ex 4 gesta cao diabetes

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Psicossomática, Gestação e Diabetes: Um Estudo de Caso Psychosomatic Disorders, Pregnancy And Diabetes Mellitus: A Case Study Psicosomática, Gestación Y Diabetes: Un Estudio De Caso Artigo Roselaine Fernanda Barbosa Prefeitura Municipal de Campo Limpo Cláudia Aparecida Marchetti Duarte Faculdade Paulista de Jaguariúna Laise Potério dos Santos Universidade de Campinas 472 PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2012, 32 (2), 472-483

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GESTACAODIABETES

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    Psicossomtica, Gestao e Diabetes:

    Um Estudo de Caso

    Psychosomatic Disorders, Pregnancy And Diabetes Mellitus:

    A Case Study

    Psicosomtica, Gestacin Y Diabetes: Un Estudio De Caso

    Art

    igo

    Roselaine Fernanda Barbosa

    Prefeitura Municipal de Campo Limpo

    Cludia Aparecida Marchetti Duarte

    Faculdade Paulista de Jaguarina

    Laise Potrio dos Santos

    Universidade de Campinas

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    PSICOLOGIA: CINCIA E PROFISSO, 2012, 32 (2), 472-483

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    Resumo: Este trabalho apresenta o estudo de caso de uma paciente gestante portadora de diabetes melito, cujo acompanhamento psicolgico foi realizado em um hospital universitrio pblico do interior do Estado de So Paulo, referncia em atendimento de alta complexidade no que se refere sade materno-infantil. Os atendimentos ocorreram na instituio nas situaes de consulta de pr-natal da paciente, e totalizaram cinco sesses. A tcnica de atendimento psicolgico consistiu na psicoterapia breve de orientao psicanaltica. So apresentados as repercusses do diabetes na gestante, os aspectos psicolgicos associados gravidez, o trabalho do psiclogo dentro de uma instituio hospitalar e uma reflexo acerca do contedo psicossomtico do diabetes. Com base nesses elementos, este estudo de caso buscou analisar os aspectos psicolgicos da gestao associados aos traos de personalidade tpicos do paciente diabtico bem como fornecer uma viso acerca das possibilidades e das limitaes vivenciadas na relao paciente-psiclogo dentro do contexto hospitalar. Palavras-chave: Estudo de caso. Gravidez de alto risco. Psicologia hospitalar. Diabetes na gravidez. Distrbios psicossomticos.

    Abstract: This research presents the case study of a pregnant patient with diabetes mellitus. The psychological attendance took place in a public university hospital in the countryside of So Paulo, which is reference in high-complexity attendance regarding mother-child health care. The psychological interventions took place in the institution during the pre-birth attendance received by the patient, summing up five sessions. The chosen technique was brief psychotherapy psychoanalysis oriented. The diabetes repercussions on the pregnant patient, the psychological aspects regarding pregnancy, the psychological care given inside a hospital institution, and a reflection on the psychosomatic content of diabetes are presented here. Based on these elements, this research aimed at analyzing the psychological aspects of pregnancy in association with the typical personality traits of patients with diabetes, as well as it provided a point of view of the possibilities and limitations experienced in the patient/psychologist relationship inside a hospital context.Keywords: Case study. High-risk pregnancy. Hospitals Psychological aspects. Diabetes in Preganancy. Psychosomatic disorders.

    Resumen: Este trabajo presenta el estudio de caso de una paciente gestante portadora de diabetes melito, cuyo acompaamiento psicolgico ha sido llevado a cabo en un hospital universitario pblico del interior del Estado de San Pablo, referencia en atendimiento de alta complejidad en lo que se refiere a la salud materno-infantil. Los atendimientos han ocurrido en la institucin en las situaciones de consulta pre-natal de la paciente, y han totalizado cinco sesiones. La tcnica de atendimiento psicolgico ha consistido en la psicoterapia breve de orientacin psicoanaltica. Son presentadas las repercusiones de la diabetes en la gestante, los aspectos psicolgicos asociados al embarazo, el trabajo del psiclogo dentro de una institucin hospitalaria y una reflexin acerca del contenido psicosomtico de la diabetes. Con base en estos elementos, este estudio de caso ha tratado de analizar los aspectos psicolgicos de la gestacin asociados a las caractersticas de personalidad tpicos del paciente diabtico, as como facilitar una visin acerca de las posibilidades y de las limitaciones vivenciadas en la relacin paciente-psiclogo dentro del contexto hospitalario.Palabras clave: Estudio de caso. Embarazo de alto riesgo. Psicologa hospitalaria. Diabetes en embarazo. Disturbios psicosomticos.

    Caracterizao do diabetes melito e repercusses na gravidez

    O diabetes melito uma doena metablica caracterizada pela hiperglicemia, ocasionada por uma deficincia na secreo e/ou na ao da insulina (Aquino, Pereira, Amaral, Parpinelli, & Passini Jr., 2003; Gross, Silveiro, Camargo, Reichelt, & Azevedo, 2002). A doena caracterizada pela destruio das clulas beta, e usualmente leva deficincia completa de insulina (Gross et al., 2002).

    Os efeitos da hiperglicemia no organismo se manifestam por sintomas como poliria (aumento de urina), polidipsia (sede excessiva), perda de peso, polifagia (fome excessiva) e viso turva. A hiperglicemia crnica pode comprometer o funcionamento de vrios rgos, especialmente olhos, rins, nervos, corao e vasos sanguneos (Gross et al., 2002).

    Psicossomtica, Gestao e Diabetes: Um Estudo de Caso

    Roselaine Fernanda Barbosa, Cludia Aparecida Marchetti Duarte & Laise Potrio dos Santos PSICOLOGIA:

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    Algumas complicaes obsttricas podem repercutir na gestante diabtica, como hipertenso arterial, parto prematuro, hipoglicemia, cetoacidose, infeces de trato urinrio e outras infeces, doena periodontal, parto por cesariana (Golbert & Campos, 2008; Montenegro, Paccola, Faria, Sales, & Montenegro, 2001), bem como pr-eclmpsia e mesmo morte materna (Silva, Santos, & Parada, 2004; Montenegro et al., 2001).

    As complicaes neonatais mais frequente-mente observadas so: macrossomia, com consequente aumento de indicao de partos cesreos, prematuridade, hipoglicemia, hiperbilirrubinemia, policitemia, ictercia, hipocalcemia, sndrome do desconforto respiratrio e aumento de duas a trs vezes no risco de malformaes congnitas (Golbert & Campos, 2008; Corra & Gomes, 2004; Montenegro et al., 2001).

    Aspectos psicolgicos da gravidez e trabalho do psiclogo hospitalar em obstetrcia

    Todo ser humano, ao longo da vida,

    passa por momentos de transformao.

    Entretanto, existem certas pocas em que

    essas modificaes ocorrem de maneira

    muito mais intensa e rpida.

    A gravidez constitui um desses momentos

    singulares na vida da mulher, e, por esse

    motivo, desencadeia vrias alteraes no

    comportamento feminino. A ambivalncia

    afetiva um dos sentimentos comuns da

    gestao; o atraso menstrual, por si s,

    provoca esse sentimento pela possibilidade

    de estar ou no grvida, assim como o

    desejo de ter um beb ou no, sendo essa

    ambivalncia presente em todo o perodo de

    gravidez (Bortoletti, 2007).

    Winnicott (1982) verificou um estado que se desenvolve na mulher durante a gestao e aps o parto, chamado de preocupao materna primria, que consiste em uma espcie de regresso adaptativa em que a me, por sua sensibilidade aumentada, se identifica com o beb a ponto de excluir temporariamente outros interesses.

    O fenmeno da regresso em geral visto de forma negativa, entretanto, propicia mulher a possibilidade de ter comportamentos e sentimentos infantilizados, fundamentais para o estabelecimento de uma sintonia entre me e beb, desde que no ultrapasse esse limiar a ponto de tornar-se algo patolgico (Bortoletti, 2007).

    Uma das primeiras manifestaes do primeiro trimestre a hipersonia, em que a mulher sente mais necessidade de dormir do que normalmente. Para Maldonado (2002), esse fenmeno representa a preparao do organismo para enfrentar as tenses fisiolgicas adicionais, aumentando a necessidade de repouso. O oposto, a insnia, tambm pode ocorrer, sendo, nesse caso, provvel que represente contedos de angstia significativos que devem ser cuidados (Bortoletti, 2007).

    As nuseas e vmitos so os sintomas mais comuns do incio da gravidez. O conhecimento a respeito da etiologia do fenmeno aponta a influncia de vrios aspectos, endcrinos, hormonais, bem como psicolgicos (Maldonado, 2002). comum a interpretao de que esses sintomas so uma expresso da rejeio da gravidez. No caso da hiperemese gravdica, pode-se supor que seja uma manifestao de rejeio, mas tambm no se pode concluir que em todos os casos se trate desse sentimento (Bortoletti, 2007).

    Os desejos e averses podem ser relacionados a supersties ou a folclore, a tentativas de compensar deficincias nutritivas, a

    A ambivalncia afetiva um

    dos sentimentos comuns da

    gestao; o atraso menstrual,

    por si s, provoca esse

    sentimento pela possibilidade

    de estar ou no grvida,

    assim como o desejo de ter um beb ou

    no, sendo essa ambivalncia presente em

    todo o perodo de gravidez

    (Bortoletti, 2007).

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    necessidades afetivas ou a embotamento do paladar e olfato. Por vezes, os desejos so interpretados como necessidade de chamar a ateno, porm, assim como no caso da hiperemese, importante no generalizar (Bortoletti, 2007).

    Outra modificao refere-se ao aumento do apetite, sendo essa indisciplina alimentar vista como um comportamento regressivo, pois, muitas vezes, o desejo da mulher est centrado em itens que agradam o paladar infantil (Bortoletti, 2007). O aumento do apetite pode atingir graus de extrema voracidade e aumento de peso, a ponto de ocasionar diversas complicaes obsttricas (Maldonado, 2002).

    A hipersensibilidade outro fator que se destaca nas alteraes do ciclo gravidico- puerperal (Bortoletti, 2007). Essas oscilaes de humor, segundo Maldonado (2002), devem-se ao prprio esforo de adaptao a uma nova realidade de vida, que envolve novas tarefas, responsabilidades, aprendizagem e descobertas.

    A vida sexual do casal durante a gestao tambm pode sofrer alteraes (Bortoletti, 2007). Para Maldonado (2002), a maneira como a mulher sente as alteraes do esquema corporal est intimamente relacionada com as alteraes da sexualidade, com a atitude do homem em relao a essas modificaes e como ela prpria se situa diante da gravidez.

    Como se v, a gravidez representa para a mulher um momento de crise. Utilizamos o conceito de crise como um momento constitudo de etapas marcantes no ciclo de vida e que podem promover tanto um crescimento pessoal quanto o surgimento de vulnerabilidades emocionais (Canavarro, 2001).

    Se a gravidez tambm estiver associada a alguma patologia, torna-se de extrema importncia a participao do profissional de

    Psicologia como um facilitador na elaborao dos conflitos que a situao de crise implica. Nesse contexto, surge a figura do psiclogo hospitalar, profissional que, segundo Sebastiani (2007), deve ter caractersticas prprias, adequadas e especficas que interfiram diretamente tanto em sua insero quanto em seu desempenho na instituio.

    Para Simonetti, Psicologia hospitalar campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicolgicos em torno do adoecimento (2004, p. 15).

    Enquanto a Medicina tem como funo a cura de doenas, a Psicologia hospitalar busca compreender a relao que o doente tem com seu sintoma, para poder reposicionar o sujeito face sua doena (Simonetti, 2004).

    Ainda segundo Simonetti, a Psicologia

    hospitalar tem origem na psicanlise e na psicossomtica: ao que parece, a Psicologia hospitalar, que nasceu da psicossomtica e da psicanlise, vem atualmente ampliando seu campo conceitual e sua prtica clnica, com isso criando uma identidade prpria e diferente (2004, p.17).

    Entretanto, sabido que o ambiente

    hospitalar tem como protagonista a figura

    do mdico, j que ele quem decide sobre

    tcnicas, medicaes, cura, internaes e alta

    (Angerami-Camon, 2003). Nesse contexto, os

    demais profissionais da sade se adequam aos

    procedimentos mdicos para, posteriormente,

    integrar sua prtica ao atendimento hospitalar

    (Fossi & Guareschi, 2004).

    Assim, a atuao do psiclogo hospitalar

    est diretamente determinada por limites

    institucionais, como regras, rotinas, condutas

    especficas, dinmicas que devem ser

    respeitadas e seguidas e que extrapolam a

    relao paciente/terapeuta (Sebastiani, 2007).Alm disso, o local de trabalho desmobiliza

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    a segurana e a tranquilidade do consultrio tradicional, visto que, no hospital, o psiclogo atende entre macas, nos leitos das enfermarias e muitas vezes em meio a outros procedimentos e rotinas hospitalares. Isso obriga o profissional a transpor os limites do consultrio e a aprofundar contatos com os outros profissionais com os quais convive (Sebastiani, 2007).

    O tempo um elemento importante a ser considerado no contexto hospitalar. Por esse motivo, o psiclogo necessita utilizar-se de psicoterapia breve e/ou de emergncia, de acordo com as necessidades emergenciais da situao de doena e hospitalizao (Sebastiani, 2007).

    Outro fator importante refere-se situao de indicao versus opo ao tratamento psicolgico no hospital. Na instituio, diferentemente do tratamento clnico tradicional, no o paciente quem procura atendimento, mas este oferecido pelo prprio psiclogo (Sebastiani, 2007). Para Moretto (2001), tal fato no constitui necessariamente um problema, pois oferecer apoio psicolgico ao paciente no significa a inexistncia de demanda para tal.

    Diabetes: uma doena psicossomtica?

    O processo de somatizao consiste, basicamente, na manifestao de conflitos e angstias por meio de sintomas corporais (Coelho & vila, 2007). Nesse sentido, a psicossomtica busca um entendimento da relao mente-corpo e dos processos de adoecimento (Capito & Carvalho, 2006; vila, 2004).

    Existem diversas definies e correntes sobre o conceito de psicossomtica. Entendemos o termo psicossomtico como toda perturbao fsica resultante de um contedo psicolgico que interfere na gnese da doena.

    Segundo Mello (1994), toda doena humana psicossomtica, j que incide em um ser constitudo de soma e psique, inseparveis anatmica e funcionalmente.

    Quando a dor psquica e o conflito psquico oriundos de uma fonte de estresse ultrapassam a capacidade habitual de tolerncia, em vez de serem reconhecidos e elaborados, podem ser descarregados em manifestaes somticas, remetendo a uma falha na capacidade de simbolizao e de elaborao mental. Desse modo, com certas dificuldades de enfrentar tenses, o adoecimento pode ser considerado uma tentativa de estabelecer um equilbrio para o corpo, assim como o sintoma neurtico representa a sada para um conflito psquico (Capito & Carvalho, 2006).

    Para Ferraz (2007), as modalidades de sintoma definidas pelas defesas neurticas, ligadas formao de representaes, de seu recalque e de seu ressurgimento sob formas simblicas, vo dando lugar a manifestaes somticas, pr-simblicas, brutas ou cruas. O corpo, mais do que a linguagem, seria o cenrio onde essas formaes se desenvolvem, dando origem s mais diversas formas de adoecimento psicossomtico.

    Chiozza (1987) afirma que tanto os transtornos histricos como os afetos, as doenas orgnicas e os prprios rgos representam uma fonte inconsciente. Assim, o adoecimento surge na tentativa de ocultar de si mesmo uma histria cujo significado no pode suportar, sendo uma resposta simblica que busca, inconscientemente, alterar o significado da histria ou o seu desenlace.

    Segundo Mello (1994), a ansiedade uma das energias geradoras bsicas dos sintomas psicossomticos, e, exatamente por esse carter inconsciente, busca a via da expresso corporal.

    Santos (2003) define a ansiedade como uma angstia subjetiva, decorrente de mudanas

    Chiozza (1987) afirma que tanto

    os transtornos histricos como

    os afetos, as doenas

    orgnicas e os prprios rgos

    representam uma fonte

    inconsciente.

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    significativas de vida, como consequncia de acontecimentos estressantes. Esses acontecimentos inesperados so crises acidentais que podem interferir na estabilidade emocional do indivduo.

    Alm da ansiedade, observa-se tambm que situaes de perda podem favorecer a ecloso de vrias enfermidades, destacando que, no caso, dada importncia perda emocional vivenciada pelo indivduo. A vulnerabilidade do ego frustrao parece ser a condio bsica geradora, seja das neuroses, seja da predisposio psicolgica do adoecer (Mello, 1994).

    Segundo Zeljko (2000), toda necessidade existencial tambm uma necessidade corprea. Quando o beb no atendido na necessidade de formar a unidade psique-soma, no atendido em sua necessidade de ser, isso resulta sempre em uma doena no apenas psquica, mas, ao mesmo tempo, psicossomtica.

    Observa-se que, nas patologias atuais, a relao com o objeto primrio se caracteriza por vnculos breves, frgeis ou mesmo precocemente interrompidos. A vivncia da triangulao no suficientemente acentuada, no somente nos casos-limite mas tambm nos quadros heterogneos que a eles se assemelham (Horn, 2007).

    Mtodo

    Apresentao do caso

    Na poca do acompanhamento psicolgico, Elaine (nome fictcio) tinha 21 anos de idade, com diagnstico de diabetes melito desde os 16 anos. Morava com a me, trs irmos e um sobrinho (um outro sobrinho nasceu durante o acompanhamento).

    Os atendimentos foram realizados em um hospital universitrio pblico do interior

    do Estado de So Paulo, referncia em atendimento de alta complexidade quanto sade materno-infantil. O hospital oferece pr-natal especializado para gestantes portadoras de diversas patologias, como o diabetes, por exemplo, e, por esse motivo, a paciente estudada era atendida nesse local.

    O servio de Psicologia oferece apoio psicolgico s gestantes sob a forma de encaminhamento, de demanda espontnea ou atravs da triagem, das psiclogas, de casos que demonstrem maior gravidade. No caso de Elaine, o contato inicial se deu pelo encaminhamento da equipe enquanto a paciente se encontrava internada, visto tratar-se de uma paciente com histrico de difcil adeso ao tratamento de controle do diabetes.

    Os atendimentos ocorriam quinzenalmente, coincidindo com as consultas de pr-natal. No dia em que comparecia ao hospital, a paciente era avaliada por mdicos especialistas das reas de obstetrcia e endocrinopatia, para acompanhamento da evoluo materno-fetal e controle glicmico, respectivamente.

    Como citado anteriormente, o primeiro atendimento ocorreu no leito hospitalar. Estabeleceu-se um contrato entre a terapeuta e a paciente de que as prximas sesses ocorreriam no ambulatrio da instituio, no retorno de pr-natal. Tanto nesse caso quanto com as outras pacientes, no havia horrio fixo para atendimento psicolgico, que poderia ocorrer antes ou aps a consulta mdica. No acompanhamento especfico de Elaine, por coincidncia, todas as consultas psicolgicas ambulatoriais eram realizadas antes da consulta mdica.

    A tcnica de atendimento psicolgico consistiu na psicoterapia breve de orientao psicanaltica. Esse tipo de tcnica permite o enfrentamento de problemas de ordem

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    emocional de uma maneira mais rpida, j que paciente e terapeuta procuram solues para uma situao de crise, que pode ser luto, gravidez, doenas ou cirurgias (Knobel, 1986).

    Nesses momentos de crise, mesmo exposto ao perigo, o indivduo conta com maior motivao para mudar, e, por essa razo, tende a aceitar uma interveno teraputica (Gebara, Rosa, Simon, & Yamamoto, 2004). Embasado na teoria psicanaltica, o terapeuta busca a resoluo dos conflitos inconscientes do paciente, com possveis repercusses sobre o sujeito como um todo (Lowenkron, 2000).

    A escolha pelo estudo de caso ocorreu por este se destacar como um valioso recurso tanto para a execuo de pesquisas cientficas como para o desenvolvimento de prticas em Psicologia sejam elas clnicas, organizacionais, educacionais ou de qualquer outra ordem (Peres & Santos, 2005).

    A utilizao dos contedos das sesses para a elaborao deste trabalho se deu aps a aprovao da paciente e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    Resultados

    Relato das sesses

    No primeiro atendimento psicolgico, a paciente relatou que a gravidez no fora planejada. Houve tentativa de aborto, sem sucesso, e desde ento esforava-se para aceitar a gravidez. O atendimento inicial foi realizado no leito, visto que a paciente se encontrava internada. Foram investigadas questes referentes patologia (h quanto tempo tinha o diagnstico de diabetes, como foi diagnosticado, se realizava o tratamento adequadamente etc), bem como suas relaes familiares e conjugais. Por vezes, Elaine se emocionou durante o atendimento e, ao final, agradeceu bastante.

    Elaine residia com a me, trs irmos e dois sobrinhos. A irm mais velha, de 22 anos, era a me das crianas e no trabalhava. O irmo de 18 anos tambm no trabalhava, e, segundo a paciente, era usurio de drogas; o irmo caula tinha 9 anos.

    Sobre o pai do beb, afirmou que havia comeado o relacionamento com ele na tentativa de esquecer o ex-namorado, com quem havia se relacionado por 2 anos e 5 meses. Durante o relacionamento, descobriu que ele j tinha outra namorada, que alguns meses depois ficou grvida e foi morar com o rapaz. Nesse perodo, a paciente se mudou da casa da me e foi morar sozinha, mantendo o relacionamento com o namorado que, a essa altura, j morava com a outra garota. Como o namorado a visitava raramente, a situao de ser sua amante foi ficando insustentvel at que a paciente decidiu romper a relao. Pouco tempo depois, comeou a se relacionar com o pai do beb, apesar de ainda gostar do namorado anterior.

    No segundo atendimento, realizado na consulta de pr-natal, foram aprofundadas questes como a relao com o ex-namorado, com o namorado atual e a dificuldade em aceitar a gravidez. Elaine parecia bastante receptiva, como se tivesse encontrado no atendimento psicolgico um espao onde pudesse se mostrar sem receio de ser julgada. Afirmou no gostar do pai do beb, com quem ainda mantinha um relacionamento. Disse que voltaria correndo caso o ex-namorado ainda a quisesse, pois havia se arrependido de ter posto fim ao namoro, apesar de todo o sofrimento que este lhe havia causado.

    Tambm disse que pretendia sair da casa da me e morar sozinha aps o nascimento do beb, deciso, segundo ela, tomada em razo do atendimento realizado na data de sua internao. Cabe destacar que, no primeiro atendimento, foi questionado o

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    motivo pelo qual Elaine aceitava arcar sozinha com a responsabilidade da famlia, visto que sustentava com seu salrio a me, os trs irmos e o sobrinho, sendo dois irmos adultos. Quando indagada sobre esse fato na primeira sesso, Elaine no soube responder, e, na segunda, disse ter o corao mole. Exemplificou dizendo que a irm inclusive frequentemente a agredia fisicamente, sem ela nunca ter revidado, mas que agora ia aprender a se impor e a pensar mais em si mesma.

    No terceiro atendimento, Elaine falou um pouco mais sobre as relaes familiares. Nunca havia tido uma boa relao com a me. Segundo a paciente, sua me no se comportava como tal, principalmente aps a separao, quando passou a frequentar bailes e a se relacionar com homens muito mais jovens. A me de Elaine chegou a ficar com um ex-namorado dela, fato que a havia magoado muito. A relao com o pai tambm sempre havia sido muito conflituosa, pois ele sempre havia bebido muito e, nesses momentos, agredia a me, motivo pelo qual se separaram, seis anos atrs. Elaine disse que o pai nunca havia gostado dela e do irmo mais velho, frase dita pelo prprio pai. Quando indagada sobre a possvel razo para essa hostilidade direcionada a ela e ao irmo, Elaine dizia no entender o porqu.

    Na quarta sesso, Elaine chegou dizendo que o filho da irm, que estava grvida pela segunda vez, havia nascido. Tambm disse que a me e o irmo tinham conseguido emprego e que o irmo inclusive no estava mais andando com a mesma turma, envolvida com drogas. Alm de todas essas notcias, Elaine havia rompido o relacionamento com o namorado, pois havia decidido que no queria ficar com ningum s porque estava grvida, j que sabia que no gostava dele. Trabalhamos os sentimentos referentes a essas mudanas e, em um dado momento da sesso, Elaine disse que se via como uma caixa, e que estava abrindo a caixa.

    No dia em que haveria o quinto atendimento psicolgico, no foi possvel atender a paciente antes da consulta mdica, como o que j havia ocorrido nas outras vezes. Porm, aps ser atendida pelo mdico, no aguardou o atendimento psicolgico. Nesse dia, seria avisado paciente que, na prxima semana, a psicloga entraria em perodo de frias, o que no pde ser comunicado visto que Elaine no esperou pela consulta.

    Passado pouco mais de um ms dessa data, a psicloga, que havia retomado suas atividades, chamou Elaine para o atendimento que sempre ocorria em seu retorno de pr-natal. Quando foi chamada, disse que no queria atendimento. Mesmo aps essa primeira recusa, a paciente foi encaminhada sala e, quando indagada sobre a razo de tal recusa, disse no haver motivo, mas que simplesmente no estava com vontade de falar hoje. Aps ter explicado o motivo de sua ausncia (no perodo de frias), a psicloga liberou a paciente.

    No retorno de pr-natal seguinte, a paciente foi encaminhada sala de atendimento psicolgico e foi-lhe pedido que expusesse seus sentimentos em relao ao andamento da psicoterapia. Elaine afirmou que no precisava mais de atendimento, porque, segundo ela, as coisas haviam melhorado. Foram trabalhadas questes relativas a essa deciso, e a psicloga encerrou o atendimento colocando-se disposio.

    Discusso

    Analisando os atendimentos realizados, podemos observar que o atendimento psicolgico representou para a paciente, ao menos inicialmente, uma possibilidade de experincia nova, na qual poderia sentir-se vista, valorizada e acolhida em suas angstias; dizemos experincia nova porque a histria de vida de Elaine demonstra que suas relaes (tantos parentais quanto pessoais) no lhe

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    permitiram um espao de troca e de respeito adequados.

    Entretanto, alguns traos de personalidade comuns do diabtico dizem respeito oralidade, dependncia, busca de ateno materna e passividade excessiva (Sadock & Sadock, 2007), traos que podem ser verificados pela expresso de emoo e gratido da paciente durante as primeiras sesses, a ponto de, j no segundo atendimento, decidir morar sozinha aps o nascimento do beb, deciso ocorrida depois de alguns apontamentos feitos no primeiro atendimento psicolgico.

    Segundo Obstfeld, o diabtico se comporta, em seu distrbio metablico, como algum que, vtima de uma forma particular de melancolia, dissipa, esbanja o que mais necessita negando e representando um ato de submisso inconsciente (1997, p. 124).

    O autor afirma que, durante o processo teraputico, os diabticos demonstram uma submisso que causa incmodo ao terapeuta, pois este sente que, apesar de elogiarem frequentemente suas interpretaes, nunca ficam satisfeitos com elas. Isso ocorre porque o dio proveniente da insatisfao que o paciente reprime leva-o a uma tentativa de apaziguar o terapeuta atravs de elogios que causam enjoo.

    O quarto atendimento ilustra bem todo esse mecanismo de seduo que a paciente demonstrava transferencialmente. Como relatado anteriormente, nessa sesso, Elaine disse que a me e o irmo haviam conseguido trabalho, que havia terminado seu namoro sem amor e que o atendimento psicolgico estava lhe proporcionando uma possibilidade de desabrochar para a vida, ou seja, Elaine pretendia inconscientemente mostrar o quanto tinha amadurecido, amadurecimento ilusrio, preciso salientar, e tudo isso graas ao da terapeuta.

    Outra observao importante com relao ao modo de funcionamento mental do diabtico refere-se sobreproteo aos seres do seu convvio, consequncia de uma projeo, no outro, do necessitado, do pobre, do miservel, enquanto o sujeito se pseudoidentifica com o objeto rico e recordado (Obstfeld, 1997).

    Aqui cabem dois comentrios. No que diz respeito sobreproteo, observamos, no caso de Elaine, um exemplo evidente desse tipo de comportamento. A paciente se sacrificava pela famlia, sustentava a todos com seu salrio sem receber, segundo ela, nenhum reconhecimento, chegando por vezes a ser agredida fisicamente pela irm sem ter revidado, ou seja, projetava no outro a imagem do necessitado. Os comportamentos citados vo ao encontro das ideias de Obstfeld (1997), quando afirma que essa sobreproteo demonstrada sob a forma de atos de sacrifcio e culpa que, na realidade, escondem uma hostilidade reprimida.

    C o m r e l a o a o m e c a n i s m o d e pseudoidentificao, podemos refletir a respeito da funo do trabalho de domstica na vida de Elaine. claro que no devemos deixar de lado a questo social e educacional envolvida na escolha dessa profisso, j que a paciente possua baixa escolaridade (no concluiu o ensino mdio) e, por esse motivo, restavam-lhe poucas possibilidades de escolha por outro tipo de trabalho. Entretanto, sabido que, na profisso de domstica, a paciente convivia com pessoas de nvel social e educacional superior ao seu, o que poderia favorecer uma pseudoidentificao com o objeto rico (Obstfeld, 1997), entendendo-se rico no sentido geral do termo.

    Fatores como a hereditariedade e a histria familiar so importantes na ecloso do diabetes; todavia, sentimentos como frustrao, solido e desnimo, produtos de um stress emocional, podem desencade-

    Segundo Obstfeld, o

    diabtico se comporta, em

    seu distrbio metablico,

    como algum que, vtima de

    uma forma particular de melancolia,

    dissipa, esbanja o que mais

    necessita negando e

    representando um ato de submisso

    inconsciente (1997, p. 124).

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    la. Alm disso, quando deprimido ou desanimado, o diabtico pode comer ou beber excessiva e autodestrutivamente, em especial os pacientes com diabetes juvenil ou do tipo 1 (Sadock & Sadock, 2007). Lembramos que o diagnstico de diabetes da paciente estudada se deu quando esta contava 16 anos de idade, e que o encaminhamento ao servio de Psicologia ocorreu pelo fato de Elaine apresentar histrico de baixa adeso ao tratamento, dados que corroboram os apontamentos citados acima.

    Em conformidade com essa argumentao, Debray (1995) afirma que o funcionamento mental adequado do paciente permite um enfrentamento melhor da doena, enquanto um funcionamento mental perturbado pode desencadear complicaes precoces decorrentes desse desequilbrio.

    Podemos marcar da primeira quarta sesso como uma primeira fase, um momento em que a paciente, ao sentir-se acolhida, entregou-se na relao teraputica e, ao mesmo tempo, temendo perder esse afeto, reagiu transferencialmente como se tivesse que corresponder de alguma forma e oferecer terapeuta o que acreditava que esta gostaria de receber. Todos os conflitos trabalhados ao longo das sesses pareceram ter se resolvido rapidamente, reflexo da tentativa da paciente de seduzir a terapeuta, colocando-a como a responsvel por tamanho crescimento. Entretanto, ocorre uma ruptura brusca desse processo transferencial, quando a paciente vai embora sem esperar pelo atendimento psicolgico e em seguida o recusa explicitamente.

    Lembramos que essa recusa ocorreu aps o perodo de frias da terapeuta, perodo em que a paciente continuou frequentando o hospital para a consulta de pr-natal sem saber (e tambm sem procurar se informar) a razo de no estar recebendo atendimento

    psicolgico. Outro dado importante a se acrescentar diz respeito ao comportamento de Elaine frente terapeuta no momento da recusa. Quando chamada para atendimento, a paciente, que conversava com uma colega na sala de espera, levantou-se e imediatamente disse que no queria falar hoje. Enquanto caminhava em direo terapeuta, demonstrava um certo sorriso e olhar irnicos, que se mantiveram na sala de atendimento. Aps a tentativa frustrada por parte da terapeuta em compreender o motivo da recusa, Elaine foi liberada e retornou sala em que aguardava por atendimento mdico. Nos momentos em que a terapeuta passava pelo corredor da sala, a paciente, com o mesmo sorriso e olhar irnicos, parecia aumentar o tom da voz enquanto conversava com a colega ao lado.

    Esse comportamento de Elaine vai ao encontro das ideias de Obstfeld (1997), que afirma que reaes egostas e mesquinhas, assim como a fanfarrice, configuram traos de carter do diabtico, sendo que essas reaes na realidade atuam como defesas que escondem o sentimento de misria interior.

    Definimos as duas sesses (tanto a no esperada quanto a recusada) como uma segunda fase do processo teraputico. Reforando o que j foi discutido anteriormente, em um primeiro momento, a paciente reagiu como se tivesse encontrado na terapeuta um osis, algum com quem pudesse usufruir de uma plenitude inesgotvel, reao transferencial tpica do diabtico (Obstfeld, 1997).

    Entretanto, Obstfeld (1997) tambm caracteriza os diabticos como pessoas com necessidades exageradas de afeto que, por serem exageradas, nunca so satisfeitas. Em consequncia do afeto no satisfeito, surgem sentimentos de frustrao que se traduzem em reaes de hostilidade.

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    Foi o que verificamos nessa segunda fase do processo teraputico. A paciente, dotada de um trao de carter demasiadamente dependente de afeto, se depara com um dado concreto gerador de um sentimento de frustrao o abandono causado pela terapeuta (devido s frias). Dessa forma, a terapeuta, que at ento ocupava o lugar de objeto bom e acolhedor, de repente vista como um objeto mau, frustrador, o que refletido na reao de hostilidade por parte da paciente.

    Obstfeld (1997) faz um paralelo entre a sociedade de consumo e o carter diabtico. Segundo esse autor, um componente importante da sociedade de consumo a insatisfao do homem e a dificuldade para gozar o que adquire, levando-o a adquirir cada vez mais objetos, em uma busca ilusria de bem-estar. A aquisio desenfreada de objetos revela uma conduta manaca que encobre uma situao melanclica caracterizada por um sentimento de perda e de insatisfao permanentes.

    Para Obstfeld (1997), esse mecanismo produz um crculo vicioso que tende a ser substitudo rpida e continuamente, em uma atitude de esbanjamento que est a servio da busca ilusria de um gozo inatingvel.

    Foi o que verificamos no atendimento psicolgico, em que a paciente repetiu o mesmo mecanismo de esbanjamento e substituio de um objeto (no caso, a terapeuta) que no lhe servia mais.

    Consideraes finais

    A partir dos atendimentos psicolgicos realizados, pde-se constatar alguns mecanismos tpicos do diabtico, que se revelaram tanto atravs das observaes do modo de funcionamento nas relaes da paciente quanto de sua relao transferencial com a psicloga.

    Alguns dos mecanismos expostos neste trabalho, quando detectados no processo teraputico, no puderam ser trabalhados entre paciente e terapeuta, pois, como demonstrado neste artigo, houve uma ruptura brusca do atendimento psicolgico, que no pde ser restabelecido.

    Outros fatores podem tambm ter prejudicado o andamento da relao teraputica, como as dificuldades da paciente em lidar com seus conflitos, a contratransferncia por parte da terapeuta e mesmo a influncia do funcionamento institucional.

    Sobre a contratransferncia, possvel que a psicloga tenha se envolvido com a situao de sofrimento da paciente a ponto de aliment-la em suas fantasias inconscientes; quando frustrada, Elaine abdicou da parceria.

    Entretanto, importante salientar que no houve procura por atendimento psicolgico, visto que a paciente frequentava o hospital para o acompanhamento de pr-natal; o atendimento foi oferecido pela psicloga. Alm disso, fatos externos situao teraputica (como o perodo de frias da psicloga) somaram-se a questes internas da paciente, o que culminou com a ruptura do vnculo.

    Dessa forma, apesar das dificuldades enfrentadas ao longo do processo teraputico, acreditamos que este trabalho possa servir para ilustrar as vivncias de um atendimento psicolgico dentro de uma instituio hospitalar, salientando o mrito da paciente, que prosseguiu at onde suas defesas lhe permitiram.

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    Roselaine Fernanda Barbosa Aprimoramento/Especializao em Psicologia Hospitalar e Sade Reprodutiva Mulher, CAISM UNICAMP. Psicloga da Prefeitura Municipal de Campo Limpo Paulista, So Paulo SP Brasil.E-mail: [email protected]

    Cludia Aparecida Marchetti Duarte Mestrado em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. Professora de Atividade prtica da Faculdade de Jaguarina FAJPsicloga do Setor de Adolescente Prefeitura de Valinhos So Paulo, SP Brasil.E-mail: [email protected]

    Laise Potrio dos Santos Mestrado em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMPPsicloga da rea de Obstetrcia Hospital da Mulher Prof Dr Jos Aristodemo Pinotti- CAISM UNICAMP. Supervisora da Seo de Psicologia do CAISM UNICAMP, So Paulo SP Brasil.Email: [email protected], [email protected]

    Endereo para envio de correspondncia:Rua Diamantina, 252 Jardim Imperial, Atibaia So Paulo SP Brasil. CEP: 12970-070

    Recebido 25/1/2010, 1 Reformulao 5/12/2011, Aprovado 10/1/2012.

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