o agrarismo brasileiro em questão

33
Felipe Maia Guimarães da Silva1 O agrarismo brasileiro em questão: os intelectuais e a formação do capitalismo agrário brasileiro Introdução É possível que em nenhum outro momento de sua história a socie- dade brasileira tenha refletido tanto sobre o mundo agrário quanto na década de 1960 e nos anos que a sucederam. A consciência sobre a existência de uma “questão agrária” em meio a um processo que se considerava de franca modernização do país galvanizava esforços de compreensão e interpretação nos meios mais diversos, as ciências sociais, o jornalismo, a literatura, o cinema, a propaganda política. Ativou-se uma imaginação social sobre o mundo agrário e seus per- sonagens, seu lugar na formação histórica e no processo de “desen- volvimento”. O mapeamento deste campo revela que boa parte das controvérsias que o estruturam pode ser percebida a partir das dispu- tas em torno da própria definição do que se considerava “a questão agrária”, e dos programas para sua “solução” bem como os projetos de futuro para a agricultura e o país. A “questão agrária” mobilizava um conjunto amplo de atores so- ciais. O movimento camponês vinha atingindo níveis crescentes de or- ganização e de autonomia, com a formação das Ligas Camponesas em Pernambuco e de sindicatos de trabalhadores rurais em todo o país2. Era uma presença nova na cena política, capaz de despertar atenção para uma parte da população diretamente afetada pelo processo de modernização em curso. A intelligentsia urbana, por sua vez, dedicou grande esforço para a disputa e a interpretação da “questão agrá- ria”. Os partidos políticos e os governos em suas diversas instâncias 1 Doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ, pesquisador do CPDOC – FGV, Brasil, com bolsa de pós-doutorado concedida pelo CNPq. E-mail: ff[email protected]. 2 Ver Camargo (1973).

Upload: felipe-maia

Post on 16-Dec-2015

218 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Artigo sobre intelectuais e capitalismo agrário publicado na revista Estudos Sociedade e Agricultura

TRANSCRIPT

  • Felipe Maia Guimares da Silva1

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao do capitalismo agrrio brasileiro

    Introduo possvel que em nenhum outro momento de sua histria a socie-

    dade brasileira tenha refletido tanto sobre o mundo agrrio quanto na dcada de 1960 e nos anos que a sucederam. A conscincia sobre a existncia de uma questo agrria em meio a um processo que se considerava de franca modernizao do pas galvanizava esforos de compreenso e interpretao nos meios mais diversos, as cincias sociais, o jornalismo, a literatura, o cinema, a propaganda poltica. Ativou-se uma imaginao social sobre o mundo agrrio e seus per-sonagens, seu lugar na formao histrica e no processo de desen-volvimento. O mapeamento deste campo revela que boa parte das controvrsias que o estruturam pode ser percebida a partir das dispu-tas em torno da prpria definio do que se considerava a questo agrria, e dos programas para sua soluo bem como os projetos de futuro para a agricultura e o pas.

    A questo agrria mobilizava um conjunto amplo de atores so-ciais. O movimento campons vinha atingindo nveis crescentes de or-ganizao e de autonomia, com a formao das Ligas Camponesas em Pernambuco e de sindicatos de trabalhadores rurais em todo o pas2. Era uma presena nova na cena poltica, capaz de despertar ateno para uma parte da populao diretamente afetada pelo processo de modernizao em curso. A intelligentsia urbana, por sua vez, dedicou grande esforo para a disputa e a interpretao da questo agr-ria. Os partidos polticos e os governos em suas diversas instncias

    1 Doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ, pesquisador do CPDOC FGV, Brasil, com bolsa de ps-doutorado concedida pelo CNPq. E-mail: [email protected].

    2 Ver Camargo (1973).

  • 287

    Felipe Maia Guimares da Silva

    tambm participaram deste campo, tecendo uma rede de afinidades e alianas em torno de ideias, interesses e polticas. O golpe militar de 1964 interrompeu esta movimentao, mas em contrapartida o regime militar teve que lidar com o tema, organizando polticas e buscando vincular o tema agrrio a seu projeto de modernizao do pas.

    Neste texto, procuro analisar a produo intelectual em torno da questo agrria brasileira e suas conexes com as transformaes sociais que estavam em curso. Procuro saber como os intelectuais de-finiram e interpretaram a questo agrria, como essas interpretaes se vinculavam aos projetos de pas de que eram portadores e como interagiram com a poltica no perodo. A anlise permitiu definir a formao de trs campos distintos, que conformaram linguagens de interpretao da questo agrria, a saber, o reformismo de esquerda, o reformismo liberal e a razo modernizadora. Esses campos no so internamente homogneos, comportam significativas diferenas entre autores que, todavia, possuem um forte dilogo interno e comparti-lham matrizes tericas e proposies que permitem distingui-los dos outros campos.

    O reformismo de esquerda relaciona-se ao debate produzido em torno do marxismo e do estruturalismo cepalino acerca da im-portncia da reforma da estrutura agrria brasileira como via de desenvolvimento. Deste debate participaram autores como Alberto Passos Guimares, Caio Prado Jr., Ignacio Rangel e Celso Furtado. Esses autores tendiam a considerar, em maior ou menor medida, a estrutura agrria como um obstculo ou uma desvantagem para o de-senvolvimento da agricultura e da industrializao brasileiras. Viam a reforma como uma alternativa para promover novas relaes de tra-balho e propriedade no campo, mais ajustadas a um projeto de estilo nacional-popular, ainda que a reforma tivesse para eles contedos distintos, notadamente no que diz respeito prioridade da distribui-o de terras vis--vis a ampliao dos direitos trabalhistas no campo.

    J o reformismo liberal constituiu uma linguagem distinta de com-preenso da questo agrria que, embora compartilhasse a defesa de reformas e submetesse a estrutura agrria brasileira a severa crtica, fazia-o com razes prprias. Trata-se de um campo de intelectuais com forte influncia das teorias da modernizao norte-americanas, que consideravam a transio da agricultura tradicional para a agri-cultura de mercado um eixo decisivo dos processos de modernizao das sociedades perifricas e que viam na reforma da propriedade agrria a possibilidade de generalizao de uma mentalidade capi-talista no campo. A reforma aqui estaria associada a um projeto de

  • 288

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    formao de uma classe mdia rural com feies empresariais. Foi o projeto que moveu intelectuais como Roberto Campos e Paulo de Assis Ribeiro, bem como os think tanks do liberalismo brasileiro. Foi esta a verso que marcou as polticas agrrias do primeiro governo do regime militar e a elaborao do Estatuto da Terra em 1964.

    O reformismo agrrio, no entanto, foi objeto de cerrada crtica a partir dos trabalhos de Antonio Delfim Netto e posteriormente de Ruy Miller Paiva e Antonio Barros de Castro. Os trs economistas enfrentaram a viso da inadequao da estrutura agrria brasileira para a continuidade da industrializao, argumentando que a grande propriedade poderia ser um veculo de modernizao e que os gran-des proprietrios podiam responder s necessidades de crescimento da agricultura comercial, se recebessem os estmulos corretos. Esses trabalhos procuravam no s desfazer a imagem de atraso da estru-tura agrria como projetar um ideal de capitalismo agrrio assentado na grande produo agrcola crescentemente integrada com cadeias agroindustriais, assimilando um ideal industrial de produo agr-cola que se contrapunha ao iderio reformista. No era entretanto uma economia que se afirmasse com autonomia, na medida em que sua construo material dependia da vinculao com o projeto de de-senvolvimento conduzido pelo Estado durante o regime militar.

    O exame desta produo intelectual permite discutir o caminho singular da modernizao da agricultura brasileira durante o regime militar e o protagonismo que os intelectuais tiveram nesta constru-o e, dentre eles, um certo tipo de intelectual, o economista. Nos anos 1960, o reformismo agrrio constituiu uma alternativa real de desenvolvimento da agricultura que colocava em xeque, em maior ou menor medida, a continuidade da reproduo da grande propriedade e dos sistemas repressivos de controle da fora de trabalho no campo. Todavia, o desfecho das disputas em torno dos projetos de moder-nizao da agricultura apoiou-se em uma representao diversa do mundo rural, para a qual a questo agrria configurava-se como um problema de adaptao da grande propriedade a um ideal industrial de capitalismo agrrio, projetando um forte deslocamento do tema.

    A hegemonia de uma linguagem voltada para o grande capitalismo agrrio orientou um conjunto de polticas pblicas altamente seletivas. Neste perodo, o Estado fortaleceu suas capacidades como agente regulador da economia rural, do mercado de trabalho e de terras, de forma que a reproduo da economia agropecuria brasileira tornou-se largamente dependente da mediao estatal. As instituies criadas no perodo para a pesquisa agrcola, para o financiamento da

  • 289

    Felipe Maia Guimares da Silva

    produo ou para a garantia de preos tornar-se-iam indispensveis. Todavia, o fortalecimento das capacidades estatais no significou a submisso plena das relaes sociais no mundo rural ao ordenamento racional-legal garantido pelo Estado, restando campo ainda aberto a recursos de poder e violncia privada.

    O artigo busca ento investigar as condies em que emergiu esta nova interpretao da questo agrria, como ela se posiciona em re-lao s interpretaes concorrentes, como se relaciona com o projeto de modernizao do pas no regime militar e seus possveis efeitos para a ordem poltica brasileira.

    Questo agrria e modernizaoA relao entre questo agrria e modernizao tem um lastro im-

    portante na bibliografia das cincias sociais. Na virada do sculo XIX para o sculo XX, tanto entre autores marxistas quanto na obra de Max Weber, as transformaes em curso no mundo rural, com a emergncia de uma agricultura comercial organizada de forma capitalista, foram entendidas como parte decisiva do processo de modernizao, com efeitos igualmente importantes para a constituio da ordem poltica. O problema comum enfrentado por esses autores era como compreen-der a passagem de uma agricultura assentada em formas de proprie-dade da terra e organizao do trabalho oriundas do feudalismo para formas especificamente capitalistas em contextos de modernizao perifrica, nos quais a percepo do atraso, sempre relativo, em face das potncias capitalistas condicionava tomadas de deciso e levava ao engajamento do Estado na orientao dos processos de mudana. A Rssia czarista e a Alemanha bismarckiana foram referncias para pensar a questo agrria em ambientes de modernizao perifrica. Em ambos os casos, processos de transformao econmica, social e poltica, por exemplo, a emergncia de formas capitalistas de produ-o na cidade e no campo, a liberao dos antigos vnculos feudais e o questionamento dos poderes absolutistas, conviveram com ritmos e sentidos distintos, por vezes conflitantes. Lnin e Max Weber foram dois dos melhores intrpretes do perodo e podemos explorar a possi-bilidade de que, para alm de suas grandes diferenas metodolgicas e normativas, constituram uma hiptese convergente, a de que o senti-do que assumia a questo agrria poderia determinar ou ter grande influncia na conduo da modernizao capitalista, e que a dominn-cia das antigas classes dominantes agrrias na transio retardava a afirmao de uma hegemonia burguesa plena no mundo rural com efeitos conservadores para o ordenamento poltico mais geral.

  • 290

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    Weber abordou o tema primeiramente em seus estudos sobre a constituio do trabalho nas fazendas dos junkers prussianos, a nobreza de origem feudal que havia colonizado o leste alemo (a Prssia) e estabelecido forte hegemonia militar. Seu argumento era que os junkers foram forados durante o sculo XIX, em virtude das condies do mercado internacional de produtos agrcolas, a adaptar as condies de operao de suas fazendas a um regime capitalista, dissolvendo as antigas relaes patriarcais de dominao sobre o campesinato em favor de relaes cada vez mais capitalistas, o que significava introduo de trabalho assalariado, ruptura das relaes de moradia do campesinato nas terras senhoriais, convivncia com maior mobilidade espacial dos camponeses e, por vezes, a contratao de trabalhadores migrantes. Entretanto, os junkers no se convertiam inteiramente em uma burguesia agrria, pois no se entregavam de todo aos princpios de competio econmica e social estabelecidos pelo mercado, buscando especialmente manter a propriedade da terra como fonte de poder poltico e procurando por meio da influncia po-ltica engajar o Estado na defesa de suas posies econmicas. As con-sequncias eram diversas, o campesinato via reduzidas suas possibi-lidades de atingir a condio de proprietrio autnomo de terras tal como os farmers norte-americanos e, no plano nacional, os junkers sustentavam uma poltica econmica de forte vis protecionista que conflitava com interesses dos setores mais dinmicos da burguesia industrial, induzindo um modelo autrquico de desenvolvimento do capitalismo, no qual o Estado joga papel decisivo na arbitragem de interesses, com sentido desfavorvel para a democratizao poltica3 (WEBER, 1974, 1981, 1989a, b).

    Lnin, por sua vez, percebeu que o desenvolvimento do capitalismo na Rssia estava marcado por uma forte tenso com os controles esta-belecidos pelos grandes proprietrios agrrios sobre a terra e a fora de trabalho, estabelecendo um ritmo desigual segundo as possibilidades de ruptura com os controles tradicionais (LNIN, 1982). Esta tenso ganhou estatuto poltico ampliado com a revoluo de 1905 que abalou os fundamentos do poder autocrtico do Czar e iniciou um perodo de reformas no qual estariam em jogo as possibilidades da modernizao e da democracia na Rssia. De acordo com Lnin (1979), a resposta da autocracia aos movimentos revolucionrios de 1905 era construir uma

    3 Gerschenkron (1966) desenvolveu este insight weberiano mostrando como a defesa de polticas econmicas protecionistas pelos junkers alemes teve forte relao com o autoritarismo poltico.

  • 291

    Felipe Maia Guimares da Silva

    aliana entre o czarismo, os senhores de terra e a nascente burguesia industrial em torno de um programa de reformas que buscasse prote-ger a grande propriedade agrria das reivindicaes distributivas do campesinato. Ao mesmo tempo, esta categoria social se diferenciava internamente e estava sendo dividida pelas oportunidades abertas com o desmanche do regime de propriedade coletiva de terras campo-nesas e com os programas de colonizao das terras de fronteira, que possibilitavam a apario de uma categoria de camponeses enrique-cidos (os culaques). Stolypin, o principal ministro do Czar aps 1905, falava abertamente em transformar os culaques em farmers na esperan-a de produzir uma nova modelagem moral capaz de assegurar apoio coalizo monarquista4. Lnin conclua que o futuro da modernizao russa estava sendo jogado no campo, para onde pendesse a balana da questo agrria, penderia o sentido da transformao social e poltica, ou seja, as esperanas de derrocada da autocracia residiam na mobili-zao camponesa por uma ruptura com os controles estabelecidos pela aristocracia feudal no campo, abrindo caminho para um processo de democratizao poltica5. A questo agrria comportaria ento duas solues, uma via prussiana de desenvolvimento, na qual a grande propriedade de extrao feudal no se desfaz e comanda o desenvolvi-mento capitalista, ou uma via americana, pautada pela ruptura com a dominao tradicional e assentada produo capitalista controlada pelo campesinato (LNIN, 1974).

    Tambm o trabalho de Barrington Moore (1975) pode ser visto em linha de continuidade com as interpretaes de Lnin e de Max Weber. Moore, com base em rica histria comparada, sustentou que as res-

    4 Para um balano mais contemporneo da historiografia das reformas de Stolypin,

    ver Pallot (1999).

    5 Em 1905 e nos anos seguintes Lnin no considerava possvel uma revoluo socia-lista na Rssia; seu argumento era que ao campesinato e classe operria interessava

    um processo de democratizao poltica baseado na instaurao da Repblica, no su-frgio universal e na representao parlamentar. Como se sabe, apenas com a derrota

    da Rssia na I Guerra Mundial, Lnin props uma mudana de ttica, apoiando a

    constituio de um poder sovitico. Cabe notar que em 1905 h tambm uma mudana

    na orientao de Lnin em relao ao campesinato, j que em seus escritos anteriores,

    ele havia sido mais reticente quanto s possibilidades democrticas de uma via cam-ponesa de desenvolvimento do capitalismo, tal como assinalado por Shanin (1985).

    Weber, entretanto, avaliou a conjuntura na Rssia de forma diversa, desconfiando das

    possibilidades de desenvolvimento de uma agricultura capitalista sob hegemonia cam-ponesa (WEBER, 2005).

  • 292

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    postas que senhores de terra e camponeses produziram aos desafios da transio para a agricultura comercial foram decisivas para a con-formao dos regimes polticos nos processos de modernizao. De acordo como autor, h uma forte relao entre a forma como so trans-formados os regimes de controle da fora de trabalho e da proprie-dade da terra e as possibilidades de democratizao poltica. Moore considera que a permanncia de regimes coercitivos de controle da fora de trabalho e da grande propriedade territorial teve afinidades com processos de modernizao conservadora, isto , processos nos quais o aparelho estatal agiu tanto para introduzir transformaes econmicas e sociais quanto para preservar seletivamente as posies sociais das antigas classes dominantes. Este arranjo no possvel sem autoritarismo poltico, preservando ao Estado e seus dirigentes o controle do processo modernizador. Em contrapartida, haveria uma relao interna entre a ruptura com os controles aristocrticos sobre terra e trabalho e os processos de democratizao poltica.

    Os argumentos de Weber, Lnin e Barrington Moore ajudam a esta-belecer parmetros para discutir os projetos e os conflitos envolvidos na emergncia do capitalismo agrrio brasileiro durante o regime mi-litar. A hiptese convergente que, quando a expanso do capitalis-mo no desfaz as antigas redes de controle sobre a terra e sobre a fora de trabalho, h dificuldades ou at mesmo impossibilidade para a democratizao poltica. Isto porque a terra no se torna um ativo econmico simplesmente, mas conserva funes polticas e enseja a manuteno de formas repressivas de controle da fora de trabalho. Ao mesmo tempo, o Estado era mobilizado, como no exemplo alemo, para proteger diferencialmente a grande propriedade agrria, tornan-do a reproduo da economia dependente dos arranjos da poltica.

    Embora a agricultura comercial seja uma velha conhecida dos bra-sileiros, as condies plenas para o moderno capitalismo agrrio no estavam dadas desde a colonizao devido a sua combinao com um sistema repressivo de controle da fora de trabalho, a escravido, em fazendas de plantation, cuja produo era monocultora e voltada para os mercados internacionais6. A abolio da escravido no desfez

    6 Caio Prado Jnior (1994) a referncia clssica para o tema. As hesitaes com que

    a historiografia brasileira lidou com essa questo revelam a dificuldade de tratar con-ceitualmente a combinao entre agricultura comercial e controle repressivo da fora

    de trabalho e da terra. No consideramos necessrio tomar partido aqui na extensa

    polmica sobre o tratamento adequado do perodo, mas apenas constatar o que, de

    resto, feito por todos a singularidade do arranjo e sua longa durabilidade no tempo.

  • 293

    Felipe Maia Guimares da Silva

    essas redes de controle, rearticuladas por mecanismos de dependn-cia poltica ou de superexplorao da fora de trabalho que, em alguns casos, podem ser vistos ainda nos dias de hoje. Apenas em meados do sculo XX alguns desses sistemas comearam a ceder, como vem mostrando a sociologia brasileira, especialmente os trabalhos de Jos de Souza Martins (2010), de Moacir Palmeira (1989), Afrnio Garcia (1990) ou de Lygia Sigaud (1979). A emergncia do movimento cam-pons nos anos 1950 um indcio dessas transformaes, o que permi-te aproximar o perodo estudado daquelas transformaes apontadas pela literatura. Assim, o debate dos anos 1960 pode ser visto como o momento decisivo da questo agrria clssica no Brasil, isto , da questo agrria como uma luta poltica em torno do sentido que vai assumir a formao do capitalismo agrrio brasileiro.

    Neste debate constituram-se trs posies principais que podem ser mais bem examinadas enquanto linguagens distintas de interpre-tao da questo agrria. De acordo com Pocock (1987), linguagens podem ser entendidas como registros formais nos quais certas propo-sies podem ser estabelecidas e inteligivelmente compreendidas. As linguagens operam como discursos institucionalizados que fornecem o contexto primrio, nos quais os atos de fala podem ser compreen-didos e que estabelecem formas de mediao com as prticas. Assim, as linguagens nos permitem ter acesso s formas de autocompreenso da sociedade e estabelecer relaes com formas distintas de agncia. O estabelecimento das linguagens da questo agrria pode auxiliar a compreenso no s das controvrsias interpretativas mas tambm do aparato cultural e cognitivo que foi mobilizado nas disputas pol-ticas e na orientao da agncia do Estado e dos atores sociais.

    O reformismo de esquerda como linguagem de interpretao da questo agrria

    O reformismo de esquerda pode ser compreendido como uma linguagem de interpretao da questo agrria e como um campo de controvrsias intelectuais e polticas. Em comum, os autores tm uma referncia terica importante no marxismo e no estruturalismo cepalino, duas matrizes de interpretao que se encontraram em um mesmo espao poltico e intelectual no Brasil dos anos 1960. Politica-mente, o reformismo de esquerda se contrapunha a seus adversrios pela defesa de um projeto nacional-popular que buscava combinar uma via de desenvolvimento referenciada na nao com a incor-porao das classes subalternas. A afirmao da nao e do Estado nacional era vista como estratgica para a superao de um estatuto

  • 294

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    de heteronomia e dependncia em relao aos centros do capitalismo mundial, condio vista como necessria para o desenvolvimento da economia e para a incorporao das classes subalternas. As reformas estruturais eram consideradas decisivas para remover os obstculos ao desenvolvimento, e dentre elas, em maior ou menor medida, a reforma agrria era essencial. Neste campo, pode-se encontrar auto-res como Alberto Passos Guimares, Celso Furtado, Ignacio Rangel e Caio Prado Jnior7.

    Boa parte da bibliografia crtica deu mais destaque s polmicas polticas e tericas entre eles do que aos elementos de continuidade, obscurecendo a formao de uma linguagem comum8. Esses autores viram a estrutura agrria brasileira, em maior ou menor medida, como um obstculo ou ao menos como um problema para a conse-cuo do projeto de modernizao e desenvolvimento. Pensavam a questo agrria como parte de uma questo nacional, entendida como afirmao da soberania da nao no apenas do ponto de vista ju-rdico, mas como internalizao das condies do desenvolvimento econmico e social, superando as relaes de dependncia com os pases capitalistas centrais. Alberto Passos Guimares (1963; 1968) uma expresso modelar deste argumento, afirmando que a dominn-cia da grande propriedade rural, o latifndio, era a causa do atraso no desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, devido a sua afinidade com sistemas repressivos de controle da mo de obra que teriam por efeito a precria integrao dos trabalhadores nos circuitos econmicos e de direitos modernos, bem como o baixo nvel da tec-nologia utilizada na produo agrcola. Segundo Guimares agricul-tura extensiva, monocultora e voltada exportao so caractersticas intrnsecas do latifndio brasileiro que obstruem a generalizao da pequena (ou da mdia) propriedade, do assalariamento, em suma, de relaes capitalistas no campo, assim como obstruem a formao de um mercado interno robusto. O latifndio, como elemento central da estrutura agrria, o alvo da crtica e o objeto da reforma, sua remoo seria condio sine qua non para a transformao da questo

    7 Politicamente, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) ocupou posio central no

    dilogo entre esses intelectuais. O partido possibilitava a mediao entre as interpreta-es e um programa poltico de feio nacional-popular. Para uma anlise da poltica e

    do programa do PCB nesse momento, ver Werneck Vianna (1988).

    8 Moacir Palmeira (1971) , neste sentido, uma exceo ao valorizar (criticamente) as

    referncias comuns dos autores e procurar entender o debate como constitutivo de um campo poltico e intelectual comum.

  • 295

    Felipe Maia Guimares da Silva

    agrria brasileira e no poderia se dar de forma espontnea, isto , pela desagregao oriunda das crises econmicas ou do movimento do mercado, que vinham se mostrando insuficientes para abrir espa-os para um regime distinto de propriedade. A soluo seria a refor-ma agrria antilatifundiria e anti-imperialista, abrindo caminho para uma estrutura agrria que combinasse propriedade familiar e fazendas capitalistas.

    Embora Caio Prado Jnior divirja da tese de que o latifndio brasileiro seja remanescente de uma economia no capitalista, por consider-lo desde a colnia integrado aos circuitos mundiais de re-produo do capitalismo, o que no o leva a v-lo como obstculo ao capitalismo no campo, este autor tambm considera as relaes de trabalho e propriedade no campo um problema para a construo da nao (PRADO JNIOR, 1994). A rigor, a avaliao de Caio Prado tem dois momentos distintos, divididos pela aprovao do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963. Em um primeiro momento, a nfase maior do autor era na necessidade de distribuio de terras, embora no compartilhasse a concluso a que chegara Guimares de que o nvel tecnolgico da agricultura brasileira era rebaixado em funo da extenso da propriedade rural, argumentando que a grande produo no Brasil historicamente bons resultados econmicos. O problema estava na combinao entre grande propriedade voltada para o mercado exterior e controles repressivos sobre a fora de tra-balho, com a escravido e suas remanescncias. Estas ltimas eram derivadas do monoplio da terra, que no perodo aps a abolio da escravido obrigava os trabalhadores a procurar empregos em con-dies precrias, ou em relaes de semiassalariamento e de sujeio pessoal que constituam srio obstculo a sua integrao econmica e social. Desta forma, a reforma da estrutura de propriedade deveria ser combinada com legislao que operasse no eixo dos direitos tra-balhistas, limitando os processos de sujeio pessoal e fortalecendo a integrao dos trabalhadores em um regime pleno de assalariamento e organizao sindical (PRADO JNIOR, 1979). Nos textos posterio-res a 1963, Prado passa a considerar que a implementao da nova legislao trabalhista no campo deveria ganhar forte prioridade em relao poltica de reforma agrria, j que a elevao do estatuto civil e social das classes subalternas do campo teria efeitos transfor-madores de grande alcance, provocando uma mudana estrutural na economia de modo a favorecer a formao do mercado interno e a ruptura das condies de heteronomia no plano internacional (PRADO JNIOR, 1966).

  • 296

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    Redistribuio da propriedade agrria e ampliao dos direitos tra-balhistas formam os dois eixos principais em torno dos quais o refor-mismo de esquerda organizou sua crtica estrutura de propriedade e s relaes de trabalho no mundo rural brasileiro. Sua transforma-o era vista como condio para a formao plena da nao e para o desenvolvimento econmico, embora os ngulos com que o problema era atacado fossem distintos. Os temas tambm aparecem nos traba-lhos de Celso Furtado e de Ignacio Rangel. Furtado concentrou sua produo neste perodo na anlise da agricultura e do desenvolvi-mento econmico do Nordeste brasileiro, tema que no via restrito ao aspecto regional, mas que considerava como questo decisiva de integrao nacional, ameaada pela desigualdade regional. Esta desi-gualdade era considerada parte da condio de subdesenvolvimen-to da economia brasileira, uma estrutura heterognea formada por setores atrasados, marcados pela produo com baixa intensidade tecnolgica e voltada sobretudo para a subsistncia, e outros setores modernos voltados para mercados externos, caracterstica tpica da condio perifrica da economia brasileira no cenrio internacional. O desenvolvimento dependeria assim da homogeneizao dessas estruturas, com a elevao dos nveis de produtividade de todo o sistema econmico, o que s poderia ser alcanado com a industria-lizao. A questo agrria nordestina insere-se nessa perspectiva, pois sua formao histrica centrada no latifndio e na monocultura teve efeitos concentradores de renda, dificultadores da absoro de mo de obra e inibidores da formao de mercado interno, o que por sua vez explicaria o atraso relativo do processo de industrializao da regio em face da economia paulista onde a agricultura cafeeira teve consequncias distintas (FURTADO, 1959; 2009). Ademais, a es-trutura agrria, tanto nas regies mais midas produtoras de cana--de-acar, quanto nas mais secas dominadas pela pecuria e pelo cultivo do algodo, revelava-se pouco adaptada s condies demo-grficas e ambientais da regio, causando escassez de alimentos e m distribuio populacional (FURTADO, 1964). A profilaxia passava pelo planejamento estatal para induo da industrializao, pelo avano dos direitos trabalhistas (especialmente na regio canavieira) e por um conjunto amplo de medidas que inclussem a reforma agrria, a abertura de terras para colonizao em terras de fronteira no Mara-nho, projetos de irrigao e a transio da agricultura de subsistncia para a agricultura comercial.

    J Rangel construiu uma interpretao bastante independente em relao aos demais autores. Com Furtado compartilhou uma forte

  • 297

    Felipe Maia Guimares da Silva

    preocupao com a industrializao como condio para o desen-volvimento econmico brasileiro e procurou subordinar a questo agrria a esse problema mais amplo. Diferentemente de Guimares, no via no latifndio um problema em si mesmo para a emergncia do capitalismo, considerava at que poderia haver alguma vantagem na concentrao de capital para a promoo de investimentos na agri-cultura. A questo agrria deveria ser compreendida em torno do que chamava de problemas prprios ou impropriamente agrrios. Assim, a reforma da estrutura agrria, com realocao de recursos e de pessoas (o problema propriamente agrrio) no teria abrangncia nacional, mas deveria restringir-se s terras novas da fronteira agr-cola, distantes do latifndio, onde o Estado poderia com menor custo estabelecer um regime americano de propriedade. Nas demais regies, o problema era considerado impropriamente agrrio pois tratar-se-ia da incapacidade da economia agrcola de absorver os con-tingentes demogrficos disponveis, o que seria melhor equacionado com incentivos industrializao (RANGEL, 1962; 2005).

    O reformismo liberalO reformismo liberal representou uma resposta de lideranas em-

    presariais, polticas e intelectuais aos desafios colocados pelo ascenso da mobilizao camponesa, que, diferentemente dos setores conser-vadores, buscou incluir a reforma da estrutura agrria em seu reper-trio poltico. Essa resposta foi articulada de forma coletiva reunindo contribuies de intelectuais diversos em torno de algumas institui-es, sobretudo o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), o IBAD (Instituto Brasileiro de Ao Democrtica) e o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisa Social (IJNPS), que durante a primeira metade dos anos 1960 dedicaram-se ao estudo, debate e elaborao de pro-posies para a reforma agrria. Esses institutos funcionaram como verdadeiros think-tanks da elaborao de alternativas aos projetos do campo da esquerda. De maneira geral, disputavam o sentido da modernizao do pas, defendendo uma via assentada em princpios liberais de um capitalismo de mercado sob hegemonia burguesa. Re-cusavam o populismo, o nacional-popular e o socialismo. Foram refratrios s mobilizaes populares, s quais contrapunham solu-es tcnicas, temerosos da perda de controle poltico e social sobre as classes subalternas do campo. No estabeleceram ligaes polticas com essas mobilizaes. So essas, em ltima instncia, as linhas que demarcam sua posio com o reformismo da esquerda, embora pos-samos identificar, no que diz respeito s proposies e instrumentos

  • 298

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    de reforma agrria, referncias em comum. Muitos desses intelectuais fariam parte do primeiro governo do regime militar, sob a presidn-cia do marechal Humberto Castello Branco, vinculados ao prestigiado Ministrio do Planejamento de Roberto Campos. Muitas das proposi-es que defenderam foram consignadas no texto legal do Estatuto da Terra e ajudaram a formar as instituies que conduziriam a poltica agrria no perodo 1964-1967.

    A ideia propugnada pelos liberais de uma reforma agrria demo-crtica significava essencialmente uma reforma no socialista. No contexto de forte disputa ideolgica da Guerra Fria, os liberais tenta-vam demarcar um terreno prprio no qual a reforma agrria pudesse ser conectada com uma via de aprofundamento do capitalismo liberal no Brasil. A sociedade norte-americana era uma referncia poderosa para o imaginrio desses liberais, pela estabilidade e prosperidade que a ordem social burguesa havia alcanado. uma imagem de so-ciedade moderna bem ordenada, tendo inclusive vencido, no que diz respeito questo agrria, os obstculos para o desenvolvimento do capitalismo no campo. A reforma agrria deveria servir passagem da estrutura agrria brasileira atrasada a uma estrutura moderna, na qual a propriedade familiar teria lugar de destaque.

    A concepo e o repertrio desses liberais estiveram bastante in-fluenciados pelas teorias da modernizao e pelas iniciativas da poltica externa norte-americana no incio dos anos 1960. Esse foi um perodo de influncia do pensamento acadmico sobre a poltica externa nos Estados Unidos. De acordo com Gilman (2003), as teorias da moder-nizao representaram uma projeo americanista do modernismo para o mundo, um esforo intelectual para compreender o que estava acontecendo em regies ps-coloniais do mundo no ps-guerra e ao mesmo tempo para torn-las mais parecidas com a sociedade norte--americana, isto , menos parecidas com os soviticos ou os chineses. A modernizao diria respeito a um conjunto de transformaes que no se restringiam economia, mas englobavam a sociedade, a cul-tura, valores e normas legais. A modernizao era vista como o tipo certo de revoluo, uma projeo liberal das mudanas sociais em direo a um padro comum e convergente de desenvolvimento.

    Esses intelectuais ganharam espao na poltica externa americana durante o governo Kennedy (1961-1963) e sua principal iniciativa na Amrica Latina foi a Aliana para o Progresso (APRO), programa de cooperao, no mbito da OEA (Organizao dos Estados Ameri-canos), entre os Estados Unidos e os pases da regio. Com a APRO, a Amrica Latina ganhava importncia na agenda externa norte-ameri-

  • 299

    Felipe Maia Guimares da Silva

    cana e mudava o sentido bsico dos programas de auxlio financeiro, com a formulao dos projetos de desenvolvimento e das propostas de reformas sociais. O corolrio reformista da APRO era tributrio do imaginrio desenvolvido pela teoria da modernizao. Os Esta-dos Unidos deveriam interessar-se na modernizao das sociedades latino-americanas com o objetivo de garantir a transio em direo a sociedades abertas, utilizando para tanto as polticas de desenvol-vimento, sendo a reforma social planejada e orientada pelo Estado a via fundamental para atingir esses fins9. Os documentos da APRO sempre deram alta prioridade ao desenvolvimento rural, o que estaria relacionado percepo da alta concentrao demogrfica no meio rural. Contudo, possvel observar que ao longo dos anos a nfase inicial na reforma agrria perdeu fora, dando lugar aos chamados projetos de desenvolvimento rural, nos quais a transformao da estrutura de propriedade j no mais vista como condio para a modernizao da agricultura.

    A imagem do capitalismo norte-americano, a forma como a teoria da modernizao concebeu o desenvolvimento e as reformas pro-postas na APRO formaram o ambiente intelectual que teve influncia sobre as formulaes do liberalismo brasileiro. A essas foras poder-amos agregar um iderio cristo de justia social assentado na dig-nidade do homem e na distribuio da propriedade que ajudaria a formar alguns atores singulares, como o senador e ministro da Justia Milton Campos10, e que constituiria um dos eixos da argumentao desenvolvida pelo IBAD. O liberalismo americanista e o argumento extrado da doutrina crist tinham em comum a rejeio ao socialismo como uma via de modernizao.

    Para o IBAD, o sentido geral da reforma agrria deveria ser a de-mocratizao da propriedade pessoal da terra, entendida como um

    9 Como relata Campos (1994, p. 418), a APRO reforava a ideia do planejamen-to global como instrumento das polticas de desenvolvimento, combinadas com um

    programa de reformas bsicas em setores estratgicos da sociedade e da economia,

    tais como a agricultura, a educao, a habitao, o saneamento, a arrecadao fiscal.

    Esses projetos de desenvolvimento combinariam recursos pblicos com ajuda externa

    norte-americana, sendo que a capacidade tcnica para formular bons projetos seria decisiva para a captao de recursos externos, em substituio a uma viso de cunho assistencialista.

    10 So poucas ainda as referncias a esta articulao entre a doutrina crist e o pensa-mento liberal em torno da reforma agrria. Um registro deste encontro no pensamento

    de Milton Campos pode ser encontrado em Guimares (2006).

  • 300

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    elemento de segurana, independncia e responsabilidade que eleva a condio e a dignidade dos indivduos. Propriedade individual e no socialista ou coletiva, dar terra ao homem e no ao Estado (IBAD, 1961, p. 50). A estrutura agrria brasileira era considerada defeituo-sa por afetar negativamente o padro de vida das populaes rurais, gerando analfabetismo, mortalidade infantil, baixa produtividade do trabalho, excesso populacional e mau uso da terra. Na origem desses males, a distribuio de terras, problema que sobrepe-se aos outros pelo que representa como problema de elevao humana e de pro-moo do rurcola a um tipo de existncia mais compatvel com a sua dignidade de pessoa (idem, p. 55). Tratava-se de pobreza sem esperana, um crculo de misria em que no h perspectiva de ascenso social e econmica, que desvaloriza o homem e o trabalho agrcola. A distribuio de terras deveria servir formao de uma classe mdia rural, expresso que vai nortear boa parte da formulao dos liberais brasileiros, vista como condio para a modernizao no s da economia mas de um conjunto de relaes sociais, capazes da dar passagem a uma sociedade pluralista. A reforma deveria abrir ao maior nmero de pessoas o acesso propriedade da terra con-dio essencial para a instaurao, entre ns, de uma verdadeira de-mocracia econmica (idem, p. 63).

    O argumento desenvolvido pelo IBAD teve seguimento com o documento publicado pelo IPES em 1964, antes ainda do golpe. Este provavelmente foi o principal esforo de fundamentar uma via re-formista para o campo com um iderio plenamente liberal, desta vez desacoplado das referncias ao pensamento cristo que estavam pre-sentes no IBAD. A razo da reforma era modernizar o campo, favo-recer a transio para formas plenamente capitalistas de organizao agropecuria, de modo semelhante s formulaes iniciais da Aliana para o Progresso. Era uma resposta reformista s mobilizaes cam-ponesas, mas que tentava esvaziar o seu sentido poltico e enquadrar a reforma no mbito tcnico e pacfico. O principal redator do documento, publicado em edio bastante luxuosa, foi Paulo de Assis Ribeiro, especialista com vasto treinamento na questo agrria e que viria a ser o primeiro presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrria (IBRA) no regime militar.

    O IPES se somava aos que viam na estrutura agrria um obstculo ao desenvolvimento. A estrutura agrria era considerada indevida quando a terra desviada de seu fim produtivo para constituir-se apenas em objeto de especulao ou constituir-se em fonte de poder ou de prestgio social (IPES, 1964, p. IX). A existncia de um mo-

  • 301

    Felipe Maia Guimares da Silva

    noplio de terras impediria a formao plena do mercado de terras no Brasil, o que legitimaria o recurso interveno do Estado, que deveria se dar de acordo com a orientao de uma reforma demo-crtica, calcada na propriedade familiar e com assistncia tcnica estatal ou de empresas privadas. Como no documento do IBAD, o objetivo fundamental a ser atingido pela Reforma Agrria no caso brasileiro a criao de uma classe mdia rural, exigncia tanto do desenvolvimento econmico quanto do funcionamento do regime democrtico (idem, p. XV).

    Mas nem todo latifndio deveria ser considerado improdutivo e os que apresentassem bons rendimentos deveriam ser preservados da poltica de reforma. O latifndio produtivo tem de ser condicionado concomitantemente ao interesse econmico e preservao da funo social da terra (idem, p. 63). O principal instrumento da reforma de-veria ser a tributao progressiva das reas de latifndio, o que deveria forar a iniciativa privada a dar uso racional terra. O imposto ter-ritorial oneraria a propriedade improdutiva estimulando a sua venda e ao mesmo tempo possibilitaria arrecadar fundos para a compra de terras pelo Estado, isto , para a indenizao das terras desapropriadas e para o financiamento dos novos proprietrios (IPES, 1964).

    A reforma deveria fortalecer a propriedade familiar, conceito que seria prefervel ao de pequena propriedade, passvel de confu-so com o de minifndio, visto como reas minsculas economica-mente inviveis, espcie de contrapartida ao latifndio na estrutura agrria tradicional. A imagem criada de uma propriedade familiar apta difuso das tcnicas agrcolas mais avanadas, com organi-zao de cooperativas agrcolas, cujos efeitos econmicos positivos seriam sentidos na dinamizao do mercado interno. Mas a razo no apenas de ordem econmica, a propriedade familiar corresponde a um sistema de cultivo da terra e tambm a um modo de viver, sobre o qual a Europa construiu sua civilizao e os Estados Unidos sua prosperidade (idem, p. 69).

    A resposta liberal iniciativa de reforma agrria das esquerdas e s mobilizaes camponesas apontava para um imaginrio ame-ricano, no qual a distribuio da propriedade um recurso tanto para o desenvolvimento do capitalismo quanto para a modernizao social. Mesmo partindo de um ponto comum com o diagnstico hege-mnico na esquerda reformista a identificao da estrutura agrria como obstculo modernizao o reformismo liberal buscava fundamentar uma via distinta de modernizao, que apontava para um capitalismo agrrio de feio americana, em consonncia com

  • 302

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    o iderio da Aliana para o Progresso e com as teorias da moderniza-o. A opo por uma reforma tcnica e pacfica tentava estruturar princpios de seleo econmica para a determinao tanto das reas a serem reformadas quanto dos eventuais beneficirios. A agncia es-tatal estaria combinada com mecanismos de mercado, sendo o im-posto territorial o instrumento por meio do qual essas duas agncias se combinariam, induzindo a venda de propriedades improdutivas e ao mesmo tempo gerando os recursos necessrios para o financiamen-to da reforma. Essas foram as linhas bsicas das tentativas de reforma inscritas no Estatuto da Terra proposto pelo regime militar e aprova-do no Congresso Nacional em 1964.

    A economia imaginada do capitalismo agrrio brasileiroAs proposies dos dois reformismos foram contestadas pela

    emergncia de uma terceira linguagem, adversria da reforma agr-ria e mais estritamente comprometida com um ideal industrial para a agricultura. Em seus trabalhos Antonio Delfim Netto, Ruy Miller Paiva e Antnio Barros de Castro desafiavam a formulao de que a estrutura agrria seria um obstculo modernizao e projetaram uma via de desenvolvimento assentada na transformao da grande propriedade em moderna empresa capitalista. Esses intelectuais cons-tituam na batalha de ideias contra o reformismo uma economia ima-ginada do capitalismo agrrio, capaz de reposicionar a agricultura nos projetos de desenvolvimento e orientar a criao de instituies, isto , de regras e recursos, que induziram as mudanas sociais no mundo rural.

    A noo de economia imaginada serve para ajudar a compreen-der a relao entre o conhecimento produzido e as transformaes no mundo rural. uma categoria tomada de emprstimo sociologia eco-nmica11, enfatizando o papel das ideias, dos quadros culturais e cogni-tivos, bem como dos conhecimentos disciplinares na coordenao das aes econmicas. As ideias aqui ajudam a produzir antecipaes de futuro, coordenar aes e instituir tecnologias administrativas que con-duziram mudanas sociais. Dessa forma, remapeiam o espao social, poltico e econmico de modo a construir uma narrativa capaz de exigir adaptaes institucionais e de se difundir entre os agentes sociais.

    11 Ver Cameron e Palan (2004), Jessop (2002). Beckert (2010), embora no utilize o mesmo termo, outra referncia para pensar a interao entre ideias, interesses e instituies na

    economia. Sem sombra de dvidas, a maior inspirao para a importncia da imaginao

    econmica na construo do mundo econmico o trabalho clssico de Polanyi (1980).

  • 303

    Felipe Maia Guimares da Silva

    A economia imaginada do capitalismo agrrio brasileiro teve trs fontes principais e interligadas, a saber: a recepo de um ideal in-dustrial de produo agrcola, a revoluo verde e a economia agrcola enquanto disciplina universitria. Todas as trs esto ligadas forte circulao de ideias e de pessoas entre o Brasil e os Estados Unidos na segunda metade do sculo XX. O ideal industrial diz respeito transformao dos processos produtivos na agricultu-ra, incorporando tcnicas caractersticas da produo industrial: a produo em larga escala, a padronizao do processo produtivo, o uso de mquinas e da energia mecnica, a confiana em processos administrativos e a evocao da eficincia como critrio produtivo. Era o desejo de fazer de cada fazenda uma fbrica (FITZGERALD, 2003). Essas transformaes tiveram origem nos Estados Unidos do princpio do sculo XX, quando um conjunto de engenheiros passou a se dedicar agricultura, buscando adaptar os processos produtivos no campo lgica dos processos fabris e introduzindo as inovaes cientficas como vetor principal destas transformaes.

    Esses processos foram difundidos globalmente, sobretudo na pe-riferia do capitalismo mundial, na esteira da revoluo verde, ini-ciativa promovida pelo governo norte-americano que visava ampliar a produo agrcola em pases pobres, promovendo a ruptura do padro tcnico, com a utilizao, especialmente, de sementes hbridas de maior produtividade. O plantio das novas sementes exigia por sua vez a adaptao das prticas agrcolas a um pacote tecnolgico que inclua defensivos agrcolas (qumicos) e mquinas mecnicas (para colheita e preparo do solo). A revoluo verde era concebida como estratgia para evitar convulses sociais decorrentes da fome e para demonstrao das vantagens da agricultura racionalizada diante da diversidade de prticas locais, difundindo os valores e as prticas da agricultura comercial capitalista12.

    Outro ponto de apoio da nova economia imaginada foi a institu-cionalizao da economia agrcola enquanto disciplina universit-ria, outro processo de difuso cientfica e cultural transcorrido nos circuitos Estados Unidos Brasil. A economia agrcola forneceu as construes tcnico-cientficas para analisar e apoiar a transio de agriculturas tradicionais para agriculturas modernas, argumen-tando que esse processo dependia menos de condies culturais do que de estmulos estritamente econmicos. De importncia central foi

    12 Para um relato vivo de uma das principais lideranas da revoluo verde, ver Brown (1970). Para a crtica, ver Scott (1998) e Cullather (2004).

  • 304

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    o trabalho de Theodore Schultz (1965) que sustentava que a introdu-o de novas tecnologias e no a reforma da estrutura agrria era o fator determinante para romper o ciclo reprodutivo das agriculturas tradicionais, isto porque apenas a introduo de novos fatores produ-tivos (decorrentes do capital e no de terra e trabalho) poderia gerar novas oportunidades de lucro, alargando o horizonte de expectativas dos agricultores. Para ele, a soluo seria prover uma oferta adequa-da de novos instrumentos agrcolas a preos razoveis e difundir por meio da educao e do treinamento as tcnicas adequadas. Se fosse possvel produzir fatores modernos de produo a preos baixos, de forma que as oportunidades de lucro fossem evidentes, no haveria barreira estrutural ou cultural modernizao. Dentre os brasileiros, Ruy Miller Paiva foi provavelmente o economista que estabeleceu maior proximidade com Schultz e que exerceu papel importante na institucionalizao da economia agrcola nas universidades. Com ela, o argumento ganharia status de cincia e se reproduziria na formao de economistas e engenheiros agrcolas com participao ativa na di-fuso da modernizao.

    No Brasil, o iderio da revoluo verde teve afinidades e influn-cia em uma linha de interpretao da questo agrria que criticava o reformismo dos anos 1960. Os intelectuais brasileiros compartilhavam com seus correspondentes estrangeiros teorias, experincias, valores e objetivos polticos. Ambos os grupos acreditavam na capitalizao das grandes propriedades como instrumento para o crescimento do produto agrcola, no poder de transformao da introduo de novas tecnologias, na racionalidade de mercado dos agricultores e na inte-grao entre agricultura e indstria. Os intelectuais brasileiros che-garam a uma economia imaginada do capitalismo agrrio em parte por sua experincia prpria e pela observao da trajetria histrica do pas, todavia, o fizeram em um contexto poltico e cultural no qual o iderio da revoluo verde e da industrializao da agricultura tornava-se hegemnico, o que implicou em dilogo e mesmo colabo-rao efetiva. Para deslocar o reformismo agrrio, construram uma interpretao prpria da questo agrria brasileira e fizeram dela um capital cognitivo para a interveno poltica. Enfrentar a questo agrria significou para esses intelectuais afirmar uma concepo de desenvolvimento para o pas e ao mesmo tempo afirmar a si mesmos nos campos poltico e cientfico.

    No combate ao reformismo agrrio, dois argumentos centrais foram mobilizados: o primeiro tratava de desfazer a imagem de ineficincia da agricultura brasileira veiculada pelos reformistas; o segundo ques-

  • 305

    Felipe Maia Guimares da Silva

    tionava a necessidade da reforma como uma via de desenvolvimento. De incio, tanto Delfim quanto Paiva procuram mostrar por meio de estatsticas que o crescimento da agricultura entre os anos 1940 e 1970 no teria sido to fraco quanto pensavam seus adversrios. Delfim diz que entre 1952 e 1962 a agricultura cresceu no Brasil a taxas bastante razoveis (44%) e superiores s de muitos outros pases, por exemplo, a Argentina (21%). Paiva sustenta que, embora esse crescimento fosse inferior ao do setor industrial, era maior que o crescimento demogrfi-co, e que no teria havido aumento expressivo de preos, nem decrs-cimo do volume de exportaes agrcolas, no configurando situao crtica. Ambos os autores identificam tambm indcios de elevao da produtividade da terra e do trabalho desde a dcada de 1950, o que estaria a indicar um processo em curso de modernizao tcnica da agricultura, embora este no fosse homogneo em todo o pas e esti-vesse concentrado na ento denominada regio Centro-Sul13.

    Se o desempenho da agricultura era considerado positivo, tambm a imagem dos proprietrios rurais deveria ser reconsiderada. Longe do esteretipo do senhor feudal e do proprietrio tradicional resisten-te modernizao, a imagem preferida a do agricultor -empres-rio, apto a responder positivamente aos incentivos de modernizao da agricultura. No haveria nem na estrutura agrria nem no perfil de sua classe dirigente barreiras para a plena integrao da agricultura aos projetos de desenvolvimento e industrializao do pas. Os pro-prietrios agrrios j operariam de acordo com a racionalidade capi-talista, reagindo positivamente a estmulos de mercado, calculando a oferta de produtos em funo da demanda, protegendo os preos e a perspectiva de lucro. Segundo Delfim, a utilizao do fator terra de-pende somente da comparao entre os preos pagos aos produtores. Na verdade, os agricultores observam o comportamento do mercado e procuram utilizar os fatores de produo nos produtos que ofere-cem as melhores perspectivas de ganho (DELFIM NETTO; PASTORE; CARVALHO, 1966, p. 160).

    O que se buscava estabelecer era a existncia de um grupo apto para a modernizao, capaz de calcular em bases capitalistas, aceitar os riscos da inovao tecnolgica e operar em funo de estmulos de mercado. Esses seriam os agentes privilegiados da modernizao da agricultura, os portadores sociais dos valores e das tcnicas dese-jveis para o desenvolvimento agrcola. Aps um longo estudo, no qual acompanhou durante 15 anos 99 fazendas, Paiva afirmaria com

    13 Ver Delfim et al. (1966); Paiva et al. (1973).

  • 306

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    convico que esses produtores eram geralmente grandes ou mdios proprietrios, muitos deles capazes e desejosos de aceitar os riscos das inovaes, que mecanizaram numa escala significativa (NICHOLLS; PAIVA, 1979, p. 239). Longe de serem latifundirios ociosos, esses produtores eram vistos pelos autores como agricultores-empresrios, que operavam segundo a lgica capitalista e de mercado.

    Em contrapartida, a reforma agrria no era vista como necess-ria para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, que vinha por suas prprias foras encontrando espaos de crescimento econmico e modernizao, ainda que esse movimento tivesse suas limitaes. Mesmo no interior do pensamento cepalino, a reforma agrria foi du-ramente criticada no final dos anos 1960. Antnio Barros de Castro, operando a partir das informaes estatsticas produzidas por Delfim Netto, chega a concluso que a reforma no obedeceria a critrios eco-nmicos, mas apenas a teses de justia repartitiva (CASTRO, 1969, p. 80), pois seria foroso reconhecer que a agricultura no representava obstculo histrico nem ao crescimento econmico nem industria-lizao. Ademais, a reforma no contribuiria para a formao do mercado interno, tal como advogado por autores reformistas como Celso Furtado ou Caio Prado Jnior, isto porque a industrializao brasileira seria um processo histrico singular, que teria dispensado o mercado agrcola a partir dos mecanismos de substituio de im-portaes. Assim, a agricultura no desempenharia funes na acu-mulao primitiva da indstria, sendo a industrializao processo largamente autnomo em relao s transformaes agrcolas. O pro-blema para Castro conectar ambos os processos, o que significa na prtica industrializar a agricultura. A reforma agrria em vez disso induziria linhas de crescimento extensivo da agricultura, dificultando a absoro tecnolgica. a grande propriedade, na imaginao do autor, o agente social privilegiado da modernizao14. Ela que pode

    14 Comparando a transformao da agricultura na grande e na pequena produo,

    Castro assevera: no primeiro caso, temos a aplicao em ampla escala de mquinas,

    adubos qumicos, inseticidas etc.; no segundo, temos a prioridade deslocada para os im-plementos simples como o arado, para a melhoria das sementes, o uso de adubos verdes e orgnicos, o combate eroso, o cuidado com o espaamento etc. O primeiro gnero

    de agricultura supe unidades agrcolas de porte mdio ou grande, elevada capacidade

    financeira por parte dos proprietrios e, sem dvida, amplo apoio de polticas e progra-mas governamentais. Neste ltimo gnero de agricultura so amplas as encomendas ao

    setor industrial, o qual encontraria mercado (mais uma vez) para seus produtos de van-guarda: tratores, motores eltricos, produtos qumicos etc. (CASTRO, 1969, p. 130 131).

  • 307

    Felipe Maia Guimares da Silva

    inclusive abrir um mercado de consumo de produtos industriais de bens de capital, estimulando o processo de industrializao, vetor central do desenvolvimento econmico.

    Paiva tambm v um antagonismo entre a poltica em favor da mo-dernizao e a reforma agrria, a razo seria de ordem econmica, a redistribuio de propriedades pouco faria pelo crescimento do pro-duto. O balano que faz do tema, em 1973, aponta nesta direo, pois, argumenta, mesmo com todo o aparato institucional criado para a re-forma na esteira do Estatuto da Terra, seus resultados seriam medo-cres, apenas 13 projetos executados e pouco mais de 4 mil agricultores assentados (PAIVA et al. 1973). A reforma s faria sentido em casos muito especficos de latifndios com grandes extenses de terras fr-teis mal aproveitadas em regies de populao rural desempregada. Como considerava que a fonte do crescimento do produto agrcola era o incremento tecnolgico, a reforma s poderia se sustentar se houvesse recursos disponveis para tanto. Todavia, a modernizao da grande propriedade era mais vivel, conclua o autor.

    A difuso da modernizao dependeria, segundo Paiva, de um mecanismo de autocontrole dos prprios mercados agrcolas, no qual o investimento em insumos modernos s seria compensado com o crescimento dos mercados consumidores (no agrcolas), o que de-penderia por sua vez do crescimento industrial. Sem essa expanso da demanda, a expanso da oferta tende a levar baixa de preos, desincentivando novos investimentos, de forma que subsiste certo dualismo tecnolgico no setor agrcola, ou seja, produtores com nveis tcnicos distintos convivem no mesmo mercado. Esta convi-vncia no vista como anomalia, mas como parte do processo de modernizao, e reclamaria incentivos seletivos, escolhendo-se os produtos e os agricultores que tenham possibilidade de fazer com que os benefcios se tornem maiores que os prejuzos (PAIVA et al. 1973, p. 26).

    A economia imaginada e a poltica agrcola do regime militarBoa parte dos incentivos seletivos para a modernizao da agri-

    cultura e para sua industrializao esteve ligada criao do Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR), cuja regulamentao data de 1965, mas que s foi efetivamente implementado em 1967 sob o comando de Delfim Netto no Ministrio da Fazenda do general Costa e Silva. O SNCR marca uma mudana no padro de financiamento da produo agrcola, antes restrito a produtos e setores vinculados atividade de exportao. Agora havia uma poltica que contava com recursos

  • 308

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    fartos, juros incrivelmente baixos e orientada para a promoo de vn-culos entre o setor agrcola, a indstria e o capital financeiro15.

    O crdito viabilizou a integrao da agricultura com ramos indus-triais emergentes no pas, favorecendo a ampliao do consumo de insumos modernos e tambm a industrializao de produtos agrco-las. Por meio da linha de crdito de custeio, o Estado financiou o consumo de fertilizantes e defensivos, combustveis, raes e semen-tes, atrelados ao desenvolvimento de indstrias nacionais nos setores petroqumico e de sementes. A linha de investimento contribuiu para a compra de mquinas e tratores, favorecendo a poltica de substituio de importaes e internalizao de um setor de bens de capital no pas. J os crditos para comercializao favoreciam a integrao agroindustrial com a formao de grandes cooperativas e grandes empresas centralizadoras de capital16.

    Em seu conjunto, a anlise da distribuio do crdito revela sua importncia na estratgia de modernizao seletiva da agricultura. A distribuio foi concentrada em uma pequena parcela dos produ-tores, nas maiores propriedades rurais, nos maiores contratos, nas regies Sul e Sudeste do pas e em alguns produtos. Goodman (1986) e Gonalves Netto (1997) calculam que no mximo entre 20% e 25% dos produtores tiveram acesso ao crdito na dcada de 1970. Entre esses, ainda haveria evidncias de grande desigualdade, sendo que os grandes produtores ampliaram sua participao no decorrer do tempo17. Outro indicador importante de seletividade diz respeito aos produtos beneficiados, onde houve um vis para commodities expor-tveis, matrias-primas industrializveis e para a produo de trigo. Assim, apenas seis culturas caf, acar, arroz, milho, soja e trigo dominaram a alocao de recursos.

    15 Os estudos disponveis mostram que nos dez primeiros anos do SNCR a oferta de recursos cresceu ininterruptamente, de forma que em 1977 havia doze vezes mais recursos disponveis que em 1960. As taxas de juros foram baixas, oscilando entre 15% e 18% em um perodo em que a inflao variou entre 15% e 42%, ou seja, houve perodos em que os juros foram negativos, tendo que ser subsidiados pelo poder pblico. A participao do crdito no produto agrcola consequentemente cresceu de 42% em 1969 para 85% em 1979. Ver Gonalves Neto (1997) e Delgado (1985).

    16 Ver Delgado (1985).17 Gonalves Netto (1997) afirma que a participao dos grandes produtores subiu

    de 20,27% do valor total dos emprstimos em 1966 para 53,53% em 1976, enquanto a dos pequenos produtores caiu de 34,13% para 11,38%. J Goodman (1986) estima que os pequenos contratos representavam apenas 5% do total em 1976, ao passo que os maiores contratos absorveram 61% do crdito.

  • 309

    Felipe Maia Guimares da Silva

    O SNCR era catalisador da industrializao da agricultura em dois sentidos: a transformao da base tcnica e a integrao de capitais. No primeiro sentido, tem-se a adoo de processos oriundos das fbri-cas, de maquinrio e insumos industrializados na produo agrcola, de forma que a base tcnica da agricultura se aproxima da industrial e crescem as interdependncias intersetoriais. Esse processo mais antigo que a implementao do SNCR, mas foi acelerado na segunda metade dos anos 1960 e na dcada seguinte. Para alm dessa trans-formao tecnolgica, houve a partir de ento um processo de fuso e integrao de capitais, que se diferencia da integrao produtiva por resultar na formao de conglomerados empresariais agroindus-triais, que centralizam capitais agrrios, bancrios e industriais em sociedades annimas, cooperativas etc. Como mostra Delgado (1985), o capital financeiro elemento estratgico para esta nova articulao de interesses agroindustriais.

    A poltica de crdito seletivo funcionava, assim, como principal instrumento para a capitalizao das grandes propriedades e para a induo da modernizao da agricultura. Ela foi a tecnologia admi-nistrativa capaz de realizar a mediao entre o projeto hegemnico para a agricultura e a poltica econmica de industrializao defendi-da pelo regime militar. Desta forma, os grandes proprietrios rurais tornavam-se os portadores sociais das novas relaes entre agricul-tura e indstria, e os capitais agroindustriais adquiriam condies de organizar os novos sistemas produtivos. A poltica de crdito transformava o Estado em mediador privilegiado das novas relaes, na medida em que fornecia os recursos para os novos investimentos e as alianas entre agricultura e indstria. Este um perodo de grande ampliao das capacidades estatais no campo, o que no se relaciona apenas industrializao da agricultura, mas tambm organizao do trabalho agrcola, extenso do sistema previdencirio para o campo, poltica de colonizao das regies de fronteira. No que diz respeito economia, ao tornar-se promotor da industrializao, o Estado se legitimava como regulador da economia agroindustrial que se estabelecia, concentrando em suas agncias meios e recursos para tanto.

    Mudana social e efeitos das polticasDurante o regime militar, o mundo rural brasileiro sofreu grandes

    transformaes, algumas delas efeito direto das polticas do governo, outras relacionam-se a processos que guardam relativa independn-cia diante das polticas. A ao do governo interferiu diretamente

  • 310

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    no ritmo da modernizao da base tcnica da agricultura e em sua direo. O programa de crdito rural favorecia a integrao entre a grande propriedade e as indstrias produtoras de insumos e maqui-nrio, ao vincular a tomada de crdito deteno de ttulos de pro-priedade rural e ao direcionar os recursos para a compra de produtos industriais. A abertura desse mercado foi importante para o prprio desenvolvimento da indstria, tendo sido este o perodo de maior crescimento da produo de tratores, fertilizantes, sementes selecio-nadas e herbicidas, por exemplo. Ao lado deste setor, cresce tambm uma agroindstria processadora de insumos agropecurios, com a produo de leos, gorduras, margarinas vegetais, processamento de caf, raes, embalagens etc. Essas transformaes integravam os produtores rurais em cadeias produtivas mais amplas e favoreciam a modernizao da base tcnica da agricultura e da pecuria, no s em virtude do crescimento da produtividade mas tambm por reque-rer oferta mais regular e padronizada de produtos agropecurios. A integrao podia assumir formas diferenciadas, sendo possvel tanto o modelo vertical, com o controle sob a mesma empresa da produ-o agrcola e do processamento industrial, quanto a separao entre elas, tendo havido inclusive o estmulo e a formao de cooperativas de produtores, algumas das quais constituram-se em poderosas estruturas comerciais e financeiras18. Outro movimento foi o da in-tegrao de capitais financeiros, formando grandes conglomerados intersetoriais que reuniam atividades agropecurias e industriais diversas, buscando equalizar internamente uma taxa de lucro mdia (DELGADO, 1985).

    Este o perodo de formao dos assim chamados complexos agroindustriais, expresso utilizada pioneiramente no Brasil por Al-berto Passos Guimares (1979) e que descreve as novas relaes entre agricultura e indstria, pautadas pela dupla via de integrao. Com o complexo agroindustrial, a agricultura pode ser cada vez menos com-preendida como setor autnomo da economia e suas dinmicas so cada vez mais atravessadas pelo movimento da economia industrial e do capital financeiro, j que sua reproduo depende de preos e condies de financiamento definidos fora do setor agrcola, sendo crescente o protagonismo dos grandes conglomerados.

    Nas fazendas, a industrializao da agricultura levou ao aumento do nmero de mquinas mecanizadas com efeito poupador de mo de obra devido substituio do trabalho humano em diferentes fases da

    18 Para um balano da integrao agroindustrial, ver Sorj (1980).

  • 311

    Felipe Maia Guimares da Silva

    produo. Isso favorecia a intensificao da atividade produtiva, com ampliao da produtividade do trabalho e da produtividade por rea, o que levou tendncia de ampliar a escala de produo (ampliao da rea) e ao reforo da especializao produtiva (monoculturas), tal como na agroindstria canavieira em So Paulo, inclusive com a eliminao de culturas intercalares (GRAZIANO DA SILVA, 1982). A utilizao de maquinrio mecnico costuma exigir na agricultura a padronizao e a uniformizao do espao de plantio, substituindo arranjos mais complexos e localizados de aproveitamento de inter-valos espaciais ou de combinao de culturas. Ao mesmo tempo, a mecanizao reduzia a necessidade de trabalhadores permanentes, embora no dispensasse a oferta de trabalho sazonal, no caso da cana, especialmente nos perodos de colheita, o que viria a criar uma nova categoria social, o boia-fria, trabalhador temporrio em condies precarizadas, muitas vezes sem qualquer registro de contrato de tra-balho, cuja remunerao era feita por diria ou por tarefa em jornadas extenuantes de trabalho (MELLO, 1976).

    O sentido geral das mudanas em curso para a organizao do trabalho foi o da ruptura de relaes tradicionais de dominao, assentadas na moradia permanente dos trabalhadores nas grandes fazendas, que assumiam formas muito diversas nas diferentes regi-es do pas. No Nordeste brasileiro, essas mudanas tiveram relao com a prolongada crise da economia canavieira, com os movimentos sociais contestatrios e com a mudana na legislao trabalhista em 1963. No se deveria contudo supor que a quebra de relaes tradi-cionais de dominao tenha levado a um processo generalizado de proletarizao; os estudos disponveis mostram que formas diversas de pequena agricultura foram recriadas no interior do mesmo proces-so, inclusive com o deslocamento de agricultores para as chamadas regies de fronteira19. Tambm no se deveria supor que relaes coercivas de controle de mo de obra foram eliminadas; a preserva-o do monoplio da propriedade da terra, que permitia inclusive o acesso diferenciado s polticas e ao crdito governamental, possibi-litava condies muito favorveis aos grandes proprietrios no ajuste das relaes de trabalho, no dispensando a utilizao da violncia quando julgassem conveniente. De toda forma, o direito se insinuava como uma mediao necessria nos conflitos trabalhistas, fornecendo a linguagem fundamental das reivindicaes das classes subalternas no campo (SIGAUD, 1979).

    19 Ver Garcia Jnior (1990), Martins (1975, 2009), Sigaud (1979), Velho (1976).

  • 312

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    Com relao questo fundiria, as polticas do regime militar ti-veram um efeito concentrador de propriedade da terra. Especialmen-te nas regies de fronteira, grandes extenses de rea foram transfe-ridas para o controle de grandes proprietrios e de grandes empresas em proporo muito superior s terras transferidas para pequenos e mdios produtores via programas de colonizao. Essas transferncias deram origem a uma srie de conflitos opondo colonos, posseiros e grandes proprietrios, o que motivou forte interveno militar na regio Amaznica (MARTINS, 1985). J a poltica de crdito rural in-duziu a outro tipo de concentrao de propriedade, que esteve mais associada financeirizao da terra, o uso da terra como reserva de valor, cuja expectativa de valorizao futura servia como prote-o contra os excessos inflacionrios do perodo, o que levou muitos empresrios distantes da atividade rural a adquirir terras, bem como intensificao da ao especulativa (RANGEL, 2004).

    Outra consequncia importante das polticas do regime militar foi uma transformao na relao do Estado com o mundo rural. Visto em perspectiva histrica mais larga, desde a publicao do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963, sob o governo democrtico de Joo Goulart, mas tambm no regime militar, cresceu a capaci-dade de interveno e de mediao do Estado nas relaes sociais, econmicas e polticas no mundo rural. Se historicamente o mundo rural havia sido refratrio expanso do ordenamento pblico e preservado espaos privados de controle sobre a terra, o trabalho e a economia, este um perodo em que o movimento se d em dire-o contrria, com o reforo das capacidades estatais. Por meio do direito trabalhista, o Estado passou a mediar conflitos, o que abriu oportunidades para a ao de sindicatos e movimentos grevistas. Por meio das polticas de modernizao, o Estado se tornou parte essencial da reproduo da economia agroindustrial. Esta expanso das capacidades estatais no tem contudo efeito inequivocamente democratizante, na medida em que a seletividade das polticas per-mitiu aos grandes proprietrios rurais a manuteno de controles sobre recursos essenciais para a reproduo da economia, consti-tuindo uma fonte de ampliao de desigualdades.

    ConclusoOs processos de modernizao da agricultura brasileira durante o

    regime militar foram em larga medida tributrios de uma construo intelectual que forneceu os instrumentos cognitivos e ideais para a orientao de formas diversas de agncia do Estado e dos atores so-

  • 313

    Felipe Maia Guimares da Silva

    ciais. Embora no se deva considerar que as prticas (e as polticas) respondem de maneira homognea a construes culturais, combi-nando de forma heterognea elementos oriundos de linguagens di-versas, foi a crtica ao reformismo agrrio e sua projeo de uma eco-nomia imaginada do capitalismo agrrio que obtiveram hegemonia na conduo da modernizao. Longe de ser um processo natural ou evolutivo da economia agrcola ou, como gostam de proclamar alguns de seus profetas atuais, fruto do empreendedorismo individual, o ca-pitalismo agrrio brasileiro contm em sua origem a arbitrariedade da construo intelectual e as marcas de uma hegemonia poltica inscrita nas instituies e nas polticas estatais de modo a estimular, induzir ou at mesmo criar os espaos e as condies para sua reproduo.

    Esta economia imaginada e a poltica econmica que lhe foi afim imprimiram uma dinmica de modernizao comparvel s moderni-zaes conservadoras da literatura clssica da sociologia, conferindo grande propriedade agrria o protagonismo na transio para o mo-derno capitalismo agrrio e reduzindo as possibilidades de afirmao de setores subalternos. O autoritarismo poltico permitiu controlar e reprimir os movimentos de contestao, bem como acelerar a im-plementao das polticas seletivas de crdito, de integrao agroin-dustrial ou de titulao da propriedade. O descompasso entre essa construo econmica e suas consequncias sociais est na origem de muitos dos problemas vivenciados aps a democratizao poltica, no que diz respeito desigualdade social, s relaes entre Estado e proprietrios rurais, s relaes trabalhistas no campo ou s formas de apropriao do territrio. So eles que recolocam a questo agrria em pauta nos dias de hoje, no mais como nas prescries de remoo de obstculos para a modernizao capitalista que povoavam a imagi-nao dos reformistas dos anos 1960, mas como parte dos esforos de democratizao e de afirmao de direitos necessrios para superar a modernizao conservadora.

  • 314

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    Referncias bibliogrficas

    BECKERT, Jens. How do fields change? The interrelations of institu-tions, networks and cognition in the dynamics of markets. Organi-zation Studies, v. 31, n. 05, p. 605-627, 2010.

    BROWN, Lester. Seeds of change: The green revolution and develop-ment in the 1970s. London: Pall Mall Press, 1970.

    CAMARGO, Aspasia. Brsil Nord-Est: mouvements paysans et crise populiste. Thse pour le doctarat du 3e. cycle Universit de Paris, Paris, 1973.

    CAMERON, A.; PALAN, R. The imagined economies of globalization. London: Sage Publications, 2004.

    CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994. CASTRO, Antonio Barros de. 7 Ensaios sobre a economia brasileira. Rio

    de Janeiro; So Paulo: Forense, 1969. CULLATHER, Nick. Miracles of modernization: The green revolution

    and the apotheosis of technology. Diplomatic History, v. 28, n. 2, p. 227-254, 2004.

    DELFIM NETTO, Antonio; PASTORE, Affonso C.; CARVALHO, Edu-ardo Pereira De. Agricultura e desenvolvimento no Brasil. So Paulo: Estudos ANPES n. 5, 1966.

    DELGADO, Guilherme C. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965 - 1985. So Paulo; Campinas: cone; Ed. Unicamp, 1985.

    FITZGERALD, Deborah Kay. Every farm a factory: the industrial ideal in American agriculture. New Haven: Yale University Press, 2003.

    FURTADO, Celso. Dialtica do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.

    ______. Celso. Formao econmica do Brasil (19590, Rio de Janeiro: contraponto 2009).

    GARCIA JUNIOR, Afrnio Raul. O Sul: caminho do roado. Estrate-gias de reproduo camponesa e transformao social. So Paulo: Marco Zero, 1990.

    GERSCHENKRON, Alexander. Bread and democracy in Germany. 2a. ed. New York: Howard Fertig, 1966.

    GILMAN, Nils. Mandarins of the future: modernization theory in cold war America. Baltimore and London: The Johns Hopkins Univer-sity Press, 2003.

    GONALVES NETO, Wenceslau. Estado e agricultura no Brasil: pol-tica agrcola e modernizao econmica brasileira, 1960-1980. So Paulo: Hucitec, 1997.

  • 315

    Felipe Maia Guimares da Silva

    GOODMAN, David. Rural economy and society. In: BACHA, Edmar; KLEIN, Herbert S. (Org.). Social change in Brazil, 1945-1985: the incomplete transition. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1986.

    GRAZIANO DA SILVA, Jos. A modernizao dolorosa. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

    GUIMARES, Alberto Passos. A crise agrria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

    GUIMARES, Alberto Passos. Quatro sculos de latifndio. 3a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

    GUIMARES, Juarez. O cristianismo e a formao da moderna ques-to agrria brasileira. In: PAULA, Delsy Gonalves de; STARLING, Heloisa Maria Murgel; GUIMARES, Juarez (Org.). Sentimento de reforma agrria, sentimento de Repblica. Belo Horizonte; Editora UFMG; Braslia: Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural, p. 198-234, 2006.

    IBAD. Recomendaes sobre a reforma agrria. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Ao Democrtica, 1961.

    IPES. A reforma agrria: problemas - bases - soluo. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, 1964.

    JESSOP, Bob. The future of the capitalist state. Cambridge: Polity Press, 2002.

    LNIN, V. I. Duas tticas da social-democracia na revoluo democr-tica. Obras escolhidas. v. 1. p. 381-472, So Paulo: Alfa - mega, 1979.

    LNIN, V. I. El programa agrario de la socialdemocracia en la revo-lucion rusa de 1905 - 1907. Obras escogidas. v. 2. p. 258-481. Buenos Aires: Editorial Cartago, 1974.

    LNIN, V. I. O desenvolvimento do capitalismo na Rssia: O proces-so de formao do mercado interno para a grande indstria. So Paulo: Abril Cultural, 1982.

    MARTINS, Jos de Souza. A militarizao da questo agrria no Brasil. 2. ed. Petrpolis: Vozes, 1985.

    MARTINS, Jos de Souza. Capitalismo e tradicionalismo: estudos sobre as contradies da sociedade agrria no Brasil. So Paulo: Pionei-ra, 1975.

    MARTINS, Jos de Souza. Fronteira: a degradao do outro nos con-fins do humano. So Paulo: Editora Contexto, 2009.

    MARTINS, Jos de Souza. O cativeiro da terra. 9a. ed. So Paulo: Edi-tora Contexto, 2010.

    MELLO, M. da C. DIncao E. Boia-fria: acumulao e misria. Petrpo-lis: Vozes, 1976.

  • 316

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    MOORE JR., Barrington. As origens sociais da ditadura e da democracia: Senhores e camponeses na construo do mundo moderno. Lisboa: Cosmos; Santos: Martins Fontes, 1975.

    NICHOLLS, W. H.; PAIVA, Ruy Miller. Mudanas na estrutura e produ-tividade da agricultura brasileira, 1963/73: Noventa e nove fazendas revisitadas. Rio de Janeiro: IPEA/ INPES, 1979.

    PAIVA, Ruy Miller; SCHATTAN, S.; FREITAS, C. T. Setor agrcola do Brasil: comportamento econmico, problemas e possibilidades. Rio de Janeiro: Graphos, 1973.

    PALLOT, Judith. Land reform in Russia, 1906-1917: peasant responses to Stolypins project of rural transformation. Oxford: New York: Claren-don Press; Oxford University Press, 1999.

    PALMEIRA, Moacir. Latifundium et capitalisme au Bresil: lecture critique dun debat. Faculte de Lettres et Sciences Humanes de lUniversit de Paris, Paris, 1971.

    PALMEIRA, Moacir. Modernizao, Estado e questo agrria. Revista Estudos Avanados, v. 3, n. 7, 1989.

    POCOCK, John G. A. The concept of a language and the mtier dhistorien: Some considerations on pratice. In: PADGEN, AN-THONY (Org.). The languages of political theory in Early - Modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. 19-38.

    POLANYI, Karl. A grande transformao: as origens de nossa poca. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

    PRADO JNIOR, Caio. A questo agrria. 2a. ed. So Paulo: Brasilien-se, 1979.

    ______. Caio. A revoluo brasileira. 2a. ed. So Paulo: Brasiliense, 1966. PRADO JNIOR, Caio. Formao do Brasil contemporneo: colnia. 23a.

    ed. So Paulo: Brasiliense, 1994. RANGEL, Ignacio. A questo agrria brasileira (1962). Obras reunidas.

    Rio de Janeiro: Contraponto, v. 2, 2005.______. Ignacio. Questo agrria, industrializao e crise urbana no Brasil.

    2a. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. SCHULTZ, Theodore. A transformao da agricultura tradicional. Rio de

    Janeiro: Zahar, 1965. SCOTT, James C. Seeing like a state: how certain schemes to impro-

    ve the human condition have failed. New Haven: Yale University Press, 1998. (Yale agrarian studies).

    SHANIN, Teodor. Russia as a developing society. London: Mac-millan, 1985.

    SIGAUD, Lygia. Os clandestinos e os direitos: estudos sobre trabalhado-res da cana-de- acar. So Paulo: Duas Cidades, 1979.

  • 317

    Felipe Maia Guimares da Silva

    SORJ, Bernardo. Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.

    VELHO, Otvio Guilherme. Capitalismo autoritrio e campesinato. [s.l.]: Difel, 1976.

    WEBER, Max. A situao dos trabalhadores rurais da Alemanha nas provncias do Alm - Elba - 1892. In: STOLCKE, V.; GRAZIANO DA SILVA, J. (Org.). A questo agrria. So Paulo: Brasiliense, p. 13-58, 1981.

    WEBER, Max. Capitalismo e sociedade rural na Alemanha. Ensaios de sociologia e outros escritos. Coleo Os pensadores. So Paulo: Abril Cultural, p. 95-113, 1974.

    WEBER, Max. Developmental tendencies in the situation of East Elbian rural labourers. In: TRIBE, KEITH (Org.). Reading Weber. London, New York: Routledge, p. 158 -187, 1989a.

    WEBER, Max. Estudos polticos Rssia 1905 e 1917. Rio de Janeiro: Azougue, 2005.

    WEBER, Max. Germany as an industrial state. In: TRIBE, KEITH (Org.). Reading Weber. London, New York: Routledge, p. 210-220, 1989b.

    WERNECK VIANNA, Luiz. Questo nacional e democracia: O Ocidente incompleto do PCB. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. (Srie Estudos, 64).

  • 318

    O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao ...

    Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 286-318

    SILVA, Felipe Maia Guimares da. O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao do capitalismo agrrio brasileiro. Estudos Sociedade e Agricultura, outubro de 2014, vol. 22, n. 2, p. 286-318, ISSN 1413-0580.

    Resumo: (O agrarismo brasileiro em questo: os intelectuais e a formao do capitalismo agrrio brasileiro). O artigo trata das interpretaes da ques-to agrria no Brasil e da formao do capitalismo agrrio brasileiro, estabelecendo relaes entre os projetos intelectuais e as mudanas ocorridas no perodo que ficou consagrado como modernizao con-servadora da agricultura. Identificamos a formao de trs distintas linguagens de interpretao da questo agrria e procuramos mostrar quais suas origens intelectuais, seus argumentos substantivos e suas relaes com os projetos polticos. A anlise se concentra na produo intelectual dos anos 1960 e 1970, mapeando as definies da questo agrria, as imagens que se constituram dos agricultores e do desen-volvimento da agricultura, bem como, desdobramentos polticos. Sugerimos que a constituio de uma interpretao hegemnica em torno da funcionalidade da estrutura agrria para o desenvolvimento do capitalismo foi elemento decisivo da conformao de polticas es-tatais que conduziram um processo de modernizao seletiva.Palavras-chave: questo agrria, modernizao, ditadura militar, intelectuais.Abstract: (Brazilian agrarianism in question: intellectuals and the forma-tion of Brazilian agrarian capitalism). This article treats interpretations of the Brazilian agrarian question and the origins of contemporary agrarian capitalism in Brazil, establishing connections between intel-lectual perspectives and social change during the 1960s and the 1970s, a period that has come to be known as that of conservative moder-nization of Brazilian agriculture. Three different languages of inter-pretation of the agrarian question are identified and their intellectual origins, substantive arguments and relations with political projects are explored in the article. The analysis focuses on intellectual pro-duction of the 1960s and 70s, mapping the definitions of the agrarian question, the images that were constructed of farmers and of agricul-tural development, as well as its political implications. The conclusion points to an hegemonic interpretation regarding the functionality of Brazilian agrarian structure for capitalist development as a decisive element in the formation of state policies that were behind a process of selective modernization.Key words: Agrarian question, modernization, Brazilian military regime, intellectuals.

    Recebido em novembro de 2014.Aceito em dezembro de 2014.