barbara cartland a falsa lady

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A Falsa Lady (No bride, no wedding) Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland Nº 407 Título original: No bride, no wedding Copyright: © 1996 by Barbara Cartland Tradução: H. Magelan EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346, CEP 01410-901 - São Paulo - SP - Brasil Caixa Postal 9442 CÍRCULO DO LIVRO LTDA. Copyright para língua portuguesa: 1996 Fotocomposição: Círculo de Livro Impressão e acabamento: Gráfica Circulo Digitalização: Rosana Gomes Revisão: Ana Terra

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Page 1: Barbara cartland   a falsa lady

A Falsa Lady(No bride, no wedding)

Barbara Cartland

Coleção Barbara Cartland Nº 407

Título original: No bride, no weddingCopyright: © 1996 by Barbara Cartland

Tradução: H. MagelanEDITORA NOVA CULTURAL

uma divisão do Círculo do livro Ltda.Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346,

CEP 01410-901 - São Paulo - SP - Brasil Caixa Postal 9442CÍRCULO DO LIVRO LTDA.

Copyright para língua portuguesa: 1996Fotocomposição: Círculo de Livro

Impressão e acabamento: Gráfica Circulo

Digitalização: Rosana GomesRevisão: Ana Terra

Page 2: Barbara cartland   a falsa lady

Um encontro inesquecívelInglaterra, Paris, Grécia, Gibraltar 1876.

No convés do navio que a levava ao encontro do desconhecido e da aventura, Celina Hart, que se fazia passar por lady Hartington, olhava o céu cravejado

de estrelas, desejando chegar logo a seu destino, quando ouviu uma voz: "Queria saber, linda lady, que pedido estava fazendo às estrelas que eu,

embora um simples mortal, faria o impossível para atender". Era o marquês de Merryfield. Marujo experiente, conhecido por suas conquistas, estava curioso de saber por que aquela bela jovem viajava sozinha naquele navio infestado de

apátridas e aventureiros...

Querida leitora,Você não pode perder os especiais que preparamos para você. Eles já

estão nas bancas. São histórias incríveis, que vão fazer você viver grandes emoções. Corra até a banca mais próxima e garanta o seu exemplar.

Janice Florido Editora Executiva

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NOTA DA AUTORA

O passaporte descrito neste livro é igual àquele concedido a meu avô pelo conde de Derby, ministro das Relações Exteriores, em 1875.

Nesse passaporte, abaixo do nome de meu avô, constava o de sua esposa.A palavra "passaporte" vem do francês e é formada de duas outras:

passer, ou "passar", e port, ou "porto". Originalmente, "passaporte" significava a permissão para-deixar ou entrar em um porto.

Pela lei inglesa, um cidadão que esteja no exterior com passaporte britânico tem a proteção da Coroa.

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CAPÍTULO I

1876Entrando em casa, um pequeno, mas aconchegante sobrado, no campo,

Celina tirou o chapéu preto que complementava o traje de luto e sentou-se numa das poltronas da sala de estar, perto da janela.

Voltava do enterro da mãe, ao qual compareceram apenas algumas pessoas da vila.

Desalentada, cobriu o rosto com as mãos e desatou em lágrimas. Agora que estava sozinha, podia chorar.

Aprendera com a mãe que uma lady devia saber controlar suas emoções em público.

A cena ocorrida havia dois dias permanecia vivida na mente de Celina. Adormecera na poltrona, do lado da cama da mãe e, bem cedo, ao acordar, vendo-a imóvel, julgara que estivesse dormindo. Segundos depois, percebera que estava morta.

— Como pôde ir embora, deixando-me sozinha, mamãe? — Celina indagara, entregue à sua dor.

Compreendera, ao mesmo tempo, que já devia ter esperado a partida da mãe, simplesmente porque Carol Hart não suportava viver sem o marido, falecido poucos meses antes.

A vida de John Hart e lady Carol Hurstwood fora uma linda história de amor. Mais de uma vez, Celina havia considerado a possibilidade de escrever um livro contando o romance dos pais.

Antes de se casar, Oliver Wood, pai de lady Carol, havia sido embaixador em vários países. Quando se estabeleceu definitivamente em Londres, foi nomeado ministro das relações exteriores e, depois, tornou-se um dos mais distintos membros da Câmara dos Lordes.

Já estava com quase quarenta anos quando se casou, sonhando ter uma grande família, mas três anos se passaram sem que a esposa lhe desse filhos.

No mesmo ano em que Oliver Wood herdou o título de conde de Hurstwood nasceu sua filha, Carolina, no dia de Natal.

Infelizmente, a condessa não era uma mulher forte, e depois do nascimento da menina não pôde ter mais filhos.

A notícia dada pelo médico foi um golpe para o conde. Ciente de que era um homem muito rico e importante, ele não escondia a frustração por não ter tido um herdeiro do título de nobreza, da fortuna e das propriedades.

Para compensar a falta de um filho, o conde decidiu que lady Carolina iria fazer um casamento brilhante.

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Lady Carol, como todos chamavam Carolina, era uma criança encantadora e tornou-se mais linda com o passar dos anos. O pai orgulhava-se da filha e já antecipava que quando debutasse seria a "Bela da Temporada".

Logo que perdeu a esposa, o conde passou a preocupar-se seriamente com o casamento de lady Carol, agora com dezessete anos.

Queria para genro um nobre com título mais importante do que o seu. De preferência um duque. O problema era que, na Inglaterra, na época, os duques eram raros.

Só havia "um solteiro: o duque de Denholme, com trinta e cinco anos, que herdara o título poucos meses atrás.

Não foi difícil para o conde, homem agradável, cordial, generoso e possuidor de excelentes cavalos de raça, conquistar a simpatia do duque.

Em pouco tempo, Sua Alteza tornou-se amigo do conde, seu companheiro de caçadas e o visitante mais assíduo de Hurstwood Park.

Desnecessário seria dizer que o conde exultava. Conquistara a amizade e a confiança do duque e estava certo de que em breve o teria como genro.

Para cativá-lo ainda mais, presenteava-o com cavalos extraordinários e quando o duque deixava a sua propriedade, em Derbyshire, e ia a Londres, o conde procurava distraí-lo.

Oferecia-lhe jantares em sua casa, na Belgrave Square, convidava-o para ir ao teatro, apresentava-lhe as mais atraentes atrizes, bem como as "pombas maculadas", famosas em St. James's.

Lady Carol, que não tinha a menor idéia das intenções do pai, levou um tremendo choque, quando, ao completar dezoito anos, o conde participou-lhe, eufórico, que ela iria tornar-se a esposa do duque de Denholme.

— Sua mãe morreu há um ano e é natural que eu me preocupe com o seu futuro, minha querida. Em breve, o duque de Denholme irá propor-lhe casamento — assegurou o conde. — Casando-se com ele, você irá tornar-se uma duquesa! Mostre-se amável com Sua Alteza, filha.

— Mas, papai... eu...— Não quero ouvir protestos! — cortou o conde. -— Sei o que é melhor

para você.Para não aborrecer o pai, lady Carol não argumentou. Já se acostumara

com a presença do duque em sua casa e o considerava quase um parente. Como nunca fora cortejada por ele, imaginou que Sua Alteza não estava interessado nela e convenceu-se de que a idéia de casamento só existia na mente do pai.

Isso a deixou tranqüila, pois achava o duque de Denholme feio, baixinho, sem-graça, ligeiramente gago e sua conversa não podia ser mais aborrecida. Isto sem contar que tinha quase o dobro da idade dela.

Poucos meses depois, lady Carol teve a sua primeira temporada em Londres e foi aclamada a mais bela e mais distinta debutante. Como era de esperar, recebeu inúmeras propostas de casamento.

Ao ouvi-las, lady Carol demonstrava que se sentia lisonjeada com o pedido e respondia que precisava de algum tempo para refletir.

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Na verdade, ao contrário das moças da sua idade, lady Carol pouco se preocupava com o amor ou o casamento. Isso não se dava por falta de romantismo.

Ela achava apenas que, no momento certo, conheceria aquele por quem seu coração iria bater mais aceleradamente. Então, o mundo se tornaria mais belo e mais radioso.

O conde, por outro lado, que após cada festa conversava com a filha para saber o que acontecera, ao ouvir os nomes daqueles que haviam oferecido a lady Carol seu coração e o nome, fazia poucos desses pretendentes, quando não os ridicularizava.

— Nenhum deles é importante socialmente — alegava, com desdém, o pai zeloso. — Não há um que seja digno de você, a mais linda debutante, minha querida. Vou cortá-los da nossa lista de convidados, como indesejados.

Achando que o duque de Denholme era mesmo um moleirão e que, se dependesse da vontade dele, lady Carol nunca ouviria seu pedido de casamento, o conde decidiu intervir.

Na véspera do baile que seria, segundo os jornais, "o maior acontecimento da temporada", Sua Senhoria disse ao duque:

— Afeiçoamo-nos um ao outro, caro Arthur, temos muitos interesses em comum, e o considero quase um filho. Além disso, já percebi que você admira Carolina e, sem dúvida, ambos formam um lindo par. Portanto, me alegraria muito se você lhe propusesse casamento. Asseguro-lhe que ela será uma esposa perfeita.

O conde fez uma pausa, depois acrescentou:— Se me permite dizer com franqueza, acho que a sua casa de campo,

em Derbyshire, precisa ser reformada. Se eu tornar-me seu sogro, vou ajudá-lo a transformá-la numa casa muito mais atraente. Quanto ao seu sobrado de Londres, situado no bairro de Islington, é simples demais para um homem da sua posição. Portanto, está autorizado a procurar uma bela mansão na Berkeley Square ou na Park Lane. Será meu presente de casamento.

O duque concordou com tudo o que o conde sugeriu e, obedientemente, na noite seguinte, durante o baile, convidou lady Carol para dançar e pediu-a em casamento.

Atônita, lady Carol compreendeu que o pai arquitetara tudo e havia falado sério ao dizer-lhe que ela iria tornar-se a duquesa de Denholme.

— Oh, papai, não quero me casar com o duque. Não gosto dele! — lady Carol replicou, ao saber que o casamento seria realizado dentro de um mês e meio.

— Tolice! Tolice! — cortou o pai. — Arthur será um marido excelente e, com o tempo, você aprenderá a amá-lo. Reconheço que a casa que ele tem em Derbyshire não é bonita, mas é grande e vou mandar reformá-la, decorá-la, tornando-a uma esplêndida mansão. Também já autorizei seu noivo a procurar a mais linda casa que encontrar na Berkeley Square ou na Park Lane. Será o meu presente de casamento para vocês.

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— Sei que o senhor quer muito bem ao duque, papai, mas não é o senhor quem vai se casar com ele — tornara lady Carol, amuada. — Não o amo e só me casarei por amor.

— Você o amará, eu lhe asseguro — insistiu o conde. — O amor virá com o casamento, com a convivência. Vocês serão felizes. Arthur irá oferecer festas tanto na sua casa de campo como na mansão de Londres. Não haverá marido mais devotado e ansioso para satisfazer todos os desejos da esposa. Pode ter certeza de que ele lhe será fiel e não correrá atrás de outras mulheres.

Por pouco, lady Carol não retrucou que um homem feio e sem-graça não despertaria a atenção de outras mulheres. Em vez disso, pediu suavemente:

— Por favor, papai, dê-me um pouco mais de tempo para eu ver se encontro outro pretendente que seja do seu gosto e a quem eu ame.

Para seu espanto, o conde enfureceu-se. Lady Carol só o vira tão zangado quando um dos cavalariços maltratara um dos cavalos.

— Você fará o que lhe ordenei! Você é minha filha e me deve obediência. Eu a criei com todo o conforto, no maior luxo e nunca deixei de satisfazer todos os seus menores desejos. E agora que eu quero ter Arthur como genro, você o aceitará como marido! O assunto está encerrado! Arthur virá jantar em casa e trataremos dos detalhes do casamento.

Diante da veemência do pai, lady Carol ficou amedrontada e não argumentou. Reconheceu também que seria perda de tempo e de fôlego.

Autoritário como era, e colocando a posição social em primeiro lugar, o conde não iria entender que a filha queria apaixonar-se, que sonhava com um homem alto, forte e bonito.

Lady Carol imaginava que iria acontecer com ela o mesmo que acontecia com as heroínas dos romances: seu coração daria um salto assim que o homem dos seus sonhos a fitasse.

Ambos saberiam, instintivamente, que se haviam encontrado pela força do destino. A partir daí, nada mais teria importância, a não ser o amor que sentiam um pelo outro.

"Como posso me casar com o duque, se não o amo?", lady Carol questionou-se, deprimida.

Entretanto, nessa mesma noite, recebeu do noivo, sem contestar, um enorme e valiosíssimo anel de diamantes.

Com receio de que a filha pudesse interessar-se por outro homem se continuasse indo a festas, o conde levou-a para Hurstwood Park, embora a temporada ainda estivesse em meio.

Ao duque, o futuro sogro pediu que deixasse tudo em ordem na sua propriedade de Derbyshire e fosse encontrá-los em Hurstwood Park, pouco antes do casamento.

A ida para o campo alegrou lady Carol. Lá, pelo menos, poderia montar os excelentes puros-sangues que havia nas cocheiras e enquanto estivesse cavalgando, esqueceria o noivo indesejado.

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A coleção de cavalos do conde era invejável. Ele orgulhava-se do que possuía e, para contentar o futuro genro, estava aguardando a oportunidade de ir ao leilão de Tattersall's para arrematar belíssimos animais que estavam para chegar.

John Hart, o administrador das cocheiras, já informara ao conde quando seriam as vendas e havia assegurado que as ofertas seriam imperdíveis.

Fazia quatro anos que John Hart trabalhava em Hurstwood Park e nesse tempo a coleção de cavalos tornara-se maior e muito melhor. De fato, John era grande entendedor de cavalos e podia afirmar, assim que via um animal, se era bom e convinha adquiri-lo, ou não valia a pena comprá-lo.

Muito contente com o empregado, o conde costumava dizer:— Nunca vi Hart enganar-se ao escolher um cavalo e, se tenho a mais

bela coleção de puros-sangues do condado, devo a ele.Foi John Hart quem deu ao conde e a lady Carol as boas-vindas a

Hurstwood Park, e informou Sua Senhoria que haviam chegado os dois cavalos que ele tivera permissão de comprar.

Antes mesmo de entrar em casa, o conde e lady Carol foram para as cocheiras ver os animais.

— Ambos estão em excelente forma, milorde. E sei que lady Carol gostará de montar este aqui. — John Hart indicou um magnífico cavalo de nome Pirilampo.

Na manhã seguinte, lady Carol saiu para cavalgar com o pai e constatou que Pirilampo era o cavalo mais perfeito que já montara. Depois de um passeio pela propriedade, pai e filha foram praticar saltos no paddock.

Estavam ansiosos para testar os animais e verificar seu desempenho diante dos novos obstáculos, erguidos durante a estada deles em Londres. Pirilampo saltou todos eles com elegância, deixando uma distância de pelo menos quinze centímetros acima da barra.

O conde não teve a mesma sorte. Um pássaro saiu do alto de uma das árvores e passou voando na frente do cavalo. Assustado, o animal refugou e empinou-se.

Foi tudo tão inesperado que o conde, apesar de ser ótimo cavaleiro, caiu da sela, machucando a perna.

Não foi um ferimento grave, porém impediu-o de Cavalgar durante quase três semanas.

Desde então, lady Carol passou a praticar saltos no paddock, sozinha. Quando se afastava da casa, para seus passeios a cavalo, John Hart a acompanhava, pois 0 conde não permitia que a filha cavalgasse desacompanhada, principalmente montando cavalos novos e desconhecidos.

Assim, os dois cavalgavam pelas fazendas, pelo bosque e chegavam até os limites da propriedade, aonde lady Carol raramente ia. Também apostavam corrida e conversavam muito nos momentos em que paravam a sombra das árvores para descanso dos animais.

Aos vinte e sete anos, John Hart era um homem forte, muito bonito, tinha a compleição de um atleta, e montava excepcionalmente bem.

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O pai, Dr. Edward Hart, havia sido o médico veterinário da vila e John fora seu ajudante desde menino, p que lhe deu grande experiência no tratamento de animais.

Ainda adolescente, John Hart participou de uma corrida, saindo vencedor. Na ocasião, o mestre local de caçadas à raposa ficou tão impressionado com o rapaz que o contratou para cuidar de seus cavalos e cães e também para adestrá-los.

Depois disso, John Hart trabalhou para um grande criador de cavalos e em seguida tornou-se comprador de cavalos de raça, o que o tornou conhecido nos leilões e salões de Tattersall's, o famoso mercado de cavalos de Londres.

Todos os proprietários do condado e arredores consultavam-no para saber como estava o mercado, para avaliação de seus animais, e, no caso da venda de um cavalo em leilão, qual devia ser o lance inicial.

O conde tornou-se um dos consultores mais freqüentes de John Hart e passou a depender tanto dele, e a confiar tanto nos seus conselhos, que o convidou para administrar suas cocheiras, a fazenda de criação de cavalos e para adestrar os cavalos novos e indômitos.

Em pouco tempo, os cavalos da fazenda do conde dobraram de número e aumentaram muito na qualidade, sendo admirados por todos do condado.

Nos longos passeios, como era de esperar, nasceu uma grande amizade entre John Hart e lady Carol. Ambos eram jovens, davam-se bem e conversavam de igual para igual.

Lady Carol não tardou a revelar a John que não queria se casar com o duque de Denholme porque não o amava, porém, via-se forçada a obedecer ao pai.

— Sua Alteza tem bons cavalos, mas nunca será um grande cavaleiro — observou John Hart, certa manhã.

— Ah, se fosse apenas isso! — Lady Carol suspirou. — O duque é maçante, não tem assunto nem personalidade. Ele me pediu em casamento só para contentar papai. Eu gostaria que meu pai nos desse mais algum tempo, mas ele insiste em que o casamento seja realizado na data por ele estabelecida.

— Lamento por você, milady. E natural que sonhe em se apaixonar e se casar por amor — John Hart falou com simpatia.

— De que adiantam os sonhos? Não posso sequer argumentar, pois meu pai se zanga e grita comigo.

— Sua Senhoria não tem o direito de fazer isso! — protestou John Hart.O administrador falou com tal veemência que, para não deixá-lo ainda

mais exaltado, lady Carol disse suavemente:— Ele é meu pai.— Sim, mas é também muito autoritário. Sua Senhoria acha que, por ser

rico e importante, todos devem fazer o que ele quer. Isso não está certo.Tarde demais, John Hart arrependeu-se de ter sido tão impulsivo. Não

devia falado daquela forma sobre o conde.

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Apesar de reconhecer que era uma crueldade obrigar um jovem tão linda a casar-se contra a vontade, ele, como simples empregado, não tinha o direito de intrometer-se na vida dos patrões.

Com o passar dos dias, John Hart e lady Carol tornaram-se cada vez mais afeiçoados um ao outro. Enquanto isso, o conde tomava todas as providências para o casamento que, ele decidira, seria o maior acontecimento do ano.

Convidou para as bodas todas as pessoas importantes do condado e de outras partes da Inglaterra, os amigos de Londres, inclusive alguns membros da família real. Exultou ao receber a confirmação da presença de quase todos os convidados.

Muito organizado, o conde preparou a casa, que era muito grande, para receber todos os parentes e as pessoas mais importantes. As demais ficariam hospedadas na casa do governador do condado.

— Seu casamento será memorável, minha querida — assegurou o conde com orgulho. — Os jornais o noticiarão e, sem dúvida, publicarão a lista dos convidados importantes.

O luxuoso enxoval de lady Carol, comprado nas mais finas lojas da Bond Street, era digno de uma princesa.

Ao ver os ricos vestidos, lady Carol refletiu que o futuro marido talvez nem iria notar o que a esposa usava, uma vez que, em geral, ele parecia indiferente à sua aparência.

Na verdade, o duque demonstrava ter grande admiração pelo conde. Quando o visitava passava horas do seu lado e mal via a noiva.

Essa falta de atenção, longe de aborrecer lady Carol, a alegrava. Pelo menos, a deixava livre para ler, andar pela casa ou cavalgar. E passear a cavalo significava ver John Hart e conversar com ele.

Na véspera do casamento, tudo estava pronto para o importante e festivo dia.

Grandes tendas para abrigar os convidados já haviam sido montadas no extenso gramado e a cozinheira do conde terminara de confeitar o enorme bolo de noiva, lindo de deixar pasmado quem quer que o visse.

Presentes chegavam a todo instante e iam enchendo dois dos maiores cômodos da casa. Até o príncipe de Gales havia mandado uma lembrança para os noivos.

Notando a empolgação do pai, lady Carol julgou-se no dever de demonstrar pelo menos um pouco de entusiasmo, e comentou, risonha:

— Quantos presentes! E todos são tão lindos, papai! Imagino que se eu não fosse me casar com um duque, e sim com um "senhor fulano", ninguém iria pensar em despender tanto dinheiro para presentear os noivos.

— E verdade — o conde concordou. — Esse é um dos privilégios de se possuir um título de nobreza tão importante. Espero que no futuro você agradeça à sorte e a mim por ter se tornado uma duquesa. Terei orgulho de vê-la, minha querida, nas ocasiões formais, usando a tiara de duquesa, cravejada de diamantes, formando desenhos de folhas de morango.

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O conde fez uma pausa, beijou o rosto da filha e entregou-lhe uma grande caixa de madeira entalhada.

— Aqui estão as jóias que sua mãe amava e outras que lhe ofereço como presente de casamento.

— Muito obrigada, papai — lady Carol agradeceu, abraçando e beijando o pai.

Ao mesmo tempo, desejou mostrar-se mais entusiasmada. Mas isso era impossível, pois lembrou-se do noivo que desde o início da semana estava hospedado na casa, esperando pelo casamento.

Não! Era-lhe impossível simpatizar com um homem tão inexpressivo, apático e pusilânime como o duque de Denholme. O pior, lady Carol agora percebia claramente, Sua Alteza não gostava dela e, embora aceitasse agradecido tudo o que o futuro sogro estava fazendo, não vibrava com a idéia de se casar.

Nessa noite, após o jantar, lady Carol foi até a cordeira. Sabia que o pai e o duque iriam ficar conversando sobre os últimos detalhes do casamento e que, depois, Sua Alteza iria dormir na casa de um amigo que morava na propriedade vizinha.

Chegando à baia de Pirilampo, lady Carol passou os braços pelo pescoço do animal, encostou a cabeça na crina sedosa e começou a chorar.

Nesse instante uma voz que ela conhecia tão bem, perguntou:— O que a está aborrecendo, milady?— O que posso fazer, senão chorar? — tornou lady Carol sem olhar para

John Hart. — Não suporto a simples idéia de me casar com o duque e nada posso fazer para evitar esse casamento.

Gentilmente, o administrador enlaçou a cintura de lady Carol e afastou-a do cavalo.

— Está querendo dizer que pretende, no último momento, desistir de se casar com esse homem a quem não ama? Mesmo em se tratando do duque de Denholme, milady?

— Como posso amá-lo? Sua Alteza tem tudo o que eu não admiro num homem, muito menos num marido! — lady Carol exclamou.

Erguendo a cabeça, voltou para John Hart os olhos marejados de lágrimas e surpreendeu-se ao notar que ele a fitava de modo estranho, infinitamente terno.

— Por que não foge, milady? — sugeriu John Hart.— Parece-me ser esse o único modo de escapar da infelicidade que a

espera.— Fugir? Como posso fugir na véspera do casamento? Não houve

resposta. John Hart mantinha os olhosfixos nos dela e sua expressão dizia muito mais do que as mais

eloqüentes palavras. Ambos ficaram imóveis presos àquele doce encantamento.

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Então os lábios de John encontraram os de Carol. Ele beijou-a longa e apaixonadamente e a manteve tão apertada junto do peito, mal lhe permitindo respirar.

Finalmente, depois do que pareceu a ambos o transcorrer de anos, John ergueu a cabeça e murmurou com voz grave, alterada pela emoção:

— Amo você, Carol! Eu a amo desde que a vi pela primeira vez. Como poderei deixá-la caminhar cegamente para a infelicidade?

— Eu... também o amo! — Carol conseguiu dizer.— Creio que sempre o amei... embora não soubesse que era amor... o

que eu sentia.John Hart beijou-a novamente despertando nela sensações tão

maravilhosas, que as palavras eram pobres para descrevê-las.— Você teria coragem suficiente para fugir comigo?— indagou John, assim que ergueu a cabeça. Inspirando fundo, Carol

decidiu:— Sim. Leve-me com você, por favor. Quero ficar do seu lado e... nada

mais importa.— Eu também a quero comigo. Vamos nos casar.— Mas você tem idéia do que isso significa? — John Hart soltou os

braços, de modo a permitir que Carol se afastasse um pouco, e disse-lhe com firmeza:

— Olhe bem para mim e ouça-me. Se você fugir comigo jamais poderá lamentar o que deixou para trás. Sou pobre e não poderei lhe oferecer o luxo que sempre teve, desde que nasceu. Em compensação, você pode ter certeza de que a amarei com todas as forças do meu coração.

— Eu só quero ficar com você — Carol murmurou.— E tudo o que eu desejo. Porém, devo ainda lembrá-la de que seu pai

nunca nos perdoará e que, como minha esposa, você não mais freqüentará os círculos sociais aos quais está acostumada.

— Pouco me importa a sociedade. Ter você e o seu amor é tudo o que desejo. Agora entendo que era amor o que eu sentia. Nestas semanas em que papai não pôde montar, eu acordava feliz todas as manhãs porque sabia que iríamos cavalgar juntos. — Carol deu um pequeno soluço antes de acrescentar: — Oh, John! John! Nunca amarei ninguém como amo você. Só agora compreendo que era amor a emoção que tomava conta de mim sempre que estávamos juntos.

— E eu a amei perdidamente, em segredo, todos estes anos. Você nem imagina como eu sofria só de pensar que meu amor era impossível e que eu devia comportar-me decentemente, pois você era a filha do patrão — John desabafou. — Agora, no entanto, ao ver que você sofria tanto, disse a mim mesmo que não poderia permitir que você fosse infeliz e arruinasse sua vida, casando-se com um homem que não é digno de você, mesmo sendo um duque.

— Por favor, vamos sair daqui. Leve-me com você. Quero ser sua esposa e nada mais importa — Carol rogou.

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— Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? Não irá arrepender-se de seu gesto e não lamentará ter deixado tudo para trás? — John insistiu.

— Não me arrependerei. Estou preparada para enfrentar as dificuldades, desde que esteja com você — Carol declarou com segurança.

— Está bem. Juro que a farei feliz e que você terá em mim o marido mais amoroso e mais devotado à esposa que alguém já conheceu.

Carol riu, plena de felicidade.— Então vamos, querido. Não podemos perder tempo. Ao amanhecer,

quando não nos encontrarem, ficarão atônitos, sem entender o que aconteceu.John tomou-a nos braços e beijou-a mais uma vez, fazendo com que se

afastassem as nuvens escuras que pairavam ameaçadoras sobre a cabeça de Carol desde que ela ficara sabendo que iria casar-se com o duque.

Para ela, o mundo voltou a ser radioso.Compreendendo que seria arriscado eles ficarem ali por mais tempo,

pois já era tarde, John aconselhou Carol a voltar para casa. Combinou de ir buscar sua bagagem quando todos estivessem dormindo e pediu-lhe para deixar aberta a porta lateral mais próxima do pátio das cocheiras.

Embora hesitante, Carol o obedeceu. Uma vez em seus aposentos, arrumou uma pequena mala com objetos de uso pessoal e algumas peças de roupa, pegou todas as jóias que haviam pertencido à mãe e as que o pai lhe dera como presente de casamento.

No momento, não fazia idéia de que as valiosas jóias iriam, no futuro, custear os estudos da filha.

Uma hora depois, estando a casa silenciosa e mergulhada nas sombras, John apareceu para buscar a mala e os três baús com todo o enxoval de lady Carol que as criadas já haviam, deixado prontos para a noiva levar na viagem de lua-de-mel.

Só depois de toda a bagagem ter descido, Carol escreveu um bilhete para o pai e deixou-o sobre a penteadeira. Em seguida, colocou uma capa sobre o vestido que usava e saiu de casa para nunca mais voltar.

-John a esperava numa das carruagens do conde à qual estavam atrelados os quatro cavalos mais velozes que havia nas cocheiras.

— Você tem certeza, minha querida, de que ainda quer partir comigo? — John perguntou mais uma vez, tomando a mão de Carol nas suas.

— Quero. Tenho a sensação de estar indo para o paraíso. Nós nos amamos e nada mais importa, não e mesmo? — Carol respondeu, confiante.

— Nada! — John confirmou. — Prometo-lhe que seremos gloriosamente felizes.

Erguendo a cabeça, ele olhou para o céu estrelado e acrescentou:— As estrelas estão nos dizendo que não iremos nos arrepender de

termos tomado esta decisão. O amor é mais forte e mais importante do que tudo mais neste mundo. Adoro você, Carol!

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— Eu também. A posição social e a riqueza não podem ser comparadas à maravilha que é o sentimento que nos atraiu um para o outro — Carol falou suavemente, chegando mais perto de John.

A carruagem pôs-se em movimento. Pela última vez, Carol olhou para as tendas montadas para receber os convidados, e para- a igreja onde seria realizada a cerimônia do casamento.

Estava deixando para trás o pai, os parentes, a casa onde nascera e crescera. Por mais que amasse John, era sensata o bastante para compreender que sua vida de agora em diante iria ser bem diferente.

Estava dando adeus à riqueza e à pompa que teria se desposasse o duque.

O pai a criara fazendo-a acreditar nesses valores materiais. "Papai está errado e John, sim, está certo", Carol refletiu. "O amor é mais importante e mais forte do que tudo. Como eu iria suportar uma vida monótona, vazia, ao lado de um homem que nada entende de amor e que, certamente, não sente sequer afeição por mim?"

Notando o silêncio de Carol, John indagou:— Em que está pensando? Está arrependida, meu amor? Deseja voltar?— Pelo contrário, estou imensamente feliz e tenho a sensação de que

estamos indo para o paraíso.De fato, quando a carruagem alcançou a estrada silenciosa, banhada

pela luz da lua e das estrelas, lady Carol teve a certeza de que ambos rumavam para um mundo novo, de contos de fada, feito de amor e romance.

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CAPÍTULO II

Pela manhã, a criada pessoal de lady Carol entrou no quarto para acordá-la. Não ficou de todo surpresa ao encontrar o aposento vazio, pois a jovem patroa costumava levantar-se assim que amanhecia para ir cavalgar.

O conde, por sua vez, ao descer para o breakfast, também não estranhou a ausência da filha nem se importou de comer sozinho.

Passou-lhe pela mente que Carol decidira ficar na cama até mais tarde para estar bem descansada e ainda mais bonita vestida de noiva.

De fato, todos na casa imaginaram que lady Carol estivesse em qualquer lugar da propriedade e ninguém se deu ao trabalho de verificar que lugar seria esse.

Foi só por volta das onze horas, quando os garçons e funcionários do bufê contratado para o casamento estavam arrumando as mesas nas tendas montadas no gramado, que a governanta entrou no escritório do conde, onde ele lia .os jornais, e perguntou:

— Vossa Senhoria tem idéia de onde lady Carol possa estar? Ninguém a viu esta manhã e queremos começar a vesti-la para o casamento.

— Imagino que minha filha tenha saído para cavalgar e no momento deve estar nas cocheiras devolvendo o cavalo à sua baia — respondeu o conde. — Já a procuraram lá?

— Sim, milorde. Um lacaio andou de baia em baia e foi até o paddock, mas não havia sinal de lady Carol. Na verdade, ninguém a viu nas cocheiras esta manhã — informou a governanta, nada à vontade.

— Lady Carol deve estar em algum lugar! Encontrem-na! — ordenou o conde, impaciente. — Oh, céus! Há nesta casa uma legião de criados. Será que não são suficientes para procurarem minha filha?

— Sim, milorde. E verdade, milorde.A governanta deixou o escritório evidentemente preocupada. Ia subir a

escada quando uma das criadas veio correndo ao seu encontro e disse, ofegante:

— Dois lacaios queriam saber onde estava a bagagem de lady Carol e quando fui aos aposentos de Sua Senhoria, não vi os baús com seu enxoval em nenhum lugar.

— Bem, se os baús não estão nos aposentos de lady Carol é porque já os trouxeram para baixo — deduziu a governanta. — Já os procurou perto da porta dos fundos?

— Sim, Sra. Norton. Não há sinal deles.

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Muito apreensiva, a governanta subiu até os aposentos de lady Carol. Não encontrando os baús, abriu as gavetas da penteadeira e deu pela falta do grande estojo de jóias que o conde entregara à filha no dia anterior.

Voltando ao andar térreo, considerou se devia ou não aborrecer o conde novamente. Convenceu-se de que o momento não era propício quando viu no hall vários parentes de Sua Senhoria que acabavam de chegar.

A Sra. Norton voltou para os aposentos de lady Carol pela mesma escada secundária por onde havia descido e inspecionou as cômodos mais uma vez.

Só então viu sobre a escrivaninha o envelope endereçado ao conde. Pegou-o, entregou-o a um dos lacaios e ordenou-lhe:

— Leve isto para Sua Senhoria e diga-lhe que foi encontrado no quarto de lady Carol.

Era grande o movimento na casa. Um dos jardineiros entregou à governanta o buquê de noiva, feito com lírios e copos-de-leite.

Atarefados, os lacaios atendiam os parentes que iam chegando e os conduziam ao salão onde o conde os recebia. Vestidos com luxo e elegância, todos pareciam encantados com o fato de a "querida Carol" casar-se com um duque.

Quando o conde recebeu o bilhete da filha achou que não era nada importante. Abriu o envelope, correu os olhos pelas poucas linhas e, não acreditando no que diziam aquelas palavras, releu-as devagar.

Lady Carol havia escrito:"Querido papai,Por favor, perdoe-me, mas não posso me casar com o duque de

Denholme porque não o amo. Carol."Atônito, o conde teve a impressão de que o haviam golpeado fortemente

na cabeça. Mas conseguiu levantar-se da cadeira e, indo até a porta, ordenou rispidamente ao mordomo, com uma voz que soou estranha até para si próprio:

— Onde está lady Carol? Encontrem Sua Senhoria! Minha filha não pode ter saído de casa!

—-Todos nós estamos preocupados, sem saber onde Sua Senhoria se encontra, milorde — respondeu o mordomo. — As criadas me disseram que a procuraram pela casa toda e não a viram em lugar nenhum.

— Não posso acreditar! — o conde gritou e afastou-se, indo ao escritório à procura do secretário.

Um dos lacaios informou-o que o Sr. Martin fora até as cocheiras para verificar se lady Carol teria ido ver os cavalos.

— Minha filha não seria tão idiota a ponto de ir esconder-se numa das baias — retrucou o conde, zangado.

Pouco depois informaram-no, discretamente, que uma das carruagens e os quatro cavalos mais velozes, bem como John Hart, haviam desaparecido.

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A essa altura a igreja estava lotada e o duque achava-se do lado do altar esperando pela noiva. Entretanto, com lady Carol desaparecida, o casamento teve de ser cancelado.

A notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora. Foi um escândalo!No dia seguinte, os jornais publicaram manchetes sensacionalistas:"NOIVA FOGE NA HORA DO CASAMENTO.""CANCELADO IMPORTANTE CASAMENTO DA TEMPORADA.""DUQUE É ABANDONADO NO ALTAR.""A NOIVA DESAPARECEU NO ÚLTIMO MOMENTO.""SEM A NOIVA, NÃO HOUVE CASAMENTO."Havia muitas outras nos jornais menos importantes, principalmente nos

de Derbyshire e condados vizinhos.Ao ler as manchetes e as notícias, o conde quase teve um ataque

cardíaco. Atirou os jornais no chão, pisou sobre eles e ordenou que os queimassem.

O duque de Denholme foi ridicularizado e viu-se obrigado a refugiar-se no campo durante meses.

Ninguém sabia onde lady Carol se encontrava. Entretanto, para aqueles que trabalhavam para o conde, estava claro que Sua Senhoria fugira com John Hart. Só não sabiam para onde eles tinham ido.

Furioso, muito abalado, com o orgulho ferido e humilhado», o conde mandou seus empregados procurarem a filha ,e John Hart. Não quis recorrer à polícia para não haver ainda mais escândalo.

Os fugitivos não foram encontrados.Cinco dias depois do desaparecimento de lady Carol e John Hart, o

conde recebeu a notícia de que sua carruagem e os quatro cavalos estavam à sua disposição em Dover e que podia mandar buscá-los.

Diante disso, Sua Senhoria deduziu que a filha teria embarcado num navio em Dover e atravessado o canal da Mancha. Portanto, devia estar na França ou outro país do continente. Bastaria ele entrar em contato com as embaixadas para localizar lady Carolina Hurstwood.

Na noite da fuga, John Hart rumou com lady Carol para Dover, onde deixou a carruagem e os cavalos do conde.

Pagou ao dono das cocheiras de aluguel e recomendou-lhe que só depois de três dias avisasse o conde de Hurstwood para mandar buscar o veículo e os animais.

Sendo muito inteligente e esperto, John teve certeza de que o conde iria imaginar que a filha teria deixado a Inglaterra e ido para outro país.

Mas, na verdade, os fugitivos seguiram, numa carruagem alugada, para a Cornualha, onde John tinha um grande amigo, dono de uma fazenda de criação de cavalos.

No caminho, pararam numa igreja e John explicou to vigário que ele e a noiva precisaram viajar com urgência e queriam se casar.

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O sacerdote não ficou particularmente interessado em saber quem eram eles nem para onde iam, e celebrou o casamento sem perda de tempo.

Foi uma cerimônia breve, simples, porém tocante. Emocionada, Carol recebeu a aliança que pertencera à mãe, e no momento da bênção agradeceu a Deus por salvá-la da vida infeliz que certamente teria casando-se com o duque.

O Sr. Watson, o amigo de John, ficou muito contente em revê-lo, ofereceu-lhe emprego e deu aos recém-casados um sobrado para morar.

Não querendo usar as economias do marido, Carol vendeu algumas jóias e empregou o dinheiro na decoração do sobrado. Graças ao seu bom gosto tornou-o lindo, aconchegante e sempre enfeitado com flores.

A vida de Carol e John era um verdadeiro paraíso. Ambos se amavam e, embora não tivessem luxo, tinham conforto e fartura.

Sob a administração de John Hart a fazenda tornou-se cada vez mais próspera, deixando o Sr. Watson exultante.

Em menos de dois anos o número dos cavalos dobrou e John contratou mais cavalariços e peões para ajudá-lo a cuidar dos animais e a adestrá-los.

Os puros-sangues preparados pelo Sr. Hart, como John passou a ser conhecido, eram exibidos em feiras e exposições oficiais e, invariavelmente, ganhavam os melhores prêmios.

Merecidamente, o Sr. Hart granjeou fama e respeito como preparador de cavalos e os animais da fazenda Watson tornaram-se sinônimos de boa raça e beleza incomparável.

Entretanto, ninguém tinha idéia de que o Sr. Hart era o homem que fugira com lady Carolina Hurstwood, na véspera do seu casamento com o duque de Denholme.

Por precaução, Carol não saía de casa, a não ser para cavalgar p ela fazenda, fazer compras na vila ou na cidade vizinha, e ir à igreja. Vivia muito feliz com o marido e nada mais lhe fazia falta. Quando a filha, Celina, nasceu, a felicidade do casal foi ainda maior.

E os belos cavalos passaram a ser vendidos, não apenas na Inglaterra, mas também na Holanda, França e Alemanha.

Reconhecendo o valor do empregado e amigo, o Sr. Watson dobrou-lhe o ordenado e passou a dar-lhe uma pequena porcentagem nas vendas.

Estando em boa situação financeira, John contratou mais uma criada para cuidar da casa, de modo que a esposa pudesse dedicar mais tempo à filhinha.

Mas Carol fazia questão de preparar as refeições e tinha uma mocinha para ajudá-la. Logo que se casara, como não tinha prática, comprara livros de culinária e aprendera a fazer até mesmo pratos exóticos.

Também se tornara excelente doceira e pelo Natal e Páscoa fazia bolos, doces, chocolates e bombons para presentear os amigos.

O marido gostava demais da comida de Carol, mas tinha preferência pelo rosbife que, segundo ele, a esposa sabia preparar melhor do que qualquer chef francês.

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Os anos passaram-se e John, cada vez mais ambicioso, quis conquistar o mercado de outros países distantes da Inglaterra. O primeiro foi a Itália que ficou maravilhada com os excelentes cavalos vindos da fazenda Watson.

Pouco depois, países do Mediterrâneo se interessaram pelos cavalos da Cornualha, considerados os melhores da Europa.

Para John, foi um triunfo quando o Sr. Watson recebeu a visita de um dos homens mais importantes e ricos do Egito.

O milionário egípcio disse, em seu inglês perfeito, que ouvira falar sobre os magníficos cavalos e viera à Inglaterra para conhecê-los e adquirir alguns deles.

— Quero o que houver de melhor — exigiu o egípcio quando o Sr. Watson levou-o até o Sr. Hart para ver os animais.

Muito bem impressionado com os cavalos, o comprador egípcio levou para o Cairo quatro puros-sangues extraordinários.

Por força da profissão, John Hart viajava muito, porém a esposa e a filha nunca o acompanhavam.

— Não quero que a vejam nem vejam nossa filha — John dizia. — Ambas são preciosas como jóias e receio que as tirem de mim.

Carol compreendia que John ainda tinha medo de que alguém descobrisse que a Sra. Hart era, na verdade, lady Carolina, filha do conde de Hurstwood.

Ao mesmo tempo, Carol vivia imensamente feliz com o marido e a filha e não desejava afastar-se da casa que, embora pequena, era linda, confortável e cercada de jardins.

Quando Celina completou doze anos, os pais compreenderam que estava na hora de a menina aprimorar sua educação e isso não seria possível na pequena vila pertencente à propriedade do Sr. Watson.

Com a mãe, Celina aprendera a ler e escrever, bem como aritmética, história, geografia e francês. Também estava tendo aulas de canto e piano.

Depois de muito procurar, Carol descobriu em Plymouth uma professora de sessenta anos, viúva e aposentada, que havia lecionado durante muito tempo em Londres, em um colégio para moças da alta sociedade.

A professora, que ainda era muito ativa, ficou contentíssima ao saber que teria uma aluna.

— Não gosto de ficar parada e muito menos de solidão — disse a professora. — Será um grande prazer e muito estimulante lecionar para sua filha, Sr. Hart. Já percebi que a jovem Celina é muito inteligente.

— Celina virá a cavalo para as aulas, todas as manhãs. Quero que a senhora lhe ensine as matérias básicas de um bom colégio — pediu Carol. — Faço questão de que minha filha aprenda outros idiomas, pois o pai viaja com freqüência e mais tarde ela poderá acompanhá-lo. Celina já tem boa base de francês.

— Falo italiano, francês e alemão fluentemente — assegurou a professora. — Nasci aqui e gosto deste lugar, embora o considere pequeno e provinciano, mas tive a chance de estudar fora e de viajar muito.

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A pedido de Carol, a professora encontrou para Celina uma senhora para continuar com as lições de música.

As aulas particulares, com professoras do mais alto nível, custavam caro demais, porém Carol não se importou de vender outras jóias para pagar as aulas da filha.

Para ela, proporcionar a Celina a melhor educação que um jovem poderia ter, era uma forma de compensá-la por privar-se do mundo ao qual teria direito, caso a mãe fosse uma duquesa, e não a esposa de um simples empregado de fazenda.

Não satisfeita apenas com as duas professoras particulares, Carol estimulava a filha a ler bons livros, dava-lhe aulas de etiqueta, de dança, corrigia-lhe até 0 modo de andar e não se cansava de orientar a garota.

"Uma lady não faz isso", "Uma lady não faz aquilo", dizia Carol com bondade, ensinando ou corrigindo a filha.

A Sra. Hart também era muito rigorosa quanto ao modo de falar de Celina. Não admitia termos vulgares, exigia que seu tom de voz fosse baixo, suave e que ela se dirigisse aos outros, mesmo às pessoas simples, com atenção e palavras gentis.

Para a filha não era difícil aprender, pois além de inteligente, tinha a mãe como modelo de perfeita lady.

Quanto às aulas que recebia em Plymouth, as adorava, e vivia para os estudos. Alguns meses antes de Celina completar dezoito anos, Carol começou a se preocupar com a vida social da filha.

Conversou com o marido sobre a necessidade de Celina divertir-se, ir a festas e fazer amigos. John reconheceu que a esposa tinha razão.

— Nós escolhemos viver isolados, mas não temos o direito de privar nossa filha dos divertimentos próprios da juventude — John admitiu. -— Podemos organizar uma festa mais simples, no jardim, e quando Celina fizer dezoito anos, ofereceremos a ela um bonito baile. O que você acha?

Carol, naturalmente, concordou com a sugestão do marido.— Nossa filha dança muito bem. Mas não podia ser de outra forma,

sendo a mãe excelente bailarina — prosseguiu John. — Desagradam-me as moças que não sabem dançar; são tão pesadonas e desajeitadas.

— Por que diz isso? Não acredito que você tenha grande experiência em matéria de bailes e dançarinas — Carol observou, rindo.

— Não tenho, é verdade, mas quando vamos a bailes comparo as outras moças e senhoras a você. Nenhuma é tão leve nem tão graciosa.

Lisonjeada, Carol abraçou o marido e ambos passaram a trocar idéias sobre a festa a ser realizada ao ar livre.

Na semana seguinte, John recebeu do Egito o pedido de quatro cavalos. O comprador era nada mais, nada menos do que o quediva Ismail. Ele estava disposto a pagar muito bem pelos animais, porém exigia os melhores e mais bem adestrados que houvesse na fazenda.

— Terei de levar os cavalos ao Cairo. Não posso deixar animais tão valiosos aos cuidados de um dos empregados — disse John à esposa.

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— Nesse caso eu o acompanharei, querido — propôs Carol. John meneou a cabeça.— Não convém. Será uma viagem desconfortável, pois terei de ficar a

maior parte do tempo perto dos animais, atento. Em caso de uma tempestade, por exemplo, eles certamente ficarão assustados e poderão me machucar.

— Oh, querido, será uma viagem bem mais longa do que as outras e não suportarei ficar tantas semanas longe de você — Carol queixou-se.

— Prometo não me demorar mais do que o necessário.Diante do tom firme do marido, a esposa não argumentou. Beijou-o

apaixonadamente e, no dia seguinte, acompanhou-o a Plymouth, onde se despediram.

De volta ao sobrado, Carol achou-o vazio e triste sem o marido. Seu consolo era a filha que se tornava mais linda a cada dia que passava. Ambas tocavam piano, faziam passeios a cavalo ou a pé e, ocasionalmente, iam juntas a Plymouth para compras.

Um mês se passou sem que Carol recebesse cartas do marido, o que a deixou preocupada. Sempre que viajava, John lhe escrevia com freqüência, ainda que lessem apenas algumas linhas para falar de seu amor pela esposa, pela filha, e da saudade que sentia de ambas.

Então Carol recebeu a terrível notícia.John Hart entregara os cavalos e o quediva ficara radiante com a

compra. Infelizmente, John contraíra uma doença que não raramente ocorria no Egito, no verão, e que matava em poucos dias.

A morte do marido deixou Carol num estado de profunda depressão. Para ela, a vida perdera o sentido.

— A senhora deve pensar em mim, mamãe — Celina dizia, tentando reanimar a mãe. — Preciso da senhora. Não posso ficar sozinha neste mundo, sem parentes e tendo tão poucos amigos.

— Oh, meu Deus, como John pôde morrer tão jovem e tão longe de casa? — Carol lamentava, soluçando.

Receando que a mãe também morresse, Celina sugeriu que ambas fossem ao Egito.

— A senhora verá onde papai foi enterrado e, se for o caso, mandará fazer um túmulo para ele — Celina alegou carinhosamente.

Carol achou que a filha tinha razão. Não poderia, claro, ver o marido nem falar com ele mas, pelo menos, não ficaria a tantas milhas de distância de seus restos mortais. Ajoelharia no lugar onde ele fora sepultado, rezaria por sua alma, e iria sentir-se mais perto dele do que se achava no momento.

Um pouquinho mais animada, Carol começou a pensar na viagem ao Egito. Passou a calcular o que iria gastar com as passagens de navio, a hospedagem num hotel e a despesa com o túmulo. Depois, passou a contar o dinheiro que tinha consigo e no banco.

Embora a situação financeira de John fosse boa, uma viagem tão longa seria muito cara. Além disso, parte do seu dinheiro estava aplicada.

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— Vai ser muito bom viajarmos, mamãe — Celina falou com entusiasmo. — Sempre tive vontade de conhecer os países nos quais papai esteve, bem como aqueles descritos nos livros de geografia e história.

— Iremos ao Egito, minha filha — afirmou Carol. — Seu pai queria que você conhecesse outros países e tinha planos de, no futuro, levar-nos com ele em suas viagens. Se nos faltar dinheiro, posso dispor de mais algumas jóias.

Entretanto, dinheiro não seria problema, pois, o Sr. Watson, consternado com a perda do amigo e empregado, dispôs-se a ajudar a viúva e a filha de John.

— É claro que deve ir ao Cairo, Sra. Hart — o Sr. Watson animou Carol. — O quediva Ismail escreveu-me dizendo que sentiu profundamente a morte tão repentina do Sr. Hart e mencionou onde o sepultaram. Na carta, ele também elogiou o modo como John cuidou dos cavalos numa viagem desconfortável e tempestuosa.

Celina providenciou tudo para a viagem. Conseguiu dinheiro suficiente para comprar as duas passagens de navio para o Cairo e mandou fazer roupas pretas para ela e a mãe. Por isso, não aceitou a ajuda do Sr. Watson.

Sobre as roupas de luto, Carol observara antes de a filha ir a Plymouth:— Seu pai detestava que eu me vestisse de preto e eu também acho essa

cor deprimente. Mas todos esperam que uma viúva use luto no mínimo durante nove meses e não vou contrariar as convenções sociais.

— E claro que não, mamãe — tornara Celina. — Mas a senhora tem a pele clara e cabelos loiros, portanto, roupas pretas lhe assentam muito bem.

Nos dias que precederam a viagem, Celina sentia-se cada vez mais feliz porque iria passar pelos países do Mediterrâneo sobre os quais havia lido. Estava ansiosa para fugir da monotonia que tinha sido sua vida até então.

Só não demonstrava seu contentamento em respeito à dor da mãe.Finalmente, as roupas de luto da viúva e da filha ficaram prontas e

Celina foi buscá-las na loja de Plymouth onde as encomendara.Ao voltar, encontrou a mãe deitada, o que achou estranho. Carol não

costumava repousar durante o dia e era sempre muito ativa.Quando Celina entrou no quarto, a mãe lhe disse:— Espero não ser um transtorno nessa viagem, mas estou com forte dor

de garganta e uma dor de cabeça que se torna mais intensa a cada dez minutos. Comecei a sentir-me mal pela manhã, assim que você saiu de casa.

— Vou fazer-lhe um remédio com mel que será bom para a garganta, e um chá de ervas para a dor de cabeça. Se a senhora não melhorar, a levarei até Plymouth para ser examinada por um médico — Celina prontificou-se e foi depressa para a cozinha.

Minutos depois, quando voltou, encontrou a mãe gemendo. Carol tomou o remédio e o chá que a filha lhe trouxe, mas não apresentou melhoras.

"Talvez eu deva chamar o médico", Celina pensou.No mesmo instante considerou que não seria conveniente deixar a mãe

sozinha, pois já era noite.

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"Se mamãe não melhorar até amanhã, irei logo cedo chamar o médico. As criadas já terão chegado e cuidarão dela durante a minha ausência", a filha decidiu.

Indo novamente para a cozinha, Celina preparou uma sopa substanciosa, mas fácil de engolir. Carol piorou tanto que não conseguiu tomar a sopa.

— A dor de cabeça está insuportável — queixou-se. — E agora também sinto dor no peito.

Sem saber o que fazer, Celina ajeitou os travesseiros, cobriu a mãe e foi correndo à casa do Sr. Watson. Ao saber da situação da Sra. Hart, ele prontificou-se:

— Fique tranqüila, Celina, vou mandar chamar o médico imediatamente. Volte para casa e cuide de sua mãe. Vocês precisam de mais alguma coisa?

— Não, obrigada, apenas do médico.— Bem, terei de viajar logo ao amanhecer. Mas minha esposa ficará em

casa e a ajudará no que for preciso. Não hesite e procurá-la, caso sua mãe não melhore — acrescentou o> Sr. Watson.

De Volta para casa, Celina encontrou a mãe dormindo; parecia sonhar e dizia muito baixinho:

—Amo você, John! Amo-o muito.Tudo o que Celina podia fazer era aguardar a chegada do médico.

Sentou-se do lado da cama e esperou durante horas; nem sinal do médico.Tarde da noite vieram avisá-la que o médico havia saído para atender

uma parturiente e ainda não voltara.Só na manhã seguinte, por volta das onze horas, o médico apareceu.

Tarde demais: Carol estava morta. Ele atestou que a paciente sofrerá um ataque cardíaco.

Carolina Hart foi enterrada, numa cerimônia simples, no cemitério da igreja da vila.

Celina parou de chorar. Continuou perto da janela e olhou para o jardim que havia sido o orgulho da mãe. Estava órfã e não sabia o que fazer.

Provavelmente, não poderia ficar no sobradinho; era natural que o Sr. Watson precisasse da casa para o novo empregado que viria substituir John Hart.

O mais sensato a fazer, pensou, seria entrar em contato com os parentes maternos, embora a mãe não tivesse tido notícias deles naqueles vinte anos. Celina nem sequer sabia se o avô estava vivo ou se já falecera.

Caso o avô tivesse falecido, o novo conde de Hurstwood também seria um parente e, com certeza, a receberia em Hurstwood Park. Entretanto, ele também poderia mandá-la embora, o que seria uma grande humilhação.

Afinal, a fuga de lady Carolina Hurstwood, no dia do casamento, envergonhara não só o conde e o duque de Denholme, mas todos os parentes, de ambos os lados.

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Começava a escurecer e Celina foi para o jardim. Andou pelos caminhos entre os canteiros lembrando-se dos pais e de como haviam sido apaixonados um pelo outro e tão felizes.

Subitamente, como se os pais a inspirassem, soube o que fazer. A idéia que lhe ocorreu era tão extraordinária e ousada que ela se considerou maluca por ter cogitado de pô-la em prática.

Não podia negar, porém, que se tudo corresse como estava imaginando, iria viver uma aventura fantástica. Restava saber se teria coragem para viver tal aventura. Achou que sim.

Entrando em casa, foi até a escrivaninha do pequeno escritório onde o pai fazia suas contas e a mãe ocasionalmente escrevia cartas.

Numa das gavetas encontrou o que procurava: o passaporte da mãe. Carol o havia conseguido em Plymouth pouco antes de o marido partir para o Egito, pois estava pensando em viajar com ele dali por diante, uma vez que sua situação financeira o permitia e a filha estava na melhor idade para acompanhá-los.

Encostando o passaporte no peito, Celina refletiu, pesarosa, que a mãe não chegara a usá-lo. Embora triste, disse a si mesma que os pais haviam feito planos para a filha viajar e agora, com o passaporte e o dinheiro deixado pela mãe, teria a oportunidade de concretizar tais planos.

Por um momento, Celina deu asas à imaginação. Ficou empolgada ao pensar que iria ver as pirâmides e passar por vários países do Mediterrâneo.

Imaginou que seria emocionante ver os rochedos de Gibraltar e recordar que a colônia tinha sido tão importante na história do Império Britânico.

Também havia aprendido tanto sobre a França e desejava conhecer aquele país ainda mais do que os outros. Agora não poderia ir a Paris, como era seu sonho mas, pelo menos, veria Marselha.

Caso navio parasse algumas horas no porto, ela poderia desembarcar e conhecer um pouco da cidade.

Como se estivesse viajando mentalmente, Celina pensou na Itália e desejou ter a chance de um dia visitar Roma.

Durante sua viagem ela também passaria pela Grécia. Quando era pequena, ficava fascinada ao ouvir as histórias que a mãe lhe contava sobre os deuses e deusas gregos. Depois de alfabetizada, Celina lia muito sobre a Grécia, seus filósofos, e sobre a mitologia grega.

Aprendera, assim, a admirar aquele país que havia contribuído para dar ao mundo mais beleza, mais amor e sabedoria.

"Nada me fará desistir desta viagem, nada. Será uma aventura fascinante e inesquecível", disse Celina a si mesma, colocando o passaporte sobre a escrivaninha.

Continuou, durante alguns minutos, absorta, como se estivesse vendo imagens dos países que desejava conhecer.

Suas dúvidas se dissiparam. Uma voz interior lhe segredava que realizaria a viagem de seus sonhos e encontraria a felicidade.

O que poderia temer?

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CAPÍTULO III

A casa estava tão silenciosa que uma batida na porta sobressaltou Celina. Pondo-se de pé, foi atender; vendo que era o Sr. Watson, convidou-o para entrar.

— Cheguei esta tarde de viagem e fiquei sabendo que a Sra. Hart morreu. Lamento não ter estado presente ao funeral. Posso avaliar o que está sentindo por perder sua mãe. Sua morte tão repentina, certamente, foi um terrível choque para você — disse ele com simpatia.

— Foi um choque, sem dúvida — Celina assentiu. — Porém, acredito que mamãe esteja feliz com papai, no céu.

O Sr. Watson colocou a mão sobre o ombro da órfã.— Vejo que está conformada, Srta. Celina. Não é de admirar, pois você

sempre foi uma garota sensata. Sinto muito a falta de seu pai e está sendo difícil encontrar outro empregado com tanto talento para lidar com cavalos. O homem que fui ver em Yorkshire, me decepcionou. E um incompetente.

— Lamento que esteja com esse problema, Sr. Watson. Mas, sem dúvida, papai era excepcional para cuidar de cavalos e adestrá-los.

— De fato. Acabei contratando um peão que me havia procurado antes de eu viajar para Yorkshire.

Apesar de ele assegurar-me que tem grande experiência, posso apostar que não chega aos pés de seu pai. Acredito que não haja outro como meu amigo John Hart.

Celina reconheceu que era verdade e sentiu orgulho ao ouvir as palavras elogiosas do Sr. Watson.

—Bem, agora devemos pensar no seu futuro, Srta. Celina, uma vez que ficou sozinha — prosseguiu o Sr. Watson. — O que pretende fazer? Talvez seja mais seguro procurar os parentes.

Celina inspirou fundo.— Está querendo dizer que vai precisar desta casa para o novo

empregado?— Sim, Srta. Celina. O novo empregado tem mulher e dois filhos e este

sobrado é o melhor que há na propriedade. Compreenda, senhorita, que não deve ficar sozinha. O mais sensato, a meu ver, será procurar os parentes — argumentou o Sr. Watson. — Posso armazenar os móveis e utensílios que pertenceram a seus pais até que os mande buscar. O que acha?

— Não sei o que fazer, Sr. Watson — respondeu Celina, hesitante. — Ainda estou atordoada e confusa. Tudo aconteceu tão de repente...

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— E natural que se sinta assim — tornou o Sr. Watson com bondade. — Enquanto não decide para onde ir, minha sugestão é que se mude para a Casa Grande e me ajude na educação de minhas duas filhas menores. Elas estão deixando a pobre babá fora de si. Sei que você recebeu uma educação excelente e desempenhará muito bem a função de preceptora. Será vantajoso para você, pois terá onde morar, além de um ordenado. Desta forma, não precisará usar as economias de seu pai.

Era uma oferta tentadora. Porém, pensando na viagem ao Egito, Celina falou com sinceridade:

— É muita bondade sua, Sr. Watson. Entretanto, como o senhor sabe, mamãe havia planejado ir comigo ao Cairo para visitar a sepultura de papai. Estando morta, cumpre a mim fazer essa viagem. Quando eu voltar, aceitarei com prazer dar aulas para seus filhos.

— Muito bem, Srta. Celina. Realize o desejo da Sra. Hart e mande construir um túmulo digno do prezado amigo John. Aguardaremos a sua volta — o Sr. Watson concordou. — Mas quando pretende partir? Se não estou enganado, sua mãe já estava com tudo pronto para a viagem.

— Estou pensando em ir a Plymouth amanhã. Acredito que chegarei na cidade a tempo de embarcar no navio com destino ao Egito — respondeu Celina.

— A propósito, você tem dinheiro suficiente para a viagem? Se não tiver, posso ajudá-la.

— Sim, tenho. Obrigada, Sr. Watson — Celina murmurou.— Naturalmente, você não viajará sozinha. Um de seus parentes deve

acompanhá-la — aconselhou o Sr. Watson. — Você é muito bonita para viajar pelo mundo sem ter quem a proteja.

— Espero não me ausentar por muito tempo. E obrigada por se preocupar comigo, Sr. Watson — Celina agradeceu, deixando de mencionar que viajaria sozinha.

— Sim, volte logo. Sei que você será uma excelente preceptora para minhas filhas. Prometo-lhe que terá um quarto confortável e uma sala de estar, além da sala de aula, onde ensinará as garotas. — O Sr. Watson levantou-se e despediu-se: — Bon voyage! Estaremos esperando ansiosos por você.

Assim que o Sr. Watson saiu, Celina respirou aliviada. Se a conversa se prolongasse, ele, possivelmente, iria perguntar o nome da pessoa que iria acompanhá-la na viagem.

Voltando à escrivaninha, ela pegou novamente o passaporte da mãe e admirou-o. Era muito bonito e tinha impresso, no alto, um brasão.

Este ostentava, do lado esquerdo, um leão rampante e, do direito, um unicórnio, também erguido sobre as patas traseiras. Ambos tinham as patas dianteiras apoiadas em um escudo redondo.

Sobreposta no escudo havia uma viseira encimada por uma coroa e, sobre esta, achava-se um outro leão. Na parte inferior do brasão via-se uma faixa com a legenda: Dieu et Mon Droit.

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Um outro brasão ornamentava o final da página. Tinha também um escudo no centro, no qual estava representado, do lado esquerdo, Pégaso, o cavalo alado, e do direito, uma corça.

Uma coroa encimava o escudo e, sobre esta, havia uma grande ave. A inscrição impressa na faixa, abaixo das figuras, dizia: Sans Changer.

Entre os dois símbolos heráldicos lia-se o texto, impresso:"Nós, Edward Henry Spencer, conde de Derby, o barão Stanley de

Bickerstaff, par e baronete da Inglaterra, um membro do Honorável Conselho Privado de Sua Majestade e o ministro das relações exteriores de Sua Majestade,

Requeremos e exigimos, em nome de Sua Majestade, a quem de direito, permissão para..."

O texto impresso terminava e, nas linhas abaixo, escritas a mão, com tinta preta, seguiam-se as palavras:

"Sra. Hart, acompanhada da filha, passar livremente, sem nenhum impedimento, receber todo tipo de assistência e proteção de que possa precisar."

Durante um longo tempo Celina ficou com o passaporte na mão, olhando-o, relendo-o e refletindo sobre a idéia que lhe ocorrera. Iria usá-lo como se fosse a Sra. Hart e, para isso, precisaria alterá-lo.

Lembrou-se de que a mãe costumava dizer que em certas ocasiões lamentava não poder usar seu título, pois se o mencionasse receberia outro tipo de tratamento.

Por fim, Celina decidiu o que fazer. Apagou cuidadosamente a abreviatura "Sra.", escrita no passaporte, e substituiu-a por "Lady".

Escreveu com tinta preta e imitou perfeitamente a caligrafia da pessoa que preenchera o passaporte.

Em seguida, com a mesma tinta, riscou as palavras: "acompanhada da filha".

Como havia espaço adiante do sobrenome "Hart", Celina acrescentou as letras: "ington", tornando-o "Hartington".

Por fim, sob o segundo brasão, no lugar reservado ao nome do portador do passaporte, assinou: "Celina Hartington".

"Pronto! Ficou perfeito", pensou, contente com o resultado de seu trabalho. "Viajarei como se fosse uma lady casada, ou melhor, viúva. Isso me protegerá e dispensará uma chaperon. E, usando o sobrenome Hartington, não correrei o risco de alguém associá-lo ao de John Hart, com quem mamãe fugiu há vinte anos."

Terminando de alterar o passaporte, foi à casa de um dos ajudantes do pai e pediu-lhe que pela manhã a levasse de carruagem até Plymouth.

Só então passou a cuidar da bagagem, o que demorou muito mais tempo do que ela havia imaginado. Já era madrugada quando se deitou.

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As sete e meia, estava de pé e vestida para a viagem. Usava um conjunto preto e gracioso chapéu também preto, debruado de branco. Ao olhar-se no espelho disse a si mesma que, realmente, parecia uma viúva.

Na bolsa, levava os óculos de leitura da mãe. Pretendia usá-los na viagem para parecer mais velha. Ela também não se esquecera de colocar na mão esquerda | aliança da mãe.

Quando Celina desceu, o empregado que iria levá-la a Plymouth já estava à sua espera e subiu para pegar OS dois baús, a mala, e colocá-los na carruagem.

Minutos depois, Celina deixava para trás o sobrado onde nascera e fora criada. Os cavalos eram velozes e a viagem até Plymouth foi feita em pouco tempo.

Uma vez na cidade, a grande preocupação de Celina foi saber se haveria algum navio com destino ao Egito c se conseguiria uma passagem. O que menos desejava no momento era ter de ir para um hotel ou voltar para o sobrado.

No porto, informaram-na que o navio atracado navegaria pelo Mediterrâneo e sua partida estava prevista para a tarde.

Feliz com a informação, Celina subiu a escada de costado e foi até o escritório do comissário de bordo. 'Teve de esperar na fila, do lado de fora, pois havia cinco outras pessoas querendo adquirir passagens.

Chegando a sua vez, Celina apresentou-se com o passaporte na mão. Estava tranqüila, certa de que a alteração ficara perfeita.

— Primeira classe ou segunda? — indagou o comissário de bordo. Olhando no passaporte, adiantou: — Oh, sim, vejo que deseja uma cabine de primeira classe, milady.

— Não, obrigada. Prefiro viajar na segunda classe, desde que tenha uma cabine só para mim — pediu Celina, percebendo que o navio estava lotado.

Em tais casos, os passageiros tinham, por vezes, de repartir a cabine com outra pessoa, o que seria desagradável.

Durante algum tempo o comissário consultou a longa lista de passageiros; por fim declarou:

— Lamento, milady, mas a única cabine para uma pessoa que resta, não tem vigias.

— Está bem. Fico com essa — Celina aceitou.Cerca de vinte minutos depois, estava na cabine pequena e abafada do

convés inferior, recebendo a bagagem que foi empilhada a um canto para não ocupar muito espaço.

Não se sentia confortável, porém dava graças a Deus por estar a bordo e porque tudo havia corrido bem até o momento.

"Passarei a maior parte do tempo no convés", decidiu, conformada. "Seria um erro eu pagar quase o dobro por uma cabine de primeira classe."

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O pensamento de que iria conhecer vários lugares sobre os quais havia lido e ouvira os pais descreverem, deixou-a empolgada. Só lamentou que a mãe não estivesse com ela.

Faltava pouco para o navio deixar o porto quando Celina subiu para o convés superior. O movimento era grande. Os últimos passageiros embarcaram, apressados; os carregadores e camareiros não tinham parada.

Por fim, o navio começou a mover-se entre gritos de despedidas e acenos tanto dos que se achavam a bordo, como dos que estavam em terra.

Para Celina, aquele era o momento de comemorar sua primeira vitória. Mesmo desacompanhada, achava-se naquele navio a caminho do Cairo.

Reconheceu que havia estado temerosa de que, no último instante algo desse errado e ela teria de voltar, humilhada, para a fazenda do Sr. Watson.

No mesmo instante, riu de si mesma por suas apreensões tão tolas."Será uma aventura maravilhosa e inesquecível", pensou, confiante.

"Afinal, estou, pela primeira vez, afastando-me do lugar onde nasci e cresci."Celina só deixou o convés quando faltava uma hora para o jantar. Tomou

banho, vestiu outro traje de luto, fez um penteado discreto e severo, próprio para uma viúva.

Antes de ir para o salão de jantar colocou os óculos que haviam pertencido à mãe e, não se acostumando com eles, pois tinham grau, guardou-os na gaveta da penteadeira.

Chegando ao salão, ficou parada à porta, aguardando que um dos funcionários lhe indicasse onde se sentar. Enquanto isso, correu os olhos pelas mesas. Ficou nervosa ao constatar que eram, em sua maioria, ocupadas por homens.

O modo de trajar dos passageiros e suas maneiras revelavam que pertenciam a uma classe social inferior. O pior, Celina notou, era que, a viagem mal começara e quase todos já haviam bebido mais do que seria aconselhável.

Um dos criados de bordo não tardou a aproximar-se de Celina para transmitir-lhe o convite do comandante do navio:

— Boa noite, milady. O capitão envia-lhe os cumprimentos e manda-lhe dizer que será uma honra tê-la à sua mesa para o jantar.

O convite surpreendeu Celina. O pai já lhe dissera que só as pessoas importantes sentavam-se à mesa do capitão. E ela, apesar de ser, para todos os efeitos, lady Hartington, estava viajando na segunda classe.

Envaidecida, subiu a escada, atrás do criado. O salão de jantar do convés superior era muito diferente daquele onde ela havia estado.

Além de mais luxuoso e bem decorado, as pessoas ali presentes trajavam-se com elegância, falavam baixo, e eram, certamente, bem-educadas. As senhoras, quase todas idosas, ostentavam jóias caras.

O criado conduziu Celina à mesa do capitão. Este levantou-se, apertou-lhe a mão, convidou-a para sentar-se à sua esquerda e falou em tom de desculpa:

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— Lamento que não esteja numa cabine confortável, lady Hartington. O comissário explicou-me que quando você chegou todas as outras cabines, exceto aquela, da segunda classe, já estavam ocupadas.

— Espero acomodar-me bem — tornou Celina.— Por sorte, temos uma cabine vaga na primeira classe e tomei a

liberdade de mandar transferir sua bagagem para lá — prosseguiu o capitão. — Não é uma das cabines mais espaçosas, mas estou certo de que você terá muito mais conforto do que está tendo no momento.

— E muita bondade de sua parte. Só espero não ter de pagar uma grande diferença por ela — Celina observou, cautelosa.

— Não haverá diferença nenhuma no preço, uma vez que a cabine iria permanecer desocupada. Um dos passageiros desistiu da viagem na última hora. A companhia não terá prejuízo e você estará mudando para melhor — alegou o capitão.

— Fico-lhe muitíssimo grata, senhor. Eu estava tão ansiosa para fazer esta viagem que ficaria muito triste se não pudesse realizá-la.

— Bem, aqui está, em alto-mar, e agora terá maior comodidade. Espero que aprecie a viagem.

— Apreciarei, sem dúvida.— Está indo para o Cairo? — indagou o capitão.— Estou. Vou visitar a sepultura de meu marido — Celina respondeu, a

voz traindo sua emoção ao lembrar-se dos pais mortos.O capitão ficou em silêncio por um instante. Certamente não esperava

aquela resposta. Disse, afinal, sensibilizado:— Aceite meus pêsames, lady Hartington. Posso imaginar o seu

sofrimento por perder o marido, sendo tão jovem.— Obrigada — Celina agradeceu sucintamente. Receava continuar a

conversa e dizer alguma coisa contraditória, o que não seria difícil acontecer, uma vez que não estava habituada a mentir.

Felizmente, o cavalheiro sentado à direita do capitão fez-lhe uma pergunta e ambos conversaram durante algum tempo.

Foi grande a surpresa de Celina ao saber que o cavalheiro sentado à sua frente era o marquês Andrew de Merryfield, de quem o pai sempre falava.

Veio-lhe à mente a conversa mantida entre John Hart e a esposa: — O marquês de Merryfield herdou o título ainda jovem e os puros-

sangues de suas cocheiras são fantásticos. Vi alguns dos cavalos. Se eu tivesse a chance de treiná-los, posso assegurar que venceriam todas as corridas importantes, desde a de Ascot, pela Taça de Ouro, até a Grande Nacional.

— Tenho certeza de que se o marquês o conhecesse, iria fazer questão de contratá-lo para cuidar dos animais — Carol respondera, incentivando o marido. — Não há treinador melhor do que você e se os cavalos da fazenda Watson são famosos até no exterior, é graças ao seu esforço e talento. — Obrigado pelo incentivo. Você me faz sentir confiante — tornara John Hart, beijando a esposa.

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Afastando tais lembranças, Celina refletiu que era mesmo uma grande coincidência viajar com o marquês de Merryfield, cujos cavalos o pai tanto havia admirado.

Observou discretamente o marquês e o capitão conversando sobre viagens. A certa altura, o marquês comentou:

— Embarquei neste navio porque ouvi os maiores elogios sobre ele. Disseram-me que é o mais rápido da companhia.

— Não só o mais rápido, mas também o maior e mais luxuoso — assegurou o capitão com orgulho. — Imagino que Vossa Senhoria esteja indo ao Cairo para a semana de corridas.

— Exatamente — assentiu o marquês. — Ouvi dizer que o quediva adquiriu excelentes cavalos na Inglaterra, há poucos meses.

— E verdade. Os cavalos viajaram neste mesmo navio — informou o capitão. — O próprio treinador os acompanhou para entregá-los em perfeitas condições ao quediva Ismail. Nunca vi animais tão magníficos.

— O quediva sempre faz questão de ter o que há de melhor — disse o marquês.

— Por certo, Vossa Senhoria já ouviu falar nesse preparador, um homem chamado John Hart. Fiquei sabendo que não houve na Inglaterra outro melhor do que ele — mencionou o capitão.

— Sim, o Sr. Hart tornou-se famoso na profissão. Eu queria muito conhecê-lo, mas me informaram que já morreu.

O capitão assentiu com a cabeça.— Infelizmente, faleceu no Cairo, nessa viagem sobre a qual lhe falei.

Foi vítima de uma dessas febres do Oriente, que tanto tememos. Foi uma grande perda para a Inglaterra, no que diz respeito ao turfe.

— Homens como o Sr. Hart são raros. Não será fácil substituí-lo — apontou o marquês.

Atenta à conversa, Celina ficou contente por ter mudado o sobrenome no passaporte.

"O que; diria o marquês se eu lhe revelasse quem sou realmente?", Celina questionou-se.

Teve vontade de rir só de pensar em como o marquês ficaria constrangido ao saber da história de lady Carolina Hurstwood, que havia desistido de tornar-se uma duquesa e fugira na véspera do casamento com o homem que amava, mesmo sendo pobre.

Imaginou que o marquês ficaria atônito e iria achar que lady Carol cometera uma loucura ao deixar o luxo e o conforto para tornar-se a esposa de um simples empregado de fazenda.

Ao mesmo tempo, Celina sentia orgulho do pai. Desejou poder, durante a viagem, falar a sós com o marquês. Se surgisse tal oportunidade, ela iria fazer o possível para voltar ao assunto do treinador de cavalos chamado John Hart.

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"Tantas coisas aconteceram desde que mamãe fugiu com papai", Celina continuou com suas conjeturas. "Espero que meu avô, caso esteja vivo, bem como os demais parentes, desconheçam que eu existo."

O capitão, homem loquaz, espontâneo e simpático, parecia ter sempre o que dizer aos que estavam perto dele. Quando o marquês virou-se para dar atenção à senhora do seu lado, o capitão voltou-se para Celina.

— Fale-me sobre você, milady. Permita-me dizer que, sendo tão jovem, não devia estar viajando sozinha. Você poderia ter, pelo menos, uma criada como acompanhante.

— Tive de viajar inesperadamente. Estou certa de que encontrarei amigos quando chegar ao Cairo — Celina respondeu.

— Quanto a isso, pode ficar tranqüila. Nesta época do ano há centenas de visitantes ingleses no Cairo — informou o capitão.

Curioso, ele quis saber onde Celina morava, se ia a Londres com freqüência e se tinha filhos.

Sempre atenta, receando cair em contradição, ela respondeu da forma mais geral possível.

Ansiosa para obter uma informação segura sobre onde hospedar-se quando chegasse ao Cairo, pediu ao capitão:

— O senhor poderia indicar-me um bom hotel, no Cairo? Nunca estive naquela cidade e meus amigos chegarão alguns dias depois de mim.

Sem se fazer de rogado, o capitão citou os nomes de vários hotéis, não deixando de mencionar onde ficavam localizados, quais as características, vantagens e desvantagens de cada um.

Pelas descrições, Celina deduziu que todos eram hotéis caros e ela não estava disposta a gastar com luxos.

Em primeiro lugar, devia descobrir onde ficava a sepultura do pai, depois iria providenciar seu túmulo. Era essa a finalidade daquela viagem. Feito isso, iria ver as pirâmides.

Assim que o capitão voltou a falar com o marquês, Celina distraiu-se, olhando as pessoas sentadas às mesas. Apesar de elegantes, os passageiros lhe pareceram enfadonhos. Havia no salão poucas moças da sua idade.

A comida, por outro lado, era excelente e todos tomavam do melhor champanhe.

Já era tarde quando o jantar terminou. Antes de os convidados deixarem a mesa, o capitão recomendou a Celina em voz baixa:

— Devo alertá-la, milady, para ter muito cuidado durante a viagem.— Cuidado? Por que diz isso, capitão? — indagou Celina, surpresa.— Tenho experiência e conheço vários homens que estão neste navio.

Sei que alguns deles, mesmo os mais elegantes e educados, sabem ser encantadores com jovens ladies como você. Quando conquistam a amizade delas, esses malandros conseguem tirar-lhes o dinheiro, seja nas cartas ou de outra maneira, ou as aborrecem e mostram-se atrevidos.

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— Muito obrigada por avisar-me. — Celina sorriu para o capitão. — Mas fique tranqüilo. Perdi meu marido há pouco tempo e pretendo passar a maior parte da viagem bem quieta na minha cabine.

— Compreendo. Seja como for, estarei atento e farei o que estiver ao meu alcance para proporcionar-lhe conforto e evitar-lhe aborrecimentos.

— E muita amabilidade de sua parte, capitão. Muito obrigada, mais uma vez. Também lhe agradeço por convidar-me para sentar-me à sua mesa.

— Foi um prazer, lady Hartington. Você enfeitou a mesa do capitão com sua beleza — disse ele, lisonjeiro.

— Por favor, não me deixe convencida com seus elogios. Tenho vivido muito sossegada, no campo, e não estou acostumada a ouvir galanteios.

Todos se levantaram da mesa. Várias pessoas foram para a sala de jogos e outras apenas se sentaram nos sofás do salão vizinho para conversar.

Pela primeira vez desde que embarcara, Celina sentiu-se profundamente só. Invadiu-a uma saudade imensa dos pais. Sem a menor vontade de conversar com quem quer que fosse, procurou o comissário para saber onde ficava sua nova cabine e pegar a chave da mesma.

Um criado a acompanhou até lá. Ao ver-se num cômodo tão grande, confortável e arejado, ficou muito feliz. Sua bagagem estava ao lado do guarda-roupa.

Indo até a vigia, Celina olhou para o mar iluminado pela luz da lua e das estrelas. Eles estavam saindo do canal da Mancha e logo entrariam na baía de Biscaia.

Lembrou-se de que o pai dizia, rindo, que naquele trecho da viagem as mulheres desapareciam. Ficavam trancadas em suas cabines, com enjôo, e só davam o ar da graça quando chegavam a Gibraltar.

Sendo essa a sua primeira viagem de navio, e estando a noite tão linda, Celina decidiu ir para o convés.

"Será que passarei mal com enjôo?", perguntou a si mesma, enquanto caminhava pelo convés, sentindo no rosto o vento frio vindo do mar.

Encostando-se no gradil da amurada, ficou absorta, observando as ondas se quebrando contra o casco do navio.

Considerou que havia conseguido o que queria. Encontrava-se a bordo de um vapor grande e luxuoso que a levaria ao Cairo.

Esse era o início da grande aventura que planejara viver com a mãe. Agora, infelizmente, aventurava-se completamente só.

Olhou para o céu e reconheceu que, afinal, era uma pessoa de sorte. Estava fazendo a viagem, tinha dinheiro suficiente para mandar erguer o túmulo do pai, para passar no Cairo dez dias, aproximadamente, e então voltar para casa.

Tudo lhe pareceu tão irreal que ela chegou a imaginar que estivesse sonhando.

Estava com o pensamento tão distante dali que se sobressaltou ao ouvir uma voz masculina dizendo:

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— Vendo-a tão absorta, olhando para o céu, perguntei-me o que poderia estar pedindo às estrelas, lady Hartington.

Virando a cabeça, Celina viu o marquês de Merryfield.

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CAPÍTULO IV

Creio que, em uma ou outra ocasião, todos nós fazemos pedidos às estrelas — respondeu Celina, voltando-se para o marquês. — Felizmente, meu desejo se realizou.

Estando agora tão perto do marquês e podendo vê-lo claramente e de pé, Celina achou-o muito bonito e bem mais alto do que o imaginara. Sem saber por que, ocorreu-lhe que ele devia ser excelente cavaleiro. Depois de um instante pensativo, o marquês opinou:

— Suponho que você desejava muito ir ao Egito e pediu às estrelas para que seu desejo se tornasse realidade.

— Sua suposição está certa — afirmou Celina.— Durante todo o jantar eu me perguntei por que nunca a tinha visto

antes — começou o marquês, fixando em Celina os penetrantes olhos verdes. — Não acredito que você ficava escondida quando ia a Londres. Sendo tão linda, devia ter muitos admiradores.

Desabituada a falar com estranhos, muito menos a ouvir galanteios, Celina alarmou-se. Reconheceu que o terreno era perigoso.

Sendo um nobre, o marquês poderia muito bem procurar no Registro de Debrett, ou qualquer outro livro com a relação das famílias aristocráticas inglesas, e não encontraria o nome de lady Celina Hartington.

Pensando depressa, Celina decidiu que seria melhor não se enredar em mais mentiras. Respondeu:

— Nunca estive em Londres. Na verdade, passei toda a minha vida no campo.

— Toda a sua vida é, afinal, um período bem curto de tempo, lady Hartington — avaliou o marquês, com um sorriso. — Só posso dizer que Londres perdeu com a sua ausência; em contrapartida, o campo ganhou com a sua presença.

Celina não se conteve e riu ante a observação lisonjeira. Foi um riso cristalino e espontâneo, nada pretensioso.

— Por que está rindo? — indagou o marquês.— Porque, como eu disse há pouco, sempre morei no campo e não estou

acostumada a ouvir galanteios. Deve saber, milorde, que, numa fazenda, os elogios são para os cavalos.

Desta vez foi o marquês quem achou graça.— Uma boa resposta! Tenho cavalos excelentes e reconheço que os

elogios feitos a eles me enchem de orgulho. Por outro lado, se alguém ignora os animais, fico muito aborrecido.

Celina riu novamente. Para desviar a atenção de sua pessoa, pediu-lhe:— Fale-me sobre seus cavalos. Eles já venceram corridas importantes?

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— Este ano um de meus puros-sangues chegou em segundo lugar em Epsom, no Derby — respondeu o marquês. — Nem preciso dizer que fiquei desapontado, pois desejava o primeiro lugar. Mas, agora, tenho dois cavalos excepcionais, muito velozes, que certamente irão vencer todas as corridas das quais participarem.

— Imagino que seja emocionante para você possuir campeões. Gosto muito de cavalgar e já montei cavalos que receberam prêmios. Um animal vencedor é o orgulho, não só do dono, como do homem que o preparou — assinalou Celina, lembrando-se do pai.

Recordou, com grande saudade, como o pai amava os cavalos que treinava e como vibrava de emoção quando um deles vencia uma corrida.

Notando que Celina ficara séria e calada, o marquês perguntou:— Em que está pensando?— No treinamento de cavalos. E uma tarefa árdua.— Mas é gratificante — contrapôs o marquês. — Sei disso por

experiência própria. Nada se compara à alegria de ver um cavalo que treinamos vencer uma corrida. Acho que o mérito é do treinador e ele devia receber os elogios, não o animal.

— Bem, se o cavalo não for bom, o treinador não conseguirá torná-lo um campeão. Ao mesmo tempo, o treinador é o menos recompensado. Pense bem: o pobre homem trabalha arduamente, para adestrar o cavalo que, por sua vez, se submete a duros exercícios e, na hora da corrida, dá tudo o que tem para vencê-la. Por fim, é o dono do animal quem fica com o prêmio e a glória — Celina ponderou.

— Em parte você está certa. Mas devemos considerar que todos têm alguma forma de compensação. Para o treinador, fica a grande alegria de ver seu trabalho coroado de êxito e o reconhecimento de seu empregador. O cavalo recebe um tratamento régio e é cercado de cuidados. Pode ter certeza de que ele não deseja nada mais do que isso. Quanto ao dono, que investiu muito no animal, é justo que tenha o maior quinhão.

— Vejo que é um homem prático, milorde — Celina apreciou, sorrindo.— E eu já percebi que você gosta muito de cavalos e se interessa por

corridas. Sendo assim, eu gostaria de convidá-la para assistir comigo a uma das corridas na qual algum de meus cavalos esteja inscrito.

O primeiro impulso de Celina foi aceitar o convite, porém, controlou-se. Refletiu que, no seu papel de lady e viúva, devia ser mais recatada.

De mais a mais, estava percebendo que o marquês parecia muito curioso a seu respeito. Portanto, recusou delicadamente o convite e achou mais seguro voltar ao assunto dos cavalos.

— Quantos de seus puros-sangues estão sendo treinados? — perguntou.Antes de responder, o marquês ficou pensativo, com certeza, fazendo a

contagem.— Há oito que considero prontos para competir e nos quais tenho

grandes esperanças. Além desses, há mais ou menos dez outros que ficam, por assim dizer, logo abaixo, na escala — informou o marquês.

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— Um grande número, milorde! Deve orgulhar-se de seus cavalos.— Sem dúvida, orgulho-me de possuí-los. — O marquês fez uma pausa,

fitou Celina de modo curioso, em seguida disse: —Você me surpreende, lady Hartington. As mulheres, em geral, não se interessam por cavalos. Quando muito cavalgam no Hyde Park, na Rotten Row, simplesmente porque ali é um lugar onde desfilam pessoas elegantes. Mas você parece entender de cavalos e adestramento tanto quanto eu.

— Oh, não. E que eu sempre morei no campo, numa fazenda de criação de cavalos de raça. Dali saíram muitos campeões. Meu pai sempre gostou de lidar com cavalos — Celina replicou.

— Vejo que a filha saiu ao pai. As mulheres detestam falar sobre cavalos, treinamentos, corridas e coisas do gênero. Para elas, é muito mais agradável ouvir elogios sobre sua beleza.

— Eu já lhe disse que sou uma camponesa. É natural que goste de cavalgar e entenda de cavalos. Papai me ensinou a montar assim que aprendi a dar os primeiros passos. Também me ensinou que devemos conversar com o animal que montamos para fazer com que ele nos obedeça — tornou Celina.

O marquês riu. Depois observou:— Seu pai estava certo. Você deve ser excelente amazona e, sem dúvida,

é a jovem mais extraordinária que já conheci. Não consigo imaginar uma dessas aclamadas debutantes conversando com seu cavalo enquanto passeiam pela Rotten Row. Elas estão, em geral, interessadas em flertar com os dândis e preocupadas com as própria elegância.

O modo como ele falou provocou o riso de Celina.— Fale-me sobre sua casa, na Cornualha — o marquês pediu-lhe.— A fazenda é muito bonita. E perfeita para a criação de cavalos porque

há ali extensas pradarias. E um lugar tranqüilo, onde se pode cavalgar sem perigo de encontrar salteadores de estrada — Celina descreveu. —-Segundo dizem, há muitos bandidos na Cornualha e nos condados vizinhos.

— Embora eu não acredite que haja tantos salteadores de estradas como afirmam, já encontrei um deles nas terras de papai, anos atrás. O bandido estava chorando porque seu cavalo tinha quebrado a perna e teria de ser sacrificado.

— Imagino o sofrimento do salteador. Sei que esses homens fora-da-lei consideram seu cavalo um grande amigo e companheiro. E graças ao animal que eles vão de um lugar a outro, o que os livra de serem apanhados pela polícia — Celina observou, penalizada. — Quando eu era pequena, conversei com um desses bandidos no bosque que há perto de minha casa. Ainda era cedo e ele estava dormindo. Acordou assustado quando ouviu meus passos.

— Você não saiu correndo, com medo dele?— E claro que não. Perguntei-lhe se eu poderia ajudá-lo em alguma

coisa. Ele me disse que estava com fome. Então corri para casa e, chegando à cozinha, peguei pão, manteiga, presunto, frutas, um bule de chá e levei para o pobre homem. Ao receber tanta comida, o salteador ficou muito feliz e me deu em troca um galho de urze branca, dizendo para eu guardá-la que me traria sorte — Celina relatou.

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— Você é diferente. Qualquer outra mulher ficaria aterrorizada se encontrasse um salteador. — Em outro tom, o marquês perguntou. — Mas, diga-me, a urze branca lhe trouxe sorte?

— Naturalmente. Sempre fui muito feliz com meus pais, enquanto eles viveram.

— Você se casou logo depois da morte de seu pai? A pergunta surpreendeu Celina. Habilmente, respondeu de maneira evasiva:

— O que eu lhe contei sobre o salteador de estradas aconteceu há muito tempo. Acredito que atualmente eu teria medo de falar com um bandido.

— Sim, mas conte-me sobre a sua vida depois que você cresceu — o marquês insistiu.

Mais uma vez, Celina fugiu do assunto. Dirigiu ao marquês um lindo sorriso e replicou:

— Acho que isso ficará para outra ocasião. Já falei muito sobre mim. Mamãe costumava dizer que nada é mais aborrecido do que ouvir uma pessoa falando o tempo todo sobre si mesma.

O marquês também riu e o momento embaraçoso passou.— Voltando ao assunto de cavalos, que tanto nos interessa, devo dizer

que, por coincidência, tenho dois puros-sangues viajando nos porões deste navio e gostaria que você os visse. Vou levá-los como presente para o quediva Ismail. Fiquei sabendo que o soberano adquiriu, há não muito tempo, quatro cavalos de raça excepcionais de um criador da Cornualha. Talvez você conheça esse criador.

— Não creio que o conheça. Há vários criadores na Cornualha — volveu Celina, em tom descuidado. — Os moradores daquele condado, quando não são obcecados por cavalos, têm paixão por barcos e navios.

— Ouvi dizer que sim — assentiu o marquês. Depois perguntou: — Você tem filhos, lady Hartington?

— Não. Fiquei viúva e não tenho filhos.Uma sombra velou o olhar de Celina ao lembrar-se que estava tão só no

mundo, pois era como se os parentes não existissem.— Perdoe-me se a deixei triste — desculpou-se o marquês suavemente,

percebendo a mudança na expressão de Celina. — Mas deve esquecer o passado e olhar para o futuro com esperança.

— E o que estou tentando fazer.— Você é muito jovem. Pode acreditar que coisas muito boas estão para

acontecer em sua vida, lady Hartington. Então o passado perderá gradativamente as cores e a importância e você voltará a ser feliz.

Não só as palavras, mas também o modo como foram ditas, surpreenderam Celina.

— Por que diz isso? Você já perdeu uma pessoa de quem gostasse muito?

— Perdi minha mãe que significava tudo para mim — o marquês revelou. — Reconheço que fui criado com excesso de mimos por ser o único filho.

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Tenho duas irmãs, casadas, mais velhas do que eu. Minha mãe era linda e a pessoa mais bondosa que poderia existir. Ela ensinou-me a ser compreensivo e a tentar fazer um pouco mais felizes aqueles que me cercavam.

— Posso imaginar o que você sofreu porque também perdi minha mãe recentemente. Ela era bem parecida com a sua — Celina observou.

— Seu marido também morreu há pouco tempo, não?— Sim, em poucos meses perdi duas pessoas queridas. Mas não vamos

falar do passado e, sim, de coisas mais alegres — pediu Celina, ansiosa para mudar de assunto. — Você estava dizendo que dois de seus cavalos estão neste navio.

— Você os verá amanhã — prometeu o marquês. — Não convém descermos à terceira classe durante a noite. Além disso, está bem mais agradável aqui no convés.

— E verdade, mas já é tarde e devo ir para minha cabine. Dormi muito pouco a noite passada porque estava arrumando a bagagem e, realmente, estou com sono.

Celina lembrou-se de que, além da bagagem, acondicionara em caixas e em baús os objetos de valor e as preciosas coleções de livros, deixando tudo pronto para ser levado para a Casa Grande com as peças do mobiliário que haviam pertencido aos pais.

A voz do marquês interrompeu-lhe os pensamentos.— Oh, ficou triste novamente, lady Hartington. Por certo, estava

pensando no que deixou para trás. Esqueça o que ficou na Inglaterra. Quando você voltar para casa, tudo estará do mesmo jeito, à sua espera. Pense apenas nas aventuras que a aguardam, que a deixarão feliz, e afastarão as lágrimas de seus olhos.

O marquês falou com tanta bondade e de modo tão sincero que sensibilizou Celina. Ela disse a si mesma que jamais conhecera um cavalheiro tão encantador.

Em todo caso, não se considerava uma boa juíza, uma vez que conhecera poucos cavalheiros. Raramente via os proprietários que vinham à fazenda comprar cavalos, quase não saía de casa e não freqüentava a sociedade.

Achando que já havia ficado um tempo longo demais a sós com o marquês, despediu-se.

— Boa noite, milorde. Eu já fiz o meu pedido às estrelas e espero que ele se realize até o fim da viagem. Aconselho-o a olhar para o céu e também expressar seu desejo.

— O que vou pedir não poderá ser realizado em tão pouco tempo — mencionou o marquês.

— Se é assim, estenda o prazo. Para as estrelas isso não fará diferença.Obediente, o marquês olhou para o céu. Disse, um instante depois:— Já fiz o meu pedido. E agora, antes de você ir para sua cabine,

convido-a para tomar uma xícara de café ou um drinque. Aceita?— Sim, aceito o café. Obrigada.

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— Sente-se numa daquelas cadeiras enquanto vou falar com o criado de bordo.

Havia algumas cadeiras bem perto do lugar onde eles se achavam. O marquês acompanhou Celina até elas e afastou-se.

"Que sorte a minha! Consegui uma cabine na primeira classe e encontrei um cavalheiro tão amável", Celina pensou.

Ocorreu-lhe que se viajasse na segunda classe os homens seriam bem diferentes. Para evitá-los, ela teria de recolher-se logo após o jantar e ficar trancada em sua cabine.

Em poucos minutos, o marquês estava de volta. O garçom que o acompanhava serviu o café a Celina e vinho do Porto ao marquês.

— Eu gostaria que me acompanhasse, mas suponho que uma pessoa tão jovem como você, seja abstêmia — disse o marquês.

— Não gosto de bebidas alcoólicas. Não costumo tomar nem mesmo vinho. Mas como sabe que sou jovem?

— Tenho experiência suficiente para poder avaliar a idade de uma mulher. Asseguro que dificilmente erro. Você, por exemplo, não chegou aos vinte anos — aventurou o marquês.

— Cuidado com as suas "avaliações" — Celina aconselhou-o, rindo. — As mulheres detestam que se fale de idade e nunca revelam a data do nascimento. Quando têm trinta, fingem ter vinte, e aos quarenta ficam neuróticas, só de pensar que se avizinham dos cinqüenta.

— Tem razão — concordou o marquês, rindo também. — Mas não é o seu caso. Muitos e muitos anos passarão até que você comece a preocupar-se com a idade.

— Não quero falar sobre mim. Estou mais interessada em saber onde você mora, se treina seus cavalos em sua propriedade ou se mantém os puros-sangues de corrida em Newmarket, como outros criadores.

— Custa-me acreditar que você se interesse tanto por cavalos e entenda de animais! — exclamou o marquês, surpreso. — Vejo que ouvirei a opinião abalizada de uma grande conhecedora quando eu lhe mostrar os dois cavalos que tenho no porão do navio.

— Mesmo sem vê-los posso afirmar que são excelentes. Você não os ofereceria ao quediva se não fossem magníficos — expôs Celina.

— Seu raciocínio está correto. Informaram-me que o quediva é obcecado por cavalos. Diante disso, fiz questão de escolher os melhores para presenteá-lo e ficarei envergonhado se eles não forem considerados iguais ou superiores aos que o soberano já possui.

Lembrando-se dos quatro soberbos puros-sangues que o quediva havia comprado do Sr. Watson, e que o pai trouxera para o Cairo, Celina disse a si mesma que os dó marquês poderiam se igualar a eles, mas nunca superá-los.

Para mudar de assunto, comentou:— Sempre tive vontade de viajar, mas é esta a primeira vez que saio da

Inglaterra. Estou ansiosa para conhecer lugares sobre os quais tenho lido. O primeiro deles será Gibraltar. — Sem dúvida, Gibraltar é fascinante. Os navios

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sempre fazem escala ali para abastecer. Naturalmente, você já ouviu falar sobre os famosos macacos que todos desejam ver nos rochedos — assinalou o marquês. — Nas lojas você encontrará belíssimos artigos vindos da China a preços muito inferiores aos de qualquer outro lugar.

— Espero não ficar decepcionada. Em geral, é o que acontece quando se deseja algo com muita ansiedade.

— Pode ter certeza de que irá gostar dos portos onde pararmos — afirmou o marquês. — A primeira viagem que fazemos é sempre empolgante porque tudo tem o sabor da novidade e da aventura.

— E exatamente essa a minha opinião.— Imagino que a Grécia seja o lugar que você sempre desejou conhecer.— Acertou. Mas o que o faz pensar assim? — Celina questionou.— E que estou inclinado a acreditar que você seja a reencarnação de

uma das deusas e queira visitar o monte Olimpo — respondeu o marquês.— Esse é o maior elogio que já recebi! — Celina exclamou, sorridente. —

Sou, porém, realista para saber que não posso me comparar às belíssimas deusas gregas que inspiraram tantas telas, esculturas e outras obras de.arte.

— Tenho uma tela representando Afrodite, a deusa do Amor. Foi pintada há quatro séculos e meu avô a conseguiu numa lojinha quando esteve na Grécia. Estava em péssimo estado, mas depois de limpa e restaurada os peritos atestaram que era uma preciosidade.

— Que sorte a sua, possuir uma obra de arte como essa!— Muita sorte, realmente. Contaram-me a história dessa tela quando eu

ainda era garoto e, a partir daí, desejei encontrar uma mulher tão bela como Afrodite. Cresci com a certeza de que iria encontrá-la. Quando isso acontecesse, eu dizia a mim mesmo, a amaria e ela seria para mim uma inesgotável fonte de inspiração, da mesma forma que a deusa havia sido para o artista que a pintara, quatro séculos atrás.

O marquês terminou de falar e Celina levantou-se. Achou melhor não prolongar aquele assunto que se tornava íntimo demais. Afinal, ela e o marquês mal se conheciam.

— Estou, realmente, muito cansada e vou dormir — desculpou-se. — Obrigada pelo café, pela companhia e por ter sido tão amável.

— Bem, a conversa está muito agradável, mas reconheço que não devo prendê-la, lady Hartington. Enfim, teremos muitos dias de viagem pela frente e nos veremos com freqüência — disse o marquês, tendo ficado de pé e apertado a mão que Celina lhe havia estendido.

Em sua cabine, Celina viu tudo na mais perfeita ordem. A bagagem fora desfeita, as roupas e outros objetos haviam sido guardados. Uma camareira não tardou a aparecer e perguntou-lhe se precisava de alguma coisa.

— Nada por hora, obrigada — Celina respondeu. —Também lhe agradeço por ter pendurado meus vestidos mo guarda-

roupa e por guardar o restante da bagagem nas gavetas.

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— Espero que se sinta confortável, milady. Não hesite em tocar a campainha, caso deseje algo. Virei atendê-la imediatamente — avisou a camareira, saindo da cabine em seguida.

Depois de ter trancado a porta, Celina notou que o navio estava balançando muito. Olhou pela vigia e viu que as ondas estavam mais revoltas. O céu, entretanto, continuava estrelado, sem nenhum sinal de tempestade.

Seu cansaço era tão grande que ela pegou no sono mal encostou a cabeça no travesseiro. Dormiu profundamente. Acordou com o navio jogando com violência. Eram oito horas.

Tocou chamando a camareira e pediu-lhe que lhe trouxesse o breakfast.— Certamente, milady. O capitão aconselhou todas as senhoras a

permanecerem em suas cabines. O tempo está péssimo e esperamos uma tempestade — avisou a. mulher.

— Mesmo na cama, sinto que estou sendo atirada de um lado para o outro — Celina queixou-se.

— Não se levante, milady, por favor — insistiu a camareira. — Vou buscar seu breakfast. Isto é, se eu conseguir chegar até aqui com tudo na bandeja.

As duas riram e a simpática mulher desapareceu.Apesar de saber que na baía de Biscaia as tempestades eram comuns,

Celina ficou um pouco nervosa. Porém, deu graças a Deus por não sentir enjôo.

Até saboreou o breakfast que a camareira conseguiu trazer-lhe sem nenhum acidente.

Presa à cama, lamentou não poder ir ao porão com o marquês para ver os cavalos. Imaginou que, se ele fosse como John Hart, por certo estaria perto dos animais para acalmá-los e evitar que se machucassem.

Para distrair-se e não pensar no mar revolto, Celina pegou um dos livros que trouxera consigo. Leu-o durante horas e, por fim, cansada da leitura e, mais ainda de ficar trancada na cabine, decidiu vestir-se e ir até o convés.

Porém, a camareira apareceu e repetiu com firmeza que as ordens do capitão tinham de ser obedecidas.

Seria idiotice arriscar-se a quebrar uma perna ou ficar com o rosto desfigurado por causa de alguma contusão, Celina reconheceu.

Por fim, depois da baía de Biscaia eles navegaram em águas calmas. A chegada a Gibraltar estava prevista para dentro de hora e meia.

Celina tomou banho e escolheu para vestir um conjunto preto com gola e punhos brancos, o que tornou o traje menos deprimente.

Quando caminhou pelo convés ao encontro do marquês, não fazia idéia de que ele a estava achando encantadora como uma deusa.

A roupa escura realçava seus cabelos loiros que re-luziam como fios de ouro. E, graças à sua empolgação, os olhos azuis brilhavam mais intensamente.

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— Eu já estava começando a me convencer de que você era apenas um sonho e eu nunca mais iria vê-la — declarou o marquês, assim que Celina se aproximou.

— Sou real e estou aqui. — Ela presenteou-o com um lindo sorriso. — Felizmente, eu tinha um livro para ler. Não fosse isso, ficaria entediada, falando com as paredes e imaginando o que estaria perdendo por não poder subir ao convés para ver os lugares por onde estávamos passando.

— Você não iria ver nada, exceto o mar encapelado — disse o marquês, em tom consolador. — Desci até o porão para cuidar dos cavalos quando percebi que o tempo estava mudando e o mar começava a ficar revolto. Tive muito trabalho para acalmar os animais; eles estavam assustados e queriam voltar para casa.

— Pobrezinhos. Você ficou com eles a noite toda?— Parte da noite. Harris, um dos meus cavalariços, está viajando

comigo, claro. Quando os animais ficaram mais sossegados, deixei-os aos cuidados de Harris e fui dormir.

"Meu pai viajou sozinho e cuidou de quatro cavalos", Celina lembrou com pesar, imaginando como aquela viagem teria sido exaustiva.

— Você não sentiu enjôo? — perguntou em tom casual, afastando a lembrança do pai.

— Nem um pouco. Estou muito acostumado a viajar. Conheço praticamente o mundo todo. Já estive em lugares que a maioria das pessoas nem sequer sabe que existem.

— Você já pensou em escrever um livro sobre suas viagens?— Já, e tenho meus apontamentos. Porém, convenci-me de que me falta

talento para escrever — o marquês admitiu. — Prefiro outro tipo de trabalho.— E egoísmo de sua parte guardar só para você o que viu e o que fez —

Celina censurou-o. — Se não gosta de escrever, deve entregar seus apontamentos a um jornalista e ele, com a sua orientação e supervisão, escreverá o livro.

— Nunca pensei nisso, mas é uma idéia que merece ser considerada — aprovou o marquês. — E agora, vamos aproveitar esta viagem. Chegaremos a Gibraltar em uma hora, mais ou menos, e estou pensando em levá-la para um passeio, para conhecer as lojas.

— Oh, será um prazer andar pela cidade e ver as lojas! — Celina alegrou-se. — Eu não me arriscaria a sair do navio desacompanhada.

Ela não ignorava, naturalmente, que era perigoso uma mulher andar sozinha num país estranho. Caso não conhecesse o marquês, tentaria de encontrar um casal ou alguma senhora que concordasse em fazer-lhe companhia, sempre que o navio atracasse e houvesse tempo suficiente para compras ou um passeio.

Gibraltar não desapontou Celina. A cidade, muito pitoresca, estendia-se pelos flancos do enorme rochedo e pela baixada arenosa do oeste.

O passeio pela colônia, na companhia do marquês, foi muitíssimo agradável e instrutivo. Ele conhecia bem o lugar e enquanto ambos davam

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uma volta de carruagem tinha sempre algo instrutivo ou curioso para dizer sobre o que viam.

Como não houve tempo para visitar pontos de interesse histórico, Celina contentou-se em ouvir o marquês discorrer sobre o castelo da época dos mouros e outras edificações antigas.

Ela também satisfez sua curiosidade ao ver os macacos nos galhos da árvores ou correndo pelos rochedos com incrível rapidez.

Por último, eles pararam nas lojas repletas de artigos variados, que eram o sonho de qualquer turista.

Quando o marquês quis comprar para ela um lindo xale de seda pura, inteiramente bordado a mão, Celina ficou constrangida.

— Escolha um deles — o marquês insistiu. — Um desses xales ficará lindo em você e alegrará suas roupas de luto.

— Se eu aceitar um presente seu, terei de retribuí-lo e não sei do que você gosta — Celina alegou.

— Por favor, lady Hartington, nem pense em gastar seu dinheiro comigo. Precisará dele no Cairo. Ficarei muito contente se pudermos voltar para a Inglaterra no mesmo navio. Será esse o melhor presente que poderei receber.

Diante das palavras ditas com tanta firmeza, Celina não teve como recusar o xale. Deixou, porém, a escolha ao gosto do marquês. Não se surpreendeu quando ele a presenteou com o mais lindo de todos e também o mais caro.

Novamente a bordo, os dois ficaram no convés para ver o navio afastar-se de Gibraltar.

Tiveram tempo de conversar um pouco mais até a hora de se vestirem para o jantar.

O marquês falou sobre si e sua família. Estava com vinte e nove anos, tinha duas irmãs, sobrinhos, e herdara o título quando ainda cursava a universidade de Oxford.

O pai havia morrido de derrame cerebral e, no ano anterior, a mãe falecera, repentinamente, de ataque cardíaco.

Com o título, o novo marquês de Merryfield tornara-se o chefe de uma família numerosa. Muito querido por todos, o parentes tinham nele um amigo, conselheiro e guia.

Possuía uma grande propriedade no condado de Derbyshire, onde criava cavalos de raça.

— Gosto de ter uma família tão grande, embora, às vezes, eu sinta vontade de ficar sozinho, com meus próprios pensamentos, meus problemas, e não falar com ninguém — o marquês comentou.

— Eu, ao contrário, era filha única, não tinha parentes, de modo que sempre vivi sozinha — Celina revelou.

— Posso imaginar que você tenha sentido falta da companhia de irmãos e irmãs. Francamente, acho a minha família grande demais. Sem contar as irmãs e sobrinhos, são muitos tios, tias e primos. Agora, então, que herdei o

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título, os mais velhos estão continuamente tentando me obrigar a fazer o que eles querem e não o que me agrada — o marquês desabafou. Celina não se conteve e riu.

— Não acredito! Você tem forte personalidade, é uma pessoa determinada, positiva, e objetiva demais para que o obriguem a fazer o que não deseja.

— Como sabe disso?— Certas coisas não se explicam. — Celina fez um gesto significativo

com as mãos. — Quando converso com uma pessoa, percebo quem ela é, não por suas palavras, mas por sua postura e, principalmente, pelas vibrações que emitem e consigo captar.

— Agora sou eu quem não acredita que esteja ouvindo tais coisas de uma pessoa tão jovem! — o marquês admirou-se. — O que mais você pode dizer a meu respeito?

— Sinto que você é uma pessoa autêntica e procura sempre entender os que o cercam para ajudá-los, não apenas materialmente, mas a se tornarem melhores, e serem verdadeiros.

Muito impressionado, o marquês falou com brandura, fitando-a intensamente:

— Talvez você não seja uma deusa e, sim, uma linda feiticeira!Ambos se despediram sorrindo e combinaram de se encontrar dentro de

quarenta minutos, quando iriam sentar-se à mesa do capitão para o jantar.A primeira coisa que Celina fez ao entrar na cabine foi estender o xale

sobre a cama. Por um momento, admirou o riquíssimo bordado, achando difícil acreditar que aquele trabalho primoroso, quase uma pintura, costumava ser feito por várias pessoas, muitas vezes por famílias inteiras, inclusive por meninos de cinco ou seis anos.

Pensando em crianças, ela alegrou-se porque estava certa de que o marquês não era casado. Ele só mencionara; as irmãs, sobrinhos e outros parentes. Nada de esposa e filhos.

Muito feliz com a descoberta, e o lindo presente, e por ter passado uma tarde agradável, Celina vestiu-se com esmero para "o jantar.

Mais tarde, a caminho do salão, sentia-se leve como uma pluma. Mas não podia ser de outra forma, uma vez que encontrara um homem maravilhoso para lhe fazer companhia e para protegê-la.

Foi só no dia seguinte, quando o navio parou em Marselha, que um perigo, novo e inesperado, surgiu ameaçador na vida de Celina.

CAPÍTULO V

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Tendo lido muito sobre Marselha e ouvido falar sobre suas belezas, Celina estava ansiosa para ver o máximo da cidade naquelas horas em que o navio iria permanecer no porto.

Depois de colocar na bolsa algum dinheiro extra para compras, caso visse artigos do seu interesse, foi para o convés, certa de que já encontraria o marquês à sua espera.

Ao passar por um dos salões menores, viu-o conversando e rindo com outros cavalheiros. Com receio de parecer insistente ou ser considerada um estorvo, Celina desembarcou.

Sentia-se mais confiante em sair sozinha porque estava na França, sabia falar francês perfeitamente e não teria problema algum nas lojas ou nos lugares históricos que visitasse.

Estava parada na calçada, esperando para atravessar a rua, quando um senhor corpulento, usando terno caro, porém vistoso demais, desceu de uma carruagem de aluguel.

Ele falava alto com o homenzinho que o acompanhava, certamente seu valete ou secretário. Os gestos agressivos, o tom de voz, a expressão severa indicavam que estava zangado ou de mau humor.

O homenzinho parecia encolher-se sob a torrente de palavras proferidas pelo grandalhão.

Ao voltar-se para os carregadores que se aproximaram para cuidar da bagagem, o homenzarrão não foi menos grosseiro. Deu-lhes ordens com rispidez e arrogância, e seguiu logo atrás deles para o navio.

Chocada com aquela vulgaridade, Celina afastou-se dali. Já havia chegado à esquina, quando ouviu alguém chamá-la. Virou-se e viu o marquês caminhando a passos largos, vindo do porto.

— Como pôde desembarcar sem me dizer nada? Você sabia que eu estava ansioso para mostrar-lhe Marselha — ele censurou Celina assim que a alcançou. — O que aconteceu? Está zangada comigo?

— Oh, não, nada disso. Eu apenas vi você conversando com seus amigos e não quis aborrecê-lo — Celina explicou. — Imaginei que você talvez estivesse cansado da minha companhia.

— Como eu poderia cansar-me de sua companhia?— O marquês riu. — E aqueles cavalheiros não são meus amigos e, sim,

meus empregados que vieram ao navio para uma pequena reunião. Mas, quando percebi que você havia desembarcado sozinha, pedi-lhes para esperar que eu voltasse e desembarquei depressa para poder alcançá-la.

— Bem, compreenda... não quero que você me considere um estorvo. Não acho certo ficar o tempo todo ao seu redor.

— Pois eu quero vê-la sempre do meu lado, quer eu esteja tratando de negócios ou não — reiterou o marquês. — Prometi levá-la a um dos melhores restaurantes de Marselha e não vou faltar com minha palavra.

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— E muita bondade sua mas, se você estava em reunião com seus empregados, não convém deixá-los esperando por muito tempo. Negócios são negócios.

— Meus empregados estão muito felizes no navio, onde passarão o dia. Isso é muito melhor do que trabalhar no escritório.

— Você tem um escritório em Marselha?— Tenho, mas não quero falar de negócios; para mim, esta é uma

viagem de férias. — O marquês olhou ao redor e, avistando uma carruagem, acenou para o cocheiro. — Vou levá-la a uma parte da cidade, onde há um excelente restaurante, especializado em peixes e frutos do mar; o melhor que já conheci.

— Obrigada.Ainda era cedo para o almoço e o marquês levou Celina a uma loja onde

havia artigos especiais para turistas. Percebendo que ela gostou de um pequeno navio feito de pedras semipreciosas, comprou-o e deu-lhe de presente.

— Oh, é lindo, mas não devo aceitá-lo — Celina protestou.— Por que não? Notei que você estava admirando o naviozinho.Por pouco, Celina não disse que uma moça não devia aceitar presentes

de um cavalheiro, a não ser que fossem noivos. Raciocinou depressa e respondeu:

— Você não deve gastar seu dinheiro com amigos, e não com uma pessoa que conheceu há poucos dias.

— Ora, está sendo indelicada, lady Hartington. Pensei que fôssemos amigos — contestou o marquês. — Na verdade, você tem sido tão amável que a coloquei entre meus amigos especiais.

Celina riu.— Você seleciona seus amigos por categorias?— E claro que sim. Há amigos que só vejo ocasionalmente; às vezes um

ano se passa sem que estejamos juntos. Porém, aceito a ausência deles naturalmente. Já os amigos especiais como você, são muito queridos, sinto falta da sua companhia e quero vê-los com freqüência— respondeu o marquês.

— Um lindo discurso, monsieur. Orgulho-me de pertencer, a essa categoria de amigos. — Celina sorriu afavelmente. — Acaba de me ocorrer que estamos na França e os franceses adoram fazer e receber elogios. Se um estrangeiro os lisonjeia eles sentem-se ainda mais importantes.

— Como sabe disso, se nunca morou neste país? Celina ia responder que tanto o pai como a mãe costumavam lhe falar sobre a França, porém não quis deixar o marquês curioso sobre sua família. Disse simplesmente:

— Devo ter lido isso em algum livro.— Precisamos ler centenas de livros se quisermos entender os

franceses. Eles são encantadores, mas, ao mesmo tempo, imprevisíveis. Se você estiver com um francês, fique atenta, pois nunca saberá o que ele pretende fazer em seguida — o marquês advertiu-a.

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Passou pela mente de Celina que ele vira tantos franceses embarcando em Marselha e estava querendo alertá-la para não dar crédito às palavras de nenhum passageiro francês, por mais lisonjeiras que fossem.

— Podemos ir para o restaurante — disse o marquês, quando saíram da loja. — A distância até lá não é grande, porém o sol está forte para caminharmos. Será conveniente irmos de carruagem. Ganharemos tempo e teremos mais conforto. Acredito que você irá apreciar demais da comida.

— Certamente. Confio no seu gosto.— O restaurante é pequeno e nada tem a ver com esses lugares da moda

que todo turista faz questão de conhecer. Lá não corremos o perigo de encontrar conhecidos. Nada é mais desagradável do que estarmos fora do nosso país e depararmos justamente com aquela pessoa aborrecida ao extremo de quem fugimos sempre que podemos. Isso já aconteceu comigo mais de uma vez.

— Posso imaginar a cena — observou Celina, rindo. — Essa pessoa dá-lhe tapinhas nas costas, depois senta-se do seu lado e insiste em falar sobre problemas, a família, as gracinhas do caçula que começou a andar...

— Exatamente. — O marquês riu também. — Você é incrível, lady Hartington. E tão jovem, nunca saiu da Cornualha, no entanto, fala como se tivesse muita experiência de vida.

— Como eu já disse, leio muito — Celina falou serenamente.O restaurante, era, de fato, muito pequeno, mas encantador. As

melhores mesas ficavam perto das janelas amplas, de onde se tinha uma linda vista da praia e do mar.

O proprietário recebeu o marquês com excesso de mesuras.— Pensei que nos tivesse esquecido, monsieur — queixou-se. — Há

tempo não nos honra com sua visita.— Eu não poderia esquecer os amigos. Fiquei alguns meses sem vir a

esta cidade — o marquês justificou-se. — Eu trouxe esta linda lady para conhecer seu estabelecimento, caro Pierre. E a primeira vez que ela vem a Marselha. Tenho certeza de que, depois de experimentar as delícias que vocês preparam, ela há de querer voltar muitas vezes a seu restaurante.

Pierre curvou-se em agradecimento às palavras elogiosas, em seguida, passou a sugerir os pratos que poderiam ser servidos para o almoço.

Eles escolheram ostras, siri e peixe à provençal.Como o marquês havia afirmado, estava tudo muito saboroso.— E de admirar que um restaurante como este, tão agradável e servindo

comida tão deliciosa, não esteja superlotado de turistas — comentou Celina, quando eles terminaram de comer.

— E o que eu costumo me perguntar — tornou o marquês. — Mas o amigo Pierre é esperto e prefere não fazer propaganda do estabelecimento nem ampliá-lo. Para ele, é mais lucrativo oferecer pratos requintados, caros, e ter uma clientela selecionada.

— Como você descobriu este lugar?

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— Um amigo que mora em Marselha conhece o restaurante desde que foi construído e me trouxe até aqui. Gostei tanto que me tornei cliente e amigo de Pierre.

— Depois de ter experimentado pratos tão deliciosos, vou achar os outros restaurante inferiores — atestou Celina.

— Diga isso a Pierre — sugeriu o marquês. Celina aceitou a sugestão e, ao se despedir, repetiu as mesmas palavras ao proprietário, deixando-o cheio de orgulho.

— Creio que não há tempo de vermos mais nada — disse o marquês, quando eles saíram do restaurante.

— O capitão quer partir à tarde.— Sim, claro, devemos voltar ao navio — Celina concordou.— Vejo que você costuma ser pontual. As mulheres, em sua maioria,

adoram deixar os homens esperando por elas.— Não se preocupe que nunca irá ficar esperando por mim. Tanto meu

pai como mamãe sempre fizeram questão de pontualidade.— Essa é uma virtude que muito aprecio.Por um momento, Celina se lembrou dos imensa saudade.Notando seu silêncio e a expressão sombria, o marquês quis saber:— Por que ficou tão séria e tristonha?— Eu estava pensando em meus pais.Tarde demais Celina reconheceu que deveria ter dito "meu marido".

Agora era bem possível que o marquês se mostrasse curioso e fizesse perguntas sobre seus pais.

Ficou tranqüila quando ele observou:— Imagino que eles estejam mortos há vários anos. Entretanto, mesmo

tendo partido, nossos pais continuam presentes em nossas vidas porque somos um reflexo deles. Eu, por exemplo, continuo a seguir os conselhos de minha mãe e adotei como meus os preceitos e regras de papai.

— E assim que deve ser. Isso acontece nas famílias onde há amor e harmonia. Seus filhos, certamente, se espelharão em você e agirão da mesma forma.

Novamente, Celina pensou nos pais e em como eles se amavam e viveram imensamente felizes. Embora pertencessem a mundos sociais diferentes, o amor de ambos superou todas as dificuldades.

— E isso que você também deseja — murmurou o marquês.Erguendo a cabeça, Celina encarou-o, atônita.— A que você se refere?— Eu sei que você estava pensando em seus pais e que eles viveram

muito felizes juntos.— Como sabe disso? Você pode ler meus pensamentos?

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— Não sei se tenho esse dom. Mas há pessoas com quem minha mente parece entrar em sintonia. Você é uma delas. A observação também ajuda. Notei há pouco que seu rosto ganhou uma expressão muito terna e não foi difícil captar em que você estava pensando.

— E admirável a sua capacidade de observação, dedução e de "entrar em sintonia" com a mente de alguém. Porém, não tente "captar" meus pensamentos, pois. eles são secretos — Celina reclamou.

— Por que são secretos? Está apaixonada por alguém?— Não! E claro que não! — Celina rebateu. — Todos nós temos um

"jardim secreto", por assim dizer, e a ninguém é dado o direito de invadi-lo ou de espreitá-lo.

— Está bem. — O marquês sorriu ante o tom veemente de Celina e estendeu os braços. — Prometo não espreitar nem invadir seu "jardim secreto".

Eles chegaram ao navio que estava prestes a partir e foram para as respectivas cabines. Celina guardou o embrulho contendo o lindo presente que recebera, tirou o chapéu, o casaco preto que usara sobre o vestido, e subiu para o convés.

Não vendo o marquês, imaginou que ele devia ter ido falar com os amigos ou talvez tivesse descido para ver se os cavalos estavam bem.

Certa de que, qualquer que fosse o caso, ele viria juntar-se a ela mais tarde, Celina ficou na amurada vendo o navio afastar-se da terra.

Uma voz alegre às suas costas surpreendeu-a.— Oh! Aqui está a linda lady que vi no cais! Cheguei a imaginar,

pesaroso, que você teria desembarcado e eu não voltaria a vê-la.Virando-se, Celina ficou frente a frente com o homenzarrão autoritário e

de roupas vistosas que vira, pela manhã, descendo da carruagem de aluguel.Vendo-o de perto, ela achou-o ainda maior e mais dominador. Não

sabendo o que dizer, ficou em silêncio.— Diga-me, quem é você? — indagou o estranho.— Seria muito fácil eu descobrir seu nome e saber para onde está indo,

a bordo deste belo navio. Para isso, bastaria eu falar com o comissário de bordo. Porém, prefiro ouvir tais informações dos seus lábios, linda lady.

Não querendo ser rude, Celina respondeu:— Sou lady Hartington e estou neste belo e confortável navio a caminho

do Egito.— Já viajei em navios melhores e também em piores. Mas permita-me

apresentar-me: sou Oswald Bagshot, americano, mas estou morando em Londres atualmente. Devo acrescentar que sou um milionário. Tenho orgulho de dizer que enriqueci por meu próprio esforço.

Celina teve de se conter para não rir. O Sr. Bagshot era, de fato, a figura mais extraordinária que ela já vira e ali no navio parecia fora de lugar.

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Além de corpulento, ele usava roupas exageradas e, sem dúvida, muito caras. Os botões da camisa eram de prata-de-lei e na gravata brilhava de ofuscar um enorme diamante junto de uma grande pérola.

Como se adivinhasse o que Celina estava pensando, o milionário americano declarou, com entusiasmo:

— Sim, reconheço que sou extravagante; faz parte da minha personalidade. Gosto de chamar a atenção, de ostentar minha riqueza e quero que admirem a minha elegância.

Não mais se contendo, Celina riu.— Perdoe-me a franqueza, Sr. Bagshot, mas acho estranho ouvi-lo falar

assim a respeito de si próprio.— Estou contente porque provoquei o seu riso. Você ficou ainda mais

encantadora. As pessoas sempre me acham engraçado. Quanto à sua observação, por que não devo falar de mim mesmo? Gosto de proclamar as minhas qualidades. — O Sr. Bagshot indicou algumas cadeiras do convés. — Vamos nos sentar, lady Hartington. Mas você ainda não me revelou o seu primeiro nome. Certamente Hartington é o sobrenome de casada.

— Sou viúva. Meu nome é Celina. — Ela sentou-se do lado, do Sr. Bagshot.

— Celina! Um lindo nome! Então, está de luto por seu marido. Ficou viúva muito cedo, lady Hartington. Porém, não se queixe da sorte. Com um rosto tão belo, terá pretendentes ao seu redor como abelhas em torno de um pote de mel.

— Por favor, Sr. Bagshot, prefiro não falar sobre esse assunto — pediu Celina.

— Sim, sim, claro. Sinto muito, lady Hartington — o Sr. Bagshot desculpou-se depressa. — Costumo ser muito espontâneo e, por vezes, me excedo. O que menos desejo é magoá-la. Pelo contrário; agora que nos conhecemos, espero merecer o prazer de sua companhia durante toda a viagem.

Celina teve vontade de dizer que não estava sozinha, porém receou que o americano a interpretasse mal e concluísse que o marquês tivesse na vida dela um lugar mais importante do que o de um simples conhecido recente.

Então observou em tom casual:— Esta é a primeira vez que viajo pelo Mediterrâneo e estou vibrando

com tudo o que vejo.— A primeira viagem que fazemos é sempre muito empolgante. Eu

conheço quase o mundo todo. Viajo seguidamente; os negócios o exigem. Em cada parada torno-me um pouco mais rico — vangloriou-se o Sr. Bagshot. — Alguns lugares são divertidos, outros um tédio. Depende da companhia. E agora, neste navio, tive o privilégio de encontrar a mulher mais encantadora que já conheci. Seremos um par constante, lady Hartington.

Inquieta com os avanços do americano, Celina levantou-se.

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— Com licença, Sr. Bagshot. Vou para a minha cabine. Preciso terminar uma carta que já devia ter sido colocada no correio em Marselha. Agora terei de enviá-la no próximo porto.

— Para que tanta pressa? Você terá tempo de sobra para escrever sua carta. Viajaremos quase dois dias até fazermos nova escala — alegou o Sr. Bagshot. — Fique, por favor. Quando pararmos em Nápoles, terei prazer de mostrar-lhe a cidade e comprar-lhe um belíssimo presente. Não penso duas vezes para gastar meu dinheiro com uma linda mulher. Porém, se ela for feia e gorda, deixo-a do lado da estrada.

A intenção do americano era fazer graça, porém Celina replicou secamente:

— Obrigada. Não quero o seu dinheiro, nem presentes, Sr. Bagshot. E espero que o senhor compreenda que desejo ficar sozinha nesta viagem.

— Sozinha? Não, não compreendo qual o motivo de preferir ficar sozinha a ter a minha companhia.

O tom do Sr. Bagshot era de quase indignação. Logo ele lembrou-se de que Celina estava de luto e desculpou-se:

— Sinto muito. Eu não quis ser indelicado. Você está sofrendo porque perdeu o marido. Mas ele deve estar no céu e há de querer vê-la feliz, e não estragando seus lindos olhos de tanto chorar. Use o seu bom senso, lady Hartington, e admita que nem todas as suas lágrimas poderão trazer lorde Hartington de volta. Tente divertir-se e, pelo menos durante a viagem, esqueça que seu marido não está mais com você.

Um tanto constrangida, pois não era viúva, Celina observou:— O senhor vê as coisas de modo muito prático e talvez tenha razão.

Entretanto, prefiro ficar sozinha, com minhas recordações.— E perda de tempo! O que poderá ganhar com isso? As recordações a

deixarão triste e você precisa é de alegria. Esqueça o passado, viva o presente e pense no futuro — aconselhou o Sr. Bagshot. — Também "tenho os meus dias péssimos em que nada dá certo. Mas não fico sentado chorando. De que adiantaria? Se tive prejuízo, o dinheiro não irá voltar, e se cometi algum erro, as lágrimas não irão corrigi-lo. Pode ter certeza de que a cabeça fria e o otimismo nos ajudam muito mais do que o choro e o desespero.

As palavras era sensatas, Celina reconheceu. Sentia, porém, que devia ir embora e evitar o insistente americano dali por diante.

— O senhor tem razão. Não me esquecerei dos seus conselhos. Mas agora devo ir.

Ela já estava de pé e teria se afastado, não fosse o Sr. Bagshot estender o braço e puxá-la para trás.

— Não se vá. Ouça-me, antes de ir para sua cabine. Quero vê-la feliz e sem essas roupas pretas. No primeiro lugar civilizado em que fizermos escala, vou comprar-lhe vestidos novos, coloridos. Um cor-de-rosa... um verde... um azul. Azul da cor de seus olhos e da cor do céu.

A aproximação do garçom interrompeu o Sr. Bagshot.— Desejam alguma coisa? — perguntou.

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— O que podemos querer? Champanhe, naturalmente! Uma garrafa grande do melhor champanhe que vocês tiverem — exigiu o milionário. — E ande depressa; estou com a boca seca. Se não correr, não terá a gorjeta mais generosa que alguém já lhe deu.

— Por favor, não peça champanhe para mim — Celina recusou a bebida e sentou-se novamente. — Almocei há pouco tempo. Mais tarde aceitarei uma xícara de chá.

— Ora, está sendo tola e nada prática, lady Hartington — o Sr. Bagshot censurou-a. — Como pode recusar o melhor champanhe que há a bordo, se não terá de pagar por isso?

Por um instante, o garçom ficou parado, olhando para o Sr. Bagshot, certamente estranhando seu modo de falar e de vestir-se. Em seguida, lembrando-se da gorjeta, afastou-se depressa para buscar a bebida.

Um sorriso brincava nos lábios do Sr. Bagshot ao observar a pressa do garçom.

— Eu sabia que ele ia afastar-se correndo. Nada como oferecer uma boa gorjeta para receber o melhor tratamento. Aonde quer que eu vá, todos se apressam para me servir, sabendo que sou milionário e muito generoso. Todo funcionário sabe que clientes como eu garantem a sua "caixinha" durante todo o verão. Entretanto, se um deles não me atende bem, dou-lhe o que merece, isto é: nada!

— Nada?! — Celina admirou-se. —- O que são alguns trocados para um milionário como o senhor?

— Bem, talvez os negligentes consigam metade do que esperavam — admitiu o Sr. Bagshot, com expressão condescendente.

— O senhor disse há pouco que conquistou sua enorme fortuna por esforço próprio. Como conseguiu tornar-se um milionário, Sr. Bagshot? — Celina quis saber.

— Uma boa pergunta, mas isso é segredo. O que posso dizer, honestamente, é que uso meu cérebro. A maioria das pessoas espera que tudo caia do céu, como o maná do Senhor. Nada mais errado. Progredimos à custa do nosso trabalho, de nossa inteligência, de nosso esforço.

— Concordo com o senhor, em termos. O que acaba de afirmar, Sr. Bagshot, não pode ser regra geral. Há pessoas esforçadas que trabalham arduamente e mal conseguem sobreviver — apontou Celina.

— Minha bela e jovem lady, afirmo que, se alguém quiser uma coisa com todas as suas forças e usar o cérebro, irá consegui-la. Moedas de ouro não crescem em tapetes. Se uma pessoa trabalhar com determinação, disciplina e usar seu cérebro durante todos os minutos do dia, se tornará um milionário e terá merecido cada centavo ganho.

— O senhor deve lembrar que nem todos consideram o dinheiro a coisa mais importante do mundo. Há quem só busque a felicidade, o que é bem diferente — lembrou Celina.

— O dinheiro traz felicidade — enfatizou o americano. — Ninguém é feliz vivendo na miséria. Não há amor que sobreviva à falta de pão, de um teto, de conforto.

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— Pelo modo como o senhor fala tudo parece tão simples. Desculpe-me, mas acho difícil acreditar que tenha chegado ao topo sem herdar um fortuna, sem receber a ajuda de alguém, ou sem ter, pelo menos, um pequeno capital para iniciar seus negócios.

— Nasci num bairro pobre, sem nada além de boa aparência e meu cérebro. Eu era muito magro e quando jovem atraía as garotas porque elas me consideravam uma boa companhia. Eu era alegre, espirituoso e engraçado. Comecei a trabalhar cedo e, graças a muita disciplina, inteligência e determinação, em pouco tempo consegui estabelecer-me por conta própria. A partir daí, meus negócios se expandiram e os lucros se multiplicaram sem parar — contou o Sr. Bagshot, com orgulho.

— O senhor não se casou?— Sim, casei-me. Minha esposa era linda, mas nos divorciamos. Ela

gostava muito de beber; adorava champanhe. Com a desculpa de que tínhamos sempre algo para comemorar, tornou-se alcoólatra. Sabe que, por causa da bebida ela foi atropelada por um carruagem, bem perto de casa, na Park Lane, e quase morreu?

— Como? Sua esposa não viu a carruagem? — Celina admirou-se.— Enxergou duas carruagens, lady Hartington. Estava bêbada, com

visão dupla.— Oh, sinto muito — Celina disse com pesar.— Não a lamente. Ela está feliz com a vultosa pensão que recebe e pode

beber à vontade. — O Sr. Bagshot fez uma pausa, parecendo relembrar o passado. — Imaginei que depois do acidente minha esposa deixasse de beber. Sinceramente, eu a amava! Cheguei a pedir-lhe de joelhos que fizesse um tratamento para deixar a bebida. Mas ela nem me ouviu. Bebia duas ou três garrafas de champanhe de uma vez.

— E uma história triste. Mas o senhor poderia usar seu cérebro para convencer sua esposa a não se destruir como estava fazendo — Celina ponderou.

O Sr. Bagshot deu de ombros.— Minha querida, aprendi a duras penas que ninguém ajuda uma pessoa

que não queira cooperar.O garçom chegou com o champanhe. Celina aceitou só um pouco da

bebida por insistência do Sr. Bagshot. Ele, porém, sorveu o conteúdo da taça de uma só vez.

— E da melhor qualidade — aprovou. — Aqui está a recompensa por ter nos servido bem.

Tirando do bolso uma moeda de alto valor, o Sr. Bagshot entregou-a ao garçom. Satisfeito, este indagou, solícito:

— Deseja mais alguma coisa, sir?— Por enquanto, não. Volte daqui a dez minutos. Talvez eu aprecie outra

garrafa de champanhe.— O senhor tem filhos? — Celina perguntou, assim que o garçom se foi.

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— Não. Eu queria ter uma grande família, mas os filhos não vieram. Para dizer com franqueza, acho que foi melhor assim. Seria muito triste se eles fossem alcoólatras como a mãe — disse o Sr. Bagshot, conformado.

— O senhor ainda é jovem e deve se casar novamente para ter um filho que o ajude nos negócios e herde a sua fortuna — Celina opinou.

— Admito que tenho pensado nisso com freqüência. Um homem não deve ficar sozinho. E, sem dúvida, eu gostaria muito de ter um herdeiro. Afinal, construí um império — vangloriou-se o Sr. Bagshot. — Se não me casei pela segunda vez, é porque ainda não encontrei uma mulher que me ame pelo que sou e não pela minha fortuna.

Notando que a taça de champanhe de Celina permanecia como o garçom a havia deixado, o Sr. Bagshot protestou:

— Oh, mas você nem tocou no champanhe que lhe ofereci. Por favor, beba um pouco para me fazer companhia.

Diante da insistência, Celina levou a taça aos lábios e tomou um pequeno gole do vinho. Em seguida perguntou:

— Por que o senhor trocou a América pela Europa? E qual o seu destino nesta viagem?

— A resposta é simples: dinheiro, dinheiro! — tornou o milionário, rindo. — Tenho negócios em vários países e, morando na Inglaterra, torna-se mais fácil entrar em contato com meus escritórios e agências. Como você, também estou indo para o Cairo.

— Imagino que o senhor seja um comerciante — Celina aventurou.— Num sentido amplo, sim. Trabalho com importação, exportação,

representações. Pesquiso o mercado e compro só artigos da melhor qualidade, pelo melhor preço e os que estão em maior demanda. Desse modo, tenho vendas certas e muito lucro. Como vê, é bem simples, não?

— Para mim parece complicado. — Celina sorriu.— O senhor, naturalmente, acha simples porque é muito inteligente e

tem talento para o comércio. Desejo que continue tendo sucesso e seja feliz.— Obrigado. E eu espero voltar para a América, onde todos me admiram

e me invejam.— Os americanos são os seus maiores clientes?— Sem dúvida. Na América, há muito dinheiro. — Para surpresa de

Celina, o Sr. Bagshot acrescentou com menosprezo: — Os ingleses não gostam de correr riscos e não sabem aproveitar as oportunidades! Os americanos, em sua maioria, são como eu, empreendedores, arrojados e vencedores. Há empresas americanas espalhadas pelo mundo todo.

— Lamento que os pobres ingleses o desagradem.— Por favor, lady Hartington, não foi o que eu disse — o Sr. Bagshot

protestou. — Você é inglesa e me agrada muitíssimo. Porém, não gosto, realmente, de vê-la perder seu tempo, sua beleza e juventude com lágrimas, e se aborrecendo com o que passou. Sorria, pense no futuro com otimismo e na felicidade que merece e que, certamente terá.

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— O que o faz dizer isso com tanta convicção?— Só de olhar para você sei que terminará nos braços de um homem

que ficará embevecido com sua beleza e colocará o mundo aos seus pés. Só não posso afirmar se o felizardo serei eu ou um inglês.

A resposta deixou Celina perturbada. Considerou o americano atrevido e atribuiu seu comportamento ao excesso de champanhe. A garrafa do seu lado estava quase vazia.

Levantando-se, disse com frieza:— Com licença. Devo ir para minha cabine. Além de terminar a carta,

quero descansar um pouco antes do jantar.O Sr. Bagshot levantou-se também. —s Espero que me dê a honra de

sentar-se à minha mesa, lady Hartington.— Obrigada, Sr. Bagshot, mas já sou convidada do capitão. Ele se

ofenderá caso eu deixe sua mesa para sentar-me com outro cavalheiro — Celina desculpou-se.

— Compreendo. Eu me ofenderia se estivesse no lugar dele. Bem, terei de contentar-me com a companhia de alguns amigos que viajam neste navio — o americano conformou-se.

— Obrigada pelo champanhe, pela conversa agradável...— E cedo para me agradecer, lady Hartington — o Sr. Bagshot

interrompeu Celina. — Ainda temos muito o que conversar. Voltaremos a nos ver. Você é a mulher mais linda que já conheci e, devo dizer, elas foram tantas que perdi a conta.

Ansiosa para afastar-se dali, Celina despediu-se e correu pelo convés, entrando na primeira porta que encontrou. Ia descendo para a cabine quando viu o marquês.

— Ah, eu ia procurá-la, lady Hartington. Devo desculpar-me pela demora — ele foi dizendo. — Alguns amigos quiseram admirar os cavalos que estou levando para o quediva Ismail e fomos até o porão. Fiquei tranqüilo ao ver que os animais estão bem comportados; Harris pode cuidar deles sozinho.

— Seus amigos devem ter achado os cavalos magníficos — Celina observou.

— Ficaram maravilhados. Ele também possuem animais fantásticos, mas admitiram que vou levando ao quediva dois puros-sangues admiráveis. E você, o que esteve fazendo?

— Fiquei mais de uma hora no convés conversando com um americano excêntrico, presunçoso e extremamente loquaz que embarcou em Marselha. Na verdade, ele falou quase o tempo todo e eu o ouvi. Na primeira oportunidade dei uma desculpa e afastei-me, deixando-o sozinho.

— Imagino que você não queira voltar ao convés para não correr o risco de encontrar esse cavalheiro. Podemos ir até a biblioteca onde ninguém nos perturbará. Escolheremos alguns livros para ler à noite e também conversaremos um pouco — sugeriu o marquês.

— Será um prazer ir à biblioteca — Celina concordou.

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— Eu tinha certeza de que você iria gostar da idéia. Vamos.Eles subiram a escada e estavam atravessando o salão quando o

marquês parou de repente e falou em voz baixa:— Convém deixarmos os livros para um outro dia. Ali está uma de

minhas amigas, tagarela incorrigível. Não quero que ela nos veja. Nos encontraremos ao jantar, como sempre, à mesa do capitão.

— Está bem. Espero que não tenha havido mudanças. Embarcaram tantas pessoas em Marselha e algumas delas, provavelmente, querem ser convidadas pelo capitão para sentar-se à sua mesa.

Ao dizer isso, Celina estava pensando no Sr. Bagshot em particular. Talvez o capitão quisesse colocá-lo no lugar dela, pois ele era importante e muito rico.

— Se houver mudanças, pedirei uma mesa para nós dois e os novos passageiros podem ter a honra e a glória de se sentarem com o capitão — o marquês tranqüilizou-a.

— O capitão fará questão da sua presença, esteja certo disso. Ele não há de querer perdê-lo.

— Da mesma forma que eu não quero perdê-la — salientou o marquês. — Temos muito o que conversar e inúmeras coisas para ver até o fim da viagem. Quero levá-la, a lugares memoráveis em Nápoles e Atenas.

O coração de Celina deu um salto de alegria ao ouvir tais palavras.— Quando embarquei eu estava deprimida e apreensiva, imaginando

que esta viagem seria tão triste e, graças a você, sinto-me feliz e estou achando tudo fascinante — ela declarou.

— E o que eu também estou sentindo. Faço votos para que nenhum dos novos passageiros nos aborreça e os antigos não nos prendam para conversar. Já ouvimos tudo o que eles tinham para dizer e daqui para frente eles se tornarão repetitivos.

— Saberemos evitá-los — observou Celina, sorridente. — Bem, se decidimos deixar os livros para outro dia, vou descer. Terei tempo de descansar um pouco, antes de me preparar para o jantar.

— Eu a acompanharei — disse o marquês gentilmente. — Também quero ir para a minha cabine que fica no mesmo setor do navio, a pouca distância da sua.

Já fazia algum tempo que Celina e o marquês estavam no convés conversando e admirando a lua que se refletia no Mediterrâneo.

Sem que Celina esperasse, o marquês, a certa altura, fitou-a de modo estranho antes de dizer:

— Se me permitir, quero fazer-lhe uma pergunta.— Pode perguntar — ela consentiu.— Você já esteve apaixonada?— Não. Nunca me apaixonei.

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— Não? Nunca amou alguém? Refiro-me ao amor entre um homem e uma mulher — o marquês insistiu. — Quero que seja sincera.

Esquecendo-se de que representava o papel de viúva, Celina respondeu com firmeza:

— Nunca amei homem nenhum. Pode acreditar em mim.— Devo acreditar. Vejo a sinceridade em seus olhos. Você me parece tão

inocente e dá a impressão de não ter sido sequer beijada. Acertei?Celina fez que sim com a cabeça. O marquês encarou-a, surpreso.— E extraordinário — murmurou como se falasse consigo mesmo.Só então Celina percebeu que cometera um grande erro. Como fora

idiota! Se fazia o papel de viúva, estava implícito que havia sido casada e, com certeza, teria amado o marido.

Mesmo que tivesse sido obrigada a se casar sem gostar do homem a quem fora prometida, ele teria gostado dela, caso contrário não lhe proporia casamento.

Estava aflita, pensando numa maneira de explicar-se, quando ouviu o marquês concluir:

— Era o que eu precisava saber.

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CAPÍTULO VI

Celina não conseguiu conciliar o sono, pensando na tolice que cometera, e tentando encontrar um meio de tornar as coisas melhores.

Analisava as idéias que lhe ocorriam e descartava-as por considerá-las inconsistentes.

Pela manhã, sentiu-se não apenas exausta, mas também agitada."Não adianta protelar. E melhor eu revelar ao marquês quem sou

realmente", decidiu.Porém, só de imaginar-se diante dele, admitindo sua mentira, sua farsa,

ficou amedrontada.Depois de tomar o café da manhã na cabine, vestiu-se e subiu para o

convés. O sol brilhava intensamente e parecia mais dourado na costa da Itália. No dia seguinte eles chegariam a Nápoles, a próxima escala.

Alegrou-se ao lembrar-se de que o marquês a levaria para um passeio pela cidade e lhe mostraria os lugares mais bonitos e interessantes, sobre os quais tanto haviam falado.

Olhando, ora para o horizonte ora para as ondas que se quebravam contra a proa, desejou que o marquês viesse reunir-se a ela para apreciarem ainda mais aquela manhã tão radiosa.

Mas o tempo passou e nem sinal dele. Angustiada, Celina refletiu que o marquês a estaria evitando depois da conversa que haviam tido na noite anterior.

"O que posso fazer, senão lhe contar a verdade a meu respeito?", questionou-se. "Como ele irá reagir ao saber quem sou?"

A hora do almoço foi para o salão de jantar e viu que já estava lotado. A mesa do capitão só havia duas cadeiras vagas: a sua e a do marquês. Ela sentou-se, como sempre, à esquerda do capitão e ele saudou-a com entusiasmo:

— Boa tarde, lady Hartington. Está um lindo dia.Mal ela respondeu ao cumprimento, um senhor idoso, apoiado numa

bengala e acompanhado de um criado de bordo, aproximou-se e sentou-se no lugar reservado ao marquês.

— O que aconteceu ao marquês de Merryfield? — Celina perguntou em voz baixa ao capitão.

— Sua Senhoria está almoçando com dois amigos na sala anexa à sua cabine — respondeu o capitão. — O cavalheiro que se juntou a nós é lorde Monkwood. Infelizmente, ele ficou doente desde que deixou a Inglaterra e tem estado preso ao leito. Hoje sentiu-se melhor e convidei-o para sentar-se à mesa conosco.

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Durante o almoço, o capitão falou quase que exclusivamente com lorde Monkwood, o que alegrou Celina. Estava ansiosa demais para conversar ou mostrar-se agradável.

Terminada a refeição, voltou ao convés esperando ver o marquês. Uma hora se passou e nem sinal dele.

Nessa noite, ele também não apareceu no salão para o jantar.Na manhã seguinte, bem cedo, Celina já estava no convés, cheia de

entusiasmo, para ver a entrada na linda baía de Nápoles, às margens da qual se estendia a cidade do mesmo nome.

Queria admirar o Vesúvio, em cujo sopé se encontravam as ruínas de Pompéia e Herculano. Se houvesse tempo, gostaria de visitar os locais de atração turística, como o Càstel Nuovo, construído em 1282, a igreja de Santa Chiara e o bairro de Santa Lúcia de onde se descortinava o magnífico panorama da cidade.

Sua empolgação só não era maior porque não tinha o marquês ao seu lado para contar-lhe tantas coisas interessantes sobre a Itália.

Nas aulas de história, ela havia aprendido que, no século VII, Nápoles tornou-se um ducado bizantino, quando alcançou prosperidade. Em 1140 passou a fazer parte do reino feudal de Rogério II da Sicília, cuja capital era Palermo.

Em 1860, Garibaldi entrou em Nápoles, e a família real fugiu. A partir dessa data, a cidade e o sul do país tornaram-se parte da Itália, tendo como rei Vitorio Emanuel.

Vendo os passageiros desembarcarem, alguns deles com a bagagem, indicando que haviam chegado ao seu destino, e outros saindo apenas para um passeio pela cidade, Celina pensou em ir também a terra.

Desistiu imediatamente da idéia, por não ter companhia."Seria maravilhoso se o marquês fosse comigo. Sem ele, o passeio não

terá graça", disse a si mesma, desalentada.A hora do almoço, encontrou o salão quase vazio. O capitão admirou-se

ao vê-la. Sentados à mesa só estavam ele e lorde Monkwood. O velho pareceu a Celina ainda mais fraco e mais pálido.

— Imaginei que tivesse ido à cidade, lady Hartington — disse o capitão, assim que Celina sentou-se no seu lugar de costume.

— Já li bastante sobre Nápoles e sei que há lugares muito interessantes para serem vistos, mas não me animei a sair sozinha — alegou Celina.

— Compreendo, lady Hartington, e acho que fez bem em não ir a terra sozinha. Há muitos mendigos em Nápoles e nas cidades italianas em geral; eles costumam importunar senhoras desacompanhadas — tornou o capitão, com simpatia.

— Pensei em tomar emprestado alguns livros da sua biblioteca. Será muito agradável ficar lendo no convés.

— Todos os livros estão ao seu dispor — ofereceu o capitão. — Asseguro-lhe que no convés ninguém a importunará.

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Assim que a refeição terminou, Celina foi à biblioteca. Escolheu um livro sobre a Itália, outro sobre o Egito, ambos bem ilustrados, e subiu para o convés.

Estava sentada à sombra, tão entretida com a leitura, que se surpreendeu ao ouvir alguém perguntar-lhe:

— Por que não foi à terra?Erguendo a cabeça, viu o Sr. Oswald Bagshot.— Eu não quis sair sozinha — Celina respondeu sucintamente.— Se você quiser, eu a levarei para um passeio. Podemos alugar uma

carruagem ou um barco. Aliás, há dois dias eu me ofereci para mostrar-lhe a cidade quando parássemos em Nápoles. Depois a vi com o marquês de Merryfield e não a procurei. Mas se ele foi tolo o bastante para deixá-la...

— Prefiro ficar aqui lendo meus livros. O sol está muito quente — Celina cortou.

— Deixe os livros por um instante para conversarmos. Você está linda e parece muito mais jovem sem aquele chapéu de viúva que insiste em usar.

— Obrigada pelo elogio.— Esta noite vou oferecer uma festa a meus amigos e faço questão da

sua presença — convidou o milionário. — Você é mais linda mulher a bordo e enfeitará o salão. Vamos nos divertir, lady Hartington.

— Lamento, mas devo recusar seu convite. Estou de luto e hão posso ir a festas. Segundo as convenções sociais, uma viúva deve guardar luto pelo marido durante nove meses, pelo menos.

Celina pensou na mãe e considerou que teria de usar roupas pretas por mais cinco ou seis meses.

— Oh, você ficou triste — lamentou o Sr. Bagshot.— Diga-me, lady Hartington, você sentiu muito a morte de seu marido?

Tem muita saudade dele?— E claro que sim — frisou Celina.— Pobrezinha. Não suporto vê-la tão infeliz. As mulheres devem ser

alegres.O Sr. Bagshot inclinou-se para Celina e ela sentiu um cheiro forte de

álcool. Sem dúvida, ele bebera em excesso. Ela tentava encontrar uma desculpa para afastar-se do milionário quando, para seu alívio, dois cavalheiros apareceram no convés.

— Estávamos à sua procura, Oswald — disse um deles. — Você prometeu nos fazer companhia. Vamos, amigo, o champanhe espera por nós.

— Eu tinha me esquecido disso. — Embora hesitante, o Sr. Bagshot ficou de pé.

Voltando-se para Celina, convidou-a:— Venha conosco, lady Hartington. O vinho valerá o esforço.— Não, obrigada. Estou bem aqui com meus livros

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— volveu Celina, refletindo que jamais cometeria a imprudência de acompanhar aqueles bêbados.

— Eu a verei mais tarde — gritou o americano, indo depressa atrás dos amigos.

Respirando aliviada, Celina voltou à leitura. Porém não conseguiu concentrar-se. O marquês não lhe saía da mente.

Reconheceu, desapontada, que ele a estava evitando."Eu não devia ter conversado sobre assuntos íntimos com um homem

que conheci há tão pouco tempo", censurou-se. "Tendo pouca experiência de vida e nada sabendo sobre os homens, eu só poderia cometer erros e comportar-me como uma idiota."

Por um momento, considerou que não tivera vida social porque os pais viviam praticamente escondidos. Quase não recebiam visitantes e aqueles que apareciam no sobrado não eram o que a mãe chamava de "ladies e gentlemen".

Entretanto, nenhum outro casal poderia ser tão feliz quanto Carol e John. Quando estavam juntos o amor que nutriam um pelo outro transparecia em seu olhar e em cada gesto.

Carol jamais se arrependera de ter deixado para trás uma vida de luxo e conforto para viver modestamente com o homem que amava.

"Meus pais se amaram verdadeiramente. Talvez eu nunca venha a conhecer um amor puro e perfeito como o deles", Celina pensou, tendo na mente a imagem do marquês.

Além de forte, bonito e amável, ele era tão compreensivo e sensível."Sinto prazer em estar perto dele, em conversar com ele", Celina

continuou a refletir, tendo o olhar perdido na distância.Imaginou-o na cidade com os amigos e desejou que ele pensasse nela

pelo menos um pouco. No mesmo instante, convenceu-se de que, se ele a evitara no dia anterior, era porque a considerava uma mulher cansativa e dissimulada que havia mentido para parecer importante.

"Por que me comportei como uma imbecil?", questionou-se mais uma vez.

Não lhe veio resposta nenhuma. A tarde, luminosa e serena, parecia arrastar-se.

Aborrecida e cansada de ficar no navio, Celina arrependeu-se de não ter ido a terra.

"Fui mesmo tola em não desembarcar", pensou. "Não haveria mal algum em fazer um passeio pela cidade. Vestida de viúva como estou, ninguém me molestaria. Todos querem distância de pessoas de luto por julgá-las tristes e mórbidas. As pessoas gostam de alegria e de conversas agradáveis que as distraiam ou as façam rir."

Por fim, os passageiros que haviam ido à cidade voltaram ao navio. Quase todos traziam embrulhos, os quais, Celina deduziu, seriam lembranças de Nápoles ou presentes para amigos e familiares.

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Esse pensamento a fez lembrar-se de que não tinha a quem presentear. Estava só.

"Oh, mamãe, por que você partiu, deixando-me tão sozinha?", Celina suspirou, olhando para o céu. "Esta viagem seria muito mais interessante se você estivesse comigo."

De repente, ela arrependeu-se de tudo o que havia feito. Não devia ter alterado o passaporte, nem se fingir de viúva, tampouco ter-se aventurado a fazer uma viagem tão longa sem estar devidamente acompanhada de uma respeitável chaperon.

Ao tomar a decisão de viajar sozinha julgara-se corajosa e arrojada, mas reconhecia, tarde demais, que fora imprudente e, mesmo, insensata. Nada mais justo do que estar agora pagando por seu erro.

O sol declinava no poente tingindo o céu de lindos tons púrpura e a temperatura estava muito agradável.

Celina levantou-se, pensando em ficar na amurada admirando aquele cenário feito de magia.

Ao mesmo tempo, veria os últimos passageiros embarcando; o marquês certamente estaria entre eles.

O som alto de vozes e risadas fez com que mudasse de idéia. Vários homens apareceram no convés, vindos do salão. Eram Oswald Bagshot e seus amigos, todos bêbados, evidentemente.

Não querendo ser importunada pelo milionário, pegou os livros e afastou-se dali sem ser vista. Passou pela biblioteca para deixar um dos volumes que já havia lido e desceu para a cabine.

Sentiu o coração dar um salto quando viu o marquês no fim do corredor. Apesar da distância e da pouca claridade, pôde distinguir os ombros largos e seu perfil quando ele inclinou-se para abrir a porta de sua cabine.

"Será que ele pensou em mim durante o dia?", perguntou a si mesma.Pressentiu, desanimada, que a resposta seria "não". Ah, se pudesse falar

com o marquês! Quem sabe encontraria um pretexto para ir procurá-lo.Mas que desculpa teria para ir até sua cabine?Afastou a idéia imediatamente, envergonhada por ter pensado em valer-

se de subterfúgios para aproximar-se de um homem que a evitava."Ele foi sempre tão amável e encantador. O marquês é diferente de

qualquer outro homem que já conheci", pensou, sentando-se diante do espelho da penteadeira.

Enquanto tirava os grampos dos cabelos, tentou lembrar-se dos clientes do Sr. Watson que apareciam no sobrado para falar com John Hart, dos cavalheiros que visitavam a Casa Grande, dos rapazes que conhecia em Plymouth e daqueles com quem havia dançado nas poucas festas às quais comparecera.

Nenhum deles se comparava ao marquês."Talvez ele me procure quando o navio deixar o porto" Celina pensou,

tentando consolar-se.

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A noite, o marquês também jantou com amigos em sua cabine. A conversa à mesa do capitão, foi extremamente monótona.

— Estamos com algumas horas de atraso — queixou-se o capitão. As escalas daqui em diante terão de ser mais rápidas se quisermos chegar ao Cairo no dia e na hora previstos. Já fui informado que terei de voltar em seguida para a Inglaterra. Há carga esperando por nós e praticamente todas as cabines já estão reservadas.

— Imagino que essas viagens tão longas sejam cansativas demais para o senhor — comentou Celina suavemente.

— Sem dúvida, lady Hartington. Hoje em dia, tudo deve ser feito apressadamente e isso costuma causar transtornos. Em cada porto onde fazemos escalas precisamos de tempo. Há sempre muita carga para ser trazida a bordo, inclusive animais; temos de nos abastecer de combustível, comprar alimentos frescos e mil e uma outras coisas.

— A pressa é inimiga da perfeição — Celina citou o ditado. — Quanto aos animais, deve ser difícil cuidar deles a bordo.

— E uma grande responsabilidade, principalmente quando viajam sem os donos e são entregues aos nossos cuidados. Na viagem anterior, tivemos seis cavalos e inúmeros cães a bordo. Metade dos meus marinheiros teve de dar atenção aos animais em prejuízo dos passageiros e de suas outras tarefas no navio — mencionou o capitão com exagero, provocando o riso de Celina.

Notando que lorde Monkwood, parecia distante e apático, o capitão passou a falar com ele, tentando reanimá-lo.

Sem ter com quem conversar, Celina ficou observando os passageiros sentados às outras mesas. Os franceses que haviam embarcado em Marselha eram os mais animados e ruidosos.

Sem dúvida, eram também os que mais se divertiam. Na noite anterior, eles haviam organizado um baile que se prolongara até quase o amanhecer.

De certa forma, Celina invejou aquela alegria. Já ouvira dizer que os franceses eram famosos por ter "joie de vivre".

Veio-lhe à mente o que a camareira lhe dissera pela manhã sobre os ruidosos franceses:

— Um grupo de passageiros que embarcou em Marselha fez tanta desordem ontem à noite, durante o baile, que a orquestra ameaçou parar caso eles não se comportassem.

Celina não quis fazer comentários; refletiu apenas que era a bebida em excesso a responsável pela desordem dos passageiros.

A camareira acrescentara:— O capitão irá repreendê-los pessoalmente, caso eles não se

comportem bem esta noite.Embora gostasse muito de dançar, Celina deu graças a Deus por não ter

sequer aparecido no salão. O que menos desejava naquela viagem era ser importunada por bêbados. Já bastava ter de suportar a presença do Sr. Bagshot.

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O jantar terminou e o capitão deu boa noite aos seus convidados, indo em seguida para a ponte de comando.

O navio já se afastara do porto e começava a navegar com maior velocidade.

Celina foi para o convés. Encostada no gradil da amurada, contemplou o céu estrelado e a lua em toda a sua majestade. A cena a deixou deslumbrada; voltou o olhar para a imensidão do oceano em cujas águas a lua e as estrelas se espelhavam.

Fascinada com tanta beleza, ficou ali, absorta, ouvindo o barulho das ondas como se fosse música suave. Lembrou-se dos pais e, certos de que eles estariam juntos,-no céu, desejou que um dia ela também fosse feliz como ambos haviam sido.

"Que sorte eles tiveram de se encontrarem!", Celina pensou.Ela ouvira tanta vezes a história da fuga dos pais e não se cansava de

admirar a coragem da mãe.— Quando estamos apaixonadas, minha filha, é impossível pensarmos

em outra coisa a não ser no homem que amamos e na maravilha que é estar em seus braços — a mãe costumava dizer. — Oh, minha querida, espero que um dia você encontre alguém que a ame como seu pai e eu nos amamos. Eu sempre me pergunto como seria minha vida se eu tivesse me tornado uma duquesa em vez de ter fugido com John.

— A senhora nunca se arrependeu de não estar presente à abertura do Parlamento, usando a lindas jóias e" tendo na cabeça a tiara de diamantes? — Celina perguntara à mãe.

A Sra. Hart dera uma risada e beijara a filha amorosamente, antes de responder:

— Oh, querida, essas coisas materiais não têm importância. O que realmente importa é saber que em nosso lar há felicidade. E viver um amor que se torna mais intenso com o passar dos anos.

Celina suspirou e afastou suas lembranças. Estava ficando tarde e ela achou melhor ir para a cabine.

Do salão, vinha o som de vozes e risadas. Olhando para o céu, fez uma prece pedindo aos pais que olhassem por ela, pois sentia-se imensamente só.

Vendo que um grupo de rapazes caminhava pelo convés na direção da proa, onde ela se achava, afastou-se depressa da amurada, correu para uma porta lateral e desceu para sua cabine.

Abriu a porta e sufocou um grito de horror.Sentado na cama, recostado nos travesseiros, estava o Sr. Bagshot

levando uma garrafa de champanhe aos lábios.

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CAPÍTULO VII

Por um momento, Celina ficou imóvel, emudecida, os olhos arregalados fixos no Sr. Bagshot.

Fechou a porta em seguida, sem fazer barulho, e pensou, desesperada, no que poderia fazer. Se chamasse um camareiro, este iria supor que ela havia tratado o Sr. Bagshot com excessiva familiaridade, o que o encorajara a procurá-la em sua cabine.

Lembrou-se do marquês, em quem confiava, e correu até o fim do corredor. Um garçom acabara de sair da , cabine carregando uma bandeja e deixara a porta fechada só com o trinco. .

Em vez de bater, Celina girou a maçaneta e entrou na luxuosa sala de estar. O marquês estava sem paletó, sentado à escrivaninha.

Embora Celina não tivesse feito barulho ou pronunciado alguma palavra, o marquês percebeu sua presença e virou-se.

Ofegante e amedrontada, Celina balbuciou:— Por favor, ajude-me. Há um homem... em minha cabine...O marquês pôs-se de pé, imediatamente.— Um homem em sua cabine! — repetiu, surpreso.— Sim, o Sr. Bagshot, não sei o que... fazer.— Fique aqui até eu voltar, não saia por nada — ele ordenou. — Sei lidar

com esse tipo de homem.Deixando a sala, ele fechou a porta. Celina ouviu seu passos firmes

ressoando no corredor. Trêmula, mal se sustendo de pé, deixou-se cair no sofá e escondeu o rosto entre as mãos.

Nunca lhe passara pela cabeça, ao decidir viajar sozinha, que correria esse tipo de perigo.

"O Sr. Bagshot, apesar de extravagante, pareceu-me correto. Quando eu iria pensar que ele se comportaria de maneira tão indigna?"

Mais tranqüila, tendo se refeito do choque, agradeceu a Deus por poder contar com o marquês.

"Eu nunca deveria ter saído de casa sozinha, fingindo ser uma viúva", admitiu.

Tentou justificar-se dizendo a si mesma que sempre vivera na fazenda, protegida pelos pais, e nem sonhara que um homem da sociedade fosse capaz de entrar no quarto de uma lady, esperando ser bem recebido.

"O Sr. Bagshot pode ter seus milhões, conhecer o mundo todo, mas não tem classe, não passa de um ordinário. Essa é a verdade", Celina sentenciou.

Inquieta, levantou-se e foi até uma das vigias. Olhou para o céu estrelado, para a imensidão do mar e ficou orando em silêncio para que o

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marquês não tivesse problemas com o Sr. Bagshot, que, certamente, estaria bêbado.

Vários minutos se passaram. Estava ainda de pé, junto da vigia quando ouviu a porta da sala abrir-se. Com medo de virar-se, aguardou. Só quando a porta se fechou e ela soube intuitivamente que o marquês havia voltado, encarou-o.

— Está tudo bem — ele tranqüilizou-a. — Mandei o Sr. Bagshot de volta para sua cabine. Ele não a aborrecerá mais.

Era o que Celina desejava ouvir. Deu um grito de alegria e correu para o marquês. Queria agradecer-lhe, dizer-lhe que o considerava um perfeito cavalheiro.

Não teve tempo de falar e, por um momento, nem mesmo soube o que estava acontecendo.

Viu-se nos braços do marquês e sentiu os lábios dele nos seus. Invadiu-a uma sensação indescritível; era como se estivesse flutuando e fosse subindo até chegar ao céu e tocar as estrelas.

Era uma coisa maravilhosa, algo com que sonhara e nunca imaginara experimentar.

Os lábios do marquês tornaram-se mais prementes, mais possessivos, fazendo com que Celina julgasse que deixara de existir. Já não era mais ela mesma e sim parte do marquês.

Era tão grande o seu arrebatamento que lhe pareceu impossível não morrer ante a sua grandeza.

Quando o marquês ergueu a cabeça, Celina emitiu um murmúrio de felicidade e encostou o rosto no peito viril.

— Agora você foi beijada — disse ele brandamente. — Sendo este o seu primeiro beijo, quero saber o que sentiu quando nossos lábios se encontraram.

Celina não contava com a pergunta e baixou os olhos, presa de súbita timidez. Então, com voz quase inaudível, respondeu:

— Foi uma emoção... maravilhosa... absolutamente maravilhosa.Para seu espanto, o marquês ergueu-a e carregou-a como se fosse uma

criança, colocando-a sentada no sofá. Manteve um dos braços ao redor de sua cintura e fez com que ela repousasse a cabeça no ombro dele.

— Da mesma forma que você, fui dominado por uma emoção maravilhosa, nunca experimentada antes — o marquês declarou. — Como já sei o que você sentiu ao ser beijada pela primeira vez, quero saber o que sente por mim.

— Eu... o amo, Andrew. Creio que o amei desde que o conheci. Eu só não sabia que... o amor era assim.

— Era o que eu esperava e queria ouvir. — O marquês sorriu. — Agora, minha querida, você deve me contar toda a verdade.

— Que verdade? — a pergunta foi feita timidamente.— A verdade sobre você. Por que mentiu? Quem você é realmente? Por

que se faz passar por viúva se nunca foi beijada, muito menos casada?

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— Eu fui uma tola... Reconheço que não devia ter revelado que nunca amei ninguém e que... nunca tinha sido beijada.

— Mas era verdade.— Era, claro. Naquele momento eu me esqueci de que me fazia passar

por mamãe...— Lady Hartington seria o nome de sua mãe? — A expressão do

marquês era de dúvida. — Devo dizer que fiquei intrigado e muito curioso a seu respeito. Por isso, quando paramos em Nápoles, fui à biblioteca da embaixada, consultei os registros e não encontrei nenhuma lady Celina Hartington.

Celina empertigou-se. Suspirou e perguntou, olhando para o marquês:— Quer ouvir toda a história?— Sim, mas antes preciso saber se é mesmo verdade o que me disse há

pouco. O que sente por mim?— Fui sincera ao dizer que te amo. Estou certa dos meus sentimentos —

Celina enfatizou. — Só o amor pode ser tão maravilhoso, nos deixar tão felizes, fazer vibrar e nos transportar para uma outra dimensão.

— Minha querida, eu também a amo. Nada irá mudar o meu amor por você — asseverou o marquês. — Agora conte-me a sua história. Sou todo ouvidos.

— Depois que eu revelar quem sou, talvez você não queira me ver novamente — Celina preveniu-o.

— Isso não acontecerá. Conte-me o que a levou a agir como agiu; então, terei muitas coisas para lhe dizer. ,

Celina inspirou fundo, precisando criar coragem. Tinha medo de que a imensa felicidade que se havia apoderado dela, e aquela sensação de estar vivendo um sonho, desaparecessem assim que o marquês soubesse a verdade a seu respeito.

Percebendo que ela hesitava, o marquês reiterou:— Eu já lhe disse que a amo e nada do que você possa me revelar fará

com que eu deixe de amá-la.— Está certo disso?— Inteiramente certo.— Muito bem. — Celina fechou os olhos e suspirou mais uma vez. — Há

alguns meses meu pai viajou para o Egito para levar quatro cavalos de raça ao que-diva Ismail e contraiu uma doença que o matou em poucos dias. Mamãe mergulhou num estado de profunda depressão e, para animá-la, sugeri uma viagem ao Cairo para visitarmos a sepultura de papai. Ela concordou comigo e começamos a nos preparar para a viagem...

Emocionada, e com os olhos rasos d'água, Celina interrompeu a narrativa.

— Minha querida — o marquês abraçou-a —, eu não quero vê-la infeliz, mas você se sentirá melhor depois que me contar o seu segredo.

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— Estava tudo pronto e íamos partir dentro de poucos dias quando mamãe... morreu — Celina prosseguiu. — Eu não tinha para onde ir e... decidi embarcar... para o Cairo.

Celina fez nova pausa porque grossas lágrimas lhe rolavam pelas faces. Tirando um lenço do bolso da calça, o marquês enxugou-as delicadamente e falou, cheio de compreensão:

— Não tenha pressa, querida. Se as lembranças a fazem sofrer, mais tarde voltaremos a esse assunto.

— Já estou melhor. Posso continuar. — Celina recostou a cabeça no ombro do marquês. — Eu queria muito conhecer os países do Mediterrâneo sobre os quais havia lido, mas reconheci que não poderia viajar sem uma chaperon. A idéia que me ocorreu foi fazer-me passar por uma lady, viúva. Alterei o passaporte de minha mãe e tornei-me "lady Hartington".

— Um sobrenome fictício, certamente, pois não encontrei, nem mesmo na edição mais recente do Registro de Debrett, nenhuma lady Celina Hartington — repetiu o marquês, confuso.

— Eu o inventei. Peguei o passaporte de mamãe e percebi que podia alterá-lo. Apaguei o "Sra." e no mesmo lugar escrevi Lady"; depois acrescentei "ington" ao sobrenome "Hart".

— O sobrenome de sua mãe era "Hart"?— Esse era o seu sobrenome de casada. Em solteira era lady Carolina

Hurstwood.Muito surpreso com a revelação, o marquês perguntou:— Sua mãe era filha do conde de Hurstwood?— Sim, era.— Se o conde só tinha uma filha, sua mãe é lady Carol, a linda noiva que

deixou o noivo à sua espera no altar — o marquês inferiu.Celina não conteve um pequeno grito.— Oh, você ouviu falar sobre essa história? Já faz tanto tempo! Mamãe e

papai viveram sempre no campo, longe do convívio social. Não queriam ser descobertos e acharam que se eles desaparecessem, todos esqueceriam o incidente que escandalizara a sociedade.

— Na ocasião, eu era um garoto, mas lembro-me de que a história da noiva que abandonou o noivo para fugir com outro abalou a sociedade e foi motivo de comentários durante alguns anos. As duas famílias, tanto a do conde de Hurstwood como a do duque de Denholme não perdoaram lady Carol — observou o marquês.

— Como você sabe disso? — Celina indagou, admirada.— Você pode não acreditar e, de fato é incrível, mas nós dois somos

parentes, Celina — revelou o marquês com um sorriso.— Parentes?! Como é possível? — Celina não escondeu seu espanto.— Você e eu somos primos distantes porque a minha mãe e a sua eram

primas em segundo ou terceiro grau — o marquês esclareceu. — Cresci ouvindo, não só a minha família, mas todos os que foram assistir ao casamento

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de lady Carol com o duque de Denholme, comentar sobre a comoção causada em Hurstwood Park naquele dia em que a noiva não apareceu e o casamento teve de ser cancelado.

Erguendo a cabeça, Celina perguntou:— Você também ficou chocado... com o que aconteceu?— Na época, eu era pequeno e uma criança não tem idéia do que seja

um escândalo como aquele. Mais tarde, sempre que alguém mencionava o nome de lady Carol e relembrava o que ela havia feito, passei a ter certa admiração pela prima distante que fora tão corajosa. Afinal, Carol deixara para trás uma vida de luxos, abrira mão do título de duquesa, para viver com um homem simples, mas a quem amava!

— A família de mamãe, certamente, nunca a perdoou. Porém, ela jamais se arrependeu de ter fugido de casa. Meus pais viveram muito felizes.

— Imagino que sim. Portanto, querida Celina, quando você conhecer minha família, terá de reparar, de alguma forma, a falta cometida por sua mãe.

Ficando ereta no sofá, Celina perguntou, confusa:— Conhecer sua família? Reparar as faltas cometidas por minha mãe?— Você declarou que me ama e sabe que também a amo. Quero que

você conheça minha família quando voltarmos à Inglaterra — foi a tranqüila resposta.

Celina não pôde afastar os olhos dos do marquês ou dizer alguma coisa. Ele também a fitou e ficaram ambos perdidos na contemplação um do outro.

Subitamente, como se não pudesse controlar-se, ele a envolveu com seus braços e pousou os lábios nos dela.

Beijou-a suavemente em princípio, depois, de maneira dominadora e apaixonada, mantendo-a cativa e fazendo com que ela tivesse de novo a sensação de estar flutuando e, em seguida, ir subindo até alcançar o paraíso.

Momentos depois, o marquês ergueu a cabeça e declarou:— Nós nos amamos, Celina, e quero que seja minha esposa. Vamos nos

casar em Atenas, nossa próxima escala. Se você aceitar o meu pedido, serei o homem mais feliz do mundo.

— Casar?! Em Atenas? — Celina repetiu, atônita. — Por que tanta pressa? Chegaremos a Atenas amanhã.

— Não estou disposto a ver milionários bêbados insultando-a. Como seu marido, poderei protegê-la. Ouça meu plano: Harris, meu cavalariço, continuará a viagem e entregará os cavalos ao quediva Ismail. Desembarcaremos em Atenas, onde nos casaremos. Haverá lugar mais apropriado do que a Grécia para iniciarmos nossa vida juntos?

— Sim, é o lugar ideal. Mas... o que dirão seus parentes quando souberem quem sou? — Celina indagou, insegura.

— Toda a minha família a receberá de braços abertos. Você nem imagina como alegrará a todos a notícia de que, ;afinal, decidi me casar.

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— Sim, mas seus parentes nunca imaginaram que você iria escolher para esposa a filha de lady Carol e John Hart — ponderou Celina.

— O que sua mãe fez, realmente, deixou a família, no mínimo, constrangida e foi assunto para comentários durante anos. Sei que, no fundo, os parentes admitiram que o duque de Denholme era um homem maçante, sem iniciativa e nada tinha que o recomendasse, a não ser o título de nobreza. Eles também compreenderam o gesto de lady Carol; era natural que ela se rebelasse contra o pai autoritário — observou o marquês. — Enfim, tudo isso pertence ao passado.

— Sempre tive medo de que, se um dia conhecesse vovô ou outros parentes, eles me odiariam.

— Odiá-la? Nunca! — o marquês protestou. — Como poderiam querer mal a alguém tão adorável? Aposto tudo o que possuo, sem receio de perder, que minha família exultará ao saber que encontrei uma esposa linda, e de conduta irrepreensível. Por mais que tentem, eles não encontrarão em você motivos para críticas.

— Mesmo que não me odeiem, será que não se... envergonharão de mim? — Celina insistiu.

— Posso afirmar que toda a família ficará empolgada quando conhecer a filha de lady Carol e John Hart. Eles sempre quiseram saber o que acontecera ao casal de fugitivos. Ao ouvir você contar que seus pais foram imensamente felizes, saciarão sua curiosidade. E, o mais importante, compreenderão que lady Carol estava certa em seguir a voz do coração.

— Meus pais viveram uma história de amor — Celina falou suavemente.— E você é o fruto desse amor. Quando minha família conhecê-la

aprovará imediatamente a minha escolha. Mamãe, vovó e minhas tias têm insistido para eu arranjar uma esposa. Elas vivem dizendo que preciso pensar em ter um herdeiro e ficam zangadas porque até o momento tenho fugido de toda mulher que elas consideram perfeita para ser minha esposa.

— E você me considera perfeita? Por quê?— Pela simples razão que nos amamos verdadeiramente. Sei que você

não está interessada no meu importante título de nobreza, nem em minha fortuna.

— É verdade. Eu me casaria com você, ainda que fosse um simples "Sr. John", como papai — Celina reiterou.

— Era o que eu sentia intuitivamente. Compreenda, porém, minha querida, que tendo sido perseguido por tantas mulheres durante anos, eu a evitei quando descobri que você não era viúva como dizia ser. Foi um tormento além das palavras constatar que você era uma impostora! Tive medo de que a sua farsa não passasse de um ardil para forçar-me a desposá-la.

— Como pôde pensar uma coisa dessas a meu respeito? — Celina indignou-se.

— Sofri tantas desilusões que me tornei cético a respeito do amor e aprendi a não confiar nas mulheres. Quando a conheci achei que, pela primeira vez, eu me apaixonara. Mas meu cérebro dizia que estava enganado. Então, descobri que você representava uma farsa e decidi não mais vê-la — o

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marquês falou com sinceridade. — Agora posso dizer que foi uma agonia não ir ao nosso lugar especial no convés onde eu sabia que você estaria à minha espera. Também desejei desesperadamente levá-la a terra, em Nápoles, para mostrar-lhe tantos pontos turísticos lindos, os quais, eu sabia, você queria muito conhecer.

— Nem imagina como fiquei ansiosa, esperando que você me convidasse para um passeio por Nápoles. Acabei não desembarcando, com medo de andar sozinha pela cidade.

— Nunca mais a deixarei sozinha. Estarei sempre do seu lado para amá-la e protegê-la. Prometo levá-la a Nápoles e a muito outros lugares em nossa lua-de-mel — asseverou o marquês. — Amanhã, nos casaremos em Atenas. Deixe tudo por minha conta. Conheço um sacerdote inglês que celebrará a cerimônia. Sua igreja fica na periferia da cidade.

— Mal posso acreditar que tudo isto seja verdade e não um sonho.— Pois acredite. Amanhã estaremos realmente casados. Será um dia

inesquecível — declarou o marquês, amorosamente.O sorriso que Celina lhe dirigiu foi o mais radiante que ele vira em sua

vida. Não se contendo, tomou-lhe os lábios. Beijou-a ávida e possessivamente até que ambos ficaram ofegantes. Por fim, disse:

— Minha família ficará radiante ao saber que me casei. Todos ficarão tão encantados quando conhecerem a filha de lady Carol, que a perdoarão por ter causado um escândalo com o seu desaparecimento.

O marquês riu, ao imaginar como seria divertido ver a grande a surpresa dos parentes ao se depararem com Celina Hart.

— Meu avô ainda está vivo? — Celina quis saber.— Não, o conde morreu há mais de dez anos. Estando seu avô morto, a

única pessoa que talvez não goste de conhecê-la será o duque de Denholme. Afinal, ele foi motivo de zombaria. Acredito que, pela primeira vez na vida, Sua Alteza se convenceu de que seu título não era tão irresistível como supunha.

— O que você sabe sobre o duque?— Ele mudou-se para o Norte pouco tempo depois de ter sido

abandonado por lady Carol. Casou-se e tem cinco filhos — informou o marquês. — Mas não se preocupe nem tenha receio de encontrá-lo um dia, meu amor. Sua Alteza raramente aparece em Londres.

— Estando com você não terei receio de nada. Você é maravilhoso e eu o amo como mamãe amou papai. Nada mais importa, a não ser você e nosso amor. Sou a pessoa mais feliz do mundo por tê-lo encontrado — Celina murmurou.

— Também estou muito feliz. Mas há coisas importantes para fazermos amanhã quando chegarmos a Atenas. — O marquês beijou a testa de Celina. — Minha vontade é continuar beijando-a e não deixá-la afastar-se de mim; porém, devo mandá-la para sua cabine. Ambos precisamos de uma boa noite de sono. Amanhã, bem cedo, ordenarei a uma das camareiras que a ajude a arrumar a bagagem. Desembarcaremos assim que o navio aportar em Atenas. E o nosso sonho de amor se tornará realidade.

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— Um sonho de amor... como o que meus pais viveram.— Seremos tão felizes como eles foram — assegurou o marquês.— Devo lembrá-lo de que fui criada numa fazenda e nada sei sobre o

mundo em que você vive — assinalou Celina. — Aprendi muita coisa com mamãe, claro; tive aulas particulares com duas professoras excelentes e sempre gostei de ler. Mas até fazer esta viagem eu só conhecia as vilas e cidades próximas à fazenda onde morávamos, na Cornualha.

— Não se preocupe, você é uma perfeita lady. E se quiser aprender mais alguma coisa, terei prazer de ensiná-la.

Celina ficou pensativa por um instante, depois perguntou:— Você se zangará se os jornais nos importunarem por eu ser filha de

lady Carolina Hurstwood e John Hart?— Quando nos casarmos, você será a marquesa de Merryfield, e a

imprensa, bem como a sociedade, exaltarão a sua beleza — afirmou o marquês. — Suponho, minha querida, que tendo morado no campo, tão isolada, você não recebeu elogios de admiradores. Pois saiba que é a mulher mais linda que já conheci! E ficará mais bela usando as jóias de família. Receio ter, no futuro, muito trabalho para manter a distância todos aqueles que se mostrarem dispostos a persegui-la ou insistir em flertar com você.

— Só quero ficar do seu lado — Celina falou, chegando mais perto do marquês.

Ele inclinou-se e beijou-a mais uma vez. Celina sentiu-se transportada às alturas, tendo deixado para trás as apreensões e os problemas. Estavam num paraíso que era somente deles.

Na manhã seguinte, o marquês e Celina desembarcaram com toda a bagagem e alojaram-se na mais luxuosa suíte do melhor hotel de Atenas.

Em seguida, foram de carruagem para um dos bairros distantes do centro onde ficava a igreja cujo vigário, já idoso e de cabelos brancos, era amigo do marquês.

— Não tenho palavras capazes de expressar como estou alegre em revê-lo, caro Merryfield — o padre saudou-o com entusiasmo. — Por que não me avisou que viria a Atenas?

— Deixei a Inglaterra para ir ao Cairo e não esperava parar em Atenas. Só ontem, a bordo do navio, decidi interromper a viagem para passar alguns dias na Grécia. Estou aqui por um motivo muito importante.

— De que se trata? — perguntou o padre. Observando o religioso, Celina notou pelo seu modo de falar e pela expressão em seus olhos, que ele era profundamente piedoso e devotara toda a sua vida ao serviço e culto de Deus.

— Esta é lady Celina, padre Francis. Nós nos amamos e queremos que o senhor nos case em sua igreja, ainda esta tarde, se possível — expôs o marquês.

— Será uma honra celebrar o casamento de ambos — o padre assentiu.— Neste caso, dê-nos a sua bênção antes de voltarmos ao hotel, no

centro da cidade. Lady Celina está de luto, mas providenciarei um vestido de

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noiva para ela usar neste dia, o mais importante de nossa vida, em que o senhor nos unirá em matrimônio por toda a eternidade.

Assim dizendo, o marquês ajoelhou-se com Celina e o padre abençoou-os.

De volta ao hotel, Celina observou:— Por sorte, eu trouxe comigo um vestido branco. Posso usá-lo na hora

do casamento, mas preciso de um véu. Não me sentirei verdadeiramente uma noiva sem ele.

— E claro que você deve ter um véu e uma grinalda. Ambos representam a pureza da noiva. Sei que você é pura, inocente, pois nem sequer havia sido beijada. É raro encontrar uma jovem como você hoje em dia. Quanto ao que usar, não se preocupe. Irei à melhor loja de Atenas e escolherei um traje de noiva completo. Só precisarei de suas medidas.

— Oh, Andrew, estou tão feliz! — Celina falou num murmúrio.De volta ao hotel, o marquês deixou Celina preparando-se para o

casamento e foi em seguida a uma loja que já conhecia, especializada em trajes de festas, inclusive de noivas.

Voltou quase uma hora depois acompanhado de dois funcionários do hotel carregados de buquês de flores brancas e algumas caixas.

Nas caixas, estavam o vestido de noiva, confeccionado em cetim e renda, o véu, também de renda, a grinalda de delicadas flores de laranjeiras, e o lindo buquê de lírios brancos.

Duas camareiras subiram para enfeitar o quarto e a sala de estar da suíte com as flores e uma terceira apressou-se em ajudar Celina a vestir-se.

Por fim, os noivos seguiram para a igreja que ficava em meio a um arvoredo. O caminho foi feito em silêncio. Quando eles chegaram, o marquês levou a mão de Celina aos lábios.

— Amo você — declarou em tom solene.Em seguida, ajudou a noiva a descer da carruagem e ambos entraram na

igreja. O órgão tocava suavemente.Celina ficou maravilhada ao ver que havia flores por toda a parte e uma

grande quantidade de velas acesas sobre os altares. Sentiu-se como se estivesse entrando no paraíso.

Na frente do altar-mor, estava padre Francis usando paramentos brancos, e tendo do seu lado, de joelhos, dois acólitos.

Teve início a cerimônia singela e comovente que tocou os noivos profundamente.

Quando eles se ajoelharam e receberam a bênção, sentiram que seus pais também os abençoavam.

O registro de casamento foi assinado na sacristia. Então o marquês agradeceu ao padre Francis e prometeu-lhe que viriam fazer-lhe uma visita antes de deixarem a Grécia.

— Passaremos nossa lua-de-mel visitando os templos dos deuses e deusas — acrescentou o marquês.

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— Deus os acompanhe — desejou padre Francis. — O amor de vocês vem do céu e os fará muito felizes.

O sol já desaparecera no ocaso e as primeira estrelas, ainda tímidas, despontavam no céu quando Celina e Andrew acomodaram-se na carruagem, de volta ao hotel.

— A cerimônia foi muito tocante — Celina comentou, segurando na mão de Andrew. -— Tenho certeza de que recebemos a bênção do céu.

— Sem dúvida. Sinto-me o homem mais feliz da face da terra porque você agora é minha. Você é a mulher que eu buscava e começava a pensar que não iria encontrar, simplesmente porque não seria possível existir uma pessoa tão perfeita — tornou Andrew, pousando em Celina os olhos verdes, cheios de amor.

— Eu o farei feliz. Foi o que pedi a Deus durante a cerimônia. Sei que meus pais, que encontraram o verdadeiro amor, me ajudarão.

— E claro que sim. Nossa felicidade será tão grande que contagiará os que nos cercam, seja em nossa casa, nossas fazendas, nosso condado. Aprendi com mamãe que a felicidade gera mais felicidade.

— Eu o amo tanto por pensar assim. Nada tenho a lhe oferecer, exceto o meu amor.

— Tendo o seu amor, o que mais posso desejar?O jantar para os recém-casados, do qual constavam pratos leves, foi

trazido para a sala de estar da suíte que eles ocupavam, no hotel. Para ter privacidade com a esposa, o marquês dispensara os criados que deveriam servi-los.

Terminada a refeição, Andrew levou Celina para o sofá e beijou-a imperiosa e sofregamente, fazendo com que ela tivesse a sensação de que o mundo desaparecera e nada mais importava exceto o amor de ambos.

Celina suspirou de pura felicidade. A partir de agora não haveria mais temores e, o mais importante, não ficaria mais sozinha.

Ofegante, Andrew ergueu a noiva do sofá e carregou-a para o quarto que parecia um caramanchão repleto de flores brancas, cujo perfume enchia o ar.

Colocando-a de pé sobre o tapete, ele recomeçou a beijá-la, agora de modo diferente, excitando-a, preparando-a para o amor.

Enquanto seus lábios tocavam-lhe a testa, as orelhas, o pescoço, o colo e ia descendo, as mãos ágeis desabotoavam, um a um, os botões do vestido de noiva que deslizou dos ombros alvos para cair no chão.

Então, Andrew abraçou-a fortemente, e apossou-se de seus lábios, beijando-a com urgência e ímpeto, fazendo-a vibrar de emoção.

Celina não era capaz de descrever o êxtase que a dominava. Sabia, porém, que a força maravilhosa do amor a subjugava. Tinha a sensação de que as estrelas haviam deixado o céu para brilhar em seu peito.

Com Andrew não era diferente. Vendo nos olhos verdes um brilho ardente, Celina avaliou quanto o marido a desejava e entregou-se

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inteiramente nos seus braços, sentindo que uma chama ardia em todo o seu ser.

No momento em que ele a possuiu por inteiro, foi Como se ambos alcançassem as nuvens. Foi uma união Tão completa e perfeita, só experimentada por aqueles que se amam verdadeiramente.

Eles havia encontrado o amor, o amor que tem uma centelha divina; o amor que iria durar enquanto as estrelas não perdessem o brilho e o sol tivesse calor.

O amor verdadeiro que os inspiraria, que os protegeria e os guiaria infinitamente.

FIM

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BARBARA CARTLAND é, sem dúvida, a mais famosa escritora romântica do mundo. Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar algumas: é historiadora, geógrafa, poetisa e especialista em dietas naturais Atuante personalidade política, sempre lutou pelos direitos dos grupos menos favorecidos da sociedade inglesa, especialmente os ciganos, viúvas pobres e crianças abandonadas. Super criativa e culta, já escreveu mais de .r>.r>() livros, editados em todo o mundo em dezenas de idiomas e dialetos, tendo alcançado com essas obras a incrível marca de 600 milhões de exemplares vendidos.

Algumas datas da vida de Barbara Curtiam!:1901 - Nascimento1923 - Publica seu primeiro livro1927 - Casa-se com Alexandre McCorquodale1933 - O primeiro casamento é desfeito1936 - Casa-se em segundas núpcias com HughMcCorquodale, primo de seu primeiro marido 1963 - Publica seu

centésimo livro 1976 - Sua filha Raine casa-se com o CondeSpencer, pai da princesa Diana 1981 - A princesa Diana, enteada de sua

filha, casa-secom Charles, príncipe-herdeiro da Inglaterra L983 - Entra no livro de

recordes Guinness 1991 - Recebe o título de "Dame" do Império Britânico