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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E SAÚDE DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO SOFRIMENTO PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS FORTALEZA 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E SAÚDE

DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA

A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO

SOFRIMENTO PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS

FORTALEZA 2012

DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA

A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO SOFRIMENTO

PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCCLIS), do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre . Área de Concentração: Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lia Carneiro Silveira

FORTALEZA 2012

DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA

A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO SOFRIMENTO

PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCCLIS), do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre . Área de Concentração: Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde.

Data da Defesa: ___/___/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Karla Corrêa Lima Miranda (1º Membro efetivo)

Professor Assistente da Universidade Estadual do Ceará

_____________________________________________________________

Profº Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes (2º Membro efetivo)

Professor Titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Maria Rocineide Ferreira da Silva (Suplente)

Professor Adjunto da Universidade Estadual do Ceará

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Lia Carneiro Silveira (Orientadora)

Professor Assistente da Universidade Estadual do Ceará

FORTALEZA 2012

Ao meu avô Aluizio Marques (In memoriam),

exemplo de homem, pai e avô.

DEDICO

AGRADECIMENTOS

Esse momento dos agradecimentos me convidou falar daquelas pessoas que fizeram parte das tramas da minha história durante o mestrado. Foram com essas pessoas que vivenciei angústias e alegrias; que encontrei novas discussões teóricas e diversidades de contextos; que construi e fortaleci laços. Nesse instante, abro espaço para os agradecimentos representados por algumas palavras de afeto e reconhecimento, acreditando que sempre ao falar algo sobre alguém, nem tudo será dito, algo poderá faltar no dizer. Nas palavras de Freud, o que é dito e não-dito tem algum sentido na nossa vida, que nos configura como sujeitos. Á Deus, que esteve sempre comigo nas conquistas, nos desestímulos, nas alegrias, nos cansaços, nas dores. Obrigado por fortalecer minha fé e dar sabedoria durante tuas provações que foram conduzidas pela sua vontade. “Tu és fiel Senhor! Dia após dia com bênçãos sem fim...” Á vóvó Mocinha, um exemplo de mulher e mãe. Digo sempre que ela tem mais saúde do que muita gente. Sempre cuidadosa com sua família, casa e flores. Pretendo sempre está por perto recebendo seus abraços que me confortam e suas palavras que me alegram. Á minha mãe Rosilene, uma grande guerreira da vida que sempre me apoiou nas minhas escolhas e me incentivou a lutar e ultrapassar obstáculos. Ofereço a minha sincera gratidão pela compreensão dos meus atos, pelas ajudas quando as vezes nem podia fazer, pelos conselhos de cuidado e carinho. Ao meu pai Rogério, um homem trabalhador e conquistador. Hoje acredita que o estudo pode nos fazer crescer profissionalmente. Fico feliz em ter provocado essa mudança. Seus abraços e suas bênçãos me confortavam em cada viagem. Ao meu irmão Dennis, um dos que me incentiva sempre a viver. Admiro sua perseverança nos estudos e acredito que você atingirá seus objetivos. Obrigado pela força e pelas palavras chatas e sábias que, de certa forma, são também afetivas. Ao meu primo Djalma, que me ajudou em algumas das minhas idas e vindas a Fortaleza e que compartilhou momentos de alegria e aflição. Á minha orientadora e mestre Lia Silveira. Aprendi com suas orientações que necessito aprender mais e que preciso lidar sempre com a falta. Compreendi também que precisamos, no exercício de cada dia, responsabilizar por nossos atos e ter a consciência que as nossas ações nos identificam, nos involucram. Estes invólucros não nos enrijecem, são absolutamente temporários, não enraizados, não territorializados. São rizomáticos e por isso nos permitem ser sempre diferentes e até melhores com o passar do tempo. Agradeço a você que tem compromisso com o Outro, que desvencilha do "Suposto Poder", que fez e faz diferença na minha vida. À Alcivan Nunes, meu ex-professor e hoje um grande amigo. Posso afirmar que foi um co-orientador deste estudo que dedicou tempo e companheirismo na leitura dos capítulos, trazendo suas observações valorosas. Agradeço o incentivo para eu fazer

esse mestrado, a confiança no meu potencial e a escuta das minhas inquietações. Aos docentes do PPCCLIS, devo o mais sincero reconhecimento, respeito e consideração. Proporcionaram novos encontros, novas experiências e os sabores do “devir-ser-professor”. Aos docentes Ana Ruth Monteiro, Violante Braga, Marcos Gomes, Karla Miranda e Maria Rocineide pelo aceite de participarem da banca e pelas ricas contribuições teóricas. A 7ª turma do mestrado do PPCCLIS, obrigado pelas discussões regadas de sorrisos, abraços, choros e amizade. Foi a diversidade de histórias de vida que nos nomeou “The best of Word”. Não poderia ser diferente porque missão dada, é missão cumprida! Agradeço em especial Juce Ally, Bruna Camarotti e Suzane Tavares. Vocês foram minhas melhores companhias. Juntos superamos algumas de nossas dificuldades, compartilhamos saberes e vivências, sempre com muita emoção e acreditando que ia dar certo. Obrigado pelos encontros nas construções de trabalho, nos lanches, nos eventos sociais e culturais. Essa galera da saúde mental me mata de orgulho! A Juce Ally, amiga e companheira de longas datas. Estamos juntos concluindo mais um etapa de nossas vidas. Vivenciamos momentos de risadas, choros, discussões e sofrimento. Obrigado pela preocupação, confiança, cuidado e carinho de sempre. És uma amiga e irmã do coração! A Bruna Camarotti, esse mestrado sem você não seria o mesmo. Como foi bom está ao seu lado durante as aulas, os trajetos para orientação e as infindáveis conversas no facebook. Estarei sempre bem próximo de você e pode ter certeza que não te esquecerei. A Rúbia Mara, amiga que admiro pela sua batalha diária. Tem um jeito simples de viver que cativa e implica. Obrigado pelo apoio e compreensão. É uma amizade para toda vida. A Camila Carrilho e Kisia Melo, pela gentileza de terem se prontificado em me ajudar. Kisia e Sâmara Fontes, obrigado por entender minhas inquietações e dedicar palavras de força e de carinho. Ao LACSU - Clínica do Sujeito: saber, saúde e laço social e ao Fórum do Campo Lacaniano, que nos encontros vivenciados contribuiram com minhas aproximações com a psicanálise. A FAEN/UERN, através dos discentes, dos docentes e do pessoal técnico-administrativo; espaço de construções, criatividade e implicações. Agradeço a todos docentes que, em alguns momentos, compreenderam minhas ausências e compartilharam valiosos momentos de aprendizado. E aos discentes por acreditarem junto comigo que a escuta é possível de ser conduzida nos serviços de saúde. A Universidade Potiguar, através dos discentes e dos docentes pelos inúmeros

encontros, e-mails e discussões sobre as disciplinas. Foram, cada um a seu modo, parceiros inenarráveis. Essa dissertação representa um desejo de colocar no papel algo que acredito e que é possível. As pouquíssimas leituras sobre psicanálise me faz inacabado, me faz crer que não existe algo pronto, somente aberturas e nenhuma saída. Posso dizer que esses agradecimentos nunca serão encerrados, como diz Freud (1900/1996), no inconsciente nada pode ser encerrado, nada é passado ou está esquecido.

"Fazemos o que podemos. Cada um, de um jeito diferente, aprende a nadar se jogando na água! Neste ensino lá não temos um bom ponto de entrada, não podemos dizer: comecem pelo começo, peguem os primeiros textos e vocês irão até o fim! Primeiro porque precisaria de muitos anos para lê-los todos; em seguida, porque eles não são forçadamente mais fáceis que os seguintes. Algumas vezes é o contrário; isto que vem após clareia os primeiros. Então entramos como podemos, pela porta que encontramos, no momento onde a encontramos; com a sensação de que às vezes estamos perdidos. Afinal de contas, eu entrei no ensino de Lacan com o sentimento que eu não compreendia nada! Passo a passo, eu acredito que acabei por me orientar..." (Colette Soler)

RESUMO

INTRODUÇÃO: Na atual política de saúde mental tem ganhado força e ênfase o conceito de escuta enquanto ferramenta para a fundamentação das práticas desenvolvidas no âmbito dos serviços de saúde. Entretanto, percebe-se que, tanto nestas práticas como na produção científica da área, existem várias formas de conceber e desenvolver a escuta conforme os diversos referenciais teóricos adotados. Evidencia-se, portanto, o seguinte paradoxo: de um lado o lugar axial que a escuta ocupa, ou deveria ocupar, na elaboração de qualquer estratégia de intervenção em saúde mental. Do outro, a pouca delimitação deste conceito e o risco de banalizarmos seu potencial, deixando-a reduzir-se a uma simples repetição de um discurso estéril. OBJETIVOS: Partindo da problemática deste estudo, tivemos como objetivo geral analisar os discursos dos enfermeiros sobre a escuta na produção do cuidado clínico em saúde mental. Como objetivos específicos procuramos conhecer as formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta em saúde mental; identificar qual a formação ideológica que sustenta essas formações discursivas; discutir os pontos de ruptura dessas formações discursivas em sua relação com as práticas de cuidado desenvolvidas por estes enfermeiros. METODOLOGIA: Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo com abordagem qualitativa realizada com nove enfermeiros inseridos nos serviços de saúde mental do município de Mossoró/RN. Sob a égide da Resolução 196/96, submetemos esta pesquisa ao Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, que foi aprovada com o parecer nº 60577. Adotamos como referencial teórico-metodológico a Análise do Discurso na perspectiva da corrente francesa, representada por Pechêux. Realizamos a entrevista semi-estruturada para produção dos dados e os seguintes etapas do processo de análise dos discursos: passagem da superfície linguística para o objeto discursivo; passagem do objeto discursivo para o processo discursivo; constituição dos processos discursivos. RESULTADOS E DISCUSSÕES: Inicialmente realizamos uma caracterização dos sujeitos entrevistados e, em seguida, procedemos à análise das formações discursivas encontradas, a saber: “A escuta no discurso biomédico”, que envolve os elementos que apontam para uma concepção de escuta pautada nos pressupostos da psiquiatria moderna, amparada por um discurso científico, que objetifica o sujeito em sua doença; “A escuta no discurso da enfermagem vocacional religiosa”, remete às discussões sobre a escuta pautada pelas concepções eminentemente de enfermagem, construída a partir de seus referenciais específicos, em destaque, o modelo religioso vocacional; “A escuta no discurso psicossocial”, aborda a escuta pautada no modelo psicossocial para atenção em saúde mental conforme preconizado pelo referencial da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Apresentamos também a análise da formação ideológica que subsidia estas formações discursivas, a qual optamos chamar de “médico-científico-capitalista” e por fim, discutimos os pontos de ruptura com essa formação ideológica. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estudo possibilitou a evidenciação do discurso dos sujeitos, que por sua vez ultrapassam as falas propriamente ditas; o método desenvolvido revelou que a escuta em alguns momentos é citada como inerente ao cuidado de enfermagem em saúde mental, no entanto, constitui-se em práticas que não condizem com os supostos conceitos apresentados por esses sujeitos. Este estudo tem sua contribuição por promover

uma reflexão crítica acerca da concepção de escuta na perspectiva de superar os olhares reducionistas sobre a escuta da doença e a escuta a partir de suas próprias questões do enfermeiro. Portanto, apostamos que é a escuta, a partir do referencial da psicanálise, que considera a dimensão do inconsciente, sendo realizada pelos enfermeiros em qualquer serviço de saúde mental, pode produzir efeitos que presentifica o desejo do sujeito.

Palavras-chave: Enfermagem. Saúde mental. Psicanálise.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 10

1.1 É difícil, ser gente, sentir e sobretudo escutar.................................. 10

1.2 Uma questão a ser problematizada.................................................... 14

2 DELINEANDO A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO AO SOFRIMENTO PSÍQUICO......................................................................

19

2.1 A escuta como meio............................................................................. 20

2.2 A escuta como intervenção................................................................. 23

3 ANÁLISE DO DISCURSO E PESQUISA NA ENFERMAGEM: DISCUTINDO UM REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO........

29

3.1 Historicidade da análise do discurso.................................................. 30

3.2 Conceitos fundamentais da Análise do Discurso: o sujeito, a linguagem e o discurso.......................................................................

32

3.3 Desvelando o percurso metodológico................................................ 34

3.3.1 Tipo de pesquisa................................................................................... 35

3.3.2 Sujeitos da pesquisa............................................................................ 35

3.3.3 Locais da pesquisa............................................................................... 36

3.3.4 Procedimentos éticos e produção dos dados................................... 37

3.3.5 O processo de análise do discurso..................................................... 39

4 A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE

MENTAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO............................................

45

4.1 Caracterização dos sujeitos................................................................. 45

4.2 A análise das formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta em saúde mental.........................................................................

47

4.2.1 A escuta no discurso biomédico......................................................... 47

4.2.2 A escuta no discurso da enfermagem................................................ 57

4.2.3 A escuta no discurso psicossocial..................................................... 71

4.3 Análise da formação ideológica “médico-científico-capitalista”..... 81

4.4 Análise dos pontos de ruptura no discursos dos enfermeiros........ 89

5 CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................. 97

6 REFERÊNCIAS...................................................................................... 99

7 ANEXO ................................................................................................ 109

8 APÊNDICE ......................................................................................... 111

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1 INTRODUÇÃO

1.1 É difícil, ser gente, sentir e sobretudo escutar

Sabia que não ia ser fácil iniciar a construção dessa dissertação. Vou lidar

diretamente com algo que faz parte da história da minha família, sendo retratada

com mais substancialidade na figura do meu avô. Ele portava uma falta constitutiva,

estrutural, que provocava um insuportável mal-estar.

Após vários internamentos num hospital psiquiátrico, meu avô andava

apenas dentro de casa, olhava o movimento da rua e pessoas através das

venezianas das janelas e muitas vezes não queria comer e nem falar, ficava muito

tempo em silêncio. Poderia ser escutado, mas sua fala não foi privilegiada como

possibilidade de escolher caminhos para se haver com as dificuldades da vida.

As vezes me pego a questionar sobre as tramas de sua história e os

significados que atribuiria ao seu sofrimento, bem como o porquê da ausência de

uma equipe de saúde responsável no seu cuidado em saúde mental. Queria ser um

profissional da saúde e a única graduação na minha cidade nesta área era

enfermagem.

Então, em busca de respostas, ingressei no curso de graduação em

enfermagem na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Embora fossem

elementares minhas aproximações na disciplina Enfermagem no Processo

Saúde/Doença do Adulto (que contemplava os conteúdos de Saúde Mental), essa

experiência foi determinante na construção de mais curiosidades sobre a vivência de

pessoas em sofrimento psíquico e a atuação dos enfermeiros em uma instituição

hospitalar psiquiátrica.

Apesar da riqueza da experiência, fiquei me perguntando: e os aspectos

subjetivos dessa realidade? Lembro bem que a subjetividade não foi considerada e

penso que existiu pouca aproximação com os sujeitos em sofrimento psíquico,

dificultando assim problematizar as perspectivas do cuidado em saúde mental que

são possíveis ao trabalho do enfermeiro.

Visualizei situações conflituosas e existenciais do sofrimento humano

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naquele hospital psiquiátrico. O lugar tinha cinco unidades de hospitalização com

portas trancadas, colchões sujos e rasgados, baixa iluminação, camas quase na

altura do chão, boa ventilação, banheiro coletivo e um salão amplo e coberto. Os

profissionais estavam silenciados, cansados e somente chegavam perto dos

pacientes no tempo determinado da medicação, comida e banho. De tanto vivenciar

essa realidade, ela já havia se tornado um hábito; em geral, não pareciam

considerar os sentimentos e as atitudes que perpassavam o paciente e a família; ou

se o faziam, não dialogaram conosco, com outros profissionais de enfermagem e/ou

instituições sociais e de saúde. Não conseguia acreditar como pessoas eram

escutadas naquele lugar tão inóspito. Os pacientes ficavam ociosos no salão ou nos

quartos, alguns dançavam e falavam sem parar, outros estavam nus, amarrados ou

trancados. Eram pessoas marginalizadas pela sociedade, acorrentados ao acesso

do seu próprio eu, inseridos num contexto de nenhuma escolha e sem direitos como

sujeito cidadão.

Recordei que meu avô foi internado nesse hospital psiquiátrico três vezes,

convivendo com várias situações diariamente de medo, insegurança e seqüelas

provocadas pelos absurdos do uso da eletroconvulsoterapia e intensos consumos de

psicotrópicos. Naquele momento não consegui falar para ninguém o que senti

naquela visita ao hospital psiquiátrico porque realmente é difícil ser gente e

sobretudo aceitar a loucura.

No final da graduação não tive mais aproximações com a área de saúde

mental, entretanto sabia que o meu desejo estava além da minha formação

acadêmica. Iniciei minha vida profissional na Estratégia Saúde da Família - ESF da

cidade de Jaguaruana – Ceará. Realizava os programas preconizados pelo

Ministério da Saúde - MS, desenvolvendo os processos de trabalho de enfermagem

constituídos de várias ações que visassem a organização e a consolidação de uma

assistência integral e subjetiva ao paciente e família.

Não obstante, é sabido que, em se tratando da assistência de

enfermagem voltada para os cuidados em saúde mental nas unidades de atenção

básica de saúde ainda deixa muito a desejar. Esta realidade da saúde mental é

complexa, sendo incipiente a sistematização de experiências e de novos modelos de

intervenção.

Depois de um ano de atividades desempenhadas na Estratégia Saúde da

Família, fui convidado a trabalhar no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS da

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cidade de Icapuí – Ceará. Antes de iniciar o trabalho de enfermeiro, visitei outros

serviços de saúde mental, dentre estes, os Centros de Atenção Psicossocial que

teoricamente se constituem em espaços substitutivos e de atenção diferenciada do

modelo manicomial. Nesses serviços espera-se que os princípios da reforma

psiquiátrica sejam materializados a partir de uma prática clínica centrada no sujeito,

convidando este sujeito à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória

do seu tratamento (BRASIL, 2001b).

O CAPS acabara de ser inaugurado na cidade de Icapuí, o que

possibilitou participar ativamente, junto com a equipe de saúde mental, na sua

construção política, clínica e social. Precisávamos reorganizar a rede de atenção à

saúde mental deste município, uma vez que muitos pacientes ficavam sem ser

atendidos na ESF, procuravam neurologistas em outras cidades e não iam ao CAPS

por associar este local ao hospital psiquiátrico.

Além disso, percebemos que a prática em saúde mental realizada na ESF

e no hospital municipal restringia a entrega de medicamentos ao paciente, e por

vezes, alguns encaminhamentos da ESF para os Centros de Atenção Psicossocial.

Vale ressaltar que a própria entrega de medicamentos era feita de forma meramente

mecânica, isto é, sem orientações, nem explicações acerca de precauções,

cuidados e efeitos colaterais que tal medicamento poderia apresentar ao paciente.

Para tanto, fizemos tentativas de reelaboração de concepções e

dispositivos relacionados as intervenções constitutivas do tratamento em saúde

mental, fato concebido numa melhor relação terapêutica com os pacientes; na

reorganização do atendimento de saúde mental no CAPS e ESF com o

cadastramento de todos os usuários em sofrimento psíquico; no atendimento do

individuo com um ou dois profissionais; no cuidado fomentado nos grupos

terapêuticos com o compartilhamento de experiências coletivas; na realização do I

curso de capacitação dos agentes comunitários de saúde em saúde mental.

Entretanto, esse processo de cuidar apresentou interesses individuais

político-econômicos e não o compromisso com os sujeitos em sofrimento psíquico,

visto a dificuldade de alguns profissionais trabalhar em equipe, principalmente

aqueles que naturalizavam o sofrimento psíquico como objeto de práticas “psi”. Fica

evidente que, conforme os modelos de atenção que são adotados, nem sempre a

produção do cuidado em saúde mental está comprometida efetivamente com a

promoção e prevenção.

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Ao trilhar nos caminhos da minha vida docente, deparei-me com sonhos,

rupturas, movimentos repletos de escolhas e interesses ora conquistados ora

trabalhados na minha vida profissional e pessoal, que podem apresentar lacunas

preenchidas ou não pela introspecção, uma vez que na constituição da minha

história de vida, apresento fases dinâmicas que se entrelaçam para constituição do

eu.

Algum tempo depois, ser docente da disciplina de Saúde Mental na

Universidade Potiguar – campus Mossoró/RN – foi mais um desafio. Trabalhar numa

realidade paradoxal que me desperta o anseio de provocar, inquietar, ressignificar o

cuidado clínico em saúde mental perante um modelo hegemônico de saúde pautado

na fragmentação da assistência e restrito apenas na atuação sobre o corpo

anatomopatológico.

Dessa forma, possibilitei aproximações dos discentes com o cuidado de

enfermagem em saúde mental a partir do contexto de atuação dos profissionais de

enfermagem que atuam nos CAPS e hospital psiquiátrico, refletindo sobre os laços,

contradições e potencialidades de articulação dos processos de trabalho da

enfermagem na perspectiva da integralidade do cuidado em saúde. Essas

atividades didáticas foram aprimoradas em virtude dos encontros com o grupo de

pesquisa Laboratório Clínica do Sujeito: saber, saúde e laço social – LACSU que

desenvolvia uma pesquisa intitulada “Cuidado de enfermagem em saúde mental:

contribuições da clínica do sujeito”. Participei de quatro oficinas realizadas na

Universidade Estadual do Ceará - UECE, no Centro de Atenção Psicossocial Infantil

e na Oca de Saúde Comunitária do Complexo de Saúde do bairro São Cristóvão.

Neste último local, iniciamos a oficina com dinâmicas em grupo orientadas

pelos integrantes do Projeto Cirandas da Vida. Em seguida, a docente/coordenadora

da pesquisa conduziu a discussão sobre como a escuta subsidia o cuidado de

enfermagem nos CAPS, contando com a presença de enfermeiros, discentes da

graduação de enfermagem e do Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em

Saúde da UECE.

No que tange a escuta, visualizei várias interpretações que me

proporcionou mais inquietações: É a escuta da doença ou do sujeito? Trata-se do

simples ouvir? É intervenção terapêutica? As reflexões dessas atividades

proporcionaram rever ações e saberes construídos sobre o cuidado de enfermagem

em saúde mental, dessa forma, caracterizando a necessidade permanente de

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(re)construção do conhecimento na formação do enfermeiro.

Hoje, no exercício de enfermeiro e docente da Universidade do Estado do

Rio Grande do Norte, campus Mossoró – RN, ministrante dos conteúdos de saúde

mental inseridos na disciplina Enfermagem no Processo Saúde/Doença do Adulto,

pude estar mais próximo das práticas desenvolvidas pelos enfermeiros nos Centros

de Atenção Psicossocial e no hospital psiquiátrico. Estes profissionais ainda

enfrentam dificuldades com relação à delimitação das especificidades do seu papel

e no desenvolvimento de suas atividades nas novas configurações da rede de

atenção mental.

1.2 Uma questão a ser problematizada

Apesar dos avanços proporcionados pela Reforma Psiquiátrica em busca

de uma assistência integral e subjetiva, ainda hoje prevalecem ações reducionistas

no cuidado clínico em saúde mental, que mascaram qualquer forma de sofrimento e

despersonalizam a relação do cuidado.

Neste contexto, enfatizam a escuta da doença em detrimento da escuta

do sujeito em consequência da fragmentação especializada da formação e do

trabalho baseado em aspectos terapêuticos objetivos e quantitativos.

Na atual política de saúde mental tem ganhado força e destaque o

conceito de escuta enquanto ferramenta para a fundamentação das práticas

desenvolvidas no âmbito dos serviços. Todavia, tanto nestas práticas como na

produção científica da área, existem várias formas de conceber e desenvolver a

escuta.

Na maioria das vezes, a escuta é citada como equivalente ao sentido que

o ato de ouvir tem no senso comum, ou ainda, aparece sob as nuances de variados

matizes conforme os diversos referenciais teóricos.

Por outro lado, tanto o Ministério da Saúde, como os diversos atores

envolvidos no processo histórico de construção da Reforma Psiquiátrica no Brasil,

reconhecem a importância desta ferramenta para um campo que, necessariamente,

lida com a dimensão subjetiva do adoecimento psíquico.

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No que se refere ao cuidado clínico de enfermagem em saúde mental,

com enfoque no referencial teórico centrado na interpretação biomédica e

patológica, adota a figura do enfermeiro como ser detentor do saber, único na

formulação de diagnósticos pré-estabelecidos.

Dessa forma, a materialização dos processos de trabalho da enfermagem

(assistir/intervir, ensinar/aprender, gerenciar e investigar) são direcionados somente

para ouvir os quadros de doença sem a participação do paciente no cuidado

prestado. Cada quadro de doença torna-se, de antemão, fixo a prevalência do

trabalho administrativo/burocrático e das ações programáticas, como os

encaminhamentos, as aplicações de medicamentos e as medidas de higiene e

conforto.

Diante dessa realidade hegemônica, a enfermagem busca possibilidades

de estratégias coletivas e individuais com foco o cuidado ao sujeito em sofrimento

psíquico. Entretanto, a escassez de instrumentos terapêuticos, os limitados espaços

de discussão em saúde mental e o despreparo dos profissionais com os ditos casos

difíceis embaçam a necessidade real de redirecionamento da enfermagem segundo

os princípios da Reforma Psiquiátrica.

Tal fato pode estar atrelado a formação tecnicista proposta pelos

currículos dos cursos de graduação em enfermagem, cujas disciplinas não se

movimentam, articulam-se muito pouco. E quando os enfermeiros se deparam com

os serviços substitutivos e comunitários em saúde mental, não atuam como

protagonistas do processo de produção de intervenções singulares, mas apenas

reprodutores da estigmatização da loucura a partir da ideia da separação do ser

humano no biológico, no psíquico e no social.

Destacamos ainda que a escuta terapêutica é um recurso pouco usado

pela maioria dos profissionais da saúde por opção particular ou por

desconhecimento sobre a sua operacionalidade na área de atuação, o que dificulta o

enfermeiro se colocar em uma atitude de escuta de cada um dos sujeitos nos

serviços de saúde. Isso ocorre, principalmente, diante das particularidades técnicas

do cuidado clínico em saúde mental, por exemplo: o tempo de duração dos

atendimentos e sua frequência; a ausência de pagamento diretamente a quem

realiza o trabalho; a ambientação para atendimento individual; o pedido de

tratamento ser dirigido a uma receita médica, dentre outros.

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Enfatizamos que a escuta terapêutica não é apenas constituída de

palavras ou conceitos vazios, é um dispositivo de produção de sentidos,

minimização da angústia pela escuta de si que passa pelo fato de ser escutado pelo

outro.

Assim, a escuta em sua dimensão ampliada pode ser considerada uma

das ferramentas da enfermagem para a construção do cuidado clínico subjetivo.

Nesta perspectiva da clínica do sujeito, a escuta terapêutica da pessoa em

sofrimento psíquico perpassa a construção de uma subjetividade singular transversal

e a produção de novos modos de sensibilidade, novos modos de criatividade e de

relação com o outro.

Evidencia-se, portanto, o seguinte paradoxo: de um lado o lugar axial que

a escuta ocupa (ou deveria ocupar) na elaboração de qualquer estratégia de

intervenção em saúde mental. Do outro, a pouca delimitação deste conceito e o risco

de banalizarmos seu potencial, deixando-a reduzir-se a uma simples repetição de

um discurso estéril.

Considerando a diversidade de cenários na saúde mental, tanto em

hospitais psiquiátricos quanto em serviços substitutivos, que o cuidado clínico do

enfermeiro se materializa, passo a me perguntar que significados são atribuídos a

escuta pelos enfermeiros na produção do cuidado clínico em saúde mental?

Partimos do princípio de que a linguagem constitui uma dimensão

estruturante do sujeito. Sujeito, que através da fala, possibilita aplicar significantes e

significados para a sua vida, uma redefinição do seu vivido pessoal.

Como diz Lacan (1953-1954/1985, p.15) “para cada estrutura há um

modo de conceitualização que lhe é próprio”. Cada um traz no bojo de seu discurso

as correlações entre os significantes de sua “loucura” e a sua história de vida, bem

como as próprias respostas para os acontecimentos e comportamentos vivenciados.

Desta forma, como característica essencial da clínica do sujeito, a escuta

implica no reconhecimento do outro enquanto sujeito de vivências singulares; sujeito

que é transformado no seu encontro com o profissional de saúde, durante as

relações que estabelece com o outro.

Mediante essas discussões, me proponho a tomar como objeto de estudo

a escuta no cuidado clínico de enfermagem aos sujeitos em sofrimento psíquico nos

cenários de atenção em saúde mental da cidade de Mossoró-RN. Esses serviços de

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saúde caracterizam-se pela dinamicidade dos processos de trabalho em saúde,

como também pela contextualização sócio-política que implicam e são implicados os

enfermeiros e suas práticas.

A enfermagem, ao se apropriar da escuta como dispositivo de produção

do cuidado clínico subjetivo, assume um novo posicionamento frente às queixas que

lhes chegam aos serviços, valorizando as questões transferenciais e a implicação do

sujeito naquilo que provoca seu sofrimento psíquico.

A identificação das formações discursivas e da formação ideológica que

embasam a prática da escuta pelos enfermeiros nos possibilita uma reflexão mais

incisiva quanto os processos de trabalho elaborados e os meios e instrumentos

apreendidos pela enfermagem na rede de atenção em saúde mental. Essa análise

crítica da produção da escuta junto ao sofrimento psíquico é possível a partir do

referencial teórico metodológico articulado com as discussões da psicanálise.

Podemos afirmar que é de suma importância a investigação dos discursos

desses profissionais acerca do referido assunto no processo de compreensão da

realidade ora instaurada, pois esta retrata as dificuldades existentes e muitas vezes

negligenciadas no sentido de ficarem sempre em último plano. Além disso, os

discursos dos enfermeiros sobre a escuta na área da saúde mental podem vir a

gerar discussões mais intensas sobre o cuidado subjetivo para pacientes em

sofrimento psíquico e, consequentemente, propor a ressignificação das intervenções

no tratamento terapêutico desses sujeitos.

Este estudo vêm contribuir para a ampliação dos estudos sobre o

processo saúde-doença-cuidado e para a propagação das discussões sobre a

clínica do sujeito, na perspectiva da enfermagem escutar, de maneira singular, o

ser/estar na linguagem dos sujeitos em sofrimento psíquico.

Realizamos um percurso teórico sobre o objeto de estudo, tendo como

destaque as discussões sobre “escuta como meio” e “escuta como fim”. Em seguida,

apresentamos a Análise do Discurso (AD) na perspectiva da corrente francesa de

pensamento, enquanto método e referencial teórico metodológico de pesquisa. Nos

capítulos posteriores, abordamos uma caracterização dos sujeitos entrevistados e,

em seguida procedemos à análise das formações discursivas e de uma formação

ideológica. E para os momentos finais, consideramos os pontos de ruptura com essa

formação ideológica que encontramos nos discursos dos enfermeiros sob a forma de

21

negações, silenciamentos e ocultamento etc.

Esta pesquisa possui fases processuais e dinâmicas que foram

construídas nos encontros e confrontos com outras pessoas, com o mundo e

consigo mesmo. Acreditamos da existência de arestas que possibilitarão a

concretização de futuros estudos, em reflexo da realidade complexa e singular e sua

relação direta com o conhecimento da saúde mental. Nesta perspectiva, a forma

criativa de escrita construída a partir da sensibilidade dos discursos dos enfermeiros

perpassará a configuração do desejo e trará um cenário marcado por uma

desconstrução/reconstrução de significados sobre a escuta.

Nosso estudo têm como objetivo geral analisar os discursos dos

enfermeiros sobre a escuta na produção do cuidado clínico em saúde mental. Como

objetivos específicos procuramos conhecer as formações discursivas dos

enfermeiros acerca da escuta em saúde mental; identificar qual a formação

ideológica que sustenta essas formações discursivas; discutir os pontos de ruptura

dessas formações discursivas em sua relação com as práticas de cuidado

desenvolvidas por estes enfermeiros.

2. DELINEANDO A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO AO SOFRIMENTO

PSÍQUICO

O movimento da Reforma Psiquiátrica teve como propósito teórico

constituir espaços substitutivos de atenção diferenciada do modelo manicomial,

onde os princípios dessa reforma seriam materializados a partir de uma prática

clínica de valorização do sujeito e de suas necessidades (BRASIL, 2001a).

Nesta perspectiva, o conceito de “doença mental” passa por um processo

22

de desconstrução, dando lugar a uma nova forma de perceber a loucura enquanto

"existência-sofrimento", do sujeito em sua relação com o corpo social (ROTELLI;

LEONARDIS; MAURI, 2001).

No bojo das discussões desta reforma surge novas formas de atenção ao

sujeito em sofrimento psíquico, deixando de ter mecanismos de exclusão social,

para existir a escuta das expressões de um sofrimento insuportável no momento,

que por sua vez, pode revelar contextos e sentidos, criar fluxos de vida

(CORBISIER, 1992).

Sendo assim, recorremos a base dados Scientific Electronic Library

Online (SciELO) em busca de publicações sobre como a escuta tem sido definida no

âmbito do cuidado em saúde mental. Identificamos que existe uma frequente

publicação de artigos sobre a temática da escuta relacionada ao sofrimento

psíquico, variando do modelo biomédico ao modelo psicossocial..

Entendemos aqui não apenas a escuta restrita aos serviços

especializados em saúde mental, mas como atuação voltada ao sofrimento psíquico

nos diversos campos da saúde. Após sucessivas leituras, organizamos em duas

categorias “escuta como meio” e “escuta como fim”.

Na categoria “escuta como meio” foram considerados os estudos que

situam a escuta como um meio de investigação para a elaboração de intervenções.

Ou seja, escutar é um momento de investigação onde o profissional de saúde se

dedica a coletar informações, a ouvir as queixas dos pacientes, buscando informar-

se sobre suas reais necessidades e, assim, elaborar suas intervenções.

A categoria “escuta como fim” foi obtida dos artigos que se pautaram por

uma definição de escuta como intervenção em si; seja pelo fato de proporcionar a

expressão de afetos e sentimentos, seja por favorecer a compreensão dos

elementos envolvidos no sofrimento psíquico. Estão, ainda, nessa categoria os

estudos que consideram a escuta uma forma de acesso ao inconsciente,

funcionando, portanto, como uma intervenção. Essa compreensão está situada

teoricamente na psicanálise.

2.1. Escuta como meio

23

Nessa categoria, a escuta é entendida como um mecanismo de obtenção

de informações para o subsequente desenvolvimento de intervenções. Há a ideia de

que é preciso, inicialmente, refinar aquilo que o paciente traz ao serviço como

queixa, para que, em seguida, o profissional possa tomar decisões com vistas à

resolubilidade dos problemas.

Para Oliveira et al (2008, p.755), “a escuta precisa ocorrer de forma que

propicie resolutividade no atendimento”. Isto implica na necessidade de escutar as

queixas, os sofrimentos demandados pelo sujeito, em busca por uma

responsabilização das demandas pronunciadas (PINHEIRO; OLIVEIRA, 2011).

Nestes estudos, percebe-se que o conceito de escuta está associado ao

fato de colocar o profissional na posição de desencadear respostas ou solucionar

algum problema identificado. Oliveira et al. (2008, p.755) colaboram com essas

discussões ao afirmar que o profissional, numa atitude de escuta com o usuário,

possibilita-o “expressar aquilo que sabe, pensa e sente em relação a sua situação

de saúde”.

Para isso, faz-se necessário que ele seja um investigador e obtenha o

máximo possível de informações, aproximando-se da realidade do paciente e

conhecendo suas reais necessidades; pois, é através do processo de comunicação

que a queixa pode ser realmente compreendida e, só a partir daí, solucionada.

Como diz Kerber, Kirchhof, Cezar-Vaz (2008), o processo de escuta

atende não apenas o acolhimento de anseios e angústias, mas as necessidades,

expectativas e dúvidas reveladas no momento de atenção à saúde. Acreditam que,

para uma situação de maior envolvimento entre o sujeito em sofrimento psíquico e o

profissional, este deve ouvi-lo na perspectiva de desencadear alguma solução para

o problema encontrado.

Estes artigos apontam para a importância de refinar a queixa inicial do

paciente, pois, nem sempre aquele que chega ao serviço de saúde se encontra em

condições de expressar o que de fato é a sua necessidade. Muitas vezes, o paciente

traz demandas diferentes do real problema que o aflige com receio de que sua fala

não seja considerada.

Peres (2010) e Scardoelli; Waidman (2011) consideram que os espaços

de escuta na atenção à saúde mental tendem a propiciar uma resolução para as

queixas relativas ao sofrimento psíquico. No entanto, nem sempre se obtém essa

24

resolução dos problemas, sendo necessário encaminhamentos para

acompanhamento de outros profissionais, outras atividades terapêuticas, outros

serviços de saúde.

O próprio quadro clínico, muitas vezes, pode dificultar a expressão do

sofrimento psíquico; como por exemplo, um paciente apático que fala pouco ou, por

outro lado, um paciente inquieto, que tem dificuldade de se concentrar e até mesmo

violento.

Quando este paciente chega aos serviços de saúde, geralmente,

acontece somente a escuta sobre a violência. As demais queixas são

desconsideradas e tratadas como menos importantes. Isto acontece, conforme

D’oliveira et al. (2009), devido o princípio de que essas demandas trazidas pelos

sujeitos em sofrimento aos serviços não se constituem em sofrimentos efetivos, haja

vista que estão associadas a um problema da esfera social, não sendo sinais de

doenças “verdadeiras”.

Carvalho, Freire e Bosi (2009) nos falam que tanto o louco destituído de

sua condição de sujeito quanto o usuário internado num serviço não-psiquiátrico,

muitas vezes reduzido a um número de leito ou de prontuário, precisam de uma

abordagem do cuidado como uma escuta ética que implica no redimensionamento

da atuação do profissional de saúde a partir de uma atitude de resposta à

necessidade do outro.

Este refinamento da demanda se presta a facilitar a tarefa do profissional,

permitindo uma melhor delimitação das intervenções necessárias que, muitas vezes,

pautam-se nas abordagens restritas aos exames e prescrições.

Dessa forma, “acaba levando a uma desvalorização das queixas

psicossociais que, apesar de verbalizadas no início da consulta, perdem sua

potência e acabam ficando sem encaminhamentos adequados” (TANAKA; RIBEIRO,

2009, p.481)

Essas afirmações anteriores corroboram com as pesquisas de Ramos

(2004) e Teixeira (1996) que destacam a valorização excessiva das técnicas de

diagnósticos e de tratamento pelos profissionais da saúde em suas rotinas de

trabalho. Em geral, não escutam, nem se interessam em conhecer o sofrimento ou

expectativas do paciente, ocasionando problemas na comunicação. Elas relacionam

estes problemas ao profissional que não trabalha como suporte emocional e fonte de

25

segurança, que não se aproxima de forma afetiva dos pacientes.

Outros autores referem ainda à necessidade de se dispor de um tempo

satisfatório para a escuta das queixas do paciente, pois, muitas vezes o tempo

dedicado a este momento é mínimo.

Silva et al. (2010, p.163) explicitam que a escuta proporcionada pelo

maior tempo de consulta, permite um estabelecimento de respeito e confiança entre

profissionais e usuários. Além disso, “facilita a percepção das necessidades para

além daquela que, porventura, originou a consulta ou a conversa”.

Ainda nesta discussão da escuta como meio de intervenção, alguns

estudos enfocam a escuta na perspectiva de estabelecer ou aprofundar o vínculo

com o profissional e/ou com o serviço.

De acordo com Oliveira et al. (2008), a criação de vínculo entre os atores

envolvidos nas práticas de saúde acontece em conseqüência da escuta. Estes

autores consideram a escuta enquanto elemento de comunicação, em que o

profissional tem a facilidade de se colocar no lugar do usuário objetivando resolução

para seus problemas.

Grossman; Araújo-Jorge e Araújo (2008) também nos possibilitam

compreender a escuta como identificação de demandas para a organização dos

serviços. Segundo os mesmos, a produção de ambientes promotores da saúde será

alcançada a partir da escuta das opiniões e dos anseios referidos pelas pessoas.

Para tanto, Rosário (2009) ressalta que a escuta implica numa sensibilidade de

percepção apurada, no intuito que se consiga escutar o que a pessoa diz.

Assim, entende-se que a escuta surge como ferramenta de gestão do

cuidado e do serviço, atuando como um instrumento para se chegar ao

desenvolvimento de intervenções. O objetivo, neste caso, seria escutar para melhor

definir as necessidades do paciente, ou ainda, para estabelecer o vínculo necessário

a uma boa adesão ao tratamento.

2.2. Escuta como fim

A “escuta como fim” envolve os estudos que concebem a escuta, em si,

26

como um processo terapêutico. Os estudos se dividem, ainda, entre aqueles para

quem a escuta é considerada uma intervenção facilitadora das expressões verbais e

não verbais dos pacientes; funcionando, portanto, como uma espécie de desabafo.

Incluem, ainda, aqueles que consideram os efeitos terapêuticos de uma

compreensão mútua, pelo fato de se fazer entender pelo outro, e aqueles que

consideram a escuta na perspectiva da psicanálise, onde a fala é entendida como

dispositivo de manifestação do inconsciente.

A escuta como desabafo é caracterizada pela manifestação do que se

pensa ou fala. Através dessa escuta, o paciente desafoga suas mágoas, trás a tona

suas emoções, angústias, preocupações e incertezas. Ao verbalizar o que sabe,

pensa e sente sobre sua situação de saúde e ao compartilhar seus sentimentos e

pensamentos com o profissional, é possível resgatar as potencialidades do cuidado

e enfrentar as fragilidades e diminuição das tensões.

Segundo Ferecini et al. (2009), a escuta é entendida como estratégia que

pode e deve ser acessada pelos profissionais na prática clínica. Nos primeiros

encontros entre profissional e paciente pode ser até constrangedor para o paciente

falar de si e de seus sentimentos, mas ao se consolidar uma confiança no outro,

permite que expresse os seus pensamentos e afetos.

Scardoelli e Waidman (2011) nos relatam que a fala, o diálogo e a palavra

são considerados poderosos remédios e excelentes terapias, por isso é preciso

verbalizar o que se sente, falar aquilo que está reprimido, desabafar, confidenciar,

partilhar intimidades e segredos.

A escuta como compreensão mútua, fundamenta-se no estabelecimento

de um diálogo, uma conversa, uma reflexão sobre interesses diversos entre o

profissional e o usuário; onde se busca a construção de relações humanizadas, a

conscientização do seu papel no cuidado e a amenização de conflitos através da

escuta sem julgamentos, “escuta que busca a compreensão mútua sem procurar

culpados e inocentes” (D’OLIVEIRA, 2009, p.1045).

Padoin; Souza e Paula (2010) enfatizam que o encontro vivido e

dialogado entre profissional e usuário do serviço de saúde, mediado pela escuta, se

desenvolve a partir de uma comunicação interessada na co-responsabilidade, na

relação de ajuda e na conquista da autonomia. Nesse contexto, a escuta é

entendida por More (2009) como a capacidade de se considerar o outro na sua

27

alteridade, independente do lugar.

A escuta como desabafo e a escuta como compreensão mútua,

apresentam em comum o fato de se pautarem numa concepção do processo de

linguagem como comunicação privilegiada, fundamentada em teorias interpessoais e

interacionistas. Essas teorias apresentam um modelo onde o processo de

comunicação envolve a emissão de elementos básicos como emissor, receptor,

canal, código, mensagem e feedback (FERREIRA, 2001, que estão representados

na figura a seguir:

Figura 1 – Processo de comunicação (fonte: Stefanelli; Fukuda e Arantes, 2008).

Neste processo de comunicação, sempre existe um emissor de uma

mensagem que faça sentido (código) a um receptor, que por sua vez emite uma

resposta, valendo-se ambos de um canal que pode ser verbal, não verbal ou escrito;

o receptor recebe a mensagem através dos seus sentidos e codifica a resposta

(feedback) e a envia, transformando-se em uma nova mensagem que exerce

estímulo a outra pessoa. Dessa forma, o processo de comunicação é contínuo e

envolve efeitos sobre as pessoas num campo interacional em busca de trocas de

informações (STEFANELLI; FUKUDA e ARANTES, 2008).

Por outro lado, existe também uma compreensão da escuta como acesso

ao inconsciente. Esta compreensão está ancorada teoricamente na psicanálise, que

“com seu método e manejo clínico próprios, pode nos dar aparatos para considerar

aquilo que o sujeito diz, além de ter como princípio que o sujeito está exatamente lá,

naquilo que diz, sem saber o que está dizendo” (BRANDÃO-JUNIOR e RAMOS,

2010, p.77).

28

Na abordagem psicanalítica considera-se o sintoma como formação

“linguageira”, ou seja, moldado a partir dos elementos da própria linguagem. Forma-

se um sintoma na tentativa de lidar com conteúdos que foram impossíveis de

simbolizar conscientemente. Há um trauma que precisa de palavras para ser

enunciado; a palavra significada rearticula, deslizando do traumático do não-

representável (BATTIKHA; FARIA; KOPELMAN, 2007, p.23).

Nessa perspectiva, a linguagem não é um simples meio de comunicação,

compreensão, que o falante utiliza para se expressar. Ela é na verdade aquilo que

nos permite ter acesso ao mundo, um mundo todo particular, que vai adquirir suas

cores a partir do enquadramento simbólico de cada sujeito.

A escuta na abordagem psicanalítica, parte do princípio de que se faz

necessário criar condições para que a palavra seja dita, circule, compareça no

discurso do sujeito. Desse modo, podem surgir leituras do inconsciente a partir do

desconhecimento de não-dito, do não compreensível em relação à subjetividade de

quem sofre (VIEIRA-FILHO e ROSA, 2010).

Nesse sentido, a intervenção extrapola seu caráter instrumental e a

escuta passa a ser a própria ferramenta de intervenção. Não se trata de escutar

para depois intervir, mas, sim, de intervir escutando.

Segundo Santos e Costa-Rosa (2007, p.493), estamos falando de uma

escuta analítica que propicia a articulação significante, onde o sujeito em sofrimento

psíquico pode aliviar ou se proteger da carga pulsional, transferindo-a para uma

cadeia significante. Estes autores coadunam com nossos pensamentos quando nos

falam que a escuta possibilita “a recuperação da ancoragem simbólica por meio da

articulação significante, para então viabilizar a formulação de uma demanda e a

possibilidade da clínica do inconsciente”.

Nesta perspectiva, não há um saber especializado a priori do lado de

quem escuta. O saber em jogo é aquele do inconsciente, ou seja, está do lado de

quem fala. O profissional atua permitindo que o sujeito se escute dizer, sem

apresentar soluções prontas, sem julgar, interpretar, explicar ou investigar (POUJOL

e POUJOL, 2006). Como afirma Santos e Costa-Rosa (2007, p.499), “o espaço de

escuta deve afastar-se do lugar de confessionário, prestação de “contas” ou mesmo

de produção de ‘roteiros de cura’”.

Ao utilizarmos esta ferramenta, é preciso identificar os níveis de

29

comunicação com os quais o sujeito se expressa; além de ter uma atenção flutuante

centrada em todo discurso do sujeito e não apenas nos pontos que interessam ao

profissional (FREUD, 1996 [1913]). Outra regra fundamental do referencial

psicanalítico freudiano para a escuta terapêutica, é a técnica de associação livre das

palavras onde o sujeito fala livremente sobre qualquer assunto (FIGUEIREDO,

2004).

Não importa de que tempo cronológico o sujeito fale, pois, nesta técnica o

inconsciente vai estar presente na cena discursiva, através de rupturas de sua fala

(lapsos, sonhos, chistes, atos falhos, repetições). E o sujeito pode reformular outros

significantes para suas angústias, ansiedades e sintomas (FREUD, 1996 [1913]).

No campo transferencial, considerado momento de escuta clínica, o

profissional ocupa o lugar do suposto-saber e adota, assim, estratégias onde o

sujeito seja escutado na sua singularidade e consiga apropriar-se do discurso

coconstruído (VIEIRA FILHO; ROSA, 2010).

Conforme Macedo e Werlang (2007, p.192), a escuta possibilita uma

abordagem do “irrepresentável em um processo que busca atribuição de sentido

àquilo que desassossega o sujeito. Ou seja, o “lugar do traumático é, exatamente, o

lugar da escuta analítica”.

Segundo este referencial da psicanálise, é necessário que o profissional

saiba intervir no momento certo da escuta, fazendo com que o sujeito não

permaneça paralisado em um ponto específico de suas associações. Desta forma,

como característica essencial da psicanálise, a escuta implica no reconhecimento do

outro enquanto sujeito de vivências singulares; sujeito que se transforma e é

transformado no encontro entre o profissional da saúde e usuário.

O profissional da saúde devidamente instrumentalizado por esta

ferramenta de escuta como acesso ao inconsciente, pode estabelecer modos de

cuidado permitindo que o próprio sujeito reconstitua as tramas de sua história e de

seu sofrimento, abstendo-se da posição de dono do saber em relação ao sofrimento

do outro.

No que tange o cuidado de enfermagem em saúde mental, a ferramenta

da escuta implica no reconhecimento do Outro enquanto sujeito de vivências

singulares; sujeito que se transforma e é transformado no encontro entre enfermeiro

e usuário. Esta condição pressupõe o reconhecimento da subjetividade dos sujeitos

30

envolvidos nas ações de cuidado (KIRSCHBAUM, 2000).

O enfermeiro devidamente instrumentalizado pela escuta e pelos efeitos

produzidos por esta escuta, pode singularizar modos de cuidado, possibilitando que

o próprio sujeito reconstitua as tramas de sua história e de seu sofrimento (LOYOLA,

2008).

Isto requer uma profunda transformação nos processos de trabalho em

saúde, onde a fala e a escuta dos sujeitos sejam valorizadas enquanto ponto de

partida para as relações de cuidado (MERHY; FRANCO, 2005) com a participação

dos usuários dos serviços, ampliando sua autonomia na construção do seu cuidado.

Para que exista condições de uma efetiva produção do cuidado em saúde

mental pela escuta, é necessário considerar o discurso do Outro, “isto é, a um outro

semelhante, mas a esse Outro do discurso de cada um que fala” (LACAN apud

MARCON, 2007).

Por isso, a escuta terapêutica busca o deslocamento do sujeito do

inconsciente a partir de seu discurso, trazendo situações que dizem respeito às

relações que cada um estabelece consigo e com o outro; às formas que o sujeito

encontra de se apropriar de sua história de vida, de seus signos e de seus sintomas;

as maneiras com as quais ele significa a própria vida (ALMEIDA, 2009).

Nesse contexto, a enfermagem pode entender a clínica como um modo

de escutar e agir em função da escuta para que o sujeito se redefina pela sua fala.

Isso se faz possível por que o inconsciente é estruturado como linguagem. A psique

constitui-se simbolicamente de significantes, que diferem de sentido para cada

sujeito. Por isso que no processo de escuta, o sujeito se escuta e revela a si mesmo

fatos traumáticos recalcados, passando a dar uma significação aos seus vividos

pessoais (SILVEIRA et al, 2010).

31

3. ANÁLISE DO DISCURSO E PESQUISA NA ENFERMAGEM: DISCUTINDO UM

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

A pesquisa na enfermagem tem se desenvolvido ao longo das últimas

quatro décadas, colocando-se em evidência nos cenários nacional e internacional da

produção científica (SCOCHI, MURANI, 2012). Este fato pode ser atestado pelo

número de trabalhos publicados em diversos periódicos nacionais e internacionais e

em eventos científicos de diferentes campos de conhecimento.

Podem-se encontrar na produção científica da enfermagem estudos de

revisão integrativa e sistemática da literatura, pesquisas aplicadas e uma

variabilidade de estudos com distintas abordagens teórico-metodológicas, utilizando-

se inclusive de articulações com outras áreas de conhecimento como a filosofia, a

estatística e a linguística.

Estas articulações são salutares uma vez que ampliam o potencial para

impactar na produção do cuidado em saúde, de forma a atender com mais

propriedade os problemas e necessidades de saúde dos sujeitos que recorrem aos

serviços de saúde.

32

Neste processo de desenvolvimento da pesquisa por parte da

enfermagem, é essencial uma busca contínua do aprimoramento das técnicas e

métodos de pesquisa, assegurando uma melhor compreensão do escopo teórico,

filosófico e epistemológico adotado.

Uma produção científica em larga escala, para atender a fins diversos,

pode mascarar uma apropriação superficial dos elementos que asseguram a

coerência teórica e metodológica de uma pesquisa, fragilizando não apenas a

obtenção dos resultados de um determinado estudo, mas também comprometendo a

própria dimensão ética da pesquisa.

Dentre as propostas teórico-metodologicas identificadas na produção

cientifica da enfermagem destaca-se a análise do discurso na perspectiva da

corrente francesa de pensamento, representada por Michel Pechêux (GOMES,

2007). Trata-se de um referencial teórico e filosófico, e não apenas um método para

obtenção e análise de dados. Sua aplicação nas pesquisas exige por parte dos

pesquisadores uma compreensão da sua historicidade, de seus conceitos

fundamentais. Vale ressaltar que ela promove uma ruptura com o método cientifico

(2006), pautado numa uma ótica racional, mecanicista e linear que objetifica e

neutraliza as relações entre sujeito e objeto de estudo. A análise do discurso na área

da saúde ainda é pouco discutido, concentrando-se na maior parte em estudos na

área da saúde mental (GOMES, 2006).

Vamos discutir a análise do discurso na perspectiva da corrente francesa

de pensamento, enquanto método e referencial teórico metodológico de pesquisa.

Nossa aposta metodológica pauta-se na compreensão de que na relação

pesquisador e pesquisado, estes sujeitos estão implicados e a produção de

conhecimento decorre dessa relação (SILVEIRA, 2001).

A análise do discurso emerge, portanto, como um método capaz de

ressignificar as pesquisas na enfermagem que se utilizam da fala dos sujeitos

entrevistados. Pois, nestes casos, lidam-se com os discursos e contextos, fazendo-

se necessário desenvolver uma metodologia de análise que apreenda as relações

entre o discurso e suas condições de produção, e não uma análise da fala por ela

mesma.

3.1 Historicidade da análise do discurso

33

Michel Pêcheux (1938-1983), a partir de sua atuação política marxista,

propõe um novo campo de investigação, na perspectiva de integrar a análise das

condições de possibilidades do discurso aos processos discursivos, adotando um

novo objeto: o discurso, que opera na articulação entre o lingüístico e o histórico

(SARFATI, 2010).

Ele empreendeu críticas ao pensamento estruturalista, adotando o

discurso no entrecruzamento da linguagem e da história como objeto da Análise do

Discurso. Para Pechêux, o discurso implica numa exterioridade à linguagem em

torno da ideologia e do social (ORLANDI, 2005).

Inicia-se o movimento em direção à heterogeneidade discursiva, marcado

por rupturas, num campo de entremeio, de vizinhanças teóricas que influenciaram a

proposta teórico-metodológico da Análise do Discurso proposta por Pêcheux.

Epistemologicamente, a Análise do Discurso inscreve-se no(a) (GATED, HAK,

1997):

a) O Materialismo Histórico (teoria das formações e transformações

sociais, incluso também a teoria das ideologias);

b) A Linguística (teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de

enunciação);

c) A Teoria do discurso (teoria da determinação dos processos

semânticos).

A psicanálise atravessa constitutivamente a Análise do Discurso desde a

própria concepção de linguagem, ao situar o sujeito enquanto ser que fala, que

representa o mundo simbolicamente. Esse domínio do simbólico comparece na

Análise do Discurso na estrutura do discurso a partir daquilo que é dito, marcado

pela historicidade, pela ideologia e pelas relações de poder, por exemplo. No

entanto, para a psicanálise, nem tudo pode ser dito, nem tudo pode ser incluído na

cadeia significante. Fica sempre um resto, impossível de simbolizar. Nem por isso,

esse resto é menos importante, pois ele insiste furando a cadeia simbólica, fazendo

surgir a dimensão do não dito.

Desta forma, a psicanálise comparece na análise do discurso

possibilitando situar aquilo que foge à estrutura do discurso, como o lapso, o não

34

dito, e o lugar do sujeito fundado pelo desconhecimento. “Tal desconhecimento não

consiste numa ignorância, ele não é passivo. Ao contrário, esse desconhecimento

corresponde à própria atividade do sujeito” (MELO, 2005, p.63-64)

Além disso, esta relação entre a psicanálise e a Análise do discurso pode

ser constatada também por meio dos mecanismos imaginários enquanto processos

identificatórios do sujeito na sua alteridade ou dimensão histórica (ORLANDI, 2005).

Assim, esse contato com outros campos do saber fundamentaram a

Análise do Discurso de linha francesa, não compondo apenas uma disciplina de

instituições de ensino, mas diálogos e debates de Pêcheux com Althusser, Foucault

e Bakhtin (GREGOLIM, 2006).

Althusser, com suas releituras das teses marxistas, marcou seu

relacionamento com Pêcheux através das discussões acerca do conceito de

formações ideológicas. As formações ideológicas caracterizam-se por serem um

conjunto complexo de atitudes e de representações não individuais nem universais,

mas que estabelecem uma força contra outras forças na conjuntura ideológica de

uma certa formação social (GREGOLIM, 2006).

Pêcheux também adotou a noção de formação discursiva de Foucault.

Formação discursiva não considerada como um espaço estrutural fechado, pois é

constitutivamente “invadida‟ por elementos que vêm de outras formações

discursivas que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas

fundamentais (GATED, HAK, 1997).

O conceito de discurso resulta da interpelação entre a língua e a

ideologia, o homem e a história. É uma construção social atrelada à materialidade

dos objetos de conhecimento e as modalidades de intervenção da linguagem no

processo de produção/reprodução de conhecimento. Nesse sentido, o discurso é

considerado objeto próprio da língua que funciona para produzir sentidos

(GREGOLIM, 2006).

Já Bakhtin contribuiu com a idéia de heterogeneidade do discurso,

indicando uma análise nas relações entre o intradiscurso e o interdiscurso, na

análise das não coincidências do dizer (ORLANDI, 2005). O interdiscurso ou

memória discursiva é definido como aquilo que fala antes, o já-dito que está na base

do dizível. É o saber discursivo que faz com que, ao falarmos nossas palavras façam

sentidos, o que é dizível e circula na sociedade; saberes que existem antes do

35

sujeito, saberes pré-construídos e constituídos pela construção coletiva. E o

intradiscurso é a materialidade discursiva (fala), ou seja, a formulação do texto, o fio

do discurso, a linearização do discurso (GOMES, 2006).

Esse resgate histórico metodológico assegura uma compreensão dos

referenciais teórico e filosóficos que fundamentam análise do discurso. Torna-se um

momento indispensável em toda pesquisa que se propõe a trabalhar com este

referencial, haja vista que sedimenta a coerência necessária para se alcançar as

rupturas com o método científico (SANTOS, 2006).

3.2 Conceitos fundamentais da Análise do Discurso: o sujeito, a linguagem e o

discurso

Entende-se que os conceitos de sujeito, linguagem e discurso são

basilares constitutivos do referencial filosófico da Análise do Discurso, diferenciado-

se da forma como são trabalhados em outras propostas metodológicas. A Análise do

Discurso critica a centralização do conceito da subjetividade e o sistema totalmente

autônomo do objeto linguístico, pois não trabalha com o objetivismo abstrato ou com

o entendimento do sujeito como onipotente (ORLANDI, 2005).

Para ela, o sujeito discursivo se constitui e se produz na linguagem, na

sua materialidade significante. É o sujeito falante que se coloca e se situa na

linguagem e pela linguagem; é o sujeito cindido por seu inconsciente.

O inconsciente é compreendido não na perspectiva de um lugar

inacessível de destino de todas as experiências humanas vividas, mas uma

instância sempre determinante e ativa que imprime o modo de operação de cada

sujeito, trazendo, inclusive, o traço singular de cada sujeito como efeito do discurso

(QUINET, 2008).

Partindo desta compreensão de sujeito, a Análise do Discurso enquanto

método, propõe uma ruptura com a suposta transparência da linguagem, onde o

sujeito não é mais visto como uma unidade, centro, indivíduo/sujeito, mas como um

ser dividido, efeito da linguagem. Ocupando um lugar de diálogos e confrontos

36

teóricos em que o pesquisador identifica a produção dos diversos contextos pelos

sujeitos, e os momentos em que esses sujeitos são atravessados por esses

contextos (CASAGRANDE, 2011).

A Análise do Discurso consiste em uma proposta teórico metodológica,

que busca superar a apreensão linear da linguagem exteriorizada, em seu caráter de

superficialidade, e assim compreendê-la de forma articulada às suas condições de

produção. Busca os significados do texto, a linguagem expressa nas relações

estabelecidas e os sentidos atribuídos a partir das condições em que o mesmo é

produzido; visa à compreensão e explicitação da história dos processos de

significação, para atingir, assim, os mecanismos de produção de sentidos

(ORLANDI, 2005).

Como ferramenta de leitura e interpretação, a Análise do Discurso trata de

buscar os significados atribuídos pelo homem, por meio da linguagem, as tramas

sociais, históricas e culturais. Nesse campo, os discursos materializam sentidos em

uma sociedade que se movimenta, “transitam pelo tempo e pelo espaço; ele nos

enredam, rodeiam-nos e nos constituem, e como construídos por uma memória, um

já-dito que os faz serem interpretados” (CRUZ, 2009, p.75). O discurso é a palavra

em movimento, prática de linguagem, o sujeito falando (GATED, HAK, 1997).

A dimensão do não dito emerge no discurso em função do silêncio e do

silenciamento; esta forma de dizer algo está fora da estrutura organizada do

discurso onde o sujeito tenta aparecer como seu único autor quando, na verdade,

ele ocupa um lugar na discursividade (ORLANDI, 2005).

Para a psicanálise esse não dito corresponde a uma fala que, ao faltar,

situa o lugar do sujeito, legitimando-o. Essa dimensão do discurso deve, portanto,

ser valorizada e situada durante a análise. Deve ainda ser buscada principalmente

quando o discurso falado pretende ser completo e pleno de sentidos, pois, é na

incompletude do discurso que se fundam outros sentidos além do que é dito

(MELO, 2005).

Todo discurso passa pela articulação metodológica entre descrição e

interpretação. É no campo dessas relações emergem os dispositivos analíticos. A

identificação destes dispositivos se constitui em um desafio ao analista do discurso,

pois não se trata da identificação de figuras de linguagem, mas da incompletude da

língua que provoca um contínuo deslizamentos de sentidos (MELO, 2005).

37

É necessário fugir das tentações que dificultam a obtenção de uma

estrutura analítica própria da Análise do Discurso, tais como: limitar-se a descrição

do material empírico com enfoque na análise de conteúdo ou restringir-se a

exposição de inferências subjetivas, não possibilitando a apropriação do uso do

percurso metodológico (GOMES, 2006). Dessa maneira, é necessária uma

delimitação teórica do problema a ser estudado e uma articulação dos objetivos com

o que propõe a Análise do Discurso.

3.3 Desvelando o percurso metodológico

Para o desenvolvimento do estudo em questão, seguimos os seguintes

passos metodológicos:

3.3.1Tipo de pesquisa

A referente pesquisa apresenta caráter descritivo definido por Gil (2008)

como aquele que possibilita observar, registrar, analisar, correlacionar fatos ou

fenômenos sociais. Ele acrescenta ainda que o estudo descritivo propõe detalhar

acontecimentos, depoimentos e situações que qualificam a análise dos discursos de

forma mais ampla.

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que segundo Flick

(2009) estuda o texto como material empírico, partindo do contexto social das

realidades estudadas, com interesse no discursos dos sujeitos participantes da

pesquisa, em suas práticas e em seu conhecimento cotidiano em relação ao estudo.

3.3.2 Sujeitos da pesquisa

Antes de adentrar nessa discussão, é importante ressaltar que a idéia de

amostragem não é a mais indicada para certas pesquisas, especialmente aquelas

de cunho qualitativo. Isto se deve ao fato que o “universo” em questão são as

38

representações, os saberes, as práticas e as atitudes dos sujeitos em si (MINAYO,

2008).

Os sujeitos da pesquisa foram os enfermeiros lotados nos serviços de

saúde mental do município de Mossoró/RN; perfazendo o total de nove enfermeiros

colaboradores da pesquisa, sendo quatro enfermeiros dos Centros de Atenção

Psicossocial – CAPS’s e cinco enfermeiros do Hospital Municipal Psiquiátrico.

Para seleção dos sujeitos da pesquisa, utilizamos como critérios de

inclusão: exercer a função de enfermeiro e trabalhar diretamente com os sujeitos em

sofrimento psíquico, tendo participação ativa nas diversas atividades terapêuticas

individuais e coletivas desenvolvidas fora e dentro do serviço de saúde mental. Já os

critérios de exclusão foram: ser enfermeiro com menos de seis meses de trabalho no

serviço; trabalhar somente no turno noturno ou finais de semana; ter carga horária

inferior a 20 horas semanais; estar afastado do serviço por motivo de doença, férias,

transferência ou greve.

Em busca de recrutar os possíveis participantes, fui em cada serviço de

saúde entregar pessoalmente uma carta em forma de convite aos enfermeiros.

Neste convite constava as etapas do desenvolvimento da pesquisa, sendo

explicitado o tema proposto, o objeto de estudo e como seria realizada a produção

dos dados. Nesse momento, foi negociado hora, data e local para a coleta das

informações, de maneira que o enfermeiro pudesse comparecer a realização da

pesquisa, sem que esta oferecesse algum empecilho ou comprometesse as ações

que estes profissionais realizavam no serviço de saúde mental.

3.3.3 Locais da pesquisa

O movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil propôs mudanças nas

formas de atenção ao sujeito em sofrimento psíquico, substituindo estruturas de

isolamento e exclusão para o fortalecimento de espaços propícios para o uso da

escuta na produção do cuidado clínico em saúde mental (BRASIL, 2001a).

O estudo foi realizado com enfermeiros inseridos nos serviços, a saber:

em três Centro de Atenção Psicossocial e um Hospital Municipal Psiquiátrico. Esses

serviços de saúde estão articulados com a Unidade Integrada em Saúde Mental -

39

UISAM e com as Unidades Básicas de Saúde - UBS, constituindo a rede de saúde

mental do município de Mossoró-RN.

O fluxo do atendimento ao sujeito em sofrimento psíquico pode iniciar

com sua ida a uma UBS, que de acordo com as suas necessidades identificadas,

pode ser referenciado para UISAM. Este é um serviço de referência regional em

saúde mental, onde a partir desta unidade, o sujeito terá acesso ao atendimento

ambulatorial (psicologia, psicanálise, psiquiatra, enfermagem e assistente social) ou

será encaminhado para acompanhamento terapêutico nos CAPS ou internação

imediata no Hospital Municipal Psiquiátrico..

Os CAPS’s são instituições públicas inseridas no Sistema Único de

Saúde, sob exigências propostas pela Reforma Psiquiátrica que preza pelo

deslocamento das práticas psiquiátricas para práticas de cuidado intensivo,

comunitário, personalizado e promovedor de vida. Constitui-se por uma equipe

multiprofissional, desempenhando o papel de regulador da porta de entrada da rede

de atenção em saúde mental (BRASIL, 2004).

Já o Hospital Municipal Psiquiátrico dispõe de 160 leitos conveniados ao

Sistema Único de Saúde – SUS, do Ministério da Saúde. É um hospital de referência

na assistência psiquiátrica no Rio Grande do Norte – RN, que conta com cerca de

140 profissionais entre enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, psicólogos,

assistentes sociais, terapeutas ocupacionais etc.

A escolha desses profissionais decorreu do fato de que eles atuam

enquanto agente terapêutico, coordenador do trabalho em equipe da enfermagem.

Essa atuação objetiva prestar cuidados aos sujeitos em sofrimento psíquico com uso

de ferramentas voltadas as relações, as intervenções, as produções de

conhecimento que se constituem no encontro entre o trabalhador em saúde e o

usuário (KIRSCHBAUM, 2000).

3.3.4 Procedimentos éticos e produção dos dados

Esta pesquisa foi construída sob a égide da Resolução 196/96 (BRASIL,

1996), assegurando os elementos fundamentais que resguardam os direitos

humanos e o respeito à Ética da pesquisa. Consideramos também as prescrições da

40

Resolução n.o 311/2007, que trata do Código de Ética dos profissionais de

enfermagem, ressaltando as disposições presentes no seu capítulo III, que trata da

produção científica (COFEN, 2007). Dessa forma, a pesquisa foi submetida ao

Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e

aprovada com o parecer nº 60577 (ANEXO 1).

Ao iniciar a pesquisa, realizamos os devidos esclarecimentos aos

entrevistados, deixando claras as questões quanto ao anonimato do entrevistado, a

participação voluntária e a inexistência de ônus para o entrevistado. Ainda antes da

entrevista acontecer, todos enfermeiros assinaram o Termo de Consentimento Livre

(APENDICE 1) onde ficou certificado que as informações coletadas teriam caráter

sigiloso, não havendo nenhuma menção nominal.

No campo da saúde, o segredo profissional demanda amparo legal e

proporciona ampla utilidade prática e social, na medida em que relaciona postulados

éticos que carecem ser desempenhados. Partindo desse pressuposto, os

enfermeiros foram protegidos por meio da codificação, cada sujeito entrevistado será

identificado por (Enfermeiro). Á medida que foi efetivada as entrevistas, foi

acrescentado a palavra (Enfermeiro) um numeral, em algarismo arábico, em ordem

crescente.

Na etapa de produção das informações, foi adotada a entrevista semi-

estruturada como técnica. Conforme Flick (2009), a entrevista semi-estruturada é

amplamente utilizada nas pesquisas qualitativas e têm atraído o interesse dos

pesquisadores em virtude da maior possibilidade dos entrevistados expressarem o

seu ponto de vista em uma situação de entrevista com um planejamento aberto do

que em uma entrevista padronizada.

Este tipo de entrevista utiliza-se de certos questionamentos comuns para

todos os entrevistados a partir de um instrumento apoiado num referencial teórico-

metodológico, existindo uma flexibilidade de introduzir novas questões na medida

que o pesquisado é entrevistado (LICHTMAN, 2010).

Optamos pela entrevista semi-estruturada por esta permitir que o

entrevistado discorra livremente sobre a temática sem se prender à indagação

formulada, obtendo assim um maior produção de informações. Outro ponto de

interesse é devido esse instrumento de coleta de dados possibilitar a presença do

pesquisador facilitando o esclarecimento sobre a pesquisa e incompreensões do

41

pesquisado.

As entrevistas foram registradas através de um mini gravador de voz

digital Sony Px-720, e posteriormente transcritas para leitura. Os dados foram

armazenados em CD-ROM e serão guardados por um período de 05 anos.

Concordamos com Gomes (2007) que esse processo de comunicação

não deve acontecer de forma seriada e mecânica, resumido a mera transmissão de

informações, mas sim pelos sentidos construídos a partir dos agentes que

interagem, incluindo condição básica para o acontecimento, a visão de mundo, entre

outros aspectos que determinam o dizer e o não-dizer.

Realizamos visitas aos referidos serviços, na data e no horário agendado

com os enfermeiros no intuito de iniciar a coleta de dados. Nesse momento, foi

apresentado ao entrevistado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),

solicitando a permissão para gravar os seus discursos.

Primeiro, solicitei informações sobre tempo de trabalho, forma de

contratação, qualificação acadêmica e experiência profissional que possibilitaram a

caracterização dos entrevistados. Em seguida, o momento da entrevista foi iniciado

a partir dos seguintes questionamentos: Fale-me sobre as atividades de

enfermagem que você desenvolve. Fale-me também como você escuta esses

sujeitos em sofrimento psíquico.

3.3.5 O processo de análise do discurso

Destacam-se três etapas do processo de realização da Análise do

Discurso e suas correlações (ORLANDI, 2005):

1ª etapa – Passagem da superfície linguística para o objeto discursivo;

2ª etapa – Passagem do objeto discursivo para o processo discursivo;

3ª etapa – Constituição dos processos discursivos

Após a realização das entrevistas com as suas transcrições, foi

constituído o corpus do estudo; cuja produção se dá pela relação entre ideologia,

história e linguagem, fundamentada na intersecção de epistemologias distintas

pertencentes as áreas da linguística, do materialismo dialético e psicanálise

42

(GREGOLIM, 2006).

Nesta primeira etapa, a transcrição ocorreu de forma literal preservando

todas as partículas discursivas, além disso destacou-se a enunciação no contexto

discursivo e uso de recursos lingüísticos pelos sujeitos. Este procedimento buscou

preservar os sentidos produzidos na enunciação, diferente do que acontece em

outras propostas de análise de dados, como a análise de conteúdo de Bardin (2009),

que desconsidera o uso desses elementos da materialidade linguística (GOMES,

2006).

Em seguida, realizou-se uma primeira leitura para dar materialidade

lingüística ao discurso. O material linguístico é constituído, principalmente, de

elementos e microssistemas lexicais, que organiza a expressão da subjetividade

linguística (SAFARTI, 2010).

Para identificação dos recursos linguísticos presentes nos discursos dos

enfermeiros sobre escuta na atenção ao sofrimento psíquico, foram utilizados os

seguintes indicadores de texto:

Reticências com parênteses (...): representando uma pausa no

pensamento.

Interrogação (?): representando uma pergunta ou um questionamento.

Exclamação (!): representando surpresa, espanto ou ênfase.

Vírgula (,): representando uma breve pausa na fala, posteriormente

continuada.

Ponto (.): representando o término de uma enunciação discursiva.

Travessão ( --): representando o início de uma enunciação discursiva.

Negrito no texto: representando uma descrição do que ocorreu, mas

que não se expressou pela linguagem verbal; como, por exemplo, o aumento ou a

diminuição no tom da voz, risos, pausas, choros, interrupções, expressões de

concordância (né, tá, hum hum) e outras partículas lingüísticas.

Texto em itálico dentro de colchetes: representando um comentário do

pesquisador esclarecendo a enunciação ou motivando os sujeitos pesquisados a

falarem.

O uso desses marcadores de produção de sentido possibilitaram a

43

dessuperficialização do corpus, caminhando da superfície linguística para o objeto

discursivo (GATED, HAK, 1997). Foi necessário uma leitura exaustiva do corpus,

buscando a superação de uma análise apriorística dos discursos; as primeiras

leituras tiveram o propósito de possibilitar a superação da superfície linguística à

compreensão do objeto discursivo. No momento seguinte, os procedimentos

convergiram para a articulação do objeto discursivo para o processo social onde o

mesmo é produzido (GOMES, 2007).

Nessa segunda etapa, entendida como busca da passagem do objeto

discursivo para o processo discursivo, foram identificados os seguintes dispositivos

analíticos: metáfora, polissemia, paráfrase, interdiscurso e a negação. A

identificação destes dispositivos possibilitou compreender os sentidos das palavras e

dos enunciados, imprescindíveis ao processo de desvendamento de uma

discursividade (GOMES, 2006).

A metáfora é definida como o fenômeno semântico produzido

por uma substituição contextual, pelos deslizamentos de sentidos; é a tomada

de uma palavra pela outra através de um mecanismo de transferência.

A polissemia externa os múltiplos sentidos produzidos pelo

sujeito, o diferente do já dito. Expressa uma ruptura na continuidade

discursiva e onde se tem a escassez do discurso e, a partir desta, novos

sentidos são produzidos. Este dispositivo, por sua vez, evidencia para uma

mesma palavra, por exemplo, sentidos diferentes quando ela situa-se em

formações discursivas distintas.

Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo

dizer há algo que se mantém, consistem em diferentes formulações do

mesmo dizer sedimentado, estabilizado (GOMES, 2006).

No interdiscurso, o sujeito elabora o seu dizer remetendo-o a

outros discursos em função da sua aproximação com os mesmos e das suas

posições ideológicas; esta condição resulta também da posição que o sujeito

ocupa no contexto discursivo, “[...] é o que chamamos memória discursiva: o

saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do

pré-construído, o já-dito que está na base do dizível” (GOMES, 2006, p. 623).

No interdiscurso, o dizer também é retomado, mas em uma relação de

esquecimento que insiste em dizer algo que já foi dito, mas que tem status de

44

“novo” para o sujeito, uma forma de ser original (ORLANDI, 2005).

A negação diz respeito a algo que está recalcado1 no plano da

consciência, mas que surge no discurso como retorno do recalcado, sob a

forma de alteridade, de não ser, em oposição ao discurso já instituído, pois

trata-se de um dito que não está autorizado a se dizer naquele momento

discursivo. De acordo com Indursky (1990) a negação surge no interior da

memória discursiva evidenciando o sujeito constituído pelo esquecimento do

que o determina. No entanto, negar o inconsciente não significa que ele não

exista, ele persiste mesmo assim, nos atos falhos, fazendo sonhos,

articulando sintoma, definindo estrutura, lançando efeitos a sua história de

vida.

A partir da identificação desses dispositivos analíticos foi possível

construir tanto aquilo que a analise do discurso chama de formações discursivas

como também a dimensão do não-dito. Esta construção faz parte da terceira etapa

da Análise do Discurso, que se constitui com a análise dos processos discursivos

definidos como um conjunto de enunciados na medida em que se apoiam em uma

mesma formação discursiva. Há um processo de delineamento das formações

discursivas pela sua relação com a ideologia, o que permite compreender como se

constituem o sentido desse dizer (FOUCAULT, 2005).

A formação discursiva em uma formação ideológica, determina o que

pode e deve ser dito em uma sequência discursiva, num interior de um aparelho

ideológico e inscrito em uma relação de classes (GADET, HAK, 1997). Esse

processo acontece em consequência da articulação do enunciado com a enunciação.

Enquanto o enunciado enseja várias enunciações dispersas no tempo e no

espaço, a enunciação se constitui como um acontecimento singular, datado e situado,

o que faz com que o sujeito seja caracterizado como o mesmo e o diferente, como

repetição e diferença (ORLANDI, 2005).

Os enunciados surgem a partir da interpelação dos sujeitos enquanto

autores do seus discursos, e assim, o processo de enunciação acontece no lugar que

esses sujeitos ocupam na sociedade. Nesse lugar, o discurso do sujeito é produzido e

atravessado pela memória discursiva que é regida por discursos externos ao sujeito.

1 Freud ([1914] 2006) revela que o recalque é o que promove o inconsciente, uma vez que

opera uma separação deste com a consciência.

45

O sujeito é, pois, marcado pelo processo ilusório de ser a fonte de sentido,

o que Pêcheux (1975/1990) chama de esquecimento número um, e de ser o mestre

absoluto do seu próprio processo de enunciação, o que chama de esquecimento

número dois.

O esquecimento número 1 é o que dá conta do fato de que o sujeito falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina. Ou seja, o sujeito se constitui pelo esquecimento do que o determina. Ele se constitui pela sua inscrição na formação discursiva. [...] O esquecimento número 2 é da ordem da formulação. O sujeito esquece que há outros sentidos possíveis. Ao longo de seu dizer vão-se formando famílias parafrásticas de tudo aquilo que ele podia dizer, mas não disse (ORLANDI, 2006, p. 21)

A interpelação para produção dos discursos não é um processo

automático, pois os questionamentos surgem a partir das falas dos entrevistados,

submetidos à lei da contradição e desigualdade que caracteriza o complexo da

formação ideológica, das quais as formações discursivas são projeções

(CASAGRANDE, 2011).

As formações ideológicas são constituídas de uma ou mais formações

discursivas interligadas. Isto nos permite dizer que na Análise do Discurso o sujeito é

interpelado como sujeito do seu discurso, sempre inserido no interior de uma

formação discursiva que, por sua vez, pertence a alguma formação ideológica

(CASAGRANDE, 2011).

Na constituição dos processos discursivos, pode-se identificar a formação

imaginária, base constituinte das condições de produção do discurso que autoriza o

que pode ser dito, o que não pode ou que não é permitido ser dito (GOMES, 2006).

Pêcheux (1975/1990) define a formação imaginária como um mecanismo de

funcionamento discursivo, resultante da projeção de imagens “dos sujeitos entre si,

dos sujeitos com os lugares que ocupam na formação social e dos discursos já-ditos

com os possíveis e imaginados” (FERREIRA, 2001).

Em sua produção, o discurso abriga um dito e ao mesmo tempo um não-

dito cuja apreensão faz parte do processo da análise; o não-dito se relaciona com a

ideologia e com a formação imaginária. Representa uma parte do que é dito e não o

foi devido ou às sanções impostas pelo contexto de produção do discurso, processo

este denominado de silenciamento.

46

O silêncio e o silenciamento também correspondem a um momento de

ruptura onde o sujeito comparece no discurso, pois, através desses processos o

sujeito encontra espaço para dizer algo além daquilo que ele está autorizado a falar,

enquanto alguém que ocupa um lugar na discursividade. Essa ruptura pode marcar

o discurso a partir dos desejos do sujeito que enuncia em uma determinada

formação discursiva (ORLANDI, 1995).

Da mesma forma que o discurso elaborado verbalmente, o silêncio faz

parte do acontecimento discursivo e integra uma sequência de enunciados dentro de

um contexto discursivo. Seu aparecimento também é uma função discursiva em

relação à exterioridade onde ele é produzido. O silêncio aqui não quer dizer que algo

está implícito, ou que já está contido no discurso; ele é na verdade um modo de

estar no sentido, com status de fundador de novos sentidos. E “se a linguagem

implica silêncio, este, por sua vez, é o não dito visto do interior da linguagem. Não é

o nada, não é o vazio sem história. É silêncio significante” (ORLANDI, 1995, p. 23).

A Análise do Discurso indica um caminho importante para a análise de

objetos de pesquisa na enfermagem e no campo da saúde, principalmente em

relação a subjetividade e a realidade do sujeito que se pretende investigar.

Enquanto referencial e método de pesquisa, a Análise do Discurso aposta

em um movimento de mudança na forma de realizar a produção do conhecimento e

em uma apreensão diferente das relações do sujeito com o seu discurso, buscando

a superação da apreensão da fala numa visão cartesiana que desconsidera a

subjetividade do discurso. Estes movimentos se originam a partir da necessidade de

quebrar, rachar as palavras e extrais os seus significados (FINK, 1998).

4 A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL:

UMA ANÁLISE DO DISCURSO

47

Nesse capítulo apresentaremos a análise da produção discursiva dos

enfermeiros entrevistados a partir de quatro tópicos. Inicialmente realizamos uma

caracterização dos sujeitos entrevistados com vistas a situar o leitor acerca de quem

são estes sujeitos que falam. Em seguida procedemos à análise das formações

discursivas encontradas, a saber: a escuta no discurso biomédico; a escuta no

discurso da enfermagem vocacional religiosa; a escuta no discurso psicossocial.

Apresentamos a seguir a análise da formação ideológica que subsidia estas

formações discursivas, a qual optamos chamar de “médico-científico-capitalista”. Por

fim, apresentamos os pontos de ruptura com essa formação ideológica que

encontramos nos discursos dos enfermeiros sob a forma de negações, não-ditos e

outras modalidades de presentificação do sujeito.

4.1 Caracterização dos sujeitos

A Análise do Discurso nos apresentou noções, princípios e funcionamentos

capazes de apreender materialmente o processo da própria construção histórica e

ideológica dos discursos dos enfermeiros e das enfermeiras sobre a escuta aos

sujeitos em sofrimento psíquico.

Cada enfermeiro e enfermeira, em seu local de trabalho, foi interpelado(a)

como sujeito de seu discurso, que segundo Lacan (1953-1954/1985) é um sujeito

marcado pelo efeito de linguagem, que permite um rompimento com a forma sujeito

indivíduo/sujeito ou com a ideologia da sua transparência.

Nesse instante, faz-se necessário conhecer quem foram os sujeitos que

fizeram parte desta pesquisa, sendo respeitado os seus aspectos ético-legais. Estes

entrevistados não foram aqui tomados como objetos diante de um analista neutro,

mas se constituíram realmente sujeitos/objetos dentro de uma estrutura da qual

interlocutor/pesquisador faz parte.

Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos do estudo, Mossoró-RN, 2012.

Sujeitos da Tempo de Vínculo Qualificação Experiência

48

pesquisa trabalho empregatício professional profissional

Enfermeiro 1 15 anos Concurso Especialização em

Enfermagem do

Trabalho,

Obstetrícia,

Educação em

Saúde.

Hospital Geral,

Hospital,

Psiquiátrico

Maternidade e

Centro de Atenção

Psicossocial

Enfermeiro 2 12 anos Concurso Especialização em

Saúde Mental e

Psiquiatria

Hospital

Psiquiátrico, Centro

de Atenção

Psicossocial e

Estratégia Saúde

da Família

Enfermeiro 3 29 anos Concurso Especialização em

Saúde Mental e

Psiquiatria,

Obstetrícia,

Educação em

Saúde.

Hospital Geral e

Hospital

Psiquiátrico

Enfermeiro 4 1 ano Concurso Especialização em

Enfermagem do

Trabalho

Hospital Geral

Enfermeiro 5 5 anos Concurso Especialização em

Enfermagem do

Trabalho e Saúde

Mental e Psiquiatria

Hospital Geral,

Hospital

Psiquiátrico e

Estratégia Saúde

da Família

Enfermeiro 6 6 meses Contrato - -

Enfermeiro 7 25 anos Concurso Especialização em

Enfermagem do

Trabalho, Saúde da

Família e Gestão

em Saúde

Hospital Geral,

Gestão e Estratégia

Saúde da Família

Enfermeiro 8 1 ano Contrato Especialização em

Unidade de Terapia

Intensiva

Hospital Geral e

Psiquiátrico.

Enfermeiro 9 30 anos Concursado Especialização em Hospital Geral e

49

Educação em

Saúde

Psiquiátrico.

Apesar da análise do discurso não se preocupar com o aspecto quantitativo

dos sujeitos do estudo, é importante registrar que a princípio pensamos entrevistar o

total de 16 enfermeiros que atuam nos serviços de saúde mental. No entanto, alguns

desses enfermeiros não se enquadraram nos critérios de inclusão ou não aceitaram

participar da pesquisa.

Foi na minha interlocução e nos meus encontros discursivos com os

enfermeiros que os resultados e discussões surgem e se justificam. É uma pesquisa

construída de interação e constituição de sujeitos na linguagem, que de acordo com

Wittgenstein (1979), a linguagem antes de constituir uma representação estrutural e

de reflexão, é uma forma de vida.

Os entrevistados resgataram memórias da psiquiatria tradicional, da

enfermagem religiosa vocacional e da Reforma Psiquiátrica, produzindo discursos

mediante condições que lhe autorizaram a dizer o que poderia ser dito e por quem,

em um campo discursivo (FOCAULT, 2005). No estudo tomado aqui, como exemplo,

identificamos a constituição de três formações discursivas, a saber: a escuta no

discurso biomédico; a escuta no discurso da enfermagem vocacional religiosa; a

escuta no discurso psicossocial.

4.2 A análise das formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta em

saúde mental

4.2.1 A escuta no discurso biomédico

Essa formação discursiva envolve os elementos que apontam para uma

concepção de escuta pautada nos pressupostos da psiquiatria moderna, amparada

por um discurso científico, que objetifica o sujeito em sua doença. De acordo com

Camargo Júnior (2005), esse modelo biomédico é reflexo da ciência moderna que

influencia uma separação entre o sujeito e sua vida, entre o corpo que adoece e o

50

corpo do sujeito apreendidos de forma fragmentada e objetificada, sob a ótica da

racionalidade médica.

O discurso biomédico na saúde mental funciona enquadrando uma queixa

que é eminentemente psíquica a um modelo de adoecimento que, como tal, é lido

como doença no corpo. Assim, busca atender os anseios de uma justificativa

científica para o tratamento dado ao louco nos serviços de saúde mental. De fato,

existe uma divisão constante entre normal e anormal, como também "um conjunto

de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os

anormais" (FOUCAULT, 2004, p.176).

No campo da psiquiatria, percebemos que esse discurso tem suas raízes

ainda no campo de saberes da psiquiatria clássica, onde a loucura começa a ser

definida como uma negatividade, em oposição ‘a aura mística que detinha durante a

Idade Média. Foucault (2008) afirma que a “alienação” dos pacientes, com vistas a

exclusão, era uma prática constante da medicina. Essa concepção de loucura,

fundamentada na alienação mental, é difundida por Philippe Pinel (1745-1826) como

sendo um desarranjo das faculdades cerebrais, sinônimo de erro, de desrazão, de

desordem, cujo produto era a imoralidade ou as paixões excessivas.

Sob esta ótica organicista, os tratamentos destinados a loucura eram

dirigidos a modificação, ao julgamento, a condenação, a repressão de falas e de

comportamentos inadequados, portanto, sem nenhuma prática terapêutica (MILLANI;

VALENTE, 2008).

No século XVII, com o mercantilismo, começam a ser encarcerados todas

as pessoas consideradas perturbadores da paz social e que eram obstáculos ao

crescimento econômico. A prática de retirá-los do convívio social, seja enviando-os

em embarcações marinhas, seja fechando-os em celas e calabouços, asilos e

hospitais, foi um elemento predominante desta época. Somente com a Revolução

Francesa que se iniciou um retorno dos excluídos ao meio social: os idosos, os

mendigos, os assassinos, os leprosos, entretanto os ditos loucos foram mantidos em

internamento com fins de recobrarem sua razão, serem curados de sua alienação

para se tornarem sujeitos de direito (TORRE; AMARANTE, 2001).

Nessa época, os locais de internamento eram comandados por diretores

com atuação vitalícia, de poder amplo, com jurisdição sobre o urbano. Aquele que

transgredia as normas, era trancado nessas instituições para se ter o controle do

51

social. Os considerados “calmos” eram separados dos “agitados”, os “calados” dos

“logorréicos”, ou seja, os sinais e os sintomas comuns determinavam as condutas de

segregação dos loucos através da observação sistemática de comportamentos e

dos diagnósticos para facilitar a padronização do tratamento (FOUCAULT, 2008).

No século XVIII, surge o hospital psiquiátrico como espaço terapêutico

que também serviu para objetivação da loucura pela medicina. Tornou-se uma

instituição médica e assim, perdeu cada vez mais suas funções de origem de

caridade e depois de controle social; na mesma proporção passou a assumir uma

nova finalidade a de tratar os enfermos. A razão moral e ética daquele momento

histórico classificou a loucura ainda como desrazão, propondo sua exclusão do

convívio social, através da internação em massa (FREITAS, 2004).

A realização desse resgate histórico nos permite perceber como a escuta,

ainda hoje, vai ser tomada como um instrumento à serviço do modelo biomédico. O

discursos dos enfermeiros são atravessados pelo discurso da psiquiatria tradicional,

pois esse mesmo discurso é um lugar ocupado pelos sujeitos que os autoriza a

reproduzi-lo.

O sujeito, nesse modelo é paciente, passivo e submetido a tratamentos

baseados na observação. Do outro lado está o profissional (enfermeiro, no nosso

caso) regido pela clínica do olhar2 , é um observador, que olha aquilo do seu

interesse, portando um saber tornado prévio, a partir de manuais, normas e rotinas. O

olhar desse enfermeiro busca o que já é determinado, que está classificado. O

discurso do sujeito em sofrimento psíquico é negado, pois é desvalorizado,

desqualificado, destituído de verdade. Há um outro que detém o saber, o saber do

especialista, e que diz tudo sobre o paciente. Assim,

Desqualificar a fala do sujeito equivale, portanto, a criar as condições de desqualificação, de ausência de qualidades, que pavimentam as vias de acesso do inconsciente à fala, ao discurso concreto do sujeito. Desqualificar a fala do sujeito é o equivalente a “qualificar” o sujeito do inconsciente como “um sujeito sem qualidades” e é a única forma de criar um acesso precisamente pela via da fala assim proposta a que o sujeito do inconsciente possa emergir nessa fala (ELIA, 2004, p.6).

Nesta perspectiva biomédica, o cuidado de enfermagem se caracteriza por

2 Termo ligado ao trabalho de Foucault (2008) em seu livro “O Nascimento da Clínica”.

52

atividades de observação do comportamento e da fala dos pacientes para subsidiar o

trabalho do psiquiatra, visto que, através dos olhos da enfermagem, conhece-se a

doença para propor intervenções. “O ‘enfermeiro’ é um agente situado entre o guarda

e o médico do hospício, devendo estabelecer entre aquele e o doente a corrente do

olhar vigilante” (MIRANDA, 1997).

Diante desse olhar vigilante, a fala do paciente é percebida como

desencaminhadora, indicativa da periculosidade do mesmo. Um indício desse

discurso são as metáforas identificadas na fala dos enfermeiros sobre a aplicabilidade

da escuta, tais como: olhar, observar, visualizar o comportamento, colher dados.

o paciente vem algemado no carro da policia, o paciente que vem contido na ambulância, então o paciente está sedado, já vem medicado no normal dele, ver estrutura de níveis, a gente vai até o carro, observa como está o paciente. Se for possível, quero conversar com ele lá para colher mais ou menos como está o nível de orientação dele (Enfermeiro 1)

quando ele chega ao serviço, a gente tem que estar habilitada a estar escutando, estar atenta e estar vendo o que as pessoas geralmente não veem, então a gente tem que ter um olhar muito apurado, escutar muitas vezes o paciente, às vezes nem escutar, mas visualizar o comportamento, o andar, como é que ele se senta, como é que ele olha para você, como é que está o comportamento dele, porque às vezes ele está dando sinais de que não está bem, só que não verbaliza isso (Enfermeiro 2).

Essa escuta é feita passível com o comportamento do paciente, tendo em vista que pra pra (...) esse olhar profissional. A gente tem que olhar como ele está para entender o paciente. A gente tenta ficar próximo do paciente todo dia, reconhecendo quando ele está frequentando, visualizando mudanças de comportamento, mudanças de atitude, a higiene, a maneira de falar. A gente colhe a história que ele trouxe de sua casa hoje, a história que ele vai trazer amanhã para o médico tratar a doença mental (Enfermeiro 8).

Outra metáfora que aponta para o desvalorização da fala do paciente

nesse modelo biomédico é a conversa, dita também como “conversa feia”.

O que ele conversa, o que ele leva ali, de certa forma demonstra perigo ou não. Se for uma conversa feia não tem como tirar (...) ter uma lógica (Enfermeiro 1)

E quando eu entro pra (...) na ala (...) na parte do paciente, eu procuro conversar, conversar com ele: o que foi que houve? Porque as vezes eles ficam muito retraídos, trancados, as vezes é uma conversa feia que eles não querem dizer a família, se inibe. Tem tem (...) cada tipo de conversa

53

que não sei o que dizer a ele (Enfermeiro 4).

Percebemos aqui uma referência a uma fala que, por não se encaixar na

lógica racional do profissional enfermeiro, passa a ser desconsiderada. Essa metáfora

“conversa feia” aponta para uma polissemia, pois quando contrapomos à fala do

paciente, que instrumentaliza a prática do enfermeiro, esta polissemia serve para

observar, ajudar, orientar, resolver problemas. A palavra do sujeito só comparece

quando necessária para legitimar uma intervenção objetificadora.

O que eu escuto? (...) escuto verificando se ele está orientado, desorientado, se na conversação dele se ele tem ideias frouxas, se teve inquietação do pensamento, se é delirante, se está segregado, a gente vai olhar o humor, observar o humor, observar o afeto, seu acesso de vontade se está tudo adequado (Enfermeiro 1).

Então você vai vendo, vai começando a perguntar, vai sentindo, vai vendo o comportamento, vai vendo o jeito de olhar para você, olhar o nível de orientação, de suicídio (...) como é que ela responde, se está agressivo, se está descuidada com a aparência, se ela tem crise de choro (...) Quando vejo o paciente já sei tudo sobre ele (Enfermeiro 2).

A gente procura, eu pelo menos procuro muito ver as reações, as mudanças de comportamento é é é (...) se ele é agressivo (...) é tipo assim (...) é como se fosse uma forma de você colher aquilo, aquele ponto X do inicio daquele distúrbio dele. [...] Então eu vou buscar aquele X, vou buscar lááá no começo: como foi que você começou a se perturbar? Como foi que você começou a ficar com a essa dor de cabeça? Como foi que você começou a perder seu sentido? Oriento como ele vai agir com a família dele, digo como irá resolver os problemas do distúrbio (Enfermeiro 4).

Partindo do principio do modelo biomédico, os profissionais impedem que

o sujeito participe do seu tratamento; durante a escuta, negam suas relações

familiares e sociais, seus desejos, suas histórias de vida. Aqueles que vivenciam o

sofrimento psíquico são caracterizados como doentes mentais e, portanto, passíveis

de cura. O foco principal da assistência se detém nos sinais e sintomas

manifestados e no estabelecimento de diagnósticos que determinam,

consequentemente, em condutas de isolamento e exclusão (FOUCAULT, 2008).

Esse discurso biomédico aparece cristalizado nas falas dos entrevistados,

quando, mesmo lidando com problemas que dizem respeito a uma dimensão

psíquica, dirigem seu olhar para buscar as alterações e intervenções no corpo

conforme o modelo médico:

54

Observando e depois escuto. Observo o comportamento. Seria assim, a linguagem não-verbal do paciente, a linguagem corporal. Tem-se a linguagem verbal e linguagem não verbal. Na psiquiatria utiliza-se muito a linguagem do corpo, a forma como o paciente está se expressando naquele momento. Utiliza-se a linguagem não verbal, que a partir daí, entra em contato verbal com o paciente e procura puxar a dúvida dele, o que está acontecendo, para poder tentar tirar ele daquela crise atual que ele tá tendo (Enfermeiro 1).

Então assim, a gente no hospital o enfermeiro tem esse papel, assim, decisivo para contribuir para o tratamento dele, porque ele visualiza o paciente quando chega, a forma que ele está, a gente tem como fazer aqui no hospital direitinho (...) Recebe esse paciente e vê as condições de higiene, o exame físico, como é que ele era tratado em casa (...) porque a gente vê quando o paciente chega, qual o paciente que é bem tratado e quando não é. E ai a gente vai acompanhando [...] Colho as informações dele (...) colho tudo dele na entrega da medicação. Eles me dizem tudo que eu pergunto quando eles gostam de mim (Enfermeiro 4).

Esses discursos são constituidores dos corpos frios ditos por Kruse (2004,

p. 15-16) “como despojados daquilo que lhes confere uma determinada identidade e

os encarna na história”. É mais fácil o enfermeiro manipular um corpo frio com

sobremacia de seu poder e saber do que considerar a demanda do sujeito, o que ele

fala de seu sofrimento para orientar a sua prática de escuta.

Como um ritual de objetivação, o corpo do paciente é dividido através de

um instrumento para ser analisado em suas partes. A observação incide no

detalhamento do corpo que é só possível a partir do que está aparente no exame

físico ou no exame psíquico. Foucault (2004, p.154) afirma que a realização desse

exame tem caráter disciplinador haja vista que “manifesta a sujeição dos que são

percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam”. Dessa forma, nos

serviços de saúde mental, os enfermeiros realizam a escuta do corpo através de um

roteiro de entrevista formado por perguntas prévias:

a gente fez um roteiro básico, um roteiro simples para colher tudo, toda informação dele (...) a gente colhe os dados do paciente, que a gente colhe as doenças pré-existentes, se tem diabetes, pressão alta, cardíaco, se tem alergia a alguma coisa, se está tomando a medicação, principalmente os pacientes de vários internamentos, se está bem, se passou mal, se está tomando a medicação e senão está tomando , porque não está tomando , com quem ele mora, quantas pessoas moram em casa, se tem alguma renda, aí colhe o nível de observação, faz o exame físico, olha se tem algum ferimento, o que ocasionou o ferimento, foi auto lesionado, foi por agressão, então tudo isso faz parte da coleta, tudo isso é anotado, colocado, faz parte do exame físico, do histórico das doenças que ele possa ter e aí vai pra pra o exame psiquico (Enfermeiro 1).

55

A gente pede documento RG, CPF ou outro documento que tenha as informações pra gente preencher aqui no prontuário. Peço que diga endereço, se é casado ou solteiro, como é sua moradia e sua relação com a família. E depois pergunto: - como é? Porque você tá aqui? O que você tem? Tenho o maior cuidado de anotar tudo (...) é é é Então, tudo isso é registrado, de tudo mesmo, quando a gente costuma evoluir. Aqui fica uma rotina da gente evoluir por causa do problema né? (...) isso aí é a rotina, aqui tem essa necessidade na primeira consulta da gente evoluir os pacientes e a escuta, eu particularmente, eu costumo valorizar muito (Enfermeiro 9).

O paciente é alvo de uma escuta pelo enfermeiro de cada parte do seu

corpo como meio para colher informações. Isto respalda a prática médica em busca

da identificação de um diagnóstico de doença que, por sua vez, repercute nas

práticas de enfermagem. Os diagnósticos catalogados no CID – 10 constituem sinais

e sintomas passíveis de serem eliminados através de tratamento medicamentoso e

comportamental. Conforme Soler (1996), aquele que sofre pode está sob efeito de

quantificação e padronização, numa perspectiva de excluir a singularidade inerente

à história do sujeito. Por tantas vezes, os discursos dos enfermeiros traduziram as

queixas dos sujeitos em sofrimento psíquico em quadros clínicos, até os

quantificando conforme o modelo científico.

Quando um paciente é esquizofrênico, você sabe que aquele problema (...) você sabe lutar com aquele problema, pode ser grave ou leve, mas com droga ele é muito de momento, quando ele está naquela abstinencia, ele pode se revoltar com você, pode fugir, querer fazer qualquer coisa (Enfermeiro 4)

O paciente pode ficar muito agressivo, deprimido demais (...) O paciente se torna difícil porque às vezes ele está em sofrimento psíquico tão grande, assim, ao ponto de estar desorientado, ou então demonstrar total recusa pra nossa situação de aproximação. Ele pode ser urgenciado, aí eu costumo conversar depois o porquê daquela necessidade, o porquê que ele precisou ser contido também. Também se manter na emergência, ele fica sob nossa vigilância, é medicado e e e (...) depois o médico decide se ele fica aqui ou vai pra cuidados intensivos (Enfermeiro 5)

Percebemos nos discursos acima um neologismo que sintetiza a essência

do modelo biomédico. O termo “urgenciado” significa uma abordagem

medicamentosa de efeito rápido para realização de uma contenção química

associada a uma contenção física. Dessa forma, são eliminados os sinais e

sintomas apreendidos no corpo, neutralizando o sujeito que demanda ser escutado.

56

Na medicina, os sintomas significam algo que não vai bem, uma alteração

de função ou alerta de doença. Esses são dotados de sentido quando enquadrados

em um grupo, classificando-se, portanto, como sendo ou não uma determinada

doença, com anulação do sujeito. Deste modo, não aplicam a escuta, pois, de forma

vigente, não conseguem explicar ou lidar, por vezes, com nuances do sofrimento

relatado pelo sujeito (GUARIDO, 2007). Essa padronização do sofrimento é o que

fundamenta a clínica do olhar em detrimento da escuta daquilo que o sujeito faz de

seu sintoma, de como o insere na sua história e no seu discurso.

No plano da clínica biomédica, esse sofrimento tem frequentemente se

traduzido em quadros psiquiátricos como transtorno do pânico, bipolar, depressão,

anorexia, tentativa de suicídio, dentre outros. A resposta a todos esses males é

anunciada pela ciência – principalmente a psiquiatria tradicional – através da

explicação neuroquímica e da oferta de determinados objetos – principalmente

medicamentos – que supostamente aplacariam o sofrimento. Certamente é mais

fácil acreditar na existência de alguma ‘pílula milagrosa’ que mitigue toda forma de

sofrimento do que se expor à experiência de ser interpelado no âmbito da

linguagem.

Essa escuta centrada no modelo biomédico filtra a fala do paciente a

partir daquilo que já se espera ouvir de cada paciente, daquilo que vai

instrumentalizar a sua intervenção. O poder centralizador do hospital e o elevado

índice de internações somadas ao afastamento dos pacientes de suas casas, longe

de suas famílias, em ambiente totalmente desconhecido e pouco acolhedor,

determina essa intervenção apoiada nas prescrições médicas, na atenção exclusiva

no hospital tendo como objeto de intervenção a doença. Desse modo, a angustia é

mascarada pela medicalização do sofrimento que “estabiliza as manifestações

iniciais dos sintomas, mas não considera as questões do sujeito e impede que este

elabore um saber sobre aquilo que o faz sofrer” (AGUIAR; SILVEIRA; DOURADO,

2011, p.624), como foi identificado nos seguintes interdiscursos:

a partir da admissão do paciente, a gente vai desenvolver de acordo exatamente com o que o comportamento, a patologia do paciente, que ele entra aqui no hospital. Então a gente, após a admissão, ou seja, vai identificando os sinais e sintomas, o quadro psicótico daquele paciente, então a gente vai traçar exatamente os cuidados de enfermagem (Enfermeiro 3).

57

na medida que você vai trabalhando no grupo terapêutico, você vai vendo as necessidades de cada coisa. As vezes é uma determinada patologia que eles tem um pouco de dificuldade e aí a gente vai esclarecer. Também com relação a importância da medicação, do uso da medicação, da medicação, da interação com outros tipos de medicamentos, medicação, essas coisas mais de acordo com tem maior necessidade ali no momento (Enfermeira 6).

Conforme Amarante e Torres (2001), é necessário romper com o método

epistêmico da psiquiatria, o conceito de doença mental como erro, desrazão e

periculosidade, bem como os princípios do tratamento moral que ainda embasam as

condutas adotadas nos serviços de saúde.

Para a psicanálise, a manifestação do sofrimento psíquico em sintomas

retrata a singularidade do sujeito do inconsciente, não cabendo separar o eu de seu

sintoma. Destarte, o sintoma tem um sentido, inerente às idiossincrasias da história

de vida de cada sujeito, que ao ser escutado pode dizer alguma coisa, mesmo que

ele nada saiba sobre o que disse e porque disse (DIAS, 2006).

Entendemos que o sofrimento é inerente à própria entrada do ser humano

no processo civilizatório. As condições de vida contemporâneas engendradas no

sistema capitalista tendem a potencializar esse sofrimento, ao mesmo tempo em que

incitam uma busca desenfreada por objetos que venham preencher o vazio que está

por trás da dor, gerando novas ou outras formas de mal-estar (FREUD, 1974).

Então, podemos dizer que as diversas formas de mal-estar

contemporâneo se caracterizam pelo fato de estarem centradas na ênfase dada ao

corpo, como queixa, à ação e às sensações. O sofrimento é apenas transcrito no

corpo como um esvaziamento da linguagem, logo, um outro lugar é ocupado por

este corpo onde as solicitações e desejos são forjados (BIRMAN, 2005).

O autor supracitado nos fala de um corpo que entra em falência, por não

dar conta de um excesso. É como se existisse uma falta de instrumentos simbólicos

e de pensamento para dar conta dessa intensidade. É a passagem ao ato no corpo

que muitas vezes explica distúrbios psicossomáticos. Logo, a subjetividade

contemporânea é marcada pela compulsividade, ou pela despossessão, surgida

quando perdemos a possibilidade de ter, minimamente o domínio sobre nós

mesmos. Assim, todas as figuras do mal-estar na atualidade estão centradas em

experiências cumulativas onde a capacidade de metaforizar e simbolizar não foram

possíveis, gerando sofrimento.

Quando assumimos que o mal-estar, muitas vezes, não tem relação direta

58

com um comprometimento ou mau funcionamento fisiológico, este é tomado como

um sintoma a ser investigado e, mais ainda, decifrado. Neste sentido é importante

reconhecer que o sintoma responde a uma formação dita inconsciente, constituído

para dizer sobre o que sofre o sujeito que, neste mau, não consegue reconhecer-se

diretamente (QUINET, 2007).

Então, podemos dizer que a prática da escuta realizada pela enfermagem

junto ao sujeito em sofrimento psíquico é predominantemente centrada no discurso

biomédico. Como bem descreve Miranda (1997) em seu estudo, o enfermeiro é o

perfeito executor do serviço sujo das pequenas e cotidianas atrocidades do espaço

asilar: amarrar, conter, gritar, ofender, impor-se pela robustez física, proibir, aplicar

medidas terapêuticas psiquiátricas prescritas, tudo em nome da pseudo ordem do

hospital.

Assim, a prática da escuta em saúde mental é historicamente influenciada

pelo discurso biomédico em virtude do predomínio da objetificação do diagnóstico,

da limitação à uma patologia clínica e à uma racionalidade técnica, que não diz

muito sobre o sujeito em si. Diante desse contexto, a enfermagem se apegou a esse

modelo na perspectiva de se auto afirmar, mas apenas perpetuou a negação da

escuta do sujeito em sofrimento psíquico, tomando uma postura disciplinadora e um

olhar vigilante de controle.

4.2.2 A escuta no discurso da enfermagem vocacional religiosa

Essa formação discursiva remete às discussões sobre a escuta pautada

pelas concepções eminentemente de enfermagem, construída a partir de seus

referenciais específicos. Reconhecemos que há neste discurso vários pontos de

interseção com o discurso biomédico, mas optamos por analisá-lo como outra

formação discursiva devido a algumas especificidades. Entendemos que estas

dizem respeito á construção histórico-social da profissão de enfermagem que,

embora esteja na atualidade atrelada ao saber biomédico, nasce separada do

mesmo. Nesse contexto, vai ser digno de destaque, por exemplo, sua relação com o

discurso religioso.

No início da história da enfermagem, o cuidado de enfermagem acontecia

59

em espaços como as Santas Casas de Misericórdia, recebendo pessoas adoecidas

e excluídas da sociedade para que fossem cuidadas as suas almas por irmãs de

caridade e assim, confortassem o enfermo no seu processo de adoecimento

(ALMEIDA; ROCHA, 1986).

O foco do cuidado era a alma e não a doença, o sujeito que estava

sofrendo não era o interesse das irmãs de caridade. Com base nos dogmas da

religião cristã e nos fundamentos valorativos da igreja, elas desenvolviam ações de

solidariedade e de fraternidade com a pretensão de serem salvas de pecados

(PADILHA; MANCIA, 2005).

Ricci et al. (2007) apontam que este período marcou a enfermagem como

sacerdócio e não uma prática social em consequência de práticas desempenhadas

de forma leiga, intuitiva, abnegada e obediente (RICCI, 2007). Historicamente, o

cuidado de enfermagem é oriunda da essência do ser humano, reflexo de

sentimentos de solidariedade, amor e fraternidade. Esses preceitos religiosos

marcam, ideologicamente, o saber da enfermagem que, por sua vez, repercute na

adoção de atitudes de vocação como doutrina de sua prática. Nesse contexto

discursivo, podemos dizer que a escuta também é regida por esses preceitos

religiosos.

No século XIX, o cuidado de enfermagem tenta diferenciar-se da prática

religiosa e vocacional quando busca construir seu conhecimento próprio a partir do

saber biomédico alicerçado pelo paradigma científico, que valorizava a pesquisa, a

cognição e correlação de saberes. Só então começa a haver uma interseção entre a

formação discursiva própria da enfermagem com a formação discursiva biomédica.

A enfermagem procurou construir seus conhecimentos próprios para se

deter ao objeto do cuidado: o corpo enfermo restrito a sua dimensão

anatomofisiológico. Fernandes e Nascimento (2005) acreditam que é a partir dessa

preocupação com o corpo, que a enfermagem coloca-se ao alcance de uma

profissão, uma prática social, uma arte e um estudo filosófico do corpo e para o

corpo.

Em meados do século XIX, Florence Nightingale destaca-se como a

pioneira e representante da profissionalização da enfermagem, cujos seus princípios

norteariam por muito tempo o campo do saber e prática da enfermagem. Segundo

Selanders (1996), Florence já considerava a enfermagem como uma nova ciência.

60

Pois, essa foi embasada pelas ciências naturais, que tem suas investigações e

argumentos caracterizados como verdadeiros a partir da experiência. Isto ocorreu

por que o paradigma da produção de conhecimento era o positivismo lógico, filosofia

empírica dominante da época nightingaleana até 1950.

Na busca pela cientificidade e sujeita ao paradigma dessa época percebe-

se que, no início de sua profissionalização, a enfermagem extrai seu conteúdo das

orientações epistemológicas do empirismo, no qual todos os fatos devem ser

observados e as idéias derivadas da experiência. Destarte, a experiência

caracterizou-se como a fonte e o fundamento do conhecimento de enfermagem, em

contrapartida pode ser vista como não científica devido suas ações serem baseadas

na intuição (ALMEIDA, 2009).

Florence trouxe ordenação, disciplina e um conhecimento baseado nas

suas experiências, sendo este repassado através dos ensinamentos em escolas de

enfermagem (ALMEIDA; ROCHA, 1986). Inicialmente, ela atentou para um ensino

pautado em uma prática hospitalar e de visitas domiciliárias aos pobres, e em uma

preparação técnica-científica de profissionais para o exercício do ensino de

enfermagem, aliada aos compromissos da vida religiosa (PADILHA; MANCIA, 2005).

Nessa época, já se percebia a preocupação com a observação das manifestações

de comportamento.

Todavia, esse conhecimento da enfermagem ficou impregnado à

submissão médica, ocasionando assim, uma enfermagem apêndice da prática

médica, sem importância científica e econômica (ANDRADE, 2007).

A institucionalização da enfermagem brasileira foi marcada pela

hegemonia do currículo norte americano e pela tendência positivista da medicina

que direcionou a assistência de enfermagem em serviços hospitalares e o estudo

sistemático das doenças, considerado pelos adeptos como uma produção objetiva e

neutra do conhecimento (GARCIA; NOBREGA, 2009).

De acordo com Stefanelli, Fukuda e Arantes (2008), o surgimento da

enfermagem como profissão no Brasil tem ainda a característica de se dar dentro do

campo específico da psiquiatria. No século XIX, foi criada a primeira escola

profissional de enfermagem no Brasil, estabelecida dentro do hospital psiquiátrico do

Rio de Janeiro, voltada especificamente para a formação de enfermeiros

psiquiátricos. Logo após alguns anos, a enfermagem psiquiátrica foi introduzida no

61

currículo de enfermagem. As aulas teóricas tinham maior parte da carga horária

voltada para a psicopatologia e sua assistência. Quanto as práticas, não se

desvinculavam dos discursos tradicionais da medicina (VILLA; CADETE, 2000).

O cuidado de enfermagem em saúde mental tem sua origem com grande

número de homens trabalhando nos asilos, uma vez que eram recrutados

frequentemente por causa do seu porte físico. A baixa permanência desse

enfermeiro psiquiátrico nos empregos sempre foi problema, pois era a

especialização menos popular e de menor status da enfermagem, algo que parece

continuar a instruir parcialmente os dias de hoje (LOYOLA, 2008).

O enfermeiro psiquiátrico executava ou assistia o médico nos

procedimentos psiquiátricos diários direcionados para as necessidades físicas, como

administração de drogas sedativas: whisky, clorofórmio; além disso imersão em

enormes banheiras, envoltórios úmidos, banhos quentes ou frios etc (STEFANELLI,

FUKUDA e ARANTES, 2008). Estas técnicas eram direcionadas ao corpo

hospitalizado, transformando-o em “corpos frios”, pois, segundo Kruse (2003, p.146),

As técnicas apresentam-se muito mais voltada para a tarefa e para arrumação e controle do ambiente e produzem um esquadrinhamento do tempo e do espaço, onde o corpo é controlado e trabalhado detalhadamente nos seus gestos e atitudes, expressando um poder infinitestinal [...] , nada escapa da disciplina que controla qualquer ação, prevendo uma codificação instrumental do corpo [...] o que pode produzir o esfriamento dos corpos

Na perspectiva da construção de um conhecimento específico e

autônomo, várias teorias de enfermagem se desenvolveram na metade do século

XX para fundamentar o saber-saber e saber-fazer da enfermagem (LOPES, MEYER,

WALDOW, 1998). Embora as teóricas da enfermagem desejassem uma visão

intelectiva da prática, a aplicabilidade das teorias de enfermagem, como fundamento

para a produção do conhecimento científico, é escassa e pouco conhecida, detendo

mais ao espaço acadêmico (GOMES et al, 2007).

Com advento das teorias de enfermagem, os fazeres da enfermagem

adquirem marcas da diversidade do saber científico através do uso de referenciais

teóricos filosóficos empiristas e racionalistas, dando ao enfermeiro elementos para

sistematizar o seu processo de enfermagem – atividade exclusiva do enfermeiro

(GARCIA; NÓBREGA, 2009).

62

Garcia e Nóbrega (2004) afirmam que essas teorias trazem consigo

conceitos complexos e específicos que descrevem e explicitam os fenômenos de

enfermagem para construção de um conhecimento científico próprio, no intuito de se

concretizar como ciência, definindo e limitando seu campo de interesse.

Com base nas teorias de enfermagem, na década de 50, foi apontado o

relacionamento terapêutico como uma intervenção da enfermagem psiquiátrica,

influenciando também o ensino de enfermagem nos cursos de graduação do Brasil

(MAFTUM, 2004).

Kantorski et.al. (2005) consideram o relacionamento terapêutico

enfermeiro-paciente como uma ferramenta do cuidado de enfermagem para

entender e ajudar o outro que possui diferentes formas de agir e pensar. Eles dizem

ainda que a enfermagem, fazendo uso desse instrumento, está apta a observar e

compreender a trajetória de vida do paciente no intuito que este participe das

tomadas das decisões terapêuticas durante seu tratamento e compreenda suas

potencialidades, sabedorias e necessidades.

Em cada contexto histórico, o cuidado de enfermagem buscou atender

determinados interesses sociais, políticos e econômicos. Sob esta influência, a

escuta no discurso de enfermagem herda os princípios de ordenamento e

disciplinador da psiquiatria tradicional impregnados pelas memórias discursivas da

religiosidade, do altruísmo e da submissão ao médico como legítimo representante

do discurso científico. A escuta no discurso da enfermagem serve para subsidiar

uma prática psiquiátrica patologizante com caráter investigativo, classificador e

punitivo que varia de acordo com os processos discursivos que a perpassa.

Na fala dos enfermeiros entrevistados, percebemos que o interdiscurso do

modelo vocacional religioso não é um fato histórico ultrapassado. Ele está presente

nas intervenções atuais, inclusive balizando o conceito de escuta adotado. Ela é

utilizada, nesse caso, para afirmar a religião enquanto suporte ou tratamento do

sofrimento psíquico pela fé:

a gente procura fazer com que ele possa (...) também assim, dando um apoio, da valorização, às vezes, do tratamento, que é importante ele estar aqui, a gente também faz assim (...) durante a escuta a gente diz que é importante a questão espiritual, a gente procura falar da fé, para ele buscar a fé (Enfermeiro 3).

Vamos, pronto, a gente faz uma roda de conversa, a gente faz muitas rodas

63

de conversa, a gente escuta, diz assim: “vocês gostam de ir para igreja? Como é num sei quê?” Aí puxa a conversa, “não, eu sou evangélica”, o lado religioso é muito importante para eles mas também tem muitas religiões que eles não entendem, que eles se dedicam muito, como no caso, a evangélica, os evangélicos as vezes começam a achar que tudo que eles estão fazendo é pecado, se privando muito de viver, porque achando que tudo é pecado, a gente dizendo: “não, Jesus não se agrada disso”, os excessos, assim para quem já acha que tem um comprometimento profissional, deve ser trabalhada bem essa parte, puxando uma conversa seja do que for, religião ( Enfermeira 2)

Essa escuta com foco na religião remete à cena de um confessionário em

que os pacientes, desprovidos de sua condição de sujeito, falam o que o enfermeiro

quer escutar, por exemplo, confessar qual sua religião, imprimir opiniões como

devem seguir sua fé e desabafar o entendimento sobre sua religião. Além disso,

alguns enfermeiros acreditam que ao rezar no final de suas atividades permitem ao

paciente uma renovação espiritual, uma aproximação com sua religião, uma

diminuição do seu sofrimento.

no final de cada grupo terapêutico, a gente reza um pai nosso e agradece a atividade que a gente fez, por estarmos vivos, eles sentem bem rezando (...) Depois eles vão lanchar, vão embora porque não tem mais atividade pra eles. (Enfermeira 6)

Desde sua origem, a enfermagem é ideologicamente permeada de uma

atuação caritativa, compatível com o modelo vocacional religioso. Ainda hoje, os

serviços de saúde mental cultuam a prática religiosa, desta maneira, autorizam os

enfermeiros reproduzirem preceitos cristãos quando escutam para ajudar, ouvir com

amor, doar, confortar como meio de sentirem satisfeitos pelo trabalho realizado ou

implicitamente recompensados em confortar os sujeitos em sofrimento psíquico.

se a gente escolheu essa área porque a gente ama de fato essa área. Se eles precisam da gente, a gente faz por amor, ouve com amor, faz por amor. Eu me doou por completo para vê-los bem (Enfermeiro 5)

A escuta é fundamental, muito embora esse trabalho seja de toda a equipe, mas a enfermagem faz com muito amor, com muito desejo de que o paciente venha a ser compreendido, venha a ser confortado espiritualmente (Enfermeiro 8)

Enquanto existem enfermeiros que estão atuando na área da saúde

64

mental “por amor”, outros afirmam estarem na área por determinações

administrativas e não por escolha: “passei no concurso e entrei aqui sub judice

[falou em voz baixa] nunca pensei de estar aqui (...) na época da faculdade

detestava psiquiatria” (Enfermeiro 4).

Para Foucault (2008), o exercício do poder psiquiátrico apresentava uma

lógica voltada para o silenciamento da loucura e manutenção da ordem e disciplina.

Essa memória discursiva surge nas falas dos enfermeiros ao reportarem a escuta,

enquanto metáfora de vigilância, controle, determinar e seguir ordens.

a gente precisa também traçar um perfil de como ele entrou, até o momento pra poder os outros profissionais ir vigiando também como o paciente está se comportando diariamente, na hora da medicação, na hora do almoço, na hora do jantar, que sempre tem um técnico de enfermagem, a equipe de enfermagem está ali, vigiando como é que ele está se comportando, se ele está realmente aderindo ao tratamento, se está fazendo as atividades direitinho, se ele realmente está (...) a gente precisa fazer essa vigilância sempre, principalmente, se ela já cometeu suicídio ou é agressivo (Enfermeiro 2) tem um dia na quarta-feira depois da visita, é o forró. É o que eles mais gostam, que tem (...) bota o som, eles dançam, se divertem, mulher com homem. As técnicas ficam tudo observando, a equipe todinha fica lá dentro, controlando aquelas situações porque as vezes eles querem ultrapassar o sinal porque num fazem sexo há muito tempo. Você sabe como é, as vezes a pessoa está com aquele comportamento, aí vê outro assim. Quer ultrapassar, quer namorar e ali a gente controla (Enfermeiro 4) Eu tomo a responsabilidade pra ele quando eu vejo que ele está bem comportado, por exemplo, dou a chave da porta, do coisa: você vai ficar responsável por essa chave, de você pra mim, vou confiar em você, só eu e ele. Aquilo ali você já vai adquirindo confiança. Aí ele diz: não, só quando o doutor liberar. É desse jeito, e você pode confiar que ele num libera não, pode ser até um enfermeiro. “se o doutor mandar, eu vou” é dessa forma (Enfermeiro 3)

Os enfermeiros escutam o sofrimento psíquico codificado no corpo,

tornando o sujeito um objeto portador de anormalidades, que necessita ser

classificado, enquadrado e prescrito a partir do modelo biomédico. Este rege os

discursos do enfermeiros sobre a escuta que são produzidos por determinadas

regras de construção, determinados conceitos e uma estrutura comum ao discurso

científico.

A gente procura fazer também essa supervisão do acompanhamento, por exemplo, nas enfermarias tem pacientes que são muito quietinhos, calados, isolados, que (...) então a gente sai visitando as enfermarias, a gente se preocupa com eles vendo quem são os pacientes que não estão interagindo, vendo como estão se comportando, se estão manifestando algo

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diferente (...) e aí a gente trás esses pacientes para conversar, a gente leva pra T.O [ terapia ocupacional é realizada em outro espaço de internação ] (...) a gente procura a equipe pra poder sempre cobrar dele alguma coisa assim, de sempre ir buscar, para não deixar ele isolado dos demais, porque tem paciente que se isola dos demais. (Enfermeiro 3)

organizo meu atendimento no dia das consultas médicas porque senão eu não teria paciente né? o médico prescreve para um mês e quando esse paciente vem já é remarcado para um mês para frente e aí a gente faz a entrega da medicação do medicamento prescrito. É um momento que a gente fica mais próximo do paciente, (...) faço bem depressa [ fala da consulta de enfermagem ] porque se chega a vez do paciente pra consulta médica, tenho que parar (...) porque senão [ risos ] você já viu, o médico acha que não tem ninguém pra ele e vai embora (...) ainda a gente tem q se submeter a isso (Enfermeiro 9).

Em momentos parafrásticos, percebemos que as práticas dos enfermeiros

estão arraigadas a um conhecimento empirista e altruísta, onde suas experiências

pessoais originam um conhecimento sobre a escuta dos sujeitos em sofrimento

psíquico. No discurso a seguir, o enfermeiro realiza uma ação prescritiva adotando a

escuta como meio para dar respostas prontas aos problemas vivenciados pelo

sujeito. Para tanto, ele acredita que porta um saber científico parafraseando

menções de livros de auto ajuda.

Então se puder escutar, escute, dê o ombro, seja amigo de um usuário, seja um profissional pra um usuário, seja uma pessoa próxima a eles, leia para ajudar o usuário (...) Porque eles estão pedindo socorro e nós enquanto profissionais e também fazendo parte dessa sociedade devemos considerar que ali tem uma pessoa filho de Deus e os filhos de Deus jamais podemos dar as costas e sim a mão, ajudar. Procure ajudar porque ele não pode sozinho, busque ajuda por ele, ajude dando respostas a ele porque ele precisa de você (Enfermeiro 8)

Outro momento em que percebemos o discurso da enfermagem foi

quando o enfermeiro, ao escutar, busca sua teorização respaldada em pesquisas

científicas, na criação de sistemas de classificação e nas teorias comportamentais e

sociais. Nesta perspectiva, a escuta objetiva elaborar intervenções sobre esse

sujeito sem que ele participe das decisões acerca daquilo que realmente lhe é

necessário, controlando sua rotina, seus hábitos de vida, suas escolhas.

Percebemos esse interdiscurso nos trechos citados a seguir:

procurar saber do que ele não tá falando, do comportamento dele, o que tem por trás de toda essa herança, essa carga emocional que ele tem. Você procurar investigar como foi, porque a gente sabe que, pesquisas mostram que a saúde mental da gente vem sendo atingida, vem sendo programada desde do ventre, então assim, como foi a gestação dessa mãe, quantos irmãos ele tem, se ele é o filho mais velho, se ele ajudou a prover para o

66

sustento da família, quando começou essa carga de responsabilidade dele, quando você começa a indagar sobre certas situações, aí você descobre, começa a ver como é a vida desse paciente, você não pode ver só uma pessoa sem um contexto (Enfermeiro 2) A sistematização da assistência de enfermagem já era uma exigência do conselho. Não to lembrando bem qual a lei que coloca isso, mas hoje o conselho de enfermagem exige que todo e qualquer unidade que tenha enfermagem tem que trabalhar com a sistematização da assistência. Então a gente fez um roteiro básico, um roteiro simples para colher tudo, toda informação dele (Enfermeiro 1)

Vários discursos dos enfermeiros foram permeados de questionamentos

sobre como se escuta, dentre estes, se existe alguma teoria que embase a

aplicabilidade da escuta nos serviços de saúde mental:

Como eu escutar? (...) Geralmente é (...) de forma de que? (...) de qual forma? (...) todo geral? (...) eu (...) para com (...) quando o paciente, eu converso com o paciente (Enfermeiro 4) é é é (...) como escutar? (...) para escutar deveria ter um passo a passo com base científica, numa teoria (...) tem alguma teoria de enfermagem? A dificuldade está no forte modelo biomédico né? (Enfermeiro 9)

Conforme Waldow (2004) nem sempre as teorias são viáveis na prática

devido um distanciamento da realidade da enfermagem de quem propôs para quem

realiza, uma vez que essas teorias são caracterizadas por uma metodologia

positivista, rotineira e mecanizada; contrária aos princípios de uma filosofia

humanística, holística ou fenomenológica.

Em virtude disso, o conhecimento científico de enfermagem concentrou-

se em dicotomias originárias das várias visões de ciência: “teoria-prática,

objetividade-subjetividade, prática-pesquisa, arte-ciência, profissão-disciplina, fazer-

saber, cuidar-curar” (VALE; PAGLIUCA; QUIRINO, 2009, p.178).

Para subsidiar a escuta, os enfermeiros se apropriaram de um discurso

pautado na cientificidade, constituído pelas dicotomias já citadas acima, cuja

produção se deu durante sua formação acadêmica. Os enfermeiros acreditam que

esta escuta deve determinar suas condutas terapêuticas, desse modo, estabelecem

pré-diagnósticos, e logo, prescrevem ações de socialização e de mudanças de

comportamento. Nos discursos dos enfermeiros, os pacientes seguem tais

prescrições de enfermagem, pois creem que suas respostas estão ali depositadas.

Olhe, desde quando você vem fazendo tratamento? Você precisa fazer uma caminhada, você precisa se socializar com alguém, tem paciente que se isola muito. Então assim, a gente está sempre atento, como aquele se

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comporta em casa, como é o jeito deles, se ele está descuidado com a aparência, se está largado, se deixou a autoestima, se deixou de se arrumar, de se perfumar, se ele era de um comportamento e de repente está em outro comportamento, está deixando as atividades dele, está deixando de, se abriu mão de viver. [...] Então eu sempre digo, olhe, tem o lado também da doença e tem o lado que você também pode se ajudar, você pode contribuir para seu tratamento, a partir do momento que você faz adesão ao tratamento, você adere, ficar aqui para você participar das atividades, todas as atividades tem um fim, uma finalidade, então participe de todas. Eles acabam participando de tudo que a gente coloca pra eles (Enfermeiro 2)

Olhe, seu tratamento não compreende só o internamento, é preciso que você dê continuidade em casa, a sua terapia medicamentosa, que você possa frequente grupos, que você possa tentar formar vínculo com esse pessoal desse outro lugar onde você vai ser acompanhado (Enfermeiro 5)

No entanto, esse cuidado em saúde mental esbarra numa espécie de

impossível, quando este saber científico se mostra ineficiente para dar conta das

situações clínicas com que o enfermeiro se depara no seu cotidiano. Diante dessa

perspectiva, é frequente a negação daquilo que envereda pela subjetividade, pois

quando desenvolvem a escuta buscam na verdade apreender o sofrimento psíquico

no corpo.

É bastante difícil, pela própria questão de sofrimento psíquico.Tem uns que dá para colher algumas informações. Tem outros num dá pra entender não. Geralmente, esses chegam em crise e logo a gente marca (...) que é de urgência (...) eles são logo atendidos e encaminhados para o hospital psiquiátrico [ refere dificuldade ao escutar por ser algo subjetivo ] Lá no hospital eles costumam adotar a questão da medicação de urgência, sempre colocando essa posição pro médico, o médico vem avalia, diz o que a gente tem que fazer [o saber da enfermagem subordinado ao saber médico] , então são situações que geralmente se trata com medicações (...) o que é subjetivo é difícil né? (Enfermeiro 9)

Nas palavras de Elia (2004), a ciência busca calar a falta de sentido do

real, extraindo o sujeito do seu campo para que ela opere. Entretanto, a psicanálise

busca recuperar o sujeito foracluído pela ciência, promovendo um vazio, um furo

real, um rompimento com a lógica do saber cientifico. Ela reconhece o sujeito como

efeito de linguagem que porta uma falta, um furo indicativo de desejo.

A psicanálise, ao retomar uma démarche científica, subverte o sujeito suposto e excluído, a um só tempo, pela ciência, e trabalha a partir da inclusão do sujeito no campo de sua experiência, inclusão que curiosamente se faz, não por acaso ou contingência, pela via do inconsciente: retirado da condição de excluído, condição própria ao sujeito da ciência, o sujeito da psicanálise só pode ser incluído como sujeito do inconsciente (ELIA, 2000, p.22)

68

Existiram enfermeiros que, em seus discursos, atrelaram a escuta a uma

outra perspectiva de intervenção que perpassa a prática de enfermagem: o

relacionamento terapêutico. Os enfermeiros enfatizaram a escuta como

compreensão mútua a partir do relacionamento terapêutico centrado na pessoa.

Através dessas ferramentas, buscam ajudar o sujeito que está impedido de interagir

ou de comunicar-se com outras pessoas de forma satisfatória:

acho importante a gente tentar ajudar gente, tentar observar o outro, tentar assim se colocar, como conseguir essa comunicação terapêutica , relacionamento terapêutico que só acontece quando você consegue fazer esse vinculo com o paciente [...] O relacionamento terapêutico ele vem da comunicação, tem que ter um vai e volta, tem que ter feed back. Senão o relacionamento terapêutico não acontece, é falho (Enfermeiro 1). A maioria dos pacientes estão todos bem equilibrados, mas sempre acontece de algum (...) a gente vê que não está bem, não quer participar do grupo. Porque nessas terapias a gente vê quando um paciente está bem quando um interage com o outro, quando isso não acontece, quando ele não interage, quando ele não consegue se comunicar, a gente se preocupa com ele, vai vê o quê está acontecendo, o que ele está sofrendo, o que ele está sentindo e depois a gente vai intervir. A gente se relaciona bem com ele, se comunica com ele, vê se ele tá bem (Enfermeiro 7)

Entendemos que essa possibilidade de instituição de uma ferramenta de

escuta específica da enfermagem, se mostra um campo fértil, que até poderia ser

muito potencializador da prática de enfermagem, caso houvesse uma melhor

apropriação do mesmo durante a formação acadêmica. No entanto, encontramos

nos cursos de graduação de enfermagem uma ínfima carga horária para contemplar

os assuntos referidos a saúde mental, que por sua vez são integrados a outros

assuntos, concentrados em poucos professores e ainda destinados ao

desenvolvimento de diagnósticos e prescrições. Vale salientar que esses cursos de

graduação assimilaram muito pouco as discussões proporcionadas pela Reforma

Psiquiátrica, seja em seus currículos, seja em atividades extensionistas.

Essa pouca aproximação com o campo da saúde mental na formação

contribui para que o enfoque na prática seja dado as abordagens tradicionais

descomprometidas com a subjetividade, como por exemplo relacionamento

terapêutico. Silveira et. al. (2010) faz algumas críticas a essa escuta desenvolvida

pela enfermagem durante o relacionamento terapêutico, pois, nesse momento, a

enfermagem nega sua atuação de intervenção frente ao sofrimento psíquico, tendo

um caráter claramente adaptativo e objetificante. Essas críticas se referem ao

enfermeiro acreditar que atingiu uma “maturidade psíquica” em relação ao paciente

69

que ainda não desenvolveu seu Eu. Dessa maneira, o enfermeiro ocupa uma papel

de alterar o funcionamento psíquico de outrem, modelando-o a um ideal de

normalidade propagado, excluindo totalmente a questão do seu desejo e de sua

posição subjetiva.

Podemos retratar essas considerações supracitadas na fala do enfermeiro

a seguir, quando se reporta sua prática para correção diante um desconforto psíquico

do paciente em internamento:

Já teve gente, paciente que é de AD, que é de drogas, que vem algemado com a policia. Aí eles criam raiva da família, não querem ver mãe, não querem ver pai, não querem ver irmão, porque deixaram eles algemados aqui dentro. Aí a gente vai conversar com ele, que não é dessa forma, que é pra o bem dele, que aqui ele tá tendo os cuidados, tá sendo acompanhado por pessoas qualificadas. E aí vai procurar buscar ajudar, a solucionar aquele problema [metáfora de sofrimento psíquico] que está acontecendo com ele. Teve paciente aqui que não queria ver a mãe nem de longe e eu consegui deixar abraçar ela com ele. [o enfermeiro exerce uma ação de controle acreditando que pode mudar psiquicamente o paciente] Na conversa, ele confiou em mim, me agradeceu. Quando ele saiu daqui, eu disse: - é uma vitória que eu consegui na minha formação porque é um paciente que é difícil de lutar, é um droga, com droga [...[ E eu consegui mudar ele de uma forma que ele ficou bem tranquilo, no normal dele. Ele abraçou a mãe dele, acolheu a família, pediu desculpas pelo o que aconteceu. [o enfermeiro prescreve o que ele acha que é normal negando o desejo do sujeito]. Porque quando ele tava naquele momento da droga, não sabia o que fazia, perdia todo (...) todo ele achava que tudo que ele tinha não se lembrava depois (Enfermeiro 4).

Além disso, consideramos que uma outra limitação da utilização do

relaconamento terapêutico na enfermagem, está relacionada às suas próprias fontes

teóricas. Estas tendem predominantemente para o âmbito daquilo que Lacan (1978)

chamou “terapias do ego”. Esse termo foi utilizado por ele para se referir às

abordagens que menosprezavam a força instituinte da descoberta freudiana do

inconsciente e por buscarem uma adequação da pessoa ao contexto social,

tornando-a mais “madura” e “saudável”.

Podemos observar essa tendência no material didático ainda hoje

utilizado na formação do enfermeiro. Os trabalhos de Hildegard Peplau e de Joyce

Travelbee têm sido as principais referências citadas pelos autores que abordam o

relacionamento terapêutico hoje (KANTORSKI et.al, 2005). A ênfase nessas

abordagens é do uso terapêutico que o enfermeiro pode fazer de seu próprio Eu

para proporcionar uma mudança de atitude do paciente frente ao seu problema.

70

Na teoria de Travelbee, esse “Uso Terapêutico do Eu” é descrito como

sendo “a capacidade de usar a própria personalidade conscientemente e em plena

lucidez na tentativa de estabelecer um relacionamento e de estruturar as

intervenções de enfermagem” (TOWNSEND, 2000, p.76-77). Sendo assim esse

processo requereria do profissional algumas habilidades como autenticidade,

harmonia e, principalmente empatia – descrita como a “capacidade de perceber

corretamente a vivência interna de uma pessoa num dado momento”.

Dessa forma, supõe que o enfermeiro é um modelo de normalidade,

alguém sempre sadio, bem estruturado, detentor da verdade. No entanto, o de que

se trata no processo de escuta, não é a criação de uma linha de série, com todos

pensando, agindo e sentindo igual, como cópias do suposto modelo que seria o

enfermeiro. Além disso, os próprios enfermeiros também são sujeitos divididos,

alienados na sua condição de ser falante, desconhecedores daquilo que os afeta. O

pretenso “ modelo” portanto, não existe.

Concordamos com Silveira et al (2010) quando afirmam que malgrado

todas as críticas que possamos tecer às concepções teóricas que fundamentam o

relacionamento terapêutico na enfermagem, consideramos que se algo dessa

prática deve ser resgatado, é exatamente a consideração da interação do

profissional de enfermagem e paciente como um possível espaço de intervenção

clínica, uma vez que reconhecemos que a enfermagem é a profissão cuja

característica prioritária é a permanência junto ao paciente onde se desenvolve o

cuidar.

Assim, ao percorrermos essa análise do discurso da enfermagem acerca

da escuta, percebemos que ele se dá numa interface entre o discurso científico e o

discurso religioso. Enquanto que o modelo vocacional religioso tem interesse no

corpo com vistas a salvação da alma; no saber cientifico é o corpo biológico,

passível de adoecimento que importa. No primeiro, a escuta remete ao

confessionário, já no segundo, a escuta subsidia uma prática controladora, vigilante

e submissa ao saber médico, que nega o sujeito e apreende o sofrimento psíquico

no corpo.

Lacan (2005) destaca criticas ao discurso religioso em virtude deste ser

sustentado por uma hierarquia social detentora da verdade há milhares de anos. Ele

diz que a religião tampona a angustia dos sujeitos oferecendo sentido as suas

frustrações terrestres além da vida humana, bem como produzindo respostas

71

generalizáveis. “A religião é feita para isso, para curar os homens, isto é, para que

não percebam o que não funciona” (2005, p. 72).

A ciência, por sua vez, pretende eliminar do campo do discurso, tudo

aquilo que escapa da formalização, toda referência ao sujeito, á morte e ao

sofrimento, por exemplo. O ideal de cura e de eliminação da dor assume aí um lugar

central. Elia (2004) afirma ainda que a psicanálise é o único discurso que aponta

para o que não funciona, que está além do previsível, indizível, num lugar

insuportável, difícil de se conviver.

Sendo assim, nosso interesse nesse estudo não é o corpo de carne e

osso, mas um corpo tomado pelo significante, no qual o inconsciente também se

inscreve e pode ser traduzido. Nesse mesmo sentido Lacan (1978, p. 302) refere-se

ao corpo e a materialidade da linguagem, assegurando que

a fala, com efeito, é um dom de linguagem, e a linguagem não é imaterial. É um corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tiradas de todas as imagens corporais que cativam o sujeito.

O ideal de cura, que permeia os campos de saúde de uma forma geral,

inclusive o da saúde mental, tem a eliminação do sintoma como foco do tratamento.

Os sintomas podem até desaparecer, manifestando-se de outras formas, uma vez

que possui diferentes maneiras de apresentação. Nesse sentido, o desejo de curar o

paciente (ou qualquer outro desejo que se imponha da parte de quem escuta) só faz

dificultar a manifestação do sujeito do inconsciente.

Não há porque calar, não há porque exterminar o sofrimento psíquico. Há

porque ser escutado, recuperado, construído. Desse modo, precisamos defender a

escuta como espaço para o sujeito produzir sua singularidade, tendo a capacidade

de enfrentamento psíquico dos seus conflitos. Precisamos considerar aquilo que

cada sujeito diz, na perspectiva que ele atribua sentido àquilo que o desassossega e

não que os profissionais adotem uma escuta conduzida por preceitos morais ou por

suas próprias inquietações. Na escuta é preciso que o enfermeiro saia desse lugar

de um saber pré-estabelecido e abra espaço para que o próprio sujeito elabore as

especificidades de sua situação, de seu sofrimento.

4.2.3 A escuta no discurso psicossocial

72

Nessa formação discursiva iremos abordar a escuta pautada no modelo

psicossocial para atenção em saúde mental conforme preconizado pelo referencial

da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Costa-Rosa (2000) designa o modelo

psicossocial, em oposição ao modelo asilar, como paradigma das práticas de saúde

mental no contexto atual. Esse modelo psicossocial busca entender de forma global

o sujeito a partir da doença, considerando seus fatores políticos, sociais, culturais,

biológicos, culturais e psicológicos. Além disso, propõe que o sujeito participe de seu

tratamento com garantia de tomar decisões junto ao serviço de saúde.

Amarante (2003) compreende a Reforma Psiquiátrica enquanto um

processo social que evidencia e articula quatro dimensões: dimensão teórico-

conceitual ou epistemológica que diz respeito a desconstrução dos fundamentos

da psiquiatria tradicional, como por exemplo, o entendimento sobre doença mental;

dimensão técnico-assistencial que compreende a construção de uma rede

substitutiva ao modelo manicomial como espaços de sociabilidade, de trocas e

produção de subjetividades; dimensão jurídico-político remete uma ênfase nas

mudanças das leis, salientando no campo da saúde mental uma conquista do direito

ao trabalho, à família, à vida social e coletiva; dimensão sociocultural que procura

produzir uma transformação no imaginário social da loucura construído

historicamente (grifos nossos).

Antes da Reforma Psiquiátrica, predominavam as condutas de controle,

vigilância e disciplina aos sujeitos em sofrimento psíquico. Esta se baseavam em

maus tratos, punição, violência e repressão, na tentativa de se manter o poder das

instituições e do próprio indivíduo. Tais condutas, tidas como terapêuticas,

correspondiam ao modelo de atenção em psiquiatria vigente, o manicomial, no qual

prevaleciam o hospitalocentrismo (tratamento baseado na internação hospitalar

permanente daqueles considerados ‘doentes mentais’), com a exclusão social dos

pacientes e tendo a doença como único foco de atenção da assistência

(PRANDONI, PADILHA, SPRICIGO, 2006).

Com o advento do movimento da Reforma Psiquiátrica, incentivado pela

Reforma Sanitária, o Brasil vivencia ardentemente um desejo de mudança do

paradigma de assistência em saúde. Este movimento buscou despertar a

desinstitucionalização da loucura, propondo um regaste da intersubjetividade do

73

sujeito em sofrimento psíquico, que contrapõe a exclusão e segregação social e

familiar (COSTA-ROSA, 2000).

Em 2001, a III Conferência Nacional de Saúde Mental ocorreu na

perspectiva de reafirmar os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Durante

esse evento foi celebrada a promulgação da Lei Paulo Delgado n. 10.216,

sancionada pelo Presidente da República em 6 de abril de 2001, após 12 anos de

tramitação no Congresso Nacional. Esta Lei dispõe sobre a proteção e os direitos

das pessoas em sofrimento psíquico e sobre a construção de uma rede de saúde

mental comunitária substitutiva ao modelo manicomial. Desta forma, a internação em

hospitais psiquiátricos ainda existentes só deve ser indicada quando os recursos

extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE,

2001).

No que tange aos princípios jurídicos, a Reforma Psiquiátrica no Brasil, foi

estabelecida a Portaria nº 336/GM que regulamenta os serviços substitutivos e os

integra à rede do Sistema Único de Saúde – SUS. Dentre os serviços de saúde

mental, tem-se o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS que assume um papel

estratégico na organização da rede comunitária de cuidados em saúde mental.

Possui como proposta ser realizado por uma equipe interdisciplinar que exerça uma

prática de atenção à saúde mental comunitária, subjetiva, descentralizada, integral,

contínua, com a aproximação da família e comunidade.

No que diz respeito aos pressupostos clínicos, a reforma psiquiátrica

propõe um modelo que esteja articulado ao conceito de desinstitucionalização.

Nicácio (2003, p.93) afirma que o processo de desinstitucionalização busca

desconstruir

saberes, práticas, culturas e valores pautados na doença/periculosidade, a desinstitucionalização requer desmontar as respostas científica e institucional, romper a relação mecânica causa-efeito na análise de constituição da loucura, para desconstruir o problema, recompondo-o, re-contextualizando-o, re-complexificando-o

Nessa perspectiva, o que interessa não é enquadrar as queixas em

quadros nosológicos, mas perceber que as situações que levam estes pacientes a

buscar atendimento, são situações que estão causando sofrimento, e, portanto,

precisam ser escutadas. Diferente da doença, que é entendida como algo localizado

74

no corpo, o sofrimento é uma questão subjetiva, e está mais ligado aos valores do

sujeito; sendo, pois, marcado por questões que, para além do plano físico, envolve

vertentes éticas, morais, religiosas, psicológicas, sociais e culturais (PESSINI, 2002;

KANTORSKI, PINHO, SAEKI e SOUSA, 2005). A III Conferência nacional de Saúde

Mental estabelece que deve existir um lugar em que o sofrimento, a dor, a angustia

e a doença possam ser escutadas (BRASIL, 2001b)

Rotelli; Leonardis; Mauri (2001) trazem uma grande contribuição á

discussão acerca da clínica que buscamos no movimento da reforma psiquiátrica.

Trata-se, segundo ele, de deslocar o foco de nossas intervenções, saindo da

“doença mental” e buscando focar na “existência-sofrimento” dos sujeitos a quem

atendemos.

Certamente não se trata de negarmos os avanços no que diz respeito à

redelimitação das relações de trabalho e dos espaços terapêuticos proporcionados

pelo modelo da atenção psicossocial. Os avanços conquistados com o processo da

Reforma Psiquiátrica até aqui são inegáveis. Eles se fazem notar, principalmente, no

que diz respeito às questões sociais, de cidadania e de defesa dos direitos dos

pacientes.

No entanto, no que tange à dimensão clinica, percebe-se que ficou uma

lacuna. A despeito de algumas iniciativas de discussão de outros modelos, parte

considerável do discurso reformista, seja explicitamente ou de maneira velada,

passou a estender a crítica do modelo psiquiátrico também em direção à tudo aquilo

que dizia respeito à clínica. Ela passa a ser entendida como um dispositivo

reducionista e individualista que impede a socialização do paciente. Como afirmam

Almeida e Santos (2001, p.22):

Essa tendência, que procurou superar a clínica em seu sentido clássico por percebê-la reducionista e normatizadora, acirrou a tensão entre clínica e política, questionando princípios básicos da psiquiatria tradicional como diagnóstico, cura e a ideia de tutela, que imputava ao sujeito objeto de intervenção, a aceitação de um modelo único e universal de subjetividade.

Ao jogar fora a criança com a água do banho, essa depreciação da clínica

trouxe algumas consequências. Uma delas, foi abrir espaço para que o próprio

modelo médico continuasse prevalecendo. Na fala dos entrevistados percebemos

que, apesar de um discurso de forte fundamentação política, quando se apresentam

75

questões de ordem clínica, a medicalização do sofrimento continua sendo o tom.

Algumas falas dos entrevistados mostram que uma redução operada na

complexidade suscitada por este modelo leva, muitas vezes, a recairmos no risco da

tão temida “alienação” dos pacientes.

Dependendo do que o paciente tem. [...] Aí você pergunta: - porque você acha que tem um bicho aí dentro? O que está acontecendo? Aí começa a mostrar, tentar argumentar com ele que aquele bicho não está ali. Que quando ela teve alucinação, que ela tinha matado uma vez. Tentar puxar dela, foi se acalmando mais né? aí foi se acalmando, se acalmando, mas realmente teve que fazer medicação, tem que fazer a medicação. Ficou bastante ansiosa, chorou bastante, esperou que ela se acalmasse mais. A gente tenta puxar dele, que ele mesmo procure, tenta dar a ele instrumento para que ele pare o delírio dele, que ele encontre os caminhos, que a gente não pode confrontar , jamais pode confrontar (Enfermeiro 1)

O psiquiatra tem a prescrição e nós da enfermagem administramos as medicações VO de acordo com a conduta médica. Também atuo encaminhar na escuta individual do doente mental que nos relatos chegam a nós né? Com suas queixas, com suas queixas tanto clínicas de ordem clínica, queixas no corpo, de doenças da dermatite, da gastroenterite e também das doenças causadas pelo abuso de álcool e outras drogas, onde são as psíquicas, as alucinações, os delírios, os desejos, as angustias, as fobias, os medos (Enfermeiro 8).

Nessa nova proposta de reforma na área da saúde mental, as idéias de

desinstitucionalização exigiram profundas transformações nas práticas

desenvolvidas e o enfermeiro é requisitado a passar do papel de “disciplinarizador”,

para o de mais um membro da equipe terapêutica. No entanto, percebemos que

essas mudanças nos lançam no plano de profundas instabilidades, pois a formação

em enfermagem, ainda bastante arraigada no modelo biomédico, não fornece as

ferramentas necessárias para uma atuação desse tipo.

A gente não é preparado na faculdade para lidar com certas situações de sofrimento mental não (...) a política de saúde mental é muito bonita no papel, mas quando chega na prática [demonstra uma insatisfação aumentando o tom da voz] é um Deus nos acuda (Enfermeiro 6)

No próprio manual do CAPs não diz nada sobre como o enfermeiro deve atuar. Fica difícil a gente saber lidar com isso na prática. [...] Posso dizer que a formação em saúde mental é mais para conhecer as doenças e as funções mentais. [realiza uma inspiração de forma ofegante demonstrando não credibilidade diante dessa realidade] É muito pobre e mais pobre é a nossa prática (Enfermeiro 9).

76

Nos momentos parafrásticos dos discursos, os enfermeiros relataram que

existem dificuldades para delimitar seu papel nos atuais serviços de saúde mental,

acabando por se envolver em tarefas administrativas ou voltadas apenas para o

cuidado físico do paciente.

Fico mais na parte administrativa de organizar e participar dos grupos (...) Foi solicitação da direção que eu ficasse com os grupos (...) [Falou em voz baixa] Atualmente estou com a terapia em grupo, todas as tardes estou com as terapias em grupo (Enfermeira 7)

O estudo de Ribeiro (2005) apresenta que o enfermeiro no cuidado clínico

em saúde mental concentra suas ações em atividades burocráticas, o que torna

explicito a distância do ensino com a prática e as políticas que se referem a saúde

mental.

É imprescindível que a academia forme um profissional que procure desenvolver competências técnicas e relacionais, com atitudes éticas e solidárias para com a pessoa que necessita de ajuda devido à complexidade do papel terapêutico da enfermagem no cuidado à pessoa nos serviços de saúde mental (LEITE, 2002).

Percebemos que a apropriação da escuta enquanto ferramenta na saúde

mental ainda encontra muitos impasses, principalmente, porque ela ainda é pensada

na perspectiva de um meio para atingir outros objetivos. Trata-se da escuta como

coleta de informações, como identificação das necessidades do sujeito, com um

aspecto de acolhimento. No texto da III Conferencia, por exemplo, o profissional tem

que escutar com cuidado em busca de atender os problemas na sua dimensão real

e perceber os fatores multicausais relacionados ao adoecimento psíquico. As falas a

seguir apontam para esta concepção de escuta:

procurar saber do que ele não tá falando, do comportamento dele, o que tem por trás de toda essa herança, essa carga emocional que ele tem. [...] então assim, como foi a gestação dessa mãe, quantos irmãos ele tem, se ele é o filho mais velho, se ele ajudou a prover para o sustento da família, quando começou essa carga de responsabilidade dele, quando você começa a indagar sobre certas situações, aí você descobre, começa a ver como é a vida desse paciente. Você não pode ver só uma pessoa sem um contexto (Enfermeiro 2).

nesse momento é feito a busca ativa né? da realidade, do espaço, de

77

tempo, de comportamento e aí perguntar porque a higiene tá precária, o porquê que ele relata que não dormiu, o porquê ele diz escutar vozes, o porquê as alucinações visuais, como o processo, que horário prevalece manhã. E nesse momento aí tem o encaminhamento devidamente pra o psiquiatra se for necessário, ou mesmo até o psicólogo, o psicanalista se no momento ele estiver ou o educador físico (Enfermeiro 8)

Observamos uma ênfase do entendimento da escuta como meio para

coletar informações, que vão instrumentalizar o cuidado propriamente dito. Ocorre que

podemos depreender daí duas consequências. A primeira é que o paciente

permanece numa posição de objeto, alheio a tudo que diz respeito ao seu desejo.

Como a escuta se presta a buscar a informação, não faz diferença que esta seja

prestada pelo próprio sujeito ou por alguém familiar. Aliás é até esperado que seja a

família que o faça, geralmente sem a presença do paciente, já que, por não estar

doente, o familiar teria mais condições de se ater a realidade investigada.

O internamento no hospital psiquiátrico é realizado com a entrevista a

família enquanto o paciente entra pelos portões e nos CAPS, as reuniões com

familiares, quando existem, não há participação dos pacientes. Além disso, os

enfermeiros enfatizam em suas falas que o problema relatado durante a conversa com

a família nem sempre coincide com a queixa do paciente, mesmo assim visam mais a

demanda de quem trouxe o paciente para o serviço de saúde do que os pacientes tem

a dizer, da escuta de sua angústia.

Quando eles dizem que tem algum problema, a gente convida essa família para vir e vamos conversar de acordo com o problema que esteja se passando. A gente vai conversando, vê os dois lados, como é paciente doente mental, tem que vê os dois lados, as vezes é muita (...) não sei dizer (...) as vezes é alucinatória, eles podem criar coisas (...) E conversa, a gente vê como é que fica com a família (Enfermeiro 6)

E conversa também com a família, faz outra busca conversando com a família, aí a gente colhe toda história do doente [...] encaminho ele para o setor de internamento, faço a entrevista apenas com a família (Enfermeiro 1)

Trabalhamos com a família do paciente, fazendo a escuta. A escuta da história do paciente de acordo com suas queixas e a escuta também da família, onde eles trazem os relatos (Enfermeiro 8).

A segunda consequência dessa apreensão da escuta como um meio é o

fato de que continua sem a possibilidade de uma ferramenta que possa pensar a

78

escuta como uma intervenção em si mesma. Que parta do princípio de que é na

linguagem que sofremos e adoecemos e que, portanto é pela linguagem que

podemos nos curar. Na falta de uma articulação que nos permita dar esse salto

teórico, saindo da doença para o como cada um vive e sofre, continuamos presos a

um referencial clínico centrado no adoecimento, na queixa orgânica e no diagnóstico

médico. A formação discursiva “a escuta no discurso biomédico” analisada

anteriormente aponta para o fato de que o cuidado centrado nos moldes da

psiquiatria tradicional ainda não se extinguiu, mesmo nos serviços substitutivos a esse

modelo manicomial, mesmo nos hospitais psiquiátricos avaliados e reestruturados

após o movimento da Reforma Psiquiátrica (KYRILLOS NETO, 2009) .

Podemos dizer que essa prática pautada no modelo biomédico apenas foi

deslocada, tendo em vista que a proposta de uma rede de atenção a saúde mental

comunitária, aberta e de gestão horizontalizada dificulta a simples transposição das

ações executadas diante do modelo asilar. Dificulta, mas não impede totalmente, pois

a lacuna deixada pela falta de um aprofundamento em ferramentas clínicas que

rompam com o modelo biomédico nos deixa ainda a mercê deste mesmo modelo.

Dessa forma, assim como no modelo asilar, a supressão dos sintomas continua

sendo visada no modelo psicossocial, inclusive com a medicalização do sofrimento

(GUARIDO, 2007; COSTA-ROSA, 2000).

Dessa forma, reconhecemos a necessidade da prática da escuta na

perspectiva de romper com essa posição de objetificação daquele que sofre e com

essa imposição de condutas corretivas a partir de suas próprias inquietações. O nosso

interesse é considerar os ideais da Reforma Psiquiátrica, haja vista que não basta

destruir os muros do hospício, é preciso modificar as relações que o discurso

biomédico mantém com os que buscam sua prática; é preciso mudar o saber

psiquiátrico tradicional impregnado nas instituições e práticas (AMARANTE, 1996).

Como afirma Kirschbaum (2000), a prática de enfermagem nesse modelo

psicossocial trata de traduzir os sintomas apresentados pelas pessoas em

dificuldades sociais como: estabelecer relações interpessoais efetivas; realizar

atividades de vida diária ou desempenhar atividades de vida prática. A atuação da

enfermagem volta-se, então, para um papel de “maternagem”, que pouco contribui

para a autonomia dos pacientes.

Os pressupostos da Reforma Psiquiátrica preconiza a construção de

vinculo, o acolhimento e a escuta como ferramentas essenciais no trabalho em

79

saúde mental na perspectiva de se dá voz ao sofrimento do outro baseado na

ampliação da clínica e enfoque no sujeito. Essas tecnologias em saúde possibilitam

compreender o sofrimento psíquico a partir do contexto do usuário, valorizando suas

experiências e atentando para suas necessidades, incluindo no cuidado os

diferentes aspectos que compõem o cotidiano desse indivíduo (MIELKE;

OLSCHOWSKY, 2011). Entretanto, os enfermeiros ainda não consolidam o real

sentido da escuta em sua prática. Há uma distorção do sentido entre escuta, diálogo

e acolhimento, que pode proporcionar a efetivação de uma escuta

descontextualizada da história de vida do sujeito em sofrimento psíquico.

Percebemos essa realidade discursiva quando o enfermeiro falou como escutava:

É uma forma de acolher, é uma forma de acolhimento é (...) é uma forma de dialogar com os pacientes, de ouvir os pacientes. Por exemplo, a gente escuta assim, coloca um tema: [...] novela: - “vocês estão assistindo essa novela? O quê que vocês acham dessa mulher, dessa atriz”[fala do enfermeiro] Pra ver a visão dela em relação ao comportamento das outras pessoas (...) se você perguntar: “- Você faz isso?” “- Ai não” “- O que você acha?” -“Eu acho ela bonita, ela é pra frente, eu gosto do jeito dela” [fala da paciente]. Então, você começa a ver que ela queria ser desse jeito, ser autêntica, queria ser igual aquela atriz, mas ela não tem coragem, assim, a vida dela, então (...) (Enfermeiro 2)

Desta forma, para transcender uma clínica do cuidado que atribua a

escuta do sujeito em detrimento da escuta da doença é possível que aconteça de

forma articulada a leitura do sintoma e ao reconhecimento da singularidade do

sujeito. Apostamos com Silveira et al (2010) no fato de que, através desta

consideração da dimensão ética do sujeito articulado ao seu desejo, podemos

reinventar os espaços e ferramentas de atuação da enfermagem. Para garantirmos

essa dimensão, consideramos que alguns critérios precisam ser delimitados como:

romper com a perspectiva cartesiana do sujeito do conhecimento; reconhecer a

dimensão a dimensão do desejo e no que ela implica de articulação com o Outro;

reconhecer que as escolhas que determinam o encaminhamento da vida são

marcadas pela incidência de um sujeito dividido pela própria inscrição inconsciente e

tal inscrição se faz suportada pela entrada na linguagem (LACAN, 1997).

O profissional de saúde mental é aquele convocado para “aguentar a

miséria do mundo”, a dar conta de tudo aquilo que a sociedade não quer ver, o seu

“outro” mais radical: loucos, drogados, suicidas. Nesse embate certamente faz-se

necessário posicionar-se frente a uma realidade social que se impõe por todos os

80

lados, na sua face de violência, exploração e segregação. No entanto, para o

psicanalista francês Jacques Lacan, aguentar a miséria do mundo “é ainda entrar no

discurso que a condiciona, nem que seja a título de protesto”. Os profissionais “psi”

da saúde mental, “sabendo ou não, é isso que fazem”(LACAN, 1974/2003, p.516)

A partir dessa afirmação de Lacan, podemos depreender que uma

posição política voltada para uma denúncia da clínica torna-se estéril, pois só reforça

o mesmo modelo que denuncia. Como se posicionar no interior desse discurso sem

reforçá-lo? Como não permitir que os CAPS repitam a lógica dos manicômios que

durante séculos foram os locais de depósito da miséria do mundo? Como fazer com

que o trabalho desenvolvido na saúde mental não esteja a serviço da higienização

moralizante? São questões de ordem ética que precisam se somar àquelas de

cunho político, para podermos avançar na clínica.

Apostamos que “a escuta como fim”, a partir do referencial da psicanálise,

pode presentificar o sujeito do desejo, construir uma ética do um a um. De fato, é

através desta consideração da dimensão ética do sujeito articulado ao seu desejo,

que podemos reinventar os espaços e ferramentas do cuidado clínico da

enfermagem, ou seja, as nossas práticas desenvolvidas nesses serviços de saúde

somente proporcionarão a metabolização do traumático pela via da escuta como fim.

Tais práticas tornam-se terapêuticas quando o profissional da saúde apoia-se na

transferência ocupando o lugar de suposto-saber, destinando assim espaços para

que o sujeito em sofrimento psíquico ao ser escutado fale, possa atribuir significados

a sua vivência, a sua demanda de ajuda, de sua subjetividade, historicidade e

condições concretas existenciais.

4.3 Análise da formação ideológica médico-científico-capitalista

Para situarmos como analisamos a formação ideológica que perpassa o

discurso dos enfermeiros acerca da escuta em saúde mental retomamos o conceito

de formação ideológica de Pechêux, que remete à estrutura na qual se fundam as

diversas formações discursivas encontradas, determinando o que pode e deve ser

dito a partir de uma posição que o discurso ocupa numa conjuntura dada

(PÊCHEUX, 1997) Sendo assim, buscamos um posicionamento ideológico dos

81

sujeitos verificando os possíveis sentidos para os quais eles apontam.

Entendemos que as formações discursivas encontradas neste estudo

apontam para uma formação ideológica que convencionamos chamar “médico-

científico-capitalista”, por considerarmos que ela conjuga elementos do saber

médico em sua configuração moderna, ou seja, pautada pela racionalidade

científica, ao mesmo tempo em que se submete à lógica de produção do discurso

capitalista. Este discurso capitalista busca dominar o saber científico engendrando o

laço social entre o sujeito e o Outro, desta maneira, tende a reduzir o objeto do

desejo à condição de mercadoria, como objeto de consumo.

Para subsidiar essas afirmações, pautamo-nos na discussão introduzida

por Quinet (2002) à partir de uma retomada da teoria dos discursos em Lacan. No

seminário intitulado “O Avesso da Psicanálise”, Jacques Lacan (1992-1969/1970)

pontua quatro discursos que aparelhariam o laço social entre o sujeito e o outro.

Quinet (2006) entende o discurso como laço social, ou seja as modalidades

possíveis de relação entre o sujeito e o Outro. De acordo com Lacan (1992-

1969/1970), os laços sociais sustentam os quatro discursos que são representados

topologicamente pelos seguinte termos: as letras S1 (o significante unário); S2 (o

saber); objeto a (o objeto causa do desejo) e $ (o sujeito dividido), que vão se

distribuir na equação abaixo, podendo ocupar quatro lugares:

agente outro ____________ ___________

verdade produção

Estes quatro lugares podem permutar de modo circular, produzindo, pois,

quatro configurações de quatro possibilidades de discurso:

82

Figura 2 – os quatro discursos segundo Jacques Lacan

O primeiro deles, discurso do mestre, caracteriza-se por ser um discurso

onde o poder está nas mãos de um mestre ou senhor que é aquele que domina.O

agente aqui é o significante mestre (S1), que representa o sujeito na cadeia

discursiva. Ele leva a produção de um saber que encobre a verdade, ou seja, o fato

de que o sujeito é dividido, castrado. Podemos pensar aqui nas sociedades feudais,

por exemplo, onde o mestre\senhor detém a verdade do escravo. Mas, segundo

Quinet (2002) também podemos reconhecer traços deste discurso naquelas

situações onde o médico é aquele que manda (prescreve) e o paciente é aquele que

obedece.

No discurso do universitário, percebemos um deslocamento importante no

lugar do saber. O mestre não é mais aquele que governa, mas ele precisa se apoiar

em um saber outro para afirmar sua verdade. É o caso, por exemplo, de quando ao

escrever um trabalho acadêmico, o autor precisa estar a todo momento buscando

outros autores para referenciar e assim, garantir a legitimidade de suas afirmações.

Segundo Quinet (2002) na clínica, temos um exemplo desse discurso quando o

médico faz uso do saber psiquiátrico para ensinar ou convencer seu paciente,

impondo uma ação corretiva no intuito de normalizar a sua queixa.

O discurso histérico é aquele que coloca o Outro em uma situação de

divisão subjetiva, onde ele vacila em sua verdade, obrigando-o a produzir um saber.

Era o que as histéricas da época de Freud faziam com seus médicos, aos deixarem-

nos atônitos frente a suas manifestações sintomáticas que não correspondiam à

anatomia nem à fisiologia. Foram elas, com seus sintomas que levaram Freud a

produzir um saber: a psicanálise. Como afirma Quinet (2002), ainda hoje, quando o

médico se vê impulsionando a se deter, a estudar e a escrever para produzir um

saber provocado pelo caso de um paciente estamos no discurso histérico.

83

O discurso do analista é aquele em que o outro sai do lugar de

especialista, abstém-se de fornecer um saber pronto e se cala, permitindo ao sujeito,

sob transferência, produzir algum saber sobre o que lhe acontece.

Além desses quatro discursos, Lacan (1992-1969/1970) vai

posteriormente elaborar um quinto, intitulando-o discurso capitalista, que se

relaciona diretamente com a ciência, pela inversão da parte esquerda do discurso do

mestre:

Figura 3 – O discurso capitalista segundo Jacques Lacan

Essa modalidade de discurso se diferencia das restantes por ser a única

que não estabelece laços sociais entre o sujeito e o outro. O que ele articula são

sujeitos à gadgets, objetos de consumo rápido, que supostamente poderiam aplacar

o mal-estar do sujeito. Por exemplo, é o celular de último modelo, o computador de

última geração, parceiros virtuais, dispositivos conectáveis e desconectáveis ao

alcance da mão. Como afirma Quinet (2002, p.36):

Esse discurso promove um autismo induzido e um empuxo-ao-onanismo fazendo a economia do desejo do Outro e estimulando a ilusão de completude não mais com a constituição de um par, e sim com um parceiro conectável e desconectável ao alcance da mão. Isso pode efetivamente levar à decepção, tristeza, tédio e nostalgia do Um em vão prometido ou a diversos tipos de toxicomanias entre as várias doenças do discurso capitalista.

A ciência moderna, ao associar-se ao discurso capitalista, entra nessa

mesma ordem que impõe um ideal de completude, fazendo o sujeito crer que é

possível aplacar a falta, a dor e o sofrimento, desde que se disponha do instrumento

adequado. No caso da psiquiatria, esse instrumento passa a ser o benzodiazepínico

da vez, o anti-depressivo de última geração, e até mesmo o diagnóstico que, ao

84

nomear o sofrimento, cria a ilusão de apaziguamento.

As formações discursivas “A escuta no discurso biomédico”, “A escuta no

discurso da enfermagem vocacional religiosa” e “A escuta no discurso psicossocial”

demonstram que os discursos sobre a escuta do sujeito em sofrimento psíquico

emergem da formação ideológica “médico-científico-capitalista”, como podemos

demonstrar na figura a seguir:

Figura 4 – Representação das formações discursivas e a formação ideológica

encontradas nessa pesquisa.

Por essa lógica, o sujeito em sofrimento psíquico encontra-se

segmentado ideologicamente e politicamente. Seu destino é a observação dos seus

sintomas que remete a uma intervenção embasada na racionalidade médica

cartesiana, corroborando assim com a supremacia que o método científico mantém

perante a escuta do sofrimento.

Podemos dizer que a escuta do sujeito, a partir do referencial que

adotamos nesse estudo, é um recurso pouco utilizado pelos enfermeiros, haja vista

que o predomínio é a escuta pautada no método científico, fortemente guiada pela

nosologia psiquiátrica que busca organizar características visíveis e

comportamentais dos sujeitos em torno de quadros diagnósticos mais frequentes

85

nos serviços de saúde. Através dessa escuta como meio destina-se a

medicalização do social, da cidadania e do sofrimento.

O discurso capitalista assegura o interesse de readaptação social de

instituições especializadas na psiquiatria e os investimentos lucrativos em

laboratórios que criam novas patologias como pretensão de vendas de

medicamentos. Essas ditas novas patologias apenas correspondem a limitados

diagnósticos que sempre existiram no CID-10 que não reconhece a divisão do

sujeito em suas diferentes estruturas.

A escuta desenvolvida pelos enfermeiros pauta-se na observação do

comportamento do paciente, vigiando o que ele faz, estabelecendo ordens, impondo

preceitos religiosos, atuando sobre o corpo anatomofisiológico; enquanto o sujeito

em sofrimento psíquico é coadjuvante no cuidado prestado, como apenas relator de

sua queixa. O sujeito não participa diretamente do seu cuidado, apenas é fracionado

em encaminhamentos à especialistas ou em internações.

Percebemos que tanto o discurso do mestre quanto o discurso do

universitário surgem nos discursos dos enfermeiros sobre a escuta. No primeiro, o

enfermeiro ocupa o lugar da verdade; na posição de agente, o significante mestre;

no lugar do outro, um saber já dito. A escuta comparece apenas como meio para

obter as informações para que o enfermeiro no lugar de mestre, decida como

intervir. No discurso universitário, a escuta ocupa a posição de agente ordenando o

outro, que submetido ao discurso científico, fica relegado à condição de objeto.

Mesmo entre os enfermeiros perpassados pelo discurso psicossocial,

percebemos que, no plano da intervenção clínica, a escuta ainda é aquela centrada

no modelo médico científico atravessado pelo discurso universitário onde o

enfermeiro ocupa o lugar do agente e o saber em pauta é aquele acerca da doença

enquanto foco do olhar no cuidado clinico em saúde mental. Nas palavras de Kyrillos

Neto (2009), a Reforma Psiquiátrica proporcionou uma “inversão de investimentos”

propondo que a psiquiatria não abordasse exclusivamente a doença e

compreendesse o sujeito enquanto usuário inserido no corpo social. Em

contrapartida, o mesmo autor acrescenta que percebe uma ausência da dimensão

clínica diante das ações realizadas pelos profissionais nos serviços substitutivos de

saúde mental, pois o que acontece ainda hoje é apenas o deslocamento de

cuidados baseados no modelo biomédico para cuidados no modelo psicossocial.

86

Dessa forma, a demanda de cura dos sujeitos é revertida para a demanda de inclusão. Sua patologia é definida pela exclusão social concreta. A localização de sua demanda não emerge do sofrimento psíquico individualizado, mas do sofrimento atinente à posição de classe (KYRILLOS NETO, 2009, p.41).

Sob influência da formação ideológica “médico-científico-capitalista”, os

discursos dos enfermeiros apontam que a demanda dos sujeitos que chegam aos

serviços de saúde mental, é objetificada em posições no universo do consumo e do

trabalho, onde ele é usuário de algum tratamento disponível, um executador de

trabalhos manuais, artesanais e grupais, apontando para uma perspectiva de

inclusão social no mundo do trabalho.

Esse sujeito é um consumidor de um saber que é imposto desde fora,

pela equipe de saúde que decide sobre suas necessidades e demandas. Imposto

pelo comando do enfermeiro que ocupa aquele espaço naquele momento para

assegurar o funcionamento do cuidado a ser realizado. Exposto no sentido de se

assujeitar ao que está à vista, ao que foi autorizado extrair daquele lugar, daqueles

enfermeiros. Ideologicamente, sua própria condição de sujeito é negada quando

necessitam serem escutados.

Para Casagrande (2011), esse sujeito da civilização científica concernida

pela psicanálise não é outro senão o sujeito constituído na relação particular do

processo de produção econômica sob a determinação das relações de produção

capitalista – um sujeito histórico e materialmente determinado, pois toda prática

científica é antes de tudo prática social.

Cada enfermeiro projetou discursos assumindo uma posição nos serviços

de saúde mental. Ao fazer isso, o enfermeiro retomou memórias discursivas

entretanto, sob o efeito ideológico, esquecendo na maioria das vezes que não é a

fonte do dizer. Dessa forma, os enfermeiros assumem a responsabilidade por suas

práticas e pelo que foi dito a partir da “determinação do complexo das formações

ideológicas (e, em particular, das formações discursivas) no qual ele é interpelado

em ‘sujeito-responsável”(PÊCHEUX,1997, p.214)

As formações discursivas encontradas nesse estudo materializadas pela

formação ideológica “médico-científico-capitalista” no âmbito dos serviços de saúde

mental, acercam o sujeito e corporificam os efeitos ideológicos no contexto onde

87

este se insere. Por exemplo, o enfermeiro fala como escuta o sujeito em sofrimento

psíquico reproduzindo condutas da psiquiatria tradicional. Então, a escuta torna-se

reduzida a apresentação sintomática do fenômeno do adoecimento, limitada pelo

método científico que, de acordo com Fink (1998), visa apenas o sujeito cartesiano,

consciente, detentor de seus próprios pensamentos. Esse discurso surge porque foi

autorizado pelo Estado, pelas políticas públicas e, no plano micro, pelo serviço de

saúde, que aparecem legitimando a formação ideológica. Podemos perceber essa

legitimação, por exemplo, quando a admissão do paciente, o financiamento e até

mesmo a alta, continuam a ser subordinadas ao estabelecimento de um código na

Classificação Internacional de Doenças – CID. Este é um dos elementos que

denunciam o caráter central que o modelo médico-científico-capitalista ainda ocupa

no discurso que perpassa os serviços de saúde mental propostos pela Reforma

Psiquiátrica.

Alberti e Couto (2008, p.19) afirmam que, para além das palavras de

ordem da inclusão social, é essa relação com o Estado que denuncia a submissão

da Reforma Psiquiátrica brasileira ao discurso do mestre:

Concordamos que a reforma psiquiátrica está no discurso do mestre, mas não são as palavras de ordem, a reivindicação da cidadania dos usuários, as responsáveis pela mestria desta reforma. Nossa hipótese é: a reforma psiquiátrica brasileira é perpassada pelo discurso do mestre, porém mesmo com as leis e portarias que a legitimam, que respaldam as palavras de ordem, os slogans e o resgate da cidadania dos usuários como a principal função da reforma psiquiátrica brasileira, a clínica psicanalítica demonstra que esse discurso fracassa. Nossa referência é a formulação de Lacan sobre o discurso do mestre, pois este guarda relações estreitas com o Estado. É questionando a relação entre o Estado e o discurso do mestre, a partir da impossibilidade de governar, que se tem a indicação de que a aprovação de leis e portarias não é suficiente para garantir o funcionamento de certas iniciativas, principal¬mente iniciativas nas quais está em questão a saúde mental que visa fundamentalmente o sujeito.

Como ruptura dessa discussão, acreditamos na escuta do sujeito, que se

debruça sobre aquilo que não funciona, que angustia, que representa um sintoma,

pois é a partir deste que cada sujeito tem a possibilidade de aceder ‘a sua verdade

inconsciente, a verdade do desejo. Para tanto, precisamos desenvolver um cuidado

de enfermagem em saúde mental pautado por uma clínica que compreenda a

inscrição do sujeito do inconsciente. Isto requer a construção de estratégias,

técnicas e posterior leitura dos efeitos que tal registro implica nas escolhas de vida

de um sujeito. Como podemos apreender com Lacan (1978):

88

O inconsciente é esse capítulo de minha história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado. Mas pode ser resgatada, na maioria das vezes, já que está escrita em outro lugar. A saber: nos monumentos - e esse é o meu corpo, isto é, o núcleo histérico da neurose em que o sintoma histérico mostra a estrutura de uma linguagem e se decifra como uma inscrição que, uma vez recolhida, pode ser destruída sem perda grave; nos documentos de arquivo, igualmente - e esses são as lembranças de minha infância, tão impenetráveis quanto eles, quando não lhe conheço a procedência; na evolução semântica - e isso corresponde ao estoque e às acepções do vocabulário que me é particular, bem como o estilo da minha vida e a meu caráter; nas tradições também, ou seja, nas lendas que sob forma heroicizada veiculam minha história; nos vestígios, enfim, que conservam inevitavelmente as distorções exigidas pela reinserção do capítulo adulterado nos capítulos que o engendram e cujo sentido minha exegese restabelecerá (LACAN, 1978)..

Podemos perceber, então, que o termo sujeito empregado aqui não tem

como finalidade designar a pessoa que sofre, nem tem o caráter de marcar a

substancialidade do ser humano. É uma posição que marca o desconhecimento do

homem de sua própria condição de sofredor e pode ser observado como um efeito,

resultado de sua divisão pela linguagem. Assim, é o processo de entrada na

linguagem que possibilita a emergência desse sujeito.

Na clínica do sujeito, o que importa é a realidade do sujeito, não a

realidade em si. Nessa perspectiva, a escuta passa a ser uma estratégia para o

desenvolvimento do cuidado clínico em enfermagem, enfocando nesse processo a

responsabilização do sujeito à medida que esclarece que cada um pode atribuir

significados ao que lhe angustia, falar aquilo que era impossível de ser dito.

Acreditamos que o enfermeiro realizando uma escuta a partir do que o

sujeito fala do seu sintoma, não visando logo a eliminação deste sintoma, podem

promover um cuidado clínico mais comprometido com o desejo do sujeito. Além

disso, estes enfermeiros apropriados dessa escuta podem possibilitar que o sujeito

elabore um modo diferenciado de posicionamento frente ao seu mal-estar.

No capítulo a seguir, apresentamos como, ao serem escutados na sua

posição de sujeitos, os enfermeiros entrevistados também trazem pontos de ruptura

em relação ao discurso estabelecido.

4.4 Análise dos pontos de ruptura no discursos dos enfermeiros

89

Aqui nos propomos a discutir as rupturas encontradas na linearidade da

sequência discursiva dos enfermeiros acerca da escuta no cuidado clínico ao

sofrimento psíquico. O que estamos chamando de pontos de ruptura são estruturas

discursivas que desarmonizam a lógica do enunciado, presentificando algo do que

está fora da estrutura, algo do vazio, ou seja, do lugar do sujeito. Elas podem ser

identificadas através do silenciamento, do ocultamento, da negação, mas também

através dos lapsos e chistes.

Em geral, os enfermeiros tomam seus ditos como completos, verdadeiros,

totalmente sem falhas. São discursos engendrados pelas condições de produção

homogêneas que se relacionam a uma domínio ideológico (PECHEUX, 1997). De

acordo com Foucault (2004, p. 8-9), “[...] em toda sociedade a produção do discurso

é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída”. Existem

procedimentos que delimitam o discurso, interditando o direito de dizer tudo em

qualquer lugar, ou seja, regulam o que pode e deve ser dito.

Esses discursos considerados fechados e estáveis absorvem o sujeito

levando-o a crer que é um sujeito-pleno, sem falhas, como foi pensado por Pêcheux

em Discurso e Semântica (1997). Após três anos da publicação deste texto,

Pêcheux faz uma auto-crítica publicada sob o título “Só há causa daquilo que falha”.

Nesse sentido, Pêcheux realiza aproximações teóricas com Authier e propõe a

heterogeneidade no discurso como uma irrupção da exterioridade no interior das

formações discursivas (MALDIDIER, 2003).

Quando no tópico anterior analisamos as formações discursivas,

estávamos nos detendo no que o “’eu” do enunciador pensa falar - ilusão narcísica -

que se constitui basicamente pela interferência do interdiscurso (SANTOS, 2012).

Aqui neste tópico, o que nos interessa discutir são os pontos de ruptura

que se apresentam na heterogeneidade discursiva. A heterogeneidade no discurso é

ressaltada pela presença dos pontos de ruptura, ou seja, por todo enunciado que

rompe com as formações discursivas projetadas pela formação ideológica.

Percebemos essas rupturas nos discursos dos enfermeiros a seguir:

a gente costuma começar à estimular a fala dela, para que ela venha colocar pra fora aquele sentimento e ajuda aquela dificuldade de aceitar o que se passa com ela [...]a escuta realmente ao paciente é fundamental [...]a gente escuta somente se ela permitir também, tudo conforme a aceitação da paciente [...]Porque a gente entende que uma diabetes

90

compensada, uma hipertensão descompensada não acompanhada chega a causar agitação no paciente e às vezes ele nem está em surto pela condição mental e sim por outra situação que está causando um desconforto pra ele. Esses desconfortos fazem parte até da própria situação familiar. Então a grande dificuldade que a gente tem é a conquista e a confiança, porque ele precisa acreditar na gente pra poder começar à liberar a fala, as iniciativas, a sua própria necessidade, pra ele vir falar as próprias necessidades (Enfermeiro 5)

A gente escuta muito. A gente procura falar pouco. Não existe perguntas fixas. Vai de acordo com o andamento da conversa e as vezes a gente só interrompe a questão de (...) a gente só interrompe quando tem alguma coisa que não foi esclarecida (Enfermeiro 6)

A gente tenta escutar para ele dizer o quê que está machucando. A escuta é muito importante quando você está fazendo outra atividade com ele e não está direcionada, assim (...) O que você está sentindo? Então perguntas elaboradas elas não funcionam muito (Enfermeiro 2)

Os efeitos de ruptura surgem, muitas vezes, quando não nos remetemos

diretamente à presença do outro no discurso mas, sim, à Outra cena: o inconsciente,

que se manifesta no chiste, lapso, negativa, atos falhos etc.

Então, podemos dizer que essa concepção de heterogeneidade

discursiva atravessada pelo inconsciente se articula com aquela de sujeito enquanto

efeito de linguagem: descentrado, dividido, clivado, barrado. Para a psicanálise, o

sujeito não se encontra no interior de um discurso homogêneo, mas na diversidade

do discurso heterogêneo, produzido pelo sujeito falante (BRADÃO, 2004). Esse

sujeito através do qual fala o Outro, é o sujeito do inconsciente. Este difere do eu,

unidade imaginária constituída na relação especular com o outro. No Seminário II,

Lacan aborda que “há dois outros que se devem distinguir, pelo menos dois - um

outro com A maiúsculo e um outro com a minúsculo, que é o eu. O Outro é dele que

se trata na função da fala (LACAN, 1985, p. 297).

Em outro trabalho denominado “O Estádio do espelho como formador da

função do eu” Lacan (1949/1998) fala da estruturação de eu (Je) como posição

simbólica do sujeito e ao mesmo tempo o surgimento de um eu (moi) como

construção imaginária. Ele utiliza esses pronomes (Je) e (moi), que possuem o

mesmo significado na língua francesa, para diferenciar o eu como instância

imaginária, do sujeito do inconsciente. O (moi) significa ego, o eu da consciência , do

significado, da lógica do princípio da realidade. Já o (Je) é $, sujeito dividido desde

de sempre, porque fala, sujeito do inconsciente, que só aparece nas falhas do

91

discurso.

Esse sujeito como efeito da linguagem não diz tudo porque inexiste o

conjunto de todos os significantes, ao Outro também falta um significante que

poderia completá-lo. Logo, todas as palavras de uma língua são insuficientes para

conseguir expressar o que o sujeito do inconsciente deseja que é, muitas vezes,

proibido, interditado, indestrutível, insuportável para o Eu. No Seminário - a relação

de objeto, Lacan (1962-63, p.35) retrata esse sentimento que falta algo ao dizer:

“Jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir de

uma noção da falta do objeto como central. Não é um negativo, mas a própria mola

da relação do sujeito como o mundo”. Considera-se essa falta não como um

encaixe, não como algo harmonioso, mas que escapa ao equilíbrio e que fica como

fonte geradora de mal-estar.

O sujeito sempre procura tamponar essa falta, tomando o outro por objeto

do seu próprio desejo. Mas esse desejo é irrealizável e impossível de simbolização

totalizada, ou seja, o sujeito não consegue dar significantes a tudo que o implica.

Desse modo, rompe-se a ilusão de totalidade e essa ruptura é uma divisão com

resto: “esse resto, esse Outro derradeiro, esse irracional, essa prova e garantia

única, afinal, da alteridade do Outro, é o a” (LACAN,1962/2005).

Segundo Fink (1998), o sujeito passa a se apegar ao objeto a (desejo do

Outro como causa do desejo do S) como forma de ignorar sua divisão e é esse

mecanismo que Lacan vai chamar de fantasia, formalizando-o no matema $ ◊ a

(sujeito dividido em relação ao objeto a). É nessa relação complexa, que Lacan

descreve como “envolvimento-desenvolvimento-conjunção-disjunção”, que o sujeito

obtém uma sensação fantasmática de completude, preenchimento e bem-estar.

Assim, é na escuta da fantasia que o analista percebe como o sujeito gostaria de

estar posicionado com relação ao desejo do Outro.

Para Quinet (2002), “a fantasia é o quadro que o sujeito pinta para

responder ao enigma do desejo do outro; é sua forma de tampar cenicamente o furo

no Outro (S(A)) – a incompletude do todo da linguagem - que lhe retorna como

castração.” Além disso, é uma imagem construída sobre uma frase, ou seja, ela não

é apenas imaginária, mas contem uma estrutura significante. É essa estrutura

significante que vai permitir ao sujeito considerar-se o “diretor da cena”, saindo da

mera condição de alienado do desejo do Outro.

92

Durante essa Outra cena, podem aparecer a negativa como forma de

tentar recalcar o exterior de uma sequência lógica; de abandonar os sentidos que

vêm do já dito no dizer presente. A negativa manifesta-se no momento em que o

sujeito nega já considerando a afirmação, muitas vezes, ele não reconhece que seu

dito está relacionado ao lugar que o autorizou a falar (INDURSKY, 1990). Para Freud

(1996, p.263) a negação é considerada um mecanismo inconsciente usado para

liberar o que está recalcado, uma vez que “o conteúdo de uma imagem ou idéia

reprimida pode abrir caminho até a consciência, com a condição de que seja

negado”.. Identificamos esse mecanismo nos discursos dos enfermeiros que negam a

prática de escuta ao sofrimento psíquico como sua responsabilidade e passam essa

função à outros profissionais.

Aqui é o seguinte (...) que é quem vai cuidar daquele sujeito, pode ser o psicólogo, o terapeuta ocupacional, o arteterapeuta, o psicopedagogo, o psiquiatra, como até mesmo uma pessoa da limpeza, no modo geral, quem trabalha num hospital psiquiátrico, tem que ser uma pessoa que possa trabalhar no geral. Tem que ser acompanhado atééé a alta né? Então ele passa pelo assistente social, que é acompanhado pelo psicólogo, pelo próprio médico que o internou, tem essa coisa todinha (Enfermeiro 4).

Outro ponto de ruptura que se refere a negação, é na afirmação dos

enfermeiros que a escuta é importante, mas negam sua aplicabilidade, retornando ao

que está autorizado a falar.

A escuta é o principal instrumento de enfermagem. Não, não assim (...) é é é é (...) a gente geralmente aborda o paciente [...] O relacionamento sem a escuta, sem a comunicação, o paciente e o corpo de enfermagem, ou corpo da psicologia, do serviço social, na verdade o relacionamento terapêutico não existe (Enfermeiro 2).

A negação do discurso relaciona-se com a política do silêncio e

silenciamento na medida em que se encontra “a cisão entre o que pode ser e o que

não pode ser dito” (GOMES, 2005, p. 33). O silêncio faz parte do acontecimento

discursivo e integra uma sequência de enunciados dentro de um contexto discursivo.

A maioria dos entrevistados ficavam em silêncio quando se depararam com minha

solicitação para que falassem sobre como escutava os sujeitos em sofrimento

psíquico. As diversas pausas de silêncio possibilitaram a construção de metáforas

da prática da escuta como: ver, olhar, manejar, referenciar, vigiar, atentar etc.

93

O silêncio aqui não quer dizer que algo está implícito; ele é na verdade é

uma nova forma de enunciação em relação à exterioridade onde ele é produzido . E

“se a linguagem implica silêncio, este, por sua vez, é o não dito visto do interior da

linguagem. Não é o nada, não é o vazio sem história. É silêncio significante”

(ORLANDI, 1995, p. 23). Podemos identificar o silenciamento, na elaboração do

discurso do enfermeiro, no momento que ele esquece o que ia dizer ou não quis

dizer, provocando assim uma falha do discurso institucional.

[ficou um minuto em silêncio] Como se fosse um, um, um (...) como se fosse um (...) não sei dizer (...) como se fosse um branco que deu nele. Aí ele diz: porque estou fazendo isso? Eu digo: mais homem, você estava tão bem. Eu começo conversar com ele, buscando, buscando (...) (Enfermeiro 7)

De acordo com o Gomes e Cabral (2010), o ocultamento encontra-se na

ruptura do delineamento lógico das frases que, ideologicamente, estão escondidos

ou não explícitos para o sujeito na sua história de vida. Um exemplo do ocultamento

está codificado nos discursos logo abaixo quando os enfermeiros se questionam

para dizer algo sobre como realiza a escuta:

Como eu escutar? (...) Geralmente é (...) de forma de que? (...) de qual forma? (...) todo geral? (...) eu (...) para com (...) quando o paciente, eu converso com o paciente (Enfermeiro 4)

Como eu escuto? Aqui no hospital? Geral né? A gente (...) como eu falei (...) A gente (...) primeira coisa, assim (...) porque? (...) Você pode até nunca entrar em contato, como enfermeiro, como um paciente (Enfermeiro 2)

Outro enfermeiro também codifica o ocultamento como uma dimensão da

discursividade através do chiste. Ele não sabe o que diz o que seria a escuta e

começa a rir. Freud (1995) diz que o chiste promove um desconforto, entretanto logo

se busca um esclarecimento:

Eu não consigo não (risos) num consigo não (risos). A gente faz o grupo terapêutico né? (...) dinâmicas, entretenimento (risos). Não geralmente, não sei como digo. Nãoo (...) planeja- se assim, porque assim (...) depois num num logo nos primeiros momentos, eu num tinha idéia (Enfermeiro 6).

Além desses pontos de rupturas no discurso, construímos um novo

94

dispositivo de análise do discurso que denominamos de intertextualidade . Este

dispositivo nos possibilita identificar quando um sujeito se utiliza de uma significação

construída a partir de suas próprias cadeias significantes para dar sentido ao

discurso do outro. Por exemplo, o enfermeiro fala sobre como escuta o sujeito,

trazendo suas implicações:

A escuta é fundamental, muito embora esse trabalho seja de toda a equipe, mas a enfermagem faz com muito amor, com muito desejo de que o paciente venha a ser compreendido. A gente quer ser compreendido porque na realidade nós temos nossas dores, nossas angustias, a gente também que ser escutado, quer saber escutar, saber repassar aquela escuta de uma forma positiva (Enfermeiro 8).

O discurso do enfermeiro a seguir também aborda suas implicações no

cuidado clínico ao sofrimento psíquico, explicando a queixa de um paciente numa

análise da posição de sujeito.

- Novela. [o enfermeiro atribui um tema para iniciar a escuta] - Vocês estão assistindo essa novela? O quê que vocês acham dessa mulher, dessa atriz? Pra ver a visão dela em relação ao comportamento das outras pessoas, se você perguntar: - Você faz isso? Ai não, não assim, eu digo assim [nega uma afirmação]: - O que você acha? - Eu acho ela bonita, ela é pra frente, eu gosto do jeito dela [seria a fala da paciente] Então você começa a ver que ela queria ser desse jeito, ser autêntica, queria ser igual aquela atriz, mas ela não tem coragem, assim, a vida dela. Então, a religião dela [a religião possui o significado de pai, marido], o pai dela, alguém criou ela assim de uma forma muito castradora, e ela não consegue se livrar disso, às vezes é dominada, porque o pai tinha uma posição muito dominadora e em casa o marido também. Então, ela ficou nessa submissão (Enfermeiro 2).

É possível que nesse momento de escuta nos sintamos angustiados com

aquilo que o sujeito fala e aí passamos a adotar algumas atitudes que dificultam o

processo de escuta como: querer resolver logo a situação aconselhando, sugerindo;

adotar uma postura de evitamento e indiferença; encaminhar apressadamente sem

antes saber o que está em questão naquela situação.

Por isso, é importante que todo aquele que se propõe a escutar tenha

algum lugar para onde encaminhar suas questões e suas angústias. A proposta da

psicanálise é trabalhar o inconsciente a partir da análise pessoal. Isso permite

lidarmos um pouco melhor com nosso desejo e questões inconscientes para que

não intervenhamos com nossos sofrimentos e vividos nas questões expostas no

95

decorrer da escuta. Essa possibilidade, no entanto, praticamente não se coloca

como opção durante a graduação em enfermagem, o aluno não entra em contato

com a necessidade de trabalhar seus conteúdos, enquanto para outras categorias,

como a psicologia, é quase uma exigência do curso.

Nesse sentido, a escuta pelos enfermeiros a partir do referencial da

psicanálise possibilitam uma atenção flutuante às entrelinhas do discurso e ao que

não é expresso por palavras, na perspectiva que o sujeito fale do seu sintoma, que

está na lógica da rede de relações da cadeia significante, onde se situa a

subjetividade daquele que sofre.

Podemos dizer que nesse encontro com o sujeito em sofrimento psíquico

é possível saber reformular o que o outro diz, fazendo questionamentos sem

solucionar problemas, sem julgar, interpretar, explicar ou investigar. O profissional

de saúde não precisa se preocupar em eliminar o sintoma, a direção do tratamento é

dada pela associação livre. O importante é manter-se atento para as manifestações

inconscientes e para aquilo que se repete. Portanto, o saber sobre o que acomete o

sujeito não está do lado de quem escuta, mas do lado de quem fala. Cada um traz

no bojo, de seu discurso, as respostas de suas próprias questões.

96

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Análise do Discurso nos indicou um caminho importante para a

construção das formações discursivas, da formação ideológica e dos pontos de

rupturas nos discursos dos enfermeiros sobre a escuta ao sofrimento psíquico.

Enquanto referencial e método de pesquisa, a Análise do Discurso aposta em um

movimento de mudança na forma de realizar a produção do conhecimento e em uma

apreensão diferente das relações do sujeito com o seu discurso.

Evidenciamos que há diversos significados sobre a escuta tanto ao nível

dos discursos como nas práticas voltadas aos sujeitos em sofrimento psíquico.

Assim, é importante destacar que o que está em jogo quando lidamos

concretamente com o sofrimento psíquico, tal como ele se apresenta nos serviços

de saúde mental, não está no âmbito de uma realidade objetiva, já dada de

antemão. Mas de um conjunto de sensações e afetos que só podem ser abordados

a partir da singularidade com que cada sujeito significa sua experiência de vida.

Este estudo tem sua contribuição por promover uma reflexão crítica

acerca da concepção de escuta na perspectiva de superar os olhares reducionistas

sobre a escuta da doença e a escuta a partir de suas próprias questões do

enfermeiro. Entendemos ser necessário aproximar os enfermeiros dessas

discussões sobre a escuta como intervenção a partir do referencial da psicanálise,

97

para que não corramos o risco de utilizá-la indefinidamente, transformando a escuta

em um modismo, um termo esvaziado e que muitas vezes se reduz à coleta de

informações em busca de suprimir logo o sintoma..

Assim, ao se apropriar da escuta pautada pelo referencial da psicanálise,

é possível apreender os aspectos psíquicos do sujeito, tendo em vista que o

inconsciente não compõe uma estrutura física, mas se situa na subjetividade do

indivíduo, na qual para se operacionalizar a clínica psicanalítica não é só deixar o

sujeito falar, é preciso construir a transferência dessa escuta.

Essa escuta passa a ser um espaço privilegiado onde poderá ser possível

a emergência do desejo desse sujeito, desde que, do outro lado, haja alguém em

condições de escutar. Devido a essa condição que se espera do lado de quem

escuta, não podemos falar de uma “técnica”, propriamente dita. Não se trata de

procedimentos padrão a serem executados independente da situação. Para tanto,

destaca-se a associação livre (do lado de quem fala) e a atenção flutuante (do lado

de quem escuta).

O conceito de associação livre propõe que a escuta deve diferir, em

determinado aspecto, de uma conversa comum, na qual se tenta manter um fio de

ligação ao longo das observações. Ele propõe que o paciente possa dizer tudo que

se passa pela cabeça, sem ceder às críticas, objeções. Deve dizer até mesmo aquilo

que acha inteiramente sem importância ou irrelevante. Na associação livre, o filtro

que normalmente é usado nas conversas, para que aquilo que é dito possa se

adequar ao assunto, deve ser então retirado.

Assim como do lado do paciente solicita-se que diga tudo que lhe vier à

cabeça, sem censurar o conteúdo, do lado de quem ouve, exige-se uma atenção

flutuante, ou seja, que a escuta não deve privilegiar a priori qualquer elemento da

fala. Isso implica em deixar funcionar o mais livremente possível a sua própria

atividade inconsciente, suspendendo as motivações que dirigem habitualmente a

atenção. Na saúde, por exemplo, é frequente direcionarmos a escuta para aquilo

que aparece, como por exemplo, a doença. Trata-se exatamente de evitar que isso

aconteça.

Portanto, compreende-se que as intervenções de enfermagem através da

escuta serão possíveis a partir de uma atenção às entrelinhas às rupturas do

discurso. Caso contrário, a constante produção do cuidado clínico em saúde recai

98

novamente no âmbito do modelo biomédico, com uso da escuta pautada no método

científico, que parte de um saber prévio e absoluto que coloca o paciente na

condição de objeto e não de sujeito.

Este estudo possibilitou a evidenciação do discurso dos sujeitos, que por

sua vez ultrapassam as falas propriamente ditas; o método desenvolvido revelou

que a escuta em alguns momentos é citada como inerente ao cuidado de

enfermagem em saúde mental, no entanto, constitui-se em práticas que não

condizem com os supostos conceitos apresentados por esses sujeitos.

Esperamos que essa análise dos discursos dos enfermeiros sobre a

escuta dos sujeitos em sofrimento psíquico contribua para que este instrumento

passe a ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento do cuidado clínico em

saúde mental, que não transite apenas no campo da consciência, mas que

considere o sujeito enquanto participante do seu cuidado. Pois, é através da fala de

cada sujeito que se pode estabelecer uma aproximação com o seu sofrimento,

correlacionando-o à sua história de vida e às significações que este mesmo sujeito

atribui ao seu adoecimento.

Além disso, entendemos que esse assunto não se esgota com este

estudo, tendo em vista a insuficiência de debates sobre o tema na produção de

conhecimento da enfermagem e da clínica do sujeito. No entanto, ao final desta

experiência, pudemos perceber que este estudo pode contribuir de alguma forma

para facilitar a busca de caminhos estratégicos para um agir mais crítico no âmbito

do cuidar clínico de enfermagem em saúde mental.

Apostamos que é a escuta, a partir do referencial da psicanálise, que

considera a dimensão do inconsciente, realizada pelos enfermeiros em qualquer

serviço de saúde mental, pode produzir efeitos que presentifica o desejo do sujeito,

que por vezes, aparece apenas marcada pela formação ideológica “médico-

científico-capitalista”.

As discussões sobre a escuta no cuidado clínico de enfermagem estão

postas e as rupturas foram lançadas, que nos possibilitam novos questionamentos,

novas inquietações, novos desafios. Esperamos que a partir daqui, cada enfermeiro

jogue suas cartas considerando os questionamentos que o movem.

99

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111

1/3

APÊNDICE 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Caro (a) enfermeiro (a),

Este é um convite para você participar da pesquisa: A ESCUTA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO

CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL, sob a responsabilidade da pesquisador

Deivson Wendell da Costa Lima. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá

desistir a qualquer momento, retirando seu consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo. A

pesquisa tem como objetivos geral: analisar os discursos dos enfermeiros sobre a escuta na produção

do cuidado clínico em saúde mental; e objetivos específicos: conhecer as formações discursivas dos

enfermeiros acerca da escuta em saúde mental; identificar quais os saberes que perpassam essas

formações discursivas; discutir como esses discursos se articulam nas práticas de cuidado

desenvolvidas por estes enfermeiros. Caso decida aceitar o convite, você será submetido(a) ao(s)

seguinte(s) procedimentos: inicialmente, você participará de uma entrevista que é composta por duas

perguntas norteadoras para produção dos discursos. A realização das entrevistas acontecerá na sua

instituição de saúde em horários previamente agendados, de modo que não interfira negativamente nas

suas rotinas de trabalho. A entrevista será gravada e posteriormente transcrita e arquivada em

computador pessoal da pesquisador. Você poderá ter acesso, ao final da pesquisa, a todas as

informações resultantes do estudo. Os registros apresentados serão devidamente guardados, sob a

responsabilidade da pesquisador, sendo mantido o sigilo das informações, por um período de cinco

anos, após o qual serão destruídos. Enfatizamos que no processo de desenvolvimento da investigação

sua identificação em nada será revelada, garantindo o sigilo e anonimato de todas as informações

referidas. Os possíveis riscos envolvidos com a sua participação na pesquisa são: constrangimento

emocional no momento da entrevista e invasão de privacidade, por se tratar do relato de experiências

profissionais. Por sua vez, os riscos serão minimizados através: do esclarecimento acerca do tema e

fornecimento das informações necessárias durante as perguntas caso você encontre alguma dificuldade

ou insatisfação; serão respeitados os princípios de privacidade e confidencialidade, visando garantir o

sigilo das suas vivências; além de agendar previamente a coleta de dados para que você se organize e

não deixe que a coleta atrapalhe nas suas demais atividades. Você terá os seguintes benefícios ao

participar da pesquisa: a possibilidade de uma reflexão mais aprofundada sobre a escuta enquanto

112

ferramenta terapêutica. Entretanto, o estudo não lhe acarretará benefícios materiais nem financeiros.

Se você tiver algum gasto que seja devido à sua participação na pesquisa, você será ressarcido, caso

solicite. Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta

pesquisa, você terá direito a indenização. Ressaltamos ainda que as informações coletadas no decorrer

da entrevista serão utilizadas para compor os resultados da investigação, as quais serão publicadas em

2/3

revistas científicas e divulgadas em eventos científicos da área das ciências da saúde. Pretendo

contribuir para que a escuta passe a ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento do cuidado em

saúde mental, enfocando a autonomia do sujeito. Você ficará com uma cópia deste termo e toda a

dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Deivson Wendell

da Costa Lima, no telefone: (84)96356848. Dúvidas a respeito da ética dessa pesquisa poderão ser

questionadas ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte pelo

telefone (84)3318-2596, email: [email protected].

Mossoró/RN, ____ / ____ / _____

_________________________

Assinatura do entrevistado(a)

_________________________

Assinatura do pesquisador(a)

______________________________

Testemunhas (caso seja necessário)

______________________________

Testemunhas (caso seja necessário)

CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO

Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos e

benefícios envolvidos e concordo em participar voluntariamente da pesquisa: A ESCUTA NA

PRODUÇÃO DO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL, sob a

responsabilidade da pesquisador: DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA.

Autorizo, pois, estou ciente que meu nome não será divulgado na publicação dos

dados, como também entendi que minha participação é isenta de despesas. Concordo

voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer

113

momento, antes ou durante o mesmo, sem nenhum tipo de prejuízo.

Mossoró/RN, ____ / ____ / _____

3/3

_________________________

Assinatura do entrevistado(a)

_________________________

Assinatura do pesquisador(a)

______________________________

Testemunhas (caso seja necessário)

______________________________

Testemunhas (caso seja necessário)

114

ANEXO – FOLHA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

PROJETO DE PESQUISA

Título: A ESCUTA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE

Área Temática:

Pesquisador: Deivson Wendell da Costa Lima

Instituição: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

Versão: 2

CAAE: 04434712.6.0000.5294

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

Número do Parecer: 60577

Data da Relatoria: 27/07/2012

Apresentação do Projeto:

Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa e será realizado em seis serviços de saúde mental em Mossoró-RN. Seus participantes totalizam 16 sujeitos que são enfermeiros que atuam nesses setores. Para a definição do grupo supracitado, há a estipulação de critérios de inclusão/exclusão bem definidos. Como técnica de obtenção das informações será adotada a entrevista semi-estruturada e para análise dos dados utilizar-se-á a análise do discurso a partir de Pêcheux. Com relação aos aspectos éticos, os pesquisadores preveem os benefícios, os riscos e as estratégias para a atenuação destes últimos. Assim como, preveem ressarcimento e indenização quando as circunstâncias determinarem. Por fim, o orçamento é da ordem de R$ 4.140,00, de responsabilidade do próprio pesquisador.

Objetivo da Pesquisa:

Objetivo geral: Analisar os discursos dos enfermeiros sobre a escuta na produção do cuidado clínico em saúde mental.

Objetivos específicos: Conhecer as formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta em saúde mental; Identificar quais os saberes queperpassam essas formações discursivas; Discutir como esses discursos se articulam nas práticas de cuidado desenvolvidas por estes enfermeiros.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:

Riscos: Serão prestados esclarecimentos quanto à inexistência de ônus para o entrevistado, e que a pesquisa não acarretará nenhum tipo de dano, haja vista que os métodos elencados para a realização da presente pesquisa não afetam direta ou indiretamente os sujeitos envolvidos. Dessa forma, as informações coletadas terão caráter sigiloso, não havendo nenhuma menção nominal.Durante a realização da entrevista, o entrevistado poderá apresentar o temor de ter conseqüências negativas dos seus ditos e o constrangimento a que será submetido o entrevistado, já que irá expor suas opiniões, atitudes e pensamentos críticos a respeito da temática.

Benefícios: Ao iniciar a pesquisa, o pesquisador prestará previamente os devidos esclarecimentos aos entrevistados, deixando claras as questões quanto ao anonimato do entrevistado e a participação voluntária. Também será apresentado o Termo de Consentimento Livre, o qual deverá ser assinado pelo entrevistado, ainda antes da entrevista acontecer.No campo da saúde, o segredo profissional demanda amparo legal e proporciona ampla utilidade prática e social, na medida em que relaciona postulados éticos que carecem ser desempenhados. Partindo desse pressuposto, o serviço de saúde e o profissional serão protegidos por meio da codificação: os estabelecimentos não hospitalares receberão uma identificação por (NH) e o hospitalar (H) e, cada sujeito entrevistado será identificado por (S). Á medida que será efetivada as entrevistas, as letras que identificarem quer a instituição, quer o profissional, acrescentará um numeral, em algarismo arábico, em ordem crescente. Destacamos que a entrevista será realizada em sala reservada, sem a presença de qualquer outra pessoa, mantendo a privacidade do participante para que ele possa ficar à vontade durante toda a coleta de dados. Evidenciaremos ao entrevistado que ele é um participante voluntário, podendo parar de responder as perguntas a qualquer momento durante

115

a entrevista.Através dos ofícios de autorização da instituição e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido encaminhados ao Comitê de Ética juntamente com o projeto, o pesquisador assume o compromisso de honrar os princípios éticos e legais que regem a pesquisa científica em seres humanos, preconizados na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). Do mesmo modo, consideramos as prescrições da Resolução n.o 311/2007, que trata do Código de Ética dos profissionais de enfermagem, ressaltando as disposições presentes no seu capítulo III, que trata da produção científica (COFEN, 2007).

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:

O projeto em questão apresenta-se coerente no que se refere ao delineamento metodológico, em cumprimento aos objetivos propostos. Construído sob a égide da resolução 196/96, estão assegurados os elementos fundamentais que resguardam os direitos humanos e o respeito à Ética da pesquisa.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:

Foram apresentados: Projeto de pesquisa na íntegra, Folha de Rosto, TCLE, instrumento de coleta dos dados (inserido na própria metodologia), Cronograma respeitando o período de apreciação por parte do CEP-UERN, Orçamento e Carta de Anuência.

Recomendações:

Não há.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:

A pesquisa é relevante à medida que busca refletir acerca dos discursos dos enfermeiros que atuam em saúde mental no tocante à escuta na produção do cuidado clínico. Seus resultados certamente contribuião para a transformação do status quo da saúde mental em Mossoró-RN.O protocolo apresentado atende às recomendações da resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 196/96, podendo ser executado a partir da liberação deste parecer. Após o período de realização da pesquisa, o pesquisador deverá preparar um relatório final, conforme modelo contido na home page deste Comitê e em seguida encaminhá-lo a este CEP.

Situação do Parecer:

Aprovado

Necessita Apreciação da CONEP:

Não

Considerações Finais a critério do CEP:

Protocolo Aprovado!

24 de Julho de 2012

Assinado por:

LUCIANA ALVES BEZERRA DANTAS ITTO