seguranÇa privada - terÁ a sua actividade...

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 41 | setembro 2016 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA SETEMBRO 2016 41 SEGURANÇA PRIVADA - TERÁ A SUA ACTIVIDADE INFLUÊNCIA NO SENTIMENTO DE SEGURANÇA DA SOCIEDADE PORTUGUESA? Private Security does its activity have influence in the feeling of safety of the Portuguese society? LUCIANO MARTINS DA SILVA Mestrando em Direito e Segurança RESUMO Devido à evolução da sociedade humana e à globalização, o conceito de segurança sofreu alterações significativas, sendo que algumas dessas alterações resultaram da presença do fenómeno da violência, que se traduz, sobretudo, num sentimento de insegurança, este causado pela percepção de insegurança e pelo medo. Uma das formas de combater este sentimento de insegurança passa pela capacidade do Estado de criar uma Policia capaz de garantir a segurança dos seus cidadãos e de salvaguardar os seus direitos, liberdades e garantias. Contudo, na actualidade, o Estado tem dificuldade em garantir a segurança dos seus cidadãos, tendo começado a privatizar a segurança. A segurança privada acabou por assumir um papel predominante na sociedade, exercendo, de forma complementar algumas missões outrora exclusivas do Estado e da segurança

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 41 | setembro 2016

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DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

SETEMBRO

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Nº 41

SEGURANÇA PRIVADA - TERÁ A SUA ACTIVIDADE INFLUÊNCIA NO SENTIMENTO DE SEGURANÇA DA SOCIEDADE PORTUGUESA? Private Security – does its activity have influence in the feeling of safety of the Portuguese society? LUCIANO MARTINS DA SILVA Mestrando em Direito e Segurança

RESUMO Devido à evolução da sociedade humana e à globalização, o conceito de segurança

sofreu alterações significativas, sendo que algumas dessas alterações resultaram da

presença do fenómeno da violência, que se traduz, sobretudo, num sentimento de

insegurança, este causado pela percepção de insegurança e pelo medo. Uma das formas

de combater este sentimento de insegurança passa pela capacidade do Estado de criar

uma Policia capaz de garantir a segurança dos seus cidadãos e de salvaguardar os seus

direitos, liberdades e garantias. Contudo, na actualidade, o Estado tem dificuldade em

garantir a segurança dos seus cidadãos, tendo começado a privatizar a segurança. A

segurança privada acabou por assumir um papel predominante na sociedade, exercendo,

de forma complementar algumas missões outrora exclusivas do Estado e da segurança

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pública, passando a sua actividade a ser vista como um factor de influência no sentimento

de segurança da sociedade portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE Segurança, Pública, Privada, Sentimento, Privatização.

ABSTRACT Due to the evolution of human society and globalization, the concept of security has

undergone significant changes. Some of these changes resulted from the presence of the

phenomena of violence which translates above all in a feeling of insecurity, caused by the

perception of insecurity and fear. One way to combat this feeling of insecurity involves the

state's capacity to create a police able to ensure the safety of its citizens and to safeguard

their rights, freedoms and guarantees. However, the state has difficulty in ensuring the

safety of its citizens and started to privatize security. Private security turned out to play a

strong role in society, acting in a complementary way in some of the once exclusive missions

of the State and public safety, so that its activity to is being seen as a factor of influence on

the sense of security of the Portuguese society.

KEYWORDS Security, Public, Private, Feeling, Privatization.

Introdução Este trabalho surgiu no âmbito da unidade curricular de Outros Sistemas de

Segurança: Protecção Civil, Segurança Rodoviária, Protecção Comunitária, no Curso de

Mestrado em Direito e Segurança (1.ª Fase), da Faculdade de Direito da Universidade Nova

de Lisboa, como elemento de avaliação.

O tema desta dissertação passa por tentar perceber se a actividade exercida pela

segurança privada influencia o sentimento de segurança da sociedade portuguesa.

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Pretendemos abordar, de uma forma geral, a acepção do conceito de segurança,

fazendo uma análise aos factores preponderantes no sentimento de insegurança, tais como

a percepção e o medo, analisando o papel das forças de segurança nesta temática.

Partindo dessa base, tentamos explanar algumas das diferentes concepções existentes

acerca da definição do seu conceito de segurança privada, tentando compreender o seu

papel na sociedade actual.

Refira-se que, embora este tema seja um assunto muito comum e de fácil acesso,

quer em obras literárias físicas, quer em sítios online, devido à imensa abrangência do

mesmo e à enorme quantidade de referências, acabou por se tornar mais árdua a tarefa de

tentar sintetizar, de forma simples e concisa, algumas das suas definições. A interpretação

de um conceito tão abrangente e com tanta matéria de discussão interligada apresenta

sempre uma deliberação de difícil resolução, pois ao tentar apresentar de forma vasta toda

uma perspectiva, não aprofundando nem especializando ponto algum, recorrendo muitas

vezes à síntese, pode, em alguns pontos, direccionar-nos à imprecisão.

O que é o sentimento de insegurança? O que o caracteriza? Como podemos e

devemos definir este conceito? Será que a actividade da segurança privada influencia este

sentimento?

Estas são algumas das perguntas a que pretendemos responder ao longo desta

dissertação, para assim atingir objectivo preponderante que nos propomos alcançar.

Para a concretização do presente trabalho foram efectuadas diversas pesquisas

bibliográficas, redigidas por autores considerados especialistas nesta matéria, bem como

foram aplicados alguns dos conhecimentos teóricos interiorizados durante o leccionamento

das aulas da unidade curricular já anteriormente referenciada.

1. Conceito De Segurança: Uma Breve Abordagem A palavra «segurança» tem as suas origens no latim, mais concretamente na

expressão «securus», que significa estado ou situação livre de perigo, ou seja, a ausência

de perigo, e cujo significado se pode de igual forna interpretar como «sem preocupações»,

cuja derivação sugere o sentido «ocupar-se de si mesmo» (se+cura) (Matos, 2005).

Esta, desde os princípios da civilização, foi sempre uma das principais

preocupações do ser humano, que sempre sentiu uma necessidade natural de segurança

e, inerentemente, é um dos fundamentais temas da actualidade. Armando Carlos Alves

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(2010) refere que “a preservação das pessoas e o dos seus bens é uma das mais velhas

preocupações do Homem registadas pela História. Tal tendência tem acompanhado a

evolução da humanidade no sentido de organizar as suas comunidades em sociedades

cada vez mais institucionalizadas e, por isso, a segurança apresenta hoje aspectos de

grande complexidade e altamente diversificados, fruto da recente aceleração da história”.

Efectivamente, o factor segurança é um objecto de discussão que acompanha a

humanidade desde o início dos tempos. O homem desde sempre procurou garantir a sua

própria segurança, bem como segurança dos seus bens, condições que ainda se mantêm

nas sociedades actuais. Tanto a protecção individual, como a protecção colectiva e a

protecção material, fazem parte da história do homem, tendo estas acompanhado o seu

desenvolvimento.

De acordo com Ana Paula Brandão (2003:38) a definição de segurança ainda é um

“conceito contestado, complexo, com fortes implicações políticas e ideológicas”. Para esta,

segurança é o “conjunto das acções e dos recursos utilizados para proteger algo ou alguém.

O que serve para diminuir os riscos ou os perigos. Aquilo que serve de base ou que dá

estabilidade ou apoio”.

O conceito de segurança difere de perspectiva para perspectiva, de época para

época, sendo que a sua discussão não é um tema recente. Segundo Francisco Proença

Garcia (2006), devido à globalização, este conceito sofreu algumas transformações, sendo

que, actualmente, o mesmo foi alargado a outras influências como “a política, a economia,

a diplomacia, os transportes e comunicações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente,

a ciência e a técnica, procurando fazer face a riscos e ameaças.” Para Francisco Proença

Garcia, o seu conceito “não consegue consenso internacional, sendo definido de diversas

formas, de acordo com a escola interpretativa, com a região geográfica, país, etc. No fundo,

é um conceito contestado, ambíguo, complexo, com fortes implicações políticas e

ideológicas”.

Este conceito, segundo o Major Luís Carlos Falcão Escorrega (2009), “é hoje

objecto de uma renovação conceptual, sendo que as escolas de pensamento, com as suas

diversas perspectivas, disputam entre si a compreensão do fenómeno. De qualquer forma,

ignorar a importância deste conceito na manutenção e desenvolvimento de qualquer

comunidade política é como “as pessoas que esquecem a importância do oxigénio que

respiram”.

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Para Luís Elias (2012) “a segurança constitui um direito-dever inalienável cada vez

mais ameaçado nas sociedades globalizadas dos nossos dias. Os desafios colocados aos

estados e à comunidade internacional são de tal maneira avassaladores que implicam um

ultrapassar da estanquicidade conceptual e dos exclusivismos e a implementação de

abordagens estruturais, integradas e multidimensionais, ajudando a ultrapassar os

problemas resultantes da globalização e potenciando as oportunidades e vantagens para

as organizações supranacionais, para os Estados e para os cidadãos”.

Efectivamente, deparamo-nos com distintas concepções para a palavra segurança,

e todos eles correctos no seu ponto de vista, contudo, e tal como é referido por Nuno

Severiano Teixeira (2002:10), existe uma conclusão que não pode ser motivo de discórdia,

a segurança é efectivamente um dos pilares que suporta um Estado de Direito ou seja, que

garante os direitos, liberdades e garantias de qualquer povo.

Sem a segurança, não seria exequível viver em sociedade e para uma sociedade

se considerar deveras estável, evoluída e sustentável, cada um dos seus cidadãos tem que,

simplesmente, se sentir seguro.

Conforme salientado por Rosa Kajibanga (2016) a segurança “é um direito

constitucionalmente consagrado e constitui, juntamente com a justiça e o bem-estar, um

dos três fins primordiais do Estado Social. Diremos mesmo que viver em segurança é um

direito e uma necessidade básica dos cidadãos, trata-se de uma garantia que deve ser

prestada pelo Estado pelo facto de ter celebrado um contrato social com os seus cidadãos“,

sendo que, a sua actividade “não se identifica com o finalismo da segurança interna, mas

antes com os aspectos que envolvem a intangibilidade do território, a independência do

poder estadual e a liberdade, a vida, a integridade física e os bens das populações”.

A segurança revela-se como sendo “uma necessidade da pessoa e dos grupos

humanos e um direito inalienável do homem e das nações e permite ter uma noção de

protecção ou de tranquilidade em face de ameaças ou acções adversas à própria pessoa,

às instituições ou a bens essenciais existentes ou pretendidos” (Escola Superior de Guerra,

1981).

Em termos genéricos, podemos afirmar que segurança é um bem social, pois, sem

ela, não existe desenvolvimento nem liberdade, é, simplesmente, uma condição da

democracia.

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A segurança tem uma perspectiva de serviço público e caracteriza-se

multidisciplinarmente por ser abrangente no cuidar dos cidadãos e dos seus bens, de todas

as formas sectoriais. É “o estado ou condição que se estabelece num determinado

ambiente, através da utilização de medidas adequadas, com vista á sua preservação e á

conduta de actividades, no seu interior ou em seu proveito, sem rupturas” (Alves, 2010).

Podemos também definir o conceito de segurança como sendo “a condição

adquirida quando determinadas noticias, material, pessoal, actividades e instalações estão

protegidas contra espionagem, subversão, sabotagem e terrorismo, bem como contra o seu

extravio ou divulgação não autorizada. Compreende os meios activos ou passivos, que

servem para proteger e preservar um ambiente, de modo a possibilitar a conduta de

actividades numa organização ou numa sociedade sem rupturas” (Giddens,1998).

Sendo que, conforme referido Georges Fenech (2001), podemos ainda afirmar que

“um País está seguro quando não está sob o risco de sacrificar valores vitais, ou seja, ter

segurança é a ausência de ameaças aos valores essenciais que se quer garantir. No

entanto, ter ou não ter ameaças é algo que não se controla, nenhum País está isento de

ameaças, se não são dirigidas à sua própria segurança podem ser aos seus interesses”.

Na sociedade actual, o Estado é considerada a principal organização política da

sociedade, sendo que, para além de ser responsável por garantir a coesão social e

colectiva, cabe-lhe, sobretudo, garantir a defesa externa do território, a segurança de

pessoas e bens. Caso este não consiga salvaguardar todos estes aspectos, o conceito de

sociedade será colocado em dúvida. A segurança deve ser uma das primordiais

preocupações do Estado e deve ser o Estado a garantir a sua prossecução junto dos

cidadãos que o constituem.

Conforme já constatamos, a opinião sobre a definição de segurança tem alternado

de pessoa para pessoa, mas a verdade é que, ao longo dos anos, o próprio conceito de

segurança foi, por si só, sofrendo mutações bastante significativas.

No entanto, conforme defendido por Bruce Schneier (2008) não podemos ser tão

lineares e viver num pânico absoluto, segundo este autor, o sentimento de segurança e a

realidade da segurança nem sempre estão de acordo, ou seja, o conceito de segurança

pode ser visto em duas distintas perspectivas, enquanto sentimento e enquanto realidade.

2. Percepção De Insegurança

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A percepção de insegurança ergue-se através da apreciação pessoal de situações

delinquentes ou violentas, que possam ter eventualmente ocorrido ou que estejam na

iminência de poder vir a ocorrer. Este conceito, por norma, varia consoante a quantidade,

a influência e a probabilidade do perigo, contudo, é sobre os locais onde este perigo se

manifesta, que as pessoas desenvolvem as suas crenças e percepções (Roosa et al, 2009).

De referir que a percepção de uma pessoa acerca da insegurança em determinado

local nem sempre corresponde aos dados objectivos desse mesmo local, podendo

inclusivamente ser inversa à realidade (Crawford, 2007), pois esta percepção pode resultar

de uma simples avaliação individual, com carácter único, devido a uma situação inopinada

(Roosa et al, 2009).

A probabilidade de um indivíduo poder ser vítima de um crime pode provocar

sentimentos de apreensão e preocupação relativos à sua segurança, o que pode originar a

adopção de determinados tipos de comportamentos de prevenção, os quais poderão vir a

influenciar essa possibilidade.

O facto de não existir um autodomínio de algo tão indefinido como a probabilidade

de ser assaltado, pode permitir uma maior compreensão sobre o modo como são

percepcionadas possíveis situações de risco, logo, se um individuo tiver a percepção de

que determinada zona geográfica possa ser insegura devido, por exemplo, à notícia da

ocorrência de assaltos, este, aquando da avaliação do risco em causa, poderá, mediante a

sua percepção de insegurança, optar por evitar frequentar tal área, passando a considera-

la como intransitável (Slovic, 1987).

Com a percepção da existência de zonas inseguras, violentas e frequentadas por

delinquentes, é normal que o indivíduo apresente um certo grau de medo em se tornar

vítima de crime e é este sentimento que o obriga temer e a evitar tais áreas, considerando-

as, mesmo que tal facto não corresponda à verdade objectiva, como perigosas. Este facto

irá provocar-lhe um sentimento de medo.

3. O Medo Perante a possibilidade de uma pessoa vir a ser vítima de um crime, o sentimento

de medo pode evidenciar-se através de duas sensações distintas, a insegurança e o

isolamento. A insegurança, por um lado, pode provocar, conforme anteriormente referido,

um impulso que leve à execução de comportamentos de evitação ou fuga, levando a pessoa

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a optar por medidas preventivas, reais ou disformes, que a façam sentir-se confortável e

segura. Ao inverso, pode originar um isolamento físico e social, em que a pessoa se isola

no seu próprio habitat, abdicando da prática de determinadas condutas interpessoais

(Whitley & Prince, 2005).

Segundo Alina Esteves (1999) existem dois tipos de noção de medo, o medo real

ou concreto, onde o sujeito receia poder vir a ser vítima de um crime numa situação

concreta, por exemplo um assalto numa determinada área geográfica, e o medo informe ou

difuso, no qual o sujeito tem medo de ser vítima de um crime não específico, ou seja, de

qualquer tipo crime, em qualquer local imaginário.

O medo é entendido como sendo uma reacção emocional originada por uma

percepção de insegurança, devido à suposta ameaça de danos físicos, morais e sociais,

pressentida através de sinais presentes no meio envolvente, e que de alguma forma, se

encontram associadas à violência e à delinquência (Garofalo, 1981).

A partir do medo, a reacção das pessoas manifesta-se através de um sentimento

de insegurança, que afecta de forma directa, ou indirecta, a vida cotidiana de uma

determinada sociedade.

O sentimento de insegurança é claramente um dilema eterno que se apresenta

como sendo um dos mais sérios e influentes problemas das sociedades contemporâneas.

4. Sentimento De Insegurança Segundo James Garofalo (1981:840) este tipo de sentimento é uma reacção

emocional que pode ser caracterizada por uma sensação de perigo e de ansiedade devido

a ameaças de danos existentes no meio envolvente e que de alguma forma estão

associadas ao crime.

Contudo, o conceito de sentimento de insegurança possui uma definição mais

alargada do que a referida por James Garofalo, além dos componentes já salientados, este

pode ser considerado multifacetado, apresentando elementos cognitivos, emocionais e

comportamentais, os quais podem afectar a qualidade de vida das pessoas, quer a nível

particular, quer a nível colectivo.

O sentimento de insegurança acarreta consequências psicológicas nas pessoas

que podem vir a manifestar sintomas de ansiedade, desconfiança, alienação, insatisfação,

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seja para com sociedade, a comunidade, as pessoas e até mesmo para com a própria vida

(Cólman & Souza, 2009).

Trata-se de um sentimento que poderá, em parte, restringir a liberdade das

pessoas, obrigando-as, por exemplo, a deixar de sair de casa durante os períodos

nocturnos, limitando suas actividades sociais ou até mesmo, em determinadas situações,

a mudarem a sua residência para outro bairro ou cidade.

De acordo com Zygmunt Bauman (2006) o sentimento de segurança é cada vez

mais problemático e, com o crime a «bater de porta em porta» de forma cada vez mais

inopinada, a vida despreocupada das pessoas ao circular na rua é cada vez menor.

A insegurança surge portanto associada ao medo que advém de concepções de

actos delinquentes ou violentos, sejam eles físicos, morais ou materiais (Ferreira, 2003).

De referir que no concerne aos crimes materiais, factores como o tipo ou a estrutura de

construção de zonas habitacionais, a degradação destas mesmas construções, os grafitis

ou o vandalismo, considerados a nova violência urbana, são de igual forma interpretados

originadores de sentimentos de insegurança.

5. O Local Enquanto Factor Provocador De Insegurança Conforme já referido, subsistem diversos factores que influenciam a forma como

percepcionamos o ambiente que nos rodeia, seja através de pormenores que nos fazem

sentir bem num determinado local ou, de outros, que nos fazem recear ser vítimas de crimes

e comportamentos violentos.

No seguimento de um estudo que tinha como objectivo relacionar a percepção de

risco com o medo do crime, Gustavo Mesch (2000) concluiu que o medo pode ser

percepcionado através de certos factores como o perfil das casas, existência de zonas

ermas, ruas sujas e escuras e bairros degradados, pois estes factores denotam maior

potencial de perigo para a ocorrência de crimes.

A estrutura das casas, a localização, a deterioração, a sujidade, a existência de

espaços devolutos e degradados, actos de vandalismo, grafitis, carros abandonados,

jardins descuidados, grades nas janelas, locais pouco iluminados e a falta de espaços

verdes, são efectivamente claros exemplos de factores que contribuem para uma baixa

reputação do espaço, com influência no bem-estar subjectivo das pessoa, que afectam

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negativamente a percepção de segurança e que aumentam os índices do medo do crime,

ou seja do sentimento de insegurança (Dunstan et al, 2005).

No entanto, existem inúmeros outros factores considerados como influíeis na

percepção e sentimento de insegurança das pessoas, destacámos, por exemplo, a

actividade desempenhada pelas forças de segurança em determinados locais.

6. Conceito De Polícia A segurança, tal como os demais direitos, liberdades e garantias do homem, deve

ser interpretada como um direito adquirido, pois esta, em parte, garante o gozo pleno dos

demais direitos fundamentais. Cabe portanto ao Estado a criação de uma força colectiva

capaz de garantir a segurança dos cidadãos e dos seus bens (Valente, 2005).

Segundo foi possível apurar, a expressão «Polícia» pode ser interpretada de

diversas formas e permite algumas acepções distintas quanto ao seu significado. Segundo

João Raposo (2006:21) Polícia representa “o conjunto dos serviços policiais, os seus

órgãos e agentes, enquanto a polícia em sentido material, funcional ou objectivo, significa

a actividade, ou modo de actuação administrativa próprio de tais serviços, autoridades ou

agentes”. No entanto e de acordo com Pedro José Lopes Clemente (2006:19) verifica-se

que “o estabelecimento definitivo do conceito de polícia afigura-se impossível, face à

dinâmica e à complexidade do fenómeno policial, que abrange desde a formação cívica até

à repressão de micro-criminalidade, isto é, desde o acto informativo à acção coactiva”.

Já Manuel Monteiro Guedes Valente (2005:19) refere que “Face ao quadro

constitucional emergido da Constituição da República Portuguesa (CRP), de 1976, a

concepção funcional de polícia deve ser muito mais abrangente de modo a que colha as

funções consagradas no nº1 do art. 272.º da CRP”.

Analisado o artigo da CRP citado por Manuel Valente, podemos constatar que a

Polícia tem por função defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e

os direitos dos cidadãos, sendo que a prevenção dos crimes só pode fazer-se com

observância das regras gerais sobre Polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e

garantias dos cidadãos. A defesa dos direitos dos cidadãos deve portanto ser articulada

com o direito à segurança, constituindo-se o Estado na obrigação de os proteger contra a

agressão de terceiros aos seus direitos (Silva, 2001).

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Segundo a Lei n.º 53/2008 de 29 de Agosto - Lei de Segurança Interna (LSI)

entende-se por segurança interna a “actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a

ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a

criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições

democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o

respeito pela legalidade democrática”.

Face ao diploma em questão podemos verificar que em Portugal são responsáveis

por garantir a segurança interna a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Guarda Nacional

Republicana (GNR), a Polícia Judiciária (PJ), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF),

o Serviço de Informações e Segurança (SIS), e os Órgãos dos Sistemas de Autoridade

Marítima e Aeronáutica.

7. O Papel Das Forças De Segurança Refere Carlos Feijó (2002) que as actividades das forças de segurança,

representando a necessidade colectiva e os objectivos do Estado, compreendem a ressalva

da ordem constitucional democrática contra conturbações, sejam elas de internas ou

externas, sendo que, e conforme defendido por Roberto Machado (2010), o seu maior

objectivo deverá ser sempre a segurança humana, e as suas actividades deverão sempre

assumir um único prepósito, a sobrevivência humana.

De uma forma genérica, a finalidade das forças de segurança passa por defender

a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos, liberdades e garantias

dos cidadãos, no entanto, têm ainda por obrigação reduzir os indicies de criminalidade e a

insegurança a ela associada, assentando a sua actividade, principalmente em zonas

urbanas, num modelo de policiamento de proximidade, tendo em vista a satisfação da

população (Alves & Valente,2006).

Segundo Manuel Lisboa e Ana Teixeira, um estudo efectuado no Reino Unido

demonstrou que o sentimento de segurança é mais influenciado pela visibilidade dos

agentes de segurança do que propriamente pelas taxas de criminalidade, logo, uma maior

visibilidade destes, ainda que em determinados locais cujos número de crimes seja

consideravelmente elevado, pode ser determinante percepção mais positiva desse mesmo

local, e, em sentido inverso, um local onde não haja registo de crimes mas que não exista

um policiamento assíduo, pode ser percepcionado como um local perigoso.

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O sentimento de insegurança é algo que influencia a população, pois atinge todos

os sectores da sociedade, pelo que, medidas como o policiamento de proximidade, além

de, através de uma convivência mais directa com os cidadãos, beneficiarem a qualidade

destes, a realização de policiamentos mais proactivos, acaba por promover um melhor

sentimento de segurança e de bem-estar no seio das comunidades. Este tipo de

policiamento tem portanto como principal objectivo a redução da criminalidade e o aumento

do sentimento de segurança da população, sendo que, uma maior satisfação quanto à

presença assídua de elementos num determinado local, ainda que este seja perigoso, pode

influenciar a percepção da segurança e, consequentemente, o medo e o sentimento de

insegurança.

Efectivamente, e conforme defendido por Oliveira (2006), o papel das forças de

segurança passa por dar resposta à necessidade de segurança dos cidadãos. Neste

sentido, Fernandes (2005) considera que a segurança corresponde a uma mistura de vários

factores que levam a um sentimento de tranquilidade, o qual resulta da ausência de perigos

ou ameaças, sendo que, e tendo em conta que a segurança, conforme já aludido

anteriormente, é considerada um dos três fins do Estado (bem-estar, justiça e segurança),

verificamos que a segurança ocupa, portanto, um papel preponderante numa sociedade

cada vez mais vítima da globalização, em que os cidadãos impõem, cada vez mais, às

forças de segurança, o direito a sentirem-se seguros.

Contudo, nem sempre as forças de segurança têm meios e autoridade suficiente

para garantir a sua missão, o que se pode traduzir como sendo um factor preponderante

no sentimento de insegurança gerado nas pessoas. A verdade é que o sentimento de

insegurança que atinge as populações em geral, simplesmente, tem que ser combatido a

todo custo, pelo que, o Estado, vendo-se incapaz de garantir a segurança em toda a sua

plenitude, principiou aquilo que se designa por privatização de algumas funções policiais,

resultando desta privatização a criação da segurança privada.

8. A Privatização Da Segurança Efectivamente, ao privatizar algumas das funções policiais, o Estado, de forma

tácita, veio reconhecer o facto de não possuir capacidades suficientes para assegurar a

segurança dos seus cidadãos, e, consequentemente, de salvaguardar o interesse público.

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Em Portugal, este ponto de viragem surge com a reforma legal do enquadramento

jurídico dado à segurança privada, com a publicação do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de

Fevereiro (entretanto revogado). No seu prefácio, constava que “a actividade da segurança

privada tem vindo a assumir uma inegável importância em Portugal, quer na protecção de

pessoas e bens, quer na prevenção e dissuasão da prática de actos ilícitos”, podendo assim

verificar-se a primeira alteração significativa ao paradigma da segurança em Portugal,

verificando-se um reconhecimento da utilidade pública da segurança privada e da sua

capacidade de prestar um melhores serviços de segurança aos cidadãos em geral. O

primeiro passo em direcção à privatização da segurança estava dado.

9. A Segurança Privada: Como Definir Este Conceito Conforme já tivemos oportunidade de aludir, verifica-se que a segurança privada

veio complementar parte da segurança pública, desempenhando, de igual forma, um papel

fundamental na defesa das pessoas e dos bens.

Conforme salientado pela AES – Associação de Empresas de Segurança (2013),

este papel é basicamente desenvolvido “através da vigilância, humana e electrónica, das

revistas, como meio auxiliar e do transporte de valores. E fá-lo bem, como é genericamente

reconhecido. Utiliza meios adequados e pessoal devidamente formado, o que constitui uma

garantia de qualidade, a qual lhe é reconhecida. No Portugal do século XXI não existe, e

ainda bem, quem questione esta atividade. A sociedade reconhece-a e convive muito bem

com ela”. Reconhece ainda esta associação que a tarefa essencial da segurança privada

“é a da garantia da segurança”.

Mas o que é efectivamente a segurança Privada?

A segurança privada é uma actividade, regulada, de prestação de serviços de

protecção de pessoas e bens, a terceiros, por entidades privadas e ainda da organização

em proveito próprio de serviços de autoprotecção (Silva, 2015).

Segundo Paulo Gomes (2008), a segurança privada é uma actividade particular

destinada a satisfazer as necessidades próprias de segurança de um determinado cliente,

caracterizada por uma relação existente entre ambos (prestador de serviços – cliente), cuja

missão é exclusiva e circunscrevida, e a qual não pode abarcar o poder de uso da força.

Já no entendimento de Pedro Gonçalves (2005), a segurança privada trata-se de

uma actividade, de natureza privada, essencialmente desenvolvida por empresas de

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segurança privada, autorizadas para o efeito, através da prestação de serviços. Acrescenta

ainda João Simões (2011) que a prestação de serviços privados de segurança praticada

pela segurança privada pode ser destinada a clientes particulares, privados ou até mesmo

públicos.

Já Norberto Rodrigues (2011), opta por não definir o que é a segurança privada,

mas sim, por descrever aquilo que entente por actividade de segurança privada, referindo

que, no seu entender, a “atividade de segurança privada compreende os serviços privados

organizados para prestar serviços de segurança a terceiros (…), bem como a organização,

por quaisquer entidades (…) de serviços destinados à sua própria segurança”.

Efectivamente, deparamo-nos com diversas definições do conceito de segurança

privada, estas, na sua grande maioria, bastante similares, contudo, verificamos que a Lei

que estabelece o Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada (Lei n.º

34/2013, de 16 de Maio), tal como Norberto Rodrigues, não define em concreto este

conceito, mas sim, elucida o que considera como a actividade de segurança privada em

Portugal, sendo que, o seu artigo 3.º, consagra que a actividade de segurança privada

corresponde à “prestação de serviços a terceiros por entidades privadas com vista à

proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes”, bem como “a

organização, por quaisquer entidades e em proveito próprio, de serviços de autoproteção,

com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes”.

Conforme, podemos analisar, actualmente, a actividade de segurança privada

encontra-se relacionada com uma enorme panóplia de serviços relacionados com

segurança, mais concretamente, e nos termos da Lei, os seguintes:

1. A vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída

de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos

de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência;

2. A proteção pessoal;

3. A exploração e a gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de

alarme e de videovigilância;

4. O transporte, a guarda, o tratamento e a distribuição de fundos e valores e

demais objetos que pelo seu valor económico possam requerer proteção

especial;

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5. O rastreio, inspeção e filtragem de bagagens e cargas e o controlo de

passageiros no acesso a zonas restritas de segurança nos portos e aeroportos,

bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e

porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência;

6. A fiscalização de títulos de transporte, sob a supervisão da entidade pública

competente ou da entidade titular de uma concessão de transporte público;

7. A elaboração de estudos e planos de segurança e de projetos de organização

e montagem de serviços de segurança privada”.

De salientar que estes serviços apenas podem ser desempenhados por algumas

entidades, nomeadamente, por empresas de segurança privada, por entidades que

organizem serviços de autoprotecção, por entidades consultoras de segurança e ainda por

entidades formadoras.

10. A Segurança Privada Como Complemento Da Segurança

Pública Conforme já tivemos oportunidade de aludir, é o Estado quem detém o monopólio

do uso da força, e, consequentemente, da segurança. Contudo, pelas razões também já

explanadas, o Estado não possui meios que lhe permitam, por si só, garantir a segurança

e a defesa dos seus cidadãos.

Com a evolução, a segurança privada passou a ser considerada, em parte, um

complemento das forças de segurança, exercendo missões de prevenção e protecção de

pessoas e bens, vindo, desta forma, a colmatar algumas falhas, estas resultantes da

insuficiência de meios do Estado, e consequentemente, da segurança pública, sem, no

entanto, usurpar as funções das forças de segurança, o que acabou por potenciar a

complementaridade entre segurança privada e segurança pública, beneficiando desta

forma o sentimento de segurança das pessoas.

Verifica-se portanto que, embora a segurança privada não esteja definida como

sendo uma das forças do Sistema de Segurança Interna português, a verdade é que esta

já é considerada por muitos como um actor fundamental da sociedade portuguesa, com

grandes responsabilidades na área da segurança, logo, tal como no caso das forças de

segurança, a sua missão pode traduzir-se como sendo um factor extremamente

preponderante no sentimento de segurança gerado nas pessoas.

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Embora não sendo considerada uma «força» propriamente dita, é indubitável que

a sua actividade, ainda que de forma subsidiária e complementar à actividade das forças

de segurança, represente um papel fundamental no combate ao sentimento de insegurança

percepcionado por grande parte da sociedade.

A segurança privada em Portugal trata-se, portanto, de um relevante sector da

segurança, cuja importância é reconhecida no quadro da política de segurança interna, pela

sua complementaridade subsidiária às atribuições das forças de segurança, denotando um

considerável contributo para a segurança do país, e dos seus cidadãos.

Assim sendo, a percepção da sociedade face à actividade desempenhada pela

segurança privada reveste-se de extrema importância, pois, parte da sociedade já

interpreta a sua actividade tal e qual interpreta a actividade das forças de segurança, pelo

que, esta pode, efectivamente, ter importantes implicações em termos de influência do

sentimento de segurança dos cidadãos.

Conclusão O conceito de segurança alterou-se, devido, essencialmente, à turbulência e à

instabilidade resultante dos movimentos globalizante e individualizante. Nos dias de hoje,

a segurança vê a sua definição alargada a vários domínios como a política, a economia, a

diplomacia, os transportes e comunicações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente,

a ciência e a técnica, que visa procurar fazer face a todos os tipos de riscos e ameaças.

A Segurança também alterou o seu valor, passando-se de uma segurança

previsível, para uma segurança imprevisível, mais difusa na forma, origem, espaço e

actores. A segurança passou assim a ter interesses que vão para além dos Estados.

A indefinição das ameaças e riscos que afectam a segurança e a defesa dos

territórios e das populações, a estabilidade, a paz, a democracia e o desenvolvimento, é

uma clara caracterização dos tempos actuais, pelo que se torna fundamental compreender

aquilo em que o mundo se transformou.

Perante tais ameaças, uma das premissas da sociedade deveria passar por tentar

recuperar um dos seus pilares básicos, a segurança, contudo, para existir um clima de

segurança é necessário implementar na sociedade um sentimento de bem-estar e

estabilidade, que permita aos cidadãos viver em liberdade e segurança.

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A história da humanidade está marcada pela presença persistente do fenómeno da

violência no seio das sociedades, principalmente nas zonas urbanas, desempenhando um

papel de extrema relevância na influência das relações intersociais, enfraquecendo

constantemente os laços humanos e obrigando ao surgimento de um sentimento de

insegurança entre as pessoas. Este fenómeno surge principalmente associado às áreas

consideradas citadinas onde as condições de vida, pelas características específicas de

concentração de oportunidades, de densidade populacional, de mistura intercultural, de

abismais diferenças socioeconómicas, são mais complexas, gerindo uma desigualdade

comportamental entre as pessoas que, por vezes, se torna fomentadora de actos violentos

e criminais.

A existência de uma «Polícia» na vida de uma sociedade é um factor essencial para

manter a ordem e garantir o exercício dos direitos fundamentais dos seus cidadãos. Neste

contexto, verificamos que a missão das forças de segurança se estende por um amplo

conjunto de actividades reguladoras, possuindo diversas atribuições para garantir a ordem,

a tranquilidade pública e a segurança e protecção de pessoas e bens. De uma forma geral,

a finalidade das forças de segurança passa por defender a legalidade democrática, garantir

a segurança interna e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, no entanto, tem

ainda por obrigação reduzir os índices de criminalidade e a insegurança a ela associada.

A segurança ganha, portanto, cada vez mais um maior relevo na vida dos cidadãos,

satisfazendo a condição necessária para estes exercerem livremente os seus direitos

fundamentais, contudo, nos tempos actuais, as necessidades colectivas de segurança

revelam-se, cada vez mais, uma pesada responsabilidade para o Estado.

Conforme já tivemos oportunidade de aludir, é o Estado quem detém o monopólio

do uso da força, e, consequentemente, da segurança. Contudo, pelas razões também já

explanadas, o Estado não possui meios que lhe permitam, por si só, garantir a segurança

e a defesa dos seus cidadãos, ou seja, não têm capacidade para garantir a segurança dos

cidadãos em todas as suas dimensões pois, neste momento, existem graves lacunas a

nível de meios humanos e materiais que comprometem seriamente o cumprimento de

algumas missões, que acabam por ser desempenhadas por empresas de segurança

privada, como por exemplo, a prevenção ou a protecção de pessoas e bens.

A segurança privada passou a ser considerada uma variável incontornável na

produção da segurança.

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Verificamos que a segurança privada está atenta à realidade, tem acompanhado

as políticas de segurança, sejam elas internas ou externas, e tem cumprido à risca o seu

papel de «força» complementar às forças de segurança, contribuindo de forma bastante

eficiente e eficaz para garantir a segurança e a tranquilidade pública, para proteger as

pessoas e os seus bens, e para prevenir a criminalidade, coadjuvando, tal como lhe é

exigido, as restantes forças de segurança a desempenhar uma das funções essenciais do

Estado, ou seja, garantir a existência e a sobrevivência do País.

Não obstante todos os limites aplicados à segurança privada, verifica-se que esta

está a ganhar cada vez mais atribuições, sendo que, por exemplo, actualmente, uma das

principais actividades da segurança privada prende-se com a vigilância e segurança de

pontos sensíveis, a segurança de estabelecimentos e até mesmo a participação em

eventos públicos de grande dimensão, ou o transporte de valores, enquadrado na

segurança de pessoas e bens. Pode-se então depreender-se que, algumas das funções

policiais que exigem menos especificidade e também que envolvem menor risco, já foram

parcialmente privatizadas.

Com a evolução, a segurança privada passou a ser considerada, em parte, um

complemento das forças de segurança, exercendo missões de prevenção e protecção de

pessoas e bens, vindo, desta forma, a colmatar algumas falhas, estas resultantes da

insuficiência de meios do Estado, e consequentemente da segurança pública, sem, no

entanto, usurpar as funções das forças de segurança, o que acabou por potenciar a

complementaridade entre segurança privada e segurança pública, influenciando, desta

forma, o sentimento de segurança das pessoas.

Conforme aludido anteriormente, existem inúmeros factores considerados como

influíeis na percepção do sentimento de segurança das pessoas, entre os quais

destacámos, a actividade desempenhada pelas forças de segurança, verificando-se que

medidas, como por exemplo, o policiamento de proximidade, além de, através de uma

convivência mais directa com os cidadãos, beneficiarem a qualidade destes, a realização

de policiamentos mais proactivos, acaba por promover um melhor sentimento de segurança

e de bem-estar no seio das comunidades.

Assim sendo, e com base nos factos aqui relatados, segurança privada, ainda que

não pertencendo ao Sistema de Segurança Interna, passou a ser um interveniente fulcral

na segurança, sendo que, a sua presença em locais como aeroportos, centros comerciais,

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hospitais/centros de saúde, eventos desportivos, bares/discotecas, bancos, estações de

transportes públicos/transportes públicos, locais de lazer e diversão, escolas/universidades,

entre muitos outros, veio influenciar e contribuir, tal como as demais forças de segurança,

de forma directa para o sentimento de segurança dos cidadãos. A sua actividade é portanto,

influente, para não dizer determinante, para o sentimento de segurança da sociedade

portuguesa.

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