meus estudos e pesquisas em lexicologia e terminologia no maranhão
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Conjunto de trabalho realizados na área do léxico no MaranhãoTRANSCRIPT
LUÍS HENRIQUE SERRA
ESTUDOS E PESQUISAS EM
LEXICOLOGIA E TERMINOLOGIA
NO MARANHÃO
2013
O UNIVERSO LINGUÍSTICO DA MANDIOCA NO MARANHÃO
Autor: Luís Henrique Serra/UFMA/PROJETO ALiMA, [email protected] Orientador: Prof. Dr. José de Ribamar Mendes Bezerra/UFMA/PROJETO ALiMA Av. dos Portugueses, s/n, CEP 65085-580, São Luís – Maranhão, (98) 3301 8322, [email protected]
Resumo: A investigação do léxico de uma comunidade ou de uma atividade oferece informações
importantes para a compreensão do pensamento e da cultura humana e de suas especificidades. Considerando essa realidade, este trabalho, que se inscreve no âmbito Socioterminologia, tem como objetivo a recolha do léxico pertencente ao universo da mandioca no Maranhão. Este glossário pretende contribuir para a comunicação entre técnicos agrícolas e pequenos agricultores, visto que, na maioria das vezes, a comunicação entre eles sofre ruídos.
Palavras-chave: Léxico. Mandioca. Glossário. Socioterminologia. Maranhão. Abstract The research of a community lexic or a human activity provides important informations to the
way of thinking and the culture of a people and her specifities’ understanding. This study, inspired by Socioterminology, has the objective of select the lexic belong to the Maranhão universe of manioc. The manioc has economic and social importance in Brazil, and, mainly, in Maranhão. This glossary intends to contribute to the communication among agricultural technicians and the micro and small cassava farmers.
Key-Words: Lexic. Manioc. Glossary. Socioterminology. Maranhão.
INTRODUÇÃO
A agricultura no Maranhão é uma das grandes fontes de renda para a
população. Plantações de soja, arroz, cana-de-açúcar e mandioca colocam o
Maranhão entre as grandes potências agrícolas do país. O Estado está entre os
maiores produtores e consumidores de produtos agrícolas no Brasil. Dentre esses
produtos, destacamos a importância da mandioca:
Segundo relatório publicado pela EMBRAPA (MANDARINO; CUENCA, 2004), o
Maranhão é o quarto maior produtor de mandioca do Brasil, consumindo grande
parte do que produz. De acordo com o IBGE (2008), todos os municípios
maranhenses produzem e consomem a farinha, principal produto extraído da
mandioca; o município de Barreirinhas, segundo o Instituto, é o maior produtor e
consumidor do Estado. Esses dados apontam a mandioca como um dos grandes
produtos tipicamente maranhenses. No Estado, são muitas as pessoas envolvidas
com a mandioca: de grandes empresários a micro e pequenos agricultores
maranhenses que fazem da cultura da mandioca um meio de sobrevivência. Uma
peculiaridade interessante do universo da mandioca, no Estado é, sem dúvida, os
termos empregados pelos micro e pequenos agricultores de mandioca em suas
ocupações diárias.
Durante o processo de comunicação, são empregadas palavras próprias do
universo da mandioca que revelam as peculiaridades do português falado no
Maranhão. Este trabalho tem o objetivo de levantar a linguagem do micro e
pequeno agricultor maranhense em seu universo laboral de plantação de mandioca
e de produção de derivados.
OBJETIVOS
Ao desenvolver este trabalho, buscamos, entre outros objetivos:
Desenvolver estudos socioterminológicos no Estado;
Examinar a variação socioterminológica em uma língua de
especialidade;
Investigar especificidades do português falado no Maranhão;
Analisar a relação língua e cultura popular no estado do Maranhão;
Investigar a riqueza linguística e cultural do universo da mandioca no
estado do Maranhão;
Contribuir para uma comunicação mais eficiente entre técnicos e
especialistas e pequenos agricultores que trabalham com a mandioca.
JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
Esta pesquisa encontra as bases de sua importância em dois eixos: um
cultural e outro ambiental. No eixo cultural, como já demonstrado, a mandioca faz
parte do cotidiano maranhense. Faz-se presente por meio de alguns produtos
populares em nossa culinária, como a farinha seca e a d´água, o beiju, a tapioca, a
tiquira. Tendo em vista esse contexto, a investigação do universo laboral da
mandioca por meio de relatos de micro e pequenos agricultores, possibilita-nos
conhecer características próprias do falar desses maranhenses que, muitas vezes,
nunca frequentaram escola ou que, em alguns casos, só cursaram os primeiros dois
anos. Considerando essa realidade, observamos que o falar desses sujeitos, e em
particular sua língua de especialidade, não sofreu a influência padronizadora da
escola – que, via de regra, pauta-se pelo padrão do eixo sul-sudeste. Esse fato
favorece a preservação de certos traços característicos do falar local.
Com relação à questão ambiental, sabemos que a agricultura é uma das
principais causas do desmatamento florestal. Juntamente com a pecuária, é
responsável direta pela derrubada de inúmeras árvores, o que desequilibra a
temperatura do planeta, causando o aquecimento global. Por isso, os profissionais
da agronomia são dos principais responsáveis pela conscientização desse micro e
pequeno agricultor, em relação ao ambiente. Esse pensamento é uma das mais
fortes vertentes da Agronomia, que tem revisto o seu papel diante do
desmatamento ambiental. Segundo as correntes ambientais no âmbito da
Agronomia, o engenheiro agrônomo deve propor métodos e meios para a redução
dos desmatamentos causados pela agricultura, e isso é possível por meio da
conscientização ambiental do micro e do pequeno agricultor. Nesse sentido,
conhecer o falar e os termos peculiares concernentes ao universo dos produtos
agrícolas facilitará a comunicação entre o profissional agrônomo e os micro e
pequenos agricultores em seu trabalho de conscientização, ou em qualquer outro
trabalho com os agricultores.
REFERÊNCIAL TEÓRICO
A investigação do universo da mandioca no estado do Maranhão
fundamentou-se nas teorias que estudam o léxico e que se ocupam da produção de
dicionários e glossários especializados, como a Lexicologia, a Lexicografia, a
Terminologia e a Socioterminologia. Vale ressaltar que a Terminologia, ciência
fundada por Eugen Wüster em 1870, após a defesa de sua tese de doutorado na
escola de Viena na Áustria, é uma ciência que fundamenta a Teoria Geral do Termo
- TGT, também criada por Wüster, para quem as terminologias eram algo
encontrado somente nas áreas técnicas, pois acreditava que a linguagem produzida
nessas áreas precisava ser unívoca, e que o termo, menor unidade de uma língua
de especialidade, não estava sujeito às noções de polissemia, sinonímia, como as
outras palavras.
Em contrapartida, a Socioterminologia, ciência fundada por estudiosos
como François Gaudin, defende que o termo é uma unidade linguística como as
outras palavras da língua geral, e que a variação linguística, inerente a todos os
níveis da língua, atingia os termos (variação terminológica). Cabré com a Teoria
Comunicativa do Termo – TCT faz outra contraposição à TGT. Para a autora, línguas
de especialidade não são só as técnicas, todas as atividades humanas têm sua
própria linguagem. É com base nessas ideias que este trabalho foi produzido.
METODOLOGIA
Este trabalho de cunho socioterminológico foi desenvolvido durante um ano
(2009/2010). Na primeira fase da pesquisa, foram feitas inúmeras pesquisas
bibliográficas a trabalhos inscritos no âmbito das ciências que estudam o léxico –
Lexicologia, Lexicografia e Terminologia – e a autores como Cabré (1998, 2002),
Isquerdo (2004), Biderman (1987), Alves (2007), Fausltich (2004 e 2006) e Basílio
(2006). Também fizemos inúmeras pesquisas em sites de instituições como IBGE e
EMBRAPA, para consultar relatórios técnicos referentes à produção e ao consumo
da mandioca no Maranhão. Na segunda fase, recolhemos os termos pertencentes ao
universo da mandioca em diferentes municípios maranhenses – Pinheiro, São Bento,
Itapecuru-Mirim, Palmeirândia, Turiaçu, Tuntum e São João dos Patos – por meio da
aplicação de um questionário semântico-lexical da mandioca pertencente ao
projeto Atlas Linguístico do Maranhão – ALiMA. Os dados foram gravados em
gravador digital e, posteriormente, transcritos grafematicamente. Foram
selecionados pequenos e médios agricultores da mandioca, nos municípios citados,
com base no seguinte perfil: sujeitos de ambos os sexos, com mais de dezoito anos,
naturais da localidade pesquisada, e que trabalhassem com a mandioca há mais de
cinco anos. Com os dados transcritos, foi feita a seleção dos termos, que
comporiam o glossário, e a definição da micro e da macroestrutura do glossário.
RESULTADOS DA PESQUISA
A microestrutura do glossário foi definida da seguinte forma:
Termo entrada + categoria gramatical +definição + contexto (em alguns
casos) + variante + remissivas
O termo entrada é o termo tal como foi registrado no momento da recolha;
a categoria gramatical diz respeito à classe gramatical a que o termo pertence; a
definição trata do conteúdo nocional atribuído ao termo; o contexto é o registro do
termo na fala do entrevistado; e as variantes demonstram as diferentes formas que
um termo tem nas diferentes localidades pesquisadas; por fim as remissivas
remetem o leitor a outro termo dentro do glossário caso seja necessária outra
definição para que ele possa entender o termo em questão.
quadro de abreviaturas
Referências gramaticais Remissivas Sinais Gráficos
adj - Adjetivo s.f. - Substantivo
feminino s.m - substantivo
masculino sin. nom - sintagma
nominas sin. verb - sintagma
verbal v.t - verbo transitivo v. int - verbo intransitivo INQ – Inquiridor INF – Informante
v.- variante ver – ver
/ - fala do pesquisador [] - contexto
Abaixo, apresentamos, na íntegra, o glossário da mandioca no Maranhão,
resultado esta pesquisa1. Seguindo o modelo proposto por Barros (2004, p 158),
assinalamos que as entradas deste glossário foram registradas em letra minúscula.
O GLOSSÁRIO DA MANDIOCA NO MARANHÃO
abate s.m. Limpeza feita na roça de mandioca para retirada de ervas daninhas. [/
INQ – Mas o que é um abate? / INF – <Abate> é a limpa do pé dela (maniva)]. v
roça, broca; ver maniva.
amarelinha s.f. Espécie de mandioca cujo caule e folhas são amarelos. (A farinha
provinda desse tipo de mandioca é muito amarela.) 2. Espécie de mandioca com a
casca interna e a externa finas. [Tem delas que dá mais, a <amarelinha>, ela é
especifica pra amarelar a farinha, por isso que se chama <amarelinha> // A
<amarelinha> é porque ela tem a pele fina, ela e a Tatajuba];
anajá s.f. Espécie de mandioca com o caule amarelo. As terminações dos galhos
dessa espécie de mandioca possuem coloração avermelhada. . [(...) INQ – Como é a
madeira da anajá? INF – Ela é amarelinha. A madera é amarelo, <o talo> amarelo.
E o encontro <talo> com a folha, ela é toda vermelhinha].
antepele s.f. Casca grossa que envolve o tubérculo da mandioca e que é coberta
pela casca marrom, mais fina, da raiz. [(...) tem que descascar, que ali é donde tá
o leite, naquela casquinha de dentro INQ – O senhor disse <antepele>, o que seria
<antepele> INF – É a casca INQ – Entrepele? INF – Hun hun, é]. v casca, entepele,
antrepele, entrecasca, entecasca, entecasco, pelinha.
1 O glossário ilustrado em formato CD acompanha este trabalho.
arrebenta bucho sin. verb. Espécie de mandioca com o caule, galhos, raízes e
folhas grossos. . [(...) a arrebenta burro a madêra dela é engrossa mais (...) o talo
é mais grosso, a folha é mais grossa, essa é a arrebenta burro].
arranca s.f. Quantidade de pés de mandioca colhidos. [Não tem assim, por
exemplo, só fala em carro, vamo arrancá quinhentos quilos, olha, o preço, o valor
de nois fazê aqui, o total de <arranca>, é< arranca> que nois chama é mil quilo
pela arranca(...)].v carrada.
arranque v.t. Ato tirar a mandioca da terra por meio de um puxão com as mãos ou
uma ferramenta.
astra s.f. Caule da mandioca. [do paiavô é que nasce (a maniva), depois que você
corta aqui que ela sobe, chama-se depois de <astra>, de fora a fora (...)] v. asta,
maniva, pau de maniva, madera da mandioca, manico; ver maniva.
atata s.f. 1 - tubérculo da mandioca. [/INQ – Ah então eu posso chamar de batata
aquela que fica dentro da terra/ INF – Pode, é batata; /INQ – Posso chamar batata
da mandioca?/ INF – <batata da mandioca]. v. raiz.
babuzinha s.f. Espécie de mandioca com um alto teor de veneno. (Geralmente,
não é aproveitada para o consumo). [<A babuzinha>, ela é muito forte, ela tem
uma substância tóxica que é muito forte, diferente das outras. Tem até um dizê
aí, que se triscá na <babuzinha> já era, e é mesmo, ela tem uma substância muito
forte, e qualquer animal que bebê da água dela, morre em cima do lugá.]
baxão s.m. Terra muito úmida, imprópria para o plantio da mandioca. [É mais alto,
mas no <baxão> é que passa enchente que desce nos boca de vão e desce no
<baxão>, aí não pode prantá mandioca naquele lugá que onde a água passa por
dentro a mandioca não se dá, mandioca só se dá mais em terra alta]. v baixão.
beju s.m. Espécie de bolo fino e branco, feito da tapioca. (Geralmente consumido
com café, no café da manhã.). [Da tapioca se faz o bolo, a tapioca faz <o beiju>,
que no Ceará chama é a tapioquinha mesmo, aqui é o <beiju>, não sei por que esse
nome de <beiju> ]v beiju; ver tapioca.
bochecha do forno sin. nom. f. Parte lateral do forno. [Porque o forno, ele tem
que esquentá os lado dele assim, a gente chama <bochecha>]. ver forno.
bola do caititu sin. nom. Rolo de madeira com pequenas serras usado para ralar a
mandioca. [cevadô, ele é composto de um caititu, uma <bola> que a gente chama
caititu, arredondada, forma assim cumprida (...) naquele caititu, a gente vai
pressionando aquelas mandioca, já descascada e vai ralando]. v. bola, caititu,
cevadô, rolo; ver caititu.
braça s.f. Medida equivalente a dois metros e vinte centímetros. (Essa é a medida
usada entre as fileiras de mandioca). [Quando a gente pranta dentro de legume é
uma <braça>, quando não é, a gente pranta um metro e meio de espessura. que
quando ela cresce, ela enrama, topa uma na outra (...) / INQ – O senhor falou em
braça, quanto é uma braça?/ INF – Um<braça> é dois metro e vinte].
bucho do tipiti. sin. nom. m. Parte central do tipiti, onde é colocada a massa para
ser prensada.
cabeça do tipiti. sin. nom. f. Parte superior do tipiti que é colocada no sarilho para
ser puxada, comprimindo, assim, o bucho do tipiti para que a massa possa ser
prensada. [porque o sarilho, ele é completo em cima e embaixo. Em cima, ele tem
uma parte que tem que botá a <cabeça do tipiti> e embaixo, o rabo do tipiti.].ver
tipiti, bucho do tipiti.
caçuá s.f. Cesto trançado, geralmente feito de talo de bambu/taboca, com
pequenas alças, pelas quais se prende à cangalha, e usado no transporte da
mandioca. v jacá.
caititu s.m. 1. Instrumento, geralmente de madeira, utilizado para ralar a
mandioca; 2 Rolo de madeira com pequenas serras de metal que fica no centro do
banco do caititu; 3. (IM) Porco do mato que rói a raiz da maniva. [Eu mesmo faço a
bola aqui, nois bota no <caititu> ali no banco e vai botando duas liga no motô ali,
aí vai relando, eu vô cevando].v cevador; ver cevar.
careta do caititu sin. nom. f. Pequena caixa de madeira que fica sobre a bola do
caititu (Serve para evitar que os fragmentos da mandioca sejam lançados para fora,
durante o processo de ralação.). v máscara do caititu; ver bola do caititu.
carimã s.f. Espécie de farinha muito amarela à qual se adiciona coco. (O processo
de produção desse tipo de farinha diferencia-se do das outras porque, no momento
da fabricação, a mandioca é posta no molho, mas não puba como as outras
farinhas). ver pubar
carueira s.f. sobra da massa da mandioca depois de ela ter sido ralada no caititu.
(Pode ser reaproveitada para o consumo humano, para a preparação de um prato
conhecido como grolado. Em algumas localidades, serve para o alimento de
animais.). [a <crueira> é o resto da massa é um resto de massa não passa na
peneira, aí ela também dá farinha, num sabe]. v carueira, crueira, cruera; ver
grolado, caititu.
carreira s.f. Pés de mandioca plantados em fila. v lêla, lêra , lastro.
carga s.f. Quantidade de mandioca suficiente para encher dois cofos. [o senhor tá
vendo aqueles cofo ali? Uma <carga> é dois cofo daquele cheio].ver cofo.
carimã s.f. Espécie da farinha muito amarela misturada com coco. A mandioca
usada para sua produção diferencia-se em seu processo de produção da farinha
seca e farinha d´água quando é posta molho, não fica mole como as outras
farinhas.
casa de forno sin. nom. f. 1. Local onde se beneficia a mandioca para a produção
de farinha. 2. Local onde ficam todos os instrumentos para o beneficiamento da
mandioca. [INQ – E como é que se chama o local onde se beneficia a mandioca /
INF – <Casa do forno>]. v. casa de farinha, pubero, aviamento.
casca s.f. Parte da mandioca que envolve o tubérculo, a parte grossa que está
abaixo da pele. [É só a pelinha, aí depois de baxo daquela pele é a <casca>, cê
descasca, aí que toca na raiz mesmo, no branquinho dela] v. pele, antepele,
entepele, entecasca.
cocho s.m. Espécie de vasilha, em geral feita com um tronco de árvore escavado,
para colocar a mandioca depois de ralada no caititu. [tem um <cocho> aqui perto,
caboco coloca a massa depois de ralada, vai panhando as cuinha e depois vai
jogando dentro do forno].ver caititu.
caçuá s.m. Cesto trançado, geralmente feito de talo de bambu/taboca, com
pequenas alças, pelas quais se prende à cangalha, e usado no transporte da
mandioca. [INQ – Quando o senhor vai colher a mandioca, o senhor leva algum
instrumento? INF – levo o facão... o panero...<o caçuá> pra levá a mandioca no
animal (...)]
cofo s.m. Pequeno cesto feito com a palha da palmeira do coco babaçu, em que se
guarda a farinha ainda quente. [fazia uns <cofo>, empalha ela todinha dentro do
<cofo> com folha de pajauba (...) todo tempo ela é nova.].
cova s.f. Buraco feito no chão onde são postos os pedaços do caule da mandioca,
também conhecidos como astra, para a formação de um novo pé. [A <cova>. Cê
coloca ela ali, aí a gente encarca assim com o pé, aí bota certo, e torna encarcá de
novo pra nascê com sustância, pra não ficá fofo. Ali quando ela nasce, ela já nasce
com sustância (...)/ Ali o senhor cava com a <cova>, aí cortou um pedacinho da
maniva ].ver pedaços da mandioca, astra.
crueira s.f. Sobras da massa da mandioca depois de ela ter sido peneirada, podem
ser reaproveitadas para o consumo humano (grolado). Em algumas localidades,
serve para o alimento de animais. v. carueira; ver grolado
curussal s.f. Espécie de mandioca com a casca exterior grossa, a casca inferior
vermelha e massa amarela. [Aí tem <A curussal>...ela tem a entrecasca grossa com
entrecasco vermelho e a massa amarelinha]
dicutada adj. Relativo à mandioca que é separada do caule logo após ter sido
retirada do fundo da terra. (Essa operação de separação, geralmente, é realizada
com um facão ou um patacho.).
emprenseiro s.m. Pessoa que coloca a massa da mandioca para ser prensada. .[aí
vem o forneiro já pra torrá e <o imprensero> pra imprensar ].
empaneirar v.t. Colocar a farinha dentro do paneiro. [INQ – E o que fazer depois
que ela está fria/ INF – Aí você coloca ou no saco ou então <empanera>] .ver
paneiro
engana ladrão s.m. Espécie de planta com o caule amarelo e com os ramos
parecidos com os da mandioca. (Geralmente, na roça, é confundida com a
macaxeira e com a mandioca.). [e a <engana ladrão> é assim, amarelinha, que ela
é tipo macaxeira né? Cê vê e diz que é macaxeira e não é, aí a pessoa vai e se
engana, aí chamo <engana ladrão> ]. ver maniva
enxadeco s. m. Espécie de enxada de pequeno porte, com o cabo curto e a pá
larga, muito utilizada para arrancar a mandioca do solo.
farinha. s.f. Pó em que se transforma a mandioca, uma vez ralada, prensada e
torrada.
farinha branca sin. nom. f. Espécie de farinha de cor branca, com grãos finos,
feita de mandioca, sem que esta seja colocada para pubar. [Aqui a gente faz só
duas farinha, aquela ali de puba e a <farinha branca> (...) <farinha branca> é a
mandioca sem botá n’água ] v farinha seca; farinha de guerra; ver pubar
farinha de puba s.f; v. Espécie de farinha de cor amarela e com os grãos grossos,
feita de mandioca que foi posta para pubar. [É, a gente faz <farinha de puba>, que
bota ela dentro d´água, descasca e bota dentro d´água, com três, quatro dia, já
tá no ponto de tirá / A <(farinha) de puba> tem o gosto diferente, né? Fica assim,
caroçudinha, toda num jeitinho só] v farinha d´água; ver pubar.
farinhá v.t. Ato de produzir a farinha. [INQ – como vocês chamam a época da
produção da farinha? INF – nois aqui chama: fulano tá <farinhando>]
farinhada. s.f. Fabrico da farinha de mandioca. A farinhada começa, de fato, com
a colheita da mandioca e se estende até a produção da farinha; geralmente, dura
três ou quatro meses. [O mês é julho, que é o mês, setembro, junho, julho,
agosto, setembro, os três mês a gente mexe <a farinhada>]
farinheiro adj. Indivíduo que é responsável por mexer a massa de mandioca que é
levada ao forno para fazer a farinha. v. forneiro, farinheiro
forneiro. s.m. Pessoa que é responsável por mexer a farinha no forno e preparar a
farinha. [e o homem vai relá, aí a mulher vai lavá ali no pano, tirá a tapioca, aí
vem o <fornero> já pra torrá]. v mexedor, torrador, mexedor de forno
forno s.m. 1. Construção circular feita de barro ou de tijolo, com uma só abertura,
sobre a qual se assenta uma chapa de metal, também circular, em forma de tacho,
usada para cozer e torrar a massa da mandioca. 2. A própria chapa de metal.
[Depois que sai aqueles caroço, a gente seca no <forno>, quando a gente vai butá a
farinha, a gente bota dentro do <forno>].ver massa
fornada. s.f. Quantidade de farinha que é preparada de uma só vez, no forno. [A
<fornada> de farinha pra tirá é duas hora, três hora]. v tachada; ver forno.
forrageira s.f. Máquina usada para triturar a sobra da massa de mandioca,
conhecida como caruera ou cruera, que não passa pela peneira. [INF – Pra secá, aí
depois que ela secá, a gente joga na <forragera> torna a fazer outra farinha / INQ
– O que é que é forrageira que o senhor falou? / INF – Forragera, a gente coloca
assim, o pasto pra ela comê né, ela vai rodando, e a gente coloca aqui. Forragera é
tipo o caititu mermo, até a massa / INQ – Pra quebrar o.../ INF – É, pra quebrá o
grão. Até a massa a gente penera nele tamém, na forragera].v forrageira.
gamela s.f. Vasilha de madeira com a forma retangular, usada para colocar a
farinha depois de torrada, para esfriar. [/ INQ – Em que recipiente a farinha é
colocada, essa massa depois de torrada para esfriar?/ INF – Então, bota no... no...
na <gamela>, bota ela pra esfriá, depois ela vai pro saco].
grolado s.m. Prato comum na cozinha patoense e tuntuense, feito com as sobras da
mandioca depois de triturada no caititu, a que se adiciona azeite de coco babaçu e
sal; pode também ser preparado com açúcar. [grolado é a massa cozida, ela fica
bem cozida, e ela fez na panela, e temperado, bota o azeite de coco, bota sal, pra
ficá bem gostoso <o grolado>, aí de vez em quando aparece um grolado quando
tem quem faça]. v mingau da carueira; ver crueira.
leite da mandioca sin. nom. m. Líquido extraído da raiz da mandioca quando ela é
cortada. [ai cê corta aqui, aí o <leite da mandioca> sai assim oh]
lêla. s.f. Pés de mandioca plantados em fila. v lastro, fileira de mandioca, lera,
linha.
ligeiro. s.m. Roça de mandioca que não é consorciada, em que os pés crescem mais
rapidamente. ver mandioca livre, roça
lorêdo s.m. Espécie de mandioca com a casca externa grossa e a massa amarela. .[
<A loredo>...<a lorêdo> tem a casca grossa e o entecasco amarelo e a... a massa
amarela, aí já tem diferença, né?].ver casca, entrecasca, massa.
macau s.m. Antigo nome dado ao eixo da roda. [ (...)eles sevavam a mandioca
numa rodona que os home empurravam que tinha um eixo que eles chamavo de
<Macau>. Aí, esse <Macau> é tipo um eixo central]
má de tronco sin. nom. m. Praga que acomete o pé da mandioca e que faz com
que a raiz apodreça. [ tem várias praga que pega a maniva, como <má de tronco>,
má de tronco é que apodrece a maniva no fundo. Às veze o pé tá verdinho, mas
quando cê puxa, não tem mais nenhuma mandioca no pé(...].ver raiz.
mandiocal. s.m. Roça onde é plantado um grande número de pés de mandioca. v.
mandiucá; roça de mandioca.
mandioca apurada sin. nom. f. Espécie de mandioca não fibrosa e que rende uma
grande quantidade de massa. [(...)esse tempo agora a mandioca tá bem
<apurada>, <apurada> que a gente chama, é que tá rendendo, né]
mandioca livre s.f. Roça de mandioca que não é consorciada. [/INQ – Tem algum
nome que, por exemplo, quando a mandioca é plantada sozinha?/ INF –< Livre>/
INQ – Chama-se< mandioca livre?> Então se eu falar para alguém assim: “ Ah!
fulano tem uma plantação de <mandioca livre>, aí já sabe o que é?/ INF – Por que
ela não é consorciada]. ver. Roça consorciada.
mandioca São Vicente sin. nom. m. Espécie de mandioca que produz uma massa
amarela que, quando escaldada, fica cinza. [ (...) farinha d ´água se trouxé só
<são vicente>, ela não presta. A <são vicente>, ela é amarela, amarela que é uma
beleza,(...) mas quando torra, ela fica cinzenta].
mandioca de cavalo sin. nom. m. Espécie de mandioca que tem a batata muito
clara. [ você pode prantá uma mandioca dessa, que chamo <mandioca de cavalo>
que ela é alvinha, a macaxera dela é alvinha]. ver batata.
mandioca solteira sin. nom. f. Mandioca que é consorciada apenas com milho.
manipueira s.f. 1. Líquido que escorre do tipiti quando a massa é prensada. Em
algumas localidades, é aproveitada e serve para fazer molho de pimenta. 2.
Líquido de que se extrai a tapioca. [INQ – E esse líquido que sai da massa que foi
prensada/ INF – <Manipueira>/ INQ – Ah então manipeuira é essa água que sai?
INF – que sai. É, aquela água ali, se bicho bebe mata (INQ – Como é que vocês
chamam esse líquido que sai do Tipiti? / INF - <Tucupi> / INQ – Mas vocês
aproveitam para alguma coisa? / Não, tucupim, só da massa seca porque sai a
tapioca (...) e o da massa d´água, esse, não tem aproveito nenhum)].v tucupim,
tucupi.
maniva. s.f. 1. Planta da raiz da mandioca; 2. Designa o tronco do pé de mandioca;
3. A folha do pé de mandioca. [aqui, a gente chama de maniva, maniva, as ramas
/)(...) é que tudo entra na maniva, é tudo é maniva, essa linguagem de rama, a
gente tem pouco tempo que descobriu que era rama / A maniva que a gente chama
é só o tronco (inint) na hora de prantá a gente corta assim os pedacinho]v. astra,
rama.
massa s.f . Produto resultante da ralação da mandioca no caititu, que serve para a
fabricação da farinha. aí depois do caititu passa a <massa> de novo, quando enxuga
a <massa> na prensa, a gente coloca de novo no banco do caititu, torna ralá ela]
ver caititu
maria dos anjos s.f. Espécie de mandioca com folhagem abundante, caule e raiz
escuros. [INQ – E essa outra como é que é, a <Maria dos Anjos?> / INF – essa outra
ela dá um pouco maior, as ramas dela e a folha também mais larga, e essa
substância que tem nela, não é tão forte como essas outras / Maria dos Anjos que
é preta...quase preta].
maria viúva s.f Espécie de mandioca com caule de pequeno porte e com raiz
amarela. [ <Maria viúva> é uma mandioca baixinha e amarelinha]
moleque mané s.m. Espécie de mandioca com o caule e a raiz amarelos. [INQ – E
essa aí, como é que a gente identifica a <moleque Mané?> / INF – É porque a
madeira dela é amarela (...) a madeira dela é dessa cô aqui. Da cô que é a
madeira é a raiz]
olho. s.f. Pequenos botões no caule da mandioca, de onde nascem os ramos. [/INQ
– Então essa parte que o senhor tá chamando <olho>/ INF – De onde ela sai pra ,
né? Que ela tem uns bitoquinhos assim na maniva, na madeira, que é o pezinho, do
pezinho daqueles birgolinho que sai o olhim pra nascer]. v. bitoquinho,
birgolinho, olhín.
ouro do brasil s.f. Espécie de mandioca com a raiz, folhas e tronco amarelos. (A
farinha produzida com essa espécie de mandioca é bastante amarela). [ <A ouro do
Brasil> é toda amarelinha, não pode botá nem tinta, porque todas as outras carece
de botá tinta, e essa não].
patacho s.m. Facão com lâmina quadrada, muito utilizado na colheita da mandioca
para separar a raiz do caule.
pacifica pato s.f. Espécie de mandioca com a casca interna e a massa amarelas. [a
pacífica pato tem a casca fina, o entecasco amarelo, e a massa amarela
também...].
paneiro s.m Cesto fechado com folhas de árvores nativas e corda, onde a farinha é
guardada por um longo tempo. [ aí já se forma <panero>. Se ela ir pro cofo com
folha e esforradinha no jeito, aí se chama panero>].v. cofo.
pano s.m. Pedaços de pano sobre uma armação de pau onde se lava e retira a
tapioca do tucupi. . [É, os homem arranca, bota dentro de casa, a mulher vai
descascá, e o homem vai relá, aí a mulher vai lavá ali no <pano>, tirá a tapioca,].
v redinha.
pandu. s.m. Mistura de farinha com café puro ou com leite. [ Eu chamo tiquara,
<pandu>, eles chamo de todo jeito.]. v tiquara.
pau do sarilho s.m. Parafuso grande de madeira ou metal, na parte superior da
prensa. Quando enroscado, empurra a prancha contra a parte inferior da prensa,
para que, dessa forma, a massa possa ser prensada. ver prancha
parafuso da prensa. Sin. nom. m. Parafuso grande de madeira ou metal, na parte
superior da prensa. Quando enroscado, empurra a prancha ao encontro da parte
inferior da prensa, para que dessa forma, a massa possa ser prensada. ver prancha
pedaço da maniva. sint. Nom. m. Pedaço do tronco da mandioca que é separado
para ser plantado na cova, para que haja um novo pé de mandioca. v pedacinho da
mandioca. v pedacinho da maniva, semente, paiavô, rebolo
pele. s.f. Casca externa da raiz da mandioca que envolve a casca interna. [É só a
pelinha, aí depois debaxo daquela <pele> é a casca, cê descasca, aí que toca na
raiz mesmo, no branquinho dela].v pelinha
peba s.m. Espécie pequena de tatu praga nas roças de mandioca. [Lá pra nois é o
<peba> / INQ – Peba? O que é o peba? / INF – É uma cacinha dentro do mato (...) É,
come sempre a batata].
plantador de mandioca. s.m. m. Agricultor que cultiva somente a mandioca.
peneira s.m. Instrumento de forma retangular ou circular, constituído por uma
pequena armação de madeira, com uma rede metálica no fundo, que serve para
separar a farinha fina da grossa. [Quando a gente tá torrando ela, quando ela
começa chiá no forno, enxugá, andando assim no forno, né? A gente vai penerá ela,
a gente penera ela na <peneira> até ela ficá bem fininha até ela ficá igual a
farinha, ficá igual a farinha.]v. urupemba, urupema.
prensa s.f. Instrumento metálico ou de madeira formado por duas tábuas, ou
pranchas metálicas, uma superior e a outra inferior que, unidas, espremem a massa
até sair a manipueira ou tipiti. É por onde a massa da mandioca passa antes de ser
torrada. [<Prensa>, aqui é <prensa>, é manual a nossa. A gente bota uma camada
de massa, aí, bota uma Grade, tela de ripa em um. Aí bota outra camada até
encher, aí baxa aqui, ela tem um parafuso, aí vai apertando até a água saindo].
ver manipueira, tipiti
prancha s.f. Tábua superior da prensa. É empurrada pelo parafuso para baixo, para
que, assim, a massa possa ser prensada na prensa.
pubeiro s.m. 1. Local onde a mandioca é posta para amolecer. Pode ser em uma
vasilha ou em um rio. 2. no norte do Maranhão é o mesmo que casa de farinha. ver
casa de farinha
pubá. v.t. Processo de amolecimento da mandioca que acontece, geralmente,
dentro de um reservatório de água ou dentro de um rio, e que leva de dois a três
dias. A partir desse processo, a farinha é diferenciada em puba ou branca. [<Pubá>,
é o seguinte, ela deixa aquele estado que ela veio, ela é dura, dura, normal, aí ela
fica apodrecida, ela sai daquele estado]. v. pubar
pução. s.m Local, em um rio, em que a mandioca é posta para pubar. [/ INQ – E
quem não faz o pubeiro, faz o quê? / INF – A gente bota no igarapé direto, aí a
gente chama de <pução>]. ver pubar
rabo do tipiti s.m. Parte inferior do tipiti, constituída por duas cordas, que são
amarradas ao pé do sarilho para que o tipiti possa ser esticado e, assim, a massa
possa ser prensada. [ porque o sarilho, ele é completo em cima e em baixo. Em
cima, ele tem uma parte que tem que botá a cabeça do tipiti e em baixo, o< rabo
do tipiti>.].ver tipiti
roça s.f. Local em que são plantados os pés de mandioca.
roço s.m Limpeza feita na plantação de mandioca durante o crescimento da
planta. [INQ – O que é dar o roço?/ INF – Pegar a roçadeira e roçar o mato, pra
quando dá mês de junho cê rançá, rança no limpo].
roça no toco. s.f. Roça tratada sem auxílio de máquinas, tratada com materiais
primários (facão, enxada e patacho) e pela própria força do agricultor. [A <roça no
toco> é quando não tem mecanização, a gente mete no braço, tudo é feito na
força humana mesmo] . v. terra de toco.
roça consorciada sin. nom. f. Plantação de mandioca feita com outras culturas.
roçada s.f. Quantidade de mandioca colhida em uma farinhada. ver farinhada
roda s.f. Antiga armação de madeira com um eixo com pequenas serras,
movimentada pela força ,que serve para ralar a mandioca. É encontrada nos
pubeiros em que não há energia ou com agricultores que não têm condição de ter
um caititu. ver caititu
rodo s.m Utensílio de madeira utilizado pelo farinheiro para mexer a farinha no
forno. ver farinheiro, forno
sarilho. s.m. Utensílio de madeira constituído por dois pedaços de pau
atravessados onde são postos a boca e o rabo do tipiti para que este possa ser
esticado e, assim, espremer a massa da mandioca para sair a manipueira. ver boca
do tipiti, rabo do tipiti, manipueira.
semente s.m. Pedaço do caule da mandioca que é utilizado para replantio.(Termo
técnico que foi incorporado pelos plantadores de mandioca.). v pedacinho da
maniva; ver maniva.
sová v.t. Ato de golpear com a mão o tubérculo da mandioca até formar uma
massa. [ <sová> a mandioca é a gente batê nela até ela ficá macia, como uma
massa de ´pão. INQ – Com a mão mesmo, INF – com a mão mesmo].
suquiá v.t. Fazer brotar a mandioca pela segunda vez.. [Fica só a madeira, maniva,
depois ela torna a suquiá, ela brota de novo]. ver maniva.
talo da maniva sin. nom. m. Galho da mandioca. ver caititu, manupueira.
tapioca s.f. Farinha branca e fina, resultado da decantação da manipueira, após
passar pelo caititu ou pela prensa. Muito utilizada na cozinha, é matéria-prima
para mingaus, doces e bolos, principalmente o beiju. . [Da <tapioca> se faz o bolo,
a <tapioca> faz o beju, que no Ceará chama é a tapioquinha mesmo, aqui é o
beju]. ver caititu, manupueira.
tatajuba s.f. Espécie de mandioca com a casca interior fina, colhida um ano após o
plantio. [Tem uma tal de <tatajuba> (...) a amarelinha tem a pele mais fina, ela e
a <tatajuba>, só que a <tatajuba>, só é boa quando ela tá com um ano,
topadinho]. ver pele.
terra lelada. s.f. Roça de mandioca em que os pés estão plantados em fila. ver.
lêla
tipiti. Cesto cilíndrico longo e fino, feito de palha, com encaixes nas duas
extremidades que servem para apoiá-lo no sarilho. Possui um orifício na
extremidade superior, por onde a massa da mandioca é posta para ser prensada,
para extrair a manipueira. v. tapiti; ver sarilho
três ganchos s.f. Espécie de mandioca com batata comprida, fina e branca.
tucupi. s.m. 1. Líquido que escorre do tipiti quando a massa é prensada, em
algumas localidades é inutilizável, porém em outras, serve para fazer molho de
pimenta. 2. Líquido de que se extrai a tapioca. v manipueira
ubá s.m. vasilha de madeira onde a farinha é posta para esfriar quando não tem o
coxo. ver coxo
viana s. f. Espécie de mandioca com o caule de pequeno porte, menos arborizado,
e com a raiz amarelada, muito comum no norte do Maranhão. [ Viana, tem uma
chamada Viana, ela também é amarela, só que essa, ela cresce só uma vara assim,
ela não faz galho]
Expressões do universo da mandioca no maranhão bucho cheio, pau no rabo - Essa expressão está ligada ao momento da prensagem da massa de mandioca. O tipiti, no momento que é posto no sarilho para prensar, tem a parte do meio (bucho do tipiti) cheia de massa e sua parte inferior (rabo do tipiti) atravessada por um pedaço de madeira, conhecido como pé do sarilho. O ato de por o rabo do tipiti no pé do sarilho fez nascer essa expressão que foi coletada no município de Pinheiro, na baixada maranhense. ver tipiti, sarilho, massa, bucho do tipiti, rabo do tipiti.
quando não tem farinha, crueira serve – Essa expressão é uma adaptação da popular “quem não tem cão, caça com rato”. Ela foi coletada nos municípios de Tuntum e São João dos Patos. ver crueira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como a língua é um poderoso instrumento comunicativo, ela também
é um importante depósito de peculiaridades de um povo, pois por meio dela é que
o homem vai registrando todo seu universo, como nos afirmam Biderman (2007) e
Sapir (1961). Conhecer o universo linguístico da mandioca no Maranhão é, sem
dúvida, conhecer parte do universo sócio-histórico-cultural do Estado, bastante
peculiar, visto que seus usuários, ou seja, seus construtores são homens
trabalhadores que, na grande maioria das vezes, sofrem menor influência dos
falares de outras regiões, vindos por meio da escola, da televisão ou do rádio.
Dessa forma, acabam preservando elementos linguísticos e culturais
próprios do falar maranhense. Esperamos que este trabalho possa servir como um
instrumento para muitas outras pesquisas sobre o português falado no Maranhão,
bem como sobre a própria cultura maranhense, e ainda para a comunicação entre
aqueles que querem contribuir para a preservação do meio ambiente.
REFERÊNCIAS
ALVES, Ieda Maria. Neologia e níveis de análise lingüística. In. ISQUERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria. As ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia. v. 3. Campo Grande: EDUFMS, 2007.
BIDERMAN, Maria Tereza. A estrutura do léxico e a organização do conhecimento. Letras de Hoje, Porto Alegre, n. 70, p, 81-96, dez. 1987.
______. As ciências do léxico. In. OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri. As ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia. v. 3. Campo Grande: EDUFMS, 2007.
BARROS, Lídia Almeida. Curso básico de terminologia. São Paulo: EDUSP, 2004. BASILIO, Margarida. Formação e classe de palavras no português brasileiro. 2.
ed. São Paulo: Contexto, 2006. CABRÉ, Maria Teresa. A terminologia hoje: concepções, tendências e
aplicações. Tradução de: Thaís Araújo. In. KRIEGER, Maria da Graça; ARAUJO, Luzia (Org). A terminologia em foco. Porto Alegre: Instituto de Letras/ UFRGS: 2004, p. 9-30.
______. Uma nueva teoría de la terminología: de la denominación a la comunicación. In FERREIRA, Margarita Maria Correia. (Org). Actas del VI Simpósio Ibero–americano de Terminología. Havana: Colibri/ILTEC, 1998, p. 41 – 60.
CUENCA, Manuel Alberto Gutiérrez; MANDARINO, Diego Costa. Aspectos agroeconômicos da cultura da mandioca: características e evolução da cultura no estado do Maranhão entre 1990 e 2004. Aracaju: EMBRAPA. Tabuleiros Costeiros, 2006.
ISQUERDO, Aparecida Negri; KRIEGER, Maria da Graça. (Orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande: EDUFMS, 2004, v. 2.
IBGE – Maranhão – Mandioca – Quantidade Produzida. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/comparamun/comparaphp?codmun=210170&coduf=21...>. Acesso em: 22 maio 2010.
SAPIR, Edward. Linguística como ciência: ensaios. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1961.
UMA VISITA LINGUÍSTICA À CASA DE FARINHA E AO ENGENHO: A PRODUÇÃO DE GLOSSÁRIOS DE LÍNGUA DE ESPECIALIDADE
Luís Henrique SERRA2
INTRODUÇÃO
O dicionário, uma importante ferramenta pedagógica para o aprendizado de
língua materna e de língua estrangeira nas salas de aula, e ainda, um importante
meio para o desenvolvimento da capacidade comunicativa de seus leitores, tem
sido deixado de lado no conjunto de recursos utilizados para o ensino de língua,
sobretudo a materna. Isso acontece graças à falta de conhecimento da importância
do dicionário para a educação e para o ensino de língua, sobretudo por parte dos
profissionais que criam o currículo das escolas. É válido lembrar que o dicionário é
uma importante ferramenta onde está registrada grande parte do léxico das
línguas, parte essa que traz consigo os valores e a cognição dos falantes.
O dicionário, muito além do que simples consultor ortográfico, ou ainda, um
simples solucionador de enigmas lexicológicos (de elucidação de significados), é um
documento que sacramenta e documenta uma língua. O dicionário, por isso, liga
todos os diferentes grupos sociais por meio de uma língua na qual os falantes
encontram sua identidade. Esse documento soma-se a outros que dão à língua o
estatuo de língua oficial de um povo. No dizer de Krieger (2008),
Para além dessa natureza, o dicionário pode ser visto além de sua grande funcionalidade social que, nos tempos atuais, está expressa no seu papel de autoridade linguística. Essa dimensão de autoridade decorre de uma função prioritária que as sociedades lhe conferem: a de desempenhar o papel de código normativo da língua, constituindo-se em parâmetros das regras do “bem-dizer”. Ao mesmo tempo, o dicionário é a instância formal de legitimação de um idioma. Como costumo dizer, a obra lexicográfica é o “cartório das palavras”, pois lhes dá a certidão de nascimento. (KRIEGER, 2008, p 4)
Levando em consideração esses apontamentos, é importante que o uso do
dicionário seja uma realidade, tanto em nossas escolas quanto em nosso dia-a-dia.
2 Universidade Federal do Maranhão, Projeto Atlas Linguístico do Maranhão: [email protected]
Contudo, é válido recordar que o uso dos dicionários esbarra em inúmeros
problemas, tanto de ordem econômica quanto social: muitos dos nossos jovens não
possuem o costume de manusear um dicionário e, em alguns casos, desconhecem a
ordem em que os verbetes encontram-se dispostos e a motivação para essa
disposição. Sem contar que, em uma era de modernidade e informatização, é
considerável a necessidade de que a Lexicografia acompanhe o desenvolvimento da
sociedade, criando repertórios que possam ser introduzidos e manuseados em
ambientes eletrônicos e virtuais.
Nos setores especializados, o glossário e o dicionário são ferramentas de
importante valor, uma vez que eles ajudam os diferentes especialistas no processo
de comunicação. É amplamente aceito pela Socioterminologia que um domínio
especializado é povoado por diferentes indivíduos de formação social e intelectual
diferentes, sendo essa uma das principais causas da variação terminológica. Para
uma ampla cooperação entre esses indivíduos é preciso que haja também uma
possibilidade de diálogos, diminuindo as barreiras comunicativas naturais criadas
pela polissemia, dentre outros fenômenos da comunicação humana.
Nesse sentido, o uso dos repertórios linguísticos é fundamental. A Lexicologia,
no geral, tem encontrado, nos últimos tempos, diferentes modos de produção de
repertórios, visando à modernidade e à melhora na consulta de dados.
Seguindo essa linha, no âmbito do projeto Atlas Linguístico do Maranhão
(ALiMA)3, tem sido desenvolvidas metodologias para a produção de repertórios mais
modernos e que atendam mais eficazmente às necessidades comunicativas dos
diferentes níveis dos universos especializados, sobretudo os concernentes aos
produtos extrativistas e agroextrativistas mais comuns no Maranhão. Os glossários
produzidos no âmbito do projeto ALiMA, são descritos da seguinte maneira:
3 O ALiMA é um Projeto científico do curso de Letras da Universidade Federal do Maranhão, coordenado
pela professora Drª. Conceição de Maria de Araujo Ramos e está associado ao projeto Atlas Linguístico do
Brasil (ALiB). O Projeto possui como objetivo, entre outros, fazer um mapeamento geosociolinguístico do falar
maranhense em diferentes regiões do Estado. O produto final do Projeto serão cartas linguísticas com
informações fonéticas, fonológicas, lexicais, morfossintáticas e pragmáticas do português falado no Maranhão.
(...) no âmbito do Projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA), são produzidos repertórios lexicais que, além de recolherem, no âmbito cultural, uma parcela significativa do léxico maranhense, preocupam-se em registrar a variação socioterminológica desse universo. São exemplos desses trabalhos, os glossários: (i) da Festa do Divino no Maranhão (ROCHA, 2008), do caranguejo (MOREIRA; RAMOS, 2009), do reggae (OLIVEIRA, 2008) e da mandioca (SERRA,
BEZERRA, 2010). (SERRA, 2011, p. 159)
Tais trabalhos têm como objetivo a recolha e o reconhecimento lexical do
português falado no Maranhão. Eles têm em comum a metodologia, a produção e a
organização dos glossários, revelando, desse modo, uma metodologia própria criada
pelo Projeto. Esses trabalhos estão disponíveis em dissertações e monografias
defendidas nas Universidades Federais do Maranhão e do Ceará4.
Neste trabalho, trataremos das diferentes metodologias de produção de
glossários de linguagem de especialidade que têm baseado a produção dos
diferentes glossários criados pelo Projeto5. Para exemplificação, abordaremos a
metodologia da produção dos glossários da mandioca e da cana-de-açúcar,
elaborados por Serra (2010, 2011). Veremos a mudança metodológica
implementada pelo ALiMA, que consiste na adoção de programas computacionais
especializado na extração de termos para a elaboração de repertórios linguísticos.
Neste artigo, (i) serão tecidas algumas considerações sobre o trabalho em
Lexicologia e da Terminologia e as bases que fundamentam os trabalhos nesses
campos de pesquisa; (ii) será demonstrada a metodologia de produção dos
diferentes repertórios linguísticos criados no projeto ALiMA; (iii) será apresentada a
metodologia de produção dos glossários da mandioca e da cana-de-açúcar e a
mudança metodológica implementada para a produção do glossário eletrônico da
cana-de-açúcar; e, (iv) serão tecidos alguns comentários sobre a produção dos
4Os trabalhos defendidos nessas instituições, como a de Oliveira (2008), podem ser consultados pela
internet, nos sites das instituições, nos repositórios institucionais.
5 O Projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA) já produziu cinco glossários especializados de sete
diferentes âmbitos da cultura e da economia do Maranhão: os glossários do arroz (ROCHA, 2008), do
caranguejo (MOREIRA; RAMOS, 2007), do reggae (OLIVEIRA, 2008), da mandioca, da cana-de-açúcar
(SERRA; BEZERRA, 2010) e dos pescadores do município de Raposa – Maranhão (DIAS, 2006).
glossários especializados no Projeto ALiMA e sua importância para a descrição do
português falado no Maranhão.
DESENVOLVIMENTO
1. A PRODUÇÃO DE REPERTÓRIOS LINGUÍSTICOS
A produção de um repertório linguístico, especializado ou não, é um trabalho
bastante árduo, uma vez que exige bastante dedicação do repertorista, além de
uma responsabilidade que determina bastante conhecimento e consideração para
com o consulente. Criar um dicionário ou um glossário, ou ainda, um tesauros que
represente, pelo menos em parte, a realidade do léxico de uma língua, requer
muita técnica além de um conjunto de decisões e soluções lexicológicas que o
profissional da Lexicografia tem que tomar, dentre elas a lematização, a
construção de sistemas conceituais, o modelo da macroestrutura – se a organização
será onomasiológica ou semasiológica e quais os motivos e facilidades surgirão ao
consulente a partir dessas escolhas. Além desses problemas, há outros que são mais
prementes, como a decisão, por parte do profissional, do conceito de palavra
adotado, a fim de que sejam resolvidos os problemas das palavras complexas, os
fraseologismos entre outros nós que acompanham o ofício do lexicógrafo.
Sobre o fazer lexicográfico, nos afirma Pontes (2009, p 27):
[...] uma obra lexicográfica, que pretende ser científica, deverá refletir um embasamento teórico, pois o dicionário, segundo Krieger (2005, p. 105), não é organizado a partir de uma simples tarefa compilatória, que se resume a reunir dados já estabelecidos e convencionados socialmente. Ao contrário, subjaz a ele uma perspectiva lingüística determinada. Além disso, conforme ainda Krieger (2005), os dicionários deverão representar uma proposta lexicográfica específica, para adequar-se à compreensão do usuário visado.
Como vemos, a produção de um glossário ou de qualquer uma obra
lexicográfica requer bastante habilidade, além de algumas exigências que
demandam esforço, dedicação e tempo por parte do lexicógrafo, uma vez que ela
depende de uma considerável recolha de corpus oral e escrito. Além disso, o
lexicógrafo tem que partir de uma concepção linguística amplamente aceita pela
comunidade científica e seguir uma proposta metodológica consistente, que mostre
um modelo que melhore a consulta do público. Contudo, há alguns critérios de
produção de um repertório que tornaram-se quase que unânimes dentro da
lexicografia no geral (Terminografia, Socioterminografia e pela Terminótica). Em
uma obra lexicográfica não se pode perder de vista alguns critérios que permeiam a
pesquisa.
1.1. RECOLHA DOS DADOS E ORGANIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS
A produção de glossários de linguagem especializada passa por algumas fases,
que vão desde a pesquisa de recolha das informações sobre as localidades
pesquisadas e o material coletado em documentos, até a fiscalização e revisão do
glossário por um especialista da área investigada. Um dos mais importantes passos
na produção de um glossário ou dicionário de um determinado domínio é, sem
dúvidas, a escolha do público alvo, porque é a partir dessa escolha que são
determinadas características fundamentais da metodologia de criação do
repertório, que vão desde a escolha dos textos para a extração dos termos (se com
densidade terminológica ou não) ao modo de organização da micro e da
macroestrutura, passando pela produção das definições, entre outros aspectos.
A extração de corpora pode ser feita de modo automático ou manual. Com os
inúmeros softwares de extração de termos, disponíveis na grande rede (wide web)
de forma gratuita, a extração automática tem sido de grande valor para os
trabalhos de corpora escritos. Geralmente, nessa fase, são selecionados diversos
textos de distintos níveis de especialização e com objetivos comunicativos
específicos, alcançando diferentes níveis terminológicos. Após a seleção, os termos
são analisados e escolhidos para uma segunda fase.
Os trabalhos que se utilizam de corpora orais, por sua vez, caminham no
mesmo sentido acrescentando-se, apenas, uma subfase, que consiste na recolha de
dados de fala, a partir de contextos – entrevistas in loco ou em ambientes
preparados – produzidos por profissionais de diferentes categorias (níveis de
conhecimento) de um determinado campo.
Após a recolha do corpus, inicia-se uma das fases mais trabalhosas, que é a
identificação dos candidatos a termo e a organização das fichas terminológicas.
Esse trabalho pode ser feito durante a captura dos dados, porém, é válido lembrar
que, nessa fase, o modelo de ficha terminológica já deve estar pronto, com campos
que suportem o maior número de dados sobre os termos possíveis. Após o
preenchimento das fichas, a organização do repertório poderá ser iniciada.
A organização de um glossário é uma fase que exige bastante trabalho e
dedicação por parte de quem a realiza. Por ser uma atividade longa, que necessita
cuidado rigoroso, deve ser realizada sob muita atenção, sobretudo nas fases de
elaboração/recolha/organização das remissivas e dos campos conceituais, do
universo investigado.
A montagem do glossário, propriamente dita, é a reunião das partes que o
compõem. Nesta fase, os verbetes são organizados a partir de uma ordem
predeterminada – alfabética ou em campo temático –, seguida da digitação das
definições, e da inserção de imagens ou sons e vídeos (se digital). Por fim, é
necessário que haja a consulta (ou revisão) de um especialista da área, a fim de
que se obtenha certeza quanto às definições atribuídas pelo lexicógrafo, ao
verbete em questão.
2. OS GLOSSÁRIOS DA CANA-DE-AÇÚCAR E DA MANDIOCA: ETAPAS DE
PRODUÇÃO
Os repertórios da mandioca e da cana-de-açúcar são glossários6 destinados a
leigos, semiespecialistas e especialistas da Agronomia dedicados à produção,
beneficiamento e comercialização de mandioca e da cana-de-açúcar, além de
linguistas interessados na descrição e análise do português, a estes últimos por se
tratar de repertórios que utilizam dados reais de fala para a sua produção.
A produção dos glossários da cana-de-açúcar e da mandioca, por sua vez,
seguiu a mesma metodologia desenvolvida para a produção de outros glossários no
Projeto ALiMA, salvo o da cana-de-açúcar, que na fase de elaboração contou com o
auxílio de ferramentas eletrônicas, como o analisador de textos Antconc e o
organizador de dados lexicográficos, o programa Lexique Pro. Também foi feita a
6 Muito embora a classificação dos repertórios ainda seja um assunto a ser discutido, justificamos a
classificação desses repertórios de glossários por repertoriarem conjuntos de elementos (unidades lexicais) e
acepções de um texto manifestado, conforme observamos em Barbosa (1996, p 35): “ o glossário lato sensu
resulta do levantamento das palavras ocorrências (Muller) e das acepções que têm num texto manifestado”
(grifos originais).
recolha de dados orais em diferentes localidades, importantes para a produção de
cana-de-açúcar e de mandioca do Estado. Os municípios foram escolhidos a partir
de dados de instituições oficiais brasileira, como IBGE, EMBRAPA e Ministério da
Agricultura e Abastecimento do Brasil, secretarias de agricultura e pesca, além de
associações de produtores de cana-de-açúcar dos diferentes estados brasileiros.
Após a recolha dos dados sobre a produção dos produtos em tela, o
questionário semântico-lexical do Projeto foi aplicado nas regiões previamente
selecionadas. Essa seleção obedece ao critério geoespacial, objetivando cobrir as
cinco regiões do Estado do Maranhão. Desse modo, foram investigadas, para o
estudo sobre a mandioca, sete localidades (Pinheiro, São Bento, Itapecuru-Mirim,
São João dos Patos, Palmeirândia, Turiaçu e Tuntum); para a pesquisa sobre a
cana-de-açúcar, foram visitados seis municípios (São Bento, Buriti, Central do
Maranhão, São João dos Patos, Sucupira do Riachão e Caxias).
Os informantes são selecionados segundo um perfil que objetiva capturar,
entre outras informações, as particularidades da fala da região, tendo,
preferencialmente, o menor contato possível com regiões fora do Maranhão e com
a escola, uma vez que a escola é um dos grandes transmissores culturais da região
sul-sudeste, por meio de seu material didático, construídos visando à realidade
dessa região. Dessa forma, o conjunto de sujeitos das pesquisas é constituído por
indivíduos de ambos os sexos, maiores de dezoito anos, nascidos no município
pesquisado e que estejam na atividade de plantio e beneficiamento de produtos
agrícolas por mais de cinco anos, e com menor contato possível com técnico-
agrícolas.
Quanto ao questionário desenvolvido pelo Projeto, o da mandioca e o da cana-
de-açúcar ambos são constituídos por 55 questões, que abordam cinco campos
temáticos do universo da cana-de-açúcar e da mandioca, a saber: plantação,
colheita, beneficiamento, armazenamento e comercialização. Além das questões,
são apresentados ao informante termos referentes aos dois universos estudados, a
fim de que seu conhecimento sobre a terminologia em questão seja testado, além
de verificar variação ou não na terminologia.
A partir do questionário, podemos desenhar a árvore de domínio da mandioca
e da cana-de-açúcar, como a seguir:
MANDIOCA / CANA-DE-
AÇÚCAR
A aplicação do questionário é gravada por meio de um microgravador,
sendo depois tratada e editada em microcomputador, a partir da utilização de
programas de edição de som, como Sound Forger 10.0 Pro. Após o processo de
tratamento e de edição, as gravações são armazenadas em CD-ROM, a fim de que
sejam ouvidas, transcritas e analisadas.
2.1. O GLOSSÁRIO DA MANDIOCA
A macroestrutura do glossário da mandioca é constituída por 110 entradas e
59 variantes. Os verbetes estão organizados em ordem alfabética linear,
caracterizando uma macroestrutura semasiológica. Os termos apresentam-se de
forma lematizada, desse modo, apresentam-se os substantivos e adjetivos no
masculino e singular e os verbos no infinitivo. Atentando para o modelo proposto
por Barros (2004)7, as entradas do glossário da mandioca estão escritas em letras
minúsculas. As do glossário eletrônico da cana-de-açúcar adotam outra
perspectiva, uma vez que o próprio programa edita automaticamente as entradas
em caixa-alta. Os sinônimos (e os parassinônimos) são considerados como variantes,
portanto, compõem uma parte do verbete destinada a eles. Quanto à homonímia,
tratou-se abrindo um segundo item na definição para o mesmo termo, dando, dessa
maneira, um tratamento polissêmico.
A microestrutura do glossário da mandioca é constituída por entrada escrita
em letra minúscula, seguida por uma sigla do município em que o termo apareceu,
visando demonstrar as particularidades de cada região e a variação diatópica; em
seguida, apresenta-se a classe de palavra a qual o termo faça parte, seguida por
uma forma variante (um sinônimo ou um empréstimo de outro domínio); logo após,
apresenta-se o contexto em que o termo aparece na fala do micro e pequeno
agricultor (no contexto, o termo é marcado por um sinal de aspas), o conceito e a
7O signo linguístico em posição de entrada deve sempre começar por uma minúscula, salvo nos casos de
convenções que obrigue sua escrita com maiúscula em qualquer enunciado. (BARROS, 2004, p 158).
PLANTA
ÇÃO
COLHE
ITA
BENEFICIAME
NTO
ARMAZENAMEN
TO
COMERCIALIZA
ÇÃO
remissiva do verbete. Os verbetes do glossário foram, sempre que possível,
ilustrados com imagens capturadas no momento da aplicação do questionário
semântico-lexical da mandioca nos municípios. Em alguns casos, foi acrescida uma
nota explicativa no final do verbete.
Assim, apresenta-se, no Quadro 1, abaixo, o modelo estrutural dos verbetes
do glossário socioterminológico da mandioca (cf. SERRA, 2011a), e exemplificado
no Quadro 2:
Quadro 1: estrutura do verbete da mandioca
Quadro 2: modelo de verbete da mandioca
TERMO-ENTRADA + SIGLA DO LOCAL ONDE FOI ENCONTRADO O
TERMO +CATEGORIA GRAMATICAL + VARIANTE + DEFINIÇÃO +
CONTEXTO DISCURSIVO EM QUE O TERMO APARECE + REMISSIVA +
IMAGEM ILUSTRADORA DO TERMO (QUANDO HOUVER) + NOTA.
1. Instrumento, geralmente de madeira, utilizado para ralar a mandioca; 2. Rolo de
madeira com pequenas serras de metal que fica no centro do banco do caititu; 3. (IM) Porco
do mato que rói a raiz da maniva [Eu mesmo faço a bola aqui, nois bota no <caititu> ali no
banco e vai botando duas liga no motô ali, aí vai relando, eu vô cevando]; ver cevar.
caititu (TL) S.M
2.2. O GLOSSÁRIO ELETRÔNICO DA CANA-DE-AÇÚCAR
O glossário eletrônico da cana-de-açúcar do Maranhão marca uma nova
metodologia para a produção de repertórios do projeto ALiMA. Foram utilizados
programas computacionais para o tratamento dos dados, acelerando, assim sua
elaboração e possibilitando a existência de melhores recursos para a apresentação
e divulgação das informações.
Com essa nova abordagem metodológica, o glossário da cana-de-açúcar pode
contar com um maior número de ilustrações e recursos imagéticos, como vídeo e
áudio, além dos recursos gráficos como letras e imagens. Esses novos itens
ajudaram na ilustração e na definição de inúmeros processos que, somente com a
descrição ou com o contexto explicativo, não seriam suficientemente
compreendidos. Com os programas, o trabalho de elaboração e impressão do
glossário da cana-de-açúcar pode ser feito em tempo hábil.
A fase de seleção do corpus deu-se por meio das transcrições do material
coletado com a aplicação do questionário semântico-lexical da cana-de-açúcar. Os
textos das transcrições foram convertidos do formato Word for Windows(.doc) para
o Rich text (.txt) de modo que pudessem ser inseridos no programa Antconc,
programa de tratamento de dados linguísticos, que possui como base o programa
WordSmith tolls 8 , a diferença é o número de recursos e a organização das
ferramentas na plataforma do programa.
Com o Antconc os termos foram extraídos com maior facilidade, uma vez que
conjunto de textos (24 transcrições) constituíram um corpus de mais de 3 mil
tokens.
Para classificar uma lexia como termo, o elemento deveria aparecer pelo
menos quatro vezes no corpus como um todo e deveria aparecer pelo menos duas
vezes em cada município, dado o número de localidades pesquisadas e o número de
informantes.
8 WordSmith tools é um conjunto de programas integrados („suite‟) destinado à análise linguística. Mais
especificamente, esse software permite fazer análises baseadas na frequência e na co-ocorrência de palavras em
corpora. Além disso, ele permite pré-processar os arquivos do corpus (retirar partes indesejadas de cada texto,
organizar um conjunto de arquivos, inserir ou remover etiquetas etc.), antes da análise propriamente dita.
(SARDINHA, 2009, p 8).
Depois de capturados no corpus, os termos foram inseridos no programa
Lexique Pro9.
Na plataforma do programa, é possível inserir informações dos termos com as
quais foram preenchidas as fichas terminológicas. O programa dispõe de espaços
destinados para inserção de informações, como termo entrada, classe de palavras,
variante, sinônimos, versão em idioma estrangeiro (inglês, francês, espanhol,
alemão entre outros idiomas) contexto explicativo, definição, imagem, som, vídeo,
nota explicativa, informações bibliográficas e etc.
A utilização do programa auxilia na organização da macroestrutura do
repertório, uma vez que ele organiza automaticamente (conforme o ajuste do
autor) em ordem alfabética ou em ordem semântica (onomasiológica). O glossário
eletrônico da cana-de-açúcar apresenta as entradas em ordem alfabética,
organizadas em um índice alfabético, encontrada à direita da plataforma do
glossário e um índice lexical, encontrado à direita da plataforma (cf figura abaixo).
A microestrutura do glossário está organizada de maneira que as informações
colhidas possam estar mais dispostas ao consulente de forma mais ampla possível.
Foi levado em consideração o fato de que as informações de um verbete devem
auxiliar, ao máximo, a definição, desse modo, a microestrutura está organizada da
seguinte forma: o termo é o primeiro elemento, figurando no alto da plataforma,
em caixa-alta e em negrito; logo em seguida é apresentado o corpo do verbete,
contendo informações linguísticas e pragmáticas, como a classe de palavras da qual
participa o termo, a variante do termo e a definição; logo após, seguem outras
informações, como local em que o termo foi encontrado (representada por siglas),
contexto em que o termo apareceu, imagem ilustrativa do termo e em alguns
casos, um vídeo ilustrativo.
A seguir, o esquema do verbete da cana-de-açúcar (SERRA, 2011a):
Quadro 3 – estrutura dos verbetes do glossário da cana-de-açúcar
9 O Lexique-Pro (...) é um software que permite criar bases de dados, gerenciar arquivos e gerar documentos em
formato de dicionário para Word ou para Web, conforme a escolha do usuário. O programa também permite
produzir dicionários digitais, a partir de sua própria plataforma (...) (LIMA, 2010, p 89). Detalhes da utilização
do programa, sugerimos a leitura de Serra (2011b) e Lima (2010).
Entrada + nota (com informações sobre o termo, como origem, local em que a
variante é encontrada, nota bibliográfica etc) + classe gramatical + variante +
definição + contexto em que o termo aparece + remissivas + ilustração (imagem,
vídeo)
Com isso, ilustra-se, a seguir, um verbete do glossário eletrônico da cana-de-
açúcar.
Além do repertório eletrônico, o programa permite que as informações possam
ser distribuídas em formato impresso, criando, automaticamente, um glossário em
plataformas de textos, como o Word For Windows (docx) e rich text (.txt). Isso é
possível graças a uma combinação de comandos detalhados em Lima (2010) e em
Serra (2011a). Além do formato impresso, com o programa é possível criar um
repertório em formato web, para que possa ser distribuído em páginas da web e em
blogs10. Por último, é importante salientar que o programa permite que o glossário
criado nele possa ser guardado em diferentes mídias, como CR-ROM, pendrives,
disquetes, PC, tabletes entre outras mídias e, desse modo, o glossário pode ser
manuseado em qualquer computador.
CONCLUSÃO
O projeto ALiMA possui uma metodologia própria para a produção de seus
glossários, firmada nos modelos produzido em diferentes centros de pesquisa do
léxico do português e nas necessidades apresentadas durante a pesquisa de
10
Uma cópia do glossário eletrônico da cana-de-açúcar do Maranhão em formato web pode ser consultada e
adquirida no blog COISAS LEGAIS, MEU MUNDO (www.luishenriqueserra.blogspot.com).
elaboração e de métodos de produção de repertórios linguísticos. Desse modo, o
Projeto tem se firmado no campo da lexicologia como um importante centro de
estudos sobre o léxico da língua portuguesa. A natureza do corpus com que se
trabalha no Projeto (oral) exige um tratamento especial no levantamento dos
termos, bem como na produção dos glossários.
O repertoriamento de termos no âmbito do Projeto ALiMA tem auxiliado na
tarefa de descrição e análise do português falado no Maranhão, uma vez que os
termos, em sua composição e natureza, têm as mesmas características da
variedade do português que é falada no Estado.
O adição de programas eletrônicos na produção de glossários é um importante
passo metodológico dado pelo ALiMA, uma vez que ela acelera a produção dos
repertórios e faz com que algumas etapas trabalhosas e demoradas possam ser
descartadas sem problemas para a produção dos glossários.
Esperamos que o glossário eletrônico da cana-de-açúcar possa ser só o primeiro
dos repertórios eletrônicos produzidos tanto no projeto quanto no Estado do
Maranhão. Esse é um marco importantíssimo para Lexicologia maranhense, pois
abre as portas para um campo pelo qual as pesquisas do léxico, no Maranhão,
caminham timidamente. As pesquisas sobre o léxico maranhense proliferam e têm
grande espaço no cenário nacional. Para que possam avançar nessa investigação, os
campos da informática e da rede mundial wide web ajudariam aos estudos a somar,
desse modo, com grande parte dos centros de pesquisas linguísticas no Brasil e no
Mundo, onde a informática já é uma realidade há longos anos.
REFERÊNCIAS
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Concepções. Cadernos de Terminologia. São Paulo, v 01, n 01, p 23-45.
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atlas linguístico do Maranhão em foco. São Luís: UDUFMA. Cap. 9. 104 – 119.
KRIEGER, Maria da Graça (2008). Porque Lexicografia e Terminologia: relações
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Maranhão: uma proposta de glossário. Dissertação (Mestrado em Linguística) –
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Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará. 2009.
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f. Monografia (Licenciatura em Letras). Curso de Letras, Universidade Federal do
Maranhão. São Luís, 2011.
A CACHAÇA NO LÉXICO BRASILEIRO: UM ESTUDO DAS FORMAS
SINONÍMICAS DO VOCÁBULO CACHAÇA NOS PRINCIPAIS DICIONÁRIOS
BRASILEIROS E NO CORPUS CONSTITUÍDO PARA O ALiMA
Luís Henrique Serra
UFMA/ALiMA/ CNPq
Este estudo é um recorte de uma pesquisa de iniciação científica financiada pelo Conselho
Nacional de Pesquisa (CNPq) intitulada O léxico da cana-de-açúcar do Maranhão: um estudo
com base no corpus constituída pelo ALiMA, que busca coletar o léxico da cana-de-açúcar no
estado do Maranhão em suas distintas localidades, e que terá como resultado final um
glossário eletrônico com os termos utilizados pelo micro e pequeno agricultor das lavouras de
cana-de-açúcar do Maranhão. Neste estudo, parte-se do pressuposto de que o léxico é o nível
em que a identidade de um grupo fica mais evidente, uma vez que os vocábulos de uma língua
resultam das experiências e sensações vividas pelo grupo ao longo de sua formação
identitária. Acredita-se também que a variação (as formas sinonímicas) encontrada no léxico
de uma língua é consequência das diferentes formas que uma cultura apresenta em distintas
localidades. Averigua-se as diferentes formas do vocábulo cachaça em quatro repertórios
lexicais do português brasileiro, a saber, o Dicionário do Folclore brasileiro, de Maior
(1982), o glossário Bebidas e Beberagens, do livro Tachos e Panelas: historiografia da
alimentação, de Lima (1999), o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de Houaiss
(2001), e o Dicionário de usos do português do Brasil, de Borba (2002) somados com os
termos encontrados em quatro localidades do estado do Maranhão, investigadas para a coleta
de dados que servirão na produção do Glossário da cana-de-açúcar: Buriti, Central do
Maranhão, São Bento e Rosário. Nos resultados, observou-se diversos e curiosos vocábulos
atribuídos à cachaça em dicionários e glossário brasileiros, bem como em nossos dados.
Vocábulos como:birita, branquinha, pinga, em Borba, 2002; água-pra-tudo, abre-bondade,
abre-coração, arrebenta-peito, água-que-passarinho-não-bebe, xarope-dos-bebo, ximbira,
cachorro-de-engenheiro,em Houaiss, 2001; aguardente, cachaça, pitu, mucura, jeribita, peru,
em Lima, (1999) e cabeça, pinga, aguardente, caxixi, surrupa e cachaça-de-cabeça, nos
dados do Maranhão. Esse resultado aponta para uma realidade bastante própria do universo da
cana-de-açúcar, e, em especial, no domínio semântico cachaça, no Maranhão e no Brasil; os
dados revelam que o povo brasileiro, em seu conjunto etmo-literário, atribui diferenciados
nomes à cachaça, dado a aceitabilidade e a incorporação deste produto dentro da cultura do
Brasil, nos diferentes lugares em que essa cultura se apresenta. É interessante observar que
mesmo os repertórios que estão voltados para um português idealizado como padrão, guardam
essa variação que contém formas bastante peculiares.
PALAVRAS-CHAVE: Sinonímia. Cachaça. Léxico. Repertórios lexicais. Maranhão.
A cachaça no léxico brasileiro: um estudo das formas
sinonímicas do vocábulo cachaça em dicionários brasileiros e no
corpus constituído para o ALiMA11
Luís Henrique SERRA12
Introdução
O léxico de uma língua é constituído por um conjunto de elementos importantes para a
compreensão e para a identificação dos falantes. De forma bem abrangente, o léxico é o
conjunto de elementos válidos semanticamente de uma língua, ou, no dizer de Vilela (1994, p
10) “compreendemos o léxico como a totalidade das palavras duma língua, ou, como o saber
interiorizado, por parte dos falantes de uma comunidade linguística”. Desse modo, deve-se
pensar que o léxico é o conjunto de signos que traduzem os conhecimentos que os falantes
acumulam ao longo de sua existência, de sua formação cultural e identitária.
Com isso, o léxico de uma língua se constroi a partir do conhecimento de mundo e da
maneira como esse grupo observa uma realidade; por isso é que é possível notar elementos
diferentes (sinônimos léxicos) em todas regiões de um país. A variação lexical de uma língua
nasce justamente do modo de olhar a realidade que se diferencia em cada ser humano e em
cada comunidade.
O campo da Linguística que se ocupa da análise e da formação do léxico é a
Lexicologia, campo de estudos que tem se desenvolvido sobremaneira nos últimos tempos,
graças ao entendimento da importância do léxico para a compreensão da realidade e para a
formação da identidade humana. A Lexicologia tem como principal problemática as relações
entre os elementos léxicos de uma língua e os fenômenos concernentes ao sentido, como a
polissemia, a sinonímia a homonímia, entre outros. Um outro campo explorado pela
Lexicologia é o aspecto morfológica dos elementos do léxico. A partir de estudo dos
elementos da língua, a Lexicologia vai buscando os padrões morfológicos e morfossintáticos
do léxico, razão por que estabelece um diálogo bastante produtivo com a Morfologia e com a
Morfossintaxe. Além da forma, a Lexicologia ocupa-se também de investigar os neologismos
e a arcaização de elementos lexicais das línguas naturais.
11
Agradecemos a leitura deste trabalho à Professora. Dr. Conceição Ramos que o enriqueceu. De qualquer
modo, nos responsabilizamos diretamente por qualquer engano nele apresentado.
12 Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH, Projeto Atlas
Linguístico do Maranhão.
Além do léxico geral, a Lexicologia também tem dado atenção ao léxico chamado
temático, ou das linguagens especializadas, que é uma reestruturação do léxico que produz um
conjunto de elementos lexicais específicos com características especiais e com funções
determinadas na comunicação técnica e especializada (termo). O interesse por essa parte
específica do léxico levou ao surgimento de uma divisão (ou uma subárea) da Lexicologia,
que é a Terminologia, campo de estudos que se ocupa do termo e dos discursos
especializados.
Segundo Porto Dapena (apud PONTES, 2009), a Lexicologia Teórica contempla os
seguintes campos de ação:
(i) Historiografia dos dicionários;
(ii) Organização das estruturas dos repertórios;
(iii) Princípios da lexicografia monolíngue e multilíngue;
(iv) Estudo crítico dos dicionários;
(v) Teoria do texto lexicográfico;
(vi) Reflexões sobre a metodologia de elaboração do dicionário, recolha e
processamento de dados lexicográficos e o uso de ferramentas
analógicas e virtuais para a produção de repertórios (DAPENA apud
PONTES, 2009, p. 20).
Os estudos do léxico têm também como interesse de pesquisa a produção e a
metodologia para a produção de repertórios linguísticos, a área da Lexicologia que tem esse
interesse é a Lexicografia. A Lexicografia tem, nos últimos tempos, se debruçado sobre os
aspectos estruturais, educacionais e teóricos dos dicionários, tanto de caráter monolíngue
quanto multilíngue e profissional. A Lexicologia, dado o crescimento e o aprofundamento das
investigações, tem se multiplicado criando inúmeros campos de estudos, dentre os quais pode-
se destacar a Lexicologia, a Terminologia e a Lexicografia. O conjunto dessas ciências e suas
correlacionadas são comumente conhecidas como as ciências do léxico.
Com relação à Lexicografia, uma área interessante é aquele relacionado ao estudo das
formas populares nos dicionários brasileiros. Não se pode negar a importância do dicionário
para a compreensão de léxico. Vale lembrar que, para alguns estudiosos e para a população
em geral, o léxico é constituído pelo conjunto de entradas de um dicionário e suas variantes, o
que evidencia, muitas vezes, o entendimento e o tratamento que o léxico tem recebido por
parte dos estudiosos da área. Para os leigos, a palavra só pertence à língua quando ela está
registrada no dicionário, o que contribui para o dicionário receber o estátuo de cartório
linguístico. Como se sabe, os dicionários não podem registrar a totalidade de um léxico, dada
a sua dimensão incalculável, registrando, desse modo, muito mais as lexias com alta
frequência de uso do que o léxico em sua totalidade. Vale ressaltar que dada à tradição
dicionarista, os dicionários, muitas vezes, têm excluído do seu repertoriamento palavras de
uso popular e, em vez destas, têm dado maior atenção às da modalidade culta.
Vale lembrar também que as variantes populares do léxico são formas vivas e
interessantes de serem analisadas, uma vez que elas revelam a natureza da língua na produção
e no conhecimento da realidade, além de demonstrem a criatividade dos falantes ao criarem as
palavras do seu cotidiano. Na grande maioria das vezes, esses elementos populares do léxico
encontram-se fora dos dicionários por não encontrarem apoio por parte dos grandes
dicionaristas, mas como pode-se observar mais a frente, essa situação tem mudado, pois já é
possível encontrar bons repertórios linguísticos com a proposta de demonstrar e de agregar
essas formas à lista dos repertórios.
Dado esse aspecto do léxico popular e a importância que ele tem tido nos principais
dicionários brasileiros, este estudo buscou observar a incidência de uma forma popular em
quatros dicionários da língua portuguesa falada no Brasil. Averígua-se as diferentes formas do
vocábulo cachaça em cinco repertórios lexicais (sinonímia lexical): o Dicionário do Folclore
brasileiro, de Cascudo (s/d); Dicionário Folclórico da cachaça, de Souto Maior (1982); o
vocabulário Bebidas e Beberagens, do livro Tachos e Panelas: historiografia da alimentação,
de Lima (1999); o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de Houaiss e Villela (2001); e
o Dicionário de usos do português do Brasil, de Borba (2002), somados com os termos
encontrados em quatro localidades do estado do Maranhão (Buriti, Central do Maranhão, São
Bento e Rosário), investigadas para a coleta de dados que serviram na compilação do
Glossário da cana-de-açúcar do Maranhão, de Serra (2011).
Com isso, pretende-se observar qual é o espaço que os dicionários brasileiros têm
dado às formas populares do léxico da língua portuguesa, no que concerne ao universo da
cachaça no Brasil.
1. A cachaça: o licor do povo brasileiro
Poucas bebidas tiveram tanta aceitação popular no Brasil quanto a cachaça. Cascudo
(s.d. p 214) considera a cachaça “A mais difundida e vulgar bebida brasileira no âmbito
popular”. Utilizada pelos escravos nos canaviais do Nordeste, a filha-do-senhor-de-engenho
– denominação população da cachaça –, teve, logo na sua origem, um caráter popular e
amansador das dores mais intensas da dialética da vida. Souto Maior (1980), em sua
descrição sobre a época de grande movimentação de escravos no Brasil e seus personagens,
denota a origem não-nobre da cachaça no Brasil:
Morrendo de saudade, suportando um exílio injusto e associado à judiação dos
feitores da maioria dos senhores de engenho, o escravo africano, tranquilamente
reconhecido como o construtor dos alicerces econômicos do país nos chamados
ciclos do ouro da cana-de-açúcar, do cacau, do café e do algodão, foi quem primeiro
usou a cachaça como cataplasma para seus males, não somente do corpo como
também do espírito. (SOUTO MAIOR, 1980: 16)
Cascudo (apud AVELAR, 2010) relata a ascensão social que a cachaça teve na
história da colônia portuguesa:
A bebida-do-povo, áspera, rebelada, insubmissa, insubmissa aos ditames do
amável paladar, bebida de 1817, da independência, atrevendo-se a enfrentar ao
vinho português soberano, o líquido saudador da Confederação do Equador em
1824. Dos liberais da praia, em 1824, a PATRÍCIA, a PATRIOTA, a GLORIOSA,
cachaça dos negros do Zumbi no Quilombo dos Palmares, do desembargador Nunes
Machado e de Pedro Ivo, dos cabanos, cachaça com pólvora dos cartuchos rasgados
no dente, na Cisplatina e no Paraguai, tropeia dos quebra-quilos, do clube do cupim,
conspirador abolicionista, gritador republicano, a BRASIELIRA. (CASCUDO, apud
AVELAR, 2010, p 18) (grifos originais)
Souto Maior (1980) relata que a cachaça era a primeira refeição do dia dos escravos
nos canaviais do nordeste: “em alguns engenhos do Nordeste a cachaça era fornecida aos
negros do eito logo coma primeira refeição do dia (...)” (SOUTO MAIOR, 1980, p 16). Foi
depois de experimentada pelos negros que a cachaça passou a constar entre os espaços sociais
de prestígios, como as rodas dos senhores dos engenhos, sempre acompanhando pratos
pesados como buchadas, sarapatel, entre outros pratos (SOUTO MAIOR, 1980). Mas, antes
de chegar à mesa dos grandes senhores de engenho, a cachaça caiu no gosto popular,
recebendo inúmeras denominações em todas as localidades do País.
Sempre nossa amiga, a cana-de-açúcar motivou a invenção de um bocado de
palavras que não somente enriqueceram como também adoçaram a nossa língua,
principalmente nas coisas do bem-querer e de afetividade, aumentando, ainda mais,
e com requintes, a gostosura da nossa culinária com uma infinidade de bolos e
doces(...) (SOUTO MAIOR, 1980, p16-17)
Com a cultura da cana-de-açúcar no Brasil, o léxico brasileiro, sobretudo popular,
recebeu inúmeros elementos que nasceram das sensações e das experiências adocicadas que o
homem brasileiro teve com a cana-de-açúcar ao longo da formação da cultura e da identidade
brasileira.
2. O léxico popular e os dicionários
O dicionário é um importante documento de registro da língua. Um dicionário, Mais
do que um simples repertório de palavras, é um documento sociocultural de extremo valor
para a identidade dos falantes e para a importância da língua pelos falantes. Desse modo, é
interessante ressaltar que o dicionário como documento principal que valoriza as palavras do
léxico deve atentar para a valorização dos elementos ditos não eruditos ou populares. É bem
certo, porém, que qualquer dicionário que arrogue para si o total registro das unidades do
léxico cometerá um engano bestial e grosseiro. Ainda assim seria interessante que as unidades
lexicais de cunho popular obtivessem espaço nessas publicações. Com relação à importância
que os dicionários têm para a língua, Krieger (2008) é bastante esclarecedora, quando escreve:
Para além dessa natureza, o dicionário pode ser visto além de sua grande
funcionalidade social que, nos tempos atuais, está expressa no seu papel de
autoridade linguística. Essa dimensão de autoridade decorre de uma função
prioritária que as sociedades lhe conferem: a de desempenhar o papel de código
normativo da língua, constituindo-se em parâmetros das regras do “bem-dizer”. Ao
mesmo tempo, o dicionário é a instância formal de legitimação de um idioma. Como
costumo dizer, a obra lexicográfica é o “cartório das palavras”, pois lhes dá a
certidão de nascimento. (KRIEGER, 2008, p. 4.)
Buscando um caráter mais abrangente, os dicionários de língua materna, pelo menos
no Brasil, têm dado espaço às formas populares do léxico e, em alguns casos, têm inclusive
cedido espaço em suas entradas a essas formas, a exemplos de dicionários como os que são os
investigados neste estudo.
O Dicionário Folclórico da Cachaça (SOUTO MAIOR, 1980) é um dos estudos
mais abrangente sobre o vocábulo cachaça no Brasil. O Dicionário Folclórico da Cachaça,
escrito pelo folclorista Mário Souto Maior e publicado em 1980, é um conjunto de vocábulos
recolhidos pelo folclorista relacionados à cachaça e seu universo no Brasil, sobretudo no
Nordeste, mas não só nessa região.
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS; VILLELA, 2001) é um
dos mais abrangentes do mundo com relação à língua portuguesa, possuindo mais de 228. 500
unidades lexicais. O dicionário é um empreendimento ousado que contou com uma grande
equipe de lexicógrafos das mais diversas regiões do mundo, que colheram lexias da língua
portuguesa nos países lusófonos. Houaiss e Villela (2001, p. 15) fizeram “um levantamento de
uma nominata abrangente”, o que permitiu a entrada de inúmeros elementos populares do
léxico do português falado no mundo.
O Dicionário de Usos do Português do Brasil, de Borba (2002), é um repertório
léxico que tem como fundamento o uso escrito. A equipe de editoração do dicionário
concentrou-se em um grande número de textos, que vão dos mais formais ao menos formais,
para o desenvolvimento do repertório. O dicionário possui mais de 62 mil entradas e 90 mil
itens lexicais. Mesmo concentrando o seu interesse no aspecto construtivo do texto, a obra
não deixou de registrar as formas populares, como se verá nos dados que seguem nesta
investigação.
O Vocabulário Bebidas e Beberagens, criado por Lima (1999), é um repertório
linguístico que, apesar de sua simplicidade, registra bastantes elementos populares
relacionados à alimentação. O vocabulário é um apêndice do livro Tachos e Panelas:
Historiografia da Alimentação Brasileira (LIMA, 1999) que dá informações linguísticas,
históricas e geográfica sobre os itens de entrada. O vocabulário possui em torno de 150
entradas, que é o mesmo número de itens lexicais, por não apresentar formas variantes nos
verbetes. O vocabulário é interessante para esta pesquisa porque, além registrar itens
alimentícios da região Nordeste, traz também um conjunto bastante abrangente de lexias
populares para a cachaça.
O Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo (s/d), é um importante
registro dos itens lexicais da cultura folclórica brasileira. Possui um número significativo de
itens lexicais com informações sobre importantes elementos da cultura brasileira, sendo, desse
modo, mais uma das incontáveis e importantes publicações do folclorista sobre a cultura
popular. Os verbetes contam com definições explicativas constituídas de informações
históricas e culturais sobre as manifestações da cultura brasileira. No item sobre a cachaça, o
folclorista traz preciosas informações históricas e etimológicas sobre a cachaça e de como ela
chegou ao Brasil.
Como se pode observar, os repertórios da língua portuguesa têm tido uma outra
postura ante os elementos do léxico que não gozam de prestígio nos textos ditos eruditos.
Com essa nova perspectiva, a Lexicografia brasileira dá um largo passo rumo à descrição
mais verdadeira e apurada do léxico da língua portuguesa. Outro fator importante que merece
destaque é que essa posição dos dicionaristas brasileiros tem origem no fato de a Lexicografia
no Brasil não estar devendo em nada aos estudos linguísticos produzidos mundo a fora, o que
melhora, e muito, o registro e a divulgação dos dados sobre o português falado no Brasil e no
mundo.
3. Os dados e a metodologia deste estudo
Este estudo, por se tratar de comparativo, lança mão de dados oriundos de diferentes
fontes, a saber: o Dicionário do Folclore brasileiro, de Maior (1982), o vocabulário Bebidas e
Beberagens, do livro Tachos e Panelas: historiografia da alimentação, de Lima (1999), o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de Houaiss e Villela (2001), e o Dicionário de
Usos do Português do Brasil, de Borba (2002), além de dados do Glossário Eletrônico da
cana-de-açúcar do Maranhão, de Serra (2011).
Os dados do Maranhão constituem um conjunto de vocábulos recolhidos para
compor o banco de dados terminológico da vertente Produtos Extrativistas E
Agroextrativistas Maranhenses, do Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA), projeto do
Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão(UFMA). No banco de dados,
podem ser encontrados termos do universo da mandioca, do caranguejo e da cana-de-açúcar,
do arroz e do babaçu do Maranhão.
Os dados sobre a cana-de-açúcar no Maranhão foram recolhidos por meio de um
questionário semântico-lexical da cana-de-açúcar produzido pelos pesquisadores do ALiMA,
que foi aplicado nas regiões produtoras e consumidoras de cana-de-açúcar no Estado. Os
dados desta pesquisa são oriundos de quatro localidades do Maranhão produtoras da cana-de-
açúcar: Buriti, Central do Maranhão, São Bento e Rosário. Os informantes são pessoas de
ambos os sexos, maiores de dezoito anos e profissionais que trabalham no setor canavieiro há
mais de cinco anos (cortadores, alambiqueiros e vendedores de cachaça).
4. Registros de dicionários: sinônimos populares da cachaça
Como ora discutido, o léxico é um espelho de uma cultura. As formas sinonímicas de
um léxico são a comprovação das diferentes formas se observar a realidade, que sempre é
moldada pelos costumes e pela cultura. Considerando essas ideias, esta seção, apresentam-se
dados de cinco glosas escritas em língua portuguesa para observar as formas sinonímicas do
vocábulo cachaça e sua relação com as formas de ver mundo dos nativos falantes de língua
portuguesa. Os dados serão apresentados por obra, em quadros demonstrativos, que sempre
serão acompanhados de um comentário geral sobre os sinônimos. Em alguns quadros, dado o
espaço, alguns sinônimos foram retirados, para evitar repetições de um dicionário para o
outro.
4.1. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
No verbete destinado ao conceito sobre à cachaça, pode-se encontra inúmeros
elementos populares, dentre os quais destacam-se:
Quadro 01: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(HOUAISS; VILELA, 2001, p. 550)
Abre-bondade, a-do-ó, água-que-passarinho-não-bebe, apaga-tristeza, baronesa,
chinha, danada, chica-boa, branquinha, dindinha, chambirra, esquenta-aqui-dentro,
levanta-velho, lebreia, mamãe-de-aluana (ou aruanda), óleo-de-cana, quebra-goela,
sete-virtudes, pau-de-urubu, piribita, tira-teima, três-martelos, tira-juízo, xarope-dos-
bebos, xarope-galeno, xinapre.
Os dados apresentados são só um recorte dos sinônimos da lexia cachaça no
dicionário Houaiss da língua portuguesa (HOUAISS;VILELA, 2001). Esses elementos
aparentam ser a síntese de um conjunto de sensações corpóreas, sentidas pelos consumidores
do aguardente de cana-de-açúcar, como exemplo: esquenta-aqui-dentro, quebra-goela,
apaga-tristeza. Outras lexias são também interessantes de se observar, sobretudo às relativas
ao aspecto físico e à ação do líquido no organismo humano, como branquinha, danada, água-
que-passarinho-não-bebe, xarope-dos-bebos, apaga-tristeza, levanta-velho. É interessante
observar também que grande parte das lexias complexas são formadas pela estrutura V+ S,
como nos exemplos: Abre-bondade, levanta-velho, tira-juízo. Contudo, não se pode deixar de
se observar exemplos como óleo-de-cana, sete-virtudes, danada, mamãe-de-aluana (ou
aruanda), piribita, casos reais de criatividade linguística.
4.2. Dicionário Folclórico da Cachaça
Como todo dicionário é um conjunto inesgotável de elementos, foram selecionadas apenas
algumas entradas que são curiosas tanto no que tange ao aspecto morfológico, quanto ao
aspecto lexical.
Quadro 02: Dicionário Folclórico da Cachaça
(SOUTO MAIOR, 1980)
bagaceira, bataclan, bicha, birrada, boa-pra-tudo, braba, caiana, cachorro-de-
engenheiro, cândida, camarada, chorinho, cem-virtude, champanhe-da-terra, dengosa,
desmancha-samba, dona-branca, elixir, esgana-gato, esquenta-pobre, faz-xodó, filha-
do-senhor-do-engenho, fogosa, incha, lágrima-de-virgem, lamparina, limpa, lisa,
mamadeira, mamãe-sacode, mata-bicho, maria-meu-bem, meleira, moça-branca,
negrita, número-um, óleo, preciosa, patricia, piribita, quebra-munheca, rama, remédio,
santa-branca, semente-de-arrenga, sumo-de-cana, suor-de-alambique, suruca, teimosa,
tira-vergonha, tiúba, tódi-de-garrafa, três-tombos, vela, zuninga.
A obra de Souto Maior (1980) é uma das grandes fontes para aqueles que desejam
observar os vocábulos do universo da cachaça. Como é possível observar, as formas
sinonímicas da cachaça são múltiplas e interessantes. Grande parte dos sinônimos são lexias
complexas, quase sempre têm como núcleo um verbo, como se observa em esquenta-pobre e
em desmancha-samba. A cachaça, na linguagem popular, é metaforizada como uma mulher
de muitas características. Às vezes, é moça-branca, santa-branca; em algumas localidades,
ela ganha nomes bastante populares: cândida, patrícia, maria-meu-bem; outras vezes, pode
ser uma mulher negrita. Interessante é observar o temperamento que é atribuído a essa mulher
(a cachaça) no léxico popular, geralmente é nervosa, agitada, brava mas também carinhosa:
braba, fogosa, teimosa, mata-bicho, desmancha-samba, cândida, camarada, faz xodó,
esquenta-pobre, cem-virtudes, boa-pra-tudo.
Há também sinônimos que estão ligados ao local onde ela é beneficiada, como em:
filha-do-senhor-do-engenho, cachorro-de-engenho, entre outros. Há também sinônimos
relacionados à planta cana-de-açúcar, como óleo-de-cana, sumo-de-cana, cana. Observar-se
que a infinidade de elementos relacionados com a cachaça nasce da profunda aceitação que
esse produto tem no Brasil, e que o interesse do povo acaba sendo impresso no léxico,
gerando formas curiosas, e acolhendo entre ele, dando inúmeras características humanas ao
produto, como se visse, nesse produto – oriundo do Oriente, erradicado na África e que
chegou para nós por meio de europeus que aprenderam o oficio de lambicar com os orientais
– mais um personagem da identidade brasileira.
4.3. Bebidas e Beberagens
Quadro 03: Vocabulário Bebidas e Beberagens
(LIMA, 1999)
grogue, mel-de-engenho, aguardente, aguardente da terra, bagaceira, bate-bate.
Lima (1999) foi outra que recolheu formas sinonímicas da cachaça no léxico popular.
Na obra, podem ser encontradas lexias como mel-de-engenho e aguardente, lexias ligadas à
percepção do sabor da cachaça. É curioso notar que a percepção açucarada revelado pelo
núcleo do sintagma mel diz mais respeito à relação do povo com a cachaça do que ao sabor,
propriamente, uma vez que é a cachaça que “adoça” os dias ruins do homem. A percepção de
ardência, calor é uma constante nos sinônimos da cachaça, como foi possível observar nos
outros quadros. Neste, ele é representado pelas lexias aguardente e aguardente da terra. Aqui
apareceu também um termo não encontrado em outros repertórios, grogue.
4.4. Dicionário de Usos do Português do Brasil
Quadro 04: Dicionário de Uso do Português do Brasil
(BORBA, 2002)
cachaça, pinga, aguardente, birita, branquinha
Muitas das lexias encontradas no Dicionário de Usos do Português do Brasil
encontram-se nos outros dicionários apresentados aqui. Desse modo, chama-se atenção para
algumas lexias como pinga e birita, muito conhecidas nacionalmente, por serem formas mais
utilizadas no Sul e no Sudeste, locais de grandes produções culturais e artísticas e intelectuais
consumidos nacionalmente, o que provoca grande impacto sobre o léxico.
4.5. Dicionário do Folclore Brasileiro
Quadro 05: Dicionário do Folclore Brasileiro
CASCUDO (S/D)
diabo, mulher, jeribita, jeribato, vinho verde, jiripiti, cachaça, aguardente
Câmara Cascudo (s/d), na entrada relativa à cachaça, conta a origem da bebida no
Brasil e, a partir desse comentário, traz alguns sinônimos que encontram na cultura popular, o
que enriquece ainda mais esse léxico, como jiripi, jeribita e jeribato possivelmente de origem
indígena. Outras formas populares bastante interessantes são vinho verde, mulher e diabo,
mais uma vez lexias ligadas ao aspecto feminino e ardente da bebida. Vale ressaltar que
Cascudo é outro que nota a personificação da cachaça com um ser feminino, com
características fortes e amansadoras.
4.6. BANCO DE DADOS ALiMA: CANA-DE-AÇÚCAR
Quadro 06: dados Maranhão
SERRA (2011)
cabeça, pinga, aguardente, caxixi, surrupa e cachaça-de-cabeça
Outra fonte de dados para este trabalho foi o banco de dados do Projeto ALiMA de
onde foi possível recolher lexias bastante peculiares do estado do Maranhão. Destas
destacam-se as lexias caxixi e surrupa que que se referem à duas qualidades de cachaça,
sendo a primeira muito forte e a segunda bastante fraca. No Maranhão, foram encontradas
outras lexias curiosas, como cabeça e cachaça de cabeça, variantes da lexia caxixi. Surrupa é
um sinônimo de cabeça, mostrando que um mesmo elemento pode variar de localidade para
localidade.
5. Últimas considerações
O léxico popular é rico e cheio de elementos que marcam a identidade que o utiliza.
O léxico é um retrato da realidade, é um símbolo da relação que o homem tem com o meio do
qual faz parte. No léxico estão cristalizadas as experiências e as sensações que o homem
vivencia ao longo da sua formação histórica e moral. Tais ideias podem ser sintetizadas nos
exemplos demonstrados neste trabalho.
Com os avanços dos estudos da linguagem, os dicionários brasileiros, do século XX,
têm dado espaço às formas populares, enriquecendo a cultura e dando valor ao léxico popular,
que é incrementado por uma nuance de criatividade e de olhar sobre o outro.
Nos dados observados aqui, é interessante notar a personificação da cachaça em
quase todos os sinônimos. Em alguns momentos ela pode ser uma mulher nervosa que faz as
pessoas ficarem mais agitadas; em outras, ela é o consolo dos menos favorecidos. Essa
ligação íntima com a bebida faz com que as lexias referentes a ela sejam contempladas por
nomes próprios populares, como Cândida, Maria e Patrícia entre outros.
Por último, não se pode deixar de notar a infinidade de elementos complexo entre os
sinônimos. Muitas vezes, os sintagmas chegam a ser compostos de mais de três elementos, o
que permite notar uma tendência às estruturas perifrásticas na composição dos sinônimos da
cachaça. As formas simples são bastante escassas, se comparadas com os numerosos
elementos formados com estruturas complexas.
Conclui-se que são numerosos os sinônimos para a cachaça em língua portuguesa. Só
as glosas investigadas aqui dão conta de uma grande quantidade, o que pensar daquelas que
ainda não foram descobertas ou publicadas? Isso mostra, mais uma vez, que o léxico é um
organismo vivo que está em constante transformação, estando sempre aberto para a entrada e
para a “saída” de elementos.
Referências Bibliográficas
1. AVELAR, L. E. B. A moderação em excesso: estudo sobre a história das bebidas na
sociedade atual. Dissertação (Mestrado em História Social). Programa de Pós-
Graduação em História Social, Universidade de São Paulo. 2010.
2. BORBA, F. S. Dicionário de usos do português brasileiro. São Paulo: Ática, 2002.
3. CASCUDO, L. C. Dicionário do folclore brasileiro. 7 ed. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, (s.d).
4. HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001. 2500.
5. KRIEGER, M. G. Porque Lexicografia e Terminologia: relações textuais. CIRCULO
DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DO SUL. Porto Alegre. 2008. Anais... Pelotas:
EDUCAT, p 1- 8.
6. LIMA, C. Tachos e panelas: historiografia da alimentação brasileira. Recife: ideia,
1999.
7. PONTES, L. Dicionário para uso escolar: o que é, como se lê. Fortaleza: EDUECE,
2009.
8. SERRA, Luís Henrique. Um glossário eletrônico da cana-de-açúcar do Maranhão.
Monografia (graduação em Letras). Departamento de Letras, Universidade Federal do
Maranhão. 2011.
9. SOUTO MAIOR, M. Dicionário folclórico da cachaça. 2 ed. Recife: Massanaga,
1980.
RESUMOEste estudo é uma investigação do vocábulo cachaça em cinco dicionários brasileiros.
Buscou-se perceber as formas sinonímicas do vocábulo no interior do léxico popular. Parte-se do
pressuposto de que as formas sinonímicas são os diferentes modos de encarar uma realidade pelos
falantes, modo que se observa pela língua. Os dados mostram que o léxico popular é bastante vasto em
sinônimos referentes à cachaça, mostrando, muitas vezes, criatividade e algumas frequências na
morfologia desses vocábulos.
PALAVRAS-CHAVE: Sinonímia. Cachaça. Léxico. Repertórios lexicais. Maranhão.
ABSTRACT This study is an investigation of cachaça term in five Brazilian dictionaries. It quest
perceive the synonymic form of this term within of popular lexic. Assuming that the synonymic forms
are the different ways to face the reality by the speakers, modes that can be notice by the language.
The data shows that the popular lexic is so rich in synonymies to cachaça. it shows, very times,
creativity and some frequencies in the morphology of these words.
KEY-WORDS synonymy. Cachaça. Lexic. Lexical Repertories. Maranhão.