apostila hist mat (1)

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HERMES ANTONIO PEDROSO Setembro/2009

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  • HERMES ANTONIO PEDROSO

    Setembro/2009

  • 1

    PrefcioPrefcioPrefcioPrefcio

    Este livro originou-se como notas de aula da disciplina Histria da Matemtica, de 60 horas/aula, ministrada nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemtica do IBILCE UNESP de So Jos de Rio Preto, desde 1991. Na poca de sua publicao, em forma de apostila em 1992, s existiam dois textos em portugus, tradues de obras famosas, escritos originalmente em ingls.

    Essas obras, clssicas, ainda hoje so includas em qualquer bibliografia sobre o assunto, mas nunca se adequaram como guia didtico para sala de aula. So muito detalhadas para uma disciplina semestral, e de difcil acesso para a maior parte dos estudantes. Isso me motivou a elaborar um texto que preservasse o essencial das referidas obras, mas pensando nos tpicos que mais contribuiriam para o futuro professor ou mesmo futuro pesquisador. Atualmente temos outros bons livros, tradues ou mesmo de autores brasileiros, mas que tambm no se adquam s prioridades dos referidos cursos, devido grande quantidade de informaes a serem assimiladas em to pouco tempo.

    A apostila foi indicada e bem aceita pelos alunos de graduao, inclusive de outras instituies de nvel superior, e por professores da rede oficial de ensino, quando ministrei Tpicos de Histria da Matemtica em projetos como Teia do Saber e at mesmo em curso de ps-graduao Lato Sensu, em que tive oportunidade de orientar algumas monografias com temas que utilizavam histria da matemtica.

    Aps todos esses anos, somente agora foi possvel fazer uma reviso e complementar com novas informaes importantes, provenientes de pesquisas realizadas atravs de vrios projetos desenvolvidos durante esse perodo na universidade.

    Quanto estrutura do texto, no h muita uniformidade. Alguns assuntos so mais desenvolvidos que outros, tendo em vista a importncia que considero na formao dos graduandos, que podero utilizar a histria da matemtica como recurso didtico no ensino fundamental e mdio.

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    Apresento ao final de cada sesso, uma lista de exerccios que serviro como reviso, despertando oportunidade de debates e apresentao de trabalhos em forma de seminrios.

    O autor

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    SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO

    Introduo ......................................................................... 07

    Por que Histria da Matemtica? ................................ 08

    Origens Primitivas ........................................................... 13

    Egito .................................................................................... 15 A matemtica egpcia ........................................................... 18

    Mesopotmia .................................................................... 37 A matemtica mesopotmia .................................................. 39 Grcia .................................................................................. 47 Homero ................................................................................. 48 Hesodo ................................................................................. 50 A matemtica grega .............................................................. 51 O racionalismo jnico e os pitagricos .................... 59 Tales ..................................................................................... 59 Anaximandro, Anaxmenes ................................................. 62 Pitgoras ............................................................................... 63 Parmnides, Zenon ............................................................... 70 Melisso, Herclito ................................................................. 73 Demcrito ............................................................................. 75 Os ideais platnicos e a lgica aristotlica ............. 77 Anaxgoras ........................................................................... 78 Hipcrates ............................................................................. 79 Hpias .................................................................................... 81 Scrates ................................................................................ 82 Plato .................................................................................... 83 Arquitas, Teaetecto, Menaecmo .......................................... 90 Dinstrato ............................................................................. 91 Eudoxo .................................................................................. 92 Aristteles ............................................................................. 94 Epicuro ................................................................................. 98

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    A cincia helenstica ....................................................... 103 Euclides ............................................................................... 104 Aristarco .............................................................................. 118 Arquimedes .......................................................................... 119 Arquimedes e Euclides ........................................................ 134 Eratstenes ........................................................................... 134 Apolnio .............................................................................. 136 Hiparco ................................................................................ 140

    Perodo Greco,romano ................................................. 145 Roma .................................................................................... 145 Lucrcio, Ptolomeu .............................................................. 149 Heron ................................................................................... 154 Diofanto .............................................................................. 157 Papus ................................................................................... 159 Hipatia, Proclo, Bocio ........................................................ 163

    Europa na Idade Mdia, China, ndia e Arbia ..... 167 Alcuim ................................................................................. 171 Gerbert ................................................................................. 172 China .................................................................................... 172 ndia ..................................................................................... 178 Aryabhata ............................................................................. 179 Brahmagupta ........................................................................ 180 Bhaskara ............................................................................. 183 Arbia .................................................................................. 185 Al-Khowarizmi .................................................................... 187 Abul-wefa, Omar Khayyam .............................................. 189 Al-Tusi, Al-Kashi ................................................................ 191 Aurora do Renascimento .............................................. 195 Fibonacci ............................................................................. 196 Nemorarius, Sacrobosco, Bacon .......................................... 198 Bacon ................................................................................... 199 Dante, Oresme ..................................................................... 200 Oresme ................................................................................. 201

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    O Renascimento ............................................................... 209 Nicolau de Cusa .................................................................... 211 Peurbach, Regiomontanus .................................................... 212 Coprnico ............................................................................. 214 Giordano Bruno .................................................................... 218 Tycho Brahe ......................................................................... 220 Kepler ................................................................................... 223 Galileu .................................................................................. 226 Pacioli ................................................................................... 230 Leonardo da Vinci ................................................................ 232 Rafael .................................................................................... 233 Stifel ..................................................................................... 234 Recorde ................................................................................. 235 Tartaglia, Cardano ................................................................ 236 Cardano................................................................................. 237 Bombelli ............................................................................... 240 Vite ..................................................................................... 241 Mercator ............................................................................... 244 Napier ................................................................................... 245 Briggs ................................................................................... 246 Stevin .................................................................................... 248

    Incios da matemtica moderna ................................. 251 Descartes ............................................................................... 252 Cavalieri ............................................................................... 257 Fermat ................................................................................... 260 Pascal .................................................................................... 264 Wallis .................................................................................... 267 Barrow .................................................................................. 269 Newton ................................................................................. 270 Leibniz .................................................................................. 277 O sculo das luzes .......................................................... 283 Euler ..................................................................................... 286 DAlembert ........................................................................... 289 Lagrange ............................................................................... 290 Laplace ................................................................................. 292

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    A matemtica se estruturou ........................................ 297 Gauss ................................................................................... 299 Riemann ............................................................................... 304 Bolzano ................................................................................ 305 Cauchy ................................................................................. 307 Weierstrass ........................................................................... 310 Os problemas de Hilbert ...................................................... 311

    A matemtica propiciou maravilhas ......................... 317 Einstein ................................................................................ 320

    Referncias bilbliogrficas........................................... 327

    Sobre o autor ................................................................... 332

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    INTRODUOINTRODUOINTRODUOINTRODUO

    Por que histria?Por que histria?Por que histria?Por que histria?

    O objetivo da histria no apenas o de narrar e constatar fatos do passado, mas buscar as suas origens e as suas conseqncias.

    Quando nos propomos estudar a histria de um pas ou de um povo, ou simplesmente um determinado episdio histrico, no nos deve mover somente um interesse anedtico ou mera curiosidade. Tambm no se pode resumi-la a uma exaltao de heris para incentivo da juventude, ou mera recordao de nossas glrias passadas.

    O que queremos da histria muito mais do que isso. Ela no se pode limitar a uma simples enumerao cronolgica dos fatos, mas deve buscar as relaes entre eles, aprofundar, descer s suas razes, at encontrar as causas desses fatos, numa espcie de anamnese social, assim como o mdico que, ao examinar um doente, para maior firmeza do diagnstico, desce a todos os seus antecedentes pessoais e familiares.

    Encarada a histria como cincia, com suas caractersticas de mtodo e relao com a realidade, um mundo novo surge aos nossos olhos, por trs de cada fato ou acontecimento. Desse modo ela nos permite no s explicar o presente, e compreender o passado, mas tambm prever o futuro, ou pelo menos, antever as perspectivas do desenvolvimento de cada fato estudado, na medida do nosso conhecimento das causas e das leis que as governam.

    A histria no se desenvolve como fora espiritual absoluta independente da existncia dos homens, como queria Hegel. Ela nasce, ao contrrio, da atividade do homem sobre a Terra e condicionada e delimitada por leis objetivas, independentes da vontade humana. Karl Marx (1818 1883) enfatizava em A Ideologia Alem que a histria a mais alta, a mais nobre e a mais importante das cincias.

    Assim sendo, se verdade que os homens fazem a histria condicionados por leis indestrutveis, no menos verdade que,

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    conhecendo as leis que a regem, eles podem traar, dentro de dados limites, o seu prprio destino. E se o objetivo do homem sobre a Terra buscar a felicidade, dentro de uma comunidade harmnica, s o estudo da histria, e o conhecimento das leis que regem o desenvolvimento das sociedades, podero ajud-lo.

    possvel que o mesmo acontea com a Matemtica ou com a Cincia em geral. Torna-se difcil, seno impossvel, compreender o seu estgio atual sem o estudo concomitante da histria das idias cientficas. Talvez por isso que Gethe (1749-1832) afirmava que a histria da Cincia a prpria Cincia. Sem o conhecimento da evoluo das idias, do choque das hipteses e das teorias, podemos criar bons tcnicos, mas no cientistas verdadeiros. Muito maior interesse educativo apresenta o conhecimento da maneira pela qual o cientista trabalha, das suas fontes de inspirao, da rvore filogentica de seus pensamentos, do que a pura e simples massa de fatos por ele descobertos. O estudo da Histria da Cincia poder ser o guia da luta do homem contra o mistrio.

    Por que Histria da Matemtica?Por que Histria da Matemtica?Por que Histria da Matemtica?Por que Histria da Matemtica?

    Por vrios motivos, mas o principal seria dar subsdios para o futuro professor no tratamento de um programa no ensino fundamental e mdio ou na universidade.

    Pode-se destacar alguns exemplos de dificuldades encontradas pelo homem, no desenvolvimento da matemtica, que sero motivos de reflexo para o futuro educador.

    Os nmeros negativos, introduzidos pelos hindus de esprito prtico, por volta de 600 d.c. no tiveram aceitao durante um milnio. A razo: faltava-lhes apoio intuitivo. Alguns dos maiores matemticos tais como Cardano, Vite, Descartes e Fermat, recusaram-se a operar com nmeros negativos. Assim razovel que para ensinar nmeros negativos devemos ter cuidado. Para o aluno das sries iniciais o conceito e as operaes podem no ser to naturais.

    O uso de uma letra para representar um nmero fixo, porm desconhecido, data dos tempos gregos. Contudo, o uso de uma letra

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    ou letras para representar toda uma classe de nmeros s foi concebido em fins do sculo XVI. Nesse tempo Franois Vite introduziu expresses como ax + b em que a e b podem ser qualquer nmero (real positivo). Hoje est claro que ao resolver a equao quadrtica ax + bx + c = 0, pode-se solucionar todas as equaes quadrticas porque a, b e c representam quaisquer nmeros. Durante todos os sculos em que os babilnicos, egpcios, gregos, hindus e rabes operaram com lgebra no ocorrera a idia de empregar as letras para uma classe de nmeros. Aqueles povos faziam suas operaes de lgebra empregando expresses concretas tais como 3x + 5x + 6 = 0, ou seja, usavam sempre coeficientes numricos e, na verdade, a maioria no usava sequer um smbolo tal como x para a incgnita. Usavam palavras. Por que demorou tanto tempo para o uso de letras para coeficientes gerais? Ao que parece, a resposta que esse processo constitui um nvel superior de abstrao em matemtica, um nvel bastante afastado da intuio.

    A teoria de limites com psilons e deltas do final do sculo XIX e com ela colocou-se um ponto final nas controvrsias sobre a questo do rigor no clculo. No entanto o clculo existe desde a Grcia antiga com Eudoxo e Arquimedes. O que acontece hoje? Apresentamos a teoria de limites aos alunos como algo muito natural. Natural mas incoerente com o desenvolvimento histrico do Clculo.

    Parece claro que os conceitos que tm o sentido mais intuitivo, como os geomtricos, os de nmeros inteiros positivos e os de fraes foram aceitos e utilizados primeiramente. Os menos intuitivos tais como os de nmeros irracionais, nmeros negativos, o uso de letras para coeficientes gerais e os do clculo exigiram muitos sculos, quer para serem criados, quer para serem aceitos. Alm disso, quando foram aceitos no foi apenas a lgica que induziu os matemticos a adot-los, porm os argumentos por analogia, o sentido fsico de alguns conceitos e a obteno dos resultados cientficos exatos.

    No h muita dvida de que as dificuldades que os grandes matemticos encontraram, so precisamente os tropeos que os

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    estudantes experimentam. Assim, atravs da histria da matemtica o ensino da matemtica poder alcanar objetivos que vo alm do fortemente marcado desenvolver o raciocnio lgico; porque ela mostra a matemtica como expresso de cultura, a matemtica como uma forma de comunicao humana.

    Refletindo um pouco mais sobre a questo Por que Histria da Matemtica? deve-se lembrar que o conhecimento um todo e a matemtica faz parte desse todo. Ela no se desenvolveu parte de outras atividades e interesses. Talvez uma grande falha no ensino da matemtica tentar abord-la como disciplina isolada. E esse processo, sem dvida, uma distoro do verdadeiro conhecimento.

    Provavelmente por isso, muitos jovens se sintam humilhados por no compreenderem muitos smbolos e regras, longe da intuio. Generaliza-se, ento, uma certa averso pela disciplina e a Matemtica torna-se para muitos como algo inatingvel. Cria-se o mito do gnio ou que a Matemtica somente para loucos e gnios. Essa averso tende tambm a desvalorizar um ramo do conhecimento dos mais importantes.

    sempre bom lembrar que alm da aritmtica das necessidades cotidianas, a matemtica tem muito a oferecer. Ela a chave para nossa compreenso do mundo fsico, d-nos o poder sobre a natureza; e deu ao homem a convico de que ele pode continuar a sondar os seus segredos.

    A matemtica tem possibilitado aos pintores a pintar realisticamente e fornecido no s a compreenso dos sons musicais como tambm uma anlise desses sons, indispensvel na planificao do telefone, do rdio e de outros instrumentos de registro e reproduo de sons. Ela est se tornando cada vez mais valiosa na pesquisa biolgica e mdica. A pergunta Que verdade? no pode ser discutida sem envolver o papel que a matemtica tem exercido ao convencer o homem de que ele pode ou no obter verdades. Muito de nossa literatura est permeado de temas que tratam de realizaes matemticas. Finalmente, a matemtica indispensvel em nossa tecnologia.

    Portanto, o curso de Histria da Matemtica pode ser a oportunidade para se discutir tudo isso, e, como disse Plutarco, a mente no uma vasilha para ser enchida, porm, um fogo para se atear e, segundo Henri Poincar (1854-1912), Os zologos

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    afirmam que num breve perodo, o desenvolvimento do embrio de um animal recapitula a histria de seus antepassados de todas as pocas geolgicas. Parece que o mesmo se d no desenvolvimento da mente. A tarefa do educador fazer a mente da criana passar pelo que seus pais passaram, atravessar rapidamente certos estgios, mas sem omitir um. Para esse fim a histria da Cincia deve ser nosso guia.

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    ORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVAS

    Se quisermos pesquisar a origem histrica das primeiras noes matemticas, seremos levados a fontes da chamada pr-histria. provvel que a percepo de que certos grupos podem ser colocados em correspondncia um a um, tenha surgido h uns 300.000 anos. O homem primitivo no sabia contar e nem precisava, pois conseguia com certa facilidade caa, pesca e frutas. Quando essas comearam a se tornar escassas, ele teve necessidade de se sedentarizar, por isso passou a criar animais e praticar a agricultura. Da necessidade, por exemplo, de preservao do rebanho, aprendeu a contar as ovelhas, mesmo sem conhecer os nmeros. As primeiras contagens eram feitas com os dedos (que pode ter dado origem ao sistema decimal), quando estes eram inadequados, passaram a usar montes de pedras (calculus em latim) e como tais mtodos no eram muito seguros para conservar informao, o homem primitivo registrava um nmero com marcas num basto, pedao de osso ou no barro.

    Descobertas arqueolgicas fornecem provas de que a idia de nmero muito mais antiga do que progressos tecnolgicos como o uso de metais ou de veculos com rodas.

    Supe-se usualmente que a matemtica surgiu em resposta a necessidades prticas, mas estudos antropolgicos sugerem a possibilidade de uma outra origem. Foi sugerido que a arte de contar surgiu em conexo com rituais religiosos primitivos e que o aspecto ordinal precedeu o conceito quantitativo.

    Em ritos cerimoniais, representando mitos da criao, era necessrio chamar os participantes cena segundo uma ordem especfica, e talvez a contagem tenha sido inventada para resolver tal problema.

    Esse ponto de vista, embora esteja longe de ser provado, estaria em harmonia com a diviso ritual dos inteiros em mpares e pares, os primeiros considerados como masculinos e os ltimos, como femininos.

    Sbios gregos no quiseram se arriscar a propor origens mais antigas da matemtica do que a egpcia. Herdoto afirmava que

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    a geometria se originou no Egito, pois acreditava que tinha surgido da necessidade prtica de fazer novas medidas de terras aps cada inundao anual no vale do Nilo. Aristteles achava que a existncia no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres que tinha conduzido ao estudo da geometria.

    Que os primrdios da matemtica so mais antigos que as mais antigas civilizaes est claro. As teses apresentadas acima so at discutveis mas no podemos desprezar os conhecimentos matemticos envolvidos nas diversas atividades humanas. A seguir apresentamos exemplos de algumas atividades em que podemos identificar imediatamente elementos matemticos no trabalho humano: ornamentao (vasos, armas); produo de rodas (sem ou com raios); plantaes (irrigao, diviso de terras); edificaes (monumentos); pastoreio (contagem); comrcio (trocas, moedas); orientao no tempo e no espao (calendrios, mapas). Nesse sentido interessante observar que muitas vezes o pensamento matemtico desenvolveu-se de maneira semelhante em sociedades totalmente independentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Egito e a Mesopotmia por volta do ano 2000 a.C.

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    EGITOEGITOEGITOEGITO

    O Egito um presente do Nilo (Herdoto)

    Entre 4000 e 3000 a.C., na idade Neoltica (ou da Pedra Polida) tivemos culturas bem estabelecidas na Mesopotmia e no Egito. Ali se formaram as primeiras cidades e estados organizados, mas as duas regies deram origem a civilizaes um tanto diferentes.

    O Egito era uma regio centrada no Nilo, com ambiente hostil no sul e nas fronteiras leste e oeste. Na verdade, era como uma ilha, limitado ao norte pelo mar Mediterrneo e em suas outras fronteiras, pelo deserto. De vrias maneiras, a civilizao egpcia mostrou-se isolada, era conservadora e voltada para si mesma; e, de um modo geral, no estava interessada na expanso e na conquista de outras terras. Para um egpcio antigo, o Egito era um universo auto-suficiente: tinha seus deuses independentes e seu modo de vida especial. A lngua egpcia e a escrita hieroglfica desenvolveram-se de mos dadas; o prprio sistema de hierglifos era insular, imprprio para expressar qualquer outra lngua, e, na correspondncia diplomtica com outros pases, usava-se um sistema de escrita diferente. Efetivamente, os antigos egpcios viviam em isolamento cultural.

    Mas, se o isolamento era a caracterstica fundamental do antigo Egito, sua civilizao foi, contudo, magnfica; era olhada com inveja pelos que circundavam suas fronteiras, e somente os desertos a sua volta, impediram que se tornassem vtima de vizinhos ciumentos. Na realidade, alguns nmades se estabeleceram na rea esparsamente povoada do delta do Nilo, mas no perturbaram a natureza, basicamente pacfica, do pas, que era essencialmente uma terra de agricultores e escribas.

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    A inundao anual do Nilo, que ocorria regulamente em julho, era o alicerce da vida egpcia. Havia um sistema bem organizado de irrigao e tomava-se um cuidado especial com as guas disponveis por ocasio da cheia anual. Boas colheitas eram a regra geral muitas vezes trs por ano e havia belos rebanhos de gado, a maioria em pastagens na rea do delta. Nenhum egpcio se sacrificava trabalhando uma terra hostil e rida para a sua sobrevivncia, embora os mtodos agrcolas fossem primitivos e conservadores.

    A histria do Egito comea com o primeiro fara, chamado Menes, que uniu num s, o Alto e Baixo Egito por volta de 3360 a.C. e, exceto por dois perodos de instabilidade, manteve-se unido por mais de 2000 anos.

    Os principais perodos de domnio unificado so: o Antigo Imprio, ou poca das Pirmides, de 3000 a 2475 a.C. Esse perodo assinala um progresso rpido no domnio das foras mecnicas (das pirmides, apenas 80 de conservaram de modo completo). O segundo, o Imprio Mdio ou poca Feudal, de 2160 a 1788 a.C., caracteriza-se pelo desenvolvimento intelectual e pelo comrcio exterior. Formaram-se bibliotecas de rolos de papiro e os navios cruzavam os mares Egeu e Vermelho. O terceiro perodo, o do Novo Imprio, estende-se de 1580 a 1150 a.C., sendo a poca das grandes construes.

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    Os soberanos eram os faras, cujo despotismo era temperado por ideais de responsabilidade em relao ao povo comum; considerando-se os tempos primitivos em que viveram, eles realmente procuraram fazer com que seus sditos tivessem vida feliz e razoavelmente confortvel (apesar da escravido); governava pela lei, que parece ter sido geralmente justa. Alm do fara e da famlia real, os sacerdotes, os nobres e os guerreiros pertenciam s classes privilegiadas. Na classe mdia encontravam-se os escribas, os comerciantes, os artesos e os camponeses e, os servos ocupavam as classes inferiores.

    O Egito tinha uma grande e eficiente administrao. A maior parte dela parece ter sido centrada nas grandes construes de templos, embora, periodicamente, os prprios faras demonstrassem grande capacidade administrativa. A administrao padronizou pesos e medidas, enquanto seus funcionrios, os escribas, em grande parte clrigos, escreviam em hierglifos ou na escrita hiertica ou sacerdotal, mais correntemente usada. Os egpcios escreviam em papiros, produzidos no pas desde pocas primitivas; parecem ter sido usados antes de 3500 a.C. Eram feitos com o cerne de uma alta cipercea (Cyperus papyrus) que se encontrava em abundncia nos pntanos ao redor do delta e sua manufatura em folhas era simples. Tratava-se do material ideal para ser usado nas secas condies do Oriente Mdio e foi empregado em grande quantidade em Roma. No clima mais mido da Europa, o papiro era menos estvel, mas, no Egito, era superior a qualquer outro material para escrita. Permaneceu em uso at o nono sculo depois de Cristo. O papiro era tambm usado como alimento(os brotos), como combustvel(as razes), e ainda, para se fazer cestos, cordas, esteiras, sandlias e at pequenos barcos. A propsito, interessante notar que os gregos, que consideravam os egpcios um povo de imensa sabedoria, chamavam uma folha de papiro de biblion, da qual deriva a palavra bblia; a palavra papel derivada de papiro, embora na verdade, o papel seja um material bem diferente e tenha sido inventado pelos chineses e no pelos egpcios.

    O fato de os gregos terem superestimado a sabedoria egpcia pode ter resultado, pelo menos em parte, da impresso causada naqueles que visitaram o Egito e ficaram maravilhados com as magnficas construes que l encontraram e, na verdade, a

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    construo era uma das maiores formas de expresso desse povo. O vale do Nilo uma vasta pedreira e, embora tivessem de importar toda a madeira de que precisava, da Lbia ou da Sria, logo aprenderam a manusear os materiais locais. Eram peritos cortadores de pedras, soberbos escultores, pintavam bem e eram mestres artfices em metais, especialmente o ouro.

    A habilidade dos egpcios na construo de grandes edifcios e esttuas, no , por si mesma, uma cincia: havia o que hoje chamaramos de princpios de mecnica, mas parece que inexistia um conjunto bsico de conhecimentos cientficos ou uma teoria em que os construtores pudessem se basear. Seu valor como construtores era alicerado em slida experincia pratica e num instinto para a engenharia estrutural. Realmente, os egpcios parecem ter sido essencialmente um povo muito prtico, mais voltado para resultados efetivos do que para a filosofia dos princpios bsicos concernentes. A curto prazo, essa atitude traz sucesso, mas, a longo prazo, no encoraja nem a especulao e nem idias novas. Isso significa, por exemplo, que quando Akhenaton construiu seu grande templo em Carnac, no ano de 1370 a.C., as tcnicas usadas no foram substancialmente diferentes das utilizadas por Quops cerca de treze sculos antes.

    A falta de interesse dos egpcios pela reflexo filosfica e a tendncia para o aspecto prtico podem ser observadas mesmo na astronomia. Para eles, a astronomia era a base utilitria necessria para a marcao do tempo. Os astrnomos egpcios no estavam preocupados com teorias a respeito do Sol e da Lua., nem com quaisquer idias a respeito do movimento dos planetas, embora soubessem que os planetas se moviam entre as estrela fixas. O calendrio nos d um exemplo de xito brilhante obtido pela cincia egpcia. O ano egpcio, por volta de 2.500 a.C., contm 365 dias como o nosso. Os meses repartem-se em trs estaes de quatro meses cada uma: inundao, inverno e vero.

    A MATEMTICA EGPCIAA MATEMTICA EGPCIAA MATEMTICA EGPCIAA MATEMTICA EGPCIA

    A matemtica no Egito, a exemplo da astronomia, no era em si mesma, considerada uma forma de conhecimento independente de sua aplicao, como aconteceria na Grcia. Assim, a pesquisa dos

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    princpios matemticos era desprezvel e no havia uma teoria bsica de aritmtica ou geometria e sim procedimentos prticos.

    As fontesAs fontesAs fontesAs fontes

    Um certo nmero de papiros egpcios de algum modo resistiu aos desgastes do tempo por mais de trs e meio milnios. Os principais de natureza matemtica so o Papiro Rhind, o Papiro de Moscou e o Papiro de Berlim, copiados em escrita hiertica.

    O Papiro Rhind, o mais extenso, mede 0,30 m de largura por 5 m de comprimento, e tambm o mais importante, encontra-se no Museu Britnico. Foi adquirido em 1858 numa cidade beira do Nilo, pelo antiqurio escocs, Alexander Henry Rhind (1833-1866), da a origem do seu nome, muito embora seja conhecido tambm, como Papiro Ahmes em honra ao escriba que o copiou por volta de 1650 a.C de outro mais antigo, provavelmente de 1800 a,C. Trata-se de um texto na forma de manual prtico que contm 85 problemas, enunciados e resolvidos, e logo no incio apresenta uma interessante proposta: Guia para conhecimento de todas as coisas obscuras. Quando chegou ao Museu Britnico esse Papiro no estava completo, formado de duas partes, e faltava-lhe a poro central. Cerca de quatro anos depois de Rhind ter adquirido seu papiro, o egiptlogo norte americano Edwin Smith comprou no Egito o que pensou que fosse um papiro mdico. A aquisio de Smith foi doada Sociedade Histrica de Nova York em 1932, quando os especialistasdescobriram por sob uma camada fraudulenta a parte que faltava do Papiro Ahmes. A sociedade, ento, doou o rolo ao Museu Britnico, completando-se assim a obra original.

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    O Papiro de Moscou ou Golenischev de 1850 a,C. e encontra-se no Museu de Belas Artes de Moscou. Foi adquirido no Egito em 1893 pelo colecionador russo Golenischev, mede 0,07m de largura por 5m de comprimento e contm 25 problemas.

    Quanto ao Papiro de Berlim no dispomos das informaes seguras dos anteriores, apenas que est muito deteriorado.

    A seguir, o mais importante da matemtica contida nesses trs papiros.

    AritmticaAritmticaAritmticaAritmtica

    Sistema de numerao

    O sistema de numerao dos egpcios era decimal aditivo (no posicional).

    Ressalta-se que no eram conhecidos os nmeros negativos e nem o zero.

    Quadro de hierglifos

    Smbolo egpcio descrio nosso nmero

    basto 1

    calcanhar 10

    rolo de corda 100

    flor de ltus 1000

    dedo apontando 10000

    peixe 100000

    homem 1000000

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    Por exemplo, o nmero 12345, se escrevia como

    As quatro operaes

    Adio: 24 + 97

    e igual a

    Subtrao: 12 7 O raciocnio era: quanto se deve somar a 7 para formar 12?

    Multiplicao: Enquanto hoje aprende-se as tabuadas de somar e de multiplicar at 10, o que permite efetuar todas as operaes simples, os egpcios usavam apenas a tabuada do 2. Para multiplicar um nmero dado, por um multiplicador maior que 2, realizavam uma srie de duplicaes, o que lhes permitia fazer todas as multiplicaes, sem na realidade, recorrerem memria. Por exemplo, para multiplicar 13 por 7. o escriba opera da seguinte maneira:

    - 1 7 2 14

    - 4 28 - 8 56

    Escreve, na coluna da direita o fator 7 e na da esquerda 1; dobra, em seguida, os nmeros das duas colunas, at obter, por adio de nmeros da coluna da esquerda, o valor do outro fator. No exemplo dado, 13 obtido pela adio de 1, 4 e 8. Chegando a esse ponto da operao, marca-se com um trao os nmeros que tomou e soma, em seguida, os nmeros correspondentes da coluna da direita, ou seja, 7 + 28 + 56 = 91. Portanto a adio desses nmeros lhe d o resultado da multiplicao. Como se verificou, o escriba s operou com adies e nisso que reside o carter aditivo da aritmtica egpcia.

    22

    Outros exemplos: resoluo de 4 x 3 e 12 x 16

    1 3 1 16 2 6 2 32 - 4 12 - 4 64 - 8 128

    4 x 3 = 12 12 x 16 = (4 + 8) x 16 = 64 + 128 = 192

    Diviso: Na diviso usava-se o mesmo processo da multiplicao, mas em sentido inverso. Assim, para dividir 168 por 8, o escriba dispunha os clculos, como no caso de uma multiplicao:

    1 8 2 16 4 32 8 64

    16 128

    Feito isso, procura-se na coluna da direita (e no na da esquerda como na multiplicao) os nmeros que, somados, daro o dividendo 168. No nosso exemplo, toma-se os nmeros 8, 32 e 128 e marca-se com um trao os correspondentes da coluna da esquerda, a saber: 1, 4 e 16, que somados perfazem 21, que o quociente da diviso.

    Facilmente depara-se com divises no exatas, como por exemplo, 168 dividido por 9: 1 9 2 18 4 36 8 72 16 144

    No se conseguindo a soma do dividendo na coluna da direita, assinala-se os nmeros cuja soma mais se aproxima do dividendo, no caso 144 + 18 = 162. Portanto tem-se o quociente 16 + 2 = 18 e o resto 168 162 = 6.

  • 23

    Fraes

    O estudo de fraes surgiu por necessidade prtica, quando as divises no eram exatas, como vimos no exemplo anterior.

    Com exceo de 32

    que era representado por os egpcios

    usavam apenas fraes unitrias, ou seja, com numerador igual a 1. Na escrita a frao era expressa por meio do signo , que significa parte ou poro, sendo que o denominador escrito abaixo ou ao seu lado. Exemplos:

    Notaes especiais:

    Outras fraes de denominador potncia de 2, encontram-se representadas no olho do deus Horo, que combina o udjat (olho humano) com as manchas coloridas que envolvem o olho de um falco.

    Operaes com fraes: Recusando-se a priori a conceber uma frao que no tivesse numerador 1, boa parte do seu trabalho era dedicado a escrever uma

    certa frao como soma de fraes de numerador 1. Por exemplo, 52

    escrevia-se como 151

    31+ . possvel que para essas transformaes

    fossem utilizadas frmulas do tipo:

    21

    1

    21

    12)n(nnn +++= ou

    .)qp(q)qp(ppq2

    1

    2

    12+

    ++

    = Por isso, os clculos que utilizavam

    fraes ocupam a maior parte do Papiro Rhind.

    51

    431

    2761

    21

    41

    24

    O princpio dessas operaes idntico ao utilizado para os nmeros inteiros: a duplicao sistemtica. Quando o denominador da frao a duplicar era um nmero par, no havia qualquer dificuldade: bastava dividi-lo por 2. Por exemplo, para a

    operao simples 7 x 81

    , o escriba egpcio colocaria como

    habitualmente.

    - 1 81

    - 2 41

    - 4 21

    Sendo a soma dos nmeros da primeira coluna igual ao multiplicador 7, transcreveria diretamente o resultado:

    81

    41

    21

    817 ++=x

    Mas, no caso de uma operao com denominadores mpares, o sistema adotado torna-se inoperantes e necessrio encontrar um meio de superar a dificuldade.

    Qualquer frao da forma n

    2, em que n um nmero mpar,

    pode ser decomposta numa soma de duas ou mais fraes, cujo numerador 1. Assim, como vimos

    52

    pode escrever-se 151

    31+ . Os

    egpcios conheciam bem esse fato e, como a decomposio de fraes implica clculos longos e delicados, estabeleceram uma

    tbua modelo de decomposio, comeando em 52

    e chegando em

    1012

    . Essa tbua, que desempenhava um papel considervel no

    ensino, constitui a parte mais importante do Papiro Rhind. Eis um exemplo de como ela se apresenta:

  • 25

    Dividir 2 por 41: 241

    321 + corresponde a

    2461*

    a 61

    241

    ,

    * e

    3281*

    a 81

    Modo de realizar a operao:

    81

    61

    resto

    241

    321

    24171

    241

    121

    313

    121

    61

    326

    61

    3213

    31

    3127

    32

    41 1

    +

    +=

    +

    +

    Total 1 41 /2 82 /4 164

    /6 246 61

    /8 328 81

    Segundo os nossos mtodos habituais, exporamos assim a

    resposta do problema: 3281

    2461

    241

    412

    ++=

    A tcnica dos escribas para chegar ao resultado difcil de ser acompanhada e os prprios matemticos no esto totalmente de acordo quanto ao mtodo utilizado. possvel, alis, que no

    26

    houvesse de incio, um mtodo bem definido e que os escribas chegassem ao resultado por meio de tentativas sucessivas. Nem por isso deixa de ser assombrosa a facilidade e a segurana com que os egpcios manejavam suas fraes; posteriormente os gregos e os romanos adotaram esse mtodo.

    Parties proporcionais

    possvel que os egpcios tenham adquirido uma grande habilidade no manejo das fraes devido ao sistema econmico e social da realeza faranica. Conheceram tardiamente a moeda, somente por ocasio da conquista persa. Todo o comrcio, at o mais indispensvel vida, realizava-se atravs da troca.

    Alm disso, a propriedade privada era, ao que parece, das mais limitadas; a terra, na maioria dos casos, pertencia ao rei ou aos templos. Um sistema social dessa natureza, em que o indivduo em tudo depende necessariamente de seu empregador, no caso do fara ou dos sacerdotes, implica, dada a ausncia de qualquer padro monetrio, em enorme contabilidade material. De um lado, para o controle da produo no fornecimento de sementes, instrumentos, matrias primas, etc.; e, de outro, para a diviso dos bens de consumo tais como alimento, roupa, etc., entre os diversos membros das comunidades artesanais ou agrcolas. Competia ao escriba repartir os recursos acumulados nos celeiros do estado ou dos templos e da a importncia dos problemas de parties proporcionais na aritmtica. Esse fato tambm explica o motivo pelo qual os escribas permaneceram fiis ao sistema das fraes de numerador 1, que facilitava a diviso dos objetos e gneros alimentcios.

    Dividir 7 pes entre 10 homens: deve-se multiplicar 301

    32+ por

    10. Resultado 7.

  • 27

    Modo de realizar a operao:

    7151

    311

    51

    151

    315

    51

    151

    315 8

    301

    101

    322 4

    151

    311 2

    301

    32

    1

    =++++

    ++

    ++

    +

    +

    Total: 7 pes; exatamente isso. (Papiro Rhind, problema 4)

    Outros processos aritmticos

    Para poder resolver todos os problemas da vida cotidiana, os egpcios tiveram de realizar diversas operaes aritmticas, tais como elevar um nmero ao quadrado e extrair razes quadradas. raiz quadrada concedem o nome de canto. Esse termo deriva claramente da representao de um quadrado cortado em diagonal e mostra at que ponto os egpcios mantiveram-se ao nvel concreto, onde outros povos teriam recorrido abstrao. No Papiro de

    Berlim, h o clculo correto das razes quadradas de 416 e de

    ,

    161

    211 + mas no sabemos se essas extraes foram obtidas

    segundo um processo determinado ou se o escriba chegou ao resultado por meras tentativas. As propores desempenharam um papel essencial na aritmtica egpcia.

    28

    Progresses Aritmtica e Geomtrica

    Ora, sabe-se que a hierarquia era fortemente acentuada na sociedade. A diferena de posio na escala social era marcada pelo direito a uma parte considervel em todas as partilhas, da porque o escriba se defronta, frequentemente, com problemas do seguinte tipo:

    100 pes para 5 homens, 71

    (da parte) dos 3 primeiros para os 2 ltimos homens. Qual ser a diferena entre as partes? (Papiro Rhind, problema 40).

    Parece que de acordo com a maneira pela qual o escriba o resolve, o problema consiste em dividir 100 pes entre 5 homens de tal modo que as partes estejam em progresso aritmtica e que a soma das duas menores seja

    71

    da soma das maiores.

    O mtodo empregado no claro, talvez porque os clculos indicados sejam tentativas sucessivas; entretanto a soluo correta: as partes devero ser de

    6510 20

    6129

    3138 ,,, e ,

    321 nmeros que

    satisfazem as condies do problema. Os matemticos egpcios tinham, portanto, uma idia confusa,

    sem dvida, da progresso aritmtica. Outro problema mostra que conheciam tambm a progresso geomtrica; o seu enunciado apresenta-se de maneira algo misteriosa.

    Inventrio de um patrimnio: 7 casas Modo de realizar a operao: 49 gatos -1 2801 343 camundongos -2 5602 2401 espigas de trigo -4 11204

    16807 alqueires

    Total: 19607 (Papiro Rhind, problema 79)

  • 29

    Parece razovel supor que havia um patrimnio composto de 7 casas, cada casa possua 7 gatos, cada gato matava 7 camundongos, cada camundongo comia 7 espigas de trigo, cada espiga de trigo teria produzido 7 alqueires. Quanto se obteria no conjunto? O total contm a soma de tudo o que mencionado e nada significa no nosso entender. Devemos notar que no se chega a esse total pela soma dos nmeros da enumerao, mas pela multiplicao de 2801 por 7; o que nos conduz soma dos termos da seqncia (7, 49, 343, 2401, 16807), que uma progresso geomtrica de razo 7.

    lgebralgebralgebralgebra

    Uma srie de problemas cuja finalidade to utilitria como a daqueles que vimos at agora, indica um conhecimento razovel, por parte dos egpcios, de laboriosas tcnicas de resoluo de equaes algbricas.

    Nesses problemas so pedidos o que equivale a solues de equaes lineares da forma x + ax = b ou x + ax + bx = c onde a, b e c so nmeros racionais positivos conhecidos e x desconhecido. A incgnita chamada de aha (palavra egpcia que significa pilha, monte).

    Exemplo 1: O problema 24 do Papiro Rhind, pede o valor de aha sabendo-se que aha mais um stimo de aha d 19. Nas nossas notaes seria

    resolver a equao 197=+

    xx . A soluo caracterstica de um

    processo conhecido como mtodo de falsa posio ou regra do falso. Um valor especfico, provavelmente falso, atribudo para aha, e as operaes indicadas esquerda do sinal de igualdade so efetuadas sobre esse nmero suposto. O resultado ento comparado com o resultado que se pretende, e, usando regra de trs, chega-se resposta correta. Nesse exemplo o valor tentado para a incgnita 7, de

    modo que 87717 =+ em vez de 19.

    30

    Como 1981

    4128 =++ )( deve-se multiplicar 7 por

    81

    412 ++ para

    obter a resposta 81

    2116 ++ , isto , 7 8

    x 19

    81

    412

    819

    7++==

    x )(x

    81

    4127 ++=

    Pode-se conferir a resposta verificando que se a 81

    2116 ++=x

    somarmos 71

    de x (que 81

    412 ++ ) de fato obteremos 19.

    Aqui notamos outro passo significativo do desenvolvimento da matemtica, pois a verificao um exemplo simples de prova.

    Exemplo 2:

    Instruo para dividir 700 pes entre 4 pessoas, 32

    para uma, 21

    para a segunda, 31

    para a terceira e 41

    para a quarta.

    Modo de realizar a operao:

    Some ,,,,41

    31

    21

    32

    o que d .41

    211 ++

    Divida 1 por 41

    211 ++ o que d

    141

    21+ .

    Agora ache 141

    21+ de 700, que 400.

    Tudo se passa ento, como se estivssemos resolvendo a equao:

    70041

    31

    21

    32

    =+++ xxxx pela mesma tcnica usada hoje, porm de forma retrica. (Papiro Rhind, problema 63)

  • 31

    O estudo dos problemas aha levantou a questo de saber se os egpcios conheceram a lgebra. Com efeito, esses problemas exprimem as nossas equaes de primeiro grau, e alguns deles se prendem at mesmo a equaes do segundo grau. Alguns autores no hesitaram em reconhecer o fato. No entanto, preciso admitir que subsistem dvidas a respeito. H um exemplo, pelo menos, no Papiro de Berlim que no deixa dvidas. Trata-se de um problema de partilha que no se refere a po ou cerveja ou a qualquer outra coisa do cotidiano. Esse problema tem o seguinte enunciado: A soma das reas de dois quadrados 100 unidades, sendo que

    a medida de um lado 43 da medida do outro. Quais so os lados?

    Em notao atual escreveramos:

    100169

    seja,ou 43

    onde 100 2222 =+==+ xx,xy,yx

    Na soluo que prope, o escriba no emprega smbolos como x ou y. Parte de um nmero arbitrrio 1, por exemplo e, em

    conseqncia, tambm de 43

    . Eleva esses nmeros ao quadrado e

    soma os resultados, ou seja, );1691(

    161

    211 =+ extrai a raiz quadrada

    do total, isto , .411 Procede em seguida extrao da raiz quadrada

    de 100, ou seja, 10, nmero que representa .x8411 Admite-se ento

    que o nmero base, arbitrrio, deve ser multiplicado por 8, para se

    obter a soluo: 8 x 1 e 8 x 43

    , ou 8 e 6, o que exato. (Papiro de Berlim).

    GeometriaGeometriaGeometriaGeometria

    No campo da geometria, so propostos problemas dependentes do uso de frmulas numricas, no abstratas, que no so deduzidas

    32

    no texto. Tais problemas incluem o clculo de rea de campos limitados por linhas retas ou por arcos de circunferncia, considerando-se no primeiro caso apenas tringulos, retngulos e trapzios. Tambm se estuda o volume do tronco de pirmide quadrtica. O clssico problema da quadratura do crculo abordado,

    obtendo-se para o nmero pi a aproximao de ...,1604381

    256= que,

    comparada com a verdadeira, 3,1415..., representa um resultado excelente para a poca. Os autores gregos fazem particular meno dos mtodos de agrimensura usados pelos egpcios, devido s cheias do Nilo que destruam as demarcaes. Segundo conta Herdoto, Sesstris tinha dividido as terras em retngulos iguais entre todos os egpcios, de modo que todos pagavam o mesmo tributo. Quem perdesse parte de sua terra em conseqncia da cheia devia comunicar ao rei, que mandava ento um inspetor calcular a perda e fazer um desconto proporcional no imposto. Foi assim que nasceu a geometria (literalmente: medio de terras).

    rea do tringulo issceles

    Calcular a superfcie de um campo triangular de 10 cvados de altura e 4 cvados de base.

    Modo de realizar a operao: 1 400

    21

    200

    1 1000 2 2000

    Resposta: sua superfcie de 2000 cvados (Papiro Rhind, problema 51)

    B C

    C B A

  • 33

    rea do crculo (Considerado o maior xito dos egpcios).

    Calcular uma poro de terra circular, cujo dimetro de 9 varas. Qual a sua superfcie? Subtrair 1 da nona parte dela. Resta 8; ento, multiplicar oito vezes oito, resultando 64. A superfcie de 6 kha e 4 setat.

    Modo de realizar a operao: 1 9

    91

    daquilo 1

    Subtrai daquilo, resta 8 1 8 2 16 4 32

    8 64 Resposta: a superfcie da terra de 6kha (escrito 60) e 4 setat (Papiro Rhind, problema 50)

    Na verdade, na engenhosa resoluo anterior h indcios de que

    para calcular a rea do crculo, era usada a frmula: ,dA2

    98

    =

    sendo d o dimetro. Assim, 22

    812562

    98

    rrA =

    = . Logo,

    16043,=pi . Essa aproximao de pi , obtido empiricamente era muito mais exata que o valor 3 utilizado pela maioria dos povos antigos do Oriente.

    rea de um quadriltero

    No templo de Horo, em Edfu, foi encontrado inscries de uma frmula para o clculo de reas de quadrilteros, que em notao atual :

    34

    +

    +=22

    dbcaS , sendo a, b, c, d, os lados do quadriltero.

    Essa frmula muito prtica, porm conduz a erros sempre que o quadriltero no tiver a regularidade do quadrado ou do retngulo. Para trapzios e losangos, por exemplo, os resultados encontrados so bem maiores que os verdadeiros. Portanto, os egpcios sabiam calcular a rea do tringulo, de quadrilteros e do crculo, bem como o volume de alguns slidos elementares, inclusive o tronco de pirmide de altura h e bases quadradas, com os lados a e b, respectivamente.

    )baba(hV 223

    ++= (Papiro de Moscou)

    Finalizando, pode-se dizer que a matemtica dos egpcios apresenta as seguintes caractersticas por volta de 2000 a.C.: conhecimentos bastante desenvolvidos sobre as operaes com nmeros inteiros e fraes, um mtodo para resolver equaes do primeiro grau com uma incgnita, diversas frmulas, tanto exatas como aproximadas, para a rea de figuras planas e slidos elementares e, ainda, um mtodo aproximado para calcular a rea de um crculo de raio determinado.

    ExercciosExercciosExercciosExerccios

    1. Quais so as trs mais importantes contribuies do Egito ao desenvolvimento da matemtica? Explique porque as considera importantes.

    2. Explique quais so as trs mais importantes deficincias da matemtica egpcia.

    3. Escreva o nmero 7654 em forma hieroglfica egpcia.

    a

  • 35

    4. Resolva pelo mtodo da falsa posio a equao 162=+

    xx

    (Problema 25 do Papiro Rhind).

    5. Encontre 101 : 16, exprimindo o resultado em hierglifos egpcios.

    6. At que ponto correto dizer que os egpcios conheciam a rea do crculo?

    7. Exprima 103

    2 como soma de duas fraes unitrias diferentes e

    escreva-as em notao hieroglfica.

    8. Por que voc acha que os egpcios preferiam a decomposio

    301

    101

    152

    += alternativa 201

    121

    152

    += ?

    9. Mostre que se n um mltiplo de trs, n

    2 pode ser decomposto na

    soma de duas fraes unitrias, uma sendo a metade de n

    1.

    10. Mostre que se n um mltiplo de 5, n

    2 pode ser decomposto na

    soma de duas fraes unitrias, uma sendo um tero de n

    1.

    36

  • 37

    MESOPOTMIAMESOPOTMIAMESOPOTMIAMESOPOTMIA

    Admira, meu filho, a sabedoria divina que fez o rio passar bem perto da cidade! (autor desconhecido)

    A Mesopotmia, a terra Entre os Rios, ocupa a rea aluvial plana entre o Tigre e o Eufrates, onde hoje se situa o Iraque. Entre a atual Bagd e o golfo Prsico, a terra se inclina suavemente, originando uma diferena de altura total de apenas dez metros; assim os rios correm vagarosamente, depositando grandes quantidades de sedimentos, inundando suas margens e mudando ligeiramente de curso, de tempos em tempos. No extremo sul, h pntanos e brejos de juncos. O suprimento de gua irregular e a precipitao pluvial, pequena. Desse modo o cultivo deve ser feito prximo aos rios ou apoiado pela irrigao. Ao norte o solo das plancies compacto e imprprio para as culturas durante oito meses do ano.

    Embora no tivesse uma rea prpria para a cultura, como o Egito, possua um enorme suprimento de matrias primas, produtos

    38

    agrcolas, incluindo animais, peixes e tamareiras, e desde cedo surgiu a indstria de juncos, que fornecia produtos de fibra da planta, assim como os prprios juncos. Alm disso, h fontes de betume e pedra calcria a oeste, mas no h madeira, exceto o tipo inferior obtido das tamareiras, apropriado apenas para confeco de vigas toscas, do mesmo modo no existem pedras duras, havendo ainda pouco metal. Durante toda a sua histria, a Mesopotmia vivia praticamente do comrcio; particularmente, a parte sul se tornou um vasto mercado e um centro de troca e disseminao de idias. A civilizao mesopotmia, bem antes dos rabes atuais, se formou literalmente de uma mistura de povos. Sumrios, acdios, amoritas, assrios, hititas, caldeus, medos e babilnios. A Mesopotmia tida como vale turbulento e isso pode ser confirmado quer pelos grandes degelos imprevisveis (nas montanhas da Sria e Turquia) que provocam cheias nos rios, quer pelas lutas constantes pelo poder entre esses povos. Temos assim, a Mesopotmia como uma regio economicamente prspera e militarmente organizada, que possua uma agricultura avanada, bem como um sistema de captao de impostos que financiava a expanso de uma cultura sofisticada para os padres da poca. Foi nessa regio, que por volta de 3500 a.C. nasceu a escrita, inveno dos sumrios, caracterizada por marcas cuneiformes em placas de argila (mais ou menos 30 x 50 cm) cozidas ao sol. Milhares dessas placas, hoje conservadas em museus norte americanos e europeus, traduzidas, revelaram a existncia de uma matemtica original e de medidas sistemticas do tempo. O conhecimento das estaes do ano foi fundamental para o desenvolvimento da agricultura. O ano mesopotmio, em 2000 a.C., tinha 360 dias, divididos em doze meses. Relgios solares assinalavam a passagem do tempo e o dia j era dividido em horas, minutos e segundos. Com a observao do movimento aparente do Sol e dos planetas entre as estrelas fixas foram nomeados os sete dias da semana com os nomes do Sol, da Lua e dos outros cinco planetas conhecidos (Mercrio, Vnus, Marte, Jpiter e Saturno). Foi traada, tambm, a trajetria percorrida pelo Sol, dividindo-a em doze partes associadas a animais mticos e denominadas de signos do zodaco.

  • 39

    O Universo era representado como uma caixa fechada, cujo fundo era a Terra. Observaes de muitos fenmenos astronmicos, como eclipses do Sol e da Lua e as posies de Vnus, esto registradas em placas de argila. Com essas observaes os astrlogos mesopotmios tiveram muito sucesso na interpretao de sonhos e na prtica de realizar previses. Devemos destacar que os povos que viveram na terra entre dois rios deixaram uma cincia prtica, sem a preocupao de fundamentar metafsica ou teologicamente os fatos.

    A MATEMTICA MESOPOTMIA

    O que se sabe sobre a matemtica mesopotmia relativamente recente. Data, na realidade, dos trabalhos de Otto Neugebauer (1899 1990) que por volta de 1930 liderou as pesquisas em Princeton, realizando um estudo exaustivo em cerca de dez mil placas de argila, buscando reconstruir os conceitos aritmticos e geomtricos daquela civilizao, por volta de 2000 a.C. De um modo geral, os textos matemticos mesopotmios (grande parte de matemtica financeira) podem ser classificados em duas categorias: as tbuas numricas e as de problemas. As primeiras quase no diferem das tbuas modernas e as outras so coletneas didticas de exerccios. Nos textos de carter geomtrico freqente a presena de figuras, muitas vezes acompanhadas de uma legenda numrica. So figuras simples que servem apenas para ilustrar o enunciado, nunca interferem na soluo, e, geralmente, no eram respeitadas as propores. Dessa forma podemos dizer que os mesopotmios souberam calcular corretamente com figuras falsas.

    Aritmtica

    Por volta do ano 2000 a. C. era usado pelos mesopotmios uma combinao de dois sistemas de numerao, um de base dez e o outro posicional de base sessenta e, sem dvidas, essas caractersticas originais no foram encontradas em qualquer outro

    40

    sistema de numerao da antiguidade. Como exemplo escrevemos o nmero: 3904 = 4 + 9.10 + 3.10 na base 10 e 3904 = 1.60 + 5.60 + 4 na base 60. Os nmeros inteiros positivos eram expressos, em geral, mediante o emprego de dois sinais bsicos: = 1 e = 10.

    De 1 a 59, os nmeros so expressos pela repetio dos sinais correspondentes a 1 e 10, sendo as unidades precedidas pelas dezenas. Exemplos:

    2 11 20

    60

    = 520 = 8.60 + 40

    = 2 + 2. 60 + 2.60 ou 1 + 1.60 + 1.60 + +1.60 + 2.604 ou 2.60-1 + 2 + 2.60.

    Muitas vezes o contexto eliminava a ambigidade e, a falta de um smbolo para o zero, deve ter sido muito inconveniente. Tanto que no perodo selucida, ao tempo de Alexandre, melhoraram a notao adotando duas cunhas inclinadas para sua representao. Atualmente para escrevermos nmeros na base 60 com os nossos numerais, utilizamos a seguinte notao:

    2,31,8 = 8 + 31.60 + 2.60 0;4,6 = 0 + 4.60-1 + 6.60-2 2,14;5,7 = 14 + 2.60 + 5.60-1 + 7.60-2

    Operaes

    As operaes eram realizadas da mesma maneira que fazemos hoje.

    59

  • 41

    Na subtrao usavam a idia de chegar: 16 para chegar no 40 24. Na multiplicao e diviso utilizavam tabelas auxiliares. Por

    exemplo, para se calcular 158

    , multiplicava-se por 8 o valor que

    constava na tabela para 151

    .

    Havia tabelas tambm para recprocos, quadrados, cubos, razes quadradas e cbicas. Exemplo de uma tabela de recprocos:

    2 30 3 20 4 15 5 12 6 10 8 7;30 9 6;40 10 6 12 5

    Nessa tabela, notamos a ausncia dos recprocos de 7 e 11, porque so sexagesimais infinitos, que chamavam de irregulares.

    Juros compostos

    Tabelas de potncias sucessivas de um dado nmero, semelhantes as nossas de logaritmos, eram utilizadas para resolver questes especficas, como por exemplo, temos o problema a seguir, resolvido por interpolao.

    Quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a 20% ao ano? A resposta dada 3;47,13,20.

    Parece que o escriba aplicou interpolao linear entre os valores (1;12) e (1;12)4, usando a frmula para juros compostos

    42

    n)r(CC += 10 em que r = 20% ou 12.60-1, e C0 a quantia inicial colocada a juros, usando valores de uma tabela exponencial com potncias de 1;12.

    Raiz quadrada

    Os matemticos mesopotmios foram hbeis no desenvolvimento de processos algortmicos, entre os quais um para extrair raiz quadrada, que descreveremos a seguir.

    Algoritmo para a , sendo a um nmero inteiro positivo.

    Sejam a1 uma primeira aproximao dessa raiz e 1

    1a

    ab = (se

    a1 por falta, b1 por excesso e vice-versa). Logo a mdia aritmtica a2 = 2

    1 (a1 + b1) = )

    a

    aa(

    112

    1+ uma nova aproximao

    plausvel. A seguir, avaliamos 2

    2a

    ab = e a mdia aritmtica

    )a

    aa()ba(a

    22223 2

    121

    +=+= para obtermos um resultado

    melhor. O processo pode ser continuado indefinidamente.

    Exemplo: calcular 17

    Modo de realizar a operao:

    a = 17, a1 = 4, 4 = 16

    Logo b1 = 417

    e a2 = .,)( 12544174

    21

    =+

    A seguir, b2 = 125417,

    = 4,1212 e a3 = ),

    ,(1254171254

    21

    + = 4,1231

    Assim 17 a3

  • 43

    Com esse mtodo, os mesopotmios encontraram 2 como 1,414222 que uma tima aproximao. Alis tinham facilidade em aproximaes, talvez pela notao posicional para fraes que foi a melhor at a Renascena.

    lgebra

    De uma forma discursiva, com poucos smbolos para as incgnitas, os mesopotmios sabiam resolver, sem o uso de frmulas, a equao do primeiro grau, sistemas lineares com duas incgnitas, equao do segundo grau, sistemas do segundo grau com duas incgnitas e equaes biquadradas.

    Sistemas lineares

    =+

    =+

    10

    741

    yx

    yx

    yx

    =

    =

    =

    =

    4 6 10 6 3:18

    18 10 28 28 4.7 :Soluo

    Equao do 2 grau

    Para o egpcios era muito difcil resolver equaes do tipo x - px = q, mas os mesopotmios resolviam seguindo uma receita. Problema: Qual o lado de um quadrado tal que a rea menos o lado perfaz 14,30? A soluo desse problema equivale a resolver x - x = 870 (base 10) ou x - x = 14,30 (base 60). Soluo: x = 1.x + 14,30 Tome a metade de 1, que 0;30 e multiplique 0;30 por 0;30, o que d 0;15. Some isto a 14,30, o que d 10,30;15 que o quadrado de 29;30. Agora some 0;30 a 29;30 e o resultado 30, o lado do quadrado.

    A soluo equivale exatamente frmula 22

    2 pq)p(x ++= para uma raiz da equao x - px = q. No final de cada soluo, escreviam este o procedimento.

    44

    Transformaes algbricas

    Muitas vezes usavam transformaes algbricas, algo avanado para a poca. Assim dada a equao 11x + 7x = 6;15, procurava-se chegar no tipo padro x - px = q e para isso, multiplicando por 11 ambos os membros de 11x + 7x = 6;15 temos: (11x) + 11.7x = 11.6;15 = 1;18;45 Fazendo y = 11x, temos y + 7y = 1;18;45 que pode ser

    resolvida pela frmula 22

    2 pq)p(y ++= e depois se calcula o valor de x. Sabiam tambm passar da equao ax4 + bx = c para ay + by = c.

    Resolviam uma equao do 2 grau com duas incgnitas, como

    por exemplo

    =

    =+

    yx

    ,yx

    71

    152122

    Equaes cbicas

    No h registro no Egito de resoluo de uma equao cbica, mas entre os mesopotmios h muitos exemplos. Cbicas puras como x = 0;7,30 eram resolvidas por tabelas de cubos e razes cbicas, e a soluo era 0;30. Para melhor aproximar resultados usavam frequentemente interpolao linear. Com a tabela de inteiros n + n resolviam cbicas como x + x = a. Por exemplo verifica-se que x + x = 4,12 tem soluo 6. Resolviam tambm, cbicas do tipo 144x + 12x = 21. Multiplicavam por 12, os dois membros e, fazendo y = 12x a equao tornava-se y + y = 4,12, da qual se encontrava y = 6, e finalmente x = 1/2 ou 0;30. possvel at que tenham resolvido cbicas completas: ax + bx + cx = d.

  • 45

    Teoria dos NmerosTeoria dos NmerosTeoria dos NmerosTeoria dos Nmeros

    O desenvolvimento da matemtica mesopotmia teve o seu apogeu por volta de 1800 a.C. Ao contrrio de outros povos, deram-se ao luxo de formular problemas matemticos de caractersticas eminentemente especulativas. Na placa de argila 322 da Coleo Plimpton da Universidade de Columbia, Nova York, estudada por Neugebauer em 1945, temos uma tabela com 15 linhas por 4 colunas, sendo que 3 delas, aps um ajuste nos clculos, esto relacionadas entre si como as conhecidas ternas pitagricas. Na linha 4, por exemplo, encontramos a = 3,31,49; b = 3,45,0 e c = 5,9,1 que satisfazem a relao a + b = c, em que a, b, c so lados de um tringulo retngulo. Assim, aproximadamente, mil anos antes de Pitgoras nascer, j era conhecido entre os rios Tigre e Eufrates o famoso teorema atribudo ao sbio grego. Outro documento, provavelmente do tempo dos Caldeus, apresenta identidades interessantes: 1 + 2 + 2 +...+ 29 = 210 1 e

    1 + 2 + ... + 10 = )...)(( 1021320

    31

    ++++= .

    GeometriaGeometriaGeometriaGeometria

    A geometria mesopotmia, como a dos egpcios, extremamente pobre quando comparada a dos gregos. No havia definies e teoremas; era essencialmente uma lgebra aplicada e figuras. Limitava-se ao clculo da diagonal do quadrado, altura do tringulo eqiltero, reas de tringulos, retngulos e trapzios, bem como aproximao da rea do crculo, que conheciam como sendo o quadrado do comprimento da circunferncia dividido por 12. Conheciam, portanto, o valor de pi como sendo 3.

    46

    Na placa Plimpton 355 destacam-se nmeros que muito se aproximam da tangente e secante de alguns ngulos, embora, sabe-se hoje, no conhecessem a trigonometria. Analisando a Plimpton 470, destaca-se o clculo aproximado do volume do tronco de cone, cilindro e pirmide, quando esses resultados eram aplicados s suas construes, bem como ao comrcio de ouro e prata. Curioso que no sabiam calcular o volume da esfera, ou melhor, as aproximaes que fizeram foram extremamente grosseiras.

    ExercciosExercciosExercciosExerccios

    1. Quais so as mais importantes contribuies da Mesopotmia ao desenvolvimento da matemtica? Explique porque as considera importantes.

    2. Quais so as deficincias da matemtica mesopotmia? Explique.

    3. Descreva as vantagens e desvantagens relativas as notaes dos mesopotmios para os nmeros,

    4. Escreva os nmeros 10000 e 0,0862 em notao mesopotmia.

    5. Use o algoritmo mesopotmio para raiz quadrada para encontrar a raiz quadrada de 2, com seis casas decimais e compare com o valor mesopotmio 1;24,51,10.

    6. Mostre que a representao sexagesimal de 1/7 tem periodicidade de trs casas. Quantas casas h na periodicidade em representao decimal?

  • 47

    GRCIAGRCIAGRCIAGRCIA

    Em matemtica todos os caminhos levam Grcia (Thomas Heath)

    A chegada dos drios, no sculo XII a.C., s circunvizinhanas do mar Egeu, constitui momento decisivo na formao do povo e da cultura grega. Na pennsula e nas ilhas cenrio natural da Grcia em gestao est ento instalada a civilizao micnica ou aqueana, que se desenvolvera em estreita ligao com a civilizao cretense e em contato com povos orientais. A sociedade micnica apresenta-se composta por grande nmero de famlias principescas, que reinam sobre pequenas comunidades. Essa pluralidade, decorrente da originria diviso em cls, fortalecida pelas prprias caractersticas fsicas da regio: o relevo, compartimentando o territrio, torna alguns locais mais facilmente interligveis atravs do mar. Assim, muito antes que as condies geogrficas contribuam para que as cidades-estados venham a se desenvolver como unidades autnomas, j so motivo para que, desde suas razes micnicas, a cultura grega se constitua voltada para o mar: via de comunicao e de comrcio com outros povos, de intercmbio e de confronto com outras civilizaes.

    48

    Chegando em bandos sucessivos, vindos do norte, os drios dominam a regio. Embora da mesma raiz tnica dos aqueus, apresentam ndice civilizatrio mais baixo. Possuem, porm, uma incontestvel superioridade: o uso de utenslios e armas de ferro, fator decisivo para a vitria sobre os micnicos que permaneciam na Idade do Bronze. As invases dricas acarretam migraes de grupos de aqueus, que se transferem para as ilhas e as costas da sia Menor (Turquia) e ali fundam colnias, tentando preservar suas tradies, suas instituies e sua organizao social de cunho patriarcal e gentlico. As novas condies de vida das colnias e a nova mentalidade delas decorrentes encontram sua primeira expresso atravs das epopias: em poesia o homem grego canta o declnio das arcaicas formas de viver ou pensar, enquanto prepara o futuro advento da era cientfica e filosfica que a Grcia conhecer a partir do sculo VI a.C. Resultantes da fuso de lendas elias e jnicas, as epopias incorporaram relatos mais ou menos fabulosos sobre expedies martimas e elementos provenientes do contato do mundo helnico, em sua fase de formao, com culturas orientais. A lngua desses primeiros poemas da literatura ocidental uma mistura dos dialetos elio e jnico, com predominncia do ltimo. Entremeando lendas e ocorrncias histricas relatando particularmente os acontecimentos referentes derrocada da sociedade micnica surgem ento cantos e sagas que os aedos (poetas e declamadores ambulantes) continuamente foram enriquecendo. Constitudos por seqncias de episdios relativos a um mesmo evento ou a um mesmo heri, surgem, assim, ciclos que cantam principalmente as duas guerras de Tebas e a Guerra de Tria. Desses numerosos poemas, apenas dois se conservaram: a Ilada e a Odissia de Homero, escritos entre os sculos X e VIII a.C.

    HOMERO HOMERO HOMERO HOMERO (sculo X a.C.)

    Da vida de Homero praticamente nada se sabe com segurana, embora dados semilendrios sobre ele fossem transmitidos desde a antiguidade. Sete cidades gregas reivindicam a honra de ter sido sua terra natal. Homero frequentemente descrito como velho e cego,

  • 49

    perambulando de cidade em cidade, a declamar seus versos. Chegou-se mesmo a duvidar de sua existncia e de que a Ilada e a Odissia fossem obra de uma s pessoa. Poderiam ser coletneas de contos populares de antigos aedos e, ainda que tenha existido um poeta chamado Homero que realizou a compilao desse material e enriqueceu com contribuies prprias, o certo que essas obras contm passagens procedentes de pocas diversas. Alm de informar sobre a organizao da polis arcaica, as epopias homricas so a primeira expresso documentada da viso mitopotica dos gregos. A interveno benfica ou malfica dos deuses est no mago da psicologia dos heris de Homero e comanda suas aes. Com efeito, a Ilada e a Odissia apresentam-se marcadas pela presena constante de poderes superiores que interferem na luta entre gregos e troianos (tema da Ilada) e nas aventuras de Ulisses ou Odisseu (tema da Odissia). Nas epopias homricas, mesmo quando representam foras da natureza, os deuses revestem-se de forma humana; esse antropomorfismo atribui-lhes aspecto familiar e at certo ponto inteligvel, afastando os terrores relativos a foras obscuras e incontrolveis. Sobrepondo-se a arcaicas formas de religiosidade, Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, as formas monstruosas da mesma maneira que exclui do culto as prticas mgicas. A racionalizao do divino conduz a uma religiosidade exterior, que mais convm ao pblico a que se dirigem as epopias: polis aristocrtica. Essa religiosidade apolnea permanecer como uma das linhas fundamentais da religio grega: a do sentido poltico que servir para justificar as tradies e instituies da cidade-estado. por oposio aos homens que os deuses homricos se definem: ao contrrio dos humanos, seres terrenos, os deuses so princpios celestes; diferena dos mortais, escapam velhice e morte. Escapam morte, mas no so eternos nem esto fora do tempo: em princpio pode-se saber de quem cada divindade filho ou filha. A imortalidade, esta sim, est indissoluvelmente ligada aos deuses que, por oposio aos humanos mortais, so frequentemente designados de os imortais e constituem, na sua organizao e em seu comportamento, uma sociedade imortal de nobres celestes.

    50

    Em Homero, a noo de virtude (aret) significava o mais alto ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortes e ao herosmo guerreiro. Identificada a atributos da nobreza, a aret, em seu mais amplo sentido, designava no apenas a excelncia humana, como tambm a superioridade de seres no-humanos, como a fora dos deuses ou a rapidez dos cavalos nobres. Em geral, a virtude significava fora e destreza dos guerreiros ou dos lutadores, valor herico intimamente vinculado fora fsica. A virtude em Homero , portanto, atributo dos nobres, os aristoi; uma minoria que se eleva acima da multido de homens comuns.

    HESODOHESODOHESODOHESODO (sculo VIII a.C.)

    O complexo processo de formao do povo e da cultura grega determinou o aparecimento dentro do mundo helnico, de reas bastante diferenciadas, no s quanto s atividades econmicas e s instituies polticas, mas tambm quanto prpria mentalidade e suas manifestaes nos campos da arte, da religio, do pensamento. Grcia Continental, mais presa s tradies da polis arcaica, contrapunham-se as colnias da sia Menor, situadas em regies mais distantes pelo intercmbio comercial e cultural com outros povos. Da Jnia surgem as epopias homricas e, a partir do sculo VI a.C., as primeiras formulaes filosficas e cientficas dos pensadores de Mileto, de Samos, de feso. Entre esses dois momentos de manifestao do processo de racionalizao da cultura grega, situa-se a obra potica de Hesodo voz que se eleva da Grcia Continental conjugando as conquistas da nova mentalidade surgida nas colnias da sia Menor com os temas extrados de sua gente e de sua terra. Hesodo foi um mestre da poesia instrutiva; viveu em Ascra, na Becia, e exaltado agora por seus dois poemas, A Teogonia e Os trabalhos e os dias. O primeiro pode ser chamado de genealogia dos deuses. Os trabalhos e os dias referem-se, basicamente, a regras de agricultura e navegao, embora tambm fornea um calendrio de dias felizes e infelizes e oferea uma homilia moral. Com Hesodo d-se a apario do subjetivo na literatura. Na pica mais antiga, o poeta era o simples veculo annimo das Musas; j Hesodo assina sua obra para fazer histria pessoal.

  • 51

    Tomando como ponto de partida velhos mitos, que coordena e enriquece, Hesodo traa uma genealogia sistemtica das divindades. O drama teognico tem incio, com a apresentao das entidades primordiais. Adotando implicitamente o postulado de que tudo tem origem, Hesodo mostra que primeiro teve origem o Caos abismo sem fundo e, em seguida, a Terra e o Amor (Eros), criador de toda a vida. As duras condies de trabalho de sua gente sugerem assim a Hesodo uma viso pessimista da humanidade, perseguida pela animosidade dos deuses. E a mulher deixa de ser exaltada, como na viso aristocrtica de Homero, para ser caracterizada, por esse campons, como mais uma boca a alimentar e a exigir sacrifcios; Raa maldita de mulheres, terrvel flagelo instalado no meio dos homens mortais. Do mesmo modo que o mito de Prometeu ilustra a idia de trabalho, o mito das Idades (de ouro, prata, bronze e ferro) ilustra a idia de justia; nenhum homem pode furtar-se lei do trabalho, assim como evitar a justia. Com Hesodo surge a noo de que a virtude (aret) filha do esforo e a de que o trabalho o fundamento e a salvaguarda da justia.

    A MATEMTICA GREGAA MATEMTICA GREGAA MATEMTICA GREGAA MATEMTICA GREGA

    Hoje nos referimos matemtica grega, de forma inadequada, como um corpo de doutrina homogneo e bem definido. Na verdade com essa viso simplista adotamos que a geometria sofisticada do tipo Euclides Arquimedes Apolnio, era a nica espcie que os gregos conheciam. Devemos lembrar que a matemtica no mundo grego cobriu um intervalo de tempo indo pelo menos de 600 a.C. a 600 d,C. e que viajou da Jnia ponta da Itlia, de Atenas a Alexandria, e a outras partes do mundo civilizado. Bastam os intervalos de tempo e espao para produzir modificaes na profundidade e extenso da atividade matemtica e, a cincia grega no tinha a uniformidade, sculo aps sculo, encontrada nos egpcios e mesopotmios. Alm disso, mesmo num dado tempo e lugar (como hoje em nossa civilizao) havia marcadas diferenas no nvel de interesse e realizao matemtica. Veremos como at na

    52

    obra de um nico indivduo, como Ptolomeu, poderia haver dois tipos de estudos O Almajesto para os racionalistas e o Tetrabiblos para os msticos. provvel que sempre houvesse pelo menos dois nveis de percepo matemtica, mas que a escassez de obras preservadas, especialmente do nvel inferior, tenda a obscurecer esse fato.

    Perodos da Histria da Matemtica GregaPerodos da Histria da Matemtica GregaPerodos da Histria da Matemtica GregaPerodos da Histria da Matemtica Grega

    No houve, claro, uma quebra brusca marcando a transio da liderana intelectual dos vales dos rios Nilo, Tigre e Eufrates para as margens do Mediterrneo, pois o tempo e a histria fluem continuamente. Os estudiosos egpcios e mesopotmios continuaram sua produo durante muitos sculos, aps 800 a.C., mas enquanto isso, uma nova civilizao se preparava rapidamente para assumir a hegemonia cultural, no s na regio mediterrnea, mas tambm nos principais vales fluviais. A primeira fase da idade do mar chamada de Helnica e, conseqentemente, as culturas mais antigas so ditas pr-helnicas. A seguir, uma subdiviso da matemtica grega que, a exemplo de muitas que existem, arbitrria e convencional.

    Perodo Helnico: vai at a morte de Alexandre (323 a.C.) Nesse perodo destacamos duas fases principais: a primeira pr-socrtica desenvolvida nas Ilhas Jnicas, sia Menor, Sul da Itlia e Siclia, ligadas s escolas filosficas de Mileto, Samos, feso e Elia e a segunda, nos sculos V e IV a.C., tendo Atenas como centro principal.

    Perodo Helenstico: vai de 323 a.C. at o incio de nossa era. o perodo de consolidao e tambm o mais rico do ponto de vista matemtico. Surge um novo tipo de intelectual inexistente no perodo anterior: o especialista, o erudito. Os expoentes desse perodo so Euclides, Arquimedes e Apolnio. Os principais centros so Alexandria, Rodes e Prgamo.

  • 53

    Perodo Greco-Romano: vai at 300 d.C. Nesse perodo a matemtica sofreu influncia de outras culturas: egpcias, mesopotmias e romanas. O principal centro ainda Alexandria e os nomes de destaque so Ptolomeu, Heron, Diofanto e Papus.

    Perodo da Decadncia: Greco-Romano vai at 640 d.C. Os romanos, talvez preocupados com aspectos prticos de uma forma exagerada, desprezavam a filosofia e a cincia pela cincia. Isso no suficiente para explicar a decadncia, mas no havendo especulaes no haver inovaes. Nesse perodo era mal usado tudo o que j conheciam de perodos anteriores.

    As fontesAs fontesAs fontesAs fontes

    So escassas as fontes de informaes sobre as idias cientficas dos gregos. Alguns dos mais importantes tratados s so conhecidos pelo titulo, por citaes esparsas, ou indiretamente, atravs de tradues rabes. A seguir apresentamos algumas obras que tornaram-se importantes referncias sobre o desenvolvimento da matemtica grega.

    Histria da Geometria, escrito em 330 a.C., por Eudemo de Rodes, um discpulo de Aristteles. Trata-se de uma obra que se perdeu e que considerada o primeiro livro de Histria da Matemtica.

    Arranjo das matemticas de Gmino de Rodes escrito em 70 a.C. contm dados histricos. Essa obra perdeu-se, mas alguns de seus trechos so citados por autores de poca posterior.

    Regras matemticas necessrias para o estudo de Plato de Ton de Esmirna escrito em 140 d,C.

    Coleo Matemtica de Papus (sculo III d.C), em oito volumes, contm muitos informes relativos ao anterior desenvolvimento da geometria.

    54

    Comentrio ao Livro I de Euclides acrescido do Sumrio Eudemiano de Proclo (410-485), um filsofo neoplatnico. Uma obra que ainda existe que contm grandes evidncias de o autor ter usado o livro de Eudemo que nos referimos anteriormente. De tal modo que acrescentou ao seu Comentrio um Sumrio ou Extrato denominado de Sumrio Eudemiano. Trata-se de um breve resumo do desenvolvimento da geometria grega, apresentando uma lista dos primeiros matemticos, de Tales at Euclides. Um fato interessante que Proclo deixou fora da lista os filsofos atomistas. Demcrito, por exemplo, foi um grande matemtico no relacionado.

    Esses exemplos mostram que as fontes relativas matemtica grega so: cpias e compilaes de obras, s vezes, realizadas vrios sculos antes; tradues de obras gregas para o rabe ou para o latim, e, finalmente temos ainda as referncias indiretas.. Faltam para a matemtica grega fontes originais como as que tivemos para o Egito e a Mesopotmia. Parece contraditrio que uma matemtica to rica, sofisticada no seja documentada. O campo frtil e um convite discusso, mas o que no podemos esquecer a grande tradio oral, presente em todos os ramos de conhecimento na Grcia, alm, claro, dos grandes incndios que destruram, vrias vezes, as principais bibliotecas.

    Sistemas de Numerao

    Para os gregos, nmeros eram os inteiros positivos. As fraes eram muito usadas mas como a razo entre dois inteiros. O curioso que nem mesmo os grandes nomes da matemtica operaram com os nmeros negativos e o zero. A crise inicial causada pelo aparecimento dos irracionais foi superada, considerando esses incomensurveis como grandezas, como medida de um segmento. Assim 2 no era, como hoje, um nmero irracional, mas a medida da diagonal de um quadrado de lado 1. Uma matemtica essencialmente geomtrica apresentava dois sistemas de numerao muito distantes da praticidade do nosso posicional de base 10.

  • 55

    Perodo mais antigo (sistema tico) sistema de base 10.

    | = 1| | = 2 | | | = 3 | | | | = 4 (penta) 5= 6 | = (deka) 10=

    (hekaton) 100= (khilioi) 1000= (myrioi) 10000=

    Eram usados os princpios aditivo e multiplicativo:

    Exemplo: 45678 = MMMM H

    Sistema Jnico ou Alfabtico ( usado a partir de 500 a.C.)

    Tabela de associao de letras e nmeros:

    F

    thetaeta

    dzetastigmaepsilondeltagamabetaalfa

    987654321

    M

    X

    H

    = 510 = 50

    = 500

    = 5000

    = 50000

    X H

    56

    q

    Qpi

    koppapimicroncsinimilambdacapaiota

    908070605040302010

    S

    s

    sampiomegapsikhifiupsilontau

    sigmar

    900800700600500400300200100

    A partir da, uma linha antes da letra multiplica-a por 1000 e essa letra como expoente de , fica multiplicada por 10000.

    Exemplos:

    /

    /

    /

    300020001000

    /

    /

    /

    600050004000

    /

    /

    /

    900080007000

    300002000010000

    pi / 8888

    / 11254

  • 57

    Exemplo de multiplicao:

    265265

    /

    //

    //

    25 300, 1000, 300 3600, 12000,

    1000 12000, 00004 ,

    70225

    Para efetuar clculos eram utilizados seixos ou alguma espcie de baco. A diviso era um processo extremamente laborioso que consistia em repetidas subtraes. Extraam razes quadradas aproximadas e, em geral, usavam fraes unitrias. Para denot-las, usava-se uma linha como expoente da letra correspondente ao denominador. Exemplos:

    / 21

    / 411

    / 32

    Para os gregos, havia uma ntida distino entre a arte de calcular (logstica) e a cincia dos nmeros (aritmtica). A primeira era considerada indigna da ateno dos filsofos.

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    O RACIONALISMO JNICO E OS O RACIONALISMO JNICO E OS O RACIONALISMO JNICO E OS O RACIONALISMO JNICO E OS PITAGRICOSPITAGRICOSPITAGRICOSPITAGRICOS

    Primeira fase do Perodo HelnicoPrimeira fase do Perodo HelnicoPrimeira fase do Perodo HelnicoPrimeira fase do Perodo Helnico

    Para Tales a questo primordial no era o que sabemos, mas sim, como o sabemos (Aristteles)

    TALES TALES TALES TALES (625 558 a.C.)

    De origem fencia, Tales de Mileto considerado o primeiro filsofo, e o primeiro matemtico da histria, segundo o Sumrio de Proclo, j eferido. Mileto, na sia Menor (estaria hoje na Turquia) foi a primeira cidade a despontar culturalmente na Grcia Antiga, que j era composta por cidades-estados independentes. Sobre a vida de Tales, difcil saber o que verdadeiro e o que lenda. Como engenheiro, foi encarregado de construir uma represa no rio Halys. Como comerciante, negociou com sal e azeite e, visitando o Egito, assimilou um pouco da cincia dos sacerdotes. Dedicou-se aos estudos das estrelas no menos que ao da geometria, e conseguiu prever para 585 a.C. um eclipse do Sol. Essa previso valeu a Tales uma grande reputao entre os seus contemporneos, tanto que foi considerado um dos sete sbios da Grcia, se bem que essa escolha, parece ter tido mormente poltica. Nenhum dos outros seis, pelo menos, possua autoridade cientfica. Tales ensinou que o ano contava 365 dias, que a Lua iluminada pelo Sol e que o eclipse, at ento, castigo dos deuses, poderia ser explicado. Sua filosofia consistia em procurar uma essncia (unidade) para todas as coisas. Para ele esse princpio unificador seria a gua e essa seria a primeira explicao do mundo de forma material. Para Tales, a Terra era um disco circular a flutuar num oceano de gua e juntamente com seu discpulo Anaximandro foi o primeiro a afirmar que a Terra era redonda, ou melhor, esfrica.

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    A gua seria, portanto, o elemento fundamental do Cosmos. O gelo, a neve e a geada convertem-se facilmente em gua, e as prprias rochas se desfazem e desaparecem na gua. Tambm o homem parece ser capaz de converter-se em gua, enquanto que as guas do mar e da terra se condensam em resduos slidos. Pela evaporao da gua forma-se o ar e a agitao do elemento universal que causa os terremotos. Entre o seu ocaso e o seu nascimento, as Estrelas passam por trs da Terra. Segundo Aristteles, quando Tales foi criticado por seu pouco senso prtico e por despender tempo demasiado com a filosofia, em vez de fazer dinheiro, ele decidiu confundir seus crticos. Prevendo uma fartura de azeitonas durante o vero seguinte, fez depsitos em todas as prensas de azeitonas de Mileto e da vizinha Quios, alugando-as por baixo preo, pois no se apresentou qualquer concorrente. Quando chegou a poca da colheita de azeitonas, necessitaram de todas as prensas e Tales as alugou pelo preo que quis. Assim, mostrou ao mundo que os filsofos podem ser ricos, se o quiserem, mas que a sua ambio de outra espcie. Entretanto, h outra histria a respeito de Tales, segundo a qual ele caiu num poo, enquanto olhava as estrelas, sendo ridicularizado por uma bela senhorita, por estar tentando descobrir o que estava acontecendo no cu e que era incapaz de ver o que havia a seus ps. Assim, temos duas tradies opostas, uma que mostra como um filsofo pode ser prtico, outra como pode no s-lo.

    Tales e a matemtica

    Em matemtica considerado o criador do mtodo dedutivo e, assim, teria provado algumas proposies importantes. Como exemplos temos as cinco seguintes:

    1. Num tringulo issceles os ngulos da base so iguais.

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    2. Os pares de ngulos opostos formados por duas retas que se cortam so iguais.

    3. O tringulo inscrito numa semicircunferncia retngulo.

    4. Todo dimetro de uma circunferncia divide-a ao meio.

    5. Se dois tringulos so tais que dois ngulos e um lado de um so iguais, respectivamente, a dois ngulos e um lado de outro, ento os tringulos so congruentes.

    Como aplicao da geometria que estava desenvolvendo destacam-se dois resultados famosos atribudos a Tales:

    - medida da altura da pirmide de Quops no Egito por semelhana de tringulos.

    - clculo da distncia de um navio praia, por congruncia de tringulos.

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    ANAXIMANDROANAXIMANDROANAXIMANDROANAXIMANDRO (611 544 a.C.)

    Discpulo de Tales, introduziu na Grcia e aperfeioou o relgio de sol, de origem mesopotmia, e foi tambm o primeiro a traar um mapa geogrfico. No nico fragmento que restou de sua obra, Anaximandro afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as injustias reciprocamente cometidas; lei do equilbrio universal. Por exemplo, no inverno o frio seria compensado dos excessos cometid