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FERNANDA DE CASTRO BATISTA COELHO O DISCURSO DIDÁTICO E O SEU FUNCIONAMENTO: RESSONÂNCIAS DE VOZES E FORMAÇÕES DISCURSIVAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Língua Portuguesa, elaborada sob orientação da Profª. Drª. Maria de Lourdes Meirelles Matencio Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte 2006

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FERNANDA DE CASTRO BATISTA COELHO

O DISCURSO DIDÁTICO E O SEU FUNCIONAMENTO:

RESSONÂNCIAS DE VOZES E FORMAÇÕES DISCURSIVAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Língua Portuguesa, elaborada sob orientação da Profª. Drª. Maria de Lourdes Meirelles Matencio

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte

2006

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Dissertação defendida publicamente no Programa de Pós-graduação em Letras da PUC

MINAS e aprovada pela seguinte Comissão Examinadora:

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Angela Bustos Del Kleiman

(UNICAMP)

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Jane Quintiliano Guimarães Silva

(PUC MINAS)

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Maria de Lourdes Meirelles Matencio – Orientadora

(PUC MINAS)

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Juliana Alves Assis

(PUC MINAS)

Belo Horizonte, 31 de março de 2006.

Prof. Dr. Hugo Mari

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC MINAS

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Aos meus amados pais, irmã e tia Lu que num Aos meus amados pais, irmã e tia Lu que num Aos meus amados pais, irmã e tia Lu que num Aos meus amados pais, irmã e tia Lu que num discurso professoral me ensinam tanto...discurso professoral me ensinam tanto...discurso professoral me ensinam tanto...discurso professoral me ensinam tanto...

À minha querida avó que não conhece a escola e que À minha querida avó que não conhece a escola e que À minha querida avó que não conhece a escola e que À minha querida avó que não conhece a escola e que

não compreende as razões de tanto estudo...não compreende as razões de tanto estudo...não compreende as razões de tanto estudo...não compreende as razões de tanto estudo...

À Malu, pela gestação do meu espírito investigativo... À Malu, pela gestação do meu espírito investigativo... À Malu, pela gestação do meu espírito investigativo... À Malu, pela gestação do meu espírito investigativo...

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Agradecimentos À Força maior, agradeço o meu tempo de tantas descobertas. À CAPES pelo financiamento desta pesquisa sem o qual teria sido muito difícil. À FAPESP pelos auxílios nos eventos científicos. À Malu, grande mestra e meu exemplo de professora e pesquisadora, pela orientação pautada na delicadeza, paciência e crença no meu potencial. Às Professoras Jane Quintiliano e Juliana Assis por me ensinarem tanto na (pós)graduação e grupos de pesquisa. À Professora Kleiman, por sua preocupação com a formação do professor a qual abracei desde a graduação. A todos os meus eternos professores da PUCMinas que me fizeram perceber a grandeza e a potência do discurso didático. Agradeço ao Professor Milton do Nascimento por ter me ensinado a aprender o caminho da (des)construção. Ao Professor Hugo Mari pela excelência de seu discurso didático. Aos Professores Sujeitos da Pesquisa, pela vontade de falar. À minha querida amiga Claudinha pelos longos debates cotidianos que tanto me fizeram crescer e pelo sufoco dos momentos finais. À querida Elaine, pelos apertos nos eventos científicos. À Berenice e à Vera, meu carinho e reconhecimento pela paciência e profissionalismo. À minha grande e amiga irmã por tanto zelo, atenção e amor sem os quais não teria conseguido. Ao papai, por tanto amor, dedicação e compreensão. À mamãe, que a cada dia me ajuda a olhar ainda mais longe.

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À Tia Lu por ter sempre me incentivado a conquistar. À Tia Tatá por toda a força espiritual e confiança. Às Tia Leir e Tia Nilce, por todos os debates e auxílios. À Tia Totó, por todos os conselhos. À querida amiga Dulcina, por toda a ajuda e por ver em mim um exemplo. Ao meu querido Marcelo, pelas entre-vistas, potências e maquinarias. Aos estimados Léo, Lincoln e Lili por toda a ajuda tecnológica e paciência. Às companheiras da etapa incial, também tão importantes, Didi, Lígia e Marina. A todos do Instituto Dimensão, em especial à Valéria, pelos diálogos tão iluminados. Ao IEGL, por ter me propiciado tantas aprendizagens e amadurecimento. À FASF, em especial às Professoras Margareth de Oliveira e Heloísa Ribeiro, pelo apoio. Aos meus grandes alunos da FASF, por me ensinarem tanto sobre o discurso didático.

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ListaListaListaListassss

QUADRO 1 – O funcionamento da maquinaria escolar..........................................................35

QUADRO 2 – Práticas discursivas que moldam os discursos didático, docente e pedagógico36

QUADRO 3 – Quadro comparativo entre os conceitos de Pressuposto e Pré-construído.......47

QUADRO 4 – Referências pessoais e referentes relacionados aos papéis comunicativos......87

QUADRO 5 – Referências pessoais e referentes...................................................................108

QUADRO 6 – Grupo aluno....................................................................................................120

QUADRO 7 – Grupo professor..............................................................................................120

TABELA 1 – Informantes e Sujeitos da pesquisa................................................................... 62

TABELA 2 – Tempo de docência (V3) ..................................................................................64

TABELA 3 – Ano de conclusão de curso (V4) .......................................................................66

TABELA 4 – Idade (V5)..........................................................................................................67

TABELA 5 – Nível de atuação docente (V8)..........................................................................68

TABELA 6 – Curso de graduação (V9)...................................................................................69

TABELA 7 – Disciplina lecionada (V10)................................................................................70

TABELA 8 – Sujeitos entrevistados........................................................................................76

TABELA 9 – Quantificação das entrevistas............................................................................83

GRÁFICO 1 – Tempo de docência.........................................................................................65

GRÁFICO 2 – Ano de conclusão de curso..............................................................................66

GRÁFICO 3 – Idade................................................................................................................67

GRÁFICO 4 – Nível de atuação..............................................................................................69

GRÁFICO 5 – Curso...............................................................................................................69

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GRÁFICO 6 – Disciplina........................................................................................................70

GRÁFICO 7 – Disposição dos turnos Entrevista 1.................................................................85

GRÁFICO 8 – Disposição dos turnos Entrevista 2.................................................................85

GRÁFICO 9 – Disposição dos turnos Entrevista 3.................................................................87

ESQUEMA 1 – Processo de geração dos dados......................................................................72

DIAGRAMA 1 – Análise – O professor brasileiro como o outro, o diferente de mim...........97

DIAGRAMA 2 – Análise – O nós (eu e os professores brasileiros).......................................98

DIAGRAMA 3 – Análise – Você pesquisador e o eu pesquisador.........................................99

ANEXO 1 – Instrumento da Pesquisa – Questionário ..........................................................129

ANEXO 2 – Protocolo do Questionário.................................................................................130

ANEXO 3 – Roteiro Temático da Entrevista.........................................................................131

ANEXO 4 –. Condução/desenvolvimento da entrevista........................................................132

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Epígrafe

“Toda pesquisa só tem início depois do fim. Dizendo melhor, é impossível saber quando e onde começa um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é possível resignificar o que veio antes e tentar ver indícios no que ainda não era e passou a ser”.

(AMORIM, 2004)

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Sumário

RESUMO ..................................................................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1– UM QUADRO TEÓRICO GERADO NA INTERFACE ENTRE

CONCEITOS DA ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA (AD) E TEORIA DAS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS).

1. Introdução ................................................................................................................................. 16

2. O discurso didático: remissões e representações ...................................................................... 17

2.1 Remissões e percepções da expressão “discurso didático”..................................................... 18

3. A maquinaria escolar do discurso.............................................................................................. 29

3.1 Uma proposta de tipologia, mas por quê e para quê? ............................................................. 31

3.2 Discurso didático, discurso pedagógico, discurso docente, discurso professoral: uma

tipologia...................................................................................................................................

32

4. A referência pessoal................................................................................................................... 38

5. A Análise do Discurso como um espaço interpretativo............................................................. 40

5.1 Interpretação: lugar do outro? ................................................................................................. 41

5.2 O posto e o pressuposto: entre o dizer e o não–dizer.............................................................. 43

5.3 Pressupostos e pré-construídos: conceitos cambiáveis?.......................................................... 45

6. A Teoria das Representações Sociais........................................................................................ 48

6.1 Representações sociais no discurso: o professor como sujeito discursivo e as

representações do grupo .....................................................................................................

51

7. A Teoria das Representações Sociais e a Análise do Discurso: implicações............................ 53

8. Conclusões parciais................................................................................................................... 55

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DE COLETA E GERAÇÃO DE DAD OS

1. Introdução ................................................................................................................................

57

2. Sujeitos da pesquisa: quantificação e amostragem ................................................................... 60

3. Análise dos dados do protocolo: conhecendo o perfil dos informantes por meio de variáveis 63

4. Corpus e o processo de geração de dados da pesquisa: entre a fotografia e a filmagem ......... 71

4.1 Escolha do instrumento questionário e elaboração das questões ............................................ 73

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5. De informante à sujeito entrevistado ........................................................................................ 75

6. A entrevista ............................................................................................................................... 77

6.1 A entrevista como instrumento de pesquisa............................................................................ 78

6.2 O lugar das convenções de/para transcrição............................................................................ 79

7. A transcrição: um texto?............................................................................................................ 81

8. Entrevistas objeto de exame: quantificação .. ................... ....................................................... 82

9. Disposição dos turnos conversacionais .................................................................................... 83

10. Remissão aos papéis comunicativos de entrevistado............................................................... 87

11. Conclusões parciais................................................................................................................. 89

CAPÍTULO 3 – DA ANÁLISE DO (NÃO) DITO: elos, cadeias e peças de análise

1. Introdução ................................................................................................................................. 91

2. Resistência e posições responsivas .......................................................................................... 92

3. Gestos de interpretação das respostas ao questionário: mapeamento de dizeres....................... 94

3.1 Gesto 1: Análise das questões 1 e 3......................................................................................... 96

3.2 Gesto 2: Análise da questão 2.................................................................................................. 100

4. Referência pessoal: exemplos de projeções e remissões........................................................... 103

5. Mapeamento quantitativo da referência pessoal........................................................................ 107

6. O sujeito professor e(m) re(l)ações............................................................................................ 109

6.1 Re(l)ações aos pares................................................................................................................ 109

6.2 Re(l)ações ao aluno................................................................................................................ 112

6.3 Re(l)ações a si mesmo............................................................................................................. 114

6.4 Re(l)ações à escola.................................................................................................................. 116

7. Lutas discursivas do professor................................................................................................... 117

8. Sub-divisões e formações discursivas: um olhar nos grupos professor e aluno...................... 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 125

ABSTRACT ................................................................................................................................. 128

ANEXOS ...................................................................................................................................... 129

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Resumo

Neste trabalho, investigo o modo como o professor (sujeito da pesquisa) se mostra por

meio da referência pessoal e se representa discursivamente em relação aos pares, ao aluno e à

escola e como, desse jogo de projeções, o sujeito deixa entrever o funcionamento do discurso

didático e as representações que orientam o seu agir nas práticas discursivas que

(re)constroem os discursos relacionados ao domínio discursivo da escola. Quanto a esses

discursos, proponho uma tipologia dos discursos didático, docente, pedagógico e professoral,

a fim de demonstrar que esses discursos consolidam práticas discursivas responsáveis por

ressoar e ecoar dizeres acerca da escola e daqueles que lá ocupam posições, em especial,

alunos e professores.

Os instrumentos de pesquisa entrevista e questionário geraram o corpus desta

pesquisa, cujos dados foram analisados numa perspectiva quantitativa e qualitativa, no interior

do quadro teórico da Análise do Discurso Francesa e de acordo com o conceito de

representação social cunhado na Teoria das Representações Sociais.

Linha de Pesquisa: LP6 enunciação e processos discursivos.

Palavras-chave: domínio discursivo escolar, interpretação, representações sociais, tipologia

de discursos.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Os discursos da/na/sobre e para a escola têm sido objeto de estudo em inúmeras

investigações, seja em teorizações geradas no seio de estudos em Educação, Lingüística

Aplicada ou em Sociologia. Se, de um lado, tais estudos oferecem contribuições distintas, mas

não menos importantes, daquelas que uma abordagem como a da Análise do Discurso

Francesa poderia propor, por outro lado, venho, há algum tempo, interrogando-me sobre a

escassez de pesquisas em Análise do Discurso cujos corpora sejam constituídos a partir de

discursos relacionados à esfera escolar. Tratar-se-ia de um preconceito? Ou tão somente

tratar-se-ia de uma constatação a respeito dos interesses de um grande grupo de analistas do

discurso que têm almejado e apresentado estudos concernentes aos domínios do discurso

jurídico, do discurso político e do discurso publicitário, por exemplo?

Este projeto deve ser lido como uma revidação à voz que, atravessando o discurso de

alguns pesquisadores da Lingüística, me disse que o lugar de discussões acerca da formação

do professor são legítimas, tão somente, na faculdade de Educação ou no interior da

Lingüística Aplicada.

Nessa direção, a pesquisa lança como objetivo geral investigar as representações que

os sujeitos da pesquisa, professores brasileiros de diferentes disciplinas e provenientes de

diversas partes do país, têm de si mesmos e do grupo do qual fazem parte. O professor é

pensado neste trabalho como posição, como sujeito discursivo que em função do que (não)diz

corrobora para o funcionamento do domínio discursivo escolar.

O leitor deste trabalho encontrará aqui um conjunto de preocupações de

“experimentações” materializadas, tanto na construção de um quadro teórico em que

princípios da Análise do Discurso Francesa são associados ao conceito de representação

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social no escopo da Teoria das Representações Sociais, quanto um processo experimental de

geração dos dados promovida pela (re)invenção dos instrumentos da pesquisa questionário e

entrevista, considerada a tendência dos estudos que têm sido realizados sob a ótica da Análise

do Discurso.

O trabalho se divide em três capítulos. No Capítulo 1, apresento todo o quadro

teórico-conceitual engendrador das discussões e análises apresentadas na pesquisa. Inicio o

capítulo com a apresentação e análise de 11 textos pertencentes aos domínios discursivos

governamental, jornalístico, literário, publicitário, religioso, etc... em que há referência

explícita à expressão “discurso didático”, a fim de demonstrar que a referida expressão

significa também em outros domínios discursivos, que não o escolar, e que essas significações

são importantes para se pensar as imagens que estão a circular do discurso didático. Em

seguida, reflito sobre a necessidade de se pensar a escola como objeto de discurso e apresento

minha preocupação em refletir sobre aqueles que discursivizam na escola, para a escola e

sobre a escola e como do modo como eles discursivizam (re)elaboram discursos. Assim,

apresento uma tipologia de tais discursos. Logo depois, proponho uma sucinta discussão sobre

a noção de referência pessoal a partir da qual pude acessar as posições discursivas dos

professores no capítulo de análise. O capítulo traz também uma discussão sobre o campo da

Análise do Discurso (AD) como um espaço interpretativo, acerca do dizer e não dizer no

escopo da Teoria da Pressuposição de Ducrot. Arrisquei-me também, no referido capítulo, a

traçar um quadro comparativo entre os conceitos de pré-construído e pressuposto. Por fim,

apresento uma revisão da Teoria das Representações Sociais (TRS) e arrolo algumas das

implicações previstas na constituição de um quadro teórico gerado na interface entre

conceitos da AD e TRS.

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No Capítulo 2, apresento o desenho da minha pesquisa do ponto de vista

metodológico e justifico minhas escolhas frente às “experimentações” do processo de geração

e análise dos dados, bem como da definição da amostragem dos sujeitos de pesquisa.

No Capítulo 3, apresento a análise do corpus constituído de respostas a um

questionário e dizeres gerados em situação de entrevista a partir das categorias de referência

pessoal, pré-construído, pressuposto e formação discursiva para demonstrar o funcionamento

do discurso didático instaurado no dizer dos sujeitos da pesquisa, por meio da percepção e

análise das ressonâncias de vozes e formações discursivas.

Esboçadas as ações por mim agenciadas, passo a relacionar os objetivos da

pesquisa em tela: a) Justificar a pertinência da construção de um quadro teórico, alicerçado na

interface entre conceitos gerados na Análise do Discurso e a Teoria das Representações

Sociais, capaz de fornecer subsídios para b) investigar o dizer do professor “capturado” num

processo c) experimental de geração de dados promovido pela (re)invenção dos instrumentos

da pesquisa (questionário e entrevista) para assim d) compreender a escola como uma

maquinaria discursiva alimentada pelos discursos didático, docente, pedagógico e professoral

que estão a circular e a (re)construir representações acerca do professor, do aluno, do sistema

de ensino e da escola; para isso foi preciso e) propor uma tipologia dos discursos relacionados

ao espaço discursivo da escola a fim de demonstrar que há (ou que deveria haver) diferenças

conceituais, terminológicas e metodológicas nas expressões discurso didático, discurso

docente, discurso pedagógico e discurso professoral (e que tais diferenças conduzem a objetos

de investigação distintos); por fim a pesquisa busca f) contribuir para ações interventivas em

contextos de formação docente.

Investigar os discursos relacionados à esfera escolar, sob o respaldo teórico conceitual

da Análise do Discurso, significa para mim acreditar que vale a pena remexer no já-dito –

para onde convergem consensos (e, conseqüentemente, divergem sensos) – constitutivo desse

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domínio discursivo e que, dessa maneira, torna-se possível entender um processo linguajeiro

central que envolve a construção discursiva da realidade educacional brasileira, conduzindo-

nos a compreender o processo em que docentes transformam concepções e idéias em práticas.

Apesar dessa crença algumas questões se impõem (Quais são as representações sociais

que os sujeitos da pesquisa têm de si mesmos? Como tais representações estão marcadas

lingüisticamente? Que representações têm os sujeitos da pesquisa acerca da imagem que a

sociedade tem do professor e, conseqüentemente, deles?) para serem respondidas ao longo das

próximas páginas.

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Capítulo 1Capítulo 1Capítulo 1Capítulo 1

Um quadro teórico gerado na interface entre conceitos da Análise do Um quadro teórico gerado na interface entre conceitos da Análise do Um quadro teórico gerado na interface entre conceitos da Análise do Um quadro teórico gerado na interface entre conceitos da Análise do Discurso Francesa (AD) e Teoria das Representações Sociais (TRS)Discurso Francesa (AD) e Teoria das Representações Sociais (TRS)Discurso Francesa (AD) e Teoria das Representações Sociais (TRS)Discurso Francesa (AD) e Teoria das Representações Sociais (TRS)

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo é dedicado à apresentação do quadro teórico que, orientando o estudo

empreendido e alicerçando o capítulo de análise, se pauta fundamentalmente nos conceitos de

domínio discursivo, formação discursiva, interpretação, pré-construído e pressuposto, aos

quais se soma o conceito de representação social.

O capítulo está dividido em quatro grandes seções. Na primeira seção, apresento

algumas significações que se “colam” à expressão “discurso didático” em domínios

discursivos outros, que não o escolar, a fim de demonstrar uma propagação de vozes acerca de

como essa expressão significa e as imagens que as diferentes significações evocam do que

tem sido reconhecido como discurso didático fora do espaço da sala de aula e dos discursos

construídos na e para a sala de aula. Apresentados alguns exemplos de tais significações,

passo à segunda seção, em que proponho uma tipologia dos discursos relacionados à escola,

que procura estabelecer limites entre os circuitos interlocutivos previstos pelos discursos

didático, docente, pedagógico e professoral e algumas das práticas responsáveis por ressoar e

ecoar predominantemente dizeres que se atrelam ideologicamente ao interesse de certos

papéis associados discursivamente a grupos. Para pensar como se dá a assunção desses papéis

e como aquele que diz (não)se percebe em um dado grupo, baseio-me na noção de referência

pessoal.

Na terceira seção, apresento uma reflexão sobre o lugar que o conceito de

interpretação assume no interior da Análise do Discurso e elejo os conceitos de pré-construído

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e pressuposto para refletir sobre o modo como as duas vertentes Análise do Discurso Francesa

e Semântica discutem sobre como somos levados a ler o que não está dito (na materialidade

lingüística) a partir do que é deixado na materialidade lingüística (dito). Demonstro também

que, no tocante à interpretação, a noção de formação discursiva mostra-se cara.

Desenhadas as minhas decisões relativas à assunção de algumas premissas da AD

Francesa trago, na última seção deste capítulo, uma discussão da Teoria das Representações

Sociais, a fim de circunscrever a importância que o conceito representação social assume

nesta pesquisa. Explicito, assim, como o conceito está sendo aqui compreendido e o modo

como ele contribui para uma reflexão sobre as imagens que os professores constroem de si

mesmos no discurso e como essas imagens corroboram e/ou influenciam o engendramento

dos discursos relacionados ao domínio discursivo escolar.

Fecho o capítulo prevendo algumas implicações acerca do processo de construção de

um quadro teórico interdisciplinar.

2. O DISCURSO DIDÁTICO: REMISSÕES E REPRESENTAÇÕES

Ao que estou, de fato, me referindo quando digo “discurso didático”? Essa é uma

questão que se mostrou legítima logo no início deste estudo, antes, porém, de apresentar a

conceituação desse discurso a que este estudo abraça, demonstro algumas remissões feitas à

expressão “discurso didático” em diferentes domínios discursivos. Essa escolha sinaliza

sobretudo a necessidade de se entrever algumas das representações e imagens que têm sido

projetadas e asseguradas pelo e no imaginário social a respeito do modo como a expressão

“discurso didático” significa. Acessar tais significações implica perseguir um conjunto de

imagens sustentadas por uma memória discursiva.

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Ao tocar essa memória discursiva, por seu turno, cheguei a um grupo multifacetado e

até conflituoso de representações acerca do discurso objeto de exame. É justamente esse

conjunto de diferentes significações que me interessa neste momento, uma vez que ele me

leva a compreender não só a expressão “discurso didático” como uma expressão que significa,

mas principalmente que significa diferentemente em domínios discursivos distintos e, assim,

encontro explicações para o fato de que imagens e representações podem ser evocadas num

dado domínio sem serem previstas naquele domínio, considerando-se o modo como uma dada

voz significa numa dada formação discursiva.

2.1 Remissões e percepções da expressão “discurso didático”

Nesta pesquisa assumo a premissa de que, embora o discurso didático esteja aqui

sendo estudado por meio da escuta da voz daquele que assume a posição-sujeito professor,

para que eu consiga, de fato, chegar à percepção do funcionamento do discurso didático, é

urgente trazer à cena vozes que ecoem representações que estão a circular em outros domínios

discursivos e que corroboram para o engendramento do discurso em pauta.

Orientada por essa premissa, passo a apresentar e analisar uma coleta1 de dizeres em

que o projeto de dizer dos locutores se fundamenta ou se desenrola a partir da referência

explícita à expressão “discurso didático”.

1 Realizada a partir de duas consultas ao site de busca google (www.google.com.br) a partir das quais encontrei 417 ocorrências da expressão “discurso didático”. Tais consultas ocorreram em dois dias (26 de junho e 13 de agosto) dada a minha crença de que, no intervalo das duas buscas, me fosse possível ter acesso a novos links que tivessem sido recentemente atualizados. A escolha por textos postados na internet se justifica dada as múltiplas possibilidades de acesso e disponibilização de textos postados em momentos distintos que nos oferece essa tecnologia eletrônica.

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EXEMPLO (1)

O Discurso e a Comunicação Centro Espírita Ismael (org. por Sérgio Biagi Gregório)

DEPARTAMENTO DE ENSINO DOUTRINÁRIO AV. HENRI JANOR, 141, JAÇANÃ, S. P. FONE: 201-6747

1 2 3 4 5 6 7 8 9

O discurso didático deve ser a tônica do ensino. O professor quando descreve, interroga e avalia tem um objetivo: produzir conhecimento. Evita, assim, o discurso ordinário, que é a conversação causal e espontânea. Importa marcar o aluno com um sinal positivo, ou seja, obrigar o aluno a pensar profundamente no que lhe foi transmitido (...) Ensinando, burilemos nossas palavras; aprendendo, eduquemos nossos olhos e ouvidos. Tornando-nos conscientes desta conduta, aumentaremos o rendimento no processo de ensino. Aprendendo mais em menos tempo, liberaremos nossas energias mentais para outros campos de interesse do espírito.

(Referência: http://www.espirito.org.br/portal/palestras/ceismael/discurso-e comunicacao.html)

No exemplo 1 – segmento de artigo disponibilizado em um site espírita – o uso do

termo discurso didático (linha 1) parece aludir às ações de descrever, interrogar e avaliar que

– por serem ações de linguagem – não são exclusivas do discurso didático.

Merece destaque a referência que é feita ao professor (linhas 1-2) e, assim, ao

pressuposto de que não há discurso didático sem professor, o que acaba por revelar um

paradoxo, ao mesmo tempo que é a identidade do professor (e a autoridade de transmissão de

conhecimento desse profissional) que obriga “o aluno a pensar profundamente no que lhe foi

transmitido” (linhas 4-5) e que ainda propicia/permite que tais ações de linguagem ganhem

um contorno outro, um planejamento, evitando “o discurso ordinário, que é a conversação

causal e espontânea” (linhas 3-4) parece haver uma relativização do ensinar revelada na

desvinculação da aprendizagem ao profissional professor:

“Ensinando, burilemos nossas palavras; aprendendo, eduquemos nossos olhos e ouvidos. Tornando-nos conscientes desta conduta, aumentaremos o rendimento no processo de ensino. Aprendendo mais em menos tempo, liberaremos nossas energias mentais para outros campos de interesse do espírito” (linhas 6-9).

É justamente nessa relativização que encontramos, no que tange ao domínio

discursivo, pistas da pertença do texto ao domínio discursivo religioso marcado, por exemplo,

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nas expressões “energias mentais, campos de interesse do espírito” (linha 9), que podem

promover, num primeiro contato, a associação primeira com esse domínio.

EXEMPLO (2)

Em Destaque Começa o velório de João Paulo

Jovem carregada pelo papa no RS diz ter vida Jovem carregada pelo papa no RS diz ter vida Jovem carregada pelo papa no RS diz ter vida Jovem carregada pelo papa no RS diz ter vida abenabenabenabençoadaçoadaçoadaçoada

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Mais do que Caroline, Miranda e Milena, que viram o papa em Porto Alegre, o arcebispo dom Dadeus Grings teve diversos encontros com João Paulo II e citou alguns deles. Ao iniciar o sermão, informou que estava vestindo o mesmo paramento que o papa usou na missa campal de 1980 e também exibiu um pálio e um crucifixo peitoral recebidos do papa em visitas a Roma. Dom Dadeus admitiu que, neste momento, os católicos se sentem "um pouco órfãos e dispersos", mas, num discurso didático, ressaltou que logo a igreja terá outro papa com a missão de confirmar os fiéis na fé.

(Referência: http://an.uol.com.br/2005/abr/04/0pai.htm)

O exemplo 2, divulgado em uma página de internet da cidade de Joinville, integra um

conjunto de 13 notas jornalísticas que tematiza a repercussão da morte do Pontífice João

Paulo II no Brasil e no mundo. Na nota selecionada, a expressão “discurso didático” (linha 8)

utilizada pelo jornalista parece querer evocar o pré-construído de que cabe ao professor

informar acontecimentos/fatos, explicando-os de modo simples aos alunos (que talvez

ocupem lugares e papéis comunicativos semelhantes aos dos fiéis diante do padre) aquilo que

eles devem saber, compreender. Parece, assim, que subjaz à representação de discurso

didático do autor da matéria a função de informar/traduzir algo a que outros não têm acesso.

EXEMPLO (3)

Projetos investem na formação de platéia 1 2 3 4 5 6 7

Foi especialmente para estas últimas que o grupo dedicou sua performance: linguagem simples e simpática, discurso didático e pausas generosas para falar sobre a origem de cada peça fizeram do concerto não apenas uma apresentação musical, mas uma introdução panorâmica ao universo de uma música que, talvez, muitas pessoas que assistiram ao espetáculo não ouvirão novamente.

(Referência: ht tp: / /an.uol.com.br/1999/set /28/0ane.htm )

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No exemplo 3 – segmento de uma matéria divulgada em uma página destinada a

discussões relacionadas às diversas manifestações artísticas e leis de incentivo à cultura no

Brasil e no mundo – a expressão discurso didático (linhas 2-3) é relacionada às características

“ linguagem simples e simpática” (linha 2) e também “pausas generosas para falar” (linha 3),

que acabam corroborando para o que se está compreendendo por discurso didático.

Nos exemplos 1 a 3, nota-se claramente a projeção de uma imagem positiva do

discurso didático, já no exemplo 4 notamos uma imagem não tão positiva, o que já acena para

uma convivência e emergência de diferentes representações sociais que, a sustentar vozes, nos

conduzem a uma “agitação” do modo como o discurso didático vem sendo socialmente

concebido.

EXEMPLO (4)

O CLARÃO, UM GRANDE POEMA EM PROSA

Flávio Loureiro Chaves (1)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

É mais fácil falar dos livros de que a gente não gosta do que dos livros de que a gente gosta. Gosto muito do texto da Betty e eu procurei as razões desse gostar. O que eu vou dizer talvez fique um pouco desalinhavado. Tanto melhor... eu não queria que minha intervenção fosse formal, não queria fazer um discurso didático nem acadêmico, exatamente porque eu acho que se trata de um texto excelente. A primeira coisa para a qual eu queria chamar a atenção é o fato de que nós não trabalhamos no Clarão com as categorias usuais do romance. O romance, a narrativa em geral, tem um início, um meio e um fim. Mas como é que a gente de alguma maneira destrói e renova esse início, meio e fim?

(Referência: http://www2.uol.com.br/bettymilan/fortuna/clarao7.htm )

Em 4 – segmento de um texto proferido em 15 de maio de 2001 em uma mesa redonda

sobre lançamentos literários, há a explicitação de uma oposição, até então implícita nos

exemplos anteriores, entre discurso didático e discurso acadêmico/científico: “eu não queria

que minha intervenção fosse formal, não queria fazer um discurso didático nem acadêmico”

(linhas 4 -6). Ao completar afirmando “exatamente porque eu acho que se trata de um texto

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excelente” (linhas 6-7), o autor parece assumir que os discursos didático e acadêmico

projetam diferentes público-alvo. Nesse ponto, o autor deixa pressuposta uma desvalorização

da convivência dos dois discursos, ou seja, da não possibilidade de uma

fundição/interdiscursividade.

Já nos exemplos 5, 6 e 7, conforme veremos, há uma imagem negativa que parece

desenhar e orientar a argumentação daqueles que dizem.

EXEMPLO (5)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

E a política de mediação do museu com o público? Galard: Ficávamos em conflito completo. A gente se dá bem, mas ele sempre me repreendeu a vocação pedagógica, que, segundo ele, mata as obras e as integra num discurso cultural sem graça. Seus textos às vezes foram dirigidos contra meu trabalho. Não tanto o da exposição "Pintura como Crime", mas da anterior, cujo título era "Possuir e Destruir".Nessa mostra, havia textos contra o discurso didático. Ele manipula maravilhosamente a linguagem, embora de modo um tanto precioso. Qualquer debate com ele é relativamente difícil. É preciso ser forte para encará-lo publicamente. Eu entendo que os textos dele funcionam como "obras". Não estão aí para esclarecer, mas para surpreender. Causam tanta perplexidade quanto um desenho ao lado. São manifestos na parede.

(Referência: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1482,3.shl)

No exemplo 5, não é aquele que diz (Jean Galard – diretor do museu de Louvre – em

entrevista a Folha de São Paulo, em 26/04/1999) que assume essa postura contrária ao

discurso didático (linhas 7-8), mas ele dialoga com essa voz.

O discurso didático é, assim, atrelado a uma “vocação pedagógica” que é censurada,

uma vez que parece estar pressuposto que aquela função explicativa (pré-construído já

apontado na análise do exemplo 2) do discurso didático por esclarecer demais, satura e tira o

momento da descoberta: “Não estão aí para esclarecer, mas para surpreender” (linha 12).

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EXEMPLO (6)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Não é leviano afirmar que as estruturas curriculares se valem dos livros didáticos para se organizarem. A opção de tal e tal livro didático determinará, a princípio, a constituição das disciplinas que assumem seu espaço curricular, demarcado pelo tempo (número de aulas) e profundidade. Mesmo que o discurso didático do professor seja amplo, abrangente e propicie contextualizações, em geral, ele fará uso de exercícios e problemas do livro didático e sua avaliação terá como base a literatura disciplinar. É importante lembrar que os livros didáticos dirigidos ao Ensino Médio refletem o mesmo enfoque disciplinar presente no meio universitário, levando os professores a consolidarem, na sua prática pedagógica o estilo.

(Referência: http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol8/n2/v8_n2_a3.html )

A menção que é feita ao discurso didático no exemplo 6 – segmento das Orientações

Curriculares de Física da Secretaria de Educação do Estado do Paraná – parece pressupor,

por meio da especificação “do professor” (linha 5), que há discursos didáticos outros que não

aquele do professor. Uma leitura mais atenta do exemplo em tela leva a perceber que o uso da

expressão “discurso didático” não se refere propriamente ao discurso, mas à prática docente,

haja vista o dito “Mesmo que o discurso didático do professor seja amplo, abrangente e

propicie contextualizações” (linhas 5-6), em que a expressão negritada pode se referir a

diferentes estratégias agenciadas pelos diferentes profissionais do ensino dadas as

adjetivações “amplo, abrangente e contextualizado”.

EXEMPLO (7)

B I L I N G Ü E D E S D E P E Q U E NO

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

A criança está imersa num universo sonoro bilingüe. Ela recebe estímulos na segunda língua e, da mesma forma com que ela aprende as normas e padrões de comportamento imitando as atitudes dos adultos com os quais convive, reproduzirá os sons que escuta. Dessa forma, a criança aprenderá a segunda língua sem as dificuldades e preconceitos que o adulto enfrenta no que se refere à pronúncia e expressão. A aproximação da criança a esse segundo idioma dá-se por impregnação natural, onde a função lúdica tem um papel primordial, para que a aprendizagem seja natural e divertida. Entenda-se que na Escola não existe unicamente um discurso didático e sim uma linguagem adaptada à realidade da criança. 1ª - A primeira fase é de adaptação ao novo idioma, onde o vínculo emocional-afetivo com a professora tem muita importância para conseguir sucesso.

(Referência: http://www.greenbook.com.br/news1.html )

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No exemplo 7, texto que compõe o site de divulgação de uma escola fundamental

bilíngüe da rede particular de ensino do Estado de São Paulo, a expressão “discurso didático”

parece estar sendo usada como sinônimo para diversas abordagens, técnicas e métodos de

ensino, é nessa direção argumentativa que o advérbio “unicamente” parece ter sido usado:

“ Entenda-se que na Escola não existe unicamente um discurso didático e sim uma linguagem

adaptada à realidade da criança”. (linhas 8-9)

EXEMPLO (8)

O LANÇAMENTO ACONTECE A PARTIR DO DIA 1º DE MAIO

EXTRA LANÇA CARTÃO DINHEIRO

(Referência: http://www.grupopaodeacucar.com.br/v2/imprensa/default_imp_interna.asp?)

No exemplar 8, retirado do site de divulgação do Grupo Pão-de-Açúcar, destaco dois

pontos para análise. Primeiramente, saliento que o adjetivo “contagiante”, em “optamos por

um discurso didático-contagiante” (linhas 9-10), pode evocar o pressuposto de que há

discursos didáticos que não são contagiantes, mas, por outro lado, visam sempre explicar (a

compreensão do outro, interlocutor, é o efeito pretendido) como se pode notar na linha 12 –

“explicando sua mecânica e vantagens”. Destaco, também, o enunciado “O Cartão Dinheiro

Extra é tão bom que para falar sobre ele optamos” (linhas 8-9), em que parece estar

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Para comunicar essa ação a rede encomendou uma campanha a F/Nazca e fará um forte investimento em filmes – que contam com um singelo efeito visual, feito em 3D, que reforça o principal benefício que o Cartão Dinheiro Extra oferece. Além disso, serão utilizadas ações de merchandising na TV, outdoor, revistas, jornais (anúncios) etc. Na loja, todos os espaços disponíveis serão cobertos com mensagens do novo produto: displays no ponto de venda, testeiras (check-outs), camisetas para funcionários, ilhas com produtos participantes do programa, entre outras ações. Para o diretor de criação da F/Nazca, Marcio Alemão Delgado, “O Cartão Dinheiro Extra é tão bom que para falar sobre ele optamos por um discurso didático-contagiante, onde a protagonista do comercial, supostamente uma cliente do Extra, se entusiasma com o produto e divide essa empolgação com demais clientes da loja e com o telespectador, explicando sua mecânica e vantagens.”

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pressuposto que no discurso didático só são eleitos como objetos do dizer

tópicos/conteúdos/temas que são realmente bons.

O exemplo 9 (resumo de dissertação de mestrado defendida em 1993 no Departamento

de História da Universidade Nacional de Brasília) propicia uma discussão não apenas acerca

da institucionalização do saber (determinada antes por um órgão de censura do governo) hoje

submetida ao MEC e às Secretarias de Educação, mas também parece justificar mudanças nas

ações e posturas do professor brasileiro que repercutiram e estão a repercutir na

(re)construção da imagem do professor. Senão vejamos:

EXEMPLO (9)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Título: A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA PÁTRIA: POLÍTICA EDUCACIONAL E LITERATURA DIDÁTICA NA ERA VARGAS (1930-1945) Orientador: JAIME DE ALMEIDA Autor: Flávia de Sá Pedreira Data:27.09.93 Resumo: Aborda a política educacional do regime Vargas entre 1930-1945 e sua influência sobre a literatura didática. A censura imposta aos setores culturais e educacionais por todo o País atingia os manuais escolares, principalmente os do ensino secundário, considerados responsáveis pela formação das individualidades condutoras. Detecta qual a relação estabelecida entre o discurso didático e o discurso oficial. Conclui que as medidas de censura tomadas pelo governo brasileiro não alcançaram o resultado desejado, de condicionar a juventude brasileira a pensar militarmente e a ter uma formação espiritual condizente com a Igreja Católica.

(Referência: http://www.unb.br/ih/his/hi-teses-1993.htm)

Talvez a diferença estabelecida entre “o discurso didático” e o “discurso oficial” (linha

12) contemple uma relação de subordinação e dependência do discurso didático ao oficial. O

discurso oficial corresponderia ao discurso pedagógico segundo a tipologia que proponho na

próxima seção.

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Os últimos dois exemplos se valem das expressões discurso didático e discurso

pedagógico respectivamente na construção das informações e comentários acerca de ações do

Presidente Lula que estão sendo ali divulgadas.

EXEMPLO (10)

1 2 3 4 5 6 7 8 9

A presença de Lula a Belém marcou também o início da comercialização do biodiesel produzido a partir da palma (dendê), em um posto da BR Distribuidora no estado do Pará. Num discurso didático para uma pequena platéia de empresários de vários estados que estão produzindo biodiesel - um combustível oriundo de oleaginosas como soja, mamona, girassol, dendê e outras - Dilma já havia ressaltado a possibilidade de a meta ser antecipada. "Isso mostra que, quando se faz um projeto sério e em parceria, é possível desenvolver de forma acelerada cumprindo e ultrapassando metas", disse Dilma, que falou antes de Lula.

(Referência: http://infoener.iee.usp.br/infoener/hemeroteca/imagens/87509.htm )

A utilização da expressão discurso didático no exemplo 10, uma nota publicada no

jornal O Estado de São Paulo em abril de 2005, associa-se à expressão “pequena platéia”

(linhas 3-4), que parece evocar um pré-construído de que o discurso didático esteja sempre

atrelado a um grande público.

Como é sabido, o Presidente Lula não passou pela universidade, não sendo, pois,

graduado ou pós-graduado. Poder-se-ia, assim, levantar alguma hipótese entre a não inserção

acadêmica (e, portanto, a não convivência com o discurso científico nos muros acadêmicos)

de Lula e a sua habilidade de produzir discursos didáticos? Nesse caso, o discurso didático

estaria mais acessível ao presidente do que o discurso científico ou até mesmo o discurso

empresarial? Não há dúvidas, porém, de que a imagem que o jornalista tem do Presidente

influenciou a escolha da expressão discurso didático como também o faz seu colega jornalista

no exemplo 11.

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EXEMPLO (11)

Teve chances de fazê-lo

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Nas eleições de 1994 e 1998, poderia ter organizado campanhas que privilegiassem o aspecto didático, em vez de adotar um discurso ajustado ao baixo nível de consciência das massas populares com o propósito de conseguir votos. A proposta de uma campanha “pedagógica” foi apresentada formalmente ao Lula, em 1998. Com um discurso “pedagógico”, Lula não venceria a eleição (como, aliás, não venceu com o discurso marketeiro), mas prepararia o povo para entender bem os preços a pagar na hora em que um governo petista começasse a executar uma política verdadeiramente popular).A proposta “pedagógica” não prosperou, porque naquela época a maioria do PT já estava seduzida pela ilusão de levar o partido ao poder pela via da conquista da Presidência da República.

(Referência: http://www.correiocidadania.com.br/ed423/editorial.htm )

Selecionei o exemplo 11 (segmento de uma matéria publicada no jornal virtual

Correio da Cidadania) porque, embora não haja a ocorrência da expressão discurso didático,

ele possibilita a percepção de um movimento argumentativo interessante acerca da escola e,

também, do discurso didático, visto que o “didaticismo” inerente à escola é praticado como

um modus operandi valorizado, como sinaliza o segmento “campanhas que privilegiassem o

aspecto didático em vez de adotar um discurso ajustado ao baixo nível de consciência das

massas populares” (linhas 2-3). Interessante pensar que aqui o aspecto didático parece estar

atrelado a ações como contextualizar, explicar para, então, convencer. E não simplesmente

convencer, por meio da sedução, que, por vezes, confere o marketing às propagandas. Outro

aspecto que merece atenção centra-se no fato de que a menção à expressão “discurso

pedagógico” é assinalada pelo sinal aspas (linha 6) e discurso marketeiro (linha 7) não o é.

Estaria a marca de pontuação reafirmando um estatuto mais valorativo à Pedagogia? Ou o

sujeito enunciador não estaria certo quanto à existência desse discurso dito pedagógico? Há,

também, a possibilidade de um outro gesto de interpretação. O uso das aspas em

“pedagógico” estaria aludindo a um modo de dizer reconhecido no discurso de

pedagogos/educadores do qual Lula teria tão somente se apropriado?

Os exemplos analisados permitiram o acesso ao que tem sido referido como discurso

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didático em domínios discursivos diversos, como o escolar, o governamental, o histórico, o

jornalístico, o literário e o religioso. O uso da expressão “discurso didático” se mostra, assim,

como algo que reflete (sendo também reflexo) do modo como aquele que diz percebe o

discurso didático. Percepção que pode ser explicada pela convivência do enunciador com a

escola, lugar institucional, e com as representações que em momentos distintos foram se

construindo acerca desse lugar, desse setor da sociedade e daqueles que lá ocupavam e estão a

ocupar seus papéis.

Ao depararmos com referências ao discurso didático em notícias, notas jornalísticas,

palestras, propagandas, artigos, resumos, etc..., pode-se iniciar, mesmo que

inconscientemente, uma reconstrução de nossas representações acerca da escola, do ensino e

do professor que orientaram (e orientam) o que (não) se diz acerca da escola e do que nela

(não) se faz.

Desse modo, é preciso que – em uma pesquisa em que se objetive compreender o

funcionamento de um dado discurso – o analista se dê conta de que a análise de textos em que

haja a referência ao discurso objeto de análise ilumina o estudo do discurso analisado.

As análises aqui apresentadas revelaram a necessidade e a importância de se pesquisar

o funcionamento do discurso didático por meio do estudo da influência e, por conseguinte, de

consonâncias e dissonâncias entre vozes propagadas dentro e fora do universo acadêmico, se

se considera que nesta pesquisa aquele que enuncia é o professor e em especial aquele que

volta à universidade para se especializar: um profissional, então, cujo papel implica a

circulação nos limites entre o discurso científico, o de divulgação científica e o discurso

didático.

Em suma, as análises aqui empreendidas reafirmam aquilo defendido por Pêcheux

quando o teórico pondera que “alguma coisa fala antes, em outro lugar e independentemente”

PÊCHEUX (1997:162). Procurei assim, antes de adentrar nas explorações do corpus desta

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pesquisa, acessar algumas dessas vozes que antecedem este trabalho e que estão a circular em

lugares outros. Com a análise dos onze exemplos, constatei, sobretudo, que, embora essas

vozes estejam ecoando em domínios discursivos outros, o que se pode ouvir dos sujeitos da

pesquisa depende e se liga diretamente a essas vozes, a esses saberes discursivos exteriores

(ver capítulo 3).

Uma vez mapeadas essas vozes e saberes discursivos exteriores ao domínio discursivo

escolar, centremos nossa atenção nesse último e nos discursos didático, docente, pedagógico e

professoral.

Por pensar tais discursos como pertencentes a um mesmo domínio discursivo, procedo

a essa discussão no interior da seção que nomeio maquinaria escolar do discurso.

3. A MAQUINARIA 2 ESCOLAR DO DISCURSO

Parto do entendimento de que a escola se constrói discursivamente por meio do

agenciamento de dispositivos que colocam para funcionar o que nomeio maquinaria escolar.

Assim, proponho que tal maquinaria seja pensada como alimentada pelos discursos

didático, docente, pedagógico e professoral que a circular estão a construir objetos de

discurso.

Mondada e Dubois (2003) trazem à tona a teorização dos objetos de discurso como

versões públicas do mundo construídas por sujeitos em práticas discursivas, construção que

pode demonstrar, dentre outras coisas, o modo como uma dada realidade é significada e 2 Embora não ignore a noção de maquinaria discursivo-estrutural proposta pela AD 1, o uso que se faz da palavra maquinaria aqui neste trabalho não deve ser associado a essa noção, uma vez que o projeto da AD 1 previa “uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma” PÊCHEUX (1997). O uso da palavra aqui recobre uma reinvenção do conceito que, com Deleuze e Guattari (1997), nos remete a produções de peças diferentes que se conectam fazendo emergir novos funcionamentos e reinvenções dessas mesmas peças. Como se pode ver, o movimento busca desconstruir o funcionamento de uma máquina que nessa acepção não funciona sempre internamente do mesmo modo, muito embora possa parecer se se considera o resultado produzido pela máquina.

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simbolizada, gerando, por sua vez, um processo permeado por ações de subjetivação e

objetivação que se mostram o sustentáculo da prática discursiva e que, ao que me parece,

determinam a categorização, as categorias são, assim, usadas para descrever o mundo e são

escolhidas de acordo com um dado ponto de vista adotado. Já esses pontos de vista,

construídos a partir de lugares e posições-sujeito, corroboram para “agitações” de filiações

histórico-ideológicas que geram o estabelecimento de um dado jogo imaginário e

representativo acerca de práticas discursivas que, ao mesmo tempo, emergem de discursos e

proporcionam também a emergência de discursos. Acerca dessa emergência, Matencio (2001)

nos diz que os discursos emergem como modos de apropriação da realidade.

Assim, procuro, nesta seção, discutir e, no capítulo 3, demonstrar, por meio das

análises, que, a partir do modo como se discursiviza acerca do objeto de discurso escola e de

quem discursiviza, posso (re)formar conceituações acerca dos discursos didático, docente,

pedagógico e professoral e, conseqüentemente, ampliar ou reduzir os espaços de circulação de

dizer entre eles.

Posta desse modo a questão, a escola, enquanto objeto de discurso, não deve ser

pensada como algo dado ou preexistente, mas sim como algo que se elabora no curso das

práticas discursivas e nessa medida como algo sujeito a (re)elaborações e (re)enquadramentos

(cf. Mondada & Dubois, 2003; Goffman, 1974).

Investindo ainda nesse raciocínio, estou assumindo que, quando se decide dizer

discurso didático, discurso docente, discurso pedagógico ou discurso professoral estamos

lidando com pontos de vista diferenciados que acabam por recobrir/remeter a objetos do

discurso relacionados ao mesmo domínio discursivo. Por esse prisma, resta-me traçar o que,

por ora, me parece uma tipologia.

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3.1 Uma proposta de tipologia, mas por quê e para quê?

Para a feitura de uma pesquisa que se propõe ao estudo do discurso didático, não há

como deixar de reconhecer que discussões que se preocupem em elucidar o que

referencialmente está sendo compreendido por esse discurso, são necessárias. Contudo,

parece-me ainda mais urgente explicitar as razões que me levaram – em um primeiro

momento intuitivamente – a afirmar que o que me colocava a investigar era o discurso

didático e, nessa medida, a pressupor que há outros discursos pertencentes à esfera

educacional como o discurso docente, o discurso pedagógico e o discurso professoral.

Iniciei um levantamento exaustivo de estudos que elegiam os discursos didático,

docente, pedagógico e professoral como objeto de análise ou que apenas faziam menção a eles

– confira-se, por exemplo, Bastos (1983), Cardoso (1999), Matencio (2001), Voese (2004) e

Orlandi (2003), foi então que me convenci da necessidade da criação de uma tipologia que

conseguisse demonstrar não apenas que há (ou que deveria haver) diferenças conceituais,

terminológicas e metodológicas nas expressões discurso didático, discurso docente, discurso

pedagógico e discurso professoral (e que tais diferenças conduzem a objetos de investigação

distintos) mas também que a assunção por uma outra expressão (discurso didático, docente,

etc...) pode desencadear e revelar no campo discursivo para o qual o pesquisador lança seu

olhar efeitos sociais e ideológicos diversos assumidos pelo (ou que foge ao controle do)

pesquisador.

Proceder a essa tipologia recaiu, assim, numa crença de que discussões dessa natureza

podem não apenas elucidar o objeto de estudo deste trabalho, mas também contribuir de modo

mais interventivo nos espaços discursivos a que estudos dos discursos, relacionados a uma

esfera educativa, agregam mais valor.

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3.2 Discurso didático, discurso pedagógico, discurso docente, discurso professoral: uma

tipologia

Começo pelo discurso didático, sempre associado na literatura lingüística3 aos

discursos científico e de divulgação científica e, nessa medida, a um núcleo de construção,

transmissão e transposição de conhecimentos, ao passo que esses estão atrelados às disciplinas

e aos respectivos objetos de conhecimento e ensino dessas.

As pesquisas centradas no discurso didático também tendem a analisar as interações

projetadas a partir do par professor-aluno. Arrisco-me, pois, a dizer que o discurso didático se

engendra a partir dessas interações motivadas, por um lado, pelas ações fazer-saber e fazer-

conhecer do professor e, de outro lado, por ações relativas a uma ação do aluno de mostrar-

saber e mostrar-conhecer (mostrar que aprendeu). Pensando assim, sou levada a afirmar que

estudos centrados, por exemplo: na (re)construção de identidades e/ou papéis sociais e/ou

comunicativos de aluno e professor; nas interações da e na sala de aula, que podem envolver

(dentre uma série de outros recortes) discussões relativas à transposição didática ou à análise

de como um dado conceito teórico de uma determinada área de conhecimento é

(re)construído, ao longo de um dado período, são pesquisas relacionadas ao discurso didático.

Já o discurso docente não abarca o par professor-aluno tão diretamente como o faz o

discurso didático, uma vez que é a voz do sujeito professor que é posta no centro das

análises, de modo que é um fazer mostrar a identidade de professor e um fazer-se professor

por meio da explicitação de práticas (relacionadas às decisões adotadas, agenciadas e

gerenciadas) que são orientadas ou que respondem à vestimenta de professor.

3 Um ótimo exemplo é discussão de Matencio (2001:57), em que a autora, refletindo acerca da circulação e produção do conhecimento, agencia a noção de discurso secundário para pensar nos discursos didático e de divulgação científica como reformulações do discurso científico. Assim, a autora passa a examinar o discurso didático como “um outro subconjunto dos discursos de transmissão de conhecimentos, que caracteriza-se por visar um público que se define em função da série cursada e do nível de ensino e ocorrer no interior de um quadro institucional bem determinado: sua característica mais marcante é a de ‘fazer aprender’”.

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Desse modo, estudos que contemplam a construção de posicionamentos identitários do

grupo ou classe professor (sem pensar tal construção por meio da interação professor-aluno)

estariam investigando o discurso docente também referenciado como discurso do professor.

Quanto ao discurso pedagógico, o que parece estar em jogo é um modo de dizer que

se relaciona a uma dada autoridade que socialmente é atribuída não apenas ao professor, mas

a um dado grupo de papéis escolares (diretor, vice-diretor, coordenador, supervisor, inspetor,

disciplinário) e governamentais (representantes do Ministério da Educação e das Secretarias

de Educação), que podem ultrapassar os muros da escola interagindo com uma comunidade

escolar mais ampla, como familiares dos alunos e até moradores do bairro em que a escola se

localiza. O que está em jogo, então, são ações relativas a um fazer-adaptar-se ao modo que a

escola espera que o aluno e os seus familiares ajam e, ainda, a um mostrar ser: o se fazer

aluno. Pesquisas assim, que contemplem aspectos disciplinares e/ou da influência da

comunidade na escola ou da escola na comunidade, poderiam estar associadas ao discurso

pedagógico.

Por fim, o discurso professoral não estaria – como nos discursos anteriores –

relacionado a sujeitos que assumem suas posições e lugares no interior da escola, mas sim ao

modo como a sociedade percebe e significa o dizer do professor e o atualiza em seus dizeres,

em suas práticas discursivas. Assim, é como se o que é dito se misturasse de tal forma com o

modo como se diz que o interlocutor (para quem se diz) pudesse naquele

momento perceber um “tom” professoral embora não estivesse em uma aula, pois, se a

interação estivesse sendo socialmente compreendida como uma aula, aquele dizer seria

enquadrado como discurso didático.

Podemos ainda nos questionar quanto ao sujeito que diz. Se esse é um professor, o que

pode ocorrer é a incorporação de um dos seus papéis sociais (e a sobreposição desse a outros

papéis sociais e comunicativos, o que pode se dar estrategicamente) em uma situação outra

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que não aquelas relacionadas ao domínio público de sua atuação profissional (sala de aula,

laboratórios de pesquisa, eventos de caráter técnico-científico, etc.), mas se o sujeito em

questão não é um professor, esse uso pode remeter ainda mais claramente a uma jogada

estratégica. Nos dois casos, há o atravessamento de uma voz que, no imaginário social, é

reconhecida e associada à voz do professor na memória discursiva de um dada sociedade.

Espero ter explicitado que estou assumindo como o faz Matencio (2001:56) que “o

interesse em distinguir os diferentes discursos que confluem e constituem o objeto de estudo e

de ensino vem da necessidade de reconhecer tanto que há formas diversas de categorização

desse objeto como de compreender as maneiras através das quais ele é transformado em

discurso”. E, principalmente, indicado que estou estudando o engendramento do discurso

didático e não o discurso didático: o funcionamento do discurso didático e não as práticas

discursivas instauradas e instauradoras do discurso didático.

Propor a tipologia apresentada por mais provisória e marginal que ela possa parecer,

não se revelou uma tarefa fácil, visto que, conforme já anunciado, não tive à minha disposição

teorizações primeiras sistematizadas que pudessem ser retomadas e refinadas para a

elaboração da discussão que ofereço para exame.

O fio condutor para a discussão das diferenças concernentes ao modo como percebo o

engendramento dos discursos aos quais me refiro nesta seção localiza-se em dois pontos

particulares. De um lado, busco estabelecer: o objeto de dizer orientado por um modo

particular de concretização desse dizer e, de outro, aqueles (interlocutores) que

predominantemente ecoam esse dizer assumindo posições-sujeito.

Vejamos, pois, o quadro que representa a maquinaria escolar nos orientando a

perceber o seu funcionamento:

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QUADRO 1

O FUNCIONAMENTO DA MAQUINARIA ESCOLAR

Quem diz

predominantemente?

Por que se

diz?

A quem se diz predominantemente?

Efeitos discursivos para a maquinaria escolar

DISCURSO DIDÁTICO

Professor , Aluno Fazer-saber

Fazer-conhecer,

mostrar-saber e mostrar-conhecer

Professor, Aluno Gerenciamento da

interação para fazer-conhecer, fazer-aprender

DISCURSO DOCENTE

Professor Fazer mostrar a identidade do

professor e fazer-se professor nesse

(RE)dizer

A todos do universo escolar (Professor,

Reitor,Inspetor, Diretor,

Supervisor,Coordena dor, Disciplinário), ao governo, à sociedade

como um todo.

Legitimação para a prática de ensinar

DISCURSO PEDAGÓGICO

Reitor, Inspetor, Diretor,

Supervisor,Coordenador, Professor, Disciplinário, e Ministério da Educação

(MEC)

Fazer adaptar-se e

Fazer instituir o outro

Comunidade escolar, nesse caso, toda a

sociedade seria pensada como uma comunidade

escolar

Controle da/para

a produção de saber

DISCURSO PROFESSORAL

Qualquer um poderia dizer. Para incorporar uma certa autoridade garantida por uma dada imagem do professor.

A qualquer um. Reitera uma imagem coercitiva e/ou conselheira

do professor.

A adoção desse quadro permite que eu comece a reunir indícios para pensar na

circulação desses discursos que estão a projetar e a (re)construir representações acerca do ser

professor, do ser aluno, do sistema de ensino e da escola que podem ser acessadas por meio de

práticas e processos discursivos.

Na esteira da teorização de Matencio (2005)4, a noção de processos discursivos está

sendo aqui pensada como “uma certa configuração (lingüística textual) própria de um

funcionamento de um dado discurso”. Já por discurso – conforme ainda me orienta Matencio

– estou assumindo que o discurso deva ser pensado como “um processamento de sentido

estabilizado” que é orientado por “práticas discursivas diversas e regularmente estruturadas:

gêneros do discurso”. Tais fundamentações teóricas podem ser melhor vislumbradas se

realizarmos um levantamento das práticas discursivas que moldam preponderantemente os

4 Refiro-me ao artigo Práticas discursivas, gêneros do discurso e textualização publicado na 53a Revista do Gel de 2005.

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discursos didático, docente e pedagógico, conforme sinalizo no quadro a seguir, o discurso

professoral não é passível de ser enquadrado, considerando a amplitude do quadro

interlocutivo que ele projeta, como vislumbrado no quadro anterior.

QUADRO 2

Práticas discursivas que moldam os discursos didático, docente e pedagógico

EXEMPLOS DE PRÁTICAS DISCURSIVAS QUE ESTÃO A CONSTRUIR DISCURSOS

ESPAÇOS DE CIRCULAÇÃO DO DIZER

DISCURSO DIDÁTICO

Por meio da interação face a face Apresentação de trabalho, Aula expositiva, debate, seminário etc... Por meio de outras interações Material didático

No interior da escola Salas de aula, laboratórios, pátios, quadras etc... Fora da escola Visitas a museus e outros espaços que interessam ao grupo como trabalho de campo ou atividade extra-classe.

DISCURSO DOCENTE

Reuniões pedagógicas, conversas entre professores, movimentos sindicais, entrevistas, relatos de memória

No interior da escola Sala dos professores, Auditórios, corredores Fora da escola Em qualquer lugar

DISCURSO PEDAGÓGICO

Reuniões pedagógicas, conversas punitivas/corretivas, ocorrências, pronunciamentos de representantes de secretarias e Ministério da Educação, documentos relacionados a políticas educacionais.

No interior da escola Sala dos professores, sala da direção, coordenação ou supervisão, corredores. Fora da escola Deve-se considerar não propriamente lugares físicos, mas principalmente mídias impressa e falada em que se dão pronunciamentos nacionais.

O que aqui nomeio práticas discursivas e espaços de circulação do dizer parece

endossar o que assevera Matencio (2001:58), ao dizer que a circulação do discurso é

motivada por “um conjunto de produtores e receptores envolvidos no processo de constituição

de textos que o materializam”. Devo ainda acrescentar à discussão de Matencio que tais

práticas e lugares estão associadas ao espaço do trabalho, da prática profissional daquele que

diz, olhar que se mostra importante à medida que trago o conceito de formações sociais para

discussão. No que toca a esses conceitos, cabe retomar que:

“Os discursos, ou os modos de apropriação da realidade, ganham corpo no interior de formações sociais que obtêm o poder, o direito e o dever de atribuir sentido a um dado recorte da realidade, ou seja, formações que, por mecanismos institucionais, legitimam-se e são consideradas autorizadas a falar sobre determinados recortes da realidade (...) toda formação social caracteriza-se por relações de posição dos sujeitos no interior do grupo e do grupo em relação a outros grupos, relações historicamente definidas e definíveis, embora apenas uma parte do dizível seja acessível a segmentos presentes no interior do grupo” (MATENCIO, 2001: 59).

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A análise que apresento no capítulo 3 permite que se entreveja que muito embora eu

tivesse previsto investigar a posição-sujeito professor no interior de um grande grupo (o

professor brasileiro) torna-se claro, a partir das análises das respostas dos sujeitos da pesquisa,

que esse grupo não é uno, há sub-grupos no interior desse grupo e que tal divisão se revela

cara para se chegar a identidade desse grande grupo que se constitui de identidades

fragmentadas e de representações múltiplas acerca do grupo professor, o que fica saliente no

exemplo a seguir (resposta do sujeito 26B a pergunta “O que você diria do professor

brasileiro” do questionário desta pesquisa), quando o professor registra como sua resposta tão

somente:

Qual professor? De que instituição? Qual setor?

O dizer do sujeito parece externalizar sua crença nas subdivisões do grupo e suas

diferentes identidades.

A noção de identidade se apresenta aqui como um movimento da história que se revela

através da alteridade, da relação com o outro que pode estar, como bem sinalizou Matencio,

no interior do próprio grupo (MATENCIO, 2001).

Interessam-me nesta pesquisa de modo especial os problemas estruturais que se

relevam no interior do grupo, pois são eles que me mostrarão mais de perto as diferentes

representações (mais ou menos veladas) do grupo professor que o sujeito traz à tona ao falar

de si mesmo. Passo agora a uma rápida discussão sobre a noção de referência pessoal que se

mostrou importante nas análises empreendidas.

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4. A REFERÊNCIA PESSOAL

Matencio & Silva (2005), em estudo que elegem os mecanismos de referenciação de

pessoa como categoria de análise, orientam-me a alinhar à premissa de que a referência

pessoal pode oferecer “princípios teóricos por meio dos quais se pode abordar o sujeito em

sua movência” por meio das (des)figurações da(s) identidade(s) discursivas que se pode

visualizar a partir do que nos dizem os sujeitos. (MATENCIO & SILVA, 2005:250)

Os sujeitos da pesquisa, no intricado movimento de dizer que as práticas discursivas

questionário e entrevista incitam, assumem posições-sujeito que me possibilitam investigar

traços reveladores de posicionamentos identitários do sujeito professor e do grupo professor.

Esses posicionamentos identitários podem ser (entre)vistos através de imagens que são

projetadas e sinalizadas pelo uso da referência pessoal.

Da leitura que Matencio & Silva (2005) fazem de Erickson e Shulttz (1998), para a

organização de uma interação ocorre (re)distribuição de papéis sociais e (re)configuração da

ação conjunta de modo que “a estrutura de participação envolve a contínua (re)distribuição da

ação conjunta, o que provoca efeitos em relação à forma de os sujeitos falarem e ouvirem (de

produzir sentidos) e assumirem posições/posturas (sociais, comunicativas e pessoais) que são

sustentadas coletivamente” MATENCIO & SILVA (2005:251).

A análise da construção da referência pessoal evidencia, como bem propõem Matencio

& Silva (2005), a necessidade do estudo “do eu em relação ao aqui e agora” como

“procedimento pelo qual se pode não apenas aprofundar, de forma sistemática, a compreensão

da construção de posicionamentos identitários no jogo interlocutivo, como também explorar

seus possíveis efeitos para a construção, pelos enunciadores, de representações” MATENCIO

& SILVA (2005:247).

O estudo que ora se apresenta examina esse “eu” como posição discursiva do

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professor que, no “aqui e agora” instaurados pelos instrumentos da pesquisa questionário e

entrevista, faz movimentar um conjunto de já-ditos concernentes ao modo como o

entrevistado se vê e se percebe como profissional que tem como interlocutor o aluno e que é

parte integrante do grupo professor.

Essa mostra de posicionamentos identitários se dá de modo multifacetado e

conflitante, como demonstro no capítulo 3, uma vez que emerge da sobreposição de imagens

“de si e do outro” e, conseqüentemente, de um sujeito que não apenas diz, mas que também é

dito pela língua.

Analisar esse (não)dizer e seus efeitos implica propor uma análise do discurso desse

dizer que pode oferecer evidências do funcionamento do discurso didático, ou ainda, das

representações que orientam e justificam o agir do professor na interação com o aluno.

Uma categoria como a referência pessoal pode informar como o professor projeta a

imagem do seu grupo, como ele pode preservar (resguardando o seu “eu” professor) suas

ações, reações e interações frente ao aluno e a comunidade escolar mediante a assunção de um

“você” grupo professor.

As análises indicaram-me que para que eu pudesse identificar um referente, eu

precisava considerar tanto os processos anafóricos quanto as pistas de natureza pragmática –

contextuais, situacionais e culturalmente compartilhadas. O que estou dizendo é que minha

análise não poderia nem se basear naquilo que se poderia prever como conhecimentos e

intenções dos entrevistados nem naquilo que se mostra estritamente lingüístico e previsto por

teorias semânticas, dada a noção de sujeito a que este trabalho se filia, aquela que não prevê

um sujeito assujeitado nem tão pouco um sujeito intencional, mas um sujeito que trabalha

discursivamente; trabalho que pode provocar efeitos que não são previstos por quem enuncia.

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5. A ANÁLISE DO DISCURSO COMO UM ESPAÇO INTERPRETAT IVO

Compreender, entender e interpretar são ações em torno das quais comunidades,

sociedades vêm se construindo e se destruindo, haja vista os diversos conflitos de diferentes

naturezas que fazem História.

Deleuze & Guattari (1966) – ao discorrerem sobre a construção psicanalítica e

discursiva de Deus – conseguem provocar qualquer analista de discurso quando

problematizam o engendramento discursivo das crenças e, nessa medida, discutem sobre a

(im)possibilidade de se corromperem interpretações já compartilhadas:

Nietzsche está profundamente farto de todas as histórias que tinham sido feitas à volta da morte do Pai, da morte de Deus, queria acabar com os intermináveis discursos a esse respeito, discursos já habituais no seu tempo hegeliano. Mas enganou-se, porque os discursos continuam (...) os frutos da notícia da Morte de Deus suprimem tanto a flor da morte como o rebento da vida. Porque vivo ou morto, a questão é sempre uma questão de crença, de que não se consegue sair. DELEUZE & GUATTARI (1966:111)

Os autores, mesmo não assumindo esta empreitada, dão uma boa aula de análise do

discurso, inserindo os discursos em espaços interpretativos já estabililizados de modo que o

que se consegue ver (no caso acerca da morte de Deus) está sempre limitado a versões

públicas desse objeto de dizer. Posição também interessante é a de Nietzsche, que acreditou,

segundo os autores, na possibilidade de desintegrar (fazer desaparecer) discursos que talvez

não lhe parecessem os mais racionais, mas o fato é que discursos são construídos em torno de

“um saber que não se transmite, não se aprende, não se ensina e que, no entanto, existe

produzindo efeitos”PÊCHEUX (2002:43). Talvez Nietzsche estivesse mesmo preocupado

com os efeitos que as histórias acerca da morte de Deus estavam gerando, o que acaba

recobrindo o conceito de discurso “como efeito de sentidos entre interlocutores” (PÊCHEUX,

1969). Pensar nos interlocutores de Nietzsche é caminhar na direção de se perceber os

discursos que se constroem acerca do objeto discursivo (a morte de Deus) como “conjunto de

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discursos possíveis, a partir de um estado definido das condições de produção” PÊCHEUX

(1969) apud MALDIDIER (2003:23) condições essas que acentuam a importância de que o

discurso seja pensado como um tecido histórico-social. Não há, pois, como “destruir”,

“desintegrar” discursos, uma vez que “o discurso é a materialidade específica da ideologia.

Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (ORLANDI, 2002:31).

Lida a citação de Deleuze & Guattari à luz dos princípios da AD Francesa, interessam-

me dois outros pontos. O primeiro reside na alusão ao poder imobilizante das crenças: “os

frutos da notícia da Morte de Deus suprimem tanto a flor da morte como o rebento da vida.

Porque vivo ou morto, a questão é sempre uma questão de crença, de que não se consegue

sair” (grifo meu). É, pois, dada essa dificuldade, a que aludem os autores, de se romper com

interpretações estabilizadas (explicadas ideologicamente e historicamente) que o conceito de

representação social ganha dinamicidade e fôlego para a sustentação de debates no interior de

quadros teóricos diversos.

Já o segundo ponto repousa no fato de que “os discursos continuam”. Sim, eles

realmente continuam, e orientados pelas condições de produção do espaço do dizível em que

se localizam, cada vez mais vão ganhando os contornos das ideologias do momento sócio-

histórico em que se presentificam e sobre o qual as representações vão orientando as ações e

dando forma ao dizível. Os discursos continuam, sim, mas diferentemente, ao passo que são

afetados por outros discursos e ecoados no interior de diferentes formações discursivas.

5.1 INTERPRETAÇÃO: LUGAR DO OUTRO?

A interpretação, segundo Pêcheux (2002), emerge do ‘outro’: “é porque há o outro

nas sociedades e na história, correspondente a esse outro próprio ao linguajeiro discursivo,

que aí pode haver ligação, identificação ou transferência, isto é, existência de uma relação

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abrindo a oportunidade de interpretar” PÊCHEUX (2002:54).

Assim, interpretar o dito (ou o enunciado5) implica olhar para o ‘discurso outro’ que,

como exterioridade, marca interdiscursivamente a memória discursiva por meio de pré-

construídos e já-ditos; saberes discursivos que embasam a formulação e a significação do

dizer PÊCHEUX (2002.55).

O sujeito (que diz, significa), ao trazer a voz do outro, os interdiscursos (esquecendo-

se de que não é origem de seu dizer), deixa marcas, rastros na linguagem e vai se constituindo

e se mostrando na cadeia discursiva enquanto posição, o que já se assume como premissa no

escopo da AD. Assim, a busca do analista do discurso pela percepção dessa constituição

discursiva permite uma arqueologia desse próprio sujeito que, ao ocupar uma posição

(ideologicamente e historicamente marcada), reconstrói discursos, a si mesmo no discurso e o

seu grupo no discurso.

Cabe aqui trazer a voz de Possenti (2002) quando o estudioso assevera que o trabalho

do sujeito é uma das características fundamentais do discurso e, assim, ao defender a

emergência de um sujeito que age e manobra em suas ações linguajeiras – embora tais ações

possam não produzir os efeitos esperados – o autor me incita a pensar sob o prisma da

intencionalidade: “Falar de um assunto X a um interlocutor Y pode, em certas circunstâncias,

significar dizer que Y tem interesse em X. E, inversamente, para o ouvinte Y, deixar o locutor

falar de X pode ser interpretado como a confissão de um interesse por X”. DUCROT

(1972:17).

Concentremos por ora nossa atenção nas teorizações de Ducrot acerca do posto e do

pressuposto e, assim, do dito e do não-dito.

5 O que assumo com Ducrot como dito é também compatível com definição de enunciado que para Pêcheux (2002:53): “é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para outro(...) todo enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois, lingüisticamente descritível como uma série de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso”.

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5.2 O POSTO E O PRESSUPOSTO: ENTRE O DIZER E O NÃO–DIZER

Eleger o material lingüístico, o dito como expediente de análise, requer o

estabelecimento de um estatuto ao dizer. A pesquisa, assim, deve nascer de uma análise

alicerçada no que é posto, no que é enunciado pelo sujeito da pesquisa. Mas, por outro lado,

como não considerar aquilo que não está efetivamente sendo dito, mas que parece orientar

e/ou sustentar o que se diz? Há, pois, como ler o dito apenas a partir do que é dito? Se

respondo a essa pergunta de modo negativo, preciso me interrogar a quem será atribuída a

responsabilidade por aquilo que não se diz explicitamente: à pesquisadora ou ao sujeito da

pesquisa? As teorizações de Ducrot (1972) acerca da pressuposição fornecem subsídios para a

elaboração de respostas a perguntas que, como essa, oscilam numa tensão entre o já-dito e o

agora dito: “O problema geral do implícito é saber como se pode dizer alguma coisa sem

contudo aceitar a responsabilidade de tê-la dito, o que, com outras palavras, significa

beneficiar-se da eficácia da fala e da inocência do silêncio” 6 DUCROT (1972:20).

Para Ducrot (1972:12), o fenômeno da pressuposição “faz aparecer, no interior da

língua, todo um dispositivo de convenções e leis, que deve ser compreendido como um

quadro institucional a regular o debate dos indivíduos”, o autor, desse modo, mostra-nos sua

crença na necessidade de se pensar uma teoria da argumentação na língua7 que dê conta de

um trabalho sobre a interpretação que incida no que se diz (posto) e no que não se explicita

(pressuposto) nesse dizer e, portanto, não se diz. Apresento, a seguir, um conjunto de excertos

da obra de Ducrot em torno do qual problematizo que, se, para a AD, interessam os efeitos de

6O que está dizendo aqui Ducrot é exatamente uma das grandes preocupações da AD: o lugar da interpretação da AD de modo que se “pode dizer que a AD é uma teoria da leitura, ou melhor, que ela formula uma teoria da leitura que se institui rompendo fundamentalmente com a análise de conteúdo, por um lado, e com a filologia (e também com a hermenêutica), por outro” POSSENTI (2004:359). 7 Cabe aqui uma rápida ponderação, Ducrot (1998) apud Moura (1998) reconhece ter pensado na década de 70 a pressuposição no escopo do enunciado, mas em 1998 ele fala em discurso a ponto de se nomear estruturalista do discurso e não estruturalista da língua como Saussure.

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sentido produzidos por um dado dizer, isso também se mostra válido, embora talvez não pelas

mesmas razões, para os princípios da Semântica Lingüística de Ducrot.

(I) (...) O pressuposto tem, portanto, o mesmo estatuto que toma, enfim, qualquer posto que não tenha sido discutido pelo interlocutor (DUCROT, 1972:108). (II) Quando se introduzem pressupostos num enunciado, fixa-se por, assim, dizer, o preço a pagar para que a conversação possa ser continuada (DUCROT, 1972:102). (III) O implícito não é encontrado, mas reconstruído (DUCROT, 1972:20). (IV) Tudo que é dito pode ser contradito (DUCROT, 1972:14). (V) Em sua maior parte, as frases pronunciadas se mostram como partes integrantes de um discurso mais amplo, como uma continuação de uma troca de falas que as precedeu (são, então, respostas, objeções, confirmações...) e, por outro lado, como exigências de uma discussão ulterior, a pedir para serem completadas, confirmadas e ponderadas, para servir de bases a deduções (DUCROT, 1972:90) . (VI) Há para cada locutor em cada situação particular, diferentes tipos de informação que ele não tem o direito de dar, não porque elas sejam em si mesmas objeto de proibição, mas porque o ato de dá-las constituiria uma atitude considerada repreensível” Daí a necessidade de se “ter a disposição modos implícitos de expressão que permitam deixar entender sem acarretar a responsabilidade de ter dito (DUCROT, 1972:14).

Os excertos (I-VI) podem ser agrupados pelo menos a partir de dois recortes. Um

primeiro que se centraria nos limites do enunciado: a quem se deve imputar a

responsabilidade por acessar a partir do não-dito algo que parece ter sido dito (sinalizado

pelos excertos de I a III) e um segundo recorte, representado pelos excertos IV a VI, poderia

associar a pressuposição a algo que é da ordem da enunciação. No primeiro caso, estaríamos

diante do nível de um enunciador “encarnado”, já no segundo se trataria de um enunciador

genérico (cf. MAINGUENEAU, 2002). Embora essa discussão de enunciador “encarnado” e

genérico não seja compatível com o que se compreende pela noção de sujeito (pensada como

posição) na AD Francesa, essa bipartição dos excertos aponta para uma contradição (vista sob

a ótica da AD), que me parece ser frutífera para que se possa compreender/estabelecer o

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divisor de águas entre os conceitos de pressuposto e de pré-construído.

A Semântica Lingüística de Ducrot nos expõe a fórmulas de universalidade e

generalidade que são rejeitadas pelo projeto da AD Francesa, para quem “o sentido decorre

das enunciações, atos que se dão no interior de FDs que determinam o sentido do que se diz”

POSSENTI (2004:361); talvez se centre aí uma boa razão para que se compreenda o modo

como Henry (1992) – conforme se verá na próxima seção – ataca a Teoria da Pressuposição,

antes, porém, vejamos tais fórmulas:

Disse-me X; ora X implica Y, logo me disse Y

Disse-me X; ora, não se diz X a não ser se Y, logo ele quis dizer Y

Essas fórmulas orientam-me na proposição da seguinte questão: Se o implícito emerge

de um pensar do interlocutor orientado por fórmulas como essas é porque há interdiscursos

(garantidos por sistemas compartilhados de crenças) que parecem orientar, justificar o porquê

de (não)se dizer. Corajosamente, pergunto-me se questões como estas – Os pressupostos

evocam pré-construídos, interdiscursos? E os pré-construídos possibilitariam a existência de

pressupostos? – são passives de respostas.

5.3 PRESSUPOSTOS E PRÉ-CONSTRUÍDOS: CONCEITOS CAMBIÁVEIS?

Acredito que a análise desses conceitos deve revelar não apenas um exercício

intelectual importante para estudos amparados no quadro teórico da Análise do Discurso, mas

sobretudo um refinamento conceitual que justifica as categorias eleitas para o trabalho com o

corpus e o modo como foram conduzidas as análises.

As noções de pressuposto e pré-construído foram cunhadas em campos disciplinares

distintos sendo o primeiro na Semântica de Ducrot e o último na Análise do Discurso de

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Henry. Tais conceitos parecem, contudo, de algum modo, complementares, se os pensarmos a

partir de algo semelhante a “tipos de informações”. Refiro-me a uma espécie de estoque de

conhecimento que se mostre de algum modo e em um determinado momento disponível para

aquele(s) que interage(m) de forma a acionar um dado8 significado ou um significado dado.

As expressões um dado significado e um significado dado não são equivalentes, a primeira

pode ser associada ao conceito de pressuposto enquanto a segunda pode remeter ao conceito

de pré-construído (conforme sinalizo no quadro 3).

Em face ao meu projeto de comparar as noções de pressuposto e pré-construído, trago

parte da teorização de Henry (1992) acerca do modo como o analista do discurso avalia o

conceito cunhado por Ducrot no interior da Semântica Lingüística:

(I) (...)seu [de Ducrot] objetivo é mostrar que a pressuposição é de natureza lingüística, o que significa que os pressupostos devam ser considerados como fazendo parte da significação literal dos enunciados (HENRY, 1992:76). (grifo meu) (II) O projeto de descrição semântica de Ducrot parece, ao primeiro olhar, muito mais ambicioso porque essa descrição é definida como “um conjunto de conhecimentos que permitem prever o sentido que recebe efetivamente um enunciado da língua em cada uma das situações em que ele é empregado”(...) quanto a Ducrot, ele considera que “aquilo que se chama ocorrência fora do contexto nada mais é do que uma ocorrência num contexto artificialmente simplificado”(...) Ducrot supõe, de todo modo, que se pode definir uma significação literal não-contextual. (HENRY, 1992:80). (grifos meus) (III) (...)parece, portanto, que a noção de pressuposição permite identificar os efeitos de significação de uma natureza particular ligados, ao ato de linguagem como tal. Ora, justamente, ao ligar pressuposição e ato de linguagem, traz-se de volta um sujeito, enquanto origem desse ato, mesmo se se considera que esse sujeito interioriza um sujeito universal que regula a atividade ou se se toma a sociedade como uma instância que rege juridicamente as significações para ele. Mais fundamentalmente, observa-se a necessidade teórica que determina a assunção da hipótese de um sujeito universal enquanto base da competência lingüística ou o fato de fazer da sociedade um sujeito exercendo controle jurídico sobre a língua, advém do fato de considerar o indivíduo falante como um simples sujeito, ao mesmo tempo lugar e sujeito de seus próprios pensamentos (HENRY, 1992:104). (grifos meus)

8 O jogo com a palavra aqui proposto com a palavra dado foi inspirado pelo instigante texto de Possenti O DADO DADO E O DADO DADO: o dado em Análise do Discurso.

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(IV) (...) Ao dizer que o efeito de significação próprio da pressuposição é um valor imposto pela sociedade, o que Ducrot procura é exatamente tornar literais esses efeitos de significação (HENRY, 1992:105). (grifo meu)

Os segmentos negritados deixam entrever a hipótese com a qual trabalho, quer seja: a

de que as críticas de Henry ao conceito de Ducrot se justificam dada a posição assumida por

Henry, na esteira da AD Francesa, da significação como um efeito de sentido e, portanto, de

natureza mais discursiva do que lingüística. Assim, o que faz camufladamente Henry é tentar

demonstrar para seu leitor que o inadequado, ao ver do teórico, em Ducrot poderia ser

“corrigido” pela inserção do conceito no quadro teórico da AD.

Orientada pelas avaliações de Henry do trabalho de Ducrot, arrisco a construção de um

quadro comparativo entre os conceitos de pressuposto e pré-construído:

QUADRO 3

Quadro comparativo entre os conceitos de Pressuposto e Pré-construído

Pressuposto Pré-construído

A INTERPRETAÇÃO

INCIDE

No individuo/ língua É exterior ao indivíduo/discurso.

ESCOPO DE ANALISE

O enunciado O enunciado, mas como marca de uma enunciação anterior àquela enunciação de agora, ou seja, está para o enunciado como índice para a recuperação de já-ditos.

NOÇÃO DE SIGNIFICADO

Pode provocar um dado significado porque é da ordem do individuo.

Evoca um significado dado.

NOÇÃO DE SENTIDO

Da ordem da enunciação Da ordem das formações discursivas

CONCEPÇÃO DE

INTERPRETAÇÃO

É de responsabilidade do interpretante, que pode ser repreendido pelo outro como produtor de uma interpretação equivocada ou de má fé.

É socialmente determinada, foge ao interpretante, porque é efeito que possibilita aliar histórico, ideológico e lingüístico.

O LUGAR DO SUJEITO

Ocupa uma posição central, porque o modo como ele compreende o dizer é contextual e, portanto, não se repete.

Ocupa uma posição em que é afetado, atravessado por ideologias (que nem sempre são acessíveis), assim, o modo como ele compreende o dizer (um já-dito) é uma interpretação já estabilizada e afetada por formações discursivas.

Nesta seção, procurei, assim, prever – partindo de excertos das teorizações de Ducrot e

do modo como os respondia Henry – um possível trajeto explicativo para a emergência do

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conceito pré-construído ancorada no conceito de pressuposto.

A motivação pela revisão teórica dos conceitos de pressuposto e pré-construído no

interior deste capítulo tem origem no fato de que eles se relacionam diretamente à

interpretação pensada ora como um projeto de dizer de um dado locutor – na esteira dos

trabalhos de Ducrot, que deveria ser depreendido, localizado por meio, por exemplo, de

fórmulas (como vimos na seção anterior) – ou como a busca interpretativa no interior da AD

Francesa, na crença da existência da figura de autor que:

dizia sempre mais, menos ou outra coisa em relação ao que queria dizer (em virtude dos efeitos da ideologia, do inconsciente); e a das condições de produção com ingredientes contraditórios. Em outras palavras, a AD não aceita que haja obras cuja interpretação possa/deva/mereça ser levada a cabo com procedimentos baseados em uma condição de língua que se refira diretamente ao mundo em concepções de autor definido em termos de projeto e intenção (POSSENTI, 2005:360).

Considerando o lugar, bem como as definições que o enunciado assume no trabalho

com os conceitos de pressuposto e pré-construído, não me parece contraditório a construção

de um quadro teórico que se paute predominantemente no conceito de pré-construído, mas

que recorra, por vezes, ao conceito de pressuposto, na tentativa de localizar o índice

lingüístico que remeteria a uma dada memória discursiva (nos casos em que essa puder ser

localizada no nível lingüístico) de modo que assumo que pressuposto e pré-construído não são

conceitos cambiáveis, mas sim complementares.

6. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Oliveira & Werba (1998) localizam a Teoria das Representações Sociais (TRS) como

um espaço no interior do qual muitos pesquisadores têm se percebido instigados e, por vezes,

obrigados a rever o modo como vêem compreendendo e interpretando fenômenos sociais,

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dada a possibilidade mobilizadora desse quadro teórico de demonstrar que os sujeitos agem

orientados e motivados por representações sociais e que, portanto, essas possuem um grande

poder mobilizador e explicativo sobre a formação e ação de grupos.

A TRS oferece, assim, elementos para que melhor se compreenda “porque pessoas

fazem o que fazem” de modo que estudar as representações sociais implica “buscar conhecer

o modo como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam a identidade

de um grupo social” (OLIVEIRA & WERBA, 1998:107).

No escopo da TRS, as teorizações de Moscovici9 (2004), ao capacitarem flagrar e

explicar ações grupais como resultado do agenciamento de um sistema de crenças

compartilhado, historicamente e ideologicamente determinado – justificam que poderes e

interesses de uma dada sociedade só são assim reconhecidos porque há representações que

assim os significam.

Para este estudo, a noção de representação social interessa na medida em que

possibilita que a escuta analítica das vozes de professores em suas individualidades

(capturadas e geradas pelos instrumentos da pesquisa – conforme demonstro no capítulo 2)

revele – por meio de instanciações singulares da memória discursiva – sistemas de crenças

=que expliquem ações de dominação e resistência do grupo professor brasileiro. Tal processo

é marcado a partir do jogo familiar e não-familiar que determina quando estamos (ou não)

diante de um sistema de crenças compartilhado e, conseqüentemente, diante da alteridade

traduzida e referenciada como ele ou como nós.

Se nos alinhamos à posição de que somos guiados por diferentes sistemas de crenças a

partir dos quais vivemos e nos posicionamos, as ações, reações e interações humanas são

orientadas por representações sociais. Mas, por vezes, as representações sociais podem não

ser tão acessíveis e explícitas como essa discussão pode sugerir. Acredito que é possível, em

9 Autor responsável pela revisão dos estudos de Durkheim acerca das representações coletivas e da releitura de Lévy-Bruhl das teorizações durkheinianas

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algum nível, trabalhar e lutar para a alteração de um sistema de crenças. A procura por bancos

universitários, o ingresso em novas religiões, as sessões de terapia e os cursos de pós-

graduação são ações que podem configurar exemplos dessa tentativa, uma vez que provocam

o que Bauer (1998) nomeia re(a)presentação de uma dada realidade. Assim, quando se altera

um sistema de crenças, ou seja, uma representação social, o modo como uma dada realidade

era até então compreendida passa por um processo de reorganização em que os significados

até então compartilhados com uma dada comunidade são revistos. Daí a afirmação de Bauer

(1998: 231) de que “em representações sociais lidamos com imagens variáveis da realidade” e

nessa medida as representações sociais existem para garantir, possibilitar que o não-familiar

se torne familiar e ainda alterar/substituir o que era familiar por um novo familiar.

Muito embora lance aqui a hipótese de que a procura pela “troca” de sistemas de

crenças se dê de modo motivado (ou seja, o sujeito se percebe de algum modo “obrigado”,

“necessitado” ou “merecedor” da inserção naquele novo espaço discursivo) há resistências

nesses processos de re(a)presentação, de revisão e de ressignificação de uma dada

representação. O ingresso na universidade – no curso de Letras – pode servir de exemplo para

pensarmos na capacidade de resistência com a qual os professores dos períodos iniciais se

deparam no que concerne, por exemplo, à apresentação de um quadro teórico que trate das

noções e conceituações do termo gramática. Os graduandos, assim, resistem apresentando e

argumentando a partir de um sistema de representações que eles têm à disposição naquele

momento. O estudante deixa claro ao professor a lógica sustentadora de tal chave de

interpretação, sua dificuldade em alterar (rapidamente) aquele papel de aluno da educação

básica, juntamente com as representações que dele decorrem, até então norteando a posição-

sujeito por ele assumida. O que o estudante universitário não percebe é que, naquele

momento, uma outra posição e uma outra identidade começam a ser geradas. As

representações, assim, podem ser compreendidas como “a produção cultural de uma

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comunidade, que tem como um de seus objetivos resistir a conceitos, conhecimentos e

atividades que ameaçam destruir sua identidade” (BAUER, 1998:229).

Ainda pautando-me no exemplo do aluno recém-ingresso no curso de Letras,

proponho que, para se pensar o surgimento de uma representação social, torna-se necessário

projetar um processo que se aproxime de uma mesclagem em que o engendramento de uma

representação deva necessariamente emergir da sobreposição de novas e antigas

representações.

6.1 Representações sociais no discurso: o professor como sujeito discursivo e as

representações do grupo

Nóvoa (1991), realizando uma historiografia da profissão docente no Brasil,

problematiza que a responsabilidade por um dado saber e a transmissão de conhecimentos

hoje atrelados ao papel social do professor foram funções historicamente atribuídas à Igreja,

que era responsável pela educação formal. Assim, o professor só foi se tornando funcionário

do Estado, gradativamente, em meados do século XVIII. Segundo Nóvoa (1991), para

regulamentação da profissão docente, medidas governamentais precisaram ser tomadas:

currículo, técnicas pedagógicas e a “licença”/ habilitação para o ensino revelaram as primeiras

preocupações estatais, medidas sustentadas por políticas públicas baseadas na constituição de

1988.

Simultaneamente a esse movimento articulador, que intencionava conferir um estatuto

de profissional aos professores, autor salienta que os docentes iam, juntamente com a

sociedade, também formulando (considerando os ecos que estavam a ressonar) representações

em relação ao que deveria ser compreendido como essa profissão e o que deveria orientar o

trabalho docente.

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As medidas políticas – ao explicitarem as condições do exercício do trabalho docente

– resultavam e ao mesmo tempo eram resultado de uma resistência daqueles profissionais que,

tomando consciência de seus próprios interesses, enquanto grupo, criaram associações

profissionais para que diálogos intergrupais e dirigidos ao governo se tornassem possíveis.

Tais ações, rumo ao que mais tarde reconheceríamos como movimentos sindicais,

apontavam para a percepção de um discurso do mesmo e, portanto, de uma relação com

aquele que é “nós”. (JODELET, 1998). Nessa medida, instauram-se práticas discursivas para

que se pudesse falar sobre o processo de profissionalização em curso do docente. Retomo,

pois, a definição de Foucault (1996), de discurso por reconhecer nela algo que se mostra

fundador na Análise do Discurso:

O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo qual se luta, o poder do qual queremos nos apoderar (grifos meus). FOUCAULT (1996:10)

Interessa-me, sobretudo, nesse momento, compreender hoje – por meio de uma

atualização e, conseqüente, releitura dos escritos de Foucault – o que a palavra “aquilo” pode

recobrir nessa citação.

O primeiro uso da palavra “aquilo” parece estar atrelado ao que Foucault nomeou

prática discursiva, pois para o autor as práticas discursivas colocam o discurso em

movimento, sendo também responsáveis por moldar nossas compreensões acerca do mundo.

Já o 2o uso de “aquilo” parece não coincidir com o primeiro, uma vez que esse parece se

vincular mais às representações e às crenças que justificam a luta e, assim, à produção daquele

discurso.

Destaco, pois, que é a análise desse segundo “aquilo” que me permitirá chegar à

compreensão de como o discurso didático funciona, a partir de uma busca orientada pelas

práticas discursivas (questionário e entrevista) que buscam desvendar dentre questões como:

que luta é a luta do professor hoje? Pelo que, afinal, se luta?

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Procurei até aqui demonstrar o que são as representações sociais e contextualizei

brevemente o surgimento da profissão professor em função de legislações que acabaram

gerando o que hoje nomeamos sindicatos de categorias. Comecei também, a partir da

definição de discurso, de Foucault, a relacionar o modo como o conceito de representação

social vai se fundindo ao de discurso.

7. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A ANÁLISE DO DISCURSO:

IMPLICAÇÕES

Antes, de colocar em cena os conceitos da AD Francesa com os quais trabalharei, opto

por trazer a voz de Possenti (1996) quando o estudioso defende a necessidade de se fazer

análise do discurso a partir do diálogo com outras teorias. Assumindo com Possenti essa

premissa, elegi a TRS como teoria auxiliar, restando-me ainda reunir o conjunto de

evidências, apresentados ao longo dos capítulos, que justifica as razões que me conduziram

a essa escolha.

Possenti (1996) defende que um quadro epistemológico básico de uma teoria do

discurso deveria se fundar em dois elementos, sendo um deles fixo, representado por uma

teoria lingüística e o outro vinculado a uma teoria auxiliar de natureza não-lingüística, cujos

pressupostos se mostrem coerentes com o discurso objeto de exame.

O meu estudo da TRS iniciou pautado em uma pesquisa coletiva10 e, nessa medida, a

um interesse grupal de conhecer esse quadro teórico e as possibilidades de uma futura

10 No escopo da pesquisa Os gêneros acadêmicos na formação profissional: práticas discursivas e produção de conhecimentos na leitura e na escrita coordenado pela Professora Doutora Maria de Lourdes Meirelles Matencio com financiamento da PUCMINAS/FIP/CNPQ. Esse projeto, por seu turno, está vinculado ao projeto temático (com financiamento da UNICAMP/FAPESP) intitulado Formação do Professor: processos de retextualização e práticas de letramento coordenado pela Professora Doutora Ângela Bustos Kleiman. Projeto Ensino-aprendizagem da escrita na formação de profissionais de nível universitário CONVÊNIO CAPES/COFECUB- USP/Unicamp/Université Stendhal Grenoble III (FR).

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filiação. Assim, pareceu-nos (ao grupo de pesquisa), em um primeiro momento; evidente que

o diálogo com essa teoria deveria se dar sob o prisma discursivo. Restava, contudo, a tarefa de

explicar/comprovar que as representações sociais são construídas discursivamente. Lançada

essa hipótese de trabalho, o conceito de representação social se mostrava cada vez mais

presente em nossas análises. A pesquisa, entretanto, com seus objetivos mais específicos

ainda não propôs a sistematização de tais discussões, assim, aproveito este trabalho para

traduzir profícuas hipóteses desse grupo de trabalho, aprofundando e elegendo outras facetas

para aqui investigar.

Nesta pesquisa, lanço-me à tarefa de estudar o discurso didático e a faço por meio do

agenciamento de princípios da Semântica propostos por Ducrot assumindo os conceitos de

dito e não-dito e o de pressuposto contrastado ao conceito de pré-construído (cf. item 4 do

capítulo seguinte) para acessar a(s) posição(ões)-sujeito professor que se desenha(m) nos

dizeres. A maior implicação que o diálogo – que sustenta as análises apresentadas no capítulo

de análise – entre a AD e a TRS oferece nesta pesquisa é a defesa de que as discursividades e

os pré-construídos evocados e assegurados por uma memória discursiva nada mais são do que

representações sociais que, compartilhadas por grupos, alcançaram uma estabilização como

objetos de discurso, conforme demonstrarei.

As representações sociais estão, pois, a circular, a ecoar e a engendrar discursos, ao

mesmo tempo, em que práticas discursivas (bem como o que se quer dizer e o que se diz sem

querer) são orientadas por representações sociais.

De um lado, a articulação do quadro teórico da TRS ao da AD Francesa pode ser vista

com ressalvas por lingüistas, se se assume uma posição que perceberia essa interface entre

campos discursivos como não compatível no que tange aos objetos de pesquisa que elas

elegem como seus, entretanto, sob o prisma da Lingüística Aplicada, ações interdisciplinares e

multidisciplinares podem ser legitimadas, como bem alertam Kleiman & Matencio (2005:07):

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A interdisciplinaridade constitui característica marcante da pesquisa acadêmica na Lingüística Aplicada, que olha para realidades cada vez mais complexas. À complexidade, contrapomos modelos complexos de pesquisa, na tentativa de eliminar ou subjulgar essa característica.

Por outro lado, há a possibilidade da crítica em outra direção, ponderando-se que a não

eleição de um quadro teórico orientado tão somente princípios da AD estaria de algum modo

camuflando ou distanciando o trabalho de análise do discurso ou, ainda, que se estaria

fazendo outra coisa que não análise do discurso.

8. CONCLUSÕES PARCIAIS

Ao acessar primeiramente o circuito polifônico de construção de sentidos do discurso

didático fora da imagem que dele se projeta no interior do discurso científico (e,

conseqüentemente, fora das práticas discursivas daqueles sujeitos que se mostram, enquanto

posição, no interior dele) procurei demonstrar que os quadros teóricos da AD e da TRS são de

tal modo intercambiáveis que o princípio “o ponto de vista é que define o objeto” faz-se

surpreendentemente aplicável, explico-me, se para a TRS interessam as ações, ou seja,

investigar: porque as pessoas agem como agem (Oliveira & Werba,1998), para uma

pesquisa em AD, poderia interessar, como a este trabalho, compreender: porque as pessoas

dizem o que dizem e de onde dizem.

Ao propor uma interface entre a TRS e a AD um terceiro objeto parece surgir da

convergência das duas abordagens: Podemos acessar os porquês das pessoas agirem (ou

não agirem) de tal modo por meio de seus dizeres. Ou, ainda, podemos afirmar que as

pessoas agem discursivamente e que esse agir é ancorado em chaves e interpretações

coletivamente compartilhadas.

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Foi para pensar tais questões que discuti acerca do (não)dizer, da AD como um espaço

interpretativo e, ainda, apresentei uma rápida discussão sobre o engendramento da profissão

professor para, assim, oferecer pistas para se pensar a tomada do dizer pelo grupo.

Também apresentei as categorias que orientam o capítulo de análise, quais sejam:

pressuposto e pré-construído e referência pessoal.

Cumprida essa tarefa, passemos agora à explicitação da metodologia de coleta e

geração de dados.

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Capítulo 2Capítulo 2Capítulo 2Capítulo 2

Metodologia de coleta e geração de dadosMetodologia de coleta e geração de dadosMetodologia de coleta e geração de dadosMetodologia de coleta e geração de dados

1. INTRODUÇÃO

A construção deste capítulo se pauta na necessidade de se explicitarem os diversos

procedimentos metodológicos, adotados ao longo da pesquisa, que garantiram um caráter

experimental à coleta de dados. O que nomeio experimental incide, na verdade, em uma

“invenção” de dados pela analista, explico-me, há uma tradição de pesquisa que parece prever

que os dados devam ser recolhidos pelo pesquisador e, nessa medida, já devem existir/circular

de modo “bruto” em textos já existentes; publicados, programados para serem ditos –

independentemente do pesquisador, como é o caso de debates e proferimentos políticos

diversos, de aulas que existiriam com ou sem a presença de um gravador na sala, dentre

inúmeros outros exemplos possíveis; ou seja, nesses casos os dados teriam sido gerados por

outras instâncias discursivas, o que é legítimo, mas não o seria se o próprio pesquisador

instituísse uma ação metodológica para geração desse dizer.

Gerar, “inventar”, esses dizeres, foi isso que fiz, selecionando instrumentos

(questionário e entrevista) de pesquisa que fizeram com que os sujeitos de pesquisa

dissessem, propagassem vozes, já-ditos. Não se trata – e é preciso que isso fique claro – de

fazer dizer, condicionar um dizer X (o que seria até impossível como discutido no capítulo

anterior, dado o modo como se conceitua interpretação e a importância que esse conceito

assume no dispositivo de análise da AD) mas simplesmente de fazer dizer, de produzir um

dispositivo para “criar” no sentido de fazer ecoar e recolher vozes.

Assim, é imprescindível que eu defenda que, embora os dados tenham sido

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construídos diferentemente de grande parte das pesquisas realizadas no escopo da Análise do

Discurso, o trabalho metodológico e analítico sobre os dados não deve ser visto com

ressalvas.

Esclareço que compreendo metodologia assim como o faz Fiorin (2002:39), como

“uma seqüência de operações que visam obter um resultado adequado às exigências da

teoria”, o autor assim assume uma certa subordinação da metodologia ao quadro teórico no

interior do qual se dá a investigação.

É nesse ponto que procuro, amparando-me em Henry (1997) e Maingueneau (1989),

rebater vozes que poderiam criticar a Análise de Discurso que empreendo nesta pesquisa por

meio de dados “inventados” pelos instrumentos de pesquisa entrevista e questionário.

Maingueneau (1989) registra o que me parece um momento de reflexão teórico-

metodológico profícuo para as pesquisas na AD ao afirmar que:

A AD, bem como a totalidade do campo lingüístico aliás, apenas pode fazer coexistir de forma conflitante teorias com pressupostos teóricos e metodológicos diversos, voltados preferencialmente para este ou aquele tipo de corpus (MAINGUENEAU, 1989:119) (grifo meu). As ciências firmemente estabelecidas desenvolvem instrumentos no interior de si próprias, de modo que a “invenção” de tais instrumentos produz-se no seu interior sob a forma de “teoria realizada”. Entretanto, diz Pêcheux, cada vez que um instrumento ou experimento é transferido de um ramo de ciência para outro, este instrumento ou experimento é reinventado, tornando-se um instrumento ou experimento desta ciência em particular, ou deste ramo particular de ciência. (HENRY, 1997:17) (grifos meus).

As contribuições dos três teóricos são intercambiáveis no que respeita à possibilidade

de (re)criação de outras práticas analíticas no seio da AD, Maingueneau acrescenta ao

binômio – operações metodológicas e teoria – proposto por Fiorin a preocupação com a

natureza do corpus e Henry reitera trazendo a voz de Pêcheux a abertura da AD para as

reinvenções e experimentações de instrumentos de pesquisa.

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Possenti (1996) postula que uma vez decidida aderir a um estudo de um outro discurso

que não o político corre-se o risco de não se conseguir a mobilização de algumas categorias

teórico-metodológicas da AD Francesa. Isso, entretanto, não nega o estatuto de análise do

discurso ao que se está fazendo. O que diz Possenti parece coincidir em certo ponto com a

preocupação de Maingueneau (1989) em dotar os analistas do discurso de uma certa

autonomia (metodológica para Maingueneau e teórica para Possenti) frente às escolhas

discursivas agenciadas que se distanciam do corpus privilegiado do discurso político que

orientou a gênese dos estudos discursivos desde Pêcheux e Fuchs (1975).

Quanto a esse corpus privilegiado, essa expressão pode hoje abarcar a proliferação de

estudos que constituem seus corpora com textos pertencentes ao domínio do discurso

jurídico, do discurso político e do discurso publicitário a que temos assistido nas últimas

décadas. Nesses corpora pode-se entrever uma postura argumentativa-avaliativa desenhada

pelo projeto de dizer em que o sujeito empreende um projeto discursivo que é estratégico e

intencional, porque foi previamente planejado.

Noutros termos, se assumo a premissa de que o sujeito só tem acesso a parte do que

diz, é como se percebêssemos posições-sujeito que revelam um pouco mais de acesso a esse

dizer. Explico-me: é de se esperar que um discurso político tenha sido previamente planejado

antes de sua execução, proferimento. Assim, independentemente de quem o tenha redigido (o

próprio político ou um assessor) o político tem controle sobre o que vai dizer, embora não

tenha controle sobre os efeitos desse dizer. Já numa entrevista, seja ela acadêmico-científica

ou até mesmo jornalística, o entrevistado pode no máximo tentar prever o que lhe poderia ser

questionado, já que o planejamento do evento cabe ao entrevistador. Desse modo, o sujeito

entrevistado e o político têm diferentes acessos no que respeita ao planejamento do que será

dito.

Considerando que a composição do corpus deste trabalho não se deu pela coleta de

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textos publicados ou exibidos em X no período Y, mas sim composto de respostas a

questionários entregues a serem respondidos no espaço de no máximo 24 horas e entrevistas,

fica evidente que essas práticas requerem menos planejamento daquele que diz e dessa forma

um projeto menos intencional.

Nesta dissertação, a entrevista e o questionário são vislumbrados como fontes de

apreensão do funcionamento discursivo, o que – ao justificar a natureza experimental do

processo de coleta de dados e a adesão à crença de que a Análise do Discurso necessita de

buscas por novas alternativas metodológicas – interroga o campo da Análise do Discurso ao

indagar: respostas escritas a um questionário ou respostas orais a uma entrevista seriam

práticas discursivas menores ou, ainda, menos discurso do que outras práticas?

Essa questão de dupla face (teórico-metodológica) me conduziu, como se poderá

constatar ao longo deste capítulo, a outras perguntas concernentes a definição: dos sujeitos da

pesquisa, dos instrumentos da pesquisa e do processo de geração de dados.

2. SUJEITOS DA PESQUISA: QUANTIFICAÇÃO E AMOSTRAGEM

Considerando que a questão da amostragem emerge em diferentes pontos do processo

de pesquisa, assumi desde o início desta investigação a amostragem com o grupo social

definido antecipadamente, qual seja: professores brasileiros formados em cursos de

licenciatura. Assumi, também, que pessoas do sexo feminino e masculino deveriam ser

integradas.

Uma vez assumida a premissa de que os professores brasileiros, ao se posicionarem

falam de formações sociais e discursivas, pareceu-me adequado em um primeiro momento

trabalhar com a variável: todos os professores (independentemente da disciplina e nível de

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atuação profissional) seriam pós-graduandos do Programa de Especialização latu sensu da

PUCMinas, dada a natureza desse Programa, realizado presencialmente nos períodos de férias

escolares, assim eu teria acesso a professores que atuam em diferentes cidades de Minas

Gerais e em outros estados brasileiros.

O contato inicial se deu com uma rápida apresentação (meu nome, minha formação e

uma descrição superficial de minha pesquisa) em que dizia que eu estava estudando o

discurso didático e que eu estava também trabalhando com o conceito de representação social.

Nesse momento perguntei se a pessoa era professor(a) e se poderia participar da pesquisa

como informante, para isso era necessário me fornecer um telefone ou e-mail para possível

futuro contato. Tão logo o sujeito se disponibilizava a participar, eu entregava o questionário

(anexo 1) acompanhado do protocolo (anexo 2). Foram 40 sujeitos escolhidos aleatoriamente

durante o intervalo das aulas do referido Programa de especialização. As respostas deveriam

ser entregues a mim no dia seguinte quando eu os procuraria no mesmo local em que havia se

dado o contato inicial.

Cada sujeito da pesquisa recebeu um questionário numerado e um protocolo avulso de

mesmo número para preenchimento de alguns dados. A não especificação das informações no

mesmo documento pôde garantir aos sujeitos, acredito, um movimento mais expositivo, no

que concerne ao registro de suas representações, o que significa considerar que, pelos dados

pessoais e questões não se encontrarem no mesmo documento, pode ter sido provocada uma

espécie de sensação de escrita anônima. Entretanto, no momento em que propus a separação,

objetivava apenas evitar o cotejo entre os dados pessoais e respostas ao questionário durante o

processo inicial de trabalho com os dados.

Para que eu chegasse ao número de sujeitos que seriam entrevistados na 2a fase da

pesquisa (a entrevista), os dados que compõem o protocolo foram sondados e quantificados

(c. tabelas de 2 a 7) para que se realizasse a seleção das variáveis relevantes para a definição

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da amostragem dos sujeitos.

Embora a pesquisa tenha lançado como manobra metodológica a assunção de uma

amostragem que definia antecipadamente o grupo social professor11, no momento de análise

das questões do protocolo, uma outra filtragem precisou ser realizada gerando a subdivisão:

informantes12 e sujeitos da pesquisa pautada na verificação das variáveis13 estar atuando em

sala de aula (V1) e ter se graduado em curso de Licenciatura (V2) como exposto na tabela 1.

TABELA 1

Informantes e Sujeitos da pesquisa

Etapa 1

Questionários entregues

Etapa 2

Respostas entregues

Etapa 3

Excluídos (V1 eV2)

Etapa 4

Sujeitos da pesquisa

Etapa 5

Sujeitos entrevistados

Informantes

40

30

8

22

11

A variável disciplina de atuação (V3) norteou a decisão pela amostragem de 11

sujeitos da pesquisa (50% dos sujeitos da pesquisa do grupo A), sendo, portanto, considerada

a variável mais significativa, porque, conforme previsto no projeto gerador desta pesquisa,

acredito que professores de diferentes disciplinas podem fornecer mais indícios, no que

concerne ao acesso e compreensão de representações sociais que orientam o modo como o

sujeito professor se percebe no interior de um dado grupo. Levantei a hipótes,e a ser discutida

11 Todos que receberam o questionário, só o receberam porque se declararam professores no contato inicial. Assim, ao se afirmarem professores 7 sujeitos da pesquisa fazem movimentar e ecoar um projeto de dizer que rebate a voz “do se estar professor” o que implica considerar que quando se forma professor se é professor para sempre independentemente de se estar ou não em sala de aula, fazendo emergir uma representação de que professor (Prof ou Profª) é um título conquistado como a abreviação Dr ou Drª para os advogados, engenheiros e médicos. 12 Proponho aqui uma diferenciação entre informantes e sujeitos da pesquisa. Informantes são aqueles que participaram apenas da 1a etapa da pesquisa (a exploração do campo que coincide com a aplicação do instrumento questionário) e sujeitos de pesquisa são aqueles que tiveram suas respostas ao questionário analisadas. 13 A criação de tais variáveis se ancora em duas crenças fundamentais: 1) apesar desta pesquisa não estudar o discurso didático por meio da interação professor – aluno em sala de aula, é importante que o professor esteja atuando em sala de aula para que ele faça ecoar a multiplicidade da identidade estudantil do alunado com a qual ele se depara e convive em sala de aula diariamente, o que significa supor que – embora se saiba que todos aqueles que ocupam os cargos de coordenador e diretor sejam professores – as relações e imagens que mediam as interações entre coordenadores, diretores e alunos são bem distintas daquelas estabelecidas entre esses últimos e os professores. Há, ainda, a preocupação da pesquisa em estudar o discurso didático acreditando contribuir para a formação do professor 2) o que pressupõe dialogar com os cursos de formação e, portanto, com os cursos de licenciatura.

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no próximo capítulo, de que as formações sociais e discursivas poderiam estar diretamente

relacionadas às disciplinas de atuação docente, o que garantiria a percepção de um movimento

projetivo de posicionamento identitário mais amplo do professor brasileiro. À guisa de

sistematização, acompanhemos: i) as figuras (gráficos e tabelas) que representam a

quantificação de variáveis por meio de distribuições estatísticas em classes e gráficos de

dados numéricos e qualitativos e, também, ii) um quadro que

condensa e explicita as informações obtidas nos protocolos de todos os sujeitos que

entregaram as respostas ao questionário.

Conforme se verá a seguir, optei por duas formas de apresentação das mesmas

variáveis da pesquisa, quais sejam: tabelas e gráficos que permitem a visualização dos

mesmos dados, o que justifica as duas apresentações foi a assunção de um princípio bem

simples: os gráficos promovem uma melhor visualização do número de ocorrências dentro

das classes (representado pela letra f = freqüência), por outro lado, são as tabelas que geram

os gráficos. Assim, acredito que essa opção retrata um momento importante na visualização

do percurso orientador do trabalho.

3. ANÁLISE DOS DADOS DO PROTOCOLO: CONHECENDO O PERFIL DOS

INFORMANTES POR MEIO DE VARIÁVEIS

Nesta seção, apresento as variáveis14 significativas para a definição da amostragem

dos sujeitos entrevistados e, também, explicito o jogo de relações entre variáveis que desenhei

no momento de análise das respostas ao protocolo. Teço, também, comentários sinalizadores

das análises empreendidas no capítulo 3. As referidas variáveis são: ano de conclusão do

14 Conforme se verá optei por nomear apenas as tabelas por considerar mais prático e mais econômico visto que as duas formas de apresentação elucidam a mesma variável.

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curso de graduação, curso de graduação, disciplinas lecionadas, idade, nível de atuação

docente e tempo de docência.

A análise inicial das respostas ao protocolo15 se deu concomitantemente com a análise

inicial das respostas ao questionário, assim, eu buscava encontrar nos protocolos pistas que

explicassem a minha percepção de estratégias de dominação e resistência que se deixavam

entrever nas respostas ao questionário. Por essa razão, pareceu-me ser a variável tempo de

docência uma boa entrada analítica nos dados do protocolo, já que o tempo de carreira do

profissional pode se mostrar um bom indicador para a percepção daquilo que se diz e do

modo como se diz e, ainda, sinalizar uma autoridade, que se desenha no interior do grupo de

professores, para se avaliar a realidade profissional vivenciada pelo grupo16.

TABELA 2

Tempo de docência (V3)

15 Nesse momento ainda não havia se dado o cotejo respostas de um dado sujeito ao questionário e dados contidos no protocolo do mesmo informante. 16 Posicionamentos como esses parecem justificar muitos aspectos e questões, entretanto, interessa-me fundamentalmente aqui perceber o poder coercitivo que eles assumem frente ao dizer do graduando. Nessa medida poderíamos aceitar a metonímia de que o discurso didático tenta calar o discurso científico por meio da voz da experiência adquirida com o tempo.

Tempo de docência freqüência

0-1 3

2'-3 4

4'-5 8

6'-7 1

8'-9 2

10'-11 4

12'-13 1

14'-15 1

16-17 1

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Conforme se pode perceber no que concorre à quantificação, encontramos aqui três

ocorrências significativas: 8 informantes (que lecionam há 4-5 anos) e dois grupos de 4

informantes estando um deles bem próximo do tempo de experiências da maioria (2-3 anos de

magistério) e o outro grupo com o dobro de experiência da maioria. Essas ocorrências

permitem a constatação de que estamos diante de um grupo predominantemente de carreira

docente jovem e exemplos esparsos de uma carreira mais “madura”. A partir dessa

constatação, interroguei-me: estaria o tempo de docência relacionado à idade dos

informantes? A experiência apontaria de algum modo para o período de término da

graduação? Perguntando ainda de outra maneira: será adequado avaliar a inserção dos

informantes no mercado de trabalho sem se considerar o tempo em que o profissional se

encontrava preparado (graduando-se ou já graduado) para esse mercado? Motivada por essas

questões, elegi as variáveis ano de conclusão de curso (V4) e idade (V5) para serem cruzadas

com a variável tempo de docência (V3).

Tempo de Docência

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

0-1 2'-3 4'-5 6'-7 8'-9 10'-11 12'-13 14'-15 16-17

anos

GRÁFICO 1 – Tempo de docência

Passemos, agora, à variável ano de conclusão de curso:

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TABELA 3

Ano de conclusão de curso (V4)

Ano de conclusão de curso

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

1976-79 1980-83 1984-87 1988-91 1992-95 1996-99 2000-03 2004-08

GRÁFICO 2 – Ano de conclusão de curso

Como se pode ver, a maioria dos informantes se graduou nos últimos 4 anos o que

aponta para uma formação inicial ainda bastante recente. Relacionando-se assim à variável V3

(o ano de conclusão) da graduação, fui orientada a concluir que a experiência da maioria dos

informantes é significativa quando comparada ao período em que se iniciou e finalizou a

graduação. Assim, se a maior parte dos informantes (21) é recém graduada, podemos levantar

a hipótese – considerando os dados da tabela 3 e o respectivo gráfico – que a maioria dos

informantes tenha começado a trabalhar no 2o ano da graduação.

Mas e quanto à idade dos informantes? Seria essa variável sinalizadora de quando tais

informantes teriam decidido iniciar a formação inicial? Essa variável nos levaria a pressupor

um período que poderia ter sido dedicado a experiências profissionais relacionadas a outros

Ano de conclusão de curso freqüência

1976-79 1

1980-83 0

1984-87 0

1988-91 2

1992-95 2

1996-99 3

2000-03 17

2001-04 5

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campos de atuação que não o magistério, contribuindo para a percepção do modo como o

professor se vê hoje?

TABELA 4

Idade (V5)

Idade freqüência 20-23 3

24-27 12

28-31 4

32-35 5

36-39 4

40-43 1

44-47 0

48-51 1

Idade

0

2

4

6

8

10

12

14

20-23 24-27 28-31 32-35 36-39 40-43 44-47 48-51

anos

GRÁFICO 3 – Idade

O gráfico sinaliza um grupo bastante jovem, metade dos informantes (15) tem de 20

a 27 anos, o que certamente se relaciona ao perfil do grupo recém-graduado e acena para a

possibilidade de uma escolha, após ensino médio que elegeu em um primeiro momento cursos

que visam a formação de professores. A variável idade, considerando-se a inserção do grupo

no universo da pós-graduação, permite também a análise do período de (re)inserção

acadêmica e, nessa medida, uma retomada institucional do diálogo com o discurso científico

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após uma dada convivência com os discursos didático e de divulgação científica.

Uma vez relacionada a idade (V5) às variáveis tempo de docência (V3) e ano de

conclusão da graduação (V4), selecionei a variável nível de atuação docente (V6), para pensar

no percurso de atuação dos informantes.

TABELA 5

Nível de atuação docente (V8)

Nível Freqüência

Educação Básica – EB 15

EB/Ensino Superior –ES 2

ES 5

Coordenador –Coord 2

Diretor 1

Particular 1

Não está lecionando 4

A tabela sinaliza que a inserção em sala de aula desses profissionais ocorreu

fundamentalmente na Educação Básica, o que exemplifica que são as salas de aula de ensinos

infantil, fundamental e médio os espaços que predominantemente recebem os profissionais

graduandos ou recém-graduados. Em um pólo teríamos, assim, o espaço da iniciação – a

educação básica – e, no outro pólo, o espaço da excelência da profissionalização17 – ensino

superior – conquistado fundamentalmente com as pós-graduações strictu sensu. Os 5

informantes da pesquisa que lecionam no ensino superior estão ainda se especializando

(cursos latu sensu), o que teria, então, garantido tais vagas no ensino superior se é esse espaço

disputado preferencialmente por Mestres e Doutores? Amparei-me nas variáveis curso de

graduação (V8) e disciplinas lecionadas (V9) para encontrar indícios que me auxiliem a

pensar esse questionamento.

17 A circulação bem como a migração de um pólo para o outro (por meio da especialização – conforme se pode ver no capítulo 4) chegam a ser referenciadas nas entrevistas por vários dos sujeitos da pesquisa.

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Nível de atuação

Não está Lecionando

Particular

Coordenador

Diretor

ES

EB / ES

EB

GRÁFICO 4 – Nível de atuação

TABELA 6

Curso de graduação (V9)

Curso Freqüência

Letras 13

Pedagogia 5

Biologia 2

Geografia 4

Turismo 2

Filosofia 1

História 1

Economia 1

Biblioteconomia 1

Curso

Letras

BiblioteconomiaEconomia

História

Filosofia

Turismo

Geografia

Biologia

Pedagogia

GRÁFICO 5 – Curso

A maior parte dos informantes, como se pode ver, é graduada em Letras, Pedagogia e

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Geografia; estariam, pois, esses domínios científicos mais propensos à necessidade da criação

e egresso de/em cursos de pós-graduação? Estariam esses cursos mais abertos à pesquisa

da/na sala de aula? Ou, quem sabe, a procura pelos programas de pós-graduação por esses

profissionais se justificaria dada a concorrência no mercado de trabalho justificada pelo

acentuado número de graduados nesses cursos?

Quanto à docência no ensino superior, será preciso apresentar aqui algumas

informações relativas às disciplinas lecionadas para que se compreenda o que parece justificar

a inserção dos profissionais pós-graduandos no ensino superior.

TABELA 7

Disciplina lecionada (V9)

Disciplina Freqüência

Inglês 7

Inglês/Espanhol 1

Espanhol 1

Português/Inglês 3

Religião/Sociologia 2

Geografia 4

Biologia 2

Outros 3

Disciplina

Outros

Biologia

Geografia

Religião eSociologia Português e

Inglês

Inglês eEspanhol

Espanhol

Inglês

GRÁFICO 6 – Disciplina

Dos cinco professores que atuam no ensino superior, três deles são graduados em

Letras e lecionam as disciplinas Oficina de Leitura, Inglês Instrumental, Língua Espanhola,

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Literatura Espanhola e Literatura Inglesa. O professor graduado em Geografia leciona as

disciplinas Geografia Regional II e IV. E o professor graduado em Economia leciona a

disciplina Estatística. Todos esses professores lecionam em cidades do interior, o que, sem

dúvida, se revela uma informação importante para que possamos melhor compreender o

percurso de formação profissional e levantar a hipótese da predominância de um maior

número de profissionais especializados nos grandes centros urbanos. Encontra-se no ANEXO

3, o quadro que relaciona todas as informações de cada um dos 30 informantes.

4. CORPUS E O PROCESSO DE GERAÇÃO DE DADOS DA PESQUISA: ENTRE A

FOTOGRAFIA E A FILMAGEM

Orlandi (2003) – realizando uma revisão dos princípios e procedimentos teóricos que

têm norteado as pesquisas em Análise do Discurso sob o rótulo da construção do ‘dispositivo

de interpretação’ – assegura que a constituição do corpus é um dos primeiros pontos que o

analista deve considerar, uma vez que tal constituição é orientada por critérios teóricos. Devo,

pois, explicar que esta dissertação se afastou do corpus nomeado de ‘arquivo’18 para se

centrar em um corpus ‘experimental’.

Considerando também, como nos alerta Orlandi (2003), que a construção e análise do

corpus estão intimamente ligadas, este estudo buscou demonstrar como o discurso didático

funciona, como segue produzindo efeitos de sentidos, de modo que o corpus não é pensado

como uma ilustração de dados, mas sim como a apresentação de fatos discursivos que foram

sujeitos a um recorte que, além de determinar minha análise, definem a construção do meu

dispositivo de análise.

18 Refiro-me aqui à noção de arquivo presente na obra de Foucault, Ditos e Escritos, datada de 1977. Nessa ocasião, o conceito segundo Revel (2005:19) passa a funcionar “mais como um traço de existência do que como produção discursiva”. O conceito de arquivo esteve desde o seu surgimento atrelado à idéia de memória e, portanto, associado a um caráter documental que, por sua vez, pressupõe uma não coincidência do objeto de estudo e de sua emergência no momento da investigação.

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Os dados – apresentados e analisados no próximo – resultaram do processo expresso

no Esquema 1 em que se percebe a intercalação de ações metodológicas ora de cunho

quantitativo ora de natureza qualitativa, o que garantiu um percurso de geração de dados que

metaforicamente pode ser pensado da seguinte maneira: considerando-se que o uso do

questionário objetivou instaurar uma situação de pesquisa que permitisse um acesso empírico

às representações sociais acerca do ser professor e do imbricamento de discursos (que nos

reportariam ao discurso didático) cheguei a algo que pode ser comparado a uma fotografia do

modo como o discurso didático se engendra a um conjunto de outros discursos (conforme

discutido no capítulo 1), sendo tal discurso proferido ou ecoado pelo posicionamento

identitário do professor.

A fotografia, embora importante, não podia responder às indagações as quais este

estudo objetivava responder. Por essa razão, os passos de cunho qualitativo se mostraram uma

possibilidade de dar movimento à fotografia, gerando um entre-lugar capaz de mostrar mais

do que uma cena materializada e congelada (uma fotografia), mas que não chega a alcançar a

movimentação de uma filmagem.

1 QUALITATIVO Coleta de dizeres

QUANTITATIVO Aplicação do questionário

2. QUANTITATIVO Mapeamento do questionário (das discursividades) e do protocolo (variáveis relevantes)

QUALITATIVO Criação das categorias de análise e Análise contínua das respostas ao questionário

3. QUANTITATIVO Seleção dos sujeitos da pesquisa para entrevista

QUALITATIVO Elaboração do roteiro da entrevista

4. QUALITATIVO Proposição das entrevistas

Transcrição

5. QUANTITATIVO Definição da amostragem Análise Final QUALILATIVA

ESQUEMA 1 – Processo de geração dos dados

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73

A fase da coleta de dados, sustentada pelo instrumento de pesquisa questionário,

procurou fotografar o que se mostrava recorrente nos posicionamentos dos informantes, sendo

tal recorrência amparada tanto pelo modo de dizer quanto pelo objeto de dizer.

O objeto de dizer foi pensado como decorrente de uma escolha disparada pelo gesto de

leitura das questões que integram o questionário em priorizar ou não se esquecer daquilo

(vozes, discursos) que se mostrava mais saliente em uma grande rede de interdiscursos,

intradiscursos e pressupostos.

4.1 Escolha do instrumento questionário e elaboração das questões

A decisão pelo questionário constituído de 3 questões abertas demandou avaliações

dos sujeitos da pesquisa acerca:

- Do papel do professor

Questão 1: Como você resumiria o que é ser professor?

- Da própria formação universitária

Questão 2: Como você descreveria a sua formação universitária?

- Do professor brasileiro

Questão 3: O que você diria do professor brasileiro?.

A escolha pelo questionário deve-se à crença de que o instrumento em tela se mostrava

a entrada mais adequada no campo da pesquisa, dado que as questões mostravam-se ao

mesmo tempo diretamente relacionadas à temática da investigação mas, dado o caráter

genérico de suas formulações, não precisavam o objeto de estudo da pesquisa de modo que –

ao desfocarem o objeto de estudo – ampliavam suficientemente a temática para que os

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informantes escolhessem por onde começar a responder.

O questionário propiciou também: a) um rápido contato com um número significativo

de sujeitos (nesse momento tão somente possíveis sujeitos da pesquisa) e b) a geração de

informações escritas que, submetidas a um olhar primeiramente quantitativo, me permitiriam

rever se os objetivos, propostos na elaboração do projeto desta pesquisa, poderiam ser

contemplados por meio do cruzamento dos dados gerados pelo questionário e entrevista.

Considerando o objetivo geral da pesquisa – estudar o discurso didático (não aquele

que se mostra na interação professor-aluno) mas aquele cujo engendramento se deixa

representar quando o professor fala de si e de seu grupo, trazendo à cena formações sociais e

discursivas que sustentam as instâncias de atuação do professor – as questões que integram o

questionário deveriam ser capazes de desencadear o registro de representações acerca de

imagens relativas ao fazer didático e ao ser professor que estão a circular no imaginário

social. As respostas foram assim pensadas como um primeiro arranjo “narrativo” que o

participante pode oferecer sobre o tema em foco (Szymanski, 2002).

Em relação à escolha do tempo verbal em que as questões foram elaboradas – futuro

do pretérito – devo elucidar que ela presentifica uma tentativa de que não ficasse evidenciado,

por índices lingüísticos, que o sujeito da pesquisa já tivesse explicitado avaliações como as

requeridas no questionário em outros momentos, resguardando-me do pressuposto de que ele

já teria uma resposta “pronta”, devendo tão somente materializá-la.

Além disso, a ordenação das questões não se deu de forma aleatória, já que a escolha

pela seqüência das questões 1, 3 e 2 poderia provocar a percepção de redundância ou, ainda,

condicionar diretamente uma especificação dos grupos professores e professores brasileiros.

Assim, o processo de escrita da resposta à questão 2 pôde permitir um distanciamento do que

já foi registrado na questão 1, imaginando-se que a maior parte dos informantes opte pela

ordem das questões proposta.

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75

Por meio das respostas, deparei com uma não-transparência que pode ser explicada, ao

menos em parte, quando se toma a atividade de relatar não como uma demonstração ou

descrição de uma prática, que estaria no relato materializada, mas sim como a instauração de

uma memória da prática que a faz discursivamente funcionar. Em outras palavras, a não

transparência é fruto do fato de que o relato não retrata a prática, ele faz/constitui a prática

(Certeau, 2003).

As respostas ao questionário foram analisadas como uma arena em que a luta por um

poder discursivo (arrolado no capítulo seguinte) se mostra latente.

Minha intervenção, como pesquisadora, por seu turno, presentifica uma tentativa de

compreensão dessa luta que parece requerer e pressupor um certo controle por parte do

pesquisador que, em seu recorte, poderá procurar reconhecer discursos por meio do

agenciamento do gesto de interpretação dos sujeitos.

5. DE INFORMANTE A SUJEITO ENTREVISTADO

Considerando-se o perfil desenhado dos informantes na seção 3 e, também, o projeto

de dizer deles acessado por meio dos dois gestos analíticos esboçado adiante no capítulo de

análise, inúmeras poderiam ser as escolhas para seleção dos sujeitos entrevistados, no entanto,

decidi priorizar três variáveis apresentadas por ordem de relevância e, portanto, aplicação (são

elas: disciplina de atuação, cidade/estado em que leciona e nível de atuação) que propiciaram

a constituição de um grupo em que há traços tanto do que se mostra recorrente

(quantitativamente expressivo) quanto o que se mostra singular e pontual.

A variável disciplina de atuação foi eleita a mais significativa, porque acredito que

professores de diferentes disciplinas possam fornecer mais indícios, no que concorre à

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76

compreensão do engendramento de vozes e discursos que movimentam o funcionamento do

discurso didático. Essas vozes necessariamente colocam em cena imagens projetadas pelos

alunos acerca da maior ou menor importância que eles atribuem às disciplinas curriculares e o

professor pode tomar essa avaliação como extensiva a ele: a importância de seu

trabalho, de sua prática como proporcional à importância que sua disciplina assume na

comunidade escolar.

À guisa de sistematização, a tabela 8 que, deixa entrever o cruzamento de categorias

do subgrupo em apreço, mostrou-se útil para uma melhor compreensão das análises

empreendidas no capítulo de análise.

TABELA 8

Sujeitos entrevistados

Sujeito da

pesquisa

Tempo de

Docência

Disciplina e área de atuação docente

Ano de

conclusão

da graduação

Cidade e estado de residência

4 5 anos Inglês e Português – EB 2004 São Mateus - ES

5 5 anos Inglês e Literatura Inglesa – EB e ES

2002 BH – MG

11 5 anos Filosofia, Sociologia e

Ensino Religioso – EB

2000 BH – MG

13 3 anos Espanhol e Literatura Espanhola – ES

2002 BH – MG

14 2 anos Ciências e Biologia – EB 2003 Contagem - MG

26 2 anos Inglês e Português – EB 2002 BH - MG

28 15 anos Inglês, Oficina de Leitura I e

Inglês Instrumental – EB e ES

1989 Barreiras - BA

32 4 anos Geografia e Geografia Regional II e IV – EB e ES

2002 Juatuba - MG

34 1 ano Biologia – EB 2003 Governador Valadares - MG

39 6 meses Geografia – EB 2003 BH - MG

Legenda: EB = Educação Básica ES = Ensino Superior

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6. A ENTREVISTA

Na ocasião de elaboração do projeto desta pesquisa, previ o uso da entrevista semi-

estruturada dada a sua capacidade de atualizar procedimentos que possibilitassem, ao mesmo

tempo, i) focar regularidades no roteiro (por meio das questões fixas) e também ii) discutir

com o entrevistado suas respostas, de modo que essas pudessem ser retomadas e colocadas

como objeto de reflexão decorrente de um movimento reflexivo e mnemônico que acabaria

por colocar o sujeito da pesquisa diante de um pensamento organizado de uma forma inédita

até para ele mesmo, o que poderia detonar os conflitos e as contradições acerca do discurso

didático por meio de uma espécie de processo de tomada de consciência.

Houve, contudo, um redimensionamento da idéia inicial com meu primeiro gesto de

análise (que resultou nas temáticas apresentadas no capítulo de análise) que implicou a

elaboração de uma proposta metodológica que se mostraria coerente com os princípios

teóricos acerca do dizer e não-dizer, uma vez que a proposta do roteiro temático (ANEXO 4)

se fundamenta na crença de que quanto menos o entrevistador/pesquisador orientar a escolha

do objeto de dizer do sujeito da pesquisa mais pistas ele terá do modo como o sujeito constrói

seu posicionamento identitário de professor.

A entrevista acadêmico-científica, assim, como defendo em Coelho (2005), deve

revelar muito mais uma entre-vista do que uma perseguição àquilo que o pesquisador quer,

deseja, espera ver.

Procedi, assim, logo após a reiteração do pedido de participação do sujeito da pesquisa

e da exposição de seus direitos (conforme exemplificado na Condução/desenvolvimento da

entrevista - ANEXO 5), eticamente previstos pela entrevista, à entrega do roteiro temático que

apresentava aos entrevistados as temáticas dispostas em uma folha de modo não linear para

que o sujeito entrevistado pudesse decidir sobre o que lhe parecia relevante dizer ou silenciar,

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uma vez que os entrevistados eram advertidos acerca: da possibilidade de se orientarem (ou

não) pelo roteiro temático e, ainda, da não necessidade de falarem sobre todas as temáticas.

Preparado o roteiro temático, planejada a condução das gravações e agendadas as

entrevistas deu-se a ida ao campo, as salas de aula da PUC quando o impensado ocorreu: parte

dos sujeitos da pesquisa, sabendo que seus colegas haviam também sido selecionados para a

etapa das entrevistas, solicitaram que as entrevistas fossem realizadas em dupla. A proposta,

então, me pareceu interessante considerando: a) a possibilidade de se ter ali um movimento de

retomada da voz do outro explicitamente marcada, b) um encadeamento de troca de turnos

que ampliaria o par pergunta-resposta incluindo o comentário acerca do dizer do outro além

de gerar c) dois tipos de entrevista (com um ou dois19 entrevistados) que certamente

permitirão entradas analíticas distintas. Dentre o grupo de 11 entrevistados houve também

dois casos em que os sujeitos, dada a aversão pelo gravador, solicitaram escrever o que eles

diriam acerca das temáticas, o que gerou um entre-lugar analítico no que concorre à geração

de dados.

6.1 A entrevista como instrumento de pesquisa

O estudo da entrevista acadêmico-científica, como uma prática linguajeira que ocupa

um lugar importante nos processos metodológicos de geração de dados no universo científico,

tem se mostrado a mim, desde Coelho (2005), um excelente expediente de análise

considerando-se a necessidade de não só se refletir sobre as ações agenciadas pelo

pesquisador para o planejamento das perguntas por meio da proposição de roteiros para

19 Torna-se importante dizer que no caso das entrevistas em dupla os professores lecionavam disciplinas diferentes, o que acabou provocando um dizer sobre a identidade do professor brasileiro e não acerca do professor da disciplina X ou Y.

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entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, mas principalmente da relevância e carência de

estudos que busquem contemplar tais roteiros à luz das representações do investigador e,

portanto, da análise de suas intenções frente àquela elaboração e execução do dizer.

Essa minha preocupação em ampliar o modo como se planeja e se entrevista está

materializada nesta pesquisa em dois pontos. Primeiramente, em um roteiro de temáticas que

visaria substituir o tradicional roteiro de questões para minimizar o impacto coercitivo do par

pergunta-resposta, uma vez que o sujeito entrevistado iniciaria a ação de responder a partir de

um comentário (de uma temática por ele escolhida) e não a ação de responder uma questão

dada e, portanto, diante da qual se mostraria sem escolha. Embora se esteja requerendo do

sujeito a mesma ação (de responder num determinado momento), o analista pode (no caso do

roteiro temático) reunir mais indício no que respeita ao levantamento de hipóteses como o

fato de que, talvez, o que sujeito tenha selecionado como seu primeiro objeto de dizer seja o

que mais lhe incomode (seja esse incômodo acessível conscientemente ou não) o que o teria

levado a assumir uma atitude responsiva frente àquele objeto de dizer.

Optei também, no momento de planejamento, por não fixar de modo único o número de

entrevistados a cada entrevista, o que acabou – como se verá na seção 6.3 – alterando a troca

de turnos de 1 a 1 (entrevistador-entrevistado, entrevistado-entrevistador) nos casos das

entrevistas coletivas20.

6.2 O lugar das convenções de/para transcrição

Convencionalizou-se, em pesquisas lingüísticas, que o objeto de investigação gerado

em situações orais de uso da língua deveria – para ser passível de análise – ser registrado por

20 O termo coletiva está sendo usado para se referir a mais de um entrevistado em uma mesma entrevista.

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escrito considerando-se um quadro de convenções (mais ou menos flexível)

de transcrição. Essa convenção pauta-se evidentemente em um conjunto de pressupostos

teóricos plausíveis se se considera, por exemplo, algumas diferenças no que respeita às

modalidades escrita e oral da língua que corroboram de modo incisivo para o sentido que se

produz para o material lingüístico, haja vista alguns elementos de natureza prosódica, que

podem ser marcados por meio de convenções de transcrição, como a mudança na altura da

voz que pode, muitas vezes, ser uma marca importante para sinalizar o modo como se dá a

tomada de turno e/ou a ênfase que se dá ao que está sendo dito.

Essa discussão objetiva sobretudo justificar as posições adotadas para o trabalho com

o dizer (gerado pela entrevista) nesta pesquisa, uma vez que, ao mesmo tempo em que me vi

orientada a realizar uma transcrição assumindo uma dada grade de convenções, assumo que

não explorei, considerando-se os objetivos da pesquisa, algumas marcas (como duração das

pausas, alongamento de vogais, sobreposição de vozes e até as alterações de voz – altura e

ênfase) que potencialmente poderiam revelar bons índices de/para análise.

Assim, embora não tenha me centrado no que as convenções de transcrição me

oferecem, seria incoerente suprimir completamente tais convenções considerando-se o lugar

que o corpus pode assumir no que respeita à possibilidade dos dados serem franquiados em

outras pesquisas servindo, por conseguinte, a outros propósitos que, por ora, não podem ser

previstos.

Transcrever, portanto, é mais do que uma prática de preparação de dados (que

antecede o trabalho com os dados), já é parte integrante e fundamental do processo analítico.

Passo a explicitar o modo como a noção de texto – e, conseqüentemente, o modo

como encarei a entrevista – é pensado no interior da AD, por acreditar que uma discussão

dessa natureza se revela cara e adequada a um capítulo de metodologia, por explicar antes da

análise algumas decisões assumidas.

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7. A TRANSCRIÇÃO: UM TEXTO?

Da releitura que Maldidier (2003:19) faz das obras de Pêcheux, que compreendem o

período de 1969-1975, “o discurso deve ser tomado como um conceito que não se confunde

nem com discurso empírico sustentado por um sujeito nem com um texto”. Foi a AD que nos

apresentou a possibilidade de um trabalho com o discurso, na perspectiva de Orlandi (2002).

A autora propõe, ainda, uma relação teórica refletida ao assumir que embora a AD atualize

uma teoria, métodos e procedimentos de análise distintos à lingüística, as contribuições

daquela a esta devem ser notadas ao passo que quanto mais se compreende o que é discurso,

mais se entende o que é língua, porque essa se revela a base dos processos discursivos,

emergindo, assim, como a materialidade específica do discurso.

Nessa mesma esteira, orienta-nos Possenti (2005) que – ao comparar a AD à

Lingüística Textual21 – assevera que a AD não assume o texto como unidade de análise,

embora obviamente não haja como desconsiderá-lo, uma vez que ele integra “uma cadeia (um

arquivo) uma manifestação aqui e agora de um processo discursivo específico”, assim, não há

propriamente texto, concebido como uma unidade; o que há são linearizações concretas

(materiais) de discursos” POSSENTI (2005:364).

A idéia de cadeia – consagrada por Pêcheux (1969) e retomada aqui por Possenti

(2005) de rede, de trajetos encontra também eco na noção de formação discursiva que, ao

deixar para a AD de 69 um ‘poder e um querer dizer’ que reportava a limites bem definidos, a

espaços que não poderiam ser invadidos, é revisada por Pêcheux (1997:314) que passa a

propor que:

21 O autor refere-se aqui a uma concepção que olha o texto (associando-o à noção de contexto) como uma unidade coerente de sentido. Nesse ponto é bastante esclarecer a consideração do autor: “Teorias de texto levam em conta conhecimentos prévios dos locutores e compartilhados entre interlocutores. Mas os considera em um quadro que supõe exatamente o leitor/ouvinte como suporte de um conhecimento, como o agente que, assim, ‘produz ’ a coerência do texto” POSSENTI (2005:365).

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Uma formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, pois é constitutivamente “invadida” por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais (por exemplo sob a forma de “pré-construídos” e de “discursos transversos”).

Diante dessa reflexão, explicito que o fato da transcrição não ser tomada, na AD, como

um texto e, portanto, unidade de análise – o que, de algum modo, poderia me prender a uma

organização tópica ou a uma seqüência canônica: introdução, desenvolvimento e conclusão,

mas sim como elo de uma cadeia discursiva (assegurada por uma dada memória discursiva),o

que facilita o meu trabalho analítico ao passo que inicio o trabalho com algo que poderia ser

pensado como peça (considerando a assunção da expressão maquinaria escolar do discurso –

apresentada no capítulo anterior) de análise, o que, metonimicamente, se aproximaria a elos

em uma cadeia.

8. ENTREVISTAS OBJETO DE EXAME: QUANTIFICAÇÃO

Antes de passar ao capítulo de análise qualitativa, centremos nossa atenção em

algumas informações acerca do conjunto de entrevistas a partir de um enfoque quantitativo.

A tabela 9 quantifica dados importantes no que tange ao levantamento de algumas

variáveis de análise com que trabalho, quais sejam:

i) o número de sujeitos entrevistados parece significativo para sinalizar não apenas as

tomadas de turno (como se observa na Entrevista 2 mais longa, tanto na distribuição de

turnos, quanto na duração), e as trocas de turno, mas principalmente a duração de tais turnos –

conforme parecem ilustrar as entrevistas 1 e 3;

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ii) O número de sujeitos envolvidos em cada entrevista (4, 3 ou 2 – considerando-se

também a entrevistadora) parece propiciar o acesso a um número maior ou menor de vozes

em um dado circuito polifônico com as quais os sujeitos passariam a dialogar acionada uma

dada memória discursiva compartilhada.

TABELA 9 – Quantificação das entrevistas

Número da entrevistaNúmero da entrevistaNúmero da entrevistaNúmero da entrevista Número de entrevistados

Número de turnos

Conversacionais

Duração da entrevista

Entrevista 1 2

Professora A Professora B

281 25’09’’

Entrevista 2 3 Professora C

Professor Professora X

326 35’56’’

Entrevista 3 1 Professor E

281 18’13’’

Entrevista 5 1 Professora G

200 19’17’’

Entrevista 6 1 Professora H

183 14’23’’

Total 8 1271 1h e 53 minutos

Observando-se a quantidade de turnos conversacionais, pode-se prever o quão difícil

foi a tarefa de definir uma amostragem de material da análise. Antes, porém, da análise do

dito, apresento algumas considerações sobre a disposição do movimento do dizer e gráficos

representativos.

9. DISPOSIÇÃO DOS TURNOS CONVERSACIONAIS

Entrevistas orientadas por roteiros previamente estabelecidos determinam um processo

enunciativo em que o entrevistador pergunta e o entrevistado responde. Tão logo o

entrevistado termine a construção da resposta, o entrevistador toma o turno expondo suas

considerações e/ou novas questões, o que significa considerar que é ao entrevistador que se

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confere o papel comunicativo de propor questões, intervir no que é dito (solicitando novas

explicações), gerenciar o dizer inclusive o silêncio (o não-dizer).

Assim, em entrevistas com 2 sujeitos envolvidos (1 entrevistado e 1 entrevistador) o

que se percebe, no que concerne ao movimento de dizer, é um bloco de troca de tomada do

dizer como se pode observar nos gráficos 7, 8, 9 as entrevistas 1, 2 e 3. À guisa de ilustração,

apresento apenas a disposição do dizer de uma dessas entrevistas, por considerar infrutífera a

mostra de três movimentos idênticos.

Trabalho, pois, com a hipótese de que é o número de sujeitos entrevistados que

determina o movimento de dizer. Se dois são os entrevistados, por exemplo, sabemos que

enquanto um estiver dizendo (salvo a rápida sobreposição de turnos até que um dos

participantes ceda o espaço do dizer), o outro terá que silenciar.

É, no entanto, em uma outra direção que centro a discussão: em função do modo como

o entrevistador propõe e contextualiza a entrevista , os entrevistados podem ter mais ou menos

abertura para interferir no dizer do outro entrevistado, seja de modo conflitivo ou consensual.

Nessa troca de turnos entre entrevistados, o entrevistador pode se ausentar de se posicionar –

como se pode ver, nos intervalos da ordenada 1 (coloridos) nos gráficos das entrevistas 7 e 8 o

que não ocorre no gráfico 9. Esse movimento em que o entrevistador não se posiciona é bem

positivo o que, no modo como compreendo a entrevista é bem positivo, uma vez que o

entrevistador deixa de perseguir o que quer ver (suas hipóteses de trabalho e as facetas que

interessam ao seu projeto) para entre-ver o movimento de dizer daqueles que enunciam.

Analisar a disposição do movimento de dizer dos sujeitos entrevistados e da

entrevistadora permite que recupere de algum modo o dinâmico processo que pode engendrar

a entrevista.

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GRÁFICO 7 – Disposição dos turnos Entrevista 1 GRÁFICO 8 – Disposição dos turnos Entrevista 2

Entrevista 2

0

1

2

3

4

5

1 26 51 76 101

126

151

176

201

226

251

276

301

Entrevista 1

00,5

11,5

22,5

33,5

1 15 29 43 57 71 85 99 113

127

141

155

169

183

197

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Entrevista 3

0

0,5

1

1,5

2

2,5

1 11 21 31 41 51 61 71 81 91 101

111

121

131

141

151

161

171

181

191

GRÁFICO 9 – Disposição dos turnos Entrevista 3

10. REMISSÃO AOS PAPÉIS COMUNICATIVOS DE ENTREVISTA DO

O quadro 4 revela referentes relacionados à entrevista como prática discursiva que

foram recorrentes nas cinco entrevistas objeto de exame. Por meio da leitura do quadro

evidencia-se que a prática discursiva geradora dos dados – a entrevista – molda não só o

modo de dizer dos sujeitos por meio da vestimenta dos papéis comunicativos de entrevistado

e entrevistador, mas também possibilita (obriga?) que se faça referência a esses papéis

comunicativos. É isso que nos mostram os três referentes: entrevistado, entrevistadora e

entrevistado(s) e entrevistadora.

Passo a apresentar o quadro 4 que quantifica o uso das referências pessoais e os

referentes que essas referências evocam:

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QUADRO 4

Referências pessoais e referentes relacionados aos papéis comunicativos

REFERENTES

Entrevistados Entrevistadora

Interação Entrevistados e

entrevistadora

REFERÊNCIAS PESSOAIS

EVOCADORAS

a- VOCÊ b- EU

a- EU b- VOCÊ

a- VOCÊ b- NÓS c- A GENTE

A GENTE

OCORRÊNCIAS

Entrevista 1

a- 19 b- não há

a- 05 b- não há

a- 05 c- não há b- não há

01

Entrevista 2

a- 23 b- 03

a- 06 b- 02

a- 10 b- 01 c- não há

07

Entrevista 3

a- 10 b- 05

a- não há b- 11

a- 02 b- não há c- não há

não há

Entrevista 4

a- 21 b-04

a- 03 b- não há

a- 0 b- não há c- não há

01

Entrevista 5

a- 14 b- 02

a- 08 b- 01

a- não há b- não há c- 01

não há

Considerando as condições de geração do dizer: uma interação face a face não

planejada cuja tomada de turno está sujeita tanto ao dizer do entrevistador quanto dos outros

entrevistados, no caso das entrevistas coletivas, é de se esperar também que sejam feitas

referências não somente àqueles que ocupam posições no interior da escola (como se verá na

seção 3 do capítulo de análise) mas também à interação e, nessa medida, a um “você”, “nós” e

“a gente” que está para a interação, para a formulação do dizer, não se atrelando assim aos

papéis sociais de aluno e professor ou ainda professor-aluno, mas sim aos papéis

comunicativos de entrevistador e entrevistado.

Vejamos alguns exemplos quando as referências pessoais relacionam-se:

22 Neste caso, as referências pessoais não remetem nem as figuras discursivas (aluno, professor etc...) tão pouco aos papéis comunicativos (entrevistador e entrevistado). A expressão “interação” se próxima de um modo de dizer que se mostraria semelhante a sinais de monitoramento.

I - À interação22

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Prof.(141/2): - é. e fica assim acha que o professor trabalha só quarto horas. quatro horas? Pô eu brigo com quem fala isso cê ta vendo? cê quer me tirar do sério fala que professor trabalha quatro horas. QUEM DERA que fosse só quatro horas.

Prof. A (53/1): - Então o pessoal ta vindo atrás ta reconhecendo a falta, a exigência, a necessidade do professor que::, ou não é nem professor mais é educador que:: que consegue contextualizar a realidade com a sala de aula é:: no âmbito sócio-político sem você ser tendencioso né?! Prof. E (16/3): - Isso mesmo cê tá, cê chega na escola essa desvalorização a a não tem o aluno num vê agora como o professor como que ele... pra você ver ó: Eu na minha infância eu via no professor o cara chegava assim o cara tinha... tem um conhecimento, ele tem o conhecimento que vai me acrescentar. Prof. G (46/4) - Porque a educação a gente não faz, o processo não é esse né?! não é como um mercado que você vai compra e vende. É diferente então.

II- Aos papéis comunicativos de entrevistador

Pesq (17/4): - Então é só isso mesmo que eu precisava de de checar Pesq (192/5): - eu percebo assim um meio de otimismo no seu discurso Pesq (1/3): -A questão é a seguinte Alexandre... O essa entrevista ela vai ser um pouco diferente, porque? Porque:: NA verdade eu não vou te fazer perguntas Pesq (1/2): -Tá eu queria só perguntar algumas coisinhas sobre os dados de vocês aqui no questionário, por exemplo, a Mariana né?! quando respondeu disse trabalhava na educação básica né?!

III- Aos papéis comunicativos de entrevistador e entrevistado(s)

Prof (67/2) - e se a gente faz um gancho desse falta de ética nesse desvalorização do profissional, entendeu? Prof (68/2) - uhum. é isso que eu tava querendo fazer

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Prof (22/4) - eu acho que não vale a pena mais justificar essa questão de problema salarial de investimento porque ia ser uma discussão completamente a gente não vai chegar a lugar nenhum com esse tipo de discussão né?!

11. CONCLUSÕES PARCIAIS

Neste capítulo, procurei promover dois tipos de discussão que se mostraram

complementares. De um lado, uma problematização que desse conta não só de assumir uma

atitude responsiva – amparada nas ponderações de diversos estudiosos – frente à reprovação

do modo experimental de coleta de dados em uma pesquisa em Análise do Discurso, mas,

também, por outro lado, explicitar quantitativamente o processo orientador do trabalho com o

instrumento da pesquisa entrevista e, conseqüentemente, uma delimitação daquele sujeito

empírico que, embora não interesse às discussões empreendidas e à noção de sujeito proposta

pela AD Francesa, é essencial para um dos objetivos específicos lançados por esta pesquisa,

além de fazer eco a da perseguição de algo que já se mostrava importante em Coelho

(2005:141): “a necessidade não apenas da proposição de entrevistas acadêmico-científicas

como instrumento de pesquisa, como também de investigações que se voltem para uma

tentativa de mapear representações sociais nesse contexto, para que possamos melhor

entender o intricado processo de engendramento da identidade” do professor.

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Capítulo 3Capítulo 3Capítulo 3Capítulo 3

Da Análise do (não)dito: elos, cadeias e peças de análise

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo assume nesta pesquisa um lugar importante, entretanto, estaria me

enganando se eu acreditasse que todas as escolhas agenciadas, as principais delas registradas

nos capítulos anteriores, não projetem igualmente uma análise de meu objeto de estudo: o

funcionamento do discurso didático. O que estou dizendo é que de algum modo o leitor pode

ao longo de todo o trabalho encontrar aquilo que na AD é referido como gestos de

interpretação, gestos de análise.

Os dados desta pesquisa, que espero sejam franqueados nos grupos de pesquisa aos

quais me associo, são ricos e oferecem muitas facetas de análise, cabendo a mim aqui algumas

decisões relativas à constituição da amostragem para as análises que configuram este capítulo,

como esperado. Tais decisões imbricadas e explicadas pelos objetivos da pesquisa e pelo

quadro teórico levaram-me a compreender que muitos são os perigos com os quais o

pesquisador/analista do discurso se depara, porque a mesma teia que tecemos para capturar a

materialidade discursiva – objeto de análise – tece o que dizemos para analisar esse mesmo

objeto. Esse é o perigo da AD ao se instituir, ao mesmo tempo, como campo teórico e

dispositivo de análise.

Proponho, neste capítulo, duas análises. A primeira contempla as respostas dos

sujeitos da pesquisa às três perguntas do questionário que geraram o roteiro temático das

entrevistas. Na segunda análise, apresento uma interpretação do dizer dos professores

entrevistados procurando, a partir da eleição da categoria referência pessoal, traçar o

movimento (ideologicamente determinado) das posições-sujeito assumidas, bem como das

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filiações dessas posições a certas formações sociais e discursivas no interior do que nomeei,

no primeiro capítulo, maquinaria escolar do discurso.

2. RESISTÊNCIA E POSIÇÕES RESPONSIVAS

Pautando-me no processo de geração de dados – exposto no capítulo anterior – sou

levada a constatar que a resistência pode, nesta pesquisa, ser pensada a partir da tomada de

decisão do possível informante (quando tomo o instrumento questionário como um

dispositivo capaz de captar vozes relativas às representações que fazem o professor acerca de

si mesmo e do grupo do qual fazem parte) relativa a: i) não responder ao questionário,

decidindo por não participar da pesquisa em tela ou ii) responder ao instrumento da pesquisa.

Nos dois casos, houve tomada de decisão dos sujeitos por meio de posicionamentos que nos

remetem a dois processos distintos de resistência. De um lado, uma resistência ao silenciar e,

de outro, uma resistência ao dizer.

Tais decisões dos sujeitos encaminharam-me a perceber: os ditos e os não-ditos

evocados por esse dizer e o silêncio como escolhas travadas por uma luta discursiva da

posição-sujeito professor, à medida que esse (assim como eu) julgou – quando decidiu

responder ao questionário – que tinha o que dizer ou, ainda, que tinha ao que responder. E

iluminada por essa crença é que elaborei as questões23: objetivando constatar que(ais) luta(s)

os professores julgavam ser a(s) sua(s) e, principalmente, contra quais efeitos de poder eles

lutavam por meio da ativação de uma memória discursiva que atualizava vozes com as quais

eles precisavam agir responsivamente. Cada resposta se mostrou, conforme demonstrarei,

23 1) Como você resumiria o que é ser professor? 2) Como você descreveria a sua formação universitária? 3) O que você diria do professor brasileiro?

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uma arena na qual uma luta se desenhava. Nesse sentido, a leitura que Revel faz de Foucault

me parece imprescindível:

A resistência se dá, necessariamente, onde há poder, porque ela é inseparável das

relações de poder; assim, tanto a resistência funda as relações de poder, quanto ela é, às vezes, o resultado dessas relações; na medida em que as relações de poder estão em todo lugar, a resistência é a capacidade de criar espaços de lutas e de agenciar possibilidades de transformação em toda a parte (REVEL, 2005:74).

Essas relações de poder, a que alude Revel, no caso deste estudo, se marcam –

conforme já comungado com Matencio (2001) – a) no interior do próprio grupo professores

ou b) com outros que não os professores, o que me fornece boas pistas para pensar as

formações sociais e ideológicas. No 1o exemplo, poderíamos pensar nos discursos

relacionados ao espaço discursivo da escola (didático, docente, pedagógico e professoral) e na

2a situação em espaços discursivos outros. E se resistir implica luta, pautada no desejo de

mudança, encontramos nas entrevistas dizeres que fazem eclodir esse desejo e, conforme

veremos, é esse desejo que motiva, em alguns casos, os professores a investirem na formação

continuada que é vista, por grande parte dos sujeitos, como um modo de resistir frente à

desvalorização do profissional professor (seja ela financeiramente motivada ou não) ecoada

pela sociedade.

Foucault (1995) apud Veiga-Neto (2004:136) chega a arrolar três tipos de luta social:

“a) lutas contra a dominação (religiosa, de gênero, racial etc.), b) lutas contra a exploração do

trabalho e c) lutas contra as amarras do indivíduo a si próprio e aos outros”. Conforme poderá

ser visto nas análises é a essas duas últimas lutas que os professores se referem.

À guisa de aprofundar essa discussão, retomo a tríade, nas palavras de Revel

(2005:75), a partir da qual Foucault conceitua resistência:

a) a resistência não é anterior ao poder que ela enfrenta (...); b) a resistência deve apresentar as mesmas características que o poder (...); c) as resistências podem fundar novas relações de poder, tanto quanto novas relações de poder podem, inversamente, suscitar a invenção de novas formas de resistência.

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A adoção desse ponto de vista, acerca da resistência, orientou-me a perseguir os pré-

construídos e os efeitos desses para a (re)construção/(re)significação dos objetos de discurso

nos dizeres dos sujeitos da pesquisa, uma vez que é esse processo de “agitação” (de uma dada

memória discursiva pelos sujeitos) que os leva a assumir lugares sociais e discursivos e assim

a se movimentar e a resistir discursivamente, enfim, a trabalhar discursivamente.

Para falar de si (no caso deste estudo, os professores) é preciso que se vá assumindo

lugares no interior de formações sociais que podem projetar representações ideologicamente

conflitantes. O conflito, por seu turno, nos coloca em face a estratégias de dominação e

resistência.

3. GESTOS DE INTERPRETAÇÃO DAS RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO:

MAPEAMENTO DE DIZERES

Orlandi (2004) evidencia a interpretação como inerente a qualquer sujeito de

linguagem:

O homem não pode, assim, evitar a interpretação ou ser indiferente a ela. Mesmo que ele nem perceba que está interpretando – e como está interpretando – é esse um trabalho contínuo na sua relação com o simbólico. ORLANDI (2004:10)

Toda manifestação lingüística evoca, assim, interpretação e não se pode pensar

sentido sem pensar em interpretação e para a AD, em especial, sem pensar em interpretações,

uma vez que o singular (interpretação) poderia “esconder” a convivência com o equívoco que

a noção comporta no interior desse campo de estudo.

A palavra “gesto”, que integra os títulos desta seção e das seguintes, deve-se a

discussão de Orlandi (2004:18) que, parafraseando Pêcheux (1969), define a interpretação

como “um ‘gesto’, ou seja, é um ato no nível simbólico”.

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É, pois, assumindo essa acepção de “gesto” que tracei gestos de interpretação rumo ao

acesso do projeto discursivo daquele que diz (o professor pós-graduando), bem como da(s)

posição(ções)-sujeito ocupada(s) para que se dissesse o que disse, para analisar as respostas

dos sujeitos da pesquisa ao questionário.

Se assumo que, quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para

outro alguém também em algum lugar da sociedade – e que, assim, as posições assumidas vão

revigorando os efeitos de sentidos que por meio de pressupostos e pré-construídos engendram

discursos – explicito que, embora se possa reconhecer nas respostas um imbricamento de

posicionamentos identitários, é um sujeito que constrói um posicionamento identitário de

professor que diz (MATENCIO & SILVA, 2005). Assim, se, de um lado, tomo o projeto

discursivo do sujeito atrelando-o a um posicionamento identitário de professor, afirmo,

também, que esse professor esteja escrevendo para alguém que ele projete ou reconheça como

seu par, o que significa considerar que há marcas “que revelam a condição de pertença a um

grupo, a uma coletividade – a apropriação/assimilação de características dos valores, crenças

desse grupo” (MATENCIO & SILVA, 2005:06).

Embora seja esse sujeito professor quem enuncia, não se pode observar – conforme

veremos na seção seguinte – que a assunção dessa posição-sujeito esteja atrelada a uma

formação discursiva que revele o caráter de especialista do professor e que mobilize um

projeto de dizer que ecoe um saber-dizer constitutivo do discurso científico24, o que talvez se

explique ao passo que se considera o conceito de posição como algo multifacetado por uma

dada memória social (ACHARD, 1999) que não possa sempre ser precisamente encontrada no

nível lingüístico e que se explique fundamentalmente pela maquinaria escolar do discurso.

Lanço, pois, o seguinte percurso: se consigo mapear as “marcas de singularidade, de

individualidade, de exclusão do outro”, como bem nos orientam Matencio & Silva (2005),

24 O que implica, por exemplo, recobrir senso comum e ciência, procurando daí discutir relações de precedência, subordinação e/ou retroalimentação de representações.

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começo a acessar as representações sociais que têm esses sujeitos de si mesmos e do grupo do

qual fazem parte (professores brasileiros). As representações sociais, por seu turno, se

mostram decorrentes de uma imagem do professor brasileiro que se descortina como uma

noção historicamente construída e moldada por um mosaico de discursos. As representações

tornam-se assim passíveis de serem investigadas do ponto de vista discursivo.

3.1 Gesto 1: Análise das questões 1 e 3

O primeiro gesto de interpretação compreende uma análise das respostas às questões –

Como você resumiria o que é ser professor? O que você diria do professor brasileiro? – em

que procurei mapear os objetos de dizer apresentados por meio de três diagramas mostrados

partir da página seguinte, que geraram a criação de três categorias, sendo elas: 1) O professor

brasileiro como o outro, o diferente de mim; 2) O Nós (eu e os professores brasileiros) e 3)

Você pesquisador e o eu pesquisador.

Antes de passar aos diagramas, cumpre explicitar como as respostas abertas foram

“fechadas” e, nessa medida, quantificadas e agrupadas no interior de uma das três categorias

já anunciadas. Embora acredite que discursivamente haja muita diferença entre se dizer que

o(s) professor(es) “Não são valorizados na perspectiva salarial”(12)25 e “Recebe pouco e

trabalha muito” (39) ou, ainda, “Precisava ser mais valorizado” (37) e “Nunca é

valorizado como deveria ser”(27), os dizeres foram acoplados a uma mesma temática sendo

elas, respectivamente, o problema salarial e a (des)valorização do profissional.

25 Da padronização, os números entre parênteses referem à numeração do questionário que cada sujeito da pesquisa respondeu na 1a etapa da pesquisa. A partir daí esse número passou a corresponder, ao longo da pesquisa, o número do sujeito. Todos os números que aparecem nos exemplos apresentados neste capítulo remetem a essa padronização.

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Têm aposentadoria

frustrada (23)

Precisa valorizar seu

próprio trabalho

(1, 11,12, 23)

Não investem em

capacitação,

comprometendo com o

contexto educacional.

(1, 7, 8,18, 19, 37)

Falta consciência da

importância de seu

papel na sociedade,

precisa ser mais ético

(1, 14, 18, 28)

O professor

brasileiro como o

outro, o diferente de

mim

Nesta entrada, O professor brasileiro como o outro, o diferente de mim, constatei

que a predicação do outro professor e, assim, do professor Outro incide sempre em uma

desvalorização do grupo. Grupo esse que “não investe na formação continuada”, que é “mal

informado”, “desinteressado” e “compromete o sistema educacional”, “trabalha para

sobreviver”, “não estuda” e precisa ser mais profissional”.

Diagrama 1 – Análise – O professor brasileiro como o outro, o diferente de mim

O sujeito que diz se revela uma exceção e, nessa medida, se localiza como pertencente

a um grupo menor que é composto por professores competentes, que “têm vocação”, que “se

capacitam”, que “não querem se tornar aposentados frustrados e rabujentos” e que “sabem a

importância de sua função como agentes transformadores da sociedade”, mas que às vezes

“não têm chance de mostrar o que sabem”.

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Diagrama 2 – Análise – O nós (eu e os professores brasileiros)

Já na entrada 2, o nós (eu e os professores brasileiros), o movimento instaurado pelo

dizer é exclusivamente o de pertença a um grupo – que apaga qualquer possibilidade de

subdivisão – em que o sujeito parece mesmo se perceber naquele grupo. O curioso, contudo, é

notar que nesta entrada são relatadas quase que tão somente características positivas no que

tange ao professor-ser humano26 (é: “lutador”, “batalhador”, “dedicado”, “perseverante”,

“brava pessoa”, “esforçado na busca pelo conhecimento”, “muito discriminado” etc),

conforme se pôde ver diagrama 2, e o que é negativo “foge” ao controle do professor

(“precisa ser mais valorizado pela sociedade”, “trabalha mal, porque recebe pouco”, “trabalha

em condições dramáticas de ensino”, “merece que ocorram transformações”) já que o modo

26 “O professor brasileiro é pessimista” (3) e “É preguiçoso acomodado” (8).

Lutador, dedicado,

perseverante, ser

humano inigualável,

esforçado

(4, 5, 7, 13, 14, 23,

24, 26, 28, 35, 40)

Mal remunerado

(5, 8, 11, 12, 19, 24, 28, 29, 34, 39)

Condições

inadequadas de

trabalho

(19, 23, 27, 34, 37, 39, 40)

No imaginário social

ainda ocupa lugar de

destaque/profissão

de base (12, 23, 24)

Profissional

desvalorizado

socialmente

(2, 5, 7, 8, 27, 29, 32, 37, 39)

O nós

(eu e os

professores

brasileiros)

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negativo decorre da maneira como os informantes representam a imagem que a sociedade tem

do professor.

Diagrama 3 – Análise – Você pesquisador e o eu pesquisador

Por fim, percebi que em três respostas há indícios de que a posição-sujeito assumida

prevê ou nos reporta a uma outra instância de enunciação, o que justifica a criação da 3a

entrada, Você pesquisador e o eu pesquisador, uma vez que o sujeito parece dialogar mais

com a pesquisadora, como no caso em que há referência ao próprio instrumento da pesquisa

(“Desculpe-me pelas respostas, mas é o cansaço de um longo dia de estudo!” (23)) ou, ainda,

como de alguém que ocupa o lugar de formador de professores ou que pode dialogar com eles

como pressupõe a postura de um pesquisador (“Precisa ser melhor preparado”(10)) ou ainda

como na referência explícita de que os professores brasileiros são “uma classe que

teoricamente é composta por intelectuais, não há união interação dos mesmos” (32).

Os objetos de dizer apresentados nos diagramas 1, 2 e 3 foram resumidos nas

temáticas a seguir e misturadas (organizadas de modo não-linear) transformaram-se no roteiro

O professor brasileiro

precisa ser melhor

preparador (10)

Classe que

teoricamente é

composta por

intelectuais, não há

união/interação dos

mesmos (32)

Desculpe-me pelas

respostas, mas é o

cansaço de um longo

dia de estudo!

(23)

Você pesquisador e o eu pesquisador

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temático das entrevistas, o que demarca a importância do diálogo entre os instrumentos da

pesquisa (conforme discutido no capítulo 2):

• A (des)valorização do profissional professor

• O problema salarial

• A aposentadoria

• Condições inadequadas de/para/no trabalho

• Falta de ética do professor

• Falta de investimento na capacitação, formação continuada

• A responsabilidade da universidade na formação inicial do professor

• O professor intelectual

• A vocação do professor

• O professor no imaginário social

• As qualidades humanas do profissional professor

3.2 Gesto 2: Análise da questão 2

Já nas respostas à 2a questão que integra o questionário – Como você descreveria a

sua formação universitária? – o que se desenha é uma arena em que os informantes

assumem fundamentalmente duas posturas: 1) colocam na universidade (e nessa medida em

seus professores) a responsabilidade do desconhecimento e dificuldade de agir em sala de aula

ou 2) destacam a importância da graduação como espaço de mudança no quadro de

conhecimentos o que garante a legitimidade para a docência.

Ao se valer da dicotomia teoria versus prática, os informantes atualizam as vozes dos

seus professores formadores/da época da graduação para confrontá-las, é como se agora eles

tivessem a oportunidade de demonstrar a esses professores como – após alguns anos de

experiência docente – eles (re)significam os dizeres aos quais estiveram expostos na formação

inicial. É o que nos deixam entrever os exemplos 12 e 13 que representam as reivindicações

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de 70% dos informantes (21 respostas):

EXEMPLO 12 (40)

Considero que tive uma boa formação universitária. O curso de geografia me deu uma excelente base e muita segurança para exercer a minha profissão. É um engano quem pensa que a universidade ensina a lecionar. Você só aprende a dar aulas quando entra em uma sala e se depara com 30/40 alunos. Aí, sim, você vai aprender a lecionar, pois é na prática que se aprende a dar aulas.

EXEMPLO 13(6)

A minha formação universitária foi mais voltada a teoria do que a prática. Como a teoria está um pouco distante da prática, há uma certa dificuldade em interagi-las; além de

haver uma certa resistência de professores da universidade em acreditar na realidade escolar vivida por nós. E às

vezes não nos ajudar na resolução dos problemas acontecidos na escola e sim apenas mostrar a direção de

como resolvê-los.

Que imagens se desenham nesses exemplos do que se esteja compreendendo por

discurso didático? Ao dizer “É um engano quem pensa que a universidade ensina a lecionar”

o que o informante 40, no exemplo 12, estaria reivindicando? Do segmento “(...) pois é na

prática que se aprende a dar aulas”, poderíamos pressupor que é o espaço da sala de aula o

lugar do discurso didático por excelência?

Já no exemplo 13, o informante parece duvidar da validade da preponderância da

presença do discurso científico sobre o discurso didático na academia ao decidir explicitar

algo que é dado, ou seja, uma imagem já socialmente compartilhada do que seja o universo

acadêmico: “A minha formação universitária foi mais voltada a teoria do que a prática”,

abrindo, assim, para a colocação do pressuposto de que há formações acadêmicas que se

pautam mais na prática. O informante 6, por meio do posto, “(...) além de haver uma certa

resistência de professores da universidade em acreditar na realidade escolar vivida por nós”,

autoriza a pressuposição de que o professor universitário ou desconhece a realidade vivida

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pelo aluno professor ou percebe essa realidade de um outro modo com uma outra lente, um

outro sistema de crenças.

O 2o movimento avaliativo, por seu turno, acena para a importância da habilitação dos

graduados em licenciatura e a busca pela substituição de sistemas de crenças – a do magistério

para a do ensino superior – no caso do informante 1 que deixa pressuposto que já lecionava

“O curso só fez com que eu tivesse realmente a certeza de que eu gosto mesmo é de ser

professora”.

EXEMPLO 14(1)

Minha formação universitária foi muito significativa em minha vida profissional. Já trabalhava como professora, quando entrei para a universidade X e o curso só fez com que eu tivesse realmente a certeza de que eu gosto mesmo é de ser professora.

EXEMPLO 15(7)

Durante a graduação tive a oportunidade de conhecer diversos métodos de ensino usados pelos professores e compreender que é preciso aprofundar os conhecimentos didáticos.

No exemplo 15, os verbos conhecer, compreender e aprofundar demarcam uma

alusão a um modo de conhecer que nos reporta a um outro sistema de crenças / representações

sociais que começa a ser gerado e que prevê outras práticas de letramento (instanciadas em

um movimento de construção autoral que, por sua vez, exige uma responsabilidade

enunciativa frente ao gerenciamento das vozes, textos e discursos com os quais ele se depara

na universidade) que são aglutinadas, referenciadas por meio da explicitação de termos como:

métodos de ensino e conhecimentos didáticos.

Ao contrário dos 70% dos informantes, o grupo composto de 9 informantes parece

avaliar de modo positivo aquilo tido como negativo à medida que se discutia a dicotomia

teoria e prática.

O projeto de dizer apresentado nas respostas à 2a questão oscila entre uma

reivindicação e uma constatação que parece não vincular, como o fez a maioria dos

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informantes, o discurso didático ao discurso científico.

Se o 1o gesto de análise garantiu o roteiro temático da entrevista, esse 2o gesto

analítico garantiu a reiteração da necessidade e pertinência de se estudar o discurso didático

que não se materializa e não se deixa ecoar por meio da interação professor-aluno, mas cujo

funcionamento (do discurso didático) se mostra nas vozes que os sujeitos trazem para ressonar

em seus discursos.

Passo agora a mostra de como a categoria referência pessoal pode auxiliar na análise

do dito das entrevistas.

4. REFERÊNCIA PESSOAL: EXEMPLOS DE PROJEÇÕES E REMISSÕES

Realizei um mapeamento da referência pessoal para averiguar as figuras discursivas

que são trazidas à cena no dizer dos professores e os efeitos de tais remissões para a

maquinaria escolar do discurso, desse modo, pude perceber o movimento de construção do

posicionamento identitário do professor a partir das evocações que os entrevistados/sujeitos

da pesquisa faziam às pessoas do discurso.

Os exemplos apresentados ilustram o fato de que o uso de “você”, ao evocar diferentes

referentes endossa o caráter plástico e dinâmico da referenciação. Vejamos os exemplos em

que destaco a referência pessoal “você” como objeto de exame:

EXEMPLO 16 (33/1)

Professora A: - Ou você faz isso ou você não sobrevive com o salário de professor.

Em 16, o uso de “você” parece incidir no grupo professor, ou seja, a professora ao

dizer “você” generaliza a remuneração do grupo professor, deixando pressuposto que todo os

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professores recebem menos do que deveriam. O que, aliás, recobre uma voz ecoada não

apenas pelo próprio grupo, mas também pela comunidade escolar como um todo. O lugar de

destaque conferido à temática salário do professor no discurso político elucida bem o fato de

que não apenas o próprio grupo professor se “preocupa” ou (pré)ocupa com essa discussão.

EXEMPLO 17 (88/1)

Professora A: - E te tira da fila “que que cê quer? Pera aí, espera aí um pouquinho que eu arrumo pra você” e porque eu não fui lá com a intenção de...

Em 17, a referência “você” recobre um exemplo pessoal daquele que diz, a professora

atualiza um dizer de um de seus alunos da graduação que, por ser operador de caixa de um

banco, decide, ao reconhecê-la na fila, adiantar-lhe o serviço, passando-a para o início da fila

“te tira da fila” . Tal ação é vista pela professora como um sinal de reconhecimento do

profissional professor na sociedade. Embora se perceba que o “você” remete à professora (o

sujeito empírico) a quem o aluno (operador de caixa) se dirigia, a entrevistada traz o exemplo

para ilustrar o lugar de respeito da figura professor no imaginário social, o que faz que seu

exemplo ganhe uma certa generalização, ao passo que seu argumento só é validado se se

assume que isso poderia acontecer com qualquer professor e, por esse ângulo, o “você”

remeteria a um dizer de outros alunos a outros professores.

EXEMPLO 18 (104/1)

Professora A: - Em determinada área né?! porque você chega aqui e se depara com uma qualidade muito boa de professor aí você começa assim “Meu Deus será que algum dia eu vou chegar perto do que eles estão?”

Curioso também é o exemplo 18 em que a entrevistada, ao enunciar “você”, está

evocando, considerando-se o dêitico “aqui” , um “nós” referente aos alunos do PREPES que

dialoga com um “eles” os professores do PREPES. Certamente, as condições projetadas pela

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entrevista (serem realizadas na PUC e nos intervalos das aulas do PREPES e, ainda, o fato de

eu ser aluna da PUC) contribuíram para que a entrevistada se posicionasse desse modo.

EXEMPLO 19 (120/1)

Professora A: - Então o que acontece eu chego lá e corro atrás dessa vez aqui eu mal tive tempo de pegar agora em julho uma semana e dá uma lida no que eu vi em janeiro porque no decorrer do semestre não dá tempo porque com quarenta e oito horas semanais de sala de aula não sobra tempo pra você estudar você tem que ficar por conta.

No exemplo 19, a professora justifica uma dificuldade pessoal – “ eu chego lá e corro

atrás”, “ eu mal tive tempo de pegar agora em julho” – relativa à disponibilização de

momentos de estudo durante o semestre letivo, dada a sua carga horária de trabalho “não dá

tempo porque com quarenta e oito horas semanais de sala de aula”. Ao trazer à cena a carga

horária de trabalho, a professora realiza uma generalização ao dizer “você” pautada no pré-

construído de que todos os professores trabalham muito: “porque no decorrer do semestre

não sobra tempo pra você estudar você tem que ficar por conta”.

EXEMPLO 20 (146/1)

Professora A: - De te liberar pra congresso eles podem não te financiar mas eles fazem questão de que você pesquise que você tenha uma linha de pesquisa porque eles precisam que todas as instituições de ensino superior as IES eles têm que ter professores

Em 20, “você” se refere a um sub-grupo (professores universitários) do grande grupo

professor que, segundo a entrevistada, está sujeito a um “eles” que se mostrou recorrente em

todas as entrevistas – e que como se pode ver na seção seguinte – se refere à personificação

das instituições públicas ou privadas de ensino superior: “De te liberar pra congresso eles

podem não te financiar mas eles fazem questão de que você pesquise que você tenha uma

linha de pesquisa porque eles precisam que todas as instituições de ensino superior as IES

eles têm que ter professores”.

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EXEMPLO 21 (189/1)

Professora A - Cuidado com o seu concorrente quando ele não é tão bom como você é porque ele não teve oportunidade.

No exemplo 21, a entrevistada apresenta uma sub-divisão do grande grupo aluno. De

um lado, há um “você” referente ao grupo alunos da rede particular de ensino que – segundo

deixa pressupor o dizer da entrevistada “quando ele não é tão bom como você é porque ele

não teve oportunidade” – tem um papel importante no que respeita à geração de

oportunidades. A professora assim parece acreditar que não há competência sem

oportunidade. É preciso também considerar alguns dos efeitos do dizer da Professora A que

corroboram para uma projeção de uma imagem negativa do ensino público. O dizer da

entrevistada traz o pré-construído de que a rede privada de ensino prepara melhor o aluno para

o vestibular e generaliza a precariedade do ensino público, outro pré-construído que se

estende e se confirma na continuação do dizer da entrevistada:

EXEMPLO 22 (190/1)

Professora A: - É. Oportunidade de ter a a abertura de estudar é:: gramática, interpretação e produção de texto, química em vários livros então eu acho que essa é a diferença

O que a entrevistada diz em 22 (e o que seu dizer deixa pressupor) é que a escola

pública não oferece ao professor uma diversidade de materiais didáticos. Projeta-se aqui a

imagem de um professor que restringe o seu trabalho às condições a que a escola o expõe e,

ainda, há a projeção de um aluno passivo que se sujeita ao que o professor oferece, não

realizando, por exemplo, estudos extra.

Os dizeres analisados, todos enunciados por um mesmo sujeito, permitem que se

constate que em uma mesma resposta são encontradas diferentes referências pessoais. Foram,

pois, necessárias inúmeras leituras do corpus para que eu pudesse mapear quantitativamente

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as referências pessoais e os referentes que elas evocam. Estou, assim, justificando o

“didatismo” (essa expressão em um trabalho sobre o discurso didático causa um certo

desconforto) com o qual tratei os exemplos nesta seção, se consideramos que eu poderia ter

optado por exemplificar todos os referentes em um só exemplo.

As referências pessoais usadas pelos professores evocam tão somente figuras

discursivas que ocupam lugares e desempenham papéis no interior da maquinaria escolar do

discurso. Isso demonstra que quem enuncia é mesmo o professor e que, portanto, tal como

demonstrei na seção 2 deste capítulo, o sujeito que diz ocupa essa posição.

Passemos ao mapeamento quantitativo do uso da referência pessoal.

5. MAPEAMENTO QUANTITATIVO DA REFERÊNCIA PESSOAL

Embora eu privilegie neste capítulo uma análise qualitativa, opto também por

apresentar aqui um mapeamento quantitativo das referências pessoais, porque a análise

quantitativa ofereceu-me dados substancialmente relevantes para a análise qualitativa e,

principalmente, para a eleição de uma amostragem significativa no universo de referentes

evocados pelos sujeitos da pesquisa.

O quadro 4 retrata as referências pessoais que evocaram os referentes (grupo

professor, grupo aluno, sujeito empírico, sujeito professor e professor aluno da pós-

graduação) também recorrentes no universo das cinco entrevistas. Já no quadro 5, mapeio

ocorrências que apesar de pontuais (no universo do conjunto de entrevistas), interessam

sobremaneira para a análise qualitativa realizada, uma vez que informam sobre as formações

discursivas constitutivas do discurso didático, conforme discuto na próxima seção.

O quadro apresentado a seguir condensa uma análise quantitativa que já aponta para

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uma análise qualitativa do dizer. Passemos ao quadro 5 para que em seguida trabalhe com

alguns exemplos dos referentes nele retratados:

QUADRO 5

Referências pessoais e referentes

REFERENTES Grupo professor

Sujeito empírico Sujeito

Professor Personificação das instituições

públicas e particulares de

ensino

Grupo Aluno

Professor aluno da pós-

graduação

REFERÊNCIAS PESSOAIS EVOCADORAS

a- A GENTE b- VOCÊ c- ELE d- NÓS

a- EU b- VOCÊ

a- EU b- VOCÊ

ELE

a- ELE b- VOCÊ

a- A GENTE b- VOCÊ c- EU d- ELE

OCORRÊNCIAS Entrevista 1

a- 03 b- 13 c- 02 d- 01

a- 43 b- 03

a- 17 b- não há

01 a- 03 b- não há

a- 02 b- 01 c- não há d- não há

Entrevista 2

a- 32 b- 60 c- 04 d- não há

a- 69 b- 60

a- 60 b- não há

07 a- 06 b- 18

a- 04 b- 01 c- 04 d- 01

Entrevista 3

a- 04 b- 10 c- 06 d- não há

a- 12 b- não há

a- 15 b- 02

04 a- 06 b- não há

a- 01 b- não há c- não há d- não há

Entrevista 4

a- 22 b- 03 c- 08 d- não há

a- 35 b- não há

a- 03 b- não há

01 a- 02 b- não há

a- 05 b- não há c- 01 d- não há

Entrevista 5

a- 02 b- 02 c- 01 d- não há

a- 14 b- não há

a- 16 b- não há

04 a- 02 b- não há

a- não há b- não há c- 02 d- não há

Como sintetiza o quadro, várias são as referências pessoais que evocam as mesmas

figuras discursivas como ilustram os referentes “grupo professor” e “professor aluno da pós-

graduação”. Há ainda as figuras discursivas “grupo aluno”, “sujeito professor” e

“personificação das instituições públicas e particulares de ensino”. Já “sujeito empírico” é a

única categoria que se distancia dos papéis comunicativos e sociais desempenhados no

interior da escola, muito embora as experiências arroladas sob a referência pessoal “eu”

encarne um sujeito empírico, um sujeito que diz de si sem atrelar esse dizer ao papel social de

professor, o sujeito enunciador acaba revelando traços de uma personalidade e ou formas de

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agir que num dizer posterior acabarão se atrelando a posição professor, senão vejamos:

EXEMPLO 23 (157/5)

Professora G: -Só não tava muito bem definida a área, a disciplina e tudo mais, mas que:: seria professora seria. Mas realmente não consigo me imaginar porque a gente acaba desenvolvendo uma série de habilidades, uma série de relações no meio né?! da da educação QUE eu teria desenvolvido em em outras:: né?! num outro curso naquele momento né?! no no momento de de começar mesmo, eu já tinha isso, eu já, já previa isso desde desde muito cedo.

Interessa-me agora retomar os referentes analisando-os no interior das categorias: O

sujeito professor em relação aos pares, O sujeito professor em relação ao aluno, O

sujeito professor em relação a si mesmo e O sujeito professor em relação à escola.

6. O SUJEITO PROFESSOR E(M) RE(L)AÇÕES

Nesta seção, demonstro um interessante jogo de projeções em que os dizeres dos

sujeitos da pesquisa vão deixando emergir representações que orientam o modo como eles

(re)agem frente a algumas vozes e se relacionam com si mesmos e com os outros.

6.1 Re(l)ações aos pares

Tal como nos mostram os dizeres dos exemplos 24 e 25, o sujeito que diz, assim como

o grupo, precisa falar. O item lexical “também” é que remete a esse pressuposto, provocando

o efeito de que o sujeito que diz faz parte do professor e por isso “também tem carência de

falar”.

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EXEMPLO 24 (193/2)

Professor: - Não sei se você reparou é::... ta vendo como a gente fala muito porque o professor também tem essa carência a par das reuniões, das coisas todas, aumenta a carga horária e tal e a gente nunca tem tempo pra falar.

EXEMPLO 25 (195/2)

Professor: - Que eu falei mal do professor sabe? Que o professor é ruim, que essas reuniões são desgastantes, são um saco sabe? Desculpa a palavra, são muito ruins tal, mas por outro lado ( ) porque o professor tem aquela carência de falar, de colocar suas idéias, de tentar resolver e tal mas você se sente abafado ou por hierarquia, ou por tempo, ou porque sei lá sabe? A gente tem essa essa carência também o professor tem essa carência né?!

Em 26 aquele que enuncia (um professor pós-graduando, tal qual os demais sujeitos da

pesquisa) assume uma atitude responsiva frente à voz de que o grupo precisa se especializar:

“ ninguém te dá uma condição” o pronome indefinido pode ter como referente os

responsáveis pelas instituições públicas (governo) e instituições particulares de ensino, mas

também os professores já mestres e doutores que podem lecionar nos cursos de pós-

graduação. Já a referência pessoal “ele”, em “Não. Vamo facilitar, ele tá correndo atrás

né?!”, evoca o grupo professor. O Professor, em 26, está dizendo que embora o sujeito não

tenha condições de se especializar, ele “corre atrás” investindo na sua formação. Deve-se

considerar também que, ao dizer sobre o grupo professor que se especializa, outros

professores (graduados) são excluídos desse grupo ou, então, pode se pressupor que o grande

grupo professor é formado por um conjunto de sub-grupos.

EXEMPLO 26 (215/2)

Professor: - Aí eu fico assim não é pra gente se especializar? Aí quando a gente se especializa ninguém te dá uma condição? “Não. Vamo facilitar, ele tá correndo atrás né?!”

Em 27, o entrevistado generaliza o que parece querer o grupo professor ao enunciar

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“Porque hoje em dia ninguém ta querendo viver de contrato” e nessa medida deixa

pressuposta não só a instabilidade do trabalhador brasileiro, mas também a do professor

brasileiro que muitas vezes está sujeito a períodos curtos de contratações na rede estadual de

ensino ou tem seus empregos ameaçados em escolas da rede particular de ensino. Para

trabalhar, o grupo professor parece requerer uma estabilidade financeira mensal/anual com a

qual possa contar. É preciso segurança! Tal como ecoa o dizer da Professora H no exemplo

27:

EXEMPLO 27 (96/5)

Professora H: - É, por porque infelizmente a a questão da do emprego é o que mais pesa né?! Porque hoje em dia ninguém ta querendo viver de contrato, porque faz o contrato assim e “A ano que vem você já pode estar fora” e aí? O que que cê vai fazer? Então para eles é uma forma de segurança né?! Pra tá garantindo, pelo menos o, aquele valor, o mínimo que seja, pelo menos aquele valor eles têm.

No exemplar 28, deparamo-nos com uma atitude responsiva daquele que diz

(Professora G) frente ao discurso científico ao qual os professores pós-graduandos estão

expostos na universidade. Fica, pois, evidente a proposição da dicotomia teoria e prática. O

sujeito que diz sob o escudo de um “você”, grupo professor, acaba justificando ações do

grupo que não coincidem com o conjunto de discussões propostas na universidade do se

espera do professor.

EXEMPLO 28 (94/5)

Professor G: -O que se discute nas universidades é muito interessante, mas quando você sai, o mercado ele impõe outras regras né?!

Outra relação daquele que diz com o seu par, bastante marcada no universo dos dizeres

das entrevistas se relaciona à competitividade no interior do grupo professor, em 29 como nos

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diz a Professora H: “um querendo passar por cima do outro, um querendo ser melhor do que

o outro”, O dizer da Professora H entretanto deixa pressuposto que o grupo é unido no que se

refere a outros aspectos quando diz “nesse ponto” em: “Eu acho, que a classe nesse ponto ta

muito desunida”. As vozes reunidas nesta pesquisa me permitem afirmar que a união do

grupo poderia estar relacionada à mesma percepção das condições de trabalho do profissional

professor.

EXEMPLO 29 (64/5)

Professora H : -Deixa eu ver, a questão da:: a falta de ética né?! que na na REde dos dos professores infelizmente tem essa questão que parece cada vez mais, em vez de se unir eles estão se separando, um querendo passar por cima do outro, um querendo ser melhor do que o outro, então, eu acho, que a classe nesse ponto ta muito desunida

6.2 Re(l)ações ao aluno

No exemplo 30, o Professor traz a voz de um familiar de seu aluno para com ela

dialogar e o faz evocando o pré-construído da escola como segunda casa e, assim, de um(a)

professor(a) que, há décadas atrás, era chamado de “tio(a)” e que tinha autoridade até para

punir fisicamente, haja vista a palmatória, os beliscões, os puxões de orelha e o “tiro ao alvo”

com giz. Tudo isso em uma escola tradicional de outrora. Agora o dizer “Pô vai ter feriado

de novo?” questiona o discurso pedagógico, não só o professor mais também aqueles que no

interior da escola podem tomar decisões relativas ao calendário letivo.

EXEMPLO 30 (262/2) Professor: - “Pô vai ter feriado de novo?” Quer dizer, quando você não ta em casa é um alívio. Entendeu? Ai você joga para o professor, aí se o professor fala um pouco mais duro com seu filho aí ela vem reclamar

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O que é dito em 31 respeita ao reconhecimento do professor no imaginário social e o

interessante é perceber que tal reconhecimento se estende ao grupo aluno e,

conseqüentemente, ao professor que na pós-graduação ocupa o papel social de aluno.

EXEMPLO 31 (95/1) Professora B: - Esse reconhecimento que eles têm num exemplo com a gente lá é o mesmo que a gente tem com os professores que a gente tem aqui no PREPES

Na mesma esteira enuncia a Professora B, no exemplo 32, quando se refere à

nomeação Professor como um título fruto de um “reconhecimento”. Estranho contudo é notar

que o resultado de tal reconhecimento pareça ser visto pela Professora B como algo negativo,

pelo menos é o que deixa pressupor o verbo “perde” em”: “ele nunca mais te chama pelo

nome é professor Fulano você perde o seu nome, perde a sua identidade” A grande questão

que me parece estar sendo tematizada pela Professora B é que a identidade de professor é que

nunca se perde.

EXEMPLO 32 (49/1)

Professora B: - não, mas eu acho que existe o reconhecimento tanto é que:: existe a titulação uma vez que a pessoa passou pela pela sua sala de aula como professor ele nunca mais te chama pelo nome é professor Fulano você perde o seu nome, perde a sua identidade

Em 33, o Professor diz da sobrecarga de funções que têm sido conferidas ao

profissional professor, digo conferidas (e não escolhidas ou abraçadas, por exemplo) dada a

modalização “a gente tem que” sublinhadas ao longo do dizer. O Professor contudo parece

dizer que se o grupo recebesse por esse acúmulo de funções não haveria problemas quando

enuncia: “E recebe apenas por ser professor”. O que me parece mais importante neste

exemplo são os papéis que o sujeito diz que o professor tem precisado assumir, o que altera as

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relações e interações entre os atores sociais que deveriam se orientar tão somente pelos papéis

sociais e comunicativos de professores e alunos. Passemos ao exemplo na íntegra:

EXEMPLO 33 (105/2)

Professor: - Porque a gente tem que ser psicólogo, a gente tem que ser assistente social, a gente tem que ser enfermeiro, a gente tem que ser médico, a gente tem que ser pai, a gente tem que ser mãe e recebe apenas por ser professor ((risos)).

6.3 Re(l)ações a si mesmo

No universo de instanciações do professor a um “si mesmo”, constatei nas entrevistas

três recorrências do modo como o sujeito professor se percebe. A primeira, exemplificada no

exemplo 34, diz respeito a um dizer em que o sujeito enunciador se projeta profissionalmente

(porque está insatisfeito com as condições de trabalho do grupo) fora do domínio discursivo

da escola, entretanto, parece pressuposto que, uma vez em sala de aula, “se eu não

trabalhasse com a educação eu teria vontade de trabalhar...né?! com a parte que”, não há

como rever, alterar a escolha por ser um profissional do ensino.

EXEMPLO 34 (102/5) Prof H: - ah eu::, tipo assim, eu consigo me projetar DEntro de uma:: é:: uma área assim, direcionada para área de:: alimentos, porque, eu já até pensei em me especializar em microbiologia de alimentos, pra trabalhar numa numa firma, tá analisando as contaminações, os objetos né?! dos dos alimentos, aquela questão das vigilâncias sanitária mesmo, eu acho que a única área que::, se eu não trabalhasse com a educação eu teria vontade de trabalhar...né?! com a parte que...

Já no exemplo 35, encontramos um dizer ecoado em todas as entrevistas em que o

sujeito que diz explicita os motivos pelos quais está se (foi levado a se especializar)

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114

especializando.

EXEMPLO 35 (110/5) Professora H : -Deixa eu ver aqui... Então a a questão dos dos sonhos aqui né?! do das pretensões, então, que seria isso, eu tô justamente fazendo esse curso de pós-graduação pra tá tentando me ingressar num numa área né?! numa área particular, eu vou tentar mestrado também, eu vou tentar no final do ano

O Professora H deixa pressuposto por meio da escolha lexical “pra ta tentando” que a

pós-graduação não garante que suas pretensões sejam almejadas: “ eu tô justamente fazendo

esse curso de pós-graduação pra tá tentando”.

Em nenhuma das entrevistas, o universo da pós-graduação foi referido como espaço

tão somente de aprendizagem, revisão e reconstrução de conhecimentos, o caráter prático e

portanto as vantagens decorrentes da inserção na pós-graduação – tais como aumento de

salário, garantia de emprego (seja por meio de uma continuação em uma instituição escolar ou

possibilidade de nova inserção ou ainda “abertura de oportunidade”) – foi temática

recorrente, tal como se pode ler no exemplo 36:

EXEMPLO 36 (68/4)

Professora G: -Ah sim, sem dúvida... pretendo sim, ta dando seqüência ao mestrado, posteriormente no doutorado, mas assim, eu vou por partes saindo agora do PREPES vou começar a a preparar meu projeto pra ta enviando pro mestrado, daí, BOM, daí a gente vai abrindo uma série de outras oportunidades que não tem como prever, eu prefiro não prever

Por fim, a terceira recorrência diz respeito ao universo da especialização como o início

de uma trajetória na pós-graduação. A esse respeito nos dizem tanto as Professoras H, no

exemplo 35, quanto a Professora G em 39, respectivamente ilustrados a seguir:

- “Eu vou tentar mestrado também” - “Pretendo sim, ta dando seqüência ao mestrado, posteriormente no doutorado (...)”

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6.4 Re(l)ações à escola

Os sujeitos da pesquisa tematizam a escola de dois modos: ora como i) um lugar físico

em que se refletem condições que colaboram ou não para a aprendizagem tal como nos

mostram os exemplos 37 e 38 e ora como ii) algo que está sob a jurisprudência do Estado e

que, assim, todos aqueles que ocupam posições no interior da escola estão assujeitadamente

sujeitos às decisões do poder executivo relativas ao ensino.

EXEMPLO 37 (77/1) Prof A: - E o aluno da particular entra na universidade pública mas não só também então lá ele é:: se depara com um universo completamente diferente daquela escola ali que ele estava

EXEMPLO 38 (205/1)

Prof A: - A escola que eu trabalho na Rede Pitágoras a maior turma tem vinte e dois alunos... aí você vê

O que nos dizem os sujeitos ou seja as vozes que se deixam ecoar em seus discursos

fizeram-me lembrar das discussões da AD 1 em torno dos aparelhos ideológicos do Estado

haja vista os exemplos 39, 40 e 41.

EXEMPLO 39 (160/2)

Prof C: - O Estado quer te vencer pelo cansaço assim sabe? Ele de toda forma por mais que você seja idealista, que você queira mudar enfim que você queira proporcionar coisas novas e tudo é é ele vai tentando de puxar.

EXEMPLO 40 (171/2) Prof C: - Porque eles querem estatística, o que eles querem é estatística, e isso me faz mal. Sabe?

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EXEMPLO 41 (82/5)

Prof H: -Capacitando justamente para sair da rede pública, porque lá infelizmente se esperar um aumento do salário eu vou aposentar e eles não aumentaram o salário ainda...né?! ai

Os que nos dizem os sujeitos da pesquisa ao longo das ilustrações, apresentados nesta

seção, respeitam em certa medida às lutas discursivas do professor. Passemos a essa

discussão.

7. LUTAS DISCURSIVAS DO PROFESSOR

A luta do professor parece ser uma luta por um conjunto de condições que permitiria

ao grupo (constituído de diferentes formações discursivas que equivaleriam a sub grupos no

interior do grande grupo professores brasileiros) trabalhar, exercer as funções que a sociedade

bem como o próprio grupo (e sub-grupos) lhes (auto)confere. Os dizeres dos entrevistados

“afetados” por uma preocupação comum com as condições de trabalho (ou a ausência delas)

do grupo levaram-me a pressupor que os entrevistados estão dizendo que poucas são as

formações discursivas (sub-grupos do grupo professor) que, de fato, trabalham.

A grande maioria estaria, assim, enquanto a luta por condições de trabalho não é

efetivada, “encenando” o trabalho, estariam assim provisoriamente planejando,

diagnosticando como deveriam, poderiam trabalhar se as condições fossem outras, se as

realidades fossem outras. O labor do professor ocorre, se efetiva nessa espera e nesse desejo

por condições outras, enquanto isso, as ações de ensinar e aprender vão orientando e

instaurando a interação em sala de aula e o dizer em sala de aula. Um dizer que é acionado

por representações sociais do professor (como um grupo que é desvalorizado do ponto de

vista salarial, que não recebe estímulos das instituições públicas e privadas como merece

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117

etc...) e que aciona o engendramento de outras representações (como as de que é difícil sair

desse ciclo, que muito pouco o professor pode fazer, no máximo investir na formação

continuada como o fazem os sujeitos da pesquisa para resistir a essas representações que

justificam as ações que fazem movimentar a maquinaria escolar do discurso.

Estatísticas apontam neste ano para a redução no número de estudantes ingressos (e até

mesmo que têm se candidatado aos vestibulares) dos cursos de licenciatura. É a imagem que

professores têm de si mesmos e que a sociedade projeta e percebe deles que se descortina.

8. SUB-DIVISÕES E FORMAÇÕES DISCURSIVAS: UM OLHAR NOS GRUPOS

PROFESSOR E ALUNO

Conforme presentificam os diagramas 4 e 5 apresentados nas páginas seguintes, o

modo de dizer dos sujeitos da pesquisa possibilitou que eu comprovasse a minha hipótese

inicial, qual seja: a que podemos pensar em formações discursivas no interior do discurso

didático considerando-se aí aqueles responsáveis por instaurar as práticas discursivas que

moldam o referido discurso.

Alinho-me à premissa de que as formações discursivas estão submetidas à formações

ideológicas e, se como nos diz Pêcheux (1997), só há prática através de e sob uma ideologia27

e só há ideologia pelos sujeitos e para os sujeitos, fica evidente que quando se fala em

formações discursivas se considera o modo como aquele que diz representa a posição que

ocupa ou que imagina ocupar, bem como as posições que os outros ocupam e o modo como

ele percebe essa ocupação.

Os dizeres gerados pelos instrumentos da pesquisa entrevista e questionário

27 Para Pêcheux (1997) o termo ideologias (no plural) é usado significando toda ideologia. A ideologia em geral não tem história.

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118

configuram neste trabalho o fio do discurso no qual as tomadas de posições (sejam essas

efeitos de estratégias de dominação e/ou resistência) fazem ecoar vozes que a ressonar e ecoar

estabelecem elos e cadeias com os já-ditos (re)significados no interior de formações

discursivas.

Passemos aos quadros que evidenciam a diversidade dos sub-grupos no interior dos

grandes grupos professor e aluno.

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QUADRO 6 Referências pessoais e referentes do grupo aluno

Referentes

Alunos

de Brasília

Aluno da

Rede particular - EB

Alu

no Adoles-

cente

Alunos

cotistas

Aluno

ES profis- sional

Aluno ES

Aluno

ES- Institui -ção particu -

lar

Alunos

ES rico institui - ção

pública

Aluno

ES pobre institui - ção

pública

Alunos Adultos

Referências

pessoais

VOCÊ

ELE

EL

E

ELE

ELE

ELE

ELE

ELE

ELE

a-b-

GENTEOcorrëncia

s

Entrevista 1

01

21

03

09 02 0 3 02 07 02 Não há

Entrevista 2

Não há Não há Não há

Não há Não há

Não há

Não há Não há Não há Não há

Entrevista 3

Não há Não há 01 Não há Não há

Não há

Não há Não há Não há a-b-

há Entrevista 4

Não há Não há Não há

Não há Não há

Não há

Não há Não há Não há Não há

Entrevista 5

Não há Não há Não há

Não há Não há

Não há

Não há Não há Não há a-b-

QUADRO 7 GRUPO PROFESSOR: Referências pessoais e referentes

(Continua)

Referentes

Prof que trabalha

muito

Prof rede

pública EB

Prof

rede publica ES

Prof rede

particular EB

Prof

rede particular

ES

Prof

compro -missados

Prof

que não plane -

Jam

Prof

diferentes dos da PUC

Prof da

PUC a e Biologia

Referências

pessoais evocadoras

VOCÊ

ELE

ELE

ELE VOCÊ

ELE

ELE VOCÊ

ELE

ELE

ELE

GENTEOcorrêcias Entrevista 1

01

21

03

09 02 03 02 07 02

Entrevista 2

Não há 02 Não há 02 Não há 08 Não há

Não há Não há

Entrevista 3

Não há 01 04 Não há Não há Não há 01 Não há Não há

há Entrevista 4

Não há Não há Não há Não há Não há Não há Não há

01 Não há

Entrevista 5

Não há Não há Não há Não há Não há Não há

Não há

Não há Não há

QUADRO 7 GRUPO PROFESSOR: Referências pessoais e referentes

(Conclusão)

Referentes

Educado

r

Prof que

descansa intervalo

Prof

desiludidos

Prof

universitários

Prof que

se especiali zam

Prof

Doutores

Pro

f Revolta

dos

Prof

Concursados

Prof

preocupados articular Teoria e prática

Prof de Letras

Referências pessoais

evocadoras

ELE

ELE

AGEN

TE

ELE

a-ELE

bA GENTE

a- ELE

b-A GENTE

A

GENTE

ELE

A

GENTE VOCÊ

Ocorrêcias

Entrevista 1 01

21

Não há

07 02 Não há Não há

Não há Não há Não há

Entrevista 2

Não há Não há 04 Não há Não há Não há Não há

Não há Não há Não há

Não há Não há Não Não há 03 Não Não há Não há 01

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Entrevista 3 há Não há há

Entrevista 4 Não há Não há Não

há Não há 04 a- 02

b- Não há Não

há Não há 04 Não

Entrevista 5 Não há Não há Não

há Não há Não há a-Não há

b- 03 01 02 Não há Não

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Considerações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações Finais

Geraldi (1999:148), no texto “Da interpretação de processos indiciados nos produtos”,

lança alguns pontos essenciais no que respeita a finalização de um trabalho quando defende

que não podemos diante de um produto (neste caso esta dissertação) esquivarmo-nos da

questão: “O que ensinam os dados ou acontecimentos?”. Responder a essa questão revelou-se

a mim um exercício extremamente produtivo se se considera o Mestrado como uma

preparação para o Doutorado e, portanto, uma etapa para geração de dados, revisão de

hipóteses e representações engendradas na formação inicial (graduação) e projeção do

posicionamento identitário de pesquisador. Assim questionar-me “O que me ensinam os

dados?” implica necessariamente responder: o que me ensinou a pesquisa?

Aprendi muito com os dados. Aprendi a importância do processo de “gerar” dados não

recolhendo-os num dado arquivo. Preocupo-me com a coleta de dados gerados por outras

instâncias que não a própria pesquisa por temer que o pesquisador esteja mais propenso a

estabelecer a priori seus resultados, deparando-se com eles antecipadamente. Digo isso

porque os instrumentos da pesquisa questionário e entrevista temática propiciaram que os

dados fossem de fato gerados, uma vez que não fosse esta pesquisa, os sujeitos que disseram

não teriam dito. Esse dizer é importante? Ele é mesmo representativo? Seriam apenas meros

dizeres?

Como é previsto, eu jamais responderia a essas questões de modo negativo, não

porque esses dizeres constituem este trabalho, mas sobretudo porque acredito no discurso com

uma série de acontecimentos (Foucault, 1976). Assim, cada dizer analisado ao longo do

trabalho foi pensado como um acontecimento discursivo que me revelou acontecimentos de

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uma outra natureza por meio da percepção das posições assumidas e projeções dessas

posições que, por sua vez, me conduziram a perceber re(l)ações mediante outros

posicionamentos, outras posições.

Confrontos... conflitos... lutas... atitudes responsivas... resistências... o “eu”, tão

fragmentado, o “você”, às vezes, um “nós”. O “ele”, por vezes o marginalizado, por outras o

exemplo e o “a gente”? O “a gente” é agente?

Em cada dizer, uma “peça” de análise, debrucei-me num microcosmo que ecoava um

macrocosmo que encadeando já-ditos (em cada microcosmo reditos) estabeleciam novos elos,

novas cadeias, novas facetas de análise.

Os discursos funcionam (aqui chamo a atenção para a maquinaria escolar do discurso),

a sociedade também funciona. Mas nesses funcionar, nesses maquinar tanto a sociedade

quanto os discursos se transformam. Como capturar, perceber tais transformações?

Capturando e propondo gestos de interpretação de dizeres. Dizeres que encadeados nos dizem

muito ou silenciam (também dizendo) muito.

Experimentar e praticar a análise de dizeres dos professores implicou necessariamente

uma atitude política que visa uma intervenção no universo da formação do professor e, assim,

dos discursos e práticas que a posição sujeito professor faz movimentar. Movimento que pode

se alterar se se percebe os efeitos (Perversos? De exclusão? De acomodação?) de seu dizer

para o domínio discursivo da escola. Trata-se sobretudo de “tocar”, de perceber nesses dizeres

aquilo que subjaz, aquilo que orienta o dizer, aquilo que “escapa”, aquilo que é a

representação social.

Nesta pesquisa não cheguei propriamente às representações sociais e a constituição

discursiva delas, mas aprendi a como chegar a essas representações. Isso já é suficientemente

engradecedor. Não posso, contudo, deixar de materializar meu interesse em perseguir a

constituição discursiva das representações e os enrendados e complexos sistemas de crenças

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que orientam as representações por meio de (des)estabilizações. Não seria a aprendizagem

esse processo de (alter)ação? Para o Doutorado, fica também o desejo de investigar o

engendramento das formações discursivas no interior dos grupos professor e aluno.

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Abstract

In this paper, I investigated the way as the teacher (subjects of the research) show

itself through out personal reference and that represents itself on discurse in relation to the

pairs, the pupils and the school, and how from this game of projections, the teacher let itself

free to see indistinctly the functioning of the didactic discurse and the representations that

guide its to act in the discursive practicals that (re)made the discurses related to discursive

domains of the school. As for to these discurses, I considered a tipology of the didactic

discurse, the teaching discurse, pedagogical discurse and “professoral” discurse in order to

demonstrate that these discurses consolidate discursive practicals that are responsible for

resounding and echoing speaks concerning the school and to whon occupies a position there,

in special, pupils and teachers. The research instruments (interview and questionnaire) had

generated the corpus of this research which had it´s data analyzed from a qualitative as much

as a quantitative perspectives, in the interior of the theoretical picture of the Discurse Analysis

in accordance to the concept of social representation in the Theory of the Social

Representations.

Research Line: enunciation and discursive procedures

Key words: scholar discursive domain, interpretation, social representation, tipology of discurses.

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