crise financeira mundial

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  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

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  • CONSELHO EXECUTIVO

    Jorge Cezar CostaPresidente do Conselho Executivo

    Euclia Maria Agrizzi MergrVice-presidente Executiva

    Jos Roberto Pimentel TeixeiraVice-presidente de Assuntos Fiscais

    Maria do Carmo Costa PimentelVice-presidente de Poltica de Classe

    Rodrigo da Costa PssasVice-presidente de Poltica Salarial

    Floriano Jos MartinsVice-presidente de Assuntos de Seguridades Social

    Jos Avelino da Silva NetoVice-presidente de Aposentadorias e Penses

    Ana Mickelina Barbosa CarreiraVice-presidente de Cultura Profissional e Relaes Interassociativas

    Antonio Silvano Alencar de AlmeidaVice-presidente de Servios Assistenciais

    Manoel Eliseu de AlmeidaVice-presidente de Assuntos Jurdicos

    Dcio Bruno LopesVice-presidente de Estudos de Assuntos Tributrios

    Joo Alves MoreiraVice-presidente de Administrao, Patrimnio e Cadastro

    Luiz Mendes BezerraVice-presidente de Finanas

    Ademar BorgesVice-presidente de Planejamento e Controle Oramentrio

    Rosana Escudero de AlmeidaVice-presidente de Comunicao Social

    Maria Inez Rezende dos Santos MaranhoVice-presidente de Relaes Pblicas

    Assunta Di Dea BergamascoVice-presidente de Assuntos Parlamentares

    Fbio Galzia Ribeiro de CamposVice-presidente de Tecnologia da Informao

    CONSELHO FISCAL

    Ary Gonzaga de Lellis - GOLuiz Antnio Gitirana - BAEnnio Magalhes Soares da Cmara - PA

    CONSELHO DE REPRESENTANTES

    Coordenador: Pedro Dittrich Junior - SCVice-coordenador: Manoel de Matos Ferraz - MTSecretria: Rozinete Bissoli Guerini - ESSecretria-adjunta: Maria Aparecida F. P. Leme - RN

    AC - Heliomar LunzAL - Francisco de Carvalho MeloAM - Cleide Almeida NovoAP - Emir Cavalcanti FurtadoBA - Arnaldino Moraes PittaDF - La Pereira de MattosCE - No Freitas JniorES - Rozinete Bissoli GueriniGO - Nilo Srgio de LimaMA - Carlos Alberto Reis de AndradeMG - Lucio Avelino de BarrosMS - Cassia Aparecida Martins de A. VedovatteMT - Manoel de Matos FerrazPA - Maria Oneyde SantosPB - Lucimar Ramos L. CarvalhoPE - Abias Amorim CostaPI - Lourival de Melo LoboPR - Mrcio Humberto GhellerRJ - Sergio Wehbe BaptistaRN - Maria Aparecida Fernandes P. LemeRO - Eni Paizanti L. FerreiraRR - Andre Luiz Spagnuolo AndradeRS - Dulce Wilennbring de LimaSC - Pedro Dittrich JuniorSe - Jorge Loureno BarrosSP - Margarida Lopes AraujoTO - Mrcio Rosal Bezerra Barros

    DIRETORIA EXECUTIVA

    Floriano Martins de S NetoPresidente

    Caetano vora da Silveira NetoDiretor Administrativo

    Albenize Gatto CerqueiraDiretor Financeiro

    Sandra Consuelo Abreu ChuvesDiretor de Planejamento

    Rita Maria GaonaDiretor de Cursos e Eventos

    SUPLENTES

    Ana Lcia Guimares SilvaPrimeiro

    Vilson Antonio RomeroSegundo

    Aurora Maria M.BorgesTerceiro

    Benedito Leite SobrinhoQuarto

    CONSELHO FISCAL

    TitularesGivanildo Aquino da SilvaJos Geraldo de OliveiraPedro Augusto Sanchez

    SuplentesDurval Azevedo SousaPrimeiro

    Rubens Moura de CarvalhoSegundo

    CONSELHO CURADOR

    Jorge Cezar CostaPresidente

    Rosana Escudero de AlmeidaSecretaria

    MembrosMaria do Carmo Costa PimentelFloriano Jos MartinsDcio Bruno LopesAmauri Soares de SouzaEurico Cervo

    SuplentesAna Mickelina CarreiraPrimeiro

    Leila S. de B. Signorelli de AndradeSegundo

    Jos Roberto Pimentel TeixeiraTerceiro

    Roswilcio Jos M. GisQuarto

    ANFIP - ASSOCIAO NACIONAL dOS AudITOReS FISCAIS dA ReCeITA FedeRAL dO BRASIL

    FuNdAO ANFIP de eSTudOS dA SeGuRIdAde SOCIAL

  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

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    ANFIP - ASSoCIAo NACIoNAL DoS AUDItoRESFISCAIS DA RECEItA FEDERAL Do BRASIL

    Braslia - 2009

  • Copyright 2009 Associao Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - ANFIP

    disponvel em: www.anfip.org.br

    ISBN: 978-856210203-05Tiragem desta edio: 2.000 exemplares

    Impresso no Brasil

    Organizadores: Carlos Roberto Bispo, Flvio Tonelli Vaz, Floriano Jos Martins e Juliano Sander MusseCapa: Jos Ricardo Lessa MartinsProjeto grfico e Diagramao: Gilmar Eumar VitalinoReviso: Raquel Zanon

    Assessoria de Estudos Socioeconmicos da ANFIP:Carlos Roberto BispoJuliano Sander MusseAmanda Guedes de Oliveira

    Permitida a divulgao dos textos contidos nesta publicao, desde que seja citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores dos artigos, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da Associao Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil ANFIP.

    1 edio: 200p

    ANFIP e Fundao ANFIPSBN Quadra 01 Bl. H ed. ANFIP - Braslia dF - 70040-907economia@anfip.org.brwww.anfip.org.brwww.fundacaoanfip.org.br

    Associao Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - ANFIP

    Crise Financeira Mundial: impactos sociais e no mercado de trabalho / Carlos Roberto Bispo, Juliano Sander Musse, Flvio Tonelli Vaz, Floriano Jos Martins (Organizadores). Braslia: ANFIP, 200 p.

    ISBN: 978-856210203-05

    1. Crise Financeira Mundial 2. Mercado de Trabalho - emprego 3. Capitalismo. I. Ttulo II. Bispo, Carlos Roberto. III Musse, Juliano Sander. IV. Vaz, Flvio Tonelli. V. Martins, Floriano Jos. VI. Anfip e Fundao ANFIP

    Cdu 338.1

  • SuMrIo

    Apresentao ................................................................................................................................9

    Introduo ....................................................................................................................................11

    A Crise Financeira e o papel do Estado ................................................................................................19

    Luiz Gonzaga Belluzzo

    Crise Financeira Internacional - reao das Instituies Multilaterais .......................................... 29

    Milko Matijascic

    Mara Pin

    Luciana Acioly

    A crise capitalista contempornea e suas consequncias econmicas e polticas no sistema

    internacional ............................................................................................................................................45

    Lecio Morais

    A crise internacional e seus efeitos no Brasil ..................................................................................... 59

    Marcio Pochmann

    A fragilidade brasileira na crise ps-subprime .....................................................................................73

    Drcio Garcia Munhoz

    A economia brasileira durante a crise: indicadores de performance e perspectivas .............................87

    Joo Sics

    Crise econmica e Condicionantes Internos e Externos ................................................................... 99

    Denise Lobato Gentil

    Gilberto Maringoni

  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

    uma contribuio para o debate poltico sobre a crise de 2008 e as suas consequncias ..........117

    Flvio Tonelli Vaz

    Navegando na crise: o potencial de mudanas ..................................................................................131

    Ladislau Dowbor

    Dissabores da crise financeira: entre marolas e tormentas ...........................................................147

    Juliano Sander Musse

    Economia Brasileira: trajetria recente e o comportamento do mercado de trabalho ..................171

    Renaut Michel

    Crise : ocasio para ajustes progressivos e inclusivos ............................................................................187

    Lena Lavinas

  • Dedicado a aqueles que se preocupam com a sustentabilidade econmico-financeira do planeta.

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    AprESENTAo

    desde o crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, a chamada grande recesso, e da queda do muro de Berlim, com todos os seus reflexos, provavelmente nenhum fenmeno histrico/econmico teve e continua tendo repercusses to vastas e profundas, em termos ditos globais (para usar uma palavra da moda), como a crise econmica que eclodiu nos estados unidos ao final (e em consequncia) da era Bush. Acontecimento de tal envergadura e amplitude jamais poderia deixar de ser lanado anlise pela ANFIP e pela Fundao ANFIP de estudos da Seguridade Social, cujas marcas predominante tm sido de pronunciarem-se sobre tudo o que afeta diretamente a vida das pessoas. No caso, a vida das pessoas tanto do Brasil como do mundo inteiro, e da sociedade como um todo.

    bastante ser apenas medianamente informado para avaliar a dimenso desse fenmeno. Mesmo o brasileiro iletrado sentiu-se afetado pelo bombardeio do noticirio dos meios de comunicao dando conta das ramificaes da crise. do mais alto executivo ao mais humilde trabalhador braal, todos sentiram ao menos uma pontinha de temor diante dessa enxurrada de ms notcias, que, ao contrrio da bem recebida viagem do homem Lua, no dava margem a incredulidades de quem quer que fosse. A crise no era apenas vista; era sentida. Alis, corrigindo a tempo, no d para usar ainda o verbo no passado, pois os efeitos da crise ainda esto em plena efervescncia.

    Como tambm prprio de sua forma de atuar, a ANFIP e a Fundao ANFIP foram buscar a luz nas cabeas iluminadas dos maiores estudiosos de fenmenos dessa natureza. especialistas da mais alta respeitabilidade esto se pronunciando, nesta publicao, acerca desta que uma palavra quase (ou totalmente) inevitvel no capitalismo a crise , ainda que estejamos exaustos de tanto ouvi-la. Tambm por isso (ou sobretudo) o aprofundamento da anlise foi buscado com empenho, para que o fato histrico no se reduzisse s mesmices que eclodem com profuso cada vez que a realidade implacvel se nos apresenta de cara feia, fazendo com que todos sejam tomados pela premente vontade de se pronunciar (ainda que em proveito prprio, apenas para manifestar queixas). esse um mal do qual o presente trabalho no padece. distantes das superficialidades, os estudiosos que aqui se pronunciam no se limitam ao aprofundamento da anlise, uma vez que colocam seu conhecimento a servio do exame acurado e em mincias de todas as ramificaes e possveis consequncias da crise.

    A ANFIP e a Fundao ANFIP sentem-se orgulhosas de apresentar ao sofisticado e sensvel pblico consumidor de seus estudos mais um trabalho de vulto, alicerado no que h de mais seleto e respeitado no campo do saber humano. esperamos apenas que a publicao sirva, sobretudo, para que nos municiemos das armas necessrias para nos livrarmos das consequncias mais nefastas do fenmeno objeto da prpria anlise: a crise econmica. Afinal de contas, para cada mal de que padece, o homem deve servir-se da informao para ao menos minimizar-lhe os efeitos. Que assim seja.

    Boa leitura!!!

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    INTroDuo

    A atual crise mundial, ao contrrio das vrias outras que observamos ao longo das ltimas dcadas, tem um potencial capaz de alterar um conjunto muito extenso de relaes polticas, econmicas e sociais. Muito embora ainda seja prematuro descrever todo o cenrio que se formar ao seu final, ela j permite o questionamento de importantes alicerces sobre os quais se construiu o consenso neoliberal, em meio a um ambiente de financeirizao da economia, de globalizao e de irrestrita liberdade para o capital.

    O pior da crise pode ter passado, mas cedo para afirmar que a situao j caminha para a normalidade ou que em breve sero retomados os nveis de produo que a antecederam. A recesso atual diferente das anteriores. Alm da dimenso global, a crise destruiu trilhes de dlares em ativos financeiros, afetando empresas e famlias. Os investimentos privados somente retornaro quando os nveis de atividade ocuparem uma grande capacidade instalada, hoje ociosa, e os nveis de consumo das famlias somente voltaro normalidade depois da recuperao dos empregos, da renda, e dos altos nveis de endividamento.

    Somem-se a essas dificuldades muitas incertezas. So muitos os ajustes necessrios frente aos grandes desequilbrios relacionados hegemonia norte-americana. Parece razovel supor que, pelo menos no curto prazo, no conseguir manter o papel de grande importador mundial que hoje exerce. Para pases como a China, isso significa a diminuio e ainda uma realocao interna da sua produo diante do fechamento de inmeras fbricas e crise de desemprego. em menor grau, esse mesmo efeito dever ser sentido em quase todos os pases exportadores.

    Por todos esses motivos a retomada deve ser lenta, demandando medidas intervencionistas por parte dos estados no sistema financeiro, no processo produtivo, na gerao de demanda e na remediao dos efeitos sociais provocados pela crise.

    H razes e tempo suficientes para proferir debates que envolvam o papel do Estado.

    Vale lembrar que embora tenha, sistematicamente, postulado diminutas funes para o estado, subtrada sua capacidade de interveno no planejamento e na produo de bens e servios, o neoliberalismo precisou dos aparelhos estatais nacionais e internacionais para se impor sobre o conjunto das relaes econmicas e sociais e tambm, sistematicamente, para remediar as sequelas deixadas por suas polticas. e, mais ainda, se considerarmos a atual crise. Segundo a ONu, os bancos e outras instituies financeiras ameaadas pela crise global j receberam uS$ 18 trilhes em ajuda pblica em pouco mais de um ano. esse um valor quase dez vezes maior do que os uS$ 2 trilhes em doaes de pases ricos, que os pases em desenvolvimento receberam nos 49 anos de existncia da Organizao.

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    Assim, esse conjunto de postulaes e de valores sobre os quais foram construdas as polticas econmicas e sociais do neoliberalismo pode agora ser questionado. H, enfim, real espao poltico para o debate e para a formulao de propostas para a gesto de um novo modelo a ser seguido.

    diante de tarefas dessa envergadura, este livro apenas uma pequena contribuio. esta obra conta coma a participao de pesquisadores e estudiosos que j participam desse enfrentamento. Os artigos da coletnea aqui apresentados abordam, sob os mais diferentes aspectos, a natureza da crise, as medidas para a mitigao de suas consequncias, suas repercusses econmicas e sociais em nosso pas e a necessidade da superao poltica do consenso neoliberal. So enfoques que contribuem para a construo de alternativas capazes de identificar novos horizontes para o crescimento econmico, para a diminuio das disparidades regionais e sociais e para a melhoria das condies de vida do conjunto da sociedade, tendo, no estado, e no na anarquia dos mercados, o plo edificador desta nova realidade.

    Para Luiz Gonzaga Belluzzo, pouco mais de uma dcada de crescimento econmico mundial permitiu a consolidao e ampliao de um consenso otimista: a existncia de uma nova fase de desenvolvimento da produo, ininterrupta e prolongada, em que o aumento da riqueza das famlias fosse capaz de sustentar o consumo e as novas tecnologias atendessem ao aumento da produtividade. A crise permite que se veja alm dessas aparncias. Cresce a convico de que esse ciclo esteja relacionado ao endividamento de famlias e empresas, lastreado por uma valorizao ficta do patrimnio financeiro e imobilirio; grande disponibilidade de capital financeiro, em busca de altos ganhos e com pequena averso ao risco; desregulamentao do sistema financeiro; acesso a produtos baratos e existncia de saltos extremamente altos de supervit do balano de pagamento de diversos pases exportadores, e financiamento do desequilbrio norte-americano a juros bem convidativos. Se o pnico gerado pela crise foi acalmado pela macia interveno dos mais diversos governos, ainda estamos longe da soluo para os problemas gerados por esse consenso. Ainda remanesce o desconforto nas expectativas privadas, dificultando a superao da crise e o retorno a um novo ambiente de crescimento: a percepo de insustentabilidade desse modelo de enriquecimento privado, a ateno s medidas necessrias para equacionar o alto nvel de endividamento das famlias e o pressgio de que esta crise pode desenvolver-se numa crise financeira do estado.

    O texto de Milko Matijascic, Mara Pin e Luciana Acioly discute o papel das instituies multilaterais na crise e na indicao de sadas para a sua superao. esse um debate interessante, pois, num passado muito recente, essas instituies foram enfraquecidas na sua capacidade de regulao internacional e levadas a contribuir para a implementao de polticas associadas ao neoliberalismo. A constatao do fim do Consenso de Washington e da inexistncia de um novo rearranjo que o supere permite um questionamento sobre o papel daquelas originadas dentro de Bretton Woods (como Banco Mundial e FMI) e mesmo para as de criao mais recente (uNCTAd e OMC). Hoje, elas j so depositrias de aes de combate crise. Mas, para uma nova realidade, preciso reforar a construo do multilateralismo, promovendo verdadeiras transformaes nessas instituies.

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    em seu artigo, Lecio Morais apresenta a crise como um processo inerente ao modo de produo capitalista, pela qual o sistema promove, periodicamente, uma destruio seletiva de capitais, necessria para que o sistema possa retomar o seu processo de acumulao. Assim, a potncia hegemnica e os estados nacionais precisam arbitrar, dentro dos limites das disputas polticas, as perdas, e impor o nus dessas destruies. Alm das dificuldades dos euA em absorver parte dos custos e distribuir o restante pelo sistema interestatal, h ainda problemas relativos perda de legitimidade das prprias ideias que sustentam o atual processo de acumulao e de globalizao financeira. Apontando os espaos que se abrem para a ao dos estados em busca de uma nova posio concorrencial para os capitais nacionais, o autor trabalha ainda cenrios para a superao da crise. Ou uma reforma, que equacione os fatores de desestabilizao do lastro para a moeda de curso internacional e do livre trnsito dos capitais, resultaria numa grande perda da autonomia dos euA. Ou transformaes no sistema financeiro internacional que redefinam um papel mais importante para o Estado. A grande dimenso desta crise abre possibilidades concretas de mudanas, onde nada pode continuar a funcionar como antes.

    A crise e as possibilidades de rearticulao das foras progressistas em prol da refundao do estado e da reforma da propriedade so discutidas por Marcio Pochmann. Depois de dcadas de retrocessos de conquistas socioeconmicas impostos pelo pensamento liberal-conservador do consenso de Washington, esta crise questiona o receiturio at agora adotado e impe novas responsabilidades aos defensores do desenvolvimento socioeconmico, num rumo ambientalmente sustentado. essa articulao das foras progressistas tem um papel importante na superao da crise e na potencializao de novas correntes de pensamento, alm de aes que instrumentalizem a construo de novos paradigmas. No Brasil, em especial, preciso impedir que a crise interrompa a recente trajetria positiva que combinou crescimento econmico e melhoras sociais, com distribuio da renda e ampliao do trabalho formal. e, para isso, alm das aes imediatas, preciso uma agenda progressiva que alavanque o compromisso histrico da superao do atraso nacional.

    drcio Garcia Munhoz faz um levantamento sobre a natureza da atual crise, como ela se alastra a partir da economia e do sistema bancrio americano, interrompendo um novo surto de crescimento mundial, que se inaugurou em 2000. As particularidades desse perodo, gerador de grandes desigualdades; sua origem, na potncia hegemnica e num ambiente de manifesto descompasso entre a aparente multiplicao da riqueza e a letargia da produo; as fragilidades das economias centrais, entre outros fatores, apontam para grandes dificuldades para a superao da crise e seus desdobramentos. drcio discute ainda as deficincias das aes anticclicas dos governos, inclusive o americano e o brasileiro. Critica as polticas nacionais, a grande centralizao de poder do Banco Central do Brasil (BC) na formulao das polticas econmicas de enfrentamento crise. Ressalta a importncia da eficcia da ao governamental no investimento pblico gerador de emprego e renda.

    Joo Sics debate como a crise interrompeu uma rota de crescimento tomada pela economia brasileira a partir de 2006, determinada por aumentos reais do salrio

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    mnimo, de ampliao do crdito e da produtividade da indstria. A crise que chega pelas restries ao crdito externo e compromete as exportaes agro-industriais afeta rapidamente a economia e o mercado de trabalho. Embora os sinais estivessem presentes em setembro de 2008, em outubro o BC ainda decidia por uma poltica restritiva, com a manuteno de juros extremamente elevados. Ao invs da crise, enxergava to somente uma expanso robusta da demanda interna e tendncias inflacionrias. Somente quando a economia do ltimo trimestre j havia implodido, levando centenas de milhares de postos de trabalho e derrubando a arrecadao tributria, iniciou-se uma tmida e insuficiente distenso da sua ortodoxia. Sics avalia que as vrias medidas adotadas pelo governo para ampliar a demanda interna e o crdito foram na direo correta. Mas, no seu conjunto, so ainda tmidas, especialmente diante das restries determinadas pelos juros ainda altos e pela timidez na reduo do supervit primrio. Assim, os sinais de recuperao econmica podem exigir novas medidas para assegurar a reverso do quadro no segundo semestre de 2009, fator determinante para o restabelecimento do ritmo de crescimento em 2010.

    denise Gentil e Gilberto Maringoni avaliam as formas de contaminao da economia nacional pela crise. Discutem como a poltica monetria contracionista e a fiscal, que imperavam s vsperas da crise ainda remanescem. elas no s ampliaram as consequncias da crise sobre a economia nacional, como tambm continuaro a impor os seus efeitos para alm deste momento. A vulnerabilidade externa, que antes podia ser medida pelas crises cambiais, hoje est identificada pelo grau de financeirizao da nossa economia, que diminui a parcela do lucro que reinvestido no aumento da capacidade produtiva do pas; e pela livre circulao de capitais, que ainda submete o pas aos giros especulativos. Outras crticas s polticas cambial e monetria so feitas, no sentido de que a primeira continua a agredir a produo nacional e a colocao de produtos nacionais no exterior. J a segunda mantm os juros altos, alimentando a financeirizao e inibindo as cadeias de produo e consumo.

    O texto de Flvio Tonelli Vaz aborda as possibilidades polticas de redefinio que se abrem com a atual crise. em situaes anteriores, o consenso neoliberal, mesmo diante do fracasso social e econmico de suas polticas, mantinha praticamente intacto o seu receiturio. esta crise, pelas suas causas estruturais e dimenses, abalou certezas que postulavam serem as foras racionais dos agentes econmicos as melhores formas de organizar a produo e distribuir as riquezas dela decorrentes, a partir de mecanismos de livre circulao dos capitais e de autorregulao dos mercados. Mesmo assim, os defensores da financeirizao ainda no esto derrotados, e somente o sero pela articulao de novos paradigmas sobre a reestruturao do papel do estado na economia. Contraditando os que afirmam serem as polticas fiscal e monetria as principais razes dos efeitos da crise serem menores no Brasil do que em outros pases, essas so polticas que representam desvantagens comparativas, pois ampliaram os efeitos da crise e dificultam a recuperao. Ao contrrio, os diversos instrumentos que hoje esto em ao atuando como medidas anticclicas resultam das lutas de resistncia implantao das polticas neoliberais em nosso pas.

  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

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    Landislau Dowbor aponta o quanto importante aproveitar as oportunidades que se abrem com a crise para se criar uma gesto alternativa ao atual modelo capitalista. preciso medidas anticclicas voltadas para o fortalecimento da economia e para a transformao do modelo, e no simplesmente para salvar o sistema, os especuladores e os rentistas. em seu conjunto, as medidas adotadas no Brasil caminham para essa direo. O modelo neoliberal ainda no se esgotou plenamente; no entanto, os abalos sentidos na hegemonia norte-americana, a falncia do modelo de desregulamentao financeira, as atitudes multilaterais para o enfrentamento da crise e as consequncias que decorrem da perda de confiana nesse modelo no permitem uma volta ao passado. Criam-se as condies para propostas de desenvolvimento mais justas, com metas de melhoria da qualidade de vida e uma redefinio do papel do estado, no apenas na regulao dos agentes financeiros. As possibilidades que se abrem tm a dimenso da construo de uma nova institucionalidade, com viso de longo prazo, planejamento e intervenes sistmicas.

    Revisando o posicionamento keynesiano e analisando as aes de enfrentamento aos efeitos da crise, Juliano Musse mostra a atualidade dos principais preceitos de uma poltica interventiva do Estado na economia e do papel multiplicador do aumento da demanda na produo de bens e servios. esta crise interrompe um ciclo expansivo da economia e h necessidade de ampliarmos as aes anticclicas, para a garantia do emprego e da capacidade de consumo das famlias, para a acelerao dos investimentos pblicos e para expanso das aes assistenciais, diretamente associadas ao enfrentamento da pobreza. O autor defende a continuidade das polticas de aumentos reais para o salrio mnimo, a adoo de contrapartidas, inclusive voltadas para a ampliao do emprego, para as aes de socorro s instituies financeiras e no-financeiras, e aprofundar o ritmo de reduo das metas de supervit fiscal, viabilizando a ampliao dos gastos pblicos. fundamental repensar a posio do estado como regulador, mas com medidas de socorro financeiro s se estar utilizando remdios paliativos, que amenizam, mas no resolvem a raiz dos problemas.

    Renaut Michel d uma ateno especial ao mercado de trabalho. O artigo retrata como o pas, em um curto espao de crescimento continuado, conviveu com uma trajetria interessante para o mercado de trabalho. A fase do Real, iniciada em 2004, quando, inclusive, as taxas de investimentos superaram os ndices do PIB, muito diferente da anterior. Rompidos os entraves do crescimento, a economia ultrapassou a fase de volatilidade e as taxas de investimentos foram ainda maiores. A crise interrompe esse ciclo. da a importncia de maximizar os efeitos das medidas de enfrentamento crise, visando a impedir que se limitem os bons momentos da economia e do mercado de trabalho vividos at o terceiro trimestre de 2008.

    O ltimo texto discute como as maiores crises do Sculo XX foram responsveis por alteraes significativas e muito positivas nos sistemas de proteo social, com polticas de bem estar, ampliao de direitos e garantias decorrente da oferta pblica de bens e servios. Ao fazer essa constatao, Lena Lavinas coloca em debate a oportunidade de reformar para ampliar o nosso sistema de proteo social. Muito se avanou, principalmente aps 2004, com os programas de transferncia de renda. Mas inegvel a defasagem da infraestrutura

  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

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    social, especialmente em reas como sade, educao, saneamento, habitao e urbanismo. essa discusso deve ser iniciada j na adoo das medidas anticclicas, j que envolve a definio dos segmentos a serem protegidos ou subsidiados, dos setores da economia que contaro com incentivo produo ou desonerao tributria. Mais do que evitar que a crise determine retrocessos sociais, preciso consolidar um sistema de proteo social ainda inacabado e pouco efetivo.

    Os organizadores

  • A CrISE FINANCEIrA E o pApEl Do ESTADo

    luiz Gonzaga Belluzzo

  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

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    A CrISE FINANCEIrA E o pApEl Do ESTADo

    luiz Gonzaga Belluzzo1

    Poucos analistas conseguiram resistir euforia que acompanhou os dois ltimos ciclos de crescimento da economia norte-americana e mundial. O consenso otimista impediu uma avaliao realista das foras que impulsionavam o ciclo expansivo. O diagnstico falho suscitou, alis, a previso de que a queda seria rpida e logo ali na esquina a recuperao estar espreita.

    desde meados dos anos 90, no terreno frtil das hipteses fantasiosas sobre as virtudes da Nova economia, floresceram as previses majoritrias sobre um crescimento ininterrupto e prolongado. Tudo estaria resolvido com os ganhos de produtividade proporcionados pelo avano das tecnologias de informao.

    O crdito apresentou urbi et orbi uma evoluo impressionante e sem precedentes no ps-guerra. Nos dois episdios de excitao da demanda (1994-2000) e (2003-2007), as empresas e as famlias aumentaram significativamente os gastos acima da renda corrente. A acumulao de dvidas, sobretudo a partir de 1996, ocorreu a uma taxa muito superior ao crescimento das remuneraes do trabalho e dos lucros do capital. ensina a velha e boa macroeconomia: so as avaliaes otimistas acerca dos lucros e dos rendimentos futuros - ainda alentados pelo espetacular desempenho das aes na bolsa de valores e pelo mito da nova economia - que levaram o dispndio privado a exceder a renda corrente. essa diferena chegou a 6% do PIB no ltimo trimestre de 2000.

    Hoje j h mais gente disposta a reconhecer que o crescimento americano da segunda metade dos anos 90 e da primeira dcada do terceiro milnio foi promovido por elevados dficits do setor privado, amparados na expanso do crdito. No primeiro ciclo, entre 1994 e 2000, a notvel capacidade de inovao da economia americana se materializou na rpida acumulao de nova capacidade produtiva, sobretudo no setor da tecnologia de informao. Ao mesmo tempo, o consumo das famlias disparava e a poupana pessoal batia recordes negativos. Nos ltimos dez anos entre o 1 trimestre de 1998 e o mesmo perodo de 2008 - o PIB dos estados unidos cresceu 31%, ou seja, 2,7% ao ano. O consumo das famlias avanou 3,4% ao ano e elevou a sua participao no PIB de 67,1% para 71,6%. No preciso ser esperto para concluir que o ajustamento se deu mediante a reduo da poupana das famlias, que despencou de 4,7% para 0,2% do PIB.

    Os gastos das famlias americanas cresceram bem acima da renda disponvel, alavancados pela expanso acelerada do endividamento. Nas duas ltimas dcadas,

    1. Luiz Gonzaga Belluzzo doutor em economia pela unicamp, onde professor-titular do Ie. Alm de ser o atual consultor pessoal de economia do presidente Luiz Incio Lula da Silva, foi chefe da Secretaria especial de Assuntos econmicos do Ministrio da Fazenda (governo Sarney) e secretrio de Cincia e Tecnologia do estado de So Paulo (governo Qurcia).

  • CRISE FINANCEIRA MUNDIAL Impactos Sociais e no Mercado de Trabalho

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    contrariando a experincia dos anos 50 e 60, o crescimento do consumo das famlias descolou da evoluo da renda. Tornou-se cada vez mais dependente do efeito-riqueza, ou seja, da valorizao fictcia do patrimnio financeiro e imobilirio.

    No perodo 2003-2007, a construo residencial e a valorizao exuberante dos imveis estimularam e sustentaram o consumo das famlias. A poupana externa (o supervit dos asiticos e da Alemanha) financiou o dficit em conta corrente do balano de pagamentos. Foi a contrapartida dos dficits do setor privado.

    Nos ltimos dez anos, as famlias americanas - a despeito do modesto crescimento da renda e do emprego - usufruram dos benefcios decorrentes dos ganhos de produtividade dos trabalhadores asiticos. Por um lado, os ganhos de renda real dos consumidores americanos foram proporcionados por preos mais baixos das manufaturas asiticas; de outra parte, os emergentes exportadores passaram a destinar as reservas acumuladas para o financiamento do dficit em conta corrente e o dficit fiscal dos parceiros consumistas. A poupana dos asiticos garantiu, assim, taxas de juros camaradas para bancar a corrente da felicidade, ou seja, a expanso do consumo americano.

    As novas modalidades de crdito (cartes de crdito, por exemplo) e a valorizao do estoque de riqueza ao longo dos ciclos de expanso passaram a ganhar mais peso nas decises de gasto das famlias, desvinculando o consumo da renda corrente, tornando esse componente do gasto cada vez mais dependente do endividamento. Hoje, na mdia, a dvida das famlias americanas 40% maior do que a sua renda anual disponvel. Calculado em sua relao com o PIB, o endividamento das famlias chegou a 100% em 2007.

    Os ciclos de expanso da economia mundial, comandados pelos estados unidos (1996-2000) e (2003-2007), foram aulados por expectativas otimistas acerca da durao e do vigor da expanso. A complacncia disseminou-se entre bancos, empresas e consumidores. A desregulamentao financeira incitou os espritos animais que, diga-se, foram mais afoitos no af de enriquecimento do que em ciclos pretritos.

    Tais circunstncias determinaram um natural afrouxamento dos critrios de avaliao do risco. A engrenagem que combinava crescimento elevado e juros muito baixos instigou a multiplicao das inovaes financeiras perigosas, entre elas, a super-alavancagem das posies e a disseminao dos derivativos de crdito. Bancos comerciais, de investimento, administradores dos fundos de penso, fundos mtuos, private equity funds, para no falar dos sofisticados fundos de hedge, todos consolidaram a convico de que estavam blindados contra os riscos de mercado, de liquidez e de pagamentos. O crdito elstico e barato, num ambiente de desregulamentao financeira, incitou a concorrncia entre gestores da nova riqueza empenhados em atrair os investidores com desempenhos formidveis - e fomentou a crena de que no havia nem haveria limites para a Santa Aliana entre a criatividade financeira e o consumo desaaimado. Nas ocasies em que se manifesta esta peculiaridade informacional, as economias capitalistas estimulam o ingresso de devedores e de credores na regio de riscos crescentes. Os primeiros vidos em acumular novos ativos em rpido processo de valorizao e os segundos confiantes na realizao rentvel de suas carteiras de emprstimos. A valorizao dos ativos provoca uma

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    atrofia generalizada da percepo dos riscos, ao inflar o valor da riqueza e simultaneamente impulsionar o endividamento.

    depois do crash de 1929, o Glass-Steagal Act proibiu o envolvimento direto dos bancos de depsitos em operaes nos mercados de capitais e nos mercados imobilirios. Nos ltimos 30 anos, a desregulamentao e a liberalizao da finana quebraram as barreiras impostas pelas reformas dos anos 30 do sculo passado. Nessa toada, em 1999 o Gramm-Leach-Bliley Act criou as holdings financeiras.

    essa medida abriu caminho para a securitizao dos crditos e para a criao dos SIVs (Special Investment Vehicles). Criaturas recentes da febre de inovaes financeiras, os SIVs cumprem funo importante na estratgia dos bancos e de originar e distribuir, ao abrir espao para novos emprstimos. Os bancos que originam os crditos esto interessados no volume e na captura das comisses, e no na qualidade. Os SIVS emitem asset backed commmercial papers para financiar posies em CdOs -Colateral Debt Obligations. Arrecadam o diferencial entre as taxas do mercado monetrio e os rendimentos das hipotecas securitizadas.

    O fundamentalista keynesiano Hyman Minsky foi invocado para explicar o desenvolvimento do ciclo financeiro que ora se encerra com forte contrao do crdito e ameaa de recesso. Jan Kregel, tambm keynesiano, argumenta que a hiptese de Minsky supe o marco regulatrio do Glass-Steagall Act, ou seja, uma relao mais prxima entre banco e cliente, o que permitiria ao banqueiro uma avaliao mais precisa do risco de crdito a partir do currculo do devedor.

    A teoria minskiana afirma que a gerao de fragilidade financeira ao longo do ciclo de negcios um fenmeno endgeno: na etapa de tranquilidade, projetos bem sucedidos geram receitas suficientes para pagar as dvidas e deixar lucros. O sucesso estimula o otimismo e, consequentemente, a busca de empreendimentos ainda mais arriscados.

    O banqueiro e os clientes trabalham sob a proteo de margens de segurana: reciprocidade em depsitos, garantias reais, emprstimos de valor inferior ao financiamento total do projeto e, sobretudo, relaes de confiana que facilitam a reestruturao das dvidas e conferem eficcia s operaes de ltima instncia dos Bancos Centrais.

    A dinmica do ciclo capitalista, movida pelos animal spirits e pela confirmao das expectativas, induz credores e devedores a abandonar a prudncia da hedge finance e enveredar para a insensatez da Ponzi finance. Na situao hedge, h conformidade entre a realizao das receitas esperadas e os pagamentos decorrentes dos contratos de dvida. J na situao Ponzi, as receitas do devedor tornam-se insuficientes para servir a dvida passada e novos emprstimos so tomados para refinanciar, a custos crescentes, o servio da dvida.

    A finana contempornea prefere relaes arms-length, mais distantes entre credores e devedores. A precificao dos ativos nos mercados impessoais torna a liquidez um elemento crucial nas relaes dbito-crdito. Todos os protagonistas da finana de mercado imaginam espancar os riscos ou atenuar seus efeitos mediante a utilizao de

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    derivativos ou de algoritmos probabilsticos.

    No ciclo recente, a securitizao apoiada na segmentao e posterior empacotamento dos emprstimos hipotecrios de qualidade variada dificultaram sobremaneira a avaliao dos riscos de crdito pelas agncias de rating. um volume crescente de CdOs era lastreado em crditos subprime com taxas de juro reajustveis, mas quase nenhum pagamento nos primeiros anos. Assim, foram capturados os devedores NINJA (No Income-No Job-No Asset).

    Os CDOs senior, com precedncia no recebimento de rendimento e do principal, mas com rendimentos menores, permitiram que o conjunto da obra fosse repassado para investidores institucionais com rating AAA, enquanto os colaterais high-yield, ditos residuais, eram carregados pelos hedge funds com elevada alavancagem escorada no financiamento bancrio.

    Os snior estavam garantidos por seguradoras (monolines) ou por derivativos (debt default swaps). Tais providncias supostamente blindavam o investidor final contra a eventualidade do default. Mas, na verdade, quando a inadimplncia se tornou generalizada e os preos dos imveis despencaram, o lixo txico envenenou toda a cadeia, desde os que originaram os crditos at os subscritores de garantias. O colapso de preos dos imveis e a difcil precificao dos ativos lastreados em crditos subprime espremeram as margens e tornaram ilquidos os mercados de commercial papers, obrigando os bancos a comparecer com a grana ou receber de volta em seus balanos a gororoba securitizada. A crise financeira atual est inscrita, desde o incio, na estrutura da finana baseada nos mtodos de originar, distribuir, alavancar e proteger.

    Os economistas divergiram, como sempre, a respeito da profundidade e do alcance dos problemas criados nos mercados de hipotecas e seus derivativos. Os pessimistas apostaram na conjugao de fatores adversos que podem levar a uma recesso mais prolongada, devido aos ajustamentos no virtuosos entre riqueza, renda e endividamento.

    Seno vejamos: a elevada alavancagem das famlias conjugada reduo dos rendimentos provocou um forte e inesperado crescimento de suas dvidas, tanto em relao aos fluxos monetrios correntes quanto em relao aos respectivos patrimnios. No caso das empresas, no provvel que elas retomem os investimentos num momento de perspectivas negativas para o mercado domstico. Alm disso, resta digerir as dvidas que financiaram o ltimo vagalho de fuses e aquisies.

    Na desinflao de ativos difcil evitar a deteriorao da razo endividamento/capital prprio, bem como impedir o aumento do peso do servio da dvida sobre o fluxo de receitas. essa degradao do valor de mercado das corporaes e de sua situao de endividamento provocar, por certo, ulteriores desvalorizaes de suas aes.

    Os consumidores empobrecidos, por sua vez, buscaro recompor a relao desejada riqueza/renda, devendo, para isso, aumentar a poupana corrente. O corte nos gastos de consumo ser provavelmente muito pronunciado, atingindo particularmente

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    os setores que se alimentaram dos preos inflados e da expanso do crdito, ou seja, imveis, bens durveis e os servios diferenciados. So exatamente esses setores os que experimentaram maior crescimento relativo na expanso recente.

    Na atual conjuntura, o sistema bancrio est aterrorizado diante do retorno em massa dos ativos frequentemente reclassificados pelas agncias de risco. esses derivativos de crdito nasceram de emprstimos hipotecrios, os bons, os maus e os feios. Fatiados e empacotados foram transferidos como carne de primeira para as criaturas de sua sagacidade, os Veculos especiais de Investimento (SIVs).

    Os ativos baseados em crditos hipotecrios so de difcil precificao: uma vez emitidos, raramente so transacionados. Por isso, a precificao desses ttulos efetuada de acordo com modelos tericos, baseados em uma distribuio normal de riscos. Numa situao de stress e de estreitamento da liquidez, os mercados desconfiam que a gororoba de segunda. A desconfiana suficiente para lembrar aos administradores de carteira (fundos de penso, fundos de investimento e hedge funds) que perigoso descarregar a mercadoria sob suspeita e, assim, realizar perdas elevadas. Tratam de vender os ativos de maior qualidade para recompor a liquidez dos portaflios e,assim, jogam seus preos para baixo. desgraadamente, em situaes extremas, os riscos de desvalorizao dos ativos baseados em crditos mais do que duvidosos e outros de qualidade superior no so independentes, mas esto fortemente correlacionados.

    Os bancos esto obrigados a registrar o valor depreciado da carne podre ou apodrecida em seus balanos. Tais circunstncias empurram as instituies para a regio da extrema cautela na concesso de emprstimos. Isso se manifesta, inicialmente, no encolhimento da liquidez do mercado inter-bancrio. Termina na contrao geral do crdito, antessala da recesso. Os sabiches da finana encontraram uma frmula infalvel para tornar opaca a celebrada transparncia dos mercados securitizados.

    polticas Anticclicas e Expectativas privadas

    No af de conter o apodrecimento continuado dos ativos privados nas carteiras das instituies financeiras bancos, criaturas assemelhadas e hbridas o Fed de Ben Bernanke escancarou as comportas de seu balano para acolher o lixo txico. Simultaneamente, a recesso e as medidas anticclicas a elevao do gasto e a reduo das receitas cuidaram de cavar um buraco ainda mais fundo nas finanas do governo federal e, pior, destroaram o errio dos estados da federao.

    Num primeiro momento, a fuga para a liquidez permitiu que o Tesouro inundasse o mercado de ttulos, demandado avidamente pelas instituies financeiras e pelos ditos investidores, a despeito da mesquinhez dos rendimentos. Isso abriu caminho para outras aes de salvamento, como garantias, provimento de liquidez e capitalizao de bancos. Providncia ainda mais ousada por parte das autoridades monetrias foi a

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    interveno nos mercados monetrios, lastreados em commercial papers praticamente destrudos pela crise na primeira hora. A incisiva atuao do Fed como comprador de ltima instncia sustentou os mercados em pnico e ajudou a ressuscitar o interbancrio. A crise financeira, em seu estgio mais agudo, promoveu a indiferenciao entre os ativos, demonstrando que em caso de stress no se sustenta a hiptese de inexistncia de correlao entre os preos dos ativos.

    Mas a relativa normalizao dos mercados financeiros, anunciada pela elevao da taxa de juros dos ttulos de 10 anos do Tesouro dos estados unidos, foi acompanhada do progressivo restabelecimento dos preos dos ativos de acordo com a hierarquia risco/ rendimento. Nesse momento, diga-se, o dlar reiniciou sua escalada de desvalorizao, impulsionada pelas expectativas negativas a respeito da evoluo da dvida pblica e do dficit fiscal dos estados unidos.

    Nas recesses moderadas que afetam as economias capitalistas periodicamente ,tanto os problemas relativos gerao de lucro, renda e emprego quanto os patrimoniais (como o grau de endividamento e o risco das posies ativas e passivas) tm origem nas variaes dos fluxos do gasto privado de consumo e de investimento. Tais flutuaes provocam movimentos de ajuste na composio e no rendimento dos ativos que podem agravar o declnio do gasto produtivo. Mas esses movimentos cclicos apresentam, em geral, grande sensibilidade atuao das polticas anticclicas que se destinam a defender os fluxos de produo, os preos dos ativos e a validade das dvidas, mediante a sustentao da liquidez dos mercados e do lucro das empresas. essas polticas conseguem preservar as condies patrimoniais do setor privado empresas e famlias - ao tornar possveis os movimentos de portflios na direo de uma maior liquidez e de menor risco proporcionados pelo aumento da dvida pblica nas carteiras das instituies financeiras. A moderada interveno do estado repe as condies para o crescimento dos lucros a partir da elevao do gasto pblico e a consequente resposta do gasto privado. Sendo assim, instaura-se um novo ciclo de valorizao dos ativos produtivos e de recuperao do endividamento privado, o que permite o crescimento da receita de impostos e a progressiva retrao do endividamento pblico. Ocorrendo isto, o estado poderia refluir a sua ao, re-equilibrar o dficit fiscal e reduzir o seu endividamento.

    At aqui estamos no mundo das flutuaes ou, no mximo, da instabilidade da produo, da renda e do emprego nas economias capitalistas. em uma crise como a atual, a avaliao da riqueza (as expectativas de longo prazo) e a incerteza radical (no apenas o risco) paralisam e negam os novos fluxos de gasto. A ruptura brutal do estado de convenes que vinha regendo o movimento da economia significa que os produtores e consumidores privados paralisam suas decises - de produo, consumo e de investimento - diante da incerteza radical em que esto mergulhados. Esse o estado que contrasta com o de expectativas convencionais: nele os agentes se comportam como se a incerteza no existisse e como se o presente constitusse a melhor avaliao do futuro. Keynes procurou demonstrar que, em uma situao de ruptura do estado convencional de expectativas, torna-se aguda a contradio entre o enriquecimento privado e a criao da nova riqueza para a sociedade (crescimento das inverses em capital real). A crise leva ao limite o impulso de

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    enriquecimento privado, a ponto de torn-lo antissocial devido preferncia pela liquidez que impe a paralisia aos gastos de investimento e de consumo, ou seja, afeta negativamente a gerao da renda e do emprego. Numa conjuntura de reduo drstica do investimento e do consumo privados, as empresas e os consumidores buscam desesperadamente reduzir o endividamento e aumentar a poupana. A ruptura da confiana faz recair sobre o dinheiro a esperana de preservao do valor da riqueza. Isso significa que os detentores de direitos sobre a riqueza so levados a supor a existncia de uma medida e forma do enriquecimento que no estejam sujeitas contestao dos demais, a nica socialmente reconhecida num momento em que os demais ativos no tm preo porque no encontram compradores.

    Nessas circunstncias, as polticas de estado de gerao do dficit e de criao de nova dvida pblica - instrumentos de sustentao dos lucros das empresas e de proteo dos portflios do setor bancrio privado esto diante de expectativas de longo prazo insensveis aos estmulos convencionais. Em uma economia que atravessa uma crise como a americana, por exemplo, o desequilbrio fiscal e o crescimento do dbito pblico na composio dos patrimnios privados tendem a se tornar fenmenos mais profundos e duradouros. diante de antecipaes pessimistas do setor privado, o dficit do governo consegue apenas impedir a queda acelerada da produo e evitar o agravamento da deflao de ativos. Com isso, a crise no superada, mas ameaa se transformar de crise da finana privada em crise financeira do estado.

    Nesse caso, as expectativas privadas passam a se orientar pelas suposies acerca da evoluo da crise financeira do estado. O fato relevante nos prximos meses ser a avaliao dos detentores de riqueza, sobretudo dos controladores do crdito sobre os rumos da poltica fiscal e do endividamento pblico. H sinais de que os senhores da finana salvos pela vigorosa interveno do estado - j consideram insustentveis a trajetria do dficit fiscal e da dvida do governo americano. A desconfiana privada atinge a fundo a soberania estatal, comprometendo a legitimidade do estado como gestor da moeda e da dvida pblica. diante do avano das antecipaes, o estado poder ser levado a desvalorizar a sua dvida - agora forma dominante da riqueza privada - mediante a monetizao continuada. Com essa providncia estar sancionando o encurtamento do horizonte temporal fixado pelo setor privado, na busca de maior segurana e liquidez para o seu estoque de riqueza. Com isso, eleva-se o prmio de liquidez e restringem-se os mercados para contratos de prazos mais longos, comprometendo a prpria capacidade do estado de emitir dvida nova e de administrar o estoque de endividamento existente. Isso tende a reduzir ainda mais as possibilidades de atuao da poltica monetria, submetida aos imperativos de taxas de juros reais elevadas, com efeitos desastrosos sobre a recuperao da economia.

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  • CrISE FINANCEIrA INTErNACIoNAl rEAo DAS INSTITuIES

    MulTIlATErAIS

    Milko Matijascic Mara pin

    luciana Acioly

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    CrISE FINANCEIrA INTErNACIoNAl

    rEAo DAS INSTITuIES MulTIlATErAIS

    Milko Matijascic1 Mara pin2

    luciana Acioly3

    Introduo

    A hegemnica doutrina da superioridade do mercado enquanto agente econmico racional e que deve se autorregulamentar falhou. A separao do risco e da informao sobre os muturios, principal falha da moderna engenharia financeira, e a falta de regulamentao levaram a economia global mais profunda crise desde a Crise de 1929. O forte revs da lgica das finanas afetou intensamente o lado real da economia. As projees para o PIB mundial indicam um cenrio de recesso muito agudo para os pases desenvolvidos, queda nas exportaes e importaes dos pases em desenvolvimento, ademais da elevao das taxas de desemprego e de queda nos fluxos de comrcio internacional. As falhas sistmicas acarretadas s podem ser remediadas atravs de vigorosa atuao de governos e instituies multilaterais trabalhando de forma coordenada e cooperativa, aumentando a regulamentao micro e macro prudencial, e realizando ampla reforma no sistema.

    Tendo em vista esse cenrio, a maioria dos pases tem realizado esforos conjuntos para amenizar os efeitos da crise. Os pacotes de gastos governamentais e as promessas feitas pelo Grupo dos Vinte (G-20), de mais articulao entre suas polticas, so exemplos desses esforos. e to fundamentais quanto as diligncias tomadas pelos governos so as proposies e aes tomadas pelas organizaes internacionais. Ao mesmo tempo em que essas instituies so agentes imprescindveis do processo, tm tido seus papis questionados e repensados.

    O estudo que se inicia tem como objetivo mostrar as reaes das instituies multilaterais crise. Procura, na primeira parte, identificar sucintamente as origens da crise internacional e algumas das aes adotadas pelos pases. A seo seguinte, aps descrever

    1. doutor em economia pela uNICAMP. professor licenciado do Centro Salesiano de Campinas. No IPeA coordenador do GT da crise.2. Mestre em Relaes Internacionais pela Yonsei university. pesquisadora bolsista da Assessoria Tcnica da Presidncia do IPeA.3. doutora em economia pela uNICAMP. pesquisadora do IPeA na dICOd.

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    de forma reduzida a evoluo do multilateralismo gerado em Bretton Woods, apresenta as posies e os esforos empreendidos pelas instituies multilaterais para promover o combate crise. Finalmente, colocam-se alguns dos principais desafios enfrentados pelas instituies no atual cenrio mundial.

    1. origens da crise internacional

    A crise econmica internacional manifestou-se inicialmente na esfera financeira. em 2007, alastrou-se a partir dos euA, e no final de 2008 seus efeitos tornaram-se mais contundentes e recessivos. O ano de 2009 comeou com a previso de reduo do comrcio mundial, a primeira desde 1982, e de queda no produto dos pases com renda per capita mais elevada. esta, com certeza, a crise mais profunda desde a Grande depresso.

    As anlises feitas at o momento deixam poucas dvidas sobre a natureza estrutural desta crise. Na dcada de 1970, aps a ruptura das regras financeiras, monetrias e cambiais estabelecidas em Bretton Woods,4 o sistema capitalista reorganizou as relaes econmicas internacionais em direo a uma crescente abertura e liberalizao dos fluxos de mercadorias e capitais. essa configurao modificou o processo de crescimento econmico, tornando-o atraente e adequado gesto especulativa do capital lquido disponvel. A produo de bens e servios foi subordinada lgica de expanso dos excedentes e da riqueza por meio de aes, muitas vezes meramente especulativas, e ttulos amplamente negociados no mercado financeiro. [eichengreen (2002); Stiglitz (2002)]

    Considerado o modus operandi dos mercados, vrios elementos podem explicar a expanso da crise a partir dos estados unidos. Tal como apresentado pelo IPeA (2009-a), entre os fatores macroeconmicos, merece destaque o perodo prolongado de baixas taxas de juros, que permitiu a expanso do crdito e impulsionou a demanda interna, alm de favorecer um ciclo de alta nos preos dos imveis. Quanto aos elementos microeconmicos, a ausncia de regulamentao dos mercados financeiros, aliada farta liquidez, favoreceu a criao de produtos sofisticados, cujos riscos resultaram em apreamentos inadequados de ativos.

    O mercado financeiro de hipotecas subprime, estopim da crise, constituiu-se de muturios que no possuam os requisitos bsicos para tomar um emprstimo, e que, consequentemente, comearam a apresentar problemas de pagamento. A inadimplncia aumentou rapidamente e vrios agentes financeiros foram contaminados, porquanto as hipotecas subprime serviam de lastro para operaes de securitizao. Os bancos envolvidos comearam a reconhecer as perdas sofridas, e a desconfiana espalhou-se pelos mercados financeiros de todo o mundo, gerando uma crise de liquidez.

    4. em 1944, 730 delegados de todas as 44 naes aliadas se reuniram em Bretton Woods, New Hampshire (euA), para a Conferncia Monetria e Financeira das Naes unidas. Os Acordos de Bretton Woods definiram a criao do FMI e de um banco internacional de reconstruo, que mais tarde viria a ser o Banco Mundial.

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    dado o agravamento da crise, muitos pases passaram a adotar polticas mais ativas no intuito de minimizar os efeitos sobre suas economias. Como apresentado em CePAL (2008), observa-se que quase todos os governos lanaram pacotes fiscais, medidas setoriais (para apoiar a indstria automobilstica, por exemplo) e disponibilizaram recursos para o setor social como forma de arrefecer os impactos econmicos e sociais da crise financeira internacional. No Quadro 1 so apresentadas, de modo genrico, algumas das principais polticas adotadas pelos pases para sustentar a demanda agregada e alavancar o crdito.

    Quadro 1 Principais medidas tomadas pelos pases

    Implementao de pacote de resgate ao setor bancrio, ampliao e criao de novas linhas de crdito (muitas vezes com juros ou condies diferenciadas) para bancos de forma direta por parte dos bancos centrais, agilizao das operaes de redesconto e aquisio estatal de instituies financeiras em dificuldade;

    Reduo dos compulsrios bancrios e recompra de ttulos de mdio e de longo prazo emitidos pelos bancos centrais;

    Busca da reduo do ritmo da valorizao cambial em pases em desenvolvimento, principalmente China, ndia e Brasil;

    Redues sucessivas, em maior ou menor grau, das taxas bsicas de juros, redues de imposto sobre valor agregado e redues do imposto de renda;

    Auxlio e expanso de crdito para setores estratgicos;

    Investimentos pblicos em infra-estrutura (rodovias, ferrovias, transporte pblico), educao, moradia para populao de baixa renda, dentre outros;

    Aumento real de salrios mnimos e implementao e ampliao de programas de transferncia de renda.

    Alguns pases, como Rssia e Argentina, adotaram medidas protecionistas para restringir as importaes em setores sensveis da indstria nacional. Algumas medidas, como a re-estatizao da Previdncia argentina, que era gerida por fundos de penso atravs do mercado, e as medidas trabalhistas no uruguai, no foram tomadas em funo da crise, mas acabaram por influir na presente conjuntura dos pases. Pases como Mxico e Paraguai atuaram de modo mais agressivo, principalmente no campo social e monetrio. China, Japo, Repblica da Coria e o bloco ASeAN+35 criaram um fundo de emergncia com o bloco no valor de uS$ 120 bi para garantir liquidez, evitar crises cambiais e combater a fuga de capitais.

    5. ASeAN+3 um bloco comercial formado pela Associao das Naes do Sudeste Asitico (ASeAN) juntamente com Japo, China e Repblica da Coria.

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    Na prxima seo, so apresentadas as principais aes e posies das instituies multilaterais frente crise.

    2. As instituies multilaterais e a crise

    Nesta sesso ser apresentada brevemente a evoluo do multilateralismo. em seguida, as principais decises tomadas no encontro do G-20, as posies das instituies multilaterais e os encaminhamentos ps-encontro por parte das organizaes.

    Como apresentado em Merrien (2003), o Consenso de Filadlfia/Bretton Woods foi o triunfo da ideia de regulao internacional econmica e social. em tal contexto, o social era considerado um complemento indispensvel para o econmico. A OIT (Organizao Internacional do Trabalho) liderou a comunidade epistmica dominante que se imps com a declarao de Filadlfia, de 1944, que continha uma afirmativa incisiva: o homem no uma mercadoria, inspirada nas formulaes de Karl Polanyi. A poca foi marcada pelos acordos de Bretton Woods, e a vertente keynesiana na conduo das polticas macroeconmicas ganhou maior dimenso. Caberia aos governos gerir as polticas com os instrumentos da macroeconomia na busca do pleno emprego. Com a crise do sistema monetrio internacional de 1973 o keynesianismo foi perdendo importncia. de fato, a derrocada do sistema de Bretton Woods, a estagflao e a perda de confiana em relao capacidade de interveno do estado na dcada de 1970 colocaram em questo a hegemonia keynesiana diante dos problemas macroeconmicos. Para piorar, a deteriorao da situao dos pases da cortina no parecia poder credenciar o socialismo do tipo sovitico como uma alternativa vivel sob o prisma da opinio pblica.

    Com a adoo de medidas alinhadas ao receiturio neoliberal, foram enfraquecidas ou at mesmo destrudas muitas das instituies criadas aps a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. As medidas que antes visavam a estabelecer limites ao poder do capital foram rechaadas, e, assim, diminuam os focos de resistncia dos assalariados face aos seus empregadores. A mudana de paradigma fez com que o FMI (Fundo Monetrio Internacional) e o Banco Mundial se tornassem os lderes das reformas do estado e dos sistemas de proteo social, ficando a OIT em uma posio defensiva. O Consenso de Washington materializa essa reverso. Segundo as novas concepes hegemnicas, o mercado seria o melhor mecanismo para alocar riquezas e a meta seria liberar sua ao. Com base no conceito de estado Mnimo, o FMI e o Banco Mundial passaram a recomendar disciplina fiscal dos governos; privatizao; focalizao dos gastos pblicos em educao, sade e infraestrutura; desregulamentao do processo econmico e da legislao trabalhista; liberalizao do comrcio exterior; e eliminao de restries ao investimento direto estrangeiro.

    Frente ao avano das crises financeiras e do aumento da pobreza na Amrica

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    Latina, a ortodoxia econmica reconheceu as limitaes da agenda de reformas. O Consenso de Washington havia dado nfase demais privatizao, desregulamentao e liberalizao comercial, dando pouca ateno s instituies e complementaridade entre as esferas pblica e privada na economia. A liberalizao financeira e a abertura comercial aumentaram a exposio do risco dos pases, sem ampliar sua capacidade de enfrent-los. Houve privatizao e fortalecimento do setor privado, com escassa importncia conferida melhoria do setor pblico e s instituies em geral.

    Com a crise financeira internacional, as organizaes multilaterais passam por questionamento sobre seu papel. O Consenso de Washington fracassou e ainda no existe nenhum consenso para substitu-lo. No obstante, as organizaes, em especial aquelas originadas da conferncia de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI), a Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e a Conferncia das Naes unidas sobre Comrcio e desenvolvimento (uNCTAd) continuam sendo as principais propositoras de aes de combate a crise. Nos meses que precederam a reunio de abril do G-20, em Londres, essas instituies emitiram pareceres e proposies sobre a crise. Aps o encontro, as organizaes continuaram a publicar relatrios sobre a crise, inclusive avaliando as decises tomadas pelo G-20.

    Na primeira semana de abril de 2009, lderes do mundo e economias emergentes se reuniram em Londres para reiterar o compromisso de evitar o protecionismo e de pensar aes conjuntas concretas de combate crise internacional. Algumas das ideias se materializaram nas decises tomadas ao trmino desse encontro do Grupo dos Vinte (G-20).6

    Como mostrado no Quadro 2, o G-20 Meetingss Final Communiqu7 destacou trs pontos prioritrios:

    Anlise das falhas no sistema financeiro internacional;

    Promoo de reformas radicais das instituies;

    Remoo dos principais problemas que geram desequilbrios macroeconmicos entre os pases.

    6. Constitudo h uma dcada na esfera dos ministros das Finanas, o Grupo dos 20 (G-20) rene os sete pases mais industrializados (euA, Canad, Japo, Reino unido, Frana, Itlia e Alemanha), a unio europia e doze outras grandes economias (China, ndia, Rssia, Brasil, Coria do Sul, frica do Sul, Arbia Saudita, Argentina, Austrlia, Indonsia, Mxico e Turquia).7. G-20 (2009)

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    Quadro 2 Principais decises da Reunio do G-20

    Triplicar o valor disponvel para emprstimos do FMI, dos atuais uS$ 250 bilhes para uS$ 750 bilhes, e disponibilizar outros uS$ 250 bilhes para ampliar as reservas internacionais dos pases do G-20 atravs dos direitos especiais de saque (SdRs);

    dar poderes ao FMI para coordenar as aes frente crise internacional, fortalecendo a governana da globalizao;

    Transformar o Frum de estabilidade Financeira em Conselho de estabilidade Financeira, composto pelos os membros do G-20, com a misso de reportar os esforos regulatrios nacionais sobre instituies como fundos de hedge, fundos de capital privado, derivativos;

    Aumentar a coordenao e a agressividade das polticas fiscais dos pases;

    Combater os parasos fiscais, inteno confirmada pela divulgao de uma lista negra e outra lista cinza de pases que no seguiam as regras da OCde quanto transmisso de informaes fiscais;

    Conter o protecionismo (atravs do monitoramento pela OMC e outras instituies internacionais) e tentar sustentar o volume do comrcio e dos servios internacionais via ampliao do financiamento ao comrcio.

    Para evitar impactos inflacionrios, os governos argumentaram que seria necessrio elaborar estratgias para implantar polticas fiscais de modo a evitar impactos indesejveis de aes de alguns pases sobre os outros. Outras preocupaes do documento so a estabilidade das economias emergentes, a administrao das moedas e das reservas internacionais e o monitoramento das finanas e do comrcio internacional, alm da necessidade de maior monitoramento das finanas e do comrcio internacional, o que destacaria os papis desempenhados pelo Fundo Monetrio Internacional (FMI) e pela Organizao Mundial do Comrcio (OMC).

    das organizaes que fazem parte do conjunto das Naes unidas, a uNCTAd h muitos anos estuda o movimento dos mercados e aponta a necessidade de reformar o sistema multilateral global. Segundo os relatrios recentes da instituio,8 os governos devem julgar movimentos de preo nos mercados, coibir a especulao financeira e intervir para evitar grandes desequilbrios. As principais recomendaes da instituio esto apresentadas no Quadro 3.

    8. Ver uNCTAd (2009-a); (2008-a); (2009-b); (2009-c); (2009-d); (2009-e).

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    Quadro 3 Principais recomendaes feitas pela uNCTAd

    Agentes reguladores governamentais devem ter acesso a dados consistentes sobre os mercados;

    Papel das agncias de classificao de riscos precisa ser revisto;

    Pases em desenvolvimento no devem ser sujeitos a crisis rating pelos mesmos mercados financeiros que deflagraram a crise financeira internacional;

    Arranjos de taxas de cmbio globais para manter a estabilidade global, evitar o colapso do sistema internacional de comrcio e prevenir polticas pr-cclicas pelos pases afetados; pases em desenvolvimento devem manter uma taxa de cmbio competitiva e evitar descasamentos em termos de moedas e prazos em suas dvidas pblicas e privadas;

    Criar incentivos para instrumentos financeiros mais simples e regulamentados adequadamente;

    Combater a deteriorao do crdito;

    desenvolver setores financeiros dos estados de forma progressiva, evitando a formao de bolhas especulativas;

    Regular mais intensamente a presena dos investidores financeiros nos mercados de commodities, de modo a evitar grandes flutuaes nos preos, os quais atingiram seus nveis mais altos entre 2002 e 2008, e que despencaram durante a crise;

    Quebrar a espiral de deflao e queda de demanda e recuperar a habilidade do sistema financeiro de prover crdito para investimentos produtivos, de modo a estimular o crescimento e evitar a queda dos preos seriam algumas das aes mais importantes;

    Conceder moratria temporria s naes mais pobres, dada a falta de crdito e as crescentes dificuldades em exportar matrias primas;

    Agir coordenadamente, de modo a reverter o quadro de significativa queda mundial nos investimentos externos diretos e fuses/aquisies; aes internacionais coordenadas, tambm no mbito da OMC, para evitar o protecionismo e favorecer o comrcio internacional.

    dada a necessidade de fortalecer e reformar o multilateralismo, a uNCTAd afirma que a ONu deve ter um papel central em sugerir essas reformas, j que essa seria a nica instituio verdadeiramente universal, e com credibilidade suficiente para garantir a legitimidade e a viabilidade das reformas do sistema de governana mundial.

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    No recente relatrio de recomendaes das Naes unidas9 elaborado por um grupo de especialistas liderados por Joseph Stiglitz, ganhador do prmio Nobel de economia, impera a necessidade de aes coordenadas entre as diversas instituies e pases como nico modo de combater os efeitos da crise. O relatrio aponta a falta de coerncia entre as polticas comerciais e financeiras internacionais, a necessidade de espao para que os pases em desenvolvimento adotem polticas no-protecionistas de combate crise. Na agenda provisional da Conferncia sobre a Crise econmica e Financeira e seus Impactos no desenvolvimento,10 a ONu cita uma srie de aes que devem ser tomadas com base no relatrio da Comisso Stiglitz, onde as principais so apresentadas no Quadro 4.

    Quadro 4 Principais recomendaes sugeridas pela ONu Comisso Stiglitz

    Garantir financiamento adicional aos pases mais pobres;

    Prover maior segurana alimentar e aumentar o comrcio atravs da concluso da Rodada de doha;

    Promover iniciativas de desenvolvimento sustentvel e promover pactos trabalhistas globais;

    Consolidar redes de proteo social, tomar aes emergenciais humanitrias, de segurana e de estabilidade social;

    Aumentar os investimentos e garantir o acesso tecnologia e inovao;

    Monitorar, analisar e melhorar os aspectos macroeconmicos;

    Renovar o multilateralismo.

    Para a ONu, est clara a necessidade de um multilateralismo renovado, que busque no s a recuperao econmica, mas tambm o sucesso dos Objetivos do Milnio, de modo a evitar que a crise econmica passe a ser tambm humanitria.

    Outras instituies multilaterais envolvidas diretamente nas discusses e aes de combate crise so o FMI, o Banco Mundial e a OMC. essas instituies foram, durante mais de duas dcadas, fortemente influenciadas pelos preceitos do Consenso de Washington. As propostas em pauta e aes em curso refletem um momento de transio e a dificuldade em abandonar a ideologia do livre mercado e estado mnimo, que por tanto tempo esteve presente no cerne dessas instituies.

    O FMI (2009-a) afirma que para retomar o crescimento necessrio estabilizar as condies financeiras e incentivar a demanda. As principais propostas apresentadas pelo FMI esto sintetizadas no Quadro 5.

    9. ONu (2009-a)10. ONu (2009-b)

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    Quadro 5 Principais recomendaes sugeridas pelo FMI

    Aumentar a cooperao internacional;

    Restaurar a confiana no sistema financeiro internacional a chave para resolver a crise, e para isso preciso solucionar os problemas de regulamentao desse sistema;

    Resolver com urgncia os problemas no balano das instituies financeiras, incentivando a capitalizao das que so viveis;

    Ajudar, por parte do estado, as corporaes domsticas que no consigam crdito;

    Facilitar a poltica monetria atravs da reduo de taxas, sempre que possvel, e da gerao de crdito direto.

    Os efeitos sociais decorrentes dos pacotes de estmulo fiscal anunciados pelo G-20 at o ms de maro devem ser significativos, de acordo com as estimativas. Porm, como o estmulo inferior a 2% do PIB, recomendado pelo Fundo para 2009 e 2010, e dada a natureza prolongada do declnio da atividade econmica, pases com espao para adotar poltica fiscal devem planejar manter os estmulos at 2010. de acordo com o FMI (2009-b), o encontro em Londres reforou o seu papel central no sistema financeiro internacional como supervisor econmico, emprestador global, provedor de emprstimos aos pases mais pobres e estimulador da liquidez global. Seus fundos para emprstimos foram aumentados a uS$ 750 bilhes e foi autorizada a emisso de SdRs. Como apresentado anteriormente em FMI (2009-c), a instituio procurou reforar os compromissos feitos no G-20, alm de facilitar a concesso de emprstimos a pases em desenvolvimento.

    de acordo com o Banco Mundial (2009-a), existem trs desafios no combate crise: estabilizao; proteo e promoo do crescimento e desenvolvimento de longo prazo; e proteo dos mais pobres e vulnerveis. Para atingir esses objetivos a instituio sugere uma srie de proposies, cujas principais esto listadas no Quadro 6.

    Quadro 6 Principais recomendaes sugeridas pelo Banco Mundial

    Gerar grande volume de recursos;

    Reduzir os riscos;

    Restaurar com urgncia a confiana, pois somente assim o sistema financeiro poder novamente promover o crescimento;

    Restaurar a demanda agregada e aumentar as concesses a pases em desenvolvimento como medidas fundamentais para restaurar nveis de emprego e garantir o progresso dos Objetivos do Milnio (OdM);1

    Flexibilizar os emprstimos por parte do FMI para a tomada de aes anticclicas, tal como fomentar o setor privado.

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    Como visto em Banco Mundial (2009-b), o Banco e seus parceiros pretendem ajudar o comrcio com cerca de uS$ 50 bilhes por meio do Global Trade Liquidity Program nos prximos trs anos. Sobre as decises do G-20, para a instituio, os estmulos fiscais anunciados pelo G-20 at o presente momento so positivos, porm insuficientes, pois apenas um quarto dos pases em desenvolvimento que esto vulnerveis est em condies de expandir o dficit fiscal para adotar medidas anticclicas. Quanto afirmao do G-20, de que vai resolver os problemas de falta de crdito de modo a recuperar o comrcio mundial, o Banco espera uma atitude mais rpida por parte dos pases. Isso se deve ao fato de as perspectivas para o crescimento da economia mundial para os anos de 2009 e 2010 serem piores do que anteriormente previstas, conforme apresentado em Banco Mundial (2009-c).

    A Organizao Mundial do Comrcio tem como principal preocupao, no contexto da crise, manter o comrcio internacional aberto e continuar estimulando o livre comrcio mundial (keep trade open, keep opening trade), principalmente atravs da retomada da Rodada de doha. Pascal Lamy, diretor geral da OMC, afirma que seus membros devem resistir s presses para tomar medidas protecionistas. Para isso, ressalta que os membros do G-20 j se comprometeram a no tomar medidas protecionistas e de restrio ao investimento. Segundo Lamy, fundamental encorajar as instituies financeiras pblicas a dar suporte a bancos comerciais de modo a garantir crdito. A instituio agora aguarda a sua prxima reunio ministerial, a ser realizada em novembro de 2009, de modo a tomar resolues mais concretas sobre a Rodada de doha e o combate ao protecionismo.

    As propostas das instituies so muito diferentes entre si, e representam a prpria natureza de cada uma das organizaes. A eficcia do conjunto de proposies e aes para conter a progresso dos efeitos negativos da crise global depende de forma crtica da rapidez e completude com que elas forem implementadas nos prximos meses.

    3. Consideraes Finais

    O presente estudo teve como objetivo primordial mostrar as reaes das instituies multilaterais frente crise, partindo das origens do colapso econmico, da evoluo das posies dessas instituies a partir de Bretton Woods e de suas principais aes e recomendaes no atual contexto. A perspectiva adotada considera que o ncleo do problema originou-se no setor financeiro da economia, mas j afeta o seu lado real. dessa forma, a retomada do crescimento necessitar de uma atitude firme e veloz para coordenar as polticas entre governos, empresas transnacionais e instituies multilaterais.

    Ainda no possvel dizer que exista um novo consenso tomando o lugar do antigo Consenso de Washington. Mesmo a recente reunio do G-20, em abril de 2009, que tratou de temas de primeira grandeza, no parece ter gerado um Consenso de Londres sobre o papel do estado e das instituies multilaterais. Isso se deve amplitude e diversidade das propostas apresentadas, tal como a falta de ambiente institucional propcio

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    sua implementao. entre os fatores de influncia nas condies institucionais reais est a poltica domstica dos euA, a relao desse pas com a China, o combate internacional aos parasos fiscais, dentre outros.

    Apesar disso, o dilogo est aberto e os organismos internacionais buscam redefinir seus papis em um contexto marcado por profundas mutaes. A postura defensiva das empresas e as medidas de polticas mais agressivas dos estados Nacionais, juntamente com a proposio de maior regulao dos mercados feita pelas instituies multilaterais so as tendncias observadas nesse cenrio. Resta saber se esta crise ser, de fato, um estmulo para promover mudanas significativas na estrutura da governana mundial, ou se as mudanas realizadas daqui em diante sero mudanas para manter o status quo. Logo aps a reunio do G-20, cerca de um tero dos pases do mundo tomaram medidas claramente protecionistas. As aes sugeridas pelas instituies multilaterais parecem estar sendo aplicadas, quando aplicadas, em um carter conjuntural. A coordenao entre os pases e instituies, ainda insipiente, precisa evoluir muito de modo a gerar resultados e aes mais eficazes.

    No obstante, movimentos nesse sentido aparecem em todo o globo. O bloco ASeAN+3 criou um fundo de emergncia de mais de uS$ 100 bilhes para garantir liquidez. As principais economias em desenvolvimento, os pases BRIC,11 tiveram uma reunio inicial no incio de junho para discutir a crise econmica global, a reforma das instituies financeiras internacionais, o papel do G-20, mudanas climticas e questes de segurana alimentar e energtica. Apesar de no gerar decises concretas, foi criado mais um foro de discusso entre alguns dos principais agentes da economia mundial. Na reunio do grupo IBAS12 no ms de junho de 2009, os pases assinaram uma declarao conjunta, na qual reiteraram seu comprometimento com a retomada da Rodada de Doha.

    um primeiro passo foi dado em direo a uma maior coordenao entre os pases e instituies multilaterais, ao menos no que se refere posio de consenso de que preciso intervir. Porm a crise pede mais. O grau de interdependncia entre os pases, associado aos interesses domsticos, impede que as naes tomem medidas unilaterais eficientes, sem que isso afete a economia global.

    diante dos desafios representados pela desacelerao das economias centrais, o crescimento do desemprego, o aumento da excluso social e da pobreza, sem falar nos dilemas ambientais que comeam a apresentar seus efeitos mais perigosos, mais do que pertinente acelerar os esforos conjuntos. esses esforos, alis, no podem se limitar a preservar as finanas e as instituies que integram os mercados de capitais. A concatenao de aes ambientais, sociais e macroeconmicas para reverter os efeitos mais deletrios da crise atual, que parece ser a soma de todas as anteriores, ao menos nas dcadas mais recentes, a nica sada para que o social e o ambiental estejam finalmente em fase com o econmico. essa a nica sada para que a resultante disso possa, de fato, ser considerada como desenvolvimento legtimo e para todos.

    11. Brasil, Rssia, ndia e China.12. ndia, Brasil e frica do Sul.

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    1. Os objetivos do Milnio (OdM) so uma srie de metas surgidas com a declarao do Milnio das Naes unidas, em 2000. essas metas abarcam, dentre outras, questes sobre o meio-ambiente, desenvolvimento scio-econmico, direito das mulheres e racismo. Com compromissos concretos e prazos fixos, a ONu acredita que o cumprimento dos OMd vai permitir uma melhoria nas perspectivas para a humanidade no sculo XXI.

  • A CrISE CApITAlISTA CoNTEMporNEA E SuAS CoNSEquNCIAS ECoNMICAS E polTICAS No SISTEMA INTErNACIoNAl

    lecio Morais

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    A CrISE CApITAlISTA CoNTEMporNEA E SuAS CoNSEquNCIAS ECoNMICAS E polTICAS No SISTEMA INTErNACIoNAl

    lecio Morais1

    feita neste artigo uma abordagem diferenciada da crise sistmica iniciada em 2008, a partir do agravamento da perda de valor dos ativos financeiros ligados ao crdito imobilirio, dito subprime, nos euA, incluindo na anlise variveis polticas e geopolticas. Avaliaremos as possveis consequncias econmicas e tambm polticas da crise, explorando os balizamentos mais gerais de seu desenvolvimento e tambm as condies mnimas de sua superao.

    A anlise parte do princpio que a dimenso da crise e sua natureza sistmica no envolvem apenas causas econmicas. Suas caractersticas mais acentuadas de crise sistmica derivam, na verdade, da atual situao dos euA, enquanto pas hegemnico do sistema capitalista e tambm do sistema interestatal constitudo a partir da Segunda Guerra Mundial. A crise vem revelando as fragilidades do arranjo prevalecente na economia internacional aps a ltima grande crise na dcada de 1970, e as dificuldades encontradas pelos euA para continuar liderando o mundo no caminho da prosperidade e da sustentabilidade.

    1- Capitalismo, crise e hegemonia

    O capitalismo um modo de organizao social que gera riqueza e a distribui. Tem por base o trabalho assalariado e por motivao a acumulao privada de riqueza abstrata, preferencialmente na forma de dinheiro o capital. essa motivao individual, mas compartilhada por meio de valores comuns de um grupo ou classe social e que, por meio de sua hegemonia ideolgica, estende-se a toda ou a quase toda a sociedade. esse compartilhamento de valores como propriedade privada, empreendedorismo, supremacia do privado e racionalidade intrnseca dos mecanismos de mercado , difusos na sociedade, concede ao capital e aos capitalistas a legitimidade necessria para reivindicar para si e seu modo de produzir o monoplio social de criar a riqueza necessria reproduo da sociedade. A produo, assim, assume a forma de mercadoria o produto como valor mensurado e conversvel em dinheiro.

    1. economista e mestre em Cincia Poltica. Atua como assessor tcnico na Cmara dos deputados.

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    O monoplio do capital sobre a reproduo das condies sociais de existncia dividido com o estado nem sempre de forma harmoniosa , sendo a fronteira entre a mercadoria e o bem pblico varivel no tempo e sujeita, muitas vezes, disputa.

    A compulso de acumular riqueza abstrata gera como subproduto todo o conjunto de meios de vida e de sua prpria produo, porm tem que faz-lo de modo ininterrupto, reproduzindo o consumo sempre de forma ampliada. esse modo de produzir tem sido capaz de gerar riqueza em grande quantidade e de forma crescente, marcando uma fase histrica de grandes contrastes de riqueza e pobreza. Transformou a face da Terra e t