ficha informativa- padre antónio vieira e oratória
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FICHA INFORMATIVA
UNIDADE: SERMÃO de Santo António aos Peixes
PORTUGUÊS – 11.º ANO
CONCEITOS IMPORTANTES E A RETER DISCURSO: exposição metódica sobre um assunto ORATÓRIA: visa a eloquência, a arte de falar bem e de deleitar com as palavras, técnicas discursivas RETÓRICA: arte de convencer o interlocutor através da oratória (não há comprometimento na busca da verdade nem na sua demonstrável probabilidade DISCURSO LÓGICO: axioma resultante é tido como verdadeiro DISCURSO DIALÉTICO: obter a máxima probabilidade de certeza e veracidade (tese e antítese -‐ síntese) PREGAÇÃO: divulgação da palavra de Deus, do Evangelho e de Cristo; o objetivo do pregador é mudar algo..., divulgar uma determinada ideia conducente a uma mudança em função de um ideal de vida... PREGAR É SEMEAR SERMÃO: discurso religioso feito num púlpito PARÁBOLA BÍBLICA: narração alegórica que encerra algum preceito de moral ou verdade importante (mandamento religioso, ensinamento, dever ou regra) PREGAR É SEMEAR
O padre António Vieira chegou a São Luís do Maranhão, para reiniciar a missão, em janeiro de 1653. A sua equipa era
composta por doze missionários, oito padres e quatro irmãos. Um dos seus sonhos era o de restaurar a missão da serra de Ibiapaba, para onde conseguiu enviar os primeiros padres em 1656 e onde ele foi pessoalmente em 1660. A missão de São Francisco Xavier de Ibiapaba foi uma das suas mais queridas missões, a mais estratégica de todas no seu plano de unificação do território da colónia, num dos espaços mais complicados de todo o norte do Brasil. A história da missão foi escrita por ele mesmo após a visita: Relação da Missão da Serra de Ibiapaba.
Quando subia a serra, o padre António Vieira ficou deslumbrado com a beleza natural que dela se avistava: por cima das nuvens que o faziam imaginar o céu, avistava a costa de Camocim e de Jericoacoara (o buraco das tartarugas). Ele não podia imaginar que a história do futuro daquela missão seria ainda mais trágica do que a do passado, com guerras e chacinas que transformariam a região num caos de ódio e de sangue.
VIEIRA PREGADOR
MARIA LUCÍLIA GONÇALVES PIRES * Recordando a vasta obra de Vieira e a forma como foi recebida e apreciada ao longo destes três séculos, facilmente se
verifica que os Sermões são o título principal da sua glória literária. Os seus textos oratórios (cerca de 200 sermões) chegaram até nós, não na forma em que foram pronunciados, mas, quase todos, na forma que o seu autor lhes quis dar ao prepará-‐los para a impressão, tarefa a que dedicou os últimos vinte anos da sua longa vida. O primeiro dos volumes que assim prepara, recuperando o que da sua pregação restava no que chama os seus "borrões" (textos completos, fragmentos de sermões, planos, esboços, etc.) é publicado em 1679. Nos anos seguintes, primeiro em Lisboa, depois (a partir de 1681) na Baía, prossegue este trabalho, publicando sucessivamente mais onze volumes. O último (o 12.º) é enviado para Lisboa para ser impresso já depois da morte do seu autor.
O que é que faz deste conjunto de sermões uma obra-‐prima literária e do seu autor o mais afamado pregador português, gozando em vida de grande prestígio não só em Portugal, mas também em Espanha e Itália?
Em primeiro lugar, destaque-‐se a profunda ligação entre o texto da maior parte dos sermões e as circunstâncias concretas, históricas, em que são pregados. O sermão é para Vieira não apenas uma forma de edificação moral e espiritual, mas também um instrumento de intervenção na vida política e social, uma arma que maneja com destreza em defesa das grandes causas a que se dedicou. Através dos sermões de Vieira podemos acompanhar o desenrolar dos principais acontecimentos e problemas da sociedade portuguesa (e brasileira) do século XVII: a guerra com a Holanda em terras do Brasil, em textos como o do "Sermão de Santo António, havendo os holandeses levantado o sítio posto à Baía" (1638) ou o "Sermão pelo bom sucesso das nossas armas contra as da Holanda" (1640); a Restauração e a subsequente guerra com a Espanha, no "Sermão dos Bons Anos" ou no "Sermão de Santo António tendo-‐se reunido cortes", pregados em 1642; a preocupação com a situação económica do país em guerra com a Espanha e as propostas para sanar essa situação no "Sermão de S. Roque" (1644); a dura e prolongada luta em defesa dos índios do Maranhão contra os colonos que pretendiam escravizá-‐los no chamado "Sermão das tentações" (1653) ou no "Sermão da Epifania" (1662).
Para fazer da sua palavra um meio eficaz de intervenção e atuação, Vieira recorre naturalmente às técnicas que a Retórica (disciplina fundamental no curriculum escolar e na formação intelectual dos homens da época) sistematizara e codificara. De um dos seus sermões (o "Sermão da Sexagésima", o mais conhecido, aquele que o autor escolheu para abrir o
primeiro volume dos que publicou) fez Vieira uma espécie de sucinto tratado de Retórica, um sermão que pretende ensinar como pregar um sermão que seja de facto um discurso persuasivo, capaz de convencer e converter os ouvintes. É certo que no domínio das técnicas retóricas Vieira não é propriamente um inovador: utiliza fundamentalmente os processos que a escola ensinava, na senda dos tratados clássicos de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, tratados que alguns autores, nomeadamente no século XVI, tinham adaptado aos objetivos específicos da oratória cristã. Mas se as técnicas são comuns a quase todos os oradores da época, a forma de as pôr em prática, essa revela o génio inconfundível de Vieira, o seu inigualável talento de arquitetar argumentos, explorar conceitos, trabalhar as palavras. Palavras que são utilizadas não só nas suas capacidades semânticas (e Vieira é exímio na arte de tirar partido da polissemia das palavras), mas também na sua materialidade fónica e até mesmo no seu aspeto gráfico. Todos estes elementos são mobilizados na construção de um discurso engenhoso, construído segundo uma lógica que é, frequentemente, mais verbal que racional. Discurso que pretende captar e persuadir os destinatários, levando-‐os a tomar atitudes muito concretas. Mas um discurso que tem também, por vezes, uma clara e assumida função lúdica. O que não significa que Vieira caia no jogo de palavras gratuito e inconsequente: é que, tal como S. Francisco Xavier em honra de quem prega 15 sermões, também ele sabe "usar bem do jogo", fazendo dos artifícios retóricos tão apreciados no seu tempo uma utilização equilibrada ao serviço da função específica de cada um dos seus sermões. Há nestes sermões um vigor, uma energia, que decorre da sua forte personalidade, sem dúvida, e do seu magistral domínio dos processos oratórios vigentes na época; mas que decorre sobretudo da sua capacidade de moldar a linguagem como um material plástico, fazendo-‐a construir os mais diversos efeitos pragmáticos, numa concretização perfeita do ideal retórico de "arte de bem dizer para persuadir".
No prólogo do primeiro volume dos seus Sermões Vieira lamenta que os textos escritos que assim chegam aos leitores sejam textos sem vida, uma vez que lhes falta a voz que os animou no momento da pregação: "sem a voz que os animou, ainda ressuscitados são cadáveres". Mas creio que os leitores dos sermões de Vieira não podem deixar de discordar desta afirmação do autor. Os seus sermões apresentam-‐se-‐nos como textos plenos de vida. Basta recordarmos a veemência com que no chamado "Sermão das tentações" (1ª. Dominga da Quaresma de 1653) verbera os colonos do Maranhão por escravizarem os índios. Depois de ter citado um versículo de Isaías que traduz assim: "Brada, pregador, e não cesses; levanta a tua voz como trombeta, desengana o meu povo, anuncia-‐lhe os seus pecados e dize-‐lhe o estado em que estão", continua: "Cristãos, Deus me manda desenganar-‐vos, e eu vos desengano da parte de Deus. Todos estais em pecado mortal; todos viveis e morreis em estado de condenação, e todos vos ides direitos ao inferno. Já lá estão muitos, e vós também estareis cedo com eles, se não mudardes de vida." E a desumana exploração de que os índios eram vítimas exprime-‐a nesta exclamação de impressionante visualismo: "Ah fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torceram, haviam de lançar sangue!" Recordo outro exemplo: o "Sermão pelo bom sucesso das nossas armas contra as da Holanda", um sermão em que Vieira resolve pregar a Deus para o convencer a proteger os portugueses da Baía, sitiados pelos hereges holandeses. Ao longo de todo o texto o orador assume a atitude de quem exige de Deus aquilo a que tem direito, recorrendo à súplica, à ameaça, e até mesmo à ironia e ao sarcasmo, numa pseudo-‐aceitação do que demonstra ser uma injustiça divina:
"Mas pois vós, Senhor, o quereis e ordenais assim, fazei o que fordes servido. Entregai aos holandeses o Brasil, entregai-‐lhes as Índias, entregai-‐lhes as Espanhas (que não são menos perigosas as consequências do Brasil perdido), entregai-‐lhes quanto temos e possuímos (como já lhes entregastes tanta parte), ponde em suas mãos o mundo; e a nós, aos portugueses e espanhóis, deixai-‐nos, repudiai-‐nos, desfazei-‐nos, acabai-‐nos. Mas só digo e lembro a Vossa Majestade, Senhor, que estes mesmos que agora desfavoreceis e lançais de vós, pode ser que os queirais algum dia e que os não tenhais (...) Abrasai, destruí, consumi-‐nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais espanhóis e portugueses e que os não acheis. Holanda vos dará os apostólicos conquistadores que levem pelo mundo os estandartes da cruz; Holanda vos dará os pregadores evangélicos que semeiem nas terras dos bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de vossos sacramentos e a autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de vosso santíssimo Corpo; Holanda, enfim, vos servirá e venerará tão religiosamente como em Amsterdão, Meldeburbo e Flisinga e em todas as outras colónias daquele frio e alagado inferno se está fazendo todos os dias." Através destes sermões continua a fazer-‐se ouvir a voz veemente e harmoniosa do seu autor: nas suas diversas tonalidades, nas suas alterações rítmicas, na sua organização melódica, no seu ritmo encantatório que prende tanto pela musicalidade da frase como pelos argumentos expendidos. Em muitos dos seus sermões Vieira desenhou o modelo ideal do pregador e apontou figuras que personificam esse ideal. O protótipo do pregador segundo Vieira encarna em pessoas como S. Paulo, S. João Batista ou Santo António -‐ homens que usaram a palavra para converterem os homens para Deus. Com estas figuras prototípicas se identificou Vieira: nos seus sermões apresenta-‐se como apóstolo dos gentios, tal como S. Paulo; à imitação de Santo António, também ele resolve pregar aos peixes para dar lições aos homens; tal como S. João Batista, define-‐se como "voz que clama". A motivação profunda deste clamor é de natureza espiritual e política: dois vetores que, longe de se oporem, se combinam na sua mundividência, se associam na sua atuação, se harmonizam na sua ideologia messiânica. Uma vida e uma obra unificadas na sua diversidade pelo ideal de construção do reino de Deus na terra, esse glorioso Quinto Império que persistentemente esperou e anunciou até ao fim dos seus dias.
* Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
SERMÃO
Proferido na cidade de São Luís do Maranhão em 1654, na sequência de uma disputa com os colonos portugueses no Brasil, o Sermão de Santo António aos Peixes é um documento de exímia uma habilidade oratória e poder satírico.
Com uma construção literária e argumentativa notável, o sermão louva algumas virtudes humanas e, principalmente, censura com severidade os vícios dos colonos. Este sermão (alegórico) foi pregado três dias antes de Padre António Vieira embarcar para Portugal, para obter uma legislação justa para os índios.
Todo o sermão é uma alegoria, porque os peixes são a personificação dos homens.
Estrutura do Sermão O sermão encontra-‐se dividido em capítulos: • 1. Introdução (Exórdio/Exordium) -‐ capítulo I • 2. Desenvolvimento (Exposição e Confirmação) -‐ capítulos II a V • 3. Conclusão (Peroração ou Epílogo) -‐ capítulo VI
Exórdio Introdução — Padre António Vieira expõe o tema e as questões centrais que vai defender, bem como o plano estrutural do seu sermão.
Apresenta o conceito predicável, “Vós sois o sal da Terra”, e explica as razões pelas quais a terra está tão corrupta. Ou a culpa está no sal (pregadores), ou na terra (ouvintes). Se a culpa está no sal, é porque os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque dizem uma coisa e fazem outra ou porque se pregam a si e não a Cristo. Se a culpa está na terra, é porque os ouvintes não querem receber a doutrina, ou antes imitam os pregadores e não o que eles dizem, ou porque servem os seus apetites e não os de Cristo.
Ao apresentar o conceito predicável, Padre António Vieira introduz o tema do sermão, mas apesar de tudo desvia-‐se do tema e preocupa-‐se apenas com a razão pela qual a terra está corrupta, partindo do princípio de que a culpa é dos ouvintes. O sermão é proferido no dia de Santo António, aproveitando assim o exemplo deste. Santo António não obtinha resultados da sua pregação e em vez de desistir resolveu pregar aos peixes. Assim se viu Padre António Viera, sem obter resultados, resolveu igualmente pregar aos peixes.
O orador vai louvar as virtudes dos peixes (em geral e em particular) e em seguida repreendê-‐los (em geral e em particular).
SÍNTESE: Neste capítulo, Padre António Vieira critica a humanidade, que está cada vez mais corrupta, e os pregadores que, havendo tantos, não conseguem alcançar os seus objetivos. Utiliza as expressões “sal” para os pregadores e “terra” para os ouvintes. Exceção para Santo António, que Vieira admira bastante e do qual aborda a história ocorrida com este em Arimino, onde pregava aos hereges e foi alvo da tentativa de apedrejamento por parte destes.
Capítulo II -‐ Louvoures das virtudes dos peixes em Geral Exposição— Vieira inicia a exposição com uma pergunta retórica: “Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes?” e de seguida indica a estrutura do sermão: “dividirei, peixes, o vosso Sermão em dois pontos: no primeiro louvar-‐vos-‐ei as vossas atitudes, no segundo repreender-‐vos-‐ei os vossos vícios” (ll. 23-‐24). O capítulo II apresenta os louvores aos peixes em geral. (1.º momento da exposição) Estas qualidades são, por antítese, os defeitos dos homens. • São obedientes (obediência), ouvem e não falam "aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra de vosso Criador e Senhor" "ouvem e não falam" • Foram os primeiros animais a serem criados "vós fostes os primeiros que Deus criou" • São os mais numerosos e os mais volumosos "entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais e os maiores" ��������
• Não são domesticáveis, presos, virgens "só eles entre todos os animais não se domam nem domesticam" SÍNTESE -‐ Bons ouvintes / obedientes; -‐ Primeira criação de Deus; -‐ Melhores do que os homens; -‐ Livres, puros, longe dos homens. Capítulo III -‐ Louvores aos peixes em Particular (considerado por alguns autores , o 1.º momento da confirmação) O capítulo III é igualmente de louvor aos peixes, mas agora de carácter particular. Padre António Vieira nomeia quatro peixes para mostrar a relação entre o homem e o divino. Todos estes louvores que Padre António Vieira faz aos peixes são antíteses dos defeitos dos homens. • Peixe de Tobias: Tem umas entranhas e um coração que expulsam os demónios e simboliza o poder purificador da palavra de Deus. Cura a cegueira "(...) sendo o pai de Tobias cego, aplicando-‐lhe o filho aos olhos um pequeno do fel, cobrou inteiramente a vista;" Expulsa os demónios "(...) tendo um demónio chamado Asmodeu morto sete maridos a Sara, casou com ela o mesmo Tobias; e queimando na casa parte do coração, fugiu dali o demónio e nunca mais tornou;" • Rémora: Peixe que quando se agarra e um navio tem força suficiente para o conduzir sozinha. Simboliza o poder da palavra do pregador – guia das almas. Um peixe pequeno mas que tem muita força. "(...) se se pega ao leme de uma nau da índia (...) a prende e amarra mais que as mesmas âncoras, sem se poder mover, nem ir por diante." "Oh se houvera uma rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!" "(...) a virtude da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme" • Torpedo: Produz descargas eléctricas para se defender; faz tremer o braço do pecador. Simboliza o poder da palavra de Deus (de fazer tremer os pecadores que pescam na terra tudo quanto encontram). "Está o pescador com a cana na mão, o anzol no fundo e a bóia sobre a água, e em lhe picando na isca o torpedo, começa a lhe tremer o braço. Pode haver maior, mais breve e mais admirável efeito? De maneira que, num momento, passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol, à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador." • Quatro Olhos: Tem dois pares de olhos, uns para cima e outros para baixo. Simboliza o dever dos cristãos em tirar os olhos da vaidade terrena, olhando para o céu sem esquecer o inferno. Este peixe vê para cima e para baixo. Representa a capacidade de distinguir o bem do mal (céu/inferno), a vigilância e a providência. "Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho, ensinando-‐me que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-‐me que há Inferno." (Senão por amor a Deus (cima), então, por repúdio ao inferno (baixo)).
Virtudes dos Peixes PEIXE DE TOBIAS -‐ o fel sara a cegueira; -‐ o coração lança fora os demónios; RÉMORA -‐ tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder; TORPEDO -‐ descarga elétrica que faz tremer o braço do pescador; QUATRO-‐OLHOS -‐ dois olhos voltados para cima para se vigiarem das aves; -‐ dois olhos voltados para baixo para se vigiarem dos peixes.
SÍNTESE Todos estes elogios que o Padre António Vieira tece aos peixes são o contraponto dos defeitos dos homens, evidenciando assim os vícios destes. Os quatro peixes, o Santo Peixe de Tobias, a rémora, o torpedo e o quatro-‐olhos possuem características que na sua totalidade se podem identificar com as principais virtudes de Santo António. Capítulo IV -‐ Repreensões aos peixes em Geral (considerado por alguns autores , o 2.º momento da exposição)
Padre António Vieira acusa os peixes de se comerem uns aos outros, recorrendo a um exemplo dos homens para explicar o que eles faziam. Assim, os homens praticam antropofagia social (escravatura/exploração). O orador estabelece uma comparação entre a antropofagia ritual dos Tapuias (índios brasileiros) e a antropofagia social dos homens, considerando esta última mais grave que a anterior já que nem os mortos escapam. Mas o mais grave é serem os grandes a comerem os pequenos (são precisos muitos pequenos para alimentar um grande). Acusa-‐os igualmente de cegueira, vaidade e maldade. Estas repreensões são feitas com o objetivo de mudar os homens, ou pelo menos para os fazer pensar. Capítulo V -‐ Repreensões aos peixes em Particular (considerado por alguns autores , o 2.º momento da confirmação) De carácter particular, Padre António Vieira apresenta quatro exemplos de peixes que se referem a tipos comportamentais.
• Roncador que simboliza os arrogantes Peixes pequenos e que emitem um som grave, são sempre facilmente pescados e apesar de serem pequenos têm muita língua («É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?»). Representam a arrogância e o orgulhoso. Encontramos esse comportamento em personagens como S. Pedro, Golias, Caifás e Pilatos, em contraste com Santo António que tinha saber e poder, mas não se vangloriava. • Pegador que simboliza os oportunistas Pequenos peixes que se fixam a peixes grandes ou ao leme dos navios («Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade, porque sendo pequenos, não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os desferram.»). Representam o oportunismo, o parasitismo social e a subserviência. Uma vez que vivem na dependência dos grandes e morrem com eles, Vieira argumenta que os grandes morrem porque comeram, os pequenos morrem sem terem comido. Na humanidade, encontramos os seguidores de Herodes. Santo António «pegou-‐se» apenas a Cristo e seguiu-‐O. • Voador que simboliza os ambiciosos Peixes de grandes barbatanas que saltam para fora de água como se voassem. Representam o defeito da presunção e da ambição desmedida e desse modo, porque não se contentam com o seu elemento, são pescados como peixes e caçados como aves («Dizei-‐me, voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? [...] Contentai-‐vos com o mar e com nadar, e não queirais voar, pois sois peixes.») . Simão Mago e Ícaro exemplificam-‐no entre os homens. Por contraste, Santo António tinha sabedoria e poder, mas não se vangloriou. • Polvo (o pior de todos) que simboliza os traidores e os hipócritas. Detentor de um «capelo», tentáculos, corpo mole e podendo camuflar-‐se, é considerado um hipócrita e traidor pois utiliza a capacidade mimética (varia a sua coloração e a sua forma, de acordo com o meio em que se encontra) para atacar os peixes desprevenidos («E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa [...] o dito polvo é o maior traidor do mar.»). Entre os homens, encontramo-‐lo em Judas. Mais uma vez, por contraste, Santo António foi sincero e verdadeiro -‐ nunca enganou.
Defeitos dos Peixes
RONCADORES -‐ embora pequenos roncam muito (simbolizam a arrogância e a soberba); PEGADORES -‐ sendo pequenos, pregam-‐se nos maiores, não os largando mais (simbolizam o parasitismo);
VOADORES -‐ sendo peixes, também desejam ser aves (simbolizam a presunção/vaidade e a ambição); POLVO -‐ com a aparência de santo, é o maior traidor do mar (simboliza a traição).
SÍNTESE O sermão é, pois, todo ele feito de alegorias, simbolizando os vícios dos colonos do Brasil ("peixes grandes que comem os pequenos") em vários peixes: o roncador (o orgulhoso), voador (o ambicioso), pegador (o parasita) e o polvo (o traidor, mais traidor que o próprio Judas). Capítulo VI – Peroração ou Epílogo
Conclusão — o pregador visa um desfecho forte, de modo a impressionar o auditório e levá-‐lo a pôr em prática os conselhos recebidos.
Neste capítulo, o orador retoma os pregadores referidos no conceito predicável, servindo-‐se dele próprio como exemplo alegando que não está a cumprir a sua função. Alega também que ele (homens) e os peixes, nunca vão chegar ao sacrifício final, uma vez que os peixes já vão mortos e os homens “vão mortos de espírito”. Padre António Vieira diz que a irracionalidade, a inconsciência e o instinto dos peixes, são melhores do que a racionalidade, o livre arbítrio, a consciência, ou o entendimento e a vontade do homem.
Conclui, depois, fazendo um apelo aos ouvintes e louvando Deus, tornando esta última parte do sermão um pouco mais familiar, para que se estabeleça de novo a proximidade entre os ouvintes e o orador.