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Sarah Benning sarahkbenning Formada em artes pela School of the Art Institute, em Chicago, a estadunidense Sarah Benning tem 25 anos e mora atualmente em um pequeno apartamento na cidade de Menorca, na Espanha. Começou a bordar há 3 anos, enquanto trabalhava em tempo integral como babá. Juntou dinheiro e, com a ajuda da família e de amigos, passou a se dedicar profissionalmente ao bordado. Aprendeu tudo sozinha, por tentativa e erro, e diz que não conhece técnicas nem pontos tradicionais. Sarah define seu trabalho como “ilustrações bordadas” de móveis, plantas, decoração e tecidos. “Em um momento histórico em que tudo está disponível imediatamente, basta ficar on-line, as coisas feitas pela mão humana se tornaram especiais”, diz. Thaís Del Gaudio/Editora Globo Livres de técnicas rígidas, autodidatas e criadoras dos próprios desenhos, jovens mulheres dão novo significado ao ato de bordar. Repensar o tempo e valorizar o feminino são as palavras de ordem. Nunca bordou? Veja dicas para começar! Texto | Mariana Mello stresse profundo, crise profissional, vontade de fazer algo diferente. Muitos foram os motivos que levaram as personagens desta reportagem à paixão pelo bordado. Em contrapartida, características em comum as unem: elas aprendem e aperfeiçoam-se sozinhas, rascunham seus próprios desenhos e propõem criações livres, sem saber nomes de pontos ou técnicas. Com idades entre 25 e 37 anos, as bordadeiras contemporâneas exaltam a lentidão do artesanal. “Bordar exige que você se posicione em relação ao tempo e à vida digital”, confirma o artista Felipe Morozini (@felipemorozini), autor da série Pequeno Pensamento Burguês, bordada em tecidos toile de jouy. Para a psicóloga Ana Maria Rossi, doutora em gerenciamento de estresse e presidente da filial brasileira da International Stress Management Association, em Porto Alegre, RS, ao bordar afastamos a mente dos problemas, podendo enxergá-los como um aspecto temporário da vida, e não como a completude. “Assim como outros trabalhos manuais, bordar é também uma saída para obter satisfação individual e reconhecimento, algo que geralmente não recebemos no ambiente profissional”, completa. Na opinião da designer e ilustradora Ana Strumpf (@anastrumpf), que recentemente lançou novos produtos bordados à mão, estamos diante de uma expressão concreta do Movimento Slow, apontado por pesquisadores de tendências de comportamento e consumo, como a professora e pesquisadora Clotilde Perez, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP. Um aspecto fundamental do novo bordado é sua relação com a tecnologia. Ao mesmo tempo que falam sobre “desligar” e “desconectar”, as jovens artesãs usam a internet como eixo de desenvolvimento de trabalho: trocam e compartilham conhecimentos e, acima de tudo, utilizam as redes sociais como meio de exposição e comercialização de produtos. “A tecnologia abastece o movimento do feito à mão”, diz Samantha Shaw, fundadora da associação canadense Maker’s Movement, em Toronto. Muitas vezes visto como trabalho solitário, o novo bordado prova o contrário. Criado pela artista Kristen Shuler em Kansas City, nos Estados Unidos, o evento Eat, Drink and Stitch (Comer, Beber e Bordar) reúne pessoas em bares e restaurantes para a prática da atividade. No Brasil, há um ano e meio, uma turma de cinco designers e uma jornalista começou a se encontrar nas noites de quarta-feira para bordar. Chamado de Clube do Bordado, o grupo tem hoje mais de 26 mil seguidores no Instagram e tornou-se negócio. “Longe de ser algo inútil ou antiquado, bordar em grupo é um ato de resistência e troca política feminina”, diz Bianca Santana, jornalista, professora da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e pesquisadora de relações de gênero. Fotos Thaís Del Gaudio/Editora Globo (abre) e Divulgação Bordado Claudia Euquime (Crudi Design) A bordadeira estadunidense Sarah Benning em seu apartamento, em Menorca, na Espanha. Ao lado, algumas de suas criações, que retratam cenas de interiores e plantas E ESTILO | TENDÊNCIA 44 | CASAeJARDIM | MARÇO 2016 MARÇO 2016 | CASAeJARDIM | 45

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Sarah Benning sarahkbenning

Formada em artes pela School of the Art Institute, em Chicago, a estadunidense Sarah Benning tem 25 anos e mora atualmente em um pequeno apartamento na cidade de Menorca, na Espanha. Começou a bordar há 3 anos, enquanto trabalhava em tempo integral como babá. Juntou dinheiro e, com a ajuda da família e de amigos, passou a se dedicar profissionalmente ao bordado. Aprendeu tudo sozinha, por tentativa e erro, e diz que não conhece técnicas nem pontos tradicionais. Sarah define seu trabalho como “ilustrações bordadas” de móveis, plantas, decoração e tecidos. “Em um momento histórico em que tudo está disponível imediatamente, basta ficar on-line, as coisas feitas pela mão humana se tornaram especiais”, diz.

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Livres de técnicas rígidas, autodidatas e criadoras dos próprios desenhos, jovens mulheres dão novo significado ao ato de bordar.

Repensar o tempo e valorizar o feminino são as palavras de ordem. Nunca bordou? Veja dicas para começar!

Texto | Mariana Mello

stresse profundo, crise profissional, vontade de fazer algo diferente. Muitos foram os motivos que levaram as personagens desta reportagem à paixão pelo bordado. Em contrapartida, características em comum as unem: elas aprendem e aperfeiçoam-se sozinhas,

rascunham seus próprios desenhos e propõem criações livres, sem saber nomes de pontos ou técnicas. Com idades entre 25 e 37 anos, as bordadeiras contemporâneas exaltam a lentidão do artesanal. “Bordar exige que você se posicione em relação ao tempo e à vida digital”, confirma o artista Felipe Morozini (@felipemorozini), autor da série Pequeno Pensamento Burguês, bordada em tecidos toile de jouy. Para a psicóloga Ana Maria Rossi, doutora em gerenciamento de estresse e presidente da filial brasileira da International Stress Management Association, em Porto Alegre, RS, ao bordar afastamos a mente dos problemas, podendo enxergá-los como um aspecto temporário da vida, e não como a completude. “Assim como outros trabalhos manuais, bordar é também uma saída para obter satisfação individual e reconhecimento, algo que geralmente não recebemos no ambiente profissional”, completa. Na opinião da designer e ilustradora Ana Strumpf (@anastrumpf), que recentemente lançou novos produtos bordados à mão, estamos diante de uma expressão concreta do Movimento Slow, apontado por pesquisadores de

tendências de comportamento e consumo, como a professora e pesquisadora Clotilde Perez, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP.

Um aspecto fundamental do novo bordado é sua relação com a tecnologia. Ao mesmo tempo que falam sobre “desligar” e “desconectar”, as jovens artesãs usam a internet como eixo de desenvolvimento de trabalho: trocam e compartilham conhecimentos e, acima de tudo, utilizam as redes sociais como meio de exposição e comercialização de produtos. “A tecnologia abastece o movimento do feito à mão”, diz Samantha Shaw, fundadora da associação canadense Maker’s Movement, em Toronto. Muitas vezes visto como trabalho solitário, o novo bordado prova o contrário. Criado pela artista Kristen Shuler em Kansas City, nos Estados Unidos, o evento Eat, Drink and Stitch (Comer, Beber e Bordar) reúne pessoas em bares e restaurantes para a prática da atividade. No Brasil, há um ano e meio, uma turma de cinco designers e uma jornalista começou a se encontrar nas noites de quarta-feira para bordar. Chamado de Clube do Bordado, o grupo tem hoje mais de 26 mil seguidores no Instagram e tornou-se negócio. “Longe de ser algo inútil ou antiquado, bordar em grupo é um ato de resistência e troca política feminina”, diz Bianca Santana, jornalista, professora da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e pesquisadora de relações de gênero. Fo

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A bordadeira estadunidense Sarah Benning em seu apartamento, em Menorca, na Espanha. Ao lado, algumas de suas criações, que retratam cenas de interiores e plantasE

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Danielle Clough

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Quando criança, a sul-africana Danielle Clough, 27 anos, aprendeu a costurar e

a bordar com a mãe. Já adulta, transitou também pelo design e pela fotografia. Sua principal característica é explorar diferentes

superfícies, como raquetes, sacas de café e shweshwe, tecido típico da África do Sul,

fazendo bordados que reproduzem fotografias e objetos reais. “Defino meu trabalho como

‘pontos fortes e impressionistas de celebração da cor’. Na era virtual, as coisas tangíveis

ganham cada vez mais força”, diz. “Nos empregos que já tive, o retorno de qualquer

coisa sempre tinha de ser imediato. Isso é impossível com o bordado”, afirma.

Crudi Design crudistore

Formada em design de moda, a paulistana Claudia Euquime, 25 anos,

encontrou no bordado a união de duas paixões: desenho e costura. Começou

a bordar no período em que ficou sem emprego, logo depois de terminar a

faculdade. Aprendeu assistindo a vídeos na internet. Hoje, trabalha em uma

empresa de e-commerce e dedica-se às linhas apenas

nas horas vagas, para produzir as encomendas.

“Sou ansiosa, então bordar distrai minha

mente. Escuto música e não vejo a hora

passar”, diz Claudia, autora do bordado que está no título desta reportagem.

I Heart Stitch Art

iheartstitchart

Mãe de três crianças, a canadense Sarah Milligan, 36 anos, começou a bordar em meio a uma fase difícil da vida. “Meu marido perdeu o emprego várias vezes no mesmo ano e descobri uma doença grave. Procurei uma atividade para me acalmar”, explica. Com estilo vintage, inspirado em livros antigos de botânica e ciências, os bordados de Sarah representam temas da natureza, como plantas, pássaros e insetos. “Fazer algo com as mãos nos permite a introspecção, conectando corpo e mente”, diz. Para ela, a mágica é pensar que estamos diante do tempo e do esforço de alguém. “Um dia, meus filhos vão olhar os trabalhos e dizer ‘Foi minha mãe quem fez’”, conta.

A sul-africana Danielle Clough ao lado das raquetes e linhas de bordado: explorar novas superfícies é seu talento

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Clube do Bordado clubedobordado

Reunião toda semana para bordar, ouvir música e falar da vida. Assim nasceu o Clube do Bordado, do qual fazem parte as designers Renata Danio, Camila Lopes, Marina Dini, Vanessa Israrel, Laís Souza e a jornalista Amanda Zacarkim, todas com idade entre 26 e 29 anos. A despretensiosa ideia de marcar encontros para bordar virou profissão. Hoje, das seis integrantes, quatro vivem disso. “Damos cursos on-line, criamos coleções temáticas e fazemos trabalhos sob encomenda”, conta Renata. “Bordado é uma oportunidade de exercitar a paciência e o convívio com o erro”, afirma. Entre os temas bordados pelo Clube, destacam-se a valorização do feminino e a liberdade de gênero.

Empoderamento e valorização do feminino estão entre os temas trabalhados no Clube do Bordado, composto de seis integrantes brasileiras

Cozy Blue cozyblue

“Extremamente tímida”, como se define, Elizabeth Stigels, 37 anos, nasceu nos Estados Unidos e vive em Ashville, na Carolina do Norte. Aprendeu a bordar na escola, nos anos 1990, e retomou o hobby há cinco anos. Bordar, para ela, é uma forma de expressar o que ama e aquilo em que acredita. “Não planejei essa atividade, mas sempre fui criativa”, conta. Liz, como os amigos a chamam, resume sua arte à palavra nostalgia. “A prática meditativa do bordado é importante não apenas para o alívio do estresse, mas também para a expressão pessoal. Bordar é focar e ver uma transformação acontecer“, diz.

Baobap Handmade baobaphandmade

Frequentar a faculdade de publicidade estava difícil para a turca Irem Yazici, que nunca quis trabalhar em escritório. Hoje, aos 26 anos e vivendo

na cidade de Eskisehir, ela conta que começou a bordar nos dias em que faltava às aulas. No meio de uma crise existencial, entrou em um

armarinho, comprou linhas, bastidor, agulha, pesquisou tutoriais na internet e começou a bordar em botões, golas e pequenas superfícies.

“Minhas criações são peculiares, meigas e, às vezes, irônicas”, define.

Bandeirolas com mensagens encorajadoras e detalhes do bordado da estadunidense Elizabeth Stigels

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Thread Honey threadhoney

Entre bordadeiras que aprenderam tudo na internet, a estadunidense Jennifer Riggs, 25 anos, pode ser considerada uma exceção. Todos os pontos que sabe fazer foram ensinados por sua avó. É justamente o encontro de gerações que, para ela, torna o bordado tão especial. “Acho incrível uma arte milenar ser reinventada, como está acontecendo agora com o bordado”, conta. Nascida no Texas, hoje vive no estado de Indiana e cria desenhos que reverenciam a cultura pop. Outra característica da produção de Jennifer é a mistura de materiais, como tinta e aquarela nos tecidos. “Nunca quis seguir desenhos prontos ou comprar aqueles kits que direcionam o que e como fazer”, diz.

Nerd Scouts nerdscouts

Com prateleiras lotadas de livros de ficção, histórias em quadrinhos e jogos de tabuleiro, o quarto de Claire Voigtlander, 25 anos, em Oregon, Estados Unidos, é chamado de “A Caverna Nerd”. Fã de seriados, a estadunidense borda detalhadamente emblemas de cerca de 5 cm de diâmetro. Começou com o ponto cruz quando criança, aprendeu mais sobre bordado no grupo de escoteiros do qual fazia parte e formou-se professora de artes. “O legal do bordado é poder levá-lo comigo para qualquer lugar. Bordo enquanto espero o ônibus e no intervalo do trabalho”, conta Claire, que atua em uma empresa de tecnologia.

Comece com um projeto pequeno, para terminar logo e se animar com o próximo.

Planeje a cartela de cores antes de começar, mas não se prenda a ela se não estiver ficando bom.

Tenha bons materiais. Pano bom, agulha boa, linhas de qualidade. Matéria-prima é tudo, em qualquer trabalho manual.

Deixe quitutes e água por perto para fazer pequenas pausas prazerosas.

Escolha um lugar iluminado e aconchegante. Bordar em locais escuros prejudica a visão.

Idealize o que você vai fazer, onde e em que ordem. Mas saiba abandonar o que planejou e deu errado.

Bordar com companhia é muito mais gostoso! Chame amigos para bordar e conversar.

Guarde seu material com carinho, crie sua própria organização. Cada pessoa tem seu jeito. O importante é saber onde estão suas coisas quando precisar delas.

DICAS PARA COMEÇAR A BORDAR

Temas relacionados à cultura pop e intervenções de aquarela e tinta nos tecidos marcam as criações de Jennifer Riggs

Monte um kit de bordado prático para levar na bolsa, versão mini que caiba em uma nécessaire, para bordar naquelas horas perdidas do dia, no avião ou na sala de espera do médico.

Tenha sempre uma almofada de agulhas e alfinetes, para não correr o risco de espetá-los no sofá ou na cama e acabar se machucando.

A preguiça é inimiga do bordado: se não ficou bom, desmanche e recomece.

Guarde os bordados que você começou e não terminou. Às vezes, depois de um tempo, você pode retomá-los com outro olhar.

Por outro lado, não torne o abandono um hábito. É importante terminar. Não há nada mais gostoso que um bordado acabado.

Faça um caderno de referências, com fotos, recortes de revista, embalagens, frases e tudo o que você gosta. Qualquer desenho pode virar bordado.

Crie uma pasta no Pinterest e siga bordadeiras bacanas, a começar pelas que citamos na reportagem.

Por Ateliê Mônica Figueiredo (@ateliemonicafigueiredo) e Clube do Bordado

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