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WEB E CONFLITO AMBIENTAL: A QUESTÃO DA UHE BELO MONTE 1 Geldes de Campos Castro - PPGSA/UFPA - SEMEC Glaucy Learte da Silva - PPGSA/UFPA Rosemberg Batista de Araújo - PPGSA/UFPA Sônia Maria Barbosa Magalhães Santos - PPGSA/UFPA 1 Introdução O gesto de Tuíra, mulher indígena da etnia Kayapó, durante o I Encontro dos Povos do Xingu, em 1989, na cidade de Altamira (PA), ao encostar um facão no rosto do representante do governo, evidencia um conflito que se desenhara ainda na década de 1970: a construção Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Esse gesto, certamente, não revela apenas o conflito. Põe às claras a resistência e a organização, tanto por parte dos atingidos, quanto por parte de indivíduos e grupos organizados em diversos locais do planeta. Anos mais tarde a resistência assume grandes proporções e ganha a Web. A construção de sites, perfis em redes sociais e a realização de campanhas na Internet são a materialização disso. Partimos da perspectiva de que o conflito em torno da construção da Hidrelétrica de Belo Monte é um conflito ambiental (FLEURY e ALMEIDA, 2013) e é resultante de um modelo de desenvolvimento e de governo que se impõe, em detrimento da vida das pessoas e da destruição do planeta (LEROY, 2010). Dessa forma, procuramos responder à seguinte questão: como esse conflito envolvendo Belo Monte se evidencia na Web e quais atores emergem no contexto da resistência e da ação? Nossa hipótese é que no contexto da resistência há uma conformação de redes sociotécnicas, que se compõem na Web e que dão visibilidade ao conflito, evidenciando a existência de diversos atores e projetos em disputa. Objetivando responder a essa questão, a pesquisa centra-se na Campanha “Pare Belo Monte” realizada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre. A escolha se justifica pelo fato dessa campanha se desenrolar por um longo período, evidenciando o conflito em suas várias manifestações. Procuramos fazer uma etnografia da Web (RIFIOTIS, 2016) , de forma particular, destacando as postagens veiculadas no Twitter, através da busca pela hastag #PareBeloMonte e seus conteúdos. Esse foi o ponto de partida. Buscamos nesse fazer etnográfico acompanhar os atores e suas ações (LATOUR, 2012), suas experiências e expectativas. 1 Este artigo faz parte de pesquisa em nível de doutoramento em Ciências Sociais e se situa no âmbito do Grupo de Pesquisas Hidrelétricas e sociedade na Amazônia - HISAM, da Universidade Federal do Pará, com apoio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará - FAPESPA.

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WEB E CONFLITO AMBIENTAL: A QUESTÃO DA UHE BELO MONTE 1

Geldes de Campos Castro - PPGSA/UFPA - SEMEC

Glaucy Learte da Silva - PPGSA/UFPA Rosemberg Batista de Araújo - PPGSA/UFPA

Sônia Maria Barbosa Magalhães Santos - PPGSA/UFPA

1 Introdução

O gesto de Tuíra, mulher indígena da etnia Kayapó, durante o I Encontro dos Povos do

Xingu, em 1989, na cidade de Altamira (PA), ao encostar um facão no rosto do representante do

governo, evidencia um conflito que se desenhara ainda na década de 1970: a construção Usina

Hidrelétrica de Belo Monte. Esse gesto, certamente, não revela apenas o conflito. Põe às claras a

resistência e a organização, tanto por parte dos atingidos, quanto por parte de indivíduos e grupos

organizados em diversos locais do planeta. Anos mais tarde a resistência assume grandes

proporções e ganha a Web. A construção de sites, perfis em redes sociais e a realização de

campanhas na Internet são a materialização disso.

Partimos da perspectiva de que o conflito em torno da construção da Hidrelétrica de Belo

Monte é um conflito ambiental (FLEURY e ALMEIDA, 2013) e é resultante de um modelo de

desenvolvimento e de governo que se impõe, em detrimento da vida das pessoas e da destruição do

planeta (LEROY, 2010). Dessa forma, procuramos responder à seguinte questão: como esse

conflito envolvendo Belo Monte se evidencia na Web e quais atores emergem no contexto da

resistência e da ação? Nossa hipótese é que no contexto da resistência há uma conformação de redes

sociotécnicas, que se compõem na Web e que dão visibilidade ao conflito, evidenciando a

existência de diversos atores e projetos em disputa.

Objetivando responder a essa questão, a pesquisa centra-se na Campanha “Pare Belo

Monte” realizada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre. A escolha se justifica pelo fato dessa

campanha se desenrolar por um longo período, evidenciando o conflito em suas várias

manifestações. Procuramos fazer uma etnografia da Web (RIFIOTIS, 2016) , de forma particular,

destacando as postagens veiculadas no Twitter , através da busca pela hastag #PareBeloMonte e

seus conteúdos. Esse foi o ponto de partida. Buscamos nesse fazer etnográfico acompanhar os

atores e suas ações (LATOUR, 2012), suas experiências e expectativas.

1 Este artigo faz parte de pesquisa em nível de doutoramento em Ciências Sociais e se situa no âmbito do Grupo de Pesquisas Hidrelétricas e sociedade na Amazônia - HISAM, da Universidade Federal do Pará, com apoio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará - FAPESPA.

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Priorizamos as expressões mostradas nas inúmeras fotografias encontradas, uma vez que

estas são registros históricos, documentação e memória. Não é uma técnica complementar, mas um

registro da realidade que captura a atenção do internauta. É construção e exposição de cosmovisões

e cosmopolítica (STENGERS, 2007 e LATOUR, 2007). Não é nossa pretensão, entretanto,

fazermos uma sociologia da imagem, apesar de que certamente não teremos como fugir disso.

Dividimos o texto em três seções: a primeira mostra, ainda que de forma breve, o projeto

Belo Monte, sua construção histórica e os conflitos que se desenharam no percurso. Em seguida,

mapeamos os sites dos principais parceiros do Movimento Xingu Vivo para Sempre para, na seção

seguinte, ver os desdobramentos no Twitter sobre o conflito.

2 Belo Monte: um projeto, muitos conflitos

A hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará, traz em sua trilha uma história marcada

por conflitos, resistências e questionamentos. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) finalizou, por

assim dizer, um processo gestado ainda no ano de 1975, com o início dos Estudos de Inventário

Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, tendo em vista o aproveitamento hídrico da

região amazônica para fins de geração de eletricidade. Esses estudos foram concluídos no início da

década de 1980, prevendo a construção de 7 barramentos para a produção de 19 mil megawatts

(MW), o que provocaria um alagamento de cerca de 18 mil km2, totalizando 12 terras indígenas

com seus cerca de 7 mil índios (FEARNSIDE, 2011).

Com base nas questões pontuadas acima não fica difícil inferir que um projeto dessa

magnitude fosse alvo de séria oposição. O I Encontro dos povos indígenas do Xingu, em fevereiro

de 1989, em Altamira, no estado do Pará, que reuniu cerca de três mil pessoas, foi expressão disso.

Nesse evento, o gesto da índia Tuíra, encostando o facão no rosto de José Antônio Muniz Lopes, na

ocasião diretor da Eletronorte, como sinal de indignação e advertência, ganhou projeção

internacional, sendo mostrado nas páginas de jornais e noticiários do mundo inteiro, dando maior

visibilidade ao conflito. Na ocasião o nome do complexo era apresentado como Kararaô (grito de

guerra na língua Kaiapó), sendo, nesse entretempo, substituído por Belo Monte (ISA).

Após o Encontro de 1989 não houve continuidade ao projeto de construção da hidrelétrica

de Belo Monte. Seja como consequência das mobilizações contrárias, como advogam os

movimentos sociais, seja como consequência da recessão econômica do fim da década de 1980,

conforme alegam representantes do governo (FLEURY e ALMEIDA, 2013). Isso não significa,

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entretanto, que os trabalhos ficassem estagnados em definitivo. Apenas foram sendo reformulados

de modo a adaptar-se às novas situações.

Em 2008 ocorreu o II Encontro dos Povos do Xingu, na cidade de Altamira, objetivando

debater a respeito dos impactos de Belo Monte. Esse evento teve grande visibilidade, uma vez que

conseguiu reunir representantes de populações indígenas, ribeirinhos, movimentos sociais, experts

e organizações da sociedade civil. Ao final, apresentou como documento a Carta Xingu Vivo para

Sempre, contendo, vários questionamentos em relação ao empreendimento. Mais de 100 signatários

referendaram a carta, sendo que mais da metade deles é composta de representantes de nações

indígenas. A partir desse evento dá-se a criação do Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS),

principal opositor local da obra, com braços em várias regiões.

Uma particularidade do processo envolvendo Belo Monte foi a repercussão gerada na

Internet. As ações realizadas em diferentes regiões, dentro e fora do país, são compartilhadas nas

redes sociais, muitas em tempo real, seja em perfis pessoais, seja em páginas criadas tendo em vista

difundir essas ações, implementar debates ou replicar informações veiculadas na rede mundial de

computadores.

Organizações parceiras do Movimento Xingu Vivo para Sempre abrem em seus sites

institucionais seções especiais dedicadas à questão Belo Monte (hotsites ). Fornecem informações

sobre a obra, expõem documentos diversos, tanto aqueles emitidos por órgãos governamentais,

quanto os emitidos por organizações e movimentos. Apresentam as populações atingidas, tais como

ribeirinhos, indígenas e moradores das áreas urbanas afetadas. Ampliam o debate em suas páginas

ou nas redes sociais ligadas a essas instituições. Fazem um trabalho de tradução, de modo que dados

disponibilizados em “dialeto” técnico cheguem em linguagem assimilável aos destinatários.

Em outros dispositivos da Internet, como o canal de vídeos do YouTube e Twitter , são

replicadas as campanhas contrárias ao empreendimento, sendo favorecidas pelas características dos

serviços: as ações são atualizadas sempre que são feitos novos acessos e relembradas sempre que

um novo comentário é postado. A exemplo disso podemos citar o caso da hashtag #PareBeloMonte

que foi mencionada mais de 10 mil vezes. Na seção a seguir, trataremos mais detalhadamente esse

aspecto.

3 Internet e amplificação das vozes dissonantes

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Como dito acima, Belo Monte encontra grande repercussão na Web: Facebook, YouTube,

Twitter e os sites de parceiros e apoiadores do MXVPS são os principais dispositivos utilizados

para que as resistências a Belo Monte sejam mostradas. Mas, além desses, muitas outras iniciativas,

seja de indivíduos, seja de grupos, também concorrem para uma coprodução dos debates e para

amplificação das vozes dissonantes.

O ponto de partida foi o Twitter por causa da praticidade de organização em hastags , o que,

de certa forma, torna a pesquisa menos pesada. As hastags geralmente levam a reportagens, como

mostra um estudo coordenado por Kwak (2010) o qual observou que 85% dos retweets eram

manchetes de notícias diversas. Esse estudo considera que o Twitter não é apenas uma rede social,

mas também um novo meio de comunicação (news media ) e que o Ranking por retweets expõe a

influência dessa nova mídia em uma nova perspectiva.

A busca pela hastag #PareBelo Monte, ou #StopBeloMonte (sua variação em Inglês),

revelou um grande número de tweets de quatro porta-vozes, ou amplificadores do Movimento, os

quais apresentaremos, de forma breve, a seguir: Instituto Socioambiental (ISA), International

Rivers, Amazon Watch e Interamerican Association for Environmental Defense (AIDA).

3.1 Instituto Socioambiental - ISA

O Instituto Socioambiental se apresenta na seção “quem somos”. Diz que é uma

organização da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos, com a finalidade de propor soluções

de forma integrada às questões sociais e ambientais. Seu centro de atuação, define, é a defesa de

bens e direitos sociais relativos ao ambiente, patrimônio cultural e aos direitos humanos e dos

povos. Possui sede em São Paulo (SP) e subsedes em Brasília (DF), Manaus (AM), Boa Vista (RR),

São Gabriel da Cachoeira (AM), Canarana (MT), Eldorado (SP) e Altamira (PA), epicentro da

problemática de Belo Monte.

Em relação a Belo Monte, o site do ISA passou por modificações ao longo do tempo. Antes,

Belo Monte ocupava uma posição bem destacada. Não sendo necessário procurar as informações.

Havia um banner na parte superior indicando logo a posição ocupada por essa questão, ligando

facilmente à página do especial intitulado “A polêmica da usina de Belo Monte”, disponibilizado

em fevereiro de 2003. Posteriormente, esse banner foi substituído por outro, um dossiê sobre Belo

Monte, publicado pelo ISA em junho de 2015

(https://www.socioambiental.org/pt-br/dossie-belo-monte), intitulado “Belo Monte – Não há

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condições para a Licença de Operação ”, com dados atualizados, voltados principalmente para a

Licença de operação - LO.

O especial “A polêmica da usina de Belo Monte”, passou a ser localizado na parte inferior

do site, juntamente com outros 16 especiais mantidos pelo ISA, sendo acessado pelo seguinte

endereço: https://www.socioambiental.org/esp/bm/index.asp. É um informativo sobre a polêmica,

com 14 tópicos sobre a questão: Abertura, noticias, características, localização, histórico, impactos

socioambientais, destino da energia gerada, alternativas, o que dizia a Eletronorte no governo FHC,

o que diz o especialista, o que diz o movimento social, vídeos, condicionantes, para saber mais. O

item notícias e artigos mantem dados de dezembro de 1997 a 16 de janeiro de 2016.

O especial, com foco no Dossiê, evidencia as ações na justiça, destacando a suspensão da

licença de operação de Belo Monte. Afirma que as ações previstas não foram concretizadas,

causando impactos adversos sobre a organização socioeconômica e a autonomia política das

aldeias.

3.2 International Rivers

O site da International Rivers mantém uma seção sobre as campanhas da organização, dentre

as quais há uma sobre Belo Monte. O site é editado em Chinês, Português, Espanhol e Inglês. As

edições dão destaque inicial para as reportagens editadas nas respectivas línguas, dessa forma, a

questão Belo Monte ocupa destaque quando se solicita o idioma Português

(http://www.internationalrivers.org/pt-br/recentes-content-português), aparecendo no item

“Campanhas”, ao lado de “Amazônia Viva”.

Nas versões em outras línguas não se nota o mesmo destaque. Ao clicar no link

(http://www.internationalrivers.org/pt-br/campaigns/belo-monte-dam) tem-se acesso ao especial

Belo Monte em duas línguas: Português e Inglês. Há links para um mapa, uma cartilha de quatro

páginas sobre Belo Monte, ambos datados de 2012, bem como outras informações. Há ainda um

link para o blog, mas na ocasião (09/03/2014) o link levava a uma página inexistente, o que pode

indicar que o blog teria sido desativado.

3.3 Amazon Watch

Com o site publicado apenas em Inglês, a Amazon Watch se apresenta em duas seções

principais: Our Work e About us . Na seção “Our Work ” (http://amazonwatch.org/work), mostra

que mantém campanhas em quatro países: Brasil, Peru, Colômbia e Equador. No Brasil, afirma que

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apoia as comunidades locais na luta pelos direitos humanos fundamentais, bem como os esforços

em preservar os rios e as florestas tropicais da Amazônia.

Na seção “About us ” (http://amazonwatch.org/about), encontramos algumas definições

importantes. Ela se divide em três itens: The Amazon: A Global Treasure , Our Mission e Our

Vision. No primeiro, afirma que as florestas tropicais nos sustentam, pois ajudam a regular o clima

global e manter o frágil equilíbrio da terra. A floresta amazônica, além de ser é a maior, tem a maior

biodiversidade tropical do mundo, abrigando um terço das espécies animais e vegetais do planeta,

ao tempo em que produz um quinto de toda água fresca que flui no planeta. Em “Our Mission ” a

Amazon Watch se define como uma organização sem fins lucrativos fundada em 1996, com a

finalidade de proteger a floresta tropical e os direitos das populações indígenas da bacia amazônica.

Faz parcerias com organizações indígenas e ambientais em campanhas pelos direitos humanos,

responsabilidade social e e preservação dos sistemas ecológicos da Amazônia. No item “Our

Vision ” afirma que vislumbra um mundo no qual a dignidade, valores culturais e diversidade

biológica e a contribuição crítica das florestas tropicais para o sistema de suporte para a vida no

planeta.

Até junho de 2014 o layout do site não mostrava de imediato a seção dedicada a Belo

Monte, sendo necessário fazer uma busca nos menus suspensos. A aba “our work ”, a mostrava as

campanhas ativas da organização, entre elas, Belo Monte

(http://amazonwatch.org/work/belo-monte-dam). O endereço direciona para uma página com

informações sobre Belo Monte. A seção segue com informações detalhadas sobre o Projeto, com

links diversos, referências bibliográficas consultadas, além de ligações externas para as principais

redes sociais.

A campanha Stop the Belo Monte Dam abre com a seguinte manchete: Brazil's Belo Monte

Dam: Sacrificing the Amazon and its Peoples for Dirty Energy . A tela se abre com uma

fotografia, informando créditos de autoria a Christian Poirier, intitulada Traditional fishing in the

Xingu , mostrando um indígena com arco e flecha apontando para o rio, uma referência a um modo

tradicional de vida e dependência ao rio: pesca, água, transporte etc.

Afirma que o governo brasileiro está construindo a terceira maior hidrelétrica do mundo no

rio Xingu, o maior afluente do Amazonas que devastará uma área superior a 1500 quilômetros

quadrados de floresta tropical, causando um deslocamento compulsório de mais de 40 mil pessoas.

O projeto causa um impacto nos modos de vida e subsistência de centenas de ribeirinhos, povos

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indígenas, além das famílias e comunidades do meio urbano. Ressalta que rio Xingu é símbolo da

diversidade cultural e biológica e o lar de cerca de 25.000 indígenas, de 40 diferentes grupos

étnicos.

O especial apresenta também a linha do tempo construída pela International Rivers,

intitulada “A Lifetime of Injustice - the History of the Belo Monte Dam ”. Destaca ainda a situação de

Altamira após o início das obras em 2011, como o aumento populacional, o colapso da saúde e

educação, o aumento da violência e falta de saneamento básico.

Afirma ainda que as populações indígenas, especialmente os Arara e Juruna têm sofrido com

o processo de desintegração cultural, alcoolismo, depressão, divisões internas e conflitos. Além

disso, a construção de barragens impacta na qualidade da água dos rios, comprometendo a

segurança alimentar e da água, uma vez que as populações tradicionais e os indígenas necessitam

das águas do Xingu para beber, banhar, pescar, além do transporte. A campanha Stop Belo Monte

Dam , segundo o site, tem sido conduzida pela Amazon Watch desde 2010, cujos esforços são

direcionados para mostrar a violação dos direitos humanos e do caos ambiental deixado pela

construção da barragem.

3.4 Interamerican Association for Environmental Defense (AIDA)

A Associação Interamericana para a defesa do Ambiente - AIDA - foi fundada em 1988 e se

define como uma organização internacional não-governamental de direito ambiental, que trabalha

além fronteiras para defender os ecossistemas ameaçados, bem como as comunidades que deles

dependem. Afirma que equilíbrio ambiental e direitos humanos não podem ser protegidas dentro

das barreiras políticas das nações individuais. Os 35 países do hemisfério estão unidos sob uma

bandeira ambiental comum. Os problemas internacionais requerem respostas internacionais, e a

AIDA desenvolve estratégias transnacionais para enfrentar os desafios ambientais e os direitos

humanos voltados para o século 21.

No item “Contact Us ” (http://www.aida-americas.org/contact) a AIDA apresenta endereços em

cinco diferentes países: Colômbia, Costa Rica, México, Peru e Estados Unidos. Afirma ainda que a

AIDA pode ser contatada a partir de qualquer uma das dez organizações participantes. Como

parceiros a organização lista os seguintes: Movimento Xingu Vivo; Sociedade Paraense de Direitos

Humanos; Justiça global; International Rivers; Instituto Socioambiental.

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No site da organização, as discussões sobre Belo Monte estão inseridas na categoria

“Human Rights & Environment ”, sendo encontrado no seguinte caminho: Our Work / Human

Rights / The Belo Monte Hydroelectric Dam. Apesar do site ser editado em Inglês e Espanhol, há a

opção de ver a seção de Belo Monte em Português

(http://www.aida-americas.org/our-work/human-rights/belo-monte-hydroelectric-dam). Dá

destaque à polemica em torno da hidrelétrica, enfatizando as questões de direitos humanos. Mostra

que os problemas de estudos de impacto ambiental e social são pouco abrangentes e que os acordos

de compensação não são claros.

Afirma também que a construção trouxe consigo inúmeros impactos, entre os quais se

destacam a perda do acesso a água, alimento, moradia, trabalho e transporte fluvial de milhares de

pessoas, assim como a ausência de processos de consulta e consentimento prévio, livre e informado

às comunidades indígenas afetadas.

O site possui um link que direciona para mais informações sobre Belo Monte

(http://www.aida-americas.org/sites/default/files/projects/belo_monte_fact_sheet_port_16-01-15.pd

f). O endereço mostra um documento de cinco páginas em pdf com timbre da AIDA, intitulado

“Caso Belo Monte, Brasil”. Inicia colocando informações como localização e tamanho da usina.

Afirma que o EIA não é adequado; fala que houve violação ao direito à consulta e ao consentimento

livre, prévio e informado das comunidades indígenas; afirma também que Belo Monte causou e

continuará causando mudanças dramáticas no rio Xingu e nas terras que o rodeiam; que Belo Monte

é um “portão de entrada” para novas barragens no rio; prossegue dizendo que apesar do

descumprimento das condicionantes sociais e ambientais exigidas pela licença ambiental prévia e as

medidas cautelares outorgadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o

Brasil segue avançando com a construção de Belo Monte.

Algumas dessas organizações deixam mais, outras menos clara a relação de parceria com o

MXVPS. De fato, todas fazem alguma relação com o Movimento. Seja construindo hiperligações

entre eles, seja mostrando os trabalhos realizados que de alguma forma envolveram algum tipo de

parceria. Em alguns casos, a relação se mostra ao dar voz aos atores do movimento, destacando a

atuação, história de vida ou a construção de narrativas, o que se dá por meio de produção de vídeos,

fotografias, reportagens e replicação nas redes sociais.

Os parceiros, amplificadores (FRIEDBERG, 1993) ou porta-vozes (AKRICH, CALLON,

LATOUR, 1988), são necessários para a redução da incerteza e para o trabalho de tradução

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(Latour). Percebemos a conformação de uma rede em que diferentes atores se relacionam. Cada

organização dá enfoques de acordo com seus perfis de atuação lançando mão de sua expertise e de

seus experts para construir um contra-discurso aos desafios que se apresentam aos atores. São eles

que, em certa medida, permitem que dados formulados em linguagem técnica chegue ao alcance dos

destinatários - e que aqui não são simples destinatários como podem ser entendidos em uma visão

tradicional de comunicação, mas em uma visão de sociedade em rede (CASTELLS e CARDOSO,

2005) em que os destinatários também são coprodutores da informação.

Há uma relação imbricada cuja formação não se dá apenas entre humanos. Ela se

desenvolve e se expande a partir de uma relação não linear, mas em formato de redes, ao que Latour

(1994) acertadamente comenta: “Mais flexível que a noção de sistema, mais histórica que a de

estrutura, mais empírica que a de complexidade, a rede é o fio de Ariadne destas histórias confusas”

(p. 9). Uma rede mediada e facilitada pela máquina, o computador. Um espaço fértil para a

produção da informação e do conhecimento e aberta às novas configurações sociais, ao que Latour

(1994) chama de redes sociotécnicas.

4 A Campanha Pare Belo Monte

Em 01 de dezembro de 2015 o movimento Xingu Vivo lançou uma postagem em sua página

em tom de balanço provisório sobre a luta contra Belo Monte. O título “Pare Belo Monte, o grito

que segue” (http://www.xinguvivo.org.br/2015/12/01/pare-belo-monte-o-grito-que-segue/), faz um

breve balanço sobre a situação das populações envolvidas. A motivação da postagem veio após a

concessão da Licença de Operação (LO) de Belo Monte, o que ocorrera em 24 de novembro, na

semana anterior. O Movimento afirma que a emissão da LO contraria os pareceres da Comissão

Nacional para os Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública do Estado do Pará, assim como

o do Ministério Público Federal.

Caracterizou a LO como uma decisão que foi tomada considerando apenas o viés político,

contrariando os critérios legais, técnicos e climáticos, o que demonstra um desdém pelas

populações. Relaciona Belo Monte ao desastre ocorrido em Mariana, Estado de Minas Gerais, bem

como ao índice de desmatamento na área de influência de Belo Monte. Afirma que a concessão da

LO é uma tentativa de silenciar a resistência à hidrelétrica. Uma vez construída e em

funcionamento, quais mecanismos poderão ser utilizados para se ter alguma possibilidade de

reparação? Fazer funcionar significa trazer ao esquecimento os crimes cometidos pelo governo. Os

resistentes e os violados, são esses que permanecem em Belo Monte. Mas quem são eles? A mesma

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postagem afirma que o governo está equivocado e enumera quem são os que permanecem na área

de Belo Monte e que chama de resistentes e violados:

Pois engana-se o governo. Seus tão apregoados empregos acabaram, e hoje o que há na área de Belo Monte é um exército de miseráveis, sem terra, sem roça, sem peixes e sem canteiro de obras. Os desempregados, os indígenas, os carroceiros, os oleiros, os ribeirinhos, os camponeses e todos que tiveram suas vidas destroçadas continuam lá, ainda vivos. Ainda vivos apesar da violência e das chacinas que hoje são cotidianas em Altamira. Ainda vivos apesar da ameaça de transformar seu rio em uma enorme cloaca a céu aberto, por deficiente o sistema de esgotamento da cidade. Ainda vivos apesar do enchimento do reservatório da barragem poder ocorrer em época de chuva e ameaçar colocar debaixo d’água o território do Xingu, campo e cidade.

Fonte: http://www.xinguvivo.org.br/2015/12/01/pare-belo-monte-o-grito-que-segue/

Articulada pelo MXVPS e pelo Comitê Metropolitano, em Belém, Pará, a Campanha

apresenta como logomarca um fundo preto com uma mão humana vermelha espalmada. À direita

(algumas variações com o letreiro abaixo) a inscrição “Pare Belo Monte”. Abaixo, em caixa alta, a

inscrição “usina de destruição e morte”. Há ainda uma variação em que a mão humana é substituída

por uma pata de um felino, com a inscrição: “milhões de animais serão assassinados”.

Fonte: Web

Nada parece ser ao acaso e a logomarca evidencia isso. Tanto humanos quanto não humanos

serão sacrificados, ou, nas palavras do Movimento, serão “assassinados”. A palavra assassinato se

refere a uma ação intencional. Não é, entretanto um termo jurídico, uma vez que não existe um

delito no direito brasileiro com esse nome. Homicídio ou latrocínio são as referências jurídicas.

4.1 Os rostos da resistência

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Os diversos sites das organizações parceiras do Movimento mostram os rostos das pessoas

que mantém resistência a Belo Monte. Dentre as diversos faces se destaca a atuação de Antônia

Melo, líder do Movimento Xingu Vivo Para Sempre. São fotografias, vídeos, reportagens e

depoimentos de membros e pessoas ligadas ao Movimento.

(https://twitter.com/AmazonWatch/status/644720017813164033)

A postagem faz referência aos questionamentos dessa liderança a respeito de Belo Monte e

sobre o envolvimento das pessoas nas tomadas de decisões, sobre o que se esconde por detrás da

energia que gera conforto. Em outros termos, chama a atenção das pessoas para a resposabilização

sobre o que será deixado para as futuras gerações e sobre a possibilidade de outras possibilidade de

ser e de viver.

Esses “outros possíveis” constituem um ponto fundamental. Pensar que há outras

possibilidades, implica em pensar em possibilidades de ver o mundo, de nele habitar, de construir

saberes, ou de relativizar aqueles que se impõem como dominantes, o que Stengers (2007)

denomina como Cosmopolítica. Da mesma forma há que se repensar a política, fazendo possível a

tentativa de Stengers de juntar o termo “política” ao que ela chama de “enigmático termo cosmos”.

Desse modo, faz sentido a interrogação de Latour (2004): será que podemos viver no mesmo

planeta, sabendo que temos definições completamente diferentes sobre o planeta, sobre o que é

viver e o que é estar junto? A sua interrogação nos chama a continuar a considerar a proposta

cosmopolítica. Junto a Stengers, embora com suas singularidades de pensamento, Latour pensa a

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Cosmopolítica e essa possibilidade de viver juntos apesar das diferenças. Reconhecendo a filiação

da construção teórica a Stengers, Latour afirma que a “política” são os humanos e o “cosmos” são

as coisas. Há uma necessidade de unir os dois, pois separados não são o bastante. Ou nos fechamos

na política, considerando que apenas os humanos e suas reproduções, ou nos encerramos em um

naturalismo em que apenas o cosmos interessa, ou, utilizando as palavras do autor, pode-se afirmar

que “a cosmopolítica permite impedir que os dois se fechem: o cosmos está lá para impedir que a

política se feche, e a política, para impedir que o cosmos se feche. O cosmos não é

mononaturalizado, ele é a expressão de uma política ” (LATOUR, 2004: 406).

Outro link com referência a Antônia Melo aponta para uma reportagem do jornal El País

(http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/14/opinion/1442235958_647873.html), assinada pela

jornalista Eliane Brum e trata sobre a demolição da casa dessa liderança, a quem a reportagem

chama de a “maior liderança popular do Xingu”, “a maior árvore do Xingu”, “resistente”, “aquela

que jamais vai se calar”. Essa não é a única reportagem a trazer a resistência de Antonia Melo em

defesa de sua casa. Outra reportagem disparada no Twitter traz sua luta como destaque.

(https://twitter.com/mayirigaray/status/642309678932869120)

Desta vez o link aponta para o site da Amazon Watch. A reportagem em Inglês destaca a

história de Antonia Melo. Uma foto de abertura mostra Antonia segurando um cartaz no qual se lê:

Belo Monte não coseguirá destruir a memória de vida da minha casa”. Demonstra que a

coordenadora, e líder do Movimento de Mulheres por mais de duas décadas, é o coração do

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Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Na reportagem, denuncia o que chama de crime

socioambiental, o que se dá também pelas violações em curso, as quais enumera: o bloqueio e

barramento do rio sem licença, o não cumprimento das condicionantes, como a preparação da

região para receber o projeto, demarcação de terras indígenas e a implementação de serviços de

educação e saúde, que são direitos humanos fundamentais.

O vídeo Voices of Xingu , disponibilizado no site da Amazon Watch

(http://amazonwatch.org/news/2014/0213-voices-of-the-xingu-antonia-melo-amazon-warrior), e

que faz parte de uma série feita pela Amazon Watch intitulada Vozes do Xingu, contanto a história

das pessoas que tiveram suas vidas alteradas pela construção de Belo Monte, mostra de forma breve

a história de Antonia Melo, contada por ela mesma. Destaca que nasceu no Estado do Piauí, mas

que que sua família mudou para o Pará ainda aos 4 anos, por isso se considera, de coração,

amazônida, altamirense. A fala de Melo é entrecortada por depoimentos de pessoas que a conhecem

e a acompanham na luta. O vídeo apresenta Antônia como a guerreira da Amazônia, título que é

recuperado, inicialmente, da fala de uma jovem ativista ao afirmar: “Antônia Melo é uma guerreira.

É uma mulher que luta pela vida do Xingu e da Amazônia”. O título de guerreira é repetido na fala

de mais dois dos depoimentos seguintes.

Em sua fala, mostra que há uma relação do rio com o Planeta como um todo. Da mesma

forma que diz haver uma relação na luta: não é uma luta dela, mas sim de todos. “Se o Xingu for

assassinado, como está sendo, se ele for morto, o Planeta todo também está morrendo ”. Mostra

também a importância do rio para os povos indígenas: “Belo Monte significa a destruição da vida

do rio Xingu. Significa a destruição dos povos do Xingu. O rio Xingu é um rio indígena. O seu

território em sua maior parte são terras indígenas. Destruindo os povos do Xingu, destroem o meio

ambiente ”.

Os atores individuais, organizacionais e institucionais se comprometem em um esforço

coletivo de definição e de controle da situação percebida como problemática. Expressam, discutem

e julgam opiniões; localizam problemas, lançam sinais de alerta ou de alarme. Dois elementos, por

assim dizer, caminham paralelamente: a situação em evidência e a dinâmica de produção dos atores.

Tanto um quanto outro, são processos em construção permanente. As formas de experiência, de

opinião e de ação pública estão constantemente se auto-instituindo (CEFAI, 2002).

O vídeo conclui com Antonia Melo cantando uma canção em homenagem à Tuíra, mulher

indígena que no Encontro dos Povos do Xingu encostou o facão no rosto do representante da

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Eletronorte. Fica evidente outro rosto a se opor historicamente: o gesto da índia Tuíra no I Encontro

dos Povos. Muitas são as referências a esse gesto e a essa mulher que se opôs de forma contundente

ao encostar o facão no rosto do representante da Eletronorte. Tuíra também é apresentada como

guerreira, mas sua denominação parece ser mais literal que metafórica. O gesto e o facão, alçado à

categoria de arma e não de artefato de trabalho, evidenciam isso.

Figura: Tuíra no Primeiro Encontro dos Povos do Xingu Fonte: Web

Outra que aparece como guerreira é a indígena Sheila Juruna. Desta vez em postagem do

Comitẽ Metropolitano. Sheila também aparece em vídeos, postagens, fotografias. Sua denominação

de guerreira, a exemplo de Tuíra também parece ser literal. É tida como uma das mais importantes

representantes dos grupos que lutam contra a construção de Belo Monte.

O MXVPS fala que ela é “um símbolo da resistência a construção da usina de Belo Monte.

Mulher, guerreira indígena, determinada e implacável, tem levado o grito do Xingu em atos,

palestras e debates pelo Brasil, e pelo mundo afora, sempre bradando, firme e forte, contra a

destruição da floresta, do rio e da vida na Amazônia” (Movimento Xingu Vivo para Sempre).

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4.2 Dos resistentes às resistências

Dos resistentes Campanha Pare Belo Monte mostras as resistências. São protestos,

ocupações a canteiros de obras, manifestações. As postagens mostram a abrangência da resistência.

Não é apenas uma motivação ou uma atitude local, mas encontra porta-vozes em muitos lugares. A

seguir mostraremos algumas dessas manifestações.

Fonte: Web

A imagem acima é exemplo do uso extensivo da fotografia no caso Belo Monte. Foi feita

durante ocupação no canteiro de obras, em 15 de junho de 2012, por ocasião do Encontro Xingu

+23, evento paralelo à Conferência Rio +20, promovido pelo MXVPS, que ocorreu entre os dias 13

e 16 de junho daquele ano. Nessa ocasião, a ensecadeira (barramento provisório) foi ocupada por

manifestantes, cerca de 300 pessoas, que romperam esse barramento e formaram a frase “Pare Belo

Monte”. As fotografias feitas por fotógrafos e cinegrafistas em sobrevoo pela área, rapidamente

“viralizaram” na Web e podem ser encontradas facilmente na rede. Uma simples busca no Google

com a expressão “pare Belo Monte” de imediato mostra essas imagens como principais resultados.

No processo de amplificação das demandas do movimento e demais manifestações, a

fotografia ocupa um importante papel. As imagens não são escolhidas ao acaso. Revelam uma

preocupação de mostrar as diversas situações que se apresentam. A fotografia, nesse caso, é vista

como uma forma de ativismo. Isso é o que mostra Michelle Bogre (2012), no livro Photography as

activism: images for social change: “Almost from the time it was invented, photography was

recognized by both protographers and social activists as a great “activist” tool for people who

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wanted to expose social injustices. Activistas and reformers used the camera as a research tool and

as an instrument for social reform ” (pag. XIV).

Desse modo são documentados conflitos étnicos, guerras, situações de extrema pobreza,

conflitos socioambientais, entre outros. Mas não apenas documentados, são registros que

comunicam de imediato e que expõem de forma clara as mazelas sob as quais estão assentadas as

relações sociais. No caso de Belo Monte há amplo registro dos mais diversos aspectos e situações:

manifestações e protestos, cotidiano, modificações ambientais causadas pelas obras, aspectos

culturais (momentos rituais, por exemplo).

Os protestos e manifestações não ocorrem apenas na área de influência de Belo Monte,

como Altamira e cidades vizinhas. Vários outros lugares são palco de eventos contrários à

construção de Belo Monte. Um tweet de Maira Irigaray, ativista da Amazon Watch, mostra uma

ação ocorrida na cidade de Paris, na França.

O link leva a uma reportagem da Rádio francesa RFI, sobre esse protesto, realizado em 14

de março de 2014, em frente às multinacionais que financiam Belo Monte, no bairro de negócios de

La Défense, como as gigantes EDF e DDF Suez e a companhia de transportes Alstom. Esse protesto

foi organizado por organizações internacionais de apoio aos povos indígenas, como Planeta

Amazônia, Amazon Watch e GITPA (Grupo Internacional de Trabalho para os Povos Autóctones).

A reportagem destaca a presença da liderança indígena Sonia Guajajara, a qual afirma que os índios

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não são contra o desenvolvimento do Brasil, mas que esperam respeito pelo pouco que sobrou de

suas terras no território nacional. Afirma ainda a necessidade de outro modelo de energia que cause

menos impactos ao ambiente, à biodiversidade e aos povos indígenas, considerando que a

construção de hidrelétricas causa um impacto irreversível.

Outro Tweet de 06 de maio de 2013 mostra um indígenas olhando um grupo de policiais de

armas em punho. A imagem desfoca o indígena, dando projeção aos policiais. Na legenda: “A luta

contra o projeto da barragem de Belo Monte continua forte apesar da repressão”. A fotografia dá

ideia de ameaça. O mais forte subjuga o mais fraco e o empurra à força para outro lugar. Quem

resiste, move-se, mas olha para trás. Não falta coragem, mas as armas mostram uma desigual

relação de forças

(https://twitter.com/Nikos_Los/status/331434221275082752)

Um protesto foi de pescadores impedindo a saída da balsa que conduzia as máquinas e

trabalhadores das obras da barragem foi outro destaque. O protesto foi contra a decisão de fechar

definitivamente o rio sem que a categoria tenha sido consultada, ou mesmo informada sobre essa

decisão do IBAMA. Cobravam do órgão uma posição sobre como iriam desenvolver suas

atividades, no caso a pesca. E, ainda, como seria a transposição dos barcos uma vez que o rio estava

fechado.

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(https://twitter.com/IgorBdAngelis/status/248803957621796865)

Na Web pululam fotografias, textos, hastags , depoimentos, comentários, debates. A palavra

de ordem é “Pare Belo Monte”. Mas esses gritos parecem neutralizados aos ouvidos do governo

que, mesmo diante das manifestações contrárias, e em alinhamento o grande capital, prossegue com

seu projeto, tido como de morte pelo Movimento. Decerto as oposições ao projeto fizeram com que

o governo o realinhasse e readaptasse no decorrer da história, mas mesmo assim permaneceu

contrário aos interesses daquela relação de categorias mostradas pelo MXVPS, que foram alijadas

durante o processo: Os desempregados, os indígenas, os carroceiros, os oleiros, os ribeirinhos, os

camponeses. Esses, compõem o rosto da resistência.

5 Conclusão

Belo Monte se apresenta como um local de conflito. A sua construção histórica foi sendo

palco de vários eventos em que eles se manifestaram. A Web evidenciou e deu visibilidade a várias

dessas manifestações. As diversas campanhas e a ação dos porta-vozes e amplificadores da

resistência, materializada localmente no Movimento Xingu Vivo para Sempre são fatores que

potencializam essa evidência.

Dentre as campanhas que tomaram forma e ganharam corpo na Web, a mais difundida foi a

“Pare Belo Monte” transformada em hastag (#PareBeloMonte) a qual foi efetiva por evidenciar e

conferir significado à resistência, ganhando força nas redes sociais e sendo renovada

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continuamente. Mostra o conflito de forma detalhada em suas várias faces e momentos. Mostra

também os rostos dos resistentes e as formas da resistência.

Mantém forte apelo visual, através de fotografias de diversas ações e momentos de

conflitos. As postagens e tweets mostram a forma de luta dos atingidos e seus intermediadores, na

conformação de redes sociotécnicas (LATOUR, 2012). A adesão às campanhas mostra uma

aproximação de ideias, as quais postulam horizontes de “outros possíveis”, ou uma cosmopolítica

(STENGERS, 2007 e LATOUR, 2007). Leva a pensar que há outras alternativas, notadamente,

possibilidades de ver o mundo, de nele coabitar, construir saberes, assim como relativizar aqueles

que se impõem como dominantes.

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6 Referências

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