anais ii simpósio direito e inovação ufjf janeiro 2013

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  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 1

    Anais do II Simpsio Direito e Inovao

    Faculdade de Direito da UFJF

    Janeiro de 2013

    Organizadores

    Joana de Souza Machado

    Leonardo Alves Corra

    Mara Fajardo Linhares Pereira

    Waleska Marcy Rosa

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 2

    Simpsio Direito e Inovao (2. : 2013 jan. : Juiz de Fora, MG)

    Anais do II Simpsio Direito e Inovao Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Faculdade de Direito / Organizadores Bruno Lacerda, Joana de Souza Machado, Leonardo Alves Corra Juiz de Fora : Faculdade de Direito, 2013.

    178 p.

    ISBN 978-85-66252-01-9

    1. Direito. 2. Inovao. I. Machado, Joana de Souza. II. Corra,

    Leonardo Alves. III. Pereira, Mara Fajardo Linhares. IV. Rosa, Waleska

    Marcy V. Ttulo.

    CDU 34.04

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 3

    NDICE

    1- EXPANSO DO DIREITO PENAL NA PS-MODERNIDADE: O AUMENTO

    DOS TIPOS CULPOSOS E DE PERIGO NO BRASIL..............................................09

    2- LEI 12.654/12 E O MAPEAMENTO GENTICO DOS CRIMINOSOS: O

    RETORNO AO DIREITO PENAL DO INIMIGO OU UMA SOLUO FINAL

    PARA A CRIMINALIDADE?.....................................................................................13

    3- DO RESSARCIMENTO AO INSS PELOS AUTORES DE VIOLNCIA CONTRA

    A MULHER: BENEFCIO, SINCRETISMO METODOLGICO OU

    REARQUITETURA CONSTITUCIONAL?...............................................................16

    4- AS FUNES DECLARADAS E OCULTAS DA PENA PRIVATIVA DE

    LIBERDADE NO SISTEMA CAPITALISTA NEOLIBERAL..................................19

    5- A SELETIVIDADE PENAL (RE)DISCUTIDA EM FACE DA EXPANSO DO

    DIREITO PENAL ECONMICO: NOVOS RUMOS OU CRIMINALIZAO

    SIMBLICA?...............................................................................................................23

    6- JUSTIA RESTAURATIVA COMO FORMA DE DEMOCRATIZAR O DIREITO

    PENAL..........................................................................................................................27

    7- A DESCONSIDERAO DO VOTO NULO COMO AFRONTO DIVISO

    IGUALITRIA DO EXERCCIO DO PODER POLTICO NA

    DEMOCRACIA............................................................................................................30

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 4

    8- O DIREITO FUNDAMENTAL AO QUESTIONAMENTO......................................33

    9- A DURAO RAZOVEL DO PROCESSO NA PERSPECTIVA INOVADORA

    DOS DIREITOS HUMANOS......................................................................................36

    10- O STF, A SOCIEDADE E A PLURALIDADE DE INTRPRETES DO TEXTO

    CONSTITUCIONAL: AMPLIAO DE DIREITOS OU JUDICIALIZAO DA

    POLTICA?...................................................................................................................39

    11- O DOGMA DA PRESUNO ABSOLUTA DE CONSTITUCIONALIDADE DAS

    NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINRIAS: UM OBSTCULO A SER

    REMOVIDO PARA AMPLIAO DO ESPECTRO DE DIREITOS

    FUNDAMENTIAS.......................................................................................................42

    12- ATIVISMO JUDICIAL: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA

    PATERNALISTA.........................................................................................................45

    13- DA TRPLICE HLICE HLICE QUDRUPLA: DESENHANDO OS

    PRESSUPOSTOS PARA A INSTALAO DA INOVAO

    NANOTECNOLGICA NO BRASIL.........................................................................49

    14- DIREITO ECONMICO, INOVAO INSTITUCIONAL E JUDICIALIZAO

    DA POLTICA DE JUROS: SERIA O STF NEOLIBERAL ANTES DO

    NEOLIBERALISMO?..................................................................................................52

    15- POLTICAS E DIRETRIZES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL NA

    CONCESSO DE FINANCIAMENTOS PELO BNDES...........................................56

    16- AS POISON PILLS E SEUS NOCIVOS EFEITOS NA EXPERINCIA

    BRASILEIRA...............................................................................................................59

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 5

    17- O ATCA COMO INSTRUMENTO DE RESPONSABILIZAO DE EMPRESAS

    TRANSANICONAIS POR VIOLAES DE DIREITOS HUMANOS EM UM

    MUNDO GLOBALIZADO..........................................................................................62

    18- PROTEO JURDICA PROPRIEDADE INTELECTUAL: PERSPECTIVAS E

    DESAFIOS DA ZONA DA MATA MINEIRA E

    VERTENTES................................................................................................................65

    19- INOVAO COMPARTILHADA E INCENTIVADA COM JUSTIA: DA

    PROTEO AO MERCADO DE IDEIAS E DESCOBERTAS PARA UMA

    VERDADEIRA DEMOCRACIA DA INOVAO....................................................68

    20- INOVAES E POLTICAS PBLICAS: ORGANIZANDO POLOS DE

    INOVAO REGIONALIZADOS.............................................................................72

    21- DIREITO PATENTE E INTERVENO DO ESTADO: O CASO DAS

    DOENAS NEGLIGENCIADAS................................................................................75

    22- CONTRATOS DE OPERAES TECNOLGICAS E NOVAO: UMA

    ANLISE ATRAVS DO DIREITO COMO INEGRIDADE VOLTADO PARA

    UMA MORAL SUBSTANTIVA.................................................................................78

    23- A RECONQUISTA CONTEMPORNEA DA LIBERDADE DE PENSAMENTO:

    DO ESTOICISMO CLSSICO AOS

    PSICOATIVOS.............................................................................................................81

    24- ARQUIVO, IDENTIDADE E MEMRIA: PATRIMNIO DOS

    ENTERRADOS............................................................................................................84

    25- TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS (TRS) AO ENTENDIMENTO DA

    LEI 8.213/91 (PESSOAS COM DEFICINCIA).......................................................89

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 6

    26- A REDESCOBERTA DA MENTE: UM DILOGO NECESSRIO ENTRE A

    NEUROCINCIA E OS JURISTAS............................................................................93

    27- O FENMENO DO HUMOR POLITICAMENTE INCORRETO E A TCNICA

    DA CENSURA.............................................................................................................97

    28- A INSEMINAO PSTUMA COM CONSENTIMENTO EXPRESSO E A

    NORMATIVIDADE PREVIDENCIRIO-CONSTITUCIONAL: O DIREITO DO

    FILHO PENSO POR MORTE.............................................................................100

    29- NOVAS TECNOLOGIAS DE REPRODUO ASSISTIDA E DIREITOS

    FUNDAMENTAIS.....................................................................................................103

    30- PESSOA E TCNICA EM JULIN MARAS........................................................107

    31- O HOMEM E A TCNICA EM ORTEGA Y GASSET..........................................111

    32- ANLISE ECONMICA DA JUDICIALIZAO DA SADE: O DEVER DE

    EFICINCIA DA AGNCIA NACIONAL DE SADE SUPLEMENTAR (ANS) NA

    CONCRETIZAO DO DIREITO SADE.........................................................114

    33- ASSESSORIA JURDICA POPULAR (AJUP) UNIVERSITRIA: EXPERINCIA

    JURDICA, PEDAGGICA E POLTICA DE EFETIVAO DOS DIREITOS

    SOCIAIS.....................................................................................................................118

    34- OS IDOSOS NO BRASIL ATUAL: A IMPORTNCIA DE AES EFETIVAS

    QUE GARANTAM SEUS DIREITOS......................................................................122

    35- CONSIDERAES PRELIMINARES A PARTIR DA ANLISE DO

    ORAMENTO PBLICO DE JUIZ DE FORA.......................................................126

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 7

    36- DIREITOS FUNDAMENTIAS E DEMOCRACIA NO BRASIL:

    PROLEGMENOS UMA ANLISE DA PROIBIO DO RETROCESSO

    SOCIAL......................................................................................................................130

    37- OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A RBITA JURDICA

    INTERNACIONAL....................................................................................................134

    38- POR UMA TEORIA DA INTERPRETAO QUE SE ENQUADRE NOS

    MOLDES SOCIAIS BRASILEIROS.........................................................................138

    39- O PROCESSO ELETRNICO NA PERSPECTIVA DO ACESSO

    JUSTIA.....................................................................................................................142

    40- NEUTRALIDADE NA REDE: IMPLICAES DO EXERCCIO DO PODER

    COMUNICACIONAL E CONTROLE DE TRFEGO DE INFORMAES PELAS

    EMPRESAS DE FORNECIMENTO DE BANDA LARGA.....................................146

    41- O PAPEL DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA A MOBILIZAO SOCIAL

    CONTRA VIOLAES DE DIREITOS HUMANOS: O CASO DAS MENSAGENS

    DE TEXTO.................................................................................................................149

    42- A INFORMATIZAO DOS PROCESSOS JUDICIAIS E A DIMENSO

    CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL..........................................................152

    43- INTERNET E DIREITOS DA PERSONALIDADE: UMA LEITURA DA

    RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE CONTEDO NA

    JURISPRUDNCIA DO STJ.....................................................................................156

    44- O DEVER DO CREDOR DE MITIGAR AS PRPRIAS PERDAS.......................160

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 8

    45- O CRAM DOWN NAS RECUPERAES JUDICIAIS

    BRASILEIRAS...........................................................................................................164

    46- A GARANTIA DA PRIVACIDADE NA SOCIEDADE TECNOLGICA: UM

    IMPERATIVO CONCRETIZAO DO PRINCPIO DA DIGNIDADE DA

    PESSOA HUMANA...................................................................................................168

    47- POR UMA AUTOTUTELA CONSTITUCIONALIZADA NAS RELAES

    CONTRATUAIS........................................................................................................172

    48- PARADOXOS REGULATRIOS E CUSTOS DE INEFICINCIA

    DECORRENTES DA APLICAO DA TEORIA DA PERSONALIDADE

    JURDICA PELA JUSTIA DO TRABALHO.........................................................176

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 9

    EXPANSO DO DIREITO PENAL NA PS-MODERNIDADE: O AUMENTO DOS

    TIPOS CULPOSOS E DE PERIGO NO BRASIL

    Natlia Cristina Castro Santos1

    Palavras-chave: sociedade do risco; segurana pblica; expanso penal.

    O prefixo ps, assim como denunciado pelo ilustre socilogo alemo Ulrich Beck,

    a palavra-chave da nossa poca. Entender as transformaes operadas no pensamento

    poltico e econmico na sociedade ps-moderna essencial a uma anlise crtica do Direito.

    Pases perifricos como o Brasil, de modernidade e capitalismo tardio, compartilham

    um quadro conflituoso na produo de riqueza social, utilizando mtodos e tcnicas

    arriscados, causando, muitas vezes, uma sensao de insegurana social.

    O desenvolvimento extraordinrio dos meios de comunicao, especialmente a

    internet, aproxima as distncias no mundo globalizado. Uma questo que outrora era

    regionalizada e tratada com discrio, adquire relevo no cenrio mundial, alarmando a toda

    sociedade para os riscos que as decises humanas so capazes de gerar.

    Se, anteriormente, as condutas humanas capazes de impingir sofrimento e dor

    ficavam reservadas a um tipo especial de ser humano, determinado segundo caractersticas

    peculiares, como se deu em Auschwitz, os riscos na sociedade ps-moderna so irreparveis e

    impossveis de serem delimitados. Nesse sentido que Beck afima que a misria pode ser

    segregada, mas no os perigos da era nuclear.

    A sociedade ps-industrial transformou-se numa sociedade dos riscos, tambm

    denominada, por Jess-Maria Silva Snchez, como sociedade da insegurana sentida ou

    sociedade do medo. O medo espalha-se em razo da insero de novas tcnicas, ainda no

    dominadas totalmente, de comercializao de produtos e utilizao de substncias cujos

    possveis efeitos nocivos ainda no so conhecidos.

    Num mundo globalizado, sem fronteiras, os indivduos compartilham uma sensao

    de dependncia uns dos outros, na medida em que acreditam, cada vez mais, que a segurana

    de um dependa de uma atitude positiva do outro. Expressando de outro modo, os indivduos j

    1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Co-pesquisadora do Ncleo de Estudos sobre

    Violncia e Poltica de Controle Social, vinculado ao programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, e

    monitora da disciplina Direito Penal IV na Universidade Federal de Juiz de Fora.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 10

    no se organizam autonomamente, mas compartilham e transferem medidas assecuratrias de

    sua proteo. O discurso da segurana pblica toma propores inimaginveis reclamando

    maior atuao do Direito Penal.

    A sociedade contempornea foi construda a partir do colapso do sistema de bem-

    estar social, criando uma massa de desvalidos desprovidos da ajuda governamental e sem

    condies para alterarem sua realidade por si prpria. Acredita-se, ento, que os indivduos

    que sobrevivem s margens da sociedade inclinam-se violncia e criminalidade de rua,

    motivo pelo qual devem ser vigiados e contidos.

    Nessa sociedade, acelerada e insegura, h uma tendncia de regresso privatizao.

    Cada indivduo responsvel pelo controle de sua vida em todos os aspectos. Multiplicam-se

    os planos de sade, os seguros de vida e as empresas de vigilncia, tudo na tentativa de suprir

    aquilo que o Estado deveria prover. O encontro com o outro, com o prximo, passa a

    supor a materializao dos riscos de leses a todos os bens da vida.

    O medo do delito aparece como uma metfora de todos os medos da sociedade. A

    segurana pblica se converte em uma das maiores pretenses sociais, reclamando uma

    resposta do Direito Penal. A acelerao das relaes humanas, em todos os nveis, torna difcil

    a comunho de valores, motivo pelo qual se atribui ao Direito Penal a tarefa de unificar esses

    valores.

    Imperioso destacar que na sociedade de risco reclama-se a interveno penal diante

    dos menores problemas, pois se acredita que somente mediante uma imposio legal algum

    se abster da prtica da conduta arriscada. nesse ponto que se percebe a desvirtuao do

    Direito Penal e a constante banalizao dos direitos fundamentais a ele relacionados.

    O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito deve pautar-se pelo princpio

    ultima ratio, isto , deve ser minimamente interventor, atuando apenas nas situaes em que

    nenhum outro ramo do Direito seria capaz de regular, caracterizando sua fragmentariedade e

    subsidiariedade.

    Entretanto, na sociedade ps-moderna, tem se observado a constante expanso dos

    delitos penais, em sua maioria consubstanciada em tipos culposos ou tipos de perigo.

    O delito culposo, segundo Juarez Tavares, compreende uma conduta descuidada e

    violadora do risco autorizado. Cezar Roberto Bitencourt ensina que o crime culposo aquele

    em que a vontade do agente no alcana o resultado, mas o resultado danoso ocorre em razo

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 11

    da inobservncia do dever objetivo de cuidado por parte do agente, que obra com impercia,

    imprudncia ou negligncia.

    No mesmo sentido corrobora Zaffaroni, admitindo que o tipo culposo no proibido

    de acordo com a finalidade da ao, mas por um defeito na gesto de sua exteriorizao, que

    viola um dever de cuidado.

    Percebe-se facilmente que o aumento dos delitos culposos relaciona-se com os riscos

    sentidos, haja vista que compreende violaes a deveres de cuidado. Sabe-se que

    amplamente difundido o principio de que ningum pode se escusar de cumprir uma norma

    legal alegando que no a conhece, por isso importantssimo que se compreenda expresses

    como risco permitido e dever de cuidado no como normas abertas, que devem ser

    completadas pelo julgador, mas sim como um pressuposto normativo, que deve estar presente

    em toda ao tpica capaz de causar um resultado danoso por inobservncia de um cuidado.

    A grande preocupao a definio da criminalizao primria, isto , da construo

    legislativa dos tipos penais, uma vez que o legislador deve pautar-se pelo princpio da

    interveno mnima, no se deixando influenciar pelo discurso populista punitivo que,

    fundamentado no medo, na insegurana social, reclama a atuao penal para garantir a

    segurana pblica, quando essa deveria ser assegurada mediante uma medida estatal positiva e

    no restritiva.

    As maiores consideraes a respeito do delito culposo concentram-se na definio do

    risco permitido e do dever de cuidado. importantssimo que no se compreenda tais termos

    como abertos e, portanto, carecedores de uma complementao jurdica de acordo com o

    entendimento do julgador.

    Os tipos de perigo, por sua vez, demandam ainda mais cautela que os tipos culposos.

    O delito de perigo aquele que expe a leso o bem jurdico tutelado, podendo ser concreto

    ou abstrato. No perigo concreto h uma efetiva situao de risco para o bem jurdico,

    enquanto no perigo abstrato o evento delitivo se consuma com a simples prtica da conduta,

    independente de ser provada no caso concreto.

    Observa-se, ento, que o crescente aparecimento dos delitos de perigo corresponde

    demanda social por ordem na sociedade da insegurana sentida, contrariando a maioria dos

    princpios norteadores do Direito Penal, mormente a presuno da inocncia, positivada no

    artigo 5 LVII, da Constituio Federal.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 12

    Nesse trabalho, busca-se evidenciar a responsabilidade do legislador na construo

    de uma ordem jurdica justa, capaz de conter o poder punitivo, a partir do respeito aos

    princpios limitadores impostos pelo Direito Penal, excluindo do objeto de persecuo penal a

    mera causao de um resultado, enaltecendo a manifestao da vontade.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 13

    LEI 12.654/12 E O MAPEAMENTO GENTICO DOS CRIMINOSOS: O RETORNO

    AO DIREITO PENAL DO INIMIGO OU UMA SOLUO FINAL PARA A

    CRIMINALIDADE?

    Cndice Lisba2

    Carolina Montolli3

    Palavras chaves: mapeamento gentico; direito penal do inimigo; criminalidade.

    A lei 12.654/12 de 28 de maio de 2012, tambm conhecida como Mapeamento

    Gentico dos Criminosos, altera as Leis 12.037, de 1 de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de

    julho de 1984 - Lei de Execuo Penal - para prever a coleta de perfil gentico como forma de

    identificao criminal. A partir de agora as autoridades policiais podem comear a recolher o

    material gentico necessrio para alimentar esse banco de DNA. Entre esses materiais esto

    amostras de sangue, smen, unhas e cabelos recolhidos pela polcia nos locais onde ocorreram

    os crimes, e tambm os que forem recolhidos de pessoas que j foram condenadas.

    A lei estabelece que o acesso a esses dados estar reservado s autoridades policiais,

    que para seu uso devero 'seguir as normas constitucionais e internacionais de direitos

    humanos'. Em 1985, Jacobs criou dois termos e os colocou em contraposio. De um lado,

    estaria o chamado Direito Penal do cidado e de outro chamado o Direito Penal do inimigo.

    Enquanto o Direito do cidado no estaria preocupado em proteger bens jurdicos e sim em

    otimizar esferas de liberdade, alm de enxergar, no delinquente, algum que dispe de toda

    uma esfera de privacidade que o Estado no deve ferir de maneira alguma, o chamado Direito

    Penal do inimigo estaria preocupado em proteger bens jurdicos a qualquer custo, vendo no

    2Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viosa. Mestre em Extenso Rural pela

    Universidade Federal de Viosa. Especialista em Direito Pblico pela Unec. Doutoranda em Direito Pblico pela

    Puc Minas. Professora da Newton Paiva, Polcia Militar de Minas Gerais e Fadivale. E-mail:

    [email protected].

    3 Advogada Criminalista e Defensora Dativa do I Tribunal do Jri da Comarca de Belo Horizonte. Mestre em

    Teoria do Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Pblico

    Internacional pela Puc Minas. Ps-Doutoranda em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad

    Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Instrutora de Polcia da Academia de Polcia Militar de

    Minas Gerais. Professora da Escola Superior Dom Helder Cmara e Fundao Pedro Leopoldo. E-mail:

    [email protected].

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 14

    criminoso, no uma pessoa, mas um mero indivduo, e, como tal, uma fonte de perigo, que

    deve ser neutralizado e tratado de acordo com seu potencial de periculosidade sem nenhuma

    esfera de privacidade.

    A questo que se em 1985, Jakobs criticava esse Direito do inimigo, dizendo que o

    nico Direito Penal legtimo seria o do cidado, a partir de 1999, mudou de posio. Para ele

    agora, esse Direito do inimigo no demarca uma zona do Direito Penal que seria ilegtima.

    Os principais pontos da teoria do Direito Penal do inimigo para Jakobs, seriam

    classificados como criminosos econmicos, terroristas e delinquentes organizados: para ele,

    inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e no oferece garantias cognitivas de

    que vai continuar fiel norma. Para os defensores desses fundamentos, o "inimigo", ao

    infringir o contrato social, est em guerra contra o Estado, e, portanto, deixa de ser membro

    dele, devendo, por isso, perder todos os seus direitos.

    Em resumo, o indivduo que no admite ingressar no estado de cidadania, no pode

    participar dos benefcios do conceito de pessoa. Segundo Jakobs, o inimigo, por conseguinte,

    no pode ser considerado um "sujeito processual", no podendo, portanto, contar com direitos

    processuais. Ainda para os defensores dessa linha de pensamento, contra o inimigo no se

    justifica um procedimento penal, mas sim, um procedimento de guerra: Jakobs defende a tese

    de que o Estado no deve tratar como pessoa, quem no oferece segurana cognitiva

    suficiente de um comportamento pessoal. E mais, segundo essa teoria, o inimigo no pode ser

    punido com pena, mas sim, com medida de segurana. Alm disso, no deve ser punido de

    acordo com sua culpabilidade, mas sim, de acordo com sua periculosidade, ou seja, as

    medidas contra o inimigo no olham prioritariamente o que ele fez no passado, mas sim, o

    que ele representa de perigo futuro. Em suma, para essa teoria de Direito Penal, o inimigo

    deve perder o status de pessoa. Alm disso, deve ser interceptado prontamente, no estgio

    prvio, em razo de sua periculosidade. A lei entrou em vigor no dia 26/11/2012 e j se

    apresenta com incontveis indefinies em relao auto tutela do indivduo enquanto sujeito

    de direitos. Em resposta, temos o comentrio da filsofa poltica Hannah Arendt, em sua obra,

    Homens em Tempos Sombrios.

    A histria conhece muitos perodos de tempos sombrios e nessa Humanidade por

    assim dizer, e o valor da pessoa humana enquanto conquista histrico-axiolgica encontra a

    sua expresso jurdica nos direitos fundamentais do homem. O valor atribudo pessoa

    humana, fundamento dos direitos humanos, parte integrante da tradio, que se viu rompida

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 15

    com o fenmeno totalitrio. Com efeito, os direitos humanos para a filsofa poltica Hannah

    Arendt resultam da ao. Para a filsofa, a nossa responsabilidade em defesa dos direitos

    humanos se fundamentam atravs da prpria responsabilidade coletiva que transcende, atravs

    de conceitos jurdicos gerais, operativos apenas num Estado de Direito onde prevalece o senso

    comum. Este senso comum o senso intersubjetivo da comunidade para ela, em ltima

    instncia, o da comunidade do mundo enquanto condio kantiana transcendental da

    existncia cosmopolita, ou seja, daquilo que permite o auditrio universal ao fundamentar o

    contexto dentro do qual atua a lgica do razovel. Desta feita, uma soluo final para este

    dilema na atualidade pela qual estamos envolvidos, a incapacidade de pensar possa ser

    encobertada pelas futilidades presentes nas conversas cotidianas, no sendo conditio sine

    qua non seu conluio incapacidade de falar, todavia esta pode ser evidenciada quando

    levada ao crivo do senso crtico, o que obviamente revelaria inmeros partidrios do modus

    vivendi eichmanniano

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 16

    DO RESSARCIMENTO AO INSS PELOS AUTORES DE VIOLNCIA CONTRA A

    MULHER: BENEFCIO, SINCRETISMO METODOLGICO OU

    REARQUITETURA CONSTITUCIONAL?

    Cndice Lisba4

    Carolina Montolli5

    Palavras-chaves: violncia domstica; ressarcimento; igualdade.

    No dia 07 de agosto de 2012, data em que a lei Maria da Penha completou seis anos

    de existncia, o Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS) divulgou a notcia de que

    iniciava as primeiras aes de ressarcimento em face dos autores de violncia domstica, em

    relao aos benefcios aos quais as vtimas da referida violncia auferiam junto ao INSS em

    virtude da violncia sofrida.

    Trata-se de ressarcimento em face dos auxlios doena, bem como aos referentes

    aposentadoria por incapacidade ou mesmo penses por morte custeadas pelo Instituto

    nacional de Seguro Nacional (INSS). As causas geradoras das referidas aes dizem respeito

    qualidade especial da vtima da violncia, ou seja, qualidade de segurada do INSS, de forma

    que, j se diferencia, de antemo, mulheres seguradas e mulheres no seguradas do INSS, isto

    com relao proteo dispensada pelo Estado. Da mesma forma, diferencia-se a punio dos

    autores de agresses idnticas, que sofrero penalidades diferenciadas.

    Diante da notcia, que foi reforada por um discurso de proteo mulher - indo

    alm, de discriminao positiva - inquieta a perspectiva apresentada em alguns pontos que

    sero trabalhados, sucintamente, neste ensaio: o primeiro deles de carter especfico - diz

    respeito natureza jurdica das prestaes do INSS assim como a natureza da ao

    indenizatria que poderia caber em face do ato ilcito, cuja beneficiria deveria ser a vtima ou

    4 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viosa, Mestre em Extenso Rural pela Universidade

    Federal de Viosa. Especialista em Direito Pblico pela Unec. Doutoranda em Direito Pblico pela Puc-Minas.

    Professora da Newton Paiva, Polcia Militar de Minas Gerais e Fadivale. Email: [email protected]. 5 Advogada Criminalista e Defensora Dativa do I Tribunal do Jri da Comarca de Belo Horizonte. Mestre em

    Teoria do Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Pblico

    Internacional pela Puc Minas. Ps-Doutoranda em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad

    Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Instrutora de Polcia da Academia de Polcia Militar de

    Minas Gerais. Professora da Escola Superior Dom Helder Cmara e Fundao Pedro Leopoldo. E-mail:

    [email protected]

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 17

    seus descendentes, no caso do resultado morte; a segunda, de cunho mais geral, refere-se

    atuao especfica da Advocacia Geral da Unio (AGU) quando da cobrana das suscitadas

    indenizaes. Neste segundo caso, lana-se a premissa de que a AGU age na contramo do

    Direito vigente, no sentido de que comea uma discriminao entre vtimas da violncia

    domstica ao mesmo tempo em que usa da sade e segurana pblica como instrumentos para

    tentar incrementar os cofres do Estado, na contra-mo daquela que deveria ser a funo

    estatal, qual seja, a funo de criao de polticas de segurana pblica em especial no

    combate da violncia domstica - assim como em sade, educao e planejamento familiar.

    Grosso modo lana-se a hiptese de que a AGU, enquanto brao do Estado, usa de sua funo

    institucional para considerar a Constituio como meramente simblica, burlando as

    restries aos direitos fundamentais e humanos atravs de atitudes pragmticas que buscam,

    ao fim e a cabo, sobrepor o equilbrio financeiro do Estado em detrimento da salvaguarda do

    bem comum. Todas estas atitudes perpetradas de forma subliminar.

    H que se ressaltar que o discurso de justificao para as mencionadas cobranas

    feitas pela AGU louvvel, haja vista que alicera-se na proteo mulher vtima de

    violncia domstica, e, como conseqncia, almejam que as demandas judiciais funcionem

    como um empecilho a tais atitudes. A premissa de que punindo alguns agressores possa-se

    fomentar uma poltica preventiva, atravs de uma coao no apenas psicolgica, mas

    perceptvel atravs de algumas condenaes emblemticas. Segundo o discurso institucional

    da AGU, almeja-se a impedir que atitudes de violncia continuem sendo perpetradas por

    abuso da relao de confiana e intimidade.

    Acontece que o fato gerador dos benefcios previdencirio tem como precursor a

    situao de segurado, independente do fato em si que lhe d azo. Ou seja, no se cogita o

    motivo ou os fatos que levam doena que d ensejo ao auxlio-doena. Porqu, ento,

    tratamento diferenciado com relao violncia domstica? Acaso as mulheres seguradas so

    mais valorosas que as no-seguradas? Qual desvalor est sendo utilizado como parmetro? O

    foco da proteo so as mulheres em si ou a salvaguarda do equilbrio financeiro do Estado?

    E mais, a premncia pelo ressarcimento to robusto que a AGU anunciou no haver

    necessidade de condenao prvia para as aes iniciarem-se.

    Outra questo que merece relevo: o autor das agresses contra a mulher, na medida

    em que se veja obrigado a ressarcir o Estado pelos benefcios previdencirios, em grande

    nmero de vezes veria-se privado da possibilidade real de indenizao da vtima, seja em

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 18

    relao a danos materiais ou mesmo morais. Ora, a matemtica da vida clara. As pessoas

    comuns no costumam ter um oramento to volumoso a ponto de poder reparar Estado e

    vtima ao mesmo tempo. Em caso, hipottico, de coliso de interesses a serem indenizveis,

    parece prefervel indenizar a vtima, j que esta quem ter problemas prticos para se

    desvencilhar do agressor, ou mesmo para conviver com os danos materiais e morais que a

    violncia lhe impingiu.

    Por fim, ainda que sucintamente, parece duvidosa a atuao da AGU na cobrana por

    motivos constitucionais. Primeiramente, a preferncia em relao s seguradas uma situao

    evidente de desigualao entre as vtimas abstratamente consideradas, que no encontra

    justificativa racional. Segurada ou no do INSS, toda vtima merece respaldo do Estado. Lado

    outro, o agressor, em qualquer hiptese, merece a reprimenda estatal. Ora, se o agressor

    perpetrar a violncia contra pessoa no segurada sua punio ser menor, muito embora o

    desvalor da sua ao seja o mesmo. De outra via, o papel da AGU no o de justiceiro do

    Estado, to pouco pode valer-se de um problema social para buscar finalidade diversa, sub-

    reptcia. No mesmo sentido, no h justificativa para o Estado preferir investir em cobranas

    ao invs de em polticas pblicas, tanto de segurana, quando de sade, quanto a prpria

    reinsero ou colocao destas mulheres vtimas de violncia no mercado de trabalho. Parece

    absurdo, de um sincretismo tosco e sem fundamento jurdico racional, acreditar que o Estado

    foi mesmo justo ou est desempenhando seu papel institucional de fomentador do bem

    comum quando anuncia aos quatro ventos que um de seus braos far cobranas judiciais,

    cujo fundamento duvidoso.

    No se quis aqui defender o indefensvel. Claro que a violncia domstica contra a

    mulher dever ser discutida e rebatida, com todos os meios adequados, mas no irracionais.

    Ao mesmo tempo no se pode ter ouvidos torpes, raciocnio cambota, no sentido de aceitar

    desculpas e justificativas que no se sustentam.

    Se os direitos fundamentais so a grande promessa constitucional, que eles sejam

    defendidos com veemncia e seriedade, e no com paliativos que no conseguem, sequer, se

    manterem em p. O Estado Democrtico de Direito requer mais que promessas. Requer

    atitudes, boa governana e seriedade, para consigo mesmo viso orgnico-institucional do

    Estado e para com os jurisconsultos, que so cidados merecedores de respeito e de servios

    efetivos com respeito isonomia constitucional.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 19

    AS FUNES DECLARADAS E OCULTAS DA PENA PRIVATIVA DE

    LIBERDADE NO SISTEMA CAPITALISTA NEOLIBERAL6

    Guilherme Gomes Sabino7

    Maria Antonieta Rigueira Leal Gurgel8

    Palavras-chave: criminologia; priso; direitos humanos; capitalismo; direito penal

    Busca-se com o presente trabalho a problematizao da pena de priso, enquanto

    concretizao comum dos sistemas penais ocidentais contemporneos, atravs do confronto

    dos discursos oficiais legitimadores de sua prtica e seus antnimos de vis crtico, e, ainda,

    procurar estabelecer qual a sua funo perante a economia capitalista. Prope-se ento, a

    anlise dos fundamentos jurdico-filosficos puros da pena privativa liberdade e tambm dos

    discursos deslegitimadores, que detm para si o mtodo materialista histrico. Importante

    ressaltar que o estudo passa determinantemente por uma anlise da evoluo histrica do

    capitalismo, suas formas de atuao e seus resultados sociais, mormente aqueles que

    tangenciam o sistema penal.

    Inicialmente, deve-se obter um panorama geral das puras teorias jurdico-filosficas

    que legitimam o Direito Penal e por conseguinte a pena. Nesse diapaso, a resposta dada pelo

    Estado, detentor nico do poder de uso da violncia, ao crimes, possui sentidos diferentes para

    cada uma das teorias legitimadoras. Os fins da pena, portanto, so objeto central da primeira

    anlise.

    As teorias retributivas ou absolutas tem na essncia da sua finalidade seu prprio

    fim, ou seja, bastando a punio, a pena para si. A referida teoria surge em um perodo de

    "laicizao" do Estado, porm, carrega em seu escopo forte influncia religiosa e talional.

    Kant e Hegel desenvolveram teorias que legitimaram o poder de punir do Estado baseando-se

    na justa retribuio do mal causado, ligando, nesse sentido, a pena ao ius talionis.

    6 Trabalho de Iniciao Cientfica fomentado pela Escola de Estudos Superiores de Viosa

    7 Bacharel em Direito pela Escola de Estudos Superiores de Viosa. e-mail: [email protected]

    8 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viosa, Mestre em Direito pela Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio de Janeiro, Professora do Curso de Graduao em Direito da Escola de Estudos Superiores de

    Viosa, Professora do Curso de Graduao em Direito pela Faculdade Dinmica e Defensora Pblica do Estado

    de Minas Gerais. e-mail: [email protected]

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 20

    As teorias relativas ou utilitrias conferem ao Direito Penal e s penas finalidades

    utilitrias para a sociedade e para o prprio apenado, subdividindo-se em preveno geral,

    negativa e positiva, e preveno especial. A preveno geral destina-se coletividade,

    atingindo-a de maneira heterognea, intimidando e dissuadindo-a do cometimento de crimes

    (preveno geral negativa) e, por outro lado, reafirmando a ordem jurdica imposta

    (preveno geral positiva). A preveno especial volta seu foco unicamente ao apenado,

    orientando o tamanho e forma de sua pena para que futuramente no volte a delinquir, seja

    por finalidades de reeducao, reinsero social, reabilitao ou mesmo, no pior dos casos, a

    sua inocuizao.

    As teorias mistas, unificadoras ou monistas, como o prprio nome sugere, objetivam

    a intercesso das teorias retributiva e utilitria da pena, trazendo seus pontos positivos tona e

    anulando seus pontos negativos. Buscam na retributividade das teorias absolutas o ponto

    central da quantificao da pena in concretu, no podendo a penalidade ir alm do fato

    punvel, calcado no princpio da culpabilidade. Noutro giro, resgatam da teoria utilitria o fim

    preventivo da pena, voltando-se ao futuro, de modo a sofrear a criminalidade.

    Lado outro, tomando como ponto de partida e mtodo o materialismo histrico

    proposto por Karl Marx, procurou-se compreender a atuao do Direito Penal e a aplicao da

    pena sob o aspecto crtico, vinculando a punio dos indivduos pelo Estado ao processo de

    acumulao e reproduo do capital. Tal estudo crtico do Direito Penal e da pena de priso de

    vis marxista, em suma, procura externar a ntima relao existente entre o capitalismo e seu

    aparato poltico-econmico, junto a pena. Coube s teorias crticas desvincular o discurso

    terico elaborado e propagado oficialmente para legitimar a pena dos reais fatores que a

    motivam, bem como de seus resultados produzidos na sociedade.

    Pasukanis, no incio do sculo XX, desconstruindo o poder jurdico vigente desde a

    Revoluo Francesa, consegue identificar suas razes burguesas, seus anseios capitalistas e

    suas pretenses flagrantemente parciais. Enxerga no Direito Penal um eficaz meio de

    submisso dos corpos ao trabalho assalariado, que, posteriormente, seria um pensamento

    aprofundado por Foucault. Questiona o ideal de equivalncia e retribuio, advindos do

    pensamento burgus, aplicados pena de priso, bem como tambm a praxe (des)igualitria

    do processo penal. Assim como Marx, Pasukanis entende o Direito burgus, oriundo da

    laicizao do Estado, e, mais especificamente o Direito Penal, como instrumento de opresso

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 21

    de classe cortinado pelo discurso jurdico formal, que ao mesmo tempo, impe sua fora e

    legitima sua prtica frente ao conjunto social.

    Mais frente, em meados do sculo XX, a obra de Georg Rusche e Otto Kirchheimer

    trata com profundidade e destreza a questo histrico-material do surgimento das prises

    como forma especificamente burguesa de punio. A obra desnuda como as formas de punir

    se adaptam e se modificam encontrando mecanismos oficiais de legitimao ao sabor das

    relaes econmicas e de trabalho. A partir da anlise proposta resta clara a introduo da

    priso como forma de punir pelo mercantilismo europeu, sendo, posteriormente, readmitida e

    universalizada pelo Iluminismo.

    Na segunda metade do sculo XX, especialmente a partir dos anos 60, as surgem

    teorias crticas do sistema penal que retomam a proposta marxista como marco de seu

    desenvolvimento e que atingiram uma expressividade at ento no conhecida. Pontuam as

    teorias crticas deste perodo que o as relaes sociais so moldadas e institudas pelo sistema

    de produo capitalista, ou seja, a gnese da desigualdade, e, por conseguinte da conduta

    desviante, que ele prprio d ensejo, para mais adiante punir. s teorias crticas, ento, coube

    o papel de desnudar a economia poltica da pena de priso, quais eram as reais funes

    desempenhadas pelo Direito Penal numa sociedade proclamadamente igualitria, mas que

    fincava suas bases na profunda desigualdade gerada pelo capitalismo que a moldava.

    Outro foco de estudo a economia poltica da pena, desde a gnese da sociedade

    burguesa, que detm o poder estatal a partir da Revoluo Francesa, at o epicentro do

    capitalismo neoliberal contemporneo, estendendo-se periferia do processo de acumulao

    de capital. Tomando os ideais de equivalncia, retribuio e equidade, abraados pela

    sociedade burguesa e a forma com que tais princpios se estreitam com o sistema penal desde

    o sculo XVIII, pode-se avaliar o paradoxo insanvel em que a prtica prisional se v at os

    dias presentes.

    As prticas penais modificaram-se atravs dos tempos, sobretudo o crcere, sendo

    ampliado ou reduzido, conforme a demanda de mo de obra fabril; "enrijecido" ou

    "afrouxado" de acordo com as condies econmicas administrativas das prises; e assim por

    diante. O que se v, pelo menos at a vigncia do sistema de produo fordista e o auge do

    keynesianismo, crcere sendo utilizado afim de intensificar a produo de bens para a

    maximizao dos lucros, atravs da explorao do ser humano. A partir da ascenso do

    neoliberalismo, gradativamente mudam-se os objetivos econmicos e com eles as formas de

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 22

    trabalho, trabalhadores e etc., no escapando, consequentemente, o sistema penal.

    Transformada a sociedade capitalista produtora em neoliberalista consumidora, o objetivo do

    crcere no mais se volta ao disciplinamento dos corpos ao trabalho, mas sim inocuizao

    daqueles que no participam da sociedade global econmica. Os enjeitados da sociedade de

    consumo so o alvo da pena de priso, no havendo, nesse diapaso, qualquer coerncia com

    o discurso oficial do Direito Penal.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 23

    A SELETIVIDADE PENAL (RE)DISCUTIDA EM FACE DA EXPANSO DO

    DIREITO PENAL ECONMICO: NOVOS RUMOS OU CRIMINALIZAO

    SIMBLICA?

    Karen Mller Couri9

    Palavras-chaves: expansionismo penal; criminalidade econmica; criminologia crtica;

    seletividade penal; criminalizao.

    Nas ltimas dcadas vivenciamos o fenmeno de expanso do direito penal aliado s

    profundas transformaes econmicas, sociais, polticas e culturais da sociedade

    contempornea, na qual permeiam um sentimento difuso de insegurana e medo, bem como

    um clamor geral de que os problemas socioeconmicos sejam resolvidos atravs de novas leis

    penais. Nesse contexto, a ordem constitucional brasileira erigiu categoria de direitos

    fundamentais bens coletivos, ou difusos, como o meio ambiente, a regularidade do sistema

    financeiro e a ordem econmica, pertencentes a todos os indivduos enquanto integrantes de

    uma coletividade, contribuindo para uma mudana substancial na concepo de delito e de

    bem jurdico penalmente tutelado, os quais, at ento, eram compreendidos sob a perspectiva

    individualista da dogmtica tradicional.

    Diante do papel constitucional conferido ordem econmica na manuteno da

    convivncia digna de todas as pessoas e na promoo da justia social, bem como de um

    sentimento de indignao contra a impunidade dos crimes de colarinho branco, expresso

    cunhada, nos anos 30, por Edwin Sutherland, para indicar aquelas condutas praticadas no

    mbito profissional por pessoas de elevado status socioeconmico, houve a criminalizao de

    condutas lesivas quele bem jurdico transindividual, atravs da edio, por exemplo, da Lei

    8.137/1990 que tipificou os crimes contra a ordem tributria, econmica e contra as relaes

    de consumo.

    Cerca de duas dcadas anteriores a esse cenrio expansionista, surge nos EUA e na

    Inglaterra a Criminologia Crtica, Radical ou Nova Criminologia, preconizando que o sistema

    penal, do qual faz parte o direito, seria um instrumento de controle social classista, em que um

    ato somente seria criminoso porque do interesse da classe dominante assim defini-lo.

    9 Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: [email protected].

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 24

    Destacando a seletividade do sistema penal, o pensamento crtico alertou os criminlogos para

    a gravidade dos delitos dos poderosos, cuja danosidade social seria superior a dos crimes

    comuns, mas que, ainda assim, ficavam impunes, ao contrrio dos delitos cometidos pela

    classe subalterna.

    A partir da constatao, por um lado, de que as condutas da classe dominante lesivas

    ordem econmica foram criminalizadas no plano normativo (primrio) e, por outro, do

    pensamento radical acerca da seletividade penal, urge o seguinte problema: houve uma

    alterao real na vulnerabilidade de alguns agentes que, anteriormente, estavam imunes ao

    sistema penal, ou se trata de uma mera criminalizao simblica, em que o direito penal teria

    a funo de tranquilizar a opinio pblica, revelando um falso discurso de isonomia, em vez

    de proteger de modo efetivo os novos bens jurdicos?

    Na tentativa de buscar uma resposta satisfatria ao problema suscitado, torna-se

    imperioso analisar, ainda que sucintamente, os mecanismos de criminalizao primria, plano

    normativo, e secundria, plano persecutrio e punitivo, dos quais se valem as agncias estatais

    para concretizar a seletividade penal.

    Ao mecanismo de seleo dos bens jurdicos a serem dotados de dignidade penal e,

    por consequncia, dos comportamentos ofensivos a esses bens, bem como escolha da

    intensidade e da qualidade da pena, d-se o nome de criminalizao primria. O discurso

    penal dominante preconiza que h a proteo dos bens comuns a todos os indivduos e que a

    qualidade e, principalmente, a quantidade da pena cominada possui relao diretamente

    proporcional importncia do bem jurdico protegido e gravidade de sua leso.

    Entretanto, levando-se em considerao o arcabouo normativo penal hodierno, nota-

    se que a eleio dos bens jurdicos a serem tutelados pela norma penal e ainda a forma e a

    intensidade dessa tutela submete-se lgica da dominao de classe. Basta analisar os

    diversos filtros de seletividade que imunizam a criminalidade econmica de uma efetiva

    punio, como a possibilidade de suspender o processo criminal pelo parcelamento do crdito

    tributrio, de extinguir a punibilidade pelo pagamento do tributo e dos acordos de lenincia no

    mbito do CADE. Em outro giro, os delitos contra o patrimnio, sem violncia, recebem um

    tratamento normativo mais rgido, como a previso de uma mera reduo de pena caso haja a

    reparao do dano at o recebimento da denncia.

    Vislumbra-se, assim, uma cultura penal que d a mxima nfase proteo dos bens

    jurdicos da classe dominante, como o patrimnio privado, punindo com maior rigor a sua

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 25

    ofensa, geralmente perpetrada pela classe marginalizada, sem acesso ao poder econmico. Em

    contrapartida, os bens jurdicos coletivos, imprescindveis garantia de outros direitos

    fundamentais dos cidados, diante do seu reflexo na realizao de polticas pblicas sociais,

    no encontram a proporcional proteo a que fariam jus a partir da maior danosidade social de

    sua leso.

    No plano persecutrio e punitivo, o carter seletivo do sistema penal reforado na

    medida em que as agncias de criminalizao secundria, como a polcia e a justia penal,

    realizam uma parte nfima do programa primrio, perseguindo, em regra, pessoas sem acesso

    positivo ao poder poltico e econmico que, com seus atos menos complexos e, logo, mais

    visveis, integram o figurino, o esteretipo criminal.

    Diante dessa atuao tendenciosa e desigual perante determinados atos e pessoas, as

    estatsticas criminais, que apenas indicam as condutas que caem nas malhas do sistema

    (criminalizao) e no todas as condutas tpicas praticadas (criminalidade), acabam por

    revelar a expressividade da populao carcerria em decorrncia da prtica de crimes contra o

    patrimnio, em contraponto com os raros ndices oficiais dos crimes contra o sistema

    financeiro, de lavagem de dinheiro e contra a ordem econmico-tributria, crimes menos

    visveis, cujos autores contam com elevado status social e que, integram, portanto, a cifra

    negra, ou dourada, da criminalidade (no detectada ou no punida).

    A despeito disso, no se pode negar uma tendncia atual em se punir os criminosos

    de colarinho branco, levando-se em conta as operaes da Polcia Federal que,

    frequentemente, resultam em prises preventivas ou temporrias de empresrios e polticos

    envolvidos em esquemas de corrupo e em crimes econmicos, alm do emblemtico

    julgamento do caso Mensalo.

    Portanto, constata-se uma aparente forma ambgua na conduo da poltica criminal

    contempornea que, de um lado, cria leis penais incriminadoras de condutas da classe

    dominante e puni alguns casos, mas que, de outro, institui filtros legais de seletividade e atua

    tendenciosamente sobre os crimes da classe subalterna.

    A fim de no incorrer em uma viso reducionista do fenmeno da delinquncia

    econmica, a seletividade penal, revelada pela Criminologia Crtica, deve ser rediscutida,

    pois, de fato, o expansionismo penal levanta uma possvel mudana de postura no sentido de

    tipificar e at mesmo punir os crimes econmicos, o que no seria explicado pela teoria

    criminolgica em questo. Ocorre que essa expanso no foi capaz de alterar, efetivamente,

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 26

    os quadros da seletividade, o que nos leva a supor que a criminalizao (primria e

    secundria) da delinquncia econmica apresenta uma funo meramente simblica, criando-

    se a iluso de um sistema penal atento s condutas lesivas a direitos fundamentais coletivos,

    independentemente do status social de quem as pratica.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 27

    JUSTIA RESTAURATIVA COMO FORMA DE

    DEMOCRATIZAR O DIREITO PENAL

    Simone Matos Rios Pinto10

    Tnia Aparecida Tostes do Prado11

    Palavras-chave: direito; democracia; consenso.

    Introduo: Neste incio de sculo XXI, faz-se necessrio repensar o Direito Penal

    e sua forma de atuao frente s necessidades fundamentais de cada envolvido. O crime

    desencadeia um conflito entre as pessoas e no pode ser respondido com mera subsuno do

    fato norma. O procedimento deve garantir proteo de direitos humanos e esta dimenso

    positiva de concretizao, dentro do espao pblico, deve ser aberto, coadunando com a vida

    em democracia.

    Verifica-se que os problemas se situam no nos atores, mas nos marcos legais e no

    modelo engessado da Justia. Com o processo de codificao e a consequente simplificao

    dos problemas sociais, h a ideia equivocada de que nada mais importa a no ser a prpria

    norma e seus fundamentos, o que resulta na constituio de uma cincia que basta a si

    prpria. O Direito penal vida vivida e deve ser aplicado levando em conta os verdadeiros

    envolvidos no conflito e suas necessidades sociais. Das Investigaes filosficas de

    Habermas (2001) abre-se o questionamento sobre qual a compreenso de mundo, e para

    qual direo a viso dos fatos ir; onde se traar a fronteira entre liberdade e obrigao,

    culpa e conscincia. Como avaliar as pessoas responsveis e quanto exigir de todos os

    cidados como atores polticos. E mais ainda, como ver divididas culpa e inocncia e quais

    as normas que apresentam disposio para essas pessoas se respeitarem reciprocamente como

    cidados da Repblica. Nesse contexto, o Estado democrtico de direito deve ser

    compreendido como uma associao de cidados livres e iguais, e que o sentimento de

    pertena a um Estado esteja ligada ao princpio da voluntariedade. Justia Restaurativa pode

    ser entendida como um paradigma que busca restaurar relaes conflituosas pelo consenso e

    10

    Simone Matos Rios Pinto doutoranda em Direito Pblico pela Puc Minas, na linha: Estado, Constituio e

    Sociedade no paradigma do Estado Democrtico de Direito. E-mail: [email protected] 11

    Tnia Aparecida Tostes do Prado graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora e

    Mestranda em Direito Pblico pela Puc Minas, na linha: Estado, Constituio e Sociedade no paradigma do

    Estado Democrtico de Direito. E-mail: [email protected]

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 28

    com a participao voluntria dos verdadeiros protagonistas (infrator e vtima) envolvendo a

    comunidade, amparado por uma rede social.

    Desenvolvimento: A racionalidade do direito consiste em deixar aberto os processos

    de comunicao, buscando um direito legtimo atravs do auxilio de pressupostos de

    comunicao, que so institucionalizados juridicamente, com resultados racionais. A

    legalidade penal no significa simplesmente aplicar leis vigentes ao caso concreto, deve ir

    alm, aplicando a estrita legalidade. Estamos num Estado Democrtico de Direito e isto

    significa ser diferente de Estados simplesmente legais, onde os juzes so meros

    expectadores. No cabe ao juiz simplesmente aplicar a lei penal, usando a mera legalidade.

    Seu papel substancial na transformao de uma sociedade menos desigual. Toda aplicao

    judicial h de ser substancial, ou seja, deve levar em conta o direito como um todo, aplicando

    o direito penal juntamente com o direito constitucional. A teoria do discurso, desenvolvida

    por Habermas, aponta como legtimo o direito baseado no processo de comunicao entre os

    interessados, onde a sentena construda pelas partes. Neste sentido, para o Direito Penal

    de suma importncia a participao da vtima, no como mera testemunha, mas sim como a

    maior interessada na soluo do conflito. As recentes mudanas do nosso Cdigo de Processo

    penal trazem como pano de fundo a comunicao dos verdadeiros interessados no fato do

    mundo da vida, envolvidos em uma infrao penal: vtima e ru. A vtima ganha espao, no

    processo, devendo ser intimada de atos do seu interesse, primeira a ser ouvida na audincia.

    E o ru, em seu interrogatrio, na primeira parte, revela suas oportunidades sociais e dados

    familiares, para posteriormente ser indagado sobre os fatos. As mudanas trazem ao processo

    o reconhecimento de quem so os verdadeiros interessados na conduo do procedimento. A

    justia restaurativa, como modelo de socializao comunicativa, proporciona a comunicao

    simples, tecida horizontalmente entre as partes, onde possvel delinear um processo de

    entendimento e de paz social. Representa, sobretudo, um espao de dilogo. A sua aplicao

    no prescinde do Estado, uma alternativa ao modelo vigente, fomentando a democracia

    dentro das instituies da Justia. Pode ser entendida como um paradigma que busca restaurar

    relaes conflituosas, pelo consenso e com a participao voluntria dos verdadeiros

    protagonistas (infrator e vtima) envolvendo a comunidade, amparado por uma rede social,

    que participa ativamente da construo de resolues de conflitos.

    Consideraes finais: A legitimidade do direito positivo deve conseguir, atravs de

    um processo racional, apoiar-se no princpio segundo o qual a legitimidade do direito se d

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 29

    com o assentimento de todos os possveis envolvidos nos fatos reais do mundo da vida. H

    espao, no Direito Penal para o dilogo entre as partes, na busca do consenso entre vtima,

    infrator e pessoas da comunidade afetadas pelo crime, na busca de restaurar traumas e perdas

    causadas. Esta uma viso do Direito como um todo: todos participando ativamente de um

    processo de construo da soluo do conflito. A justia restaurativa pode converter-se em

    um momento de integrao social assumindo uma atitude reflexiva capaz de movimentar

    discursos pblicos institucionalizados juridicamente e capaz de incluir o povo como

    destinatrio e sujeito ativo do processo de interpretao da norma. Atravs dela, almeja-se

    encontrar um caminho menos rduo e degradante de aplicao do direito penal, visando,

    sobretudo, dar aplicao do direito penal um discurso real, construdo a partir de cada caso

    concreto, com possibilidade de dilogo no lugar da imposio pela fora de uma pena. Por

    este caminho, quem sabe, alcanaremos verdadeiramente a possibilidade de reinsero do

    infrator na sociedade e a to almejada paz social.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    HABERMAS Jrgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flvio

    Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. vol I e II, 1997.

    HABERMAS Jrgen. Verdade e Justificao. Traduo: Milton Camargo Mota. Edies

    Loyola, So Paulo, 2004.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 30

    A DESCONSIDERAO DO VOTO NULO COMO AFRONTA DIVISO

    IGUALITRIA DO EXERCCIO DO PODER POLTICO NA DEMOCRACIA

    Letcia Fonseca Braga Machado12

    Palavras-chave: voto nulo; democracia de parceria; partidocracia

    O presente trabalho pretende analisar a atual situao legal do voto nulo no cenrio

    brasileiro, precisamente no que tange ao Cdigo Eleitoral e interpretao jurisprudencial do

    Tribunal Superior Eleitoral, luz da concepo de partnership democracy em Ronald

    Dworkin. Procura-se demonstrar que a desconsiderao do voto nulo de protesto, dado no

    momento do voto na urna eletrnica, viola a distribuio igualitria do poder poltico e

    impede que o sistema poltico brasileiro seja democraticamente legtimo.

    De acordo com o entendimento de Dworkin, a concepo de democracia majoritria

    no garantia de decises justas, pois a vontade da maioria expressada por meio das eleies

    e pelo sufrgio universal no abarca os interesses dos grupos minoritrios. De modo contrrio,

    a democracia de parceria considera cada indivduo como um parceiro na coletividade e, por

    isso, s se caracteriza como democrtico um sistema que abarque e proteja os interesses de

    cada cidado. Para Ronald Dworkin, ateno e respeito mtuo so a essncia da democracia

    de parceria, de modo que no devemos tratar o outro ao qual discordamos como um

    obstculo, ou at mesmo como um inimigo. O autor desenvolve dois princpios da democracia

    de parceria: igual interesse e autogoverno. O primeiro consiste em assegurar que o sistema

    poltico trate a todos com igual interesse, ao invs de privilegiar somente um grupo. Isso seria

    melhor alcanado por meio do sufrgio igualitrio, garantindo mais que um resultado de

    superioridade estatstica mas sim uma maior igualdade na distribuio do poder poltico. J o

    segundo princpio diz que a democracia implica o autogoverno. S justificvel a submisso

    do cidado autoridade de outros quando ele toma parte nas suas prprias decises,

    reconhecendo sua igual importncia e responsabilidade prpria por sua vida, tornando, dessa

    forma, o governo democrtico legtimo.

    12

    Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora

    [email protected]

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 31

    O atual sistema eleitoral brasileiro considera como nulo os votos dotados de alguma

    nulidade e os anulveis. No que se refere s eleies para o executivo, que adotam o sistema

    majoritrio, h a previso legal, precisamente no artigo 224 do Cdigo Eleitoral, de que se a

    nulidade atingir mais da metade dos votos, restam prejudicados os demais votos, devendo o

    Tribunal Eleitoral convocar nova eleio. Portanto, para fins de novas eleies no so

    somados os votos nulos de protesto, mostrando-se evidente a ausncia de representao

    poltica por parte dos eleitores que deliberadamente anulam o seu voto. Exaltando este

    entendimento, a interpretao jurisprudencial presente, por exemplo, no Recurso Especial

    Eleitoral 25.937 de 17/08/2006, considera o voto nulo dado na urna eletrnica, seja deliberado

    ou decorrente de erro manifestao apoltica do eleitor. Tal interpretao no abre espao

    para o eleitor manifestar sua real vontade de no concordncia com os candidatos escolhidos

    pelos partidos para concorrerem s eleies em questo.

    Considerando que os partidos polticos detm o monoplio do sistema eleitoral, no

    existindo representao popular e exerccio do poder estatal sem a intermediao partidria,

    observa-se que a democracia representativa no Brasil exercida de cima para baixo, pois a

    escolha dos candidatos que disputaro ao pleito se d internamente nos partidos. De modo que

    o que prejudica em maior medida a democracia a ausncia de mecanismos institucionais que

    possibilitem ao eleitor refutar o rol de candidatos apresentados pelos partidos. Resta ento que

    em uma eleio, dentre os candidatos que a disputam, necessariamente um sair vitorioso,

    estando a populao obrigada a exercer seu direito de escolha dentro desse rgido quadro de

    candidatos.

    Os votos nulos de protesto, portanto, no tem o condo de alterar a situao eleitoral,

    ficando excludos da diviso do exerccio do poder poltico aqueles que discordam das opes

    apresentadas pelos partidos. Desse modo, para que se altere de alguma forma a partidocracia e

    que se aproxime mais da democracia de parceria proposta por Dworkin, os votos nulos

    deveriam ter relevncia prtica e interferncia real no processo eleitoral. J que a Constituio

    Federal postula que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

    eleitos ou diretamente, o sistema eleitoral deveria abranger os votos nulos dados na urna como

    real vontade poltica, sendo capazes de refutar o rol de candidatos escolhidos internamente e

    apresentados pelos partidos, para que a escolha do representante poltico seja a mais legtima

    possvel.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 32

    A relevncia desse tema encontra-se ainda maximizada pelo crescimento da taxa de

    votos nulos, bem como pelo alargamento dos movimentos polticos defensores do voto nulo,

    muitos dos quais, ao contrrio de uma manifestao apoltica, se mostram como

    manifestaes politizadas e engajadas de transformao da realidade poltica eleitoral

    brasileira.

    Portanto, a atual situao segundo a qual os votos nulos no so vlidos para nenhum

    fim, est na contramo da democracia. Retomando o conceito de democracia de parceria

    utilizado por Dworkin, no qual as pessoas governam como parceiras no coletivo, a no

    considerao do voto nulo de protesto como possuidor de efeitos prticos e reais no pleito,

    viola os interesses de parte considervel da comunidade poltica e a distribuio igualitria do

    poder poltico, ignorando, consequentemente, a busca de uma democracia legtima e genuna.

    A excluso do voto nulo de protesto afasta-se da justia, no possibilitando que todos os

    cidados eleitores tenham a mesma influncia sobre as decises que afetaro a eles prprios.

    Torna-se emergente uma nova interpretao do artigo 224 do Cdigo Eleitoral, para que se

    estabelea uma democracia mais pertinente aos ideais do Estado Democrtico de Direito.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 33

    O DIREITO FUNDAMENTAL AO QUESTIONAMENTO

    Cludia Izidoro Sapi13

    Palavras-chave: democracia; direitos fundamentais; direito de reunio; liberdade de

    pensamento; censura.

    Este trabalho tem por objetivo fazer uma anlise crtica sobre a tentativa de proibio

    por magistrados de primeira instncia de reunies pblicas que debatem a descriminalizao

    de determinadas condutas e a afronta aos direitos fundamentais reunio, liberdade de

    expresso, proibio censura.

    H no Brasil movimentos com o objetivo de discutir a descriminalizao de algumas

    condutas tipificadas no Cdigo Penal, sendo o mais difundido e polmico o denominado

    Marcha da Maconha, cujo objetivo suscitar um debate sobre a permisso do uso da

    maconha em determinadas condies.

    O citado Movimento deparou-se com a posio de alguns magistrados que

    enquadravam a conduta de manifestar a opinio a favor da descriminalizao de uma droga

    ilcita no tipo penal do artigo 287 do Cdigo Penal, apologia ao crime, e no do artigo 33, 2,

    da Lei 11.343/2006 (lei antidrogas), incitao ao uso ilcito de entorpecentes e drogas afins.

    A questo foi levada ao STF atravs da ADI 4.274/DF e ADPF 187. No julgamento

    da ADI 4274/DF, o Supremo julgou procedente o pedido para dar ao 2 do artigo 33 da Lei

    11.343/2006 interpretao conforme a Constituio, para dele excluir qualquer significado

    que enseje a proibio de manifestaes e debates pblicos acerca da descriminalizao ou

    legalizao do uso de drogas (...).

    No tocante ao assunto em pauta, h srias questes sobre os direitos fundamentais

    liberdade de reunio, de expresso e proibio da censura, que foram, inclusive, objeto de

    anlise pelos Ministros do STF no julgamento da citada ADI. Sem excluir o princpio da

    Democracia.

    Os Direitos Fundamentais no podem sofrer limitao seno por outro Direito

    Fundamental ou por j vir limitado por ele mesmo, atravs de regra sobre como ser operado

    13

    Servidora Pblica do TJMG, graduada em Direito, ps-graduada em Direito Pblico e ps-graduanda em

    Direito Pblico pela UFJF. E-mail: [email protected].

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 34

    o seu exerccio. No caso em tela, o direito de reunio j traz em seu contedo limitao de

    ordem formal, sendo o aviso prvio a autoridade competente e a pacificidade. No h

    limitao ao seu contedo, de ordem material.

    Histrica e conhecidamente, o Brasil passou por um perodo de ditadura e censura.

    Assim, os direitos conquistados liberdade de reunio e expresso devem ser bem

    resguardados. Os constituintes de 1988 sabiam bem desse problema, tanto que esses direitos

    foram elencados como clusulas ptreas, exigindo o grau mximo de proteo.

    Estar elencado no rol das clusulas ptreas d ao direito a garantia de que no haver

    sequer tentativa de ser abolido. O problema surge quando a tentativa de abolio no

    expressa, mas sim implcita em alguma manobra do Estado, como, por exemplo, dar a lei

    determinada interpretao que impea a discusso sobre si prpria.

    No cuidar este trabalho de fazer uma anlise mais detalhada sobre o contedo do

    artigo 287, do Cdigo Penal, porque no parece que seu contedo uma forma de opresso do

    Estado ou de tentativa de abolio ao direito fundamental expresso.

    No julgamento da ADI 4274/ DF, bem colocado ficaram as declaraes do Ministro

    Celso de Mello: ideias no podem ser temidas e do Ministro Ayres Brito: Nenhuma lei

    pode blindar-se contra a discusso de seu prprio contedo.

    A Constituio, ao dizer que o Brasil um Estado Democrtico, declarou que um

    Estado aberto ao dilogo, a novas ideias, sem preconceitos. A partir do momento que o Estado

    sem preconceitos, sem ideias pr-formadas, ele tem que abrir-se a discusses, versando

    sobre quaisquer assuntos, inclusive crimes.

    Da Teoria da Multifuncionalidade dos Direitos Fundamentais decorrem duas

    funes, a de defesa e a prestacional. A de defesa impede que o Estado exera seu poder de

    maneira arbitrria, isolando e protegendo o indivduo de suas arbitrariedades. Por esta razo,

    inclusive, o Estado tem o dever de permitir que os indivduos explanem opinies sobre a

    atividade estatal. Pela funo prestacional, o Estado tem o dever de ouvir e dar uma resposta

    satisfatria sobre o questionamento formulado.

    No voto da ADI 4274, alguns Ministros levantaram a polmica sobre a abertura do

    debate sobre a descriminalizao de crimes mais graves, como a pedofilia (Gilmar Mendes) e

    o homicdio (Cezar Peluso).

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 35

    H que se criticar a posio dos nobres ministros, pois o que est em xeque no so

    os crimes questionados, mas sim a liberdade de expresso, o direito de falar publicamente

    sobre um assunto e de se questionar o contedo das leis.

    Se um grupo de psiclogos, por exemplo, falar em programa de televiso sobre os

    problemas psquicos de um pedfilo e levantar, publicamente, que ele no tem conscincia de

    seus atos e defender a descriminalizao da conduta, teria esse grupo cometido crime? Um

    estudioso no teria direito de debater teses sobre sua rea de pesquisa por infringir o tipo

    penal apologia ao crime?

    Em resposta a esta crtica, o Ministro Luiz Fux indicou que no nosso ordenamento h

    o princpio da razoabilidade e da proporcionalidade, corroborando a tese de que so princpios

    adotados pelo STF, e que no passaria a tese de descriminalizao da pedofilia, homicdio,

    estupro e demais crimes graves. Pois ao fazer a anlise, o veramos que mais gravoso para a

    sociedade a descriminalizao de tais condutas.

    H que ser mencionado tambm o princpio democrtico. Por este princpio o poder

    pertence ao povo, cuja vontade tem o direito de ser externada publicamente. O direito de

    levantar questionamentos sobre as leis inerente ao princpio democrtico. Se pelo princpio

    democrtico o poder pertence ao povo, a sua opinio deve ser levada em considerao.

    Em decorrncia desse debate, podemos dizer que h um Direito Fundamental

    implcito na Constituio, qual seja, o Direito Fundamental ao Questionamento. Nenhuma lei

    pode proibir o indivduo de questionar o contedo dos atos normativos e das demais aes

    estatais, atravs de um dilogo aberto e pblico.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 36

    A DURAO RAZOVEL DO PROCESSO NA PRESPECTIVA

    INOVADORA DOS DIREITOS HUMANOS

    Las Santana da Rocha Salvetti Teixeira 14

    Direitos humanos; durao temporal; processo; razoabilidade.

    O contedo e alcance dos direitos humanos variam conforme os tempos. Com efeito, a

    incorporao de cada direito no complexo de direitos humanos positivados decorre dos

    anseios de determinada poca. Da dizer-se que os direitos humanos so dinmicos,

    gradativamente includos no ordenamento jurdico, tal qual ocorreu com a positivao da

    durao razovel do processo. Realmente, a expanso dos direitos humanos deriva da

    necessidade de tutelar a realidade vivida pelas pessoas e deita razes na histria. Afinal, o

    direito lastreado em fatos sociais e se prope a (co) ordenar a vida em sociedade, mediante

    normas jurdicas, atribuindo regramento s condutas humanas e relaes protagonizadas pelas

    pessoas. O processo, analisado como instrumento da tutela de direitos, est diretamente

    relacionado concepo da prestao jurisdicional em limites temporais adequados, haja

    vista que a excessiva durao do processo, muitas vezes, implica perecimento do direito da

    parte e a deteco de uma Justia inacessvel. Por isso, atribui-se fora criativa aos momentos

    histricos e aos anseios sociais, de forma que as novas demandas faam surgir inovaes na

    ordem jurdica, pois a incluso de determinado direito no rol de tutela e incidncia de Textos

    normativos, nacionais ou internacionais, evita prticas abusivas e temerrias sob pretexto de

    ausncia de positivao. Neste sentido, a normatizao da durao razovel do processo

    decorre do processo de dinamogenesis dos direitos humanos, da sua capacidade criadora. Esta

    inovao pode vir baila porque os direitos humanos no compem rol de natureza taxativa;

    vale dizer, existe clusula aberta inovao, permitindo-se que novos direitos surjam e

    ampliem o espectro de positivao jurdica. A insero da durao razovel do processo na

    14

    Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade Nove de Julho Uninove/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damsio de Jesus FDDJ/SP. Possui Extenso Universitria em Introduo ao Direito Italiano pela Universit di Camerino Marche, Itlia. Professora de Direito e Legislao no Centro Paula Souza ETEC Rocha Mendes/ SP. E-mail: [email protected].

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 37

    Constituio da Repblica resultado desta carga dinmica dos direitos humanos, que no

    barram a possibilidade de tutelar os problemas oriundos da realidade contempornea. A

    demora excessiva na tramitao dos processos abriu espao para que houvesse clamor social

    pugnando por sua celeridade. Considerando que o Poder Judicirio integra a Administrao

    Pblica, a ele tambm se impe a observncia da eficincia, nos termos do artigo 37, caput,

    da Constituio da Repblica. A resoluo de litgios com segurana e qualidade no pode ser

    incompatvel com a rapidez o tempo de entrega da prestao jurisdicional. A Justia que tarda

    falha; e falha porque tarda em prestar a tutela jurisdicional extemporaneamente. Desde que o

    Estado avocou para si a tarefa de solucionar as lides, retirando o particular a possibilidade de

    fazer justia com as prprias mos, responsabilizou-se por exercer a atividade jurisdicional

    como forma de pacificar a sociedade, eliminando os conflitos de interesse submetidos

    apreciao do Poder Judicirio. Ocorre que o desenrolar temporal das aes sem

    previsibilidade quanto ao seu encerramento gera estado de permanncia da tenso social,

    instabilidade esta que a atuao efetiva da atividade jurisdicional pretende coibir, eis que a

    pacificao social apontada como um dos escopos do processo. A distribuio de novos

    processos e a no-extino daqueles que esto em curso demonstra o descompasso entre os

    elevados nmeros de entradas e permanncias de lides pendentes em relao aos nmeros de

    baixas. A este desequilbrio foi atribudo a designao estoque, para representar a quantidade

    represada de processos que ainda no foram extintos. O direito de acesso ao Poder Judicirio,

    constitucionalizado pelo artigo 5, inciso XXV, no pode ser obstado por lei. Porm, a intensa

    procura pela atividade jurisdicional acaba por tornar inacessvel o rgo incumbido de prest-

    la. A expressiva quantidade do estoque de processos compromete os nveis de eficincia

    operacional do Poder Judicirio porque os seus ndices concretos de oferta (de pessoal e infra-

    estrutura, por exemplo) no so proporcionais os ndices de procura por este servio pblico.

    Como uma situao cclica, a desigualdade na relao de oferta e procura responsvel pelo

    congestionamento forense, cujas taxas repercutem na morosidade da Justia. Diante deste

    quadro, originou-se a necessidade de tutela do aspecto temporal do processo, donde veio a

    surgir o inciso LXXVIII, do artigo 5, da Constituio da Repblica, evidenciando a natureza

    inovadora e dinmica dos direitos humanos. E, para que a enunciada garantia de razovel

    durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao no seja letra

    morta, impe-se a compatibilizao da inafastabilidade da jurisdio e com a razoabilidade

    temporal de seu instrumento de operao. Desta forma, a reduo da morosidade aumentaria a

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 38

    eficincia permitiria o alcance da propalada funo social de pacificao do processo.

    Ademais, o acesso substancial ao Poder Judicirio e a soluo dos conflitos em um prazo

    razovel viabilizariam a concreo da carga dinmica dos direitos humanos estampada na

    tutela jurisdicional adequada (porque eficiente), contribuindo para o fortalecimento do Estado

    Democrtico de Direito contemporneo.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 39

    O STF, A SOCIEDADE E A PLURALIDADE DE INTRPRETES DO TEXTO

    CONSTITUCIONAL: AMPLIAO DE DIREITOS OU JUDICIALIZAO DA

    POLTICA?

    Claudio Abel Franco de Assis15

    Palavras-chave: STF; interpretao constitucional; direitos; judicializao da poltica.

    O Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado nos tempos recentes em vista do

    interesse cada vez mais intenso da sociedade nos casos em que ele atua como ltima instncia

    do direito brasileiro. Por certo que, de um modo bastante rotineiro, as decises da Suprema

    Corte acabam por incidir diretamente na vida do cidado comum, obtendo assim um relevante

    chamariz para, at mesmo, alm do mundo jurdico. Verifica-se que a mdia exitosamente

    noticia, ao vivo, como se fosse mesmo uma espcie de placar do Tribunal, e, dependendo

    do caso, o resultado acompanhado a cada momento, sendo mesmo voto a voto, por milhares

    de brasileiros, talvez com a singular esperana em mente de que a Magna Corte seja capaz de

    efetivar as expectativas e possibilidades encontradas no texto constitucional. Em outro

    sentido, h que se ponderar que existem diversos fatores, tais como a amplitude da carta

    constitucional brasileira e, bem como, as lacunas perpetradas pelos outros poderes no

    atendimento a ordem, ao mandamento constitucional, que, sem nenhuma dvida, acabam por

    possibilitar que variadas questes de cunho no apenas jurdico sejam postas livre e

    imperiosa anlise do Supremo, o que implica, claramente, que o mesmo venha a lanar mo

    do conhecimento de especialistas, de pessoas alm do mundo do direito, para que possa obter

    maior grau de certeza em suas decises.

    Interessante observar que so aqueles ditos hard cases que denotam com mais

    evidncia o interesse da sociedade, de uma forma tal que eles deixam de ser discutidos

    somente no auditrio qualificado, que seria o Plenrio do Pretrio Excelso, para se imiscuir

    mesmo nos acalorados debates urbanos, os quais se poderia chamar de auditrio universal,

    onde o povo discute qual seria a melhor deciso. Entretanto, ao contrrio das instncias

    15

    Advogado. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Jnior. Servidor Pblico Federal da

    UFJF. Ps-Graduando em Direito Pblico Contemporneo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

    Ps-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito Damsio de Jesus. email:

    [email protected]

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 40

    decisrias de per si, como o Parlamento, o Poder Judicirio significativamente marcado

    por ser fechado hermeticamente, por ser blindado no que tange influncia da sociedade.

    Isso, pelo que se verifica na abalizada doutrina constitucional ptria, um mecanismo

    necessrio para obstar a opresso das maiorias em relao s minorias, sobretudo mediante a

    supresso de direitos fundamentais, negados aos que no conseguem se fazer representar.

    Isto posto, imperiosa a constatao de que a interpretao constitucional, conforme

    colaciona o ilustre Peter Hberle (2002), deve abranger no apenas os intrpretes jurdicos e

    participantes formais do processo constitucional, mas todo aquele que vive a norma. Nesse

    sentido, devem existir meios de ao, formas de se fazer com que argumentos colacionados

    por outros atores do meio social tambm possam ser apreciados pelo Tribunal Supremo. Ao

    processo hermenutico, acompanhando o douto ensino de Ronald Dworkin (2010), esto

    vinculados, de uma forma potencial, todos os rgos estatais e as potncias pblicas,

    abrangendo os cidados e tambm os grupos, no sendo possvel precisar um elenco cerrado

    ou fixado de intrpretes da Constituio. Assim a interpretao da norma constitucional no

    pode ser considerada prerrogativa exclusiva do Estado, como aponta Hberle, pois deve

    abarcar uma mirade de participantes capazes de ampliar as possibilidades de interpretao do

    texto constitucional.

    O grande fato que a ampliao do papel institucional do Poder Judicirio,

    especificamente e com mais relevo, do Supremo Tribunal Federal, no sistema de tripartio de

    poderes do Estado brasileiro, advindo da Magna Carta de 1988, parece aumentar a tenso

    existente entre o Constitucionalismo e a Democracia. Isto se d, pois o diagrama institucional

    fundado na Constituio brasileira, fortemente insculpida em princpios, possibilita a que

    praticamente quaisquer demandas possam subir a anlise do STF, gerando o famoso conceito

    a que a doutrina alcunha de judicializao da poltica. Como conseqncia, o Supremo

    passou a ser provocado para se manifestar sobre uma infinidade de temas, sejam questes

    polticas, econmicas, sociais, dentre muitas outras, as quais extrapolam bastante os ditos

    limites clssicos da juridicidade. Pelo que a questo que se coloca em discusso justamente

    a seguinte: ser que a sociedade est em uma progressiva e importante ampliao de direitos,

    tal como notadamente demarcado em uma era recente da histria atual, a dita era dos

    direitos, como bem asseverou Bobbio (1992) em sua obra, ou ser que a mesma se encontra

    em termos de dar contornos jurdicos alm do que se deveria, judicializando as mais variadas

    questes e deitando seu controle a vrios aspectos da vida em grupo?

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 41

    Assim e afinal, se observa que a atuao da Corte Suprema brasileira em questes que

    no so apenas jurdicas, tangencia a esfera de atuao dos demais Poderes, recebendo crticas

    diversas, quanto legitimidade e, bem como, aos limites de atuao da jurisdio

    constitucional. Como resposta a essa indagao, de certa maneira o STF tem utilizado

    claramente as Teorias da Representao Argumentativa do emrito Robert Alexy (2008) e,

    como no poderia deixar de ser, da Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio, de Peter

    Hberle (2002). Ainda nessa teia profcua, se encontram as audincias pblicas, que parecem

    se arvorar como uma atraente promessa de alternativa institucional para os dilemas e para os

    impasses da jurisdio constitucional.

    BIBLIOGRAFIA

    ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Lus Afonso Heck. 2 ed. revista.

    Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2008.

    DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

    HBERLE, Peter. Hermenutica constitucional. A sociedade aberta dos intrpretes da

    constituio: a contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio.

    Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

    BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, 4 Reimpresso, Traduo de Carlos Nelson

    Coutinho, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992.

    VIANNA, Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manual Palcios

    Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A judicializao da poltica e das relaes sociais no

    Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 42

    O DOGMA DA PRESUNO ABSOLUTA DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS

    CONSTITUCIONAIS ORIGINRIAS: UM OBSTCULO A SER REMOVIDO PARA A AMPLIAO DO

    ESPECTRO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

    Denis Soares Frana16

    Reforma constitucional; limites; direitos humanos; ampliao.

    A evoluo dos direitos humanos no mbito de uma sociedade costuma ser fruto de

    rduas e lentas conquistas, tanto no aspecto de sua adoo quanto no de sua concretizao.

    Busca-se a preservao dos valores conquistados com a positivao de tais direitos, que para

    muitos passam, ento, a ser chamados de direitos fundamentais.

    O trabalho de positivao dos Direitos Humanos hoje escudado pelo

    neoconstitucionalismo, cuja abertura axiolgica tem o condo de maximizar a proteo

    ofertada dignidade da pessoa humana e de servir como filtro impeditivo do retrocesso das

    conquistas auferidas. Sob o influxo dos modernos princpios de interpretao constitucional,

    labora a doutrina na sedimentao e ampliao dos direitos e garantias fundamentais.

    Nesse paradigma, e observando-se o caso brasileiro, dois dispositivos da nossa

    Constituio merecem destaque. O primeiro revela a preocupao com a ampliao do rol de

    direitos fundamentais (CRFB/88, art. 5, 2: Os direitos e garantias expressos nesta

    Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou

    dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.). E o

    segundo traduz a impossibilidade de alterao, com reduo de contedo, das normas que

    veiculam direitos e garantias individuais (CRFB/88, art. 60, 4, IV: "No ser objeto de

    deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias

    individuais").

    H, porm, na tradio jurdica brasileira, um dogma bastante enraizado, cuja base

    jurisprudencial a deciso tomada pelo Supremo Tribunal Federal na Ao Direta de

    Inconstitucionalidade n 815/DF. Nela, manifestou-se a Corte Suprema no sentido de que a

    tese de que h hierarquia entre normas constitucionais originrias, dando azo declarao

    16

    Bacharel em Direito e Especialista em Cincias Criminais pela Universidade Federal de Juiz de Fora

    (UFJF). Professor Temporrio do Departamento de Direito Pblico da Faculdade de Direito da Universidade

    Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cursa especializao em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho.

  • Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 43

    de inconstitucionalidade de umas em face de outras, incompossvel com o sistema de

    Constituio rgida.

    Tal manifestao, calcada na ilimitao do Poder Constituinte Originrio, busca

    refutar a doutrina do alemo Otto Bachof, que props, aps a II Guerra Mundial, ser funo

    da jurisdio constitucional repelir contedos ofensivos aos direitos humanos j conquistados,

    ainda que tais contedos fossem veiculados nas Constituies por procedimento hgido. A

    tese do estudioso alemo foi repelida em razo do entendimento de que no poderia competir

    a um Poder constitudo o Judicirio controlar o Poder Constituinte.

    Cabe, entretanto, pensar a tese da presuno absoluta de constitucionalidade em

    termos. Se, por um lado, seria descabido o controle posterior do Constituinte, que

    juridicamente ilimitado, por outro lado no se pode esposar essa tese se ela vier a ferir a

    teleologia da prpria Constituio, criando obstculos concretizao de seu escopo. Afinal,

    nossa Carta Magna no s positivou valioso rol de direitos, como tambm erigiu mecanismos

    para ampliao paulatina desse rol. E a inovao trazida pela Emenda Constitucional n 45,

    permissiva de que Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos se equiparem a normas

    constitucionais, escancara a possibilidade de surgimento de outra natureza de conflit