responsabilidade social das empresas: formações discursivas em
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RICARDO ZAGALLO CAMARGO
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS:
FORMAES DISCURSIVAS EM CONFRONTO Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao, rea de Concentrao Interfaces Sociais da Comunicao, Linha de Pesquisa Polticas e Estratgias de Comunicao, da Escola de Comunicaes e Artes, da Universidade de So Paulo, como exigncia para obteno do Ttulo de Doutor em Comunicao, sob a orientao do Prof. Dr. Ivan Santo Barbosa.
So Paulo Abril de 2009
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RICARDO ZAGALLO CAMARGO
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS:
FORMAES DISCURSIVAS EM CONFRONTO Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao, rea de Concentrao Interfaces Sociais da Comunicao, Linha de Pesquisa Polticas e Estratgias de Comunicao, da Escola de Comunicaes e Artes, da Universidade de So Paulo, como exigncia para obteno do Ttulo de Doutor em Comunicao, sob a orientao do Prof. Dr. Ivan Santo Barbosa.
So Paulo Abril de 2009
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Camargo, Ricardo Zagallo.
Responsabilidade social das empresas: formaes discursivas em confronto. / Ricardo Zagallo Camargo. - So Paulo, 2009.
229 f.
Bibliografia. Tese (Doutorado). Departamento de Propaganda, Relaes Pblicas e Turismo/Escola de Comunicaes e Artes/USP.
Orientador: Prof. Dr. Ivan Santo Barbosa.
1. Responsabilidade Social Empresarial. 2. Sustentabilidade. 3. Marketing. 4. Comunicao Mercadolgica. I. Ttulo. II. Camargo, Ricardo Zagallo. III. Barbosa, Ivan Santo.
CDD 21.ed - 709
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RICARDO ZAGALLO CAMARGO
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS:
FORMAES DISCURSIVAS EM CONFRONTO
BANCA EXAMINADORA
Orientador Prof. Dr. Ivan Santo Barbosa
Examinador 1
Examinador 2
Examinador 3
Examinador 4
So Paulo, ____ de ________________ de 2009
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Para meu pai Cezar
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Agradeo
oportunidade de ser orientado pelo Professor Ivan, bem como as valiosas contribuies da banca de Exame de Qualificao, composta pelo Professor Paulo de Salles Oliveira e pelo saudoso Professor Cidmar Teodoro Pais.
presteza e compreenso de toda a equipe do CRP, da ps-graduao da ECA e da Biblioteca da ESPM-SP.
pacincia do tricolor Juliano que insiste em saber se para ser jogador de futebol precisa fazer doutorado.
Aos cuidados de Tatiana que pedia planejamento no trabalho at a ltima hora possvel.
Ao apoio da famlia manifestado por palavras e silncios.
Ao Professor Piratininga, que aprendi a respeitar nos termos de Hannah Arendt.
torcida participativa da Manolita, Glucia, Amatucci e Ilan.
compreenso da equipe do CAEPM nas minhas ausncias.
Aos amigos fiis de todas as horas (mesmo) Ana, Jamir, Danilo e aos 48 - Roberto.
Ao caf de Lau para as manhs e tardes na labuta.
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Chama-se mecnico ao todo se alguns de seus elementos esto unificados apenas no espao e no tempo por uma relao externa e no os penetra a unidade interna do sentido. As partes desse todo, ainda que estejam lado a lado e se toquem, em si mesmas so estranhas umas s outras.
Bakhtin, Mikhail. Arte e Responsabilidade. In: Esttica da criao verbal, So Paulo: Martins Fontes, 2003.
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RESUMO
CAMARGO, Ricardo Zagallo. Responsabilidade Social das Empresas: Formaes Discursivas em Confronto. 2009. 229 p. Nosso trabalho prope-se a compreender como formulado o discurso das empresas acerca da responsabilidade social, por meio do entendimento das formaes discursivas em conflito, reconhecendo potencialidades e limitaes deste discurso. Discute a heterogeneidade de vozes em dilogo, a constituio da cena enunciativa e busca delinear como so construdos os sentidos do discurso das empresas acerca da responsabilidade social. A consecuo dos objetivos se deu por meio do mtodo de anlise do discurso de linha francesa (AD), a partir de trs conjuntos de dados: um conjunto de textos jornalsticos, com nfase na mdia especializada em negcios; srie longitudinal de documentos (balanos sociais) de uma organizao com destacada ao socioambiental; entrevistas realizadas com profissionais que atuam nas reas de responsabilidade social de grandes organizaes. Os resultados indicam que o discurso das empresas a respeito do social constitui-se a partir da oposio entre duas formaes discursivas concorrentes, a gerencial e a poltica, sua identidade a partir da negao e construo de simulacros do marketing, da filantropia, e, sobretudo, do conflito, como forma poltica de lidar com as questes sociais. Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial; Sustentabilidade; Marketing; Comunicao mercadolgica; Formao discursiva.
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ABSTRACT
CAMARGO, Ricardo Zagallo. Responsabilidade Social das Empresas: Formaes Discursivas em Confronto. 2009. 229 p. Through the study of conflicting discursive formations this work aims at understanding how corporate discourse on social responsibility is constructed, taking into account its potentialities and limitations. It discusses the heterogeneity of dialogic voices and the constitution of the enunciative scene in an effort to outline how meaning is produced within such discourse. These objectives were attained by applying the methodology of Discourse Analysis (DA), particularly the French tradition in this field, to three types of data: journalistic texts, especially those from the business media; a series of documents (reports on social impact) from an organization widely known for its environmental concern; and interviews with professionals involved with social responsibility policies in large organizations. The results indicate that corporate discourse on social issues is constituted by two opposing discursive formations, one managerial and the other political. Its identity is defined by negation and construction of marketing simulacrum, by philanthropy, and above all by conflict as the political path to deal with social issues. Key words: Corporate social responsibility; Sustainability; Marketing; Market Communication; Discursive formations
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SUMRIO
INTRODUO 01 Tema, objeto e objetivos justificados da pesquisa 01 Origens internacionais 05 Indcios de origens histricas da responsabilidade social no Brasil 06 Definies de responsabilidade social empresarial 07 A responsabilidade social empresarial no contexto mercadolgico 08 Captulo 1 MLTIPLOS ENQUADRAMENTOS 15
Critrios e procedimentos adotados 15 Gnese e trajetria do conceito, delimitao terica, e definio do campo 19 Questionamentos de origem e dilemas atuais 29 Difuso do conceito no ambiente empresarial e surgimento de nicho de
mercado 39
Aperfeioamento de prticas e mensurao de resultados 41 Relaes de trabalho - arranjos produtivos 52 Crtica gerencial 54 Gesto da comunicao e informao - Terceira via 57 Voluntariado 60 Economia da Comunho 61 Mdia, publicidade, consumo e cidadania 62 Crtica e propostas de resistncia e empoderamento 66 Disputa dos sentidos da enunciao sobre o social e esfera pblica 70 Investimentos privados e espao pblico 76 CAPTULO 2 NOSSOS REFERENCIAIS 94 Vita activa 95 A promoo do social 97 A esfera pblica: o comum e a esfera privada: a propriedade 99 Labor, trabalho e ao 101 Ao e Discurso 103 Democracia, participao e emancipao 105 Ideologia, sociedade civil e classes sociais 108 Mdia e simulacro 110 Cidadania e privilgio 111 Sociedade do espetculo 112 Cidadania 114 Declnio do homem pblico 124 Corroso do carter 125 A cultura do novo capitalismo 128
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CAPTULO 3 NOSSA PESQUISA 136 Referenciais tericos para tratamento e anlise dos dados 137 Percurso da pesquisa 144 Material emprico selecionado, procedimentos e justificativas 148 CAPTULO 4 NOSSA ANLISE 153 4.1 Anlise de textos jornalsticos 153 4.2 Anlise longitudinal de documentos: Balanos Sociais 176 4. 3 Anlise das entrevistas 187 CONSIDERAES FINAIS 200 REFERNCIAS 205 APNDICES 229
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NOTAS DE LEITURA
NS
O uso do ns ao longo do trabalho encontrou uma justificativa primeiramente nas
colocaes de Mikhail Bakhtin que entende o discurso como parte de uma cadeia historicamente
construda. Nossa fala dialoga e reverbera, portanto, falas de outros, que a partir da posio de sujeito
selecionamos e incorporamos nossa, conscientemente ou por meio das coeres e constantes que o
interdiscurso nos impe.
Ficamos, dessa forma, vontade para usar o ns. At ento, em outros escritos, havia a
permanente sensao de dvida entre a primeira pessoa, que de alguma forma soava dura ao cortar
pelo prisma pessoal uma realidade de todos; a terceira, que nos parecia falsamente modesta ao dividir
sem vontade achamos que considervamos meu; ou ainda o verbo no impessoal, que deixava o gosto
inspido de uma iseno de compromisso e responsabilidade.
Escrevemos ns confortvel e conscientemente pela clareza que a teoria de Bakhtin nos
concedeu de que todo texto sempre nosso.
Escrevemos tambm porque aprendemos, com Hannah Arendt, que a ao e discurso pelos
quais os seres humanos manifestam-se como homens s se realizam numa teia de relaes, que nos
inter essa e interliga, fazendo com que a fora, que a qualidade natural de um indivduo isolado,
converta-se em poder entre os homens quando eles agem juntos.
Escrevemos ainda a partir das palavras de Richard Sennett que percebe o ns como o
caminho para colocar em xeque a desconsiderao pelo outro, uma vez que a poltica depende da
existncia de um ns comunal.
E polifonia grande. Muitas vozes no nossas que, ao serem escolhidas passam de alguma
forma a s-lo. Como guia de leitura, informamos que a terceira pessoa ser usada exclusivamente em
nossos comentrios ou elaboraes. Os outros tempos verbais referem-se a falas dos demais autores.
Em relao aos quais procuramos nos aproximar, seja pela concordncia, seja pelo conflito.
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INTRODUO
Tema, objeto e objetivos justificados da pesquisa
Esta investigao situa-se na confluncia das temticas sociais e mercadolgicas, por
meio de uma compreenso orientada para a discusso da esfera pblica e da ao poltica.
Na trajetria pessoal, o deslocamento profissional de publicitrio redator, envolvido
com a prtica mercadolgica, para publicitrio professor, interessado em aliar aspectos
criativos a reflexes sobre as implicaes sociais do trabalho, marcou, num primeiro
momento, a aproximao com questes que dizem respeito a nossa responsabilidade em
relao aos outros.
O envolvimento sistematizado com o tema da responsabilidade social deu-se, contudo,
em nossa pesquisa de Mestrado, que estudou as relaes tensas entre educao, criana e
consumo, por meio da anlise de um projeto empresarial voltado educao infantil para o
consumo (melhor seria dizer treinamento, uma vez que a concepo de educao utilizada no
nos permitiu denominar as aes como educativas). Uma tenso reverberou na defesa do
trabalho, marcada pela presena e indignao de uma das pessoas entrevistadas, que percebia
sua atuao colocada em xeque a partir dos questionamentos levantados. Esse episdio teve
como desdobramento concreto a realizao de dois eventos (Fruns Criana & Consumo),
realizados na ECA-USP, onde alunos, professores, pesquisadores e profissionais de mercado
discutiram as relaes entre intenes mercadolgicas e educacionais.
Aps esse primeiro contato cientfico com a questo, nossa trajetria dirigiu-se ainda
mais para a relao entre o mercado e sociedade, ao iniciarmos, em 2005, a convite do
professor Luis Celso de Piratininga, a construo de um centro de pesquisa, na ESPM, escola
conhecida por sua proximidade com o mercado publicitrio, que sinalizava, dessa forma, a
inteno de ampliar os espaos voltados para a pesquisa e a reflexo. A partir de ento, o
publicitrio professor passou a ser publicitrio administrador, responsvel pelas atividades do
Centro; e publicitrio pesquisador, sobretudo pela realizao desta pesquisa, iniciada em
2005, mas tambm pelo contato simultneo com pesquisadores experimentados de diversas
reas do conhecimento, tais como sociologia, antropologia, educao, filosofia, administrao
e comunicao. Tal diversidade foi ampliada pelo contato com profissionais de mercado e
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empresrios, que mantm relaes prximas com a ESPM. Uma situao de profisso e de
vida, que nos colocou diretamente na confluncia entre mercado e academia, com todas as
dificuldades e potencialidades dessa posio.
Associado nossa trajetria, o objeto escolhido por esta pesquisa para discutir a
responsabilidade social o discurso das empresas, discurso esse que chama a ateno por ter
se tornado onipresente na mdia e nas aes de comunicao empresarial, como observaremos
ao longo deste trabalho. Trata-se, contudo, de um discurso que no apenas faz parte do jargo
promocional das empresas, mas possui ampla produo cientfica. Segundo o CEATS1, a
Responsabilidade Social Empresarial pode ser definida como uma forma de gesto marcada
pela relao tica e transparncia da empresa com todos os pblicos com que se relaciona
(stakeholders), e o estabelecimento de metas empresariais compatveis com a noo de
desenvolvimento sustentvel, que inclui a preservao de recursos ambientais e culturais para
geraes futuras, respeito diversidade e combate s desigualdades sociais.
O entendimento desse discurso empresarial oscila entre a percepo de que se trata de
uma evoluo do marketing social, at a percepo de que estaramos diante de uma alterao
efetiva nas relaes sociais, pautada pela modificao do papel da empresa. Traz, tambm,
consigo, a idia de prestao de contas, o que tem levado organizaes de grande porte a
divulgar, anualmente, um relatrio onde so descritas e quantificadas, na forma de um
balano, suas aes nas reas sociais e ambientais. Essa atitude pode ser compreendida tanto
como um instrumento para mostrar a transparncia, quanto como pea importante na
construo da imagem da empresa junto aos seus pblicos, que parecem estar cada vez mais
atentos aos aspectos sociais e ambientais das empresas.
Embora as aes realizadas pelas empresas tenham impactos reais evidente que sua
base de sustentao a manuteno do lucro e no a transformao social. O presidente de
uma empresa citada como exemplo de responsabilidade social, explicita essa questo:
Apesar de elas terem avanado em vrias reas de responsabilidade social e ambiental, elas certamente no destinaro uma parte significativa de seus lucros para que sejam distribudos na sociedade, pois este no o seu papel. [...] o velho Estado tem um papel fundamental na distribuio de riqueza por intermdio de
1 O CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e Administrao em Terceiro Setor - foi criado em 1998 na FEA-USP, com suporte da Fundao Instituto de Administrao, entidade sem fins lucrativos. Desde ento, tem desenvolvido pesquisas e oferecido cursos com foco no empreendedorismo e cidadania empresarial.
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polticas pblicas [...] De qualquer forma, a empresa deve ser um instrumento a favor da sociedade [...] (Dilogos Akatu, 2002, no1, p. 17).
O princpio da produo de mais-valia, de lucro, fundamento do crescimento
econmico, permanece. visto inclusive como uma das responsabilidades sociais da empresa,
no sentido de gerar empregos. No se trata, portanto, de nova relao entre trabalho e capital,
mas definio do quanto de obteno de mais-valia licito e tico.
O consumidor, por sua vez, ponto chave nas aes de responsabilidade social. Seja
como comprador influenciado pelas aes da empresa, seja como consumidor potencial a
incluir no sistema de consumo. Quanto ao primeiro aspecto, pesquisa2 de 2004 sobre a
percepo do consumidor brasileiro em relao responsabilidade das empresas indicou que
70% dos consumidores consideram que elas devem estar envolvidas na resoluo de
problemas sociais, 57% acham que deveria haver leis que obrigassem as empresas a ir alm
do bsico (pagamento de impostos, respeito aos direitos trabalhistas e cuidados ambientais j
regulados por lei) e 86% acreditam que, como consumidores, podem interferir na atuao
responsvel das empresas. H, contudo, pouca relao com o consumo, pois 70% no
pensaram em prestigiar empresas responsveis por meio da compra, assim como 76% no
pensaram em punir, deixando de comprar produtos. Em linhas gerais, pode-se dizer que,
mesmo de maneira pouco efetiva no que diz respeito ao consumo, a responsabilidade social j
entrou na pauta do consumidor, interferindo direta ou indiretamente em suas escolhas. Outro
aspecto destacado por essa pesquisa que, em relao aos funcionrios, as aes responsveis
das empresas so fatores de motivao e lealdade.
Quanto incluso de novos consumidores no sistema, a questo ganha contornos mais
explcitos. Na matria 'Incluso social o futuro do capitalismo'3, o estudioso Stuart Hart,
autor do livro Capitalism at the Crossroads, afirma que, sem a incluso dos cerca de 4 bilhes
de pessoas que vivem com at US$ 1,5 mil por ano, a chamada"base da pirmide", no haver
futuro para as empresas e para o prprio capitalismo. Sugere a reformulao de estratgias de
negcios, para oferecer produtos massa excluda, com base em inovao tecnolgica, com
prioridade para energias com menos impacto sobre os recursos naturais do planeta. Uma viso
2 Pesquisa Responsabilidade Social das Empresas Percepo do Consumidor Brasileiro, edio 2004, realizada pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial, que contou com 1000 entrevistas em todo Brasil questionrio estruturado em todos os nveis sociais.
3 O Estado de So Paulo, Andrea Vialli, 31 de agosto de 2005.
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que faz eco a Prahalad (2005), autor que ganha destaque entre o empresariado, ao salientar o
potencial de lucro existente nas camadas mais pobres e a possibilidade de lucrar com a
erradicao da pobreza.
Dentro dessa temtica e objeto, este trabalho, com foco na comunicao e, em
particular, nas suas interfaces sociais, prope-se a discutir questes relativas s formas pelas
quais o discurso da responsabilidade social das empresas articula-se com movimentos sociais mais
amplos; assim como os caminhos pelos quais a proposta corporativa de cidadania corporativa
participa da disputa pela enunciao do poltico e do social.
Por conseguinte, o processo de delimitao dos objetivos desta pesquisa baseou-se na
premissa de que o discurso de responsabilidade social das empresas no algo que possa ser
isolado do contexto em que produzido. Com isso em vista, delimitamos o objetivo geral
desta pesquisa:
Compreender como formulado o discurso das empresas acerca da responsabilidade
social, por meio do entendimento das formaes discursivas em confronto.
Como desdobramento, os objetivos especficos so:
Discutir a heterogeneidade de vozes em dilogo que caracterizam o discurso das
empresas acerca da responsabilidade social;
Explicitar como se constitui a cena enunciativa do discurso das empresas acerca da
responsabilidade social;
Delinear de que forma so construdos os sentidos do discurso das empresas acerca da
responsabilidade social.
A consecuo dos objetivos se dar por meio do mtodo de anlise do discurso de
linha francesa (AD), cuja caracterizao ser detalhada a seguir, mas que podemos definir,
sinteticamente, como mtodo de estudo que se apoia sobre os conceitos e mtodos da
lingustica e se relaciona, como destaca Maingueneau (1997, p.13), com textos produzidos no
quadro de instituies que restringem fortemente a enunciao, e nos quais se cristalizam
conflitos histricos e sociais. Essas caractersticas justificam sua escolha, para abordar os
textos produzidos no mbito do discurso das empresas acerca da responsabilidade social.
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Estrutura do trabalho
O resultado final do processo de pesquisa est estruturado em quatro captulos, sendo
o primeiro dedicado ao levantamento, o mais exaustivo possvel, dos trabalhos que tratavam
do tema e do objeto de pesquisa na rea das cincias sociais, assim como trabalhos que
focavam temas e objetos que dialogam com o nosso.
O segundo e terceiro captulos expem, como prope Bosi (2003, p.50), os dois
grandes nveis para definir o mtodo de um trabalho cientfico: a orientao geral da pesquisa,
na qual apresentamos o grupo de referncias que constitui a tendncia terica que guiou o
trabalho; e procedimento, ou sua tcnica particular, com os referenciais metodolgicos, o
percurso seguido e os procedimentos adotados por nosso trabalho. So nveis que, como
ressalta a autora, se cruzam durante todo o percurso.
O quarto captulo apresenta, por sua vez, a anlise realizada a partir das orientaes
tericas e procedimentos apresentados, desdobrando-se em quatro momentos, que buscam
realizar os objetivos da pesquisa, a partir da abordagem de diferentes objetos empricos:
a) Tratamento e anlise de um conjunto representativo de textos jornalsticos, com nfase
na mdia especializada em negcios, com ferramental de AD;
b) Anlise longitudinal de documentos (balanos sociais) de empresa com aes de
responsabilidade social reconhecida pelo mercado, com ferramental de AD;
c) Anlise das entrevistas realizadas com profissionais de empresas com aes de
responsabilidade social reconhecida pelo mercado, com ferramental de AD;
d) Breves consideraes gerais sobre as anlises realizadas: a oposio de formaes
discursivas no mbito da RSE
Conclumos com consideraes gerais acerca do processo e resultados obtidos, e
propondo, a partir da anlise, uma compreenso do discurso das empresas acerca da
responsabilidade social, por meio do entendimento de suas formaes discursivas em conflito.
Para situar, preliminarmente, o objeto de estudo no contexto histrico e
mercadolgico, apresentaremos, a seguir, uma breve trajetria da noo de responsabilidade
social, que ser ampliada e detalhada a partir da reviso da literatura; e sua contextualizao
no mbito mercadolgico, em especial da comunicao mercadolgica contempornea.
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Origens internacionais
Gomes (2007, p.12-21) lembra que a idia de colaborao das empresas na rea social
no recente, citando (lembrando de) Robert Owen (1773-1858), socilogo que virou
industrial e implantou uma srie de mudanas, tais como, salrios maiores, jornada de
trabalho menor (10h/dia), e outros benefcios como creches, hospitais e escolas, obtendo
grande aumento dos lucros. Suas propostas tornaram-se referncias para a legislao social,
mas avanaram no sentido de uma sociedade comunista e ele acabou sendo banido dos EUA.
A primeira meno ao termo responsabilidade social ligado ao mundo dos negcios,
segundo Oliveira (2002:200 apud GOMES, 2007, p.30), surge em um manifesto de 120
empresas inglesas, sobre o equilbrio entre interesses pblicos e dos acionistas. Gomes (2007,
p.30-35) afirma que a idia central de responsabilidade social das empresas surge em trabalho
de Charles Eliot, em 1906, nos EUA, uma proposta que no mobilizou as empresas. Ainda no
mapeamento de origens histricas, menciona, entre outros eventos, a disputa judicial entre os
scios Ford e Dodge (1919), a respeito da distribuio de lucros, que terminou com a vitria
de Dodge, contra a distribuio, e resultou na formao de duas empresas separadas; e a obra
de Oliver Sheldon, The Philosophy of Management (1923), que abordava a importncia de
aes sociais, e obteve pouca receptividade.
O autor observa, contudo, que, aps a grande depresso, a partir das idias de Keynes
(1936) a respeito da necessidade de regulao estatal e, especialmente aps a 2 Guerra, uma
atmosfera remodelada recebe o livro de Howard Bowen, em 1953, Responsibilities of the
Businessman, com uma viso tica dos negcios. Em 1960, a vez de The Meaning of
Modern Business, de Richard Eells, focando a relao da empresa com seu meio.
O autor prossegue, destacando o primeiro artigo cientfico, assinado por H.Gordon
Fitch (1976), que tratava a empresa como problema-soluo no mundo capitalista; e a obra
de Thomas J. Zenisek (1979), que faz um apanhado do movimento e apresenta a proposta de
duas vertentes: tica dos negcios, e expectativas da sociedade. So tambm citados Archie B.
Carroll (1979), com um modelo trs pontas (o que deve ser contemplado, quais demandas, e
filosofia organizacional); e Wartick e Cochran (1985), que identificam trs estgios
evolutivos: responsabilidade econmica, pblica e social, sendo este ltimo considerado o
paradigma (entendido em administrao como estado da arte). Em termos gerais, o autor
observa que criar modelos e prescries parece ser a tnica das publicaes.
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Indcios de origens histricas da responsabilidade social no Brasil
Segundo Rico (2001), filantropia e assistncia no fizeram, historicamente, parte da
cultura empresarial brasileira. At o incio do nosso processo de industrializao, e mesmo
aps, as aes sociais empresariais foram heterogneas, pontuais, dependentes e tuteladas
pelo Estado. Constituam uma forma de os ricos ascenderem aos valores aristocrticos, pela
prtica do "bem", atravs de esmolas (SPOSATI, 1988); uma postura assistencialista, de um
auxlio material ou financeiro destinado a atender a problemticas imediatas, tais como
alimentao, sade, habitao etc., e marcada por um vis clientelista, que envolve uma
relao de dominao e dependncia. A partir do processo de transio democrtica, nos anos
70, e especialmente a partir da dcada de 80, que se pode identificar uma ao social
empresarial com a expectativa de participao no desenvolvimento social do pas. Para
ilustrar esse momento, podemos destacar iniciativas como a criao do Pensamento Nacional
das Bases Empresariais (PNBE), em 1987, movimento constitudo por um grupo de
empresrios paulistas para exprimir os anseios das bases da iniciativa privada no Brasil
moderno que comeava a se delinear, defendendo o aprofundamento da democracia,
economia de mercado, melhor distribuio da renda; negociao para a resoluo dos
conflitos; aceitao da diversidade; defesa do patrimnio material e humano do pas. Um dos
fundadores do PNBE, o empresrio Oded Grajew, veio a se tornar figura emblemtica do
movimento de responsabilidade social. Em 1990, criou a Fundao Abrinq pelos Direitos da
Criana e do Adolescente, em 1994, fundou a Cives - Associao Brasileira de Empresrios
pela Cidadania e, em 1998, participou da fundao do Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, entidade empresarial mais representativa nessa temtica.
Outro fato significativo ocorre em 2000, quando o Instituto Ethos conduziu o processo
de engajamento das empresas brasileiras ao Pacto Global, uma iniciativa das Naes Unidas
para avanar na prtica da responsabilidade social corporativa, buscando uma economia
global mais sustentvel e inclusiva. Em Junho de 2004, realizou-se, na Sede da ONU, o
evento Compact Leaders Summit, reunindo representantes de 480 empresas signatrias,
lderes de organizaes internacionais do trabalho, sociedade civil e agncias das Naes
Unidas. Do Brasil, estiveram presentes representantes da Ach Laboratrios, Aracruz
Celulose, Banco do Brasil, BOVESPA, Grupo Po de Acar, FGV, Natura, Petrobrs, Souza
Cruz, jornal Valor Econmico, entre outras organizaes.
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, portanto, a partir dos anos 90 que se consolidam os investimentos sociais
empresariais, entendidos, segundo o GIFE (2001,p.11), como uso planejado, monitorado e
voluntrio de recursos privados. A preocupao com benemerncia e aes pontuais cede
lugar a investimentos que possibilitem retorno na aplicao de recursos em programas sociais.
Definies de responsabilidade social empresarial
Gomes (2007) destaca algumas definies brasileiras de RSE: A RSE pode ser vista como uma obrigao moral da gesto empresarial, ou como resultado da presso da sociedade organizada por polticas e legislaes que protejam os direitos humanos, promovam melhores condies de trabalho e preservem o ambiente para as presentes e futuras geraes (BORGER, 2003, p.7 apud GOMES, 2007, p.178)
A do Instituto Ethos, que possui definio abrangente e est se tornando hegemnica: A Responsabilidade Social Empresarial est alm do que a empresa deve fazer por obrigao legal. A relao e os projetos com a comunidade ou as benfeitorias para o pblico interno so elementos fundamentais e estratgicos para a prtica da RSE. Mas no s. Incorporar critrios de responsabilidade social na gesto estratgica dos negcio e traduzir as polticas de incluso social e de promoo da qualidade ambiental, entre outras, em metas que possam ser computadas na sua avaliao de desempenho o grande desafio. (INSTITUTO ETHOS, 2003, p.13 apud GOMES, 2007, p.179-180)
A definio de Patrcia Ashley (2003), muito citada na produo do Rio de Janeiro: Responsabilidade social pode ser definida como compromisso que uma organizao deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes... assume obrigaes de carter moral, alm das estabelecidas em lei, mesmo que no diretamente vinculadas a suas atividades...[ numa viso expandida] toda e qualquer ao que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade (ASHLEY, 2003, p. 6-7 apud GOMES, p.181)
Alessio (2004, p.142-143), em citao indireta de Gomes (2007): (...) um modelo de gesto baseado em comportamento tico e responsvel na conduo dos negcios, cujas decises e aes resgatam valores humanos e universais, preservam e respeitam interesses de todas as partes direta e indiretamente envolvidas no negcio, assim como os de toda a sociedade, numa relao na qual todos obtm benefcios (GOMES, 2007, p.181)
E a definio de Melo Neto e Froes (2001) que o autor considera um exemplo isolado
de reconhecimento da necessidade de mobilizao de mais setores para viabilizar as aes: As aes de RSC buscam aprimorar as relaes das empresas com seus diversos pblicos, inseri-las devidamente no mbito social das comunidades vizinhas e, sobretudo reforar a atuao das ONGs, associaes comunitrias, entidades filantrpicas e o governo local, seus principais parceiros. (MELO NETO e FROES, 2001, p.22 apud GOMES, 2007, p.182
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A responsabilidade social empresarial no contexto mercadolgico
Responsabilidade social e marketing
O surgimento de uma parcela significativa de no consumidores, caracterizados como
indivduos excludos da sociedade de consumo, reflexo esse do aumento da desigualdade social,
assim como o agravamento de problemas ambientais que colocam em risco o futuro do planeta,
comeou a surgir a partir da dcada de 60, com questionamentos sobre o crescimento econmico
desvinculado do bem estar da maior parte da populao. O marketing, a partir de ento, passou a
incorporar tica empresarial aes voltadas, tambm, para causas sociais e ambientais. Nesse
contexto, surge a expresso marketing social, formulada por Kotler e Zaltman.
Marketing social a modalidade de ao mercadolgica institucional que tem por objetivo atenuar ou eliminar problemas sociais, carncias da sociedade relacionadas principalmente com questes de higiene e sade pblica, trabalho, educao, habitao, transporte e nutrio (KOTLER & ROBERTO, 1992: p.25).
No escopo do marketing social, surge, ainda, o conceito de marketing comunitrio,
que faz referncia s aes desenvolvidas em contextos comunitrios, limitados
geograficamente a uma coletividade, que podem, ou no, ter o carter de amparo social. Vaz
(1995: p.299) ressalta que a grande maioria das aes de marketing comunitrio tm carter
social, fazendo com que os conceitos se aproximem. Alm disso, Mendona (2002, p.158)
adverte que esse tipo de marketing s funciona se, alm de benefcios comunidade, tiver
como retorno benefcios para a imagem da empresa.
Por esse prisma, o termo responsabilidade social, pode ser compreendido como uma
espcie de evoluo do marketing social, que daria conta de uma conscientizao maior da
empresa do seu papel dentro da sociedade. Alm disso, o termo marketing encontra-se
bastante desgastado e associado, no senso comum, a aes eminentemente voltadas para o
lucro. A relao entre marketing e responsabilidade social tem sido, contudo, negada pelo
discurso das empresas e da mdia, como observaremos na anlise a seguir, sobretudo pela
aproximao com o conceito de gesto, que afirma o carter mercadolgico da iniciativa
como positivo, por gerar riqueza, e afasta o carter negativo trazido pela associao direta
com o marketing.
Outro aspecto mercadolgico importante so os vrios pblicos atingidos pela
divulgao das aes sociais e ambientais das empresas, descritos na classificao de Matrat,
citada por Oliveira (2002: p. 215):
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Pblico de deciso - que inclui funcionrios e governo, pblicos cuja concordncia
afeta diretamente o funcionamento organizacional.
Pblico de consulta que se presta a sondagem para dar parmetros s aes da
empresa, incluindo universidades e centros de pesquisa, organizaes no-
governamentais, institutos e empresariado em geral.
Pblico de comportamento cuja atuao pode prejudicar ou favorecer a ao da
organizao, tais como comunidade em geral, fornecedores e associaes.
Pblico de opinio que influencia a organizao pela manifestao do seu ponto de
vista, incluindo formadores de opinio e a imprensa.
Para dar conta desses vrios pblicos, a comunicao das empresas extrapola os meios
de comunicao de massa (sobretudo TV, rdio e impressos), que continuam com papel
importante, e desenvolvem uma gesto de contatos (nomeao que vem ganhando terreno
em relao mdia), utilizando-se de inmeras aes que, anteriormente, no eram percebidas
como ferramentas de comunicao. As aes de responsabilidade, com todos os cuidados que
suas peculiaridades demandam para serem comunicadas, fazem parte do rol de possibilidades,
uma vez que so, sob a tica do marketing, potenciais ferramentas de comunicao e
construo de marca.
A comunicao mercadolgica contempornea
A comunicao empresarial, que envolve a questo da responsabilidade social,
constitui, portanto, um conjunto integrado que no envolve somente a publicidade, mas vrias
outras formas de comunicao mercadolgica que tambm cumprem o papel publicitrio
junto a diversos pblicos, tais como os balanos sociais, matrias jornalsticas, eventos, e as
prprias aes sociais, transformadas em comunicaes sociais.
um composto que, integrando as organizaes, passa, no mundo contemporneo, por
um processo profundo de transformao e encontra-se num contexto de diluio dos limites
entre comunicao interna e externa das organizaes, centralidade do marketing, exigncia
permanente de resultados mensurveis, e estruturao organizacional a partir de cadeias de
valor horizontais, apontados, no mbito do marketing, por Harter (2007), entre outros.
Nesse contexto, as aes de comunicao com os diferentes pblicos articulam-se em torno da
construo de marca. Como detalha Perez (2004, p.48), a publicidade atua para criar o espao
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perceptual da marca, lanando mo de inmeros canais, para se conectar sensorial e
afetivamente com os diversos pblicos, por meio de imagens, smbolos, sensaes e
associaes.
Os nmeros de levantamentos estatsticos recentes, como a Pesquisa Anual de
Produtos e Servios do IBGE, cujo Suplemento 2004-2005 focou os Servios Publicitrios,
no revelam significativas modificaes no quadro econmico geral, que ainda aponta para o
predomnio dos veculos de comunicao de massa (sobretudo a TV e os impressos). Um
olhar mais atento torna possvel, contudo, identificar indcios que sinalizam a configurao de
novos cenrios e de expressivas alteraes no mercado da Comunicao e da Publicidade.
Crescimentos pontuais (sobretudo em percentagens) e desdobramentos significativos
em algumas reas importantes da comunicao (a exemplo do segmento formado por eventos)
apontam com vigor para as novas abordagens da comunicao, com as quais muitos
profissionais j trabalham4.
Indcios de mudanas de grande monta j esto presentes no discurso e nas diretrizes
definidas pelos Chief Marketing Officers (CMOs), em todo o mundo. Resultados de pesquisas
realizadas por consultoria especializada em estratgia e tecnologia Booz Allen Hamilton e
pela Association of National Advertisers (ANA), envolvendo lderes de grandes empresas
globais,5 identificam os desafios que merecem ser perseguidos, de forma cada vez mais
contundente: explorar o potencial oferecido pelas novas mdias; estabelecer novos paradigmas
de organizao e de relacionamento com as agncias; manter-se flexvel, para poder
permanecer adaptvel; tornar o marketing mensurvel. Apesar de no serem questes novas
para aqueles que atuam profissionalmente no cotidiano desse mercado, e haja grande distncia
entre o que se diz e o que se faz, o discurso desses lderes aponta tendncias j em curso que,
mais cedo ou mais tarde, atingiro o mercado nacional.
So mudanas intensas e apontadas por diversos autores. Francisco Gracioso (2007,
p.10/16) abrigou a complexidade da comunicao atual sob a nomeao de Arenas da
Comunicao com o Mercado, termo que abrange mega-shows de msica; patrocnio de 4 Esses pontos so detalhados em Ensaio Interpretativo, elaborado por Denis da Silva Lima, Manolita Correia Lima e Ricardo Zagallo Camargo, a respeito dos dados levantados a partir da parceria da Associao Brasileira de Agncias de Propaganda (ABAP) e IBGE, distribudo como anexo do documento Nmeros oficiais da indstria da comunicao e seu impacto na economia brasileira publicado pela ABAP/IBGE, em 2008 5 Os principais achados da pesquisa esto condensados na publicao CMO Thought Leaders - The rise of the strategic marketer, que conta com 15 entrevistas com executivos de grandes corporaes. A obra est disponvel para compra no site http://www.strategy-business.com/cmoreader. Os aspectos aqui abordados constam do captulo introdutrio, intitulado Marketing Metamorphosis.
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atletas ou clubes e grandes eventos esportivos; o universo da moda; grandes feiras; o mundo
digital; o grande varejo; alm da prpria propaganda. Inspirado nas idias desenvolvidas por
Debord (1997), reconhece o espetculo como o denominador comum da complexa
configurao da comunicao contempornea. Gracioso (2007) lembra, ainda, que novas
arenas surgem a todo momento, refletindo a evoluo econmica e social. Convergem, porm,
para um mesmo ponto: so, simultaneamente, capazes de atrair e divertir, persuadir e vender.
Esse fenmeno pressupe a reorganizao das estratgias de comunicao formuladas pelas
empresas, na direo da ampliao do mix de comunicao, e de adoo de aes que
extrapolam os veculos da mdia tradicional. No difcil resgatar exemplos de empresas que
diminuram o montante de investimento em propaganda tradicional (rdio, TV e impressos) e
passaram a investir fortemente na organizao de espetculos oferecidos aos consumidores,
como forma de persuaso compra. H algum tempo, grandes empresas, entre outras,
adotaram este tipo de estratgia de comunicao.
A sociloga Egeria Di Nallo (1999), por sua vez, prope o conceito de Meeting Points,
deslocando o olhar dos perfis de consumidor para os processos de consumo. Essa Autora
lembra que, na contemporaneidade, o consumidor no representa mais um territrio de
conquista por parte da empresa, mas algum que se encontra, assim como as empresas, no
interior de fluxos de comunicao; possui identidades sociais, estilos de vida e hbitos de
consumo mutantes, contraditrios e flexveis. Nesse contexto, os Meeting Points so
entendidos como pontos de encontro de consumidores, de produtos, e tambm de uma grande
quantidade de fluxos comunicativos que tendem a constituir um sistema de expectativas que d
corpo e credibilidade a um determinado estilo de consumo. Por exemplo, para os Meeting
Points dos quais faz parte o produto chocolate, convergem atividades agrcolas associadas,
decorao de bolos, orientaes dietticas, literatura, filmes etc.
Seja nas Arenas de Gracioso, seja nos Meeting Points de Di Nallo, o entretenimento
passa a ser entendido como uma linguagem que permeia praticamente todas as relaes
estabelecidas na sociedade atual razo pela qual vem sendo cada vez mais explorado na
comunicao mercadolgica. Pesquisadores como Kellner (2006), contudo, alertam para o
impacto negativo desse fenmeno, destacando o potencial esvaziamento que a
espetacularizao pode provocar no conjunto das atividades culturais e polticas. Para o
autor, quando entretenimento e espetculo se conjugam como princpios organizadores da
economia, poltica, sociedade e vida cotidiana, a exposio de conflitos sociais e polticos
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forma-espetculo da mdia faz com que esses conflitos sejam facilmente transformados em
casos sensacionalistas de homicdios, atentados terroristas, escndalos sexuais de polticos e
celebridades, e na explosiva violncia do quotidiano. Diante desse esvaziamento da poltica,
Kellner (2006) alerta para a necessidade de identificar, nessa nova expresso da cultura,
formas renovadas de dominao e opresso, bem como seu potencial para processos de
democratizao e justia social.
A velocidade das transformaes, aceleradas pela tecnologia, tornam ainda mais difcil
refletir a respeito do que est acontecendo. Como lembra Muniz Sodr (2007), as tecnologias
avanadas da comunicao e a velocidade de circulao das informaes produzem uma
temporalidade em tempo real, onde os acontecimentos esto sempre a frente da
possibilidade de serem interpretados. , contudo, esse cenrio de multiplicidade dos
fenmenos comunicativos e midiatizao que se apresenta diante daqueles empenhados em
refletir sobre a forma como as atividades se organizam no mundo real.
Uma lente para decifrar a realidade da comunicao mercadolgica a oferecida pela noo
de cadeia produtiva. Castro et all (2002) assinalam que o conceito foi desenvolvido sob a
premissa de que a produo de bens pode ser representada por um sistema, onde os diversos
atores esto conectados por fluxos de materiais, de capital e de informao. Surgido,
originalmente, para retratar a produo agropecuria, foi usado no processo de planejamento
da Embrapa, no incio da dcada de 90, e, posteriormente, passou a ser aplicado a atividades
produtivas de outra natureza, mostrando-se til para aumentar a compreenso de complexos
sistemas de produo, determinar gargalos e oportunidades no exploradas nos processos
produtivos, gerenciais e tecnolgicos. Os elos de uma cadeia produtiva envolvem as questes
de insumos (pr-produo), produo, distribuio, comercializao e consumo.
No caso da comunicao, como destacam Pereira e Reis (2008), a questo central a
gesto de informaes e fluxos de sentido. Para chegar a estratgias comunicacionais
eficientes, as empresas devem administrar uma logstica do sentido: da natureza e da
distribuio e das formas de circulao de fluxos de sentido em determinado ambiente ou
contexto. Para observar como esse conceito pode ser utilizado para decifrar os caminhos
atuais da comunicao, pesquisa realizada pelo Centro de Altos Estudos da ESPM tomou
grandes eventos como objetos empricos. Entre os observados, destacamos a Fashion Rio, um
evento que articulado pela empresa patrocinadora, que no apenas empresta o nome e
financia o evento, mas gerencia todo o fluxo de comunicao que impacta em dimenses
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anteriormente no percebidas como atividades de comunicao. Questes como a estruturao
do espao fsico, segurana e infra-estrutura tm que ser pensadas dentro da estratgia de
comunicao. Vale ressaltar que o evento j existia, mas, a partir do momento em que passa a
ser utilizado como ferramenta de comunicao e construo de marca, passa a incorporar uma
srie de preocupaes novas, dimensionando os recursos fsicos e humanos em funo das
necessidades especficas do patrocinador.
O conceito de cadeia produtiva de comunicao pressupe, pelo princpio sistmico, a
interligao e, por vezes, sobreposio entre cadeias diferentes, como a da moda, a mais
evidente nesse caso, mas tambm a indstria txtil e do turismo, entre outras. Permite, dessa
forma, percebermos os novos desdobramentos da comunicao mercadolgica. Requer,
contudo, cuidado, para no cairmos em generalizaes do tipo tudo comunicao, pouco
contributivas e esclarecedoras.
No que diz respeito diretamente nossa pesquisa, observamos que a noo ampliada
de comunicao mercadolgica permite a reincorporao das aes de responsabilidade
social, no mais entendidas como marketing social, mas como aes que integram arenas ou
meeting points de contato com os consumidores. Um reenquadramento que parece deslocar a
discusso da motivao (comercial) para o modo de comunicar as aes.
Outro olhar que julgamos pertinente para entender a comunicao mercadolgica, e
que no ser desenvolvido aqui, o das indstrias criativas, termo que, como informa
Bendassoli (2007), surgiu nos anos 1980, associado originalmente ao contexto das polticas
pblicas de cultura e designa, hoje, os setores onde a criatividade uma dimenso essencial.
Situadas no cruzamento das artes, cultura, negcios e tecnologia incluem, hoje, o consumo
cultural (espetculos, moda, msica), software, arquitetura, cinema, design, editorao,
televiso e publicidade, entre outras. Representa uma articulao de atividades que dialoga
diretamente com as propostas de Arenas de Comunicao e Meeting Points, abordadas
anteriormente, que aqui ganham uma dimenso estratgica, no s para as empresas mas
tambm para pases e blocos comerciais.
Alm disso, pensar a comunicao mercadolgica requer avaliar sua insero num
mercado global, aspecto que interfere diretamente nas aes de responsabilidade social, que
respondem a movimentos empresariais em grande escala e representam, para Porter (1990),
entre outros, vantagens competitivas numa economia global.
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CAPTULO 1 MLTIPLOS ENQUADRAMENTOS
Critrios e procedimentos adotados
O levantamento incluiu trabalhos que tratavam diretamente da responsabilidade social
e de denominaes e temas correlatos. As buscas foram realizadas da forma mais exaustiva
possvel em livros, bancos de dados de teses e dissertaes, peridicos, programas de ps-
graduao e anais de eventos, entre outras fontes.
Pela caracterstica do objeto de estudo, que tem sido observado a partir da perspectiva
de diversas reas do conhecimento, a reviso incluiu, sobretudo, trabalhos de comunicao,
foco desta pesquisa, e de administrao, rea que concentra a maior parte das publicaes. Os
trabalhos da rea de administrao contriburam para a construo da evoluo do conceito,
sobretudo pela tica gerencial e da cadeia produtiva, e para dar um panorama atualizado
descrio e aperfeioamento das prticas empresariais. Em virtude do foco e interesse desta
pesquisa, foi dada especial ateno aos trabalhos que possuem um olhar crtico em relao s
aes das empresas.
Alm dessas duas reas, que concentram a maioria dos textos localizados, o escopo da
reviso abrangeu, tendo como referncia a classificao das reas do Conhecimento elaborada
sob a coordenao da Capes e do Cnpq, a grande rea das Cincias Sociais Aplicadas, com
trabalhos nas reas de Direito, Servio Social, Filosofia (subrea tica), Sociologia, Antropologia,
Histria, Geografia (Subrea Geografia Poltica), Psicologia (subreas Psicologia Social,
Psicologia do Trabalho e Organizacional), Educao e Cincia Poltica. Um leque abrangente que
no permitiu o aprofundamento das questes levantadas, mas possibilitou a coleta de vises
complementares e enriquecedoras sobre o tema e o objeto de estudo.
A dinmica de busca em bancos de dados (sobretudo com a utilizao da internet) era
a seguinte: caso a busca com palavras mais abrangentes como responsabilidade social ou
cidadania revelasse muitos achados, era refinada com a incorporao de corporativa e
empresarial, que se aproximavam do tema em estudo. No caso de poucos achados, todos
eram consultados. Os trabalhos considerados correlatos tinham seus resumos registrados, e os
mais prximos eram lidos e fichados parcial ou integralmente.
O processo de coleta ocorreu ao longo de todo o processo de pesquisa, com destaque
para trs grandes momentos: levantamento inicial, para a elaborao do projeto (realizado no
-
16
ano de 2004), (a) reviso para o exame de qualificao (realizada no segundo semestre de
2007), e o levantamento final para redao da tese (realizado no final de 2008).
Foram consultadas as seguintes fontes:
Anais de reunies acadmicas
Anais do Encontro da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em
Administrao - ENANPAD (edies de 2006, 2007 e 2008);
Anais do Encontro Nacional dos Cursos de Graduao em Administrao -
ENANGRAD (edies de 2006 e 2007);
Anais dos Encontros anuais da Associao Nacional dos Programas de Ps-
Graduao em Comunicao - COMPS (todas as edies);
Anais do X Colquio Internacional de Poder Internacional (2006);
Peridicos
Revista de Administrao de Empresas - RAE (nmeros disponveis no acervo
histrico online);
Revista e-comps (todas as edies);
Portal Revcom, que congrega peridicos da rea de comunicao, mantido pela
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao - Intercom.
Foram consultados 19 peridicos, por meio de busca geral com as palavras-
chave: Responsabilidade (Social), Cidadania, tica, Filantropia, Voluntariado,
Investimento social (privado), Sustentabilidade, Terceiro Setor, Empresas, sem
limitao de data de publicao;
Portal de peridicos da CAPES, a partir do qual foram consultados os sites dos
20 peridicos nacionais de Comunicao, avaliados com A ou B pelo programa
QUALIS com as palavras-chave: Responsabilidade Social, Cidadania, tica,
Filantropia, Voluntariado, Investimento social (privado), Sustentabilidade e
Terceiro Setor, sem limitao de data de publicao;
Bases de dados
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes, mantida pelo IBICT
Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia www.ibict.br.
Palavras-chave: Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Desenvolvimento
Sustentvel, Cidadania, tica, Filantropia, Voluntariado, Investimento Social,
Empresas, sem limitao de data de publicao.
-
17
Banco de Teses e Dissertaes da CAPES, consulta restrita a doutorados no
perodo entre 2004 e 2007, com expresso exata: Responsabilidade Social
Corporativa, Empresarial, das Empresas; Cidadania Empresarial, Corporativa e
Empresa-cidad; Filantropia, Voluntariado; Sustentabilidade, Desenvolvimento
sustentvel ( a maior parte dos trabalhos localizados referia-se a meio-ambiente
e agricultura ecoturismo, ecologia, biodiversidade, cadeia produtiva).
Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes da USP, filtro rea de Cincias
Humanas e ttulo, perodo 2004 a 2008. Palavras no ttulo: Responsabilidade
Social Corporativa, Empresarial, das Empresas; Cidadania Empresarial,
Corporativa e Empresa-cidad; Filantropia, Voluntariado; Sustentabilidade,
Desenvolvimento sustentvel.
Sistema Nou-Rau Biblioteca Digital UNICAMP, com as palavras-chave
Responsabilidade Social, Cidadania Empresarial, Cidadania
Corporativa, tica nos negcios, tica empresarial, Filantropia,
Voluntariado, Investimento social (privado) e Sustentabilidade.
Google Acadmico - A busca por pginas de internet em portugus, com a
palavra-chave Responsabilidade Social no ttulo, realizada em fevereiro de
2009, obteve 3.750 pginas, entre livros, citaes e artigos publicados no
perodo entre 2006 e 2008, o que corrobora a afirmao de Gomes (2007), ou
seja, que o tema bastante popular e abrange outras reas, como biologia e
medicina, no necessariamente relacionadas s empresas. A consulta
restringiu-se aos livros e artigos, descartando-se as citaes e, para refinar o
levantamento, foi usada a palavra-chave Responsabilidade Social
empresarial, com a obteno de 219 pginas, que foram reduzidas para 110,
restringindo-se a busca aos anos de 2006, 2007 e 2008. De forma
complementar, foram utilizadas as seguintes palavras-chave:
Responsabilidade Social corporativa (76 pginas); Responsabilidade Social
das empresas (98 pginas); Responsabilidade Social dos/nos negcios (19
pginas, consultadas superficialmente por conterem muitas repeties das
buscas anteriores); Cidadania Empresarial (37 pginas, consultadas
superficialmente por conterem muitas repeties das buscas anteriores);
Cidadania Corporativa (31 pginas, consultadas superficialmente por
conterem muitas repeties das buscas anteriores); tica nos negcios (17
-
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pginas, consultadas superficialmente por conterem muitas repeties das
buscas anteriores); tica empresarial (181 pginas, consultadas
superficialmente, com muitas pginas em espanhol); Filantropia empresarial
(28 pginas, consultadas superficialmente por conterem muitas repeties das
buscas anteriores); Filantropia corporativa (4 pginas); Voluntariado
empresarial (10 pginas); Investimento social privado (15 pginas,
consultadas superficialmente); Sustentabilidade (4.210 pginas, reduzidas
para 227, utilizando-se como filtro a presena do termo no ttulo dos artigos, e
o perodo de 2006 a 2009, com muitos trabalhos relacionados ao meio-
ambiente e muitas citaes).
Bases de dados internacionais - A coleta teve como fonte o servio de clipping
da ESPM, que diariamente seleciona artigos relacionados s reas de interesse
da instituio (administrao, comunicao mercadolgica, design, relaes
internacionais, e marketing), provenientes da EBSCO, empresa que gerencia e
d acesso, atravs de servios de assinaturas de peridicos impressos e
eletrnicos, que conta, entre outras, com a Business Source Complete, base de
dados na rea de gesto e reas relacionadas, e Communication & Mass Media
Complete, na rea de comunicao; e da Emerald, base de dados de peridicos
eletrnicos nas reas de administrao, negcios, marketing e economia (a lista
completa das publicaes do clipping ESPM encontra-se no apndice 2 ).
Trata-se, contudo, de uma coleta no exaustiva.
Sites dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao brasileiros - Foram
consultados, por meio do portal Portcom, mantido pela Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicao Intercom, os sites de 23 programas,
envolvendo teses, dissertaes, artigos em peridicos e outras publicaes, no
perodo entre 2004 e 2009, sempre que possvel. Nos casos em que a linha de
pesquisa e/ou linha editorial dos peridicos localizados estava mais prxima do
foco deste estudo, a busca se estendeu a 2002, ou foi feita integralmente, sem
restrio de data. Constitui-se na busca mais detalhada (lista completa no apndice
1).
Dentro do objetivo de rastrear a produo cientfica e fortalecer o potencial de
contribuio deste trabalho, esse levantamento possibilitou, portanto, a obteno de uma viso
atualizada das diferentes maneiras pelas quais a questo da responsabilidade social das
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19
empresas tem sido estudada, em especial pelos pesquisadores brasileiros (uma vez que a
coleta internacional no foi exaustiva). Foi dada especial ateno aos trabalhos que focam as
questes da cidadania, solidariedade e democracia e suas articulaes com as aes das
empresas, aproximando-se, dessa forma, da anlise de discurso que este trabalho se prope a
fazer. Os artigos foram agrupados de acordo com as reas, temticas abordadas e enfoques
utilizados. Essa diviso foi a forma encontrada para sistematizar as informaes e possibilitar
o dilogo com o referencial terico e os achados desta pesquisa. Tal procedimento implica,
contudo, a desconsiderao de nuanas e diferenas importantes entre trabalhos tratados como
de um mesmo grupo. A seqncia proposta para os grupos parte de autores que apresentam
a gnese e trajetria da noo de RSE, tentativas de delimitao do campo e dilemas
enfrentados pelo conceito; passam por sua difuso no ambiente das empresas, tentativas de
aperfeioamento e gesto; e chegam s crticas, das gerenciais at aquelas que discutem a
disputa de conflitos e sentidos e aproximam-se, portanto, da proposta desta pesquisa.
Gnese e trajetria do conceito, delimitao terica, e definio do campo
Autores clssicos da rea mercadolgica associaram mercado e sociedade, como
Kotler, que define marketing social como a modalidade de ao mercadolgica institucional
que tem por objetivo atenuar ou eliminar problemas sociais, carncias da sociedade
relacionadas principalmente com questes de higiene e sade pblica, trabalho, educao,
habitao, transporte e nutrio (KOTLER, 1998: p.25). At chegar a pesquisadores que
propem a prtica da responsabilidade social como uma nova filosofia, um novo modo de
conceber as relaes entre os fatores de produo (trabalho e capital), dos quais surge uma
nova concepo da empresa e de seu papel social. (OLIVEIRA, 2002: p.206).
Atualmente, a responsabilidade social empresarial tem como principal referncia no
campo empresarial, o Instituto Ethos6. Para classificar as empresas quanto responsabilidade
social, esse instituto desenvolveu um instrumento de acompanhamento e monitoramento das
prticas empresariais denominado Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial,
um conjunto de questionrios utilizado como ferramenta de autoavaliao nas empresas. Por
sua vez, os respondidos pelas empresas e enviados para o instituto, se prestam, entre outras
coisas, divulgao, mediante autorizao, de prticas exemplares. Destaca-se, tambm, no
processo de institucionalizao da RSE no Brasil, o IBASE, organizao da sociedade civil. 6 O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social uma associao de empresas criado em 1998, com a misso de promover e disseminar prticas empresariais socialmente responsveis, contribuindo para o desenvolvimento sustentvel nos aspectos econmico, social e ambiental.
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Segundo o Instituto Ethos, a noo de Responsabilidade Social decorre da
compreenso de que a ao empresarial deve: buscar benefcios para a sociedade, propiciar a
realizao profissional dos empregados, promover benefcios para os parceiros e para o meio
ambiente, e trazer retorno para os investidores. uma abordagem alinhada com a
conceituao da Comisso da Comunidade Europia, segundo a qual a RSE um conceito por
meio do qual as empresas integram preocupaes sociais e ambientais s operaes dos seus
negcios e nas interaes com outras partes interessadas. Formulaes semelhantes so
encontradas na norma brasileira NBR 16001:2004, que cita diretamente a reduo das
desigualdades sociais, e na ISO (2004). As noes atuais unem, dessa forma, aspectos sociais,
ambientais e econmicos, os trs Ps" que norteariam as empresas responsveis (Profit, Planet
e People) e so as bases do conceito de sustentabilidade que vem, recentemente, substituindo
a nomeao RSE. Uma mudana que traz, como veremos adiante, importantes implicaes.
Wanderley (2006) traa um panorama da evoluo do conceito, a partir de Bowen
(1953), passando por Friedman (1962), Carroll(1979) e Freeman (1984). Buchholz e
Rosenthal (2001), afirmam que o tema ganha relevncia no mundo dos negcios, nas dcadas
de 1960 e 70, em decorrncia de mudanas sociais, como as lutas pelos direitos das minorias,
a igualdade de direito das mulheres, a proteo ao meio ambiente, e com a segurana e sade
dos trabalhadores, alm de uma ampla gama de preocupaes por parte dos consumidores. Os
autores afirmam que, segundo Carroll (1979), o debate em torno do tema intensifica-se a
partir de 1962, quando Milton Friedman declara que a primeira e nica responsabilidade
social da empresa gerar lucro para os acionistas. O progresso social, por sua vez, seria
decorrncia do econmico.
Bovens (1998 apud Wanderley 2006) prope cinco formas de entendermos o conceito
de responsabilidade empresarial:
1. Responsabilidade como causa: responsvel por, no sentido de conseqncia.
Empresas so responsveis por reparar os estragos que causaram.
2. Responsabilidade como accountability: tornar-se responsvel, comprometer-se
com os resultados. Envolve obrigaes legais e morais.
3. Responsabilidade como capacidade: no sentido de ter os meios para realizar
aes responsveis. Envolve a deciso da empresa de assumir (ou no) as
responsabilidades. Uma deciso limitada pelas competncias especficas da
empresa.
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21
4. Responsabilidade como tarefa: relacionada competncia, performance e
condutas relacionados ao core business da empresa.
5. Responsabilidade como virtude: envolve o compromisso ativo de boas prticas,
assim como advogar julgamentos de valor positivos. Contribuio ativa e
voluntria para uma sociedade melhor.
Levantamento de Cajazeira e Barbieri (2006) - O tema Responsabilidade Social
Empresarial ou Corporativa (RSC) j vinha produzindo grandes polmicas no ambiente
acadmico desde meados do sculo passado, como mostra Carroll (1979). Na opinio de
Buchholz e Rosenthal (2001), esse tema deslancha nas dcadas de 1960 e 70, em decorrncia
de profundas mudanas que ocorrem no mbito da sociedade e que afetam o ambiente de
negcios, dentre elas, o interesse pelos direitos das minorias, a igualdade de direito das
mulheres, a proteo ao meio ambiente, a segurana e sade dos trabalhadores e uma ampla
gama de preocupaes por parte dos consumidores (p. 366-7). Segundo Carroll (1979), o
debate em torno desse tema tornou-se mais intenso a partir de 1962, quando Milton Friedman
declara que a doutrina do RSC fundamente subversiva. Para Friedman (1982; p. 497), uma
das poucas coisas a minar as bases da sociedade livre seria a aceitao, por parte dos
dirigentes das empresas, de uma responsabilidade social que no a de fazer tanto dinheiro
quanto possvel para os acionistas. Marrewijk (2003) denomina de abordagem do acionista
(shareholder approach). Esse entendimento a respeito da RSC ainda encontra muitos
defensores nos meios empresariais. A Fundao criada por Bill Gates e sua esposa Melinda,
para promover a filantropia, inteiramente financiada com recursos prprios do casal e no
das suas empresas.
Para a Comisso da Comunidade Europia (2002; p. 5), RSC um conceito por meio
do qual as empresas integram preocupaes sociais e ambientais s operaes dos seus
negcios e nas interaes com outras partes interessadas.
A norma brasileira NBR 16001:2004 define responsabilidade social como a relao
tica e transparente da organizao com todos os pblicos com os quais se relaciona, e pelo
estabelecimento de metas compatveis com o desenvolvimento sustentvel da sociedade,
preservando recursos ambientais e culturais para geraes futuras, respeitando a diversidade e
promovendo a reduo das desigualdades sociais.
Essa abordagem a mesma do Instituto Ethos (2005), cuja noo de RS decorre da
compreenso de que a ao empresarial deve, necessariamente, buscar benefcios para a
sociedade, propiciar a realizao profissional dos empregados, promover benefcios para os
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parceiros e para o meio ambiente, e trazer retorno para os investidores. A ISO (2004) mostra
que a maioria dos entendimentos atuais sobre o tema explora a inter-relao entre
responsabilidade social e os aspectos e impactos econmico, ambiental e social das atividades
de uma organizao, o que o associa ao tema do desenvolvimento sustentvel.
Desenvolvimento sustentvel definido Pela Comisso Mundial Sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (1991; pg 46) como aquele que atende s necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade das geraes futuras atenderem s prprias
necessidades (CMMAD, 1987, p. 46).
Nascimento (2006) situa o desenvolvimento sustentvel, a partir de Egri e Pinfield
(1998), entre trs perspectivas da relao homem/natureza: o paradigma social dominante
(arriscamos dizer que em processo de transio) do capitalismo ocidental, voltado para o
crescimento econmico e lucro, com recursos naturais vistos como infinitamente explorveis
e os impactos ambientais como externalidades; o ambientalismo radical, guarda-chuva
filosfico oposto ao paradigma social dominante, que visa o equilbrio holstico na natureza e
sociedade; e a perspectiva do ambientalismo enovado, surgido no sculo XIX, com valores
biocntricos e o conceito de stakeholders, visando o desenvolvimento sustentvel do ambiente
natural, bem como da economia para reduzir as desigualdades sociais.
Meira (2006), em pesquisa inspirada na abordagem de Maurcio Tragtenberg, associa
a gnese da responsabilidade social empresarial ao surgimento da noo de pessoa jurdica.
Resgata 1866, quando a Suprema Corte norte-americana, no caso Condado de Santa. Clara
versus Southern Pacific Railroad, outorgou corporao o status jurdico-legal de pessoa.
Desde ento, os tratados de direito passaram a conceber as empresas como entidade natural.
Uma legitimidade jurdica que no foi acompanhada, contudo, pela legitimidade social, uma
vez que as prticas inescrupulosas e a concentrao de poder fizeram com que grandes
magnatas americanos, como Vanderbilt, Rockfeller e JP Morgan, ficassem conhecidos como
robber barons. Nos anos 20, essa imagem comea a ser combatida com o despertar do
management no cultivo das relaes com os pblicos. Meira associa esse fato ao surgimento
da gerncia como profisso. Os gerentes esclarecidos passam ento a eclipsar o poder das
corporaes, postando-se como defensores pblicos, e a se autointitularem trustees da nova
instituio. No h, contudo, abertura efetiva para controle social, pois os gerentes so
completamente identificados com a corporao.
A preocupao com o social, entrelaada tica gerencial, desenvolveu-se
historicamente, constituindo o campo de estudos Business and Society, tradicional na rea de
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administrao, sobretudo nos EUA, a partir da dcada de 60, buscando a compreenso da
relao entre empresa e sociedade como continuidade e no como antagonismo. Um marco
importante desse processo o livro Social Responsibilities of the- Businessmen de Howard R.
Bowen, de 1953, apontado por Carroll (1999) como obra fundadora da era moderna da
responsabilidade social. O autor era um economista keynesiano e a obra faz parte de conjunto
de estudos patrocinados pelo Conselho Nacional das Igrejas Crists nos EUA, projeto iniciado
em 1949, que contou com seis volumes sobre relaes entre religio e economia. As propostas
de Bowen ancoram-se num confronto entre perspectivas dos homens de negcios e
pensadores sociais protestantes. No sentido de encontrar um equilbrio razovel, ele prope
um sistema que combine empreendimentos privados, pblicos e cooperativos, com nfase nos
primeiros. Em tal sistema, que no conta com indicaes prticas de aplicao, o controle
seria exercido pelo mercado, com auto-regulao e regulamentao pblica. A renda seria
distribuda no levando em conta apenas as alocaes de produo, mas as necessidades das
pessoas. O livro traz, ainda, orientaes genricas de priorizar a sociedade ao lucro, preservar
o ambiente para futuras geraes, no discriminar as pessoas, oferecer condies saudveis de
trabalho etc. Resp Social como reconciliao entre sociedade e corporao. Outro autor da
poca, Carl Kaysen (1957), fala de uma corporao com alma, onde gerentes assumem
responsabilidade por clientes, acionistas, empregados e no apenas pelos lucros.
Meira (2006), retomando as concepes de Maurcio Tragtenberg (livro
Administrao, Poder e Ideologia), para quem a teoria geral da administrao uma
ideologia, estabelece a relao entre o conceito de responsabilidade social e o processo de
legitimao da gerncia, com a consolidao de sua posio hegemnica. Recorre a Zizek
(1996) para detalhar as etapas dessa operao: 1-identificao do antagonismo; 2-admisso de
campo neutro compartilhado; 3- criao de um terceiro ambiente neutro, no qual os polos
coexistam. Esse ambiente neutro, o e que se situa entre empresa e sociedade, o espao
ocupado pela responsabilidade social. O autor lembra, contudo, que, para Tratgtenberg, no
h funo social possvel para a propriedade privada, porque ela funda uma sociedade
dividida em classes, onde os antagonismos so irreconciliveis. Uma afirmao que, sem
desconsiderar o valor social efetivo de muitas dessas iniciativas, serve de base a alguns
questionamentos. Primeiro, no que diz respeito prpria conceituao do termo
responsabilidade social. A responsabilidade, para ser social, deve ser percebida, pensada e
praticada por sujeitos sociais que vivam uma vida em comum. Uma proposta que exige um
deslocamento do ajudar para o envolver-se com, que coloca em xeque boa parte das
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aes. Apesar de perceber a importncia da prtica da boa cidadania corporativa para a
sustentabilidade dos negcios e sucesso das marcas, os empresrios, pela prpria finalidade
lucrativa das empresas, acabam no aprofundando o envolvimento com causas sociais.
Borges (2000), por sua vez, aborda os conceitos de espao pblico e marketing
institucional e a inter-relao com a publicidade (visibilidade). Por outro lado, Machado Filho
(2004) trata da questo do capital reputacional das empresas, associando a responsabilidade
social criao de valor para as organizaes.
Silva (2004) utiliza o aporte da Sociologia e da Antropologia, para analisar at que
ponto a gesto da responsabilidade social corporativa, no Brasil, pode ser associada aos
princpios da ddiva e da solidariedade. De acordo com o paradigma da ddiva, as relaes
sociais se compem por quatro polos: o interesse, a obrigao, o prazer e a espontaneidade. A
autora observa que os quatro polos do paradigma da ddiva esto presentes na gesto da
responsabilidade social corporativa da empresa estudada, em graus variveis, de acordo com
cada projeto social. Nota, tambm, que a concepo de solidariedade, relacionada
interdependncia, est no cerne da gesto da responsabilidade social corporativa, embora a
maior parte dos atores sociais envolvidos a associem a uma prtica assistencialista.
Machado (2005) insere a noo de desenvolvimento sustentvel como parte de uma
Formao Discursiva mais ampla a do desenvolvimento - , palavra cujo sentido est
incrustado na nossa maneira de ler, pensar e representar o mundo. Aborda o desenvolvimento
sustentvel como eixo de uma prtica discursiva entendida na perspectiva construda por
Foucault, e distancia-se de aportes que explicita ou implicitamente apresentam a noo de
desenvolvimento sustentvel como progresso ou como resultado de um processo de
evoluo crescente da conscincia ambiental e do ambientalismo. A partir da anlise das
discusses encaminhadas no mbito das Naes Unidas e da CEPAL, entre a preparao da
Conferncia de Estocolmo e a realizao da Conferncia do Rio de Janeiro, a autora apreende
a conformao de um campo de disputas onde noes, conceitos e prticas assumem o papel
de dispositivos de mediao das relaes de poder travadas em torno da configurao da
problemtica ambiental.
Ventura (2005), focando as organizaes bancrias, utiliza a noo de interesse, em
Bourdieu (1996), para chegar a um modelo de anlise que compreendera RSE como parte de
um movimento de deslocamento do capitalismo, cuja institucionalizao justificada em
termos do bem comum, legitimando-se via provas e arranjos estruturais e, ao mesmo tempo,
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atendendo a interesses inerentes ao Campo. Verifica que a RSE passa, na ltima dcada, a ser
uma ao estruturada nas organizaes bancrias e adquire o status de valor social.
Almeida (2007) pesquisa os fundamentos ticos da RSE, centrando o estudo no
pensamento moral do gestor, enquanto agente com poder de deciso relevante na empresa. A
partir da fundamentao em correntes clssicas da filosofia moral, prope um modelo terico
de anlise denominado Modelo de Atitude Individual perante a Responsabilidade Social. O
estudo de campo, realizado com 252 gestores brasileiros, predominantemente das regies
metropolitanas de So Paulo e do Rio de Janeiro, revela que a atitude gerencial alinhada
RSE favorecida por valores pessoais conservadores, ligados estabilidade e vontade
coletivas, e por um critrio tico baseado na justia distributiva.
Barbosa (2007) diferencia os vrios tipos de organizaes no governamentais como
assistencialistas, desenvolvimentistas e cidads. Tendo em vista o foco de nossa pesquisa,
destacamos a distino oferecida por Sanglard (2003:1095-1096 apud BARBOSA, 2007,
p.35) para quem a maior diferena entre os conceitos de caridade e filantropia esteja no na
ao propriamente dita, mas nos meios de realiz-la, uma vez que caridade, como obra
piedosa, pressupe a abdicao da vaidade do autor, valorizando o anonimato como valor
mximo, enquanto que a filantropia, por ser gesto de utilidade, tem na publicidade sua arma.
Gomes (2007) comenta o carter bipolar do discurso das empresas, que nega o
vnculo direto com os problemas sociais abordados e mantm, simultaneamente, uma postura
propositiva e pragmtica em relao a eles. Afirma, ainda, que as propostas so neologismos
com forte apelo ideolgico, levando-se em conta a aderncia dos termos a definies clssicas
da Sociologia. A tabulao dos dados levantados (sobretudo documentais e bibliogrficos)
aponta como dado mais significativo o uso de recursos na divulgao das aes de RSE.
Pesquisa de campo feita pelo autor fecha a anlise, demonstrando claramente o descolamento
entre discurso e atos praticados. Enfim, a RSE no passa de velhas prticas com nova
roupagem. Gomes (2007, p.36) elenca uma srie de realizaes que mostram o aspecto
ambiental precedendo o social: 300 mil no Dia da Terra - EUA, 1970; Programa
homem/biosfera - Paris, 1971; Conferncia de Estocolmo, que focou casos de degradao,
com representantes de 113 pases Sucia, 1972; Pesquisa sobre camada de oznio EUA,
2974; Criao da poltica Nacional do Meio Ambiente EIA e posterior RIMA Lei 6939
Brasil, 1980/81; Agncias de regulamentao Sisnama, Conama e Ibama Brasil, 1985;
Relatrio da ONU Nosso Futuro Comum, sobre a falta de recursos naturais, 1987;
Conferncia Eco-92, no Rio de Janeiro, como preparao da agenda 21; Adoo ISSO 14001
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gesto ambiental 1996 ; Pacto Global, apelo aos dirigentes do mundo dos negcios sobre
direitos humanos, trabalhistas e ambientais, 1999; entre outros eventos e declaraes. O autor
aponta, ainda, a transio dos enfoques utilizados: controle ambiental (dcada de 70);
planejamento ambiental (80); gesto ambiental (90); Responsabilidade Socioambiental (90 e
2000). No levanta, contudo, a movimentao na rea social nesse perodo. Pela observao
dos documentos e literatura consultada, podemos propor que as questes sociais confluem no
sentido das questes ambientais, sob o guarda-chuva da sustentabilidade. O autor (2007,
p.202-209), ao avaliar o julgamento do mercado sobre as aes de responsabilidade social,
cita a Pesquisa Ethos/ Akatu (2003) percepo dos consumidores parte brasileira do
Corporate Social responsibility Global Public Opinion on the Changing Role of
Companies, que envolveu entrevistas domiciliares, divididas em cotas, pelos critrios PNAD
IBGE, e no identificou o reflexo das aes de RSE no consumo, no havendo a correlao
esperada pelos defensores da proposta. Outra pesquisa Ethos/Akatu ,de meados de 2004 -
RSE: um retrato da realidade brasileira parte de pesquisa mundial com 630 empresas do
GRI e observa que a maior quantidade de programas classificados como RSE so aes de
aperfeioamento de funcionrios e canais de comunicao com clientes. Numa escala de
responsabilidade, a pesquisa constata que: 19% das empresas no realizam nenhuma ao;
31% realizam at 8 aes,como ps-venda, entrega de notas fiscais etc.; 18% realizam de 9 a
13 aes, envolvendo compra de matrias-primas de procedncia lcita; 19% realizam 14 a 22
aes, como o uso racional da energia e postura tica com dados cadastrais; 13% realizam
mais de 23 aes, incluindo aperfeioamento dos empregados, extenso de benefcios s
famlias e abertura de canais de relacionamento com sindicatos.
O levantamento do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social),
com 108 empresas entre as listadas nas 500 maiores e melhores da revista Exame, constatou,
em 2004, que apenas 44% das que faturam mais de novecentos milhes/ano investem mais de
1% em trabalhos sociais na comunidade. Dessa quantia nfima, os maiores investimentos so
na rea de educao (80%, dos quais 54% na qualidade profissional dos colaboradores e 50%
estendendo para educao infantil), seguida de meio ambiente e cultura e arte.
Welzel, Luna e Bonin (2008) desenvolvem um modelo terico da dinmica
interdisciplinar de RSC, gerando um quadro conceitual no qual se comparam a abrangncia e
delimitao do conceito face ao conceito de cidadania corporativa e aos principais conceitos-
chave da rea de Business and Society.
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Fischer (2007) descreve a trajetria da responsabilidade social empresarial a partir de
uma tica evolutiva, tomando a filantropia como atividade perifrica at chegar ao conceito
de sustentabilidade integrado ao core business das empresas e associado idia de
desenvolvimento sustentvel regional. Descreve, a partir da segunda metade do sculo 20, as
seguintes etapas (ressaltando que no se tratam de tipos puros e necessariamente
consecutivos): Caridade marcada pelo amor ao prximo, tentativa de eliminar sintomas da
misria, altrusmo individual, paternalismo; Filantropia Organizada Fundaes
independentes, busca de emancipao, voluntariado organizado/ especializado (psiclogos,
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pedagogos), considerada pela autora ainda insuficiente e distante; Investimento Social Foco
nos resultados, filosofia empresarial (transferncia de mtodos para organizaes sociais),
mobilizao de recursos de maneira ampla, sinergia com negcio e insero na comunidade;
Responsabilidade Scio-ambiental Contexto externo/interno, resultados tangveis e
intangveis (avaliao do processo), direcionamento estratgico, cultura de responsabilidade
(internalizada e para fora da empresa), alianas intersetoriais; Sustentabilidade Conceito de
desenvolvimento sustentvel (social, econmico e ambiental) patamar macroeconmico,
convergindo para o desenvolvimento sustentvel (da regio, pas, planeta). Visa perenidade e
inovao, e abrange 4 capitais: biodiversidade, ativos sociais (conhecimento e experincia),
humano, social.
Alm de migrar para o cerne da atividade empresarial, a autora destaca (que se) tratar-
se de uma evoluo que aposta na cidadania, calcada nas propostas de empoderamento, como
ferramenta para empreender mudanas na vida pessoal e comunitria
Conclui, relacionando o conceito de sustentabilidade disseminao da cultura da
responsabilidade, gerao simultnea de valor econmico e de valor social, estmulo ao
empreendedorismo social, renovao/inovao de recursos e processos, colaborao
intersetorial, transparncia de resultados, mtodos e procedimentos, direcionamento
estratgico focado em relacionamento e eliminao/reduo de impactos negativos
(ambientais, sociais, polticos).
Assumpo et al. (2008), em documento que apresenta dados sobre responsabilidade
social corporativa (RSC) no Brasil e na Noruega (Relatrio FAFO 2008), compreendem o
Sistema S (Sesc, Senac, Sesi, Senai etc.) como forma de responsabilidade social corporativa
pelos servios oferecidos populao. Ressaltam, contudo, que o desconhecimento de seus
mtodos gerenciais e resultados dificultam o acompanhamento do pblico e de instituies
democrticas. Os autores destacam, ainda, que a RSC no se refere a obrigaes legais e,
portanto, no incluem no seu escopo aes, programas e benefcios adotados pela companhia
em virtude de negociaes trabalhistas (acordos e convenes). Dissociam, dessa forma, a
responsabilidade social de questes que envolvam disputas de poder e aes polticas. Em
termos comparativos, os autores afirmam que enquanto na Noruega o Estado (com regulao
soft) ajuda os negcios a operarem de acordo com a RSC, no Brasil a RSC ajuda o Estado
a ser socialmente mais responsvel. Apresentam o sistema S como modelo hbrido de RSC
surgido em 1942, sob o Estado Novo, sustentado pela taxao compulsria dos pagamentos
de INSS (montante de 2,5% do total dos salrios pagos pelas companhias aos trabalhadores,
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cerca de 13 bilhes de reais em 2006). Afirmam que o sistema constitui importante complexo
de proviso de servios populao e gerencia montante considervel de recursos pblicos,
mas tem operaes pouco transparentes, gerenciadas por associaes empresariais. Por sua
natureza semipblica, o sistema controlado pela Controladoria Geral da Unio, mas tal
controle feito de forma no sistemtica e, s vezes, os resultados levam anos para tornarem-
se pblicos. Alm disso, o sistema altamente centralizado, com diretores executivos que so
tambm diretores de corporaes privadas, havendo reduzida participao de trabalhadores.
Questionamentos de origem e dilemas atuais
O economista Milton Friedman (1970), em artigo publicado no The New York Times
Magazine, critica veementemente o discurso sobre as responsabilidades sociais das empresas,
afirmando que se trata de pura pregao socialista. Considera que apenas pessoas podem ter
responsabilidades, o que no se aplicaria de forma alguma aos negcios. Lembra que, no
sistema de propriedade privada, o executivo empregado do dono da empresa e sua
responsabilidade conduzir os negcios de acordo com os desejos desse dono, que
usualmente consistem em obter o maior lucro possvel, agindo dentro das regras legais e
ticas socialmente aceitas. Friedman reconhece que o executivo pode assumir outras
responsabilidades pessoais voluntariamente, com sua famlia, sua conscincia, igreja, clube
etc., mas enfatiza que tais responsabilidades sociais so eminentemente individuais. Os
executivos no teriam, portanto, o direito de gastar o dinheiro dos proprietrios para interesses
gerais da sociedade, uma vez que, os responsveis por esse trabalho so funcionrios
pblicos, eleitos por um processo poltico.
Essa a razo bsica apontada por Friedman para considerar que a doutrina da
responsabilidade social envolve a aceitao do ponto de vista socialista, no qual mecanismos
polticos, e no mecanismos de mercado, consistem no modo apropriado de determinar a
alocao de recursos escassos para usos alternativos. Ele destaca que o princpio poltico que
subjaz ao mecanismo de mercado a unanimidade. Em um mercado livre ideal apoiado na
propriedade privada, nenhum indivduo pode coagir o outro, toda cooperao voluntria.
Para o autor, no h, portanto, responsabilidades sociais em nenhum sentido alm do
compartilhamento de valores e responsabilidades individuais. A sociedade uma coleo de
indivduos e dos vrios grupos que esses indivduos formam, voluntariamente. Por outro
lado, para Friedman, o princpio poltico que subjaz ao mecanismo poltico a conformidade.
O indivduo submetido a um interesse social geral determinado por um ditador ou pela
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maioria. Pode ter direito a voto e a dizer o que deve ser feito, mas, se for vencido, precisa se
conformar. apropriado para alguns requerer que outros contribuam para um propsito geral,
independente da vontade deles. Conclui, dizendo que, se a doutrina da responsabilidade
social (com uso de aspas) for levada a srio, estender o escopo do mecanismo poltico a
toda atividade humana, diferindo, assim, das doutrinas coletivistas mais explcitas apenas por
professar a crena de que resultados coletivos podem ser obtidos sem meios coletivos. Por
esses motivos, o autor afirma que em seu livro Capitalism and Freedom chamou a RS de
doutrina essencialmente subversiva numa sociedade livre e que h uma e apenas uma
responsabilidade social dos negcios: usar todos os recursos possveis para aumentar seus
lucros dentro das regras permitidas pelo mercado livre.
A colocao de Friedman toca num ponto crucial. Toda a referncia poltica e, por
conseguinte, a deliberaes coletivas no pode ser levada a srio, pois levaria, no limite,
instalao de conselhos populares na empresa. Os stakeholders so consultados, mas no
podem determinar diretrizes. Parece ser esse o limite da empresa. As instncias polticas
devem estabelecer-se fora dela. Hoje, ao contrrio do que temia Friedman, a RSE no tenta
impor o mecanismo poltico atividade empresarial. Levou adiante a idia de obter resultados
coletivos sem processos de deliberao coletiva, apresentando o poltico como um mecanismo
de consulta e mantendo sua conduta atrelada ao core business. A RSE no pode ser levada a
srio nos termos em que comunicada, envolvendo cidadania, democracia, emancipao.
Carrieri (2005), a partir de pesquisa de campo qualitativa com agentes sociais
envolvidos com aes de RSE, observa que a prtica da responsabilidade social se situa num
contexto mais significativo que o mero discurso empresarial. Tendo como referncia o
trabalho de Sethi (1975), o autor classifica o comportamento das corporaes como obrigao
social, o que caracterizaria resp