trabalho mestrado religioes populares

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO A UNIVERSALIZAÇÃO DA MENSAGEM DE JESUS A PARTIR DA VISITAÇÃO DOS MAGOS CONFORME NARRATIVA NO EVANGELHO DE MATEUS CAPÍTULO 2 DIALOGANDO COM O CAPÍTULO 28 DO MESMO

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A UNIVERSALIZAÇÃO DA MENSAGEM DE JESUS A PARTIR DA

VISITAÇÃO DOS MAGOS CONFORME NARRATIVA NO EVANGELHO DE

MATEUS CAPÍTULO 2 DIALOGANDO COM O CAPÍTULO 28 DO MESMO

EVANGELHO:UMA VISÃO PARTINDO DOS TEXTOS LIDOS EM SALA

CARLOS ALBERTO DA SILVA

São Bernardo do Campo — julho de 2014

2

CARLOS ALBERTO DA SILVA

A UNIVERSALIZAÇÃO DA MENSAGEM DE JESUS A PARTIR DA

VISITAÇÃO DOS MAGOS CONFORME NARRATIVA NO EVANGELHO DE

MATEUS CAPÍTULO 2 DIALOGANDO COM O CAPÍTULO 28 DO

MESMO EVANGELHO:

UMA VISÃO PARTINDO DOS TEXTOS LIDOS EM SALA

Trabalho apresentado para a

disciplina Estudos das

Linguagens Populares da Religião

- 2º semestre, no Programa de

Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Faculdade de

Humanidades e Direito da

Universidade Metodista de São

Paulo: Professor Doutor Helmut

Renders.

3

São Bernardo do Campo – julho de 2014

4

RESUMO

O presente ensaio tem como objetivo principal relacionar os

temas trabalhados em sala de aula na disciplina Estudos das

Linguagens Populares da Religião com o objeto da minha pesquisa no

Programa de Pós-Graduação em nível de Mestrado.

A religiosidade popular, principalmente a brasileira, foi o

tema principal abordado durante as aulas nesta disciplina e foi de

suma importância na minha formação acadêmica uma vez que meu

objeto de pesquisa, que trata da visitação dos magos ao menino

Jesus conforme registrado na perícope de Mateus 2.1-12, faz parte

dessa religiosidade popular se expressando na forma do “presépio”.

Palavras chave: magos – presépio – mitos - fenomenologia - ritos

ABSTRACT

This essay aims to relate the themes discussed in class in

the discipline of Popular Languages Studies of Religion with the

object of my research in the Post-Graduate level Master.

Popular religiosity, mainly Brazilian, was the main focus

during lessons and this discipline was paramount in my education

5

since my object of research, which deals with the visitation of

the Magi to the infant Jesus as recorded in the passage of

Matthew 2.1-12, is part of this popular religiosity expressed in

the form of "crib".

Keywords: Magi - crib - myths - phenomenology - rites

INTRODUÇÃO

A visitação dos magos ao menino Jesus conforme registrado

no evangelho de Mateus (2,1-12), faz parte do imaginário de

muitos cristão que “ritualizam” esse imaginário nos festejos

natalinos montando seus presépios nas casas, no comércio, no

trabalho e até mesmo nas igrejas sejam elas de perfil católico

romano ou protestante. Obviamente que não nos referimos apenas

ao protestantismo antigo, mas, também, ao protestantismo

pentecostal e neopentecostal.

Esse fenômeno que avança por mais de dois mil anos, ou

seja, a história da visitação dos magos ao menino Jesus absorveu

algumas características regionais com o passar do tempo e hoje

6

podemos ver presépios montados com “vacas”, “cachorros” animais,

esses, que o texto bíblico de Mateus não faz nenhuma referência

o que nos leva a acreditar na mudança, ou melhor, na

ressignificação do sagrado. Aliás essa abordagem sobre o sagrado

se ressignifica de tempos em tempos e o limiar entre o sagrado e

o profano por vezes é ultrapassado de lá para cá e vice-versa

sem darmos conta de que ultrapassamos a barreira do sagrado para

o profano ou transformamos o que era sagrado em profano sem

darmos conta dessa “barbárie”.

Por fim o mito da visitação dos magos ao menino Jesus é

revestido de personagens que avançaram no imaginário religioso

cristão fazendo, inclusive, parte de alguns textos apócrifos da

infância onde os magos são nomeados: Melquior, Baltasar e Gaspar.

Esses nomes aparecem no Evangelho Apócrifo Armênio da

Infância, do fim do século VI, no capítulo 5,10. O texto diz: “Um anjo do Senhor foi depressa ao país dos persas

para avisar aos reis magos e ordenar a eles de ir

e adorar o menino que acabara de nascer. Estes,

depois de ter caminhado durante nove meses, tendo

por guia a estrela, chegaram à meta exatamente

quando Maria tinha dado à luz. Precisa-se saber

que, naquele tempo, o reino persiano dominava

todos os reis do Oriente, por causa do seu poder e

das suas vitórias. Os reis magos eram 3 irmãos:

Melquior, que reinava sobre os persianos;

Baltasar, que era rei dos indianos, e Gaspar, que

dominava no país dos árabes”

7

1. A Religiosidade Popular a partir de Paulo Guenter

Suess

Uma das muitas leituras que fizemos durante o semestre na

disciplina Estudos das Linguagens Populares da Religião foi o

livro Catolicismo Popular no Brasil: Tipologia e Estratégia de uma

religiosidade vivida de Paulo Guenter Suess1. Esse texto trouxe

aos discentes uma visão da religiosidade popular entre as décadas

de 1970 e 1980.

A obra está dividida em quatro partes (capítulos) onde o

autor trabalha: Na 1ª parte: Ambientação ao tema; 2ª parte: Sobre

a tipologia do Catolicismo Brasileiro – Exposição e Crítica; 3ª

parte: Tipologia do Catolicismo Popular Brasileiro e na 4ª parte:

Pastoral Popular.

Na 1ª parte, partindo da discussão europeia dos problemas

Igreja popular, Igreja comunitária, Igreja e o povo, o autor quer1 Nasceu na Alemanha. Possui graduação em Teologia pela Universidade deMuenchen (1964) e doutorado em Teologia Fundamental pela WestfaelischeWilhelms - Universitaet Muenster (1977) com um trabalho sobre Catolicismopopular no Brasil. Em 1987 fundou o curso de Pós-Graduação emMissiologia, na Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em SãoPaulo, onde foi coordenador até o fim de 2001. Recebeu o título de Doutorhonoris causa, das Universidades de Bamberg (Alemanha, 1993) e Frankfurt(2004). É assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi  eprofessor no ciclo de pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológicode São Paulo – ITESP.

8

dar uma “determinação provisória da localização” do catolicismo

popular latino-americano e, mais especificamente, do brasileiro.

Na 2ª parte, o autor quer atender a todas aquelas tentativas de

interpretação que estudaram o complexo de problemas “catolicismo

popular no Brasil” introduzindo um diálogo interdisciplinar. Na 3ª

parte, o autor trabalha a seguinte questão: Quais as estruturas

incônscias que formam a base dos dados do catolicismo popular? Uma

tipologia das estruturas mentais do catolicismo popular poderia

tonar-se uma tipologia do catolicismo popular com a maior nitidez

possível de profundidade? Já, na 4ª parte, busca-se uma

articulação estratégica de valorização do catolicismo popular sob

o verbete de uma pastoral popular.

Na perspectiva do autor O “catolicismo popular” está no

centro das discussões sobre o tema Religiosidade Popular não só no

Brasil, na América Latina ou no hemisfério sul, mas no mundo todo.

O problema da cultura popular surge apenas no que chamamos de

“círculos cultos” que, vendo com surpresa que a fizeram

desaparecer, agora querem salvar as suas últimas ruínas. Isso

significa que questões sobre Igreja popular e catolicismo popular

nunca foram perguntas do próprio povo, mas refletem problemas da

Igreja oficial como “problemas pastorais”.

O “desaparecimento do objeto”, que foi introduzido pelo

“desencantamento” do mundo e a secularização, se caracteriza no

Brasil pelo crescimento das religiões afro-brasileiras

sincretistas, exprimindo-se no hemisfério norte pela falta de

participação crescente do povo na Igreja. O autor deixa claro que,

na sua visão européia, quando uma pessoa religiosa do hemisfério

norte se desencanta com a religião ou com a igreja ela deixa de ir

9

à igreja, ou seja, não se vincula a nenhuma outra religião, apenas

deixa de ir à igreja. Já, no Brasil, quando uma pessoa religiosa

se desencanta com a religião ou com a igreja ela se vincula às

religiões afro-brasileiras sincretistas o que, para o autor,

justificaria o crescimento das religiões afro-brasileiras, mais

precisamente o Candomblé e a Umbanda, entre as décadas de 1970 e

1980.

Os “adaptados às estações” são aqueles(as) católicos(as) dos

dias de festa saídos do meio do povo cuja prática religiosa se

reduz aos “tempos santos”. Formam, portanto, o seu catolicismo

popular, chamando o autor a atenção para a origem do conceito

catolicismo popular da América Latina. Outras afirmações adotadas

pelo autor foram trazidas à tona pelo dominicano S. Bonnet:2 1- Há

uma pertença à Igreja que é duradoura e respeitável, também se não

sempre corresponde aos critérios canônicos. 2- O campo do

catolicismo popular deve ser ampliado. Não se trata só da prática

de sacramentos devem ser incluídos no debate, também, santuários,

romarias e festas de estações do ano. 3- Só se pode construir o

“homem espiritual”, se se parte dos seus gestos humanos e

religiosos. 4- A purificação necessária de gestos religiosos ainda

não leva a uma dimensão “ evangélica”. 5- No catolicismo popular,

encontram-se valores humanos que estão mais perto do Evangelho do

que é de conjeturar, partindo de gestos religiosos observados de

“fora”. O sentido da religiosidade popular unido à cultura traz o

problema de um código intercultural que possa ser traduzido para

as diversas culturas particulares.

2 BONNET, S. À hue et à dia – lês avatars du cléricalisme sous la vê republique, Paris 1974, 2ª ed.

10

O povo é visto como “gente simples” que pode ser

diagnosticada em todo o mundo, vivendo marginalizada não só social

e política, mas também eclesiologicamente. A igreja e o povo não

devem ser separados. Isso aconteceu de fato levando a um “cisma

secreto”. Para que “gente simples” possa tornar povo de Deus é

necessário que receba uma nova qualidade como sujeito da Igreja,

mas isso, inevitavelmente, perpassa pela ortodoxia da própria

Igreja. O medo desse fenômeno “gente simples como povo de Deus” se

alicerça em: Da Igreja para com o povo: 1- medo da vulgarização da

teologia; 2- fobias dos teólogos de se contagiarem com o povo; 3-

a história de sofrimento de muitos povos.

Para a América Latina, deve-se partir, de modo puramente

empírico, do fato de que o catolicismo popular se move numa linha

média entre um assim chamado cristianismo “intensivo” de certas

“elites” e as massas descristianizadas. A pertença à Igreja mostra

diversas gradações, indo do catequista engajado até ao mero

simpatizante. Os sinais que exprimem a pertença à Igreja de

natureza católico-popular são: o batismo, a identificação de si

mesmo como “católico”, uma identificação global da fé católica,

já, os sinais visíveis de natureza devocional no catolicismo

popular, na maioria das vezes, tem caráter sacramental.

O catolicismo popular na América Latina é uma categoria

cultural na qual o “santo”, “o sentimento” e o “mito” têm um papel

importante. O encontro do Evangelho com a alma do povo se dá na

comunidade local na qual se completam mutuamente o catolicismo

popular e a comunidade de base. Esse catolicismo, o autor divide

como:

11

1) Catolicismo formal: pertencem aqueles que têm

conhecimento da fé. O desejo da salvação é objetivado na recepção

frequente dos sacramentos, enquanto no catolicismo popular se

salienta mais o apreço dos sacramentos;

2) Catolicismo nominal: o católico nominal se considera

independente quanto a certas prescrições de ação e quanto a

doutrinas da Igreja. É o católico por rotina e tradição. Imagens

de e crucifixo em edifícios públicos devem ser vistos nesse plano;

3) Catolicismo popular: está na vizinhança do folclore. Aqui

encontramos elementos católicos que estão misturados com práticas

populares e sincretistas. É o catolicismo de festas com suas

procissões, festas de santos e devoções aos santos. Estes são

invocados como poderes do outro mundo. Em oposição ao catolicismo

formal, aqui tampouco tem qualquer papel de obrigações éticas e

rituais. Tem uma função terapêutica; se dispõe dos orixás e das

almas dos defuntos que são evocados em sessões de espiritismo ou

espontaneamente. Devotos vivos são promovidos a santos ou beatos e

a fé na sua força faz milagres e prodígios.

Já com relação aos “catolicismos” brasileiros o autor define

como catolicismo oficial aquele “tipo” que é ideal quanto à sua

doutrina (sistema cognitivo), o seu culto (sistema expressivo) e

as suas normas (sistema normativo).

A diferença essencial entre catolicismo oficial e

catolicismo popular não fica no plano de ritos divergentes ou

comportamento diverso tampouco no reconhecimento da autoridade

eclesiástica (quando não há autoridade não é religião, mas seita).

A diferença está, antes, na compreensão do papel da autoridade

eclesiástica, no modo do exercício do seu poder e da sua presença;

12

de modo correspondente também deve ser vista na compreensão do

papel do povo como sujeito ou objeto.

2. O sagrado no cristianismo – O Nascimento do Messias

A narrativa de Mateus com relação à visitação dos magoa ao

menino Jesus é épica. Nela os magos, quando chegaram em Jerusalém,

primeiro de tudo, visitaram Herodes, o rei romano da Judéia, e

perguntaram quem era o rei que tinha nascido, pois tinham visto

aparecer a “sua estrela”. Herodes, claramente não conhecia a

profecia do Antigo Testamento (Miquéias 5) e perguntou aos seus

sábios sobre o lugar onde deveria nascer o Messias. Tendo sabido

que o lugar era Belém, mandou-lhes àquela cidade, pedindo-lhes que

referissem a ele o lugar exato onde encontrar o menino, para que

“também ele pudesse adorá-lo”.

Guiados pela estrela, os magos chegaram a Belém, que fica a

cerca de 10 quilômetros de Jerusalém. Já diante do Menino,

ofereceram-lhe, como presente, ouro, incenso e mirra. Tendo sido

avisados, em sonho, para não dizer nada a Herodes, voltaram para

suas terras por uma outra estrada. Tendo descoberto o engano, o

rei Herodes mandou matar todas as crianças de Belém que tivessem

menos de dois anos.

O ponto de partida, para nós, é a percepção de que, para o

autor do evangelho, Jesus que foi rejeitado pelo poder constituído

13

na Palestina, é acolhido por pessoas consideradas impuras. Os

magos, sendo gentios (e magos) nos códigos de honra e vergonha,

pureza e impureza, estavam à margem da conduta religiosa, social e

política dos judeus uma vez que a quebra de uma dessas condutas

provocava a quebra de um padrão social que funcionava como coesão

e equilíbrio do grupo. Portanto, a mensagem do Menino, segundo

Mateus, é universal, destinada a todas as etnias.

No final do ano de 2013 visitei uma congregação das

Assembléia de Deu e quase não acreditei no que estava vendo.

Próximo da cadeira do pastor no púlpito uma árvore de natal

toda enfeitada com tudo o que uma árvore natalina tem direito.

Isso há 25 anos atrás quando me converti nas Assembléia de Deus

era algo inimaginável, impossível de acontecer por entenderem

tratar-se de algo profano, impuro e totalmente descabido.

O que aconteceu? Deus mudou Suas ações para com o espaço

sagrado ou as pessoas foram se moldando com o passar do tempo

e, conseqüentemente, reclassificando os símbolos que transitam

do puro para o impuro e vice-versa? Obviamente que Deus não

mudou.

Segundo a Tábua de Esmeralda3 o Egito é o espelho do Céu,

portanto era comum no Egito Antigo associarem o nascimento de um

rei ao aparecimento de uma nova estrela e vice-versa. Os magos,

3 FACURU, Cintia Prates. De Thot a Hermes Trismegisto: O Egito Antigo e oHermetismo Árabe. Disponível em: < http://www.nea.uerj.br/nearco/arquivos/n%FAmero10/3.pdf>. Acesso em 23 de maio de 2013. A Tábua de Esmeralda é tida como sendo o texto mais antigo dos textosherméticos, muito mais velho do que um texto chamado Corpus Hermeticum que,atualmente foi datado como sendo escrito nos primeiros séculos da EraCristã.

14

então, seriam homens conhecedores dessa prática egípcia de

vincular fatos celestes com fatos terrenos?

Muitas especulações envolvem o nascimento do menino Jesus.

Para Antonio Piñero4 muitos detalhes da história de Jesus foram

desconsiderados pela Bíblia como o fato de a união dos pais de

Jesus não ter sido um casamento tradicional, já que Maria, com

doze anos e órfã, teria ficado sob a custódia de José, depois de

uma inusitada seleção entre os viúvos da região (Isaías,11,1 e

Nascimento de Maria,7,4). José, já com idade avançada, viúvo há

alguns anos e com seis filhos, a princípio não teria aceitado bem

o encargo (Evangelho armênio da infância, 4,4-7).

Mesmo diante de ima imagem sagrada para os cristãos esse evento

envolvendo o nascimento do Messias perpassa não só pela Teologia, mas

por outras ciências. Aliás são ciências muito mal vistas por cristão

conservadores. Segundo Leonardo Boff5, além das ciências que, já, citamos

o evento “visitação dos magos ao menino Jesus” perpassa pela Astrologia e

Astronomia:

4 PIÑERO, Antônio. O outro Jesus segundo os evangelhos apócrifos. São Paulo: EditoraPaulus, 2002. Disponível em: < http://www.paulus.com.br/o-outro-jesus-segundo-os-evangelhos-apocrifos_p_875.html>. Acesso em: 25 de maio de 2013.

5 Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o RioGrande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários esecundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia emCuritiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofiana Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos FradesMenores, franciscanos, em 1959. Durante 22 anos, foi professor de TeologiaSistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano.Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo euniversidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nasuniversidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA),Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha). Disponível em: <http://www.leonardoboff.com/site/bio/bio.htm> acessado em 20 de dezembro de2013

15

Naquele tempo astronomia e astrologia caminhavamjuntas. Certo dia, estes sábios descobriram umaestranha conjunção de Júpiter com Saturno que seaproximaram de tal forma que pareciam uma únicagrande estrela, na constelação de Peixes. O grandeastrônomo Kepler (+1630) fez cálculos astronômicos emostrou efetivamente que no ano 6 antes de Cristo(data do nascimento de Cristo pelo calendáriocorrigido) ocorreu tal conjunção.Para os sábios,este fato possuia grande signficação. Júpiter, naleitura astronômica da época, era o símbolo doSenhor do mundo. Saturno era a estrela do povojudeu. E a constelação de Peixes era o sinal do fimdos tempos. Os sábios babilônicos assiminterpretaram: no povo judeu (Saturno) nascerá oSenhor do mundo (Júpiter) sinalizando o fim dostempos (Peixes). Então se puseram a caminho paraprestar-lhe homenagem.6

Não são poucas as histórias que associam fenômenos celestes com o

nascimento de figuras importantes. Como já dissemos a Tábua de Esmeralda

já trazia o conceito de que “O Egito é o espelho de Céu. Segundo CARTER7

Plínio registra que a crença popular compreendia que uma estrela

clareava quando uma pessoa nascia e se escurecia quando essa pessoa

morria. Virgílio, por exemplo, registrou que uma estrela guiou Enéias ao

local onde Roma deveria ser erguida. Flávio Josefo relaciona a

destruição de Jerusalém em 70 d.C. com um cometa e uma estrela que

aparecera no céu. Já os magos, para o autor, observaram o que qualquer

um poderia ter observado:

“Mesmo assim, os magos são demasiado atentos para

adverti-los (nenhum outro o fez), demasiado

motivados para viajar certa distância a fim de

6 Disponível em: < http://leonardoboff.wordpress.com/2012/01/05/em-busca-de-uma-sintese-integradora-os-tres-reis-magos/> acessado em 20 de dezembro de2013

7 CARTER, Warren. O Evangelho de São Mateus: Comentário sociopolítico ereligioso a partir das margens; tradução de Walter Lisboa. - São Paulo :Paulus, 2002 - (Grande comentário bíblico), pp.110-112

16

identificar a pessoa especial a quem a estrela

testemunha, demasiado astutos para saber que a

estrela confirma um novo rei, e demasiado

perspicazes para saber que o culto é a resposta

apropriada(...)”

Esse evento bíblico que anunciou a chegada do Messias ou do Cristo

atravessou o imaginário popular por mais de dois mil anos e, mesmo

diante da pós-modernidade onde o tempo passado não nos interessa, o

futuro ainda é incerto e o presente deve ser vivido intensamente ainda

preenche a religiosidade de muitos cristãos e cristãs nos festejos

natalinos. Mesmo nesse cenário de pós-modernidade que, também, se

caracteriza pela perda do significado do espaço e criação de tantos

“não- lugares” sem valor emotivo atingindo, inclusive, os espaços

sagrados das igrejas, os presépios, ainda, encontram espaços nos

lares de muitos cristãos e cristãs principalmente com vínculos com o

catolicismo romano.

3. Sagrado ou sacralizado? Os magos e o menino Jesus

Muitos textos bíblicos tanto no Antigo Testamento quanto no

Novo Testamento são frutos de mitos criados pelo judaísmo e,

posteriormente, pelo cristianismo. Os textos mais antigos no Novo

Testamento, como sabemos, são as cartas e não os evangelhos motivo

pelo qual acreditamos que esse caráter mitológico nas narrativas

em torno do Messias foi se avolumando dentro das comunidades

primitivas (mateana, marcana, lucana e joanina) até porque a fé no

Libertador, no Mashiah ou Khristos (hebraico e grego, respectivamente)

17

se materializou, ou melhor, tomou corpo com Sua morte e

ressurreição, respectivamente.

Entendemos, diante dos textos estudados, que a diferença

entre o sagrado e o sacralizado permassa pela “vontade” das

pessoas ou de uma comunidade lembrando que essa vontade é uma

particularidade e não uma repetição, ou seja, isso é intrínseco à

cada pessoa ou comunidade e não um fenômeno repetitivo que vai se

alastrando de uma comunidade para outra. Às vezes um símbolo se

torna sagrado para uma comunidade e pela “dominação” bélica, como

foi o caso no período dos descobrimentos, principalmente na

América Latina, torna-se sagrado, também, para outra comunidade,

mas pela imposição e não pelo mito.

O imaginário popular da visitação dos magos ao menino Jesus

sofreu inúmeras modificações com o passar do tempo, mas não perdeu

seu caráter sagrado. Não se trata, aqui, de um símbolo sacralizado

pelas comunidades ou pela igreja primitiva e sim um evento sagrado

que trata do nascimento do Messias conforme a profecia de Miquéias

5:1Reúna suas tropas, ó cidade das tropas, pois há um

cerco contra nós. O líder de Israel será ferido na

face, com uma vara. 2"Mas tu, Belém-Efrata, embora

sejas pequena entre os clãs de Judá, de ti virá

para mim aquele que será o governante sobre

Israel. Suas origens estão no passado distante, em

tempos antigos. " 3Por isso os israelitas serão

abandonados até que dê à luz a que está em

trabalho de parto. Então o restante dos irmãos do

18

governante voltarão para unir-se aos israelitas.4Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do

Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu

Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza

dele alcançará os confins da terra. 5Ele será a sua

paz. Quando os assírios invadirem a nossa terra e

marcharem sobre as nossas fortalezas, levantaremos

contra eles sete pastores, até oito líderes

escolhidos. 6Eles pastorearão a Assíria com a

espada, e a terra de Ninrode com a espada

empunhada. Eles nos livrarão quando os assírios

invadirem a nossa terra, e entrarem por nossas

fronteiras. 7O remanescente de Jacó estará no meio

de muitos povos como orvalho da parte do Senhor,

como aguaceiro sobre a relva; não porá sua

esperança no homem nem dependerá dos seres

humanos. 8O remanescente de Jacó estará entre as

nações, no meio de muitos povos, como um leão

entre os animais da floresta, como um leão forte

entre rebanhos de ovelhas, leão que, quando ataca,

destroça e mutila a presa, sem que ninguém a possa

livrar. 9Sua mão se levantará contra os seus

adversários, e todos os seus inimigos serão

destruídos. 10"Naquele dia", declara o Senhor,

"matarei os seus cavalos e destruirei os seus

carros de guerra. 11Destruirei também as cidades da

sua terra e arrasarei todas as suas fortalezas.12Acabarei com a sua feitiçaria, e vocês não farão

mais adivinhações. 13Destruirei as suas imagens

19

esculpidas e as suas colunas sagradas; vocês não

se curvarão mais diante da obra de suas mãos.14Desarraigarei do meio de vocês os seus postes

sagrados e derrubarei os seus ídolos. 15Com ira e

indignação me vingarei das nações que não me

obedeceram."8

Essa profecia aliada ao fato de que magos do oriente se

deslocaram até a presença daquela criança do intuito de adorá-la

inclusive lhe oferecendo presentes como ouro, incenso e mirra

elevou a categoria da criança de recém-nascida para rei, sacerdote

e profeta levando-se em consideração os presentes que lhe foram

entregues. Com certeza tudo que envolve o Messias, desde seu

nascimento até sua morte e ressurreição, foram elevados ao patamar

de “sagrado”. Isso aconteceu – guardada as devidas proporções -

também, com todos os discípulos gerando uma verdadeira corrida

pelas relíquias.

Como, então, descobrir o que sempre foi sagrado ou o que foi

sacralizado pelas comunidades com o passar do tempo? Talvez não

cheguemos à nenhuma resposta, mas uma coisa é certa: O evento

envolvendo o nascimento do Messias e a visitação dos magos sempre

fez e sempre fará parte do imaginário sagrado das comunidades uma

vez que temos a descrição não somente daquilo que apareceu ou

pareceu, mas daquilo que se manifestou (epifania).

8 Bíblia Eletrônica Nova Versão Internacional - disponível em <http://www.bibliaonline.com.br/acf/mq/5> - acessado em 27 de dezembro de 2013

20

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do princípio da fenomenologia talvez podemos

explicar como esse evento atravessou séculos e séculos uma vez

que ali, nos textos bíblicos, temos, como já dissemos, a

descrição não somente daquilo que apareceu ou pareceu, mas

daquilo que se manifestou (epifania).

A religião é, por si só, um conjunto de manifestações,

práticas, mitos e símbolos que a diferencia de outros objetos de

estudo justamente pela participação ativa do ser humano com suas

vontades, crenças, medos e desejos e é por isso que pretendemos

reduzir os preceitos e preconceitos

A aceleração do tempo onde tudo tem prazo de validade e

que se expira rapidamente o Deus do “ainda não” já não tem mais

espaço. O que temos presenciado nos dias de hoje são igrejas

surgindo dia após dia com promessas de que Deus vai fazer

exatamente o que você quer ou precisa, mas com um detalhe: desde

que o líder religioso interceda em seu favor.

Já não há mais espaço para o “esperar em Deus”, caminhar

no deserto por 40 anos, ficar escravo no Egito por mais de 400

anos ou o esperar em Jerusalém até que do alto sejais revestidos

21

de poder. A pós-modernidade não quer o maná quer o “fast food”

de Deus.

O nascimento de Jesus é, sem dúvida, o cumprimento das

promessas de Deus através de Sua própria encarnação, ou seja,

Jesus é o próprio Deus encarnado e o nosso objeto de pesquisa

perpassa por essa promessa, por esse fenômeno que mesmo depois de

tanto tempo ainda fascina o imaginário de muita gente haja vista

os presentes que os magos levaram para presentear o pobre menino

nascido em uma manjedoura: ouro, incenso e mirra reconhecendo Sua

realeza, Seu sacerdócio e Sua humanidade já que a mirra era

utilizada na preparação do funeral, ou seja, Jesus iria morrer.

Esse símbolo do nascimento do Messias e a adoração

dispensada pelos magos representados nos dias atuais pelo presépio

assumiu definitivamente seu espaço no ambiente sagrado de muitas

igrejas, nos lares e no comércio. Alguém pode perguntar se é

possível ter um espaço sagrado em casa ou no comércio,

principalmente, no comércio já que no Antigo Testamento os espaços

sagrados (antes do período templário) eram nas tendas? Essa

ambiguidade entre puro e impuro, sagrado e profano é que causa

esse movimento que tanto mexe com o imaginário dos religiosos e

aguça muitos pesquisadores das Ciências da Religião.

22

Bibliografia

23

SUESS, Paulo. Catolicismo Popular no Brasil: Tipologia e Estratégia de

uma religiosidade vivida. São Paulo: Edições Loyola, 1978.

Arquivos Eletrônicos

Bíblia Eletrônica Nova Versão Internacional - disponível em <http://www.bibliaonline.com.br/acf/mq/5> - acessado em 14 de julho de 2014

24