armarinho 19/12/2010

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SALVADOR DOMINGO 19/12/2010 8 2 Mudando de assunto Danuza Leão Escritora e cronista Com o dólar baixo e as viagens mais acessíveis, muitos casais agora viajam para o exterior le- vando os filhos. Ouviram falar que viagem educa e pensam es- tar contribuindo para o futuro de sua prole da melhor maneira, isto é, viajando; mas não sei se é bem por aí. Aos 2 anos eles vão à Disney e a Miami, aos 4 a Nova York, e aos 6, 7, já fizeram um tour pela Europa (sete países em 21 dias). Se o pai esquiou e surfou na juventude, antes dos 16 as crian- ças terão passado uma tempo- rada numa estação de ski e outra surfando nas Maldivas, do outro lado do mundo. Quem vai a Nova York aos 7, vai lembrar de alguma coisa da viagem além do susto com o tamanho dos edifícios, das mon- tanhas de pipoca e batatas fritas e dos tênis que comprou? Pro- vavelmente não – e nem falar inglês vai aprender. Para come- çar, nessa idade se viaja mas não se entende quase nada do que se vê. Para fazer uma viagem que valha mesmo a pena, pri- meiro é preciso querer muito ir para aquele destino, por uma ou várias razões. Geralmente, essa curiosida- de, ou melhor, esse interesse, começa com a história, os livros, os filmes, as músicas. Enquanto a viagem não acontece, existem mais livros, mais filmes, mais músicas, para que se deseje e sonhe mais ainda. Tem alguma coisa melhor do que realizar um sonho sonhado durante muito tempo? Cada um fala por si, claro; em criança eu sonhava com Paris, e nunca pen- sei que fosse lá algum dia. Mas sonhei tanto, que um dia fui, e minha emoção e minhas recor- dações estão dentro de mim até hoje, intactas. Eu conhecia Paris antes de conhecê-la, e cada rua, cada museu, cada café me re- meteu aos sonhos que povoa- ram minha adolescência. Valeu, ah, se valeu, e sou uma privilegiada, pois a cada vez que vou é como se fosse a primeira. E quando vejo crianças andando com os pais no Champs Elysées, fico pensando: será que eles ou- viram falar que antes do dese- nho da cidade pelo prefeito Haussmann, Paris era uma fa- vela? Que um dia o Exército de Hitler passou pelo Arco do Triun- fo e desceu pela avenida mais linda do mundo, para humilha- ção dos franceses? Que quando Paris foi libertada pelo general De Gaulle, ele desceu a mesma avenida com o povo aplaudin- do, num dos momentos mais emocionantes da história? Se soubessem disso – e de várias outras coisas –, essa via- gem não teria sido diferente, infinitamente melhor? E adianta ver o túmulo de Napoleão sem saber pelo menos parte de sua história? Claro que não. O triste é que essas crianças que crescem conhecendo o mundo todo perdem a capaci- dade de desejar, de sonhar. Es- tou cansada de ver uma garo- tada sem vontade de nada, pois já tiveram tudo, desde cedo; en- tendem de sushi, conhecem as grifes, possuem todos os iPads e iPods do mundo e não con- seguem se deslumbrar com mais nada. Perguntei a um deles outro dia em que pretendia trabalhar (isso já aos 25!) e ouvi como resposta que ainda não sabia, mas que o importante era ser feliz. Mas como assim, ser feliz? Não havia um objetivo mais con- creto, uma curiosidade louca de conhecer alguma coisa, de ir a algum lugar, de sonhar, fosse com o que fosse? Não, ele só queria ser feliz. É bem legal que- rer ser feliz, mas é pouco. ARMARINHO PEDRO FERNANDES Mais um baiano no Rio Moda Hype Depois de Luciana Galeão e Ale- xandre Guimarães é a vez de Solon Diego, 27, baiano de Vi- tória da Conquista que há dez anos vive em Salvador, repre- sentar a Bahia no Prêmio Rio Moda Hype. Ele leva para o PRMD, que acontece no ano que vem, em 10/1, no Rio de Ja- neiro, a sua marca de roupas masculinas, a recém criada Sod- di, e vai concorrer com outros nove estilistas de várias partes do Brasil. A marca foi criada em 2005 para o projeto de conclusão do curso de Estilismo e Produção de Moda do Senai, mas era voltada para o público feminino. “Ela ficou estacionada, mas as ideias foram amadurecendo, até que fui selecionado para o Rio Moda Hype. Isso antecipou o lança- mento do projeto, que talvez demorasse mais um pouco a sair do papel”, diz Solon. Para to- cá-lo, ele se desligou da Mito, onde trabalhou como designer entre 2009 e 2010. Andarilhos urbanos A coleção que se chama Um Ho- mem de Fragmentos é inspirada nos homens que vivem na rua, andarilhos urbanos e nos vo- lumes e sobreposições do seu vestuário. “Fiz um trabalho de pesquisa de vestuário feminino aplicado ao masculino, absor- vendo a referência dos homens que vivem nas ruas, que adap- tam essas roupas por conta da necessidade. O resultado são peças cheias de assimetrias, pregas, drapea- dos. De acordo com o estilista se trata de um produto um tanto restrito, para um homem aberto a novas possibilidades, que gos- ta de inovar, mas sem perder o tino no comercial. Mila Cordeiro / Ag. A TARDE Solon traz referências do vestuário feminino para o masculino

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Coluna de moda publicada no Caderno 2+ do Jornal A Tarde

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Page 1: Armarinho 19/12/2010

SALVADOR DOMINGO 19/12/20108 2Mudando de assunto

Danuza LeãoEscritora e cronista

Com o dólar baixo e as viagensmais acessíveis, muitos casaisagora viajam para o exterior le-vando os filhos. Ouviram falarque viagem educa e pensam es-tarcontribuindoparaofuturodesua prole da melhor maneira,isto é, viajando; mas não sei seébemporaí.Aos2anoselesvãoà Disney e a Miami, aos 4 a NovaYork, e aos 6, 7, já fizeram umtourpelaEuropa(setepaísesem21 dias).

Se o pai esquiou e surfou najuventude,antesdos16ascrian-ças terão passado uma tempo-radanumaestaçãodeskieoutrasurfandonasMaldivas,dooutrolado do mundo.

Quem vai a Nova York aos 7,vai lembrar de alguma coisa daviagem além do susto com otamanhodosedifícios,dasmon-tanhas de pipoca e batatas fritase dos tênis que comprou? Pro-vavelmente não – e nem falaringlês vai aprender. Para come-çar,nessaidadeseviajamasnãose entende quase nada do quese vê. Para fazer uma viagemque valha mesmo a pena, pri-meiro é preciso querer muito irparaaqueledestino,porumaouvárias razões.

Geralmente, essa curiosida-de, ou melhor, esse interesse,começa com a história, os livros,os filmes, as músicas. Enquantoa viagem não acontece, existemmais livros, mais filmes, maismúsicas, para que se deseje esonhe mais ainda.

Tem alguma coisa melhor doque realizar um sonho sonhadodurante muito tempo? Cada umfala por si, claro; em criança eusonhavacomParis,enuncapen-sei que fosse lá algum dia. Massonhei tanto, que um dia fui, eminha emoção e minhas recor-

dações estão dentro de mim atéhoje, intactas. Eu conhecia Parisantes de conhecê-la, e cada rua,cada museu, cada café me re-meteu aos sonhos que povoa-ram minha adolescência.

Valeu, ah, se valeu, e sou umaprivilegiada, pois a cada vez quevou é como se fosse a primeira.E quando vejo crianças andandocom os pais no Champs Elysées,fico pensando: será que eles ou-viram falar que antes do dese-nho da cidade pelo prefeitoHaussmann, Paris era uma fa-vela? Que um dia o Exército deHitler passou pelo Arco do Triun-fo e desceu pela avenida maislinda do mundo, para humilha-ção dos franceses? Que quandoParis foi libertada pelo generalDe Gaulle, ele desceu a mesmaavenida com o povo aplaudin-do, num dos momentos maisemocionantes da história?

Se soubessem disso – e devárias outras coisas –, essa via-gem não teria sido diferente,infinitamentemelhor?Eadiantaver o túmulo de Napoleão semsaber pelo menos parte de suahistória? Claro que não.

O triste é que essas criançasque crescem conhecendo omundo todo perdem a capaci-dade de desejar, de sonhar. Es-tou cansada de ver uma garo-tada sem vontade de nada, poisjá tiveram tudo, desde cedo; en-tendem de sushi, conhecem asgrifes, possuem todos os iPadse iPods do mundo e não con-seguem se deslumbrar commais nada.

Perguntei a um deles outrodia em que pretendia trabalhar(isso já aos 25!) e ouvi comoresposta que ainda não sabia,mas que o importante era serfeliz. Mas como assim, ser feliz?Nãohaviaumobjetivomaiscon-creto, uma curiosidade louca deconhecer alguma coisa, de ir aalgum lugar, de sonhar, fossecom o que fosse? Não, ele sóqueria ser feliz. É bem legal que-rer ser feliz, mas é pouco.

ARMARINHO PEDRO FERNANDES

Mais um baiano no Rio Moda HypeDepois de Luciana Galeão e Ale-xandre Guimarães é a vez deSolon Diego, 27, baiano de Vi-tória da Conquista que há dezanos vive em Salvador, repre-sentar a Bahia no Prêmio RioModa Hype. Ele leva para oPRMD, que acontece no ano quevem, em 10/1, no Rio de Ja-neiro, a sua marca de roupasmasculinas, a recém criada Sod-di, e vai concorrer com outrosnove estilistas de várias partesdo Brasil.

A marca foi criada em 2005para o projeto de conclusão docurso de Estilismo e Produção deModa do Senai, mas era voltadapara o público feminino. “Elaficou estacionada, mas as ideiasforam amadurecendo, até quefui selecionado para o Rio ModaHype. Isso antecipou o lança-mento do projeto, que talvezdemorassemaisumpoucoasairdo papel”, diz Solon. Para to-cá-lo, ele se desligou da Mito,onde trabalhou como designerentre 2009 e 2010.

Andarilhos urbanosA coleção que se chama Um Ho-mem de Fragmentos é inspiradanos homens que vivem na rua,andarilhos urbanos e nos vo-lumes e sobreposições do seuvestuário. “Fiz um trabalho depesquisa de vestuário femininoaplicado ao masculino, absor-vendo a referência dos homensque vivem nas ruas, que adap-tam essas roupas por conta danecessidade.

O resultado são peças cheiasde assimetrias, pregas, drapea-dos. De acordo com o estilista setrata de um produto um tantorestrito,paraumhomemabertoa novas possibilidades, que gos-ta de inovar, mas sem perder otino no comercial.

Mila Cordeiro / Ag. A TARDE

Solon traz referências do vestuário feminino para o masculino