o tratado de methuen e a dependência tecnológica

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Methuen e a Teoria da Dependência As opções que são feitas por uma nação através de seus dirigentes tem um tanto de visão de estadista, outro tanto de vocação cultural e predisposição (talvez, predestinação) do povo. Este Tratado é um exemplo típico onde o governante pensou estar fazendo a melhor escolha para e com o seu povo, que sem exigir sacrifícios do povo português o levou à sua inversão na importância histórica, enquanto outro povo, o inglês, liderado por estadistas de verdade se preocupou menos com o presente e mais com o futuro e através de sacrifícios extremos no passado conduziram a nação por um caminho sem volta para o sucesso por mais de oito séculos no futuro. Esta é a explicação de como quatro países inverteram os seus papéis e as suas trajetórias históricas em pouco mais de oito séculos; quase um milênio de histórias. São quatro nações européias: Portugal, Espanha, Inglaterra, e França. Se quiserem adotar a terminologia Weberiana em sua explicação sobre o sucesso do capitalismo, e o espírito protestante do capitalismo seria: duas nações católicas e duas nações protestantes, respectivamente, Portugal e Espanha, e, Inglaterra e França. Portugal e Espanha optaram pela atividade econômica tradicional, baseada na agricultura e na baixa dependência da Tecnologia (ciência Matemática, por sinestesia). Inglaterra e França apostaram nas atividades econômicas apoiadas na mais alta tecnologia (apoiada em inversões de capital financeiro em conhecimento da Matemática - capital intelectual e humano): as máquinas.

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Methuen e a Teoria da Dependência

As opções que são feitas por uma nação através de seusdirigentes tem um tanto de visão de estadista, outro tantode vocação cultural e predisposição (talvez, predestinação)do povo.

Este Tratado é um exemplo típico onde o governante pensouestar fazendo a melhor escolha para e com o seu povo, quesem exigir sacrifícios do povo português o levou à suainversão na importância histórica, enquanto outro povo, oinglês, liderado por estadistas de verdade se preocupoumenos com o presente e mais com o futuro e através desacrifícios extremos no passado conduziram a nação por umcaminho sem volta para o sucesso por mais de oito séculosno futuro.

Esta é a explicação de como quatro países inverteram osseus papéis e as suas trajetórias históricas em pouco maisde oito séculos; quase um milênio de histórias.

São quatro nações européias: Portugal, Espanha, Inglaterra,e França.

Se quiserem adotar a terminologia Weberiana em suaexplicação sobre o sucesso do capitalismo, e o espíritoprotestante do capitalismo seria: duas nações católicas eduas nações protestantes, respectivamente, Portugal eEspanha, e, Inglaterra e França.

Portugal e Espanha optaram pela atividade econômicatradicional, baseada na agricultura e na baixa dependênciada Tecnologia (ciência Matemática, por sinestesia).

Inglaterra e França apostaram nas atividades econômicasapoiadas na mais alta tecnologia (apoiada em inversões decapital financeiro em conhecimento da Matemática - capitalintelectual e humano): as máquinas.

Mas, nem sempre fazer o que o povo quer e desejademocraticamente significa fazer o governo de estadistasnem significa fazer o melhor para o próprio povo.

A prática da ciência da Matemática é uma atividade penosa.

Costumo pensar que nos países nórdicos, e naqueles tambémonde o frio é relativamente rigoroso, as pessoas sãoobrigadas a planejarem as suas atividades de modo apermanecerem mais tempo possível em casa, recolhidos, entãoeste sistema climático pelo menos durante três meses ao anopermite e quase obriga as pessoas a se voltarem àsatividades mais circunspectas e reflexivas, daí terem oambiente adequado para desenvolverem-se os estudos dasciências mais complexas, por total falta de alternativaspara exercitar o cérebro e estimulá-lo a permanteceraquecido e ativo no inverno rigoroso.

Pode ser uma bela desculpa, afinal Portugal e Espanha nãosofrem com o mesmo rigor do inverno de França e Inglaterra,além do que, são países católicos, ou seja, segundo Weberfalta-lhes o espírito de poupança e disciplina moralpeculiar à doutrina protestante.

Espanha e Portugal não produziram matemáticos como osfranceses Ampère(1814), D’ Alembert(1752), Berger(1960),Borel(1921), Brianchon(1821), Briot(1842), DeBroglie(1927), Cauchy(1821), Clairaut(1736), Comte(1824),Condorcet(1765), Decartes(1637), Delambre(1790),Fermat(1629), Fourier(1808), Galois(1830), Germain(1808),Jordan(1870), Lafforgue(2000), Lagrange(1768),Laplace(1780), Lebesgue(1904), Legendre(1770), M.Lévy(1870), P. Lévy(1950), Méchain(1790), Mersenne(1615),Moivre(1690), Monge(1779), D’Oresme(1343), Pascal(1634),Poncelet(1822), Poisson(1800), Sarrus(1831),Vandermonde(1771), Vernier(1605), Viète(1571), ou,

como os ingleses Alcuino(755), Babbage(1814), Briggs(1588),Boole(1838), Cayley(1930), Dirac(1926), Fisher(1915),Halley(1705), Kelvin(1831), Lovelace(1842),Maclaurin(1719), Maxwell(1864), Morgan(1828), Napier(1570),Newton(1687), Recorde(1557), Sylvester(1841), Taylor(1732),Venn(1866), Wallis(1656), Watt(1754), Wiles(1994).

O Tratado de Methuen, também referido como Tratado dosPanos e Vinhos, foi um tratado assinado entre a Grã-Bretanha e Portugal, em 27 de Dezembro de 1703. Foram seusnegociadores o embaixador extraordinário britânico JohnMethuen, por parte da Rainha Ana da Grã-Bretanha, e D.Manuel Teles da Silva, marquês de Alegrete.

Pelos seus termos, os portugueses se comprometiam aconsumir os têxteis britânicos e, em contrapartida, osbritânicos, os vinhos de Portugal. Com três artigos, é otexto mais reduzido da história diplomática europeia[1]:

"I. Sua Majestade ElRey de Portugal promete tanto em Seu proprioNome, como no de Seus Sucessores, de admitir para sempre daqui emdiante no Reyno de Portugal os Panos de lãa, e mais fábricas de lanificiode Inglaterra, como era costume até o tempo que forão proibidos pelasLeys, não obstante qualquer condição em contrário.II. He estipulado que Sua Sagrada e Real Magestade Britanica, em seuproprio Nome e no de Seus Sucessores será obrigada para sempre daquiem diante, de admitir na Grã Bretanha os Vinhos do produto dePortugal, de sorte que em tempo algum (haja Paz ou Guerra entre osReynos de Inglaterra e de França), não se poderá exigir de Direitos deAlfândega nestes Vinhos, ou debaixo de qualquer outro título, directa ouindirectamente, ou sejam transportados para Inglaterra em Pipas,Toneis ou qualquer outra vasilha que seja mais o que se costuma pedirpara igual quantidade, ou de medida de Vinho de França, diminuindo ouabatendo uma terça parte do Direito do costume. Porem, se emqualquer tempo esta dedução, ou abatimento de direitos, que será feito,como acima he declarado, for por algum modo infringido e prejudicado,Sua Sagrada Magestade Portugueza poderá, justa e legitimamente,proibir os Panos de lã e todas as demais fabricas de lanificios deInglaterra.

INTRODUÇÃO

O Tratado de Methuen, acordo comercial estabelecido entrePortugal e Inglaterra em 1703 é de importância fundamentalpara o entendimento de outros acontecimentos históricosocorridos às duas nações, bem como ao Brasil, que teveparticipação importante nesse tratado.

Considerando-o alguns como prejudicial ao desenvolvimentoda nação (perpetuando inclusive influências negativas atéhoje) e outros que, se não o achando benéfico, pelo menosnão enxergam no mesmo as possíveis implicações nadecadência lusitana no século XVIII.

No primeiro caso, opinam os autores que, além do domíniocomercial que fornece aos ingleses sobre os portugueses,como diz Sandro Sideri, "o Tratado de Methuen provocou adestruição do único setor que poderia ser a testa-de-pontedo processo de industrialização português [as manufaturastêxteis] e que, se existisse, poderia evitar o‘desfasamento tecnológico’ que ainda hoje caracterizaPortugal".

Na perspectiva oposta, uma análise "das condiçõeseconômicas, tanto nacionais como inglesas, no século XVIIIleva-nos a ter de alterar o ponto de vista de suainfluência [do tratado] decisiva tanto na decadência daindústria portuguesa como no desenvolvimento da exportaçãoinglesa para Portugal", tese essa defendida principalmentepor José Borges de Macedo.

O que faremos aqui, portanto, é mostrar os variados pontosde vista a respeito de Methuen, dando espaço a outras vozesque não somente as afirmantes de que ele foi nocivo aPortugal.

Começa aqui, então, o que se propõe ser uma contribuiçãoaos estudos da historiografia portuguesa.  

OS ANTECEDENTES DO TRATADO

A caravela é um dos maiores símbolosda expansão ultramarina portuguesa

Não foi Methuen o tratado queiniciou as relações comerciaisentre Portugal e Inglaterra:elas começam em 1373, sendofirmado em tal data um tratadode aliança militar contraCastela, que ameaçava aindependência do reinoportuguês. No entanto, agritante supremacia inglesaobservada no tratado de 1703não ocorria aqui e nem nosséculos seguintes: pelocontrário, até o final doséculo XVI a nação lusitana,junto à Espanha, desempenhouum papel de destaque naeconomia européia, sendoinclusive o maior centro depoder. Tratava-se de um dosprimeiros Estados Nacionais aserem formados, com o comandopolítico centralizado em umrei; em virtude de suacentralização precoce (séculoXI), experimentara umdesenvolvimento tecnológico emarítimo mais avançado que oresto da Europa, inclusiveiniciando, no século XV, asGrandes Navegações pelosoceanos. 

Em vermelho, os domínios do Império Portuguêsno Século XVI

Possuía diversos domínioscoloniais, dos quaisobtinha riquezas agrícolas,mantinha importante tráficode escravos para suascolônias e controlava ovalioso e lucrativocomércio de especiarias nasÍndias. Portugal era, delonge, a maior força

européia, tanto políticaquanto economicamente. Asoutras nações da Europa,principalmente Inglaterra eFrança, não tinhamcondições para enfrentartal soberania: eram paísesque, durante a expansãolusa, iniciavam suarecuperação da Guerra dosCem Anos (1337-1453), eassim não poderiam combatercom afinco o crescimentoeconômico ibérico. 

Tal diferença de poder influenciava, obviamente, asrelações entre essas nações. Os autores são unânimes emdizer que os portugueses dominavam os acordos econômicosfeitos com os ingleses nessa época. O prestígio e poderiodo Império Lusitano determinavam tal predominância.

No entanto, a nação portuguesa não pensava em seu futuro,nas possibilidades de concorrência que poderiam enfrentarem seu domínio. Toda a riqueza que obtinham não se traduziaem crescimento: pelo contrário, era consumida na manutençãode uma Corte suntuosa e importação de artigos de luxo e demanufaturados, não se incentivando a modernização daagricultura ou o desenvolvimento de manufaturas, que selimitavam, para Sideri, à pequena produção das oficinas,"indústrias de pequena dimensão(...) abrangendo a própriafamília, enfim, algo parecido com o sistema doméstico", e,principalmente, não investiram na educação, conhecimentocientífico, no desenvolvimento daquela que é a base datecnologia: a Matemática. O reino começava a entrar emdecadência.

Da mesma forma, a administração do Estado e das colôniasnão era eficaz, o que contribuía para tal problematização.Tal falta de visão de futuro é expressa por vários autorescomo decorrente da mentalidade do homem português, aindapresa excessivamente ao campo e às pequenas unidades deprodução familiares e que, como disse Sérgio Buarque deHolanda, procura soluções momentâneas, rápidas e fáceis

(que poupem esforços) para os problemas que enfrenta (acolonização brasileira, segundo o próprio Sérgio, é o maiorexemplo).

Não pensariam em resoluções e projetos a longo prazo; dessaforma, faltava ao português a mente científica, matemáticae, porque não, visionária, erudita, voltada ao incrementodas atividades intelectuais, acúmulo de conhecimento econseqüente ampliação de oportunidades.

As precoces centralização e grandeza lusitanas nãoocorreram na mesma proporção que a mudança dessaconsciência. Foi essa a característica lusitana, o Estadomercantilizou-se, mas não se organizou como centro deconhecimento(..) o dinheiro da expansão irá sobretudo paraa colocação imobiliária, especialmente na construção deigrejas e solares(...) o investimento, quando se deu,inscreveu-nos quadros senhoriais".

Enquanto isto os seus concorrentes, Françae Inglaterra desenvolviam outro tipo depreocupação: a inteligência matemática.Pólo oposto ao seguido pelas naçõesibéricas Portugal e Espanha, que nãocaminharam em direção ao conhecimento maisbásico de todos, aquele que o filósofoPlatão dizia ser “que não entre na Academiade Filosofia quem não souber geometria”,que era o nome dado à Matemática nos temposdos filósofos, quinhentos anos antes deCristo. Nem isto serviu de inspiração aosdirigentes ibéricos.

Se a geometria era básica para a Filosofiae para Auguste Comte a Matemática (em suahierarquia das ciências e do conhecimentocientífico, a mais genérica seriaSociologia, e a mais basilar, a Matemática)seria a mãe de todas as ciências, então sepode perceber onde está o erro de todo oplanejamento dos países que não foram bemsucedidos no capitalismo. Ao contrário doque afirmou Adam Smith, no seu estudo sobre

Felipe II da Espanha,Rei que anexou

Portugal à UniãoIbérica

as Riquezas das nações, o segredo está noconhecimento tecnológico, cuja base é aMatemática.

Nesse quadro, tornava-se cada vez maisoneroso manter as colônias e controlargastos; o Estado Português beirava afalência. A perda da independência em 1580somente veio piorar a situação já caótica.Formando a União Ibérica com a Espanha,Portugal envolvia-se diretamente com todosos conflitos armados que os espanhóisassumiam com o resto da Europa; issoimplicava em gastos ainda maiores para umaeconomia já debilitada. O império colonialse desorganizou, sendo inclusive invadidopor outras nações (como a Holanda nolitoral pernambucano, nos anos 40 do séculoXVII). À mesma época, Inglaterra, França eHolanda (Países Baixos) desenvolviam suaeconomia e potencial marítimo,configurando-se como forças capazes deameaçar a já decadente dominação ibérica.Portugal consegue, após diversasarticulações e revoltas da nobreza,libertar-se do domínio espanhol em 1640. 

Totalmente enfraquecido economicamente (perdera o monopóliodo comércio oriental; o Brasil fora invadido; o açúcar desuas colônias enfrentava concorrentes no mercado europeu) epoliticamente (precisava do reconhecimento europeu à novadinastia real de Bragança), o país teve de aceitar o novoequilíbrio de forças no continente e submeter-se a aliançascom as potências mais fortes tendo em vista três objetivos:manter sua economia em funcionamento, proteger-se deataques e, principalmente, resguardar as posses coloniaisno Ultramar. Para isso, a nação lusitana vai relembrar1383, nas suas origens, e constituir alianças com a antigaaliada Inglaterra, que se configurava como a maior potênciacomercial do continente.

Deveria ter ficado claro a esta altura, depois de duzentosanos do descobrimento do Brasil, para os países ibéricos,

que o comércio de commodities contra produtosindustrializados, de alto valor agregado, com tecnologiaembutida, conhecimento científico lastreando os produtosindustrializados não seria possível manter uma balançacomercial superavitária entre os países ibéricoscolonialistas agricultores e as potências industriais.

A produção industrial exigiu e recebeu o impulso damatemática para tornar-se mais eficiente, eficaz, produtivae cada vez mais precisa e padronizada. A qualidade dosprodutos melhorava aos saltos, o controle da produção, asnovas invenções e aperfeiçoamento dos teares, asubstituição da força animal e humana era um caminho semvolta na indústria. O mesmo dinamismo não se viu naindústria agrícola do açúcar, do pau Brasil, do ouro, doalgodão e do café.

O que se altera, agora, são as posições. Fernando Novaisescreveu, em Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, que"o equilíbrio das relações políticas internacionais seorganizava, nesse momento, em torno de França e Inglaterra(...) passando as monarquias ibéricas ao segundo plano". Apolítica que cada nação seguiu ao longo desse tempodeterminou uma ordem mundial mais diversificada a partir doséculo XVII, bem como a queda ibérica.

Nesse contexto, os ingleses assumem, para Portugal, umaimportância vital para a sobrevivência dos domíniosultramarinos e da economia. No entanto, aos portuguesescabe um papel secundário no que se refere ao mundo inglês.A partir da análise dos fatos da época, pode-se "concluir-se ter sido a importância política e econômica daInglaterra para Portugal muito mais relevante que aimportância de Portugal para a Inglaterra".

Aos segundos interessava-lhes explorar comercialmente anação ibérica, estender a rota comercial de suasmanufaturas às colônias desta e ampliar sua esfera de poderna Europa, tirando da França, sua maior concorrente,aliados possíveis. Aos segundos, manter-se vivos naconjuntura européia e colonial; ou seja, manusear agrandeza do Império Português.

AS RELAÇÕES

Os acordos comerciais entre Portugale Inglaterra começam, então, em 1642,assinando-se outros dois em 1654 e1661. Nestes, fica clara a sujeição aque os lusos se submetiam: os portosde Portugal eram abertos aos naviosingleses (que controlarão importaçõese exportações); comerciantes inglesesresidentes em Portugal obtinhamprivilégios fiscais, civis ejudiciais (não se submetendoinclusive às leis locais e tendo umjuiz especial – chamado privativo –para julgá-los em caso de infração);Portugal deveria obrigatoriamenteadquirir seus navios na Inglaterra.Além disso, os comerciantes inglesesconseguem obter o direito departicipar no comércio metropolitanocom as colônias, exportando a elasseus produtos (com exceção de vinho,bacalhau, azeite e farinha, que erammonopólio lusitano) e fazendo osfretes de importação, dividindo comPortugal os lucros de venda na Europa(isso valia para todos os produtoscoloniais, menos o pau-brasil,exclusivo da Coroa). 

O que ocorre, pois, é a perda do monopólio colonial. Seantes Portugal possuía exclusivismo na exportação eimportação comercial com suas possessões, agora tinha dedividir tal comércio.

Os ingleses penetraram com seus produtos nas colônias e,utilizando-se de sua marinha (maior em número etecnologia), tornam-se o terceiro elemento nas transaçõesentre Portugal e colônias.

No entanto, passam a dominar esse comércio: os produtos queexportavam para a nação portuguesa e colônias eramprincipalmente manufaturas, cuja venda lhes rendiam bonslucros.

Em contrapartida, o principal produto colonial oferecidoera o açúcar, cuja venda em Europa rendia a maior parte dasrendas da Coroa lusa. Mas este já era produzido pelascolônias antilhanas inglesas e distribuído na Europa,concorrendo com o português e determinando baixos preços.

Configura-se assim o seguinte quadro: a Inglaterra lucravendendo produtos manufaturados e de primeira necessidade(alimentos, roupas) a Portugal e seus domínios, e,possuindo também os direitos de transporte dos produtosportugueses às colônias e vice-versa, obtinha rendas.

Quadro I

Principais parceiros comerciais e composição das trocas naprimeira metade do século XVIII

  Inglaterra Holanda França Espanha Alemanha

Cidades

italianas

Colônias americanas

Escandinávia

Importações

bacalhau carvão cereais cobre,ferro cordas ferragens ferroforjado laticínios

manufaturas papel pólvora têxteis vidros

art.náuticos cavalos laticínios

linhos madeiras prod.cobre prod.ferro trigo

artig.luxo cereais gesso sedas

alpiste cereais ferro fruta frutassecas lã peixe vinagre

cereais laticínios linhos madeiras

arroz cereais

panos papel sedas

bacalhau biscoito cereais farinha

cereais enxárcia ferro tabuado

Exportações

azeite cortiça couros diamantes fruta lã pau-brasil

açúcar couros diamantes fruta pau-brasil

sal tabaco

açúcar couros lã pau-brasil

açúcar cereais couros gado lã sal tabaco vinho

açúcar pau-brasil sal tabaco vinho

açúcar couros tabaco

fruta sal tabaco

fruta sal

sal sumagre vinhos

vinho

Fonte: Mattoso, 1939   Portugal, no entanto,conseguia baixosrendimentos: asimportações coloniais, deprodutos agrícolas,concorriam no mercadoeuropeu com as de outrasmetrópoles; asexportações para osmercados de suas colôniaspouco rendiam, visto queeram dominados pelosprodutos ingleses; suasexportações para aInglaterra resumiam-se,principalmente, a vinhos(que, segundo Sideri, játinham desde tal épocamenor taxa de entrada nomercado inglês paraconcorrer com osfranceses) e outrosalimentos; e ainda tinhade dividir parte do queganhava, para pagarcustos de transporte. Essa perda do exclusivismo agravou a situação portuguesa,bem como a diferença de valor entre os produtos trocadosentre as duas nações, e não só criou um grande déficit nabalança comercial com a Inglaterra mas minou possibilidadesde desenvolvimento. Sideri pensa que "o lentodesenvolvimento [do comércio de Portugal com as colônias]provocava um incentivo na criação e expansão dasmanufacturas em Portugal.

A partir da assinatura dos tratados(...) reduziu-sesignificativamente a percentagem dos manufaturadosportugueses exportados para as colônias". O pólo dedestaque comercial desloca-se para a ilha européia, quepassa a controlar as transações comerciais com o universocolonial e o Oriente.

Quadro II

Exportação de vinhos para a Inglaterra (valores médios)

  Pipas (milhares)

Índice (1700-04 = 100)

1675-79 1,2 81680-84 14,0 881685-89 5,6 351690-94 11,1 701695-99 11,3 711700-04 15,9 1001705-09 17 1071710-1714 14,3 901715-19 22,8 1431720-24 25,4 1601725-29 27,1 1701730-34 22,1 1391735-39 25,4 1601740-44 25,6 1611745-49 26,2 1651750-54 20,9 1311755-59 21,0 1321760-64 23,8 1501765-69 26,9 1691770-74 24,8 1561775-79 24,8 1561780-84 23,7 1491785-89 33,1 208

Fonte: Mattoso, 1939

Da mesma forma, dentro de Portugal os comerciantes inglesesobtinham vantagens comerciais que os permitiam construirfortuna. Eles formavam entre si organizações comerciais(feitorias) e controlavam os negócios de importação eexportação entre Inglaterra, colônias e Portugal.

E, quando a exportação de vinho (final do século XVII) para aInglaterra tornou-se um negócio importante, passaram a controlara produção na região do Alto Douro, submetendo os plantadoresaos preços que estabeleciam e fazendo todo tipo de chantagenspara comprar os vinhos da maneira que lhes fosse melhor e maislucrativa.

A produção agrícolaportuguesa se especializou nos vinhos

Tal situação foi reforçada quando,em virtude do Tratado de Methuen,Portugal se especializou naprodução vinícola (em detrimento deoutras culturas) e um poucoatenuada quando Pombal colocouintervenção estatal nas transaçõesentre comerciantes e produtores,com a Companhia de Vinhos do AltoDouro. Tamanhas facilidades somentepoderiam atrair ingleses paraestabelecer negócios em Portugal.Segundo João Lúcio de Azevedo, "em1717 contavam-se 90 casas decomércio inglesas somente emLisboa". Mas é preciso ressaltarque tal monopólio comercial inglêsera reforçado também pelo que sedisse na primeira parte: a falta dementalidade comercial dosportugueses, sua falta de preparopara o Capitalismo. Eprincipalmente, a defasagem doconhecimento científico matemáticoportuguês. Vejamos o comentário domesmo historiador a respeito doscomerciantes lusos da época: "Osnegociantes da terra eram poucos,fracos de cabedal e ignorantes(...)traficantes bisonhos, e sem orecurso indispensável do crédito,porque bancos não havia, os ardistriviais do comércio encontravam-seinermes".

Portanto, uma primeira masfundamental conclusãopodemos alcançar, que jáserve para desmistificar oTratado de Methuen (vistopor muitos erroneamente comoo que estabelece adependência lusitana aosingleses). A dominaçãocomercial portuguesa pelaInglaterra, bem como odomínio desta nas colôniaslusas, estabelece-se logoapós a Restauração. Methuennão a constitui, mas sim areforça, como escreveuSideri. "O tratado(...) maisnão foi que o resultadológico de uma situação vindado século XVII, com aassinatura dos tratados de1642, 1654 e 1661". 

Da mesma maneira, esse tratado não propôs exclusivismocomercial entre ingleses e portugueses: os primeiros nãodeixaram de comprar vinhos de França e Espanha somenteporque tinham acordo com Portugal; os segundos tentaramdesenvolver manufaturas têxteis, diminuir a influênciainglesa e constituíram relações comerciais inclusive cominimigos ingleses (sendo tal ação parte integrante dasrelações de neutralidade lusas defendidas por Novais em sua obra:Portugal evitava envolver-se em guerras européias paraassim, mesmo aliado comercial da Inglaterra, podercomercializar com outros países).

Portugal possuía acordos de defesa e comerciais com osingleses, que tinham preferência. Mas não deixou em nenhummomento de procurar manter uma política neutra nocontinente, abstendo-se de tomar posições em guerras(somente quando a Inglaterra o forçava tinha de participar)e mantendo comércio com outras nações.

Por exemplo, lusitanos e franceses mantinham intensasrelações comerciais no século XVIII tendo como produtochave o algodão produzido no Brasil; da mesma forma, nãodeixaram de entrar em Portugal panos franceses eholandeses, embora em menor quantidade e taxas de impostossuperiores às da Inglaterra.

Em algumas oportunidades Portugal até enfrentou a Inglaterra,principalmente no governo de Pombal, quando o Estado passou aexercer maior controle sobre a produção vinícola (intermediandoa venda de produtores aos comerciantes ingleses, procurandoauxiliar os primeiros), promovendo um processo deindustrialização e controlando com mais afinco o comércio entrePortugal e Brasil, por meio de Companhias de Comércio.

O Marques dePombal

Pombal sentia que era preciso reduzir ainfluência inglesa para reconquistar aindependência nacional e melhorar a economia.Seus planos enfrentaram represálias por parteda Inglaterra (que, por exemplo, praticamenteigualou as taxas de entrada dos vinhosfranceses e portugueses em seu território,reduzindo assim a procura por este naInglaterra e, conseqüentemente, as exportaçõesportuguesas), mas alcançaram certo sucesso:Portugal reduziu suas importações ediversificou as exportações. 

No entanto, a entrada do século XIX trouxe a invasãonapoleônica e a necessidade de proteção inglesa. O domíniovoltava a se configurar; agora, mais forte e disposto aaplicar uma punhalada em Portugal: tirar os lusitanos daintermediação do seu comércio com o Brasil.

Espera-se aqui termos consertado um certo equívoco demuitos livros, que é considerar o Tratado de Methuen comodefinidor de exclusivismos comerciais anglo-lusitanos, bemcomo que o único estabelecedor das relações de dominaçãodos ingleses sobre a nação lusitana.

Fora a opção ibérica pelo abandono da Matemática quepermitiu que o setor mais dinâmico da economia que semprefoi o setor de uso intensivo de tecnologia, naquela épocarepresentada pela indústria manufatureira, que dependia de

uma ampla base de conhecimentos teóricos dado pelaMatemática.

Denada adiantaria a Portugal industrializar-se importando amodernas máquinas de tear da Inglaterra ou da França. Seriaoutra forma de dependência tecnológica para Portugal.Somente a capacidade de projetar e de desenvolvertecnologia mecânica daria a Portugal condições de voltar aparear-se com França e Inglaterra, através do incentivo aoaprimoramento do desenvolvimento científico interno e aconseqüente evolução tecnológica derivada do complexocientífico matemático que é a única base da prosperidade deuma nação.

O TRATADO DE METHUEN E SUAS INTERPRETAÇÕES

Assinado em 27 de dezembro de 1703 em Lisboa, o Tratado deMethuen constava de três artigos, afirmando que aInglaterra se comprometia a adquirir os vinhos de Portugal,pagando estes dois terços dos direitos impostos aos vinhosfranceses.

Na mesma lógica, os portugueses se comprometiam a adquiriros panos ingleses. Este tratado, como afirmamos, somenteconfirmou os termos já definidos nos tratados do séculoanterior; ele apenas reafirma e confirma as práticascomerciais de exportação vinícola e têxtil que as naçõesdesenvolviam entre si.

Na prática, podemos considerar que Methuen apenas ajuda aagravar a crise da ciência e da matemática com a sinestesiano sistema da base econômica lusitana e fornece aosingleses os subsídios para financiar a ciência e tecnologiainglesa bases para a Revolução Industrial e firmar-sedefinitivamente como a maior potência européia.

Sideri afirma em seu livro que as relações comerciaisanglo-lusitanas geravam, na maioria dos casos, déficitcomercial na balança portuguesa, visto que o valor emimportações (não somente de panos, mas de outrasmercadorias de primeira necessidade) era sempre maior que ode exportações.

A produção de vinho para exportação somente piorou talquadro, pois as melhores terras da nação dedicaram-seexclusivamente a tal cultura, reforçando a necessidade decompra de alimentos.

Para agravar mais ainda, os vinhos rendiam pouco paraPortugal, pois, como vimos, sua venda era coordenada peloscomerciantes ingleses residentes em terras portuguesas(utilizando-se dos meios já citados anteriormente, essescomerciantes locais de saída monopolizavam o grosso dasrendas do comércio de vinhos, o que contribuía para osbaixos lucros portugueses e as altas rendas da Inglaterra).

Como compensar tal situaçãoe pagar os déficits,garantindo assim amanutenção das relações comseu maior parceiro e aproteção militar contrainvasões que ele lheassegurava? Aqui entra oouro das minas brasileiras;será este metal o grandefator econômico que oslusos oferecerão àInglaterra para equilibraro comércio. E não se podenegar que o metal era deinteresse inglês. LuizKoshiba afirma que otratado foicoincidentemente assinadona época em que começava adescobrir-se ouro noBrasil. Afinal, aInglaterra necessitava deouro para equilibrar suaprópria balança comercialcom a França (queapresentava déficits),aumentar seus estoques eampliar a circulação demoeda corrente em seu

território, intensificandoassim o mercado interno eos capitais que estepoderia gerar com oincremento da produção quetal mercado pediria.O metal brasileiro, não tendo em quê ser investido emPortugal (pois esta possuía restrito mercado interno e nãotinha atividades manufatureiras a serem expandidas e nãoacreditava em investimento no conhecimento científico, naMatemática e em tecnologia) será escoado quase em suatotalidade para a nação inglesa, permitindo a acumulação decapitais por parte da burguesia inglesa bem como ocrescimento do mercado local; ou seja, será um fatoressencial para a ocorrência da Revolução científicalastreada pela revolução da matemática cuja sinestesia foia Revolução Industrial, que colocou a Inglaterra naliderança mundial.

Claro que, para tal acontecimento, não se pode negar ainfluência dos próprios termos de Methuen: ao conseguir ummercado fiel aos seus tecidos, a indústria inglesa pôdedesenvolver sua produção, criando as condições paraacumular conhecimento científico, consequentemente gerandotecnologia que gera capital financeiro a ser reinvestido.Em troca de tantas vantagens, somente tiveram de ajustarseu paladar para consumir vinho do Porto, que era, deinício, preterido pelos da França.

Portanto, podemos também afirmar que o Tratado de Methuenconfirmou a dominação inglesa sobre Portugal e suascolônias, em especial o Brasil. Mais do que isso, impediupor sinestesia com a falta de estratégia do EstadoPortuguês o desenvolvimento industrial lusitano, aocontrolar seu abastecimento de têxteis, e fez-se maior como ouro brasileiro.

O crescimento de um (ingleses) representou a decadência dooutro (portugueses); economicamente falando, podemosafirmar que a divisão de tarefas produtivas anglo-portuguesas encaixa-se nos nascentes princípios econômicosliberais do século XVIII: elas faziam parte da chamadaDivisão Internacional do Trabalho, desenvolvida pelo

economista David Ricardo e que pregava a especialização dospaíses em determinada função que bem soubessem cumprir,dinamizando e desenvolvendo assim a economia mundial comoum todo, bem como as boas relações entre as nações. Emoutros termos, uma divisão entre países desenvolvidos(produtores de manufaturas) e subdesenvolvidos (produtoresde matérias-primas), escondia outra divisão não visível: adivisão entre os países que valorizam e investem emdesenvolvimento científico e os que não o fazem. Isto nem ateoria de David Ricardo assume claramente.

O Conde de Ericeira

No entanto, esse consenso sobre Methuen nãoexiste. Até hoje diversos autores debatem otratado. Há alguns, como Antônio Mattoso, queo consideram benéfico para ambas as partes:os vinhos lusos estabeleceram-se de vez nasilhas inglesas, os panos ingleses penetraramem Portugal derrubando as restrições impostasno final do século passado, quando a políticado Conde de Ericeira tentou desenvolvermanufaturas nas terras lusitanas, para evitargastos maiores com importações. No entanto,tal tentativa foi combatida e vencida porpressões inglesas e até mesmo internas: aaristocracia portuguesa atravancava odesenvolvimento industrial, pois consideravaeste um rompimento de suas tradiçõescampestres. Essa visão está ausente emSideri. Este autor afirma decisivamente queas manufaturas em Portugal, por causa doTratado, ficaram travadas; o desenvolvimentoparou em geral, a economia entrou em crise.

Na verdade não existe base industrial sem abase da tecnologia, e a base tecnológica nãoexiste sem o conhecimento científico, e oconhecimento científico é lastreado pela baseMatemática.

"A agricultura encontrava-se em estado lastimoso; ocomércio entregue a estrangeiros, as manufaturas não

existiam nas zonas costeiras, e as do interior possuíamtécnicas ultrapassadas e não conseguiam progredir, dada alimitação das capacidades empresariais, a falta deconhecimento tecnológico e a ausência dos estudos e ensinode Matemática, a pequena dimensão do mercado que pretendiamabastecer(...) o Brasil, a única colônia com (...) dimensãoeconômica, constituía um mercado importador de bensestrangeiros, especialmente ingleses".

Daí conclui Sideri: "é de todo impossível defender a idéiade que o Tratado de Methuen provocou vantagens comerciaispara Portugal". Parece esclarecer tudo: para Portugal, estetratado representou a renúncia a qualquer espécie dedesenvolvimento industrial, científico, Matemático,tecnológico e resultou na transferência para a Inglaterrado impulso dinâmico gerado pelo ouro brasileiro, peloesforço científico e tecnológico lastreado nosconhecimentos dos grandes Matemáticos da Europa.

Já João Lúcio de Azevedo afirma que não foi Methuen quemdeu preponderância à Inglaterra no comércio com Portugal,mas sim os tratados de 1642, 54 e 61. O de 1703caracterizou-se, para ele, por propiciar às indústriaslusas fugaz prosperidade e, principalmente, a expansão dacultura vinícola na região do Alto Douro. Mas não nega que,nesses tratados, "todas as obrigações ficavam a Portugal,todas as vantagens a Inglaterra" .

Por seu lado, Jorge Borges de Macedo considera, sim, quePortugal realmente enfrentou no século XVIII uma decadênciamanufatureira, mas não em decorrência do tratado de Methuene sim do ouro brasileiro.

Para o citado autor, a obtenção do metal na colôniaamericana fizera com que Portugal parasse de se preocuparcom o desenvolvimento de outras formas de pagar suasdívidas com a Inglaterra ou procurasse incrementar aprodução agrícola e de manufaturas internamente para assimreduzir importações, visto que havia agora ouro para pagartais dívidas. Como vimos o ouro brasileiro não substitui oconhecimento científico, tecnológico e o ensino e apoio daMatemática para os fundamentos de uma nação comsustentabilidade econômica.

Teria sido, então, a posse do metal um estimulador parasolucionar os problemas facilmente, sem se pensar no longoprazo de que o ouro poderia acabar e, sem desenvolvimentointerno, a necessidade de importação tornar-se maior. Oconhecimento científico não é como o ouro, que somente dáuma safra, ao contrário ele se repruduz, cresce, semetamorfoseia em tecnologia, em prestígio internacional, eproduz riquezas.

Continua o autor: "os portugueses tiveram a indústria muitodiminuída desde que encontraram as minas de ouro e prata doBrasil". Parece que o caráter do lusitano, de procurarsoluções rápidas e instantâneas para seus problemas e nãofazer projetos para o futuro, prendendo-se totalmente aomomento vivido (tão bem mostrado por Sérgio Buarque deHolanda em Raízes do Brasil), continuava imperando, mesmo com ocrescimento de outro sistema comercial e produtivo(Capitalismo).

No aspecto manufatureiro, o autor afirma ainda que não sepode generalizar; afinal, algumas manufaturas funcionavamnas localidades do interior; as classes popularescontinuavam a consumir os tecidos portugueses, que eram depior qualidade mas mais baratos.

Os maiores consumidores de tecidos ingleses eram as classesmédias e nobreza, habitantes das regiões costeiras (einfluenciadas diretamente pelos navios ingleses quechegavam abarrotados de tecidos). No entanto, nem sempreesses tecidos penetravam no interior da nação, o quegarantia a preponderância dos panos nacionais nessas áreas.O que Macedo procura demonstrar é que "tanto antes quantodepois do Tratado de Methuen, continuou a existir indústriade lanifícios em Portugal, com amplo e longo consumo".Contraria, assim, a visão de Sideri, talvez um poucoextremista.

João Lúcio de Azevedo afirma em sua obra que, realmente,parte da indústria lanifícia sobreviveu em Portugal mesmocom os tratados. Cita, por exemplo, que o abastecimento depanos às forças armadas era encargo das manufaturasportuguesas; mas não deixa de ressaltar que tal indústriaestava em decadência, e aponta motivos: além do quase

exclusivismo inglês no abastecimento comercial, ainsuficiência técnica e falta de participação de um Estadodecidido a apoiar esse processo de industrialização, e quenão ficasse mais preso à mentalidade feudal de sua nobreza,entrando de uma vez no universo capitalista. Para comprovaresse quadro, afirma que em 1784, "dos lanifícios consumidosem Lisboa, não passariam de uma décima parte os de produçãonacional".

Da mesma forma que não se pode negar a vivência, ainda quelimitada, das manufaturas lusitanas durante a época dostratados, também não se pode afirmar que sua participaçãoera ínfima perto do poderio e capacidade inglesas.

Assim, o Tratado de Methuen tem sua importância no quadroeconômico e político do século XVIII. Determinou o domínioinglês sobre Portugal, um mercado garantido para seusprodutos e fundos monetários para realizar a RevoluçãoIndustrial e tornar-se a maior potência européia. Trata-sede um fato histórico a ser estudado e desmistificado emmuitos de seus aspectos e conseqüências, analisadoserroneamente.

As invenções não resultam de atos individuais ou do acaso,mas de problemas concretos colocados para homens práticos.O invento atende à necessidade social de um momento; docontrário, nasce morto. Da Vinci imaginou a máquina a vaporno século XVI, mas ela só teve aplicação no século XVIIIcom o desenvolvimento da Matemática mais adequada aosdesejos e práticas tecnologias exigidas para efetivar osinventos de Da Vinci.

Para alguns historiadores, a Revolução Industrial começa em1733 com a invenção da lançadeira volante, por John Kay. Oinstrumento, adaptado aos teares manuais, aumentou acapacidade de tecer; até ali, o tecelão só podia fazer umtecido da largura de seus braços. A invenção provocoudesequilíbrio, pois começaram a faltar fios, produzidos naroca.

Em 1767, James Hargreaves inventou a Spinning jenny, quepermitia ao artesão fiar de uma só vez até oitenta fios,mas eram finos e quebradiços.

A Water Frame de Richard Arkwright, movida a água, eraeconômica, mas produzia fios grossos. Em 1779, S SamuelCrompton combinou as duas máquinas numa só, a Mule,conseguindo fios finos e resistentes.

Mas agora sobravam fios, desequilíbrio corrigido em 1785,quando Edmond Cartwright inventou o tear mecânico.

Cada problema surgido exigia nova invenção. Para mover otear mecânico, era necessária uma energia motriz maisconstante que a hidráulica, à base de rodas d’água. JamesWatt, aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à máquina demovimento duplo, com biela e manivela, que transformava omovimento linear do pistão em movimento circular,adaptando-se ao tear.

Para aumentar a resistência das máquinas, a madeira daspeças foi substituída por metal, o que estimulou o avançoda siderurgia. Nos Estados Unidos, Eli Whitney inventou odescaroçador de algodão.

Em 1801, Joseph Marie Jacquard inventou um tear mecânicodotado de uma leitora de cartões perfurados, os quaisrepresentavam os desenhos do tecido - portanto umprocessador das informações relativas à padronagem dotecido; o tear funcionava tão bem que este é o primeiroexemplo prático de desemprego provocado pela automação!

As primeiras máquinas a vapor foram construídas naInglaterra durante o século XVIII. Retiravam a águaacumulada nas minas de ferro e de carvão e fabricavamtecidos. Graças a essas máquinas, a produção de mercadoriasaumentou muito. E os lucros dos burgueses donos de fábricascresceram na mesma proporção. Por isso, os empresáriosingleses começaram a investir na instalação de indústrias.

As fábricas se espalharam rapidamente pela Inglaterra eprovocaram mudanças tão profundas que os historiadoresatuais chamam aquele período de Revolução Industrial. Omodo de vida e a mentalidade de milhões de pessoas setransformaram, numa velocidade espantosa. O mundo novo docapitalismo e do conhecimento científico, da cidade, datecnologia, da Matemática e da mudança incessante triunfou.

As máquinas a vapor bombeavam a água para fora das minas decarvão. Eram tão importantes quanto as máquinas queproduziam tecidos.

As carruagens viajavam a 12 km/h e os cavalos, quando secansavam, tinham de ser trocados durante o percurso. Umtrem da época alcançava 45 km/h e podia seguir centenas dequilômetros. Assim, a Revolução Industrial tornou o mundomais veloz. Como essas máquinas substituiam a força doscavalos, convencionou-se em medir a potência desses motoresem HP (do inglês horse power ou cavalo-força).

Apenas o desejo humano de criar as máquinas não foi nem ésuficiente para que elas surjam.

Não foi apenas a abundância de carvão minério de ferrosuficientes para desencadearem a Revolução Industrial, nemo surgimento das máquinas a vapor e a eletricidade. Foi odomínio científico das leis que permitissem e explicassemmetodicamente o funcionamento das leis da Matemáticasaplicadas à natureza que permitiu manipular e colocar àdisposição da criatividade humana os conhecimentos mágicosque empurraram a tecnologia em direção à afirmação dosdesejos e dos sonhos dos inventores humanos.

Foi primeiro necessário consolidar o conhecimento básico daabstração matemática, para aplicá-la de modo prático àsidéias produtivas que foram transformando o modo de ver esentir a realidade, e a partir dos sucessos obtidos osinventores foram acumulando e avançando no conhecimento,estabelecendo novos instrumentos teóricos, e novos métodosde projetar, novas ferramentas, novos instrumentos demedição, novas maneiras de combinar os conhecimentos, novasepecializações do conhecimento.

Enquanto as antigas guildas acumulavam conhecimento apenasprático da manufatura, a falta de intercâmbio deinformações e a falta da base teória matemática resultaramem quase um milênio de estagnação tecnológica. Bastou aabertura da revolução renascentista para que os matemáticosquebrassem os segredos das ligas de profissionais medievaise incorporassem as teorias à prática para que a maneira deproduzir desse um enorme salto qualitativo, copiando e

aperfeiçoando o método de produção em série padronizadamedieval na divisão das tarefas industriais, com o adventoda utilização de máquinas movidas à força mecânica,exigindo a solução matemática de novos problemas advindosda aceleração alucinada da linha de produção mecanizada,mais precisa e exata.

Abaixo, um pequeno histórico da evolução histórica da Matemática :

4000 a.C. - Na Mesopotâmia, os sumérios desenvolvemum dos primeiros sistemas numéricos, composto de 60símbolos.

520 a.C. - O matemático grego Eudoxo de Cnido definee explica os números irracionais.

300 a.C. - Euclídes desenvolve teoremas e sintetizadiversos conhecimentos sobre geometria. É o inícioda Geometria Euclidiana.

250 - Diofante  estuda e desenvolve diversosconceitos sobre álgebra.

500 - Surge na Índia um símbolo para especificar oalgarismo zero.

1202 - Na Itália, o matemático Leonardo Fibonaccicomeça a utilizar os algarismo arábicos.

1551 - Aparece o estudo da trigonometria,facilitando em pleno Renascimento Científico, oestudo dos astros.

1591 - O francês François Viète  começa arepresentar as equações matemáticas, utilizandoletras do alfabeto.

1614 - O escocês John Napier  publica a primeiratábua de Logarítimos.

1637 - O filósofo, físico e matemático francês RenéDescartes desenvolve uma nova disciplina matemática:a geometria analítica, com a misitura de álgebra egeometria.

1654 - Os matemáticos franceses Pierre de Fermat eBlaise Pascal  desenvolvem estudos sobre o cálculode probabilidade.1669 - O físico e matemático inglêsIsaac Newton desenvolve o cálculo diferencial eintegral.1685 - O inglês John Wallis cria os númerosimaginários.

1744 - O suíço Leonard Euler desenvolve estudossobre os números transcendentais.

1822 - A criação da geometria projetiva édesenvolvida pelo francês Jean Victor Poncelet.

1824 - O norueguês Niels Henrik Abel conclui que éimpossível resolver as equações de quinto grau.

1826 - O matemático russo Nicolai IvanovichLobachevsky desenvolve a  geometria não euclidiana.

1931 -  Kurt Gödel, matemático alemão, comprova queem sistemas matemáticos existem teoremas que nãopodem ser provados nem desmentidos.

1977 - O matemático norte-americano Robert StetsonShaw faz estudos e desenvolve conhecimentos sobre ATeoria do Caos.

1993 - O matemático inglês Andrew Wiles consegueprovar através de pesquisas e estudos o últimoteorema de Fermat. 

   Século XVII

1698 - Thomas Newcomen, em Staffordshire, na Grã-Bretanha, instala um motor a vapor para esgotar águaem uma mina de carvão.

Século XVIII

1708 - Jethro Tull (agricultor), em Berkshire, na Grã-Bretanha, inventa a primeira máquina de semear puxadaa cavalo, permitindo a mecanização da agricultura.

1709 - Abraham Darby, em Coalbrookdale, Shropshire, naGrã-Bretanha, utiliza o carvão para baratear aprodução do ferro.

1733 - John Kay, na Grã-Bretanha, inventa umalançadeira volante para o tear, acelerando o processode tecelagem.

1740 - Benjamin Huntsman, em Handsworth, na Grã-Bretanha, descobre a técnica do uso de cadinho parafabricação de aço.

1761 - Abertura do Canal de Bridgewater, na Grã-Bretanha, primeira via aquática inteiramenteartificial.

1764 - James Hargreaves, na Grã-Bretanha, inventa afiadora "spinning Jenny", uma máquina de fiar rotativaque permitia a um único artesão fiar oito fios de umasó vez[2].

1765 - James Watt, na Grã-Bretanha, introduz ocondensador na máquina de Newcomen, componente queaumenta consideravelmente a eficiência do motor avapor.

1768 - Richard Arkwright, na Grã-Bretanha, inventa a"spinning-frame", uma máquina de fiar mais avançada quea "spinning jenny".

1771 - Richard Arkwright, em Cromford, Derbyshire, naGrã-Bretanha, introduz o sistema fabril em suatecelagem ao acionar a sua máquina - agora conhecidacomo "water-frame" - com a força de torrente de águanas pás de uma roda.

1776 - 1779 - John Wilkinson e Abraham Darby, emIronbridge, Shrobsihire, na Grã-Bretanha, constroem aprimeira ponte em ferro fundido.

1779 - Samuel Crompton, na Grã-Bretanha, inventa a"spinning mule", combinação da "water frame" com a "spinningjenny", permitindo produzir fios mais finos eresistentes. A mule era capaz de fabricar tanto tecidoquanto duzentos trabalhadores, apenas utilizandoalguns deles como mão-de-obra.

1780 - Edmund Cartwright, de Leicestershire, na Grã-Bretanha, patenteia o primeiro tear a vapor.

1793 - Eli Whitney, na Geórgia, Estados Unidos daAmérica, inventa o descaroçador de algodão.

1800 - Alessandro Volta, na Itália, inventa a bateriaelétrica.

Século XIX

1803 - Robert Fulton desenvolveu uma embarcação avapor na Grã-Bretanha.

1807 - A iluminacão de rua, a gás, foi instalada emPall Mall, Londres, na Grã-Bretanha.

1808 - Richard Trevithick expôs a "London SteamCarriage", um modelo de locomotiva a vapor, em Londres,na Grã-Bretanha.

1825 - George Stephenson concluiu uma locomotiva avapor, e inaugura a primeira ferrovia, entreDarlington e Stockton-on-Tees, na Grã-Bretanha.

1829 - George Stephenson venceu uma corrida develocidade com a locomotiva "Rocket", na linhaLiverpool - Manchester, na Grã-Bretanha.

1830 - A Bélgica e a França iniciaram as respectivasindustrializações utilizando como matéria-prima oferro e como força-motriz o motor a vapor.

1843 - Cyrus Hall McCormick patenteou a segadoramecânica, nos Estados Unidos da América.

1844 - Samuel Morse inaugurou a primeira linha detelégrafo, de Washington a Baltimore, nos EstadosUnidos da América.

1856 - Henry Bessemer patenteia um novo processo deprodução de aço que aumenta a sua resistência epermite a sua produção em escala verdadeiramenteindustrial.

1865 - O primeiro cabo telegráfico submarino éestendido através do leito do oceano Atlântico, entrea Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América.

1869 - A abertura do Canal de Suez reduziu a viagemmarítima entre a Europa e a Ásia para apenas seissemanas.

1876 - Alexander Graham Bell inventou o telefone nosEstados Unidos da América (em 2002 o congresso norte-americano reconheceu postumamente o italiano AntonioMeucci como legítimo invetor do telefone)

1877 - Thomas Alva Edison inventou o fonógrafo nosEstados Unidos da América.

1879 - A iluminação elétrica foi inaugurada em MentoPark, New Jersey, nos Estados Unidos da América.

1885 - Gottlieb Daimler inventou um motor a explosão.

1895 - Guglielmo Marconi inventou a radiotelegrafia naItália.

BIBLIOGRAFIA COMENTADA:

AZEVEDO, João Lúcio de – Épocas de Portugal Econômico. Lisboa,Livraria Clássica, 1929.

Um dos mais importantes historiadores portugueses doséculo, João Lúcio dá uma das melhores descrições eanálises sobre a evolução e decadência da economiaportuguesa desde o surgimento do Condado Potucalense, noséculo XI, até o final da época colonial.

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio – Raízes do Brasil. São Paulo, Cia.Das Letras, 1995.

Um dos livros mais importantes na "interpretação do Brasilmoderno", Raízes é o legado mais conhecido e analisado davasta obra de Sérgio Buarque. Aliando a interpretação dosfatos da história brasileira e portuguesa à análise damentalidade social dos dois territórios, o historiadorcontribui para a definição de muitos aspectos que permeiamnossa história e nosso modo de ser e agir até hoje.

GODINHO, Vitorino Magalhães – Os Descobrimentos e a EconomiaMundial. Lisboa, Ed. Presença, 4 vols., 1981-83.

Seguindo o exemplo de João Lúcio de Azevedo, Godinhopertence à restrita casta dos melhores historiadoreslusitanos. Neste livro, ele compara o cenário mundial dosGrandes Descobrimentos à transformação da economia esociedade portuguesa, em sua ascensão e posterior queda.Mostra de forma magistral como a maior parte dos recursosobtidos pela nação portuguesa em suas colônias foi gastonão num processo modernizador, mas de forma fútil,analisando tal fenômeno como decorrente de uma transiçãonão concretizada do Feudalismo para o Capitalismo.

KOSHIBA, Luiz – História do Brasil. São Paulo, Ed. Atual, 1993.

Obra didática, mas bem escrita. Contém boa análise sobre operíodo da mineração no Brasil e como o ouro aqui recolhidose destinava a cobrir parte do déficit comercial com aInglaterra. Livro de referência.

MATTOSO, Antônio G. – História de Portugal. Lisboa, Livraria Sáda Costa, 1939

Relato sobre os principais fatos da história lusitana, comuma leve porção de saudosismo e ufanismo. É um dos poucos adefender a tese de que o Tratado de Methuen também foibenéfico a Portugal, que obtinha superávit com a exportaçãode vinho em troca dos panos ingleses.

NOVAIS, Fernando – Portugal e o Brasil na crise do Antigo SistemaColonial. São Paulo, Ed. Hucitec, 1979.

Livro fundamental para o entendimento das relações entreBrasil e Portugal, e entre este e a Europa, nos séculosXVIII e XIX. Novais analisa a transformação do regimecolonial com a decadência lusitana e o aparecimento denovas potências econômicas e coloniais, como França e aprópria Inglaterra, que usará sua pujança para dominar omercado interno e colonial português com o intuito deconverter-se na maior força do continente europeu. É nessecontexto que ele recupera dois tratados comerciaisanteriores entre lusitanos e ingleses, que dão base aoacordo de Methuen na entrada do século XVIII.

SERRÃO, Joel (org.) – Dicionário da História de Portugal. Lisboa,Iniciativas Editoriais, Volume III.

Narra a história lusitana por meio de verbetessignificativos à trajetória do país. Como Mattoso, JoelSerrão defende a superioridade portuguesa no acordo deMethuen e afirma que o tratado incentivou a indústriavinícola do país. Esse argumento é contestadoprincipalmente por Sandro Sideri.

SIDERI, Sandro – Comércio e poder: colonialismo informal nasrelações anglo-portuguesas. Lisboa, trad. Port., Ed. Cosmos,1970.

Livro-base deste ensaio, se detém especificamente naanálise de todos os tratados firmados desde o século XVIIentre Portugal e Inglaterra. Perfeito nas descrições deconjunturas históricas e interpretação dos fatos, a obra deSideri se torna um tanto cansativa quando se propõe aanalisar as teorias econômicas vigentes na época e o valordas moedas de troca nessas relações econômicas. Entre oslivros usados, é o mais completo para consultas sobre ostratados comerciais entre portugueses e ingleses,analisando-o de forma crítica.