trabalho mestrado religioes populares
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A UNIVERSALIZAÇÃO DA MENSAGEM DE JESUS A PARTIR DA
VISITAÇÃO DOS MAGOS CONFORME NARRATIVA NO EVANGELHO DE
MATEUS CAPÍTULO 2 DIALOGANDO COM O CAPÍTULO 28 DO MESMO
EVANGELHO:UMA VISÃO PARTINDO DOS TEXTOS LIDOS EM SALA
CARLOS ALBERTO DA SILVA
São Bernardo do Campo — julho de 2014
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CARLOS ALBERTO DA SILVA
A UNIVERSALIZAÇÃO DA MENSAGEM DE JESUS A PARTIR DA
VISITAÇÃO DOS MAGOS CONFORME NARRATIVA NO EVANGELHO DE
MATEUS CAPÍTULO 2 DIALOGANDO COM O CAPÍTULO 28 DO
MESMO EVANGELHO:
UMA VISÃO PARTINDO DOS TEXTOS LIDOS EM SALA
Trabalho apresentado para a
disciplina Estudos das
Linguagens Populares da Religião
- 2º semestre, no Programa de
Pós-Graduação em Ciências da
Religião da Faculdade de
Humanidades e Direito da
Universidade Metodista de São
Paulo: Professor Doutor Helmut
Renders.
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RESUMO
O presente ensaio tem como objetivo principal relacionar os
temas trabalhados em sala de aula na disciplina Estudos das
Linguagens Populares da Religião com o objeto da minha pesquisa no
Programa de Pós-Graduação em nível de Mestrado.
A religiosidade popular, principalmente a brasileira, foi o
tema principal abordado durante as aulas nesta disciplina e foi de
suma importância na minha formação acadêmica uma vez que meu
objeto de pesquisa, que trata da visitação dos magos ao menino
Jesus conforme registrado na perícope de Mateus 2.1-12, faz parte
dessa religiosidade popular se expressando na forma do “presépio”.
Palavras chave: magos – presépio – mitos - fenomenologia - ritos
ABSTRACT
This essay aims to relate the themes discussed in class in
the discipline of Popular Languages Studies of Religion with the
object of my research in the Post-Graduate level Master.
Popular religiosity, mainly Brazilian, was the main focus
during lessons and this discipline was paramount in my education
5
since my object of research, which deals with the visitation of
the Magi to the infant Jesus as recorded in the passage of
Matthew 2.1-12, is part of this popular religiosity expressed in
the form of "crib".
Keywords: Magi - crib - myths - phenomenology - rites
INTRODUÇÃO
A visitação dos magos ao menino Jesus conforme registrado
no evangelho de Mateus (2,1-12), faz parte do imaginário de
muitos cristão que “ritualizam” esse imaginário nos festejos
natalinos montando seus presépios nas casas, no comércio, no
trabalho e até mesmo nas igrejas sejam elas de perfil católico
romano ou protestante. Obviamente que não nos referimos apenas
ao protestantismo antigo, mas, também, ao protestantismo
pentecostal e neopentecostal.
Esse fenômeno que avança por mais de dois mil anos, ou
seja, a história da visitação dos magos ao menino Jesus absorveu
algumas características regionais com o passar do tempo e hoje
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podemos ver presépios montados com “vacas”, “cachorros” animais,
esses, que o texto bíblico de Mateus não faz nenhuma referência
o que nos leva a acreditar na mudança, ou melhor, na
ressignificação do sagrado. Aliás essa abordagem sobre o sagrado
se ressignifica de tempos em tempos e o limiar entre o sagrado e
o profano por vezes é ultrapassado de lá para cá e vice-versa
sem darmos conta de que ultrapassamos a barreira do sagrado para
o profano ou transformamos o que era sagrado em profano sem
darmos conta dessa “barbárie”.
Por fim o mito da visitação dos magos ao menino Jesus é
revestido de personagens que avançaram no imaginário religioso
cristão fazendo, inclusive, parte de alguns textos apócrifos da
infância onde os magos são nomeados: Melquior, Baltasar e Gaspar.
Esses nomes aparecem no Evangelho Apócrifo Armênio da
Infância, do fim do século VI, no capítulo 5,10. O texto diz: “Um anjo do Senhor foi depressa ao país dos persas
para avisar aos reis magos e ordenar a eles de ir
e adorar o menino que acabara de nascer. Estes,
depois de ter caminhado durante nove meses, tendo
por guia a estrela, chegaram à meta exatamente
quando Maria tinha dado à luz. Precisa-se saber
que, naquele tempo, o reino persiano dominava
todos os reis do Oriente, por causa do seu poder e
das suas vitórias. Os reis magos eram 3 irmãos:
Melquior, que reinava sobre os persianos;
Baltasar, que era rei dos indianos, e Gaspar, que
dominava no país dos árabes”
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1. A Religiosidade Popular a partir de Paulo Guenter
Suess
Uma das muitas leituras que fizemos durante o semestre na
disciplina Estudos das Linguagens Populares da Religião foi o
livro Catolicismo Popular no Brasil: Tipologia e Estratégia de uma
religiosidade vivida de Paulo Guenter Suess1. Esse texto trouxe
aos discentes uma visão da religiosidade popular entre as décadas
de 1970 e 1980.
A obra está dividida em quatro partes (capítulos) onde o
autor trabalha: Na 1ª parte: Ambientação ao tema; 2ª parte: Sobre
a tipologia do Catolicismo Brasileiro – Exposição e Crítica; 3ª
parte: Tipologia do Catolicismo Popular Brasileiro e na 4ª parte:
Pastoral Popular.
Na 1ª parte, partindo da discussão europeia dos problemas
Igreja popular, Igreja comunitária, Igreja e o povo, o autor quer1 Nasceu na Alemanha. Possui graduação em Teologia pela Universidade deMuenchen (1964) e doutorado em Teologia Fundamental pela WestfaelischeWilhelms - Universitaet Muenster (1977) com um trabalho sobre Catolicismopopular no Brasil. Em 1987 fundou o curso de Pós-Graduação emMissiologia, na Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em SãoPaulo, onde foi coordenador até o fim de 2001. Recebeu o título de Doutorhonoris causa, das Universidades de Bamberg (Alemanha, 1993) e Frankfurt(2004). É assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi eprofessor no ciclo de pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológicode São Paulo – ITESP.
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dar uma “determinação provisória da localização” do catolicismo
popular latino-americano e, mais especificamente, do brasileiro.
Na 2ª parte, o autor quer atender a todas aquelas tentativas de
interpretação que estudaram o complexo de problemas “catolicismo
popular no Brasil” introduzindo um diálogo interdisciplinar. Na 3ª
parte, o autor trabalha a seguinte questão: Quais as estruturas
incônscias que formam a base dos dados do catolicismo popular? Uma
tipologia das estruturas mentais do catolicismo popular poderia
tonar-se uma tipologia do catolicismo popular com a maior nitidez
possível de profundidade? Já, na 4ª parte, busca-se uma
articulação estratégica de valorização do catolicismo popular sob
o verbete de uma pastoral popular.
Na perspectiva do autor O “catolicismo popular” está no
centro das discussões sobre o tema Religiosidade Popular não só no
Brasil, na América Latina ou no hemisfério sul, mas no mundo todo.
O problema da cultura popular surge apenas no que chamamos de
“círculos cultos” que, vendo com surpresa que a fizeram
desaparecer, agora querem salvar as suas últimas ruínas. Isso
significa que questões sobre Igreja popular e catolicismo popular
nunca foram perguntas do próprio povo, mas refletem problemas da
Igreja oficial como “problemas pastorais”.
O “desaparecimento do objeto”, que foi introduzido pelo
“desencantamento” do mundo e a secularização, se caracteriza no
Brasil pelo crescimento das religiões afro-brasileiras
sincretistas, exprimindo-se no hemisfério norte pela falta de
participação crescente do povo na Igreja. O autor deixa claro que,
na sua visão européia, quando uma pessoa religiosa do hemisfério
norte se desencanta com a religião ou com a igreja ela deixa de ir
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à igreja, ou seja, não se vincula a nenhuma outra religião, apenas
deixa de ir à igreja. Já, no Brasil, quando uma pessoa religiosa
se desencanta com a religião ou com a igreja ela se vincula às
religiões afro-brasileiras sincretistas o que, para o autor,
justificaria o crescimento das religiões afro-brasileiras, mais
precisamente o Candomblé e a Umbanda, entre as décadas de 1970 e
1980.
Os “adaptados às estações” são aqueles(as) católicos(as) dos
dias de festa saídos do meio do povo cuja prática religiosa se
reduz aos “tempos santos”. Formam, portanto, o seu catolicismo
popular, chamando o autor a atenção para a origem do conceito
catolicismo popular da América Latina. Outras afirmações adotadas
pelo autor foram trazidas à tona pelo dominicano S. Bonnet:2 1- Há
uma pertença à Igreja que é duradoura e respeitável, também se não
sempre corresponde aos critérios canônicos. 2- O campo do
catolicismo popular deve ser ampliado. Não se trata só da prática
de sacramentos devem ser incluídos no debate, também, santuários,
romarias e festas de estações do ano. 3- Só se pode construir o
“homem espiritual”, se se parte dos seus gestos humanos e
religiosos. 4- A purificação necessária de gestos religiosos ainda
não leva a uma dimensão “ evangélica”. 5- No catolicismo popular,
encontram-se valores humanos que estão mais perto do Evangelho do
que é de conjeturar, partindo de gestos religiosos observados de
“fora”. O sentido da religiosidade popular unido à cultura traz o
problema de um código intercultural que possa ser traduzido para
as diversas culturas particulares.
2 BONNET, S. À hue et à dia – lês avatars du cléricalisme sous la vê republique, Paris 1974, 2ª ed.
10
O povo é visto como “gente simples” que pode ser
diagnosticada em todo o mundo, vivendo marginalizada não só social
e política, mas também eclesiologicamente. A igreja e o povo não
devem ser separados. Isso aconteceu de fato levando a um “cisma
secreto”. Para que “gente simples” possa tornar povo de Deus é
necessário que receba uma nova qualidade como sujeito da Igreja,
mas isso, inevitavelmente, perpassa pela ortodoxia da própria
Igreja. O medo desse fenômeno “gente simples como povo de Deus” se
alicerça em: Da Igreja para com o povo: 1- medo da vulgarização da
teologia; 2- fobias dos teólogos de se contagiarem com o povo; 3-
a história de sofrimento de muitos povos.
Para a América Latina, deve-se partir, de modo puramente
empírico, do fato de que o catolicismo popular se move numa linha
média entre um assim chamado cristianismo “intensivo” de certas
“elites” e as massas descristianizadas. A pertença à Igreja mostra
diversas gradações, indo do catequista engajado até ao mero
simpatizante. Os sinais que exprimem a pertença à Igreja de
natureza católico-popular são: o batismo, a identificação de si
mesmo como “católico”, uma identificação global da fé católica,
já, os sinais visíveis de natureza devocional no catolicismo
popular, na maioria das vezes, tem caráter sacramental.
O catolicismo popular na América Latina é uma categoria
cultural na qual o “santo”, “o sentimento” e o “mito” têm um papel
importante. O encontro do Evangelho com a alma do povo se dá na
comunidade local na qual se completam mutuamente o catolicismo
popular e a comunidade de base. Esse catolicismo, o autor divide
como:
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1) Catolicismo formal: pertencem aqueles que têm
conhecimento da fé. O desejo da salvação é objetivado na recepção
frequente dos sacramentos, enquanto no catolicismo popular se
salienta mais o apreço dos sacramentos;
2) Catolicismo nominal: o católico nominal se considera
independente quanto a certas prescrições de ação e quanto a
doutrinas da Igreja. É o católico por rotina e tradição. Imagens
de e crucifixo em edifícios públicos devem ser vistos nesse plano;
3) Catolicismo popular: está na vizinhança do folclore. Aqui
encontramos elementos católicos que estão misturados com práticas
populares e sincretistas. É o catolicismo de festas com suas
procissões, festas de santos e devoções aos santos. Estes são
invocados como poderes do outro mundo. Em oposição ao catolicismo
formal, aqui tampouco tem qualquer papel de obrigações éticas e
rituais. Tem uma função terapêutica; se dispõe dos orixás e das
almas dos defuntos que são evocados em sessões de espiritismo ou
espontaneamente. Devotos vivos são promovidos a santos ou beatos e
a fé na sua força faz milagres e prodígios.
Já com relação aos “catolicismos” brasileiros o autor define
como catolicismo oficial aquele “tipo” que é ideal quanto à sua
doutrina (sistema cognitivo), o seu culto (sistema expressivo) e
as suas normas (sistema normativo).
A diferença essencial entre catolicismo oficial e
catolicismo popular não fica no plano de ritos divergentes ou
comportamento diverso tampouco no reconhecimento da autoridade
eclesiástica (quando não há autoridade não é religião, mas seita).
A diferença está, antes, na compreensão do papel da autoridade
eclesiástica, no modo do exercício do seu poder e da sua presença;
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de modo correspondente também deve ser vista na compreensão do
papel do povo como sujeito ou objeto.
2. O sagrado no cristianismo – O Nascimento do Messias
A narrativa de Mateus com relação à visitação dos magoa ao
menino Jesus é épica. Nela os magos, quando chegaram em Jerusalém,
primeiro de tudo, visitaram Herodes, o rei romano da Judéia, e
perguntaram quem era o rei que tinha nascido, pois tinham visto
aparecer a “sua estrela”. Herodes, claramente não conhecia a
profecia do Antigo Testamento (Miquéias 5) e perguntou aos seus
sábios sobre o lugar onde deveria nascer o Messias. Tendo sabido
que o lugar era Belém, mandou-lhes àquela cidade, pedindo-lhes que
referissem a ele o lugar exato onde encontrar o menino, para que
“também ele pudesse adorá-lo”.
Guiados pela estrela, os magos chegaram a Belém, que fica a
cerca de 10 quilômetros de Jerusalém. Já diante do Menino,
ofereceram-lhe, como presente, ouro, incenso e mirra. Tendo sido
avisados, em sonho, para não dizer nada a Herodes, voltaram para
suas terras por uma outra estrada. Tendo descoberto o engano, o
rei Herodes mandou matar todas as crianças de Belém que tivessem
menos de dois anos.
O ponto de partida, para nós, é a percepção de que, para o
autor do evangelho, Jesus que foi rejeitado pelo poder constituído
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na Palestina, é acolhido por pessoas consideradas impuras. Os
magos, sendo gentios (e magos) nos códigos de honra e vergonha,
pureza e impureza, estavam à margem da conduta religiosa, social e
política dos judeus uma vez que a quebra de uma dessas condutas
provocava a quebra de um padrão social que funcionava como coesão
e equilíbrio do grupo. Portanto, a mensagem do Menino, segundo
Mateus, é universal, destinada a todas as etnias.
No final do ano de 2013 visitei uma congregação das
Assembléia de Deu e quase não acreditei no que estava vendo.
Próximo da cadeira do pastor no púlpito uma árvore de natal
toda enfeitada com tudo o que uma árvore natalina tem direito.
Isso há 25 anos atrás quando me converti nas Assembléia de Deus
era algo inimaginável, impossível de acontecer por entenderem
tratar-se de algo profano, impuro e totalmente descabido.
O que aconteceu? Deus mudou Suas ações para com o espaço
sagrado ou as pessoas foram se moldando com o passar do tempo
e, conseqüentemente, reclassificando os símbolos que transitam
do puro para o impuro e vice-versa? Obviamente que Deus não
mudou.
Segundo a Tábua de Esmeralda3 o Egito é o espelho do Céu,
portanto era comum no Egito Antigo associarem o nascimento de um
rei ao aparecimento de uma nova estrela e vice-versa. Os magos,
3 FACURU, Cintia Prates. De Thot a Hermes Trismegisto: O Egito Antigo e oHermetismo Árabe. Disponível em: < http://www.nea.uerj.br/nearco/arquivos/n%FAmero10/3.pdf>. Acesso em 23 de maio de 2013. A Tábua de Esmeralda é tida como sendo o texto mais antigo dos textosherméticos, muito mais velho do que um texto chamado Corpus Hermeticum que,atualmente foi datado como sendo escrito nos primeiros séculos da EraCristã.
14
então, seriam homens conhecedores dessa prática egípcia de
vincular fatos celestes com fatos terrenos?
Muitas especulações envolvem o nascimento do menino Jesus.
Para Antonio Piñero4 muitos detalhes da história de Jesus foram
desconsiderados pela Bíblia como o fato de a união dos pais de
Jesus não ter sido um casamento tradicional, já que Maria, com
doze anos e órfã, teria ficado sob a custódia de José, depois de
uma inusitada seleção entre os viúvos da região (Isaías,11,1 e
Nascimento de Maria,7,4). José, já com idade avançada, viúvo há
alguns anos e com seis filhos, a princípio não teria aceitado bem
o encargo (Evangelho armênio da infância, 4,4-7).
Mesmo diante de ima imagem sagrada para os cristãos esse evento
envolvendo o nascimento do Messias perpassa não só pela Teologia, mas
por outras ciências. Aliás são ciências muito mal vistas por cristão
conservadores. Segundo Leonardo Boff5, além das ciências que, já, citamos
o evento “visitação dos magos ao menino Jesus” perpassa pela Astrologia e
Astronomia:
4 PIÑERO, Antônio. O outro Jesus segundo os evangelhos apócrifos. São Paulo: EditoraPaulus, 2002. Disponível em: < http://www.paulus.com.br/o-outro-jesus-segundo-os-evangelhos-apocrifos_p_875.html>. Acesso em: 25 de maio de 2013.
5 Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o RioGrande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários esecundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia emCuritiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofiana Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos FradesMenores, franciscanos, em 1959. Durante 22 anos, foi professor de TeologiaSistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano.Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo euniversidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nasuniversidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA),Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha). Disponível em: <http://www.leonardoboff.com/site/bio/bio.htm> acessado em 20 de dezembro de2013
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Naquele tempo astronomia e astrologia caminhavamjuntas. Certo dia, estes sábios descobriram umaestranha conjunção de Júpiter com Saturno que seaproximaram de tal forma que pareciam uma únicagrande estrela, na constelação de Peixes. O grandeastrônomo Kepler (+1630) fez cálculos astronômicos emostrou efetivamente que no ano 6 antes de Cristo(data do nascimento de Cristo pelo calendáriocorrigido) ocorreu tal conjunção.Para os sábios,este fato possuia grande signficação. Júpiter, naleitura astronômica da época, era o símbolo doSenhor do mundo. Saturno era a estrela do povojudeu. E a constelação de Peixes era o sinal do fimdos tempos. Os sábios babilônicos assiminterpretaram: no povo judeu (Saturno) nascerá oSenhor do mundo (Júpiter) sinalizando o fim dostempos (Peixes). Então se puseram a caminho paraprestar-lhe homenagem.6
Não são poucas as histórias que associam fenômenos celestes com o
nascimento de figuras importantes. Como já dissemos a Tábua de Esmeralda
já trazia o conceito de que “O Egito é o espelho de Céu. Segundo CARTER7
Plínio registra que a crença popular compreendia que uma estrela
clareava quando uma pessoa nascia e se escurecia quando essa pessoa
morria. Virgílio, por exemplo, registrou que uma estrela guiou Enéias ao
local onde Roma deveria ser erguida. Flávio Josefo relaciona a
destruição de Jerusalém em 70 d.C. com um cometa e uma estrela que
aparecera no céu. Já os magos, para o autor, observaram o que qualquer
um poderia ter observado:
“Mesmo assim, os magos são demasiado atentos para
adverti-los (nenhum outro o fez), demasiado
motivados para viajar certa distância a fim de
6 Disponível em: < http://leonardoboff.wordpress.com/2012/01/05/em-busca-de-uma-sintese-integradora-os-tres-reis-magos/> acessado em 20 de dezembro de2013
7 CARTER, Warren. O Evangelho de São Mateus: Comentário sociopolítico ereligioso a partir das margens; tradução de Walter Lisboa. - São Paulo :Paulus, 2002 - (Grande comentário bíblico), pp.110-112
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identificar a pessoa especial a quem a estrela
testemunha, demasiado astutos para saber que a
estrela confirma um novo rei, e demasiado
perspicazes para saber que o culto é a resposta
apropriada(...)”
Esse evento bíblico que anunciou a chegada do Messias ou do Cristo
atravessou o imaginário popular por mais de dois mil anos e, mesmo
diante da pós-modernidade onde o tempo passado não nos interessa, o
futuro ainda é incerto e o presente deve ser vivido intensamente ainda
preenche a religiosidade de muitos cristãos e cristãs nos festejos
natalinos. Mesmo nesse cenário de pós-modernidade que, também, se
caracteriza pela perda do significado do espaço e criação de tantos
“não- lugares” sem valor emotivo atingindo, inclusive, os espaços
sagrados das igrejas, os presépios, ainda, encontram espaços nos
lares de muitos cristãos e cristãs principalmente com vínculos com o
catolicismo romano.
3. Sagrado ou sacralizado? Os magos e o menino Jesus
Muitos textos bíblicos tanto no Antigo Testamento quanto no
Novo Testamento são frutos de mitos criados pelo judaísmo e,
posteriormente, pelo cristianismo. Os textos mais antigos no Novo
Testamento, como sabemos, são as cartas e não os evangelhos motivo
pelo qual acreditamos que esse caráter mitológico nas narrativas
em torno do Messias foi se avolumando dentro das comunidades
primitivas (mateana, marcana, lucana e joanina) até porque a fé no
Libertador, no Mashiah ou Khristos (hebraico e grego, respectivamente)
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se materializou, ou melhor, tomou corpo com Sua morte e
ressurreição, respectivamente.
Entendemos, diante dos textos estudados, que a diferença
entre o sagrado e o sacralizado permassa pela “vontade” das
pessoas ou de uma comunidade lembrando que essa vontade é uma
particularidade e não uma repetição, ou seja, isso é intrínseco à
cada pessoa ou comunidade e não um fenômeno repetitivo que vai se
alastrando de uma comunidade para outra. Às vezes um símbolo se
torna sagrado para uma comunidade e pela “dominação” bélica, como
foi o caso no período dos descobrimentos, principalmente na
América Latina, torna-se sagrado, também, para outra comunidade,
mas pela imposição e não pelo mito.
O imaginário popular da visitação dos magos ao menino Jesus
sofreu inúmeras modificações com o passar do tempo, mas não perdeu
seu caráter sagrado. Não se trata, aqui, de um símbolo sacralizado
pelas comunidades ou pela igreja primitiva e sim um evento sagrado
que trata do nascimento do Messias conforme a profecia de Miquéias
5:1Reúna suas tropas, ó cidade das tropas, pois há um
cerco contra nós. O líder de Israel será ferido na
face, com uma vara. 2"Mas tu, Belém-Efrata, embora
sejas pequena entre os clãs de Judá, de ti virá
para mim aquele que será o governante sobre
Israel. Suas origens estão no passado distante, em
tempos antigos. " 3Por isso os israelitas serão
abandonados até que dê à luz a que está em
trabalho de parto. Então o restante dos irmãos do
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governante voltarão para unir-se aos israelitas.4Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do
Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu
Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza
dele alcançará os confins da terra. 5Ele será a sua
paz. Quando os assírios invadirem a nossa terra e
marcharem sobre as nossas fortalezas, levantaremos
contra eles sete pastores, até oito líderes
escolhidos. 6Eles pastorearão a Assíria com a
espada, e a terra de Ninrode com a espada
empunhada. Eles nos livrarão quando os assírios
invadirem a nossa terra, e entrarem por nossas
fronteiras. 7O remanescente de Jacó estará no meio
de muitos povos como orvalho da parte do Senhor,
como aguaceiro sobre a relva; não porá sua
esperança no homem nem dependerá dos seres
humanos. 8O remanescente de Jacó estará entre as
nações, no meio de muitos povos, como um leão
entre os animais da floresta, como um leão forte
entre rebanhos de ovelhas, leão que, quando ataca,
destroça e mutila a presa, sem que ninguém a possa
livrar. 9Sua mão se levantará contra os seus
adversários, e todos os seus inimigos serão
destruídos. 10"Naquele dia", declara o Senhor,
"matarei os seus cavalos e destruirei os seus
carros de guerra. 11Destruirei também as cidades da
sua terra e arrasarei todas as suas fortalezas.12Acabarei com a sua feitiçaria, e vocês não farão
mais adivinhações. 13Destruirei as suas imagens
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esculpidas e as suas colunas sagradas; vocês não
se curvarão mais diante da obra de suas mãos.14Desarraigarei do meio de vocês os seus postes
sagrados e derrubarei os seus ídolos. 15Com ira e
indignação me vingarei das nações que não me
obedeceram."8
Essa profecia aliada ao fato de que magos do oriente se
deslocaram até a presença daquela criança do intuito de adorá-la
inclusive lhe oferecendo presentes como ouro, incenso e mirra
elevou a categoria da criança de recém-nascida para rei, sacerdote
e profeta levando-se em consideração os presentes que lhe foram
entregues. Com certeza tudo que envolve o Messias, desde seu
nascimento até sua morte e ressurreição, foram elevados ao patamar
de “sagrado”. Isso aconteceu – guardada as devidas proporções -
também, com todos os discípulos gerando uma verdadeira corrida
pelas relíquias.
Como, então, descobrir o que sempre foi sagrado ou o que foi
sacralizado pelas comunidades com o passar do tempo? Talvez não
cheguemos à nenhuma resposta, mas uma coisa é certa: O evento
envolvendo o nascimento do Messias e a visitação dos magos sempre
fez e sempre fará parte do imaginário sagrado das comunidades uma
vez que temos a descrição não somente daquilo que apareceu ou
pareceu, mas daquilo que se manifestou (epifania).
8 Bíblia Eletrônica Nova Versão Internacional - disponível em <http://www.bibliaonline.com.br/acf/mq/5> - acessado em 27 de dezembro de 2013
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do princípio da fenomenologia talvez podemos
explicar como esse evento atravessou séculos e séculos uma vez
que ali, nos textos bíblicos, temos, como já dissemos, a
descrição não somente daquilo que apareceu ou pareceu, mas
daquilo que se manifestou (epifania).
A religião é, por si só, um conjunto de manifestações,
práticas, mitos e símbolos que a diferencia de outros objetos de
estudo justamente pela participação ativa do ser humano com suas
vontades, crenças, medos e desejos e é por isso que pretendemos
reduzir os preceitos e preconceitos
A aceleração do tempo onde tudo tem prazo de validade e
que se expira rapidamente o Deus do “ainda não” já não tem mais
espaço. O que temos presenciado nos dias de hoje são igrejas
surgindo dia após dia com promessas de que Deus vai fazer
exatamente o que você quer ou precisa, mas com um detalhe: desde
que o líder religioso interceda em seu favor.
Já não há mais espaço para o “esperar em Deus”, caminhar
no deserto por 40 anos, ficar escravo no Egito por mais de 400
anos ou o esperar em Jerusalém até que do alto sejais revestidos
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de poder. A pós-modernidade não quer o maná quer o “fast food”
de Deus.
O nascimento de Jesus é, sem dúvida, o cumprimento das
promessas de Deus através de Sua própria encarnação, ou seja,
Jesus é o próprio Deus encarnado e o nosso objeto de pesquisa
perpassa por essa promessa, por esse fenômeno que mesmo depois de
tanto tempo ainda fascina o imaginário de muita gente haja vista
os presentes que os magos levaram para presentear o pobre menino
nascido em uma manjedoura: ouro, incenso e mirra reconhecendo Sua
realeza, Seu sacerdócio e Sua humanidade já que a mirra era
utilizada na preparação do funeral, ou seja, Jesus iria morrer.
Esse símbolo do nascimento do Messias e a adoração
dispensada pelos magos representados nos dias atuais pelo presépio
assumiu definitivamente seu espaço no ambiente sagrado de muitas
igrejas, nos lares e no comércio. Alguém pode perguntar se é
possível ter um espaço sagrado em casa ou no comércio,
principalmente, no comércio já que no Antigo Testamento os espaços
sagrados (antes do período templário) eram nas tendas? Essa
ambiguidade entre puro e impuro, sagrado e profano é que causa
esse movimento que tanto mexe com o imaginário dos religiosos e
aguça muitos pesquisadores das Ciências da Religião.
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