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Contratos Civis

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Contratos Civis

• Compra e venda– O contrato de compra e venda é o paradigma dos

contratos onerosos– É também o protótipo dos contratos de troca ao

provocar o câmbio de preço por “coisa, ou outro direito”

– Tem carácter quoad effectum: o contrato de compra e venda não engendra meros efeitos obrigacionais

– A compra e venda é também o arquétipo do contrato sinalagmático

• A compra e venda tem efeitos reais – alínea a) – e tem efeitos obrigacionais – alíneas b) e c)

• Os efeitos obrigacionais consubstanciam os deveres principais de prestação a cargo, respectivamente, do vendedor e do comprador. Uns e outros podem ser antecipados na prática – ao abrigo v.g. de contrato-promessa preliminar –, mas, em rigor, somente nascem com a conclusão da compra e venda; ambos podem, igualmente, ser postergados mediante a inserção v.g. de condição ou termo suspensivo.

• O contrato de compra e venda que tenha em vista transferir ou constituir direitos sobre coisas que ainda não o são (por de todo não existirem, ou por em outras estarem integradas) não pode produzir de imediato, pelo menos, os efeitos descritos nas alíneas a) e b) do artigo 879º

• O venditor assume, assim, uma obrigação de meios, pois, na suposição de o alienante ter actuado diligentemente, se o comprador não adquirir a titularidade do direito em causa, o caso não é tido como inadimplemento imputável àquele outro

• Parte -sedo princípio segundo o qual o vendedor não pode resolver o contrato de compra e venda (886º) com fundamento em falta de pagamento do preço. A menos que:– o direito vendido ainda não tenha sido transmitido ou constituído,

devido, designadamente, à estipulação de cláusula de reserva de propriedade (por ser justamente para garantir o pagamento do preço que ela se utiliza – artigo 409º);

– independentemente da ocorrência do efeito translativo/constitutivo, se a coisa ainda não tiver sido objecto de traditio;

– se, qualquer que seja a situação no plano possessório e da titularidade do direito vendido, houver cláusula que atribua ao vendedor o direito de resolução estribado no não cumprimento da obrigação de pagar o preço.

• Em qualquer caso, pressupõe-se que, para a resolução proceder, tenha ocorrido alguma hipótese de inadimplemento definitivo.

• Venda de coisas sujeitas a “contagem, pesagem ou medição”

Ad mensuram = preço “à razão de tanto por unidade”, é devido o que

for “proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas

Ad corpus = o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das

coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade

• Venda de bens alheios– A eficácia de qualquer contrato translativo de

direitos de natureza quoad effectum pressupõe que a respectiva titularidade pertença ao disponente no momento da sua celebração. É uma consequência associada à consagração do princípio do consentimento (artigo 408º, n.º 1); é também um corolário resultante da aplicação da regra “nemo dat quod non habet, nec plus quam habet”.

Consequências:– i) A nulidade decorrente da venda de bem alheio

pode ser invocada por qualquer pessoa que nisso tenha interesse (artigo 286º), excepto pelo vendedor quando o comprador se encontre de boa fé ou por este contra aquele na hipótese inversa. Trata-se de casos específicos de interdição de venire contra factum proprium.

– ii) Se ambos estiverem de má fé, a declaração de nulidade também pode ser pretendida por eles na medida em que inexistem expectativas merecedoras de tutela.

– iii) O comprador só “tem o direito de exigir a restituição integral do preço” se estiver de boa fé; Caso contrário, como não pode invocar a nulidade, tão-pouco tem aquele direito. Mas já sendo o vendedor a alegá-la, a restituição do preço se deve efectuar. Em caso de má fé, todavia, o comprador obtém a devolução do preço com dedução do montante correspondente à perda, deterioração ou diminuição, por qualquer outra causa, do valor do bem (ao contrário do que sucederia estando de boa fé).

iv) estando o comprador de boa fé, o vendedor deve envidar todos os esforços necessários para alcançar “a propriedade da coisa ou o direito vendido” de modo a torná-la válida

– v) indemnização• – se a compra e venda se convalidar nos termos do

artigo 895º, a obrigação de indemnizar abrange os danos que não teriam acontecido “se o contrato fosse válido desde o começo” (ou seja, repara-se pelo interesse contratual positivo)• – ao invés, não se convalidando, devem ressarcir-se os

danos correspondentes à não celebração do contrato (isto é, indemniza-se pelo interesse contratual negativo)

• - o comprador não está obrigado a reparar eventuais prejuízos causados ao vendedor imputáveis à sua negligência, nem, muito menos, por eles responde sem culpa• - pelo não cumprimento da obrigação de sanar a

nulidade da venda ou pela mora no seu cumprimento, a respectiva indemnização acresce à regulada nos artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum

• Venda de bens onerados– o direito vendido é acompanhado,

independentemente de consentimento do comprador, da translação de situações jurídicas propter rem susceptíveis de o vincular (vício do direito) • se a respectiva presença dele for desconhecida e a

suposição da sua inexistência constituir um motivo determinante da vontade de comprar, está verificada uma hipótese de erro sobre o objecto (artigo 251º)

• O disposto no artigo 905º dá origem, porém, a um regime especial contido nos artigos seguintes (906º a 912º). Entrará em funcionamento sempre que o ónus ou a restrição sobre a qual incidiu o erro do comprador exceda “os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria”

• Usualmente recorre-se para o efeito à natureza individual e concreta do ónus ou limitação: consideram-se naturais e, por isso, o comprador com eles deve contar, sempre que tipicamente se inscrevam no conteúdo do direito vendido

• Se o direito adquirido apresentar vício jurídico, os direitos do comprador são:

• 1º: anular o contrato com fundamento em erro, simples ou qualificado por dolo (artigo 905º)

• 2º: cobrar a consequente indemnização pelo interesse contratual negativo (artigo 908º, 909º e 915º)

• 3º: obter a redução do preço (artigo 911º)• 4º: exigir a convalescença do contrato (artigos 906º e

907º) com a inerente responsabilidade pela inexecução da correspondente obrigação (artigo 910º)

– Ao lado do não cumprimento (apelidado de violação negativa da obrigação), concebe-se o cumprimento mal realizado ou cumprimento defeituoso (designado, por contraposição, como violação positiva da obrigação): este ocorre sempre que a prestação, embora realizada, não tenha observado o princípio da pontualidade (artigo 763º, n.º 1)

– Perante o cumprimento imperfeito, o credor não está obrigado a aceitar a prestação e, por isso, não incorre em mora se a recusar (artigo 808º)

– o recurso às seguintes regras não é o único remédio posto à disposição do credor – este pode sempre optar pela via da indemnização pelo interesse contratual positivo (artigo 801º, n.º 1).

• Para se poder considerar que a coisa tem defeito torna-se necessário provar que:– o vício a desvaloriza;– ou que impede a realização do fim a que se destina; – não está presente uma qualidade assegurada pelo

vendedor;– ou falta um atributo necessário para a consecução

daquele fim.• Estão em causa, de uma forma geral, os chamados vícios

redibitórios: defeitos ocultos da coisa objecto da venda, que, por isso, não podem ser conhecidos pelo comprador quando efectua o negócio, e que tornam o seu uso ou destinação imprestáveis ou impróprios ou que lhe diminuem o valor

• Se a coisa vendida apresentar vício material, os direitos do comprador são:– 1º: anular o contrato com fundamento em erro, simples

ou qualificado por dolo (artigos 913º, n.º 1 e 905º)– 2º: cobrar a consequente indemnização pelo interesse

contratual negativo (artigos 913º, n.º 1, 908º, 909º e 915º)

– 3º: obter a redução do preço (artigos 913º, n.º 1 e 911º)– 4º: haver a reparação ou a substituição da coisa (artigo

914º)– 5º: pretender a execução da garantia de bom

funcionamento (artigo 921º)

• O cumprimento imperfeito só goza de autonomia quando tenha provocado danos que lhe estejam tipicamente associados; caso contrário, dissolve-se em não cumprimento (definitivo ou temporário, consoante as circunstâncias)

• O direito à reparação ou substituição da coisa (artigo 914º) e a garantia de bom funcionamento (artigo 921º) são-lhe estranhos, ligando-se exclusivamente ao aspecto objectivo da existência de defeito, no pressuposto da manutenção da prestação

– O comprador pode exigir a reparação (914º) da coisa se: • tal for necessário;• o vício por ela apresentado for imputável a culpa do vendedor,

o que se presume (2ª parte do corrente preceito e artigo 799º, n.º 1).

• Em vez da reparação, o comprador pode pretender a substituição da coisa vendida desde que, em acréscimo, ela tenha “natureza fungível”; está em causa, assim, uma obrigação alternativa, cabendo o direito de escolha ao credor

• No âmbito deste artigo subentende-se (apenas) encontrar-se presente algum dos vícios da coisa a que se reporta o artigo 913º; para efeitos do referido artigo 921º, a actuação dos mesmos direitos pressupõe que o vendedor esteja vinculado a assegurar que ela manterá a sua aptidão (durante um certo lapso de tempo) para desempenhar o fim a que se destina

• Ao comprador deve denunciar o defeito dentro de certo prazo para que:

• a possibilidade de actuação dos mencionados direitos se estenda por um tempo mais longo (cf. artigo 917º)• ou para que o respectivo exercício se torne exequível

(cf. artigo 921º, n.º 3)– A falta de denúncia nem sempre impede, portanto, a

exercitação dos direitos conferidos ao comprador por esta secção; no caso de ele querer (e poder) anular com fundamento em erro, na sua ausência, apenas não beneficia de uma extensão temporal; pretendendo reagir contra o cumprimento imperfeito pedindo a reparação ou a substituição da coisa, a denúncia é condição de procedência do pedido

• Venda a retro– A venda a retro é inteiramente subsumível ao conceito de

negócio sujeito a condição resolutiva (“acontecimento futuro e incerto” ao qual as partes subordinam a “resolução” ou “destruição” dos efeitos do negócio)

– E atendendo à sua configuração – reserva, a favor do vendedor, da “faculdade de resolver o contrato” –, a conclusão vai no sentido de ela corporizar uma condição de momento incerto

– A finalidade da venda a retro assemelha-se fortemente à da fiducia cum creditore no que tange à respectiva função: em ambos os casos pretende-se obter uma garantia de cumprimento através da aquisição do direito sobre a coisa. A marca distintiva reside no mecanismo por força do qual se opera a retransferência para o devedor/alienante: verificação de condição resolutiva no caso da venda a retro; negócio (re)transmissivo no caso da fiducia

• Venda a retro– A venda a retro é inteiramente subsumível ao

conceito de negócio sujeito a condição resolutiva (artigo 270º: “acontecimento futuro e incerto” ao qual as partes subordinam a “resolução” ou “destruição” dos efeitos do negócio)

– A condição a que se subordina a venda a retro, por ser dotada de natureza potestativa, tem um carácter muito particular uma vez que a sua verificação fica dependente de declaração de vontade nesse sentido dirigida ao comprador pelo vendedor

– A finalidade da venda a retro assemelha-se fortemente à da fiducia cum creditore no que tange à respectiva função: em ambos os casos pretende-se obter uma garantia de cumprimento através da aquisição do direito sobre a coisa. A grande marca distintiva reside no mecanismo por força do qual se opera a retransferência para o devedor/alienante: verificação de condição resolutiva no caso da venda a retro; negócio (re)transmissivo no caso da fiducia

• Para que a situação do comprador/credor não se mantenha indefinidamente instável, sujeita à declaração de resolução por banda do vendedor/devedor, fixaram-se prazos máximos de caducidade dentro dos quais ela poderá ser proferida: cinco anos para as coisas imóveis e dois para as coisas móveis, sempre a contar da data da venda

• a resolução da venda a retro deve ser efectuada por meio de notificação judicial; isto, todavia, apenas inicia o processo correspondente; torna-se ainda necessário que, depois, ela seja solenizada através de escritura pública ou documento particular autenticado (com ou sem intervenção do comprador) nos quinze dias subsequentes à referida notificação. Se assim não suceder, caduca o direito de resolução

• O comprador adquire plenamente o direito objecto da venda a retro; e nem sequer fica pessoalmente limitado no exercício do ius distrahendi como sucede, por exemplo, na celebração de uma venda com pactum fiduciae. Por isso, se o emptor, por seu turno, alienar a terceiro o direito objecto da venda a retro, o acto translativo ou constitutivo é válido e eficaz. Deste modo, para assegurar ao vendedor a faculdade de efectiva resolução, a cláusula a retro deve ser inscrita no registo, quando ele exista.

• Venda a prestações• A venda a prestações é, rigorosamente, venda com prestação fraccionada

do preço. Este constitui uma única prestação, mesmo quando ela esteja temporalmente repartida, na sua execução, em diversas parcelas.

• Dando continuação à regra incorporada no artigo 886º, o vendedor não pode, em geral, resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento do preço. Estando o preço fraccionado, o venditor depende basicamente, para beneficiar do direito de resolução, de haver estipulação de reserva de propriedade; inexistindo, subentende-se que não pretendeu mantê-lo; caso contrário, ele é reconhecido:– desde que a coisa não tenha sido entregue ao comprador;– ou, na hipótese inversa, desde que exista não cumprimento definitivo no

pagamento de uma parcela do preço que exceda a sua oitava parte ou, em alternativa, no cumprimento de duas ou mais fracções qualquer que seja o montante respectivo (de modo a poder concluir-se assim, em qualquer caso, que o incumprimento imputável ao comprador é dotado de alguma relevância dentro do contexto geral do contrato)

• Doação• Assim como o contrato de compra e venda regulado no

capítulo anterior é o modelo dos contratos onerosos, o contrato de doação constitui o arquétipo dos contratos gratuitos.

• A caracterização do contrato de doação faz-se atendendo à presença de três traços fundamentais:– intuito do doador de enriquecer o património do donatário

(animus donandi);– à custa do seu património;– sem contrapartida económica configurável como recíproca.

• O enriquecimento pode produzir-se tanto por via da concessão de um direito (ao donatário) como por força da assunção de uma obrigação (a cargo do doador)

• Tal como a compra e venda, a doação é um contrato real quoad effectum: o que significa que a sua simples celebração (artigo 232º) é suficiente para produzir a transmissão do direito real doado (artigo 408º, n.º 1, 1ª parte), quando seja esse o caso

• A estipulação de cláusula modal (artigos 963º a 966º), impondo ao donatário o cumprimento de determinados encargos a favor do próprio doador ou de terceiro, torna a doação menos gratuita do que aquela que for pura e simples. E, especialmente na hipótese em que o encargo consuma a totalidade do valor do bem doado (artigo 963º, n.º 2), ela apresenta natureza quase onerosa

– A doação é remuneratória quando se destina a recompensar serviços que não tenham a natureza de dívida exigível. Por isso não se configura como doação, nem o cumprimento da obrigação natural, nem o chamado donativo conforme aos usos sociais (v.g. gorjeta).

– Se aquilo que demarca a doação remuneratória é a preexistência de “serviços recebidos pelo doador”, daí decorre que ela não preenche o tipo inexistindo eles. Pode valer, no entanto, como doação nos termos gerais do artigo antecedente.

• A doação tem natureza contratual. Como tal sujeita-se, para a sua formação, ao esquema típico de contratação adoptado pelo Código: proposta e aceitação. Sucede que, ao contrário do que aconteceria se estas estivessem submetidas às regras dos artigos 224º e 228º, a aceitação da doação não tem um prazo certo para ser proferida: pode ser declarada enquanto o doador for vivo.

• Tratando-se de doação de coisa móvel, todavia, a lei presume a aceitação a partir da tradição da coisa “ou do seu título representativo” (doação manual). Na mesma hipótese, não havendo doação manual e não sendo a aceitação emitida sem dilação temporal significativa, ela só é válida desde que observe a forma escrita a que alude o n.º 2 do artigo 947º

– Tratando-se de imóveis segue-se a regra de acordo com a qual a válida celebração de actos dispositivos ou constitutivos de direitos sobre eles deve observar a forma de escritura pública ou de documento particular autenticado

– A doação de coisas móveis só está sujeita a forma escrita se não for acompanhada da tradição (imediatamente subsequente ou não) da coisa; caso contrário, é um contrato real quoad constitutionem não solene

• A cláusula de reversão configura-se como uma condição resolutiva (embora com regime especial): se as partes assim o pretenderem, pode ficar estipulado que o direito doado regresse à titularidade do doador no caso de ele “sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes” (presumindo-se, na falta de declaração em contrário, que é o este o sentido que vale)• Como é próprio, a verificação da condição resolutiva

tem, em regra, efeito retroactivo (artigo 276º). Por consequência, tudo se deve passar tal qual a doação jamais tivesse sido celebrada; daí que o bem doado retorne ao património do devedor livre de qualquer oneração que lhe sido imposta durante a titularidade do donatário ou dos seus subadquirentes

– Doação modal• A cláusula modal, modo ou encargo promove, contra o

donatário, uma diminuição do valor económico da doação (até que eventualmente se atinja resto zero – n.º 2). Por seu intermédio, o doador impõe-lhe:• – a obrigação de realizar certa prestação a seu favor ou de

terceiro (de conteúdo patrimonial ou não – artigo 398º, n.º 2);• – a aplicação do bem doado a uma certa destinação.

– A estipulação de cláusula modal dá origem, assim, ao estabelecimento de uma relação jurídica entre o doador, ou os seus herdeiros (cf. artigo 965º), e o donatário, ou os seus herdeiros (cf. o mesmo artigo), através da qual o primeiro pode exigir do segundo a realização de uma certa conduta (artigo 397º)

– A doação, mesmo com cláusula modal, não é um contrato sinalagmático: a prestação do doador não se funda na do donatário e vice-versa; para que o doador, ou os respectivos herdeiros, disponham do direito de resolver a doação com fundamento no não cumprimento do encargo estabelecido é indispensável que exista cláusula contratual que lhes conceda tal prerrogativa.

– O inadimplemento susceptível de determinar a resolução da doação caracteriza-se nos termos gerais do artigo 801º e 808º. O que significa que pressupõe culpa do donatário (a qual, de todo o modo, se presume – artigo 799º). Não havendo culpa sua, o donatário fica isento do cumprimento do encargo.

– Revogação por ingratidão– A ingratidão do donatário ocorre sempre que se verifique

alguma situação de indignidade sucessória (artigo 2034º) ou alguma causa de deserdação (artigo 2166º). Há, portanto, uma lista taxativa de hipóteses.

– Quer a indignidade sucessória, quer a deserdação, obstam ao chamamento de certo sucessível (artigo 2037º, n.º 1). Estendidas ao donatário para o considerar ingrato, significam que, tendo embora produzido a aquisição do bem doado, a doação pode ser potestativamente destruída pelo doador (ou, excepcionalmente, pelos seus herdeiros – artigo 976º, n.º 3)

– A revogação da doação tem efeito regressivo, mas muito limitadamente: dá-se apenas até “à data da proposição da acção” (no pressuposto de ela se ter tornado necessária). Uma vez obtida, o bem doado é reposto no património do doador, ou dos seus herdeiros (encontrando-se aquele falecido), no estado em que se encontrar

• Contrato de Sociedade– São elementos constituintes do contrato de

sociedade :• a) a pluripessoalidade, entendida como conjunto de

pessoas (duas ou mais) que se associam para a prossecução de um certo fim;

• b) a obrigação de entrada que vincula os sócios a efectuar contribuições para a formação do património social;

• c) a finalidade primária que consiste no exercício em comum de uma actividade económica que não seja meramente fruitiva;

• d) a finalidade derradeira, consubstanciada na obtenção de lucro para ser distribuído entre os sócios.

• Uma sociedade constituída por uma única pessoa não é uma sociedade, ainda que, à falta de melhor, se lhe conserve a designação. Por definição, a societas é uma associação de pessoas, o que pressupõe, necessariamente, a pluralidade pessoal (cf. artigo 7º, n.º 2, Código das Sociedades Comerciais). Por outro lado, se a sua constituição se dá “para o exercício em comum de certa actividade económica”, carece de sentido uma sociedade com um único sócio

• A necessidade de “contribuir com bens ou serviços” – que qualifica o contrato de sociedade como oneroso – apenas significa que os sócios devem assumir a correspondente adstrição no contrato de sociedade para que este assim possa ser caracterizado. Se ela é executada e, portanto, se o património social é efectivamente formado, é questão ulterior a ser tratada em sede de cumprimento de obrigações

• Uma coisa é o acto constitutivo da sociedade – o contrato descrito no corrente preceito –, outra é a instituição dele resultante – o ente societário. Aquele dá origem a esta e conforma-lhe, para o essencial, o seu ser e a sua actuação, interna e externamente.

• A sociedade enquanto instituição tem, contudo, uma vida autónoma, perdura por si, e pode sofrer vicissitudes da mais diversa ordem (modificativas, extintivas, etc.) que independem do contrato de sociedade

• Sociedades

Comerciais(objecto

comercial)

- anónimas- por quotas

- em nome colectivo- em comandita

Civis(objecto nãocomercial)

sob forma comercial

sob forma civil

PessoasColectivas

• O regime do contrato de sociedade está fundamentalmente dividido em duas partes:

a) relações entre os sócios (artigos 983º a 995º)

b) e relações destes com terceiros (artigos 996º a 1000º).

- Na primeira classe, decidem-se, no essencial, os respectivos direitos e deveres.

- Na segunda, está principalmente em causa a definição da responsabilidade do fundo comum e do património pessoal de cada sócio perante os credores sociais.

• Os bens com que cada sócio entra para a composição do fundo comum societário podem ser da mais diversa ordem e natureza. Distinguem-se as três principais espécies tendo em vista a fixação do regime aplicável em matéria de execução da prestação, garantia e risco. Assim:– consistindo a entrada “na transferência ou constituição de um

direito real” de gozo, aplica-se o correspondente regime do contrato de compra e venda (solução a que, de resto, se chegaria de qualquer modo por força do que se preceitua no artigo 939º);

– concedendo o sócio o uso e a fruição ao fundo comum sem ser por intermédio da constituição de um direito real de gozo, será o assunto objecto da disciplina instituída para o contrato de locação;

– por fim, tendo o sócio cedido um crédito ou uma posição contratual, aplicar-se-ão os regimes correspondentes (respectivamente, artigos 577º a 588º e 424º a 427º).

a) Confirmando a ideia de que, em geral, as sociedades civis não são entes jurídicos autónomos, estabelece-se que, na falta de estrutura organizativa interna estatuída pelo contrato de sociedade ou por acordo posterior que determine a pessoa (ou pessoas) a quem cabe a gestão, “todos os sócios têm igual poder para administrar” o fundo comum (administração disjunta)b) Não estando todos os administradores de acordo sobre o desenvolvimento de certa actuação, cabe “à maioria decidir sobre o mérito da oposição” (administração maioritária)c) Quando, não obstante inexistirem órgãos, a administração esteja confiada “a todos ou a vários sócios em conjunto”, presume-se, na falta de indicação em contrário, “que as deliberações podem ser tomadas por maioria”; o contrato de sociedade pode exigir, portanto, que os administradores actuem em sincronia (administração conjunta).

– O direito a participar nos lucros sociais de harmonia com a respectiva quota de participação é aquele que principalmente alicerça a integração do sócio na sociedade.

– Sobre ele deve prevalecer, contudo, a prossecução dos fins sociais, uma vez que são comuns a todos os membros da corporação. Daí que, havendo estipulação contida no próprio contrato de sociedade ou “deliberação da maioria”, os lucros de cada exercício possam ter um destino que não consista na sua repartição pelos sócios.

– Independentemente disto, pode acordar-se igualmente que, em cada exercício, os lucros obtidos não se repartam por inteiro.

• Os sócios podem ser de capital ou de indústria. Os primeiros entram com bens para a formação do fundo comum; os segundos aportam serviços para o mesmo fim. – Os sócios de capital respondem pelos prejuízos sociais

tanto internamente (ou seja, perante os demais sócios) como externamente (isto é, diante dos credores sociais).

– Ao invés, os sócios de indústria somente são responsáveis para o mesmo efeito, em princípio, para as relações exteriores. Pelo que, se forem chamados pelos credores a responder pelas dívidas sociais, adquirem, na sequência, direito de regresso contra os sócios de capital (artigos 997º, n.º 1 e 524º).

• A sociedade civil, não obstante não estar dotada de personalidade jurídica, envolve uma ligação e interpenetração entre os seus membros situada num nível superior ao dos comproprietários: há um fim comum, inexistente na simples comunhão, que o justifica. Por isso, enquanto cada consorte pode livremente alienar ou onerar o respectivo direito na medida da respectiva quota (devendo apenas, em algumas circunstâncias, conceder preferência aos demais – artigo 1409º), o sócio não pode “ceder a terceiro a sua quota sem consentimento de todos os outros” (artigo 995º). Pretende-se prevenir a entrada de estranhos indesejáveis.

– Os administradores da sociedade civil (sejam eles sócios ou não) quando actuam em seu nome – contratando com terceiros, designadamente – fazem-no directamente em nome dela e não no próprio. • É razoável, por isso, que pelas dívidas sociais responda,

em primeiro lugar, o fundo comum (artigo 997º) • Na sua falta ou insuficiência, poderão os credores

sociais agir sobre o património pessoal de cada sócio.

– Entre estes, a responsabilidade é conjunta (artigo 513º, a contrario). Entre eles e o fundo comum ela é solidária, se os sócios não invocarem o benefício da excussão prévia (n.º 2).

– O acto ilícito praticado pelo representante, agente ou mandatário da sociedade, responsabiliza-o a ele (artigo 483º, n.º 1), como é próprio, vinculando-o à correspondente obrigação de indemnizar nos termos gerais dos artigos 562º a 572º. Para que, todavia, o lesado obtenha uma garantia suplementar de cumprimento, adiciona-se a sociedade ao autor da ilicitude, corresponzabilizando-a solidariamente por força da aplicação do disposto no artigo 500º (artigo 998º).

– O fundo comum da sociedade civil constitui, para todos os efeitos, um património autonomizado. Pertence aos sócios (dado inexistir outra subjectividade), mas, estando afectado ao exercício em comum de certa actividade económica, está apartado dos respectivos patrimónios pessoais. Daí que, enquanto subsistir a afectação a esse fim, o credor particular de cada sócio não possa exigir aos demais a liquidação da sua quota (artigo 1021º), apenas lhe estando permitido penhorar e alienar judicialmente “o direito deste aos lucros e à quota de liquidação” (artigo 999º).

• Locação

“Na definição do artigo 1022º […], descobrem-se os seguintes traços característicos:– a) contrato;– b) que estabelece a obrigação de se proporcionar

o gozo de uma coisa;– c) temporariamente;– d) contra uma obrigação de retribuição”

• A locatio conductio vincula o locador a proporcionar ao locatário o gozo do locado. Este beneficia do correspondente uso e, com limitações, da sua fruição (através, por exemplo, da sublocação – artigos 1060º a 1063º). A obrigação do locador não tem carácter continuado (quotidie et singulis momentis); ao invés, ele deve, ao seu abrigo:– proceder, antes de mais, à entrega da coisa locada logo após a

celebração do contrato [artigo 1031º, alínea a)]; – e cabe-lhe também, depois, praticar os actos indispensáveis à

manutenção do locado em condições adequadas ao gozo do locatário (v.g. artigo 1074º), sempre que necessário.

• O gozo do locatário tem duração necessariamente temporária, seja por estar sujeito a termo certo, seja por se subordinar a termo incerto. O que importa é que não se mantenha perpétua ou indefinidamente. Daí que a locação não possa celebrar-se por um prazo inicial superior a trinta anos (artigo 1025º).

• O gozo de que o locatário beneficia deve ser remunerado. O locatário fica assim obrigado, em contrapartida, ao pagamento [artigo 1038º, alínea a)] da renda ou aluguer (artigo 1023º) correspondente, com carácter periódico (artigo 1039º, n.º 1). Por isso, a locação (ainda que não derive de contrato) tem carácter necessariamente sinalagmático. Esta marca separa-a consideravelmente do usufruto, o qual tanto se pode constituir a título gratuito como oneroso, pese embora, do ponto de vista dos poderes sobre a coisa, não se diferencie muito.

• Problemas específicos erguem-se a propósito da celebração de contrato que tenha em vista conceder o gozo remunerado de loja integrada em centro comercial. Os supra mencionados elementos componentes caracterizadores do contrato de locação ocorrem igualmente nesta hipótese. Sucede, no entanto, que há, pelo menos, qualidades adicionais que, tal como normalmente são apontadas, servem para o definir: os serviços prestados – v.g. de segurança – pela entidade proprietária ou exploradora do centro, a complementaridade entre lojas e outros espaços, bem como a sua marca, capaz de gerar ou atrair, só por si, a clientela de que beneficiam todos os lojistas. Ainda, porém, que se entenda que este factor é suficientemente relevante, ele acarreta, no máximo, a qualificação do contrato como atípico; e, dentro desta classe, cabe tê-lo como misto, uma vez que contém elementos típicos do contrato de locação e de outros contratos típicos (v.g. prestação de serviços). O que, em maior ou menor medida, por via da analogia (cf. anotações ao artigo 405º), há-de conduzir à aplicação do regime da locação.

• Distinto da locação e mais próximo da locação-venda (artigo 936º, n.º 2) é o contrato de locação financeira (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho): “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”. Três pontos fundamentais distinguem o leasing da locatio conductio:

• primeiro, a coisa cujo gozo é cedido mediante retribuição é adquirida ou construída por indicação do locatário [encontrando-se o locador obrigado a agir de harmonia com ela – artigo 9º, n.º 1, alínea a) do referido Decreto-Lei];• segundo, este torna-se titular, com a celebração do contrato, de uma pretensão

dirigida à celebração de uma compra e venda destinada a obter a aquisição da propriedade sobre o locado “decorrido o período acordado” [artigos 9º, n.º 1, alínea c) e 10º, n.º 2, alínea f) do citado diploma];• terceiro, a retribuição a que o locatário-adquirente se vincula tem carácter de

prestação fraccionada e não de prestação periódica, como é característico da locação (cf. artigo 1075º, n.º 1), uma vez que o seu objecto se encontra predeterminado.

– A locação como acto de administração• Para eliminar dúvidas, dado que o critério de distinção entre

actos de disposição e actos de administração não é de fácil manuseio, a própria lei intervém a qualificar a locação, para o locador, como acto de simples administração

• Não obstante surgir qualificado como acto de administração ordinária, para o qual, por aplicação da regra contida nos artigos 1407º e 985º, n.º 1, qualquer consorte administrador está legitimado, a validade (e não apenas a eficácia) da locação depende, do lado do locador, de consentimento – prévio ou posterior – para o efeito concedido pelos demais comunheiros, administradores ou não. O assentimento deve, ademais, constar de documento particular simples. Não se identifica a espécie de invalidade mas deve entender-se que é a anulabilidade.

– Fim do contrato• locador e locatário clausulam entre si o efeito para o qual o

segundo pode usar o locado; pode suceder, no entanto, que o contrato seja omisso quanto a esta matéria: então o locatário pode utilizar a coisa locada para “quaisquer fins lícitos”, atendendo, porém, à função que “coisas de igual natureza” tipicamente desempenham• A possibilidade de usar o locado para qualquer fim lícito

deve entender-se dentro do quadro fixado pelas limitações, gerais ou específicas, que, no caso, se devam considerar prevalecentes sobre a locação. Tratando-se de imóvel, designadamente, a licença de utilização concedida pelo respectivo município condiciona automaticamente qualquer uso que se lhe pretenda dar, independentemente do título que o justifica

– Obrigações do locador• Cabe-lhe, em primeiro lugar, como em qualquer negócio através do qual se

transfira o gozo de uma coisa, colocá-la à disposição do conductor. Não há razão para entender que o contrato de locação é real quoad constitutionem. Por isso, deve considerar-se completo com a sua celebração através da forma legalmente exigida (sendo caso disso), funcionando a obrigação de entrega da coisa como um (simples) momento executivo do contrato.

• O locador está ainda obrigado a garantir ao locatário o gozo da coisa para os fins a que ela se destina (segundo o contrato ou nos termos do artigo 1027º). Isto significa, primeiro, que no momento em que a coloca à sua disposição, ela deve estar em condições que permitam “realizar cabalmente o fim a que é destinada”, oferecer as “qualidades necessárias a esse fim” ou, ao menos, proporcionar aquelas que foram “asseguradas” Esta vinculação acarreta, em segundo lugar, que, durante a vigência do contrato, o locator se encontre vinculado a realizar a generalidade dos actos necessários à manutenção do locado em condições similares às vigentes no momento da traditio, mantendo os comportamentos que para tanto sejam exigíveis e indispensáveis (v.g. realização de obras ou melhoramentos, reacção contra condutas de terceiros que impeçam ou perturbem o gozo do locatário ou que disso sejam susceptíveis, etc.).

– Vícios da coisa locada (artigo 1032º)• Estão em causa os vícios da coisa locada que consistam:

– na apresentação de defeito que a impeça de realizar perfeitamente o fim a que se destina;

– na carência dos atributos indispensáveis para ser aplicada a esse fim;– na falta das qualidades asseguradas pelo locator.

• Para serem atendíveis e para que possam ser invocados pelo locatário contra o locador a título de responsabilidade contratual, é necessário que o vício:– anteceda ou seja contemporâneo da entrega, presumindo-se, em qualquer caso, a culpa

do locador para efeitos da aludida responsabilidade (o que confirma a regra contida no artigo 799º);

– ou, sendo posterior, se funde em culpa do locador, cabendo o ónus da respectiva prova ao locatário (artigo 342º, n.º 1).

• Verificado um dos defeitos descritos juntamente com uma das hipóteses das alíneas a) ou b), “considera-se o contrato não cumprido”. Uma vez que o locador está vinculado a assegurar o gozo da coisa locada para o fim a que ela se destina [alínea b) do artigo anterior], é como consequência natural que se determina a sua responsabilização, nos termos gerais dos artigos 798º a 808º, pelo inadimplemento das obrigações daí emergentes.

– O locador não fica obrigado a indemnizar com fundamento em responsabilidade contratual quando:• o locatário tenha tido conhecimento de algum dos defeitos descritos

no artigo anterior no momento da celebração do contrato de locação ou no momento da entrega, sendo este posterior àquele; • o locatário devesse ter percebido o vício em virtude de ele ser

“facilmente reconhecível” (o que se considera, no fundo, equivalente à hipótese anterior), embora a responsabilidade do locador se restabeleça, contudo, se tive– i) garantido a inexistência do defeito;– ii) “usado de dolo para o ocultar”;– o defeito se deva considerar imputável à conduta do próprio locatário;– o conductor não tenha informado o locador acerca da presença do defeito, nos

termos do artigo 1038º, alínea h), de modo a este poder tomar as devidas providências (o que vale como uma concretização da situação antecedente: a falta de aviso permite imputar a manutenção do defeito ao comportamento do locatário).

– Tal como na hipótese de defeito da coisa locada, os vícios do direito (artigo 1034º) do locador geram igualmente a sua responsabilidade contratual perante o locatário, com o consequente surgimento da obrigação de indemnizar, sempre que o seu direito:• não envolva poderes de gozo ou sempre que, não obstante os compreender, eles sejam

insusceptíveis de cedência a terceiro (v.g. artigo 1488º); • não seja de propriedade (v.g. o direito do promitente-comprador que obteve a traditio);• “estiver sujeito a algum ónus ou limitação que exceda os limites normais inerentes a

este direito”, seja de propriedade ou não;• não possua as virtudes por ele asseguradas; • venha a perder, após a celebração do contrato de locação, as qualidades de que antes

beneficiava, desde que isso lhe seja imputável a título de culpa. – Enquanto, todavia, os vícios jurídicos que atinjam o direito do locador não “determinarem a

privação, definitiva ou temporária, do gozo da coisa ou a diminuição dele por parte do locatário”, o contrato permanece em execução e, portanto, considera-se cumprido. As deficiências de que padeça o direito do locador jamais produzirão, todavia, a sua responsabilização sempre que se concretize alguma das hipóteses previstas no artigo anterior, muito particularmente aquelas que correspondem às duas primeiras alíneas [v.g. se o locador é usufrutuário mas o locatário conhece ou deve conhecer a qualidade em que ele dá de arrendamento ou aluguer, não pode depois, quando o usufruto se extinguir e, consequentemente, caducar a locação – artigo 1051º, alínea c) –, pretender qualquer indemnização].

– Obrigações do locatário (artigo 1038º)• O contrato de locação caracteriza-se por atribuir a uma das partes – o

conductor – o gozo de uma coisa mediante retribuição. A primeira obrigação do locatário é, assim, a de pagar a renda ou aluguer que remunera a utilização que (presumivelmente) faz do bem alheio.

• O locatário, enquanto se mantiver o contrato, é o único com poderes de gozo sobre o locado. O locador não pode, portanto, imiscuir-se (cf. n.º 1 do artigo anterior). Mas, tornando-se necessário, para qualquer efeito (v.g. realização de obras), vistoriar o local, o locatário deve suportar a examinação.

• Estando o locador excluído do gozo do locado, é natural que seja diminuta a possibilidade de tomar conhecimento dos vícios de que eventualmente padeça ou dos perigos que possa correr. Em conformidade, incumbe-se o locatário (como pessoa fisicamente mais próxima) de, ao zelar pelo seu estado, dar a conhecer ao locator, com a presteza devida, os riscos que, naturalmente ou por acto de terceiro, ameacem a preservação dos direitos de ambos sobre o locado.

• O contrato de locação celebra-se necessariamente para um certo fim: o acordado entre as partes ou, na falta de estipulação, aquele que resultar da aplicação dos critérios contidos no artigo 1027º. O conductor fica vinculado a dar ao locado o destino que vigorar, dele não se podendo desviar.• O locatário exerce os seus poderes de uso e de fruição sobre

re aliena. Por isso, mesmo mantendo a utilização dentro do fim para o qual ela se destina, deve realizá-la observando parâmetros que permitam salvaguardar a integridade económica do direito do locador. Daí que lhe caiba gozar prudentemente, ou seja, como faria uma pessoa cuidadosa e zelosa, e que seja “obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização” (artigo 1043º, n.º 1).

• O conductor é titular de um direito que o locador lhe concede intuitu personae. O que significa que, por regra, não pode transmiti-lo nem onerá-lo, não pode sublocar, nem ceder a sua posição contratual, nem sequer comodatar. A menos que a lei o permita ou o locador o autorize. Nada impede que o consentimento do locator seja concedido a posteriori, mas só o que tiver carácter prévio pode legitimar a actuação do locatário. Sempre que a cedência a terceiro seja lícita, cabe ainda ao conductor informar o locador, dentro do prazo de quinze dias, da sua verificação

• Mora do locatário no pagamento da renda ou aluguer (artigo 1041º) – Não realizando a prestação que lhe cabe dentro de um dos momentos definidos

pelo n.º 1 do artigo 1039º, o locatário entra em mora. Acontece, porém, que lhe é concedida uma moratória legal: um período suplementar de oito dias para efectuar o pagamento da renda ou aluguer (n.º 2). Por isso, somente quando este se conclui sem que o adimplemento tenha ocorrido é que a mora debitoris é susceptível de acarretar consequências. Estas, em vez de serem definidas mediante a aplicação do regime geral contido nos artigos 804º a 808º, consistem na atribuição ao locador de dois direitos:» primeiro, a “uma indemnização igual a 50% do que for devido” (acrescida,

naturalmente, das prestações em atraso);» segundo, a não receber – sem, por seu turno, incorrer em mora accipiendi

(artigo 813º) – as rendas ou alugueres seguintes enquanto os anteriores não forem entregues, cumulados com aquela indemnização.

• Como não se pode garantir, a priori e em abstracto, que a obrigação, temporariamente incumprida, de pagar renda ou aluguer produza garantidamente um dano correspondente a metade do montante em dívida, deve concluir-se que aquela indemnização funciona como uma pena

• Perda ou deterioração do locado (artigo 1044º) – Salvaguardada a deterioração, ou a própria perda, que caiba

dentro dos marcos do uso prudente conforme aos fins do contrato, o locatário é responsável por toda aquela que o exceda. E, dada a parte final deste preceito, presume-se a respectiva culpa na produção deste (eventual) resultado. Ainda assim, contudo, com uma especialidade: o locatário responde igualmente, com culpa presumida, pela “perda ou deteriorações da coisa” imputáveis “a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela”, independentemente da licitude do acto que a justifica [artigo 1038º, alíneas f) e g)]. O que de todo o modo significa que o caso não é de responsabilidade objectiva, mas sim de responsabilidade aquiliana (embora com o ónus da prova invertido no que toca à demonstração do requisito da culpa).

• Indemnização pelo atraso na restituição da coisa (artigo 1045º)– Extinto o contrato de locação, qualquer que seja a causa que lhe deu

origem – no pressuposto de ela se encontrar ligada à inércia do locador e salvo havendo “fundamento para consignar em depósito a coisa devida” –, cabe ao locatário restituí-la de imediato ao locator [artigo 1038º, alínea i)]. Se o não fizer e continuar a usá-la, tudo se deve passar, até que a devolução se efective, como se o contrato e o direito de gozo dele emergente para o conductor permanecessem (locação de facto). As rendas ou alugueres deverão continuar a ser pagos de harmonia com as regras estabelecidas pelo n.º 1 do artigo 1039º, e o locatário entra igualmente em mora nos termos do n.º 2 do artigo 1041º, com as consequências que lhe estão legalmente associadas, salvo no que respeita à indemnização punitiva que de 50% se eleva para o dobro do montante que estiver retardado.

– Impõe-se ao ex-locatário, portanto, através do que aqui se preceitua, a obrigação de remunerar o locador pela utilização de facto (ou seja, desprovida de título) de que haja eventualmente beneficiado. O que configura um caso de posse referida ao direito de locação.

• Resolução do contrato – falta de pagamento da renda ou aluguer (artigo 1048º)

– Extraordinariamente, o locatário, além de dispor da moratória legal para o cumprimento da obrigação de pagar a renda ou o aluguer que decorre do que se estabelece no artigo 1041º, n.º 2, beneficia ainda da excepção do cumprimento “até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa”. Actuando-a – por pagamento, depósito ou consignação em depósito das “somas devidas” e da” indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º” – produz-se a cessação do direito de resolução do locador por via da verificação de um facto extintivo posterior.

– O seu adimplemento funciona, para o locatário, como condição suspensiva do despejo. Para o locador, diferentemente, é a titularidade do direito de resolução que fica sujeita à condição resolutiva de o conductor efectuar o cumprimento das obrigações que lhe competem até que aquele momento processual se alcance.

• Cedência do gozo da coisa (artigo 1049º)– Pese embora seja obrigação do locatário “não

proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar” (artigo 1038º), quando o locator tenha mantido um comportamento de acordo como o qual se possa deduzir que aceitou a cedência (v.g. exigindo e/ou aceitando o pagamento de rendas ou alugueres ao cessionário), jamais adquire o direito à resolução do contrato de que, noutras circunstâncias, eventualmente poderia ser titular.

• Caducidade (artigo 1051º)– As hipóteses mais evidentes são as de verificação de termo ou de

condição resolutiva [alíneas a) e b)]. O mesmo efeito se produz quando, estando a locação subordinada a condição suspensiva, seja certa a impossibilidade do seu sucesso [alínea b), in fine e artigo 275º, n.º 1].

– O facto de o locador não ser proprietário do locado não afecta a validade da locatio conductio se o locatário “conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa” [artigo 1033º, alínea a)]. Por isso, neste pressuposto, é v.g. eficaz a locação celebrada pelo usufrutuário ou pelo titular do direito real de habitação periódica. Mas, cessando o direito do locador, produz-se automaticamente, por seu turno, a extinção do direito do conductor por caducidade [alínea c)]. O mesmo mutatis mutandis quando o contrato tenha sido celebrado por quem apenas seja titular de poderes de administração (dado que a locação é em geral, para o locador, um acto de administração ordinária – artigo 1024º, n.º 1) e estes hajam, entretanto, cessado.

– O direito do locatário tem, no essencial, carácter intuitu personae. Daí decorre que, em princípio, a sua morte ou extinção determina a respectiva caducidade, a menos que haja cláusula contratual em sentido diverso ou excepto se a lei autorizar a transmissão mortis causa (v.g. artigos 1106º e 1107º).

– A perda ou inutilização total do locado constitui caso paradigmático de extinção de qualquer direito sobre coisa, dotado de natureza real ou pessoal, e qualquer que tenha sido a causa. A relação pessoa/coisa que nele está pressuposta não pode permanecer se um dos seus termos desaparecer (seja fisicamente, seja apenas por entretanto, no caso da locação, ter perdido a aptidão para o fim que presidiu à sua celebração).

– A expropriação por utilidade pública é também, reiteradamente, uma causa de extinção de direitos sobre coisas, reais ou pessoais. Salvo quando (artigo 3º, n.º 1, Código das Expropriações), excepcionalmente, não haja incompatibilidade entre a razão de utilidade pública que a motiva e o exercício do direito preexistente, caso em que este poderá subsistir.

• Transmissão da posição contratual (artigo 1057º)– No Direito Romano vigorava a regra era emptio tollit locatum.

Nas codificações modernas (v.g. artigo 1599 do Código Civil italiano) adoptou-se a regra – canonizada no corrente preceito – exactamente inversa: emptio non tollit locatum.

– Pretende-se fundamentalmente instituir o princípio segundo o qual a alteração da titularidade do direito em que se fundou a celebração da locação não interfere com a sua manutenção, tornando-a pois insensível àquela. É uma outra forma de construir a oponibilidade erga omnes, mas, ainda assim, com consequências específicas: é que, ao dizer-se que o caso é de cessão da posição contratual (embora determinada por lei – cf. anotações ao artigo 424º), isto significa que ela opera a transmissão da globalidade de uma posição jurídica num “contrato com prestações recíprocas”.

• Sublocação (artigo 1060º)

– A sublocação é uma espécie de subcontrato. Neste género, o cedente mantém a sua posição contratual tal qual ela existia por força do contrato prévio a seu favor, limitando-se a constituir uma outra relação contratual que nela encontra e busca fundamento. Através desta, o subcontratante pode ceder o exercício da generalidade dos poderes do contrato base à outra parte ou, ao invés, apenas uma parcela dos mesmos.

– Aplicada esta ideia à locação [e no pressuposto de o locatário ter dado cumprimento ao disposto nas alíneas f) e g) do artigo 1038º], dela deriva que ocorre sublocação sempre que o locatário confira permissão a terceiro (sublocatário), mediante contrato, para que este actue os poderes que àquele antes tinham sido concedidos sobre o locado. Assim sendo, põem-se em vigor, portanto, duas relações jurídicas: a que vincula o locatário ao locador e a que prende o sublocatário ao locatário. Aquele e o locador são, entre si, terceiros. O sublocatário retribui o gozo do locado perante o locatário e este, por seu turno, fá-lo diante do locador.

• Quando o locatário e o sublocatário estiverem em mora relativamente ao cumprimento da sua obrigação de retribuição do gozo, este último funciona como devedor solidário das quantias devidas por aquele, garantindo o seu cumprimento, podendo o locador, por isso, exigir-lhe a entrega da renda ou aluguer em atraso até ao limite “do seu próprio crédito” (artigo 1063º). Se assim suceder, e na respectiva medida, fica o sublocatário, depois, com direito de regresso contra o locatário por aquilo que tiver prestado (artigo 524º).

• Está aqui em causa a chamada acção directa do credor: actuação dirigida ao cumprimento de uma obrigação que, em vez de defrontar o seu devedor, se vira directamente contra um terceiro – o subcontratado. Trata-se de um poder concedido a certo credor (neste caso, o locador) para demandar o devedor (sublocatário) do seu devedor imediato (locatário) sem necessidade de interposição deste.

• Arrendamento urbano para habitação (artigos 1064º e segs.)– Forma: documento escrito (artigo 1069º)– Comunicabilidade (artigo 1068º) qualquer que

seja o fim– Licença de utilização (artigo 1070º)– Limitações ao exercício do direito (artigo 1071º):

limitações de vizinhança e limitações do condomínio

• Cessação do arrendamento– revogação (real ou escrita – artigo 1082º)– resolução (“incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências,

torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” – artigo 1083º)

– é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou

– de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública

– caducidade (artigo 1051º)– denúncia (contratos de duração indeterminada)– oposição à renovação (contratos com prazo certo, embora o

arrendatário também os possa denunciar)

• Comodato– O comodato é, na sua essência, o empréstimo de coisa

infungível; daí que o comodatário deva, cessando os respectivos efeitos, restituir o móvel ou o imóvel que antes o comodante lhe entregou.

– É um contrato com carácter intuitu personae uma vez que os seus efeitos cessam necessariamente com a morte do comodatário (artigo 1141º).

– É ainda um negócio de natureza tipicamente gratuita; o comodatário não está, em geral, obrigado a remunerar o gozo que o comodatário lhe proporciona. Tem, nesta medida, a natureza de liberalidade por o comodante ter o propósito de enriquecer o comodatário.

• Por tradição, é praticamente unânime o entendimento segundo o qual o comodato é contrato real quoad constitutionem. • Distingue-se o comodato do precário. O que

fundamentalmente separa o comodato do precário é que, neste, o disfrute de coisa alheia de que beneficia o precarista é susceptível de cessação a qualquer instante (ad nutum), independentemente do seu consentimento e sem direito a compensação de espécie alguma.• Em geral, o comodatário tem exclusivamente o poder

de usar a coisa comodatada ficando-lhe vedada a respectiva fruição. A não ser que haja convenção em sentido contrário (exigindo a lei que, em tal caso, ela tenha carácter expresso).

• O direito do comodatário é necessariamente temporário; dura, no máximo, pela vida do seu titular (artigo 1141º). Mas:

• – se ficou assente certo prazo para a restituição, o contrato cessa com a sua verificação e, portanto, ela deve dar-se de imediato, independentemente de interpelação dirigida ao comodatário [dies interpellat pro homine – artigo 805º, n.º 2, alínea a)];

• – se a coisa foi emprestada tendo em vista determinada utilização, o comodato fica liquidado quando tal uso finde, devendo proceder-se à sua pronta devolução, também “independentemente de interpelação”;

• – por fim, se no contrato não foi inserido qualquer prazo, nem se vinculou o comodatário a algum uso específico, a reversão da coisa pode ser pretendida logo que ele seja interpelado para a realizar (denúncia ad nutum).

•Mútuo• O mútuo, tal como o comodato, é uma espécie de empréstimo.

Distingue-se deste, sobretudo, por versar sobre coisa fungível (artigo 207º). Como o mutuário, tal qual o comodatário, tem o direito de usar a coisa emprestada, daí decorre que, se a utilizou, não a pode tornar em espécie ao mutuante.

• Já ao contrário do comodato, o mútuo é contrato tipicamente oneroso: em caso de dúvida, presume-se que as partes convencionaram o pagamento de juros (artigo 1145º, n.º 1).

• Tal como o comodato, o mútuo é contrato real quoad constitutionem, mas, ao invés daquele, transfere a propriedade da coisa mutuada para o mutuário uma vez executada a sua traditio (artigo 1144º), enquanto o primeiro concede exclusivamente o uso.

• Forma: escritura pública ou documento particular autenticado quando seja de valor superior a € 25.000,00, ou documento particular assinado pelo mutuário se ultrapassar o montante de € 2.500,00.– Acórdão da Relação de Coimbra de 17/01/2006, Proc. n.º

3531/05: “1. A nulidade do contrato de mútuo de dinheiro obriga o mutuário a restituir o capital que haja recebido do mutuante, e este é obrigado a restituir àquele os juros remuneratórios convencionados que haja, entretanto, recebido. 2. As prestações a restituir não são actualizadas, ou devem ser restituídas sem qualquer valorização, porque inaplicável o regime do enriquecimento sem causa. 3. Atento, porém, o disposto no n.º 3 do art.º 289º do CC, sobre as quantias a restituir podem incidir juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, enquanto frutos civis que aquelas quantias poderiam produzir”.

• Prestação de serviços

mandato

empreitada

depósito

– Prestação de serviços• As características que definem o contrato de trabalho

são essencialmente extensíveis ao contrato de prestação de serviços, salvo em dois aspectos marcantes:– por um lado, ao passo que neste a fixação de uma certa

retribuição não é imprescindível, naquele a sua estipulação é condição indispensável para o preenchimento do tipo;

– por outro lado, enquanto o segundo concede autonomia (técnica, científica ou de outra natureza) à pessoa (singular ou colectiva) que se obriga a executar a prestação, não a sujeitando a qualquer dever de obediência, já no primeiro, o poder de direcção imprime à relação um carácter de subordinação jurídica

• Entre a primeira e a segunda modalidade há grande proximidade estrutural: em ambas quem presta o serviço obriga-se, essencialmente, a praticar certos actos por conta de outrem. A demarcação faz-se pela diferente natureza deles: actos jurídicos, no caso do mandato; actos materiais, no caso da empreitada. • O depósito surge como subtipo da prestação de serviços que se obtém

por contraposição perante a empreitada: os actos materiais que o empreiteiro se vincula a realizar dirigem-se à realização, por indicação do respectivo dono, de alguma obra; os actos materiais a que o depositário fica adstrito ante o depositante têm em vista guardar e restituir, no seu interesse ou no de terceiro, uma coisa alheia.• O contrato de mandato constitui o arquétipo da prestação de serviços.

Nessa medida, o seu regime serve, antes de mais, para regular a generalidade dos contratos que, cabendo no modelo do artigo 1154º, não estejam especificadamente previstos na lei. Mas ele pode empregar-se também, na medida do possível, como estatuto subsidiário para outros contratos de prestação de serviços, distintos da empreitada ou do depósito, que beneficiem de regime legal insuficiente.

•Mandato

• O que essencialmente individualiza o contrato de mandato é a natureza da prestação principal que o mandatário se vincula a realizar em benefício do mandante: prática de um ou mais actos de carácter exclusivamente jurídico (v.g. contratos, actos processuais – ante tribunais judiciais ou arbitrais –, notariais, administrativos).

• É indispensável que aquele que se obriga (mandatário) a praticar os aludidos actos jurídicos deva actuar “por conta” da outra parte (mandante), ou seja, no seu interesse. Mas já não é imprescindível que o faça “em nome” desta; nessa medida se distingue o mandato com e sem representação (artigos 1178º e 1180º, respectivamente).

• Tipicamente, apenas o mandatário fica vinculado, pois o contrato é, em princípio, gratuito (cf. artigo 1158º, n.º 1) e unilateral. Nada impede, porém, ao abrigo da liberdade contratual, que assuma as feições exactamente inversas quando seja fixada retribuição ao mandatário.

• O mandato distingue-se em geral e especial. O primeiro é aquele em que o mandante não discrimina especificadamente os actos que incumbe o mandatário de praticar. Ao invés, o mandato é especial, quando nele se procede a tal discriminação. Na falta de individualização, presume-se que o mandante apenas deu mandato para actos de administração ordinária e que, por isso, o mandatário apenas a estes se encontra adstrito (artigo 1159º).

• Havendo pluralidade de mandatários, presume-se que eles devem actuar individual e isoladamente (ainda que daí possa resultar colisão), na medida em que se entende existirem tantos contratos de mandato quantos forem os obrigados à prática dos mesmos actos jurídicos a favor do mandante – mandato disjunto. Mas, mediante declaração em sentido contrário deste, cabe-lhes actuar em conjugação – mandato conjunto (artigo 1160º).

• A aplicação do disposto na alínea a) deste artigo, bem como nos dois artigos seguintes, pressupõe que se distinga entre execução da obrigação contratualmente assumida pelo mandatário e adimplemento das instruções que, contemporânea ou posteriormente, ele tenha recebido do mandante. Estas delimitam o conteúdo daquela (no sentido que lhe definem o modo de cumprimento), mas não a integram.• A separação é teoricamente carente de significado:

quer o não cumprimento da obrigação contraída, quer a desconsideração pelas instruções tomadas, acarretando danos, engendram responsabilidade contratual por em ambos os casos estar implicada a violação de obrigações [artigo 1161º, alínea a)].

• No capítulo do submandato (artigo 1165º), a lei manda seguir, com as devidas adaptações, o mesmo regime que instituiu para representação voluntária (artigo 264º). Assim, ele é admitido tão-somente em duas circunstâncias:– se o mandante nisso consentir;– se a faculdade de submandatar resultar do próprio mandato.

• O mandante pode ou não excluir a responsabilidade do primitivo mandatário que haja submandatado. Caso o não faça e “sendo autorizada a substituição”, a referida responsabilidade restringe-se, no entanto, à culpa in eligendo ou à culpa in instruendo.

• Por outro lado, caso o mandatário, em vez de submandatar, recorra a auxiliares (na medida em que o possa fazer) para a execução do contrato, responderá objectivamente pelos actos danosos que àqueles sejam imputáveis nos termos gerais do artigo 800º.

– A obrigação do mandante de proporcionar ao mandatário “os meios necessários à execução do mandato” [artigo 1167º/a)] varia da finalidade que conduz à celebração do mandato.

– Esta pode separar-se em três espécies básicas: para administrar, para alienar ou para adquirir. • No mandato para alienar, admitem-se duas modalidades:

– que os bens permaneçam na titularidade do mandante até que o mandatário os translade para a esfera jurídica de terceiro, o que pressupõe que, em simultâneo, o mandatário seja procurador do mandante;

– que os bens se transfiram para a titularidade do mandatário para que este, depois, os possa transmitir a favor de terceiro, o que envolve a celebração de uma alienação fiduciária entre mandante e mandatário.

• No mandato para administrar, o mandatário obriga-se a gerir em nome próprio, mas por conta do mandante, certo conjunto de bens. – Permanecendo os bens a administrar na titularidade do

mandante, o mandatário só poderá aliená-los se dispuser de poderes para tanto (artigo 1159º, n.º 2). O que supõe que lhe tenha sido concedida procuração para o efeito.

– Ao invés, se tais bens tiverem sido previamente transferidos para o mandatário surge uma titularidade fiduciária a seu favor (na modalidade de fiducia cum amico). Esta transmissão pode decorrer de um acto translativo contemporâneo ao próprio mandato (e com ele conexionado) ou de um negócio autónomo posterior.

– No contrato de mandato sem representação, o mandatário, uma vez que, por definição, actua em nome próprio, adquire para si os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, ainda que o mandato seja conhecido dos terceiros que com ele se relacionem. Fica vinculado, porém, a transferir posteriormente para o mandante as posições jurídicas por si adquiridas em execução do mandato (artigo 1181º, n.º 1).

– À letra, diz-se ter sido adoptada a concepção correspondente à chamada dupla transferência: os efeitos produzem-se primariamente na esfera jurídica do mandatário, tornando-se indispensável um negócio posterior autónomo (e atípico) para os transladar ao mandante. • Salvo quando, através do mecanismo da sub-rogação, se autorize o

mandante a substituir-se ao mandatário no exercício dos direitos por este adquiridos na execução do mandato, no pressuposto de eles terem natureza creditícia (artigo 1181º, n.º 2).

• O mandatário sem poderes de representação torna-se titular dos direitos adquiridos em execução do mandato (mandatário-proprietário). Deve, depois, transladá-los para o mandante. Assim sendo, não se cumprindo a obrigação correspondente:– este pode accionar directamente aquele para obter a

transferência;– ou, tratando-se de direitos de crédito, “pode substituir-se ao

mandatário no exercício dos respectivos direitos” (artigo 1181º, n.º 2). • Aquela acção tem carácter pessoal, pelo que, sendo os bens alienados

a favor de outrem, o mandatário responde contratualmente pelos prejuízos causados ao mandante (nos termos gerais dos artigos 798º a 808º), permanecendo eficazes os actos celebrados a favor de terceiro.

• No mandato para adquirir, para alienar ou para administrar, sempre que a titularidade do mandatário tenha carácter fiduciário – tendo ela carácter transitório e instrumental –, os bens por ele adquiridos (para transferir para o mandante ou para alienar a terceiro) ou os bens obtidos para ou no exercício da administração, devem ser tidos como um património separado (artigo 1184º).

• Depósito (artigo 1185º)– O serviço que o depositário é contratado para

prestar consiste em guardar uma coisa (móvel ou imóvel) pertencente ao depositante, com o dever de a conservar, inclusivamente contra actos de terceiro (artigo 1188º, n.º 2), e de, mais tarde, lha devolver.• Segundo o modelo legal, trata-se de contrato real quoad

constitutionem: enquanto não se procede à traditio, o contrato está incompleto.

• O depósito é ainda contrato tipicamente gratuito, embora possa ser convencionada a retribuição nos termos do artigo seguinte, assumindo então carácter oneroso.

– Depósito irregular (artigos 1205º/1206º)• Em geral, os negócios que têm por objecto coisas

fungíveis, ainda que por natureza não tenham eficácia translativa, transmitem a respectiva propriedade para o accipiens (cf. anotações do artigo 207º). É o caso paradigmático do mútuo (artigo 1142º), do penhor ou do depósito de dinheiro. Por isso se diz, especialmente para estes dois últimos (dado que o outro tem nome próprio), que se está perante negócios irregulares.

• Tornando-se o depositário proprietário da coisa depositada, daí transcorre que:– inexiste a obrigação de guarda da coisa [artigo 1187º, alínea a)];– e que a de restituição [artigo 1187º, alínea c)] tem carácter

genérico (artigo 539º)

• Tendo em conta a qualidade da coisa objecto de entrega, é inevitável a sua confusão, dentro do património do depositário, com os restantes bens nele integrados. Daí que, por razões de ordem prática, se tenha ditado, tal como no mútuo, a transferência da propriedade da coisa depositada para o depositário, e que, em geral, se mande seguir as normas a ele relativas.• O depósito irregular é antes um contrato sui generis,

próximo do mútuo (salvo no propósito que o motiva), que, por isso (como resulta do presente artigo), se submete, conforme for possível, às respectivas regras.

• Empreitada– O serviço que o empreiteiro se obriga a realizar no

interesse da outra parte contratual consiste na realização de certa obra a qual será objecto de posterior aquisição por banda do respectivo dono. Ela tem tipicamente natureza material (v.g. edifício ou qualquer outra construção, pintura de uma parede ou de um muro, forja de portões ou de gradeamentos, etc.). As obras de natureza intelectual ou moral, na sua vertente patrimonial (a única susceptível de alienação), quando se alcancem mediante contrato celebrado com o respectivo autor, não podem ser objecto de contrato de empreitada stricto sensu.

– A obra que o empreiteiro se obriga a realizar deve ser executada mediante as instruções do seu dono, quer elas estejam contidas em algum plano pormenorizado (v.g. projecto de arquitectura e respectivos projectos de especialidade), quer sejam conferidas de forma ad hoc, antes ou durante a produção do serviço contratado.

– A empreitada é, por definição, um contrato oneroso: o serviço prestado pelo empreiteiro deve ser retribuído pelo dono da obra, de acordo com os critérios nele fixados ou, na sua falta, recorrendo às regras predispostas pelo artigo 883º (artigo 1211º).

• O empreiteiro é um prestador de serviços; portanto, por definição, não actua “sob a autoridade e direcção” do dono da obra (artigo 1152º). O que não quer dizer que possa agir segundo o seu inteiro livre arbítrio, na medida em que a obra que se obriga a executar deve realizar-se no interesse de outrem. A vontade deste é, por isso, determinante. Assim:– em primeiro lugar, cabe atender ao que foi contratado, ainda

que por remissão v.g. para projectos de construção, de edificação, de arquitectura, de engenharia, etc.;

– em segundo lugar, deve o empreiteiro levar ainda em conta as instruções (insusceptíveis de integrar o conceito de alterações ao plano convencionado) que o dono da obra lhe vá fornecendo ao longo da sua execução.

• O empreiteiro só pode subempreitar (artigo 264º, nº 1):– se o dono da obra o permitir;– se a faculdade de subcontratação resultar do

conteúdo ou natureza do contrato de empreitada (v.g. por necessidade de intervenção de empreiteiros especializados em áreas para as quais o empreiteiro geral não está vocacionado).

• Em geral, a subcontratação pelo empreiteiro não depende, de consentimento do dono da obra, nem sequer que a ocorrência lhe seja levada ao conhecimento.

• A obra, uma vez concluída, deve ser entregue ao seu dono. Mas, ao contrário do que sucede noutros lugares, aqui não basta a simples traditio; é ainda necessário o acto de recepção por banda do dono da obra (muitas vezes consubstanciada, tratando-se de imóveis, no chamado “auto de recepção”). Este tem por finalidade atestar que “ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios”.

• Para proceder a recepção da obra, pressupõe-se que:– o seu dono disponha de um prazo para o efeito (n.º 2);– o empreiteiro o coloque “em condições de a poder fazer”.

• Se o dono da obra não realizar o exame cujo ónus sobre si impende ou, fazendo-o, não der a conhecer atempadamente os seus resultados ao empreiteiro, presume-se (inilidivelmente) a respectiva aceitação sem reservas. Pelo que, por consequência, ainda que a obra apresente defeitos, fica-lhe vedado o recurso ao regime contido nos artigos seguintes.

• Não havendo defeitos perceptíveis, o dono deve manifestar a respectiva aceitação; a falta de declaração faz presumir a aceitação (desde que o empreiteiro tenha colocado a obra à sua disposição).

• Feito o exame que lhe compete, o dono da obra pode optar, em alternativa, até que os defeitos assinalados sejam eliminados ou, ante a sua inviabilidade, se execute nova obra (artigo 1221º):–por recusar a sua aceitação;–ou aceitá-la com reservas (as relativas

aos mencionados defeitos).

• Em caso de o exame da obra revelar a existência de defeitos, o dono beneficia dos direitos conferidos nos artigos seguintes: – exigir a sua eliminação ou a realização de nova obra

(artigo 1221º); – impor a redução do preço (artigo 1222º); – obter a resolução do contrato de empreitada (artigo

1222º);– ou a indemnização pelos danos sofridos (artigo 1223º).

• O respectivo exercício fica dependente, no entanto, de, previamente, o dono denunciar o defeito ao empreiteiro, a menos que este declare (por qualquer modo) reconhecer a respectiva existência.