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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE – FDR
O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E A CELERIDADE DA
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
PERNAMBUCO
LUCAS PAES BARRETO ARRAIS
Recife, 2017
LUCAS PAES BARRETO ARRAIS
O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E A CELERIDADE DA
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
PERNAMBUCO
Recife, 2017
Monografia Final apresentada como
requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito pela UFPE.
Áreas de Conhecimento: Direito Processual
Civil, Processo Eletrônico, Administração
da Justiça.
Orientador: Prof.º Frederico Augusto
Leopoldino Koehler
RESUMO
A informatização do processo civil tomou de assalto o Judiciário brasileiro, e anunciou
a chegada de uma nova era de celeridade do trâmite processual. Mas, embora boa parte
das unidades jurisdicionais do país já opere sob os auspícios do Processo Judicial
Eletrônico (PJE), a sociedade continua a perceber a Justiça como sendo lenta e
ineficiente. Buscando fundamentação em dados de produtividade obtidos junto ao
Tribunal de Justiça de Pernambuco, apresentamos aqui o argumento de que o PJE é uma
inegável evolução no âmbito da prestação jurisdicional, mas que não atinge seu pleno
potencial por deficiências em sua gestão.
PALAVRAS-CHAVE
Processo Eletrônico. Processo Judicial Eletrônico. Administração da Justiça.
Sumário
1. Introdução ..................................................................................................................... 1
1.1 Judiciário, TI, e a evolução para o processo eletrônico .......................................... 1
1.2 O congestionamento processual e os objetivos do processo eletrônico .................. 3
1.3 Objetivo, escopo e metodologia do trabalho .......................................................... 5
2. O processo judicial físico ............................................................................................. 8
2.1 Apresentação ........................................................................................................... 8
2.2 Atos executados pelas partes .................................................................................. 9
2.3. Atos executados pelo gabinete ............................................................................. 10
2.4. Atos executados pela secretaria ........................................................................... 10
2.5. As vantagens do processo judicial físico: familiaridade e manuseabilidade ....... 11
2.6. Desvantagens do processo judicial físico. ........................................................... 12
2.5.1 Existência corpórea. ....................................................................................... 12
2.5.2 Singularidade. ................................................................................................. 14
2.5.3 Fragilidade. ..................................................................................................... 14
2.5.4 Insustentabilidade. .......................................................................................... 15
2.5.5 Corruptibilidade. ............................................................................................ 15
3. O processo judicial eletrônico .................................................................................... 17
3.1 O PJE .................................................................................................................... 18
3.2 Vantagens do PJE. ................................................................................................ 19
3.2.1 Disponibilidade. ............................................................................................. 19
3.2.2 Celeridade....................................................................................................... 20
3.2.3 Integridade. ..................................................................................................... 22
3.2.4 Sustentabilidade. ............................................................................................ 23
3.2.5 Resiliência. ..................................................................................................... 23
3.2.6 Acessibilidade. ............................................................................................... 24
3.3 Desvantagens do PJE. ........................................................................................... 24
3.3.1 Representação imperfeita do processo civil ................................................... 24
3.3.2 Barreira tecnológica. ...................................................................................... 26
4. Comparativo entre a tramitação de processos físicos e eletrônicos no TJPE em 2014 e
2015. ............................................................................................................................... 28
4.1 Apresentação da metodologia utilizada. ............................................................... 28
4.2 Apresentação dos indicadores utilizados. ............................................................. 30
4.3 Relatório dos dados coletados. .............................................................................. 31
4.3.1 Tempo médio entre um despacho e a próxima conclusão .............................. 31
4.3.2 Tempo médio entre o ajuizamento e a sentença. ............................................ 34
4.4 Análise .................................................................................................................. 37
4.4.1 O usuário imperfeito....................................................................................... 39
4.4.2 O sistema imperfeito ...................................................................................... 39
5. Conclusão ................................................................................................................... 41
6. Bibliografia ................................................................................................................. 42
1
1. Introdução
1.1 Judiciário, TI, e a evolução para o processo eletrônico
O relacionamento do Judiciário brasileiro com a Tecnologia da Informação (TI)
pode ser descrito como ambivalente. Em alguns momentos, as benesses da
informatização são louvadas como panaceias universais: elas solucionarão a folclórica
lentidão processual, livrarão as partes de se deslocarem aos fóruns, salvarão o meio
ambiente com a eliminação do papel, substituirão juízes e advogados, aumentarão a
produtividade e, acima de tudo, diminuirão custos. Mas essa lua-de-mel só parece durar
até o momento em que os sistemas informáticos começam a ser implantados. Daí para a
frente, é como se essas vantagens desaparecessem. A realidade impõe as inevitáveis
instabilidades e falhas de projeto, somadas à resistência de órgãos jurisdicionais e dos
causídicos em abraçar as mudanças organizacionais indispensáveis o sucesso da
informatização. No final, a aparência que fica é de que o Judiciário é inábil em traduzir
os vultosos investimentos feitos em TI numa melhor prestação jurisdicional.
A bem da verdade, essas frustrações são comuns. Em muitas organizações a
relação entre TI e gestores é de constante tensão. Há uma gama de disciplinas auxiliares
destinadas a compatibilizar expectativas e resultados de um processo de
informatização.1 No Judiciário, contudo, as apostas são muito mais altas do que em
qualquer empreendimento privado. Em vez do lucro dos acionistas, o que está em jogo
são os direitos daqueles que buscam a tutela estatal. Há muitos casos de empresas que
incorporaram a informatização com extremo sucesso, multiplicando o seu faturamento
ao mesmo tempo em que otimizaram seus fluxos internos. Por que o mesmo não poderia
acontecer com o Judiciário, que possui tão importante função social? A cristalização
desta esperança se dá no processo eletrônico, que promete revolucionar a Justiça.
1 Destas disciplinas destaca-se o gerenciamento de projetos, cujo principal padrão é o Project
Management Body of Knowledge (PMBOK), publicado periodicamente pelo Project Management
Institute (PMI), ao qual se remete o leitor interessado.
2
A interseção entre TI e o Judiciário não é recente -- ela teve início na esteira da
popularização dos computadores dos anos 1970 e 80. A tendência nas organizações da
época era a centralização das operações de informática em “departamentos de
processamento de dados” – que inevitavelmente também vieram a surgir dentro dos
tribunais. Muitos deles desenvolveram, de forma independente, sistemas de
acompanhamento processual, cuja intenção em princípio não era substituir os autos de
papel, e sim proporcionar um maior grau de sanidade à organização de varas, gabinetes
e distribuidores, tradicionalmente feita a papel e caneta. Desses sistemas, uma parcela
evoluiu de modo a dar suporte mais direto às atividades cartorárias, oferecendo a
impressão de carimbos de juntada e de conclusão, e também de expedientes como
alvarás e cartas.2 Esses sistemas, que representam os embriões dos atuais sistemas de
processo eletrônico, ainda hoje existem e são operados -- em alguns fóruns eles
continuam a ser tão cruciais que sua indisponibilidade é razão para a suspensão de
prazos processuais.3
Esta marcha orgânica de informatização, tocada inicialmente de forma quase
mambembe por técnicos versados em programação, mas pouco conhecedores do direito,
veio incorporando as inovações tecnológicas surgidas desde sua concepção até a
atualidade. O desenvolvimento dos scanners, da Internet, da criptografia assimétrica e
do armazenamento de alta capacidade abriu novas fronteiras para a TI dentro do direito.
A culminação deste fenômeno é o processo inteiramente eletrônico.
2 PEREIRA, S. Tavares, KRAMMES, Alexandre Golin. Processo Judicial Eletrônico e Agentes
Automatizados. In: ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos
sobre E-Justiça. Florianópolis: Deviant, 2016, localização 9279. 3 Exemplo disto é o publicado em 06/12/2012 no Diário de Justiça Eletrônico de Pernambuco:
“CONSIDERANDO a ocorrência de problemas técnicos na rede elétrica que atende aos sistemas
informatizados do Poder Judiciário de Pernambuco, indisponibilizando para a população e para os
usuários internos, os sistemas Judwin, PJe, DJe, “Sistema de Arrecadação de Custas Extrajudiciais”,
Portal do TJPE e todos os links vinculados, Antecedentes Criminais etc; (...) RESOLVE: Art. 1º -
Suspender todos os prazos processuais, no âmbito do Poder Judiciário de Pernambuco, no período de
03, inclusive, a 04 de dezembro de 2012.”
3
1.2 O congestionamento processual e os objetivos do processo eletrônico
O processo eletrônico é hoje a ponta-de-lança do fenômeno maior da
informatização do Judiciário. Ele traz consigo o potencial para os avanços já
mencionados nesta introdução -- maior conveniência e menor custo financeiro e
ambiental. Mas acreditamos estar com a razão quando afirmamos que a expectativa
maior da sociedade é quanto ao impacto do processo eletrônico nos tempos de trâmite
processual. A morosidade da nossa Justiça, além de desmoralizante, é causa de nefastas
incertezas sociais e econômicas.
A vagarosidade processual não escapa à atenção dos órgãos responsáveis. O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a máxima instância administrativa do Judiciário,
frequentemente lança iniciativas visando agilizar a prestação jurisdicional. A mais
conhecida é a definição de Metas Nacionais anuais, que estabelece, como o nome diz,
metas de produtividade para cada instância deste poder. Em verdade, o CNJ passa a
impressão de ter como função principal solucionar o congestionamento processual,
dado o número de comissões internas cujas funções guardam relação com o problema.4
Não se pode afirmar, portanto, que não haja zelo do poder público no trato da
morosidade. O que se questiona é: ela é tratada também de forma eficaz? E como o
processo eletrônico se insere nisto?
O CNJ também publica anualmente o relatório Justiça em Números, composto
de uma infinidade de estatísticas extraídas dos bancos de dados de todos os tribunais
brasileiros. O relatório pinta um retrato detalhado da realidade do Judiciário, e serve
como guia para as ações do Conselho. Talvez o indicador que condensa melhor a árdua
tarefa de gestão do CNJ seja a taxa de congestionamento, obtida através de um cálculo
simples: a divisão entre processos novos e processos pendentes, sendo esse resultado
4 Das seis comissões permanentes do CNJ elencadas em (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
2017), ao menos quatro delas (Acesso à Justiça e Cidadania, Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas,
Tecnologia da Informação e Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento) têm entre seus objetivos o
acompanhamento, controle ou estímulo à produtividade jurisdicional.
4
subtraído de 1. O resultado é expresso em uma porcentagem: 0% indica que as unidades
jurisdicionais extinguem exatamente o mesmo número de processos que recebem, e
uma porcentagem negativa expressa que há mais processos sendo extintos do que
distribuídos (o cenário ideal). Matematicamente, a taxa não pode atingir 100% -- isto
significaria que há infinitos processos pendentes (algo felizmente impossível, espera-
se).5 Em 2015, a taxa de congestionamento foi apurada em 72%, o que significa que
quase quatro vezes mais processos foram ajuizados do que julgados naquele ano.6 A
taxa cresceu meio por cento em relação a 2014,7 e desde o início da série histórica, em
2004, tem gravitado próxima aos 70%.8 Em suma: por mais de uma década os esforços
do CNJ pouco contribuíram para diminuir o congestionamento do Judiciário.
Anteriormente, apresentamos um panorama de informatização onde cada
tribunal criou sua própria solução de maneira independente. A consequência lógica da
falta de direcionamento centralizado para o desenvolvimento desses sistemas é a
incompatibilidade mútua entre eles. Resultam daí complicações de ordem processual e
administrativa. Podemos citar, como exemplos, a impossibilidade de remeter processos
em grau de recurso às instâncias especiais e a exacerbada complexidade na coleta e
consolidação de estatísticas dentre sistemas diferentes entre si. A atualidade exige
integração completa entre os órgãos do Judiciário, e é com vistas a reparar esta falha
que o CNJ idealizou o Processo Judicial Eletrônico (PJE).
O PJE é, resumidamente, o sistema de processo eletrônico chancelado pelo CNJ
para implantação em todo o Judiciário nacional. O seu objetivo principal, tal como
descrito na página do CNJ, é “manter um sistema de processo judicial eletrônico capaz
5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2016 (ano base 2015), 2016.
Disponivel em:
<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf>.
Acesso em: 04 mar. 2017 6 Idem.
7 Idem.
8 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Taxa de congestionamento diminui em algumas instâncias
do Judiciário, 2009. Disponivel em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/67221-taxa-de-congestionamento-
diminui-em-algumas-instancias-do-judiciario>. Acesso em: 04 mar. 2017.
5
de permitir a prática de atos processuais (...) independentemente de o processo tramitar
na Justiça Federal, na Justiça dos Estados, na Justiça Militar dos Estados e na Justiça do
Trabalho”.9 Ou seja, o CNJ vislumbra o PJE como a solução única para todo o
Judiciário, em todas as instâncias.
No decorrer deste trabalho tentaremos responder à pergunta: o objetivo
declarado do PJE está alinhado com as expectativas da sociedade? Não deveria haver
maior foco na celeridade processual? Embora o CNJ perceba as contribuições
potenciais do PJE neste aspecto, é surpreendente que ele não esteja em posição de
destaque. A unificação dos sistemas do Judiciário é uma meta inatacável, que sem
dúvida renderá frutos em termos de inteligência organizacional para este poder.
Entretanto, o congestionamento nos parece ser uma mazela que necessita de solução
muito mais urgente, uma vez que os próprios relatórios do CNJ comprovam a sua
estagnação ou piora. Acreditamos que mais sensível aos anseios dos jurisdicionados
seria eleger do aumento da celeridade processual como objetivo fundamental a ser
perseguido pelo PJE. É perfeitamente possível que a atual estratégia de unificação do
CNJ redunde na diminuição do congestionamento, ainda que de modo reflexo, e a
verificação desta hipótese é uma das metas deste trabalho.
1.3 Objetivo, escopo e metodologia do trabalho
A doutrina é pacífica ao afirmar que o processo eletrônico necessariamente
acelera o trâmite processual.1011
Estudos realizados em vários Judiciários estaduais
9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Processo Judicial Eletrônico (PJe), ND. Disponivel em:
<http://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao/processo-judicial-eletronico-pje>. Acesso em: 04 mar.
2017. 10
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo Resende. Elementos para uma teoria do processo em meio reticular-
eletrônico. In: ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-
Justiça. Florianópolis: Deviant, 2016, localização 8134. 11
SICA, H. V. M. Comunicação Eletrônica dos Atos Processuais, ND. Disponivel em:
<https://www.academia.edu/17569465/2012_-
_Comunica%C3%A7%C3%A3o_processual_eletr%C3%B4nica>. Acesso em: 08 abril 2017.
6
confirmam a maior celeridade imprimida pelo processo eletrônico.12
Nossa investigação
visa esclarecer: teria a implantação do PJE deixado o trâmite processual mais rápido, a
despeito de não ser esse seu principal objetivo? Ou será que, desafiando o senso
comum, a tramitação eletrônica é mais lenta do que a do processo físico? Poderia o CNJ
ter desperdiçado uma grande oportunidade ao não priorizar o combate ao
congestionamento processual, relegando-o a uma meta secundária do PJE?
É claro que a abordagem do PJE na esfera nacional com a profundidade que
desejamos foge ao escopo de um trabalho de conclusão de curso. Nosso limite será o
PJE tal como implantado nas sessenta e oito varas cíveis do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, no ano compreendido entre 1º de outubro de 2014 e 30 de setembro de
2015 -- período este em que foi possível distribuir tanto processos eletrônicos quanto
físicos, à escolha do causídico. Compararemos as velocidades de tramitação de ambas
as modalidades com base em dois índices principais: o tempo médio entre uma
devolução de conclusão e a próxima conclusão, e o tempo médio entre o ajuizamento de
um processo e sua sentença. O objetivo é aferir, quantitativamente, se tanto o trabalho
de secretaria quanto o trâmite completo de um feito foram beneficiados pela
implantação do PJE.
Para que fiquem evidentes os avanços trazidos pelo processo eletrônico em
matéria de redução de tarefas, primeiramente apresentaremos o processo físico tal como
ele é conduzido pelas varas do TJPE atualmente, evidenciando suas qualidades e
defeitos. Após, passaremos ao processo eletrônico, procurando demonstrar suas
vantagens e desvantagens em relação ao físico. Queremos, com isso, realçar o enorme
avanço representado pelo processo eletrônico, que é justificadamente chamado de
revolucionário. Depois, seguiremos para a exposição e análise dos índices já
12 ROTTA, Maurício et. al.. O processo judicial eletrônico e a aceleração processual. In: ROVER, A. J.
(Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-Justiça. Florianópolis:
Deviant, 2016, localização 10167.
7
explanados, objetivando esclarecer se o PJE vem rendendo resultados práticos em
matéria de celeridade, em consonância com o previsto pela doutrina.
Também apresentaremos algumas especulações quanto às razões que
redundaram nos resultados anteriormente expostos. Queremos, com isso, meramente
sugerir caminhos para o prosseguimento da pesquisa – a presente monografia não inclui
entre seus objetivos a exploração exauriente das causas dos resultados obtidos na
pesquisa de campo. O acréscimo desta matéria inflaria demasiadamente seu escopo.
Por fim, o presente trabalho também visa prestar uma pequena contribuição ao
Judiciário-administrador. Embora a gestão deste poder caiba aos juízes, o assunto é
paradoxalmente pouco abordado nos cursos de direito. O bacharel que opta pela
magistratura se vê obrigado a assumir uma unidade jurisdicional desconhecendo noções
básicas de administração, tendo apenas sua intuição como guia para organizar as
atividades operacionais de secretaria e gabinete. Isto se propaga até os níveis mais altos
de gestão dos tribunais, onde boa parte dos desembargadores e ministros passam ao
largo do dia-a-dia administrativo e terminam por delegar decisões críticas a
assessores.13
Este cenário não pode prosperar por mais tempo. Com a crescente
litigiosidade e as novas exigências trazidas pela revolução digital que vivemos, se faz
urgente que o juiz-administrador incorpore habilidades multidisciplinares para além do
direito -- em especial aquelas oferecidas pela TI. Só assim ele poderá atender às
necessidades de uma sociedade cada vez mais carente de prestação jurisdicional rápida,
eficaz e plena.
13 SILVA, C.D.F apud SEWALD JUNIOR, Egon et. al. Modelagem do Conhecimento na Administração
Judiciária. In: ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-
Justiça. Florianópolis: Deviant, 2016, localização 3696.
8
2. O processo judicial físico
2.1 Apresentação
Tradicionalmente, os processos judiciais brasileiros tomam a forma física. A
sequência de atos processuais é representada através de páginas acondicionadas em
volumes, criando uma sequência cronológica, começando na petição inicial e
prosseguindo até o arquivamento definitivo. O processo vai crescendo conforme as
partes juntam petições, o órgão julgador exara decisões, e a secretaria emite expedientes
e certidões.
A lei brasileira prevê os autos eletrônicos, mas presume o uso do papel -- há
referências a “rubricas” e “folhas” no Código de Processo Civil. Os tribunais também
possuem competência residual para regular a forma dos processos que por eles
tramitam, desde que essas determinações não conflitem com as leis que tratam do
assunto.
Para que possamos entender o impacto causado pelo PJE nas atividades
cartorárias e judicantes, é preciso primeiramente esmiuçar as tarefas executadas pela
secretaria e pelo gabinete. Veremos que a influência do PJE não é uniforme: certas
atividades continuam como são há décadas, enquanto outras foram totalmente
suprimidas pelo processo eletrônico. Através dessa exposição é que poderemos entender
onde reside o potencial de ganhos em celeridade oferecido pela informatização.
Sabemos que o processo civil brasileiro dá guarida a um sem número de
atos: são incidentes, recursos, procedimentos especiais, exceções, infinitos caminhos a
serem seguidos durante a marcha processual. É inviável -- e até improdutivo -- que
nossa comparação esgote todos esses meandros. Em nome da praticidade (e da
sanidade), buscamos aqui um processo “médio”, que represente aqueles atos mais
comuns nos feitos que hoje tramitam no Judiciário. Portanto, o exame feito nas seções
seguintes se restringirá às seguintes atividades procedimentais: ajuizamento, audiência
de conciliação, contestação, réplica, audiência de instrução e julgamento, sentença,
cumprimento de sentença, depósito/bloqueio e liberação de valores e arquivamento
definitivo, e também às respectivas citações e intimações através de cartas e mandados.
9
2.2 Atos executados pelas partes
A parte autora é a responsável por dar início à marcha processual, através
de seu ajuizamento. Na prática, ele acontece com o comparecimento do advogado ou de
um assistente ao fórum apropriado, onde são entregues a petição inicial e a
documentação que instruirá a demanda. Um servidor então registra o novo processo
através de um livro de tombo (que hoje é virtual), distribuindo-o para a vara sorteada
(ou para a vara única da comarca). Recebido o processo e verificando-se a
conformidade da inicial, é determinada a citação da parte ré.
Após, ambas as partes far-se-ão presentes na audiência de conciliação. Em
sendo esta infrutífera (ou não ocorrendo), a parte ré apresentará sua contestação,
também comparecendo ao fórum e protocolizando sua resposta. Mais uma visita de
ambas as partes ao fórum pode ser necessária para a audiência de instrução e
julgamento.
Sentenciado o processo e havendo o trânsito em julgado, a parte credora dá
início à fase de cumprimento de sentença através de petição. Depositados os valores
devidos em juízo, ou sendo eles obtidos através de bloqueio judicial, a parte novamente
comparece ao cartório para receber os alvarás correspondentes, e o processo é enfim
arquivado.
Observando os atos processuais que cabem às partes, percebemos que o
deslocamento físico se faz necessário em quase todos eles. Toda petição protocolizada e
toda audiência realizada representam uma ida ao cartório, tanto para o autor como para
o réu. O percurso do trajeto entre fóruns e comarcas demanda parcela considerável do
tempo do advogado, tempo este que poderia ser melhor gasto elaborando peças para o
cumprimento dos despachos – o que quase sempre só ocorre na data limite. É factível
imaginar que, em havendo tempo hábil, muitos advogados peticionariam bem antes do
final dos prazos, agilizando assim a marcha processual.
10
2.3. Atos executados pelo gabinete
A atividade do gabinete, embora intelectualmente complexa, é simples do ponto
de vista mecânico. Podemos dividi-la em duas categorias: atos escritos (despachos,
decisões e sentenças) e condução de audiências.
Os atos escritos são os mais corriqueiros. Após a leitura do processo, o assessor
ou juiz elabora o despacho, decisão ou sentença e devolve os autos à secretaria. Se o ato
tiver sido praticado pelo assessor, há os passos extras da conferência e da assinatura por
parte do juiz.
2.4. Atos executados pela secretaria
Os atos de secretaria são os que, disparadamente, mais requerem atividade
mecânica para o trâmite processual.
Note-se que fazemos referência aos atos necessários para o trâmite processual.
É inegável que, em certas categorias de ações, as partes terão que despender esforço
muito maior do que os servidores da secretaria. Contudo, esse esforço não é
indispensável ao trâmite processual, uma vez que o feito marchará inexoravelmente para
o seu fim independente da manifestação de uma das partes. Já certos atos da secretaria –
a expedição de uma citação, a publicação de um despacho, a conclusão após o decurso
de um prazo – são imprescindíveis para que o processo chegue ao seu deslinde.
São essas, aliás, as três categorias de atividades que as secretarias realizam: a
expedição de documentos, a publicação de atos do gabinete e a conclusão dos autos.
Os documentos expedidos pela secretaria são inúmeros. Dentre eles, podemos
contar alvarás, editais, mandados, ofícios, certidões e cartas. Cada um desses
documentos possui suas próprias subcategorias, totalizando dezenas de expedientes
possíveis de serem elaborados. Para facilitar sua feitura, muitas secretarias do Judiciário
mantêm modelos eletrônicos em pastas compartilhadas, que servem de base aos
expedientes mais comuns, restando ao servidor somente completá-los com as
informações específicas de um processo. Esta atividade é simples e repetitiva, sendo
11
alvo preferencial para eliminação quando da transição para o processo judicial
eletrônico.
Com a extinção dos diários de justiça impressos e a subsequente adoção da
modalidade eletrônica (o DJE), o procedimento de publicação dos atos de gabinete foi
sensivelmente simplificado. Muitos sistemas de acompanhamento processual geram
automaticamente um documento com a pauta a ser publicada, ou mesmo a lançam
diretamente no DJE do próximo dia útil. Mas há uma inconveniência inerente ao
processo físico que não é contornada: é necessário que o serventuário verifique, em cada
um dos autos despachados e pendentes de publicação, quais os advogados que estão
representando as partes naquele momento. É preciso verificar, petição por petição, se
não houve mudança no patrocínio da causa, para que a intimação, automática ou não,
não seja feita em nome de um advogado que já não mais participa do feito -- o que
acarretará nulidade absoluta de atos que venham a ser praticados após essa intimação.
Este procedimento de verificação visual e manual demanda tempo e atenção
consideráveis, que aumentam proporcionalmente ao tamanho dos autos a serem
examinados. É tarefa desgastante e propícia a equívocos de consequências graves.
Por fim, cabe também a secretaria fazer os autos conclusos ao juiz quando todas
as suas determinações houverem sido cumpridas. Embora pareça ato despido de
quaisquer complexidades, a verdade é que certos procedimentos judiciais demandam
rigor na avaliação quanto a um processo estar apto a ser concluso. Exemplo disso é a
usucapião, que via de regra exige despachos determinando a expedição simultânea de
muitos mandados (aos confinantes) e ofícios (às autoridades municipais, estaduais e
federais). Uma conclusão equivocada nesses casos, apesar de ser erro reversível, pode
resultar em confusão e perda de tempo para as partes e para o próprio juízo.
2.5. As vantagens do processo judicial físico: familiaridade e
manuseabilidade
Os autos de um processo possuem forma milenar: volumes de papéis
encadernados. Praticamente todos os membros da sociedade moderna convivem com
12
escritos em papel desde seu nascimento. A familiaridade com esse tipo de mídia é
embutida na formação humana contemporânea.
Embora pareça simplório, a desnecessidade de orientar o operador do direito (e
mesmo o leigo) quanto ao manuseio dos autos físicos é vantagem que não se pode
ignorar num contexto de informatização da Justiça. O processo eletrônico demanda
treinamento neste sentido, o que seria absolutamente supérfluo se aplicado aos autos
físicos. Para além da familiaridade, as páginas de papel possibilitam o uso de artifícios
de navegação, por assim dizer, que são conhecidas de todos:
Dobrar uma página para marcar um documento para posterior consulta;
Sinalizar eventos importantes do processo através de notas adesivas nas
bordas das páginas;
Usar marca-texto para destacar trechos de interesse;
Desencadernar as folhas para organizá-las arbitrariamente em uma
superfície, de modo a melhor visualizar o estado do processo, dentre
outros.
A instantaneidade de navegação é característica ainda inimitável do processo
físico. Ela permite idas e vindas imediatas pelos autos. Da sentença é possível passar de
pronto à contestação, e desta pode-se pular para a apelação, ou voltar para uma certidão
de intimação, ou para o questionamento de uma das partes, tudo em questão de
centésimos de segundos. Esta habilidade é quase instintiva àqueles que, alguma vez na
vida, pesquisaram por informações em um tomo. Seu uso correto traz impactos
positivos nas cognições e nas produtividades do magistrado, do advogado e do servidor.
O processo eletrônico tenta emulá-la, ainda sem sucesso.
2.6. Desvantagens do processo judicial físico.
2.5.1 Existência corpórea.
Por óbvio, os autos físicos ocupam espaço, exigindo armazenamento adequado.
Além disso, o processo não possui limite máximo de volumes. Enquanto não for
arquivado em definitivo, ele pode crescer com poucas restrições. A consequência
prática é o agigantamento dos autos das ações de maior complexidade. Há notícia de
13
processos com vinte mil páginas, distribuídas por setenta volumes.14
Decorrem daí
múltiplas complicações:
Processos não possuem índice. Logo, a busca por determinado
documento torna-se excessivamente demorada. Há que se confiar na
memória dos advogados e dos servidores, que intuem (de forma quase
mágica) quanto à localização de uma petição ou de um despacho.
O deslocamento dos autos exige esforço redobrado, tanto internamente
às dependências do cartório quanto para remessas carga a advogados,
Ministério Público e afins. É comum o uso de pequenos (e grandes)
14 Considere-se como exemplo esta decisão publicada em 17 de janeiro de 2017 no Diário de Justiça
Eletrônico do TJPE, respondendo a um pedido de carga dos autos: “(...)O mencionado pedido, apesar de
estar completamente amparado no art. 7º da Lei n.º 8906/94, e, especificamente, no art. 183, parágrafo
1º do Novo Código de Processo Civil, deve ser analisado, à luz do contexto peculiar do processo n.º
0083601-96.2013. Trata-se de uma das maiores ações de recuperação judicial do Norte e Nordeste do
país, e, atualmente dispõe de 66 volumes, onde se encontram habilitados, nos autos, cerca de 190 (cento
e noventa) advogados, dos quais 113 (cento e treze) com OAB de outros Estados. No início da tramitação
deste processo, havia mais de 3.655 credores trabalhistas, da Classe I; 04 credores com garantia real, da
Classe II e mais de 7.000 credores quirografários, da Classe III. Atualmente, esse número se multiplicou.
Além disso, há, no momento, vinculados ao presente feito, 65 ações de impugnação de crédito, apensas
ao processo principal (n.º0083601-96.2013), sem contar com as habilitações retardatárias, as quais
diariamente ingressam neste Juízo. É notório que, diariamente, esse processo é consultado mais de uma
vez, em cada turno da Vara (Seção A e B), de modo que há, até, uma dificuldade para a própria
Secretaria dessa unidade judiciária cumprir com as determinações judiciais (intimações, publicações,
por exemplo), inclusive as que possuem caráter de urgência (mandados, alvarás e outros). Não podemos
olvidar que, usualmente, durante a tramitação do feito, há, também, a necessidade de se proferir
decisões, em caráter de urgência, ou, até mesmo prestar informações dentro dos prazos solicitados pelos
Tribunais, inclusive os Tribunais Superiores, cujos frequentes recursos necessitam da devida celeridade.
Registre-se que, se for concedida a carga dos autos, conforme petição de fls.20542, principalmente dos
15 últimos volumes, em princípio, cada um dos cerca de 10.650 credores habilitados, neste feito, também
terá o mesmo direito, por meio de seus advogados. Questiona-se: como seria a tramitação deste feito
diante desse cenário? Vale ressaltar, igualmente, que, até hoje, durante o tempo em que foi interposto a
presente ação (08.10.2013), nenhum de seus volumes foi alvo de carga, sequer para o próprio
Administrador Judicial ou mesmo para a empresa recuperanda, posto que os próprios advogados, que
militam perante este processo, compreendem e tem sensibilidade com relação a natureza delicada da
situação, e, manuseiam o processo na própria Vara, trazem, inclusive, seu próprio scanner ou tiram
cópias dos autos no próprio Fórum. Se for deferida a carga destes autos para a Fazenda Nacional,
inclusive com o prazo privilegiado que a Lei lhe confere, não se estaria, sob uma perspectiva
constitucional, violando a prerrogativa dos cento e noventa (190) advogados, que militam neste feito, de
ter vista dos autos, inclusive para solicitar medidas urgentes porventura a existir? Não estaríamos, aqui,
diante de uma colisão de direitos? (...)”
14
carrinhos de mão nos corredores dos fóruns, pondo à prova o preparo
físico dos operadores do direito.
Nem todos os fóruns desfrutam de grandes espaços de armazenamento.
A manutenção de papeladas tão volumosas pode exigir soluções
criativas por parte dos servidores. O risco é de que os autos sejam
danificados pela falta de local adequado para seu acondicionamento.
2.5.2 Singularidade.
Os autos do processo são únicos. Se uma das partes os detém em seu poder, as
outras ficarão impossibilitadas de acessá-los. Por mais banal que pareça, esta
característica força o legislador a adequar-se a ela quando determina prazos comuns às
partes (CPC art. 107, §2º) e assim cria inconveniências tanto para a vara como para os
procuradores.15
2.5.3 Fragilidade.
Por serem de papel, os autos são facilmente destrutíveis, sendo aí quase certa a
sua irrecuperabilidade. A perda dos autos é fato corriqueiro no Judiciário. Pode ocorrer
por motivos prosaicos -- processos que vão parar nos setores errados e jamais são
encontrados, advogados que deixam os autos dentro dos seus carros e têm o veículo
roubado, partes que inadvertidamente levam o processo embora do cartório e esquecem
de tê-lo feito – e também por circunstâncias mais trágicas, como no caso da cheia de
2010 na Zona da Mata Sul deste estado, que, além de ceifar vidas, também arrastou o
Fórum do município de Palmares e todo o seu acervo.
A perda de um processo é algo tão certo que o Código de Processo Civil dedica
um capítulo inteiro à sua restauração. Porém, resta claro que a restauração dos autos
dificilmente se dará completa e perfeitamente. Isto se dá pela prática disseminada
(embora não mais exigida por lei) da juntada de documentos originais aos autos, ou da
15 Também sobre esse assunto, ver nota 13.
15
única cópia subsistente de determinado documento. Perdido o processo, perdem-se eles
também. Sua recuperação depende unicamente da cautela das partes em manter cópias
de segurança, algo como que nem sempre se pode contar. Infelizmente, predomina a
regra do extravio dos autos quase nunca ser totalmente reversível.
2.5.4 Insustentabilidade.
Por sua natureza, os autos físicos exigem papel e tinta para sua criação, o que
acarreta um custo ecológico injustificável na atualidade. O impacto mais conhecido e
imediato é o desmatamento para fabricação de papel. Porém, também a impressão
mecânica traz outras consequências menos conhecidas. O toner utilizado nas
impressoras laser e as tintas dos cartuchos de impressoras a jato são de descarte
complicado. Não há processo para seu reaproveitamento completo. Os centros de
reciclagem precisam executar uma lavagem para separá-lo do papel, e o que resta é um
rejeito químico sem valor comercial.16
Há também o aspecto do desperdício. Não há dados oficiais sobre o assunto,
mas a práxis diária confirma que não são raras as impressões errôneas ou
desnecessárias, que redundam em papéis constantemente jogados no lixo.
2.5.5 Corruptibilidade.
A outra face da simplicidade do manuseio dos autos é a facilidade com que eles
podem ser adulterados de maneira indetectável. Pode-se remover e acrescentar páginas,
inserir declarações espúrias nos espaços em branco, e rasurar o texto já existente, sem
que nada disso deixe vestígios. Se a maioria dos processos transcorre sem fraudes,
muito se deve à boa-fé das partes, uma vez falsificações assim são de fácil execução e
difícil comprovação.
16 SCOTT, G. M. E. A. Sludge Characteristics And Disposal Alternatives For The Pulp And Paper
Industry. Proceedings of the 1995 International environmental conference. Atlanta: TAPPI PRESS.
1995. p. 269-279
16
Houve medidas que historicamente visaram coibir estas práticas. Trechos em
branco costumavam (e ainda costumam) ser riscados pelos serventuários, evitando o
acréscimo de escritos, e pelo menos até 1997 o STF manteve uma seção de costura. O
cosimento, segundo ministros da época, evitava o desprendimento das páginas, sendo,
portanto, mais seguro do que o uso de colchetes e grampos.17
Mesmo com essas precauções, não resta dúvida de que a adulteração dos autos
físicos continua sendo assustadoramente possível.
17 FOLHA DE SÃO PAULO. No STF, processos são costurados à mão. Folha de São Paulo, 1997.
Disponivel em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc311216.htm>. Acesso em: 04 mar. 2017.
17
3. O processo judicial eletrônico
O termo “processo eletrônico” pode ser entendido como uma abstração, em
sentido amplo, e também como sua implementação, em sentido estrito.
Aires José Rover define o processo judicial eletrônico em abstrato (por ele
chamado de processo judicial digital) como sendo o “resultado da informatização de um
conjunto mínimo e significativo de ações e, por consequência, de documentos
organizados e ordenados em uma sequência definida de fluxos de trabalho --
representando fases processuais, atendendo a requisitos de autenticidade, temporalidade
e integralidade, eliminando o uso do papel”.18
Já Pereira coloca-o como sendo “o
processo controlado por um sistema de informação, um software especializado, que
incorpora saberes da ciência jurídico-processual e de diferentes ciências da
complexidade: teoria dos sistemas, cibernética, teoria da informação, entre outras”.19
O processo eletrônico é, antes de tudo, instrumental. Assim como o processo
judicial é instrumento para a resolução de conflitos, o processo eletrônico também é
instrumento para a consecução dos objetivos próprios do processo judicial. Todavia, nas
definições acima elencadas está ausente esta noção de finalidade do processo eletrônico.
Pode-se admitir um instrumento que não possua finalidade?
A finalidade do processo judicial eletrônico, ao nosso ver, é representar na
esfera informática o processo civil, ou mais precisamente os seus procedimentos, tais
como definidos em lei. Ele não é mero conjunto de ações ou método de controle
processual, e sim um modelo daqueles procedimentos, construído por meio de
instruções lógicas, residente num computador e passível de operação por um usuário.
18 ROVER, Aires José apud ROTTA, Maurício et. al. Alterações Resultantes do Processo Judicial
Eletrônico. In: ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-
Justiça. Florianópolis: Deviant, 2016, localização 7344. 19
PEREIRA, Sebastião Tavares. Elementos tecnológicos para o avanço da teoria geral do (e)processo. In:
ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-Justiça.
Florianópolis: Deviant, 2016, localização 8263.
18
Tendo isto em mente, procuramos então estender as definições acima mencionadas para
oferecer uma terceira: o processo judicial eletrônico é a representação, através de um
sistema informático, de um procedimento judicial tal como definido em lei, atendendo a
requisitos de autenticidade, temporalidade e integralidade e incorporando, além dos
recursos da tecnologia da informação, também os saberes das ciências jurídico-
processuais, da teoria dos sistemas, da cibernética, da teoria da informação, entre
outras.
Vários órgãos já implementaram suas próprias versões de processo eletrônicos:
e-SAJ, Projudi, e-Proc, Jippe, dentre outros. O PJE é a versão chancelada pelo CNJ,
com vistas a unificar o ecossistema de processos eletrônicos brasileiros em todas as
instâncias do Judiciário.
Em comparação com a maioria dos outros ramos do direito, é escassa a doutrina
acerca do processo eletrônico. Há que se destacar os esforços de José Chaves Júnior,
José Carlos de Araújo Silva e de Aires José Rover, pioneiros na exploração da matéria.
Um estudo mais aprofundado sobre a teoria do processo eletrônico vai além do escopo
do presente trabalho, mas é a estes autores que remetemos o leitor interessado.
O PJE concretiza muitas ideias propostas pela doutrina, mas passa ao largo de
outras. Abordaremos, a seguir, o PJE tal como vislumbrado e implementado pelo CNJ e
utilizado no TJPE.
3.1 O PJE
A primeira versão do PJE foi implantada em abril de 2010, no Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, sediado nesta cidade do Recife. Desde então, sua utilização foi
expandida para outros 53 tribunais, incluídos aí 18 cortes estaduais, todos os Tribunais
Regionais do Trabalho e também o Tribunal Superior Eleitoral.
O objetivo precípuo do PJE é a junção de todo o trâmite processual do Judiciário
brasileiro em um único sistema. Evidentemente, ele também foi projetado para tirar
proveito de funcionalidades inerentes ao meio digital, como a automatização de tarefas
repetitivas e a disponibilidade do sistema por meio de qualquer computador conectado à
Internet. O PJE, vale dizer, não foi e jamais será concluído, estando em contínua e
19
eterna melhoria. A mais recente versão do sistema (2.0) foi lançada em 17 de junho de
2016.20
Apesar do objetivo declarado ser a unificação dos sistemas, há vários sistemas
PJEs implantados no Judiciário. O PJE da Justiça do Trabalho é diferente daquele da
Justiça Federal, que por sua vez é diferente do da Justiça Estadual, que é o objeto do
nosso estudo. Ainda assim, todas essas versões possuem características em comum que
são inerentes aos sistemas informáticos.
Passemos à comparação do PJE com o processo físico.
3.2 Vantagens do PJE.
3.2.1 Disponibilidade.
O PJE é virtualmente acessível 24 horas por dia por meio de um
computador com Internet. É extremo o contraste com os autos físicos, que na maior
parte do tempo só podem ser consultados presencialmente no cartório, e apenas durante
o horário de funcionamento deste.
Sabe-se que a disponibilidade contínua do PJE tem possibilitado a
magistrados o despacho de demandas urgentes (e também as nem tão urgentes assim)
mesmo fora do horário de expediente. Para os causídicos, o PJE evita deslocamentos a
vários cartórios para acompanhamento processual, obrigação especialmente desgastante
para aqueles que advogam em várias comarcas geograficamente distantes entre si.
Evita-se também o desperdício de papel e dinheiro com as nefastas fotocópias do inteiro
teor dos processos, adicionado à extinção das figuras da carga dos autos e do prazo
comum em cartório. O CPC já elimina o prazo dobrado para este último caso no seu art.
229 §2º, mirando especificamente nos autos eletrônicos.
20 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ lança PJe 2.0 nacionalmente, 2016. Disponivel em:
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82637-cnj-lanca-pje-2-0-nacionalmente-nesta-sexta-feira-2>. Acesso
em: 04 mar. 2017.
20
3.2.2 Celeridade.
Esta é a vantagem mais ventilada não só do PJE, mas como de todos os
processos eletrônicos em geral.
Se fôssemos obrigados a nomear uma única característica que o
imaginário coletivo imediatamente associa ao fenômeno da informatização, esta sem
dúvida seria a celeridade. Desde que a TI surgiu, no final do século XIX com a IBM e
suas máquinas de processar holerites, ela está intrinsecamente ligada à aceleração dos
fluxos internos de todas as organizações humanas. A disseminação das redes de
computadores, no final do século XX, trouxe essa percepção a um novo patamar.
Pegoraro21
menciona a existência atual de uma “angústia pela instantaneidade oferecida
pela Internet” e de um “culto à velocidade”; é a sociedade como um todo que exige que
o Estado mergulhe de vez na era da informatização, fornecendo ferramentas que
eliminem dispendiosos trâmites burocráticos, filas e deslocamentos físicos -- males que,
não por coincidência, são comumente associados ao Judiciário.
A criação do PJE foi impulsionada por estes anseios. Sua existência
como sistema informático permite, em tese, delegar ao computador tarefas puramente
mecânicas, despidas de caráter intelectual. De fato, o computador bem programado é
mais preciso do que qualquer ser humano na execução de tarefas desse tipo. Há vários
exemplos, no âmbito do direito processual civil, de como um sistema de processo
eletrônico pode proporcionar consideráveis ganhos de tempo:
Eliminam-se as juntadas manuais. Novos documentos são
anexados aos autos assim que alimentados no sistema pelas
partes. Por conseguinte, somem também as atividades de
recebimento e registro de petições, de remessa destas às
secretarias (nos fóruns onde há protocolo central), de procura dos
21 PEGORARO JÚNIOR, P. R.; TESHEINER, J. M. O Tempo do Processo e o Processo Eletrônico. III
Encontro de Internacionalização do CONPEDI, Madrid, v. 9, p. 165-181, setembro 2015.
21
autos físicos para realização da juntada, bem como a frustrante
numeração manual das páginas;
Desaparece o procedimento para publicação em diário oficial.
Todos os despachos, decisões e sentenças são imediatamente
disponibilizados para consulta pública assim que assinados
eletronicamente pelo juiz;
Quase todos os expedientes (alvarás, mandados, cartas, etc.)
podem ser automaticamente redigidos pelo sistema. As
informações necessárias já estão contidas nos autos, restando ao
operador somente escolher qual o expediente apropriado para o
prosseguimento do trâmite. O sistema se encarregará de
preenche-lo;
Os prazos processuais podem ser contados pelo próprio sistema.
Após o decurso destes, a conclusão ao juiz ou o arquivamento
podem ser feitos de pronto, sem intervenção manual. Diminuem
em muito as chances de erros na contagem dos prazos e os
consequentes prejuízos às partes.
O rol acima apresentado não é exaustivo. Mas ele demonstra uma
característica comum à informatização: ela representa a eliminação de tempos mortos.22
Ou seja: apenas com a implantação do PJE, ocorre um ganho imediato na celeridade
processual pela supressão de ocasiões em que o processo dependeria de intervenção
humana para seu prosseguimento: entre o decurso do prazo e a conclusão, entre o
despacho e sua publicação, entre a protocolização e a juntada da petição. Todas estas
atividades são assumidas pelo sistema. Este talvez seja o ponto crucial do processo
22 Idem.
22
eletrônico: juízes e serventuários podem ter menos preocupações procedimentais, e
concentrar-se mais nas atividades intelectuais.23
A assunção da execução de atos processuais pelo sistema não é livre de
críticas. José Carlos de Araújo Almeida filho, em sua obra Processo Eletrônico e Teoria
Geral do Processo Eletrônico, questiona a viabilidade de se imputar ao sistema a
responsabilidade por determinados atos. Para ele, isto implicaria na criação de um
“escrivão virtual”, a quem seria impossível sancionar em caso de prática de atos que
prejudiquem as partes. Nessa situação, ou admitiríamos um ato processual sem sujeito,
ou teríamos que incluir um agente inanimado (o sistema) dentre os atores processuais.
Não nos parece ser justificada a crítica do professor Almeida Filho. Sim,
é possível imaginar ocasiões em que a prática errônea de um ato processual por parte do
sistema venha a prejudicar as partes – embora não pareçam existir muitos exemplos do
gênero --, mas isto em absoluta não significa que inexiste responsável pelo equívoco.
Uma vez que o sistema não pode ser punido, a lógica nos faz crer que é preciso procurar
o seu patrocinador, que na maioria dos casos é o tribunal ao qual a hipotética unidade
judiciária está ligada. A esse tribunal caberá, internamente e se for o caso, definir a
quem cabe a responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema.
3.2.3 Integridade.
Ao contrário do que acontece com os autos físicos, o processo
eletrônico não pode ser facilmente adulterado por aqueles que o manuseiam. Apenas
uma invasão aos bancos de dados que sustentam o processo eletrônico poderia
modificar os autos sem deixar vestígios -- o que é tecnicamente muito mais complexo
do que falsificar documentos em papel.
O conhecimento necessário para invadir um sistema de processo
eletrônico não é disseminado. Contudo, é sabido que não existe sistema completamente
23 FILHO, J. C. D. A. A. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo. 5ª. ed. São Paulo: Grupo Gen
Editorial, 2015, p. 206-207.
23
imune a ataques. Políticas de segurança da informação apropriadas são essenciais para
garantir a legitimidade dos autos digitais. Quando corretamente implementadas, estas
medidas reduzem as chances de invasão a quase zero.
3.2.4 Sustentabilidade.
O PJE, por ser virtual, dispensa o papel, a tinta, e os deslocamentos de
partes, magistrados e auxiliares. Alguns autores sustentam que o processo eletrônico
não possui existência corpórea. Pereira fala em esboroamento físico dos autos,24
uma
frase de efeito que não é tecnicamente correta -- os autos continuam a existir
fisicamente de forma muito mais compacta, como radiação eletromagnética na memória
dos servidores do sistema.
Como já mencionado, é claro o impacto benéfico ao meio ambiente da
extinção dos autos físicos em todos os órgãos do Judiciário. O fim do uso do papel
relaciona-se diretamente à preservação de áreas de floresta e à redução da produção de
rejeitos. Também a desnecessidade de locomoção se adequa a nossos tempos de tráfego
saturado e produção energética em crise.
Vantagem reflexa da sustentabilidade do PJE é a desocupação física dos
cartórios e dos escritórios, que não mais precisarão de espaços reservados para
armazenamento. Isto simboliza uma reversão da tendência recente de crescimento físico
dos fóruns, que em tempos recentes vêm se tornando cada vez mais faraônicos. Já é
possível vislumbrar um futuro onde varas e gabinetes compõem-se apenas de servidores
e juízes, cada um trabalhando apenas com seu computador, sem a familiar paisagem de
estantes e armários abarrotados de processos.
3.2.5 Resiliência.
24 PEREIRA, Sebastião Tavares. Elementos tecnológicos para o avanço da teoria geral do (e)processo. In:
ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-Justiça.
Florianópolis: Deviant, 2016, localização 8794.
24
Excetuando-se as hipóteses de uma catástrofe de proporções nacionais
ou de colossal negligência humana, os autos eletrônicos são impossíveis de serem
destruídos. As atuais tecnologias de backup em nuvem e em múltiplos datacenters
redundantes nos permitem afirmar que mesmo uma tragédia como as enchentes de 2010
da Zona da Mata Sul deste estado não acarretaria em perda dos autos. E a principal
ocasião de extravio -- durante a carga dos autos fora do cartório -- não tem mais como
acontecer.
3.2.6 Acessibilidade.
Vantagem notável do PJE sobre o processo físico é a sua maior
acessibilidade a portadores de necessidades especiais. Poucos dos nossos fóruns são
adaptados a cadeirantes, e o PJE é de considerável ajuda por dispensar as idas e vindas
às varas. Porém a mudança mais drástica se dá com relação ao deficiente visual, que via
de regra depende de um amanuense para ler os autos físicos. Não mais: a nova versão
do PJE será adaptada para screen readers, aplicativos de texto-para-fala, removendo a
necessidade de participação de um terceiro.25
3.3 Desvantagens do PJE.
Em nome da completude, é nossa obrigação discriminar também o que
percebemos serem os defeitos do PJE. As principais críticas a ele direcionadas podem
ser atribuídas ao seu acesso exclusivo via computador e às dificuldades inerentes à
informatização, fenômeno ainda relativamente recente e ainda não integrado à vivência
de todos os operadores do direito.
3.3.1 Representação imperfeita do processo civil
25 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ avalia PJe 2.0 e discute ajustes antes da expansão,
2016. Disponivel em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83008-cnj-avalia-pje-2-0-e-discute-ajustes-
antes-da-expansao>. Acesso em: 04 mar. 2017.
25
O PJE, como todo sistema computacional, é um modelo representacional. Ele foi
imaginado como uma transposição dos autos físicos, tradicionais, para uma aplicação
web. Falamos em “páginas”, “juntadas”, “documentos”, mas a verdade é que não
existem páginas ou juntadas no PJE, ao menos não na nossa acepção convencional. Há
apenas bits residentes na memória do computador, organizados de maneira a simbolizar
esses e outros conceitos em meio digital, da maneira mais assemelhada possível. Daí
falarmos em modelos e representações.
Nesse traslado para os computadores, o jargão jurídico pode ganhar novas
significações ou perder o sentido em outras. Exemplo: o CPC fala, em seu art. 208, que
deverão ser apostas “notas datadas e rubricadas pelo escrivão ou chefe de secretaria”
nos termos de juntada. No PJE, contudo, são os próprios causídicos quem juntam suas
petições, e não o escrivão ou o chefe de secretaria. O próprio sistema é quem apõe a
data! Entende-se que a intenção do legislador foi mantida: a rubrica do escrivão serve
para indicar que a juntada não foi feita à revelia do órgão jurisdicional. No PJE esse
registro é feito de modo automático. Não há como um documento ser juntado a um
processo eletrônico de modo alheio ao juízo! O exemplo demonstra que “juntada” pode
fazer referência a atos bastante dissimilares, a depender de estar a expressão dentro do
contexto físico ou do eletrônico.
Verdade que eventuais equívocos decorrentes deste exemplo em específico
seriam facilmente contornáveis, mas há casos em que esse abismo entre o mundo físico
e os modelos representacionais pode gerar prejuízos graves. Caso disso são as
assinaturas eletrônicas – pilar tão essencial ao processo eletrônico que Almeida Filho
reservou um capítulo inteiro de sua obra Processo Eletrônico e Teoria Geral do
Processo à exploração do tema26
–, que em quase nada se assemelham às tradicionais.
Ambas servem a um mesmo propósito: o não-repúdio de determinado ato. Mas a
identidade termina aí. As assinaturas físicas e digitais diferem fundamentalmente
26 FILHO, J. C. D. A. A. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo. 5ª. ed. São Paulo: Grupo Gen
Editorial, 2015, p. 219.
26
naquilo que é a crux da sua utilidade: a verificação de autenticidade. Enquanto este
procedimento com uma assinatura física depende, na maioria dos casos, somente da
comparação visual entre a que foi aposta na peça processual e outra contida em
documento oficial, a mesma verificação no contexto digital é tarefa que só pode ser
executada por um computador. Ela depende imprescindivelmente do acesso ao token
que supostamente foi usado no momento da assinatura. Entretanto, a ignorância quanto
ao funcionamento da assinatura digital permite situações onde se admite como
validamente assinado um documento físico, impresso, onde há escrito “assinado
digitalmente por Fulano de Tal”, e mais nada. Essa declaração não só não garante a
autenticidade da assinatura, como não atesta nem mesmo sua existência, e deve ser
sumariamente desconsiderada do ponto de vista legal. É de se questionar se todos os
operadores do direito, em especial juízes e assessores, detém o conhecimento técnico
necessário para não cair nessa armadilha.
O desconhecimento quanto à falsa equivalência entre conceitos tradicionais e
suas representações no PJE pode abrir portas não só para condutas de má-fé, como
exemplificado, mas também para o retardamento involuntário de demandas pelo
arraigamento a hábitos necessários na esfera física mas dispensáveis na digital. Alguns
juízes, por exemplo, ainda exigem que a secretaria emita certidões de publicação, de
intimação, de decurso de prazo e de trânsito em julgado para processos eletrônicos --
atos esses que podem ser realizados de maneira automática pelo sistema. Determinar
que um servidor faça essas tarefas não só faz o processo tardar mais do que o necessário
como oportuniza erros que não seriam cometidos pelo PJE. Para que todas as suas
capacidades do sistema sejam aproveitadas ao máximo, é importante o seu uso correto.
3.3.2 Barreira tecnológica.
O PJE, evidentemente, exige um computador para ser operado. É razoável
afirmar que praticamente toda a advocacia brasileira possui esse equipamento. Mas o
mesmo não pode ser dito com relação às partes. Com o processo tradicional, o simples
comparecimento ao fórum é suficiente para tê-lo em mãos. No PJE, além do
computador com Internet, a parte precisa também adquirir uma identidade digital. A
27
soma destes custos torna a visualização dos autos eletrônicos inviável para boa parte da
população brasileira.
Outra questão parcialmente impeditiva é a necessidade de aquisição de meios
para digitalizar documentos físicos, de modo a possibilitar sua inserção no PJE. O
método recomendado é o escaneamento com equipamento especializado – que acarreta
em novo custo. A experiência comprova que a questão é corriqueiramente resolvida por
meio de fotos tiradas com o telefone celular. De qualquer maneira, configura-se aqui
mais um empecilho ao pleno acesso do cidadão à Justiça.
28
4. Comparativo entre a tramitação de processos físicos e
eletrônicos no TJPE em 2014 e 2015.
Ao adentramos a análise propriamente dita, esperamos ter oferecido ao leitor um
panorama completo dos avanços que o processo eletrônico representa quando
comparado ao físico. O PJE é inegavelmente mais seguro, mais sustentável, mais
acessível e naturalmente mais célere do que o processo tradicional. Por tudo o que
expusemos, parece mais do que evidente que nossos dados demonstrarão claramente a
superioridade do PJE na velocidade do trâmite.
Mas cabe aqui uma advertência: todas as vantagens e desvantagens que
enumeramos até aqui se situam no reino das teses. Como afirmado na introdução deste
trabalho, o otimismo com novos sistemas costuma se esvair conforme a realidade se
impõe. Procuraremos, portanto, descobrir se o potencial do PJE está sendo efetivamente
explorado no âmbito das varas cíveis do TJPE.
4.1 Apresentação da metodologia utilizada.
Sabemos que o confronto entre atividades de diferentes unidades jurisdicionais
(UJs) é tarefa ingrata. Se nosso universo for de apenas duas ou três unidades,
correremos o risco de elas não serem suficientemente representativas para os propósitos
de nossa pesquisa, não refletindo assim realidade fática. Por outro lado, se alargarmos
demais o nosso escopo, a comparação certamente será maculada por fatores externos de
difícil compensação, como condições geográficas peculiares e efeitos sazonais.
Felizmente, nosso estudo foi beneficiado neste aspecto pela coincidência de vários
fatores.
No período entre 01/09/2014 e 30/08/2015 foi possível distribuir processos
cíveis tanto fisicamente quanto eletronicamente, ficando a escolha a cargo do causídico
atuante no Judiciário pernambucano. Com isto, existem dados relativamente ao mesmo
espaço de tempo para as duas modalidades de processo. Se o TJPE houvesse
transicionado da aceitação exclusiva de processos físicos para a aceitação exclusiva de
processos eletrônicos de imediato, seríamos obrigados a comparar o trâmite de
29
processos em espaços de tempo diferentes entre si, o que poderia acarretar imprecisões.
Além disso, o período de um ano exato contribui para diminuir eventuais sazonalidades
e.g. diminuição da atividade cartorária nos meses de janeiro e julho, preferidos para
férias dos servidores. Por fim, o universo amostral é o mais completo possível: foram
contempladas as seções A e B das 34 varas cíveis da comarca do Recife, totalizando 68
unidades dentro do nosso universo amostral.
A tabela 1 demonstra que foram distribuídos quantitativos bastantes semelhantes
de feitos por cada uma das vias, com leve favorecimento da física, não ficando nenhuma
das UJs especialmente sobrecarregada.
Código da UJ Processos Distribuídos Fisicamente Processos Distribuídos Eletronicamente
1 232 192
2 212 212
3 221 166
4 196 204
5 201 153
6 198 218
7 203 229
8 194 223
9 215 205
10 190 172
11 196 202
12 183 217
13 216 145
14 211 166
15 200 149
16 219 215
17 240 151
18 207 217
19 205 193
20 186 166
21 230 202
22 233 169
23 223 226
24 210 209
25 212 152
26 199 232
27 206 158
28 221 153
29 224 201
30 207 220
31 201 146
32 204 219
33 198 156
34 222 213
30
35 194 142
36 215 152
37 211 230
38 208 154
39 279 216
40 203 158
41 187 150
42 232 148
43 210 155
44 219 217
45 189 173
46 185 168
47 208 217
48 222 212
49 183 214
50 222 146
51 187 218
52 185 162
53 178 164
54 203 216
55 204 154
56 192 218
57 198 161
58 192 171
59 201 213
60 206 160
61 216 221
62 214 224
63 216 144
64 209 152
65 203 194
66 223 159
67 195 209
68 183 156
Tabela 1 – Processos distribuídos para as unidades jurisdicionais dentro do período da
pesquisa
4.2 Apresentação dos indicadores utilizados.
Sabe-se da existência de dois gargalos principais no processo cível:
1. O processo está despachado, dependendo da secretaria para que ele se
movimente, e;
2. O processo está concluso, dependendo do juiz para que ele se
movimente.
31
A nossa primeira métrica relaciona-se com o ponto 1. Ela corresponde ao tempo
médio entre um despacho ou decisão e a próxima conclusão. Busca-se aqui medir o
impacto do PJE nas atividades de secretaria, pondo a claro se elas ficaram mais céleres,
como se espera, ou mais lentas.
Pergunta-se: por que não uma métrica relacionada também ao ponto 2, incluindo
o tempo entre a conclusão e o despacho ou decisão seguinte? Acreditamos que a
comparação não traria informação útil. Como exposto na terceira parte deste trabalho,
os maiores ganhos potenciais do PJE se dão na automatização de tarefas repetitivas e
mecânicas, que são típicas da secretaria. O mesmo, entretanto, não pode ser dito da
atividade de gabinete, que é eminentemente intelectual. Um eventual ganho aqui não
ocorreria por conta de funcionalidades específicas do PJE, que não possui capacidades
de auxílio à decisão.
De qualquer modo, a atividade de gabinete está inclusa na segunda métrica: o
tempo médio entre o ajuizamento de um processo e sua sentença. O que se quer aqui é
mensurar o efetivo benefício para o jurisdicionado em se tratando de celeridade
processual. É essa métrica que responderá à pergunta: o PJE contribuiu para uma mais
rápida prestação ao jurisdicionado?
4.3 Relatório dos dados coletados.
Nas páginas seguintes serão apresentados os dados brutos coletados a partir dos
bancos de dados do Judwin (referente aos processos físicos) e do PJE. Os nomes das
unidades jurisdicionais foram omitidos, visto que a intenção da pesquisa é avaliar a
implementação do PJE e não o desempenho daquelas.
4.3.1 Tempo médio entre um despacho e a próxima conclusão
Código da UJ Processos Físicos Processos Eletrônicos
1 75 71
2 74 60
3 43 49
4 77 74
5 58 64
32
6 54 75
7 67 125
8 70 68
9 57 71
10 78 64
11 43 44
12 46 81
13 86 71
14 47 91
15 57 58
16 57 51
17 71 82
18 86 78
19 51 50
20 44 53
21 85 82
22 66 75
23 71 83
24 92 78
25 74 88
26 50 57
27 56 94
28 51 57
29 53 73
30 45 40
31 59 106
32 48 79
33 60 60
34 70 90
35 62 52
36 83 45
37 42 32
38 63 79
39 69 60
40 55 84
41 46 60
42 70 75
43 69 65
44 72 62
45 43 40
46 43 48
47 80 62
48 53 51
49 50 54
33
50 63 56
51 74 115
52 79 71
53 55 41
54 49 109
55 71 104
56 82 84
57 72 56
58 82 86
59 82 134
60 57 73
61 51 74
62 72 42
63 63 59
64 51 37
65 60 67
66 51 84
67 71 72
68 72 101
Tabela 2 – Tempo médio, em dias, entre um despacho e a próxima conclusão
Os dados coletados revelam que em 57% das varas pesquisadas os processos
físicos tramitaram mais rapidamente do que os eletrônicos, em média. Em outras
palavras: era mais provável, dentro do período pesquisado, que o advogado optante pela
distribuição física fosse beneficiado com um trâmite mais célere do que aquele que
escolheu o PJE.
Um processo físico gastou em média 63 dias entre um despacho e a próxima
conclusão, enquanto um processo do PJE ficou cerca de 70 dias na mesma situação. Isto
quer dizer que processos físicos foram, em média, 10% mais rápidos do que os
eletrônicos.
Físicos Eletrônicos
Média (em dias) 62,91176 70,23529412
Desvio padrão 13,30664 20,97270269
Máximo de dias 92 (UJ 24) 134 (UJ 59)
34
Mínimo de dias 42 (UJ 37) 32 (UJ 37)
Produtividade média do
PJE em comparação
com o físico
89,57%
Tabela 3 – Estatísticas referentes ao tempo médio entre despacho e conclusão
À primeira vista, a pouca diferença entre as duas modalidades pode não parecer
tão alarmante. Apenas 7 dias a mais entre uma e outra? É uma demora perdoável,
considerando que certos feitos podem demorar anos até sua resolução. Mas essa
impressão não resiste a uma análise mais aprofundada, como veremos a seguir.
4.3.2 Tempo médio entre o ajuizamento e a sentença.
Código da UJ Processos Físicos Processos Eletrônicos
1 133 90
2 143 107
3 106 112
4 162 146
5 129 110
6 134 131
7 123 127
8 95 110
9 137 121
10 111 112
11 79 125
12 142 108
13 128 93
14 102 167
15 106 122
16 159 144
17 95 147
18 159 145
19 130 115
20 139 100
21 153 127
35
22 105 119
23 156 179
24 131 158
25 68 83
26 116 92
27 145 127
28 128 126
29 155 143
30 125 105
31 172 116
32 151 125
33 92 131
34 155 154
35 149 103
36 123 92
37 107 84
38 169 104
39 115 127
40 118 128
41 124 78
42 158 147
43 139 102
44 113 110
45 75 135
46 145 124
47 157 132
48 137 152
49 109 145
50 153 133
51 173 116
52 131 130
53 94 81
54 154 131
55 143 119
56 126 118
57 158 139
58 117 88
59 145 183
60 124 151
61 170 141
62 156 108
63 136 131
36
64 120 157
65 110 150
66 110 119
67 119 127
68 157 155
Tabela 4 – Tempo médio, em dias, entre o ajuizamento e a primeira sentença
Ao contrário do índice anterior, o tempo médio entre o ajuizamento e a
sentença mostra um panorama mais próximo ao esperado quanto à celeridade do PJE. O
processo eletrônico foi de fato mais rápido do que o físico – mas não por muito.
Físicos Eletrônicos
Média (em dias) 130,8529 124,3676
Desvio padrão 24,35758 23,14258
Máximo de dias 173 (UJ 51) 183 (UJ 59)
Mínimo de dias 68 (UJ 25) 78 (UJ 41)
Produtividade média do
PJE em comparação
com o físico
105,21%
Tabela 5 – Estatísticas referentes ao tempo médio entre o ajuizamento e a primeira sentença
O processo eletrônico foi mais ágil em 65% das varas. Embora a
porcentagem pareça animadora, ela implica que em um terço das varas os processos
físicos foram mais rápidos do que os do PJE – o ideal seria zero. A diferença média no
tempo de trâmite é bastante pequena: o PJE foi em geral apenas 5% mais rápido do que
o físico. É um ganho mínimo.
37
4.4 Análise
Repisemos novamente: o PJE traz muitas melhorias para o fluxo de trabalho dos
órgãos jurisdicionais, em especial para secretarias. Entre essas melhorias, frisamos a
automatização de tarefas repetitivas, como a feitura de expedientes, a contagem de
prazos e a publicação de atos -- atividades estas que compõem quase todas as
obrigações do cartório. Não se pode subestimar o alcance desses benefícios.
Expedientes simples, que levavam minutos para serem elaborados no processo físico,
passam a demorar apenas segundos no PJE. A contagem de prazos e as publicações
ocorrem sem intervenção humana. A simplificação do trabalho é tão extrema que é
possível a um único servidor acumular todas essas atividades, e é isto o que passou a ser
feito no Judiciário pernambucano em 2016.27
Neste cenário, a nossa expectativa era de que a pesquisa revelasse uma
indubitável aceleração no tempo médio de tramitação dos processos eletrônicos em
comparação com os físicos. Talvez a melhoria fosse tímida, por estar a implantação do
PJE em seus estágios iniciais -- mas que ainda assim estaria presente. Contudo, não foi
isso o que observamos. No geral, temos um PJE praticamente equivalente ao físico, se
não mais lento.
Fomos especialmente surpreendidos pelo apurado no item 4.3.1, por representar
exclusivamente a atividade da secretaria, que teoricamente seria a mais beneficiada pelo
processo eletrônico. O índice nos mostra um PJE em média mais demorado. É de se
notar que em algumas UJs o PJE foi muito mais rápido do que o processo físico. Isto
ocorreu em cinco das varas pesquisadas, que tramitaram seus processos eletrônicos mais
rapidamente do que a vara que processou mais rapidamente os feitos físicos. No geral,
26 varas foram mais ágeis no processo eletrônico do que a média dos físicos. É pouco
27 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. TJPE inaugura Diretoria Cível do 1º Grau
mirando o futuro, 2016. Disponivel em: <http://www.tjpe.jus.br/noticias/-
/asset_publisher/ubhL04hQXv5n/content/tjpe-inaugura-diretoria-civel-do-1-grau-mirando-o-
futuro?inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fwww.tjpe.jus.br%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D10
1_INSTANCE_ubhL04hQXv5n%26p_p_lifecycle%3D0>. Acesso em: 04 mar. 2017.
38
para afirmar que o PJE é um sucesso em matéria de celeridade -- esperávamos que
quase a totalidade das varas fossem mais rápidas no PJE. Isto evidencia, ao menos, que
em algumas unidades o PJE foi incorporado satisfatoriamente. Que teriam elas feito
para obter estes resultados?
Por outro lado, houve oito varas especialmente vagarosas no PJE. Elas
conseguiram superar em lentidão a vara com os processos físicos mais demorados. Este
fato está em conflito absoluto com a expectativa de produtividade do sistema, pelos
motivos que já expusemos anteriormente.
Pergunta-se: não teria essa lentidão sido ocasionada por um desequilíbrio nas
atribuições dos servidores entre os processos físicos e o PJE? Se há menos servidores
designados para o PJE, certamente isto se refletirá em seus índices de produtividade.
Procurando esclarecer quanto a esta possibilidade, entramos em contato com as UJs de
números 6, 7, 9, 10, 12, 14, 21, 24, 27, 29 e 31. As UJs de número 7, 12, 14, 27, 29 e 31
foram escolhidas por terem obtido um tempo médio entre despacho e conclusão bem
maior no PJE do que no físico. As unidades 10 e 24 foram selecionadas por terem se
saído melhor no PJE, e as três restantes foram escolhidas de forma aleatória. A todas
elas foi perguntado se, à época do levantamento aqui realizado, havia servidores
designados exclusivamente para lidar com processos físicos e com PJE. A resposta foi
unânime: os servidores, que dividiam o trabalho entre si por meio dos últimos dígitos da
numeração processual, eram livres para atuar tanto nos processos físicos quanto no PJE,
da forma como lhes aprouvesse, desde que atendessem à demanda correspondente ao
seu dígito. Não havia qualquer tipo de exclusividade a uma ou outra modalidade
processual.
No item 4.3.2, que representa o trâmite desde o ajuizamento até a primeira
sentença, o avanço discreto proporcionado pelo PJE também suscita questionamentos.
Uma melhora de 5% em relação ao processo físico é algo irrisório. Em efeitos práticos,
a velocidade de trâmite é a mesma nas duas modalidades, o que não representa de modo
algum a performance esperada do PJE.
Foge ao escopo deste trabalho o aprofundamento nas razões deste desempenho
tão decepcionante. Isto não nos impede, contudo, de sugerir caminhos para o
39
diagnóstico das razões que levaram o PJE a este início pífio. Acreditamos que os dados
levantados sugerem duas linhas de investigação: uma que se debruça sobre o usuário e
outra sobre o próprio sistema.
4.4.1 O usuário imperfeito
Se partimos da premissa que o PJE, tal como ele existe hoje, possui o potencial
de diminuir drasticamente o tempo de trâmite processual, só nos resta concluir que o
problema não está no sistema, e sim em quem o opera.
Cogitamos a possibilidade de que o usuário do PJE não tenha passado por
treinamento, ou que o treinamento existente seja deficiente. Pudemos verificar, por meio
de pesquisas no Diário de Justiça Eletrônico do TJPE, que o referido Tribunal
frequentemente convoca seus servidores e magistrados para cursos de capacitação na
operação do PJE.28
Logo, o problema não pode ser a falta de orientação.
O que podemos questionar, portanto, é a eficácia desse treinamento. Não é
cabível aqui fazer uma análise pedagógica do curso, por evidente. Temos que nos
contentar em somente lançar as perguntas: os usuários terminam o curso sabendo
aproveitar todas as funcionalidades do PJE? Há como o TJPE se certificar disso? E,
caso o treinamento esteja realmente aquém do esperado, como reformulá-lo para que ele
atinja os seus propósitos? Este é o primeiro caminho que sugerimos.
4.4.2 O sistema imperfeito
Por outro lado, podemos igualmente cogitar que o projeto do PJE não
privilegiou suficientemente as facilidades proporcionadas pela informatização. Aliás,
isso é mais do que mera cogitação: todas as declarações do CNJ até aqui colacionadas
atestam que a prioridade do PJE é a unificação dos diversos sistemas de processo
eletrônico existentes no Judiciário, e não o aproveitamento da informatização para
acelerar a marcha processual. Como já vimos anteriormente, a redução dos tempos de
28 Para um exemplo, ver (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO, 2017). Tais publicações são
quase diárias nos DJEs dos últimos dois anos.
40
trâmite dos feitos aparece apenas como meta secundária. Tendo em vista a priorização
preferida pelo CNJ, podemos nos perguntar: que aspectos da implementação do PJE
podem ser melhorados, de modo a tirar proveito de sua condição de sistema
informático? Levando em conta que durante o período da pesquisa os servidores eram
livres para atuar no PJE ou nos físicos à sua escolha, os resultados aqui apresentados
não poderiam ser interpretados como depondo contra a aceitação do sistema tal como
existente? Esta é nossa sugestão para uma segunda linha investigação.
Suspeitamos, contudo, que a explicação para os resultados da pesquisa está a
meio caminho de cada uma das linhas sugeridas. Eles muito provavelmente são frutos
da união entre um servidor com treinamento deficiente e um PJE pouco voltado à
otimização do trâmite. Nosso receio é que o PJE tenha dado lugar ao que Chaves chama
de informatização da ineficiência:
Não se pode perder a oportunidade de aproveitar o advento do
processo eletrônico para fazer uma revolução no processo, que até o
momento não passa senão de promessa não cumprida. Em outras
palavras, é importante aproveitar a desmaterialização dos autos, para
tentar desmaterializar os vícios arraigados na cultura da escrita no
processo.29
29 CHAVES JÚNIOR, José Eduardo Resende. Elementos para uma teoria do processo em meio reticular-
eletrônico. In: ROVER, A. J. (Org.). Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos sobre E-
Justiça. Florianópolis: Deviant, 2016, localização 8240.
41
5. Conclusão
Talvez, ao chegar a esta conclusão, o leitor imagina que consideramos o PJE um
erro, e que bastante dinheiro foi desperdiçado num sistema que jamais atenderá
plenamente às necessidades do Judiciário e do jurisdicionado. Mas não é isso o que
pensamos. O PJE, como sistema informático, está em contínua e eterna transformação.
O CNJ permanece trabalhando para corrigir erros e implementar novas funcionalidades,
lançando periodicamente novas versões do sistema. É inegável que os dados aqui
levantados demonstram que o PJE não conseguiu, de imediato, acelerar
substancialmente a tramitação dos processos cíveis no TJPE. Mas frise-se: de imediato.
O presente trabalho concentra-se em um único ano de operação do PJE. Seria bastante
desejável que já nesse ano pudéssemos perceber as melhorias prometidas pelo processo
eletrônico. Contudo, são grandes as chances de que o sistema evolua de modo a
proporcionar maior agilidade no trâmite dos feitos já num futuro próximo, conforme
seus problemas forem identificados e solucionados.
Isto, claro, se houver uma intenção no sentido de reduzir os tempos de trâmite, o
que não parece ter existido até agora. É louvável que o CNJ tenha elegido a unificação
dos sistemas informáticos do Brasil como meta do PJE. Não se podia deixar que a
mixórdia de implementações de sistemas processuais eletrônicos persistisse por mais
tempo nos tribunais brasileiros. Todavia, a verdade é que a desordem tecnológica
interna ao Judiciário pouco interessa ao jurisdicionado. A ele só importa acima de tudo
o deslinde justo e rápido dos conflitos que traz à Justiça. Alheio a isso, o CNJ acabou
por perder a chance de posicionar o PJE desde logo como a tão necessária revolução na
lentidão processual.
Finalizamos o trabalho com esse sentimento: o de ter testemunhado uma
oportunidade desperdiçada. O que não deixa de ser reflexo do nosso Judiciário: por
privilegiar a unificação, que é uma necessidade interna, deixou-se de atentar para a
lentidão, que é um problema de todos.
42
6. Bibliografia
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