producao textual em prosa e poesia

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Este livreto reúne as produções textuais dos participantes do curso de Língua e Literatura do Brasil, realizado em duas etapas e oferecido pela UMAPAZ, nos períodos de setembro/outubro de 2013 e março/abril de 2014.

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prosapoesia

produção textual em

&

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sumário

20138 ...... a amoreira adriana oliveira 11 ..... minha infância Eliana Gutierres12..... espelho estela gomez13 ..... lua-sol pente-espelho Samuel de Paula14 ..... fonte do ibirapuera estela gomez15 ..... parque do ibirapuera Thereza C. Rosa16 .... velho sábio Eliana Gutierres17..... no trânsito Eliana Gutierres18 ..... o tempo Eliana Gutierres19..... a vida num segundo Eliana Gutierres21..... no mercado Samuel de Paula23 .... raios de sol Samuel de Paula25 .... na aula Samuel de Paula

Page 3: Producao textual em prosa e poesia

201428 .... lembranças da infância Sueli Mashiba 29 .... ser brasileiro Cláudia dos Santos31 ..... meu tipo inesquecível Cláudia dos Santos32 .... RÉQUIEM Leandro da Fonseca36 .... RECEITA PARA QUALQUER COISA: DOCE DE JILÓ tarciso ilgueiras37 .... infância tarciso ilgueiras38 .... ser brasileiro (1) tarciso ilgueiras39 .... ser brasileiro (2) tarciso ilgueiras19..... meu tipo inesquecível Elba Amaral21..... lembranças Elba Amaral

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Este livreto prosa & poesia reúne as produções textuais dos participantes do curso de Língua e Literatura do Brasil, realiza-do em duas etapas e oferecido pela UMAPAZ – Universidade Aberta de Meio Ambiente e Cultura de Paz, nos períodos de setembro/outubro de 2013 e março/abril de 2014.

Esse trabalho permitiu importantes reflexões a respeito da comunicação escrita, assim como a prática e observação de fatos linguísticos da língua em uso no Brasil.

A partir de temáticas variadas, a produção textual dos par-ticipantes expressa muita sensibilidade ao propósito da UMA-PAZ em trabalhar e refletir sempre sobre temas fundamentais do cotidiano e do meio ambiente a fim de construir uma so-ciedade mais harmônica, saudável e justa. O curso, ministrado pela Professora Cladir Gabriel Garcia, teve a coordenação das educadoras Estela Gomes e Thereza Cristina Rosa.

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20132013

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Hoje, depois de tanto tempo, voltei ao lugar onde passei os melhores anos da minha vida. Bateu uma certa nostalgia ao ver que o lugar, que outrora parecia tão encantado, agora não passava de um amontoado de casas, cercado de arranha-céus. Que o verde das árvores e o colorido das flores e frutos já não existiam mais. Tudo agora era tão cinza...

Sem pedir permissão, adentrei lentamente por aquele caminho que, apesar de estar tão diferente, ao mesmo tempo me parecia tão familiar. Apesar de um tanto receosa por não saber o que iria encontrar, continuei caminhando... Lá, bem no fundo sabia o que estava procurando e, enfim, encontrei... Ali estava ela... a amoreira.

Ela já não parecia tão alta nem tão verde e já não fazia a mesma som-bra que nos abrigava nos dias mais quentes de verão! Mas estava ali, mos-trando sua força e resistindo ao tempo. Era a minha testemunha de tantos segredos, de tempos tão felizes. Fechei os olhos e pude voltar no tempo. Era novamente aquela menininha de maria chiquinha nos cabelos, brin-cando com meu primo-irmão (meu amigo, meu confidente, meu cúmpli-ce, meu primeiro amor platônico). Corríamos por aquele quintal com a despreocupação que só as crianças conseguem ter. Passávamos horas em nosso mundo, em nosso esconderijo, onde tudo parecia mágico. Naquela época, o tempo parecia passar mais devagar. Tínhamos todo o tempo do mundo. Podíamos deitar na grama (onde nossa avó colocava as roupas brancas para quarar) e ficar olhando para o céu observando os desenhos formados pelas nuvens, ouvir o som das cigarras e tentar descobrir onde elas estavam, subir nas árvores para pegar uma fruta ou simplesmente ficar ali sentados, rindo de coisas bobas. Mas uma das coisas que mais

A AmoreiraAdriana Oliveira

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gostava era ficar embaixo da amoreira. Como ela parecia gigante, nos pro-tegendo do sol... Sentados ali, saboreando as amoras deliciosas, nem per-cebíamos as horas passarem... Amava quando meu primo subia na árvore para pegar as melhores frutas para mim. Isso me fazia sentir especial, pro-tegida...Algumas vezes ouvíamos a voz de nossa avó gritando “Cuidado com a roupa, porque se manchar não sai mais!” E quem disse que iríamos nos preocupar com isso? Ríamos inocentes ao olhar um para o outro e ver a boca e as mãos toda suja...

Enquanto explorávamos nosso território, nossa avó, com sua saia lon-ga e o avental amarrado na cintura, aparecia na porta, de vez em quando, olhando para o céu para saber se iria chover ou para saber que horas eram. Como era sábia, a nossa avó! Adorávamos ficar por perto quando ela estava ali mexendo no tacho de doce no fogão à lenha. Como o cheiro era delicioso! Ou quando ela puxava a água do poço e ficávamos espe-rando para tomar água geladinha.

Tudo ao nosso olhar era encantado. Todas as coisas feitas por ela eram de forma artesanal, mas fazia com tanto prazer que, para nós, em nossa inocência, tudo parecia ser muito fácil. Ela, à sua maneira, já praticava a chamada reciclagem. Os saquinhos, principalmente os do leite, depois de lavados, ficavam secando no varal. Depois de secos, lá estava ela reco-lhendo um a um, com toda paciência e ia recortando e fazendo novelos. Depois utilizava para fazer tapetes, bolsas. Era tudo tão lindo. A tranquili-dade aparecia também na hora de fazer os alimentos. Lembro-me de uma vez ela me ensinando a descascar a batata. “Tem que ser bem fininho” dizia ela. As cascas também eram sempre aproveitadas. Realmente, à sua maneira, ela já praticava a sustentabilidade. Mas, para nós o que importa-va mesmo era que tudo era feito com todo carinho do mundo.

Meu avô com seu jeitinho manso, ficava ali nos observando, apoiado na enxada descansando, segurando seu chapéu e fumando seu cigarrinho de palha. Depois de um dia de trabalho, gostava de tomar sua branqui-nha, como ele gostava de dizer. E claro, como toda criança, nós também tínhamos nossos momentos de traquinices. Escondíamos a garrafa de branquinha do nosso avô no meio das bananeiras. Meu avô ficava bravo, mas com aquela brabeza que só os avós conseguem ficar. Ríamos muito. Aliás, como era fácil sorrir naquele tempo...como tudo era tão leve...

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Ah! E a noite... era outro encanto... Sabíamos que tinha anoitecido quan-do podíamos ouvir a nossa avó ouvindo a oração Ave-Maria todos os dias as 18h em ponto, em seu radinho de pilha. Nossas noites também eram mágicas. Podíamos ficar observando aqueles pontinhos brilhantes no quintal. Eram os vaga-lumes que vinham nos fazer companhia. Nossas brincadeiras agora eram abrilhantadas pela luz das lamparinas feitas tam-bém artesanalmente ou do lampião, em tempos mais modernos.

A buzina de um carro que passava me fez voltar à realidade. Ainda não havia me recuperado da emoção causada por aquelas lembranças. Tenta-va entender em que momento havia perdido aquela parte da minha vida, quando percebi que alguém me observava. Não demorei muito para re-conhecê-lo. Já não era mais um menino, o tempo havia passado para ele também. Mas algo não havia mudado. Trazia consigo o mesmo olhar cheio de ternura, de cuidado e de cumplicidade. Me senti em casa novamente...

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Minha mãe me contavaque ela bordava

e também crochetavaFazia novelos com linhas

Tiradas dos sacosque ela alvejava

Com os fios e linhas coloridose panos tingidos com pó de café

surgiam lindas toalhasbordadas a mão

com muita perfeiçãoEnquanto isso

belas histórias contavae lições ensinava

com muita sabedoria e amor

Eliana GutierresMinha infância

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Estela Gomes

Espelho

Há muitos anos atrás...Na China um palácio suntuoso.

Um negociante rico e suas mulheres viviam em harmonia.Uma viagem à feira distante ele faria, o que trazer para sua esposa

favorita?Ela pede um pente para os cabelos, mas ele lhe pergunta como se

lembraria do pedido.A mulher responde: - Olhe para o céu e avistando a lua crescente

certamente você se lembrará!Após um mês de viagem e muitas compras na feira, o negociante se lembra de levar o presente à sua esposa... Mas o que era o pedido?

Lembra-se então de que ela havia dito para olhar para o céu. Avistando o sol ao alto, redondo, reluzente, iluminado, procura

algo de formato semelhante na feira e descobre um objeto raro e desconhecido.

De volta a casa e pensando que sua mulher amaria o seu presente, ele o entrega, mas a reação dela o deixa espantado. Ela olha para

seu presente e sai chorando desesperada e triste.A sogra pergunta a ela por que ficou tão arrasada. A jovem esposa

responde que o marido havia trazido outra mulher para casa! A sogra então pede o objeto e observando bem diz para a moça:

- Não se preocupe querida, ele trouxe para casa uma mulher velha e muito feia!

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Samuel Souza de Paula

LUA-SOL PENTE-ESPELHO

Lá, por onde nascem os primeiros raios de sol, o amanhecer e o Oriente, Viviam mãe, mulheres e a favorita...O coração se guia pelo olhar sedento, do autoamor doado, do bem mais perto, até mesmo longe, esquecido, lembradoNo distante em plena viagem, algo de bom pedido, atenderia, se um sinal tocasse o céu, feito estrela de Belém, feito fala-cançãoEla disse, vá meu bem, por um mês, deslumbre os mercados nos negócios dos mundos e recorde que meu presente, feito o brilho crescente, meus cabelos pedem o prateado em pente. Ah, e será minha alegria que encantará o que chama beleza, olhe o que está no céu e saberá meu presente.E naquela noite, olhando o céu, ele partiuHoras, dias, semanas, meses se passaram. Mas, para que sua viagem e poe-ma tivessem rima, existiam saudades, humanidade, amor na lidaPróximo ao retorno-lar, um presente a sua preferida, àquela que aos seus olhos se deitava a mais lindaRepetiu os mesmo gestos, de outrora, olhou pro céu, e era dia, olhe o que está no céu e saberá meu presente.Viu o reluzente astro, não teve dúvida, foi lá e comprou para sua amada, um redondo espelhoEsta ao desembrulhar o presente, chorou, pois além de não ter recebido o que pedira, reclama à sogra que ele havia trazido uma outra A sogra então, ao olhar o presente, diz, sim, é uma mulher, mas ela é velha e feiaNão te preocupes, pois você é linda, jovem e a preferida

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Estela Gomes Fonte do Ibira

puera

Cheiro de mato molhadoNos caminhos do parque

Árvores altasTapete esverdeado

Flores pintam a paisagemNa grande fonte...Águas que bailamFormam imagens

No céu cinzento da cidadeArcos...portais...janelas para o olhar

SorrisoContemplaçãoÁguas claras

Força e belezaInspiram paz.

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Thereza Christina Rosa

No caminho ando desatentaNum instante abro os olhos

Vejo o verde da folhasQue dançam ao vento

Meus verdes olhos acompanhamO bailar colorido das flores sorrindo

Meu dia iluminadoPelas águas caindo do céu.

O caminho dos sonhosPor onde sigo.

Em cada olhar uma surpresaNova flor, nova árvore ...

Pássaros se apresentamCom cores surpreendentes.

Um tricotar sonorouma música original

Com esse encantamentoInicio o meu dia

E sigo meu caminhoSobre lindos tapete de flores

Tecidos pelas árvores.

Meu Caminho

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Belo parque, preferido e amadoPor muitos frequentado

Muitas históriasDe amores e desamoresencantos e desencantos

Sol e lua, dia e noiteDiversidade, acolhimento

Colorido lindoDas flores, dos pássaros, das roupas

Sons que dão vidaDança dos ventos, das árvores, das pessoas

Lago dos cisnes, lago de todosVida em movimento

Sequência de fatos, de cores, de sonsNessa linda imensidão

Parque do IbirapueraEliana Gutierres

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Velho SábioEliana Gutierres

No Tibete em meados do século XIX um velho sábio disse as seguin-tes frases:

_ Olhe para dentro de si e verás o Sol,

- Olhe em volta de ti e verás a Lua,

- Olhe em torno do Sol e verás a tua sombra,

- Olhe através da Lua e verás a beleza do Universo,

- Una o teu coração aos de teus irmãos e te sentirás completo. Terás

o Universo em ti e estarás nele. Gozarás dos mais belos e puros

sentimentos de Amor e Paz.

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O Trânsito pode ser amigo ou inimigo. Tudo depende do ponto de vista, do humor ou pressa do dia a dia. Pude hoje observar grafites; a arte expressa nos muros, como desabafo, denúncia, Indignação. Pessoas cantando ou falando sozinhas. Pessoas interagindo, gentilezas, astúcias, sentimentos e comportamentos diversos. Tudo num flash de segundos. Buzinas, sons di-versos. Tudo num segundo, num mesmo espaço, num mesmo dia; vários fatos ao mesmo tempo. Pessoas dão passagem outras pedem. Baixou o santo do tempo, da ideia, da escrita e a partir disso surgiram dois poemas.

no trânsitoEliana Gutierres

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O tempo que se esperaQue se perdeQue se ganha

Que se acompanhaO tempo de cada um

AtemporalAmoral

Banal ou desigualSensacional

o tempoEliana Gutierres

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Num segundo nasceNum segundo se morreNum segundo se vivem experiências inesquecíveis,Diversas, prazerosas ou dolorosas.Interessantes, desinteressantes,Simples, complexas.

A vida num segundo

Eliana Gutierres

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“Ok! Já estou aqui!”. Nas vezes do tempo, uma sabedoria cintila a vida. Ela acabara de entrar no salão principal das grandes expectativas e seus cabe-los, alvos como a neve no topo do Everest. Uma porta se abre automática e com ela as boas vindas, os sorrisos. “Você está no lugar de gente feliz, posso te ajudar?” “Estou bem, obrigada!” “Ao seu dispor”.

Pegou sua sacola em rodas por marcas e história, era o maior carrinho que vira até então. Liberto de muitos preconceitos cultivados pela idade seguiu com passos altivos e postura de “expert”. Vestiu seus olhos de que-ro-quero e quero-tudo, e um sino interior tocava mais alto do que a mais alta das catedrais: a persistência é bela. A primeira coisa que viu e pegou, como se estivesse no deserto, foram algumas garrafas de água Perrier. Mirtilo, que a fez lembrar o seu primo, e uma massa italiana Trafilata al bronzo. Tudo tão iluminado como se fosse um pedacinho do céu.

Nesse momento não tomou a cerveja orgânica Whitstable Bay, mas adicionou à sua seleção e de antemão sorveu goles de prazer. Escolheu também o azeite de oliva Nature, um enorme filé de salmão tão lindo como as primeiras rosas que na juventude recebera. Em um canto, cheio de encantos, Strudel de chocolate com amêndoas, também foi bem vin-do. Abriu uma espécie de altar e, através dele, nuvens cheias de frescor a envolveram. Sim, o sorvete Häagen-dazs sabor chocolate belga sempre a fazia murmurar.

Ainda cantava quando ajeitou com carinho em seu suntuoso carrinho: manga sem fibras, kiwi, atemoya, romã e toda a generosidade dos mitos rejuvenescedores. Seus olhos pesquisavam feito um radar descobrindo os tesouros que estavam à mostra e que antes eram tão distantes, e suas

No mercadoSamuel Souza de Paula

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mãos acompanhavam como um mantra: isto sim, isto sim, sim, sim, sim. Nutellla, pão italiano, café Kopi Luwak, palmito da Gran reserva, arroz ver-melho Ruzene, biscoito Walkers gotas de chocolate, taco Shells concha, folha de uva, tudo o que tinha e fosse orgânico e até hambúrguer de gi-rassol. Seu corpo agora se movia como uma criança cheia de entusiasmo, um sorriso sutil e sua face num vigoroso corado.

Quando viu o feijão rajado, é este, parecia um pássaro em dedos ala-do. Suas asas abraçavam tudo aquilo que, numa espécie de vida passada, eram bloqueados pela falta de moedas de ouro. E por falar em ouro, de-pois de aconchegar um donuts creme ao lado do Le couvent dês mihimes energizante, não podia faltar o Ferrero Rocher. Pense em alguém feliz, multiplique por 100, é como ela se sentia.

Toca o telefone. “Já chegou! Ok, estou saindo!” Ela encosta o carrinho ali mesmo, sem dizer uma palavra, como alguém que passa por um portal 11:11 e vai ao encontro da filha. “Tudo bem, mãe?” “Sim, estou ótima!” “É verdade vó, você está linda! Agora, vamos passear?”. “Vamos!!!”

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Quando nasci era noite, meu pai não estava presente, Foi na Pauliceia, terra da garoa, naquele que era conhe-cido como “hospital japonês”Naquele ano Elias Canetti recebia o prêmio Nobel de Literatura, e eu uma palmada na bundaPode ser que eu não tivesse, por hora, a visão ampla, uma riqueza de ideiasE o poder artístico do escritor, mas podia jurar que min-ha retina focalizava o SolNão que o representante de quinta grandeza estivesse na sala de partoOu que enfeites natalinos transpassassem as paredes, era simplesmente um dia “El”Hathor, deusa do amor e alegria festejava e eu nu, em um berçário de estrelasAs respirações, alimentos e crescimento do corpo e família me levariam para o ÉdenLembranças de uma periferia intensa, como a Via Láctea do UniversoEntre as muitas decisões e atitudes dos planetas familia-res, conflitos e viagensMeu porto seguro era o telhado, onde poucos subiam e menos ainda ficavamLá minhas lágrimas eram ouvidas, minhas queixas res-pondidas e sentimentos amparadosAh, minha amigas, eu não tinha nenhum brinquedo da estrela, mas era amigo das estrelas

Samuel Souza de Paula

Raios de Sol

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E como elas falavam alto ao meu coração, meus senti-dos flutuavam em tempos misteriososMinha fala repetia fabulações, um apelido de escola: mestre dos magos. Me enchiam a cabeçaMesmo sem saber ao certo, lápis e papel, rabiscava, abraçava livros, namorava bibliotecasE o motivo de tudo isso? Um propósito, um sonho, um mito, algo que expressasse: brilhoInspirar, doce canção, despertar o que existe de melhor, de bom nos miríades de sonhosNos miríades de sonhos

Sunbeam, Shualas-shans, Yángguang, Suraja ki kirana, Sanbimu, Cuaracy-aba, Shá, Shá, Jóhonaa’ei, A’aueek, aueA’aueek, aue

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A Sala. O Solo. A Janela.Palavras flutuam, floridas...Na ala das mil descobertas.Pássaros cantam origens...

Nos galhos dos avós dos avós.Miragens. Perguntas. Imagens.

Profecias. Cladir. Clarear.As pessoas. Os falantes. O texto.A poesia. O poema. A coerência.

Atento ao intento. Histórias.As portas se abrem. Entrou!O que quer dizer o autor?

São beijos escritos ou caricias de amor?

Na aulaSamuel Souza de Paula

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20142014

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Como pequenos acontecimentos durante a nossa infância defi-nem atitudes que aprendemos a apreciar ao longo da vida! Quando a professora nos disse que aquele pequenino grão de feijão, envolto em branco algodão umedecido, dentro do copo americano, transformar-se-ia em uma plantinha, fiquei curiosa. Alegre e esperançosa trouxe para casa o copinho, com a sementi-nha dentro, para observação.

Longos foram os dias até o pequeno broto emergir de dentro do algodão! Sagradamente, ao acordar, a primeira coisa que fazia era correr para a janela da cozinha para verificar se havia nasci-do o tal brotinho. Qual não foi a surpresa, após alguns dias, ver despontar o minúsculo brotinho! Que instigante foi acompanhar, diariamente, aquele pequeno ramo crescer e o surgimento das primeiras folhinhas! Ah... Como foi prazerosa esta descoberta!

Hoje, tenho certeza, que o carinho e amor que dedico às mi-nhas orquídeas surgiram daquele pequenino grão de feijão! Pa-cientemente, cuidar e acompanhar o seu desenvolvimento diário resulta em perfumadas e belas floradas anuais.

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIASueli Satie Mashiba

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Ser brasileiro é ser sonhador É ter esperançaMesmo na dor

Dos índios o povo brasileiro emergiuFazendo de sua arte seu esplendor Tudo devia ser perfeitoPois era o reflexo de seu mundo interiorIsso tudo Darcy Ribeiro contou.

Nascemos sob o espírito das águas claras, Da fauna e da exuberante flora O signo do esplendor

Dos índios, De sua arteSeu trabalho Seu vinhoSeus festejosSua música encantouE a criação de seus filhosNossa identidade marcou.

ser brasileiroCláudia Moreira dos Santos

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Muitas línguas de origem o povo expressouMoradia em cabanas cada um conquistouMas da terra dono ninguém se apossou.A terra era divina isso todos respeitou.

O chefe indígena nunca ordenouO conhecimento era de todosA informação se compartilhouAssim ninguém deteve o poderA informação de geração a geração todos puderam aprender.

Dessa civilizaçãoDessa cultura Herdamos os frutos, a terra, a nobreza de se viverFestejos, brincadeiras, rios e um jeito de viverValores democráticos, de cooperação, de harmonia e de esplendorMas o signo do civilizador aqui adentrou.E Ser Brasileiro é ter esperança de resgatar esse valor.

Inspirado na primeira parte do documentário com base em Darcy Ribeiro “O povo brasileiro – formação e o sentido do Brasil.

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MEU TIPO INESQUECÍVELQuando li Machado de Assis pela primeira vez, eu tinha uns vin-te anos. Foi na Faculdade. Dentre as várias tarefas, tínhamos que ler e fazer um seminário sobre a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Ao ter contato com o início da história, fiquei em choque, um drama se instaurou em mim. Fui sofrendo paulatinamente du-rante a leitura. Confesso que não havia entendido muito bem a narrativa, pois a linguagem machadiana é muito difícil para um leitor iniciante. Aquela linguagem cheia de ironia, de citações, de divagações, de metáforas, de idas e vindas me confundia.

Lembro-me de ter apresentado o trabalho. Mas a diferen-ça veio quando a professora contextualizou e explicou a obra. Aquela aula descortinou um mundo para mim.

Aprendi com Machado como se deu a minha formação de base familiar, pois até então nunca havia parado para refletir. Aquela obra mostrou-me a importância de não passarmos a vida em branco, de termos um projeto e o realizarmos com dig-nidade. Isso é essencial para uma vida plena, pois como se dizia “A vida tem calendário”. Também foi revelador o conto “O es-pelho” desse mesmo autor. O homem diante o espelho, vendo o que realmente lhe vai na alma, foi muito esclarecedor para mim. Trazer para a consciência a importância de não perdermos nossa essência nesse mundo onde vale mais a imagem do que o ser. Isso foi muito instigante. Quem diria que descobriria a lite-ratura em Machado de Assis!

Mesmo admirando-o pelo avesso, Machado foi um tipo ines-quecível pra mim. Minha professora dizia que Machado de Assis não era para ser amado e, sim, admirado. E assim foi.

Cláudia Moreira dos Santos

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Está gravando? Oi, oi, oi. Está gravando? Alô. OK. Vamos começar.

Bom, devo deixar bem claro que esta será a última vez que ouvirão a mi-nha voz, que será a única parte de mim que todos vocês poderão sentir. Esta será a vez em que quero deixar registrado um pouco de mim para que eu possa ter um fio de vida depois que todo o meu corpo parar de funcio-nar. Se fosse possível, deixaria meu espírito preso dentro de um frasco de maionese, dentro de qualquer recipiente que não possua qualquer fresta mínima, pois o que há de mais verdadeiro em qualquer ser humano é sua alma, é o que os olhos não podem ver, mas que o coração pode sentir. E é assim, com este tom melancólico de despedida, que olho para a janela do meu quarto e vejo a cidade, vejo os prédios cobrindo o sol que não con-sigo encontrar, aqui deitado, com canos e fios e esparadrapos cravados em minha pele, não consigo ver o sol que deve estar muito bonito, cor de fogo, assim tão violento e tão triste, anunciando o fim do dia.

RÉQUIEMLeandro Noronha da Fonseca

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Hoje de manhã acordei com a vontade de me arrepender de todas as coisas ruins que fiz contra as pessoas. Conscientemente ou não, vim dei-xando um rastro de tristeza no decorrer dos anos; magoando as pessoas, fazendo com que elas tivessem pouca fé em mim, fui deixando que a con-fiança que todos possuíam por mim fosse diminuía, degradada, e não sem razão comecei a crer que a vida não valia a pena ser vivida, assim, sem cor, sem nada que me agradasse. Percebi o quanto a vida se torna dura conforme crescemos, e temos que tomar cuidado para que não nos tor-nemos pedras, seres inanimados, estáticos, apenas tomando conta de um espaço por obrigatoriedade, por pura e mera sobrevivência. Era tão fácil sentir o vento no rosto nos dias em que eu corria descalço pelos morros, contemplava em êxtase os papagaios coloridos que os moleques contro-lavam com perfeita maestria em cima da laje de suas casas. Brincávamos de pique-esconde à beira do córrego, as moitas, as paredes de tijolo e ma-deira dos barracos e até mesmo os tanques de lavar roupa nos serviam de esconderijo para a brincadeira, até o momento em que nos descobriam, e então corríamos feito loucos pelas vielas, derrubando tudo e qualquer coisa pela frente, e aquele poste, aquele poste velho e coberto por carta-zes de casas para alugar, era o ponto que chegávamos, ofegantes, e então apenas os mais ligeiros e espertos conseguiam ser um dos primeiros, dar uma palmada e gritar “Bati!”.

Sinto-me triste ao pensar que hoje será o último dia, que toda a minha vida, com suas tempestades e calmarias, terá um final ausente de beleza. A morte é como a sombra que nos segue. Não há como nos desvencilhar-mos dela, faz parte da nossa existência, e tudo que existiu, o que existe e um dia virá a existir faz parte deste ciclo covarde que muitos consultam designar de “natural”. Não quero pensar que vivi todos estes oitenta e quatro anos e tudo o que construí se tornará pó dentro desde quarto de hospital, assim, sem beleza alguma, sem a presença de vento, sem o sol que até mesmo a cidade faz questão de esconder de mim. Apesar de tudo, não queria morrer aqui. Queria ter as forças nas pernas para poder subir com dificuldade o morro íngreme apinhado de casinhas simplórias, queria ter vivacidade nos braços para poder acenar a todos os meus amigos e

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vizinhos, poder agradecer a todos toda a felicidade que compartilharam comigo, mesmo sem querer. Quem me dera poder voltar a trepar nas ár-vores e jogar pedra nas galinhas, assustá-las pelo simples prazer em vê-las correr, esbaforidas e assustadas.

O que hoje sobrou de mim está aqui, deitado sobre a cama, com este gra-vador aqui perto, ao lado de uma enfermeira que sorri e mexe em todos os botões deste aparelho que me pareceu bizarro mais do que qualquer outra coisa. A sobra agora aprende a pedir perdão a si mesma e, então, aceitar o perdão. Vejo, agora, que o perdão só toma sentido e efeito quan-do dado à própria pessoa que deseja ser perdoada. É assim que deixo aqui gravado a minha voz, o pouco de minha história e de toda a minha sauda-de da favela, esse lugar que parece causar medo, receio e asco à toda uma cidade, à todo um mundo; a favela não é um mundo dentro do mundo, é parte do universo como um todo. Se fosse para morrer feliz, gostaria de estar ali, junto ao meu povo, deixando de cometer os mesmos erros, aproveitando cada segundo que deixei de lado.

Ana, por favor, desliga o gravador. Já disse o que tinha pra falar.

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Lembrar passou a ser sua profissão. Acordava pensando em sua infância, almoçava ao lado de sua juventude e ia dormir agarrado ao travesseiro dos anos que se foram. Ele gostava de rememorar cada detalhe, cada experi-ência vivida. As horas, os dias, os meses, os anos se escoavam, descuidados, por suas mãos vazias. Ele mantinha-se tão ocu-pado que não tinha tempo para se dar conta que o mundo era outro, que ele menino, que ele jovem já não mais existiam, mas que cada dia era tão novo quanto um olhar de criança.

O PASSADOTarciso Filgueiras

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Levante bem cedo, antes de o dia raiar. Vá até horta da vizinha, apanhe uma dúzia de jilós de tamanho médio, ainda cobertos de orvalho. Cuide para que a Lua esteja em quarto crescente, que é a melhor época do mês para se fazer este tipo de doce.

Chegando a casa, lave os jilós em água fresca (de preferência use água mineral Don Perrier). Usando uma faca ultra afiada, elimine as extremidades e jogue-as no lixo orgânico. Em seguida, divida o que restou no sentido norte-sul, retire o miolo, limpando bem tudo que ficou ainda aderido à casca. Ou seja, no final dessa operação, deve ficar só a casca mesmo. Ferva as cascas durante, pelo menos, umas dez horas seguidas, a 10 graus centígrados, adicionando água bidestilada sempre que julgar necessário. Adicione açúcar mascavo aos poucos, evitando formar bolotinhas. Não saia de perto, senão desanda tudo. Aconselha-se sentar-se numa cadeira confortável e ter à mão um bom livro porque a jornada costuma ser longa. Sabe-se o ponto certo quando as casquinhas, assim lentamente cozidas, se unirem novamente, formando um perfeito jilózinho, pronto para ser deglutido por um paladar refinado.

Serve-se com sorvete de creme ou calda bordalesa. Sal? A gosto!

RECEITA PARA QUALQUER COISA: DOCE DE JILÓ

Tarciso Filgueiras

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Naquele tempo, a gente acordava cedo não porque queria ou porque alguém nos chamava. A gente acordava cutucado por um cheiro irresistí-vel vindo da cozinha. O negócio era pular logo da cama, fazer o que não era possível deixar de fazer, sentar-se à mesa escura, toda recortada e esperar, seguindo cada movimento da casa que acordava. Logo chegava um fumegante cuscuz, recém retirado do banho-maria, coberto com um pano branco. Fatia generosa na tigela esmaltada, leite quente por cima e, coroando tudo, despejava-se óleo de coco catolé por cima. A mistura desses três ingredientes exalava um aroma tão inebriante que fazia todas as lombrigas se revirarem em minhas entranhas. Fiquei para sempre marcado por aquele olor. Talvez ele me acompanhe até o dia do Juízo Final.

Depois, era ir pra escola, sentar no banco duro, copiar, fazer conti-nhas, ler, fazer ditado, recitar tabuada. O recreio era antecedido por um pão doce e um copo de leite, servidos ainda dentro da sala de aula por dona Julieta, bedel, branquinha como farinha de trigo. Em casa, à tarde, brincar no quintal, subir nos arbustos baixos, balançando os pés sincroni-camente, fingindo andar de bicicreta.

– É bicicleta, Ciso! – Alertava a irmã sabichona.– Eu sei! É bicicreta!... – Respondia eu com meus ouvidos moucos. E assim passavam os dias.

Tarciso Filgueiras

infância

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Um dia, o ministro entrou no Paço Real e comunicou a El Rei que doutra banda do Oceano, havia uma grande ilha. Que valia a pena ir até lá inves-tigar se ela tinha alguma coisa de serventia. Chegaram com toda facili-dade, pois o caminho já tinha sido singrado antes, muitas vezes. Quando desceram naquela bela enseada, notaram que a praia estava coalhada de gente. E dentro das matas, então? Centenas, milhares, milhões de gente bronzeada, acobreada, falando um montão de línguas pagãs.

Os forasteiros foram ficando, apossando-se de tudo que lhes desper-tava a cobiça. Derrubavam um pé de pau aqui, arrancavam uma pepita de ouro acolá, fincaram um povoado ali, uma vila acolá, de vez em quando uma escola e sempre muitas igrejas. Como as plantações de cana ren-diam dinheiro, títulos e baronatos, o jeito foi importar material humano da África para enfrentar o eito nas lavouras, já que os nativos, os tais de pele acobreada, era gente bravia, que conhecia os caminhos do mato e desaparecia sem deixar rastro.

Muitas luas depois, alguém notou que os escravizados africanos não eram mais tão importantes assim. Agora havia máquinas que trabalha-vam tanto quanto eles, não reclamavam e não provocavam discursos nem sermões. Mesmo assim, apesar das máquinas, a mão de obra escasseava. Então, grande ideia, os donos da Terra foram novamente buscar gente do outro lado do vasto mar. Chegaram estes tão branquinhos, tão distintos dos africanos negros, mas igualmente famintos, maltrapilhos, ricos de es-perança. Outros, de olhinhos puxados, arrebanhados de mais longe ainda, também aqui aportaram. E essa gente toda vive e labuta aqui. Curioso que todos eles chamam o lugar Mãe gentil, Pátria amada e até Brasil!

IDENTIDADE BRASILEIRA (1)Tarciso Filgueiras

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Às vezes penso que é quase um milagre que haja um país chamado Brasil. Temos tudo para não ser um único país: território imenso, diversidade eco-lógica (clima, relevo, recursos naturais, biodiversidade, etc.), diversidade étnica, diversidade de costumes e até diversidade linguística. No entanto, somos uma só nação. Há países que se desfizeram por muito menos que isso. Uma coisa é manter unido um território como o do Uruguai ou mes-mo Paraguai, coisa diversa é unir Manaus com Porto Alegre, Fortaleza com Cáceres, Guarajá-Mirim e Santa Bárbara do Oeste, Cabrobró e Fraiburgo. Contudo, miraculosamente, nós nos mantemos unidos, como se fôssemos uma colcha de retalhos. Porém que ninguém pense que somos simples-mente uma coleção de retalhos, porque isto nós não somos. Não! Nós for-mamos um tecido que faz sentido, que tem sua beleza própria, seu colori-do, seu fraseado, seus dengues, seus calundus, seu futebol e seu Carnaval.

Não é fácil distinguir o que une esse povo tão diverso. Quem sabe um dos fatores talvez seja a hospitalidade. Esta hospitalidade que se manifesta em tratar excessivamente bem, quase idolatrando, todo estrangeiro que por aqui aparece, mas com especial predileção pelo europeu. Americano, então, vira logo semideus. Se for loiro e tiver olhos azuis, aí não tem pra ninguém. Vai direto para o altar das nossas atenções.

Quem sabe não é nem isso. Talvez seja mesmo nossa criatividade, nossa preguiça, nossa mania de querer resolver tudo da maneira mais fácil, de cortar caminho. Eu, sinceramente, não sei o que é. Mas estou convencido que essa identidade existe, pois ela é reconhecida por quem não é daqui. No exterior, assim que alguém vê um monte de gente com cara de alemão, japonês, peruano, índio, sírio, pele variando do albino ao preto retinto, to-dos rindo e falando alto, logo pergunta com um sorriso matreiro nos lábios:

– Vocês são brasileiros?

IDENTIDADE BRASILEIRA (2)Tarciso Filgueiras

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Por gostar de estudar, por toda a vida sempre houve professores que despertavam a minha admiração. Tal sentimento surgia por aqueles que exigiam mais que o dado como conteúdo da grade. Gostava dos que me desafiavam a explorar com mais profundidade os assuntos que víamos. Nunca me limitei ao dado, minha curiosidade pelo mundo não me per-mitia. Gostava da interação com os colegas e professores. Minha ânsia de saber provocava mais perguntas e muito prazer me proporcionava dividir o conhecimento com outras pessoas, família e amigos.

O saber não deve se encerrar nas pessoas que o detém. Acredito na partilha e espalhamento do que se sabe. E nesse ímpeto, passaram por mim excelentes mestres. A primeira da fila é a Professora Diva, lecionava matemática; que não era exatamente matéria do meu agrado. Passou a ser. Ela tirou de mim o que eu não sabia que existia para a matéria, tanto me envolvi pela sua motivação e interesse em me ajudar que passei a responder as questões em sala de aula, quando perguntada e tirar exce-lentes notas. Antes, de tão tímida nem me manifestar conseguia, quanto mais para responder sobre matemática! Eu a admirava demais, e também me preocupava muito com ela, pois vivia doente; era muito frágil, peque-na, vivia agasalhada e faltava bastante por isso.

Depois, já na faculdade de administração teve o Professor Bareto, de produção, matéria complicada, cheia de meandros como uma teia de ara-nha. Mas ele, com jeito, foi me fazendo resolver aos poucos as dificulda-des, entendo a importância da administração de produção numa empre-sa, como na vida. Era necessário planejar antes de executar. Eu só pensava no resultado. Ele tinha toda razão. Depois de escutá-lo, tudo ficou mais fluente, e na colação, ele me entregou o diploma. Justo.

meu tipo inesquecívelElba Amaral

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Anos mais tarde tive outro professor em Psicologia, na supervisão de Psicanálise - Professor Tiago. Esse me deu mais trabalho. Amava o tema, os atendimentos e a supervisão. Sentia que ele percebia isso, mas com-preendi depois que ele sempre me instigava a estudar mais e mais, como lição continuidade do aprendizado e dinâmica nas emoções. Esperava dele aprovação da minha produção, ele silenciava. Só ao final do curso, na entrega da monografia, recebi um “excelente” e “valeu”. Eu sabia que sabia bem a matéria, mas ainda assim ele exigia além, e além do necessá-rio me dediquei para honrar as pessoas a quem atenderia à época e mais tarde. Pessoas que a mim confiaram seus traumas, dores e amores.

Em Psicopatologia, professora Tania amava tanto seu ofício, que eu me identificava com ela a ponto de perder o medo de estar no Charcot, em meio a tantos Franklin Roosevelt, Superman, sem falar em Deus – que eram muitos; outros embotados e tão sedados que não conseguiam arti-cular palavras, só babavam. Ela me fez respeitá-los e amá-los e ter prazer em cuidar deles, como possível.

Amei homens que admirei, só assim consigo amá-los. Foram inesque-cíveis pela troca que tivemos, pelo respeito na relação, pelo que me en-sinaram de seus valores e até do distanciamento necessário ao término das relações.

Admiro escritores como Dostoievsky, Hemingway, Freud, Gregório de Matos, Clarice Lispector, Agatha Christy, e tantos outros. Gosto assim, sem linearidade. Gosto dos caminhos sinuosos de leituras diversas, dos clássi-cos aos contemporâneos e modernos. Gosto dos contos de investigação policial, que como no ‘setting’ terapêutico, percorro os segredos e tento decifrar ‘o caso’.

Admiro Woody Allen, Quentin Tarantino, Truffaut, Pasolino, Fellini, Má-rio Peixoto, Mazaropi. Admiro Botero e suas esculturas gordas a nos jogar na cara uma estética desprezada. Admiro Aleijadinho e seus tetos e santos tão lindos, ali, jogados numas casinhas num páteo tão desprotegido que me faz chorar. Chorar por comparar às reações frente à arte que se encon-tra no Vaticano ou em Florença ou no Museu do Prado ou no Louvre. Têm mais valor que a nossa? Será nosso complexo de menos valia?

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Inesquecíveis são nossos pesquisadores tentando manter a qualquer custo nossa história na Serra da Capivara, no Piauí. A arquitetura de Pire-nópolis, Paraty, Olinda. Nicolelis e seu projeto no nordeste, em área de extrema vulnerabilidade ensinando crianças a pesquisar. Inesquecível é Antonio Nóbrega - dançarino e educador, há décadas registrando, ensi-nando e mantendo vivas as danças e cantigas do nosso folclore, de todo o país. Inesquecíveis são Neruda, Vinícius de Moraes, Suassuna, João de Melo Cabral.

Meu tipo inesquecível é aquele Fernando Henrique, voltando do exí-lio, em sua palestra no auditório da Folha de São Paulo, no centro de São Paulo, nos meus vinte e poucos anos, cheio de desejos de melhorar o país. Meu tipo inesquecível também é àquele Fernando Gabeira, que encontrei no Arraial da Ajuda - litoral da Bahia, vilarejo ainda não conhecido por tantos, e o Gabeira desfilava com um namorado sueco e um cavalo bran-co, literalmente. E eu carregando Que é isso companheiro?? Não achava um no outro e nem outro num. E ele, nem aí.

Meu tipo inesquecível ensina e aprende, viaja de mochila, de trem ou de avião, repousa em barraca ou em hotéis cinco estrelas. Não costuma gostar de fronteiras para dividir, só quando for para manter a cultura. Mas também tem reservas quanto à globalização. Aprecia a natureza e ama as pessoas, mesmo que elas vivam isoladas, feito Saramago.

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LEMBRANÇAS Elba Amaral

Acabei de ter um vislumbre da minha infância. Remeteu-me à rua da escola, à vendinha na esquina da escola, ao descampado em frente da minha casa, à bananeira no fundo do quintal. Mi-nha amiga Etiene, que na lembrança sobraram o longo cabelo loiro e a sonoridade do nome.

Da escola, veio-me à mente Shirley e suas fofas bochechas. Da vendinha, ‘Seu’ Américo, para quem cantávamos: “Américo buchudo, vendeu sua mulher por um pedaço de miúdo”. Liber-dade dos inocentes! Crueldade falar para um homem, que per-deu sua mulher. Mas a história não brotou de nós, crianças à época, por volta dos seis, sete anos. Veio dos adultos que assim se referia ao dono da mercearia.

Lembro que falavam que ele era muito sovina, e somava-se a isso o fato de que saíamos da escola e como era caminho, parávamos no ‘Seu’ Américo para pedir balas, sem pagar, claro, ele negava e saía correndo, nos espantando. Não à toa, coitado, porque defronte havia sacos e mais sacos, cheios de farinha de mandioca, milho, feijão e outros grãos; mais carne de sol, pés e orelhas de porcos. Não nego, alguns de nós, enfiávamos as mãozinhas nos sacos e atirávamos os ‘secos’ para cima! O que podia ele fazer, pelo amor de Deus!

Tempos felizes! Mas só nesses momentos. Na maior parte dominava a privação. De tudo. Até de alimento. Vida dura de caminhoneiro e costureira, sete filhos. Eram oito, mas um su-cumbiu. Só um. Coisa de gente forte. Forjada na fome. Fama de nordestino. Mito. Acostumada com pouco e pouco reclamar.

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Como minha mãe dizia: ‘Barriga não tem boca, ninguém preci-sa saber que tem fome.’ A aparência enganava. Vestidinho de chita, floridinho, para o dia-a-dia. Porque domingo usava léze (laise). Aquele algodãozinho bordadinho. Herança de irmã mais velha. Vantagem de família grande. Qual quê?

Hora de migrar. Está marcado. Sina de quem é de lá. Descer pro Sul. Mas a regra é descer aos poucos. Primeiro pai, e se der sorte ele não some. Aí ele arruma emprego, aluga cortiço e cha-ma um a um. Quem fica por último, dança. Lamenta. Poucos ficando, dinheiro pouco entra. Vontade danada de ir embora e medo do que lá vai encontrar.Tristeza pelo que fica, mesmo que miserável.

Migração feita. Desapontamento. Mesma dureza. E pior, gente falando esquisito e rindo do meu falar. Que vergonha! Falava confeito em vez de bala, e só risada. Melhor calar. Calei, ouvi e aprendi. (Hum... será daí a descoberta da psicologia, anos mais tarde? Mesmo que a primeira formação tenha sido admi-nistração, auditoria, análise de sistemas, álgebra boleana, que pagou minha vida, mas não preencheu o vazio?)

Deu bozo, passou. Passou o tempo, muito tempo, voltei para rever, mas nem revi, nem reencontrei o que deixei. Nem minha casa, nem ‘Seu’ Américo, nem Dona Angélica – mãe do açou-gueiro, nem Dona Penha - a única com televisão. Chorei. Esque-ci que emoções e sentimentos pertencem ao momento. Não se resgata. Resta a lembrança com muita gratidão. Saudade, não.