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Paula Fontenelle

GUIA PARA SOBREVIVENTES

SUICIDIOO FUTURO INTERROMPIDO

EDITORIAL

GERACAO

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Paula Fontenelle

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SUICÍDIO

Copyright © 2008 by Paula Fontenelle1ª edição – Outubro de 2008

Editor e PublisherLuiz Fernando Emediato

Diretora EditorialFernanda Emediato

Capa, Projeto Gráfi co e Diagramação Alan Maia

RevisãoMarcia Benjamim

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fontenelle, PaulaSuicídio : o futuro interrompido :

guia para sobreviventes / Paula Fontenelli– São Paulo : Geração Editorial, 2008.

Bibliografi a.ISBN 978-85-61501-07-5

1. Depressão 2. Jornalismo 3. Luto4. Vítimas de suicídio – Relações familiares

5. Repórtreres e reportagens 6. Pesar 7. Suicídio – Estudo e ensino8. Transtorno bipolar I. Título.

08-08440 CDD- 079

Índices para catálogo sistemático:

1. Suicídio : Reportagens : Jornalismo 079

GERAÇÃO EDITORIAL

ADMINISTRAÇÃO E VENDAS

Rua Pedra Bonita, 870 CEP: 30430-390 – Belo Horizonte – MG

Telefax: (31) 3379-0620Email: [email protected]

EDITORIAL

Rua Major Quedinho, 111 – 20º andarCEP: 01050-030 – São Paulo – SP

Tel.: (11) 3256-4444 – Fax: (11) 3257-6373Email: [email protected]

www.geracaoeditorial.com.br

2008Impresso no Brasil

Printed in Brazil

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SUICÍDIO O FUTURO INTERROMPIDO

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: Solidão e violência ............................................................ 13

Reclusão e timidez .................................................................................................... 16

Um fosso letal ............................................................................................................. 19

2 INFÂNCIA .............................................................................................................. 21

3 DEFININDO O SUICÍDIO .......................................................................... 35

Impulsos inconscientes .......................................................................................... 39

4 SINAIS DE ALERTA .....................................................................................43

Verbalizando a dor ...................................................................................................43

Gestos tão fortes quanto as palavras ...............................................................45

Como agir ....................................................................................................................48

5 FATORES DE RISCO .....................................................................................51

Tentativa anterior ......................................................................................................51

Transtornos mentais ................................................................................................ 53

Depressão ....................................................................................................... 53

Tratamento ...................................................................................................58

Identifi cando as causas psíquicas .................................................................. 63

O difícil acesso ao tratamento ....................................................................... 67

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Tratando o deprimido suicida ........................................................................ 70

Confi dencialidade médica .............................................................................. 72

Transtorno Afetivo Bipolar ........................................................................ 73

Tratamento ................................................................................................... 76

Substâncias psicotrópicas ........................................................................ 77

Tratamento da dependência...........................................................................83

6 ADOLESCÊNCIA .............................................................................................89

7 MITOS SOBRE O SUICÍDIO ................................................................. 105

8 JOVENS E SUICÍDIO: UMA PREOCUPAÇÃO MUNDIAL ......111

Grupo de discussão na Internet ensina jovens a se suicidarem .......112

Traços da idade .............................................................................................116

Coisa de adolescente? ................................................................................118

9 VIDA ADULTA ................................................................................................... 127

10 OS QUE FICAM PARA TRÁS:

SOBREVIVENDO A UM SUICÍDIO...................................................141

E se eu… .....................................................................................................................144

As lágrimas ................................................................................................................148

A raiva ..........................................................................................................................155

O medo da hereditariedade .................................................................................157

O incômodo dos outros ......................................................................................... 160

Como contar a uma criança ..................................................................................161

Abrindo o caminho para a cura...........................................................................162

11 CARTAS DE DESPEDIDA .......................................................................165

Mensagens de adeus: o que as cartas nos dizem? .....................................168

Tipos de despedidas ...............................................................................................170

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12 ANEXOS ................................................................................................................. 177

Andréia, que era Adriana ...................................................................................... 177

E Andréia, quem é? .....................................................................................186

PANORAMA MUNDIAL .....................................................................................189

Regiões mais afetadas ................................................................................191

China e Índia .................................................................................................194

Brasil: onde a prevenção do suicídio ainda não é prioridade ..........197

Taxas de suicídio no Brasil por gênero ..........................................................198

Taxas de suicídio no Brasil por idade e faixa etária .......................................198

Métodos ..........................................................................................................201

Sentimentos associados ..........................................................................209

COMO A MÍDIA DEVE LIDAR COM O TEMA..................................217

Recomendações internacionais: o suicídio e

a ética jornalística ..................................................................................... 224

O suicídio é um fato jornalístico? ..........................................................226

Abordagem ................................................................................................... 227

Depoimento de familiares .......................................................................229

O tom da matéria .......................................................................................230

Explicando as causas ................................................................................230

Espaço ............................................................................................................231

Estatísticas ................................................................................................... 232

Ângulos e temas a serem estimulados ................................................ 232

Últimas considerações e exemplos de boas e más coberturas ...... 233

ENTREVISTAS: Andrew Solomon (autor de O Demônio do Meio-Dia) ............ 237

Pedro Luís Vieira (perito criminal) ........................................................ 247

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................253

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“Educação é o item mais importante na

diminuição dos índices de suicídio”.

Edwin Schneidman

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Ao meu pai.

A G R A D E C I M E N TO S

Escrever sobre um assunto tão denso não foi fácil e teria sido ainda

pior se não fosse a ajuda dos amigos, dos entrevistados e de minha

família. Cada um deu sua contribuição, seja em pequenos gestos de

apoio, seja na trabalhosa revisão de capítulos.

Antes de qualquer agradecimento, quero parabenizar minha

mãe, Conceição, e minhas irmãs Renata e Eveline pela coragem de

permitir que eu expusesse uma ferida familiar e a intimidade de

nossas vidas.

Alguns amigos foram bastante presentes na produção deste livro:

obrigada à Erika, por fazer as transcrições das entrevistas, um traba-

lho chato que ela realizou com amor; ao Edu, pelo estímulo que sem-

pre me deu e por cada vibração que compartilhamos ao longo dos

meses; ao Jairo e ao Ricardo, pela revisão do conteúdo e pelo carinho;

e à minha querida Ciara, que sempre tarda, mas nunca falha.

A todos os entrevistados um agradecimento especial, particu-

larmente àqueles que dividiram comigo a dor da perda de um ente

querido. Aproveito para dizer um muito obrigada ao Dr. Sérgio

Baldassin, que, além de me orientar ao longo dos últimos meses,

mostrou-se generoso ao revisar o Capítulo Fatores de Risco, que eu

não ousaria publicar sem sua rigorosa avaliação.

Por último, mas não menos importante, obrigada ao amigo

Emediato, por acreditar no valor desta publicação e por ter me

dado dicas preciosas de como melhorar o seu conteúdo.

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SUICÍDIO O FUTURO INTERROMPIDO

13

1

INTRODUÇÃO

Solidão e violência

Mahnaz tinha seis anos quando sua mãe jogou gasolina nela, nos dois

irmãos e em si própria. Queria todos mortos. Estava cansada das trai-

ções do marido, mais ainda de apanhar quando reclamava. Seria uma

maneira de puni-lo e de mostrar que, assim como ele, era capaz de ati-

tudes extremas.

Até hoje, Mahnaz não se recorda do que aconteceu naquele dia, só

que em momento algum teve medo, apenas pena da mãe, que chorava

muito e que acabou indo embora para a casa de seus pais, deixando-os

sozinhos e encharcados de combustível.

Mahnaz sempre enxergou a mãe como vítima de um homem bruto, in-

fi el e autoritário. Os fi lhos também apanhavam, o respeito que tinham pelo

pai, conta, era forçado. Mas no Irã esse comportamento masculino é tolera-

do e as mulheres são ensinadas a se calarem e a permanecerem casadas.

Não demorou muito para a mãe voltar para casa. Durante alguns

dias, uma tia cuidou dos sobrinhos — com tanto rigor quanto ele e ne-

nhum afeto —, mas o pai não agüentou o ritmo e pediu que a mulher

retornasse. Pouco mudou, e os anos se passaram até que Mahnaz com-

pletou doze anos.

“Preocupamo-nos com a destruição provocada pelos outros,

mas evitamos falar sobre a autodestruição.”

Edwin Schneidman

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Certo dia, ao chegar do colégio, notou que havia algo de errado no ar,

familiares entravam e saíam de sua casa, o telefone não parava de tocar

e sua mãe estava particularmente nervosa. O clima era pesado e conti-

nuou assim por algumas semanas. Ninguém comentava nada aberta-

mente, mas cochichavam pelos cantos da casa.

Só descobriu o motivo de tanta tensão quando teve uma pequena

briga com a mãe que, num acesso de raiva, gritou: “você é igual ao seu

estúpido pai, esposa e a outra fi lha de um ano”. Mahnaz fi cou imóvel

sem entender o que a mãe dizia. Então era isso. Seu pai tinha vida dupla,

uma segunda família? “Vamos, lá mãe, vamos matar todos”, disse. Pegou

uma faca e partiram em busca do pai.

A lembrança mais forte que tem do momento em que chegou à se-

gunda casa da outra família foi a dor que sentiu quando uma mulher

abriu a porta e ela enxergou uma criança de um ano de idade nos braços

do pai. Até aquele dia, ela era a queridinha, única menina, mas nem isso

era mais verdade. Seu mundo desmoronou.

Durante alguns minutos, destruíram tudo o que viram pela frente. A

mulher correu para a casa dos vizinhos levando a criança. Seus pais briga-

ram muito e, ao ir embora, ela disse ao pai chorando: “espero que morra!”.

Dali para frente, tudo mudou para pior. A mãe propôs cuidar da

menina como se fosse sua, sob a condição de que o marido largasse a

amante e voltasse para casa. Como ele não aceitou, ela foi embora. E os

fi lhos, mais uma vez, fi caram sozinhos, só que dessa vez sem o pai, que

contratou empregados para cuidar deles. Nas poucas vezes que veio vi-

sitá-los, discutiam e ele batia nas crianças.

Alguns meses mais tarde, seu pai comprou uma nova casa em um

bairro nobre de Teerã e todos foram morar com ele: a nova esposa e a

fi lha pequena. Os três fi lhos se rebelaram, não aceitavam a “nova” famí-

lia. Acabaram morando no porão da residência.

Nessa época, Mahnaz se tornou uma criança agressiva e rebelde. Sua

mãe telefonava quase todos os dias dando instruções de como deveria se

comportar. Isso incluía pôr cabelo na comida feita pela mulher, desobe-

decê-la e não aceitar as inúmeras tentativas de aproximação.

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Os irmãos viviam na rua com os amigos, liberdade que uma iraniana

nem sonha em ter. A mãe não se preocupava com ela, queria apenas sa-

ber do dia-a-dia do casal, e Mahnaz não falava com o pai. Em pouco

menos de um ano, sua vida tinha virado de cabeça para baixo. Sentia-se

perdida, insegura e só.

O refl exo não demorou a aparecer nos estudos. Parou de freqüen-

tar o colégio, fi cava andando pela cidade e não ligava para as reações

agressivas do pai. A gota d’água veio durante uma discussão com a

madrasta quando Mahnaz decidiu dar uma lição em toda a família.

Foi até o banheiro e engoliu todos os medicamentos que existiam, cer-

ca de duzentas cápsulas.

A essa altura, todos haviam saído. Foi a mãe dela que notou na voz

da fi lha algo fora do normal, pois mal conseguia articular as palavras.

Imediatamente ligou para o irmão do ex-marido e ameaçou: “se alguma

coisa acontecer com minha fi lha, eu mato vocês”. Quando o funcionário

do pai chegou lá, Mahnaz estava no chão, inconsciente.

Dois dias depois, acordou no hospital e logo viu que seu plano não

funcionara. Tudo o que queria era transferir a culpa pela tentativa de

suicídio para a madrasta, assim seu pai se separaria e a vida voltaria ao

normal — por mais complicado que fosse essa normalidade.

Em vez disso, sua vida fi cou ainda mais infeliz. Três meses depois,

decidiu que queria mesmo morrer. Sabia onde o pai guardava ópio, dro-

ga utilizada pela classe média alta do Irã. Não pensou duas vezes, engo-

liu tudo o que encontrou e rapidamente começou a se sentir mal. Foi até

a vizinha, que a levou ao hospital.

Dessa vez, ouviu do pai: “Espero que morra. Os vizinhos agora sa-

bem o que fez, você acabou com a reputação de nossa família”. Seis me-

ses mais tarde, Mahnaz e os irmãos foram enviados à Índia. Durante três

anos, ela chorou diariamente, estava longe dos amigos, da família e im-

plorava que voltasse ao Irã. Mas suas palavras eram ignoradas.

Durante o tempo em que morou na Índia, ela se engajou em diferen-

tes comportamentos autodestrutivos. Foram meses de automutilação:

cortava os pulsos e os braços repetidamente. Toda a família sabia, mas

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ninguém falava sobre o assunto, nem a mãe quando vinha visitar os fi -

lhos. Era como se nada estivesse acontecendo.

Depois da mutilação, Mahnaz passou quase seis meses dormindo.

Ela tinha descoberto uma forma de comprar Valium no mercado negro,

guardou estoques em casa e começou a tomar a medicação, aumentan-

do gradativamente a dosagem. Às vezes acordava chorando, tomava o

medicamento e caía no sono de novo. Quando resolveu sair, tinha per-

dido muito peso, estava pálida e sem energia.

Mas ela havia decidido mudar de vida, deixar tudo para trás e se re-

cuperar. Estava com dezesseis anos. Tentou tirar vistos para diversos paí-

ses da Europa e conseguiu um para a Inglaterra. Pediu ao pai que a

deixasse ir e seu pedido foi aceito.

Hoje, Mahnaz mora em um bairro de classe média alta em Lon-

dres. Cursou Psicologia e trouxe, um a um, os irmãos para perto dela.

Queria dar a eles a oportunidade que teve, até porque ambos se tor-

naram dependentes de drogas, e um quase morreu de overdose. Em

2006, seu pai fi cou entre a vida e a morte, e foi Mahnaz quem cuidou

dele até sua recuperação.

Ela refez os vínculos com todos, inclusive com a madrasta e a irmã.

Tem episódios recorrentes de depressão, mas segue à risca o tratamento.

Na última crise, em 2007, sua irmã veio cuidar dela, hoje são muito ami-

gas. Mágoas ela não tem, é otimista e se transformou em referência de

orgulho pelas conquistas e pela forma como reconstruiu sua vida.

Reclusão e timidez

Ao contrário de Mahnaz, José Romero teve uma infância feliz. Cresceu

no interior de Pernambuco onde as casas não têm muros, todas elas

possuem quintal e os amigos transitam de uma residência para a outra

como se a vizinhança formasse uma única família.

As duas irmãs que entrevistei, Alexandrina (sua gêmea) e Célia,

não se recordam de maus momentos ou quaisquer demonstrações de

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problemas nesse período. Todos brincavam juntos nos quintais, su-

bindo e descendo das árvores e jogando bola. Era um etilo de vida livre

e saudável.

Não há dúvidas de que José Romero era tímido, sempre foi, mas nada

que fosse considerado fora do normal. Estudioso ao extremo, passava

horas lendo compulsivamente, “era brilhante”, dizem as irmãs, não ha-

via motivos para preocupação.

Até que chegou a adolescência. Pouco a pouco, a timidez passou a

difi cultar sua vida. Teve poucas namoradas e começou a demonstrar

sinais de inquietação e uma certa rispidez. Por um tempo, mostrou-se

irritado pela religião dos pais, achava um desperdício de energia e não

acreditava em Deus.

O primeiro sinal de que as coisas não iam bem foi quando gritou

com o pai — algo que nunca havia feito — criticando sua fé e suas prá-

ticas religiosas. Também estava mais recluso e fechado. A família decidiu

levá-lo ao Recife, capital do Estado, para uma consulta com um psicólo-

go, iniciativa avançada para a época. José Romero tinha 18 anos.

Logo toda a família se mudou para o Recife. Em retrospectiva, Célia

acredita que foi durante a adolescência que José Romero desenvolveu

depressão, tornando-se cada dia mais introspectivo, embora conseguis-

se manter uma vida equilibrada. Continuava tendo amigos, “poucos,

mas leais”, diz Alexandrina, mas os tinha.

Seu primeiro vestibular foi para Filosofi a, mas não chegou a termi-

nar, trocando para Letras. Ele demonstrava claras difi culdades em fi na-

lizar projetos, era pouco voltado à praticidade da vida. Nunca quis, por

exemplo, aprender a dirigir e morou com os pais até os 43 anos de idade.

Seu apartamento era uma imensa biblioteca, por outro lado, não sabia

acender o fogão.

A relação com a família era próxima e afetuosa, embora ele não se

abrisse facilmente. Na conversa que tivemos, Célia relembrou das inú-

meras vezes em que ele telefonou dizendo que precisava conversar com

ela, mas ao chegar à casa da irmã, pouco era dito. Seu senso de privaci-

dade era extremo.

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Durante sua vida adulta, José Romero foi a diversos médicos e ten-

tou alguns tratamentos. Uma psiquiatra em particular o incomodou,

pois além do diagnóstico de depressão, que já havia sido feito, sugeriu

que ele apresentava também sintomas de esquizofrenia, diagnóstico

que nunca aceitou.

Seguir os tratamentos de forma adequada nunca foi fácil porque ele

tinha medo dos remédios, particularmente, de se tornar dependente

químico. Sempre resistiu, mas continuou sua busca pela cura.

Em 2002, quando fez 46 anos, José Romero telefonou para Célia,

mais uma vez tinha um assunto para conversar com ela. “Entrou mudo

e saiu calado”, recorda-se a irmã. Poucos minutos depois, ela recebeu

outra ligação, dessa vez de seu pai dizendo que ele havia chegado em

casa muito nervoso, foi para o quarto e, quando voltou, estava com os

dois pulsos sangrando.

José Romero foi levado ao hospital e logo voltou para casa. Desse dia em

diante, a família fi cou mais vigilante e preocupada. Seu psiquiatra sugeriu

terapia em grupo, onde ele foi apenas uma vez. Durante a sessão, não disse

uma palavra e, para os irmãos, continuou reclamando dos remédios.

No ano seguinte, mais uma tentativa, dessa vez com remédios, e mais

uma internação. Alexandrina se lembra que sentiu muita raiva dele e

disse ao irmão, ainda no hospital, que da terceira vez ele conseguiria se

matar. Infelizmente, ela estava certa, mas ninguém imaginava o quanto

o método que ele escolheu traumatizaria a família.

Em janeiro de 2005, José Romero foi para a casa de Alexandrina e lá

passou todo o mês curtindo a praia — ela mora numa avenida à beira-

mar. Nesse espaço de tempo, leram juntos, tiveram longas conversas,

foram ao cinema e a restaurantes. Nenhum sinal do que estava por vir

foi dado, embora se preocupasse com a perda de peso do irmão, Alexan-

drina não notou qualquer problema mais grave.

No mês seguinte, José Romero brincou todos os dias do carnaval

junto com a namorada, parecia estar bem. Mas não estava. Em fevereiro,

Célia recebeu várias ligações do irmão, mas ela estava resolvendo alguns

assuntos na rua e, assim que chegou em casa, telefonou para ele.

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Alguns minutos depois, ele tocou a campainha. Sentaram-se para

uma conversa que não durou mais de cinco minutos. Ele falava das me-

dicações, estava irritado e, novamente, insistiu que não os iria tomar.

José Romero tinha parado o tratamento um mês antes. Pela primeira

vez, Célia — que sempre tentava convencê-lo de que o tratamento era

temporário — foi fi rme com o irmão e disse que ele era doente e que

tinha de tomar medicamento pelo resto da vida.

Pela última vez, José Romero reiterou que não se transformaria em

um dependente químico. Depois, levantou, foi até a varanda e pulou do

vigésimo andar. Célia tem poucas lembranças dos minutos seguintes.

Recorda-se que tentou chamar o marido e correu para tentar segurar o

irmão que ainda tentou se segurar, em vão.

Um fosso letal

A distância que separa a iraniana Mahnaz do brasileiro José Romero

não se mede em quilômetros. De um lado, uma menina que cresceu

atormentada pela violência e pelo desamor. Do outro, um rapaz que ti-

nha graves difi culdades em lidar com as pessoas, com as pressões do

cotidiano, e, principalmente, com seus próprios sentimentos.

Cada um lidou com sua dor da forma que pôde. Mahnaz a exteriori-

zou com agressividade, rebeldia e atitudes perigosamente autodestrutivas.

Já José Romero interiorizou seu sofrimento e insegurança, fechando-se

para o mundo.

Aos 16 anos, a iraniana despertou e resolveu recomeçar a vida. Em

um novo país e sozinha, mudou de escola diversas vezes, tinha imensa

difi culdade em se adaptar a novas situações e de dar continuidade a

qualquer projeto. Nessa idade, o brasileiro começava a dar sinais de que

a timidez era apenas um dos sintomas de algo mais grave. A família foi

sensível ao seu pedido de ajuda e o levou ao Recife para acompanha-

mento psicológico. A de Mahnaz fez justamente o contrário, pratica-

mente a abandonou.

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Nesses dois casos temos jovens que, em algum momento de suas vidas,

foram diagnosticados com depressão. Mas ele nunca aceitou a doença,

acreditava que fi caria dependente químico e lutou contra a orientação

dos médicos e da família. Mahnaz chegou a fazer tratamento, estudou

o assunto durante o curso de Psicologia e hoje sabe identifi car os si-

nais da depressão.

Com tudo que estudei para escrever este livro identifi co nessas duas

histórias um fosso que ajudou Mahnaz a caminhar rumo à superação e

incentivou José Romero a optar pela própria morte: o fosso do conheci-

mento. Talvez ele nunca tenha compreendido quais são os fatores de

risco associados ao suicídio e que os transtornos mentais são responsá-

veis por mais de 90% das mortes auto-infl igidas.

Outro ponto que ele também não devia saber é que os antidepressi-

vos agem diretamente no cérebro, equilibrando o nível de neurotrans-

missores — substâncias que regulam o humor —, e que são necessárias

algumas semanas para que seus efeitos sejam percebidos pelo paciente.

Em alguns casos, como o de José Romero, o medicamento precisa ser

ingerido durante toda a vida.

Foi justamente para preencher esse tipo de lacuna que decidi ir em

frente com esta publicação. Durante os capítulos que vêm a seguir, você

terá contato com um tema que ainda assusta, impressiona e causa medo.

Como tudo que amedronta, o suicídio é evitado pelas pessoas, mas o

efeito provocado pelo silêncio é devastador e se prolonga por uma cadeia

de sofrimento: ele impede quem pensa em tirar a própria vida de expressar

suas angústias; incapacita amigos e familiares de abordar o assunto direta-

mente; e, por fi m, alimenta a dor dos que perdem alguém para o suicídio.

Para cada um desses públicos dediquei pelo menos um capítulo deste li-

vro na tentativa de mostrar que o fantasma da morte voluntária afeta um

número maior de pessoas a cada dia, e em todos os países do mundo. Nin-

guém está livre de vivenciar esse pesadelo, mas estou convicta de que o acesso

à informação pode mudar radicalmente esse quadro. E é isso que pretendo:

provocar um debate amplo e vital para que casos como o de José Romero

possam se transformar em exemplos de superação como o de Mahnaz.

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Page 21: Livro Suicidio ok - Martins Fontes · Alguns amigos foram bastante presentes na produção deste livro: obrigada à Erika, por fazer as transcrições das entrevistas, um traba- lho

SUICÍDIO O FUTURO INTERROMPIDO

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INFÂNCIA

No dia dez de janeiro de 2005 eu acordei com um telefonema de minha

irmã Renata dizendo que nosso pai acabara de se matar com um tiro na

cabeça. Eu estava de férias em Miami e tive que antecipar a minha volta,

mesmo assim, não cheguei a tempo para o enterro. Daí para frente, mer-

gulhei no enigmático mundo do suicídio em busca de respostas, não só

do que leva alguém a tirar a própria vida, mas principalmente se esse ato

pode ou não ser prevenido. Nesse trajeto me deparei com lembranças da

infância, com nossa estrutura familiar e com os fantasmas de meu pai.

O que eu não esperava era que, para compreender a sua escolha de eli-

minar o amanhã, seria preciso relembrar, tão profundamente, o ontem

que havíamos construído juntos.

Meu ponto de partida foi a obsessão que nutria por minha mãe, um laço

cujo desligamento fora difícil até no parto. No dia vinte e cinco de julho de

1967, quando a bolsa rompeu, ela foi levada à Maternidade de Afogados,

subúrbio do Recife, achando que tudo aconteceria muito rapidamente,

como tinha sido no parto de minha irmã Renata. Portanto, não teria tempo

de esperar que meu tio Adisio — parteiro ofi cial da família — terminasse o

plantão e fosse para o outro hospital onde trabalhava. Ledo engano.

Tanta pressa logo se mostrou inútil: eu não queria sair. Tio Adisio

passou mais de sete horas manipulando a barriga dela, “me encaixando”,

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