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NOVO CPC E O PROCESSO DO TRABALHO

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Novo CPC e o ProCesso do Trabalho

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José Affonso DAllegrAve neto

roDrigo fortunAto goulArt

Coordenadores

Novo CPC e o ProCesso do Trabalho

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EDITORA LTDA.© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-003São Paulo, SP – BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.brFevereiro, 2016

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: LINOTECProjeto de Capa: Fabio GiglioImpressão: Paym Gráfica e Editora Ltda.

Versão impressa: LTr 5427.9 — ISBN: 978-85-361-8670-2

Versão e-book: LTr 8885-4 — ISBN: 978-85-361-8738-9

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Novo CPC e o processo do trabalho / José Afonso Dallegrave Neto, Rodrigo Fortunato Goulart, coordenadores. – São Paulo : LTr, 2016.

Vários autores

Bibliografia

1. Direito processual do trabalho – Brasil 2. Processo civil – Legislação – Brasil I. Dallegrave Neto, José Affonso. II. Goulart, Rodrigo Fortunato.

16-00363 CDU-347.9:331(81)(094.4)

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Código de processo civil e processo do trabalho : Direito 347.9:331(81)(094.4)

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Sumário

ApresentAção .................................................................................................................... 9

1. PRINCIPIOLOGIA

o novo Código de proCesso Civil brAsileiro: modelo de direito proCessuAl demoCrátiCo ....... 13Vicente de Paula Ataide Junior

A efetividAde do proCesso sob o impACto dAs polítiCAs de gestão judiCiáriA e do novo CpC ...... 20Leonardo Vieira Wandelli

A relevânCiA dA jurisprudênCiA internACionAl e estrAngeirA pArA o direito do trAbAlho brAsi-leiro ................................................................................................................................. 36André Araújo Molina

A prinCipiologiA do novo CpC .......................................................................................... 49Célio Pereira Oliveira Neto

dilemAs do direito proCessuAl do trAbAlho Com o Advento do nCpC ................................... 60Murilo C. S. Oliveira

novo Código de proCesso Civil: A AberturA pArA umA disCussão ACerCA de umA teoriA dAs deCisões judiCiAis ................................................................................................................ 69Rafael Hekave

2. CONHECIMENTO

o inCidente de desConsiderAção dA personAlidAde jurídiCA previsto no CpC 2015 e o direito proCessuAl do trAbAlho .................................................................................................... 85Ben-Hur Silveira Claus

o novo CpC, As Condições dA Ação e o proCesso do trAbAlho ............................................ 105Carlos Henrique Bezerra Leite e Letícia Durval Leite

AudiênCiA de ConCiliAção no proCesso do trAbAlho e o novo Código de proCesso Civil ....... 115Gilberto Stürmer

A Arguição de inCompetênCiA territoriAl segundo o novo Código de proCesso Civil – Confli-to ou CompAtibilidAde Com o proCesso do trAbAlho? ............................................................ 120Márcia Kazenoh Bruginski e Miriam Cipriani Gomes

As provAs e ônus dinâmiCo no nCpC e seus desdobrAmentos pArA o proCesso do trAbAlho ..... 125Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto

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Novo CPC e o ProCesso do Trabalho

Sumário

6

A inversão do ônus dA provA no novo CpC – ênfAse no proCesso do trAbAlho – AspeCtos prátiCos ............................................................................................................................ 131José Carlos Manhabusco

provA periCiAl e o novo CpC .............................................................................................. 137José Affonso Dallegrave Neto

A fundAmentAção dAs deCisões judiCiAis trAbAlhistAs e o CpC de 2015 ................................... 151Luiz Eduardo Gunther

deCisão judiCiAl no Código de proCesso Civil de 2015 ........................................................ 161Lorena de Mello Rezende Colnago

novo CpC e fundAmentAção sentenCiAl exAustivA: breves pinCelAdAs CrítiCAs ......................... 171Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto

3. RECURSOS

inCidente de julgAmento de reCursos de revistA repetitivos .................................................. 183Cláudio Brandão

inCidente de Assunção de CompetênCiA e o proCesso do trAbAlho ........................................... 204Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Jr.

o inCidente de resolução de demAndAs repetitivAs e suA ApliCAção no proCesso do trAbAlho .... 213Manoella Rossi Keunecke e Bruno Freire e Silva

A AdmissibilidAde dos reCursos trAbAlhistAs e o novo Código de proCesso Civil ..................... 224Ricardo José Macêdo de Britto Pereira

A disCiplinA dos embArgos de deClArAção no novo CpC e seus reflexos no proCesso do trA-bAlho ............................................................................................................................... 236Lorena Vasconcelos Porto

reCursos trAbAlhistAs e o novo CpC .................................................................................. 243Raimundo Dantas

4. EXECUÇÃO

exeCução trAbAlhistA e o novo Código de proCesso Civil: AprimorAmento do proCesso Como exigênCiA de ConCretizAção dos direitos fundAmentAis dos trAbAlhAdores ..................... 251Dinaura Godinho Pimentel Gomes

ApliCAbilidAde ou não do novo Código de proCesso Civil Ao proCesso do trAbAlho no âmbi-to dA tutelA exeCutivA jurisdiCionAl sob A luz dos prinCípios fundAmentAis ............................. 261Luiz Alberto Pereira Ribeiro e Marco Antônio César Villatore

exeCução trAbAlhistA e o novo Código de proCesso Civil: efetividAde dA tutelA jurisdiCionAl e pArCelAmento do débito ..................................................................................................... 272Gustavo Filipe Barbosa Garcia

desConsiderAção dA personAlidAde jurídiCA nA exeCução trAbAlhistA. impACtos do novo CpC . 276Mauro Schiavi

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Novo CPC e o ProCesso do Trabalho

Sumário

7

exeCução trAbAlhistA efetivA: A Adoção dA hipoteCA judiCiáriA ............................................... 286Ana Maria Maximiliano

CAusAs de impenhorAlidAde perAnte A exeCução trAbAlhistA e o novo Código de proCesso Civil .. 292Wolney de Macedo Cordeiro

5. TUTELAS PROVISÓRIAS

AnteCipAção de tutelA no proCesso do trAbAlho. Análise sob o prismA do novo CpC ............. 307Daniel Natividade Rodrigues de Oliveira

6. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS E TUTELAS COLETIVAS

proCedimentos espeCiAis: entre o novo Código de proCesso Civil (nCpC) e o proCesso do trAbAlho ......................................................................................................................... 315Marcus de Oliveira Kaufmann

proCedimentos espeCiAis no novo CpC – A ConsignAção em pAgAmento no proCesso do trAbAlho 326Carlos Zangrando

inCidente de ColetivizAção de Ações individuAis – A importânCiA dA tutelA ColetivA A direitos soCiAis trAbAlhistAs ............................................................................................................ 332Alberto Emiliano de Oliveira Neto

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ApreSentAção

As próximas páginas trazem o resultado dos esforços de renomados articulistas sobre as primeiras impressões do Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho.

Sem dúvida, a edição da lei processual acarretará impactos a curto e médio prazo nos processos trabalhistas, diante da ebulição de institutos absolutamente novos, tais como, a “negociação processual”, a “vedação da decisão surpresa”, o novo “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, a “sentença exaustiva”, a “exceção de assunção de competência”, a “dispensa de perícia quando houver parecer técnico nos autos”, o “princípio da carga dinâmica probatória”, a “simplificação e junção da tutela antecipada e cautelar”, a “nova tutela de evidência”, a “adoção da hipoteca judiciária”, entre outros.

A discussão pública em torno da lei provocou uma onda de debates doutrinários sobre a aplicação supletiva do Novo CPC ao Processo do Trabalho, mesmo diante de anterior previsão da CLT, nos casos que representem simplificação, eficiência e efetividade processual.

Claro está que o Novo CPC é a primeira codificação processual elaborada e pensada em um ambiente de nor-malidade democrática. Mas o que se discute, afinal, é a aplicação do NCPC, ou a adoção de um paradigma abso-lutamente novo, ou seja, o modelo constitucional de Processo? Se o Novo CPC é o primeiro estatuto processual brasileiro que expressa a linguagem da Constituição/88, a CLT e seus procedimentos não estariam adaptados e atualizados com as tendências do neo-constitucionalismo?

Naturalmente que o NCPC traz outra maneira de se pensar as instituições processuais. Um novo referencial metodológico, nomeado de neo-processualismo, porque ele retorna à dogmática, mas com uma metodologia diferenciada, de fazer tudo isso, a partir de uma outra referência, não mais infraconstitucional (CPC, CLT, Lei de Execuções Fiscais etc.), mas por meio da Constituição/1988. Em outras palavras, não se pode falar mais em NCPC, sem alertar que a referência do nosso sistema de Justiça não é mais infraconstitucional (CPC x CLT).

Todas essas observações demonstram que o modelo constitucional abandona a Jurisdição como centro e parte para um outro referencial, qual seja, o Processo, pois é no Processo em que as partes estão interagindo para pro-duzir decisões. Nesta perspectiva, a decisão judicial no novo código não é a decisão do Juiz, mas a decisão do Processo, traçada em um ambiente de Cooperação, para a participação na construção das sentenças.

Boa leitura.

Rodrigo Fortunato Goulart

José Affonso Dallegrave Neto

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1. prinCipiologiA

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1. O CPC/2015 COMO NORMA INFRACONSTITUCIONAL SUPERIOR DO SISTEMA PROCESSUAL NÃO-PENAL

O Novo Código de Processo Civil brasileiro está no mundo.

Sua vigência tem data marcada e está próxima. Con-tam-se os dias e as agendas estão anotadas. Não é mais possível ignorá-lo, nem torcer para que não entre em vigor.

Os setores da Justiça comum, federal e estadual, apesar da natural ansiedade que antecede as grandes mudanças normativas, estão conformadas com o seu destino, afinal, o CPC/2015 foi feito para eles, mais para a Justiça estadual, do que para a federal, mas, sobretudo, para a Justiça comum.

No entanto, a nova codificação extravasa a ansiedade para outros cantões judiciários, antes despreocupados, a partir da previsão que, na ausência de normas que regu-lem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições do CPC/2015 lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente (art. 15, CPC/2015, destaquei).

O CPC/2015 não se apresenta, portanto, como um mero preenchedor de vazios normativos ou um colmatador de lacunas dos sistemas processuais especiais. Ele vai além, para suprir, completar, adicionar, suplementar esses siste-mas nas suas defasagens normativas, causadas, sobretudo, pela regência por legislações não adaptadas às opções de-mocráticas realizadas pela Constituição brasileira de 1988.

A legitimidade para que o novo Código de Processo Civil interfira e inove a estrutura do processo eleitoral, administrativo e trabalhista está justamente na sua ade-rência ao modelo de processo prometido pela Constituição.

O CPC/2015 é o primeiro código de processo que fala a linguagem da Constituição.

Não à toa, o seu artigo de abertura proclama que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabeleci-dos na Constituição da República Federativa do Brasil,...”.

Em outras palavras, fica claro que a fonte primária do direito processual é a Constituição: partimos do mode-lo constitucional de processo para ordenar, disciplinar e interpretar todo o direito processual e todos os sistemas processuais.

É importante ressaltar: o CPC/2015 tem legitimidade para se impor a todos os sistemas processuais não-penais porque funda suas regras e princípios na Constituição. A CLT de 1943 não faz isso. O Código Eleitoral de 1965 não faz isso. A Lei de Execuções Fiscais de 1980 não faz isso. O CPC/2015 foi proposto, discutido, votado, aprovado, promulgado, publicado e entrará em vigor em período de normalidade democrática, em que nenhuma norma jurídica escapa ao controle constitucional. Não existem regras ou princípios vigorantes nos sistemas processuais que possam excepcionar o sistema processual adotado pela Constituição.

Por essas razões, é possível afirmar que o novo Código de Processo Civil brasileiro é a norma infraconstitucional superior do sistema processual não penal, dirigindo a atua-ção dos sistemas processuais civil, eleitoral e trabalhista, sem deixar de fora o sistema processual administrativo e o sistema processual dos juizados especiais.

2. PROCESSO, INSTRUMENTALISMO E AUTORITARISMO

Os códigos unitários anteriores – 1939 e 1973 – foram produzidos durante ditaduras.

O novo codex, exatamente por isso, está prenhe de aspirações democráticas.

Isso significa que a nova codificação reage a algum tipo de autoritarismo do atual sistema processual?

Reage ao modelo de processo herdado do instrumen-talismo.

O instrumentalismo, como terceiro momento meto-dológico do direito processual(1), teve o mérito de levar o

1. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

o novo Código de proCeSSo Civil brASileiro: modelo de direito proCeSSuAl demoCrátiCo

viCente de pAulA AtAide junior

Professor de Direito Processual Civil da UFPR. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Juiz Federal titular da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná.

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Novo CPC e o ProCesso do Trabalho 1. Principiologia

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processo para além da dogmática, observando o fenôme-no processual a partir de um ângulo externo e permitindo considerar as suas dimensões sociais, políticas e econô-micas. Colocou o processo a serviço do direito material (e não como um fim em si mesmo) e elegeu a efetividade processual como meta fundamental a ser conquistada.

Mas a metodologia instrumentalista taxou o sistema com um alto índice antidemocrático ao postar a jurisdição como centro irradiador das ideias e soluções processuais(2).

Ao sobrevalorizar o poder na construção do sistema processual, não anteviram os instrumentalistas que isso poderia seduzir os juízes a se imaginarem como os úni-cos - ou mais importantes - personagens da realização do direito. As decisões judiciais, como decorrência desse fato não pressentido pela teoria, passaram a ser produto de uma iluminação transcendental dos juízes e tribunais. Como oráculos(3), os juízes sentiram-se metodologica-mente confortáveis para decidir sem considerar qualquer outro fundamento que não fosse aquele brotado da sua intuição quase mediúnica. Com a jurisdição como fonte do direito processual, os juízes passaram a ser portadores da verdade e do significado.

Os instrumentalistas não anteviram, igualmente, que ao afirmarem o processo como instrumento para o exercício da jurisdição, submeteram as instituições processuais ao poder estatal, abrindo brechas significativas para o arbítrio judicial(4).

O processo é categoria menor em relação à categoria juris-dição. O processo é apenas meio. A prestação jurisdicional efetiva é o fim. O poder das partes é quase simbólico(5).

Por essas razões, metodologicamente justificadas, é que hoje se recebe, com indisfarçável naturalidade, as decisões-surpresa, nas quais o juiz investe contra uma das partes sem ouvi-la previamente, especialmente quando se trata das quase universais “matérias de ordem pública cognoscíveis de ofício”. Pode o juiz, quando decide essas matérias, decidir sem ouvir, surpreendendo uma ou ambas as partes. Reconhece prescrição, sem se importar com o que o autor tem a dizer ou a apresentar a respeito. Igual-mente declara carência de ação, por falta de condições da ação, ou ausência de algum pressuposto processual, como incompetência absoluta.

O oráculo revela a vontade da lei para o caso concreto, para isso prescindindo da opinião daquele que terá sua cabeça cortada pela revelação.

Isso é recebido com naturalidade não apenas pelo juiz, como pelas próprias partes, dado que o sistema cons-truído pelo instrumentalismo confunde atividade de ofí-cio com atividade arbitrária. Agir de ofício significa poder agir sem esperar a iniciativa da parte, o que não quer dizer agir sem ouvir a parte. Quando o art. 267, § 3º do CPC de 1973 permite que o juiz conheça de ofício, em qualquer grau de jurisdição, das matérias processuais de ordem pú-blica, não está a permitir que a decisão desconsidere o que o autor tem a dizer sobre essas possibilidades. Esse pará-grafo, interpretado sob as luzes do princípio democrático, apenas permite que o juiz tome a iniciativa de reconhecer algum impedimento para o curso do processo, sem aguar-dar a iniciativa do réu (ao contrário do que acontece, por exemplo, com a incompetência relativa), mas depois de alertar o autor sobre essa possibilidade, permitindo-lhe trazer argumentos que possam infirmar esse reconheci-mento. Esse alerta e essa permissão não estão escritos no antigo Código, mas na nova (e ainda nova, mesmo depois de 25 anos!) Constituição. Mesmo sob o novo texto cons-titucional, poucos se ressentiram e se propuseram a alte-rar a interpretação da regra. Até hoje os juízes e tribunais continuam decidindo esse tipo de matéria como oráculos, sem colher nem considerar a manifestação do autor.

E não é preciso ir a Delfos para obter uma resposta, quando se considera que hoje se aceita, sem grandes con-trovérsias, que os juízes e tribunais possam decidir usando fundamento não posto em discussão com as partes. Os insights judiciais prescindem de ajuda. Presume-me que o juiz conhece o direito (jura novit curia) e, por isso, basta dar-lhe os fatos que ele dará o direito (da mihi factum, dabo tibi ius).

Os juízes brasileiros estudaram o direito processual ensinado pela metodologia instrumentalista. Formaram--se acreditando na jurisdição oracular, que diz o direito pela suficiência de seu próprio poder. O processo ensi-nado pelo viés da jurisdição propiciou não somente essa concepção de poder, como a própria dominação, porque os usuários do processo consentem e aceitam como na-tural a emissão de decisões para as quais não participem, nem ao menos colaborem.

É preciso esclarecer, nesse momento histórico de transi-ção entre duas codificações processuais, que as caracterís-ticas do sistema processual que se pretende sepultar estão diretamente ligadas à opção metodológica adotada.

2. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 79-80.

3. IBAÑEZ, Perfecto Andrés. Ética de la función de juzgar. Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia Penal: Criminologia, Teoría y Praxis. n. 1, v. 1, p. 55-68, 2002. p. 64.

4. CALMON DE PASSOS, Joaquim José. A instrumentalidade do processo e o devido processo legal. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 102, abr./jun. 2001. p. 66. Ver também: ABBOUD, Georges; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. O dito e o não dito sobre a instrumentalidade do processo: críticas e projeções a partir de uma exploração hermenêutica da teoria processual. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 166, p. 27-70, dez. 2008.

5. MAIA FILHO, Paulo Américo. Os descaminhos da instrumentalidade trabalhista. Revista de processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 181, p. 313-336, mar. 2010. p. 321.

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novo CpC e o proCesso do trAbAlho

O Novo Código de Processo Civil brasileiro: modelo de direito processual democrático

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O CPC de 1973, ainda que elaborado sob as premis-sas do processualismo da escola italiana clássica, quedou interpretado de acordo com o espírito da proposta instru-mentalista.

Com a jurisdição ao centro, e com o processo adje-tivado de subalterno à jurisdição, não se poderia esperar realidade diferente: os juízes decidem sem ouvir, usam fundamentos sobre os quais ninguém pode discutir e, fi-nalmente, quando fundamentam, costumam fundamen-tar mal.

O compromisso instrumentalista com a efetividade corrompeu a fundamentação das decisões. O importante é decidir. Dirigir o processo rumo ao resultado que dele se espera, ainda que, para isso, seja necessário diminuir a fundamentação das decisões. Do oráculo se espera, afinal, que revele, pouco importando como a revelação se deu.

3. PROCESSO, FORMALISMO-VALORATIVO E DEMOCRACIA

A nova codificação reage contra essas formas autori-tárias de atuação do direito, justificadas pelo instrumen-talismo, prometendo que, a partir de agora (ou ao me-nos, a partir de 18 de março de 2016), todas as decisões judiciais serão produto, não apenas da inteligência e da vontade do juiz(6), mas também da participação efetiva das partes. Promete que ninguém mais será surpreendido por decisões inesperadas. Promete juízes que ouvirão o que as partes têm para dizer e que considerarão o que as partes falarem. A jurisdição oracular será abandonada e substituída pela jurisdição cooperada, nas quais a decisão deixa de ser fruto da iluminação pessoal do juiz, para ser produto do debate democrático realizado no processo(7). O processo muda seu próprio conceito: de instrumento a serviço da jurisdição para instrumento a serviço da reali-zação do direito pela participação em contraditório.

Mais do que tudo, promete que os juízes cumprirão o art. 93, IX, da Constituição e passarão a fundamentar, adequadamente, todas as suas decisões, de forma que mostre considerar aquilo que as partes têm a dizer.

A metodologia empregada muda, porque desloca o centro da ciência: da jurisdição para o processo. É no pro-cesso que se dá a participação efetiva, apta a influenciar a produção das decisões judiciais, sobretudo as de mé-

rito. O processo que viabilize essa nova participação é o objeto de uma nova perspectiva metodológica: o forma-lismo-valorativo (ou neoprocessualismo)(8), que reorganiza o formalismo processual com vistas à sua adaptação aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais.

O formalismo-valorativo anuncia-se como sucessor do instrumentalismo(9).

Essa nova concepção metodológica reorganiza o for-malismo para impor que “não se proferirá decisão con-tra uma das partes sem que ela seja previamente ouvi-da” (art. 9º, CPC/2015), que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportuni-dade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício” (art. 10, CPC/2015) e que as decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos deverão ser adequadamente fundamentados e “enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (art. 489, § 1º, IV, CPC/2015).

Com a implementação dessas novas regras proces-suais, o sistema processual adquirirá um novo perfil, mais democrático e menos autoritário. Garante-se não apenas a participação formal, mas a participação material, como poder de influenciar concretamente as decisões judiciais. A fundamentação adequada e analítica garantirá que os juízes ouçam e levem em consideração o que for dito.

O reforço na participação das partes pelo procedimen-to em contraditório efetivo elevará a legitimação democrá-tica das próprias decisões judiciais. O fato dos juízes não serem eleitos não mais poderá ser obstáculo ao reconheci-mento da legitimidade do poder jurisdicional(10).

Perceba-se que o novo modelo de direito processual democrático, desenhado pelo novo Código e defendido pela doutrina neoprocessualista, representa nada mais do que a concretização do modelo constitucional de proces-so, inaugurado pela nova ordem constitucional democrá-tica de 1988.

É, antes de tudo, a Constituição da República de 1988 que promete que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV), que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII), que “são

6. COUTURE, Eduardo Juan. Fundamentos del derecho procesal civil. 4. ed. Montevidéu: Julio César Faira Editor, 2005. p. 227-236.

7. Cf. ABREU, Pedro Manoel. Processo e democracia: o processo jurisdicional como um locus da democracia participativa e da cidadania inclusiva no estado democrático de direito. São Paulo: Conceito, 2011.

8. Cf. GOZAÍNI, Osvaldo Alfredo. Los cambios de paradigmas en el derecho procesal: el “neoprocesalismo”. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 151, p. 59-71, set. 2007; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

9. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 47.

10. Cf. ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. O novo juiz e a administração da justiça: repensando a seleção, a formação e a avaliação dos magistrados no Brasil. Curitiba: Juruá, 2006.

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Novo CPC e o ProCesso do Trabalho 1. Principiologia

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inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI) e que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV).

Bem por isso, repita-se, que a nova codificação pro-cessual inicia estabelecendo que “o processo civil será or-denado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil” (art. 1º, CPC/2015). Mais um vez: a fonte primordial do direito processual brasilei-ro é a Constituição; o Código de Processo Civil é fonte secundária que deve realizar o sistema processual demo-crático prometido constitucionalmente.

4. PROCESSO COOPERATIVO

Se o modelo constitucional de processo exige mais da jurisdição e dos juízes – a humildade de ouvir e con-siderar o que é falado – também exige mais da advocacia, pública e privada, considerada indispensável à adminis-tração da justiça (art. 133 da Constituição).

As postulações de cada parte, por seus advogados, seja em ação, seja em exceção, deverão ser mais diretas e objetivas, recobertas por uma camada a mais de boa-fé que viabilize as decisões analiticamente fundamentadas. Melhores decisões exigirão melhores postulações. Não so-mente as partes, mas agora também os seus procuradores (art. 77, caput, CPC/2015), têm o dever de “expor os fatos em juízo conforme a verdade” (art. 77, I, CPC/2015), de “não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento” (art. 77, II, CPC/2015) e de “não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito” (art. 77, III, CPC/2015). A codificação, nesse ponto, falha ao conferir imunidade processual aos advo-gados: nenhuma sanção processual é prevista para o ad-vogado que descumpre seus deveres processuais, a não ser o julgamento corporativo pelos seus pares (art. 77, § 6º, CPC/2015).

A reunião da boa-fé entre juízes e advogados chama--se cooperação processual: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em pra-zo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º, CPC/2015). Aos deveres das partes e dos advogados, ca-talogados nos arts. 77 e 80 do novo Código, somam-se aos deveres judiciais de cooperação (deveres de esclareci-mento, de consulta, de prevenção e de auxílio para com os litigantes)(11). Nesse processo cooperativo, o saneamento

do processo assume posição de destaque, como momento procedimental de ajuste das expectativas de julgamento e organização da marcha processual dirigida à solução do mérito. Será nesse novo “despacho saneador” que o juiz delimitará não apenas “as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória” (art. 357, II, CPC/2015), como também delimitará “as questões de direito relevan-tes para a decisão de mérito” (art. 357, IV, CPC/2015). Caso a decisão saneadora se dê por escrito nos autos, as partes terão direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se tornará estável (art. 357, § 1º, CPC/2015), sem possibilidade de agravo de instrumento. De forma inédita, mas de acordo com a nova perspectiva metodológica que reforça o poder das partes no processo, as partes poderão apresentar proposta de delimitação consensual das ques-tões de fato e de direito, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz (art. 357, § 2º, CPC/2015). Melhor do que o saneador proferido nos autos, será o saneador oral, produzido em audiência, em cooperação com as partes, tal qual previsto, no Código revogando, no art. 331, e no Código em vacatio, no art. 357, § 2º.

A nova decisão judicial do modelo democrático de processo, forjado sob os auspícios do formalismo-valora-tivo, com fundamentação adequada e analítica, não será, portanto, produto da boa vontade dos juízes. Ela será con-sequência de uma série de atos prévios responsáveis por afunilar a cognição judicial: postulações objetivas con-troladas por um saneador qualificado. O juiz enfrentará na sentença apenas os argumentos que digam respeito às questões de fato e de direito delimitadas no saneador. Se não enfrentar, sofrerá com embargos declaratórios (art. 1.022, II e parágrafo único, II, CPC/2015) ou verá a sen-tença anulada em apelação.

A necessidade de decisões judiciais com fundamen-tação adequada e analítica não diz respeito, apenas, à de-mocratização do processo pela participação efetiva (na dimensão do contraditório em sentido material) ou ao controle da atividade jurisdicional.

5. DEVER DE FUNDAMENTAR E PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS

Essa necessidade, agora bem atendida pela nova co-dificação processual, também diz respeito às transforma-ções que o próprio conceito de jurisdição sofreu a partir do neoconstitucionalismo, ainda que tardiamente recepcio-nado no Brasil(12).

A jurisdição participa criativamente da produção e realização do direito.

11. Cf. SANTOS, Igor Raatz dos. Processo, igualdade e colaboração: os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como meio de redução das desigualdades no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 192, p. 47-80, fev. 2011.

12. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi. Teresina, ano X, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 4 set. 2012.

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O Novo Código de Processo Civil brasileiro: modelo de direito processual democrático

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A partir da separação neoconstitucionalista entre tex-to e norma, percebeu-se que o texto legislativo não esgota a produção do direito. A lei não é o direito. A lei é texto. Como texto, deve ser submetida à interpretação para que dele se extraia a norma reguladora da atividade social. O texto legal é um ponto de partida para a solução dos ca-sos concretos. A jurisdição é criativa porque, partindo do substrato linguístico da lei, constrói os significados possí-veis através da atividade interpretativa, à luz das peculia-ridades do caso concreto. O produto dessa interpretação é a norma jurídica reguladora do caso.

As decisões judiciais de mérito adequadamente pro-duzidas, considerando os argumentos adequadamente delimitados que as partes lhe submeteram, conterão duas categorias de normas jurídicas: a norma jurídica individual e a norma jurídica geral para os casos futuros semelhantes(13).

A norma jurídica individual é a norma jurídica do caso concreto. É a “vontade concreta da lei” ou a “justa composição da lide”. Está no dispositivo da decisão de mérito, local onde o juiz resolve as questões principais que as partes lhe submeteram (art. 489, III, CPC/2015).

Mas o modelo constitucional de processo promete, além do contraditório e da ampla defesa, a segurança e a isonomia: casos semelhantes devem ser decididos segun-do a mesma interpretação do direito. Para tanto, a nova codificação aposta nos precedentes obrigatórios.

Um precedente é uma interpretação da lei fixada pela jurisdição.

Dado que o texto da lei pode ensejar múltiplos senti-dos decorrentes da interpretação, a segurança jurídica e a isonomia, também integrantes do modelo constitucional de processo, exigem que a jurisdição fixe um desses sen-tidos como o adequado para a solução dos casos futuros semelhantes, que se assentem na mesma premissa de di-reito. O precedente é uma norma jurídica geral, produzida a partir de um caso concreto, para regular casos futuros que se incluam na mesma moldura normativa(14).

Mas o precedente, quando fixado sob determinadas condições, passará a vincular a interpretação dos casos semelhantes futuros. Segundo o modelo instituído pelo novo Código, o precedente será obrigatório e vinculante quando estiver contido em (1) decisão do Supremo Tri-bunal Federal em controle concentrado de constituciona-

lidade; em (2) enunciado de súmula vinculante; em (3) acórdão proferido nos incidentes de assunção de compe-tência ou de resolução de demandas repetitivas; em (4) acórdão proferido em julgamento de recursos extraordi-nário e especial repetitivos; em (5) enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infracons-titucional; e em (6) orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (art. 927, I a V, CPC/2015).

A segurança jurídica e a isonomia exigem mais que precedentes obrigatórios: a jurisprudência deve ser man-tida de forma estável, íntegra e coerente (art. 926, caput, CPC/2015) e a modificação posterior de entendimento deverá observar a necessidade de fundamentação adequa-da e específica, com consideração efetiva das implicações em termos de segurança jurídica, isonomia e proteção da confiança (art. 927, § 4º, CPC/2015).

A fonte constitucional para os precedentes obrigató-rios é a conjugação dos princípios da segurança jurídica e da isonomia: a organização social com uma pauta de con-duta relativamente estável (previsibilidade), que garanta o tratamento igualitário para situações assemelhadas(15).

De certa forma, considerando essa fonte constitucio-nal, os precedentes, em princípio, são sempre obrigatórios e vinculantes para o órgão que proferiu a decisão con-tendo o precedente, ressalvada a alteração posterior de entendimento expressa com fundamentação adequada e específica e com consideração efetiva das implicações em termos de segurança jurídica, isonomia e proteção da confiança. A jurisdição, em nenhuma de suas instâncias, pode ser volúvel, pois a estabilidade da interpretação é imperativo do modelo constitucional de processo, nas suas dimensões de segurança e de isonomia. O processo somente será justo (como quer o princípio do “devido processo legal”)(16) se os litigantes que demandam em situações fáticas semelhantes forem tratados a partir da mesma premissa interpretativa do direito posto. Viola a Constituição o tratamento jurisdicional diferenciado para situações que não se distingam substancialmente.

Os precedentes – normas gerais que orientarão o jul-gamento dos casos futuros que repitam o substrato fático – estão contidos na fundamentação das decisões. O dispo-

13. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 2. p. 382.

14. BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 194-216.

15. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 120-123; PEREIRA, Paula Pessoa. Legitimi-dade dos precedentes: universalidade das decisões do STJ. São Paulo: RT, 2014. p. 55-77; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 172, p. 121-174, jun. 2009. p. 144.

16. ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. O devido processo legal. In: CLEVE, Clemerson Merlin (coord.). Direito constitucional brasileiro: teoria da constituição e direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2014. v. 1; ver também: ÁVILA, Humberto Bergmann. O que é “devido processo legal”? Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 163, p. 50-59, set. 2008.

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Novo CPC e o ProCesso do Trabalho 1. Principiologia

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sitivo contém a norma jurídica individual, regente do caso concreto, a lei para as partes. Mas são os fundamentos determinantes da solução dada ao caso concreto que ex-pressam o precedente (ratio decidendi ou holding), a servir para os julgamentos futuros.

6. INTERPRETAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

O problema é que o fundamento determinante, nú-cleo essencial do precedente, não é indicado expressa-mente nas decisões judiciais, ao contrário do que se faz com a norma jurídica do caso concreto, delimitada no dispositivo da decisão.

Essa é uma das razões pelas quais a decisão judicial deve também ser interpretada.

Para se estabelecer qual é a ratio decidendi que orien-tará a solução dos casos análogos futuros, isolando-a dos fundamentos secundários que não sejam determinantes para a solução do caso (obiter dicta), faz-se necessário interpretar a decisão, levando em consideração todos os seus elementos constitutivos.

Essa nova concepção da tarefa da jurisdição – resolver o caso concreto e ditar uma pauta de conduta (e julga-mento) para os casos futuros – está expressamente regis-trada na codificação processual de 2015: “a decisão judi-cial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos em conformidade com o princípio da boa-fé” (art. 489, § 3º, CPC/2015).

Ao exigir uma interpretação que conjugue todos os elementos da decisão (relatório+fundamentação+dispositivo), o novo Código expressa sua preocupação não ape-nas com o alcance do dispositivo, como também com a extração da ratio decidendi que caracteriza o precedente judicial.

Essa previsão é inovadora. Nada sobre a interpretação das decisões judiciais havia nas codificações processuais unitárias anteriores. Tanto o Código de 1939 (art. 154), como o Código de 1973 (art. 293), traziam regras sobre a interpretação restritiva dos pedidos, mas nenhuma sobre a interpretação das decisões que apreciavam esses pedidos.

Talvez a razão da anterior despreocupação legislativa acerca da interpretação dos textos judiciais seja simples: as decisões judiciais prescindiriam de interpretação, uma vez que já seriam interpretações reveladoras da “vontade concreta da lei”. Em outras palavras, seriam os produ-tos finais, prontos e acabados, da atividade jurisdicional. Traduziriam a solução para o caso concreto, encerrando a tarefa jurisdicional. Não se cogitava que cada decisão poderia representar um precedente, como norma geral, para a disciplina de casos futuros.

É evidente que a interpretação da decisão judicial não serve apenas para a fixação da ratio decidendi. As partes e seus advogados também interpretam a decisão para definirem os seus comportamentos futuros no processo (aceitação ou crítica pela via recursal). A dificuldade de interpretação do texto judicial pelas partes pode derivar de falhas de linguagem do próprio texto, que podem ser corrigidas pelo recurso de esclarecimento – os embargos declaratórios. Note-se que esses embargos visam, em últi-ma análise, a permitir a adequada interpretação do texto judicial: um texto obscuro ou contraditório não pode ser adequadamente interpretado.

Os juízes também precisarão interpretar as decisões emanadas da jurisdição. O reexame propiciado pelos re-cursos ensejará interpretações sobre a decisão recorrida. A liquidação da sentença ou do acórdão não prescindirá de definição do sentido e alcance da decisão liquidanda (e da coisa julgada), até para evitar indevida incursão no an debeatur. E até a atividade executiva precisa partir da perfeita compreensão dos limites do título executivo, para o que se deve recorrer à atividade interpretativa.

Consequentemente, a decisão judicial não é um pro-duto pronto e acabado porque, como texto, ainda se su-jeita à interpretação.

Mas toda a atividade interpretativa da decisão judicial – seja para a fixação do precedente, seja para propiciar o cumprimento do próprio julgado – deverá ser orienta-da pela boa-fé objetiva (art. 489, § 3º, CPC/2015), como, aliás, devem ser interpretados os negócios jurídicos (art. 113 do Código Civil).

A boa-fé objetiva é um dever de se conduzir com leal-dade perante o outro. É aferível da própria conduta e não da intenção do sujeito.

No plano do direito constitucional processual, pode--se encontrar a boa-fé processual como princípio implí-cito derivado da matriz do devido processo legal, na sua dimensão de devido processo leal.

A boa-fé processual é fonte da própria cooperação processual(17).

Isso quer dizer que a atribuição de significado aos termos usados pela decisão judicial deve ser realizada se-gundo os ditames da lealdade e da boa-fé processuais: não se pode interpretar os termos de uma decisão judicial de forma diferente como se vinha interpretando determina-do esses termos durante o iter procedimental (nemo potest venire contra factum proprium).

A boa-fé processual, objetivamente considerada, é de-ver que orienta a conduta de todos aqueles que, de qual-quer forma, participam do processo (art. 14, II, CPC/1973;

17. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 1. p. 73-82.

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O Novo Código de Processo Civil brasileiro: modelo de direito processual democrático

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art. 77, I a III, CPC/2015), inclusive ao interpretarem as decisões judiciais (art. 489, § 3º, CPC/2015).

Assim sendo, a nova codificação passará a reprimir, também, o abuso na interpretação das decisões judiciais, como espécie de litigância de má-fé, ainda que a sanção não seja diretamente extraída do seu art. 489, § 3º, mas a partir das regras previstas nos arts. 77-80 do Novo Código.

7. CONCLUSÃO

Conclui-se que o novo modelo de direito processual democrático prometido pela Constituição e desenhado pela nova codificação exige melhores decisões judiciais, porque essas decisões não apenas resolvem o caso pos-to a apreciação, como projetam normatividade para o futuro. Para melhores decisões, mais bem fundamenta-das - seja na jurisdição civil, eleitoral ou trabalhista - o novo Código traça uma série articulada de regras as quais,

em conjunto, expressam a ideia do processo cooperati-vo. Os advogados, pelas partes, deverão postular melhor e se comportarem de acordo com a lealdade e a boa-fé. A disputa acirrada jamais justificará a litigância de má-fé. Os advogados e os juízes delimitarão todas as questões a serem resolvidas pela decisão de mérito, permitindo uma adequada e analítica fundamentação. E ainda quando pos-ta a decisão, a sua interpretação também deverá conside-rar as exigências da boa-fé.

Em outras palavras, 2016 promete um direito proces-sual - civil, eleitoral, trabalhista ou administrativo - mais ético, mais plural e mais democrático, com maior quali-dade da prestação jurisdicional (ou administrativa). Mas essas promessas somente constituirão um novo sistema processual se juízes e advogados compreenderem o seu papel nessa transformação e firmarem compromisso pú-blico com sua implementação.