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1 A LEGALIDADE DOS LOTEAMENTOS FECHADOS À LUZ DO DIREITO POSITIVO Fabio Simões Castejón 1 , Francisco Maia Neto 2 1 Badia Quartin, Rua Estados Unidos, 322 Jd América 01427-000 São Paulo SP Brasil - [email protected] 2 Precisão Consultoria, [email protected] RESUMO: O objetivo do presente trabalho foi o de demonstrar que a propriedade privada contemporânea constitui uma relação jurídica complexa e como tal estabelece um novo paradigma, que se revela em um conjunto principiológico do sistema constitucional, na busca de novas posturas interpretativas dos interesses envolvidos numa determinada realidade, de forma a permitir a adequação do texto ao contexto em que se está inserido. Palavras-chave: Loteamento, Condomínio, Propriedade, Urbanismo, Residência

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  • 1A LEGALIDADE DOS LOTEAMENTOS FECHADOS LUZ DO DIREITO POSITIVO

    Fabio Simes Castejn1, Francisco Maia Neto2

    1Badia Quartin, Rua Estados Unidos, 322 Jd Amrica01427-000 So Paulo SP Brasil - [email protected] Consultoria, [email protected]

    RESUMO:

    O objetivo do presente trabalho foi o de demonstrar que a propriedade privada contempornea constitui uma relao jurdica complexa e como tal estabelece um novo paradigma, que se revela em um conjunto principiolgico do sistema constitucional, na busca de novas posturas interpretativas dos interesses envolvidos numa determinada realidade, de forma a permitir a adequao do texto ao contexto em que se est inserido.

    Palavras-chave: Loteamento, Condomnio, Propriedade, Urbanismo, Residncia

  • 21. LOTEAMENTOS FECHADOSBasicamente so duas as formas de legalizao da modalidade de loteamento fechado

    ou loteamento em condomnio. A primeira feita com base na Lei 4.591/64, em que a gleba dividida em fraes ideais. A segunda feita com base na Lei 6.766/79, em que a gleba dividida em unidades juridicamente autnomas, s quais se vinculam fraes ideais das partes comuns.

    Jos Afonso da Silva aborda o chamado o loteamento fechado, tambm definido como loteamento em condomnio, da seguinte forma:

    ....o chamado loteamento fechado constitui modalidade especial de aproveitamento condominial de espao para fins de construo de casas residenciais trreas ou assobradadas, ou edifcios. Caracteriza-se pela formao de lotes autnomos com reas de utilizao exclusiva de seus proprietrios, confinando-se com outras de utilizao comum dos condminos. O terreno assim loteado no perde sua individualidade objetiva, conquanto sofra profunda transformao jurdica. Diferentemente do processo de loteamento propriamente dito, em razo do qual o terreno loteado perde sua individualidade objetiva, transformando-se em lotes que se individualizam como unidades autarquicamente bastantes em si mesmas; inexistem os estado e a pluridade de comunho; cria-se um bairro, cujo equipamento urbano (inclusive as vias, estradas e caminhos, como pblicos que passam a ser com o registro imobilirio) passa a participar do sistema virio local e do orbe municipal.1

    Em razo da falta de uma legislao especfica que ampare a modalidade loteamento fechado ou loteamento em condomnio, a doutrina dissente.

    Parte dela entende que a natureza jurdica do condomnio privado, com amparo no artigo 8 da Lei 4.591/64, no adequada a qualquer forma de desenvolvimento urbano. Outra parte entende que se aplica somente a Lei 6.766/79, cujas reas comuns passam a integrar o domnio municipal local.

    Numa ou noutra linha, o que se verifica, num primeiro momento, a existncia de uma aparente distoro de duas instituies jurdicas distintas, a saber: a do aproveitamento condominial de espao e a do loteamento ou do desmembramento.

    Como o loteamento fechado na verdade constitui uma propriedade especial, onde h uma propriedade particular caracterizada por lotes, uma propriedade condominial, caracterizada por reas de uso comum dos condminos e uma propriedade superficiria, caracterizada por reas pblicas de uso restrito dos condminos, a legalidade dessa modalidade especial de aproveitamento do solo precisa ser melhor estudada, para seu melhor entendimento e enquadramento legal.

    2. PROBLEMATIZAOA disseminao dos loteamentos fechados ou em condomnio no Brasil, devido

    falta de regulamentao adequada, vem criando diversas discusses judiciais questionando a legalidade dessa modalidade de ocupao do solo.

    Os loteamentos fechados vm sendo implantados no Brasil sem que haja uma normatizao adequada, tanto no mbito federal como municipal no que tange aos seus aspectos urbansticos. Tais loteamentos so diferentes dos loteamentos convencionais, em razo das reas de domnio pblico terem utilizao privativa por seus moradores.

    A Lei 6.766/79, com as alteraes introduzidas pela Lei 9.785/99, o diploma legal, no mbito federal, que hoje regula o parcelamento do solo urbano, muito embora muitos condomnios fechados tambm sejam aprovados com base na Lei 4.591/64, dependendo da forma em que so concebidos.

    A Lei 6.766/79, conhecida por Lei Lehman, estabeleceu os padres urbansticos mnimos para aprovar a implantao do loteamento urbano. As exigncias mnimas contidas na lei referem-se drenagem de guas pluviais, redes de abastecimento de gua 1 Jos Afonso da Silva, Direito urbanstico brasileiro, 3. ed., So Paulo: Malheiros, 2000, p. 336.

  • 3potvel e esgotamento sanitrio, energia eltrica pblica e domiciliar, vias de circulao, cuidados com a preservao do meio ambiente, reserva de faixa sem edificao ao longo de cursos dgua, rodovias, ferrovias e dutos, e a doao de no mnimo 35% da rea da gleba objeto do loteamento para a implantao do sistema de circulao, reas verdes e equipamentos institucionais, como escolas, creches, posto de sade, etc..

    A Lei 9.785/99, dentre suas disposies, flexibilizou os parmetros urbansticos exigidos no parcelamento do solo, atribuindo aos Municpios uma maior autonomia para execuo de suas prprias polticas urbanas. Aos Municpios coube a definio dos usos permitidos e os ndices urbansticos de parcelamento do solo, por meio da elaborao do Plano Diretor ou de Lei Municipal, tais como o tamanho mnimo dos lotes, os coeficientes de aproveitamento, levando em conta a funo social da propriedade urbana.

    A Lei 9.785/99 deixou a cargo da legislao urbanstica municipal a rea mnima que deve ser doada em cada gleba a ser parcelada, destinada ao sistema de circulao, implantao de equipamentos urbanos e comunitrios, a instalao de espaos livres e reas verdes de uso pblico.

    Desta forma, o Municpio, para garantir o interesse pblico, ficou obrigado a estabelecer na legislao municipal que um percentual mnimo da gleba objeto de parcelamento, conforme fixado na legislao, deve ser reservada para uso pblico social e ambiental.

    Nos loteamentos fechados, dependendo da forma como so concebidos, no h atribuio de espaos livres e comunitrios e reas verdes de uso pblico. Tais reas ficam incorporadas ao uso exclusivo dos condminos do loteamento.

    Em razo da Lei 4.591/64 tratar da incorporao imobiliria e da Lei 6.766/79 tratar do parcelamento do solo urbano, dois embasamentos legais vem sendo adotados pelos incorporadores para a legalizao dos loteamentos fechados. O primeiro tem como sustentao a Lei 4.591/64, artigo 8 e suas alneas, que dispe:

    Quando, em terreno onde no houver edificao, o proprietrio, o promitente comprador, o cessionrio deste ou o promitente cessionrio sobre ele desejar erigir mais de uma edificao, observar-se- tambm o seguinte:

    a) em relao s unidades autnomas que se constiturem em casas trreas ou assobradadas, ser discriminada a parte do terreno ocupada pela edificao e tambm, aquela eventualmente reservada como de utilizao exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a frao ideal do todo do terreno e das partes comuns que corresponder s unidades;

    b) em relao s unidades autnomas que constiturem edifcios de dois ou mais pavimentos, ser discriminada a parte do terreno ocupado pela edificao, aquela que eventualmente for reservada como de utilizao exclusiva, correspondentes s unidades do edifcio, e ainda a frao ideal do todo do terreno e de partes comuns que corresponder a cada uma das unidades;

    c) sero discriminadas as partes do total do terreno que podero ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vrios tipos de unidades autnomas;

    d) sero discriminadas as reas que se constiturem em passagem comum para as vias pblicas ou para as unidades entre si.

    Grande parte da doutrina considera que o dispositivo legal acima tem sido utilizado de forma abusiva para dar legalidade aos loteamentos fechados. Um argumento contrrio a essa forma de legalizao consiste no fato de que a caracterstica contida na Lei 4.591/64 no se perfaz seno com a conjugao dos elementos edificao e terreno, no podendo, portanto, subsistir nela o terreno independentemente da edificao. Alm disso, para outros, a finalidade do dispositivo acima transcrito no teria sido concebida seno para possibilitar o aproveitamento de reas de dimenso reduzida no interior de quadras, sem arruamento, permitindo a construo de conjuntos de edificaes sob regime condominial.

  • 4Quando a situao extrapola esses limites, ocorrendo o parcelamento de glebas, e a diviso das quadras em lotes, com ou a criao de arruamento ou aproveitamento do arruamento preexistente no entorno desses lotes, a situao de condominial lastreada na Lei 4.591/64 ficaria descaracterizada, por constituir-se automaticamente em uma forma de parcelamento urbanstico de solo, devendo, conseqentemente, reger-se pelas leis federais de loteamento e leis municipais de direito urbanstico.

    O artigo 8 da Lei 4.591/64 permite a criao de unidades autnomas devidamente discriminadas em relao parte do terreno ocupada pela edificao e pelas reas reservadas como de utilizao exclusiva dessas edificaes, como o jardim, quintal, etc., e a frao ideal do todo do terreno e das partes comuns que correspondero s unidades.

    Embora a doutrina num primeiro momento tenha interpretado que tais disposies visavam tratar do condomnio em vilas, conjuntos residenciais urbanos e clubes de campo, na verdade a Lei 4.591/64 no limitou sua abrangncia a qualquer das modalidades supra mencionadas.

    Essa modalidade de condomnio difere o loteamento da 6.766/79 pelo simples fato de que so os proprietrios que se incumbem de abrir as vias internas e da construo de toda infra-estrutura do condomnio, promovendo sua adequada manuteno, tirando dos ombros do Estado esse nus. Os particulares implantam todas as melhorias necessrias para o regular funcionamento do condomnio, independentemente de qualquer colaborao municipal.

    A grande questo que tem vindo tona nesta modalidade consiste no alegado abuso da forma, uma vez que se tem questionado a existncia de condomnios fechados cuja dimenso exagerada proporcionam a criao de quadras divididas em lotes e um verdadeiro arruamento entre elas, situao essa que as Prefeituras tm tentado evitar, exigindo o parcelamento do solo nos moldes da Lei 6.766/79, sempre com a alegao de burla da legislao federal, com o intuito de promoverem a adequada implantao dos equipamentos urbanos necessrios, evitando-se conflitos urbansticos.

    Os condomnios fechados, mesmo que de grandes propores, na realidade no acarretam problema algum j que devem ser mantidos pelos condminos, no implicando gastos ao errio. Contudo, tem-se alegado que tal modalidade constitui loteamento clandestino que visa burlar as diretrizes fixadas na Lei 6.766/79.

    Entretanto, a jurisprudncia tem reconhecido que no condomnio fechado regulado pela 4.591/64, em empreendimentos dotados com apenas uma via de acesso, com cercas divisrias nos seus limites, sem prolongamento das ruas internas e sem expresso reconhecimento de que tais vias seriam de domnio municipal, estar-se-ia diante de um condomnio fechado regular. Tanto isso verdade que h inmeros condomnios fechados existentes no Brasil contemplando tal situao.

    O segundo embasamento, com fundamento na Lei 6.766/79, tem sido considerado ilegal por grande parte da doutrina, sob o entendimento de que a diviso de uma gleba em unidades juridicamente autnomas, vinculadas a fraes ideais de partes comuns, no contemplada no referido diploma legal, uma vez que sendo a gleba dividida em unidades juridicamente autnomas, j teramos configurado o loteamento previsto no artigo 2, pargrafo 1 dessa lei, que dispe:

    O parcelamento do solo urbano poder ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposies desta Lei e as das legislaes estaduais e municipais pertinentes.

    Pargrafo 1 : Considera-se loteamento a subdiviso de gleba em lotes destinados edificao, com abertura de novas vias de circulao, de logradouros pblicos ou prolongamentos, modificao ou ampliao das vias existentes.

    Para a parte da doutrina e da jurisprudncia que no admite o loteamento em condomnio como uma modalidade legal de parcelamento e uso do solo, as hipteses acima no passariam de loteamentos disciplinados na Lei de Parcelamento do Solo, Lei 6.766/79,

  • 5com uma denominao diferente para burlar determinados requisitos urbansticos para aprovao dos loteamentos, tais como aqueles previsto no artigo 4 do referido diploma legal, que dispe:

    Os loteamentos devero atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:I - as reas destinadas a sistemas de circulao, a implantao de equipamento

    urbano e comunitrio, bem como a espaos livres de uso pblico, sero proporcionais densidade de ocupao prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

    IV - pargrafo. 2: Consideram-se comunitrios os equipamentos pblicos de educao, cultura, sade, lazer e similares.

    E ainda, artigo 5, pargrafo nico:O Poder Pblico competente poder complementarmente exigir, em cada

    loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.Pargrafo nico: Consideram-se urbanos os equipamentos pblicos de

    abastecimento de gua, servios de esgotos, energia eltrica, coletas de guas pluviais, rede telefnica e gs canalizado.

    Para a parte da doutrina, parte da administrao pblica e parte da prpria jurisprudncia contrria modalidade de loteamento fechado, a pretenso do legislador ao editar a Lei Federal 6.766/79 no era a de possibilitar a criao de novos ncleos urbanos que pudessem ser regulados pelo regime especial da Lei 4.591/64.

    Para essa corrente, a maioria dos parcelamentos do solo realizada em forma de condomnio, constitui uma maneira clandestina de ocupao para fins urbanos, considerando os parcelamentos do solo para fins urbanos em condomnios fechados ou loteamentos fechados, como uma simulao jurdica com o intuito de obstar a incidncia das normas urbansticas espcie.

    Justificam essa alegada simulao ao considerarem que a Lei 6.766/79 procurou disciplinar as conseqncias advindas da fixao de um novo ncleo urbano ao estabelecer as regras de criao de infra-estrutura e equipamentos pblicos e comunitrios no local desses novos ncleos habitacionais. Nesse passo, os crticos dos loteamentos e dos condomnios fechados, acreditam que tais modalidades visam to somente burla aos ditames da lei federal que regula o assunto, privatizando reas pblicas, excluindo ainda mais os mais excludos pela apropriao indevida dos espaos pblicos, afastando a incidncia de normas urbansticas que deveriam ser cumpridas para o bem-estar da coletividade.

    Alm disso, para os que fundamentam a legalidade dos loteamentos fechados com supedneo na Lei 4.591/64, tem-se alegado a ausncia de competncia municipal para aprovao desta modalidade condominial, uma vez que as questes condominiais so de matria cuja competncia seria exclusiva da Unio. Isso em funo do disposto no artigo 22 da Constituio que atribui competncia exclusiva Unio para legislar privativamente sobre direito civil.

    Contudo, no obstante os argumentos acima tratados tenham sua razo de ser, h outra parte da doutrina, dos rgos pblicos e da prpria jurisprudncia que reconhece a legitimidade dos loteamentos fechados ou em condomnio, em situaes similares s acima tratadas, porm devidamente embasadas na lei, vez que amparados na lei sob um outro enfoque que lhes d a necessria legalidade.

    Sustentam que tanto na Lei 6.766/79 como na Lei 4.591/64 possvel constituir-se de forma legal os loteamentos fechados ou em condomnio.

    nessa linha de pensamento que o presente trabalho desenvolve e sustenta a legalidade dos loteamentos e dos condomnios do tipo fechado.

    A partir do entendimento de que a incidncia da Lei 6.766/79 s necessria nas hipteses em que o loteamento for concebido em fraes ideais ou com adaptao Lei 4.591/64, procura-se demonstrar a possibilidade jurdica dessa modalidade de loteamento,

  • 6desde que no ocorra a edificao ou incorporao de construes, caso em que caracterizaria uma hiptese distorcida de loteamento fechado, sem amparo legal, em que as vias de comunicao e os espaos livres passariam necessariamente a compor o domnio do Municpio.

    3. DISCUSSOA disseminao dos loteamentos fechados ou em condomnio no Brasil, devido

    falta de regulamentao adequada, vem criando diversas discusses judiciais questionando a legalidade dessa modalidade de ocupao do solo.

    Os loteamentos fechados vm sendo implantados no Brasil sem que haja uma normatizao adequada, tanto no mbito federal como municipal no que tange aos seus aspectos urbansticos. Tais loteamentos so diferentes dos loteamentos convencionais, em razo das reas de domnio pblico terem utilizao privativa por seus moradores.

    A Lei 6.766/79, com as alteraes introduzidas pela Lei 9.785/99, o diploma legal, no mbito federal, que hoje regula o parcelamento do solo urbano, muito embora muitos condomnios fechados tambm sejam aprovados com base na Lei 4.591/64, dependendo da forma em que so concebidos.

    A Lei 6.766/79, conhecida por Lei Lehman, estabeleceu os padres urbansticos mnimos para aprovar a implantao do loteamento urbano. As exigncias mnimas contidas na lei referem-se drenagem de guas pluviais, redes de abastecimento de gua potvel e esgotamento sanitrio, energia eltrica pblica e domiciliar, vias de circulao, cuidados com a preservao do meio ambiente, reserva de faixa sem edificao ao longo de cursos dgua, rodovias, ferrovias e dutos, e a doao de no mnimo 35% da rea da gleba objeto do loteamento para a implantao do sistema de circulao, reas verdes e equipamentos institucionais, como escolas, creches, posto de sade, etc..

    A Lei 9.785/99, dentre suas disposies, flexibilizou os parmetros urbansticos exigidos no parcelamento do solo, atribuindo aos Municpios uma maior autonomia para execuo de suas prprias polticas urbanas. Aos Municpios coube a definio dos usos permitidos e os ndices urbansticos de parcelamento do solo, por meio da elaborao do Plano Diretor ou de Lei Municipal, tais como o tamanho mnimo dos lotes, os coeficientes de aproveitamento, levando em conta a funo social da propriedade urbana.

    A Lei 9.785/99 deixou a cargo da legislao urbanstica municipal a rea mnima que deve ser doada em cada gleba a ser parcelada, destinada ao sistema de circulao, implantao de equipamentos urbanos e comunitrios, a instalao de espaos livres e reas verdes de uso pblico.

    Desta forma, o Municpio, para garantir o interesse pblico, ficou obrigado a estabelecer na legislao municipal que um percentual mnimo da gleba objeto de parcelamento, conforme fixado na legislao, deve ser reservada para uso pblico social e ambiental.

    Nos loteamentos fechados, dependendo da forma como so concebidos, no h atribuio de espaos livres e comunitrios e reas verdes de uso pblico. Tais reas ficam incorporadas ao uso exclusivo dos condminos do loteamento.

    Em razo da Lei 4.591/64 tratar da incorporao imobiliria e da Lei 6.766/79 tratar do parcelamento do solo urbano, dois embasamentos legais vem sendo adotados pelos incorporadores para a legalizao dos loteamentos fechados. O primeiro tem como sustentao a Lei 4.591/64, artigo 8 e suas alneas, que dispe:

    Quando, em terreno onde no houver edificao, o proprietrio, o promitente comprador, o cessionrio deste ou o promitente cessionrio sobre ele desejar erigir mais de uma edificao, observar-se- tambm o seguinte:

    a) em relao s unidades autnomas que se constiturem em casas trreas ou assobradadas, ser discriminada a parte do terreno ocupada pela edificao e tambm, aquela eventualmente reservada como de utilizao exclusiva dessas casas, como jardim e

  • 7quintal, bem assim a frao ideal do todo do terreno e das partes comuns que corresponder s unidades;

    b) em relao s unidades autnomas que constiturem edifcios de dois ou mais pavimentos, ser discriminada a parte do terreno ocupado pela edificao, aquela que eventualmente for reservada como de utilizao exclusiva, correspondentes s unidades do edifcio, e ainda a frao ideal do todo do terreno e de partes comuns que corresponder a cada uma das unidades;

    c) sero discriminadas as partes do total do terreno que podero ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vrios tipos de unidades autnomas;

    d) sero discriminadas as reas que se constiturem em passagem comum para as vias pblicas ou para as unidades entre si.

    Grande parte da doutrina considera que o dispositivo legal acima tem sido utilizado de forma abusiva para dar legalidade aos loteamentos fechados. Um argumento contrrio a essa forma de legalizao consiste no fato de que a caracterstica contida na Lei 4.591/64 no se perfaz seno com a conjugao dos elementos edificao e terreno, no podendo, portanto, subsistir nela o terreno independentemente da edificao. Alm disso, para outros, a finalidade do dispositivo acima transcrito no teria sido concebida seno para possibilitar o aproveitamento de reas de dimenso reduzida no interior de quadras, sem arruamento, permitindo a construo de conjuntos de edificaes sob regime condominial.

    Quando a situao extrapola esses limites, ocorrendo o parcelamento de glebas, e a diviso das quadras em lotes, com ou a criao de arruamento ou aproveitamento do arruamento preexistente no entorno desses lotes, a situao de condominial lastreada na Lei 4.591/64 ficaria descaracterizada, por constituir-se automaticamente em uma forma de parcelamento urbanstico de solo, devendo, conseqentemente, reger-se pelas leis federais de loteamento e leis municipais de direito urbanstico.

    O artigo 8 da Lei 4.591/64 permite a criao de unidades autnomas devidamente discriminadas em relao parte do terreno ocupada pela edificao e pelas reas reservadas como de utilizao exclusiva dessas edificaes, como o jardim, quintal, etc., e a frao ideal do todo do terreno e das partes comuns que correspondero s unidades.

    Embora a doutrina num primeiro momento tenha interpretado que tais disposies visavam tratar do condomnio em vilas, conjuntos residenciais urbanos e clubes de campo, na verdade a Lei 4.591/64 no limitou sua abrangncia a qualquer das modalidades supra mencionadas.

    Essa modalidade de condomnio difere o loteamento da 6.766/79 pelo simples fato de que so os proprietrios que se incumbem de abrir as vias internas e da construo de toda infra-estrutura do condomnio, promovendo sua adequada manuteno, tirando dos ombros do Estado esse nus. Os particulares implantam todas as melhorias necessrias para o regular funcionamento do condomnio, independentemente de qualquer colaborao municipal.

    A grande questo que tem vindo tona nesta modalidade consiste no alegado abuso da forma, uma vez que se tem questionado a existncia de condomnios fechados cuja dimenso exagerada proporcionam a criao de quadras divididas em lotes e um verdadeiro arruamento entre elas, situao essa que as Prefeituras tm tentado evitar, exigindo o parcelamento do solo nos moldes da Lei 6.766/79, sempre com a alegao de burla da legislao federal, com o intuito de promoverem a adequada implantao dos equipamentos urbanos necessrios, evitando-se conflitos urbansticos.

    Os condomnios fechados, mesmo que de grandes propores, na realidade no acarretam problema algum j que devem ser mantidos pelos condminos, no implicando gastos ao errio. Contudo, tem-se alegado que tal modalidade constitui loteamento clandestino que visa burlar as diretrizes fixadas na Lei 6.766/79.

  • 8Entretanto, a jurisprudncia tem reconhecido que no condomnio fechado regulado pela 4.591/64, em empreendimentos dotados com apenas uma via de acesso, com cercas divisrias nos seus limites, sem prolongamento das ruas internas e sem expresso reconhecimento de que tais vias seriam de domnio municipal, estar-se-ia diante de um condomnio fechado regular. Tanto isso verdade que h inmeros condomnios fechados existentes no Brasil contemplando tal situao.

    O segundo embasamento, com fundamento na Lei 6.766/79, tem sido considerado ilegal por grande parte da doutrina, sob o entendimento de que a diviso de uma gleba em unidades juridicamente autnomas, vinculadas a fraes ideais de partes comuns, no contemplada no referido diploma legal, uma vez que sendo a gleba dividida em unidades juridicamente autnomas, j teramos configurado o loteamento previsto no artigo 2, pargrafo 1 dessa lei, que dispe:

    O parcelamento do solo urbano poder ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposies desta Lei e as das legislaes estaduais e municipais pertinentes.

    Pargrafo 1 : Considera-se loteamento a subdiviso de gleba em lotes destinados edificao, com abertura de novas vias de circulao, de logradouros pblicos ou prolongamentos, modificao ou ampliao das vias existentes.

    Para a parte da doutrina e da jurisprudncia que no admite o loteamento em condomnio como uma modalidade legal de parcelamento e uso do solo, as hipteses acima no passariam de loteamentos disciplinados na Lei de Parcelamento do Solo, Lei 6.766/79, com uma denominao diferente para burlar determinados requisitos urbansticos para aprovao dos loteamentos, tais como aqueles previsto no artigo 4 do referido diploma legal, que dispe:

    Os loteamentos devero atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:I - as reas destinadas a sistemas de circulao, a implantao de equipamento

    urbano e comunitrio, bem como a espaos livres de uso pblico, sero proporcionais densidade de ocupao prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

    IV - pargrafo. 2: Consideram-se comunitrios os equipamentos pblicos de educao, cultura, sade, lazer e similares.

    E ainda, artigo 5, pargrafo nico:O Poder Pblico competente poder complementarmente exigir, em cada

    loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.Pargrafo nico: Consideram-se urbanos os equipamentos pblicos de

    abastecimento de gua, servios de esgotos, energia eltrica, coletas de guas pluviais, rede telefnica e gs canalizado.

    Para a parte da doutrina, parte da administrao pblica e parte da prpria jurisprudncia contrria modalidade de loteamento fechado, a pretenso do legislador ao editar a Lei Federal 6.766/79 no era a de possibilitar a criao de novos ncleos urbanos que pudessem ser regulados pelo regime especial da Lei 4.591/64.

    Para essa corrente, a maioria dos parcelamentos do solo realizada em forma de condomnio, constitui uma maneira clandestina de ocupao para fins urbanos, considerando os parcelamentos do solo para fins urbanos em condomnios fechados ou loteamentos fechados, como uma simulao jurdica com o intuito de obstar a incidncia das normas urbansticas espcie.

    Justificam essa alegada simulao ao considerarem que a Lei 6.766/79 procurou disciplinar as conseqncias advindas da fixao de um novo ncleo urbano ao estabelecer as regras de criao de infra-estrutura e equipamentos pblicos e comunitrios no local desses novos ncleos habitacionais. Nesse passo, os crticos dos loteamentos e dos condomnios fechados, acreditam que tais modalidades visam to somente burla aos ditames da lei federal que regula o assunto, privatizando reas pblicas, excluindo ainda

  • 9mais os mais excludos pela apropriao indevida dos espaos pblicos, afastando a incidncia de normas urbansticas que deveriam ser cumpridas para o bem-estar da coletividade.

    Alm disso, para os que fundamentam a legalidade dos loteamentos fechados com supedneo na Lei 4.591/64, tem-se alegado a ausncia de competncia municipal para aprovao desta modalidade condominial, uma vez que as questes condominiais so de matria cuja competncia seria exclusiva da Unio. Isso em funo do disposto no artigo 22 da Constituio que atribui competncia exclusiva Unio para legislar privativamente sobre direito civil.

    Contudo, no obstante os argumentos acima tratados tenham sua razo de ser, h outra parte da doutrina, dos rgos pblicos e da prpria jurisprudncia que reconhece a legitimidade dos loteamentos fechados ou em condomnio, em situaes similares s acima tratadas, porm devidamente embasadas na lei, vez que amparados na lei sob um outro enfoque que lhes d a necessria legalidade.

    Sustentam que tanto na Lei 6.766/79 como na Lei 4.591/64 possvel constituir-se de forma legal os loteamentos fechados ou em condomnio.

    nessa linha de pensamento que se desenvolve e se sustenta a legalidade dos loteamentos e dos condomnios do tipo fechado.

    A partir do entendimento de que a incidncia da Lei 6.766/79 s necessria nas hipteses em que o loteamento for concebido em fraes ideais ou com adaptao Lei 4.591/64, procurou-se demonstrar a possibilidade jurdica dessa modalidade de loteamento, desde que no ocorra a edificao ou incorporao de construes, caso em que caracterizaria uma hiptese distorcida de loteamento fechado, sem amparo legal, em que as vias de comunicao e os espaos livres passariam necessariamente a compor o domnio do Municpio.

    A denominao loteamento fechado deve ser entendida como a diviso de gleba em lotes para edificao que se assemelha ao loteamento, porm com resultados diversos, na medida em que no so atribudas reas de uso comum para a populao, conforme determina a Lei 6.766/79, no tratamento dispensado ao loteamento, mas to somente sua utilizao pelos Condminos do empreendimento.

    O loteamento fechado que se pretende abordar nesse trabalho no se confunde com o condomnio fechado, embora ele tenha uma estrutura semelhante a deste.

    Desta forma, para fins do presente trabalho, o loteamento fechado aqui tratado deve ser entendido como a modalidade de parcelamento do solo urbano, feito com fundamento nos preceitos estabelecidos pela Lei 6.766/79, tendo por diferencial do chamado loteamento convencional, a associao dos adquirentes dos lotes, por terem objetivos comuns.

    A concepo do loteamento fechado, grosso modo, inicia com a sua aprovao do projeto pelos rgos competentes, mediante apresentao dos documentos elencados no artigo 18 da Lei 6.766/79 e, observadas as formalidades legais, com o registro do loteamento pelo Oficial Registrador do Cartrio imobilirio da situao do imvel.

    Registrado o loteamento, com fundamento no artigo 22 do citado diploma legal, as vias e praas, os espaos livres e as reas destinadas a edifcios pblicos e outros equipamentos urbanos, passam a integrar o domnio do Municpio.

    Por lei ou acordo firmado com a Administrao Pblica Municipal, os adquirentes de lotes passam a administrar as reas de domnio pblico. Para tanto, os proprietrios dos lotes que compem o loteamento fechado se associam.

    Para custeio da manuteno das reas de domnio pblico, os associados pagam um condomnio mensal, que tem por fato gerador a propriedade de unidade imobiliria e por objetivo a manuteno das referidas reas pblicas, independentemente do Poder Pblico competente.

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    A controvrsia que se estabelece refere-se legalidade da forma de utilizao das reas de domnio pblico.

    Acirradas discusses jurdicas surgiram com a proliferao dessa nova modalidade condominial. Parte da doutrina e da jurisprudncia contrria a essa modalidade sustenta que os adquirentes de lotes no chamado "loteamento fechado", ignorando a situao de loteamento registrado com fundamento na Lei 6.766/79, muram toda a extenso do loteamento e, a partir desse fato, passam a cuidar das reas de domnio pblico, como se fossem "bens de uso comum" cuja previso somente existe na Lei 4.591/64.

    Contudo, pretende-se demonstrar que a implantao destes loteamentos e condomnios do tipo fechado perfeitamente legal a partir da legislao aplicvel modalidade loteamento ou condomnio fechado.

    A sustentao dessa legalidade passa pela anlise das leis federais aplicveis a essa modalidade de parcelamento do solo, especificamente a Lei 6.766/79, Lei de parcelamento do solo, e a Lei 4.591/64, que rege os condomnios, nos dispositivos no revogados pelo Cdigo Civil de 2002, nos seus artigos 1.331 a 1.358. Passa tambm pela anlise da distribuio de competncias conferida pela Constituio Federal, bem como pelos princpios e preceitos fundamentais que regem o ordenamento jurdico brasileiro.

    A partir da interpretao sistemtica do direito positivo procurou-se demonstrar que o legislador federal no tem competncia para aniquilar com a autonomia dos Estados e dos Municpios de dispor de seus bens dentro dos seus respectivos mbitos de competncia.

    Trata-se, como se v, de uma modalidade especial de ocupao do solo com dimenso civil e dimenso urbanstica. O limiar dessas duas dimenses hoje se encontra ainda numa zona cinzenta, envolvendo a um s tempo dispositivos pblicos e privados, envolvendo relaes particulares sobre parcelas de terrenos e relaes urbansticas sobre suas caractersticas de instrumento de desenvolvimento urbano e de urbanificao.

    Dentro dessa situao aparentemente conflitante e sem soluo o presente trabalho tem o propsito de analisar os referenciais terico e jurdicos para a realizao do desenvolvimento urbano com sustentabilidade, de forma a compreendermos como os entes federativos podem atuar para realizao de espaos urbanos sustentveis na modalidade de ocupao de solo conhecida por loteamento fechado ou em condomnio.

    Esta a razo da definio do tema O Loteamento Fechado Luz do Direito Positivo, pois somente a partir da anlise analtico-normativa do direito positivado ser possvel encontrar os fundamentos de validade de aplicao da norma situao concreta do parcelamento do solo.

    Neste sentido, mister verificar no s a relao de competncia dos entes federados, como os limites dos interesses Pblico e Privado, na participao e no papel que cada um exerce na ocupao e ordenao territorial do pas.

    Delimitada a competncia de atuao de cada um no processo de ordenamento e ocupao do solo, poder-se- ter de forma mais precisa a verificao de legitimidade dos atos praticados, seu limites e com isso evitar-se conflitos neste complexo procedimento de reorganizao do ordenamento do solo urbano em prol do bem estar coletivo, da segurana, do bem-estar dos cidados e do equilbrio ambiental.

    Portanto, a interpretao na conduo do trabalho estar voltada para observar a regra em confronto com os demais comandos que do sentido ao sistema positivo, com o escopo de compreender a lei na sua totalidade, verificando, sempre que necessrio, as relaes de subordinao e coordenao que regem as regras.

    Assim sendo, uma norma s ser vlida se produzida por rgo credenciado pelo sistema e na conformidade com o procedimento previsto pelo ordenamento, sendo requisitos para o ingresso no ordenamento jurdico que sejam expresses lingsticas portadoras de sentido, produzidas por rgos credenciados pelo ordenamento para a sua expedio e consoante o procedimento especfico prprio que a ordem jurdica especificar.

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    Sendo a Constituio o fundamento de validade de toda a ordem jurdica nacional, disciplinado a atuao dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, torna-se necessrio proceder verificao de pernitencialidade das normas legais que regem o ordenamento do solo urbano, j que todas as normas do sistema convergem para a norma fundamental que d fundamento de validade ao direito positivo.

    4. COMPETNCIA LEGISLATIVA. VISO GERAL DA DIVISO DO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

    O tema competncia de extrema relevncia, e no poderia deixar de ser mencionado, tendo em vista, sobretudo, que o rgo regulador tem limitaes para o desenvolvimento de suas funes, ante o limite de sua competncia que no poder extrapolar, por fora da autonomia poltica, administrativa e financeira dos Municpios, garantidas pela Constituio Federal, artigo 1 e 18, cabendo-lhes dispor sobre o uso dos bens que integrem seu patrimnio, como as reas pblicas compreendidas em seu territrio (solo, subsolo e espao areo).

    O Brasil uma federao com quatro espcies de entidades jurdicas com capacidade poltica. Somente as pessoas polticas tm competncia urbanstica, isto , somente a Unio, Estados, Municpios e o Distrito Federal tm poder legislativo com representao prpria e receberam da constituio competncias para instituir em carter privativo disposies e normas de carter urbanstico. Trata-se de tema constitucional, cujas diretrizes bsicas foram traadas pelo legislador constituinte, ficando a legislao infra-constitucional federal responsvel pela fixao das diretrizes gerais e aos Estados e Municpios to somente explicitar e regulamentar as diretrizes constitucionais e federais.

    Para conferir aos entes federados autonomia, a Constituio Federal outorgou-lhes competncias impositivas privativas, permitindo-lhes deliberar sobre assuntos de interesse especfico, desde que observadas as normas de estrutura constantes da Carta Magna, as quais fornecem os critrios necessrios para que a Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, por meio de lei, venham a faz-lo. Essas normas de estrutura informam e delimitam material e formalmente o exerccio de competncia dos entes federados, fundamentando a validade das suas respectivas normas, onde a lei ordinria criada, seja ela qual for, s ldima se tiver pernitencialidade com os preceitos constitucionais.

    No Federalismo brasileiro h uma coexistncia de esferas federativas superpostas que criam regras jurdicas, dentro de suas respectivas competncias, de forma descentralizada para a resoluo e alcance de interesses comuns.

    Unio cabe a competncia de legislar exclusivamente sobre assuntos de interesse de toda a Nao, por meio de normas gerais, conforme se pode depreender do art 22, incisos I ao XXIX) da Constituio Federal. No que tange ocupao e ordenamento do solo, de acordo com a Constituio Federal compete Unio editar normas gerais de urbanismo e estabelecer o plano urbanstico nacional e planos urbansticos macro regionais (artigos 21, XX e XXI e 24, I, e 1).

    Aos Estados cabe a competncia para legislar de forma suplementar, mediante lei complementar, sobre assuntos de interesses especificamente regional. Os Estados tm competncia para legislar sobre todos os assuntos que no forem de competncia exclusiva da Unio e dos Municpios, conforme se pode depreender do artigo 25 da Constituio Federal. Cabe aos Estados dispor sobre normas urbansticas regionais, suplementares das normas gerais estabelecidas pela Unio (art. 24, I e 2) e plano urbanstico estadual e planos urbansticos regionais.

    Aos Municpios cabe a competncia para legislar sobre assuntos de interesse local, conforme se pode depreender dos artigos 29 e 30 da Constituio Federal. Compete aos Municpios, em matria de urbanismo, legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislao federal e estadual e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial mediante o planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano (artigo 30, I, II e VIII). Aos Municpios cabe ainda estabelecer a

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    poltica de desenvolvimento urbano, ordenando plano de desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (art. 182), promover o adequado ordenamento de seu territrio, mediante planejamento e o controle do uso, parcelamento e da ocupao do solo urbano, elaborando para tanto o plano diretor (art. 30, VIII).

    Portanto, a planificao urbanstica federal cobre todo o territrio Nacional, limitadas s autonomias dos Estados-Membros e Municpios, formando um conjunto harmnico e funcional.

    O Federalismo brasileiro agrega um s tempo as competncias legislativas exclusiva, privativa, suplementar e concorrente. A competncia concorrente destaca-se para os direitos financeiro, tributrio, econmico, urbanstico, entre outros.

    A competncia dos Estados e dos Municpios para a criao de normas jurdicas sofre limitaes, vez que s podem legislar suplementarmente ao que foi disposto pela Unio sobre uma determinada matria.

    Isso ocorre para que os princpios e diretrizes gerais federais criados pela Unio possam ser aplicados de forma uniforme em todo o territrio nacional.

    Na hiptese de inexistir norma federal para o tratamento de uma questo especfica, poder o Estado exercer sua competncia plena para legislar sobre o assunto. O Estado, nessa situao, pode criar normas gerais quanto ao contedo, obrigando os destinatrios dentro do limite da sua autonomia estadual.

    Caso a Unio venha a editar norma federal superveniente sobre a mesma questo especfica normatizada pelo Estado, a norma da esfera estadual, caso incongruente com a norma federal, deixar de ter eficcia nos casos em que lhe for contrria, em razo da eficcia da norma federal.

    Da mesma forma, inexistindo norma jurdica de mbito geral ou regional, poder o Municpio legislar de forma plena para o tratamento de temtica especfica, desde que relativas a interesses locais. Existindo normas gerais federais, o Municpio poder somente exercer sua competncia suplementar para criao de normas que apresentem compatibilidade com as normas gerais, sob pena de inconstitucionalidade da norma local que for contrria norma geral.

    Como se v, o federalismo brasileiro tem como caracterstica a supremacia e o amplo poder da Unio para intervir na realizao dos interesses e objetivos nacionais, com competncias e atribuies gerais, agregado valorizao dos Estados-membros e dos Municpios que detm sua parcela de autonomia dentro dos limites constitucionais que lhe foram outorgados, havendo uma distribuio de funes e competncias comuns, suplementares e concorrentes que se interpenetram, complementam e integram para uma administrao una.

    5. COMPETNCIA ADMINISTRATIVAA competncia administrativa pode ser entendida como a capacidade de agir dentro

    de uma determinada esfera federativa de poder para o trato e gerenciamento de determinadas questes dentro do seu mbito de interesse.

    A competncia administrativa no se confunde com a competncia para legislar, mas to somente a capacidade de gerenciamento para aplicao da lei na forma do Texto Constitucional.

    Essa competncia pressupe a existncia de competncia legislativa e realizada de forma cooperativa entre Unio, Estados-membros e Municpios, por meio de aes paralelas nas esferas federal, estadual e municipal, de forma articulada, promovendo a integrao entre os entes federativos para a execuo das tarefas que lhe so comuns, conforme determina o pargrafo nico do artigo 23 da Constituio Federal, que dispe:

    Lei complementar fixar normas para a cooperao entre a Unio e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, tendo em vista o equilbrio do desenvolvimento e do bem-estar em mbito nacional.

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    6. COMPETNCIA MUNICIPAL EM MATRIA URBANSTICA Os Municpios possuem competncia privativa para legislar sobre assuntos de

    interesse local, devendo elaborar suas Cartas Municipais em consonncia com os preceitos constitucionais federal e estadual.

    A autonomia dos Municpios no sofre limitaes ou qualquer tipo de hierarquia aos poderes da Unio e dos Estados, podendo agir em igualdade de condies dentro da sua esfera de competncia atribuda pela Constituio Federal.

    Para o ordenamento territorial, cabe aos Municpios executar a Poltica de Desenvolvimento Urbano por meio do Plano Diretor que deve ser elaborado de acordo com os ordenamentos federais e estaduais relativos matria.

    Cumpre ressaltar que aos Municpios, no seu campo de ao, no foi prevista na Constituio Federal a possibilidade de legislar concorrentemente sobre Direito Urbanstico, a teor do artigo 24, inciso I da Constituio Federal. Contudo, a partir de uma anlise sistmica, pode-se verificar que a autonomia municipal constante do artigo 24, pargrafo 3 e artigo 30, inciso I, atribui ao mesmo a possibilidade e o dever de legislar suplementarmente o j disposto nas normas federais e estaduais, de acordo com suas necessidade locais.

    Assim, ainda que no expressamente delegada a competncia para legislar de forma concorrente com os entes federal e estadual, essa competncia existe de forma indireta, no s para suplementar as normas gerais existentes, como tambm editar normas gerais omissas por parte da Unio ou dos Estados, sempre em mbito e nos limites do interesse local.

    7. COMPETNCIA CONCORRENTE EM MATRIA URBANSTICAComo se pode observar a atividade urbanstica no Brasil uma funo do Poder

    Pblico, e embora ainda esteja pouco desenvolvida ela atribuda essencialmente ao Municpio.

    Tendo em vista a correlao entre Direito Urbanstico e as diretrizes para o desenvolvimento urbano, no h dvida de que tais diretrizes devam ser veiculadas mediante lei federal de normas gerais (art. 24, I e 1). Entretanto, tais normas s podem ser consideradas gerais se no invadirem a rea de competncia estadual e municipal.

    Hely Lopes Meirelles aborda o assunto com muita propriedade: "Lembramos que no cabe Unio subordinar a atividade urbanstica dos Estados-

    Membros e Municpios s suas reparties administrativas, como muito do agrado do Poder Central. O que a Constituio Federal atribui Unio a faculdade de legislar sobre normas gerais. Legislar editar regras jurdicas de conduta; no intervir executivamente nos mais mnimos detalhes. O que se reconhece Unio a possibilidade de estabelecer normas gerais de urbanismo, vale dizer, imposies de carter genrico e de aplicao indiscriminada em todo o territrio nacional. Ultrapassando esses lindes, a ao federal atentar contra a autonomia estadual e municipal e incorrer em inconstitucionalidade".2

    Portanto, a todos os entes federativos existe atribuio de competncia para o ordenamento fsico-espacial do territrio nacional, cabendo Unio a disposio de normas gerais de direito urbanstico, aos Estados as questes de interesse regional, e aos Municpios o dever de legislar sobre assuntos de interesse local.

    Dentro desse plano de repartio de competncias que surge uma questo de difcil soluo, dentro dessa linha demarcatria, limtrofe dos entes federativos, onde se tem questionado a legalidade da atividade da Unio na regulamentao de interesses locais dos Municpios.

    Embora o Estatuto da Cidade apresente as diretrizes gerais para a poltica urbana, as atribuies legislativas e administrativas ainda no esto suficientemente delineadas para a realizao de uma poltica de desenvolvimento urbano coerente e sistematizado.

    2 Hely Lopes Meirelles, Direito de construir, 2. ed., So Paulo, p.108.

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    Hoje podemos observar que as competncias concorrentes, ao invs de tornarem o sistema jurdico-administrativo eficiente, tornam-no incuo e excessivamente burocrtico consecuo de atividades de desenvolvimento urbano integrado. A delimitao de atribuies para a poltica urbana no sistema positivo brasileiro ainda no est claramente definida.

    8. O ARTIGO 29 DA CONSTITUIO FEDERAL PRINCPIOS E AUTONOMIA LEGISLATIVA MUNICIPAL

    O artigo 29 da Constituio Federal determina que os Municpios observem em suas Leis Orgnicas os princpios estabelecidos na Constituio Federal e os princpios fixados na Constituio de seus respectivos Estados.

    Desta forma, extremamente relevante a compreenso do significado jurdico-constitucional do vocbulo princpios, seu contedo, limites e extenso.

    A correta interpretao constitucional e a funo dos princpios constitucionais para consecuo do desenvolvimento sustentvel nos espaos urbanos so de fundamental importncia para o entendimento da autonomia municipal no regramento ordenamento do solo e livre disposio dos bens pblicos sob sua responsabilidade.

    O princpio do Federalismo na Constituio Federal vigente se apresenta como princpio estruturador do Estado Democrtico de Direito. A caracterstica essencial dessa forma de Estado est na existncia de diversos rgos polticos aptos a atuarem em diferentes esferas, podendo agir conjunta ou isoladamente para a consecuo das metas da Nao.

    O regime federativo se caracteriza pela existncia de um governo central que representa a nao paralelamente existncia de governos autnomos. A repartio de competncias entre o governo central, governos estaduais e municipais determina e caracteriza o Federalismo.

    Dessa forma de estrutura de distribuio de poder poltico entre entes federativos surge a necessidade de se falar em competncia. Nesse sentido, a competncia pode ser entendida como a faculdade atribuda pessoa poltica para emitir decises, nos termos estabelecidos na Constituio Federal e na Lei.

    O Federalismo brasileiro atribui aos Municpios larga autonomia para a realizao das polticas pblicas.

    O Municpio entidade pblica de direito pblico interno situado no mesmo nvel hierrquico dos Estados, no sendo a eles subordinados. A autonomia financeira, legislativa e administrativa dos Municpios no permite a intromisso discricionria dos governos federal e estadual nas questes de interesse local dos Municpios.

    Ao Municpio delegado a competncia em planificar metas e aes para o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade, pois o principal responsvel para a efetivao e garantia das funes sociais da cidades.

    Atrelado ao princpio do Federalismo, o princpio da subsidiariedade um princpio essencial para que o sistema federativo seja harmnico e se coadune de forma racional na distribuio de funes para a consecuo dos objetivos da Repblica Federativa. Por meio dele, deve-se dar preferncia atuao administrativa ao ente federativo dotado de maior especificidade, ou seja, o exerccio das competncias pblicas deve corresponder preferencialmente s autoridades mais prximas ao cidados.

    Considerando que cabe aos Municpios a realizao de todas as tarefas e incumbncias administrativas que se refiram ao interesse local, pode-se concluir que deve o poder local ter a possibilidade preponderante de buscar solues aos problemas vivenciados pelos cidados em detrimento das atividades estatais e nacionais no mbito administrativo, desde que relacionados a assuntos locais.

    Somente quando os objetivos a serem alcanados no puderem ser realizados de forma satisfatria pelos Municpios que a Unio ou os Estados-Membros podero, dentro

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    dos seus limites de competncia, assumir a tarefa de criar solues para os problemas e questes locais.

    Nesse sentido cabe ao rgo federal a cooperao administrativa na gesto comum de interesses nacionais, atuando subsidiariamente atuao estatal. Da mesma forma, aos rgos estatais cabem a atuao suplementar em relao s competncias comuns para a realizao das atividades administrativas.

    Celso Antonio Bandeira de Mello, a respeito dos princpios constitucionais, leciona:Princpio por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce

    dele, disposio fundamental que se irradia por diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico. o conhecimento dos princpios que preside a inteleco das diferentes partes componentes do todo unitrio que h por nome sistema jurdico positivo.3

    Como se v os princpios constitucionais tem um maior teor de abstrao, espelhando a ideologia da Constituio, mas nunca a regulamentao especfica de determinado assunto.

    Nesse sentido, o teor do artigo 29 da Constituio Federal no atribui Unio e aos Estados-Membros a possibilidade de legislarem sobre questes especficas de interesse local dos Municpios. Referido artigo apenas e to somente obriga os Municpios a respeitarem as normas de carter geral expedidas pela Unio e pelos Estados-Membros na consecuo de suas respectivas competncias para cooperao conjunta no desenvolvimento da poltica urbana.

    O princpio da autonomia municipal conferida pelo artigo 18 e artigo 34, inciso VII, alnea c da Constituio Federal, no sofre restries por conta da necessidade de atendimento aos princpios da prpria constituio federal, e da constituio dos respectivos Estados-membros.

    O ordenamento do solo, na modalidade loteamento fechado, no infringe nenhum princpio constitucional federal ou estadual positivado no ordenamento jurdico brasileiro. Ao contrrio, vem ao encontro da necessidade de cooperao entre os entes federados, para o equilbrio do desenvolvimento e do bem-estar em mbito nacional disposto no pargrafo nico do artigo 23 da Constituio Federal.

    Os princpios jurdicos so normas de hierarquia superior que informam e auxiliam na aplicao das demais normas que a ela se referem. Os princpios tm a funo de orientar o trabalho interpretativo na busca pelo sentido e pela finalidade das normas, regulando a atividade discricionria, e agindo como fonte supletiva do Direito nos casos de ausncia de lei regulando determinada situao.

    Efetuando-se uma interpretao conforme a constituio, pode-se compreender que a poltica urbana est subordinada ao somatrio de princpios e objetivos constantes da constituio.

    O tratado sobre cidades, vilas e povoados sustentveis, elaborado durante a ECO 92 aponta com clareza os princpios que devem nortear a poltica urbana, baseados em trs fundamentos bsicos: i) direito cidadania; ii) gesto democrtica da cidade e iii) funo social da cidade e da propriedade.

    Portanto, podemos concluir que um dos componentes do desenvolvimento urbano o princpio do desenvolvimento sustentvel, onde as pessoas so o centro da preocupao das aes pblicas para que as mesmas tenham pleno direito qualidade de vida e no apenas direito de sobrevivncia.

    Dentre os princpios especficos do Direito Urbanstico, pode-se destacar os seguintes: (i) princpio da funo social da propriedade; (ii) princpio da subsidiariedade, 3 Celso Antnio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo 8. ed., So Paulo, Malheiros, 1996, p. 545/546.

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    (iii) princpio de que o urbanismo funo pblica, (iv) o princpio da afetao das mais-valias ao custo da urbanificao e (v) o princpio da justa distribuio dos benefcios e nus derivados da atuao urbanstica.

    A concretizao da funo social da cidade precisa ser condizente com os princpios e objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, contemplados na Constituio Federal e no Direito Urbanstico, consubstanciado no exerccio da cidadania na definio das aes voltadas para este sentido, priorizando a realizao da justia social e da busca por uma sociedade justa e solidria.

    Os objetivos a serem atingidos, segundo as disposies constitucionais, podem ser encontrados basicamente em trs artigos, a saber:

    Artigo 5: Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade nos termos seguintes; Inc. XII garantido o direito de propriedade, Inc., XXIII a propriedade atender a sua funo social; Inc. XXIV a lei estabelecer o procedimento para desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou por interesse social, mediante justa e prvia indenizao em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta constituio.

    O artigo 170: A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os princpios: II propriedade privada e, III funo social da propriedade.

    O artigo 182: A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pblico Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

    1 O plano Diretor, aprovado pela Cmara Municipal, obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitantes, o instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expanso urbana.

    2 A propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende as exigncias fundamentais de ordenao da cidade, expressas no plano diretor.

    3 As desapropriaes de imveis urbanos (...). 4: facultado ao Poder Pblico Municipal, mediante lei especfica para rea

    includa no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietrio do solo urbano no edificado, sub-utilizado ou no utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

    I parcelamento ou edificao compulsrios;II imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;III- desapropriao com pagamento mediante ttulos da dvida pblica de emisso

    previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de at dez anos.Partindo destes trs artigos pode-se ter uma viso genrica dos objetivos perseguidos

    pelo legislador para o regular desenvolvimento do direito urbanstico.O desenvolvimento sustentvel das cidades e o bem-estar de seus habitantes

    compreendem a existncia de loteamentos fechados, conforme se procurar demonstrar no decorrer deste trabalho. Essa modalidade de utilizao do solo fundamental no mundo contemporneo, especialmente porque permite com ela agregar num mesmo local habitao, lazer, segurana e infra-estrutura adequada, sem causar maiores nus aos Municpios.

    9. EMBASAMENTO LEGAL DOS CONDOMNIOS FECHADOS NA LEI 4.591/64

    A concepo de um loteamento fechado juridicamente legal pode ser embasada em dois fundamentos legais totalmente vlidos luz do ordenamento jurdico brasileiro.

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    A primeira possibilidade jurdica ocorre na hiptese do loteamento fechado estar lastreado inteiramente s disposies da Lei de Condomnios, em que se d a venda de casas trreas ou assobradadas juntamente com o lote, ou com a incorporao das edificaes.

    Nessa situao no h que se falar em burla Lei 6.766/79, pois as vias de comunicao e espaos livres so de propriedade particular dos adquirentes dessas casas que sero erigidas no loteamento fechado.

    O condomnio fechado, designado condomnio deitado ocorre quando construdo mais de uma edificao, no havendo limitao legal na Lei 4591/64 quanto ao nmero de edificaes.

    Seu fundamento est nos artigo 8. e 68 do referido diploma legal que dispe:Art. 8: Quando, em terreno onde no houver edificao, o proprietrio, o

    promitente comprador, o cessionrio deste ou o promitente cessionrio sobre ele desejar erigir mais de uma edificao, observar-se- tambm o seguinte:

    a) em relao s unidade autnomas que se constiturem em casas trreas ou assobradadas, ser discriminada a parte do terreno ocupada pela edificao e tambm aquela eventualmente reservada como de utilizao exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a frao ideal de todo do terreno e de partes comuns, que corresponder s unidades;

    b) em relao s unidades autnomas que constiturem edifcios de dois ou mais pavimentos, ser discriminada a parte do terreno ocupada pela edificao, aquela que eventualmente for reservada como de utilizao exclusiva, correspondente unidade do edifcio, e ainda a frao ideal do todo do terreno e das partes comuns, que corresponder a cada uma das unidades;

    c) sero discriminadas as partes do total do terreno que podero ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vrios tipos de unidades autnomas;

    d) sero discriminadas as reas que se constiturem em passagem comum para as vias pblicas ou para unidades entre si.

    Art. 68: Os proprietrios ou titulares de direito aquisitivo sobre as terras rurais ou os terrenos onde pretendam construir ou mandar construir habitaes isoladas para alien-las antes de concludas, mediante pagamento do preo a prazo, devero, previamente, satisfazer s exigncias constantes no art. 32, ficando sujeitos ao regime institudo nesta lei para os incorporadores, no que lhes for aplicvel.

    O art. 32 elenca uma srie de documentos a serem arquivados no registro de imveis, necessrios para permitir ao incorporador a negociao das unidades autnomas.

    Como se v, por meio dessa modalidade de aproveitamento condominial do espao so constitudas casas autnomas, que poder ser fechado, cercado ou murado, de modo que as vias internas de comunicao possam ter sada para a via pblica, mediante controle do porto de entrada. Enquanto que na propriedade horizontal determinada unidade autnoma est vinculada frao ideal do terreno e s partes comuns, no condomnio deitado tem-se uma unidade autnoma, uma parte de terreno edificado, uma parte de terreno reservada para jardim e quintal particular, e a frao ideal sobre o que constitui o referido condomnio.

    O adquirente dessa unidade ser proprietrio da unidade autnoma e de uma parte ideal na totalidade do terreno, onde est implantado o conjunto residencial ou vila, e de uma parte ideal nas coisas comuns, tais como as vias de comunicao, reas verdes, quadras de tnis, playgrounds, piscinas, restaurantes, sales de jogos, sales de festa, etc..

    Se houver no conjunto residencial unidades autnomas que constiturem edifcios de dois ou mais pavimentos, ser discriminada a parte do terreno ocupada pela edificao, a parte que for reservada como de utilizao exclusiva, correspondente s unidades do edifcio, e ainda a frao ideal de todo o terreno e de partes comuns, que corresponder a cada uma das unidades.

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    As reas que constiturem passagem comum para as vias pblicas ou para as partes utilizadas pelos vrios tipos de unidades autnomas entre si.

    Cada titular dono de sua unidade e poder, no terreno de sua utilizao exclusiva, cerc-la, alien-la, sem, contudo, ter a possibilidade de dissoci-la da frao ideal que lhe corresponde no condomnio deitado.

    Para a concepo deste tipo de condomnio fechado, em terras rurais ou terrenos em que se pretenda construir habitaes isoladas para vend-las antes de concludas, bastar a aprovao do projeto na Prefeitura e o cumprimento das exigncias da Lei 4.591/64 e o dono da gleba que tomar a iniciativa da construo das casas ser o incorporador, sujeito, portanto s obrigaes que lhe foram aplicveis.

    digno de nota que se permite o desdobramento da incorporao em vrias incorporaes, estabelecendo-se numa conveno os direitos e deveres dos condminos.

    10. EMBASAMENTO LEGAL DOS LOTEAMENTOS FECHADOS NA LEI 6.766/79

    A segunda possibilidade jurdica aquela em que o loteamento fechado concebido com a interferncia do Municpio, com base na lei 6.766/79. Nesse procedimento todos os parmetros urbansticos federais e municipais relativos doao de vias de comunicao e espaos livres so observados e regularmente cumpridos, com a nica exceo de que so objeto de fechamento, mediante lei municipal que outorga a concesso do direito real de uso aos condminos do loteamento.

    Normalmente o legislativo municipal outorga ao executivo o poder para firmar um instrumento pblico ou particular fixando as obrigaes dos condminos em manterem a urbanizao e a conservao das vias e praas, o servio de limpeza geral, impondo e transferindo ao particular o custo da realizao da infra-estrutura pblica exigida para o loteamento da Lei 6.766.

    Portanto, a Prefeitura Municipal, ao aprovar o projeto de loteamento fechado, aplica as mesmas exigncias pertinentes ao loteamento comum e depois concede o uso desses equipamentos pblicos de uso comum aos proprietrios dos lotes que ficam responsveis pela manuteno dos mesmos.

    Essa concesso de direito real de uso tem supedneo no artigo 7 do Decreto-Lei 271/67 o qual no foi revogado.

    Pela Lei 6.766/79 h possibilidade de diviso do solo para loteamento urbano, que nada mais do que a subdiviso de rea em lotes destinados edificao de qualquer natureza, envolvendo a abertura de novo sistema virio ou alterao do existente.

    Por lote pode-se considerar o terreno com dimenses que atendam os ndices urbansticos definidos pelo plano diretor ou pela lei municipal para a zona em que esteja situado, servido da infra-estrutura bsica (equipamentos urbanos de escoamento de guas pluviais, iluminao pblica, redes de esgoto sanitrio e abastecimento de gua potvel e de energia eltrica pblica e domiciliar e as vias de circulao).

    Os loteamentos devem atender os requisitos do art. 4. I a IV e pargrafo 1, e os projetos o disposto nos artigos 6 a 9, 12 e 13, todos da Lei 6.766/79.

    O plano de loteamento urbano conter o arruamento traado e dever ser registrado na circunscrio imobiliria competente. Com isso, h a transferncia das vias de comunicao, dos espaos livres, das reas verdes, praas, jardins, etc., constantes do memorial e da planta do empreendimento para o domnio pblico.

    Tais reas tornam-se com o registro inalienveis e com afetao especfica de bens de uso comum do povo, passando a integrar o domnio pblico.

    A nica forma de alienao dessas reas por meio do instituto da desafetao, que pode ser realizada por lei especial, permitindo-se o registro a pedido da administrao.

    No caso de loteamento rural, o mesmo regido pelo Decreto-Lei 58/37 e tambm deve ser inscrito no registro de imveis, conforme dispe o art. 167, I, n. 19 da Lei

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    6.015/73. Somente no caso de parcelamento de imvel rural para fins urbanos haver necessidade do mesmo estar subordinado Lei 6.766/79.

    Nos termos do artigo 17 do Cdigo Florestal, dependendo da localizao do loteamento rural, o mesmo dever destinar 20% de sua rea para reserva florestal, que pertencer aos adquirentes dos lotes, em condomnio.

    11. PERMISSO E CONCESSO DE USO DE REAS PBLICASTanto atravs da permisso de uso, ou da concesso de uso, por ato administrativo o

    Municpio tem os instrumentos necessrios para a outorga do uso das vias, das praas e dos espaos livres, dentro do loteamento fechado aos adquirentes dos lotes.

    Ainda, que assim no fosse, atualmente vrios Municpios de forma subsidiria, regulamentaram a situao dos "loteamentos fechados".

    A permisso, ou a concesso de uso pela Prefeitura Municipal das vias e praas e espaos livres, nos loteamentos fechados, aos proprietrios dos lotes, gera para eles a obrigao de mant-los e conserv-los, alm de outras obrigaes decorrentes do uso em comum desses espaos livres, tais como coleta de lixo, rede eltrica e de iluminao, pavimentao, rede de gua e esgotos, etc.

    Outras obrigaes, ainda surgem, pela prpria circunstncia de ser um loteamento fechado, tais como a manuteno de portaria, servios de vigilncia e segurana, rede telefnica de comunicao interna, etc.

    A construo de portaria com cancela na entrada do loteamento no configura qualquer infrao ao direito de livre locomoo do cidado, assegurado no inciso XV do art. 5 da Constituio Federal e tampouco a prtica de crime de constrangimento ilegal. A exigncia de identificao prtica corriqueira inclusive em edifcios pblicos ou particulares e no implicam o direito livre locomoo.

    Trata-se apenas de medida de segurana a exigncia de identificao na portaria, no representando tal prtica o impedimento de acesso e trnsito no interior do loteamento.

    A concesso de uso dos bens pblicos resultantes do procedimento de loteamento de uma gleba seria a rigor obrigao do Municpio pela manuteno, segurana e servios de limpeza e outros. Contudo, nada impede a criao de encargos prprios, para melhorar o nvel de vida dos proprietrios, especialmente no que se refere ao aprimoramento da segurana.

    Desta forma, desde que o adquirente do imvel se comprometa a participar o custeio de manuteno dessas reas comuns e equipamentos comunitrios, aderindo a uma conveno estabelecida pelo loteador, nada h de exorbitante ou ilegal na adoo deste procedimento.

    Nessa circunstncia, guardadas as devidas propores, o loteamento fechado se aproxima do condomnio fechado.

    12. ALTERAO DA DESTINAO DAS REAS PBLICAS E A AUTONOMIA MUNICIPAL

    Alterao da destinao, fim e objetivos definidos na Lei 6.766/79, normalmente constantes do projeto de loteamento matria de direito administrativo, cuja competncia pertence exclusivamente ao Municpio.

    Sendo os Municpios proprietrios dos bens pblicos locais, cabe aos mesmos dispor a respeito dos mesmos, bem como sobre licitaes e contratos e no lei federal.

    Dessa forma, no pode o ente federal, sob a alegao de instituir normas gerais sobre essa matria, intrometer-se na alienao de bens municipais.

    O Acrdo do Supremo Tribunal Federal, proferido em Ao Direta de Inconstitucionalidade n 927-3-RS, considerou as prescries das alneas b e c do inciso I e as alneas a e b do inciso II do artigo 17 da Lei n 8.666/93 inconstitucionais, tendo deixado consignado o quanto segue:

    A Alnea b do aludido inciso I do art. 17 se constitui em outra situao de usurpao de competncia inserta na autonomia dos Estados e Municpios. O legislador

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    federal no tem competncia para aniquilar com a autonomia dos Estados e Municpios de dispor de seus bens, conferida pela Constituio Federal.

    Se no cabe ao legislador federal dispor sobre os bens dos Municpios, quanto mais dispor sobre a forma de administrao desses bens, especialmente as condies, forma e para quem querem conceder o uso desses bens.

    13. O LOTEAMENTO FECHADO E AS FUNES SOCIAIS DA CIDADE O artigo 182 da Constituio Federal dispe que:A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pblico municipal,

    conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

    As diretrizes gerais referidas na Constituio Federal ditam uma srie de mecanismos a serem desenvolvidos e tm a funo legislativa de ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e da propriedade urbana, que no podem ser contrariados pela lei municipal.

    Tais diretrizes gerais foram traadas pela Unio no Estatuto da Cidade. A Unio, utilizando-se da prerrogativa constitucional dos artigos, 21, XX e 23, legislou sobre direito urbanstico e planejamento urbano, deixando firme os seus propsitos, sem invadir a competncia dos Municpios nos assuntos de interesse local.

    Das dezesseis diretrizes gerais previstas nos incisos do artigo 2 do Estatuto da Cidade, a primeira, do inciso I, tem relao direta com o tema do presente trabalho. Referida diretriz determina que:

    I - garantia do direito a cidades sustentveis, entendido como o direito a terras urbanas, moradia, ao saneamento ambiental, infra-estrutura urbana, ao transporte e aos servios pblicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras geraes.

    As funes sociais da cidade so promovidas pelo Poder Pblico, que atua em conformidade com os preceitos constitucionais, priorizando as intervenes urbansticas que constituem os objetivos fundamentais do pas, na forma prevista no artigo 3 da Constituio Federal, sem prejuzo de outros princpios e fundamentos no menos importantes que constituem direitos e garantias fundamentais, conforme disposto no artigo 5 da Constituio Federal.

    Os direitos fundamentais previstos na Constituio Federal so concretizados pelo Poder Pblico na medida em que as funes urbansticas, vinculadas s funes sociais so cumpridas em consonncia com as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade, de maneira a garantir o direito terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental, a infra-estrutura urbana, ao transporte, aos servios pblicos, ao trabalho, ao lazer, as quais, por sua vez, so desdobramentos dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituio Federal.

    Atrelado a essa diretriz geral supra referida e de suma importncia, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes o legislador federal tambm traou outras no menos importantes, tais como a necessidade de: (i) gesto democrtica da cidade; (ii) cooperao de todos no processo de urbanizao; (iii) planejamento; (iv) oferta de equipamentos urbanos; (v) ordenao e controle de uso do solo; (vi) integrao do territrio do Municpio; (viii) produo de bens e servios compatveis coma sustentabilidade municipal; (ix) justa distribuio do processo de urbanizao; (x) privilgio a investimentos geradores de bem-estar geral; (xi) recuperao de investimentos pblicos; (xi) proteo, preservao e recuperao do meio ambiente; (xii) obrigatoriedade de audincia pblicas no processo urbanstico; (xiii) regularizao fundiria nas rea ocupadas. (xv) simplificao da legislao urbanstica e (xvi) isonomia entre os promotores de urbanizao, em rea de interesse social.

    O loteamento fechado tem sofrido fortes crticas de parte da doutrina contrria a essa modalidade de parcelamento e ocupao do solo, com argumentos que esto inseridos basicamente dentro das disposies acima mencionadas.

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    At o advento do Estatuto da Cidade, as disposies contidas na Carta Magna no estavam devidamente delineadas, mas j se faziam presentes no que tange argumentao da ilegalidade dos loteamentos fechados por acreditarem que os mesmos representavam um bice ao exerccio regular de alguns desses direitos fundamentais correspondentes s funes urbansticas e sociais da cidade, especialmente no que se refere s condies de circulao, recreao e utilizao privativa de equipamentos pblicos.

    Com o advento do Estatuto da Cidade houve uma consolidao de alguns marcos jurdicos considerados de suma importncia no contexto do ordenamento jurdico brasileiro, especialmente a noo de funo social da propriedade, a gesto democrtica da cidade, os instrumentos jurdico-urbansticos para gesto do solo urbano e novas formas de regularizao fundiria.

    Cumpre observar que o Estado assume uma funo de ditar as diretrizes para o desenvolvimento urbano de uma forma no cogente ou coercitiva. A destinao dos imveis e o desenvolvimento urbano encontram parmetros que so ditados pelo Texto Constitucional de forma flexvel e amoldvel a cada realidade, devendo prevalecer os princpios da adequao, da razoabilidade e da proporcionalidade.

    A propriedade privada passou a ser vista como uma relao jurdica de alto grau de complexidade, com um carter funcional de sentido duplo. Atrelado condio do domnio, com destaque para a situao da posse como visibilidade de domnio, como proteo da moradia, est a valorizao da funo promocional e tica do direito e o papel primordial dos direitos humanos. A cultura jurdica contempornea est preocupada a um s tempo em intensificar sua preocupao com os direitos humanos e os valores existenciais, ao mesmo tempo em que frisa o carter sacro e inviolvel da propriedade.

    Nesse sentido, a Constituio Federal insere a propriedade como uma liberdade fundamental, interligada ao interesse social e aos valores da ordem econmica.

    O artigo 5 da Constituio garante o direito propriedade de modo expresso, assim como o faz em seu inciso XXII. Contudo, o significado desta garantia constitucional no mais vista na sua forma tradicional, como um direito individual, relativizando esse conceito em virtude da mesma estar conectada a uma nova noo de propriedade como relao jurdica complexa voltada a atender e cumprir funo social de forma a assegurar a todos existncia digna, e o bem estar de seus habitantes, conforme os ditames da justia social.

    O uso, gozo e fruio da propriedade por parte do proprietrio est subordinado funo social, com uma pluralidade de interesses em torno de um interesse comum, regulamentado pela Lei 10.257/2001, direcionando a propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e bem-estar dos cidados e do equilbrio ambiental.

    O loteamento fechado, dentro deste contexto, no fere nenhuma das diretrizes gerais acima citadas que fixam os parmetros necessrios ao cumprimento dos preceitos fundamentais e ao pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade.

    Antes de adentrar na questo especfica propriamente dita, relativa principalmente ao argumento de que a atividade urbanstica tem que estar voltada ao atendimento dos direitos fundamentais de forma igualitria, permitindo que os benefcios da atividade urbanstica sejam usufrudos indistintamente por todos, e que o loteamento fechado implicaria cerceamento ilegal a tais direitos, cumpre tecer alguns comentrios especficos do que se poderia denominar Cidade Exigvel.

    Por ocasio do Congresso de Arquitetura Moderna realizado em Atenas, em 1933, os princpios fundantes do urbanismo moderno foram congregados no documento que ficou conhecido por Carta de Atenas. Referido documento apontou como funes fundamentais do direito urbanstico a habitao, o trabalho e a recreao, funes essas contempladas pela ordem jurdica em vigor.

    A vida digna do homem na cidade est vinculada satisfao dessas necessidades vitais, alm da liberdade de ir e vir e da moradia.

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    Essa Cidade Exigvel, com o regular cumprimento das funes fundamentais do direito urbanstico pelo Poder Pblico tem ficado cada vez mais distante, em razo da prpria escassez de bens e recursos por parte do Poder Pblico, bem como em conseqncia da poltica eleitoreira e profiltica que a administrao pblica, de maneira geral, adota h tempos em nosso Pas.

    Atrelada essa realidade inoperante, que compromete o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade, existe a falta de cooperao entre os Governos de todas as esferas de governo para o regular atendimento ao interesse social, tornando qualquer procedimento de implantao de melhorias urbanas uma tarefa burocrtica, demorada e improdutiva. Tal situao vem de encontro s diretrizes do Estatuto da Cidade, notadamente pela evidente no consecuo do desenvolvimento da cidade de forma sustentvel e satisfatria, a inexistncia de cooperao no processo de urbanizao, a impossibilidade de recuperao de investimentos pblicos, complexidade da legislao e tramitao dos procedimentos, bem como a falta de oferta de equipamentos urbanos e infra-estrutura a contento.

    Cumpre observar ainda que o Brasil passou por um processo de privatizao de servios essenciais nos ltimo 10 anos, como os servios de gua, luz, gs, telefone, estradas, etc..

    Tais servios passaram a estar sob a execuo da iniciativa privada, acarretando essa realidade a uma significativa alterao do processo contemporneo de urbanizao.

    No passado o loteador financiava essas obras de instalao da infra-estrutura bsica e depois doava tudo ao Poder Pblico.

    Atualmente o explorador, concessionrio do servio pblico, ganha com o servio prestado e, portanto, com o investimento feito para gerar o servio.

    No que tange s reas de interesse social a iniciativa privada executa benefcios coletividade na forma de contrapartida ao Poder Pblico. Essa situao de escassez est muito mais ligada omisso do Poder Pblico na consecuo de polticas em consonncia com as necessidades especficas de cada localidade do que propriamente a outros problemas de ordem jurdica, sejam eles relativos ao cumprimento de preceitos e direitos fundamentais, ou ao desenvolvimento de novas modalidades de uso e ocupao do solo no tratados de forma explcita na legislao federal.

    Embora o Estatuto da Cidade traga uma nova abordagem para a poltica habitacional do pas, j tentada anteriormente sem xito pelo BNH, criado pela Lei 4.380/64, ele no se limitou a essa questo de regularizao fundiria. Ao contrrio, trouxe novos mecanismos jurdicos para possibilitar reverter a situao engessada de desenvolvimento sustentvel das cidades.

    Por outro lado, se fosse interesse do legislador federal impedir ou regrar a modalidade loteamento fechado, teria-o feito por ocasio da promulgao da lei. No o fez por considerar desnecessrio regulamentar essa questo no menos importante, deixando esse assunto a critrio exclusivo do legislador municipal.

    Os loteamentos fechados, a bem da verdade, constituem matria privativa da competncia ordenadora do Municpio e vem sendo objeto das diretrizes dos planos diretores dos Municpios e das leis complementares que regulamentam essa e outras modalidades de ocupao do solo, de acordo com as caractersticas e interesses prprios de cada localidade.

    De maneira geral, pode-se verificar que os planos diretores ao definirem as zonas residenciais conceituam-nas como sendo reas destinadas moradia, devendo, por isso, apresentarem requisitos especiais de salubridade, segurana e tranqilidade para o bem-estar de seus habitantes. Com esse desiderato, as normas edilcias impem condies favorveis habitao.

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    Um dos maiores problemas da habitao tem sido a falta de segurana. Os loteamentos fechados favorecem a questo da segurana de forma legal e necessria proteo moradia e, conseqentemente, da vida em famlia.

    A famlia a clula fundamental da sociedade. Todas as constituies modernas conferem tratamento especial famlia, introduzindo em seus preceitos regras de proteo especial a esse grupo fundamental da sociedade.

    Exigir-se a identificao para ingresso em edifcios pblicos ou particulares prtica comum nos dias atuais. A exigncia da identificao no constitui crime de constrangimento ilegal ou impedimento ao direito de livre locomoo.

    Nos loteamentos fechados a existncia de cancelas e portaria tem a finalidade de assegurar a integridade da vida em famlia. A mera identificao de pessoas estranhas ao condomnio fechado, para ingresso no mesmo, por razes bvias de segurana, no implica qualquer violao aos direitos fundamentais e garantia de efetiva proteo dignidade humana. Ao contrrio, contribui para que a dignidade da pessoa humana e da famlia, princpios constitucionais fundamentais que apresentam prevalncia sobre os demais princpios, sejam devidamente assegurados.

    Havendo justificativa para que a pessoa estranha ao condomnio justifique seu interesse em ingressar no mesmo, nenhum impedimento existir, mediante sua simples identificao, garantindo tal procedimento a integridade fsica do ser humano e da famlia, de forma que esse grupo no venha a ser molestado de forma indevida ou venha a sofrer humilhaes, ofensas morais e at mesmo fsicas.

    O exerccio da liberdade no mundo contemporneo sofre restries que so impostas pela prpria sociedade, em face da necessidade que cada realidade impe em um determinado momento.

    Afirmar-se que o loteamento fechado implica cerceamento do exerccio de direitos fundamentais do cidado, tais como o direito livre locomoo pelos espaos pblicos, o direito ao lazer nas praas e reas verdes e o direito fruio do patrimnio comum negar outros direitos fundamentais que em razo de seu contedo axiolgico constituem a viga mestra do sistema constitucional.

    A pessoa humana o valor que fundamenta o Estado de Direito, sendo a razo para a vida em sociedade. Quando se coloca em segundo plano a integridade e a dignidade da pessoa humana e da vida familiar, coloca-se em xeque a base que d sentido vida em sociedade.

    A destinao de bens pblicos ao uso particular e o comprometimento do direito de igualdade de fruio do patrimnio comum outra questo que precisa ser vista e analisada com reservas.

    Nada impede que as reas de lazer, praas e reas verdes sejam concebidas de forma a estarem localizadas na rea lindeira ao loteamento fechado, na sua parte externa, permanecendo aberta e acessvel a todos, sem qualquer discriminao e com a vantagem de estar ao mesmo tempo sob manuteno e conservao dos condminos que fazem parte do loteamento fechado.

    Mesmo nos casos em que a situao geogrfica local no permite esse tipo de separao, cuja necessidade se faz presente para preservao de preceitos constitucionais fundamentais, o livre acesso a tais locais por quem quer que seja, mediante simples identificao, constitui procedimento essencial garantia da inviolabilidade do domiclio, no sentido de prevalncia da proteo da esfera ntima da vida individual e familiar.

    Os loteamentos fechados a um s tempo permitem que todos os princpios fundamentais seja alcanados de forma satisfatria, suprindo de forma produtiva a incapacidade do Estado de assegurar a todos os cidados condies de vida digna, ao mesmo tempo em que garante o respeito da liberdade individual sem inviabilizar o exerccio de outras liberdades pblicas.

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    Falar-se em desenvolvimento urbano com sustentabilidade para todos impe uma anlise crtica da realidade e uma busca de solues para problemas concretos a partir de uma nova viso com vistas qualidade de vida e bem-estar da coletividade.

    Os loteamentos fechados permitem agregar qualidade de vida coletividade e suprir a deficincia do Estado na sua tarefa de propiciar e assegurar a todos os cidados condies de vida digna, como objetivo de ordem econmica.

    O artigo 170 da Constituio Federal demonstra claramente que a dignidade humana diretriz para realizao da ordem econmica a dispor que:

    Artigo 170: A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:

    Dentre os princpios citados no artigo acima, no assunto sob anlise destaca-se a propriedade privada, a funo social da propriedade e a reduo das desigualdades regionais e sociais.

    O surgimento de loteamentos fechados em rea planejadas pode ser previamente concebido no plano diretor do Municpio como zonas de desenvolvimento regional para criao, a partir de uma definio geral, de trechos selecionados na malha urbana viria, caracterizadas como plos de atividades regionais sujeitos a intervenes pblicas e privadas, devidamente programadas, no sentido de conform-las com o dnamo do setor econmico e do crescimento demogrfico da cidade.

    Para viabilizao do surgimento de novos loteamentos fechados nada impede que o poder legislativo atribua ao poder executivo determinados poderes para dinamizao do processo de aprovao e instalao de equipamentos especiais pblicos ou privados.

    Uma vez definidas as zonas que comportam a existncia de loteamentos fechados, todos os cuidados necessrios perfeita implantao dos mesmos podem ser pr-definidas de forma a contemplar situaes que venham ao encontro dos anseios, interesses e peculiaridades de uma determinada comunidade.

    O fechamento do loteamento, para evitar o desvirtuamento da finalidade colimada, obviamente teria que estar sujeito a uma srie de requisitos bsicos e necessrios sua viabilizao, de forma a atingir sua funo social.

    Neste aspecto, as contrapartidas assumem um papel de suma importncia. Os equipamentos urbanos e comunitrios no precisam necessariamente estar inseridos dentro do loteamento que se pretende fechar, podendo ser negociados caso a caso conforme as diretrizes fixadas no plano diretor.

    O loteamento fechado pode constitu