cascais - por isabel magalhães e joão aníbal henriques

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Isabel Magalhães João Aníbal Henriques Isabel Magalhães João Aníbal Henriques CASCAIS Estratégia de Futuro para a Nossa Terra CASCAIS Isabel Magalhães é advogada e jurisconsulta. Tem uma carreira profissional de mais de três décadas, incluindo também funções de intervenção cívica e política, nomeadamente à frente de entidades de utilidade pública, como a Fundação Cascais, no poder local, enquanto vereadora independente na Câmara cascalense e, mais recentemente, na direcção do Movimento SerCascais, que fundou para dinamizar a participação activa dos cidadãos na política local. Cascais é o seu concelho de eleição, ao qual se tem dedicado e onde promove assiduamente passeios e iniciativas culturais que combinam a fruição das caminhadas com pequenas palestras sobre a história do concelho, em que também se realçam as potencialidades do município, os problemas e as soluções alternativas. É autora do livro “Ser em Vez de Ter” e deste “Cascais” . João Aníbal Henriques é historiador e arqueólogo de formação e tem desenvolvido actividade como investigador na área do património histórico-cultural, da educação e do turismo. Em termos cívicos é Secretário-Geral da Academia de Letras e Artes, académico da Academia de Letras do Brasil, membro da Académie Européene des Arts, Cooperante da Fundação Cascais, e fundador do Movimento SerCascais. É autor de diversos livros e artigos na dos quais de salientam a “História Rural Cascalense”, “O Plano Director Municipal de Cascais”, “A Montanha”, “O Estoril e a Paróquia de Santo António”, “Uma Intervenção Psicopedagógica nas Minas da Panasqueira”, “Assumir o Fim-do-Mundo”, “Levantamento Exaustivo do Património Cascalense”, “A Saúde de Cascais”, “Comércio & Turismo”, “Turismo do Estoril”, “História da Pedagogia” e “Cascais”.

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Isabel MagalhãesJoão Aníbal Henriques

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CASCAISEstratégia de Futuro para a Nossa Terra

CASCAIS

Isabel Magalhães é advogada e jurisconsulta. Tem uma carreira profissional de mais de três décadas, incluindo também funções de intervenção cívica e política, nomeadamente à frente de entidades de utilidade pública, como a Fundação Cascais, no poder local, enquanto vereadora independente na Câmara cascalense e, mais recentemente, na direcção do Movimento SerCascais, que fundou para dinamizar a participação activa dos cidadãos na política local. Cascais é o seu concelho de eleição, ao qual se tem dedicado e onde promove assiduamente passeios e iniciativas culturais que combinam a fruição das caminhadas com pequenas palestras sobre a história do concelho, em que também se realçam as potencialidades do município, os problemas e as soluções alternativas. É autora do livro “Ser em Vez de Ter” e deste “Cascais” . João Aníbal Henriques é historiador e arqueólogo de formação e tem desenvolvido actividade como investigador na área do património histórico-cultural, da educação e do turismo. Em termos cívicos é Secretário-Geral da Academia de Letras e Artes, académico da Academia de Letras do Brasil, membro da Académie Européene des Arts, Cooperante da Fundação Cascais, e fundador do Movimento SerCascais. É autor de diversos livros e artigos na dos quais de salientam a “História Rural Cascalense”, “O Plano Director Municipal de Cascais”, “A Montanha”, “O Estoril e a Paróquia de Santo António”, “Uma Intervenção Psicopedagógica nas Minas da Panasqueira”, “Assumir o Fim-do-Mundo”, “Levantamento Exaustivo do Património Cascalense”, “A Saúde de Cascais”, “Comércio & Turismo”, “Turismo do Estoril”, “História da Pedagogia” e “Cascais”.

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Isabel Magalhães

João Aníbal Henriques

CASCAIS Estratégia de Futuro para a Nossa Terra

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Índice

- Abertura ....................................................................................................... Pág 007

- Ordenar Cascais .......................................................................................... Pág. 011

- O Plano Director Municipal .......................................................................... Pág. 029

- Reflectir Cascais .......................................................................................... Pág. 043

- O Cosmopolitismo de Cascais ..................................................................... Pág. 061

- O Turismo do Estoril .................................................................................... Pág. 105

- Habitação em Cascais ................................................................................. Pág. 129

- Planificar o Futuro de Cascais ..................................................................... Pág. 145

- Um Caminho para Cascais .......................................................................... Pág. 173

- Viver em Cascais ......................................................................................... Pág. 185

- Ainda o Flagelo da Ilegalidade .................................................................... Pág. 191 - A Funcionalidade da Planificação Estratégica Municipal ............................ Pág. 201 - Conclusão .................................................................................................... Pág. 267

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Abertura

Um Caminho Estratégico para o Futuro da

Nossa Terra

O Concelho de Cascais, necessariamente inserido no mesmo contexto conjuntural de crise profunda que tanto tem vindo afectar Portugal, encontra-se actualmente numa encruzilhada cujo desenlace marcará definitivamente o futuro desta terra e o de todos os Cascalenses.

Depois de mais de quarenta anos de democracia, marcada pelos altos e baixos próprios deste sistema, Cascais vive hoje de forma muito sentida um conjunto de traumas que resultaram do impacto negativo imposto pelos muitos interesses desencontrados que deram forma ao devir quo-tidiano desta terra. Os partidos políticos, assentes num sis-tema que oscila entre as necessidades práticas de finan-ciamento e a dependência dos ciclos eleitorais, corporiza-ram uma espécie de rotativismo que convém a todos e que impede a afirmação das reais aspirações, expectativas e sonhos dos Cascalenses.

Por isso, vinte de dois anos depois de termos começado a trabalhar em conjunto, de forma independente, na defesa dos interesses e das motivações da sociedade civil Casca-lense, este livro apresenta-se como uma pedrada no char-co em que nos encontramos. Para ele confluem as muitas

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experiências (boas e más) que tivemos ao longo das últi-mas duas décadas em Cascais, mas também o ensejo dos muitos Cascalenses que connosco estiveram corajosamen-te a defender aquilo que acreditamos ser o melhor para a nossa terra.

E há várias coisas que sabemos de antemão…

Sabemos que quem controla esta autêntica máquina que gere Cascais não vai gostar do que aqui escrevemos. Sabemos que vamos ser atacados, criticados, injuriados e acusados de muitas e variadas coisas ao sabor dos muitos interesses que questionamos e que desta forma procura-mos esclarecer. Sabemos que, tal como aconteceu com muitos outras contributos que procurámos dar no passa-do, as ideias e propostas que aqui compilamos serão dei-tadas fora imediatamente por não defenderem outros inte-resses que não sejam aqueles que dão corpo à sociedade civil Cascalense.

Mas assumimos tudo isso. Fazemo-lo porque estamos habituados a defender Cascais de forma intransigente perante actos, práticas e projectos que defendam interes-ses terceiros. Mas fazemo-lo também porque acreditamos que ao proceder assim, existirão milhares de Cascalenses que perceberão que existem caminhos alternativos àqueles que nos são impostos por quem controla o poder, refor-çando assim a sua capacidade crítica, a sua consciência em relação a Cascais e a vontade de intervir activamente para defender o futuro desta nossa terra.

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É, por isso, um contributo para a esperança relativa ao futuro deste Concelho, fundado nos alicerces dos valores e dos princípios que sempre nortearem a vida de Cascais e dos Cascalenses.

As oportunidades que sempre se associam aos períodos de crise transformam este momento numa encruzilhada que poderá inverter de forma perene os muitos problemas com os quais nos debatemos. Estamos precisamente a viver a época em que podemos escolher caminhos dife-rentes ou, se for essa a nossa vontade, manter-nos muitos sossegados no redil com o qual nos procuram envolver.

A nossa escolha está feita e este livro fica como testemu-nho determinado de que é possível mudar. É o nosso con-tributo em defesa da Identidade e da Consciência Cívica dos Cascalenses.

Cascais, Primavera de 2015

Maria Isabel Cabral de Magalhães

João Aníbal Queirós Felgar Veiga Henriques

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Ordenar Cascais

Nesta época de mudança em que todos já entendemos

que é bem mais importante Ser do que Ter, é urgente

retomarmos a nossa identidade, regressarmos às nossas

raízes de desenvolvimento e lançarmos novos projectos

dotados da nossa ambição e energia criadora. O Concelho

de Cascais, como já referido, através da marca de referên-

cia internacional “Costa do Estoril”, tem uma identidade

muito própria que fez dele um território muito especial, o

que permitiu que, no último século, fosse pioneiro no

Turismo de Excelência e reconhecido a nível mundial.

Para além desta identidade muito própria e irrepetível tem,

ainda, características naturais, culturais, e de infra-

estruturas e equipamentos que configuram significativas

vantagens competitivas. A localização privilegiada do nos-

so Concelho, próximo de uma grande capital europeia,

Lisboa e do seu aeroporto internacional, enquadrados

entre o oceano Atlântico e o Parque Natural Sintra-

Cascais, a escassos minutos de Sintra, Património Mundial

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e com uma oferta de equipamentos de excelência tais

como uma Marina, um Aeródromo, um Centro de Con-

gressos, um Casino, um Hipódromo, um Autódromo,

campos de Golfe de prestigio internacional e uma das

praias mais maravilhosas do mundo, que é a Praia do

Guincho, permite-nos perspectivar um desenvolvimento

estratégico que permita reposicionar a nossa região nos

níveis de excelência que lhe são devidos.

Porém, sem um território adequadamente ordenado, con-

sequentemente ordenado e responsavelmente gerido não

se poderá alcançar esse desenvolvimento.

O Plano Director Municipal é o instrumento de ordena-

mento que deve conter as propostas concretas para o

futuro desenvolvimento sócio-económico e a futura orga-

nização espacial dos usos do solo urbano, das redes de

infra-estruturas e de todos os demais equipamentos.

Daí a importância da adequação do mesmo à realidade

concreta e que defina , adequadamente, os objectivos a

prosseguir e as politicas necessárias à eliminação dos prin-

cipais actuais estrangulamentos.

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Contudo, por melhor que seja um plano, por si só, não

resolve nada. Á gestão caberá a vontade e a capacidade de

territorializar as opções desse plano

Quando o diagnóstico está bem feito e o plano estratégico

adequadamente elaborado, à governação competirá moti-

var e construir os consensos, ser fiel, intemporal e aparti-

dariamente, à estratégia traçada, garantir maior coordena-

ção e articulação horizontal e vertical do aparelho admi-

nistrativo, impor uma gestão proactiva, inteligente, ágil e

organizada, regida por equidade, transparência e defensora

do interesse colectivo.

Tomando como principal eixo estratégico para o Conce-

lho de Cascais o Turismo, tal deve estar implícito, inequi-

vocamente, em todas as propostas não só do Plano Direc-

tor Municipal , como dos outros níveis de planeamento

(Planos de Pormenor, Projectos urbanísticos, etc).

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E medidas concretas deverão ser implementadas.

Assim, necessário se torna:

1. Promover o Turismo de Qualidade

a) Desenvolvendo uma estratégia global para a região

enquadrada em princípios de sustentabilidade e

posicionando o destino como “Destino Responsável” no

âmbito das práticas recomendadas pelas Nações Uni-

das que assentam em 3 pilares, economia, sociedade e

ambiente e que defendem o Turismo como forma de

preservação cultural e patrimonial e fonte de desen-

volvimento económico e ainda criação de bem-estar

para as comunidades locais;

b) Criando incentivos, nomeadamente fiscais e de

simplificação administrativa, ao desenvolvimento de

oferta hoteleira variada de alta qualidade, nomea-

damente a implementação complementar de Hotéis de

Charme, Boutique Hotéis e Hostals, tirando partido

do património edificado existente na região;

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c) Alargando a área de oferta turística, nomeadamente

no Turismo de Habitação, no turismo rural e agro-

turismo, a todas as freguesias do Concelho;

d) Recuperando as marcas “Estoril” e “Costa do

Estoril”, marcas de grande referência e prestígio

internacional com enorme reconhecimento pela sua

qualidade e glamour, como comprovam estudos

recentemente elaborados.

e) Desenvolvendo o Turismo de Negócios, aproveitando

integralmente as potencialidades do Centro de Com-

gressos, considerando a sua natural ampliação dada a

importância e o crescimento que este sector tem vindo a

ter no desenvolvimento da região;

f) Facilitando os acessos à região a partir do aeroporto

internacional de Lisboa através da criação de um

“AirportShutle”, que fará a ligação diária dos

visitantes à maioria dos hotéis da região, garantindo

assim uma experiência de contornos de exclusividade e

excelência a quem nos visita, desde o momento que

aterra em Portugal até ao seu regresso ao país de

origem;

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g) Promovendo o Turismo de Saúde e Bem-estar, com

base na excelência do clima, nas águas termais, na

qualidade e requalificação de equipamentos existentes;

h) Promovendo o Turismo de Natureza através de um

plano de recuperação do Parque Natural Sintra Cas-

cais, estabelecendo percursos específicos para circulação

no mesmo, pedestres, bicicletas e a cavalo assim como

sinalética apropriada e informação sobre a fauna e

flora do Parque;

i) Promovendo os Desportos de Mar e o turismo

associado, através da criação de um programa especí-

fico e uma instituição pública que colabore com as

privadas existentes, organizando e dinamizando a

oferta de serviços de animação turística no mar, recupe-

rando uma vocação histórica da Vila de Cascais;

j) Incrementando o Turismo Cultural, aproveitando o

magnífico património, paisagístico e construído, de que

o concelho é dotado;

k) Apoiando o Turismo Desportivo e retomar a

organização de Mega Eventos Desportivos Interna-

cionais de gama alta, nomeadamente no hipismo, no

golfe, no ténis e nos desportos náuticos e motorizados,

para os quais estamos claramente vocacionados e

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estruturados, sendo catalisadores para um cada vez

maior mercado de visitantes;

l) Criando postos de Turismo que promovam e informem

sobre todo o potencial da região, apostando na segmen-

tação da oferta e desenvolvendo produtos específico para

cada segmento;

m) Promovendo incentivos à reformulação do comércio, da

restauração e das áreas de lazer, de forma a adequá-

los ao turismo de excelência que se pretende atingir;

n) Criando incentivos à realização de filmes e reportagens

que possam projectar e divulgar os locais únicos

existentes na nossa terra;

o) Desenvolvendo uma gama de produtos de merchandising

em torno da marca “Estoril Coast” que reforcem o

nosso marketing e que permitam estender a experiência

de quem nos visita;

p) Criando um produto “Multimedia” e “Multi-

language” sobre a região, que reflicta a sua história, o

seu património e as suas gentes, que se torne ponto de

passagem obrigatória para todos os que nos visitam e

que cá vivem, sendo uma importante ferramenta de

divulgação cultural e de consolidação da nossa

identidade;

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q) Relançando os “Task Forces”, grupos de trabalho das

instituições e forças vivas locais, que tanto

contribuíram para a implementação de medidas de

melhoramento de grande utilidade no concelho, como já

demonstradas nas áreas da sinalética (hoteleira), do

paredão (chuveiros e wc’s), na recarga das areias nas

praias, Prémio de Qualidade da Restauração, no

mobiliário das esplanadas das zonas mais emble-

máticas, no saneamento litoral e atribuição das

bandeiras azuis e outras mais;

r) Fazendo uma Promoção continuada e sustentada do

destino Estoril/Cascais em parceria com todos os

agentes do sector;

s) Criando uma série de eventos que sejam compatíveis

com os Turistas que pretendemos atrair, distribuídos

durante todo o ano;

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2. Afirmar os Espaços Públicos como factor determi-nante da paisagem e da qualidade de vida

a) Mantendo e criando Jardins. b) Colocando passeios onde não existam e tornando transitá-

veis os existentes. c) Exigindo um nível de excelência da limpeza urbana. d) Implementando Planos de Salvaguarda dos Centros His-

tóricos de Cascais. e) Dando especial atenção ao mobiliário urbano, requalifi-

cando-o onde se demonstre necessário. f) Melhorando a iluminação pública, nomeadamente nas fre-

guesias do interior. g) Ordenando o estacionamento anárquico. h) Implementando políticas de regeneração urbana. i) Implementando o Plano de Ordenamento dos Painéis

Exteriores de Publicidade. j) Substituindo as redes aéreas de electricidade e comunicações

por redes subterrâneas. k) Implementando e apoiando projectos de recuperação urba-

na. l) Dando substância à figura do Zelador do Espaço Público

(voluntário residente reconhecido em determinado Bairro ou Zona, que garantirá a comunicação à autarquia dos even-tuais problemas nos espaços públicos).

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3. Melhorar a Mobilidade/Transportes

a) Impulsionando a construção, de pelo menos parte, da rede

viária já projectada, aproveitando os estudos e projectos já elaborados e nunca concretizados.

b) Adequando a rede viária à malha urbana existente, por forma a evitar impactos negativos sobre o ambiente e qua-lidade de vida dos cidadãos.

c) Negociando novas carreiras, horários e preços dos trans-portes públicos.

d) Promovendo a inter-modalidade (autocarros, transportes partilhados - carsharing e carpooling, bicicleta e ciclomoto-res).

e) Planeando uma rede urbana de mobilidade suave (ciclo-vias e caminhos pedonais).

f) Reaproveitando rede de caminhos pedonais abandonados e reparação de existentes.

g) Afectando para uso pedonal de áreas dos centros das loca-lidades.

h) Promovendo a inclusão social através de um espaço públi-co qualificado e de circulação acessível a todos, nomeada-mente às pessoas de mobilidade reduzida.

i) Reforçando e melhorando a sinalização. j) Criando corredores BUS. k) Intervindo activamente na politica de transportes, exigindo

uma melhor qualidade e articulação das concessionárias dos transportes rodoviário e ferroviário.

l) Combatendo o estacionamento nos passeios,

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m) Dando o perfil de Avenida a várias vias do Concelho, nomeadamente à Marginal, 3ª Circular e Longitudinal Norte, criando praças públicas e jardins em algumas das rotundas.

n) Sinalizando convenientemente os parques e espaços para estacionamento.

o) Oferecendo transporte aos veraneantes, por exemplo com mini-comboios, de/para parques de estacionamento adja-centes, antes e depois da praia do Guincho, impedindo em contrapartida o parqueamento sobre as dunas vivas dessa maravilhosa praia.

4. Defender o Ambiente e a Eficiência Energética

a) Desenvolvendo estudos e iniciativas conducentes à produ-ção de energias renováveis e à poupança energética.

b) Preservando as áreas naturais protegidas, a biodiversidade e as paisagens motivadoras.

c) Preservando os solos, declives, linhas de água e corredores ecológicos.

d) Monitorizando e melhorando a qualidade do ar e das águas (ribeiras e mar).

e) Fiscalizando e impedindo construções clandestinas, depósi-tos de lixo e entulho e espécies infestantes em áreas natu-rais, nomeadamente em zonas do Parque Natural.

f) Criando Parques aproveitando as extensas áreas naturais existentes (nomeadamente junto aos vales e ribeiras), que sejam efectivamente utilizados para lazer, desporto, frui-ção e mobilidade dos cidadãos.

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g) Implementando acções de consciencialização ambiental junto das populações, nomeadamente em parceria com as escolas, instituições e movimentos da Sociedade Civil.

h) Desenvolvendo estudos e iniciativas viradas para a produ-ção de energias renováveis e poupança energética nomea-damente a nível da iluminação publica.

i) Usarndo eficientemente a água nos espaços públicos. j) Aproveitando convenientemente os recursos hídricos natu-

rais, implementando um Plano Municipal Integrado para a Gestão da Água que envolva o município, entidades públicas, empresas privadas e os próprios cidadãos.

k) Combatendo as pragas que se têm verificado, designada-mente nas Palmeiras e Pinheiros do Concelho, bem como as espécies infestantes.

l) Agindo na prevenção da produção de resíduos e diminui-ção da pegada hídrica, redução e compressão do carbono.

m) Investindo na reciclagem e na sensibilização das pessoas e na envolvência no projecto.

n) Estudando, com os concelhos limítrofes, uma solução sus-tentada para o tratamento dos resíduos sólidos e urbanos.

5. Dinamizar a Economia

a) Criando incentivos à pesca artesanal e à maricultura. b) Criando incentivos a acções e projectos de recuperação

urbana. c) Incentivando o regresso à agricultura não só em terrenos

municipais, através da implementação de Hortas Urba-nas, como em terrenos privados através de incentivos e parcerias a estabelecer com os respectivos proprietários.

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d) Promovendo acções de formação na área das Pescas, Comércio, Agricultura e pequena industria.

e) Incrementando as actividades económicas ligadas à repa-ração de activos de toda a natureza (domésticos, comuni-tários, de transporte, etc.).

f) Utilizando o desenho urbano como indutor da fixação de actividades.

g) Apoiando o comércio tradicional e sua modernização, através de parcerias público-privadas, iniciativas e incenti-vos ao nível do mercado do arrendamento comercial e dos lojistas, impulsionando medidas promocionais e de marke-ting.

h) Apoiando o empreendedorismo e a criação de emprego. i) Incentivando a implementação, no interior do Concelho,

de Grandes Projectos Âncora (por ex: polo de apoio à industria cinematográfica; parques temáticos, etc).

j) Criando o Gabinete do Investidor para acompanhamento mais célere de todos os que pretendem investir no Conce-lho.

k) Criando um Pólo Universitário no interior do Concelho. l) Criando de uma área empresarial na zona envolvente do

aeródromo de Tires. m) Apoiando a criação e crescimento de empresas de base tec-

nológica. n) Assegurando a articulação dos instrumentos públicos e

privados disponíveis, para a criação e desenvolvimento de projectos em parcerias, nomeadamente de Start-ups.

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6. Melhorar a Sociedade

a) Reconstruindo a identidade Cascalense. b) Fomentando a autonomia do quotidiano de cada família

no seu bairro, como factor de inclusão social e humaniza-ção e consequente aumento da segurança e qualidade de vida.

c) Promovendo as relações inter-geracionais, aproveitando a sabedoria dos mais velhos para formar os mais novos nas áreas económicas que se pretendem desenvolver (pesca e comércio tradicionais, agricultura e pequena industria) e nas áreas de saúde e educação.

d) Implementando uma verdadeira articulação proactiva entre as várias instituições sociais, culturais e desportivas do Concelho.

e) Promovendo o Voluntariado e a Responsabilidade Social, criando-se Bancos de Voluntários para intervenção em diversas áreas (social, educação e saúde).

f) Favorecendo as múltiplas interacções humanas do espírito comunitário e de cidadania.

g) Promovendo o alargamento dos espaços públicos funcio-nais e de fruição, de forma a permitir, através do desporto, da cultura e do lazer, uma relação mais próxima entre os cidadãos de todas as gerações e freguesias.

h) Apoiando as já existentes e incentivando a criação de ini-ciativas sociais legítimas e socialmente úteis (nas áreas Cultural, Social, Educacional e Desportiva).

i) Apoiando e incentivando acções de Formação de todos os agentes económicos e sociais.

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j) Incentivando a cooperação e articulação entre todas as ins-tituições, numa rede que potencie a utilização dos recursos já existentes, a elevação do nível técnico, a eficiência social e a diversificação das actividades.

k) Dando o merecido relevo e publicidade às acções sociais, culturais e desportivas, de todas as instituições concelhias.

l) Promovendo elevados padrões de limpeza, manutenção e segurança.

m) Assumindo a Segurança dos Cascalenses como priorida-de, promovendo a articulação entre todas as forças poli-ciais e recuperando a figura do Guarda Nocturno.

n) Criando Hotéis Sociais para abrigo temporário de desalo-jados.

o) Promovendo acções de formação e sensibilização dos muní-cipes no que se refere a questões de segurança e saúde.

p) Criando uma unidade hospitalar para Cuidados Conti-nuados.

q) Promovendo e apoiando as actividades culturais do Conce-lho de acordo com a efectiva procura por parte dos Muní-cipes e dos Turistas que se pretenda atrair, dando priori-dade a todos os agentes culturais locais e ás tradições de cada lugar e do Concelho.

r) Modernizando e Dinamizando a rede de Museus e Bibliotecas.

s) Dando a conhecer aos Munícipes todo o património histó-rico e cultural do Concelho, envolvendo-os nas acções con-ducentes à sua preservação e promoção.

t) Criando oferta cultural sustentada não só no litoral mas também e, sobretudo, no interior do Concelho.

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u) Incentivando a criação, em articulação com as entidades privadas, de espaços de diversão nocturna que, sem prejuí-zo do conforto dos moradores, evite a deslocação para Lisboa de jovens e turistas.

v) Dando especial atenção ao desporto como factor essencial para a formação e saúde dos munícipes, apoiando escolas e associações.

w) Construindo um complexo desportivo camarário, incluin-do pista de atletismo, no interior do Concelho, que permi-ta o treino dos muitos atletas do Concelho nas muitas modalidades do atletismo.

x) Incentivando práticas de Desporto na Natureza. y) Apoiando a prática de jogos tradicionais em colaboração

com as colectividades locais. z) Motivando os cidadãos para fazerem de Cascais um

exemplo de cidadania!

Todo o processo de transformação deve ter início nas comunidades - onde vive e convive o cidadão.

Neste momento urge que todos tomemos consciência de que só uma mudança de atitude e uma sociedade estrutu-rada em torno dos valores da moralidade, espiritualidade e ética, permitirá que possamos viver harmoniosamente e felizes.

Todos temos o dever de dizer basta às práticas que nos têm empobrecido, económica e moralmente.

O novo paradigma exige que Cascais afirme e cumpra a sua vocação turística de excelência, planeando uma ocupa-

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ção do território menos predadora, mais sustentável do ponto de vista urbano, com maior rentabilidade das infra-estruturas, maior eficiência e que aponte para a reestrutu-ração e qualificação dos espaços edificados e para a rege-neração dos tecidos consolidados.

O novo paradigma impõe que sejam restabelecidos na governação e incutidos nos munícipes a visão e os princí-pios que nortearam os nossos avoengos e permitiram ao Concelho de Cascais uma afirmação internacional e uma qualidade de vida ímpar, a saber: Ética, Responsabilidade, Coragem, Amor ao Trabalho e à Terra, Respeito pelo Outro, Desejo de Excelência.

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O Plano Director Municipal de Cascais

O Concelho de Cascais, pela sua situação estratégica no seio da Península de Lisboa, e pela notoriedade que gran-jeou ao longo do último século e meio de uma história verdadeiramente extraordinária, é um dos espaços mais atractivos de Portugal, possuindo uma fama que o precede e que é conhecida e reconhecida por toda a Europa.

O cunho cosmopolita desta terra, assente nos pressupos-tos atrás definidos, é de extraordinária importância na definição da vida quotidiana do Concelho. Com um ímpe-to progressista que surge associado à permanente capaci-dade de recriar paradigmas renovados a partir dos pro-blemas com os quais se debate, Cascais esteve sempre um passo à frente do resto do Pais e caracterizou-se sempre pela inovação e pela modernidade.

Apesar de existirem aspectos positivos e negativos asso-ciados a esta situação, pois o crescimento desmesurado, associado à falta de planeamento e de rigor e de, em mui-tos momentos da nossa história, ter sido governada de forma pouco capaz, acabou por resultar nalgum caos urbano que se espraiou, com características diferenciadas, um pouco por todo o território municipal, o certo é que a fama de Cascais sobreviveu sempre e foi capaz de se impor às várias gerações que até agora habitaram o conce-lho.

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A ideia de qualidade que Cascais deixa transparecer, con-jugando o glamour das suas zonas mais emblemáticas com a fama que carregou até bem longe as suas potencialida-des, transformou-se em ideias e estereótipos de um determinado tipo de vida que, não sendo linearmente real, serviu sempre de base para que viver em Cascais fosse considerado algo de verdadeiramente notável. Em conse-quência disso, e pelo menos desde que o Rei Dom Luís escolheu Cascais para estância de veraneio, nos idos de 1870, que esta terra é palco assumido para os devaneios de índole diversa que dão forma à sociedade portuguesa.

Como se de um escadote real se tratasse, Cascais é o local que procuram todos aqueles que alcançam a fortuna e o êxito, sendo aqui o melhor espaço para poderem usufruir das suas conquistas. Da mesma forma, e no plano oposto, Cascais é também o local escolhido por todos aqueles que anseiam pelo prestígio e pelo êxito, recriando em seu tor-no um espaço onírico que serve de cenário para a concre-tização dos sonhos que ainda faltam acontecer.

A singularidade de Cascais é, desta forma, dupla e dúbia. Associa-se às grandes figuras da nossa história que por cá passaram, e também aos grandes desaires e apaixonantes episódios que aconteceram dentro das fronteiras do Con-celho, tornando-o único e irrepetível por aquilo que é, mas também por aquilo que muitos acreditam que ele pode vir a ser.

Um dos aspectos em que mais se faz sentir esta espécie de pressão positiva, que se fundamenta na solidez estrutural

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que todos ligamos à qualidade, é o da habitação. As casas, as ruas, os espaços públicos e os acessos a Cascais, sempre foram aspectos essenciais neste pressuposto de afirmação que a terra procura promover. Quem alcançou o sucesso, constrói normalmente em Cascais uma casa à altura do seu sucesso, ao mesmo tempo que quem procura o êxito opta por uma habitação que transpareça o fim último que procura atingir. Por tudo isto, durante muitas décadas, o crescimento e a consolidação da paisagem urbana no Concelho fez-se num processo de paulatina afirmação da qualidade, assumindo uma componente estética que refor-çou de sobremaneira a já de si grande fama que a terra transportava. Os parâmetros volumétricos, as cores, as formulações geométricas e os materiais utilizados, eram geralmente de grande qualidade e inseriam-se nos mais vanguardistas movimentos da culturalidade das épocas em que se concretizavam.

No que aos espaços públicos diz respeito, o movimento foi idêntico, assistindo-se à criação de infra-estruturas e equipamentos de grande qualidade, em linha com o que se passava com a habitação privada. A qualidade de vida que resultou deste processo, evidente para toos aqueles que aqui viviam e mesmo para todos os que somente a visita-vam, redobraram a fama de excelência que lá fora já carac-terizava o concelho, exigindo que governantes e governa-dos se pautassem por níveis de excelência pouco usuais no Portugal de então. Dos colégios e das escolas que rece-biam as novas gerações, aos restaurantes, jardins, hotéis e campos de golfe, Cascais foi-se apetrechando de tudo

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aquilo que caracterizava uma grande capital, ao mesmo tempo que era capaz de preservar a pequenez das terras de sonho e das estâncias turísticas que desde o século XIX consolidaram o seu prestígio um pouco por toda a Euro-pa.

Mas nem só de beleza e de qualidade se fez o Concelho. Por motivos variados, e em muitos casos em consequên-cia directa do movimento progressista que ia dando forma às paisagens idílicas do litoral, o interior, sem o sopro fresco da aragem marítima, ia concentrando a desregula-ção urbana que resultava da desagregação dos núcleos de génese rural, ao mesmo tempo que condicionava o espaço disponível para a criação de pólos de habitabilidade para os muitos que procuravam em Cascais uma simples opor-tunidade de vida. As necessidades efectivas daqueles que habitavam em Cascais, em cada um dos momentos da sua vasta e prolixa história, estiveram sempre além da capaci-dade de resposta das instituições que, ontem como hoje, trabalham e planeiam sempre as suas actividades em fun-ção de necessidades que estão já quase sempre ultrapassa-das quando se torna possível a sua concretização.

A rede viária, o saneamento básico, a distribuição de água, de electricidade e de gás, a recolha de resíduos urbanos ou industriais, ou até a gestão do parque urbano do municí-pio, contrastando com o enorme apogeu da sua vida social, foi-se progressivamente degradando, facto que culminou, sobretudo a partir de Abril de 1974, numa pai-sagem que nalguns lugares se caracterizava pelo caos pró-

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prio dos piores espaços suburbanos que envolviam a capi-tal.

À medida que crescia a importância de Cascais no pano-rama político nacional, ia-se impondo uma lógica de governabilidade que cada vez mais passava por utilizar a visibilidade granjeada pelo espaço para reforçar estratégias e projectos mais ou menos personalizados. Ao longo dos últimos quarenta anos, com a crescente influência dos par-tidos políticos, o ónus da municipalidade foi cada vez mais colocado na lógica arrasadora das eleições, calendarizadas de acordo com as necessidades políticas de cada partido e da dinâmica interna dos seus aparelhos e cada vez menos em função dos reais interesses da população.

A rotatividade partidária, correndo em linha com os rit-mos eleitorais que se calendarizavam, transportaram Cas-cais (e também o resto do País) para um processo de adaptação a novos interesses e a novas circunstâncias. Ao invés de os problemas serem ponderados e resolvidos quando nasciam, correspondendo assim de forma directa e imediata aos interesses dos Cascalenses, passaram a adaptar-se aos ciclos impostos pelo circo eleitoral, asso-ciando a resolução de problemas ao reforço da capacidade que os partidos precisavam de mostrar ter para que fosse possível ganharem as eleições. É fácil observar, num plano meramente teórico, os picos de obra-feita e de interesse pelos problemas estruturais do Concelhos associados aos momentos de eleições, da mesma forma que, enquanto existiu imprensa local, as promessas por parte dos políti-

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cos se concentravam nos meses ou no ano imediatamente anterior a cada eleição. A história recente de Portugal – e também a de Cascais - é assim, mais do que um período de descoberta e de desenvolvimento, um tempo no qual, de forma desajeitada e desordenada, se experimentam soluções velhas para resolver novos problemas e que, como não podia deixar de ser, se caracterizam sobretudo pela ineficácia e pelo agravamento das situações preexis-tentes.

Simultaneamente, muitas vezes com o intuito de dar res-posta pronta ao ímpeto reformista que Cascais parece exi-gir, o poder político opta por encontrar lá fora, sem o cui-dado devido para evitar a sua má aplicação, modelos que nada têm a ver com a realidade local. E dessa maneira, ao invés de conseguirem resolver os problemas com os quais o município se debate, acabam por servir unicamente para reforçar a popularidade dos seus promotores durante o período eleitoral e, depois, com prejuízo para a população local e para o erário público, perdem-se na incapacidade prática de se adaptarem às características próprias do con-celho.

Tal como no período negro que caracterizou a primeira república, o tempo que agora vivemos em Cascais passa por um desastroso apelo aos clientelismos partidários, organizados a partir de projectos de vida pessoais e tantas vezes incompatíveis entre si. Os partidos, repescando nos seus quadros as figuras que lhes garantem uma resposta cabal à sua própria necessidade de afirmação interna,

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reforçando o seu colégio eleitoral dentro do partido e consolidando, dessa forma, a sua capacidade de aparecer, colocam as responsabilidades locais não naqueles que têm o conhecimento e a capacidade crítica para os resolver, mas sim naqueles que a própria estrutura lhes impõem, num exercício vão e pueril do gestão do poder que não dignifica Portugal e que condiciona Cascais a sofrer dos sobressaltos que todos (infelizmente) já tivemos a oportu-nidade de conhecer. A tão falada ‘sociedade civil’, que durante muitas décadas teve intervenção permanente e pragmática nos destinos do Concelho, reequilibrando a decisão política com os laivos sempre importantes que resultam daquilo que a população sente, foi pura e sim-plesmente esmagada pela lógica desenfreada que acabá-mos de descrever, forçando assim a espiral de descaracte-rização e de anomia que vem transformando esta nossa terra num incaracterístico rincão onde alguns se instalam somente para conquistar o poder.

A vontade dos Cascalenses e o seu interesse, plasmado obviamente nas principais linhas da governação municipal e em documentos como o Plano Director Municipal que agora Cascais se prepara para rever, deve ser o principal suporte das orientações que emanam da política local. Não faz sentido, numa época em que já passou o deslum-bramento eleitoral que sucedeu à revolução de 1974 e na qual são cada vez menos aqueles que participam activa-mente nas eleições que se vão sucedendo, mistificar a cau-sa pública agredindo a sociedade civil com manobras que a manietam e que constrangem a capacidade de represen-

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tação dos cidadãos. Por isso, no âmbito das linhas gerais que um Plano Director Municipal deverá ser capaz de estabelecer, é essencial e fundamental que se criem condi-ções efectivas de participação cívica, restabelecendo os vínculos entre os Cascalenses e a sua terra e motivando a significação que dá forma a um completo exercício da cidadania.

No âmbito deste documento, no qual esperamos encon-trar as pistas relativas aos caminhos que a nossa há-de tri-lhar em direcção ao desenvolvimento equilibrado, é essen-cial que existam espaços nos quais surja de forma bem evidente a vontade, as aspirações e a sensibilidade dos Cascalenses. Isso faz-se através do entendimento da tota-lidade do território municipal, assumindo a sua especifici-dade no seio da Área Metropolitana de Lisboa, e refor-çando a sua capacidade de contribuição na senda de um progresso que todos desejamos.

Ao contrário do que sugerem os autores políticos desta proposta de revisão, que optam por dividir a unidade municipal em diversas pequenas parcelas associadas a uma pretensa desigualdade dentro da unidade natural do Con-celho, a opção correcta seria a de recriar um entendimento alargado das características de cada um desses espaços, fomentando a sua gestão corrente a partir de pressupostos gerais e remetendo para outros instrumentos de planea-mento, nomeadamente para Planos de Pormenor, a gestão casuística das singularidades que deles emanam. Num sis-tema deste tipo, que congrega em si uma percepção con-

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sequente da coisa pública, a população consegue imprimir a sua vontade na concretização das políticas locais, ao mesmo tempo que se assegura que a globalidade lógica se impõe ao nível das macro-concepções da realidade muni-cipal, garantindo assim que se cumprem os pressupostos de crescimento equilibrado que emanam da concepção deste tipo de documentos de planeamento.

Os instrumentos de gestão urbana, pelo seu carácter abrangente e pela sua linearidade ao nível das restrições que impõem ao desenvolvimento do Concelho, são assim uma das principais respostas aos muitos problemas de desordenamento que neste momento afectam Cascais. A sua concepção e concretização, mais do que qualquer outra decisão emanada dos poderes municipais, deve ter em conta as características próprias daqueles que vão ser abrangidos pelas suas directivas, uma vez que, caso con-trário, dificilmente poderão representar os interesses e, desta forma, verdadeiramente representar aqueles que ali habitam.

O Plano Director Municipal de Cascais, que se encontra agora em fase de revisão, representa, por tudo isto, o pon-to nadir na gestão urbana e política do Concelho, definin-do prioridades e faseando um desenvolvimento que, a ocorrer ao ritmo da vontade discricionária, em pouco tempo acabaria por desvirtuar por completo as caracterís-ticas próprias desta municipalidade.

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A opção que agora se coloca a Cascais, num documento que tem uma perspectiva de implementação de pelo menos dez anos, é a de devolver Cascais aos Cascalenses ou, em alternativa, de assumir a centralidade política como fulcro do processo decisório. As consequências desta opção são, pelo menos, determinantes no que diz respeito áquilo que vai ser Cascais para a próxima geração, num ritmo de vida e de intervenção cívica que resulta do con-junto de instrumentos que constam neste documento.

Como é evidente, muitas são as explicações e os processos de autêntico contorcionismo político que os autores utili-zam para tenter explicar e justificar as suas opções. E, acima de tudo, muitos serão os exemplos que ditarão para que se perceba a linearidade do seu raciocínio. Lembramo-nos, por exemplo, do escabroso caso dos chamados orçamentos participativos. Diz-se que é a população que determina a forma como se aplicam as verbas públicas, mas esquece-se a explicação de que as verbas públicas que resultam desse instrumento são uma parcela ínfima do orçamento municipal e, acima de tudo, que os projectos aceites no âmbito deste concurso popular, dizem respeito a obra a que a edilidade está obrigada por lei e, por isso, subvertendo a lógica da democracia e invertendo o ónus da governabilidade, servem de justificativo para, em mui-tos casos, não fazer aquilo que são as suas incumbências primárias.

Como todos bem sabemos, o Plano Director Municipal que agora estamos a rever, entrou em vigor em 1997 e

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devia ter expirado em 2007. Tendo sido alvo, pelo acumu-lar de críticas que resultaram de uma observação directa dos malefícios que o mesmo trouxe ao Concelho de Cas-cais logo depois da sua entrada em vigor, de uma primeira tentativa de revisão logo no ano 2000, acabou por se man-ter intocado durante pelo menos mais quinze anos, com prejuízos incalculáveis para todos os Cascalenses. Quando a maioria política que actualmente governa Cascais e que finalmente despoletou o processo de revisão, tomou pos-se, nos idos de 2001, tomou a iniciativa de suspender a aplicabilidade do PDM até que a revisão estivesse concluí-da. Fê-lo porque sabia quais eram as consequências da sua aplicação e porque conhecia a situação terrível que resul-tou da sua aplicação durante os seus primeiros anos de vigência. Mas, por vicissitudes diversas que só os próprios podem explicar, passaram-se mais catorze anos e Cascais continua à espera e uma revisão que é fundamental para a garantia de qualidade de vida que todos os Cascalenses merecem e à qual têm direito.

Aplaudimos, desta maneira, o processo que agora decorre. Mas, sabendo de antemão quais são os pressupostos que estão na base da mesma e que surgem de forma evidente nas propostas que agora discutimos, é com determinação que apelamos a quem nos governa para que reveja as orientações que nele incluiu, sob pena de, no próximo processo de revisão que venha a acontecer, já não ser este mas outro muito diferente o Concelho de Cascais do qual então trataremos… A oportunidade de rever, baseando a reestruturação na consulta pública em que agora partici-

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pamos, é certamente um momento de ouro para Cascais. Os erros de outrora, como oportunamente mencionámos, foram sempre apanágio e elemento condicionador da vida neste local, devendo hoje servir de base a uma reestrutura-ção que promova a qualidade e o restabelecimento de uma identidade que suportará a reconstituição da qualidade de vida municipal.

De facto, e se o actual processo de revisão conduzir a uma melhoria nas condições de governabilidade e na clarifica-ção da vocação e do caminho a trilhar pelo município, então é de louvar a iniciativa e de aplaudir todos aqueles que venham a contribuir, com o seu conhecimento, von-tade ou meramente com a sua opinião para que o mesmo se concretize. Se a intenção, no entanto, para desvirtuar ainda mais a já de si periclitante situação proposta pelo actual PDM, é a de promover uma revisão que permita desbloquear processos polémicos que este documento contraria, então é evidentemente má a iniciativa, compro-metendo-se de forma definitiva o futuro deste local.

Optámos, como sempre o temos feito desde há pelo menos 25 anos, por participar activamente neste processo de revisão, deixando de forma perene as nossas sugestões, opiniões e análise, num direito que é de todos o Cascalen-ses e que corresponde, de forma directa, ao trabalho de campo que temos efectuado em cada canto e recanto de Cascais. Fazemo-lo porque é nosso direito mas, princi-palmente, por sabermos quais são as consequências de uma opção política desenvolvida contra os reais interesses

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e expectativas dos Cascalenses, numa lógica partidária pouco significante mas que, em virtude do sistema por ela própria montado, a si resume todos os papéis que impli-cam o poder de decidir o futuro desta nossa terra. Que-remos deixar bem claro que assumimos as nossas respon-sabilidades e que não abdicaremos do direito que temos de lutar por Cascais.

É costume afirmar-se, neste País de brandos costumes, no qual as convicções são normalmente muito poucas, que o óptimo é inimigo do bom. Em Cascais, no entanto, e principalmente neste momento tão difícil que estamos a atravessar, o bom é com toda a certeza inimigo do óptimo pois sem uma extraordinária qualidade conjuntural, jamais o Concelho conseguirá ultrapassar a enorme crise que actualmente, e em diversos sectores, o caracteriza.

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Reflectir Cascais

Quando discutimos documentos como um Plano Director Municipal, estamos a ponderar instrumentos que lidam com linhas gerais e programáticas para o crescimento de um Concelho e não, como muitos parecem querer dar a entender, com soluções pontuais e localizadas relativa-mente a aspectos concretos da vida quotidiana do municí-pio.

Se assim fosse, aliás, desresponsabilizar-se-iam os deciso-res políticos relativamente ao devir da coisa pública, rever-tendo o ónus dessas decisões para o enquadramento que emana desta documentação e revertendo, em última ins-tância, para a população que com o seu voto escolheu a linha de orientação política que deseja para governar a sua terra.

Nesta perspectiva, assume especial importância a opção que os autores da proposta de revisão em curso fizeram ao defenirem à priori, como se de um plano de pormenor se tratasse, o micro-zonamento de diversas parcelas do território municipal, desvinculando da sua obrigação de decidir, os projectos que no futuro se poderão concretizar nesse espaços.

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Um bom exemplo desta má prática, que subverte a lógica imperativa de um Plano Director Municipal, é aquele que surge nesta proposta para a localidade do Monte Estoril, primeira estância turística Portuguesa e por si própria uni-dade geradora de uma agregação para a qual contribuem os vários momentos que dão forma à sua longa história. Ao dividir o Monte Estoril em várias pequenas unidades que se caracterizam pela presença de determinados imó-veis cm características muito específicas, aliadas a uma lis-tagem de interesses que, parca de informações e pobre em termos de conteúdo, pretensamente justifica uma lógica de divisão para hipoteticamente melhor reinar sobre o espa-ço. O Monte Estoril, cadinho de uma aura quase mística de uma qualidade que a história foi capaz de preservar, passa assim a ser entendido como um mero aglomerado de alguns poucos imóveis sem qualquer espécie de interes-se particular, que passam a funcionar, não como catalisa-dores do espaço que dá forma àquela antiga estância, mas sim meros propulsores de unidades que são desenhadas ao sabor do planeamento conjuntural e casuístico que deter-mina a análise localizada dos projectos para ali desenha-dos.

Ao subverter a lógica associada à sua constituição, esta proposta de PDM prejudica gravemente as perspectivas de afirmação da localidade, num laivo de determinação que passará a ter em conta não tanto a unidade lógica associada ao espaço, mas sim as circunstâncias peculiares de cada projecto que ali pretende nascer, sujeitando-se a decisões que, aparentemente coesas no seio do zonamento

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agora proposto, podem ser altamente contraproducentes quando enquadradas na unidade globalizada que o Monte Estoril efectivamente apresenta.

E se fosse somente ao Monte Estoril que está lógica surge aplicada, estaríamos mesmo assim muito bem, porque a consciência cívica naquele espaço está de tal forma conso-lidada que dificilmente a população local lá deixará con-cretizar medidas que ponham em causa a sobrevivência do pólo de cidadania que a localidade representa. Mas, se aplicarmos está lógica mesma lógica noutras zonas do Concelho, e é importante reiterar que uma larga percenta-gem da área que compõe o território municipal, está coberta com áreas de génese ilegal que apresentam sinais muitos claros de uma anomia recorrente, então é dramáti-co o perigo que deriva para Cascais da aplicação de um normativo deste género.

A orientação programática da política municipal, indepen-dentemente da ideologia partidária e pretensamente políti-ca que a suporte, deverá conter em si própria a sensibili-dade dos munícipes em relação àquilo que se entende ser o seu horizonte de futuro. E isso só se consegue atingir se, ao invés do que consta nesta proposta, a orientação pro-gramática relativa ao futuro do Concelho for reforçada com instrumentos de aplicação local, nos quais, com jus-teza de causa e conhecimento pragmático, a população for chamada a pronunciar-se. A actual proposta que está em discussão, promove a desresponsabilização política dos decisores, ao mesmo tempo que reforça o seu poder dis-

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cricionário em relação ao devir municipal. Cumpre o pri-meiro objectivo ao retirar das competência de apreciação relativa a causas que deixando de ser comuns se tornam particulares, no sentido em que as regras minuciosas (às vezes para cada rua) passam a estar previamente definidas sendo necessário somente cumpri-las para as poder con-cretizar, e o segundo, através do pressuposto de que apro-vando uma proposta deste tipo, os seus autores guardam para si próprios o poder de multiplicar, sem responsabili-dade, durante pelo menos uma década, a decisão relativa aos muitos espaços e zonas que agora criaram.

Na dicotomia entre o litoral e o interior, transversalmente ausente desta proposta em virtude de uma aberrante suposição de que Cascais é uno na sua formulação espa-cial, esquecendo a existência de ritmos diversos que deram forma à ocupação do território municipal e de pelo menos um grande obstáculo de fronteira que marca de forma perene a paisagem concelhia, que é a auto-estrada Lisboa-Cascais, os autores da propostas incorrem num erro grave que desvirtua toda a lógica e raciocínio associado à pers-pectiva de crescimento de Cascais nos próximos tempos. Sem assumir essa dicotomia, determinante se pensarmos que o desafio deste tipo de instrumentos de planificação é, em última instância, garantir um equilíbrio estrutural que ofereça solidamente qualidade de vida a todos os Casca-lenses, a actual proposta de plano incorre num erro grave que constrange a sua aplicabilidade e que põe em causa o crescimento sustentável e eficiente que todos desejamos para esta nossa terra.

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Há já alguns anos, num laivo de ensejo que resultou do nascimento da expressão mais nefasta do politicamente correcto, o poder político Português apelou à população através de um slogan que difundia aos sete ventos que “somos todos diferentes mas todos iguais”. Correctíssima na sua expressão, porque de facto todos, com as suas dife-renças e especificidades desejamos e merecemos a mesma felicidade, somos iguais, o certo é que ao assumir esta igualdade estamos a forçar uma análise que não se com-padece com a realidade… o que nós somos é todos dife-rentes e, efectivamente, todos diferentes… e do assumir dessa diferença, explorando-a, respeitando-a, compreen-dendo-a e integrando-a, é que resulta o crescimento de todos, enriquecido pela pluralidade que a diferença impõe. Ora em Cascais, ao nível do assumir das diferenças, esta proposta acaba por incorrer no mesmo erro. Não perce-bendo ou querendo perceber, que o território municipal é (felizmente) plurifacetado e díspar na sua formulação cul-tural, urbana ou até comercial, impede que se concretizem políticas globais que rentabilizem o melhor que cada com-ponente tem para oferecer em prol do bem comum de todos os Cascalenses. E se isto faz sentido em termos cul-turais, numa área de planeamento na qual esta proposta se caracteriza pela total omissão, mais sentido faz ainda na sua componente urbanística, na qual fácil se torna verificar que as diferenças ao nível das condicionantes biofísicas, da estrutura construída, das acessibilidades, etc., não podem ser enquadradas da mesma maneira, sob pena de se estar a privilegiar alguns Cascalenses em detrimento de outros…

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Uma opção desta índole, confrontada com a ineficiência orgânica que desde sempre caracterizou o sistema, pro-move uma situação muito dúbia que impede Cascais de desenvolver a cidadania activa e de concretizar a identida-de arreigada, das quais muito se fala sem que se vejam quaisquer resultados. A interacção entre o território e a comunidade, assente em pressupostos que extravasam a mera fruição e usufruto do espaço público partilhado em sociedade, exige uma resposta eficaz ao nível do planea-mento que, sustentando a médio prazo as perspectivas de gestão do espaço, permitam às pessoas perspectivar a sua vida, reforçando os vínculos com a sua terra de forma efi-caz e eficiente. Nesta perspectiva, a proposta de revisão do Plano Director Municipal que agora nos chega, repre-senta um efectivo retrocesso relativamente à versão pri-mária que foi aprovada em 1997. Para além de retroceder ao nível da gestão globalizada do Concelho, esta proposta diminui de forma drástica as estratégias de conservação e preservação dos aspectos que dão forma à memória muni-cipal, desconsiderando assim todo o conjunto de dinâmi-cas de sociabilização que tradicionalmente serviam de veí-culo para consolidar essa cidadania participada. Esta situa-ção é visível, por exemplo, nas unidades que dão forma à proposta na zona Este do Concelho, envolvendo povoa-ções como Quenene, Abóboda, Conceição da Abóboda, Trajouce, Polima, Outeiro de Polima ou Madorna, por exemplo, que estando inseridas em unidades de gestão diferenciadas acabam definitivamente por ver reforçada a incapacidade de uma intervenção integrada que assuma o conjunto dos espaços da mesma maneira. Como é eviden-

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te, traçando limites que têm em conta não a especificidade do território ou as características do lugar, mas sim umas quaisquer abstracções que dão forma a unidades preten-samente operativas, sobretudo sem isso ter em conta a realidade envolvente, os autores desta proposta acabam por inserir barreiras artificiais nas unidades naturais que compõem Cascais territorialmente, facto que se consubs-tancia num reforço das incompatibilidades entre cada um desses espaços, com redobrado ímpeto ao nível das dis-funções comunitárias que resultam numa diminuição sen-sível dos índices de municipalidade.

Se a esta situação somarmos os erros atrás identificados, e que se prendem com a incorrecção de base ao nível da caracterização geral do concelho, depressa perceberemos que ao nível do planeamento, esta proposta resultará num inequívoco agravamento das diferenciações que actual-mente já tantos problemas trazem a Cascais e, dessa maneira, à anomia generalizada que resultou dos muitos anos em que Cascais foi gerido sem um plano director e, depois, dos dezoito anos em que gravosamente este muni-cípio se regeu pelas linhas orientadoras de um PDM que invertia as dinâmicas internas e naturais da sua comunida-de.

De facto, para todos aqueles que nasceram ou habitam definitivamente em Cascais, assegurando com isso uma proximidade aos problemas locais, é preocupação funda-mental perceber, com um grau de clareza que assegure a compreensão de todos os princípios técnicos que supor-

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tam as escolhas efectuadas, quais as orientações que deri-vam da governação municipal. O natural crescimento das comunidades, bem como a necessidade efectiva de encon-trar soluções de habitabilidade que permitam às famílias a manutenção de uma proximidade geográfica que promova a proximidade social, passa de forma evidente pela neces-sidade de criação de condições para que a constituição de novos agregados familiares se processe em espaço próxi-mo do dos seus progenitores. Para que tal aconteça é essencial que se recuperem os hábitos associados a práti-cas de cidadania consciente que, com uma componente acentuada ao nível da capacidade de intervenção, repre-sentem um acrescento à capacidade crítica das pessoas. Esta proposta, envolvida em pressupostos que não cor-respondem à realidade efectiva do Concelho, produz exac-tamente o efeito oposto, representando um acrescento ao défice de informação que desde há algum tempo vem caracterizando Cascais. Os munícipes, mesmo que o dese-jem fazer, debatem-se com um território no qual a abor-dagem é de tal forma fragmentária que impede a visão coerente que impede a intervenção ou, se ela acontece, esbarra necessariamente com os constrangimentos que resultam deste documento e torna-se inexequível. As repercussões são imensas e alarga-se a várias áreas e secto-res do Concelho, afastando os eleitos dos eleitores e estes últimos de quaisquer pretensões que possam ter no conce-lho.

Para que tudo isto seja possível, ou pelo menos para que se defina a orientação estratégica do nosso Concelho, é

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fundamental que o Plano Director Municipal assuma essas escolhas, promovendo-as de forma a garantir que elas, mais do que pareceres técnicos que na maioria parte das vezes são excessivamente distantes da vontade popular, traduzam as necessidades efectivas das populações, sus-tentando um equilíbrio ao nível do desenvolvimento que se afirme como o suporte da qualidade de vida e da satis-fação de todos.

A indefinição que caracteriza o Plano Director Municipal que está actualmente em vigor, e que certamente terá cau-sado problemas vários à gestão municipal de Cascais, é sinónimo de discrepâncias enormes ao nível da apreciação dos muitos projectos que os promotores, das mais varia-das áreas e de uma forma obviamente legítima, têm procu-rado concretizar neste ainda extraordinário Concelho. Mas esta proposta que agora nos chega, mesmo alterando a perspectiva que utiliza para olhar para o território do concelho, promove igualmente esta indefinição promo-vendo a abordagem transversal à realidade local que aca-bámos de mencionar.

A definição da vocação de Cascais, sublinhadamente baseada nas necessidades e na sensibilidade cascalense, deverá, por seu turno, ser concretizada de uma forma enquadrada na realidade Nacional e internacional, sob pena de se transformar este pequeno espaço num local fechado ao exterior e desprovido de tudo aquilo que lhe garante a capacidade evolutiva de que todos dependemos. A criação de metas a atingir no espaço de vigência do Pla-

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no Director Municipal, perspectivadas numa forma fasea-da e cronologicamente planeada, permite facilitar as rela-ções institucionais e fomentar uma harmonia de que aca-bam por usufruir todos aqueles que aqui habi-tam. Infelizmente não é isto que acontece com a proposta que está em discussão actualmente.

Todas as entidades públicas e privadas que desenvolvem trabalho em Cascais, com um PDM acessível e documen-talmente bem fundamentado, poderiam planificar com rigor o seu trabalho, perspectivando parcerias e rentabili-zando os investimentos que fariam neste espaço. Se a isto juntarmos uma relação efectiva com a realidade envolven-te, assente na identificação e na assunção da vocação municipal, depressa reuniríamos as condições necessárias para assegurar a Cascais e aos Cascalenses a prosperidade que há tanto tempo desejamos.

Mas não é preciso ir muito longe para perceber as impli-cações negativas que esta proposta de Plano Director Municipal terá se for aprovada tal e qual como está. Para além das influências negativas que terá ao nível das gran-des opções de gestão ao longo das próximas décadas, com implicações directas no destinos de dezenas de milhares de Cascalenses, existem variadas e múltiplas pequenas implicações que uma proposta deste género vai acabar por ter em muitas outras áreas. Imagine-se, por exemplo, as permanentes, constantes e reiteradas intervenções de enti-dades diversas no espaço público concelhio. Os tão conhecidos buracos nas estradas e nos passeios, que per-

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manentemente se repetem nos mesmos locais, obrigando à reposição sucessiva dos espaços e literalmente destruin-do a qualidade das nossas estradas e das calçadas onde acontecem, são autênticos sorvedouros de dinheiro, engo-lindo, à custa da falta de um instrumento de planificação que conjugue as intervenções de forma coerente e simul-tânea, parcelas significativas do erário público e/ou dos orçamentos das ditas empresas com repercussões terríveis nas facturas que são pagas por todos os consumidores.

Intervir no espaço urbano, utilizando os instrumentos de planeamento como base de trabalho, permite planear as intervenções, diminuir o seu impacto e incómodos junto da comunidade e evitar o dispêndio de verbas desnecessa-riamente. Ao promover uma intervenção de conjunto, gerando mais-valias ao nível da partilha de recursos, um instrumento deste tipo pressupõe uma enorme melhoria da qualidade de vida dos munícipes e um equilíbrio ao nível da utilização dos recursos municipais que não pode ser displicente.

Este tipo de situações, que resultam do facto de não exis-tir em Cascais um plano fundamentado de obras públicas, por não estarem contidas no Plano Director Municipal as metas que derivam da assunção de uma vocação para o Concelho, implicam transtornos acrescidos aos habitantes e aos visitantes de Cascais, condicionamentos à circulação viária, problemas de promoção turística do Concelho e da região e, acima de tudo, investimentos avultados e repeti-dos feitos por diversas instituições que permanentemente

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abrem e fecham a mesma vala, no mesmo local, para colo-cação dos mesmos equipamentos e com o mesmo objecti-vo. Ultrapassar situações deste género, mais do que inves-timentos avultados ou implicações directas ao nível da gestão do pessoal, é tarefa que ficaria facilitada com a cria-ção de um Plano Director Municipal que orientasse de forma cabal todos aqueles que aqui vivem, trabalham ou investem.

Não se exige aos autores de um Plano Director Municipal, que sejam capazes de prever com rigor e exactidão aquilo que vai acontece em determinado arruamento, quer seja ao nível das obras públicas, quer seja ao nível da constru-ção do edificado. Mas exige-se, porque o Plano Director Municipal deverá conter os elementos que definem clara-mente as perspectivas de crescimento, que ofereça uma visão do desenvolvimento do concelho, utilizando crité-rios de sustentabilidade que, precisamente por serem equacionados a um nível mais alargado, permitem integrar as escolhas particulares num todo comum.

Esta afirmação, corrente em todos os Planos Directores Municipais e em todos os documentos análogos que exis-tem no Mundo Ocidental, reveste-se de uma importância acrescida em Cascais quando sabemos que hoje, mais do que em qualquer outra parte do país, este Concelho se encontra numa fase de reestruturação que obriga à criação de uma linha orientadora da mudança.

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A opção por uma abordagem linear como é esta que cons-ta na proposta ora em discussão, exige um reforço dos dados concretos que justificam determinadas escolhas que nele constam. É preciso perceber, por exemplo, que tipo de abordagem se pretende fazer nos núcleos históricos consolidados, acercando as tipologias construtivas com uma plêiade de indicações que tornem linear a aplicabili-dade do plano. Por outro lado, é essencial entender como se distinguem os diversos tipos de espaços consolidados e se, para efeitos de eventuais intervenções, os mesmos são qualificados a partir de uma dinâmica que gere um reforço da capacidade crítica de cada um e não, como até agora tem acontecido, com a abordagem inversa que impede os menos favorecidos de usufruírem dos investimentos quali-ficadores que dotam o espaço urbano nos restantes. As unidades de intervenção defendidas nesta proposta, para além de assentarem em pressupostos que não se percebem quais foram, resultam num exercício teórico de índole matemática e não, como deveria ser, da observação cuida-da da realidade local, que deve estar contida e plasmada de forma directa no conjunto de pressupostos que o regula-mento do plano elenca e que a justificam. Com esta orien-tação, assente na capacidade de renovar o tecido urbano do Concelho, fácil se tornaria arrasar por completo a maioria das peças patrimoniais que dão forma ao corpo dos nossos mais antigos núcleos consolidados, preservan-do unicamente aqueles que por qualquer motivo fazem parte das listagens oficiais, e esquecendo-se que estes segundos, sem os primeiros, de nada valem.

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Assumir a vocação de Cascais neste processo de revisão do Plano Director Municipal, esforço hercúleo se nos ati-vermos ao avançado estado de degradação em que se encontra o Concelho e ao facto de esta ser, provavelmen-te, a última oportunidade para o fazer em termos de recu-peração das características principais que deram forma ao sector turístico no território municipal, é assim o desafio que deveria colocar-se aos autores desta proposta. Só assim, com o caminho definido e assumido, é possível aos agentes da nossa cidadania programarem os seus projectos e ideias, consolidando-os a partir das metas que se traçam sobre as orientações que o documento deveria incluir. A justificação destas escolhas, mais do que em pretensas ideologias ou em princípios, passa pelos factos concretos e pela situação real em que vive o Concelho. A apresentação desses dados, de forma clara e insusceptível de crítica, fundamenta assim a possibilidade de se tornarem incon-troversas, por representarem a realidade e assim represen-tarem também Cascais e os cascalenses, as escolhas que se fazem, promovendo o trilhar de um caminho que, quer queiramos quer não, é o caminho mais profícuo para a geração de equilíbrios espontâneos neste Concelho.

Muitos movimentos progressistas, que defendem que as antigas localidades devem evoluir abandonando a sua génese urbana e social e assumindo uma urbanidade assente em valores renovados que renegam as suas ori-gens, teimam em apelar aos poderes políticos para que se repensem os fundamentos da orientação teórica subjacen-te ao PDM. Fazem-no por acreditarem que o futuro e o

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passado são incompatíveis, numa linha que critica a soli-dez estrutural de uma comunidade em detrimento de uma permanente movimentação que, segundo eles, é sinónimo de progresso e desenvolvimento. Ora em Cascais passa-se exactamente o mesmo. Quatro décadas de ambiguidade, contornando regulamentos e planos que pouca ou nenhuma influência real tinham na definição do desenvol-vimento municipal, promoveram um clima de profunda desonestidade intelectual que foi responsável por episó-dios diversos ao nível do urbanismo concelhio que nada dignificam Cascais nem o brio que os Cascalenses sentem pela sua terra. Mas o grande problema é que, fruto deste marasmo que sempre interessa a alguns, se está a dar razão aos progressistas atrás mencionados. De facto, num clima de transversal anomia que vivemos, faz mais sentido abdi-car do antigo e assumir unicamente os caminhos novos que surgem sem vícios e sem vicissitudes. Casos paradig-máticos como o da Amadora, no qual a assunção do seu carácter metropolitano facilitou os serviços, a gestão urbana mas destruiu por completo a identidade do local, mostram que as comunidades locais, mais do que qualquer outra realidade, deverão ser preservadas a todo o custo, uma vez que se assumem como o garante dos equilíbrios sociais internos, promovendo a qualidade de vida, a socia-bilidade e a correcta gestão dos recursos. Assumir este princípio pressupõe assegurar à comunidade valores e determinações que lhe garantam a possibilidade de sobre-vivência. Isto passa, como é evidente, pela manutenção da identidade do grupo; pelo reforço das suas prerrogativas; e pela rentabilização das suas necessidades efectivas que

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deverão ser respondidas de forma a garantir que rentabili-zam o próprio processo, sustentando uma modificabilida-de que envolve todos os cidadãos.

A vocação cosmopolita de Cascais, génese primordial da sua componente turística e de perto de 140 anos de uma História extraordinária associada ao nome e à marca ‘Estoril’, ao contrário daquilo que muitos defendem, foi sempre geradora de processos evolutivos que garantiram modificação e mudança. Esta, no entanto, processou-se sempre com respeito especial pelas preexistências, solidifi-cando assim uma base que, mesmo nos momentos mais problemáticos da vida do Concelho, permitiram sempre a restauração dos equilíbrios e a recriação dos seus valores comunais.

O Plano Director Municipal que agora se revê, em respei-to linear por aquilo que desde sempre tem sido o devir histórico no Concelho, deve ser um plano de futuro, rees-truturando o presente de forma a condicionar um ritmo de progresso concertado e equilibrado que seja sinónimo de mais e melhor qualidade de vida para os Cascalenses. Mas para que tal aconteça, tem obrigatória e necessaria-mente de respeitar o passado e de ser capaz de o conhe-cer, de o entender e de o contextualizar, porque dele depende a continuidade da identidade municipal que é o sustento primordial da vocação municipal. Como é evi-dente, do equilíbrio entre estes dois tempos, o que já ter-minou e aquele que ainda está para vir, depende a capaci-dade de Cascais usufruir plenamente de um presente

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audaz, devolvendo a Cascais a capacidade de permanente inovação que fez desta terra um espaço pioneiro em mui-tos campos ao longo da sua comprida história.

O estabelecimento de normas concretas e orientações definidas, se garantirem a tradução sistemática da vontade e sentir dos cascalenses, promoverá a reconversão integral da sua paisagem e da sua identidade, garantindo uma qua-lidade de vida que promove a cidadania.

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Cosmopolitismo de Cascais

Abordar o urbanismo de Cascais no âmbito de um Plano Director Municipal é necessariamente apelar à capacidade crítica que se afigura obrigatória para compreender o devir do município ao longo dos últimos anos. A faceta cosmo-polita desta terra, que leva longe os seus pergaminhos e que é a principal responsável pelo enorme sucesso da vocação turística municipal, resulta de um processo natu-ral e paulatino que sempre dependeu mais das contingên-cias conjunturais que envolveram o concelho do que de ideias concretas e projectos assumidos para o fazer.

A primeira tentativa de organizar um grande plano que garantisse coerência ao crescimento do Concelho, aconte-ceu na década de quarenta do Século XX, quando foi ela-borado e aprovado o PUCS – Plano de Urbanização da Costa do Sol, e assentava de forma integral na fácies turís-tica dos Estoris dessa época. Por ser linear e conter em si próprio todos os condicionalismos associados às mais-valias que resultam do sucesso que nessa época já todos sabiam que o turismo estava a ter, este plano rapidamente se tornou obsoleto, tendo sido unânime junto dos Casca-lenses a vontade de o reformular, acrescentando toda a panóplia de normas que enquadrassem os espaços situa-dos fora do triângulo de interesse turístico que o PUCS definia. O resultado desta desadequação, que se prolongou ao longo de cinquenta anos, como bem refere o relatório

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elaborado pela equipa que coordenou a concretização do Plano Director Municipal que ainda está em vigor, foi uma acentuada degradação ou mesmo total ausência das redes de apoio e de uma configuração urbanística que se caracterizava pelos desequilíbrios territoriais crescentes que arrastavam também os fundamentos funcionais e sociais do Concelho, comprometendo a saúde global dos sistema e o futuro próximo.

Cada um destes sistemas, por seu turno, trazia à popula-ção grande implicações negativas ao nível das acessibilida-des, dos transportes, do estacionamento, da distribuição de água, do saneamento básico, e dos restantes bens de consumo imediato. O urbanismo planeado, que se procu-rou com a aprovação do documento que ainda temos, permitiria assim a criação de uma estratégia territorial e vocacional precisa, das quais resultaria teoricamente um reforço ao nível das referências e, desta forma, uma con-solidação económica que suportaria um reajustamento das restantes premissas.

A realidade, no entanto, acabou por assumir-se obviamen-te diferente daquela defendida pela referida equipa no Concelho de Cascais. As indefinições sentidas ao nível da estruturação de fundamentos, aliadas a uma inconsequente absorvência de modelos estereotipados que se demons-trou serem completamente desadequados à realidade cas-calense, promoveram, de facto, “a reafirmação de Cascais na capitalidade de Lisboa”, mas esqueceram por completo a vocação própria de um Concelho onde, há mais de cem

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anos, a vocação turística se assumia como caminho fun-damental.

Desadequado em 1997, quando foi aprovado durante um processo que causou mal-estar e consternação junto de todos aqueles que gostam de Cascais, o Plano Director Municipal de Cascais que temos é desde há muito um documento que atrapalha a governação municipal, geran-do factos e omissões que promovem o desregramento e, dessa forma, a desresponsabilização dos agentes políticos do concelho. Por consequência sua, praticamente um ter-ço do espaço municipal foi literalmente engolido por milhares de casas de génese ilegal, ao abrigo de um pres-suposto que passava pela necessidade de legalização dos espaços construídos clandestinamente nos anos setenta do Século XX. Só que, pelas omissões que já mencionámos, o PDM criava condições para que mesmo em locais onde não existiam construções, fossem considerados como de ‘génese ilegal’ um conjunto de terrenos vendidos em par-celas (os infelizes ‘avos’) nos quais, apesar de continuarem vazios, foram tratados em sede do urbanismo como urba-nizáveis ao abrigo do artigo que consolidava esta prática. Com esta lógica e orientação, e mesmo sabendo que a maioria dos fenómenos desta natureza se situavam no interior do concelho e sobretudo nas Freguesias de São Domingos de Rana e de Alcabideche, toda a restante orientação do documento, e mesmo as directrizes que implicavam a sua reformulação urbanística como suporte ao reforço da sua atractividade turística, acabaram por

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enredar-se numa teia de caos e de conturbação que influí-ram negativamente no pressuposto definido.

O então designado ‘Turismo do Estoril’, envolvido por milhares de lotes com construções de génese ilegal e com um horizonte gráfico associado ao pior que o fenómeno da suburbanidade nos pode trazer, foi assim grandemente prejudicado, pondo em causa a vocação orientadora con-tida no PDM e que o PUCS havia sido capaz de com-preender.

Apesar de não estar contida no PDM que temos em vigor, nem tão pouco na proposta de revisão que agora discuti-mos, a consensualidade da vocação turística de Cascais, construída desde que no início da segunda metade do Século XIX o Visconde da Luz inicia o processo de rees-truturação sistemática dos mais importantes eixos estraté-gicos da Vila, e ainda para mais fundamentada na efectiva inclusão desta directiva naquilo que é o paradigma institu-cional de Portugal no seio da Comunidade Europeia e do Mundo, transformou-se num princípio que era indiscuti-velmente o caminho de excelência que os cascalenses tri-lhavam desde há muito. Ultrapassando largamente as res-trições legalistas impostas pelo documento, o devir quoti-diano do Concelho de Cascais, não só na sua componente habitacional mas, sobretudo, na vertente económica e empresarial do município, foi capaz de permanentemente recriar fórmulas que deram o mote para o reforço dessa vocação. O cosmopolitismo que dela resultou é, aliás, a melhor prova de que estavam certos aqueles que, contra-

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riando a vontade de quem estava no poder e muitas vezes sofrendo consequências pessoais desse facto, zelavam por preservar a índole cénica do Concelho, reforçando o Esto-ril como destino de excelência que se afirmava no contex-to da Grande Lisboa, e fomentando um dos ramos de actividade que preserva e promove a requalificação das principais mais-valias de Cascais.

Sendo o turismo a principal expressão dessa realidade, e tomando em especial linha de conta os inúmeros atracti-vos naturais que Cascais e o restante território concelhio oferece a todos aqueles que nele habitam ou o visitam, fácil se torna perceber que a assunção da vocação conce-lhia neste PDM deveria passar, rentabilizando os recursos próprios e uma história já longa e profícua, pela conside-ração deste sector como principal caminho em direcção a um progresso e a um desenvolvimento que estivesse em consonância com aquilo que eram os interesses dos casca-lenses.

Por vezes, numa postura impante de orgulho que tolda a visão da realidade envolvente, quem detém o poder políti-co em Cascais, acusa os defensores desta vocação turística de serem demasiado conservadores e tradicionalistas, não dando espaço para que o progresso se imponha no dia-a-dia dos Cascalenses. Mas como referiu recentemente o Papa Francisco, no seu discurso de Natal perante a Cúria Romana, defender a tradição, como o fazem todos os Cascalenses que defendem os interesses da sua terra, independente das suas opções políticas, culturais, religio-

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sas ou quaisquer outras, é sobretudo apelar à defesa dos testemunhos de qualidade que oferecemos às gerações que aí vêm. De facto, na sua raiz etimológica, a palavra tradi-ção nasce na Grécia e servia para ilustrar o testemunho que, nas corridas de estafetas, era passado de atleta em atleta como elo de ligação entre as diversas componentes que davam forma à corrida. E em Cascais é nessa perspec-tiva que devemos entender a defesa intransigente da nossa identidade, suportando nela as medidas que darão forma ao testemunho que queremos deixar às futuras gerações de Cascalenses.

Ao nível do Plano Director Municipal, o processo de revi-são que agora acontece é a oportunidade de ouro pela qual Cascais esperava há já demasiado tempo. Agora, mais do que em qualquer outra altura, precisamos de um docu-mento de gestão do território que seja capaz de fomentar as memórias integrando-as num plano que a curto ou a médio prazo possa consagrá-las em monumentos de iden-tidade para quem há-de vir. Para isso acontecer, utilizando o cosmopolitismo de que tanto se fala para o fundamen-tar, é essencial que ao assumir a vocação turística de Cas-cais, o PDM possa integrar as medidas que se verificam essenciais para que o crescimento e o progresso, factores inseparáveis da qualidade de vida pela qual todos temos o dever de pugnar, possam assentar numa plataforma de são entendimento acerca das nossas raízes comuns e da nossa identidade. É isso, aliás, que oferece a Cascais a atractivi-dade que transforme este recanto num destino de excep-ção. Até porque, a vários níveis, é do reforço das compo-

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nentes que transformam o Estoril num destino único e irrepetível no contexto europeu, que derivam as possibili-dade de irmos lá fora, nas feiras, saraus e demais iniciati-vas que visam promover o País juntos dos mercados estrangeiros, oferecer aos nossos futuros visitantes a excepcionalidade e as memórias que transformam numa memória vivida de forma integral a visita aos Estoris.

A necessidade de travar um processo paulatino de degra-dação que vem desvalorizando, de forma apática, os prin-cipais factores incentivadores de uma visita à Costa do Estoril, através do incremento da qualidade de vida na própria região, e de uma valorização da sua oferta turística de relevo, deveria ser o caminho natural definido por um poder local interessado na revalorização do seu material de trabalho, e na rentabilização das potencialidades pró-prias do local, que garantiriam um esforço financeiro e político menor, bem como uma consequente melhoria ao nível da representatividade que deve suportar a sua sobe-rania.

É assim, num caminho marcado pela certeza de quem sabe para onde vamos, que o PDM assume especial importância, assumindo-se como se fosse uma espécie de bússola que mostra o caminho que há para percorrer, ofe-recendo assim a segurança que sempre se associa à deter-minação e à eficácia de quem é o garante final de todo o processo. Nesta perspectiva, e integrando na gestão muni-cipal a necessidade de se promover a sustentabilidade da actividade promocional de fomento turístico, fácil é per-

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ceber que o caminho a percorrer deveria conter em si próprio os fundamentos de uma intervenção que, em larga escala, permitisse a Cascais remodelar por completo a sua estruturação interna, requalificando a vida dos seus muní-cipes, como única forma coerente de se requalificar tam-bém na sua oferta turística externa. Na actualidade, e ao contrário do que aconteceu noutras épocas, o turismo de qualidade deverá sempre sustentar-se numa qualidade de vida que permita aproximar os cidadãos que habitam no espaço com os seus mais cosmopolitas visitantes, promo-vendo uma interacção que garanta a ultrapassagem dos obstáculos e a reciprocidade ao nível dos interesses e das alternativas.

Num Portugal marcado de forma indelével pelo embate que resultou da ainda recente integração europeia, são mais do que evidentes as potencialidades que ninguém soube explorar. O turismo, rentabilizando o excelente clima que temos, a gastronomia excepcional, as paisagens maravilhosas, a centralidade relativamente ao velho conti-nente, a segurança que ainda se sente e a paz que poucos (infelizmente) podem almejar, é assim o caminho de futu-ro que permite aproveitar as nossas existências concilian-do-as com projectos que reforcem a nossa atractividade. E fá-lo, num contexto de grande concorrência internacional, aproveitando o testemunho que o Estoril nos pode legar. As definições associadas a uma operação turística de grande monta, para além dos elementos associados às condições concretas que um destino poder oferecer,

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dependem de sobremaneira da ideia que a elas está asso-ciada.

De entre os muitos exemplos que existem e que ilustram este processo, assume especial interesse o processo de revisão do Plano Director Municipal de Vouzela, efectua-do em 2009, cujo relatório apresenta um conjunto de ideias que expressam a importância do cumprimento deste desiderato. Vouzela é, como se sabe, praticamente o inverso de Cascais na formulação dos seus pressupostos e tem, contrariamente ao que acontece nesta nossa terra, uma tradição invariavelmente curiosa relativamente à importância do assumir desta qualidade como forma de defender a qualidade de vida dos munícipes deste local: “A primeira revisão do PDM reflecte e concretiza as opções estraté-gicas de ocupação do território concelhio, enquanto elemento funda-mental para alcançar o desenvolvimento sustentado, constituindo objectivo central da Estratégia definida, garantir a persistência e valorização identitária de Vouzela promovendo o desenvolvimento económico e sociocultural em simultâneo com o reforço da coesão social e territorial (…)”. Se em Vouzela é possível, recriando uma estratégia que aproveitou a experiência da vigência do plano para efectuar uma reformulação que surja em linha com a vocação municipal, defendendo a identidade e criando condições que asseguram o desenvolvimento e o progresso sustentado, porque não podemos fazer o mes-mo em Cascais?

As políticas de fomento turístico associadas ao sol e à praia, patentes de forma excelente no já referido Plano de

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Urbanização da Costa do Sol, assentavam na capacidade que os planificadores de então tiveram de elencar o con-junto de potencialidades que os Estoris possuíam, defi-nindo uma estratégia comum para as rentabilizar. Da mesma maneira, num presente marcado por uma excessi-va oferta destes valores a nível internacional, e sobretudo com uma política de preços que transforma Cascais num destino que não pode – nem deve – concorrer a esse nível com os seus congéneres europeus, urge encontrar cami-nhos de alternativa que permitam continuar a cumprir os objectivos de outrora. Ora, como facilmente se percebe daquilo que foi a experiência que resultou da aplicação do PDM que temos, e da leitura atenta da proposta de revisão que temos em mãos, a opção dos actuais planejadores é a de seguir em direcção à reversão dessa estrutura de apoio, reconfigurando Cascais não enquanto destino excepcional com uma qualidade de referência que seria obrigatoria-mente inconcorrencial, mas sim assumindo a sua subsidia-riedade relativamente à atracção imposta pela proximidade de Lisboa e Sintra, num posicionamento que não reflecte as suas especificidades e que, a nível da planificação a médio e a longo prazo, trará necessariamente consigo a destruição de tudo aquilo que fazia de Cascais um destino diferente.

Esta opção, errada porque não responde de forma cabal à necessária salvaguarda dos interesses de Cascais e dos Cascalenses, acaba por ser contraproducente relativamente à premissas que constam nesta mesma proposta, impedin-do que o município ordene de forma sustentada os seus

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recursos, fomentando a qualidade de vida que todos merecem. No processo de revisão do PDM de Vouzela que já referimos, é dada especial relevância a este pressu-posto, reforçando mecanismos que transformam o articu-lado do plano num efectivo contributo para que os condi-cionalismos impostos por outros instrumentos de pla-neamento encontrem neste documento o conjunto de condições que permitem a sua cabal concretização: “Orde-namento do espaço rural e Gestão sustentável dos recursos naturais: incide na conservação dos valores naturais e paisagísticos associados ao espaço rural e na valorização das externalidades positivas criadas pelos sistemas agro-florestais, bem como na optimização da utiliza-ção dos recursos naturais com vista à durabilidade dos sistemas, com particular incidência na gestão integrada da água e na mitigação dos efeitos das alterações climáticas”. Mas ainda vai mais longe quando, ao contrário do que sucede em Cascais, apela à qualidade de vida a partir de uma estratégia que assente nas massas ruralizantes que compõem a maior parte da área territorial daquele concelho, que entende que devem ser enquadradas no articulado do plano e, dessa forma, devidamente rentabilizadas ao nível da perspectiva eco-nómica que é essencial para garantir desenvolvimento e qualidade de vida aos munícipes: “Melhoria da qualidade de vida e diversificação da economia nas zonas rurais: desenvolver a atractividade das zonas rurais, através da criação de oportunidades de emprego e do desenvolvimento económico, numa estratégia integra-da de diversificação das actividades e de aquisição de capacidades das populações locais. Integra um novo conceito de ruralidade em que a agricultura é, assumidamente, apenas uma das componentes”. Nes-ta linha, Cascais deveria recuperar os factores decisivos da

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sua atractividade turística, percebendo que as Unidades Operativas de Planeamento e gestão são ferramentas que permitem concentrar esforços em áreas particularmente deprimidas e necessitas de uma intervenção específica e não, como acontece com a proposta de PDM que temos, como factores potenciadores de intervenção nos espaços externos às UOPG, que ficam assim libertas dos cons-trangimentos impostos pela salvaguarda do bem comum. A palavra ‘unidade’ que em última instância significa unifi-cação e capacidade de gerir em conjunto uma determinada realidade territorial, transforma-se em Cascais numa espé-cie de pedra de arremesso contra as adversidades que derivam do facto de os planificadores terem sido incapa-zes de assumir que existe uma efectiva diferenciação den-tro do espaço municipal e que, para a ultrapassar, é neces-sário fomentar a coesão a vários níveis tornando operativo um tecido urbano de que depende a identidade municipal: “Reforço da coesão territorial e social: pretende-se uma política pró-activa com base na intervenção pública de dinamização dos territó-rios sem sustentabilidade endógena económica e social. Este tipo de actuação implica necessariamente que se actue de forma discriminada a determinados níveis, sejam eles territoriais ou de natureza social e económica”.

O Cascalense Pedro Luís Cardoso, num artigo publicado há mais de uma década num jornal regional do centro do País, referia a actividade turística como único caminho de futuro num Portugal marcado profundamente pelas vicis-situdes de uma integração comunitária desigual e pouco alicerçada. Para este ilustre cascalense, numa situação

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facilmente aplicável a Cascais, as antigas definições de qualidade turística foram grandemente transformadas com a mudança de século e de milénio. As políticas da promo-ção exclusiva do sol, da praia e do mar, numa alusão con-creta àquilo que foi comum às áreas de vocação promo-cional do nosso País, estão hoje evidentemente ultrapas-sadas por um sol que conscientemente sabemos que faz mal; por uma praia suja e que dificilmente conseguiremos limpar; e por um mar que, embora ainda o maior de todos os recursos do Homem sobre o planeta terra, se encontra altamente poluído, provocando problemas de saúde que obrigam a que muitos, cada vez mais, o venham a evitar.

Com uma proposta de revisão do PDM assente nos pres-supostos errados, envidando esforços num sentido que contraria a dinâmica natural do Concelho e aquilo que tem sido tradicionalmente o seu devir, Cascais vai crescer de costas voltadas para a Serra de Sintra, para o nosso extraordinário Parque Natural de Sintra-Cascais e para as belezas incomensuráveis que subsistem da sua ruralidade literalmente engolida pelo normativo constante do PDM que está ainda em vigor. Transforma-se assim não no pujante destino que todos acreditamos ser possível, mas sim num subúrbio de qualidade duvidosa e profusamente dependente do poder decisório centrado na capital. Desta opção, para além da evidente fuga de meios de Cascais para Lisboa, porque “quem parte e reparte ficam sempre com a melhor parte…”, não resulta qualquer benefício nem directo nem indirecto para a qualidade de vida dos Cascalenses que, conforme se tem verificado, acabam por

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sofrer das contingências provocadas pelo desregulamento permanente que resulta das incoerências do próprio plano.

As vicissitudes mencionadas são já visíveis em Cascais. Espaços como o da Areia, no qual se pretendeu em tem-pos edificar um enorme complexo de cinema que se fun-dava nas imprecisões do PDM e que o actual poder políti-co pretende rentabilizar em termos urbanos; o da zona nascente de Tires, com os terrenos de índole rural que se perderam depois do intricado processo de construção do novo hospital, cujo imbróglio se consolidou a partir das mesmas incongruências processuais; da área associada à Villa Romana de Freiria, em São Domingos de Rana, na qual a componente patrimonial, surgindo como elemento avulso no normativo do actual PDM, acaba por perder completamente a sua contextualidade, importância e inte-resse no meio de uma enorme amálgama de espaços urba-nos de génese ilegal; ou mesmo o dos terrenos situados junto à entrada do concelho para quem chega pela Estrada Marginal e que, com frente directa para o mar, vão ser transformados num absurdo e incongruente projecto uni-versitário literalmente matando a capacidade de reforço da vocação municipal de Cascais, assente num pressuposto de progresso que plasma de sobremaneira a ideia geral que emana desta proposta de revisão; são muitas centenas os exemplos de situações terríveis que vão literalmente impor à nossa terra uma existência dependente dos ditames da capital, destituída de vontade própria e incapaz de gerir cabalmente as suas potencialidades. E este exercício, num beneplácito que se esconde por detrás da ambiguidade de

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um plano que não espalha a realidade municipal nem a vontade dos Cascalenses, desresponsabiliza os decisores políticos e abre caminho para que se subverta por comple-to o conjunto de singularidades que faziam da Costa do Estoril um dos mais pujantes destinos turísticos do sul da Europa.

A vocação turística de Cascais, se assumida de forma coe-rente neste importante documento que marca a gestão urbana do Concelho, passará assim obrigatoriamente por um cuidado especial com os vários elementos fundamen-tais desta actividade. A requalificação integral das praias, hoje mais importantes pela sua envolvência e pelos seus elementos de apoio do que propriamente pelas suas carac-terísticas terapêuticas, deveria assim abrir a orientação vocacional do Plano Director Municipal, que enquadraria com toda a certeza os elementos necessários à criação de estruturas de acesso, de exploração e de movimentação, que em interacção com os habitantes, recriassem um bem-estar e uma qualidade que potenciasse a reabilitação urba-na pela qual todos ansiamos.

Por outro lado, a assunção desta realidade, num quadro conjuntural que progressivamente vai transformando Por-tugal num País eminentemente vocacionado para o sector terciário, obviamente contribuiria para a criação de corre-dores turísticos que permitissem a Cascais a objectivação de parcerias estratégicas com outros Concelhos, localida-des ou Freguesias da Área Metropolitana de Lisboa.

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Hoje, numa época em que o turismo e as suas principais componentes se efectivam a partir de uma dinâmica muito genérica que abarca praticamente todos os sectores da vida em sociedade, a transdisciplinaridade institucional, apoiada na necessária inserção do Concelho naquilo que são as principais viabilidades desta grande região, é fun-damental para Cascais a recriação de contactos que efecti-vem o estabelecimento deste aproveitamento estratégico. O Plano Director Municipal que se encontra agora em vigor, mais do que definir o caminho vocacional do Con-celho, deveria fornecer orientações que permitam aos promotores um investimento congruente seguro e verda-deiramente produtivo. Nesta linha, e tal como se pode encontrar em muitos outros planos directores que estão em vigência em Portugal, importa encontrar mecanismos que transformem o novo PDM de Cascais num instru-mento de qualificação, organizando o espaço e acentuan-do a sua integração e articulação, fomentando a sua fun-cionalidade, no âmbito dos restantes processos político-administrativos que constrangem a realidade municipal. Mas nada disto existe na proposta que agora nos fizeram. Na proposta de regulamento, quando se abordam as pro-blemáticas associadas aos espaços públicos, os autores da mesma apresentam um conjunto de pressupostos que, de real valor e singularidade comprovada, não passam de lugares-comuns quando não possuem como sustento a visão estratégica que deveria estar sempre associada a um PDM: “As intervenções, públicas ou privadas, em solo urbano devem equacionar, de forma sustentável, o tratamento e a preservação do espaço público, assim como promover e incentivar a participação

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dos cidadãos na sua evolução, estimulando o carácter identitário do lugar, a diversidade de oferta e a indução da qualidade de vida urbana”. O conjunto de parangonas que dão forma à actual proposta, muitas vezes recompondo – e bem – as diatri-bes que resultaram da péssima versão do PDM actualmen-te em vigor, fazem sentido e até são pertinentes mas, desenquadradas da realidade e mal adaptadas às reais necessidades de orientação que presidem aos destinos dos Cascalenses, mais não são do que propaganda oca, sem sentido e, possivelmente, de consequências muitos negati-vas para o Concelho de Cascais no caso de serem aprova-das.

Reiterando um erro crasso que fazia parte da versão origi-nal, a actual proposta de revisão volta a colocar o turismo como área estratégica para o crescimento de Cascais. Mas fá-lo, ao contrário daquilo que seria expectável, através de um expediente que subverte a perenidade da ilação, fazen-do depender essa capacidade estratégica da proximidade de Sintra e de Mafra! Como é evidente, o enquadramento na região é essencial, até porque as sinergias criadas a par-tir de uma estratégia comum podem resultar em benefí-cios evidentes para todo o espaço. Mas, sem que tal estra-tégia seja definida a partir de um conjunto de premissas que assumem e reforcem a singularidade do Estoril, o resultado será sempre a negação das potencialidades úni-cas de Cascais e a sua diluição no conjunto de atractivos que dão forma às campanhas promocionais dos restantes espaços.

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Nas grandes feiras internacionais de turismo, tem sido evidente o impacto deste tipo de escolhas, assistindo-se com regularidade à presença de Cascais no seio de espaços comuns ao resto das municipalidades da Área Metropoli-tana de Lisboa, sendo promovida lado-a-lado, com a mesma visibilidade, com os mesmos argumentos e com a mesma dinâmica de municípios como a Amadora, Vila Franca de Xira ou Odivelas que, com as suas característi-cas e história própria, acabam por literalmente fazer desa-parecer Cascais e a sua marca internacional ‘Estoril’ do mapa. Num contexto deste tipo, sem que a Costa do Estoril esteja efectivamente plasmada no conjunto da macro-oferta turística de Lisboa, dificilmente teremos um cenário que promova a qualidade de vida para todos os Cascalenses. Ao nível da política pragmática, como é evi-dente, a capacidade decisória é independente do Plano Director Municipal, e dele não depende quando pondera a possibilidade de investimento promocional que concreti-za. Mas, o certo é que ao nível da planificação, sobretudo quando tomamos atenção a todas as premissas que são essenciais para que existam argumentos de promoção e venda do destino, é no PDM que devem estar concentra-das as grande orientações políticas que tornam possíveis as primeiras.

Tomemos como exemplo, novamente, a Villa Romana de Freiria, situada na Freguesia de São Domingos de Rana. Depois de décadas de estudos efectuados por vários arqueólogos que comprovaram o carácter único daquele espaço, a política de legalização forçada das áreas clandes-

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tinas que existiam na envolvência daquele Monumento Nacional, acabou por envolver completamente o espaço, retirando-lhe qualquer possibilidade de ser requalificado o seu enquadramento e, mais importante ainda, de ser devi-damente aproveitado todo o potencial científico, cultural e turístico que o monumento possuía. Como é evidente, se nos dias que correm, perdidos no seio de um mega-stand geral que inclua todos os municípios da Área Metropolita-na de Lisboa, se for a qualquer grande feira internacional promover Cascais utilizando Freiria como exemplo, o mais certo é que o investimento efectuado nas viagens e nos equipamentos nem sequer seja recuperado com a cap-tação de potenciais visitantes.

Ao assumir esta escolha na proposta que está em discus-são, o poder partidário que governa actualmente Cascais está a assumir também a necessária terceirização das nos-sas estruturas, e a efectiva reconversão da vocação cos-mopolita de Cascais para um espaço de dormitório no qual a mais-valia se situa precisamente ao nível da ocupa-ção urbana do espaço. A totalidade da zona interior do Concelho, e principalmente aquela que se situa a Norte da Auto-estrada, deverá ser entendida estrategicamente como o espaço fundamental na criação das bases para o aprovei-tamento dos potenciais naturais desta região. Só assim, equilibrando aquilo que a História recente se encarregou de desequilibrar, e oferecendo a base para uma interven-ção urbana assente na necessidade de esbater as diferen-ciações que actualmente se verificam, podemos aspirar ao desenvolvimento de novas oportunidades de afirmação no

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contexto de uma Europa muito consciente da importância económica do sector de actividades em questão.

Destarte, cumpre-nos a nós, munícipes de Cascais, ofere-cer a quem governa o Concelho as informações e as orien-tações que lhes permitirão inverter esta tendência decres-cente que verificamos ao nível da qualidade de vida no Concelho. Exemplo sempre – e infelizmente – paradigmá-tico desta situação, é aquele que caracteriza a vida na loca-lidade de Quenene, situada também na Freguesia de São Domingos de Rana, imediatamente a Sul da lixeira de Tra-jouce. Esta localidade, outrora exemplo da vivência tradi-cional de Cascais, a ponto de ter recebido dois fontanários públicos como presente de reconhecimento pela forma como estava organizada comunitariamente, é hoje um aglomerado de ruínas sem interesse nem qualidade. Aces-sível através de um arruamento antigo na estrada que liga a Abóboda a Talaíde, imediatamente antes da chegada àquela que é a localidade mais Oriental do Concelho de Cascais, Quenene apresenta uma formulação urbana caó-tica que resulta de dois momentos paradigmáticos na sua História. Depois de em 1964 ter sido premida como a mais bonita aldeia de Cascais, Quenene passou pelo proli-xo processo do nascimento e proliferação das casas clan-destinas. Desde finais da década de sessenta do Século passado, e praticamente até meados da década de noventa, as construções clandestinas praticamente mataram o que existia daquela antiga povoação, ao ponto de os acessos lhe terem sido completamente cortados em virtude de jun-to a si ter sido colocada a inadmissível lixeira. Nos anos

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noventa, no meio das muitas polémicas que se estabelece-ram durante o processo de descativação daquele nausea-bundo equipamento, existiam dias em que era literalmente impossível respirar naquela povoação. Os cheiros, os fumos e os vapores que se libertavam durante o processo natural de decomposição do lixo que ali se acumulava, tra-ziam para Quenene odores de tal maneira fortes que pro-vocavam vómitos a quem por ali se aventurava. E os habi-tantes continuaram a viver por lá… Anos depois, quando em 1997 foi aprovado o PDM actualmente em vigor, foi dada a segunda e quase fatal machadada na qualidade de vida do local. Desconhecendo o que era, não sabendo que era uma das mais antigas localidades de Cascais e perante o estado de completo caos urbano que se havia instalado, os mal informados autores do plano optaram por classifi-car Quenene como se fosse uma área urbana de génese ilegal, aplicando-lhe as regras pensadas para esse tipo de espaços, e apagando literalmente a povoação do mapa.

O potencial turístico de Quenene, associado à sua ribeira e à paisagem bucólica e campestre que a envolvia, foi com-pletamente devastado pelos acontecimentos e pela senten-ça que o PDM de 1997 lhe aplicou sem culpa formada. Dessa decisão, com evidentes prejuízos para Cascais e para todos os Cascalenses, resultaram terríveis malefícios para os habitantes do local e, também, para a consolidação das potencialidades turísticas do concelho que, contra-riando aquilo que estava contido no seu regulamento, não só não enquadrava a dita importância do turismo na reali-dade municipal, como ao desconhecer a componente efec-

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tiva da rede urbana municipal, acabou por condenar defi-nitivamente uma parte substancial do território municipal.

O autêntico desastre que representa a aprovação de um documento deste género, que abre espaço para que se concretizem medidas que na prática, e embora legais, con-trariam a própria argumentação constante na proposta de regulamento, é infelizmente visível em vários artigos que fazem parte deste documento. No capítulo dedicado à estrutura ecológica fundamental, os autores desta proposta sublinham que a biodiversidade e a paisagem são peças fundamentais da estrutura municipal e que, por isso, devem ser eminentemente defendidas: “A estrutura ecológica fundamental compreende as áreas que asseguram a biodiversidade e o funcionamento da paisagem, constituindo o suporte de sistemas ecoló-gicos fundamentais de elevado interesse nacional, bem como recursos naturais que pelo seu inquestionável valor devem ser salvaguardados de usos passíveis de conduzir à sua destruição e degradação de modo irreversível”. Esquecem-se, quando formulam este princípio, que esta defesa faz todo o sentido mas que terá de ter sub-jacente um princípio norteador (é para isso que servem os planos directores municipais) que torne possível a sua concretização contextualizada. Uma vez mais, se nos ati-vermos ao compromisso de assumir uma vocação orienta-tiva para Cascais, importa perceber que esta defesa, prin-cipalmente relativa a elementos ecológicos fundamentais como são as linhas de água e algumas zonas onde a rurali-dade sempre imperou, é eficiente somente se for levada a efeito a partir de uma orientação que culmine no cumpri-mento de um objectivo específico. Não o sendo, qualquer

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orientação desse tipo abre caminho à arbitrariedade, criando espaço para que os futuros decisores administrati-vos, ao sabor da sua singularidade ou da sensibilidade pes-soal perante determinado problema, possam decidir sem com isso cumprir a norma de orientação que presidiu à aprovação do plano.

No caso de Quenene (e este é só um exemplo de muitas dezenas que abundam em todo o território de Cascais), é por demais evidente que a recuperação da paisagem e da biodiversidade, conjugando o leito da ribeira com a requa-lificação do espaço que resulta da selagem do aterro sani-tário que nasceu com a Lixeira de Trajouce, só seria possí-vel com um esforço hercúleo por parte do erário público que, dadas as vicissitudes que têm afectado Portugal, se mostra completamente inconsequente. Ora num concelho em que o turismo é a vocação municipal, e em que esta está plasmada no Plano Director Municipal dando forma às perspectivas de crescimento e de requalificação do terri-tório concelhio, a salvaguarda deste valores deveria ficar à guarda da edilidade e, dessa forma, sustentar a possibilida-de de reconversão que os moradores desejam e que o turismo necessita. Abordando a mesma questão através de um ângulo diferente, num sentido que esteja em linha com a realidade com que actualmente nos debatemos, é essen-cial perceber que o apelo de qualidade que permanente-mente ouvimos por parte das entidades públicas e por parte dos investidores e por aqueles que trabalham no sec-tor, é completamente incompatível com manifestações de

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caos urbano como aquela que caracteriza o lugar em ques-tão.

A criação de unidades constante nesta proposta, também neste caso não só não se aplica, como se afigura altamente prejudicial para a reconversão do espaço. Ao isolar em espaços confinados as realidades nocivas, não as caracteri-zando a partir de um estudo comparado que permita a sua integração na envolvência, o PDM acaba por transformar estas espécies de ilhas urbanas em espaços que se incom-patibilizam com a integralidade territorial municipal e por pôr em causa a dinâmica global que é essencial no cami-nho de qualidade para todo o concelho.

Na UOPG 4, onde se insere a localidade de Quenene, o espaço ocupado por este aglomerado caótico de casas vem classificado como solo rural e a zona da povoação como área sensível. Mas, estando fora desta mesma unidade, a localidade da Conceição da Abóboda, por exemplo, estan-do em estreita ligação com Quenene ao nível da formula-ção urbanística e dela dependendo para tornar possível a recuperação de (pelo menos) alguma qualidade urbana, vê-se impedida de o fazer. A UOPG 9, na qual se insere, e que se estende desde a Conceição da Abóboda até ao Arneiro, renega assim uma das suas componente mais relevantes, impedindo a integração de Quenene mas virando as costas a Talaíde e ao espaço relevante que den-tro de algumas décadas resultará da recuperação dos solos na zona da Lixeira de Trajouce. O antigo centro urbano da localidade de Polima, para onde convergem os inexpli-

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cáveis acessos recentes que foram feitos para ligar à Villa Romana de Freiria, necessita de uma intervenção linear a curto prazo, depois de ter sido destruído o conjunto de casais saloios que aí existiam (ver HENRIQUES, João Aníbal,

Levantamento Exaustivo do Património Cascalense, cascais, Fundação Cascais,

2000), e de sobrarem unicamente três ou quatro peças que são marcantes para a identidade do local.

Ao nível do património é verdadeiramente triste verificar o que consta nesta proposta de revisão do Plano Director Municipal de Cascais. Optando por encurtar até à exaus-tão a listagem bastante completa de imóveis que faziam parte da versão anteriormente preparada pela mesma maioria, os autores diminuem de forma drástica a capitali-zação do valor do conjunto edificado, restringindo-o a uma monumentalidade que, nos casos das UOPG’s referi-das, nem sequer se verifica ser aplicável. Com excepção das unidades operativas associadas a imóveis classificados, num ímpeto reformativo que contraria os princípios teóri-cos formulados no regulamento, todas as restantes peças são excluídas dos regimes de protecção contidos no plano. No que a Polima diz respeito, por exemplo, a aprovação desta proposta pressupõe a assunção de que todo o cora-ção urbano da povoação antiga será destituído de impor-tância, revertendo para planos específicos a identificar à posteriori a possibilidade de podermos zelar pela sua pre-servação! Isto sem, obviamente, esperar que os mesmos sejam identificados na quadratura imensa da vocação municipal, para a qual ficarão definitivamente perdidos e,

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possivelmente, à mercê discriminatória de um qualquer departamento administrativo.

Ao proceder assim, invertendo as premissas que deram forma ao Turismo do Estoril, o normativo constante neste PDM acabará por consolidar a costela suburbana de Cas-cais, elevado obviamente ao nível dos projectos de refe-rência que o decisor político decidir aprovar (é importante relembrar aqui o pólo universitário a nascer na primeira linha de mar na zona de Carcavelos e que acrescenta um ponto importante à consolidação da suburbanidade do Concelho de Cascais), e deixando para trás a possibilidade de recuperarmos o patamar de excelência que fazia desta região um espaço de referência a nível internacional.

Um outro bom exemplo da forma como este tipo de orientações acaba por esbarrar na capacidade concretizati-va do Concelho, é o do extraordinário Museu Paula Rego, situado na zona mais nobre da vila e sede do Concelho e que, contrariamente ao que seria expectável fica muito aquém do atractivo âncora que se havia imaginado. Quan-do a edilidade anunciou a construção do museu, na mes-ma época em que acontecia em Madrid a primeira exposi-ção retrospectiva da pintora, com filas de espera extraor-dinárias que se prolongavam em torno do Museu do Pra-do, foi com grande expectativa que assistimos ao anúncio e ao início das obras em questão. Mas, desenquadrado de uma política coerente de promoção turística, em linha com a evidente inexistência no quadro geral da vocação orientadora contida no PDM, o certo é que o número de

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visitantes alcançado até agora (já lá vão uns anos) pelo museu, ainda está aquém do número de pessoas que na capital espanhola visitaram a exposição. Como é evidente, tal facto fica a dever-se, não à falta de qualidade do equi-pamento, um dos mais emblemáticos edifícios modernos de Cascais que ficou bem integrado naquele que era o coração do Cascais do tempo da corte, nem tão pouco à qualidade das obras expostas e das exposições que ali têm tido lugar. O insucesso aparente (porque muitos enten-dem que é exemplo do que se deve fazer em Portugal), fica a dever-se unicamente à inexistência no PDM que ainda está em vigor de um conjunto de orientações que suportem o desenvolvimento concertado da vocação municipal. Sem ela foi possível ao governo de então, con-tra a vontade do presidente da Câmara Municipal que nes-sa altura estava em funções, subverter completamente as regras do jogo na região, dando o primeiro impulso para a destruição da região de turismo do Estoril. Logo de segui-da, mesmo com o então edil a criar uma estrutura de direi-to privado que devia tomar o lugar deixado vago pelo Estado na promoção da região, foi possível extinguir a antiquíssima Junta de Turismo da Costa do Estoril, dando assim a machadada final na já de si periclitante estratégia turística de Cascais.

Sendo exemplo negativo da falta que faz um Plano Direc-tor Municipal que espelhe a vontade dos Cascalenses e que a cruze com a realidade que se vive neste local, o Museu Paula Rego preserva todo o seu potencial, poden-do servir, caso haja vontade de o fazer, como cadinho de

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uma nova dinamização que se espera que Cascais seja capaz de empreender. Integrada na vasta unidade opera-cional formada pela Marina de Cascais, pelo Museu dos Condes de Castro Guimarães, pelo Parque Marechal Car-mona, pelo núcleo antigo de Cascais, pela Parada e pelo Museu do Mar, para além da Cidadela cujo âmago poderá e deverá ser repensada ao nível do usufruto social, a uni-dade museológica tem todas as condições para despoletar o movimento ascendente pelo qual todos esperamos.

Tristemente, em termos da abordagem operacional de lar-go espectro que já mencionámos como essencial para reforçar o cumprimento dos objectivos atrás expostos, uma vez mais a carta de zonamento mostra-nos unidades operacionais diferentes para a realidade que envolve este local. A zona costeira, integrada no Parque Natural de Sin-tra-Cascais surge incluída na UOPG1, enquanto que a estrutura operativa dos núcleos turísticos consolidados dos Estoris, nomeadamente o Monte Estoril que surgiu há mais de 110 anos como complemento da oferta qualifica-dora de Cascais, está incluído na UOPG 6 e a zona mais importante de Cascais na UOPG 5… Como é evidente, e apesar de sabermos que existem instrumentos de regula-ção que se sobrepõem ao PDM, nomeadamente o regu-lamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, o POOC e os diversos Planos de Pormenor que coexistem em seu torno, é impossível gerar uma dinâmica de conjunto que permita dar forma à assunção da vocação municipal a par-tir de uma amálgama desinteressante de retalhos como é aquele que compõe esta proposta. A proposta de planea-

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mento contida neste documento, assente em pressupostos alheados da realidade efectiva que o território municipal nos oferece, fomenta uma confusão a todos os níveis que necessariamente se traduzirá na incapacidade de as diver-sas entidades que trabalham nesta área poderem empreen-der trabalho profícuo e complementar em defesa daqueles que são os interesses legítimos dos Cascalenses.

Ao proceder desta maneira, assumindo que a operaciona-lidade interna do concelho não é a preocupação que deu forma a esta proposta, os seus autores estão, consequen-temente, a desenvolver um plano que, na pratica, obrigará Cascais a reformular a sua presença, a sua lógica e as suas especificidades no seio da Área Metropolitana de Lisboa, por ser esse o único caminho que sobre perante a inope-racionalidade que resulta deste articulado. Nesta linha, que põe em causa os próprios princípios que os próprios auto-res colocam neste projecto de regulamento, Cascais vê-se constrangido a assumir um papel secundário em termos da sua afirmação territorial, abdicando de muita da sua autonomia política e colocando-se à mercê de decisões que, apesar de poderem ser excelentes para o crescimento global dos vários municípios que compõem esta unidade maior, acabam por consagrar-se a partir da paulatina desa-gregação da identidade municipal e, por extensão, da sem-pre pragmática capacidade de intervenção cívica da socie-dade civil local.

No que ao turismo diz respeito, e novamente repescando o princípio que nos parece incontornável de que é ele a

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vocação municipal de Cascais, o concelho perde totalmen-te a sua atractividade perante o peso institucional e simbó-lico da capital, sendo que isso redunda, sem qualquer espécie de espaço para dúvidas ou incertezas, no reforço da suburbanidade associada à sua componente habitacio-nal. O grande problema deste fenómeno, que obviamente foi desejado pela grande área metropolitana desde que Cascais existe singularmente, e que aumentou drastica-mente nos momentos em que maior foi o sucesso do Estoril enquanto destino turístico de excepção, é que ele vai concretizar-se não a partir de uma orientação político assumida como tal e devidamente preparada e planeada com base noutros pressupostos que não aqueles que os Cascalenses defendem, o que já por si seria um terrível acontecimento que poria em causa toda a história dos últimos cento e quarenta e cinco anos, mas sim a partir de uma dinâmica que vai assentar de forma natural sobre o devir político que resulta das incapacidades nascidas da incongruência imposta por esta proposta, subvertendo de forma brutal os paradigmas sociais, políticos e culturais dos Cascalenses. De facto, Lisboa, com toda a sua oferta de qualidade a nível cultural e artístico que hoje apresenta, assume-se cada vez mais como pólo principal de uma região que, quer queira quer não, de si depende. Basta pensar, na lógica do visitante, que dificilmente consegui-remos receber e hospedar na Costa do Estoril um turista que não reserve alguns dias para visitar a Capital. Esta ila-ção, baseada na necessidade de assegurar para Cascais uma posição de destaque e especial relevo na espacialidade de Lisboa, obriga a que se estruturem e se fundamentem os

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resquícios de uma monumentalidade que tem sido esque-cida ao longo dos anos, e que, contrapondo-se à lógica do mar, do sol e da praia, complementa o menu informativo que augura à Costa do Estoril um excelente reforço das suas capacidades de hospedagem.

A principal opção estratégica que deverá resultar deste processo de revisão do PDM é, assim, a de perceber se Cascais se afirma com a sua vocação turística no contexto metropolitano de Lisboa, trazendo consigo elementos que valorizem e reforcem a excelência da capital enquanto grande destino no contexto Europeu, ou se, dissolvendo-se perante a enormidade de interesses que vão crescendo a partir das suas especificidades e mais-valias, enceta o pro-cesso de progressiva desagregação identitária que culmina-rá com a contribuição suburbana do município, sem trazer para a grande área que daí nascerá, qualquer espécie de contributo próprio ou e mais-valia para além da mão-de-obra e do número de camas que junta às da capital.

Em sede do Plano Director Municipal, são muitas, muito variadas e extremamente impactantes as implicações que qualquer destas opções terá. Em primeiro lugar, em ter-mos da delimitação de um corredor estratégico de desen-volvimento turístico na região norte do Concelho, obvia-mente alicerçado na especificidade cultural e monumental daquele espaço, implicaria a requalificação e o aproveita-mento de muito daquilo que hoje se considera “desorde-nado”, “envelhecido” e “ultrapassado” e que no PDM actualmente em vigor é classificado dessa maneira. A

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monumentalidade histórica de génese rural, por nós entendida desde há muito como complemento indispen-sável a um aproveitamento turístico de qualidade, deveria ser rentabilizada, criando-se estratégias e espaços que, pela especificidade técnica que os compõem, se transformaria em pólos congregadores de uma nova oferta e, conse-quentemente, de uma procura turística que se enquadra nas modernas directivas daquele sector de actividade.

Numa opção deste tipo, a abordagem globalizada que se verifica necessária ao nível do planeamento urbano, teria necessariamente de começar por assumir as diferenciações que a história impôs ao território concelhio, identificando e gerando mecanismos globais que permitam intervencio-nar as áreas que necessitam de ser requalificadas, de forma a garantir que formalmente elas se vão aproximando de ume média municipal que assegure um mínimo de parâ-metros de qualidade transversal para todos os Cascalenses e para todo o Concelho. Dessa maneira, ao invés das UOPG´s que constam nesta proposta, deveríamos ter bem identificadas as grandes áreas coesas que dão forma à realidade territorial municipal, a começar pela linha longi-tudinal que atravessa o concelho sensivelmente a partir da construção da auto-estrada Lisboa-Cascais, complementa-da com as linhas que dão forma às unidades tipológicas associadas à vasta área cujo sinal deriva das urbanizações de génese clandestina, com as manchas arborizadas com-preendidas dentro do perímetro do Parque Natural Sintra-Cascais, com as manchas de transição que constavam na versão original do PDM e que foram apagadas desta pro-

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posta e, sobretudo, com as áreas de reconfiguração urba-nística que deveriam acompanhar a delimitação dos perí-metros urbanos consolidados de maneira a assegurar o devido enquadramento dos perímetros históricos. Sem estes pressupostos devidamente assumidos, a proposta de PDM que agora discutimos corre o risco de tornar inope-racional qualquer tentativa de requalificação global do ter-ritório concelhio, agravando as deficiências existentes e as disparidades que fomentam a diferenciação entre a quali-dade de vida dos seus habitantes. Com tudo isto, Cascais compromete a sua vocação municipal, perdendo toda a riqueza que resulta do seu vastíssimo e interessantíssimo património edificado, bem como as dinâmicas próprias de uma comunidade que nasceu, cresceu e seu organizou em seu torno.

O Concelho de Cascais, ao contrário do que parece estar subentendido no actual relatório do Plano Director Muni-cipal, possui uma riqueza patrimonial de tal forma extraordinária que por vezes é difícil de conceber por par-te de todos aqueles que não nasceram ou vivem no seu seio. As velhas edificações, muitas delas milenares nas suas raízes genéticas, em conjunto com uma comunidade humana na qual a apetência natural para a adaptabilidade se tem vindo a acentuar desde o início da sua existência política e institucional, formam uma frente contínua de potencialidades que impelem obrigatoriamente o poder político a assumir de forma institucionalizada a sua voca-ção.

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Para que seja possível concretizá-la, e sobretudo para que dessa concretização resulte uma harmonia que traduza qualidade de vida para os habitantes e para aqueles que o visitam, o Concelho de Cascais terá obviamente de recriar as condições básicas de absorção política, económica, social e cultural que permitam, por um lado, a plena inte-gração dos visitantes, nesta lógica de aproveitamento dos seus potenciais naturais, e por outro, a miscigenação cultu-ral indispensável à manutenção de uma identidade muni-cipal que culturalmente impeça os novos cascalenses de se apartarem das raízes do seu novo espaço de habitação.

Este caminho, que obrigatoriamente deriva do normativo que o Plano Director Municipal define, tem de ser correc-tamente identificado a nível espacial, e deve necessaria-mente ser bem conhecido à priori, sob pena de nos depa-rarmos com uma situação semelhante àquela que consta nesta proposta e que se caracteriza por um enorme alhea-mento entre as boas ideias que teoricamente são elencadas na proposta de regulamento, e a incapacidade prática de as concretizar devido à discrepância existente entre elas e a realidade municipal que elas pretendem tratar. Num con-celho como o de Cascais, que possui uma estrutura de funcionários municipais consolidada, e da qual fazem par-te muitos elementos socialmente activos e muito cons-cientes da sua presença cívica, seria essencial recriar uma dinâmica de preparação de um Plano Director Municipal que fosse capaz de absorver e de integrar o seu conheci-mento relativo à realidade municipal ao invés de apelar constantemente a quadros técnicos cuja competência prá-

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tica esbarra num profundo desconhecimento da realidade municipal em Cascais. As unidades operativas constantes nesta proposta, mesmo que existisse uma efectiva e bem sustentada assunção da vocação turística municipal, esbar-rariam imediatamente no obstáculo que resulta desta dife-renciação entre o que existe realmente e aquela que os técnicos imaginaram que seja a realidade local, e tornar-se-iam absurdas dada a incapacidade de se concretizarem. Este facto atroz, se pensarmos que dele depende o futuro do concelho e as dinâmicas de vida de todos os Cascalen-ses pelo menos durante os próximos dez anos, resulta num impensável contra-senso perante tudo aquilo que são os difíceis desafios com os quais Cascais se vai necessa-riamente debater ao longo dos próximos anos, sobretudo se pensarmos que o equilíbrio sustentado depende mesmo da sua congruência e da capacidade para se concretizarem.

A localização de Cascais, estrategicamente colocada relati-vamente a Lisboa e Sintra, pode ser assumida numa lógica de interactividade global perante os atractivos desses dois locais ou, em contrapartida, ser viabilizada a partir do reforço da sua autonomia. A primeira possibilidade pres-supõe uma reformatação do urbanismo municipal de for-ma a adequá-lo aos objectivos maiores que resultam da capital, com a homogeneização das principais linhas do urbanismo municipal, e a segunda, pelo contrário, passa pelo reforço das diferenciações relativas às especificidades de cada espaço, reformulando estratégias de conjunto que ajudem a concretizar de forma cabal um modo de partilha de interesses que conjugue as potencialidades de cada um

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em prol do conjunto. A zona de costa, com as suas praias banhadas pelo sol e com os seus alvos areais, jamais será destino turístico de qualidade enquanto o interior conti-nuar a possuir problemas graves de saneamento, de distri-buição de águas, de acessibilidade, de estacionamento e de escolaridade. A memória colectiva cascalense, que durante vários séculos suportou a coesão interna do município, deverá ser sujeita a uma adaptabilidade natural que desa-pareceu com a instalação do caos urbanístico de meados da década de setenta, e que, mais do que qualquer outro factor, contribui negativamente para a qualidade de vida dos cidadãos.

As particularidades motivacionais que se congregam em cada espaço de Cascais, corporizando o resultado de (pelo menos) dezenas de anos de uma vivência comum em tor-no de uma multiplicidade de pequenas componentes parti-lhadas de forma cabal pela população, são por si só um dos elementos que mais contribui para a excelência reco-nhecida da Costa do Estoril enquanto destino turístico de excepção. Mais do que a mera exploração da paisagem, dos recursos directamente criados directamente no sector do turismo, ou da simples promoção das componentes próprias do tecido empresarial que se formou a partir de finais do Século XIX, o processo de revisão do Plano Director Municipal que está em curso afigura-se como uma oportunidade incomparável para integrar todas estas especificidades que a multiplicidade de realidades locais oferecem, num sentido mais amplo de promoção da cida-dania activa que, simultaneamente, reforça também a

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capacidade empreendedora dos cidadão e, por conseguin-te, a atractividade global da região. Precisamos de um Pla-no Director Municipal que subverta esta tendência já demasiado duradoura de prestar atenção aos pequenos casos, que poderiam (e deveriam) ser remetidos para outros instrumentos de planificação, mas que assuma as linhas gerais de uma visão agregadora e necessariamente aberta do território municipal. Só assim se podem garantir os pressupostos que suportam uma resposta coerente perante os anseios das populações, ao mesmo tempo que se salvaguardam as linhas-mestras de um crescimento sus-tentado que espelhe soluções concretas para os (infeliz-mente) muitos problemas que afectam a Nossa Terra. Numa lógica geracional, basicamente porque apesar de ficar em vigor durante pelo menos uma década, o PDM acaba por ter repercussões que se espraiam até vinte e cin-co anos, o assumir desta função, sobreposta, como é evi-dente, às condicionantes diversas que legal e naturalmente se impõem já a Cascais, despoleta um dinamismo que abarca a significância dos projectos, culminando num reforço da cidadania activa e, em última instância, num incremento incomensurável da identidade municipal.

A integridade territorial de Cascais, propósito primordial na definição das novas dinâmicas urbanas de Cascais, é assim um pressuposto essencial neste processo de revisão. Mas para ser consequente com tudo o que expomos atrás, o plano deve conter a orientação estratégica que deriva do assumir da vocação municipal, sem a qual todas e quais-quer orientações (mesmo genéricas) que possam vir a ser

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incluídas nesta proposta, estão condenadas a não poder ser aplicadas, por não conterem em si próprias as ligações efectivas à realidade municipal que são imprescindíveis num documento estratégico deste tipo. Sem elas, jamais possuiremos uma identidade que assegure segurança, bem-estar e, consequentemente, consciência colectiva no Concelho. A componente vocacional que temos vindo a sublinhar e que se consubstancia na necessidade premente de garantir a todos uma plena satisfação e um equilíbrio estrutural, fundamenta-se necessariamente neste docu-mento, devendo estruturar as condições que permitam a Cascais a sua completa autonomia e funcionalidade.

A anomia generalizada que hoje caracteriza o território municipal de Cascais, tanto maior quanto mais nos vamos afastando do espaço privilegiado do litoral e nos embre-nhamos nos tortuosos caminhos degradados do interior, resulta numa descaracterização de índole primariamente social e cultural, com a promoção de uma lacuna de liga-ções efectivas e afectivas à realidade local, mas que paula-tinamente vai ganhando a patine do ordenamento urbano, da paisagem e do espaço envolvente. Muitas vezes, princi-palmente nos núcleos urbanos consolidados do interior do Concelho, assistimos a um fenómeno terrível de destrui-ção de património relevante do ponto de vista histórico, mercê da influência nociva que a descaracterização que os envolve, se vai alongando através do espaço até a estas zonas tão marcantes e especiais. Este fenómeno extremo de desenraizamento, que podemos ver no seu expoente máximo em alguns bairros sociais do interior de Cascais,

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nos quais podemos observar grafitis colocados nas pare-des exteriores dos edifícios mais altos e que, naturalmente, foram pintados pelos próprios moradores dessas casas que não entendem aquele como o seu lar, é bem visível em localidades como a Malveira-da-Serra, Janes, Trajouce ou Abóboda, existindo também, de forma transversal, em praticamente todos os antigos núcleos rurais do concelho. Na Abóboda, por exemplo, o espaço central da localidade foi completamente destruído em meados dos anos noven-ta, ao abrigo de um impulso pseudo-modernizador que resultou do normativo imposto pelo PDM que ainda está em vigor e que, consagrando a necessidade de “requalifi-car” Cascais, impôs a este tipo de espaços, que até aí, embora em avançado estado de degradação, mantinham os seus traços originais, a substituição integral das suas singularidades urbanas de génese aldeã, por um tecido urbano renovado, incaracterístico e suburbano que, resol-vendo de pronto o problema de abandono em que se encontrava, trouxe consigo o vazio próprio dos locais que não pertencem a ninguém. No caso da Abóboda, que documentámos de forma integral no âmbito do ‘Levanta-mento Exaustivo do Património Cascalense’ concretizado pela Fundação Cascais, a aplicação do conjunto de normas contidas no Plano Director Municipal só foi possível por-que antes, mercê de um natural envelhecimento da popu-lação, da lei das rendas que impedia a recuperação dos imóveis e a sua colocação no mercado de arrendamento e da desenfreada construção clandestina que envolvia toda aquela zona, um laivo de criminalidade, concretizada a partir de um centro de tráfico e consumo de drogas que se

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tornou efectivo nos velhos edifícios abandonados que faziam o centro da antiga aldeia, acabou por envolver o que restava da comunidade local, recriando um clima de terror que impediu o cabal discernimento do que estava a acontecer.

Como é evidente, se compararmos o enquadramento teó-rico que consta no regulamento dessa versão do PDM, com os muitos argumentos e contra-argumentos que os seus autores esgrimiram durante o processo de discussão pública que levou à sua aprovação, e com o impacto real que a sua aplicação teve nesta aldeia antiga de Cascais, depressa perceberemos que o apelo à inovação, ao pro-gresso, à renovação, à requalificação e à recuperação do património eram meras parangonas que, não estando sus-tentadas numa efectiva observação da realidade local, aca-baram por ter como resultado exactamente o oposto daquilo que os autores do plano anunciavam e defendem publicamente.

Esta situação, que se sucede como consequência desde sempre previsível da destruição das raízes culturais antigas do Concelho de Cascais, resultante da entrada de novas populações que não encontram aqui os elementos neces-sários à sua identificação, acaba por trazer para o espaço municipal sérios problemas ao nível do seu desenvolvi-mento social. As segundas gerações, já compostas de cas-calenses de gema que nasceram e foram criados no territó-rio concelhio, nada conhecem da sua história e das suas gentes, incompatibilizando-se com a população vizinha e

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contribuindo decisivamente para a desagregação das rela-ções de vizinhança e de comunitarismo que sempre nos caracterizaram.

Quando se verifica o aumento da criminalidade e da falta de segurança aliadas a uma progressiva degradação do património edificado, é normal enviar as culpas para as dificuldades estruturais que o País atravessa esquecendo-se quase todos, da falta de empenhamento demonstrado pelas entidades competentes na orientação de políticas locais de recaracterização e de planeamento que, embora sem o intuito de se tornarem definitivas, poderiam contri-buir para o alicerçamento dos laços de afinidade entre o povo e o meio físico envolvente. Ninguém destrói a sua própria casa de livre vontade, nem contribui para que os outros o façam por si; pelo menos de forma consciente... O que se passa em Cascais, como também noutras partes deste País, é que o município já não pertence aos muníci-pes, e estes, obviamente por se encontrarem completa-mente desligados dos órgãos de poder, não sentem pelo espaço em que habitam a mais pequena centelha de amor, acabando por estragar e destruir aquilo que, muitas vezes à custa de muito esforço, construíram aqueles que os ante-cederam na ocupação desse espaço e a quem foram forne-cidos os elementos necessários à efectivação dessa ligação sentimental. Cascais não são só os quilómetros quadrados que o formam; Cascais é, sobretudo, um sentimento comum de união, onde estão integrados o património, a história, as gentes, a cultura e o meio.

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Como é fácil de perceber, serve de muito pouco a existên-cia de um Plano Director Municipal que proclama em grandes parangonas excelentes ideias generalistas sobre a gestão territorial de Cascais quando, por total desadequa-ção perante a realidade, essas mesmas ideias e projectos não poderão nunca concretizar-se. A desregulação institu-cional que emana desta proposta de revisão, constrangida por um imenso leque de condicionantes legais que se impõem ao normativo constante no Plano Director Muni-cipal, e que os autores da mesma afirmam conhecer e elencam na proposta de regulamento que agora analisa-mos, é imensamente preocupante quando, analisando as cartas de condicionantes e os projectos que delas transpa-recem, verificamos que praticamente não existe nenhuma relação entre as duas realidades. A área do Parque Natural Sintra-Cascais, importante quanto mais não seja porque na pratica condiciona quase um terço da totalidade territorial municipal, deveria ser alvo de cuidados especiais ao nível da regulamentação que nos é proposta. Mas não é, sendo que as máximas de âmbito ambiental que dão forma a este articulado são um bom exemplo desta falta de ligação entre a realidade territorial que temos e as propostas cons-tantes no documento em análise. Verificamos desde logo, por exemplo, que não existem quaisquer orientações rela-tivamente à forma como se deveria promover à articula-ção entre o conjunto de princípios consagrados na regu-lamentação própria daquele espaço, e o cumprimento de objectivos semelhantes, que deveriam ser abordados numa perspectiva dinâmica, na restante área territorial municipal. Todos facilmente percebem que de nada vale temos um

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regulamento associado ao PDM repleto e excelentes ideias generalistas sobre a salvaguarda dos valores ambientais no nosso concelho, quando depois nos deparamos com a impossibilidade de os congregar em projectos efectivos que respondam aos anseios e às necessidades da popula-ção.

A actual revisão do Plano Director Municipal de Cascais, neste momento em que a degradação a vários níveis já atingiu patamares insustentáveis, deverá ser assumida como a oportunidade para tornar Cascais adaptável às vicissitudes e aos interesses de um progresso rápido e despreocupado preparando a estrutura urbana concelhia para responder com qualidade aos desafios do futuro pró-ximo. Com uma abordagem globalizada, abrangendo com consciência a realidade que temos e as orientações relati-vas àquilo que desejamos para os próximos anos, o PDM terá de ser a grande ferramenta de intervenção municipal, oferecendo aos Cascalenses um caminho dinâmico e sen-tido em direcção à defesa intransigente dos interesses de todos.

A determinação da vocação de Cascais, assumindo de forma plena as consequências da delimitação de uma área e da aposta na recriação dos fundamentos que lhe permi-tam defender os novos princípios, é crucial para a memó-ria colectiva municipal e, consequentemente, para a quali-dade de vida dos munícipes.

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O Turismo do Estoril

O Plano Director Municipal (PDM), enquanto instrumen-to regulador do crescimento equilibrado do Concelho, é o cadinho no qual cabem embrionariamente as directrizes que darão forma ao futuro de Cascais. Nele devem estar contidas as orientações que presidirão ao devir quotidiano do território municipal, criando as condições que tornam possível a concretização de projectos, ideias e empreen-dimentos que enriqueçam o município, contribuindo para a consolidação da memória e da identidade da terra e das suas gentes.

Nesta perspectiva, em linha com a natural necessidade de crescimento que Cascais sente e com as expectativas legí-timas de todos os Cascalenses que aqui nasceram, vivem e trabalham, o PDM deve ser organizado concretamente em torno da vocação municipal, sendo certo que dela depen-de a capacidade de afirmação da modernidade dentro das fronteiras do concelho.

Num momento de charneira como é aquele que agora tra-vessamos, num clima geral de anomia que grassa transver-salmente em todos os sectores e áreas de actividade, redo-bra a importância deste pressuposto, uma vez que para ele confluem grande parte dos condicionalismos que afectam o quotidiano da população.

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O turismo, desde há mais de 140 anos assumido como o rumo vocacional de Cascais, não só por garantir a riqueza e o bem-estar pelos quais todos anseiam, como também porque da sua concretização resulta uma efectiva valoriza-ção das potencialidades da nossa terra, deverá ser assim o pressuposto de base do Plano Director Municipal, nele estando contidas as diversas variáveis que definem o espectro da vida municipal ao longo da próxima década.

Das actividades directamente relacionadas com esta acti-vidade, como a construção, recuperação e promoção do parque hoteleiro existente, ou mesmo a criação de infra-estruturas de apoio que valorizem a atractividade local, como campos de golfe, complexos desportivos, equipa-mentos marítimos e/ou balneares, etc. até às áreas que poucos concebem como dependentes do sector turístico, como a saúde, a educação, a segurança, os transportes ou as actividades económicas no seu sentido mais lato, todo o complexo edifício da vida municipal deve ser perspectiva-do em torno da criação de mais-valias que ajudem e con-tribuam para a valorização de Cascais como destino turís-tico de excepção.

O cumprimento deste pressuposto, comummente tradu-zido num substancial e sensível acréscimo à qualidade de vida de todos os Cascalenses, é parte essencial do proces-so de recriação de uma dinâmica de vida da qual não estão alheados os sonhos pessoais e comuns da comunidade, como também o estarão os projectos mais elaborados e sistemicamente mais adaptados às necessidades de refor-

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mulação estrutural das quais Cascais tanto necessita. Sem a confiança que sempre se associa ao conhecimento prévio da linha orientadora que dá forma à governação munici-pal, difícil se torna a concretização dos investimentos que são essenciais para o crescimento saudável e sustentado de que precisamos. Dele, como aliás noutros aspectos da vida, depende ainda a capacidade de evitar os pequenos-casos, as particularidades e, enfim, tudo aquilo que depen-de da decisão discricionária de quem gere a coisa pública e que, como infelizmente temos vindo a conhecer em Por-tugal, tanto tem contribuído para a destruição generalizada da confiança nacional e para o desgaste da capacidade empreendedora no nosso País.

Sem boas estradas e excelentes acessibilidades que garan-tam ao turista o acesso rápido e seguro aos principais focos de interesse que o trouxeram a Cascais, dificilmente conseguiremos concretizar a acção de deslumbramento que é causa primeira da fidelização dos públicos e, sobre-tudo, do reforço, por experiência contada na primeira pes-soa e não por propaganda e publicidade paga pelo erário público, da capacidade de captação de novos sectores de visitantes por parte do nosso município. Mas, sendo certo que é essencial entender que é transversal a várias áreas e, por isso, essencialmente global a importância do Plano Director Municipal na definição do quadro de crescimen-to do concelho, é também fundamental entender que os resultados desse trabalho e desse empenho, resultam tam-bém em benefícios directos, sentidos e conhecidos, para todos os Cascalenses que circulam na nossa terra. Imagi-

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ne-se, por exemplo, um Cascais servido por uma rede de estradas municipais em boas condições que reforçam a mobilidade interna e aproximam o litoral do interior. Como é evidente, ao actuarem dessa forma, esse tipo de equipamentos ajuda a consolidar a cidadania e, contribui para uma melhoria significativa na gestão do território, na definição das diversas malhas urbanas e, acima de tudo, no acesso rápido e cómodo aos equipamentos de qualidade que um concelho assim terá de ter.

O mesmo se passa na saúde, por exemplo, uma vez que a qualidade e segurança no acesso a bom equipamento nesta área, traduz-se sempre num reforço da confiança por par-te dos utentes e, desta maneira, contribui de forma directa para uma melhoria substancial dos índices de atractividade municipal. Mas, para quem cá vive e/ou trabalha, o refor-ço dessa qualidade é sinónimo de uma efectiva qualidade de vida, dotada de ferramentas que oferecem bem-estar e que fomentam a vontade de perspectivar as condições que dão forma a projectos de vida mais activos, mais signifi-cantes e mais pragmáticos.

Nestas, como noutras áreas essenciais para a definição dos critérios que dão forma à vida e ao crescimento de Cas-cais, são por demais evidentes as implicações que tem o acto de assumir o turismo como grande vocação munici-pal, traduzindo-se em orientações que transversalmente acabam por influir de forma directa no processo de gestão quotidiana do Concelho.

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Em termos práticos, e no que ao regulamento do PDM diz respeito, a vocação turística de Cascais associa-se a praticamente um século e meio de uma história muito marcante, da qual não estão alheios os momentos mais dinâmicos, pujantes e produzidos pelos quais Cascais já passou.

Lembre-se, por exemplo, que o nascimento do turismo neste Concelho, fruto da vontade férrea do Rei Dom Luís que, em 1870, decidiu, praticamente contra a vontade de todos, terminar o seu período de veraneio na vila. Nessa altura, instalado no velho e mal adaptado pavilhão das cordas da Cidadela de Cascais, o monarca inaugura o hábi-to de “vir a banhos” a Cascais e arrasta consigo toda a Corte e, consequentemente, toda a panóplia de gente que a acompanhava, recriando a essência mais profunda de uma estância turística que rapidamente se tornará numa refe-rência internacional.

E não sendo um descalabro, até porque o Rei nunca pre-viu ou desejou criar uma estância turística em Cascais, o certo é que a chegada da corte determina uma mudança brusca e radical que vai alterar por completo a vida e a fácies da vila. Sem condições para receber os inúmeros visitantes que pretendiam ver e ser vistos em Cascais, a vila adaptou-se rapidamente aos usos e costumes impor-tados de Lisboa e marcadamente vincados pelas modas modernas da capital. Sem infra-estruturas hoteleiras como as que existiam em Sintra, foram as casas dos pescadores, velhos casebres de uma aldeia piscatória, que se foram

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adaptando para sazonalmente receber as grandes figuras de sangue azul que afluíam da capital. Nessa altura, assu-mindo uma atitude empreendedora que já os vinha carac-terizando desde há muitos anos (lembre-se o papel que os pescadores tiveram na obtenção do primeiro foral da vila e na criação de uma estrutura administrativa autónoma de Sintra), os pescadores de Cascais voltaram a ocupar as suas casas antigas situadas nas aldeias rurais situadas na zona Norte do Concelho, rentabilizando assim as cabanas de praia situadas junto à baía.

Durante muitos anos e sensivelmente até aos anos sessen-ta do século seguinte, era usual às gentes de Cascais o acto de saírem das suas casas durante os meses de Verão para as alugar a turistas, tal como era normal, subvertendo tudo aquilo que a literatura aponta como verdade absoluta, o reforço das festas, comemorações e eventos diversos que, aumentando a atractividade da vila, permitiam aumentar os rendimentos a partir da criação de raiz de diversas pre-tensas tradições antigas que a gentes do mar nessa altura promoviam.

A atractividade de Cascais, no entanto, cingia-se à presen-ça do Rei e da corte, como bem o mostram as críticas veladas e as muitas peças jornalísticas que zombavam da velha e insípida vila de pescadores à beira-mar plantada. Os transportes eram horríveis e os acessos à capital eram praticamente inexistentes. A velha Estrada Real, poeirenta e desconfortável, transformava a viagem de Lisboa a Cas-cais numa verdadeira aventura. E a viagem marítima, em

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vapores que saíam de Belém para aportar à Vila da Corte, eram uma odisseia imprevisível e demorada, sempre sujei-ta às condições climatéricas e ao estado do mar. Por seu turno, no casco da vila, a falta de alojamento e a precarie-dade das casas que se ofereciam para aluguer, juntava-se à insalubridade latente e bem visível nas moscas e mosqui-tos que entravam por todos os lados. Ao meio da vila, numa paisagem que hoje, erradamente, traduzimos romanticamente com o bucolismo próprio de quem vê imagens antigas e não sente os aromas e as texturas reais dessa época, a antiga ribeira era pouco mais do que um enorme esgoto a céu aberto para onde eram deitados todos os detritos produzidos na vila e que a partir dela chegavam ao mar. Não havendo também luz eléctrica, iluminação pública, telefone ou sequer bons restaurantes que fossem capazes de responder às solicitações dos turis-tas que por aqui desejavam veranear, o mais provável seria que o nascimento da estância turística em que a região se viria a transformar, tivesse soçobrado imediatamente a partir do falecimento do Rei na cidadela.

Mas não foi assim que as coisas aconteceram e, mercê da continuidade do interesse real por Cascais, que com o rei-nado de Dom Carlos se transformou de forma drástica no destino cosmopolita que ainda hoje pretende continuar a ser, o devir da história determinou um trajecto diferente que, com muito êxito, definiu de forma eficaz e definitiva a vocação turística deste concelho.

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Esse processo, que muitas pistas nos fornece para enten-der aquilo que deve ser a orientação geral do Plano Direc-tor Municipal, passa pela chegada a Cascais, algures duran-te o último quartel do Século XIX, da figura que, a diver-sos níveis, se assumiu como o pai do turismo do Estoril: José Jorge de Andrade Torrezão, apontado na literatura da época como banqueiro ilustre e empreendedor visionário, que terá visitado Cascais durante a época estival e que se debateu com a falta das condições mínimas que ele tão bem conhecia das viagens que fizera aos principais desti-nos turísticos da Europa. E somando dois-mais-dois, num exercício pleno de significado pela época em que decorre, olha à sua volta e imagina, no amplo e verdejante pinheiral que exista a Nascente da Vila, a criação de uma instância turística exemplar que dê resposta cabal às modernas ins-pirações do movimento turística que então estava a nas-cer.

Adquire o velho “Pinhal da Andreza”, onde Branca Cola-ço e Maria Archer, nas suas “Memórias da Linha de Cas-cais”, dizem que se ouve ainda o sopro de Pã, e inicia o projecto global de construção do Monte Estoril, sobre a ideia romântica de um local projectado de forma moderna para parecer coisa velha e antiga.

Este projecto foi, como se sabe, um insucesso. Mas a par-tir dele, consolida-se o sonho dos Estoris, que trará consi-go figura marcantes como Carlos Anjos, Henrique de Moser, João de Deus, Fausto Figueiredo e muitos outros que, consolidando o projecto original sobre ideias pragmá-

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ticas e resolvendo os problemas estruturais que Andrade Torrezão não equacionou e, naturalmente, não foi capaz de resolver, deram forma à vocação que oferecer a Cascais um lugar cimeiro no contexto das povoações de Portugal.

Na sua vertente mais embrionária, a vocação turística de Cascais surge assim assente na ideia que nasce associado ao Estoril. E este, por seu turno, cresce a partir da criação de raiz das condições logísticas que Cascais não possuía. Num projecto criado de raiz, tornou-se possível fazer um planeamento prévio global, prevendo determinado tipo de respostas e prevenindo uma série de problemas que quo-tidianamente afectavam os que visitavam a velha vila pis-catória e que os poderes públicos de então não foram capazes de resolver. Ao contrário do que seria expectável, não foi a paisagem maravilhosa da baía, nem a monumen-talidade da sua cidadela, nem a pujança atractiva das ruínas do seu castelo medieval, nem o bucolismo da sua sinuosa ribeira, nem tão pouco a brancura do seu casario que se espraiava pela colina medieval até à Igreja Paroquial e ao cemitério, que deram forma ao nascimento do turismo em Cascais. Pelo contrário. O turismo nasce naquele rincão estéril que mais tarde dará nome à povoação – Estoril – num exercício de planeamento e de planificação que ultra-passa as vicissitudes associadas à falta de condições ofere-cidas pela vila para receber os novos visitantes. E essa capacidade de estabelecer prioridades que reforcem a vocação, gerando riqueza e atractividade em torno da cria-ção de uma forma alternativa de pensar o espaço e as rela-ções entre as gentes, desenvolve-se assim em contraponto

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à passividade com a qual a administração dessa época assistiu ao surto deste novo ramo de actividade sem ser capaz de lhe responder cabalmente.

Por isso, o Turismo do Estoril foi durante mais de cem anos, o motor propulsor do desenvolvimento de toda a região, contribuindo para a angariação dos meios que dotaram todo o concelho do melhor conjunto de infra-estruturas do País, assistindo ainda à inauguração da ilu-minação pública eléctrica, do telefone, da renovada estra-da para Lisboa, da linha férrea, da nova estrada para Sin-tra, de inúmeros restaurantes, pensões e hotéis, numa mul-tiplicidade de renovação que desencadeia uma verdadeira revolução no dia-a-dia de Cascais. Mas esta pujança, determinante para Cascais ser aquilo que é hoje, debateu-se sempre com a falta de planeamento e de capacidade de gerir de forma condigna o devir do Concelho em torno do fulcro que consubstanciava essa mesma realidade.

O êxito do turismo do Estoril, que século e meio depois continuava a ser o terceiro destino turístico em Portugal, logo a seguir à incomparável Lisboa e ao reconhecido Algarve e ainda antes do extraordinário Porto com o Douro à ilharga, é bem ilustrativo da importância desta actividade na consolidação da vida municipal. Esse facto foi, aliás, reforçado pelo permanente e inaceitável esforço que vários governos fizeram para se apoderarem das ver-bas do jogo do Estoril e para, como aconteceu há pouco tempo, alterar a concessão e levar para Lisboa pelo menos uma parte do nosso casino com as respectivas receitas.

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Mais do que qualquer outra coisa, a importância do Estoril fica atestada por esse cicioso processo de apropriação que denota a relevância e o valor associado à operação em cur-so nesta região.

Em termos estratégicos, o acto de assumir o turismo no Plano Director Municipal como a vocação principal de Cascais, pressupõe uma abordagem transversal a toda a política municipal, condicionando aptidões a partir da forma como essas previsões poderão contribuir para a consolidação desta actividade. Na prática, se nos ativer-mos aos dados estatísticos que foram recentemente torna-dos públicos, facilmente perceberemos que a influência do sector turístico sobre todos os outros é uma evidência em Cascais. Do emprego à restauração, passando pela cons-trução civil ou mesmo pelos rendimentos fiscais munici-pais, são muitas as áreas de actividade que hoje em dia já dependem do sector turístico como sua principal fonte de rendimentos.

Desta maneira, torna-se mais simples perceber que a não existência desta assunção em termos do grande plano director do concelho é, na prática, um enorme contra-senso, para além de implicar sucessivos ataques (directos e indirectos) às principais fontes de rendimento do Conce-lho.

Analisando mais detalhadamente a informação relevante que está incluída nesses documentos, percebe-se que a maior parte do índice de empregabilidade municipal está directamente dependente da capacidade de captação de

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novos turistas para o Estoril. Nas curvas programáticas é linear a relação que existe entre o aumento do emprego e dos rendimentos dos cascalenses e os períodos que acom-panham as maiores taxas de ocupação dos estabelecimen-tos hoteleiros no município. Da mesma forma, e na pers-pectiva inversa, anos menos bons em termos de ocupação turística significam uma diminuição no emprego e, por consequência, no rendimento dos Cascalenses. Como é evidente, qualquer destas situações, pela positiva ou pela negativa, influi directamente noutros sectores da econo-mia, dinamizando ou travando o desenvolvimento de novos posto de trabalho.

Ilustrativo desta situação é também o sector das pescas. Tradicionalmente entendido como actividade de grande importância no Concelho de Cascais, o sector primário representa pouco em termos da rentabilidade municipal mas, no que ao turismo diz respeito, é uma das atracções que ajuda a dar corpo à tradicionalidade local e, por isso, é de primeira importância na fundamentação de uma políti-ca promocional assente na divulgação de tudo aquilo que Cascais tem para oferecer a quem nos visita. Os barcos de pesca, a actividade piscatória, os hábitos e os costumes relacionados com os pescadores e com o seu dia-a-dia no mar, são parte integrante de um todo cultural que, embora tendo uma expressão económica que deve ser tida em conta, representa sobretudo uma mais-valia considerável quando considerada sob a perspectiva da atracção turística de Cascais. Logo, se no Plano Director Municipal, a pesca for considerada no âmbito da vocação turística municipal,

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vislumbrar-se-á de forma natural a possibilidade de criação de medidas de apoio à actividade e de protecção da mes-ma, que possam significar uma melhoria na forma como ela é desenvolvida em Cascais e, acima de tudo, das condi-ções que os pescadores possuem para lhe dar forma.

Voltando a nossa abordagem para a componente cultural, e continuando a utilizar a pesca e o sector primário como exemplo pragmático da importância que tem o assumir da vocação turística municipal, importa recordar o impacto que tem, em termos religiosos, simbólicos e culturais para a população local e em termos de atracção turística para os estrangeiros que nos visitam, a antiga procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, em Agosto. A forma sentida como esse ritual religioso influi na identidade da popula-ção, grassando transversalmente em termos dos arquéti-pos que dão consistência à singularidade do culto Cristão no território municipal, reconfigura um acto que promo-cionalmente transporta consigo (e integra plenamente) aspectos perfeitamente irrepetíveis da vivência de Cascais. Sendo impossível de replicar, pela sua autenticidade e pela dinâmica que a envolve, esta forma de expressão religiosa, se forma integrada na vocação municipal plasmada no Plano Director Municipal, resulta num elemento que fomenta a expressividade dos planos regionais de promo-ção internacional. Tendo uma configuração religiosa, que sustenta a sua concretização em primeiro plano, a Procis-são de Nossa Senhora dos Navegantes é, em si própria, um elemento que integra também uma conexão de grande importância ao sector primário da economia, recriando as

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condições que permitem aos pescadores locais a criação de laços e vínculos com a população que é (ou deve ser) também o seu principal mercado, consolidando assim uma componente cultural que enquadra em pleno o normativo deste documento em linha com a vocação turística que dá forma ao seu articulado.

Se nos ativermos à importância que tem a correcta gestão das potencialidades municipais no âmbito de um correcto aproveitamento das mais-valias que o Concelhos nos ofe-rece, de forma a que as possamos perspectivar a médio e a longo-prazo oferecendo-as como legado às futuras gera-ções, facilmente conseguiremos perceber quão linear se torna o processo de cruzamento de sectores de actividade em torno da afirmação da vocação turística municipal. A urgência deste pressuposto, evidente se tomarmos em conta as diversas propostas que têm estado plasmadas nos processos de revisão do PDM que estiveram em curso desde 1997 (2000 e 2014), é tanto maior quanto a sua não inclusão pressupõe trazer consigo a paulatina destruição das possibilidades de implementação e aproveitamento correcto e equilibrado das potencialidades do nosso con-celho.

A vocação turística de Cascais, assente no pressuposto de que a marca internacional de promoção ‘Estoril’ se torna cerne de desenvolvimento de todo o município do longo dos próximos dez anos, exige medidas drásticas e urgen-tes, que passam pela reconstrução das estruturas promo-cionais próprias que um dos últimos governos extinguiu

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(Junta de Turismo da Costa do Estoril) e pela reconfigura-ção da política municipal de promoção turística que, con-trariando a lógica, o sentido e a verdade dos factos, tenta implementar o nome de Cascais matando (literalmente) todos os resquícios que ainda sobram da visibilidade e importância internacional do Estoril.

Ao contribuir, dessa forma linear, para a reconfiguração do panorama promocional do Turismo do Estoril, o Pla-no Director Municipal rapidamente se transformará num factor de promoção interna, com uma lógica correcta e coerente de desenvolvimento equilibrado, que resultará numa imediata e sensível melhoria das condições de vida dos munícipes e das condições de atracção empresarial do próprio concelho, despoletando e viabilizando investi-mentos qualificadores da realidade concelhia e recolhen-do, em termos da pujança que todos sabemos que o Esto-ril ainda tem em todo o Mundo, os frutos imediatos que se associam ao aumento das taxas de ocupação da hotela-ria, das receitas de caixa na restauração e do incremento da actividade no comércio tradicional. Este movimento, que nada tem de novo, pois pressupõe a reconstrução do que se destruiu com a extinção da Junta de Turismo da Costa do Estoril em 2008, terá repercussões também ao nível da educação, com uma gestão mais coerente das autonomias educativas municipais, dos hospitais e equi-pamentos de saúde, de gestão das forças de segurança e do reequacionamento da rede viária que actualmente serve quem circula em território municipal. Importante é tam-bém, porque dessa prática depende a equação a longo pra-

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zo da vida municipal, perspectivar a reconversão urbanís-tica do Concelho, efectuado ao sabor das orientações emanadas por este concelho, não só em termos dos núcleos urbanos consolidados e dos perímetros urbanos com interesse histórico e patrimonial, como também ao nível das áreas de génese ilegal e os muitos bairros clan-destinos que, apesar dos processos de legalização forçada que resultaram do PDM ainda em vigor, mantêm todas as características que deram forma ao caos que presidiu à sua construção.

Desta maneira, ao nível da enorme dicotomia que subsiste em Cascais entre o litoral desenvolvido e pujante e o inte-rior praticamente abandonado ao sabor da costela subur-bana da região, o assumir da vocação turística ao nível do Plano Director Municipal, de imediato criaria as condições que possibilitariam a aproximação dos parâmetros de habitabilidade em ambas as zonas, fomentando uma apro-ximação homogénea da qualidade de vida em ambos os locais.

Ao não assumir este pressupostos, escondendo esta dico-tomia e evitando o embaraço de explicar a sua génese, a proposta de Plano Director Municipal que actualmente está em discussão configura uma machadada importante e quase definitiva na qualidade de vida que os Cascalenses anseiam (e merecem) ter. As implicações da perda defini-tiva de todos os activos associados à pujança da marca ‘Estoril’, associados aos custos que resultam das diversas alterações ao nível da salvaguarda do património, configu-

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ram uma inultrapassável diminuição no potencial promo-cional da região, com prejuízo efectivo imediato para Cas-cais e, acima de tudo, com um conjunto de condicionalis-mos que se vão prolongar durante várias décadas.

Se pensarmos no tempo que foi necessário para transfor-mar o ‘Estoril’ num destino reconhecido em termos inter-nacionais, e se pensarmos que na sua génese estiveram três elementos aparentemente sem qualquer espécie de relação, facilmente perceberemos que o conjunto de aca-sos que sustentou este crescimento é irrepetível (felizmen-te) e, por isso, que seria eventualmente ainda maior aquele que seria necessário para dar corpo à criação e promoção de uma nova marca associada ao topónimo de ‘Cascais’.

Em primeiro lugar, o factor crítico para o nascimento pujante da Região de Turismo do Estoril, foi precisamente a falta de ordenamento de Cascais. Enquanto não existi-ram planos de ordenamento, crescendo a terra de forma caótica em torno dos movimentos de procura que resulta-ram da presença da corte para os meses de veraneio, a possibilidade de se criarem na vila as condições de atracti-vidade e de confiança que resultassem nos investimentos que eram essenciais fazer, nunca aconteceram, sendo necessário esperar pelo masterplan da Companhia Monte Estoril, já na década de 1890, para que em seu torno se gerassem as movimentações que consolidaram essa pujan-ça. Depois, para além da inexistência de planeamento em Cascais, a iniciativa privada, primeiro pela mão de José Jorge de Andrade Torrezão e, depois, pelas mãos de Car-

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los Anjos e do Conde de Moser, tomou a iniciativa de pensar a médio e a longo prazo o crescimento a povoação. Como consequência disso, logo durante essa primeira década depois da criação da Companhia Monte Estoril, não falta o interesse e a procura de lotes para construção, na localidade, de casas de veraneio, encetando assim o movimento turístico que é, na prática, o embrião desta importante actividade. Por fim, já no século XX e depois da chegada de Fausto Figueiredo e da sua Sociedade Esto-ril Plage, é novamente a ordem definida, a gestão de prio-ridades e o planeamento a médio e a longo prazo, que vai sustentar a excelência urbanística e, por extensão, a atrac-tividade da estância turística, dotando-a de condições que lhe permitem um papel de destaque no contexto das suas congéneres europeias. Importante é ainda, na sequência do conjunto de acontecimentos que fustigaram a Europa e o Mundo nessa altura, a eclosão das duas guerras mun-diais, e o clima de instabilidade generalizada que grassou de permeio, gerador de uma movimentação de gente que procurou em Portugal e no Estoril a estabilidade que já não existia noutros lados.

Este conjunto de vicissitudes, obviamente alheado da von-tade política do Portugal de então, foi essencial para a afirmação do Estoril e representa um quadro repleto de paradigmas que, sendo irrepetíveis, recriam a excepciona-lidade que todos reconhecíamos a esta região.

A opção política contida nesta proposta de Plano Director Municipal, numa clara escolha de Cascais enquanto mote

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para a reformulação total e absoluta da estratégia levada a cabo durante os últimos 140 anos, pressupõe uma altera-ção radical do paradigma turístico na região. Sem que se assuma a vocação turística municipal, num quadro de total desrespeito pela história e pelo dinamismo que sempre caracterizou os ‘Estoris’, Cascais está condenado à subur-banidade que infelizmente bem conhecemos e que tem crescido de forma desmesurada em torno da capital.

Os fenómenos expansivos que a política autárquica recen-te nos tem trazido, como foram os famigerados projectos do Abano, da Areia, da circular nascente ao aeródromo ou de Carcavelos, assentes no aproveitamento das sempre subliminares lacunas patentes nos documentos de pla-neamento urbano, são por si só suficientemente demons-trativos da forma como as motivações que derivam de fal-ta de visão estratégica, acabam por influir negativamente na capacidade de crescimento sustentável do nosso Con-celho.

Cascais, enquanto entidade municipal agregadora de reali-dades diferentes, deve ser entendido na sua totalidade, congregando potencialidades que possam vir a ser rentabi-lizadas para valorizar os problemas com os quais nos debatemos e não, como tem acontecido ao longo dos últimos 40 anos, a título pontual, recriando cenários des-contextualizados que impedem uma correcta abordagem às influências efectivas que medidas e decisões vão tendo ao longo de muitas gerações.

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No Monte Estoril, por exemplo, a decisão contida na proposta de PDM que define aquilo que designa como “regras claras” para a gestão do seu parque urbano, afinal o único e efectivo potencial activo da povoação, opta por definir micro-realidades assentes no valor patrimonial associado a peças únicas que existem nesse espaço, apor-tando à envolvência uma espécie de fronteira que exclui o todo no qual se contextualiza o edifício em questão. Ao proceder desta forma, escondida por detrás de uma pre-tensa defesa do potencial construído e da capacidade de atracção turística que está associada à área em questão, o normativo do PDM acaba por criar condições para uma completa destruição do interesse associado à localidade. Por um lado porque, ao pretensamente proteger a especi-ficidade de uma determinada área, deixa de fora tudo o resto, criando condições para que a envolvência desse pequeno espaço, consolidada a partir daquilo que até aí era a realidade vizinha, perca completamente a sua carac-terização ao ver-se inserida numa área que não está prote-gida e que não é entendida globalmente como interessan-te. Os perímetros definidos nesta proposta de PDM, utili-zando essa lógica que apela a um rigoroso e absoluto exercício de interpretação da realidade neles existentes, condenam a povoação a uma paulatina destruição que dará forma a um conjunto patrimonial diferente. Por outro, ao actuar dessa maneira, concentrando os esforços e as atenções num ponto pré-determinado, o PDM acaba por gerar um elemento de segregação que destrói os vín-culos associados ao devir comunitário, até porque o con-junto de regulamentação que se associa a determinado

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espaço, não se aplica necessariamente ao do seu vizinho, que, do outro lado da mesma rua, pode estar sujeito a uma regulamentação diferente. Ou seja, dividindo para reinar, o PDM que resulta desta proposta está a transformar Cas-cais num conjunto casuístico de pequenas situações e pro-blemas que, geridos de forma pontual, acabam por culmi-nar numa abordagem dilaceradora da realidade municipal.

Contrariando a própria normativa patente na proposta de regulamento que agora é tornada pública, e que sublinha de forma peremptória a necessidade de valorizar os con-textos por ser esta a única forma de salvaguardar os valo-res associados a determinados sítios e monumentos, a lis-tagem de imóveis que se encontram em anexo à proposta e a carta de zonamento que o documento integra, subver-tem totalmente os pressupostos atrás contidos, fomentan-do uma situação que prejudica de forma evidente a conso-lidação da nossa identidade e memória colectiva. Como se sabe, as intervenções urbanísticas a levar a efeito sobre os bens culturais de interesse relevante devem salvaguardar a sua identidade e características e contribuir para a manu-tenção da sua relação com o território envolvente, respei-tando o seu significado histórico-cultural, a compatibiliza-ção do proposto com a estrutura original, a harmonização de materiais e cores e a adopção de uma linguagem arqui-tectónica que respeite critérios de autenticidade. Sendo este o pressuposto que está contido na dita proposta, e que dela faz parte no Artigo 24º e na secção II do regula-mento, como é possível que todo o ordenamento subja-

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cente tenha sido definido a partir de critérios que invertem este princípio?

Em termos turísticos, numa região como a do Estoril que sempre viveu da capacidade recriar mundos muitas vezes antagónicos, a opção pela utilização de um instrumento de planeamento com estas características, obrigará necessa-riamente a recentrar os pólos de atracção e, dessa maneira, a desenvolver toda uma nova estratégia de colocação nos mercados, fazendo tábua rasa do muito trabalho que foi feito e, sobretudo, do efectivo reconhecimento que o Estoril granjeara.

Ao trilhar este caminho, perspectivando Cascais como uma espécie de apêndice de Lisboa, onde é possível encontrar motivos que acrescentam valor a quem visita a capital, está-se a diminuir o valor da cidade como grande destino turístico na Europa actual, ao mesmo tempo que se assume a suburbanidade no tantas vezes designado ‘triângulo turístico’ composto por Cascais, Lisboa e Sintra, que perdem a possibilidade de gerir de forma cabal as suas potencialidades e de, ao reforçar a sua dinâmica própria, contribuírem para a consolidação geral da grande região de Lisboa no contexto internacional. Uma opção deste tipo, que em termos práticos é o que resulta desta visão microcéfala que está contida na presente proposta de revi-são do Plano Director Municipal, determina uma alteração do paradigma geral de tratamento da realidade local, defi-nindo critério para uma pseudo-modernidade que condu-zirá Cascais a uma posição de pouco relevo e nenhum

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contributo nesta gestão globalizada que se pretende implementar.

Ao analisar de forma global estas propostas, ressalta a questão principal à qual urge responder: A quem serve e para que serve um Cascais assim? Sendo certo que não serve os interesses de Cascais nem dos Cascalenses, numa lógica que condena a possibilidade de se reconverter o modelo a médio ou a longo prazo, porque a vigência do novo plano será de pelo menos uma década, e que por isso não responde de forma cabal à necessidade de gerir o crescimento municipal ao longo dos próximos anos, o cer-to é que a efectivar-se, este modelo pressupõe alargar a uma área que notoriamente extravasa as fronteiras muni-cipais o conjunto de benefícios que resultam da actividade no concelho. Poder-se-ia dizer que esses benefícios acaba-riam por alargar-se a uma área maior, oferecendo regalias a um maior número de pessoas. Mas não. O resultado principal desta opção será a diminuição drástica da aplica-bilidade desses benefícios estruturais à realidade de Cas-cais, diminuindo assim a possibilidade de afirmação do Concelho e a sua capacidade de adaptação aos novos tempos e às novas realidades que neste sector são omni-presentes.

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Habitação em Cascais

Erradamente associada ao betão mercê do enorme cres-cimento do mesmo desde a entrada em vigor do actual Plano Director Municipal, a habitação em Cascais é uma realidade complexa que é bem demonstrativa da forma como a falta de estratégia e o apelo ao lucro fácil e imedia-to, tem contribuído para a destruição inequívoca e irrevo-gável de grande parte das mais-valias municipais.

Embora esta realidade se tenha agravado de forma preo-cupante desde então, devido à crise terrível que tem afec-tado Portugal, os dados que constam nos documentos de 2011 dão já uma ideia preocupante acerca do número de fogos vagos no Concelho de Cascais. Ultrapassando nessa altura a dezena de milhar de casas, num contexto em que a oferta determina o valor do edificado por condicionar a procura e a forma como todo este parque pode (e deve) ser gerido, verifica-se que ao contrário do que muitos pen-sam, e daquilo que está patente de forma ambígua nesta proposta de revisão do PDM, a paulatina diminuição do número de casas de segunda habitação, associadas durante muitos anos, ao carácter estival do município e à sua componente cosmopolita que os autores desta proposta não hesitam em permanentemente promover, equivale a uma mudança drástica da forma como tem sido gerida a vocação turística municipal e, mais importante ainda, uma alteração paradigmática que acompanha, em orientação e

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em ritmo, o que está (infelizmente) a acontecer na vasta Área Metropolitana de Lisboa, com especial relevo nas áreas suburbanas nas quais a qualidade de vida sempre foi pior.

A urbanização galopante do Concelho de Cascais ao longo dos últimos anos, consubstanciada sobre um plano direc-tor que oficializa a possibilidade de recriar a face urbana do município, aliada a uma diminuição real da qualidade de vida e do conforto urbano dos seus habitantes, patente nas inúmeras queixas públicas veiculadas pela comunica-ção social Nacional tem sido sinónimo, ao longo dos últi-mos anos, de uma contestação crescente que tem trazido implicações eminentes à governabilidade municipal. Importa relembrar que, depois de ter ganho com maioria absoluta a possibilidade de gerir os destinos do Concelho, a coligação partidária que ainda governa Cascais optou por, pura e simplesmente, suspender a aplicabilidade do actual PDM. Nessa altura, assente na promessa eleitoral de pôr um fim imediato à onda de especulação imobiliária que derivava do PDM e que estava a destruir Cascais, o anterior Presidente da Câmara Municipal de Cascais con-tou com o aplauso da generalidade dos Cascalenses peran-te esta controversa medida e, durante o seu mandato à frente dos destinos do Concelho, Cascais conheceu um período de alguma acalmia nos ímpetos construtivos que tinham caracterizado o mandato anterior.

O Plano Director Municipal do Concelho, baseado em pressupostos supostamente indiscutíveis, ou seja, em

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números e em sondagens oficiais efectuadas com uma margem de erro mínima e com uma surpreendente pro-ximidade face à realidade, procurou estabelecer no Conce-lho os limites deste desenvolvimento, por forma a garantir que o mesmo se processará dentro daquilo que são as capacidade reais de resposta das instituições e das infra-estruturas. Mas esqueceram-se, não só os autores técnicos do plano mas também os decisores políticos que o avalia-ram e aprovaram, que a falta de uma orientação efectiva é completamente incompatível com um normativo dema-siado ambíguo e, sobretudo, propensos a interpretações casuísticas que destroem paulatinamente o uno caracterís-tico que dá forma à vocação turística de Cascais.

Desta maneira, à laia de uma onda que foi crescente ao sabor do apoio que lhe era dado pelo PDM, Cascais foi-se enchendo de casas, prédios e habitações, ultrapassando os limites comportados pelas suas infra-estruturas, as capaci-dades de crescimento natural do Concelho, a vontade de adquirir casa em Cascais por parte de muitos daqueles que até aí habitavam nas periferias e até a inexistência de mais gente a quem vender o que estava a ser feito! O resultado, pujante numa primeira fase em que a especulação grassou, foi rápido e demolidor para o Concelho: uma onda de construção imparável, solidamente construída sobre uma rede de créditos cruzados e pressupostos de mercado totalmente resultantes da especulação que nasceu com a aprovação do PDM, e totalmente inconsistente com a rea-lidade que vivemos. Hoje, muitos anos depois da entrada em vigor do PDM, temos um concelho com dezenas de

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milhares de casas vagas, sem qualquer possibilidade de reentrarem no mercado de venda e/ou de arrendamento, com prejuízos graves para os promotores, para a banca e, sobretudo, para os Cascalenses que vêm assim destruída a qualidade urbana que outrora caracterizou o Concelho. Com a aplicação deste plano, no entanto, acabou por ver-se que entre o cenário idílico teoricamente criado pelos autores desta proposta de revisão do PDM e a realidade municipal, existe uma disparidade que compromete com-pletamente as directivas emanadas pelo documento. Nessa altura, como hoje novamente acontece, os autores políti-cos desta proposta de PDM propagandeiam alegremente um conjunto de banalidades com as quais obviamente toda a gente concorda mas que, olhando de forma atenta para a realidade do Concelho, logo se percebe que não fazem sentido e que são completamente inconcretizáveis nos próximos tempos.

A primeira grande questão que se coloca face à revisão do Plano de Cascais, mais do que com a potencial criação de mecanismos de suporte a um desenvolvimento concerta-do, prende-se com a necessidade de perceber quais são em verdade as fronteiras possíveis e viáveis de crescimento do Concelho. A demografia, a partir de uma análise quantita-tiva dos fogos construídos e a construir neste espaço, obviamente equacionada tendo em conta as possibilidades reais de suporte das redes viárias e de saneamento, bem como de outros bens imediatos de consumo que devem manter-se ao alcance de todos os cidadãos, fornece dados indesmentíveis que, bastante desvirtuados pela já referida

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urbanidade crescente do Concelho, nos fornecem elemen-tos preocupantes relativos ao futuro da qualidade de vida e do conforto social do Concelho.

Se o Plano Director Municipal é, de facto, um instrumen-to de gestão urbana que permite planificar o futuro do Concelho, é essencial que os dados nele constantes, não só em termos de diagnósticos relativamente ao que existe mas, também, ao nível das previsões relativamente às res-postas necessárias para garantir o cabal cumprimento das infra-estruturas relativamente às necessidades da popula-ção, sejam inquestionáveis. É fundamental saber, por exemplo, qual é a carga efectiva que actualmente temos relativamente à rede viária, às escolas, aos hospitais e cen-tros de saúde, aos esgotos, à rede de recolha de lixos, aos lares de idosos, aos estacionamentos, etc. E é essencial, numa lógica de planificação das capacidades de Cascais relativamente ao seu futuro, que esses dados estejam expressos de forma linear e devidamente contextualizados, de maneira a garantir que as propostas e orientações cons-tantes nesta propostas sejam susceptíveis de verificação relativamente à sua exequibilidade.

Na linha destes pressupostos vagos e não sustentados, os autores desta proposta apelam à promoção da compacida-de e policentrismo do território. Estes princípios, suporta-dos por uma série de banalidades que nada dizem relati-vamente ao que temos actualmente, são ainda mais absur-dos quanto sabemos que são também eles teoricamente incriticáveis. Como é evidente, compacidade implica com-

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pactação… logo, os autores do plano apelam à compacta-ção do território municipal? Em que termos, com que orientação, em que sentido? Onde? Todas estas questões ficam por responder quando analisamos o conjunto de propostas que acompanham o processo de revisão, afigu-rando-se mesmo que muitas delas contrariam este estra-nho e rocambolesco apelo à compactação de Cascais. Na sua génese territorial, o Concelho de Cascais foi sempre marcado por um polimorfismo que foi gerado pelas dispa-ridades territoriais e que sempre condicionaram um con-junto amplo de formas de ser e de estar que compõem a heterogeneidade cultural municipal. Um apelo à compac-tação, só pode ser entendido como um erro que resulta da falta de conhecimento relativo à estrutura territorial do Concelho e à forma como a estruturação social se desen-volveu a partir dela. Se nos ativermos à realidade urbanís-tica actual, escabrosa, como já referimos, sobretudo como consequência da aplicação do PDM que actualmente está em vigor, depressa perceberemos que um apelo à compa-cidade teria como efeito uma imediata e nefasta interven-ção no tecido urbano que entretanto nasceu, com a neces-sária e imprevidente amálgama de efeitos negativos ao nível de uma vasta área territorial cujo urbanismo resultou da aplicação das regras específicas para as áreas urbanas de génese ilegal. Por outro lado, na mesma frase e teorica-mente fundamentando o mesmo pressuposto, os autores desta proposta apelam ao policentrismo, numa lógica de alastramento dos centros decisórios, em linha com o que acabámos de descrever, em sintonia com o devir que deu forma aos últimos cinco séculos de história, mas subver-

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tendo, comprometendo e até contrariando totalmente o apelo anterior…

Sendo o espaço um recurso estratégico em todo o lado, a sua importância redobra em Cascais mercê das suas dimi-nutas dimensões e da escassez de qualidade que histori-camente o definiu. De facto, com excepção dos espaços situados na frente de mar, usufruindo da visibilidade imposta pela atracção da costa e dos muitos meios que à sua volta estão concentrados, Cascais é hoje um município no qual a multiplicidade de realidades diferenciadas e qua-se antagónicas nos seus pressupostos, exige um esforço acrescido em termos da reconversão urbanística que todos desejamos. Mas para tal, ao invés de um apelo inócuo de compacidade policêntrica, o Plano Director Municipal deveria dar forma a um conjunto de medidas orientadoras que permitam intervir de forma qualificadora na realidade existente, promovendo uma efectiva gestão dos meios e das realidades existentes, de forma a ultrapassar as indefi-nições e colaborar na construção de um novo equilíbrio que reponha uma transversal qualidade no meio envolven-te. De facto, mais à frente na mesma proposta, os seus autores até identificam dois possíveis caminhos para cum-prir esse desiderato, elencando a criação de espaços públi-cos e de qualidade e a promoção da conectividade territo-rial como objectivos específicos para o crescimento do concelho. Mas estas máximas, suportadas por asserções de verdades com as quais concordamos, pecam por estarem completamente desligadas da realidade espacial do conce-

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lho e, acima de tudo, por não surgirem consubstanciadas em medidas concretas nas partes restantes da proposta.

Os jardins, praças e ruas, sendo espaços públicos transver-salmente existentes em todos os aglomerados urbanos, são factores indissociáveis dos permanentes apelos à qua-lidade definidos por todos os Cascalenses. Mas, em sede do Plano Director Municipal, é essencial que sejam abor-dados numa lógica de globalidade que permita gerir de forma completa a realidade transversal que afecta o Con-celho de Cascais. Com recursos finitos e uma necessidade interventiva que é eminente, a gestão do espaço municipal deverá reforçar a identificação dos espaços nos quais a intervenção comunitária deverá concretizar-se de forma mais eminente, sob pena de, em caso contrário, assistir-mos ao continuado agravamento da situação pouco abo-natória de termos um concelho a funcionar a duas ou mais velocidades diferentes. A conectividade territorial, num concelho como o de Cascais no qual a multiplicidade de espaços se assume como característica essencial, é funda-mental para garantir um cabal ordenamento das potencia-lidades locais. Mas, no que ao Plano Director Municipal diz respeito, faltam medidas concretas que ajudem a per-ceber quais são os canais que podem ser intervencionados para garantir o cumprimento desse objectivo.

Neste momento, provavelmente como resultado de uma incapacidade que quem nos governa demonstrou ter para rapidamente proceder à revisão do PDM, a aplicabilidade da versão que está ainda actualmente em vigor, promoveu

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o alastramento indissociado da mancha urbana, de forma desqualificada e denotando um desregramento atroz que põe em causa a possibilidade de planear cabalmente o caminho a trilhar num futuro próximo. Mas, por exemplo na Freguesia de São Domingos de Rana, para já não falar em Alcabideche, na área do Parque Natural Sintra-Cascais, ou nas Freguesias do Estoril, Parede e Carcavelos, por estarem marcadas pelo POOC, existe ainda hoje uma dis-ponibilidade de espaços-canal que poderiam ser associa-dos a uma prática deste género. Mas, para que seja possí-vel a tal conectividade territorial, é urgente que sejam incluídos nesta revisão do PDM os instrumentos de ges-tão territorial que permitam planificar uma (ou um con-junto de) intervenção congruente, sendo que para ser assim seria essencial que estivessem identificados e qualifi-cados os espaços onde tal poderia acontecer. Mas, pelo contrário, nas cartas de condicionantes que acompanham esta proposta, os ditos espaços surgem indissociados, revertendo a sua realidade para o mesmo vazio que já exis-te no PDM em vigora actualmente. Ou seja, para além de não permitir uma intervenção efectiva nas áreas que teori-camente identifica como essenciais para a reconfiguração do território Cascalenses, esta proposta gera uma entropia de meios que necessariamente promove o estranho caos urbano em que agora vivemos.

Quando em 1995 se discutiram os pressupostos que deram forma ao actual PDM, o município de Cascais vivia uma realidade completamente diferente daquela que hoje tem. Mas, apesar de disso, a proposta que temos em mão

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não elenca, não discute e nem sequer identifica essa dinâ-mica de mudança que entretanto aconteceu. Veja-se a títu-lo de exemplo, ainda para mais muito mau pelas conse-quências que teve e tem nos equilíbrios urbanos da vila, o projecto da nova entrada em Cascais através da Avenida Dom Pedro I. Projectada para dar corpo à dinâmica de mudança e de modernismo que o então legislador enten-dia que deveriam ser o caminho para Cascais, esta nova realidade obrigou à destruição de uma peça-chave ao urbanismo histórico de Cascais e colocou uma espécie de via rápida, com quatro faixas paralelas, em pleno centro da vila. Não contente com esta deturpação absoluta daqueles que sempre tinham sido os valores urbanos desta terra, a subversão da realidade local permitiu a construção do cen-tro comercial que tanta controvérsia levantou, utilizando parâmetros arquitectónicos que, enquadrados naquilo que estava definido no PDM, representam uma autêntica aber-ração urbana em Cascais.

De facto, facilitando as entradas na vila e o fluxo de trân-sito temos, pelo menos no plano da teoria, um reforço da atractividade da vila que, dessa maneira, passaria a usufruir de um maior número de habitantes, em linha com as necessidades que o comércio tradicional nessa altura iden-tificava. Mas, como se viu, não só não resolveu nenhum dos problemas que teoricamente definia, como ainda agravou de sobremaneira o fluxo de comunicação no âmbito do casco antigo da vila, recolocando a população num prisma de subjugação perante os efeitos nefastos do trânsito. Tantos anos depois, com tantas campanhas elei-

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torais pelo meio, e ainda é visível esta deturpação absoluta daquilo que haviam sido os princípios teóricos definidos em sede do PDM por exemplo nos sinais de trânsito colo-cados naqueles arruamentos. Nos semáforos da Avenida Dom Pedro I, o tempo de espera para peões atravessarem a via é de tal maneira longa que a maior parte das pessoas ousa atravessar com sinal vermelho. Por outro lado, num troço de praticamente 150 metros, entre o centro comer-cial e a Avenida 25 de Abril, existe somente uma passa-gem de peões, sendo que de ambos os lados da via exis-tem paragens de autocarros às quais os passageiros têm obrigatoriamente de aceder. Por fim, no troço que liga as duas avenidas, num semáforo bi-partido com uma plata-forma central, é completamente impossível efectuar a pé a travessia completa de uma só vez e com sinal verde, numa lógica suburbana de subordinação do peão ao trânsito automóvel que contraria tudo aquilo que deveria ser a vivência da centralidade da vila.

Acreditando que quem actualmente governa Cascais não concorda com o que ali existe, e que a situação se man-tém, fácil se torna perceber a força que tem as determina-ções que emanam do PDM e a longevidade das mesmas ao longo do tempo. Em termos de implicações, são mui-tas e muito negativas aquelas que delas resultam, com consequências péssimas para a qualidade de vida dos Cas-calenses.

A inserção do Concelho na Área Metropolitana de Lisboa, e a relativa facilidade com que foi assumindo a postura de

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dormitório crescente, permitiu um crescimento e uma expansão territorial que criou condições para que aqui se venham instalando um número cada vez maior de habi-tantes. Na maior parte dos seus aspectos, a expansão terri-torial da área urbanizada do Concelho de Cascais proces-sou-se de forma completamente desordenada, facto que consubstanciou o desenquadramento urbanístico e a cres-cente redução da sua qualidade paisagística. Em algumas áreas que o actual PDM considera “espaços verdes”, ou naqueles que se integram nas áreas de RAN ou de REN, a desqualificação faz-se pela intervenção dos denominados clandestinos que, ocupando sistematicamente os espaços vazios, vão contribuindo também para a redução paulatina das potencialidades naturais do Concelho.

Este crescimento de Cascais, que se foi instituindo de uma forma subordinada às directivas emanadas pelo actual PDM, resultou numa descaracterização preocupante que atrás de si arrastou problemas de segurança, salubridade e sociabilidade que, por seu turno exigem soluções concre-tas e adequadas para a sua ultrapassagem.

Apesar de estes últimos tempos terem sido marcados por uma quebra a diversos níveis nos identificadores urbanos do Concelho, fruto da crise e também da degradação cres-cente que diminuiu drasticamente o interesse no concelho, o certo é que Cascais apresenta uma desarmonia global no seu espaço municipal, onde grassa a desordem e da qual resulta uma preocupante falta de consciência cívica e da identidade municipal. E se, em termos da construção civil,

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o resultado do desordenamento facilmente se vê no número de casas devolutas existentes no Concelho, em contraste com os guindastes que se vêm por todo o lado e que continuam a construir sem se saber para quê, a outros níveis a situação é igualmente inquietante. Antes da entra-da em vigor do actual PDM, Cascais era destino de exce-lência para muita gente. Aqui se vinha às compras, apro-veitando o facto de nos espaços de excelência do comér-cio Cascalenses serem apetecidos pelas grandes marcas que aqui encontravam a montra ideal para se promove-rem, e aqui se rumava à noite, para jantar e para sair num conjunto descontraído de equipamentos que davam o mote para a noite lisboeta.

As discotecas e bares de Cascais, num movimento perma-nente que promovia o comércio e a economia local, eram o motor que garantia o paradigma social na vila e no Con-celho de Cascais. Atrás deste movimento, com investi-mentos de diversa ordem em sectores-chave da vida do concelho, vinham várias outras condicionantes que de alguma maneira se enquadravam na ideia de prestígio e de qualidade que Cascais emanava, cumprindo programas diversos que consolidavam o dinamismo de tudo o que se passava por cá. Os eventos diversos que se organizavam, ao invés de surgirem como investimentos avulso que enchem as ruas da vila durante umas horas e que a seguir se despejam, fazendo de Cascais um imenso deserto na maior parte dos dias do ano, eram integrados nesse movimento que dava forma a uma dinâmica diferente onde apetecia estar, à qual todos queriam pertencer e que

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de alguma maneira ajudava a cumprir a vocação municipal definida. Antes deste PDM ter entrado em vigor, Cascais era absurdamente regida pelo PUCS… aprovado em 1948. O PUCS era um documento completamente desadequado já nos anos sessenta e setenta do século passado, tal como acontecia em 1997 quando foi aprovada a actual versão do PDM. Mas em 1948, como na década de sessenta ou mesmo em finais dos anos noventa, o PUCS assumia a vocação turística de Cascais e, apesar de desadequado à realidade vivida no Concelho, garantia um mínimo de equilíbrio urbano que o PDM veio destruir sem conseguir recriar a nova ordem correspondente. Como é evidente, ao mesmo tempo em que assistíamos às praias apinhadas, às discotecas cheias e às casas de férias alugadas à época, todos nos lembramos dos enormes engarrafamentos, da falta de uma auto-estrada, dos esgotos a despejar directa-mente nas águas da baía, etc. Mas, resolvidos que estão os problemas estruturais com os quais perigosamente Cascais se debateu, eis que continuamos a ter um concelho mar-cado pelas vicissitudes terríveis do providencialismo autárquico, que recria velocidades diferentes e desagrega por completo a unidade do Concelho.

O Plano Director Municipal, através das competências que possui, tem a capacidade para intervir positivamente na resolução destes problemas, recriando uma dinâmica que exija dos poderes instituídos as respostas necessárias para a ultrapassagem dos obstáculos que se vão levantan-do. A melhoria da qualidade ambiental de Cascais, agrega-da à descompressão das zonas antigas, ao condicionamen-

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to do trânsito automóvel, à melhoria dos circuitos pedo-nais, à dotação de mobiliário urbano de qualidade, à cor-recta iluminação e a uma arborização adequada, em conju-gação com uma política de incentivo à recuperação de imóveis antigos e de respeito pelos materiais tradicionais, são somente alguns caminhos que, devidamente estrutu-rados num plano vasto de gestão concelhia como é este PDM, poderiam trazer novamente para o Concelho de Cascais os parâmetros de qualidade que este entretanto perdeu.

Ao nível das principais linhas orientadoras do crescimento municipal, a oportunidade que resulta do processo de revisão em curso configura um extraordinário momento para garantir um futuro coeso, equilibrado e consistente para Cascais. A definição do conjunto de normas que definirão as capacidades de crescimento do território municipal, obrigatoriamente apresentadas com base num estudo sério e transparente que nos permita perceber quais são os limites que dão forma às propostas apresen-tadas, por ser essa a única possibilidade que os munícipes têm para poderem aferir da exequibilidade e da pertinência das ideias apresentadas, deveria ser a principal linha indi-cativa que resulta desta proposta e não, como efectiva-mente acontece, ser a mesma um mero conjunto de gran-des ideias, obviamente pertinentes e desejadas pelos Cas-calenses, mas não suportadas de forma séria pelas linhas gerais de um plano sustentável e sustentado.

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Para reforçar a sua presença no seio da área da Grande Lisboa, num contexto em que o município possa afirmar-se a partir de uma estratégia que assegure um papel de contributo activo para o aumento das mais-valias apresen-tadas pela região, e não um mero papel passivo e subordi-nado que parece resultar das propostas que agora analisa-mos, é essencial que se identifique e se assuma uma voca-ção que, garantindo um afastamento suficientemente amplo face às pressões, permita aos promotores locais a criação de uma estratégia própria de desenvolvimento. Esta afirmação, contida num espectro cronológico que se assume noutros locais de uma forma imediata, permitirá ao município o acesso a apoios estruturais que muito con-tribuirão para a diminuição do desequilíbrio já menciona-do que actualmente existe entre o número de habitantes que hoje temos e a oferta infra-estrutural face ao mesmo.

Depois, num segundo parâmetro definidor, e como con-sequência da correcta aferição das capacidades estruturais do Concelho, terá de ser essa vocação, transformada aqui em cadinho que dá forma e conteúdo às perspectivas de crescimento que o plano deveria traçar, a efectivar as pro-postas concretas que permitem o cumprimento dos objec-tivos expostos e, dessa maneira, que consolida a concreti-zação dos mesmos em prol da defesa de um incremento efectivo da qualidade de vida de todos os Cascalenses.

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Planificar o Futuro de Cascais

A planificação daquilo que vai ser Cascais nos próximos anos, aliado à corrente progressista que impele os órgãos autárquicos a encontrar viabilidades que permitam conti-nuar a fazer crescer o Concelho, implica obviamente e rentabilização do manancial informativo que aqui existe. Não é possível, sem o acesso a informação rigorosa, crite-riosa e consistente, o que muitas vezes não existe em anó-nimos documentos técnicos de difícil leitura para o cida-dão comum, prever o desenvolvimento planeado de um espaço, nem tão pouco gerir as potencialidades que o mesmo apresenta. As lacunas graves ao nível da informa-ção patentes no actual Plano Director Municipal traduzin-do um desconhecimento que constrange a viabilidade de concretização dos seus princípios, é completamente con-traproducente em Cascais, pois para além de existir em grande profusão, ela possui as bases de qualidade que são suficientes para garantir um excelente trabalho a qualquer executivo municipal.

A título de exemplos, que permitem perceber a amplitude que deveria constar neste processo de revisão do Plano Director Municipal de Cascais, mencionamos as seguintes grandes áreas que, de forma complementar entre si, confi-guram um panorama de crescimento sustentável que dese-jamos para o futuro desta nossa terra:

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a) Saúde e Cuidados Primários

Ao nível da saúde, o grande desafio que se coloca ao Con-celho de Cascais configura-se em torno da correcta gestão dos equipamentos. Depois de várias décadas de luta cons-tante contra a incapacidade que os poderes políticos tive-ram para equacionar o problema associado ao envelheci-mento das estruturas que serviam o Concelho, temos hoje uma rede excelente de centros de saúde, capacitados para responder de forma cabal e coerente à população existente e com características físicas que asseguram a sua viabilida-de durante pelo menos uma década. Para além disso, o tão desejado hospital, inaugurado em 2010 na sequência de uma parceria entre as instituições públicas e uma empresa privada, acabou por oferecer um conjunto de condições que o edifício antigo não tinha e que eram essenciais não só para responder com qualidade às necessidades do município, como também para oferecer o grau de con-fiança da população neste tipo de respostas que, conforme sabemos, é parte importante do bem-estar associado a esta área Tomando em linha de conta este princípio, obvia-mente necessário se pensarmos que ao assumirmos com êxito a vocação turística de Cascais teremos necessaria-mente um acréscimo pontual do número de potenciais utentes destes equipamentos, e que ciclicamente a capaci-dade de resposta concelhia em épocas de grandes eventos e/ou de épocas do ano em que a procura do concelho enquanto destino se assume como promotora do aumento do número de visitantes e de estadias, é importante que o Plano Director Municipal possa elencar de forma exausti-

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va as características dos equipamentos de que dispomos, analisando ainda as suas capacidades de resposta e de crescimento. Contextualizada nestes valores, a ponderação relativamente ao futuro da área da saúde no concelho, terá necessariamente por passar pela criação das linhas de base que configurarão futuros planos de contingência e de emergência, numa lógica que promova a continuidade da região no seio da Área Metropolitana de Lisboa e, por extensão, de afirmação da capacidade de resposta do Con-celho numa linha de autonomia que seja compatível com o seu perfil contemporâneo. Da mesma forma, não se compreende que o Plano Director Municipal, entendido de forma globalmente coerente como o principal instru-mento de planificação do futuro concelhio, não apresente de forma linear uma perspectiva do que se prevê em ter-mos da evolução da sua população, pois sem ela não é possível planear e, consequentemente, gerir o conjunto de infra-estruturas que são essenciais para o bem-estar das população e para a consolidação da vocação municipal.

b) Património Edificado

Numa perspectiva de promoção e preservação do patri-mónio edificado, numa lógica de reformatação do tecido urbano de raiz histórica e com núcleos consolidados a partir de um processo de paulatino desenvolvimento urbanístico, importa salientar a importância que representa a efectiva criação de medidas que permitam preservar, defender e qualificar as peças patrimonialmente mais rele-vantes do Concelho de Cascais. Como é evidente, sempre

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que nos debatemos com um conjunto de propostas assen-tes numa listagem, existem peças que poderiam e deve-riam constar deste processo, não só numa lógica de inven-tariação exaustiva do que existe no território municipal, como também numa perspectiva de enquadramento do património existente e, no que à faceta do planeamento diz respeito, da criação de regras claras e que configurem o assumir a vocação municipal, no sentido de planear de foram coerente a evolução da actividade construtiva em Cascais. Esse desafio, colocado ao nível do micro-plano, através da criação de regas de zonamento nas quais este-jam espelhados os valores estéticos e culturais mais rele-vantes, coloca-se ao nível das grandes opções contidas no PDM no assumir de um caminho, traçando na regulamen-tação os princípios genéricos que devem presidir à sua consolidação. Quer isto dizer que, em primeira instância, é essencial que as listagens associadas à proposta de PDM sejam enquadradas nas cartas de condicionantes no seio do território que lhes confere a identidade, repercutindo os valores essenciais que dão forma ao seu interesse e, dessa maneira, salvaguardando a possibilidade de valorizar o património sem comprometer a identidade municipal. Sendo assumidamente esse o papel a representar num Concelho como o de Cascais, no qual a vocação municipal é de forma evidente o turismo e a qualificação de todos os aspectos e vertentes que ajudem a consolidar e a desen-volver este sector de actividade, importa aproveitar a oportunidade que surge no âmbito do processo de revisão do Plano Director Municipal para traçar estrategicamente o plano-geral de desenvolvimento patrimonial de Cascais,

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em linha com as orientações que teoricamente constam – e muito bem – na proposta de regulamento que a edilida-de colocou em discussão pública. Mas, como é evidente, a formulação generalizada de grandes parangonas que dão mote ao documento, tem obrigatoriamente se efectivar-se a partir de uma correcta análise de diagnóstico da realida-de municipal e, neste aspecto específico, é esse o principal óbice desta proposta de PDM no que à área do patrimó-nio cultural diz respeito. O diagnóstico está mal feito e assenta em pressupostos de base que pouca ou nenhuma relação têm com a realidade patrimonial que neste momento existe na Nossa Terra…

c) Segurança

A segurança, alicerce essencial para sustentar uma cidada-nia plena e sempre directamente dependente da capacida-de de responder de forma cabal aos aspectos relacionados com a afirmação da vocação turística municipal, é outros dos aspectos que urge analisar num instrumento de gestão integral das potencialidades concelhias como é este Plano Director Municipal. De facto, se nos ativermos à sua perspectiva mais imediatista, ou seja a segurança de pro-ximidade que se vive e se sente no dia-a-dia dos cidadãos, depressa percebemos que, a nível da gestão do território municipal, teremos necessariamente de consagrar esta área como uma das mais exigentes. As diferenças que dão for-ma à estrutura concelhia, na qual a divisão entre o litoral e o interior, com evidentes repercussões ao nível das dinâ-micas sociais, é somente um mero aspecto de pormenor

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integrando igualmente uma variedade extraordinárias de pluraridades que esta proposta de PDM não consagra, necessariamente conduzirão a um desequilíbrio ao nível da sua aplicabilidade. Assim, enquanto em algumas zonas do concelho a visão mais linear da segurança pode ser aquela que mais se adequa às necessidades da população, noutra, em que as características sejam diferentes, terá de ser um modelo diferente e mais adaptado a determinadas circuns-tâncias. Planificar o futuro municipal, projectando no futuro o conjunto de princípios que determinam a dinâ-mica do concelho ao longo dos próximos (pelo menos) dez anos, pressupõe assim que se assume essa vocação enquanto pedra-basilar de um edifício que, em última ins-tância (ou em primeira se a perspectiva for a de um muní-cipe local) é à segurança dos cidadãos que deve subordi-nar-se toda a política concelhia. Destarte, é sobretudo na sua visão mais lata, abarcando a segurança num sentido que a torna aplicável a variadíssimos aspectos da vida, que deveremos considerar este assunto em sede do Plano Director Municipal. Se, utilizando essa lógica, se torna essencial que na sua vida quotidiana, os cascalenses usu-fruem desse valor de base na vida de Cascais, é então fácil compreender que ao nível da vocação turística, essa segu-rança mais alargada se reveste de uma importância acres-cida e, também, de implicações práticas na gestão do espa-ço público e no seu usufruto por parte de quem nos visita. Para os turistas mais esclarecidos, que ainda procuram o Estoril por motivações que transcendem largamente o clássico sol e praia de outros tempos, a segurança sentida neste concelho determina a qualidade da visita, razão pela

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qual, para além da capacidade de passear livremente pelas ruas e espaços do concelho, é fundamental garantir que existe segurança alimentar, segurança rodoviária, seguran-ça empresarial, etc. O caminho, aqui entendido como a estratégia que assegura a Cascais algum equilíbrio ao seu processo de crescimento, fica assim delimitado com um conjunto de regras que enformam a gestão do espaço, quer ao nível da urbanização, quer ainda ao nível mais básico do conjunto de acções que derivam do homem e que sobre ele imprimem uma dinâmica de mudança. E só assim, cruzando um conjunto de valores políticos basila-res, faz sentido recriar um Plano Director Municipal que consagre os valores associados ao que pensam, ao que sentem e àquilo pelo qual anseiam os Cascalenses.

d) Mobilidade

Sendo certo que as acessibilidades são parte integrante de todos os Planos Directores Municipais devido ao impacto que têm na definição das estratégias de mobilidade e, con-sequentemente, de crescimento do Concelho, é importan-te sublinhar que também nesta área (e possivelmente mais ainda no que em cada um das restantes que abordaremos ao longo deste nosso trabalho), a definição de uma orien-tação do nível daquilo que deve ser a vida municipal durante o período de vigência do PDM, é essencial, fun-damental e imensamente impactante na avaliação que dele fazemos. Isto porque, em primeira instância, é da capaci-dade de resposta que possuem as vias rodoviárias que depende a acessibilidade de e para Cascais, ao mesmo

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tempo que delas depende também os mais relevantes aspectos relacionados com o crescimento urbano, com a saúde, com a educação, com a segurança, com o patrimó-nio histórico e, de uma forma transversal e muito impor-tante, com a dinamização do sector turístico. A vocação turística de Cascais, numa lógica de reafirmação do Con-celho dentro da área da Grande Lisboa, depende assim da forma como se orientam os circuitos de trânsito internos e, mais importante ainda, da maneira como esses circuitos se conjugam de forma a promover o correcto usufruto das mais-valias municipais, ao mesmo tempo que asseguram internamente índices de conforto que estejam em linha com a qualidade de vida que o PDM diz defender e que todos desejamos. Para além disso, como é evidente, a acessibilidade passa também por políticas globais ao nível dos transportes públicos, com especial incidência para a linha férrea e a rede de autocarros e outros meios de transporte que assegurem uma permanente comunicabili-dade no interior do território municipal. E se no que à linha férrea diz respeito, nada nesta proposta de PDM nos indicia quais serão as perspectivas de crescimento e de valorização deste meio de transporte, principalmente ago-ra que foram publicamente anunciados importantes cortes no número de composições que diariamente circulam na via, e um ainda mais preocupante desgaste de todo o material que, devido à sua provecta idade, se torna muito difícil de substituir, menos ainda nos indica esta proposta acerca de eventuais readequações do traçado, da sua natu-reza e/ou de extensões que estiveram já previstas e que poderiam ser determinantes no reforço da vocação turísti-

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ca de Cascais. De facto, logo depois da electrificação da Linha de Cascais, ainda no tempo de Fausto de Figueiredo e da Companhia Estoril Plage, foi anunciado um prolon-gamento da linha férrea para Poente, ao longo da linha de costa e subindo até ao Guincho, com prolongamento pos-terior ao Cabo da Roca e extensão até à Vila de Sintra, num percurso ousado (e provavelmente impossível de concretizar nos dias que correm) e irreverente que como base tinha a ideia de que seria interessante trabalhar o des-tino turístico em complemento com a oferta de Lisboa e de Sintra, num âmbito de complementaridade que passaria sempre pela reafirmação da identidade próprios dos Esto-ris. A esse nível, atente-se como exemplo à pontual che-gada do Sud Express, que tinha o Estoril como estação terminal desde a sua viagem de Paris que, movimentando o eixo de interesse turístico de Lisboa para Cascais, valori-zava a capital através do reforço da importância do Estoril enquanto estância de excepção de nível mundial. Para além deste importante aspecto, sobre o qual as linhas pro-gramáticas desta proposta de PDM nada adiantam, exis-tem muitos outros aos quais, enquanto instrumento global de planificação espacial, o Plano Director Municipal devia dedicar algum espaço. Referimo-nos, como é evidente, ao mar, não só enquanto via de circulação e acesso a Cascais, como também como instrumento de redobrada importân-cia ao nível da definição da vocação de Cascais, recupe-rando ideias e caminhos que, com um grau mais elevado de utopia e outros de realismo, poderiam dar forma a uma política de cariz inovador que reformulasse as dinâmicas de crescimento de Cascais. A ligação ao mar, desde sem-

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pre factor decisivo na ligação afectiva dos Cascalenses aos destinos da sua vila, foi conhecendo várias facetas e cami-nhos que nasceram ao sabor das épocas. Importante relembrar Pedro Falcão, Cascalense de afirmada (e sempre controversa) ligação à terra onde nasceu, e que corajosa-mente defendeu alternativas à política de consolidação da terra que durante muitos anos se impôs no concelho. Cas-calense de coração, erudito, académico, e profundo admi-rador das potencialidades das águas de Cascais, Pedro Fal-cão esboçou um quadro polémico que serviu de base a muitos projectos de reconversão da vila. Reabrindo a Ribeira das Vinhas no troço que vai da sua foz até ao actual Edifício São José, e tornando possível a navegação no interior de Cascais, ele sonhou com uma vila onde o cheiro a maresia se impregnava em todos os edifícios, tra-zendo as traineiras e o peixe até à população. Teimava ele, com o seu génio reconhecido por todos, que a ligação de Cascais ao mar havia sido desvirtuada, e que só assim se poderia reconstruir o vínculo que subsistiu durante sécu-los. A pesada intervenção urbana que implicava este pro-jecto, assumida pelo escritor como única forma de reapro-ximar Cascais do seu mar, procurava rebater o afastamen-to progressivo que se vinha instalando desde há muito tempo. No início do Século XX, numa iniciativa da Comissão de Iniciativa e Turismo do Concelho de Cas-cais, já havia sido esboçado um projecto com idêntico objectivo. Assinado por Manuel José Ávila Madruga, Raul Ressano Garcia, Carlos Bonvalot, António Maria Cardoso e José Roberto Raposo Pessoa, o projecto de reaprovei-tamento turístico do espaço envolvente da Cidadela de

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Cascais pretendia criar uma estrada panorâmica que envolvesse aquela importante peça patrimonial, criando ainda um cais de acostagem e um enorme complexo de jardins. Dizia-se então, em jeito de defesa de tão arrojada ideia, que Cascais precisava de se reconciliar com a sua baía, rentabilizando turisticamente as suas paisagens marí-timas e os monumentos a elas associados. Apesar da bele-za, da harmonia, da justeza, e até do romantismo associa-do a estes projectos, Cascais nunca conseguiu reconstruir o seu estreito relacionamento com o mar. As pontes da antiga ribeira continuam sujeitas ao peso brutal ao alca-trão, e a principesca vista panorâmica do projecto envol-vente à Cidadela ficou definitivamente condenada com a construção da actual marina. De costas voltadas para Cas-cais, e perdida no meio de sonhos inglórios de uma pujan-ça que nunca conheceu, a marina jaz quase morta, por ter sido construída contra as expectativas dos cascalenses. Com a sua construção, Cascais ganhou um equipamento marítimo que sempre desejou, mas viu desaparecer a idíli-ca enseada de Santa Marta, que servia de postal ilustrado da vila, e de moldura ao Palacete O’Neill e à Casa de Santa Maria; e viu também a sua Cidadela, monumento ímpar consagrado ao oceano, colocada a seco, desvirtuando o seu relacionamento ancestral com a água. A esperança, agora, depende em exclusivo do conjunto de orientações políticas que deverão emanar desta nova versão do Plano Director Municipal, em linha com a determinação de uma política concertada e equilibrada de crescimento que imponha à nossa terra um caminho de esperança que seja capaz de reverter a situação escabrosa que muitos anos de

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betão lhe trouxeram. Talvez Cascais readquira finalmente a vocação marítima de outros tempos, reconduzindo os cascalenses aos sonhos utópicos com cheiro a cândida maresia que sempre a caracterizaram, combatendo a ano-mia crescente, a suburbanidade e a descaracterização galo-pante.

e) Espaços Públicos e Ambiente

Sendo certo que o ambiente e as políticas ambientais são marca a mais forte de quem actualmente gere os destinos de Cascais, quase parece estranho que às grandes paran-gonas e aos muitos lugares-comuns que sobre esta área surgem na proposta de revisão do Plano Director Munici-pal, não estejam associadas orientações verdadeiramente inovadoras ao nível da gestão das potencialidades naturais de Cascais. Sabemos, como é evidente, que muitas das áreas mais relevantes em termos ambientais, por estarem sujeiras a planos que se sobrepõem ao normativo constan-te do PDM, acabam por estar indirectamente fora do âmbito de intervenção deste documento, da mesma forma que a orla costeira e outras zonas concelhias estão sujeitas a orientações que extravasam a planificação urbana conti-da neste plano de Cascais. Mas, em termos muito práticos, é precisamente nas áreas que estão fora da zona de delimi-tação do Parque Natural Sintra-Cascais, da Orla Costeira e dos demais Planos de Pormenor em vigor, que se encon-tram as áreas onde são maiores e mais relevantes os desa-fios ambientais, sendo que a proposta é totalmente omissa e irrelevante a esse nível. Para começar, num vastíssimo

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conjunto de sítios marcados pela proximidade da fronteira do PNSC, não existe nenhuma orientação relativamente à necessidade de recriar zonas de transição, obviamente dinâmicas e flexíveis ao ponto de poderem transformar-se em fluxos geradores de renovação e requalificação para os núcleos urbanos em que se inserem. Esta falta, tendencio-samente marcante se pensarmos que é precisamente nes-ses espaços que estão as maiores possibilidades de anga-riação de mais-valias, bate-se de forma violenta com a extrema pressão que ao longo dos últimos anos constran-geu as dinâmicas urbanas nesses espaços, em contraponto com um claro esbatimento da identidade e da municipali-dade nesses locais. O desafio, em ordem para cumprir aquilo que é uma das mais eminentes propostas que trans-versalmente atravessa esta proposta, é o de assegurar em todo o concelho de Cascais uma homogeneização de oportunidades que, a nível ambiental, possam ajudar a recondicionar as pré-existências e, dessa maneira, trans-formar a degradação que hoje grassa em vastas áreas do território municipal em espaços requalificados e adaptados aos desafios subjacentes à vocação turística municipal. A divisão territorial que hoje temos, e que o regulamento anexo a esta proposta do PDM permanentemente vai negando, com um litoral marcado de forma legítima pelo cosmopolitismo associado ao glamour que a Região de Turismo do Estoril trouxe ao local, e por um interior no qual a principal linha orientadora assenta na destruição paulatina dos núcleos históricos consolidados e na desa-gregação permanente das estruturas sociais que definem as suas comunidades, gera uma diferenciação preocupante

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que impede a afirmação de Cascais na contexto do cres-cimento associado à Área Metropolitana de Lisboa. Pro-mover ambientalmente Cascais é, desta maneira, gerar estratégias de crescimento que nivelem de forma equitati-va a fruição dos espaços públicos, numa lógica de exten-são da qualidade associada à mancha verde que deriva do Parque Natural Sintra-Cascais, em linha com o crescimen-to que associa os valores turísticos com a necessária capa-cidade de assumir as especificidades de cada zona e de as gerir de maneira assertiva em direcção ao equilíbrio ambiental que todos desejam. Esta maneira, é assim um incentivo à criação de espaços-canal que se enquadrem nesta dinâmica, por exemplo recriando as acessibilidades a partir de políticas ambientalmente sustentáveis que este-jam em real consonância com aquilo que é hoje territo-rialmente o município Cascalense. Um bom exemplo des-te tipo de práticas, que exigem a sua assunção a nível do PDM para que a gestão do espaço possa concretizar-se de forma cabal reservando-se áreas suficientes para a sua efectiva consolidação, são os corredores cicláveis, as zonas de acesso pedonal e as vias panorâmicas. Em qualquer destes casos, com influência directa na qualidade de vida diária dos munícipes Cascalenses e dos nossos visitantes estrangeiros, verifica-se a existência de uma extensão das prerrogativas associadas à transformação operacional que emana da área do Parque Natural Sintra-Cascais, necessa-riamente com efeitos de médio (e talvez mesmo curto) prazo ao nível da requalificação ambiental de Cascais. A outro nível, na perspectiva de um atravessamento meri-dional do território municipal, assumem especial impor-

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tância dos corredores-verdes associados aos espaços de génese ruralizante que acompanham as principais linha de água. Da Ribeira das Almas, entre o Oceano Atlântico e as Almoínhas Velhas, até à Ribeira da Lage, compondo-se a partir de uma plêiade de espaços cujas potencialidades são conhecidas e reconhecidas por todos os Cascalenses, existem mais de uma dezenas de espaços que mereceriam um regime especial de protecção em sede do PDM, de forma a precaver possibilidade de um desenvolvimento qualificador ao abrigo da gestão corrente do território municipal de Cascais. Exemplo paradigmático desta situa-ção é o da Ribeira das Vinhas, mesmo no centro da vila, que se fosse devidamente aproveitado em termos da recu-peração do espaço-canal que já foi durante várias gera-ções, ligaria de forma muito imediata, e com implicações desde logo sensíveis ao nível ambiental, as principais estruturas de transportes situados no centro, com os espa-ços periféricos do Bairro da Assunção, da Pampilheira, do Bairro de São José, de Alvide, da Aldeia de Juso, de Mur-ches, do Zambujeiro e mesmo da Malveira-da-Serra, Cabreiro e Alcabideche. O Vale da Ribeira das Vinhas, que é um braço do Parque Natural que entra dentro da Vila de Cascais, é uma dessas zonas excepcionais e que, com um impacto paisagístico, ambiental patrimonial, edu-cativo e estrutural imenso, importa desde já conhecer e potenciar. Quando em 1995 a Fundação Cascais propôs a criação de um eco-corredor utilizando o antigo caminho rural que dá serventia à ribeira, já tinha como preocupação a criação de uma zona de descompressão verde para a Vila e, sobretudo, a possibilidade de o fazer com um esforço

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financeiro mínimo para o erário público. Hoje, quando atravessamos esta crise tremenda que nos foi imposta pelos partidos, redobra de importância esta nossa propos-ta. É urgente que o Vale da Ribeira das Vinhas, ligado a montante à Ribeira dos Marmeleiros e ao Rio da Mula, seja imediatamente intervencionado e colocado ao serviço da qualidade de vida dos Cascalenses. É um dos mais impactantes recantos de Cascais e, acima de tudo, é um reduto de qualidade de vida que não podemos dar-nos ao luxo de não aproveitar.

f) Apoio Social

Sendo aparentemente uma das componentes associadas à área da saúde, o apoio social conhece em Cascais um con-junto de especificidades que grassam transversalmente diversas áreas de intervenção e que, em sede do Plano Director Municipal, deveria conhecer circunstancialmente o conjunto de regras que asseguram um cabal projecto de gestão do território municipal. Em primeiro lugar porque o apoio social engloba a definição estratégica relativamen-te às próximas duas décadas de vida no Concelho e, por isso, aqueles que são agora ainda jovens adultos que pen-sam e discutem o futuro da sua terra serão, quando o PDM for revisto novamente, sexagenários que depende-rão da ajuda comunitária para cumprirem os seus deveres de cidadania. Da mesma forma, as crianças de hoje serão os principais usufrutuários do conjunto de medidas políti-cas que este plano vai consagrar, sendo eles por extensão aqueles que vão concretizar as orientações que emanam

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deste documento agora aprovado. Desta maneira, e entendendo o apoio social como conceito extensão, ao qual se associa uma panóplia enorme de actividades e de orientações, é muito provavelmente nesta área específica que se concentrará a maior parte das dinâmicas de mudança que a aprovação do plano vai trazer. A identida-de comunitária que defendemos, em linha com as orienta-ções que presidem à defesa dos valores ambientais e cultu-rais de Cascais, obviamente assentes numa política susten-tável de gestão do património e nos pilares basilares da saúde e da educação municipal, é factor essencial na defi-nição dos parâmetros de qualidade que todos desejamos para o Concelho de Cascais. Quando cruzamos este pres-suposto de base com a definição estratégica da vocação municipal do nosso concelho, deparamo-nos com uma anomia que é paulatinamente crescente no território municipal e que exige capacidade técnica, humana e cultu-ral para ser contrariada. As políticas assistencialistas de apoio social hoje em vigor, provavelmente resultantes da aplicação das orientações difusas constantes na versão de 1997 do Plano Director Municipal de Cascais, têm como consequência uma aversão primária à consolidação da Identidade Municipal, facto tanto mais visível e preocu-pante, quando sabemos que o resultado prático da aplica-ção deste documento, e agora da eventual aprovação da proposta que está em discussão, resultará num agravamen-to eminente das condições arbitrárias de consolidação da suburbanização de Cascais, facto que em si encerra o potencial para que a desagregação social, que infelizmente já conhecemos bem, depressa se transforme num movi-

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mento de consolidação irreversível que muitas e perversas alterações trará ao concelho de Cascais. A esta opção, propomos recriar uma estrutura centralizada de apoio social, congregando valências da área da saúde, da educa-ção, da cultura, do ambiente, da segurança, da mobilidade e das actividades económicas, que passará a gerir de forma integrada a generalidade dos serviços de apoio que con-gregarão esforços no sentido de recuperar as mais-valias associadas às características intrínsecas aos diversos gru-pos que compõem a sociedade civil Cascalense, de modo a defender um modelo auto-sustentado com a participação activa de cada munícipe de Cascais. Em termos da gestão do território e das dinâmicas motivacionais que derivam da aplicabilidade deste edifício normativo à estrutura urbana municipal, é importante ressalvar a necessidade de fomento das condições físicas que determinam que o fac-tor associado à qualidade de vida de todos aqueles que habitam no território municipal, possa reverter para uma rede alargada de estruturas que porá em prática uma polí-tica global de apoio generalizada de forma transversal à totalidade do território de Cascais. Quer isto dizer, em termos práticos, que a dinamização do apoio social se faria em linha com as reais necessidades do concelho de Cas-cais a cada momento, englobando uma estratégia de adap-tabilidade que permitisse a integração das mudanças e das alterações que a aplicação do próprio PDM vai implicar. Desta forma, ao invés de gerir casuisticamente e numa perspectiva passiva o conjunto e necessidades desta área, o município fica munido de uma ferramenta de aplicabili-dade transversal que, com encomia de meios e potenciali-

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zação das capacidades dos Cascalenses, gera um movi-mento permanente de equilíbrio que promove a equidade e a qualidade de vida no concelho.

g) Cultura

A nível a cultura, o desafio é mais vasto no que ao Plano Director Municipal diz respeito. A anomia crescente que caracteriza culturalmente o concelho, como consequência não só da data tardia em que foi aprovado o PDM actualmente em vigor, como também pela formulação que consagra um crescimento sem planificação, Cascais foi crescendo ao ritmo imposto pelo lucro imediato e pelo oportunismo de cada momento. Antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal, muitos munícipes ansiavam por um qualquer documento, dizendo de forma sublinhada que mais valia um mau PDM do que nenhum, e que a falta de regras claras e por todos reconhecíveis, promovia o caos em que o concelho se estava a envolver, com a imposição de uma ditadura administrativa que impedia um igual tratamento por parte de todos os Casca-lenses, em linha com o modelo casuístico, patriarcal e interesseiro que deu forma a urbanidade do Concelho. Mas depois de 1997, quando o actual PDM foi aprovado, ficou tudo na mesma, ou talvez pior. Basicamente porque um mau PDM, impedindo que a casualidade impere na gestão do Concelho, impele um conjunto de regras que foram pensadas e articuladas por aqueles que são simulta-neamente os autores do plano e que, desta forma, acabam por condicionar o articulado ao conjunto de interesses e

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de motivações que dão forma à sua orientação partidária. Ora o betão desmesuradamente e escabrosamente espa-lhado por Cascais até 1997 foi exactamente o mesmo que praticamente aniquilou o Cascais depois daquela data, sendo que se alteraram práticas e procedimentos para que tudo ficasse na mesma. A nível cultural, o desafio é, por tudo isto, imenso e exige que se recrie uma linha de cres-cimento determinante, a partir da qual seja possível reconstruir de forma cabal o edifício estrutural da identi-dade municipal. A cultura, necessariamente transversal a todas as áreas importantes do PDM, deverá encontrar neste plano um conjunto de estruturas que apoiem e fomentem a reconstrução de um conjunto de práticas e de conhecimentos que consolidavam uma cidadania activa, consciente e participante que sempre caracterizou o dia-a-dia nas diversas localidades que compõem a vivência Cas-calense. Como é óbvio, a gestão do espaço urbano, com a criação de um conjunto de equipamentos com influência no acesso à rede de cultura do Concelho, que começa nas escolas mas que se estende também às bibliotecas, aos centros de ocupação de tempos livres, às creches, aos museus e aos espaços e memória, é imprescindível na cor-recta fruição do Concelho de Cascais mas, sobretudo se tivermos em conta a vocação turística municipal, ela alar-ga-se a outro tipo de espaços que da mesma maneira con-tribuem para fundamentar as memórias municipais em torno de pólos de atracção que marquem de forma impac-tante quem nos visita e, simultaneamente, que sejam vivi-dos, conhecidos e sentidos pelos Cascalenses. Sintomático no que a este aspecto diz respeito, é o conjunto de pro-

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postas que esta versão do PDM contém acerca dos núcleos arqueológicos e arquitectónicos. À laia de um exercício propagandístico de preservação, a proposta em análise alarga o âmbito das medidas de protecção a aplicar, mas restringe de sobremaneira a especificidade dos locais que hão-de ser efectivamente protegidos. Atente-se, por exemplo, o que se propõe para o núcleo urbano consoli-dado do Monte Estoril, no qual das unidades de protecção dividem entre si um espaço coeso, reforçando a possibili-dade de casuisticamente se utilizarem bitolas diferentes na gestão do seu complexo patrimonial. Da mesma forma, por exemplo na arqueologia, o problema coloca-se na sequência de uma listagem que surge como elemento iden-tificador das peças patrimonialmente mais relevantes mas que, no que à sua aplicabilidade diz respeito, possui uma total incapacidade de espelhar a realidade efectivamente existente. Casos como o da Villa Romana de Freiria, em São Domingos de Rana, da Villa Romana do Alto do Cidreira, na Freguesia de Alcabideche ou das ruínas de Miroiços, junto da Manique, todos eles peças classificadas a nível Nacional, possuem enquadramentos urbanos dife-rentes, e características espaciais diferenciadas. A proprie-dade do que teoricamente se diz defender, ao ser de dife-rente origem, obriga a uma análise caso-a-caso, uma vez que a proposta que foi tornada pública se mostra incapaz de estabelecer um conjunto de regras que sejam agregado-ras do todo municipal.

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h) Educação e Identidade

Para a área da educação, ao nível da planificação estratégi-ca do desenvolvimento do concelho, convergem vários aspectos que permitem aferir da maior ou menor adequa-ção das políticas propostas com a realidade vivida no seu quotidiano pela população. Para ela convergindo aspectos basilares no edifício da democracia, da educação depende a capacidade crítica de compreender o espaço que nos rodeia e, mais importante ainda, a consciência de pertença ao mesmo. Em espaços nos quais a significação seja redu-zida, a tendência é para que o grau de ligação se esbata progressivamente e, desta maneira, aumentem os compor-tamentos desviantes, colocando em causa os equilíbrios sociais e o bem-estar geral da comunidade. Desta maneira, o processo de revisão do PDM é uma excelente oportuni-dade para reverter a situação que actualmente se vive em Cascais, num território com uma anomia crescente e uma descaracterização que tem trazido problemas variados ao nível da suburbanidade que representa neste momento pelo menos dois terços da área total do concelho de Cas-cais. O grande desafio associado à educação, perspecti-vando geracionalmente a flutuação populacional do Con-celho de Cascais, centra-se na capacidade de recriar no âmbito do Pano Director Municipal uma abordagem dinâmica que permita assegurar recursos suficientes nesta área e, consequentemente, um conjunto de medidas de compensação que assegurem o reforço da capacidade crí-tica por parte da população. Ao nível da escola, num modelo que segue os bons exemplos de outros países e

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municípios que ousaram reformar a sua escola como for-ma de alterar processos e praticas de cidadania, é essencial que Cascais seja capaz de impor uma marca de inovação no contexto nacional, assumindo a responsabilidade de gerir de forma global o conjunto de equipamentos e de recursos que à educação competem, devolvendo aos seus munícipes, de forma criteriosa e assumidamente impactan-te, a capacidade para decidirem qual é a melhor forma e o caminho maia adequado para darem corpo à educação dos seus filhos. Quer isto dizer, na prática, que como suporte a uma cidadania dinâmica e consciente que é essencial para o reforço da intervenção democrática e, desde logo, para a consolidação cívica da qual depende o bem-estar geral das populações, a educação deve ser regida a partir da formulação correcta daquilo que são os anseios, as necessidades, os sonhos e os projectos dos Cascalenses. É da definição destes critérios, necessariamente dinâmicos e adaptáveis pois eles próprios estão sujeitos às vicissitudes conjunturais que afectam o território, que resulta uma res-posta que é simultaneamente a mais adequada ao nível do cumprimento dos objectivos de qualidade pelos quais todos pugnamos e, por outro lado, é também aquela que melhor garante uma correcta rentabilização dos fundos e dos recursos necessários para que se cumpra este desidera-to. A liberalização do sector educativo, em linha com a gestão territorial que compõem em termos técnicos esta proposta de revisão do PDM, exige uma postura de gran-de realismo na forma como define os espaços e, também, no conjunto de critérios que preside à determinação das políticas de mobilidade, de segurança, de saúde e de edu-

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cação. Como é evidente, tudo isto acaba por ter repercus-sões no sector da educação sendo que ao assumir-se uma proposta que nada tem a ver com a realidade efectiva que se vive no território, se está a impedir que no sector da educação se cumpra num registo de excelência o propósi-to de planificar de forma equilibrada o crescimento sus-tentado de que Cascais tanto necessita. A gestão do patri-mónio, por exemplo, em moldes semelhantes àqueles que atrás descrevemos, exige uma comunidade criticamente activa e simbolicamente arreigada ao conjunto de conhe-cimento e práticas que dão forma ao devir quotidiano Cascalense. Sem uma escola que cumpra este legado de liberdade, com capacidade ecuménica de juntar famílias, escolas, autarquias e alunos num projecto que seja comum, dificilmente poderemos perspectivar um PDM que seja assente numa correcta gestão da totalidade Casca-lense.

i) Turismo

E se assumirmos a vocação turística de Cascais como pedra de fulcro do Plano Director Municipal, é evidente que todas as orientações políticas nas várias áreas de governação terão obrigatoriamente de se adaptar ao con-junto de necessidades específicas que resultam deste sec-tor de actividade. Na prática, ao assumir o turismo como vocação primordial de Cascais, recuperando a antiga mar-ca internacional do ‘Estoril’ e fundamentando a sua praxis num conjunto de medidas que consolidem o enorme pres-tígio que aquele nome ainda tem por todo o Mundo,

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estamos a proceder a um exercício que tem como objecti-vo primário o desenvolvimento de vários procedimentos que gerem riqueza que, depois de distribuída pelos vários sectores de actividade no Concelho, gerem recursos sufi-cientes para oferecer e garantir a todos os Cascalenses a qualidade de vida que desejamos. Ou seja, sem o assumir desta vocação, a dependência de Cascais relativamente a Lisboa vai crescendo ao ritmo das transferências estratégi-cas que vão sendo reconduzidas para a capital (veja-se o exemplo da concessão do jogo ou da antiga Junta de Turismo da Costa do Estoril), suburbanizando o concelho e impedindo-o de se defender condignamente das vicissi-tudes variadas que sempre vão dando forma à vida e à his-tória. A dinamização das políticas de apoio ao sector turís-ticos não é, por isso, um investimento exclusivo de todos os recursos numa só área de actividade mas antes, como já detalhadamente explicámos, um distribuição rigorosa de investimentos em todas as áreas directamente relacionadas com o bem-estar da população, ousando transversalmente colmatar deficiências que derivam da inexistências de um plano global de desenvolvimento para o Concelho, e que convergem para uma praxis quotidiana na qual segurança, educação, ambiente, património, saúde, cultura, activida-des económicas, apoio social, etc. se conjugam a partir de um plano que lhes assegura uma estratégia que conhecem e que reconhecem e que, por isso, desejam apoiar. O turismo é assim o cadinho a partir do qual se começa a trabalhar a nova linha de crescimento do Concelho, sabendo de antemão que ao assumir-se este sector como basilar no crescimento do município, ele vai acontecer a

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partir de uma correcta gestão das potencialidades, sem ris-cos de algumas se perderem em prol de outros objectivo desconexos, aproveitando todos os recursos e garantindo que os mesmos são os mais adequados aos vários momen-tos que a comunidade Cascalense vai atravessando. Só desta maneira, traçando um caminho que contorna positi-vamente os obstáculos que inevitavelmente se hão-de sobrepor à vontade dos Cascalenses, poderemos trans-formar o futuro da nossa terra de forma a oferecer a todos aqueles que nela nasceram, que nela habitam ou que meramente a vão visitando, um grau de conforto social e de satisfação que seja sinónimo de bem-estar. É por isso que, sendo a última das áreas, a actividade turística é simultaneamente o sector primário que explica tudo o res-to e que obrigatoriamente terá de ver espelhados os seus princípios na forma como se constrói, se recupera e se definem os ambientes urbanos em Cascais.

j) Indústrias e Actividades Económicas

Sendo certo que, tal como explicámos já de forma muito detalhada, economicamente Cascais depende do turismo, em linha com a afirmação de que assumir esta vocação turística é um passo essencial em sede do PDM para se assegurar o desenvolvimento concertado que todos dese-jamos, fácil se torna perceber que para que exista um ambiente empresarialmente saudável no concelho é essen-cial que se proceda a uma correcta reconversão do tecido empresarial Cascalense, dotando-o das ferramentas que garantem modernidade e capacidade de adaptação aos

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desafios sempre novos que vão surgindo mas, também, um grau de prosperidade e independência que contribua para o crescimento geral do município. Um levantamento exaustivo de tudo o que existe em Cascais (legal e ilegal) é assim condição basilar para que no Plano Director Muni-cipal possam estar contidas as linhas geradoras dessa mudança que sustentará o desenvolvimento municipal e simultaneamente assegura que não existem atropelos de qualquer ordem ao nível das restantes áreas de actividade no concelho. A promoção do licenciamento das unidades não licenciadas, a partir deste levantamento situacional e da legislação vigente, permitiria ao parque industrial casca-lense a reconversão de todo o material directamente res-ponsável pela degradação do ambiente concelhio, facto que se traduziria, de uma forma óbvia, num incremento estruturado ao desenvolvimento do município. Esta situa-ção, por demais evidente nas zonas menos beneficiadas do Concelho de Cascais, permitiria cumprir o objectivo de estender a qualidade associada ao regime de protecção que resulta do normativo associado ao Parque Natural de Sin-tra-Cascais, em linha com a necessária intervenção ao nível do micro-zonamento que necessariamente deverá resultar da aplicação das normas gerais presentes no PDM. No terreno, Cascais precisa de uma urgente inter-venção ao nível da definição da sua espacialidade territo-rial, recriando uma dinâmica de mudança que seja capaz de promover o nascimento de novos negócios, de expan-dir e fazer crescer os existentes e de simultaneamente minorar os impactos negativos que geralmente advêm de alguns tipo de actividades. Como é evidente, a correcta

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definição deste tipo de propostas, assente num rigoroso e exaustivo levantamento situacional, terá obrigatoriamente de se articular com a legislação em vigor e, sobretudo, com o conjunto de planos que se sobrepõem legalmente ao normativo contido no próprio PDM. Os espaços de transição, que urbanisticamente se afiguram importantís-simo para recriar a arquitectura de cenário na qual Cascais foi já uma referência em termos internacionais, redobram a sua importância quando nos debatemos com as activi-dades económicas, uma vez que sendo o seu impacto ambiental muito maior, exigem uma planificação muito mais assertiva de forma a garantir todos os preceitos atrás definidos.

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Um Caminho para Cascais

Estruturalmente desequilibrado, basicamente como resul-tado de várias décadas de um crescimento desmesurado e assente em pressupostos arbitrários (e muitas vezes con-traditórios entre si), Cascais vem sofrendo desde há muito do resultado de uma dicotomia profunda entre a pujança das suas zonas nobres, nas quais o investimento público assume grande importância e que desvaloriza necessaria-mente as zonas menos visíveis do seu território. Este facto é visível em centenas de infelizes exemplos que mostram bem a importância de se definir um caminho novo e dife-rente que marque com o cunho da qualidade o futuro des-ta nossa terra.

A formulação estética dos seus espaços urbanos, tem sofrido, ao sabor deste desequilíbrio, de um movimento ambíguo que, por um lado, assiste a uma espécie de recu-peração de um vasto conjunto de núcleos urbanos asso-ciados precisamente à vocação turística municipal, enquanto que, por outro lado, se assiste simultaneamente a uma acentuada degradação ao nível dos mais relevantes edifícios e monumentos associados à vivência antiga do Concelho de Cascais. Surpreendentemente (ou não), veri-fica-se que estes espaços nos quais a degradação grassa a um ritmo alucinante, são precisamente aqueles que, erra-damente protegidos por normativos incapazes de se adap-tarem à realidade efectiva do concelho, denotam um

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potencial de proveitos que exige o seu desaparecimento para que seja possível contornar os constrangimentos variados que políticas erradas lhes impõem. Nestes casos (e infelizmente Cascais tem centenas de casos deste tipo nos quais a destruição se associa a imensas perdas poten-ciais para todo o Concelho e para todos os Cascalenses), a degradação associada a estes passos é de tal forma inquie-tante que, para resolver o problema, a própria população entende que o seu desaparecimento é um mal menor, apoiando assim medidas que destroem a identidade muni-cipal mas sem que as mesmas sejam efectivamente senti-das pela população que permanece alheada destes cons-trangimentos. Como referimos anteriormente, o acesso aos bens de consumo e aos apoios estruturais vai dimi-nuindo a coberto do Plano Director Municipal que está em vigor, verifica-se a necessidade de promoção de novas formas de apoio à consolidação dos núcleos urbanos que se encontram degradados.

De facto, e sobretudo desde a entrada em vigor da actual versão do PDM, que a paisagem patrimonial do Concelho de Cascais se caracteriza essencialmente pela degradação que vem cada vez mais acompanhando o envelhecimento cronológico dos edifícios. Locais outrora famosos pela sua singularidade paisagística e arquitectónica, como é o caso do Monte Estoril, foram progressivamente perdendo a identidade associada à sua urbanidade, misturando ruínas da pujança de outrora com a forma desregrada que dá forma aos vistosos imóveis de agora, demonstrando pro-fundo desacordo entre si e promovendo uma descaracte-

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rização que, por si só, já é factor de extrema importância na degradação das condições de habitabilidade dos muní-cipes cascalenses. A transição de século e milénio que ain-da agora atravessamos, ao contrário daquilo que seria de esperar, tem trazido a Cascais um cada vez maior desres-peito pelos fundamentos da sua memória. A habitação, transportando consigo os resquícios de uma vivência de vários séculos, tem sido elemento altamente marcado pela negatividade deste sector, recriando dinâmicas novas de abandono, destruição, demolição e reconstrução que em nada contribuem para a dignidade urbana do município.

O Plano Director Municipal, enquanto espaço privilegiado para a recriação de um verdadeiro plano de conservação e de determinação tipológica dos edifícios, deveria conter formulações gráficas perfeitamente legíveis dos espaços que urge preservar e reconsolidar. Sem uma definição política que permita orientar os investimentos, jamais Cas-cais conseguirá readquirir o estatuto de qualidade que o desregramento dos últimos anos não tem conseguido criar.

Ora, na proposta que agora discutimos, assente num con-junto de formulações teoricamente excelentes mas que pecam por uma grosseira incapacidade de traduzir com rigor e determinação a realidade efectiva existente no terri-tório municipal, bate-se com uma pouco correcta defini-ção daquilo que é Cascais, do conjunto de potencialidades que urge rentabilizar e, sobretudo, do conjunto de pro-

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blemas muito sérios que constrangem actualmente o devir quotidiano no concelho.

A inclusão no Plano Director Municipal de orientações específicas ao nível da recriação do ambiente urbano das diversas localidades cascalenses, passando obrigatoriamen-te pela reconversão dos espaços existentes e, em situações pontuais em que a falta de qualidade seja um factor inibi-dor do progresso concertado, pela demolição dos erros urbanísticos anteriormente cometidos, para além de con-tribuir para incluir este município naquilo que são actual-mente as mais importantes directivas urbanas da Europa, permitiria a Cascais assistir a uma diminuição drástica do número de licenciamentos para novas construções, pro-movendo a ocupação regrada e sistematizada daquelas que existindo sem as características indispensáveis a uma ocu-pação de qualidade, passariam assim a obter os fundamen-tos que lhes permitiriam modificar-se. Defendemos, por isso, que o próximo PDM seja capaz de se traduzir num ritmo efectivo de requalificação do Concelho de Cascais, obviamente nas suas variadas vertentes, traduzindo o con-junto de valores, de princípios e de dinâmicas que deram forma à identidade municipal e que noutros tempos con-duziram a Região de Turismo da Costa do Estoril a uma posição cimeira ao nível internacional.

Ao nível da planificação, importa perceber quais são as características que Cascais hoje tem, em linha com uma correcta definição dos recursos de que pode fazer uso para, numa lógica de sustentabilidade global, podermos

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aferir caminhos alternativos ao nível da gestão do todo municipal. A principal questão que se coloca, quando che-gamos ao impasse que esta revisão do PDM propõe, é a de se saber se interessa ou não a Cascais alterar, aumen-tando ou diminuindo, o número de habitantes do Conce-lho. A resposta, como temos vindo a frisar ao longo dos anos, terá obrigatoriamente de passar por uma análise cui-dada daquilo que são as capacidades efectivas de ocupação territorial, cruzada com as possibilidades de reforço da sua estrutura produtiva (e da taxa de produtividade a ela asso-ciada). Esta ocupação, no entanto, não está restrita ao solo nem à disponibilidade de loteamento dos espaços vazios antes se prendendo com aquilo que emana dos recursos naturais de que podem usufruir os cidadãos que aqui habi-tam nos seus momentos de trabalho ou de lazer.

Na proposta que agora analisamos, e que de alguma maneira procura planificar o futuro de Cascais, é notória a preocupação excessiva com a natureza das ocupações potenciais dos espaços que ainda estão livros no concelho e não, como deveria ser, com a correcta gestão dos espa-ços já ocupados e que necessitam de uma intervenção requalificadora. Notória é, enquanto exemplo paradigmá-tico da forma forma cega como alguns perspectivam o desenvolvimento territorial Cascalense o recente (e muito polémico) projecto de criação de um pólo universitário nos terrenos ainda vazios situados na primeira linha de mar junto à Praia de Carcavelos.

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Não criticando a importância desse projecto e da criação em Cascais de um pólo universitário de excelência, parece-nos perfeitamente descabido que o mesmo seja colocado num espaço que até o bom senso mostra que deveria manter-se vazio e que, depois de expropriado aos seus proprietários, vai ser alvo de um processo que contraria o devir da história local e, principalmente, a vontade da própria população.

No caso em apreço, apesar dos macro-benefícios de que Cascais auferirá como consequência da criação do pólo universitário, teremos um conjunto de menos-valias que vão contrariar a lógica de recuperação que aqui defende-mos. Ao invés de planear a construção do pólo universitá-rio numa zona do concelho que precisa efectivamente de uma intervenção requalificadora (e temos tantas e tão cheias de potencial que se torna difícil perceber a razão da obstinada preferência pela frente de mar em Carcave-los…), o poder partidário que governa Cascais teimou em faze-lo naquele espaço que, desta maneira, perderá todo o potencial turístico, ambiental, estrutural, educacional e humano que possui actualmente.

Perde-se- assim um recurso do qual esta proposta de PDM nem sequer fala – a paisagem – ao mesmo tempo que não define quaisquer outros recursos potenciais que resultem precisamente do esforço despendido (contra a vontade da população) para construir um pólo universitá-rio em Carcavelos.

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E quando falamos de recursos, para além dos constrangi-mentos legais que necessariamente são impostos pela pre-sença das linhas de ano no País e também neste concelho, o principal a ter em conta, numa altura em que os equilí-brios ambientais do planeta fazem prever catástrofes ini-magináveis para o Homem que as provocou, é o da água. Elemento preponderante e fundamental na qualidade de vida dos cidadãos, a água é hoje um elemento que, ao con-trário do que sempre aconteceu neste Concelho escasseia em algumas povoações e localidades. A água de Cascais, oriunda de lençóis subterrâneos que se encontram quase totalmente afectados pela clandestinidade que desde há muito tomou conta do Concelho, é ainda afectada pelas ribeiras e riachos que correm, de norte para sul, atraves-sando inicialmente o Concelho de Sintra antes de entra-rem em território cascalense.

Quando planeamos o futuro de Cascais precisamos de saber qual é a água de que necessitamos para os projectos que estamos a defender? Quais são as perspectivas rela-cionadas com o seu consumo, com a sua distribuição e com a sua fruição por parte dos Cascalenses?

A sua parca expressão, nos dias de hoje em que as muitas solicitações obrigaram à sua rentabilização, torna-os prati-camente desconhecidos da maior parte da população, só se fazendo notar quando uma qualquer catástrofe promo-vida por uma enxurrada não prevista os faz transbordar, alagando e destruindo bens diversos e propriedades e pro-vocando danos materiais e humanos que obrigam a uma

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rápida consciencialização da sua existência. O actual Plano Director Municipal, neste concelho vocacionado para o turismo, para além das medidas que contém e que teori-camente deveriam impedir o desvirtuamento destes cursos de água, peca pela omissão de inúmeros destes trajectos, esquecidos em virtude do desconhecimento sistemático que resulta da inexistência de informação.

A intervenção hidrológica em Portugal, principalmente em equipas técnicas multidisciplinares que integram profissio-nais de diversas áreas e sectores, normalmente afectados pelos prazos e pela burocracia pesada que envolve o seu trabalho, tem-se pautado quase sempre pelo interesse especial que atribui à caracterização dos regimes dos rios e da sua variabilidade, com especial relevo para o problema das cheias, mais do que propriamente pelo estudo do fun-cionamento dos hidro-sistemas.

As alterações recentes aos equilíbrios hidrográficos Nacionais, como consequência da urbanização cerrada e da consequente necessidade efectiva de maior quantidade de água, tem levantando problemas graves que Cascais, poderá ver agravar-se ao longo dos próximos anos. A falta de planificação urbana que o Plano Director Municipal pode e deve contrariar, para além de todas as medidas mencionadas, é fundamental que se inicie o processo de levantamento informativo que permita perceber quais são verdadeiramente as capacidades de acolhimento de Cas-cais. A determinação destes factores, nesta época de mudança, permitirá, com base numa vontade política fér-

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rea, assumir as consequências politicamente negativas mas ecologicamente muito positivas de uma reconversão que garanta a todos o acesso àquele que é, com toda a certeza, um dos bens mais fundamentais à vida.

A avaliação das reservas hídricas de Cascais e as suas con-dições de restituição, aliada a uma correcta gestão do espaço construído e a uma fiscalização que implemente, de forma efectiva as directivas contidas no Plano Director Municipal, garantiria ao Concelho a possibilidade de melhorar de forma rápida e consequente a concretização dos planos Nacionais de regulamentação dos recursos hídricos, compreendendo melhor a dinâmica hidro-morfológica dos hidro-sistemas fluviais, actualmente bas-tante condicionada não só pelos factores climáticos e pedo-morfológicos, mas também pelas actividades huma-nas.

Simultaneamente, ao nível da vocação turística do Conce-lho, a reconfiguração da política de gestão dos recursos hídricos pressupõe um reenquadramento generalizado da paisagem de Cascais, sobretudo aquela que acompanha os cursos de água existentes e as actividades que tradicional-mente se associam a estes espaços, de forma a garantir que o uso deste recurso é correctamente utilizado, mas tam-bém enquadrado numa política de rentabilização que promova os recursos suficientes e necessários para dar forma à recuperação das zonas mais degradadas.

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A complexidade inerente a este problema, consequência primária das múltiplas condicionantes que afectam este tipo de sistemas, obriga as equipas técnicas que elaboram o Plano Director Municipal a demarcar não só a totalidade dos percursos fluviais ou dos meros riachos existentes no espaço concelhio, como também a determinar os seus flu-xos descontínuos que, como se sabe, estão sujeitos a uma modificabilidade que responde de forma adaptativa às influências da geomorfologia, da geografia física que caracteriza o local, da climatologia e da hidrologia pro-priamente dita. O que isto quer dizer, em termos do Plano Director Municipal é que a inclusão dos percursos even-tuais dos cursos de água é tão fundamental, enquanto elemento que atribui determinadas ferramentas para uma análise mais fina aos problemas, como os leitos conheci-dos, reconhecidos e normalmente dinâmicos. As zonas de cheia eventual, e os locais alagáveis afiguram-se como elementos fundamentais na determinação da gestão inte-gral do espaço concelhio, assumindo uma inegável impor-tância na recriação da qualidade de vida que de forma sub-linhada temos vindo a mencionar.

As zonas de alagamento junto aos leitos das ribeiras, onde por infelicidades sucessivas que afectaram Cascais ao lon-go das últimas décadas se construíram indevidamente diversos edifícios e outras edificações, são espaços possui-dores de um potencial que urge compreender devidamen-te e, posteriormente, de enquadrar em sede daquilo que é advogado pelo PDM. A Ribeira de Manique; a Ribeira da Castelhana; a Ribeira de Sassoeiros; a Ribeira das Maria-

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nas; a Ribeira dos Mochos; a Ribeira das Vinhas; a Ribeira da Cadaveira; e a Ribeira de Bicesse; são apenas alguns dos exemplos que deveria estar devidamente apontados nesta proposta de revisão do Plano Director Municipal e que, nessa linha, deveriam ser alvo de um conjunto de orientações que permitissem cumprir os objectivos defini-dos anteriormente. Para que tal projecto de carácter meri-tório possa ser concretizado, é fundamental que se proce-da à inclusão no Plano Director Municipal do conjunto do sistema hídrico de Cascais, incluindo aí a generalidade dos espaços eventuais que resultam da dinâmica própria do sistema de águas, numa perspectiva dinâmica que enqua-dre a mudança que prospectivamente sabemos que terá grande probabilidade de vir a acontecer.

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Viver em Cascais

A vocação turística de Cascais, elemento fundamental da orientação da estratégia urbana contida no Plano Director Municipal, fundamenta-se no já mencionado conjunto de potencialidades naturais do Concelho que se complemen-tam com diversos aspectos morfologicamente resultantes da intervenção do Homem.

A actuação humana em Cascais, como aliás tem aconteci-do em quase todos os sectores de vida no Planeta, caracte-riza-se sobretudo pelas transformações que impôs à paisa-gem natural e ao ambiente do Concelho. De facto, as bases orientadoras da vertente turística municipal, para além de uma enorme proximidade àquilo que são as carac-terísticas inatas do espaço, fundamenta-se num vasto con-junto de situações que resultaram da intervenção do Homem. Os espaços habitacionais, por exemplo, são aspecto importante desta vocação, uma vez que o parque patrimonial de Cascais, característico pela sua especifici-dade face a Lisboa e à generalidade das localidades do País, é resultante da modificação, em alguns casos abrupta, que foi imposta à natureza.

Os núcleos urbanos principais, ou sejam, aqueles que resultam de um devir histórico mais longo, são, nesta linha de razões, aqueles que melhor podem fundamentar a vocação do Concelho. Por um lado, e tendo em conta a

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sua história e a forma prolixa como se desenvolveram, estes aglomerados contém uma memória distante que agrega em si grande parte do sentir da população. Por outro lado, pelas características que foram adquirindo ao longo do tempo, estes espaços estão dotados da monu-mentalidade que compraz a sua génese antiga, cativando o visitante para um período de permanência mais dilatado e, assim, para a rentabilização dos investimentos avultados que obrigatoriamente deverão ser feitos nesta área.

Os outros espaços habitacionais, ou sejam, aqueles que pelas suas características não possuem as bases que lhes permitiriam inserir-se nesta dinâmica vocacional, deverão ser entendido e tratados no Plano Director Municipal como espaços de apoio. Nestes locais, e tal como tem acontecido, por exemplo, no vizinho Concelho de Oeiras, o tratamento urbanístico deveria incidir na sua requalifica-ção estrutural, criando uma mais-valia que sirva de apoio a todas as actividades que o turismo, pela necessidade que possui de se associar a elevados padrões de qualidade, exi-ge.

A reconversão das áreas urbana inseridas nesta classifica-ção, das quais fazem parte grande número das urbaniza-ções projectadas e construídas desde o início da década de cinquenta até à entrada em vigor do actual PDM no já longínquo ano de 1997, deveria obrigatoriamente passar pela criação de espaços verdes de qualidade e pela cons-trução de estruturas de apoio hoje essenciais, como é o caso de ateliers de ocupação de tempos livres, de espaços

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vocacionados para o apoio às comunidades que se encon-tram em regime pós-laboral, de centros de reconversão profissional e de escolas, que correspondam, pela sua pro-ximidade ao meio e à comunidade, à necessidade cada vez mais premente de se fundamentar uma cidadania que soli-difique a identidade municipal.

Nesta categoria de espaços, mais ainda do que nas zonas onde a génese histórica se afigura como traço fundamen-tal, é importante ainda que se proceda a investimentos que sejam sinónimo de uma consolidação de um melhoramen-to da qualidade de vida dos habitantes. As zonas de recreio e os espaços públicos, pelas características que possuem, influenciam de uma forma assaz curiosa a segu-rança, o conforto urbano e a harmonia social nos locais de habitação. A suburbanização que actualmente caracteriza o Concelho de Cascais, onde a faceta “dormitório” tem vindo a ganhar uma importância inaudita por um inexpli-cável processo de dependência paulatina face a Lisboa, obriga a que se recriem estas estruturas, sob pena de se passar a assistir a um fenómeno de anomia que contraria os parâmetros que regulam a verdadeira satisfação.

Uma terceira categoria de espaços urbanos, possivelmente aquela que (infelizmente) melhor caracteriza o Concelho de Cascais na actualidade, são os que consistem em urba-nizações recentemente projectadas e construídas sempre com um traço de incaracterística caracterização que as coloca ao nível daquilo que se foi fazendo amiúde na generalidade dos subúrbios de Lisboa. Principalmente

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após o início da década de noventa, Cascais conheceu um enorme incremento da sua área construída, tendo-se veri-ficado um drástico e estratégico aumento do número de licenciamentos municipais a urbanizações e a novos fogos residenciais.

Neste tipo de espaços, nos quais a qualidade raramente está em linha com o preço final de venda ao público, veri-fica-se que continuam a não existir as infra-estruturas básicas que envolvem a recriação da referida cidadania que, como explicámos já, é peça fundamental na consoli-dação da memória colectiva e da identidade municipal. Muito embora o estatuto económico e social dos novos habitantes destes espaços ainda lhes garanta, pelo acesso aos meios que permitem aceder à riqueza, um conjunto de parâmetros de vida que inibem determinados comporta-mentos, é certo que a progressiva descaracterização que acompanha o facto de grande parte destes novos muníci-pes não possuir qualquer espécie de ligação ao Concelho e à sua realidade social, tem contribuído também para a preocupante anomia que hoje ajuda a perceber os proble-mas variados com os quais se debate Cascais.

O Plano Director Municipal, enquanto elemento gerador de dinâmicas novas no seio do funcionamento estratégico do urbanismo cascalense, deverá obrigatoriamente enqua-drar os fundamentos desta nova expressão, mostrando de forma muito arreigada que Cascais só poderá reconstituir-se na sua vocação plena se, em primeiro lugar, conseguir recriar-se enquanto comunidade e enquanto edifício

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social. Os problemas ainda recentes de um aumento drás-tico da criminalidade, normalmente associados a um afas-tamento concreto entre os cidadãos e o seu local de habi-tação, deverão ser respondidos através de um aumento da qualidade de vida genérica de todos os que habitam no Concelho, de forma a assegurar uma satisfação que, pelo seu carácter colectivo, permita a Cascais reconstituir laços próprios de sociabilização.

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Ainda o Flagelo da Ilegalidade

Uma segunda categoria de espaço urbano, essencial na política municipal dos últimos anos e mal enquadrada pela regulamentação do Plano Director Municipal que está em vigor, é aquela que se prende com a ocupação clandestina do espaço territorial do Concelho, com os consequentes loteamentos ilegais e, sobretudo, com a pretensa reabilita-ção que se tem promovido, reconvertendo a ilegalidade em “Génese Ilegal”.

Sabendo que é extremamente difícil abordar de uma for-ma politicamente correcta aquilo que é o resultado de uma atitude de incúria e laxismo que caracterizou o Concelho de Cascais durante muitos anos, permitindo a consolida-ção da estruturação de verdadeiras redes de loteamento ilegal do espaço, é fundamental que a actual revisão do Plano Director Municipal possa fornecer orientações que permitam inverter a situação e, a partir de um conjunto de práticas requalificadoras que alterem de forma pragmática o desregulamento que caracteriza estes espaço no nosso concelho, sejam capazes de resolver definitivamente este autêntico flagelo.

Em primeiro lugar, e sobretudo no que concerne a espa-ços como estes nos quais a infra-estruturação praticamen-te não existe, e nos quais os índices de qualidade se situam abaixo do que hoje se considera o mínimo admissível, é

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imperioso perceber – e assumir - que esta situação resulta de práticas ilegais desenvolvidas por aqueles que hoje os ocupam. De facto, a grande falta de qualidade urbana nos espaços clandestinos, mais do que a qualquer processo de incúria por parte dos serviços camarários, fica a dever-se à forma como determinados cidadãos ultrapassaram a lei e, furtando-se às obrigações determinadas pela assunção da sua cidadania, construíram as suas habitações ou oficinas de forma precária e incoerente.

Em segundo lugar, porque grande parte destes espaços se encontram já completamente consolidados, é importante perceber que a sua integração na estratégia dinâmica do Plano Director Municipal é fundamental. Para que isto possa acontecer, sem que daí resulte qualquer espécie de encargo ou penalização para todos aqueles que cumpriram integralmente as suas obrigações legais, é importante que a reconversão seja suportada integralmente pelos prevarica-dores, sobretudo no que diz respeito à requalificação arquitectónica e paisagística dos espaços. E é sobretudo essencial que tal prática seja assumida não como uma opção para quem desejar requalificar, mas sim como uma obrigação, uma vez que de tal situação resultam malefícios que afectam transversalmente a realidade Cascalense.

Por último, e no que diz respeito às responsabilidades públicas municipais, é fundamental salientar que a última palavra neste processo deverá sempre caber à Câmara Municipal de Cascais e às diversas Juntas de Freguesia do Concelho, as quais deverão saber assumir os encargos ine-

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rentes à recriação das estruturas necessárias à consolidação da qualidade de vida daqueles que ali habitam.

A vocação turística do Concelho de Cascais, por muito que continuemos a ouvir o argumento de que os proprie-tários deste tipo de construções pagaram já as multas constantes na Lei e que, por isso mesmo, deverão ter direitos iguais aos dos restantes munícipes que cumpriram as suas obrigações, não se compadece com a existência de vastas áreas do município nas quais a requalificação se faz exclusivamente à conta do erário público e nos espaço exteriores dos loteamentos. A reconversão destes locais, que deveria obrigatoriamente estar contida neste Plano Director Municipal, obriga a intervenções profundas e muito prolixas, nas quais a coragem interventiva se demonstra fundamental. Mais do que construir novos espaços que sirvam de apoio à reconversão dos que já existem, os espaços clandestinos deverão ser alvo de acções de limpeza integral das características que se mos-trem inadequadas à vocação do Concelho. O que isto quer dizer, é que o Plano Director Municipal deverá necessa-riamente recriar determinado número de parâmetros que se verifiquem fundamentais para a inclusão tipológica das habitações no parque patrimonial do Concelho, reservan-do-se o direito de demolir e obrigar à reconstrução de todas as estruturas que não cumpram estes quesitos míni-mos. Este princípio de actuação é obviamente fundamen-tal, sobretudo se atendermos ao facto de que, actualmente, quem está a pagar as consequências negativas para o Con-celho de Cascais destes inúmeros incumprimentos são

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precisamente aqueles que, mesmo tendo podido aprovei-tar-se da situação laxista de outrora, teimaram em cumprir integralmente as suas obrigações. Este encargo acrescido que os cidadãos de Cascais suportam para ajudar à conso-lidação da sua municipalidade, é uma factura pesada que inibe todos aqueles que aqui habitam de perceber uma política municipal que, a todo o custo e com as verbas necessárias à oferta das condicionantes que todos necessi-tamos para viver melhor, oferece aos incumpridores as regalias próprias que os outros tiveram de pagar.

Como é evidente, e nós próprios não nos cansamos de o sublinhar, sabemos que é muito difícil lidar com este enorme problema. No entanto, e porque o futuro de Cas-cais passará, após a revisão deste Plano Director Munici-pal, pelas regras urbanísticas por ele impostas, não se pode também fechar os olhos à ilegalidade, promovendo a con-tinuidade do descontrole urbanístico, nem tão pouco a forma pouco cuidada como se promove a legalização maciça de todos estes espaços degradados. As regras con-tidas no actual Plano Director Municipal promovem a continuidade da ilegalidade, sempre encoberta com a capa da “génese ilegal” mas que, em termos concretos, acaba por resultar na legalização integral dos loteamentos ile-galmente criados, sem qualquer espécie de cuidado prévio com a criação das condições básicas que lhe permitiriam a inserção qualitativa na vocação do Concelho de Cascais.

O procedimento, que a actual revisão deverá contrariar, permite que os antigos loteamentos sejam considerados

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em vias de legalização, tornando-se assim legais a totalida-de dos lotes, incluindo os construídos e aqueles que ainda se encontram por construir. A generalidade dos edifícios já edificados é assim, pelo menos teoricamente, alvo de um processo de reconversão, que passa sobretudo pelo pagamento das taxas devidas e pela ligação à rede pública de saneamento, enquanto os lotes não construídos ficam imediatamente aptos para futuros projectos de construção. Neste preciso momento, e é fundamental não esquecer-mos que nos encontramos em pleno Século XXI, existem em Cascais dezenas de imóveis legalizados desta forma que estão presentemente (e constantemente) em constru-ção. Sendo considerados de génese ilegal, estão à priori dispensados do cumprimento das normas regulamentares urbanísticas que deveriam promover a criação de um fun-damento de qualidade para o Concelho, regendo-se pelos Planos de Pormenor associados à emissão dos alvarás às AUGIS nas quais se inserem.

Ao abrigo deste tipo de procedimentos, são já vários milhares os lotes de génese clandestina que foram legali-zados e reintegrados no tecido urbano dito consolidado de Cascais. Como é fácil de perceber através de uma análise mesmo pouco cuidada à realidade que actualmente – depois da legalização – caracteriza esses espaços, a genera-lidade deles foi, em termos da sua imagem externa, pro-fundamente alterada, sendo agora visíveis as estradas e os passeios, que melhoram substancialmente o seu aspecto exterior. Mas em relação às casas propriamente ditas, é também bastante fácil verificar que as mesmas se encon-

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tram em termos da sua evolução, num estado muito mais acentuado, apresentando na generalidade dos casos acres-centos e evoluções que, contrariamente àquilo que seria de esperar, demonstram que a legalização pressupôs um aumento da área construída e não o contrário. No que concerne às suas características tipológicas, é preocupante a observação de que grande parte dos pormenores arqui-tectónicos de cada um dos imóveis, nomeadamente as decorações em azulejos, os muros de altura excessivas, as pinturas multicolores, a utilização de aproveitamentos de cantarias, e as inúmeras ameias, torreões, e sinetas, desvir-tuando aquilo que são as características básicas da edifica-bilidade cascalense, se mantêm após ter sido concretizado o processo reconversivo.

Assim, se é indiscutivelmente verdade que se torna difícil abordar uma reconversão profunda das dezenas de bairros ilegais do Concelho de Cascais, sobretudo pelas conse-quências sociais que tal acção acarretaria, é também fun-damental perceber que a verdadeira requalificação destes espaços, pelo menos garantindo um mínimo de capacida-de integrativa que permita a sua correcta inserção no teci-do social e urbano do Concelho de Cascais, é empreendi-mento de fácil concretização através da criação de um quadro tipológico neste Plano Director Municipal ao qual se possam ir adaptando os imóveis.

Por último, e ainda no que concerne a este preocupante problema que afecta o Município de Cascais, é fundamen-tal reflectir de uma forma isenta e independente sobre

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aquilo que serão as taxas de crescimento da população, com base nos parâmetros e nos indicadores que nos for-necem as acções de reabilitação urbana dos espaços clan-destinos. Tal como acontecia com a versão de 1997, que ainda se encontra em vigor, a proposta que actualmente analisamos é omissa no que a esta questão diz respeito e, por isso, mesmo que em termos teórico,s toda a proposta seja assente em excelentes parangonas que parecem asse-gurar uma correcta gestão da realidade municipal, na prá-tica é essencial que se perceba que não existindo estes dados de base se torna completamente impossível cumprir quaisquer objectivos teoricamente formulados (mesmo que pareçam excelente).

A já referida legalização forçosa e forçada dos loteamentos clandestinos, incluindo espaços construídos e por cons-truir, está a promover a continuidade de crescimento das áreas que documentação oficial chama “espaços de génese ilegal”. A realidade visível, principalmente em zonas tão sensíveis como toda a área envolvente de Polima e Outei-ro de Polima, é que as edificações que se encontram ago-ra em fase de acabamentos, e que foram construídas já depois da institucionalização deste Plano Director Muni-cipal, para além de manterem as características tipológicas das verdadeiramente clandestinas que as precederam, alar-gam de sobremaneira o espaço edificado. De acordo com estudos preliminares realizados com base em censos não oficiais, é possível determinar um crescimento urbano nestes espaços legalizados que rondará os 50% da actual área construída. Ora, como se sabe, um acréscimo desta

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ordem, pressupõe um aumento brutal do número de habi-tantes que, conforme facilmente se verifica, continuarão a ser servidos pelas mesmas estradas, pelos mesmos esta-cionamentos, pela mesma polícia, pela mesma estação de correios, pelo mesmo hospital, pelo mesmo centro de saúde, pelo mesmo mercado abastecedor, que estava ao dispor de uma população muito mais reduzida que actualmente ali vai habitando.

A reconversão dos espaços clandestinos (note-se que falamos de ‘reconversão’ dos espaços clandestinos e não, como até agora tem acontecido, da sua mera legalização), actividade de importância crucial para a consolidação da vocação turística de Cascais, deverá iniciar-se através da criação de especificidades técnicas no Plano Director Municipal que suportem uma verdadeira requalificação das áreas degradadas. Para tornar efectivas estas medidas, e obviamente obrigando a um acto de coragem política, é necessário proceder-se a uma correcta inclusão deste tipo de espaços na estrutura urbanística do PDM, assumindo a sua raiz e recriando um articulado que seja capaz de res-ponder às suas especificidades; à demolição de todas as obras ilegais que continuam a surgir em torno dos espaços entretanto legalizados; à reconversão arquitectónica dos imóveis que se destaquem negativamente pela incapacida-de de integração nas características tipológicas do patri-mónio cascalense; e a recuperação ambiental e urbanística prévia destes bairros, fornecendo-lhes as condições bási-cas em termos de qualidade que lhes garanta um verdadei-ro enquadramento.

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Entretanto, e no que diz respeito à capacidade de efectivo crescimento do número de fogos construídos, nestes espaços clandestinos e naqueles que legalmente vão sur-gindo em vastas áreas do Concelho, é fundamental frisar a necessidade de esta revisão do Plano Director Municipal se alicerçar num reconhecimento profundo da capacidade de resposta das infra-estruturas municipais. Na proposta de regulamento actualmente em análise, sublinham-se (e muito bem) um conjunto de condicionantes que afectam a correcta gestão do espaço mas, em temos muito práticos, não existe qualquer espécie de estratégia que nos permita aferir se na realidade esses valores e princípios são correc-tos e aplicáveis. Desta maneira, apesar de ser possível desenvolver um Plano Director Municipal a partir de uma série de excelentes ideias e princípios teóricos propagan-disticamente bem apresentados, o certo é que eles de nada valem se não tiveram, ao nível da realidade do terreno, uma ligação efectiva e muito pragmática.

O saneamento; a rede pública de distribuição de água, de gás e de electricidade; o escoamento viário; o parque esco-lar; o apoio hospitalar; o estacionamento; e os espaços verdes; antes de qualquer outra medida, deverão ser elen-cados e equacionados, uma vez que sem existir capacidade de resposta a este nível, dificilmente se perspectiva uma assunção eficaz da vocação do Concelho e, sem que isso aconteça, é quase impossível zelar pela qualidade de vida daqueles que aqui habitam ou trabalham.

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A continuidade desta política de legalização forçada e des-regrada destes espaços, mesmo que fundamentada na necessidade de oferecer aos que prevaricaram sem que o poder político tenha tido oportunidade de os fiscalizar, as condições de vida mínimas que lhes garantam qualidade, vai obrigatoriamente acarretar uma diminuição da quali-dade de vida dos que, mesmo cumprindo integralmente as suas obrigações, se vêm agora compartimentados entre os muitos constrangimentos que dão forma ao fenómeno que vai grassando em consequência da crescente descarac-terização municipal.

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A Funcionalidade da Planificação Estratégica

Municipal

Após termos abordado, desta forma linear, aquilo que consideramos que são as orientações programáticas mais importantes relativamente ao planeamento urbano de Cascais, e que deveriam ficar contidas na revisão que actualmente se está a promover ao Plano Director Muni-cipal de Cascais, abordaremos agora, de uma forma apro-fundada, a regulamentação e a funcionalidade do plano ao longo dos últimos anos de vigência.

É fundamental, ao abordar este tipo de problemas, que se tenha em consideração o conjunto de princípios e de orientações previamente estabelecidas, bem como as solu-ções propostas no âmbito da recriação de uma qualidade de vida acrescida no Concelho e da concretização da sua vocação primordial.

Em termos objectivos, a regulamentação que enforma o Plano Director Municipal de Cascais peca, logo à partida, pelo facto de raramente se ter feito sentir no processo decisório quotidiano do município. Assim, grande parte dos fundamentos que se encontram contidos neste docu-mento, para além de se apresentarem perfeitamente des-conectados com as necessidades mais prementes do Con-

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celho, têm contribuído, de forma decisiva, para que se tenha assistido a um paulatino aumento da descaracteriza-ção e da degradação urbana de Cascais. É muito interes-sante, de facto, o princípio assumido logo nos primeiros artigos desta proposta de revisão em que se refere que o PDM “estabelece a estratégia de desenvolvimento territo-rial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional, regional e sectorial e estabe-lece o modelo de desenvolvimento e de organização espa-cial do território”. Esse modelo de desenvolvimento, cen-trado estrategicamente num conjunto de pilares que con-fluem para a realidade municipal existente, deveria conter em si próprio a definição integral do pensamento político dos seus autores, de modo a que o principal resultado da aplicação deste documento, na eventualidade de ser apro-vado e de vir a entrar em vigor, fosse uma gestão correcta dos recursos municipais, em linha com as necessidades efectivas apresentadas pelo concelho. Mas não é assim.

Por isso, é essencial que antes de aprovar a proposta que está em discussão, se proceda a uma análise de todos os factores que implicam directamente nesta concretização, salvaguardando, em nome de uma complementaridade que se afigura fundamental, a necessidade de se promover uma permanente ligação com as medidas orientadoras que atrás mencionámos, as quais deverão fornecer ao Conce-lho uma orientação específica que atribui objectivos con-cretos ao regulamento.

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Centrado num conjunto de premissas teóricas que já caracterizámos como excelentes, esta proposta de revisão do PDM apela à sustentabilidade do concelho, indicando que o faz numa óptica de coesão territorial. Para garantir o cumprimento deste pressuposto, os autores do plano sub-linham logo no Artigo 1º que “[o PDM] estabelece a estra-tégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integra e articula as orientações estabele-cidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional, regional e sectorial e estabelece o modelo de desenvolvimento e de organização espacial do território”. Mas, na prática, não é capaz de assumir estes pressupostos de forma prática nem tão pouco de pragmaticamente elencar a informação em que assenta para os sustentar. No que à orientação estratégica diz respeito, e sobretudo no que concerne à planificação dessa gestão ao longo do período em que vigorará o futuro plano, esta proposta é omissa ao nível da sua definição, mostrando que para os seus autores a vocação municipal é assunto de segunda importância e que se definirá a partir de um conjunto e vicissitudes que hão-de consolidar-se naturalmente ao longo do tempo e que não estão desde já identificadas. Mais à frente, procurando possivelmente consolida esta perspectiva de inovação e modernidade mas sem o cuida-do de salvaguardar o pragmatismo que transformaria estas ideias em verdadeiros projectos e não, como agora acon-tece, como parangonas de propaganda que não tem a ver com a realidade municipal, referem de forma taxativa o

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conjunto de eixos e objectivos que enformam esta pro-posta de revisão: a) Cascais, território com qualidade de vida urbana;

i) Promover a compacidade e policentrismo do território; ii) Criar espaços públicos de qualidade e de proximidade; iii) Promover a conectividade territorial.

b) Cascais, território de criatividade, conhecimento e ino-vação:

i) Estimular a competitividade e a cooperação, criando novos nós de valor

acrescentado; ii) Estimular a actividade económica de elevado perfil.

c) Cascais, território de valores ambientais: i) Reduzir a pressão sobre os recursos; ii) Encorajar e facilitar a consciência ecológica.

d) Cascais, território coeso e inclusivo: i) Apostar na diversidade social; ii) Fomentar a dinamização social inclusiva.

e) Cascais, território de cidadania activa: i) Impulsionar a democracia de proximidade.

Mas analisemos detalhadamente estes pressupostos para verificarmos a sua exequibilidade. Começa o autor por apelar à compacidade e ao policentrismo do território, numa clara alusão ao conjunto da estrutura urbana conso-lidada de Cascais, assente numa vivência histórica cuja génese se perdeu nas faldas do tempo, mas que, por força do seu impacto na definição da Identidade Municipal, acaba por ser essencial na compreensão das dinâmicas sociais do concelho. Sendo certíssimo este princípio, aliás advogado por nós amiúde em vários registos e em propos-

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tas concretas que sempre caíram no saco roto do poder partidário que gere Cascais, ele é, por um lado, totalmente impraticável no Cascais actual, mercê de dezenas de anos de desregulamento urbano que transformaram por com-pleto à fácies da nossa terra e, por outro lado, tendencial-mente falacioso se considerarmos os diversos elementos que compõem esta proposta de PDM e a inexistência de uma orientação específica que perspective a sua imple-mentação. Vejamos, a título de exemplo, o que acontece com a definição estratégica das unidades territoriais que, tendo sido traçadas certamente a régua e esquadro sobre um mapa qualquer, desvirtuam o cenário municipal e des-respeitam grande parte das estruturas consolidadas efecti-vamente existentes no Concelho. Já apontámos o exemplo de Quenene, na Freguesia de São Domingos de Rana, mas o mesmo se passa no Monte Estoril, na Malveira-da-Serra, em Birre, na Torre, em Alcabideche, na Adroana, nas Almoínhas Velhas, em Alvide, nas Fontaínhas, no Bairro de São José, em Bicesse, em Polima, em Outeiro de Poli-ma, no Cabreiro, em Murches, na Charneca, em Talaíde, na Parede e em Carcavelos…

Logo no ponto seguinte, como se se tratasse da mesma realidade, a proposta refere que é seu objectivo criar espa-ços públicos de qualidade e de proximidade. Sendo mais um excelente princípio teórico com o qual parece fácil concordar, o certo é que nada no restante plano assegura o seu cabal cumprimento, sendo certo que a qualidade que se refere neste ponto terá de ser, quer queiramos ou não, o ponto-chave na definição do conjunto de critérios que

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darão corpo à aplicação prática das medidas aqui advoga-das. Em linha com esta formulação, não se esqueceram os autores do plano de apelar à mobilidade, considerando que a conectividade territorial é imprescindível no cum-primento do objectivo de garantir qualidade generalizada e coesão ao todo municipal. Mas na prática, assente no con-junto de propostas efectivas contidas nesta proposta, o certo é que essa conectividade não se encontra plasmada no conjunto de medidas orientativas presentes no plano, nem tão pouco assenta em qualquer espécie de dinâmica associada ao assumir de um caminho eficaz, de uma voca-ção para o concelho. Na senda deste pressuposto, os auto-res do plano ainda advogam qualquer coisa que denomi-nam como nó de valor acrescentado, de forma a estimular a competitividade e a cooperação, da mesma maneira que, mais à frente, referem a actividade económica de elevado perfil como sendo objectivo essencial na orientação que deram a este proposta de revisão do plano.

Sendo certo de que esse é o caminho para Cascais, como atrás expusemos e em linha com a perenidade de um con-ceito que assenta na salvaguarda dos valores essenciais da Identidade Municipal, parece-nos lógico que o apelo a este tipo de valores e de dinâmicas se configure num plano que preveja de forma pragmática a sua exequibilidade. Ora, conforme uma análise minimamente coerente do conjunto de documentação anexa a esta proposta facilmente mos-trará, não só não existe nenhuma relação entre este princí-pio teórico e a afirmativa realidade subjacente, como tam-bém ao nível da orientação programática, não existe em

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sede deste novo PDM, qualquer lógica que permita a sua concretização no horizonte temporal a que ela diz respei-to. A denominada actividade económica de alto perfil, depende efectivamente da estrutura orgânica que dá forma à planificação estratégica do concelho. Ou seja, se a opção for a de transformar Cascais num mero dormitório em linha com o que acontece com vastas áreas integradas na Região de Grande Lisboa, enão o alto perfil mencionado terá obrigatoriamente de ser aquele que melhor se compa-tibilize com a existência de massas enormes (e disformes) de munícipes que diariamente abandonam o território pela manhã, para se dirigirem para a capital onde vão em busca do seu sustento e que regressam ao final da tarde para virem dormir nas suas casas. Como é evidente, e Cascais tem vindo a discutir este assunto pelo menos desde mea-dos do Século XX, o assumir do turismo como vocação municipal altera de forma brutal estes pressupostos, exi-gindo que o tal perfil elevado se enquadre noutro tipo de dinâmica e noutro tipo de realidades.

A nível ambiental, que é outro dos eixos identificados pelo autor desta proposta de alteração do plano, as circunstân-cias são ainda mais agravadas, pois a definição de critérios ambientais de elevada qualidade, em linha com aquilo que está contido no normativo associado à criação do Plano de Regulamento do Parque Natural Sintra-Cascais, exige a observância de uma série de medidas que pura e simples-mente não existem neste documento. Falamos, como é evidente, do conjunto de potenciais intervenções requali-ficadoras ao nível dos espaços urbanos consolidados e que

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se encontrem descaracterizados mas que, com a proposta politicamente propagandística que temos sobre a mesa, se afiguram como meros apêndices descritivos e não, como deveria ocorrer, como normas efectivas de protecção das pré-existências associadas às práticas de renovação e de requalificação que permitiriam alcançar esses parâmetros de qualidade. Falar da redução da pressão sobre os recur-sos, quando não se definem de forma criteriosas que recursos são esses e, por outro lado, sem se assumir de forma sustentada uma previsão daquilo que será a evolu-ção da realidade Cascalense (pelo menos) ao longo da próxima década, configura um exercício falho de realismo e, por isso, condenado ao insucesso. Noutro prisma, a consciência ecológica que o autor coloca nesta proposta, e que surge em linha com o objectivo anterior, exige a con-solidação da identidade municipal, formatada a partir de uma capacidade crítica que promova uma efectiva partici-pação cívica dos cidadãos em cenários que sejam inques-tionavelmente impactantes no devir do território munici-pal. Não o sendo, porque isto nada tem a ver com os exercícios fátuos dos orçamentos participativos, nem como a transformação da política municipal num palco onde tudo decorre ao sabor da propaganda e da agitação das massas, torna-se incompreensível que num plano des-te género o apelo à consciencialização ambiental seja feito a partir de pressupostos de base que, pura e simplesmente, não existem e que nenhuma relação têm com a efectiva realidade que dá forma ao quotidiano no concelho.

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A diversidade social de que se fala nesta proposta, obriga-toriamente com o sentido ecuménico que Cascais sempre soube dar-lhe, é assim radicalmente diferente da mera criação de estruturas de apoio assistencial que não conhe-cem nem reconhecem as pessoas que compõem essa rea-lidade. Esse exercício de cidadania activa, cumprindo o objectivo de transformar Cascais num município verdadei-ramente inclusivo, pressupõe que existe uma real dinâmica social, num espaço concelhio marcado pela significação profunda e por uma política de fomento e valorização as potencialidades pouco aproveitadas da comunidade local. Como é evidente e como atrás explicámos (ver proposta sobre o sector da educação e cultura), o único caminho que garante o cabal cumprimento deste pressuposto é através da gestão integrada das escolas a partir de uma pla-taforma que entrega às famílias a gestão dos seus percur-sos de vida, em linha com as mais modernas dinâmicas que foram postas em práticas em vários países da Europa. Ora em Portugal em geral, e em Cascais em particular, essa é uma conquista que ainda não foi feita e sobre a qual tem sido transversal a vontade de todos os partidos em não deixar que ela se concretiza de forma efectiva. Possi-velmente por medo de assim perderem o controle do apa-relho, sabendo de antemão que a educação é uma arma terrível que permite alcançar a liberdade e, mais importan-te ainda, a libertação dos povos perante os seus opressores (sejam eles quais forem), Portugal perdeu já 41 anos de democracia sem ser capaz de reproduzir um sistema edu-cativo verdadeiramente democrático e livre. Ora, como é evidente, para existir em sede do Plano Director Munici-

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pal, um conjunto de orientações políticas que cumpra este objectivo, necessário se torna que a gestão dos activos relacionados com as potencialidades das populações seja feito não na perspectiva de assistencialismo paternalista que hoje caracteriza a acção social no concelho, mas sim numa lógica de levantamento exaustivo e de reconheci-mento das potencialidades da população, criando então instrumentos de gestão territorial que promovam a renta-bilização a partir do fomento da responsabilidade indivi-dual. De outra maneira, sendo aplicado desta forma sim-plista e tal como surge na proposta que agora analisamos, num instante incorremos no mesmo erro que conduziu a Europa, já em várias ocasiões, para regimes totalitaristas, ao abrigo de um apoio do qual as pessoas dependem, mas que não lhes assegura nenhuma capacidade de afirmação perante o poder. Sem liberdade, não existe democracia e, sem esta, não faz sentido apelar a um Cascais coeso, equi-librado e profícuo economicamente porque ele não pode-rá nunca tornar-se numa realidade evidente.

O mesmo se aplica, como é evidente, ao sempre bonito mas pouco compreendido conceito da democracia e pro-ximidade que se diz ser um dos objectivos estratégicos desta proposta de revisão do PDM. Entendendo a gestão da coisa pública como uma espécie de jogo cujas regras vai criando e recriando a partir das necessidades conjuntu-rais com as quais se vai debatendo, o poder partidário que rege Cascais entorpece os cidadãos com uma série de grandes parangonas de cunho bombástico que dão a impressão de serem coisa importante e às quais vale a

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pena pertencer. O já mencionado orçamento participativo é disso um infelizmente bom exemplo, pois distorce a rea-lidade que lhe dá forma para sustentar uma posição que não corresponde á verdade e que não tem correspondên-cia no quotidiano Cascalense. O exercício da democracia, na perspectiva de abertura e respeito pela opinião alheia, nada tem a ver com a definição dos espaços urbanos na sua vertente mais imediatista, pois exige um conjunto de práticas humanizadoras que não estando contidas nesta proposta de revisão do Plano Director Municipal, deve-riam estar e é importante que estejam. Estamos a falar, como é evidente, de um conjunto de intervenções ao nível dos espaços e dos equipamentos que são, por si só, gera-dores de comportamentos e de dinâmicas de comunicação social e de formulações diversificadas de comportamen-tos.

O respeito pela diferença, consubstancie-se ela (ou não) em práticas e procedimentos que em termos práticos ponham em causa o edifício que sustenta a nossa própria forma de pensar e de ser, consolida a utilização pública do espaço territorial municipal de forma a gerar relações. Numa primeira linha, essas relações são meramente indi-cadoras da criação de laços interpessoais, consolidando um comunitarismo que é essencial para que o ser humano possa sobreviver. Depois, há que vincula-las ao espaço e à realidade física envolvente, numa dinâmica mutualista de interacção que promova a fruição do espaço, não como coisa que pertence a terceiros, mas sim como parcela que nos pertence. É esse sentido de pertença, por um lado ao

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espaço e, por outro, aos outros que connosco compõem uma comunidade coesa, que fundamenta a possibilidade de se utilizarem estratégias de médio e longo curso para fomentar a cidadania participativa e a identidade de um concelho. No que a Cascais diz respeito, a anomia gritante que vem crescendo ao longo dos anos, agravada em época recente como resultado da crise generalizada que tem assolado Portugal e o dia-a-dia dos Portugueses, tem con-solidado uma vivência suburbana e de autêntico dormitó-rio no concelho. Atente-se aos fenómenos radicais e de margens que vão pontuando aqui e ali o devir quotidiano em Cascais, e depressa se perceberá que nada do que teo-ricamente é defendido nesta proposta de PDM pode ser implementado sem ser acompanhado de medidas efectivas que pragmatizem o discurso meramente populista que aqui acontece.

Na sequência deste conjunto de pressupostos, o autor do plano ainda apela à consolidação dos perímetros urbanos, contenção da expansão urbana, reforço de centralidades, reestruturação interna dos aglomerados urbanos e comba-te à construção dispersa. Incriticável, por ser esse o cami-nho que permitiria a Cascais reforçar a sua vocação, importa analisar de forma congruente a incompatibilidade imensa que existe entre este conjunto de ideias e a demais documentação que faz parte desta proposta. A consolida-ção dos perímetros urbanos, na senda do reforço das suas especificidades que nasceram como consequência da sua história e das vicissitudes que deram forma ao seu devir quotidiano, exige uma correcta identificação, associada a

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um exaustivo inventário de todos os elementos que dão forma à identidade local. Acontece, por exemplo, na loca-lidade do Monte Estoril, na extinta freguesia com o mes-mo nome, cuja identidade se fundamenta num processo de todos conhecido e reconhecido e assente num trans-versal mérito. Mas aqui, no que a esta proposta diz respei-to, a opção é, não a de consolidar o território, aproveitan-do a coesão interna do seu perímetro histórico, mas fazer precisamente o contrário. Ao subdividir a realidade local em várias unidades operativas, constituindo uma espécie de micro-zonamento, associando imóveis de característi-cas variadas, o autor do plano está a promover a desarticu-lação da localidade, contrariando este objectivo que for-mula teoricamente no seu regulamento. A contenção da expansão urbana, por seu turno, exige que se faça preci-samente o inverso daquilo que este plano confere, facto que se torna visível em várias áreas do concelho. Na já referida aldeia de Quenene, na zona nascente do Conce-lho, a Sul da antiga lixeira de Trajouce e muito perto da Estrada que liga a Conceição da Abóboda a Talaíde, a opção foi por recentrar a povoação em torno de um eixo que a usa como extrema, ao invés de redefinir o seu perí-metro consolidado, gerando medidas de salvaguarda que impeçam o acentuar da sua descaracterização e promova a recuperação das características que noutro tempo já teve. A construção dispersa, já de si sendo um fenómeno que acompanhou desde sempre a História de Cascais, é hoje um contra-senso que muitas vezes configura um exercício que favorece a rede urbana e que qualifica o território. Noutros, exactamente ao contrário, o mesmo fenómeno

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configura um exercício amplamente desqualificador, devi-do ao contexto em que se insere. Por isso, sendo, à priori, um objectivo defensável em sede do processo de revisão do PDM, o certo é que exige um esforço no sentido de garantir o seu correcto enquadramento na realidade muni-cipal, ao invés de surgir, enquanto medida avulso, perdida no seio da enorme onda de caos que neste momento caracteriza a maior parte do território do Concelho.

Neste caso específico, exige-se que o novo Plano Director Municipal de Cascais seja efectivamente claro no conjunto de directrizes que define, esclarecendo a população acerca das principais linhas orientadoras daquilo que vai ser o território municipal (pelo menos) durante os próximos dez anos. Mas para que isso aconteça, medidas avulso como este ilusório “combate à construção dispersa” deve-rão ser enquadradas em informação efectiva que nos per-mita perceber o que é, onde e situa e quais são os verda-deiros riscos associados à mesma, de forma a que também os promotores, e mesmo os particulares que anseiam em viver condignamente em Cascais, possam planear o futuro dos seus empreendimentos em linha com a lógica de qua-lidade que deverá ser o elemento-chave deste PDM. Colocada avulso, como grande parangona propagandística mas vazia de sustento e de razão, esta medida (e muitas outras que na mesma linha constam nesta proposta de revisão) acabará por ter exactamente o efeito ao contrário daquele para o qual foi criada, promovendo a incerteza, a descoordenação e a apreciação casuística do futuro do ter-

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ritório municipal, com prejuízo para Cascais e para os Cascalenses.

No que respeita à salvaguarda da memória colectiva de Cascais e, por inerência, à defesa dos valores associados à riqueza da identidade municipal, a proposta de revisão do PDM de Cascais que está em curso, peca novamente por um desfasamento muito grande em relação à realidade efectivamente existente no território municipal. Em Cas-cais, como felizmente se sabe, existe uma Carta Arqueoló-gica da autoria de Guilherme Cardoso, publicada em 1991 pela Câmara Municipal de Cascais que, embora desactuali-zada até porque o seu autor e outros arqueólogos Casca-lenses têm produzido muito e profícuo trabalho desde então, contém menção fundamentada a cerca de 172 esta-ções ou sítios arqueológicos. O que não se entende, quan-do se procede a uma análise cuidada a esta proposta de revisão do PDM, é se a carta arqueológica em questão foi esquecida na concretização do plano ou se, pelo contrário, da totalidade de estações e jazidas listadas por Guilherme Cardoso, somente se consideraram como importantes o pequeno número que se inclui na listagem que se anexou ao mesmo. O que é certo, no entanto, é que qualquer lis-tagem patrimonial que se anexe ao PDM, obviamente constrangendo as perspectivas de utilização e aproveita-mento do solo, e as condicionantes constantes das cartas, deverá estar sujeita a uma permanente actualização, sendo acompanhada por constantes e aprofundados esforços de revisão que se fundamentem em escavações de emergên-cia e em sondagens que acabem por dar lugar a escavações

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criteriosas. Com excepção da Rua Marques Leal, no Cen-tro Histórico da Vila de Cascais e da Villa Romana de Freiria, junto ao Outeiro de Polima, não se conhecem tra-balhos sistemáticos que permitam assegurar o cumprimen-to deste importante preceito do Plano Director Municipal.

Ainda assim, utilizando o condicional como acontece nes-ta proposta, perdem-se as possibilidades de dar corpo a uma política efectiva de salvaguarda do património Casca-lense, sendo certo que, elo menor no que ao sector da arqueologia diz respeito, seria essencial que o novo PDM fosse capaz de desenvolver mecanismos que habilitassem uma intervenção concreta ao nível dos espaços que vão sendo identificados e não, como acontece nesta proposta, reenviando-os para determinações arbitrárias que resultam de apreciações a efectuar por parte da Autarquia.

O povoado romano dos Casais Velhos, na Areia, é um dos exemplos paradigmáticos da forma como o mau pla-no que actualmente ainda está em vigor tem contribuído negativamente para a preservação patrimonial do Conce-lho de Cascais. Exemplo único de uma monumentalidade praticamente irrepetível na Península Ibérica, os Casais Velhos estão inseridos no Plano Director Municipal a par-tir da classificação de que foram alvo pela instituição que os tutela. Esta classificação, no entanto, foi feita com base em sondagens realizadas há mais de quarenta anos que, para além de não definirem a totalidade da extensão do povoado, restringindo-se ao espaço muito pequeno que foi sondado, permitiu que toda zona envolvente fosse edi-

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ficada de forma legal, com ela desaparecendo alguns dos mais importantes vestígios de um local que ainda é único no território Nacional. A inclusão no Plano Director Municipal de listagens patrimoniais, para que possam ser salvaguardados os valores que ele advoga, obriga a um esforço acrescido por parte da autarquia que, a não existir, compromete o futuro da memória histórica, arqueológica e patrimonial de Cascais.

Na nota introdutória em que colocam o mote acerca daquilo que pretendem que seja este plano, os autores des-ta proposta acentuam que o “Plano Estratégico para o Município de Cascais é um mapa para o futuro. É uma moldura dentro da qual os indivíduos, as empresas e as comunidades são impelidos a encontrar os caminhos para a sustentabilidade: económica, financeira, social, ecológica, cultural e humana”. Mas, na prática, configuram um con-junto de orientações estratégicas que, assentes numa lógica distante daquilo que é hoje a realidade municipal, não só comprometem este excelente pressuposto de base, como ainda contribuem para que se concretizem formulações de crescimento para Cascais que as contrariam de forma evi-dente.

Sendo um mapa de futuro, associado a uma visão estraté-gica que se pretende implementar, o futuro PDM de Cas-cais deveria integrar a capacidade de reverter situações anómalas que afectaram o devir municipal, ao mesmo tempo que deveria configurar um acervo de medidas que permitissem a adaptabilidade das suas orientações a partir

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do conjunto de alterações conjunturais que vão constran-gendo a vida municipal. É esta a base de um plano que defende a reconversão das zonas degradadas, reintegran-do-as no todo global formado pela generalidade das parce-las que compõem o município de Cascais. Ao inseri-las desta forma, assumindo a totalidade do espaço numa lógi-ca de globalização que permite ma gestão mais pragmática da generalidade das muitas mais-valias que Cascais possui e que são, na sua formulação mais dinâmica, a razão que explica a diversidade que caracteriza o território municipal, a orientação estratégica que resulta da aplicação do novo PDM poderá gerar um movimento generalizado de ree-quilíbrio, motivando a recuperação das zonas degradas em linha com a valorização dos espaços actualmente mais favorecidos. É esta, aliás, a única forma de garantir um futuro sustentado, associando a integração da naturalidade marcante em mais de um terço da totalidade do espaço disponível, com o elemento humano que resulta do natu-ral devir histórico e social das comunidades.

Este tipo de orientação, que permitiria cumprir o objecti-vo teórico expresso pelos autores desta proposta de garan-tir um legado importante e impactante “às gerações dos nossos filhos e dos nossos neto, ou seja, um concelho melhor do que aquele que herdámos”, que seja capaz de “respeitar a sua história de 650 anos” e que é orgulhoso da sua identidade, “porque preserva as tradições e ambições das suas gentes” sendo “feito para e por todos e cada um de nós”, depende em primeira análise de um teor pragmá-tico que exige uma ligação efectiva entre as parangonas

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propagandísticas que dão forma ao articulado associado ao regulamento proposto, e a efectiva realidade vivida no todo municipal, em busca de parâmetros de qualificação que sejam transversais a todo o concelho. Os autores des-ta proposta, aliás, assumem este pressuposto como orien-tação do seu trabalho, dizendo que este “é um Plano democrático porque tem como missão reduzir assimetrias na justa medida em que aumenta as oportunidades”, dan-do corpo ao conjunto de aspirações com as quais todos necessariamente concordamos. Da mesma forma, dizem ainda que “é um Plano que não olha para lugares ou fre-guesias: olha para o concelho como um todo e é a todo o concelho que se pretende levar o desenvolvimento”. Mas em termos práticos, esbarram com uma praxis assente num conjunto de unidades operativas que não espelham a realidade municipal e que, em termos muito efectivos, a espartilham através de condicionantes que terão de se fundamentar em posteriores análises de casos que com-prometerão a gestão isenta, independente e democrática que dizem defender. Essa defesa, que os mesmos autores consideram teoricamente como sendo abrangente, define-se por um “Plano Estratégico para o Município de Cascais olha para o território de forma holística, embora assuma sem subterfúgios a primazia do Natural sobre o Urbano. É um Plano que assentando nos principais pilares de uma Política de Desenvolvimento Sustentável, salvaguarda os recursos naturais sem colocar em causa o progresso eco-nómico, a criação de emprego e a coesão social e territo-rial”.

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Abrangente e incisiva, esta abordagem ao PDM organiza-se a partir de um conjunto de ideias-comuns que nenhuma correspondência possuem com a realidade efectivamente vivida pelas Cascalenses em qualquer dos recantos deste espaço municipal. Na área dos transportes, por exemplo, os autores desta proposta assumem que um dos aspectos essenciais para a reconfiguração do panorama de mobili-dade concelhia, com influência efectiva e imediata no índice de qualidade de vida dos munícipes, é o dos interfa-ces de transportes. Sendo certíssimo este pressuposto, até porque da efectiva capacidade de gerir de forma globaliza-da a rede disponível depende a capacidade de interacção entre os diversos tipos de transporte e, logo, da sua utili-zação por parte dos cidadãos, o certo é que existe uma enorme discrepância entre este valor teórico e a realidade municipal. Explicando o que são, os autores da proposta referem que “as interfaces de passageiros são infra-estruturas de transporte que têm como função assegurar a conexão entre os diversos modos de transporte presentes, podendo integrar espaços destinados a usos de terciário e de equipamentos de utilização colectiva, devendo através de modos suaves, ser acessíveis a pé”. Mas, mais à frente, quando mencionam as existências actuais e as propostas que estão contidas neste documento, referem expressa-mente que “as interfaces de passageiros existentes e a requalificar encontram-se representadas na Planta de Ordenamento - Mobilidade e Transportes, incluindo todas as estações da Linha de Cascais, à excepção do Monte Estoril”. E ainda mais adiante, é notória a forma linear que regeu o entendimento dos autores desta proposta

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quando, à laia de intróito relativo ao que entendem ser a lógica de propaganda subjacente a este PDM, dizem expressamente que este tipo de equipamentos devem ter um conjunto de características mínimas, que elencam de forma soberba, mas que nada têm a ver com a realidade das estações e paragens de autocarro que conhecemos.

Na segunda parte desta proposta, quando o regulamento se debruça sobre o regime de administração urbanística dos espaços, é advogada a necessidade de se encontrarem instrumentos de planeamento que promovam a recupera-ção ou reconversão dos sectores urbanos degradados, o respeito pelas características e especificidades dos aglome-rados que confiram identidade aos conjuntos, designada-mente no que se refere ao património arquitectónico, pai-sagístico, histórico ou cultural, a reabilitação de espaços industriais degradados, a manutenção e valorização das linhas de água, e a criação de espaços verdes de dimensões adequadas. Estes facto são ainda corroborados mais à frente quando se refere que as áreas inscritas na RAN ou na REN ou sujeitas a servidões administrativas de utilida-de pública, devem destinar-se preferencialmente à estrutu-ra verde primária e secundária das áreas urbanas envolven-tes, ou à afectação de equipamentos ou redes públicas concordantes com os respectivos regimes.

Esta orientação, fundamental se atendermos à necessidade de promoção de um equilíbrio ambiental que sustente uma verdadeira recuperação de todas as zonas urbanisti-camente degradadas, como é, por exemplo, o caso dos

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bairros de clandestinos, esbarra na prática com diversos problemas fundamentais. Por um lado, a recuperação, renovação ou reconversão de sectores urbanos degrada-dos, principalmente se nos ativermos ao necessário respei-to pelas suas características e especificidades, obriga ao reconhecimento profundo dos mesmos, o que não se compadece com as actuais cartas de condicionantes que nem sequer determinam com precisão as malhas urbanas consolidadas dos principais aglomerados urbanos.

Com efeito, zonas como o Monte Estoril, possuidor de um conjunto patrimonial digno de um destaque de âmbito internacional, surgem nesta proposta de revisão do Plano Director Municipal como se fossem meras áreas de urba-nismo consolidado, sem que sejam definidas zonas priori-tárias de conservação e de recuperação, obviamente necessárias, se não fundamentais, para que se preservem as suas características próprias promovendo a vocação turística do Concelho. A especificidade deste tipo de aglomerados é de tal maneira grande que, mesmo se exis-tisse um vasto levantamento patrimonial como elemento anexo ao PDM, o que não acontece, se tornaria difícil perspectivar politicamente a sua gestão sem que se reme-tessem os elementos técnicos para planos de pormenor concertados com a sociedade civil e os proprietários dos imóveis. Desta forma, e para ser possível salvaguardar o património arquitectónico, paisagístico, histórico e cultu-ral, é fundamental que as acções de reabilitação se promo-vam de forma concertada, assegurando princípios comuns

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de intervenção que permitam uma gestão correcta do espaço e das gentes que nele habitam.

Da mesma forma, no que concerne aos espaços indus-triais, como é que é possível perspectivar uma reabilitação, quando não existe uma delimitação funcional daquilo que vocacionalmente lhes está atribuído? A inclusão em planos de pormenor deste tipo de equipamentos degradados, pelo investimento que está inerente a qualquer recupera-ção, e também pela necessária atribuição, em casos especí-ficos de outros fins, como aliás a proposta de regulamento frisa muito bem, obriga a que em termos de gestão, se entenda o conjunto urbano como uma estrutura viva e dinâmica, que vale não só pelas suas características e espe-cificidades, como também pelo valor daqueles que nele habitam ou trabalham. Intervir nestas áreas, no caso espe-cífico do Concelho de Cascais, obriga a que o Plano Director Municipal contenha no seu regulamento a orien-tação definida que permite aos agentes uma imediata per-cepção dos horizontes do seu investimento e, consequen-temente, da mais valia do seu empenhamento na acção concreta de recuperação.

No Concelho de Cascais, e sobretudo na sua área mais problemática situada na região nascente, onde o impacto urbanístico mais se fez sentir, é notória a forma incomum como têm sido geridos os espaços verdes e as estruturas de fruição, facto que se consubstancia na evidente lacuna ao nível da efectiva promoção dos valores identitários locais. Na região situada entre Talaíde e Polima, numa

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área anexa à margem da Ribeira de Sassoeiros, e num local no qual têm vindo a desaparecer as antigas explorações agrícolas que o caracterizavam desde há milénios, existe um vasto espaço consolidado pelo morfologia geográfica que o constrange, que possui as características ideais para a recriação de um vasto e apetecível espaço verde. Locali-dades como Quenene, que já mencionámos mais atrás, situadas junto a este local e adversamente infectadas pela putrefacção inerente à antiga lixeira de Trajouce, benefi-ciariam assim desta área verde, dando azo a que as escolas e os diversos equipamentos que proliferam na região pudessem estabelecer ali as suas sedes, ou pelo menos estruturas de aproveitamento provisório, facto que reabili-taria a zona, sem influenciar o problema político das reconversões de clandestinos, e permitindo uma fruição que se traduziria em qualidade de vida. Por outro lado, junto à Ribeira do Mochos, das Vinhas, da Penha Longa, de Manique, da Atrozela, e de Porto Côvo, para não refe-rir outros pequenos leitos de água que pelas suas caracte-rísticas poderiam ser reconvertidos possibilitando o seu aproveitamento, existem espaços onde a adaptabilidade paisagística seria quase linear.

O actual Plano Director Municipal de Cascais, que agora se encontra em fase de revisão, para além de não definir com clareza a sua implantação no território, não provi-dencia a criação de condicionantes que promovam a impossibilidade da sua destruição. A inclusão destes prin-cípios no PDM, ainda para mais em cumprimento daquilo que em termos regulamentares ele advoga, é fundamental

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para que se alicerce a vocação concelhia e para que se ultrapasse o impasse terrível que tem sido criado com a enorme pressão urbanística que a generalidade do Conce-lho conheceu ao longo das últimas décadas.

A recuperação da vocação turística de Cascais, reconver-tendo a gestão urbana do Concelho a partir de um projec-to de futuro que seja capaz de determinar a forma como se organizam as potencialidades municipais a partir de um rigoroso diagnóstico da realidade actual, deverá obrigato-riamente centrar-se no estabelecimento de ligações entre aquilo que é hoje o território municipal e o conjunto de potencialidades (e possibilidades) que o mesmo possui de forma embrionária e que podem originar o desenvolvi-mento sustentado que todos desejamos. Desta maneira, é essencial respeitar os valores ou enquadramentos arquitec-tónicos ou paisagísticos relevantes e as características dominantes da malha urbana envolvente, nomeadamente dos quarteirões onde se inserem. Este pressuposto, pela formulação linguística que o caracteriza, é exemplo fla-grante da forma como esta proposta de plano se encontra mal adequada às especificidades e às pressões que hoje existem no Concelho de Cascais. A linearidade nas afir-mações, num plano que, qualquer que seja o conjunto de soluções propostas, será sempre algo de muito controver-so, não pode nunca assumir medidas importantes como estas, que facilitam a reconversão da paisagem cultural do município, através de alíneas em que a obrigatoriedade de determinados procedimentos, acaba por desembocar na impraticabilidade que resulta da falta de relação entre os

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pressupostos de bases que se utilizaram e a realidade efec-tiva que hoje temos. Quando esta proposta de revisão do plano aponta para as operações de loteamento que even-tualmente venham a decorrer em Cascais, importaria conhecer de antemão quais são as previsões dos seus autores em relação à efectiva capacidade de crescimento do concelho ou, em contrapartida, que perspectivasse um conjunto de políticas concretas organizadas a partir da necessidade premente de condicionar o clima de descarac-terização que resultou de muitos anos de caos urbano que caracterizou a vida no nosso concelho.

Como é evidente, o processo de revisão do Plano Director Municipal que está em curso deve traduzir um esforço no sentido de tornar mais pragmáticas e menos arbitrárias, as decisões administrativas relativas ao futuro do Concelho, cumprindo assim simultaneamente a sua função de deter-minar estrategicamente o futuro do concelho e, por outro lado, a de zelar pelo rigor, pela transparência e pela isen-ção que deve pautar a intervenção da autarquia. Este é, pois, uma oportunidade única para Cascais abraçar o caminho das boas práticas políticas, conjugando orienta-ções que tenham a capacidade de espelhar o sentir da população, com determinações que se conjuguem com as primeiras para fomentar o crescimento e o progresso con-celhio. Cobrindo transversalmente todas estas áreas de intervenção, e utilizando como bitola definidora do cami-nho a seguir, a centenária vocação turística de Cascais, concretizada na promoção internacionalmente reconheci-da da marca ‘Costa do Estoril’, o novo PDM deverá

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reforçar a mobilidade interna, a segurança dos cidadãos, o equilíbrio social, a sustentabilidade ambiental, o acesso aos cuidados de saúde apropriados, à escola que melhor se adeqúe ao perfil das próximas gerações de Cascalenses e, enfim, ao conjunto de anseio, sonhos e projectos que os cidadãos de Cascais vivem relativamente à realidade muni-cipal.

Um dos pontos mais graves desta proposta de regulamen-to, ainda para mais porque fundamenta uma das ilações que anteriormente pretendemos demonstrar, é o ponto 1 do Artigo 180º. Aqui, contrariando todo o bom senso necessário à requalificação do Concelho de Cascais, o Pla-no Director Municipal refere que nas áreas que envolvem os espaços-canal, ou sejam, as faixas de terreno que acompanham as principais vias de mobilidade municipal (ver a lista que faz parte da proposta de regulamento), ficam sujeitas a um regime de não-edificação, transfor-mando-as em espaços verdes que sejam capazes de con-tribuir para o reforço da qualidade ambiental municipal: “As faixas e áreas de servidão non aedificandi decorrentes da delimitação de espaço canal, existente ou proposto, incluindo a área remanescente entre o espaço canal e o espaço da plataforma rodoviária, integram-se na subcate-goria de espaços verdes de protecção a infra-estruturas”. Mas, sendo certo de que teoricamente este é um daqueles princípios inquestionáveis que certamente pressupõe a recuperação da linha de paisagem de Cascais, é também notória a profunda desconexão existente entre este tipo de proposta e a realidade concreta que existe em Cascais. Na

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prática, quer em zonas de acompanhamento dos espaços canal, quer mesmo em locais nos quais a impossibilidade de edificação já existe há bastante tempo independente-mente da entrada em vigor desta proposta de PDM, veri-fica-se que os regimes de construção (e deixamos obvia-mente de parte os constrangimentos que derivam do terrí-vel e inquietante fenómeno da chamada “arquitectura informal”…) são exaustivamente tradutores de realidades que contrariam esta orientação.

Sabendo e assumindo que este é somente um exemplo de uma linearidade que contraria a linha proposta pelo autor deste plano, o certo é que ele é bastante demonstrativo de uma prática reiterada, à laia de exercício consuetudinário, que se impõe à realidade municipal e que constrange um normativo de excelentes premissas teóricas mas total e completamente desligado da realidade local.

Este problema, que na prática corresponde a uma total inoperacionalidade desta proposta de PDM quando vincu-lada à situação real que caracteriza actualmente o território municipal de Cascais, e que impede o ímpeto requalifica-dor que o autor desta proposta permanentemente reitera, assume foros de maior problema quando, aplicando-a à realidade concreta, verificamos ser totalmente desconexa de valor e/ou de viabilidade prática. Quando trata daquilo que designa como Sub-Unidade Operativa de Planeamen-to e Gestão 7.3., ou seja, o quarteirão da antiga Praça de Touros, situado no Bairro do Rosário, na Freguesia de Cascais, o autor da proposta avança com um conjunto de

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objectivos extraordinários, que todos certamente parti-lhamos, definindo um conjunto de operações urbanísticas que em termos de conduta são exactamente aquelas que Cascais anseia ver aprovadas:

a) Criação de uma intervenção de referência a implantar num quar-teirão autónomo relativamente à envolvente; b) Minorar o impacto da estrutura edificada sobre a envolvente, designadamente no que respeita ao comprimento dos planos de facha-da marginais aos arruamentos limítrofes à área de intervenção; c) Privilegiar o atravessamento pedonal da área de intervenção segundo o eixo noroeste/sudeste, definido pela Rotunda da Nossa Senhora do Rosário e a Avenida Pedro Álvares Cabral; d) Criação de uma área de parque/jardim integrando os edifícios propostos e estabelecendo uma estrutura de paisagem artificializada de transição e articulação com o tecido urbano envolvente, vocaciona-da para a fruição e lazer público; e) Promover a continuidade da estrutura verde e de espaços de uso pedonal na globalidade do quarteirão, mediante a adoção de tipolo-gias arquitectónicas considerando a sobrelevação de parte, ou do todo, dos edifícios relativamente ao solo, designadamente, com a criação de pisos vazados e edifícios assentes sobre “pilotis” (estacas); f) Integrar na solução paisagística global o maciço arbóreo existente, designadamente na zona sudoeste da área de intervenção; g) Consagrar maioritariamente o uso habitacional, associado a usos terciários, integrando serviços, restauração, pequeno comércio local e superfície comercial de média dimensão, e ainda equipamento com-plementar ao uso habitacional;

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h) Reformular e requalificar o arruamento a sul da área de interven-ção, privilegiando o uso pedonal e condicionando o uso rodoviário ao acesso ao equipamento escolar e outros usos especiais; i) Previsão do necessário estacionamento, de superfície e subterrâneo, de apoio aos usos e tipologias propostas.

Mas, na prática, ao promover aquilo que chama promover uma “operação singular de reconversão e requalificação urbanística”, a proposta de revisão do PDM elenca um conjunto de parâmetros que, na prática, condenam a apli-cabilidade dos objectivos traçados antes. Com um índice de impermeabilização máximo proposto de 0,70 e a altura máxima das fachadas de 21 metros, o mesmo plano pro-põe que os edifícios a construir tenham um número de pisos máximo acima da cota de soleira de 5, em total dis-crepância com a realidade existente no local, pautada por um conjunto habitacional de moradias de dois pisos, e repercutindo naquele lugar (lembramos que era o espaço anteriormente ocupado pela Monumental de Cascais…), os valores urbanísticos associados a operações imobiliárias que contrariaram a qualidade municipal e que vieram pôr em causa a identidade daquele local. Ou seja, ao invés de utilizar a construção e a requalificação deste espaço como bitola para condicionar futuras intervenções nos espaços adjacentes, o autor deste plano propõe fazer exactamente o contrário, ou seja, utilizar os parâmetros da envolvência, ruinosos que foram para o devir urbanístico da nossa ter-ra, fazendo-os constranger aquilo que de novo se vai construir naquele espaço. Da mesma maneira, a proceder desta forma, torna-se linear o exercício de comparação

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entre aquilo que são o conjunto de objectivos teoricamen-te expressos no articulado do plano e, na prática, a reali-dade efectiva que advirá da sua implementação no terreno.

Esqueceu-se o autor do plano de mencionar os estudos de tráfego que permitiram o suporte a esta proposta, os estu-dos relativos aos esgotos, ao estacionamento, à rede de transportes públicos, etc. num périplo de integração que parece não ser importante para a implementação de uma proposta deste género.

Da mesma forma, infelizmente transversal à generalidade do conjunto de proposta que constam neste processo de revisão do PDM, está o exemplo relativo à unidade opera-cional da antiga Rua Padre Moysés da Silva, hoje vulgar-mente conhecida por Avenida Dom Pedro I que, mercê de uma intervenção urbanística concretizada a partir do articulado aprovado no âmbito do Plano Director Muni-cipal que ainda está actualmente em vigor, viu a sua estru-tura habitacional profundamente transfigurada por uma realidade que se impôs e que, mercê da incapacidade demonstrada pelo poder político de então de compreen-der o que era a face urbana de Cascais, acabou por des-truir por completo o conjunto de equilíbrios que existiam no local. Lembramos que, neste local, mais do que o fami-gerado edifício do centro comercial, que este plano advo-ga a sua demolição, o traçado em forma de via-rápida daquela que é a principal via de acesso à vila, com uma componente habitacional que não pode ser considerada de forma despiciente e com uma realidade comercial que a

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sua implementação quase completamente destruiu, a Ave-nida Dom Pedro I é uma autêntica barreira urbanística que impede o correcto usufruto da envolvência e que des-trói o conjunto de objectivos que este plano defende para suportar a intervenção que aponta.

Para o espaço que ficará disponível depois de uma even-tual demolição do Cascaisvilla, esta proposta de PDM prevê a “criação de um corpo edificado destinado a habi-tação, com 5 pisos acima da cota de soleira, sendo que a cota de soleira de referência corresponde ao actual acesso central a sul, à cota altimétrica real de 10,30m (referencia-da ao Marégrafo de Cascais)”! Ou seja, tal como acontece com o exemplo do espaço da antiga Praça de Touros e de outras intervenções suportadas por este novo PDM, o autor desta proposta esquece-se pura e simplesmente da estrutura urbana suportada por prédios cuja altura não ultrapassa nunca os três pisos (dois pisos na vertente vira-da a Sul do Alto do Moinho Velho e três na estrutura mais tradicional colocada nos terrenos da antiga Quinta da Horta de Santa Clara) repescando valores que vai buscar ao eixo situado a Norte da estação, como forma de condi-cionar a futura realidade urbana naquele local. Neste con-junto de propostas, para além de haver uma preocupante discrepância entre os pressupostos teóricos apontados e a realidade do local, existe ainda uma evidente incapacidade de integrar este projecto na vocação turística de Cascais, sobretudo se assumirmos que a actual Avenida Dom Pedro I e o espaço onde está o centro comercial são, na verdade, a principal linha orientadora da entrada em Cas-

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cais e, por isso, deviam ser alvo de um cuidado especial por parte do legislador.

No que concerne à unidade operativa associada à Marina de Cascais, num espaço estrategicamente relevante para a reconversão da qualidade urbana no município, o autor do plano advoga a Construção de novos edifícios e ampliação dos edifícios existentes, com o limite máximo de 2 pisos acima da cota de soleira. Na prática, sendo este o pressu-posto requalificador no qual assenta a proposta em análi-se, o certo é que o seu autor não deve ter certamente notado o vastíssimo conjunto de construções existentes no espaço em questão que, não só não têm (nem nunca chegaram a ter) qualquer espécie de utilização, como, por outro lado, exigem uma intervenção primária de reconver-são que, diminuindo as suas áreas de implantação e/ou condicionando o seu uso, sejam capazes de redinamizar em termos comerciais o espaço e, dessa maneira, contri-buir para uma real reconversão da infra-estrutura que actualmente temos. E se, como permanentemente temos vindo a defender, a vocação turística de Cascais, consoli-dada na promoção internacional da marca ‘Costa do Esto-ril’, for tomada em conta, então facilmente percebemos que fica reforçado o cunho estratégico deste espaço, em linha com o conjunto de premissas que já elencámos e que deveriam dar forma a um plano de desenvolvimento con-certado, equilibrado e consequente para o nosso concelho.

Um outro exemplo paradigmático deste tipo de desade-quação, é aquele que resulta da UOPG8, relativa ao Vale

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de Caparide, cujo autor desta proposta entende que é uma área predominantemente residencial com carências ao nível das infra-estruturas e equipamentos. Ao caracterizar a sua evolução histórica, a orientação centra-se no facto de esta zona ter conhecido “várias dinâmicas de crescimento e de transformação descontrolada até fins do século pas-sado. Constituída maioritariamente por áreas urbanas de génese ilegal e antigas quintas de produção agrícola usufrui de uma ligação directa à A5, no nó do Estoril, estando ainda previsto, em termos de melhoramento das infra-estruturas rodoviárias, a concretização da Circular Nascen-te a S. João do Estoril e a Circular Nascente a S. Pedro do Estoril, as quais irão possibilitar o incremento dos níveis de segregação, segurança e fluidez de trânsito na ligação Norte / Sul desta zona do Concelho, nomeadamente entre a VLN e a A5, bem como a melhoria do serviço de transportes públicos”. Diz ainda que a “principal vocação da UOPG 8 é a consolidação dos eixos estratégicos con-sagrados no presente Regulamento, designadamente e de forma mais expressiva, apostando na diversidade social, na requalificação urbana, na reprogramação funcional do ter-ritório, na qualificação do espaço público, promovendo a regeneração dos núcleos existentes com vista a um maior equilíbrio entre os diversos usos e funções de suporte ao crescimento urbano qualificado”. Sublinha ainda que se salvaguarda” a necessidade de intervenções de cariz ambiental, promovendo a revitalização e recuperação da estrutura hidrológica, inclusive como factor de descom-pressão urbana”.

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Esta análise, atendendo ao facto de todo o Vale de Capa-ride ser hoje, mercê das vicissitudes várias que constrange-ram a história recente de Cascais e do seu concelho, um dos espaços potencialmente mais importantes e que melhor pode ajudar a definir a vocação municipal, importa reter que os valores e objectivos expressos nesta proposta, obvia e necessariamente louváveis por traduzirem aquilo que é o senso-comum relativamente à qualidade que todos desejamos para o nosso concelho, são também profun-damente destabilizadores dado que enformam de um erro crasso no que diz respeito à realidade existente, remetendo para a componente da mera propaganda o conjunto de orientações que aqui estão patentes.

Neste caso específico, e atendendo à proximidade de vas-tas unidades de índole patrimonial, como é o caso das Ruínas Romanas de Miroiços, de estruturas de origem tra-dicional como sã as antigas quintas que dão forma à envolvência, e de um vasto potencial ambiental cujo mote está colocado no espaço livre (e não opressivo em termos urbanos) que apresentam, importaria recriar em sede do Plano Director Municipal, um conjunto de regras precisas e claras que definissem com exactidão as linhas-mestras de uma intervenção qualificadora assente na promoção das inúmeras potencialidades existentes. As áreas de génese ilegal, obviamente importantes a vários níveis e em muitos sentidos na determinação da praxis deste lugar, concen-tram-se em torno de um vastíssimo conjunto de meios e de potencial riqueza que, sendo inseridas num projecto desta natureza, facilmente se transformaria em motores

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geradores de novas plataformas de identidade, conjugadas com motivações associadas a uma vivência cultural e tra-dicionalmente assente no que de melhor resulta da comu-nidade cascalense.

Mas se existem discrepâncias entre a realidade efectiva que caracteriza Cascais e o conjunto de parangonas que dão forma a esta proposta de regulamento, elas estão expressas de sobremaneira na caracterização da UOPG7, que cor-responde basicamente à zona mais nobre da Vila de Cas-cais numa extensão que se prolonga até ao Estoril e que, de acordo com os autores desta proposta, configura um exercício de excelência urbana que suporta a revitalização sócio-económica do concelho a partir da sua vocação turística. Dizem os autores da proposta que esta unidade, assente numa lógica de definição estratégica que contradiz o objectivo expresso inicialmente de olhar para o território municipal como uma unidade orgânica (que já atrás mos-trámos que apesar de ser assim apresentado nas compo-nentes teóricas do regulamento não existe efectivamente no conjunto de documentação prática que compõe o pla-no), tem como vocação consolidar os eixos estratégicos consagrados no regulamento, nomeadamente a qualidade de vida urbana, o carácter coeso e inclusivo do território, a cidadania activa e o turismo. Ou seja, para os autores des-ta proposta, todos os objectivos estratégicos deste plano estão resumidos à área formada por esta UOPG, sendo certo que da análise minuciosa do conjunto de lugares comuns que dão corpo à mesma, facilmente se verifica que 1) ela não corresponde à realidade territorial que defi-

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ne este espaço; 2) incluir numa mesma unidade operativa espaços tão diferenciados como são os do Estoril, Monte Estoril e Cascais é um erro que define bem a falta de rela-ção existente entre as linhas propagandísticas do plano e a realidade local; 3) a concretizar-se tal como é aqui apre-sentada, o articulado que dá forma a esta unidade configu-ra um autêntico atentado a todo o resto do plano, pondo em causa princípios, normas e orientações que dão forma às restantes propostas.

Os autores desta proposta, no conjunto de referências teóricas que dão forma à mesma, dizem mesmo que é nes-ta unidade operativa que se cristalizam os princípios que aprofundam o peso do Concelho de Cascais no contexto da Área Metropolitana de Lisboa, condicionando a sua orientação ao facto de haver um conjunto de História e património comum que cria o lastro que condiciona tudo o resto! Importa perceber, e isso só pode fazer.se através de uma anaálise minuciosa da realidade que dá forma a este espaço, que tipo de constrangimentos e de singulari-dades foram encontradas (o relatório não as explicita nem as explica) para que se possa interpretá-lo desta maneira. Os seus autores, desta maneira, dizem que “pela sua voca-ção central, ancorada num turismo de qualidade, esta UOPG desempenha um papel fundamental para o desen-volvimento socioeconómico e para a competitividade do concelho, reforçando a sua posição no contexto da AML e do país, destacando-se ainda pelo dinamismo das activi-dades económicas e da criação de emprego, podendo orientar as suas estratégias para o aprofundamento da

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fixação de serviços associados ao turismo capazes de atrair capital humano com elevados níveis de qualificação, salientando-se a concretização do Centro de Mar de Cas-cais como forma de dinamização do turismo científico”. Mas não explicam, de forma a contextualizar no concreto a realidade que permite assegurar estes pressupostos, quais são os serviços e equipamento que, para além do centro de congressos, dos pavilhões desportivos, do centro de recursos náuticos associado ao novo Clube Naval de Cas-cais, dos museus e do centro cultural, das igrejas, bibliote-cas e de outros monumentos, este plano aponta estrategi-camente, sabendo nós de antemão que dessa definição depende a nossa capacidade para podermos aferir com rigor da adequabilidade desta propostas à realidade local cascalense. Mas, como se tal não bastasse, é importante ressalvar ainda a propensão quase crónica que este plano integra ao nível da propaganda político-partidária, dando corpo a uma noção que desfigura Cascais e a reconstrói a partir de um quadro que nenhuma relação tem com a estratégia municipal de crescimento e que, desta maneira, acaba por condicionar de forma muito inquietante a real possibilidade de se rentabilizar de forma cabal as muitas potencialidades associadas ao turismo do Estoril, em linha com uma efectiva assunção da componente cosmopolita de Cascais como cerne deste dinamismo sócio-económico do qual muito se fala, mas que não se efectiva a partir de nenhuma orientação em concreto.

Mas se a situação é escabrosa quando esta proposta de revisão do Plano Director Municipal se debruça em ter-

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mos muito genéricos sobre a macro-realidade de uma grande unidade de gestão que engloba a generalidade das diversas componentes urbanas que lhe dão forma (e de mesmo assim não apresentar uma visão estratégica em linha com aquilo que deveria ser o novo Plano Director Municipal de Cascais mas sim um conjunto de micro-definições que comprometem o desenvolvimento do espaço), ela piora de forma drástica quando, provavelmen-te procurando concretizar as suas linhas em casos que permitam aos autores da proposta deixar a sua marca na nossa terra, se conceptualizam as parangonas em ideias-comuns que comprometem o equilíbrio urbano e a lógica urbanística de Cascais. É o que acontece, por exemplo, quando no âmbito desta mesma UOPG a proposta de regulamento se debruça sobre a sub-unidade da Marina de Cascais (ver nota mas atrás) e que aqui volta a surgir como uma espécie de âncora que, não estando definida com rigor, é apresentada em termos genéricos como sustento de toda esta abordagem. Deixando subentendido que ao abrigo deste PDM se estabelecerão as linhas básicas que permitirão construir um novo hotel no seu espaço (Pág. 117/260: “Num quadro de renovação deste equipamento, deverá ponderar-se o interesse do aumento da oferta hote-leira e a valorização do legado histórico-cultural, envol-vente, em especial na integração com o conjunto da Cida-dela”. E na mesma linha, quando se debruça sobre a sub-unidade de gestão 7.1, situada na entrada nascente da Vila de Cascais e compreendida pela Rua Henrique Seixas (Norte), Avenida Marechal Carmona (Nascente), Avenida Marginal (Sul) e Avenida de Sintra (Poente) constitui uma

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área territorial com aproximadamente 3,50 ha, e que cor-responde basicamente ao quarteirão que envolve o supermercado Jumbo, junto à entrada de Cascais. Este espaço que, como sabem todos os Cascalenses, foi já amplamente desfigurado pela construção do supermerca-do, pelo seu silo automóvel e pelas sucessivas ampliações do seu parque de estacionamento, integrava em tempos que já lá vão um conjunto patrimonial digno de uma nota especial que, em linha com a necessidade de assumir a vocação turística de Cascais, deveriam ser conhecidos, reconhecidos, recuperados, integrados e rentabilizado. Deles fazia parte o antigo edifício das cocheiras do Palácio Palmela, que ficou separado da casa principal com a cons-trução da Avenida Marginal e onde durante alguns anos funcionou o Restaurante “Os Morgados”, bem como vários edifícios datados do início do Século XX, que fize-ram parte do movimento modernista na arquitectura Cas-calense, e nos quais, com profunda afecção da faceta iden-titária Cascalense, funcionaram estabelecimentos de ensi-no cuja memória urbana importa recuperar. É o caso do Colégio do Menino Jesus, na Casa de Nossa Senhora da Assunção, e do Saint George’s School, demolido em 1997/1998 para construção da Avenida Dom Pedro I e do Centro Comercial Cascaisvilla.

Os imóveis em questão, alguns que ainda resistem de forma atroz mercê das vicissitudes diversas pelas quais os obrigaram a passar, são, para os autores deste plano, sinó-nimo de um enorme processo de demolição que, em con-sistência com a vontade de promover novas linhas de

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construção, advogam para esta unidade um conjunto de medidas que, por completo desenquadramento relativa-mente à realidade do local, importa conhecer na totalida-de: “Nesta unidade territorial pretende-se promover uma operação singular de reconversão e requalificação urbanís-tica, segundo os seguintes pressupostos e objectivos:

a) Demolição dos edifícios existentes, em razão da operação urbanís-tica proposta;

b) Criação de uma estrutura de arruamentos e espaços públicos, atendendo aos eixos dos arruamentos limítrofes e quarteirões circun-dantes, potenciando o sistema de vistas sobre a envolvente, designa-damente sobre o mar;

c) Criação de uma área de parque/jardim na zona sul do quarteirão adjacente à Avenida Marginal, desenvolvendo-se em anfiteatro, acompanhando o declive do terreno existente e tendo como referência para o limite norte o alinhamento paralelo à Avenida Marginal, definido pelo entroncamento da Avenida Marechal Carmona com a Avenida do Brasil;

d) Criação de uma estrutura edificada, na qual se admitem os usos de habitação/comércio/serviços/restauração;

e) Construção sob a estrutura edificada de pisos em cave, destinados a parqueamento e áreas comerciais”.

Remetendo para eventuais planos municipais de ordena-mento do território ou de operações urbanísticas enqua-dradas em unidades de execução, a proposta de revisão do

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Plano Director Municipal atribui a este espaço um índice de impermeabilização máximo de 0,70, com edifício de quatro andares e uma altura máxima ao nível das fachadas de 13 metros! É claro que, ao nível da sua componente teórica, também se prevê a criação de uma zona verde que surge de forma expressa neste articulado, e que eventual-mente acompanhará a zona onde estão agora as zonas de armazém do supermercado, e de forma sugerida, a recupe-ração da linha cénica do próprio edifício comercial, que se depreende fazer parte do conjunto de edifícios que os autores da proposta dizem que devem ser demolidos.

Outro aspecto importante da forma como é abordada a unidade territorial Cascalense, prende-se com a A5. Sem mencionar, pelo menos de forma expressa, quais são as perspectivas relativas à sua evolução ao longo do período de vigência do próximo PDM, nem podendo fazê-lo por não serem apresentados de forma cabal estudos que nos permitam compreender como tem sido o tráfego e as suas perspectivas ao longo dos tempos, facto que nos permiti-ria avaliar com mais rigor e critério o conjunto de ideias que aqui são lançadas sem nenhuma base documental, a proposta de revisão do plano assume que a auto-estrada de Cascais é um eixo viário fundamental ao nível da aces-sibilidade do concelho e que, como tal, configura uma mais-valia importante que deve ser gerida como tal. Mas, por exemplo no que diz respeito à apresentação que faz da UOPG9, a A5, que corta de forma transversal aquela área (e basicamente a totalidade da extensão do território municipal), criando uma cisão artificial entre as suas

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zonas, e uma espacialidade difusa que constrange a unida-de que o PDM deveria pretender alcançar, os autores da proposta esquecem-se das diferenças que efectivamente resultaram da sua construção não sendo, por isso, capazes de elencar, contextualizar e ponderar medidas que pode-riam minorar os aspectos mais negativos delas resultantes. Efectivamente, a A5 é hoje marca praticamente omnipre-sente em Cascais e, sendo resguardada por regimes espe-ciais de protecção, mantém incólume grandes parte das potencialidades que foram imaginadas quando da sua construção. Tem, por tudo isso, potencial para ser tratado em sede do Plano Director Municipal, não só enquanto elemento central na gestão as políticas de tráfego urbano em Cascais (veja-se o caso dos nós e dos acessos e, para exemplo prático, o resultado da criação do nó do Estoril), como também como potencial canal de promoção da mobilidade, nomeadamente da mobilidade alternativa e, bem assim, como suporte de uma intervenção ambiental-mente requalificadora no seio dos bairros ilegais que a acompanham em troços importantes dentro do território municipal.

Dizem os autores desta proposta que esta unidade opera-tiva de gestão muito depende da forma caótica como cres-ceu e, por isso, se caracteriza “como uma área predomi-nantemente residencial com carências ao nível de infra-estruturas e equipamentos, onde se destaca a existência de indústrias de pequena escala (a norte), de centros de logís-tica e, recentemente, de superfícies comerciais de dimen-são relevante.” Sendo certo que é esta, pelo menos em

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parte, a caracterização que melhor nos permite compreen-der aquele espaço, não se compreende como é possível, em sede de um documento como o PDM, que deverá ser definidor de um conjunto de opções estratégicas de cres-cimento para Cascais, não sejam devidamente elencadas as carências que existem ao nível das infra-estruturas, de equipamentos e das tipologias que dão forma à estrutura gregária e muito impactante que acompanha a componen-te industrial que sobrevive lá dentro. Sem esses dados, como poderá ser possível compreender o conjunto das propostas formuladas?

Mas mais grave ainda, quando define qual é a vocação primordial da parcelas do concelho que se incluem nesta unidade operativa, os autores parece que copiaram e cola-ram a mesma definição que já tinham utilizado para carac-terizar a unidade operativa do eixo Cascais-Estoril! Ou seja, para quem elaborou esta proposta, a UOPG mais relevante é aquela que inclui a cabeça do concelho, a Vila de Cascais, e as estruturas turísticas do turismo do Estoril. Mas, para caracterizar esta unidade desfigurada pelas cons-truções clandestinas, pela falta de infra-estruturas e de equipamentos, pelo rasgo urbano provocado pelo traçado da A5 e pela presença poluente de indústrias e grandes espaços industriais, as palavras são basicamente as mes-mas! A saber: “A principal vocação da UOPG 9 é a con-solidação dos eixos estratégicos consagrados no presente Regulamento, designadamente e de forma mais expressiva, Cascais território coeso e inclusivo e Cascais território de criatividade, conhecimento e inovação, apostando na

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diversidade social, na requalificação urbana, na reprogra-mação funcional do território, na qualificação do espaço público, promovendo a regeneração dos núcleos existen-tes com vista a um maior equilíbrio entre os diversos usos e funções de suporte ao crescimento urbano qualificado”. Ou seja, entendendo as especificidades desta zona como sendo diferentes daquelas que caracterizam outros espaços do concelho, os autores da proposta optam por apelar novamente aos lugares-comuns e às parangonas teóricas que dão forma à componente de propaganda que acom-panha este documento, dando corpo (novamente) à tal sempre atraente mas pouco explicativa coesão territorial, ao carácter inclusivo do espaço urbano, à criatividade, ao conhecimento e à inovação! E alguma coisa há-de estar errada... ou todos estes predicados não passam de lugares-comuns que nada mais são do que meros instrumentos de propaganda eleitoral e que, por isso, não têm nenhuma aplicabilidade técnica na realidade local; ou, noutra pers-pectiva, são efectivamente objectivos que os autores, mesmo não explicando como o vão fazer, pretendem concretizar no terreno e que, desta maneira, não podem ser aplicados com a mesma fórmula nos espaços diversos que compreendem a realidade Cascalense.

Ainda na linha das generalidades que compõem o conjun-to de propostas apresentadas para esta importante parcela territorial, diz-se que “a concretização de infra-estruturas territoriais e urbanas programadas, designadamente a Via Variante à EN 249-4 em articulação com um novo nó viá-rio com a A5, bem como a melhoria do serviço de trans-

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portes públicos (interface de transportes – Abóboda – ligação aos concelhos limítrofes) deverá impulsionar e promover a revitalização demográfica e a valorização fun-cional e económica alavancada nas últimas décadas pelo forte crescimento do sector comercial (grandes superfícies comercias e áreas de serviços)”. Ou seja, entendem os autores desta proposta que a resolução dos muitos pro-blemas que elencam para esta área, se resume de uma variante a um dos arruamentos actuais, e que essa inter-venção, prevista no PDM, revitalizará demograficamente aquela zona do concelho e promoverá a revitalização fun-cional e económica da zona! E mais à frente, procurando explicar o que fazer para inverter o estado de caos urbano em que se encontra este espaço, apela-se a umas quaisquer intervenções ambientais para efectuar essa requalificação: “Salvaguarda-se a necessidade de intervenções de cariz ambiental, promovendo a revitalização e recuperação da estrutura hidrológica, inclusive como factor de descom-pressão urbana”.

Na senda dos lugares-comuns e das parangonas de propa-ganda que dão forma a esta proposta, os autores da mes-ma seguem a bom ritmo para a UOPG10, que integra as antigas freguesias da Parede e de Carcavelos que, confor-me se sabe, possuem características próprias e especifici-dades de diversa índole que esta proposta mais uma vez consegue esquecer. E, tal como na unidade de Cascais-Estoril, considerada como a mais importante ao nível da consolidação da vocação municipal, e da outra que com-preende a degradação urbana resultante dos espaços clan-

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destinos, a falta de infra-estruturas e equipamentos, etc., eis que a UOPG10, situada em frente ao mar e detentora de uma história muito própria que deu forma à sua comu-nidades e ao modo de viver das suas gentes, aparece carac-terizada com as mesmíssimas palavras, exactamente com as mesmas parangonas e com as mesmas explicações das restantes: “A principal vocação da UOPG 10 é a consolidação dos eixos estratégicos consagrados no presente Regulamento, designa-damente e de forma mais expressiva, Cascais território coeso e inclu-sivo, Cascais território de cidadania activa, Cascais território com qualidade de vida urbana e Cascais território de criatividade, conhe-cimento e inovação, mantendo preferencialmente o uso residencial e de serviços”. Esqueceram-se os autores do plano, certamente por lapso de memória que os habitantes desta nova fre-guesia vão facilmente compreender, que este espaço surge condicionado pela faixa costeira, que é condicionada por plano próprio, e agora pelo escabroso plano de pormenor de Carcavelos que, à laia de acrescento, se estende até à fronteira do concelho para integrar o pólo universitário que tanta polémica tem feito nascer.

Relativamente a este projecto, que constrange de sobre-maneira a face do concelho na sua porta de entrada atra-vés da Avenida Marginal, pouco ou nada é dito nem pro-posta alguma se vê, o mesmo acontecendo com a men-cionada influência cultural que resulta da antiga presença do Cabo Submarino na Quinta dos Ingleses, nem tão pouco acerca de uma indelével menção à possibilidade de Carcavelos assumir uma componente de nicho de turismo náutico, não explicando como, nem quando tal poderá

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acontecer. Importa ainda salientar, no âmbito da definição dos parâmetros urbanísticos que enformam esta proposta, que é precisamente esta UOPG10, onde se situa a tal pos-sibilidade de desenvolvimento de uma parte da vocação turística do concelho, que integra um índice de edificabili-dade máximo de 1,0 e a possibilidade de construção de edifício com sete pisos acima da soleira...

Mas um dos principais problemas associados a este plano, que sabemos que terá consequências prática na vida quo-tidiana dos Cascalenses, é aquele que resulta da definição dos critérios urbanos genéricos e que, conforme se viu no que acabámos de descrever, se aplicam a novas operações urbanísticas que venham a aparecer, como, de igual modo, enquadra intervenções em espaços já consolidados e com um cunho de legitimidade associado à sua importância, como é o caso das especificidades enquadradas ao nível das sub-UOPG. Contrariando toda a lógica e permitindo uma subversão completa da estrutura urbana Cascalense, a proposta de regulamento supõe que a definição das cér-ceas dos edifícios a construir tenham como ponto de refe-rência as construções existentes nos espaços envolventes. É o que acontece, a título de exemplo, quando se mencio-na a sub-unidade associada ao espaço da nova entrada de Cascais, onde se situa actualmente o Cascaisvilla que, na definição da linha de fachadas determinada pelo plano, vai buscar valores associados a espaços situados na proximi-dade que, mercê da sua implantação, desvirtuam por completo a dinâmica urbana naquele espaço e naquilo que por ali se vai fazer.

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Uma vez mais, partindo do pressuposto de que o erro passado deve consolidar e legalizar o erro do presente, esta proposta de revisão do Plano Director Municipal ins-titui assim que, mesmo em espaço urbanos consolidados, onde o valor modal da cércea é afectado pela altura de um determinado edifício que descomunalmente altere a mor-fologia da rua, o novo edifício deverá ser projectado de forma a medianamente se enquadrar no desastroso erro de outrora. Das centenas de exemplos que erradamente se concretizaram em Cascais desde a implementação do actual PDM, um acaba por ser paradigmático por ter ser-vido de base à destruição de uma parcela importante do património e da paisagem da Vila. Na Alameda dos Com-batentes da Grande Guerra, junto ao edifício da Loja das Meias, existia um segundo imóvel datado de 1942 que se encostava à empena cega de um terceiro possuidor de uma cércea verdadeiramente descomunal. Ao invés de se zelar pela adequação do disforme edifício que erradamente alterou de forma radical a morfologia da rua e a paisagem do quarteirão, o interessante e importante edifício em questão, com os seus dois andares, foi completamente demolido, dando origem a um novo que aumentando a sua cércea para o valor modal que aquele impôs ao espaço em questão, institucionaliza o erro e garante que, de futu-ro, todas as obras a efectuar naquele zona do centro histó-rico de Cascais incorram no erro que o actual PDM pro-piciou. Como é evidente, está condenado todo aquele quarteirão histórico, e com ele toda a memória colectiva de Cascais. Na proposta que agora analisamos, ao invés de se inverter esta situação, o que se faz é, por omissão, con-

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solidar uma prática que permitirá actuar da mesma forma noutros espaços do território Cascalense. Através desta norma do PDM, à qual se vem juntar um profundo des-conhecimento dos quadros políticos municipais sobre as verdadeiras características do Concelho de Cascais, é pos-sível fazer desaparecer quase tudo aquilo que poderia con-tribuir para uma melhor promoção do Concelho e da sua eminente vocação turística.

Esta norma, evidentemente importante num Concelho como o de Cascais no qual a realidade urbana se rege por regras verdadeiramente incompreensíveis para o comum cidadão, está perfeitamente desenquadrada da realidade, uma vez que é a própria proposta de revisão do plano que a define e que a contraria, criando especificidades urbanís-ticas importantes, como acontece por exemplo, no caso do Abano, do Cabo Raso, da Quinta da Marinha, da Quinta dos Ingleses, da Quinta do Barão, da Quinta das Taínhas, ou da Ribeira das Marianas, nas quais não são aplicáveis as normas regulamentares do PDM, salvaguar-dando-se assim a possibilidade de encontrar soluções alternativas mais adequadas aos interesses em questão. Mantendo no Plano Director Municipal de Cascais as orientações programáticas que veiculam esta ideia, está a promover-se o profundo desrespeito por Cascais e pelos cascalenses que, durante vários anos, caracterizou o Con-celho. A injustiça latente verifica-se quando alguém que possui uma habitação numa área legal que se encontra fora do âmbito destas especificidades procura construir ou modificar uma janela, sendo obrigada ao cumprimentos

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burocráticos muito complexos e morosos que inibem a concretização do melhoramento, há cidadãos que, por sorte ou azar, possuem uma mesma habitação situada num espaço clandestino ou num local inserido numa das especificidades, pode concretizar o seu intento, sem sequer ter de se preocupar com as complicas formulações administrativas municipais.

Esta orientação regulamentar é ainda possível, de acordo com esta proposta de PDM, para suportar a possibilidade de ajustar a escalas mais adequadas os perímetros urbanos, constituindo zonas de amortização do processo urbano sobre a paisagem natural ou de expressão rústica. Por outro lado, procura garantir a obtenção de desenhos urbanos de condução pública indutores de qualificação urbana e redutores das expressões de periferia sub-urbanizada e de reduzido conforto estético-ambiental, que se traduzam em referências de valorização do Concelho de Cascais.

Como facilmente se percebe em qualquer passeio domin-gueiro através dos becos e vielas que dão forma ao territó-rio municipal de Cascais, a aplicabilidade deste princípio, para além de facilmente se verificar que é impossível de concretizar na realidade urbana que temos, ainda é con-traposta com a urbanização com base comissional de vas-tos recintos urbanizados situados em fronteiras com a pai-sagem natural ou com os núcleos urbanos de expressão rústica, destruindo por completo equilíbrios entre essas realidades que se caracterizavam fundamental pela sua

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antiguidade. A aldeia da Areia, por exemplo, é um caso sintomático da forma como este desregramento implicou o desaparecimento de grande parte das características rús-ticas do lugar, pois a demolição de importantes imóveis de génese rural, acabou por determinar a construção de novos edifícios que, ao abrigo de planos de pormenor ela-borados como forma de garantir o cumprimentos dos preceitos do PDM, alteraram por completo a morfologia arquitectónica do lugar, e a paisagem rústica que ali existia e que, como facilmente se percebe, possuía um inexorável valor ao nível da promoção turística do território Casca-lense e, por extensão, de valorização da estrutura urbana existente no local.

No centro da aldeia do Zambujal, muito próximo daquele que foi, durante séculos, o espaço privilegiado de sociabi-lidade do local, foi cometida proeza semelhante. Com os licenciamentos municipais devidos, foi destruído por completo o núcleo original da primitiva aldeia oitocentista, sendo substituído por um único edifício de dimensões avantajadas que, não só demoliu de forma sistemática o que restava do antigo ambiente rural, como também con-denou definitivamente a possibilidade de se reconverter a povoação, numa lógica de conforto urbano, àquilo que são os critérios de qualidade que o plano deveria procurar definir. Esta proposta de revisão, para além de não alterar de forma expressa o conjunto de procedimentos associado a esta prática nociva para os interesses de Cascais e dos Cascalenses, acaba por, por omissão, reiterar uma prática

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que contraia os valores teóricos elencados no seu próprio regulamento.

Neste sentido, o PDM é o instrumento que deveria salva-guardar a necessidade de se garantir a satisfação global das dotações em equipamentos para toda a área territorial urbanizável, incorporando os défices dos espaços urbanos envolventes, bem como a manutenção, a adequação e valorização das linhas de água do Concelho. Por outro lado, infere novamente a necessidade de criação de vastas áreas de espaços verdes, de recreio e de lazer que, em conexão com a qualificação das redes viárias permita à generalidade dos munícipes o usufruto das condições de vida satisfatórias que este tipo de equipamento supõe.

É verdadeiramente contraditório verificar que no Conce-lho de Cascais, pelo menos desde a entrada em vigor deste Plano Director Municipal, nenhum destes preceitos tenha sido cumprido. Pelo contrário! Na grande maioria dos casos, e principalmente naqueles que se prendem com necessidades efectivas da população, a desarticulação entre a rede viária e as estruturas e equipamentos de apoio tem-se agravado, agravando também a já de si preocupante degradação crescente em que se encontram os espaços verdes do Concelho.

É fundamental, como aliás determina o próprio PDM que ainda está em vigor, a criação urgente de uma comissão não-municipal, integrando associações de moradores, colectividades, grupos desportivos e culturais e outras ins-

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tituições verdadeiramente representativas das populações, que aborde com eficácia o problema do trânsito no Con-celho que, como facilmente se entende, deverá por sua vez orientar a política de urbanidade do Concelho em consonância com as suas directivas. Só assim, cruzando a vontade e os naturais anseios da população com as deter-minações políticas que emanam de quem controla o poder municipal, seria possível equacionar o tal equilíbrio saudá-vel no desenvolvimento do concelho que profusamente surge mencionado nesta proposta de revisão.

Este cruzamento, associando visões parcelares obre áreas distintas da governação, relevaria para um plano de pri-meira importância questões como as da segurança, da higiene urbana, da mobilidade, da acessibilidade, da saúde ou mesmo do ambiente, suscitando plataformas de enten-dimento alargado que dariam corpo à possibilidade de desenvolvimento de uma abordagem generalizada à totali-dade da realidade municipal. Na área do ambiente, por exemplo, a recriação desta plataforma certamente contri-buiria para minorar os resultados menos bons que resul-tam do facto de o PDM não possuir poder efectiva na área do Parque Natural Sintra-Cascais, em linha com a determinação que está constante nesta proposta, mas que não se encontra plasmada em nenhuma medida concreta que permita aferir da sua exequibilidade, fomentando a qualificação das regiões associadas a esta área e definindo critérios inteligíveis de progressiva protecção nas zonas e espaços que fazem fronteira com ao perímetro do parque. Ao contrário do que devia acontecer, o PDM actualmente

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em vigor remete permanentemente as decisões urbanisti-camente mais importantes para o Decreto Regulamentar que dá forma ao funcionamento do parque natural, refu-giando-se assim naquela instituição para diminuir as res-ponsabilidades municipais na aprovação dos empreendi-mentos mais polémicos. A actual revisão do plano, pelas implicações que vai ter no futuro urbanístico do Conce-lho, e sobretudo por se encontrar também agora em fase de revisão o próprio decreto que determina a vivência e a gestão do parque, deveria conter em permanência uma orientação que garantisse a inclusão na legislação daquela instituição ambiental de membros efectivos que represen-tassem o Concelho de Cascais. As responsabilidades urba-nísticas da Câmara Municipal de Cascais, enquadradas nas normas regulamentares contidas no Plano Director Muni-cipal, deverão ser obrigatoriamente alargadas aos espaços contidos no Parque Natural Sintra-Cascais e às áreas con-sideradas normativamente especiais. A clareza e a justiça que deveria suportar o sistema democrático obriga a que os órgãos representativos dos munícipes actuem de for-ma perceptível. No caso específico do Parque Natural Sin-tra-Cascais, Paradoxalmente, e embora o Plano Director Municipal encubra esse facto, a edilidade municipal deve ter sempre voz activa na Comissão Directiva do Parque, sendo, por tudo isso, co-responsável pelas decisões toma-das nesse âmbito e putativamente garantindo a representa-tividade de todos os cascalenses nas decisões que dela emanem.

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No que concerne à delimitação, caracterização, usos e parâmetros urbanísticos dos espaços florestais, matéria na qual novamente assume importância inaudita a generali-dade da área contida no Parque Natural Sintra-Cascais, verifica-se que o Plano Director Municipal determina que os mesmos se compõem da generalidade dos espaços em que subsiste um coberto arbóreo natural, que deverá obri-gatoriamente ser protegido, ou então daqueles que, pelas suas características intrínsecas, demonstram aptidão para a implantação de cobertura vegetal suficiente à recriação do equilíbrio paisagístico concelhio. Nestas áreas são admis-síveis, de acordo com a regulamentação do PDM, os modelos de exploração compatíveis com as actividades agrícolas, silvícolas e pastoris, e todas as actividades que sejam adequadas à protecção do solo, bem como à recu-peração do seu fundo de fertilidade. Refere ainda, como forma de salvaguarda de eventuais desastres ecológicos que coloquem em risco a integridade florestal do Conce-lho de Cascais, a necessidade de, em articulação com a Administração Central, se promover a elaboração de pla-nos especiais onde, designadamente, devem ser progra-mados os caminhos corta-fogo com continuidade a asse-gurar nas áreas envolventes aos espaços florestais. Infe-lizmente, como acontece noutros artigos, também aqui se tem assistido a um total vazio implementativo por parte da autarquia, uma vez que o espaço florestal concelhio, pelo impasse causado pela institucionalidade do Parque Natural, se encontra num atroz estado de abandono, não só no que concerne aos caminhos corta-fogo, que se encontram em avançado estado de degradação, como

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também nos aspectos relacionados com deposições ilegais de lixos, sucatas e entulhos, bem como da implementação de construções clandestinas.

O Plano Director Municipal, enquanto documento repre-sentativo da vontade popular, e sobretudo neste momento de revisão, deve ser capaz de enquadrar a vinculação que é obrigatória entre os poderes e as instituições autárquicas e os espaços florestais, neles estando contidos não só as áreas regulamentarmente definidas no âmbito do parque natural, como também todos os espaços devolutos que existem no concelho e cuja renaturalização deveria ser enquadrada na mesma lógica governativa. A alienação que a existência do Decreto Regulamentar do Parque Natural Sintra-Cascais provoca, é contraproducente em relação aos interesses de Cascais e, por esse motivo, deverá passar a estar contida nesta nova versão do PDM. O que isto quer dizer, porque por muito que tal situação acarrete res-ponsabilidades acrescidas à edilidade, é que o Parque, pelo menos na sua área integrada no Concelho de Cascais, deverá ser também alvo da acção, pelo menos fiscalizado-ra da autarquia, sob pena de, ao abrigo de formulações legais verdadeiramente preparadas para satisfazer necessi-dades pontuais, se proceder a um encobrimento do traba-lho, da vontade e da dinâmica dos que se interessam pelo Concelho, em prol de uma desfaçatez que resulta da total desresponsabilização formal dos nossos eleitos. O incenti-vo à responsabilidade passa sobretudo pela inclusão no PDM do articulado que atribua à Câmara Municipal a res-ponsabilidade pelo incumprimento da regulamentação do

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parque. Se é certo que o Parque Natural Sintra-Cascais é hoje, de uma forma institucionalizada, uma realidade de âmbito Nacional, não é com toda a certeza menos verda-de, que o mesmo faz parte integrante da riqueza natural do Concelho de Cascais, devendo por isso ser salvaguar-dado a todo o custo, sendo certo que só faz sentido que assim seja, se a mesma orientação, as mesmas normas e a lógica de fomento, se alargue à generalidade do espaço concelhio.

Relativamente a estas áreas, espalhadas de forma anárqui-ca por todo o concelho e que esta proposta de revisão identifica de forma muito fugaz e somente na sua estrutu-ra primária, elas são de facto fundamentais para diminuir o impacto negativo que resulta do desenvolvimento descon-certado do Concelho de Cascais que temos vindo a men-cionar, é fundamental perceber que a sua implantação representa, de facto, a criação de uma espécie de cortina de aço que sustenta a manutenção da paisagem natural ou histórica onde ela exista. Por estes motivos, e porque as cartas de condicionantes que se anexam ao PDM são pou-co claras, sobretudo em relação à verdadeira determinação das zonas onde se implantam estas áreas, é muito impor-tante proceder a uma revisão integral da qualificação dos seus espaços, por forma a garantir que os mesmos abar-cam a generalidade dos espaços de transição de paisagem que urge preservar.

Assim e para além das linhas de água e da área de transi-ção que envolve a totalidade do território contido no Par-

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que Natural Sintra-Cascais, é fundamental que o Plano Director Municipal integre ainda uma correcta delimitação dos perímetros dos núcleos históricos das diversas aldeias e locais do Concelho, bem como uma área de protecção integrativa da generalidade dos monumentos, habitações com importância histórica e sítios ou estações arqueológi-cas. A criação destas redes de espaços de protecção ou enquadramento, não só potencializa rentabilizando o aproveitamento turístico deste tipo de estruturas, como garante uma progressiva integração dos restantes espaços urbanos menos planeados naquilo que são as característi-cas naturais e culturais do Concelho de Cascais. Nos espaços urbanos, a delimitação destas áreas deverá ainda obedecer a parâmetros bem definidos de redistribuição do amontoado paisagístico, facilitando assim aos urbanistas e projectistas a tarefa de rentabilização do uso indevido dos solos.

Como facilmente se percebe, a necessidade de Cascais se assumir como Concelho orientador de estratégias na Área Metropolitana de Lisboa, e não, como muitos têm feito dele, um mero e fiel seguidor do que de melhor os outros vão conseguindo efectivar, é factor decisivo na determina-ção do que fazer nos próximos anos. Com a assumpção da sua especificidade, Cascais garante a possibilidade de exercer junto dos outros a mais-valia que resulta das con-dições únicas que possui, potencializando as suas riquezas e promovendo uma relação bi-unívoca com os restantes, que rentabilize a utilização das suas próprias estruturas. Imaginemos, por exemplo, a necessidade efectiva de cria-

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ção de alojamento específico para todos os habitantes de bairros degradados existentes no Concelho de Cascais. A assunção de uma vocação turística, incompatível com a existência desse fenómeno, aliada à promoção do empre-go e da sensibilização metropolitana desta vasta área, pos-sibilitaria a resolução do problema através da criação de parceiras estratégias com outros Concelhos. Em casos mais específicos, como por exemplo a criação de um esta-belecimento de ensino superior ou de um grande hospital, a parceria funcionaria da mesma maneira.

De facto, quer pela já mencionada privilegiada posição estratégica no seio da Península de Lisboa, quer ainda por todas as características internas, o Concelho de Cascais é uma realidade única e inconfundível, não podendo nem devendo seguir pisadas alheias, nem tão pouco confundir a sua riqueza, paisagística, patrimonial e social, com aquela que caracteriza os Concelhos vizinhos. A sua história e os seus valores, transformam Cascais num sítio único, onde cada casa e cada jardim, semeados por entre as vastas superfícies dos antigos pinheirais comunicam ao cidadão os elementos básicos da sua vivência. As muitas fontes e moinhos, padrões e grutas artificiais, casais rurais e saloios, casas operárias e habitações aldeãs, em conjugação com os padrões comemorativos das muitas efemérides que decorreram em Cascais, formam um todo patrimonial invejável e que, caso estivesse preservado e fosse bem conhecido, poderia causar o espanto de muitos dos turis-tas que nos visitam, bem como dos próprios cascalen-se de fim-de-semana que, mercê das necessidades quoti-

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dianas de deslocações a Lisboa para trabalhar, apenas pos-suem os dias feriados e de folga para o desenvolvimento do conhecimento sobre o seu local de habitação.

Como não podemos deixar de reiterar, é deveras preocu-pante que esta proposta de revisão do Plano Director Municipal de Cascais vá procurar saídas para o seu desen-volvimento em municípios alheios, despromovendo desin-teressadamente as riquezas que Cascais poderia oferecer. De facto, e ao contrário do que é veiculado por este estu-do, o Concelho de Cascais possui vastas riquezas patri-moniais, tomando em conta o facto de que por patrimó-nio se entende o conjunto de imóveis de interesse históri-co, cultural, económico, artístico, estético ou arquitectóni-co. Nesse sentido, são largas centenas os velhos casais saloios, rurais, aldeões e operários, exemplares únicos da arquitectura popular portuguesa e transmissores privile-giados de uma forma de viver e de correlação com o meio ambiente. Estes imóveis, se bem que altamente degrada-dos, são facilmente recuperáveis, quer devido à sua sim-plicidade tipológica e construtiva, quer devido ao facto de existir um grande número de casos em que os mesmos se encontram devolutos. É assim completamente incom-preensível que a edilidade cascalense, neste documento orientador das políticas municipais em termos urbanos promova esta dependência em relação à Área Metropoli-tana de Lisboa, visível nas cartas de compromissos assu-midos nas áreas do turismo, com subordinação à política promocional definida a partir da capital, mas também ao

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nível da saúde, da mobilidade da segurança e do patrimó-nio.

Precisamente ao nível do património, e principalmente no decorrer dos últimos vinte anos, foram várias dezenas os imóveis com interesse patrimonial que desapareceram no Concelho de Cascais. A razão de ser deste fenómeno, mais do que com o resultado da acção inexorável do tem-po, prende-se com o desinteresse, a incúria e o desconhe-cimento patrimonial e cultural que esta proposta de revi-são do Plano Director Municipal institucionaliza. Senão vejamos: a dada altura, quando se debruça sobre a neces-sidade de preservar, o PDM determina que o conjunto de imóveis de interesse patrimonial a defender deverá fazer parte de uma listagem que se encontra anexa ao plano. Uma análise mesmo pouco cuidado a esta listagem permi-te verificar vários aspectos dignos de um interesse espe-cial: em primeiro lugar, é fundamentalmente muito redu-zido o número de imóveis que fazem parte desta lista, mesmo quando comparados com aqueles que constam dos inúmeros levantamentos de património realizados pela Doutora Raquel Henriques da Silva e publicados nos Boletins Municipais, ou com as listagens oficiais do IPPAR ou da Direcção Geral dos Edifícios e Monumen-tos Nacionais. Em segundo lugar, constam dessa listagem imóveis que se definem apenas pelo seu uso ou natureza. Por último, integram-se na lista imóveis com grande importância patrimonial, mas, por razão inexplicável, omi-tem-se outros situados em locais muito próximos, e que, pelas suas características próprias merecem essa inclusão,

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sem que nem sequer sejam mencionados no plano. É visí-vel que, de forma inquietante, impera nesta proposta de revisão do PDM uma lógica de identificação pontual de estruturas que usufruem de regimes excepcionais de pro-tecção e que, em consequência da sua aplicabilidade, liber-tam os restantes de toda e qualquer espécie de protecção adequada. É isso que permite, a título de exemplo, que os autores desta proposta defendam um processo generaliza-do de demolição dos imóveis existentes no quarteirão do Jumbo de Cascais, condicionando a política de promoção patrimonial a um conjunto cego de listagens que, não sen-do exaustivas, nada permitem preservar ao nível da identi-dade e da memória colectiva cascalense.

Esta situação, aliás assaz curiosa quando comparada com aquilo que acontece noutras partes do País, onde, embora a riqueza patrimonial seja muito menor, as acções de recuperação e valorização do mesmo se fazem com espe-cial incidência na componente divulgativa, tem contribuí-do de forma tristemente preocupante para o desapareci-mento progressivo de inúmeros casos de exemplares úni-cos no nosso País. Embora não façam parte do conjunto de imóveis que o Plano Director inclui nas suas listagens, são inúmeros os exemplos de património com elevado interesse histórico, arquitectónico e paisagístico que exis-tem na área do Parque que se situa em território do Con-celho de Cascais e que são, pela situação atrás referidas, completamente obliterados. Estes imóveis, no entanto, estão todos eles classificados a nível oficial Nacional, estando por isso mesmo sujeitos a um cuidado especial

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em termos legais. Para além destes, e espalhados por todo o território municipal, muitas peças patrimonialmente relevantes ficarão excluídas de qualquer espécie de regime de protecção, ficando à mercê de decisões pontuais e que nada contribuem para o rigor, para a clareza e para a inde-pendência que Cascais tanto anseia nesta área.

O certo é que, como muito bem refere o PDM ainda actualmente m vigor, qualquer desperdício a nível do desaparecimento de imóveis ou sítios de interesse patri-monial, social, histórico ou arquitectónico representa uma perda económica, social e cultural para o Concelho de Cascais!

Refere-se, aliás, nesta proposta de revisão do plano que, caso surjam elementos arqueologicamente relevantes em espaços onde decorram intervenções urbanísticas ou obras de quaisquer espécies durante o período de vigência deste documento, os proprietários deverão contactar os serviços municipais no espaço de 48 horas para que sejam garanti-dos acompanhamento conveniente à sua salvaguarda. Como é fácil de imaginar, o encontrar de vestígios arqueo-lógicas numa propriedade particular, particularmente se se revelarem de grande importância ou significado, corres-ponde paradoxalmente a um incidente que convém ime-diatamente ultrapassar… é que a morosidade do funcio-namento público em Portugal, aliado à complexidade de um sistema superiormente hierarquizado e burocratizado, faz de qualquer procedimento prático uma aventura quase inultrapassável. Para o proprietário particular que, no

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decorrer das obras para a construção de uma qualquer edi-ficação no seu terreno, encontre um vestígio arqueológi-co, a primeira coisa que faz é garantir que o mesmo desa-parece de forma célere e imediata, pois sabe que a sua divulgação é suficiente para o protelamento das obras por vários anos. Com esta forma de actuar, como é que será possível salvaguardar os interesses arqueológicos e patri-moniais do Concelho de Cascais?

A actual revisão ao Plano Director Municipal no que diz respeito ao património arqueológico, deveria conter a menção à obrigatoriedade de a Câmara Municipal proce-der às escavações, sondagens ou acções de prospecção sis-temática de todos os sítios susceptíveis de possuírem ves-tígios num prazo definido por Lei e integralmente cum-prido, mas também a publicação dos seus resultados. De que serve a Cascais possuir uma equipa de excelentes arqueólogos municipais se os munícipes nunca viram qualquer relatório de escavação devidamente publicado?

O certo é que, ao nível do reforço da vocação turística municipal, não faz sentido aprovar uma revisão do Plano Director Municipal que nada trás de novo ao nível da sal-vaguarda das principais potencialidades municipais, nem tão pouco contribuindo para que se promova uma abor-dagem generalizada que conjugue as várias áreas num pla-no estratégico comum, com visão a médio e a longo pra-zo, que dê orientações precisas e pragmáticas a todos aqueles que vivem ou querem viver, que trabalham ou

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querem vir a trabalhar, que investem ou queiram vir a investir em Cascais.

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Conclusão

O processo de revisão do Plano Director Municipal que está em curso é um desafio para Cascais e para os Casca-lenses. E é, em primeira instância, porque o seu resultado vai determinar aquilo que será o devir municipal ao longo dos próximos (pelo menos) dez anos. Mas, também, por-que todos sabemos que o sistema político-partidário em que ele se enquadra determina que à frente dos interesses efectivos da Nossa Terra se imponham interesses terceiros que desvirtuam a discussão e condicionam os seus resul-tados.

Foi por isso que, depois de mais de vinte e dois anos a lutar lado-a-lado pela defesa do Concelho de Cascais, pela preservação dos seus principais valores e pela definição de um modelo de desenvolvimento sustentável e sustentado que garanta qualidade de vida para todos os Cascalenses (os que actualmente cá vivem e também todos aqueles que aqui virão a viver), optámos por plasmar nestas páginas o resultado de um exercício longo e profícuo de análise e ponderação daquilo que entendemos que deve ser o cami-nho de futuro para este concelho.

A lógica do sistema, numa rotatividade política que assen-ta numa máquina partidarizada que se perpetua no contro-le da coisa pública, inibe o cabal cumprimento dos valores associados à cidadania activa que diz defender. E, dessa forma, compromete a saúde da própria democracia, ao

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subverter o entendimento público em relação às grandes questões que se colocam à Nossa Terra.

A proposta de revisão do PDM que está sobre a mesa, atrasada quase uma década por ineficácia de quem tomou conta do poder ao longo dos últimos anos, peca precisa-mente por assentar nessa fórmula condicionante que tanto prejuízo trás ao quotidiano do concelho. Lança publica-mente uma proposta de articulado assente em grandes ideias generalistas, em lugares-comuns pensados em linha com aquilo que deslumbra o leitor mais impreparado, e em parangonas que unanimemente deixam no ar uma sen-sação de unanimidade. Mas, quando esmiuçadas com a realidade, e sobretudo quando comparadas com as pro-postas efectivas que dão forma à proposta de revisão do plano, qualquer cascalense minimamente conhecedor da realidade deste concelho percebe que são inconcretizá-veis…

Sabemos que as ideias e propostas que trazemos se afas-tam do modelo facilitista e populista que convém ao sis-tema. Sabemos também que, para a lógica do poder, dependente de ciclos eleitorais curtos e da estabilidade eleitoral da qual que depende para sobreviver, o modelo de desenvolvimento sustentável que defendemos para Cascais não faz sentido, por projectar num horizonte de largo espectro os resultados daquilo que agora defende-mos. Conhecemos bem, até porque vinte e dois anos de trabalho conjunto e partilhado foram suficientes para ganharmos calo em relação às críticas absurdas que nos

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vão fazer, as consequências que vamos sofrer por nos mantermos estruturalmente e assumidamente leais ao rumo que defendemos.

Mas assumimos todos esses custos. E fazemo-lo porque sabemos também que os Cascalenses anónimos, aqueles que connosco partilham os mesmos anseios, as mesmas perspectivas e o mesmo amor por Cascais, anseiam por um caminho de verdade e de confiança que os defenda.

Daqui por dez anos vamos ter certamente um Cascais diferente. Pode ser um Cascais mais desequilibrado, se a opção for por um modelo de desenvolvimento populista e inconsequente, ou pode ser um Cascais próspero, dinâmi-co e vivo, assente nos valores que herdámos dos nossos avós e que servem como garante da nossa identidade municipal.

Nessa altura, tal como estivemos ao longo da última déca-da e meia, cá estaremos sempre disponíveis para defender a Nossa Terra…

Porque há uma coisa que sabemos: vale a pena ser Cas-cais!

Maria Isabel Cabral de Magalhães

João Aníbal Queirós Felgar Veiga Henriques

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