as etapas do discurso aristotélico em layouts publicitários

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  • 8/9/2019 As Etapas do Discurso Aristotlico em Layouts Publicitrios

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Curitiba, PR 4 a 7 de setembro de 2009

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    As Etapas do Discurso Aristotlico emLayouts Publicitrios.1

    Camila MORALES2Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

    RESUMO

    notrio que as mensagens publicitrias utilizam recursos retricos para persuadir. Taisrecursos so comumente verificados em texto. Neste trabalho sistematizamos os

    principais aspectos do discurso deliberativo propostos por Aristteles, para verificarcomo estes aspectos podem ser desempenhados no s por textos, mas tambm poraspectos imagticos da mensagem. No final conclumos sobre o ganho de importnciada visualidade na persuaso publicitria contempornea.

    PALAVRAS-CHAVE: Layout publicitrio; retrica aristotlica; visualidade.

    Introduo

    De forma ampla, pode-se definir publicidade como uma ferramenta de divulgao

    e construo de imagem favorvel para produtos e servios, que tem como fins possveis

    estimular a compra de um bem ou adoo de uma prtica. Para atingir seus objetivos, as

    mensagens publicitrias utilizam a persuaso pela retrica.

    Entre os trs gneros da retrica aristotlica, um em especial aparece de forma

    dominante na publicidade, o discurso deliberativo. Segundo Aristteles, a eficincia dos

    discursos est ligada a sua forma de organizao, cuja verificao em publicidade

    geralmente restrita a textos. A sugesto deste trabalho de que, em peas publicitrias

    impressas, possvel perceber que o layout assume algumas de suas etapas. Assim,

    aspectos imagticos da mensagem, como fontes, fotografias e disposio dos elementos,

    podem total ou parcialmente chamar a ateno, ligar o argumento ao produto, demonstrarvantagens ou concluir, resumindo a sugesto apresentada na pea.

    Essa sugesto pretende desfazer uma defasagem terica a respeito do que

    acontece na prtica, pois muito se investiga sobre a importncia da visualidade na

    publicidade contempornea, mas estes estudos no sistematizam, como j fizeram os

    1 Trabalho apresentado no GP Publicidade e Propaganda, IX Encontro dos Grupos/Ncleos de Pesquisas emComunicao, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.

    2 Publicitria, Mestranda em comunicao pela Faculdade de Comunicao Social, da Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio Grande do Sul PUCRS, e-mail: [email protected]

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    estudos sobre o texto publicitrio, como os elementos imagticos assumem as etapas do

    discurso. Acredita-se que, ao fazer essa sistematizao, formar-se- uma conjunto de

    categorias que ajudaro na anlise geral da persuaso da publicidade contempornea.

    Para cumprir seu objetivo, esse trabalho foi dividido em trs partes. Na primeira,

    expe-se idias acerca da visualidade que contextualiza o ganho de importncia que este

    trabalho confere ao tema. No seguinte, so apresentados os conceitos centrais de retrica e

    persuaso. Por fim, na terceira parte, explica-se a organizao do discurso de Aristteles e,

    atravs da anlise de peas grficas, procura-se demonstrar a tese central deste trabalho:

    como os aspectos imagticos assumem as etapas do discurso deliberativo.

    Publicidade e Visualidade

    O ganho de importncia da visualidade na propaganda se d paralelamente

    popularizao das imagens na sociedade, nos seus mais variados nveis. As novas

    tecnologias de impresso, a facilidade de manipulao e a popularizao de meios de

    propagao de imagem, fizeram com que crescesse a capacidade do pblico de ler

    imagens. Por sua vez, o texto escrito uma forma de comunicao que exige ateno,

    concentrao e tempo, fatores com os quais o pblico desacostumou-se.

    Agora todos zapam e zipam em todos os nveis e a todos os pretextos,uma vez que a televiso (e a resistncia a ela) criou um espectadordiferente, que mantm com as imagens e sons uma relao fundamentalde impacincia e evaso, o efeito zapping acaba por contaminar asmensagens ao nvel da prpria produo e vira modelo de construo(MACHADO, 1996, p. 160-161).

    Dondis (2003, p.3) acrescenta que vivemos, atualmente, em um universo

    simblico, no qual o modo visual constitui todo um corpo de dados, como linguagem,

    podendo ser usados para compor e compreender mensagens em diversos nveis de

    utilidade. Assim, o pblico capaz de decodificar os signos cada vez mais rpida e

    eficazmente.

    Para Santaella (2004, p.16-49), o termo leitura definitivamente deve ser

    expandido da concepo de simples decifrao de letras. O processo iniciado pelos livros

    ilustrados medievais, que culmina hoje com os suportes eletrnicos de estruturas hbridas e

    alineares, foi alterando o processo de cognio e percepo das pessoas. Tais alteraes

    expandiram o ato de leitura, passando a incluir, na decifrao de palavras e letras, a relao

    entre palavras e imagens, desenhos, tamanhos de tipos, grficos, diagramao, etc....

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    (...) Com o surgimento dos grandes centros urbanos e com a exploso da publicidade, o escrito, inextricavelmente unido imagem, veiocrescentemente se colocar diante dos nosso olhos na vida cotidiana pormeio das embalagens de produtos, do cartaz, dos sinais de trnsito, nospontos de nibus, nas estaes de metr, enfim, em um grande nmero desituaes em que praticamos o ato de ler de modo to automtico quenem chegamos a nos dar conta disso (SANTAELLA, 2004, p.17).

    Munari (2001 p.65) defende que uma imagem pode ser considerada uma

    mensagem, pois pode ser decodificada por nossos sentidos e interpretada a partir de nossos

    traos culturais, fornecendo informaes. Assim, a comunicao visual seria tudo o que os

    nossos olhos vem e que tem um valor diferente do contexto em que esto inseridas.

    Ao analisarmos a trajetria da comunicao visual3, podemos encontrar em vrios

    momentos da histria as imagens como soluo para o escasso alfabetismo verbal.Lipovetsky (2004) afirma, porm, que na contemporaneidade o excesso de signos visuais

    em que vivemos conseqncia de um estgio de representao denonimado

    hiperrealidade. Nesse contexto, as imagens no se prestam apenas para tornar legvel uma

    informao para um pblico que no compreende os cdigos verbais, mas tambm tm

    como objetivo estimular a sensibilidade do pblico e, especialmente, provocar diferentes

    tipos de reaes.

    Para Joly (1996, p.38), a linguagem visual, na maioria dos casos, possui poder

    instantneo de comunicao, visto que, para o entendimento de uma imagem, comparando

    com a compreenso de um texto, no necessrio o conhecimento prvio do cdigo e uma

    pr-disposio para receb-lo e decodific-lo. Como explica Leite (2003, p.26), sobre as

    mensagens publicitrias,

    no primeiro contato que se baseia grande parte do nosso [sociedade] julgamento de valor. O contato inicia-se, geralmente, por meio de umaconfrontao com a imagem, quando a soluo visual traduz amensagem, a ser identificada e compreendida. A forma precede o

    contedo. Mesmo quando os dois ocorrem aparentemente ao mesmotempo, a mensagem visual antecede experimentao.

    So trs as categorias fundamentais de imagens, cada uma delas capaz de resolver

    diferentes operaes lingsticas: as figurativas, as no-representativas ou abstratas e as

    simblicas. De acordo com a ndole representativa da primeira e a ambigidade das

    3 Entre os vrios exemplos do uso da comunicao visual com esse fim, exemplificamos com o destacado por Rahde

    e Cauduro (2005,p. 196): Nos sculos IV e V d. C. desenvolveu-se uma gigantesca iconografia crist, e os afrescos eas esttuas nas igrejas e baslicas constituram-se em representaes de fcil leitura para os analfabetos (...)

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    seguintes, o tipo de comunicao e interpretao fomentada por cada umas delas diferente

    ( SANTAELLA, 2001, p.82-90).

    As imagens figurativas fazem aluso de forma mais direta ao seu referente,

    delimitando mais o significado e o nmero de interpretaes, caracterstica que intensifica

    o carter temporal do que elas comunicam. Portanto, tm efeito restritivo sobre a vida da

    pea grfica. Nas imagens de denotao analgica, compreendemos a mensagem baseando-

    nos naquilo que vemos e identificamos em nossa experincia visual cotidiana. Um exemplo

    desse tipo de imagem a fotografia, pois capaz de representar algo muito prximo da

    realidade.

    As imagens abstratas, em que um determinado fato visual reduzido a suas

    formas visuais mais bsicas e elementares, comunicam aspectos mais emocionais e

    primitivos. Essas imagens oferecem significados mais abertos e a conseqente abertura da

    amplitude interpretativa. A cada contato do receptor com a pea grfica, possvel o

    surgimento de novas interpretaes. Desse modo, a pea adapta-se ao novo momento,

    atualiza-se, tornando o artefato grfico mais duradouro.

    Na ltima categoria, asimblica, a imagem s compreendida como mensagem

    por aqueles que dominam determinado cdigo (sinais de trnsito, sada de emergncia,

    marcas corporativas etc). Assim, essas mensagens poderiam intercalar momentos de

    ambigidade e clareza, conforme o conhecimento do pblico.

    Dondis (2003, p.18) acrescenta que a linguagem visual jamais poder ser um

    sistema to lgico e preciso como o da linguagem verbal, j que essa ltima foi um sistema

    inventado pelo homem para codificar, armazenar e decodificar informaes. Porm, a

    mesma autora apresenta que h linhas gerais para a criao de composies, as quais so

    denominadas de sintaxe visual, formada por elementos bsicos que, quando bem

    manipulados, podem formar mensagens visuais claras.

    Os critrios para entendimento e produo de uma mensagem visual sodecorrentes da investigao humana da percepo. Os significados no esto apenas

    estruturados nos efeitos da distribuio dos elementos bsicos, mas tambm no mecanismo

    perceptivo universalmente compartilhado pelo organismo humano.

    Por tudo isso, a tendncia atual, considerada irreversvel por muitos, de

    diminuio da linguagem verbal dos anncios publicitrios, com a significao apoiada

    cada vez mais em imagem e a persuaso no jogo icnico. O layout, para garantir sua

    eficcia, absorveu e colocou em prtica as teorias da comunicao por imagens.

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    Partindo das consideraes expressas at aqui, pode-se concluir que a mensagem

    visual pode expressar ilimitadas intenes, inclusive persuasivas, como veremos a seguir.

    Persuaso e Retrica

    Embora profundamente relacionadas, deve-se atentar para o erro de tratar retrica

    e persuaso como sinnimos. A primeira compe-se de normas e regras que visam

    conhecer o que , como se faz e qual o significado dos procedimentos persuasivos, ou seja,

    o mtodo de se verificar quais so os mecanismos apropriados para gerar a persuaso. A

    retrica , portanto, analtica; no objetiva verificar a veracidade do discurso, mas apenas a

    maneira pela qual o discurso ganha dimenso de verdade (verossimilhana), isto , a sua

    eficincia persuasiva. A retrica pode, assim, identificar as operaes atravs das quais se

    pode chegar persuaso, ao passo que a persuaso constitui uma linguagem orientada

    para a ao, para a mudana de sua direo e para sua influncia (SILVERSTONE, 2002,

    p.63).

    Para Durand (1996, p.19-21), a eficcia da retrica publicitria deve-se

    satisfao de um desejo secreto de transgresso, que atendido, mesmo que de forma

    ficcional, atravs de uma proposio forosamente irreal ou fora dos padres em algum

    sentido. Portanto, relaciona-se diretamente com o que um grupo ou sociedade entende

    como correto, valores e regras, em um determinado perodo.

    Por outro lado, a persuaso pressupe liberdade e diferena, uma vez que seria

    intil tentar persuadir algum que no detm o poder de escolha, pois no h razo em

    tentar persuadir algum que j concorda com a idia apresentada (SILVERSTONE, 2002,

    p.64).

    Outra premissa para instaurao do discurso persuasivo abrange o grau de

    identificao entre emissor e receptor: persuadir s possvel quando se fala a linguagemdo receptor, pois mudar a opinio deste requer a sua aceitao. Para tanto, a persuaso se

    apropria de outro fundamento chave da retrica: os lugares-comuns, que constituem idias

    e valores compartilhados ou considerados razoveis por uma determinada comunidade. Ao

    utiliz-los, recorre-se s compreenses e lembranas comuns do pblico receptor, pois so

    esses elementos familiares sobre os quais se pode inovar. Explora-se o senso comum, o

    clich e o esteretipo, categorias que estruturam a cognio humana, permitindo ao

    procedimento persuasivo produzir resultados. Para Eco (1991, p.74), os lugares-comunsfuncionam como exemplos comprobatrios e recursos de autoridade:

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    Como exemplo, poderamos apresentar o seguinte tipo de premissa:todas as pessoas amam suas mes afirmao essa que no deveriasuscitar oposies, visto corresponder a modos de pensar quaseuniversalmente difundidos.

    importante ressaltar que, por mais sofisticados que sejam os recursos, as pessoas

    no so passivas diante das tentativas de persuaso. Lipovetsky (2004, p.36) verifica, narecepo da publicidade pelo pblico, satisfao, jogo e gosto pela estetizao. O

    consumidor seduzido pela publicidade no um enganado, mas um encantado.

    Como j foi dito, a publicidade um exemplo de discurso persuasivo, com a

    finalidade de chamar a ateno do pblico para as qualidades deste ou daquele produto ou

    servio. Tambm notrio que todo o discurso procede de algum, dirige-se a algum e

    procura convencer algum de algo.

    Perelman (1987, p.20) diferencia o discurso que pretende convencer daquele quedeseja persuadir. O que pretende convencer dirige-se razo por meio de raciocnio lgico

    e provas objetivas, podendo atingir um auditrio universal. O discurso que deseja persuadir

    tem um carter mais ideolgico, subjetivo e intemporal: busca atingir a vontade e o

    sentimento do interlocutor, por meio de argumentos plausveis ou verossmeis, visando

    obter a sua adeso, dirigindo-se assim mais para um auditrio particular.

    A publicidade no quer apenas informar, mas informar e persuadir, o que no

    prerrogativa somente sua. A qualidade suasria consta de vrias definies decomunicao, estando presente, portanto, em quase todos os atos de fala e escrita. Qualquer

    publicidade intenta alcanar alto grau de persuaso, uma vez que idealmente deve

    desencadear uma ao, o ato de consumo, ainda que num futuro impreciso.

    Sobre isto, Barthes (1990, p.28) afirma que, de todas as formas de

    comunicao que utilizam imagens na publicidade que mais facilmente pode se

    observar os recursos retricos, j que sua mensagem franca e enftica. A significao

    da mensagem intencional. Sabe-se sempre que a mensagem est ali para enaltecer os

    atributos dos produtos.

    Carrascoza (2003), utilizando esse carter franco das mensagens

    publicitrias, identificou a organizao do discurso de Aristteles em textos

    publicitrios. Neste trabalho, como j foi dito, expandiremos a identificao desse

    discurso tambm para os aspectos imagticos das peas grficas, procurando lanar luz

    sobre o carter suasrio dos aspectos visuais da mensagem.

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    O discurso de Aristteles

    Na texto de apresentao de aArte Retrica e Arte potica(1967), Goffredo Telles

    Jnior ressalta que a filosofia de Aristteles considerada uma das mais influentes do

    mundo, e dentre suas glrias est a de haver descoberto todas as leis ideais da

    argumentao. Assim, o filsofo criou uma nova cincia, a cincia diretiva da operao de

    raciocinar que, posteriormente, passou a se chamar lgica. Todas as consideraes a seguir

    so referentes primeira parte dessa obra, aArte Retrica.

    No sculo VI, os trabalhos lgicos de Aristteles foram reunidos em cinco

    grandes tratados e organizados sob o ttulo de Organon, que significa instrumento. Entre

    eles est Os tpicos, uma teoria da argumentao que parte de princpios provveis ou

    opinies, e que leva a uma concluso provvel. Foi apoiado neste tratado, ou seja, em sua

    teoria de argumentao dialtica, que Aristteles escreveu suaArte retrica.

    Para Aristteles, a retrica essencialmente a arte das provas, isto , a habilidade

    de discernir, em cada questo, o que apto a persuadir determinada audincia: (...) a

    retrica a faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a

    persuaso (ARISTTELES, 1967, p.14).

    No captulo III, Aristteles inicia a explicao da organizao retrica, separando-

    a em trs diferentes tipos de ouvintes:

    (...) O ouvinte , necessariamente, espectador ou juiz. Se exerce asfunes de juiz, ter de se pronunciar ou sobre o passado ou sobre ofuturo. Aquele que tem de decidir sobre o futuro , por exemplo, omembro da assemblia; o que tem de se pronunciar sobre o passado, porexemplo, o juiz, propriamente dito. Aquele que tem que se pronunciarsobre a faculdade oratria o espectador.(ARISTTELES, 1967, p. 39).

    Esses diferentes tempos dos ouvintes esto tambm na base dos diferentes gneros

    de discurso, pois cada um tem uma finalidade e tempo que lhe prprio: o gnero

    deliberativoaconselha ou desaconselha sobre uma ao futura, de interesse particular ou

    pblico; o gnero judicirio consiste nas acusaes e defesas, portanto, os fatos passados

    so os mais importantes, j que o julgamento sobre determinado acontecimento deve

    sempre basear-se em fatos comprovadamente ocorridos; o gnero demonstrativo so os

    elogios e censuras, portanto, tem sua essncia no presente, j que a crtica, positiva ou

    negativa, apia-se sempre no estado presente das coisas.

    Seguindo essa classificao, pode-se afirmar que o gnero deliberativo

    dominante na publicidade, cujo intuito aconselhar o pblico a julgar favoravelmente um

    produto, servio ou um marca, o que pode resultar numa ao ulterior de compra.

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    No captulo XIII do terceiro livro da Arte da Retrica, Aristteles explica como se

    deve organizar os discursos para que sejam coerentes e cumpram seus objetivos. Eles

    devem ser estruturados em quatro etapas, cada uma delas com caractersticas e funes

    indispensveis, que no podem ter sua ordem de apresentao alterada. So elas:

    O Exrdio o comeo do discurso. Sua introduo, similar ao prlogo,sinaliza o que ser dito em seguida. Baseia-se, s vezes, em consideraes

    que dizem respeito ao ouvinte ou matria, mas sem necessariamente uma

    conexo explcita. Pode ser um elogio, censura ou conselho. Tem a

    finalidade de chamar a ateno da platia, e seu contedo pode ser alheio

    s outras partes do discurso que seguem: obtem a ateno dos ouvintes

    para as outras partes do discurso (ARISTTELES, 1967, p. 206).

    Narrao a parte em que se mencionam os fatos conhecidos, lugarescomuns, sem apresentao de fatos novos. Deve sempre levar em

    considerao a etapa anterior, j que esta explica aquela. Talvez por

    cumprir esta funo, Aristteles (1967, p.211-213) sugere que a narrao

    no deve ser prolixa: consiste em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou

    prove que o fato se deu, que constitui um dano ou uma injustia, numa

    palavra, que ele tem a importncia que lhe atribumos.

    As Provas devem ser demonstrativas. E como a deliberao se refere aofuturo, pode-se utilizar fatos referentes ao passado. Aristteles (1967,

    p.214) alerta que h que se cuidar o nmero de provas, para que em

    nmero reduzido, no deixe o discurso inteiro inconsistente, ou em

    nmero elevado, no enfraqueam umas as outras.

    Perorao ou eplogo o encerramento. De construo mais sofisticadaque as etapas anteriores, Aristteles (p.216) explica que esta possui suas

    prprias quatro sub-divises: a primeira consiste em dispor o ouvinte a

    nosso favor e contra o adversrio; a segunda tem a funo de atenuar ou

    acentuar o que se disse em todas as etapas anteriores; a terceira precisa

    excitar mais uma vez a paixo j despertada [pelas etapas anteriores do

    discurso] nos ouvintes; A quarta e ltima deve propor uma brevssima

    recapitulao, instaurando o fim do discurso. Nessa etapa, no h espao

    para a interrogao, e os principais argumentos devem ter seu poder

    reforados. Tudo isso deve ser feito observando-se a coerncia com as

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    etapas anteriores, j que no se trata de criar um novo discurso, mas da

    etapa da concluso de um todo que se pretende coerente.

    Essa organizao foi proposta por Aristteles para os discursos orais, tpicos de

    seu tempo, mas partindo da perspectiva construda at aqui, de que a publicidade um

    discurso deliberativo, pode-se tambm constatar a presena dessas etapas em suas

    mensagens. Carrazcosa, no livro a Evoluo do texto publicitrio (2003) identificou em

    textos as etapas do discurso aristotlico e, pelas razes justificadas no item sobre

    visualidade e publicidade, neste trabalho, as relaes de Carrazcosa sero estendidas aos

    aspectos imagticos.

    No Exrdio publicitrio, feita a introduo da idia da pea que tem a funo

    primordial de rapidamente chamar e prender a ateno do leitor, conduzindo-o para as

    outras etapas. Assim como na explicao de Aristteles, em publicidade, o carter

    enigmtico dessa etapa se encontra muitas vezes acentuado, ou seja, o contedo dessa

    etapa pode no ter qualquer relao lgica a priori com o restante do contedo da pea ou

    produto. Por exemplo, em um anncio em que o ttulo em letras destacadas afirma A cada

    3 segundos um novo sorriso inaugurado no pas, chama a ateno para o texto que segue,

    em letras menores, que afirma Hoje, a cada 3 segundos um novo produto Semp Toshiba

    adquirido em um de nossos milhares de revendedores(...)

    Quando desempenhada pelo texto, o exrdio est geralmente na chamada ou no

    ttulo do anncio. Na imagem, o elemento que de alguma forma atrai o interesse do leitor,

    podendo faz-lo ao mostrar uma situao inusitada ou alguma imagem que se relacione aos

    desejos do expectador.

    No anncio daFundao Mata Atlntica (Figura 1) a ilustrao do centro atrai a

    ateno do leitor por sua localizao central, sua fora de contraste com o fundo e por sua

    proposio forosamente irreal de sobrepor imagens de contextos diferentes: o perfil de um

    crebro e galhos de uma rvore, formando uma composio que remonta irrigaocerebral. Trata-se, portanto, de um exemplo de exrdio.

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    Figura 1- Anncio Fundao S.O.S Mata Atlntica. Fonte: site do Clube de Criao de So Paulo. Acesso em: 15 de out. 2008.

    A Narrao consiste na parte da publicidade que explica o exrdio. Cumpre a

    importante funo de amenizar a tenso acusada pela provocao do exrdio,

    contextualiza o leitor. Geralmente, no subttulo dos textos publicitrios, esta parte do

    discurso tem como funo, atravs de uma explicao rpida, ligar a primeira parte do

    discurso, o Exrdio, terceira, Provas. Ainda utilizando o exemplo do anncio Semp

    Toshiba, a narrao consistiria na parte do discurso que explica que os sorrisos so os

    produtos da marca.

    Como a imagem lida globalmente, no pressupondo uma ordem de leiturargida como a do texto (da esquerda para direita.), a narrao mais difcil de ser

    identificada nos aspectos imagticos, mas pode ser encontrada quando, por exemplo, aps

    uma introduo (chamada, ttulo, ou imagem de carter transgressor ou inesperado) no

    muito clara, as provas comeam a ser detalhadas aps uma figura do produto.

    No exemplo do anncio seguinte (Figura 2), aps uma imagem que chama a

    ateno, mas no esclarece sobre o produto (exrdio), pode-se perceber que a foto do

    liquidificador, destacada pelo crculo vermelho, um elo entre o conceito e os detalhesmais concretos como o gnero do produto (liquidificador) e a marca (Arno).

    http://www.ccsp.com.br/http://www.ccsp.com.br/
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    Figura 2- Anncio Liquidificador Arno. Fonte: site do Clube de Criao de So Paulo .Acesso em: 15 de out. 2008.

    As Provas so associadas aos fatos, devendo ser passveis de demonstrao. Na

    publicidade impressa, esta toda a parte do texto que fala dos aspectos e benefcios,objetivos e subjetivos, do produto, munindo o espectador de argumentos. Nas imagens,

    pode ser uma imagem do produto que demonstre alguma de suas qualidades.

    No anncio das sandlias havaianas (Figura 3), a nova estampa apresentada na

    pintura configurando a etapa de provas do discurso, j que mostra uma qualidade do

    produto

    Figura 3- Anncio sandlias Havaianas. Fonte: site do Clube de Criao de So Paulo < www.ccsp.com.br>.Acesso em: 15 de out. 2008.

    Em propaganda, a perorao est geralmente na assinatura da pea. Recuperando

    vantagens do produto, ela finaliza a mensagem com o objetivo de facilitar o julgamento

    favorvel do leitor, assim como indica como e quando o produto pode ser consumido. No

    texto, pode ser oslogan do produto ou marca, ou um texto muito similar ao exrdio, logo

    aps as provas, sendo uma das dicas para reconhec-lo a possibilidade de trocar de lugarcom aquele.

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    Na imagem, pode ser umpack-shot4ou o smbolo da marca do produto, como no

    exemplo do anncio da pasta de dente (Figura 4), onde a imagem do produto e a

    embalagem, destacados no smbolo vermelho, concluem e indicam como o produto

    apresentado e poder ser encontrado nos locais de venda.

    Figura 4 - Anncio Close Up Whitening. Fonte: site do Clube de Criao de So Paulo < www.ccsp.com.br>.Acesso em: 15 de out. 2008.

    Essa orientao para identificar as etapas do discurso, em texto em imagenspublicitrias, no deve ser considerada definitiva. Diante da grande quantidade de tipos de

    mensagens publicitrias, possvel encontrar as mais diversas situaes: texto e imagem

    dividindo as funes de uma mesma etapa; etapas no arranjadas na ordem aqui

    apresentadas; um mesmo elemento seja textual ou visual desempenhando mais de uma

    funo ou parte dela, etc.

    Ao interpretar as etapas do discurso deliberativo nos layouts, deve-se evitar o

    equvoco de consider-las falhas, quando no to literais como os textos. Esse erro pode

    ser decorrente de uma viso parcial dos processos da prtica publicitria, que despreza o

    contexto miditico no qual estas mensagens so criadas. A grande segmentao atual

    dos meios e o conhecimento cada vez mais preciso, acerca dos diferentes pblicos-alvo,

    torna possvel a utilizao de elementos com um alto grau de identificao para somente

    um pblico, sendo possvel, inclusive, o desprezo da audincia dos demais. Aliado a

    4 Expresso em ingls que significa a cena ou parte do anncio em que mostrado o close do produto,embalagem ou marca. O packshot entra geralmente no final do comercial ou do anncio.

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    isso, como j foi esclarecido no item sobre publicidade e visualidade, as pessoas hoje

    esto mais aptas a lerimagens.

    Percebe-se, tambm, que a varredura visual rgida, sugerida pelo texto, em

    contraste com a leitura global da imagem, no compromete a retrica do anncio.

    Mesmo aparentemente fora da ordem aristotlica, os elementos visuais cumprem sua

    funo.

    Por fim, pode-se reiterar o papel de destaque que as imagens vm ganhando na

    persuaso publicitria contempornea. Em um passado recente, os anncios se

    caracterizavam pelas etapas do discurso desempenhadas, principalmente, por textos,

    enquanto fotografias e ilustraes eram tratadas como complementos. Hoje, as imagens

    conquistaram funes no discurso deliberativo, sem necessitar de amparo textual. Essa

    mudana diminui drasticamente a quantidade de textos nos anncios e sofistica a

    apresentao dos aspectos imagticos.

    REFERNCIAS

    ARISTTELES, Arte retrica e Arte potica. Rio de Janeiro: Ediouro, 1967.

    BARTHES, R. O bvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

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    DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    DURAND, Jacques Retrica e Imagem publicitria. In METZ, Christian et alli.A Anlisede imagem. So Paulo: Papirus, 1996.

    ECO, Umberto. A estrutura ausente. So Paulo: Perspectiva, 1991.

    JOLY, Martine. Introduo anlise da imagem. Campinas: Papirus, 1996.LEITE, Ricardo. Ver compreender:design como ferramenta estratgica do negcio. Rio deJaneiro: Senac, 2003.

    LIPOVETSKY, G. Seduo, publicidade e ps-modernidade. In: MARTINS, F. MACHADODA SILVA, J. A genealogia do virtual: Comunicao, cultura e tecnologias do imaginrio.Porto Alegre: Sulina, 2004.

    MACHADO, Arlindo. Mquina e imaginrio.So Paulo: Edusp, 1996

    MUNARI, Bruno.Design e comunicao visual. So Paulo: Martins Fontes, 2001

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    SANTAELLA, Lcia. Imagem. Cognio, semitica, mdia. So Paulo: Iluminuras, 2001 .

    SANTAELLA, Lcia. Navegar no ciberespao, o perfil cognitivo do leitor imersivo. SoPaulo: Iluminuras, 2001.

    SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mdia? So Paulo: Loyola, 2002.