anais ii simpósio direito e inovação ufjf janeiro 2013
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Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 1
Anais do II Simpsio Direito e Inovao
Faculdade de Direito da UFJF
Janeiro de 2013
Organizadores
Joana de Souza Machado
Leonardo Alves Corra
Mara Fajardo Linhares Pereira
Waleska Marcy Rosa
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Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 2
Simpsio Direito e Inovao (2. : 2013 jan. : Juiz de Fora, MG)
Anais do II Simpsio Direito e Inovao Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Faculdade de Direito / Organizadores Bruno Lacerda, Joana de Souza Machado, Leonardo Alves Corra Juiz de Fora : Faculdade de Direito, 2013.
178 p.
ISBN 978-85-66252-01-9
1. Direito. 2. Inovao. I. Machado, Joana de Souza. II. Corra,
Leonardo Alves. III. Pereira, Mara Fajardo Linhares. IV. Rosa, Waleska
Marcy V. Ttulo.
CDU 34.04
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NDICE
1- EXPANSO DO DIREITO PENAL NA PS-MODERNIDADE: O AUMENTO
DOS TIPOS CULPOSOS E DE PERIGO NO BRASIL..............................................09
2- LEI 12.654/12 E O MAPEAMENTO GENTICO DOS CRIMINOSOS: O
RETORNO AO DIREITO PENAL DO INIMIGO OU UMA SOLUO FINAL
PARA A CRIMINALIDADE?.....................................................................................13
3- DO RESSARCIMENTO AO INSS PELOS AUTORES DE VIOLNCIA CONTRA
A MULHER: BENEFCIO, SINCRETISMO METODOLGICO OU
REARQUITETURA CONSTITUCIONAL?...............................................................16
4- AS FUNES DECLARADAS E OCULTAS DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE NO SISTEMA CAPITALISTA NEOLIBERAL..................................19
5- A SELETIVIDADE PENAL (RE)DISCUTIDA EM FACE DA EXPANSO DO
DIREITO PENAL ECONMICO: NOVOS RUMOS OU CRIMINALIZAO
SIMBLICA?...............................................................................................................23
6- JUSTIA RESTAURATIVA COMO FORMA DE DEMOCRATIZAR O DIREITO
PENAL..........................................................................................................................27
7- A DESCONSIDERAO DO VOTO NULO COMO AFRONTO DIVISO
IGUALITRIA DO EXERCCIO DO PODER POLTICO NA
DEMOCRACIA............................................................................................................30
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8- O DIREITO FUNDAMENTAL AO QUESTIONAMENTO......................................33
9- A DURAO RAZOVEL DO PROCESSO NA PERSPECTIVA INOVADORA
DOS DIREITOS HUMANOS......................................................................................36
10- O STF, A SOCIEDADE E A PLURALIDADE DE INTRPRETES DO TEXTO
CONSTITUCIONAL: AMPLIAO DE DIREITOS OU JUDICIALIZAO DA
POLTICA?...................................................................................................................39
11- O DOGMA DA PRESUNO ABSOLUTA DE CONSTITUCIONALIDADE DAS
NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINRIAS: UM OBSTCULO A SER
REMOVIDO PARA AMPLIAO DO ESPECTRO DE DIREITOS
FUNDAMENTIAS.......................................................................................................42
12- ATIVISMO JUDICIAL: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA
PATERNALISTA.........................................................................................................45
13- DA TRPLICE HLICE HLICE QUDRUPLA: DESENHANDO OS
PRESSUPOSTOS PARA A INSTALAO DA INOVAO
NANOTECNOLGICA NO BRASIL.........................................................................49
14- DIREITO ECONMICO, INOVAO INSTITUCIONAL E JUDICIALIZAO
DA POLTICA DE JUROS: SERIA O STF NEOLIBERAL ANTES DO
NEOLIBERALISMO?..................................................................................................52
15- POLTICAS E DIRETRIZES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL NA
CONCESSO DE FINANCIAMENTOS PELO BNDES...........................................56
16- AS POISON PILLS E SEUS NOCIVOS EFEITOS NA EXPERINCIA
BRASILEIRA...............................................................................................................59
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17- O ATCA COMO INSTRUMENTO DE RESPONSABILIZAO DE EMPRESAS
TRANSANICONAIS POR VIOLAES DE DIREITOS HUMANOS EM UM
MUNDO GLOBALIZADO..........................................................................................62
18- PROTEO JURDICA PROPRIEDADE INTELECTUAL: PERSPECTIVAS E
DESAFIOS DA ZONA DA MATA MINEIRA E
VERTENTES................................................................................................................65
19- INOVAO COMPARTILHADA E INCENTIVADA COM JUSTIA: DA
PROTEO AO MERCADO DE IDEIAS E DESCOBERTAS PARA UMA
VERDADEIRA DEMOCRACIA DA INOVAO....................................................68
20- INOVAES E POLTICAS PBLICAS: ORGANIZANDO POLOS DE
INOVAO REGIONALIZADOS.............................................................................72
21- DIREITO PATENTE E INTERVENO DO ESTADO: O CASO DAS
DOENAS NEGLIGENCIADAS................................................................................75
22- CONTRATOS DE OPERAES TECNOLGICAS E NOVAO: UMA
ANLISE ATRAVS DO DIREITO COMO INEGRIDADE VOLTADO PARA
UMA MORAL SUBSTANTIVA.................................................................................78
23- A RECONQUISTA CONTEMPORNEA DA LIBERDADE DE PENSAMENTO:
DO ESTOICISMO CLSSICO AOS
PSICOATIVOS.............................................................................................................81
24- ARQUIVO, IDENTIDADE E MEMRIA: PATRIMNIO DOS
ENTERRADOS............................................................................................................84
25- TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS (TRS) AO ENTENDIMENTO DA
LEI 8.213/91 (PESSOAS COM DEFICINCIA).......................................................89
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26- A REDESCOBERTA DA MENTE: UM DILOGO NECESSRIO ENTRE A
NEUROCINCIA E OS JURISTAS............................................................................93
27- O FENMENO DO HUMOR POLITICAMENTE INCORRETO E A TCNICA
DA CENSURA.............................................................................................................97
28- A INSEMINAO PSTUMA COM CONSENTIMENTO EXPRESSO E A
NORMATIVIDADE PREVIDENCIRIO-CONSTITUCIONAL: O DIREITO DO
FILHO PENSO POR MORTE.............................................................................100
29- NOVAS TECNOLOGIAS DE REPRODUO ASSISTIDA E DIREITOS
FUNDAMENTAIS.....................................................................................................103
30- PESSOA E TCNICA EM JULIN MARAS........................................................107
31- O HOMEM E A TCNICA EM ORTEGA Y GASSET..........................................111
32- ANLISE ECONMICA DA JUDICIALIZAO DA SADE: O DEVER DE
EFICINCIA DA AGNCIA NACIONAL DE SADE SUPLEMENTAR (ANS) NA
CONCRETIZAO DO DIREITO SADE.........................................................114
33- ASSESSORIA JURDICA POPULAR (AJUP) UNIVERSITRIA: EXPERINCIA
JURDICA, PEDAGGICA E POLTICA DE EFETIVAO DOS DIREITOS
SOCIAIS.....................................................................................................................118
34- OS IDOSOS NO BRASIL ATUAL: A IMPORTNCIA DE AES EFETIVAS
QUE GARANTAM SEUS DIREITOS......................................................................122
35- CONSIDERAES PRELIMINARES A PARTIR DA ANLISE DO
ORAMENTO PBLICO DE JUIZ DE FORA.......................................................126
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36- DIREITOS FUNDAMENTIAS E DEMOCRACIA NO BRASIL:
PROLEGMENOS UMA ANLISE DA PROIBIO DO RETROCESSO
SOCIAL......................................................................................................................130
37- OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A RBITA JURDICA
INTERNACIONAL....................................................................................................134
38- POR UMA TEORIA DA INTERPRETAO QUE SE ENQUADRE NOS
MOLDES SOCIAIS BRASILEIROS.........................................................................138
39- O PROCESSO ELETRNICO NA PERSPECTIVA DO ACESSO
JUSTIA.....................................................................................................................142
40- NEUTRALIDADE NA REDE: IMPLICAES DO EXERCCIO DO PODER
COMUNICACIONAL E CONTROLE DE TRFEGO DE INFORMAES PELAS
EMPRESAS DE FORNECIMENTO DE BANDA LARGA.....................................146
41- O PAPEL DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA A MOBILIZAO SOCIAL
CONTRA VIOLAES DE DIREITOS HUMANOS: O CASO DAS MENSAGENS
DE TEXTO.................................................................................................................149
42- A INFORMATIZAO DOS PROCESSOS JUDICIAIS E A DIMENSO
CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL..........................................................152
43- INTERNET E DIREITOS DA PERSONALIDADE: UMA LEITURA DA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE CONTEDO NA
JURISPRUDNCIA DO STJ.....................................................................................156
44- O DEVER DO CREDOR DE MITIGAR AS PRPRIAS PERDAS.......................160
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45- O CRAM DOWN NAS RECUPERAES JUDICIAIS
BRASILEIRAS...........................................................................................................164
46- A GARANTIA DA PRIVACIDADE NA SOCIEDADE TECNOLGICA: UM
IMPERATIVO CONCRETIZAO DO PRINCPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA...................................................................................................168
47- POR UMA AUTOTUTELA CONSTITUCIONALIZADA NAS RELAES
CONTRATUAIS........................................................................................................172
48- PARADOXOS REGULATRIOS E CUSTOS DE INEFICINCIA
DECORRENTES DA APLICAO DA TEORIA DA PERSONALIDADE
JURDICA PELA JUSTIA DO TRABALHO.........................................................176
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EXPANSO DO DIREITO PENAL NA PS-MODERNIDADE: O AUMENTO DOS
TIPOS CULPOSOS E DE PERIGO NO BRASIL
Natlia Cristina Castro Santos1
Palavras-chave: sociedade do risco; segurana pblica; expanso penal.
O prefixo ps, assim como denunciado pelo ilustre socilogo alemo Ulrich Beck,
a palavra-chave da nossa poca. Entender as transformaes operadas no pensamento
poltico e econmico na sociedade ps-moderna essencial a uma anlise crtica do Direito.
Pases perifricos como o Brasil, de modernidade e capitalismo tardio, compartilham
um quadro conflituoso na produo de riqueza social, utilizando mtodos e tcnicas
arriscados, causando, muitas vezes, uma sensao de insegurana social.
O desenvolvimento extraordinrio dos meios de comunicao, especialmente a
internet, aproxima as distncias no mundo globalizado. Uma questo que outrora era
regionalizada e tratada com discrio, adquire relevo no cenrio mundial, alarmando a toda
sociedade para os riscos que as decises humanas so capazes de gerar.
Se, anteriormente, as condutas humanas capazes de impingir sofrimento e dor
ficavam reservadas a um tipo especial de ser humano, determinado segundo caractersticas
peculiares, como se deu em Auschwitz, os riscos na sociedade ps-moderna so irreparveis e
impossveis de serem delimitados. Nesse sentido que Beck afima que a misria pode ser
segregada, mas no os perigos da era nuclear.
A sociedade ps-industrial transformou-se numa sociedade dos riscos, tambm
denominada, por Jess-Maria Silva Snchez, como sociedade da insegurana sentida ou
sociedade do medo. O medo espalha-se em razo da insero de novas tcnicas, ainda no
dominadas totalmente, de comercializao de produtos e utilizao de substncias cujos
possveis efeitos nocivos ainda no so conhecidos.
Num mundo globalizado, sem fronteiras, os indivduos compartilham uma sensao
de dependncia uns dos outros, na medida em que acreditam, cada vez mais, que a segurana
de um dependa de uma atitude positiva do outro. Expressando de outro modo, os indivduos j
1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Co-pesquisadora do Ncleo de Estudos sobre
Violncia e Poltica de Controle Social, vinculado ao programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, e
monitora da disciplina Direito Penal IV na Universidade Federal de Juiz de Fora.
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no se organizam autonomamente, mas compartilham e transferem medidas assecuratrias de
sua proteo. O discurso da segurana pblica toma propores inimaginveis reclamando
maior atuao do Direito Penal.
A sociedade contempornea foi construda a partir do colapso do sistema de bem-
estar social, criando uma massa de desvalidos desprovidos da ajuda governamental e sem
condies para alterarem sua realidade por si prpria. Acredita-se, ento, que os indivduos
que sobrevivem s margens da sociedade inclinam-se violncia e criminalidade de rua,
motivo pelo qual devem ser vigiados e contidos.
Nessa sociedade, acelerada e insegura, h uma tendncia de regresso privatizao.
Cada indivduo responsvel pelo controle de sua vida em todos os aspectos. Multiplicam-se
os planos de sade, os seguros de vida e as empresas de vigilncia, tudo na tentativa de suprir
aquilo que o Estado deveria prover. O encontro com o outro, com o prximo, passa a
supor a materializao dos riscos de leses a todos os bens da vida.
O medo do delito aparece como uma metfora de todos os medos da sociedade. A
segurana pblica se converte em uma das maiores pretenses sociais, reclamando uma
resposta do Direito Penal. A acelerao das relaes humanas, em todos os nveis, torna difcil
a comunho de valores, motivo pelo qual se atribui ao Direito Penal a tarefa de unificar esses
valores.
Imperioso destacar que na sociedade de risco reclama-se a interveno penal diante
dos menores problemas, pois se acredita que somente mediante uma imposio legal algum
se abster da prtica da conduta arriscada. nesse ponto que se percebe a desvirtuao do
Direito Penal e a constante banalizao dos direitos fundamentais a ele relacionados.
O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito deve pautar-se pelo princpio
ultima ratio, isto , deve ser minimamente interventor, atuando apenas nas situaes em que
nenhum outro ramo do Direito seria capaz de regular, caracterizando sua fragmentariedade e
subsidiariedade.
Entretanto, na sociedade ps-moderna, tem se observado a constante expanso dos
delitos penais, em sua maioria consubstanciada em tipos culposos ou tipos de perigo.
O delito culposo, segundo Juarez Tavares, compreende uma conduta descuidada e
violadora do risco autorizado. Cezar Roberto Bitencourt ensina que o crime culposo aquele
em que a vontade do agente no alcana o resultado, mas o resultado danoso ocorre em razo
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da inobservncia do dever objetivo de cuidado por parte do agente, que obra com impercia,
imprudncia ou negligncia.
No mesmo sentido corrobora Zaffaroni, admitindo que o tipo culposo no proibido
de acordo com a finalidade da ao, mas por um defeito na gesto de sua exteriorizao, que
viola um dever de cuidado.
Percebe-se facilmente que o aumento dos delitos culposos relaciona-se com os riscos
sentidos, haja vista que compreende violaes a deveres de cuidado. Sabe-se que
amplamente difundido o principio de que ningum pode se escusar de cumprir uma norma
legal alegando que no a conhece, por isso importantssimo que se compreenda expresses
como risco permitido e dever de cuidado no como normas abertas, que devem ser
completadas pelo julgador, mas sim como um pressuposto normativo, que deve estar presente
em toda ao tpica capaz de causar um resultado danoso por inobservncia de um cuidado.
A grande preocupao a definio da criminalizao primria, isto , da construo
legislativa dos tipos penais, uma vez que o legislador deve pautar-se pelo princpio da
interveno mnima, no se deixando influenciar pelo discurso populista punitivo que,
fundamentado no medo, na insegurana social, reclama a atuao penal para garantir a
segurana pblica, quando essa deveria ser assegurada mediante uma medida estatal positiva e
no restritiva.
As maiores consideraes a respeito do delito culposo concentram-se na definio do
risco permitido e do dever de cuidado. importantssimo que no se compreenda tais termos
como abertos e, portanto, carecedores de uma complementao jurdica de acordo com o
entendimento do julgador.
Os tipos de perigo, por sua vez, demandam ainda mais cautela que os tipos culposos.
O delito de perigo aquele que expe a leso o bem jurdico tutelado, podendo ser concreto
ou abstrato. No perigo concreto h uma efetiva situao de risco para o bem jurdico,
enquanto no perigo abstrato o evento delitivo se consuma com a simples prtica da conduta,
independente de ser provada no caso concreto.
Observa-se, ento, que o crescente aparecimento dos delitos de perigo corresponde
demanda social por ordem na sociedade da insegurana sentida, contrariando a maioria dos
princpios norteadores do Direito Penal, mormente a presuno da inocncia, positivada no
artigo 5 LVII, da Constituio Federal.
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Nesse trabalho, busca-se evidenciar a responsabilidade do legislador na construo
de uma ordem jurdica justa, capaz de conter o poder punitivo, a partir do respeito aos
princpios limitadores impostos pelo Direito Penal, excluindo do objeto de persecuo penal a
mera causao de um resultado, enaltecendo a manifestao da vontade.
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LEI 12.654/12 E O MAPEAMENTO GENTICO DOS CRIMINOSOS: O RETORNO
AO DIREITO PENAL DO INIMIGO OU UMA SOLUO FINAL PARA A
CRIMINALIDADE?
Cndice Lisba2
Carolina Montolli3
Palavras chaves: mapeamento gentico; direito penal do inimigo; criminalidade.
A lei 12.654/12 de 28 de maio de 2012, tambm conhecida como Mapeamento
Gentico dos Criminosos, altera as Leis 12.037, de 1 de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de
julho de 1984 - Lei de Execuo Penal - para prever a coleta de perfil gentico como forma de
identificao criminal. A partir de agora as autoridades policiais podem comear a recolher o
material gentico necessrio para alimentar esse banco de DNA. Entre esses materiais esto
amostras de sangue, smen, unhas e cabelos recolhidos pela polcia nos locais onde ocorreram
os crimes, e tambm os que forem recolhidos de pessoas que j foram condenadas.
A lei estabelece que o acesso a esses dados estar reservado s autoridades policiais,
que para seu uso devero 'seguir as normas constitucionais e internacionais de direitos
humanos'. Em 1985, Jacobs criou dois termos e os colocou em contraposio. De um lado,
estaria o chamado Direito Penal do cidado e de outro chamado o Direito Penal do inimigo.
Enquanto o Direito do cidado no estaria preocupado em proteger bens jurdicos e sim em
otimizar esferas de liberdade, alm de enxergar, no delinquente, algum que dispe de toda
uma esfera de privacidade que o Estado no deve ferir de maneira alguma, o chamado Direito
Penal do inimigo estaria preocupado em proteger bens jurdicos a qualquer custo, vendo no
2Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viosa. Mestre em Extenso Rural pela
Universidade Federal de Viosa. Especialista em Direito Pblico pela Unec. Doutoranda em Direito Pblico pela
Puc Minas. Professora da Newton Paiva, Polcia Militar de Minas Gerais e Fadivale. E-mail:
3 Advogada Criminalista e Defensora Dativa do I Tribunal do Jri da Comarca de Belo Horizonte. Mestre em
Teoria do Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Pblico
Internacional pela Puc Minas. Ps-Doutoranda em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad
Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Instrutora de Polcia da Academia de Polcia Militar de
Minas Gerais. Professora da Escola Superior Dom Helder Cmara e Fundao Pedro Leopoldo. E-mail:
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Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 14
criminoso, no uma pessoa, mas um mero indivduo, e, como tal, uma fonte de perigo, que
deve ser neutralizado e tratado de acordo com seu potencial de periculosidade sem nenhuma
esfera de privacidade.
A questo que se em 1985, Jakobs criticava esse Direito do inimigo, dizendo que o
nico Direito Penal legtimo seria o do cidado, a partir de 1999, mudou de posio. Para ele
agora, esse Direito do inimigo no demarca uma zona do Direito Penal que seria ilegtima.
Os principais pontos da teoria do Direito Penal do inimigo para Jakobs, seriam
classificados como criminosos econmicos, terroristas e delinquentes organizados: para ele,
inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e no oferece garantias cognitivas de
que vai continuar fiel norma. Para os defensores desses fundamentos, o "inimigo", ao
infringir o contrato social, est em guerra contra o Estado, e, portanto, deixa de ser membro
dele, devendo, por isso, perder todos os seus direitos.
Em resumo, o indivduo que no admite ingressar no estado de cidadania, no pode
participar dos benefcios do conceito de pessoa. Segundo Jakobs, o inimigo, por conseguinte,
no pode ser considerado um "sujeito processual", no podendo, portanto, contar com direitos
processuais. Ainda para os defensores dessa linha de pensamento, contra o inimigo no se
justifica um procedimento penal, mas sim, um procedimento de guerra: Jakobs defende a tese
de que o Estado no deve tratar como pessoa, quem no oferece segurana cognitiva
suficiente de um comportamento pessoal. E mais, segundo essa teoria, o inimigo no pode ser
punido com pena, mas sim, com medida de segurana. Alm disso, no deve ser punido de
acordo com sua culpabilidade, mas sim, de acordo com sua periculosidade, ou seja, as
medidas contra o inimigo no olham prioritariamente o que ele fez no passado, mas sim, o
que ele representa de perigo futuro. Em suma, para essa teoria de Direito Penal, o inimigo
deve perder o status de pessoa. Alm disso, deve ser interceptado prontamente, no estgio
prvio, em razo de sua periculosidade. A lei entrou em vigor no dia 26/11/2012 e j se
apresenta com incontveis indefinies em relao auto tutela do indivduo enquanto sujeito
de direitos. Em resposta, temos o comentrio da filsofa poltica Hannah Arendt, em sua obra,
Homens em Tempos Sombrios.
A histria conhece muitos perodos de tempos sombrios e nessa Humanidade por
assim dizer, e o valor da pessoa humana enquanto conquista histrico-axiolgica encontra a
sua expresso jurdica nos direitos fundamentais do homem. O valor atribudo pessoa
humana, fundamento dos direitos humanos, parte integrante da tradio, que se viu rompida
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com o fenmeno totalitrio. Com efeito, os direitos humanos para a filsofa poltica Hannah
Arendt resultam da ao. Para a filsofa, a nossa responsabilidade em defesa dos direitos
humanos se fundamentam atravs da prpria responsabilidade coletiva que transcende, atravs
de conceitos jurdicos gerais, operativos apenas num Estado de Direito onde prevalece o senso
comum. Este senso comum o senso intersubjetivo da comunidade para ela, em ltima
instncia, o da comunidade do mundo enquanto condio kantiana transcendental da
existncia cosmopolita, ou seja, daquilo que permite o auditrio universal ao fundamentar o
contexto dentro do qual atua a lgica do razovel. Desta feita, uma soluo final para este
dilema na atualidade pela qual estamos envolvidos, a incapacidade de pensar possa ser
encobertada pelas futilidades presentes nas conversas cotidianas, no sendo conditio sine
qua non seu conluio incapacidade de falar, todavia esta pode ser evidenciada quando
levada ao crivo do senso crtico, o que obviamente revelaria inmeros partidrios do modus
vivendi eichmanniano
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DO RESSARCIMENTO AO INSS PELOS AUTORES DE VIOLNCIA CONTRA A
MULHER: BENEFCIO, SINCRETISMO METODOLGICO OU
REARQUITETURA CONSTITUCIONAL?
Cndice Lisba4
Carolina Montolli5
Palavras-chaves: violncia domstica; ressarcimento; igualdade.
No dia 07 de agosto de 2012, data em que a lei Maria da Penha completou seis anos
de existncia, o Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS) divulgou a notcia de que
iniciava as primeiras aes de ressarcimento em face dos autores de violncia domstica, em
relao aos benefcios aos quais as vtimas da referida violncia auferiam junto ao INSS em
virtude da violncia sofrida.
Trata-se de ressarcimento em face dos auxlios doena, bem como aos referentes
aposentadoria por incapacidade ou mesmo penses por morte custeadas pelo Instituto
nacional de Seguro Nacional (INSS). As causas geradoras das referidas aes dizem respeito
qualidade especial da vtima da violncia, ou seja, qualidade de segurada do INSS, de forma
que, j se diferencia, de antemo, mulheres seguradas e mulheres no seguradas do INSS, isto
com relao proteo dispensada pelo Estado. Da mesma forma, diferencia-se a punio dos
autores de agresses idnticas, que sofrero penalidades diferenciadas.
Diante da notcia, que foi reforada por um discurso de proteo mulher - indo
alm, de discriminao positiva - inquieta a perspectiva apresentada em alguns pontos que
sero trabalhados, sucintamente, neste ensaio: o primeiro deles de carter especfico - diz
respeito natureza jurdica das prestaes do INSS assim como a natureza da ao
indenizatria que poderia caber em face do ato ilcito, cuja beneficiria deveria ser a vtima ou
4 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viosa, Mestre em Extenso Rural pela Universidade
Federal de Viosa. Especialista em Direito Pblico pela Unec. Doutoranda em Direito Pblico pela Puc-Minas.
Professora da Newton Paiva, Polcia Militar de Minas Gerais e Fadivale. Email: [email protected]. 5 Advogada Criminalista e Defensora Dativa do I Tribunal do Jri da Comarca de Belo Horizonte. Mestre em
Teoria do Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Pblico
Internacional pela Puc Minas. Ps-Doutoranda em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad
Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Instrutora de Polcia da Academia de Polcia Militar de
Minas Gerais. Professora da Escola Superior Dom Helder Cmara e Fundao Pedro Leopoldo. E-mail:
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seus descendentes, no caso do resultado morte; a segunda, de cunho mais geral, refere-se
atuao especfica da Advocacia Geral da Unio (AGU) quando da cobrana das suscitadas
indenizaes. Neste segundo caso, lana-se a premissa de que a AGU age na contramo do
Direito vigente, no sentido de que comea uma discriminao entre vtimas da violncia
domstica ao mesmo tempo em que usa da sade e segurana pblica como instrumentos para
tentar incrementar os cofres do Estado, na contra-mo daquela que deveria ser a funo
estatal, qual seja, a funo de criao de polticas de segurana pblica em especial no
combate da violncia domstica - assim como em sade, educao e planejamento familiar.
Grosso modo lana-se a hiptese de que a AGU, enquanto brao do Estado, usa de sua funo
institucional para considerar a Constituio como meramente simblica, burlando as
restries aos direitos fundamentais e humanos atravs de atitudes pragmticas que buscam,
ao fim e a cabo, sobrepor o equilbrio financeiro do Estado em detrimento da salvaguarda do
bem comum. Todas estas atitudes perpetradas de forma subliminar.
H que se ressaltar que o discurso de justificao para as mencionadas cobranas
feitas pela AGU louvvel, haja vista que alicera-se na proteo mulher vtima de
violncia domstica, e, como conseqncia, almejam que as demandas judiciais funcionem
como um empecilho a tais atitudes. A premissa de que punindo alguns agressores possa-se
fomentar uma poltica preventiva, atravs de uma coao no apenas psicolgica, mas
perceptvel atravs de algumas condenaes emblemticas. Segundo o discurso institucional
da AGU, almeja-se a impedir que atitudes de violncia continuem sendo perpetradas por
abuso da relao de confiana e intimidade.
Acontece que o fato gerador dos benefcios previdencirio tem como precursor a
situao de segurado, independente do fato em si que lhe d azo. Ou seja, no se cogita o
motivo ou os fatos que levam doena que d ensejo ao auxlio-doena. Porqu, ento,
tratamento diferenciado com relao violncia domstica? Acaso as mulheres seguradas so
mais valorosas que as no-seguradas? Qual desvalor est sendo utilizado como parmetro? O
foco da proteo so as mulheres em si ou a salvaguarda do equilbrio financeiro do Estado?
E mais, a premncia pelo ressarcimento to robusto que a AGU anunciou no haver
necessidade de condenao prvia para as aes iniciarem-se.
Outra questo que merece relevo: o autor das agresses contra a mulher, na medida
em que se veja obrigado a ressarcir o Estado pelos benefcios previdencirios, em grande
nmero de vezes veria-se privado da possibilidade real de indenizao da vtima, seja em
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relao a danos materiais ou mesmo morais. Ora, a matemtica da vida clara. As pessoas
comuns no costumam ter um oramento to volumoso a ponto de poder reparar Estado e
vtima ao mesmo tempo. Em caso, hipottico, de coliso de interesses a serem indenizveis,
parece prefervel indenizar a vtima, j que esta quem ter problemas prticos para se
desvencilhar do agressor, ou mesmo para conviver com os danos materiais e morais que a
violncia lhe impingiu.
Por fim, ainda que sucintamente, parece duvidosa a atuao da AGU na cobrana por
motivos constitucionais. Primeiramente, a preferncia em relao s seguradas uma situao
evidente de desigualao entre as vtimas abstratamente consideradas, que no encontra
justificativa racional. Segurada ou no do INSS, toda vtima merece respaldo do Estado. Lado
outro, o agressor, em qualquer hiptese, merece a reprimenda estatal. Ora, se o agressor
perpetrar a violncia contra pessoa no segurada sua punio ser menor, muito embora o
desvalor da sua ao seja o mesmo. De outra via, o papel da AGU no o de justiceiro do
Estado, to pouco pode valer-se de um problema social para buscar finalidade diversa, sub-
reptcia. No mesmo sentido, no h justificativa para o Estado preferir investir em cobranas
ao invs de em polticas pblicas, tanto de segurana, quando de sade, quanto a prpria
reinsero ou colocao destas mulheres vtimas de violncia no mercado de trabalho. Parece
absurdo, de um sincretismo tosco e sem fundamento jurdico racional, acreditar que o Estado
foi mesmo justo ou est desempenhando seu papel institucional de fomentador do bem
comum quando anuncia aos quatro ventos que um de seus braos far cobranas judiciais,
cujo fundamento duvidoso.
No se quis aqui defender o indefensvel. Claro que a violncia domstica contra a
mulher dever ser discutida e rebatida, com todos os meios adequados, mas no irracionais.
Ao mesmo tempo no se pode ter ouvidos torpes, raciocnio cambota, no sentido de aceitar
desculpas e justificativas que no se sustentam.
Se os direitos fundamentais so a grande promessa constitucional, que eles sejam
defendidos com veemncia e seriedade, e no com paliativos que no conseguem, sequer, se
manterem em p. O Estado Democrtico de Direito requer mais que promessas. Requer
atitudes, boa governana e seriedade, para consigo mesmo viso orgnico-institucional do
Estado e para com os jurisconsultos, que so cidados merecedores de respeito e de servios
efetivos com respeito isonomia constitucional.
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AS FUNES DECLARADAS E OCULTAS DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE NO SISTEMA CAPITALISTA NEOLIBERAL6
Guilherme Gomes Sabino7
Maria Antonieta Rigueira Leal Gurgel8
Palavras-chave: criminologia; priso; direitos humanos; capitalismo; direito penal
Busca-se com o presente trabalho a problematizao da pena de priso, enquanto
concretizao comum dos sistemas penais ocidentais contemporneos, atravs do confronto
dos discursos oficiais legitimadores de sua prtica e seus antnimos de vis crtico, e, ainda,
procurar estabelecer qual a sua funo perante a economia capitalista. Prope-se ento, a
anlise dos fundamentos jurdico-filosficos puros da pena privativa liberdade e tambm dos
discursos deslegitimadores, que detm para si o mtodo materialista histrico. Importante
ressaltar que o estudo passa determinantemente por uma anlise da evoluo histrica do
capitalismo, suas formas de atuao e seus resultados sociais, mormente aqueles que
tangenciam o sistema penal.
Inicialmente, deve-se obter um panorama geral das puras teorias jurdico-filosficas
que legitimam o Direito Penal e por conseguinte a pena. Nesse diapaso, a resposta dada pelo
Estado, detentor nico do poder de uso da violncia, ao crimes, possui sentidos diferentes para
cada uma das teorias legitimadoras. Os fins da pena, portanto, so objeto central da primeira
anlise.
As teorias retributivas ou absolutas tem na essncia da sua finalidade seu prprio
fim, ou seja, bastando a punio, a pena para si. A referida teoria surge em um perodo de
"laicizao" do Estado, porm, carrega em seu escopo forte influncia religiosa e talional.
Kant e Hegel desenvolveram teorias que legitimaram o poder de punir do Estado baseando-se
na justa retribuio do mal causado, ligando, nesse sentido, a pena ao ius talionis.
6 Trabalho de Iniciao Cientfica fomentado pela Escola de Estudos Superiores de Viosa
7 Bacharel em Direito pela Escola de Estudos Superiores de Viosa. e-mail: [email protected]
8 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viosa, Mestre em Direito pela Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro, Professora do Curso de Graduao em Direito da Escola de Estudos Superiores de
Viosa, Professora do Curso de Graduao em Direito pela Faculdade Dinmica e Defensora Pblica do Estado
de Minas Gerais. e-mail: [email protected]
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As teorias relativas ou utilitrias conferem ao Direito Penal e s penas finalidades
utilitrias para a sociedade e para o prprio apenado, subdividindo-se em preveno geral,
negativa e positiva, e preveno especial. A preveno geral destina-se coletividade,
atingindo-a de maneira heterognea, intimidando e dissuadindo-a do cometimento de crimes
(preveno geral negativa) e, por outro lado, reafirmando a ordem jurdica imposta
(preveno geral positiva). A preveno especial volta seu foco unicamente ao apenado,
orientando o tamanho e forma de sua pena para que futuramente no volte a delinquir, seja
por finalidades de reeducao, reinsero social, reabilitao ou mesmo, no pior dos casos, a
sua inocuizao.
As teorias mistas, unificadoras ou monistas, como o prprio nome sugere, objetivam
a intercesso das teorias retributiva e utilitria da pena, trazendo seus pontos positivos tona e
anulando seus pontos negativos. Buscam na retributividade das teorias absolutas o ponto
central da quantificao da pena in concretu, no podendo a penalidade ir alm do fato
punvel, calcado no princpio da culpabilidade. Noutro giro, resgatam da teoria utilitria o fim
preventivo da pena, voltando-se ao futuro, de modo a sofrear a criminalidade.
Lado outro, tomando como ponto de partida e mtodo o materialismo histrico
proposto por Karl Marx, procurou-se compreender a atuao do Direito Penal e a aplicao da
pena sob o aspecto crtico, vinculando a punio dos indivduos pelo Estado ao processo de
acumulao e reproduo do capital. Tal estudo crtico do Direito Penal e da pena de priso de
vis marxista, em suma, procura externar a ntima relao existente entre o capitalismo e seu
aparato poltico-econmico, junto a pena. Coube s teorias crticas desvincular o discurso
terico elaborado e propagado oficialmente para legitimar a pena dos reais fatores que a
motivam, bem como de seus resultados produzidos na sociedade.
Pasukanis, no incio do sculo XX, desconstruindo o poder jurdico vigente desde a
Revoluo Francesa, consegue identificar suas razes burguesas, seus anseios capitalistas e
suas pretenses flagrantemente parciais. Enxerga no Direito Penal um eficaz meio de
submisso dos corpos ao trabalho assalariado, que, posteriormente, seria um pensamento
aprofundado por Foucault. Questiona o ideal de equivalncia e retribuio, advindos do
pensamento burgus, aplicados pena de priso, bem como tambm a praxe (des)igualitria
do processo penal. Assim como Marx, Pasukanis entende o Direito burgus, oriundo da
laicizao do Estado, e, mais especificamente o Direito Penal, como instrumento de opresso
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de classe cortinado pelo discurso jurdico formal, que ao mesmo tempo, impe sua fora e
legitima sua prtica frente ao conjunto social.
Mais frente, em meados do sculo XX, a obra de Georg Rusche e Otto Kirchheimer
trata com profundidade e destreza a questo histrico-material do surgimento das prises
como forma especificamente burguesa de punio. A obra desnuda como as formas de punir
se adaptam e se modificam encontrando mecanismos oficiais de legitimao ao sabor das
relaes econmicas e de trabalho. A partir da anlise proposta resta clara a introduo da
priso como forma de punir pelo mercantilismo europeu, sendo, posteriormente, readmitida e
universalizada pelo Iluminismo.
Na segunda metade do sculo XX, especialmente a partir dos anos 60, as surgem
teorias crticas do sistema penal que retomam a proposta marxista como marco de seu
desenvolvimento e que atingiram uma expressividade at ento no conhecida. Pontuam as
teorias crticas deste perodo que o as relaes sociais so moldadas e institudas pelo sistema
de produo capitalista, ou seja, a gnese da desigualdade, e, por conseguinte da conduta
desviante, que ele prprio d ensejo, para mais adiante punir. s teorias crticas, ento, coube
o papel de desnudar a economia poltica da pena de priso, quais eram as reais funes
desempenhadas pelo Direito Penal numa sociedade proclamadamente igualitria, mas que
fincava suas bases na profunda desigualdade gerada pelo capitalismo que a moldava.
Outro foco de estudo a economia poltica da pena, desde a gnese da sociedade
burguesa, que detm o poder estatal a partir da Revoluo Francesa, at o epicentro do
capitalismo neoliberal contemporneo, estendendo-se periferia do processo de acumulao
de capital. Tomando os ideais de equivalncia, retribuio e equidade, abraados pela
sociedade burguesa e a forma com que tais princpios se estreitam com o sistema penal desde
o sculo XVIII, pode-se avaliar o paradoxo insanvel em que a prtica prisional se v at os
dias presentes.
As prticas penais modificaram-se atravs dos tempos, sobretudo o crcere, sendo
ampliado ou reduzido, conforme a demanda de mo de obra fabril; "enrijecido" ou
"afrouxado" de acordo com as condies econmicas administrativas das prises; e assim por
diante. O que se v, pelo menos at a vigncia do sistema de produo fordista e o auge do
keynesianismo, crcere sendo utilizado afim de intensificar a produo de bens para a
maximizao dos lucros, atravs da explorao do ser humano. A partir da ascenso do
neoliberalismo, gradativamente mudam-se os objetivos econmicos e com eles as formas de
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Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 22
trabalho, trabalhadores e etc., no escapando, consequentemente, o sistema penal.
Transformada a sociedade capitalista produtora em neoliberalista consumidora, o objetivo do
crcere no mais se volta ao disciplinamento dos corpos ao trabalho, mas sim inocuizao
daqueles que no participam da sociedade global econmica. Os enjeitados da sociedade de
consumo so o alvo da pena de priso, no havendo, nesse diapaso, qualquer coerncia com
o discurso oficial do Direito Penal.
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A SELETIVIDADE PENAL (RE)DISCUTIDA EM FACE DA EXPANSO DO
DIREITO PENAL ECONMICO: NOVOS RUMOS OU CRIMINALIZAO
SIMBLICA?
Karen Mller Couri9
Palavras-chaves: expansionismo penal; criminalidade econmica; criminologia crtica;
seletividade penal; criminalizao.
Nas ltimas dcadas vivenciamos o fenmeno de expanso do direito penal aliado s
profundas transformaes econmicas, sociais, polticas e culturais da sociedade
contempornea, na qual permeiam um sentimento difuso de insegurana e medo, bem como
um clamor geral de que os problemas socioeconmicos sejam resolvidos atravs de novas leis
penais. Nesse contexto, a ordem constitucional brasileira erigiu categoria de direitos
fundamentais bens coletivos, ou difusos, como o meio ambiente, a regularidade do sistema
financeiro e a ordem econmica, pertencentes a todos os indivduos enquanto integrantes de
uma coletividade, contribuindo para uma mudana substancial na concepo de delito e de
bem jurdico penalmente tutelado, os quais, at ento, eram compreendidos sob a perspectiva
individualista da dogmtica tradicional.
Diante do papel constitucional conferido ordem econmica na manuteno da
convivncia digna de todas as pessoas e na promoo da justia social, bem como de um
sentimento de indignao contra a impunidade dos crimes de colarinho branco, expresso
cunhada, nos anos 30, por Edwin Sutherland, para indicar aquelas condutas praticadas no
mbito profissional por pessoas de elevado status socioeconmico, houve a criminalizao de
condutas lesivas quele bem jurdico transindividual, atravs da edio, por exemplo, da Lei
8.137/1990 que tipificou os crimes contra a ordem tributria, econmica e contra as relaes
de consumo.
Cerca de duas dcadas anteriores a esse cenrio expansionista, surge nos EUA e na
Inglaterra a Criminologia Crtica, Radical ou Nova Criminologia, preconizando que o sistema
penal, do qual faz parte o direito, seria um instrumento de controle social classista, em que um
ato somente seria criminoso porque do interesse da classe dominante assim defini-lo.
9 Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: [email protected].
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Destacando a seletividade do sistema penal, o pensamento crtico alertou os criminlogos para
a gravidade dos delitos dos poderosos, cuja danosidade social seria superior a dos crimes
comuns, mas que, ainda assim, ficavam impunes, ao contrrio dos delitos cometidos pela
classe subalterna.
A partir da constatao, por um lado, de que as condutas da classe dominante lesivas
ordem econmica foram criminalizadas no plano normativo (primrio) e, por outro, do
pensamento radical acerca da seletividade penal, urge o seguinte problema: houve uma
alterao real na vulnerabilidade de alguns agentes que, anteriormente, estavam imunes ao
sistema penal, ou se trata de uma mera criminalizao simblica, em que o direito penal teria
a funo de tranquilizar a opinio pblica, revelando um falso discurso de isonomia, em vez
de proteger de modo efetivo os novos bens jurdicos?
Na tentativa de buscar uma resposta satisfatria ao problema suscitado, torna-se
imperioso analisar, ainda que sucintamente, os mecanismos de criminalizao primria, plano
normativo, e secundria, plano persecutrio e punitivo, dos quais se valem as agncias estatais
para concretizar a seletividade penal.
Ao mecanismo de seleo dos bens jurdicos a serem dotados de dignidade penal e,
por consequncia, dos comportamentos ofensivos a esses bens, bem como escolha da
intensidade e da qualidade da pena, d-se o nome de criminalizao primria. O discurso
penal dominante preconiza que h a proteo dos bens comuns a todos os indivduos e que a
qualidade e, principalmente, a quantidade da pena cominada possui relao diretamente
proporcional importncia do bem jurdico protegido e gravidade de sua leso.
Entretanto, levando-se em considerao o arcabouo normativo penal hodierno, nota-
se que a eleio dos bens jurdicos a serem tutelados pela norma penal e ainda a forma e a
intensidade dessa tutela submete-se lgica da dominao de classe. Basta analisar os
diversos filtros de seletividade que imunizam a criminalidade econmica de uma efetiva
punio, como a possibilidade de suspender o processo criminal pelo parcelamento do crdito
tributrio, de extinguir a punibilidade pelo pagamento do tributo e dos acordos de lenincia no
mbito do CADE. Em outro giro, os delitos contra o patrimnio, sem violncia, recebem um
tratamento normativo mais rgido, como a previso de uma mera reduo de pena caso haja a
reparao do dano at o recebimento da denncia.
Vislumbra-se, assim, uma cultura penal que d a mxima nfase proteo dos bens
jurdicos da classe dominante, como o patrimnio privado, punindo com maior rigor a sua
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Anais do II Simpsio Direito e Inovao Pgina 25
ofensa, geralmente perpetrada pela classe marginalizada, sem acesso ao poder econmico. Em
contrapartida, os bens jurdicos coletivos, imprescindveis garantia de outros direitos
fundamentais dos cidados, diante do seu reflexo na realizao de polticas pblicas sociais,
no encontram a proporcional proteo a que fariam jus a partir da maior danosidade social de
sua leso.
No plano persecutrio e punitivo, o carter seletivo do sistema penal reforado na
medida em que as agncias de criminalizao secundria, como a polcia e a justia penal,
realizam uma parte nfima do programa primrio, perseguindo, em regra, pessoas sem acesso
positivo ao poder poltico e econmico que, com seus atos menos complexos e, logo, mais
visveis, integram o figurino, o esteretipo criminal.
Diante dessa atuao tendenciosa e desigual perante determinados atos e pessoas, as
estatsticas criminais, que apenas indicam as condutas que caem nas malhas do sistema
(criminalizao) e no todas as condutas tpicas praticadas (criminalidade), acabam por
revelar a expressividade da populao carcerria em decorrncia da prtica de crimes contra o
patrimnio, em contraponto com os raros ndices oficiais dos crimes contra o sistema
financeiro, de lavagem de dinheiro e contra a ordem econmico-tributria, crimes menos
visveis, cujos autores contam com elevado status social e que, integram, portanto, a cifra
negra, ou dourada, da criminalidade (no detectada ou no punida).
A despeito disso, no se pode negar uma tendncia atual em se punir os criminosos
de colarinho branco, levando-se em conta as operaes da Polcia Federal que,
frequentemente, resultam em prises preventivas ou temporrias de empresrios e polticos
envolvidos em esquemas de corrupo e em crimes econmicos, alm do emblemtico
julgamento do caso Mensalo.
Portanto, constata-se uma aparente forma ambgua na conduo da poltica criminal
contempornea que, de um lado, cria leis penais incriminadoras de condutas da classe
dominante e puni alguns casos, mas que, de outro, institui filtros legais de seletividade e atua
tendenciosamente sobre os crimes da classe subalterna.
A fim de no incorrer em uma viso reducionista do fenmeno da delinquncia
econmica, a seletividade penal, revelada pela Criminologia Crtica, deve ser rediscutida,
pois, de fato, o expansionismo penal levanta uma possvel mudana de postura no sentido de
tipificar e at mesmo punir os crimes econmicos, o que no seria explicado pela teoria
criminolgica em questo. Ocorre que essa expanso no foi capaz de alterar, efetivamente,
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os quadros da seletividade, o que nos leva a supor que a criminalizao (primria e
secundria) da delinquncia econmica apresenta uma funo meramente simblica, criando-
se a iluso de um sistema penal atento s condutas lesivas a direitos fundamentais coletivos,
independentemente do status social de quem as pratica.
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JUSTIA RESTAURATIVA COMO FORMA DE
DEMOCRATIZAR O DIREITO PENAL
Simone Matos Rios Pinto10
Tnia Aparecida Tostes do Prado11
Palavras-chave: direito; democracia; consenso.
Introduo: Neste incio de sculo XXI, faz-se necessrio repensar o Direito Penal
e sua forma de atuao frente s necessidades fundamentais de cada envolvido. O crime
desencadeia um conflito entre as pessoas e no pode ser respondido com mera subsuno do
fato norma. O procedimento deve garantir proteo de direitos humanos e esta dimenso
positiva de concretizao, dentro do espao pblico, deve ser aberto, coadunando com a vida
em democracia.
Verifica-se que os problemas se situam no nos atores, mas nos marcos legais e no
modelo engessado da Justia. Com o processo de codificao e a consequente simplificao
dos problemas sociais, h a ideia equivocada de que nada mais importa a no ser a prpria
norma e seus fundamentos, o que resulta na constituio de uma cincia que basta a si
prpria. O Direito penal vida vivida e deve ser aplicado levando em conta os verdadeiros
envolvidos no conflito e suas necessidades sociais. Das Investigaes filosficas de
Habermas (2001) abre-se o questionamento sobre qual a compreenso de mundo, e para
qual direo a viso dos fatos ir; onde se traar a fronteira entre liberdade e obrigao,
culpa e conscincia. Como avaliar as pessoas responsveis e quanto exigir de todos os
cidados como atores polticos. E mais ainda, como ver divididas culpa e inocncia e quais
as normas que apresentam disposio para essas pessoas se respeitarem reciprocamente como
cidados da Repblica. Nesse contexto, o Estado democrtico de direito deve ser
compreendido como uma associao de cidados livres e iguais, e que o sentimento de
pertena a um Estado esteja ligada ao princpio da voluntariedade. Justia Restaurativa pode
ser entendida como um paradigma que busca restaurar relaes conflituosas pelo consenso e
10
Simone Matos Rios Pinto doutoranda em Direito Pblico pela Puc Minas, na linha: Estado, Constituio e
Sociedade no paradigma do Estado Democrtico de Direito. E-mail: [email protected] 11
Tnia Aparecida Tostes do Prado graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora e
Mestranda em Direito Pblico pela Puc Minas, na linha: Estado, Constituio e Sociedade no paradigma do
Estado Democrtico de Direito. E-mail: [email protected]
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com a participao voluntria dos verdadeiros protagonistas (infrator e vtima) envolvendo a
comunidade, amparado por uma rede social.
Desenvolvimento: A racionalidade do direito consiste em deixar aberto os processos
de comunicao, buscando um direito legtimo atravs do auxilio de pressupostos de
comunicao, que so institucionalizados juridicamente, com resultados racionais. A
legalidade penal no significa simplesmente aplicar leis vigentes ao caso concreto, deve ir
alm, aplicando a estrita legalidade. Estamos num Estado Democrtico de Direito e isto
significa ser diferente de Estados simplesmente legais, onde os juzes so meros
expectadores. No cabe ao juiz simplesmente aplicar a lei penal, usando a mera legalidade.
Seu papel substancial na transformao de uma sociedade menos desigual. Toda aplicao
judicial h de ser substancial, ou seja, deve levar em conta o direito como um todo, aplicando
o direito penal juntamente com o direito constitucional. A teoria do discurso, desenvolvida
por Habermas, aponta como legtimo o direito baseado no processo de comunicao entre os
interessados, onde a sentena construda pelas partes. Neste sentido, para o Direito Penal
de suma importncia a participao da vtima, no como mera testemunha, mas sim como a
maior interessada na soluo do conflito. As recentes mudanas do nosso Cdigo de Processo
penal trazem como pano de fundo a comunicao dos verdadeiros interessados no fato do
mundo da vida, envolvidos em uma infrao penal: vtima e ru. A vtima ganha espao, no
processo, devendo ser intimada de atos do seu interesse, primeira a ser ouvida na audincia.
E o ru, em seu interrogatrio, na primeira parte, revela suas oportunidades sociais e dados
familiares, para posteriormente ser indagado sobre os fatos. As mudanas trazem ao processo
o reconhecimento de quem so os verdadeiros interessados na conduo do procedimento. A
justia restaurativa, como modelo de socializao comunicativa, proporciona a comunicao
simples, tecida horizontalmente entre as partes, onde possvel delinear um processo de
entendimento e de paz social. Representa, sobretudo, um espao de dilogo. A sua aplicao
no prescinde do Estado, uma alternativa ao modelo vigente, fomentando a democracia
dentro das instituies da Justia. Pode ser entendida como um paradigma que busca restaurar
relaes conflituosas, pelo consenso e com a participao voluntria dos verdadeiros
protagonistas (infrator e vtima) envolvendo a comunidade, amparado por uma rede social,
que participa ativamente da construo de resolues de conflitos.
Consideraes finais: A legitimidade do direito positivo deve conseguir, atravs de
um processo racional, apoiar-se no princpio segundo o qual a legitimidade do direito se d
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com o assentimento de todos os possveis envolvidos nos fatos reais do mundo da vida. H
espao, no Direito Penal para o dilogo entre as partes, na busca do consenso entre vtima,
infrator e pessoas da comunidade afetadas pelo crime, na busca de restaurar traumas e perdas
causadas. Esta uma viso do Direito como um todo: todos participando ativamente de um
processo de construo da soluo do conflito. A justia restaurativa pode converter-se em
um momento de integrao social assumindo uma atitude reflexiva capaz de movimentar
discursos pblicos institucionalizados juridicamente e capaz de incluir o povo como
destinatrio e sujeito ativo do processo de interpretao da norma. Atravs dela, almeja-se
encontrar um caminho menos rduo e degradante de aplicao do direito penal, visando,
sobretudo, dar aplicao do direito penal um discurso real, construdo a partir de cada caso
concreto, com possibilidade de dilogo no lugar da imposio pela fora de uma pena. Por
este caminho, quem sabe, alcanaremos verdadeiramente a possibilidade de reinsero do
infrator na sociedade e a to almejada paz social.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:
HABERMAS Jrgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flvio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. vol I e II, 1997.
HABERMAS Jrgen. Verdade e Justificao. Traduo: Milton Camargo Mota. Edies
Loyola, So Paulo, 2004.
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A DESCONSIDERAO DO VOTO NULO COMO AFRONTA DIVISO
IGUALITRIA DO EXERCCIO DO PODER POLTICO NA DEMOCRACIA
Letcia Fonseca Braga Machado12
Palavras-chave: voto nulo; democracia de parceria; partidocracia
O presente trabalho pretende analisar a atual situao legal do voto nulo no cenrio
brasileiro, precisamente no que tange ao Cdigo Eleitoral e interpretao jurisprudencial do
Tribunal Superior Eleitoral, luz da concepo de partnership democracy em Ronald
Dworkin. Procura-se demonstrar que a desconsiderao do voto nulo de protesto, dado no
momento do voto na urna eletrnica, viola a distribuio igualitria do poder poltico e
impede que o sistema poltico brasileiro seja democraticamente legtimo.
De acordo com o entendimento de Dworkin, a concepo de democracia majoritria
no garantia de decises justas, pois a vontade da maioria expressada por meio das eleies
e pelo sufrgio universal no abarca os interesses dos grupos minoritrios. De modo contrrio,
a democracia de parceria considera cada indivduo como um parceiro na coletividade e, por
isso, s se caracteriza como democrtico um sistema que abarque e proteja os interesses de
cada cidado. Para Ronald Dworkin, ateno e respeito mtuo so a essncia da democracia
de parceria, de modo que no devemos tratar o outro ao qual discordamos como um
obstculo, ou at mesmo como um inimigo. O autor desenvolve dois princpios da democracia
de parceria: igual interesse e autogoverno. O primeiro consiste em assegurar que o sistema
poltico trate a todos com igual interesse, ao invs de privilegiar somente um grupo. Isso seria
melhor alcanado por meio do sufrgio igualitrio, garantindo mais que um resultado de
superioridade estatstica mas sim uma maior igualdade na distribuio do poder poltico. J o
segundo princpio diz que a democracia implica o autogoverno. S justificvel a submisso
do cidado autoridade de outros quando ele toma parte nas suas prprias decises,
reconhecendo sua igual importncia e responsabilidade prpria por sua vida, tornando, dessa
forma, o governo democrtico legtimo.
12
Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora
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O atual sistema eleitoral brasileiro considera como nulo os votos dotados de alguma
nulidade e os anulveis. No que se refere s eleies para o executivo, que adotam o sistema
majoritrio, h a previso legal, precisamente no artigo 224 do Cdigo Eleitoral, de que se a
nulidade atingir mais da metade dos votos, restam prejudicados os demais votos, devendo o
Tribunal Eleitoral convocar nova eleio. Portanto, para fins de novas eleies no so
somados os votos nulos de protesto, mostrando-se evidente a ausncia de representao
poltica por parte dos eleitores que deliberadamente anulam o seu voto. Exaltando este
entendimento, a interpretao jurisprudencial presente, por exemplo, no Recurso Especial
Eleitoral 25.937 de 17/08/2006, considera o voto nulo dado na urna eletrnica, seja deliberado
ou decorrente de erro manifestao apoltica do eleitor. Tal interpretao no abre espao
para o eleitor manifestar sua real vontade de no concordncia com os candidatos escolhidos
pelos partidos para concorrerem s eleies em questo.
Considerando que os partidos polticos detm o monoplio do sistema eleitoral, no
existindo representao popular e exerccio do poder estatal sem a intermediao partidria,
observa-se que a democracia representativa no Brasil exercida de cima para baixo, pois a
escolha dos candidatos que disputaro ao pleito se d internamente nos partidos. De modo que
o que prejudica em maior medida a democracia a ausncia de mecanismos institucionais que
possibilitem ao eleitor refutar o rol de candidatos apresentados pelos partidos. Resta ento que
em uma eleio, dentre os candidatos que a disputam, necessariamente um sair vitorioso,
estando a populao obrigada a exercer seu direito de escolha dentro desse rgido quadro de
candidatos.
Os votos nulos de protesto, portanto, no tem o condo de alterar a situao eleitoral,
ficando excludos da diviso do exerccio do poder poltico aqueles que discordam das opes
apresentadas pelos partidos. Desse modo, para que se altere de alguma forma a partidocracia e
que se aproxime mais da democracia de parceria proposta por Dworkin, os votos nulos
deveriam ter relevncia prtica e interferncia real no processo eleitoral. J que a Constituio
Federal postula que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, o sistema eleitoral deveria abranger os votos nulos dados na urna como
real vontade poltica, sendo capazes de refutar o rol de candidatos escolhidos internamente e
apresentados pelos partidos, para que a escolha do representante poltico seja a mais legtima
possvel.
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A relevncia desse tema encontra-se ainda maximizada pelo crescimento da taxa de
votos nulos, bem como pelo alargamento dos movimentos polticos defensores do voto nulo,
muitos dos quais, ao contrrio de uma manifestao apoltica, se mostram como
manifestaes politizadas e engajadas de transformao da realidade poltica eleitoral
brasileira.
Portanto, a atual situao segundo a qual os votos nulos no so vlidos para nenhum
fim, est na contramo da democracia. Retomando o conceito de democracia de parceria
utilizado por Dworkin, no qual as pessoas governam como parceiras no coletivo, a no
considerao do voto nulo de protesto como possuidor de efeitos prticos e reais no pleito,
viola os interesses de parte considervel da comunidade poltica e a distribuio igualitria do
poder poltico, ignorando, consequentemente, a busca de uma democracia legtima e genuna.
A excluso do voto nulo de protesto afasta-se da justia, no possibilitando que todos os
cidados eleitores tenham a mesma influncia sobre as decises que afetaro a eles prprios.
Torna-se emergente uma nova interpretao do artigo 224 do Cdigo Eleitoral, para que se
estabelea uma democracia mais pertinente aos ideais do Estado Democrtico de Direito.
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O DIREITO FUNDAMENTAL AO QUESTIONAMENTO
Cludia Izidoro Sapi13
Palavras-chave: democracia; direitos fundamentais; direito de reunio; liberdade de
pensamento; censura.
Este trabalho tem por objetivo fazer uma anlise crtica sobre a tentativa de proibio
por magistrados de primeira instncia de reunies pblicas que debatem a descriminalizao
de determinadas condutas e a afronta aos direitos fundamentais reunio, liberdade de
expresso, proibio censura.
H no Brasil movimentos com o objetivo de discutir a descriminalizao de algumas
condutas tipificadas no Cdigo Penal, sendo o mais difundido e polmico o denominado
Marcha da Maconha, cujo objetivo suscitar um debate sobre a permisso do uso da
maconha em determinadas condies.
O citado Movimento deparou-se com a posio de alguns magistrados que
enquadravam a conduta de manifestar a opinio a favor da descriminalizao de uma droga
ilcita no tipo penal do artigo 287 do Cdigo Penal, apologia ao crime, e no do artigo 33, 2,
da Lei 11.343/2006 (lei antidrogas), incitao ao uso ilcito de entorpecentes e drogas afins.
A questo foi levada ao STF atravs da ADI 4.274/DF e ADPF 187. No julgamento
da ADI 4274/DF, o Supremo julgou procedente o pedido para dar ao 2 do artigo 33 da Lei
11.343/2006 interpretao conforme a Constituio, para dele excluir qualquer significado
que enseje a proibio de manifestaes e debates pblicos acerca da descriminalizao ou
legalizao do uso de drogas (...).
No tocante ao assunto em pauta, h srias questes sobre os direitos fundamentais
liberdade de reunio, de expresso e proibio da censura, que foram, inclusive, objeto de
anlise pelos Ministros do STF no julgamento da citada ADI. Sem excluir o princpio da
Democracia.
Os Direitos Fundamentais no podem sofrer limitao seno por outro Direito
Fundamental ou por j vir limitado por ele mesmo, atravs de regra sobre como ser operado
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Servidora Pblica do TJMG, graduada em Direito, ps-graduada em Direito Pblico e ps-graduanda em
Direito Pblico pela UFJF. E-mail: [email protected].
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o seu exerccio. No caso em tela, o direito de reunio j traz em seu contedo limitao de
ordem formal, sendo o aviso prvio a autoridade competente e a pacificidade. No h
limitao ao seu contedo, de ordem material.
Histrica e conhecidamente, o Brasil passou por um perodo de ditadura e censura.
Assim, os direitos conquistados liberdade de reunio e expresso devem ser bem
resguardados. Os constituintes de 1988 sabiam bem desse problema, tanto que esses direitos
foram elencados como clusulas ptreas, exigindo o grau mximo de proteo.
Estar elencado no rol das clusulas ptreas d ao direito a garantia de que no haver
sequer tentativa de ser abolido. O problema surge quando a tentativa de abolio no
expressa, mas sim implcita em alguma manobra do Estado, como, por exemplo, dar a lei
determinada interpretao que impea a discusso sobre si prpria.
No cuidar este trabalho de fazer uma anlise mais detalhada sobre o contedo do
artigo 287, do Cdigo Penal, porque no parece que seu contedo uma forma de opresso do
Estado ou de tentativa de abolio ao direito fundamental expresso.
No julgamento da ADI 4274/ DF, bem colocado ficaram as declaraes do Ministro
Celso de Mello: ideias no podem ser temidas e do Ministro Ayres Brito: Nenhuma lei
pode blindar-se contra a discusso de seu prprio contedo.
A Constituio, ao dizer que o Brasil um Estado Democrtico, declarou que um
Estado aberto ao dilogo, a novas ideias, sem preconceitos. A partir do momento que o Estado
sem preconceitos, sem ideias pr-formadas, ele tem que abrir-se a discusses, versando
sobre quaisquer assuntos, inclusive crimes.
Da Teoria da Multifuncionalidade dos Direitos Fundamentais decorrem duas
funes, a de defesa e a prestacional. A de defesa impede que o Estado exera seu poder de
maneira arbitrria, isolando e protegendo o indivduo de suas arbitrariedades. Por esta razo,
inclusive, o Estado tem o dever de permitir que os indivduos explanem opinies sobre a
atividade estatal. Pela funo prestacional, o Estado tem o dever de ouvir e dar uma resposta
satisfatria sobre o questionamento formulado.
No voto da ADI 4274, alguns Ministros levantaram a polmica sobre a abertura do
debate sobre a descriminalizao de crimes mais graves, como a pedofilia (Gilmar Mendes) e
o homicdio (Cezar Peluso).
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H que se criticar a posio dos nobres ministros, pois o que est em xeque no so
os crimes questionados, mas sim a liberdade de expresso, o direito de falar publicamente
sobre um assunto e de se questionar o contedo das leis.
Se um grupo de psiclogos, por exemplo, falar em programa de televiso sobre os
problemas psquicos de um pedfilo e levantar, publicamente, que ele no tem conscincia de
seus atos e defender a descriminalizao da conduta, teria esse grupo cometido crime? Um
estudioso no teria direito de debater teses sobre sua rea de pesquisa por infringir o tipo
penal apologia ao crime?
Em resposta a esta crtica, o Ministro Luiz Fux indicou que no nosso ordenamento h
o princpio da razoabilidade e da proporcionalidade, corroborando a tese de que so princpios
adotados pelo STF, e que no passaria a tese de descriminalizao da pedofilia, homicdio,
estupro e demais crimes graves. Pois ao fazer a anlise, o veramos que mais gravoso para a
sociedade a descriminalizao de tais condutas.
H que ser mencionado tambm o princpio democrtico. Por este princpio o poder
pertence ao povo, cuja vontade tem o direito de ser externada publicamente. O direito de
levantar questionamentos sobre as leis inerente ao princpio democrtico. Se pelo princpio
democrtico o poder pertence ao povo, a sua opinio deve ser levada em considerao.
Em decorrncia desse debate, podemos dizer que h um Direito Fundamental
implcito na Constituio, qual seja, o Direito Fundamental ao Questionamento. Nenhuma lei
pode proibir o indivduo de questionar o contedo dos atos normativos e das demais aes
estatais, atravs de um dilogo aberto e pblico.
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A DURAO RAZOVEL DO PROCESSO NA PRESPECTIVA
INOVADORA DOS DIREITOS HUMANOS
Las Santana da Rocha Salvetti Teixeira 14
Direitos humanos; durao temporal; processo; razoabilidade.
O contedo e alcance dos direitos humanos variam conforme os tempos. Com efeito, a
incorporao de cada direito no complexo de direitos humanos positivados decorre dos
anseios de determinada poca. Da dizer-se que os direitos humanos so dinmicos,
gradativamente includos no ordenamento jurdico, tal qual ocorreu com a positivao da
durao razovel do processo. Realmente, a expanso dos direitos humanos deriva da
necessidade de tutelar a realidade vivida pelas pessoas e deita razes na histria. Afinal, o
direito lastreado em fatos sociais e se prope a (co) ordenar a vida em sociedade, mediante
normas jurdicas, atribuindo regramento s condutas humanas e relaes protagonizadas pelas
pessoas. O processo, analisado como instrumento da tutela de direitos, est diretamente
relacionado concepo da prestao jurisdicional em limites temporais adequados, haja
vista que a excessiva durao do processo, muitas vezes, implica perecimento do direito da
parte e a deteco de uma Justia inacessvel. Por isso, atribui-se fora criativa aos momentos
histricos e aos anseios sociais, de forma que as novas demandas faam surgir inovaes na
ordem jurdica, pois a incluso de determinado direito no rol de tutela e incidncia de Textos
normativos, nacionais ou internacionais, evita prticas abusivas e temerrias sob pretexto de
ausncia de positivao. Neste sentido, a normatizao da durao razovel do processo
decorre do processo de dinamogenesis dos direitos humanos, da sua capacidade criadora. Esta
inovao pode vir baila porque os direitos humanos no compem rol de natureza taxativa;
vale dizer, existe clusula aberta inovao, permitindo-se que novos direitos surjam e
ampliem o espectro de positivao jurdica. A insero da durao razovel do processo na
14
Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade Nove de Julho Uninove/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damsio de Jesus FDDJ/SP. Possui Extenso Universitria em Introduo ao Direito Italiano pela Universit di Camerino Marche, Itlia. Professora de Direito e Legislao no Centro Paula Souza ETEC Rocha Mendes/ SP. E-mail: [email protected].
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Constituio da Repblica resultado desta carga dinmica dos direitos humanos, que no
barram a possibilidade de tutelar os problemas oriundos da realidade contempornea. A
demora excessiva na tramitao dos processos abriu espao para que houvesse clamor social
pugnando por sua celeridade. Considerando que o Poder Judicirio integra a Administrao
Pblica, a ele tambm se impe a observncia da eficincia, nos termos do artigo 37, caput,
da Constituio da Repblica. A resoluo de litgios com segurana e qualidade no pode ser
incompatvel com a rapidez o tempo de entrega da prestao jurisdicional. A Justia que tarda
falha; e falha porque tarda em prestar a tutela jurisdicional extemporaneamente. Desde que o
Estado avocou para si a tarefa de solucionar as lides, retirando o particular a possibilidade de
fazer justia com as prprias mos, responsabilizou-se por exercer a atividade jurisdicional
como forma de pacificar a sociedade, eliminando os conflitos de interesse submetidos
apreciao do Poder Judicirio. Ocorre que o desenrolar temporal das aes sem
previsibilidade quanto ao seu encerramento gera estado de permanncia da tenso social,
instabilidade esta que a atuao efetiva da atividade jurisdicional pretende coibir, eis que a
pacificao social apontada como um dos escopos do processo. A distribuio de novos
processos e a no-extino daqueles que esto em curso demonstra o descompasso entre os
elevados nmeros de entradas e permanncias de lides pendentes em relao aos nmeros de
baixas. A este desequilbrio foi atribudo a designao estoque, para representar a quantidade
represada de processos que ainda no foram extintos. O direito de acesso ao Poder Judicirio,
constitucionalizado pelo artigo 5, inciso XXV, no pode ser obstado por lei. Porm, a intensa
procura pela atividade jurisdicional acaba por tornar inacessvel o rgo incumbido de prest-
la. A expressiva quantidade do estoque de processos compromete os nveis de eficincia
operacional do Poder Judicirio porque os seus ndices concretos de oferta (de pessoal e infra-
estrutura, por exemplo) no so proporcionais os ndices de procura por este servio pblico.
Como uma situao cclica, a desigualdade na relao de oferta e procura responsvel pelo
congestionamento forense, cujas taxas repercutem na morosidade da Justia. Diante deste
quadro, originou-se a necessidade de tutela do aspecto temporal do processo, donde veio a
surgir o inciso LXXVIII, do artigo 5, da Constituio da Repblica, evidenciando a natureza
inovadora e dinmica dos direitos humanos. E, para que a enunciada garantia de razovel
durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao no seja letra
morta, impe-se a compatibilizao da inafastabilidade da jurisdio e com a razoabilidade
temporal de seu instrumento de operao. Desta forma, a reduo da morosidade aumentaria a
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eficincia permitiria o alcance da propalada funo social de pacificao do processo.
Ademais, o acesso substancial ao Poder Judicirio e a soluo dos conflitos em um prazo
razovel viabilizariam a concreo da carga dinmica dos direitos humanos estampada na
tutela jurisdicional adequada (porque eficiente), contribuindo para o fortalecimento do Estado
Democrtico de Direito contemporneo.
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O STF, A SOCIEDADE E A PLURALIDADE DE INTRPRETES DO TEXTO
CONSTITUCIONAL: AMPLIAO DE DIREITOS OU JUDICIALIZAO DA
POLTICA?
Claudio Abel Franco de Assis15
Palavras-chave: STF; interpretao constitucional; direitos; judicializao da poltica.
O Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado nos tempos recentes em vista do
interesse cada vez mais intenso da sociedade nos casos em que ele atua como ltima instncia
do direito brasileiro. Por certo que, de um modo bastante rotineiro, as decises da Suprema
Corte acabam por incidir diretamente na vida do cidado comum, obtendo assim um relevante
chamariz para, at mesmo, alm do mundo jurdico. Verifica-se que a mdia exitosamente
noticia, ao vivo, como se fosse mesmo uma espcie de placar do Tribunal, e, dependendo
do caso, o resultado acompanhado a cada momento, sendo mesmo voto a voto, por milhares
de brasileiros, talvez com a singular esperana em mente de que a Magna Corte seja capaz de
efetivar as expectativas e possibilidades encontradas no texto constitucional. Em outro
sentido, h que se ponderar que existem diversos fatores, tais como a amplitude da carta
constitucional brasileira e, bem como, as lacunas perpetradas pelos outros poderes no
atendimento a ordem, ao mandamento constitucional, que, sem nenhuma dvida, acabam por
possibilitar que variadas questes de cunho no apenas jurdico sejam postas livre e
imperiosa anlise do Supremo, o que implica, claramente, que o mesmo venha a lanar mo
do conhecimento de especialistas, de pessoas alm do mundo do direito, para que possa obter
maior grau de certeza em suas decises.
Interessante observar que so aqueles ditos hard cases que denotam com mais
evidncia o interesse da sociedade, de uma forma tal que eles deixam de ser discutidos
somente no auditrio qualificado, que seria o Plenrio do Pretrio Excelso, para se imiscuir
mesmo nos acalorados debates urbanos, os quais se poderia chamar de auditrio universal,
onde o povo discute qual seria a melhor deciso. Entretanto, ao contrrio das instncias
15
Advogado. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Jnior. Servidor Pblico Federal da
UFJF. Ps-Graduando em Direito Pblico Contemporneo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ps-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito Damsio de Jesus. email:
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decisrias de per si, como o Parlamento, o Poder Judicirio significativamente marcado
por ser fechado hermeticamente, por ser blindado no que tange influncia da sociedade.
Isso, pelo que se verifica na abalizada doutrina constitucional ptria, um mecanismo
necessrio para obstar a opresso das maiorias em relao s minorias, sobretudo mediante a
supresso de direitos fundamentais, negados aos que no conseguem se fazer representar.
Isto posto, imperiosa a constatao de que a interpretao constitucional, conforme
colaciona o ilustre Peter Hberle (2002), deve abranger no apenas os intrpretes jurdicos e
participantes formais do processo constitucional, mas todo aquele que vive a norma. Nesse
sentido, devem existir meios de ao, formas de se fazer com que argumentos colacionados
por outros atores do meio social tambm possam ser apreciados pelo Tribunal Supremo. Ao
processo hermenutico, acompanhando o douto ensino de Ronald Dworkin (2010), esto
vinculados, de uma forma potencial, todos os rgos estatais e as potncias pblicas,
abrangendo os cidados e tambm os grupos, no sendo possvel precisar um elenco cerrado
ou fixado de intrpretes da Constituio. Assim a interpretao da norma constitucional no
pode ser considerada prerrogativa exclusiva do Estado, como aponta Hberle, pois deve
abarcar uma mirade de participantes capazes de ampliar as possibilidades de interpretao do
texto constitucional.
O grande fato que a ampliao do papel institucional do Poder Judicirio,
especificamente e com mais relevo, do Supremo Tribunal Federal, no sistema de tripartio de
poderes do Estado brasileiro, advindo da Magna Carta de 1988, parece aumentar a tenso
existente entre o Constitucionalismo e a Democracia. Isto se d, pois o diagrama institucional
fundado na Constituio brasileira, fortemente insculpida em princpios, possibilita a que
praticamente quaisquer demandas possam subir a anlise do STF, gerando o famoso conceito
a que a doutrina alcunha de judicializao da poltica. Como conseqncia, o Supremo
passou a ser provocado para se manifestar sobre uma infinidade de temas, sejam questes
polticas, econmicas, sociais, dentre muitas outras, as quais extrapolam bastante os ditos
limites clssicos da juridicidade. Pelo que a questo que se coloca em discusso justamente
a seguinte: ser que a sociedade est em uma progressiva e importante ampliao de direitos,
tal como notadamente demarcado em uma era recente da histria atual, a dita era dos
direitos, como bem asseverou Bobbio (1992) em sua obra, ou ser que a mesma se encontra
em termos de dar contornos jurdicos alm do que se deveria, judicializando as mais variadas
questes e deitando seu controle a vrios aspectos da vida em grupo?
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Assim e afinal, se observa que a atuao da Corte Suprema brasileira em questes que
no so apenas jurdicas, tangencia a esfera de atuao dos demais Poderes, recebendo crticas
diversas, quanto legitimidade e, bem como, aos limites de atuao da jurisdio
constitucional. Como resposta a essa indagao, de certa maneira o STF tem utilizado
claramente as Teorias da Representao Argumentativa do emrito Robert Alexy (2008) e,
como no poderia deixar de ser, da Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio, de Peter
Hberle (2002). Ainda nessa teia profcua, se encontram as audincias pblicas, que parecem
se arvorar como uma atraente promessa de alternativa institucional para os dilemas e para os
impasses da jurisdio constitucional.
BIBLIOGRAFIA
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Lus Afonso Heck. 2 ed. revista.
Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2008.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
HBERLE, Peter. Hermenutica constitucional. A sociedade aberta dos intrpretes da
constituio: a contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio.
Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, 4 Reimpresso, Traduo de Carlos Nelson
Coutinho, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992.
VIANNA, Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manual Palcios
Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A judicializao da poltica e das relaes sociais no
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
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O DOGMA DA PRESUNO ABSOLUTA DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS ORIGINRIAS: UM OBSTCULO A SER REMOVIDO PARA A AMPLIAO DO
ESPECTRO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Denis Soares Frana16
Reforma constitucional; limites; direitos humanos; ampliao.
A evoluo dos direitos humanos no mbito de uma sociedade costuma ser fruto de
rduas e lentas conquistas, tanto no aspecto de sua adoo quanto no de sua concretizao.
Busca-se a preservao dos valores conquistados com a positivao de tais direitos, que para
muitos passam, ento, a ser chamados de direitos fundamentais.
O trabalho de positivao dos Direitos Humanos hoje escudado pelo
neoconstitucionalismo, cuja abertura axiolgica tem o condo de maximizar a proteo
ofertada dignidade da pessoa humana e de servir como filtro impeditivo do retrocesso das
conquistas auferidas. Sob o influxo dos modernos princpios de interpretao constitucional,
labora a doutrina na sedimentao e ampliao dos direitos e garantias fundamentais.
Nesse paradigma, e observando-se o caso brasileiro, dois dispositivos da nossa
Constituio merecem destaque. O primeiro revela a preocupao com a ampliao do rol de
direitos fundamentais (CRFB/88, art. 5, 2: Os direitos e garantias expressos nesta
Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.). E o
segundo traduz a impossibilidade de alterao, com reduo de contedo, das normas que
veiculam direitos e garantias individuais (CRFB/88, art. 60, 4, IV: "No ser objeto de
deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias
individuais").
H, porm, na tradio jurdica brasileira, um dogma bastante enraizado, cuja base
jurisprudencial a deciso tomada pelo Supremo Tribunal Federal na Ao Direta de
Inconstitucionalidade n 815/DF. Nela, manifestou-se a Corte Suprema no sentido de que a
tese de que h hierarquia entre normas constitucionais originrias, dando azo declarao
16
Bacharel em Direito e Especialista em Cincias Criminais pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Professor Temporrio do Departamento de Direito Pblico da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cursa especializao em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho.
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de inconstitucionalidade de umas em face de outras, incompossvel com o sistema de
Constituio rgida.
Tal manifestao, calcada na ilimitao do Poder Constituinte Originrio, busca
refutar a doutrina do alemo Otto Bachof, que props, aps a II Guerra Mundial, ser funo
da jurisdio constitucional repelir contedos ofensivos aos direitos humanos j conquistados,
ainda que tais contedos fossem veiculados nas Constituies por procedimento hgido. A
tese do estudioso alemo foi repelida em razo do entendimento de que no poderia competir
a um Poder constitudo o Judicirio controlar o Poder Constituinte.
Cabe, entretanto, pensar a tese da presuno absoluta de constitucionalidade em
termos. Se, por um lado, seria descabido o controle posterior do Constituinte, que
juridicamente ilimitado, por outro lado no se pode esposar essa tese se ela vier a ferir a
teleologia da prpria Constituio, criando obstculos concretizao de seu escopo. Afinal,
nossa Carta Magna no s positivou valioso rol de direitos, como tambm erigiu mecanismos
para ampliao paulatina desse rol. E a inovao trazida pela Emenda Constitucional n 45,
permissiva de que Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos se equiparem a normas
constitucionais, escancara a possibilidade de surgimento de outra natureza de conflit