas na Colocircmbia Os cultivos e a produccedilatildeo

de coca cresceram exponencialmente mantendo a oferta em alta Um dos elementos para

compreender o incremento do traacutefico de drogas no paiacutes eacute a expansatildeo das redes criminosas

conhecidas como Firmas ou Clatildes No iniacutecio estas redes eram limitadas a obterem lucro no

entanto os seus interesses natildeo se restringiram ao ganho econocircmico Com o seu crescimento e

enraizamento na cultura local a atividade iliacutecita se tornou um meio de alcanccedilar status social

Para manter o seu controle sobre a induacutestria da cocaiacutena as Firmas se adaptaram agraves diferentes

situaccedilotildees sociopoliacuteticas e ampliaram o nuacutemero de atores envolvidos com a induacutestria da droga

Assim como o fez o Sendero Luminoso no passado e em certa medida ainda o fazem no

presente os Clatildes se espalham pelo tecido social se capilarizando e preenchendo o vazio de

poder local consolidando a sua influecircncia sobre as praacuteticas sociais e poliacuteticas das regiotildees

onde atuam Entre os camponeses porque sua organizaccedilatildeo ser marcadamente familiar os Clatildes

passaram a ser fundamentais para a geraccedilatildeo de renda organizaccedilatildeo da comunidade local e para

manterem a seguranccedila a partir de accedilotildees que visem minimizar as ameaccedilas aos seus negoacutecios

Esta postura de grande parte das firmas satildeo compartilhas pelas comunidades o que faz a

induacutestria da cocaiacutena se ramificar e prosperar

A ldquoguerra agraves drogasrdquo no Peru seguiu o vieacutes militarizado da Colocircmbia A Estrateacutegia

Nacional de Luta contra as Drogas e as trecircs ediccedilotildees do Plano VRAE priorizaram accedilotildees de

erradicaccedilatildeo forccedilada e operaccedilotildees militares para combater as organizaccedilotildees narcotraficantes e o

Sendero Luminoso grupo considerado ldquoterroristardquo pelo Estado peruano A ampliaccedilatildeo das

155

operaccedilotildees militares de combate agraves drogas no comeccedilo dos anos 2000 fez com que grupos

narcotraficantes se fragmentassem ou fossem extintos levando a uma mudanccedila na dinacircmica

da violecircncia com a chegada de novas Firmas sem viacutenculos com a comunidade local Aleacutem do

mais a militarizaccedilatildeo da luta antidrogas sob o signo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e a reduccedilatildeo draacutestica

das poliacuteticas de desenvolvimento alternativo impulsionaram o aumento do nuacutemero de pessoas

envolvidas com o traacutefico de cocaiacutena em pequena escala e fizeram com que uma infinidade de

novas Firmas emergisse Este duplo movimento contribuiu para a ampliaccedilatildeo do setor

concorrencial ou seja quando haacute mais grupos competindo pelo controle da produccedilatildeo e do

traacutefico de drogas a violecircncia aumenta O crescimento do setor concorrencial recente no Peru

fez com que o paiacutes ocupasse a terceira posiccedilatildeo dos paiacuteses mais conflitivos da Ameacuterica do

Sul95

No caso boliviano pudemos observar que o binocircmio neoliberalismo e proibicionismo

no comeccedilo dos anos 2000 repercutiu sobremodo nas esferas poliacutetica e econocircmica de forma

desestabilizadora engendrando inuacutemeros movimentos e revoltas sociais que derrubaram

governos eleitos democraticamente Desde a aprovaccedilatildeo do Plano Dignidade o qual

intensificou a luta antidrogas no paiacutes as organizaccedilotildees cocaleiras se transformaram em grandes

forccedilas poliacuteticas nacionais Quanto mais repressiva eram as operaccedilotildees antidrogas sobre os

cocaleiros mais mobilizados e organizados eles ficavam e esta loacutegica foi um dos fatores que

fortaleceu o MAS e consequentemente tornou a eleiccedilatildeo de Evo Morales possiacutevel A

consecuccedilatildeo da estrateacutegia tripartite norte-americana no cenaacuterio boliviano gerou um ambiente

conflituoso e instaacutevel ao passo que fortaleceu os movimentos sociais e mobilizou a opiniatildeo

puacuteblica contra as poliacuteticas antinarcoacuteticas coercitivas O governo de Evo Morales por meio da

Diplomacia dos Povos ndash que tinha como um dos seus principais pilares a revalorizaccedilatildeo da

coca ndash conseguiu na ONU que a tradiccedilatildeo de mastigaccedilatildeo da folha de coca (praacutetica conhecida

como akulliku) fosse descriminalizada recentemente

Na uacuteltima deacutecada ocorreu uma seacuterie de conflitos poliacuteticos econocircmicos e sociais que

conformaram o quadro regional andino Mesmo num ambiente conflitivo os paiacuteses andinos

por meio da CAN do Compromisso de Lima de 2001 e da Declaraccedilatildeo de San Francisco de

2004 procuraram conformar uma Zona de Paz Andina que ensejasse uma coordenaccedilatildeo maior

entre os paiacuteses em mateacuteria de seguranccedila a partir de um enfoque coletivo o qual orquestraria o

poder de decisatildeo para enfrentar os problemas securitaacuterios considerados comuns a todos os

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paiacuteses do bloco e concomitantemente levasse ao aprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica

atraveacutes de mecanismos regionais como forma de conter potenciais ameaccedilas apresentando

uma abordagem preventiva em vez das abordagens defensivas Uma das abordagens

preventivas adotadas para conter o avanccedilo dos cultivos iliacutecitos foi a implementaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel em 2005 a qual buscou

coordenar poliacuteticas nacionais de desenvolvimento alternativo e substituiccedilatildeo de cultivos como

forma de reintegrar as comunidades envolvidas nos cultivos iliacutecitos em atividades produtivas

da economia legal Todavia os estudos sobre a poliacutetica de drogas nos paiacuteses andinos e as

dificuldades de manter um sistema de seguranccedila cooperativa multilateral autocircnoma intrabloco

demonstraram que as agendas de seguranccedila dos Estados-membros da CAN natildeo satildeo guiadas

por uma Poliacutetica de Seguranccedila Comum (PESC) natildeo obstante ser um objetivo declarado

oficial e institucionalmente

Portanto a desarticulaccedilatildeo do projeto andino de integraccedilatildeo e as mudanccedilas de ecircnfases

das poliacuteticas de drogas nacionais que variaram de acordo com cada governo de cada paiacutes

corroboraram para que a cooperaccedilatildeo multilateral intrabloco sobre o tema natildeo fosse bem-

sucedida uma vez que cada paiacutes membro da CAN ao formularem a sua poliacutetica de drogas

entraram em desacordo com ordenamento legal andino Este vaacutecuo cooperativo somado agrave

falta de clareza de uma identidade comum de seguranccedila que seja compartilhada por todos os

paiacuteses do bloco andino inviabilizou a construccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila andina de

modo que continuou sendo aproveitado pelos EUA para coordenar a sua agenda de seguranccedila

regional e a sua luta antidrogas conforme suas intenccedilotildees e para pressionar economicamente

os paiacuteses andinos por meio do processo de certificaccedilatildeo As poliacuteticas de combate ao traacutefico de

drogas financiadas pelos EUA e a sua constante presenccedila na regiatildeo andina para por em

marcha a sua panaceia das ldquoguerras agraves drogasrdquo se constituiacuteram como obstaacuteculos para que os

paiacuteses andinos cooperassem de forma mais efetiva para combater as redes de traacutefico de drogas

e elaborassem poliacuteticas de drogas mais autocircnomas e legislaccedilotildees alternativas em relaccedilatildeo ao

proibicionismo estadunidense

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174

ANEXOS

Quadro 2 Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas

entre 1909 e 1961

DATA E LUGAR

DA ASSINATURA TIacuteTULO DO ACORDO

DATA DE

ENTRADA

EM VIGOR

26 de fevereiro de 1909

Shangai China

Resoluccedilatildeo final da

Comissatildeo Internacional

do Oacutepio

N A

23 de janeiro de 1912

Haia Paiacuteses Baixos

Convenccedilatildeo Internacional

do Oacutepio

11 de fevereiro

de 1915 28 de

junho de 1919

11 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Acordo relativo agrave

fabricaccedilatildeo ao comeacutercio

interior e ao uso de oacutepio

preparado

28 de julho

de 1926

19 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio internacional sobre

o oacutepio

25 de setembro

de 1928

13 de julho de 1931

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para limitar a

manufatura e regular a

distribuiccedilatildeo de entorpecentes

9 de julho

de 1933

27 de novembro de 1931

Bangkok Tailacircndia

Acordo relativo agrave supressatildeo

do haacutebito de fumar oacutepio

22 de abril

de 1937

26 de junho de 1936

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para a supressatildeo do

traacutefico iliacutecito de drogas nocivas

26 de outubro

de 1939

11 de dezembro de 1946

Lake Success Estados

Unidos

Protocolo que atualiza no acircmbito da

ONU os acordos convecircnios e

protocolos sobre

entorpecentes concertados

em Haia (janeiro de 1912) em Genebra

(11 de fevereiro de 1925 19 de

fevereiro de 1925 e 13 de julho de

1931) em Bangkok (27 de novembro

de 1931) e em Genebra (26 de junho de

1936)

11 de dezembro

de 1946

23 de junho de 1953

Nova York Estados

Unidos

Protocolo para limitar e

regulamentar o cultivo de

papoula e a produccedilatildeo

o comeacutercio internacional o

comeacutercio atacadista e o uso

do oacutepio

8 de marccedilo de

1963

30 de marccedilo de 1961

Nova York Estados

Unidos

Convenccedilatildeo Uacutenica sobre

Entorpecentes

13 de dezembro

de 1964

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175

Quadro 3 Exemplos de Unidades Militares e Policiais Antidrogas Criadas com Apoio

Norte-americano na Regiatildeo Andina

Forccedilas Armadas Poliacutecia

Boliacutevia

Forccedila de Tarefa Diablos

Verdes e Diablos Negros

do Exeacutercito

Forccedila de Tarefa Diablos

Azules da Marinha Forccedila

de Tarefa Diablos

Rojos da Forccedila Aeacuterea

Forccedila Especial de Luta Contra o

Narcotraacutefico (FELCN)

Unidade Moacutevel de Patrulha Rural

(UMOPAR)

Colocircmbia

Primeira Brigada Contra o

Narcotraacutefico

do Exeacutercito Brigada

Fluvial da Marinha

Direccedilatildeo Antinarcoacuteticos (DIRAN)

Equador Direccedilatildeo Nacional Antinarcoacuteticos

(DNA)

Peru

Direccedilatildeo Nacional Antidrogas da

Poliacutecia

Nacional do Peru (DINANDRO) Fonte Elaborado a partir das informaccedilotildees disponiacutevel em ISACSON Adam Las fuerzas armadas de Estados

Unidos en la ldquoguerra contra las drogasrdquo In YOUNGERS Coletta ROSIN Eileen (ed) Drogas y democracia

en Ameacuterica Latina el impacto de la poliacutetica de Estados Unidos Buenos Aires Biblos 2005a p 43

176

Mapa 2 Densidade de Cultivaccedilatildeo de Coca na Regiatildeo Andina (2007)

Fonte UNODC Coca Cultivation in the Andean Region a survey of Bolivia Colombia and Peru 2008

Disponiacutevel em lthttpswwwunodcorgdocumentscrop-monitoringAndean_report_2008pdfgt Acesso em 10

Jun 2015

177

Mapa 3 Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo (1998-2008)

Fonte UNODC World Drug Report 2009 Disponiacutevel

lthttpwwwunodcorgdocumentswdrWDR_2009WDR2009_eng_webpdfgt Acesso em 15 jun 2015

178

Mapa 4 Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional - 2010

Fonte UNODC The globalization of crime 2010 p 4 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgdocumentsdata-and-analysistoctaTOCTA_Report_2010_low_respdfgt Acesso em

25 jun 2015

179

Mapa 5 Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina

Fonte UNITES STATES Report for Congress Andean Regional Initiative (ARI) assistance for Colombia

and Neighbors jan 2003 p 47 Disponiacutevel em lthttpfpcstategovdocumentsorganization16800pdfgt

Acesso em 10 mar 2015

180

Graacutefico 2 Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (190-2008)

Fonte UNODC World drug report 2010 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgunodcsecuredwdrwdr2010World_Drug_Report_2010pdfgt Acesso em 13 jul 2015

181

Graacutefico 3 Comparaccedilatildeo do Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo

(20042005 ndash 2011)

Fonte UNODC World drug report 2013 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgunodcsecuredwdrwdr2013World_Drug_Report_2013pdfgt Acesso em 13 jul 2015

Page 3: SÃO PAULO - GEDES

Santos Leandro Fernandes SampaioS237 Traacutefico de drogas iliacutecitas nos Andes a dimensatildeo regional da cooperaccedilatildeo e da

seguranccedila Leandro Fernandes Sampaio Santos ndash Satildeo Paulo 2015181 f il 30 cm

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Relaccedilotildees Internacionais) ndash UNESPUNICAMPPUC-SPPrograma San Tiago Dantas de Poacutes-graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais 2015

Orientador Suzeley Kalil Mathias

1 Traacutefico de drogas ndash Cooperaccedilatildeo internacional 2 Traacutefico de drogas ndash Boliacutevia 3Traacutefico de drogas ndash Colocircmbia 4 Traacutefico de drogas ndash Equador 5 Traacutefico de drogas ndashPeru 6 Narcoacuteticos ndash Controle ndash Ameacuterica do Sul 7 Seguranccedila internacional I Autor IITiacutetulo

CDD 36345098

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais (PUC-

SP UNESP e Unicamp) como exigecircncia

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em

Relaccedilotildees Internacionais na linha de pesquisa

ldquoSeguranccedila Regionalrdquo na aacuterea de

concentraccedilatildeo ldquoPaz Defesa e Seguranccedila

Internacionalrdquo

Orientadora Suzeley Kalil Mathias

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Profa Dr(a) Suzeley Kalil Mathias (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Heacutector Luis Saint-Pierre (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Paulo Gustavo Pellegrino Correcirca (Universidade Federal do Amapaacute)

Satildeo Paulo 05 de agosto de 2015

Somente uma ficccedilatildeo pode fazer crer que as leis satildeo feitas para serem acatadas a

poliacutecia e os tribunais destinados a fazer com que sejam respeitadas Somente uma

ficccedilatildeo teoacuterica pode nos levar a acreditar que aderimos de uma vez por todas agraves leis

da sociedade agrave qual pertencemos Todo mundo sabe tambeacutem que as leis satildeo feitas

por uns e impostas aos outros Parece poreacutem que se pode dar um passo a mais O

ilegalismo natildeo eacute um acidente uma imperfeiccedilatildeo mais ou menos inevitaacutevel Eacute um

elemento absolutamente positivo do funcionamento social cujo papel estaacute previsto

na estrateacutegia geral da sociedade Todo dispositivo legislativo organizou espaccedilos

protegidos e aproveitaacuteveis em que a lei pode ser violada outros em que ela pode

ser ignorada outros enfim em que as infraccedilotildees satildeo sancionadas No limite eu diria

simplesmente que a lei natildeo eacute feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento

mas para diferenciar as maneiras de burlar a proacutepria lei (FOUCAULT 2006 p 50)

RESUMO

A proposta desta pesquisa eacute investigar a cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para o combate

ao traacutefico de drogas iliacutecitas entre Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru no acircmbito da

Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) no transcurso de 1999 a 2012 Para tanto foi adotada

uma perspectiva histoacuterica para descrever e examinar o contexto da seguranccedila regional nos

Andes a emergecircncia intersticial das redes de traficantes o processo de construccedilatildeo do traacutefico

de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo na agenda poliacutetica e de seguranccedila da

CAN Este processo foi intenso no decorrer de toda deacutecada de 1990 e no iniacutecio dos anos 2000

periacuteodo que foi marcado pela elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Poliacutetica Externa Comum da CAN da

agenda de seguranccedila comunitaacuteria e do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Para Luta Contra as

Drogas e Delitos Conexos como formas de respostas antidrogas Para compreender este

processo abordamos o alinhamento e o questionamento agraves diretrizes internacionais o

desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo das drogas iliacutecitas em cada paiacutes que

compotildee o bloco andino no decorrer do recorte temporal delimitado e identificamos as

convergecircncias e divergecircncias das agendas de seguranccedila e das posturas adotadas pelos

governos andinos perante a questatildeo das drogas assim como os diferentes agentes

intervenientes enfocando a partir de uma perspectiva relacional as dimensotildees domeacutestica e

internacional (intermeacutestica) bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo que diluiu a fronteira

entre a seguranccedila interna e externa para combater o traacutefico de drogas e suas redes

transnacionais Por fim debatemos o combate ao traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo

regional em seguranccedila entre os paiacuteses andinos e problematizamos o conceito de comunidade

de seguranccedila quanto agrave sua aplicabilidade para compreender a dinacircmica da seguranccedila na regiatildeo

andina

Palavras-chave Traacutefico de Drogas Comunidade Andina Regiatildeo Andina Seguranccedila

Regional Cooperaccedilatildeo

ABSTRACT

The purpose of this research is to investigate the cooperation on security to combat illicit drug

trafficking between Bolivia Colombia Ecuador and Peru within the Andean Community of

Nations (CAN) in the course of 1999 and 2012 Thus it was adopted one historical

perspective and case studies to examine and describe the context of regional security in the

Andes the interstitial emergence of trafficking networks the construction process of drug

trafficking as a threat to security and their inclusion on the political agenda and Security

CAN this process was intense throughout the entire 1990s and early 2000s This period was

marked by the preparation and approval of the Common Foreign CAN community safety

agenda and the Andean Cooperation Plan for Fighting Against Drugs and Related Crimes as

forms of drug responses To understand this process we address alignment and questioning

the governments requirements the development and the exercise of coercive control of illicit

drugs in each country that makes up the Andean bloc during the defined time frame and

identified and analyzed the convergence and divergence of agendas security and postures

adopted by Andean governments to the drug issue as well as the different actors involved

focusing from a relational perspective the domestic and international dimensions

(intermestic) and the process of de-differentiation diluted the boundary between internal and

external security to combat drug trafficking and its transnational networks Finally we

discussed the fight against drug trafficking as a vector of regional cooperation on security

between the Andean countries and question the concept of security community and its

applicability to understand the dynamics of security in the Andean region

Keywords Drug Trafficking Andean Community Andean Region Regional Security

Cooperation

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Principais Conflitos Interestatais Entre Paiacuteses Andinos Motivados por Disputas

Territoriais27

Mapa 1 ndash Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da

Colocircmbia105

Graacutefico 1 ndash Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia126

Quadro 2 ndash Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas entre

1909 e 1961174

Quadro 3 ndash Exemplos de unidades militares e policiais antidrogas criadas com apoio norte-

americano na Regiatildeo Andina175

Mapa 2 ndash Densidade de Cultivaccedilatildeo de Coca na Regiatildeo Andina

(2007)176

Mapa 3 ndash Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo177

Mapa 4 ndash Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional178

Mapa 5 ndash Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina179

Graacutefico 2 ndash Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (1990-2004)180

Graacutefico 3 ndash Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo ndash (20042005-2011)181

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADEPCOCA Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca

ALALC Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio

AUC Autodefesas Unidas da Colocircmbia

CAN Comunidade Andina de Naccedilotildees

CICAD Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas

CND Commission on Narcotic Drugs

COMBIFRON Comisioacuten Binacional Fronteriza

CONALTID Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito de Drogas

CONSEP Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y Psicotroacutepicas

CSDP Common Sense for Drug Policy

DEA Drug Enforcement Administration

DROSICAN Decisioacuten 673 Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas

Sinteacuteticas

ECOSOC Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social

das Naccedilotildees Unidas

ELN Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FARC Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia

FELCN Forccedila Especial de Luta Contra o Narcotraacutefico

FOL Forward Operating Location

FTC Fuerza de Tarea Conjunta

FTE Fuerza Tarea Expedicionaria

GEMA Grupo Especial Moacutevil Antinarcoacuteticos

JIFE Junta Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes

NAS Narcotics Affairs Section

OEA Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

ONU Naccedilotildees Unidas

PESC Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum

PSD Poliacutetica Seguridad Democraacutetica

PSP Partido Sociedad Patrioacutetica

SAI Sistema Andino de Integraccedilatildeo

SGP-DROGAS Sistema Generalizado de Preferecircncias

SL Sendero Luminoso

SPI Sociologia Poliacutetica Internacional

UE Uniatildeo Europeia

UIAF Unidade Administrativa Especial de Informaccedilatildeo e Anaacutelise Financeira

UIES Unidade de Investigaccedilotildees Especiais

UMOPAR Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural

UNODC United Nations Office on Drugs and Crime

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO11

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO

ANDINA17

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes17

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina36

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE

NACcedilOcircES51

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais51

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes60

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteLTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS90

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila

Democraacutetica90

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana98

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contras as Drogas e os Planos VRAE E

VRAEM108

44 Boliacutevia Do Plano Dignidade agrave Revalorizaccedilatildeo da Folha de

Coca115

5 A COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO

COMBATE AO TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS130

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino Sobre o Traacutefico de Drogas

Iliacutecitas130

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em

Seguranccedila141

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS151

REFEREcircNCIAS157

ANEXOS174

11

1 INTRODUCcedilAtildeO

O processo de construccedilatildeo do traacutefico de drogas como uma ameaccedila agrave seguranccedila na

regiatildeo andina estaacute diretamente relacionado com a histoacuteria contemporacircnea das leis de controle

de drogas que foram conformadas ao longo do seacuteculo XX de acordo com a elaboraccedilatildeo de

tratados internacionais sob a eacutegide da hegemonia norte-americana a partir de 1909 com a

conferecircncia da Comissatildeo Internacional do Oacutepio1 a qual culminou na Convenccedilatildeo

Internacional do Oacutepio assinada em Haya em janeiro de 1912 A Convenccedilatildeo Internacional do

Oacutepio foi a mola propulsora para elaboraccedilatildeo do regime internacional de proibiccedilatildeo de drogas se

estendendo ateacute os dias de hoje O anseio norte-americano de se posicionar mais

assertivamente como potecircncia no concerto das naccedilotildees - principalmente perante as grandes

potecircncias imperiais ocidentais - somado agrave expansatildeo estadunidense em direccedilatildeo ao Oriente e

aliado agrave crenccedila de que as drogas psicoativas eram um obstaacuteculo para o desenvolvimento

econocircmico social e cultural das sociedades dos diferentes continentes foram fatores decisivos

para que os Estados Unidos impulsionassem a criaccedilatildeo de um regime internacional que

regulasse a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de drogas no mundo

O proibicionismo norte-americano natildeo estaacute apartado do discurso poliacutetico e cultural

Estas praacuteticas discursivas articulam uma seacuterie de variaacuteveis tais como a religiatildeo e a moral

puritana o racismo produto da rejeiccedilatildeo e discriminaccedilatildeo de determinados grupos de

imigrantes negros e indiacutegenas o contexto internacional da eacutepoca e o tracircnsito e o consumo

massivo de opiaacuteceos e cocaiacutena O endurecimento das leis antidrogas que faziam avanccedilar o

proibicionismo dentro dos Estados Unidos refletiu no seu posicionamento diplomaacutetico para

construccedilatildeo de um regime internacional unificado de controle de drogas o qual natildeo teve

consenso imediato entre os Estados durante as discussotildees nos anos 1950 e soacute veio ganhar

terreno feacutertil na deacutecada de 1960 (RODRIGUES 2004 ESCOHOTADO 2008)

1 A Comissatildeo Internacional do Oacutepio formada por 13 paiacuteses (Alemanha China Estados Unidos Franccedila Itaacutelia

Japatildeo Paiacuteses Baixos Peacutersia Portugal Reino Unido Ruacutessia e Reino do Siatildeo) se reuniram em uma conferecircncia

convocada pelos Estados Unidos na cidade de Xangai China no ano de 1909 se tornando o marco inaugural

para a articulaccedilatildeo internacional antidrogas apesar dos Estados Unidos natildeo conseguirem alcanccedilar os seus

objetivos de elaboraccedilatildeo de normas mais impositivas contra o oacutepio pois o seu consumo em territoacuterios

estadunidenses era associado pelas autoridades locais ao aumento da populaccedilatildeo chinesa provocado pela

imigraccedilatildeo maciccedila desta nacionalidade Somente no ano de 1912 com a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio foi

fixado controles mais riacutegidos para produccedilatildeo distribuiccedilatildeo venda importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo de morfina e outros

derivados do oacutepio e da cocaiacutena

12

O desdobramento desses acontecimentos foi a conversatildeo do ldquoespiacuterito proibicionistardquo

em normatividade planetaacuteria o que contribuiu para construccedilatildeo paulatina de consensos

sobretudo em termos juriacutedicos possibilitando a consolidaccedilatildeo do regime internacional de

proibiccedilatildeo das drogas no transcorrer do seacuteculo XX Da Conferecircncia do oacutepio em Shangai de

1909 agrave Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) de

19612 as drogas passaram por um processo contiacutenuo de associaccedilatildeo agrave criminalidade nos

tratados e acordos internacionais Esses tratados acordos e convenccedilotildees internacionais embora

natildeo fossem medidas obrigatoacuterias e impositivas na praacutetica foram se transformando em

mecanismos de pressatildeo para que os Estados adequassem de alguma forma suas respectivas

legislaccedilotildees nacionais a estes dispositivos Os paiacuteses andinos comeccedilaram a adaptar as suas

legislaccedilotildees nas primeiras deacutecadas do seacuteculo passado3 Segundo Rosa Del Olmo (2002)

Boliacutevia e Equador promulgaram suas primeiras leis em 1916 Seguidos por Colocircmbia em

1920 e Peru em 1921 O uacuteltimo paiacutes andino a comeccedilar aprovar leis antidrogas foi a

Venezuela em 19304 O discurso oficial justificava que para cumprir os compromissos

internacionais era preciso adequar as legislaccedilotildees nacionais Deste modo cada Estado andino

foi alterando suas leis nacionais com algumas variaccedilotildees e especificidades locais conforme o

surgimento de novos tratados internacionais ldquocom a singularidade de que o nuacutecleo essencial

dessa regulaccedilatildeo eacute constituiacutedo pela proibiccedilatildeordquo (GONZAacuteLEZ 2000 p55 apud DEL OLMO

2002 p 66)

A construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um regime internacional para combater as drogas

consideradas iliacutecitas foi produto de um processo longo na histoacuteria do seacuteculo XX cujo curso

natildeo eacute subjugado meramente agraves imposiccedilotildees norte-americanas pelo contraacuterio eacute resultado de

inuacutemeros fatores e variaacuteveis histoacutericas econocircmicas culturais (geo)poliacuteticas e internacionais

que se articulam e se entremeiam criando configuraccedilotildees que propiciaram aquiescecircncia sobre

2 Conferir quadro 2 na seccedilatildeo anexos

3 Os paiacuteses andinos assinaram e ratificaram a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio nas seguintes datas Boliacutevia

assinou em 04 de junho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 a Colocircmbia assinou em 15 de janeiro de

1913 e ratificou em 26 de junho de 1924 o Equador por sua vez assinou em 2 de julho de 1912 e ratificou em

25 de fevereiro de 1915 o Peru subscreveu em 24 de julho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 por

fim a Venezuela subscreveu em 10 de setembro de 1912 e ratificou em 28 de outubro de 1913 Os dados

foram extraiacutedos de UNITED NATIONS Treaty Collection Chapter VI Narcotic Drugs and Psychotropic

Substances Disponiacutevel em

lthttpstreatiesunorgPagesViewDetailsIVaspxampsrc=TREATYampmtdsg_no=VI~2ampchapter=6ampTemp=mtd

sg4amplang=en gt Acesso em 20 dez 2014 4 Conforme salienta Rosa Del Olmo (2002) ldquoNa Boliacutevia a Lei de Drogas no Equador a Lei do Comeacutercio do

Oacutepio e Demais Drogas (Decreto 39) na Colocircmbia a Lei sobre Importaccedilatildeo e Venda de Drogas que Causam

Haacutebito Pernicioso (Lei 11) no Peru a lei que regula a importaccedilatildeo exportaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cocaiacutena

oacutepio maconha e heroiacutena (Lei 4428) e na Venezuela a Lei dos Narcoacuteticos embora em 1920 jaacute existissem dois

regulamentos um sobre importaccedilatildeo e venda (no varejo) do oacutepio e seus alcaloidesrdquo (DEL OLMO 2002 p 76)

13

a ilicitude de ldquodrogas psicoativasrdquo por serem consideradas corruptoras dos ldquobons costumesrdquo e

sinocircnimo de ldquodelinquecircnciardquo Trata-se de um longo processo que ganhou novos contornos na

deacutecada de 1980 com a intensificaccedilatildeo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e ainda maior importacircncia nos

anos 1990 com o fim da Guerra Fria quando o traacutefico de drogas foi inserido no rol das

ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila internacional

Para combater o traacutefico de drogas na Ameacuterica Latina foram implementadas

estrateacutegias que obedeceram aos interesses percepccedilotildees e iniciativas estadunidenses sobre a

questatildeo (HERZ 2002 YOUNGERS ROSIN 2005a RODRUGUES 2003) A partir de uma

perspectiva maniqueiacutesta que dividia o mundo em ldquopaiacuteses consumidoresrdquo em oposiccedilatildeo aos

ldquopaiacuteses produtoresrdquo foi posto em marcha o pressuposto de que ao combater a oferta o traacutefico

de drogas se tornaria uma atividade mais arriscada e mais custosa desta forma ocorreria uma

reduccedilatildeo da produccedilatildeo com o aumento dos preccedilos bem como esse combate atuaria como fator

dissuasoacuterio para compra e consumo de drogas As drogas aparecem como uma ameaccedila

ldquoexternardquo aos EUA encarnando a figura do ldquoinimigordquo que deve ser aniquilado (PASSETTI

1991 KOPP 1997 FUKUMI 2008)

Os paiacuteses da regiatildeo andina passaram a ser vistos pelos EUA como ldquoprodutores de

drogasrdquo e como Estados ldquofracosrdquo institucionalmente o que propiciava a formaccedilatildeo de ldquoespaccedilos

vaziosrdquo que se tornavam redutos de organizaccedilotildees criminosas grupos insurgentes e

paramilitares ligados ao traacutefico de drogas e ao terrorismo Com base nesta interpretaccedilatildeo do

problema foram elaboradas estrateacutegias principalmente militares para coibir a produccedilatildeo e o

traacutefico de substacircncias iliacutecitas nos Estados andinos e mantecirc-los subordinados agrave poliacutetica de

drogas norte-americana A poliacutetica de drogas dos EUA para os Andes se tornou um

instrumento de ingerecircncia nos assuntos internos dos paiacuteses andinos Ao tratar o ldquonarcotraacuteficordquo

como ameaccedila agrave seguranccedila Washington favorecia os seus interesses mantendo a regiatildeo andina

sob o seu domiacutenio hemisfeacuterico

A problemaacutetica do traacutefico de drogas eacute comum a todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina e os

Andes satildeo um dos principais epicentros desta atividade iliacutecita Segundo o uacuteltimo Relatoacuterio

Mundial sobre Drogas da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) lanccedilado em

2014 na regiatildeo andina no de 2006 foram cultivados 157000 hectares e ocorreu uma reduccedilatildeo

de 23000 ha no ano de 2012 quando alcanccedilou o total de 133700 ha de arbusto de coca

distribuiacutedos da seguinte forma na Boliacutevia foram cultivados 25300 ha na Colocircmbia foram

48000 ha e no Peru foram 60400 ha ou seja o Peru tomou a dianteira e se tornou o maior

14

cultivador de coca do mundo O relatoacuterio estima que existam atualmente no mundo de 14 a 21

milhotildees de usuaacuterios de cocaiacutena o que demonstra a amplitude da induacutestria da cocaiacutena e

tambeacutem como a ldquoguerra agraves drogasrdquo na regiatildeo andina natildeo conseguiu alcanccedilar os resultados

esperados

Para compreendermos a complexidade do tema em questatildeo entende-se necessaacuterio um

estudo das poliacuteticas de seguranccedila antidrogas na regiatildeo andina principalmente por se tratar de

uma aacuterea emblemaacutetica no que tange agrave radicalizaccedilatildeo do combate agraves drogas e por conseguinte

ser uma das peccedilas centrais na compreensatildeo das transformaccedilotildees ocorridas na seguranccedila

internacional na contemporaneidade

Pretende-se investigar com esta pesquisa o traacutefico de drogas na Regiatildeo Andina e a

cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os atuais paiacuteses membros da Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) para combater o traacutefico de drogas As trecircs questotildees centrais que o presente trabalho

pretende responder satildeo as agendas de seguranccedila dos Estados andinos colocaram o traacutefico de

drogas como a principal ameaccedila para a regiatildeo andina O traacutefico de drogas eacute o vetor

predominante de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos A cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos

para combater o narcotraacutefico e as agendas de seguranccedila da Comunidade Andina se

configuram como uma comunidade de seguranccedila A nossa hipoacutetese eacute que as poliacuteticas

antidrogas destes paiacuteses fizeram com que o traacutefico de drogas se configurasse como a principal

ameaccedila agrave seguranccedila da regiatildeo andina e com isto o tema se tornou um vetor fundamental para

que os paiacuteses andinos mantivessem iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral em mateacuteria de

seguranccedila sobretudo no acircmbito da CAN Entretanto as iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral

foram sobrepujadas pelas dissensotildees e divergecircncias entre as formas pelas quais os governos

andinos procuraram responder ao problema e pela desarticulaccedilatildeo do projeto de integraccedilatildeo

sub-regional o que inviabilizou a orquestraccedilatildeo de uma cooperaccedilatildeo intra-andina e a formaccedilatildeo

de uma identidade comum de seguranccedila

Para responder estas questotildees a pesquisa tem sua estrutura divida em quatro capiacutetulos

aleacutem dos capiacutetulos de introduccedilatildeo e conclusatildeo No capiacutetulo 2 seraacute abordado o processo de

integraccedilatildeo e o contexto regional da seguranccedila nos Andes e estaacute divido em dois toacutepicos No

primeiro toacutepico (21) seraacute debatida a influecircncia que a geopoliacutetica tradicional e o realismo

claacutessico exerceram sobre o pensamento em seguranccedila e a divisatildeo da Ameacuterica do Sul

Apresentamos tambeacutem outras abordagens alternativas acerca do espaccedilo sul-americano Em

seguida seraacute discutido o conceito de geopoliacutetica do traacutefico de drogas e as suas implicaccedilotildees

15

para a seguranccedila domeacutestica e internacional bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo Por

fim analisamos as principais temaacuteticas que influiacuteram na construccedilatildeo da agenda de seguranccedila

dos paiacuteses andinos os conflitos tradicionais ligados aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos a

presenccedila dos EUA na regiatildeo as crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees

estatais as principais questotildees dos conflitos internos dos paiacuteses da regiatildeo e o traacutefico de drogas

e o crime organizado transnacional No segundo toacutepico (22) seraacute desenvolvida a trajetoacuteria

histoacuterica da integraccedilatildeo regional andina e as diferentes fases do processo de integraccedilatildeo do

Pacto Andino agrave CAN

No capiacutetulo 3 seraacute trabalhado o processo histoacuterico de inserccedilatildeo do traacutefico de drogas na

agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina com divisatildeo em dois toacutepicos Para

compreender este processo seraacute analisado como as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

emergem nos interstiacutecios das instituiccedilotildees do Estado e da sociedade se configurando como

novas redes de poder Problematizamos o conceito de ldquonarcotraacuteficordquo como instrumento de

anaacutelise e as suas implicaccedilotildees para a compreensatildeo do fenocircmeno do traacutefico de drogas e dos

inuacutemeros atores envolvidos com as redes do mercado ilegal das drogas Debateremos tambeacutem

o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo e a percepccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

(31) Depois de problematizado o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo abordaremos a construccedilatildeo

histoacuterica do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes articulando trecircs niacuteveis de

anaacutelise Internacional Regional e Nacional (32)

O capiacutetulo 4 seraacute divido em quatro seccedilotildees Para tratar a dinacircmica do combate agraves

drogas iliacutecitas na regiatildeo se faz necessaacuterio compreender cada caso nacional da CAN

(Colocircmbia Equador Peru e Boliacutevia) considerando os diferentes agentes envolvidos os

interesses nacionais para empreender a luta antidrogas a produccedilatildeo das drogas em cada paiacutes

os papeacuteis desempenhados pela poliacutecia e pelas forccedilas armadas na luta antidrogas as influecircncias

internacionais de proibiccedilatildeo das drogas sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais e como os

governos que constituem a CAN estatildeo individualmente travando o combate ao narcotraacutefico e

como tais medidas reverberam na regiatildeo Procurar-se-aacute identificar as divergecircncias e

convergecircncias das poliacuteticas antidrogas nacionais visando compreender se haacute uma

homogeneidade ou uma heterogeneidade na forma de lidar com a questatildeo Esta identificaccedilatildeo

seraacute fundamental para compreender a cooperaccedilatildeo regional entre os paiacuteses no combate ao

narcotraacutefico e perscrutar se esta cooperaccedilatildeo estaacute inserida em um contexto mais amplo e

intensificado de formaccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila

16

Apoacutes a identificaccedilatildeo e anaacutelise das particularidades nacionais das poliacuteticas e agendas de

seguranccedila para contenccedilatildeo do narcotraacutefico e os pontos de convergecircncia e divergecircncia na seccedilatildeo

(51) do capiacutetulo 5 seratildeo discutidos os marcos legais e o ordenamento institucional andino de

luta contra as drogas a partir de 1999 quando foi lanccedilada a Poliacutetica Externa Comum ateacute o

ano de 1912 quando foi lanccedilada a Estrateacutegia Andina Sobre El Problema Mundial de las

Drogas 2012-2019 Tal recorte possibilitaraacute analisar as principais mudanccedilas da cooperaccedilatildeo

andina de combate ao traacutefico de drogas na uacuteltima deacutecada E no uacuteltimo toacutepico (52) seraacute

analisado o traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os paiacuteses andinos

compreendendo as questotildees atinentes agraves divergecircncias das agendas de poliacutetica antidrogas e

entre governos no que tange agrave forma que deve ser combatido o narcotraacutefico e problematizado

o conceito de comunidade de seguranccedila em relaccedilatildeo agrave sua aplicabilidade para compreender a

dinacircmica da cooperaccedilatildeo andina em seguranccedila para reprimir o traacutefico de drogas

17

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO ANDINA

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes

Nas duas uacuteltimas deacutecadas o panorama da seguranccedila na Ameacuterica do Sul passou por

transformaccedilotildees significativas impulsionadas pelos processos de reabertura democraacutetica e

pelas mudanccedilas ocorridas no cenaacuterio internacional Com a redemocratizaccedilatildeo dos regimes

poliacuteticos abriram-se novas possibilidades nas relaccedilotildees civil-militares nas quais deveria

prevalecer a preeminecircncia civil no controle das forccedilas armadas das poliacutecias e dos serviccedilos de

inteligecircncia na definiccedilatildeo dos conceitos e conteuacutedos das poliacuteticas de seguranccedila e na forma

como devem ser tratadas as variadas temaacuteticas relativas a este campo As mudanccedilas ocorridas

no cenaacuterio internacional nesse periacuteodo incidiram nas poliacuteticas sul-americanas de seguranccedila

Com o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica (URSS) e a ausecircncia inequiacutevoca de uma potecircncia rival que

pudesse desafiar o poderio estadunidense os Estados Unidos (EUA) se tornaram uma

superpotecircncia militar poliacutetica e econocircmica mundial No decorrer do confronto bipolar os

EUA puseram em marcha a doutrina da seguranccedila hemisfeacuterica ocidental como instrumento de

contenccedilatildeo do comunismo O novo contexto internacional lanccedilou bases para discussatildeo de

concepccedilotildees alternativas agrave problemaacutetica da seguranccedila internacional e para definiccedilatildeo de ldquonovas

ameaccedilasrdquo e ldquonovos inimigosrdquo a partir de uma perspectiva global e multilateral

Na Ameacuterica do Sul no decorrer do seacuteculo XX ocorreram poucos conflitos

interestatais armados se comparado com outras regiotildees do mundo como a Aacutefrica e o Oriente

Meacutedio Todavia subsistem contenciosos entre os paiacuteses sul-americanos sobretudo entre os

paiacuteses andinos remanescentes do colonialismo ibeacuterico e dos processos de independecircncia e

consolidaccedilatildeo do Estado nacional no seacuteculo XIX (MARES 2003) Oscar Medeiros Filho

(2004) assinala que as abordagens realistas ndash focadas no Estado-naccedilatildeo ndash presentes na

geopoliacutetica claacutessica sul-americana natildeo desconsideram as possibilidades de conflitos armados

convencionais e para sustentar as suas prospecccedilotildees apresentam contenciosos histoacutericos como

exemplos de conflagraccedilotildees futuras sendo assim o conflito com o paiacutes vizinho eacute sempre

considerado nos caacutelculos militares O autor enfatiza que esta visatildeo claacutessica no trato das

questotildees de Defesa e Seguranccedila ainda prevalecente no pensamento militar sul-americano

coloca obstaacuteculos para o ldquodesenvolvimento de uma cooperaccedilatildeo maior entre os militares na

Ameacuterica do Sulrdquo mesmo que natildeo descarte por completo a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses ldquoporeacutem

18

ela natildeo altera a prioridade das poliacuteticas nacionais e a busca dos interesses particularesrdquo

(MEDEIROS FILHO 2004 p 26) A persistecircncia desta visatildeo em grande parte dos paiacuteses sul-

americanos coloca em questatildeo o controle civil sobre os militares fazendo com que o processo

de redemocratizaccedilatildeo permaneccedila inacabado e coloca em questatildeo a criaccedilatildeo de um ldquosistema

comum de seguranccedila subcontinentalrdquo

Apesar de todos os preacute-requisitos favoraacuteveis a consolidaccedilatildeo de um cenaacuterio

geopoliacutetico regional na Ameacuterica do Sul ainda estaacute longe de se tornar realidade

Enquanto persistirem as antigas concepccedilotildees de poder e rivalidade entre os paiacuteses

sul-americanos e enquanto natildeo forem definidos claramente interesses objetivos

poliacuteticas estrateacutegias e ndash principalmente ndash lsquoinimigosrsquo comuns torna-se difiacutecil

imaginar tal cenaacuterio para o subcontinente pelo menos para a proacutexima deacutecada

(MEDEIROS FILHO 2004 p 35)

A geopoliacutetica tradicional marcada pelo pensamento realista chegou agrave Ameacuterica do Sul

por meio de duas correntes de pensamento distintos a realpolitk e a geopolitik alematildes que

influenciaram alguns exeacutercitos sul-americanos e a presenccedila poliacutetica estrateacutegica e econocircmica

estadunidense nas escolas militares de formaccedilatildeo de oficiais latino-americanos A geopoliacutetica

chegou ao subcontinente a partir dos interesses dos oficiais do exeacutercito e dos professores das

escolas militares ldquoela surge como preocupaccedilatildeo castrenserdquo (GEOPOLIacuteTICA XXI 2011) Eacute

essa concepccedilatildeo de geopoliacutetica que esteve por detraacutes das tensotildees interestatais e que tambeacutem

norteou a divisatildeo tradicional da Ameacuterica do Sul a partir de seus projetos nacionalistas e

expansionistas de afirmaccedilatildeo nacional e territorial ldquoNeste cenaacuterio a ideia de Seguranccedila estaacute

intimamente vinculada agrave de Defesa entendida enquanto a luta do Estado por seus interesses

soberanos atraveacutes dos meios militaresrdquo (MEDEIROS FILHOS 2004 p 24)

De acordo com Pablo Gabriel Dreyfus (2002) a geopoliacutetica tradicional da Ameacuterica do

Sul dividiu a Ameacuterica do Sul em dois grupos de Estados os Andes e o Cone Sul Conforme

esta abordagem a sub-regiatildeo andina estaacute situada ao norte do subcontinente e eacute formada por

Colocircmbia Equador Peru Boliacutevia e Venezuela sendo que apenas os dois uacuteltimos paiacuteses natildeo

tecircm faixa litoracircnea no Oceano Paciacutefico Estes Estados compartilham algumas caracteriacutesticas

comuns como a geografia uma grande densidade demograacutefica de populaccedilatildeo indiacutegena ndash

principalmente na Boliacutevia Equador e Peru ndash e uma configuraccedilatildeo especiacutefica de rivalidades

histoacutericas e de inuacutemeras contendas territoriais A principal iniciativa de integraccedilatildeo e

construccedilatildeo de uma identidade comum foi a criaccedilatildeo do Pacto Andino em 1969 o qual contava

inicialmente com a participaccedilatildeo do Chile e que mais tarde a partir de um longo processo de

negociaccedilotildees econocircmicas e esforccedilo poliacutetico para mitigar os conflitos latentes veio a se tornar a

Comunidade Andina de Naccedilotildees O autor aponta que esta abordagem tradicional natildeo inclui a

19

Guiana o Suriname5 e a Guiana Francesa como parte da regiatildeo andino-amazocircnica pois estes

paiacuteses satildeo considerados como pertencentes agrave geopoliacutetica do Caribe devido ao seu

distanciamento geograacutefico a sua histoacuteria comum como ex-colocircnias holandesas britacircnicas e

francesas e seus arranjos de seguranccedila poliacuteticos e econocircmicos ndash Guiana e Suriname satildeo

membros do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM na sigla inglesa) ndash bem

como grande parte da literatura sobre o traacutefico de drogas na Ameacuterica do Sul tambeacutem natildeo os

incluem na anaacutelise devido a sua ldquoirrelevacircnciardquo nas operaccedilotildees do narcotraacutefico

A sub-regiatildeo do Cone Sul segundo esta visatildeo tradicional eacute formada por Argentina

Brasil Chile Paraguai e Uruguai No Cone Sul haacute uma diversidade geograacutefica mais

acentuada abrangendo desde a Patagocircnia ateacute o nordeste brasileiro Argentina e Chile tiveram

altercaccedilotildees territoriais a despeito de suas ambiccedilotildees geopoliacuteticas acerca do Canal Patagocircnico

(Canal de Beagle) e do acesso agrave Antaacutertida Argentina e Brasil tecircm sido rivais histoacutericos

principalmente no que tange agrave lideranccedila da Ameacuterica do Sul contudo nunca houve uma guerra

entre os dois paiacuteses O Cone Sul eacute caracterizado por um processo de integraccedilatildeo econocircmica e

cooperaccedilatildeo poliacutetica e de seguranccedila que ganhou novos contornos com a redemocratizaccedilatildeo dos

Estados que o conformam os acordos de negociaccedilatildeo firmados por Argentina e Brasil

impulsionaram a formaccedilatildeo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que eacute formado por

estes dois paiacuteses mais o Paraguai o Uruguai e a Venezuela O Chile eacute o uacutenico paiacutes do Cone

Sul que segue como membro associado6

As abordagens sobre Ameacuterica do Sul natildeo se restringiram somente agrave geopoliacutetica

tradicional descrita por Dreyfus Heacutector Luis Saint-Pierre (2006) por exemplo propotildee outra

anaacutelise sobre a regiatildeo e sua poliacutetica de defesa a qual ele denominou de ldquoarcos de equiliacutebrio

regionalrdquo Segundo o autor para pensar num sistema de seguranccedila sul-americano eacute necessaacuterio

compreender a heterogeneidade entre os paiacuteses e as sub-regiotildees existentes no subcontinente

A heterogeneidade entre os paiacuteses natildeo estaacute no e na histoacuteria ndash que satildeo comuns a quase todos os

paiacuteses da regiatildeo ndash ela eacute presente devido aos diferentes niacuteveis de desenvolvimento nacional

de capacidade econocircmica de estabilidade poliacutetica de solidez institucional e de desigualdade

na distribuiccedilatildeo de renda e concentraccedilatildeo de riqueza que gera um dos iacutendices mais elevados de

pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e de marginalizados do mundo Saint-Pierre

5 Esta abordagem da geopoliacutetica tradicional descrita por Dreyfus ignora que a Guiana e o Suriname satildeo membros

da Organizaccedilatildeo do Tratado de Cooperaccedilatildeo Amazocircnica o que demonstra a relevacircncia destes paiacuteses para a

geopoliacutetica sul-americana Vale mencionar a disputa territorial entre Guiana e Venezuela sobre a regiatildeo de

Essequibo territoacuterio profuso em recursos energeacuteticos tais como o petroacuteleo e o gaacutes o que coloca a Guiana

dentro do jogo geopoliacutetico sul-americano 6 Aleacutem do Chile a Boliacutevia Colocircmbia Peru e Equador satildeo membros associados ao Mercosul

20

destaca que as sub-regiotildees satildeo caracterizadas por diferenccedilas territoriais que podem ser dividas

em Aacuterea Andina e o Mercosul ampliado no entanto o autor ressalta que esta divisatildeo natildeo eacute

estanque porque outras configuraccedilotildees ocorrem conforme os objetivos e caracteriacutesticas

associativas diferentes por exemplo Cone Sul e Grupo Amazocircnico

Para Saint-Pierre os ldquoarcos de equiliacutebrio regionalrdquo satildeo divididos em arco de

instabilidade e arco de estabilidade

Na regiatildeo pode-se identificar por um lado alguns paiacuteses com problemas nacionais

que ameaccedilam a estabilidade ndash seja social poliacutetica econocircmica institucional - com o

risco de projetar vulnerabilidade estrutural para toda a regiatildeo Por outro lado haacute um

conjunto de paiacuteses cuja situaccedilatildeo interna apresenta graus confiaacuteveis de estabilidade

podendo eventualmente irradiaacute-la para a regiatildeo (SAINT-PIERRE 2006 p196)

Conforme o autor o Arco Andino que eacute formado por Guianas Venezuela Equador

Peru Boliacutevia e Paraguai pertence agrave primeira categoria o ldquoArco de Instabilidaderdquo O Arco do

Mercosul Ampliado que abrange Brasil Argentina Uruguai e Chile integra a segunda

categoria o ldquoArco da Estabilidaderdquo Saint-Pierre salienta que um arco funciona ldquocomo

compensador do outro arco estabilizando a situaccedilatildeo e impedindo que ela se torne uma

situaccedilatildeo regional de instabilidaderdquo (SAINT-PIERRE 2006 p 197) Leonardo Morlino

argumenta que para uma definiccedilatildeo ldquosatisfatoacuteriardquo do conceito de estabilidade poliacutetica7 eacute

preciso isentaacute-lo de elementos avaliativos pois o conceito geralmente eacute empregado mais

para justificar a conservaccedilatildeo do que tratar da mudanccedila sendo assim ldquoum sistema poliacutetico por

exemplo eacute muitas vezes considerado estaacutevel justamente por ser capaz de manter o status

quordquo entretanto ldquoa Estabilidade natildeo eacute necessariamente nem deve ser o fim de todo o

sistemardquo (MORLINO 1998 p 394)

Segundo Morlino as definiccedilotildees de estabilidade que se identifica com o ldquoequiliacutebrio

estaacutevelrdquo natildeo colaboram para compreender o dinamismo poliacutetico de uma determinada

sociedade pois o equiliacutebrio pode ser estaacutetico ou dinacircmico por inuacutemeros fatores O autor

problematiza a associaccedilatildeo indiscriminada entre estabilidade e equiliacutebrio estaacutevel apresentando

dois motivos principais

a) a noccedilatildeo de equiliacutebrio estaacutevel natildeo leva longe e em todo caso natildeo parece suscetiacutevel

de se tornar operativa devido agrave distacircncia que separa esta concepccedilatildeo fiacutesica da

7 Morlino propotildee a seguinte definiccedilatildeo do conceito de estabilidade poliacutetica ldquoEstabilidade eacute a capacidade

previsiacutevel que um sistema tem de se prolongar no tempo Deste modo um sistema deve ser considerado estaacutevel

quando num momento dado tido em conta um conjunto de sinais eacute razoavelmente previsiacutevel que ele

continuaraacute no tempordquo (MORLINO 1998 p 394 grifos do autor)

21

realidade social b) o equiliacutebrio estaacutevel privilegia o status quo ao contraacuterio para ser

estaacutevel isto eacute para continuar no tempo o sistema tem de ser capaz de mudar

adaptando-se aos desafios que vecircm do ambiente soacute uma constante adaptaccedilatildeo agrave

realidade sempre mutaacutevel permite que o sistema sobreviva Pode-se pois afirmar

que paradoxalmente um sistema em equiliacutebrio estaacutevel corre o risco de se tornar o

mais instaacutevel (MORLINO 1998 p 395)

Portanto ao considerarmos esta proposta de Morlino a estabilidade e a instabilidade

seratildeo compreendidas natildeo como fenocircmenos contraditoacuterios radicalmente opostos mas como

um uacutenico fenocircmeno que varia de acordo com as circunstacircncias especiacuteficas e particularidades

de um sistema poliacutetico e de uma comunidade poliacutetica e seus diferentes atores A

caracterizaccedilatildeo da regiatildeo andina como arco de instabilidade pela teoria dos arcos de equiliacutebrio

regional pode servir como instrumento e justificativa de intervenccedilatildeo de grandes potecircncias

exoacutegenas agrave regiatildeo a ideia de instabilidade remonta agraves concepccedilotildees de Estado falido (ou

Estados debilitados) e aacutereas natildeo governadas Estas concepccedilotildees contribuiacuteram para o

delineamento da poliacutetica militarista de ldquoguerra agraves drogasrdquo contra paiacuteses produtores

principalmente os Estados andinos

Oscar Medeiros Filhos (2010) como base na teoria dos arcos de estabilidade regional

sustenta que a integraccedilatildeo regional no subcontinente sul-americano indica a existecircncia de

estabilidade (Cone Sul) e instabilidade (Amazocircnia e Andes) As sub-regiotildees instaacuteveis satildeo as

mesmas com processo de integraccedilatildeo menos pretensioso O autor conclui que ldquoos niacuteveis de

lsquointegraccedilatildeo geopoliacuteticarsquo na Ameacuterica do Sul parecem obedecer a uma linha de gradaccedilatildeo

crescente entre a vertente atlacircntica (maior niacutevel de integraccedilatildeoestabilidade) e a vertente

paciacutefica (integraccedilatildeo comprometida e instabilidade regional)rdquo (MEDEIROS FILHO 2010 p

65) A divisatildeo da Ameacuterica do Sul proposta por Medeiros Filho parece-nos mais adequada para

se pensar a Ameacuterica do Sul por considerar os diferentes niacuteveis e dinacircmicas de relacionamento

cooperaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo contudo natildeo coadunamos com a divisatildeo

em arcos de estabilidade e instabilidade devido agraves implicaccedilotildees anteriormente discutidas

Para a viabilidade do presente trabalho a regiatildeo a ser considerada para a anaacutelise eacute a

dos Andes mais precisamente os paiacuteses pertencentes agrave Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) que engloba maior parte da porccedilatildeo andina e parte da porccedilatildeo amazocircnica Atualmente

Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru conformam a CAN ndash o processo de integraccedilatildeo mais antigo

da Ameacuterica do Sul ndash e estes paiacuteses estatildeo ligados natildeo apenas geograacutefica e historicamente mas

tambeacutem no que tange agrave integraccedilatildeo conflito interestatal clientelismo desigualdade e

concentraccedilatildeo de renda crises poliacuteticas proeminecircncia das forccedilas armadas e dependecircncia

externa no acircmbito da seguranccedila Estes paiacuteses estatildeo interligados principalmente pelo

22

compartilhamento de uma ameaccedila comum o traacutefico de drogas Mas a regiatildeo andina estaacute

tambeacutem interconectada pela ldquogeopoliacutetica do traacutefico de drogasrdquo (DREYFUS 2002 OLMO

1993)

A anaacutelise geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura apreender o

papel de cada paiacutes bem como os seus muacuteltiplos atores nas diferentes etapas da produccedilatildeo ao

transporte de drogas iliacutecitas e como eles estatildeo inseridos nas relaccedilotildees de conflito cooperaccedilatildeo e

poder tambeacutem satildeo incluiacutedos na anaacutelise os padrotildees de interaccedilatildeo entre as vulnerabilidades

comum de um determinado grupo de paiacuteses ndash no nosso caso satildeo os paiacuteses andinos

pertencentes agrave CAN ndash e as ameaccedilas colocadas pelo traacutefico de drogas8

Para fins desta pesquisa privilegiaremos em nossa anaacutelise o envolvimento dos atores

natildeo-estatais e estatais nas atividades iliacutecitas do traacutefico de drogas e no combate ao narcotraacutefico

assim como as relaccedilotildees entre os paiacuteses que integram as redes narcotraficantes e seus esforccedilos

de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila frente agrave esta modalidade de crime organizado As

relaccedilotildees com os EUA se limitaram ao papel deste paiacutes no processo de construccedilatildeo do traacutefico de

psicoativos iliacutecitos como ameaccedila agrave seguranccedila durante o seacuteculo XX e princiacutepios do seacuteculo

XXI As relaccedilotildees bilaterais dos EUA com cada paiacutes andino em mateacuteria de luta antidrogas

poderaacute ser um tema abordado em trabalho futuro

A geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura uma abordagem que

contemple as duas dimensotildees do Estado a domeacutestica e a internacional ou ldquointermeacutesticardquo

assim como as relaccedilotildees e articulaccedilotildees existentes entre ambas e a seguranccedila satildeo tratadas como

um fenocircmeno relacional onde o acircmbito externo natildeo eacute dissociado do interno Portanto para

compreender a seguranccedila domeacutestica de um determinado Estado eacute preciso entender o padratildeo

regional e internacional de interdependecircncia de seguranccedila no qual ele estaacute inserido e os

muacuteltiplos atores intervenientes Esta abordagem mesmo apresentando algumas diferenccedilas

corrobora com a perspectiva relacional e processual da sociologia poliacutetica internacional (SPI)

de Didier Bigo Segundo este autor o Estado ldquonatildeo eacute um ator mas sim um campo de accedilotildeesrdquo e

8 A proposta analiacutetica do autor ainda estaacute arraigada na concepccedilatildeo dicotocircmica entre ldquopaiacuteses produtoresrdquo e ldquopaiacuteses

consumidoresrdquo Esta forma de compreender a problemaacutetica do traacutefico de drogas foi construiacuteda pelos discursos

e percepccedilotildees dos paiacuteses ocidentais que enviesaram os textos contidos nos regimes internacionais a partir da

deacutecada de 1980 (PASSETTI 1991) Esta visatildeo estanque natildeo apreende a dinacircmica do traacutefico de drogas

internacional e obnubila informaccedilotildees sobre a produccedilatildeo de drogas nos paiacuteses do centro do capitalismo como a

produccedilatildeo de maconha em larga escala nos Estados Unidos e a fabricaccedilatildeo de ecstasy na Holanda e em outros

paiacuteses europeus ou mesmo natildeo menciona que a Ameacuterica do Sul eacute uma das regiotildees que mais consomem

cocaiacutena (UNODC 2014)

23

analisar a emergecircncia do social ldquoeacute seguir relaccedilotildees quaisquer que sejam suas escalasrdquo pois o

internacional ldquonatildeo eacute uma esfera de accedilatildeo especiacutefica separada das demais (internas sociais)

mas o nome dado agrave investigaccedilatildeo de entendimento mais transversal de sociedade de

indiviacuteduosrdquo (BIGO 2013 p 187)

A seguranccedila de acordo com a perspectiva da SPI se configura como uma teacutecnica de

governo que envolve diferentes profissionais do campo da seguranccedila ndash ao contraacuterio das

concepccedilotildees excepcionalistas ndash os quais definem a seguranccedila atraveacutes da rotinizaccedilatildeo de suas

praacuteticas impondo as suas proacuteprias definiccedilotildees de ameaccedila e perigo bem como as tecnologias

de poder-saber para administrar e gerenciar estas ameaccedilas e perigos Jeff Huysman (2006)

aponta que o colapso da estrutura diplomaacutetico-militar e o alargamento do conceito de

seguranccedila no final dos anos 1980 e no decorrer dos anos 1990 colaboraram para o

estreitamento entre seguranccedila puacuteblica e defesa A inseguranccedila social ao mesmo passo que

configura a seguranccedila interna estaacute conectada agrave seguranccedila internacional principalmente em

questotildees atinentes ao crime organizado transnacional De acordo com Bigo (2000 2013) este

processo fez com que a incerteza sobre as missotildees e tarefas e os limites entre os universos

sociais da poliacutecia e das forccedilas armadas afetassem as organizaccedilotildees e as agecircncias de seguranccedila

tal como as identidades dos profissionais deste campo

Nos Andes o combate agraves drogas foi um elemento importante para que ocorresse este

processo descrito por Bigo e Huysman O traacutefico de drogas permitiu que as agecircncias de

seguranccedila andinas sob influecircncia norte-americana reduzissem a distinccedilatildeo entre seguranccedila

interna e externa aproximando funccedilotildees delimitadas claramente entre a poliacutecia e as forccedilas

armadas para combater uma ameaccedila que deve ser contida por ambos A construccedilatildeo e a

consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes9 de controle e luta contra as drogas

consideradas iliacutecitas foi resultado de um longo processo que natildeo se restringe apenas aos

ditames de Washington mas tambeacutem abrangem inuacutemeras variaacuteveis histoacutericas poliacuteticas

ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam entrelaccedilando interesses que

9 De acordo com Stephen D Krasner ldquoOs regimes podem ser definidos como princiacutepios normas e regras

impliacutecitos ou expliacutecitos e procedimentos de tomada de decisotildees de determinada aacuterea das relaccedilotildees

internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores Os princiacutepios satildeo crenccedilas em fatos

causas e questotildees morais As normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e

obrigaccedilotildees As regras satildeo prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees especificas para a accedilatildeo Os procedimentos para tomada de

decisotildees satildeo praacuteticas predominantes para fazer e executar a decisatildeo coletivardquo (KRASNER 2012 p 94) Para

fins desta pesquisa os regimes internacionais de drogas seratildeo compreendidos a partir desta definiccedilatildeo

24

geraram o consenso sobre a ilegalidade das drogas psicoativas reputando a elas o caraacuteter de

criminalidade e mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional A ldquoguerra agraves

drogasrdquo foi um dos principais fatores para que ocorresse o processo de ldquodes-diferenciaccedilatildeordquo

assinalado por Bigo cuja fusatildeo entre seguranccedila interna e externa faz com que os mundos do

policiamento e da guerra que tinham pouco em comum se misturem para combater um

inimigo sem rosto (BIGO 2000)

A ausecircncia de uma diferenciaccedilatildeo entre problemas internos e externos de seguranccedila

estaacute ligada agraves accedilotildees dos inuacutemeros agentes do campo da seguranccedila as quais natildeo se limitam agraves

fronteiras convencionais entre o domeacutestico e o internacional O processo de des-diferenciaccedilatildeo

estaacute adstrito agraves relaccedilotildees de poder e concorrecircncias existentes entre grupos sociais que

compotildeem o campo da seguranccedila o que descarta a existecircncia de um ator capaz de decidir

sobre as ameaccedilas unilateralmente Bigo com base nos estudos de Pierre Bourdieu percebe o

campo da seguranccedila como espaccedilo social construiacutedo atraveacutes da disputa entre as diversas

posiccedilotildees dos agentes de seguranccedila e conformado pelas agecircncias de seguranccedila e os lugares

que elas ocupam nas esferas nacionais e internacionais No interior do campo da seguranccedila

podem ser ensejados processos de ldquounificaccedilatildeordquo capazes de concentrar atores diferentes em

torno de uma determinada ameaccedila o que pode levar a uma ldquohomogeneizaccedilatildeordquo das

percepccedilotildees ou das doutrinas de seguranccedila deste modo uma ou mais questotildees passam a ser

compartilhadas por mais de um ator (BIGO 2000) Este processo de ldquounificaccedilatildeordquo descrito

pelo autor ocorreu entre os paiacuteses andinos entorno do traacutefico de drogas As drogas iliacutecitas

passaram a ser uma ameaccedila compartilhada pelos governos andinos as agendas de seguranccedila

dos Estados da regiatildeo andina estiveram subordinadas agraves diretrizes norte-americanas de

combate agraves drogas criando um foco comum de seguranccedila nos Andes para tratar e eliminar o

problema

Existem na regiatildeo andina muacuteltiplas temaacuteticas que influem na construccedilatildeo da agenda

de seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo Estas temaacuteticas podem ser dividas em cinco grupos

principais a) conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos b) a

presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das

instituiccedilotildees estatais d) conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-

culturais e identitaacuterias e) traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

a) Conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos

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No que tange aos conflitos convencionais ou interestatais o norte e noroeste do

subcontinente sul-americano apresentam tensotildees remanescentes de litiacutegios histoacutericos ndash ou

tensotildees novas que emergiram em contextos especiacuteficos ndash entre os paiacuteses da regiatildeo que se

arrastam desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX ao princiacutepio do seacuteculo XXI colocando-os

dentro de um quadro complexo de conflitos ligados principalmente a fatores territoriais

limiacutetrofes e ou acerca de recursos naturais Conforme argumenta Adriaacuten Bonilla (1999) a

imagem de um Estado coeso fortalece e legitima a sua existecircncia e um dos seus sinais satildeo as

fronteiras sendo que cada Estado faz uma leitura distinta dos referidos sinais O resultado eacute

um conjunto de valores internalizados que criam uma imagem de uma comunidade a

comunidade nacional e ao mesmo tempo a percepccedilatildeo do ldquooutrordquo agressivo Estas imagens

identificam condutas e justificam a violecircncia para defender a si ldquoproacutepriordquo quando percebido

em risco frente agrave ameaccedila do ldquoestrangeirordquo o ldquooutrordquo Jorge I Domiacutenguez (2003) observa que

a persistecircncia de alguns conflitos histoacutericos na Ameacuterica Latina que se iniciaram no seacuteculo

XIX estatildeo relacionados a dois fatores principais 1) o geograacutefico pois as florestas e rios na

Ameacuterica do Sul e Central assim como a topografia montanhosa em determinadas aacutereas

colocaram oacutebices para demarcaccedilotildees fiacutesicas das fronteiras A confecccedilatildeo de mapas inexatos

contribuiu para o ressurgimento de conflitos como foi o caso de Equador e Peru 2) a

interrupccedilatildeo dos processos de negociaccedilatildeo que poderiam conduzir arranjos permanentes para

manter a paz na Ameacuterica do Sul Domiacutenguez salienta que a mediaccedilatildeo internacional em

muitos casos serviu para ldquoesfriar os conflitosrdquo e natildeo para resolvecirc-los As ldquoteacutecnicas de

congelamentordquo das demandas em uma conjuntura particular tambeacutem tiveram resultados

contraditoacuterios como foi o caso do Protocolo de Puerto Espantildea assinado em 1970 entre

Guiana e Venezuela o qual estabeleceu o acordo entre os dois paiacuteses para que ambos

cessassem as suas reivindicaccedilotildees e o conflito O que ocorreu foi a postergaccedilatildeo do litiacutegio para

doze anos depois Assim que o Protocolo expirou a crise entre os dois paiacuteses reiniciou e

permanece sem soluccedilatildeo

Na deacutecada de 1990 Equador e Peru entraram em disputa pelo territoacuterio da bacia do

Rio Cenepa que permanecia sem definiccedilatildeo limiacutetrofe A escalada do conflito culminou na

guerra entre os dois paiacuteses em 1995 Os dois paiacuteses deflagraram um conflito armado de

grandes proporccedilotildees apoacutes a derrubada de um helicoacuteptero MI-8TV do exeacutercito peruano por um

miacutessil antiaeacutereo equatoriano em 29 de janeiro do referido ano A partir daiacute os confrontos

armados envolveram os exeacutercitos e as suas forccedilas aacutereas de ambos os paiacuteses O emprego de

caccedilas helicoacutepteros aviotildees e combates com utilizaccedilatildeo de miacutesseis ar-ar se deu principalmente

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pela dificuldade do acesso agrave regiatildeo que eacute uma zona de floresta densa com condiccedilotildees

climaacuteticas que natildeo favoreciam os movimentos militares e a logiacutestica para o combate

De acordo com Bonilla a altercaccedilatildeo fronteiriccedila entre Equador e Peru estaacute na proacutepria

fundaccedilatildeo destes Estados como repuacuteblicas Cada um dos dois paiacuteses narra os conflitos

territoriais a seu modo ou seja ldquoa construccedilatildeo de um imaginaacuterio nacional que decirc sentido as

instituiccedilotildees estatais e ao mesmo tempo lanccedila as bases da comunidade imaginada ndash a naccedilatildeo ndash

que foi erguida sobre mitos e relatos fundacionais relacionados agrave fronteirardquo (BONILLA 1999

p 19 traduccedilatildeo nossa) O conflito irrompe no meio de duas poliacuteticas externas inflexiacuteveis que

se baseiam em interpretaccedilotildees antinocircmicas sobre o tema fronteiriccedilo Conforme aponta o autor

Estas poliacuteticas natildeo deram espaccedilo para formulaccedilatildeo de processos e mecanismos de

negociaccedilatildeo que criassem condiccedilotildees para que tanto Equador como Peru fizessem

concessotildees Para o Equador a poliacutetica externa para o Peru foi concentrada na

impugnaccedilatildeo do Protocolo do Rio de Janeiro e na exigecircncia de um acesso ao

territoacuterio amazocircnico Por sua parte o Peru tem sido constante reconhecimento e

execuccedilatildeo irrestrita do Protocolo mesmo apesar das suas carecircncias teacutecnicas eacute

considerado um instrumento teacutecnica e juridicamente preciso (BONILLA 1999 p

19 traduccedilatildeo nossa)

Apesar das controveacutersias em torno do litiacutegio a resoluccedilatildeo do conflito aconteceu

mediante a intervenccedilatildeo multilateral de Argentina Chile Brasil e EUA no longo processo de

negociaccedilatildeo de paz com os Estados garantes (estes paiacuteses foram avalistas do Protocolo de Paz

Amizade e Limites do Rio de Janeiro ou Protocolo do Rio de Janeiro subscrito em 29 de

janeiro de 1942 para delimitaccedilatildeo da fronteira entre os dois paiacuteses e para pocircr fim ao litiacutegio)

cuja conclusatildeo ocorreu com a assinatura do Acordo de Brasiacutelia em 1998 que demarcou as

fronteiras entre os dois paiacuteses andinos A delimitaccedilatildeo fronteiriccedila foi traccedilada sobre o fastiacutegio

da Cordilheira do Condor a qual concedeu ao Peru o territoacuterio disputado mais a extensatildeo

territorial de Tiwinza Por sua vez o governo peruano permitiu que o Equador tivesse a

propriedade de uma aacuterea de 1 kmsup2 situada no territoacuterio de Tiwinza onde existia o

acampamento militar do exeacutercito equatoriano no entanto a soberania sobre a regiatildeo

continuou sendo do Estado peruano

Os conflitos interestatais nos Andes natildeo foram impulsionados somente por questotildees

fronteiriccedilas David Mares assinala que na Ameacuterica Latina a violecircncia entre os Estados ocorreu

por inuacutemeros outros motivos aleacutem das contendas limiacutetrofes Questotildees como a ldquoimigraccedilatildeo o

contrabando (incluindo as drogas iliacutecitas) as guerrilhas e ateacute mesmo os desacordos na

implementaccedilatildeo de tratados ratificados por todas as partes podem e tecircm produzido severos

conflitos inclusive a accedilatildeo militarrdquo (MARES 2003 p 53 traduccedilatildeo nossa) As relaccedilotildees de

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Colocircmbia com Equador e Venezuela foram abaladas por motivos ligados agrave guerrilha ao

traacutefico de drogas e ao deslocamento forccedilado de populaccedilotildees A tiacutetulo de ilustraccedilatildeo o quadro 1

a seguir lista sinteticamente os principais conflitos ocorridos e ainda vigentes na regiatildeo

andina

28

29

b) A presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo andina

Para compreender a agenda de seguranccedila dos paiacuteses andinos eacute preciso considerar a

influecircncia dos Estados Unidos no seu processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo A presenccedila dos

EUA nos Andes se intensificou no decorrer da Guerra Fria principalmente para conter a

disseminaccedilatildeo do comunismo na Ameacuterica Latina Para levar a cabo este objetivo a estrateacutegia

anticomunista se valeu de intervenccedilotildees militares de fornecimento de treinamentos de

contrainsurgecircncia agraves forccedilas armadas e de apoio a golpes militares e a regimes autoritaacuterios nos

paiacuteses latino-americanos

Com o fim da Guerra Fria e o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica os EUA se tornaram a uacutenica

superpotecircncia mundial capaz de afirmar o seu poder global atraveacutes da ldquosupremacia militar

monetaacuteria e financeira norte-americana a serviccedilo do seu grande capital disposta a impedir

por um lado o fortalecimento ou surgimento de potecircncias concorrentes e por outro a

realizaccedilatildeo de um grande acordo internacional que limite as accedilotildees dos EUArdquo (SANTOS 2007

p 68)

Monica Herz (2002) assinala que a Ameacuterica Latina no contexto poacutes-Guerra Fria natildeo

figurou como uma regiatildeo de alta prioridade para os EUA no entanto os objetivos estrateacutegicos

de Washington para o subcontinente nesse contexto se concentraram em duas agendas

principais ldquoa promoccedilatildeo das reformas neoliberais e o combate ao comeacutercio iliacutecito de drogasrdquo

(HERZ 2002 p 86) Por sua vez Adrian Bonilla (2006) corrobora com a abordagem de Herz

ao destacar que os paiacuteses da CAN deixaram de ser prioridade estrateacutegica dos EUA apoacutes a

derrocada sovieacutetica A poliacutetica externa estadunidense para os paiacuteses andinos se ldquoenraizourdquo

numa agenda regional mas eacute executada bilateralmente de forma limitada e restrita agrave

seguranccedila e ao comeacutercio No que tange agrave seguranccedila nos Andes o autor aponta que com o fim

da Guerra Fria o narcotraacutefico e o conflito colombiano se tornaram assuntos de relativa

importacircncia para os EUA e com os atentados de 11 de setembro de 2001 o terrorismo e o

narcotraacutefico bem como o comeacutercio de armas e a lavagem de dinheiro associados estas duas

atividades se tornaram temas centrais da agenda estadunidense para regiatildeo andina Para

Consuelo A Beltraacuten (2007) as relaccedilotildees entre EUA e a regiatildeo andina na uacuteltima deacutecada

giraram em torno de trecircs temas prioritaacuterias ldquoa poliacutetica antinarcoacuteticos a cruzada antiterrorista

e as medidas de liberalizaccedilatildeo econocircmica e comercial impostas por organismos internacionais

como o Fundo Monetaacuterio Internacional (FMI) e a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

(OMC)rdquo (BELTRAacuteN 2007 p 95 traduccedilatildeo nossa)

30

Conforme abordado pelos autores supracitados as poliacuteticas de combate agraves drogas e a

construccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes foram fortemente influenciadas

pelos os Estados Unidos Conforme ressalta Herz

Observa-se que a poliacutetica de seguranccedila norte-americana na regiatildeo estaacute impregnada

de tensotildees A militarizaccedilatildeo do combate ao narcotraacutefico atinge o processo de

construccedilatildeo de um paradigma democraacutetico para a regiatildeo ao longo da deacutecada de 1990

Paradoxalmente a poliacutetica de combate agraves drogas na Colocircmbia tem solapado as bases

institucionais de uma das mais tradicionais democracias latino-americanas

Ademais o combate agraves drogas na regiatildeo andina natildeo tem favorecido o

desenvolvimento de uma cultura de proteccedilatildeo aos direitos humanos Da mesma

forma a tendecircncia do atual governo congruente com sua perspectiva de ordem

hegemocircnica de concentrar-se em medidas unilaterais e relaccedilotildees bilaterais abala os

alicerces das instituiccedilotildees multilaterais geradas durante a uacuteltima deacutecada (HERZ

2002 p 99)

No poacutes-Guerra Fria a agenda antidrogas norte-americana incidiu sobre as agendas de

seguranccedila dos paiacuteses andinos corroborando para os processos de policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas as quais satildeo empregadas em atividades de controle de drogas combate ao crime

organizado transnacional e garantia da lei e da ordem e de militarizaccedilatildeo da poliacutecia por meio

de treinamentos armamentos formaccedilatildeo de equipes especiais e operaccedilotildees guiadas por

modelos militares para combater os iliacutecitos transnacionais

Para Peter B Kraska a militarizaccedilatildeo eacute a implementaccedilatildeo da ideologia do militarismo

Segundo o autor o militarismo ldquoeacute um conjunto de crenccedilas valores e premissas que enfatizam

o uso da forccedila e a ameaccedila de violecircncia como meios mais adequados e eficazes para resolver

os problemasrdquo (KRASKA 2007 p 503 traduccedilatildeo nossa) Portanto a militarizaccedilatildeo da poliacutecia

eacute o processo pelo qual as instituiccedilotildees policiais recorrem aos princiacutepios do militarismo e ao

modelo militar para consecuccedilatildeo dos seus objetivos e a militarizaccedilatildeo do combate agraves drogas

seria o emprego desses princiacutepios e modelos militaristas e do proacuteprio exeacutercito para eliminar

a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo o traacutefico e o comeacutercio de drogas iliacutecitas Kraska reitera que

Metaacuteforas como a guerra contra as drogas crimes e terrorismo desempenham um

papel poderoso na construccedilatildeo da realidade eles moldam praacuteticas discursivas

esclarecem valores e compreensotildees e orientam os processos de resoluccedilatildeo de

problemas Enquadrar os problemas de crime terrorismo e drogas utilizando a

linguagem militarista assim provavelmente vai resultar em pensamentos e accedilotildees

que correspondem com a guerra paradigma militar (KRASKA 2001 apud

KRASKA 2007 p 505 traduccedilatildeo nossa)

Na regiatildeo andina a militarizaccedilatildeo das guerras agraves drogas e a policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas para este intento foram cabalmente impulsionadas pelas agendas de seguranccedila

nacional e hemisfeacuterica dos EUA esses dois processos podem ser visualizados nas principais

31

poliacuteticas de drogas de Washington para os paiacuteses andinos como a Iniciativa Andina (1989) o

Plano Colocircmbia (2000) e a Iniciativa Regional Andina (2002)

c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees estatais

As instituiccedilotildees estatais nos paiacuteses andinos sofreram um longo processo de

deslegitimaccedilatildeo no decorrer do seacuteculo XX Os Estados da regiatildeo natildeo deram respostas

satisfatoacuterias para a resoluccedilatildeo dos conflitos existentes e muito menos conseguiram legitimar as

decisotildees de suas autoridades A regiatildeo andina passou por uma experiecircncia de dificuldades

econocircmicas com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas neoliberais mal sucedidas que desaceleraram o

crescimento e aumentaram a volatilidade financeira agravando os problemas estruturais da

pobreza e da desigualdade na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado e nos primeiros anos do seacuteculo

XXI Cada paiacutes apresentou configuraccedilotildees e cenaacuterios poliacuteticos e sociais particulares distintos

entre si As poliacuteticas econocircmicas domeacutesticas norteadas pelo Consenso de Washington

contribuiacuteram para a crise poliacutetica e o descreacutedito das instituiccedilotildees Segundo Andreacutes Solimano

(2005) os paiacuteses andinos tiveram um nuacutemero elevado de mudanccedilas constitucionais que

levaram agrave aprovaccedilatildeo de uma nova constituiccedilatildeo no transcurso do seacuteculo passado Nos paiacuteses

pertencentes agrave CAN o Equador eacute o que teve mais mudanccedilas totalizando sete constituiccedilotildees

seguido de Boliacutevia com cinco constituiccedilotildees Peru com quatro constituiccedilotildees e Colocircmbia com

apena suma nova constituiccedilatildeo aprovada em 1991 Para o autor esta frequecircncia de mudanccedilas

nas regras baacutesicas da sociedade eacute um dos indicadores de instabilidade das instituiccedilotildees na

regiatildeo Solimano adiciona outro fator de instabilidade poliacutetica as recorrentes crises

presidenciais ou seja quando um presidente por inuacutemeras razotildees que vatildeo de golpe de

Estado agrave renuacutencia natildeo consegue concluir o seu mandato constitucional

O quadro econocircmico e social colaborou para dificultar a governanccedila nos paiacuteses

andinos que foram marcados por instabilidade poliacutetica e rotatividade de presidentes (como

foram os casos de Boliacutevia e Equador) baixos iacutendices de eficaacutecia institucional crises poliacuteticas

recorrentes e violecircncia (sobretudo na Colocircmbia) que afetaram a consolidaccedilatildeo da democracia

Na Colocircmbia o cenaacuterio eacute caracterizado por uma crise atravessada pelo conflito interno

armado violento que coloca em questatildeo o proacuteprio Estado colombiano principalmente quando

esse fenocircmeno de longa duraccedilatildeo no paiacutes se articula com outros fenocircmenos de natureza

transnacional e ilegal como eacute o caso das redes de traacutefico de drogas No Equador por sua vez

emergiu uma crise de legitimidade institucional relacionada com a instabilidade

governamental que aparece na segunda metade dos anos 1990 se estendendo ateacute a posse de

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Rafael Correa em 2007 No Peru ocorreu uma crise no sistema poliacutetico e eleitoral com o

advento do autogolpe e do autoritarismo de Alberto Fujimori (1990-2000) marcado por

escacircndalos de corrupccedilatildeo desvio de recursos puacuteblicos assassinatos e intimidaccedilatildeo poliacutetica

envolvendo o chefe do Serviccedilo de Inteligecircncia Nacional do Peru Vladimiro Montesinos Com

a crise de legitimidade de seu governo Fujimori fugiu do paiacutes para natildeo ser julgado pelos seus

crimes Por fim na Boliacutevia o cenaacuterio poliacutetico e social no comeccedilo dos anos 2000 foi de

conflitos e inuacutemeros protestos sociais principalmente de grupos campesinos e indiacutegenas que

questionavam a legitimidade e autoridade poliacutetica com sucessivas trocas de governos ateacute a

chegada de Evo Morales ao poder em 2006

d) Conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-culturais e identitaacuterias

No arco andino por exemplo o conflito colombiano se arrasta desde os

acontecimentos ocorridos em 1948 Conhecido como La Violencia esse periacuteodo eacute marcado

por confrontos entre os defensores do Partido Conservador Colombiano e o Partido Liberal

Colombiano Para Forrest Hylton (2010) La Violencia (1946-1957) ldquofoi uma eacutepoca que

misturou terror oficial sectarismo partidaacuterio e poliacuteticas de terra arrasada que resultaram da

confluecircncia da crise da repuacuteblica cafeeira da debilidade do Estado central e da concorrecircncia

pelos direitos de propriedade principalmente no eixo do cafeacuterdquo (HYLTON 2010 p 71) A

revolta popular buscava destruir os siacutembolos de poder e privileacutegio da oligarquia dominante e

se espalhou pela capital do paiacutes ficando conhecida como Bogotazo O periacuteodo da La Violencia

foi caracterizado por uma guerra civil com confrontaccedilotildees violentas entre liberais e

conservadores que perdurou por quase dez anos alcanccedilando o nuacutemero de 200 mil pessoas

mortas (STOKES 2005)10

O conflito teve fim com um pacto para a formaccedilatildeo de uma

coligaccedilatildeo entre os dois partidos intitulada de Frente Nacional em 1958 Com a formaccedilatildeo da

Frente Nacional foi estabelecida a alternacircncia de poder entre os dois partidos permitindo

tambeacutem o alinhamento de ambos para o fortalecimento das forccedilas armadas colombianas para

supressatildeo das revoltas populares e das guerrilhas armadas rurais como forma de combater a

instalaccedilatildeo do comunismo no paiacutes (STOKES 2005)

A instabilidade poliacutetica da Colocircmbia neste periacuteodo foi interpretada pelos EUA como

uma ldquoameaccedilardquo aos seus interesses na regiatildeo O Departamento de Estado chegou a declarar que

10

No que tange ao nuacutemero de mortos nos confrontos na eacutepoca da La Violencia Forrest Hilton aponta que foram

assassinadas aproximadamente 300 mil pessoas das quais 80 eram homens camponeses e analfabetos

(HYLTON 2010 p 72)

33

a crise colombiana era uma ldquoameaccedilardquo agraves estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas norte-americanas

devido agrave proximidade da Colocircmbia com o Canal do Panamaacute O conflito colombiano ganhou

contornos internacionais ou intermeacutesticos jaacute na deacutecada de 1950 quando entra nos caacutelculos

estrateacutegicos geopoliacuteticos e geoeconocircmicos dos EUA O Plan Lazo lanccedilado em 1964 era uma

estrateacutegia contrainsurgente que tinha como principal objetivo aniquilar os inuacutemeros grupos

armados remanescentes da La Violencia nas zonas rurais da Colocircmbia sobretudo no sul

(HYLTON 2010) A estrateacutegia de contrainsurgecircncia do Plan Lazo agravou a situaccedilatildeo do

conflito na Colocircmbia Inuacutemeros massacres assassinatos e torturas contra guerrilheiros e

camponeses ndash organizados em grupos de autodefesa ndash foram perpetrados por militares

colombianos Nesse contexto surgiram as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia -

Exeacutercito do Povo (FARC ou FARC-EP) apoacutes a fragmentaccedilatildeo dos guerrilheiros liberales

limpios e o fortalecimento dos guerrilheiros comunes tendo na Operaccedilatildeo Marquetalia

desenhada com o objetivo de suprimir as ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo11

ndash que fazia parte do

Plan Lazo As FARC se orientavam pela ideologia marxista-leninista se distinguindo das

guerrilhas liberais por sua estrutura militar mais riacutegida e um objetivo poliacutetico mais definido

As investidas militares do governo colombiano para conter o avanccedilo do comunismo no paiacutes

fizeram com que pululassem inuacutemeros grupos guerrilheiros como o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo

Nacional (ELN) em 1965 o Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo (EPL) em 1967 e o Movimento

19 de Abril (M-19) em 1970 entre outros e posteriormente grupos paramilitares

antiguerrilha como a Alianccedila Americana Anticomunista (AAA ou Triplo A) em 1978 a

Autodefesas Campesinas de Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) no iniacutecio da deacutecada de 1980 as

Cooperativas de Vigilacircncia e Seguranccedila Privada (CONVIVIR) criadas em 1994 e as

Autodefesas Unidas da Colocircmbia (AUC) em 1997 para citarmos alguns desses primeiros

grupos A emergecircncia destes atores corroborou para o agravamento e prolongamento do

conflito colombiano ateacute os anos 200012

11

O termo ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo foi cunhado pelo senador Aacutelvaro Goacutemez Hurtado liacuteder conservador

numa sessatildeo do Senado colombiano em 23 de outubro de 1961 para denunciar a existecircncia de territoacuterios natildeo

controlados pelo Estado colombiano Essa denuacutencia de Hurtado fez com que crescesse a pressatildeo sobre o

presidente Gullermo Leoacuten Valencia tambeacutem do partido conservador para exterminar a sangue e fogo o

enclave comunista (LEONGOacuteMEZ 2006b) 12

Rodriguez (2010) acentua que os dados referentes ao conflito colombiano demonstram a magnitude do

problema e revelam a situaccedilatildeo alarmante do paiacutes na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado O autor destaca que a

Colocircmbia tinha dentro de suas fronteiras o maior nuacutemero de refugiados de guerra no mundo Eram cerca de

1900000 refugiados e cerca de 500000 foram obrigados a se exilarem por conta do conflito armado

Rodriguez enumera ainda que 2000 menores faziam parte de guerrilhas e 3000 foram arregimentados pelos

paramilitares O autor assinala que o conflito afetou a economia do paiacutes fazendo com que o crescimento

despencasse 5 no ano de 1999 paralisou a reforma agraacuteria as guerrilhas os ldquocarteacuteisrdquo da cocaiacutena dos anos

34

Na regiatildeo andina haacute diferentes fontes de tensotildees domeacutesticas que compotildeem o cenaacuterio

de conflitos na regiatildeo os quais incidem sobre a construccedilatildeo da agenda de seguranccedila andina A

questatildeo da identidade ou melhor das identidades satildeo mananciais de tensotildees entre as diversas

comunidades locais e o Estado-naccedilatildeo centralizador principalmente no que concerne agraves

distintas reivindicaccedilotildees autonomistas A crise de legitimidade das instituiccedilotildees do Estado

colocou tambeacutem em questatildeo a centralizaccedilatildeo das atribuiccedilotildees administrativas das

responsabilidades e do poder em um governo central gerando maior pressatildeo e tensatildeo poliacutetica

com os governos locais Os movimentos descentralizadores regionalistas e ou autonomistas

natildeo satildeo temas novos na histoacuteria da regiatildeo andina Esses movimentos se manifestam

constantemente irrompendo conflitos que desestabilizam o governo central Na Boliacutevia

emergiram identidades regionais que colocaram em questatildeo o proacuteprio Estado boliviano em

Cochabamba e nos departamentos da chamada ldquomeia luardquo (Pando Beni Santa Cruz13

e

Tarija) Outro caso sintomaacutetico dessa questatildeo ocorre entre as oligarquias e grupos dominantes

localizados cidades de Guayaquil e Quito no Equador No caso peruano haacute tensotildees histoacutericas

latentes de Cuzco e Arequipa contra o governo central

Outra fonte de tensatildeo poliacutetica e sociocultural domeacutestica estaacute ligada aos diferentes

movimentos sociais indiacutegenas nos Andes principalmente na Boliacutevia e no Equador e em

menor grau na Colocircmbia e no Peru Esses movimentos ganharam forccedila na passagem da

deacutecada de 1980 para a deacutecada de 1990 contexto esse marcado pela liberalizaccedilatildeo da economia

que acirrou mais ainda a exclusatildeo social e poliacutetica de cunho racista hieraacuterquico e autoritaacuterio

Os movimentos indiacutegenas trazem agrave tona o questionamento da legitimidade do Estado e da

proacutepria constituiccedilatildeo da sociedade que foi erigida sobre bases natildeo democraacuteticas tendo como

sua maior expressatildeo a experiecircncia de regimes poliacuteticos autoritaacuterios A emergecircncia das

identidades indiacutegenas colocou em questatildeo o imaginaacuterio social da homogeneidade e a proacutepria

ideia de naccedilatildeo colocando no centro do debate poliacutetico a construccedilatildeo de um Estado

plurinacional como uma nova forma de comunidade imaginada como foi caso da Boliacutevia e do

Equador14

Esses movimentos indiacutegenas natildeo se resumem ao rompimento ou deslegitimizaccedilatildeo

1980 e os paramilitares na deacutecada de 1990 acabaram por agravar a situaccedilatildeo de concentraccedilatildeo de propriedades

impulsionando o deslocamento interno de milhares de camponeses sem-terra 13

Em Santa Cruz se encontra a principal organizaccedilatildeo autonomista e regionalista da Boliacutevia a Uniatildeo Juvenil

Crucentildeista (UJC) fundada em 1957 A UJC eacute um dos movimentos de maior oposiccedilatildeo ao governo de Evo

Morales e ao seu partido Movimiento al Socialismo (MAS) 14

Boliacutevia e Equador se autodenominaram Estados plurinacionais a partir de suas novas constituiccedilotildees aprovadas

no ano de 2008 A ideia de Estado plurinacional se contrapotildee ao Estado claacutessico unificador e uniformizador de

matriz europeacuteia como forma de rompimento da colonialidade e criaccedilatildeo de novos paradigmas de organizaccedilatildeo

35

dos sistemas poliacuteticos ou defesa de territoacuterios e recursos naturais As lutas das populaccedilotildees

indiacutegenas estatildeo tambeacutem relacionadas agrave demanda por inclusatildeo social e nas atividades poliacuteticas

e econocircmicas essas lutas e conflitos impotildeem aos Estados diferentes desafios para criaccedilatildeo de

iniciativas e poliacuteticas puacuteblicas capazes de reconhecer as muacuteltiplas identidades e incluiacute-las na

sociedade e nos processos decisoacuterios democraacuteticos

As crises econocircmicas que persistiram por deacutecadas resistindo agraves mudanccedilas de governos

e de modelos econocircmicos tiveram impactos significativos na regiatildeo andina Entre os seus

sinais mais patentes se sobressaem o crescimento ininterrupto do desemprego e da

precarizaccedilatildeo do trabalho os baixos iacutendices de desenvolvimento humano (IDH) e o

aprofundamento da desigualdade socioeconocircmica entre ricos e pobres (SOLAMINO 2005)

Ademais a corrupccedilatildeo cresceu em ritmo acelerado se espalhando aleacutem das fronteiras e se

generalizando por todos os estratos sociais Estes fatores corroboraram para a persistecircncia da

criminalidade difusa da violecircncia social e poliacutetica dos deslocamentos internos forccedilados e

imigraccedilotildees internacionais do traacutefico de drogas e do crime organizado transnacional

e) Traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

O combate ao cultivo e traacutefico de drogas o conflito colombiano e a influecircncia dos

Estados Unidos incidiram tenazmente sobre agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina

O traacutefico de drogas fator mais recente e natildeo menos determinante nas duas uacuteltimas deacutecadas

do seacuteculo XX e na primeira do seacuteculo XXI influiu sobremaneira na economia na corrupccedilatildeo e

na violecircncia do mesmo modo que fez estremecer as relaccedilotildees entre os Estados nos Andes as

poliacuteticas nacionais e no plano das relaccedilotildees internacionais afetou as relaccedilotildees dos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo com os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo A luta antidrogas na contemporaneidade eacute uma

das questotildees que mais mobilizou os paiacuteses andinos a se articularem e a se engajarem para

contecirc-la

O traacutefico de psicoativos iliacutecitos e a sua cadeia produtiva satildeo pontos-chave para

compreender as poliacuteticas de seguranccedila nos Andes tanto na esfera domeacutestica quanto na

regional Como veremos adiante com o final do conflito bipolar o combate agraves drogas se

tornou um dos problemas prioritaacuterios dentro da agenda poliacutetica e de seguranccedila hemisfeacuterica

No final dos anos de 1980 o traacutefico de drogas passa a ser o principal inimigo dos EUA cuja

social poliacutetica e identitaacuteria visando atender agraves revindicaccedilotildees de povos e naccedilotildees alijados do ldquoprocesso

civilizadorrdquo ocidental

36

estrateacutegia eacute refrear a oferta de drogas aumentando a repressatildeo nos ldquopaiacuteses fontesrdquo quando

muito a demanda soacute foi tratada como consequecircncia da produccedilatildeo de substacircncias iliacutecitas ndash os

crimes provocados pelos usuaacuterios de drogas ndash e natildeo como um dos fatores que impulsionam e

aumentam a extensatildeo dos tentaacuteculos da induacutestria das drogas iliacutecitas que divide o seu trabalho

internacionalmente entre produtores traficantes e consumidores (GUAacuteQUETA 2004

TOKATLIAN 2009)

O traacutefico de drogas e o crime organizado em suas diferentes atividades satildeo percebidos

com uma das principais ameaccedilas transfronteiriccedila agrave seguranccedila e agrave democracia natildeo soacute nos

Andes mas tambeacutem toda Ameacuterica Latina seja pela violecircncia ensejada por estas atividades ou

mesmo pela sua capacidade de cooptar e corromper as instituiccedilotildees puacuteblicas Portanto ldquoo

crime organizado natildeo eacute contra-estatal seu objetivo natildeo eacute derrocar um regime ou uma

institucionalidade porque a violecircncia contra o Estado natildeo eacute sua caracteriacutestica o que ele busca

eacute ter graus altos de controle sobre essa institucionalidaderdquo (MARTIacuteNEZ 2012 p 31

traduccedilatildeo nossa)

As atividades iliacutecitas das organizaccedilotildees criminosas satildeo cada vez mais

transnacionalizada que se utiliza dos crescente fluxos financeiros humanos e de bens para

realizar as suas operaccedilotildees exigindo cada vez mais respostas multilaterais e fortalecimento da

cooperaccedilatildeo para combatecirc-los Entretanto no afatilde de combater as diferentes modalidades de

organizaccedilotildees criminosas (traficantes de armas e de pessoas contrabandistas de diversos

matizes entre outros) mas principalmente o traacutefico de drogas em muitos casos levou a um

emprego constante das forccedilas armadas para combatecirc-lo inclusive em centros urbanos

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina

A ideia de integraccedilatildeo da Ameacuterica Latina como diferentes autores jaacute mostraram

(DORATIOTO 1994 VILABOY 2007 SILVA 2009 GOMES 2010 FIGUEIREDO

2011) tem suas origens no seacuteculo XIX quando comeccedilaram os processos de independecircncia

dos paiacuteses do continente Simoacuten Boliacutevar deu iniacutecio agrave campanha sul-americana de libertaccedilatildeo

das colocircnias Na Carta da Jamaica redigida em 1815 Boliacutevar manifestou o seu anseio em

formar uma confederaccedilatildeo hispano-americana com as ex-colocircnias que pertenciam agrave monarquia

espanhola A primeira experiecircncia desse tipo foi a Gratilde Colocircmbia (1819-1831) criada pelo

proacuteprio Boliacutevar e mesmo com pouco tempo de existecircncia representou o primeiro modelo de

37

integraccedilatildeo nas Ameacutericas15

Os ideaacuterios de uma Ameacuterica Latina unida em um uacutenico projeto de

integraccedilatildeo como pretendia Boliacutevar ou melhor como pretenderam certas releituras do

pensamento bolivariano foram deteriorados pela experiecircncia histoacuterica latino-americana desde

as guerras pela emancipaccedilatildeo e a construccedilatildeo de novas estruturas poliacuteticas para consolidar as

receacutem-criadas naccedilotildees na Ameacuterica independente

A formaccedilatildeo dos paiacuteses andinos eacute produto desse processo histoacuterico e as suas

experiecircncias recentes satildeo pertinentes para se verificar as divergecircncias de projetos poliacuteticos

regionais A regiatildeo andina estaacute marcada por dissensotildees e atritos entre os diferentes modelos

de integraccedilatildeo como eacute o caso de Colocircmbia e Peru voltados para acordos bilaterais de livre

comeacutercio com os Estados Unidos e para a recente Alianccedila do Paciacutefico (aleacutem dos dois paiacuteses

conta com a participaccedilatildeo do Chile e do Meacutexico) e do outro lado a Boliacutevia e Equador que

em conjunto com a Venezuela Cuba e Nicaraacutegua (para citar alguns dos seus membros mais

proeminentes) buscam um modelo de integraccedilatildeo que procura aprofundar a consolidaccedilatildeo da

Alianccedila Bolivariana paras as Ameacutericas (ALBA)

A integraccedilatildeo regional16

eacute uma associaccedilatildeo institucionalizada de paiacuteses dentro de um

determinado territoacuterio geograacutefico definido que pode variar de regiatildeo para regiatildeo e de

formas e modelos As diferentes abordagens teoacutericas consagradas nos estudos de Relaccedilotildees

Internacionais sobre os processos de integraccedilatildeo regional utilizam a Uniatildeo Europeia como

paradigma explicativo e tipo ideacional a ser alcanccedilado por todos Problematizar tais

abordagens eacute possibilitar novos horizontes de anaacutelises que permitam uma compreensatildeo

15

No Congresso Anfictiocircnico do Panamaacute ocorrido em 1826 se reuniram os representantes da Gratilde Colocircmbia do

Meacutexico do Peru e das Proviacutencias Unidas da Centro-Ameacuterica (territoacuterios que hoje compreendem doze paiacuteses

latino-americanos) e contou com um observador da Gratilde-Bretanha e dos Paiacuteses Baixos com o intuito de discutir

a formaccedilatildeo de unidade poliacutetica entre os povos do continente americano Boliacutevar propocircs o encerramento do

trabalho escravo e a criaccedilatildeo de exeacutercito continental esta uacuteltima propositura tinha em vista a preocupaccedilatildeo com

os projetos ofensivos da Santa Alianccedila impulsionados pela restauraccedilatildeo do absolutismo na Espanha Todavia

trecircs grandes paiacuteses se opuseram agrave proposta bolivariana Brasil Estados Unidos e a Gratilde-Bretanha O Brasil e os

EUA natildeo corroboravam com a cessaccedilatildeo do regime escravista devido aos seus interesses econocircmicos nesta

atividade Para o impeacuterio brasileiro os ideais republicanos natildeo serviam aos interesses monaacuterquicos Os EUA

natildeo aceitavam o ideaacuterio do pan-americanismo por conta de suas pretensotildees expansionistas E a Gratilde-Bretanha

grande potecircncia econocircmica da eacutepoca via no pan-americanismo uma ameaccedila agraves suas pretensotildees hegemocircnicas

na regiatildeo (VILABOY 2007) 16

De acordo com Mocircnica Herz e Andrea Ribeiro Hoffman ldquoo termo integraccedilatildeo regional envolve dois conceitos

baacutesicos integraccedilatildeo e regiatildeo Uma regiatildeo pode ser definida por criteacuterios econocircmicos socioculturais poliacutetico-

institucionais climaacuteticos entre outros mas remete necessariamente a uma localidade territorial onde essas

caracteriacutesticas ocorrem Essa localidade pode ser geograficamente contiacutenua ou natildeo e pode mudar ao longo do

tempo o que dificulta a determinaccedilatildeo das fronteiras de certas regiotildees mas o importante a ser destacado eacute que

uma regiatildeo tem sempre uma correspondecircncia territorial A integraccedilatildeo pode ser definida como um processo ao

longo do qual atores inicialmente independentes se unificam ou seja se tornam parte de um todo Os atores

envolvidos em um processo de integraccedilatildeo podem ser classificados segundo dois criteacuterios Primeiramente

podem ser governamentais ou natildeo governamentais[] Em segundo lugar podem ser nacionais subnacionais

ou transnacionaisrdquo (HERZ HOFFMAN 2004 159-160)

38

maior dos processos de integraccedilatildeo latino-americanos ao longo da histoacuteria e no nosso caso

especiacutefico buscar compreender elementos que satildeo peculiares agrave Comunidade Andina

O processo de integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica e social na regiatildeo andina passou por

profundas transformaccedilotildees ao longo da sua trajetoacuteria histoacuterica A Comunidade Andina de

Naccedilotildees (CAN) teve a sua origem no Pacto Andino com a assinatura do Acordo de Cartagena

em 26 de maio de 1969 entre Boliacutevia Colocircmbia Chile Peru e Equador tornando-se a

primeira organizaccedilatildeo econocircmica internacional da Ameacuterica do Sul com o propoacutesito de

estabelecer a integraccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo econocircmica e social O Pacto Andino recebeu

posteriormente o nome de Grupo Andino Em 13 de fevereiro de 1973 a Venezuela aderiu ao

bloco e o Chile deixou o grupo em 30 de outubro de 1976 quando Augusto Pinochet

ascendeu ao poder por meio de golpe militar

Germaacutenico Salgado (1998 p6) objetivando analisar o processo de formaccedilatildeo da

Comunidade Andina de Naccedilotildees elaborou uma cronologia da integraccedilatildeo andina dividindo em

quatro fases a primeira seria de 1969 agrave 1976 fase de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do grupo

andino a fase seguinte teria sido de 1976 agrave 1982 momento esse em que ocorre um

enfraquecimento da integraccedilatildeo a terceira fase que vai de 1983 agrave 1988 eacute marcada pela

estagnaccedilatildeo por fim o periacuteodo de 1989 em diante fase que modificou radicalmente o Acordo

de Cartagena e eacute caracterizada pela reativaccedilatildeo da integraccedilatildeo e abertura para o mercado

externo

Para compreendermos o processo histoacuterico de configuraccedilatildeo da Comunidade Andina

natildeo descartaremos por completo a divisatildeo cronoloacutegica de Germaacutenico Salgado no entanto

propomos outra delimitaccedilatildeo temporal para descrever as diferentes fases pelas quais passou o

bloco andino O recorte temporal comeccedilaraacute pela Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que lanccedilou as bases

para a formulaccedilatildeo do Acordo de Cartagena e a constituiccedilatildeo do Pacto Andino que abrange o

final da deacutecada de 1960 e de 1970 Depois seraacute discutido o momento de estagnaccedilatildeo e de

reformulaccedilatildeo do Grupo Andino Em seguida discorreremos sobre a passagem dos anos 1980

para os anos de 1990 periacuteodo em que ocorre um novo impulso integracionista a partir de um

redesenho do projeto de integraccedilatildeo andina A deacutecada de 1990 foi marcada pela criaccedilatildeo e

consolidaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e de suas instituiccedilotildees nesse periacuteodo ocorreu

o alargamento da agenda comunitaacuteria andina para temas sociais e de seguranccedila Nesse

contexto o traacutefico de drogas passou a figurar como uma das principais preocupaccedilotildees da

agenda de seguranccedila da regiatildeo o que motivaraacute os paiacuteses andinos a orquestrarem no acircmbito

39

da CAN formas de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para combater o traacutefico de drogas

iliacutecitas

a) Deacutecada 1960 e 1970 Da Declaraccedilatildeo de Bogotaacute ao Acordo de Cartagena e o Surgimento

do Pacto Andino

O projeto de integraccedilatildeo que antecedeu o Pacto Andino foi a Associaccedilatildeo Latino-

Americana de Livre Comeacutercio (ALALC) criada originalmente no ano de 1960 em

Montevideacuteu contou em seu iniacutecio com a participaccedilatildeo de Argentina Brasil Meacutexico Paraguai

Peru e Uruguai anos mais tarde incorporou mais quatro Estados da zona andina aleacutem do

Meacutexico O principal objetivo da ALALC era a consolidaccedilatildeo de mecanismos de liberaccedilatildeo

parcial do comeacutercio entre seus paiacuteses membros entretanto o seu alcance foi limitado A

liberaccedilatildeo do comeacutercio ficou comprometida pelos interesses internos de cada paiacutes e os

incentivos para diminuir as barreiras comerciais natildeo foram suficientes para superar os

obstaacuteculos advindos das assimetrias entre os paiacuteses mais desenvolvidos e os menos

desenvolvidos da Ameacuterica Latina (BARRAL BOHRER 2010 p 92)

A aposta na integraccedilatildeo como vetor para o desenvolvimento econocircmico dos paiacuteses

latino-americanos comeccedilou a se mostrar contraproducente com a estagnaccedilatildeo da ALAC a

partir de 1967 ldquojaacute que natildeo conseguiu mudar a dinacircmica do comeacutercio internacional nem o

grau de desenvolvimento industrialrdquo (MOREIRA et all 2010) A ALALC tambeacutem natildeo

conseguiu promover uma harmonizaccedilatildeo real das poliacuteticas econocircmicas entre os paiacuteses

membros e a falta de equidade da distribuiccedilatildeo inter-regional dos benefiacutecios obtidos pela

integraccedilatildeo despertou a desconfianccedila dos Estados menos desenvolvidos para com o bloco

econocircmico

Em 1966 os presidentes do Chile Venezuela Colocircmbia e Equador mais os

representantes de Boliacutevia e Peru17

reuniram-se com o objetivo de procurar alternativas para

as disparidades geradas pela ALALC quando assinaram uma declaraccedilatildeo em que exprimiram

a necessidade de se fazer avanccedilar uma accedilatildeo conjunta para conseguir realizar

dentro da Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio a aprovaccedilatildeo de medidas

concretas que atendam os propoacutesitos formulados na presente declaraccedilatildeo e em

especial que se adotem foacutermulas praacuteticas que forneccedilam o tratamento adequado agrave

condiccedilatildeo de nossos paiacuteses cujas caracteriacutesticas correspondem as de menor

17

Quem participou das reuniotildees foram Carlos Lleras Restrepo presidente da Colocircmbia Eduardo Frei Montalva

presidente do Chile Rauacutel Leoni presidente da Venezuela Galo Plaza ex-presidente e foi como delegado do

presidente equatoriano Clemente Yerovi Indaburu e Fernando S Loacutepez Aldana presidente do Banco Central

de Reserva do Peru (VIDAL 2013)

40

desenvolvimento econocircmico relativo ou de mercado insuficiente Todo ele como

meio indispensaacutevel para alcanccedilar o desenvolvimento harmocircnico e equilibrado da

regiatildeo de conformidade com o espiacuterito do Tratado de Montevideacuteu

(DECLARACIOacuteN DE BOGOTAacute 16 de agosto de 1966 apud GARAY 1979 p17

traduccedilatildeo nossa)

A Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que eacute a base do Acordo de Cartagena elucida bem o

inconformismo dos paiacuteses andinos com os piacutefios resultados da ALALC pois estes paiacuteses

tinham como principais objetivos a promoccedilatildeo do desenvolvimento menos assimeacutetrico a

aceleraccedilatildeo do crescimento atraveacutes da integraccedilatildeo econocircmica e da criaccedilatildeo de condiccedilotildees para

que a ALALC fosse convertida em um mercado comum (GARAY 1979)

Esse interstiacutecio entre 1966 (Declaraccedilatildeo de Bogotaacute) e 1969 (Acordo de Cartagena) foi

um periacuteodo de formulaccedilatildeo e construccedilatildeo teoacuterica do processo de integraccedilatildeo os principais

arquitetos do Pacto Andino foram Carlos Lleras Restrepo (presidente da Colocircmbia 1966-

1970) Eduardo Frei Montalva (presidente do Chile 1964-1970) e Germaacutenico Salgado

(economista e poliacutetico equatoriano membro da Junta do Acordo de Cartagena) Esses atores

foram fundamentais para a teorizaccedilatildeo articulaccedilatildeo poliacutetica e a construccedilatildeo de uma ldquoconsciecircncia

integracionistardquo nos Andes Para Frei Montalva a Ameacuterica Latina passava por um periacuteodo de

forte ldquonacionalismo continental crescente e acentuadordquo no entanto ele tinha ldquoconsciecircncia de

que o esquema da ALALC natildeo estava desenhado para os paiacuteses medianos como Chile

Colocircmbia e Venezuela e nem para os pequenos Boliacutevia e Equadorrdquo (VIDAL 2013 p 76)

Para os paiacuteses andinos a ALALC natildeo satisfazia as suas necessidades motivando-os a

procurarem outras formas de atender os seus interesses econocircmicos e a partir de suas proacuteprias

iniciativas as naccedilotildees andinas desenharam um novo projeto de integraccedilatildeo com o propoacutesito de

estimular a ampliaccedilatildeo de seus mercados Em decorrecircncia desse projeto foi assinado o Acordo

de Cartagena em 1969 subescrito originalmente por Boliacutevia Colocircmbia Chile Equador e

Peru posteriormente em 1974 a Venezuela aderiu ao Pacto Andino (PRADO 1997 p 35)

O Pacto Andino impulsionou a economia trazendo benefiacutecios para os paiacuteses

signataacuterios18

No entanto o crescimento econocircmico da regiatildeo gradativamente foi perdendo a

sua forccedila O panorama que parecia favoraacutevel nos primeiros anos da deacutecada de 1970 em

relaccedilatildeo ao comeacutercio mundial foi afetado pela crise econocircmica que se alastrou pelo globo

atingindo direta e indiretamente os paiacuteses andinos no final da mesma deacutecada As crises

18

De acordo com Germaacutenico Salgado (1998 p 6) de 1971 a 1976 o Grupo Andino avanccedilou com o fim das

restriccedilotildees e dos encargos sobre o comeacutercio interno e com a adoccedilatildeo da tarifa externa miacutenima comum

repercutindo positivamente sobre o comeacutercio aumentando as exportaccedilotildees intrabloco de US$ 111 milhotildees em

1970 para US$ 613 milhotildees em 1976

41

subsequentes do petroacuteleo em 19731974 e em 19781979 fizeram com que paiacuteses petroliacuteferos

depositassem enormes quantias em bancos internacionais estes por sua vez viam nos

governos autoritaacuterios latino-americanos um negoacutecio altamente rentaacutevel e disponibilizaram

recursos a estes clientes com taxas de juros elevadas Deste modo os paiacuteses da Ameacuterica

Latina aumentaram significativamente a sua diacutevida externa sendo parte dos gastos destinados

a grandes obras de infraestrutura (MOREIRA et all 2010 p259)

O colapso econocircmico da deacutecada de 1970 refletiu-se numa gradual reduccedilatildeo de creacuteditos

e das ajudas financeiras por parte dos paiacuteses mais desenvolvidos para os menos

desenvolvidos tornando premente a necessidade de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da Ameacuterica

Latina A finalidade da integraccedilatildeo nesse contexto era conseguir um desenvolvimento mais

autocircnomo entre os paiacuteses que compartilhavam problemas comuns e a cooperaccedilatildeo poliacutetica e

econocircmica era um meio para se atingir esta meta Mas o processo de integraccedilatildeo passou por

um periacuteodo de difiacutecil sustentaccedilatildeo pois a crise econocircmica natildeo deixou alternativa para os

governos andinos a natildeo ser adotar medidas protecionistas que se chocaram frontalmente com

o Programa de Liberaccedilatildeo deixando-o em segundo plano

Cada naccedilatildeo que integrava o Pacto Andino tinha os seus interesses particulares O

processo de integraccedilatildeo foi mais vantajoso para uns do que para outros Apoacutes uma deacutecada o

Acordo de Cartagena natildeo conseguiu lograr os ecircxitos almejados incorrendo nos mesmos

problemas de distribuiccedilatildeo econocircmica da ALALC e da ausecircncia da sociedade civil na

participaccedilatildeo desse processo Esse e outros problemas como as questotildees de conjuntura

domeacutestica ligadas ao governo do General Pinochet fizeram com que o Chile deixasse o bloco

em 1976 Segundo Salgado (1998) o golpe militar de 1973 no Chile mudou por completo as

teses poliacuteticas do governo chileno e essa mudanccedila ficou evidenciada desde 1974 com o

fortalecimento do neoliberalismo no paiacutes

Aleacutem dos problemas econocircmicos regionais e poliacuteticos domeacutesticos havia uma

desconfianccedila entre os paiacuteses membros do Pacto Andino em relaccedilatildeo agraves disputas fronteiriccedilas

claacutessicas A Guerra do Paciacutefico que envolveu Boliacutevia Chile e Peru fez com que a Boliacutevia

perdesse a sua saiacuteda para o mar e desde o seacuteculo XIX permaneceu sem soluccedilatildeo A Boliacutevia natildeo

se conformou com a sua condiccedilatildeo mediterracircnea e procurou negociar com o Chile inuacutemeras

42

vezes O conflito fronteiriccedilo entre estes trecircs paiacuteses se arrasta sem soluccedilatildeo definitiva ateacute os dias

coevos19

Segundo Lucas Prado (1997) outro obstaacuteculo que ocorreu na primeira deacutecada de

funcionamento do Pacto Andino foi a crenccedila de que seria necessaacuterio apenas a implementaccedilatildeo

de uma tarifa externa comum na regiatildeo e equilibrar as economias nacionais sem considerar os

ajustes miacutenimos para harmonizar as poliacuteticas agraacuterias uma coordenaccedilatildeo maior dos

instrumentos tarifaacuterios como os sistemas de franquias direitos aduaneiros controles

administrativos entre outros seriam suficientes para erigir uma uniatildeo aduaneira entre os

paiacuteses andinos Sem os ajustes necessaacuterios a tarifa externa comum natildeo se tornaria uma

realidade efetiva incapaz de orientaccedilatildeo e alocaccedilatildeo dos recursos econocircmicos

O investimento estrangeiro contribuiu para os baixos resultados econocircmicos do Pacto

Andino No ano de 1971 entrou em vigor a Decisatildeo 2420

elaborada em dezembro de 1970 a

qual implementou um regime comum para os capitais estrangeiros no que concerne agraves

patentes licenccedilas marcas e royalties A Decisatildeo 24 pretendia fomentar o desenvolvimento da

induacutestria andina buscando converter paulatinamente as empresas estrangeiras em empresas

nacionais ou mistas e impedir que as induacutestrias transnacionais suplantassem as induacutestrias da

regiatildeo

O processo de integraccedilatildeo eacute por natureza supranacional o que implica produzir para

mercados que natildeo se restringem a um Estado-naccedilatildeo Todos querem obter lucros e benefiacutecios

inclusive as grandes empresas Todavia as medidas para proteger os mercados internos natildeo

foram bem recebidas pelos os empresaacuterios da regiatildeo ndash principalmente nos paiacuteses em que eles

tecircm uma forte presenccedila poliacutetico-econocircmica como satildeo os casos de Colocircmbia e Chile ndash que se

uniram aos empresaacuterios das transnacionais e se posicionaram contra estas medidas pois natildeo

aceitavam de bom grado que fossem criadas leis que contrariassem os seus interesses

(ROMERO 2008)

Segundo Luis E T Vidal (2013) apoacutes a saiacuteda do Chile os paiacuteses que permaneceram

no Grupo Andino assinaram em 30 de outubro de 1976 um Protocolo Adicional para

postergar em trecircs anos o prazo para vigorar o Programa de Liberaccedilatildeo e a tarifa externa

19

Para maiores informaccedilotildees sobre o conflito territorial entre Boliacutevia Chile e Peru bem como de outros conflitos

fronteiriccedilos na Ameacuterica Latina no seacuteculo XX consulte DOMIacuteNGUEZ Jorge (org) Conflictos territoriales y

democracia en Ameacuterica Latina Buenos Aires Siglo XXI Editores Argentina Flacso 2003 20

Nesse momento a Venezuela natildeo tinha firmado o Acordo de Cartagena mas a Boliacutevia jaacute fazia parte A

Colocircmbia demorou um pouco mais para implementaacute-la devido a problemas legais de ordem interna apenas em

1973 a Decisatildeo 24 foi aplicada plenamente por todos os paiacuteses membros (TIRONI 1977 p13)

43

comum conforme foi protocolado no Artigo 1ordm do referido documento As instituiccedilotildees

andinas comeccedilaram a ser criadas durante a deacutecada de 1970 com o desdobramento da

integraccedilatildeo foram se constituindo novas instituiccedilotildees que buscavam abarcar os niacuteveis

econocircmicos poliacuteticos e fiacutesicos21

Algumas destas instituiccedilotildees satildeo o Fundo Andino de

Reservas criado em 1976 o Tribunal de Justiccedila do Acordo de Cartagena o Parlamento

Andino22

e o Conselho Andino de Chanceleres Todos foram instituiacutedos em 1979 (CAN

1998)

b) Deacutecada de 1980 Estagnaccedilatildeo e Reformulaccedilatildeo do Grupo Andino

Na passagem da deacutecada de 1970 para 1980 ocorreu uma consolidaccedilatildeo institucional

com a criaccedilatildeo do Conselho Andino de Ministros de Assuntos Externos do Parlamento

Andino e da Tribuna Andina de Justiccedila (CAN 1998) Segundo Salgado (1998) no periacuteodo de

1976 a 1982 ocorreu uma dinamizaccedilatildeo maior do processo integracionista andino entretanto

no comeccedilo da deacutecada de 1980 este mesmo dinamismo se repetiu devido agraves consequecircncias da

crise da diacutevida externa que afetou as balanccedilas de pagamentos dos paiacuteses da regiatildeo andina e de

toda Ameacuterica Latina Segundo a Comunidade Andina (1998) os anos oitenta foram

infrutiacuteferos para o desenvolvimento pleno da integraccedilatildeo devido agrave estagnaccedilatildeo e o retrocesso

que ocorreram na regiatildeo pois a ldquodeacutecada perdida do desenvolvimento latino-americano foi

tambeacutem a deacutecada perdida da integraccedilatildeo andinardquo (CAN 1988)

No iniacutecio dos anos de 1980 a Venezuela passou por uma crise que afetou as relaccedilotildees

econocircmicas bilaterais com a Colocircmbia nos anos de 1982 e 1983 A integraccedilatildeo andina natildeo

apresentava muitos avanccedilos no plano comercial e nos fluxos de capitais deixando as relaccedilotildees

econocircmicas binacionais volaacuteteis as inconstacircncias das conjunturas econocircmicas de cada paiacutes

influiacuteam diretamente nos seus vizinhos Aleacutem da crise das relaccedilotildees bilaterais entre Colocircmbia

e Venezuela ocorreu o golpe de estado na Boliacutevia em 17 de julho de 1980 promovido por

Garciacutea Mesa que resultou numa suspensatildeo temporaacuteria do paiacutes nas negociaccedilotildees do Grupo

Andino Tambeacutem no comeccedilo dessa deacutecada ocorreu o conflito fronteiriccedilo entre Equador e

21

A primeira reuniatildeo sobre integraccedilatildeo fiacutesica aconteceu entre os dias 9 e 14 de dezembro de 1995 onde foi

aprovada a Decisatildeo 94 para criaccedilatildeo do Sistema Troncal Andino de Carreteras esta iniciativa contemplava

apenas os transportes terrestres (CAN 1975) 22

Em 19 de setembro de 2013 os Ministros de Relaccedilotildees Exteriores de Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

acordaram dissolver o Parlamento Andino (oacutergatildeo consultivo e deliberativo que natildeo tinha decisotildees vinculantes)

as justificativas apresentadas giraram entorno de duas questotildees a primeira eacute o alto custo para mantecirc-lo o

presidente colombiano Juan Manuel Santos declarou que o seu paiacutes gasta cerca de $35 milhotildees anuais para

manter o parlamento funcionando A segunda questatildeo estaacute relacionada ao avanccedilo do processo de integraccedilatildeo da

Unasul pois natildeo haveria necessidade de manter o Parlamento Andino tendo em vista a futura criaccedilatildeo de um

parlamento sul-americano (EL ESPECTADOR 2013)

44

Peru deflagrado em janeiro de 1981 na encosta leste da Cordilheira do Condor Por essas

razotildees entre outras as exportaccedilotildees intragrupo perderam dinamismo em 1980 e 1981 o que

levou a sua queda no ano subsequente

Conforme analisa Salgado (1998 p8) esses fatos foram um ldquopreluacutediordquo para o que

viria acontecer em 1983 com a eclosatildeo e proliferaccedilatildeo da crise da diacutevida externa iniciada com

as crises dos anos de 1970 dando lugar a uma tendecircncia negativa As exportaccedilotildees intrabloco

em 1983 caiacuteram cerca de 363 em relaccedilatildeo ao ano de 1982 e sofreram uma queda ainda

maior se compararmos com as taxas de 1986 cerca de 445 em relaccedilatildeo agrave 1982 Segundo

Salgado (1998) este iacutendice foi o mais baixo registrado em toda deacutecada de 1980 Entre 1982 e

1986 foi um periacuteodo de estagnaccedilatildeo em decorrecircncia da crise da diacutevida externa que afetou os

preccedilos de importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo Os paiacuteses andinos para conter os efeitos da crise

empregaram medidas para reduzir as importaccedilotildees e o consumo per capita o que levou agrave

desvalorizaccedilatildeo das moedas Todos os processos de integraccedilatildeo na Ameacuterica em curso nesse

contexto sofreram os seus efeitos negativos sobre as balanccedilas de pagamentos23

O autor frisa

que se comparado com os paiacuteses centro-americanos o Grupo Andino foi o menos atingido

pela crise mas isto natildeo significou que a crise natildeo tenha sido grave pois o bloco permaneceu

paralisado ateacute 1987 ano em que foi subescrito o Protocolo de Quito

O Acordo de Cartagena foi substituiacutedo em 1987 pelo Protocolo de Quito que entrou

em vigor no ano seguinte dando um novo impulso para a consolidaccedilatildeo do Grupo Andino e do

fortalecimento de suas bases poliacuteticas que se seguiram no mesmo ano com a Declaraccedilatildeo de

Caracas o Manifesto de Cartagena e as reuniotildees presidenciais de Galaacutepagos em 1989 e

depois com as reuniotildees de La Paz e Machu Pichu (Primeira reuniatildeo do conselho presidencial

andino) em 1990 e Caracas em 1991 O Protocolo de Quito procurava fazer uma ldquoabordagem

realistardquo24

sobre o que poderia ser feito nesse momento para alavancar o processo de

integraccedilatildeo segundo a Comunidade Andina ldquoesse realismo se traduziu na flexibilizaccedilatildeo das

novas disposiccedilotildees e na ampliaccedilatildeo do espectro de opccedilotildees de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeordquo (CAN

23

Para um estudo mais aprofundado da crise da diacutevida externa nos paiacuteses andinos e de seus efeitos econocircmicos

poliacuteticos e sociais consulte SOLIMANO Andreacutes (Ed) Political crises social Conflict and economic

development the political economy of the Andean Region Cheltenham-UKNorthampton-USA Edward Elgar

Publishing 2005 24

O ldquorealismordquo o qual se refere o Protocolo de Quito pode ser traduzido como ldquopragmatismordquo ou seja paiacuteses

do Grupo Andino natildeo deveriam se guiar por uma ideologia deveriam procurar flexibilizar assuas poliacuteticas

externa bem como o projeto de integraccedilatildeo andina para se adaptarem agrave ldquorealidaderdquo da conjuntura internacional

Portanto o ldquorealismordquo andino natildeo tem relaccedilatildeo alguma com as teorias realistas ou neorrealistas das relaccedilotildees

internacionais

45

1998 p 19) Aqui pode-se observar uma mudanccedila no discurso integracionista Essa

ldquoabordagem realistardquo equivale a dizer que o Grupo Andino iria se ajustar agraves exigecircncias e

transformaccedilotildees do cenaacuterio internacional ou seja a integraccedilatildeo andina ficaria agrave mercecirc das

relaccedilotildees internacionais o crescimento das economias nacionais e da regiatildeo poderia ser

alcanccedilado com a inserccedilatildeo internacional dos paiacuteses andinos deixando em segundo plano o

ideaacuterio nacionalista de desenvolvimentismo industrial voltado para interior do proacuteprio Estado

Inicialmente tratava-se de adaptar o Grupo Andino agraves novas tendecircncias mundiais de

modernizaccedilatildeo e internacionalizaccedilatildeo das economias vias pelas quais a Ameacuterica Latina natildeo

poderia se eximir Essa adesatildeo agraves mudanccedilas macroeconocircmicas demonstrava o interesse dos

paiacuteses andinos em continuar promovendo a integraccedilatildeo a despeito da corrosatildeo econocircmica e

juriacutedica ocorridas no curso do processo de integraccedilatildeo

As reuniotildees entre os presidentes da regiatildeo que ocorreram em Galaacutepagos em 1989

foram importantes para a elaboraccedilatildeo de uma estrateacutegia renovada para revigorar a integraccedilatildeo

andina e orientar sua constituiccedilatildeo na deacutecada seguinte Segundo Alfredo Fuentes Fernaacutendez

(2008) o contexto era caracterizado pela deterioraccedilatildeo dos termos de trocas esgotamento das

fontes de financiamento protecionismo dos paiacuteses industrializados e adequaccedilatildeo das poliacuteticas

econocircmicas internas o que foi altamente dispendioso para as economias do arco andino A

estrateacutegia encontrada pelas naccedilotildees andinas para driblar estes fatores foi a criaccedilatildeo de um

mercado regional que contribuiu para a diversificaccedilatildeo de exportaccedilotildees de bens industriais e

tecnoloacutegicos e para que se configurasse uma plataforma de aprendizagem e competitividade

A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi um divisor de aacuteguas do processo de integraccedilatildeo O

desenvolvimento do bloco andino no decorrer dos anos 1980 (preacute-Galaacutepagos) foi

caracterizado principalmente pela estagnaccedilatildeo como resultado dos desdobramentos da crise

internacional dos anos 1970 e da crise da diacutevida externa A fase que sucedeu a Declaraccedilatildeo de

Galaacutepagos foi de transiccedilatildeo A construccedilatildeo de novas estrateacutegias para impulsionar ampliar e

aprofundar o processo de integraccedilatildeo nos anos 1990 ganhou forccedila a partir deste momento

c) Deacutecada de 1990 A Criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e o Novo Desenho

Estrateacutegico de Integraccedilatildeo

Desde o final da deacutecada de 1980 a regiatildeo ingressou numa nova fase de integraccedilatildeo Os

anos de 1990 foram marcados pela renovaccedilatildeo do modelo integracionista do Pacto Andino em

decorrecircncia das modificaccedilotildees nas estrateacutegias de desenvolvimento para superar as crises do

baixo crescimento da diacutevida externa e da atrofia das economias da regiatildeo Entre as principais

46

mudanccedilas operadas no interior do bloco andino estava a aprovaccedilatildeo no ano de 1992 de uma

medida que tinha por meta a formaccedilatildeo de uma zona de livre comeacutercio que se efetivou com a

circulaccedilatildeo sem restriccedilatildeo e encargos sobre as mercadorias Outros temas natildeo necessariamente

novos foram incorporados agrave nova agenda de integraccedilatildeo andina tais como tarifa externa

comum investimento estrangeiro ajustamento das poliacuteticas econocircmicas propriedade

intelectual desenvolvimento da agropecuaacuteria integraccedilatildeo fiacutesica

No contexto internacional o ldquoConsenso de Washingtonrdquo seria determinante para as

reformas dos modelos econocircmicos dos paiacuteses latino-americanos que se seguiram a partir de

entatildeo e orientariam as mudanccedilas em mateacuteria econocircmica comercial e fiscal nos acircmbitos

nacional regional e internacional Aleacutem disso em 27 de junho de 1990 o governo

estadunidense de George H W Bush lanccedilou a ldquoIniciativa para as Ameacutericasrdquo cujo propoacutesito

era estabelecer novas regras comerciais para os paiacuteses do continente americano para criaccedilatildeo

de uma zona hemisfeacuterica de livre comeacutercio assim como mobilizar a construccedilatildeo de uma

ldquoidentidade hemisfeacutericardquo no continente americano

A Iniciativa para as Ameacutericas se insere dentro do projeto dos EUA de construccedilatildeo de

relaccedilotildees com os paiacuteses latino-americanos e caribenhos sobre bases que favoreccedilam os fatores

econocircmicos tais como o comeacutercio a diacutevida e o investimento sob a eacutegide da projeccedilatildeo

hegemocircnica dos Estados Unidos na regiatildeo a qual seria caracterizada pela economia e

comeacutercio em escala hemisfeacuterica

Em 28 de julho de 1990 foi realizada em Lima a Segunda Reuniatildeo do Conselho

Presidencial sob o comando do presidente Alberto Fujimori na qual o primeiro tema debatido

foi a Iniciativa Para as Ameacutericas Na reuniatildeo os mandataacuterios andinos demonstraram interesse

em aderir ao projeto hemisfeacuterico norte-americano e expressaram suas intenccedilotildees no

Documento da Reuniatildeo de Lima da seguinte forma

Na cidade de Santafeacute de Bogotaacute foi realizada em 7 de agosto de 1990 uma nova

reuniatildeo para analisar a iniciativa proposta por Bush e os paiacuteses signataacuterios do Pacto Andino

redigiram com bastante entusiasmo a Declaraccedilatildeo Andina sobre a Iniciativa para as Ameacutericas

na qual registraram o interesse em fazer parte dessa proposta e em se reunir com o governo de

Washington para discutir detalhadamente os termos do novo projeto hemisfeacuterico para as

relaccedilotildees econocircmicas e comerciais com os EUA

47

A ecircnfase dada pelos paiacuteses da regiatildeo andina ao comeacutercio proporcionou resultados

expressivos intrabloco em princiacutepios da deacutecada de 1990 o que propiciou o surgimento de uma

zona de livre comeacutercio inaugurada em 1992 entre os membros do bloco andino que no

entanto natildeo foi bem sucedida devido aos problemas ligados agraves dissonacircncias no que diz

respeito aos objetivos comerciais e aos problemas domeacutesticos dos paiacuteses A instituiccedilatildeo de

uma tarifa externa comum natildeo obteve os resultados esperados pois natildeo havia concordacircncia

quanto agrave sua estrutura Ateacute o comeccedilo do ano de 1993 soacute havia um acordo tarifaacuterio bilateral

entre Colocircmbia e Venezuela Os problemas internos do Peru fizeram com que o presidente

Alberto Fujimori deixasse de participar dos acordos de livre comeacutercio andino o que gerou um

mal estar com os paiacuteses da regiatildeo Em 31 de janeiro de 1993 entrou em pleno funcionamento

a zona de livre comeacutercio para quatro paiacuteses membros do bloco andino e em 11 de Abril de

1994 foram aprovadas as condiccedilotildees ndash dividindo-a em trecircs etapas e soacute terminaria em 30 de

junho de 1995 ndash pelas quais o Peru voltaria a participar plenamente da zona de livre comeacutercio

(CAN 1998)

Para sobrepujar esses problemas os Estados integrantes do Grupo Andino adotaram

uma nova tarifa externa comum em 1995 visando agrave consolidaccedilatildeo de uma uniatildeo aduaneira No

dia 5 de setembro do mesmo ano a VII Reuniatildeo do Conselho Presidencial aprovou um ldquoNovo

Desenho Estrateacutegicordquo da integraccedilatildeo andina adaptando-a para responder as ldquomudanccedilas e

dinacircmicas circunstanciais das atuais relaccedilotildees internacionaisrdquo (CAN 1998 p31)

De acordo com a CAN (1998) para os paiacuteses andinos alcanccedilarem os objetivos

traccedilados neste desenho estrateacutegico foram estabelecidas trecircs linhas de accedilatildeo A primeira eacute o

aperfeiccediloamento do espaccedilo econocircmico andino e a liberalizaccedilatildeo dos serviccedilos A segunda eacute o

aumento e melhoria da projeccedilatildeo externa do bloco a partir do modelo aberto de integraccedilatildeo

capaz de se adaptar ao contexto internacional e hemisfeacuterico cada vez mais interdependente

Esta segunda linha de accedilatildeo pretendia aprofundar a integraccedilatildeo com os paiacuteses de seu entorno

estrateacutegico como o Panamaacute o Mercosul25

e a Associaccedilatildeo dos Estados do Caribe (AEC) A

terceira eacute desenvolver uma agenda social mais ampla que vise o bem estar da populaccedilatildeo e

aumentar a participaccedilatildeo popular Nessa deacutecada a concepccedilatildeo integracionista nos Andes passou

por transformaccedilotildees e o processo de integraccedilatildeo se amplificou para penetrar em novos campos

como eacute o caso da agenda social e de seguranccedila

25

A Boliacutevia se tornou o primeiro paiacutes do Grupo Andino a se associar ao Mercosul em 1996 o Chile se tornou

membro associado no mesmo ano poreacutem natildeo pertencia mais ao bloco andino

48

No ano de 1996 a integraccedilatildeo andina passa por uma reestruturaccedilatildeo institucional

apresentando crescimento da necessidade de reformar o Acordo de Cartagena para ajustaacute-lo agraves

transformaccedilotildees recentes da conjuntura internacional O Conselho Presidencial aprovou em 10

de marccedilo do mesmo ano o Protocolo modificador do Acordo de Cartagena conhecido como

Protocolo de Trujillo que institui a criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN)

A Comunidade Andina foi inspirada na Declaraccedilatildeo de Bogotaacute (1978) e surgiu como

resultado dos esforccedilos dos governos de Boliacutevia Colocircmbia Equador Peru e Venezuela para

tornar mais soacutelida a uniatildeo entre os paiacuteses e criar os alicerces para formaccedilatildeo de uma

comunidade sub-regional A CAN era constituiacuteda no iniacutecio pelos cinco Estados soberanos e

pelas instituiccedilotildees e organismos do Sistema Andino de Integraccedilatildeo (SAI) e suas caracteriacutesticas

iniciais eram de uma Uniatildeo Aduaneira e Econocircmica com o objetivo de limitar a penetraccedilatildeo

de capital estrangeiro A partir de primeiro de agosto de 1997 quando entrou em vigecircncia o

Protocolo de Trujillo a Comunidade Andina adotou uma gestatildeo pautada na hierarquia

governamental com a criaccedilatildeo da figura da Secretaria Geral da CAN que substituiu a Junta de

trecircs ministros O bloco comeccedilou a exercer suas funccedilotildees com uma Secretaria Geral sediada em

Lima aleacutem disso foi instituiacutedo o Conselho de Presidentes e de Ministros de Relaccedilotildees

Exteriores como oacutergatildeos de diretrizes poliacuteticas do bloco bem como o papel normativo de uma

Comissatildeo formada por Ministros de Comeacutercio e Setoriais (LOacutePEZ CONTRERAS

POLANCO 2010)

Segundo Andreacutes Malamud (2003) os sucessos recentes da CAN devem ser

creditados ao Conselho Presidencial Andino pois este ator institucional foi responsaacutevel por

impulsionar novamente o processo de integraccedilatildeo poacutes-1989 e a crise que abateu a sub-

regiatildeo coincidiu com os anos os quais natildeo ocorreu reuniatildeo do Conselho Presidencial

(1991-1994) As instituiccedilotildees e a lideranccedila satildeo peccedilas-chave na integraccedilatildeo mas no caso

andino os chefes do executivo desempenharam um papel fundamental para o processo de

integraccedilatildeo andino O que Malamud chamou de ldquopresidencialismo concentradorrdquo pode ter

sido um dos fatores propulsores da integraccedilatildeo sul-americana

De acordo com Cabral (2010 p 08) a CAN procurou criar instituiccedilotildees deliberativas e

decisoacuterias com uma crescente participaccedilatildeo da sociedade civil tendo em vista o modelo

europeu aleacutem disso os paiacuteses andinos do bloco tambeacutem buscaram aprofundar as relaccedilotildees

comerciais entre si estimulando ldquoo desenvolvimento econocircmico a competitividade a

integraccedilatildeo da infraestrutura e a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica externa comumrdquo procurando

49

tambeacutem incorporar outros elementos para agenda andina como ldquoa discussatildeo de medidas de

caraacuteter de inclusatildeo social a luta contra as drogas o fortalecimento da democracia defesa dos

direitos humanosrdquo e o meio ambiente Essa incorporaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais

tambeacutem incorreu na abertura da agenda de seguranccedila para novos temas objetivando

estabelecer a zona de paz na regiatildeo andina

A supranacionalidade fixada pelo acordo de integraccedilatildeo transfere determinadas

prerrogativas para os organismos comunitaacuterios Uma vez que as normas satildeo aprovadas

elas tecircm aplicaccedilatildeo imediata sobrepondo-se agraves normas internas dos paiacuteses pertencentes ao

bloco A supranacionalidade da CAN entra em rota de colisatildeo com a soberania nacional e

faz transparecer diversos entraves e desafios para as instituiccedilotildees andinas A combinaccedilatildeo

entre intergovernamentalismo e supranacionalidade26

ndash que tambeacutem eacute denominada de

ldquoinstitucionalismo intergovernamentalrdquo27

ndash como ocorre na Uniatildeo Europeia natildeo se

processa do mesmo modo na Comunidade Andina Segundo Andreacutes Serbin (2010) para

entendermos a natildeo efetividade da supranacionalidade nos blocos regionais da Ameacuterica do

Sul temos que compreender o processo da consolidaccedilatildeo das soberanias nacionais desde as

lutas pela independecircncia no seacuteculo XIX que ocorreram na regiatildeo

Como salientou Arroye-Quintero (2008) a supranacionalidade desmedida gerou

conflitos no momento de sua implementaccedilatildeo como eacute o caso do Tribunal Andino de

Justiccedila cujas sanccedilotildees tomadas em seu acircmbito se sobrepotildeem ao poder judiciaacuterio nacional O

choque entre soberania e o modelo supranacional da CAN se tornou um obstaacuteculo para

aprofundamento da integraccedilatildeo intrabloco para os proacuteprios Estados que o consolidou

Aleacutem disso conforme aponta Carlos A Romero (2008) a CAN estaacute passando por uma

crise institucional relacionada agrave desarmonia entre os modelos de desenvolvimento econocircmico

26

Herz e Hoffman aponta que ldquoApesar de as organizaccedilotildees de integraccedilatildeo regional serem criadas por governos de

Estados e nesse sentido poderem ser classificadas como intergovernamentais seu formato juriacutedico

institucional pode ser a supranacionalidade ou seja pode limitar o escopo da soberania dos Estados nas

atividades exercidas pela organizaccedilatildeordquo (HERZ HOFFMAN 2004 p 161) 27

Johannes Lindner e Berthold Rittberger assinalam que ldquoOutras teorias e abordagens que se propotildeem a

explicar a integraccedilatildeo europeacuteia sobretudo a partir do iniacutecio dos anos 90 abrem um novo debate dessa vez entre

o institucionalismo intergovernamental e o institucionalismo supranacional Ambas as vertentes enfatizam o

papel das instituiccedilotildees suas origens sua histoacuteria suas estruturas internas e sua dinacircmica para a compreensatildeo da

accedilatildeo humana Nesse contexto teoacuterico instituiccedilotildees satildeo regras e praacuteticas embebidas em estruturas de sentido e de

recursos Mudanccedilas na ordem poliacutetica envolvem natildeo apenas a reorganizaccedilatildeo e a realocaccedilatildeo de recursos mas

tambeacutem a reconceituaccedilatildeo e modificaccedilatildeo das expectativas preferecircncias aspiraccedilotildees mentalidades e identidades

Nesse movimento de transformaccedilatildeo lsquoinstituiccedilotildees importamrsquo independentemente do niacutevel em que estiverem

situadasrdquo (Lindner e Rittberger 2003 apud CAMARGO Sonia 2004 p 68-69) Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrscielophppid=S0102-85292004000100002ampscript=sci_arttextgt Acesso em 29 nov

2014

50

escolhidos pelos paiacuteses do bloco bem como as divergecircncias entre estes paiacuteses concernentes agrave

assinatura ou natildeo do Tratado de Livre Comeacutercio com os Estados Unidos e ldquopelos problemas

de seguranccedila derivados da tensatildeo geopoliacutetica entre Venezuela e a Colocircmbia a Colocircmbia e o

Equador e o Peru a Boliacutevia e o Chilerdquo (ROMERO 2008 p 57) Essas tensotildees geopoliacuteticas

foram agravadas quando se somaram aos conflitos territoriais interestatais tradicionais os

conflitos assimeacutetricos provocados pelo crime organizado transnacional mais especificamente

quando o traacutefico de drogas ganha o status de ameaccedila agrave seguranccedila e ao desenvolvimento dos

paiacuteses andinos como veremos no proacuteximo capiacutetulo

51

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOcircES

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais

A construccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes de controle e

luta contra as drogas consideradas iliacutecitas foram resultados de um longo processo que natildeo se

restringe apenas aos ditames de Washington mas tambeacutem abrange inuacutemeras variaacuteveis

histoacutericas poliacuteticas ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam

entrelaccedilando interesses que geraram o consenso sobre a ilegalidade de determinadas drogas

consideradas ldquoperigosasrdquo e ldquoameaccediladorasrdquo reputando a elas o caraacuteter de criminalidade e

mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional O traacutefico de drogas se constituiu

como um dos problemas mais expressivos no cenaacuterio da histoacuteria hodierna da Ameacuterica Latina

e sobretudo da sua relaccedilatildeo com os EUA O crime organizado transnacional expandiu e se

ramificou de modo expressivo nas uacuteltimas deacutecadas natildeo soacute na Ameacuterica Latina mas tambeacutem

em outros continentes ultrapassando as fronteiras nacionais de seus paiacuteses de origem

colocando desafios natildeo apenas para a seguranccedila dos Estados mas tambeacutem para sua

investigaccedilatildeo acadecircmica sobretudo na aacuterea das relaccedilotildees internacionais

As poliacuteticas e medidas de combate agraves drogas transbordaram do acircmbito nacional para o

regional e do regional para o internacional assim como ocorreu simultaneamente o processo

inverso As redes iliacutecitas do traacutefico de drogas acompanharam este movimento ensejando

novas organizaccedilotildees articulaccedilotildees estrateacutegias e produtos que trouxeram muacuteltiplas implicaccedilotildees

para os Estados e sociedades contemporacircneas sobretudo nos diferentes niacuteveis do campo da

seguranccedila De acordo com Thiago Rodrigues (2003)

A proibiccedilatildeo e o narcotraacutefico conformam espaccedilos de luta que se desenvolvem em

diversos planos de modo fluiacutedo e variado Trata-se ainda assim de uma guerra que

se mostra como um conjunto de embates que envolvem Estados empresas

narcotraficantes grupos armados e forccedilas sociais Natildeo eacute um conflito tradicional mas

uma infinidade de batalhas (RODRIGUES 2003 p 13)

Para investigarmos este conjunto complexo de embates eacute preciso antes de tudo

compreender os sistemas de significaccedilatildeo para rastrear a emergecircncia dos atores e as suas

associaccedilotildees e relaccedilotildees que produzem e reproduzem as redes iliacutecitas do traacutefico de drogas

52

Primeiro eacute necessaacuterio compreender que sob o apanaacutegio ldquodrogasrdquo estatildeo amalgamadas

inuacutemeras substacircncias que pertencem a diferentes categorias que podem ser classificadas por

criteacuterios distintos ndash seja pela sua composiccedilatildeo quiacutemica ou pelos seus efeitos ndash e que cumprem

diferentes papeacuteis socioculturais Todavia o governo colocou sob o roacutetulo de narcoacuteticos todas

as substacircncias quiacutemicas psicoativas consideradas ilegais Portanto todas as atividades que

envolvem a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo da cocaiacutena (estimulante) da maconha

(alucinoacutegeno) e da heroiacutena (narcoacutetico) e de outras substacircncias estigmatizadas como iliacutecitas

foram classificadas como narcotraacutefico pelos EUA e pelos regimes internacionais sobre o

tema

Esta classificaccedilatildeo das diferentes drogas como narcoacuteticos28

segue criteacuterios poliacuteticos

para legitimar a famigerada ldquoguerra agraves drogasrdquo Deste modo o termo ldquonarcotraacuteficordquo ndash

inventado em 1981 pelo governo de Ronald Reagan ndash eacute produto do discurso e do imaginaacuterio

social estadunidense que nos induz a compreender um fenocircmeno complexo apenas em termos

de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de drogas iliacutecitas equivocadamente rotuladas de

ldquonarcoacuteticosrdquo destarte esta compreensatildeo natildeo engloba as drogas ldquosocialmente aceitasrdquo como

legais as fabricadas pelos conglomerados farmacecircuticos e todo o processo e atores que estatildeo

relacionados com o traacutefico de ldquodrogas iliacutecitasrdquo A terminologia ldquonarcotraacuteficordquo eacute uma categoria

homogecircnea que pertence a uma concepccedilatildeo uniacutessona aplicada para explicar fenocircmenos

heterogecircneos e plurais Portanto o termo ldquonarcotraacuteficordquo eacute adstrito ao discurso e produccedilatildeo

simboacutelica do imaginaacuterio coletivo norte-americano sobre as vaacuterias atividades e praacuteticas

relacionadas ao traacutefico de drogas iliacutecitas e ao seu mercado ilegal

Natildeo obstante apoacutes as devidas observaccedilotildees podemos compreender o narcotraacutefico

como um complexo industrial-mercadoloacutegico que compreende grupos e organizaccedilotildees

criminosas nacionais transnacionais ou internacionais que se articulam em redes complexas

para produzir distribuir comercializar e controlar as rotas e fluxos das drogas iliacutecitas

Todavia preferimos utilizar ldquotraacutefico de drogasrdquo enquanto instrumento conceitual ao inveacutes de

ldquonarcotraacuteficordquo pelas seguintes questotildees 1) o conceito de traacutefico de drogas abrange todas as

drogas consideradas iliacutecitas ndash alucinoacutegenas apaziguadoras estimulantes ndash e natildeo apenas as

narcoacuteticas (ESCOHOTADO 2002 RODRIGUEZ 2003) 2) o conceito natildeo se restringe

apenas agraves organizaccedilotildees e grupos criminosos procura abranger todos os niacuteveis e escalotildees do

28

Basicamente as substacircncias narcoacuteticas ldquotecircm propriedades analgeacutesicas e anesteacutesicas provocam sono e torpor e

podem criar haacutebito ou adiccedilatildeordquo (RODRIGUES 2003 p 19)

53

complexo industrial-mercadoloacutegico das drogas Existem atores que frequentemente natildeo

pertencem ao crime organizado e estatildeo envolvidos direta e indiretamente no processo por

exemplo o camponecircs que eacute aliciado por estas organizaccedilotildees para cultivar coca o policial

corrupto o agente de fiscalizaccedilatildeo da alfacircndega os militares que fazem operaccedilotildees de combate

agraves drogas entre outros

Para abarcar os inuacutemeros atores envolvidos no traacutefico de drogas Pierre Kopp (1997)

utiliza o conceito de ldquofilotildees do traacuteficordquo o qual estaacute divido em trecircs niacuteveis a produccedilatildeo o traacutefico

internacional e a distribuiccedilatildeo final Segundo o autor ldquoo filatildeo assemelha-se a um funil duplo a

montante e a jusante do qual se encontram centenas de milhares de agentes ocupados na

produccedilatildeo e na distribuiccedilatildeo enquanto no meio o traacutefico internacional se acha concentrado nas

matildeos de um nuacutemero restrito de agentesrdquo (KOPP 1997 p 92) Kopp com base nos estudos de

Michel Schiray enumera que dentro dos filotildees existem seis categorias de atores populaccedilotildees

de pequenos cultivadores (autocircnomos ou controlados por grupos criminosos) algumas

grandes organizaccedilotildees criminosas mais ou menos estruturadas multidotildees de pequenos

traficantes intermediaacuterios organizados em pequena escala e mais ou menos independente

inuacutemeros ofertadores especializados nos serviccedilos auxiliares agraves duas categorias anteriores uma

ampla gama de agentes puacuteblicos e privados corrompidos pelas trecircs categorias anteriores uma

imensidatildeo de revendedores finais autocircnomos ou controlados por organizaccedilotildees criminosas

O conceito de filotildees do traacutefico de Kopp abrange uma infinidade de agentes que estatildeo

envolvidos no traacutefico de drogas e este nuacutemero pode ser ainda maior se natildeo limitarmos o

traacutefico de drogas apenas aos trecircs niacuteveis descritos pelo autor como por exemplo se incluirmos

a lavagem de dinheiro e o proacuteprio consumo de drogas pois ambos fazem parte da dinacircmica do

traacutefico de drogas O conceito de traacutefico de drogas abrange agentes natildeo-estatais e estatais pois

as instituiccedilotildees estatais de combate agraves drogas tambeacutem fazem parte da sua dinacircmica O traacutefico

de drogas natildeo eacute algo externo agrave sociedade dos indiviacuteduos ao contraacuterio ele emerge nos

interstiacutecios do proacuteprio tecido social

Conforme Michael Mann (1991) a sociedade se organiza em relaccedilotildees sociais de poder

que podem conformar variedades de redes institucionalizadas de poder social envolvendo os

campos ideoloacutegico econocircmico militar e poliacutetico bem como relaccedilotildees intersticiais natildeo

institucionalizadas Entretanto natildeo satildeo todos os agentes que se submetem ao poder social

institucionalizado para estabelecer relaccedilotildees e realizar os seus objetivos Agrave margem dos canais

institucionalizados de poder acontece a ldquoemergecircncia intersticialrdquo de novos processos entre os

54

poros da interaccedilatildeo social das redes institucionalizadas Sendo assim os agentes sociais criam

formas alternativas de atingir os seus objetivos constituindo novas redes ou mesmo

subvertendo expandindo eou modificando as jaacute existentes configurando redes sociais de

poder que podem disputar com as redes institucionalizadas ou cooptaacute-las Por exemplo as

organizaccedilotildees criminosas de Medelliacuten e Cali nas deacutecadas de 1980-90 das FARC e do Sendero

Luminoso da deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais guardadas as suas especificidades emergiram

nos interstiacutecios da sociedade confrontando subvertendo eou cooptando redes

institucionalizadas de poder dos Estados colombiano e peruano para operarem

As redes criminosas emergem nos interstiacutecios da sociedade poreacutem natildeo atuam apenas

na margem mas no proacuteprio tecido da ordem poliacutetica juriacutedica e social para conseguir atingir

os seus objetivos ou seja auferir lucros e acumular riqueza O traacutefico de drogas eacute composto

por muacuteltiplos processos (produccedilatildeo processamento investimento comercializaccedilatildeo transporte

consumo lavagem de dinheiro entre outros) que compreendem inuacutemeros intervenientes

direta e indiretamente os quais configuram uma teia complexa e plural de relaccedilotildees e

associaccedilotildees (camponeses cultivadores produtores motoristas pilotos mulas sicaacuterios

financiadores traficantes de drogas armas e precursores quiacutemicos lavadores de dinheiro

forccedilas de seguranccedila poliacuteticos corruptos paramilitares guerrilheiros entre outros)

De acordo com Marcelo Fabiaacuten Sain (2003) o crime organizado se constitui como um

empreendimento de caraacuteter econocircmico e de poder Para o autor a criminalidade organizada se

conforma em uma empresa que

[] supotildee a colaboraccedilatildeo entre um conjunto de pessoas que compartilham e

perseguem determinados objetivos criminais e protagonizam uma seacuterie de crimes

graves por um periacuteodo de tempo prolongado e indefinido usando alguma forma de

disciplina e controle interno assim como tambeacutem uma metodologia operativa em

que combinam em diferente medida certas formas de violecircncia e intimidaccedilatildeo com

modalidades diferentes de exerciacutecios de influecircncia sobre a poliacutetica a imprensa a

administraccedilatildeo puacuteblica e as autoridades judiciais e econocircmicas tudo em busca de

obter lucro eou poder (SAIN 2003 p 196-197 traduccedilatildeo nossa)

Em um estudo pioneiro sobre o traacutefico de drogas Luis F Sarmiento e Ciro

Krauthausen (1991) identificaram que os grupos narcotraficantes colombianos funcionavam

como empresas que para obterem lucro natildeo restringiam as suas atividades apenas ao

mercado ilegal da cocaiacutena mas tambeacutem investiam em setores rentaacuteveis da economia legal De

acordo com os autores ldquosatildeo as expectativas de mercado e as leis econocircmicas bem como os

meacutetodos para escapar dos controles do governo que determinam a ordem e a dinacircmica do

mercado ilegal de cocaiacutenardquo (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 222 traduccedilatildeo nossa)

55

Sarmiento e Krauthausen ao pesquisarem o mercado ilegal das drogas

problematizaram o ldquoconceitordquo de ldquocartelrdquo como instrumento de anaacutelise e a sua aplicabilidade

para compreender os grupos narcotraficantes colombianos Segundo o economista Paulo

Sandroni (1999) ldquocartelrdquo pode ser compreendido como

Grupo de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuaccedilatildeo

coordenada com vistas a interesses comuns O tipo mais frequumlente de cartel eacute o de

empresas que produzem artigos semelhantes de forma a constituir um monopoacutelio de

mercado [] Os objetivos mais comuns dos carteacuteis satildeo 1) controle do niacutevel de

produccedilatildeo e das condiccedilotildees de venda 2) fixaccedilatildeo e controle de preccedilos 3) controle das

fontes de mateacuteria-prima (cartel de compradores) 4) fixaccedilatildeo de margens de lucros e

divisatildeo de territoacuterios de operaccedilatildeo As empresas que formam um cartel mantecircm sua

independecircncia e individualidade mas devem respeitar as regras aceitas pelo grupo

como a divisatildeo do mercado e a manutenccedilatildeo dos preccedilos combinados (SANDRONI

1999 p 84)

Os ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali natildeo fizeram acordos mercadoloacutegicos para equipararem

preccedilos ou qualquer outro pacto desta natureza Os dois grupos se reuniram em alguns

momentos especiacuteficos mas sem pretensotildees de formar um ldquocartelrdquo como foi o caso da

formaccedilatildeo do MAS (movimento Muerte a Secuestradores) que tinha o objetivo de criar um

grupo armado financiado pelos capos de Medelliacuten e Cali para conter os sequestros praticados

pelo M-19 contra os seus familiares No entanto dissolveram o grupo logo que cessaram os

sequestros

De acordo com os autores o conceito de ldquocartelrdquo eacute reducionista e natildeo compreende a

dinacircmica do traacutefico de drogas trata-se mais de uma invenccedilatildeo por parte das autoridades

estadunidenses para se referirem agraves organizaccedilotildees que atuavam de forma unitaacuteria no traacutefico de

cocaiacutena do que para explicar a operacionalidade destes grupos Para substituir a ideia de

ldquocartelrdquo Sarmiento e Krauthausen dividem as organizaccedilotildees narcotraficantes e suas atividades

em dois setores Oligopolista e Competitivo O primeiro eacute composto por um seleto grupo de

traficantes de cocaiacutena que transformam a pasta base em cocaiacutena para exportaccedilatildeo e ficam com

a fatia mais lucrativa enquanto o segundo abrange

[] os extremos da cadeia da cocaiacutena de um lado se encontram os cultivadores

camponeses em sua maioria independente e os pequenos coletores e comerciantes

de pasta base Do outro lado se encontram situados os pequenos distribuidores e

vendedores de rua de cocaiacutena (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 30

traduccedilatildeo nossa)

Aleacutem destas diferenccedilas entre os dois setores apontados pelos autores haacute outro que

demarca bem a diferenccedila entre eles a mobilizaccedilatildeo de recursos O setor do oligopoacutelio ao

contraacuterio do competitivo tem poucos rivais e concorrentes devido ao grande volume de

56

recursos29

que precisa mobilizar para se manter funcionando principalmente os recursos

econocircmicos ndash para investir no negoacutecio ilegal e sustentar a sua estrutura abastecer o mercado

da cocaiacutena e corromper e subornar as forccedilas de seguranccedila e os poderes judiciaacuterios e poliacuteticos

ndash e os recursos da violecircncia ndash para intimidar extorquir se defender de possiacuteveis grupos rivais

e das forccedilas de coerccedilatildeo estatal e expandir e controlar os seus negoacutecios ndash ou seja natildeo satildeo

todos que possuem estes recursos e os que vierem a possuiacute-los precisaratildeo de cada vez mais

recursos para continuar existindo Contudo o setor competitivo eacute marcado por grande

concorrecircncia e disputa entre inuacutemeros e diferentes atores menores que natildeo detecircm os recursos

financeiros e coercitivos para poder se conservar dentro do circuito produtivo e comercial do

mercado ilegal o que faz deste setor mais violento do que o primeiro (SARMIENTO

KRAUTHAUSEN 1991 RODRIGUES 2003)

A emergecircncia intersticial de organizaccedilotildees sociais natildeo institucionalizadas abre espaccedilos

tambeacutem para o surgimento de redes de traacutefico de drogas e para que organizaccedilotildees criminosas

transterritoriais se articulem constituindo uma ldquointegraccedilatildeo paralelardquo (OLIVEIRA 2006) De

acordo com Fernando Oliveira

A accedilatildeo transnacional das redes narcotraficantes e a cooperaccedilatildeo com outras

organizaccedilotildees criminosas colaboram para formar a chamada integraccedilatildeo paralela na

Amazocircnia Continental A integraccedilatildeo paralela eacute a situaccedilatildeo onde negoacutecios iliacutecitos

sustentam de forma consistente e duradoura a circulaccedilatildeo de bens pessoas e financcedilas

atraveacutes de fronteiras nacionais (OLIVEIRA 2006 p 1)

A integraccedilatildeo paralela andino-amazocircnica ocorre simultaneamente ao processo de

integraccedilatildeo institucional da CAN articulando organizaccedilotildees criminosas relacionadas com as

atividades iliacutecitas transnacionais e transcontinentais As drogas figuram entre as principais

destas atividades Nathan Moram (2008) ao analisar as atividades do traacutefico de drogas tratou

de diferentes conexotildees entre grupos narcotraficantes que satildeo processos de integraccedilatildeo paralela

transcontinental do traacutefico de drogas O autor descreve que os grupos de traacutefico de drogas da

Colocircmbia desenvolveram laccedilos com os mexicanos agrave medida que desenvolviam relaccedilotildees com a

maacutefia siciliana e outras organizaccedilotildees criminosas internacionais na Europa Eles tambeacutem

comeccedilaram a estabelecer contatos na Europa Oriental e na Comunidade de Estados

Independentes (CEI) posteriormente na Aacutefrica30

e mais recentemente na Aacutesia sobretudo com

os chineses Ocasionalmente fazem trocas de cocaiacutena por heroiacutena aleacutem de fazerem acordos

29

Thiago Rodrigues (2003) a partir de Sarmiento e Krauthausen sintetiza em quatro os principais recursos

necessaacuterios para sobrevivecircncia de uma empresa do mercado ilegal das drogas a) recursos financeiros b)

recursos coercitivos c) recurso a serviccedilos fundamentais e d) recursos para evitar a repressatildeo 30

Conferir os Mapas 3 e 4 da seccedilatildeo anexos

57

com teacutecnicos e especialistas asiaacuteticos em agricultura para estudar a viabilidade do cultivo de

papoula nas montanhas andinas Conforme o autor o oacutepio heroiacutena cocaiacutena e metanfetamina

satildeo as principais drogas comercializadas no mercado iliacutecito internacional e cada uma delas

implica o envolvimento de diferentes atores

Na Colocircmbia por exemplo existem inuacutemeros atores envolvidos com o traacutefico de

drogas Depois do desmantelamento dos ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali na primeira metade dos

anos 1990 emergiram inuacutemeros novos atores com a fragmentaccedilatildeo da induacutestria ilegal das

drogas Em meados dos anos 1990 as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia ndash

Exeacutercito do Povo (FARC-EP ou FARC) ndash iniciaram as suas atividades no traacutefico de drogas

para suprir a perda de recursos financeiros apoacutes o colapso sovieacutetico e conseguir recursos

econocircmicos para financiar as suas atividades Anteriormente elas atuavam na proteccedilatildeo dos

cultivos de coca e depois passaram a controlar estas plantaccedilotildees aleacutem de controlarem parte das

rotas de traacutefico em Narintildeo Putumayo e Puerto Tumaco com as Frentes 16 e 48 O Exeacutercito

de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) eacute uma das guerrilhas mais antigas da Colocircmbia ao lado das

FARC e soacute comeccedilou a se articular com as redes do traacutefico de drogas no comeccedilo dos anos

2000 tendo aliado-se com Los Rastrojos no governo de Uribe As Autodefensas Unidas de

Colombia (AUC)31

foram criadas em 1996 e o seu nascimento coincidiu com a dissoluccedilatildeo dos

oligopoacutelios da cocaiacutena o que possibilitou que a organizaccedilatildeo ficasse com parte da produccedilatildeo de

drogas As AUC chegaram a contar com cerca de 30000 integrantes e a sua principal fonte

provedora eacute o traacutefico de drogas Entre os anos de 2003 e 2006 durante o mandato do

presidente Aacutelvaro Uribe comeccedilaram os diaacutelogos de acordo para desmobilizaccedilatildeo dos blocos

paramilitares da AUC Contudo natildeo foram todos os blocos que se desmobilizaram dando

origem agraves Bandas Criminales Emergentes (BACRIM) que se fragmentou numa infinidade de

grupos criminosos Los Rastrojos Los Urabentildeos Las Aacuteguilas Negras Los Machos Los

Paisas Exeacutercito Revolucionaacuterio Popular Anticomunista da Colocircmbia (ERPAC) Oficina de

Envigado (formado por ex-sicarios de Pablo Escobar tendo ganhado forccedila com a

desmobilizaccedilatildeo) entre inuacutemeros outros

Traacutefico de Drogas ldquonova ameaccedilardquo agrave seguranccedila

31

As AUC nasceram da Federaccedilatildeo de Grupos de Autodefesas que foi criada pelas Autodefesas Camponesas de

Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) estes grupos pertencem agrave segunda geraccedilatildeo de paramilitares que nasceram com os

PEPES (Perseguidos por Pablo Escobar) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpesinsightcrimeorgnoticias-sobre-

crimen-organizado-en-colombiaauc-perfilgt Acesso em 11 mar 2015

58

No novo contexto mundial dos anos 1990 analistas de seguranccedila e poliacuteticos ocidentais

colocaram em primeiro plano variados temas e problemas que passaram a representar

ldquoameaccedilasrdquo aos Estados contemporacircneos e agrave medida que tais questotildees ultrapassavam as

fronteiras territoriais e aumentavam de escala eram percebidas como ldquoameaccedilasrdquo agrave

estabilidade regional e internacional foram inseridas na insiacutegnia de ldquonovas ameaccedilasrdquo De

acordo com Ernesto Loacutepez (2003) muitas das chamadas ldquonovas ameaccedilasrdquo natildeo eram novas em

sua ldquonatureza intriacutensecardquo mas foram apresentadas como ldquonovidaderdquo a partir de uma mudanccedila

no contexto internacional Eram problemas que jaacute existiam no passado e natildeo eram tidos como

ameaccedila aos Estados e que foram considerados como tal no presente

As ldquonovas ameaccedilasrdquo estariam em oposiccedilatildeo agraves ldquoameaccedilas tradicionaisrdquo que emanam dos

Estados Desta forma todo o tema que for considerado ameaccedilador e natildeo tiver um Estado

como origem passa a ser definido como uma ldquoameaccedila natildeo tradicionalrdquo e portanto satildeo

consideradas pertencentes a quatro setores da seguranccedila seguranccedila poliacutetica ndash o terrorismo e

conflitos eacutetnicos ndash econocircmica ndash traacutefico de drogas e crime organizado transnacional ndash societal

ndash pobreza e os fluxos de refugiados irregulares ndash e ambiental ndash cataacutestrofes naturais O

conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo ao contraacuterio do que sustenta ainda permanece estadocecircntrico

ou seja ainda estaacute associado agrave soberania pois eacute a ela que as ldquoameaccedilas emergentesrdquo ameaccedilam

em uacuteltima instacircncia

Na Ameacuterica Latina segundo Mathias (2007) podemos destacar sete temas principais

que estatildeo sob o roacutetulo de ldquonovas ameaccedilasrdquo traacutefico de drogas traacutefico de armas degradaccedilatildeo do

meio-ambiente migraccedilotildees internacionais direitos humanos crime organizado e terrorismo

Estes temas agora incorporados nas agendas de seguranccedila colocaram novas problemaacuteticas

sobre como os Estados os percebem e como devem ser tratados

De acordo com Heacutector Luis Saint-Pierre ldquoa ameaccedila eacute essencialmente diferente do que

ela manifesta natildeo eacute ela que provoca o temor mas quem o anunciardquo (SAINT-PIERRE 2003

p 25 grifos do autor) A ameaccedila eacute relacional ela surge na relaccedilatildeo do ameaccedilado com o

ameaccedilador e se constitui sempre na e para uma percepccedilatildeo portanto ldquoa ameaccedila eacute uma

representaccedilatildeo um sinal uma certa disposiccedilatildeo gesto ou manifestaccedilatildeo percebida como

anuacutencio de uma situaccedilatildeo natildeo desejada ou de risco para a existecircncia de quem perceberdquo

(SAINT-PIERRE 2003 p 26 grifos do autor) Ao seguirmos os passos de Saint-Pierre

podemos considerar que as ldquonovas ameaccedilasrdquo em si mesmas natildeo se constituem como um

perigo pois o perigo estaacute fora de noacutes e a ameaccedila ao contraacuterio se constitui em noacutes ela existe

59

no sujeito ameaccedilado que pertence a uma dada sociedade e estaacute inserido em um determinado

tempo e espaccedilo As percepccedilotildees de ameaccedilas natildeo estatildeo mais presas agraves disputas e confrontos

interestatais tradicionais foram redirecionadas para fatores transnacionais cujos agentes natildeo

estatais tecircm proeminecircncia O conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo daacute margem para obscurecer a

distinccedilatildeo entre seguranccedila puacuteblica e seguranccedila internacional entre os papeacuteis da poliacutecia e das

forccedilas armadas

Com efeito foram implementadas estrateacutegias para combater controlar ou mitigar as

ldquonovas ameaccedilasrdquo que incidiram sobre os Estados do mundo todo do mesmo modo que

impulsionaram a emergecircncia de novos atores e dinacircmicas internacionais com variadas

implicaccedilotildees obrigando o uso de todos os meios por parte do Estado para defrontaacute-los O

traacutefico de drogas eacute um exemplo disto Loacutepez salienta que ldquonatildeo eacute incomum que o roacutetulo de

lsquonovas ameaccedilasrsquo seja utilizado com fins espuacuterios Natildeo satildeo poucos os que procuram com seu

auxiacutelio militarizar funccedilotildees de seguranccedila natildeo militares (ou natildeo militarizaacuteveis)rdquo (LOacutePEZ

2003 p 62) Neste sentido sobre o traacutefico de drogas Mathias adverte que ldquoa insistecircncia da

metroacutepole em tratar o tema como ameaccedila que exige tratamento militar e a aceitaccedilatildeo desta

definiccedilatildeo por parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina representa a subordinaccedilatildeo estrateacutegica destes

agravequelardquo (MATHIAS 2007 p88)

Desde a Guerra Fria os EUA exercem uma destacada influecircncia sobre o pensamento

estrateacutegico na regiatildeo andina No decurso do conflito bipolar tudo aquilo que era percebido

como ldquoameaccedilardquo por este paiacutes consequentemente acabou por ser percebido como ldquoameaccedilardquo

para o resto do continente americano quando na realidade o grau de ameaccedila para cada paiacutes

tinha um peso diferente como foi o caso do comunismo Este processo ocorreu de modo

semelhante no contexto poacutes-Guerra Fria Quando o pensamento estrateacutegico identificou ldquonovas

ameaccedilasrdquo ou ldquoameaccedilas emergentesrdquo os paiacuteses da regiatildeo andina imediatamente assimilaram o

discurso norte-americano sem a ponderaccedilatildeo necessaacuteria para avaliar o peso de tais ameaccedilas e

os problemas que daiacute poderiam advir O exemplo mais notaacutevel eacute a ldquoguerra agraves drogasrdquo O

ldquonarcotraacuteficordquo convertido em ldquoameaccedilardquo agrave seguranccedila foi utilizado como justificaccedilatildeo para

intervir unilateralmente nas poliacuteticas domeacutesticas dos paiacuteses andinos subordinando-as agrave loacutegica

hemisfeacuterica dentro da concepccedilatildeo de ldquomultidimensionalidaderdquo da seguranccedila a qual tambeacutem eacute

um instrumento de subordinaccedilatildeo estrateacutegica

60

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes

A intensificaccedilatildeo do proibicionismo e da luta antidrogas em escola global

A Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes assinada em 30 de marccedilo de 1961 em Nova

York32

contribuiu de modo significativo para revigorar a internacionalizaccedilatildeo do controle

sobre as drogas33

Essa convenccedilatildeo revogou todos os tradados acordos e convenccedilotildees

multilaterais anteriores para a criaccedilatildeo de uma convenccedilatildeo que unificasse estes dispositivos por

meio de um instrumento cujo objetivo principal era restringir a produccedilatildeo distribuiccedilatildeo posse

uso e comeacutercio de drogas entorpecentes unicamente para fins meacutedicos e cientiacuteficos aleacutem de

estabelecer uma cooperaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo internacional permanente para a sua consecuccedilatildeo

(UNITED NATIONS 1972) A prerrogativa legal de fiscalizaccedilatildeo internacional de

entorpecentes ficou sob a responsabilidade da ONU ndash conforme o Artigo 5 da convenccedilatildeo ndash

que contaria com o apoio de todos os paiacuteses membros Os oacutergatildeos internacionais de controle

criados anteriormente foram diluiacutedos e em seus lugares ficaram apenas dois organismo das

Naccedilotildees Unidas responsaacuteveis pela fiscalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo o Escritoacuterio das Naccedilotildees Unidas

sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime ndash UNODC) e a Junta

Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes (JIFE)

Segundo Bellen Boville (2004) a unificaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo de ordenamentos legais

e estrateacutegias de controle de drogas com efeito universalizaram uma sucessatildeo de

incongruecircncias ldquocientiacuteficas semacircnticas farmacoloacutegicas e legaisrdquo que geraram uma confusatildeo

generalizada de terminologias e conceitos no que concerne agraves drogas naturais e sinteacuteticas

bem como questotildees subjetivas acerca de haacutebitos e viacutecios de drogas Essas listas taxionocircmicas

demonstraram ser imprecisas ao definir os conceitos de ldquodroga narcoacutetico entorpecentes

psicotroacutepicos e viacuteciordquo mas natildeo eram desprovidas de sentido poliacutetico e econocircmico

A emergecircncia do discurso proibicionista de combate ao traacutefico de drogas iliacutecitas se

apresenta como um novo pretexto para conservar a subalternidade da Ameacuterica Latina e de

32

O protocolo modificador da Convenccedilatildeo cujo objetivo era ampliaacute-la e aperfeiccediloaacute-la foi assinado em Genebra

em 25 de marccedilo de 1972 33

O primeiro pais andino a promulgar leis especiais sobre drogas em resposta agraves propostas da Convenccedilatildeo Uacutenica

foi o Equador em 1970 com a instituiccedilatildeo da lei nordm 366 de Controle e Fiscalizaccedilatildeo do Traacutefico de

Estupefacientes e Substacircncias Psicotroacutepicas o Peru foi o segundo paiacutes andino em 1972 com a promulgaccedilatildeo

da lei nordm 19505 a Boliacutevia veio em seguida com o decreto nordm 11245 a Lei Nacional de Controle de

Substacircncias Perigosas depois veio a Colocircmbia com a aprovaccedilatildeo da Lei Sobre Entorpecentes no ano de 1974

(DEL OLMO 1990 p 44)

61

outros paiacuteses subdesenvolvidos do hemisfeacuterio sul e submetecirc-los agrave loacutegica poliacutetica econocircmica e

militar das grandes potecircncias mundiais principalmente dos Estados Unidos A Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes pretendeu criar um controle rigoroso sobre as drogas de origem

natural e a mateacuteria prima de vaacuterias outras drogas consideradas iliacutecitas o que incluiu a folha de

coca A pressatildeo para inclusatildeo da folha de coca na lista de restriccedilotildees ganhou forccedila apoacutes as

investigaccedilotildees da CND - Commission on Narcotic Drugs - na Boliacutevia e no Peru sobre a folha

de coca e a sua mastigaccedilatildeo bem como estudos sobre a limitaccedilatildeo da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de

cocaiacutena

No que tange agrave erradicaccedilatildeo da coca o item 2 do Artigo 26 da convenccedilatildeo prevecirc ldquoNa

medida do possiacutevel as Partes seratildeo obrigadas a arrancar as raiacutezes de todos os arbustos de coca

que crescem em estado silvestre e destruiratildeo os cultivados ilicitamenterdquo (UNITED

NATIONS 1972 p 14 traduccedilatildeo nossa) A letra ldquoerdquo do item 2 do Artigo 49 determina que ldquoa

mastigaccedilatildeo da folha de coca ficaraacute proibida dentro dos 25 anos seguintes a partir da entrada

em vigor da presente convenccedilatildeordquo (UNITED NATIONS 1972 p 24 traduccedilatildeo nossa) Para

Boville (2004)

Previsivelmente esses objetivos seriamente prejudicados a mentalidade

etnocecircntrica do tempo e a metodologia natildeo-cientiacutefica resultaram em um Relatoacuterio

que requeria a obliteraccedilatildeo completa das colheitas de folha de coca ateacute mesmo para o

consumidor tradicional que natildeo estava produzindo cocaiacutena As conclusotildees do estudo

foram adotadas pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) Suas decisotildees de 1952

e 1953 bem como as do Comitecirc de Peritos em Dependecircncia de Drogas foram

contra a folha de coca porque era lsquoviciantersquo Pouco tempo depois a Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes (1961) destacou a folha de coca tradicional como um

produto a ser erradicado dentro de 25 anos comeccedilando em 1964 Este eacute um

paradoxo pois a mesma Convenccedilatildeo abriu uma exceccedilatildeo para usos industriais de coca

sem cocaiacutena como o condimento na Coca-Cola atribuindo assim o uso legal e um

monopoacutelio mundial da folha de coca para a empresa multinacional dos Estados

Unidos atraveacutes do artigo 27 (BOVILLE 2004 p28 traduccedilatildeo nossa)

A proibiccedilatildeo da coca e sua erradicaccedilatildeo fizeram emergir a divergecircncia entre os Estados

Unidos e os paiacuteses andinos especialmente Boliacutevia e Peru O informe elaborado pela

Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

(ECOSOC) concluiu que a mastigaccedilatildeo de coca provocava efeitos negativos mas natildeo tinham

certeza de que poderia ser considerada uma toxicomania no entanto o Comitecirc de

Especialistas em Farmacodependecircncia da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) ldquoretirou este

argumento e classificou o consumo de coca como uma forma de cocainismordquo

(TRANSNATIONAL INSTITUTE 2011 traduccedilatildeo nossa) O informe da ECOSOC sofreu

criacuteticas severas sobre a sua arbitrariedade falhas na metodologia e imprecisatildeo mas

principalmente pelo seu caraacuteter racista O etnocentrismo ocidentalista conforme destacado

62

anteriormente por Belen Boville natildeo reconhecia os costumes e haacutebitos de culturas e

sociedades tradicionais dos Andes

A proibiccedilatildeo da mastigaccedilatildeo e cultivo da folha de coca fez com que Boliacutevia e Peru

rejeitassem os artigos que previam estas sanccedilotildees O primeiro paiacutes34

natildeo assinou de imediato a

convenccedilatildeo de 1961 e o segundo assinou no mesmo ano com ressalva aos artigos sobre a coca

mas soacute ratificou em 22 de julho de 1964 quando o governo peruano retirou a restriccedilatildeo

aderindo completamente agrave convenccedilatildeo (UNITED NATIONS 1961 UNITED NATIONS

1972) O governo boliviano de Victor Paz Estenssoro (1960-1964) inicialmente natildeo fez

comentaacuterios adicionais sobre os artigos os quais estabeleciam a erradicaccedilatildeo dos cultivos e

consumos de coca em vinte e cinco anos pois acreditava que o acullico35

era um ldquoatraso

culturalrdquo e com avanccedilo da modernizaccedilatildeo seria extinto Apesar de natildeo haver aderido agrave referida

convenccedilatildeo o presidente Entenssoro assinou com os EUA o Primeiro Convecircnio Antidrogas

entre os dois paiacuteses ldquopelo qual a Boliacutevia se comprometia a erradicar os cultivos excedentes de

folha de coca assentados tanto na regiatildeo dos Yungas de La Paz como na regiatildeo do Chapare

Tropical em Cochabambardquo (ZAMORA 1999 p 121) A Boliacutevia terminou o seu processo de

adesatildeo agrave Convenccedilatildeo Uacutenica a qual tipificava a folha de coca como droga iliacutecita em 13 de

junho de 1979 com a assinatura do Decreto Lei 16562 no governo do presidente Gen David

Padilla sob pressatildeo internacional que exigia normas nacionais mais riacutegidas contra as drogas

(LASERNA 2011)

Os anos 1960 representavam o comeccedilo de uma escalada do consumo de drogas e o

traacutefico emerge como empresa transgressora da lei Nos EUA em meados desta deacutecada ateacute os

anos de 1990 o consumo de drogas como heroiacutena cocaiacutena maconha LSD e crack se

massificou (DEL OLMO 1990) Segundo Thiago Rodrigues (2003) as substacircncias

psicoativas mais usadas nos anos 1960 eram a mescalina o LSD e a maconha esta uacuteltima

considerada droga-siacutembolo do movimento de transformaccedilatildeo cultural que ficou conhecido

como contracultura (dentro desta nomenclatura eram agrupados movimentos como o power

flower e o hippie) A disseminaccedilatildeo do uso de drogas na sociedade estadunidense era vista com

perplexidade aleacutem da sua extensatildeo o consumo natildeo era exclusivo dos guetos urbanos e nem

dos negros e ldquolatinosrdquo dos pobres e delinquentes mas tambeacutem eram consumidores jovens

34

A Boliacutevia assinou a Convenccedilatildeo sobre Substacircncias Psicotroacutepicas de Viena em 1971 e a ratificou em 20 de

marccedilo de 1985 (UNITED NATIONS 1971) 35

A palavra acullico (tambeacutem conhecida como acuyico acusi pjcheo ou mascada) deriva da liacutengua queacutechua

akullikui que significa a accedilatildeo de mascar a bola feita de folha de coca com intuito de reduzir os efeitos

provocados pela falta de oxigecircnio em grandes altitudes e tambeacutem atenuar a sede e a fome

63

brancos das camadas meacutedias da sociedade norte-americana Este periacuteodo marcado pela

ldquocontestaccedilatildeo dos padrotildees moraisrdquo impulsionada pela contracultura levou a uma reformulaccedilatildeo

das leis de drogas e do instrumento repressivo estatal no paiacutes36

(RODRIGUES 2003 p 40)

As pressotildees poliacuteticas sobre o problema das drogas ainda estavam atreladas agrave moral

meacutedico-religiosa representada pela luta entre o ldquobemrdquo e o ldquomalrdquo entre ldquosauacutederdquo e ldquodoenccedilardquo

Esta ldquodemonizaccedilatildeordquo das substacircncias psicoativas se arrasta desde o iniacutecio do movimento

proibicionista na primeira metade do seacuteculo XX O discurso juriacutedico sobre drogas que

ganhou forccedila nos anos de 1950 com a Lei Boggs e a Lei de Controle de Narcoacuteticos37

colaboraram para a construccedilatildeo de estereoacutetipos criminoloacutegicos racistas principalmente em

relaccedilatildeo ao pequeno traficante o revendedor de rua que seria identificado ldquodelinquenterdquo e

ldquocorruptorrdquo da juventude de ldquoboa famiacuteliardquo esta por sua vez seria tratada como ldquodoenterdquo e

viacutetima

[] Este indiviacuteduo geralmente provinha dos guetos razatildeo pela qual era faacutecil

qualificaacute-lo de lsquodelinquentersquo O consumidor em troca como era de condiccedilatildeo social

distinta seria qualificado de lsquodoentersquo graccedilas agrave difusatildeo do estereoacutetipo da

dependecircncia de acordo com o discurso meacutedico que apresentava o jaacute bem

consolidado modelo meacutedico-sanitaacuterio

Deste modo pode-se afirmar que na deacutecada de sessenta se observa um duplo

discurso sobre a droga que pode ser chamado de discurso meacutedico-juriacutedico por

tratar-se de um hiacutebrido dos modelos predominantes (o modelo meacutedico-sanitaacuterio e o

modelo eacutetico-juriacutedico) o qual serviria para estabelecer a ideologia da diferenciaccedilatildeo

tatildeo necessaacuteria para poder distinguir entre consumidor e traficante Quer dizer

entre doente e delinquente (DEL OLMO 1990 p 34 grifos da autora)

As campanhas de ldquolei e ordemrdquo foram ressaltadas no final da deacutecada de 1960 agraves

veacutesperas das eleiccedilotildees presidenciais quando diversas accedilotildees antidrogas foram empreendidas

como a criaccedilatildeo de novos escritoacuterios governamentais de controle de entorpecentes sendo o de

maior destaque o Bureau of Narcotics and Dangerous Drug (BNDD) que fazia parte do

36

De acordo com Thiago Rodrigues (2003) ldquoA eacutepoca das reformas no aparato repressivo estatal comeccedilou com a

criaccedilatildeo do Bureau of Drug Abuse Control (Escritoacuterio para Controle do Abuso de Drogas) em 1966 e que dois

anos depois foi fundido ao antigo FBN (Federal Bureau of Narctics) criando o Bureau of Narcotics and

Dangerous Drug (BNDD) ndash Escritoacuterio sobre Narcoacuteticos e Drogas Perigosas A agecircncia que chegou a contar

com cerca de 1300 funcionaacuterios representou um aumento na centralizaccedilatildeo das iniciativas de aplicaccedilatildeo das leis

antidrogas nos EUA e a permanecircncia da praacutetica de se construir alvo do proibicionismo por meio da aglutinaccedilatildeo

um tanto arbitraacuteria das substacircncias psicoativas ilegais em classificaccedilotildees geneacutericas e pouco precisas como

atesta o tendencioso nome atribuiacutedo ao escritoacuteriordquo (RODRIGUES 2003 p 40-41) 37

Nos EUA durante a deacutecada de 1950 foram aprovadas duas leis que imprimiram maior rigidez agrave luta

antidrogas em 1951 o Boggs Act e em 1956 o Narcotics Control Act Ambas aumentaram as sanccedilotildees para

traficantes que variavam de cinco a noventa e nove anos e pena de morte para traficantes que vendessem

entorpecentes para menores de idade A maconha passou a ser considerada tatildeo perigosa quanto a heroiacutena pois

a primeira seria porta de entrada para a segunda Os redatores e defensores da Lei Boggs defenderam a tese do

ldquostepping-stonerdquo ou seja uma droga mais fraca seria um degrau ou um trampolim para uma droga mais pesada

(SCHAFFER LIBRARY OF DRUG POLICY [20--])

64

Departamento de justiccedila A busca irrefreaacutevel para impor a todo custo a ldquolei e a ordemrdquo

corroborou para a construccedilatildeo do estereoacutetipo criminoloacutegico do traficante e a criminalizaccedilatildeo

das drogas Com a eleiccedilatildeo do presidente Richard M Nixon (1969-1974) as drogas se

transformariam em inimigo interno momento este em que ocorre a transiccedilatildeo do discurso

meacutedico-juriacutedico38

para o discurso securitaacuterio

O limiar da famigerada War on Drugs (guerra agraves drogas) aconteceu nas eleiccedilotildees dos

presidenciaacuteveis norte-americanos em 1968 quando a campanha de Nixon acentuou a

necessidade de restaurar a ldquolaw and orderrdquo nos EUA que incluiacutea a repressatildeo aos narcoacuteticos

A retoacuterica antidroga de Richard Nixon ficou marcada em um discurso proferido no mesmo

ano em Anaheim Califoacuternia o qual abordou de forma comovente e inexoraacutevel as drogas

ilegais como ldquouma maldiccedilatildeo moderna da juventude americanardquo e prometeu ldquotomar medidas

executivas necessaacuterias para tornar as nossas fronteiras mais seguras contra a pestilecircncia dos

narcoacuteticosrdquo (CARPENTER 2003 p 11 traduccedilatildeo nossa)

O combate agraves drogas na Ameacuterica Latina ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo

Nixon No mesmo ano de sua posse foi colocado em curso a Operation Intercept em 21 de

setembro de 1969 que consistia numa accedilatildeo de vigilacircncia ao longo da fronteira entre EUA e

Meacutexico com objetivo de impedir entrada de ldquodrogas perigosasrdquo (principalmente a heroiacutena e a

maconha esta uacuteltima com maior ecircnfase) em territoacuterios norte-americanos aleacutem disso foi uma

forma encontrada pelo governo estadunidense para pressionar o presidente mexicano Gustavo

Diaz Ordaz a realizar operaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ndash principalmente no que tange agrave monitoraccedilatildeo

de campos de maconha e papoula em territoacuterios mexicanos realizada por agentes

estadunidenses ndash e a aderir agrave poliacutetica de luta contra as drogas dos EUA Com a Operation

Intercept a administraccedilatildeo norte-americana acreditava que reduziria o volume de narcoacuteticos

contrabandeados para os EUA conforme afirmaram o secretaacuterio do tesouro David M

Kennedy e o procurador-geral John N Mitchell ndash ambos faziam parte do comando da Forccedila-

Tarefa presidencial contra as drogas ndash a supressatildeo do fluxo de maconha advinda do Meacutexico

que representaria segundo eles oitenta por cento da maconha fumada nos EUA conseguiria

reduzir expressivamente o uso desta substacircncia (BRECHER et al 1972)

Todavia a crenccedila oficial na vitoacuteria contra as drogas caiu por terra A interceptaccedilatildeo dos

fluxos de maconha e sua erradicaccedilatildeo no Meacutexico ocasionaram uma escassez temporaacuteria desta

38

O discurso meacutedico-juriacutedico influenciou inuacutemeras legislaccedilotildees nacionais nesse contexto na Colocircmbia por

exemplo foi sancionado o decreto 1136 em 1970 ldquopelo qual se dispotildee como medida de proteccedilatildeo social lsquoa

reclusatildeo cliacutenica da pessoa que perturbe a paz puacuteblica quando se achar em estado de intoxicaccedilatildeorsquordquo (DEL

OLMO 1990 p 37)

65

substacircncia o que levou agrave procura da maconha vietnamita que era altamente potente Grandes

quantidades foram transportadas por militares norte-americanos que retornavam da guerra do

Vietnatilde e o nuacutemero de plantaccedilotildees clandestinas de cannabis apresentou crescimento Outro

efeito adverso dessa operaccedilatildeo foi a importaccedilatildeo em larga escala de haxixe advindo do norte da

Aacutefrica e do Oriente Meacutedio Aleacutem disso conforme salienta Del Olmo

Esta operaccedilatildeo sem duacutevida resultou num fracasso natildeo soacute porque abriu caminho para

a produccedilatildeo de maconha na Jamaica e posteriormente na Colocircmbia mas tambeacutem

porque levou milhares de dependentes dentro dos Estados Unidos a consumirem

outras drogas em especial a heroiacutena criando assim a chamada lsquoepidemia da

heroiacutenarsquo no final da deacutecada e sobretudo no iniacutecio dos anos setenta (DEL OLMO

1990 p 36)

Mesmo com o fracasso da Operation Intercept nos anos de 1970 o presidente

Richard Nixon fortificou a sua campanha de combate agraves drogas No comeccedilo da deacutecada o

congresso estadunidense aprovou o Drug Abuse Prevention and Control Act o qual aleacutem de

indicar o tratamento e a medicalizaccedilatildeo do usuaacuterio transladou para a esfera domeacutestica as

resoluccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 cuja seccedilatildeo segunda estabelecia o poder de regulaccedilatildeo

do comeacutercio interestadual ao Congresso e aplicava uma hierarquizaccedilatildeo das drogas conforme a

sua periculosidade nos mesmos moldes das Naccedilotildees Unidas

Dessa maneira tal seccedilatildeo conhecida como Controlled Substances Act (CSA)

hierarquizava as drogas segundo seu potencial para promoccedilatildeo de dependecircncia fiacutesica

e psiacutequica entendendo que sendo lsquoevidente que o uso (dessas substacircncias) cria o

prejuiacutezo agrave sauacutede ou agrave seguranccedila da comunidade (era preciso impedir) a proliferaccedilatildeo

dos canais de venda de drogas bem como o consumo de drogas sem conselho

meacutedicorsquo (RODRIGUES 2004 pp 78-79)

A intensificaccedilatildeo do regime internacional proibicionista acompanhou pari passu o

enrijecimento das poliacuteticas de drogas estadunidenses na deacutecada de 1970 O Convecircnio sobre

Substacircncias Psicotroacutepicas depois de muitas divergecircncias39

foi assinado em Viena em 21 de

fevereiro de 1971 e entrou em vigecircncia em 16 de Agosto de 1976 O objetivo perseguido por

este convecircnio era o controle e prevenccedilatildeo do uso abusivo de substacircncias psicotroacutepicas o

traacutefico iliacutecito e a circunscriccedilatildeo destas substacircncias unicamente para fins medicinais e

cientiacuteficos conforme as determinaccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 Este convecircnio assinado

multilateralmente foi uma resposta agrave diversificaccedilatildeo e expansatildeo principalmente das drogas

39

A Conferecircncia de Viena foi marcada pela divisatildeo entre a coalizatildeo dos paiacuteses que defendiam o ldquostrict controlrdquo

(os paiacuteses escandinavos e o bloco sovieacutetico) e o ldquogrupo de irreconciliaacuteveisrdquo (Alemanha Ocidental Suiccedila

Holanda Beacutelgica Aacuteustria e Dinamarca) Os Estados Unidos nesse momento procurava uma posiccedilatildeo

intermediaacuteria para conseguir garantir o equiliacutebrio entre os interesses econocircmicos sociais juriacutedicos

administrativos e cientiacuteficos (MCALLISTER 2000) Segundo Antonio Escohotado (2008) esse convecircnio eacute

chamado de ldquoacordo farmacraacutetico Leste-Oesterdquo uma vez que muitos paiacuteses do bloco sovieacutetico tambeacutem

possuiacuteam grande nuacutemero de induacutestrias farmacecircuticas Repuacuteblica Democraacutetica da Alemanha Hungria Uniatildeo

Sovieacutetica esta uacuteltima contava com uma ampla cadeia produtiva que contava com a colaboraccedilatildeo da Polocircnia

Tchecoslovaacutequia e Hungria

66

sinteacuteticas o qual recomendou que a comissatildeo de entorpecentes da ECOSOC e a JIFE

exercessem as funccedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e controle dos psicotroacutepicos A Organizaccedilatildeo Mundial

da Sauacutede (OMS) de acordo com as avaliaccedilotildees meacutedicas e cientiacuteficas ficou encarregada de

indexar as substacircncias a serem proibidas nas listas de classificaccedilatildeo das drogas da ONU O

convecircnio foi uma reaccedilatildeo ao crescimento do consumo recreativo de drogas sinteacuteticas40

sobretudo nos EUA e na Europa Ocidental prevendo normas para autorizaccedilatildeo de licenccedilas de

produccedilatildeo regulaccedilotildees para prescriccedilotildees meacutedicas e para o comeacutercio internacional de

psicotroacutepicos bem como meios de estreitar a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e as organizaccedilotildees

internacionais para coordenar a luta contra o traacutefico iliacutecito de substacircncias psicotroacutepicas

(UNITED NATIONS 1971)

Em julho de 1971 apoacutes os relatos de abuso de drogas realizado por soldados do

exeacutercito norte-americano o presidente Nixon enviou ao Congresso a Special Message to the

Congress o n Drug Abuse Prevention and Control na qual reconhecia os esforccedilos e fazia

criacuteticas agraves limitaccedilotildees das poliacuteticas e leis antidrogas existentes nos EUA pois para Nixon era

necessaacuterio ldquoaumentar nossos esforccedilos para apertar ainda mais o laccedilo ao redor do pescoccedilo dos

traficantes de drogasrdquo e assim propor ldquomedidas adicionais para atacar o lado da lsquoofertarsquo da

equaccedilatildeo de drogas ndash para deter o traacutefico de drogas atacando os produtores ilegais de drogas o

cultivo dessas plantas a partir das quais as drogas satildeo derivadas e o traacutefico destas drogas para

aleacutem das nossas fronteirasrdquo (NIXON 1971 traduccedilatildeo nossa) Com o direcionamento do foco

do combate agraves drogas para o ldquolado da ofertardquo ou seja os ldquopaiacuteses produtoresrdquo o documento

apresentava as primeiras metaacuteforas beacutelicas para tratar as questotildees das drogas tais como

ldquotravar uma guerra eficaz contra o viacutecio em heroiacutenardquo e ldquonoacutes lutaremos juntos na guerrardquo

contra os ldquonarcoacuteticosrdquo e as ldquodrogas perigosasrdquo O belicismo metafoacuterico natildeo se restringiu ao

documento numa conferecircncia de imprensa um dia apoacutes a mensagem dirigida ao Congresso

40

As induacutestrias farmacecircuticas que fabricavam psicotroacutepicos principalmente alematildes e japonesas ofereciam

inuacutemeros argumentos anticontrole para contrapor as restriccedilotildees impostas por este Convecircnio sobre os seus

produtos alegavam que essas substacircncias natildeo possuiacuteam propriedades para criar ldquoviacuteciordquo porque eram

produzidas com recursos modernos e cientiacuteficos e com base na Convenccedilatildeo Uacutenica afirmavam que o tratado

coibia sobretudo o comeacutercio de opiaacuteceos de produtos derivados da coca e da maconha bem como

substacircncias as quais produziam efeitos semelhantes ao dessas drogas Portanto os seus produtos natildeo podiam

ser regulados por nenhum dos acordos multilaterais existentes uma vez que eles produziam efeitos sem

qualquer semelhanccedila com narcoacuteticos Entretanto em meados da deacutecada de 1960 tais afirmaccedilotildees foram

refutadas Pesquisas realizadas com psicotroacutepicos apontaram que essas substacircncias causam um viacutecio que

diferia pouco daqueles produzidos por narcoacuteticos (por exemplo a cocaiacutena e o cacircnhamo ambos estavam

enquadrados desde a Convenccedilatildeo Uacutenica como drogas narcoacuteticas) a OMS publicou um estudo que indicava que

certos tipos de anfetamina apresentavam algumas caracteriacutesticas similares as encontradas na cocaiacutena bem

como existiam produtos psicotroacutepicos alucinoacutegenos que causavam efeitos anaacutelogos aos provocados pela

cannabis No final da deacutecada de 1960 surgiram pressotildees para restringir as drogas psicotroacutepicas e muitos

governos principalmente dos paiacuteses escandinavos e os do bloco sovieacutetico comeccedilaram a instituir medidas

nacionais para controlar o seu acesso (MCALLISTER 2000 pp 226-228)

67

Richard Nixon declarou que o abuso de droga era o ldquoinimigo puacuteblico nuacutemero umrdquo dos EUA e

em 1972 o presidente ldquoveio a puacuteblico anunciar que lsquoas drogasrsquo eram uma ameaccedila agrave sociedade

estadunidense e que para combatecirc-las era necessaacuterio declarar uma lsquoguerra agraves drogasrsquo (lsquowar

on drugsrsquo)rdquo (RODRIGUES 2012 p 16)

A partir de entatildeo o endurecimento das leis antidrogas era uma das formas mais

repressivas para a reduccedilatildeo da criminalidade que era associada ao uso e traacutefico de drogas De

acordo com Del Olmo (1990) as primeiras medidas dos EUA no acircmbito domeacutestico estavam

relacionadas ao discurso juriacutedico e implementavam um conjunto de leis proibicionistas o

Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act o Controlled Substances Act o

Racketeer Influenced and Corrupt Organization Statute e o Continuing Criminal Enterprise

Statute O traacutefico de drogas passou a ser considerado o uacutenico crime de niacutevel federal de modo

que essas leis permitiram maior regulaccedilatildeo interna do comeacutercio de drogas No ano de 1973 foi

criado o escritoacuterio federal para questotildees das drogas Drug Enforcement Agency cujo nome foi

alterado para Drug Enforcement Administration (DEA) o qual foi resultado da proposta de

unificaccedilatildeo e centralizaccedilatildeo das forccedilas federais em um uacutenico oacutergatildeo ligado ao Departamento de

Justiccedila dessa forma passaria a ser o centro de comando autocircnomo e com poder de poliacutecia

responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e execuccedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e perquisiccedilatildeo referentes ao

combate agraves drogas iliacutecitas bem como fazer cumprir as leis e regulamentos antidrogas e

reduzir nacional e internacionalmente a disponibilidade de substacircncias iliacutecitas Sendo assim a

DEA se tornou o principal instrumento de intervenccedilotildees contra o traacutefico de drogas iliacutecitas fora

dos limites das fronteiras norte-americanas (DEL OLMO 1990 ARBEX 1993

RODRIGUES 2004)

Desde a sua fundaccedilatildeo a DEA passou por um processo de incremento contiacutenuo de seu

quadro de funcionaacuterios especializados e de ampliaccedilatildeo de sua receita contribuindo dessa

forma para a expansatildeo de suas atividades no exterior

No decorrer das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo passado a DEA ampliou

significativamente a sua aacuterea de atuaccedilatildeo internacional No ano de 2002 ela estava presente em

vinte quatro paiacuteses com cerca de trinta e oito escritoacuterios Atualmente o oacutergatildeo antidroga conta

com oitenta e seis escritoacuterios em sessenta e sete paiacuteses41

No ano de 1996 o Congresso

41

A Boliacutevia cessou as atividades da DEA em novembro de 2008 quando Evo Morales acusou os funcionaacuterios da

agecircncia norte-americana de espionagem e financiamento de grupos de oposiccedilatildeo

68

destinou cerca de US$ 60 milhotildees de doacutelares para expansatildeo das investigaccedilotildees da DEA e no

ano de 2004 foram destinados US$ 104 milhotildees (DEA [20--] YOUNGERS ROSIN 2005a)

Poucos anos depois da sua fundaccedilatildeo a DEA estava fortemente presente na Ameacuterica

Latina para efetuar investigaccedilotildees e colaborar com seus pares locais objetivando deter

traficantes e impedir a chegada de mercadorias iliacutecitas nos EUA A presenccedila desse oacutergatildeo

estadunidense em paiacuteses latino-americanos nos anos 1970 consoante com autoritarismo

militar no continente levou a inuacutemeras denuacutencias de envolvimento de seus agentes em

detenccedilotildees participaccedilatildeo em interrogatoacuterios e ateacute mesmo em torturas a traficantes Tais

denuacutencias fizeram com que o Congresso norte-americano aprovasse a emenda Mansfield em

1976 proibindo os ldquoagentes da DEA de participarem de detenccedilotildees praticarem a vigilacircncia

eletrocircnica ou estarem presentes durante operaccedilotildees policiais no estrangeiro a menos que

tenham sido autorizados pelo embaixadorrdquo (NEILD 2005 pp 101-102 traduccedilatildeo nossa)

Em 9 de agosto 1974 Richard Nixon renunciou ao cargo de presidente apoacutes ser

acusado de envolvimento no Caso Watergate Os dois sucessores de Nixon Gerald Ford

(1974-1977) e Jimmy Carter (1977-1981) natildeo foram tatildeo impetuosos na cruzada contra as

drogas como fora seu antecessor Conforme observa Carpenter (2003 p16) o presidente Ford

natildeo seguiu agrave risca a poliacutetica antidrogas de Nixon O secretaacuterio antidrogas da Casa Branca

Robert DuPont defendeu abertamente a descriminalizaccedilatildeo da maconha e o proacuteprio Ford

procurou distinguir os traficantes de ldquodrogas pesadasrdquo daqueles que traficavam maconha Em

1976 Gerald Ford enviou ao Congresso uma lei que impunha penas de prisatildeo obrigatoacuteria para

condenados por traacutefico de ldquodrogas pesadasrdquo ndash ldquoalguns dos criminosos mais crueacuteis do mundordquo

ndash acreditava ele que o endurecimento das penas poderia ganhar a guerra contra as drogas

(FORD 1976) O presidente Ford tambeacutem se reuniu com governos do Meacutexico Turquia e

Colocircmbia para garantir a cooperaccedilatildeo internacional entre estes paiacuteses no combate agraves drogas42

Del Olmo (1990) identifica que a partir de 1976 a preocupaccedilatildeo com a cocaiacutena e o

temor de uma nova ldquoepidemiardquo comeccedilava a ganhar relevo dentro dos EUA A difusatildeo da

cocaiacutena nesse periacuteodo estava relacionada ao estereoacutetipo cultural da eacutepoca Esta droga antes

condenada passou a ser associada ao sucesso Tornou-se um ldquosiacutembolo de ecircxitordquo

42

Em 1976 como resultado de esforccedilos do governo Ford para cooperaccedilatildeo internacional contra as drogas o

secretaacuterio de Estado Henry Kissinger firmou um acordo de cooperaccedilatildeo antidrogas com o presidente boliviano

Gal Hugo Banzer intitulado Declaracioacuten Conjunta Sobre Cooperacioacuten Contra el Traacutefico de Cocaiacutena

69

[] todos os que estavam em evidecircncia a consumiam Ao mesmo tempo surgia

maciccedilamente a induacutestria da lsquoparafernaacuteliarsquo da cocaiacutena anunciando nos diversos

meios de comunicaccedilatildeo tipos de coleirinhas cigarros balanccedilas etc para facilitar seu

consumo (como havia ocorrido dez anos antes com a maconha) Tudo isto contribuiu

para aumentar a demanda a qual por sua vez estimulou a produccedilatildeo e a organizaccedilatildeo

do mercado (DEL OLMO 1990 p 48)

O consumo de cocaiacutena se tornou popular na eacutepoca fazendo com que o seu mercado se

ampliasse nos EUA Ela comeccedilou a substituir as anfetaminas e o seu comeacutercio no varejo era

basicamente feito por pessoas que distribuiacuteam pequenas quantidades entre conhecidos

Boville (2004) sustenta que os liacutederes da poliacutetica de drogas estadunidenses agiram com

lentidatildeo para responder agrave disseminaccedilatildeo da cocaiacutena com os olhares direcionados para as

chamadas ldquodrogas de protestordquo ndash maconha e LSD ndash natildeo se atentaram agrave entrada de toneladas

de cocaiacutena no paiacutes via Cuba A autora lembra que o crescente consumo de cocaiacutena estava

intrinsecamente ligado agraves mudanccedilas ocorridas na sociedade norte-americana permitindo que

valores atrelados agrave ldquofebre do trabalhordquo tais como a valorizaccedilatildeo da ldquocompetitividade

velocidade e produtividaderdquo sobrepusessem a ldquosolidariedade tradiccedilatildeo e famiacuteliardquo Desse

modo corroborou para criar condiccedilotildees favoraacuteveis para o crescimento do mercado da cocaiacutena

A induacutestria da cocaiacutena cresceu nesse contexto na regiatildeo andina cuja comercializaccedilatildeo nos

EUA era formada por uma extensa rede envolvendo colombianos grupos de cubanos

exilados e norte-americanos que contavam com ldquoexcelentes contatos do governo com as

forccedilas armadas e autoridades de vaacuterios paiacuteses latino-americanosrdquo fazendo com que

organizassem um ldquoanel de contrabando de cocaiacutenardquo com sede em Miami (BOVILLE 2004 p

49 traduccedilatildeo nossa)

Carpenter destaca que o governo Jimmy Carter deu menos ecircnfase agrave questatildeo das drogas

do que Ford e foi considerado por seus proacuteprios funcionaacuterios como um presidente sem

compromisso na luta contra as drogas Durante a sua administraccedilatildeo ocorreram polecircmicas

sobre funcionaacuterios da Casa Branca que usavam maconha e cocaiacutena Um pouco antes de esses

casos virem agrave tona Carter tinha pronunciado diante do Congresso que as ldquosanccedilotildees contra a

posse de uma droga natildeo deve ser mais prejudicial a um indiviacuteduo do que o uso da droga em

sirdquo No entanto as sutis mudanccedilas na retoacuterica escamoteavam os alicerces da poliacutetica de drogas

estabelecidas no governo Nixon (CARPENTER 2003 p 16)

No ano de 1977 a Secretaria Geral das Naccedilotildees Unidas convocou os seus membros a

participarem da Conferecircncia Internacional sobre o Abuso de Drogas e Traacutefico Iliacutecito cujo

objetivo era reexaminar o documento The Comprehensive Multidisciplinary Outline of Future

Activities in Drug Abuse Control trata-se de um repertoacuterio de recomendaccedilotildees dirigidas aos

70

governos e agraves diferentes organizaccedilotildees que prescreve medidas praacuteticas para reprimir o traacutefico

de drogas e impedir o abuso de drogas Seria mais um manual com sugestotildees de medidas

posto unilateralmente para suprimir o traacutefico de drogas nas instacircncias nacionais regionais e

internacionais em vez de um instrumento juriacutedico de cunho multilateral

ldquoGuerras agraves drogasrdquo e a emergecircncia do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

A chegada de Ronald Reagan agrave presidecircncia dos EUA apoiado por grupos

fundamentalistas e (neo)conservadores eacute marcada por uma inflexatildeo abrupta natildeo apenas na

poliacutetica de drogas mas em toda poliacutetica externa norte-americana o que a tornou conhecida

como Doutrina Reagan Para Walter LaFeber (1994) a Doutrina Reagan era um arcabouccedilo de

concepccedilotildees que balizavam a poliacutetica externa e a diplomacia militar estadunidense no contexto

da Guerra Fria e estava alicerccedilado em quatro pilares centrais ldquoa extensatildeo dos poderes

presidenciais de Reagan o anticomunismo a diferenciaccedilatildeo entre Autoritarismo e

Totalitarismo e a militarizaccedilatildeo da poliacutetica e economiardquo (LAFEBER 1994 apud SILVA 2013

p2) Sobre esse ponto de inflexatildeo na poliacutetica contra as drogas estadunidense a qual se

encontrava sob a eacutegide da poliacutetica externa desse paiacutes Del Olmo (2002) aponta que

Nessa linha dura a transformaccedilatildeo mais importante do lsquobem juriacutedicorsquo frente agrave drogas

se evidencia no comeccedilo da deacutecada de 80 quando a administraccedilatildeo Reagan considera

o fenocircmeno das drogas em termos de seguranccedila nacional o que legitimaria a

declaraccedilatildeo de lsquoguerra agraves drogasrsquo e a percepccedilatildeo do traacutefico como inimigo econocircmico e

da guerrilha eou terrorismo como inimigo poliacutetico e a difusatildeo atraveacutes dos meios de

massas do discurso beacutelico na referecircncia ao tema Ao mesmo tempo seriam

estabelecidas duas especificidades a droga prioritaacuteria seria a cocaiacutena qualificada

como ameaccedila e o principal campo de batalha dessa lsquoguerrarsquo seria a regiatildeo andina

[] com a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas nacionais e eventualmente o Pentaacutegono

[] (DEL OLMO 2002 p 66)

A Doutrina Reagan Antidrogas teve seu iniacutecio em outubro de 1982 quando o

presidente em seu programa semanal de raacutedio anunciou a campanha contra todas as drogas

sejam elas ldquolevesrdquo ou ldquopesadasrdquo O republicano ao explicar a sua campanha contra as drogas

proferiu em seu discurso metaacuteforas militares como ldquoguerrardquo ldquobatalhardquo e ldquorendiccedilatildeordquo No final

de seu discurso prometeu que venceria a guerra agraves drogas (NUNN 2002) Kenneth B Nunn

(2002) ressalta que a administraccedilatildeo Reagan se valeu de campanhas de relaccedilotildees puacuteblicas para

projetar e incutir ideias com intuito de mudar a percepccedilatildeo puacuteblica sobre o uso de drogas

representando as drogas ilegais como ameaccedila43

e ldquoa peccedila central dessa campanha de relaccedilotildees

puacuteblicas foi uma nova estrateacutegia retoacuterica que procurou demonizar as drogas e banir os

43

No ano de 1982 foi aprovada a Defense Autorization Act a qual autoriza a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas no

combate agraves drogas

71

usuaacuterios de drogasrdquo (NUNN 2002 p 387 traduccedilatildeo nossa) A ldquolinha durardquo do combate aos

psicoativos iliacutecitos no acircmbito domeacutestico se efetivou por meio da ldquoreduccedilatildeo da demandardquo com

educaccedilatildeo puacuteblica e tratamentos cliacutenicos e atraveacutes da ldquoreduccedilatildeo da ofertardquo com interdiccedilotildees

apreensotildees e repressotildees criminais No que concerne agrave repressatildeo criminal Escohotado (2008)

acentua que no ano de 1985 ldquoo nuacutemero de prisotildees relacionadas agraves drogas da Lista I superou as

800000 pessoas e em 1986 atingiu um milhatildeordquo44

(ESCOHOTADO 2008 p 1076)

Essa percepccedilatildeo da droga como ameaccedila nortearia doravante a estrateacutegia dos EUA de

intervenccedilotildees no que tange agraves drogas no cenaacuterio internacional com reverberaccedilotildees na

constituiccedilatildeo das poliacuteticas e leis nacionais O modelo de guerra agraves drogas de Reagan permitiu

medidas severas e hostis para atacar o ldquoproblema das drogasrdquo e desmantelar redes de

distribuiccedilatildeo e traacutefico de drogas na esfera domeacutestica na esfera internacional a intervenccedilatildeo

militar foi o paradigma da doutrina reaganiana de combate agraves drogas

Em 1986 o presidente Ronald Reagan expediu a National Security Decision Directive

on Narcotics and National Security (NSDD-221) Esse documento conferiu ao narcotraacutefico o

status de ameaccedila agrave seguranccedila nacional dos Estados Unidos ao lado do ldquoterrorismo comunistardquo

e se tornou um dos componentes centrais da agenda de seguranccedila hemisfeacuterica deste paiacutes

Washington delineou a sua estrateacutegia beacutelica frente agrave expansatildeo global do mercado das drogas

sob a crenccedila na dicotomia ldquopaiacuteses produtoresrdquo versus ldquopaiacuteses consumidoresrdquo (PASSETTI

1991 RODRIGUES 2004) A NSDD-221 conferiu agraves Forccedilas Armadas incluindo exeacutercito

marinha forccedila aacuterea e fuzileiros navais maior participaccedilatildeo junto agraves agecircncias federais de

combate agraves drogas a guarda costeira e oacutergatildeos civis de aplicaccedilatildeo da lei Nesse contexto a

produccedilatildeo e traacutefico de drogas deixam de ser apenas preocupaccedilotildees de leis penais e questatildeo de

poliacutecias especializadas e passam a ser um problema de seguranccedila nacional e internacional

direcionando a poliacutetica externa dos paiacuteses latino-americanos sobretudo daqueles paiacuteses sob o

roacutetulo de ldquoprodutoresrdquo como foi o caso dos paiacuteses andinos Para Rafael Villa e Maria Ostos

(2005)

Desde a administraccedilatildeo Reagan (1980-1988) os EUA tecircm definido as drogas como

lsquoum problema de seguranccedila nacionalrsquo cujo combate deveria ser feito por meio de

44

As prisotildees por porte de drogas e o crescimento exponencial da populaccedilatildeo carceraacuteria na Era Reagan incidiram

mais sobre os ldquonegrosrdquo do que sobre os ldquobrancosrdquo Conforme oberva Loiumlc Wacquant (1999) ldquoo

lsquoescurecimentorsquo sofrido pela populaccedilatildeo carceraacuteria explica-se quase que inteiramente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves

drogasrdquo lanccedilada com estardalhaccedilo por Ronald Reagan e ampliada depois por seus sucessores [] Essa poliacutetica

serviu de cobertura a uma verdadeira guerrilha policial e judiciaacuteria contra os traficantes de rua e por extensatildeo

contra os habitantes dos bairros negros deserdados Esses uacuteltimos satildeo de fato suspeitos de desviarem-se das

normas culturais nacionais e de adotarem lsquocomportamentos anti-sociaisrsquo que o discurso pseudocientiacutefico sobre

a underclass sustenta ser a causa das desagregaccedilotildees sociais na metroacutepole (WACQUANT 1999 p 47)

72

um ataque contundente in loacutecus agrave oferta da droga Em outras palavras a produccedilatildeo

deveria ser atacada na fonte em paiacuteses como Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

(VILLA OSTOS 2005 pp 1-2)

A partir daiacute com efeito Washington imputou aos paiacuteses produtores a culpa pela oferta

externa de drogas os problemas de sauacutede puacuteblica e o aumento da criminalidade nos EUA

isso permitiu que a Ameacuterica Latina sobremaneira a regiatildeo andina se configurasse como

palco das intervenccedilotildees militares de guerra contra as drogas45

Os EUA orquestraram esforccedilos

para intervenccedilatildeo e interdiccedilatildeo do cultivo de coca inicialmente na Boliacutevia e no Peru e mais

tarde na Colocircmbia os maiores cultivadores da folha de coca nas duas uacuteltimas deacutecadas do

seacuteculo XX com o objetivo de intensificar a poliacutetica proibicionista destruir os campos de

cultivo de drogas e desbaratar as redes comerciais ilegais No entanto o que ocorreu foi uma

ramificaccedilatildeo maior do capitalismo cocaleiro deslocando a produccedilatildeo de um paiacutes para outro e

expandindo a economia do narcotraacutefico

De acordo com Villa e Ostos (2005) os policy-markers estadunidenses defensores da

poliacutetica de ataque agraves drogas na ldquofonterdquo ndash going to the source ndash encontraram ldquosoacutelidos

argumentos empiacutericos no caso de Chepare da Boliacutevia e do Alto Hullaga do Peru onde eram

cultivadas cerca de 80 a 90 das folhas de coca destinadas agrave alimentaccedilatildeo da produccedilatildeo de

cocaiacutena do mundordquo (VILLA OSTOS 2005 p 2) O combate agraves drogas nos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo em 1986 encontrou na Boliacutevia o seu primeiro palco de operaccedilotildees militares

antidrogas

A Operation Blast Furnece na Boliacutevia comeccedilou no dia 14 de junho de 1986 e seria

realizada nos departamentos bolivianos do Beni Pando e Santa Cruz para eliminar os

laboratoacuterios clandestinos de processamento da coca acabar com as rotas fluviais de transporte

de coca e de precursores quiacutemicos interceptar pequenos aviotildees de transporte de drogas e

prender o traficante Roberto Suaacuterez Gomes (ldquorei da cocardquo) considerado o maior do paiacutes Para

realizar a operaccedilatildeo no departamento de Santa Cruz chegaram ldquotrecircs aviotildees de transporte

militar da forccedila aeacuterea dos Estados Unidos que traziam consigo veiacuteculos especiais seis

helicoacutepteros Black Hawk e 160 norte-americanos entre soldados teacutecnicos militares e agentes

45

O direcionamento do combate contra as drogas para Ameacuterica Latina estava atrelado agrave percepccedilatildeo de que os

paiacuteses da regiatildeo eram o foco de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de drogas ldquoBoliacutevia e Peru eram os principais

produtores de coca e pasta base enquanto a Colocircmbia dominava a produccedilatildeo e o traacutefico de cocaiacutena Meacutexico

aleacutem de ser o maior fornecedor de maconha no mercado dos EUA tornou-se o principal provedor de heroiacutena

Por outro lado vaacuterios paiacuteses da Ameacuterica Central e do Caribe junto com Venezuela e Paraguai se constituiacuteam

em estaccedilotildees na rota do narcotraacutefico assim como centros de lavagem de dinheiro Posteriormente a medida que

se acentuaram as accedilotildees de interdiccedilatildeo a mudanccedila de rotas comprometeu tambeacutem o Brasil e outros paiacuteses do

Cone Sul []rdquo (COTLER 1999 p 40)

73

da DEArdquo (RODRIGUES 2003 p 86) A operaccedilatildeo contou com a participaccedilatildeo dos Leopardos

forccedila de elite policial da Boliacutevia especializada em combate ao traacutefico de drogas e de soldados

da Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural (UMOPAR)46

A presenccedila de tropas norte-americanas na Boliacutevia gerou controveacutersias nas instituiccedilotildees

poliacuteticas da Boliacutevia pois elas natildeo tinham aprovaccedilatildeo do Congresso do paiacutes andino

Representantes do governo boliviano se sentiram enganados pelos EUA Acreditavam que o

auxiacutelio de Washington natildeo viria em aviotildees de guerra e muito menos com violaccedilotildees da

soberania nacional O presidente do Senado denunciou a operaccedilatildeo como uma ldquoverdadeira

invasatildeo estrangeirardquo (AMENDT 1987 p13)

As principais accedilotildees da Blast Furnece incidiram sobre os laboratoacuterios clandestinos

Gunter Amendt (1987) enumera que existiam cerca de cinquenta laboratoacuterios soacute no

departamento de Benin cuja produccedilatildeo anual estimada era de 80 toneladas quando

trabalhavam com toda a sua capacidade Amendt assinala que cada laboratoacuterio mantinha

diferentes trabalhadores encarregados da logiacutestica e da produccedilatildeo como transportadores

caminhoneiros e intermediaacuterios envolvidos no fornecimento de produtos quiacutemicos

contrabandeados do Brasil e no transporte de coca dos mercados locais para os laboratoacuterios

intermediaacuterios para produccedilatildeo de pasta base confeccionada pelos pateros47

Posteriormente a

pasta eacute transportada para os laboratoacuterios que confeccionam o produto final pronto para

exportaccedilatildeo o cloridrato de cocaiacutena cristalizado utilizando uma seacuterie de empregados

(AMENDT p16) De acordo com Thiago Rodrigues (2004) os leopardos em conjunto com

soldados estadunidenses fizeram inuacutemeras investidas em territoacuterio boliviano para destruir

pistas de pousos e laboratoacuterios na selva

A operaccedilatildeo norte-americana de combate agraves drogas em solo boliviano considerada por

Washington vitoriosa natildeo teve o sucesso almejado os resultados em termos de apreensotildees e

prisotildees foram piacutefios destruiacuteram seis laboratoacuterios e duzentos e cinquenta locais de maceraccedilatildeo

de folha de coca todos vazios e pistas de pouso No entanto as tropas conseguiram afetar

significativamente o preccedilo da coca ndash o quilo de folha de coca subiu de US$120 para US$200

ndash temporariamente tornando-a menos atrativa Com efeito isso levou milhares de

46

Marcelo Santos (2007) relata que ldquocom o retorno da democracia em 1982 sob pressatildeo norte-americana o

governo boliviano criou uma forccedila policial de elite denominada Unidad Moacutebil de Patrullaje Rural (UMOPAR)

para desenvolver accedilotildees secretas repressivas nas regiotildees de produccedilatildeo da folha de coca e de articulaccedilatildeo do

narcotraacuteficordquo (SANTOS 2007 p 198) 47

ldquoPaterordquo (ou esmagador) eacute uma terminologia utilizada em analogia com a qual se denomina aqueles que na

produccedilatildeo de vinho esmagam as uvas pisando-as com o peacute descalccedilo os pateros semifermentam as folhas de

coca e acrescenta bicarbonato de soacutedio e cerosina para fazer a pasta base (AMENDT 1987 p16)

74

trabalhadores rurais a migrarem para as cidades a procura de emprego e alimentos48

Contudo

a produccedilatildeo de pasta base ficou comprometida parcialmente no decorrer da operaccedilatildeo isso se

deve mais a uma postura de precauccedilatildeo dos traficantes do que um sinal de ecircxito de

desmantelamento completo da induacutestria da cocaiacutena boliviana49

(AMENDT 1987 SOMOZA

1990 RODRIGUES 2003 RODRIGUES 2004)

Mesmo apoacutes as polecircmicas relacionadas agrave Operation Blast Furnece (com duraccedilatildeo de

quatro meses) os EUA por meio das Forccedilas Armadas e da DEA prosseguiram interferindo

na poliacutetica de drogas boliviana A UMOPAR continuou recebendo treinamentos das forccedilas

especiais estadunidenses aleacutem de receber empreacutestimos de equipamentos militares e

helicoacutepteros por parte do Pentaacutegono para conduzir a guerra agraves drogas agora sob a eacutegide da

Operation Snowcap50

Desse modo as Forccedilas Armadas da Boliacutevia passaram a ter uma

participaccedilatildeo maior na luta contra as drogas iliacutecitas

Durante o ano de 1986 os EUA implantaram a Poliacutetica de Certificaccedilatildeo como

mecanismo para coagir os ldquopaiacuteses produtoresrdquo a se comprometerem com a luta contra as

drogas Guzzi (2008) assinala que essa poliacutetica estava apoiada na Lei 490 do Ato de

Assistecircncia Internacional (Foreign Assistence Act - FAA) de 1961 da administraccedilatildeo

Kennedy e permitia ao presidente estadunidense deliberar ldquoanualmente quais paiacuteses satildeo

produtores de tracircnsito e se seus respectivos governos cooperam com as medidas

estadunidenses no plano do combate agrave produccedilatildeo e ao traacutefico de drogas iliacutecitasrdquo (GUZZI

2008 p 33)

48

A intervenccedilatildeo militar norte-americana gerou inuacutemeros protestos na Boliacutevia ldquoa central sindical boliviana

decretou lsquodia de lutorsquo denunciando assim a presenccedila de tropas de ocupaccedilatildeo Os manifestantes carregavam

faixas com os dizeres lsquoBoliacutevia livre sim colocircnia ianque natildeorsquo Enquanto isso 28 sindicatos 25 instituiccedilotildees

ciacutevicas 26 partidos poliacuteticos e 200 personalidades representativas se uniram para formar o Conselho de Defesa

da Soberania Nacional ao mesmo tempo em que os parlamentares protestavam contra a violaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo da Boliacutevia Mas o governo (Victor Paz Entessoro) argumentou que se tratava apenas de uma

colaboraccedilatildeo agrave repressatildeo policial e que os helicoacutepteros significavam apenas apoio logiacutesticordquo (SOMOZA 1990

p 81) 49

Edson Passetti (1991) nota que os traficantes transferiram os laboratoacuterios para o norte da Argentina e para

regiatildeo sudoeste do Brasil no Mato Grosso dessa maneira conseguiram manter a lucratividade de seus

negoacutecios mesmo correndo riscos de terem a mercadoria apreendida 50

Marcelo Santos a partir da obra de Adalberto Santana ldquoEl Narcotraacutefico en Ameacuterica Latinardquo descreve que ldquoa

operaccedilatildeo Snowcap que envolveu os membros norte-americanos da DEA do Departamento de Estado do

Serviccedilo de Guarda Costeira da Patrulha de Fronteira e das Forccedilas Especiais do Departamento de Defesa tinha

o propoacutesito natildeo somente de atacar as fontes de produccedilatildeo como tambeacutem capacitar as Forccedilas Armadas locais em

estrateacutegias contra-insurgentes No Peru por exemplo tinha o objetivo de combater a guerrilha do Sendero

Luminoso Essa missatildeo regional envolveu ainda apoio econocircmico agrave Venezuela e o lanccedilamento da operaccedilatildeo

Blazing Trails no Equadorrdquo (SANTOS 2007 p 198)

75

Um determinado paiacutes para auferir a certificaccedilatildeo plenamente deve cumprir os

objetivos da Convenccedilatildeo de 1971 sobre Substacircncias Psicotroacutepicas da ONU bem como

concretizar accedilotildees para impedir ldquoo cultivo a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o transporte o

financiamento e a lavagem de dinheiro proveniente das drogasrdquo e tambeacutem deve ldquoatingir as

metas definidas em acordos bilaterais com os Estados Unidos e finalmente terem tomado

medidas jurisdicionais para combater a corrupccedilatildeo puacuteblica pois esta facilita o processo de

produccedilatildeo e traacutefico de drogasrdquo (GUZZI 2008 p 34) Portanto um paiacutes que demonstrar

esforccedilos e apresentar resultados no combate agraves drogas seraacute certificado e receberaacute todo auxiacutelio

dos EUA principalmente econocircmico Caso contraacuterio isto eacute natildeo seja certificado deixa de

receber esse auxiacutelio de Washington (entretanto se for o caso continua recebendo assistecircncia

humanitaacuteria e de combate agraves drogas) e sujeita-se as sanccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas aleacutem do

governo norte-americano vetar as propostas de empreacutestimos de instituiccedilotildees bancaacuterias

multilaterais de fomento ao desenvolvimento (por exemplo o Banco Interamericano de

Desenvolvimento e o Banco Mundial)

A Poliacutetica de Certificaccedilatildeo foi mais um instrumento ideoloacutegico do que eficaz contra o

traacutefico de drogas Elaborada na Guerra Fria os paiacuteses que pertenciam ou tinham alguma

ligaccedilatildeo com o bloco sovieacutetico ganhavam o roacutetulo de ldquonatildeo-certificadosrdquo pois representavam

uma ameaccedila aos paiacuteses ocidentais e ao Estado democraacutetico de direito O processo de

certificaccedilatildeo gerou dissensotildees entre Washington e os demais governos da Ameacuterica Latina nas

deacutecadas de 1980 e 199051

Esse processo era visto como um exerciacutecio unilateral e arbitraacuterio

perpetrado pela naccedilatildeo que mais consume drogas iliacutecitas no mundo Na Convenccedilatildeo da ONU

realizada em Viena em 1988 os representantes dos paiacuteses rotulados de ldquoprodutoresrdquo e de

ldquotracircnsitordquo de drogas se manifestaram contra o instrumento unilateral que os estigmatizavam

como sendo condescendentes com o narcotraacutefico argumentavam que a responsabilidade

deveria ser compartilhada Segundo esses paiacuteses para haver um controle mais eficaz da

produccedilatildeo seria preciso tambeacutem controlar o consumo pois ambos estatildeo inter-relacionados

entretanto o governo norte-americano natildeo produz documentos avaliando os seus proacuteprios

esforccedilos de controle de drogas Sayaka Fukumi (2008) sustenta que a poliacutetica de certificaccedilatildeo eacute

um meio encontrado pelos EUA para exercerem o seu poder econocircmico forccedilando os outros

51

O Panamaacute foi o primeiro paiacutes latino-americano a natildeo ser certificado isto ocorreu nos anos de 1988 e 1989 O

presidente Manuel Noriega foi acusado pelo governo estadunidense a colaborar com organizaccedilotildees criminosas

envolvidas com o narcotraacutefico (GUZZI 2008)

76

Estados a cumprirem o controle de drogas no estilo americano Mesmo tendo recebido

inuacutemeras criacuteticas e desaprovaccedilotildees o processo de certificaccedilatildeo continuou vigorando

No segundo mandato de Ronald Reagan o proibicionismo em sua forma poliacutetica

juriacutedica e beacutelica prosseguiu avanccedilando na Ameacuterica Latina De acordo com Del Olmo (1990)

um dos fatores que impulsionou o discurso de guerra contra as drogas natildeo soacute na regiatildeo

andina mas em todo continente foi o assassinato do ministro da justiccedila colombiano Rodrigo

Lara Bonilla em abril de 1984 No decorrer desse ano ocorreu uma sucessatildeo de reuniotildees e

acordos governamentais com o objetivo de fortalecer a cooperaccedilatildeo continental na luta contra

o traacutefico de drogas No mesmo ano foi assinada a Declaraccedilatildeo de Quito Contra o Traacutefico de

Drogas por presidentes da Ameacuterica do Sul a qual classificou o narcotraacutefico como ldquodelito

contra a humanidaderdquo Ainda em 1984 foi subscrita a Declaraccedilatildeo de Nova Iorque Esse

documento solicitava agrave ONU que convocasse uma nova conferecircncia para reexaminar os

tratados anteriores sobre drogas e criar um plano de accedilatildeo de cooperaccedilatildeo internacional contra o

traacutefico de drogas Essa conferecircncia teve iniacutecio em julho de 1987 Nesse mesmo ano na

Colocircmbia comeccedilou uma seacuterie de ofensivas com auxiacutelio estadunidense contra laboratoacuterios de

clandestinos e fumigaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantaccedilotildees de coca e de cannabis As investidas

conseguiram deter a Tranquilacircndia um dos principais complexo de produccedilatildeo de cocaiacutena dos

traficantes de Medelliacuten

No ano de 1985 a senadora republicana Paula Hawkins representante dos EUA na

Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas (CICAD) realizou uma

conferecircncia com participaccedilatildeo de vinte paiacuteses latino-americanos sobre o combate agraves drogas Os

EUA colocaram em praacutetica a Operation Intercept II Em abril 1986 foi consolidado em Lima

o Convecircnio Rodrigo Lara Bonilla sobre cooperaccedilatildeo para prevenccedilatildeo do uso indevido e a

repressatildeo do traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas entre os paiacuteses

membros do Acordo de Cartagena (Pacto Andino) No Mecircs subsequente em Quito aconteceu

o Simpoacutesio Interparlamentar sobre Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia promovido pelo

Parlamento Andino o qual culminou na assinatura da Ata Interparlamentar de Quito sobre

Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia cujos principais objetivos eram uniformizar as

legislaccedilotildees nacionais sobre narcoacuteticos e farmacodependecircncia e criar uma legislaccedilatildeo latino-

americana acerca dessas duas questotildees No Rio de Janeiro ocorreu a Primeira Conferecircncia

Especializadas Interamericana sobre Drogas no mesmo ano foi criada a Comissatildeo

Interamericana contra Abuso de Drogas (CICAD) da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

(OEA) e tambeacutem foi elaborado o Programa Interamericano de Accedilatildeo contra a Produccedilatildeo e o

77

Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas Ainda em 1986 nos EUA

ocorreu a aprovaccedilatildeo do Anti-Drug Abuse Act e da NSDD-221 aleacutem de ser estabelecido o

Processo de Certificaccedilatildeo sobre Drogas

No comeccedilo do ano de 1987 o Parlamento Andino e o Fundo das Naccedilotildees Unidas

organizaram em Lima um novo seminaacuterio para tratar da coordenaccedilatildeo legislativa contra

entorpecentes No decorrer de 1988 a CICAD compocircs um grupo de peritos para tratar

especificamente da lavagem de dinheiro Em dezembro de 1988 foi subscrita a Convenccedilatildeo de

Viena uma das principais vitoacuterias do proibicionismo a niacutevel internacional

A Convenccedilatildeo de Viena Contra o Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e de Substacircncias

Psicotroacutepicas aprovada em 20 de dezembro de 1988 passou a vigorar a partir de novembro

de 1990 e reconhecia ldquoa relaccedilatildeo existente entre traacutefico iliacutecito e outras atividades criminosas

organizadas com ele conexas que minam as bases de uma economia legiacutetima e ameaccedilam a

estabilidade a seguranccedila e a soberania dos Estadosrdquo (UNITED NATIONS 1988 p2)

Conforme o documento o objetivo principal da Convenccedilatildeo ldquoeacute o de promover a cooperaccedilatildeo

entre as Partes a fim de que possam fazer face de forma mais eficaz aos diversos aspectos do

traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas de acircmbito internacionalrdquo (UNITED

NATIONS 1988 p 4) Nessa Convenccedilatildeo foram determinadas medidas de amplo espectro

contra o traacutefico de drogas permitindo a criaccedilatildeo de um marco principal de cooperaccedilatildeo

internacional Outrossim esse regime estabelece obrigaccedilotildees para os paiacuteses signataacuterios

aplicarem os meios necessaacuterios para localizar congelar e apreender bens e ativos provenientes

do traacutefico iliacutecito52

O artigo 6ordm do referido documento permite que a extradiccedilatildeo seja utilizada

como mecanismo de luta contra os traficantes uma vez que assegura aos signataacuterios o poder

de invocar suas leis como fundamento para aplicar a extradiccedilatildeo aos envolvidos nos crimes

previstos e prescreve orientaccedilotildees em mateacuteria de assistecircncia juriacutedica troca de informaccedilotildees

sobre accedilotildees penais e cooperaccedilatildeo internacional Todavia ldquoas Partes que careccedilam de legislaccedilatildeo

detalhada para poderem utilizar a presente Convenccedilatildeo como base juriacutedica da extradiccedilatildeo

devem considerar a promulgaccedilatildeo da legislaccedilatildeo necessaacuteriardquo (UNITED NATIONS 1988 p 8)

52

Sobre a lavagem de dinheiro do traacutefico de drogas Passetti cita que ldquoa participaccedilatildeo dos bancos americanos

nesses mercados em 1980 era de quatrocentos bilhotildees de doacutelares De acordo com William Proximine

presidente da Comissatildeo de Bancos no Senado Americano seis em cada dez bancos operavam com contas de

traficantes sendo o Banco de Boston considerado o maior reduto do chamado lsquodinheiro sujorsquordquo (PASSETTI

1991 p 67)

78

A Convenccedilatildeo de Viena se posiciona de modo intransigente perante os consumidores

de psicoativos ilegais O documento apresenta uma mudanccedila em relaccedilatildeo ao discurso meacutedico-

moral abordado nas anaacutelises de Rosa Del Olmo (1990) o qual apresentava o indiviacuteduo

consumidor dentro de um estereoacutetipo como um enfermo psiquiaacutetrico cujo tratamento deveria

ser psicossocial Agora o consumidor eacute enquadrado pelo discurso juriacutedico-criminal O

consumo doravante seraacute criminalizado o usuaacuterio passa a ser visto dentro do estereoacutetipo

criminoloacutegico O item 2 do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo reitera o ldquoespiacuterito proibicionistardquo

estadunidense mesmo resguardando a soberania dos Estados

Como buscamos apontar a Era Reagan foi marcada pela intensificaccedilatildeo da war on drug

na Ameacuterica Latina no contexto do final da Guerra Fria sobretudo na regiatildeo andina medidas

ostensivas e coercitivas foram empregas para obter a cooperaccedilatildeo mais ativa dos paiacuteses

considerados ldquoprodutoresrdquo Para justificar a beligeracircncia norte-americana de combate agraves

drogas os grupos narcotraficantes da regiatildeo andina foram associados ao comunismo e ao

terrorismo de esquerda praticado por guerrilheiros A associaccedilatildeo entre narcotraacutefico e

terrorismo ou entre narcotraacutefico e guerrilha53

articulada pelo embaixador dos EUA na

Colocircmbia Lewis Tambs em 1983 que se baseia numa percepccedilatildeo da experiecircncia colombiana

a partir de uma visatildeo estadunidense do conflito foi generalizada para toda a regiatildeo andina e

se tornou uma justificativa perfeita para intervenccedilotildees militares no combate agraves drogas Essa

associaccedilatildeo fortaleceu a percepccedilatildeo desses temas como ameaccedila agrave seguranccedila A guerra agraves

drogas sob a eacutegide da Doutrina de Seguranccedila Nacional identifica ldquoos inimigos externosrdquo com

as redes de traficantes instaladas nos paiacuteses latino-americanos responsaacuteveis pela produccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo de drogas nos paiacuteses consumidores A declaraccedilatildeo de um inimigo externo

permitiu aos EUA empregarem os meios militares necessaacuterios para eliminaccedilatildeo deste inimigo

legitimando a sua presenccedila poliacutetico-estrateacutegico-militar na regiatildeo andina

Com a chegada de George H W Bush agrave presidecircncia dos EUA em 1989 a Operaccedilatildeo

Snowcap foi suspensa em 1989 apoacutes o Comitecirc de Assuntos Exteriores da Cacircmara

averiguaram que a DEA estava despreparada para os sucessivos confrontos que vinham tendo

com os guerrilheiros do Sendero Luminoso no Peru no Vale do Alto Huallaga e os seus

agentes natildeo estavam autorizados a fazerem incursotildees devido agrave falta de experiecircncia e

capacitaccedilatildeo militar O Departamento de Estado por meio do documento Cocaine A Supply

Side Strateg exigia a retirada constante da DEA do papel de assistecircncia militar e econocircmica e

53

A partir destas associaccedilotildees surgiram os termos ldquonarcoterrorismordquo e ldquonarcoguerrilhardquo

79

fortalecia a importacircncia de uma estrateacutegia eficaz para atacar a fonte principalmente contando

com uma efetiva atuaccedilatildeo das forccedilas armadas e policiais locais O documento ressaltava a

necessidade de fazer os paiacuteses andinos interpretarem as accedilotildees do traacutefico de drogas (e da

guerrilha) como ameaccedila a sobrevivecircncia dos Estados da regiatildeo e enfatizava que

O desafio eacute fazer com que os governos andinos ataquem o traacutefico de drogas como

uma ameaccedila direta agrave integridade de seus paiacuteses Um problema de poliacutetica externa

deve ser resolvido pelo uso inovador dos instrumentos tradicionais de poliacutetica

externa a diplomacia o militar e a assistecircncia econocircmica a coleta e

compartilhamento de informaccedilotildees (UNIED SATES 1989a p 1 traduccedilatildeo nossa)

Em resposta foi lanccedilado a National Security Directive 13 em 7 de junho de 1989

cuja finalidade era criar vinte forccedilas especiais das tropas do exeacutercito para irem ao Peru treinar

a poliacutecia e as forccedilas armadas em taacuteticas paramilitares para combater narcotraficantes e

guerrilheiros A Interangecy Working Group Draft que era um grupo de trabalho

interinstitucional criado pelo Conselho de Seguranccedila Nacional redigiu o documento Strategy

For Narcotics Control in the Andean Region apresentando um estudo onde aponta que a

cocaiacutena que entrava nos Estados Unidos vinha da coca cultivada no Peru (60) Boliacutevia

(30) e Colocircmbia (10) Esse uacuteltimo paiacutes contudo processa 80 da cocaiacutena que chega ao

territoacuterio norte-americano Segundo o estudo os EUA gastavam cerca de U$57 milhotildees na

assistecircncia para esses trecircs ldquopaiacuteses fonterdquo e U$15 bilhatildeo para conter a entrada de droga no

paiacutes Para a interagecircncia os programas antidrogas desenvolvidos ateacute o momento natildeo

obtiveram resultados expressivos na reduccedilatildeo do fornecimento de cocaiacutena Para tanto

recomenda que

A meta da poliacutetica internacional de controle de drogas dos EUA deve ser parar o

fluxo de cocaiacutena para este paiacutes a partir do estrangeiro Este objetivo pode ser mais

eficaz atacando todas as partes do traacutefico internacional de drogas nos seus pontos de

maior vulnerabilidade as suas organizaccedilotildees redes de transportes e sistema

financeiro [] Por vaacuterias razotildees os trecircs governos parecem estar cada vez mais

preparados para atacar o problema da cocaiacutena se dado os meios para fazecirc-lo Eles

natildeo querem (nem recomendamos) o envolvimento direto de forccedilas de combate dos

EUA Em vez disso eles querem assistecircncia material e treinamento dos EUA para

que o seu pessoal possa fazer o trabalho (UNIED STATES 1989b p1 traduccedilatildeo

nossa)

Com a morte de Luis Carlos Galaacuten candidato agrave presidecircncia da Colocircmbia em 18 de

agosto de 1989 o presidente republicano e o ldquoczar antidrogasrdquo William Bennet apresentaram

a Estrateacutegia Andina que abrangia a assistecircncia militar e econocircmica para atividades de

combate agraves drogas e maior pressatildeo para cooperaccedilatildeo militar na reduccedilatildeo da oferta de cocaiacutena

nos paiacuteses produtores da regiatildeo andina Essa pressatildeo era parte dos esforccedilos dos EUA em fazer

com que os governos andinos reconhecessem o narcotraacutefico como ameaccedila aos seus Estados

80

A assistecircncia norte-americana para os paiacuteses da regiatildeo estaria divida em 30 econocircmica e

70 militar Esta uacuteltima seria para equipar e treinar as forccedilas armadas e poliacutecias locais

(DREYFUS 2003)

No mesmo ano para justificar as accedilotildees militares antidrogas no exterior Bush lanccedilou

no acircmbito domeacutestico a National Drug Control Strategy a qual fazia com que o Departamento

de Defesa tivesse um engajamento mais efetivo na luta contra as drogas principalmente

acionando o Comando Sul A metaacutefora da ldquoguerra agraves drogasrdquo foi recuperada com a

promulgaccedilatildeo da National Defense Authorization Act em novembro de 1989 O documento

declara que a ldquoguerra agraves drogas eacute uma das mais altas prioridades do Governo Federalrdquo e

reforccedila a interdiccedilatildeo e combate agraves drogas por meio de atividades militares sob lideranccedila do

Departamento de Defesa (UNITED STATES 1989c) Com essas medidas a administraccedilatildeo

Bush estimulou de modo significativo o aumento da assistecircncia militar internacional para

conter o narcotraacutefico

Em 1989 o governo Bush elaborou um plano para treinar as forccedilas armadas sul-

americanas em operaccedilotildees de combate agraves drogas com participaccedilatildeo de assessores do exeacutercito

estadunidense sob os auspiacutecios do Comando Sul ndash agora reorganizado teacutecnica operacional e

humanamente para combater o narcotraacutefico no lugar do comunismo ndash esse plano foi intitulado

Iniciativa Andina A Iniciativa Andina imposta unilateralmente pelos EUA teria duraccedilatildeo de

cinco anos e abrangeria a Boliacutevia Colocircmbia e Peru No ano fiscal de 1990 foram destinados

agrave regiatildeo andina um total de 2316 milhotildees de doacutelares e apenas 486 milhotildees natildeo foram

aplicados no apoio militar e policial fazendo com que a regiatildeo andina se tornasse a maior

receptora de ajuda antinarcoacuteticos na Ameacuterica Latina (ISACSON 2005) No acircmbito da

Iniciativa Andina foi criado um programa para treinamento das forccedilas armadas em operaccedilotildees

de combate agraves drogas sob responsabilidade do Comando Sul Comeccedilou com os trecircs paiacuteses

produtores de cocaiacutena do arco andino e depois foram acrescidos outros Estados sul-

americanos considerados ldquopaiacuteses de tracircnsitordquo tais como Argentina Brasil Equador e

Venezuela

Sob o espectro do conflito de baixa intensidade a Iniciativa Andina por meio dos

funcionaacuterios norte-americanos incentivou as forccedilas armadas latino-americanas a se

envolverem na guerra agraves drogas dentro de seus proacuteprios paiacuteses Nos EUA seria inadmissiacutevel a

participaccedilatildeo de forccedilas militares na batalha contra os psicoativos iliacutecitos dentro do paiacutes Para

conseguirem esse intento conforme salienta Adam Isacson (2005) foi necessaacuterio treinar

81

(treinamento antidroga e anti-subersivo) equipar e respaldar poliacutetica e diplomaticamente as

forccedilas armadas latino-americanas para que desempenhassem um papel mais veemente nas

missotildees antinarcoacuteticos

Para conseguir concretizar esse objetivo George Bush convocou duas reuniotildees com os

presidentes dos paiacuteses produtores para discutir quais medidas seriam implementadas para que

seus Estados se envolvessem mais ativamente na guerra agraves drogas Em 15 de fevereiro de

1990 na Colocircmbia ocorreu o primeiro encontro da Cuacutepula Americana Antidrogas de

Cartagena que contava com a participaccedilatildeo do chefe de Estado dos EUA e dos presidentes

Jaime Paz Zamora da Boliacutevia Viacutergilo Barco Vagas da Colocircmbia e Alan Garcia do Peru

onde o mandataacuterio estadunidense acentuou o fortalecimento da contenccedilatildeo da oferta da

demanda e do consumo de psicoativos iliacutecitos e propocircs a criaccedilatildeo de uma forccedila militar

multinacional antidrogas que seria comandada pelos norte-americanos Esta uacuteltima foi

descartada pelos presidentes andinos A segunda reuniatildeo foi realizada em San Antonio no

Texas em fevereiro de 1992 Com um tom mais afaacutevel mas sem inovaccedilatildeo no discurso o

presidente norte-americano apresentou propostas de investimento econocircmico para fomentar

poliacuteticas de substituiccedilatildeo de cultivo de coca para que os camponeses cultivassem produtos

liacutecitos (PASSETTI 1991 RODRIGUES 2003)

Como aponta Boville (2004) as contribuiccedilotildees em mateacuteria econocircmica foram

determinantes para a aceitaccedilatildeo da estrateacutegia unilateral dos EUA A assistecircncia econocircmica

serviu como um elemento persuasivo para a inserccedilatildeo gradativa das forccedilas armadas na luta

contra as drogas e contribuiu para a liberalizaccedilatildeo da economia Mesmo apresentando

inicialmente relutacircncia em aumentar o emprego de forccedilas militares para o controle das drogas

internamente os paiacuteses andinos almejavam uma participaccedilatildeo maior nos mercados norte-

americanos como forma de alternativa econocircmica para a questatildeo pois para os governos da

regiatildeo andina o auxiacutelio econocircmico deveria vir antes do que os militares Entretanto a

preocupaccedilatildeo de ficar sem ajuda econocircmica por natildeo cumprir a reduccedilatildeo das aacutereas de cultivo de

coca e mostrar resultados efetivos de combate agraves drogas o que deixaria um paiacutes de fora da

lista de certificaccedilatildeo foi um dos ingredientes fundamentais para o envolvimento militar mais

contundente na guerra agraves drogas

No governo Bush a guerra agraves drogas com seus dois elementos baacutesicos (o militar e o

econocircmico) procurou abordar a questatildeo a partir de trecircs pontos diferentes 1) a proibiccedilatildeo 2) a

82

erradicaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de cultivos 3) desenvolvimento alternativo (CARPENTER 2003

BOVILLE 2004) Contudo

A militarizaccedilatildeo continuou como bandeira sustentada pelo governo norte-americano

poreacutem natildeo mais baseada na contraproducente presenccedila ostensiva de forccedilas proacuteprias

mas na combinaccedilatildeo eficaz de pressatildeo poliacutetica e econocircmica (Certificaccedilatildeo) envio de

lsquoconsultoresrsquo militares estiacutemulo agrave militarizaccedilatildeo interna em cada paiacutes latino-

americano e conquista da lsquocooperaccedilatildeorsquo dos Estados do continente agrave batalha guerra

luta ou qualquer outro substantivo que remeta agrave ideia de conflito militar contra o

narcotraacutefico (RODRIGUES 2004 p 300)

Esta militarizaccedilatildeo no combate agraves drogas na Ameacuterica Latina durante a presidecircncia de

George Bush segundo Marcelo Santos (2007 p180) foi reforccedilada a partir de quatro accedilotildees

primeira o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina segunda a reorganizaccedilatildeo do Comando Sul

terceira a Operaccedilatildeo Causa Justa que levou as forccedilas armadas estadunidenses a invadirem o

Panamaacute para prenderem o presidente Manoel Ortega por uacuteltimo as accedilotildees da DEA em solo

mexicano para prender um meacutedico acusado de assassinar um funcionaacuterio da agecircncia no paiacutes

vizinho Podemos elencar algumas outras accedilotildees como as assistecircncias econocircmicas e militares

para as forccedilas armadas desempenharem funccedilotildees antidrogas na regiatildeo e o incentivo a criaccedilatildeo

de unidades especializadas de luta contra as drogas54

Carpenter (2003) assinala que no comeccedilo da Iniciativa Andina foram destinados cerca

de US$ 260 milhotildees em ajuda militar e policial para Boliacutevia Colocircmbia e Peru Essa

assistecircncia ultrapassaria a cifra de US$ 2 bilhotildees num periacuteodo de cinco anos A Estrateacutegia

Andina tinha como objetivo reduzir drasticamente o fluxo de cocaiacutena para os EUA A guerra

antinarcoacuteticos no lugar do combate ao comunismo servia como justificativa para intervir

militarmente de forma direta e indireta em toda Ameacuterica Latina Enquanto natildeo existia uma

forccedila militar hemisfeacuterica Boville (2004) frisa que os EUA entre 1990 e 1997 procuraram

estender a sua estrateacutegia de guerra contra o narcotraacutefico a todo subcontinente dividindo as

operaccedilotildees antidrogas do Comando Sul em trecircs setores 1) Regiatildeo Andina (Boliacutevia Colocircmbia

e Peru) 2) Equador Venezuela Brasil e Cone Sul 3) Panamaacute e Ameacuterica Central

A luta armada antidrogas da administraccedilatildeo Bush contra os ldquopaiacuteses produtoresrdquo

mostrou-se esteacuteril no que tange agrave eliminaccedilatildeo do cultivo iliacutecito de arbusto de coca e da

produccedilatildeo de folha de coca Essa ineficaacutecia das accedilotildees militarizadas promovidas por

Washington pode ser constatada no relatoacuterio Global Illicit Drug Trends de 1999 elaborado

pela United Nations Office for Drug Control and Crime (UNODC) que segundo os

54

As principais forccedilas de seguranccedila que foram criadas com o apoio norte-americano podem ser consultadas no

Quadro 3 na seccedilatildeo anexos

83

redatores buscava fazer uma ldquoanaacutelise equilibradardquo do ldquolado da ofertardquo e tambeacutem do ldquolado da

demandardquo O estudo apresenta um balanccedilo do cultivo de arbusto e da produccedilatildeo da folha de

coca de 1986 a 1998 no qual podemos observar um crescimento de ambos durante a

administraccedilatildeo Bush principalmente apoacutes o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina em 1989

quando o nuacutemero de hectares de cultivo de coca alcanccedilou os 283300 ha em comparaccedilatildeo com

o ano anterior que foi de 260900 ha e em 1990 este nuacutemero saltou para 288400 ha

enquanto que a produccedilatildeo da folha de coca em toneladas era de 317472 t em 1988 e passou

para 361138 t em 1998 (UNODC 1999 p 41)

Segundo Fukumi (2008) no iniacutecio dos anos de 1990 durante o governo Bush a ajuda

militar para cada paiacutes do arco andino ultrapassou os US$ 100 milhotildees entretanto os valores

emitidos para regiatildeo natildeo estavam sendo suficientes para reduzir o cultivo e a produccedilatildeo da

coca Na Boliacutevia para a administraccedilatildeo Zamora seria necessaacuterio o repasse de US$ 300 a US$

500 milhotildees por ano para levar adiante a poliacutetica de desenvolvimento alternativo para os

agricultores de coca substituiacuterem o cultivo iliacutecito O apoio financeiro para o desenvolvimento

social e econocircmico era algo secundaacuterio dentro da estrateacutegia antidrogas do presidente

republicano

No primeiro ano de governo do presidente Bill Clinton (1993-201) foi lanccedilada a

Diretiva Presidencial nordm14 ndash documento esse que foi resultado de uma revisatildeo das poliacuteticas e

estrateacutegias internacionais anteriores ndash cuja ecircnfase foi dada agrave luta contra organizaccedilotildees

narcotraficantes internacionais aos paiacuteses de tracircnsito e agrave ajuda aos ldquopaiacuteses de origemrdquo para

resoluccedilatildeo das causas profundas da produccedilatildeo de narcoacuteticos e do traacutefico atraveacutes da

assistecircncia para o desenvolvimento sustentaacutevel o fortalecimento das instituiccedilotildees

democraacuteticas e programas cooperativos para combater os narcotraficantes lavagem

de dinheiro e fornecimento de produtos quiacutemicos [] Enfatizando interdiccedilotildees mais

seletivas e programas flexiacuteveis perto da fronteira com os EUA na zona de tracircnsito e

nos paiacuteses de origem (UNITED STATES 1993 traduccedilatildeo nossa)

Seguindo essa diretiva a administraccedilatildeo democrata fez uma reforma na Estrateacutegia

Andina para criaccedilatildeo de incentivos para Estados da regiatildeo andina aderirem agraves poliacuteticas de

controle de drogas e cumprirem as metas de reduccedilatildeo da produccedilatildeo de drogas Para conseguir

esse objetivo os EUA reforccedilaram o processo de Certificaccedilatildeo como meio de exercerem

coaccedilotildees e sanccedilotildees econocircmicas para garantirem a participaccedilatildeo dos paiacuteses produtores

localizados nos Andes Essa medida nada inovadora era mais uma forma de forccedilar os

governos andinos a priorizarem as poliacuteticas antidrogas A retomada da Certificaccedilatildeo dentro da

agenda da poliacutetica de seguranccedila norte-americana poacutes-Guerra Fria de acordo com Thiago

84

Lima (2009) estaria assentada em dois pilares ldquoo aprofundamento e a consolidaccedilatildeo da

democracia e das reformas neoliberaisrdquo (LIMA 2009 p 95)

Thiago Rodrigues (2012) assinala ainda que o governo Clinton em cumprimento com

as determinaccedilotildees da Conferecircncia de Viena sobre entorpecentes adicionou outros crimes ao

ldquoperigo das drogasrdquo tais como a lavagem de dinheiro e as suas conexotildees com traacutefico de armas

e de pessoas (que depois viria a ser chamado de ldquocrime organizado transnacionalrdquo) Sobre o

crime organizado internacional o autor lembra que o documento Presidential Decision

Directive n 42 com o tiacutetulo de International Organized Crime de 1995 ldquodestacou o crime

organizado como ameaccedila agrave seguranccedila dos EUA e internacional com destaque para o poder

econocircmico e de abalo poliacutetico-institucional do narcotraacuteficordquo (RODRIGUES 2012 p23)

No ano de 1995 conforme aponta Peter Lilley (2006) existia mais de 200 milhotildees de

usuaacuterios de psicoativos iliacutecitos no mundo inteiro e o comeacutercio internacional ilegal de drogas

movimentou cerca de US$ 400 bilhotildees o equivalente a 8 do comeacutercio mundial cujas cifras

superaram o comeacutercio de automoacuteveis ferro e accedilo Em 21 de outubro do mesmo ano Clinton

assinou a Ordem Executiva 12978 sobre sanccedilotildees econocircmicas contra os ldquocarteacuteis colombianosrdquo

a partir de uma lista de Specially Designated Narcotics Traffickers (SDNTs) Essa lista

continha nomes de empresas e pessoas envolvidas com a lavagem de dinheiro do traacutefico de

drogas principalmente dos grupos narcotraficantes colombianos

No ano subsequente sob pressatildeo poliacutetica o governo democrata retomou com maior

ecircnfase a poliacutetica de seu antecessor de combate agrave fonte do problema A Estrateacutegia Nacional de

Seguranccedila (National Security Strategy ndash NSS) lanccedilada em fevereiro de 199655

colocava o

traacutefico de drogas e a criminalidade internacional no mesmo patamar de ameaccedila do terrorismo

reforccedilando o combate ao traacutefico de armas ilegais e armas de destruiccedilatildeo em massa materiais

bioloacutegicos e quiacutemicos e narcoacuteticos O documento destaca que essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo tecircm

origens no exterior em paiacuteses que acolhem e reproduzem terroristas e carteacuteis de drogas do

crime organizado internacional Portanto era preciso manter a mudanccedila na estrateacutegia fazendo

com que ela permaneccedila ldquoequilibradardquo com accedilotildees nacionais e internacionais para conter tanto

a demanda quanto a oferta de drogas Essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo foram enfraquecidas na

administraccedilatildeo Clinton com a morte de Pablo Escobar em dezembro de 1993 e depois com

55

Isacson (2005) lembra que tanto no Congresso quanto no Senado a maioria era republicana bem como seus

liacutederes apoacutes as eleiccedilotildees de 1994 essa pressatildeo resultou na nomeaccedilatildeo do novo ldquoczar antidrogasrdquo general Barry

McCaffrey ndash ex-comandante do Comando Sul ndash para o Gabinete de Poliacutetica Nacional de Controle de Drogas

(Office of National Drug Control Policy ndash ONDCP) em novembro de 1996

85

uma seacuterie de prisotildees dos principais liacutederes das organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes de

Medelliacuten e Cali que em 1996 estavam praticamente pulverizadas

A Colocircmbia se torna nos anos 1990 o maior receptor de ajuda militar dos EUA no

Hemisfeacuterio Ocidental De acordo com o levantamento de dados do Departamento de Estado

realizado pela Common Sense for Drug Policy (CSDP) a ajuda fornecida para as forccedilas

armadas e a poliacutecia nacional colombianas para combate agraves drogas passou de US$288 milhotildees

em 1995 para cerca de US$959 milhotildees em 1997 e as vendas de materiais militares para o

paiacutes aumentou significativamente de US$219 milhotildees para US$75 milhotildees no mesmo

periacuteodo O pacote de ajuda militar anual acordado com o presidente colombiano Andreacute

Pastrana apoacutes a sua eleiccedilatildeo foi de US$289 milhotildees (COMMON SENSE FOR DRUG

POLICY 1999)

A Colocircmbia em 1994 durante a administraccedilatildeo Samper tambeacutem se tornou o uacutenico

paiacutes latino-americano a autorizar a fumigaccedilatildeo aeacuterea com herbicidas para deter o avanccedilo do

cultivo iliacutecito de coca e papoula conforme os ditames dos EUA para conter a produccedilatildeo No

entanto Boliacutevia e Peru continuavam com a erradicaccedilatildeo manual proibindo qualquer uso de

agente quiacutemico para esses fins Isacson (2005) aponta que o nuacutemero de hectares fumegados

subiu geometricamente passando de 5600 em 1996 para 127 mil hectares no ano de 2003

(ISACSON 2005 p45) Na Colocircmbia tanto o cultivo quanto a produccedilatildeo de coca cresceram

continuamente desde a deacutecada de 1980 de modo que o paiacutes ultrapassou a Boliacutevia e o Peru

juntos pela primeira vez no ano de 199856

demonstrando que a utilizaccedilatildeo de herbicidas para

deter o cultivo e a produccedilatildeo de coca natildeo atingiu os resultados almejados

Jaacute em 1999 foi elaborado o Plano Colocircmbia pela administraccedilatildeo Pastrana cujo nome

original era Plan de Desarollo Cambio para Construir la Paz que tinha como objetivo

principal cessar o conflito armado que se arrastava durante quatro deacutecadas atacando as

ldquocausas estruturaisrdquo do problema por meio de investimento econocircmico e social nas aacutereas

rurais da Colocircmbia como forma de reduzir a pobreza e a desigualdade na distribuiccedilatildeo da

riqueza Para promover o seu plano e angariar recursos o presidente colombiano foi aos EUA

O Plano em sua versatildeo original natildeo previa ajuda militar e seu foco era mais negociar um

processo de paz no paiacutes do que combater o narcotraacutefico Todavia para o governo

56

Conforme a CSDP (1999) os cultivos de coca natildeo foram erradicados porque ldquoestas culturas satildeo a uacutenica fonte

de renda dos camponeses uma vez que os campos satildeo fumigados os agricultores penetram mais

profundamente na floresta amazocircnica e cultivam em ladeiras iacutengremes Este impulso constante dos

camponeses levou ao desmatamento de mais de 175 milhotildees de hectares de floresta tropicalrdquo (COMMON

SENSE FOR DRUG POLICY 1999 traduccedilatildeo nossa)

86

estadunidense o desenho do Plano parecia vago e natildeo tinha qualquer relaccedilatildeo com os objetivos

prioritaacuterios da agenda poliacutetica norte-americana Com a visita do Ministro da Defesa

colombiano aos EUA para conseguir ajuda militar e negociaccedilotildees em torno do plano entre os

dois paiacuteses foi incluiacuteda uma estrateacutegia para fortalecer o papel do Estado na luta antinarcoacuteticos

com duraccedilatildeo de seis anos o que assumia seu caraacuteter eminentemente militar

O Plano Colocircmbia que previa um orccedilamento total de US$75 bilhotildees sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional reforccedilou o emprego de forccedilas militares e a

erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos por meio de fumigaccedilatildeo cujo foco principal foi alterado para o

combate agraves drogas para atender as diretrizes estabelecidas por Washington Para cumprir a

meta de erradicaccedilatildeo do traacutefico de drogas em 50 no periacuteodo de seis anos foram traccedilados seis

objetivos 1) reforccedilar a luta contra o traacutefico de drogas e desmantelar as organizaccedilotildees do traacutefico

atraveacutes de um esforccedilo integrado pelas forccedilas armadas 2) fortalecer o sistema judicial e

combater a corrupccedilatildeo 3) neutralizar o sistema financeiro do traacutefico de drogas e aproveitar os

seus recursos para o Estado 4) neutralizar e combater agentes violentos aliados do traacutefico de

drogas 5) integrar as iniciativas nacionais em esforccedilos regionais e internacionais e 6)

fortalecer e ampliar os planos de desenvolvimento alternativo em aacutereas afetadas pelo traacutefico

de drogas (FUKUMI 2008)

Os fundos enviados pela administraccedilatildeo Clinton deveriam ser destinados ao combate agraves

drogas e natildeo para a luta anti-subversiva contra as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da

Colocircmbia (FARC) e o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) entretanto os equipamentos e

forccedilas militares foram empregados para ambos os fins pois grande parte das operaccedilotildees

militares ocorreu contra grupos narcotraficantes em regiotildees do paiacutes que tambeacutem tecircm forte

presenccedila das guerrilhas

Essa distinccedilatildeo entre narcotraacutefico e guerrilha sofreu uma mudanccedila no decorrer da

campanha presidencial de George W Bush filho em 2000 Carpenter (2003) ressalta que o

assessor de poliacutetica externa da campanha de Bush Robert Zoellick discordava da

diferenciaccedilatildeo entre guerrilha e narcotraacutefico feita durante a administraccedilatildeo Clinton Durante a

campanha o proacuteprio Bush coadunou com as afirmaccedilotildees de Zoellick quando prometeu ajudar

ldquoo governo colombiano a proteger a sua populaccedilatildeo combater o traacutefico de drogas e conter os

impulsos dos guerrilheirosrdquo (CARPENTER 2003 p 62 traduccedilatildeo nossa)

No ano de 2001 durante a administraccedilatildeo Pastrana ocorreu um aumento de accedilotildees

consideradas terroristas perpetradas pelas guerrilhas e de outras atividades armadas contra a

87

populaccedilatildeo civil realizadas por grupos paramilitares ilegais Michelle M Norentildea (2011)

enumera que nesse ano ocorreram mais de quatrocentas accedilotildees ditas terroristas promovidas

pelas FARC As mais recorrentes foram emboscadas extorsotildees ataques agraves instalaccedilotildees

estatais entre outros Essas accedilotildees da guerrilha coincidiram cronologicamente com o atentado

contra as torres gecircmeas em 11 de setembro de 2001 em Nova York o qual desencadeou a

war on terrorism em escala global

Apoacutes os atentados de 11 de setembro a guerra contra o terrorismo global se tornou o

eixo principal da seguranccedila e poliacutetica externa norte-americana o que levou Washington a

direcionar sua atenccedilatildeo para outras regiotildees do globo fazendo com que neste contexto a

Ameacuterica Latina e Caribe deixassem de ser suas prioridades bem como o combate agraves drogas

tambeacutem perdesse terreno poliacutetico nos EUA De acordo com Coletta A Youngers e Eileen

Rosin (2005b) os funcionaacuterios encarregados da poliacutetica externa dos Estados Unidos para a

regiatildeo buscaram conseguir atenccedilatildeo e recursos colocando um leque amplo de assuntos no

mesmo bojo do terrorismo e narcoterrorismo referindo-se ldquoa todas as atividades

transfronteiriccedilas ilegais como potenciais ameaccedilas terroristas como a produccedilatildeo e traacutefico de

droga imigraccedilatildeo ilegal traacutefico de armas e lavagem de dinheirordquo chegando ao ponto de o

Comando Sul no momento do deliacuterio antiterrorismo declarar que as drogas eram uma ldquoarma

de destruiccedilatildeo massivardquo (YOUNGERS ROSIN 2005b p 12 traduccedilatildeo nossa)

Em 23 de setembro de 2001 a administraccedilatildeo Bush publicou a ordem executiva 13224

que apresentava uma lista de organizaccedilotildees terroristas que passaram a serem consideradas

como ameaccedilas para a seguranccedila nacional dos EUA em outubro do mesmo ano as FARC

foram incluiacutedas nessa lista de Terroristas Globais57

O presidente Bush chegou a identificar a

guerrilha como ldquogrupo narcotraficanterdquo e ldquosenhores da drogardquo O governo Colombiano em

dezembro de 2001 emitiu um informe ao Comitecirc Contra o Terrorismo do Conselho de

Seguranccedila da ONU no qual anunciou a criaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo contra o terrorismo

chamado El Camino Hacia la Paz y la Estrategia Contra el Terrorismo compreendendo os

ldquoprincipais riscos e ameaccedilas a seguranccedila regional hemisfeacuterica e mundial estatildeo representados

pelo crime transnacional (terrorismo narcotraacutefico traacutefico iliacutecito de armas lavagem de

dinheiro etc)rdquo (COLOcircMBIA 2001 p 50)

57

As FARC jaacute tinham sido consideradas ldquoOrganizaccedilatildeo Estrangeira Terroristardquo pelo Departamento de Estado em

1997

88

Ainda em 2001 o governo Bush elaborou a Iniciativa Regional Andina durante a III

Cuacutepula das Ameacutericas a qual depois foi apresentada e aprovada pelo Senado estadunidense

procurava abranger os mesmos paiacuteses da Iniciativa anterior58

e previa um orccedilamento de US$

731 para o ano fiscal de 2002 e estava distribuiacutedo da seguinte forma US$ 399 para a

Colocircmbia US$ 2061 milhotildees para o Peru US$ 1435 milhotildees para Boliacutevia US$ 765

milhotildees para o Equador US$ 262 para o Brasil US$ 205 milhotildees para o Panamaacute e US$ 105

milhotildees para Venezuela (BUITRAGO 2003 p 133) Segundo Villa e Ostos (2005) o

programa teve a sua nomenclatura alterada posteriormente para Iniciativa Andina Antidrogas

com o orccedilamento de US$ 700 milhotildees para 2003 e de US$ 731 milhotildees para 2004 sendo que

a Colocircmbia devido a sua prioridade estrateacutegica no combate agraves drogas ficaria com a maior

parte do recurso cerca de 63 e o restante seria divido em ordem de prioridade entre os

outros paiacuteses andinos na seguinte sequecircncia Peru Boliacutevia e Equador

A partir do Plano Colocircmbia e da Iniciativa Regional Andina a (in)definiccedilatildeo do traacutefico

de drogas como potencial ameaccedila terrorista permitiu aos EUA redirecionarem os seus

esforccedilos para combater o narcotraacutefico o crime organizado transterritorial e a insurgecircncia (das

FARC-EP na Colocircmbia ao Sendero Luminoso no Peru) como uma de suas prioridades em

mateacuteria de seguranccedila para a regiatildeo andina influindo direta e indiretamente nas agendas de

seguranccedila nacionais e regionais Ao colocar o traacutefico de drogas terrorismo e guerrilha sob o

mesmo tropo a compreensatildeo sobre as diferenccedilas particularidades e significados que existem

entre esses fenocircmenos seus agentes e suas atividades a niacutevel domeacutestico regional e global foi

prejudicada incorrendo em accedilotildees militares assimeacutetricas para combatecirc-las Isso eacute verificaacutevel

nas estrateacutegias de seguranccedila estadunidense para o arco andino as quais se tornaram

gradualmente mais ofensivas para responder agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo Tais redimensionamentos

repercutiram indireta e diretamente nos Andes colocando em questatildeo os atores regionais e

seus papeacuteis concernentes agrave seguranccedila

O papel desempenhando pelos EUA foi decisivo no processo de ldquoimposiccedilatildeordquo das

ldquoguerras agraves drogasrdquo no arco andino no entanto deve-se problematizar a unilateralidade das

poliacuteticas de Washington pois a implantaccedilatildeo da poliacutetica de drogas repressiva e seus

desdobramentos tecircm responsabilidade compartilhada (THOUMI 2001) A pressatildeo exercida

pelos diferentes governos estadunidenses recebeu algumas resistecircncias pontuais por exemplo

no que concerne agrave criaccedilatildeo de uma forccedila militar multinacional antidrogas que seria

58

Conferir Mapa 5 da seccedilatildeo anexos

89

administrada por Washington Os paiacuteses andinos incorporaram a percepccedilatildeo norte-americana

do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila gradativamente em um processo contiacutenuo de

construccedilatildeo Os marcos regulatoacuterios nacionais e as poliacuteticas de drogas implementados pelos os

Estados da regiatildeo no decorrer da emergecircncia do narcotraacutefico como ameaccedila corroboraram

para a prevalecircncia dessa construccedilatildeo e para o enraizamento do problema impedindo qualquer

iniciativa que favoreccedila o avanccedilo do debate sobre a legalizaccedilatildeo das drogas ou de outras

alternativas para a questatildeo A regiatildeo andina se tornou no decurso das trecircs uacuteltimas deacutecadas

um laboratoacuterio de experimentaccedilatildeo da guerra assimeacutetrica contra as drogas mas isso natildeo

ocorreu sem anuecircncia de governos andinos e de parte da sociedade que os apoiaram A

identificaccedilatildeo do traacutefico de drogas com problemas tradicionais de seguranccedila regional e

nacional bem como a sua vinculaccedilatildeo com a guerrilha e com o terrorismo demonstram que

esse processo de construccedilatildeo da ameaccedila foi exitoso ndash poreacutem improfiacutecuo no que tange aos seus

resultados ndash mas com alcances diferentes de acordo com as particularidades das poliacuteticas de

seguranccedila a esse respeito O proacuteximo capiacutetulo abordaraacute como cada paiacutes se alinhou e ou

contestou agraves diretrizes internacionais o desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo

das drogas iliacutecitas em cada Estado da CAN

90

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila Democraacutetica

A Colocircmbia estaacute entre os paiacuteses que mais auferiram recursos financeiros dos EUA

para pocircr em curso programas militares e ou de seguranccedila consequentemente eacute tambeacutem o

principal aliado de Washington na Ameacuterica do Sul A influecircncia do paiacutes norte-americano

sobre a Colocircmbia atravessou todo o seacuteculo XX

No final do seacuteculo passado a Colocircmbia passava por um momento de agravamento do

conflito interno que atingiu proporccedilotildees calamitosas59

e de expansatildeo das atividades do traacutefico

de drogas Naquele momento o paiacutes apresentou um crescimento desenfreado do cultivo de

coca que passou de 101800 ha em 1998 para 160100 ha em 1999 e da produccedilatildeo de cocaiacutena

que no mesmo periacuteodo passou de 435 para 680 toneladas meacutetricas (UNODC 2005 p 61)

Este crescimento do cultivo da coca e da produccedilatildeo de cocaiacutena estaacute relacionado com a

mudanccedila da dinacircmica do traacutefico de drogas ocorrida em meados de 1990 quando a ldquoponte

aeacutereardquo que ligava os centros de cultivo de coca na Boliacutevia e no Peru agraves instalaccedilotildees de

processamento de cocaiacutena na Colocircmbia foi desarticulada o que motivou o aumento dos

plantios de coca na Colocircmbia a partir da segunda metade dos anos 1990 Em 2000 o paiacutes

produzia 70 da cocaiacutena do mundo Frente a este quadro os governos de Andreacutes Pastrana

Arango (1998-2002) e Aacutelvaro Uribe Veacutelez (2002-2010) se propuseram consecutivamente

elaborar estrateacutegias para conter as fontes de financiamento do traacutefico de drogas e para

restabelecer a paz no paiacutes

Assim que assumiu a presidecircncia Pastrana declarou ldquoguerra agraves drogasrdquo e criou

iniciativas para modernizar e reequipar a poliacutecia nacional e as forccedilas armadas Pastrana tinha

como um dos seus objetivos chegar a um termo com as FARC que era o maior grupo

guerrilheiro colombiano e um dos atores centrais do conflito para consolidar a paz no paiacutes

59

No transcurso da deacutecada de 1990 o conflito armado na Colocircmbia resultou em numerosos iacutendices de mortos

desaparecidos sequestrados feridos chacinas massacres e refugiados Entre o comeccedilo de 1990 ateacute marccedilo de

2002 cerca de 37 mil pessoas foram mortas pelo conflito Outro nuacutemero alarmante foi o de refugiados

forccedilados dentro do territoacuterio colombiano que atingiu 2900000 pessoas (SANTOS 2007 p 183)

91

No ano de 199960

a administraccedilatildeo de Pastrana apresentou o Plan Colombia Plan para la

paz la prosperidad y el fortalecimiento del Estado que contemplava dez estrateacutegias 1) uma

estrateacutegia econocircmica para geraccedilatildeo de empregos e robustecimento da arrecadaccedilatildeo de impostos

para fortalecimento do Estado contra o narcotraacutefico 2) uma estrateacutegia fiscal e financeira para

fomentar a atividade econocircmica 3) uma estrateacutegia de paz com a guerrilha 4) uma estrateacutegia

para a defesa nacional para reestruturar e modernizar as forccedilas armadas e a poliacutecia 5) uma

estrateacutegia judicial e de direitos humanos 6) uma estrateacutegia antinarcoacuteticos coordenada com os

paiacuteses envolvidos na cadeia do narcotraacutefico 7) uma estrateacutegia de desenvolvimento

alternativo 8) uma estrateacutegia de participaccedilatildeo social com a finalidade de gerar o compromisso

da sociedade em geral 9) uma estrateacutegia de desenvolvimento humano com atenccedilatildeo especial

aos grupos vulneraacuteveis e 10) uma estrateacutegia de orientaccedilatildeo internacional que aborde o tema

das drogas a partir dos princiacutepios de corresponsabilidade accedilatildeo integrada e tratamento

equilibrado (COLOcircMBIA 1999) No ano 2000 apoacutes as negociaccedilotildees entre os governos

Pastrana e Clinton foi lanccedilada a quarta versatildeo do Plano a qual previa cinco componentes

principais para a assistecircncia norte-americana 1) melhoramento da capacidade de governanccedila

e respeito aos direitos humanos 2) expansatildeo das operaccedilotildees para o sul da Colocircmbia 3)

desenvolvimento econocircmico alternativo 4) aumento da interdiccedilatildeo na Colocircmbia e na regiatildeo

5) assistecircncia para a Poliacutecia Nacional da Colocircmbia

O Plano Colocircmbia foi uma das estrateacutegias mais abrangentes delineadas pelo governo

colombiano em parceria com os EUA para enfrentar o conflito armado e o narcotraacutefico Para

colocaacute-lo em praacutetica estava previsto um orccedilamento total de US$75 bilhotildees ndash sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional ndash e a estimativa de duraccedilatildeo era de cinco anos O

plano surge principalmente para combater o traacutefico de drogas e na sua ediccedilatildeo de 1999 o

narcotraacutefico era entendido como ldquouma ameaccedila para a seguranccedila interna natildeo soacute da Colocircmbia

mas tambeacutem para as outras naccedilotildees consumidoras e produtorasrdquo (COLOcircMBIA 1999 traduccedilatildeo

nossa) Este trecho expressa bem a influecircncia dos Estados Unidos que sob a premissa de

combater uma ldquoameaccedilardquo global incluiu todos os paiacuteses andinos na luta contra o

ldquonarcotraacuteficordquo O Plano trazia consigo a marca da ambiguidade Por um lado procurava

abordar as urgecircncias e problemas internos por outro respondia a interesses nacionais

regionais e geopoliacuteticos dos EUA A ambiguidade reflete natildeo apenas no conteuacutedo do plano

60

A primeira versatildeo do plano foi elaborada em 1998 cuja abordagem era mais focada nas questotildees sociais e

econocircmicas entendidas como os principais fatores para alcanccedilar a paz na Colocircmbia A segunda versatildeo foi

apresentada em junho de 2009 e a terceira foi publicada em setembro do mesmo ano

92

mas tambeacutem na forma como ele seria executado por exemplo o plano de paz que previa

soluccedilatildeo negociada com as FARC apoacutes a nova redaccedilatildeo sob as orientaccedilotildees de Washington no

ano de 2000 se tornou uma estrateacutegia de contrainsurgecircncia

Juan Gabriel Tokatlian (2009) aponta que a militarizaccedilatildeo da luta contra o narcotraacutefico

formulada sob o Plano Colocircmbia operou uma redefiniccedilatildeo dos interesses regionais dos EUA

no arco andino isto se deve ao paradigma securitaacuterio estadunidense que legitima a poliacutetica

intervencionista na regiatildeo para combater o narcotraacutefico que eacute considerado um problema natildeo

apenas transnacional mas tambeacutem internacional e geopoliacutetico Segundo Tokatlian

inicialmente a assistecircncia de Washington para o Plano Colocircmbia era restrita ao combate

contra o narcotraacutefico mas a partir dos atentados contra as torres gecircmeas em 2001 o governo

colombiano passou a tratar as FARC e as organizaccedilotildees criminosas como grupos terroristas e

isto permitiu que os fundos para o Plano fossem destinados tambeacutem para combater as

guerrilhas e internacionalizasse o conflito ocasionando o ldquoefeito derramerdquo ou seja a

intensidade dos combates contra o ldquonarcoterrorismordquo incorreu no espalhamento das atividades

do narcotraacutefico para as fronteiras e para dentro dos territoacuterios nacionais dos paiacuteses vizinhos

assim como outros fatores ligados direta e indiretamente agrave esta atividade iliacutecita

Desde o ano de seu lanccedilamento ateacute 2002 o Plano teve impacto sobre o plantio de

coca A erradicaccedilatildeo forccedilada que combinava accedilotildees de erradicaccedilatildeo manual e fumigaccedilotildees aeacutereas

com o uso de glifosato fizeram com que o total de cultivos que era de 163000 ha em 1999

fosse reduzido para 102000 ha em 2002 O uso indiscriminado de glifosato aleacutem de

aumentar os custos com a erradicaccedilatildeo provocou o deslocamento forccedilado de milhares de

famiacutelias impulsionando tambeacutem a transferecircncia dos cultivos para as aacutereas situadas nas

regiotildees limiacutetrofes principalmente na fronteira com o Equador como satildeo os casos dos

Departamentos de Narintildeo e Putumayo

Os resultados do Plano Colocircmbia ateacute o comeccedilo de 2001 foram vistos pelo presidente

norte-americano Clinton como piacutefios Mesmo com a reduccedilatildeo gradativa dos cultivos o traacutefico

de cocaiacutena continuava prosperando pois para Washington o fim dos ldquocarteacuteis colombianosrdquo

resultou no surgimento de inuacutemeros outros grupos narcotraficantes menores fazendo com que

ocorresse um processo de ldquodemocratizaccedilatildeo do narcotraacuteficordquo (FUKUMI 2008) Aleacutem disso as

93

negociaccedilotildees do presidente Pastrana com as FARC natildeo avanccedilaram61

assim como o governo

natildeo conseguiu fortalecer a presenccedila institucional no territoacuterio colombiano principalmente nas

aacutereas afetadas pela pobreza e pela violecircncia crescente Sua figura foi associada ao fracasso

poliacutetico e o marco simboacutelico dessa situaccedilatildeo foi o sequestro do aviatildeo comercial perpetrado

pelas FARC no comeccedilo de 2002 Todos os passageiros foram sequestrados e o presidente da

comissatildeo de paz do congresso foi feito refeacutem Essa accedilatildeo motivou Pastrana a romper o

processo de negociaccedilatildeo de paz De acordo com Villa e Ostos (2005) o maior ecircxito da

administraccedilatildeo de Pastrana foi no aspecto externo ldquoao restabelecer plenamente as relaccedilotildees

com os EUA aceitando no entanto a internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano e da luta

contra o narcotraacutefico por meio de mecanismos concretos como o Plano Colocircmbiardquo (VILLA

OSTOS 2005 p 7)

A eleiccedilatildeo no primeiro turno de Aacutelvaro Uribe em 2002 foi marcada pela sua bandeira

de luta contra a guerrilha apostando no uso da forccedila militar sob o lema mano firme y corazoacuten

grande o que divergia da poliacutetica de negociaccedilatildeo de seu antecessor A persistente existecircncia

das FARC e o seu espalhamento com a formaccedilatildeo de novas frentes de luta insurgente pelo

territoacuterio colombiano bem como o contexto da guerra contra o terrorismo promoveram uma

mudanccedila de como a guerra agraves drogas deveria ser conduzida Os atentados de 11 de setembro

criaram um ambiente favoraacutevel para que o receacutem-empossado presidente Uribe (2002-2010)

apresentasse o seu plano de seguranccedila no qual a insurgecircncia eacute classificada como ldquoterrorismordquo

e suas atividades como ldquonarcoterroristasrdquo Esta mudanccedila discursiva coadunava com a visatildeo

estadunidense sobre o conflito colombiano

O governo colombiano foi apoiado pelos EUA o presidente Bush enviou US$ 100

milhotildees para reequipar as forccedilas armadas para o combate ao ldquonarcoterrorismordquo e para a

proteccedilatildeo de oleodutos (TEICHER 2005) Esta forte presenccedila de Washington nos assuntos

internos da Colocircmbia estaacute relacionado com aquilo que Arlene B Tickner (2007) chamou de

ldquointervenccedilatildeo por conviterdquo ou seja tanto o presidente Pastrana quanto Uribe recorreram aos

EUA para que este paiacutes interviesse em sua poliacutetica domeacutestica para auxiliar na luta contra o

traacutefico de drogas e contra os grupos armados insurgentes

Nos primeiros anos de seu mandato Uribe concentrou seus esforccedilos para reafirmar o

controle do governo em todo o paiacutes e executar o Plano Colocircmbia As principais medidas

61

O presidente Pastrana chegou a conceder para a guerrilha uma zona desmilitarizada que cobria 40 do

territoacuterio colombiano (VILLA OSTOS 2005 p 7)

94

adotadas nos primeiros anos de seu governo foram a) a promulgaccedilatildeo de um decreto

emergencial que concedia poderes ao presidente para recrutar ateacute 6000 soldados para a elite

de brigadas moacuteveis 10 mil novos policiais e 100000 informantes civis b) a criaccedilatildeo de um

imposto de guerra para taxar em 12 a renda de pessoas ricas e grandes empresas no intuito

de levantar $ 800 milhotildees para criaccedilatildeo de 2 batalhotildees de elite com 3 mil soldados e a para a

contrataccedilatildeo de 10 mil policiais c) o lanccedilamento do Plano Meteoro o qual criou sete unidades

militares de seguranccedila rodoviaacuteria que integrava os Ministeacuterios da Defesa e do Transporte d)

e a apresentaccedilatildeo de um plano para armar entre 15 a 20 mil camponeses que seriam a primeira

linha de defesa contra guerrilheiros e paramilitares em aacutereas onde natildeo haacute presenccedila militar

(TEICHER 2005 p 7) A ecircnfase dada agrave presenccedila militar pelo governo colombiano tinha o

intuito de simbolizar e exercer efetivamente o poder do Estado sobre o territoacuterio e a

populaccedilatildeo mas tambeacutem criar as condiccedilotildees necessaacuterias para garantir um ambiente seguro para

a entrada do capital financeiro internacional e de seus investimentos

O Plano Colocircmbia incidiu sobremaneira na Poliacutetica de Defensa y Seguridad

Democraacutetica (tambeacutem conhecida como Poliacutetica Seguridad Democraacutetica - PSD)

implementada em 2003 que se tornou o marco legal orientador das questotildees de seguranccedila

neste paiacutes A PSD foi concebida como poliacutetica de Estado a longo prazo que deveria ser

desenvolvida por todos oacutergatildeos governamentais Esta poliacutetica objetivava recuperar a

legitimidade a legalidade e a governabilidade do Estado colombiano para aprofundar e

assegurar o Estado de Direito em todo o territoacuterio colombiano por meio da preservaccedilatildeo da

autoridade democraacutetica (COLOMBIA 2003) O governo Uribe tinha o propoacutesito de fortalecer

as instituiccedilotildees do Estado e reunificar o territoacuterio nacional politicamente fragmentado e a PSD

cumpriria esta tarefa pois a sua finalidade era ldquorestabelecer a ordem e a integridade territorial

na Colocircmbia e fortalecer a autoridade do Estadordquo (VILLA VIANA 2008 p167) A PSD foi

elaborada sobre trecircs alicerces fundamentais

Consolidaccedilatildeo do territoacuterio nacional (com destaque para o papel das

Forccedilas Armadas e uma desmobilizaccedilatildeo dos grupos paramilitares)

eliminaccedilatildeo do comeacutercio das drogas iliacutecitas fortalecendo para isso a

poliacutetica de fumigaccedilatildeo das zonas de plantio e combate pelo Exeacutercito

aos grupos de narcotraficantes e proteccedilatildeo das fronteiras mediante

acordos com os paiacuteses vizinhos (VILLA VIANA 2008 p167)

A PSD tinha como um dos seus pontos centrais qualificar o conflito armado como

ameaccedila militar De acordo com o governo os grupos guerrilheiros seriam financiados pelo

narcotraacutefico e utilizam ldquopraacuteticas terroristasrdquo como taacutetica de guerra portanto essa ameaccedila

95

militar deveria ser prioridade para seguranccedila nacional Essa poliacutetica militarista do governo

colombiano se aproximou das propostas de Washington de guerra ao terror (QUIROGA

2003) Essa descaracterizaccedilatildeo da dimensatildeo poliacutetica do conflito e das reivindicaccedilotildees dos

grupos insurgentes permitiu ao governo Uribe declarar desde o iniacutecio de seu governo o

ldquoestado de conmocioacuten interiorrdquo de acordo com a constituiccedilatildeo de 1991 ou seja essa

declaraccedilatildeo de estado de exceccedilatildeo permitiu ao presidente conceder poderes excepcionais agraves

forccedilas armadas acima das instituiccedilotildees judiciaacuterias do Estado submetendo tambeacutem as

autoridades civis eleitas democraticamente aos respectivos comandantes locais (VILLA

VIANA 2008 p169)

Este fortalecimento do papel das forccedilas armadas para combater as guerrilhas e o

narcotraacutefico era ambiacuteguo pois o conflito de interesses para resoluccedilatildeo do problema ficou

evidente nas formas distintas de tratar as guerrilhas e os grupos paramilitares No primeiro

caso cessaram-se as negociaccedilotildees e foi declarada guerra agraves FARC e a ELN no segundo o

governo iniciou em 2003 o processo de Desmobilizacioacuten Desarme y Reinsercioacuten (DDR) dos

grupos paramilitares A partir daiacute foi aberto um canal de diaacutelogo do governo com as AUC ndash o

maior e o mais bem armado grupo paramilitar colombiano no comeccedilo dos anos 2000 ndash que

visava a desmobilizar e desarmar cerca de 34 blocos da organizaccedilatildeo e reincorporar os seus

membros agrave vida civil com garantia de seus direitos Tal accedilatildeo objetivava unificar a poliacutetica de

seguranccedila e restabelecer o monopoacutelio estatal do uso da forccedila entretanto o paramilitarismo

natildeo foi extinto e continua descentralizado e presente em vaacuterios pontos do territoacuterio

colombiano principalmente como ldquobandas criminais emergentesrdquo (Bacrim)62

O presidente Uribe ao impor a sua poliacutetica de seguranccedila natildeo levou em consideraccedilatildeo

os problemas estruturais de longa duraccedilatildeo da Colocircmbia e a complexidade do conflito A

simplificaccedilatildeo do processo trouxe consequecircncias indeleacuteveis para a populaccedilatildeo e os deslocados

internos estavam entre os mais prejudicados com a crise dos direitos humanos a negaccedilatildeo do

direito internacional humanitaacuterio e a ausecircncia de garantias miacutenimas de sobrevivecircncia aleacutem da

natildeo distinccedilatildeo entre combatentes e natildeo combatentes que provocou inuacutemeros casos de

violaccedilotildees dos direitos humanos No ano de 2002 os deslocamentos internos alcanccedilaram

iacutendices elevados atingindo 411779 pessoas um aumento de 20 em relaccedilatildeo a 2001

62

As bandas criminales emergentes conhecidas pela sigla Bacrim em sua maioria emergiram apoacutes o processo

de desmobilizaccedilatildeo dos blocos que compunham as AUC Muitos de seus integrantes natildeo aceitaram se

desmobilizar e se reestruturaram e se fragmentaram em inuacutemeros novos grupos criminosos que continuaram

exercendo atividades iliacutecitas sendo o traacutefico de drogas uma das principais A nomenclatura Bacrim foi

utilizada pelo presidente Uribe para denunciar este fenocircmeno

96

(VIANA 2009 p 137) Para tentar solucionar o problema uma das medidas anunciadas pelo

Presidente Aacutelvaro Uribe Veacutelez foi a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Desenvolvimento

(2002-2006) o qual colocou a questatildeo dos deslocamentos internos como o maior problema

humanitaacuterio da Colocircmbia e se tornou prioridade no Plano Nacional de Defesa com a

promulgaccedilatildeo da lei 812 de 2003

A PSD considera fundamental para o fortalecimento do Estado de Direito a

consolidaccedilatildeo gradativa do controle estatal sobre a totalidade do territoacuterio nacional Para

consecuccedilatildeo deste objetivo o Estado colombiano utiliza com veemecircncia as Forccedilas Armadas e

a Poliacutecia Nacional para combater diferentes tipos de ameaccedilas sendo que muitas delas estatildeo

interligadas e satildeo de natureza transnacional o terrorismo o comeacutercio de drogas iliacutecitas as

financcedilas iliacutecitas o traacutefico de armas municcedilotildees e explosivos o sequestro e a extorsatildeo o

homiciacutedio (COLOMBIA 2003) O governo colombiano concebe o terrorismo e o traacutefico de

drogas como ldquoameaccedilas indissociaacuteveisrdquo conforme a Resoluccedilatildeo 1373 de 2001 do Conselho de

Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas a qual trata traacutefico de drogas crime organizado transnacional e

o terrorismo internacional como atividades inter-relacionadas63

A partir deste quadro

normativo as forccedilas armadas tecircm direcionado suas accedilotildees ao combate ao terrorismo e ao crime

organizado internacional desempenhado por uma seacuterie de organizaccedilotildees criminosas e grupos

subversivos que segundo o governo colombiano eram principalmente as FARC e em menor

grau o ELN

No comeccedilo do ano de 2007 o governo colombiano anunciou o lanccedilamento da

Estrategia de Fortalecimiento de la Democracia y del Desarrollo Social 2007-2013 (ou Plano

Colocircmbia II) que pretendia angariar apoio da ldquocomunidade internacionalrdquo sobretudo os

EUA para implementar a segunda fase do Plano Colocircmbia Diana Marcela Rojas (2007)

aponta que a Estrateacutegia pretendia consolidar as conquistas do Plano Colocircmbia I a partir de

uma reinterpretaccedilatildeo retrospectiva do primeiro Plano procurando ampliaacute-lo e aprofundaacute-lo e

natildeo restringi-lo agrave luta antidrogas e ao combate agraves guerrilhas Portanto deveria abarcar um

63

A Resoluccedilatildeo 1373 em seu art 4 ldquoObserva com preocupaccedilatildeo a estreita conexatildeo entre o terrorismo internacional

e o crime organizado transnacional as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro traacutefico ilegal de armas e a

circulaccedilatildeo iliacutecita materiais nucleares quiacutemicos materiais bioloacutegicos e outros materiais potencialmente letais e

nesse sentido enfatiza a necessidade de melhorar a coordenaccedilatildeo de esforccedilos em niacuteveis nacional sub-regional

regional e internacional a fim de reforccedilar uma resposta global a este grave problema e a esta grande ameaccedila agrave

seguranccedila internacionalrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwbportugalptpt-

PTLegislacaoenormasDocumentsResolucao1373ano2001pdfgt Acesso em 22 dez 2015

97

conjunto de estrateacutegias e contaria com o orccedilamento de US$ 438366 milhotildees dos quais 48

seriam dirigidos para as questotildees sociais

A administraccedilatildeo Uribe apresentou no mesmo ano a Poliacutetica de Consolidacioacuten de la

Seguridad Democraacutetica (PCSD) que ldquoestabelece as prioridades e objetivos poliacuteticos

especiacuteficos que orientariam a accedilatildeo do Ministeacuterio de Defesa as Forccedilas Armadas e a Poliacutecia

Nacionalrdquo (COLOMBIA 2007 p 29) e seu aspecto fundamental seria a Doutrina de Accedilatildeo

Integral (DAI) que constitui a ldquoprincipal coordenaccedilatildeo do uso legiacutetimo da forccedila e accedilatildeo social

do Estadordquo para determinar as accedilotildees mais adequadas em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo da

estrateacutegia militar e policial contra as principais ameaccedilas sobretudo aquelas relacionadas ao

crime organizado internacional Dentre os seus objetivos estatildeo a proteccedilatildeo da populaccedilatildeo contra

todas as ameaccedilas e o impedimento do desenvolvimento da atividade do narcotraacutefico elevando

os custos de sua realizaccedilatildeo

O combate ao narcotraacutefico eacute realizado mormente pela Divisatildeo Antinarcoacuteticos da

Poliacutecia Nacional Os militares estatildeo envolvidos na luta contra o traacutefico de drogas iliacutecitas ou

por meio de operaccedilotildees conjuntas com a poliacutecia ou por accedilotildees independentes Esse

envolvimento militar acontece especialmente pela Brigada Antinarcoacutetico do Exeacutercito

colombiano com base em Tres Esquinas (Putumayo) composta por 3 batalhotildees atribuiacutedos agrave

Fuerza de Tarea Conjunta del Sur cuja organizaccedilatildeo e formaccedilatildeo que comeccedilou em 1999

tiveram participaccedilatildeo ativa dos Estados Unidos por meio do Plano Colocircmbia (COMANDO

CONJUNTO DE LAS FUERZAS ARMADAS [2013])

Em 2011 durante o governo de Juan Manuel Santos foi implantada a Poliacutetica Integral

de Seguridad y Defensa para Prosperidad visando dentre outras questotildees diminuir a

produccedilatildeo nacional de narcoacuteticos fortalecer as capacidades de interdiccedilatildeo desarticular as

bandas criminales (Bacrim) e desmantelar os grupos armados agrave margem da lei O documento

considera como ameaccedila as FARC e o ELN as Bacrim as miliacutecias e redes criminosas a

delinquecircncia comum e o crime organizado (COLOMBIA 2011 p 19) Segundo o

documento o surgimento de um novo cenaacuterio nas uacuteltimas deacutecadas marcado pelas

transformaccedilotildees das ameaccedilas fez com que estas migrassem do acircmbito nacional para o regional

e o Ministeacuterio de Defesa Nacional as Forccedilas Militares a Poliacutecia Nacional e demais

instituiccedilotildees ligadas ao setor de seguranccedila teratildeo como tarefa principal a superaccedilatildeo da violecircncia

promovida por estas ameaccedilas para consolidaccedilatildeo da presenccedila estatal na totalidade do territoacuterio

nacional Para tanto o Ministeacuterio da Defesa delinearaacute um conjunto de estrateacutegias para atuar

98

com forccedilas polivalentes na seguranccedila interna e dissuasatildeo externa para conter a dinacircmica do

crime transnacional (COLOMBIA 2011)

Com a chegada de Juan Manuel Santos em 2010 ocorreu uma mudanccedila na poliacutetica

externa colombiana principalmente no que tange agraves relaccedilotildees com os paiacuteses vizinhos como o

Equador e a Venezuela cujas relaccedilotildees foram prejudicadas principalmente por conta da

internacionalizaccedilatildeo do conflito interno durante a administraccedilatildeo de Uribe e de sua agenda para

fortalecimento das relaccedilotildees na Ameacuterica do Sul Em relaccedilatildeo agrave seguranccedila a Poliacutetica Integral de

Seguranccedila de Manuel Santos manteacutem as forccedilas militares na atuaccedilatildeo da seguranccedila interna e na

luta antidrogas A retomada das negociaccedilotildees com as FARC em Havana apresentou alguns

avanccedilos e foram maiores do que os seus antecessores como a participaccedilatildeo poliacutetica da

guerrilha a aceitaccedilatildeo da proposta para criaccedilatildeo de uma Comissatildeo da Verdade com o anuacutencio

de cessar-fogo temporariamente por parte da guerrilha No entanto a luta militarizada para

combater o traacutefico de drogas e a percepccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila continuaram

As forccedilas armadas foram novamente acionadas para combater as guerrilhas insurgentes no

Plan Campantildea Espada de Honor (ou Operacioacuten Espada de Honor) no ano de 2012

Liderado pela Segunda Divisatildeo do Exeacutercito o plano pretendeu desarticular as FARC e o ELN

em 3 niacuteveis comando e controle estruturas armadas e redes de apoio As operaccedilotildees militares

ocorreram nos departamentos de Santander Boyacaacute Boliacutevar Cesar e Antioquia capturando

cerca de 428 integrantes de grupos armados ilegais As FARC tiveram 260 integrantes presos

o ELN sofreu prisatildeo de 111 membros o EPL (Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo) teve 17

integrantes presos e os outros 40 presos pertenciam as Bacrim64

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana

O Equador estaacute localizado entre os dois maiores produtores de cocaiacutena do mundo

Colocircmbia e Peru e a sua posiccedilatildeo costeira voltada para o Oceano Paciacutefico o insere na

geopoliacutetica das drogas como parte das redes do narcotraacutefico atraveacutes de seus corredores

terrestres mariacutetimos e aeacutereos e da estrateacutegia hemisfeacuterica antidrogas dos EUA No acircmbito do

traacutefico de drogas no que tange agrave produccedilatildeo circulaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo o paiacutes desempenha

quatro funccedilotildees fundamentais 1) Eacute uma das principais vias de tracircnsito de folha de coca

64

HSB Noticias Positivo balance del Plan Campantildea Espada de Honor 16 de maio de 2013 Disponiacutevel em

lthttpwwwhsbnoticiascomvernoticiaaspac=Positivo-balance-del-Plan-de-Campana-Espada-de-

HonorampWPLACA=51365gt Acesso em 25 mar 2015

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cultivadas na Boliacutevia e no Peru para serem processadas na Colocircmbia 2) eacute ponto de partida de

diferentes rotas do traacutefico de drogas para os mercados internacionais como os EUA e

Europa65

(e mais recentemente para Aacutesia) 3) eacute mercado de contrabando de precursores

quiacutemicos utilizado no processamento da cocaiacutena e heroiacutena e de traacutefico de armas que

abastecem as organizaccedilotildees criminosas e grupos armados colombianos 4) eacute uma economia

receptora dos fluxos monetaacuterios iliacutecitos provenientes da lavagem de dinheiro66

(VEGA 2005

BONILLA URIGUumlEN 2009) O cultivo de coca no paiacutes eacute de pequena escala e inexpressivo

se comparado com Boliacutevia Colocircmbia e Peru (VEacuteLEZ 2005 BONILLA URIGUumlEN 2009

UNODC 2010a)67

No ano de 1990 o Congresso Nacional do Equador promulgou a Lei 108 sobre

Substacircncias Entorpecentes e Psicotroacutepicas a qual reproduzia no acircmbito interno a loacutegica

proibicionista e punitiva das convenccedilotildees internacionais Em seu Artigo 1ordm a Lei 108 expressa

o seu objetivo da seguinte forma ldquoEsta Lei tem como objetivo combater e erradicar a

produccedilatildeo oferta uso indevido e traacutefico iliacutecito de substacircncias entorpecentes e psicotroacutepicas

para proteger a comunidade dos perigos decorrentes destas atividadesrdquo (EQUADOR 1990

traduccedilatildeo nossa)

A lei antidrogas equatoriana depois de aprovada foi revisada pela Narcotics Affairs

Section (NAS) da Embaixada dos EUA no paiacutes e pela CICAD onde foram incorporados os

comentaacuterios e orientaccedilotildees destes oacutergatildeos Edwards (2010) salienta que esta lei em sua maior

parte era contraditoacuteria em relaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo do Equador vigente agrave eacutepoca pois dava

vazatildeo para constituir uma estrutura judicial paralela para processar os crimes relacionados agraves

drogas Assim sendo a Lei 108 se tornou uma das mais ldquoaplicadas pela administraccedilatildeo de

justiccedila penal e por um enorme aparato governamental que inclui um corpo policial

especializado instalaccedilotildees proacuteprias e um oacutergatildeo administrativo para manejar os recursos que

65

No ano de 1992 a Poliacutecia Nacional equatoriana prendeu Jorge Hugo Reyes o liacuteder do grupo narcotraficante

conhecido como Los Reys Magos (que tinha na eacutepoca um patrimocircnio de cerca de US$ 1 milhatildeo de doacutelares)

mais dois coroneacuteis e um major do exeacutercito e outros membros das forccedilas armadas do paiacutes No depoimento de

uma das fontes da poliacutecia foi denunciado que Los Reys Magos mantinham contato na Alemanha EUA Suiacuteccedila

Colocircmbia Peru e Meacutexico o que demonstrou o quatildeo articulada e extensa era a rede narcotraficante equatoriana

no iniacutecio dos anos 1990 Informaccedilotildees disponiacuteveis em lt httpwwweltiempocomarchivodocumentoMAM-

160772gt Acesso em 12 abr 2015 66

A dolarizaccedilatildeo integral da economia a partir de 2000 foi um fator imprescindiacutevel para inserir a economia

equatoriana nos circuitos da lavagem de dinheiro 67

Segundo o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas de 2011 no Equador o cultivo de coca eacute de 004 do total

regional Fredy Rivera Veacutelez (2005) explica que um dos motivos para a quase inexistecircncia do cultivo de folha

de coca no Equador estaacute relacionado com a eliminaccedilatildeo da coca das praacuteticas ritualiacutesticas e tradicionais dos

povos indiacutegenas da regiatildeo pelo governo colonial no seacuteculo XVII Mesmo com o fim do periacuteodo colonial o uso

tradicional da folha de coca natildeo foi reavivado no paiacutes pelos camponeses

100

gera a luta contra o narcotraacuteficordquo (CORDERO HEREDIA 2010 apud EDWARDS 2010 p

8 traduccedilatildeo nossa) Esta lei se tornou uma das mais riacutegidas da Ameacuterica Latina68

sobretudo

pelo fato de ser influenciada diretamente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves drogasrdquo dos EUA e por

atender irrefletidamente as exigecircncias dos regimes internacionais

A Lei 108 criou o Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y

Psicotroacutepicas (CONSEP) um oacutergatildeo oficial com orccedilamento proacuteprio sediado na capital Quito

cuja finalidade eacute coordenar a aplicaccedilatildeo da lei antidrogas na esfera nacional (EQUADOR

1990)69

O CONSEP tem como missatildeo o cumprimento da poliacutetica de Estado e da Declaraccedilatildeo

de Interesse nacional e estabelecer as poliacuteticas e normas teacutecnicas inerentes agrave problemaacutetica das

drogas70

No decurso dos anos 1990 a poliacutetica antidrogas do Equador foi enrijecendo

progressivamente conforme implementava o princiacutepio da ldquoguerra agraves drogasrdquo entretanto esta

temaacutetica natildeo era prioridade nesse contexto pois a contenda fronteiriccedila com o Peru que

culminou numa guerra entre os dois Estados era a principal questatildeo a ser tratada pelo

governo equatoriano exigindo a atuaccedilatildeo integral das forccedilas armadas

Apoacutes o teacutermino e resoluccedilatildeo do conflito limiacutetrofe com o paiacutes vizinho o governo

equatoriano se viu diante de um cenaacuterio de violecircncia na fronteira norte com a Colocircmbia

gerada pela atuaccedilatildeo das guerrilhas grupos paramilitares e narcotraficantes Essa situaccedilatildeo fez

com que o as autoridades equatorianas reavaliassem a agenda de seguranccedila nacional e o papel

que deveriam ter as forccedilas de seguranccedila da naccedilatildeo A partir de entatildeo o combate ao

narcotraacutefico ganha proeminecircncia na agenda de seguranccedila principalmente no que tange agrave

reduccedilatildeo da oferta Essa mudanccedila de ecircnfase culminou em um aumento da assistecircncia

econocircmica dos EUA para as forccedilas militares e policiais entre o periacuteodo de 1996 e 1999

passando de US$ 3 milhotildees para quase US$ 13 milhotildees (EDWARDS 2010 p 4) Com

efeito a estrateacutegia de controle de drogas adotada pelo governo equatoriano sob pressatildeo

estadunidense produziu inuacutemeros efeitos no paiacutes Um desses efeitos foi a competiccedilatildeo entre a

68

A Lei 108 natildeo distinguia consumidores mulas (transportadores de pequenas quantidades de drogas) pequenos

traficantes e as grandes redes de traacutefico de drogas internacional todos eram julgados da mesma forma e sem

proporcionalidade um indiviacuteduo condenado por vinculaccedilatildeo ao narcotraacutefico era punido com doze a quinze anos

de cadeia Depois de anos de sua elaboraccedilatildeo esta lei sofreu algumas alteraccedilotildees em 1997 e passou a diferenciar

traficantes de consumidores e modificou as sanccedilotildees e puniccedilotildees para cada caso (EQUADOR 1990

EDWARDS 2010) 69

No periacuteodo anterior agrave criaccedilatildeo do CONSEP a instituiccedilatildeo que exercia um papel semelhante era a Divisioacuten

Nacional Contra el Traacutefico Iliacutecito de Estupefacientes (DINACONTES) 70

Estas informaccedilotildees podem ser consultadas na paacutegina virtual da CONSEP que estaacute disponiacutevel em

lthttpwwwconsepgobecgt Acesso em 13 fev 2015

101

poliacutecia nacional e as forccedilas armadas para ver quem obteria a maior fatia possiacutevel dos recursos

provenientes dos EUA aleacutem de provocar sobreposiccedilatildeo de papeacuteis entre as duas instituiccedilotildees

(VEacuteLEZ 2005)

A intensa atuaccedilatildeo das redes iliacutecitas de traacutefico ilegal de precursores quiacutemicos e de

armas municcedilotildees e explosivos em territoacuterio equatoriano fez com que o governo deste paiacutes

fosse interpretado pelos EUA como ldquofacilitadorrdquo das atividades do traacutefico de drogas na

Colocircmbia Diante da situaccedilatildeo Washington pressionou as autoridades equatorianas para

revisarem as prioridades securitaacuterias do Equador uma vez que o conflito com o Peru tinha

terminado Vasquez ressalta que o governo norte-americano considerava o Equador como um

ldquoEstado tampatildeordquo o Congresso estadunidense se referiu ao paiacutes andino como ldquobuffer zonerdquo

que poderia conter o alastramento do conflito colombiano por toda a regiatildeo andina Para que

isto acontecesse era necessaacuterio apoiar o paiacutes por meio da Iniciativa Regional Andina

O interesse geoestrateacutegico dos EUA no Equador levou agrave assinatura de um acordo entre

os presidentes Bill Clinton e Jamil Mahuad (1998-2000) em 1999 que autorizava as forccedilas

armadas norte-americanas a utilizar a base militar situada na cidade portuaacuteria de Manta como

Centro Avanccedilado de Operaccedilotildees (Forward Operating Location ndash FOL) Com a instalaccedilatildeo da

FOL foram apreendidas cerca de 1600 toneladas meacutetricas de drogas entre novembro de 1999

a dezembro de 2008 (BONILLA URIGUumlEN 2009 p 135) A relevacircncia do territoacuterio

equatoriano na luta contra o traacutefico de drogas e posteriormente contra o terrorismo foi um

dos principais fatores para se estabelecer accedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

Nas eleiccedilotildees de 2002 o militar Lucio Gutieacuterrez71

do Partido Sociedad Patrioacutetica

(PSP) se destacou durante a sua campanha eleitoral devido a sua plataforma poliacutetica anti-

sistecircmica e marcadamente de esquerda aos olhos dos eleitores parecia uma alternativa aos

partidos tradicionais que se desgastaram durante a crise poliacutetica e econocircmica (a qual levou a

dolarizaccedilatildeo do paiacutes em 2000) que se arrastava desde a deacutecada de 1990 O candidato do PSP

se comprometeu a elaborar uma nova estrateacutegia de seguranccedila independente natildeo submissa aos

EUA Todavia apoacutes ser eleito Gutieacuterrez mudou de postura diante do fato de perder a ajuda

econocircmica norte-americana o governo equatoriano manteve os laccedilos de cooperaccedilatildeo com

Washington principalmente na mediaccedilatildeo do conflito colombiano

71

Lucio Gutieacuterrez jaacute assumiu o posto de mandataacuterio do Equador quando foi presidente da Junta de Salvaccedilatildeo

Nacional que governou o paiacutes no comeccedilo de 2000 apoacutes a queda de Jamil Mahuad

102

Com a chegada de Aacutelvaro Uribe agrave presidecircncia a Colocircmbia procurou estabelecer

acordos com o Equador em mateacuteria de seguranccedila Uribe tomou um caminho diferente de seu

antecessor e priorizou a confrontaccedilatildeo direta com as FARC dando ecircnfase a uma estrateacutegia que

privilegiava a escalda militar que coadunava com a poliacutetica de seguranccedila regional norte-

americana Com a intensificaccedilatildeo das accedilotildees militares e das fumigaccedilotildees na zona de fronteira

Uribe buscou apoio dos liacutederes dos paiacuteses vizinhos para que compartilhassem da sua leitura

sobre o conflito colombiano

De acordo com Veacutelez (2005) o secretaacuterio de Defesa Donald Rumsfeld visitou Bogotaacute

em agosto de 2003 e durante a sua passagem na cidade colombiana reiterou ao seu apoio agrave

Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica de Uribe e afirmou que ldquoos grupos irregulares

colombianos satildeo uma ameaccedila para toda regiatildeo e como tal devem ser enfrentados por todos

os paiacuteses da aacutereardquo (VEacuteLEZ 2005 p 296 traduccedilatildeo nossa) Trecircs dias depois Uribe visitou o

Equador e os temas mais debatidos da agenda bilateral foram relacionados agrave seguranccedila

Durante a estadia do presidente colombiano no paiacutes vizinho foi ratificado o convecircnio de

cooperaccedilatildeo policial e foi firmada uma declaraccedilatildeo conjunta sobre seguranccedila fronteiriccedila e de

combate ao traacutefico de drogas na qual previa a criaccedilatildeo de uma comissatildeo binacional para

implementarem acordos de seguranccedila

Em junho de 2004 o presidente Gutieacuterrez lanccedilou o Plan Nacional de Prevencioacuten

Desarrollo Alternativo y Control de Drogas 2004-2008 (ou Plano Nacional de Drogas) cujo

objetivo era ldquoreduzir o cultivo produccedilatildeo fabricaccedilatildeo venda traacutefico e distribuiccedilatildeo iliacutecita de

entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas o desvio de substacircncia controladas e delitos

conexosrdquo (EQUADOR 2004) Segundo o Plano Nacional a luta contra as drogas eacute uma

poliacutetica permanente do Estado equatoriano cuja prioridade conforme subscreve o plano eacute a

prevenccedilatildeo Contudo os esforccedilos se direcionaram para a reduccedilatildeo da oferta de drogas

Para consecuccedilatildeo do Plano Nacional de Drogas o Grupo Especial Moacutevil

Antinarcoacuteticos (GEMA) criado em 1993 para conter as atividades das FARC em solo

equatoriano exercia a funccedilatildeo de controle do traacutefico de drogas em vias terrestres mariacutetimas e

fluviais a niacutevel nacional O GEMA chegou a atuar com 300 homens e contou com auxiacutelio

financeiro anual de US$ 500 mil doacutelares do Escritoacuterio Antidrogas dos EUA ateacute 2009 Desde a

sua criaccedilatildeo esta instituiccedilatildeo policial recebeu por volta de US$ 8 milhotildees de doacutelares para o seu

funcionamento (BONILLA URIGUumlEN 2009)

103

Em meados dos anos 2000 a Poliacutecia Nacional do Equador contava com outros oacutergatildeos

para controlar as drogas iliacutecitas e fazer serviccedilos de inteligecircncia por exemplo o Serviccedilo de

Investigaccedilatildeo Antinarcoacuteticos (SIAN) e a Unidade de Investigaccedilotildees Especiais (UIES) cujo

nome foi alterado posteriormente para Unidade de Luta Contra o Crime Organizado (ULCO)

A UIES atuava na seguranccedila puacuteblica monitorando os movimentos sociais de indiacutegenas

estudantes e operaacuterios e na seguranccedila nacional sobretudo no combate ao traacutefico de drogas

Adriaacuten Bonilla e Hernaacuten Moreano Uriguumlen (2009) lembram que o sistema de inteligecircncia do

Equador passou por uma crise apoacutes as forccedilas armadas colombianas realizarem a Operaccedilatildeo

Fecircnix para capturar Raul Reyes ndash o segundo no comando das FARC ndash com bombardeios as

instalaccedilotildees da guerrilha em 1 de marccedilo de 2008 na regiatildeo de Angostura Depois do ocorrido

o presidente Rafael Correa criou uma comissatildeo civil para investigar as operaccedilotildees do sistema

de inteligecircncia da Poliacutecia Nacional e das Forccedilas Armadas cuja conclusatildeo foi que as

informaccedilotildees eram processadas e encaminhas para os EUA e natildeo para o governo equatoriano

Em abril de 2009 a UIES foi desfeita e no mesmo ano foi cancelado o convecircnio que

permitia o uso da base de Manta pelos militares norte-americanos No primeiro ano que

assumiu a presidecircncia Correa tinha anunciado que natildeo renovaria o convecircnio para a utilizaccedilatildeo

da base A nova Constituiccedilatildeo do paiacutes passou a proibir terminantemente a existecircncia de bases

militares estrangeiras em territoacuterio equatoriano Bonilla e Uriguumlen ressaltam que havia

suspeitas de que a FOL tenha colaborado com informaccedilotildees que auxiliaram logisticamente a

Operaccedilatildeo Fecircnix Correa interpretou as incursotildees das forccedilas armadas vizinhas como agressatildeo

militar o que levou a ruptura das relaccedilotildees com a Colocircmbia

O Livro Branco de Defesa publicado em 2006 no seu capiacutetulo III faz uma criacutetica agrave

poliacutetica de seguranccedila implantada pelos EUA para combater o terrorismo internacional o

narcotraacutefico e o crime organizado transnacional pois esta poliacutetica promoveria cooperaccedilatildeo

bilateral e multilateral para tratar destes temas como forma de escamotear os seus interesses

O documento trata com cautela a sua definiccedilatildeo de ameaccedilas diferencia fatores que incidem

sobre a seguranccedila e que derivam de desequiliacutebrios e assimetrias econocircmicas das tensotildees

sociais e das crises poliacuteticas e institucionais que natildeo seriam consideradas ameaccedilas A defesa

nacional se ocuparia especificamente de enfrentar as ameaccedilas que colocam em risco a vida da

populaccedilatildeo e os recursos do paiacutes bem como sua integridade territorial e a soberania do Estado

(EQUADOR 2006)

104

As accedilotildees das Forccedilas Armadas equatorianas frente ao crime organizado internacional

deram-se no enfrentamento intensivo ao contrabando O aumento do emprego de accedilotildees

militares em assuntos de seguranccedila nacional ocorreu a partir de 2007 ano em que o presidente

Rafael Correia tomou posse e anunciou um plano integral com maior participaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas para a contenccedilatildeo do contrabando principalmente de combustiacutevel armas e drogas

alinhando as accedilotildees com a agecircncia alfandegaacuteria e reequipamento dos efetivos

Fronteira Equatoriano-Colombiana Guerrilhas Traacutefico de Drogas e Crise Diplomaacutetica

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica colombiana lanccedilada em 2002 pelo presidente

Uribe incidiu de modo significativo nas relaccedilotildees fronteiriccedilas entre os dois paiacuteses Com o

objetivo de eliminar os cultivos iliacutecitos as guerrilhas e as organizaccedilotildees criminosas

narcotraficantes foram intensificadas as accedilotildees militares e as fumigaccedilotildees no paiacutes ndash sobretudo

na regiatildeo limiacutetrofe com o Equador ndash as quais geraram uma situaccedilatildeo de crise humanitaacuteria que

afetou milhares de famiacutelias colombianas No periacuteodo de 1997 a 2006 o nuacutemero de deslocados

forccedilados na Colocircmbia era cerca de 22 milhotildees de pessoas que equivale a 5 da populaccedilatildeo

Soacute no ano de 2002 o nuacutemero registrado de deslocados era de 416144 (ACCIOacuteN SOCIAL

2007)

O combate militarizado contra os grupos criminosos e guerrilheiros acentuou o

conflito nas zonas limiacutetrofes da Colocircmbia e impulsionou as atividades destes grupos para

aleacutem das fronteiras Perante a gravidade da situaccedilatildeo na Colocircmbia os Estados vizinhos

aumentaram o nuacutemero de efetivos das forccedilas armadas na faixa de fronteira com este paiacutes para

evitar que os efeitos do conflito transbordassem para os seus territoacuterios O Equador mobilizou

cerca de sete mil membros das forccedilas de seguranccedila ao longo da sua fronteira como forma de

conter a penetraccedilatildeo das FARC e do crime organizado e de suas atividades ilegais

principalmente as relacionadas com o traacutefico de drogas no territoacuterio nacional

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e posteriormente o Plano Patriota

incrementaram as accedilotildees militares do Estado colombiano na fronteira sul do paiacutes

principalmente em Putumayo e Narintildeo As operaccedilotildees conjuntas das forccedilas armadas com a

poliacutecia nacional desmantelaram laboratoacuterios clandestinos cultivos iliacutecitos corredores e rotas

de traacutefico de drogas e de transporte de sequestrados colocando obstaacuteculos para a

operacionalidade das FARC no territoacuterio colombiano Com o Plano Patriota a administraccedilatildeo

de Uribe fortificou a presenccedila do Estado na regiatildeo sul do paiacutes zona de intensa atividade das

guerrilhas com a presenccedila de mais de 15000 militares que atuaram na inteligecircncia accedilotildees

105

terrestres e aeacutereas Um dos resultados alcanccedilados foi a desmobilizaccedilatildeo do Bloque Central

Boliacutevar um dos braccedilos da AUC que aceitou negociar com o governo colombiano e parou as suas

atividades em 2005 Entretanto muitos integrantes dos grupos paramilitares que foram

desmobilizados comeccedilaram a organizar novos grupos criminosos (bandas criminales) voltados

para o traacutefico de drogas

No periacuteodo de 2002 a 2008 os departamentos de Narintildeo e Putumayo figuraram como

palcos de guerra entre os diferentes atores do conflito interno colombiano Guerrilhas

paramilitares e organizaccedilotildees narcotraficantes se constituiacuteram como os maiores obstaacuteculos para

que o Estado colombiano retomasse o controle territorial na fronteira com o Equador como

podemos verificar no mapa abaixo

Mapa 1 Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da Colocircmbia

Fonte Comando Conjunto das Forccedilas Armadas do Equador 2008 apud AacuteLVARO Eduardo Presencia de los

grupos ilegales armados colombianos (GIAC) como factor de inseguridad nacional en el Ecuador 2011 90

f Tesis (Maestriacutea en Seguridad y Desarrollo Instituto de Altos Estudios Nacionales Escuela Ecuatoriana de

Gobierno y Administracioacuten Puacuteblica 2011

Este mosaico composto por inuacutemeros grupos armados demonstra a complexidade do

problema enfrentado por ambos os paiacuteses na faixa de fronteira O traacutefico de drogas foi a

principal atividade iliacutecita praticada por estes grupos O nuacutemero de hectares de cultivos de coca

106

nos Departamentos colombianos que fazem fronteira com o Equador no decurso de 2001 a

2007 variou conforme as accedilotildees das forccedilas de seguranccedila para combater as drogas nestas

localidades

Os cultivos de coca no Departamento de Putumayo em 2001 eram de 47120 hectares

e no ano de 2007 foram reduzidos para 14813 hectares Os situados em Caquetaacute tambeacutem

tiveram queda neste mesmo periacuteodo de 14516 caiacuteram para 6318 hectares Enquanto isto no

Departamento de Narintildeo os cultivos de coca quase triplicaram passando de 7494 hectares

para 20259 hectares O Departamento de Cauca apresentou um aumento mais tiacutemido de

3139 passaram para 4168 hectares No geral com a intensificaccedilatildeo do Plano Colocircmbia e os

lanccedilamentos da Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e o Plano Patriota durante os seis

primeiros anos do governo de Uribe ocorreu uma queda significativa nos cultivos de coca na

regiatildeo de 73954 em 2001 caiu para 35209 hectares (UNODC 2005 UNODC 2008)

Conforme as accedilotildees repressivas de Bogotaacute contra o traacutefico de drogas aumentavam as

atividades iliacutecitas eram cada vez mais empurradas para o paiacutes vizinho A pasta base

ingressava no Equador pelo lado oriental da cordilheira dos Andes em Putumayo e era

transportada de volta por Narintildeo pelo lado ocidental da cordilheira para ser refinada

(CADENA GOacuteMEZ 2011)

As accedilotildees das forccedilas militares no Equador para combater organizaccedilotildees criminosas

transnacionais se intensificaram no norte do paiacutes e principalmente para reprimir as atividades

das FARC em solo equatoriano De acordo com Eduardo Aacutelvaro (2001) em junho de 2007 a

Operaccedilatildeo Fecircnix comeccedilou a ser planejada com a finalidade de capturar o nuacutemero dois da

hierarquia das FARC Rauacutel Reyes O serviccedilo de inteligecircncia colombiano apresentou alguns

indiacutecios de sua presenccedila no Equador Dez meses depois de seu planejamento no dia 1 de

marccedilo de 2008 membros das forccedilas armadas adentraram a fronteira equatoriana em

Angostura na Proviacutencia de Sucumbiacuteos sem autorizaccedilatildeo preacutevia do presidente do Equador

Rafael Correa para atacar o acampamento das FARC com helicoacutepteros da forccedila aeacuterea e tropas

do exeacutercito resultando na morte de vinte e duas pessoas entre elas estava Raul Reyes

Cadena Goacutemez (2011) aponta que no ano de 2007 no iniacutecio da administraccedilatildeo Correa o

Equador jaacute tinha emitido duas notas de protesto contra as accedilotildees das forccedilas armadas

colombianas em solo nacional Estes antecedentes culminaram na crise diplomaacutetica de 2008

entre Bogotaacute e Quito

107

Este episoacutedio que ficou conhecido tambeacutem como Bombardeios de Angostura rompeu

com as medidas de confianccedila na aacuterea da defesa e seguranccedila entre Equador e Colocircmbia e

desencadeou uma crise diplomaacutetica entre os dois paiacuteses provocando tambeacutem reaccedilotildees da

Venezuela de apoio ao governo Correa Para o governo equatoriano a incursatildeo ilegal de

militares colombianos apoiados pelos EUA foi vista como violaccedilatildeo do princiacutepio da

soberania Imediatamente ao fato o presidente Correa expulsou de seu paiacutes o embaixador

colombiano e retirou o seu embaixador de Bogotaacute Tal atitude foi acompanhada pela

Venezuela Em resposta agrave declaraccedilatildeo de Correa o presidente Uribe afirmou que a ldquo[]

Colocircmbia natildeo violou a soberania mas atuou de acordo com o princiacutepio de legiacutetima defesa

[] Os terroristas entre eles Rauacutel Reyes tinham costume de assassinar na Colocircmbia e

invadir o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos para se refugiar [] estas situaccedilotildees somos obrigados a

evitar em defesa dos nossos cidadatildeosrdquo (CADENA GOacuteMEZ 2011 p 142)

A Operaccedilatildeo Fecircnix fez crescerem as preocupaccedilotildees por parte de Quito sobre a presenccedila

de distintos grupos armados na faixa de fronteira com a Colocircmbia e tambeacutem evidenciou as

incongruecircncias e ambiguidades no que tange agraves percepccedilotildees das ameaccedilas ligadas ao conflito

colombiano resultando em dissensotildees diplomaacutetico-militares entre os dois paiacuteses Os

problemas de seguranccedila interna da Colocircmbia e a sua incidecircncia na seguranccedila interna e externa

do Equador colocaram em questatildeo a regionalizaccedilatildeo do conflito colombiano cujo processo

segundo Arlene B Tickner (2005) natildeo se acontece de forma unilateral e uniacutessona Cada paiacutes

limiacutetrofe com a Colocircmbia percebe interpreta e responde ao problema articulando ou natildeo com

sua agenda de seguranccedila Na uacuteltima deacutecada em termos de seguranccedila o governo equatoriano

concentrou sobremodo seus esforccedilos na fronteira norte com a Colocircmbia Apoacutes o advento de

marccedilo de 2008 foram empreendidas 76 operaccedilotildees e mobilizados 15000 efetivos das forccedilas de

seguranccedila resultando no desmantelamento de 156 laboratoacuterios clandestinos Os nuacutemeros de

apreensotildees de drogas iliacutecitas cresceram consideravelmente de 2007 para 2009 Foram

apreendidos no ano de 2007 o total de 26232 toneladas de drogas (cocaiacutena heroiacutena e

maconha) no ano de 2009 apoacutes a crise colombo-equatoriana este nuacutemero cresceu quase trecircs

vezes mais e atingiu o total de 68050 toneladas No ano de 2012 as apreensotildees de substacircncias

iliacutecitas totalizaram 42090 toneladas (EQUADOR 2012)

Estes dados apontam que o traacutefico de drogas ganhou relevacircncia significativa na

poliacutetica de seguranccedila e na percepccedilatildeo desta questatildeo como ameaccedila agrave populaccedilatildeo e ao territoacuterio

do paiacutes Contudo a poliacutetica de drogas equatoriana nos primeiros anos de presidecircncia de

Rafael Correa representou uma inflexatildeo sobre o tema Na nova Constituiccedilatildeo promulgada em

108

2008 as leis de drogas passaram por uma reforma O Art 364 da Carta Magna estabelece que

o problema do consumo de drogas eacute uma questatildeo de sauacutede puacuteblica ao inveacutes de tema de

seguranccedila nacional e garante que em nenhum caso seraacute permitido a sua criminalizaccedilatildeo ou a

negaccedilatildeo de direitos constitucionais No Art 393 declara que a seguranccedila humana72

deve

nortear as poliacuteticas de Estado para assegurar a convivecircncia paciacutefica e prevenir as formas de

violecircncia descriminaccedilatildeo e crimes (EQUADOR 2008) O Equador foi o primeiro Estado sul-

americano a incorporar a seguranccedila humana na Constituiccedilatildeo o conceito desloca o objeto

referencial de proteccedilatildeo do Estado para o indiviacuteduo Esta mudanccedila de postura do Equador

frente agraves drogas permitiu que o Congresso aprovasse em Juacutelio de 2008 o indulto para os

microtraficantes ndash mais conhecidos como mula transportadores de pequenas quantidades de

drogas ndash como forma de reparaccedilatildeo dos danos gerados pela Lei 108 (TRANSNATIONAL

INSTITUTE 2015)

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contra as Drogas e os Planos VRAE e VRAEM

O Peru eacute um dos paiacuteses com o maior cultivo de coca do mundo e a folha da coca eacute um

elemento importante da cultura inca-indiacutegena cuja tradiccedilatildeo milenar antecede a colonizaccedilatildeo

espanhola nos Andes O plantio de coca na contemporaneidade deixou de ser cultivado para

finalidades econocircmico-medicinais e simboacutelico-ritualiacutesticas e se tornou uma atividade que faz

parte da cadeia produtiva das redes do traacutefico de drogas internacional que integram o mercado

iliacutecito mundial No relatoacuterio sobre drogas da UNODC publicado em 2012 o Peru eacute colocado

como o maior cultivador de coca do mundo desbancando a Colocircmbia da primeira posiccedilatildeo As

plantaccedilotildees de coca no Peru totalizaram 60400 hectares enquanto o paiacutes vizinho atingiu

48000 hectares

O Alto Huallaga que se estende desde o norte do Departamento de Huaacutenuco ateacute o sul

do Departamento de San Martiacuten e o Vale dos rios Apuriacutemac e Ene conhecido como VRAE

que abrange os Departamentos de Ayacucho Cuzco e Juniacuten satildeo as regiotildees que mais cultivam

72

O conceito de seguranccedila humana foi empregado pela primeira vez no Relatoacuterio de Desenvolvimento Humano

do Programa para o Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) de 1994 O documento estabelecia uma

definiccedilatildeo ampla de ldquoseguranccedila humanardquo que englobava as dimensotildees da economia do meio-ambiente da

sauacutede dos alimentos das comunidades dos indiviacuteduos e da seguranccedila poliacutetica (PNUD 1994 p 24-25) O

conceito portanto natildeo nasceu da academia mas de um organismo poliacutetica internacional com fins praacuteticos a

saber influenciar os resultados da Cuacutepula Social de Copenhagen de 1995 Keith Krause assinala que a partir da

noccedilatildeo de que natildeo eacute possiacutevel que haja Estados seguros com indiviacuteduos inseguros a seguranccedila humana surgiu

com a proposta de colocar o indiviacuteduo agrave frente das preocupaccedilotildees em seguranccedila jaacute que o Estado pode ele

mesmo representar uma ameaccedila agrave sua populaccedilatildeo (KRAUSE 2004 p 44)

109

e produzem cocaiacutena no Peru No paiacutes atualmente eacute permitido cultivar 11500 hectares de

coca para fins tradicionais e o Estado controla a comercializaccedilatildeo e a industrializaccedilatildeo das

folhas de coca em produtos comerciais liacutecitos por meio da Empresa Nacional de la Coca

(ENACO) A ENACO foi criado a partir da Lei Geral de Drogas expedida em 1978 a qual

proibia o cultivo de coca e tornava ilegal a comercializaccedilatildeo que natildeo fosse controlada por esta

instituiccedilatildeo (UNODC 2006 UNODC 2010c SANTOS 2011)

As regiotildees do Alto Huallaga e VRAE desde a deacutecada de 1980 tambeacutem satildeo redutos do

grupo insurgente Sendero Luminoso (SL) que tem orientaccedilotildees ideoloacutegicas e poliacutetico-militares

de guerra popular fundamentadas no maoiacutesmo Segundo Joseacute Lis Reacutenique (2009) nos

primeiros anos da deacutecada de 1980 no comeccedilo da guerra contra o Estado peruano73

o SL tinha

pouco mais de quinhentos membros que atuavam dentro da estrateacutegia insurgente da guerra de

guerrilha prolongada

No comeccedilo da deacutecada de 1990 a guerrilha sofreu duros golpes do Estado peruano As

poliacuteticas de Fujimori em conjunto com as accedilotildees repressivas das forccedilas armadas e da poliacutecia

levaram agrave captura de integrantes do alto escalatildeo do SL que culminou na prisatildeo de Abimael

Guzmaacuten conhecido como ldquoPresidente Gonzalordquo ou ldquoCamarada Gonzalordquo em 12 de setembro

de 1992 colocando fim ao que seria o ldquovelhordquo Sendero luminoso A presenccedila histoacuterica do SL

na regiatildeo do VRAE e Huallaga ganhou forccedila novamente no iniacutecio dos anos 2000 e suas

atividades nos uacuteltimos anos estatildeo associadas ao traacutefico de drogas Os traficantes de drogas

peruanos estatildeo organizados em Firmas e contam com o auxiacutelio armado do SL para se

protegerem das accedilotildees da poliacutecia e do exeacutercito peruano

As firmas tambeacutem conhecidas como clanes satildeo grupos de narcotraficantes que

produzem e comercializam ilegalmente a cocaiacutena (mas natildeo cultivam a folha de coca)

organizados hierarquicamente por divisotildees de tarefas e responsabilidades e ligados por

tradiccedilotildees e normas de conduta Estas estruturas operam de modo semelhante agraves maacutefias e satildeo

organizadas entorno de familiares e ciacuterculos de amizades Parte delas eacute formada por

camponeses que subiram na hierarquia da induacutestria da cocaiacutena Pablo Dreyfus (1999) acentua

que as firmas buscam minimizar os riscos para o seu negoacutecio ampliando a sua rede de

influecircncia atraveacutes de acordos com grupos natildeo governamentais governamentais outras

organizaccedilotildees criminosas transnacionais e insurgentes Essas organizaccedilotildees criminosas satildeo

73

Em maio de 1980 os senderistas queimaram as urnas eleitorais da pequena cidade Chuschi situada no

departamento de Ayacucho cuja accedilatildeo foi uma declaraccedilatildeo de guerra contra o Estado peruano (REacuteNIQUE

2009)

110

compostas por chefes ldquoEl Patroacutenrdquo grupos de proteccedilatildeo armada pilotos quiacutemicos mulas

coletores de pasta assessores legais e ldquolavadoresrdquo de dinheiro Atualmente satildeo sete clatildes

principais que agem no Peru movimentando mais de US$ 300 milhotildees de doacutelares por ano

Clatilde Quispe Palomino Clatilde Lucho Flores Clatilde Los Loros Clatilde Los Pantildeacos Clatilde Los

Malambos Clatilde Runa Mula e Clatilde Los Pachos (DIARIO 16 2012)

No ano de 2005 de acordo com informe de monitoramento de cultivos de coca no

Peru (UNODC 2006) o nuacutemero de cultivos de coca foi de 482000 hectares uma reduccedilatildeo de

4 em relaccedilatildeo ao ano anterior que tinha totalizado 50300 haacute enquanto que no VRAE ao

contraacuterio ocorreu um crescimento de 6 no mesmo periacuteodo quando passou de 14700 ha em

2004 para 15500 em 2005 O aumento da repressatildeo antidrogas e o endurecimento das

poliacuteticas de erradicaccedilatildeo no Alto Huallaga no mecircs de maio de 200574

fez com que a

concorrecircncia e o conflito entre os clatildes aumentassem na regiatildeo Ao contraacuterio do que o governo

peruano esperava as operaccedilotildees antidrogas natildeo tornaram menos atrativa a regiatildeo Ocorreu um

aumento na concorrecircncia entre os clatildes do traacutefico de drogas para ver qual deles controlaria o

negoacutecio da cocaiacutena no Alto Huallaga no lugar das firmas que foram desmanteladas ou

enfraquecidas Esse fenocircmeno aumentou aquilo que Sarmiento e Krauthausen denominaram

de setor competitivo As firmas enfraquecidas passaram a ser desafiadas pelos novos clatildes que

se apoderaram de territoacuterios dos rivais exauridos o que impulsionou a espiral da violecircncia na

regiatildeo

Ao mesmo passo que subia os iacutendices de plantios de coca no Alto Huallaga as regiotildees

de Apuriacutemac e Ene tambeacutem apresentaram crescimento nos cultivos No ano de 2005 eram

15530 hectares aumentando para 16019 hectares em 2007 No mesmo ano o governo

peruano por meio da Comisioacuten Nacional para el Desarrollo y Vida sin Drogas (DEVIDA)75

implementou a Estrategia Nacional de Lucha Contra Las Drogas 2007-2011 (ENLCD) que

tinha como principal meta reduzir a superfiacutecie de plantios iliacutecitos de coca articulando accedilotildees de

erradicaccedilatildeo e desenvolvimento alternativo para coibir o traacutefico e consumo de drogas

74

A Poliacutecia Nacional do Peru no mecircs de maio de 2005 fez uma seacuterie de operaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantios

de coca no Alto Huallaga mobilizando 300 efetivos que contaram com apoio logiacutestico de helicoacutepteros

Contudo as operaccedilotildees ocasionaram a morte de dezessete policiais e de cinco camponeses Disponiacutevel

lthttpwwwlanacionclnoticiasperu-erradicacion-de-campos-de-coca-termina-con-17-heridos2005-05-

30081723htmlgt Acesso em 18 dez 2014 75

A DEVIDA eacute o oacutergatildeo responsaacutevel por planejar e conduzir a poliacutetica nacional de luta contra as drogas para

reduccedilatildeo da produccedilatildeo consumo e traacutefico de drogas que em 2001 substituiu a Comisioacuten de Lucha Contra el

Consumo de Drogas (CONTRADROGAS)

111

Os Planos VRAE e VRAEM Militarizaccedilatildeo da Luta Contra o Traacutefico de Drogas e o Sendero

Luminoso

A guerra de contrainsurgecircncia lanccedilada pelo presidente Alejandro Toledo colocou a

regiatildeo do VRAE em estado de emergecircncia a partir do ano de 2003 Em julho do referido ano

o presidente Toledo anunciou que ldquoseu governo iria por em marcha uma lsquouma nova estrateacutegia

de luta contra o terrorismorsquo para lsquorecuperar a presenccedila do Estado nas zonas sensiacuteveisrsquo do paiacutes

onde o terrorismo e o narcotraacutefico davam matildeordquo (ROJAS 2005 p 235 traduccedilatildeo nossa) Este

pronunciamento do mandataacuterio peruano foi direcionado para o SL que neste mesmo ano

realizou ataques contra transportadoras de gaacutes na regiatildeo do VRAE e para os EUA que apoacutes

os atentados de setembro de 2001 declararam o SL como ameaccedila ao Estado peruano por se

tratar de uma organizaccedilatildeo ldquonarcoterroristardquo Anos mais tarde Washington incluiu a guerrilha

peruana na Lista Kingpin

Com a chegada do novo presidente da repuacuteblica Alan Garciacutea Peacuterez as forccedilas armadas

e a Poliacutecia Nacional do Peru (PNP) passaram a fazer operaccedilotildees conjuntas sem medir esforccedilos

para acabar com os remanescentes do grupo insurgente Sendero Luminoso Os ataques

ocorridos no ano de 2005 e no iniacutecio do ano de 2006 fizeram com que o governo destinasse

um montante de verbas para que o exeacutercito e a poliacutecia nacional reforccedilassem suas accedilotildees no

combate aos ldquonarcoterroristasrdquo E em fevereiro de 2007 foi anunciado pelo governo peruano o

Plan VRAE em referecircncia ao ldquoPlano Colocircmbiardquo cujo objetivo era garantir a paz combater o

narcotraacutefico e o Sendero Luminoso (SL) e promover o desenvolvimento socioeconocircmico na

regiatildeo

O Plano VRAE da administraccedilatildeo Toledo enfatizou mais a luta militarizada contra o

traacutefico de drogas e o SL do que o investimento para promoccedilatildeo do desenvolvimento na regiatildeo

Esta ecircnfase militar do plano se baseia nas definiccedilotildees de seguranccedila e defesa presentes no Livro

Branco de Defesa Nacional (2005) O documento identifica em seu capiacutetulo III as ameaccedilas

externas e internas agrave seguranccedila da naccedilatildeo As ameaccedilas externas poderiam advir de aplicaccedilotildees

de doutrinas de seguranccedila incompatiacuteveis com o direito internacional na sub-regiatildeo da

Ameacuterica do sul do surgimento de uma crise devido agrave escassez de recursos naturais de valor

estrateacutegico e do terrorismo narcotraacutefico e do crime internacional As ameaccedilas internas

seriam grupos terroristas e subversivos que optam por violecircncia grupos radicais que

promovem a violecircncia social crime comum organizado traacutefico iliacutecito de drogas corrupccedilatildeo

degradaccedilatildeo do meio ambiente (PERU 2005 p 63)

112

Com base neste ordenamento legal as forccedilas armadas peruanas poderiam ser

acionadas para prevenir e confrontar qualquer ameaccedila externa ou interna que venha a colocar

em perigo a paz social a seguranccedila integral e o bem-estar geral (PERU 2005 p 64)

Portanto o governo poderia empregar meios militares no combate ao narcotraacutefico caso a

poliacutecia nacional natildeo tivesse meios necessaacuterios para cumprir o seu dever A Marinha e a Forccedila

Aeacuterea possuem papeacuteis importantes na luta contra o traacutefico de drogas e o contrabando de

precursores quiacutemicos pois as principais rotas estatildeo na regiatildeo costeira e nos rios da regiatildeo

amazocircnica e os aviotildees militares satildeo utilizados para encontrar e bombardear laboratoacuterios

ilegais de processamento de drogas e pistas de pouso clandestinas

O Plano estaacute fundamentado em trecircs pilares principais ldquoaccedilotildees militares para combater

os remanescentes do Sendero Luminoso accedilotildees policiais para combater o narcotraacutefico e

accedilotildees civis para promover o desenvolvimento social () a infraestrutura () e o

desenvolvimento econocircmicordquo (SANTOS 2011 p21) Os primeiros anos da execuccedilatildeo do

Plano VRAE natildeo trouxeram os resultados esperados As estrateacutegias contrainsurgentes mal

delineadas somadas ao mau preparo das tropas e aos equipamentos beacutelicos ultrapassados

fizeram com que as operaccedilotildees fracassassem e suas accedilotildees natildeo fossem suficientes para

conseguir combater o SL Os senderistas aleacutem de conhecerem muito bem o terreno contam

com armamentos modernos adquiridos com o dinheiro do traacutefico agem com taacuteticas

diversificadas e atuam em diferentes locais e regiotildees (Sinaycocha Santo Domingo de

Acobamba e Juniacuten)

Diante do problema do traacutefico de drogas e dos altos iacutendices dos cultivos de coca que

segundo o relatoacuterio da UNODC de 2010 voltaram a crescer 7 em 2008 registrando o

aumento de 55 no nuacutemero de hectares de coca em relaccedilatildeo a 1999 o presidente Alan Garciacutea

Peacuterez (2006-2011) reeditou o Plano VRAE em 2009 O plano de Garciacutea Peacuterez pretendia

alcanccedilar questotildees mais amplas e fundamentais para o desenvolvimento social e econocircmico da

regiatildeo que estava agora fundamentado em trecircs novos eixos desenvolvimento econocircmico e

social seguranccedila e legalidade (contra o narcotraacutefico e o terrorismo) e comunicaccedilatildeo e

participaccedilatildeo da sociedade civil (EL COMEacuteRCIO 2012) Todavia tanto a primeira ediccedilatildeo do

Plano VRAE quanto a segunda natildeo conseguiram aumentar de modo significativo a presenccedila

do Estado peruano na regiatildeo76

(ARCE 20008)

76

O jornal El Comeacutercio Peru de 16 de abril de 2012 apontou os altos gastos na consecuccedilatildeo dos dois primeiros

planos para o VRAE que alcanccedilou a cifra de 400 milhotildees de soles apenas com operaccedilotildees militares Disponiacutevel

em lthttp elcomerciopepolitica1402445noticia-que-plan-vrae-que-no-funcionagt Acesso em 15 jul 2014

113

No mesmo ano que foi relanccedilado o Plano VRAE foi promulgada a Ley que Establece

Reglas de Empleo de la Fuerza por Parte del Personal de las Fuerzas Armadas en el

Territorio Nacional (Nordm 29166) a qual estabelece o quadro legal para regular o uso da forccedila

por agentes das Forccedilas Armadas no que tange ao controle da ordem interna e combate ao

traacutefico iliacutecito de drogas No paraacutegrafo 4 que regulamenta o apoio das Forccedilas Armadas para o

controle da ordem interna em aacutereas natildeo declaradas como Estado de emergecircncia expressa em

seu art 47 com base no art 8 da Constituiccedilatildeo peruana a necessidade de se combater o

narcotraacutefico devido ao seu impacto na sociedade bem como o terrorismo provocado por

grupos insurgentes O principal deles seria o Sendero Luminoso conforme o art 48

O emprego das forccedilas armadas no combate ao traacutefico de drogas no Peru poacutes-Fujimori

ganhou forccedila com a promulgaccedilatildeo da lei nordm 29166 pois permite aos membros das forccedilas

armadas utilizarem a forccedila contra a subversatildeo armada para o reestabelecimento da ordem

interna e o controle de protestos sociais com regras claras e aplicaacuteveis para que integrantes

das forccedilas armadas em exerciacutecio de seu ofiacutecio possam contar com um marco juriacutedico que

evite acusaccedilotildees de violaccedilotildees legais e dos direitos humanos Com efeito quando o emprego da

forccedila militar foi aplicado nesse contexto de intensa participaccedilatildeo do exeacutercito na erradicaccedilatildeo de

cultivos iliacutecitos e na luta antidrogas e contrainsurgente natildeo houve clareza na distinccedilatildeo entre

objetivos civis e militares (DONGO 2007)

No ano de 2012 foi lanccedilado pelo presidente Ollanta Humala o Plano VRAEM

programa de intervenccedilatildeo nos Vales do Apuriacutemac Ene e agora se estende ateacute a regiatildeo de

Mantaro para ampliar a presenccedila estatal nessa regiatildeo orientado por quatro frentes de accedilatildeo 1)

luta contra a pobreza 2) luta contra a desigualdade 3) luta contra o traacutefico iliacutecito de drogas e

as organizaccedilotildees criminosas 4) luta contra o terrorismo (PERU 2013) Algumas mudanccedilas

ocorreram no Plano VRAEM 2012 como a participaccedilatildeo de todos os ministeacuterios expansatildeo da

luta contra o terrorismo e o narcotraacutefico para a regiatildeo do vale do rio Mantoro e construccedilatildeo de

escolas e implementaccedilatildeo de programas sociais Entretanto haacute muitas criacuteticas sobre esse novo

plano e a principal delas eacute que ele continua cometendo os mesmos erros das duas versotildees

anteriores por exemplo o natildeo envolvimento das populaccedilotildees camponesas nas elaboraccedilotildees das

poliacuteticas puacuteblicas de desenvolvimento e de seguranccedila

As consecuccedilotildees dos Planos VRAE 2007-2009 e do Plano VRAEM 2012 (que ainda

estaacute em curso) trouxeram agrave tona as limitaccedilotildees logiacutesticas estrateacutegicas e taacuteticas das forccedilas

armadas peruanas no combate ao narcotraacutefico armado como a utilizaccedilatildeo da guerra fixa contra

a guerra fluiacuteda dos senderistas o desconhecimento do territoacuterio e a ausecircncia de diaacutelogos e

114

interaccedilatildeo social com a comunidade local As mutaccedilotildees contiacutenuas que o Sendero Luminoso

vem sofrendo desde o seu surgimento colocam novos desafios para o governo e as forccedilas

armadas peruanas A substituiccedilatildeo do marxismo maoiacutesta pelo capitalismo das drogas iliacutecitas e

a revisatildeo de sua trajetoacuteria histoacuterica foram fundamentais para o grupo se aproximar dos

narcotraficantes de setores cocaleiros e do campesinato para conseguir apoio popular e obter

lucro iliacutecito para financiar a sua luta insurgente A sua alianccedila com os narcotraficantes e com

camponeses da regiatildeo de Ayacucho que dependem em larga medida do cultivo de coca

fortaleceu o grupo insurgente ampliando sua influecircncia suas accedilotildees e seus lucros A

metamorfose ideoloacutegica favoreceu a aquisiccedilatildeo de armas modernas e mais eficazes para a

consecuccedilatildeo de seus objetivos

As redes narcotraficantes garantem acesso do SL ao dinheiro armamentos sofisticados

e novos recrutas ao passo que amplia a sua disseminaccedilatildeo no meio rural e urbano e o tamanho

e a influecircncia da induacutestria iliacutecita do traacutefico de drogas no Peru transbordou afetando os paiacuteses

vizinhos A forte presenccedila do SL na regiatildeo do Vale dos rios Apuriacutemac e Ene associada ao

traacutefico de drogas levou os diferentes governos peruanos da uacuteltima deacutecada a intensificar a

presenccedila estatal atraveacutes do emprego das forccedilas armadas e policiais que utilizam taacuteticas de

contrainsurgecircncia para conter o avanccedilo da ldquonarcoguerrilhardquo Contudo para executar essa

tarefa no ano de 2007 foi lanccedilado o primeiro Plano VRAE que tinha como objetivo aumentar

a presenccedila estatal com accedilotildees militares combater os narcoterroristas e promover o

desenvolvimento socioeconocircmico entretanto natildeo alcanccedilou o sucesso desejado No de 2009

foi lanccedilado o segundo Plano VRAE o qual tambeacutem natildeo obteve o ecircxito esperado Jaacute em 2012

foi relanccedilado o Plano VRAEM abrangendo agora o vale do rio Mantaro com o propoacutesito de

lutar contra a pobreza a desigualdade o traacutefico iliacutecito de drogas e combater os terroristas

Todavia os Planos VRAE e as Estrateacutegias Nacionais de Luta Contra as Drogas fracassaram

como vimos no iniacutecio o Peru se tornou o maior produtor de coca e cocaiacutena do mundo

atualmente O novo programa para o VRAEM natildeo estaacute conseguindo atingir os seus objetivos

pois ao inveacutes de mudar o panorama da pobreza local fez com que o governo militarizasse a

regiatildeo para combater os seus ldquoinimigosrdquo internos

O emprego das forccedilas armadas na intervenccedilatildeo no VRAE para combater o narcotraacutefico

armado intensificou a militarizaccedilatildeo da regiatildeo gerando pontos de tensotildees que desestabilizam o

monopoacutelio do uso da forccedila por parte do Estado peruano e coloca em questatildeo a

governabilidade democraacutetica devido agraves constantes violaccedilotildees de direitos humanos gerando

desconfianccedila em grandes parcelas da sociedade civil O governo peruano ao levar ao

115

paroxismo a ldquoguerra agraves drogasrdquo por meio de erradicaccedilotildees compulsoacuterias combates

militarizados contras as organizaccedilotildees narcotraficantes e os enclaves de cocaiacutena incorreu no

agravamento da violecircncia nas regiotildees produtoras de coca A implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas e de serviccedilos de inteligecircncia que busquem alternativas agraves accedilotildees militares nas

territorialidades onde residem as populaccedilotildees campesinas que satildeo as principais cultivadoras de

coca poderaacute dar iniacutecio a uma mudanccedila estrutural do problema que desde a transiccedilatildeo

democraacutetica ainda perdura

44 Boliacutevia Plano Dignidade Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e a

Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca

Com o fim do regime autoritaacuterio boliviano (1964-1982) a Boliacutevia manteve os

compromissos antidrogas com os EUA principalmente por se tratar de uma das condiccedilotildees

para que ambos os paiacuteses assinassem o acordo de livre comeacutercio Para atender as expectativas

norte-americanas a administraccedilatildeo Paz Entenssoro aprovou em agosto de 1988 a Lei 1008

sobre Regime da Coca e Substacircncias Controladas que tinha como traccedilos basilares a

incorporaccedilatildeo da coca ao lado de outras substacircncias iliacutecitas em um uacutenico corpus legal a

regulaccedilatildeo dos cultivos legais que estabelecia apenas 12000 hectares para cultivaccedilatildeo

tradicional e a interdiccedilatildeo cuja caracteriacutestica era a proibiccedilatildeo prevenccedilatildeo e repressatildeo do cultivo

excedente e do traacutefico de ldquosubstacircncias controladasrdquo A interdiccedilatildeo conforme foi proposta pela

Lei 1008 previa a utilizaccedilatildeo de meios militares para a erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos e o

combate ao traacutefico de drogas para tanto a UMOPAR e a FELCN passaram por uma

reestruturaccedilatildeo e novos treinamentos financiados pelos EUA77

para realizaccedilatildeo de operaccedilotildees

antidrogas nas zonas78

que produzem excedente de coca Laserna comenta que esta lei gerou

atritos entre o governo e os camponeses produtores de coca que rejeitaram as accedilotildees

governamentais Os camponeses realizaram cerca de quatro encontros nacionais para

debaterem as medidas adotadas e negociarem com o governo especialmente a necessidade de

77

A UMOPAR era controlada pela Narcotics Affairs Section (NAS) da Embaixada dos EUA e a DEA traccedilava os

planos de interdiccedilatildeo e os supervisionavam A UMOPAR desde a sua criaccedilatildeo ateacute 1997 sempre manteve relaccedilotildees

proacuteximas com a DEA que iam do compartilhamento de uma base no Chapare ateacute colaboraccedilatildeo em

interrogatoacuterios de pessoas detidas por suspeita de traacutefico de drogas A FELCN tinha a missatildeo de repressatildeo agrave

cocaiacutena e aos insumos quiacutemicos recebia financiamento direto dos EUA para pagamento de bocircnus salariais

compra de equipamentos e treinamento militar (LEDEBUR 2005) 78

A Lei 1008 classificou as zonas de cultivo de coca em trecircs tipos 1) zona de produccedilatildeo tradicional 2) zona de

produccedilatildeo excedente em transiccedilatildeo e 3) zona de produccedilatildeo iliacutecita (ARAMAYO 2008 p443)

116

se retirar a coca do regime de drogas entretanto os camponeses natildeo conseguiram reverter

nenhuma claacuteusula da lei

O envolvimento dos EUA na repressatildeo agraves drogas na Boliacutevia e as medidas repressivas

governamentais tiveram impactos no cultivo e na produccedilatildeo de coca apresentando oscilaccedilotildees e

posterior reduccedilatildeo ao longo dos anos de 1990 No ano de 1990 o cultivo de coca no paiacutes foi de

38300 hectares representando uma queda de 2600 hectares em comparaccedilatildeo com o ano

anterior e a produccedilatildeo totalizou 105861 toneladas apresentando uma queda de 7187

toneladas Em 1992 as aacutereas de cultivo eram de 33500 hectares com uma produccedilatildeo de

99594 toneladas e em 1995 as aacutereas de cultivaccedilatildeo chegaram a totalizar 36600 ha e a soma

da produccedilatildeo de folha de coca alcanccedilou a cifra de 101162 t Mas no ano de 1998 estes

nuacutemeros voltaram a sofrer queda O nuacutemero de hectares de cultivaccedilatildeo caiu para 28000 e a

produccedilatildeo apresentou uma reduccedilatildeo atingindo 77392 toneladas (UNODC 1999 p 42)

Esta variaccedilatildeo nos resultados do controle dos cultivos e produccedilatildeo de coca estava

relacionada com o modo como os governos de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e Gonzalo

Saacutenchez de Lozada (1993-1997) conduziram a poliacutetica de drogas na Boliacutevia Viviana Garciacutea

Pinzoacuten (2014) salienta que mesmo estes governos sendo pressionados pelos EUA natildeo foram

intransigentes no que tange agrave erradicaccedilatildeo de cultivos para evitar conflito com os cocaleiros

devido ao apoio popular que tinham Destarte ambos procuraram negociar acordos de

desenvolvimento alternativo e erradicaccedilatildeo voluntaacuteria de cultivos mas os cocaleiros

permaneciam resistentes agraves propostas por natildeo confiarem no governo No ano de 1995 diante

do natildeo cumprimento das metas de erradicaccedilatildeo os EUA ameaccedilaram retirar a certificaccedilatildeo da

Boliacutevia para pressionar economicamente o governo Saacutenchez Lozada o que o levou a

intensificar as campanhas de erradicaccedilatildeo e consequentemente acirrou os acircnimos dos

cocaleiros gerando conflito entre os camponeses e o governo

Plan Dignidad e a Repressatildeo Militarizada ao Cultivo de Coca

Apoacutes uma eleiccedilatildeo conturbada o ex-ditador Hugo Banzer Suaacuterez foi eleito presidente

(1997-2002) e uma das primeiras medidas tomada pelo seu governo foi enfrentar diretamente

os cultivos iliacutecitos de coca com o intuito de eliminaacute-los completamente independente de isso

provocar conflitos com os cocaleiros Para por em marcha o seu objetivo Hugo Banzer

lanccedilou o Plan Dignidad no segundo ano de seu mandato sem nenhum diaacutelogo com a

sociedade O intuito principal era demarcar a diferenccedila de seu governo em relaccedilatildeo ao de seus

antecessores no que tange ao combate agraves drogas e estreitar as relaccedilotildees com os EUA O Plan

117

Dignidad era uma estrateacutegia boliviana para combater o traacutefico de drogas e a sua duraccedilatildeo

prevista era de cinco anos O plano antidrogas tinha quatro pilares que o norteavam

prevenccedilatildeo desenvolvimento alternativo interdiccedilatildeo e erradicaccedilatildeo de cultivos excedentes

iliacutecitos (LEDEBUR 2005 SALAZAR ORTUNtildeO 2003) Para a consecuccedilatildeo deste plano

segundo Garcia Pinzoacuten foi destinado um orccedilamento de US$ 952 milhotildees distribuiacutedos da

seguinte maneira US$ 108 milhotildees para erradicaccedilatildeo US$ 700 milhotildees para o

desenvolvimento alternativo US$ 129 milhotildees para interdiccedilatildeo e US$ 15 milhotildees para

prevenccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo

Para a implantaccedilatildeo do Plan Dignidad o presidente Banzer promulgou a Lei 1788 de

16 de setembro de 1997 a qual criava o Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito

de Drogas (CONALTID) que com o lanccedilamento da Estrateacutegia de Luta Contra o

Narcotraacutefico em fevereiro de 1998 passou a ser o oacutergatildeo maacuteximo para a definiccedilatildeo e execuccedilatildeo

das poliacuteticas de luta contra as drogas e substacircncias controladas O CONALTID era (e ainda eacute)

presidido pelo Presidente do paiacutes e eacute integrado pelos Ministros das Relaccedilotildees Exteriores da

Presidecircncia do Governo da Defesa e da Sauacutede e Desportes (BOLIacuteVIA 1998a)

Para cumprimento da poliacutetica de ldquococa cerordquo a estrateacutegia de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria

dos cultivos iliacutecitos tinha como fundamento o emprego das forccedilas armadas para a sua

execuccedilatildeo Em 1998 para implementaccedilatildeo da Estrateacutegia de Luta contra o Narcotraacutefico e do

Plano Integral de Prevenccedilatildeo Controle do Traacutefico Iliacutecito de Drogas e Desenvolvimento

Alternativo ndash tambeacutem lanccedilado em fevereiro de 1998 ndash foi criada a Fuerza de Tarea Conjunta

(FTC) que era composta pelas forccedilas armadas grupo de elite da UMOPAR ndash os Leopardos ndash

poliacutecia ecoloacutegica e a Fuerza Tarea Expedicionaria (FTE)79

ou seja era uma unidade de

erradicaccedilatildeo mista que agrupava forccedilas militares e policiais para o combate ao cultivo de coca

excedente Badraacuten aponta que no periacuteodo de 1995 a 1999 o controle dos cultivos excedentes

de folha de coca foi realizado por forccedilas militares tais como os Diablos Rojos forccedila aeacuterea e

as brigadas da FTC que contavam com o apoio informacional da Direccioacuten de Reconversioacuten

de La Coca (DIRECO) oacutergatildeo de controle de cultivo e produccedilatildeo da folha de coca do

Ministerio de Asuntos Campesinos y Agropecuarios As forccedilas policiais e militares eram

equipadas pela NAS da Embaixada dos EUA e treinadas pela DEA cujo modelo implantado

79

A FTE era um grupo paramilitar financiado pelos EUA e treinado com taacuteticas de contrainsurgecircncia para

erradicar os cultivos iliacutecitos e reprimir os cocaleiros mas devido agraves inuacutemeras denuacutencias de violaccedilotildees de

direitos humanos principalmente no Chapare Devido a estes acontecimentos a FTE foi desarticulada em 2002

(LEDEBUR 2005 p 202)

118

era o das forccedilas especiais norte-americanas80

As forccedilas armadas e a FTC participaram

ativamente em dois pilares do Plan Dignidad de ldquoguerra contra a cocardquo na erradicaccedilatildeo e na

interdiccedilatildeo Elena Ruiz Labrador (2009) destaca que estas forccedilas militares operavam em ritmo

acelerado chegando a superar a meacutedia de 50 hectares de erradicaccedilatildeo por dia

Entre 1998 e 2000 foi constituiacutedo um serviccedilo de inteligecircncia composto pelos

profissionais de Inteligecircncia da DIRECO integrantes da Unidad de Cartografiacutea

(UNICARDI) membros da inteligecircncia da poliacutecia nacional das forccedilas armadas e da FTC

Salazar Ortuntildeo (2002) ressalta que o objetivo deste serviccedilo de inteligecircncia era identificar e

perseguir os principais dirigentes dos sindicatos centrais federaccedilotildees pessoas das

administraccedilotildees municipais assessores e instituiccedilotildees que estavam relacionados com a

produccedilatildeo da folha de coca cuja ldquometodologia central consistia em contrataccedilatildeo de informantes

camponeses infiltrados nas organizaccedilotildees mencionadas e nos segmentos dos meios de

comunicaccedilatildeo das organizaccedilotildees do troacutepico [Cochabamba]rdquo (SALAZAR ORTUNtildeO 2002 p

13 traduccedilatildeo nossa)

No documento da FTC intitulado Trabajamos por la dignidad de Bolivia y por la

salud del mundo publicado em 2002 fica evidente como os componentes desta forccedila militar

viam os cocaleiros a coca e a cocaiacutena Eram vistas como drogas sem nenhuma distinccedilatildeo por

conseguinte as organizaccedilotildees camponesas de produtores de coca81

foram identificadas como

agrupamentos de criminosos ditadores terroristas e narcotraficantes mafiosos como

podemos ver no trecho abaixo

- Sindicato do crime (sindicatos camponeses de produtores de coca) agrupamento

iliacutecito para produzir drogas []

- Ditadura sindical outorga e retira a terra impotildee multa e realiza expulsotildees forccediladas

sem consulta

- Terrorismo sindical impotildee medo e terror castigos fiacutesicos prisotildees e execuccedilotildees

- Coacutedigo do silecircncio ameaccedila os informantes com execuccedilatildeo de suas famiacutelias (FTC

2002 apud SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 187 traduccedilatildeo nossa)

Estas imagens das organizaccedilotildees sindicais camponesas foram desenhadas pelo

imaginaacuterio coletivo dos militares da FTC a fim de definir e tipificar o ldquoinimigordquo endoacutegeno a

ser combatido pois os ldquonarcoterroristasrdquo se encontram dentro da fronteira Portanto a relaccedilatildeo

80

Os EUA auxiliaram pecuniariamente o Ministerio de Gobierno a pagar bonificaccedilatildeo por erradicaccedilatildeo para os

membros da FTC superando a casa dos US$ 33 milhotildees apenas em bocircnus e apoiaram militarmente a FTC

com equipamentos e treinamentos oferecidos por militares estadunidenses e oficiais da DEA nas seguintes

especialidades parameacutedicos explosivos armeiros franco-atiradores comunicaccedilotildees e mecacircnica de aeronaves

(SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 186-187) 81

Santos ressalta que ldquoO fato de grande parte da populaccedilatildeo do Chapare ser formada por ex-mineradores de

estanho ouro e prata das minas de Oururo e Potosiacute com experiecircncia sindical foi importante para a

organizaccedilatildeo do sindicato dos cocaleirosrdquo (SANTOS 2007 p 200)

119

com o ldquoinimigordquo daacute-se pelo emprego contiacutenuo de armas para combatecirc-lo onde a doutrina

militar do extermiacutenio eacute o uacutenico mecanismo existente na relaccedilatildeo com o ldquooutrordquo No mesmo

ano de lanccedilamento do referido documento a Anistia Internacional (2002) publicou um

relatoacuterio sobre as violaccedilotildees dos direitos humanos na Boliacutevia que trata diretamente das

denunciais de violecircncia tortura abuso de poder detenccedilotildees arbitraacuterias e assassinatos contra

camponeses cometidos pela FTC na regiatildeo do Chapare

A proviacutencia do Chapare epicentro do ldquosindicato do crimerdquo situada no Departamento

de Cochabamba era o cerne da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria das plantaccedilotildees de coca consideradas

ilegais pelo governo boliviano que destruiu cerca de 38000 hectares de cultivo iliacutecito nesta

regiatildeo no ano de 2000 (GARCIacuteA PINZOacuteN 2014) O sucesso da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria no

Chapare motivou o governo a expandir a erradicaccedilatildeo para regiatildeo de Yungas ndash tida como zona

cocaleira ldquotradicionalrdquo autorizada a plantar legalmente a coca ndash no ano de 2001 entretanto

encontrou muita resistecircncia dos camponeses que defenderam impetuosamente suas plantaccedilotildees

de coca Garciacutea Pinzoacuten relata que o descumprimento por parte do Estado boliviano do acordo

de investimento no desenvolvimento alternativo no Chapare provocou revolta nos cocaleiros

desta regiatildeo que voltaram a plantar coca e se organizaram contra as operaccedilotildees antidrogas

fazendo com que o governo da Boliacutevia recuasse na poliacutetica de erradicaccedilatildeo

De acordo com Ledebur (2005) a presenccedila das forccedilas de seguranccedila no Chapare

durante a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico foi constante Ateacute o final de 2001 cerca de

4500 efetivos militares e policiais estavam presentes na regiatildeo No ano de 2003 este nuacutemero

caiu para 2500 Mesmo com o acordo feito com os camponeses o governo continuou

instalando bases antidrogas com presenccedila de forccedilas de seguranccedila mista (militar e policial) nas

zonas cocaleiras do Troacutepico de Cochabamba tais accedilotildees foram interpretadas como

descumprimento do compromisso por parte das autoridades bolivianas ldquoTanto o governo

estadunidense como o boliviano declararam oficialmente que uma presenccedila militar sustentada

em longo prazo na regiatildeo era indispensaacutevel para manter as metas de erradicaccedilatildeo e evitar o

resurgimento dos cultivos de cocardquo (LEDEBUR 2005 p 201 traduccedilatildeo nossa)

De acordo com o Plan Integral de Prevencioacuten Control del Traacutefico Iliacutecito de Drogas y

Desarrollo Alternativo de 4 de fevereiro de 1998 redigido sob o manto do Plan Dignidad

considera que

[] as zonas de produccedilatildeo excedente estatildeo sujeitas a planos anuais de reduccedilatildeo

substituiccedilatildeo e desenvolvimento mediante a aplicaccedilatildeo do Programa Integral de

120

Desarrollo y Substitucioacuten (PIDYS)82

com metas concretas que devem ser

alcanccediladas com a participaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores de folha de coca excedente

e a disponibilidade de recursos financeiros provenientes do orccedilamento da naccedilatildeo

assim como a cooperaccedilatildeo internacional teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

orientada para o desenvolvimento alternativo (BOLIacuteVIA 1998b traduccedilatildeo nossa)

Portanto a erradicaccedilatildeo da coca excedente deveria ser um processo gradual e

voluntaacuterio que priorizasse os projetos econocircmicos e sociais desse modo o cultivo excedente

seria substituiacutedo83

por plantaccedilotildees liacutecitas com pagamentos de compensaccedilotildees econocircmicas que

beneficiassem os produtores individual e coletivamente Em vez disso o governo boliviano

financiado pelos EUA preferiu intervir militarmente de forma sistemaacutetica para conter a

produccedilatildeo de coca iliacutecita e forccedilar o agricultor cocaleiro a substituir suas plantaccedilotildees por

produtos menos rentaacuteveis sem muitas garantias de cumprimento do programa de

desenvolvimento alternativo Conforme aponta Santos

Seguindo fielmente as concepccedilotildees norte-americanas de luta contra o narcotraacutefico o

Estado boliviano atraveacutes da FTC intensificou a repressatildeo militar e policial aos

produtores do Chapare Como ocorre nos EUA onde a poliacutetica interna de combate

agraves drogas serve como um poderoso mecanismo de controle social sobre os pobres

na Boliacutevia milhares de camponeses pobres foram presos assassinados e desalojados

de suas terras por conta de uma suposta poliacutetica de combate ao narcotraacutefico

(SANTOS 2005 p 200)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico conhecida como Plan Dignidad

implementada a partir de 1998 trouxe resultados nos iacutendices de reduccedilatildeo do cultivo e

produccedilatildeo da coca na Boliacutevia fazendo com que estes nuacutemeros alcanccedilassem os niacuteveis mais

baixos em 2000 quando chegaram a 14600 hectares de arbusto de coca ou seja 7200

hectares a menos em relaccedilatildeo ao ano de 1999 cuja marca foi de 21800 (UNODC 2012 p

10) Todavia como apontamos anteriormente esta acentuada reduccedilatildeo do cultivo de coca estaacute

concatenada com o emprego permanente das forccedilas de seguranccedila policiais e militares na

tarefa de erradicaccedilatildeo nas zonas consideradas de cultivos excedentes afetando sobremodo a

economia local e polarizando o conflito entre os cocaleiros e o governo pois a poliacutetica de

desenvolvimento alternativo se revelou deficitaacuteria

Os camponeses que contemporizaram com os programas do governo de substituiccedilatildeo

de cultivos e compensaccedilatildeo natildeo foram amparados ademais os plantios alternativos de frutas

82

O PIDYS eacute um marco institucional que institui as condiccedilotildees prazos para substituiccedilatildeo e reduccedilatildeo voluntaacuteria dos

cultivos excedentes bem como o montante da compensaccedilatildeo e as accedilotildees poliacuteticas que garantem novas

alternativas de desenvolvimento para as aacutereas atingidas 83

O processo de substituiccedilatildeo de cultivos iliacutecitos tem por objetivo modificar a dinacircmica econocircmica e social

provocada pelo traacutefico de drogas a fim de promover novos padrotildees produtivos alternativos que assegurem

renda suficiente para garantir a subsistecircncia por meio de assistecircncia de creacutedito desenvolvimento do

agronegoacutecio e da comercializaccedilatildeo

121

verduras e legumes natildeo se revelaram promissores devido o seu baixo custo no mercado e os

obstaacuteculos logiacutesticos e de infraestrutura sobretudo na proviacutencia do Chapare regiatildeo que mais

sofreu com a erradicaccedilatildeo compulsoacuteria Segundo Fernando Rojas (2002) a administraccedilatildeo

Banzer pretendeu tambeacutem erradicar os plantios excedentes de coca na zona tradicional dos

Yungas no departamento de La Paz a partir de 2001 contudo diante de um cenaacuterio

potencialmente conflitivo devido uma organizaccedilatildeo mais profunda dos cocaleiros desta

localidade o governo natildeo realizou a destruiccedilatildeo de 2000 hectares de plantaccedilatildeo ilegal de coca

Conforme destaca Santos apoacutes as intervenccedilotildees militares sob o lema de ldquococa cerordquo do Plan

Dignidad ldquohouve em toda a Boliacutevia um crescimento significativo dos movimentos sociais

que cada vez mais passaram a organizar uma resistecircncia agraves accedilotildees militaristas dos governos e agrave

ingerecircncia dos EUA no paiacutesrdquo (SANTOS 2005 p 200)

Apoacutes a renuacutencia de Banzer em 6 de agosto de 2001 Jorge Quiroga Ramiacuterez tomou

posse e prosseguiu com a poliacutetica de ldquococa cerordquo de seu antecessor O presidente Quiroga

apertou o cerco contra os cocaleiros e em menos de um semestre de mandato o governo

boliviano decretou leis que aumentavam o controle a fiscalizaccedilatildeo e a penalizaccedilatildeo dos

camponeses que cultivavam coca ilegalmente A mais expressiva destas posturas foi o

Decreto Supremo 26415 promulgado no dia 27 de novembro do mesmo ano o qual

criminalizava e penalizava de oito a dez anos aquele que coletasse secasse transportasse e

comercializasse a folha de coca em seu estado natural pois em aacutereas onde o cultivo de coca eacute

proibido natildeo deveria existir mercado para a sua comercializaccedilatildeo ou seja no Troacutepico de

Cochabamba estava terminantemente proibida qualquer uma destas atividades Assim sendo

as folhas de coca que estivessem fora da delimitaccedilatildeo territorial autorizada pelo Estado eram

confiscadas e os infratores eram presos sem passar pelo devido processo legal o que feria os

princiacutepios constitucionais Este decreto tornou mais riacutegida a repressatildeo das forccedilas de seguranccedila

ndash principalmente a FTC ndash na regiatildeo do Chapare que segundo Ledebur eram cerca de 4000 a

4500 efetivos Para a autora este excesso de emprego das forccedilas militares e policiais se

caracterizou como a maacutexima expressatildeo da militarizaccedilatildeo de combate agraves drogas na regiatildeo

(LEDERBUR 2005)

Este uso desproporcional da forccedila por parte do Estado boliviano que aleacutem de reprimir

as camadas mais pobres da populaccedilatildeo com accedilotildees violentas que feriam as garantias

constitucionais e os direitos humanos acentuou a pobreza de famiacutelias e comunidades inteiras

o que desencadeou uma onda de protestos por parte dos camponeses Essas manifestaccedilotildees

contra a poliacutetica repressiva do governo Quiroga levaram a inuacutemeros confrontos entre os

122

membros das forccedilas de seguranccedila e os cocaleiros Sob o Plan Dignidad a poliacutecia e as forccedilas

armadas se constituiacuteram como uma das principais ameaccedilas agrave ordem constitucional e agrave

seguranccedila dos cidadatildeos bolivianos Estas instituiccedilotildees foram transformadas em instrumentos

poliacuteticos para atender aos interesses dos governos em receber auxiacutelio econocircmico

submetendo-se aos imperativos da ldquoguerra agraves drogasrdquo impulsionada pelos EUA A

policializaccedilatildeo das forccedilas armadas e seu emprego constante para estas finalidades

evidenciaram as limitaccedilotildees dos governantes para compreender a importacircncia estrateacutegica das

instituiccedilotildees militares profissionalizadas e comprometidas com a Defesa Nacional e a sua

submissatildeo ao Estado democraacutetico de direito

As accedilotildees permanentes dos cocaleiros para defender o cultivo e a produccedilatildeo da coca

contra as metas de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria e a pressatildeo dos EUA para que elas fossem

cumpridas trouxeram agrave tona a emergecircncia de um novo ator no cenaacuterio poliacutetico nacional o

partido Movimiento al Socialismo (MAS) Esse ambiente conflitivo permeou as eleiccedilotildees de

2002 A questatildeo da erradicaccedilatildeo forccedilada dos cultivos de coca assim como a intromissatildeo dos

EUA na poliacutetica interna boliviana fizeram com que as intenccedilotildees de voto em Evo Morales do

MAS crescesse e a subida do liacuteder sindical dos cocaleiros nas pesquisas levou o embaixador

estadunidense no paiacutes Manuel Rocha a pronunciar publicamente a sua oposiccedilatildeo ao candidato

do MAS e ateacute mesmo a ameaccedilar o cancelamento da assistecircncia econocircmica norte-americana

caso Evo Morales fosse eleito (SANTOS 2005 p 201) A popularidade do candidato agrave

presidecircncia do MAS aumentou a ponto de chegar em segundo lugar nas eleiccedilotildees com 209

dos votos perdendo para Gonzalo Saacutenchez de Lozada do partido Movimiento Nacionalista

Revolucionario (MNR) que mais uma vez chegou ao posto de presidente da Boliacutevia

Contudo a presidecircncia de Saacutenchez de Lozada natildeo se sustentou por muito tempo

Em 2003 ocorreram grandes manifestaccedilotildees contra o seu governo motivadas pela crise

econocircmica e social a continuaccedilatildeo do Plan Dignidad que contava com o apoio dos EUA a

criaccedilatildeo de um imposto sobre o salaacuterio dos trabalhadores ndash que ficou conhecido como

ldquoimpuestazordquo ndash e principalmente a Guerra do Gaacutes84

elementos que fizeram com que

84

No ano de 2002 o presidente Jorge Quiroga Ramirez fez um acordo para instalaccedilatildeo de uma central de

processamento de gaacutes natural no litoral do Chile com intuito de exportaacute-lo para os EUA mais especificamente

para a Califoacuternia No ano subsequente o presidente Saacutenchez de Lozada ratificou este acordo e as

manifestaccedilotildees contra a exportaccedilatildeo do gaacutes ganharam forccedila na cidade de El Alto nos meses de setembro e

outubro de 2003 fazendo com que o governo aumentasse a repressatildeo contra os protestos O emprego das

forccedilas de seguranccedila contra os manifestantes incorreu na morte de inuacutemeros civis este ocorrido intensificou a

revolta da populaccedilatildeo boliviana que passou a exigir a saiacuteda de Saacutenchez Lozada O presidente renunciou o seu

cargo e deixou o paiacutes em outubro do mesmo ano

123

Saacutenchez de Lozada fosse derrubado do poder e fugisse do paiacutes com sua famiacutelia e membros de

seu gabinete para Miami

Diplomacia dos Povos e a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da

Folha de Coca

No ano de 2005 Evo Morales candidato do MAS ganhou as eleiccedilotildees presidenciais

com 54 do votos se tornando o primeiro presidente indiacutegena da Boliacutevia Um dos principais

pontos de sua candidatura era por fim agrave erradicaccedilatildeo forccedilada e criar novas regras para

regulamentaccedilatildeo do cultivo e a produccedilatildeo da coca cujo lema era ldquococa si cocaiacutena nordquo Com

esta proposta Morales procurou controlar a produccedilatildeo da folha de coca que abastecia o traacutefico

de cocaiacutena sem entrar em confronto com os camponeses como fizeram os seus antecessores

cuja repressatildeo violenta prevaleceu sobre o diaacutelogo e sobre o investimento em poliacuteticas para o

desenvolvimento alternativo e reduccedilatildeo da pobreza A vitoacuteria de Morales nas eleiccedilotildees foi

explicada por Laserna da seguinte forma

A defesa dos cultivos de coca acabou representando a defesa dos recursos naturais e

da identidade cultural da naccedilatildeo frente agrave imposiccedilatildeo externa e globalizada do lsquoimpeacuterio

americanorsquo Neste imaginaacuterio poliacutetico os cocaleiros satildeo concebidos e apresentados

como a essecircncia do campesinato que por sua vez seria a essecircncia indiacutegena da

naccedilatildeo todavia submetida ao colonialismo interno e tambeacutem satildeo apresentadas como

povo organizado que se converte em Estado para enfrentar a agressatildeo externa agrave

paacutetria Evo Morales reuacutene todas as caracteriacutesticas do movimento camponecircs

cocaleiro e aymara (LASERNA 2011 p 248-249 traduccedilatildeo nossa)

Nos primeiros anos de seu mandato Evo Morales deu continuidade ao acordo feito

entre o ex-presidente Carlos Mesa e os cocaleiros que permitia a cada famiacutelia cultivar 1600

metros quadrados de arbusto de coca85

no entanto os plantios que excedessem o limite

previsto seriam erradicados de forma cooperativa com os camponeses A continuaccedilatildeo do

acordo assegurou aos cocaleiros do Chapare uma pequena renda do plantio de coca e por

conseguinte diminuiu significativamente os conflitos com o governo Nos primeiros dois

anos de seu mandato ao contraacuterio dos governos anteriores a administraccedilatildeo Morales

conseguiu cumprir com ecircxito a meta de reduccedilatildeo de 5000 hectares de coca sem o uso da forccedila

A produccedilatildeo de folha de coca na regiatildeo andina em 2005 era em torno de 159600 hectares A

produccedilatildeo boliviana que potencialmente foi desviada para o traacutefico de drogas foi o

equivalente de 13400 hectares ou seja 84 do total (BOLIacuteVIA 2006)

Em 18 de dezembro de 2006 Morales divulgou a Estrategia de Lucha contra el

Narcotraacutefico y Revalorizacioacuten de la Hoja de Coca 2007-2010 cujo objetivos satildeo combater o 85

Este periacutemetro tambeacutem eacute conhecido como ldquocatordquo que eacute um terccedilo de um campo de futebol ou 1600 msup2

124

crime organizado internacional o narcotraacutefico e o abuso de drogas fortalecendo os

mecanismos de interdiccedilatildeo e controle das substacircncias quiacutemicas e lavagem de dinheiro

revalorizar a folha de coca como patrimocircnio cultural do povo boliviano sobretudo das

populaccedilotildees queacutechua aymara e guarani por se tratar de um elemento cultural espiritual

medicinal nutricional e econocircmico destes povos A estrateacutegia prevecirc uma mudanccedila na poliacutetica

de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria que seria substituiacuteda por accedilotildees de interdiccedilatildeo que garantem o

controle social e o respeito aos direitos humanos como forma de criar uma interaccedilatildeo maior

entre a comunidade e o Estado Deste modo o documento previu a ampliaccedilatildeo do cultivo de

coca de 12000 para 20000 hectares ateacute o ano de 2010 e a produccedilatildeo excedente seria

ldquoracionalizadardquo em comum acordo com os produtores atraveacutes do controle social e do

zoneamento natildeo expansivo86

Este aumento resultaria na utilizaccedilatildeo de 4000 toneladas de coca

na induacutestria para confecccedilatildeo de produtos nutricionais medicinais etc (BOLIacuteVIA 2006)

Santos destaca que ldquoessa nova poliacutetica foi criticada pelos EUA que reduziram 25 do valor

da ajuda ao combate agraves drogas na Boliacutevia passando de US$ 45 milhotildees para US$ 338

milhotildees para o ano de 2007rdquo (SANTOS 2007 p 202)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca natildeo eacute

restrita ao acircmbito domeacutestico mas tambeacutem eacute parte constituinte da poliacutetica externa de Evo

Morales A poliacutetica externa boliviana ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo Morales

No ano de sua posse foi desenhada a Diplomacia de los Pueblos ldquocomo paradigma

alternativo agrave diplomacia claacutessica e como uma nova forma de representar o governo e o Estado

perante o resto do mundordquo trata-se de uma ldquoconstruccedilatildeo e conceituaccedilatildeo da diplomacia como

praacutetica socialrdquo (ZURITA 2013 p 1-2 traduccedilatildeo nossa) A Diplomacia dos Povos tem como

um de seus fundamentos garantir o exerciacutecio pleno dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais de todos os povos originaacuterios para tanto a folha de coca tem um papel

importante por ser um componente substancial do universo simboacutelico da cosmovisatildeo andino-

amazocircnica e da histoacuteria destas populaccedilotildees A partir desta perspectiva o Ministeacuterio das

Relaccedilotildees Exteriores e Culto estabeleceu como um dos eixos cardeais da poliacutetica externa

boliviana o reconhecimento internacional da ldquoproteccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da coca originaacuteria e

ancestral como patrimocircnio cultural recurso natural renovaacutevel e fator de coesatildeo socialrdquo

(BOLIacuteVIA [2009] traduccedilatildeo nossa) Portanto a articulaccedilatildeo entre revalorizaccedilatildeo da folha de

86

De acordo com Laserna (2011 p 255) a JIFE no seu informe anual de 2007 desaprovou as medidas do

governo Morales alegando que elas transgrediam a normativa acordada nas convenccedilotildees internacionais

125

coca com o combate ao traacutefico de drogas se tornou um grande desafio para o governo

boliviano conseguir por em praacutetica a sua poliacutetica de ldquococa siacute cocaiacutena nordquo

A poliacutetica de ldquoracionalizaccedilatildeordquo que dava mais autonomia aos camponeses para

controlar a produccedilatildeo da coca e reduzia a pressatildeo do governo para o cumprimento das metas

apresentou falhas na fiscalizaccedilatildeo do excedente produzido isto levou o Estado a intervir

novamente para controlar o processo para impedir que a expansatildeo dos hectares de plantio de

coca abastecesse o traacutefico de drogas Ruiz Labrador (2009) ressalta que um dos problemas

gerados por esta retomada das intervenccedilotildees por parte da administraccedilatildeo Morales ocorreu entre

o final de 2008 e o comeccedilo de 2009 quando o Vice-Ministro da Coca publicou a Resoluccedilatildeo

284 a qual retirava a autorizaccedilatildeo da venda da folha de coca dos produtores varejistas

membros da Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca (ADEPCOCA) nos

departamentos de Cochabamba e Santa Cruz porque eles natildeo faziam os registros detalhados

de quem produz e para quem eacute enviado conforme a lei A ausecircncia destas informaccedilotildees fez

com que o governo concluiacutesse que o excedente produzido era desviado para a induacutestria da

cocaiacutena e extinguisse o decreto que previa a ldquoracionalizaccedilatildeordquo dos plantios

No ano de 2008 Morales ordenou que as atividades da DEA na Boliacutevia fossem

interrompidas e que os seus funcionaacuterios que estavam haacute mais de vinte anos no paiacutes

deixassem o territoacuterio nacional O embaixador estadunidense Philip Goldberg foi declarado

persona non grata e acusado pelo presidente boliviano de intromissatildeo poliacutetica nos assuntos

internos do paiacutes Esta postura do presidente boliviano buscava resgatar a soberania do paiacutes nas

poliacuteticas de drogas e nacionalizar o combate ao traacutefico de drogas por meio da uma

reestruturaccedilatildeo da FELCN e da instituiccedilatildeo da Unidad Ejecutora de Lucha Integral contra el

Narcotraacutefico (UELIC) que exerceria as atividades realizadas anteriormente pela DEA Outra

accedilatildeo de Morales neste sentido foi modificar o financiamento da poliacutetica de drogas que agora

pertencia ao orccedilamento do Tesouro Geral da Naccedilatildeo

No periacuteodo de 2000 a 2009 segundo o Relatoacuterio Mundial Sobre Drogas da UNODC o

cultivo da folha de coca dobrou passando de 14600 para 30900 hectares Nos primeiros

cinco anos do mandato de Evo Morales os plantios de coca cresceram 5500 hectares e a

erradicaccedilatildeo tiveram um pequeno aumento de 268 ha como consta no graacutefico abaixo

126

Graacutefico 1 Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia (1995-2009)

Fonte UNODC World Drug Report 2010a p 260 Disponiacutevel em lthttpwwwunodcorgunodcdata-and-

analysisWDR-2010htmlgt Acesso em 30 mar 2015

Como aponta o graacutefico o aumento no cultivo de coca tambeacutem repercutiu no aumento

da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena no paiacutes durante os primeiros cinco anos da administraccedilatildeo

Morales cujo crescimento saltou de 80 toneladas em 2005 para 132 toneladas no ano de 2009

sendo que 54628 toneladas meacutetricas foram produzidas nas regiotildees de Yungas de La Paz e no

Troacutepico de Cochabamba (UNODC 2010b) O crescimento da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena

estaacute relacionado com os problemas no descumprimento da ldquoracionalizaccedilatildeordquo do cultivo da

coca excedente por parte de alguns setores do campesinato cocaleiro e a reduccedilatildeo da

fiscalizaccedilatildeo por parte do governo Morales desta produccedilatildeo Segundo o documento de

Monitoramento de Cultivo de Coca na Boliacutevia (2010b) este crescimento da produccedilatildeo de

cocaiacutena durante o governo do MAS ocorreu paradoxalmente ao mesmo passo que a

destruiccedilatildeo dos laboratoacuterios clandestinos e poccedilos de maceraccedilatildeo aumentaram passando de

2619 laboratoacuterios e 4064 poccedilos destruiacutedos no ano de 2005 para 4864 laboratoacuterios e 6664

poccedilos desmantelados

O aumento da destruiccedilatildeo de laboratoacuterios clandestinos natildeo surtiu tanto efeito na

contenccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena como esperava governo boliviano pois a cadeia de

produccedilatildeo da induacutestria da cocaiacutena eacute dinacircmica e envolve inuacutemeros atores sendo os camponeses

a ponta do iceberg A induacutestria da cocaiacutena na Boliacutevia funciona como uma rede complexa que

abrange a produccedilatildeo o comeacutercio e a exportaccedilatildeo Na produccedilatildeo estatildeo os cocaleiros que estatildeo na

127

escala mais baixa da rede recebem a menor fatia do traacutefico de drogas e natildeo tecircm contato direto

com as redes de comercializaccedilatildeo e os coletores que manufaturam a pasta base e fazem a ponte

entre a produccedilatildeo e os comerciantes Na primeira escala da comercializaccedilatildeo estatildeo os

transportadores os distribuidores os pequenos traficantes e os agentes puacuteblicos corruptos Na

escala mais alta deste processo estatildeo o administrador o investidor os grandes comerciantes e

os lavadores de dinheiro de um lado Na exportaccedilatildeo estatildeo os exportadores tanto do cloridrato

ndash principal substacircncia quiacutemica utilizada na confecccedilatildeo da pasta base ndash quanto da cocaiacutena que

atuam nos centros urbanos (na Boliacutevia satildeo Santa Cruz de La Sierra e La Paz) e as

organizaccedilotildees criminosas internacionais que atuam nas fronteiras e nas principais mercados no

exterior Todavia o controle e a repressatildeo soacute recaiacuteram sobre os camponeses e coletores Uma

vez destruiacutedo um laboratoacuterio clandestino e preso o funcionaacuterio que ali trabalhava as redes de

comercializaccedilatildeo abrem novos laboratoacuterios descentralizando a produccedilatildeo tornando-a mais

dispersa aliciando novas comunidades camponesas e ampliando as aacutereas de atuaccedilatildeo O

crescimento da produccedilatildeo de cocaiacutena neste periacuteodo estaacute relacionado diretamente com este

processo

Para Laserna (2011) a poliacutetica antidrogas do governo Morales foi um fracasso pois

produziu o resultado oposto do esperado Segundo o autor as drogas continuaram fluindo

abundantemente na Boliacutevia os preccedilos delas caiacuteram e as penitenciaacuterias permanecem

abarrotadas de pequenos traficantes sobretudo o ldquotraficante casualrdquo e consumidores de

drogas ademais quando um grupo criminoso eacute desmantelado surgem novos que os

substituem e se adaptam agraves novas circunstacircncias Laserna sustenta que as medidas

nacionalistas e populistas do governo afrouxaram a erradicaccedilatildeo e favoreceram a produccedilatildeo de

cocaiacutena O autor afirma que a ldquohistoacuteria do triunfo cocaleiro na Boliacutevia eacute tambeacutem uma

demonstraccedilatildeo de que haacute uma histoacuteria do fracasso das poliacuteticas antidrogas Um fracasso que jaacute

natildeo poderaacute esconder-se com o ecircxito das metas parciais que ao fim e a cabo mostram que a

burocracia se cumpre embora a poliacutetica falherdquo (LASERNA 2011 p 239 traduccedilatildeo nossa)

Segundo Ruiz Labrador (2009) a estrateacutegia de luta contra o narcotraacutefico e

revalorizaccedilatildeo da folha de coca apresentou alguns problemas para a sua implementaccedilatildeo e foi

recebida com ceticismo pelos EUA e alguns setores da ONU O sistema de racionalizaccedilatildeo dos

plantios em parceria com as comunidades camponesas traria resultados em longo prazo para a

reduccedilatildeo da produccedilatildeo da folha de coca ao contraacuterio da erradicaccedilatildeo forccedilada que trouxe

resultados imediatos e postergou a resoluccedilatildeo do problema A autora assinala que ldquoa

implementaccedilatildeo de novas iniciativas natildeo impediu que a administraccedilatildeo de Morales continuasse

128

coordenando e colaborando com as Naccedilotildees Unidas e a Uniatildeo Europeia em programas

antidrogasrdquo (RUIZ LABRADOR 2009 p 119) O governo de Evo Morales foi fundamental

para romper a loacutegica estigmatizadora do ldquococaleiro-narcotraficante-terroristardquo e para afirmar

que os membros das comunidades camponesas que integram o Estado boliviano tambeacutem satildeo

capazes de marcar a agenda poliacutetica a niacutevel nacional e internacional e mudar os conceitos que

norteiam a luta antidrogas propugnada pelos EUA Contudo Ruiz Labrador ressalta que a

estrateacutegia boliviana durante o primeiro mandato de Morales natildeo foi suficiente para promover

a reduccedilatildeo dos cultivos de coca e da produccedilatildeo da cocaiacutena que continuaram a crescer

Todavia a Diplomacia dos Povos foi um ponto forte do governo de Evo Morales

principalmente no que tange agrave luta pela descriminalizaccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da folha de coca na

ONU Maacuteximo Quitral Rojas (2014) salienta que a poliacutetica externa do presidente Morales

conseguiu algumas vitoacuterias importantes no plano internacional bem como ldquotranscender sua

visatildeo plurinacional para o contexto externordquo Entre tais conquistas o autor destaca o

ldquoreconhecimento dos direitos da Madre Tierra a declaraccedilatildeo de acesso agrave aacutegua como direito

humano a descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e a declaraccedilatildeo de 2013 como Ano Internacional

da Quinua a demanda mariacutetima perante a Corte de Haya pronunciamento internacionais a

favor de Morales quando os paiacuteses europeus lhe negaram o seu espaccedilo aeacutereo entre outros

temasrdquo (QUITRAL ROJAS 2014 p 187) A descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e do

ldquoacullicordquo proibidos desde a Convenccedilatildeo de Entorpecentes de 1961 foi um dos principais

marcos da poliacutetica externa boliviana sob a presidecircncia de Morales

Os avanccedilos nos esforccedilos do governo boliviano para reduzir o cultivo iliacutecito e conter o

traacutefico de drogas principalmente a cocaiacutena nos uacuteltimos anos natildeo conseguiram frear o traacutefico

de drogas no paiacutes Para Jeremy McDermott (2014) a Boliacutevia se tornou o novo ldquoepicentro do

narcotraacutefico na Ameacuterica do Sulrdquo De acordo com o autor a Boliacutevia oferece duas condiccedilotildees

fundamentais para instalaccedilatildeo e difusatildeo do crime organizado transnacional oportunidade e

pouca resistecircncia A Boliacutevia estaacute situada ao lado do Brasil ndash o segundo maior consumidor de

drogas iliacutecitas do mundo ndash do Peru ndash principal produtor de cocaiacutena do mundo atualmente ndash e

do Paraguai ndash o principal produtor de maconha da Ameacuterica do Sul Ademais o paiacutes andino

faz fronteira com a Argentina que possui um mercado de drogas em expansatildeo

principalmente com o aumento do consumo de ldquobasucordquo e de ldquopacordquo87

e o Chile que vem

87

O basuco (ou bazuco) eacute semelhante ao crack tanto no seu aspecto quanto na sua forma de usar e eacute mais barato

de ser confeccionado do que a cocaiacutena O paco eacute uma droga de baixo custo produzida a partir de resiacuteduos de

cocaiacutena processada no querosene e aacutecido sulfuacuterico podendo ser usado clorofoacutermio eacuteter ou bicarbonato de

129

apresentando crescimento no seu mercado de drogas interno O autor enfatiza que a Boliacutevia

estaacute ldquono coraccedilatildeo do comeacutercio de narcoacuteticos ilegais na Ameacuterica do Sulrdquo e que ldquoesta dinacircmica eacute

totalmente independente das tradicionais rotas de traacutefico de drogas que alimentam o mercado

dos Estados Unidosrdquo (MCDERMOTT 2014)

McDermott assinala o crescimento dos ldquoclatildes da drogardquo na Boliacutevia os quais procuram

ser mais discretos e se utilizam de violecircncia em casos extremos o que os torna mais

imperceptiacuteveis aos olhos das forccedilas de seguranccedila e um dos centros de suas atividades eacute o

departamento de Santa Cruz Com a perda do mercado norte-americano para os mexicanos as

organizaccedilotildees narcotraficantes colombianas procuraram novos mercados e a Boliacutevia se tornou

um ponto estrateacutegico para produccedilatildeo de cocaiacutena altamente pura devido a suas fronteiras com o

Brasil e a Argentina onde se vende parte da droga e o restante eacute enviado para os mercados

europeus e asiaacuteticos Aleacutem disso os colombianos instalaram na Boliacutevia os seus ldquoescritoacuterios de

cobranccedilardquo que satildeo estruturas do crime organizado que funcionam como uma agecircncia de

controle e regulaccedilatildeo do traacutefico de cocaiacutena

potaacutessio e eacute consumido via respiratoacuteria ou sobre a maconha em forma de cigarro esta uacuteltima mistura eacute

conhecida tambeacutem como basuco (o nome varia de regiatildeo para regiatildeo e tambeacutem eacute conhecido como marciano ou

nevado) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwhogaresbethelcombazucohtmgt Acesso em 30 mar 2015

130

5 ACOMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO COMBATE AO

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino sobre o Traacutefico de Drogas Iliacutecitas

O processo de integraccedilatildeo andina natildeo se limitou agrave agenda econocircmica e poliacutetica a

seguranccedila foi a ela incorporada gradualmente a partir de dezembro de 1989 tendo como

referecircncia a Reuniatildeo de Galaacutepagos a qual pretendia fomentar medidas de confianccedila e

cooperaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e militar com intuito de promover um aprofundamento do

projeto de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo A Reuniatildeo de Galaacutepagos estava imersa num

contexto marcado pelo colapso da Uniatildeo Sovieacutetica e fim da Guerra Fria no plano

internacional pela transiccedilatildeo democraacutetica nos paiacuteses latino-americanos no plano continental e

pela intensificaccedilatildeo da presenccedila dos EUA nos Andes com o lanccedilamento da Iniciativa Andina

no plano regional A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos de Paz Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo eacute o

primeiro documento que apresenta de forma mais organizada um programa de integraccedilatildeo com

vistas a implementar medidas de confianccedila e cooperaccedilatildeo para paz e seguranccedila na regiatildeo para

que isso acontecesse o documento considera que seria necessaacuterio um sistema democraacutetico

capaz de assegurar os ldquoideais de pazrdquo os direitos humanos a cooperaccedilatildeo entre os povos e que

contribua para a seguranccedila regional A declaraccedilatildeo incorporou a niacutevel regional a percepccedilatildeo

estadunidense sobre traacutefico de drogas como ameaccedila O inimigo em vez de ser externo eacute

interno e regional O narcotraacutefico eacute apresentado como vetor dos problemas sociais poliacuteticos e

econocircmicos o qual impulsiona a escalada da violecircncia bem como ameaccedila a seguranccedila

regional quando toma a forma de terrorismo88

A Comunidade Andina de Naccedilotildees manteve sintonia com as accedilotildees militarizadas contra

o narcotraacutefico lanccediladas pela Iniciativa Andina do governo norte-americano Na Reuniatildeo

Presidencial de Caracas de maio de 1991 no tocante agrave luta contra o narcotraacutefico foi

88

Quando o documento se refere ao terrorismo tem em vista os diferentes atentados realizados na Colocircmbia a

mando de Pablo Escobar No dia 6 de dezembro de 1989 onze dias antes da Reuniatildeo de Galaacutepagos o grupo

narcotraficante de Medelliacuten explodiu um caminhatildeo-bomba na sede do Departamento Administrativo de

Seguridad (DAS) com a intenccedilatildeo de assassinar o Gen Miguel Alfredo Maza Maacuterquez entretanto deixou

dezenas de mortos sem atingir o seu objetivo O grupo de Escobar promoveu uma seacuterie de atentados contra

oacutergatildeos do governo colombiano com intuito de barrar a aprovaccedilatildeo da extradiccedilatildeo para os EUA Em junho do

mesmo ano o Sendero Luminoso explodiu um ocircnibus do exeacutercito peruano matando seis soldados na cidade de

Juniacuten Portanto nesse momento o problema do terrorismo associado ao narcotraacutefico estaacute relacionado a

problemas internos de seguranccedila provocados por accedilotildees de narcotraficantes e guerrilheiros existentes na regiatildeo

andina (EL TIEMPO 1993 COMISIOacuteN DE LA VERDAD Y RECONCILIACIOacuteN 2003)

131

reafirmado o compromisso ldquoindividual e coletivo de lutar de maneira integral e com todos os

meios disponiacuteveis contra o flagelo do narcotraacuteficordquo e proposta a criaccedilatildeo de um Centro

Regional Andino de Coordenaccedilatildeo e Informaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES [2003] p 150) A utilizaccedilatildeo de ldquotodos os meios

disponiacuteveisrdquo dava margem tanto para o treinamento militar das poliacutecias nacionais quanto para

o emprego das forccedilas armadas para as atividades contra o comeacutercio iliacutecito de entorpecentes

No decorrer da deacutecada de 1990 a CAN procurou apoio dos EUA89

e da Uniatildeo

Europeia90

(UE) para implementar os programas de desenvolvimento alternativo para

substituiccedilatildeo de cultivos ilegais por produccedilatildeo de commodities liacutecitas e consecuccedilatildeo do Regime

de Preferecircncias Comerciais ambos para fomentar o desenvolvimento econocircmico nos paiacuteses

andinos e criar alternativas de combate ao narcotraacutefico No periacuteodo foram propostas

iniciativas de cooperaccedilatildeo para coibir a corrupccedilatildeo e a lavagem de dinheiro provenientes do

narcotraacutefico para o desenvolvimento sustentaacutevel o intercacircmbio de informaccedilotildees a criaccedilatildeo do

Grupo Operativo de Alto Niacutevel sobre Drogas o combate ao terrorismo e traacutefico de armas e

accedilotildees multilaterais concertadas nos foacuteruns mundiais sobre drogas

No ano de 1999 o Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores lanccedilaram os

Lineamientos de la Poliacutetica Exterior Comuacuten para aprofundar a construccedilatildeo de uma ldquoidentidade

comum andinardquo e consolidar os seguintes princiacutepios a paz e a seguranccedila na regiatildeo a soluccedilatildeo

paciacutefica de controveacutersias a vigecircncia da ordem democraacutetica os direitos humanos a

cooperaccedilatildeo o desenvolvimento econocircmico e social dos paiacuteses pertencentes ao bloco A

poliacutetica externa comum andina expotildee em um de seus objetivos a necessidade de uma

articulaccedilatildeo conjunta que tenha como princiacutepio a responsabilidade compartilhada na luta

internacional contra as drogas para ldquorealizar accedilotildees conjuntas que a partir de um enfoque

multilateral promovam a cooperaccedilatildeo internacional em todos os aspectos do problema em

89

A Lei de Preferecircncias Tarifaacuterias Andinas (ATPA na sigla me inglecircs) foi assinada pelo governo norte-

americano em dezembro de 1991 como parte do acordo de combate agraves drogas A ATPA permitia acesso ao

mercado estadunidense por meio da eliminaccedilatildeo parcial ou total de tarifas de cerca de 6000 produtos andinos o

objetivo era aumentar a criaccedilatildeo de empregos por meio da diversificaccedilatildeo e crescimento do comeacutercio com os

EUA desestimulando o recrutamento dessas pessoas para a induacutestria das drogas 90

No ano de 1991 foi assinado o convecircnio entre a CAN e a EU intitulado Sistema Generalizado de Preferecircncias

SGP-Drogas que era um instrumento de concessatildeo tarifaacuteria com a finalidade de apoiar a estabilizaccedilatildeo acelerar

o crescimento e promover a diversificaccedilatildeo e a competitividade econocircmica como meios de ajuda para a luta

contra a produccedilatildeo e o traacutefico de drogas O SGP-Drogas foi criado com base na Convenccedilatildeo de Viena de 1988

que previa accedilotildees conjuntas contra o narcotraacutefico e a responsabilidade compartilhada frente ao problema

mundial das drogas

132

particular para o desenvolvimento de cultivos alternativosrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 1999 p 4)

O combate agraves drogas eacute um dos temas que compotildeem a agenda da Poliacutetica Exterior

Comum da CAN No acircmbito da CAN existem oacutergatildeos especiacuteficos que executam tarefas de

cooperaccedilatildeo antidrogas tais como o Comiteacute Ejecutivo del Plan Andino de Cooperacioacuten para

la Lucha contra las Drogas o Comiteacute Andino para el Desarrollo Alternativo a Escuela

Regional de la Comunidad Andina de Inteligencia Anti-drogas o Comiteacute Ejecutivo del Plan

Andino de Cooperacioacuten Para la Lucha Contra las Drogas Iliacutecitas y Delitos Conexos Comiteacute

Andino de Asistencia y Cooperacioacuten Policial y Ministerios Puacuteblicos e o Observatorio Andino

de Drogas Para incrementar estas instituiccedilotildees foram implementadas as Decisiones que satildeo

instrumentos de aplicaccedilatildeo imediata e obrigatoacuteria nos paiacuteses membros

Os oacutergatildeos antidrogas que compotildeem a estrutura da CAN atuam da seguinte forma nas

poliacuteticas nacionais no tocante agrave erradicaccedilatildeo de cultivos iliacutecitos desmantelamento da

infraestrutura de produccedilatildeo e transporte de drogas reduccedilatildeo da demanda e combate agrave lavagem

de dinheiro nos acordos binacionais com apoio agraves estrateacutegias antidrogas conjuntas e

comissotildees fronteiriccedilas nas estrateacutegias de harmonizaccedilatildeo das legislaccedilotildees nacionais e na

captaccedilatildeo de recursos teacutecnicos e financeiros internacionais na coordenaccedilatildeo de accedilotildees e

posicionamentos conjuntos91

Em 22 de junho de 2001 O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

subscreveu a Desicioacuten 505 Plan Andino de Cooperacioacuten para la Lucha contra las Drogas

Iliacutecitas y Delitos Conexos Esse Plano pretendia fortalecer as accedilotildees nacionais binacionais e

multilaterais dentro da CAN para combater as drogas iliacutecitas em sua totalidade

compreendendo todos os aspectos envolvidos na produccedilatildeo traacutefico consumo e delitos

relacionados preservando os princiacutepios da ldquoresponsabilidade compartilhadardquo e do ldquopleno

respeito a suas respectivas legislaccedilotildees e soberaniardquo e ao Direito Internacional O Plano

Andino foi elaborado para combater ldquotodos os aspectos relacionados com o problema mundial

das drogas iliacutecitas e delitos conexosrdquo se fundamentando

[] na convicccedilatildeo de que a produccedilatildeo traacutefico e consumo iliacutecito de drogas eacute um

problema de alcance mundial que afeta gravemente o desenvolvimento e a seguranccedila

dos paiacuteses andinos e da comunidade internacional Reconhece que constitui uma das

91

No que tange ao posicionamento conjunto por exemplo no ano de 1998 os paiacuteses andinos tinham proposto na

II Cuacutepula das Ameacutericas a criaccedilatildeo de um Mecanismo de Avaliaccedilatildeo Multilateral em contraposiccedilatildeo agrave certificaccedilatildeo

unilateral realizada anualmente pelos EUA a proposta foi aprovada em outubro do ano seguinte pela CICAD

133

formas mais nocivas e perigosas do crime transnacional organizado que utiliza a

loacutegica globalizadora dos mercados perverte a dinacircmica social distorce a economia

enfraquece o estado de direito e subverte a ordem puacuteblica (COMUNIDAD ANDINA

DE NACIONES 2001 p3 traduccedilatildeo nossa)

O documento salienta que o Plano Andino se constitui como ldquoum tema central na

cooperaccedilatildeo poliacutetica andinardquo devido a sua proposta de articular a poliacutetica externa comum a

poliacutetica comunitaacuteria de integraccedilatildeo e desenvolvimento fronteiriccedilo a poliacutetica de

desenvolvimento sustentaacutevel a agenda social andina e as accedilotildees em mateacuteria de seguranccedila e

fomento da confianccedila aleacutem de fortalecer os programas nacionais antinarcoacuteticos mediante a

cooperaccedilatildeo e intercacircmbio de experiecircncias entre os paiacuteses andinos e tambeacutem com outros paiacuteses

fora do bloco (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2001 p 3 traduccedilatildeo nossa)

Portanto a poliacutetica antidrogas da CAN compreende que o narcotraacutefico estaacute no centro das

preocupaccedilotildees e deve ser combatido multidimensionalmente A poliacutetica andina antidrogas

compreende o tema como um problema multidimensional a partir da seguranccedila humana e da

seguranccedila estatal De acordo com esta visatildeo o ciclo produccedilatildeo traacutefico e consumo de drogas eacute

uma ameaccedila ldquoagrave sauacutede e ao bem estar dos seres humanosrdquo e ldquoafeta as bases culturais

econocircmicas e sociaisrdquo dos paiacuteses (SECRETARIA GENERAL DE LA CAN 2000 p 2)

Como vimos anteriormente os EUA desempenharam um papel substancial e constante

na construccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila na regiatildeo andina e depois dos

ataques terroristas agraves torres gecircmeas os norte-americanos aumentaram a pressatildeo internacional

para o combate ao terrorismo e agraves suas fontes de financiamento Para intensificar a war on

terror na Ameacuterica Latina foi assinada a Declaraccedilatildeo Poliacutetica Contra o Terrorismo na XI

Cuacutepula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo em novembro de 2001 na cidade

de Lima a qual destacava a repressatildeo agraves redes de financiamento das atividades terroristas

principalmente a lavagem de dinheiro e o narcotraacutefico A Carta Andina para La Paz y La

Seguridad Limitacioacuten y Control de los Gastos destinados a La Defensa Externa elaborada

no Compromisso de Lima em junho de 2002 foi uma das respostas dada pelos Estados

andinos agrave guerra ao terror Na agenda de seguranccedila andina foram incorporadas as ldquonovas

ameaccedilasrdquo com o foco no combate agraves ldquoatividades do crime transnacional especialmente as

vinculadas ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito

de armasrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2002 traduccedilatildeo nossa)

Em janeiro do ano seguinte na cidade de Bogotaacute foi firmado pelos ministros de

relaccedilotildees exteriores e de defesa da Comunidade Andina o Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

134

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos o qual confirma a anuecircncia dos Estados

andinos aos tratados internacionais de luta contra o terrorismo existentes na ONU e na OEA

ndash a Convenccedilatildeo Interamericana contra o Terrorismo (2002) e a Declaraccedilatildeo de San Salvador

(2003) ndash e declara o combate eneacutergico contra o ldquoterrorismo em todas as suas formas e

manifestaccedilotildees e o traacutefico iliacutecito de drogas e delitos conexos que representam graves ameaccedilas

para a paz e a seguranccedila regionais o direitos humanos e liberdades fundamentais e a

institucionalidade democraacuteticardquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2003 traduccedilatildeo

nossa) O documento aleacutem de incorporar o terrorismo como ameaccedila subordina a guerra

contra as drogas agrave guerra ao terror O narcotraacutefico deixa de ser compreendido como uma

ameaccedila autocircnoma com atividades proacuteprias e passa a ser entendido como um tentaacuteculo do

terrorismo Na Declaracioacuten de Galaacutepagos de Paz Seguridad y Cooperacioacuten de 1989 o

terrorismo foi definido como extensatildeo do traacutefico de drogas contudo no Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos de 2003 ocorre uma inversatildeo o narcotraacutefico

passa a ser uma extensatildeo do terrorismo

A Poliacutetica Externa Comum da CAN foi um passo fundamental para o processo de

integraccedilatildeo regional nos Andes e o ponto de partida para a redaccedilatildeo da Decisioacuten 587

Lineamientos de la Poliacutetica de Seguridad Externa Comuacuten Andina em julho de 2004 Segundo

a Decisioacuten 587 a seguranccedila ldquoeacute um conceito de caraacuteter multidimensional e compreensivo que

abrange assuntos de iacutendole poliacutetica econocircmica social e culturalrdquo e tambeacutem um componente

imprescindiacutevel para o ldquoaprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica para a consolidaccedilatildeo da

identidade e coesatildeo da Comunidade Andina assim como para fortalecer a participaccedilatildeo de

seus paiacuteses nos mecanismos de seguranccedila hemisfeacuterica e mundialrdquo e desenvolver a Zona de

Paz Andina (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004a p 1-2 traduccedilatildeo nossa)

A concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da CAN se fundamenta na Declaraccedilatildeo de

Bridgetown para o Enfoque Multidimensional da Seguranccedila Hemisfeacuterica assinada em 4 de

junho de 2002 na Assembleia Geral da OEA a qual reconhece que ldquoas ameaccedilas

preocupaccedilotildees e outros desafios da seguranccedila Hemisfeacuterica satildeo de natureza diversa e alcance

multidimensional o conceito e enfoque tradicionais devem ser ampliados para abranger

ameaccedilas novas e natildeo tradicionais incluindo aspectos poliacuteticos econocircmicos sociais de sauacutede e

ambientalrdquo (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2002) Portanto a

agenda de seguranccedila hemisfeacuterica incorpora as ldquonovas ameaccedilasrdquo em uma perspectiva

multidimensional abrangendo temas distintos como o traacutefico de drogas terrorismo e crime

135

organizado (que satildeo prioridades dos EUA Meacutexico e Colocircmbia) a luta contra a fome e a

pobreza (por parte de Brasil e Venezuela) e a luta contra a AIDS e os Desastres Naturais

(conforme as prioridades dos paiacuteses caribenhos) ou seja doravante todos esses problemas

seratildeo percebidos como uma potencial ameaccedila agrave seguranccedila Em outubro de 2003 na

Conferecircncia Especial de Seguranccedila da OEA ocorrida na Cidade do Meacutexico foi reforccedilada a

ampliaccedilatildeo do conceito de seguranccedila e seu enfoque sobre as ameaccedilas multidimensionais com a

aprovaccedilatildeo da Declaracioacuten Sobre Seguridad en las Ameacutericas que enfatiza a necessidade de

manter uma ldquoarquitetura de seguranccedilardquo capaz de preservar a democracia a justiccedila os direitos

humanos a seguranccedila e o respeito ao direito internacional atraveacutes do fortalecimento dos

mecanismos de cooperaccedilatildeo hemisfeacutericos para enfrentar as ameaccedilas tradicionais e as novas

ameaccedilas (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2003 p 2)

De acordo com Gaston Chilier e Laurie Freeman (2005) o conceito de seguranccedila

multidimensional adotado pela OEA pode dar margem para o aumento da securitizaccedilatildeo92

dos

problemas hemisfeacutericos e consequentemente empregar forccedilas militares para combatecirc-los

Para os autores isso seria possiacutevel devido a quatro fatores preciacutepuos

Primeiro a tendecircncia histoacuterica de intervenccedilotildees poliacuteticas das forccedilas armadas durante

a vigecircncia dos regimes autoritaacuterios ou em contexto de conflitos armados ou

instabilidade social Segundo a ldquoguerrardquo dos EUA contra as drogas que promove

um papel mais amplo das forccedilas armadas no cumprimento da lei Terceiro as crises

dos sistemas de seguranccedila puacuteblica que sofrem a maioria dos paiacuteses da regiatildeo

Quarto lsquoa guerra contra o terrorismorsquo lanccedilada pelos Estados Unidos que promove

uma definiccedilatildeo expansiva e nebulosa do terrorismo e portanto aumenta a

responsabilidade dos militares na luta contra o terrorismo sob qualquer forma que

seja expresso (CHILIER FREEMAN 2005 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum (PESC) propunha accedilotildees concretas de

cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses membros para ldquoreforccedilar a luta contra o problema mundial das

drogasrdquo em conformidade com a poliacutetica e agenda de seguranccedila hemisfeacuterica dos EUA contra

o traacutefico de drogas A PESC quando aplicada nacionalmente apresentou divergecircncias entre

os paiacuteses do bloco andino como foi o caso do Plano Colocircmbia financiado pelo governo

norte-americano que tinha o intuito de restaurar a paz reforccedilar as instituiccedilotildees democraacuteticas

combater o narcotraacutefico e erradicar os cultivos iliacutecitos implementar o desenvolvimento

alternativo e defender os direitos humanos Contudo sob a perspectiva da seguranccedila

92

A securitizaccedilatildeo eacute um ato de fala (speech act) no qual a proacutepria enunciaccedilatildeo eacute uma accedilatildeo quando um agente

utiliza o termo seguranccedila para dar um caraacuteter de emergecircncia para uma questatildeo poliacutetica essa questatildeo passa

desta esfera para esfera de seguranccedila portanto para proteger o objeto referente (aquilo que eacute percebido como

objeto de uma ameaccedila existencial por exemplo a democracia a integridade territorial o meio ambiente) passa

a ser legiacutetimo o uso de medidas extraordinaacuterias de exceccedilatildeo para conter a potencial ameaccedila (BUZAN

WAEVER WILDE 1998)

136

multidimensional o governo colombiano agiu militarmente contra os ldquonarcoterroristasrdquo

extrapolando as fronteiras da Colocircmbia o que gerou instabilidade na regiatildeo andina e tensotildees

diplomaacuteticas entre a Colocircmbia e os seus vizinhos Equador e Venezuela em 2008

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores se reuniu na cidade peruana

de Cuzco em dezembro de 2004 e subscreveu a Decisioacuten 602 Norma Andina para El Control

de Sustancias Quiacutemicas que se utilizan en la fabricacioacuten iliacutecita de estupefacientes y

sustancias psicotroacutepicas essa medida visa controlar as substacircncias quiacutemicas utilizadas na

confecccedilatildeo de drogas iliacutecitas93

principalmente a cocaiacutena e a heroiacutena e proteger o territoacuterio

aduaneiro comunitaacuterio para conter o desvio de importaccedilotildees e exportaccedilotildees dessas substacircncias

que podem ser utilizadas na produccedilatildeo de drogas Nesse documento tambeacutem foi proposta uma

lista uacutenica comunitaacuteria de substacircncias controladas de acordo com a Convenccedilatildeo de Viena de

1988 da ONU para aperfeiccediloar o controle e a vigilacircncia da importaccedilatildeo exportaccedilatildeo transporte

e qualquer outro tipo de transaccedilatildeo desses produtos quiacutemicos A criaccedilatildeo desse instrumento foi

uma forma de reiterar a Poliacutetica Andina de Control y Fiscalizacioacuten de Sustancias Quiacutemicas

que foi instituiacuteda em setembro do referido ano em parceria com a Uniatildeo Europeia

Na deacutecima quinta reuniatildeo do Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

ocorrida na cidade de Lima no dia 15 de julho de 2005 foi ratificada a Decisioacuten 614

Estrategia Andina de Desarrollo Alternativo Integral y Sostenible que tinha como finalidade

substituir o cultivo iliacutecito qualificado internacionalmente como ameaccedila por atividades

consideradas liacutecitas como o cultivo de cafeacute milho banana e outros produtos agriacutecolas

Segundo a CAN essa substituiccedilatildeo seria uma forma de ldquomelhorar o niacutevel de vida dos

habitantes da sub-regiatildeo andinardquo e ldquocontribuir para reduccedilatildeo da pobreza e promover a coesatildeo

social dos paiacuteses andinosrdquo conforme a Declaraccedilatildeo do Milecircnio da ONU e as Resoluccedilotildees da

Comissatildeo de Entorpecentes em mateacuteria de desenvolvimento alternativo Segundo a CAN

para a consecuccedilatildeo da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo era necessaacuterio

resguardar os seguintes princiacutepios respeitar a soberania contribuir com a pacificaccedilatildeo e

estabilizaccedilatildeo das aacutereas de intervenccedilatildeo oferecendo alternativas econocircmicas e poliacuteticas

programas e projetos setoriais que minimizem os impactos das accedilotildees de erradicaccedilatildeo agir

preventivamente natildeo apenas nas comunidades e territoacuterios afetados pelos cultivos iliacutecitos

mas tambeacutem naqueles que satildeo ameaccedilados por esse problema respeitar a diversidade

93

As principais substacircncias quiacutemicas submetidas ao controle no acircmbito da CAN satildeo acetona aacutecido cloriacutedrico

aacutecido sulfuacuterico amoniacuteaco anidro amoniacuteaco aquoso anidrido aceacutetico bicarbonato de soacutedio eacuteter etiacutelico metil-

etil-cetona permanganato de potaacutessio tolueno sem estrutura quiacutemica definida e tolueno derivado de HC com

estrutura quiacutemica definida (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004c p 14)

137

autonomia e particularidades nacionais assim como os grupos de minorias eacutetnicas

desenvolver condiccedilotildees miacutenimas de seguranccedila governabilidade e comunicaccedilatildeo que permitam

potencializar o desenvolvimento local cumprir com a estrateacutegia integral de luta contra as

drogas iliacutecitas para assegurar o impeacuterio da lei e para eliminaccedilatildeo sistemaacutetica das atividades

relacionadas com os cultivos iliacutecitos reafirmar a responsabilidade compartilhada ndash fazendo

com que as accedilotildees dos paiacuteses consumidores permitam combater a demanda de drogas ndash e a

cooperaccedilatildeo financeira teacutecnica e comercial para o desenvolvimento alternativo

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2005 p 2-3)

A poliacutetica de desenvolvimento alternativo nas aacutereas de cultivo e produccedilatildeo de coca no

acircmbito da CAN comeccedilou em 1989 um ano depois da Convenccedilatildeo de Viena com a aprovaccedilatildeo

de um Plano de Accedilatildeo para Substituiccedilatildeo e Desenvolvimento Alternativo que seguia os passos

das poliacuteticas nacionais de erradicaccedilatildeo do cultivo de coca em curso na eacutepoca as quais foram

implantadas sob pressatildeo poliacutetica econocircmica e militar dos EUA e conforme as determinaccedilotildees

das convenccedilotildees da ONU De acordo com o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas da UNODC

(2005) podemos verificar que as estrateacutegias de erradicaccedilatildeo e de desenvolvimento alternativo

surtiram algum efeito na reduccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena nos paiacuteses andinos a partir de 2001

quando comeccedilou a ocorrer uma queda na produccedilatildeo chegando ao total de 827 toneladas

meacutetricas No ano de 2003 o total de toneladas meacutetricas produzidas caiu para 674t

Os programas de substituiccedilatildeo de cultivos foram elaborados e impostos verticalmente e

natildeo horizontalmente Os camponeses tiveram uma participaccedilatildeo parca e foram praticamente

alijados das tomadas de decisatildeo Os projetos de desenvolvimento alternativo e sustentaacutevel em

tese pareciam perfeitos em sua elaboraccedilatildeo teacutecnica contudo natildeo estavam em consonacircncia

com a realidade do campo e as dinacircmicas e variantes culturais sociais e poliacuteticas natildeo foram

consideradas nos caacutelculos Conforme salienta Adriana Rossi (2006) a loacutegica do mercado

tambeacutem natildeo foi considerada pois as leis neoliberais vigentes satildeo impenetraacuteveis aos produtos

provenientes de microprodutores A autora assinala que ldquoalguns desses projetos deixaram

comunidades divididas camponeses endividados e sobretudo provocaram uma generalizada e

profunda desconfianccedila e a sensaccedilatildeo de que as medidas alternativas eram tatildeo soacute uma forma

para manter a burocracia nacional e internacionalrdquo (ROSSI 2006 p 38)

Em junho de 2005 o SGP-Drogas passou por um processo de revisatildeo e ajustes para

atender os questionamentos realizados na Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio e a UE adotou

um novo SGP para o periacuteodo de 2006 a 2015 que comeccedilou a vigorar em julho de 2005 No

138

mecircs de abril de 2007 a UE aprovou o Documento de Estrateacutegia Regional para o periacuteodo de

2007 a 2013 o qual destinava 50 milhotildees de euros para a CAN aplicar em trecircs setores

prioritaacuterios integraccedilatildeo econocircmica regional coesatildeo econocircmica e social e o combate agraves drogas

iliacutecitas A UE e a CAN subscreveram em 26 de setembro de 2007 o convecircnio de

financiamento de cooperaccedilatildeo para combate agraves drogas sinteacuteticas por meio da Decisioacuten 673

Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas Sinteacuteticas ou DROSICAN Para firmar

esse convecircnio a UE contribuiu com euro2550 milhotildees e a CAN entrou com euro320 mil O

DRASICAN tinha como objetivo ldquo[] propor metodologias e ferramentas que permitam

prevenir e controlar os possiacuteveis efeitos da oferta e da demanda das drogas iliacutecitas sinteacuteticas

nos Paiacuteses Membros (PPMM) da Comunidade Andina (CAN) []rdquo (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES 2007 p 2 traduccedilatildeo nossa)

No dia 6 de outubro de 2009 foi publicado o documento Seguridad y Lucha Contra el

Delito y la Violencia en la Comunidad Andina o qual reforccedilava as determinaccedilotildees da Poliacutetica

Externa Comum e da Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum para cooperaccedilatildeo no campo da

prevenccedilatildeo investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo para enfrentamento dos ldquofenocircmenos delitivos derivados do

crime organizado transnacionalrdquo como o narcotraacutefico traacutefico de armas bens culturais e

pessoas lavagem de dinheiro e corrupccedilatildeo Para o combate agraves drogas o documento reitera as

diretrizes do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Antidrogas e seus mecanismos institucionais sobre

a mateacuteria

Entre as estrateacutegias de cooperaccedilatildeo birregional CAN-UE foi elaborado o Programa

Antidrogas Iliacutecitas en La Comunidad Andina (PRADICAN) que vigoraria entre novembro de

2009 e fevereiro de 2013 O seu orccedilamento ficou estimado em euro402 milhotildees sendo que 81

desse total era de responsabilidade da UE O objetivo do PRADICAN era apoiar a

implementaccedilatildeo do Plano Andino de Luta contra as Droga Iliacutecitas e Crimes Conexos para

cumprimento da Norma Andina para controle de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas e

da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES [ca2011])

Entre os dias 15 e 18 de novembro de 2011 ocorreu na cidade de Bogotaacute o encontro

andino para implementar o Intercambio de Experiencias de Cooperacioacuten Policial en la

Comunidad Andina Frente a la Lucha Contra el Problema Mundial de las Drogas que fazia

parte do projeto PRADICAN participaram dessa reuniatildeo representantes da alta cuacutepula das

poliacutecias nacionais da Secretaria Geral da CAN da UE e do governo colombiano Para

139

consolidar diferentes processos de cooperaccedilatildeo para a ldquoluta efetiva e integral contra as ameaccedilas

a convivecircncia e a seguranccedila cidadatilderdquo o encontro visava criar mecanismos a niacutevel regional para

facilitar o diaacutelogo entre os governos e destes com a sociedade civil bem como criar

programas de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre as instituiccedilotildees policiais encarregadas da luta

antidrogas Para realizar essas accedilotildees foram estabelecidos dois objetivos principais

1 Gerar um espaccedilo de intercacircmbio de experiecircncias entre atores da luta contra o

problema mundial das drogas dos paiacuteses da Sub-regiatildeo Andina acerca de suas accedilotildees

e estrateacutegias para o problema mundial das drogas

2 Propor experiecircncias bem sucedidas ndash liccedilotildees aprendidas e boas praacuteticas ndash aplicadas

contra o fenocircmeno do narcotraacutefico nos paiacuteses andinos de Boliacutevia Colocircmbia

Equador e Peru como accedilotildees comuns a serem desenvolvidas no futuro

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2011 p 2 traduccedilatildeo nossa)

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores apresentaram em 5 de

fevereiro de 2012 os Principios Orientadores y Agenda Estrateacutegica Andina que tinham

como propoacutesito aprofundar o processo de integraccedilatildeo andino a partir da elaboraccedilatildeo de uma

agenda estrateacutegica que priorizava doze eixos principais 1) participaccedilatildeo dos cidadatildeos andinos

na integraccedilatildeo 2) Poliacutetica Exterior Comum 3) integraccedilatildeo comercial e complementaccedilatildeo

econocircmica promoccedilatildeo da produccedilatildeo do comeacutercio e do consumo sustentaacutevel 4) integraccedilatildeo

fiacutesica e desenvolvimento das fronteiras 5) desenvolvimento social 6) meio ambiente 7)

turismo 8) seguranccedila 9) cultura 10) cooperaccedilatildeo 11) integraccedilatildeo energeacutetica e recursos

naturais 12) desenvolvimento institucional da CAN (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 2010 p 2) A agenda estrateacutegica procurava conter o traacutefico de drogas e outras

accedilotildees do crime organizado a partir de accedilotildees integradas como o controle integrado de

fronteiras e o desenvolvimento dos Centros Binacionales de Atencioacuten en Frontera (CEBAF) e

das Zonas de Integracioacuten Fronteriza (ZIF) e em mateacuteria de seguranccedila se daria por meio da

coordenaccedilatildeo de programas regionais para facilitar a aplicaccedilatildeo da normativa andina sobre

combate agraves drogas de acordo com as diretrizes da Decisioacuten 505 e a implementaccedilatildeo do

PRADICAN

No transcurso do ano de 2012 ocorreram reuniotildees multilaterais de especialistas

governamentais dos paiacuteses andinos para atualizaccedilatildeo do Plano Andino de Luta Contra as

Drogas Iliacutecitas e Delitos Conexos As reuniotildees contaram com a participaccedilatildeo de teacutecnicos

especialistas em drogas da Secretaria Geral da Comunidade Andina e com funcionaacuterios dos

governos dos paiacuteses envolvidos especialmente dos setores de seguranccedila e luta contra as

drogas

140

Esse grupo multissetorial e multilateral lanccedilou no dia 5 de outubro de 2012 a

Estrategia Andina Sobre el Problema Mundial de las Drogas 2012-2019 A Estrateacutegia

Andina segundo o documento eacute respaldada pela Poliacutetica Externa Comum e pelo Acordo de

Cartagena e se fundamenta no direito comunitaacuterio andino que tem como pilares o respeito aos

direitos e dignidade humana a democracia e o Estado de direito A Estrateacutegia Andina

apresenta algumas mudanccedilas no que tange ao tratamento da questatildeo das drogas na regiatildeo

principalmente nas estrateacutegias de reduccedilatildeo da demanda e de desenvolvimento alternativo A

estrateacutegia de reduccedilatildeo da demanda passa a ser norteada natildeo mais pela loacutegica da criminalizaccedilatildeo

mas por uma loacutegica de reduccedilatildeo de danos

Thiago Rodrigues (2003b) ressalta que a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos surgiu na

Europa em meados da deacutecada de 1980 como medida para conter a propagaccedilatildeo da AIDS entre

usuaacuterios de drogas injetaacuteveis devido ao compartilhamento de seringas Contudo a reduccedilatildeo de

danos ampliou o seu enfoque e em suas medidas procurava natildeo apenas promover a troca de

seringas mas tambeacutem o acompanhamento meacutedico de usuaacuterios fornecer serviccedilos

interdisciplinares de assistecircncia e aconselhamento De acordo com esta loacutegica as poliacuteticas

sociais deveriam ser direcionadas para intervenccedilotildees que procurassem proscrever natildeo o uso de

drogas mas o uso indevido que pode redundar em ameaccedilas ao bem-estar do indiviacuteduo e da

sociedade Sendo assim

Os partidaacuterios das poliacuteticas de reduccedilatildeo de danos constroem seus argumentos a partir

de um pressuposto simples consumir psicoativos faz parte de qualquer cultura eacute

haacutebito sempre presente na histoacuteria humana e que natildeo pode ser suprimido

Assumindo a inevitabilidade do uso de drogas psicoativas a preocupaccedilatildeo deveria ser

em fazer com que esse consumo produzisse o menor prejuiacutezo possiacutevel ao indiviacuteduo

que se intoxica e agrave sociedade (RODRIGUES 2003b p 262)

Os adeptos das poliacuteticas alternativas antiproibicionistas compreendem que a guerra

contra as drogas natildeo erradicou e nem vai erradicar o traacutefico e nem o consumo de drogas mas

impeliu os usuaacuterios de psicoativos agrave marginalidade fazendo com que fosse perpetuado o uso

de drogas em condiccedilotildees insalubres Para os partidaacuterios dessa alternativa natildeo se trata de fazer

apologia ao uso das drogas e sim de agir pragmaticamente sobre a questatildeo Deve-se reduzir o

consumo ldquoinevitaacutevelrdquo dessas substacircncias e natildeo estimular o seu uso portanto a preocupaccedilatildeo eacute

ldquominimizar prejuiacutezosrdquo Rodrigues aponta que os discursos de defesa dos programas de

reduccedilatildeo de danos e a criacutetica ao proibicionismo neles contidos natildeo significa necessariamente

uma postura incisiva de apoio agraves poliacuteticas radicais de legalizaccedilatildeo das drogas pois a reduccedilatildeo

de danos pode ser adotada por diferentes tipos de poliacuteticas ela se situa entre a legalizaccedilatildeo

total e a proibiccedilatildeo total e nada impede que ela oscile de uma para outra Para o autor ldquoa

141

possibilidade de que taacuteticas de reduccedilatildeo de danos coexistam com medidas de guerra agraves drogas

expotildee a nu o fato de que em seu conjunto elas natildeo ambicionam mais do que reformulaccedilotildees

dentro do regime proibicionistardquo (RODRIGUES 2003b p 268)

Os paiacuteses andinos mesmo com toda sua multiplicidade de expressotildees poliacuteticas e

eacutetnico-culturais buscam se posicionar de forma comum perante aos desafios em termos de

seguranccedila principalmente por meio da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) como por

exemplo a Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum e a Carta Andina para a Paz e Seguranccedila

Contudo as posiccedilotildees e declaraccedilotildees dos governos do bloco andino revelam as controveacutersias e

diferenccedilas subjacentes a esse processo

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em Seguranccedila

A regiatildeo andina tem como caracteriacutestica a diversidade geograacutefica social poliacutetica e

econocircmica cujas semelhanccedilas estatildeo ligadas ao passado colonial e agraves relaccedilotildees de

subalternidade da poliacutetica externa dos paiacuteses andinos frente aos EUA principalmente no

contexto dos anos de 1990 se estendendo ateacute o comeccedilo do seacuteculo XXI os Andes estavam

dentro da zona de influecircncia hemisfeacuterica norte-americana Nesse contexto as relaccedilotildees de

dependecircncia de cada paiacutes andino com Washington natildeo foram uniformes no entanto como

vimos no decorrer do presente trabalho houve muitas semelhanccedilas na forma como foi

conduzida a poliacutetica de combate agraves drogas e a cooperaccedilatildeo com os EUA sobre o tema

ocorrendo mudanccedilas mais significativas apenas na segunda metade da primeira deacutecada deste

seacuteculo como foram os casos de Boliacutevia e Equador

Os esforccedilos dos paiacuteses andinos para criar instrumentos e mecanismos de cooperaccedilatildeo

regional em mateacuteria de seguranccedila comeccedilaram no fim dos anos de 1980 Neste primeiro

movimento o traacutefico de drogas jaacute figura como problema de seguranccedila ao lado das armas

nucleares A Declaracioacuten de Galaacutepagos Compromiso Andino de Paz Seguridad y

Cooperacioacuten assinada pelos presidentes do Pacto Andino em 1989 (Boliacutevia Colocircmbia

Equador Peru e Venezuela) tinha por objetivo principal criar medidas de confianccedila reciacuteproca

por meio do compromisso dos paiacuteses andinos em renunciar agrave produccedilatildeo ao desenvolvimento

ao uso agrave transferecircncia ou posse de qualquer tipo de arma de destruiccedilatildeo em massa (ADM)

sejam elas nucleares quiacutemicas ou bacterioloacutegicas O art 6 da Declaraccedilatildeo estabelece como

142

uma das medidas de confianccedila o intercacircmbio de informaccedilotildees encontros regulares e

cooperaccedilatildeo entre as Forccedilas Armadas e a coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de luta contra o terrorismo e

o narcotraacutefico A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi o primeiro documento que firmou o

compromisso entre as forccedilas armadas andinas para o combate ao traacutefico de drogas A ideia de

cooperaccedilatildeo contida na Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos deve ser entendida de acordo com a

abordagem de Robert Jervis (1978) sobre a seguranccedila cooperativa a qual foi elaborada

durante a Guerra Fria e por ela foi influenciada Segundo o autor a seguranccedila cooperativa

ocorre quando os contendores potenciais tecircm disposiccedilatildeo para cooperar com a finalidade de

aplacar os riscos provenientes do dilema de seguranccedila Deste modo ela eacute estadocecircntrica Este

tipo de cooperaccedilatildeo propicia a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo reduccedilatildeo e resoluccedilatildeo de

ameaccedilas militares que podem desdobrar em uma guerra Estas medidas estatildeo relacionadas

sobretudo agrave transparecircncia entre as forccedilas armadas que permita o recolhimento de dados e

informaccedilotildees sobre o estado das armas

Todavia somente dez anos depois com o lanccedilamento da Poliacutetica Externa Comum

Andina em 1999 a seguranccedila se torna um dos eixos do projeto de integraccedilatildeo andina que

forneceraacute as bases para criaccedilatildeo de mecanismos institucionais de cooperaccedilatildeo na mateacuteria O

narcotraacutefico foi o tema que ganhou mais destaque no iniacutecio da formulaccedilatildeo da poliacutetica de

seguranccedila comum andina A implementaccedilatildeo em 2001 da Decisatildeo 505 foi o primeiro

movimento de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica multilateral coordenada de seguranccedila antidrogas no

acircmbito da CAN para conter o avanccedilo das redes de traacutefico de drogas e os efeitos do conflito

colombiano na regiatildeo

Na Conferecircncia de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores e de Defesa da CAN ocorrida na

cidade de Lima em junho de 2002 os paiacuteses signataacuterios do bloco andino assinaram a Carta

Andina para a Paz e a Seguranccedila (ou Compromisso de Lima) a qual se baseava na proposta

do presidente peruano Alejandro Toledo que pretendia promover uma concepccedilatildeo comum de

seguranccedila paz e fomento da confianccedila pela reduccedilatildeo nos gastos de defesa O Compromisso de

Lima visava a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica comunitaacuteria de seguranccedila e de fomento da

confianccedila como parte da Poliacutetica Externa Comum e como um mecanismo de cooperaccedilatildeo

poliacutetica para implementaccedilatildeo de uma nova etapa de integraccedilatildeo andina para o desenvolvimento

de uma concepccedilatildeo regional de seguranccedila que fosse capaz de instaurar a Zona de Paz de la

Comunidad Andina Influenciado pela concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da OEA e

pela ldquoguerra ao terrorrdquo dos EUA o Compromisso de Lima estabelecia que o combate agraves

atividades do ldquocrime transnacionalrdquo deveria continuar ldquoespecialmente as que satildeo vinculadas

143

ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito de armasrdquo

(COMUNIDAD ANDINA 2002 p 4 traduccedilatildeo nossa)

O Compromisso de Lima foi determinante para criaccedilatildeo do Grupo de Alto Niacutevel em

Mateacuteria de Seguranccedila e Fomento da Confianccedila em 2003 este mecanismo compreende

reuniotildees bilaterais regulares entre Altos Comandos Militares intercacircmbio de informaccedilatildeo e de

serviccedilo de inteligecircncia e cooperaccedilatildeo fronteiriccedila A partir do Compromisso de Lima foi

elaborado a PESC que guiada pela concepccedilatildeo multidimensional de seguranccedila ldquoabarca as

ameaccedilas inerentes tanto agrave defesa quanto agrave institucionalidade democraacutetica e agrave seguranccedila cidadatilde

ndash incluindo suas inter-relaccedilotildees ndash []rdquo Portanto ldquoo seu propoacutesito eacute prevenir e combater de

maneira cooperativa e coordenada as ameaccedilas agrave seguranccedila quaisquer que seja sua natureza

dentro de uma concepccedilatildeo democraacutetica e natildeo ofensiva de seguranccedila externardquo (COMUNIDAD

ANDINA 2004 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A seguranccedila comum aparece nos anos de 1980 como um novo conceito em oposiccedilatildeo agrave

seguranccedila nacional tradicional focada na seguranccedila militar O conceito procurava um enfoque

mais abrangente que natildeo se restringisse agraves preocupaccedilotildees militares mas que captasse outros

temas como as ameaccedilas poliacuteticas econocircmicas e ambientais De acordo com Barry Buzan e

Lene Hansen (2012) a seguranccedila comum eacute um conceito ldquoexpansivordquo que foi criado em 1982

pela Comissatildeo Palme de Desarmamento e Questotildees de Seguranccedila tendo como pressuposto

impliacutecito que ldquoas principais ameaccedilas agrave seguranccedila internacional natildeo vinham de Estados

individuais mas de problemas globais compartilhados por toda a comunidade internacionalrdquo

(PORTER BROWN 1991 p 109 apud BUZAN HANSEN 2012 p 216) Ao redirecionar o

foco para os chamados ldquoproblemas globaisrdquo as ameaccedilas passariam a ser enfrentadas numa

escala planetaacuteria e para resoluccedilatildeo destes problemas seriam necessaacuterias poliacuteticas multilaterais e

transnacionais Entretanto os autores salientam que a ideia de seguranccedila comum ainda estava

submergida no contexto da Guerra Fria e devido a isto o seu foco predominante era o

desarmamento e o controle de armamentos muito embora o conceito procurasse tambeacutem

promover os direitos humanos e garantir a seguranccedila dos indiviacuteduos Segundo os autores este

duplo movimento da seguranccedila comum a tornava ldquoambiacuteguardquo o que levou a preparaccedilatildeo do

cenaacuterio para a seguranccedila individual e tambeacutem fez dela a precursora da seguranccedila humana

onde o indiviacuteduo eacute o objeto de referecircncia para a seguranccedila (BUZAN HANSEN 2012 p

218)

144

A PESC andina resgatou o conceito de seguranccedila comum e procurou fundamentaacute-lo

nas concepccedilotildees de seguranccedila democraacutetica e de seguranccedila multidimensional A seguranccedila

democraacutetica surge no contexto poacutes-colapso sovieacutetico em contraposiccedilatildeo agrave Doutrina de

Seguranccedila Nacional como concepccedilatildeo alternativa de seguranccedila marcadamente fundamentada

nos princiacutepios liberais cujos objetivos centrais satildeo a proteccedilatildeo das liberdades individuais e o

bem-estar da sociedade No quarto objetivo da PESC a seguranccedila democraacutetica aparece da

seguinte forma ldquoContribuir para promoccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico e o bem-estar

social dos habitantes da Comunidade Andina reforccedilando a seguranccedila da Sub-regiatildeordquo

(COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo nossa) A seguranccedila multidimensional se

baseia na concepccedilatildeo de seguranccedila hemisfeacuterica da OEA que procura abranger diferentes temas

poliacuteticos econocircmicos societais e ambientais como ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila A

concepccedilatildeo multidimensional influenciou sobremaneira a PESC Em um dos seus objetivos ela

se revela da seguinte forma ldquoPrevenir combater e erradicar as novas ameaccedilas agrave seguranccedila

[] atraveacutes da cooperaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo de accedilotildees orientadas os desafios que representam

ditas ameaccedilas para a Comunidade Andinardquo (COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo

nossa)

De acordo com Carlos Romero (2004) na Ameacuterica Latina houve poucas ocasiotildees em

que ocorreram esforccedilos para elaboraccedilatildeo de compromissos cooperativos de seguranccedila sem os

EUA Um exemplo citado pelo o autor eacute a poliacutetica de seguranccedila comum da CAN No entanto

Romero potildee em questatildeo se a agenda de seguranccedila andina natildeo se transformou em reprodutora

da agenda hemisfeacuterica e da agenda global da administraccedilatildeo Bush como foi o caso do

terrorismo transnacional e que em vez disso os paiacuteses da CAN deveriam discutir o tema de

terrorismo de Estado como problema de seguranccedila pois este eacute um tema mais presente na

histoacuteria andina Ao colocar entre os seus objetivos o combate agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo a agenda

de seguranccedila da CAN se tornou reprodutora das poliacuteticas de seguranccedila tanto da OEA quanto

dos EUA O exemplo mais emblemaacutetico eacute o traacutefico de drogas que ainda eacute tratado sob estas

perspectivas mesmo com uma mudanccedila recente no tratamento das drogas a partir do prisma

da reduccedilatildeo de danos o qual segue o modelo europeu

A CAN procurou reinterpretar a sua agenda de seguranccedila e a cooperaccedilatildeo multilateral

entre os paiacuteses do bloco agrave luz das ldquonovas ameaccedilasrdquo para combatecirc-las As medidas de

confianccedila estabelecidas pela PESC natildeo foram suficientes para solapar os conflitos fronteiriccedilos

latentes Entre as ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila da CAN a partir da segunda metade dos anos

de 1990 o traacutefico de drogas foi a ameaccedila que mais se destacou na agenda de seguranccedila

145

regional e que refletiu de maneira variada em cada contexto nacional A PESC estabeleceu

como condiccedilotildees necessaacuterias para a conformaccedilatildeo de uma Zona Andina de Paz as medidas de

confianccedila a soluccedilatildeo paciacutefica de controveacutersias e a cooperaccedilatildeo em seguranccedila principalmente

contra as ldquonovas ameaccedilasrdquo No que tange agrave cooperaccedilatildeo multilateral contra o traacutefico de drogas

no acircmbito do ordenamento institucional da CAN houve avanccedilos significativos No entanto

na praacutetica o que mais prevalece satildeo as medidas de cooperaccedilatildeo bilateral principalmente entre

as forccedilas armadas como satildeo os casos da formaccedilatildeo de Comisioacuten Binacional Fronteriza para o

fortalecimento da seguranccedila nas fronteiras (COMBIFRON) e Grupos de Trabalho Bilateral

COMBIFRON Equador-Colocircmbia COMBIFRON e Grupos de Trabalhos Bilateral em defesa

e assuntos policiais Peru-Colocircmbia COMBIFRON Boliacutevia-Peru A questatildeo que se coloca eacute

se a cooperaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas e os mecanismos institucionais para

enfrentaacute-las se inserem ou natildeo dentro de um espectro mais amplo de uma identidade coletiva

em mateacuteria de seguranccedila ou seja se a CAN se configura como uma Comunidade de

Seguranccedila

Comunidade de Seguranccedila Andina

Nos estudos da seguranccedila internacional a ideia de comunidade de seguranccedila surgiu

para compreender como determinadas organizaccedilotildees de grupos regionais foram capazes de

impulsionar processos que culminaram na criaccedilatildeo de zonas de paz estaacuteveis e duradouras que

propiciaram a construccedilatildeo de uma identidade comum Karl Deutsch (1957) foi o primeiro autor

a introduzir o conceito de comunidade poliacutetica para analisar os processos de integraccedilatildeo e as

relaccedilotildees entre seguranccedila e integraccedilatildeo Deutsch se concentrou em identificar as condiccedilotildees que

favoreciam a construccedilatildeo de identidades coletivas como forma de se alcanccedilar a paz Com o

crescimento da interdependecircncia e da responsabilidade compartilhada entre os Estados o uso

da forccedila fiacutesica deixaria de ser um meio legiacutetimo para resolver altercaccedilotildees O grau de

integraccedilatildeo distinguiria uma comunidade poliacutetica de uma comunidade de seguranccedila esta

uacuteltima eacute resultado da densidade e intensidade das relaccedilotildees e transaccedilotildees que asseguram

expectativas confiaacuteveis de mudanccedila paciacutefica por um tempo prolongado A comunidade de

seguranccedila conforme o autor pode ser pluralista quando se restringe apenas ao acircmbito da

seguranccedila para manter a paz ou amalgamada quando ocorre uma fusatildeo poliacutetica formalizada

entre os atores envolvidos podendo chegar a constituir um soacute governo

As comunidades pluralistas seriam como ldquoclustersrdquo de unidades poliacuteticas

(agrupamento de estados) que requerem trecircs pressupostos baacutesicos

146

a) a compatibilidade de valores fundamentais b) a capacidade dos governos e as

elites para responder em forma reciacuteproca as mensagens necessidades e accedilotildees de

forma veloz adequada e sem recorrer agrave violecircncia e c) a previsibilidade muacutetua dos

aspectos pertinentes da conduta poliacutetica econocircmica e social de uns em relaccedilatildeo aos

outros (DEUTSCH 1970 p 231 apud BURDISSO et al 2006 p 6 traduccedilatildeo

nossa)

Se seguirmos esta divisatildeo proposta por Deutsch a CAN estaria mais para uma

comunidade de seguranccedila pluralista do que para uma amalgamada pois o processo de

integraccedilatildeo andino preserva a soberania dos Estados da regiatildeo e natildeo visa agrave criaccedilatildeo de um

governo uacutenico supranacional Todavia a comunidade de seguranccedila pluralista natildeo se adeacutequa

ao caso andino pois inexiste uma reciprocidade entre os paiacuteses para responder a uma ameaccedila

e muito menos existe uma ldquoprevisibilidade muacutetuardquo A Operaccedilatildeo Fecircnix realizada pelas forccedilas

armadas da Colocircmbia em solo equatoriano gerou desconfianccedila devido agrave imprevisibilidade

Portanto esta classificaccedilatildeo natildeo eacute suficiente para abordar a complexidade da integraccedilatildeo e

cooperaccedilatildeo andina pois natildeo permite em sua abordagem compreender diferentes niacuteveis e

variedades intermediaacuterias de tipos de configuraccedilotildees de comunidades de seguranccedila

Para buscar analisar outras formas de orquestraccedilatildeo e conformaccedilatildeo de comunidades de

seguranccedila que emergiriam a partir de uma interaccedilatildeo maior que fortalecesse o

desenvolvimento da confianccedila e de uma identidade coletiva Emanuel Adler e Michael Barnet

(1998 p 17) partindo de Deutsch elaboraram um ldquomodelo heuriacutesticordquo para examinar trecircs

fases de desenvolvimento de uma comunidade de seguranccedila e as formas como os atores e suas

relaccedilotildees satildeo afetados em cada uma destas fases nascente ascendente e madura

Em linhas gerais na primeira fase a nascente natildeo haacute um movimento expliacutecito e

pouco esforccedilo por parte dos governos em criar uma comunidade de seguranccedila Os atores

buscam coordenar suas relaccedilotildees como forma de aumentar a seguranccedila muacutetua diminuir os

custos de suas transaccedilotildees e estimular a realizaccedilatildeo de trocas e interaccedilotildees A cooperaccedilatildeo entre

os atores pode ser mensurada pela ampliaccedilatildeo dos canais diplomaacuteticos bilaterais e

multilaterais As accedilotildees resultantes da cooperaccedilatildeo em seguranccedila provavelmente incorporaratildeo

uma especificaccedilatildeo maior do que eacute considerado uma ameaccedila poliacuteticas projetadas voltadas para

mitigar problemas de accedilotildees coletivas e o desenvolvimento de programas de seguranccedila

voltados para consecuccedilatildeo de objetivos compartilhados Nesta fase os Estados desenvolvem

laccedilos estreitos de seguranccedila natildeo apenas para se defenderem coletivamente contra uma

ameaccedila comum mas tambeacutem para aprofundar os viacutenculos institucionais e transnacionais que

os ligam bem como uma homogeneidade cultural poliacutetica social eou ideoloacutegica Nesta fase

147

ainda haacute a necessidade de fiscalizaccedilatildeo e controle dos membros (ADLER amp BARNET 1998

pp 50-51)

A segunda fase a ascendente assinala uma fortificaccedilatildeo dos viacutenculos mediante a

construccedilatildeo de novas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees Os membros da comunidade optam pela

integraccedilatildeo regional por consideraacute-la o meio mais profiacutecuo para atingir os objetivos coletivos

de seguranccedila e de desenvolvimento intensificando os fluxos estendendo os canais existentes

e reduzindo o medo de que um membro seja uma ameaccedila Os Estados estatildeo cada vez mais

incorporados em uma densa rede de relaccedilotildees retratadas coletivamente como ldquoamigaacuteveisrdquo A

amplitude e a densidade das instituiccedilotildees principalmente de seguranccedila demonstram confianccedila

muacutetua e deliberaccedilotildees militares interdependentes levando agrave reduccedilatildeo de mecanismos de

controle e fiscalizaccedilatildeo entre as partes (ADLER amp BARNET 1998 p53)

A terceira e uacuteltima fase a madura ocorre na formaccedilatildeo de uma comunidade de

seguranccedila com a institucionalizaccedilatildeo das expectativas tanto no acircmbito domeacutestico quanto na

esfera supranacional Nesta fase os atores regionais compartilham uma identidade comum e se

torna impensaacutevel entre os membros se prepararem para uma guerra entre si Esta fase inclui

o aspecto da ldquoajuda muacutetuardquo que estaacute inserida em um sistema ldquopoacutes-soberano dotado de

instituiccedilotildees supranacionais transnacionais e nacionais comuns e alguma forma de um sistema

de seguranccedila coletivardquo (ADLER amp BARNET 1998 p30 traduccedilatildeo nossa)

Para os autores haacute duas formas de comunidade de seguranccedila as com viacutenculo fraco e

as com viacutenculo estritamente acoplado Na comunidade de seguranccedila com viacutenculo fraco os

Estados se identificam positivamente um com o outro existem muacuteltiplos e diversos

mecanismos e padrotildees de interaccedilatildeo que reforccedilam e reproduzem a comunidade de seguranccedila

haacute um sistema de governanccedila informal com base em significados compartilhados e uma

identidade coletiva Em caso de conflitos de interesses e desacordos os atores mantecircm uma

postura de autolimitaccedilatildeo do uso da forccedila Na comunidade de seguranccedila estritamente acoplada

existem acordos de seguranccedila muacutetua e assistecircncia reciacuteproca contra ameaccedilas externas um

sistema de seguranccedila coletiva e organizaccedilatildeo de defesa militar integrada Este tipo de

comunidade de seguranccedila apresenta os seguintes componentes seguranccedila cooperativa e

coletiva um alto niacutevel de integraccedilatildeo militar coordenaccedilatildeo poliacutetica contra ameaccedilas ldquointernasrdquo

livre circulaccedilatildeo da populaccedilatildeo internacionalizaccedilatildeo da autoridade e institucionalizaccedilatildeo em

multiperspectiva nos niacuteveis nacional transnacional e supranacional (ADLER amp BARNET

1998 pp55-57)

148

Ao analisarmos a CAN a partir dos aportes teoacutericos de Adler e Barnet natildeo eacute claro

identificar em qual tipo de comunidade de seguranccedila ela poderia ser compreendida Na

primeira fase em relaccedilatildeo agrave cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses pertencentes ao bloco andino a CAN

especificou o que eacute considerado ameaccedila como eacute o caso das ldquonovas ameaccedilasrdquo e desenvolveu

um programa de seguranccedila que teoricamente estreitaria os laccedilos entre os atores da regiatildeo para

aprofundar os seus viacutenculos institucionais A CAN entretanto natildeo eacute uma instituiccedilatildeo de

seguranccedila mas sim de integraccedilatildeo regional que conteacutem alguns mecanismos de seguranccedila

comum

A fase ascendente eacute a que mais se aproxima da regiatildeo andina e do seu sistema de

integraccedilatildeo o qual fixou objetivos comuns em seguranccedila e desenvolvimento A PESC previa a

consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina que visava fortalecer as medidas de confianccedila e o

enfrentamento das ameaccedilas agrave seguranccedila de forma cooperativa Contudo a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da integraccedilatildeo andina em seus variados aspectos natildeo incidiram sobre o

campo da seguranccedila A PESC natildeo foi aprofundada e natildeo se tornou um mecanismo efetivo de

coordenaccedilatildeo dos planos e estrateacutegias de cooperaccedilatildeo As deliberaccedilotildees militares obedecem agrave

loacutegica da soberania O combate ao traacutefico de drogas eacute o exemplo mais expressivo da falta de

coordenaccedilatildeo de uma poliacutetica comum de seguranccedila A fase madura de acordo com os autores

requer entre outras coisas que a comunidade de seguranccedila seja ldquopoacutes-soberanardquo

No contexto regional andino atual emergem entre os paiacuteses da CAN novos blocos

econocircmicos regionais com diferentes niacuteveis de institucionalizaccedilatildeo dividindo os paiacuteses

andinos a partir de seus projetos estrateacutegicos que satildeo voltados ou para bacia do paciacutefico

(Colocircmbia e Peru) ou para a bacia amazocircnica (Boliacutevia e Equador) condicionando

ideologicamente natildeo apenas a economia e a poliacutetica mas tambeacutem a seguranccedila e o modo como

a questatildeo das drogas eacute abordada Desta maneira gravitam na regiatildeo andina dinacircmicas

contrapostas de integraccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo que colocam obstaacuteculos para a efetivaccedilatildeo da

PESC e construccedilatildeo de uma identidade de seguranccedila comum que satildeo elementos necessaacuterios

para o cumprimento dos acordos sobre drogas em acircmbito regional prevalecendo mais os

acordos bilaterais pontuais como satildeo as COMBIFRON do que os multilaterais intrabloco no

que tange ao combate agraves drogas Isto estaacute relacionado com as percepccedilotildees de cada paiacutes sobre o

problema Por exemplo a Boliacutevia e o Equador apresentaram mudanccedilas significativas no

decorrer da uacuteltima deacutecada no tratamento das drogas de forma divergente em muitos aspectos

das abordagens peruanas e colombianas sobre o tema

149

As iniciativas multilaterais tecircm acompanhado as estrateacutegias voltadas mais para a

reduccedilatildeo da oferta do que para a diminuiccedilatildeo da demanda Tambeacutem procuraram acompanhar as

poliacuteticas nacionais que se baseavam numa triacuteplice estrateacutegia a qual visava principalmente agrave

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos agrave militarizaccedilatildeo e ao desenvolvimento alternativo Os

instrumentos de cooperaccedilatildeo desenvolvidos no acircmbito da CAN obedeceram mais a loacutegica da

pressatildeo dos governos do que a busca de soluccedilotildees a partir de uma abordagem regional que

procurasse conciliar as heterogeneidades e assimetrias de cada Estado Para que o regime

multilateral antidrogas fosse efetivo seria necessaacuterio primeiro uma revisatildeo das poliacuteticas

nacionais e das suas consequecircncias de forma conjunta para em seguida elaborar mudanccedilas

no modelo existente onde cada paiacutes encara o problema a seu modo e por fim criar

instrumentos e mecanismo adequados para dar iniacutecio a uma estrateacutegia comum efetiva

conforme a PESC

No que tange agraves consequecircncias das poliacuteticas nacionais os Estados-membros da CAN

natildeo apresentaram nenhum documento ou iniciativa para avaliar os resultados do tripeacute

estrateacutegico de luta contra as drogas e de sua incidecircncia sobre a estabilidade das instituiccedilotildees

nacionais dos paiacuteses da regiatildeo Como vimos no decorrer do trabalho a erradicaccedilatildeo

compulsoacuteria natildeo redundou na diminuiccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena e tambeacutem natildeo impediu que

os fluxos desta droga fossem para os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo como pretenderam os EUA No

entanto para evitar confrontar as exigecircncias e pressotildees de Washington e tambeacutem seguindo os

seus interesses em se manterem receptores de assistecircncia militar e econocircmica norte-

americana os governos de Colocircmbia e Peru natildeo refletiram acerca do efeito contraacuterio que a

ldquoguerra agraves drogasrdquo provocou dentro de seus paiacuteses ou seja o aumento da erradicaccedilatildeo e da

apreensatildeo das folhas de coca levou ao crescimento e extensatildeo da produccedilatildeo para compensar

perdas como tambeacutem ramificou e capilarizou as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

A articulaccedilatildeo espuacuteria entre traacutefico de drogas e terrorismo encabeccedilada pelos EUA

incorreu em um aumento das tensotildees entre as iniciativas regionais de cooperaccedilatildeo em mateacuteria

de seguranccedila que tinha como objetivo a consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina e a

militarizaccedilatildeo dos mecanismos de repressatildeo estatal Estas tensotildees ocorrem na regiatildeo desde o

iniacutecio da luta contra o narcotraacutefico quando foram empregadas de forma indiscriminada as

forccedilas armadas para realizarem a erradicaccedilatildeo forccedilada de plantios de coca na Boliacutevia e no

Peru os dois maiores produtores de coca naquele contexto As erradicaccedilotildees forccediladas

ganharam novos contornos com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas de fumigaccedilatildeo aeacuterea na Colocircmbia

150

O uso excessivo do glifosato obrigou milhares de famiacutelias colombianas a migrarem para o

Equador o que fez estremecer as relaccedilotildees e a cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

De acordo com Mocircnica Hirst (2008) natildeo haacute respostas institucionais regionais na

Ameacuterica do Sul para lidar com o complexo conjunto de problemas de seguranccedila na regiatildeo

sobretudo o crime organizado transnacional No que concerne agrave CAN a autora destaca que as

aplicaccedilotildees das estrateacutegias antidrogas demonstraram que os paiacuteses que integram a regiatildeo

andina satildeo desprovidos de autonomia estrateacutegica e as suas agendas ainda obedecem agraves

premissas da seguranccedila hemisfeacuterica estadunidense ou seja a proacutepria concepccedilatildeo de seguranccedila

multidimensional e a noccedilatildeo de ldquonovas ameaccedilasrdquo presente na PESC satildeo constataccedilotildees desta

falta de autonomia na agenda de seguranccedila principalmente no que concerne ao combate agraves

drogas pois Washington ainda exerce grande pressatildeo com a poliacutetica de certificaccedilatildeo

alimentando a subordinaccedilatildeo estrateacutegica aos EUA (MATHIAS 2007) Portanto dentro do

atual cenaacuterio da poliacutetica e da seguranccedila da regiatildeo andina faz-se necessaacuteria a construccedilatildeo de

uma perspectiva comum e compartilhada entre os paiacuteses sul-americanos para fazer frente ao

problema da produccedilatildeo e traacutefico de drogas

151

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir da anaacutelise histoacuterica acerca da construccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo do traacutefico de drogas

como ameaccedila pudemos observar um processo gradual de aprofundamento e

institucionalizaccedilatildeo de uma percepccedilatildeo securitizada sobre o fenocircmeno e uma intensificaccedilatildeo do

seu combate na regiatildeo andina O traacutefico de drogas foi considerado uma ldquonova ameaccedilardquo natildeo

convencional e transnacional no decurso da deacutecada de 1990 Apoacutes o advento do ldquo11 de

setembrordquo ocorreu uma convergecircncia conceitual e perceptiva entre a ldquowar on drugrdquo e a ldquowar

on terrorrdquo sobretudo na Colocircmbia e no Peru que favoreceram os interesses securitaacuterios dos

EUA na regiatildeo andina No ambiente poacutes-colapso sovieacutetico a luta antidrogas se tornou o

veiacuteculo dileto para manter e ampliar a primazia estadunidense na regiatildeo

Pudemos tambeacutem depreender que a regiatildeo andina passou a ter relevacircncia para os EUA

no contexto poacutes-Guerra Fria A identificaccedilatildeo das ldquonovas ameaccedilasrdquo provocou uma alteraccedilatildeo na

definiccedilatildeo de relevacircncia de diferentes sub-regiotildees com isto a regiatildeo andina passou a ser a

maior receptora de recursos econocircmicos e militares em contraste com a Ameacuterica Central que

fora na deacutecada de 1980 Esta relevacircncia responde aos interesses da poliacutetica externa

estadunidense em eliminar o traacutefico de drogas devido agrave ameaccedila que representa para a

democracia a seguranccedila a governabilidade e a paz no arco andino Segundo a percepccedilatildeo

norte-americana desde Reagan o narcotraacutefico se constitui como uma ameaccedila agrave sua seguranccedila

nacional e por conseguinte agrave seguranccedila regional e hemisfeacuterica Aleacutem disso o arco andino

inspirou grande preocupaccedilatildeo no que concerne agrave conformaccedilatildeo de ldquoEstados Falidosrdquo ao mesmo

passo que despertou o interesse de Washington para implantaccedilatildeo de novas bases militares

como a de Manta no Equador em 1999 a qual substituiu a base que existia no Panamaacute Este

movimento dos EUA em direccedilatildeo aos Andes fez com que se ampliasse a sua zona de

influecircncia na Ameacuterica Latina levando tambeacutem a Colocircmbia a se tornar o ator central na sua

guerra contra o narcotraacutefico

A construccedilatildeo das drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo nas agendas de

seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo impulsionaram o emprego excessivo das forccedilas de seguranccedila

nacional que incorreu num processo de militarizaccedilatildeo das poliacutecias e policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas ou seja de des-diferenciaccedilatildeo entre os papeacuteis de cada uma das instituiccedilotildees e a

diluiccedilatildeo da fronteira entre seguranccedila interna e externa Este excesso no emprego da forccedila

militar para combater o narcotraacutefico fez com que ocorresse uma deslegitimaccedilatildeo social e

152

poliacutetica do Estado cujas poliacuteticas de desenvolvimento alternativo foram ineficazes para

mitigar os graves problemas causados pelas poliacuteticas antidrogas castrenses Outros efeitos

decorrentes deste excesso foram a corrupccedilatildeo das instituiccedilotildees policiais e militares a violaccedilatildeo

constante dos direitos humanos e erosatildeo do sistema democraacutetico A doutrina da militarizaccedilatildeo

permitiu que as forccedilas armadas ampliassem suas funccedilotildees internas em detrimento da

democracia e dos direitos humanos

Para empreender a luta antidrogas nos Andes as principais estrateacutegias adotadas pelos

paiacuteses da regiatildeo com a subvenccedilatildeo norte-americana podem ser resumidas em um tripeacute a

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos a militarizaccedilatildeo e o desenvolvimento alternativo Como

vimos ao longo do trabalho desde o lanccedilamento da poliacutetica de combate agraves drogas no arco

andino esta estrateacutegia tripartite direcionada aos ldquopaiacuteses produtoresrdquo natildeo alcanccedilou os

resultados almejados ou seja natildeo reduziu a oferta ndash no ano de 2014 foram registrados

133700 hectares de cultivos de coca nos paiacuteses andinos ndash e muito menos a demanda ndash o

nuacutemero de usuaacuterios de cocaiacutena chegou a cerca de 20 milhotildees em todo mundo no mesmo ano

(UNODC 2014) ndash as redes multiniacuteveis do traacutefico de drogas seguem com as suas atividades

iliacutecitas natildeo apenas na regiatildeo andina mas no mundo inteiro A crenccedila de que as accedilotildees de

combate agraves drogas iriam provocar um aumento dos preccedilos das drogas e tornaacute-las um negoacutecio

sem atratividade caiu por terra Os mercados das drogas se adaptaram e converteram o risco

em lucro A ldquoguerra agraves drogasrdquo fez do traacutefico de drogas o negoacutecio iliacutecito mais rentaacutevel no

mundo cujos lucros segundo a UNODC foram estimados em US$ 320 bilhotildees em 201294

Portanto podemos dizer que haacute uma lacuna expressiva entre os objetivos apregoados e os

resultados alcanccedilados por esta triacuteplice estrateacutegia elaborada pelos EUA e implementada pelos

paiacuteses andinos

Apreendemos tambeacutem que a partir das anaacutelises das poliacuteticas nacionais a execuccedilatildeo da

poliacutetica de drogas nos Andes natildeo foi colocada em praacutetica apenas unilateralmente com as

intervenccedilotildees estadunidenses Os governos nacionais de cada paiacutes andino natildeo soacute aceitaram e

adotaram o paradigma proibicionista securitaacuterio mas o apoiaram veementemente com um

conjunto de accedilotildees e medidas das quais sobressaiacuteram as operaccedilotildees militares indiscriminadas

Esta subordinaccedilatildeo que variou de acordo com cada contexto e paiacutes fez dos governos andinos

cuacutemplices e responsaacuteveis tambeacutem pela consecuccedilatildeo e legitimaccedilatildeo da guerra contra a induacutestria

94

A informaccedilatildeo estaacute disponiacutevel em lthttpswwwunodcorglpo-brazilptfrontpage20120716-unodc-lanca-

campanha-global-sobre-crime-organizado-transnacionalhtmlgt Acesso em 20 jul 2015

153

das drogas que trouxeram consequecircncias indeleacuteveis para as instituiccedilotildees e populaccedilotildees destes

paiacuteses principalmente para os camponeses e as camadas mais baixas da sociedade

Nos exemplos aqui estudados da Colocircmbia (e tambeacutem do Equador) pudemos verificar

que o lanccedilamento do Plano Colocircmbia e a declaraccedilatildeo de guerra contra a guerrilha o traacutefico de

drogas o terrorismo e os paramilitares impulsionaram o processo de internacionalizaccedilatildeo do

conflito armado colombiano que transbordou do acircmbito domeacutestico para o regional quando

afetou os paiacuteses vizinhos depois do regional para o internacional quando envolveu atores

extrarregionais como a OEA UE e os EUA A situaccedilatildeo conflitiva interna colombiana

condicionou e conformou a poliacutetica externa colombiana aos interesses dos atores externos

sobretudo aos interesses e ingerecircncias estadunidenses em mateacuteria de seguranccedila A

participaccedilatildeo de Washington no conflito alterou a natureza do processo colombiano o qual

deixou de ser um fenocircmeno interno com uma dinacircmica domeacutestica e passou a ser o epicentro

de uma guerra de ldquobaixa intensidaderdquo cada vez mais internacionalizada A internacionalizaccedilatildeo

do conflito interno colombiano desencadeou-se a partir do fortalecimento dos laccedilos entre os

governos de Pastrana e Uribe com os EUA os quais solicitaram a ingerecircncia de Washington

nos assuntos domeacutesticos ligados agrave luta contra o narcotraacutefico e a guerrilha

No que tange ao caso equatoriano notamos que a internacionalizaccedilatildeo do conflito

interno colombiano afetou significativamente as relaccedilotildees entre Equador e Colocircmbia a partir

da situaccedilatildeo conflituosa na fronteira comum onde as divergecircncias de percepccedilotildees e

posicionamentos perante a questatildeo se afloraram Com as operaccedilotildees desencadeadas a partir do

Plano Colocircmbia e da PSD que mais tarde resultou na Operaccedilatildeo Fecircnix o Equador apresentou

uma condiccedilatildeo de vulnerabilidade devido agrave sua baixa capacidade para responder aos efeitos da

internacionalizaccedilatildeo do conflito armado que abrange aleacutem das questotildees de seguranccedila temas

ambientais e de migraccedilatildeo A postura do presidente Rafael Correa perante o problema foi

principalmente de retaliaccedilatildeo diplomaacutetica e com a adoccedilatildeo do Plano Equador mobilizou

milhares de efetivos das forccedilas armadas para a zona fronteiriccedila O Estado colombiano natildeo foi

capaz de trazer uma soluccedilatildeo para pocircr fim aos diferentes grupos armados Com a intensificaccedilatildeo

do combate agraves guerrilhas e agraves organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes principalmente apoacutes a

mudanccedila de estrateacutegia que fundiu a luta contra as drogas com a guerra ao terror a

internacionalizaccedilatildeo do problema se estendeu para aleacutem das fronteiras atingindo primeiro a

fronteira colombo-equatoriana e em seguida a regiatildeo andina e o seu entorno A ocorrecircncia

acentuada do efeito derrame na Colocircmbia impulsionado pelo agravamento do conflito

armado e da ldquoguerra agraves drogasrdquo ensejou o espalhamento das redes narcotraficantes grupos

154

armados refugiados e problemas ambientais que penetraram as fronteiras dos Estados

limiacutetrofes Equador e Venezuela foram os paiacuteses que mais sofreram com este processo A

internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano provocada principalmente pelo efeito derrame

desdobrou em atritos diplomaacuteticos entre os governos colombiano equatoriano e venezuelano

que estremeceram as relaccedilotildees poliacuteticas entre estes paiacuteses A divergecircncia entre os governos de

Colocircmbia e Equador em torno da classificaccedilatildeo das guerrilhas como grupos ldquonarcoterroristasrdquo

colocou em questatildeo as pretensotildees da PESC andina de criar uma concepccedilatildeo de ameaccedila

regional unificada O presidente equatoriano Rafael Correa natildeo compartilhou da identificaccedilatildeo

das FARC como grupo ldquoterroristardquo ou ldquonarcoterroristardquo conforme foi feito pelo presidente

Aacutelvaro Uribe Este posicionamento do mandataacuterio equatoriano gerou dissensos e contribuiu

para desarmonia diplomaacutetica entre ambos os paiacuteses

No caso peruano observamos que o Peru se tornou o maior cultivador de coca do

mundo atualmente alcanccedilando a cifra de 60400 ha A dinacircmica interna do Peru foi afetada

com a intensificaccedilatildeo da luta contra o traacutefico de drogas na Colocircmbia Os cultivos e a produccedilatildeo

de coca cresceram exponencialmente mantendo a oferta em alta Um dos elementos para

compreender o incremento do traacutefico de drogas no paiacutes eacute a expansatildeo das redes criminosas

conhecidas como Firmas ou Clatildes No iniacutecio estas redes eram limitadas a obterem lucro no

entanto os seus interesses natildeo se restringiram ao ganho econocircmico Com o seu crescimento e

enraizamento na cultura local a atividade iliacutecita se tornou um meio de alcanccedilar status social

Para manter o seu controle sobre a induacutestria da cocaiacutena as Firmas se adaptaram agraves diferentes

situaccedilotildees sociopoliacuteticas e ampliaram o nuacutemero de atores envolvidos com a induacutestria da droga

Assim como o fez o Sendero Luminoso no passado e em certa medida ainda o fazem no

presente os Clatildes se espalham pelo tecido social se capilarizando e preenchendo o vazio de

poder local consolidando a sua influecircncia sobre as praacuteticas sociais e poliacuteticas das regiotildees

onde atuam Entre os camponeses porque sua organizaccedilatildeo ser marcadamente familiar os Clatildes

passaram a ser fundamentais para a geraccedilatildeo de renda organizaccedilatildeo da comunidade local e para

manterem a seguranccedila a partir de accedilotildees que visem minimizar as ameaccedilas aos seus negoacutecios

Esta postura de grande parte das firmas satildeo compartilhas pelas comunidades o que faz a

induacutestria da cocaiacutena se ramificar e prosperar

A ldquoguerra agraves drogasrdquo no Peru seguiu o vieacutes militarizado da Colocircmbia A Estrateacutegia

Nacional de Luta contra as Drogas e as trecircs ediccedilotildees do Plano VRAE priorizaram accedilotildees de

erradicaccedilatildeo forccedilada e operaccedilotildees militares para combater as organizaccedilotildees narcotraficantes e o

Sendero Luminoso grupo considerado ldquoterroristardquo pelo Estado peruano A ampliaccedilatildeo das

155

operaccedilotildees militares de combate agraves drogas no comeccedilo dos anos 2000 fez com que grupos

narcotraficantes se fragmentassem ou fossem extintos levando a uma mudanccedila na dinacircmica

da violecircncia com a chegada de novas Firmas sem viacutenculos com a comunidade local Aleacutem do

mais a militarizaccedilatildeo da luta antidrogas sob o signo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e a reduccedilatildeo draacutestica

das poliacuteticas de desenvolvimento alternativo impulsionaram o aumento do nuacutemero de pessoas

envolvidas com o traacutefico de cocaiacutena em pequena escala e fizeram com que uma infinidade de

novas Firmas emergisse Este duplo movimento contribuiu para a ampliaccedilatildeo do setor

concorrencial ou seja quando haacute mais grupos competindo pelo controle da produccedilatildeo e do

traacutefico de drogas a violecircncia aumenta O crescimento do setor concorrencial recente no Peru

fez com que o paiacutes ocupasse a terceira posiccedilatildeo dos paiacuteses mais conflitivos da Ameacuterica do

Sul95

No caso boliviano pudemos observar que o binocircmio neoliberalismo e proibicionismo

no comeccedilo dos anos 2000 repercutiu sobremodo nas esferas poliacutetica e econocircmica de forma

desestabilizadora engendrando inuacutemeros movimentos e revoltas sociais que derrubaram

governos eleitos democraticamente Desde a aprovaccedilatildeo do Plano Dignidade o qual

intensificou a luta antidrogas no paiacutes as organizaccedilotildees cocaleiras se transformaram em grandes

forccedilas poliacuteticas nacionais Quanto mais repressiva eram as operaccedilotildees antidrogas sobre os

cocaleiros mais mobilizados e organizados eles ficavam e esta loacutegica foi um dos fatores que

fortaleceu o MAS e consequentemente tornou a eleiccedilatildeo de Evo Morales possiacutevel A

consecuccedilatildeo da estrateacutegia tripartite norte-americana no cenaacuterio boliviano gerou um ambiente

conflituoso e instaacutevel ao passo que fortaleceu os movimentos sociais e mobilizou a opiniatildeo

puacuteblica contra as poliacuteticas antinarcoacuteticas coercitivas O governo de Evo Morales por meio da

Diplomacia dos Povos ndash que tinha como um dos seus principais pilares a revalorizaccedilatildeo da

coca ndash conseguiu na ONU que a tradiccedilatildeo de mastigaccedilatildeo da folha de coca (praacutetica conhecida

como akulliku) fosse descriminalizada recentemente

Na uacuteltima deacutecada ocorreu uma seacuterie de conflitos poliacuteticos econocircmicos e sociais que

conformaram o quadro regional andino Mesmo num ambiente conflitivo os paiacuteses andinos

por meio da CAN do Compromisso de Lima de 2001 e da Declaraccedilatildeo de San Francisco de

2004 procuraram conformar uma Zona de Paz Andina que ensejasse uma coordenaccedilatildeo maior

entre os paiacuteses em mateacuteria de seguranccedila a partir de um enfoque coletivo o qual orquestraria o

poder de decisatildeo para enfrentar os problemas securitaacuterios considerados comuns a todos os

95

Informaccedilotildees disponiacutevel em lthttpperu21peeconomiaccl-combatir-violencia-peru-cuesta-45-pbi-2211570gt

Acesso em 10 de jun 2015

156

paiacuteses do bloco e concomitantemente levasse ao aprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica

atraveacutes de mecanismos regionais como forma de conter potenciais ameaccedilas apresentando

uma abordagem preventiva em vez das abordagens defensivas Uma das abordagens

preventivas adotadas para conter o avanccedilo dos cultivos iliacutecitos foi a implementaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel em 2005 a qual buscou

coordenar poliacuteticas nacionais de desenvolvimento alternativo e substituiccedilatildeo de cultivos como

forma de reintegrar as comunidades envolvidas nos cultivos iliacutecitos em atividades produtivas

da economia legal Todavia os estudos sobre a poliacutetica de drogas nos paiacuteses andinos e as

dificuldades de manter um sistema de seguranccedila cooperativa multilateral autocircnoma intrabloco

demonstraram que as agendas de seguranccedila dos Estados-membros da CAN natildeo satildeo guiadas

por uma Poliacutetica de Seguranccedila Comum (PESC) natildeo obstante ser um objetivo declarado

oficial e institucionalmente

Portanto a desarticulaccedilatildeo do projeto andino de integraccedilatildeo e as mudanccedilas de ecircnfases

das poliacuteticas de drogas nacionais que variaram de acordo com cada governo de cada paiacutes

corroboraram para que a cooperaccedilatildeo multilateral intrabloco sobre o tema natildeo fosse bem-

sucedida uma vez que cada paiacutes membro da CAN ao formularem a sua poliacutetica de drogas

entraram em desacordo com ordenamento legal andino Este vaacutecuo cooperativo somado agrave

falta de clareza de uma identidade comum de seguranccedila que seja compartilhada por todos os

paiacuteses do bloco andino inviabilizou a construccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila andina de

modo que continuou sendo aproveitado pelos EUA para coordenar a sua agenda de seguranccedila

regional e a sua luta antidrogas conforme suas intenccedilotildees e para pressionar economicamente

os paiacuteses andinos por meio do processo de certificaccedilatildeo As poliacuteticas de combate ao traacutefico de

drogas financiadas pelos EUA e a sua constante presenccedila na regiatildeo andina para por em

marcha a sua panaceia das ldquoguerras agraves drogasrdquo se constituiacuteram como obstaacuteculos para que os

paiacuteses andinos cooperassem de forma mais efetiva para combater as redes de traacutefico de drogas

e elaborassem poliacuteticas de drogas mais autocircnomas e legislaccedilotildees alternativas em relaccedilatildeo ao

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ANEXOS

Quadro 2 Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas

entre 1909 e 1961

DATA E LUGAR

DA ASSINATURA TIacuteTULO DO ACORDO

DATA DE

ENTRADA

EM VIGOR

26 de fevereiro de 1909

Shangai China

Resoluccedilatildeo final da

Comissatildeo Internacional

do Oacutepio

N A

23 de janeiro de 1912

Haia Paiacuteses Baixos

Convenccedilatildeo Internacional

do Oacutepio

11 de fevereiro

de 1915 28 de

junho de 1919

11 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Acordo relativo agrave

fabricaccedilatildeo ao comeacutercio

interior e ao uso de oacutepio

preparado

28 de julho

de 1926

19 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio internacional sobre

o oacutepio

25 de setembro

de 1928

13 de julho de 1931

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para limitar a

manufatura e regular a

distribuiccedilatildeo de entorpecentes

9 de julho

de 1933

27 de novembro de 1931

Bangkok Tailacircndia

Acordo relativo agrave supressatildeo

do haacutebito de fumar oacutepio

22 de abril

de 1937

26 de junho de 1936

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para a supressatildeo do

traacutefico iliacutecito de drogas nocivas

26 de outubro

de 1939

11 de dezembro de 1946

Lake Success Estados

Unidos

Protocolo que atualiza no acircmbito da

ONU os acordos convecircnios e

protocolos sobre

entorpecentes concertados

em Haia (janeiro de 1912) em Genebra

(11 de fevereiro de 1925 19 de

fevereiro de 1925 e 13 de julho de

1931) em Bangkok (27 de novembro

de 1931) e em Genebra (26 de junho de

1936)

11 de dezembro

de 1946

23 de junho de 1953

Nova York Estados

Unidos

Protocolo para limitar e

regulamentar o cultivo de

papoula e a produccedilatildeo

o comeacutercio internacional o

comeacutercio atacadista e o uso

do oacutepio

8 de marccedilo de

1963

30 de marccedilo de 1961

Nova York Estados

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Convenccedilatildeo Uacutenica sobre

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Quadro 3 Exemplos de Unidades Militares e Policiais Antidrogas Criadas com Apoio

Norte-americano na Regiatildeo Andina

Forccedilas Armadas Poliacutecia

Boliacutevia

Forccedila de Tarefa Diablos

Verdes e Diablos Negros

do Exeacutercito

Forccedila de Tarefa Diablos

Azules da Marinha Forccedila

de Tarefa Diablos

Rojos da Forccedila Aeacuterea

Forccedila Especial de Luta Contra o

Narcotraacutefico (FELCN)

Unidade Moacutevel de Patrulha Rural

(UMOPAR)

Colocircmbia

Primeira Brigada Contra o

Narcotraacutefico

do Exeacutercito Brigada

Fluvial da Marinha

Direccedilatildeo Antinarcoacuteticos (DIRAN)

Equador Direccedilatildeo Nacional Antinarcoacuteticos

(DNA)

Peru

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Jun 2015

177

Mapa 3 Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo (1998-2008)

Fonte UNODC World Drug Report 2009 Disponiacutevel

lthttpwwwunodcorgdocumentswdrWDR_2009WDR2009_eng_webpdfgt Acesso em 15 jun 2015

178

Mapa 4 Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional - 2010

Fonte UNODC The globalization of crime 2010 p 4 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgdocumentsdata-and-analysistoctaTOCTA_Report_2010_low_respdfgt Acesso em

25 jun 2015

179

Mapa 5 Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina

Fonte UNITES STATES Report for Congress Andean Regional Initiative (ARI) assistance for Colombia

and Neighbors jan 2003 p 47 Disponiacutevel em lthttpfpcstategovdocumentsorganization16800pdfgt

Acesso em 10 mar 2015

180

Graacutefico 2 Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (190-2008)

Fonte UNODC World drug report 2010 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgunodcsecuredwdrwdr2010World_Drug_Report_2010pdfgt Acesso em 13 jul 2015

181

Graacutefico 3 Comparaccedilatildeo do Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo

(20042005 ndash 2011)

Fonte UNODC World drug report 2013 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgunodcsecuredwdrwdr2013World_Drug_Report_2013pdfgt Acesso em 13 jul 2015

Page 4: SÃO PAULO - GEDES

LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS NOS ANDES A DIMENSAtildeO REGIONAL DA

COOPERACcedilAtildeO E DA SEGURANCcedilA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

graduaccedilatildeo em Relaccedilotildees Internacionais (PUC-

SP UNESP e Unicamp) como exigecircncia

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em

Relaccedilotildees Internacionais na linha de pesquisa

ldquoSeguranccedila Regionalrdquo na aacuterea de

concentraccedilatildeo ldquoPaz Defesa e Seguranccedila

Internacionalrdquo

Orientadora Suzeley Kalil Mathias

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Profa Dr(a) Suzeley Kalil Mathias (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Heacutector Luis Saint-Pierre (Universidade Estadual PaulistaFranca)

______________________________________________

Prof Dr Paulo Gustavo Pellegrino Correcirca (Universidade Federal do Amapaacute)

Satildeo Paulo 05 de agosto de 2015

Somente uma ficccedilatildeo pode fazer crer que as leis satildeo feitas para serem acatadas a

poliacutecia e os tribunais destinados a fazer com que sejam respeitadas Somente uma

ficccedilatildeo teoacuterica pode nos levar a acreditar que aderimos de uma vez por todas agraves leis

da sociedade agrave qual pertencemos Todo mundo sabe tambeacutem que as leis satildeo feitas

por uns e impostas aos outros Parece poreacutem que se pode dar um passo a mais O

ilegalismo natildeo eacute um acidente uma imperfeiccedilatildeo mais ou menos inevitaacutevel Eacute um

elemento absolutamente positivo do funcionamento social cujo papel estaacute previsto

na estrateacutegia geral da sociedade Todo dispositivo legislativo organizou espaccedilos

protegidos e aproveitaacuteveis em que a lei pode ser violada outros em que ela pode

ser ignorada outros enfim em que as infraccedilotildees satildeo sancionadas No limite eu diria

simplesmente que a lei natildeo eacute feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento

mas para diferenciar as maneiras de burlar a proacutepria lei (FOUCAULT 2006 p 50)

RESUMO

A proposta desta pesquisa eacute investigar a cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para o combate

ao traacutefico de drogas iliacutecitas entre Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru no acircmbito da

Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) no transcurso de 1999 a 2012 Para tanto foi adotada

uma perspectiva histoacuterica para descrever e examinar o contexto da seguranccedila regional nos

Andes a emergecircncia intersticial das redes de traficantes o processo de construccedilatildeo do traacutefico

de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo na agenda poliacutetica e de seguranccedila da

CAN Este processo foi intenso no decorrer de toda deacutecada de 1990 e no iniacutecio dos anos 2000

periacuteodo que foi marcado pela elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Poliacutetica Externa Comum da CAN da

agenda de seguranccedila comunitaacuteria e do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Para Luta Contra as

Drogas e Delitos Conexos como formas de respostas antidrogas Para compreender este

processo abordamos o alinhamento e o questionamento agraves diretrizes internacionais o

desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo das drogas iliacutecitas em cada paiacutes que

compotildee o bloco andino no decorrer do recorte temporal delimitado e identificamos as

convergecircncias e divergecircncias das agendas de seguranccedila e das posturas adotadas pelos

governos andinos perante a questatildeo das drogas assim como os diferentes agentes

intervenientes enfocando a partir de uma perspectiva relacional as dimensotildees domeacutestica e

internacional (intermeacutestica) bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo que diluiu a fronteira

entre a seguranccedila interna e externa para combater o traacutefico de drogas e suas redes

transnacionais Por fim debatemos o combate ao traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo

regional em seguranccedila entre os paiacuteses andinos e problematizamos o conceito de comunidade

de seguranccedila quanto agrave sua aplicabilidade para compreender a dinacircmica da seguranccedila na regiatildeo

andina

Palavras-chave Traacutefico de Drogas Comunidade Andina Regiatildeo Andina Seguranccedila

Regional Cooperaccedilatildeo

ABSTRACT

The purpose of this research is to investigate the cooperation on security to combat illicit drug

trafficking between Bolivia Colombia Ecuador and Peru within the Andean Community of

Nations (CAN) in the course of 1999 and 2012 Thus it was adopted one historical

perspective and case studies to examine and describe the context of regional security in the

Andes the interstitial emergence of trafficking networks the construction process of drug

trafficking as a threat to security and their inclusion on the political agenda and Security

CAN this process was intense throughout the entire 1990s and early 2000s This period was

marked by the preparation and approval of the Common Foreign CAN community safety

agenda and the Andean Cooperation Plan for Fighting Against Drugs and Related Crimes as

forms of drug responses To understand this process we address alignment and questioning

the governments requirements the development and the exercise of coercive control of illicit

drugs in each country that makes up the Andean bloc during the defined time frame and

identified and analyzed the convergence and divergence of agendas security and postures

adopted by Andean governments to the drug issue as well as the different actors involved

focusing from a relational perspective the domestic and international dimensions

(intermestic) and the process of de-differentiation diluted the boundary between internal and

external security to combat drug trafficking and its transnational networks Finally we

discussed the fight against drug trafficking as a vector of regional cooperation on security

between the Andean countries and question the concept of security community and its

applicability to understand the dynamics of security in the Andean region

Keywords Drug Trafficking Andean Community Andean Region Regional Security

Cooperation

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 ndash Principais Conflitos Interestatais Entre Paiacuteses Andinos Motivados por Disputas

Territoriais27

Mapa 1 ndash Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da

Colocircmbia105

Graacutefico 1 ndash Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia126

Quadro 2 ndash Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas entre

1909 e 1961174

Quadro 3 ndash Exemplos de unidades militares e policiais antidrogas criadas com apoio norte-

americano na Regiatildeo Andina175

Mapa 2 ndash Densidade de Cultivaccedilatildeo de Coca na Regiatildeo Andina

(2007)176

Mapa 3 ndash Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo177

Mapa 4 ndash Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional178

Mapa 5 ndash Os Paiacuteses Incluiacutedos na Iniciativa Regional Andina179

Graacutefico 2 ndash Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (1990-2004)180

Graacutefico 3 ndash Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo ndash (20042005-2011)181

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADEPCOCA Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca

ALALC Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio

AUC Autodefesas Unidas da Colocircmbia

CAN Comunidade Andina de Naccedilotildees

CICAD Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas

CND Commission on Narcotic Drugs

COMBIFRON Comisioacuten Binacional Fronteriza

CONALTID Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito de Drogas

CONSEP Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y Psicotroacutepicas

CSDP Common Sense for Drug Policy

DEA Drug Enforcement Administration

DROSICAN Decisioacuten 673 Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas

Sinteacuteticas

ECOSOC Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social

das Naccedilotildees Unidas

ELN Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FARC Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia

FELCN Forccedila Especial de Luta Contra o Narcotraacutefico

FOL Forward Operating Location

FTC Fuerza de Tarea Conjunta

FTE Fuerza Tarea Expedicionaria

GEMA Grupo Especial Moacutevil Antinarcoacuteticos

JIFE Junta Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes

NAS Narcotics Affairs Section

OEA Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

ONU Naccedilotildees Unidas

PESC Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum

PSD Poliacutetica Seguridad Democraacutetica

PSP Partido Sociedad Patrioacutetica

SAI Sistema Andino de Integraccedilatildeo

SGP-DROGAS Sistema Generalizado de Preferecircncias

SL Sendero Luminoso

SPI Sociologia Poliacutetica Internacional

UE Uniatildeo Europeia

UIAF Unidade Administrativa Especial de Informaccedilatildeo e Anaacutelise Financeira

UIES Unidade de Investigaccedilotildees Especiais

UMOPAR Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural

UNODC United Nations Office on Drugs and Crime

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO11

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO

ANDINA17

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes17

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina36

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE

NACcedilOcircES51

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais51

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes60

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteLTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS90

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila

Democraacutetica90

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana98

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contras as Drogas e os Planos VRAE E

VRAEM108

44 Boliacutevia Do Plano Dignidade agrave Revalorizaccedilatildeo da Folha de

Coca115

5 A COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO

COMBATE AO TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS130

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino Sobre o Traacutefico de Drogas

Iliacutecitas130

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em

Seguranccedila141

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS151

REFEREcircNCIAS157

ANEXOS174

11

1 INTRODUCcedilAtildeO

O processo de construccedilatildeo do traacutefico de drogas como uma ameaccedila agrave seguranccedila na

regiatildeo andina estaacute diretamente relacionado com a histoacuteria contemporacircnea das leis de controle

de drogas que foram conformadas ao longo do seacuteculo XX de acordo com a elaboraccedilatildeo de

tratados internacionais sob a eacutegide da hegemonia norte-americana a partir de 1909 com a

conferecircncia da Comissatildeo Internacional do Oacutepio1 a qual culminou na Convenccedilatildeo

Internacional do Oacutepio assinada em Haya em janeiro de 1912 A Convenccedilatildeo Internacional do

Oacutepio foi a mola propulsora para elaboraccedilatildeo do regime internacional de proibiccedilatildeo de drogas se

estendendo ateacute os dias de hoje O anseio norte-americano de se posicionar mais

assertivamente como potecircncia no concerto das naccedilotildees - principalmente perante as grandes

potecircncias imperiais ocidentais - somado agrave expansatildeo estadunidense em direccedilatildeo ao Oriente e

aliado agrave crenccedila de que as drogas psicoativas eram um obstaacuteculo para o desenvolvimento

econocircmico social e cultural das sociedades dos diferentes continentes foram fatores decisivos

para que os Estados Unidos impulsionassem a criaccedilatildeo de um regime internacional que

regulasse a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de drogas no mundo

O proibicionismo norte-americano natildeo estaacute apartado do discurso poliacutetico e cultural

Estas praacuteticas discursivas articulam uma seacuterie de variaacuteveis tais como a religiatildeo e a moral

puritana o racismo produto da rejeiccedilatildeo e discriminaccedilatildeo de determinados grupos de

imigrantes negros e indiacutegenas o contexto internacional da eacutepoca e o tracircnsito e o consumo

massivo de opiaacuteceos e cocaiacutena O endurecimento das leis antidrogas que faziam avanccedilar o

proibicionismo dentro dos Estados Unidos refletiu no seu posicionamento diplomaacutetico para

construccedilatildeo de um regime internacional unificado de controle de drogas o qual natildeo teve

consenso imediato entre os Estados durante as discussotildees nos anos 1950 e soacute veio ganhar

terreno feacutertil na deacutecada de 1960 (RODRIGUES 2004 ESCOHOTADO 2008)

1 A Comissatildeo Internacional do Oacutepio formada por 13 paiacuteses (Alemanha China Estados Unidos Franccedila Itaacutelia

Japatildeo Paiacuteses Baixos Peacutersia Portugal Reino Unido Ruacutessia e Reino do Siatildeo) se reuniram em uma conferecircncia

convocada pelos Estados Unidos na cidade de Xangai China no ano de 1909 se tornando o marco inaugural

para a articulaccedilatildeo internacional antidrogas apesar dos Estados Unidos natildeo conseguirem alcanccedilar os seus

objetivos de elaboraccedilatildeo de normas mais impositivas contra o oacutepio pois o seu consumo em territoacuterios

estadunidenses era associado pelas autoridades locais ao aumento da populaccedilatildeo chinesa provocado pela

imigraccedilatildeo maciccedila desta nacionalidade Somente no ano de 1912 com a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio foi

fixado controles mais riacutegidos para produccedilatildeo distribuiccedilatildeo venda importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo de morfina e outros

derivados do oacutepio e da cocaiacutena

12

O desdobramento desses acontecimentos foi a conversatildeo do ldquoespiacuterito proibicionistardquo

em normatividade planetaacuteria o que contribuiu para construccedilatildeo paulatina de consensos

sobretudo em termos juriacutedicos possibilitando a consolidaccedilatildeo do regime internacional de

proibiccedilatildeo das drogas no transcorrer do seacuteculo XX Da Conferecircncia do oacutepio em Shangai de

1909 agrave Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) de

19612 as drogas passaram por um processo contiacutenuo de associaccedilatildeo agrave criminalidade nos

tratados e acordos internacionais Esses tratados acordos e convenccedilotildees internacionais embora

natildeo fossem medidas obrigatoacuterias e impositivas na praacutetica foram se transformando em

mecanismos de pressatildeo para que os Estados adequassem de alguma forma suas respectivas

legislaccedilotildees nacionais a estes dispositivos Os paiacuteses andinos comeccedilaram a adaptar as suas

legislaccedilotildees nas primeiras deacutecadas do seacuteculo passado3 Segundo Rosa Del Olmo (2002)

Boliacutevia e Equador promulgaram suas primeiras leis em 1916 Seguidos por Colocircmbia em

1920 e Peru em 1921 O uacuteltimo paiacutes andino a comeccedilar aprovar leis antidrogas foi a

Venezuela em 19304 O discurso oficial justificava que para cumprir os compromissos

internacionais era preciso adequar as legislaccedilotildees nacionais Deste modo cada Estado andino

foi alterando suas leis nacionais com algumas variaccedilotildees e especificidades locais conforme o

surgimento de novos tratados internacionais ldquocom a singularidade de que o nuacutecleo essencial

dessa regulaccedilatildeo eacute constituiacutedo pela proibiccedilatildeordquo (GONZAacuteLEZ 2000 p55 apud DEL OLMO

2002 p 66)

A construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um regime internacional para combater as drogas

consideradas iliacutecitas foi produto de um processo longo na histoacuteria do seacuteculo XX cujo curso

natildeo eacute subjugado meramente agraves imposiccedilotildees norte-americanas pelo contraacuterio eacute resultado de

inuacutemeros fatores e variaacuteveis histoacutericas econocircmicas culturais (geo)poliacuteticas e internacionais

que se articulam e se entremeiam criando configuraccedilotildees que propiciaram aquiescecircncia sobre

2 Conferir quadro 2 na seccedilatildeo anexos

3 Os paiacuteses andinos assinaram e ratificaram a Convenccedilatildeo Internacional do Oacutepio nas seguintes datas Boliacutevia

assinou em 04 de junho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 a Colocircmbia assinou em 15 de janeiro de

1913 e ratificou em 26 de junho de 1924 o Equador por sua vez assinou em 2 de julho de 1912 e ratificou em

25 de fevereiro de 1915 o Peru subscreveu em 24 de julho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920 por

fim a Venezuela subscreveu em 10 de setembro de 1912 e ratificou em 28 de outubro de 1913 Os dados

foram extraiacutedos de UNITED NATIONS Treaty Collection Chapter VI Narcotic Drugs and Psychotropic

Substances Disponiacutevel em

lthttpstreatiesunorgPagesViewDetailsIVaspxampsrc=TREATYampmtdsg_no=VI~2ampchapter=6ampTemp=mtd

sg4amplang=en gt Acesso em 20 dez 2014 4 Conforme salienta Rosa Del Olmo (2002) ldquoNa Boliacutevia a Lei de Drogas no Equador a Lei do Comeacutercio do

Oacutepio e Demais Drogas (Decreto 39) na Colocircmbia a Lei sobre Importaccedilatildeo e Venda de Drogas que Causam

Haacutebito Pernicioso (Lei 11) no Peru a lei que regula a importaccedilatildeo exportaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cocaiacutena

oacutepio maconha e heroiacutena (Lei 4428) e na Venezuela a Lei dos Narcoacuteticos embora em 1920 jaacute existissem dois

regulamentos um sobre importaccedilatildeo e venda (no varejo) do oacutepio e seus alcaloidesrdquo (DEL OLMO 2002 p 76)

13

a ilicitude de ldquodrogas psicoativasrdquo por serem consideradas corruptoras dos ldquobons costumesrdquo e

sinocircnimo de ldquodelinquecircnciardquo Trata-se de um longo processo que ganhou novos contornos na

deacutecada de 1980 com a intensificaccedilatildeo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e ainda maior importacircncia nos

anos 1990 com o fim da Guerra Fria quando o traacutefico de drogas foi inserido no rol das

ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila internacional

Para combater o traacutefico de drogas na Ameacuterica Latina foram implementadas

estrateacutegias que obedeceram aos interesses percepccedilotildees e iniciativas estadunidenses sobre a

questatildeo (HERZ 2002 YOUNGERS ROSIN 2005a RODRUGUES 2003) A partir de uma

perspectiva maniqueiacutesta que dividia o mundo em ldquopaiacuteses consumidoresrdquo em oposiccedilatildeo aos

ldquopaiacuteses produtoresrdquo foi posto em marcha o pressuposto de que ao combater a oferta o traacutefico

de drogas se tornaria uma atividade mais arriscada e mais custosa desta forma ocorreria uma

reduccedilatildeo da produccedilatildeo com o aumento dos preccedilos bem como esse combate atuaria como fator

dissuasoacuterio para compra e consumo de drogas As drogas aparecem como uma ameaccedila

ldquoexternardquo aos EUA encarnando a figura do ldquoinimigordquo que deve ser aniquilado (PASSETTI

1991 KOPP 1997 FUKUMI 2008)

Os paiacuteses da regiatildeo andina passaram a ser vistos pelos EUA como ldquoprodutores de

drogasrdquo e como Estados ldquofracosrdquo institucionalmente o que propiciava a formaccedilatildeo de ldquoespaccedilos

vaziosrdquo que se tornavam redutos de organizaccedilotildees criminosas grupos insurgentes e

paramilitares ligados ao traacutefico de drogas e ao terrorismo Com base nesta interpretaccedilatildeo do

problema foram elaboradas estrateacutegias principalmente militares para coibir a produccedilatildeo e o

traacutefico de substacircncias iliacutecitas nos Estados andinos e mantecirc-los subordinados agrave poliacutetica de

drogas norte-americana A poliacutetica de drogas dos EUA para os Andes se tornou um

instrumento de ingerecircncia nos assuntos internos dos paiacuteses andinos Ao tratar o ldquonarcotraacuteficordquo

como ameaccedila agrave seguranccedila Washington favorecia os seus interesses mantendo a regiatildeo andina

sob o seu domiacutenio hemisfeacuterico

A problemaacutetica do traacutefico de drogas eacute comum a todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina e os

Andes satildeo um dos principais epicentros desta atividade iliacutecita Segundo o uacuteltimo Relatoacuterio

Mundial sobre Drogas da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) lanccedilado em

2014 na regiatildeo andina no de 2006 foram cultivados 157000 hectares e ocorreu uma reduccedilatildeo

de 23000 ha no ano de 2012 quando alcanccedilou o total de 133700 ha de arbusto de coca

distribuiacutedos da seguinte forma na Boliacutevia foram cultivados 25300 ha na Colocircmbia foram

48000 ha e no Peru foram 60400 ha ou seja o Peru tomou a dianteira e se tornou o maior

14

cultivador de coca do mundo O relatoacuterio estima que existam atualmente no mundo de 14 a 21

milhotildees de usuaacuterios de cocaiacutena o que demonstra a amplitude da induacutestria da cocaiacutena e

tambeacutem como a ldquoguerra agraves drogasrdquo na regiatildeo andina natildeo conseguiu alcanccedilar os resultados

esperados

Para compreendermos a complexidade do tema em questatildeo entende-se necessaacuterio um

estudo das poliacuteticas de seguranccedila antidrogas na regiatildeo andina principalmente por se tratar de

uma aacuterea emblemaacutetica no que tange agrave radicalizaccedilatildeo do combate agraves drogas e por conseguinte

ser uma das peccedilas centrais na compreensatildeo das transformaccedilotildees ocorridas na seguranccedila

internacional na contemporaneidade

Pretende-se investigar com esta pesquisa o traacutefico de drogas na Regiatildeo Andina e a

cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os atuais paiacuteses membros da Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) para combater o traacutefico de drogas As trecircs questotildees centrais que o presente trabalho

pretende responder satildeo as agendas de seguranccedila dos Estados andinos colocaram o traacutefico de

drogas como a principal ameaccedila para a regiatildeo andina O traacutefico de drogas eacute o vetor

predominante de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos A cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses andinos

para combater o narcotraacutefico e as agendas de seguranccedila da Comunidade Andina se

configuram como uma comunidade de seguranccedila A nossa hipoacutetese eacute que as poliacuteticas

antidrogas destes paiacuteses fizeram com que o traacutefico de drogas se configurasse como a principal

ameaccedila agrave seguranccedila da regiatildeo andina e com isto o tema se tornou um vetor fundamental para

que os paiacuteses andinos mantivessem iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral em mateacuteria de

seguranccedila sobretudo no acircmbito da CAN Entretanto as iniciativas de cooperaccedilatildeo multilateral

foram sobrepujadas pelas dissensotildees e divergecircncias entre as formas pelas quais os governos

andinos procuraram responder ao problema e pela desarticulaccedilatildeo do projeto de integraccedilatildeo

sub-regional o que inviabilizou a orquestraccedilatildeo de uma cooperaccedilatildeo intra-andina e a formaccedilatildeo

de uma identidade comum de seguranccedila

Para responder estas questotildees a pesquisa tem sua estrutura divida em quatro capiacutetulos

aleacutem dos capiacutetulos de introduccedilatildeo e conclusatildeo No capiacutetulo 2 seraacute abordado o processo de

integraccedilatildeo e o contexto regional da seguranccedila nos Andes e estaacute divido em dois toacutepicos No

primeiro toacutepico (21) seraacute debatida a influecircncia que a geopoliacutetica tradicional e o realismo

claacutessico exerceram sobre o pensamento em seguranccedila e a divisatildeo da Ameacuterica do Sul

Apresentamos tambeacutem outras abordagens alternativas acerca do espaccedilo sul-americano Em

seguida seraacute discutido o conceito de geopoliacutetica do traacutefico de drogas e as suas implicaccedilotildees

15

para a seguranccedila domeacutestica e internacional bem como o processo de des-diferenciaccedilatildeo Por

fim analisamos as principais temaacuteticas que influiacuteram na construccedilatildeo da agenda de seguranccedila

dos paiacuteses andinos os conflitos tradicionais ligados aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos a

presenccedila dos EUA na regiatildeo as crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees

estatais as principais questotildees dos conflitos internos dos paiacuteses da regiatildeo e o traacutefico de drogas

e o crime organizado transnacional No segundo toacutepico (22) seraacute desenvolvida a trajetoacuteria

histoacuterica da integraccedilatildeo regional andina e as diferentes fases do processo de integraccedilatildeo do

Pacto Andino agrave CAN

No capiacutetulo 3 seraacute trabalhado o processo histoacuterico de inserccedilatildeo do traacutefico de drogas na

agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina com divisatildeo em dois toacutepicos Para

compreender este processo seraacute analisado como as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

emergem nos interstiacutecios das instituiccedilotildees do Estado e da sociedade se configurando como

novas redes de poder Problematizamos o conceito de ldquonarcotraacuteficordquo como instrumento de

anaacutelise e as suas implicaccedilotildees para a compreensatildeo do fenocircmeno do traacutefico de drogas e dos

inuacutemeros atores envolvidos com as redes do mercado ilegal das drogas Debateremos tambeacutem

o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo e a percepccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

(31) Depois de problematizado o conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo abordaremos a construccedilatildeo

histoacuterica do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes articulando trecircs niacuteveis de

anaacutelise Internacional Regional e Nacional (32)

O capiacutetulo 4 seraacute divido em quatro seccedilotildees Para tratar a dinacircmica do combate agraves

drogas iliacutecitas na regiatildeo se faz necessaacuterio compreender cada caso nacional da CAN

(Colocircmbia Equador Peru e Boliacutevia) considerando os diferentes agentes envolvidos os

interesses nacionais para empreender a luta antidrogas a produccedilatildeo das drogas em cada paiacutes

os papeacuteis desempenhados pela poliacutecia e pelas forccedilas armadas na luta antidrogas as influecircncias

internacionais de proibiccedilatildeo das drogas sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais e como os

governos que constituem a CAN estatildeo individualmente travando o combate ao narcotraacutefico e

como tais medidas reverberam na regiatildeo Procurar-se-aacute identificar as divergecircncias e

convergecircncias das poliacuteticas antidrogas nacionais visando compreender se haacute uma

homogeneidade ou uma heterogeneidade na forma de lidar com a questatildeo Esta identificaccedilatildeo

seraacute fundamental para compreender a cooperaccedilatildeo regional entre os paiacuteses no combate ao

narcotraacutefico e perscrutar se esta cooperaccedilatildeo estaacute inserida em um contexto mais amplo e

intensificado de formaccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila

16

Apoacutes a identificaccedilatildeo e anaacutelise das particularidades nacionais das poliacuteticas e agendas de

seguranccedila para contenccedilatildeo do narcotraacutefico e os pontos de convergecircncia e divergecircncia na seccedilatildeo

(51) do capiacutetulo 5 seratildeo discutidos os marcos legais e o ordenamento institucional andino de

luta contra as drogas a partir de 1999 quando foi lanccedilada a Poliacutetica Externa Comum ateacute o

ano de 1912 quando foi lanccedilada a Estrateacutegia Andina Sobre El Problema Mundial de las

Drogas 2012-2019 Tal recorte possibilitaraacute analisar as principais mudanccedilas da cooperaccedilatildeo

andina de combate ao traacutefico de drogas na uacuteltima deacutecada E no uacuteltimo toacutepico (52) seraacute

analisado o traacutefico de drogas como vetor de cooperaccedilatildeo em seguranccedila entre os paiacuteses andinos

compreendendo as questotildees atinentes agraves divergecircncias das agendas de poliacutetica antidrogas e

entre governos no que tange agrave forma que deve ser combatido o narcotraacutefico e problematizado

o conceito de comunidade de seguranccedila em relaccedilatildeo agrave sua aplicabilidade para compreender a

dinacircmica da cooperaccedilatildeo andina em seguranccedila para reprimir o traacutefico de drogas

17

2 O PROCESSO DE INTEGRACcedilAtildeO E A SEGURANCcedilA NA REGIAtildeO ANDINA

21 O contexto da Seguranccedila Regional nos Andes

Nas duas uacuteltimas deacutecadas o panorama da seguranccedila na Ameacuterica do Sul passou por

transformaccedilotildees significativas impulsionadas pelos processos de reabertura democraacutetica e

pelas mudanccedilas ocorridas no cenaacuterio internacional Com a redemocratizaccedilatildeo dos regimes

poliacuteticos abriram-se novas possibilidades nas relaccedilotildees civil-militares nas quais deveria

prevalecer a preeminecircncia civil no controle das forccedilas armadas das poliacutecias e dos serviccedilos de

inteligecircncia na definiccedilatildeo dos conceitos e conteuacutedos das poliacuteticas de seguranccedila e na forma

como devem ser tratadas as variadas temaacuteticas relativas a este campo As mudanccedilas ocorridas

no cenaacuterio internacional nesse periacuteodo incidiram nas poliacuteticas sul-americanas de seguranccedila

Com o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica (URSS) e a ausecircncia inequiacutevoca de uma potecircncia rival que

pudesse desafiar o poderio estadunidense os Estados Unidos (EUA) se tornaram uma

superpotecircncia militar poliacutetica e econocircmica mundial No decorrer do confronto bipolar os

EUA puseram em marcha a doutrina da seguranccedila hemisfeacuterica ocidental como instrumento de

contenccedilatildeo do comunismo O novo contexto internacional lanccedilou bases para discussatildeo de

concepccedilotildees alternativas agrave problemaacutetica da seguranccedila internacional e para definiccedilatildeo de ldquonovas

ameaccedilasrdquo e ldquonovos inimigosrdquo a partir de uma perspectiva global e multilateral

Na Ameacuterica do Sul no decorrer do seacuteculo XX ocorreram poucos conflitos

interestatais armados se comparado com outras regiotildees do mundo como a Aacutefrica e o Oriente

Meacutedio Todavia subsistem contenciosos entre os paiacuteses sul-americanos sobretudo entre os

paiacuteses andinos remanescentes do colonialismo ibeacuterico e dos processos de independecircncia e

consolidaccedilatildeo do Estado nacional no seacuteculo XIX (MARES 2003) Oscar Medeiros Filho

(2004) assinala que as abordagens realistas ndash focadas no Estado-naccedilatildeo ndash presentes na

geopoliacutetica claacutessica sul-americana natildeo desconsideram as possibilidades de conflitos armados

convencionais e para sustentar as suas prospecccedilotildees apresentam contenciosos histoacutericos como

exemplos de conflagraccedilotildees futuras sendo assim o conflito com o paiacutes vizinho eacute sempre

considerado nos caacutelculos militares O autor enfatiza que esta visatildeo claacutessica no trato das

questotildees de Defesa e Seguranccedila ainda prevalecente no pensamento militar sul-americano

coloca obstaacuteculos para o ldquodesenvolvimento de uma cooperaccedilatildeo maior entre os militares na

Ameacuterica do Sulrdquo mesmo que natildeo descarte por completo a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses ldquoporeacutem

18

ela natildeo altera a prioridade das poliacuteticas nacionais e a busca dos interesses particularesrdquo

(MEDEIROS FILHO 2004 p 26) A persistecircncia desta visatildeo em grande parte dos paiacuteses sul-

americanos coloca em questatildeo o controle civil sobre os militares fazendo com que o processo

de redemocratizaccedilatildeo permaneccedila inacabado e coloca em questatildeo a criaccedilatildeo de um ldquosistema

comum de seguranccedila subcontinentalrdquo

Apesar de todos os preacute-requisitos favoraacuteveis a consolidaccedilatildeo de um cenaacuterio

geopoliacutetico regional na Ameacuterica do Sul ainda estaacute longe de se tornar realidade

Enquanto persistirem as antigas concepccedilotildees de poder e rivalidade entre os paiacuteses

sul-americanos e enquanto natildeo forem definidos claramente interesses objetivos

poliacuteticas estrateacutegias e ndash principalmente ndash lsquoinimigosrsquo comuns torna-se difiacutecil

imaginar tal cenaacuterio para o subcontinente pelo menos para a proacutexima deacutecada

(MEDEIROS FILHO 2004 p 35)

A geopoliacutetica tradicional marcada pelo pensamento realista chegou agrave Ameacuterica do Sul

por meio de duas correntes de pensamento distintos a realpolitk e a geopolitik alematildes que

influenciaram alguns exeacutercitos sul-americanos e a presenccedila poliacutetica estrateacutegica e econocircmica

estadunidense nas escolas militares de formaccedilatildeo de oficiais latino-americanos A geopoliacutetica

chegou ao subcontinente a partir dos interesses dos oficiais do exeacutercito e dos professores das

escolas militares ldquoela surge como preocupaccedilatildeo castrenserdquo (GEOPOLIacuteTICA XXI 2011) Eacute

essa concepccedilatildeo de geopoliacutetica que esteve por detraacutes das tensotildees interestatais e que tambeacutem

norteou a divisatildeo tradicional da Ameacuterica do Sul a partir de seus projetos nacionalistas e

expansionistas de afirmaccedilatildeo nacional e territorial ldquoNeste cenaacuterio a ideia de Seguranccedila estaacute

intimamente vinculada agrave de Defesa entendida enquanto a luta do Estado por seus interesses

soberanos atraveacutes dos meios militaresrdquo (MEDEIROS FILHOS 2004 p 24)

De acordo com Pablo Gabriel Dreyfus (2002) a geopoliacutetica tradicional da Ameacuterica do

Sul dividiu a Ameacuterica do Sul em dois grupos de Estados os Andes e o Cone Sul Conforme

esta abordagem a sub-regiatildeo andina estaacute situada ao norte do subcontinente e eacute formada por

Colocircmbia Equador Peru Boliacutevia e Venezuela sendo que apenas os dois uacuteltimos paiacuteses natildeo

tecircm faixa litoracircnea no Oceano Paciacutefico Estes Estados compartilham algumas caracteriacutesticas

comuns como a geografia uma grande densidade demograacutefica de populaccedilatildeo indiacutegena ndash

principalmente na Boliacutevia Equador e Peru ndash e uma configuraccedilatildeo especiacutefica de rivalidades

histoacutericas e de inuacutemeras contendas territoriais A principal iniciativa de integraccedilatildeo e

construccedilatildeo de uma identidade comum foi a criaccedilatildeo do Pacto Andino em 1969 o qual contava

inicialmente com a participaccedilatildeo do Chile e que mais tarde a partir de um longo processo de

negociaccedilotildees econocircmicas e esforccedilo poliacutetico para mitigar os conflitos latentes veio a se tornar a

Comunidade Andina de Naccedilotildees O autor aponta que esta abordagem tradicional natildeo inclui a

19

Guiana o Suriname5 e a Guiana Francesa como parte da regiatildeo andino-amazocircnica pois estes

paiacuteses satildeo considerados como pertencentes agrave geopoliacutetica do Caribe devido ao seu

distanciamento geograacutefico a sua histoacuteria comum como ex-colocircnias holandesas britacircnicas e

francesas e seus arranjos de seguranccedila poliacuteticos e econocircmicos ndash Guiana e Suriname satildeo

membros do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM na sigla inglesa) ndash bem

como grande parte da literatura sobre o traacutefico de drogas na Ameacuterica do Sul tambeacutem natildeo os

incluem na anaacutelise devido a sua ldquoirrelevacircnciardquo nas operaccedilotildees do narcotraacutefico

A sub-regiatildeo do Cone Sul segundo esta visatildeo tradicional eacute formada por Argentina

Brasil Chile Paraguai e Uruguai No Cone Sul haacute uma diversidade geograacutefica mais

acentuada abrangendo desde a Patagocircnia ateacute o nordeste brasileiro Argentina e Chile tiveram

altercaccedilotildees territoriais a despeito de suas ambiccedilotildees geopoliacuteticas acerca do Canal Patagocircnico

(Canal de Beagle) e do acesso agrave Antaacutertida Argentina e Brasil tecircm sido rivais histoacutericos

principalmente no que tange agrave lideranccedila da Ameacuterica do Sul contudo nunca houve uma guerra

entre os dois paiacuteses O Cone Sul eacute caracterizado por um processo de integraccedilatildeo econocircmica e

cooperaccedilatildeo poliacutetica e de seguranccedila que ganhou novos contornos com a redemocratizaccedilatildeo dos

Estados que o conformam os acordos de negociaccedilatildeo firmados por Argentina e Brasil

impulsionaram a formaccedilatildeo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que eacute formado por

estes dois paiacuteses mais o Paraguai o Uruguai e a Venezuela O Chile eacute o uacutenico paiacutes do Cone

Sul que segue como membro associado6

As abordagens sobre Ameacuterica do Sul natildeo se restringiram somente agrave geopoliacutetica

tradicional descrita por Dreyfus Heacutector Luis Saint-Pierre (2006) por exemplo propotildee outra

anaacutelise sobre a regiatildeo e sua poliacutetica de defesa a qual ele denominou de ldquoarcos de equiliacutebrio

regionalrdquo Segundo o autor para pensar num sistema de seguranccedila sul-americano eacute necessaacuterio

compreender a heterogeneidade entre os paiacuteses e as sub-regiotildees existentes no subcontinente

A heterogeneidade entre os paiacuteses natildeo estaacute no e na histoacuteria ndash que satildeo comuns a quase todos os

paiacuteses da regiatildeo ndash ela eacute presente devido aos diferentes niacuteveis de desenvolvimento nacional

de capacidade econocircmica de estabilidade poliacutetica de solidez institucional e de desigualdade

na distribuiccedilatildeo de renda e concentraccedilatildeo de riqueza que gera um dos iacutendices mais elevados de

pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e de marginalizados do mundo Saint-Pierre

5 Esta abordagem da geopoliacutetica tradicional descrita por Dreyfus ignora que a Guiana e o Suriname satildeo membros

da Organizaccedilatildeo do Tratado de Cooperaccedilatildeo Amazocircnica o que demonstra a relevacircncia destes paiacuteses para a

geopoliacutetica sul-americana Vale mencionar a disputa territorial entre Guiana e Venezuela sobre a regiatildeo de

Essequibo territoacuterio profuso em recursos energeacuteticos tais como o petroacuteleo e o gaacutes o que coloca a Guiana

dentro do jogo geopoliacutetico sul-americano 6 Aleacutem do Chile a Boliacutevia Colocircmbia Peru e Equador satildeo membros associados ao Mercosul

20

destaca que as sub-regiotildees satildeo caracterizadas por diferenccedilas territoriais que podem ser dividas

em Aacuterea Andina e o Mercosul ampliado no entanto o autor ressalta que esta divisatildeo natildeo eacute

estanque porque outras configuraccedilotildees ocorrem conforme os objetivos e caracteriacutesticas

associativas diferentes por exemplo Cone Sul e Grupo Amazocircnico

Para Saint-Pierre os ldquoarcos de equiliacutebrio regionalrdquo satildeo divididos em arco de

instabilidade e arco de estabilidade

Na regiatildeo pode-se identificar por um lado alguns paiacuteses com problemas nacionais

que ameaccedilam a estabilidade ndash seja social poliacutetica econocircmica institucional - com o

risco de projetar vulnerabilidade estrutural para toda a regiatildeo Por outro lado haacute um

conjunto de paiacuteses cuja situaccedilatildeo interna apresenta graus confiaacuteveis de estabilidade

podendo eventualmente irradiaacute-la para a regiatildeo (SAINT-PIERRE 2006 p196)

Conforme o autor o Arco Andino que eacute formado por Guianas Venezuela Equador

Peru Boliacutevia e Paraguai pertence agrave primeira categoria o ldquoArco de Instabilidaderdquo O Arco do

Mercosul Ampliado que abrange Brasil Argentina Uruguai e Chile integra a segunda

categoria o ldquoArco da Estabilidaderdquo Saint-Pierre salienta que um arco funciona ldquocomo

compensador do outro arco estabilizando a situaccedilatildeo e impedindo que ela se torne uma

situaccedilatildeo regional de instabilidaderdquo (SAINT-PIERRE 2006 p 197) Leonardo Morlino

argumenta que para uma definiccedilatildeo ldquosatisfatoacuteriardquo do conceito de estabilidade poliacutetica7 eacute

preciso isentaacute-lo de elementos avaliativos pois o conceito geralmente eacute empregado mais

para justificar a conservaccedilatildeo do que tratar da mudanccedila sendo assim ldquoum sistema poliacutetico por

exemplo eacute muitas vezes considerado estaacutevel justamente por ser capaz de manter o status

quordquo entretanto ldquoa Estabilidade natildeo eacute necessariamente nem deve ser o fim de todo o

sistemardquo (MORLINO 1998 p 394)

Segundo Morlino as definiccedilotildees de estabilidade que se identifica com o ldquoequiliacutebrio

estaacutevelrdquo natildeo colaboram para compreender o dinamismo poliacutetico de uma determinada

sociedade pois o equiliacutebrio pode ser estaacutetico ou dinacircmico por inuacutemeros fatores O autor

problematiza a associaccedilatildeo indiscriminada entre estabilidade e equiliacutebrio estaacutevel apresentando

dois motivos principais

a) a noccedilatildeo de equiliacutebrio estaacutevel natildeo leva longe e em todo caso natildeo parece suscetiacutevel

de se tornar operativa devido agrave distacircncia que separa esta concepccedilatildeo fiacutesica da

7 Morlino propotildee a seguinte definiccedilatildeo do conceito de estabilidade poliacutetica ldquoEstabilidade eacute a capacidade

previsiacutevel que um sistema tem de se prolongar no tempo Deste modo um sistema deve ser considerado estaacutevel

quando num momento dado tido em conta um conjunto de sinais eacute razoavelmente previsiacutevel que ele

continuaraacute no tempordquo (MORLINO 1998 p 394 grifos do autor)

21

realidade social b) o equiliacutebrio estaacutevel privilegia o status quo ao contraacuterio para ser

estaacutevel isto eacute para continuar no tempo o sistema tem de ser capaz de mudar

adaptando-se aos desafios que vecircm do ambiente soacute uma constante adaptaccedilatildeo agrave

realidade sempre mutaacutevel permite que o sistema sobreviva Pode-se pois afirmar

que paradoxalmente um sistema em equiliacutebrio estaacutevel corre o risco de se tornar o

mais instaacutevel (MORLINO 1998 p 395)

Portanto ao considerarmos esta proposta de Morlino a estabilidade e a instabilidade

seratildeo compreendidas natildeo como fenocircmenos contraditoacuterios radicalmente opostos mas como

um uacutenico fenocircmeno que varia de acordo com as circunstacircncias especiacuteficas e particularidades

de um sistema poliacutetico e de uma comunidade poliacutetica e seus diferentes atores A

caracterizaccedilatildeo da regiatildeo andina como arco de instabilidade pela teoria dos arcos de equiliacutebrio

regional pode servir como instrumento e justificativa de intervenccedilatildeo de grandes potecircncias

exoacutegenas agrave regiatildeo a ideia de instabilidade remonta agraves concepccedilotildees de Estado falido (ou

Estados debilitados) e aacutereas natildeo governadas Estas concepccedilotildees contribuiacuteram para o

delineamento da poliacutetica militarista de ldquoguerra agraves drogasrdquo contra paiacuteses produtores

principalmente os Estados andinos

Oscar Medeiros Filhos (2010) como base na teoria dos arcos de estabilidade regional

sustenta que a integraccedilatildeo regional no subcontinente sul-americano indica a existecircncia de

estabilidade (Cone Sul) e instabilidade (Amazocircnia e Andes) As sub-regiotildees instaacuteveis satildeo as

mesmas com processo de integraccedilatildeo menos pretensioso O autor conclui que ldquoos niacuteveis de

lsquointegraccedilatildeo geopoliacuteticarsquo na Ameacuterica do Sul parecem obedecer a uma linha de gradaccedilatildeo

crescente entre a vertente atlacircntica (maior niacutevel de integraccedilatildeoestabilidade) e a vertente

paciacutefica (integraccedilatildeo comprometida e instabilidade regional)rdquo (MEDEIROS FILHO 2010 p

65) A divisatildeo da Ameacuterica do Sul proposta por Medeiros Filho parece-nos mais adequada para

se pensar a Ameacuterica do Sul por considerar os diferentes niacuteveis e dinacircmicas de relacionamento

cooperaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo contudo natildeo coadunamos com a divisatildeo

em arcos de estabilidade e instabilidade devido agraves implicaccedilotildees anteriormente discutidas

Para a viabilidade do presente trabalho a regiatildeo a ser considerada para a anaacutelise eacute a

dos Andes mais precisamente os paiacuteses pertencentes agrave Comunidade Andina de Naccedilotildees

(CAN) que engloba maior parte da porccedilatildeo andina e parte da porccedilatildeo amazocircnica Atualmente

Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru conformam a CAN ndash o processo de integraccedilatildeo mais antigo

da Ameacuterica do Sul ndash e estes paiacuteses estatildeo ligados natildeo apenas geograacutefica e historicamente mas

tambeacutem no que tange agrave integraccedilatildeo conflito interestatal clientelismo desigualdade e

concentraccedilatildeo de renda crises poliacuteticas proeminecircncia das forccedilas armadas e dependecircncia

externa no acircmbito da seguranccedila Estes paiacuteses estatildeo interligados principalmente pelo

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compartilhamento de uma ameaccedila comum o traacutefico de drogas Mas a regiatildeo andina estaacute

tambeacutem interconectada pela ldquogeopoliacutetica do traacutefico de drogasrdquo (DREYFUS 2002 OLMO

1993)

A anaacutelise geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura apreender o

papel de cada paiacutes bem como os seus muacuteltiplos atores nas diferentes etapas da produccedilatildeo ao

transporte de drogas iliacutecitas e como eles estatildeo inseridos nas relaccedilotildees de conflito cooperaccedilatildeo e

poder tambeacutem satildeo incluiacutedos na anaacutelise os padrotildees de interaccedilatildeo entre as vulnerabilidades

comum de um determinado grupo de paiacuteses ndash no nosso caso satildeo os paiacuteses andinos

pertencentes agrave CAN ndash e as ameaccedilas colocadas pelo traacutefico de drogas8

Para fins desta pesquisa privilegiaremos em nossa anaacutelise o envolvimento dos atores

natildeo-estatais e estatais nas atividades iliacutecitas do traacutefico de drogas e no combate ao narcotraacutefico

assim como as relaccedilotildees entre os paiacuteses que integram as redes narcotraficantes e seus esforccedilos

de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila frente agrave esta modalidade de crime organizado As

relaccedilotildees com os EUA se limitaram ao papel deste paiacutes no processo de construccedilatildeo do traacutefico de

psicoativos iliacutecitos como ameaccedila agrave seguranccedila durante o seacuteculo XX e princiacutepios do seacuteculo

XXI As relaccedilotildees bilaterais dos EUA com cada paiacutes andino em mateacuteria de luta antidrogas

poderaacute ser um tema abordado em trabalho futuro

A geopoliacutetica do traacutefico de drogas proposta por Dreyfus procura uma abordagem que

contemple as duas dimensotildees do Estado a domeacutestica e a internacional ou ldquointermeacutesticardquo

assim como as relaccedilotildees e articulaccedilotildees existentes entre ambas e a seguranccedila satildeo tratadas como

um fenocircmeno relacional onde o acircmbito externo natildeo eacute dissociado do interno Portanto para

compreender a seguranccedila domeacutestica de um determinado Estado eacute preciso entender o padratildeo

regional e internacional de interdependecircncia de seguranccedila no qual ele estaacute inserido e os

muacuteltiplos atores intervenientes Esta abordagem mesmo apresentando algumas diferenccedilas

corrobora com a perspectiva relacional e processual da sociologia poliacutetica internacional (SPI)

de Didier Bigo Segundo este autor o Estado ldquonatildeo eacute um ator mas sim um campo de accedilotildeesrdquo e

8 A proposta analiacutetica do autor ainda estaacute arraigada na concepccedilatildeo dicotocircmica entre ldquopaiacuteses produtoresrdquo e ldquopaiacuteses

consumidoresrdquo Esta forma de compreender a problemaacutetica do traacutefico de drogas foi construiacuteda pelos discursos

e percepccedilotildees dos paiacuteses ocidentais que enviesaram os textos contidos nos regimes internacionais a partir da

deacutecada de 1980 (PASSETTI 1991) Esta visatildeo estanque natildeo apreende a dinacircmica do traacutefico de drogas

internacional e obnubila informaccedilotildees sobre a produccedilatildeo de drogas nos paiacuteses do centro do capitalismo como a

produccedilatildeo de maconha em larga escala nos Estados Unidos e a fabricaccedilatildeo de ecstasy na Holanda e em outros

paiacuteses europeus ou mesmo natildeo menciona que a Ameacuterica do Sul eacute uma das regiotildees que mais consomem

cocaiacutena (UNODC 2014)

23

analisar a emergecircncia do social ldquoeacute seguir relaccedilotildees quaisquer que sejam suas escalasrdquo pois o

internacional ldquonatildeo eacute uma esfera de accedilatildeo especiacutefica separada das demais (internas sociais)

mas o nome dado agrave investigaccedilatildeo de entendimento mais transversal de sociedade de

indiviacuteduosrdquo (BIGO 2013 p 187)

A seguranccedila de acordo com a perspectiva da SPI se configura como uma teacutecnica de

governo que envolve diferentes profissionais do campo da seguranccedila ndash ao contraacuterio das

concepccedilotildees excepcionalistas ndash os quais definem a seguranccedila atraveacutes da rotinizaccedilatildeo de suas

praacuteticas impondo as suas proacuteprias definiccedilotildees de ameaccedila e perigo bem como as tecnologias

de poder-saber para administrar e gerenciar estas ameaccedilas e perigos Jeff Huysman (2006)

aponta que o colapso da estrutura diplomaacutetico-militar e o alargamento do conceito de

seguranccedila no final dos anos 1980 e no decorrer dos anos 1990 colaboraram para o

estreitamento entre seguranccedila puacuteblica e defesa A inseguranccedila social ao mesmo passo que

configura a seguranccedila interna estaacute conectada agrave seguranccedila internacional principalmente em

questotildees atinentes ao crime organizado transnacional De acordo com Bigo (2000 2013) este

processo fez com que a incerteza sobre as missotildees e tarefas e os limites entre os universos

sociais da poliacutecia e das forccedilas armadas afetassem as organizaccedilotildees e as agecircncias de seguranccedila

tal como as identidades dos profissionais deste campo

Nos Andes o combate agraves drogas foi um elemento importante para que ocorresse este

processo descrito por Bigo e Huysman O traacutefico de drogas permitiu que as agecircncias de

seguranccedila andinas sob influecircncia norte-americana reduzissem a distinccedilatildeo entre seguranccedila

interna e externa aproximando funccedilotildees delimitadas claramente entre a poliacutecia e as forccedilas

armadas para combater uma ameaccedila que deve ser contida por ambos A construccedilatildeo e a

consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes9 de controle e luta contra as drogas

consideradas iliacutecitas foi resultado de um longo processo que natildeo se restringe apenas aos

ditames de Washington mas tambeacutem abrangem inuacutemeras variaacuteveis histoacutericas poliacuteticas

ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam entrelaccedilando interesses que

9 De acordo com Stephen D Krasner ldquoOs regimes podem ser definidos como princiacutepios normas e regras

impliacutecitos ou expliacutecitos e procedimentos de tomada de decisotildees de determinada aacuterea das relaccedilotildees

internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores Os princiacutepios satildeo crenccedilas em fatos

causas e questotildees morais As normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e

obrigaccedilotildees As regras satildeo prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees especificas para a accedilatildeo Os procedimentos para tomada de

decisotildees satildeo praacuteticas predominantes para fazer e executar a decisatildeo coletivardquo (KRASNER 2012 p 94) Para

fins desta pesquisa os regimes internacionais de drogas seratildeo compreendidos a partir desta definiccedilatildeo

24

geraram o consenso sobre a ilegalidade das drogas psicoativas reputando a elas o caraacuteter de

criminalidade e mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional A ldquoguerra agraves

drogasrdquo foi um dos principais fatores para que ocorresse o processo de ldquodes-diferenciaccedilatildeordquo

assinalado por Bigo cuja fusatildeo entre seguranccedila interna e externa faz com que os mundos do

policiamento e da guerra que tinham pouco em comum se misturem para combater um

inimigo sem rosto (BIGO 2000)

A ausecircncia de uma diferenciaccedilatildeo entre problemas internos e externos de seguranccedila

estaacute ligada agraves accedilotildees dos inuacutemeros agentes do campo da seguranccedila as quais natildeo se limitam agraves

fronteiras convencionais entre o domeacutestico e o internacional O processo de des-diferenciaccedilatildeo

estaacute adstrito agraves relaccedilotildees de poder e concorrecircncias existentes entre grupos sociais que

compotildeem o campo da seguranccedila o que descarta a existecircncia de um ator capaz de decidir

sobre as ameaccedilas unilateralmente Bigo com base nos estudos de Pierre Bourdieu percebe o

campo da seguranccedila como espaccedilo social construiacutedo atraveacutes da disputa entre as diversas

posiccedilotildees dos agentes de seguranccedila e conformado pelas agecircncias de seguranccedila e os lugares

que elas ocupam nas esferas nacionais e internacionais No interior do campo da seguranccedila

podem ser ensejados processos de ldquounificaccedilatildeordquo capazes de concentrar atores diferentes em

torno de uma determinada ameaccedila o que pode levar a uma ldquohomogeneizaccedilatildeordquo das

percepccedilotildees ou das doutrinas de seguranccedila deste modo uma ou mais questotildees passam a ser

compartilhadas por mais de um ator (BIGO 2000) Este processo de ldquounificaccedilatildeordquo descrito

pelo autor ocorreu entre os paiacuteses andinos entorno do traacutefico de drogas As drogas iliacutecitas

passaram a ser uma ameaccedila compartilhada pelos governos andinos as agendas de seguranccedila

dos Estados da regiatildeo andina estiveram subordinadas agraves diretrizes norte-americanas de

combate agraves drogas criando um foco comum de seguranccedila nos Andes para tratar e eliminar o

problema

Existem na regiatildeo andina muacuteltiplas temaacuteticas que influem na construccedilatildeo da agenda

de seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo Estas temaacuteticas podem ser dividas em cinco grupos

principais a) conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos b) a

presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das

instituiccedilotildees estatais d) conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-

culturais e identitaacuterias e) traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

a) Conflitos tradicionais adstritos aos litiacutegios interestatais e fronteiriccedilos

25

No que tange aos conflitos convencionais ou interestatais o norte e noroeste do

subcontinente sul-americano apresentam tensotildees remanescentes de litiacutegios histoacutericos ndash ou

tensotildees novas que emergiram em contextos especiacuteficos ndash entre os paiacuteses da regiatildeo que se

arrastam desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX ao princiacutepio do seacuteculo XXI colocando-os

dentro de um quadro complexo de conflitos ligados principalmente a fatores territoriais

limiacutetrofes e ou acerca de recursos naturais Conforme argumenta Adriaacuten Bonilla (1999) a

imagem de um Estado coeso fortalece e legitima a sua existecircncia e um dos seus sinais satildeo as

fronteiras sendo que cada Estado faz uma leitura distinta dos referidos sinais O resultado eacute

um conjunto de valores internalizados que criam uma imagem de uma comunidade a

comunidade nacional e ao mesmo tempo a percepccedilatildeo do ldquooutrordquo agressivo Estas imagens

identificam condutas e justificam a violecircncia para defender a si ldquoproacutepriordquo quando percebido

em risco frente agrave ameaccedila do ldquoestrangeirordquo o ldquooutrordquo Jorge I Domiacutenguez (2003) observa que

a persistecircncia de alguns conflitos histoacutericos na Ameacuterica Latina que se iniciaram no seacuteculo

XIX estatildeo relacionados a dois fatores principais 1) o geograacutefico pois as florestas e rios na

Ameacuterica do Sul e Central assim como a topografia montanhosa em determinadas aacutereas

colocaram oacutebices para demarcaccedilotildees fiacutesicas das fronteiras A confecccedilatildeo de mapas inexatos

contribuiu para o ressurgimento de conflitos como foi o caso de Equador e Peru 2) a

interrupccedilatildeo dos processos de negociaccedilatildeo que poderiam conduzir arranjos permanentes para

manter a paz na Ameacuterica do Sul Domiacutenguez salienta que a mediaccedilatildeo internacional em

muitos casos serviu para ldquoesfriar os conflitosrdquo e natildeo para resolvecirc-los As ldquoteacutecnicas de

congelamentordquo das demandas em uma conjuntura particular tambeacutem tiveram resultados

contraditoacuterios como foi o caso do Protocolo de Puerto Espantildea assinado em 1970 entre

Guiana e Venezuela o qual estabeleceu o acordo entre os dois paiacuteses para que ambos

cessassem as suas reivindicaccedilotildees e o conflito O que ocorreu foi a postergaccedilatildeo do litiacutegio para

doze anos depois Assim que o Protocolo expirou a crise entre os dois paiacuteses reiniciou e

permanece sem soluccedilatildeo

Na deacutecada de 1990 Equador e Peru entraram em disputa pelo territoacuterio da bacia do

Rio Cenepa que permanecia sem definiccedilatildeo limiacutetrofe A escalada do conflito culminou na

guerra entre os dois paiacuteses em 1995 Os dois paiacuteses deflagraram um conflito armado de

grandes proporccedilotildees apoacutes a derrubada de um helicoacuteptero MI-8TV do exeacutercito peruano por um

miacutessil antiaeacutereo equatoriano em 29 de janeiro do referido ano A partir daiacute os confrontos

armados envolveram os exeacutercitos e as suas forccedilas aacutereas de ambos os paiacuteses O emprego de

caccedilas helicoacutepteros aviotildees e combates com utilizaccedilatildeo de miacutesseis ar-ar se deu principalmente

26

pela dificuldade do acesso agrave regiatildeo que eacute uma zona de floresta densa com condiccedilotildees

climaacuteticas que natildeo favoreciam os movimentos militares e a logiacutestica para o combate

De acordo com Bonilla a altercaccedilatildeo fronteiriccedila entre Equador e Peru estaacute na proacutepria

fundaccedilatildeo destes Estados como repuacuteblicas Cada um dos dois paiacuteses narra os conflitos

territoriais a seu modo ou seja ldquoa construccedilatildeo de um imaginaacuterio nacional que decirc sentido as

instituiccedilotildees estatais e ao mesmo tempo lanccedila as bases da comunidade imaginada ndash a naccedilatildeo ndash

que foi erguida sobre mitos e relatos fundacionais relacionados agrave fronteirardquo (BONILLA 1999

p 19 traduccedilatildeo nossa) O conflito irrompe no meio de duas poliacuteticas externas inflexiacuteveis que

se baseiam em interpretaccedilotildees antinocircmicas sobre o tema fronteiriccedilo Conforme aponta o autor

Estas poliacuteticas natildeo deram espaccedilo para formulaccedilatildeo de processos e mecanismos de

negociaccedilatildeo que criassem condiccedilotildees para que tanto Equador como Peru fizessem

concessotildees Para o Equador a poliacutetica externa para o Peru foi concentrada na

impugnaccedilatildeo do Protocolo do Rio de Janeiro e na exigecircncia de um acesso ao

territoacuterio amazocircnico Por sua parte o Peru tem sido constante reconhecimento e

execuccedilatildeo irrestrita do Protocolo mesmo apesar das suas carecircncias teacutecnicas eacute

considerado um instrumento teacutecnica e juridicamente preciso (BONILLA 1999 p

19 traduccedilatildeo nossa)

Apesar das controveacutersias em torno do litiacutegio a resoluccedilatildeo do conflito aconteceu

mediante a intervenccedilatildeo multilateral de Argentina Chile Brasil e EUA no longo processo de

negociaccedilatildeo de paz com os Estados garantes (estes paiacuteses foram avalistas do Protocolo de Paz

Amizade e Limites do Rio de Janeiro ou Protocolo do Rio de Janeiro subscrito em 29 de

janeiro de 1942 para delimitaccedilatildeo da fronteira entre os dois paiacuteses e para pocircr fim ao litiacutegio)

cuja conclusatildeo ocorreu com a assinatura do Acordo de Brasiacutelia em 1998 que demarcou as

fronteiras entre os dois paiacuteses andinos A delimitaccedilatildeo fronteiriccedila foi traccedilada sobre o fastiacutegio

da Cordilheira do Condor a qual concedeu ao Peru o territoacuterio disputado mais a extensatildeo

territorial de Tiwinza Por sua vez o governo peruano permitiu que o Equador tivesse a

propriedade de uma aacuterea de 1 kmsup2 situada no territoacuterio de Tiwinza onde existia o

acampamento militar do exeacutercito equatoriano no entanto a soberania sobre a regiatildeo

continuou sendo do Estado peruano

Os conflitos interestatais nos Andes natildeo foram impulsionados somente por questotildees

fronteiriccedilas David Mares assinala que na Ameacuterica Latina a violecircncia entre os Estados ocorreu

por inuacutemeros outros motivos aleacutem das contendas limiacutetrofes Questotildees como a ldquoimigraccedilatildeo o

contrabando (incluindo as drogas iliacutecitas) as guerrilhas e ateacute mesmo os desacordos na

implementaccedilatildeo de tratados ratificados por todas as partes podem e tecircm produzido severos

conflitos inclusive a accedilatildeo militarrdquo (MARES 2003 p 53 traduccedilatildeo nossa) As relaccedilotildees de

27

Colocircmbia com Equador e Venezuela foram abaladas por motivos ligados agrave guerrilha ao

traacutefico de drogas e ao deslocamento forccedilado de populaccedilotildees A tiacutetulo de ilustraccedilatildeo o quadro 1

a seguir lista sinteticamente os principais conflitos ocorridos e ainda vigentes na regiatildeo

andina

28

29

b) A presenccedila dos Estados Unidos na regiatildeo andina

Para compreender a agenda de seguranccedila dos paiacuteses andinos eacute preciso considerar a

influecircncia dos Estados Unidos no seu processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo A presenccedila dos

EUA nos Andes se intensificou no decorrer da Guerra Fria principalmente para conter a

disseminaccedilatildeo do comunismo na Ameacuterica Latina Para levar a cabo este objetivo a estrateacutegia

anticomunista se valeu de intervenccedilotildees militares de fornecimento de treinamentos de

contrainsurgecircncia agraves forccedilas armadas e de apoio a golpes militares e a regimes autoritaacuterios nos

paiacuteses latino-americanos

Com o fim da Guerra Fria e o colapso da Uniatildeo Sovieacutetica os EUA se tornaram a uacutenica

superpotecircncia mundial capaz de afirmar o seu poder global atraveacutes da ldquosupremacia militar

monetaacuteria e financeira norte-americana a serviccedilo do seu grande capital disposta a impedir

por um lado o fortalecimento ou surgimento de potecircncias concorrentes e por outro a

realizaccedilatildeo de um grande acordo internacional que limite as accedilotildees dos EUArdquo (SANTOS 2007

p 68)

Monica Herz (2002) assinala que a Ameacuterica Latina no contexto poacutes-Guerra Fria natildeo

figurou como uma regiatildeo de alta prioridade para os EUA no entanto os objetivos estrateacutegicos

de Washington para o subcontinente nesse contexto se concentraram em duas agendas

principais ldquoa promoccedilatildeo das reformas neoliberais e o combate ao comeacutercio iliacutecito de drogasrdquo

(HERZ 2002 p 86) Por sua vez Adrian Bonilla (2006) corrobora com a abordagem de Herz

ao destacar que os paiacuteses da CAN deixaram de ser prioridade estrateacutegica dos EUA apoacutes a

derrocada sovieacutetica A poliacutetica externa estadunidense para os paiacuteses andinos se ldquoenraizourdquo

numa agenda regional mas eacute executada bilateralmente de forma limitada e restrita agrave

seguranccedila e ao comeacutercio No que tange agrave seguranccedila nos Andes o autor aponta que com o fim

da Guerra Fria o narcotraacutefico e o conflito colombiano se tornaram assuntos de relativa

importacircncia para os EUA e com os atentados de 11 de setembro de 2001 o terrorismo e o

narcotraacutefico bem como o comeacutercio de armas e a lavagem de dinheiro associados estas duas

atividades se tornaram temas centrais da agenda estadunidense para regiatildeo andina Para

Consuelo A Beltraacuten (2007) as relaccedilotildees entre EUA e a regiatildeo andina na uacuteltima deacutecada

giraram em torno de trecircs temas prioritaacuterias ldquoa poliacutetica antinarcoacuteticos a cruzada antiterrorista

e as medidas de liberalizaccedilatildeo econocircmica e comercial impostas por organismos internacionais

como o Fundo Monetaacuterio Internacional (FMI) e a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

(OMC)rdquo (BELTRAacuteN 2007 p 95 traduccedilatildeo nossa)

30

Conforme abordado pelos autores supracitados as poliacuteticas de combate agraves drogas e a

construccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila nos Andes foram fortemente influenciadas

pelos os Estados Unidos Conforme ressalta Herz

Observa-se que a poliacutetica de seguranccedila norte-americana na regiatildeo estaacute impregnada

de tensotildees A militarizaccedilatildeo do combate ao narcotraacutefico atinge o processo de

construccedilatildeo de um paradigma democraacutetico para a regiatildeo ao longo da deacutecada de 1990

Paradoxalmente a poliacutetica de combate agraves drogas na Colocircmbia tem solapado as bases

institucionais de uma das mais tradicionais democracias latino-americanas

Ademais o combate agraves drogas na regiatildeo andina natildeo tem favorecido o

desenvolvimento de uma cultura de proteccedilatildeo aos direitos humanos Da mesma

forma a tendecircncia do atual governo congruente com sua perspectiva de ordem

hegemocircnica de concentrar-se em medidas unilaterais e relaccedilotildees bilaterais abala os

alicerces das instituiccedilotildees multilaterais geradas durante a uacuteltima deacutecada (HERZ

2002 p 99)

No poacutes-Guerra Fria a agenda antidrogas norte-americana incidiu sobre as agendas de

seguranccedila dos paiacuteses andinos corroborando para os processos de policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas as quais satildeo empregadas em atividades de controle de drogas combate ao crime

organizado transnacional e garantia da lei e da ordem e de militarizaccedilatildeo da poliacutecia por meio

de treinamentos armamentos formaccedilatildeo de equipes especiais e operaccedilotildees guiadas por

modelos militares para combater os iliacutecitos transnacionais

Para Peter B Kraska a militarizaccedilatildeo eacute a implementaccedilatildeo da ideologia do militarismo

Segundo o autor o militarismo ldquoeacute um conjunto de crenccedilas valores e premissas que enfatizam

o uso da forccedila e a ameaccedila de violecircncia como meios mais adequados e eficazes para resolver

os problemasrdquo (KRASKA 2007 p 503 traduccedilatildeo nossa) Portanto a militarizaccedilatildeo da poliacutecia

eacute o processo pelo qual as instituiccedilotildees policiais recorrem aos princiacutepios do militarismo e ao

modelo militar para consecuccedilatildeo dos seus objetivos e a militarizaccedilatildeo do combate agraves drogas

seria o emprego desses princiacutepios e modelos militaristas e do proacuteprio exeacutercito para eliminar

a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo o traacutefico e o comeacutercio de drogas iliacutecitas Kraska reitera que

Metaacuteforas como a guerra contra as drogas crimes e terrorismo desempenham um

papel poderoso na construccedilatildeo da realidade eles moldam praacuteticas discursivas

esclarecem valores e compreensotildees e orientam os processos de resoluccedilatildeo de

problemas Enquadrar os problemas de crime terrorismo e drogas utilizando a

linguagem militarista assim provavelmente vai resultar em pensamentos e accedilotildees

que correspondem com a guerra paradigma militar (KRASKA 2001 apud

KRASKA 2007 p 505 traduccedilatildeo nossa)

Na regiatildeo andina a militarizaccedilatildeo das guerras agraves drogas e a policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas para este intento foram cabalmente impulsionadas pelas agendas de seguranccedila

nacional e hemisfeacuterica dos EUA esses dois processos podem ser visualizados nas principais

31

poliacuteticas de drogas de Washington para os paiacuteses andinos como a Iniciativa Andina (1989) o

Plano Colocircmbia (2000) e a Iniciativa Regional Andina (2002)

c) crises domeacutesticas concernentes agrave legitimidade das instituiccedilotildees estatais

As instituiccedilotildees estatais nos paiacuteses andinos sofreram um longo processo de

deslegitimaccedilatildeo no decorrer do seacuteculo XX Os Estados da regiatildeo natildeo deram respostas

satisfatoacuterias para a resoluccedilatildeo dos conflitos existentes e muito menos conseguiram legitimar as

decisotildees de suas autoridades A regiatildeo andina passou por uma experiecircncia de dificuldades

econocircmicas com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas neoliberais mal sucedidas que desaceleraram o

crescimento e aumentaram a volatilidade financeira agravando os problemas estruturais da

pobreza e da desigualdade na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado e nos primeiros anos do seacuteculo

XXI Cada paiacutes apresentou configuraccedilotildees e cenaacuterios poliacuteticos e sociais particulares distintos

entre si As poliacuteticas econocircmicas domeacutesticas norteadas pelo Consenso de Washington

contribuiacuteram para a crise poliacutetica e o descreacutedito das instituiccedilotildees Segundo Andreacutes Solimano

(2005) os paiacuteses andinos tiveram um nuacutemero elevado de mudanccedilas constitucionais que

levaram agrave aprovaccedilatildeo de uma nova constituiccedilatildeo no transcurso do seacuteculo passado Nos paiacuteses

pertencentes agrave CAN o Equador eacute o que teve mais mudanccedilas totalizando sete constituiccedilotildees

seguido de Boliacutevia com cinco constituiccedilotildees Peru com quatro constituiccedilotildees e Colocircmbia com

apena suma nova constituiccedilatildeo aprovada em 1991 Para o autor esta frequecircncia de mudanccedilas

nas regras baacutesicas da sociedade eacute um dos indicadores de instabilidade das instituiccedilotildees na

regiatildeo Solimano adiciona outro fator de instabilidade poliacutetica as recorrentes crises

presidenciais ou seja quando um presidente por inuacutemeras razotildees que vatildeo de golpe de

Estado agrave renuacutencia natildeo consegue concluir o seu mandato constitucional

O quadro econocircmico e social colaborou para dificultar a governanccedila nos paiacuteses

andinos que foram marcados por instabilidade poliacutetica e rotatividade de presidentes (como

foram os casos de Boliacutevia e Equador) baixos iacutendices de eficaacutecia institucional crises poliacuteticas

recorrentes e violecircncia (sobretudo na Colocircmbia) que afetaram a consolidaccedilatildeo da democracia

Na Colocircmbia o cenaacuterio eacute caracterizado por uma crise atravessada pelo conflito interno

armado violento que coloca em questatildeo o proacuteprio Estado colombiano principalmente quando

esse fenocircmeno de longa duraccedilatildeo no paiacutes se articula com outros fenocircmenos de natureza

transnacional e ilegal como eacute o caso das redes de traacutefico de drogas No Equador por sua vez

emergiu uma crise de legitimidade institucional relacionada com a instabilidade

governamental que aparece na segunda metade dos anos 1990 se estendendo ateacute a posse de

32

Rafael Correa em 2007 No Peru ocorreu uma crise no sistema poliacutetico e eleitoral com o

advento do autogolpe e do autoritarismo de Alberto Fujimori (1990-2000) marcado por

escacircndalos de corrupccedilatildeo desvio de recursos puacuteblicos assassinatos e intimidaccedilatildeo poliacutetica

envolvendo o chefe do Serviccedilo de Inteligecircncia Nacional do Peru Vladimiro Montesinos Com

a crise de legitimidade de seu governo Fujimori fugiu do paiacutes para natildeo ser julgado pelos seus

crimes Por fim na Boliacutevia o cenaacuterio poliacutetico e social no comeccedilo dos anos 2000 foi de

conflitos e inuacutemeros protestos sociais principalmente de grupos campesinos e indiacutegenas que

questionavam a legitimidade e autoridade poliacutetica com sucessivas trocas de governos ateacute a

chegada de Evo Morales ao poder em 2006

d) Conflitos internos ligados agraves questotildees poliacuteticas sociais eacutetnico-culturais e identitaacuterias

No arco andino por exemplo o conflito colombiano se arrasta desde os

acontecimentos ocorridos em 1948 Conhecido como La Violencia esse periacuteodo eacute marcado

por confrontos entre os defensores do Partido Conservador Colombiano e o Partido Liberal

Colombiano Para Forrest Hylton (2010) La Violencia (1946-1957) ldquofoi uma eacutepoca que

misturou terror oficial sectarismo partidaacuterio e poliacuteticas de terra arrasada que resultaram da

confluecircncia da crise da repuacuteblica cafeeira da debilidade do Estado central e da concorrecircncia

pelos direitos de propriedade principalmente no eixo do cafeacuterdquo (HYLTON 2010 p 71) A

revolta popular buscava destruir os siacutembolos de poder e privileacutegio da oligarquia dominante e

se espalhou pela capital do paiacutes ficando conhecida como Bogotazo O periacuteodo da La Violencia

foi caracterizado por uma guerra civil com confrontaccedilotildees violentas entre liberais e

conservadores que perdurou por quase dez anos alcanccedilando o nuacutemero de 200 mil pessoas

mortas (STOKES 2005)10

O conflito teve fim com um pacto para a formaccedilatildeo de uma

coligaccedilatildeo entre os dois partidos intitulada de Frente Nacional em 1958 Com a formaccedilatildeo da

Frente Nacional foi estabelecida a alternacircncia de poder entre os dois partidos permitindo

tambeacutem o alinhamento de ambos para o fortalecimento das forccedilas armadas colombianas para

supressatildeo das revoltas populares e das guerrilhas armadas rurais como forma de combater a

instalaccedilatildeo do comunismo no paiacutes (STOKES 2005)

A instabilidade poliacutetica da Colocircmbia neste periacuteodo foi interpretada pelos EUA como

uma ldquoameaccedilardquo aos seus interesses na regiatildeo O Departamento de Estado chegou a declarar que

10

No que tange ao nuacutemero de mortos nos confrontos na eacutepoca da La Violencia Forrest Hilton aponta que foram

assassinadas aproximadamente 300 mil pessoas das quais 80 eram homens camponeses e analfabetos

(HYLTON 2010 p 72)

33

a crise colombiana era uma ldquoameaccedilardquo agraves estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas norte-americanas

devido agrave proximidade da Colocircmbia com o Canal do Panamaacute O conflito colombiano ganhou

contornos internacionais ou intermeacutesticos jaacute na deacutecada de 1950 quando entra nos caacutelculos

estrateacutegicos geopoliacuteticos e geoeconocircmicos dos EUA O Plan Lazo lanccedilado em 1964 era uma

estrateacutegia contrainsurgente que tinha como principal objetivo aniquilar os inuacutemeros grupos

armados remanescentes da La Violencia nas zonas rurais da Colocircmbia sobretudo no sul

(HYLTON 2010) A estrateacutegia de contrainsurgecircncia do Plan Lazo agravou a situaccedilatildeo do

conflito na Colocircmbia Inuacutemeros massacres assassinatos e torturas contra guerrilheiros e

camponeses ndash organizados em grupos de autodefesa ndash foram perpetrados por militares

colombianos Nesse contexto surgiram as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia -

Exeacutercito do Povo (FARC ou FARC-EP) apoacutes a fragmentaccedilatildeo dos guerrilheiros liberales

limpios e o fortalecimento dos guerrilheiros comunes tendo na Operaccedilatildeo Marquetalia

desenhada com o objetivo de suprimir as ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo11

ndash que fazia parte do

Plan Lazo As FARC se orientavam pela ideologia marxista-leninista se distinguindo das

guerrilhas liberais por sua estrutura militar mais riacutegida e um objetivo poliacutetico mais definido

As investidas militares do governo colombiano para conter o avanccedilo do comunismo no paiacutes

fizeram com que pululassem inuacutemeros grupos guerrilheiros como o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo

Nacional (ELN) em 1965 o Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo (EPL) em 1967 e o Movimento

19 de Abril (M-19) em 1970 entre outros e posteriormente grupos paramilitares

antiguerrilha como a Alianccedila Americana Anticomunista (AAA ou Triplo A) em 1978 a

Autodefesas Campesinas de Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) no iniacutecio da deacutecada de 1980 as

Cooperativas de Vigilacircncia e Seguranccedila Privada (CONVIVIR) criadas em 1994 e as

Autodefesas Unidas da Colocircmbia (AUC) em 1997 para citarmos alguns desses primeiros

grupos A emergecircncia destes atores corroborou para o agravamento e prolongamento do

conflito colombiano ateacute os anos 200012

11

O termo ldquoRepuacuteblicas Independentesrdquo foi cunhado pelo senador Aacutelvaro Goacutemez Hurtado liacuteder conservador

numa sessatildeo do Senado colombiano em 23 de outubro de 1961 para denunciar a existecircncia de territoacuterios natildeo

controlados pelo Estado colombiano Essa denuacutencia de Hurtado fez com que crescesse a pressatildeo sobre o

presidente Gullermo Leoacuten Valencia tambeacutem do partido conservador para exterminar a sangue e fogo o

enclave comunista (LEONGOacuteMEZ 2006b) 12

Rodriguez (2010) acentua que os dados referentes ao conflito colombiano demonstram a magnitude do

problema e revelam a situaccedilatildeo alarmante do paiacutes na uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado O autor destaca que a

Colocircmbia tinha dentro de suas fronteiras o maior nuacutemero de refugiados de guerra no mundo Eram cerca de

1900000 refugiados e cerca de 500000 foram obrigados a se exilarem por conta do conflito armado

Rodriguez enumera ainda que 2000 menores faziam parte de guerrilhas e 3000 foram arregimentados pelos

paramilitares O autor assinala que o conflito afetou a economia do paiacutes fazendo com que o crescimento

despencasse 5 no ano de 1999 paralisou a reforma agraacuteria as guerrilhas os ldquocarteacuteisrdquo da cocaiacutena dos anos

34

Na regiatildeo andina haacute diferentes fontes de tensotildees domeacutesticas que compotildeem o cenaacuterio

de conflitos na regiatildeo os quais incidem sobre a construccedilatildeo da agenda de seguranccedila andina A

questatildeo da identidade ou melhor das identidades satildeo mananciais de tensotildees entre as diversas

comunidades locais e o Estado-naccedilatildeo centralizador principalmente no que concerne agraves

distintas reivindicaccedilotildees autonomistas A crise de legitimidade das instituiccedilotildees do Estado

colocou tambeacutem em questatildeo a centralizaccedilatildeo das atribuiccedilotildees administrativas das

responsabilidades e do poder em um governo central gerando maior pressatildeo e tensatildeo poliacutetica

com os governos locais Os movimentos descentralizadores regionalistas e ou autonomistas

natildeo satildeo temas novos na histoacuteria da regiatildeo andina Esses movimentos se manifestam

constantemente irrompendo conflitos que desestabilizam o governo central Na Boliacutevia

emergiram identidades regionais que colocaram em questatildeo o proacuteprio Estado boliviano em

Cochabamba e nos departamentos da chamada ldquomeia luardquo (Pando Beni Santa Cruz13

e

Tarija) Outro caso sintomaacutetico dessa questatildeo ocorre entre as oligarquias e grupos dominantes

localizados cidades de Guayaquil e Quito no Equador No caso peruano haacute tensotildees histoacutericas

latentes de Cuzco e Arequipa contra o governo central

Outra fonte de tensatildeo poliacutetica e sociocultural domeacutestica estaacute ligada aos diferentes

movimentos sociais indiacutegenas nos Andes principalmente na Boliacutevia e no Equador e em

menor grau na Colocircmbia e no Peru Esses movimentos ganharam forccedila na passagem da

deacutecada de 1980 para a deacutecada de 1990 contexto esse marcado pela liberalizaccedilatildeo da economia

que acirrou mais ainda a exclusatildeo social e poliacutetica de cunho racista hieraacuterquico e autoritaacuterio

Os movimentos indiacutegenas trazem agrave tona o questionamento da legitimidade do Estado e da

proacutepria constituiccedilatildeo da sociedade que foi erigida sobre bases natildeo democraacuteticas tendo como

sua maior expressatildeo a experiecircncia de regimes poliacuteticos autoritaacuterios A emergecircncia das

identidades indiacutegenas colocou em questatildeo o imaginaacuterio social da homogeneidade e a proacutepria

ideia de naccedilatildeo colocando no centro do debate poliacutetico a construccedilatildeo de um Estado

plurinacional como uma nova forma de comunidade imaginada como foi caso da Boliacutevia e do

Equador14

Esses movimentos indiacutegenas natildeo se resumem ao rompimento ou deslegitimizaccedilatildeo

1980 e os paramilitares na deacutecada de 1990 acabaram por agravar a situaccedilatildeo de concentraccedilatildeo de propriedades

impulsionando o deslocamento interno de milhares de camponeses sem-terra 13

Em Santa Cruz se encontra a principal organizaccedilatildeo autonomista e regionalista da Boliacutevia a Uniatildeo Juvenil

Crucentildeista (UJC) fundada em 1957 A UJC eacute um dos movimentos de maior oposiccedilatildeo ao governo de Evo

Morales e ao seu partido Movimiento al Socialismo (MAS) 14

Boliacutevia e Equador se autodenominaram Estados plurinacionais a partir de suas novas constituiccedilotildees aprovadas

no ano de 2008 A ideia de Estado plurinacional se contrapotildee ao Estado claacutessico unificador e uniformizador de

matriz europeacuteia como forma de rompimento da colonialidade e criaccedilatildeo de novos paradigmas de organizaccedilatildeo

35

dos sistemas poliacuteticos ou defesa de territoacuterios e recursos naturais As lutas das populaccedilotildees

indiacutegenas estatildeo tambeacutem relacionadas agrave demanda por inclusatildeo social e nas atividades poliacuteticas

e econocircmicas essas lutas e conflitos impotildeem aos Estados diferentes desafios para criaccedilatildeo de

iniciativas e poliacuteticas puacuteblicas capazes de reconhecer as muacuteltiplas identidades e incluiacute-las na

sociedade e nos processos decisoacuterios democraacuteticos

As crises econocircmicas que persistiram por deacutecadas resistindo agraves mudanccedilas de governos

e de modelos econocircmicos tiveram impactos significativos na regiatildeo andina Entre os seus

sinais mais patentes se sobressaem o crescimento ininterrupto do desemprego e da

precarizaccedilatildeo do trabalho os baixos iacutendices de desenvolvimento humano (IDH) e o

aprofundamento da desigualdade socioeconocircmica entre ricos e pobres (SOLAMINO 2005)

Ademais a corrupccedilatildeo cresceu em ritmo acelerado se espalhando aleacutem das fronteiras e se

generalizando por todos os estratos sociais Estes fatores corroboraram para a persistecircncia da

criminalidade difusa da violecircncia social e poliacutetica dos deslocamentos internos forccedilados e

imigraccedilotildees internacionais do traacutefico de drogas e do crime organizado transnacional

e) Traacutefico de drogas e o crime organizado transnacional

O combate ao cultivo e traacutefico de drogas o conflito colombiano e a influecircncia dos

Estados Unidos incidiram tenazmente sobre agenda poliacutetica e de seguranccedila da regiatildeo andina

O traacutefico de drogas fator mais recente e natildeo menos determinante nas duas uacuteltimas deacutecadas

do seacuteculo XX e na primeira do seacuteculo XXI influiu sobremaneira na economia na corrupccedilatildeo e

na violecircncia do mesmo modo que fez estremecer as relaccedilotildees entre os Estados nos Andes as

poliacuteticas nacionais e no plano das relaccedilotildees internacionais afetou as relaccedilotildees dos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo com os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo A luta antidrogas na contemporaneidade eacute uma

das questotildees que mais mobilizou os paiacuteses andinos a se articularem e a se engajarem para

contecirc-la

O traacutefico de psicoativos iliacutecitos e a sua cadeia produtiva satildeo pontos-chave para

compreender as poliacuteticas de seguranccedila nos Andes tanto na esfera domeacutestica quanto na

regional Como veremos adiante com o final do conflito bipolar o combate agraves drogas se

tornou um dos problemas prioritaacuterios dentro da agenda poliacutetica e de seguranccedila hemisfeacuterica

No final dos anos de 1980 o traacutefico de drogas passa a ser o principal inimigo dos EUA cuja

social poliacutetica e identitaacuteria visando atender agraves revindicaccedilotildees de povos e naccedilotildees alijados do ldquoprocesso

civilizadorrdquo ocidental

36

estrateacutegia eacute refrear a oferta de drogas aumentando a repressatildeo nos ldquopaiacuteses fontesrdquo quando

muito a demanda soacute foi tratada como consequecircncia da produccedilatildeo de substacircncias iliacutecitas ndash os

crimes provocados pelos usuaacuterios de drogas ndash e natildeo como um dos fatores que impulsionam e

aumentam a extensatildeo dos tentaacuteculos da induacutestria das drogas iliacutecitas que divide o seu trabalho

internacionalmente entre produtores traficantes e consumidores (GUAacuteQUETA 2004

TOKATLIAN 2009)

O traacutefico de drogas e o crime organizado em suas diferentes atividades satildeo percebidos

com uma das principais ameaccedilas transfronteiriccedila agrave seguranccedila e agrave democracia natildeo soacute nos

Andes mas tambeacutem toda Ameacuterica Latina seja pela violecircncia ensejada por estas atividades ou

mesmo pela sua capacidade de cooptar e corromper as instituiccedilotildees puacuteblicas Portanto ldquoo

crime organizado natildeo eacute contra-estatal seu objetivo natildeo eacute derrocar um regime ou uma

institucionalidade porque a violecircncia contra o Estado natildeo eacute sua caracteriacutestica o que ele busca

eacute ter graus altos de controle sobre essa institucionalidaderdquo (MARTIacuteNEZ 2012 p 31

traduccedilatildeo nossa)

As atividades iliacutecitas das organizaccedilotildees criminosas satildeo cada vez mais

transnacionalizada que se utiliza dos crescente fluxos financeiros humanos e de bens para

realizar as suas operaccedilotildees exigindo cada vez mais respostas multilaterais e fortalecimento da

cooperaccedilatildeo para combatecirc-los Entretanto no afatilde de combater as diferentes modalidades de

organizaccedilotildees criminosas (traficantes de armas e de pessoas contrabandistas de diversos

matizes entre outros) mas principalmente o traacutefico de drogas em muitos casos levou a um

emprego constante das forccedilas armadas para combatecirc-lo inclusive em centros urbanos

22 Configuraccedilatildeo Histoacuterica da Integraccedilatildeo Regional Andina Do Pacto Andino agrave

Comunidade Andina

A ideia de integraccedilatildeo da Ameacuterica Latina como diferentes autores jaacute mostraram

(DORATIOTO 1994 VILABOY 2007 SILVA 2009 GOMES 2010 FIGUEIREDO

2011) tem suas origens no seacuteculo XIX quando comeccedilaram os processos de independecircncia

dos paiacuteses do continente Simoacuten Boliacutevar deu iniacutecio agrave campanha sul-americana de libertaccedilatildeo

das colocircnias Na Carta da Jamaica redigida em 1815 Boliacutevar manifestou o seu anseio em

formar uma confederaccedilatildeo hispano-americana com as ex-colocircnias que pertenciam agrave monarquia

espanhola A primeira experiecircncia desse tipo foi a Gratilde Colocircmbia (1819-1831) criada pelo

proacuteprio Boliacutevar e mesmo com pouco tempo de existecircncia representou o primeiro modelo de

37

integraccedilatildeo nas Ameacutericas15

Os ideaacuterios de uma Ameacuterica Latina unida em um uacutenico projeto de

integraccedilatildeo como pretendia Boliacutevar ou melhor como pretenderam certas releituras do

pensamento bolivariano foram deteriorados pela experiecircncia histoacuterica latino-americana desde

as guerras pela emancipaccedilatildeo e a construccedilatildeo de novas estruturas poliacuteticas para consolidar as

receacutem-criadas naccedilotildees na Ameacuterica independente

A formaccedilatildeo dos paiacuteses andinos eacute produto desse processo histoacuterico e as suas

experiecircncias recentes satildeo pertinentes para se verificar as divergecircncias de projetos poliacuteticos

regionais A regiatildeo andina estaacute marcada por dissensotildees e atritos entre os diferentes modelos

de integraccedilatildeo como eacute o caso de Colocircmbia e Peru voltados para acordos bilaterais de livre

comeacutercio com os Estados Unidos e para a recente Alianccedila do Paciacutefico (aleacutem dos dois paiacuteses

conta com a participaccedilatildeo do Chile e do Meacutexico) e do outro lado a Boliacutevia e Equador que

em conjunto com a Venezuela Cuba e Nicaraacutegua (para citar alguns dos seus membros mais

proeminentes) buscam um modelo de integraccedilatildeo que procura aprofundar a consolidaccedilatildeo da

Alianccedila Bolivariana paras as Ameacutericas (ALBA)

A integraccedilatildeo regional16

eacute uma associaccedilatildeo institucionalizada de paiacuteses dentro de um

determinado territoacuterio geograacutefico definido que pode variar de regiatildeo para regiatildeo e de

formas e modelos As diferentes abordagens teoacutericas consagradas nos estudos de Relaccedilotildees

Internacionais sobre os processos de integraccedilatildeo regional utilizam a Uniatildeo Europeia como

paradigma explicativo e tipo ideacional a ser alcanccedilado por todos Problematizar tais

abordagens eacute possibilitar novos horizontes de anaacutelises que permitam uma compreensatildeo

15

No Congresso Anfictiocircnico do Panamaacute ocorrido em 1826 se reuniram os representantes da Gratilde Colocircmbia do

Meacutexico do Peru e das Proviacutencias Unidas da Centro-Ameacuterica (territoacuterios que hoje compreendem doze paiacuteses

latino-americanos) e contou com um observador da Gratilde-Bretanha e dos Paiacuteses Baixos com o intuito de discutir

a formaccedilatildeo de unidade poliacutetica entre os povos do continente americano Boliacutevar propocircs o encerramento do

trabalho escravo e a criaccedilatildeo de exeacutercito continental esta uacuteltima propositura tinha em vista a preocupaccedilatildeo com

os projetos ofensivos da Santa Alianccedila impulsionados pela restauraccedilatildeo do absolutismo na Espanha Todavia

trecircs grandes paiacuteses se opuseram agrave proposta bolivariana Brasil Estados Unidos e a Gratilde-Bretanha O Brasil e os

EUA natildeo corroboravam com a cessaccedilatildeo do regime escravista devido aos seus interesses econocircmicos nesta

atividade Para o impeacuterio brasileiro os ideais republicanos natildeo serviam aos interesses monaacuterquicos Os EUA

natildeo aceitavam o ideaacuterio do pan-americanismo por conta de suas pretensotildees expansionistas E a Gratilde-Bretanha

grande potecircncia econocircmica da eacutepoca via no pan-americanismo uma ameaccedila agraves suas pretensotildees hegemocircnicas

na regiatildeo (VILABOY 2007) 16

De acordo com Mocircnica Herz e Andrea Ribeiro Hoffman ldquoo termo integraccedilatildeo regional envolve dois conceitos

baacutesicos integraccedilatildeo e regiatildeo Uma regiatildeo pode ser definida por criteacuterios econocircmicos socioculturais poliacutetico-

institucionais climaacuteticos entre outros mas remete necessariamente a uma localidade territorial onde essas

caracteriacutesticas ocorrem Essa localidade pode ser geograficamente contiacutenua ou natildeo e pode mudar ao longo do

tempo o que dificulta a determinaccedilatildeo das fronteiras de certas regiotildees mas o importante a ser destacado eacute que

uma regiatildeo tem sempre uma correspondecircncia territorial A integraccedilatildeo pode ser definida como um processo ao

longo do qual atores inicialmente independentes se unificam ou seja se tornam parte de um todo Os atores

envolvidos em um processo de integraccedilatildeo podem ser classificados segundo dois criteacuterios Primeiramente

podem ser governamentais ou natildeo governamentais[] Em segundo lugar podem ser nacionais subnacionais

ou transnacionaisrdquo (HERZ HOFFMAN 2004 159-160)

38

maior dos processos de integraccedilatildeo latino-americanos ao longo da histoacuteria e no nosso caso

especiacutefico buscar compreender elementos que satildeo peculiares agrave Comunidade Andina

O processo de integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica e social na regiatildeo andina passou por

profundas transformaccedilotildees ao longo da sua trajetoacuteria histoacuterica A Comunidade Andina de

Naccedilotildees (CAN) teve a sua origem no Pacto Andino com a assinatura do Acordo de Cartagena

em 26 de maio de 1969 entre Boliacutevia Colocircmbia Chile Peru e Equador tornando-se a

primeira organizaccedilatildeo econocircmica internacional da Ameacuterica do Sul com o propoacutesito de

estabelecer a integraccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo econocircmica e social O Pacto Andino recebeu

posteriormente o nome de Grupo Andino Em 13 de fevereiro de 1973 a Venezuela aderiu ao

bloco e o Chile deixou o grupo em 30 de outubro de 1976 quando Augusto Pinochet

ascendeu ao poder por meio de golpe militar

Germaacutenico Salgado (1998 p6) objetivando analisar o processo de formaccedilatildeo da

Comunidade Andina de Naccedilotildees elaborou uma cronologia da integraccedilatildeo andina dividindo em

quatro fases a primeira seria de 1969 agrave 1976 fase de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do grupo

andino a fase seguinte teria sido de 1976 agrave 1982 momento esse em que ocorre um

enfraquecimento da integraccedilatildeo a terceira fase que vai de 1983 agrave 1988 eacute marcada pela

estagnaccedilatildeo por fim o periacuteodo de 1989 em diante fase que modificou radicalmente o Acordo

de Cartagena e eacute caracterizada pela reativaccedilatildeo da integraccedilatildeo e abertura para o mercado

externo

Para compreendermos o processo histoacuterico de configuraccedilatildeo da Comunidade Andina

natildeo descartaremos por completo a divisatildeo cronoloacutegica de Germaacutenico Salgado no entanto

propomos outra delimitaccedilatildeo temporal para descrever as diferentes fases pelas quais passou o

bloco andino O recorte temporal comeccedilaraacute pela Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que lanccedilou as bases

para a formulaccedilatildeo do Acordo de Cartagena e a constituiccedilatildeo do Pacto Andino que abrange o

final da deacutecada de 1960 e de 1970 Depois seraacute discutido o momento de estagnaccedilatildeo e de

reformulaccedilatildeo do Grupo Andino Em seguida discorreremos sobre a passagem dos anos 1980

para os anos de 1990 periacuteodo em que ocorre um novo impulso integracionista a partir de um

redesenho do projeto de integraccedilatildeo andina A deacutecada de 1990 foi marcada pela criaccedilatildeo e

consolidaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e de suas instituiccedilotildees nesse periacuteodo ocorreu

o alargamento da agenda comunitaacuteria andina para temas sociais e de seguranccedila Nesse

contexto o traacutefico de drogas passou a figurar como uma das principais preocupaccedilotildees da

agenda de seguranccedila da regiatildeo o que motivaraacute os paiacuteses andinos a orquestrarem no acircmbito

39

da CAN formas de cooperaccedilatildeo em mateacuteria de seguranccedila para combater o traacutefico de drogas

iliacutecitas

a) Deacutecada 1960 e 1970 Da Declaraccedilatildeo de Bogotaacute ao Acordo de Cartagena e o Surgimento

do Pacto Andino

O projeto de integraccedilatildeo que antecedeu o Pacto Andino foi a Associaccedilatildeo Latino-

Americana de Livre Comeacutercio (ALALC) criada originalmente no ano de 1960 em

Montevideacuteu contou em seu iniacutecio com a participaccedilatildeo de Argentina Brasil Meacutexico Paraguai

Peru e Uruguai anos mais tarde incorporou mais quatro Estados da zona andina aleacutem do

Meacutexico O principal objetivo da ALALC era a consolidaccedilatildeo de mecanismos de liberaccedilatildeo

parcial do comeacutercio entre seus paiacuteses membros entretanto o seu alcance foi limitado A

liberaccedilatildeo do comeacutercio ficou comprometida pelos interesses internos de cada paiacutes e os

incentivos para diminuir as barreiras comerciais natildeo foram suficientes para superar os

obstaacuteculos advindos das assimetrias entre os paiacuteses mais desenvolvidos e os menos

desenvolvidos da Ameacuterica Latina (BARRAL BOHRER 2010 p 92)

A aposta na integraccedilatildeo como vetor para o desenvolvimento econocircmico dos paiacuteses

latino-americanos comeccedilou a se mostrar contraproducente com a estagnaccedilatildeo da ALAC a

partir de 1967 ldquojaacute que natildeo conseguiu mudar a dinacircmica do comeacutercio internacional nem o

grau de desenvolvimento industrialrdquo (MOREIRA et all 2010) A ALALC tambeacutem natildeo

conseguiu promover uma harmonizaccedilatildeo real das poliacuteticas econocircmicas entre os paiacuteses

membros e a falta de equidade da distribuiccedilatildeo inter-regional dos benefiacutecios obtidos pela

integraccedilatildeo despertou a desconfianccedila dos Estados menos desenvolvidos para com o bloco

econocircmico

Em 1966 os presidentes do Chile Venezuela Colocircmbia e Equador mais os

representantes de Boliacutevia e Peru17

reuniram-se com o objetivo de procurar alternativas para

as disparidades geradas pela ALALC quando assinaram uma declaraccedilatildeo em que exprimiram

a necessidade de se fazer avanccedilar uma accedilatildeo conjunta para conseguir realizar

dentro da Associaccedilatildeo Latino-Americana de Livre Comeacutercio a aprovaccedilatildeo de medidas

concretas que atendam os propoacutesitos formulados na presente declaraccedilatildeo e em

especial que se adotem foacutermulas praacuteticas que forneccedilam o tratamento adequado agrave

condiccedilatildeo de nossos paiacuteses cujas caracteriacutesticas correspondem as de menor

17

Quem participou das reuniotildees foram Carlos Lleras Restrepo presidente da Colocircmbia Eduardo Frei Montalva

presidente do Chile Rauacutel Leoni presidente da Venezuela Galo Plaza ex-presidente e foi como delegado do

presidente equatoriano Clemente Yerovi Indaburu e Fernando S Loacutepez Aldana presidente do Banco Central

de Reserva do Peru (VIDAL 2013)

40

desenvolvimento econocircmico relativo ou de mercado insuficiente Todo ele como

meio indispensaacutevel para alcanccedilar o desenvolvimento harmocircnico e equilibrado da

regiatildeo de conformidade com o espiacuterito do Tratado de Montevideacuteu

(DECLARACIOacuteN DE BOGOTAacute 16 de agosto de 1966 apud GARAY 1979 p17

traduccedilatildeo nossa)

A Declaraccedilatildeo de Bogotaacute que eacute a base do Acordo de Cartagena elucida bem o

inconformismo dos paiacuteses andinos com os piacutefios resultados da ALALC pois estes paiacuteses

tinham como principais objetivos a promoccedilatildeo do desenvolvimento menos assimeacutetrico a

aceleraccedilatildeo do crescimento atraveacutes da integraccedilatildeo econocircmica e da criaccedilatildeo de condiccedilotildees para

que a ALALC fosse convertida em um mercado comum (GARAY 1979)

Esse interstiacutecio entre 1966 (Declaraccedilatildeo de Bogotaacute) e 1969 (Acordo de Cartagena) foi

um periacuteodo de formulaccedilatildeo e construccedilatildeo teoacuterica do processo de integraccedilatildeo os principais

arquitetos do Pacto Andino foram Carlos Lleras Restrepo (presidente da Colocircmbia 1966-

1970) Eduardo Frei Montalva (presidente do Chile 1964-1970) e Germaacutenico Salgado

(economista e poliacutetico equatoriano membro da Junta do Acordo de Cartagena) Esses atores

foram fundamentais para a teorizaccedilatildeo articulaccedilatildeo poliacutetica e a construccedilatildeo de uma ldquoconsciecircncia

integracionistardquo nos Andes Para Frei Montalva a Ameacuterica Latina passava por um periacuteodo de

forte ldquonacionalismo continental crescente e acentuadordquo no entanto ele tinha ldquoconsciecircncia de

que o esquema da ALALC natildeo estava desenhado para os paiacuteses medianos como Chile

Colocircmbia e Venezuela e nem para os pequenos Boliacutevia e Equadorrdquo (VIDAL 2013 p 76)

Para os paiacuteses andinos a ALALC natildeo satisfazia as suas necessidades motivando-os a

procurarem outras formas de atender os seus interesses econocircmicos e a partir de suas proacuteprias

iniciativas as naccedilotildees andinas desenharam um novo projeto de integraccedilatildeo com o propoacutesito de

estimular a ampliaccedilatildeo de seus mercados Em decorrecircncia desse projeto foi assinado o Acordo

de Cartagena em 1969 subescrito originalmente por Boliacutevia Colocircmbia Chile Equador e

Peru posteriormente em 1974 a Venezuela aderiu ao Pacto Andino (PRADO 1997 p 35)

O Pacto Andino impulsionou a economia trazendo benefiacutecios para os paiacuteses

signataacuterios18

No entanto o crescimento econocircmico da regiatildeo gradativamente foi perdendo a

sua forccedila O panorama que parecia favoraacutevel nos primeiros anos da deacutecada de 1970 em

relaccedilatildeo ao comeacutercio mundial foi afetado pela crise econocircmica que se alastrou pelo globo

atingindo direta e indiretamente os paiacuteses andinos no final da mesma deacutecada As crises

18

De acordo com Germaacutenico Salgado (1998 p 6) de 1971 a 1976 o Grupo Andino avanccedilou com o fim das

restriccedilotildees e dos encargos sobre o comeacutercio interno e com a adoccedilatildeo da tarifa externa miacutenima comum

repercutindo positivamente sobre o comeacutercio aumentando as exportaccedilotildees intrabloco de US$ 111 milhotildees em

1970 para US$ 613 milhotildees em 1976

41

subsequentes do petroacuteleo em 19731974 e em 19781979 fizeram com que paiacuteses petroliacuteferos

depositassem enormes quantias em bancos internacionais estes por sua vez viam nos

governos autoritaacuterios latino-americanos um negoacutecio altamente rentaacutevel e disponibilizaram

recursos a estes clientes com taxas de juros elevadas Deste modo os paiacuteses da Ameacuterica

Latina aumentaram significativamente a sua diacutevida externa sendo parte dos gastos destinados

a grandes obras de infraestrutura (MOREIRA et all 2010 p259)

O colapso econocircmico da deacutecada de 1970 refletiu-se numa gradual reduccedilatildeo de creacuteditos

e das ajudas financeiras por parte dos paiacuteses mais desenvolvidos para os menos

desenvolvidos tornando premente a necessidade de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da Ameacuterica

Latina A finalidade da integraccedilatildeo nesse contexto era conseguir um desenvolvimento mais

autocircnomo entre os paiacuteses que compartilhavam problemas comuns e a cooperaccedilatildeo poliacutetica e

econocircmica era um meio para se atingir esta meta Mas o processo de integraccedilatildeo passou por

um periacuteodo de difiacutecil sustentaccedilatildeo pois a crise econocircmica natildeo deixou alternativa para os

governos andinos a natildeo ser adotar medidas protecionistas que se chocaram frontalmente com

o Programa de Liberaccedilatildeo deixando-o em segundo plano

Cada naccedilatildeo que integrava o Pacto Andino tinha os seus interesses particulares O

processo de integraccedilatildeo foi mais vantajoso para uns do que para outros Apoacutes uma deacutecada o

Acordo de Cartagena natildeo conseguiu lograr os ecircxitos almejados incorrendo nos mesmos

problemas de distribuiccedilatildeo econocircmica da ALALC e da ausecircncia da sociedade civil na

participaccedilatildeo desse processo Esse e outros problemas como as questotildees de conjuntura

domeacutestica ligadas ao governo do General Pinochet fizeram com que o Chile deixasse o bloco

em 1976 Segundo Salgado (1998) o golpe militar de 1973 no Chile mudou por completo as

teses poliacuteticas do governo chileno e essa mudanccedila ficou evidenciada desde 1974 com o

fortalecimento do neoliberalismo no paiacutes

Aleacutem dos problemas econocircmicos regionais e poliacuteticos domeacutesticos havia uma

desconfianccedila entre os paiacuteses membros do Pacto Andino em relaccedilatildeo agraves disputas fronteiriccedilas

claacutessicas A Guerra do Paciacutefico que envolveu Boliacutevia Chile e Peru fez com que a Boliacutevia

perdesse a sua saiacuteda para o mar e desde o seacuteculo XIX permaneceu sem soluccedilatildeo A Boliacutevia natildeo

se conformou com a sua condiccedilatildeo mediterracircnea e procurou negociar com o Chile inuacutemeras

42

vezes O conflito fronteiriccedilo entre estes trecircs paiacuteses se arrasta sem soluccedilatildeo definitiva ateacute os dias

coevos19

Segundo Lucas Prado (1997) outro obstaacuteculo que ocorreu na primeira deacutecada de

funcionamento do Pacto Andino foi a crenccedila de que seria necessaacuterio apenas a implementaccedilatildeo

de uma tarifa externa comum na regiatildeo e equilibrar as economias nacionais sem considerar os

ajustes miacutenimos para harmonizar as poliacuteticas agraacuterias uma coordenaccedilatildeo maior dos

instrumentos tarifaacuterios como os sistemas de franquias direitos aduaneiros controles

administrativos entre outros seriam suficientes para erigir uma uniatildeo aduaneira entre os

paiacuteses andinos Sem os ajustes necessaacuterios a tarifa externa comum natildeo se tornaria uma

realidade efetiva incapaz de orientaccedilatildeo e alocaccedilatildeo dos recursos econocircmicos

O investimento estrangeiro contribuiu para os baixos resultados econocircmicos do Pacto

Andino No ano de 1971 entrou em vigor a Decisatildeo 2420

elaborada em dezembro de 1970 a

qual implementou um regime comum para os capitais estrangeiros no que concerne agraves

patentes licenccedilas marcas e royalties A Decisatildeo 24 pretendia fomentar o desenvolvimento da

induacutestria andina buscando converter paulatinamente as empresas estrangeiras em empresas

nacionais ou mistas e impedir que as induacutestrias transnacionais suplantassem as induacutestrias da

regiatildeo

O processo de integraccedilatildeo eacute por natureza supranacional o que implica produzir para

mercados que natildeo se restringem a um Estado-naccedilatildeo Todos querem obter lucros e benefiacutecios

inclusive as grandes empresas Todavia as medidas para proteger os mercados internos natildeo

foram bem recebidas pelos os empresaacuterios da regiatildeo ndash principalmente nos paiacuteses em que eles

tecircm uma forte presenccedila poliacutetico-econocircmica como satildeo os casos de Colocircmbia e Chile ndash que se

uniram aos empresaacuterios das transnacionais e se posicionaram contra estas medidas pois natildeo

aceitavam de bom grado que fossem criadas leis que contrariassem os seus interesses

(ROMERO 2008)

Segundo Luis E T Vidal (2013) apoacutes a saiacuteda do Chile os paiacuteses que permaneceram

no Grupo Andino assinaram em 30 de outubro de 1976 um Protocolo Adicional para

postergar em trecircs anos o prazo para vigorar o Programa de Liberaccedilatildeo e a tarifa externa

19

Para maiores informaccedilotildees sobre o conflito territorial entre Boliacutevia Chile e Peru bem como de outros conflitos

fronteiriccedilos na Ameacuterica Latina no seacuteculo XX consulte DOMIacuteNGUEZ Jorge (org) Conflictos territoriales y

democracia en Ameacuterica Latina Buenos Aires Siglo XXI Editores Argentina Flacso 2003 20

Nesse momento a Venezuela natildeo tinha firmado o Acordo de Cartagena mas a Boliacutevia jaacute fazia parte A

Colocircmbia demorou um pouco mais para implementaacute-la devido a problemas legais de ordem interna apenas em

1973 a Decisatildeo 24 foi aplicada plenamente por todos os paiacuteses membros (TIRONI 1977 p13)

43

comum conforme foi protocolado no Artigo 1ordm do referido documento As instituiccedilotildees

andinas comeccedilaram a ser criadas durante a deacutecada de 1970 com o desdobramento da

integraccedilatildeo foram se constituindo novas instituiccedilotildees que buscavam abarcar os niacuteveis

econocircmicos poliacuteticos e fiacutesicos21

Algumas destas instituiccedilotildees satildeo o Fundo Andino de

Reservas criado em 1976 o Tribunal de Justiccedila do Acordo de Cartagena o Parlamento

Andino22

e o Conselho Andino de Chanceleres Todos foram instituiacutedos em 1979 (CAN

1998)

b) Deacutecada de 1980 Estagnaccedilatildeo e Reformulaccedilatildeo do Grupo Andino

Na passagem da deacutecada de 1970 para 1980 ocorreu uma consolidaccedilatildeo institucional

com a criaccedilatildeo do Conselho Andino de Ministros de Assuntos Externos do Parlamento

Andino e da Tribuna Andina de Justiccedila (CAN 1998) Segundo Salgado (1998) no periacuteodo de

1976 a 1982 ocorreu uma dinamizaccedilatildeo maior do processo integracionista andino entretanto

no comeccedilo da deacutecada de 1980 este mesmo dinamismo se repetiu devido agraves consequecircncias da

crise da diacutevida externa que afetou as balanccedilas de pagamentos dos paiacuteses da regiatildeo andina e de

toda Ameacuterica Latina Segundo a Comunidade Andina (1998) os anos oitenta foram

infrutiacuteferos para o desenvolvimento pleno da integraccedilatildeo devido agrave estagnaccedilatildeo e o retrocesso

que ocorreram na regiatildeo pois a ldquodeacutecada perdida do desenvolvimento latino-americano foi

tambeacutem a deacutecada perdida da integraccedilatildeo andinardquo (CAN 1988)

No iniacutecio dos anos de 1980 a Venezuela passou por uma crise que afetou as relaccedilotildees

econocircmicas bilaterais com a Colocircmbia nos anos de 1982 e 1983 A integraccedilatildeo andina natildeo

apresentava muitos avanccedilos no plano comercial e nos fluxos de capitais deixando as relaccedilotildees

econocircmicas binacionais volaacuteteis as inconstacircncias das conjunturas econocircmicas de cada paiacutes

influiacuteam diretamente nos seus vizinhos Aleacutem da crise das relaccedilotildees bilaterais entre Colocircmbia

e Venezuela ocorreu o golpe de estado na Boliacutevia em 17 de julho de 1980 promovido por

Garciacutea Mesa que resultou numa suspensatildeo temporaacuteria do paiacutes nas negociaccedilotildees do Grupo

Andino Tambeacutem no comeccedilo dessa deacutecada ocorreu o conflito fronteiriccedilo entre Equador e

21

A primeira reuniatildeo sobre integraccedilatildeo fiacutesica aconteceu entre os dias 9 e 14 de dezembro de 1995 onde foi

aprovada a Decisatildeo 94 para criaccedilatildeo do Sistema Troncal Andino de Carreteras esta iniciativa contemplava

apenas os transportes terrestres (CAN 1975) 22

Em 19 de setembro de 2013 os Ministros de Relaccedilotildees Exteriores de Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

acordaram dissolver o Parlamento Andino (oacutergatildeo consultivo e deliberativo que natildeo tinha decisotildees vinculantes)

as justificativas apresentadas giraram entorno de duas questotildees a primeira eacute o alto custo para mantecirc-lo o

presidente colombiano Juan Manuel Santos declarou que o seu paiacutes gasta cerca de $35 milhotildees anuais para

manter o parlamento funcionando A segunda questatildeo estaacute relacionada ao avanccedilo do processo de integraccedilatildeo da

Unasul pois natildeo haveria necessidade de manter o Parlamento Andino tendo em vista a futura criaccedilatildeo de um

parlamento sul-americano (EL ESPECTADOR 2013)

44

Peru deflagrado em janeiro de 1981 na encosta leste da Cordilheira do Condor Por essas

razotildees entre outras as exportaccedilotildees intragrupo perderam dinamismo em 1980 e 1981 o que

levou a sua queda no ano subsequente

Conforme analisa Salgado (1998 p8) esses fatos foram um ldquopreluacutediordquo para o que

viria acontecer em 1983 com a eclosatildeo e proliferaccedilatildeo da crise da diacutevida externa iniciada com

as crises dos anos de 1970 dando lugar a uma tendecircncia negativa As exportaccedilotildees intrabloco

em 1983 caiacuteram cerca de 363 em relaccedilatildeo ao ano de 1982 e sofreram uma queda ainda

maior se compararmos com as taxas de 1986 cerca de 445 em relaccedilatildeo agrave 1982 Segundo

Salgado (1998) este iacutendice foi o mais baixo registrado em toda deacutecada de 1980 Entre 1982 e

1986 foi um periacuteodo de estagnaccedilatildeo em decorrecircncia da crise da diacutevida externa que afetou os

preccedilos de importaccedilatildeo e exportaccedilatildeo Os paiacuteses andinos para conter os efeitos da crise

empregaram medidas para reduzir as importaccedilotildees e o consumo per capita o que levou agrave

desvalorizaccedilatildeo das moedas Todos os processos de integraccedilatildeo na Ameacuterica em curso nesse

contexto sofreram os seus efeitos negativos sobre as balanccedilas de pagamentos23

O autor frisa

que se comparado com os paiacuteses centro-americanos o Grupo Andino foi o menos atingido

pela crise mas isto natildeo significou que a crise natildeo tenha sido grave pois o bloco permaneceu

paralisado ateacute 1987 ano em que foi subescrito o Protocolo de Quito

O Acordo de Cartagena foi substituiacutedo em 1987 pelo Protocolo de Quito que entrou

em vigor no ano seguinte dando um novo impulso para a consolidaccedilatildeo do Grupo Andino e do

fortalecimento de suas bases poliacuteticas que se seguiram no mesmo ano com a Declaraccedilatildeo de

Caracas o Manifesto de Cartagena e as reuniotildees presidenciais de Galaacutepagos em 1989 e

depois com as reuniotildees de La Paz e Machu Pichu (Primeira reuniatildeo do conselho presidencial

andino) em 1990 e Caracas em 1991 O Protocolo de Quito procurava fazer uma ldquoabordagem

realistardquo24

sobre o que poderia ser feito nesse momento para alavancar o processo de

integraccedilatildeo segundo a Comunidade Andina ldquoesse realismo se traduziu na flexibilizaccedilatildeo das

novas disposiccedilotildees e na ampliaccedilatildeo do espectro de opccedilotildees de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeordquo (CAN

23

Para um estudo mais aprofundado da crise da diacutevida externa nos paiacuteses andinos e de seus efeitos econocircmicos

poliacuteticos e sociais consulte SOLIMANO Andreacutes (Ed) Political crises social Conflict and economic

development the political economy of the Andean Region Cheltenham-UKNorthampton-USA Edward Elgar

Publishing 2005 24

O ldquorealismordquo o qual se refere o Protocolo de Quito pode ser traduzido como ldquopragmatismordquo ou seja paiacuteses

do Grupo Andino natildeo deveriam se guiar por uma ideologia deveriam procurar flexibilizar assuas poliacuteticas

externa bem como o projeto de integraccedilatildeo andina para se adaptarem agrave ldquorealidaderdquo da conjuntura internacional

Portanto o ldquorealismordquo andino natildeo tem relaccedilatildeo alguma com as teorias realistas ou neorrealistas das relaccedilotildees

internacionais

45

1998 p 19) Aqui pode-se observar uma mudanccedila no discurso integracionista Essa

ldquoabordagem realistardquo equivale a dizer que o Grupo Andino iria se ajustar agraves exigecircncias e

transformaccedilotildees do cenaacuterio internacional ou seja a integraccedilatildeo andina ficaria agrave mercecirc das

relaccedilotildees internacionais o crescimento das economias nacionais e da regiatildeo poderia ser

alcanccedilado com a inserccedilatildeo internacional dos paiacuteses andinos deixando em segundo plano o

ideaacuterio nacionalista de desenvolvimentismo industrial voltado para interior do proacuteprio Estado

Inicialmente tratava-se de adaptar o Grupo Andino agraves novas tendecircncias mundiais de

modernizaccedilatildeo e internacionalizaccedilatildeo das economias vias pelas quais a Ameacuterica Latina natildeo

poderia se eximir Essa adesatildeo agraves mudanccedilas macroeconocircmicas demonstrava o interesse dos

paiacuteses andinos em continuar promovendo a integraccedilatildeo a despeito da corrosatildeo econocircmica e

juriacutedica ocorridas no curso do processo de integraccedilatildeo

As reuniotildees entre os presidentes da regiatildeo que ocorreram em Galaacutepagos em 1989

foram importantes para a elaboraccedilatildeo de uma estrateacutegia renovada para revigorar a integraccedilatildeo

andina e orientar sua constituiccedilatildeo na deacutecada seguinte Segundo Alfredo Fuentes Fernaacutendez

(2008) o contexto era caracterizado pela deterioraccedilatildeo dos termos de trocas esgotamento das

fontes de financiamento protecionismo dos paiacuteses industrializados e adequaccedilatildeo das poliacuteticas

econocircmicas internas o que foi altamente dispendioso para as economias do arco andino A

estrateacutegia encontrada pelas naccedilotildees andinas para driblar estes fatores foi a criaccedilatildeo de um

mercado regional que contribuiu para a diversificaccedilatildeo de exportaccedilotildees de bens industriais e

tecnoloacutegicos e para que se configurasse uma plataforma de aprendizagem e competitividade

A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi um divisor de aacuteguas do processo de integraccedilatildeo O

desenvolvimento do bloco andino no decorrer dos anos 1980 (preacute-Galaacutepagos) foi

caracterizado principalmente pela estagnaccedilatildeo como resultado dos desdobramentos da crise

internacional dos anos 1970 e da crise da diacutevida externa A fase que sucedeu a Declaraccedilatildeo de

Galaacutepagos foi de transiccedilatildeo A construccedilatildeo de novas estrateacutegias para impulsionar ampliar e

aprofundar o processo de integraccedilatildeo nos anos 1990 ganhou forccedila a partir deste momento

c) Deacutecada de 1990 A Criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees e o Novo Desenho

Estrateacutegico de Integraccedilatildeo

Desde o final da deacutecada de 1980 a regiatildeo ingressou numa nova fase de integraccedilatildeo Os

anos de 1990 foram marcados pela renovaccedilatildeo do modelo integracionista do Pacto Andino em

decorrecircncia das modificaccedilotildees nas estrateacutegias de desenvolvimento para superar as crises do

baixo crescimento da diacutevida externa e da atrofia das economias da regiatildeo Entre as principais

46

mudanccedilas operadas no interior do bloco andino estava a aprovaccedilatildeo no ano de 1992 de uma

medida que tinha por meta a formaccedilatildeo de uma zona de livre comeacutercio que se efetivou com a

circulaccedilatildeo sem restriccedilatildeo e encargos sobre as mercadorias Outros temas natildeo necessariamente

novos foram incorporados agrave nova agenda de integraccedilatildeo andina tais como tarifa externa

comum investimento estrangeiro ajustamento das poliacuteticas econocircmicas propriedade

intelectual desenvolvimento da agropecuaacuteria integraccedilatildeo fiacutesica

No contexto internacional o ldquoConsenso de Washingtonrdquo seria determinante para as

reformas dos modelos econocircmicos dos paiacuteses latino-americanos que se seguiram a partir de

entatildeo e orientariam as mudanccedilas em mateacuteria econocircmica comercial e fiscal nos acircmbitos

nacional regional e internacional Aleacutem disso em 27 de junho de 1990 o governo

estadunidense de George H W Bush lanccedilou a ldquoIniciativa para as Ameacutericasrdquo cujo propoacutesito

era estabelecer novas regras comerciais para os paiacuteses do continente americano para criaccedilatildeo

de uma zona hemisfeacuterica de livre comeacutercio assim como mobilizar a construccedilatildeo de uma

ldquoidentidade hemisfeacutericardquo no continente americano

A Iniciativa para as Ameacutericas se insere dentro do projeto dos EUA de construccedilatildeo de

relaccedilotildees com os paiacuteses latino-americanos e caribenhos sobre bases que favoreccedilam os fatores

econocircmicos tais como o comeacutercio a diacutevida e o investimento sob a eacutegide da projeccedilatildeo

hegemocircnica dos Estados Unidos na regiatildeo a qual seria caracterizada pela economia e

comeacutercio em escala hemisfeacuterica

Em 28 de julho de 1990 foi realizada em Lima a Segunda Reuniatildeo do Conselho

Presidencial sob o comando do presidente Alberto Fujimori na qual o primeiro tema debatido

foi a Iniciativa Para as Ameacutericas Na reuniatildeo os mandataacuterios andinos demonstraram interesse

em aderir ao projeto hemisfeacuterico norte-americano e expressaram suas intenccedilotildees no

Documento da Reuniatildeo de Lima da seguinte forma

Na cidade de Santafeacute de Bogotaacute foi realizada em 7 de agosto de 1990 uma nova

reuniatildeo para analisar a iniciativa proposta por Bush e os paiacuteses signataacuterios do Pacto Andino

redigiram com bastante entusiasmo a Declaraccedilatildeo Andina sobre a Iniciativa para as Ameacutericas

na qual registraram o interesse em fazer parte dessa proposta e em se reunir com o governo de

Washington para discutir detalhadamente os termos do novo projeto hemisfeacuterico para as

relaccedilotildees econocircmicas e comerciais com os EUA

47

A ecircnfase dada pelos paiacuteses da regiatildeo andina ao comeacutercio proporcionou resultados

expressivos intrabloco em princiacutepios da deacutecada de 1990 o que propiciou o surgimento de uma

zona de livre comeacutercio inaugurada em 1992 entre os membros do bloco andino que no

entanto natildeo foi bem sucedida devido aos problemas ligados agraves dissonacircncias no que diz

respeito aos objetivos comerciais e aos problemas domeacutesticos dos paiacuteses A instituiccedilatildeo de

uma tarifa externa comum natildeo obteve os resultados esperados pois natildeo havia concordacircncia

quanto agrave sua estrutura Ateacute o comeccedilo do ano de 1993 soacute havia um acordo tarifaacuterio bilateral

entre Colocircmbia e Venezuela Os problemas internos do Peru fizeram com que o presidente

Alberto Fujimori deixasse de participar dos acordos de livre comeacutercio andino o que gerou um

mal estar com os paiacuteses da regiatildeo Em 31 de janeiro de 1993 entrou em pleno funcionamento

a zona de livre comeacutercio para quatro paiacuteses membros do bloco andino e em 11 de Abril de

1994 foram aprovadas as condiccedilotildees ndash dividindo-a em trecircs etapas e soacute terminaria em 30 de

junho de 1995 ndash pelas quais o Peru voltaria a participar plenamente da zona de livre comeacutercio

(CAN 1998)

Para sobrepujar esses problemas os Estados integrantes do Grupo Andino adotaram

uma nova tarifa externa comum em 1995 visando agrave consolidaccedilatildeo de uma uniatildeo aduaneira No

dia 5 de setembro do mesmo ano a VII Reuniatildeo do Conselho Presidencial aprovou um ldquoNovo

Desenho Estrateacutegicordquo da integraccedilatildeo andina adaptando-a para responder as ldquomudanccedilas e

dinacircmicas circunstanciais das atuais relaccedilotildees internacionaisrdquo (CAN 1998 p31)

De acordo com a CAN (1998) para os paiacuteses andinos alcanccedilarem os objetivos

traccedilados neste desenho estrateacutegico foram estabelecidas trecircs linhas de accedilatildeo A primeira eacute o

aperfeiccediloamento do espaccedilo econocircmico andino e a liberalizaccedilatildeo dos serviccedilos A segunda eacute o

aumento e melhoria da projeccedilatildeo externa do bloco a partir do modelo aberto de integraccedilatildeo

capaz de se adaptar ao contexto internacional e hemisfeacuterico cada vez mais interdependente

Esta segunda linha de accedilatildeo pretendia aprofundar a integraccedilatildeo com os paiacuteses de seu entorno

estrateacutegico como o Panamaacute o Mercosul25

e a Associaccedilatildeo dos Estados do Caribe (AEC) A

terceira eacute desenvolver uma agenda social mais ampla que vise o bem estar da populaccedilatildeo e

aumentar a participaccedilatildeo popular Nessa deacutecada a concepccedilatildeo integracionista nos Andes passou

por transformaccedilotildees e o processo de integraccedilatildeo se amplificou para penetrar em novos campos

como eacute o caso da agenda social e de seguranccedila

25

A Boliacutevia se tornou o primeiro paiacutes do Grupo Andino a se associar ao Mercosul em 1996 o Chile se tornou

membro associado no mesmo ano poreacutem natildeo pertencia mais ao bloco andino

48

No ano de 1996 a integraccedilatildeo andina passa por uma reestruturaccedilatildeo institucional

apresentando crescimento da necessidade de reformar o Acordo de Cartagena para ajustaacute-lo agraves

transformaccedilotildees recentes da conjuntura internacional O Conselho Presidencial aprovou em 10

de marccedilo do mesmo ano o Protocolo modificador do Acordo de Cartagena conhecido como

Protocolo de Trujillo que institui a criaccedilatildeo da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN)

A Comunidade Andina foi inspirada na Declaraccedilatildeo de Bogotaacute (1978) e surgiu como

resultado dos esforccedilos dos governos de Boliacutevia Colocircmbia Equador Peru e Venezuela para

tornar mais soacutelida a uniatildeo entre os paiacuteses e criar os alicerces para formaccedilatildeo de uma

comunidade sub-regional A CAN era constituiacuteda no iniacutecio pelos cinco Estados soberanos e

pelas instituiccedilotildees e organismos do Sistema Andino de Integraccedilatildeo (SAI) e suas caracteriacutesticas

iniciais eram de uma Uniatildeo Aduaneira e Econocircmica com o objetivo de limitar a penetraccedilatildeo

de capital estrangeiro A partir de primeiro de agosto de 1997 quando entrou em vigecircncia o

Protocolo de Trujillo a Comunidade Andina adotou uma gestatildeo pautada na hierarquia

governamental com a criaccedilatildeo da figura da Secretaria Geral da CAN que substituiu a Junta de

trecircs ministros O bloco comeccedilou a exercer suas funccedilotildees com uma Secretaria Geral sediada em

Lima aleacutem disso foi instituiacutedo o Conselho de Presidentes e de Ministros de Relaccedilotildees

Exteriores como oacutergatildeos de diretrizes poliacuteticas do bloco bem como o papel normativo de uma

Comissatildeo formada por Ministros de Comeacutercio e Setoriais (LOacutePEZ CONTRERAS

POLANCO 2010)

Segundo Andreacutes Malamud (2003) os sucessos recentes da CAN devem ser

creditados ao Conselho Presidencial Andino pois este ator institucional foi responsaacutevel por

impulsionar novamente o processo de integraccedilatildeo poacutes-1989 e a crise que abateu a sub-

regiatildeo coincidiu com os anos os quais natildeo ocorreu reuniatildeo do Conselho Presidencial

(1991-1994) As instituiccedilotildees e a lideranccedila satildeo peccedilas-chave na integraccedilatildeo mas no caso

andino os chefes do executivo desempenharam um papel fundamental para o processo de

integraccedilatildeo andino O que Malamud chamou de ldquopresidencialismo concentradorrdquo pode ter

sido um dos fatores propulsores da integraccedilatildeo sul-americana

De acordo com Cabral (2010 p 08) a CAN procurou criar instituiccedilotildees deliberativas e

decisoacuterias com uma crescente participaccedilatildeo da sociedade civil tendo em vista o modelo

europeu aleacutem disso os paiacuteses andinos do bloco tambeacutem buscaram aprofundar as relaccedilotildees

comerciais entre si estimulando ldquoo desenvolvimento econocircmico a competitividade a

integraccedilatildeo da infraestrutura e a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica externa comumrdquo procurando

49

tambeacutem incorporar outros elementos para agenda andina como ldquoa discussatildeo de medidas de

caraacuteter de inclusatildeo social a luta contra as drogas o fortalecimento da democracia defesa dos

direitos humanosrdquo e o meio ambiente Essa incorporaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais

tambeacutem incorreu na abertura da agenda de seguranccedila para novos temas objetivando

estabelecer a zona de paz na regiatildeo andina

A supranacionalidade fixada pelo acordo de integraccedilatildeo transfere determinadas

prerrogativas para os organismos comunitaacuterios Uma vez que as normas satildeo aprovadas

elas tecircm aplicaccedilatildeo imediata sobrepondo-se agraves normas internas dos paiacuteses pertencentes ao

bloco A supranacionalidade da CAN entra em rota de colisatildeo com a soberania nacional e

faz transparecer diversos entraves e desafios para as instituiccedilotildees andinas A combinaccedilatildeo

entre intergovernamentalismo e supranacionalidade26

ndash que tambeacutem eacute denominada de

ldquoinstitucionalismo intergovernamentalrdquo27

ndash como ocorre na Uniatildeo Europeia natildeo se

processa do mesmo modo na Comunidade Andina Segundo Andreacutes Serbin (2010) para

entendermos a natildeo efetividade da supranacionalidade nos blocos regionais da Ameacuterica do

Sul temos que compreender o processo da consolidaccedilatildeo das soberanias nacionais desde as

lutas pela independecircncia no seacuteculo XIX que ocorreram na regiatildeo

Como salientou Arroye-Quintero (2008) a supranacionalidade desmedida gerou

conflitos no momento de sua implementaccedilatildeo como eacute o caso do Tribunal Andino de

Justiccedila cujas sanccedilotildees tomadas em seu acircmbito se sobrepotildeem ao poder judiciaacuterio nacional O

choque entre soberania e o modelo supranacional da CAN se tornou um obstaacuteculo para

aprofundamento da integraccedilatildeo intrabloco para os proacuteprios Estados que o consolidou

Aleacutem disso conforme aponta Carlos A Romero (2008) a CAN estaacute passando por uma

crise institucional relacionada agrave desarmonia entre os modelos de desenvolvimento econocircmico

26

Herz e Hoffman aponta que ldquoApesar de as organizaccedilotildees de integraccedilatildeo regional serem criadas por governos de

Estados e nesse sentido poderem ser classificadas como intergovernamentais seu formato juriacutedico

institucional pode ser a supranacionalidade ou seja pode limitar o escopo da soberania dos Estados nas

atividades exercidas pela organizaccedilatildeordquo (HERZ HOFFMAN 2004 p 161) 27

Johannes Lindner e Berthold Rittberger assinalam que ldquoOutras teorias e abordagens que se propotildeem a

explicar a integraccedilatildeo europeacuteia sobretudo a partir do iniacutecio dos anos 90 abrem um novo debate dessa vez entre

o institucionalismo intergovernamental e o institucionalismo supranacional Ambas as vertentes enfatizam o

papel das instituiccedilotildees suas origens sua histoacuteria suas estruturas internas e sua dinacircmica para a compreensatildeo da

accedilatildeo humana Nesse contexto teoacuterico instituiccedilotildees satildeo regras e praacuteticas embebidas em estruturas de sentido e de

recursos Mudanccedilas na ordem poliacutetica envolvem natildeo apenas a reorganizaccedilatildeo e a realocaccedilatildeo de recursos mas

tambeacutem a reconceituaccedilatildeo e modificaccedilatildeo das expectativas preferecircncias aspiraccedilotildees mentalidades e identidades

Nesse movimento de transformaccedilatildeo lsquoinstituiccedilotildees importamrsquo independentemente do niacutevel em que estiverem

situadasrdquo (Lindner e Rittberger 2003 apud CAMARGO Sonia 2004 p 68-69) Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrscielophppid=S0102-85292004000100002ampscript=sci_arttextgt Acesso em 29 nov

2014

50

escolhidos pelos paiacuteses do bloco bem como as divergecircncias entre estes paiacuteses concernentes agrave

assinatura ou natildeo do Tratado de Livre Comeacutercio com os Estados Unidos e ldquopelos problemas

de seguranccedila derivados da tensatildeo geopoliacutetica entre Venezuela e a Colocircmbia a Colocircmbia e o

Equador e o Peru a Boliacutevia e o Chilerdquo (ROMERO 2008 p 57) Essas tensotildees geopoliacuteticas

foram agravadas quando se somaram aos conflitos territoriais interestatais tradicionais os

conflitos assimeacutetricos provocados pelo crime organizado transnacional mais especificamente

quando o traacutefico de drogas ganha o status de ameaccedila agrave seguranccedila e ao desenvolvimento dos

paiacuteses andinos como veremos no proacuteximo capiacutetulo

51

3 A INSERCcedilAtildeO DO TRAacuteFICO DE DROGAS NA AGENDA POLIacuteTICA E DE

SEGURANCcedilA DOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOcircES

31 A Emergecircncia das Organizaccedilotildees Criminosas Narcotraficantes Como Redes

Intersticiais

A construccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo de um concerto internacional de regimes de controle e

luta contra as drogas consideradas iliacutecitas foram resultados de um longo processo que natildeo se

restringe apenas aos ditames de Washington mas tambeacutem abrange inuacutemeras variaacuteveis

histoacutericas poliacuteticas ideoloacutegicas econocircmicas e sociais que se articulam e se imbricam

entrelaccedilando interesses que geraram o consenso sobre a ilegalidade de determinadas drogas

consideradas ldquoperigosasrdquo e ldquoameaccediladorasrdquo reputando a elas o caraacuteter de criminalidade e

mais tarde de ameaccedila agrave seguranccedila nacional e internacional O traacutefico de drogas se constituiu

como um dos problemas mais expressivos no cenaacuterio da histoacuteria hodierna da Ameacuterica Latina

e sobretudo da sua relaccedilatildeo com os EUA O crime organizado transnacional expandiu e se

ramificou de modo expressivo nas uacuteltimas deacutecadas natildeo soacute na Ameacuterica Latina mas tambeacutem

em outros continentes ultrapassando as fronteiras nacionais de seus paiacuteses de origem

colocando desafios natildeo apenas para a seguranccedila dos Estados mas tambeacutem para sua

investigaccedilatildeo acadecircmica sobretudo na aacuterea das relaccedilotildees internacionais

As poliacuteticas e medidas de combate agraves drogas transbordaram do acircmbito nacional para o

regional e do regional para o internacional assim como ocorreu simultaneamente o processo

inverso As redes iliacutecitas do traacutefico de drogas acompanharam este movimento ensejando

novas organizaccedilotildees articulaccedilotildees estrateacutegias e produtos que trouxeram muacuteltiplas implicaccedilotildees

para os Estados e sociedades contemporacircneas sobretudo nos diferentes niacuteveis do campo da

seguranccedila De acordo com Thiago Rodrigues (2003)

A proibiccedilatildeo e o narcotraacutefico conformam espaccedilos de luta que se desenvolvem em

diversos planos de modo fluiacutedo e variado Trata-se ainda assim de uma guerra que

se mostra como um conjunto de embates que envolvem Estados empresas

narcotraficantes grupos armados e forccedilas sociais Natildeo eacute um conflito tradicional mas

uma infinidade de batalhas (RODRIGUES 2003 p 13)

Para investigarmos este conjunto complexo de embates eacute preciso antes de tudo

compreender os sistemas de significaccedilatildeo para rastrear a emergecircncia dos atores e as suas

associaccedilotildees e relaccedilotildees que produzem e reproduzem as redes iliacutecitas do traacutefico de drogas

52

Primeiro eacute necessaacuterio compreender que sob o apanaacutegio ldquodrogasrdquo estatildeo amalgamadas

inuacutemeras substacircncias que pertencem a diferentes categorias que podem ser classificadas por

criteacuterios distintos ndash seja pela sua composiccedilatildeo quiacutemica ou pelos seus efeitos ndash e que cumprem

diferentes papeacuteis socioculturais Todavia o governo colocou sob o roacutetulo de narcoacuteticos todas

as substacircncias quiacutemicas psicoativas consideradas ilegais Portanto todas as atividades que

envolvem a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo da cocaiacutena (estimulante) da maconha

(alucinoacutegeno) e da heroiacutena (narcoacutetico) e de outras substacircncias estigmatizadas como iliacutecitas

foram classificadas como narcotraacutefico pelos EUA e pelos regimes internacionais sobre o

tema

Esta classificaccedilatildeo das diferentes drogas como narcoacuteticos28

segue criteacuterios poliacuteticos

para legitimar a famigerada ldquoguerra agraves drogasrdquo Deste modo o termo ldquonarcotraacuteficordquo ndash

inventado em 1981 pelo governo de Ronald Reagan ndash eacute produto do discurso e do imaginaacuterio

social estadunidense que nos induz a compreender um fenocircmeno complexo apenas em termos

de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de drogas iliacutecitas equivocadamente rotuladas de

ldquonarcoacuteticosrdquo destarte esta compreensatildeo natildeo engloba as drogas ldquosocialmente aceitasrdquo como

legais as fabricadas pelos conglomerados farmacecircuticos e todo o processo e atores que estatildeo

relacionados com o traacutefico de ldquodrogas iliacutecitasrdquo A terminologia ldquonarcotraacuteficordquo eacute uma categoria

homogecircnea que pertence a uma concepccedilatildeo uniacutessona aplicada para explicar fenocircmenos

heterogecircneos e plurais Portanto o termo ldquonarcotraacuteficordquo eacute adstrito ao discurso e produccedilatildeo

simboacutelica do imaginaacuterio coletivo norte-americano sobre as vaacuterias atividades e praacuteticas

relacionadas ao traacutefico de drogas iliacutecitas e ao seu mercado ilegal

Natildeo obstante apoacutes as devidas observaccedilotildees podemos compreender o narcotraacutefico

como um complexo industrial-mercadoloacutegico que compreende grupos e organizaccedilotildees

criminosas nacionais transnacionais ou internacionais que se articulam em redes complexas

para produzir distribuir comercializar e controlar as rotas e fluxos das drogas iliacutecitas

Todavia preferimos utilizar ldquotraacutefico de drogasrdquo enquanto instrumento conceitual ao inveacutes de

ldquonarcotraacuteficordquo pelas seguintes questotildees 1) o conceito de traacutefico de drogas abrange todas as

drogas consideradas iliacutecitas ndash alucinoacutegenas apaziguadoras estimulantes ndash e natildeo apenas as

narcoacuteticas (ESCOHOTADO 2002 RODRIGUEZ 2003) 2) o conceito natildeo se restringe

apenas agraves organizaccedilotildees e grupos criminosos procura abranger todos os niacuteveis e escalotildees do

28

Basicamente as substacircncias narcoacuteticas ldquotecircm propriedades analgeacutesicas e anesteacutesicas provocam sono e torpor e

podem criar haacutebito ou adiccedilatildeordquo (RODRIGUES 2003 p 19)

53

complexo industrial-mercadoloacutegico das drogas Existem atores que frequentemente natildeo

pertencem ao crime organizado e estatildeo envolvidos direta e indiretamente no processo por

exemplo o camponecircs que eacute aliciado por estas organizaccedilotildees para cultivar coca o policial

corrupto o agente de fiscalizaccedilatildeo da alfacircndega os militares que fazem operaccedilotildees de combate

agraves drogas entre outros

Para abarcar os inuacutemeros atores envolvidos no traacutefico de drogas Pierre Kopp (1997)

utiliza o conceito de ldquofilotildees do traacuteficordquo o qual estaacute divido em trecircs niacuteveis a produccedilatildeo o traacutefico

internacional e a distribuiccedilatildeo final Segundo o autor ldquoo filatildeo assemelha-se a um funil duplo a

montante e a jusante do qual se encontram centenas de milhares de agentes ocupados na

produccedilatildeo e na distribuiccedilatildeo enquanto no meio o traacutefico internacional se acha concentrado nas

matildeos de um nuacutemero restrito de agentesrdquo (KOPP 1997 p 92) Kopp com base nos estudos de

Michel Schiray enumera que dentro dos filotildees existem seis categorias de atores populaccedilotildees

de pequenos cultivadores (autocircnomos ou controlados por grupos criminosos) algumas

grandes organizaccedilotildees criminosas mais ou menos estruturadas multidotildees de pequenos

traficantes intermediaacuterios organizados em pequena escala e mais ou menos independente

inuacutemeros ofertadores especializados nos serviccedilos auxiliares agraves duas categorias anteriores uma

ampla gama de agentes puacuteblicos e privados corrompidos pelas trecircs categorias anteriores uma

imensidatildeo de revendedores finais autocircnomos ou controlados por organizaccedilotildees criminosas

O conceito de filotildees do traacutefico de Kopp abrange uma infinidade de agentes que estatildeo

envolvidos no traacutefico de drogas e este nuacutemero pode ser ainda maior se natildeo limitarmos o

traacutefico de drogas apenas aos trecircs niacuteveis descritos pelo autor como por exemplo se incluirmos

a lavagem de dinheiro e o proacuteprio consumo de drogas pois ambos fazem parte da dinacircmica do

traacutefico de drogas O conceito de traacutefico de drogas abrange agentes natildeo-estatais e estatais pois

as instituiccedilotildees estatais de combate agraves drogas tambeacutem fazem parte da sua dinacircmica O traacutefico

de drogas natildeo eacute algo externo agrave sociedade dos indiviacuteduos ao contraacuterio ele emerge nos

interstiacutecios do proacuteprio tecido social

Conforme Michael Mann (1991) a sociedade se organiza em relaccedilotildees sociais de poder

que podem conformar variedades de redes institucionalizadas de poder social envolvendo os

campos ideoloacutegico econocircmico militar e poliacutetico bem como relaccedilotildees intersticiais natildeo

institucionalizadas Entretanto natildeo satildeo todos os agentes que se submetem ao poder social

institucionalizado para estabelecer relaccedilotildees e realizar os seus objetivos Agrave margem dos canais

institucionalizados de poder acontece a ldquoemergecircncia intersticialrdquo de novos processos entre os

54

poros da interaccedilatildeo social das redes institucionalizadas Sendo assim os agentes sociais criam

formas alternativas de atingir os seus objetivos constituindo novas redes ou mesmo

subvertendo expandindo eou modificando as jaacute existentes configurando redes sociais de

poder que podem disputar com as redes institucionalizadas ou cooptaacute-las Por exemplo as

organizaccedilotildees criminosas de Medelliacuten e Cali nas deacutecadas de 1980-90 das FARC e do Sendero

Luminoso da deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais guardadas as suas especificidades emergiram

nos interstiacutecios da sociedade confrontando subvertendo eou cooptando redes

institucionalizadas de poder dos Estados colombiano e peruano para operarem

As redes criminosas emergem nos interstiacutecios da sociedade poreacutem natildeo atuam apenas

na margem mas no proacuteprio tecido da ordem poliacutetica juriacutedica e social para conseguir atingir

os seus objetivos ou seja auferir lucros e acumular riqueza O traacutefico de drogas eacute composto

por muacuteltiplos processos (produccedilatildeo processamento investimento comercializaccedilatildeo transporte

consumo lavagem de dinheiro entre outros) que compreendem inuacutemeros intervenientes

direta e indiretamente os quais configuram uma teia complexa e plural de relaccedilotildees e

associaccedilotildees (camponeses cultivadores produtores motoristas pilotos mulas sicaacuterios

financiadores traficantes de drogas armas e precursores quiacutemicos lavadores de dinheiro

forccedilas de seguranccedila poliacuteticos corruptos paramilitares guerrilheiros entre outros)

De acordo com Marcelo Fabiaacuten Sain (2003) o crime organizado se constitui como um

empreendimento de caraacuteter econocircmico e de poder Para o autor a criminalidade organizada se

conforma em uma empresa que

[] supotildee a colaboraccedilatildeo entre um conjunto de pessoas que compartilham e

perseguem determinados objetivos criminais e protagonizam uma seacuterie de crimes

graves por um periacuteodo de tempo prolongado e indefinido usando alguma forma de

disciplina e controle interno assim como tambeacutem uma metodologia operativa em

que combinam em diferente medida certas formas de violecircncia e intimidaccedilatildeo com

modalidades diferentes de exerciacutecios de influecircncia sobre a poliacutetica a imprensa a

administraccedilatildeo puacuteblica e as autoridades judiciais e econocircmicas tudo em busca de

obter lucro eou poder (SAIN 2003 p 196-197 traduccedilatildeo nossa)

Em um estudo pioneiro sobre o traacutefico de drogas Luis F Sarmiento e Ciro

Krauthausen (1991) identificaram que os grupos narcotraficantes colombianos funcionavam

como empresas que para obterem lucro natildeo restringiam as suas atividades apenas ao

mercado ilegal da cocaiacutena mas tambeacutem investiam em setores rentaacuteveis da economia legal De

acordo com os autores ldquosatildeo as expectativas de mercado e as leis econocircmicas bem como os

meacutetodos para escapar dos controles do governo que determinam a ordem e a dinacircmica do

mercado ilegal de cocaiacutenardquo (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 222 traduccedilatildeo nossa)

55

Sarmiento e Krauthausen ao pesquisarem o mercado ilegal das drogas

problematizaram o ldquoconceitordquo de ldquocartelrdquo como instrumento de anaacutelise e a sua aplicabilidade

para compreender os grupos narcotraficantes colombianos Segundo o economista Paulo

Sandroni (1999) ldquocartelrdquo pode ser compreendido como

Grupo de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuaccedilatildeo

coordenada com vistas a interesses comuns O tipo mais frequumlente de cartel eacute o de

empresas que produzem artigos semelhantes de forma a constituir um monopoacutelio de

mercado [] Os objetivos mais comuns dos carteacuteis satildeo 1) controle do niacutevel de

produccedilatildeo e das condiccedilotildees de venda 2) fixaccedilatildeo e controle de preccedilos 3) controle das

fontes de mateacuteria-prima (cartel de compradores) 4) fixaccedilatildeo de margens de lucros e

divisatildeo de territoacuterios de operaccedilatildeo As empresas que formam um cartel mantecircm sua

independecircncia e individualidade mas devem respeitar as regras aceitas pelo grupo

como a divisatildeo do mercado e a manutenccedilatildeo dos preccedilos combinados (SANDRONI

1999 p 84)

Os ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali natildeo fizeram acordos mercadoloacutegicos para equipararem

preccedilos ou qualquer outro pacto desta natureza Os dois grupos se reuniram em alguns

momentos especiacuteficos mas sem pretensotildees de formar um ldquocartelrdquo como foi o caso da

formaccedilatildeo do MAS (movimento Muerte a Secuestradores) que tinha o objetivo de criar um

grupo armado financiado pelos capos de Medelliacuten e Cali para conter os sequestros praticados

pelo M-19 contra os seus familiares No entanto dissolveram o grupo logo que cessaram os

sequestros

De acordo com os autores o conceito de ldquocartelrdquo eacute reducionista e natildeo compreende a

dinacircmica do traacutefico de drogas trata-se mais de uma invenccedilatildeo por parte das autoridades

estadunidenses para se referirem agraves organizaccedilotildees que atuavam de forma unitaacuteria no traacutefico de

cocaiacutena do que para explicar a operacionalidade destes grupos Para substituir a ideia de

ldquocartelrdquo Sarmiento e Krauthausen dividem as organizaccedilotildees narcotraficantes e suas atividades

em dois setores Oligopolista e Competitivo O primeiro eacute composto por um seleto grupo de

traficantes de cocaiacutena que transformam a pasta base em cocaiacutena para exportaccedilatildeo e ficam com

a fatia mais lucrativa enquanto o segundo abrange

[] os extremos da cadeia da cocaiacutena de um lado se encontram os cultivadores

camponeses em sua maioria independente e os pequenos coletores e comerciantes

de pasta base Do outro lado se encontram situados os pequenos distribuidores e

vendedores de rua de cocaiacutena (SARMIENTO KRAUTHAUSEN 1991 p 30

traduccedilatildeo nossa)

Aleacutem destas diferenccedilas entre os dois setores apontados pelos autores haacute outro que

demarca bem a diferenccedila entre eles a mobilizaccedilatildeo de recursos O setor do oligopoacutelio ao

contraacuterio do competitivo tem poucos rivais e concorrentes devido ao grande volume de

56

recursos29

que precisa mobilizar para se manter funcionando principalmente os recursos

econocircmicos ndash para investir no negoacutecio ilegal e sustentar a sua estrutura abastecer o mercado

da cocaiacutena e corromper e subornar as forccedilas de seguranccedila e os poderes judiciaacuterios e poliacuteticos

ndash e os recursos da violecircncia ndash para intimidar extorquir se defender de possiacuteveis grupos rivais

e das forccedilas de coerccedilatildeo estatal e expandir e controlar os seus negoacutecios ndash ou seja natildeo satildeo

todos que possuem estes recursos e os que vierem a possuiacute-los precisaratildeo de cada vez mais

recursos para continuar existindo Contudo o setor competitivo eacute marcado por grande

concorrecircncia e disputa entre inuacutemeros e diferentes atores menores que natildeo detecircm os recursos

financeiros e coercitivos para poder se conservar dentro do circuito produtivo e comercial do

mercado ilegal o que faz deste setor mais violento do que o primeiro (SARMIENTO

KRAUTHAUSEN 1991 RODRIGUES 2003)

A emergecircncia intersticial de organizaccedilotildees sociais natildeo institucionalizadas abre espaccedilos

tambeacutem para o surgimento de redes de traacutefico de drogas e para que organizaccedilotildees criminosas

transterritoriais se articulem constituindo uma ldquointegraccedilatildeo paralelardquo (OLIVEIRA 2006) De

acordo com Fernando Oliveira

A accedilatildeo transnacional das redes narcotraficantes e a cooperaccedilatildeo com outras

organizaccedilotildees criminosas colaboram para formar a chamada integraccedilatildeo paralela na

Amazocircnia Continental A integraccedilatildeo paralela eacute a situaccedilatildeo onde negoacutecios iliacutecitos

sustentam de forma consistente e duradoura a circulaccedilatildeo de bens pessoas e financcedilas

atraveacutes de fronteiras nacionais (OLIVEIRA 2006 p 1)

A integraccedilatildeo paralela andino-amazocircnica ocorre simultaneamente ao processo de

integraccedilatildeo institucional da CAN articulando organizaccedilotildees criminosas relacionadas com as

atividades iliacutecitas transnacionais e transcontinentais As drogas figuram entre as principais

destas atividades Nathan Moram (2008) ao analisar as atividades do traacutefico de drogas tratou

de diferentes conexotildees entre grupos narcotraficantes que satildeo processos de integraccedilatildeo paralela

transcontinental do traacutefico de drogas O autor descreve que os grupos de traacutefico de drogas da

Colocircmbia desenvolveram laccedilos com os mexicanos agrave medida que desenvolviam relaccedilotildees com a

maacutefia siciliana e outras organizaccedilotildees criminosas internacionais na Europa Eles tambeacutem

comeccedilaram a estabelecer contatos na Europa Oriental e na Comunidade de Estados

Independentes (CEI) posteriormente na Aacutefrica30

e mais recentemente na Aacutesia sobretudo com

os chineses Ocasionalmente fazem trocas de cocaiacutena por heroiacutena aleacutem de fazerem acordos

29

Thiago Rodrigues (2003) a partir de Sarmiento e Krauthausen sintetiza em quatro os principais recursos

necessaacuterios para sobrevivecircncia de uma empresa do mercado ilegal das drogas a) recursos financeiros b)

recursos coercitivos c) recurso a serviccedilos fundamentais e d) recursos para evitar a repressatildeo 30

Conferir os Mapas 3 e 4 da seccedilatildeo anexos

57

com teacutecnicos e especialistas asiaacuteticos em agricultura para estudar a viabilidade do cultivo de

papoula nas montanhas andinas Conforme o autor o oacutepio heroiacutena cocaiacutena e metanfetamina

satildeo as principais drogas comercializadas no mercado iliacutecito internacional e cada uma delas

implica o envolvimento de diferentes atores

Na Colocircmbia por exemplo existem inuacutemeros atores envolvidos com o traacutefico de

drogas Depois do desmantelamento dos ldquocarteacuteisrdquo de Medelliacuten e Cali na primeira metade dos

anos 1990 emergiram inuacutemeros novos atores com a fragmentaccedilatildeo da induacutestria ilegal das

drogas Em meados dos anos 1990 as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da Colocircmbia ndash

Exeacutercito do Povo (FARC-EP ou FARC) ndash iniciaram as suas atividades no traacutefico de drogas

para suprir a perda de recursos financeiros apoacutes o colapso sovieacutetico e conseguir recursos

econocircmicos para financiar as suas atividades Anteriormente elas atuavam na proteccedilatildeo dos

cultivos de coca e depois passaram a controlar estas plantaccedilotildees aleacutem de controlarem parte das

rotas de traacutefico em Narintildeo Putumayo e Puerto Tumaco com as Frentes 16 e 48 O Exeacutercito

de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) eacute uma das guerrilhas mais antigas da Colocircmbia ao lado das

FARC e soacute comeccedilou a se articular com as redes do traacutefico de drogas no comeccedilo dos anos

2000 tendo aliado-se com Los Rastrojos no governo de Uribe As Autodefensas Unidas de

Colombia (AUC)31

foram criadas em 1996 e o seu nascimento coincidiu com a dissoluccedilatildeo dos

oligopoacutelios da cocaiacutena o que possibilitou que a organizaccedilatildeo ficasse com parte da produccedilatildeo de

drogas As AUC chegaram a contar com cerca de 30000 integrantes e a sua principal fonte

provedora eacute o traacutefico de drogas Entre os anos de 2003 e 2006 durante o mandato do

presidente Aacutelvaro Uribe comeccedilaram os diaacutelogos de acordo para desmobilizaccedilatildeo dos blocos

paramilitares da AUC Contudo natildeo foram todos os blocos que se desmobilizaram dando

origem agraves Bandas Criminales Emergentes (BACRIM) que se fragmentou numa infinidade de

grupos criminosos Los Rastrojos Los Urabentildeos Las Aacuteguilas Negras Los Machos Los

Paisas Exeacutercito Revolucionaacuterio Popular Anticomunista da Colocircmbia (ERPAC) Oficina de

Envigado (formado por ex-sicarios de Pablo Escobar tendo ganhado forccedila com a

desmobilizaccedilatildeo) entre inuacutemeros outros

Traacutefico de Drogas ldquonova ameaccedilardquo agrave seguranccedila

31

As AUC nasceram da Federaccedilatildeo de Grupos de Autodefesas que foi criada pelas Autodefesas Camponesas de

Coacuterdoba e Urabaacute (ACCU) estes grupos pertencem agrave segunda geraccedilatildeo de paramilitares que nasceram com os

PEPES (Perseguidos por Pablo Escobar) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpesinsightcrimeorgnoticias-sobre-

crimen-organizado-en-colombiaauc-perfilgt Acesso em 11 mar 2015

58

No novo contexto mundial dos anos 1990 analistas de seguranccedila e poliacuteticos ocidentais

colocaram em primeiro plano variados temas e problemas que passaram a representar

ldquoameaccedilasrdquo aos Estados contemporacircneos e agrave medida que tais questotildees ultrapassavam as

fronteiras territoriais e aumentavam de escala eram percebidas como ldquoameaccedilasrdquo agrave

estabilidade regional e internacional foram inseridas na insiacutegnia de ldquonovas ameaccedilasrdquo De

acordo com Ernesto Loacutepez (2003) muitas das chamadas ldquonovas ameaccedilasrdquo natildeo eram novas em

sua ldquonatureza intriacutensecardquo mas foram apresentadas como ldquonovidaderdquo a partir de uma mudanccedila

no contexto internacional Eram problemas que jaacute existiam no passado e natildeo eram tidos como

ameaccedila aos Estados e que foram considerados como tal no presente

As ldquonovas ameaccedilasrdquo estariam em oposiccedilatildeo agraves ldquoameaccedilas tradicionaisrdquo que emanam dos

Estados Desta forma todo o tema que for considerado ameaccedilador e natildeo tiver um Estado

como origem passa a ser definido como uma ldquoameaccedila natildeo tradicionalrdquo e portanto satildeo

consideradas pertencentes a quatro setores da seguranccedila seguranccedila poliacutetica ndash o terrorismo e

conflitos eacutetnicos ndash econocircmica ndash traacutefico de drogas e crime organizado transnacional ndash societal

ndash pobreza e os fluxos de refugiados irregulares ndash e ambiental ndash cataacutestrofes naturais O

conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo ao contraacuterio do que sustenta ainda permanece estadocecircntrico

ou seja ainda estaacute associado agrave soberania pois eacute a ela que as ldquoameaccedilas emergentesrdquo ameaccedilam

em uacuteltima instacircncia

Na Ameacuterica Latina segundo Mathias (2007) podemos destacar sete temas principais

que estatildeo sob o roacutetulo de ldquonovas ameaccedilasrdquo traacutefico de drogas traacutefico de armas degradaccedilatildeo do

meio-ambiente migraccedilotildees internacionais direitos humanos crime organizado e terrorismo

Estes temas agora incorporados nas agendas de seguranccedila colocaram novas problemaacuteticas

sobre como os Estados os percebem e como devem ser tratados

De acordo com Heacutector Luis Saint-Pierre ldquoa ameaccedila eacute essencialmente diferente do que

ela manifesta natildeo eacute ela que provoca o temor mas quem o anunciardquo (SAINT-PIERRE 2003

p 25 grifos do autor) A ameaccedila eacute relacional ela surge na relaccedilatildeo do ameaccedilado com o

ameaccedilador e se constitui sempre na e para uma percepccedilatildeo portanto ldquoa ameaccedila eacute uma

representaccedilatildeo um sinal uma certa disposiccedilatildeo gesto ou manifestaccedilatildeo percebida como

anuacutencio de uma situaccedilatildeo natildeo desejada ou de risco para a existecircncia de quem perceberdquo

(SAINT-PIERRE 2003 p 26 grifos do autor) Ao seguirmos os passos de Saint-Pierre

podemos considerar que as ldquonovas ameaccedilasrdquo em si mesmas natildeo se constituem como um

perigo pois o perigo estaacute fora de noacutes e a ameaccedila ao contraacuterio se constitui em noacutes ela existe

59

no sujeito ameaccedilado que pertence a uma dada sociedade e estaacute inserido em um determinado

tempo e espaccedilo As percepccedilotildees de ameaccedilas natildeo estatildeo mais presas agraves disputas e confrontos

interestatais tradicionais foram redirecionadas para fatores transnacionais cujos agentes natildeo

estatais tecircm proeminecircncia O conceito de ldquonovas ameaccedilasrdquo daacute margem para obscurecer a

distinccedilatildeo entre seguranccedila puacuteblica e seguranccedila internacional entre os papeacuteis da poliacutecia e das

forccedilas armadas

Com efeito foram implementadas estrateacutegias para combater controlar ou mitigar as

ldquonovas ameaccedilasrdquo que incidiram sobre os Estados do mundo todo do mesmo modo que

impulsionaram a emergecircncia de novos atores e dinacircmicas internacionais com variadas

implicaccedilotildees obrigando o uso de todos os meios por parte do Estado para defrontaacute-los O

traacutefico de drogas eacute um exemplo disto Loacutepez salienta que ldquonatildeo eacute incomum que o roacutetulo de

lsquonovas ameaccedilasrsquo seja utilizado com fins espuacuterios Natildeo satildeo poucos os que procuram com seu

auxiacutelio militarizar funccedilotildees de seguranccedila natildeo militares (ou natildeo militarizaacuteveis)rdquo (LOacutePEZ

2003 p 62) Neste sentido sobre o traacutefico de drogas Mathias adverte que ldquoa insistecircncia da

metroacutepole em tratar o tema como ameaccedila que exige tratamento militar e a aceitaccedilatildeo desta

definiccedilatildeo por parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina representa a subordinaccedilatildeo estrateacutegica destes

agravequelardquo (MATHIAS 2007 p88)

Desde a Guerra Fria os EUA exercem uma destacada influecircncia sobre o pensamento

estrateacutegico na regiatildeo andina No decurso do conflito bipolar tudo aquilo que era percebido

como ldquoameaccedilardquo por este paiacutes consequentemente acabou por ser percebido como ldquoameaccedilardquo

para o resto do continente americano quando na realidade o grau de ameaccedila para cada paiacutes

tinha um peso diferente como foi o caso do comunismo Este processo ocorreu de modo

semelhante no contexto poacutes-Guerra Fria Quando o pensamento estrateacutegico identificou ldquonovas

ameaccedilasrdquo ou ldquoameaccedilas emergentesrdquo os paiacuteses da regiatildeo andina imediatamente assimilaram o

discurso norte-americano sem a ponderaccedilatildeo necessaacuteria para avaliar o peso de tais ameaccedilas e

os problemas que daiacute poderiam advir O exemplo mais notaacutevel eacute a ldquoguerra agraves drogasrdquo O

ldquonarcotraacuteficordquo convertido em ldquoameaccedilardquo agrave seguranccedila foi utilizado como justificaccedilatildeo para

intervir unilateralmente nas poliacuteticas domeacutesticas dos paiacuteses andinos subordinando-as agrave loacutegica

hemisfeacuterica dentro da concepccedilatildeo de ldquomultidimensionalidaderdquo da seguranccedila a qual tambeacutem eacute

um instrumento de subordinaccedilatildeo estrateacutegica

60

32 A Construccedilatildeo Histoacuterica do Traacutefico de Drogas como Problema de Seguranccedila nos

Andes

A intensificaccedilatildeo do proibicionismo e da luta antidrogas em escola global

A Convenccedilatildeo Uacutenica sobre Entorpecentes assinada em 30 de marccedilo de 1961 em Nova

York32

contribuiu de modo significativo para revigorar a internacionalizaccedilatildeo do controle

sobre as drogas33

Essa convenccedilatildeo revogou todos os tradados acordos e convenccedilotildees

multilaterais anteriores para a criaccedilatildeo de uma convenccedilatildeo que unificasse estes dispositivos por

meio de um instrumento cujo objetivo principal era restringir a produccedilatildeo distribuiccedilatildeo posse

uso e comeacutercio de drogas entorpecentes unicamente para fins meacutedicos e cientiacuteficos aleacutem de

estabelecer uma cooperaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo internacional permanente para a sua consecuccedilatildeo

(UNITED NATIONS 1972) A prerrogativa legal de fiscalizaccedilatildeo internacional de

entorpecentes ficou sob a responsabilidade da ONU ndash conforme o Artigo 5 da convenccedilatildeo ndash

que contaria com o apoio de todos os paiacuteses membros Os oacutergatildeos internacionais de controle

criados anteriormente foram diluiacutedos e em seus lugares ficaram apenas dois organismo das

Naccedilotildees Unidas responsaacuteveis pela fiscalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo o Escritoacuterio das Naccedilotildees Unidas

sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime ndash UNODC) e a Junta

Internacional de Fiscalizaccedilatildeo de Entorpecentes (JIFE)

Segundo Bellen Boville (2004) a unificaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo de ordenamentos legais

e estrateacutegias de controle de drogas com efeito universalizaram uma sucessatildeo de

incongruecircncias ldquocientiacuteficas semacircnticas farmacoloacutegicas e legaisrdquo que geraram uma confusatildeo

generalizada de terminologias e conceitos no que concerne agraves drogas naturais e sinteacuteticas

bem como questotildees subjetivas acerca de haacutebitos e viacutecios de drogas Essas listas taxionocircmicas

demonstraram ser imprecisas ao definir os conceitos de ldquodroga narcoacutetico entorpecentes

psicotroacutepicos e viacuteciordquo mas natildeo eram desprovidas de sentido poliacutetico e econocircmico

A emergecircncia do discurso proibicionista de combate ao traacutefico de drogas iliacutecitas se

apresenta como um novo pretexto para conservar a subalternidade da Ameacuterica Latina e de

32

O protocolo modificador da Convenccedilatildeo cujo objetivo era ampliaacute-la e aperfeiccediloaacute-la foi assinado em Genebra

em 25 de marccedilo de 1972 33

O primeiro pais andino a promulgar leis especiais sobre drogas em resposta agraves propostas da Convenccedilatildeo Uacutenica

foi o Equador em 1970 com a instituiccedilatildeo da lei nordm 366 de Controle e Fiscalizaccedilatildeo do Traacutefico de

Estupefacientes e Substacircncias Psicotroacutepicas o Peru foi o segundo paiacutes andino em 1972 com a promulgaccedilatildeo

da lei nordm 19505 a Boliacutevia veio em seguida com o decreto nordm 11245 a Lei Nacional de Controle de

Substacircncias Perigosas depois veio a Colocircmbia com a aprovaccedilatildeo da Lei Sobre Entorpecentes no ano de 1974

(DEL OLMO 1990 p 44)

61

outros paiacuteses subdesenvolvidos do hemisfeacuterio sul e submetecirc-los agrave loacutegica poliacutetica econocircmica e

militar das grandes potecircncias mundiais principalmente dos Estados Unidos A Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes pretendeu criar um controle rigoroso sobre as drogas de origem

natural e a mateacuteria prima de vaacuterias outras drogas consideradas iliacutecitas o que incluiu a folha de

coca A pressatildeo para inclusatildeo da folha de coca na lista de restriccedilotildees ganhou forccedila apoacutes as

investigaccedilotildees da CND - Commission on Narcotic Drugs - na Boliacutevia e no Peru sobre a folha

de coca e a sua mastigaccedilatildeo bem como estudos sobre a limitaccedilatildeo da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de

cocaiacutena

No que tange agrave erradicaccedilatildeo da coca o item 2 do Artigo 26 da convenccedilatildeo prevecirc ldquoNa

medida do possiacutevel as Partes seratildeo obrigadas a arrancar as raiacutezes de todos os arbustos de coca

que crescem em estado silvestre e destruiratildeo os cultivados ilicitamenterdquo (UNITED

NATIONS 1972 p 14 traduccedilatildeo nossa) A letra ldquoerdquo do item 2 do Artigo 49 determina que ldquoa

mastigaccedilatildeo da folha de coca ficaraacute proibida dentro dos 25 anos seguintes a partir da entrada

em vigor da presente convenccedilatildeordquo (UNITED NATIONS 1972 p 24 traduccedilatildeo nossa) Para

Boville (2004)

Previsivelmente esses objetivos seriamente prejudicados a mentalidade

etnocecircntrica do tempo e a metodologia natildeo-cientiacutefica resultaram em um Relatoacuterio

que requeria a obliteraccedilatildeo completa das colheitas de folha de coca ateacute mesmo para o

consumidor tradicional que natildeo estava produzindo cocaiacutena As conclusotildees do estudo

foram adotadas pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) Suas decisotildees de 1952

e 1953 bem como as do Comitecirc de Peritos em Dependecircncia de Drogas foram

contra a folha de coca porque era lsquoviciantersquo Pouco tempo depois a Convenccedilatildeo

Uacutenica sobre Entorpecentes (1961) destacou a folha de coca tradicional como um

produto a ser erradicado dentro de 25 anos comeccedilando em 1964 Este eacute um

paradoxo pois a mesma Convenccedilatildeo abriu uma exceccedilatildeo para usos industriais de coca

sem cocaiacutena como o condimento na Coca-Cola atribuindo assim o uso legal e um

monopoacutelio mundial da folha de coca para a empresa multinacional dos Estados

Unidos atraveacutes do artigo 27 (BOVILLE 2004 p28 traduccedilatildeo nossa)

A proibiccedilatildeo da coca e sua erradicaccedilatildeo fizeram emergir a divergecircncia entre os Estados

Unidos e os paiacuteses andinos especialmente Boliacutevia e Peru O informe elaborado pela

Comissatildeo de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

(ECOSOC) concluiu que a mastigaccedilatildeo de coca provocava efeitos negativos mas natildeo tinham

certeza de que poderia ser considerada uma toxicomania no entanto o Comitecirc de

Especialistas em Farmacodependecircncia da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) ldquoretirou este

argumento e classificou o consumo de coca como uma forma de cocainismordquo

(TRANSNATIONAL INSTITUTE 2011 traduccedilatildeo nossa) O informe da ECOSOC sofreu

criacuteticas severas sobre a sua arbitrariedade falhas na metodologia e imprecisatildeo mas

principalmente pelo seu caraacuteter racista O etnocentrismo ocidentalista conforme destacado

62

anteriormente por Belen Boville natildeo reconhecia os costumes e haacutebitos de culturas e

sociedades tradicionais dos Andes

A proibiccedilatildeo da mastigaccedilatildeo e cultivo da folha de coca fez com que Boliacutevia e Peru

rejeitassem os artigos que previam estas sanccedilotildees O primeiro paiacutes34

natildeo assinou de imediato a

convenccedilatildeo de 1961 e o segundo assinou no mesmo ano com ressalva aos artigos sobre a coca

mas soacute ratificou em 22 de julho de 1964 quando o governo peruano retirou a restriccedilatildeo

aderindo completamente agrave convenccedilatildeo (UNITED NATIONS 1961 UNITED NATIONS

1972) O governo boliviano de Victor Paz Estenssoro (1960-1964) inicialmente natildeo fez

comentaacuterios adicionais sobre os artigos os quais estabeleciam a erradicaccedilatildeo dos cultivos e

consumos de coca em vinte e cinco anos pois acreditava que o acullico35

era um ldquoatraso

culturalrdquo e com avanccedilo da modernizaccedilatildeo seria extinto Apesar de natildeo haver aderido agrave referida

convenccedilatildeo o presidente Entenssoro assinou com os EUA o Primeiro Convecircnio Antidrogas

entre os dois paiacuteses ldquopelo qual a Boliacutevia se comprometia a erradicar os cultivos excedentes de

folha de coca assentados tanto na regiatildeo dos Yungas de La Paz como na regiatildeo do Chapare

Tropical em Cochabambardquo (ZAMORA 1999 p 121) A Boliacutevia terminou o seu processo de

adesatildeo agrave Convenccedilatildeo Uacutenica a qual tipificava a folha de coca como droga iliacutecita em 13 de

junho de 1979 com a assinatura do Decreto Lei 16562 no governo do presidente Gen David

Padilla sob pressatildeo internacional que exigia normas nacionais mais riacutegidas contra as drogas

(LASERNA 2011)

Os anos 1960 representavam o comeccedilo de uma escalada do consumo de drogas e o

traacutefico emerge como empresa transgressora da lei Nos EUA em meados desta deacutecada ateacute os

anos de 1990 o consumo de drogas como heroiacutena cocaiacutena maconha LSD e crack se

massificou (DEL OLMO 1990) Segundo Thiago Rodrigues (2003) as substacircncias

psicoativas mais usadas nos anos 1960 eram a mescalina o LSD e a maconha esta uacuteltima

considerada droga-siacutembolo do movimento de transformaccedilatildeo cultural que ficou conhecido

como contracultura (dentro desta nomenclatura eram agrupados movimentos como o power

flower e o hippie) A disseminaccedilatildeo do uso de drogas na sociedade estadunidense era vista com

perplexidade aleacutem da sua extensatildeo o consumo natildeo era exclusivo dos guetos urbanos e nem

dos negros e ldquolatinosrdquo dos pobres e delinquentes mas tambeacutem eram consumidores jovens

34

A Boliacutevia assinou a Convenccedilatildeo sobre Substacircncias Psicotroacutepicas de Viena em 1971 e a ratificou em 20 de

marccedilo de 1985 (UNITED NATIONS 1971) 35

A palavra acullico (tambeacutem conhecida como acuyico acusi pjcheo ou mascada) deriva da liacutengua queacutechua

akullikui que significa a accedilatildeo de mascar a bola feita de folha de coca com intuito de reduzir os efeitos

provocados pela falta de oxigecircnio em grandes altitudes e tambeacutem atenuar a sede e a fome

63

brancos das camadas meacutedias da sociedade norte-americana Este periacuteodo marcado pela

ldquocontestaccedilatildeo dos padrotildees moraisrdquo impulsionada pela contracultura levou a uma reformulaccedilatildeo

das leis de drogas e do instrumento repressivo estatal no paiacutes36

(RODRIGUES 2003 p 40)

As pressotildees poliacuteticas sobre o problema das drogas ainda estavam atreladas agrave moral

meacutedico-religiosa representada pela luta entre o ldquobemrdquo e o ldquomalrdquo entre ldquosauacutederdquo e ldquodoenccedilardquo

Esta ldquodemonizaccedilatildeordquo das substacircncias psicoativas se arrasta desde o iniacutecio do movimento

proibicionista na primeira metade do seacuteculo XX O discurso juriacutedico sobre drogas que

ganhou forccedila nos anos de 1950 com a Lei Boggs e a Lei de Controle de Narcoacuteticos37

colaboraram para a construccedilatildeo de estereoacutetipos criminoloacutegicos racistas principalmente em

relaccedilatildeo ao pequeno traficante o revendedor de rua que seria identificado ldquodelinquenterdquo e

ldquocorruptorrdquo da juventude de ldquoboa famiacuteliardquo esta por sua vez seria tratada como ldquodoenterdquo e

viacutetima

[] Este indiviacuteduo geralmente provinha dos guetos razatildeo pela qual era faacutecil

qualificaacute-lo de lsquodelinquentersquo O consumidor em troca como era de condiccedilatildeo social

distinta seria qualificado de lsquodoentersquo graccedilas agrave difusatildeo do estereoacutetipo da

dependecircncia de acordo com o discurso meacutedico que apresentava o jaacute bem

consolidado modelo meacutedico-sanitaacuterio

Deste modo pode-se afirmar que na deacutecada de sessenta se observa um duplo

discurso sobre a droga que pode ser chamado de discurso meacutedico-juriacutedico por

tratar-se de um hiacutebrido dos modelos predominantes (o modelo meacutedico-sanitaacuterio e o

modelo eacutetico-juriacutedico) o qual serviria para estabelecer a ideologia da diferenciaccedilatildeo

tatildeo necessaacuteria para poder distinguir entre consumidor e traficante Quer dizer

entre doente e delinquente (DEL OLMO 1990 p 34 grifos da autora)

As campanhas de ldquolei e ordemrdquo foram ressaltadas no final da deacutecada de 1960 agraves

veacutesperas das eleiccedilotildees presidenciais quando diversas accedilotildees antidrogas foram empreendidas

como a criaccedilatildeo de novos escritoacuterios governamentais de controle de entorpecentes sendo o de

maior destaque o Bureau of Narcotics and Dangerous Drug (BNDD) que fazia parte do

36

De acordo com Thiago Rodrigues (2003) ldquoA eacutepoca das reformas no aparato repressivo estatal comeccedilou com a

criaccedilatildeo do Bureau of Drug Abuse Control (Escritoacuterio para Controle do Abuso de Drogas) em 1966 e que dois

anos depois foi fundido ao antigo FBN (Federal Bureau of Narctics) criando o Bureau of Narcotics and

Dangerous Drug (BNDD) ndash Escritoacuterio sobre Narcoacuteticos e Drogas Perigosas A agecircncia que chegou a contar

com cerca de 1300 funcionaacuterios representou um aumento na centralizaccedilatildeo das iniciativas de aplicaccedilatildeo das leis

antidrogas nos EUA e a permanecircncia da praacutetica de se construir alvo do proibicionismo por meio da aglutinaccedilatildeo

um tanto arbitraacuteria das substacircncias psicoativas ilegais em classificaccedilotildees geneacutericas e pouco precisas como

atesta o tendencioso nome atribuiacutedo ao escritoacuteriordquo (RODRIGUES 2003 p 40-41) 37

Nos EUA durante a deacutecada de 1950 foram aprovadas duas leis que imprimiram maior rigidez agrave luta

antidrogas em 1951 o Boggs Act e em 1956 o Narcotics Control Act Ambas aumentaram as sanccedilotildees para

traficantes que variavam de cinco a noventa e nove anos e pena de morte para traficantes que vendessem

entorpecentes para menores de idade A maconha passou a ser considerada tatildeo perigosa quanto a heroiacutena pois

a primeira seria porta de entrada para a segunda Os redatores e defensores da Lei Boggs defenderam a tese do

ldquostepping-stonerdquo ou seja uma droga mais fraca seria um degrau ou um trampolim para uma droga mais pesada

(SCHAFFER LIBRARY OF DRUG POLICY [20--])

64

Departamento de justiccedila A busca irrefreaacutevel para impor a todo custo a ldquolei e a ordemrdquo

corroborou para a construccedilatildeo do estereoacutetipo criminoloacutegico do traficante e a criminalizaccedilatildeo

das drogas Com a eleiccedilatildeo do presidente Richard M Nixon (1969-1974) as drogas se

transformariam em inimigo interno momento este em que ocorre a transiccedilatildeo do discurso

meacutedico-juriacutedico38

para o discurso securitaacuterio

O limiar da famigerada War on Drugs (guerra agraves drogas) aconteceu nas eleiccedilotildees dos

presidenciaacuteveis norte-americanos em 1968 quando a campanha de Nixon acentuou a

necessidade de restaurar a ldquolaw and orderrdquo nos EUA que incluiacutea a repressatildeo aos narcoacuteticos

A retoacuterica antidroga de Richard Nixon ficou marcada em um discurso proferido no mesmo

ano em Anaheim Califoacuternia o qual abordou de forma comovente e inexoraacutevel as drogas

ilegais como ldquouma maldiccedilatildeo moderna da juventude americanardquo e prometeu ldquotomar medidas

executivas necessaacuterias para tornar as nossas fronteiras mais seguras contra a pestilecircncia dos

narcoacuteticosrdquo (CARPENTER 2003 p 11 traduccedilatildeo nossa)

O combate agraves drogas na Ameacuterica Latina ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo

Nixon No mesmo ano de sua posse foi colocado em curso a Operation Intercept em 21 de

setembro de 1969 que consistia numa accedilatildeo de vigilacircncia ao longo da fronteira entre EUA e

Meacutexico com objetivo de impedir entrada de ldquodrogas perigosasrdquo (principalmente a heroiacutena e a

maconha esta uacuteltima com maior ecircnfase) em territoacuterios norte-americanos aleacutem disso foi uma

forma encontrada pelo governo estadunidense para pressionar o presidente mexicano Gustavo

Diaz Ordaz a realizar operaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ndash principalmente no que tange agrave monitoraccedilatildeo

de campos de maconha e papoula em territoacuterios mexicanos realizada por agentes

estadunidenses ndash e a aderir agrave poliacutetica de luta contra as drogas dos EUA Com a Operation

Intercept a administraccedilatildeo norte-americana acreditava que reduziria o volume de narcoacuteticos

contrabandeados para os EUA conforme afirmaram o secretaacuterio do tesouro David M

Kennedy e o procurador-geral John N Mitchell ndash ambos faziam parte do comando da Forccedila-

Tarefa presidencial contra as drogas ndash a supressatildeo do fluxo de maconha advinda do Meacutexico

que representaria segundo eles oitenta por cento da maconha fumada nos EUA conseguiria

reduzir expressivamente o uso desta substacircncia (BRECHER et al 1972)

Todavia a crenccedila oficial na vitoacuteria contra as drogas caiu por terra A interceptaccedilatildeo dos

fluxos de maconha e sua erradicaccedilatildeo no Meacutexico ocasionaram uma escassez temporaacuteria desta

38

O discurso meacutedico-juriacutedico influenciou inuacutemeras legislaccedilotildees nacionais nesse contexto na Colocircmbia por

exemplo foi sancionado o decreto 1136 em 1970 ldquopelo qual se dispotildee como medida de proteccedilatildeo social lsquoa

reclusatildeo cliacutenica da pessoa que perturbe a paz puacuteblica quando se achar em estado de intoxicaccedilatildeorsquordquo (DEL

OLMO 1990 p 37)

65

substacircncia o que levou agrave procura da maconha vietnamita que era altamente potente Grandes

quantidades foram transportadas por militares norte-americanos que retornavam da guerra do

Vietnatilde e o nuacutemero de plantaccedilotildees clandestinas de cannabis apresentou crescimento Outro

efeito adverso dessa operaccedilatildeo foi a importaccedilatildeo em larga escala de haxixe advindo do norte da

Aacutefrica e do Oriente Meacutedio Aleacutem disso conforme salienta Del Olmo

Esta operaccedilatildeo sem duacutevida resultou num fracasso natildeo soacute porque abriu caminho para

a produccedilatildeo de maconha na Jamaica e posteriormente na Colocircmbia mas tambeacutem

porque levou milhares de dependentes dentro dos Estados Unidos a consumirem

outras drogas em especial a heroiacutena criando assim a chamada lsquoepidemia da

heroiacutenarsquo no final da deacutecada e sobretudo no iniacutecio dos anos setenta (DEL OLMO

1990 p 36)

Mesmo com o fracasso da Operation Intercept nos anos de 1970 o presidente

Richard Nixon fortificou a sua campanha de combate agraves drogas No comeccedilo da deacutecada o

congresso estadunidense aprovou o Drug Abuse Prevention and Control Act o qual aleacutem de

indicar o tratamento e a medicalizaccedilatildeo do usuaacuterio transladou para a esfera domeacutestica as

resoluccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 cuja seccedilatildeo segunda estabelecia o poder de regulaccedilatildeo

do comeacutercio interestadual ao Congresso e aplicava uma hierarquizaccedilatildeo das drogas conforme a

sua periculosidade nos mesmos moldes das Naccedilotildees Unidas

Dessa maneira tal seccedilatildeo conhecida como Controlled Substances Act (CSA)

hierarquizava as drogas segundo seu potencial para promoccedilatildeo de dependecircncia fiacutesica

e psiacutequica entendendo que sendo lsquoevidente que o uso (dessas substacircncias) cria o

prejuiacutezo agrave sauacutede ou agrave seguranccedila da comunidade (era preciso impedir) a proliferaccedilatildeo

dos canais de venda de drogas bem como o consumo de drogas sem conselho

meacutedicorsquo (RODRIGUES 2004 pp 78-79)

A intensificaccedilatildeo do regime internacional proibicionista acompanhou pari passu o

enrijecimento das poliacuteticas de drogas estadunidenses na deacutecada de 1970 O Convecircnio sobre

Substacircncias Psicotroacutepicas depois de muitas divergecircncias39

foi assinado em Viena em 21 de

fevereiro de 1971 e entrou em vigecircncia em 16 de Agosto de 1976 O objetivo perseguido por

este convecircnio era o controle e prevenccedilatildeo do uso abusivo de substacircncias psicotroacutepicas o

traacutefico iliacutecito e a circunscriccedilatildeo destas substacircncias unicamente para fins medicinais e

cientiacuteficos conforme as determinaccedilotildees da Convenccedilatildeo Uacutenica de 1961 Este convecircnio assinado

multilateralmente foi uma resposta agrave diversificaccedilatildeo e expansatildeo principalmente das drogas

39

A Conferecircncia de Viena foi marcada pela divisatildeo entre a coalizatildeo dos paiacuteses que defendiam o ldquostrict controlrdquo

(os paiacuteses escandinavos e o bloco sovieacutetico) e o ldquogrupo de irreconciliaacuteveisrdquo (Alemanha Ocidental Suiccedila

Holanda Beacutelgica Aacuteustria e Dinamarca) Os Estados Unidos nesse momento procurava uma posiccedilatildeo

intermediaacuteria para conseguir garantir o equiliacutebrio entre os interesses econocircmicos sociais juriacutedicos

administrativos e cientiacuteficos (MCALLISTER 2000) Segundo Antonio Escohotado (2008) esse convecircnio eacute

chamado de ldquoacordo farmacraacutetico Leste-Oesterdquo uma vez que muitos paiacuteses do bloco sovieacutetico tambeacutem

possuiacuteam grande nuacutemero de induacutestrias farmacecircuticas Repuacuteblica Democraacutetica da Alemanha Hungria Uniatildeo

Sovieacutetica esta uacuteltima contava com uma ampla cadeia produtiva que contava com a colaboraccedilatildeo da Polocircnia

Tchecoslovaacutequia e Hungria

66

sinteacuteticas o qual recomendou que a comissatildeo de entorpecentes da ECOSOC e a JIFE

exercessem as funccedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e controle dos psicotroacutepicos A Organizaccedilatildeo Mundial

da Sauacutede (OMS) de acordo com as avaliaccedilotildees meacutedicas e cientiacuteficas ficou encarregada de

indexar as substacircncias a serem proibidas nas listas de classificaccedilatildeo das drogas da ONU O

convecircnio foi uma reaccedilatildeo ao crescimento do consumo recreativo de drogas sinteacuteticas40

sobretudo nos EUA e na Europa Ocidental prevendo normas para autorizaccedilatildeo de licenccedilas de

produccedilatildeo regulaccedilotildees para prescriccedilotildees meacutedicas e para o comeacutercio internacional de

psicotroacutepicos bem como meios de estreitar a cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e as organizaccedilotildees

internacionais para coordenar a luta contra o traacutefico iliacutecito de substacircncias psicotroacutepicas

(UNITED NATIONS 1971)

Em julho de 1971 apoacutes os relatos de abuso de drogas realizado por soldados do

exeacutercito norte-americano o presidente Nixon enviou ao Congresso a Special Message to the

Congress o n Drug Abuse Prevention and Control na qual reconhecia os esforccedilos e fazia

criacuteticas agraves limitaccedilotildees das poliacuteticas e leis antidrogas existentes nos EUA pois para Nixon era

necessaacuterio ldquoaumentar nossos esforccedilos para apertar ainda mais o laccedilo ao redor do pescoccedilo dos

traficantes de drogasrdquo e assim propor ldquomedidas adicionais para atacar o lado da lsquoofertarsquo da

equaccedilatildeo de drogas ndash para deter o traacutefico de drogas atacando os produtores ilegais de drogas o

cultivo dessas plantas a partir das quais as drogas satildeo derivadas e o traacutefico destas drogas para

aleacutem das nossas fronteirasrdquo (NIXON 1971 traduccedilatildeo nossa) Com o direcionamento do foco

do combate agraves drogas para o ldquolado da ofertardquo ou seja os ldquopaiacuteses produtoresrdquo o documento

apresentava as primeiras metaacuteforas beacutelicas para tratar as questotildees das drogas tais como

ldquotravar uma guerra eficaz contra o viacutecio em heroiacutenardquo e ldquonoacutes lutaremos juntos na guerrardquo

contra os ldquonarcoacuteticosrdquo e as ldquodrogas perigosasrdquo O belicismo metafoacuterico natildeo se restringiu ao

documento numa conferecircncia de imprensa um dia apoacutes a mensagem dirigida ao Congresso

40

As induacutestrias farmacecircuticas que fabricavam psicotroacutepicos principalmente alematildes e japonesas ofereciam

inuacutemeros argumentos anticontrole para contrapor as restriccedilotildees impostas por este Convecircnio sobre os seus

produtos alegavam que essas substacircncias natildeo possuiacuteam propriedades para criar ldquoviacuteciordquo porque eram

produzidas com recursos modernos e cientiacuteficos e com base na Convenccedilatildeo Uacutenica afirmavam que o tratado

coibia sobretudo o comeacutercio de opiaacuteceos de produtos derivados da coca e da maconha bem como

substacircncias as quais produziam efeitos semelhantes ao dessas drogas Portanto os seus produtos natildeo podiam

ser regulados por nenhum dos acordos multilaterais existentes uma vez que eles produziam efeitos sem

qualquer semelhanccedila com narcoacuteticos Entretanto em meados da deacutecada de 1960 tais afirmaccedilotildees foram

refutadas Pesquisas realizadas com psicotroacutepicos apontaram que essas substacircncias causam um viacutecio que

diferia pouco daqueles produzidos por narcoacuteticos (por exemplo a cocaiacutena e o cacircnhamo ambos estavam

enquadrados desde a Convenccedilatildeo Uacutenica como drogas narcoacuteticas) a OMS publicou um estudo que indicava que

certos tipos de anfetamina apresentavam algumas caracteriacutesticas similares as encontradas na cocaiacutena bem

como existiam produtos psicotroacutepicos alucinoacutegenos que causavam efeitos anaacutelogos aos provocados pela

cannabis No final da deacutecada de 1960 surgiram pressotildees para restringir as drogas psicotroacutepicas e muitos

governos principalmente dos paiacuteses escandinavos e os do bloco sovieacutetico comeccedilaram a instituir medidas

nacionais para controlar o seu acesso (MCALLISTER 2000 pp 226-228)

67

Richard Nixon declarou que o abuso de droga era o ldquoinimigo puacuteblico nuacutemero umrdquo dos EUA e

em 1972 o presidente ldquoveio a puacuteblico anunciar que lsquoas drogasrsquo eram uma ameaccedila agrave sociedade

estadunidense e que para combatecirc-las era necessaacuterio declarar uma lsquoguerra agraves drogasrsquo (lsquowar

on drugsrsquo)rdquo (RODRIGUES 2012 p 16)

A partir de entatildeo o endurecimento das leis antidrogas era uma das formas mais

repressivas para a reduccedilatildeo da criminalidade que era associada ao uso e traacutefico de drogas De

acordo com Del Olmo (1990) as primeiras medidas dos EUA no acircmbito domeacutestico estavam

relacionadas ao discurso juriacutedico e implementavam um conjunto de leis proibicionistas o

Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act o Controlled Substances Act o

Racketeer Influenced and Corrupt Organization Statute e o Continuing Criminal Enterprise

Statute O traacutefico de drogas passou a ser considerado o uacutenico crime de niacutevel federal de modo

que essas leis permitiram maior regulaccedilatildeo interna do comeacutercio de drogas No ano de 1973 foi

criado o escritoacuterio federal para questotildees das drogas Drug Enforcement Agency cujo nome foi

alterado para Drug Enforcement Administration (DEA) o qual foi resultado da proposta de

unificaccedilatildeo e centralizaccedilatildeo das forccedilas federais em um uacutenico oacutergatildeo ligado ao Departamento de

Justiccedila dessa forma passaria a ser o centro de comando autocircnomo e com poder de poliacutecia

responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e execuccedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e perquisiccedilatildeo referentes ao

combate agraves drogas iliacutecitas bem como fazer cumprir as leis e regulamentos antidrogas e

reduzir nacional e internacionalmente a disponibilidade de substacircncias iliacutecitas Sendo assim a

DEA se tornou o principal instrumento de intervenccedilotildees contra o traacutefico de drogas iliacutecitas fora

dos limites das fronteiras norte-americanas (DEL OLMO 1990 ARBEX 1993

RODRIGUES 2004)

Desde a sua fundaccedilatildeo a DEA passou por um processo de incremento contiacutenuo de seu

quadro de funcionaacuterios especializados e de ampliaccedilatildeo de sua receita contribuindo dessa

forma para a expansatildeo de suas atividades no exterior

No decorrer das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo passado a DEA ampliou

significativamente a sua aacuterea de atuaccedilatildeo internacional No ano de 2002 ela estava presente em

vinte quatro paiacuteses com cerca de trinta e oito escritoacuterios Atualmente o oacutergatildeo antidroga conta

com oitenta e seis escritoacuterios em sessenta e sete paiacuteses41

No ano de 1996 o Congresso

41

A Boliacutevia cessou as atividades da DEA em novembro de 2008 quando Evo Morales acusou os funcionaacuterios da

agecircncia norte-americana de espionagem e financiamento de grupos de oposiccedilatildeo

68

destinou cerca de US$ 60 milhotildees de doacutelares para expansatildeo das investigaccedilotildees da DEA e no

ano de 2004 foram destinados US$ 104 milhotildees (DEA [20--] YOUNGERS ROSIN 2005a)

Poucos anos depois da sua fundaccedilatildeo a DEA estava fortemente presente na Ameacuterica

Latina para efetuar investigaccedilotildees e colaborar com seus pares locais objetivando deter

traficantes e impedir a chegada de mercadorias iliacutecitas nos EUA A presenccedila desse oacutergatildeo

estadunidense em paiacuteses latino-americanos nos anos 1970 consoante com autoritarismo

militar no continente levou a inuacutemeras denuacutencias de envolvimento de seus agentes em

detenccedilotildees participaccedilatildeo em interrogatoacuterios e ateacute mesmo em torturas a traficantes Tais

denuacutencias fizeram com que o Congresso norte-americano aprovasse a emenda Mansfield em

1976 proibindo os ldquoagentes da DEA de participarem de detenccedilotildees praticarem a vigilacircncia

eletrocircnica ou estarem presentes durante operaccedilotildees policiais no estrangeiro a menos que

tenham sido autorizados pelo embaixadorrdquo (NEILD 2005 pp 101-102 traduccedilatildeo nossa)

Em 9 de agosto 1974 Richard Nixon renunciou ao cargo de presidente apoacutes ser

acusado de envolvimento no Caso Watergate Os dois sucessores de Nixon Gerald Ford

(1974-1977) e Jimmy Carter (1977-1981) natildeo foram tatildeo impetuosos na cruzada contra as

drogas como fora seu antecessor Conforme observa Carpenter (2003 p16) o presidente Ford

natildeo seguiu agrave risca a poliacutetica antidrogas de Nixon O secretaacuterio antidrogas da Casa Branca

Robert DuPont defendeu abertamente a descriminalizaccedilatildeo da maconha e o proacuteprio Ford

procurou distinguir os traficantes de ldquodrogas pesadasrdquo daqueles que traficavam maconha Em

1976 Gerald Ford enviou ao Congresso uma lei que impunha penas de prisatildeo obrigatoacuteria para

condenados por traacutefico de ldquodrogas pesadasrdquo ndash ldquoalguns dos criminosos mais crueacuteis do mundordquo

ndash acreditava ele que o endurecimento das penas poderia ganhar a guerra contra as drogas

(FORD 1976) O presidente Ford tambeacutem se reuniu com governos do Meacutexico Turquia e

Colocircmbia para garantir a cooperaccedilatildeo internacional entre estes paiacuteses no combate agraves drogas42

Del Olmo (1990) identifica que a partir de 1976 a preocupaccedilatildeo com a cocaiacutena e o

temor de uma nova ldquoepidemiardquo comeccedilava a ganhar relevo dentro dos EUA A difusatildeo da

cocaiacutena nesse periacuteodo estava relacionada ao estereoacutetipo cultural da eacutepoca Esta droga antes

condenada passou a ser associada ao sucesso Tornou-se um ldquosiacutembolo de ecircxitordquo

42

Em 1976 como resultado de esforccedilos do governo Ford para cooperaccedilatildeo internacional contra as drogas o

secretaacuterio de Estado Henry Kissinger firmou um acordo de cooperaccedilatildeo antidrogas com o presidente boliviano

Gal Hugo Banzer intitulado Declaracioacuten Conjunta Sobre Cooperacioacuten Contra el Traacutefico de Cocaiacutena

69

[] todos os que estavam em evidecircncia a consumiam Ao mesmo tempo surgia

maciccedilamente a induacutestria da lsquoparafernaacuteliarsquo da cocaiacutena anunciando nos diversos

meios de comunicaccedilatildeo tipos de coleirinhas cigarros balanccedilas etc para facilitar seu

consumo (como havia ocorrido dez anos antes com a maconha) Tudo isto contribuiu

para aumentar a demanda a qual por sua vez estimulou a produccedilatildeo e a organizaccedilatildeo

do mercado (DEL OLMO 1990 p 48)

O consumo de cocaiacutena se tornou popular na eacutepoca fazendo com que o seu mercado se

ampliasse nos EUA Ela comeccedilou a substituir as anfetaminas e o seu comeacutercio no varejo era

basicamente feito por pessoas que distribuiacuteam pequenas quantidades entre conhecidos

Boville (2004) sustenta que os liacutederes da poliacutetica de drogas estadunidenses agiram com

lentidatildeo para responder agrave disseminaccedilatildeo da cocaiacutena com os olhares direcionados para as

chamadas ldquodrogas de protestordquo ndash maconha e LSD ndash natildeo se atentaram agrave entrada de toneladas

de cocaiacutena no paiacutes via Cuba A autora lembra que o crescente consumo de cocaiacutena estava

intrinsecamente ligado agraves mudanccedilas ocorridas na sociedade norte-americana permitindo que

valores atrelados agrave ldquofebre do trabalhordquo tais como a valorizaccedilatildeo da ldquocompetitividade

velocidade e produtividaderdquo sobrepusessem a ldquosolidariedade tradiccedilatildeo e famiacuteliardquo Desse

modo corroborou para criar condiccedilotildees favoraacuteveis para o crescimento do mercado da cocaiacutena

A induacutestria da cocaiacutena cresceu nesse contexto na regiatildeo andina cuja comercializaccedilatildeo nos

EUA era formada por uma extensa rede envolvendo colombianos grupos de cubanos

exilados e norte-americanos que contavam com ldquoexcelentes contatos do governo com as

forccedilas armadas e autoridades de vaacuterios paiacuteses latino-americanosrdquo fazendo com que

organizassem um ldquoanel de contrabando de cocaiacutenardquo com sede em Miami (BOVILLE 2004 p

49 traduccedilatildeo nossa)

Carpenter destaca que o governo Jimmy Carter deu menos ecircnfase agrave questatildeo das drogas

do que Ford e foi considerado por seus proacuteprios funcionaacuterios como um presidente sem

compromisso na luta contra as drogas Durante a sua administraccedilatildeo ocorreram polecircmicas

sobre funcionaacuterios da Casa Branca que usavam maconha e cocaiacutena Um pouco antes de esses

casos virem agrave tona Carter tinha pronunciado diante do Congresso que as ldquosanccedilotildees contra a

posse de uma droga natildeo deve ser mais prejudicial a um indiviacuteduo do que o uso da droga em

sirdquo No entanto as sutis mudanccedilas na retoacuterica escamoteavam os alicerces da poliacutetica de drogas

estabelecidas no governo Nixon (CARPENTER 2003 p 16)

No ano de 1977 a Secretaria Geral das Naccedilotildees Unidas convocou os seus membros a

participarem da Conferecircncia Internacional sobre o Abuso de Drogas e Traacutefico Iliacutecito cujo

objetivo era reexaminar o documento The Comprehensive Multidisciplinary Outline of Future

Activities in Drug Abuse Control trata-se de um repertoacuterio de recomendaccedilotildees dirigidas aos

70

governos e agraves diferentes organizaccedilotildees que prescreve medidas praacuteticas para reprimir o traacutefico

de drogas e impedir o abuso de drogas Seria mais um manual com sugestotildees de medidas

posto unilateralmente para suprimir o traacutefico de drogas nas instacircncias nacionais regionais e

internacionais em vez de um instrumento juriacutedico de cunho multilateral

ldquoGuerras agraves drogasrdquo e a emergecircncia do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila

A chegada de Ronald Reagan agrave presidecircncia dos EUA apoiado por grupos

fundamentalistas e (neo)conservadores eacute marcada por uma inflexatildeo abrupta natildeo apenas na

poliacutetica de drogas mas em toda poliacutetica externa norte-americana o que a tornou conhecida

como Doutrina Reagan Para Walter LaFeber (1994) a Doutrina Reagan era um arcabouccedilo de

concepccedilotildees que balizavam a poliacutetica externa e a diplomacia militar estadunidense no contexto

da Guerra Fria e estava alicerccedilado em quatro pilares centrais ldquoa extensatildeo dos poderes

presidenciais de Reagan o anticomunismo a diferenciaccedilatildeo entre Autoritarismo e

Totalitarismo e a militarizaccedilatildeo da poliacutetica e economiardquo (LAFEBER 1994 apud SILVA 2013

p2) Sobre esse ponto de inflexatildeo na poliacutetica contra as drogas estadunidense a qual se

encontrava sob a eacutegide da poliacutetica externa desse paiacutes Del Olmo (2002) aponta que

Nessa linha dura a transformaccedilatildeo mais importante do lsquobem juriacutedicorsquo frente agrave drogas

se evidencia no comeccedilo da deacutecada de 80 quando a administraccedilatildeo Reagan considera

o fenocircmeno das drogas em termos de seguranccedila nacional o que legitimaria a

declaraccedilatildeo de lsquoguerra agraves drogasrsquo e a percepccedilatildeo do traacutefico como inimigo econocircmico e

da guerrilha eou terrorismo como inimigo poliacutetico e a difusatildeo atraveacutes dos meios de

massas do discurso beacutelico na referecircncia ao tema Ao mesmo tempo seriam

estabelecidas duas especificidades a droga prioritaacuteria seria a cocaiacutena qualificada

como ameaccedila e o principal campo de batalha dessa lsquoguerrarsquo seria a regiatildeo andina

[] com a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas nacionais e eventualmente o Pentaacutegono

[] (DEL OLMO 2002 p 66)

A Doutrina Reagan Antidrogas teve seu iniacutecio em outubro de 1982 quando o

presidente em seu programa semanal de raacutedio anunciou a campanha contra todas as drogas

sejam elas ldquolevesrdquo ou ldquopesadasrdquo O republicano ao explicar a sua campanha contra as drogas

proferiu em seu discurso metaacuteforas militares como ldquoguerrardquo ldquobatalhardquo e ldquorendiccedilatildeordquo No final

de seu discurso prometeu que venceria a guerra agraves drogas (NUNN 2002) Kenneth B Nunn

(2002) ressalta que a administraccedilatildeo Reagan se valeu de campanhas de relaccedilotildees puacuteblicas para

projetar e incutir ideias com intuito de mudar a percepccedilatildeo puacuteblica sobre o uso de drogas

representando as drogas ilegais como ameaccedila43

e ldquoa peccedila central dessa campanha de relaccedilotildees

puacuteblicas foi uma nova estrateacutegia retoacuterica que procurou demonizar as drogas e banir os

43

No ano de 1982 foi aprovada a Defense Autorization Act a qual autoriza a participaccedilatildeo das Forccedilas Armadas no

combate agraves drogas

71

usuaacuterios de drogasrdquo (NUNN 2002 p 387 traduccedilatildeo nossa) A ldquolinha durardquo do combate aos

psicoativos iliacutecitos no acircmbito domeacutestico se efetivou por meio da ldquoreduccedilatildeo da demandardquo com

educaccedilatildeo puacuteblica e tratamentos cliacutenicos e atraveacutes da ldquoreduccedilatildeo da ofertardquo com interdiccedilotildees

apreensotildees e repressotildees criminais No que concerne agrave repressatildeo criminal Escohotado (2008)

acentua que no ano de 1985 ldquoo nuacutemero de prisotildees relacionadas agraves drogas da Lista I superou as

800000 pessoas e em 1986 atingiu um milhatildeordquo44

(ESCOHOTADO 2008 p 1076)

Essa percepccedilatildeo da droga como ameaccedila nortearia doravante a estrateacutegia dos EUA de

intervenccedilotildees no que tange agraves drogas no cenaacuterio internacional com reverberaccedilotildees na

constituiccedilatildeo das poliacuteticas e leis nacionais O modelo de guerra agraves drogas de Reagan permitiu

medidas severas e hostis para atacar o ldquoproblema das drogasrdquo e desmantelar redes de

distribuiccedilatildeo e traacutefico de drogas na esfera domeacutestica na esfera internacional a intervenccedilatildeo

militar foi o paradigma da doutrina reaganiana de combate agraves drogas

Em 1986 o presidente Ronald Reagan expediu a National Security Decision Directive

on Narcotics and National Security (NSDD-221) Esse documento conferiu ao narcotraacutefico o

status de ameaccedila agrave seguranccedila nacional dos Estados Unidos ao lado do ldquoterrorismo comunistardquo

e se tornou um dos componentes centrais da agenda de seguranccedila hemisfeacuterica deste paiacutes

Washington delineou a sua estrateacutegia beacutelica frente agrave expansatildeo global do mercado das drogas

sob a crenccedila na dicotomia ldquopaiacuteses produtoresrdquo versus ldquopaiacuteses consumidoresrdquo (PASSETTI

1991 RODRIGUES 2004) A NSDD-221 conferiu agraves Forccedilas Armadas incluindo exeacutercito

marinha forccedila aacuterea e fuzileiros navais maior participaccedilatildeo junto agraves agecircncias federais de

combate agraves drogas a guarda costeira e oacutergatildeos civis de aplicaccedilatildeo da lei Nesse contexto a

produccedilatildeo e traacutefico de drogas deixam de ser apenas preocupaccedilotildees de leis penais e questatildeo de

poliacutecias especializadas e passam a ser um problema de seguranccedila nacional e internacional

direcionando a poliacutetica externa dos paiacuteses latino-americanos sobretudo daqueles paiacuteses sob o

roacutetulo de ldquoprodutoresrdquo como foi o caso dos paiacuteses andinos Para Rafael Villa e Maria Ostos

(2005)

Desde a administraccedilatildeo Reagan (1980-1988) os EUA tecircm definido as drogas como

lsquoum problema de seguranccedila nacionalrsquo cujo combate deveria ser feito por meio de

44

As prisotildees por porte de drogas e o crescimento exponencial da populaccedilatildeo carceraacuteria na Era Reagan incidiram

mais sobre os ldquonegrosrdquo do que sobre os ldquobrancosrdquo Conforme oberva Loiumlc Wacquant (1999) ldquoo

lsquoescurecimentorsquo sofrido pela populaccedilatildeo carceraacuteria explica-se quase que inteiramente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves

drogasrdquo lanccedilada com estardalhaccedilo por Ronald Reagan e ampliada depois por seus sucessores [] Essa poliacutetica

serviu de cobertura a uma verdadeira guerrilha policial e judiciaacuteria contra os traficantes de rua e por extensatildeo

contra os habitantes dos bairros negros deserdados Esses uacuteltimos satildeo de fato suspeitos de desviarem-se das

normas culturais nacionais e de adotarem lsquocomportamentos anti-sociaisrsquo que o discurso pseudocientiacutefico sobre

a underclass sustenta ser a causa das desagregaccedilotildees sociais na metroacutepole (WACQUANT 1999 p 47)

72

um ataque contundente in loacutecus agrave oferta da droga Em outras palavras a produccedilatildeo

deveria ser atacada na fonte em paiacuteses como Boliacutevia Colocircmbia Equador e Peru

(VILLA OSTOS 2005 pp 1-2)

A partir daiacute com efeito Washington imputou aos paiacuteses produtores a culpa pela oferta

externa de drogas os problemas de sauacutede puacuteblica e o aumento da criminalidade nos EUA

isso permitiu que a Ameacuterica Latina sobremaneira a regiatildeo andina se configurasse como

palco das intervenccedilotildees militares de guerra contra as drogas45

Os EUA orquestraram esforccedilos

para intervenccedilatildeo e interdiccedilatildeo do cultivo de coca inicialmente na Boliacutevia e no Peru e mais

tarde na Colocircmbia os maiores cultivadores da folha de coca nas duas uacuteltimas deacutecadas do

seacuteculo XX com o objetivo de intensificar a poliacutetica proibicionista destruir os campos de

cultivo de drogas e desbaratar as redes comerciais ilegais No entanto o que ocorreu foi uma

ramificaccedilatildeo maior do capitalismo cocaleiro deslocando a produccedilatildeo de um paiacutes para outro e

expandindo a economia do narcotraacutefico

De acordo com Villa e Ostos (2005) os policy-markers estadunidenses defensores da

poliacutetica de ataque agraves drogas na ldquofonterdquo ndash going to the source ndash encontraram ldquosoacutelidos

argumentos empiacutericos no caso de Chepare da Boliacutevia e do Alto Hullaga do Peru onde eram

cultivadas cerca de 80 a 90 das folhas de coca destinadas agrave alimentaccedilatildeo da produccedilatildeo de

cocaiacutena do mundordquo (VILLA OSTOS 2005 p 2) O combate agraves drogas nos ldquopaiacuteses

produtoresrdquo em 1986 encontrou na Boliacutevia o seu primeiro palco de operaccedilotildees militares

antidrogas

A Operation Blast Furnece na Boliacutevia comeccedilou no dia 14 de junho de 1986 e seria

realizada nos departamentos bolivianos do Beni Pando e Santa Cruz para eliminar os

laboratoacuterios clandestinos de processamento da coca acabar com as rotas fluviais de transporte

de coca e de precursores quiacutemicos interceptar pequenos aviotildees de transporte de drogas e

prender o traficante Roberto Suaacuterez Gomes (ldquorei da cocardquo) considerado o maior do paiacutes Para

realizar a operaccedilatildeo no departamento de Santa Cruz chegaram ldquotrecircs aviotildees de transporte

militar da forccedila aeacuterea dos Estados Unidos que traziam consigo veiacuteculos especiais seis

helicoacutepteros Black Hawk e 160 norte-americanos entre soldados teacutecnicos militares e agentes

45

O direcionamento do combate contra as drogas para Ameacuterica Latina estava atrelado agrave percepccedilatildeo de que os

paiacuteses da regiatildeo eram o foco de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de drogas ldquoBoliacutevia e Peru eram os principais

produtores de coca e pasta base enquanto a Colocircmbia dominava a produccedilatildeo e o traacutefico de cocaiacutena Meacutexico

aleacutem de ser o maior fornecedor de maconha no mercado dos EUA tornou-se o principal provedor de heroiacutena

Por outro lado vaacuterios paiacuteses da Ameacuterica Central e do Caribe junto com Venezuela e Paraguai se constituiacuteam

em estaccedilotildees na rota do narcotraacutefico assim como centros de lavagem de dinheiro Posteriormente a medida que

se acentuaram as accedilotildees de interdiccedilatildeo a mudanccedila de rotas comprometeu tambeacutem o Brasil e outros paiacuteses do

Cone Sul []rdquo (COTLER 1999 p 40)

73

da DEArdquo (RODRIGUES 2003 p 86) A operaccedilatildeo contou com a participaccedilatildeo dos Leopardos

forccedila de elite policial da Boliacutevia especializada em combate ao traacutefico de drogas e de soldados

da Unidad Moacutevil de Patrullaje Rural (UMOPAR)46

A presenccedila de tropas norte-americanas na Boliacutevia gerou controveacutersias nas instituiccedilotildees

poliacuteticas da Boliacutevia pois elas natildeo tinham aprovaccedilatildeo do Congresso do paiacutes andino

Representantes do governo boliviano se sentiram enganados pelos EUA Acreditavam que o

auxiacutelio de Washington natildeo viria em aviotildees de guerra e muito menos com violaccedilotildees da

soberania nacional O presidente do Senado denunciou a operaccedilatildeo como uma ldquoverdadeira

invasatildeo estrangeirardquo (AMENDT 1987 p13)

As principais accedilotildees da Blast Furnece incidiram sobre os laboratoacuterios clandestinos

Gunter Amendt (1987) enumera que existiam cerca de cinquenta laboratoacuterios soacute no

departamento de Benin cuja produccedilatildeo anual estimada era de 80 toneladas quando

trabalhavam com toda a sua capacidade Amendt assinala que cada laboratoacuterio mantinha

diferentes trabalhadores encarregados da logiacutestica e da produccedilatildeo como transportadores

caminhoneiros e intermediaacuterios envolvidos no fornecimento de produtos quiacutemicos

contrabandeados do Brasil e no transporte de coca dos mercados locais para os laboratoacuterios

intermediaacuterios para produccedilatildeo de pasta base confeccionada pelos pateros47

Posteriormente a

pasta eacute transportada para os laboratoacuterios que confeccionam o produto final pronto para

exportaccedilatildeo o cloridrato de cocaiacutena cristalizado utilizando uma seacuterie de empregados

(AMENDT p16) De acordo com Thiago Rodrigues (2004) os leopardos em conjunto com

soldados estadunidenses fizeram inuacutemeras investidas em territoacuterio boliviano para destruir

pistas de pousos e laboratoacuterios na selva

A operaccedilatildeo norte-americana de combate agraves drogas em solo boliviano considerada por

Washington vitoriosa natildeo teve o sucesso almejado os resultados em termos de apreensotildees e

prisotildees foram piacutefios destruiacuteram seis laboratoacuterios e duzentos e cinquenta locais de maceraccedilatildeo

de folha de coca todos vazios e pistas de pouso No entanto as tropas conseguiram afetar

significativamente o preccedilo da coca ndash o quilo de folha de coca subiu de US$120 para US$200

ndash temporariamente tornando-a menos atrativa Com efeito isso levou milhares de

46

Marcelo Santos (2007) relata que ldquocom o retorno da democracia em 1982 sob pressatildeo norte-americana o

governo boliviano criou uma forccedila policial de elite denominada Unidad Moacutebil de Patrullaje Rural (UMOPAR)

para desenvolver accedilotildees secretas repressivas nas regiotildees de produccedilatildeo da folha de coca e de articulaccedilatildeo do

narcotraacuteficordquo (SANTOS 2007 p 198) 47

ldquoPaterordquo (ou esmagador) eacute uma terminologia utilizada em analogia com a qual se denomina aqueles que na

produccedilatildeo de vinho esmagam as uvas pisando-as com o peacute descalccedilo os pateros semifermentam as folhas de

coca e acrescenta bicarbonato de soacutedio e cerosina para fazer a pasta base (AMENDT 1987 p16)

74

trabalhadores rurais a migrarem para as cidades a procura de emprego e alimentos48

Contudo

a produccedilatildeo de pasta base ficou comprometida parcialmente no decorrer da operaccedilatildeo isso se

deve mais a uma postura de precauccedilatildeo dos traficantes do que um sinal de ecircxito de

desmantelamento completo da induacutestria da cocaiacutena boliviana49

(AMENDT 1987 SOMOZA

1990 RODRIGUES 2003 RODRIGUES 2004)

Mesmo apoacutes as polecircmicas relacionadas agrave Operation Blast Furnece (com duraccedilatildeo de

quatro meses) os EUA por meio das Forccedilas Armadas e da DEA prosseguiram interferindo

na poliacutetica de drogas boliviana A UMOPAR continuou recebendo treinamentos das forccedilas

especiais estadunidenses aleacutem de receber empreacutestimos de equipamentos militares e

helicoacutepteros por parte do Pentaacutegono para conduzir a guerra agraves drogas agora sob a eacutegide da

Operation Snowcap50

Desse modo as Forccedilas Armadas da Boliacutevia passaram a ter uma

participaccedilatildeo maior na luta contra as drogas iliacutecitas

Durante o ano de 1986 os EUA implantaram a Poliacutetica de Certificaccedilatildeo como

mecanismo para coagir os ldquopaiacuteses produtoresrdquo a se comprometerem com a luta contra as

drogas Guzzi (2008) assinala que essa poliacutetica estava apoiada na Lei 490 do Ato de

Assistecircncia Internacional (Foreign Assistence Act - FAA) de 1961 da administraccedilatildeo

Kennedy e permitia ao presidente estadunidense deliberar ldquoanualmente quais paiacuteses satildeo

produtores de tracircnsito e se seus respectivos governos cooperam com as medidas

estadunidenses no plano do combate agrave produccedilatildeo e ao traacutefico de drogas iliacutecitasrdquo (GUZZI

2008 p 33)

48

A intervenccedilatildeo militar norte-americana gerou inuacutemeros protestos na Boliacutevia ldquoa central sindical boliviana

decretou lsquodia de lutorsquo denunciando assim a presenccedila de tropas de ocupaccedilatildeo Os manifestantes carregavam

faixas com os dizeres lsquoBoliacutevia livre sim colocircnia ianque natildeorsquo Enquanto isso 28 sindicatos 25 instituiccedilotildees

ciacutevicas 26 partidos poliacuteticos e 200 personalidades representativas se uniram para formar o Conselho de Defesa

da Soberania Nacional ao mesmo tempo em que os parlamentares protestavam contra a violaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo da Boliacutevia Mas o governo (Victor Paz Entessoro) argumentou que se tratava apenas de uma

colaboraccedilatildeo agrave repressatildeo policial e que os helicoacutepteros significavam apenas apoio logiacutesticordquo (SOMOZA 1990

p 81) 49

Edson Passetti (1991) nota que os traficantes transferiram os laboratoacuterios para o norte da Argentina e para

regiatildeo sudoeste do Brasil no Mato Grosso dessa maneira conseguiram manter a lucratividade de seus

negoacutecios mesmo correndo riscos de terem a mercadoria apreendida 50

Marcelo Santos a partir da obra de Adalberto Santana ldquoEl Narcotraacutefico en Ameacuterica Latinardquo descreve que ldquoa

operaccedilatildeo Snowcap que envolveu os membros norte-americanos da DEA do Departamento de Estado do

Serviccedilo de Guarda Costeira da Patrulha de Fronteira e das Forccedilas Especiais do Departamento de Defesa tinha

o propoacutesito natildeo somente de atacar as fontes de produccedilatildeo como tambeacutem capacitar as Forccedilas Armadas locais em

estrateacutegias contra-insurgentes No Peru por exemplo tinha o objetivo de combater a guerrilha do Sendero

Luminoso Essa missatildeo regional envolveu ainda apoio econocircmico agrave Venezuela e o lanccedilamento da operaccedilatildeo

Blazing Trails no Equadorrdquo (SANTOS 2007 p 198)

75

Um determinado paiacutes para auferir a certificaccedilatildeo plenamente deve cumprir os

objetivos da Convenccedilatildeo de 1971 sobre Substacircncias Psicotroacutepicas da ONU bem como

concretizar accedilotildees para impedir ldquoo cultivo a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o transporte o

financiamento e a lavagem de dinheiro proveniente das drogasrdquo e tambeacutem deve ldquoatingir as

metas definidas em acordos bilaterais com os Estados Unidos e finalmente terem tomado

medidas jurisdicionais para combater a corrupccedilatildeo puacuteblica pois esta facilita o processo de

produccedilatildeo e traacutefico de drogasrdquo (GUZZI 2008 p 34) Portanto um paiacutes que demonstrar

esforccedilos e apresentar resultados no combate agraves drogas seraacute certificado e receberaacute todo auxiacutelio

dos EUA principalmente econocircmico Caso contraacuterio isto eacute natildeo seja certificado deixa de

receber esse auxiacutelio de Washington (entretanto se for o caso continua recebendo assistecircncia

humanitaacuteria e de combate agraves drogas) e sujeita-se as sanccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas aleacutem do

governo norte-americano vetar as propostas de empreacutestimos de instituiccedilotildees bancaacuterias

multilaterais de fomento ao desenvolvimento (por exemplo o Banco Interamericano de

Desenvolvimento e o Banco Mundial)

A Poliacutetica de Certificaccedilatildeo foi mais um instrumento ideoloacutegico do que eficaz contra o

traacutefico de drogas Elaborada na Guerra Fria os paiacuteses que pertenciam ou tinham alguma

ligaccedilatildeo com o bloco sovieacutetico ganhavam o roacutetulo de ldquonatildeo-certificadosrdquo pois representavam

uma ameaccedila aos paiacuteses ocidentais e ao Estado democraacutetico de direito O processo de

certificaccedilatildeo gerou dissensotildees entre Washington e os demais governos da Ameacuterica Latina nas

deacutecadas de 1980 e 199051

Esse processo era visto como um exerciacutecio unilateral e arbitraacuterio

perpetrado pela naccedilatildeo que mais consume drogas iliacutecitas no mundo Na Convenccedilatildeo da ONU

realizada em Viena em 1988 os representantes dos paiacuteses rotulados de ldquoprodutoresrdquo e de

ldquotracircnsitordquo de drogas se manifestaram contra o instrumento unilateral que os estigmatizavam

como sendo condescendentes com o narcotraacutefico argumentavam que a responsabilidade

deveria ser compartilhada Segundo esses paiacuteses para haver um controle mais eficaz da

produccedilatildeo seria preciso tambeacutem controlar o consumo pois ambos estatildeo inter-relacionados

entretanto o governo norte-americano natildeo produz documentos avaliando os seus proacuteprios

esforccedilos de controle de drogas Sayaka Fukumi (2008) sustenta que a poliacutetica de certificaccedilatildeo eacute

um meio encontrado pelos EUA para exercerem o seu poder econocircmico forccedilando os outros

51

O Panamaacute foi o primeiro paiacutes latino-americano a natildeo ser certificado isto ocorreu nos anos de 1988 e 1989 O

presidente Manuel Noriega foi acusado pelo governo estadunidense a colaborar com organizaccedilotildees criminosas

envolvidas com o narcotraacutefico (GUZZI 2008)

76

Estados a cumprirem o controle de drogas no estilo americano Mesmo tendo recebido

inuacutemeras criacuteticas e desaprovaccedilotildees o processo de certificaccedilatildeo continuou vigorando

No segundo mandato de Ronald Reagan o proibicionismo em sua forma poliacutetica

juriacutedica e beacutelica prosseguiu avanccedilando na Ameacuterica Latina De acordo com Del Olmo (1990)

um dos fatores que impulsionou o discurso de guerra contra as drogas natildeo soacute na regiatildeo

andina mas em todo continente foi o assassinato do ministro da justiccedila colombiano Rodrigo

Lara Bonilla em abril de 1984 No decorrer desse ano ocorreu uma sucessatildeo de reuniotildees e

acordos governamentais com o objetivo de fortalecer a cooperaccedilatildeo continental na luta contra

o traacutefico de drogas No mesmo ano foi assinada a Declaraccedilatildeo de Quito Contra o Traacutefico de

Drogas por presidentes da Ameacuterica do Sul a qual classificou o narcotraacutefico como ldquodelito

contra a humanidaderdquo Ainda em 1984 foi subscrita a Declaraccedilatildeo de Nova Iorque Esse

documento solicitava agrave ONU que convocasse uma nova conferecircncia para reexaminar os

tratados anteriores sobre drogas e criar um plano de accedilatildeo de cooperaccedilatildeo internacional contra o

traacutefico de drogas Essa conferecircncia teve iniacutecio em julho de 1987 Nesse mesmo ano na

Colocircmbia comeccedilou uma seacuterie de ofensivas com auxiacutelio estadunidense contra laboratoacuterios de

clandestinos e fumigaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantaccedilotildees de coca e de cannabis As investidas

conseguiram deter a Tranquilacircndia um dos principais complexo de produccedilatildeo de cocaiacutena dos

traficantes de Medelliacuten

No ano de 1985 a senadora republicana Paula Hawkins representante dos EUA na

Comissatildeo Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas (CICAD) realizou uma

conferecircncia com participaccedilatildeo de vinte paiacuteses latino-americanos sobre o combate agraves drogas Os

EUA colocaram em praacutetica a Operation Intercept II Em abril 1986 foi consolidado em Lima

o Convecircnio Rodrigo Lara Bonilla sobre cooperaccedilatildeo para prevenccedilatildeo do uso indevido e a

repressatildeo do traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas entre os paiacuteses

membros do Acordo de Cartagena (Pacto Andino) No Mecircs subsequente em Quito aconteceu

o Simpoacutesio Interparlamentar sobre Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia promovido pelo

Parlamento Andino o qual culminou na assinatura da Ata Interparlamentar de Quito sobre

Narcotraacutefico e Farmacodependecircncia cujos principais objetivos eram uniformizar as

legislaccedilotildees nacionais sobre narcoacuteticos e farmacodependecircncia e criar uma legislaccedilatildeo latino-

americana acerca dessas duas questotildees No Rio de Janeiro ocorreu a Primeira Conferecircncia

Especializadas Interamericana sobre Drogas no mesmo ano foi criada a Comissatildeo

Interamericana contra Abuso de Drogas (CICAD) da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

(OEA) e tambeacutem foi elaborado o Programa Interamericano de Accedilatildeo contra a Produccedilatildeo e o

77

Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas Ainda em 1986 nos EUA

ocorreu a aprovaccedilatildeo do Anti-Drug Abuse Act e da NSDD-221 aleacutem de ser estabelecido o

Processo de Certificaccedilatildeo sobre Drogas

No comeccedilo do ano de 1987 o Parlamento Andino e o Fundo das Naccedilotildees Unidas

organizaram em Lima um novo seminaacuterio para tratar da coordenaccedilatildeo legislativa contra

entorpecentes No decorrer de 1988 a CICAD compocircs um grupo de peritos para tratar

especificamente da lavagem de dinheiro Em dezembro de 1988 foi subscrita a Convenccedilatildeo de

Viena uma das principais vitoacuterias do proibicionismo a niacutevel internacional

A Convenccedilatildeo de Viena Contra o Traacutefico Iliacutecito de Entorpecentes e de Substacircncias

Psicotroacutepicas aprovada em 20 de dezembro de 1988 passou a vigorar a partir de novembro

de 1990 e reconhecia ldquoa relaccedilatildeo existente entre traacutefico iliacutecito e outras atividades criminosas

organizadas com ele conexas que minam as bases de uma economia legiacutetima e ameaccedilam a

estabilidade a seguranccedila e a soberania dos Estadosrdquo (UNITED NATIONS 1988 p2)

Conforme o documento o objetivo principal da Convenccedilatildeo ldquoeacute o de promover a cooperaccedilatildeo

entre as Partes a fim de que possam fazer face de forma mais eficaz aos diversos aspectos do

traacutefico iliacutecito de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas de acircmbito internacionalrdquo (UNITED

NATIONS 1988 p 4) Nessa Convenccedilatildeo foram determinadas medidas de amplo espectro

contra o traacutefico de drogas permitindo a criaccedilatildeo de um marco principal de cooperaccedilatildeo

internacional Outrossim esse regime estabelece obrigaccedilotildees para os paiacuteses signataacuterios

aplicarem os meios necessaacuterios para localizar congelar e apreender bens e ativos provenientes

do traacutefico iliacutecito52

O artigo 6ordm do referido documento permite que a extradiccedilatildeo seja utilizada

como mecanismo de luta contra os traficantes uma vez que assegura aos signataacuterios o poder

de invocar suas leis como fundamento para aplicar a extradiccedilatildeo aos envolvidos nos crimes

previstos e prescreve orientaccedilotildees em mateacuteria de assistecircncia juriacutedica troca de informaccedilotildees

sobre accedilotildees penais e cooperaccedilatildeo internacional Todavia ldquoas Partes que careccedilam de legislaccedilatildeo

detalhada para poderem utilizar a presente Convenccedilatildeo como base juriacutedica da extradiccedilatildeo

devem considerar a promulgaccedilatildeo da legislaccedilatildeo necessaacuteriardquo (UNITED NATIONS 1988 p 8)

52

Sobre a lavagem de dinheiro do traacutefico de drogas Passetti cita que ldquoa participaccedilatildeo dos bancos americanos

nesses mercados em 1980 era de quatrocentos bilhotildees de doacutelares De acordo com William Proximine

presidente da Comissatildeo de Bancos no Senado Americano seis em cada dez bancos operavam com contas de

traficantes sendo o Banco de Boston considerado o maior reduto do chamado lsquodinheiro sujorsquordquo (PASSETTI

1991 p 67)

78

A Convenccedilatildeo de Viena se posiciona de modo intransigente perante os consumidores

de psicoativos ilegais O documento apresenta uma mudanccedila em relaccedilatildeo ao discurso meacutedico-

moral abordado nas anaacutelises de Rosa Del Olmo (1990) o qual apresentava o indiviacuteduo

consumidor dentro de um estereoacutetipo como um enfermo psiquiaacutetrico cujo tratamento deveria

ser psicossocial Agora o consumidor eacute enquadrado pelo discurso juriacutedico-criminal O

consumo doravante seraacute criminalizado o usuaacuterio passa a ser visto dentro do estereoacutetipo

criminoloacutegico O item 2 do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo reitera o ldquoespiacuterito proibicionistardquo

estadunidense mesmo resguardando a soberania dos Estados

Como buscamos apontar a Era Reagan foi marcada pela intensificaccedilatildeo da war on drug

na Ameacuterica Latina no contexto do final da Guerra Fria sobretudo na regiatildeo andina medidas

ostensivas e coercitivas foram empregas para obter a cooperaccedilatildeo mais ativa dos paiacuteses

considerados ldquoprodutoresrdquo Para justificar a beligeracircncia norte-americana de combate agraves

drogas os grupos narcotraficantes da regiatildeo andina foram associados ao comunismo e ao

terrorismo de esquerda praticado por guerrilheiros A associaccedilatildeo entre narcotraacutefico e

terrorismo ou entre narcotraacutefico e guerrilha53

articulada pelo embaixador dos EUA na

Colocircmbia Lewis Tambs em 1983 que se baseia numa percepccedilatildeo da experiecircncia colombiana

a partir de uma visatildeo estadunidense do conflito foi generalizada para toda a regiatildeo andina e

se tornou uma justificativa perfeita para intervenccedilotildees militares no combate agraves drogas Essa

associaccedilatildeo fortaleceu a percepccedilatildeo desses temas como ameaccedila agrave seguranccedila A guerra agraves

drogas sob a eacutegide da Doutrina de Seguranccedila Nacional identifica ldquoos inimigos externosrdquo com

as redes de traficantes instaladas nos paiacuteses latino-americanos responsaacuteveis pela produccedilatildeo e

disseminaccedilatildeo de drogas nos paiacuteses consumidores A declaraccedilatildeo de um inimigo externo

permitiu aos EUA empregarem os meios militares necessaacuterios para eliminaccedilatildeo deste inimigo

legitimando a sua presenccedila poliacutetico-estrateacutegico-militar na regiatildeo andina

Com a chegada de George H W Bush agrave presidecircncia dos EUA em 1989 a Operaccedilatildeo

Snowcap foi suspensa em 1989 apoacutes o Comitecirc de Assuntos Exteriores da Cacircmara

averiguaram que a DEA estava despreparada para os sucessivos confrontos que vinham tendo

com os guerrilheiros do Sendero Luminoso no Peru no Vale do Alto Huallaga e os seus

agentes natildeo estavam autorizados a fazerem incursotildees devido agrave falta de experiecircncia e

capacitaccedilatildeo militar O Departamento de Estado por meio do documento Cocaine A Supply

Side Strateg exigia a retirada constante da DEA do papel de assistecircncia militar e econocircmica e

53

A partir destas associaccedilotildees surgiram os termos ldquonarcoterrorismordquo e ldquonarcoguerrilhardquo

79

fortalecia a importacircncia de uma estrateacutegia eficaz para atacar a fonte principalmente contando

com uma efetiva atuaccedilatildeo das forccedilas armadas e policiais locais O documento ressaltava a

necessidade de fazer os paiacuteses andinos interpretarem as accedilotildees do traacutefico de drogas (e da

guerrilha) como ameaccedila a sobrevivecircncia dos Estados da regiatildeo e enfatizava que

O desafio eacute fazer com que os governos andinos ataquem o traacutefico de drogas como

uma ameaccedila direta agrave integridade de seus paiacuteses Um problema de poliacutetica externa

deve ser resolvido pelo uso inovador dos instrumentos tradicionais de poliacutetica

externa a diplomacia o militar e a assistecircncia econocircmica a coleta e

compartilhamento de informaccedilotildees (UNIED SATES 1989a p 1 traduccedilatildeo nossa)

Em resposta foi lanccedilado a National Security Directive 13 em 7 de junho de 1989

cuja finalidade era criar vinte forccedilas especiais das tropas do exeacutercito para irem ao Peru treinar

a poliacutecia e as forccedilas armadas em taacuteticas paramilitares para combater narcotraficantes e

guerrilheiros A Interangecy Working Group Draft que era um grupo de trabalho

interinstitucional criado pelo Conselho de Seguranccedila Nacional redigiu o documento Strategy

For Narcotics Control in the Andean Region apresentando um estudo onde aponta que a

cocaiacutena que entrava nos Estados Unidos vinha da coca cultivada no Peru (60) Boliacutevia

(30) e Colocircmbia (10) Esse uacuteltimo paiacutes contudo processa 80 da cocaiacutena que chega ao

territoacuterio norte-americano Segundo o estudo os EUA gastavam cerca de U$57 milhotildees na

assistecircncia para esses trecircs ldquopaiacuteses fonterdquo e U$15 bilhatildeo para conter a entrada de droga no

paiacutes Para a interagecircncia os programas antidrogas desenvolvidos ateacute o momento natildeo

obtiveram resultados expressivos na reduccedilatildeo do fornecimento de cocaiacutena Para tanto

recomenda que

A meta da poliacutetica internacional de controle de drogas dos EUA deve ser parar o

fluxo de cocaiacutena para este paiacutes a partir do estrangeiro Este objetivo pode ser mais

eficaz atacando todas as partes do traacutefico internacional de drogas nos seus pontos de

maior vulnerabilidade as suas organizaccedilotildees redes de transportes e sistema

financeiro [] Por vaacuterias razotildees os trecircs governos parecem estar cada vez mais

preparados para atacar o problema da cocaiacutena se dado os meios para fazecirc-lo Eles

natildeo querem (nem recomendamos) o envolvimento direto de forccedilas de combate dos

EUA Em vez disso eles querem assistecircncia material e treinamento dos EUA para

que o seu pessoal possa fazer o trabalho (UNIED STATES 1989b p1 traduccedilatildeo

nossa)

Com a morte de Luis Carlos Galaacuten candidato agrave presidecircncia da Colocircmbia em 18 de

agosto de 1989 o presidente republicano e o ldquoczar antidrogasrdquo William Bennet apresentaram

a Estrateacutegia Andina que abrangia a assistecircncia militar e econocircmica para atividades de

combate agraves drogas e maior pressatildeo para cooperaccedilatildeo militar na reduccedilatildeo da oferta de cocaiacutena

nos paiacuteses produtores da regiatildeo andina Essa pressatildeo era parte dos esforccedilos dos EUA em fazer

com que os governos andinos reconhecessem o narcotraacutefico como ameaccedila aos seus Estados

80

A assistecircncia norte-americana para os paiacuteses da regiatildeo estaria divida em 30 econocircmica e

70 militar Esta uacuteltima seria para equipar e treinar as forccedilas armadas e poliacutecias locais

(DREYFUS 2003)

No mesmo ano para justificar as accedilotildees militares antidrogas no exterior Bush lanccedilou

no acircmbito domeacutestico a National Drug Control Strategy a qual fazia com que o Departamento

de Defesa tivesse um engajamento mais efetivo na luta contra as drogas principalmente

acionando o Comando Sul A metaacutefora da ldquoguerra agraves drogasrdquo foi recuperada com a

promulgaccedilatildeo da National Defense Authorization Act em novembro de 1989 O documento

declara que a ldquoguerra agraves drogas eacute uma das mais altas prioridades do Governo Federalrdquo e

reforccedila a interdiccedilatildeo e combate agraves drogas por meio de atividades militares sob lideranccedila do

Departamento de Defesa (UNITED STATES 1989c) Com essas medidas a administraccedilatildeo

Bush estimulou de modo significativo o aumento da assistecircncia militar internacional para

conter o narcotraacutefico

Em 1989 o governo Bush elaborou um plano para treinar as forccedilas armadas sul-

americanas em operaccedilotildees de combate agraves drogas com participaccedilatildeo de assessores do exeacutercito

estadunidense sob os auspiacutecios do Comando Sul ndash agora reorganizado teacutecnica operacional e

humanamente para combater o narcotraacutefico no lugar do comunismo ndash esse plano foi intitulado

Iniciativa Andina A Iniciativa Andina imposta unilateralmente pelos EUA teria duraccedilatildeo de

cinco anos e abrangeria a Boliacutevia Colocircmbia e Peru No ano fiscal de 1990 foram destinados

agrave regiatildeo andina um total de 2316 milhotildees de doacutelares e apenas 486 milhotildees natildeo foram

aplicados no apoio militar e policial fazendo com que a regiatildeo andina se tornasse a maior

receptora de ajuda antinarcoacuteticos na Ameacuterica Latina (ISACSON 2005) No acircmbito da

Iniciativa Andina foi criado um programa para treinamento das forccedilas armadas em operaccedilotildees

de combate agraves drogas sob responsabilidade do Comando Sul Comeccedilou com os trecircs paiacuteses

produtores de cocaiacutena do arco andino e depois foram acrescidos outros Estados sul-

americanos considerados ldquopaiacuteses de tracircnsitordquo tais como Argentina Brasil Equador e

Venezuela

Sob o espectro do conflito de baixa intensidade a Iniciativa Andina por meio dos

funcionaacuterios norte-americanos incentivou as forccedilas armadas latino-americanas a se

envolverem na guerra agraves drogas dentro de seus proacuteprios paiacuteses Nos EUA seria inadmissiacutevel a

participaccedilatildeo de forccedilas militares na batalha contra os psicoativos iliacutecitos dentro do paiacutes Para

conseguirem esse intento conforme salienta Adam Isacson (2005) foi necessaacuterio treinar

81

(treinamento antidroga e anti-subersivo) equipar e respaldar poliacutetica e diplomaticamente as

forccedilas armadas latino-americanas para que desempenhassem um papel mais veemente nas

missotildees antinarcoacuteticos

Para conseguir concretizar esse objetivo George Bush convocou duas reuniotildees com os

presidentes dos paiacuteses produtores para discutir quais medidas seriam implementadas para que

seus Estados se envolvessem mais ativamente na guerra agraves drogas Em 15 de fevereiro de

1990 na Colocircmbia ocorreu o primeiro encontro da Cuacutepula Americana Antidrogas de

Cartagena que contava com a participaccedilatildeo do chefe de Estado dos EUA e dos presidentes

Jaime Paz Zamora da Boliacutevia Viacutergilo Barco Vagas da Colocircmbia e Alan Garcia do Peru

onde o mandataacuterio estadunidense acentuou o fortalecimento da contenccedilatildeo da oferta da

demanda e do consumo de psicoativos iliacutecitos e propocircs a criaccedilatildeo de uma forccedila militar

multinacional antidrogas que seria comandada pelos norte-americanos Esta uacuteltima foi

descartada pelos presidentes andinos A segunda reuniatildeo foi realizada em San Antonio no

Texas em fevereiro de 1992 Com um tom mais afaacutevel mas sem inovaccedilatildeo no discurso o

presidente norte-americano apresentou propostas de investimento econocircmico para fomentar

poliacuteticas de substituiccedilatildeo de cultivo de coca para que os camponeses cultivassem produtos

liacutecitos (PASSETTI 1991 RODRIGUES 2003)

Como aponta Boville (2004) as contribuiccedilotildees em mateacuteria econocircmica foram

determinantes para a aceitaccedilatildeo da estrateacutegia unilateral dos EUA A assistecircncia econocircmica

serviu como um elemento persuasivo para a inserccedilatildeo gradativa das forccedilas armadas na luta

contra as drogas e contribuiu para a liberalizaccedilatildeo da economia Mesmo apresentando

inicialmente relutacircncia em aumentar o emprego de forccedilas militares para o controle das drogas

internamente os paiacuteses andinos almejavam uma participaccedilatildeo maior nos mercados norte-

americanos como forma de alternativa econocircmica para a questatildeo pois para os governos da

regiatildeo andina o auxiacutelio econocircmico deveria vir antes do que os militares Entretanto a

preocupaccedilatildeo de ficar sem ajuda econocircmica por natildeo cumprir a reduccedilatildeo das aacutereas de cultivo de

coca e mostrar resultados efetivos de combate agraves drogas o que deixaria um paiacutes de fora da

lista de certificaccedilatildeo foi um dos ingredientes fundamentais para o envolvimento militar mais

contundente na guerra agraves drogas

No governo Bush a guerra agraves drogas com seus dois elementos baacutesicos (o militar e o

econocircmico) procurou abordar a questatildeo a partir de trecircs pontos diferentes 1) a proibiccedilatildeo 2) a

82

erradicaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de cultivos 3) desenvolvimento alternativo (CARPENTER 2003

BOVILLE 2004) Contudo

A militarizaccedilatildeo continuou como bandeira sustentada pelo governo norte-americano

poreacutem natildeo mais baseada na contraproducente presenccedila ostensiva de forccedilas proacuteprias

mas na combinaccedilatildeo eficaz de pressatildeo poliacutetica e econocircmica (Certificaccedilatildeo) envio de

lsquoconsultoresrsquo militares estiacutemulo agrave militarizaccedilatildeo interna em cada paiacutes latino-

americano e conquista da lsquocooperaccedilatildeorsquo dos Estados do continente agrave batalha guerra

luta ou qualquer outro substantivo que remeta agrave ideia de conflito militar contra o

narcotraacutefico (RODRIGUES 2004 p 300)

Esta militarizaccedilatildeo no combate agraves drogas na Ameacuterica Latina durante a presidecircncia de

George Bush segundo Marcelo Santos (2007 p180) foi reforccedilada a partir de quatro accedilotildees

primeira o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina segunda a reorganizaccedilatildeo do Comando Sul

terceira a Operaccedilatildeo Causa Justa que levou as forccedilas armadas estadunidenses a invadirem o

Panamaacute para prenderem o presidente Manoel Ortega por uacuteltimo as accedilotildees da DEA em solo

mexicano para prender um meacutedico acusado de assassinar um funcionaacuterio da agecircncia no paiacutes

vizinho Podemos elencar algumas outras accedilotildees como as assistecircncias econocircmicas e militares

para as forccedilas armadas desempenharem funccedilotildees antidrogas na regiatildeo e o incentivo a criaccedilatildeo

de unidades especializadas de luta contra as drogas54

Carpenter (2003) assinala que no comeccedilo da Iniciativa Andina foram destinados cerca

de US$ 260 milhotildees em ajuda militar e policial para Boliacutevia Colocircmbia e Peru Essa

assistecircncia ultrapassaria a cifra de US$ 2 bilhotildees num periacuteodo de cinco anos A Estrateacutegia

Andina tinha como objetivo reduzir drasticamente o fluxo de cocaiacutena para os EUA A guerra

antinarcoacuteticos no lugar do combate ao comunismo servia como justificativa para intervir

militarmente de forma direta e indireta em toda Ameacuterica Latina Enquanto natildeo existia uma

forccedila militar hemisfeacuterica Boville (2004) frisa que os EUA entre 1990 e 1997 procuraram

estender a sua estrateacutegia de guerra contra o narcotraacutefico a todo subcontinente dividindo as

operaccedilotildees antidrogas do Comando Sul em trecircs setores 1) Regiatildeo Andina (Boliacutevia Colocircmbia

e Peru) 2) Equador Venezuela Brasil e Cone Sul 3) Panamaacute e Ameacuterica Central

A luta armada antidrogas da administraccedilatildeo Bush contra os ldquopaiacuteses produtoresrdquo

mostrou-se esteacuteril no que tange agrave eliminaccedilatildeo do cultivo iliacutecito de arbusto de coca e da

produccedilatildeo de folha de coca Essa ineficaacutecia das accedilotildees militarizadas promovidas por

Washington pode ser constatada no relatoacuterio Global Illicit Drug Trends de 1999 elaborado

pela United Nations Office for Drug Control and Crime (UNODC) que segundo os

54

As principais forccedilas de seguranccedila que foram criadas com o apoio norte-americano podem ser consultadas no

Quadro 3 na seccedilatildeo anexos

83

redatores buscava fazer uma ldquoanaacutelise equilibradardquo do ldquolado da ofertardquo e tambeacutem do ldquolado da

demandardquo O estudo apresenta um balanccedilo do cultivo de arbusto e da produccedilatildeo da folha de

coca de 1986 a 1998 no qual podemos observar um crescimento de ambos durante a

administraccedilatildeo Bush principalmente apoacutes o lanccedilamento da Estrateacutegia Andina em 1989

quando o nuacutemero de hectares de cultivo de coca alcanccedilou os 283300 ha em comparaccedilatildeo com

o ano anterior que foi de 260900 ha e em 1990 este nuacutemero saltou para 288400 ha

enquanto que a produccedilatildeo da folha de coca em toneladas era de 317472 t em 1988 e passou

para 361138 t em 1998 (UNODC 1999 p 41)

Segundo Fukumi (2008) no iniacutecio dos anos de 1990 durante o governo Bush a ajuda

militar para cada paiacutes do arco andino ultrapassou os US$ 100 milhotildees entretanto os valores

emitidos para regiatildeo natildeo estavam sendo suficientes para reduzir o cultivo e a produccedilatildeo da

coca Na Boliacutevia para a administraccedilatildeo Zamora seria necessaacuterio o repasse de US$ 300 a US$

500 milhotildees por ano para levar adiante a poliacutetica de desenvolvimento alternativo para os

agricultores de coca substituiacuterem o cultivo iliacutecito O apoio financeiro para o desenvolvimento

social e econocircmico era algo secundaacuterio dentro da estrateacutegia antidrogas do presidente

republicano

No primeiro ano de governo do presidente Bill Clinton (1993-201) foi lanccedilada a

Diretiva Presidencial nordm14 ndash documento esse que foi resultado de uma revisatildeo das poliacuteticas e

estrateacutegias internacionais anteriores ndash cuja ecircnfase foi dada agrave luta contra organizaccedilotildees

narcotraficantes internacionais aos paiacuteses de tracircnsito e agrave ajuda aos ldquopaiacuteses de origemrdquo para

resoluccedilatildeo das causas profundas da produccedilatildeo de narcoacuteticos e do traacutefico atraveacutes da

assistecircncia para o desenvolvimento sustentaacutevel o fortalecimento das instituiccedilotildees

democraacuteticas e programas cooperativos para combater os narcotraficantes lavagem

de dinheiro e fornecimento de produtos quiacutemicos [] Enfatizando interdiccedilotildees mais

seletivas e programas flexiacuteveis perto da fronteira com os EUA na zona de tracircnsito e

nos paiacuteses de origem (UNITED STATES 1993 traduccedilatildeo nossa)

Seguindo essa diretiva a administraccedilatildeo democrata fez uma reforma na Estrateacutegia

Andina para criaccedilatildeo de incentivos para Estados da regiatildeo andina aderirem agraves poliacuteticas de

controle de drogas e cumprirem as metas de reduccedilatildeo da produccedilatildeo de drogas Para conseguir

esse objetivo os EUA reforccedilaram o processo de Certificaccedilatildeo como meio de exercerem

coaccedilotildees e sanccedilotildees econocircmicas para garantirem a participaccedilatildeo dos paiacuteses produtores

localizados nos Andes Essa medida nada inovadora era mais uma forma de forccedilar os

governos andinos a priorizarem as poliacuteticas antidrogas A retomada da Certificaccedilatildeo dentro da

agenda da poliacutetica de seguranccedila norte-americana poacutes-Guerra Fria de acordo com Thiago

84

Lima (2009) estaria assentada em dois pilares ldquoo aprofundamento e a consolidaccedilatildeo da

democracia e das reformas neoliberaisrdquo (LIMA 2009 p 95)

Thiago Rodrigues (2012) assinala ainda que o governo Clinton em cumprimento com

as determinaccedilotildees da Conferecircncia de Viena sobre entorpecentes adicionou outros crimes ao

ldquoperigo das drogasrdquo tais como a lavagem de dinheiro e as suas conexotildees com traacutefico de armas

e de pessoas (que depois viria a ser chamado de ldquocrime organizado transnacionalrdquo) Sobre o

crime organizado internacional o autor lembra que o documento Presidential Decision

Directive n 42 com o tiacutetulo de International Organized Crime de 1995 ldquodestacou o crime

organizado como ameaccedila agrave seguranccedila dos EUA e internacional com destaque para o poder

econocircmico e de abalo poliacutetico-institucional do narcotraacuteficordquo (RODRIGUES 2012 p23)

No ano de 1995 conforme aponta Peter Lilley (2006) existia mais de 200 milhotildees de

usuaacuterios de psicoativos iliacutecitos no mundo inteiro e o comeacutercio internacional ilegal de drogas

movimentou cerca de US$ 400 bilhotildees o equivalente a 8 do comeacutercio mundial cujas cifras

superaram o comeacutercio de automoacuteveis ferro e accedilo Em 21 de outubro do mesmo ano Clinton

assinou a Ordem Executiva 12978 sobre sanccedilotildees econocircmicas contra os ldquocarteacuteis colombianosrdquo

a partir de uma lista de Specially Designated Narcotics Traffickers (SDNTs) Essa lista

continha nomes de empresas e pessoas envolvidas com a lavagem de dinheiro do traacutefico de

drogas principalmente dos grupos narcotraficantes colombianos

No ano subsequente sob pressatildeo poliacutetica o governo democrata retomou com maior

ecircnfase a poliacutetica de seu antecessor de combate agrave fonte do problema A Estrateacutegia Nacional de

Seguranccedila (National Security Strategy ndash NSS) lanccedilada em fevereiro de 199655

colocava o

traacutefico de drogas e a criminalidade internacional no mesmo patamar de ameaccedila do terrorismo

reforccedilando o combate ao traacutefico de armas ilegais e armas de destruiccedilatildeo em massa materiais

bioloacutegicos e quiacutemicos e narcoacuteticos O documento destaca que essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo tecircm

origens no exterior em paiacuteses que acolhem e reproduzem terroristas e carteacuteis de drogas do

crime organizado internacional Portanto era preciso manter a mudanccedila na estrateacutegia fazendo

com que ela permaneccedila ldquoequilibradardquo com accedilotildees nacionais e internacionais para conter tanto

a demanda quanto a oferta de drogas Essas ldquoforccedilas destrutivasrdquo foram enfraquecidas na

administraccedilatildeo Clinton com a morte de Pablo Escobar em dezembro de 1993 e depois com

55

Isacson (2005) lembra que tanto no Congresso quanto no Senado a maioria era republicana bem como seus

liacutederes apoacutes as eleiccedilotildees de 1994 essa pressatildeo resultou na nomeaccedilatildeo do novo ldquoczar antidrogasrdquo general Barry

McCaffrey ndash ex-comandante do Comando Sul ndash para o Gabinete de Poliacutetica Nacional de Controle de Drogas

(Office of National Drug Control Policy ndash ONDCP) em novembro de 1996

85

uma seacuterie de prisotildees dos principais liacutederes das organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes de

Medelliacuten e Cali que em 1996 estavam praticamente pulverizadas

A Colocircmbia se torna nos anos 1990 o maior receptor de ajuda militar dos EUA no

Hemisfeacuterio Ocidental De acordo com o levantamento de dados do Departamento de Estado

realizado pela Common Sense for Drug Policy (CSDP) a ajuda fornecida para as forccedilas

armadas e a poliacutecia nacional colombianas para combate agraves drogas passou de US$288 milhotildees

em 1995 para cerca de US$959 milhotildees em 1997 e as vendas de materiais militares para o

paiacutes aumentou significativamente de US$219 milhotildees para US$75 milhotildees no mesmo

periacuteodo O pacote de ajuda militar anual acordado com o presidente colombiano Andreacute

Pastrana apoacutes a sua eleiccedilatildeo foi de US$289 milhotildees (COMMON SENSE FOR DRUG

POLICY 1999)

A Colocircmbia em 1994 durante a administraccedilatildeo Samper tambeacutem se tornou o uacutenico

paiacutes latino-americano a autorizar a fumigaccedilatildeo aeacuterea com herbicidas para deter o avanccedilo do

cultivo iliacutecito de coca e papoula conforme os ditames dos EUA para conter a produccedilatildeo No

entanto Boliacutevia e Peru continuavam com a erradicaccedilatildeo manual proibindo qualquer uso de

agente quiacutemico para esses fins Isacson (2005) aponta que o nuacutemero de hectares fumegados

subiu geometricamente passando de 5600 em 1996 para 127 mil hectares no ano de 2003

(ISACSON 2005 p45) Na Colocircmbia tanto o cultivo quanto a produccedilatildeo de coca cresceram

continuamente desde a deacutecada de 1980 de modo que o paiacutes ultrapassou a Boliacutevia e o Peru

juntos pela primeira vez no ano de 199856

demonstrando que a utilizaccedilatildeo de herbicidas para

deter o cultivo e a produccedilatildeo de coca natildeo atingiu os resultados almejados

Jaacute em 1999 foi elaborado o Plano Colocircmbia pela administraccedilatildeo Pastrana cujo nome

original era Plan de Desarollo Cambio para Construir la Paz que tinha como objetivo

principal cessar o conflito armado que se arrastava durante quatro deacutecadas atacando as

ldquocausas estruturaisrdquo do problema por meio de investimento econocircmico e social nas aacutereas

rurais da Colocircmbia como forma de reduzir a pobreza e a desigualdade na distribuiccedilatildeo da

riqueza Para promover o seu plano e angariar recursos o presidente colombiano foi aos EUA

O Plano em sua versatildeo original natildeo previa ajuda militar e seu foco era mais negociar um

processo de paz no paiacutes do que combater o narcotraacutefico Todavia para o governo

56

Conforme a CSDP (1999) os cultivos de coca natildeo foram erradicados porque ldquoestas culturas satildeo a uacutenica fonte

de renda dos camponeses uma vez que os campos satildeo fumigados os agricultores penetram mais

profundamente na floresta amazocircnica e cultivam em ladeiras iacutengremes Este impulso constante dos

camponeses levou ao desmatamento de mais de 175 milhotildees de hectares de floresta tropicalrdquo (COMMON

SENSE FOR DRUG POLICY 1999 traduccedilatildeo nossa)

86

estadunidense o desenho do Plano parecia vago e natildeo tinha qualquer relaccedilatildeo com os objetivos

prioritaacuterios da agenda poliacutetica norte-americana Com a visita do Ministro da Defesa

colombiano aos EUA para conseguir ajuda militar e negociaccedilotildees em torno do plano entre os

dois paiacuteses foi incluiacuteda uma estrateacutegia para fortalecer o papel do Estado na luta antinarcoacuteticos

com duraccedilatildeo de seis anos o que assumia seu caraacuteter eminentemente militar

O Plano Colocircmbia que previa um orccedilamento total de US$75 bilhotildees sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional reforccedilou o emprego de forccedilas militares e a

erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos por meio de fumigaccedilatildeo cujo foco principal foi alterado para o

combate agraves drogas para atender as diretrizes estabelecidas por Washington Para cumprir a

meta de erradicaccedilatildeo do traacutefico de drogas em 50 no periacuteodo de seis anos foram traccedilados seis

objetivos 1) reforccedilar a luta contra o traacutefico de drogas e desmantelar as organizaccedilotildees do traacutefico

atraveacutes de um esforccedilo integrado pelas forccedilas armadas 2) fortalecer o sistema judicial e

combater a corrupccedilatildeo 3) neutralizar o sistema financeiro do traacutefico de drogas e aproveitar os

seus recursos para o Estado 4) neutralizar e combater agentes violentos aliados do traacutefico de

drogas 5) integrar as iniciativas nacionais em esforccedilos regionais e internacionais e 6)

fortalecer e ampliar os planos de desenvolvimento alternativo em aacutereas afetadas pelo traacutefico

de drogas (FUKUMI 2008)

Os fundos enviados pela administraccedilatildeo Clinton deveriam ser destinados ao combate agraves

drogas e natildeo para a luta anti-subversiva contra as Forccedilas Armadas Revolucionaacuterias da

Colocircmbia (FARC) e o Exeacutercito de Libertaccedilatildeo Nacional (ELN) entretanto os equipamentos e

forccedilas militares foram empregados para ambos os fins pois grande parte das operaccedilotildees

militares ocorreu contra grupos narcotraficantes em regiotildees do paiacutes que tambeacutem tecircm forte

presenccedila das guerrilhas

Essa distinccedilatildeo entre narcotraacutefico e guerrilha sofreu uma mudanccedila no decorrer da

campanha presidencial de George W Bush filho em 2000 Carpenter (2003) ressalta que o

assessor de poliacutetica externa da campanha de Bush Robert Zoellick discordava da

diferenciaccedilatildeo entre guerrilha e narcotraacutefico feita durante a administraccedilatildeo Clinton Durante a

campanha o proacuteprio Bush coadunou com as afirmaccedilotildees de Zoellick quando prometeu ajudar

ldquoo governo colombiano a proteger a sua populaccedilatildeo combater o traacutefico de drogas e conter os

impulsos dos guerrilheirosrdquo (CARPENTER 2003 p 62 traduccedilatildeo nossa)

No ano de 2001 durante a administraccedilatildeo Pastrana ocorreu um aumento de accedilotildees

consideradas terroristas perpetradas pelas guerrilhas e de outras atividades armadas contra a

87

populaccedilatildeo civil realizadas por grupos paramilitares ilegais Michelle M Norentildea (2011)

enumera que nesse ano ocorreram mais de quatrocentas accedilotildees ditas terroristas promovidas

pelas FARC As mais recorrentes foram emboscadas extorsotildees ataques agraves instalaccedilotildees

estatais entre outros Essas accedilotildees da guerrilha coincidiram cronologicamente com o atentado

contra as torres gecircmeas em 11 de setembro de 2001 em Nova York o qual desencadeou a

war on terrorism em escala global

Apoacutes os atentados de 11 de setembro a guerra contra o terrorismo global se tornou o

eixo principal da seguranccedila e poliacutetica externa norte-americana o que levou Washington a

direcionar sua atenccedilatildeo para outras regiotildees do globo fazendo com que neste contexto a

Ameacuterica Latina e Caribe deixassem de ser suas prioridades bem como o combate agraves drogas

tambeacutem perdesse terreno poliacutetico nos EUA De acordo com Coletta A Youngers e Eileen

Rosin (2005b) os funcionaacuterios encarregados da poliacutetica externa dos Estados Unidos para a

regiatildeo buscaram conseguir atenccedilatildeo e recursos colocando um leque amplo de assuntos no

mesmo bojo do terrorismo e narcoterrorismo referindo-se ldquoa todas as atividades

transfronteiriccedilas ilegais como potenciais ameaccedilas terroristas como a produccedilatildeo e traacutefico de

droga imigraccedilatildeo ilegal traacutefico de armas e lavagem de dinheirordquo chegando ao ponto de o

Comando Sul no momento do deliacuterio antiterrorismo declarar que as drogas eram uma ldquoarma

de destruiccedilatildeo massivardquo (YOUNGERS ROSIN 2005b p 12 traduccedilatildeo nossa)

Em 23 de setembro de 2001 a administraccedilatildeo Bush publicou a ordem executiva 13224

que apresentava uma lista de organizaccedilotildees terroristas que passaram a serem consideradas

como ameaccedilas para a seguranccedila nacional dos EUA em outubro do mesmo ano as FARC

foram incluiacutedas nessa lista de Terroristas Globais57

O presidente Bush chegou a identificar a

guerrilha como ldquogrupo narcotraficanterdquo e ldquosenhores da drogardquo O governo Colombiano em

dezembro de 2001 emitiu um informe ao Comitecirc Contra o Terrorismo do Conselho de

Seguranccedila da ONU no qual anunciou a criaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo contra o terrorismo

chamado El Camino Hacia la Paz y la Estrategia Contra el Terrorismo compreendendo os

ldquoprincipais riscos e ameaccedilas a seguranccedila regional hemisfeacuterica e mundial estatildeo representados

pelo crime transnacional (terrorismo narcotraacutefico traacutefico iliacutecito de armas lavagem de

dinheiro etc)rdquo (COLOcircMBIA 2001 p 50)

57

As FARC jaacute tinham sido consideradas ldquoOrganizaccedilatildeo Estrangeira Terroristardquo pelo Departamento de Estado em

1997

88

Ainda em 2001 o governo Bush elaborou a Iniciativa Regional Andina durante a III

Cuacutepula das Ameacutericas a qual depois foi apresentada e aprovada pelo Senado estadunidense

procurava abranger os mesmos paiacuteses da Iniciativa anterior58

e previa um orccedilamento de US$

731 para o ano fiscal de 2002 e estava distribuiacutedo da seguinte forma US$ 399 para a

Colocircmbia US$ 2061 milhotildees para o Peru US$ 1435 milhotildees para Boliacutevia US$ 765

milhotildees para o Equador US$ 262 para o Brasil US$ 205 milhotildees para o Panamaacute e US$ 105

milhotildees para Venezuela (BUITRAGO 2003 p 133) Segundo Villa e Ostos (2005) o

programa teve a sua nomenclatura alterada posteriormente para Iniciativa Andina Antidrogas

com o orccedilamento de US$ 700 milhotildees para 2003 e de US$ 731 milhotildees para 2004 sendo que

a Colocircmbia devido a sua prioridade estrateacutegica no combate agraves drogas ficaria com a maior

parte do recurso cerca de 63 e o restante seria divido em ordem de prioridade entre os

outros paiacuteses andinos na seguinte sequecircncia Peru Boliacutevia e Equador

A partir do Plano Colocircmbia e da Iniciativa Regional Andina a (in)definiccedilatildeo do traacutefico

de drogas como potencial ameaccedila terrorista permitiu aos EUA redirecionarem os seus

esforccedilos para combater o narcotraacutefico o crime organizado transterritorial e a insurgecircncia (das

FARC-EP na Colocircmbia ao Sendero Luminoso no Peru) como uma de suas prioridades em

mateacuteria de seguranccedila para a regiatildeo andina influindo direta e indiretamente nas agendas de

seguranccedila nacionais e regionais Ao colocar o traacutefico de drogas terrorismo e guerrilha sob o

mesmo tropo a compreensatildeo sobre as diferenccedilas particularidades e significados que existem

entre esses fenocircmenos seus agentes e suas atividades a niacutevel domeacutestico regional e global foi

prejudicada incorrendo em accedilotildees militares assimeacutetricas para combatecirc-las Isso eacute verificaacutevel

nas estrateacutegias de seguranccedila estadunidense para o arco andino as quais se tornaram

gradualmente mais ofensivas para responder agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo Tais redimensionamentos

repercutiram indireta e diretamente nos Andes colocando em questatildeo os atores regionais e

seus papeacuteis concernentes agrave seguranccedila

O papel desempenhando pelos EUA foi decisivo no processo de ldquoimposiccedilatildeordquo das

ldquoguerras agraves drogasrdquo no arco andino no entanto deve-se problematizar a unilateralidade das

poliacuteticas de Washington pois a implantaccedilatildeo da poliacutetica de drogas repressiva e seus

desdobramentos tecircm responsabilidade compartilhada (THOUMI 2001) A pressatildeo exercida

pelos diferentes governos estadunidenses recebeu algumas resistecircncias pontuais por exemplo

no que concerne agrave criaccedilatildeo de uma forccedila militar multinacional antidrogas que seria

58

Conferir Mapa 5 da seccedilatildeo anexos

89

administrada por Washington Os paiacuteses andinos incorporaram a percepccedilatildeo norte-americana

do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila gradativamente em um processo contiacutenuo de

construccedilatildeo Os marcos regulatoacuterios nacionais e as poliacuteticas de drogas implementados pelos os

Estados da regiatildeo no decorrer da emergecircncia do narcotraacutefico como ameaccedila corroboraram

para a prevalecircncia dessa construccedilatildeo e para o enraizamento do problema impedindo qualquer

iniciativa que favoreccedila o avanccedilo do debate sobre a legalizaccedilatildeo das drogas ou de outras

alternativas para a questatildeo A regiatildeo andina se tornou no decurso das trecircs uacuteltimas deacutecadas

um laboratoacuterio de experimentaccedilatildeo da guerra assimeacutetrica contra as drogas mas isso natildeo

ocorreu sem anuecircncia de governos andinos e de parte da sociedade que os apoiaram A

identificaccedilatildeo do traacutefico de drogas com problemas tradicionais de seguranccedila regional e

nacional bem como a sua vinculaccedilatildeo com a guerrilha e com o terrorismo demonstram que

esse processo de construccedilatildeo da ameaccedila foi exitoso ndash poreacutem improfiacutecuo no que tange aos seus

resultados ndash mas com alcances diferentes de acordo com as particularidades das poliacuteticas de

seguranccedila a esse respeito O proacuteximo capiacutetulo abordaraacute como cada paiacutes se alinhou e ou

contestou agraves diretrizes internacionais o desenvolvimento e o exerciacutecio do controle coercitivo

das drogas iliacutecitas em cada Estado da CAN

90

4 O TRAacuteFICO DE DROGAS NOS PAIacuteSES DA COMUNIDADE ANDINA

MUacuteTIPLOS CONTEXTOS AGENTES E AGENDAS

41 Colocircmbia Do Plano Colocircmbia agrave Poliacutetica de Defesa e Seguranccedila Democraacutetica

A Colocircmbia estaacute entre os paiacuteses que mais auferiram recursos financeiros dos EUA

para pocircr em curso programas militares e ou de seguranccedila consequentemente eacute tambeacutem o

principal aliado de Washington na Ameacuterica do Sul A influecircncia do paiacutes norte-americano

sobre a Colocircmbia atravessou todo o seacuteculo XX

No final do seacuteculo passado a Colocircmbia passava por um momento de agravamento do

conflito interno que atingiu proporccedilotildees calamitosas59

e de expansatildeo das atividades do traacutefico

de drogas Naquele momento o paiacutes apresentou um crescimento desenfreado do cultivo de

coca que passou de 101800 ha em 1998 para 160100 ha em 1999 e da produccedilatildeo de cocaiacutena

que no mesmo periacuteodo passou de 435 para 680 toneladas meacutetricas (UNODC 2005 p 61)

Este crescimento do cultivo da coca e da produccedilatildeo de cocaiacutena estaacute relacionado com a

mudanccedila da dinacircmica do traacutefico de drogas ocorrida em meados de 1990 quando a ldquoponte

aeacutereardquo que ligava os centros de cultivo de coca na Boliacutevia e no Peru agraves instalaccedilotildees de

processamento de cocaiacutena na Colocircmbia foi desarticulada o que motivou o aumento dos

plantios de coca na Colocircmbia a partir da segunda metade dos anos 1990 Em 2000 o paiacutes

produzia 70 da cocaiacutena do mundo Frente a este quadro os governos de Andreacutes Pastrana

Arango (1998-2002) e Aacutelvaro Uribe Veacutelez (2002-2010) se propuseram consecutivamente

elaborar estrateacutegias para conter as fontes de financiamento do traacutefico de drogas e para

restabelecer a paz no paiacutes

Assim que assumiu a presidecircncia Pastrana declarou ldquoguerra agraves drogasrdquo e criou

iniciativas para modernizar e reequipar a poliacutecia nacional e as forccedilas armadas Pastrana tinha

como um dos seus objetivos chegar a um termo com as FARC que era o maior grupo

guerrilheiro colombiano e um dos atores centrais do conflito para consolidar a paz no paiacutes

59

No transcurso da deacutecada de 1990 o conflito armado na Colocircmbia resultou em numerosos iacutendices de mortos

desaparecidos sequestrados feridos chacinas massacres e refugiados Entre o comeccedilo de 1990 ateacute marccedilo de

2002 cerca de 37 mil pessoas foram mortas pelo conflito Outro nuacutemero alarmante foi o de refugiados

forccedilados dentro do territoacuterio colombiano que atingiu 2900000 pessoas (SANTOS 2007 p 183)

91

No ano de 199960

a administraccedilatildeo de Pastrana apresentou o Plan Colombia Plan para la

paz la prosperidad y el fortalecimiento del Estado que contemplava dez estrateacutegias 1) uma

estrateacutegia econocircmica para geraccedilatildeo de empregos e robustecimento da arrecadaccedilatildeo de impostos

para fortalecimento do Estado contra o narcotraacutefico 2) uma estrateacutegia fiscal e financeira para

fomentar a atividade econocircmica 3) uma estrateacutegia de paz com a guerrilha 4) uma estrateacutegia

para a defesa nacional para reestruturar e modernizar as forccedilas armadas e a poliacutecia 5) uma

estrateacutegia judicial e de direitos humanos 6) uma estrateacutegia antinarcoacuteticos coordenada com os

paiacuteses envolvidos na cadeia do narcotraacutefico 7) uma estrateacutegia de desenvolvimento

alternativo 8) uma estrateacutegia de participaccedilatildeo social com a finalidade de gerar o compromisso

da sociedade em geral 9) uma estrateacutegia de desenvolvimento humano com atenccedilatildeo especial

aos grupos vulneraacuteveis e 10) uma estrateacutegia de orientaccedilatildeo internacional que aborde o tema

das drogas a partir dos princiacutepios de corresponsabilidade accedilatildeo integrada e tratamento

equilibrado (COLOcircMBIA 1999) No ano 2000 apoacutes as negociaccedilotildees entre os governos

Pastrana e Clinton foi lanccedilada a quarta versatildeo do Plano a qual previa cinco componentes

principais para a assistecircncia norte-americana 1) melhoramento da capacidade de governanccedila

e respeito aos direitos humanos 2) expansatildeo das operaccedilotildees para o sul da Colocircmbia 3)

desenvolvimento econocircmico alternativo 4) aumento da interdiccedilatildeo na Colocircmbia e na regiatildeo

5) assistecircncia para a Poliacutecia Nacional da Colocircmbia

O Plano Colocircmbia foi uma das estrateacutegias mais abrangentes delineadas pelo governo

colombiano em parceria com os EUA para enfrentar o conflito armado e o narcotraacutefico Para

colocaacute-lo em praacutetica estava previsto um orccedilamento total de US$75 bilhotildees ndash sendo que

US$35 bilhotildees viriam de ajuda internacional ndash e a estimativa de duraccedilatildeo era de cinco anos O

plano surge principalmente para combater o traacutefico de drogas e na sua ediccedilatildeo de 1999 o

narcotraacutefico era entendido como ldquouma ameaccedila para a seguranccedila interna natildeo soacute da Colocircmbia

mas tambeacutem para as outras naccedilotildees consumidoras e produtorasrdquo (COLOcircMBIA 1999 traduccedilatildeo

nossa) Este trecho expressa bem a influecircncia dos Estados Unidos que sob a premissa de

combater uma ldquoameaccedilardquo global incluiu todos os paiacuteses andinos na luta contra o

ldquonarcotraacuteficordquo O Plano trazia consigo a marca da ambiguidade Por um lado procurava

abordar as urgecircncias e problemas internos por outro respondia a interesses nacionais

regionais e geopoliacuteticos dos EUA A ambiguidade reflete natildeo apenas no conteuacutedo do plano

60

A primeira versatildeo do plano foi elaborada em 1998 cuja abordagem era mais focada nas questotildees sociais e

econocircmicas entendidas como os principais fatores para alcanccedilar a paz na Colocircmbia A segunda versatildeo foi

apresentada em junho de 2009 e a terceira foi publicada em setembro do mesmo ano

92

mas tambeacutem na forma como ele seria executado por exemplo o plano de paz que previa

soluccedilatildeo negociada com as FARC apoacutes a nova redaccedilatildeo sob as orientaccedilotildees de Washington no

ano de 2000 se tornou uma estrateacutegia de contrainsurgecircncia

Juan Gabriel Tokatlian (2009) aponta que a militarizaccedilatildeo da luta contra o narcotraacutefico

formulada sob o Plano Colocircmbia operou uma redefiniccedilatildeo dos interesses regionais dos EUA

no arco andino isto se deve ao paradigma securitaacuterio estadunidense que legitima a poliacutetica

intervencionista na regiatildeo para combater o narcotraacutefico que eacute considerado um problema natildeo

apenas transnacional mas tambeacutem internacional e geopoliacutetico Segundo Tokatlian

inicialmente a assistecircncia de Washington para o Plano Colocircmbia era restrita ao combate

contra o narcotraacutefico mas a partir dos atentados contra as torres gecircmeas em 2001 o governo

colombiano passou a tratar as FARC e as organizaccedilotildees criminosas como grupos terroristas e

isto permitiu que os fundos para o Plano fossem destinados tambeacutem para combater as

guerrilhas e internacionalizasse o conflito ocasionando o ldquoefeito derramerdquo ou seja a

intensidade dos combates contra o ldquonarcoterrorismordquo incorreu no espalhamento das atividades

do narcotraacutefico para as fronteiras e para dentro dos territoacuterios nacionais dos paiacuteses vizinhos

assim como outros fatores ligados direta e indiretamente agrave esta atividade iliacutecita

Desde o ano de seu lanccedilamento ateacute 2002 o Plano teve impacto sobre o plantio de

coca A erradicaccedilatildeo forccedilada que combinava accedilotildees de erradicaccedilatildeo manual e fumigaccedilotildees aeacutereas

com o uso de glifosato fizeram com que o total de cultivos que era de 163000 ha em 1999

fosse reduzido para 102000 ha em 2002 O uso indiscriminado de glifosato aleacutem de

aumentar os custos com a erradicaccedilatildeo provocou o deslocamento forccedilado de milhares de

famiacutelias impulsionando tambeacutem a transferecircncia dos cultivos para as aacutereas situadas nas

regiotildees limiacutetrofes principalmente na fronteira com o Equador como satildeo os casos dos

Departamentos de Narintildeo e Putumayo

Os resultados do Plano Colocircmbia ateacute o comeccedilo de 2001 foram vistos pelo presidente

norte-americano Clinton como piacutefios Mesmo com a reduccedilatildeo gradativa dos cultivos o traacutefico

de cocaiacutena continuava prosperando pois para Washington o fim dos ldquocarteacuteis colombianosrdquo

resultou no surgimento de inuacutemeros outros grupos narcotraficantes menores fazendo com que

ocorresse um processo de ldquodemocratizaccedilatildeo do narcotraacuteficordquo (FUKUMI 2008) Aleacutem disso as

93

negociaccedilotildees do presidente Pastrana com as FARC natildeo avanccedilaram61

assim como o governo

natildeo conseguiu fortalecer a presenccedila institucional no territoacuterio colombiano principalmente nas

aacutereas afetadas pela pobreza e pela violecircncia crescente Sua figura foi associada ao fracasso

poliacutetico e o marco simboacutelico dessa situaccedilatildeo foi o sequestro do aviatildeo comercial perpetrado

pelas FARC no comeccedilo de 2002 Todos os passageiros foram sequestrados e o presidente da

comissatildeo de paz do congresso foi feito refeacutem Essa accedilatildeo motivou Pastrana a romper o

processo de negociaccedilatildeo de paz De acordo com Villa e Ostos (2005) o maior ecircxito da

administraccedilatildeo de Pastrana foi no aspecto externo ldquoao restabelecer plenamente as relaccedilotildees

com os EUA aceitando no entanto a internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano e da luta

contra o narcotraacutefico por meio de mecanismos concretos como o Plano Colocircmbiardquo (VILLA

OSTOS 2005 p 7)

A eleiccedilatildeo no primeiro turno de Aacutelvaro Uribe em 2002 foi marcada pela sua bandeira

de luta contra a guerrilha apostando no uso da forccedila militar sob o lema mano firme y corazoacuten

grande o que divergia da poliacutetica de negociaccedilatildeo de seu antecessor A persistente existecircncia

das FARC e o seu espalhamento com a formaccedilatildeo de novas frentes de luta insurgente pelo

territoacuterio colombiano bem como o contexto da guerra contra o terrorismo promoveram uma

mudanccedila de como a guerra agraves drogas deveria ser conduzida Os atentados de 11 de setembro

criaram um ambiente favoraacutevel para que o receacutem-empossado presidente Uribe (2002-2010)

apresentasse o seu plano de seguranccedila no qual a insurgecircncia eacute classificada como ldquoterrorismordquo

e suas atividades como ldquonarcoterroristasrdquo Esta mudanccedila discursiva coadunava com a visatildeo

estadunidense sobre o conflito colombiano

O governo colombiano foi apoiado pelos EUA o presidente Bush enviou US$ 100

milhotildees para reequipar as forccedilas armadas para o combate ao ldquonarcoterrorismordquo e para a

proteccedilatildeo de oleodutos (TEICHER 2005) Esta forte presenccedila de Washington nos assuntos

internos da Colocircmbia estaacute relacionado com aquilo que Arlene B Tickner (2007) chamou de

ldquointervenccedilatildeo por conviterdquo ou seja tanto o presidente Pastrana quanto Uribe recorreram aos

EUA para que este paiacutes interviesse em sua poliacutetica domeacutestica para auxiliar na luta contra o

traacutefico de drogas e contra os grupos armados insurgentes

Nos primeiros anos de seu mandato Uribe concentrou seus esforccedilos para reafirmar o

controle do governo em todo o paiacutes e executar o Plano Colocircmbia As principais medidas

61

O presidente Pastrana chegou a conceder para a guerrilha uma zona desmilitarizada que cobria 40 do

territoacuterio colombiano (VILLA OSTOS 2005 p 7)

94

adotadas nos primeiros anos de seu governo foram a) a promulgaccedilatildeo de um decreto

emergencial que concedia poderes ao presidente para recrutar ateacute 6000 soldados para a elite

de brigadas moacuteveis 10 mil novos policiais e 100000 informantes civis b) a criaccedilatildeo de um

imposto de guerra para taxar em 12 a renda de pessoas ricas e grandes empresas no intuito

de levantar $ 800 milhotildees para criaccedilatildeo de 2 batalhotildees de elite com 3 mil soldados e a para a

contrataccedilatildeo de 10 mil policiais c) o lanccedilamento do Plano Meteoro o qual criou sete unidades

militares de seguranccedila rodoviaacuteria que integrava os Ministeacuterios da Defesa e do Transporte d)

e a apresentaccedilatildeo de um plano para armar entre 15 a 20 mil camponeses que seriam a primeira

linha de defesa contra guerrilheiros e paramilitares em aacutereas onde natildeo haacute presenccedila militar

(TEICHER 2005 p 7) A ecircnfase dada agrave presenccedila militar pelo governo colombiano tinha o

intuito de simbolizar e exercer efetivamente o poder do Estado sobre o territoacuterio e a

populaccedilatildeo mas tambeacutem criar as condiccedilotildees necessaacuterias para garantir um ambiente seguro para

a entrada do capital financeiro internacional e de seus investimentos

O Plano Colocircmbia incidiu sobremaneira na Poliacutetica de Defensa y Seguridad

Democraacutetica (tambeacutem conhecida como Poliacutetica Seguridad Democraacutetica - PSD)

implementada em 2003 que se tornou o marco legal orientador das questotildees de seguranccedila

neste paiacutes A PSD foi concebida como poliacutetica de Estado a longo prazo que deveria ser

desenvolvida por todos oacutergatildeos governamentais Esta poliacutetica objetivava recuperar a

legitimidade a legalidade e a governabilidade do Estado colombiano para aprofundar e

assegurar o Estado de Direito em todo o territoacuterio colombiano por meio da preservaccedilatildeo da

autoridade democraacutetica (COLOMBIA 2003) O governo Uribe tinha o propoacutesito de fortalecer

as instituiccedilotildees do Estado e reunificar o territoacuterio nacional politicamente fragmentado e a PSD

cumpriria esta tarefa pois a sua finalidade era ldquorestabelecer a ordem e a integridade territorial

na Colocircmbia e fortalecer a autoridade do Estadordquo (VILLA VIANA 2008 p167) A PSD foi

elaborada sobre trecircs alicerces fundamentais

Consolidaccedilatildeo do territoacuterio nacional (com destaque para o papel das

Forccedilas Armadas e uma desmobilizaccedilatildeo dos grupos paramilitares)

eliminaccedilatildeo do comeacutercio das drogas iliacutecitas fortalecendo para isso a

poliacutetica de fumigaccedilatildeo das zonas de plantio e combate pelo Exeacutercito

aos grupos de narcotraficantes e proteccedilatildeo das fronteiras mediante

acordos com os paiacuteses vizinhos (VILLA VIANA 2008 p167)

A PSD tinha como um dos seus pontos centrais qualificar o conflito armado como

ameaccedila militar De acordo com o governo os grupos guerrilheiros seriam financiados pelo

narcotraacutefico e utilizam ldquopraacuteticas terroristasrdquo como taacutetica de guerra portanto essa ameaccedila

95

militar deveria ser prioridade para seguranccedila nacional Essa poliacutetica militarista do governo

colombiano se aproximou das propostas de Washington de guerra ao terror (QUIROGA

2003) Essa descaracterizaccedilatildeo da dimensatildeo poliacutetica do conflito e das reivindicaccedilotildees dos

grupos insurgentes permitiu ao governo Uribe declarar desde o iniacutecio de seu governo o

ldquoestado de conmocioacuten interiorrdquo de acordo com a constituiccedilatildeo de 1991 ou seja essa

declaraccedilatildeo de estado de exceccedilatildeo permitiu ao presidente conceder poderes excepcionais agraves

forccedilas armadas acima das instituiccedilotildees judiciaacuterias do Estado submetendo tambeacutem as

autoridades civis eleitas democraticamente aos respectivos comandantes locais (VILLA

VIANA 2008 p169)

Este fortalecimento do papel das forccedilas armadas para combater as guerrilhas e o

narcotraacutefico era ambiacuteguo pois o conflito de interesses para resoluccedilatildeo do problema ficou

evidente nas formas distintas de tratar as guerrilhas e os grupos paramilitares No primeiro

caso cessaram-se as negociaccedilotildees e foi declarada guerra agraves FARC e a ELN no segundo o

governo iniciou em 2003 o processo de Desmobilizacioacuten Desarme y Reinsercioacuten (DDR) dos

grupos paramilitares A partir daiacute foi aberto um canal de diaacutelogo do governo com as AUC ndash o

maior e o mais bem armado grupo paramilitar colombiano no comeccedilo dos anos 2000 ndash que

visava a desmobilizar e desarmar cerca de 34 blocos da organizaccedilatildeo e reincorporar os seus

membros agrave vida civil com garantia de seus direitos Tal accedilatildeo objetivava unificar a poliacutetica de

seguranccedila e restabelecer o monopoacutelio estatal do uso da forccedila entretanto o paramilitarismo

natildeo foi extinto e continua descentralizado e presente em vaacuterios pontos do territoacuterio

colombiano principalmente como ldquobandas criminais emergentesrdquo (Bacrim)62

O presidente Uribe ao impor a sua poliacutetica de seguranccedila natildeo levou em consideraccedilatildeo

os problemas estruturais de longa duraccedilatildeo da Colocircmbia e a complexidade do conflito A

simplificaccedilatildeo do processo trouxe consequecircncias indeleacuteveis para a populaccedilatildeo e os deslocados

internos estavam entre os mais prejudicados com a crise dos direitos humanos a negaccedilatildeo do

direito internacional humanitaacuterio e a ausecircncia de garantias miacutenimas de sobrevivecircncia aleacutem da

natildeo distinccedilatildeo entre combatentes e natildeo combatentes que provocou inuacutemeros casos de

violaccedilotildees dos direitos humanos No ano de 2002 os deslocamentos internos alcanccedilaram

iacutendices elevados atingindo 411779 pessoas um aumento de 20 em relaccedilatildeo a 2001

62

As bandas criminales emergentes conhecidas pela sigla Bacrim em sua maioria emergiram apoacutes o processo

de desmobilizaccedilatildeo dos blocos que compunham as AUC Muitos de seus integrantes natildeo aceitaram se

desmobilizar e se reestruturaram e se fragmentaram em inuacutemeros novos grupos criminosos que continuaram

exercendo atividades iliacutecitas sendo o traacutefico de drogas uma das principais A nomenclatura Bacrim foi

utilizada pelo presidente Uribe para denunciar este fenocircmeno

96

(VIANA 2009 p 137) Para tentar solucionar o problema uma das medidas anunciadas pelo

Presidente Aacutelvaro Uribe Veacutelez foi a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Desenvolvimento

(2002-2006) o qual colocou a questatildeo dos deslocamentos internos como o maior problema

humanitaacuterio da Colocircmbia e se tornou prioridade no Plano Nacional de Defesa com a

promulgaccedilatildeo da lei 812 de 2003

A PSD considera fundamental para o fortalecimento do Estado de Direito a

consolidaccedilatildeo gradativa do controle estatal sobre a totalidade do territoacuterio nacional Para

consecuccedilatildeo deste objetivo o Estado colombiano utiliza com veemecircncia as Forccedilas Armadas e

a Poliacutecia Nacional para combater diferentes tipos de ameaccedilas sendo que muitas delas estatildeo

interligadas e satildeo de natureza transnacional o terrorismo o comeacutercio de drogas iliacutecitas as

financcedilas iliacutecitas o traacutefico de armas municcedilotildees e explosivos o sequestro e a extorsatildeo o

homiciacutedio (COLOMBIA 2003) O governo colombiano concebe o terrorismo e o traacutefico de

drogas como ldquoameaccedilas indissociaacuteveisrdquo conforme a Resoluccedilatildeo 1373 de 2001 do Conselho de

Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas a qual trata traacutefico de drogas crime organizado transnacional e

o terrorismo internacional como atividades inter-relacionadas63

A partir deste quadro

normativo as forccedilas armadas tecircm direcionado suas accedilotildees ao combate ao terrorismo e ao crime

organizado internacional desempenhado por uma seacuterie de organizaccedilotildees criminosas e grupos

subversivos que segundo o governo colombiano eram principalmente as FARC e em menor

grau o ELN

No comeccedilo do ano de 2007 o governo colombiano anunciou o lanccedilamento da

Estrategia de Fortalecimiento de la Democracia y del Desarrollo Social 2007-2013 (ou Plano

Colocircmbia II) que pretendia angariar apoio da ldquocomunidade internacionalrdquo sobretudo os

EUA para implementar a segunda fase do Plano Colocircmbia Diana Marcela Rojas (2007)

aponta que a Estrateacutegia pretendia consolidar as conquistas do Plano Colocircmbia I a partir de

uma reinterpretaccedilatildeo retrospectiva do primeiro Plano procurando ampliaacute-lo e aprofundaacute-lo e

natildeo restringi-lo agrave luta antidrogas e ao combate agraves guerrilhas Portanto deveria abarcar um

63

A Resoluccedilatildeo 1373 em seu art 4 ldquoObserva com preocupaccedilatildeo a estreita conexatildeo entre o terrorismo internacional

e o crime organizado transnacional as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro traacutefico ilegal de armas e a

circulaccedilatildeo iliacutecita materiais nucleares quiacutemicos materiais bioloacutegicos e outros materiais potencialmente letais e

nesse sentido enfatiza a necessidade de melhorar a coordenaccedilatildeo de esforccedilos em niacuteveis nacional sub-regional

regional e internacional a fim de reforccedilar uma resposta global a este grave problema e a esta grande ameaccedila agrave

seguranccedila internacionalrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwbportugalptpt-

PTLegislacaoenormasDocumentsResolucao1373ano2001pdfgt Acesso em 22 dez 2015

97

conjunto de estrateacutegias e contaria com o orccedilamento de US$ 438366 milhotildees dos quais 48

seriam dirigidos para as questotildees sociais

A administraccedilatildeo Uribe apresentou no mesmo ano a Poliacutetica de Consolidacioacuten de la

Seguridad Democraacutetica (PCSD) que ldquoestabelece as prioridades e objetivos poliacuteticos

especiacuteficos que orientariam a accedilatildeo do Ministeacuterio de Defesa as Forccedilas Armadas e a Poliacutecia

Nacionalrdquo (COLOMBIA 2007 p 29) e seu aspecto fundamental seria a Doutrina de Accedilatildeo

Integral (DAI) que constitui a ldquoprincipal coordenaccedilatildeo do uso legiacutetimo da forccedila e accedilatildeo social

do Estadordquo para determinar as accedilotildees mais adequadas em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo da

estrateacutegia militar e policial contra as principais ameaccedilas sobretudo aquelas relacionadas ao

crime organizado internacional Dentre os seus objetivos estatildeo a proteccedilatildeo da populaccedilatildeo contra

todas as ameaccedilas e o impedimento do desenvolvimento da atividade do narcotraacutefico elevando

os custos de sua realizaccedilatildeo

O combate ao narcotraacutefico eacute realizado mormente pela Divisatildeo Antinarcoacuteticos da

Poliacutecia Nacional Os militares estatildeo envolvidos na luta contra o traacutefico de drogas iliacutecitas ou

por meio de operaccedilotildees conjuntas com a poliacutecia ou por accedilotildees independentes Esse

envolvimento militar acontece especialmente pela Brigada Antinarcoacutetico do Exeacutercito

colombiano com base em Tres Esquinas (Putumayo) composta por 3 batalhotildees atribuiacutedos agrave

Fuerza de Tarea Conjunta del Sur cuja organizaccedilatildeo e formaccedilatildeo que comeccedilou em 1999

tiveram participaccedilatildeo ativa dos Estados Unidos por meio do Plano Colocircmbia (COMANDO

CONJUNTO DE LAS FUERZAS ARMADAS [2013])

Em 2011 durante o governo de Juan Manuel Santos foi implantada a Poliacutetica Integral

de Seguridad y Defensa para Prosperidad visando dentre outras questotildees diminuir a

produccedilatildeo nacional de narcoacuteticos fortalecer as capacidades de interdiccedilatildeo desarticular as

bandas criminales (Bacrim) e desmantelar os grupos armados agrave margem da lei O documento

considera como ameaccedila as FARC e o ELN as Bacrim as miliacutecias e redes criminosas a

delinquecircncia comum e o crime organizado (COLOMBIA 2011 p 19) Segundo o

documento o surgimento de um novo cenaacuterio nas uacuteltimas deacutecadas marcado pelas

transformaccedilotildees das ameaccedilas fez com que estas migrassem do acircmbito nacional para o regional

e o Ministeacuterio de Defesa Nacional as Forccedilas Militares a Poliacutecia Nacional e demais

instituiccedilotildees ligadas ao setor de seguranccedila teratildeo como tarefa principal a superaccedilatildeo da violecircncia

promovida por estas ameaccedilas para consolidaccedilatildeo da presenccedila estatal na totalidade do territoacuterio

nacional Para tanto o Ministeacuterio da Defesa delinearaacute um conjunto de estrateacutegias para atuar

98

com forccedilas polivalentes na seguranccedila interna e dissuasatildeo externa para conter a dinacircmica do

crime transnacional (COLOMBIA 2011)

Com a chegada de Juan Manuel Santos em 2010 ocorreu uma mudanccedila na poliacutetica

externa colombiana principalmente no que tange agraves relaccedilotildees com os paiacuteses vizinhos como o

Equador e a Venezuela cujas relaccedilotildees foram prejudicadas principalmente por conta da

internacionalizaccedilatildeo do conflito interno durante a administraccedilatildeo de Uribe e de sua agenda para

fortalecimento das relaccedilotildees na Ameacuterica do Sul Em relaccedilatildeo agrave seguranccedila a Poliacutetica Integral de

Seguranccedila de Manuel Santos manteacutem as forccedilas militares na atuaccedilatildeo da seguranccedila interna e na

luta antidrogas A retomada das negociaccedilotildees com as FARC em Havana apresentou alguns

avanccedilos e foram maiores do que os seus antecessores como a participaccedilatildeo poliacutetica da

guerrilha a aceitaccedilatildeo da proposta para criaccedilatildeo de uma Comissatildeo da Verdade com o anuacutencio

de cessar-fogo temporariamente por parte da guerrilha No entanto a luta militarizada para

combater o traacutefico de drogas e a percepccedilatildeo deste tema como ameaccedila agrave seguranccedila continuaram

As forccedilas armadas foram novamente acionadas para combater as guerrilhas insurgentes no

Plan Campantildea Espada de Honor (ou Operacioacuten Espada de Honor) no ano de 2012

Liderado pela Segunda Divisatildeo do Exeacutercito o plano pretendeu desarticular as FARC e o ELN

em 3 niacuteveis comando e controle estruturas armadas e redes de apoio As operaccedilotildees militares

ocorreram nos departamentos de Santander Boyacaacute Boliacutevar Cesar e Antioquia capturando

cerca de 428 integrantes de grupos armados ilegais As FARC tiveram 260 integrantes presos

o ELN sofreu prisatildeo de 111 membros o EPL (Exeacutercito Popular de Libertaccedilatildeo) teve 17

integrantes presos e os outros 40 presos pertenciam as Bacrim64

42 Equador Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotraacutefico na Fronteira

Colombo-Equatoriana

O Equador estaacute localizado entre os dois maiores produtores de cocaiacutena do mundo

Colocircmbia e Peru e a sua posiccedilatildeo costeira voltada para o Oceano Paciacutefico o insere na

geopoliacutetica das drogas como parte das redes do narcotraacutefico atraveacutes de seus corredores

terrestres mariacutetimos e aeacutereos e da estrateacutegia hemisfeacuterica antidrogas dos EUA No acircmbito do

traacutefico de drogas no que tange agrave produccedilatildeo circulaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo o paiacutes desempenha

quatro funccedilotildees fundamentais 1) Eacute uma das principais vias de tracircnsito de folha de coca

64

HSB Noticias Positivo balance del Plan Campantildea Espada de Honor 16 de maio de 2013 Disponiacutevel em

lthttpwwwhsbnoticiascomvernoticiaaspac=Positivo-balance-del-Plan-de-Campana-Espada-de-

HonorampWPLACA=51365gt Acesso em 25 mar 2015

99

cultivadas na Boliacutevia e no Peru para serem processadas na Colocircmbia 2) eacute ponto de partida de

diferentes rotas do traacutefico de drogas para os mercados internacionais como os EUA e

Europa65

(e mais recentemente para Aacutesia) 3) eacute mercado de contrabando de precursores

quiacutemicos utilizado no processamento da cocaiacutena e heroiacutena e de traacutefico de armas que

abastecem as organizaccedilotildees criminosas e grupos armados colombianos 4) eacute uma economia

receptora dos fluxos monetaacuterios iliacutecitos provenientes da lavagem de dinheiro66

(VEGA 2005

BONILLA URIGUumlEN 2009) O cultivo de coca no paiacutes eacute de pequena escala e inexpressivo

se comparado com Boliacutevia Colocircmbia e Peru (VEacuteLEZ 2005 BONILLA URIGUumlEN 2009

UNODC 2010a)67

No ano de 1990 o Congresso Nacional do Equador promulgou a Lei 108 sobre

Substacircncias Entorpecentes e Psicotroacutepicas a qual reproduzia no acircmbito interno a loacutegica

proibicionista e punitiva das convenccedilotildees internacionais Em seu Artigo 1ordm a Lei 108 expressa

o seu objetivo da seguinte forma ldquoEsta Lei tem como objetivo combater e erradicar a

produccedilatildeo oferta uso indevido e traacutefico iliacutecito de substacircncias entorpecentes e psicotroacutepicas

para proteger a comunidade dos perigos decorrentes destas atividadesrdquo (EQUADOR 1990

traduccedilatildeo nossa)

A lei antidrogas equatoriana depois de aprovada foi revisada pela Narcotics Affairs

Section (NAS) da Embaixada dos EUA no paiacutes e pela CICAD onde foram incorporados os

comentaacuterios e orientaccedilotildees destes oacutergatildeos Edwards (2010) salienta que esta lei em sua maior

parte era contraditoacuteria em relaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo do Equador vigente agrave eacutepoca pois dava

vazatildeo para constituir uma estrutura judicial paralela para processar os crimes relacionados agraves

drogas Assim sendo a Lei 108 se tornou uma das mais ldquoaplicadas pela administraccedilatildeo de

justiccedila penal e por um enorme aparato governamental que inclui um corpo policial

especializado instalaccedilotildees proacuteprias e um oacutergatildeo administrativo para manejar os recursos que

65

No ano de 1992 a Poliacutecia Nacional equatoriana prendeu Jorge Hugo Reyes o liacuteder do grupo narcotraficante

conhecido como Los Reys Magos (que tinha na eacutepoca um patrimocircnio de cerca de US$ 1 milhatildeo de doacutelares)

mais dois coroneacuteis e um major do exeacutercito e outros membros das forccedilas armadas do paiacutes No depoimento de

uma das fontes da poliacutecia foi denunciado que Los Reys Magos mantinham contato na Alemanha EUA Suiacuteccedila

Colocircmbia Peru e Meacutexico o que demonstrou o quatildeo articulada e extensa era a rede narcotraficante equatoriana

no iniacutecio dos anos 1990 Informaccedilotildees disponiacuteveis em lt httpwwweltiempocomarchivodocumentoMAM-

160772gt Acesso em 12 abr 2015 66

A dolarizaccedilatildeo integral da economia a partir de 2000 foi um fator imprescindiacutevel para inserir a economia

equatoriana nos circuitos da lavagem de dinheiro 67

Segundo o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas de 2011 no Equador o cultivo de coca eacute de 004 do total

regional Fredy Rivera Veacutelez (2005) explica que um dos motivos para a quase inexistecircncia do cultivo de folha

de coca no Equador estaacute relacionado com a eliminaccedilatildeo da coca das praacuteticas ritualiacutesticas e tradicionais dos

povos indiacutegenas da regiatildeo pelo governo colonial no seacuteculo XVII Mesmo com o fim do periacuteodo colonial o uso

tradicional da folha de coca natildeo foi reavivado no paiacutes pelos camponeses

100

gera a luta contra o narcotraacuteficordquo (CORDERO HEREDIA 2010 apud EDWARDS 2010 p

8 traduccedilatildeo nossa) Esta lei se tornou uma das mais riacutegidas da Ameacuterica Latina68

sobretudo

pelo fato de ser influenciada diretamente pela poliacutetica de ldquoguerra agraves drogasrdquo dos EUA e por

atender irrefletidamente as exigecircncias dos regimes internacionais

A Lei 108 criou o Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y

Psicotroacutepicas (CONSEP) um oacutergatildeo oficial com orccedilamento proacuteprio sediado na capital Quito

cuja finalidade eacute coordenar a aplicaccedilatildeo da lei antidrogas na esfera nacional (EQUADOR

1990)69

O CONSEP tem como missatildeo o cumprimento da poliacutetica de Estado e da Declaraccedilatildeo

de Interesse nacional e estabelecer as poliacuteticas e normas teacutecnicas inerentes agrave problemaacutetica das

drogas70

No decurso dos anos 1990 a poliacutetica antidrogas do Equador foi enrijecendo

progressivamente conforme implementava o princiacutepio da ldquoguerra agraves drogasrdquo entretanto esta

temaacutetica natildeo era prioridade nesse contexto pois a contenda fronteiriccedila com o Peru que

culminou numa guerra entre os dois Estados era a principal questatildeo a ser tratada pelo

governo equatoriano exigindo a atuaccedilatildeo integral das forccedilas armadas

Apoacutes o teacutermino e resoluccedilatildeo do conflito limiacutetrofe com o paiacutes vizinho o governo

equatoriano se viu diante de um cenaacuterio de violecircncia na fronteira norte com a Colocircmbia

gerada pela atuaccedilatildeo das guerrilhas grupos paramilitares e narcotraficantes Essa situaccedilatildeo fez

com que o as autoridades equatorianas reavaliassem a agenda de seguranccedila nacional e o papel

que deveriam ter as forccedilas de seguranccedila da naccedilatildeo A partir de entatildeo o combate ao

narcotraacutefico ganha proeminecircncia na agenda de seguranccedila principalmente no que tange agrave

reduccedilatildeo da oferta Essa mudanccedila de ecircnfase culminou em um aumento da assistecircncia

econocircmica dos EUA para as forccedilas militares e policiais entre o periacuteodo de 1996 e 1999

passando de US$ 3 milhotildees para quase US$ 13 milhotildees (EDWARDS 2010 p 4) Com

efeito a estrateacutegia de controle de drogas adotada pelo governo equatoriano sob pressatildeo

estadunidense produziu inuacutemeros efeitos no paiacutes Um desses efeitos foi a competiccedilatildeo entre a

68

A Lei 108 natildeo distinguia consumidores mulas (transportadores de pequenas quantidades de drogas) pequenos

traficantes e as grandes redes de traacutefico de drogas internacional todos eram julgados da mesma forma e sem

proporcionalidade um indiviacuteduo condenado por vinculaccedilatildeo ao narcotraacutefico era punido com doze a quinze anos

de cadeia Depois de anos de sua elaboraccedilatildeo esta lei sofreu algumas alteraccedilotildees em 1997 e passou a diferenciar

traficantes de consumidores e modificou as sanccedilotildees e puniccedilotildees para cada caso (EQUADOR 1990

EDWARDS 2010) 69

No periacuteodo anterior agrave criaccedilatildeo do CONSEP a instituiccedilatildeo que exercia um papel semelhante era a Divisioacuten

Nacional Contra el Traacutefico Iliacutecito de Estupefacientes (DINACONTES) 70

Estas informaccedilotildees podem ser consultadas na paacutegina virtual da CONSEP que estaacute disponiacutevel em

lthttpwwwconsepgobecgt Acesso em 13 fev 2015

101

poliacutecia nacional e as forccedilas armadas para ver quem obteria a maior fatia possiacutevel dos recursos

provenientes dos EUA aleacutem de provocar sobreposiccedilatildeo de papeacuteis entre as duas instituiccedilotildees

(VEacuteLEZ 2005)

A intensa atuaccedilatildeo das redes iliacutecitas de traacutefico ilegal de precursores quiacutemicos e de

armas municcedilotildees e explosivos em territoacuterio equatoriano fez com que o governo deste paiacutes

fosse interpretado pelos EUA como ldquofacilitadorrdquo das atividades do traacutefico de drogas na

Colocircmbia Diante da situaccedilatildeo Washington pressionou as autoridades equatorianas para

revisarem as prioridades securitaacuterias do Equador uma vez que o conflito com o Peru tinha

terminado Vasquez ressalta que o governo norte-americano considerava o Equador como um

ldquoEstado tampatildeordquo o Congresso estadunidense se referiu ao paiacutes andino como ldquobuffer zonerdquo

que poderia conter o alastramento do conflito colombiano por toda a regiatildeo andina Para que

isto acontecesse era necessaacuterio apoiar o paiacutes por meio da Iniciativa Regional Andina

O interesse geoestrateacutegico dos EUA no Equador levou agrave assinatura de um acordo entre

os presidentes Bill Clinton e Jamil Mahuad (1998-2000) em 1999 que autorizava as forccedilas

armadas norte-americanas a utilizar a base militar situada na cidade portuaacuteria de Manta como

Centro Avanccedilado de Operaccedilotildees (Forward Operating Location ndash FOL) Com a instalaccedilatildeo da

FOL foram apreendidas cerca de 1600 toneladas meacutetricas de drogas entre novembro de 1999

a dezembro de 2008 (BONILLA URIGUumlEN 2009 p 135) A relevacircncia do territoacuterio

equatoriano na luta contra o traacutefico de drogas e posteriormente contra o terrorismo foi um

dos principais fatores para se estabelecer accedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

Nas eleiccedilotildees de 2002 o militar Lucio Gutieacuterrez71

do Partido Sociedad Patrioacutetica

(PSP) se destacou durante a sua campanha eleitoral devido a sua plataforma poliacutetica anti-

sistecircmica e marcadamente de esquerda aos olhos dos eleitores parecia uma alternativa aos

partidos tradicionais que se desgastaram durante a crise poliacutetica e econocircmica (a qual levou a

dolarizaccedilatildeo do paiacutes em 2000) que se arrastava desde a deacutecada de 1990 O candidato do PSP

se comprometeu a elaborar uma nova estrateacutegia de seguranccedila independente natildeo submissa aos

EUA Todavia apoacutes ser eleito Gutieacuterrez mudou de postura diante do fato de perder a ajuda

econocircmica norte-americana o governo equatoriano manteve os laccedilos de cooperaccedilatildeo com

Washington principalmente na mediaccedilatildeo do conflito colombiano

71

Lucio Gutieacuterrez jaacute assumiu o posto de mandataacuterio do Equador quando foi presidente da Junta de Salvaccedilatildeo

Nacional que governou o paiacutes no comeccedilo de 2000 apoacutes a queda de Jamil Mahuad

102

Com a chegada de Aacutelvaro Uribe agrave presidecircncia a Colocircmbia procurou estabelecer

acordos com o Equador em mateacuteria de seguranccedila Uribe tomou um caminho diferente de seu

antecessor e priorizou a confrontaccedilatildeo direta com as FARC dando ecircnfase a uma estrateacutegia que

privilegiava a escalda militar que coadunava com a poliacutetica de seguranccedila regional norte-

americana Com a intensificaccedilatildeo das accedilotildees militares e das fumigaccedilotildees na zona de fronteira

Uribe buscou apoio dos liacutederes dos paiacuteses vizinhos para que compartilhassem da sua leitura

sobre o conflito colombiano

De acordo com Veacutelez (2005) o secretaacuterio de Defesa Donald Rumsfeld visitou Bogotaacute

em agosto de 2003 e durante a sua passagem na cidade colombiana reiterou ao seu apoio agrave

Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica de Uribe e afirmou que ldquoos grupos irregulares

colombianos satildeo uma ameaccedila para toda regiatildeo e como tal devem ser enfrentados por todos

os paiacuteses da aacutereardquo (VEacuteLEZ 2005 p 296 traduccedilatildeo nossa) Trecircs dias depois Uribe visitou o

Equador e os temas mais debatidos da agenda bilateral foram relacionados agrave seguranccedila

Durante a estadia do presidente colombiano no paiacutes vizinho foi ratificado o convecircnio de

cooperaccedilatildeo policial e foi firmada uma declaraccedilatildeo conjunta sobre seguranccedila fronteiriccedila e de

combate ao traacutefico de drogas na qual previa a criaccedilatildeo de uma comissatildeo binacional para

implementarem acordos de seguranccedila

Em junho de 2004 o presidente Gutieacuterrez lanccedilou o Plan Nacional de Prevencioacuten

Desarrollo Alternativo y Control de Drogas 2004-2008 (ou Plano Nacional de Drogas) cujo

objetivo era ldquoreduzir o cultivo produccedilatildeo fabricaccedilatildeo venda traacutefico e distribuiccedilatildeo iliacutecita de

entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas o desvio de substacircncia controladas e delitos

conexosrdquo (EQUADOR 2004) Segundo o Plano Nacional a luta contra as drogas eacute uma

poliacutetica permanente do Estado equatoriano cuja prioridade conforme subscreve o plano eacute a

prevenccedilatildeo Contudo os esforccedilos se direcionaram para a reduccedilatildeo da oferta de drogas

Para consecuccedilatildeo do Plano Nacional de Drogas o Grupo Especial Moacutevil

Antinarcoacuteticos (GEMA) criado em 1993 para conter as atividades das FARC em solo

equatoriano exercia a funccedilatildeo de controle do traacutefico de drogas em vias terrestres mariacutetimas e

fluviais a niacutevel nacional O GEMA chegou a atuar com 300 homens e contou com auxiacutelio

financeiro anual de US$ 500 mil doacutelares do Escritoacuterio Antidrogas dos EUA ateacute 2009 Desde a

sua criaccedilatildeo esta instituiccedilatildeo policial recebeu por volta de US$ 8 milhotildees de doacutelares para o seu

funcionamento (BONILLA URIGUumlEN 2009)

103

Em meados dos anos 2000 a Poliacutecia Nacional do Equador contava com outros oacutergatildeos

para controlar as drogas iliacutecitas e fazer serviccedilos de inteligecircncia por exemplo o Serviccedilo de

Investigaccedilatildeo Antinarcoacuteticos (SIAN) e a Unidade de Investigaccedilotildees Especiais (UIES) cujo

nome foi alterado posteriormente para Unidade de Luta Contra o Crime Organizado (ULCO)

A UIES atuava na seguranccedila puacuteblica monitorando os movimentos sociais de indiacutegenas

estudantes e operaacuterios e na seguranccedila nacional sobretudo no combate ao traacutefico de drogas

Adriaacuten Bonilla e Hernaacuten Moreano Uriguumlen (2009) lembram que o sistema de inteligecircncia do

Equador passou por uma crise apoacutes as forccedilas armadas colombianas realizarem a Operaccedilatildeo

Fecircnix para capturar Raul Reyes ndash o segundo no comando das FARC ndash com bombardeios as

instalaccedilotildees da guerrilha em 1 de marccedilo de 2008 na regiatildeo de Angostura Depois do ocorrido

o presidente Rafael Correa criou uma comissatildeo civil para investigar as operaccedilotildees do sistema

de inteligecircncia da Poliacutecia Nacional e das Forccedilas Armadas cuja conclusatildeo foi que as

informaccedilotildees eram processadas e encaminhas para os EUA e natildeo para o governo equatoriano

Em abril de 2009 a UIES foi desfeita e no mesmo ano foi cancelado o convecircnio que

permitia o uso da base de Manta pelos militares norte-americanos No primeiro ano que

assumiu a presidecircncia Correa tinha anunciado que natildeo renovaria o convecircnio para a utilizaccedilatildeo

da base A nova Constituiccedilatildeo do paiacutes passou a proibir terminantemente a existecircncia de bases

militares estrangeiras em territoacuterio equatoriano Bonilla e Uriguumlen ressaltam que havia

suspeitas de que a FOL tenha colaborado com informaccedilotildees que auxiliaram logisticamente a

Operaccedilatildeo Fecircnix Correa interpretou as incursotildees das forccedilas armadas vizinhas como agressatildeo

militar o que levou a ruptura das relaccedilotildees com a Colocircmbia

O Livro Branco de Defesa publicado em 2006 no seu capiacutetulo III faz uma criacutetica agrave

poliacutetica de seguranccedila implantada pelos EUA para combater o terrorismo internacional o

narcotraacutefico e o crime organizado transnacional pois esta poliacutetica promoveria cooperaccedilatildeo

bilateral e multilateral para tratar destes temas como forma de escamotear os seus interesses

O documento trata com cautela a sua definiccedilatildeo de ameaccedilas diferencia fatores que incidem

sobre a seguranccedila e que derivam de desequiliacutebrios e assimetrias econocircmicas das tensotildees

sociais e das crises poliacuteticas e institucionais que natildeo seriam consideradas ameaccedilas A defesa

nacional se ocuparia especificamente de enfrentar as ameaccedilas que colocam em risco a vida da

populaccedilatildeo e os recursos do paiacutes bem como sua integridade territorial e a soberania do Estado

(EQUADOR 2006)

104

As accedilotildees das Forccedilas Armadas equatorianas frente ao crime organizado internacional

deram-se no enfrentamento intensivo ao contrabando O aumento do emprego de accedilotildees

militares em assuntos de seguranccedila nacional ocorreu a partir de 2007 ano em que o presidente

Rafael Correia tomou posse e anunciou um plano integral com maior participaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas para a contenccedilatildeo do contrabando principalmente de combustiacutevel armas e drogas

alinhando as accedilotildees com a agecircncia alfandegaacuteria e reequipamento dos efetivos

Fronteira Equatoriano-Colombiana Guerrilhas Traacutefico de Drogas e Crise Diplomaacutetica

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica colombiana lanccedilada em 2002 pelo presidente

Uribe incidiu de modo significativo nas relaccedilotildees fronteiriccedilas entre os dois paiacuteses Com o

objetivo de eliminar os cultivos iliacutecitos as guerrilhas e as organizaccedilotildees criminosas

narcotraficantes foram intensificadas as accedilotildees militares e as fumigaccedilotildees no paiacutes ndash sobretudo

na regiatildeo limiacutetrofe com o Equador ndash as quais geraram uma situaccedilatildeo de crise humanitaacuteria que

afetou milhares de famiacutelias colombianas No periacuteodo de 1997 a 2006 o nuacutemero de deslocados

forccedilados na Colocircmbia era cerca de 22 milhotildees de pessoas que equivale a 5 da populaccedilatildeo

Soacute no ano de 2002 o nuacutemero registrado de deslocados era de 416144 (ACCIOacuteN SOCIAL

2007)

O combate militarizado contra os grupos criminosos e guerrilheiros acentuou o

conflito nas zonas limiacutetrofes da Colocircmbia e impulsionou as atividades destes grupos para

aleacutem das fronteiras Perante a gravidade da situaccedilatildeo na Colocircmbia os Estados vizinhos

aumentaram o nuacutemero de efetivos das forccedilas armadas na faixa de fronteira com este paiacutes para

evitar que os efeitos do conflito transbordassem para os seus territoacuterios O Equador mobilizou

cerca de sete mil membros das forccedilas de seguranccedila ao longo da sua fronteira como forma de

conter a penetraccedilatildeo das FARC e do crime organizado e de suas atividades ilegais

principalmente as relacionadas com o traacutefico de drogas no territoacuterio nacional

A Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e posteriormente o Plano Patriota

incrementaram as accedilotildees militares do Estado colombiano na fronteira sul do paiacutes

principalmente em Putumayo e Narintildeo As operaccedilotildees conjuntas das forccedilas armadas com a

poliacutecia nacional desmantelaram laboratoacuterios clandestinos cultivos iliacutecitos corredores e rotas

de traacutefico de drogas e de transporte de sequestrados colocando obstaacuteculos para a

operacionalidade das FARC no territoacuterio colombiano Com o Plano Patriota a administraccedilatildeo

de Uribe fortificou a presenccedila do Estado na regiatildeo sul do paiacutes zona de intensa atividade das

guerrilhas com a presenccedila de mais de 15000 militares que atuaram na inteligecircncia accedilotildees

105

terrestres e aeacutereas Um dos resultados alcanccedilados foi a desmobilizaccedilatildeo do Bloque Central

Boliacutevar um dos braccedilos da AUC que aceitou negociar com o governo colombiano e parou as suas

atividades em 2005 Entretanto muitos integrantes dos grupos paramilitares que foram

desmobilizados comeccedilaram a organizar novos grupos criminosos (bandas criminales) voltados

para o traacutefico de drogas

No periacuteodo de 2002 a 2008 os departamentos de Narintildeo e Putumayo figuraram como

palcos de guerra entre os diferentes atores do conflito interno colombiano Guerrilhas

paramilitares e organizaccedilotildees narcotraficantes se constituiacuteram como os maiores obstaacuteculos para

que o Estado colombiano retomasse o controle territorial na fronteira com o Equador como

podemos verificar no mapa abaixo

Mapa 1 Zona de Influecircncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da Colocircmbia

Fonte Comando Conjunto das Forccedilas Armadas do Equador 2008 apud AacuteLVARO Eduardo Presencia de los

grupos ilegales armados colombianos (GIAC) como factor de inseguridad nacional en el Ecuador 2011 90

f Tesis (Maestriacutea en Seguridad y Desarrollo Instituto de Altos Estudios Nacionales Escuela Ecuatoriana de

Gobierno y Administracioacuten Puacuteblica 2011

Este mosaico composto por inuacutemeros grupos armados demonstra a complexidade do

problema enfrentado por ambos os paiacuteses na faixa de fronteira O traacutefico de drogas foi a

principal atividade iliacutecita praticada por estes grupos O nuacutemero de hectares de cultivos de coca

106

nos Departamentos colombianos que fazem fronteira com o Equador no decurso de 2001 a

2007 variou conforme as accedilotildees das forccedilas de seguranccedila para combater as drogas nestas

localidades

Os cultivos de coca no Departamento de Putumayo em 2001 eram de 47120 hectares

e no ano de 2007 foram reduzidos para 14813 hectares Os situados em Caquetaacute tambeacutem

tiveram queda neste mesmo periacuteodo de 14516 caiacuteram para 6318 hectares Enquanto isto no

Departamento de Narintildeo os cultivos de coca quase triplicaram passando de 7494 hectares

para 20259 hectares O Departamento de Cauca apresentou um aumento mais tiacutemido de

3139 passaram para 4168 hectares No geral com a intensificaccedilatildeo do Plano Colocircmbia e os

lanccedilamentos da Poliacutetica de Seguranccedila Democraacutetica e o Plano Patriota durante os seis

primeiros anos do governo de Uribe ocorreu uma queda significativa nos cultivos de coca na

regiatildeo de 73954 em 2001 caiu para 35209 hectares (UNODC 2005 UNODC 2008)

Conforme as accedilotildees repressivas de Bogotaacute contra o traacutefico de drogas aumentavam as

atividades iliacutecitas eram cada vez mais empurradas para o paiacutes vizinho A pasta base

ingressava no Equador pelo lado oriental da cordilheira dos Andes em Putumayo e era

transportada de volta por Narintildeo pelo lado ocidental da cordilheira para ser refinada

(CADENA GOacuteMEZ 2011)

As accedilotildees das forccedilas militares no Equador para combater organizaccedilotildees criminosas

transnacionais se intensificaram no norte do paiacutes e principalmente para reprimir as atividades

das FARC em solo equatoriano De acordo com Eduardo Aacutelvaro (2001) em junho de 2007 a

Operaccedilatildeo Fecircnix comeccedilou a ser planejada com a finalidade de capturar o nuacutemero dois da

hierarquia das FARC Rauacutel Reyes O serviccedilo de inteligecircncia colombiano apresentou alguns

indiacutecios de sua presenccedila no Equador Dez meses depois de seu planejamento no dia 1 de

marccedilo de 2008 membros das forccedilas armadas adentraram a fronteira equatoriana em

Angostura na Proviacutencia de Sucumbiacuteos sem autorizaccedilatildeo preacutevia do presidente do Equador

Rafael Correa para atacar o acampamento das FARC com helicoacutepteros da forccedila aeacuterea e tropas

do exeacutercito resultando na morte de vinte e duas pessoas entre elas estava Raul Reyes

Cadena Goacutemez (2011) aponta que no ano de 2007 no iniacutecio da administraccedilatildeo Correa o

Equador jaacute tinha emitido duas notas de protesto contra as accedilotildees das forccedilas armadas

colombianas em solo nacional Estes antecedentes culminaram na crise diplomaacutetica de 2008

entre Bogotaacute e Quito

107

Este episoacutedio que ficou conhecido tambeacutem como Bombardeios de Angostura rompeu

com as medidas de confianccedila na aacuterea da defesa e seguranccedila entre Equador e Colocircmbia e

desencadeou uma crise diplomaacutetica entre os dois paiacuteses provocando tambeacutem reaccedilotildees da

Venezuela de apoio ao governo Correa Para o governo equatoriano a incursatildeo ilegal de

militares colombianos apoiados pelos EUA foi vista como violaccedilatildeo do princiacutepio da

soberania Imediatamente ao fato o presidente Correa expulsou de seu paiacutes o embaixador

colombiano e retirou o seu embaixador de Bogotaacute Tal atitude foi acompanhada pela

Venezuela Em resposta agrave declaraccedilatildeo de Correa o presidente Uribe afirmou que a ldquo[]

Colocircmbia natildeo violou a soberania mas atuou de acordo com o princiacutepio de legiacutetima defesa

[] Os terroristas entre eles Rauacutel Reyes tinham costume de assassinar na Colocircmbia e

invadir o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos para se refugiar [] estas situaccedilotildees somos obrigados a

evitar em defesa dos nossos cidadatildeosrdquo (CADENA GOacuteMEZ 2011 p 142)

A Operaccedilatildeo Fecircnix fez crescerem as preocupaccedilotildees por parte de Quito sobre a presenccedila

de distintos grupos armados na faixa de fronteira com a Colocircmbia e tambeacutem evidenciou as

incongruecircncias e ambiguidades no que tange agraves percepccedilotildees das ameaccedilas ligadas ao conflito

colombiano resultando em dissensotildees diplomaacutetico-militares entre os dois paiacuteses Os

problemas de seguranccedila interna da Colocircmbia e a sua incidecircncia na seguranccedila interna e externa

do Equador colocaram em questatildeo a regionalizaccedilatildeo do conflito colombiano cujo processo

segundo Arlene B Tickner (2005) natildeo se acontece de forma unilateral e uniacutessona Cada paiacutes

limiacutetrofe com a Colocircmbia percebe interpreta e responde ao problema articulando ou natildeo com

sua agenda de seguranccedila Na uacuteltima deacutecada em termos de seguranccedila o governo equatoriano

concentrou sobremodo seus esforccedilos na fronteira norte com a Colocircmbia Apoacutes o advento de

marccedilo de 2008 foram empreendidas 76 operaccedilotildees e mobilizados 15000 efetivos das forccedilas de

seguranccedila resultando no desmantelamento de 156 laboratoacuterios clandestinos Os nuacutemeros de

apreensotildees de drogas iliacutecitas cresceram consideravelmente de 2007 para 2009 Foram

apreendidos no ano de 2007 o total de 26232 toneladas de drogas (cocaiacutena heroiacutena e

maconha) no ano de 2009 apoacutes a crise colombo-equatoriana este nuacutemero cresceu quase trecircs

vezes mais e atingiu o total de 68050 toneladas No ano de 2012 as apreensotildees de substacircncias

iliacutecitas totalizaram 42090 toneladas (EQUADOR 2012)

Estes dados apontam que o traacutefico de drogas ganhou relevacircncia significativa na

poliacutetica de seguranccedila e na percepccedilatildeo desta questatildeo como ameaccedila agrave populaccedilatildeo e ao territoacuterio

do paiacutes Contudo a poliacutetica de drogas equatoriana nos primeiros anos de presidecircncia de

Rafael Correa representou uma inflexatildeo sobre o tema Na nova Constituiccedilatildeo promulgada em

108

2008 as leis de drogas passaram por uma reforma O Art 364 da Carta Magna estabelece que

o problema do consumo de drogas eacute uma questatildeo de sauacutede puacuteblica ao inveacutes de tema de

seguranccedila nacional e garante que em nenhum caso seraacute permitido a sua criminalizaccedilatildeo ou a

negaccedilatildeo de direitos constitucionais No Art 393 declara que a seguranccedila humana72

deve

nortear as poliacuteticas de Estado para assegurar a convivecircncia paciacutefica e prevenir as formas de

violecircncia descriminaccedilatildeo e crimes (EQUADOR 2008) O Equador foi o primeiro Estado sul-

americano a incorporar a seguranccedila humana na Constituiccedilatildeo o conceito desloca o objeto

referencial de proteccedilatildeo do Estado para o indiviacuteduo Esta mudanccedila de postura do Equador

frente agraves drogas permitiu que o Congresso aprovasse em Juacutelio de 2008 o indulto para os

microtraficantes ndash mais conhecidos como mula transportadores de pequenas quantidades de

drogas ndash como forma de reparaccedilatildeo dos danos gerados pela Lei 108 (TRANSNATIONAL

INSTITUTE 2015)

43 Peru Estrateacutegia de Luta Contra as Drogas e os Planos VRAE e VRAEM

O Peru eacute um dos paiacuteses com o maior cultivo de coca do mundo e a folha da coca eacute um

elemento importante da cultura inca-indiacutegena cuja tradiccedilatildeo milenar antecede a colonizaccedilatildeo

espanhola nos Andes O plantio de coca na contemporaneidade deixou de ser cultivado para

finalidades econocircmico-medicinais e simboacutelico-ritualiacutesticas e se tornou uma atividade que faz

parte da cadeia produtiva das redes do traacutefico de drogas internacional que integram o mercado

iliacutecito mundial No relatoacuterio sobre drogas da UNODC publicado em 2012 o Peru eacute colocado

como o maior cultivador de coca do mundo desbancando a Colocircmbia da primeira posiccedilatildeo As

plantaccedilotildees de coca no Peru totalizaram 60400 hectares enquanto o paiacutes vizinho atingiu

48000 hectares

O Alto Huallaga que se estende desde o norte do Departamento de Huaacutenuco ateacute o sul

do Departamento de San Martiacuten e o Vale dos rios Apuriacutemac e Ene conhecido como VRAE

que abrange os Departamentos de Ayacucho Cuzco e Juniacuten satildeo as regiotildees que mais cultivam

72

O conceito de seguranccedila humana foi empregado pela primeira vez no Relatoacuterio de Desenvolvimento Humano

do Programa para o Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) de 1994 O documento estabelecia uma

definiccedilatildeo ampla de ldquoseguranccedila humanardquo que englobava as dimensotildees da economia do meio-ambiente da

sauacutede dos alimentos das comunidades dos indiviacuteduos e da seguranccedila poliacutetica (PNUD 1994 p 24-25) O

conceito portanto natildeo nasceu da academia mas de um organismo poliacutetica internacional com fins praacuteticos a

saber influenciar os resultados da Cuacutepula Social de Copenhagen de 1995 Keith Krause assinala que a partir da

noccedilatildeo de que natildeo eacute possiacutevel que haja Estados seguros com indiviacuteduos inseguros a seguranccedila humana surgiu

com a proposta de colocar o indiviacuteduo agrave frente das preocupaccedilotildees em seguranccedila jaacute que o Estado pode ele

mesmo representar uma ameaccedila agrave sua populaccedilatildeo (KRAUSE 2004 p 44)

109

e produzem cocaiacutena no Peru No paiacutes atualmente eacute permitido cultivar 11500 hectares de

coca para fins tradicionais e o Estado controla a comercializaccedilatildeo e a industrializaccedilatildeo das

folhas de coca em produtos comerciais liacutecitos por meio da Empresa Nacional de la Coca

(ENACO) A ENACO foi criado a partir da Lei Geral de Drogas expedida em 1978 a qual

proibia o cultivo de coca e tornava ilegal a comercializaccedilatildeo que natildeo fosse controlada por esta

instituiccedilatildeo (UNODC 2006 UNODC 2010c SANTOS 2011)

As regiotildees do Alto Huallaga e VRAE desde a deacutecada de 1980 tambeacutem satildeo redutos do

grupo insurgente Sendero Luminoso (SL) que tem orientaccedilotildees ideoloacutegicas e poliacutetico-militares

de guerra popular fundamentadas no maoiacutesmo Segundo Joseacute Lis Reacutenique (2009) nos

primeiros anos da deacutecada de 1980 no comeccedilo da guerra contra o Estado peruano73

o SL tinha

pouco mais de quinhentos membros que atuavam dentro da estrateacutegia insurgente da guerra de

guerrilha prolongada

No comeccedilo da deacutecada de 1990 a guerrilha sofreu duros golpes do Estado peruano As

poliacuteticas de Fujimori em conjunto com as accedilotildees repressivas das forccedilas armadas e da poliacutecia

levaram agrave captura de integrantes do alto escalatildeo do SL que culminou na prisatildeo de Abimael

Guzmaacuten conhecido como ldquoPresidente Gonzalordquo ou ldquoCamarada Gonzalordquo em 12 de setembro

de 1992 colocando fim ao que seria o ldquovelhordquo Sendero luminoso A presenccedila histoacuterica do SL

na regiatildeo do VRAE e Huallaga ganhou forccedila novamente no iniacutecio dos anos 2000 e suas

atividades nos uacuteltimos anos estatildeo associadas ao traacutefico de drogas Os traficantes de drogas

peruanos estatildeo organizados em Firmas e contam com o auxiacutelio armado do SL para se

protegerem das accedilotildees da poliacutecia e do exeacutercito peruano

As firmas tambeacutem conhecidas como clanes satildeo grupos de narcotraficantes que

produzem e comercializam ilegalmente a cocaiacutena (mas natildeo cultivam a folha de coca)

organizados hierarquicamente por divisotildees de tarefas e responsabilidades e ligados por

tradiccedilotildees e normas de conduta Estas estruturas operam de modo semelhante agraves maacutefias e satildeo

organizadas entorno de familiares e ciacuterculos de amizades Parte delas eacute formada por

camponeses que subiram na hierarquia da induacutestria da cocaiacutena Pablo Dreyfus (1999) acentua

que as firmas buscam minimizar os riscos para o seu negoacutecio ampliando a sua rede de

influecircncia atraveacutes de acordos com grupos natildeo governamentais governamentais outras

organizaccedilotildees criminosas transnacionais e insurgentes Essas organizaccedilotildees criminosas satildeo

73

Em maio de 1980 os senderistas queimaram as urnas eleitorais da pequena cidade Chuschi situada no

departamento de Ayacucho cuja accedilatildeo foi uma declaraccedilatildeo de guerra contra o Estado peruano (REacuteNIQUE

2009)

110

compostas por chefes ldquoEl Patroacutenrdquo grupos de proteccedilatildeo armada pilotos quiacutemicos mulas

coletores de pasta assessores legais e ldquolavadoresrdquo de dinheiro Atualmente satildeo sete clatildes

principais que agem no Peru movimentando mais de US$ 300 milhotildees de doacutelares por ano

Clatilde Quispe Palomino Clatilde Lucho Flores Clatilde Los Loros Clatilde Los Pantildeacos Clatilde Los

Malambos Clatilde Runa Mula e Clatilde Los Pachos (DIARIO 16 2012)

No ano de 2005 de acordo com informe de monitoramento de cultivos de coca no

Peru (UNODC 2006) o nuacutemero de cultivos de coca foi de 482000 hectares uma reduccedilatildeo de

4 em relaccedilatildeo ao ano anterior que tinha totalizado 50300 haacute enquanto que no VRAE ao

contraacuterio ocorreu um crescimento de 6 no mesmo periacuteodo quando passou de 14700 ha em

2004 para 15500 em 2005 O aumento da repressatildeo antidrogas e o endurecimento das

poliacuteticas de erradicaccedilatildeo no Alto Huallaga no mecircs de maio de 200574

fez com que a

concorrecircncia e o conflito entre os clatildes aumentassem na regiatildeo Ao contraacuterio do que o governo

peruano esperava as operaccedilotildees antidrogas natildeo tornaram menos atrativa a regiatildeo Ocorreu um

aumento na concorrecircncia entre os clatildes do traacutefico de drogas para ver qual deles controlaria o

negoacutecio da cocaiacutena no Alto Huallaga no lugar das firmas que foram desmanteladas ou

enfraquecidas Esse fenocircmeno aumentou aquilo que Sarmiento e Krauthausen denominaram

de setor competitivo As firmas enfraquecidas passaram a ser desafiadas pelos novos clatildes que

se apoderaram de territoacuterios dos rivais exauridos o que impulsionou a espiral da violecircncia na

regiatildeo

Ao mesmo passo que subia os iacutendices de plantios de coca no Alto Huallaga as regiotildees

de Apuriacutemac e Ene tambeacutem apresentaram crescimento nos cultivos No ano de 2005 eram

15530 hectares aumentando para 16019 hectares em 2007 No mesmo ano o governo

peruano por meio da Comisioacuten Nacional para el Desarrollo y Vida sin Drogas (DEVIDA)75

implementou a Estrategia Nacional de Lucha Contra Las Drogas 2007-2011 (ENLCD) que

tinha como principal meta reduzir a superfiacutecie de plantios iliacutecitos de coca articulando accedilotildees de

erradicaccedilatildeo e desenvolvimento alternativo para coibir o traacutefico e consumo de drogas

74

A Poliacutecia Nacional do Peru no mecircs de maio de 2005 fez uma seacuterie de operaccedilotildees para erradicaccedilatildeo de plantios

de coca no Alto Huallaga mobilizando 300 efetivos que contaram com apoio logiacutestico de helicoacutepteros

Contudo as operaccedilotildees ocasionaram a morte de dezessete policiais e de cinco camponeses Disponiacutevel

lthttpwwwlanacionclnoticiasperu-erradicacion-de-campos-de-coca-termina-con-17-heridos2005-05-

30081723htmlgt Acesso em 18 dez 2014 75

A DEVIDA eacute o oacutergatildeo responsaacutevel por planejar e conduzir a poliacutetica nacional de luta contra as drogas para

reduccedilatildeo da produccedilatildeo consumo e traacutefico de drogas que em 2001 substituiu a Comisioacuten de Lucha Contra el

Consumo de Drogas (CONTRADROGAS)

111

Os Planos VRAE e VRAEM Militarizaccedilatildeo da Luta Contra o Traacutefico de Drogas e o Sendero

Luminoso

A guerra de contrainsurgecircncia lanccedilada pelo presidente Alejandro Toledo colocou a

regiatildeo do VRAE em estado de emergecircncia a partir do ano de 2003 Em julho do referido ano

o presidente Toledo anunciou que ldquoseu governo iria por em marcha uma lsquouma nova estrateacutegia

de luta contra o terrorismorsquo para lsquorecuperar a presenccedila do Estado nas zonas sensiacuteveisrsquo do paiacutes

onde o terrorismo e o narcotraacutefico davam matildeordquo (ROJAS 2005 p 235 traduccedilatildeo nossa) Este

pronunciamento do mandataacuterio peruano foi direcionado para o SL que neste mesmo ano

realizou ataques contra transportadoras de gaacutes na regiatildeo do VRAE e para os EUA que apoacutes

os atentados de setembro de 2001 declararam o SL como ameaccedila ao Estado peruano por se

tratar de uma organizaccedilatildeo ldquonarcoterroristardquo Anos mais tarde Washington incluiu a guerrilha

peruana na Lista Kingpin

Com a chegada do novo presidente da repuacuteblica Alan Garciacutea Peacuterez as forccedilas armadas

e a Poliacutecia Nacional do Peru (PNP) passaram a fazer operaccedilotildees conjuntas sem medir esforccedilos

para acabar com os remanescentes do grupo insurgente Sendero Luminoso Os ataques

ocorridos no ano de 2005 e no iniacutecio do ano de 2006 fizeram com que o governo destinasse

um montante de verbas para que o exeacutercito e a poliacutecia nacional reforccedilassem suas accedilotildees no

combate aos ldquonarcoterroristasrdquo E em fevereiro de 2007 foi anunciado pelo governo peruano o

Plan VRAE em referecircncia ao ldquoPlano Colocircmbiardquo cujo objetivo era garantir a paz combater o

narcotraacutefico e o Sendero Luminoso (SL) e promover o desenvolvimento socioeconocircmico na

regiatildeo

O Plano VRAE da administraccedilatildeo Toledo enfatizou mais a luta militarizada contra o

traacutefico de drogas e o SL do que o investimento para promoccedilatildeo do desenvolvimento na regiatildeo

Esta ecircnfase militar do plano se baseia nas definiccedilotildees de seguranccedila e defesa presentes no Livro

Branco de Defesa Nacional (2005) O documento identifica em seu capiacutetulo III as ameaccedilas

externas e internas agrave seguranccedila da naccedilatildeo As ameaccedilas externas poderiam advir de aplicaccedilotildees

de doutrinas de seguranccedila incompatiacuteveis com o direito internacional na sub-regiatildeo da

Ameacuterica do sul do surgimento de uma crise devido agrave escassez de recursos naturais de valor

estrateacutegico e do terrorismo narcotraacutefico e do crime internacional As ameaccedilas internas

seriam grupos terroristas e subversivos que optam por violecircncia grupos radicais que

promovem a violecircncia social crime comum organizado traacutefico iliacutecito de drogas corrupccedilatildeo

degradaccedilatildeo do meio ambiente (PERU 2005 p 63)

112

Com base neste ordenamento legal as forccedilas armadas peruanas poderiam ser

acionadas para prevenir e confrontar qualquer ameaccedila externa ou interna que venha a colocar

em perigo a paz social a seguranccedila integral e o bem-estar geral (PERU 2005 p 64)

Portanto o governo poderia empregar meios militares no combate ao narcotraacutefico caso a

poliacutecia nacional natildeo tivesse meios necessaacuterios para cumprir o seu dever A Marinha e a Forccedila

Aeacuterea possuem papeacuteis importantes na luta contra o traacutefico de drogas e o contrabando de

precursores quiacutemicos pois as principais rotas estatildeo na regiatildeo costeira e nos rios da regiatildeo

amazocircnica e os aviotildees militares satildeo utilizados para encontrar e bombardear laboratoacuterios

ilegais de processamento de drogas e pistas de pouso clandestinas

O Plano estaacute fundamentado em trecircs pilares principais ldquoaccedilotildees militares para combater

os remanescentes do Sendero Luminoso accedilotildees policiais para combater o narcotraacutefico e

accedilotildees civis para promover o desenvolvimento social () a infraestrutura () e o

desenvolvimento econocircmicordquo (SANTOS 2011 p21) Os primeiros anos da execuccedilatildeo do

Plano VRAE natildeo trouxeram os resultados esperados As estrateacutegias contrainsurgentes mal

delineadas somadas ao mau preparo das tropas e aos equipamentos beacutelicos ultrapassados

fizeram com que as operaccedilotildees fracassassem e suas accedilotildees natildeo fossem suficientes para

conseguir combater o SL Os senderistas aleacutem de conhecerem muito bem o terreno contam

com armamentos modernos adquiridos com o dinheiro do traacutefico agem com taacuteticas

diversificadas e atuam em diferentes locais e regiotildees (Sinaycocha Santo Domingo de

Acobamba e Juniacuten)

Diante do problema do traacutefico de drogas e dos altos iacutendices dos cultivos de coca que

segundo o relatoacuterio da UNODC de 2010 voltaram a crescer 7 em 2008 registrando o

aumento de 55 no nuacutemero de hectares de coca em relaccedilatildeo a 1999 o presidente Alan Garciacutea

Peacuterez (2006-2011) reeditou o Plano VRAE em 2009 O plano de Garciacutea Peacuterez pretendia

alcanccedilar questotildees mais amplas e fundamentais para o desenvolvimento social e econocircmico da

regiatildeo que estava agora fundamentado em trecircs novos eixos desenvolvimento econocircmico e

social seguranccedila e legalidade (contra o narcotraacutefico e o terrorismo) e comunicaccedilatildeo e

participaccedilatildeo da sociedade civil (EL COMEacuteRCIO 2012) Todavia tanto a primeira ediccedilatildeo do

Plano VRAE quanto a segunda natildeo conseguiram aumentar de modo significativo a presenccedila

do Estado peruano na regiatildeo76

(ARCE 20008)

76

O jornal El Comeacutercio Peru de 16 de abril de 2012 apontou os altos gastos na consecuccedilatildeo dos dois primeiros

planos para o VRAE que alcanccedilou a cifra de 400 milhotildees de soles apenas com operaccedilotildees militares Disponiacutevel

em lthttp elcomerciopepolitica1402445noticia-que-plan-vrae-que-no-funcionagt Acesso em 15 jul 2014

113

No mesmo ano que foi relanccedilado o Plano VRAE foi promulgada a Ley que Establece

Reglas de Empleo de la Fuerza por Parte del Personal de las Fuerzas Armadas en el

Territorio Nacional (Nordm 29166) a qual estabelece o quadro legal para regular o uso da forccedila

por agentes das Forccedilas Armadas no que tange ao controle da ordem interna e combate ao

traacutefico iliacutecito de drogas No paraacutegrafo 4 que regulamenta o apoio das Forccedilas Armadas para o

controle da ordem interna em aacutereas natildeo declaradas como Estado de emergecircncia expressa em

seu art 47 com base no art 8 da Constituiccedilatildeo peruana a necessidade de se combater o

narcotraacutefico devido ao seu impacto na sociedade bem como o terrorismo provocado por

grupos insurgentes O principal deles seria o Sendero Luminoso conforme o art 48

O emprego das forccedilas armadas no combate ao traacutefico de drogas no Peru poacutes-Fujimori

ganhou forccedila com a promulgaccedilatildeo da lei nordm 29166 pois permite aos membros das forccedilas

armadas utilizarem a forccedila contra a subversatildeo armada para o reestabelecimento da ordem

interna e o controle de protestos sociais com regras claras e aplicaacuteveis para que integrantes

das forccedilas armadas em exerciacutecio de seu ofiacutecio possam contar com um marco juriacutedico que

evite acusaccedilotildees de violaccedilotildees legais e dos direitos humanos Com efeito quando o emprego da

forccedila militar foi aplicado nesse contexto de intensa participaccedilatildeo do exeacutercito na erradicaccedilatildeo de

cultivos iliacutecitos e na luta antidrogas e contrainsurgente natildeo houve clareza na distinccedilatildeo entre

objetivos civis e militares (DONGO 2007)

No ano de 2012 foi lanccedilado pelo presidente Ollanta Humala o Plano VRAEM

programa de intervenccedilatildeo nos Vales do Apuriacutemac Ene e agora se estende ateacute a regiatildeo de

Mantaro para ampliar a presenccedila estatal nessa regiatildeo orientado por quatro frentes de accedilatildeo 1)

luta contra a pobreza 2) luta contra a desigualdade 3) luta contra o traacutefico iliacutecito de drogas e

as organizaccedilotildees criminosas 4) luta contra o terrorismo (PERU 2013) Algumas mudanccedilas

ocorreram no Plano VRAEM 2012 como a participaccedilatildeo de todos os ministeacuterios expansatildeo da

luta contra o terrorismo e o narcotraacutefico para a regiatildeo do vale do rio Mantoro e construccedilatildeo de

escolas e implementaccedilatildeo de programas sociais Entretanto haacute muitas criacuteticas sobre esse novo

plano e a principal delas eacute que ele continua cometendo os mesmos erros das duas versotildees

anteriores por exemplo o natildeo envolvimento das populaccedilotildees camponesas nas elaboraccedilotildees das

poliacuteticas puacuteblicas de desenvolvimento e de seguranccedila

As consecuccedilotildees dos Planos VRAE 2007-2009 e do Plano VRAEM 2012 (que ainda

estaacute em curso) trouxeram agrave tona as limitaccedilotildees logiacutesticas estrateacutegicas e taacuteticas das forccedilas

armadas peruanas no combate ao narcotraacutefico armado como a utilizaccedilatildeo da guerra fixa contra

a guerra fluiacuteda dos senderistas o desconhecimento do territoacuterio e a ausecircncia de diaacutelogos e

114

interaccedilatildeo social com a comunidade local As mutaccedilotildees contiacutenuas que o Sendero Luminoso

vem sofrendo desde o seu surgimento colocam novos desafios para o governo e as forccedilas

armadas peruanas A substituiccedilatildeo do marxismo maoiacutesta pelo capitalismo das drogas iliacutecitas e

a revisatildeo de sua trajetoacuteria histoacuterica foram fundamentais para o grupo se aproximar dos

narcotraficantes de setores cocaleiros e do campesinato para conseguir apoio popular e obter

lucro iliacutecito para financiar a sua luta insurgente A sua alianccedila com os narcotraficantes e com

camponeses da regiatildeo de Ayacucho que dependem em larga medida do cultivo de coca

fortaleceu o grupo insurgente ampliando sua influecircncia suas accedilotildees e seus lucros A

metamorfose ideoloacutegica favoreceu a aquisiccedilatildeo de armas modernas e mais eficazes para a

consecuccedilatildeo de seus objetivos

As redes narcotraficantes garantem acesso do SL ao dinheiro armamentos sofisticados

e novos recrutas ao passo que amplia a sua disseminaccedilatildeo no meio rural e urbano e o tamanho

e a influecircncia da induacutestria iliacutecita do traacutefico de drogas no Peru transbordou afetando os paiacuteses

vizinhos A forte presenccedila do SL na regiatildeo do Vale dos rios Apuriacutemac e Ene associada ao

traacutefico de drogas levou os diferentes governos peruanos da uacuteltima deacutecada a intensificar a

presenccedila estatal atraveacutes do emprego das forccedilas armadas e policiais que utilizam taacuteticas de

contrainsurgecircncia para conter o avanccedilo da ldquonarcoguerrilhardquo Contudo para executar essa

tarefa no ano de 2007 foi lanccedilado o primeiro Plano VRAE que tinha como objetivo aumentar

a presenccedila estatal com accedilotildees militares combater os narcoterroristas e promover o

desenvolvimento socioeconocircmico entretanto natildeo alcanccedilou o sucesso desejado No de 2009

foi lanccedilado o segundo Plano VRAE o qual tambeacutem natildeo obteve o ecircxito esperado Jaacute em 2012

foi relanccedilado o Plano VRAEM abrangendo agora o vale do rio Mantaro com o propoacutesito de

lutar contra a pobreza a desigualdade o traacutefico iliacutecito de drogas e combater os terroristas

Todavia os Planos VRAE e as Estrateacutegias Nacionais de Luta Contra as Drogas fracassaram

como vimos no iniacutecio o Peru se tornou o maior produtor de coca e cocaiacutena do mundo

atualmente O novo programa para o VRAEM natildeo estaacute conseguindo atingir os seus objetivos

pois ao inveacutes de mudar o panorama da pobreza local fez com que o governo militarizasse a

regiatildeo para combater os seus ldquoinimigosrdquo internos

O emprego das forccedilas armadas na intervenccedilatildeo no VRAE para combater o narcotraacutefico

armado intensificou a militarizaccedilatildeo da regiatildeo gerando pontos de tensotildees que desestabilizam o

monopoacutelio do uso da forccedila por parte do Estado peruano e coloca em questatildeo a

governabilidade democraacutetica devido agraves constantes violaccedilotildees de direitos humanos gerando

desconfianccedila em grandes parcelas da sociedade civil O governo peruano ao levar ao

115

paroxismo a ldquoguerra agraves drogasrdquo por meio de erradicaccedilotildees compulsoacuterias combates

militarizados contras as organizaccedilotildees narcotraficantes e os enclaves de cocaiacutena incorreu no

agravamento da violecircncia nas regiotildees produtoras de coca A implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas e de serviccedilos de inteligecircncia que busquem alternativas agraves accedilotildees militares nas

territorialidades onde residem as populaccedilotildees campesinas que satildeo as principais cultivadoras de

coca poderaacute dar iniacutecio a uma mudanccedila estrutural do problema que desde a transiccedilatildeo

democraacutetica ainda perdura

44 Boliacutevia Plano Dignidade Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e a

Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca

Com o fim do regime autoritaacuterio boliviano (1964-1982) a Boliacutevia manteve os

compromissos antidrogas com os EUA principalmente por se tratar de uma das condiccedilotildees

para que ambos os paiacuteses assinassem o acordo de livre comeacutercio Para atender as expectativas

norte-americanas a administraccedilatildeo Paz Entenssoro aprovou em agosto de 1988 a Lei 1008

sobre Regime da Coca e Substacircncias Controladas que tinha como traccedilos basilares a

incorporaccedilatildeo da coca ao lado de outras substacircncias iliacutecitas em um uacutenico corpus legal a

regulaccedilatildeo dos cultivos legais que estabelecia apenas 12000 hectares para cultivaccedilatildeo

tradicional e a interdiccedilatildeo cuja caracteriacutestica era a proibiccedilatildeo prevenccedilatildeo e repressatildeo do cultivo

excedente e do traacutefico de ldquosubstacircncias controladasrdquo A interdiccedilatildeo conforme foi proposta pela

Lei 1008 previa a utilizaccedilatildeo de meios militares para a erradicaccedilatildeo dos cultivos iliacutecitos e o

combate ao traacutefico de drogas para tanto a UMOPAR e a FELCN passaram por uma

reestruturaccedilatildeo e novos treinamentos financiados pelos EUA77

para realizaccedilatildeo de operaccedilotildees

antidrogas nas zonas78

que produzem excedente de coca Laserna comenta que esta lei gerou

atritos entre o governo e os camponeses produtores de coca que rejeitaram as accedilotildees

governamentais Os camponeses realizaram cerca de quatro encontros nacionais para

debaterem as medidas adotadas e negociarem com o governo especialmente a necessidade de

77

A UMOPAR era controlada pela Narcotics Affairs Section (NAS) da Embaixada dos EUA e a DEA traccedilava os

planos de interdiccedilatildeo e os supervisionavam A UMOPAR desde a sua criaccedilatildeo ateacute 1997 sempre manteve relaccedilotildees

proacuteximas com a DEA que iam do compartilhamento de uma base no Chapare ateacute colaboraccedilatildeo em

interrogatoacuterios de pessoas detidas por suspeita de traacutefico de drogas A FELCN tinha a missatildeo de repressatildeo agrave

cocaiacutena e aos insumos quiacutemicos recebia financiamento direto dos EUA para pagamento de bocircnus salariais

compra de equipamentos e treinamento militar (LEDEBUR 2005) 78

A Lei 1008 classificou as zonas de cultivo de coca em trecircs tipos 1) zona de produccedilatildeo tradicional 2) zona de

produccedilatildeo excedente em transiccedilatildeo e 3) zona de produccedilatildeo iliacutecita (ARAMAYO 2008 p443)

116

se retirar a coca do regime de drogas entretanto os camponeses natildeo conseguiram reverter

nenhuma claacuteusula da lei

O envolvimento dos EUA na repressatildeo agraves drogas na Boliacutevia e as medidas repressivas

governamentais tiveram impactos no cultivo e na produccedilatildeo de coca apresentando oscilaccedilotildees e

posterior reduccedilatildeo ao longo dos anos de 1990 No ano de 1990 o cultivo de coca no paiacutes foi de

38300 hectares representando uma queda de 2600 hectares em comparaccedilatildeo com o ano

anterior e a produccedilatildeo totalizou 105861 toneladas apresentando uma queda de 7187

toneladas Em 1992 as aacutereas de cultivo eram de 33500 hectares com uma produccedilatildeo de

99594 toneladas e em 1995 as aacutereas de cultivaccedilatildeo chegaram a totalizar 36600 ha e a soma

da produccedilatildeo de folha de coca alcanccedilou a cifra de 101162 t Mas no ano de 1998 estes

nuacutemeros voltaram a sofrer queda O nuacutemero de hectares de cultivaccedilatildeo caiu para 28000 e a

produccedilatildeo apresentou uma reduccedilatildeo atingindo 77392 toneladas (UNODC 1999 p 42)

Esta variaccedilatildeo nos resultados do controle dos cultivos e produccedilatildeo de coca estava

relacionada com o modo como os governos de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e Gonzalo

Saacutenchez de Lozada (1993-1997) conduziram a poliacutetica de drogas na Boliacutevia Viviana Garciacutea

Pinzoacuten (2014) salienta que mesmo estes governos sendo pressionados pelos EUA natildeo foram

intransigentes no que tange agrave erradicaccedilatildeo de cultivos para evitar conflito com os cocaleiros

devido ao apoio popular que tinham Destarte ambos procuraram negociar acordos de

desenvolvimento alternativo e erradicaccedilatildeo voluntaacuteria de cultivos mas os cocaleiros

permaneciam resistentes agraves propostas por natildeo confiarem no governo No ano de 1995 diante

do natildeo cumprimento das metas de erradicaccedilatildeo os EUA ameaccedilaram retirar a certificaccedilatildeo da

Boliacutevia para pressionar economicamente o governo Saacutenchez Lozada o que o levou a

intensificar as campanhas de erradicaccedilatildeo e consequentemente acirrou os acircnimos dos

cocaleiros gerando conflito entre os camponeses e o governo

Plan Dignidad e a Repressatildeo Militarizada ao Cultivo de Coca

Apoacutes uma eleiccedilatildeo conturbada o ex-ditador Hugo Banzer Suaacuterez foi eleito presidente

(1997-2002) e uma das primeiras medidas tomada pelo seu governo foi enfrentar diretamente

os cultivos iliacutecitos de coca com o intuito de eliminaacute-los completamente independente de isso

provocar conflitos com os cocaleiros Para por em marcha o seu objetivo Hugo Banzer

lanccedilou o Plan Dignidad no segundo ano de seu mandato sem nenhum diaacutelogo com a

sociedade O intuito principal era demarcar a diferenccedila de seu governo em relaccedilatildeo ao de seus

antecessores no que tange ao combate agraves drogas e estreitar as relaccedilotildees com os EUA O Plan

117

Dignidad era uma estrateacutegia boliviana para combater o traacutefico de drogas e a sua duraccedilatildeo

prevista era de cinco anos O plano antidrogas tinha quatro pilares que o norteavam

prevenccedilatildeo desenvolvimento alternativo interdiccedilatildeo e erradicaccedilatildeo de cultivos excedentes

iliacutecitos (LEDEBUR 2005 SALAZAR ORTUNtildeO 2003) Para a consecuccedilatildeo deste plano

segundo Garcia Pinzoacuten foi destinado um orccedilamento de US$ 952 milhotildees distribuiacutedos da

seguinte maneira US$ 108 milhotildees para erradicaccedilatildeo US$ 700 milhotildees para o

desenvolvimento alternativo US$ 129 milhotildees para interdiccedilatildeo e US$ 15 milhotildees para

prevenccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo

Para a implantaccedilatildeo do Plan Dignidad o presidente Banzer promulgou a Lei 1788 de

16 de setembro de 1997 a qual criava o Consejo Nacional de Lucha Contra el Traacutefico Iliacutecito

de Drogas (CONALTID) que com o lanccedilamento da Estrateacutegia de Luta Contra o

Narcotraacutefico em fevereiro de 1998 passou a ser o oacutergatildeo maacuteximo para a definiccedilatildeo e execuccedilatildeo

das poliacuteticas de luta contra as drogas e substacircncias controladas O CONALTID era (e ainda eacute)

presidido pelo Presidente do paiacutes e eacute integrado pelos Ministros das Relaccedilotildees Exteriores da

Presidecircncia do Governo da Defesa e da Sauacutede e Desportes (BOLIacuteVIA 1998a)

Para cumprimento da poliacutetica de ldquococa cerordquo a estrateacutegia de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria

dos cultivos iliacutecitos tinha como fundamento o emprego das forccedilas armadas para a sua

execuccedilatildeo Em 1998 para implementaccedilatildeo da Estrateacutegia de Luta contra o Narcotraacutefico e do

Plano Integral de Prevenccedilatildeo Controle do Traacutefico Iliacutecito de Drogas e Desenvolvimento

Alternativo ndash tambeacutem lanccedilado em fevereiro de 1998 ndash foi criada a Fuerza de Tarea Conjunta

(FTC) que era composta pelas forccedilas armadas grupo de elite da UMOPAR ndash os Leopardos ndash

poliacutecia ecoloacutegica e a Fuerza Tarea Expedicionaria (FTE)79

ou seja era uma unidade de

erradicaccedilatildeo mista que agrupava forccedilas militares e policiais para o combate ao cultivo de coca

excedente Badraacuten aponta que no periacuteodo de 1995 a 1999 o controle dos cultivos excedentes

de folha de coca foi realizado por forccedilas militares tais como os Diablos Rojos forccedila aeacuterea e

as brigadas da FTC que contavam com o apoio informacional da Direccioacuten de Reconversioacuten

de La Coca (DIRECO) oacutergatildeo de controle de cultivo e produccedilatildeo da folha de coca do

Ministerio de Asuntos Campesinos y Agropecuarios As forccedilas policiais e militares eram

equipadas pela NAS da Embaixada dos EUA e treinadas pela DEA cujo modelo implantado

79

A FTE era um grupo paramilitar financiado pelos EUA e treinado com taacuteticas de contrainsurgecircncia para

erradicar os cultivos iliacutecitos e reprimir os cocaleiros mas devido agraves inuacutemeras denuacutencias de violaccedilotildees de

direitos humanos principalmente no Chapare Devido a estes acontecimentos a FTE foi desarticulada em 2002

(LEDEBUR 2005 p 202)

118

era o das forccedilas especiais norte-americanas80

As forccedilas armadas e a FTC participaram

ativamente em dois pilares do Plan Dignidad de ldquoguerra contra a cocardquo na erradicaccedilatildeo e na

interdiccedilatildeo Elena Ruiz Labrador (2009) destaca que estas forccedilas militares operavam em ritmo

acelerado chegando a superar a meacutedia de 50 hectares de erradicaccedilatildeo por dia

Entre 1998 e 2000 foi constituiacutedo um serviccedilo de inteligecircncia composto pelos

profissionais de Inteligecircncia da DIRECO integrantes da Unidad de Cartografiacutea

(UNICARDI) membros da inteligecircncia da poliacutecia nacional das forccedilas armadas e da FTC

Salazar Ortuntildeo (2002) ressalta que o objetivo deste serviccedilo de inteligecircncia era identificar e

perseguir os principais dirigentes dos sindicatos centrais federaccedilotildees pessoas das

administraccedilotildees municipais assessores e instituiccedilotildees que estavam relacionados com a

produccedilatildeo da folha de coca cuja ldquometodologia central consistia em contrataccedilatildeo de informantes

camponeses infiltrados nas organizaccedilotildees mencionadas e nos segmentos dos meios de

comunicaccedilatildeo das organizaccedilotildees do troacutepico [Cochabamba]rdquo (SALAZAR ORTUNtildeO 2002 p

13 traduccedilatildeo nossa)

No documento da FTC intitulado Trabajamos por la dignidad de Bolivia y por la

salud del mundo publicado em 2002 fica evidente como os componentes desta forccedila militar

viam os cocaleiros a coca e a cocaiacutena Eram vistas como drogas sem nenhuma distinccedilatildeo por

conseguinte as organizaccedilotildees camponesas de produtores de coca81

foram identificadas como

agrupamentos de criminosos ditadores terroristas e narcotraficantes mafiosos como

podemos ver no trecho abaixo

- Sindicato do crime (sindicatos camponeses de produtores de coca) agrupamento

iliacutecito para produzir drogas []

- Ditadura sindical outorga e retira a terra impotildee multa e realiza expulsotildees forccediladas

sem consulta

- Terrorismo sindical impotildee medo e terror castigos fiacutesicos prisotildees e execuccedilotildees

- Coacutedigo do silecircncio ameaccedila os informantes com execuccedilatildeo de suas famiacutelias (FTC

2002 apud SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 187 traduccedilatildeo nossa)

Estas imagens das organizaccedilotildees sindicais camponesas foram desenhadas pelo

imaginaacuterio coletivo dos militares da FTC a fim de definir e tipificar o ldquoinimigordquo endoacutegeno a

ser combatido pois os ldquonarcoterroristasrdquo se encontram dentro da fronteira Portanto a relaccedilatildeo

80

Os EUA auxiliaram pecuniariamente o Ministerio de Gobierno a pagar bonificaccedilatildeo por erradicaccedilatildeo para os

membros da FTC superando a casa dos US$ 33 milhotildees apenas em bocircnus e apoiaram militarmente a FTC

com equipamentos e treinamentos oferecidos por militares estadunidenses e oficiais da DEA nas seguintes

especialidades parameacutedicos explosivos armeiros franco-atiradores comunicaccedilotildees e mecacircnica de aeronaves

(SALAZAR ORTUNtildeO 2008 p 186-187) 81

Santos ressalta que ldquoO fato de grande parte da populaccedilatildeo do Chapare ser formada por ex-mineradores de

estanho ouro e prata das minas de Oururo e Potosiacute com experiecircncia sindical foi importante para a

organizaccedilatildeo do sindicato dos cocaleirosrdquo (SANTOS 2007 p 200)

119

com o ldquoinimigordquo daacute-se pelo emprego contiacutenuo de armas para combatecirc-lo onde a doutrina

militar do extermiacutenio eacute o uacutenico mecanismo existente na relaccedilatildeo com o ldquooutrordquo No mesmo

ano de lanccedilamento do referido documento a Anistia Internacional (2002) publicou um

relatoacuterio sobre as violaccedilotildees dos direitos humanos na Boliacutevia que trata diretamente das

denunciais de violecircncia tortura abuso de poder detenccedilotildees arbitraacuterias e assassinatos contra

camponeses cometidos pela FTC na regiatildeo do Chapare

A proviacutencia do Chapare epicentro do ldquosindicato do crimerdquo situada no Departamento

de Cochabamba era o cerne da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria das plantaccedilotildees de coca consideradas

ilegais pelo governo boliviano que destruiu cerca de 38000 hectares de cultivo iliacutecito nesta

regiatildeo no ano de 2000 (GARCIacuteA PINZOacuteN 2014) O sucesso da erradicaccedilatildeo compulsoacuteria no

Chapare motivou o governo a expandir a erradicaccedilatildeo para regiatildeo de Yungas ndash tida como zona

cocaleira ldquotradicionalrdquo autorizada a plantar legalmente a coca ndash no ano de 2001 entretanto

encontrou muita resistecircncia dos camponeses que defenderam impetuosamente suas plantaccedilotildees

de coca Garciacutea Pinzoacuten relata que o descumprimento por parte do Estado boliviano do acordo

de investimento no desenvolvimento alternativo no Chapare provocou revolta nos cocaleiros

desta regiatildeo que voltaram a plantar coca e se organizaram contra as operaccedilotildees antidrogas

fazendo com que o governo da Boliacutevia recuasse na poliacutetica de erradicaccedilatildeo

De acordo com Ledebur (2005) a presenccedila das forccedilas de seguranccedila no Chapare

durante a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico foi constante Ateacute o final de 2001 cerca de

4500 efetivos militares e policiais estavam presentes na regiatildeo No ano de 2003 este nuacutemero

caiu para 2500 Mesmo com o acordo feito com os camponeses o governo continuou

instalando bases antidrogas com presenccedila de forccedilas de seguranccedila mista (militar e policial) nas

zonas cocaleiras do Troacutepico de Cochabamba tais accedilotildees foram interpretadas como

descumprimento do compromisso por parte das autoridades bolivianas ldquoTanto o governo

estadunidense como o boliviano declararam oficialmente que uma presenccedila militar sustentada

em longo prazo na regiatildeo era indispensaacutevel para manter as metas de erradicaccedilatildeo e evitar o

resurgimento dos cultivos de cocardquo (LEDEBUR 2005 p 201 traduccedilatildeo nossa)

De acordo com o Plan Integral de Prevencioacuten Control del Traacutefico Iliacutecito de Drogas y

Desarrollo Alternativo de 4 de fevereiro de 1998 redigido sob o manto do Plan Dignidad

considera que

[] as zonas de produccedilatildeo excedente estatildeo sujeitas a planos anuais de reduccedilatildeo

substituiccedilatildeo e desenvolvimento mediante a aplicaccedilatildeo do Programa Integral de

120

Desarrollo y Substitucioacuten (PIDYS)82

com metas concretas que devem ser

alcanccediladas com a participaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores de folha de coca excedente

e a disponibilidade de recursos financeiros provenientes do orccedilamento da naccedilatildeo

assim como a cooperaccedilatildeo internacional teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

orientada para o desenvolvimento alternativo (BOLIacuteVIA 1998b traduccedilatildeo nossa)

Portanto a erradicaccedilatildeo da coca excedente deveria ser um processo gradual e

voluntaacuterio que priorizasse os projetos econocircmicos e sociais desse modo o cultivo excedente

seria substituiacutedo83

por plantaccedilotildees liacutecitas com pagamentos de compensaccedilotildees econocircmicas que

beneficiassem os produtores individual e coletivamente Em vez disso o governo boliviano

financiado pelos EUA preferiu intervir militarmente de forma sistemaacutetica para conter a

produccedilatildeo de coca iliacutecita e forccedilar o agricultor cocaleiro a substituir suas plantaccedilotildees por

produtos menos rentaacuteveis sem muitas garantias de cumprimento do programa de

desenvolvimento alternativo Conforme aponta Santos

Seguindo fielmente as concepccedilotildees norte-americanas de luta contra o narcotraacutefico o

Estado boliviano atraveacutes da FTC intensificou a repressatildeo militar e policial aos

produtores do Chapare Como ocorre nos EUA onde a poliacutetica interna de combate

agraves drogas serve como um poderoso mecanismo de controle social sobre os pobres

na Boliacutevia milhares de camponeses pobres foram presos assassinados e desalojados

de suas terras por conta de uma suposta poliacutetica de combate ao narcotraacutefico

(SANTOS 2005 p 200)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico conhecida como Plan Dignidad

implementada a partir de 1998 trouxe resultados nos iacutendices de reduccedilatildeo do cultivo e

produccedilatildeo da coca na Boliacutevia fazendo com que estes nuacutemeros alcanccedilassem os niacuteveis mais

baixos em 2000 quando chegaram a 14600 hectares de arbusto de coca ou seja 7200

hectares a menos em relaccedilatildeo ao ano de 1999 cuja marca foi de 21800 (UNODC 2012 p

10) Todavia como apontamos anteriormente esta acentuada reduccedilatildeo do cultivo de coca estaacute

concatenada com o emprego permanente das forccedilas de seguranccedila policiais e militares na

tarefa de erradicaccedilatildeo nas zonas consideradas de cultivos excedentes afetando sobremodo a

economia local e polarizando o conflito entre os cocaleiros e o governo pois a poliacutetica de

desenvolvimento alternativo se revelou deficitaacuteria

Os camponeses que contemporizaram com os programas do governo de substituiccedilatildeo

de cultivos e compensaccedilatildeo natildeo foram amparados ademais os plantios alternativos de frutas

82

O PIDYS eacute um marco institucional que institui as condiccedilotildees prazos para substituiccedilatildeo e reduccedilatildeo voluntaacuteria dos

cultivos excedentes bem como o montante da compensaccedilatildeo e as accedilotildees poliacuteticas que garantem novas

alternativas de desenvolvimento para as aacutereas atingidas 83

O processo de substituiccedilatildeo de cultivos iliacutecitos tem por objetivo modificar a dinacircmica econocircmica e social

provocada pelo traacutefico de drogas a fim de promover novos padrotildees produtivos alternativos que assegurem

renda suficiente para garantir a subsistecircncia por meio de assistecircncia de creacutedito desenvolvimento do

agronegoacutecio e da comercializaccedilatildeo

121

verduras e legumes natildeo se revelaram promissores devido o seu baixo custo no mercado e os

obstaacuteculos logiacutesticos e de infraestrutura sobretudo na proviacutencia do Chapare regiatildeo que mais

sofreu com a erradicaccedilatildeo compulsoacuteria Segundo Fernando Rojas (2002) a administraccedilatildeo

Banzer pretendeu tambeacutem erradicar os plantios excedentes de coca na zona tradicional dos

Yungas no departamento de La Paz a partir de 2001 contudo diante de um cenaacuterio

potencialmente conflitivo devido uma organizaccedilatildeo mais profunda dos cocaleiros desta

localidade o governo natildeo realizou a destruiccedilatildeo de 2000 hectares de plantaccedilatildeo ilegal de coca

Conforme destaca Santos apoacutes as intervenccedilotildees militares sob o lema de ldquococa cerordquo do Plan

Dignidad ldquohouve em toda a Boliacutevia um crescimento significativo dos movimentos sociais

que cada vez mais passaram a organizar uma resistecircncia agraves accedilotildees militaristas dos governos e agrave

ingerecircncia dos EUA no paiacutesrdquo (SANTOS 2005 p 200)

Apoacutes a renuacutencia de Banzer em 6 de agosto de 2001 Jorge Quiroga Ramiacuterez tomou

posse e prosseguiu com a poliacutetica de ldquococa cerordquo de seu antecessor O presidente Quiroga

apertou o cerco contra os cocaleiros e em menos de um semestre de mandato o governo

boliviano decretou leis que aumentavam o controle a fiscalizaccedilatildeo e a penalizaccedilatildeo dos

camponeses que cultivavam coca ilegalmente A mais expressiva destas posturas foi o

Decreto Supremo 26415 promulgado no dia 27 de novembro do mesmo ano o qual

criminalizava e penalizava de oito a dez anos aquele que coletasse secasse transportasse e

comercializasse a folha de coca em seu estado natural pois em aacutereas onde o cultivo de coca eacute

proibido natildeo deveria existir mercado para a sua comercializaccedilatildeo ou seja no Troacutepico de

Cochabamba estava terminantemente proibida qualquer uma destas atividades Assim sendo

as folhas de coca que estivessem fora da delimitaccedilatildeo territorial autorizada pelo Estado eram

confiscadas e os infratores eram presos sem passar pelo devido processo legal o que feria os

princiacutepios constitucionais Este decreto tornou mais riacutegida a repressatildeo das forccedilas de seguranccedila

ndash principalmente a FTC ndash na regiatildeo do Chapare que segundo Ledebur eram cerca de 4000 a

4500 efetivos Para a autora este excesso de emprego das forccedilas militares e policiais se

caracterizou como a maacutexima expressatildeo da militarizaccedilatildeo de combate agraves drogas na regiatildeo

(LEDERBUR 2005)

Este uso desproporcional da forccedila por parte do Estado boliviano que aleacutem de reprimir

as camadas mais pobres da populaccedilatildeo com accedilotildees violentas que feriam as garantias

constitucionais e os direitos humanos acentuou a pobreza de famiacutelias e comunidades inteiras

o que desencadeou uma onda de protestos por parte dos camponeses Essas manifestaccedilotildees

contra a poliacutetica repressiva do governo Quiroga levaram a inuacutemeros confrontos entre os

122

membros das forccedilas de seguranccedila e os cocaleiros Sob o Plan Dignidad a poliacutecia e as forccedilas

armadas se constituiacuteram como uma das principais ameaccedilas agrave ordem constitucional e agrave

seguranccedila dos cidadatildeos bolivianos Estas instituiccedilotildees foram transformadas em instrumentos

poliacuteticos para atender aos interesses dos governos em receber auxiacutelio econocircmico

submetendo-se aos imperativos da ldquoguerra agraves drogasrdquo impulsionada pelos EUA A

policializaccedilatildeo das forccedilas armadas e seu emprego constante para estas finalidades

evidenciaram as limitaccedilotildees dos governantes para compreender a importacircncia estrateacutegica das

instituiccedilotildees militares profissionalizadas e comprometidas com a Defesa Nacional e a sua

submissatildeo ao Estado democraacutetico de direito

As accedilotildees permanentes dos cocaleiros para defender o cultivo e a produccedilatildeo da coca

contra as metas de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria e a pressatildeo dos EUA para que elas fossem

cumpridas trouxeram agrave tona a emergecircncia de um novo ator no cenaacuterio poliacutetico nacional o

partido Movimiento al Socialismo (MAS) Esse ambiente conflitivo permeou as eleiccedilotildees de

2002 A questatildeo da erradicaccedilatildeo forccedilada dos cultivos de coca assim como a intromissatildeo dos

EUA na poliacutetica interna boliviana fizeram com que as intenccedilotildees de voto em Evo Morales do

MAS crescesse e a subida do liacuteder sindical dos cocaleiros nas pesquisas levou o embaixador

estadunidense no paiacutes Manuel Rocha a pronunciar publicamente a sua oposiccedilatildeo ao candidato

do MAS e ateacute mesmo a ameaccedilar o cancelamento da assistecircncia econocircmica norte-americana

caso Evo Morales fosse eleito (SANTOS 2005 p 201) A popularidade do candidato agrave

presidecircncia do MAS aumentou a ponto de chegar em segundo lugar nas eleiccedilotildees com 209

dos votos perdendo para Gonzalo Saacutenchez de Lozada do partido Movimiento Nacionalista

Revolucionario (MNR) que mais uma vez chegou ao posto de presidente da Boliacutevia

Contudo a presidecircncia de Saacutenchez de Lozada natildeo se sustentou por muito tempo

Em 2003 ocorreram grandes manifestaccedilotildees contra o seu governo motivadas pela crise

econocircmica e social a continuaccedilatildeo do Plan Dignidad que contava com o apoio dos EUA a

criaccedilatildeo de um imposto sobre o salaacuterio dos trabalhadores ndash que ficou conhecido como

ldquoimpuestazordquo ndash e principalmente a Guerra do Gaacutes84

elementos que fizeram com que

84

No ano de 2002 o presidente Jorge Quiroga Ramirez fez um acordo para instalaccedilatildeo de uma central de

processamento de gaacutes natural no litoral do Chile com intuito de exportaacute-lo para os EUA mais especificamente

para a Califoacuternia No ano subsequente o presidente Saacutenchez de Lozada ratificou este acordo e as

manifestaccedilotildees contra a exportaccedilatildeo do gaacutes ganharam forccedila na cidade de El Alto nos meses de setembro e

outubro de 2003 fazendo com que o governo aumentasse a repressatildeo contra os protestos O emprego das

forccedilas de seguranccedila contra os manifestantes incorreu na morte de inuacutemeros civis este ocorrido intensificou a

revolta da populaccedilatildeo boliviana que passou a exigir a saiacuteda de Saacutenchez Lozada O presidente renunciou o seu

cargo e deixou o paiacutes em outubro do mesmo ano

123

Saacutenchez de Lozada fosse derrubado do poder e fugisse do paiacutes com sua famiacutelia e membros de

seu gabinete para Miami

Diplomacia dos Povos e a Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da

Folha de Coca

No ano de 2005 Evo Morales candidato do MAS ganhou as eleiccedilotildees presidenciais

com 54 do votos se tornando o primeiro presidente indiacutegena da Boliacutevia Um dos principais

pontos de sua candidatura era por fim agrave erradicaccedilatildeo forccedilada e criar novas regras para

regulamentaccedilatildeo do cultivo e a produccedilatildeo da coca cujo lema era ldquococa si cocaiacutena nordquo Com

esta proposta Morales procurou controlar a produccedilatildeo da folha de coca que abastecia o traacutefico

de cocaiacutena sem entrar em confronto com os camponeses como fizeram os seus antecessores

cuja repressatildeo violenta prevaleceu sobre o diaacutelogo e sobre o investimento em poliacuteticas para o

desenvolvimento alternativo e reduccedilatildeo da pobreza A vitoacuteria de Morales nas eleiccedilotildees foi

explicada por Laserna da seguinte forma

A defesa dos cultivos de coca acabou representando a defesa dos recursos naturais e

da identidade cultural da naccedilatildeo frente agrave imposiccedilatildeo externa e globalizada do lsquoimpeacuterio

americanorsquo Neste imaginaacuterio poliacutetico os cocaleiros satildeo concebidos e apresentados

como a essecircncia do campesinato que por sua vez seria a essecircncia indiacutegena da

naccedilatildeo todavia submetida ao colonialismo interno e tambeacutem satildeo apresentadas como

povo organizado que se converte em Estado para enfrentar a agressatildeo externa agrave

paacutetria Evo Morales reuacutene todas as caracteriacutesticas do movimento camponecircs

cocaleiro e aymara (LASERNA 2011 p 248-249 traduccedilatildeo nossa)

Nos primeiros anos de seu mandato Evo Morales deu continuidade ao acordo feito

entre o ex-presidente Carlos Mesa e os cocaleiros que permitia a cada famiacutelia cultivar 1600

metros quadrados de arbusto de coca85

no entanto os plantios que excedessem o limite

previsto seriam erradicados de forma cooperativa com os camponeses A continuaccedilatildeo do

acordo assegurou aos cocaleiros do Chapare uma pequena renda do plantio de coca e por

conseguinte diminuiu significativamente os conflitos com o governo Nos primeiros dois

anos de seu mandato ao contraacuterio dos governos anteriores a administraccedilatildeo Morales

conseguiu cumprir com ecircxito a meta de reduccedilatildeo de 5000 hectares de coca sem o uso da forccedila

A produccedilatildeo de folha de coca na regiatildeo andina em 2005 era em torno de 159600 hectares A

produccedilatildeo boliviana que potencialmente foi desviada para o traacutefico de drogas foi o

equivalente de 13400 hectares ou seja 84 do total (BOLIacuteVIA 2006)

Em 18 de dezembro de 2006 Morales divulgou a Estrategia de Lucha contra el

Narcotraacutefico y Revalorizacioacuten de la Hoja de Coca 2007-2010 cujo objetivos satildeo combater o 85

Este periacutemetro tambeacutem eacute conhecido como ldquocatordquo que eacute um terccedilo de um campo de futebol ou 1600 msup2

124

crime organizado internacional o narcotraacutefico e o abuso de drogas fortalecendo os

mecanismos de interdiccedilatildeo e controle das substacircncias quiacutemicas e lavagem de dinheiro

revalorizar a folha de coca como patrimocircnio cultural do povo boliviano sobretudo das

populaccedilotildees queacutechua aymara e guarani por se tratar de um elemento cultural espiritual

medicinal nutricional e econocircmico destes povos A estrateacutegia prevecirc uma mudanccedila na poliacutetica

de erradicaccedilatildeo compulsoacuteria que seria substituiacuteda por accedilotildees de interdiccedilatildeo que garantem o

controle social e o respeito aos direitos humanos como forma de criar uma interaccedilatildeo maior

entre a comunidade e o Estado Deste modo o documento previu a ampliaccedilatildeo do cultivo de

coca de 12000 para 20000 hectares ateacute o ano de 2010 e a produccedilatildeo excedente seria

ldquoracionalizadardquo em comum acordo com os produtores atraveacutes do controle social e do

zoneamento natildeo expansivo86

Este aumento resultaria na utilizaccedilatildeo de 4000 toneladas de coca

na induacutestria para confecccedilatildeo de produtos nutricionais medicinais etc (BOLIacuteVIA 2006)

Santos destaca que ldquoessa nova poliacutetica foi criticada pelos EUA que reduziram 25 do valor

da ajuda ao combate agraves drogas na Boliacutevia passando de US$ 45 milhotildees para US$ 338

milhotildees para o ano de 2007rdquo (SANTOS 2007 p 202)

A Estrateacutegia de Luta Contra o Narcotraacutefico e Revalorizaccedilatildeo da Folha de Coca natildeo eacute

restrita ao acircmbito domeacutestico mas tambeacutem eacute parte constituinte da poliacutetica externa de Evo

Morales A poliacutetica externa boliviana ganhou novos contornos com a administraccedilatildeo Morales

No ano de sua posse foi desenhada a Diplomacia de los Pueblos ldquocomo paradigma

alternativo agrave diplomacia claacutessica e como uma nova forma de representar o governo e o Estado

perante o resto do mundordquo trata-se de uma ldquoconstruccedilatildeo e conceituaccedilatildeo da diplomacia como

praacutetica socialrdquo (ZURITA 2013 p 1-2 traduccedilatildeo nossa) A Diplomacia dos Povos tem como

um de seus fundamentos garantir o exerciacutecio pleno dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais de todos os povos originaacuterios para tanto a folha de coca tem um papel

importante por ser um componente substancial do universo simboacutelico da cosmovisatildeo andino-

amazocircnica e da histoacuteria destas populaccedilotildees A partir desta perspectiva o Ministeacuterio das

Relaccedilotildees Exteriores e Culto estabeleceu como um dos eixos cardeais da poliacutetica externa

boliviana o reconhecimento internacional da ldquoproteccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da coca originaacuteria e

ancestral como patrimocircnio cultural recurso natural renovaacutevel e fator de coesatildeo socialrdquo

(BOLIacuteVIA [2009] traduccedilatildeo nossa) Portanto a articulaccedilatildeo entre revalorizaccedilatildeo da folha de

86

De acordo com Laserna (2011 p 255) a JIFE no seu informe anual de 2007 desaprovou as medidas do

governo Morales alegando que elas transgrediam a normativa acordada nas convenccedilotildees internacionais

125

coca com o combate ao traacutefico de drogas se tornou um grande desafio para o governo

boliviano conseguir por em praacutetica a sua poliacutetica de ldquococa siacute cocaiacutena nordquo

A poliacutetica de ldquoracionalizaccedilatildeordquo que dava mais autonomia aos camponeses para

controlar a produccedilatildeo da coca e reduzia a pressatildeo do governo para o cumprimento das metas

apresentou falhas na fiscalizaccedilatildeo do excedente produzido isto levou o Estado a intervir

novamente para controlar o processo para impedir que a expansatildeo dos hectares de plantio de

coca abastecesse o traacutefico de drogas Ruiz Labrador (2009) ressalta que um dos problemas

gerados por esta retomada das intervenccedilotildees por parte da administraccedilatildeo Morales ocorreu entre

o final de 2008 e o comeccedilo de 2009 quando o Vice-Ministro da Coca publicou a Resoluccedilatildeo

284 a qual retirava a autorizaccedilatildeo da venda da folha de coca dos produtores varejistas

membros da Asociacioacuten Departamental de Productores de Coca (ADEPCOCA) nos

departamentos de Cochabamba e Santa Cruz porque eles natildeo faziam os registros detalhados

de quem produz e para quem eacute enviado conforme a lei A ausecircncia destas informaccedilotildees fez

com que o governo concluiacutesse que o excedente produzido era desviado para a induacutestria da

cocaiacutena e extinguisse o decreto que previa a ldquoracionalizaccedilatildeordquo dos plantios

No ano de 2008 Morales ordenou que as atividades da DEA na Boliacutevia fossem

interrompidas e que os seus funcionaacuterios que estavam haacute mais de vinte anos no paiacutes

deixassem o territoacuterio nacional O embaixador estadunidense Philip Goldberg foi declarado

persona non grata e acusado pelo presidente boliviano de intromissatildeo poliacutetica nos assuntos

internos do paiacutes Esta postura do presidente boliviano buscava resgatar a soberania do paiacutes nas

poliacuteticas de drogas e nacionalizar o combate ao traacutefico de drogas por meio da uma

reestruturaccedilatildeo da FELCN e da instituiccedilatildeo da Unidad Ejecutora de Lucha Integral contra el

Narcotraacutefico (UELIC) que exerceria as atividades realizadas anteriormente pela DEA Outra

accedilatildeo de Morales neste sentido foi modificar o financiamento da poliacutetica de drogas que agora

pertencia ao orccedilamento do Tesouro Geral da Naccedilatildeo

No periacuteodo de 2000 a 2009 segundo o Relatoacuterio Mundial Sobre Drogas da UNODC o

cultivo da folha de coca dobrou passando de 14600 para 30900 hectares Nos primeiros

cinco anos do mandato de Evo Morales os plantios de coca cresceram 5500 hectares e a

erradicaccedilatildeo tiveram um pequeno aumento de 268 ha como consta no graacutefico abaixo

126

Graacutefico 1 Cultivos e Erradicaccedilatildeo da Folha de Coca em Hectares na Boliacutevia (1995-2009)

Fonte UNODC World Drug Report 2010a p 260 Disponiacutevel em lthttpwwwunodcorgunodcdata-and-

analysisWDR-2010htmlgt Acesso em 30 mar 2015

Como aponta o graacutefico o aumento no cultivo de coca tambeacutem repercutiu no aumento

da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena no paiacutes durante os primeiros cinco anos da administraccedilatildeo

Morales cujo crescimento saltou de 80 toneladas em 2005 para 132 toneladas no ano de 2009

sendo que 54628 toneladas meacutetricas foram produzidas nas regiotildees de Yungas de La Paz e no

Troacutepico de Cochabamba (UNODC 2010b) O crescimento da produccedilatildeo potencial de cocaiacutena

estaacute relacionado com os problemas no descumprimento da ldquoracionalizaccedilatildeordquo do cultivo da

coca excedente por parte de alguns setores do campesinato cocaleiro e a reduccedilatildeo da

fiscalizaccedilatildeo por parte do governo Morales desta produccedilatildeo Segundo o documento de

Monitoramento de Cultivo de Coca na Boliacutevia (2010b) este crescimento da produccedilatildeo de

cocaiacutena durante o governo do MAS ocorreu paradoxalmente ao mesmo passo que a

destruiccedilatildeo dos laboratoacuterios clandestinos e poccedilos de maceraccedilatildeo aumentaram passando de

2619 laboratoacuterios e 4064 poccedilos destruiacutedos no ano de 2005 para 4864 laboratoacuterios e 6664

poccedilos desmantelados

O aumento da destruiccedilatildeo de laboratoacuterios clandestinos natildeo surtiu tanto efeito na

contenccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena como esperava governo boliviano pois a cadeia de

produccedilatildeo da induacutestria da cocaiacutena eacute dinacircmica e envolve inuacutemeros atores sendo os camponeses

a ponta do iceberg A induacutestria da cocaiacutena na Boliacutevia funciona como uma rede complexa que

abrange a produccedilatildeo o comeacutercio e a exportaccedilatildeo Na produccedilatildeo estatildeo os cocaleiros que estatildeo na

127

escala mais baixa da rede recebem a menor fatia do traacutefico de drogas e natildeo tecircm contato direto

com as redes de comercializaccedilatildeo e os coletores que manufaturam a pasta base e fazem a ponte

entre a produccedilatildeo e os comerciantes Na primeira escala da comercializaccedilatildeo estatildeo os

transportadores os distribuidores os pequenos traficantes e os agentes puacuteblicos corruptos Na

escala mais alta deste processo estatildeo o administrador o investidor os grandes comerciantes e

os lavadores de dinheiro de um lado Na exportaccedilatildeo estatildeo os exportadores tanto do cloridrato

ndash principal substacircncia quiacutemica utilizada na confecccedilatildeo da pasta base ndash quanto da cocaiacutena que

atuam nos centros urbanos (na Boliacutevia satildeo Santa Cruz de La Sierra e La Paz) e as

organizaccedilotildees criminosas internacionais que atuam nas fronteiras e nas principais mercados no

exterior Todavia o controle e a repressatildeo soacute recaiacuteram sobre os camponeses e coletores Uma

vez destruiacutedo um laboratoacuterio clandestino e preso o funcionaacuterio que ali trabalhava as redes de

comercializaccedilatildeo abrem novos laboratoacuterios descentralizando a produccedilatildeo tornando-a mais

dispersa aliciando novas comunidades camponesas e ampliando as aacutereas de atuaccedilatildeo O

crescimento da produccedilatildeo de cocaiacutena neste periacuteodo estaacute relacionado diretamente com este

processo

Para Laserna (2011) a poliacutetica antidrogas do governo Morales foi um fracasso pois

produziu o resultado oposto do esperado Segundo o autor as drogas continuaram fluindo

abundantemente na Boliacutevia os preccedilos delas caiacuteram e as penitenciaacuterias permanecem

abarrotadas de pequenos traficantes sobretudo o ldquotraficante casualrdquo e consumidores de

drogas ademais quando um grupo criminoso eacute desmantelado surgem novos que os

substituem e se adaptam agraves novas circunstacircncias Laserna sustenta que as medidas

nacionalistas e populistas do governo afrouxaram a erradicaccedilatildeo e favoreceram a produccedilatildeo de

cocaiacutena O autor afirma que a ldquohistoacuteria do triunfo cocaleiro na Boliacutevia eacute tambeacutem uma

demonstraccedilatildeo de que haacute uma histoacuteria do fracasso das poliacuteticas antidrogas Um fracasso que jaacute

natildeo poderaacute esconder-se com o ecircxito das metas parciais que ao fim e a cabo mostram que a

burocracia se cumpre embora a poliacutetica falherdquo (LASERNA 2011 p 239 traduccedilatildeo nossa)

Segundo Ruiz Labrador (2009) a estrateacutegia de luta contra o narcotraacutefico e

revalorizaccedilatildeo da folha de coca apresentou alguns problemas para a sua implementaccedilatildeo e foi

recebida com ceticismo pelos EUA e alguns setores da ONU O sistema de racionalizaccedilatildeo dos

plantios em parceria com as comunidades camponesas traria resultados em longo prazo para a

reduccedilatildeo da produccedilatildeo da folha de coca ao contraacuterio da erradicaccedilatildeo forccedilada que trouxe

resultados imediatos e postergou a resoluccedilatildeo do problema A autora assinala que ldquoa

implementaccedilatildeo de novas iniciativas natildeo impediu que a administraccedilatildeo de Morales continuasse

128

coordenando e colaborando com as Naccedilotildees Unidas e a Uniatildeo Europeia em programas

antidrogasrdquo (RUIZ LABRADOR 2009 p 119) O governo de Evo Morales foi fundamental

para romper a loacutegica estigmatizadora do ldquococaleiro-narcotraficante-terroristardquo e para afirmar

que os membros das comunidades camponesas que integram o Estado boliviano tambeacutem satildeo

capazes de marcar a agenda poliacutetica a niacutevel nacional e internacional e mudar os conceitos que

norteiam a luta antidrogas propugnada pelos EUA Contudo Ruiz Labrador ressalta que a

estrateacutegia boliviana durante o primeiro mandato de Morales natildeo foi suficiente para promover

a reduccedilatildeo dos cultivos de coca e da produccedilatildeo da cocaiacutena que continuaram a crescer

Todavia a Diplomacia dos Povos foi um ponto forte do governo de Evo Morales

principalmente no que tange agrave luta pela descriminalizaccedilatildeo e revalorizaccedilatildeo da folha de coca na

ONU Maacuteximo Quitral Rojas (2014) salienta que a poliacutetica externa do presidente Morales

conseguiu algumas vitoacuterias importantes no plano internacional bem como ldquotranscender sua

visatildeo plurinacional para o contexto externordquo Entre tais conquistas o autor destaca o

ldquoreconhecimento dos direitos da Madre Tierra a declaraccedilatildeo de acesso agrave aacutegua como direito

humano a descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e a declaraccedilatildeo de 2013 como Ano Internacional

da Quinua a demanda mariacutetima perante a Corte de Haya pronunciamento internacionais a

favor de Morales quando os paiacuteses europeus lhe negaram o seu espaccedilo aeacutereo entre outros

temasrdquo (QUITRAL ROJAS 2014 p 187) A descriminalizaccedilatildeo da folha de coca e do

ldquoacullicordquo proibidos desde a Convenccedilatildeo de Entorpecentes de 1961 foi um dos principais

marcos da poliacutetica externa boliviana sob a presidecircncia de Morales

Os avanccedilos nos esforccedilos do governo boliviano para reduzir o cultivo iliacutecito e conter o

traacutefico de drogas principalmente a cocaiacutena nos uacuteltimos anos natildeo conseguiram frear o traacutefico

de drogas no paiacutes Para Jeremy McDermott (2014) a Boliacutevia se tornou o novo ldquoepicentro do

narcotraacutefico na Ameacuterica do Sulrdquo De acordo com o autor a Boliacutevia oferece duas condiccedilotildees

fundamentais para instalaccedilatildeo e difusatildeo do crime organizado transnacional oportunidade e

pouca resistecircncia A Boliacutevia estaacute situada ao lado do Brasil ndash o segundo maior consumidor de

drogas iliacutecitas do mundo ndash do Peru ndash principal produtor de cocaiacutena do mundo atualmente ndash e

do Paraguai ndash o principal produtor de maconha da Ameacuterica do Sul Ademais o paiacutes andino

faz fronteira com a Argentina que possui um mercado de drogas em expansatildeo

principalmente com o aumento do consumo de ldquobasucordquo e de ldquopacordquo87

e o Chile que vem

87

O basuco (ou bazuco) eacute semelhante ao crack tanto no seu aspecto quanto na sua forma de usar e eacute mais barato

de ser confeccionado do que a cocaiacutena O paco eacute uma droga de baixo custo produzida a partir de resiacuteduos de

cocaiacutena processada no querosene e aacutecido sulfuacuterico podendo ser usado clorofoacutermio eacuteter ou bicarbonato de

129

apresentando crescimento no seu mercado de drogas interno O autor enfatiza que a Boliacutevia

estaacute ldquono coraccedilatildeo do comeacutercio de narcoacuteticos ilegais na Ameacuterica do Sulrdquo e que ldquoesta dinacircmica eacute

totalmente independente das tradicionais rotas de traacutefico de drogas que alimentam o mercado

dos Estados Unidosrdquo (MCDERMOTT 2014)

McDermott assinala o crescimento dos ldquoclatildes da drogardquo na Boliacutevia os quais procuram

ser mais discretos e se utilizam de violecircncia em casos extremos o que os torna mais

imperceptiacuteveis aos olhos das forccedilas de seguranccedila e um dos centros de suas atividades eacute o

departamento de Santa Cruz Com a perda do mercado norte-americano para os mexicanos as

organizaccedilotildees narcotraficantes colombianas procuraram novos mercados e a Boliacutevia se tornou

um ponto estrateacutegico para produccedilatildeo de cocaiacutena altamente pura devido a suas fronteiras com o

Brasil e a Argentina onde se vende parte da droga e o restante eacute enviado para os mercados

europeus e asiaacuteticos Aleacutem disso os colombianos instalaram na Boliacutevia os seus ldquoescritoacuterios de

cobranccedilardquo que satildeo estruturas do crime organizado que funcionam como uma agecircncia de

controle e regulaccedilatildeo do traacutefico de cocaiacutena

potaacutessio e eacute consumido via respiratoacuteria ou sobre a maconha em forma de cigarro esta uacuteltima mistura eacute

conhecida tambeacutem como basuco (o nome varia de regiatildeo para regiatildeo e tambeacutem eacute conhecido como marciano ou

nevado) Informaccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwhogaresbethelcombazucohtmgt Acesso em 30 mar 2015

130

5 ACOMUNIDADE ANDINA DE NACcedilOtildeES E A COOPERACcedilAtildeO NO COMBATE AO

TRAacuteFICO DE DROGAS ILIacuteCITAS

51 Ordenamento Legal e Institucional Andino sobre o Traacutefico de Drogas Iliacutecitas

O processo de integraccedilatildeo andina natildeo se limitou agrave agenda econocircmica e poliacutetica a

seguranccedila foi a ela incorporada gradualmente a partir de dezembro de 1989 tendo como

referecircncia a Reuniatildeo de Galaacutepagos a qual pretendia fomentar medidas de confianccedila e

cooperaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e militar com intuito de promover um aprofundamento do

projeto de integraccedilatildeo entre os paiacuteses da regiatildeo A Reuniatildeo de Galaacutepagos estava imersa num

contexto marcado pelo colapso da Uniatildeo Sovieacutetica e fim da Guerra Fria no plano

internacional pela transiccedilatildeo democraacutetica nos paiacuteses latino-americanos no plano continental e

pela intensificaccedilatildeo da presenccedila dos EUA nos Andes com o lanccedilamento da Iniciativa Andina

no plano regional A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos de Paz Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo eacute o

primeiro documento que apresenta de forma mais organizada um programa de integraccedilatildeo com

vistas a implementar medidas de confianccedila e cooperaccedilatildeo para paz e seguranccedila na regiatildeo para

que isso acontecesse o documento considera que seria necessaacuterio um sistema democraacutetico

capaz de assegurar os ldquoideais de pazrdquo os direitos humanos a cooperaccedilatildeo entre os povos e que

contribua para a seguranccedila regional A declaraccedilatildeo incorporou a niacutevel regional a percepccedilatildeo

estadunidense sobre traacutefico de drogas como ameaccedila O inimigo em vez de ser externo eacute

interno e regional O narcotraacutefico eacute apresentado como vetor dos problemas sociais poliacuteticos e

econocircmicos o qual impulsiona a escalada da violecircncia bem como ameaccedila a seguranccedila

regional quando toma a forma de terrorismo88

A Comunidade Andina de Naccedilotildees manteve sintonia com as accedilotildees militarizadas contra

o narcotraacutefico lanccediladas pela Iniciativa Andina do governo norte-americano Na Reuniatildeo

Presidencial de Caracas de maio de 1991 no tocante agrave luta contra o narcotraacutefico foi

88

Quando o documento se refere ao terrorismo tem em vista os diferentes atentados realizados na Colocircmbia a

mando de Pablo Escobar No dia 6 de dezembro de 1989 onze dias antes da Reuniatildeo de Galaacutepagos o grupo

narcotraficante de Medelliacuten explodiu um caminhatildeo-bomba na sede do Departamento Administrativo de

Seguridad (DAS) com a intenccedilatildeo de assassinar o Gen Miguel Alfredo Maza Maacuterquez entretanto deixou

dezenas de mortos sem atingir o seu objetivo O grupo de Escobar promoveu uma seacuterie de atentados contra

oacutergatildeos do governo colombiano com intuito de barrar a aprovaccedilatildeo da extradiccedilatildeo para os EUA Em junho do

mesmo ano o Sendero Luminoso explodiu um ocircnibus do exeacutercito peruano matando seis soldados na cidade de

Juniacuten Portanto nesse momento o problema do terrorismo associado ao narcotraacutefico estaacute relacionado a

problemas internos de seguranccedila provocados por accedilotildees de narcotraficantes e guerrilheiros existentes na regiatildeo

andina (EL TIEMPO 1993 COMISIOacuteN DE LA VERDAD Y RECONCILIACIOacuteN 2003)

131

reafirmado o compromisso ldquoindividual e coletivo de lutar de maneira integral e com todos os

meios disponiacuteveis contra o flagelo do narcotraacuteficordquo e proposta a criaccedilatildeo de um Centro

Regional Andino de Coordenaccedilatildeo e Informaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES [2003] p 150) A utilizaccedilatildeo de ldquotodos os meios

disponiacuteveisrdquo dava margem tanto para o treinamento militar das poliacutecias nacionais quanto para

o emprego das forccedilas armadas para as atividades contra o comeacutercio iliacutecito de entorpecentes

No decorrer da deacutecada de 1990 a CAN procurou apoio dos EUA89

e da Uniatildeo

Europeia90

(UE) para implementar os programas de desenvolvimento alternativo para

substituiccedilatildeo de cultivos ilegais por produccedilatildeo de commodities liacutecitas e consecuccedilatildeo do Regime

de Preferecircncias Comerciais ambos para fomentar o desenvolvimento econocircmico nos paiacuteses

andinos e criar alternativas de combate ao narcotraacutefico No periacuteodo foram propostas

iniciativas de cooperaccedilatildeo para coibir a corrupccedilatildeo e a lavagem de dinheiro provenientes do

narcotraacutefico para o desenvolvimento sustentaacutevel o intercacircmbio de informaccedilotildees a criaccedilatildeo do

Grupo Operativo de Alto Niacutevel sobre Drogas o combate ao terrorismo e traacutefico de armas e

accedilotildees multilaterais concertadas nos foacuteruns mundiais sobre drogas

No ano de 1999 o Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores lanccedilaram os

Lineamientos de la Poliacutetica Exterior Comuacuten para aprofundar a construccedilatildeo de uma ldquoidentidade

comum andinardquo e consolidar os seguintes princiacutepios a paz e a seguranccedila na regiatildeo a soluccedilatildeo

paciacutefica de controveacutersias a vigecircncia da ordem democraacutetica os direitos humanos a

cooperaccedilatildeo o desenvolvimento econocircmico e social dos paiacuteses pertencentes ao bloco A

poliacutetica externa comum andina expotildee em um de seus objetivos a necessidade de uma

articulaccedilatildeo conjunta que tenha como princiacutepio a responsabilidade compartilhada na luta

internacional contra as drogas para ldquorealizar accedilotildees conjuntas que a partir de um enfoque

multilateral promovam a cooperaccedilatildeo internacional em todos os aspectos do problema em

89

A Lei de Preferecircncias Tarifaacuterias Andinas (ATPA na sigla me inglecircs) foi assinada pelo governo norte-

americano em dezembro de 1991 como parte do acordo de combate agraves drogas A ATPA permitia acesso ao

mercado estadunidense por meio da eliminaccedilatildeo parcial ou total de tarifas de cerca de 6000 produtos andinos o

objetivo era aumentar a criaccedilatildeo de empregos por meio da diversificaccedilatildeo e crescimento do comeacutercio com os

EUA desestimulando o recrutamento dessas pessoas para a induacutestria das drogas 90

No ano de 1991 foi assinado o convecircnio entre a CAN e a EU intitulado Sistema Generalizado de Preferecircncias

SGP-Drogas que era um instrumento de concessatildeo tarifaacuteria com a finalidade de apoiar a estabilizaccedilatildeo acelerar

o crescimento e promover a diversificaccedilatildeo e a competitividade econocircmica como meios de ajuda para a luta

contra a produccedilatildeo e o traacutefico de drogas O SGP-Drogas foi criado com base na Convenccedilatildeo de Viena de 1988

que previa accedilotildees conjuntas contra o narcotraacutefico e a responsabilidade compartilhada frente ao problema

mundial das drogas

132

particular para o desenvolvimento de cultivos alternativosrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 1999 p 4)

O combate agraves drogas eacute um dos temas que compotildeem a agenda da Poliacutetica Exterior

Comum da CAN No acircmbito da CAN existem oacutergatildeos especiacuteficos que executam tarefas de

cooperaccedilatildeo antidrogas tais como o Comiteacute Ejecutivo del Plan Andino de Cooperacioacuten para

la Lucha contra las Drogas o Comiteacute Andino para el Desarrollo Alternativo a Escuela

Regional de la Comunidad Andina de Inteligencia Anti-drogas o Comiteacute Ejecutivo del Plan

Andino de Cooperacioacuten Para la Lucha Contra las Drogas Iliacutecitas y Delitos Conexos Comiteacute

Andino de Asistencia y Cooperacioacuten Policial y Ministerios Puacuteblicos e o Observatorio Andino

de Drogas Para incrementar estas instituiccedilotildees foram implementadas as Decisiones que satildeo

instrumentos de aplicaccedilatildeo imediata e obrigatoacuteria nos paiacuteses membros

Os oacutergatildeos antidrogas que compotildeem a estrutura da CAN atuam da seguinte forma nas

poliacuteticas nacionais no tocante agrave erradicaccedilatildeo de cultivos iliacutecitos desmantelamento da

infraestrutura de produccedilatildeo e transporte de drogas reduccedilatildeo da demanda e combate agrave lavagem

de dinheiro nos acordos binacionais com apoio agraves estrateacutegias antidrogas conjuntas e

comissotildees fronteiriccedilas nas estrateacutegias de harmonizaccedilatildeo das legislaccedilotildees nacionais e na

captaccedilatildeo de recursos teacutecnicos e financeiros internacionais na coordenaccedilatildeo de accedilotildees e

posicionamentos conjuntos91

Em 22 de junho de 2001 O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

subscreveu a Desicioacuten 505 Plan Andino de Cooperacioacuten para la Lucha contra las Drogas

Iliacutecitas y Delitos Conexos Esse Plano pretendia fortalecer as accedilotildees nacionais binacionais e

multilaterais dentro da CAN para combater as drogas iliacutecitas em sua totalidade

compreendendo todos os aspectos envolvidos na produccedilatildeo traacutefico consumo e delitos

relacionados preservando os princiacutepios da ldquoresponsabilidade compartilhadardquo e do ldquopleno

respeito a suas respectivas legislaccedilotildees e soberaniardquo e ao Direito Internacional O Plano

Andino foi elaborado para combater ldquotodos os aspectos relacionados com o problema mundial

das drogas iliacutecitas e delitos conexosrdquo se fundamentando

[] na convicccedilatildeo de que a produccedilatildeo traacutefico e consumo iliacutecito de drogas eacute um

problema de alcance mundial que afeta gravemente o desenvolvimento e a seguranccedila

dos paiacuteses andinos e da comunidade internacional Reconhece que constitui uma das

91

No que tange ao posicionamento conjunto por exemplo no ano de 1998 os paiacuteses andinos tinham proposto na

II Cuacutepula das Ameacutericas a criaccedilatildeo de um Mecanismo de Avaliaccedilatildeo Multilateral em contraposiccedilatildeo agrave certificaccedilatildeo

unilateral realizada anualmente pelos EUA a proposta foi aprovada em outubro do ano seguinte pela CICAD

133

formas mais nocivas e perigosas do crime transnacional organizado que utiliza a

loacutegica globalizadora dos mercados perverte a dinacircmica social distorce a economia

enfraquece o estado de direito e subverte a ordem puacuteblica (COMUNIDAD ANDINA

DE NACIONES 2001 p3 traduccedilatildeo nossa)

O documento salienta que o Plano Andino se constitui como ldquoum tema central na

cooperaccedilatildeo poliacutetica andinardquo devido a sua proposta de articular a poliacutetica externa comum a

poliacutetica comunitaacuteria de integraccedilatildeo e desenvolvimento fronteiriccedilo a poliacutetica de

desenvolvimento sustentaacutevel a agenda social andina e as accedilotildees em mateacuteria de seguranccedila e

fomento da confianccedila aleacutem de fortalecer os programas nacionais antinarcoacuteticos mediante a

cooperaccedilatildeo e intercacircmbio de experiecircncias entre os paiacuteses andinos e tambeacutem com outros paiacuteses

fora do bloco (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2001 p 3 traduccedilatildeo nossa)

Portanto a poliacutetica antidrogas da CAN compreende que o narcotraacutefico estaacute no centro das

preocupaccedilotildees e deve ser combatido multidimensionalmente A poliacutetica andina antidrogas

compreende o tema como um problema multidimensional a partir da seguranccedila humana e da

seguranccedila estatal De acordo com esta visatildeo o ciclo produccedilatildeo traacutefico e consumo de drogas eacute

uma ameaccedila ldquoagrave sauacutede e ao bem estar dos seres humanosrdquo e ldquoafeta as bases culturais

econocircmicas e sociaisrdquo dos paiacuteses (SECRETARIA GENERAL DE LA CAN 2000 p 2)

Como vimos anteriormente os EUA desempenharam um papel substancial e constante

na construccedilatildeo do traacutefico de drogas como ameaccedila agrave seguranccedila na regiatildeo andina e depois dos

ataques terroristas agraves torres gecircmeas os norte-americanos aumentaram a pressatildeo internacional

para o combate ao terrorismo e agraves suas fontes de financiamento Para intensificar a war on

terror na Ameacuterica Latina foi assinada a Declaraccedilatildeo Poliacutetica Contra o Terrorismo na XI

Cuacutepula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo em novembro de 2001 na cidade

de Lima a qual destacava a repressatildeo agraves redes de financiamento das atividades terroristas

principalmente a lavagem de dinheiro e o narcotraacutefico A Carta Andina para La Paz y La

Seguridad Limitacioacuten y Control de los Gastos destinados a La Defensa Externa elaborada

no Compromisso de Lima em junho de 2002 foi uma das respostas dada pelos Estados

andinos agrave guerra ao terror Na agenda de seguranccedila andina foram incorporadas as ldquonovas

ameaccedilasrdquo com o foco no combate agraves ldquoatividades do crime transnacional especialmente as

vinculadas ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito

de armasrdquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2002 traduccedilatildeo nossa)

Em janeiro do ano seguinte na cidade de Bogotaacute foi firmado pelos ministros de

relaccedilotildees exteriores e de defesa da Comunidade Andina o Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

134

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos o qual confirma a anuecircncia dos Estados

andinos aos tratados internacionais de luta contra o terrorismo existentes na ONU e na OEA

ndash a Convenccedilatildeo Interamericana contra o Terrorismo (2002) e a Declaraccedilatildeo de San Salvador

(2003) ndash e declara o combate eneacutergico contra o ldquoterrorismo em todas as suas formas e

manifestaccedilotildees e o traacutefico iliacutecito de drogas e delitos conexos que representam graves ameaccedilas

para a paz e a seguranccedila regionais o direitos humanos e liberdades fundamentais e a

institucionalidade democraacuteticardquo (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2003 traduccedilatildeo

nossa) O documento aleacutem de incorporar o terrorismo como ameaccedila subordina a guerra

contra as drogas agrave guerra ao terror O narcotraacutefico deixa de ser compreendido como uma

ameaccedila autocircnoma com atividades proacuteprias e passa a ser entendido como um tentaacuteculo do

terrorismo Na Declaracioacuten de Galaacutepagos de Paz Seguridad y Cooperacioacuten de 1989 o

terrorismo foi definido como extensatildeo do traacutefico de drogas contudo no Compromiso para el

Fortalecimiento de La Coordinacioacuten en La lucha contra el Terrorismo y El Problema

Mundial de las Drogas y los Delitos Conexos de 2003 ocorre uma inversatildeo o narcotraacutefico

passa a ser uma extensatildeo do terrorismo

A Poliacutetica Externa Comum da CAN foi um passo fundamental para o processo de

integraccedilatildeo regional nos Andes e o ponto de partida para a redaccedilatildeo da Decisioacuten 587

Lineamientos de la Poliacutetica de Seguridad Externa Comuacuten Andina em julho de 2004 Segundo

a Decisioacuten 587 a seguranccedila ldquoeacute um conceito de caraacuteter multidimensional e compreensivo que

abrange assuntos de iacutendole poliacutetica econocircmica social e culturalrdquo e tambeacutem um componente

imprescindiacutevel para o ldquoaprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica para a consolidaccedilatildeo da

identidade e coesatildeo da Comunidade Andina assim como para fortalecer a participaccedilatildeo de

seus paiacuteses nos mecanismos de seguranccedila hemisfeacuterica e mundialrdquo e desenvolver a Zona de

Paz Andina (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004a p 1-2 traduccedilatildeo nossa)

A concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da CAN se fundamenta na Declaraccedilatildeo de

Bridgetown para o Enfoque Multidimensional da Seguranccedila Hemisfeacuterica assinada em 4 de

junho de 2002 na Assembleia Geral da OEA a qual reconhece que ldquoas ameaccedilas

preocupaccedilotildees e outros desafios da seguranccedila Hemisfeacuterica satildeo de natureza diversa e alcance

multidimensional o conceito e enfoque tradicionais devem ser ampliados para abranger

ameaccedilas novas e natildeo tradicionais incluindo aspectos poliacuteticos econocircmicos sociais de sauacutede e

ambientalrdquo (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2002) Portanto a

agenda de seguranccedila hemisfeacuterica incorpora as ldquonovas ameaccedilasrdquo em uma perspectiva

multidimensional abrangendo temas distintos como o traacutefico de drogas terrorismo e crime

135

organizado (que satildeo prioridades dos EUA Meacutexico e Colocircmbia) a luta contra a fome e a

pobreza (por parte de Brasil e Venezuela) e a luta contra a AIDS e os Desastres Naturais

(conforme as prioridades dos paiacuteses caribenhos) ou seja doravante todos esses problemas

seratildeo percebidos como uma potencial ameaccedila agrave seguranccedila Em outubro de 2003 na

Conferecircncia Especial de Seguranccedila da OEA ocorrida na Cidade do Meacutexico foi reforccedilada a

ampliaccedilatildeo do conceito de seguranccedila e seu enfoque sobre as ameaccedilas multidimensionais com a

aprovaccedilatildeo da Declaracioacuten Sobre Seguridad en las Ameacutericas que enfatiza a necessidade de

manter uma ldquoarquitetura de seguranccedilardquo capaz de preservar a democracia a justiccedila os direitos

humanos a seguranccedila e o respeito ao direito internacional atraveacutes do fortalecimento dos

mecanismos de cooperaccedilatildeo hemisfeacutericos para enfrentar as ameaccedilas tradicionais e as novas

ameaccedilas (ORGANIZACIOacuteN DE LOS ESTADOS AMERICANOS 2003 p 2)

De acordo com Gaston Chilier e Laurie Freeman (2005) o conceito de seguranccedila

multidimensional adotado pela OEA pode dar margem para o aumento da securitizaccedilatildeo92

dos

problemas hemisfeacutericos e consequentemente empregar forccedilas militares para combatecirc-los

Para os autores isso seria possiacutevel devido a quatro fatores preciacutepuos

Primeiro a tendecircncia histoacuterica de intervenccedilotildees poliacuteticas das forccedilas armadas durante

a vigecircncia dos regimes autoritaacuterios ou em contexto de conflitos armados ou

instabilidade social Segundo a ldquoguerrardquo dos EUA contra as drogas que promove

um papel mais amplo das forccedilas armadas no cumprimento da lei Terceiro as crises

dos sistemas de seguranccedila puacuteblica que sofrem a maioria dos paiacuteses da regiatildeo

Quarto lsquoa guerra contra o terrorismorsquo lanccedilada pelos Estados Unidos que promove

uma definiccedilatildeo expansiva e nebulosa do terrorismo e portanto aumenta a

responsabilidade dos militares na luta contra o terrorismo sob qualquer forma que

seja expresso (CHILIER FREEMAN 2005 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum (PESC) propunha accedilotildees concretas de

cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses membros para ldquoreforccedilar a luta contra o problema mundial das

drogasrdquo em conformidade com a poliacutetica e agenda de seguranccedila hemisfeacuterica dos EUA contra

o traacutefico de drogas A PESC quando aplicada nacionalmente apresentou divergecircncias entre

os paiacuteses do bloco andino como foi o caso do Plano Colocircmbia financiado pelo governo

norte-americano que tinha o intuito de restaurar a paz reforccedilar as instituiccedilotildees democraacuteticas

combater o narcotraacutefico e erradicar os cultivos iliacutecitos implementar o desenvolvimento

alternativo e defender os direitos humanos Contudo sob a perspectiva da seguranccedila

92

A securitizaccedilatildeo eacute um ato de fala (speech act) no qual a proacutepria enunciaccedilatildeo eacute uma accedilatildeo quando um agente

utiliza o termo seguranccedila para dar um caraacuteter de emergecircncia para uma questatildeo poliacutetica essa questatildeo passa

desta esfera para esfera de seguranccedila portanto para proteger o objeto referente (aquilo que eacute percebido como

objeto de uma ameaccedila existencial por exemplo a democracia a integridade territorial o meio ambiente) passa

a ser legiacutetimo o uso de medidas extraordinaacuterias de exceccedilatildeo para conter a potencial ameaccedila (BUZAN

WAEVER WILDE 1998)

136

multidimensional o governo colombiano agiu militarmente contra os ldquonarcoterroristasrdquo

extrapolando as fronteiras da Colocircmbia o que gerou instabilidade na regiatildeo andina e tensotildees

diplomaacuteticas entre a Colocircmbia e os seus vizinhos Equador e Venezuela em 2008

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores se reuniu na cidade peruana

de Cuzco em dezembro de 2004 e subscreveu a Decisioacuten 602 Norma Andina para El Control

de Sustancias Quiacutemicas que se utilizan en la fabricacioacuten iliacutecita de estupefacientes y

sustancias psicotroacutepicas essa medida visa controlar as substacircncias quiacutemicas utilizadas na

confecccedilatildeo de drogas iliacutecitas93

principalmente a cocaiacutena e a heroiacutena e proteger o territoacuterio

aduaneiro comunitaacuterio para conter o desvio de importaccedilotildees e exportaccedilotildees dessas substacircncias

que podem ser utilizadas na produccedilatildeo de drogas Nesse documento tambeacutem foi proposta uma

lista uacutenica comunitaacuteria de substacircncias controladas de acordo com a Convenccedilatildeo de Viena de

1988 da ONU para aperfeiccediloar o controle e a vigilacircncia da importaccedilatildeo exportaccedilatildeo transporte

e qualquer outro tipo de transaccedilatildeo desses produtos quiacutemicos A criaccedilatildeo desse instrumento foi

uma forma de reiterar a Poliacutetica Andina de Control y Fiscalizacioacuten de Sustancias Quiacutemicas

que foi instituiacuteda em setembro do referido ano em parceria com a Uniatildeo Europeia

Na deacutecima quinta reuniatildeo do Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores

ocorrida na cidade de Lima no dia 15 de julho de 2005 foi ratificada a Decisioacuten 614

Estrategia Andina de Desarrollo Alternativo Integral y Sostenible que tinha como finalidade

substituir o cultivo iliacutecito qualificado internacionalmente como ameaccedila por atividades

consideradas liacutecitas como o cultivo de cafeacute milho banana e outros produtos agriacutecolas

Segundo a CAN essa substituiccedilatildeo seria uma forma de ldquomelhorar o niacutevel de vida dos

habitantes da sub-regiatildeo andinardquo e ldquocontribuir para reduccedilatildeo da pobreza e promover a coesatildeo

social dos paiacuteses andinosrdquo conforme a Declaraccedilatildeo do Milecircnio da ONU e as Resoluccedilotildees da

Comissatildeo de Entorpecentes em mateacuteria de desenvolvimento alternativo Segundo a CAN

para a consecuccedilatildeo da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo era necessaacuterio

resguardar os seguintes princiacutepios respeitar a soberania contribuir com a pacificaccedilatildeo e

estabilizaccedilatildeo das aacutereas de intervenccedilatildeo oferecendo alternativas econocircmicas e poliacuteticas

programas e projetos setoriais que minimizem os impactos das accedilotildees de erradicaccedilatildeo agir

preventivamente natildeo apenas nas comunidades e territoacuterios afetados pelos cultivos iliacutecitos

mas tambeacutem naqueles que satildeo ameaccedilados por esse problema respeitar a diversidade

93

As principais substacircncias quiacutemicas submetidas ao controle no acircmbito da CAN satildeo acetona aacutecido cloriacutedrico

aacutecido sulfuacuterico amoniacuteaco anidro amoniacuteaco aquoso anidrido aceacutetico bicarbonato de soacutedio eacuteter etiacutelico metil-

etil-cetona permanganato de potaacutessio tolueno sem estrutura quiacutemica definida e tolueno derivado de HC com

estrutura quiacutemica definida (COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2004c p 14)

137

autonomia e particularidades nacionais assim como os grupos de minorias eacutetnicas

desenvolver condiccedilotildees miacutenimas de seguranccedila governabilidade e comunicaccedilatildeo que permitam

potencializar o desenvolvimento local cumprir com a estrateacutegia integral de luta contra as

drogas iliacutecitas para assegurar o impeacuterio da lei e para eliminaccedilatildeo sistemaacutetica das atividades

relacionadas com os cultivos iliacutecitos reafirmar a responsabilidade compartilhada ndash fazendo

com que as accedilotildees dos paiacuteses consumidores permitam combater a demanda de drogas ndash e a

cooperaccedilatildeo financeira teacutecnica e comercial para o desenvolvimento alternativo

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2005 p 2-3)

A poliacutetica de desenvolvimento alternativo nas aacutereas de cultivo e produccedilatildeo de coca no

acircmbito da CAN comeccedilou em 1989 um ano depois da Convenccedilatildeo de Viena com a aprovaccedilatildeo

de um Plano de Accedilatildeo para Substituiccedilatildeo e Desenvolvimento Alternativo que seguia os passos

das poliacuteticas nacionais de erradicaccedilatildeo do cultivo de coca em curso na eacutepoca as quais foram

implantadas sob pressatildeo poliacutetica econocircmica e militar dos EUA e conforme as determinaccedilotildees

das convenccedilotildees da ONU De acordo com o Relatoacuterio Mundial sobre Drogas da UNODC

(2005) podemos verificar que as estrateacutegias de erradicaccedilatildeo e de desenvolvimento alternativo

surtiram algum efeito na reduccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena nos paiacuteses andinos a partir de 2001

quando comeccedilou a ocorrer uma queda na produccedilatildeo chegando ao total de 827 toneladas

meacutetricas No ano de 2003 o total de toneladas meacutetricas produzidas caiu para 674t

Os programas de substituiccedilatildeo de cultivos foram elaborados e impostos verticalmente e

natildeo horizontalmente Os camponeses tiveram uma participaccedilatildeo parca e foram praticamente

alijados das tomadas de decisatildeo Os projetos de desenvolvimento alternativo e sustentaacutevel em

tese pareciam perfeitos em sua elaboraccedilatildeo teacutecnica contudo natildeo estavam em consonacircncia

com a realidade do campo e as dinacircmicas e variantes culturais sociais e poliacuteticas natildeo foram

consideradas nos caacutelculos Conforme salienta Adriana Rossi (2006) a loacutegica do mercado

tambeacutem natildeo foi considerada pois as leis neoliberais vigentes satildeo impenetraacuteveis aos produtos

provenientes de microprodutores A autora assinala que ldquoalguns desses projetos deixaram

comunidades divididas camponeses endividados e sobretudo provocaram uma generalizada e

profunda desconfianccedila e a sensaccedilatildeo de que as medidas alternativas eram tatildeo soacute uma forma

para manter a burocracia nacional e internacionalrdquo (ROSSI 2006 p 38)

Em junho de 2005 o SGP-Drogas passou por um processo de revisatildeo e ajustes para

atender os questionamentos realizados na Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio e a UE adotou

um novo SGP para o periacuteodo de 2006 a 2015 que comeccedilou a vigorar em julho de 2005 No

138

mecircs de abril de 2007 a UE aprovou o Documento de Estrateacutegia Regional para o periacuteodo de

2007 a 2013 o qual destinava 50 milhotildees de euros para a CAN aplicar em trecircs setores

prioritaacuterios integraccedilatildeo econocircmica regional coesatildeo econocircmica e social e o combate agraves drogas

iliacutecitas A UE e a CAN subscreveram em 26 de setembro de 2007 o convecircnio de

financiamento de cooperaccedilatildeo para combate agraves drogas sinteacuteticas por meio da Decisioacuten 673

Apoyo a la Comunidad Andina en el aacuterea de Drogas Sinteacuteticas ou DROSICAN Para firmar

esse convecircnio a UE contribuiu com euro2550 milhotildees e a CAN entrou com euro320 mil O

DRASICAN tinha como objetivo ldquo[] propor metodologias e ferramentas que permitam

prevenir e controlar os possiacuteveis efeitos da oferta e da demanda das drogas iliacutecitas sinteacuteticas

nos Paiacuteses Membros (PPMM) da Comunidade Andina (CAN) []rdquo (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES 2007 p 2 traduccedilatildeo nossa)

No dia 6 de outubro de 2009 foi publicado o documento Seguridad y Lucha Contra el

Delito y la Violencia en la Comunidad Andina o qual reforccedilava as determinaccedilotildees da Poliacutetica

Externa Comum e da Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum para cooperaccedilatildeo no campo da

prevenccedilatildeo investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo para enfrentamento dos ldquofenocircmenos delitivos derivados do

crime organizado transnacionalrdquo como o narcotraacutefico traacutefico de armas bens culturais e

pessoas lavagem de dinheiro e corrupccedilatildeo Para o combate agraves drogas o documento reitera as

diretrizes do Plano Andino de Cooperaccedilatildeo Antidrogas e seus mecanismos institucionais sobre

a mateacuteria

Entre as estrateacutegias de cooperaccedilatildeo birregional CAN-UE foi elaborado o Programa

Antidrogas Iliacutecitas en La Comunidad Andina (PRADICAN) que vigoraria entre novembro de

2009 e fevereiro de 2013 O seu orccedilamento ficou estimado em euro402 milhotildees sendo que 81

desse total era de responsabilidade da UE O objetivo do PRADICAN era apoiar a

implementaccedilatildeo do Plano Andino de Luta contra as Droga Iliacutecitas e Crimes Conexos para

cumprimento da Norma Andina para controle de entorpecentes e substacircncias psicotroacutepicas e

da Estrateacutegia Andina de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel (COMUNIDAD

ANDINA DE NACIONES [ca2011])

Entre os dias 15 e 18 de novembro de 2011 ocorreu na cidade de Bogotaacute o encontro

andino para implementar o Intercambio de Experiencias de Cooperacioacuten Policial en la

Comunidad Andina Frente a la Lucha Contra el Problema Mundial de las Drogas que fazia

parte do projeto PRADICAN participaram dessa reuniatildeo representantes da alta cuacutepula das

poliacutecias nacionais da Secretaria Geral da CAN da UE e do governo colombiano Para

139

consolidar diferentes processos de cooperaccedilatildeo para a ldquoluta efetiva e integral contra as ameaccedilas

a convivecircncia e a seguranccedila cidadatilderdquo o encontro visava criar mecanismos a niacutevel regional para

facilitar o diaacutelogo entre os governos e destes com a sociedade civil bem como criar

programas de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre as instituiccedilotildees policiais encarregadas da luta

antidrogas Para realizar essas accedilotildees foram estabelecidos dois objetivos principais

1 Gerar um espaccedilo de intercacircmbio de experiecircncias entre atores da luta contra o

problema mundial das drogas dos paiacuteses da Sub-regiatildeo Andina acerca de suas accedilotildees

e estrateacutegias para o problema mundial das drogas

2 Propor experiecircncias bem sucedidas ndash liccedilotildees aprendidas e boas praacuteticas ndash aplicadas

contra o fenocircmeno do narcotraacutefico nos paiacuteses andinos de Boliacutevia Colocircmbia

Equador e Peru como accedilotildees comuns a serem desenvolvidas no futuro

(COMUNIDAD ANDINA DE NACIONES 2011 p 2 traduccedilatildeo nossa)

O Conselho Andino de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores apresentaram em 5 de

fevereiro de 2012 os Principios Orientadores y Agenda Estrateacutegica Andina que tinham

como propoacutesito aprofundar o processo de integraccedilatildeo andino a partir da elaboraccedilatildeo de uma

agenda estrateacutegica que priorizava doze eixos principais 1) participaccedilatildeo dos cidadatildeos andinos

na integraccedilatildeo 2) Poliacutetica Exterior Comum 3) integraccedilatildeo comercial e complementaccedilatildeo

econocircmica promoccedilatildeo da produccedilatildeo do comeacutercio e do consumo sustentaacutevel 4) integraccedilatildeo

fiacutesica e desenvolvimento das fronteiras 5) desenvolvimento social 6) meio ambiente 7)

turismo 8) seguranccedila 9) cultura 10) cooperaccedilatildeo 11) integraccedilatildeo energeacutetica e recursos

naturais 12) desenvolvimento institucional da CAN (COMUNIDAD ANDINA DE

NACIONES 2010 p 2) A agenda estrateacutegica procurava conter o traacutefico de drogas e outras

accedilotildees do crime organizado a partir de accedilotildees integradas como o controle integrado de

fronteiras e o desenvolvimento dos Centros Binacionales de Atencioacuten en Frontera (CEBAF) e

das Zonas de Integracioacuten Fronteriza (ZIF) e em mateacuteria de seguranccedila se daria por meio da

coordenaccedilatildeo de programas regionais para facilitar a aplicaccedilatildeo da normativa andina sobre

combate agraves drogas de acordo com as diretrizes da Decisioacuten 505 e a implementaccedilatildeo do

PRADICAN

No transcurso do ano de 2012 ocorreram reuniotildees multilaterais de especialistas

governamentais dos paiacuteses andinos para atualizaccedilatildeo do Plano Andino de Luta Contra as

Drogas Iliacutecitas e Delitos Conexos As reuniotildees contaram com a participaccedilatildeo de teacutecnicos

especialistas em drogas da Secretaria Geral da Comunidade Andina e com funcionaacuterios dos

governos dos paiacuteses envolvidos especialmente dos setores de seguranccedila e luta contra as

drogas

140

Esse grupo multissetorial e multilateral lanccedilou no dia 5 de outubro de 2012 a

Estrategia Andina Sobre el Problema Mundial de las Drogas 2012-2019 A Estrateacutegia

Andina segundo o documento eacute respaldada pela Poliacutetica Externa Comum e pelo Acordo de

Cartagena e se fundamenta no direito comunitaacuterio andino que tem como pilares o respeito aos

direitos e dignidade humana a democracia e o Estado de direito A Estrateacutegia Andina

apresenta algumas mudanccedilas no que tange ao tratamento da questatildeo das drogas na regiatildeo

principalmente nas estrateacutegias de reduccedilatildeo da demanda e de desenvolvimento alternativo A

estrateacutegia de reduccedilatildeo da demanda passa a ser norteada natildeo mais pela loacutegica da criminalizaccedilatildeo

mas por uma loacutegica de reduccedilatildeo de danos

Thiago Rodrigues (2003b) ressalta que a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos surgiu na

Europa em meados da deacutecada de 1980 como medida para conter a propagaccedilatildeo da AIDS entre

usuaacuterios de drogas injetaacuteveis devido ao compartilhamento de seringas Contudo a reduccedilatildeo de

danos ampliou o seu enfoque e em suas medidas procurava natildeo apenas promover a troca de

seringas mas tambeacutem o acompanhamento meacutedico de usuaacuterios fornecer serviccedilos

interdisciplinares de assistecircncia e aconselhamento De acordo com esta loacutegica as poliacuteticas

sociais deveriam ser direcionadas para intervenccedilotildees que procurassem proscrever natildeo o uso de

drogas mas o uso indevido que pode redundar em ameaccedilas ao bem-estar do indiviacuteduo e da

sociedade Sendo assim

Os partidaacuterios das poliacuteticas de reduccedilatildeo de danos constroem seus argumentos a partir

de um pressuposto simples consumir psicoativos faz parte de qualquer cultura eacute

haacutebito sempre presente na histoacuteria humana e que natildeo pode ser suprimido

Assumindo a inevitabilidade do uso de drogas psicoativas a preocupaccedilatildeo deveria ser

em fazer com que esse consumo produzisse o menor prejuiacutezo possiacutevel ao indiviacuteduo

que se intoxica e agrave sociedade (RODRIGUES 2003b p 262)

Os adeptos das poliacuteticas alternativas antiproibicionistas compreendem que a guerra

contra as drogas natildeo erradicou e nem vai erradicar o traacutefico e nem o consumo de drogas mas

impeliu os usuaacuterios de psicoativos agrave marginalidade fazendo com que fosse perpetuado o uso

de drogas em condiccedilotildees insalubres Para os partidaacuterios dessa alternativa natildeo se trata de fazer

apologia ao uso das drogas e sim de agir pragmaticamente sobre a questatildeo Deve-se reduzir o

consumo ldquoinevitaacutevelrdquo dessas substacircncias e natildeo estimular o seu uso portanto a preocupaccedilatildeo eacute

ldquominimizar prejuiacutezosrdquo Rodrigues aponta que os discursos de defesa dos programas de

reduccedilatildeo de danos e a criacutetica ao proibicionismo neles contidos natildeo significa necessariamente

uma postura incisiva de apoio agraves poliacuteticas radicais de legalizaccedilatildeo das drogas pois a reduccedilatildeo

de danos pode ser adotada por diferentes tipos de poliacuteticas ela se situa entre a legalizaccedilatildeo

total e a proibiccedilatildeo total e nada impede que ela oscile de uma para outra Para o autor ldquoa

141

possibilidade de que taacuteticas de reduccedilatildeo de danos coexistam com medidas de guerra agraves drogas

expotildee a nu o fato de que em seu conjunto elas natildeo ambicionam mais do que reformulaccedilotildees

dentro do regime proibicionistardquo (RODRIGUES 2003b p 268)

Os paiacuteses andinos mesmo com toda sua multiplicidade de expressotildees poliacuteticas e

eacutetnico-culturais buscam se posicionar de forma comum perante aos desafios em termos de

seguranccedila principalmente por meio da Comunidade Andina de Naccedilotildees (CAN) como por

exemplo a Poliacutetica Externa de Seguranccedila Comum e a Carta Andina para a Paz e Seguranccedila

Contudo as posiccedilotildees e declaraccedilotildees dos governos do bloco andino revelam as controveacutersias e

diferenccedilas subjacentes a esse processo

52 O Combate agraves Drogas Iliacutecitas como Vetor de Dissensatildeo e Cooperaccedilatildeo em Seguranccedila

A regiatildeo andina tem como caracteriacutestica a diversidade geograacutefica social poliacutetica e

econocircmica cujas semelhanccedilas estatildeo ligadas ao passado colonial e agraves relaccedilotildees de

subalternidade da poliacutetica externa dos paiacuteses andinos frente aos EUA principalmente no

contexto dos anos de 1990 se estendendo ateacute o comeccedilo do seacuteculo XXI os Andes estavam

dentro da zona de influecircncia hemisfeacuterica norte-americana Nesse contexto as relaccedilotildees de

dependecircncia de cada paiacutes andino com Washington natildeo foram uniformes no entanto como

vimos no decorrer do presente trabalho houve muitas semelhanccedilas na forma como foi

conduzida a poliacutetica de combate agraves drogas e a cooperaccedilatildeo com os EUA sobre o tema

ocorrendo mudanccedilas mais significativas apenas na segunda metade da primeira deacutecada deste

seacuteculo como foram os casos de Boliacutevia e Equador

Os esforccedilos dos paiacuteses andinos para criar instrumentos e mecanismos de cooperaccedilatildeo

regional em mateacuteria de seguranccedila comeccedilaram no fim dos anos de 1980 Neste primeiro

movimento o traacutefico de drogas jaacute figura como problema de seguranccedila ao lado das armas

nucleares A Declaracioacuten de Galaacutepagos Compromiso Andino de Paz Seguridad y

Cooperacioacuten assinada pelos presidentes do Pacto Andino em 1989 (Boliacutevia Colocircmbia

Equador Peru e Venezuela) tinha por objetivo principal criar medidas de confianccedila reciacuteproca

por meio do compromisso dos paiacuteses andinos em renunciar agrave produccedilatildeo ao desenvolvimento

ao uso agrave transferecircncia ou posse de qualquer tipo de arma de destruiccedilatildeo em massa (ADM)

sejam elas nucleares quiacutemicas ou bacterioloacutegicas O art 6 da Declaraccedilatildeo estabelece como

142

uma das medidas de confianccedila o intercacircmbio de informaccedilotildees encontros regulares e

cooperaccedilatildeo entre as Forccedilas Armadas e a coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de luta contra o terrorismo e

o narcotraacutefico A Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos foi o primeiro documento que firmou o

compromisso entre as forccedilas armadas andinas para o combate ao traacutefico de drogas A ideia de

cooperaccedilatildeo contida na Declaraccedilatildeo de Galaacutepagos deve ser entendida de acordo com a

abordagem de Robert Jervis (1978) sobre a seguranccedila cooperativa a qual foi elaborada

durante a Guerra Fria e por ela foi influenciada Segundo o autor a seguranccedila cooperativa

ocorre quando os contendores potenciais tecircm disposiccedilatildeo para cooperar com a finalidade de

aplacar os riscos provenientes do dilema de seguranccedila Deste modo ela eacute estadocecircntrica Este

tipo de cooperaccedilatildeo propicia a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo reduccedilatildeo e resoluccedilatildeo de

ameaccedilas militares que podem desdobrar em uma guerra Estas medidas estatildeo relacionadas

sobretudo agrave transparecircncia entre as forccedilas armadas que permita o recolhimento de dados e

informaccedilotildees sobre o estado das armas

Todavia somente dez anos depois com o lanccedilamento da Poliacutetica Externa Comum

Andina em 1999 a seguranccedila se torna um dos eixos do projeto de integraccedilatildeo andina que

forneceraacute as bases para criaccedilatildeo de mecanismos institucionais de cooperaccedilatildeo na mateacuteria O

narcotraacutefico foi o tema que ganhou mais destaque no iniacutecio da formulaccedilatildeo da poliacutetica de

seguranccedila comum andina A implementaccedilatildeo em 2001 da Decisatildeo 505 foi o primeiro

movimento de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica multilateral coordenada de seguranccedila antidrogas no

acircmbito da CAN para conter o avanccedilo das redes de traacutefico de drogas e os efeitos do conflito

colombiano na regiatildeo

Na Conferecircncia de Ministros de Relaccedilotildees Exteriores e de Defesa da CAN ocorrida na

cidade de Lima em junho de 2002 os paiacuteses signataacuterios do bloco andino assinaram a Carta

Andina para a Paz e a Seguranccedila (ou Compromisso de Lima) a qual se baseava na proposta

do presidente peruano Alejandro Toledo que pretendia promover uma concepccedilatildeo comum de

seguranccedila paz e fomento da confianccedila pela reduccedilatildeo nos gastos de defesa O Compromisso de

Lima visava a elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica comunitaacuteria de seguranccedila e de fomento da

confianccedila como parte da Poliacutetica Externa Comum e como um mecanismo de cooperaccedilatildeo

poliacutetica para implementaccedilatildeo de uma nova etapa de integraccedilatildeo andina para o desenvolvimento

de uma concepccedilatildeo regional de seguranccedila que fosse capaz de instaurar a Zona de Paz de la

Comunidad Andina Influenciado pela concepccedilatildeo de seguranccedila multidimensional da OEA e

pela ldquoguerra ao terrorrdquo dos EUA o Compromisso de Lima estabelecia que o combate agraves

atividades do ldquocrime transnacionalrdquo deveria continuar ldquoespecialmente as que satildeo vinculadas

143

ao terrorismo como satildeo as drogas iliacutecitas a lavagem de dinheiro e o traacutefico iliacutecito de armasrdquo

(COMUNIDAD ANDINA 2002 p 4 traduccedilatildeo nossa)

O Compromisso de Lima foi determinante para criaccedilatildeo do Grupo de Alto Niacutevel em

Mateacuteria de Seguranccedila e Fomento da Confianccedila em 2003 este mecanismo compreende

reuniotildees bilaterais regulares entre Altos Comandos Militares intercacircmbio de informaccedilatildeo e de

serviccedilo de inteligecircncia e cooperaccedilatildeo fronteiriccedila A partir do Compromisso de Lima foi

elaborado a PESC que guiada pela concepccedilatildeo multidimensional de seguranccedila ldquoabarca as

ameaccedilas inerentes tanto agrave defesa quanto agrave institucionalidade democraacutetica e agrave seguranccedila cidadatilde

ndash incluindo suas inter-relaccedilotildees ndash []rdquo Portanto ldquoo seu propoacutesito eacute prevenir e combater de

maneira cooperativa e coordenada as ameaccedilas agrave seguranccedila quaisquer que seja sua natureza

dentro de uma concepccedilatildeo democraacutetica e natildeo ofensiva de seguranccedila externardquo (COMUNIDAD

ANDINA 2004 p 1 traduccedilatildeo nossa)

A seguranccedila comum aparece nos anos de 1980 como um novo conceito em oposiccedilatildeo agrave

seguranccedila nacional tradicional focada na seguranccedila militar O conceito procurava um enfoque

mais abrangente que natildeo se restringisse agraves preocupaccedilotildees militares mas que captasse outros

temas como as ameaccedilas poliacuteticas econocircmicas e ambientais De acordo com Barry Buzan e

Lene Hansen (2012) a seguranccedila comum eacute um conceito ldquoexpansivordquo que foi criado em 1982

pela Comissatildeo Palme de Desarmamento e Questotildees de Seguranccedila tendo como pressuposto

impliacutecito que ldquoas principais ameaccedilas agrave seguranccedila internacional natildeo vinham de Estados

individuais mas de problemas globais compartilhados por toda a comunidade internacionalrdquo

(PORTER BROWN 1991 p 109 apud BUZAN HANSEN 2012 p 216) Ao redirecionar o

foco para os chamados ldquoproblemas globaisrdquo as ameaccedilas passariam a ser enfrentadas numa

escala planetaacuteria e para resoluccedilatildeo destes problemas seriam necessaacuterias poliacuteticas multilaterais e

transnacionais Entretanto os autores salientam que a ideia de seguranccedila comum ainda estava

submergida no contexto da Guerra Fria e devido a isto o seu foco predominante era o

desarmamento e o controle de armamentos muito embora o conceito procurasse tambeacutem

promover os direitos humanos e garantir a seguranccedila dos indiviacuteduos Segundo os autores este

duplo movimento da seguranccedila comum a tornava ldquoambiacuteguardquo o que levou a preparaccedilatildeo do

cenaacuterio para a seguranccedila individual e tambeacutem fez dela a precursora da seguranccedila humana

onde o indiviacuteduo eacute o objeto de referecircncia para a seguranccedila (BUZAN HANSEN 2012 p

218)

144

A PESC andina resgatou o conceito de seguranccedila comum e procurou fundamentaacute-lo

nas concepccedilotildees de seguranccedila democraacutetica e de seguranccedila multidimensional A seguranccedila

democraacutetica surge no contexto poacutes-colapso sovieacutetico em contraposiccedilatildeo agrave Doutrina de

Seguranccedila Nacional como concepccedilatildeo alternativa de seguranccedila marcadamente fundamentada

nos princiacutepios liberais cujos objetivos centrais satildeo a proteccedilatildeo das liberdades individuais e o

bem-estar da sociedade No quarto objetivo da PESC a seguranccedila democraacutetica aparece da

seguinte forma ldquoContribuir para promoccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico e o bem-estar

social dos habitantes da Comunidade Andina reforccedilando a seguranccedila da Sub-regiatildeordquo

(COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo nossa) A seguranccedila multidimensional se

baseia na concepccedilatildeo de seguranccedila hemisfeacuterica da OEA que procura abranger diferentes temas

poliacuteticos econocircmicos societais e ambientais como ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila A

concepccedilatildeo multidimensional influenciou sobremaneira a PESC Em um dos seus objetivos ela

se revela da seguinte forma ldquoPrevenir combater e erradicar as novas ameaccedilas agrave seguranccedila

[] atraveacutes da cooperaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo de accedilotildees orientadas os desafios que representam

ditas ameaccedilas para a Comunidade Andinardquo (COMUNIDAD ANDINA 2004 p 2 traduccedilatildeo

nossa)

De acordo com Carlos Romero (2004) na Ameacuterica Latina houve poucas ocasiotildees em

que ocorreram esforccedilos para elaboraccedilatildeo de compromissos cooperativos de seguranccedila sem os

EUA Um exemplo citado pelo o autor eacute a poliacutetica de seguranccedila comum da CAN No entanto

Romero potildee em questatildeo se a agenda de seguranccedila andina natildeo se transformou em reprodutora

da agenda hemisfeacuterica e da agenda global da administraccedilatildeo Bush como foi o caso do

terrorismo transnacional e que em vez disso os paiacuteses da CAN deveriam discutir o tema de

terrorismo de Estado como problema de seguranccedila pois este eacute um tema mais presente na

histoacuteria andina Ao colocar entre os seus objetivos o combate agraves ldquonovas ameaccedilasrdquo a agenda

de seguranccedila da CAN se tornou reprodutora das poliacuteticas de seguranccedila tanto da OEA quanto

dos EUA O exemplo mais emblemaacutetico eacute o traacutefico de drogas que ainda eacute tratado sob estas

perspectivas mesmo com uma mudanccedila recente no tratamento das drogas a partir do prisma

da reduccedilatildeo de danos o qual segue o modelo europeu

A CAN procurou reinterpretar a sua agenda de seguranccedila e a cooperaccedilatildeo multilateral

entre os paiacuteses do bloco agrave luz das ldquonovas ameaccedilasrdquo para combatecirc-las As medidas de

confianccedila estabelecidas pela PESC natildeo foram suficientes para solapar os conflitos fronteiriccedilos

latentes Entre as ldquonovas ameaccedilasrdquo agrave seguranccedila da CAN a partir da segunda metade dos anos

de 1990 o traacutefico de drogas foi a ameaccedila que mais se destacou na agenda de seguranccedila

145

regional e que refletiu de maneira variada em cada contexto nacional A PESC estabeleceu

como condiccedilotildees necessaacuterias para a conformaccedilatildeo de uma Zona Andina de Paz as medidas de

confianccedila a soluccedilatildeo paciacutefica de controveacutersias e a cooperaccedilatildeo em seguranccedila principalmente

contra as ldquonovas ameaccedilasrdquo No que tange agrave cooperaccedilatildeo multilateral contra o traacutefico de drogas

no acircmbito do ordenamento institucional da CAN houve avanccedilos significativos No entanto

na praacutetica o que mais prevalece satildeo as medidas de cooperaccedilatildeo bilateral principalmente entre

as forccedilas armadas como satildeo os casos da formaccedilatildeo de Comisioacuten Binacional Fronteriza para o

fortalecimento da seguranccedila nas fronteiras (COMBIFRON) e Grupos de Trabalho Bilateral

COMBIFRON Equador-Colocircmbia COMBIFRON e Grupos de Trabalhos Bilateral em defesa

e assuntos policiais Peru-Colocircmbia COMBIFRON Boliacutevia-Peru A questatildeo que se coloca eacute

se a cooperaccedilatildeo para combater o traacutefico de drogas e os mecanismos institucionais para

enfrentaacute-las se inserem ou natildeo dentro de um espectro mais amplo de uma identidade coletiva

em mateacuteria de seguranccedila ou seja se a CAN se configura como uma Comunidade de

Seguranccedila

Comunidade de Seguranccedila Andina

Nos estudos da seguranccedila internacional a ideia de comunidade de seguranccedila surgiu

para compreender como determinadas organizaccedilotildees de grupos regionais foram capazes de

impulsionar processos que culminaram na criaccedilatildeo de zonas de paz estaacuteveis e duradouras que

propiciaram a construccedilatildeo de uma identidade comum Karl Deutsch (1957) foi o primeiro autor

a introduzir o conceito de comunidade poliacutetica para analisar os processos de integraccedilatildeo e as

relaccedilotildees entre seguranccedila e integraccedilatildeo Deutsch se concentrou em identificar as condiccedilotildees que

favoreciam a construccedilatildeo de identidades coletivas como forma de se alcanccedilar a paz Com o

crescimento da interdependecircncia e da responsabilidade compartilhada entre os Estados o uso

da forccedila fiacutesica deixaria de ser um meio legiacutetimo para resolver altercaccedilotildees O grau de

integraccedilatildeo distinguiria uma comunidade poliacutetica de uma comunidade de seguranccedila esta

uacuteltima eacute resultado da densidade e intensidade das relaccedilotildees e transaccedilotildees que asseguram

expectativas confiaacuteveis de mudanccedila paciacutefica por um tempo prolongado A comunidade de

seguranccedila conforme o autor pode ser pluralista quando se restringe apenas ao acircmbito da

seguranccedila para manter a paz ou amalgamada quando ocorre uma fusatildeo poliacutetica formalizada

entre os atores envolvidos podendo chegar a constituir um soacute governo

As comunidades pluralistas seriam como ldquoclustersrdquo de unidades poliacuteticas

(agrupamento de estados) que requerem trecircs pressupostos baacutesicos

146

a) a compatibilidade de valores fundamentais b) a capacidade dos governos e as

elites para responder em forma reciacuteproca as mensagens necessidades e accedilotildees de

forma veloz adequada e sem recorrer agrave violecircncia e c) a previsibilidade muacutetua dos

aspectos pertinentes da conduta poliacutetica econocircmica e social de uns em relaccedilatildeo aos

outros (DEUTSCH 1970 p 231 apud BURDISSO et al 2006 p 6 traduccedilatildeo

nossa)

Se seguirmos esta divisatildeo proposta por Deutsch a CAN estaria mais para uma

comunidade de seguranccedila pluralista do que para uma amalgamada pois o processo de

integraccedilatildeo andino preserva a soberania dos Estados da regiatildeo e natildeo visa agrave criaccedilatildeo de um

governo uacutenico supranacional Todavia a comunidade de seguranccedila pluralista natildeo se adeacutequa

ao caso andino pois inexiste uma reciprocidade entre os paiacuteses para responder a uma ameaccedila

e muito menos existe uma ldquoprevisibilidade muacutetuardquo A Operaccedilatildeo Fecircnix realizada pelas forccedilas

armadas da Colocircmbia em solo equatoriano gerou desconfianccedila devido agrave imprevisibilidade

Portanto esta classificaccedilatildeo natildeo eacute suficiente para abordar a complexidade da integraccedilatildeo e

cooperaccedilatildeo andina pois natildeo permite em sua abordagem compreender diferentes niacuteveis e

variedades intermediaacuterias de tipos de configuraccedilotildees de comunidades de seguranccedila

Para buscar analisar outras formas de orquestraccedilatildeo e conformaccedilatildeo de comunidades de

seguranccedila que emergiriam a partir de uma interaccedilatildeo maior que fortalecesse o

desenvolvimento da confianccedila e de uma identidade coletiva Emanuel Adler e Michael Barnet

(1998 p 17) partindo de Deutsch elaboraram um ldquomodelo heuriacutesticordquo para examinar trecircs

fases de desenvolvimento de uma comunidade de seguranccedila e as formas como os atores e suas

relaccedilotildees satildeo afetados em cada uma destas fases nascente ascendente e madura

Em linhas gerais na primeira fase a nascente natildeo haacute um movimento expliacutecito e

pouco esforccedilo por parte dos governos em criar uma comunidade de seguranccedila Os atores

buscam coordenar suas relaccedilotildees como forma de aumentar a seguranccedila muacutetua diminuir os

custos de suas transaccedilotildees e estimular a realizaccedilatildeo de trocas e interaccedilotildees A cooperaccedilatildeo entre

os atores pode ser mensurada pela ampliaccedilatildeo dos canais diplomaacuteticos bilaterais e

multilaterais As accedilotildees resultantes da cooperaccedilatildeo em seguranccedila provavelmente incorporaratildeo

uma especificaccedilatildeo maior do que eacute considerado uma ameaccedila poliacuteticas projetadas voltadas para

mitigar problemas de accedilotildees coletivas e o desenvolvimento de programas de seguranccedila

voltados para consecuccedilatildeo de objetivos compartilhados Nesta fase os Estados desenvolvem

laccedilos estreitos de seguranccedila natildeo apenas para se defenderem coletivamente contra uma

ameaccedila comum mas tambeacutem para aprofundar os viacutenculos institucionais e transnacionais que

os ligam bem como uma homogeneidade cultural poliacutetica social eou ideoloacutegica Nesta fase

147

ainda haacute a necessidade de fiscalizaccedilatildeo e controle dos membros (ADLER amp BARNET 1998

pp 50-51)

A segunda fase a ascendente assinala uma fortificaccedilatildeo dos viacutenculos mediante a

construccedilatildeo de novas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees Os membros da comunidade optam pela

integraccedilatildeo regional por consideraacute-la o meio mais profiacutecuo para atingir os objetivos coletivos

de seguranccedila e de desenvolvimento intensificando os fluxos estendendo os canais existentes

e reduzindo o medo de que um membro seja uma ameaccedila Os Estados estatildeo cada vez mais

incorporados em uma densa rede de relaccedilotildees retratadas coletivamente como ldquoamigaacuteveisrdquo A

amplitude e a densidade das instituiccedilotildees principalmente de seguranccedila demonstram confianccedila

muacutetua e deliberaccedilotildees militares interdependentes levando agrave reduccedilatildeo de mecanismos de

controle e fiscalizaccedilatildeo entre as partes (ADLER amp BARNET 1998 p53)

A terceira e uacuteltima fase a madura ocorre na formaccedilatildeo de uma comunidade de

seguranccedila com a institucionalizaccedilatildeo das expectativas tanto no acircmbito domeacutestico quanto na

esfera supranacional Nesta fase os atores regionais compartilham uma identidade comum e se

torna impensaacutevel entre os membros se prepararem para uma guerra entre si Esta fase inclui

o aspecto da ldquoajuda muacutetuardquo que estaacute inserida em um sistema ldquopoacutes-soberano dotado de

instituiccedilotildees supranacionais transnacionais e nacionais comuns e alguma forma de um sistema

de seguranccedila coletivardquo (ADLER amp BARNET 1998 p30 traduccedilatildeo nossa)

Para os autores haacute duas formas de comunidade de seguranccedila as com viacutenculo fraco e

as com viacutenculo estritamente acoplado Na comunidade de seguranccedila com viacutenculo fraco os

Estados se identificam positivamente um com o outro existem muacuteltiplos e diversos

mecanismos e padrotildees de interaccedilatildeo que reforccedilam e reproduzem a comunidade de seguranccedila

haacute um sistema de governanccedila informal com base em significados compartilhados e uma

identidade coletiva Em caso de conflitos de interesses e desacordos os atores mantecircm uma

postura de autolimitaccedilatildeo do uso da forccedila Na comunidade de seguranccedila estritamente acoplada

existem acordos de seguranccedila muacutetua e assistecircncia reciacuteproca contra ameaccedilas externas um

sistema de seguranccedila coletiva e organizaccedilatildeo de defesa militar integrada Este tipo de

comunidade de seguranccedila apresenta os seguintes componentes seguranccedila cooperativa e

coletiva um alto niacutevel de integraccedilatildeo militar coordenaccedilatildeo poliacutetica contra ameaccedilas ldquointernasrdquo

livre circulaccedilatildeo da populaccedilatildeo internacionalizaccedilatildeo da autoridade e institucionalizaccedilatildeo em

multiperspectiva nos niacuteveis nacional transnacional e supranacional (ADLER amp BARNET

1998 pp55-57)

148

Ao analisarmos a CAN a partir dos aportes teoacutericos de Adler e Barnet natildeo eacute claro

identificar em qual tipo de comunidade de seguranccedila ela poderia ser compreendida Na

primeira fase em relaccedilatildeo agrave cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses pertencentes ao bloco andino a CAN

especificou o que eacute considerado ameaccedila como eacute o caso das ldquonovas ameaccedilasrdquo e desenvolveu

um programa de seguranccedila que teoricamente estreitaria os laccedilos entre os atores da regiatildeo para

aprofundar os seus viacutenculos institucionais A CAN entretanto natildeo eacute uma instituiccedilatildeo de

seguranccedila mas sim de integraccedilatildeo regional que conteacutem alguns mecanismos de seguranccedila

comum

A fase ascendente eacute a que mais se aproxima da regiatildeo andina e do seu sistema de

integraccedilatildeo o qual fixou objetivos comuns em seguranccedila e desenvolvimento A PESC previa a

consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina que visava fortalecer as medidas de confianccedila e o

enfrentamento das ameaccedilas agrave seguranccedila de forma cooperativa Contudo a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da integraccedilatildeo andina em seus variados aspectos natildeo incidiram sobre o

campo da seguranccedila A PESC natildeo foi aprofundada e natildeo se tornou um mecanismo efetivo de

coordenaccedilatildeo dos planos e estrateacutegias de cooperaccedilatildeo As deliberaccedilotildees militares obedecem agrave

loacutegica da soberania O combate ao traacutefico de drogas eacute o exemplo mais expressivo da falta de

coordenaccedilatildeo de uma poliacutetica comum de seguranccedila A fase madura de acordo com os autores

requer entre outras coisas que a comunidade de seguranccedila seja ldquopoacutes-soberanardquo

No contexto regional andino atual emergem entre os paiacuteses da CAN novos blocos

econocircmicos regionais com diferentes niacuteveis de institucionalizaccedilatildeo dividindo os paiacuteses

andinos a partir de seus projetos estrateacutegicos que satildeo voltados ou para bacia do paciacutefico

(Colocircmbia e Peru) ou para a bacia amazocircnica (Boliacutevia e Equador) condicionando

ideologicamente natildeo apenas a economia e a poliacutetica mas tambeacutem a seguranccedila e o modo como

a questatildeo das drogas eacute abordada Desta maneira gravitam na regiatildeo andina dinacircmicas

contrapostas de integraccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo que colocam obstaacuteculos para a efetivaccedilatildeo da

PESC e construccedilatildeo de uma identidade de seguranccedila comum que satildeo elementos necessaacuterios

para o cumprimento dos acordos sobre drogas em acircmbito regional prevalecendo mais os

acordos bilaterais pontuais como satildeo as COMBIFRON do que os multilaterais intrabloco no

que tange ao combate agraves drogas Isto estaacute relacionado com as percepccedilotildees de cada paiacutes sobre o

problema Por exemplo a Boliacutevia e o Equador apresentaram mudanccedilas significativas no

decorrer da uacuteltima deacutecada no tratamento das drogas de forma divergente em muitos aspectos

das abordagens peruanas e colombianas sobre o tema

149

As iniciativas multilaterais tecircm acompanhado as estrateacutegias voltadas mais para a

reduccedilatildeo da oferta do que para a diminuiccedilatildeo da demanda Tambeacutem procuraram acompanhar as

poliacuteticas nacionais que se baseavam numa triacuteplice estrateacutegia a qual visava principalmente agrave

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos agrave militarizaccedilatildeo e ao desenvolvimento alternativo Os

instrumentos de cooperaccedilatildeo desenvolvidos no acircmbito da CAN obedeceram mais a loacutegica da

pressatildeo dos governos do que a busca de soluccedilotildees a partir de uma abordagem regional que

procurasse conciliar as heterogeneidades e assimetrias de cada Estado Para que o regime

multilateral antidrogas fosse efetivo seria necessaacuterio primeiro uma revisatildeo das poliacuteticas

nacionais e das suas consequecircncias de forma conjunta para em seguida elaborar mudanccedilas

no modelo existente onde cada paiacutes encara o problema a seu modo e por fim criar

instrumentos e mecanismo adequados para dar iniacutecio a uma estrateacutegia comum efetiva

conforme a PESC

No que tange agraves consequecircncias das poliacuteticas nacionais os Estados-membros da CAN

natildeo apresentaram nenhum documento ou iniciativa para avaliar os resultados do tripeacute

estrateacutegico de luta contra as drogas e de sua incidecircncia sobre a estabilidade das instituiccedilotildees

nacionais dos paiacuteses da regiatildeo Como vimos no decorrer do trabalho a erradicaccedilatildeo

compulsoacuteria natildeo redundou na diminuiccedilatildeo da produccedilatildeo de cocaiacutena e tambeacutem natildeo impediu que

os fluxos desta droga fossem para os ldquopaiacuteses consumidoresrdquo como pretenderam os EUA No

entanto para evitar confrontar as exigecircncias e pressotildees de Washington e tambeacutem seguindo os

seus interesses em se manterem receptores de assistecircncia militar e econocircmica norte-

americana os governos de Colocircmbia e Peru natildeo refletiram acerca do efeito contraacuterio que a

ldquoguerra agraves drogasrdquo provocou dentro de seus paiacuteses ou seja o aumento da erradicaccedilatildeo e da

apreensatildeo das folhas de coca levou ao crescimento e extensatildeo da produccedilatildeo para compensar

perdas como tambeacutem ramificou e capilarizou as organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes

A articulaccedilatildeo espuacuteria entre traacutefico de drogas e terrorismo encabeccedilada pelos EUA

incorreu em um aumento das tensotildees entre as iniciativas regionais de cooperaccedilatildeo em mateacuteria

de seguranccedila que tinha como objetivo a consolidaccedilatildeo de uma zona de paz andina e a

militarizaccedilatildeo dos mecanismos de repressatildeo estatal Estas tensotildees ocorrem na regiatildeo desde o

iniacutecio da luta contra o narcotraacutefico quando foram empregadas de forma indiscriminada as

forccedilas armadas para realizarem a erradicaccedilatildeo forccedilada de plantios de coca na Boliacutevia e no

Peru os dois maiores produtores de coca naquele contexto As erradicaccedilotildees forccediladas

ganharam novos contornos com a implantaccedilatildeo de poliacuteticas de fumigaccedilatildeo aeacuterea na Colocircmbia

150

O uso excessivo do glifosato obrigou milhares de famiacutelias colombianas a migrarem para o

Equador o que fez estremecer as relaccedilotildees e a cooperaccedilatildeo entre os dois paiacuteses

De acordo com Mocircnica Hirst (2008) natildeo haacute respostas institucionais regionais na

Ameacuterica do Sul para lidar com o complexo conjunto de problemas de seguranccedila na regiatildeo

sobretudo o crime organizado transnacional No que concerne agrave CAN a autora destaca que as

aplicaccedilotildees das estrateacutegias antidrogas demonstraram que os paiacuteses que integram a regiatildeo

andina satildeo desprovidos de autonomia estrateacutegica e as suas agendas ainda obedecem agraves

premissas da seguranccedila hemisfeacuterica estadunidense ou seja a proacutepria concepccedilatildeo de seguranccedila

multidimensional e a noccedilatildeo de ldquonovas ameaccedilasrdquo presente na PESC satildeo constataccedilotildees desta

falta de autonomia na agenda de seguranccedila principalmente no que concerne ao combate agraves

drogas pois Washington ainda exerce grande pressatildeo com a poliacutetica de certificaccedilatildeo

alimentando a subordinaccedilatildeo estrateacutegica aos EUA (MATHIAS 2007) Portanto dentro do

atual cenaacuterio da poliacutetica e da seguranccedila da regiatildeo andina faz-se necessaacuteria a construccedilatildeo de

uma perspectiva comum e compartilhada entre os paiacuteses sul-americanos para fazer frente ao

problema da produccedilatildeo e traacutefico de drogas

151

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir da anaacutelise histoacuterica acerca da construccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo do traacutefico de drogas

como ameaccedila pudemos observar um processo gradual de aprofundamento e

institucionalizaccedilatildeo de uma percepccedilatildeo securitizada sobre o fenocircmeno e uma intensificaccedilatildeo do

seu combate na regiatildeo andina O traacutefico de drogas foi considerado uma ldquonova ameaccedilardquo natildeo

convencional e transnacional no decurso da deacutecada de 1990 Apoacutes o advento do ldquo11 de

setembrordquo ocorreu uma convergecircncia conceitual e perceptiva entre a ldquowar on drugrdquo e a ldquowar

on terrorrdquo sobretudo na Colocircmbia e no Peru que favoreceram os interesses securitaacuterios dos

EUA na regiatildeo andina No ambiente poacutes-colapso sovieacutetico a luta antidrogas se tornou o

veiacuteculo dileto para manter e ampliar a primazia estadunidense na regiatildeo

Pudemos tambeacutem depreender que a regiatildeo andina passou a ter relevacircncia para os EUA

no contexto poacutes-Guerra Fria A identificaccedilatildeo das ldquonovas ameaccedilasrdquo provocou uma alteraccedilatildeo na

definiccedilatildeo de relevacircncia de diferentes sub-regiotildees com isto a regiatildeo andina passou a ser a

maior receptora de recursos econocircmicos e militares em contraste com a Ameacuterica Central que

fora na deacutecada de 1980 Esta relevacircncia responde aos interesses da poliacutetica externa

estadunidense em eliminar o traacutefico de drogas devido agrave ameaccedila que representa para a

democracia a seguranccedila a governabilidade e a paz no arco andino Segundo a percepccedilatildeo

norte-americana desde Reagan o narcotraacutefico se constitui como uma ameaccedila agrave sua seguranccedila

nacional e por conseguinte agrave seguranccedila regional e hemisfeacuterica Aleacutem disso o arco andino

inspirou grande preocupaccedilatildeo no que concerne agrave conformaccedilatildeo de ldquoEstados Falidosrdquo ao mesmo

passo que despertou o interesse de Washington para implantaccedilatildeo de novas bases militares

como a de Manta no Equador em 1999 a qual substituiu a base que existia no Panamaacute Este

movimento dos EUA em direccedilatildeo aos Andes fez com que se ampliasse a sua zona de

influecircncia na Ameacuterica Latina levando tambeacutem a Colocircmbia a se tornar o ator central na sua

guerra contra o narcotraacutefico

A construccedilatildeo das drogas como ameaccedila agrave seguranccedila e a sua inserccedilatildeo nas agendas de

seguranccedila dos paiacuteses da regiatildeo impulsionaram o emprego excessivo das forccedilas de seguranccedila

nacional que incorreu num processo de militarizaccedilatildeo das poliacutecias e policializaccedilatildeo das forccedilas

armadas ou seja de des-diferenciaccedilatildeo entre os papeacuteis de cada uma das instituiccedilotildees e a

diluiccedilatildeo da fronteira entre seguranccedila interna e externa Este excesso no emprego da forccedila

militar para combater o narcotraacutefico fez com que ocorresse uma deslegitimaccedilatildeo social e

152

poliacutetica do Estado cujas poliacuteticas de desenvolvimento alternativo foram ineficazes para

mitigar os graves problemas causados pelas poliacuteticas antidrogas castrenses Outros efeitos

decorrentes deste excesso foram a corrupccedilatildeo das instituiccedilotildees policiais e militares a violaccedilatildeo

constante dos direitos humanos e erosatildeo do sistema democraacutetico A doutrina da militarizaccedilatildeo

permitiu que as forccedilas armadas ampliassem suas funccedilotildees internas em detrimento da

democracia e dos direitos humanos

Para empreender a luta antidrogas nos Andes as principais estrateacutegias adotadas pelos

paiacuteses da regiatildeo com a subvenccedilatildeo norte-americana podem ser resumidas em um tripeacute a

erradicaccedilatildeo compulsoacuteria de cultivos a militarizaccedilatildeo e o desenvolvimento alternativo Como

vimos ao longo do trabalho desde o lanccedilamento da poliacutetica de combate agraves drogas no arco

andino esta estrateacutegia tripartite direcionada aos ldquopaiacuteses produtoresrdquo natildeo alcanccedilou os

resultados almejados ou seja natildeo reduziu a oferta ndash no ano de 2014 foram registrados

133700 hectares de cultivos de coca nos paiacuteses andinos ndash e muito menos a demanda ndash o

nuacutemero de usuaacuterios de cocaiacutena chegou a cerca de 20 milhotildees em todo mundo no mesmo ano

(UNODC 2014) ndash as redes multiniacuteveis do traacutefico de drogas seguem com as suas atividades

iliacutecitas natildeo apenas na regiatildeo andina mas no mundo inteiro A crenccedila de que as accedilotildees de

combate agraves drogas iriam provocar um aumento dos preccedilos das drogas e tornaacute-las um negoacutecio

sem atratividade caiu por terra Os mercados das drogas se adaptaram e converteram o risco

em lucro A ldquoguerra agraves drogasrdquo fez do traacutefico de drogas o negoacutecio iliacutecito mais rentaacutevel no

mundo cujos lucros segundo a UNODC foram estimados em US$ 320 bilhotildees em 201294

Portanto podemos dizer que haacute uma lacuna expressiva entre os objetivos apregoados e os

resultados alcanccedilados por esta triacuteplice estrateacutegia elaborada pelos EUA e implementada pelos

paiacuteses andinos

Apreendemos tambeacutem que a partir das anaacutelises das poliacuteticas nacionais a execuccedilatildeo da

poliacutetica de drogas nos Andes natildeo foi colocada em praacutetica apenas unilateralmente com as

intervenccedilotildees estadunidenses Os governos nacionais de cada paiacutes andino natildeo soacute aceitaram e

adotaram o paradigma proibicionista securitaacuterio mas o apoiaram veementemente com um

conjunto de accedilotildees e medidas das quais sobressaiacuteram as operaccedilotildees militares indiscriminadas

Esta subordinaccedilatildeo que variou de acordo com cada contexto e paiacutes fez dos governos andinos

cuacutemplices e responsaacuteveis tambeacutem pela consecuccedilatildeo e legitimaccedilatildeo da guerra contra a induacutestria

94

A informaccedilatildeo estaacute disponiacutevel em lthttpswwwunodcorglpo-brazilptfrontpage20120716-unodc-lanca-

campanha-global-sobre-crime-organizado-transnacionalhtmlgt Acesso em 20 jul 2015

153

das drogas que trouxeram consequecircncias indeleacuteveis para as instituiccedilotildees e populaccedilotildees destes

paiacuteses principalmente para os camponeses e as camadas mais baixas da sociedade

Nos exemplos aqui estudados da Colocircmbia (e tambeacutem do Equador) pudemos verificar

que o lanccedilamento do Plano Colocircmbia e a declaraccedilatildeo de guerra contra a guerrilha o traacutefico de

drogas o terrorismo e os paramilitares impulsionaram o processo de internacionalizaccedilatildeo do

conflito armado colombiano que transbordou do acircmbito domeacutestico para o regional quando

afetou os paiacuteses vizinhos depois do regional para o internacional quando envolveu atores

extrarregionais como a OEA UE e os EUA A situaccedilatildeo conflitiva interna colombiana

condicionou e conformou a poliacutetica externa colombiana aos interesses dos atores externos

sobretudo aos interesses e ingerecircncias estadunidenses em mateacuteria de seguranccedila A

participaccedilatildeo de Washington no conflito alterou a natureza do processo colombiano o qual

deixou de ser um fenocircmeno interno com uma dinacircmica domeacutestica e passou a ser o epicentro

de uma guerra de ldquobaixa intensidaderdquo cada vez mais internacionalizada A internacionalizaccedilatildeo

do conflito interno colombiano desencadeou-se a partir do fortalecimento dos laccedilos entre os

governos de Pastrana e Uribe com os EUA os quais solicitaram a ingerecircncia de Washington

nos assuntos domeacutesticos ligados agrave luta contra o narcotraacutefico e a guerrilha

No que tange ao caso equatoriano notamos que a internacionalizaccedilatildeo do conflito

interno colombiano afetou significativamente as relaccedilotildees entre Equador e Colocircmbia a partir

da situaccedilatildeo conflituosa na fronteira comum onde as divergecircncias de percepccedilotildees e

posicionamentos perante a questatildeo se afloraram Com as operaccedilotildees desencadeadas a partir do

Plano Colocircmbia e da PSD que mais tarde resultou na Operaccedilatildeo Fecircnix o Equador apresentou

uma condiccedilatildeo de vulnerabilidade devido agrave sua baixa capacidade para responder aos efeitos da

internacionalizaccedilatildeo do conflito armado que abrange aleacutem das questotildees de seguranccedila temas

ambientais e de migraccedilatildeo A postura do presidente Rafael Correa perante o problema foi

principalmente de retaliaccedilatildeo diplomaacutetica e com a adoccedilatildeo do Plano Equador mobilizou

milhares de efetivos das forccedilas armadas para a zona fronteiriccedila O Estado colombiano natildeo foi

capaz de trazer uma soluccedilatildeo para pocircr fim aos diferentes grupos armados Com a intensificaccedilatildeo

do combate agraves guerrilhas e agraves organizaccedilotildees criminosas narcotraficantes principalmente apoacutes a

mudanccedila de estrateacutegia que fundiu a luta contra as drogas com a guerra ao terror a

internacionalizaccedilatildeo do problema se estendeu para aleacutem das fronteiras atingindo primeiro a

fronteira colombo-equatoriana e em seguida a regiatildeo andina e o seu entorno A ocorrecircncia

acentuada do efeito derrame na Colocircmbia impulsionado pelo agravamento do conflito

armado e da ldquoguerra agraves drogasrdquo ensejou o espalhamento das redes narcotraficantes grupos

154

armados refugiados e problemas ambientais que penetraram as fronteiras dos Estados

limiacutetrofes Equador e Venezuela foram os paiacuteses que mais sofreram com este processo A

internacionalizaccedilatildeo do conflito colombiano provocada principalmente pelo efeito derrame

desdobrou em atritos diplomaacuteticos entre os governos colombiano equatoriano e venezuelano

que estremeceram as relaccedilotildees poliacuteticas entre estes paiacuteses A divergecircncia entre os governos de

Colocircmbia e Equador em torno da classificaccedilatildeo das guerrilhas como grupos ldquonarcoterroristasrdquo

colocou em questatildeo as pretensotildees da PESC andina de criar uma concepccedilatildeo de ameaccedila

regional unificada O presidente equatoriano Rafael Correa natildeo compartilhou da identificaccedilatildeo

das FARC como grupo ldquoterroristardquo ou ldquonarcoterroristardquo conforme foi feito pelo presidente

Aacutelvaro Uribe Este posicionamento do mandataacuterio equatoriano gerou dissensos e contribuiu

para desarmonia diplomaacutetica entre ambos os paiacuteses

No caso peruano observamos que o Peru se tornou o maior cultivador de coca do

mundo atualmente alcanccedilando a cifra de 60400 ha A dinacircmica interna do Peru foi afetada

com a intensificaccedilatildeo da luta contra o traacutefico de drogas na Colocircmbia Os cultivos e a produccedilatildeo

de coca cresceram exponencialmente mantendo a oferta em alta Um dos elementos para

compreender o incremento do traacutefico de drogas no paiacutes eacute a expansatildeo das redes criminosas

conhecidas como Firmas ou Clatildes No iniacutecio estas redes eram limitadas a obterem lucro no

entanto os seus interesses natildeo se restringiram ao ganho econocircmico Com o seu crescimento e

enraizamento na cultura local a atividade iliacutecita se tornou um meio de alcanccedilar status social

Para manter o seu controle sobre a induacutestria da cocaiacutena as Firmas se adaptaram agraves diferentes

situaccedilotildees sociopoliacuteticas e ampliaram o nuacutemero de atores envolvidos com a induacutestria da droga

Assim como o fez o Sendero Luminoso no passado e em certa medida ainda o fazem no

presente os Clatildes se espalham pelo tecido social se capilarizando e preenchendo o vazio de

poder local consolidando a sua influecircncia sobre as praacuteticas sociais e poliacuteticas das regiotildees

onde atuam Entre os camponeses porque sua organizaccedilatildeo ser marcadamente familiar os Clatildes

passaram a ser fundamentais para a geraccedilatildeo de renda organizaccedilatildeo da comunidade local e para

manterem a seguranccedila a partir de accedilotildees que visem minimizar as ameaccedilas aos seus negoacutecios

Esta postura de grande parte das firmas satildeo compartilhas pelas comunidades o que faz a

induacutestria da cocaiacutena se ramificar e prosperar

A ldquoguerra agraves drogasrdquo no Peru seguiu o vieacutes militarizado da Colocircmbia A Estrateacutegia

Nacional de Luta contra as Drogas e as trecircs ediccedilotildees do Plano VRAE priorizaram accedilotildees de

erradicaccedilatildeo forccedilada e operaccedilotildees militares para combater as organizaccedilotildees narcotraficantes e o

Sendero Luminoso grupo considerado ldquoterroristardquo pelo Estado peruano A ampliaccedilatildeo das

155

operaccedilotildees militares de combate agraves drogas no comeccedilo dos anos 2000 fez com que grupos

narcotraficantes se fragmentassem ou fossem extintos levando a uma mudanccedila na dinacircmica

da violecircncia com a chegada de novas Firmas sem viacutenculos com a comunidade local Aleacutem do

mais a militarizaccedilatildeo da luta antidrogas sob o signo da ldquoguerra agraves drogasrdquo e a reduccedilatildeo draacutestica

das poliacuteticas de desenvolvimento alternativo impulsionaram o aumento do nuacutemero de pessoas

envolvidas com o traacutefico de cocaiacutena em pequena escala e fizeram com que uma infinidade de

novas Firmas emergisse Este duplo movimento contribuiu para a ampliaccedilatildeo do setor

concorrencial ou seja quando haacute mais grupos competindo pelo controle da produccedilatildeo e do

traacutefico de drogas a violecircncia aumenta O crescimento do setor concorrencial recente no Peru

fez com que o paiacutes ocupasse a terceira posiccedilatildeo dos paiacuteses mais conflitivos da Ameacuterica do

Sul95

No caso boliviano pudemos observar que o binocircmio neoliberalismo e proibicionismo

no comeccedilo dos anos 2000 repercutiu sobremodo nas esferas poliacutetica e econocircmica de forma

desestabilizadora engendrando inuacutemeros movimentos e revoltas sociais que derrubaram

governos eleitos democraticamente Desde a aprovaccedilatildeo do Plano Dignidade o qual

intensificou a luta antidrogas no paiacutes as organizaccedilotildees cocaleiras se transformaram em grandes

forccedilas poliacuteticas nacionais Quanto mais repressiva eram as operaccedilotildees antidrogas sobre os

cocaleiros mais mobilizados e organizados eles ficavam e esta loacutegica foi um dos fatores que

fortaleceu o MAS e consequentemente tornou a eleiccedilatildeo de Evo Morales possiacutevel A

consecuccedilatildeo da estrateacutegia tripartite norte-americana no cenaacuterio boliviano gerou um ambiente

conflituoso e instaacutevel ao passo que fortaleceu os movimentos sociais e mobilizou a opiniatildeo

puacuteblica contra as poliacuteticas antinarcoacuteticas coercitivas O governo de Evo Morales por meio da

Diplomacia dos Povos ndash que tinha como um dos seus principais pilares a revalorizaccedilatildeo da

coca ndash conseguiu na ONU que a tradiccedilatildeo de mastigaccedilatildeo da folha de coca (praacutetica conhecida

como akulliku) fosse descriminalizada recentemente

Na uacuteltima deacutecada ocorreu uma seacuterie de conflitos poliacuteticos econocircmicos e sociais que

conformaram o quadro regional andino Mesmo num ambiente conflitivo os paiacuteses andinos

por meio da CAN do Compromisso de Lima de 2001 e da Declaraccedilatildeo de San Francisco de

2004 procuraram conformar uma Zona de Paz Andina que ensejasse uma coordenaccedilatildeo maior

entre os paiacuteses em mateacuteria de seguranccedila a partir de um enfoque coletivo o qual orquestraria o

poder de decisatildeo para enfrentar os problemas securitaacuterios considerados comuns a todos os

95

Informaccedilotildees disponiacutevel em lthttpperu21peeconomiaccl-combatir-violencia-peru-cuesta-45-pbi-2211570gt

Acesso em 10 de jun 2015

156

paiacuteses do bloco e concomitantemente levasse ao aprofundamento da cooperaccedilatildeo poliacutetica

atraveacutes de mecanismos regionais como forma de conter potenciais ameaccedilas apresentando

uma abordagem preventiva em vez das abordagens defensivas Uma das abordagens

preventivas adotadas para conter o avanccedilo dos cultivos iliacutecitos foi a implementaccedilatildeo da

Estrateacutegia de Desenvolvimento Alternativo Integral e Sustentaacutevel em 2005 a qual buscou

coordenar poliacuteticas nacionais de desenvolvimento alternativo e substituiccedilatildeo de cultivos como

forma de reintegrar as comunidades envolvidas nos cultivos iliacutecitos em atividades produtivas

da economia legal Todavia os estudos sobre a poliacutetica de drogas nos paiacuteses andinos e as

dificuldades de manter um sistema de seguranccedila cooperativa multilateral autocircnoma intrabloco

demonstraram que as agendas de seguranccedila dos Estados-membros da CAN natildeo satildeo guiadas

por uma Poliacutetica de Seguranccedila Comum (PESC) natildeo obstante ser um objetivo declarado

oficial e institucionalmente

Portanto a desarticulaccedilatildeo do projeto andino de integraccedilatildeo e as mudanccedilas de ecircnfases

das poliacuteticas de drogas nacionais que variaram de acordo com cada governo de cada paiacutes

corroboraram para que a cooperaccedilatildeo multilateral intrabloco sobre o tema natildeo fosse bem-

sucedida uma vez que cada paiacutes membro da CAN ao formularem a sua poliacutetica de drogas

entraram em desacordo com ordenamento legal andino Este vaacutecuo cooperativo somado agrave

falta de clareza de uma identidade comum de seguranccedila que seja compartilhada por todos os

paiacuteses do bloco andino inviabilizou a construccedilatildeo de uma comunidade de seguranccedila andina de

modo que continuou sendo aproveitado pelos EUA para coordenar a sua agenda de seguranccedila

regional e a sua luta antidrogas conforme suas intenccedilotildees e para pressionar economicamente

os paiacuteses andinos por meio do processo de certificaccedilatildeo As poliacuteticas de combate ao traacutefico de

drogas financiadas pelos EUA e a sua constante presenccedila na regiatildeo andina para por em

marcha a sua panaceia das ldquoguerras agraves drogasrdquo se constituiacuteram como obstaacuteculos para que os

paiacuteses andinos cooperassem de forma mais efetiva para combater as redes de traacutefico de drogas

e elaborassem poliacuteticas de drogas mais autocircnomas e legislaccedilotildees alternativas em relaccedilatildeo ao

proibicionismo estadunidense

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ANEXOS

Quadro 2 Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substacircncias Psicotroacutepicas

entre 1909 e 1961

DATA E LUGAR

DA ASSINATURA TIacuteTULO DO ACORDO

DATA DE

ENTRADA

EM VIGOR

26 de fevereiro de 1909

Shangai China

Resoluccedilatildeo final da

Comissatildeo Internacional

do Oacutepio

N A

23 de janeiro de 1912

Haia Paiacuteses Baixos

Convenccedilatildeo Internacional

do Oacutepio

11 de fevereiro

de 1915 28 de

junho de 1919

11 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Acordo relativo agrave

fabricaccedilatildeo ao comeacutercio

interior e ao uso de oacutepio

preparado

28 de julho

de 1926

19 de fevereiro de 1925

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio internacional sobre

o oacutepio

25 de setembro

de 1928

13 de julho de 1931

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para limitar a

manufatura e regular a

distribuiccedilatildeo de entorpecentes

9 de julho

de 1933

27 de novembro de 1931

Bangkok Tailacircndia

Acordo relativo agrave supressatildeo

do haacutebito de fumar oacutepio

22 de abril

de 1937

26 de junho de 1936

Genebra Suiacuteccedila

Convecircnio para a supressatildeo do

traacutefico iliacutecito de drogas nocivas

26 de outubro

de 1939

11 de dezembro de 1946

Lake Success Estados

Unidos

Protocolo que atualiza no acircmbito da

ONU os acordos convecircnios e

protocolos sobre

entorpecentes concertados

em Haia (janeiro de 1912) em Genebra

(11 de fevereiro de 1925 19 de

fevereiro de 1925 e 13 de julho de

1931) em Bangkok (27 de novembro

de 1931) e em Genebra (26 de junho de

1936)

11 de dezembro

de 1946

23 de junho de 1953

Nova York Estados

Unidos

Protocolo para limitar e

regulamentar o cultivo de

papoula e a produccedilatildeo

o comeacutercio internacional o

comeacutercio atacadista e o uso

do oacutepio

8 de marccedilo de

1963

30 de marccedilo de 1961

Nova York Estados

Unidos

Convenccedilatildeo Uacutenica sobre

Entorpecentes

13 de dezembro

de 1964

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Quadro 3 Exemplos de Unidades Militares e Policiais Antidrogas Criadas com Apoio

Norte-americano na Regiatildeo Andina

Forccedilas Armadas Poliacutecia

Boliacutevia

Forccedila de Tarefa Diablos

Verdes e Diablos Negros

do Exeacutercito

Forccedila de Tarefa Diablos

Azules da Marinha Forccedila

de Tarefa Diablos

Rojos da Forccedila Aeacuterea

Forccedila Especial de Luta Contra o

Narcotraacutefico (FELCN)

Unidade Moacutevel de Patrulha Rural

(UMOPAR)

Colocircmbia

Primeira Brigada Contra o

Narcotraacutefico

do Exeacutercito Brigada

Fluvial da Marinha

Direccedilatildeo Antinarcoacuteticos (DIRAN)

Equador Direccedilatildeo Nacional Antinarcoacuteticos

(DNA)

Peru

Direccedilatildeo Nacional Antidrogas da

Poliacutecia

Nacional do Peru (DINANDRO) Fonte Elaborado a partir das informaccedilotildees disponiacutevel em ISACSON Adam Las fuerzas armadas de Estados

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Mapa 3 Os Principais Fluxos de Cocaiacutena no Mundo (1998-2008)

Fonte UNODC World Drug Report 2009 Disponiacutevel

lthttpwwwunodcorgdocumentswdrWDR_2009WDR2009_eng_webpdfgt Acesso em 15 jun 2015

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Mapa 4 Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional - 2010

Fonte UNODC The globalization of crime 2010 p 4 Disponiacutevel em

lthttpswwwunodcorgdocumentsdata-and-analysistoctaTOCTA_Report_2010_low_respdfgt Acesso em

25 jun 2015

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Fonte UNITES STATES Report for Congress Andean Regional Initiative (ARI) assistance for Colombia

and Neighbors jan 2003 p 47 Disponiacutevel em lthttpfpcstategovdocumentsorganization16800pdfgt

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Graacutefico 2 Produccedilatildeo Global de Cocaiacutena (190-2008)

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Graacutefico 3 Comparaccedilatildeo do Nuacutemero de Usuaacuterios de Cocaiacutena no Mundo

(20042005 ndash 2011)

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