as implicaÇÕes didÁtico-pedagÓgicas do … · são paulo: moderna 2000; amaral, emília et al....
TRANSCRIPT
LUANA ALVES WEBER
AS IMPLICAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS DO LIVRO
DIDÁTICO DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO
CANOAS, 2009
1
LUANA ALVES WEBER
AS IMPLICAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS DO LIVRO
DIDÁTICO DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO
Orientação: Prof. Me. Lúcia Regina Lucas da Rosa
Canoas, 2009
Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Letras do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, como exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Letras.
2
LUANA ALVES WEBER
AS IMPLICAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS DO LIVRO
DIDÁTICO DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO
Aprovado pela avaliadora.
AVALIADORA:
_________________________________________________ Prof. Me. Lúcia Regina Lucas da Rosa
Unilasalle
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Letras pelo Centro Universitário La Salle – Unilasalle.
3
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer à minha família, que acreditou em mim e incentivou-me a
começar, continuar e concluir a graduação. Obrigada também por terem
compreendido minha ausência em alguns momentos. A construção do saber exige
momentos de concentração e de diálogo apenas com os livros. Tenham certeza,
porém, de que vocês são a minha fonte de energia!
Gostaria de agradecer aos professores do curso de Letras do Unilasalle que, de uma
forma ou de outra, passaram pela minha vida e me ensinaram algo de novo.
Gostaria de agradecer à minha querida orientadora, Lúcia da Rosa. Com ela aprendi
não só literatura, mas o amor pela prática docente. Com certeza, ela será um
referencial, um modelo, durante minha prática docente.
4
RESUMO
A pesquisa objetiva analisar se os manuais didáticos de literatura do nível médio
colaboram para os equívocos percebidos no ensino de literatura ou se fazem uso de
metodologias que incentivem os estudantes à leitura, à análise e à interpretação de
obras literárias. Como referencial teórico, parte-se de estudos já realizados no
âmbito do ensino literário. São teóricos que enfatizam a importância de se tomar a
obra literária em si como objeto de estudo nas aulas de literatura; apontam que a
literatura permite a reflexão sobre a humanidade, a reformulação de sentidos, o
conhecimento da realidade em diferentes épocas, entre outros; mostram a
necessidade da existência de novos métodos de ensino-aprendizagem; e avaliam o
uso do livro didático no ensino de literatura. Os manuais utilizados para a análise
serão ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana.
Português: língua e literatura. São Paulo: Moderna 2000; AMARAL, Emília et al.
Novas palavras: português. 2.ed. São Paulo: FTD, 2003; CEREJA; William Roberto;
MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens. 2.ed. 4. reimp. São Paulo:
Atual, 2005. A pesquisa foi dividida em dois momentos. Primeiro, foi feita uma
pesquisa bibliográfica, a partir da qual foram realizadas leituras e reflexões de obras
e publicações de teóricos e estudiosos da área literária, tais como Tzvetan Todorov,
Marisa Lajolo, Ivanda Martins, entre outros. Também serviram de referência os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, que discutem a condução do
aprendizado em diferentes contextos e condições. Num segundo momento, foram
analisados os três livros didáticos de literatura. Os critérios de análise foram o
espaço dedicado à história da literatura e a presença de autores clássicos nos livros.
A análise dos manuais didáticos resultou no seguinte: os três exemplares privilegiam
tanto a história literária quanto os clássicos da literatura. O exemplar de Cereja e
Magalhães, contudo, demonstra sinais de uma possível mudança em relação à
concepção de ensino da literatura.
Palavras-chave: Literatura. Ensino. Equívocos. Livro didático.
5
RESUMEN
La investigación pretende analizar si los manuales didácticos de literatura del nivel
secundario de estudios, colaboran para los errores percibidos en la enseñanza de la
literatura o se hacen uso de metodologías que animan a los estudiantes a leer,
analizar e interpretar obras literarias. En la parte teórica, se parte de los estudios ya
realizados en el ámbito de la enseñanza de la literatura. Son teóricos que enfatizan
la importancia de tomar la obra en sí como objeto de estudio en las clases de
literatura; que apuntan que la literatura permite la reflexión sobre la humanidad, la
reformulación de sentido, el conocimiento de la realidad en diferentes momentos,
entre otros; que muestran la necesidad de nuevos métodos de enseñanza-
aprendizaje; y que avalan el uso del libro didáctico en la enseñanza de la literatura.
Fueron utilizados para el análisis los manuales que siguen: ABAURRE, Maria Luiza;
PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana. Português: língua e literatura. São
Paulo: Moderna 2000; AMARAL, Emília et al. Novas palavras: português. 2.ed. São
Paulo: FTD, 2003; CEREJA; William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar.
Português: linguagens. 2.ed. 4. reimp. São Paulo: Atual, 2005. La investigación fue
dividida en dos partes. En primer lugar, se realizó una búsqueda bibliográfica, a
partir de la cual se realizaron lecturas y reflexiones de las obras y publicaciones de
teóricos y estudiosos literarios en el campo, como: Tzvetan Todorov, Marisa Lajolo,
Ivanda Martins, entre otros. También sirvió como referencia los Parâmetros
Curriculares Nacionais de la enseñanza secundaria, que discuten la conducción del
aprendizaje en diferentes contextos y condiciones. En segundo momento, fueron
analizados los tres libros didácticos de literatura. Los criterios de análisis fueron el
espacio dedicado a la historia de la literatura y a la presencia de autores clásicos en
los libros. El análisis de los materiales didácticos dio como resultado lo siguiente: los
tres ejemplares privilegian tanto la historia literaria como a los clásicos de la
literatura. El ejemplar de Cereja y Magahães, sin embargo, muestra señales de un
posible cambio en relación a la concepción de enseñanza de la literatura.
Palabras clave: Literatura. Enseñanza. Equívocos. Livro didáctico.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 07
2 ENSINO DE LITERATURA ........................................................................... 09
2.1 Concepções de literatura ............................................................................ 09
2.2 A literatura na escola ................................................................................... 11
2.2.1 Alguns equívocos ........................................................................................... 11
2.2.2 Um olhar diferente ......................................................................................... 14
2.3 O porquê dos equívocos ............................................................................. 17
3 O LIVRO DIDÁTICO DE LITERATURA ........................................................ 19
3.1 Manual didático: uma ferramenta que exige cuida dos ............................ 19
3.2 Como se apresenta o livro didático de literatur a ...................................... 21
4 PRÁTICAS DE ENSINO ................................................................................ 27
5 CONCLUSÃO ................................................................................................ 45
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 47
OBRAS CONSULTADAS ............................................................................. 49
7
1 INTRODUÇÃO
É comum ouvir que o ensino de literatura no nível médio está fracassado.
Faltam estratégias para o desenvolvimento do gosto pela leitura e metodologias
adequadas ao ensino da literatura. Ainda não há, de um modo geral, por parte do
corpo docente, uma reavaliação dos métodos utilizados e a exploração de didáticas
de ensino-aprendizagem que incentivem os educandos ao estudo do texto literário.
O conceito de literatura com o qual a maioria das escolas trabalha também
não contribui para o bom andamento dos estudos. Na antiguidade, teóricos
discutiam acerca do que é literatura, dizendo tratar-se ora de imitação, ora de
transformação da realidade. Hoje, não é muito diferente. Quando se fala nesse
assunto, muitos são os conceitos apontados. Esse fato, porém, interfere no ensino
de literatura. Se as escolas não têm uma concepção precisa de literatura, acabam
criando obstáculos aos estudos literários.
Durante os três anos que compõem o ensino médio, a história literária, a fala
dos críticos e o cânon literário são apresentados aos alunos como sendo literatura.
Além disso, existe a adoção inquestionável dos conteúdos e exercícios trazidos
pelos livros didáticos. Por ser um material pronto, com textos e exercícios já
selecionados, o manual didático ganha espaço em sala de aula. Seu uso indevido,
contudo, leva-o a dirigir o processo de ensino-aprendizagem, tornando professores e
alunos, respectivamente, meros repassadores e receptores de conhecimento. Seu
uso acrítico gera, ainda, conhecimentos ilusórios, já que, comumente, esse
instrumento didático tem por característica simplificar os conteúdos.
Ao contrário do que vem sendo feito, o ensino de literatura requer a presença
do texto literário em sala de aula. Texto e leitor precisam interagir. Por intermédio
das obras literárias, estimula-se a criatividade, estabelecem-se conexões de sentido
entre o texto e o mundo e formam-se novos sentidos. Agora, sendo o manual
didático uma ferramenta quase unânime na escola, seria possível um ensino de
literatura que prime pelo estudo do texto literário em si?
Diante dessa pergunta, este trabalho visa a analisar se os livros didáticos de
literatura colaboram com os equívocos presentes no ensino da disciplina ou se
fazem uso de metodologias que incentivem os estudantes à leitura, à análise e à
8
interpretação de obras literárias. Para a realização deste trabalho serão utilizados os
seguintes livros:
ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana.
Português: língua e literatura. São Paulo: Moderna 2000.
AMARAL, Emília et al. Novas palavras: português. 2.ed. São Paulo: FTD,
2003.
CEREJA; William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:
linguagens. 2.ed. 4. reimp. São Paulo: Atual, 2005.
O texto literário faz ler e pensar sobre o mundo, já que a literatura faz menção
às transformações históricas, sociais, políticas e culturais da humanidade. Sendo
abordada de forma adequada, mediante métodos de ensino-aprendizagem que
levem os discentes a ler, refletir e interpretar as obras literárias, a literatura pode
auxiliar na preparação de cidadãos mais críticos, capazes de interferir no meio em
que estão inseridos. A partir dessa perspectiva percebeu-se a importância de se
buscar o que teóricos e estudiosos da área estão dizendo sobre o ensino de
literatura. É igualmente relevante analisar se os livros didáticos de literatura estão
estruturados para favorecer os equívocos existentes no ensino dessa disciplina ou
se para direcionar o olhar dos professores para um ensino mais crítico e reflexivo.
Para ser alcançado o objetivo deste trabalho, primeiramente, será feita uma
revisão bibliográfica a respeito de como se percebe e de como deveria se dar o
ensino de literatura. Servirão de base teóricos e estudiosos da área literária e os
Parâmetros Curriculares Nacionais. Na sequência, serão analisados criticamente os
três livros didáticos anteriormente citados. Os critérios de análise serão o espaço
dedicado à história literária e a presença de autores clássicos nos exemplares em
exame.
A partir de uma pesquisa descritiva, buscar-se-á registrar, analisar e
interpretar os apontamentos teóricos acerca do ensino-aprendizagem de literatura no
ensino médio. Deseja-se aprofundar os estudos voltados a essa questão; logo,
optou-se pela pesquisa qualitativa, que busca, basicamente, entender um fenômeno
específico em profundidade.
9
2 ENSINO DE LITERATURA
Está-se num momento em que as pessoas recebem informações de maneira
rápida, principalmente com o avanço da tecnologia. Os textos literários, por sua vez,
acabam desprezados, pois os alunos não têm noção de que a literatura também é
fonte de conhecimento. Estudiosos e teóricos da área literária têm discutido sobre o
ensino de literatura no nível médio e apontado que, na maioria das vezes, os
professores não dispõem de estratégias para o desenvolvimento do gosto pela
leitura e de metodologias adequadas ao ensino da literatura. Para que essa situação
se modifique, é preciso reavaliar dos métodos utilizados e explorar didáticas de
ensino-aprendizagem que motivem os educandos ao estudo da literatura.
2.1 Concepções de literatura
Quando se fala em literatura, uma das primeiras questões que vêm à mente
é: O que é literatura? Alguns podem dizer que é tudo aquilo que foi escrito e
publicado; outros, que apenas os textos que pertencem ao cânon são literatura.
Essa discussão não é recente; ao contrário, se arrasta ao longo do tempo. Na
antiguidade, por exemplo, Aristóteles e Platão já teorizavam acerca do assunto.
Apesar do passar dos séculos, a discussão a respeito do que é literatura
continua em pauta entre teóricos e estudiosos da área literária. Marisa Lajolo (2001,
p.24), por exemplo, defende que a literatura “[...] não pode ser definida como podem
ser definidos [...] um composto químico, um acidente geográfico, um órgão do corpo
humano”. A literatura pode ser entendida de formas variadas, ou seja, pode ter
diferentes concepções.
No que diz respeito ao ensino de literatura, é preciso entendê-la como algo
que vai além de um “[...] conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época”,
conforme uma das significações trazidas pelo Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa. Seu conceito carece ser ampliado a ponto de não mais se pensar em
literatura enquanto um sistema de obras que exige conhecimentos históricos e
técnicos para seu estudo.
10
A literatura é uma forma de reflexão sobre o mundo. Os autores de obras
literárias estão inseridos na sociedade e dela participam. Segundo Tzvetan Todorov
(2008, p.91), “[...] o escritor é aquele que observa e compreende o mundo em que
vive antes de encarnar esse conhecimento em histórias, personagens, encenações,
imagens, sons”. A partir de experiências pessoais e sociais, os autores recriam a
realidade e dão vida a uma realidade de ficção, ou seja, o mundo concreto sensorial
serve de referência para o mundo de ficção.
A literatura cria situações que abordam relações e problemas humanos. A
partir da obra literária, o leitor tem condições de compreender melhor como os seres
humanos têm se comportado ao longo dos anos e de refletir sobre seu próprio
comportamento. “Com um livro de literatura [...] podem-se [...] compreender as várias
culturas, os modos de viver dos diferentes povos e grupos socais, seus distintos
códigos de conduta, relativos à alimentação, ao vestuário, aos costumes, à moda”
(QUEIROZ; SANTOS, 2003, p.87). A literatura é uma fonte de conhecimento do
mundo social e psíquico em que se vive, ou seja, de experiências humanas.
A literatura, assim como a música, a dança, a pintura, a escultura e a
arquitetura, é uma forma de arte. A música faz uso de sons; a dança, de
movimentos, a pintura, de tintas, cores e formas; a escultura e a arquitetura, de
formas e volumes. A literatura, por sua vez, é a arte da palavra. As palavras1 dão
sentido, relacionam e organizam as coisas do mundo. A literatura utiliza-se das
palavras de forma original e criativa para dar vida e beleza ao texto literário,
chegando a modificar o sentido delas muitas vezes. É por meio da palavra que o
escritor revela suas impressões sobre o mundo concreto sensorial.
Uma das particularidades do texto literário é o significado variado e múltiplo
que as palavras podem ter, a plurissignificação. Proença Filho (1990, p.39) afirma
que: “A literatura, na verdade, cria significantes e funda significados”, o que equivale
a dizer que o discurso literário transcende as elaborações linguísticas usuais. O
autor, valendo-se da imaginação e da criatividade, cria e recria significados, resgata
vocábulos esquecidos pelo uso, abandona sentidos atuais, ou seja, utiliza-se da
palavra e da sua magia para compor suas obras.
1 CRYSTAL define palavra como “Uma unidade de expressão que os falantes nativos reconhecem intuitivamente tanto na língua escrita quanto na falada” (CRYSTAL, David. Dicionário de Linguística e fonética. Tradução e adaptação por Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
11
Literatura2 é uma forma de reflexão do mundo e tem características próprias.
É um tipo de arte que nasceu depois da concepção de belas artes, belas letras. É a
arte da palavra que apresenta duas faces: a ideia e a forma. A literatura se usa das
palavras com criatividade e originalidade para expressar ideias e emoções.
Literatura é o texto que faz ler e pensar sobre o mundo. Sua linguagem é conotativa
e tem uma preocupação estética com a escolha e com a disposição das palavras,
que acabam dando vida e beleza ao texto.
2.2 A literatura na escola
No ensino de literatura, o grande desafio dos educadores é planejar práticas
pedagógicas que motivem os alunos para os estudos literários. Logo, são dúvidas
frequentes no cotidiano de quem trabalha com literatura em sala de aula: Como e
quais textos trabalhar? Como fazer com que leitor e obra interajam? Como a teoria e
a crítica literária podem auxiliar o trabalho em sala de aula?
2.2.1 Alguns equívocos
O ensino médio não pode ser visto como fase preparatória de mão-de-obra3,
em que o caráter profissionalizante se sobressaia. A essa etapa cabe o
2 Conceito construído na disciplina de Literatura Universal, ministrada pelo Dr. Prof. Cicero Lopes, no Centro universitário La Salle – Unilasalle. 3 Existiu um tempo em que o ensino médio era de cunho preparatório para o mercado de trabalho, como se percebe neste trecho da Lei nº 5.692/1971: “Art. 5º. (...). § 1º. Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currículo pleno terá uma parte de educação geral e outra de formação especial, sendo organizado de modo que: (...) b) no ensino de 2º grau, predomine a parte de formação especial. § 2º. A parte de formação especial de currículo: a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau; b) será fixada, quando se destina à iniciação e habilitação profissional, em consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periodicamente renovados” (grifou-se). Disponível em: <http://www.conteudoescola.com.br/site/content/view/5/57/>. Acesso em 02 out. 2009.
12
desenvolvimento do humanismo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico,
para que as pessoas possam interagir livremente na sociedade. E a literatura
contribui para essa formação, uma vez que “[...] traduz o grau de cultura de uma
sociedade. E mais: por força de sua natureza criadora e fundadora, ela pode
configurar-se como espelho ou como denúncia, como conservadora ou como
transformadora” (PROENÇA FILHO, 1990, p.35).
Uma pena que a literatura só exista como disciplina no nível médio; embora
também devesse ocorrer no ensino fundamental. Em função disso, os alunos ficam
um longo espaço de tempo sem ter contato com a literatura. “No primeiro grau, o que
acontece é a entrada esporádica de um ou outro livro, ou de fragmentos, e o
domínio dos chamados paradidáticos” (LEITE, 2005, p.17). Independente da fase
escolar na qual os educandos se encontrem, é importante que eles tenham seus
lados humano, intelectual e crítico desenvolvidos.
Na escola, apesar das variadas abordagens que podem ser feitas (por
épocas, temas, gêneros, comparações, etc.), a metodologia a ser utilizada no ensino
de literatura tem sido uma dúvida frequente no ambiente escolar. Os docentes se
questionam sobre o tipo de abordagem a ser empregada para que texto e leitor
interajam. Essa preocupação deriva do pouco interesse demonstrado pelos
estudantes nas aulas de literatura.
O desinteresse apresentado pelos educandos em sala de aula pode ser fruto
de diversos fatores. A escassez de leituras literárias, a seleção inadequada e a
elitização, por meio da linguagem, de obras literárias e as repetidas técnicas de
abordagem ao texto literário contribuem para que “[...] o educando desenvolva uma
compreensão mitificada e homogênea do fenômeno literário”, como afirma Ivanda
Martins (2006, p.84).
As aulas de história literária oferecidas aos educandos são um grande entrave
ao gosto pela literatura. De modo geral, os professores preocupam-se em abordar os
aspectos estéticos e estilísticos das obras; não a obra literária em si. Os próprios
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (espera-se que por um deslize)
sugerem essa prática. Veja-se:
Os produtos culturais das diversas áreas (literatura, artes plásticas, música, dança etc.) mantêm intensa relação com seu tempo. O aluno deve saber, portanto, identificar obras com determinados períodos, percebendo-as como típicas de seu tempo ou antecipatórias de novas tendências. Para isso, é preciso exercitar o reconhecimento de elementos que identificam e
13
singularizam tais obras, vários deles relacionados a conceitos já destacados anteriormente (2002, p.65).
Essa prática, no entanto, leva ao estudo de obras consagradas pela crítica,
deixando de lado as particularidades regionais, por exemplo, e faz com que os
educadores reproduzam e tenham por certo apenas o que está convencionado, sem,
muitas vezes, aceitar a opinião dos alunos a respeito do texto literário. O contexto
histórico-social e cultural no qual a obra foi escrita é importante, mas não pode
acontecer de a obra literária assumir uma posição inferior em relação ao contexto. É
a partir da obra que se chega à época em que ela foi produzida; não o contrário.
As escolas, comumente, têm uma visão distorcida a respeito do objetivo das
aulas de literatura, e esse fato tem chamado a atenção de teóricos e estudiosos da
área literária. Tzvetan Todorov (2008, p.27), preocupado com os estudos de
literatura no ensino médio, ressalta o seguinte: “Na escola, não aprendemos acerca
do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”.
O autor critica os docentes que não trabalham a obra em si mesma e que
preferem ensinar teorias acerca da análise dos textos literários. Os educadores nada
falam do que as obras significam, uma vez que são meios de reflexão sobre a
condição humana. “Sem qualquer surpresa, os alunos do nível médio aprendem o
dogma segundo o qual a literatura não tem relação com o restante do mundo,
estudando apenas as relações dos elementos da obra em si” (TODOROV, 2008,
p.39). Logo, conhecer os métodos de análise de uma obra acabou tornando-se mais
importante do que compreendê-la.
A seleção de leituras a serem propostas aos educandos também merece
atenção por parte dos professores. Nem só os autores consagrados pela crítica
merecem ser estudados, mas os contemporâneos também. De acordo com Ivanda
Martins (2006, p90), “[...] é preciso considerar que várias obras, apesar de não terem
grande representatividade no cânon, merecem ser lidas e estudadas pela riqueza
temática e estética que apresentam”. Esse cuidado deve ser tomado para se evitar
que os discentes construam um conceito restrito de literatura e para não distanciá-
los ainda mais da leitura literária, uma vez que esses textos apresentam uma
linguagem distante da utilizada pelos alunos.
Muitas vezes, sem tempo de planejar suas aulas e de fazer uma boa seleção
de textos literários, os professores recorrem ao livro didático. A questão é que essa
ferramenta traz somente fragmentos de textos (o espaço físico do manual didático
14
não comporta a íntegra das obras), e os educandos, consequentemente, têm
contato com parte das obras; não com o todo. Nesse caso, os docentes devem estar
atentos ao fato de que o livro didático é apenas mais um instrumento em sala de
aula, ao lado de leituras, atividades e recursos diversificados.
Para que os estudantes se sintam atraídos pela literatura precisam ter contato
com a própria obra literária. Fragmentos, resumos, adaptações e filmes baseados
em obras da literatura, por exemplo, não permitem que eles captem a essência da
obra e, “[...] sem entender as relações intertextuais, reconstruindo o não-dito,
fazendo inferências, o aluno encara a literatura como algo complexo, difícil de ser
compreendido”, conforme afirma Ivanda Martins (2006, p.93). Essa substituição,
vista por alguns como uma forma de apresentar um número maior de textos e
autores, não tem eficácia, pois, em vez de promover a interação entre leitor e obra,
acaba afastando-os.
Outro equívoco que se percebe diz respeito às atividades pós-leitura. Em
geral, não são propostas atividades que permitam aos discentes refletir sobre a obra
e sua estrutura e explorar os recursos de linguagem. É solicitado que eles façam
exercícios com a finalidade de reforçar o estudo da história literária e das
características e estilos de época e realizem tarefas como resumos e ficha de leitura.
Essas atividades são cansativas aos olhos dos alunos e acabam fazendo com que
eles associem o ato de ler ao fato de serem avaliados.
Os professores também não podem desprezar a especificidade do texto
literário e selecionar as leituras com o objetivo a ampliar o vocabulário dos
educandos, de fazer com que eles aprendam as regras de escrita e de prepará-los
para o vestibular. Literatura é muito mais do que isso. Ela revela dilemas, angústias,
costumes, ideologias; por isso, precisa ser estudada de forma interativa e reflexiva,
não apenas por meio de atividades de reconhecimento de informações.
2.2.2 Um olhar diferente
Alunos que leiam por prazer, que interajam com o texto literário e que façam
com que as realidades de ficção e concreto sensorial dialoguem é o que almejam os
docentes. Para isso, todavia, é necessário que a escola passe a ver a literatura com
15
“outros olhos”. A ideia de que estudar literatura nada mais é do que a explanação de
um inventário extenso de datas, obras e autores deve ser superada, prevalecendo a
certeza de que as obras literárias propiciam o autoconhecimento necessário à
formação dos educandos.
Para que seja realizado um bom trabalho com a literatura é preciso que os
estudantes percebam um motivo para estudá-la. E um ponto de partida é saber o
que interessa a eles, para, a partir daí, selecionar e indicar leituras relacionadas às
suas experiências de vida. O próximo passo é ampliar os horizontes e apresentar
textos que retratem outras experiências. Propor leituras que levem a debates,
reflexões e à formação de novos significados, aproximando a literatura e a vida.
Segundo Paulo Coimbra Guedes (2006, p.46), estudar literatura equivale à
[...] produção de conhecimento a respeito da terra, da gente, dos conflitos, do nosso
jeito de ser e de viver [...]. A literatura permite conhecer e refletir sobre si próprio e a
realidade social; logo, é papel da escola – espaço de ensino-aprendizagem – rever
suas concepções de literatura e seus métodos de ensino nessa área e formar
cidadãos críticos e atuantes.
Desse ponto de vista, pode-se dizer que o trabalho com literatura precisa ir
além de atividades predeterminadas, em que os discentes tornam-se seres passivos.
Uma vez que a leitura de textos literários proporciona a aquisição variada de
experiências humanas, os alunos devem ser os sujeitos do processo de ensino-
aprendizagem e construir seus próprios conhecimentos, tornando-se seres
pensantes e críticos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio,
algumas páginas antes de fazer a equivocada afirmação citada anteriormente,
sugerem essa prática:
Para além da memorização mecânica (...) das características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (2002, p.55).
Nos estudos de literatura, cabe à escola colocar os educandos em contato
com o texto literário. A interação com a obra literária, que é capaz de provocar
diferentes sensações no leitor por meio de sua linguagem diferenciada, estabelece
conexões de sentido entre o texto e o mundo, permite a reflexão sobre a
humanidade, a reformulação de sentidos, o conhecimento da realidade em
diferentes épocas, entre outros.
16
[...] o professor deveria confrontar o aluno com a diversidade de leituras do texto literário, para que o educando reconheça que o sentido não está no texto, mas é construído pelos leitores na interação com textos. É justamente a partir dessa interação do aluno com textos que o estudo da literatura se torna significativo (MARTINS, 2006, 85).
Também é papel da instituição de ensino transcender os conceitos fornecidos
pela crítica literária. Muito mais importante do que verificar a função de determinado
elemento (personagens, cenários, episódios, etc.) na obra literária é analisar e
refletir sobre o sentido desse elemento no texto e o sentido deste em relação à sua
época e à atual. As obras, em sua maioria, permanecem durante séculos, levando
experiências de vidas a diferentes gerações; os críticos, por sua vez, têm seu
momento, sua época.
As obras literárias existem dentro de um contexto social, e uma análise
interna restrita não permite ao leitor “compreender melhor o homem e o mundo, para
nelas descobrir uma beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele
compreende melhor a si mesmo” (TODOROV, 2008, p.33). Assim, dividir o ensino de
literatura em módulos nos quais se trabalhem, num dia, o personagem; no outro, o
narrador; num outro ainda, o ambiente, e assim por diante, não permite que os
estudantes aprendam e gostem de literatura. O que deve acontecer, na verdade, é
um equilíbrio entre o estudo das relações dos elementos da obra em si e o estudo
do contexto histórico, das ideologias, da estética, entre outros.
A análise das obras feita na escola não deveria mais ter por objetivo ilustrar os conceitos recém-introduzidos por este ou aquele lingüista, este ou aquele teórico da literatura, quando, então, os textos são apresentados como uma aplicação da língua e do discurso; sua tarefa deveria ser a de nos fazer ter acesso ao sentido dessas obras – pois postulamos que esse sentido, por sua vez, nos conduz a um conhecimento do humano, o qual importa a todos (TODOROV, 2008, p.89).
Outro ponto relevante para o ensino de literatura é trabalhar não apenas com
o que foi consagrado pela crítica. Diferentes autores e gêneros textuais merecem
espaço em sala de aula, desde que contribuam com o aprimoramento do
conhecimento dos educandos. São dignos de serem estudados tanto aqueles
escritores que seguiram as convenções estilísticas e ideológicas estabelecidas em
determinado período histórico quanto os que as transgrediram. O mesmo acontece
com os textos trabalhados nas aulas de literatura. Não só o romance merece
espaço, mas a poesia, o conto, o drama, a crônica, entre outros. A literatura é
composta de uma variada gama de autores e obras, e todos podem ser estudados.
17
Para um ensino de qualidade, a escola também precisa vencer o pensamento
de que a literatura “[...] é uma sucessão de modas que superam e até anulam a
anterior, num perpétuo recomeço a partir de alguma idéia européia que aqui aportou
para fecundar a terra que já se tornara improdutiva” (GUEDES, 2006, p.86). Os
textos literários, independente da época em que foram escritos, aumentam as
percepções e os horizontes dos estudantes, que acabam encontrando respostas
para seus dilemas atuais. Para isso, basta que os educadores, por meio de
atividades bem elaboradas, medeiem o diálogo entre os alunos e as obras literárias.
2.3 O porquê dos equívocos
Os equívocos presenciados no ensino de literatura não surgiram do nada.
Pode-se dizer que são reflexos de uma série de modelos educacionais que
primavam pela passividade dos discentes. Apesar de os anos terem passado e de
várias teorias acerca do assunto terem surgido, ainda é forte a presença do ensino
tradicional, cujo objetivo é a transmissão de um conhecimento pronto. O ensino
universitário também tem a sua parcela de responsabilidade, uma vez que os
docentes são preparados na universidade para ensinar.
A recepção de lições prontas em manuais (desatualizados) e a imposição são
heranças da longa colonização jesuítica. Baseados no Ratio Studiorum, documento
escrito por Inácio de Loiola, o modelo educacional jesuíta funcionou absoluto
durante 210 anos, de 1549 a 1759. Impedia-se a construção do conhecimento e,
consequentemente, a formação de seres capazes de se manifestar criticamente.
No período pombalino (1760-1808) não foi diferente: o ensino era rígido e os
professores eram desatualizados e condicionados ao livro didático. O objetivo maior
de Pombal era organizar a escola para servir aos interesses do Estado. O tempo
passou e a Ditadura, por sua vez, superlotou as salas de aula, sobrecarregou os
educadores e impediu que os alunos fossem tratados como seres capazes de
construir o conhecimento. Sem tempo de planejar suas aulas, o livro didático era o
recurso utilizado pelos docentes, mesmo que não proporcionasse qualidade às
aulas.
18
Dentro desse contexto histórico, Paulo Coimbra Guedes (2006, p.17) afirma
que o professor brasileiro “[...] foi historicamente compelido a tomar o saber como
definitivamente constituído pelas especulações de alguém que está muito longe no
tempo e no espaço”. Como o objetivo da educação passava longe da formação de
sujeitos que participassem ativamente da sociedade, o docente era moldado para
repassar conhecimentos prontos.
O ensino tradicional foi tão enfatizado ao longo da história educacional que
ainda hoje se faz presente nas salas de aula, mesmo tendo surgido outras teorias
educacionais. No caso da literatura, ainda se encontram educadores que preferem o
que dizem os críticos a construir o conhecimento com seus alunos; que acabam
apresentando a história da literatura como sendo literatura, pois é o que está nos
manuais; e que propõem atividades de identificação e não de reflexão crítica.
Para que esse quadro se modifique, a universidade – instituição que forma
professores – precisa mudar a sua postura. No caso da literatura, não cabe mais ao
ensino superior visar apenas ao estudo “[...] de causas que conduzem ao surgimento
da obra: as forças sociais, políticas, étnicas e psíquicas, das quais o texto literário
supostamente deveria ser a conseqüência; [...]” (TODOROV, 2008, p.38), mas
equilibrar o estudo teórico da disciplina e a prática. É na universidade que o
estudante de licenciatura precisa se dar conta de que o que aprendeu no ensino
superior não deve ser repassado tal e qual para os educandos do ensino médio,
mas deve servir de meio para os estudos de literatura em sala de aula.
A universidade é o espaço no qual os futuros docentes repensam o ensino,
trocam informações e elaboram novos métodos de ensino-aprendizagem. Logo, é na
universidade que está o fim do ensino tradicional. Se os educadores receberem uma
formação acadêmica que valorize a formação de seres reflexivos e críticos, aptos a
participarem ativamente do meio em que vivem, assim será a sua prática em sala de
aula.
19
3 O LIVRO DIDÁTIDO DE LITERATURA
O livro didático se apresenta, na maioria das vezes, como a principal
ferramenta de ensino nas escolas. Essa adoção se dá por variados motivos: pela
falta de outros recursos, pelo fato de as tarefas estarem todas elaboradas, pela
imposição da escola e até dos pais, entre outros. Com isso, os textos, as atividades
e o tipo de abordagem escolhidos pelas editoras têm as portas abertas nas escolas.
Cabe, então, aos professores analisar criticamente o material que utilizarão em suas
aulas e selecionar aquele que melhor auxilie na construção do saber.
3.1 Manual didático: uma ferramenta que exige cuida dos
No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, uma das definições para
didático é a seguinte: “Próprio para instruir; destinado a instruir: livro didático”. Essa
definição talvez seja uma explicação para o fato de o livro didático ser um dos
instrumentos mais utilizados em sala de aula por aqueles que têm a função de
ensinar: os professores. Com o objetivo de facilitar e orientar o trabalho dos
educadores, o manual didático tem destaque desde a colonização jesuítica,
conforme visto no primeiro capítulo.
Atualmente, existem, por parte do governo federal, três programas voltados
ao livro didático: o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, o Programa
Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLEM e o Programa Nacional do
Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos – PNLA. Os livros são
distribuídos gratuitamente para os discentes de todas as séries da educação básica
da rede pública e para os matriculados em classes do programa Brasil Alfabetizado.
O PNLEM foi implantado em 2004 e prevê a universalização de livros
didáticos para os alunos do ensino médio público de todo o País. No nível médio,
cada educando recebe um exemplar das disciplinas de português, história,
geografia, biologia, química, física e matemática. Para o governo esse material é tão
importante que o número de livros distribuídos aos estudantes aumenta a cada ano,
gradativamente.
20
O uso do manual didático, contudo, deve ser criticamente analisado por parte
dos educadores. Em primeiro lugar, essa ferramenta não pode acabar “[...]
determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de
forma decisiva, o que se ensina e como se ensina [...]”, conforme salienta Marisa
Lajolo (1996). Muito embora o manual didático auxilie o trabalho dos professores, é
este quem conhece a realidade de seus educandos, o que eles já sabem e o que
ainda precisam aprimorar. Logo, são os docentes que devem dirigir o processo de
ensino-aprendizagem.
O livro didático não é o fim, mas um dos meios para a construção do
conhecimento. É, preciso, então, que o professor planeje o uso dessa ferramenta em
sala de aula para ajudá-lo a atingir seus objetivos. Esse planejamento implica
substituir, alterar e complementar as leituras e atividades propostas pelo livro
didático, a fim de despertar o interesse dos alunos e de levá-los à construção do
saber.
Se o educador não se habituar a refletir sobre a sua prática e o uso dos
manuais que escolher para trabalhar, acabará transformando-se num repassador de
conhecimentos alheios, ou seja, perderá sua autonomia. E esse é mais um dos
cuidados que o docente precisa ter: a dependência do livro didático.
[...] os manuais submetem também os professores. Eles se habituam a distribuir uniformemente, e durante anos, a matéria aí incluída, sem se preocupar se a criança pode assimilá-la. A nefasta rotina toma conta do educador (FREINET apud LEITE, 1983, p.104).
Com altas cargas horárias a cumprir e com um número grande de turmas e
discentes, os educadores, muitas vezes, acabam submetendo-se ao livro didático e
transmitindo mecanicamente o que está impresso em suas páginas. Dia após dia, os
professores reproduzem os conteúdos trazidos pelo manual didático sem repensar a
sua prática docente, sem avaliar o que seus alunos estão aprendendo e se estão
aprendendo.
Essa passividade frente ao livro didático não atinge apenas os professores,
mas os educandos. Esse instrumento, por “[...] tratar-se de um manual [...] faz do
professor um repetidor que não se interroga sobre aquilo que transmite e, do aluno,
um executante que não se interroga sobre aquilo que executa” (LEITE, 1983, p.103).
Isso acontece porque, em geral, as informações contidas nos livros didáticos
acabam sendo vistas como inquestionáveis, como uma verdade absoluta. O que não
procede, pois “[...] o livro não é senão manifestação de um pensamento sujeito a
21
erro – e que se deve poder contradizer como se contradiz alguém que fala”
(FREINET apud LEITE, 1983, p.104).
O caráter simplificador dos livros didáticos também merece atenção por parte
dos docentes. Nos manuais, comumente, as regras, as características e os
exemplos são claros e exatos, de modo a não deixar dúvidas sobre os conteúdos.
Essa simplificação, porém, acaba quando os educandos têm contato com outras
situações, ou seja, com aquelas que não estão nos manuais e com as quais os
alunos não sabem lidar. Se os professores não se derem conta desse problema e
fizerem do livro didático sua única ferramenta de trabalho, criarão a ilusão de que o
conhecimento se dá a partir de fórmulas prontas; não por meio da diversidade.
O ideal seriam livros didáticos que primem pela pluralidade, questionem,
incentivem à pesquisa e à produção do conhecimento, provoquem o confronto deles
mesmos com outros materiais, “[...] porque nada parece ser tão eficaz, na produção
do conhecimento, do que a comparação, o contraste, a diferença [...]” (LEITE, 1983,
p.106). Cabe aos docentes, então, superar as limitações do manual didático e propor
que ele seja apenas uma das fontes de pesquisa, ao lado de jornais, revistas, filmes,
textos literários e da própria vivência de cada estudante.
3.2 Como se apresenta o livro didático de literatur a
Como já foi dito no primeiro capítulo, alguns equívocos obstam ao ensino de
literatura. São aulas de história literária, a inversão do objeto de ensino, a idolatria
do que dizem os críticos literários, entre outros. Esses mal-entendidos encontram
refúgio nos manuais didáticos, que, na tentativa de facilitar os estudos literários,
acabam descaracterizando a literatura. Os educadores também têm a sua parcela
de responsabilidade, uma vez que não analisam criticamente o livro adotado e
acabam repassando o conteúdo sem questioná-lo.
É comum encontrar manuais didáticos que apresentem a literatura como um
extenso inventário de obras consagradas pela crítica, todas dispostas
cronologicamente, como uma sucessão de fatos históricos. Na tentativa de
simplificar o ensino de literatura, os autores desses manuais acabam dispensando
mais espaço à história literária, algumas vezes até por meio de esquemas e quadros
22
com obras, datas, autores e características, do que aos textos literários. E se o
docente não tomar os devidos cuidados, é assim que ele apresentará a literatura aos
seus alunos.
Estuda-se mais história da literatura e não as obras em particular. [...] Quase sempre os estilos de época na sua ordem cronológica. [...] Por eleger uma formação de caráter enciclopédico, acaba-se por se conhecer muito pouco cada obra, sobretudo no que ela tem de singular (PINHEIRO, 2006, p.110).
Fique claro que não se trata de abolir a história literária no nível médio, mas
de trabalhar a literatura a partir de outras abordagens. Uma alternativa é levar para a
sala de aula um número maior de textos para trabalhar com os educandos; não só
os que estão nos livros didáticos. Até porque os manuais, na maioria das vezes,
mostram apenas os textos que melhor representam as características atribuídas às
escolas literárias. “E o mais importante: partir das obras para, quando necessário,
trazer o contexto, traços gerais da literatura na época em que a obra foi escrita”
(PINHEIRO, 2006, p.112). Assim, os discentes interagirão com a obra literária, que é
o objeto de estudo da literatura, e não memorizarão informações isoladas a respeito
delas.
Para verificar a forte presença da história literária nos livros de literatura do
ensino médio, foram analisados três exemplares encontrados no mercado. Esses
manuais são de língua portuguesa e de literatura, todos de volume único, quais
sejam:
Livro 1: ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL,
Tatiana. Português: língua e literatura. São Paulo: Moderna 2000.
Livro 2: AMARAL, Emília et al. Novas palavras: português. 2.ed. São Paulo:
FTD, 2003.
Livro 3: CEREJA; William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar.
Português: linguagens. 2.ed. 4. reimp. São Paulo: Atual, 2005.
23
História da Literatura
A literatura é estudada a partir da história literária Livros analisados
Sim Não
Livro 1 X
Livro 2 X
Livro 3 X
Quadro 1 – Espaço dedicado à história da literatura.
Fonte: Autoria própria, 2009.
O Livro 1 traz os conteúdos de língua e literatura separados, sendo que a
menor parte cabe à literatura (cerca de 200 páginas a menos). No que diz respeito a
esta, a primeira parte do manual pertence à teoria literária, em que se aborda o que
é texto literário, o que é literatura, os elementos constitutivos da narrativa, o que é
texto narrativo e texto poético, os gêneros literários, entre outros.
Com o folhear de suas páginas o que se vê é o predomínio da história da
literatura. Cada escola literária é apresentada a partir de seu acontecimento em
Portugal e no Brasil. Por exemplo, Barroco em Portugal e Barroco no Brasil;
Arcadismo em Portugal e Arcadismo no Brasil. São mostrados o contexto histórico-
cultural no qual a escola surgiu, a estética de cada uma e os principais
representantes. O texto literário (alguns poemas e fragmentos de romances) aparece
como forma de exemplificar os estilos de cada época.
O Livro 2 está dividido em três partes: literatura, gramática e redação e leitura,
sendo que, nesse exemplar, a literatura fica com um número um pouco maior de
páginas. Em relação à literatura, na primeira parte do manual, é abordada a teoria
literária, em que se apresenta o que é texto literário, o que é literatura, os gêneros
literários, entre outros.
Com o manuseio desse livro, o que se constata é a predominância da história
da literatura. Cada escola literária é mostrada a partir de seu acontecimento em
Portugal e no Brasil. Por exemplo, Barroco em Portugal e Barroco no Brasil;
Neoclassicismo em Portugal e Neoclassicismo no Brasil. São apresentados o
momento histórico no qual a escola surgiu, as características e as tendências de
24
cada uma e os principais autores. O texto literário (alguns poemas e fragmentos de
romances) aparece como forma de exemplificar os estilos de cada época.
O Livro 3 não apresenta a mesma divisão que os anteriores, em relação aos
conteúdos de língua portuguesa e de literatura; pelo contrário, faz uma mescla das
duas disciplinas. Referente à literatura, inicialmente, tem-se uma introdução à
literatura, uma introdução aos gêneros literários e as origens das literaturas
portuguesa e brasileira. Na sequência, são apresentados os diferentes estilos de
cada época.
No terceiro exemplar, a história da literatura também aparece. Cada escola é
apresentada a partir de seu acontecimento em Portugal e no Brasil. Por exemplo,
Barroco em Portugal e no Brasil; Arcadismo em Portugal e no Brasil. São mostrados
a linguagem característica, o contexto histórico e os principais autores de cada
período. Além de textos característicos, aparecem, também, esculturas, pinturas e a
arquitetura de cada época. Como forma de mostrar que os estilos de determinada
escola não são anulados pela posterior, o Livro 3 elenca, ainda, peças teatrais,
letras de músicas, filmes escritos em épocas diferentes, mas com as mesmas
marcas estilísticas. Um exemplo trazido é o filme A lagoa azul, que, a pesar de ser
de 1980, exibe características do Romantismo. Outro aspecto positivo desse livro é a
ligação que se faz com a atualidade. Também no Romantismo, estuda-se a poesia
condoreira e o movimento negro brasileiro hoje.
É usual, por parte daqueles que organizam os livros didáticos, selecionar
apenas os autores clássicos para estudar literatura. São escritores consagrados pela
crítica literária e de grande representatividade em sua época. O exercício de ignorar
os autores contemporâneos tem origem no fato de a literatura ser concebida “[...]
como fenômeno decorativo e belo [...]”, conforme salienta Ivanda Martins (2006,
p.90).
Saliente-se que o objetivo não é excluir o texto clássico dos estudos literários,
mas estudá-lo juntamente com o texto contemporâneo. Se os manuais didáticos
propõem que se trabalhe apenas com clássicos, cabe ao professor ir além e levar
para a sala de aula outros textos. A comparação (linguagem, abordagem do tema,
etc.) entre textos clássicos e contemporâneos, por exemplo, pode render bons
resultados.
Abaixo segue a análise dessa questão nos três exemplares citados
anteriormente:
25
Clássicos da Literatura
O exemplar privilegia os escritores pertencentes ao cânon
literário
Livros analisados
Sim Não
Livro 1 X
Livro 2 X
Livro 3 X
Quadro 2 – Espaço dedicado aos autores clássicos da literatura.
Fonte: Autoria própria, 2009.
Pode-se dizer que os três manuais didáticos colaboram com a visão restrita
de literatura que impera na maioria das escolas. Folheando as páginas de cada
exemplar, encontram-se, praticamente, os mesmos representantes para cada escola
literária. Às vezes, até na mesma ordem de apresentação. No Romantismo
brasileiro, por exemplo, são mencionados como representantes Gonçalves Dias,
Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, José de Alencar. Mais
adiante, no Modernismo brasileiro, são citados Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes,
Graciliano Ramos, Érico Verissimo.
O Livro 3, contudo, mais uma vez dá sinais de um novo olhar sobre o ensino
de literatura. Apesar de dedicar mais espaço ao cânon literário, ele mostra também
alguns textos contemporâneos, mesmo que timidamente. No capítulo O Romantismo
no Brasil – A Prosa, ao abordar a tradição gótica introduzida na literatura brasileira
por Álvares de Azevedo, o exemplar traz também alguns versos de Rita Lee e
Roberto de Carvalho para serem estudados.
Esses não são os únicos exemplares existentes nas escolas; muitos outros
circulam entre os alunos. Eles permitem, todavia, afirmar que ainda existem manuais
didáticos que conduzem a equívocos no ensino de literatura. E pior: os mal-
entendidos encontrados nesses livros contribuem com a construção de um
conhecimento ilusório. Uma vez que a literatura é estudada a partir de datas
definidas de início e de término, os educandos apreendem que a literatura não
passa de uma sucessão de estilos e características superados de tempos em
26
tempos. Ter contato apenas com os autores clássicos leva os estudantes a pensar
que somente aquele grupo seleto de autores escreveu textos dignos de serem
estudados.
27
4 PRÁTICAS DE ENSINO
A partir das questões levantadas neste trabalho, foram elaboradas algumas
práticas de ensino4. São atividades que primam pela interpretação e reflexão dos
alunos e que permitem a interação entre o leitor e o texto. Foram utilizados tanto
textos clássicos quanto contemporâneos. Estas sugestões de práticas de ensino não
exigem o uso incondicional do manual didático; ao contrário, permitem que
educadores e alunos descubram por si sós a beleza do texto literário.
Proposta de Ensino 01
Série: ensino médio
• Primeiramente, pedir para que os alunos disponham suas classes em círculo, a
fim de facilitar a interação da turma.
• Conduzir uma conversa na qual o assunto seja o autor Érico Veríssimo, a fim de
se fazer um levantamento sobre quem conhece o autor e de sondar o que os alunos
sabem a respeito deste.
• Colocar o DVD 5 X Érico para que os alunos assistam ao episódio Memórias de
um escritor. Duração: 30 minutos.
• Solicitar que, em duplas, de forma escrita, os estudantes respondam às
seguintes questões:
1) O documentário apresenta as diferentes fases de Érico Veríssimo. Quais são
elas? Que obras representam essas fases?
2) Segundo os depoimentos apresentados no documentário, porque Érico
Veríssimo tem preferência pelas personagens femininas?
3) O tempo e o vento é um romance que recria a história da formação do Rio
Grande do Sul. Isso equivale a dizer que se trata de uma história real? Por quê?
4 Estas atividades devem ser adaptadas de acordo com as necessidades das turmas com as quais se trabalhará. O tempo que cada proposta levará para ser desenvolvida dependerá, igualmente, de cada grupo.
28
4) Érico Veríssimo é um grande criador de tipos humanos. Seu filho Luís Fernando
Veríssimo inclusive comenta, no documentário, que reconhece parentes e amigos
de seu pai na obra O tempo e o vento. Podemos dizer, então, que são
personagens que pertencem à realidade? Por quê?
• Acompanhar o desenvolvimento das atividades.
• Fazer a correção dos exercícios no grande grupo, proporcionando, assim, a troca
de ideias entre os estudantes e entre estes e o professor.
• Num segundo momento, questionar, oralmente, os alunos sobre a importância da
mulher na sociedade atual.
1) Na turma, quem trabalha e estuda?
2) Como são divididas as tarefas entre homens e mulheres em suas respectivas
casas?
3) Em casa, quem vocês consideram de fundamental importância: os homens (pai,
irmãos, avô, etc.) ou as mulheres (mãe, irmãs, avó, etc.)? Por quê?
• Entregar aos educandos o excerto do capítulo Ana Terra.
Ana Terra
Mal raiou o dia, Ana ouviu um longo mugido. Teve um estremecimento, voltou 1
a cabeça para todos os lados, procurando, e finalmente avistou uma das vacas 2
leiteiras da estância, que subia a coxilha na direção do rancho. A Mimosa! – 3
reconheceu. Correu ao encontro da vaca, enlaçou-lhe o pescoço com os braços, 4
ficou por algum tempo a sentir contra o rosto o calor bom do animal e a acariciar-lhe 5
o pêlo do pescoço. Leite pras crianças – pensou. O dia afinal de contas começava 6
bem. Apanhou do meio dos destroços do rancho um balde amassado, acocorou-se 7
ao pé da vaca e começou a ordenhá-la. E assim, quando Eulália, Pedrinho e Rosa 8
acordaram, Ana pôde oferecer a cada um deles um caneco de leite. 9
– Sabe quem voltou, meu fi lho? A Mimosa. 10
O menino olhou para o animal com olhos alegres. 11
– Fugiu dos bandidos! – exclamou ele. 12
Bebeu o leite morno, aproximou-se da vaca e passou-lhe a mão pelo lombo, 13
dizendo: 14
– Mimosa velha... Mimosa valente... 15
29
O animal parecia olhar com seus olhos remelentos e tristonhos para as 16
sepulturas. Pedro então perguntou: 17
– E as cruzes, mãe? 18
– É verdade. Precisamos fazer umas cruzes. 19
Com pedaços de taquara amarrados com cipós, mãe e filho fizeram quatro 20
cruzes, que cravaram nas quatro sepulturas. Enquanto faziam isso, Eulália, que 21
desde o despertar não dissera uma única palavra, continuava sentada no chão a 22
embalar a filha nos braços, os olhos voltados fixamente para as bandas do Rio 23
Pardo. 24
No momento em que cravara a última cruz, Ana teve uma dúvida que a 25
deixou apreensiva. Só agora lhe ocorria que não tinha escutado o coração dum dos 26
escravos. O mais magro deles estava com a cabeça decepada – isso ela não podia 27
esquecer... Mas e o outro? Ela estava tão cansada, tão tonta e confusa que nem 28
tivera a ideia de verificar se o pobre do negro estava morto ou não. Tinham 29
empurrado o corpo para dentro da cova e atirado terra em cima... Ana olhava, 30
sombria, para as sepulturas. Fosse como fosse, agora era tarde demais. “Deus me 31
perdoe” – murmurou ela. E não se preocupou mais com aquilo, pois tinha muitas 32
outras coisas em que pensar. 33
Começou a catar em meio dos destroços do rancho as coisas que os 34
castelhanos haviam deixado intatas: a roca, o crucifixo, a tesoura grande de podar – 35
que servira para cortar o umbigo de Pedrinho e de Rosa –, algumas roupas e dois 36
pratos de pedra. Amontoou tudo isso e mais o cofre em cima dum cobertor e fez 37
uma trouxa. 38
Naquele dia alimentaram-se de pêssegos e dos lambaris que Pedrinho 39
pescou no poço. E mais uma noite desceu – clara, morna, pontilhada de vaga-lumes 40
e dos gemidos dos urutaus. 41
Pela madrugada Ana acordou e ouviu o choro da cunhada. Aproximou-se dela 42
e tocou-lhe o ombro com a ponta dos dedos. 43
– Não há de ser nada, Eulália... 44
Parada junto de Pedro e Rosa, como um vaga-lume pousado a luciluzir entre 45
os chifres, a vaca parecia velar o sono das crianças, como um anjo da guarda. 46
– Que vai ser de nós agora? – choramingou Eulália. 47
– Vamos embora daqui. 48
– Mas pra onde? 49
30
– Pra qualquer lugar. O mundo é grande. 50
Ana sentia-se animada, com vontade de viver. Sabia que, por piores que fossem as 51
coisas que estavam por vir, não podiam ser tão horríveis como as que já tinha 52
sofrido. Esse pensamento dava-lhe uma grande coragem. E ali deitada no chão a 53
olhar para as estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava 54
quase a ser indiferença. Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca 55
mais teria vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte 56
por causa de Pedrinho, que afinal de contas não tinha pedido a ninguém para vir ao 57
mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra. A sorte andava sempre virada 58
contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de 59
pensar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem 60
conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com medo no 61
coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, 62
trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? 63
Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e 64
deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem 65
amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. 66
Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.67
VERÍSSIMO, Érico. O tempo e o vento. 34.ed. São Paulo: Globo, 1997.
• Solicitar a leitura silenciosa do texto. Orientar os estudantes para que observem
os aspectos psicológicos da protagonista. E seguida, fazer a leitura oral do mesmo.
• Pedir que os alunos, em duplas, de forma escrita, respondam ao questionário.
1) Com base no texto, o que se pode dizer sobre a linguagem utilizada pelo autor?
2) Trace o perfil psicológico de Ana Terra. Observe atitudes, reações, sentimentos,
entre outros.
3) Baseados no texto, digam por que Ana Terra se tornou um símbolo da mulher
gaúcha?
4) Faça um quadro comparativo entre a personagem Ana Terra, criada em 1949, e
a mulher moderna (século XXI). Atente para as atitudes, as reações, os afazeres,
os sentimentos, entre outros.
• Acompanhar o desenvolvimento da tarefa.
31
• Fazer a correção das questões com a turma, sempre possibilitando a interação
entre os estudantes e entre estes e o educador.
• Numa etapa posterior, iniciar um diálogo sobre o papel do homem na sociedade
moderna.
1) Quais as principais funções dos homens dentro de suas respectivas famílias?
2) Você concorda com a ideia de que o homem é “sexo forte”? Por quê?
• Entregar um excerto do capítulo Um certo capitão Rodrigo.
Um certo Capitão Rodrigo
Toda gente tinha achado estranha a maneira como o Cap. Rodrigo Cambará 1
entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, 2
com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho 3
altivamente erguida e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo 4
fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava um 5
alazão, vestia calças de riscado, botas com chilenas de prata e o busto musculoso 6
apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal. Tinha um 7
violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao sol daquela 8
tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao pescoço esvoaçava no 9
ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no 10
tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas, batendo na coxa direita com o 11
rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido: 12
– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de 13
talho! 14
Havia por ali uns dois ou três homens, que o miraram de soslaio sem dizer 15
palavra. Mas dum canto da sala ergueu-se um moço moreno, que puxou a faca, 16
olhou para Rodrigo e exclamou: 17
– Pois dê! 18
Os outros homens afastaram-se como para deixar a arena livre, e Nicolau, 19
atrás do balcão, começou a gritar: 20
– Aqui dentro não! Lá fora! Lá fora! 21
Rodrigo, porém, sorria, imóvel, de pernas abertas, rebenque pendente do 22
pulso, mãos na cintura, olhando para o outro com um ar que era ao mesmo tempo 23
de desafio e simpatia. 24
32
– Incomodou-se, amigo? – perguntou, jovial, examinando o rapaz de alto a 25
baixo. 26
– Não sou de briga, mas não costumo aguentar desaforo. 27
– Oôi bicho bom! 28
Os olhos de Rodrigo tinham uma expressão cômica. 29
– Essa sai ou não sai? – perguntou alguém do lado de fora, vendo que 30
Rodrigo não desembainhava a adaga. O recém-chegado voltou a cabeça e 31
respondeu calmo: 32
– Não sai. Estou cansado de pelear. Não quero puxar arma pelo menos por 33
um mês. – Voltou-se para o homem moreno e, num tom sério e conciliador, disse: 34
– Guarde a arma, amigo. 35
O outro, entretanto, continuou de cenho fechado e faca em punho. Era um 36
tipo indiático, de grossas sobrancelhas negras e zigomas salientes. 37
– Vamos, companheiro – insistiu Rodrigo. – Um homem não briga debalde. 38
Eu não quis ofender ninguém. Foi uma maneira de falar... 39
Depois de alguma relutância o outro guardou a arma, meio desajeitado, e 40
Rodrigo estendeu-lhe a mão, dizendo: 41
– Aperte os ossos. 42
O caboclo teve uma breve hesitação, mas por fim, sempre sério, apertou a 43
mão que Rodrigo lhe oferecia. 44
– Agora vamos tomar um trago – convidou este último. 45
– Mas eu pago – disse o outro. 46
Tinha lábios grossos, dum pardo avermelhado ressequido. 47
– O convite é meu. 48
– Mas eu pago – repetiu o caboclo. 49
– Está bem. Não vamos brigar por isso. 50
Aproximaram-se do balcão. 51
– Duas caninhas! – pediu Rodrigo. 52
Nicolau olhava para os dois homens com um sorriso desdentado na cara de 53
lua cheia, onde apontava uma barba grossa e falha. 54
– É da boa – disse ele, abrindo uma garrafa de cachaça e enchendo dois 55
copinhos. 56
Houve um silêncio durante o qual ambos beberam: o moço em pequenos 57
goles, e Rodrigo dum sorvo só, fazendo muito barulho e por fim estralando os lábios. 58
33
Tornou a pôr o copo sobre o balcão, voltou-se para o homem moreno e disse: 59
– Meu nome é Rodrigo Cambará. Como é a sua graça? 60
– Juvenal Terra. 61
– Mora aqui no povo? 62
– Moro. 63
– Criador? 64
O outro sacudiu a cabeça negativamente. 65
– Faço carreteadas daqui pro Rio Pardo e de lá pra cá. 66
– Mais um trago? 67
– Não. Sou de pouca bebida. 68
Rodrigo tornou a encher o copo, dizendo: 69
– Pois comigo, companheiro, a coisa é diferente. 70
Não tenho meias medidas. Ou é oito ou oitenta. 71
– Hai gente de todo o jeito – limitou-se a dizer Juvenal.72
VERÍSSIMO, Érico. O tempo e o vento. 34.ed. São Paulo: Globo, 1997.
• Solicitar a leitura silenciosa do texto. Orientar os estudantes para que observem
os aspectos psicológicos do protagonista. Em seguida, fazer a leitura oral do
mesmo.
• Pedir que os alunos, em duplas, de forma escrita, respondam ao questionário:
1) Faça um perfil psicológico de Rodrigo Cambará. Observe as atitudes, as
reações, os sentimentos, etc.
2) De bela figura física e não de menor carisma, Rodrigo Cambará conquista a vila
de Santa Fé com seus ditos espirituosos. Retire do texto uma fala de Rodrigo
Cambará que ratifique essa afirmação.
3) A partir do texto, por que se pode dizer que Rodrigo Cambará se tornou o
símbolo do gaúcho?
4) Nos tempos atuais, pode-se dizer que o homem gaúcho está traduzido na figura
do Capitão Rodrigo Cambará (atitudes, reações, sentimentos, entre outros)? Por
quê?
• Acompanhar a realização da tarefa.
• Fazer a correção das questões propostas com o grande grupo, criando
condições para um debate entre os educandos.
34
• Na sequência, estabelecer um diálogo sobre as figuras masculina e feminina.
1) Como podemos relacionar a personalidade dos personagens analisados (Ana
Terra e Rodrigo Cambará) com a personalidade dos homens e mulheres
modernos?
• Entregar o texto de Martha Medeiros aos alunos.
Mamãe Noel
Martha Medeiros
Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que 1
um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele 2
que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco 3
pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar 4
vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu 5
o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, 6
direção hidráulica e air bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para 7
receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da 8
Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe. 9
Quem é a melhor amiga do Molocoton; quem sabe a diferença entre a Mulan 10
e a Esmeralda; quem conhece o nome de todas as Chiquititas; quem merecia ser 11
sócia majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho. 12
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos 13
e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, 14
anjos, fitas e luzinhas, deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem 15
desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro? 16
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de 17
cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o 18
sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos 19
decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar 20
algum disco meloso à mão? 21
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, 22
o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo 23
35
secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele 24
não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto propaganda. 25
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono 26
no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega 27
sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra 28
no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou 29
os mesmos presentes do ano passado? 30
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em 31
quem todos deveriam acreditar mais. 32
• Solicitar a leitura silenciosa da crônica, a qual será seguida de uma leitura oral.
Antes da leitura individual, orientar os alunos para que observem a linguagem e as
referências feitas às figuras feminina e masculina.
• Estabelecer um diálogo sobre o gênero do texto lido.
1) O que é uma crônica?
2) Onde podem ser publicadas as crônicas?
3) Em geral, que assuntos são enfocados nas crônicas?
• Pedir que os alunos, em duplas, de forma escrita, respondam às questões:
1) Segundo o texto, por que Mamãe Noel existe?
2) Na sua opinião, a questão de a mulher ter de tomar conta de vários afazeres
acontece somente no Natal? Por quê?
3) Qual a linguagem utilizada no texto?
4) A partir do texto, qual a imagem que a autora passa da figura masculina? Você
concorda com ela?
5) Estabeleça, a partir de seu conhecimento, as atribuições masculinas e femininas
na sociedade moderna. Utilize as figuras abaixo.
36
• Feitos os apontamentos, convidar os alunos para, num grande círculo,
compartilharem suas opiniões oralmente.
• Num momento posterior, conduzir uma conversa sobre as novas formas de
concepção do ser humano.
1) Quais tipos de concepção humana artificial você conhece? O que acha desse
tipo de concepção?
2) Os novos métodos de concepção podem influenciar na identidade do ser
humano? Por quê?
3) Você conhece alguém que foi concebido artificialmente? Essa pessoa tem algo
de diferente?
• Entregar o poema O novo homem, de Carlos Drummond de Andrade.
O novo homem
O homem será feito em laboratório. Será tão perfeito como no antigório. Rirá como gente, beberá cerveja deliciadamente. Caçará narceja e bicho do mato. Jogará no bicho, tirará retrato
Nascerá bonito? Corpo bem talhado? Claro: não é mito, é planificado. Nele, tudo exato, medido, bem-posto: o justo formato, o standard do rosto. Duzentos modelos, todos atraentes. (Escolher, ao vê-los,
37
com o maior capricho. Usará bermuda e gola roulée. Queimará arruda indo ao canjerê, e do não-objeto fará escultura. Será neoconcreto se houver censura. Ganhará dinheiro e muitos diplomas, fino cavalheiro em noventa idiomas. Chegará a Marte em seu cavalinho de ir a toda parte mesmo sem caminho. O homem será feito em laboratório, muito mais perfeito do que no antigório. Dispensa-se amor, ternura ou desejo. Seja como flor (até num bocejo) salta da retorta um senhor garoto. Vai abrindo a porta com riso maroto: "Nove meses, eu? Nem nove minutos." Quem já conheceu melhores produtos? A dor não preside sua gestação. Seu nascer elide o sonho e a aflição.
nossos descendentes.) Quer um sábio? Peça. Ministro? Encomende. Uma ficha impressa a todos atende. Perdão: acabou-se a época dos pais. Quem comia doce já não come mais. Não chame de filho este ser diverso que pisa o ladrilho de outro universo. Sua independência é total: sem marca de família, vence a lei do patriarca. Liberto da herança de sangue ou de afeto, desconhece a aliança de avô com seu neto. Pai: macromolécula; mãe: tubo de ensaio e, per omnia secula, livre, papagaio, sem memória e sexo, feliz, por que não? pois rompeu o nexo da velha Criação, eis que o homem feito em laboratório sem qualquer defeito como no antigório, acabou com o Homem. Bem feito.
• Solicitar a leitura silenciosa do poema. Em seguida, fazer a leitura oral do
mesmo.
• Pedir que os estudantes, de forma escrita, em duplas, respondam às seguintes
questões:
1) Por que no penúltimo verso a palavra “homem” aparece grifada com inicial
maiúscula?
38
2) Segundo o poema, o que os métodos artificiais de concepção podem fazer com
o homem?
3) “Bem feito” é o que se lê no último verso. A expressão sugere mais de um
significado. Quais?
4) Os últimos versos dizem que o “homem feito em laboratório (...) acabou com o
Homem”. Você concorda com essa afirmação? Justifique a sua resposta.
5) Escreva um poema que aborde a sua visão sobre o “novo homem”. Se preferir,
escreva um parágrafo.
• Juntamente com toda a turma, fazer a correção oral e discutida das questões.
Proposta de Ensino 02
Série: ensino médio
• Estabelecer um diálogo inicial para motivar os alunos a assistirem ao curta.
• Assistir ao filme O padeiro e as revoluções. Antes orientar os educandos para
que prestem atenção e anotem, por exemplo:
a) Em que obra o curta é baseado.
b) Como é marcada a cronologia.
c) Onde se passa a história.
• Visto o filme, conversar com os alunos sobre suas impressões, o porquê do título
e as anotações que fizeram, conforme solicitado.
• Entregar o conto De como um padeiro de Porto Alegre chegou à seguinte
dedução: as revoluções não mudam apenas a vida dos povos, de Luiz Antônio de
Assis Brasil e solicitar a leitura o texto. Orientar os estudantes para que destaquem
as diferenças percebidas nos acontecimentos dos fatos (entre o filme e o conto).
• Conversar com os alunos sobre as particularidades do texto literário escrito e do
texto literário representado. Podem-se citar outros exemplos de obras literárias que
também serviram de base para filmes.
• Oralmente, pedir que os alunos destaquem as diferenças que perceberam entre
o curta e o conto (aquelas que eles destacaram no texto).
• Propor questões escritas que reflitam sobre:
39
1) a linguagem (tipo de linguagem, tipo de discurso, se as palavras de baixo calão
empregadas interferem no texto como um todo, etc.);
2) os conflitos do personagem e como isso aparece no texto;
3) as ações e reações do padeiro.
• Produção escrita: Propor à turma a produção de uma releitura do conto
(individual ou em duplas), instigando-os com questionamentos como:
1) O que aconteceria se a esposa tivesse levado bolo para o marido na prisão na
segunda vez em que ele esteve preso?
2) Se o padeiro não tivesse reagido de forma provocativa aos republicanos na
primeira vez, como provavelmente seria a sua história, o que ocorreria em sua
vida? E na segunda vez?
3) Se a amante (prostituta) tivesse guardado rancor do padeiro pela agressão que
sofrera, como poderia ter sido o desfecho da história?
Proposta de Ensino 03
Série: ensino médio
• Estabelecer uma conversa sobre a escravidão e as desigualdades sociais.
• Entregar impresso aos alunos o poema O navio negreiro, de Castro Alves, e
solicitar a leitura silenciosa.
• Conversar com a turma sobre o poema, tirar dúvidas sobre o vocabulário,
discutir a temática, a forma de escrita e a estrutura, verificando o que os alunos
constataram na leitura.
• Solicitar que os alunos respondam, no caderno, às seguintes questões:
1) Que mensagem o poema transmite em seu início? Até que parte transmite essa
mesma mensagem?
2) A partir de que parte a voz poética do poema passa a descrever um cenário
diferente do apresentado até então? O que marca essa transformação?
3) No Canto IV, os versos cinco e seis dizem o seguinte:
“Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar”.
40
O que você entende por “horrendos a dançar”? Que “dança” era essa?
4) Nesse ponto, a voz lírica já descobriu o motivo e o destino da viagem? Quais
são? A voz lírica concorda com isso?
5) No Canto VI, a voz poética refere-se a um povo que empresta a bandeira para o
que ocorre no barco, ou seja, refere-se ao país para o qual se dirige o navio. Que
país é esse? Que marcas indicam esse país no texto?
6) O poema apresenta diversas figuras de linguagem. Identifique as figuras
solicitadas e explique que efeito elas causam no texto e que impressão passam ao
leitor:
a) metáfora:
b) metonímia:
c) comparação:
• Após os alunos terem respondido às questões, debater com a turma sobre as
respostas apresentadas.
• Discutir rapidamente com a turma a questão da desigualdade social e da
escravidão, questionando se esse regime de trabalho é algo que realmente ficou no
passado.
• Como sequência da discussão, entregar impresso aos alunos o conto Pai conta
mãe, de Machado de Assis, e solicitar a leitura silenciosa. Orientá-los para que,
durante a leitura, prestem atenção e destaquem, no texto, o tema e o costume social
da época:
• Após a leitura, iniciar uma conversa sobre o conto esclarecendo dúvidas sobre o
texto e verificando as impressões dos alunos.
• Solicitar que os alunos reúnam-se em pequenos grupos (três ou quatro
integrantes) para discutirem as questões expostas, que devem também ser
respondidas no caderno.
1) Nessa primeira leitura, em que época você acredita que a história ocorra? Que
elementos do texto evidenciam isso?
2) O terceiro parágrafo do texto diz o seguinte: “[...] Eram muitos, e nem todos
gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancadas e nem
todos gostavam de apanhar pancada”. Você acredita que o narrador, quando faz
essa afirmação, está realmente querendo dizer que alguns escravos gostam de
escravidão e de apanhar? Comente.
41
3) No mesmo parágrafo, qual a intenção do narrador ao afirmar: “[...] o sentimento
da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói”?
4) O que significa o título Pai contra mãe? Que relação ele tem com o texto?
5) Que outro título você daria ao texto? Não esqueça de que deve haver alguma
relação com o texto e que o título deve despertar curiosidade no leitor.
6) Machado de Assis é conhecido, entre outras coisas, pela desconstrução da
narrativa linear, ou seja, rompe com a cronologia (início, meio e fim) em suas
obras. Essa característica se aplica ao conto Pai contra mãe? Fundamente sua
resposta com trechos do próprio texto.
• Após as questões terem sido respondidas pelos grupos, realizar um novo
debate, com cada grupo expondo suas respostas e opiniões.
• Assim que encerrar a conversa sobre as respostas, verificar com os alunos suas
últimas impressões sobre o conto. Além disso, lançar questões orais para que
comparem esse texto com o anterior (O navio negreiro, de Castro Alves).
• Como passo seguinte, entregar o poema abaixo e solicitar a primeira tarefa:
1) Ler o poema e completá-lo com as palavras bicho e homem.
O __________
Manuel Bandeira
Vi ontem um _________
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O _________ não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O _________, meu Deus, era um _________.
42
• Posteriormente, fazer a leitura na íntegra do poema e conversar com os alunos a
respeito de suas primeiras impressões do texto.
• Oralmente, analisar a estrutura do poema, seu vocabulário e sua sintaxe.
• Pedir que eles respondam às questões no caderno:
1) Pode-se dizer que o poema apresenta uma temática social. Como o autor
explicita essa temática?
2) No segundo verso da primeira estrofe, aparece a palavra pátio. Pode-se
estender a abrangência dessa palavra a quais outros lugares?
3) No seu dia-a-dia, você costuma ver a realidade exposta pelo poema (ruas,
jornais, revistas, televisão)? Como você se sente diante de tal situação? Como
você acha que poderia colaborar para a reversão desse quadro?
4) O poema de Manuel Bandeira foi escrito em uma época bem diferente daquela
em que Machado de Assis escreveu Pai contra mãe. Mesmo assim, é possível
estabelecer alguma relação entre a condição humana exposta no poema e a
apresentada no conto de Machado, principalmente em relação à escrava Arminda?
Explique sua posição.
• Após os alunos terem respondido às questões, debater com a turma sobre as
respostas apresentadas.
• Dando continuidade ao tema, solicitar a leitura do conto Negrinha, de Monteiro
Lobato:
1) Ler o conto e sublinhar as palavras que caracterizam a personagem Negrinha.
Circular também as características de Dona Inácia.
• Pedir que os alunos respondam às questões no caderno:
1) O conto em análise constrói personagens representativos de camadas
desprestigiadas da população. Como isso aparece no texto?
2) As características atribuídas à Negrinha e à Dona Inácia são condizentes com
suas respectivas atitudes e reações? Por quê?
3) Manuel Bandeira utiliza a palavra bicho para representar a condição humana.
Monteiro Lobato não usa essa palavra, mas coloca Negrinha na mesma condição.
Retire do conto um trecho em que isso apareça.
4) O que representa a utilização dos anjos e das bonecas louras, de olhos azuis, no
final do conto?
43
5) A realidade vivida por Negrinha na narrativa não existe apenas na ficção. Todos
os dias tomamos conhecimento de maus-tratos contra crianças. Na sua opinião, o
que tem provocado essa situação e o que poderia ser feito para solucionar esse
problema?
• Debate: Depois de encerradas as atividades relativas ao último texto, promover
um debate sobre a temática comum a todos os textos do projeto (crítica social).
Verificar se os alunos conseguiram identificar os tipos de preconceitos e
desigualdades tratados nos textos e comentar outros que existem, tendo como
referência a sociedade atual.
• Documentário: Com o debate encerrado, promover uma sessão de vídeo para
exibir o documentário brasileiro Pro dia nascer feliz, lançado em 2006. O filme
apresenta a realidade escolar brasileira, mostrando o cotidiano de escolas públicas e
particulares de três estados, despertando revolta quanto às diferenças na educação
entre as classes pobres e as mais privilegiadas.
• Após a exibição do documentário, debater com os alunos sobre as situações
apresentadas, a realidade em que vivem, as formas de melhorar suas perspectivas,
possíveis soluções para o caos instalado na educação de nosso país etc.
• Pesquisa: Dividir a turma em grupos e solicitar que pesquisem, na mídia falada e
escrita (jornais, revistas, internet, televisão, rádio, etc.), reportagens e matérias que
abordem situações de preconceito e desigualdade social por raça, sexo, idade,
condições financeiras, condições de trabalho etc. Por exemplo, pessoas que são
encontradas trabalhando em regime de escravidão, pessoas discriminadas por seu
sexo ou cor no mercado de trabalho etc.
• Produção: Os alunos devem levar para a sala de aula os materiais encontrados,
apresentar para a turma suas descobertas e comentar sobre os assuntos de que
elas tratam, gerando o debate no grupo. Após a exposição em sala de aula ter sido
realizada, propor aos alunos uma destas tarefas, de acordo com os recursos da
escola:
1) construção de murais expondo o conteúdo pesquisado;
2) criação de um blog expondo o trabalho realizado, divulgando os materiais
encontrados;
44
3) apresentação do trabalho realizado em algum evento geral da escola (Feira do
Livro, por exemplo), expondo para toda a comunidade escolar os resultados
obtidos na pesquisa, a percepção dos alunos, etc.
45
5 CONCLUSÃO
O ensino de literatura no nível médio está em crise. Os alunos demonstram
total desinteresse pela disciplina. Os professores se questionam sobre como
trabalhar a literatura em sala de aula, a fim de promover a leitura, a interpretação e a
análise de textos literários. Também são escassas as discussões acerca do assunto,
pois poucos são os textos que se encontram sobre o ensino de literatura. Teóricos e
estudiosos da área ainda falam timidamente sobre o assunto.
A questão é que, enquanto os professores não sabem ao certo o que fazer,
alguns entraves vão ganhando espaço no ensino de literatura. São eles:
• Pouca leitura literária.
• Seleção inadequada de obras literárias.
• Repetidas técnicas de abordagem ao texto literário.
• Aulas de história da literatura.
• Estudo do que dizem os críticos literários.
• Leitura apenas dos clássicos da literatura.
• Uso acrítico do livro didático.
• Atividades de identificação, cujo objetivo é atribuir notas.
Essas práticas, no entanto, favorecem uma noção restrita do que é literatura e
o consequente afastamento dos educandos da disciplina. Assim, torna-se quase
impossível que se tenham alunos que leiam por prazer, que interajam com o texto
literário e que promovam o diálogo entre as diferentes realidades. É necessário,
então, que as instituições de ensino, tanto as de ensino médio quanto as de ensino
superior, reavaliem suas metodologias e seus conceitos, pois enquanto isso não
acontecer, as aulas de literatura continuarão fadadas ao fracasso.
Para que se dê a aceitação dos estudos literários por parte dos alunos, é
preciso, por exemplo:
• que sejam propostas leituras relacionadas à realidade e que ampliem
seus horizontes;
• que seja promovida a interação entre os discentes e o texto literário;
• que haja a valorização e o estudo das obras literárias;
46
• que se levem para a sala de aula tanto a literatura clássica quanto a
contemporânea;
• que se façam outras abordagens à literatura (por época, por tema, por
gênero, etc.);
• que se proponham atividades reflexivas;
• que o livro didático sirva de apoio aos professores e não impere como
único e absoluto no ensino de literatura.
A partir da realização deste trabalho, pode-se dizer que a maior parte dos
equívocos existentes no ensino de literatura está atrelada ao uso do livro didático.
Comumente, os professores adotam os manuais e os seguem sem avaliá-los
criticamente. Nos três exemplares analisados o que se percebeu foi uma abordagem
que privilegia a história da literatura, em que há destaque para as características
estéticas e estilísticas de cada escola literária. Os textos e os autores são, em sua
maioria, os clássicos, restando pouco espaço para aqueles que não foram
consagrados pela crítica literária.
Ressalta-se, porém, que se pôde notar uma tentativa de mudança de
concepção de ensino de literatura no livro de Cereja e Magalhães. Esse livro, além
de não separar o conteúdo de língua portuguesa e de literatura em dois blocos
distintos, apresenta, ao lado dos textos em prosa, textos teatrais, letras de música,
imagens. Podem ser iniciativas tímidas ainda, mas é uma pequena mostra de que
ensino de literatura tem outras possibilidades de se realizar.
47
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=265&Itemid=255>. Acesso em: 09 abr. 2008. DIDÁTICO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3.ed. 2.reimp. rev. e atual. Curitiba: Positivo, 2004. FREINET apud LEITE, Lígia Chiappini Moraes. Invasão da catedral: literatura e ensino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. (Novas Perspectivas, 6) GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar? São Paulo: Parábola, 2006. (Série Estratégias de Ensino, 4). LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001. ______. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/cibec/1996/periodicos/em_aberto_69.doc>. Acesso em: 21 ago. 2009. LEITE, Lígia Chiappini de Moraes. Gramática e literatura: desencontros e esperanças. In: GERALDI, João Wanderley Geraldi (Org.). O texto na sala de aula. 3.ed. 10 reimp. São Paulo: Ática, 2005. (Coleção na Sala de Aula). ______. Invasão da catedral: literatura e ensino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. (Novas Perspectivas, 6) LITERATURA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3.ed. 2.reimp. rev. e atual. Curitiba: Positivo, 2004. MARTINS, Ivanda. A literatura no ensino médio: quais os desafios do professor? In: BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006. (Estratégias de Ensino, 2)
48
PINHEIRO, Hélder. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006. (Estratégias de Ensino, 2) PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. 3.ed. São Paulo: Ática, 1990. QUEIROZ, Vera; SANTOS, Roberto Corrêa dos. Linhas para o ensino de literatura. In: BECKER, Paulo; BARBOSA, Márcia Helena. (Orgs.). Questões de literatura. Passo Fundo: UPF, 2003. TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução de Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.
49
OBRAS CONSULTADAS
FRACALANZA, Hilário; SANTORO, Maria Isabel; MELLO, Rachel Fullin de. O que sabemos sobre livro didático: catálogo analítico. São Paulo: UNICAMP, 1989. GIROTTO, Cyntia G. G. Simões; SOUZA, Renata Junqueira de. Literatura infantil e juvenil: seleção de livros e textos, justificativas das escolhas sob o olhar do professor do ensino fundamental. Letras de Hoje. Porto Alegre, n.2, v.43, p.64-70, abr.-jun. 2008. MARCO, Valéria de; LEITE, Lígia Chiappini M.; SPERBER, Suzi Frankl (Orgs.). Língua e literatura: o professor pede a palavra. São Paulo: Cortez, 1981. MÜGGE, Ernani; SARAIVA, Juracy Assmann. Literatura na escola: propostas para o ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006. SANTOS, Salete Rosa Pezzi dos; ZINANI, Cecil Jeanine Albert. Leitura e literatura: pesquisa em sala de aula, uma alternativa em sala de aula. Letras de Hoje. Porto Alegre, n.2, v.43, p.71-74, abr.-jun. 2008.