a arithmetica progressiva de antonio trajano e a inserção
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A Arithmetica Progressiva de Antonio Trajano e a inserção de elementos da história da matemática
Ana Catarina Cantoni Roque1
Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG
Maria Laura Magalhães Gomes2
Universidade Federal de Minas Gerais –UFMG
Resumo: Este artigo apresenta uma análise do livro Arithmetica Progressiva, de Antonio Trajano,
quanto à presença de aspectos históricos da matemática. Foi usado um exemplar da 64ª edição, de
1929. Inicialmente, o texto focaliza o autor e sua produção didática, bem como a divulgação e o uso
dessa produção no ensino brasileiro. Em relação à Arithmetica Progressiva, abordam-se os
diferentes contextos históricos em que a obra circulou, do final do século XIX até a primeira metade
do século XX. A análise da edição analisada contempla, além da presença da história da
matemática, as características físicas e textuais mais gerais. Os excertos considerados históricos
podem ser classificados, de modo geral em dois tipos: apresentação de informações históricas de
forma direta e proposição de problemas históricos.
Palavras-chave: Arithmetica Progressiva; Antonio Trajano; história da matemática.
Antonio Trajano’s Arithmetica Progressiva and the insertion of elements of history of
mathematics
Abstract: This article presents an analysis of Arithmetica Progressiva, a book by Antonio Trajano,
regarding the presence of historical aspects of mathematics. A copy of the 64th
edition of 1929 was
used. Initially, the text focuses on the author and his didactic production, as well as the
dissemination and use of this production in Brazilian education. The different historical contexts in
which Arithmetica Progressiva circulated, from the end of the 19th century until the first half of the
20th century, are discussed, as well as the general physical and textual characteristics of the selected
edition. Excerpts of the book concerning the presence of history of mathematics can be classified in
two types: the presentation of direct historical information and the proposition of historical
problems.
Keywords: Arithmetica Progressiva; Antonio Trajano; History of Mathematics.
Introdução
De acordo com Miguel e Miorim (2004), oficialmente, as preocupações com a introdução de
elementos históricos na Matemática escolar brasileira apareceram de maneira explícita, talvez pela
1 Mestre em Educação. Docente da área de Matemática do Instituto Federal de Minas Gerais campus de Governador
Valadares. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMG. [email protected]
2 Doutora em Educação. Docente do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFMG. [email protected]
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primeira vez, na legislação da década de 1930, mais especificamente na Reforma Francisco
Campos, consolidada em 1932. No que diz respeito ao ensino secundário, essa reforma propunha,
por meio da Portaria Ministerial de 30 de junho de 1931, que o curso fosse entremeado de ligeiras
alusões a problemas clássicos e curiosos e aos fatos da história da matemática, bem como às
biografias de grandes vultos dessa ciência, com o objetivo de aumentar o interesse do aluno (Idem).
Nessa época, autores de livros didáticos, como Cecil Thiré, Melo e Souza e Euclides Roxo,
que assumiram as orientações dessa reforma, incorporaram, em suas obras, elementos de história da
matemática. No entanto, no Brasil, tais preocupações estiveram presentes antes disso, em livros
didáticos de matemática mais antigos, por meio de observações e comentários sobre temas ou
personagens da história da matemática, particularmente no final do século XIX e início do século
XX (MIGUEL; MIORIM, 2004).
Um desses livros é Arithmetica Progressiva, escrito por Antonio Trajano. Neste artigo,
apresentamos nossa análise quanto à presença de aspectos históricos da matemática nessa obra, da
qual estudamos a 64ª edição, publicada no Rio de Janeiro em 1929 pela Livraria Francisco Alves.
Acreditamos que essa análise pode trazer contribuições para compreensões acerca de aspectos da
educação matemática que se colocam no presente, pois, segundo Viñao Frago (2012), todos os
aspectos da história das disciplinas concernem, em maior ou menor medida, à dos livros-texto.
Ainda segundo esse autor, a história de uma disciplina não se reduz à dos manuais utilizados em seu
ensino, mas não é possível fazer a história de uma disciplina sem analisar a história de seus livros-
texto e de outros materiais didáticos.
Antes, porém, de passarmos a expor nossa análise acerca da presença da história da
matemática no livro-texto em foco, faremos uma discussão geral sobre ele. Como diz Darnton
(1995, p.112), “... as partes não adquirem seu significado completo enquanto não são relacionadas
com o todo...”. Para a elaboração de tal discussão, baseamo-nos nos estudos de Chartier (1990),
Darnton (1995), Batista (2004) e Galvão e Batista (2009).
Cabe observar que, segundo Batista (2004), até meados do século XX, os impressos
escolares foram denominados manuais escolares, compêndios, livros-texto, livros. O livro que
focalizamos é chamado por sua editora de compêndio, mas nós nos referiremos a ele como livro
didático ou simplesmente livro.
Antonio Trajano e sua produção didática
O livro Arithmetica Progressiva faz parte de uma trilogia sobre aritmética escrita por
Antonio Bandeira Trajano nas décadas finais do século XIX. Além dele, integram essa trilogia os
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livros Arithmetica Primaria e Arithmetica Elementar Illustrada. Dentre os três, o primeiro a ser
publicado – em 8 de fevereiro de 1879 – foi Arithmetica Progressiva, obra destinada aos alunos de
escolas de ensino secundário e superior. Naquele mesmo ano, também foi publicada a Arithmetica
Elementar Illustrada, produzida para as classes mais adiantadas das escolas primárias.
Posteriormente, por volta das décadas de 80 e 90 dos Oitocentos, a partir da composição dos dois
livros anteriores, foi produzida a Arithmetica Primaria, preparada para meninos e meninas que
começariam o estudo de aritmética nas escolas primárias (OLIVEIRA, 2013).
Seu autor, Antonio Bandeira Trajano, é português, nascido na Vila Pouca de Aguiar, em 30
de agosto de 1843. Em 1857, aos 14 anos de idade, mudou-se para o Brasil, naturalizando-se
brasileiro naquele mesmo ano. Faleceu aos 87 anos, no Rio de Janeiro, em 23 de dezembro de 1921.
Trajano era protestante e foi um dos membros fundadores da Igreja Presbiteriana de São Paulo,
organizada em 1865. No ano de 1867, ingressou no seminário, no Rio de Janeiro, para se tornar
pastor. Foi como seminarista que teve suas primeiras experiências como professor, ensinando
geografia e aritmética na escola paroquial anexa à igreja, entre 1867 e 1870 (MATOS, 2004). Após
ser ordenado, Trajano passou a dedicar-se ao pastorado, mas, em 1877, após o falecimento de sua
filha Guiomar, em agosto, foi lecionar aritmética em São Paulo, na Escola Americana3, até outubro
de 1880.
Na Escola Americana, Trajano foi orientado pela professora Mary Parker Dascomb, que foi
uma missionária enviada ao Brasil pela Junta de Missões Estrangeiras de Nova York, da Igreja
Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos. Mary Parker, assim como outros professores,
missionários presbiterianos norte-americanos, já utilizava o método intuitivo4 de ensino trazido de
suas experiências nas escolas dos Estados Unidos (OLIVEIRA, 2013). Segundo Carvalho (2011),
esses docentes e missionários foram, em grande parte, responsáveis pela entrada do método
3 A Escola Americana foi fundada em 1870, pelo casal de missionários norte-americanos George Whitehill
Chamberlain e Mary Ann Annesley Chamberlain, e teve suas atividades iniciadas na residência do casal, onde Mary
Ann passou a dar aulas para meninas que não podiam frequentar as escolas públicas devido à intolerância religiosa. Em
1871, a escola foi transferida para as instalações da Igreja Presbiteriana de São Paulo, sob a direção da missionária
Mary P. Dascomb que, além de diretora, também lecionava matemática. Posteriormente, a Escola Americana passou a
contar também com um internato para meninas, um internato para meninos e um jardim de infância (MATOS, 2004).
4 Também conhecido como “lições de coisas”, em meados do século XIX, o método intuitivo foi concebido como
estratégia de combate ao ensino escolar então dominante, que se mostrava ineficiente e inadequado às necessidades da
sociedade após a revolução industrial operada a partir do final do Setecentos (SAVIANI, 2007), “principalmente pelo
fato de alicerçar a aprendizagem exclusivamente na memória, priorizar a abstração, valorizar a repetição em detrimento
da compreensão e impor conteúdos sem exame e discussão” (VALDEMARIN, 2006, p. 90). Em contraposição a tais
práticas, os defensores do método intuitivo argumentavam em favor da observação de fatos e objetos pelos estudantes,
envolvidos em situações de aprendizagem em que o conhecimento não seria simplesmente transmitido e guardado de
cor, mas surgiria no entendimento da criança a partir do instrumento proporcionado pela experiência dos sentidos.
O método intuitivo foi amplamente disseminado no Brasil no final do século XIX e início do XX, proposto como um
processo geral de ensino de todos os conteúdos a serem trabalhados com as crianças da escola primária.
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intuitivo no Brasil. Assim, foi a convivência com esses professores que propiciou a Antonio Trajano
seu primeiro contato com o método. E foi com base no método intuitivo e na grande necessidade de
livros didáticos, percebida em suas experiências na escola paroquial e na Escola Americana, que
Trajano produziu suas primeiras obras para o ensino de aritmética (OLIVEIRA, 2013).
Além da trilogia de aritmética, Trajano também é autor dos seguintes livros: Álgebra
Elementar, Álgebra Superior, Chave da Arithmetica Progressiva, Chave da Álgebra, Nova Chave
da Arithmetica Progressiva, Nova Chave da Álgebra, Estudos da Língua Vernácula, todos
publicados no Brasil entre as décadas de 1870 e 1960 .
A Arithmetica Progressiva de Trajano
O livro Arithmetica Progressiva atingiu a 91ª edição em 1961, quarenta anos após a morte
de seu autor. O exemplar que estudamos tem capa dura, 272 páginas, e as seguintes dimensões: 19,5
cm de comprimento, 14,5 cm de largura e 1,5 cm de espessura. Esse exemplar apresenta, na folha
em branco que se localiza entre a capa e a folha de rosto, a assinatura da proprietária anterior,
Eurydice V. Albertin, e um carimbo da Livraria Colombo, de Recife.
Figura 1 – Foto da capa do livro Arithmetica Progressiva
Fonte: Trajano, 1929.
Na capa do livro (Figura 1), nota-se imediatamente o uso de uma variedade de fontes:
sublinhado, negrito, caixa alta. Há, também, a imagem de uma locomotiva, em uma ferrovia, ao pôr
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do sol, que talvez possa ser associada à ideia de progresso e faça referência ao adjetivo
“progressiva”5.
As diferenciações tipográficas estão presentes ao longo de toda a obra, na qual observam-se
negritos, caixa alta, itálicos, letras de tamanho menor para notas, observações. O uso de negritos,
por exemplo, é feito no início das seções, mas também para destacar algum termo ou expressão no
meio do texto.
A capa do livro informa sua edição pela Livraria Francisco Alves. Segundo Moniz (2009),
trata-se da editora mais antiga em funcionamento no país, excetuando-se a Impressão Régia do Rio
de Janeiro, hoje Imprensa Nacional. Fundada pelo imigrante português Nicolau Antônio Alves, com
o nome de Livraria Clássica6 e inaugurada em 1854, suas edições começaram a aparecer em 1862.
A obra Expozição do systema métrico decimal, do Prof. J. R. F. Jordão (João Rodrigues da Fonseca
Jordão), foi a primeira, com uma tiragem inicial de 4.000 (quatro mil) exemplares.
Ainda de acordo com Moniz (2009), a editora, desde sua criação, era voltada especialmente
para o nascente público escolar da Corte e logo se tornou uma livraria-editora de livros didáticos.
“Começou modestamente e veio a tornar-se a maior livraria-editora do país – durante cerca de 50
anos – nas últimas décadas do século XIX” (Idem, p. VII).
Na primeira página do livro, além do título, do nome do autor e da editora, constam o
número da edição, o ano de publicação e a indicação: “Preparado para a mocidade brazileira por
Antonio Trajano”. A primeira página faz referência a outras cinco obras do mesmo autor7 e, logo a
seguir, são apresentadas as “Apreciações”, que são quatro notas de jornais sobre as duas primeiras
edições do livro. Três delas são datadas de 1880 e a quarta não inclui data nem o nome do jornal de
onde foi extraída. Ao final das “Apreciações”, é dito que, por falta de espaço, são omitidas muitas
outras “apreciações honrosas”. De fato, verificamos que o jornal Correio Paulistano, em 24 de abril
de 18808, trouxe uma nota com seis apreciações dessa obra publicadas em outros jornais
9. Duas
5 O uso do adjetivo parece remeter ao significado de “gradual” ou “gradativo”, do mais simples para o mais complexo.
Entretanto, o livro não apresenta uma justificativa para seu título.
6 Teve, posteriormente, o nome de Livraria Alves e, por fim, o de Livraria Francisco Alves.
7 Essas obras são: Arithmetica Primaria, Arithmetica Elementar, Algebra Elementar, Nova Chave da Arithmetica
Progressiva e Nova Chave da Algebra Elementar e estão anunciadas na contracapa do livro, inclusive com a
informação relativa a seu preço.
8 O jornal Correio Paulistano está disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em <
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=090972_04&pasta=ano%20188&pesq=trajano> Acesso em 11
out. 2016.
9 Esses jornais são: 1- Jornal do Commercio, de 20 de fevereiro; 2- O Apostolo, de 16 de Janeiro; 3- Correio
Commercial, de 21 de janeiro; 4- Cruzeiro, de 13 de janeiro; 5- Futuro, de 31 de janeiro; 6- Gazeta Popular, de 31 de
março, todos do ano de 1880.
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delas são as mesmas transcritas no livro. A nota do Correio Paulistano também aparece no Jornal
da Tarde de 8 de abril de 188010
.
Após as “Apreciações”, nas duas páginas seguintes figuram dois prefácios, o da segunda e o
da trigésima edições. No prefácio da segunda edição, o próprio Trajano tece comentários sobre
como se dava o ensino de aritmética no Brasil e sobre as mudanças que vinham ocorrendo nesse
ensino, chamando a atenção para a necessidade dele ser completo, isto é, simultaneamente teórico e
prático. Nesse contexto, apresenta sua obra, que diz atender a essa necessidade:
O nosso compendio de Arithmetica Progressiva apresenta a parte theorica de cada
ponto acompanhada de exercícios e problemas graduados para o ensino da
aplicação, e deste modo os alumnos poderão exercitar-se com grande vantagem na
theoria e na pratica, podendo depois resolver com destreza qualquer questão de
Arithmetica11
(TRAJANO, 1929, p. 4).
No prefácio da trigésima edição, que não tem autoria indicada, são comentadas as mudanças
pelas quais a obra passou para dar origem a essa edição. Desse prefácio, destacamos o seguinte
trecho:
Além dos melhoramentos no methodo e na exposição, este livro vem ainda
enriquecido de materia nova e importante, de problemas instructivos e de notas e
illustrações explicativas que não somente desenvolverão o gosto pelo estudo de
Arithmetica, tirando-lhe toda a agrura da fôrma sombria com que tem sido revestida,
mas simplificarão consideravelmente os diversos processos dos calculos, tornando-
os faceis e de prompta solução (TRAJANO, 1929, p. 5).
Como não há comentários sobre outra edição entre a segunda e a trigésima, e nem depois da
trigésima, é plausível que não tenha havido alterações na obra da primeira até a 29ª edição e
tampouco nas edições que sucederam a trigésima até a 64ª edição, a analisada por nós.12
Ainda na
quinta página, em que consta o prefácio da trigésima edição, há uma propaganda do livro Nova
Chave de Arithmetica Progressiva, que, conforme indicado nela, veio substituir o livro Chave de
Arithmetica Progressiva. De acordo com as informações da contracapa da 68ª edição de 1935
(TRAJANO, 1935), podemos depreender que o livro Nova Chave de Arithmetica Progressiva trazia
a solução completa de todos os problemas do livro Arithmetica Progressiva. Com esses livros
10
O Jornal da Tarde está disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=713120&pesq=antonio%20trajano&pasta=ano%20188>. Acesso
em 11 out. 2016.
11 A transcrição de todos os excertos da obra de Trajano aqui realizada reproduz sua ortografia original. O mesmo
procedimento foi adotado nas citações de publicações relacionadas à Arithmetica Progressiva.
12 Se compararmos as edições 64ª (TRAJANO, 1929) com a 68ª (TRAJANO, 1935), veremos que elas são idênticas. Tal
constatação nos mostra que várias edições da obra eram, na realidade, apenas reimpressões de edições anteriores.
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denominados “Chave”, Trajano foi considerado por Valente (1999) o introdutor, no ensino de
matemática no Brasil, do livro do professor.
Em relação à circulação da obra, observamos que, de 1879 até 1929, a média anual de
publicação das edições foi aproximadamente 1,25. Isso significa que, entre 1879 e 1929, em alguns
anos houve a publicação de mais de uma edição do livro, o que nos dá um indício de que a obra foi
bem aceita. Além disso, anúncios de venda dessa obra podem ser encontrados em jornais de
diferentes estados. Uma busca na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional entre os anos de 1880
e 1890 atesta a presença de anúncios de vendas desse livro em jornais dos estados do Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Maranhão e Piauí. A título de exemplo, citamos
uma nota localizada na página três do jornal Imprensa, publicado em Teresina, no dia 20 de março
de 1886.
Acha-se a venda em casa dos srs Manoel Raimundo da Paz & compª a
arithmetica progressiva, curso completo, thoerico e pratico, preparado para uzo da
mocidade brazileira por Antonio Trajano, 4$000 reis cada volume, assim como em
brochura a 1$000 reis a arithmetica elementar do mesmo autor para uzo das escolas
primárias.
Estas arithmeticas estão approvadas pela congregação do lyceo d’esta
capital; e tem tido muita acceitação na Corte e em quasi todas as outras provincias
do Imperio13
.
Na Hemeroteca, localizamos, ainda, artigos da década de 1930, que informam que o livro foi
adotado em escolas de Alagoas e Goiás14
.
Já no jornal A União, publicado na cidade de Ouro Preto-MG, em 27 de julho de 1887, sob o
título “Secretaria do Governo”, em uma lista de atos do governo provincial de Minas Gerais
intitulada “Extracto do Expediente de maio de 1887”, noticia-se ter se mandado adotar o livro
Arithmetica Progressiva nas escolas daquela província15
. Outra aparição interessante desse livro nos
jornais, agora na década de 1930, se deu no suplemento do jornal Correio da Manhã, de 19 de
junho de 1938, no qual ele é citado em uma crônica escrita por Antonio Maia Bulhões, intitulada
13
Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=783765&pesq=antonio%20trajano&pasta=ano%20188 > .
Acesso em 11 de out. 2016.
14 Essas informações foram encontradas em artigos disponíveis nos jornais A Voz do Povo e Diário da Manhã, nos
seguintes endereços: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=763454&pesq=arithmetica%20progressiva&pasta=ano%20193>
e ,
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=572748&pesq=arithmetica%20progressiva&pasta=ano%20193>
15 Jornal A União. Disponível em <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=714640&pesq=antonio%20trajano&pasta=ano%20188> Acesso
em 11 de out. 2016.
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“Sciencia e Nobreza”16
. No jornal Diário de Notícias, publicado no Rio de Janeiro em 18 de
novembro de 1931, localizamos um artigo no qual seu autor, ao tratar do pagamento de impostos
por vendedores de aguardente, usada no preparo de tintas, recomenda aos leitores que consultem a
página 124 do livro Arithmetica Progressiva para esclarecerem o valor da canada, que é uma
medida de volume. Examinando o livro, encontramos, na página indicada, a informação de que 1
canada vale 21,66 litros. Essas diferentes citações em jornais, em matérias de diferentes tipos, nos
possibilitam afirmar que o livro de Antonio Trajano teve uma ampla circulação no país, e de
maneira especial nos estados que hoje compõem a região sudeste. Essa afirmação está de acordo
com a observação de Valente (1999) segundo a qual os livros de Trajano foram verdadeiros best
sellers, e com os comentários de Botelho (2012) sobre o ensino secundário, nas décadas de 1930 e
1940, em São Paulo:
Um livro que pela sua praticidade começou a se impor foi o Aritmética
Progressiva, de Antonio Trajano. De um início de fogo que vira um incêndio
incontrolável, esse livro passou a ser a “bíblia” do profissional não doutor. Todas
as papelarias e as poucas livrarias de então o possuíam, as escolas de comércio e
cursos livres o adotam. [...]
Quem quisesse ou fosse obrigado a procurar emprego no comércio ou em bancos
tinha que ter e estudar no Aritmética Progressiva de Antonio Trajano, um livro
sagrado (BOTELHO, 2012, p. 122).
Corroborando nossas observações, Matos (2004) escreve que os livros de Trajano foram
utilizados por muitos anos em escolas de todo o Brasil. O autor acrescenta que, devido à sua grande
aceitação, os livros didáticos forneceram a seu autor amplos recursos de subsistência.
O livro é estruturado em 35 partes, algumas delas com subdivisões. Essas 35 partes são
assim denominadas: Algarismos, Definições, Numeração, Signaes arithmeticos, Operações
fundamentaes, Reducção á unidade, Igualdade e desigualdade, Complementos dos números,
Theoria dos números, Fracções ordinárias, Fracções decimaes, Sistema métrico, Números
complexos17
, Razão, Regra de três, Falsa posição, Porcentagem, Juros, Sociedade commercial,
Commissões, Desconto, Termo médio, Prazo médio, Mistura, Liga, Permutação, Cambio, Analyse,
Potencias, Extracção de raízes, Progressões, Logarithmos, Medição, Peso especifico, Quadrados
Magicos.
16
Jornal Correio da Manhã. Disponível em : <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_04&pesq=arithmetica%20progressiva&pasta=ano%201
93> . Acesso em 21 de out. 2016.
17 O que o autor chama de números complexos são números expressos em unidades e subunidades, como, por exemplo,
6 anos e 4 meses.
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Percebemos que, embora o livro trate de aritmética, a parte denominada Medição traz
noções básicas de geometria plana. De acordo com Valente (1999, p. 165), a abordagem desse tema
pode estar relacionada ao uso do livro nas escolas normais, que propunham, no currículo de
formação dos professores primários, a inclusão de noções de geometria.
O livro traz ilustrações em número reduzido, que aparecem em maior quantidade na parte
denominada “Medição”, na qual são apresentados conceitos como linhas, ângulos, triângulos,
quadriláteros, polígonos, e focalizadas as grandezas geométricas comprimento, área e volume.
Assim, até a página 112, encontram-se apenas cinco imagens, todas elas com desenhos de maçãs,
associadas às ideias de divisão e de frações. As demais ilustrações representam objetos relacionados
ao conteúdo abordado, como moedas de diferentes países, termômetro, balança, régua, o globo,
entre outras. Na parte denominada “Medição” desenhos de diferentes tipos de linhas, ângulos,
polígonos e sólidos geométricos são utilizados na apresentação dos conceitos trabalhados.
Os exercícios estão distribuídos ao longo de toda a obra e são muito numerosos. A capa do
livro já destaca isso com as palavras: “... contendo mais de mil e seiscentos exercicios e problemas
intercalados no texto, não só para o tirocinio do calculo, mas também para a boa comprehensão do
ensino desta disciplina” (TRAJANO, 1929, capa).
Analisando toda a obra, é difícil descrever um modo único de apresentação dos conteúdos.
No entanto, na maioria dos casos, é adotada a seguinte sequência: são apresentadas definições, que
são seguidas de problemas, acompanhados de soluções e, em alguns casos, de trechos denominados
“Demonstração”, que consistem em explicações dessas soluções. Algumas vezes, ao invés de
problemas, as definições são seguidas de pequenos textos intitulados “Ilustração”, que expõem
exemplos de aplicação dessas definições, e que também, em alguns casos, são seguidas de
passagens nomeadas “Demonstração”. Finalmente, são apresentadas, em grande número, regras que
generalizam os procedimentos dos exemplos recém-discutidos. Problemas e exercícios são
intercalados às seções que abordam os diferentes temas. Os exercícios e problemas seguem, em
nossa visão, uma ordem gradativa, dos mais simples para os mais complexos.
A obra não contém partes específicas de orientação para seu uso, mas, ao longo de suas
páginas, encontram-se algumas notas que parecem ter o objetivo de guiar o trabalho do professor,
como exemplificado a seguir.
Nota. Não damos aqui os numeros para o exercicio de applicação, porque o
professor deve apresentar os números que forem adequados ao adiantamento e
capacidade de seus discipulos (TRAJANO, 1929, p.15).
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Não é nosso objetivo, neste artigo, analisar os fundamentos didático-pedagógicos para a
apresentação dos conteúdos. Entretanto, existem diversos trabalhos que discutem a presença do
método intuitivo nas obras de Trajano. Como exemplos, podemos citar: Oliveira (2013), Carneiro
(2014), Pinheiro e Valente (2013), Souza (2008). Os argumentos utilizados por esses autores para
justificar essa presença giram em torno da experiência de Antonio Trajano em suas interações com
os missionários protestantes que vieram dos Estados Unidos e foram, em parte, responsáveis pela
introdução do método no Brasil. Os autores se baseiam, ainda, na maneira como o autor organiza a
exposição dos conteúdos, partindo dos conceitos mais simples para os mais complexos, bem como
na prática proporcionada pelos inúmeros exercícios presentes em seus livros.
Como a Arithmetica Progressiva teve 91 edições, tendo circulado por um longo período,
esteve presente em diferentes contextos políticos, que incluem o período imperial, a República
Velha, a Era Vargas, e provavelmente também a ditadura militar, estabelecida a partir de 1964.
No âmbito educacional, a obra também participou de diversos contextos. Foi publicada no
momento em que o ensino secundário era feito, em sua maior parte, nos liceus ou em escolas
particulares, organizado em aulas avulsas. Em nossa pesquisa em jornais, localizamos indicações da
utilização do livro Arithmetica Progressiva nesses tipos de estabelecimentos. O objetivo do ensino
secundário, naquela época, era formar os filhos da elite brasileira para ingressar no ensino superior
ou para ocupar cargos de destaque na sociedade (MENEGHETI, 2012).
Apesar dos avanços no ensino primário que sucederam a Proclamação da República, no
ensino secundário a frequência não foi obrigatória até 1931. Havia a possibilidade de o aluno obter
o grau de bacharel em ciências e letras, ou ingressar em cursos superiores no Brasil sem
necessidade de ter passado pelo curso regular (VEIGA, 2007). Não existia um sistema nacional
para o ensino secundário, apenas sistemas estaduais, e assim não havia uma política nacional de
educação para esse nível do ensino (MENEGHETI, 2012). Nesse período, podemos destacar a
reforma instituída por Carlos Maximiliano, em 1915, que introduziu a obrigatoriedade do
certificado de ensino secundário para o ingresso no ensino superior e reduziu a duração do curso
integral do nível secundário de sete para cinco anos. Houve também a reforma introduzida por
Rocha Vaz.
No ano de 1925, Rocha Vaz oficializou o ensino secundário como curso regular
seriado em duas modalidades. Para seis anos de estudos, obtinha-se o grau de
bacharel, e no cumprimento de cinco anos de curso poder-se-ia prestar o exame
vestibular. Esse passou a ser classificatório, com definição prévia do número de
vagas dos cursos superiores. Contudo, não é certo que os exames preparatórios e os
parcelados tenham deixado de existir imediatamente. (VEIGA, 2007, p. 250).
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De acordo com Menegheti (2012), embora essas reformas tenham sido as primeiras
tentativas de organizar o ensino secundário no país, faltava imprimir um caráter nacional a essas leis
que, ao que parece, restringiam-se somente ao Distrito Federal.
Com o fim da Primeira República, motivado pela Revolução de 1930, e as mudanças
advindas dela, em especial no que diz respeito ao investimento na produção industrial, as indústrias
passaram a exigir mão de obra especializada, o que requereu investimentos na educação da
população. No início do governo de Getúlio Vargas iniciado então, com o objetivo de organizar
ações de um sistema educativo controlado oficialmente, foram sancionados vários decretos,
conhecidos como Reforma Francisco Campos. Essa reforma, no que diz respeito ao ensino
secundário, estabeleceu definitivamente o currículo seriado, a frequência obrigatória, dois ciclos,
um fundamental de cinco anos e outro complementar de dois anos, e a exigência de habilitação
neles para ingresso no ensino superior. Além disso, para ingresso no ensino secundário, foi criado o
Exame de Admissão, que perdurou oficialmente até 1971 e que foi extinto pela Lei 5692/71. Esse
exame era altamente seletivo e contava com inspeção bastante rigorosa, configurando um ensino de
caráter elitista (VEIGA, 2007). A matemática estava presente em todos os sete anos do ensino
secundário, com exceção dos dois anos complementares para a Faculdade de Direito.
Em 1942, foi realizada a Reforma Capanema (Decreto-lei nº 4244, de 9 de abril de 1942),
que determinou uma nova divisão para o ensino secundário, estabelecendo dois ciclos: o ginasial,
de quatro anos, e o colegial, de três anos. Foram instituídos dois tipos de estabelecimentos para o
ensino secundário: o ginásio, destinado a oferecer o primeiro ciclo, e o colégio, que, além do
ginásio, se responsabilizava por um ou dois cursos (científico e clássico) do segundo ciclo.
Para o ministro Capanema, o secundário era o nível de ensino por excelência,
destinado a formar os futuros cidadãos em sua consciência patriótica. Educar para a
sociedade foi interpretado como educar para a nação. Nesse sentido, tal objetivo
definia um currículo de acentuado conteúdo humanístico, necessário para a
preparação das individualidades condutoras do povo e da nação (VEIGA, 2007, p.
92).
Apesar do caráter humanístico do currículo, a matemática continuou sendo disciplina
obrigatória para todos os anos do curso.
Entre 1942 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1961, houve um período fértil de novas
iniciativas para o desenvolvimento do ensino secundário, dentre as quais podemos citar a criação,
em 1946, da Diretoria de Ensino Secundário, e a instituição, em 1953, da Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES)18
(Idem, 2007).
18
De acordo com Garnica (2010, p. 566), a CADES foi implantada no Brasil no início da década de 1950 e tinha como
objetivo “formar” professores para dar conta da expansão do ensino secundário num momento em que começava a se
77 Boletim do LABEM, v. 7, n.13, ago. /dez. de 2016
Em 1961, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/61, que
alterou as leis orgânicas de 1942 e estabeleceu a educação de grau médio. Em 1971, as disposições
relativas ao ensino primário e médio previstas nessa lei foram revogadas e substituídas pela lei
5.692/71, que alterou as denominações anteriores das etapas escolares para ensino de 1º e 2º graus.
Entre outras modificações, essa lei aboliu o Exame de Admissão, estabelecendo a exigência, para
ingresso no ensino de 2º grau, apenas da conclusão do ensino de 1º grau ou equivalente
(MENEGHETI, 2012).
Elementos de história da matemática na Arithmetica Progressiva
No percurso pelas 272 páginas da 64ª edição do livro Arithmetica Progressiva, de Antonio Trajano,
consideramos que elementos da história da matemática são apresentados de modo explícito em 20
trechos. A maioria desses trechos, dezesseis, aparecem em destaque, pois vêm grafados em letra
menor do que o restante do texto e são precedidos dos títulos: Nota (11 ocorrências), Observação
(uma ocorrência), Ilustração (três ocorrências) e Noção Histórica (uma ocorrência). Os outros
quatro trechos se distribuem ao longo do texto, sem destaques desse tipo. A imagem a seguir mostra
um desses trechos:
Figura 2- Ilustração em que a história da matemática está presente. Fonte: Trajano (1929, p.20)
Não achamos no texto qualquer explicação sobre como esses excertos poderiam ser
utilizados pelo professor ou pelo aluno nem qualquer alusão ao papel atribuído pelo autor à história
da matemática em sua obra. No entanto, em uma das notas, que parece ser destinada ao professor,
há um indício que pode nos ajudar a entender qual seria o objetivo de sua inserção. Tal nota se
encontra na última parte do livro, chamada “Quadrados Magicos”, e figura logo após um trecho em
que Trajano discorre sobre os quadrados mágicos na antiguidade:
Nota. Achamos muito conveniente dar aqui esta breve noticia dos quadrados
magicos, não somente para os discípulos terem conhecimento desta reliquia da
antiguidade, mas também para saberem calcular a sua formação (Idem, p. 266).
insinuar, no Brasil, um sistema nacional de educação. Nessa campanha, professores normalistas e profissionais de
diversas áreas se submetiam a cursos específicos durante o período de férias escolares e, se obtivessem a aprovação em
exames denominados “de suficiência”, recebiam o direito de lecionar em escolas secundárias, enquanto não surgissem,
em sua região, cursos superiores de licenciatura.
78 Boletim do LABEM, v. 7, n.13, ago. /dez. de 2016
Parece-nos, por esse excerto, que o autor via a história como um veículo de informação
cultural, que poderia enriquecer o ensino e também como uma fonte de problemas que permitiriam
o exercício do cálculo. Essa observação também pode ser justificada com base no prefácio da
trigésima edição, que citamos anteriormente. Nesse prefácio, é dito que a edição foi enriquecida de
notas e ilustrações explicativas, que, além de desenvolver o gosto pelo estudo de aritmética,
também simplificariam consideravelmente os diversos processos de cálculo. Conforme dissemos,
acreditamos que a edição analisada por nós é uma reprodução da trigésima edição. Assim, pelo fato
de a maioria dos trechos em que estão inseridos elementos históricos se localizar exatamente em
pequenas seções denominadas “Nota” e “Ilustração”, consideramos que os objetivos dessa inserção
poderiam ser exatamente esses.
Os trechos aos quais atribuímos a qualificação de históricos estão bem distribuídos ao longo
da obra; o primeiro deles encontra-se na página cinco e o último na página 268. Todos se
relacionam diretamente ao conteúdo abordado nessas páginas e não são localizados à parte, isto é,
são apresentados em meio ao texto. Não encontramos nenhuma referência às fontes utilizadas pelo
autor para compor tais partes. Os temas nelas abordados são: a origem da palavra dígitos,
relacionada ao uso dos dedos como técnica de contagem; a antiga forma de representação no
sistema de numeração romana; a existência de outras bases de numeração e a origem da base dez,
ligada ao uso dos dez dedos das mãos; o desenvolvimento do sistema decimal de numeração; a
indicação dos inventores dos sinais +, -, x, e ÷; a origem da palavra cálculo, associada ao uso de
pedras para contagem; a tabuada de Pitágoras; o crivo de Eratóstenes, em dois momentos; a origem
da palavras “avos” na nomenclatura de frações; a história do sistema métrico decimal; a divisão do
tempo em anos e a relação dos nomes dos meses setembro, outubro, novembro e dezembro ao fato
de em tempos passados o ano começar em março; a adoção do meridiano de Greenwich como
marco zero da longitude; as medidas e moedas em circulação na Judéia no tempo de Jesus; a origem
da palavra porcentagem; o problema da coroa de ouro de Hierão, no ano 217 antes de Cristo; a
invenção dos logaritmos por Napier; a relação entre as medidas do diâmetro e do comprimento da
circunferência; os quadrados mágicos na antiguidade; um problema grego da época de Pitágoras19
.
Esses excertos podem ser classificados em dois tipos, de acordo com as ideias e exemplos de
implementação da história da matemática em sala de aula propostos por Tzanakis e Arcavi, (2000):
19
Esse problema está assim formulado: Traducção de um problema grego: “O gloria de Helicon, Pythagoras, querido
das musas! dize-se quantos discipulos frequentaram a tua escola; quantos, perto de ti, escutam anciosos a palavra do
mestre falando da sabedoria. – Polycrato, grava no teu espírito o que vou te dizer: A metade dos discipulos estuda
mathematicas, sciencia da luz e da verdade; a quarta parte trabalha para descobrir as leis immortaes que regem a
natureza; a setima parte reflecte sobre tudo o que ouve, e assiste em silencio; ha ainda tres mulheres.” Quantos
discípulos tinha Pythagoras? (TRAJANO, 1929, p. 268).
79 Boletim do LABEM, v. 7, n.13, ago. /dez. de 2016
a apresentação de recortes com informações históricas de forma direta e a proposição de problemas
históricos.
Uma situação interessante e que talvez se relacione à confissão presbiteriana de Trajano e a
suas experiências em escolas protestantes é que ele dedica uma seção inteira, composta de três
páginas, à abordagem de medidas e moedas em circulação na Judéia no tempo de Jesus Cristo.
Nesse contexto, o autor afirma que as traduções da Bíblia para o Português existentes até então
tinham sido infelizes na escolha de vários termos, acrescentando que as tabelas por ele propostas
são mais confiáveis. Destacamos que, nessa seção, todos os problemas propostos pelo autor dizem
respeito a contextos bíblicos20
.
Observamos, ainda, que em cinco das notas o autor procura esclarecer a origem de algumas
palavras comuns na linguagem matemática. Entendemos que essas explicações visariam a responder
a alguns porquês cronológicos, ou seja, “aquelas explicações cuja legitimidade não poderia ser
caracterizada como uma necessidade lógica” e que, diferentemente, “são razões de natureza
histórica, cultural, casual, convencional que estariam na base de sua aceitação” (MIGUEL;
MIORIM, 2004, p. 46). Reproduzimos parte de uma das notas desse tipo:
Nota. A palavra ávos não significa cousa alguma, é apenas a terminação da
palavra oitavos. Os arithmeticos antigos usavam dos nomes ordinaes até oitavos, e
dahi por diante, por ser difficil enunciar os denominadores com adjectivos
numeraes ordinaes, usavam dos numeros cardinaes, accrescentando a palavra ávos;
assim, em logar de lerem um trigesimo quarto, liam um trinta e quatro ávos.
(TRAJANO, 1929, p. 68)
Alguns excertos nos permitem perceber que a ideia de história transmitida pelo autor é a de
uma história evolutiva, na qual os conhecimentos vão avançando e se tornando melhores, mais
desenvolvidos e que, portanto, o conhecimento de hoje é melhor do que o do passado. O trecho
seguinte, reprodução parcial de uma observação do livro é ilustrativo.
Observação. Vamos dar o seguinte esclarecimento para completar o estudo
da numeração:
Acabamos de ver como o systema decimal de numeração é engenhoso,
perfeito, sabiamente organizado, pois unicamente com dez algarismos podemos
sem difficuldade representar na escripta todos os numeros precisos; e com um
pequeno vocabulario de termos simples,podemos dar um nome distincto a cada
numero.
Não devemos, porém, aqui concluir que este systema assim tão aperfeiçoado
e completo fosse usado pelo homem nos seus primeiros ensaios rudimentares de
Arithmetica, quando elle resolvia os seus calculos contando pelos dedos. Nesse
20
A título de ilustração, transcrevemos um desses problemas: “Os Apostolos calcularam que com 200 denários de pão
poderiam dar uma parca merenda á multidão de quasi cinco mil pessoas que acompanhou Jesus pelo deserto, para ouvir
sua doutrina. Quanto é esta quantia em nossa moeda?” (TRAJANO, 1929, p. 146)
80 Boletim do LABEM, v. 7, n.13, ago. /dez. de 2016
tempo, a numeração estava em seu estado embryonario; cada numero differente
que se ia formando, recebia um nome particular para distinguil-o de todos os
outros, e depois inventava-se um novo signal para o representar na escripta.
[...]
O homem, desconhecendo ainda os processos que abreviam e simplificam as
operações sobre numeros, seguia espontaneamente o methodo que lhe parecia mais
natural e lógico, quando, na verdade, enveredava pelo caminho mais longo e
enfadonho para chegar ao fim desejado.
Dá-se a esse methodo imperfeito de calcular o nome de methodo
espontâneo para distinguil-o do modo aperfeiçoado e completo hoje ensinado na
Arithmetica, e que se denomina methodo systematico ou systematizado, porque
tem todas as suas partes coordenadas, formando um conjuncto harmonico e
completo (Idem, p. 15 e 16 - grifos nossos).
Nota-se que o autor compara um processo de cálculo do passado ao que acabou de ser
trabalhado no texto e mostra a matemática como um empreendimento humano de progresso
contínuo. Assim, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN - (BRASIL, 1998,
2000), essa passagem poderia contribuir para que o aluno desenvolvesse atitudes e valores mais
favoráveis diante do conhecimento da aritmética, o que nos remete ao prefácio da trigésima edição.
Acreditamos que a inserção de alusões à história da matemática esteja vinculada à própria
experiência de Trajano, que, segundo Matos (2004, p. 318), “foi nomeado o primeiro historiador da
Igreja Presbiteriana no Brasil, registrando dados preciosos sobre os primórdios do presbiterianismo
no Brasil”. Essa informação sugere que o autor conferia importância aos conhecimentos históricos,
o que poderia ser uma das razões para contemplá-los em sua obra para o ensino.
Considerações finais
Ao finalizar este texto, em que apresentamos os resultados de nosso estudo sobre o manual
escolar Arithmetica Progressiva, de Antonio Bandeira Trajano, retomamos alguns aspectos
referidos anteriormente. Esse livro, elaborado a partir da experiência do autor em escolas de cunho
protestante e de sua convivência com professores missionários norte-americanos, no final do século
XIX, teve uma ampla aceitação e circulação no Brasil até o início da segunda metade do século XX.
Tendo sido produzido com o método intuitivo como referência, continuou a ser usado mesmo com
as propostas de mudanças advindas com o movimento da escola nova, e teve sua última edição
publicada em 1961, momento em que começavam a circular os ideais do movimento da matemática
moderna.
Embora, na legislação escolar brasileira, as preocupações com a introdução de elementos
históricos no ensino de matemática tenham aparecido de maneira explícita apenas na Reforma
Francisco Campos, a obra focalizada é uma daquelas publicadas antes dela em que se observa a
81 Boletim do LABEM, v. 7, n.13, ago. /dez. de 2016
presença de tais elementos. A edição que utilizamos foi publicada dois anos antes da Reforma
Francisco Campos, mas já contempla, em suas páginas, recomendações que seriam explicitadas na
Portaria Ministerial de 30 de junho de 1931, a saber, a apresentação de problemas clássicos e
curiosos e acontecimentos relacionados à história da matemática.
Reiteramos nossa convicção de que a versão que analisamos, a 64ª edição de 1929, é uma
reprodução da trigésima edição. Gostaríamos de ter analisado uma versão anterior à trigésima para
verificar se as inserções históricas já estavam presentes desde as primeiras edições de Arithmetica
Progressiva. Contudo, apesar de todas as buscas que fizemos em bibliotecas e repositórios digitais,
como o da Universidade Federal de Santa Catarina, não conseguimos ter acesso a essas publicações.
De qualquer modo, parece-nos que a obra de Trajano foi uma das pioneiras no Brasil, no que diz
respeito a livros didáticos escritos por cidadãos brasileiros e publicados no país, que contemplam a
história da matemática. E a maneira como os elementos históricos se fazem presentes no livro
analisado parece estar, ainda hoje, sintonizada com as propostas de documentos como os PCN, que
qualificam esses elementos como enriquecedores para o ensino da matemática.
Por fim, registramos que algumas indagações nos foram suscitadas pelo estudo que
realizamos. Como esse livro influenciou a escrita de outros livros publicados depois dele? Como ele
se relaciona com outros manuais escolares publicados no mesmo período de suas várias edições, no
que diz respeito à presença da história da matemática? Como a história da matemática se apresenta
nos outros livros escritos por Trajano? Essas e outras questões poderiam ser estudadas em futuros
trabalhos.
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