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ABENO Associação Brasileira de Ensino Odontológico

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ABENOAssociação Brasileira de Ensino Odontológico

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Presidente Alfredo Júlio Fernandes NetoUniversidade Católica de Brasília - Curso de OdontologiaNova Sede QS 07 Lote 01 - CEP 72030-170Águas Claras - Brasília - DFTel .: (61) 3356-9611E-mail: [email protected]

Editor CientíficoJosé Luiz Lage-Marques

Copyright © Associação Brasileira de Ensino Odontológico, 2005Todos os direitos reservados .Proibida a reprodução no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização da ABENO .

Catalogação-na-publicação(Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo)Revista da ABENO/Associação Brasileira de Ensino Odontológico . – Vol . 1, n . 1, (jan .-dez . 2001) .– São Paulo : ABENO, 2001-Quadrimestral (a partir do Vol . 7, n . 1)ISSN# 1679-59541 . Odontologia (Periódicos) I . Associação Brasileira de Ensino Superior (São Paulo)II . ABENOCDD 617 .6BLACK D05

Associação Brasileira deEnsino OdontológicoAssociação Brasileira deABENO

iC - imprensa Científica Editora Ltda.Rua Alice Macuco Alves, 148, cj . 2 - CEP 05453-010São Paulo - SPTel .: (11) 3021-0163Fax: (11) 3023-3165www.ic.com.br

Produção editorialRicardo Borges Costa

Apoio para esta edição:Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

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Revista da ABENO • 7(1):3-4 �

Sumáriov. 7, n. 1, janeiro/abril - 2007ArtigoSDentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da uNimoNtES

Human teeth for dental education: origin, use, disinfection and preservation by students at UNIMONTES UniversitySimone de Melo Costa, Soraya Mameluque, Eduardo Lima Brandão, Ana Elizabeth Martins Antunes Melo, Cássia Pérola dos Anjos Braga Pires, Edson José Carpintero Rezende, Kaissy Mendes Alves . . . . . . . 6

o estudante de odontologia e a questão dos estágios

The dental student and the internship issueRicardo Henrique Alves Silva, Arsenio Sales-Peres, Carina Thaís de Almeida, Sílvia Helena de Carvalho Sales-Peres . . . . . . . . . 13

Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire

Knowledge and learning – the ageless Paulo FreirePedro Demo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria

Analysis of the difficulties faced by undergraduate students while determining tooth lengthJoão Marcelo Ferreira de Medeiros, Sandra Marcia Habitante, Nivaldo André Zöllner, Pedro Luiz de Carvalho, Claudia Auxiliadora Pinto, José Luiz Lage-Marques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática

Making structured clinical questions for research purposes: a practical approachCláudio Rodrigues Leles, Lorena Batista de Oliveira, William José Morandini, Erica Tatiane da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

A formação do dentista no contexto do século XXi: a pesquisa como princípio pedagógico

The training of the dentist in the XXIst century: research as a pedagogical principleSônia Maria Vicente Cardoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

A preocupação social nos currículos de odontologia

Social concern in the dentistry curriculumRafael Gomes Ditterich, Priscila Paiva Portero, Leide Mara Schmidt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

A Revista da ABENO é umapublicação oficial da

Associação Brasileira de Ensino odontológicoPresidente de Honra: Edrízio Barbosa Pinto (PE)

Presidente:Alfredo Júlio Fernandes Neto

Vice-presidente:Orlando Ayrton de Toledo

Editor Científico:José Luiz Lage-Marques (FO-USP)([email protected])

Editores Adjuntos:Cléo Nunes de Souza (UFSC)Luísa Isabel Taveira Rocha (UFG)Nelson Rubens Mendes Loretto (UPE)Vera Lúcia Silva Resende (UFMG)

Conselho Editorial:Álvaro Della Bona (UPFundo)Antonio Carlos Bombana (FO-USP)Carlos de Paula Eduardo (FO-USP)Carlos Eduardo Francischone (FOB-USP)Carlos Estrela (FO-UFG)Célia Marisa Rizzatti Barbosa (UNICAMP)Cinthia Pereira M . Tabchoury (UNICAMP)Cláudio Luiz Sendyk (FO-USP)Denise Tostes Oliveira (FOB-USP)Eduardo Batista Franco (FOB-USP)Esther Goldenberg Birman (FO-USP)Eduardo Dias de Andrade (FOP-UNICAMP)Eduardo Saba Chujfi (UNICASTELO)Elaine Bauer Veeck (PUC-RS)Élito Araújo (UFSC)Euloir Passanezi (FOB-USP)Fernando Ricardo Xavier da Silveira (FO-USP)Francisco José de Souza Filho (FOP-UNICAMP)Izabel Cristina Froner (FORP-USP)Jaime Aparecido Cury (FOP-UNICAMP)Jesus Djalma Pécora (FORP-USP)João Humberto Antoniazzi (FO-USP)Jorge Abrão (FO-USP)José Eduardo de Oliveira Lima (FOB-USP)José Ranali (FOP-UNICAMP)Liliane Soares Yurgel (PUC-RS)Luiz Carlos Pardini (FORP-USP)Luiz Clovis Cardoso Vieira (UFSC)Manuel Damião de Sousa Neto (UNAERP)Márcia Martins Marques (FO-USP)Marcio Fernando de Moraes Grisi (FORP-USP)Marco Antonio Bottino (FOSJC-UNESP)Marco Antonio Campagnoni (FOAR)Maria Aparecida de A . M . Machado (FOB-USP)Maria Celeste Morita (UEL)Maria da Graça Kfouri Lopes (UNICENP)Maria José de Carvalho Rocha (UFSC)Maria Regina Sposto (FOA-UNESP)Neusa de Lima Moro (UFPar)Nilza Pereira da Costa (PUC-RS)Roberto Brandão Garcia (FOB-USP)Roberto Miranda Esberard (FOAR-UNESP)Rodney Garcia Rocha (FO-USP)Rosemary Sadami Arai ShinkaiSimone Tetu Moysés (UFPar)Sylvio Monteiro Júnior (UFSC)Vania Ditzel Westphallen (PUC-PR)

indexaçãoA Revista da ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico está indexada nas seguintes bases de dados: BBO - Bibliografia Brasileira de Odontologia;LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde .

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internet – um recurso didático

The Internet – a teaching resourceElaine Manso Oliveira Franco de Carvalho, José Luiz Lage-Marques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual

Endodontics at the undergraduate level with presence teaching and distance support: a motivational strategy for individual studyMary Caroline Skelton-Macedo, Cristiany Castro Basilio, Nilden Carlos Cardoso Alves, Viviane Pereira Marques, Moacyr Ely Menéndez-Castillero, Rielson José Cardoso Alves . . . . . 68

tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia

Information and communication technologies in dental educationVania Fontanella, Márcia Schardosim, Maria Cristina Lara . . . . . . . 76

Conhecimento dos professores e alunos da uNimoNtES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação

Knowledge held by professors and students from Unimontes University on the protocol and recommended conducts in case of accidents with the risk of contaminationAdriana Benquerer Oliveira Palma, José Mendes da Silva, Mania de Quadros Coelho, Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu, Vera Lúcia Silva Resende, Victor Fernandes Tavares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

A graduação em odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças

The Dentistry undergraduation course from the perspective of graduates: proposed changesOtavio Fernando Genta Cordioli, Nildo Alves Batista . . . . . . . . . . . . 88

APêNDiCENormas para apresentação de originais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

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Associação Brasileira de Ensino odontológico

DirEtoriA (2006 a 2010)

Presidente de HonraEdrízio Barbosa Pinto

PresidenteAlfredo Júlio Fernandes Neto

Vice-PresidenteOrlando Ayrton de Toledo

Secretário geralOdorico Coelho da Costa Neto

1o SecretárioVanderlei Luiz Gomes

tesoureiro geralRicardo Alves Prado

1o tesoureiroSérgio de Freitas Pedrosa

Conselho FiscalEduardo Gomes Seabra (Presidente)Luiz Alberto Plácido Penna Omar Zina Maria da Glória Chiarello Matos Rita de Cássia Martins Moraes

Assessores do PresidenteAntonio Cesar Perri de CarvalhoJosé Dilson Vasconcelos de Menezes

Reinaldo Brito e DiasJosé Galba de Meneses GomesElen Marise de Oliveira OletoOscar Faciola PessoaLuiza Isabel Taveira da RochaJosé Thadeu PinheiroHorácio Faig LeiteRicardo Prates MacedoMario Uriarte Neto

Comissão de EnsinoElaine Bauer Veeck (Presidente)Léo Kriger Cresus Vinícius Depes de Gouveia Rui Vicente Oppermann Nilce Emy Tomita Efigenia Ferreira e Ferreira

Comissão de Pós-graduaçãoSigmar de Mello Rode (Presidente)Ana Cristina Barreto BezerraHilda Maria Montes R . de SouzaCélio PercinotoLino João da Costa Isabela Almeida PordeusAntônio de Lisboa Lopes CostaAdair Luis Stefanello BusatoSamuel Jorge MoysesJosé Carlos PereiraNilza Pereira da Costa

Comissão de ComunicaçãoVera Lúcia Silva Resende (Presidente)Angelo Giuseppe Roncalli C . OliveiraNelson Rubens Mendes Loretto

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o procedimento . Foram descritos 30 procedimentos, de lavagem com água até esterilização em autoclave . O hipoclorito de sódio, em diferentes concentrações, foi o mais citado para descontaminação (63,20%) . A maioria armazena em frasco fechado (96,6%), com líquido (68,0%), sendo soluções de hipoclorito de sódio as mais utilizadas . Conclui-se que a Unimontes solicita dentes na graduação, que o maior uso ocorre em laboratório, a maioria dos dentes é adquirida por doação e não há consenso para sua descontaminação e seu armazenamento, levando ao risco de infecção cruzada .

DESCritorESDente . Educação em odontologia . Ética . Biosse-

gurança .

A utilização dos elementos dentários é de extrema importância para o processo ensino-aprendiza-

gem nos cursos de Odontologia . O elemento dental pode ser utilizado em treinamento laboratorial, em pesquisas e para colagem de fragmentos dentários a fim de recompor um dente destruído por cárie, subs-

rESumoO dente é um órgão humano utilizado no proces-

so ensino-aprendizagem dos cursos de Odontologia . O objetivo do trabalho foi avaliar a procedência, uti-lização, descontaminação e o armazenamento dos dentes humanos pelos acadêmicos da Unimontes . Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa e estudo piloto, a coleta de dados foi realizada através de questionário, em 2004 . Foram excluídos alunos ausentes no dia da aplicação do questionário e aca-dêmica participante do trabalho . Utilizou-se o pro-grama EPI-INFO 2000 para tabulação e estatística . Participaram 198 alunos; 99,5% acham importante o uso de dentes na graduação e 88,9% declaram que foram solicitados dentes no curso, com maior uso para treinamento laboratorial . O número de dentes adquiridos, por aluno, variou de 4 a 500 (moda 50, média 49, desvio padrão 52, mediana 38) perfazendo um total de 8 .457 . A forma de aquisição mais relatada foi a doação (98,3%), no entanto, 1,2% dos acadêmi-cos relataram ter comprado dentes, cujo preço variou de R$ 1,00 a R$ 10,00 . A descontaminação dos dentes é realizada por 89,8%, e destes, 91,14% descreveram

Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da uNimoNtES

Com a atual legislação do Brasil, a exigência de dentes no ensino trouxe à tona questionamentos éticos em torno do comércio ilegal de dentes humanos. Outra preocupação é a questão da biossegurança no manuseio e armazenamento dos dentes extraídos.

Simone de Melo Costa*, Soraya Mameluque*, Eduardo Lima Brandão*, Ana Elizabeth Martins Antunes Melo*, Cássia Pérola dos Anjos Braga Pires*, Edson José Carpintero Rezende*, Kaissy Mendes Alves**

* Professores do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros . E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected].

** Acadêmica do Curso de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros .

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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM

tituindo o uso de materiais como amálgama, resina ou porcelana, conseguindo-se melhor estética e me-lhor estabilidade de cor .

Em 1997, com a formulação da Lei de Transplan-te no Brasil, os dentes passaram a ser reconhecidos como órgãos . Sendo assim, torna-se necessária a au-torização do doador para a utilização de dentes .17 Com a atual legislação do Brasil, a exigência de den-tes no ensino trouxe à tona questionamentos éticos em torno do comércio ilegal de dentes humanos, tais como compra de dentes em cemitérios e em clínicas particulares .

Além da importância de se saber a procedência e as formas de utilização dos dentes humanos ex-traídos, no processo ensino-aprendizagem, outra questão relevante é saber quais os procedimentos de descontaminação e de armazenamento estão sendo empregados .

Sabe-se que o dente, como todo órgão do corpo humano, é fonte de patógenos para o homem .17 Os microorganismos encontrados nos dentes, extraídos ou não, podem causar doenças infecciosas, tais como gripe comum, pneumonia, herpes, tuberculose, he-patites, AIDS e até mesmo a Peste Negra . Alguns pa-tógenos podem sobreviver por longo tempo em den-tes extraídos, possibilitando contaminação cruzada e diversas infecções .19 A forma de armazenamento dos dentes também é um fator preocupante, já que a uti-lização de algumas substâncias pode alterar a estru-tura histológica dentária, impedindo a utilização em alguns tipos de estudos científicos .

Este artigo tem como objetivo avaliar a procedên-cia, as formas de utilização, os procedimentos de des-contaminação e de armazenamento dos dentes hu-manos extraídos, junto aos acadêmicos do curso de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) .

rEViSÃo DA LitErAturANos cursos de Odontologia, dentes humanos ex-

traídos são utilizados para vários fins: didáticos, de pesquisa e clínico-terapêuticos .

Estudo sobre o uso de dentes nas pesquisas das 17ª e 18ª Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO) demonstra que, de 2 .569 trabalhos apresentados, 834 (32,5%) utilizaram dentes naturais, resultando em uma média de 34 den-tes por pesquisa . Há uma enorme incidência de den-tes humanos nas pesquisas, realçando a necessidade de uma padronização quanto à sua obtenção . Os den-tes utilizados em pesquisas deveriam ser obtidos em

bancos de dentes, os quais deveriam ser citados nos respectivos trabalhos .11

Uma outra utilização dos dentes extraídos é o reaproveitamento como material restaurador através de colagem com cimento resinoso (restauração bio-lógica) . Essa restauração possibilita acabamento mais estético, superfície mais lisa e desgaste seme-lhante ao dos outros dentes . Não existe dor nem re-jeição nesse transplante . A colagem de fragmento de dente fraturado foi executada pela primeira vez em 1964, pelos americanos Chosck e Eildman .17 Desde 1780 existem relatos na literatura da confecção de próteses com dentes naturais .23 O uso de pequenos fragmentos de esmalte e o uso da coroa dental por completo foi relatado por Iorio14 (1993) e Hayward13 (1968) . A técnica de reposição de coroas totais e frag-mentos dentários em dentes temporários é um mé-todo de restauração que preserva a estrutura dentá-ria, através de preparação conservadora; permite resultado estético de ótimo nível; recupera a anato-mia dental perdida com uma textura superficial in-comparável; mantém a função oclusal e o desgaste fisiológico normais; e oferece uma relação custo-be-nefício favorável em relação ao material dentário artificial . Os dentes extraídos também podem ser aproveitados para confecção de mantenedores de espaço, para crianças que perderam precocemente seus dentes por cárie ou trauma .22

No entanto, apesar de todos os benefícios alcan-çados pela utilização de dentes humanos, a exigência destes nos cursos de Odontologia fez com que alunos adotassem procedimentos ilegais e não-éticos para sua aquisição . A exigência de dentes beneficia o co-mércio ilegal dos mesmos .25 O dente é considerado um órgão humano e, como tal, deve respeitar a Lei de Transplantes Brasileira formulada em 1997 . Se-gundo o Código de Ética Odontológica, o não-cum-primento das legislações que regulam o uso do cadá-ver para o estudo ou exercício de técnicas cirúrgicas e os transplantes de órgãos é considerado infração ética, podendo determinar penalidades que vão des-de a simples advertência confidencial à cassação do exercício profissional . Sendo assim, o funcionamento do banco de dentes deve ser como o de um banco de órgãos . Daí a necessidade da autorização do doador para a utilização dos seus dentes .16,24,27

Portanto, o dente como qualquer outro órgão do corpo humano somente poderá ser doado com o con-sentimento do paciente ou/e responsável . O consen-timento deverá ser expresso através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .17

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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM

capaz de interferir principalmente na dentina, alte-rando as propriedades físicas e ópticas da mesma . Pode alterar a permeabilidade e a resistência adesi-va da dentina, interferindo nos estudos de microin-filtração, adesão, tração, cisalhamento, endodontia, dentre outros .17

mEtoDoLogiAPara a coleta de dados, foi utilizada a técnica de

entrevista estruturada, na qual o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido através de um formulário padronizado .

O motivo da padronização do formulário é obter respostas às mesmas perguntas, permitindo que todas elas sejam comparadas, devendo as variações nas res-postas refletirem diferenças entre os respondentes e não diferenças entre as perguntas .15 O formulário foi aplicado aos acadêmicos do curso de graduação em Odontologia da UNIMONTES . Tendo em vista a va-riabilidade de respostas possíveis, foi aberta a opção “outros”, para a maioria das questões .

O trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIMONTES, antes do iní-cio da coleta de dados . O sujeito pesquisado autori-zou a sua participação na pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido . Foi realizado um teste piloto com vinte alunos para adequação do instrumento de coleta de dados . Foram excluídos da pesquisa os acadêmicos que participaram do teste piloto, os ausentes no dia da coleta de dados, aque-les que não aceitaram participar deste estudo e a acadêmica vinculada ao projeto . Participaram aca-dêmicos do 1º ao 10º período, sendo a coleta de dados realizada em 2004 . Os dados foram tabulados e analisados estatisticamente utilizando-se o progra-ma EPI-INFO 2000 .

rESuLtADoS E DiSCuSSÃoParticiparam 198 alunos, do 1º ao 10º período do

curso de graduação em Odontologia da Unimontes (Gráfico 1) . Dos acadêmicos pesquisados, 62,0% eram do sexo feminino . A maioria dos alunos (99,5%) acha importante o uso de dentes humanos extraídos, no curso . Com relação à solicitação de dentes, 88,9% declararam que foram solicitados dentes por alguma disciplina no decorrer do curso (a partir do 2º perí-odo) (Gráfico 2) .

Carvalho6 (2001) afirma que Imparato, professor da Universidade de São Paulo (USP), calculou o nú-mero de dentes utilizados nos cursos de Odontologia: uma faculdade gasta de três a quatro mil dentes por

São três circunstâncias possíveis de doação de den-tes humanos: dentes decíduos exfoliados, dentes de-cíduos ou permanentes extraídos e dentes decíduos ou permanentes de cadáveres . Esses dentes poderiam ser usados para fins científicos, didáticos e reabilita-dores . E, para garantir um tratamento respeitoso ao doador de órgãos, ao órgão dental a ser doado, bem como ao sujeito receptor do órgão doado, faz-se ne-cessária a obtenção do consentimento livre e esclare-cido do doador .28 Portanto, a criação de um Banco de Dentes nas Universidades e em todas as Instituições de Ensino é fundamental para orientar a utilização ética do órgão dental .

Outro ponto preocupante com relação ao uso de dentes humanos extraídos, além da procedência, é a questão da biossegurança no manuseio e armazena-mento desses dentes .

Cientistas franceses demonstram preocupação quanto à possibilidade de contaminação cruzada por meio do tecido pulpar de dentes . Estudos reali-zados em esqueletos no sul da França demonstraram presença de microorganismos no DNA da polpa . Foi encontrada a bactéria Yersinia pestis ou bacilo de Yer-sin, que é transmitida por ratos e pulgas e causadora da Peste Negra, doença responsável pela morte de 90% das pessoas no sul da França, no período de 1347 a 1351 . A análise do tecido pulpar dos dentes dos esqueletos provou que a causa do óbito foi sep-ticemia bacteriana .17

Diante do potencial de contaminação do dente extraído, a partir de 1990, algumas organizações, como: OSHA – Occupational Safety and Health Ad-ministration, CDCs – Centers for Disease Control and Prevention/Division of Oral Health e AADS – Ameri-can Association of Dental Schools, regulamentaram a utilização de dentes extraídos .17 Para evitar ou dimi-nuir a contaminação cruzada no manuseio de dentes extraídos, diretrizes são desenvolvidas para biossegu-rança: necessidade de uso de Equipamentos de Pro-teção Individuais (EPIs), vacina contra Hepatite B e protocolo específico para o uso de dentes extraídos em instituições de ensino .2,10 A transmissão de patóge-nos pode acometer o cirurgião-dentista, o acadêmico, o pesquisador ou qualquer pessoa que leve um dente extraído para casa .5 Sendo assim, o controle de infec-ção deve ser utilizado no treinamento laboratorial e nas pesquisas científicas com o objetivo de diminuir ou eliminar o risco de transmissão de doenças .7,8,26,29

Um outro problema na utilização de dentes hu-manos está na forma que eles são armazenados . A forma de armazenamento dos dentes extraídos é

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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM

semestre . Como existem cerca de 150 faculdades de Odontologia no Brasil, 450 mil dentes seriam neces-sários para suprir a demanda .6

O número de dentes adquiridos, por aluno, du-rante a vida acadêmica variou de 4 a 500 (moda 50, média 49, desvio padrão 52, mediana 38) perfazendo um total de 8 .457 dentes . A análise dos percentis de-monstra que 25% dos acadêmicos obtiveram até 20 dentes, 50% obtiveram até 38 dentes e 75% obtiveram até 50 dentes .

A maioria dos alunos (79,9%) utilizou dentes para treinamento laboratorial, sendo apontadas ou-tras formas de uso (Gráfico 3) . Os resultados estão de acordo com a literatura consultada, em que den-tes humanos são utilizados para vários fins nos cur-sos de Odontologia . Os dentes humanos podem ser utilizados para fins didáticos, de pesquisa e clínico-terapêuticos .17

Noventa e oito alunos (49,5%) encontraram difi-culdades para aquisição dos dentes e 40% dos acadê-micos obtiveram-nos em consultórios particulares, sendo relatadas outras formas de obtenção como:

postos de saúde (PS), escolas e outros (Gráfico 4) . A maioria adquiriu os dentes em Montes Claros (50,6%) e cidades do Norte de Minas (40,4%) . A forma de aquisição mais relatada foi a doação (98,3%), no en-tanto, 1,2% dos acadêmicos relataram ter comprado dentes, cujo valor variou de R$ 1,00 a R$ 10,00 . A comercialização de dentes humanos também foi constatada em pesquisa no estado de São Paulo, onde 47% dos entrevistados afirmaram ter comprado den-tes para uso laboratorial ou para pesquisa,12 outros estudos também confirmaram esse ato ilícito .21

A descontaminação anterior ao manuseio dos dentes é realizada por 89,8% dos acadêmicos pesqui-sados, e destes, 91,14% descreveram o procedimento

gráfico 1 - Distribuição dos acadêmicos segundo o pe-ríodo matriculado .

9,0%9,0%

10,5%

12,0%

9,5%

16,0%

8,0% 8,5% 8,5%9,0%

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

(%)

Período1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

gráfico 2 - Distribuição dos acadêmicos segundo solici-tação de dentes durante a vida acadêmica .

11,1%

88,9%

NãoSim

gráfico � - Distribuição dos acadêmicos segundo a ativi-dade de uso dos dentes .

3%

80%

5%10%

2%

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

(%)

Atividades

Treinamento laboratorial

Pesquisa

Treinamento porinteresse próprio

Treinamento laboratoriale treinamento próprio

Treinamento próprioe clínico-terapêutico (restauração biológica)

gráfico � - Distribuição dos acadêmicos segundo o local de obtenção dos dentes . *Obtenção através de colegas do curso e em clínicas de universidades .

23%

40%

23%

1% 1%

12%

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Local

(%)

A B C D E F

A - Posto de saúde (PS)

B - Consultório particular

C - Posto de saúde e

consultório particular

D - Posto de saúde e escola

E - Escola e consultório

particular

F - Outros*

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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM

10

executado para descontaminação dos elementos den-tários . Foram descritos 30 procedimentos diferencia-dos, tais como: apenas lavagem com água, uso de soluções de hipoclorito, formaldeído, ácido acético, sabão, água oxigenada, clorexidina, formol e esterili-zação na autoclave . O hipoclorito de sódio foi o mais citado (63,20%), sendo utilizado em diferentes con-centrações, que variaram de 1 a 10%, e em diferentes intervalos de tempo, de 1 hora a 1 semana . Dos alunos pesquisados, 20,9% relataram realizar esterilização dos dentes em autoclave . No entanto, eles não des-creveram o tempo e a temperatura utilizados .

Dentes extraídos são sujeitos à contaminação por patógenos, sendo necessário fazer um alerta aos aca-dêmicos sobre os riscos a que estão expostos . Deve-se alertar para biopericulosidade na manipulação de dentes extraídos contaminados .18 São poucos os pesquisadores ou alunos que utilizam dentes esteri-lizados nos estudos pré-clínicos, fato que se deve à falta de informação ou de condições de realizar tal procedimento .17

O hipoclorito de sódio (1,3%, 2,6% e 5,25%) por uma semana não foi capaz de impedir o crescimento de esporos de B. stearothermophilus.9 Hipoclorito de sódio a 1% desinfeta 8% da superfície externa e 4% da interna dental após uma semana de armazenamen-to .29 A esterilização em autoclave é o método selecio-nado para fins educacionais .20 Em uma temperatura de 121°C por 15 minutos há perda mineral não sig-nificativa .1 Dentes restaurados com amálgama apre-sentam riscos à saúde na esterilização na autoclave devido à liberação de vapores de mercúrio .4

A maior parte dos acadêmicos (96,6%) armazena os dentes humanos extraídos em frasco fechado, e 68,0% utilizam líquido dentro do frasco de armaze-namento, sendo descrito o líquido por 83% dos aca-dêmicos pesquisados . A distribuição dos acadêmicos conforme o líquido utilizado para armazenamento dos dentes humanos foi: soluções de hipoclorito de sódio (34%), água oxigenada (5%), glicerina (18%), soro fisiológico (6%), formol (15%), álcool (20%) e glutaraldeído (2%) .

A forma de armazenamento dos dentes extraídos é capaz de interferir principalmente na dentina . Pro-dutos como formol, hipoclorito de sódio, etanol e glutaraldeído podem alterar a permeabilidade e a resistência adesiva da dentina . O armazenamento a seco apresenta problemas para dentes permanentes, sendo viável aos decíduos (no período de 30 a 90 dias) . O protocolo de armazenamento recomendado pelo Banco de Dentes da Faculdade de Odontologia

da Universidade de São Paulo tanto para dentes de-cíduos quanto para permanentes é o uso de água destilada sob refrigeração .3

CoNCLuSÕESDiante dos resultados expostos, pode-se concluir

que:• O curso de graduação em Odontologia da Uni-

montes solicita dentes aos acadêmicos, a partir do 2º período .

• Existem dificuldades na aquisição dos dentes .• A maior utilização é em treinamento laboratorial

pré-clínico .• A maioria adquiriu dentes em Montes Claros, na

forma de doação .• O estudo confirma comércio ilegal de dentes en-

tre acadêmicos da Unimontes .• A descontaminação anterior ao manuseio dos

dentes é realizada por 89,8% dos acadêmicos pes-quisados, apesar de muitos dos métodos relatados serem insuficientes para garantir a prevenção do risco de infecção cruzada . Foram descritos 30 pro-cedimentos diferentes, desde lavagem com água até esterilização em autoclave, sendo o hipoclori-to de sódio, em diferentes tempos e concentra-ções, o mais citado (63,20%) .

• A maioria armazena os dentes em frasco fechado (96,6%), contendo líquido (68,0%), sendo as so-luções de hipoclorito de sódio as mais utilizadas .

• Não há consenso para o método de descontami-nação e de armazenamento dos dentes .Os dados demonstram a relevância da implanta-

ção do Banco de Dentes Humanos, com o papel de fornecimento de dentes a acadêmicos, professores e pesquisadores de forma ética, legal e nos padrões de biossegurança, propiciando menor risco de contami-nação cruzada .

ABStrACtHuman teeth for dental education: origin, use, disinfection and preservation by students at UNIMONTES University

Human teeth are organs usually required during the teaching/learning process in dental courses . This study aimed at evaluating their origin, use, and the disinfection and preservation methods adopted by dental students at UNIMONTES University (Uni-versidade Estadual de Montes Claros, Brazil) for the handling of human teeth . After approval by the committee for ethics in research, a pilot question-naire was applied for adjustments . Data were col-

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Revista da ABENO • 7(1):6-12 11

Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM

lected along the year of 2004 . Students who were absent on the day of questionnaire application were excluded, as was the student taking part in the study . The EPI-INFO 2000 program was used for descriptive statistics analysis . One hundred and ninety eight students participated in this project . Most students (99 .5%) considered the use of hu-man teeth during undergraduation to be impor-tant, and 88 .9% mentioned that they were asked to provide human teeth, mostly for use in laboratorial training . Each student provided 4 to 500 human teeth during the whole course (mode 50, average 49, standard deviation 52, median 38), totaling 8,457 teeth . Students acquired the teeth mostly by receiving donations (98 .3%), but 1 .2% of the stu-dents reported having to buy them at prices ranging from R$1 .00 to R$10 .00 . Disinfection of teeth was performed by 89 .8% of students, of which 91 .14% described the disinfection procedure . A total of 30 procedures were described, from rinsing in water to sterilization in autoclave . Most students (63 .20%) related the use of sodium hypochlorite in different concentrations for disinfection . The majority stored teeth in a closed flask (96 .6%), in a liquid (68 .0%), which was mostly sodium hypochlorite as well . We concluded that UNIMONTES required teeth dur-ing its undergraduation course, that most teeth were used during laboratory activities, that they were mostly acquired through donation and that there was no consensus as to the procedures of dis-infection and preservation of teeth, leading to the risk of cross infection .

DESCriPtorSTooth . Education, dental . Ethics . Biosafety .

AgrADECimENtoSÀ Faculdade de Odontologia da Universidade de

São Paulo, FOUSP, nas pessoas de José Carlos Petto-rossi Imparato e Sandra Alves Brasil, pelo apoio e incentivo no projeto de criação do Banco de Dentes Humanos da Unimontes . E, aos funcionários da Uni-montes que tornaram possível a implantação do mes-mo, nosso muito obrigado . §

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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM

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Recebido para publicação em 11/10/2005

Aceito para publicação em 24/11/2005

Page 13: volume7, n° 1

Revista da ABENO • 7(1):13-9 1�

DESCritorESEstudantes de odontologia . Estágio clínico . Odon-

tologia legal .

A atividade ilícita profissional em Odontologia trata-se de assunto assaz discutido, mas que ne-

cessita de uma amplificação de debates, haja vista o reduzido número de publicações que tramitam pelos corredores acadêmicos .

Além disso, nota-se uma aparente falta de vontade, por parte dos profissionais, em compreender os ob-jetivos mais específicos da inter-relação envolvendo a Odontologia e o Direito .28

Dessa maneira, utilizando as palavras de Calvielli9 (1993), temos que:

“( . . .) os tratadistas do Direito Penal reservam poucas linhas

de seus comentários para o exercício ilegal da Medicina,

Odontologia e Farmácia, e o fazem sem considerar, prin-

cipalmente, a evolução e as transformações sofridas por

essas profissões nos últimos anos . Por sua vez, os cirurgiões-

rESumoA inter-relação envolvendo a Odontologia e o

Direito é conhecida por poucos e relegada a segun-do plano, tanto por acadêmicos quanto profissio-nais . O objetivo deste artigo é trabalhar o tema do exercício ilegal da profissão e fazer uma reflexão desse ponto no que se refere aos estágios executados pelos acadêmicos de Odontologia . A questão dos estágios realizados por estudantes de Odontologia é regida pelo Decreto nº 87 .497,4 que regulamentou a Lei nº 6 .494,7 de 07 de dezembro de 1977, além de apresentar regulamentação pelo CFO através da De-cisão nº 25/84 .12 Dessa forma, é notório ressaltar que o estágio curricular, como procedimento didático-pedagógico, é de inteira responsabilidade das insti-tuições de ensino, podendo haver interações (con-vênios) entre os sistemas de ensino e os diferentes setores da sociedade . Ressaltamos, contudo, a im-portância da fiscalização pertinente ao exercício da Odontologia a fim de zelar pela honra da profissão odontológica .

o estudante de odontologia e a questão dos estágios

O desconhecimento das normas de regulamentação dos estágios faz com que os profissionais, ao permitirem o trabalho de estudantes de Odontologia, tolerem situações de exercício ilegal da profissão, que têm penas previstas pela lei.

Ricardo Henrique Alves Silva*, Arsenio Sales-Peres**, Carina Thaís de Almeida***, Sílvia Helena de Carvalho Sales-Peres****

* Professor Assistente da Disciplina de Odontologia Legal e Medicina Legal da Universidade Paulista, Doutorando em Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo .

** Professor Doutor da Disciplina de Deontologia e Odontologia Legal da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo . E-mail: [email protected] .

*** Acadêmica da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo .

**** Professora Doutora da Disciplina de Orientação Profissional da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo .

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Revista da ABENO • 7(1):13-9

O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC

1�

dentistas agem como se o exercício de sua profissão só a

eles dissesse respeito, desconhecendo, com raras exceções,

que inúmeras conseqüências de suas atividades se encon-

tram previstas como infrações penais .”

Assim sendo, esperamos estar contribuindo para o entendimento de tão vasto assunto, possibilitando um crescimento para a classe odontológica e, conse-qüentemente, para toda a sociedade brasileira, na busca por uma Odontologia exemplar, conforme re-lata Phillips23, em 1960:

“Para cumprir suas responsabilidades com a sociedade e

sobreviver como profissão, a Odontologia necessita dos

seguintes requisitos: honestidade, integridade, indepen-

dência profissional, alta qualidade de prestação de servi-

ços, estudo continuado, expansão das pesquisas odontoló-

gicas, aplicação clínica das pesquisas e observação do

código de ética .”

o QuE É AtiViDADE iLÍCitA ProFiSSioNAL Em oDoNtoLogiA?

Juntamente com a Lei nº 5 .081,6 de 24 de agosto de 1966, que regulamenta o exercício da profissão odontológica, prevêem-se condutas e ações contra o cirurgião-dentista brasileiro, que pode ser julgado em duas esferas de responsabilidade: a administrativa e a judicial (envolvendo ações penais e civis) .16

Daruge, Massini14 (1978) declaram em seu traba-lho os ensinamentos do consagrado civilista Washing-ton de Barros Monteiro:

“A violação de um direito pode configurar ofensa à socie-

dade pelo dano pessoal e pelo dano material . No primeiro

caso, existe o delito penal, consistente na violação de uma

lei penal, o que induz responsabilidade penal; no segundo

caso existe o delito civil, consistente na violação de um di-

reito subjetivo privado, o que induz responsabilidade civil .

Pode suceder ainda que o fato atentatório da lei penal viole

também um direito privado . Nesse caso, subsistirão conco-

mitantemente as duas responsabilidades, a penal e a civil .”

Inicialmente, o direito a exercer uma determina-da profissão é estabelecido pela Constituição da Re-pública Federativa do Brasil,3 proclamada em 1988 e que estatui, em seu artigo 5º, inciso XIII:

“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profis-

são, atendidas as qualificações profissionais que a lei esta-

belecer .”

Assim, conforme observado, o princípio constitu-cional de pleno exercício de uma profissão não é garantia para que qualquer um possa entregar-se li-vremente a uma atividade profissional, mas assegura o direito de exercê-la desde que se atenda ao estabe-lecido na lei, ou seja, possuir autorização, competên-cia e legitimidade .17

A partir dessa colocação, é necessário o estabele-cimento de penas para os casos de infração das leis que regulamentam as profissões .

No caso da Odontologia, o exercício ilegal é pre-visto no Código Penal Brasileiro,5 em seu artigo 282:

“Art . 282 – Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão

de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização le-

gal ou excedendo-lhe os limites .

Pena – detenção, de seis meses a dois anos .

Parágrafo único – Se o crime é praticado com o fim de

lucro, aplica-se também multa .”

Conforme cita Calvielli9 (1993), a proibição do exercício das profissões da saúde por indivíduo sem autorização para fazê-lo é das mais antigas nas legis-lações e acompanha, de certa forma, as etapas de evolução pelas quais passaram essas profissões .

Segundo a autora, a infração do artigo 282 com-porta duas modalidades, na primeira o sujeito ativo pratica atos próprios de profissional, porém sem au-torização legal; na segunda, embora capacitado legal-mente, excede os limites da própria profissão .

Menezes19 (1990) discorre que, em se tratando de um cirurgião-dentista, podemos enumerar as seguin-tes condições em que é considerado ilegal o exercício da profissão:1. Após ter concluído o curso sem, todavia, ter rece-

bido o diploma .2. Após ter recebido o diploma sem, contudo, pro-

ceder aos registros exigidos por lei .�. Quando diplomado por escola estrangeira, exerce

a sua atividade profissional no Brasil sem, entre-tanto, proceder à revalidação do diploma e aos registros que se fizerem necessários .

�. Tendo sido apenado com suspensão do exercício profissional, continuar exercendo sua atividade odontológica durante o período de suspensão .

5. Tendo se transferido para outro Estado sem pro-videnciar, dentro do prazo de 90 dias, a transfe-rência de sua inscrição para o Conselho Regional sob cuja jurisdição passou a atuar .

6. Praticar intervenção fora da área de atuação de competência do cirurgião-dentista .De acordo com França17 (2004), o que se procura

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Revista da ABENO • 7(1):13-9 15

O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC

punir, pela sanção penal, no exercício ilegal, é possi-bilidade de a saúde pública ser ameaçada por pessoas não-qualificadas e incompetentes, sendo suficiente apenas o perigo para se configurar o crime, não exi-gindo a lei que venha a se consumar qualquer lesão ou malefício .

Sendo assim, no que tange ao artigo 282 do Códi-go Penal Brasileiro,5 a falta de autorização legal pode ser configurada por algumas situações, tais como o pessoal auxiliar em Odontologia atuando, no caso do Técnico em Prótese Dentária (TPD), sem a prescri-ção, supervisão e fiscalização do cirurgião-dentista . E, no caso de Técnico em Higiene Dental (THD) e Au-xiliar de Consultório Dentário (ACD), sem a supervi-são direta do cirurgião-dentista .

Também é importante ressaltar que o acadêmico de Odontologia não pode praticar seu aprendizado, a não ser em ambulatórios ou clínicas da faculdade, e sempre sob a supervisão do pessoal docente .9

E, para finalizar os aspectos referentes ao arti-go 282 do Código Penal Brasileiro, Calvielli8 (1997) relata que, quanto à condição referida como “exceder os limites da profissão”, essa só pode ser considerada quando o farmacêutico ou o médico realizam atos exclusivos da Odontologia, ou inversamente, quando o cirurgião-dentista passa a realizar atos que são de competência da Farmácia ou da Medicina .

Com referência, ainda, ao Código Penal Brasilei-ro, dois outros aspectos são enquadrados como ativi-dade ilícita .19 Em primeiro lugar, o charlatanismo, regido pelo artigo 283 do Código Penal Brasileiro:5

“Art . 283 – Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou

infalível:

Pena – detenção de três meses a um ano, e multa .”

Graça Leite18 (1962) explana que inculcar é infor-mar sobre alguma coisa, recomendar; anunciar é dar notícia de, publicar . Sendo assim, se o profissional tor-na públicos, por qualquer meio de divulgação em mas-sa ou através de pequenos grupos de conversa, trata-mentos secretos ou infalíveis, estará incidindo em crime de charlatanismo . Em suma, o autor expõe que:

“O fator econômico, encontrando um terreno predisposto

(fragilidade moral), determina, comumente, o surto de

uma doença profissional que se chama charlatanismo, de

profunda e desastrosa repercussão social . Por outro lado,

compete ao Estado, um dos maiores responsáveis pela cri-

se que asfixia a Odontologia, criar novas condições de

trabalho e de assistência para o cirurgião-dentista, o que

viria favorecer a redução, senão a extinção, do terrível mal

do exercício charlatanesco da profissão .”

Segundo Menezes19 (1990), charlatão não é aque-le que se aventura ao exercício de uma profissão de saúde sem habilitação profissional, não é sinônimo de empírico ou falso profissional, mas sim aquele que usa de mentira, de falsidade, agindo de maneira ines-crupulosa para enganar seus pacientes .

De acordo com Ferreira15 (1995), charlatão é o ex-plorador da boa-fé do povo, ou ainda, o impostor ou trapaceiro .

Exemplificando, o charlatanismo pode configu-rar-se pelas seguintes situações: diagnóstico falso ou exagerado, realização de intervenções desnecessá-rias, garantia de cura, exploração mercantilista da publicidade, dentre outras .19

O outro aspecto da atividade ilícita refere-se ao curandeirismo, no artigo 284 do Código Penal Brasi-leiro:5

“Art . 284 – Exercer o curandeirismo:

I – Prescrevendo, administrando ou aplicando habitual-

mente qualquer substância .

II – Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio .

III – Fazendo diagnósticos .

Pena: detenção de seis meses a dois anos .

Parágrafo único: se o crime é praticado mediante remu-

neração, o agente também fica sujeito a multa .”

Nesse caso, conforme Menezes19 (1990), o exercí-cio da atividade odontológica é realizado por quem não possui habilitação profissional . Trata-se do empí-rico ou falso dentista .

E, apenas para finalizar, além das normativas já observadas, Bernaba2 (1979) cita em seu trabalho os aspectos penais quanto ao exercício ilegal, a Lei das Contravenções Penais, no que concerne à organiza-ção da atividade laborativa:

“Art . 47 – Exercer profissão ou atividade econômica ou

anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que

por lei está subordinado o seu exercício .

Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses, ou

multa .”

EStágioS E AtiViDADE iLÍCitA ProFiSSioNAL – um têNuE LimitE

Frente à questão dos estágios realizados por es-tudantes de Odontologia que buscam seu aperfei-çoamento profissional, Campos10 (1986) afirma

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O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC

16

que tal situação é regida pelo Decreto nº 87 .497,4 que regulamenta a Lei nº 6 .494,7 de 07 de dezembro de 1977:

“Art . 2º - Considera-se estágio curricular, para os efeitos

deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, pro-

fissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela par-

ticipação em situações reais de vida e trabalho de seu meio,

sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pes-

soas jurídicas de direito público ou privado, sob responsa-

bilidade e coordenação de instituição de ensino .

Art . 3º - O estágio curricular, como procedimento didático-

pedagógico, é atividade de competência da instituição de

ensino a quem cabe a decisão sobre a matéria, e dele par-

ticipam pessoas jurídicas de direito público e privado,

oferecendo oportunidade e campos de estágio, outras for-

mas de ajuda, e colaborando no processo educativo .”

AtENDimENto Em CLÍNiCAS PArtiCuLArES Por ACADêmiCoS VERSUS EStágioS Em CLÍNiCAS PArtiCuLArES

Nobre22 (2002) salienta, em seu artigo sobre o 2º Fórum Nacional de Fiscalização do Exercício Pro-fissional da Odontologia, ocorrido no mês de maio de 2002, uma atuação firme dos Conselhos Regionais sobre os acadêmicos que atuam ilegalmente .

O atendimento a pacientes pelos estudantes em clínicas particulares, mesmo que gratuitamente, não é permitido, tendo em vista o fato de não possuírem habilitação legal .

Samico26 (1990) salienta que, se se praticar a Odontologia ainda como acadêmico, estar-se-á come-tendo o ilícito penal de exercício ilegal da profissão de dentista .

Nesse sentido, analisando ambas as situações, é possível perceber que elas se opõem, haja vista que, conforme defende Samico26 (1990), no decorrer do curso de graduação, no ciclo profissional, o estudan-te é submetido a treinamento prático no vivo, que somente pode ser feito sob a supervisão de professo-res, sendo o exercício de tais atividades nas clínicas das faculdades, em hospitais universitários ou hospi-tais-escola lícito e obrigatório .

A prática de “estágio” em clínicas particulares pode ser verificada através de estudo de Silva27 (2005) em que observa, analisando acadêmicos (n = 106) cursando o último mês de graduação em Odontologia no município de Bauru-SP, que 8,49% dos sujeitos da

pesquisa alegam ter realizado tal prática no transcor-rer do curso .

Porém, Samico26 (1990) ainda relata que, a partir do momento que o estudante começa a lidar com pacientes, é necessário que esteja dominando a téc-nica odontológica para cada caso específico e tam-bém já tenha uma razoável formação ética, o que lhe permite agir sempre com maior acerto .

Abrindo um espaço, pois a questão ética se faz muito presente nesse tópico, Chaves11 (2000) apre-senta quatro componentes no processo de julgamen-to moral que devem estar presentes desde o início da prática clínica pelos acadêmicos de Odontologia: I) Interpretar a situação (para agir eticamente, pri-

meiramente se deve reconhecer que a situação a ser confrontada tem uma dimensão moral ou ética, em que qualquer coisa que se faça pode afetar, direta ou indiretamente, o bem-estar de outros) .

II) Interpretar o curso da ação com base em um ideal moral (é necessária uma estratégia para determinar o melhor curso da ação, levando-se em consideração as necessidades de todos os in-divíduos envolvidos, incluindo-se as do profissio-nal, bem como suas expectativas, compromissos prévios ou práticas institucionais) .

III) Decidir quais os valores mais importantes (resol-ver dilemas éticos envolve distinguir entre valo-res que competem – moral e imoral – e compro-missos individuais frente aos valores morais) .

IV) Executar e implementar um curso de ação pre-tendido (perseverança, competência e caráter são importantes elementos dentro deste compo-nente) .

Conforme Rosenblum24 (2001), a competência mais importante na Odontologia, nos negócios e na vida é a Ética, pois proporciona uma linguagem co-mum que permite aos seres humanos interagirem com entendimento mútuo .

Entretanto, a Ética é preocupante frente à questão de estágios, pois como relatam Morris, Sherlock20 (1971), em pesquisa realizada com 270 estudantes de Odontologia de três faculdades na Califórnia, Estados Unidos, a Ética profissional declina firmemente en-quanto o cinismo aumenta, especialmente durante anos de ensinamento clínico .

E, na opinião de Nash21 (1994), o conhecimento é poder, e as profissões historicamente reconhecidas do Direito, da Medicina (incluindo a Odontologia como uma especialidade da medicina) e o Clero são grupos que retêm poder sobre outros e suas necessi-

Page 17: volume7, n° 1

Revista da ABENO • 7(1):13-9 1�

O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC

dades humanas básicas .Retornando, portanto, às questões legais do está-

gio de estudantes, Rosenthal25 (2001) apresenta que o mesmo é definido pelo Decreto nº 87 .497,4 de 18 de agosto de 1982, que regulamenta a Lei nº 6 .494,7 de 7 de dezembro de 1977 e a Decisão CFO 25/84,12

como estágio curricular, procedimento didático-pe-dagógico, de competência das instituições de ensino, as quais podem recorrer a serviços de integração en-tre instituições públicas ou privadas, entre o sistema de ensino e os setores de produção, serviços, comu-nidade e governo, mediante convênios devidamente acordados em instrumentos jurídicos .

Calvielli9 (1993) salienta que a questão relativa aos estágios, e não só aos da Odontologia, é delicada, na medida em que se reconhece o desejo de aperfeiço-amento, natural nos jovens que pretendem melhorar o seu desempenho escolar, e ao mesmo tempo é ne-cessário que redobrados cuidados sejam tomados para que a saúde do paciente não venha a sofrer da-nos .

O Decreto nº 87 .497,4 de 18 de agosto de 1982, que regulamenta a Lei nº 6 .494,7 de 7 de dezembro de 1977, apresenta alguns pontos interessantes de serem citados para esclarecer a questão dos estágios:

“Art . 2º – Consideram-se estágio curricular, para os efeitos

deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, pro-

fissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela par-

ticipação em situações reais de vida e trabalho em seu meio,

realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas

jurídicas de direito público ou privado, sob responsabili-

dade e coordenação de instituições de ensino .

Art . 3º – O estágio curricular, como procedimento didáti-

co-pedagógico, é atividade de competência da instituição

de ensino a quem cabe decisão sobre a matéria, e dele

participam pessoas jurídicas de direito público e privado,

oferecendo oportunidade e campos de estágio, outras for-

mas de ajuda, e colaborando no processo educativo .

Art . 4º – As instituições de ensino regularão a matéria con-

tida neste Decreto e disporão sobre:

a) inserção do estágio curricular na programação didático-

pedagógica;

b) carga horária, duração e jornada de estágio curricular,

que não poderá ser inferior a um semestre letivo;

c) condições imprescindíveis para caracterização e defini-

ção dos campos de estágios curriculares, referidas nos

parágrafos 1º e 2º, do Artigo 1º, da Lei nº 6 .494,7 de 7

de dezembro de 1977;

d) sistemática de organização, orientação, supervisão e

avaliação de estágio curricular .

Art . 5º – Para caracterização e definição do estágio curri-

cular é necessária, entre a instituição de ensino e pessoas

jurídicas de direito público e privado, a existência de ins-

trumento jurídico, periodicamente reexaminado, no qual

estarão acordadas todas as condições de realização daque-

le estágio, inclusive transferência de recursos à instituição

de ensino, quando for o caso .”

Na Decisão CFO – 25/8412 é possível observar a preocupação do Conselho Federal de Odontologia acerca do estágio estudantil:

“O Presidente do Conselho Federal de Odontologia, cum-

prindo deliberação da Diretoria, em sua reunião ordinária,

realizada no dia 26 de agosto de 1984;

( . . .)

Considerando que o exercício da Odontologia por pessoa

sem habilitação legal configura ilícito capitulado no Códi-

go Penal;

( . . .)

Considerando que é infração ética de manifesta gravidade

acobertar ou ensejar o exercício ilegal da profissão e exercer

a atividade odontológica em entidade ilegal ou irregular;

( . . .)

Considerando que, trabalhando desvinculado da Facul-

dade, o estudante estará na ilegalidade, não recebendo

orientação, acompanhamento, supervisão e avaliação de

estágio;

DECIDE:

Art . 1º – É lícito o trabalho de estudante de Odontologia,

obedecida a legislação de ensino e, como estagiário, quan-

do observados, integralmente, os dispositivos constantes

na Lei nº 6 .494,7 de 7 de dezembro de 1977, no Decreto

nº 87 .497,4 de 18 de agosto de 1982, e nestas normas .

Art . 2º – O exercício de atividades odontológicas por par-

te de estudantes de Odontologia, em desacordo com as

disposições referidas no artigo anterior, configura exercí-

cio ilegal da Odontologia, sendo passíveis de implicações

éticas os cirurgiões-dentistas que permitirem ou tolerarem

tais situações .

Art . 6º – Somente poderá exercer atividade, como estagi-

ário, o aluno que esteja apto a praticar os atos a serem

executados, e, no mínimo, cursando regularmente o 5º

semestre letivo de curso de Odontologia .

Page 18: volume7, n° 1

Revista da ABENO • 7(1):13-9

O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC

1�

Art . 7º – A delegação de tarefas ao estagiário somente po-

derá ser levada a efeito através do responsável pelo estágio

perante a instituição de ensino .

Art . 8º – Para efeito de controle e fiscalização do exercício

profissional com referência aos estagiários de Odontolo-

gia, as instituições de ensino deverão comunicar, ao Con-

selho Regional da jurisdição, os nomes dos alunos aptos a

estagiarem, de conformidade com estas normas .”

A Resolução CFO-185/9313 também dedica um espaço à questão do estágio estudantil:

“Art . 28 – É lícito o trabalho de estudante de Odontologia,

obedecida a legislação de ensino e, como estagiário, quan-

do observados, integralmente, os dispositivos constantes

na Lei 6 .494,7 de 07 de dezembro de 1977, no Decre-

to 87 .497,4 de 18 de agosto de 1982, e nestas normas .

Art . 29 – O exercício de atividades odontológicas por par-

te de estudantes de Odontologia, em desacordo com as

disposições referidas no artigo anterior, configura exercí-

cio ilegal da Odontologia, sendo passíveis de implicações

éticas os cirurgiões-dentistas que permitirem ou tolerarem

tais situações .”

SoBrE A FiSCALiZAÇÃoDaruge, Massini14 (1978) observam que, frente à

Deontologia específica da profissão odontológica, os Conselhos funcionam como verdadeiros tribunais, responsáveis por disciplinar a classe, competindo-lhes entre outras prerrogativas a de aplicar penalidades aos cirurgiões-dentistas faltosos .

Nobre22 (2002), em acordo com os autores acima, salienta que, da mesma forma que a evolução da Odontologia vem sendo impulsionada pelos avanços técnico-científicos e tecnológicos, o amadurecimento de sua fiscalização profissional está relacionado, de uma forma geral, ao próprio amadurecimento da de-mocracia nacional e da categoria odontológica como segmento político organizado .

Porém, os Conselhos Regionais foram instituídos para defender a sociedade dos maus profissionais, apenas dispondo, para tal missão, de mecanismos le-gais, pois não têm poder para apreender instrumen-tal, fechar consultórios clandestinos ou efetuar pri-sões, cabendo essas tarefas à Vigilância Sanitária e à Força Policial .1

Sendo assim, torna-se de extrema importância o despertar das instituições de ensino na orientação de

seus alunos, tanto nas atividades internas quanto no seu comportamento profissional nas atividades extra-curriculares .

CoNSiDErAÇÕES FiNAiSÉ possível observar que a questão referente aos

estágios em Odontologia necessita de um posiciona-mento firme das instituições de ensino, bem como dos profissionais, para que possamos, dessa forma, engrandecer cada vez mais a profissão odontológica e zelar pela sua honra, permitindo o acesso da popu-lação a serviços confiáveis e de qualidade .

Torna-se necessária uma correta orientação do aluno, por parte dos docentes das instituições de en-sino odontológico, através da abordagem do assunto em sala de aula, tanto nas matérias básicas quanto nas profissionalizantes .

ABStrACtThe dental student and the internship issue

The relationship between Dentistry and Law is known by few and considered unimportant both by students and by professionals . The aim of this article was to broach the subject of the unlawful practice of Dentistry and to reflect about this issue regarding the internship periods of dental students . The matter of dental internships is regulated by Decree n . 87,497,4 which regulated Law n . 6,494,7 of December 7, 1977 . The matter is also regulated by Decision n . 25/8412 issued by the Federal Council of Dentistry (CFO) . It is important to point out that the educational institu-tions are entirely responsible for their curricular in-ternship period, a pedagogical and didactic proce-dure . Interactions are allowed in the form of agreements between the institutions and the different sectors of society . We stress, however, the importance of inspecting the dental practice in these programs in order to protect the honor of the profession .

DESCriPtorSStudents, dental . Clinical clerkship . Forensic den-

tistry . §

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Page 19: volume7, n° 1

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Recebido para publicação em 17/11/2005

Aceito para publicação em 18/05/2006

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Revista da ABENO • 7(1):20-3720

rESumoEste texto buscou desenhar alguns traços da po-

lêmica em torno do conhecimento e da aprendiza-gem, com o objetivo de ressaltar seu sentido recons-trutivo político e com isto recuperar a tradição mais consolidada de Paulo Freire, em termos do sentido emancipatório de sua proposta: desfazer a condição de massa de manobra vivida pela grande maioria da população por causa de sua ignorância . O autor, apoiado na literatura relevante da área da educação e na análise que faz desta, discute o que é o conheci-mento e os métodos e recursos de transmissão deste, condenando a didática reprodutiva instrucionista . Afirma que as medidas principais da aprendizagem devem ser o saber pensar e o aprender a aprender, que farão da escola o centro da mudança que levará a sociedade à era do conhecimento . Pondera ainda que não é tarefa fácil colocar as energias decisivas do conhecimento a serviço dos excluídos, mas que essa é a função principal da educação de teor político . Conclui que a pobreza política é fenômeno ainda mais grave do que a carência material, pois revela as entranhas da contradição dialética na história con-creta, feita de minorias privilegiadas que exploram maiorias ignorantes .

DESCritorESEducação . Aprendizagem . Ensino . Conhecimento .

Quando hoje se fala, cada vez mais, de que o cen-tro da pobreza é menos carência material do que

exclusão de cariz político, colocando na berlinda o

que estamos chamando de “pobreza política”, esque-cemos facilmente que esta sempre foi a tese central da “pedagogia do oprimido” e da “pedagogia da es-perança” . Apesar de apostar na potencialidade eman-cipatória da educação, nunca relegou o lado crítico, pois na contraluz do conhecimento sempre se arrasta a ignorância . Pobreza política é sobretudo o cultivo da ignorância, feito não pelos assim ditos analfabetos, mas pelos que tiveram a chance de freqüentar espaços mais privilegiados da educação formal .

Para realizar esta caminhada breve, vamos, primei-ro, analisar o reconhecimento confluente da marca reconstrutiva do conhecimento e da aprendizagem, para, em seguida, caracterizar a educação como es-tratégia central do combate à pobreza política . Afinal, ler a realidade não inclui apenas a capacidade formal do manejo do conhecimento, mas sobretudo a habi-lidade de nela intervir como sujeito capaz de história própria .

CAriZ rECoNStrutiVo Do CoNHECimENto E DA APrENDiZAgEmPiaget tinha muita razão

Apesar de todas as críticas que Piaget possa mere-cer, sobretudo a de excessivo estruturalismo, certo positivismo, exagerada confiança construtiva e cogni-tivismo extremado, não se pode retirar o mérito de que sua tese construtivista está cada vez mais vitorio-sa .18 Com o tempo mudam as teorias, também as pia-getianas, porque a pesquisa continua e o questiona-mento se encarrega de torná-las todas provisórias . Sua ânsia de descobrir leis universais, válidas para qual-

Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire†

Uma abordagem sobre o pensamento de Paulo Freire em relação ao conhecimento e à aprendizagem.

Pedro Demo*

* Professor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília .

†Adaptação do texto publicado no livro: Torres AC, compilador . Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI . Buenos Aires: CLACSO; 2001 . p . 295-322 .

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Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P

quer circunstância, como a da equilibração constru-tiva, lhe valeu sempre a suspeita de estruturalismo, sobretudo após a crítica pós-moderna do conheci-mento que abomina, entre outras coisas, tiradas trans-cendentais . Por sua origem biológica, cultivou forte-mente os ideais da pesquisa estritamente controlada, buscando colocar à luz somente o que teria base su-ficiente . Embora nisso não haja qualquer defeito para pesquisador talentoso e honesto, surge naturalmente a suspeita de desprestígio das ciências sociais, mais afeitas a métodos qualitativos . Talvez seja o caso apon-tar que as idéias construtivistas tendem a obscurecer o pano de fundo hermenêutico da aprendizagem, à medida que descortina poder excessivo de criação . Na prática, aprendemos do que já tínhamos aprendi-do e conhecemos a partir do que já conhecíamos . Por isso mesmo, não usamos a terminologia construtivis-ta e ficamos apenas com a idéia reconstrutiva . Por fim, em sua época não se dava importância maior à emoção, o que pode transmitir a idéia encurtada de que aprendizagem se reduz à cognição . Na prática, porém, é pouco útil inventar dicotomias piagetianas, em particular contra Vygotsky, porque certamente Piaget foi autor suficientemente inteligente para re-conhecer, dentre outras coisas e na própria lei da equilibração, que o novo não sai do nada, mas de condições anteriores culturalmente plantadas .

Certamente, hoje vemos um pouco mais longe, sobretudo reconhecemos que essa marca reconstru-tiva, além de sua base biológica cada vez mais ressal-tada, é sobretudo política, porque se trata da forma-ção do sujeito autônomo . A aprendizagem é jogo de sujeitos, troca bilateral de teor dialético, contraponto entre conhecimento e ignorância, autonomia e coer-ção . Oferece campo de potencialidades, oportunida-des que se abrem se o sujeito souber conquistar e a história lhe for complacente em termos de condicio-namentos positivos . Oportunidades dependem das circunstâncias e sobretudo da iniciativa do sujeito . Podem também ser obstaculizadas, até mesmo des-truídas . Paulo Freire não foi um pesquisador como Piaget, mas viu essa parte melhor, porque, como diria Harding21 (1998) sobre a localização cultural do co-nhecimento, postou-se no ponto de vista do margina-lizado, donde se pode descortinar o cenário com amplidão maior e possivelmente mais correta .2

Todavia, apesar de todos esses resultados, conti-nuamos profundamente instrucionistas em nossa educação formal, como podemos observar nas esco-las e universidades, que continuam reproduzindo conhecimento com a maior tranqüilidade . Ainda

acreditamos que o fator mais central da aprendiza-gem é a freqüência às aulas, tanto que na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) se tornou ordem expressa os 200 dias de aula por ano .13 Não se preocupou propriamente com a reconstrução do conhecimento e com a aprendizagem de teor político, mas com a absorção reprodutiva, permanecendo, na prática, uma lei do ensino, não da aprendizagem . Esse deba-te, porém, é candente em outros países mais avan-çados, onde se toma a sério, em particular na escola pública, que é mister refazer a educação a partir da sala de aula, sobretudo da aprendizagem do aluno . Kerchner et al.23 (1997), reportando-se à sociedade do conhecimento nos Estados Unidos, falam enfati-camente desse repto, em particular para os sindica-tos . Referindo-se ao papel dos sindicatos dos profes-sores públicos, aventam que

“( . . .) a barganha coletiva legitimou os interesses econômi-

cos dos professores, mas nunca os reconheceu como peri-

tos em aprendizagem; a idéia de trabalhadores do conhe-

cimento, que criam, sintetizam e interpretam informação,

domina a literatura em postos modernos de trabalho, mas

o ensino ainda está organizado em torno dos pressupostos

da era industrial, que via os professores essencialmente

como trabalhadores manuais, derramando currículo em

mentes passivas( . . .)” .23

Parece claro que os professores não estão sabendo acompanhar as mudanças centrais da sociedade in-tensiva de conhecimento, que dirá postar-se à frente dela . Falam, por isso, de “trabalhadores unidos da mente” (“united mind workers”), para indicar a im-portância desse segmento social dos trabalhadores que lidam com o conhecimento .

Torna-se relevante organizar a educação a partir da sala de aula, ou da necessidade de aprendizagem dos alunos, colocando padrões diferentes da hierar-quia industrial . O projeto pedagógico encontra aí seu ponto de partida e sua chegada, real razão de ser . Se o fenômeno da aprendizagem dos alunos, que depen-de em grande parte da aprendizagem dos professores, não ocorrer na qualidade esperada e pleiteada, nada ocorreu de importante na escola, mesmo que funcio-ne gerencialmente bem, tenha todos os instrumentos didáticos, inclusive computadores e parabólica . A me-dida principal da aprendizagem não poderia ser a freqüência às aulas, como ainda imaginam sistemas eivadamente instrucionistas, mas o saber pensar e o aprender a aprender, que processos avaliativos seve-ros e criticamente profundos deveriam saber resguar-

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Revista da ABENO • 7(1):20-37

Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P

22

mais longo e outros talvez em período nenhum . A lógica

do período de seis ou sete dias, com aulas de 50 minutos

e trinta alunos por classe, desaparece . Do mesmo modo

ocorre com a autoridade existente e as estruturas de res-

ponsabilidade . Quando as estruturas básicas da escola não

garantem os padrões de que precisamos, tudo o mais não

interessa, inclusive as regras do sindicato .”23

A escola que tem como didática central a aula expositiva de teor reprodutivo está condenada a de-saparecer como resquício de era que já passou . A nova sociedade precisa aprender, não copiar, como diria enfaticamente Tapscott, referindo-se à geração digi-tal . Ofertas de estilo instrucional nada lhe acrescen-tam . E se a escola falhar, essa nova geração digital tomará a dianteira e decretará o sepultamento desse tipo de escola .

Embora os autores, por vezes, deixem a impres-são de certo cognitivismo, acentuam sempre o com-promisso com a aprendizagem e reconhecem que repensar o trabalho de ensinar é a mudança mais dura de todas, pois ensinar se torna mais complexo (menos rotina; confronto com comportamentos no-vos; mais personalizado; mais papéis interdisciplina-res); ensinar se torna menos isolado; ensinar se tor-na explicitamente conectado com a geração de conhecimento:

“Trabalho pós-industrial é vastamente definido ‘em ter-

mos de coletar informação, resolver problemas e de pro-

duzir idéias criativas’ . Para ensinar, o trabalho pós-indus-

trial significa fazer relação explícita entre o que os

professores fazem e a criação de conhecimento . O papel

aumentado da pesquisa e desenvolvimento e das institui-

ções universitárias é explicitamente reconhecido como

parte da revolução da era do conhecimento, mas o papel

da escola elementar e secundária é menos reconhecido .

Todavia, se ensinar é a criação de construções cognitivas

nos estudantes – trabalho mental – é explicitamente cria-

ção de conhecimento, tanto quanto o trabalho de um fí-

sico teórico ( . . .) Reconhecer que ensinar cria conhecimen-

to tem três importantes implicações para o professor

sindicalizado . Primeiro, requer que os professores cons-

cientemente se tornem parte da organização de aprendi-

zagem . Segundo, requer que estejam às voltas com ques-

tões de produtividade . Terceiro, requer que recriem o

ensino como trabalho de conhecimento .”23

O realce dado à face da produtividade refere-se ao ambiente tipicamente norte-americano dos auto-res, sem falar que a crise da economia intensiva de conhecimento é ainda pouco visualizada . Para eles,

dar . O sindicato precisa mudar de desafio: passar da mentalidade de ocupação, para a visão de transfor-mação . Ocupar a escola pública já não basta, mesmo que seja em nome do projeto essencial de preservar o espaço público gratuito . Encontramo-nos hoje per-plexos com a dificuldade extrema de mudar a escola pública .

“Estamos argumentando que a tarefa do sindicato está não

simplesmente em sustentar a instituição existente através

de políticas de proteção ou de relações públicas destinadas

a criar confiança, mas em construir sucessora para a edu-

cação da era industrial( . . .)” .23

Será mister construir instituição a partir da sala de aula, tendo em vista a sociedade do conhecimento, para fazer da escola centro da mudança . Sua função principal será reorganizar a aprendizagem: o que é aprender, quem é capaz de aprender e qual a respon-sabilidade dos professores em criar aprendizagem .

“A nova economia do tardio século XX é mais exigente e

menos complacente que a anterior . Não cria bons empre-

gos para os desqualificados – na prática há árduo debate

sobre se está criando empregos suficientes para os qualifi-

cados e educados – mas está claro que o prêmio posto

sobre o desempenho educativo está crescendo . Mais que

isso, a dependência da economia sobre recursos humanos

educados está também crescendo .”23

Os autores destacam o lado dúbio dessa revolução: para inserir-se nessa economia, educar-se melhor é termo-chave, talvez o termo mais chave; entretanto, a melhoria da educação eleva constantemente os pa-drões de exigência, dentro da lógica da mais-valia relativa; o que poderia ser nova chance para o ser humano reverte-se no capitalismo em fator a mais de exclusão, que passa a abarcar não apenas os desqua-lificados, mas igualmente os qualificados . Urgem mu-danças profundas:

“Para criar as reformas que necessitamos na virada do sé-

culo XXI, o trabalho dos professores mudará de modo

significativo . A fim de saltar das atuais aulas para a apren-

dizagem processualmente diagnosticada, os professores

precisam de muito mais informação sobre a aprendizagem

do aluno e sobre caminhos que gestam respostas úteis .

Como as escolas que tentaram mudar seu ensino bem sa-

bem, as práticas de alocação convencional de recursos

rapidamente se tornam insatisfatórias diante de novas ex-

pectativas . Professores precisam de tempo . Precisam de

flexibilidade para ensinar a alguns estudantes por período

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Revista da ABENO • 7(1):20-37 2�

Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P

na sociedade do conhecimento, a produtividade avançou em três caminhos: invenção (desenvolvi-mento de idéias e processos criativos), exploração (adaptação de conhecimento gerado em outro lu-gar), aperfeiçoamento contínuo, criando mudança a partir de dentro . Segue que é mister “recriar ensino como trabalho que cria conhecimento .”23 Torna-se briga inútil postar-se sempre contra avaliação:

“Enquanto existe muito de errado com os atuais testes, e

os sindicatos precisam postar-se como vanguarda para os

corrigir, uma política rasa de oposição coloca os professo-

res organizados no lado errado da história .”23

O adequado desenvolvimento profissional supõe processos honestos de avaliação e recapacitação, bem como aprimoramento do desempenho profissional . Ao final das contas, precisamos nos organizar para a era do conhecimento, e isso significa concretamente organizar a educação para a era do conhecimento .

DEBAtE SoBrE A mENtE iNCorPorADAParte do debate se prende à polêmica própria da

Inteligência Artificial e do cognitivismo da primeira geração, que propugnam ser conhecimento nada mais que a representação da realidade através de sím-bolos heurísticos . A mente espelha a realidade assim como ela é, supondo-se coincidência não-problemá-tica . De certa maneira, continua a visão aristotélica da realidade externa que se impõe, permanecendo a mente como espécie de receptor mais ou menos pas-sivo . Rorty31 (1994) contraditou fortemente essa tese, ao tentar mostrar que, tendo em vista sermos seres interpretativos, a realidade não entra simplesmente na mente, mas é interpretada, ou seja, entra de acor-do com os parâmetros da mente . Alguns autores são mais deterministas, como Maturana, Varela26 (1994) que, assumindo a epistemologia do ponto de vista do observador e a condição do ser vivo de máquina já formatada, assinalam que a mente “constrói” a reali-dade externa, partindo de dentro para fora, mas sem-pre de maneira determinada .

A tese da construção da realidade foi muito res-saltada por Searle34 (1998), que manteve forte polê-mica com os representacionistas, bem analisada por Sfez35 (1994), em sua obra de crítica da comunica-ção .13,35 Searle34 (1998) tem consciência clara de que essa tese pode ser exagerada, como assevera Har-ding21 (1998), que evita deliberadamente o uso do termo construtivismo .34 Uma proposta equilibrada, ainda que surpreendente por outros motivos, é a de

Varela et al.38 (1997), com sua teoria da enação, na qual defendem um interacionismo mútuo entre men-te e realidade, com base também em epistemologias orientais budistas .36,37 Referindo-se às novas ciências da mente, advertem que precisam incorporar “a ex-periência humana vivida e as possibilidades de trans-formação que são inerentes à experiência humana”; a experiência do dia-a-dia também precisa alargar seu horizonte tomando em conta as ciências da mente; trata-se de analisar essa “circulação entre as ciências da mente (ciência cognitiva) e a experiência huma-na” .38 O ponto de partida é a circularidade fundamen-tal: estamos num mundo que parece estar lá antes que a reflexão começa, mas o mundo não é separado de nós . Não existe o observador dotado de olho descor-porificado olhando objetivamente para o jogo dos fenômenos, como queria a Física do século XIX .

À idéia errada de cognição como “representação mental” apresentam-se alternativas como a emergên-cia,9,22 que aposta no conexionismo:

“muitas tarefas cognitivas parecem poder ser manejadas me-

lhor por sistemas feitos de muitos componentes simples, que,

quando conectados por regras apropriadas, geram compor-

tamento global correspondendo à tarefa desejada” .38

O processamento simbólico de estilo representa-tivo é localizado, usando apenas a forma física dos símbolos, não seu significado . Rebate três suposições do representacionismo: a) habitamos o mundo com propriedades particulares,

tais como comprimento, cor, movimento, som etc .; b) apanhamos ou recuperamos tais propriedades re-

presentando-as internamente; c) existe um “nós” separado que faz essas coisas . Ofe-

rece a proposta da posição enativa:

“cognição não é a representação de mundo pré-dado por

mente pré-dada, mas antes é o enativamento de um mun-

do e de uma mente na base de uma história da variedade

de ações que o ser humano exerce no mundo” .38

Essa circularidade é necessidade epistemológica para a visão enativa, pois somos animais auto-inter-pretativos . Nosso auto-entendimento pressupõe no-ções como crença, desejo, conhecimento, mas que não as pode explicar, advindo a tensão entre ciência e experiência .

Afasta o realismo ingênuo, segundo o qual as coisas são como aparecem . Na proposta budista da “mindful-ness/awareness” (consciência plena), os meditadores

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descobrem que mente e corpo não estão coordenados, como sucede quando estamos corporalmente presen-tes em algum lugar (num anfiteatro escutando um conferencista), mas com a mente longe daí (pensando, por exemplo, em algo que nos preocupa) .

“Estamos sugerindo mudança na natureza da reflexão de

uma atividade abstrata, descorporificada para outra refle-

xão corporificada (consciente), aberta (“open-ended”)

( . . .) Por ‘corporificado’, significamos reflexão na qual cor-

po e mente são trazidos juntos . O que essa formulação

pretende expressar é que a reflexão não se dá sobre a ex-

periência, mas que a reflexão é uma forma de experiên-

cia – e que a forma reflexiva de experiência pode ser feita

com presença consciente (“mindfulness/awareness”)” .38

Podemos coordenar mente e corpo, dentro da idéia do esforço sem esforço, deixando as coisas acon-tecerem . Na hipótese cognitivista clássica, mente apa-rece tendencialmente como cálculo lógico:

“a intuição central por trás do cognitivismo é que inteligên-

cia – incluída também a humana – assemelha-se de tal modo

à computação que cognição pode atualmente ser definida

como computações de representações simbólicas” .

Mas

“é controversa a pretensão cognitivista de que o único modo

para chegar à inteligência e à intencionalidade é manejar a

hipótese de que cognição consiste em agir na base de repre-

sentações que são fisicamente realizadas na forma de um

código simbólico no cérebro ou na máquina” .38

Entretanto, “embora o nível simbólico seja fisica-mente realizado, não pode ser reduzido ao nível físi-co .”38 As duas deficiências principais do cognitivismo seriam: assumir que o processamento da informação simbólica esteja baseado em regras seqüenciais; e não perceber que esse procedimento é localizado . Nas abordagens mais novas,

“as teorias e modelos já não começam com descrições sim-

bólicas abstratas, mas com exército inteiro de componen-

tes semelhantes aos neurônios, simples, não inteligentes,

que, se conectados apropriadamente, detêm propriedades

globais interessantes . Tais propriedades globais incorpo-

ram e expressam as capacidades cognitivas que estão sendo

procuradas ( . . .) . A passagem de regras locais para coerên-

cia global é o cerne do que costumou se chamar auto-or-

ganização durante os anos cibernéticos ( . . .) . Uma rede dá

origem a novas propriedades” .38

As vantagens das “teorias conexionistas” podem ser vistas em explicar melhor certas capacidades cog-nitivas: reconhecimento rápido, memória associativa e generalização categorial . O entusiasmo por elas se explica: a) a Inteligência Artificial e neurociência não alcan-

çaram grandes resultados; b) estão mais próximas da Biologia; c) retornam a certas marcas behavioristas que driblam

o excesso de teorização, ainda que o behaviorismo não seja proposta científica em si sustentável;

d) os modelos são suficientemente gerais para serem aplicados, com pequenas modificações, a vários âmbitos . Nessa visão poderíamos nos dar conta da emergência de estados globais numa rede de componentes simples; funciona através de regras para operação individual e regras para mudança no emaranhado conectivo dos elementos; símbolo não é mais central, pois “os itens significativos não são símbolos, mas os padrões complexos de ativi-dade entre as numerosas unidades que perfazem a rede”;38 símbolos são físicos e significativos, não podem ser reduzidos ao físico como faz o compu-tador . À pergunta como é que os símbolos adqui-rem significado, tenta responder:

“Na abordagem conexionista, o significado não está lo-

calizado em símbolos particulares; é função do estado

global do sistema e está ligado ao desempenho generali-

zado em certo domínio, como reconhecimento e apren-

dizagem . Tendo em vista que esse estado global emerge

da rede de unidades que são arquitetadas com maior fi-

neza que os símbolos, alguns pesquisadores se referem

ao conexionismo como o ‘paradigma subsimbólico’ . Ar-

gumentam que os princípios formais do conhecimento

jazem nesse terreno subsimbólico, um nível acima e mais

próximo do biológico do que do nível simbólico do cog-

nitivismo . No nível subsimbólico, as descrições cognitivas

são construídas de constituintes que em nível mais eleva-

do seriam os símbolos discretos . O significado, porém,

não está nesses constituintes em si; está nos padrões com-

plexos de atividade que emergem das interações de mui-

tos desses constituintes .”38

O sistema se assemelharia a colcha de retalhos de sub-redes armadas por processo complexo de arran-jos, mais do que o sistema que resulta de desenho limpo e unificado; a mente surge de uma espécie de sociedade e não é entidade unificada, homogênea, nem mesmo coleção de unidades; antes, é coleção desunificada, heterogênea de redes de processos . Se não temos “self”, como é que existe coerência em

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nossas vidas? Recorre, então, à “emergência codepen-dente”, ou seja, à idéia, familiar no contexto das so-ciedades da mente, de propriedades transitórias, em-bora recorrentes, de elementos agregados, como seria a “samsara”: roda perpetuamente girando, toca-da por causação implacável e pervadida pela insatis-fação; estamos familiarizados com a idéia de que co-erência e desenvolvimento no tempo não precisam envolver qualquer substância subjacente – formas transitórias que nelas mesmas não possuem substân-cia . Quando fazemos análise básica de elementos, não supomos que exista substância ontológica neles . As-sim, uma coisa é a falta de “ego-self”, outra é a ânsia por um “ego-self” . De certa forma, retoma Nietszche: estamos condenados a crer numa coisa que não pode ser verdadeira .

No fundo, é problema da ansiedade cartesiana, que não reconhece serem as representações também construídas . A percepção precisa ser entendida como processo ativo de formação de hipótese, não como simples espelhamento de ambiente pré-dado . Por-quanto, as atividades principais do cérebro são de fazer mudanças em si mesmos – é mister “deixar a idéia de que o mundo é independente e extrínseco e assumir que é inseparável da estrutura dos processos de automodificação”,38 dentro do que chama de “fe-chamento operacional” .

“Um sistema que tem fechamento operacional é aquele

no qual os resultados de seus processos são esses proces-

sos mesmos . A noção de fechamento operacional é, assim,

modo de especificar classes de processos que, em sua

própria operação, voltam sobre si mesmos para formar

redes autônomas . Tais redes não caem na classe de siste-

mas definidos por mecanismos externos de controle (he-

teronomia), mas antes na classe de sistemas definidos por

mecanismos internos de auto-organização (autonomia) .

O ponto-chave é que tais sistemas não operam por repre-

sentação . Em vez de representar mundo independente,

eles enativam mundo como campo de distinções que é

inseparável da estrutura incorporificada pelo sistema

cognitivo .”38

Será fundamental superar a ansiedade cartesiana da certeza final — “esse sentimento de ansiedade emerge da ânsia por um fundamento absoluto” .38 To-dos os fenômenos são livres de fundamento absolu-to — “groundlessness”; essa falta de fundamento é a própria condição para o mundo ricamente tecido e independente da experiência humana .

Parte, então, para definir o que seria enação como conhecimento incorporado . Designa suposições er-

rôneas as que tomam o conhecimento como tática linear de resolver problemas, e que deve, para ser exitoso, respeitar os elementos, as propriedades e relações entre regiões pré-dadas . Essa visão é pouco produtiva para níveis menos circunscritos e menos bem definidos, onde seja mister dar conta da ambi-güidade imanejável do senso comum por trás .

“Para recuperar o senso comum, é mister inverter a ati-

tude representacionista tratando o saber comum não

como artefato residual que pode progressivamente ser

eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas,

mas, ao contrário, como a verdadeira essência da cogni-

ção criativa .”38

Daí a importância da hermenêutica, capaz de dar conta do fenômeno da interpretação, entendido como a enativação ou gestação de significado a partir de um “background” da compreensão — conheci-mento depende de estar no mundo que é inseparável de nossos corpos, nossa linguagem e de nossa história social; em poucas palavras, de nossa incorporação .

“A percepção central dessa orientação não-objetivista é a

visão de que conhecimento é o resultado da interpretação

em andamento que emerge de nossas capacidades de com-

preender . Tais capacidades estão enraizadas nas estruturas

de nossa incorporação biológica, mas são vividas e experi-

mentadas dentro do terreno da ação consensual e da his-

tória cultural . Nos capacitam a dar sentido a nosso mundo,

ou, em linguagem mais fenomenológica, são estruturas

pelas quais existimos na maneira de ‘ter um mundo’ .”38

Por “acoplamento estrutural” entende a capacida-de de um sistema complexo enativar um mundo, per-cebendo significação e relevância, interpretando, no sentido de que seleciona ou gesta domínio de signi-ficação a partir do “background” de seu meio . A rede neuronal não funciona como caminho de mão única da percepção para a ação; percepção e ação, sensório e “motório”, estão ligados juntos como padrões suces-sivamente emergentes e mutuamente seletivos . As-sim, fica a meio caminho entre posição da galinha ou do ovo (galinha – de fora para dentro, objetivismo; ovo – de dentro para fora, subjetivismo) . Existe, na verdade, especificação mútua . Segue que ação incor-porada (“embodied action”) implica: a) cognição depende das espécies de experiência

que provêm de termos um corpo dotado de várias capacidades sensoriomotoras;

b) tais capacidades individuais sensoriomotoras estão encaixadas em contexto mais abrangente biológi-

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co, psicológico e cultural; trata-se de ação — per-cepção e ação são inseparáveis .

Enação significa, pois: a) percepção consiste em ação perceptualmente

guiada e b) estruturas cognitivas emergem de padrões sen-

soriomotores recorrentes que possibilitam que a ação possa ser guiada perceptualmente . Reaparece a capacidade auto-organizativa circular da ação perceptualmente guiada:

“Essa estrutura — a maneira na qual o percebedor é incor-

porado — mais do que algum mundo pré-dado determina

como o percebedor pode agir e ser modulado pelos even-

tos ambientais .”38

O comportamento é resultado e causador de estí-mulos; o organismo ao mesmo tempo inicia e é for-matado pelo ambiente .

Com essa visão, Varela tenta oferecer à teoria evolucionista moldura mais flexível, usando o con-ceito de “moção natural” (“natural drift”) . Seria o caso de mudar o contexto prescritivo da evolução, para o proscritivo: o que não é proibido, é permitido . A seleção descarta o que não é compatível com a sobrevivência e a reprodução, e busca solução satis-fatória (não a do mais forte) . Em vez do ótimo, o viável, por conta da especificação mútua e co-deter-minação e da construção de ambientes . Seria este o caminho do meio, marcado pela falta de fundamen-to último (“groundlessness”) .

“Começamos com nosso senso comum como cientistas

cognitivos e descobrimos que nossa cognição emerge do

pano de fundo de mundo que se estende atrás de nós,

mas que não pode ser encontrado separado de nossa

incorporação . Quando voltamos nossa atenção para além

dessa circularidade fundamental, com vistas a seguir o

movimento da cognição apenas, descobrimos que não

podemos discernir chão subjetivo, um ‘ego-self’ perma-

nente e persistente . Quando tentamos descobrir o chão

objetivo que pensávamos deveria estar presente, desco-

brimos mundo enativado por nossa história de acopla-

mento estrutural . Finalmente, vimos que essas várias

formas de falta de chão (‘groundlessness’) são realmente

uma só: organismo e ambiente envolvem-se um no outro

e desdobram-se de um para o outro na circularidade fun-

damental que é a própria vida .”38

Os mundos enativados podem ser estudados cien-tificamente, mas não têm substrato fixo, permanente ou fundamentação, e são, ao final das contas, destitu-

ídos de chão (“groundless”); mesmo assim, a experi-ência se sente dada, inabalável e imutável .

“A filosofia ocidental esteve sempre mais preocupada com

o entendimento racional da vida e da mente, mais do que

com a relevância de um método pragmático para transfor-

mar a experiência humana .”38

Eis o desafio da aprendizagem: aprender a viver num mundo sem chão; ciência sozinha não sabe fazer isso; ciência é apta para destruir respostas metafísicas, mas não coloca nada no lugar — a própria ciência nos leva a viver sem fundamento .

“Vamos tentar o argumento de que o vidente e a visão

surgem simultaneamente . Neste caso, são tanto uma quan-

to a mesma coisa, ou são coisas diferentes .”38

Não há vidente, visão ou vista independentes; as coisas são originadas de modo co-dependente e são comple-tamente sem chão; nada é encontrado que não tenha surgido de modo dependente — por isso, nada é en-contrado que não seja vazio; todas as coisas são vazias de qualquer natureza intrínseca independente . Por isso, cabe fazer o caminho ao caminhar, sem cair no niilismo por si . A fonte atual do niilismo é o objetivis-mo, porque este é que acentua a ânsia por fundamen-tos inabaláveis e que não existem .

Outra obra importante nessa rota é a de Lakoff, Johnson24 (1999), do ponto de vista da filosofia, en-quanto Varela et al.38 (1997) privilegia o olhar da Bio-logia . Também para eles a mente é inerentemente incorporada . O pensamento, predominantemente inconsciente . Conceitos abstratos, largamente meta-fóricos . Rejeitam a visão da razão como “característi-ca definidora dos seres humanos”,24 porquanto a

“razão inclui não só nossa capacidade de inferência lógica,

mas igualmente nossa habilidade de conduzir a investiga-

ção, resolver problemas, avaliar, criticar, deliberar sobre

como deveríamos agir, e atingir compreensão de nós mes-

mos, outras pessoas e do mundo . Mudança radical em

nossa compreensão da razão é, pois, mudança radical no

entendimento de nós mesmos . É surpreendente descobrir,

na base de pesquisa empírica, que a racionalidade humana

não é, de modo algum, o que a filosofia ocidental assumiu

ser . Mas é chocante descobrir que somos muito diferentes

do que nossa tradição filosófica assumiu que éramos” .24

Tais mudanças apontam para: a) a razão não é desincorporada; b) a própria estrutura da razão provém dos detalhes

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de nossa incorporação; c) a razão é evolucionária: mesmo em suas formas

mais abstratas, usa, mais do que transcende, nossa natureza animal;

d) a razão não é universal no sentido transcendente; e) é predominantemente inconsciente; f) não é puramente literal, mas vastamente metafó-

rica e imaginativa; g) não é desapaixonada .

Ponto forte de seu argumento está no apelo ao estudo empírico, para além da mera auto-reflexão, estando aí sua contribuição mais original . Possivel-mente confia-se demais em evidências empíricas, que, ao final, só dizem o que os pressupostos teóri-cos e ideológicos permitem . De todos os modos, afirmam que

“a mente é inerentemente incorporada, a razão é modelada

pelo corpo, e já que a maior parte do pensamento é incons-

ciente, a mente não pode ser conhecida simplesmente por

auto-reflexão . Estudo empírico é necessário” .24

Em vista disso, não há pessoa kantiana radical-mente autônoma; “a razão, surgindo do corpo, não transcende o corpo”; não é radicalmente livre, por-que a razão é limitada, não pensa qualquer coisa; não existe a racionalidade econômica; “as pessoas raramente se engajam sob a forma da razão econô-mica que poderia maximizar as vantagens”(id ., ib .) . Essa última afirmação parece apressada, seja porque pode esconder visão empirista (nega-se o que não aparece empiricamente), ou liberal, supondo o mer-cado como campo natural de interação social . Ade-mais, seria ficção a pessoa fenomenológica, que po-deria, através da introspeção fenomenológica, descobrir qualquer coisa que se poderia conhecer; não existe a pessoa pós-estruturalista — completa-mente descentrada e arbitrária . Também não há a pessoa fregeana — o pensamento teria sido expulso do corpo, e a clássica teoria da correspondência da verdade é falsa . Não há a pessoa computacional — que deriva significado de símbolos sem significado . Por fim, não há a pessoa chomskyana — dotada de linguagem como pura sintaxe . Por conta do incons-ciente cognitivo, andamos por aí armados com mul-tidão de pressuposições acerca do que é real, do que conta como conhecimento, de como funciona a mente, quem somos e como deveríamos agir . Admi-te a mão escondida que modela o pensamento cons-ciente; não há como devassar o inconsciente — tal-vez 95% de nossa vida seja inconsciente .

Revelam certo determinismo, que relembram Ma-turana, Varela26 (1994) com sua tese das máquinas e seres vivos e, do ponto de vista do observador,26 a ar-quitetura dada do cérebro determina os conceitos . Achados da ciência cognitiva são intrigantes em dois sentidos:

“primeiro, nos dizem que a razão humana é forma de razão

animal, razão inseparavelmente atada a nossos corpos e

peculiaridades de nossos cérebros; segundo, tais resulta-

dos nos dizem que nossos corpos, cérebros e interações

com o ambiente provêm mais que tudo a base inconscien-

te de nossa metafísica diária, ou seja, nosso senso pelo que

é real” .24

Todo ser vivo categoriza, como necessidade vital de estruturar sua forma de vida no contexto da reali-dade, mas não apenas como movimento racionalista . Antes, a atividade categorizante é sempre incorpora-da . Daí o reconhecimento da inseparabilidade das categorias, conceitos e experiência .24 Sistemas viven-tes precisam categorizar — categorias são parte de nossa experiência; conceitos são estruturas neuro-niais que nos permitem mentalmente caracterizar nossas categorias e a razão acerca delas .

“Um conceito incorporado é estrutura neuronal que é

atualmente parte de, ou faz uso do sistema sensório-motor

de nossos cérebros . Muito da inferência conceitual é, pois,

inferência sensório-motora .”24

Por isso as cores são criadas — “dados o mundo, nossos corpos e nossos cérebros evoluímos para criar cor” .24

Ao lado da apelação empírica, os autores ressal-tam o argumento da metáfora, pretendendo mostrar que, mesmo no pensamento mais abstrato, aparece sempre sua relação com a incorporação concreta . Adquirimos vasto sistema de metáforas primárias au-tomaticamente e inconscientemente simplesmente funcionando nos modos mais ordinários no mundo do dia-a-dia desde os primeiros anos; não temos esca-patória nisso . Embora seja visível o reconhecimento do pano de fundo hermenêutico do conhecimento, pode aparecer aí alguma contradição, já que seria incongruente imaginar que “adquirimos” as metáfo-ras (latente tendência instrucionista), vindo logo a seguir que “metáforas conceituais universais são aprendidas; são universais que não são inatas” .24 Afas-tam-se da ciência cognitiva e filosofia a priori tradicio-nais, embora combatam também o relativismo pós-

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moderno . Apesar de não ser possível chegar a fundamento último, defendem a ciência cognitiva de segunda geração (a primeira era a clássica desincor-porada), que busca superar pressuposições determi-nantes sem o devido teste empírico . Acabam aceitan-do “pressuposições que não determinam resultados”,24 apostando na evidência convergente e aceitando a discussão de Kuhn — não há observação sem supostos teóricos .

Trata-se, assim, de realismo incorporado, não me-tafísico, valorizando a metáfora e rebatendo a crítica formalista da metáfora . Pois

“somos animais filosóficos . Somos os únicos animais co-

nhecidos que podem perguntar, e por vezes até explicar,

por que as coisas acontecem do modo como acontecem .

Somos os únicos animais que ponderam sobre o significa-

do da existência e se preocupam com amor, sexo, trabalho,

morte e moralidade . E parecemos ser os únicos animais

que podem refletir criticamente sobre suas vidas de modo

a fazer mudanças sobre como elas se comportam” .24

A concepção tradicional ocidental da pessoa está equivocada, porque supõe razão desincorpo-rada, razão literal, liberdade radical, moral objeti-va . Já a concepção da pessoa incorporada sinaliza outros pressupostos que receberiam ademais apoio de testes empíricos e se coadunam com a análise da metáfora:

• razão incorporada;• razão metafórica; • liberdade limitada; • moralidade incorporada; • natureza humana para além do essencialismo .

DiALÉtiCA CoNHECimENto-igNorÂNCiAPerspectivas a partir da mente incorporada

A polêmica sobre a mente humana está longe de revelar algum desfecho, embora ofereça alternativas cuja potencialidade talvez sequer possamos ainda an-tever . Estamos imersos na sociedade intensiva de co-nhecimento, mas o que menos conhecemos é o que seria, afinal, conhecimento . As premissas modernas foram abaladas definitivamente, não só pelo fracasso do projeto de emancipação, vituperado severamente por autores como Harding21 (1998), mas igualmente por razões internas da própria razão moderna . Epis-temologicamente falando é impraticável oferecer fundamento último para qualquer proposta científi-ca . Mais: é próprio do conhecimento desfazer a idéia

de fundamento último, porque sua energia é retirada do questionamento, ou seja, mais de seu caráter des-construtivo, do que reconstrutivo . É inconsistente questionar sem permitir ser questionado . O conheci-mento moderno caiu nessa arapuca, até que a pro-posta pós-moderna, apesar de suas diatribes irrespon-sáveis também, destrinchou as entranhas das narrativas circulares, incapazes de oferecer razão final para qualquer proposta que se imagina científica . Seu caráter científico não está na expectativa de resulta-dos comprovados, mas na habilidade de argumentar e contra-argumentar, dentro de aproximações suces-sivas e nunca completas . E isso também decretou a percepção de que conhecimento é, no fundo, proces-so infindo de aprendizagem, à medida que expressa dinâmica tipicamente reconstrutiva .

Pelo menos esta coerência o conhecimento dito pós-moderno mantém: o que o conhecimento pri-meiro se põe a questionar é o próprio conhecimento, para não incidir na contradição performativa à la Ha-bermas/Apel . Interessante é notar que esse abalo ocorreu tanto nas Ciências Exatas, quanto nas ditas Sociais . Naquelas, o impacto maior veio do teorema de Gödel, que buscou mostrar, para decepção da maioria dos colegas, que mesmo na Matemática, des-de que se usem níveis mais sofisticados de análise, torna-se impossível fazer prova final de seus axiomas . Esse teorema, também chamado de teorema da in-completude, é visto, ademais, como horizonte pró-prio da aprendizagem reconstrutiva, já que esta, in-trinsecamente criativa, tem sua dinâmica alimentada pela flexibilidade dialética de seus processos, não por parâmetros rígidos e definitivos, como aponta Penro-se28 (1994): o computador ainda não aprende, por-que ainda não sabe “errar” . Para aprender é mister saber sacar significados dos silêncios, vazios, lacunas, lusco-fuscos, sombras, entrelinhas e contextos, não apenas de símbolos lineares mecanicamente proces-sados . Nas Ciências Sociais, a discussão é bem mais antiga, porque a Filosofia, sobretudo aquela ligada às preocupações epistemológicas, já havia apontado para a circularidade hermenêutica do discurso cien-tífico . Tendo sido desbancada a autoridade externa, resta para a ciência buscar fundamento interno, o que a leva a argumentar a partir de si mesma . Toda argu-mentação contém componentes naturalmente ainda não argumentados, como toda definição inclui ele-mentos ainda não definidos . Não podemos sair da linguagem para fundar a linguagem . Estamos cerca-dos de pressupostos teóricos e ideológicos, que de-marcam os dados, os fatos, as teorias e os métodos,

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porque é impossível partir de um ponto zero . Parti-mos do que já conhecemos e a isso voltamos . Assim, o que a ciência produz de melhor não são “evidên-cias”, mas argumentações bem tramadas, sobretudo críticas e tanto mais autocríticas . Porque a coerência da crítica está na autocrítica .

Habermas pode ser considerado um dos autores mais perspicazes quanto a essa discussão, também pela polêmica pertinente de negar caráter absoluto ao fundo hermenêutico do discurso . Se o contexto hermenêutico fosse definitivo, todo discurso deixa-ria de ter qualquer pretensão mais universal . É claro que esse intento pode desandar no transcendenta-lismo kantiano, que Sfez35 (1994) imagina poder assacar (fala de “mofo kantiano” nas propostas ha-bermasianas), bem como Bourdieu5,6 (1996a,b), por-que a validade do discurso seria sobretudo social, nunca a priori . Seja como for, Habermas19,20 (1997a,b) também está preocupado com algum fundamento mais consistente da moral, para poder combinar va-lidade e facticidade e salvar noções essenciais para a vida em sociedade como os direitos humanos . Essa briga entre pretensões universalistas e a localização cultural do discurso mostra a face talvez mais arris-cada da polêmica pós-moderna, porque ainda busca meio-termo muito complicado entre relativismo e transcendentalismo .

Conhecimento tem base físico-orgânica no cére-bro . Como diria Searle34 (1998), essa base “causa” o conhecimento, porque sem ela é impossível compa-recer esse fenômeno . Entretanto, conhecimento não é “massa cinzenta”, assim como emoção não é adrenalina . Existe no processo de formação do co-nhecimento dinâmica transformativa, que a Biolo-gia tende a creditar ao conexionismo, no sentido de que a complexidade dos neurônios auto-organiza-dos de forma peculiar produziria esse salto da quan-tidade para a qualidade, que tem sido chamado de “emergência”, para indicar que na situação B com-parecem propriedades que não eram visíveis na si-tuação A . Por mais que tenha sido relevante esse reconhecimento da pesquisa, de certa forma des-truindo a linearidade computacional de estilo heu-rístico passo a passo, por processamento cumulativo, no fundo a questão está mais adiada, do que contor-nada . Porquanto, termos como complexidade, emergência, enação, descrevem certo tipo de pro-priedade dos fenômenos, mas não sua constituição interna, nem as regras de sua dinâmica . São ainda termos mais descritivos, que explicativos . Por isso mesmo, a pesquisa da complexidade de Morin27

(2002) representa sobretudo projeto de busca, não ainda algum porto seguro, que, em ciência, a rigor não pode existir .

A questão da auto-organização, que Maturana, Varela26 (1994) chamaram de autopoiese, também possui problemas similares, que aparecem na pró-pria obra desse autor: ou auto-organização é vista como propriedade determinada da realidade, ao estilo da máquina que funciona dentro de certa di-nâmica fechada, ou é vista como capacidade criativa que, para produzir o novo, precisa também se de-sorganizar . Varela et al.37 (1997), percebendo essa contradição, buscaram outros caminhos, que en-contraram no conceito de enação, que pretendem combinar a circularidade com o salto, sobretudo quando postulam a potencialidade contida na idéia de “falta de fundamento” (“groundlessness”) . Não seria por acaso que na sociologia sistêmica, em par-ticular de Luhmann, o conceito de autopoiese de Maturana, Varela26 (1994) foi recepcionado de modo conservador, como propriedade de auto-re-cuperação dos sistemas, com veemência criticado por Habermas . Para complicar ainda mais as coisas, um dos rasgos mais interessantes de Maturana, Va-rela26 (1994) é sua crítica ao instrucionismo, permi-tindo que se conceba sua proposta como aprendi-zagem reconstrutiva, como quer Capra8 (1997) em sua “teia da vida” . De longe a visão mais dinâmica é a de Varela atualmente, com todos os riscos, porque acentua a capacidade do ser vivo ao mesmo tempo circular e reconstrutiva de aprender . Lakoff, John-son24 (1999), por sua vez, tendem a ser mais deter-ministas, quer pela valorização excessiva da base empírica, quer pela visão mecanicista do funciona-mento da mente, mesmo incorporada .

Apesar da polêmica até ao momento irreconcili-ável, muitas coisas começam a tornar-se mais claras, dentre elas: a) aprendizagem não é fenômeno apenas racional,

consciente, ou destacado de nossa corporeidade; ao contrário, envolve a complexidade humana na-turalmente, e seu aprofundamento implica sem-pre também envolvência emocional; por mais que possa utilizar esquemas abstratos, é naturalmente metafórico, quer dizer, plantado na experiência humana histórica e cultural; o aporte mais incisivo talvez seja o de Varela com sua teoria da enação, que estabelece a percepção como ação concei-tualmente guiada, sendo as estruturas cognitivas gestadas por padrões sensório-motores recorrentes na vida real; auto-organizam-se de modo circular

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e emergente, dentro da influência mútua entre quem conhece e a realidade conhecida; trata-se sempre de fenômeno hermeneuticamente plan-tado, culturalmente inserido, em grande parte in-consciente, mas sempre de caráter reconstrutivo;

b) um dos achados mais fundamentais, com efeito, é o estabelecimento do caráter reconstrutivo po-lítico da aprendizagem, tornando-se tais teorias e perspectivas fortes argumentos contra o instru-cionismo, ainda dominante na esfera escolar e também universitária; mesmo quando queremos imitar, copiar, reproduzir, o fazemos de modo in-terpretativo inevitavelmente, porque essa ativida-de jamais pode ser neutra; embora as explicações sejam ainda toscas, idéias em torno da emergência sobretudo sinalizam que a auto-organização não se restringe à circularidade repetida, mas que, através do acoplamento estrutural, também salta; aprendizagem é sempre salto, porque, em vez de repetir a situação, a reconstrói; essa atividade de reconstrução não é apenas biologicamente mar-cada, mas igualmente politicamente contextuada, porque se trata de sujeitos históricos capazes de história própria; um dos rasgos mais potentes do conhecimento é precisamente o desenvolvi-mento da capacidade de fazer história própria, de interferir com originalidade, demarcando es-paços alternativos; Prigogine estaria disposto até mesmo a reconhecer essa dinâmica política na própria natureza, por ser esta dialética também; eis um dos resultados mais interessantes: não há aprendizagem adequada sem relação autônoma de sujeitos;

c) trava-se, assim, confluência extraordinariamente rica entre bases biológicas da aprendizagem e sua tessitura política, muito bem captada pela idéia da mente incorporada; retomando a abordagem de Harding21 (1998) sobre a localização cultural do conhecimento, torna-se fundamental relacionar conhecimento também com ignorância, porque, dentro de sua tessitura política, não comparece como meio neutro de pesquisa, mas como arma dúbia, ambivalente, dialética; aprender ultrapassa, assim, vastamente a esfera da escolaridade insti-tucional, para inserir-se na vida como um todo e lhe definir grande parte do que seria seu sentido histórico; ao mesmo tempo que aprender repre-senta a capacidade de mudar, sobretudo de se mudar, do ponto de vista da iniciativa do sujeito, assinala igualmente, por outra, o ambiente natural da dinâmica da realidade sempre em movimento

dialético; não pensamos apenas quando “para-mos para pensar” ou quando vamos à escola, mas sempre, como condição natural, porque, como diriam Lakoff, Johnson24 (1999), indefinidamente estamos a categorizar dentro do mundo metafo-ricamente contextuado de hipóteses dinâmicas e cambiantes;

d) na prática, significa que todo processo de apren-dizagem, também aqueles instrucionistas à reve-lia, age de modo reconstrutivo e político, mas em direção negativa, porque, em vez de abrir potencialidades para o sujeito, as coíbe; dito de outra maneira, cultiva a ignorância; temos aqui outro conceito de ignorância, não como situação dada — culturalmente impossível por razões her-menêuticas e biológicas —, mas como fenômeno produzido, imposto; no instrucionismo, o pro-fessor, em vez de fomentar a autonomia criativa, reduz o aluno a ouvinte passivo, reprodutor de mensagens alheias, subalterno a outros projetos históricos; mesmo aí, o aluno se reconstrói de alguma maneira, embora “para trás”, porque tam-bém na situação de escravo o ser humano não deixa de ser sujeito; sob essa ótica, torna-se tanto mais claro como didáticas reprodutivas instrucio-nistas obstaculizam a cidadania popular, à medida que preformam as cabeças para a subalternidade histórica;

e) as idéias da mente incorporada favorecem, ade-mais, o reconhecimento de que a aprendizagem pode ser mais bem sucedida em ambientes huma-nos mais flexíveis e atraentes, emocionalmente mais dinâmicos; daí não segue que aprendemos apenas o que nos dá prazer, mas segue certamen-te que aprendemos melhor o que nos dá prazer; parte importante do processo de aprendizagem pode ser vista como estratégia motivadora para que coisas difíceis, penosas, cansativas possam ser visualizadas como algo que vale a pena, cujo so-frimento pode, ao final das contas, reverter-se em alegria do bom combate; esse horizonte valoriza sumamente a percepção comum, segundo a qual fazemos melhor nosso trabalho quando gostamos dele; triste é todo dia fazer o que detestamos; talvez já seja verdade que a maioria das crianças detesta a escola, também e sobretudo quando são bons estudantes;

f) ao mesmo tempo, essa discussão revela o quan-to o processo de formação dos professores, em todos os níveis, é deficiente, ou porque ignora esse tipo de interdisciplinaridade complexa, ou

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porque se distancia dos padrões reconstrutivos da aprendizagem; de uma parte, para dar conta da aprendizagem é mister dedicação muito mais ampla e recorrente, do que os cursos de Pedagogia e similares supõem, e, de outra, é preciso fazer do professor o lídimo profissional da aprendizagem, para não incidir na contradição performativa; a maior pecha do professor é não saber aprender, porque, com isso, pode constituir-se no fator mais comprometedor em termos de coibir a aprendi-zagem do aluno; por outra, o aluno terá sua me-lhor chance se puder desenvolver-se sob os olhos atentos de um professor que é a própria imagem de quem sabe pensar e aprende a aprender, em particular quando se conjuga adequadamente qua-lidade formal e política;

g) como todo ser vivo se auto-organiza para apren-der, ou seja, desenvolve-se diante dos desafios que a realidade e sua constituição própria apresentam, o ser humano tem diante de si um mundo aberto de potencialidades, que precisa desbravar; é ou pode tornar-se oportunidade, histórico-politicamente contextuada, dependen-do das portas que se abrem e fecham, e igual-mente de como participa para abrir ou fechar as portas; aprender é esforço, por vezes muito penoso, mas representa o caminho central do desenvolvimento, tipicamente reconstrutivo, conquistado de modo sempre ambivalente; no ser humano, esse esforço pode ser indigitado, na educação formal, nas atividades de pesquisa e elaboração própria, e, na vida em geral, como capacidade de iniciativa e participação, através da qual reconstrói todo dia suas potencialidades no caminho da autonomia possível .

CoNHECimENto E igNorÂNCiAA controvérsia em torno do conhecimento apre-

senta hoje inúmeras faces, mas pode-se dizer que uma das mais ostensivas é aquela levada pela postura cha-mada pós-colonialista, muitas vezes também inserida no feminismo . Exemplo vigoroso é a análise de Har-ding21 (1998) sobre o caráter multicultural e a inserção cultural local do conhecimento . Sua crítica se torna tanto mais aguda, porque adota também posiciona-mento epistemológico, mirando o conhecimento igualmente a partir de suas entranhas metodológicas . Combate a epistemologia “internalista”, essencial-mente positivista e que acredita ser capaz de captar diretamente a realidade externa e refleti-la como se fosse espelho, repassando a expectativa fútil de poder

dar conta da ordem da natureza, além de postar-se como conhecimento universal e possivelmente único verdadeiro . Esse projeto moderno teria morrido .

“Os estudos sociais pós-kuhnianos dos projetos sociais

desafiam essa epistemologia internalista que atribui todos

os desempenhos das ciências à ordem da natureza mais

aos processos internos das ciências – especialmente ao

método científico, entendido como agudamente demar-

cado frente a outros métodos para obter conhecimento .

Ainda assim, não aceitam que a posição ‘externalista’ de

que a sociedade é inteiramente responsável pelos resul-

tados e pelas falências da ciência – de que é simplesmen-

te ‘enganação’ das sociedades e suas políticas e de que a

natureza não faz qualquer contribuição para as expecta-

tivas científicas . Em vez disso, assumem o que foi chama-

do, um pouco mal posto, de abordagem construtivista,

mapeando como as ciências (no plural) e suas culturas

co-evoluem, cada uma desempenhando papel maior na

constituição da outra, trazendo-as à existência em primei-

ro plano e mantendo-as numa base contínua, limitando-

as sob diversos aspectos pela ordem da natureza . Os mo-

dos distintivos pelos quais as culturas obtêm

conhecimento contribuem para serem as culturas que

são; e o caráter distintivo das culturas contribui para os

padrões distintivamente ‘locais’ de seu conhecimento

sistemático e de sua ignorância sistemática . ‘Construtivis-

mo’ – com sua sugestão mal posta de que as ‘sociedades’

preexistentes, totalmente formadas montam (‘cons-

tróem’) as representações da natureza que bem enten-

dem, ao arrepio de como o mundo à volta está ordena-

do – é como essa tese inovadora dos estudos da ciência

pós-kuhniana foi chamada pelos que a interpretaram

nesse modo mal posto, e é esse nome que ficou no pen-

samento popular . Todavia, essa abordagem poderia ser

melhor referenciada como ‘co-construtivismo’, ‘co-evo-

lucionismo’, ou mesmo ‘co-constitucionismo’, para enfa-

tizar como a busca de conhecimento sistemático é sempre

apenas um elemento em toda cultura, sociedade, ou for-

mação social em seu ambiente local, elevando e transfor-

mando outros elementos – sistemas educacionais, siste-

mas legais, relações econômicas, crenças e práticas

religiosas, projetos estatais (tais como fazer guerra), re-

lações de gênero – tanto quanto, por sua vez, é transfor-

mada por estas .”21

Harding21 (1998) propõe outro tipo de epistemo-logia (“standpoint epistemology”), marcada pela perspectiva cultural do outro, dando espaço para o olhar do marginalizado, o que, ademais, a tornaria mais objetiva . A objetividade ligada à neutralidade representa um dos golpes mais comprometedores da ciência européia, porque possibilita instalar a ciência

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com autoridade imbatível e, como conseqüência, sa-cralizar a visão européia da vida . Ao mesmo tempo, essa perspectiva inovadora não pode cair – como diria Habermas – na contradição performativa de sucum-bir em seu próprio discurso . Chama a esse desafio de “reflexividade robusta”, através da qual busca manter-se vigilante contra as arapucas epistemológicas e cul-turais . Não reconhece o “milagre europeu”, como se tivesse sido criação absolutamente pessoal, fora do contexto circundante, e particularmente devido à capacidade de manejar conhecimento . Leva em con-ta o colonialismo europeu e chega a aceitar a idéia de que a América não foi tanto descoberta, quanto infectada (alusão ao caráter destrutivo da coloniza-ção, inclusive dizimação das populações pela doenças transmitidas) . Ao lado da produção do conhecimen-to, produziu-se sistematicamente também a ignorân-cia . As culturas tanto podem ser prisões para a ciência, quanto podem também ser “caixas de ferramenta” .

“Sob muitos aspectos, as ciências modernas obviamente

são muito mais poderosas cognitiva e politicamente do

que sistemas mais antigos europeus de conhecimento

ou de sistemas de outras culturas . Todavia, os outros

sistemas foram capazes de aprender muito sobre o mun-

do natural antes das ciências modernas, e que mesmo

essa ciência moderna ainda não aprendeu; todos os de-

sempenhos imagináveis não são das ciências modernas

exclusivamente .”21

Afinal, epistemologia e filosofia da ciência deve-riam sempre ser reconhecidas como tendo dimensões políticas também .

“As velhas teorias insistiram na possibilidade e desejabili-

dade da ciência culturalmente neutra, que seria garantida

pelo seu método distintivo; que seria exercida no contex-

to unicamente da justificação; que produziria reflexão da

ordem da natureza universalmente única válida e perfeita;

que seria descoberta por comunidades de especialistas que

poderiam ser isolados em seu trabalho científico do fluxo

social corrente em sua vida pública (e ‘privada’) . Esse so-

nho de um modelo de conhecimento único e perfeito

perdeu-se para sempre sob a mirada rigorosa das várias

escolas da ciência pós-Segunda Guerra Mundial .”21

Aproveita, em seguida, para calcar ainda mais a pers-pectiva também epistemológica dessa argumentação .

“Como os estudos de ciência e tecnologia das últimas

cinco décadas clarificaram, as observações estão carrega-

das de teoria; nossas crenças formam rede de tal sorte

que ninguém está em princípio imune de revisão; e as

teorias permanecem subdeterminadas por toda coleta

possível de evidência para elas . Há sempre muitas outras

hipóteses adicionais possivelmente plausíveis sobre qual-

quer assunto que ainda não foi proposto, ou que foi con-

siderado mas talvez prematuramente descartado, e por

isso fica não testado em qualquer momento na história

da ciência . Alguma parte menor delas poderia indubita-

velmente compatibilizar-se aos dados existentes tão bem

quanto outros favorecidos no presente . Ao final das con-

tas, as ciências produzem novas teorias continuamente .

(…) Muitas teorias científicas podem ser consistentes

com a ordem da natureza, mas nenhuma delas pode ser

unicamente congruente .”21

É ainda interessante sua posição de defesa da “ob-jetividade forte”, embora nunca neutra, no sentido do compromisso de analisar a realidade da maneira mais adequada possível, dentro das limitações locais, culturais, pessoais e ideológicas . Significa procurar com afinco o tipo de ciência que possa merecer a atenção dos outros, ser refeita por quem duvide, per-maneça aberta às críticas e sobretudo saiba tomar em conta os pontos de vista contrários . Por isso começa “de fora”, ouvindo os marginalizados, os excluídos, não para os fazer, à revelia, referências inescapáveis, mas como proposta de visão mais larga e real . Afinal, nenhuma observação empírica faz uma hipótese tor-nar-se verdadeira,

“já que fatos – observações empíricas aceitas – são coleta-

dos como relevantes pela teoria que eles supostamente

estão testando (incluindo todo pano de fundo de crenças

que os suportam) e pelo métodos que são relativamente

inseparáveis das teorias que levam à sua seleção, e por isso

dificilmente poderiam comparecer como testes indepen-

dentes, neutros quanto a valor, interesse, discurso e méto-

do da adequação empírica da teoria” .21

Harding21 (1998) procede, na prática, na mesma direção de Foucault, ao tentar desvendar as artima-nhas do conhecimento em seus compadrios com o poder .16,17,29 Enquanto o segundo argumenta pela via da arqueologia do saber (arqueologia como conceito epistemológico para o que seria o subsolo do saber), para desvendar que usa a conversa sobre verdade para escamotear sua submissão ao poder, a primeira lança mão de argumentos culturais e epistemológicos para decifrar a relação forte que a ciência moderna tem com a produção da ignorância . Trata-se, como se vê, de discussão arriscada, porque podemos sempre res-ponder a um exagero com outro . Entretanto, é notá-vel a busca de equilíbrio e elegância na argumenta-

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ção, reforçada pela vigilância constante de não recair na mesma crítica . As pretensões universalistas preci-sam ser tomadas com alguma parcimônia, porque a realidade está inserida em contínuo local-global . Para vivermos em sociedade é mister termos coisas em co-mum, válidas para todos, mas todas elas são cultural-mente marcadas . O manejo comum das diferenças é o que mais temos de comum .

Dentro dessa visão crítica, Harding21 (1998) resta-belece a discussão em torno do desenvolvimento como colonialismo sob outros meios, relembrando a teoria da dependência, geralmente considerada su-perada pelos neoliberais adeptos da globalização sem-pre olhada apenas em seus ângulos possivelmente positivos . Fala de “des-desenvolvimento” e “maldesen-volvimento”, como resultado da interferência colo-nialista européia . Aponta quatro escolas de pensa-mento acerca do desenvolvimento sustentável que partilham da crença de que o crescimento econômi-co causa destruição do ambiente e das relações sociais no contexto capitalista: a) os “economistas da vida real” centram-se no am-

biente, mas continuam eurocêntricos, quando, por exemplo, definem a liberdade de escolha como se fosse algo neutro com respeito a gênero;

b) os “economistas centrados nas pessoas” preocu-pam-se com a erradição da pobreza, não com o crescimento em primeiro lugar; ao realçarem o desenvolvimento em pequena escala, podem contribuir para as oportunidades das mulheres e outras categorias excluídas; permanecem, porém, ainda eurocêntricos, sobretudo com respeito à expectativa universal do desenvolvimento;

c) as análises do desenvolvimento do ponto de vista poder/conhecimento conseguem captar o olhar das mulheres, mas tendem a colocar-se fora dos discursos do desenvolvimento, perdendo, por cer-to extremismo, a capacidade de negociação;

d) os teóricos da cultura, economia e modernização parecem melhor postados, porque reavaliam tudo criticamente, agregando ainda a valorização do conhecimento incorporado, sempre contextuado em perspectiva também local e cultural .Conhecimento não é apenas iluminismo . É tam-

bém obscurecimento, porque se move no espaço do poder, não só da verdade . Na sociedade intensiva de conhecimento, isto se torna tanto mais ostensivo: dis-puta-se conhecimento como se disputa poder, por-que ambos os termos tendem a coincidir cada vez mais . Os que produzem informação querem ser do-nos dela . Os que dominam os meios de comunicação

não aceitam qualquer monitoramento pela socieda-de, como se fossem donos únicos . Grande parte do conhecimento se transforma em tática de coerção .32 A informação já disponível poderia tornar a socieda-de mais transparente, desde que a informação estives-se nas mãos dos cidadãos . Como isso é muito difícil, o domínio do conhecimento pode tornar-se ameaça maior do que oportunidade para todos . Os entusias-tas apostam na democratização do conhecimento, porque também confiam no mercado liberal tenden-te, esperando dele acesso aberto, o que, no capitalis-mo, é fenômeno desconhecido . Mas uma coisa é cer-ta: não há como voltar . Precisamos conviver com a sociedade do conhecimento e da informação .7

A AtuALiDADE DE PAuLo FrEirEParece ser regra em educação que todas as idéias

tidas por novas e brilhantes um dia já foram ditas, por vezes, por pessoas que à época eram ainda mais novas e brilhantes . É o caso de Paulo Freire, como poderia ser também de Sócrates com sua maiêutica . Não tinham maiores conhecimentos de biologia, emergência quântica, enação, mas tinham a “stand-point epistemology”, através da qual sabiam ver a realidade a partir também do outro lado33 . Sobretu-do não incidiam na contradição performativa: sa-biam que sabiam pouco . Vamos aqui realçar apenas a discussão em torno da pobreza política, para mos-trar que os aportes freireanos representam contribui-ção das mais notáveis e se encaixam dentro da expec-tativa reconstrutiva política do conhecimento e da aprendizagem .

Ao lado das carências materiais, acentua-se com ímpeto ainda mais forte a exclusão de cunho político . A carência material, de si, não precisa indicar exclu-são, se for fenômeno natural e comum, como é a falta de chuva, por exemplo . Quando ocorre a seca, temos carência de chuva, igual para todos . A “indús-tria da seca” surge quando entra em cena a dinâmica política ambivalente, permitindo que simples carên-cia material se transforme em fonte de privilégios, ou seja, em motivo de exclusão de cunho tipicamente político . Geralmente, quando falamos de pobreza, olhamos apenas para a carência material, indicada pela falta de emprego, renda, moradia, saúde etc . Trata-se da crosta externa do fenômeno, porque em seu âmago sucede sobretudo processo de exclusão política, alimentado mormente pela ignorância por parte do excluído . Com efeito, privilégio é fenômeno sempre consentâneo à ignorância: do ponto de vista do desprivilegiado, precisa consentir de modo subal-

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terno/imposto ou inconsciente; do ponto de vista do privilegiado, precisa da subalternidade do desprivile-giado e da competência de se impor . Aparecem duas formas principais de ignorância no desprivilegiado: aquela inconsciente — o pobre sequer consegue sa-ber e é coibido de saber que é pobre; aquela impos-ta — o pobre é coibido de poder lutar, num processo de obstaculização sistemática das oportunidades . Não se trata, assim, de ignorância cultural, que a Pedago-gia facilmente mostra inexistir, porque todos somos dotados histórica e culturalmente de saberes localiza-dos, patrimônios comuns, mundos permutados de vida . Trata-se da ignorância histórica e culturalmente produzida para fins de submissão de maiorias . O pri-vilegiado também é ignorante, no sentido de que passa por cima ou destrói a consciência crítica dos outros, repassando a idéia de que se trata de mérito, não de privilégio .

Essa submissão pode ser inconsciente, quando o pobre não chega a tomar consciência, acreditando que pobreza é fenômeno natural, divino, casual . Ca-beria apenas aceitar com resignação os desígnios do destino . Não se consegue perscrutar as razões histó-ricas e sociais da pobreza, predominando sempre interesses da elite em manter tal situação . Tais inte-resses não se incorporam em projetos explícitos — ostensivamente satânicos —, mas nas próprias con-dições históricas da dialética do poder . A educação básica universal e obrigatória teria sido inventada para contrapor-se a tal situação, abrindo para todos um mínimo de consciência crítica frente à realidade . Analfabeto é tipicamente o ignorante produzido, não aquele que nada sabe, porque essa condição inexiste histórica e culturalmente falando . Por ou-tra, essa submissão pode ser relativamente conscien-te e mantida através de estratégias de fomento tipi-camente clientelistas, que embotam a capacidade crítica do oprimido ou não permitem reação ade-quada . Particularmente efetivas são táticas assisten-cialistas que induzem o pobre a esperar a solução de seus algozes . Nesse caso, o pobre já tem alguma no-ção do fenômeno político da exclusão, mas não con-segue organizar-se de modo suficiente para confron-tar-se com o sistema . Percebe com maior ou menor clareza o processo de produção da exclusão, mas não alcança colocar em marcha nível satisfatório de ci-dadania capaz de tomar as rédeas do destino para transformá-lo em oportunidade .12,14

O processo de produção da ignorância pode ser fomentado por inúmeras iniciativas do sistema, tais como:

a) obstaculização das políticas educacionais, de tal sorte que o acesso universal e gratuito à educação básica não ocorra, pelo menos com a qualidade devida; por vezes acontece o acesso quantitati-vo — quase todas as crianças em idade escolar chegam à escola —, mas tolhe-se o acesso qualita-tivo — nem todos concluem o ensino fundamen-tal e com adequada proficiência; admite-se que seja mister atingir escolaridade média superior aos oitos anos obrigatórios para que a população possa minimamente “saber pensar”; parte central da obstaculização se refere a maus-tratos impostos aos docentes, tanto no sentido de formação pre-cária, insuficiente para sustentar níveis mínimos de aprendizagem própria e dos alunos, quanto no de desvalorização profissional, que os reduz a excluídos também;

b) manipulação das assistências sociais, particular-mente próprias para manter a atitude de benefi-ciário, em vez da de cidadão capaz de reivindicar; apaga-se facilmente a iniciativa crítica do pobre, fazendo-o esperar por benefícios geralmente míni-mos e residuais e que o colocam na mão da elite e dos governantes; o “welfare state” pode ter incidi-do nessa cilada, desarmando a cidadania em favor de soluções vindas de fora e de cima, mostrando ser fátua a tese do estado socialmente vocaciona-do, em particular no capitalismo; assim, a assistên-cia, de si direito radical da cidadania em termos de sobrevivência, quando mal posta e conduzida, pode atrelar o pobre a esquemas tipicamente em-pobrecedores, marcando ainda mais sua condição de desprivilegiado e excluído;

c) manipulação dos meios de comunicação, na medi-da em que são mantidos como gigantesco “adver-tising” do sistema, seja na produção insistente de “pão e circo”, ou no sustento de representações sociais atreladas e subalternas, ou no controle e filtragem elegante da informação, ou na gestação de formas ostensivas ou subliminares de adesismo, de tal sorte a provocar o convencimento público de que os privilégios são mérito natural ou histórico; não deveriam, pois, ser desfeitos ou atacados, con-vindo à população permanecer ao lado dos gover-nantes e detentores da riqueza; embora facilmente se exagere a força performativa dos meios de comu-nicação, como se o público apenas se submetesse a eles, cabe reconhecer sua capacidade manipulativa, o que já se evidencia no fato de que as elites sempre buscam dominá-los e de que a propaganda comer-cial sustenta e perpassa os programas;15

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d) manipulação cultural, em particular de identida-des propensas a manter valores e representações conservadoras, insistindo sempre na docilidade histórica da população; podem ter papel decisivo fatores como patrimônios históricos marcados pela subalternidade, apegos a manifestações re-ligiosas que sacralizam a ordem vigente, culti-vo de informalidades produtivas que atrelam a criatividade cultural à pobreza, ufanismos vazios que apenas olham para trás na história, morais e cívicas ideologicamente desmobilizadoras; no fundo, consegue-se com isso que a consciência crítica e a competência humana de confrontar-se com a exclusão sejam vistas e sentidas como transgressão social, mau comportamento, perda de bom senso;

e) atrelamento das energias associativas, desde sua vinculação jurídica excessiva a trâmites públicos, até a sua redução a entidades engolidas pelo sis-tema, sobretudo pela via dos governos; a com-petência para se emancipar poder ser coarctada sobretudo por dois golpes eficientes por parte do sistema: pelo cultivo da inconsciência história, e pela obstaculização do associativismo agressivo; população ignorante e desorganizada é o que mais pode convir ao sistema, pelo que sempre se procura ingerência nas associações sindicais, partidárias, comunitárias, profissionais etc .; visa-se sistematicamente a implantar a idéia de que à população basta confiar no sistema, porquanto a maior ignorância imaginável é esperar a solução dos outros, ou seja, não chegar a fazer-se sujeito capaz de história própria .4,10

É nesse sentido que a política social, cada vez mais, se preocupa com a pobreza política, sem com isso des-merecer a questão social material . Esta, entretanto, não se resolve apenas materialmente . Para superar a fome, por exemplo, não basta ter acesso à comida . É mister, antes de tudo, ter consciência crítica de que a fome é imposta e inventada, e de que o pobre não pode pres-cindir da oportunidade de prover, por ele mesmo, sua comida . Daí já segue que emprego é sempre muito mais relevante que assistência, devendo ser visto, ade-mais, não apenas como decorrência livre do mercado, mas como direito humano em primeiro lugar . É claro que a solução política não dispensa solução material, donde segue que a acentuação da pobreza política não poderia ser feita desconhecendo as carências físicas, pois não faria sentido substituir um extremo pelo ou-tro . Diz-se apenas que pobreza política é mais central que pobreza material, colocando questão mais profun-

da e decisiva em termos emancipatórios . Com efeito, o sistema não teme pobre com fome . Mas teme pobre que sabe pensar . A política social mais decisiva no fu-turo será “política social do conhecimento”, através da qual se pretende, principalmente pela via da aprendi-zagem reconstrutiva permanente, estabelecer rota con-tínua de gestação das oportunidades, conjugando ne-cessariamente educação e conhecimento .14

Torna-se estratégico que o pobre tenha acesso ao manejo do conhecimento, principalmente em termos reconstrutivos e políticos . Na prática ocorre o contrá-rio, porque as escolas reservadas aos excluídos são aquelas que menos oportunidades garantem, geral-mente as públicas . Nelas sucede — tipicamente — mera reprodução do conhecimento, seja porque os docentes detêm formação extremamente precária e são desvalorizados socioeconomicamente, seja por-que se pratica a Pedagogia da reprodução, seja porque se imagina que aos pobres cabe escola pobre . O que mais se esperaria dessa escola é que fosse capaz de gestar as condições necessárias para o confronto com a pobreza política . Aprender a “ler, escrever e contar” significa aprender a “ler” a realidade, como dizia Pau-lo Freire, em sentido lidimamente político, para des-vendar a condição de oprimido e fazê-lo capaz de confronto articulado e efetivo . A escola se liga menos no combate à pobreza material, ainda que possa ser valorizada também nessa rota, tendo em vista que a sociedade do conhecimento está intensivamente in-serida na economia competitiva globalizada . A escola é fundamental também para a competitividade de cada sociedade . Entretanto, os níveis iniciais são, no fundo, apenas pressuposto . O que de mais importan-te pode ocorrer aí é a constituição de cidadãos críticos e criativos, que conjugam da maneira mais eficaz pos-sível educação e conhecimento para saber pensar e intervir de modo alternativo na realidade .

Precisam de educação para poderem realizar sua cidadania dentro da ética histórica . Necessitam buscar história alternativa, da qual sejam o sujeito central . Mas precisam igualmente de conhecimento, para dispor dos meios mais efetivos . Na sociedade do conhecimen-to, ser excluído é sobretudo estar excluído do conhe-cimento . Certamente, o analfabeto atual não é só quem não sabe ler, mas sobretudo quem não maneja minimamente conhecimento em termos reconstruti-vos . O pobre não pode apenas reproduzir conheci-mento . Carece reconstruí-lo como sujeito capaz . A idéia da “reconstrução de cunho político”, além de apanhar o que de melhor sucedeu na história da Pe-dagogia em termos emancipatórios, conjuga com ele-

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gância educação e conhecimento no mesmo todo . Ambos os termos são inerentemente políticos, pois constituem o nódulo mais central da dinâmica de ocu-pação de espaço próprio, elaborando o cerne do que se poderia chamar de competência humana . Entretan-to, conhecimento aponta para o horizonte do domínio técnico-formal, as habilidades propedêuticas de estilo instrumental, a capacidade de saber pensar, enquanto educação aponta para a competência ética, estabele-cendo a relação adequada entre meios e fins .

A sociedade aprendente1 se alimenta, por sua vez, de ambos os lados, revelando nisso, ademais, sua tes-situra dialética contraditória: ocupar espaço próprio significa, em termos realistas, redistribuir poder, ou seja, retirar de quem tem em excesso, ou frear e fazer recuar a usurpação, o que leva a incluir na competên-cia humana a capacidade de confronto; eticamente falando, todavia, a sociedade desejável deve ser aque-la solidária, onde todos poderiam ter chances equa-lizadas . Usando a metáfora de Boff3 (1999), ao lado de ocupar espaço, é mister recuperar os horizontes do “saber cuidar”, que identifica como “ética do hu-mano” . É bem difícil articular na história concreta a dialética da solidariedade, seja porque geralmente é discurso dos privilegiados para desmobilizar os des-privilegiados, seja porque decai rapidamente no fun-cionalismo útil que deixa tudo como está . Seria o caso, precisamente, falar de “dialética da solidariedade” para indicar sua intrínseca ambivalência, como todo fenômeno histórico, no qual os encontros são consti-tuídos por desencontros, podendo predominar os encontros somente quando árdua e permanentemen-te conquistados e refeitos .30 Solidariedade não é coisa dada, mas projeto comum sempre precário, que en-contra sua beleza e profundidade na dinâmica polí-tica de sua gestação, definhamento e reconstrução .

Não é tarefa fácil colocar as energias decisivas do conhecimento a serviço dos excluídos, até porque é próprio de gente formalmente bem-educada “imbe-cilizar” as massas, manipular a consciência alheia com competência refinada, desinformar pela via da infor-mação tanto mais atraente . Por isso mesmo, a maior indignidade humana é a ignorância produzida, por-que destrói a condição de sujeito político . Pobreza política é fenômeno ainda mais grave do que carência material, pois revela as entranhas da contradição dia-lética na história concreta, feita de minorias privile-giadas que exploram maiorias ignorantes . Qualidade formal pode crescer em direção inversa da qualidade política, ou seja, conhecimento pode facilmente dis-tanciar-se de educação .

PArA CoNCLuirO sistema não teme o pobre que tem fome . Teme

o pobre que sabe pensar . O que mais favorece o neoli-beralismo não é a miséria material das massas, mas sua ignorância . Essa ignorância as conduz a esperar a so-lução do próprio sistema, consolidando sua condição de massa de manobra . A função central da educação de teor reconstrutivo político é desfazer a condição de massa de manobra, como bem queria Paulo Freire .

ABStrACtKnowledge and learning – the ageless Paulo Freire

The aim of this paper was to outline some of the controversial aspects of knowledge and learning in order to point out their political reconstructive mean-ing, thus restoring the consolidated tradition of Pau-lo Freire, namely the emancipative meaning of its proposal: to undo the condition of maneuvering mass of the great majority of the population on account of their ignorance . Based on the literature relevant to the field of education and on an analysis of it, the author discusses the meaning of knowledge and the methods and resources of conveying it, while con-demning reproductive, intructionist didactics . The author also states that the main measures of learning should be to know how to think and to learn how to learn, which will eventually turn schools into centers of change that will lead society to the knowledge era . In addition, the author considers that it is difficult to direct knowledge’s decisive energy in favor of the ex-cluded population, even though he considers it to be the main function of a political education . In conclu-sion, the author states that political poverty is even more serious than material poverty as it reveals the inner functioning of the dialectical contradiction in real history, made of privileged minorities that exploit ignorant majorities .

DESCriPtorSEducation . Learning . Teaching . Knowledge . §

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Aceito para publicação em 11/05/2004

Page 38: volume7, n° 1

Revista da ABENO • 7(1):38-46��

alunos, tendo sido pedidos a estes, inicialmente, o preenchimento e a assinatura do termo de consenti-mento livre e esclarecido; após isso, os professores distribuíam para cada aluno seis a sete fichas com o referido questionário, sendo uma ficha destinada para cada dente em que já tinha sido executado o procedimento odontométrico, pedindo a ele que se manifestasse e identificasse nesse questionário previa-mente elaborado a presença ou não das referidas dificuldades . Concluiu-se que, na maioria das vezes, os molares foram os dentes que apresentaram as maio-res freqüências em número e porcentagens de difi-culdades, seguindo-se os pré-molares e por último os incisivos . Houve diferença estatisticamente signifi-cante (p = 0,01) em relação à quantidade de películas radiográficas utilizadas, ao desperdício de tempo de trabalho e ao tempo de trabalho durante os procedi-mentos odontométricos entre os três grupos dentá-rios avaliados .

rESumoO propósito do presente trabalho foi identificar

e avaliar, valendo-se de um questionário, as dificulda-des dos alunos durante as atividades laboratoriais da Disciplina de Endodontia realizadas em dentes hu-manos extraídos montados em manequim . Para isso, foram analisados os resultados das tomadas radiográ-ficas periapicais durante o procedimento odontomé-trico em função da quantidade de películas radiográ-ficas e suas perdas, do desperdício ou não do tempo de trabalho e do tempo de trabalho . Foram selecio-nados 50 alunos do terceiro ano cursando a Discipli-na de Endodontia do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté no primeiro semestre de 2005 . Ao término de suas atividades laboratoriais, procuravam-se alunos, que foram avaliados por meio de uma entrevista com tempo mínimo estimado de 10 minutos . Nessa entrevista, os professores explica-vam e mostravam o conteúdo do questionário aos

Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria

No início das atividades em Endodontia, os alunos apresentam dificuldades que, quando identificadas, podem ser trabalhadas a fim de melhorar o aprendizado.

João Marcelo Ferreira de Medeiros*, Sandra Marcia Habitante*, Nivaldo André Zöllner**, Pedro Luiz de Carvalho***, Claudia Auxiliadora Pinto****, José Luiz Lage-Marques*****

* Professores do Programa de Mestrado em Odontologia, Subárea Endodontia, da Universidade de Taubaté . E-mail: [email protected] .

** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Endodontia e Clínica Integrada do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté .

*** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Imaginologia Dentomaxilofacial do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté .

**** Professora Assistente da Disciplina de Endodontia e Clínica Integrada do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté .

***** Professor Titular da Universidade de Taubaté e da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo .

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Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL

DESCritorESRadiografia dentária . Odontometria . Molar . Pré-

molar . Incisivo .

A Endodontia, sem sombra de dúvida, é uma dis-ciplina que requer riqueza de dados e pormeno-

res anatômicos do elemento dentário e das estruturas circunvizinhas, os quais são obtidos na imensa maio-ria das vezes pela imagem radiográfica .

Desse modo, o dentista que se propõe a executar um tratamento do canal radicular, seja especialista em Endodontia ou não, deve ser dono de conhecimentos técnicos próprios da intervenção, além de possuir uma bagagem cognitiva das matérias básicas, o que denota substrato do conhecimento biológico . Aliás, faz parte do saber, o qual é adquirido na formação do profissional, não só o completo domínio de interpre-tação radiográfica, tanto das estruturas dentárias como das anexas, mas também, principalmente, a ca-pacidade na aplicação das técnicas radiográficas .

Cabem ao dentista o conhecimento, a experiên-cia, a habilidade e o bom senso para efetuar correta-mente o exame radiográfico, a fim de chegar à con-clusão mais acertada a respeito das manobras subseqüentes ao tratamento endodôntico .

Por outro lado, a instrução tanto na educação como na saúde concebe todos os ensejos experimen-tais bem como seu rendimento, de maneira a propi-ciar uma influência nos conhecimentos, nas atitudes e práticas do aluno .

Abreu, Masetto1 (1989) evidenciam que o educa-dor de uma maneira geral se prende a três categorias de aprendizagem: a de conhecimentos, a de atitudes e a de habilidades .

A aprendizagem de conhecimento depara-se com as informações de que o aluno dispõe, a gene-ralização dessas informações para situações diferen-tes, os conceitos e seus inter-relacionamentos, e as soluções para problemas em níveis cada vez mais complexos e criativos .

Já a aprendizagem de atitudes estabelece que o aluno deve conhecer as variáveis presentes numa si-tuação grupal, adequando seu comportamento de forma ética, principalmente na sua relação pessoal com outros indivíduos e a comunidade .

A aprendizagem de habilidades denominadas também de intelectuais e psicomotoras importa o de-senvolvimento da habilidade manual para executar um determinado procedimento clínico .

Os professores, ao questionarem o processo de en-sino-aprendizagem, esforçam-se para que o aluno ob-

tenha conhecimentos, seja capaz de pleitear mudanças de atitudes e desenvolva sua capacidade motora .

Nérici8, em 1992, declara que, dentre as metas que asseguram a realização de um plano didático, destaca-se a avaliação que procura tanto expressar o que de-cididamente é executado em termos de ensino-apren-dizagem como também investigar os valores e as imperfeições do método de ensino em prática com o intuito de assegurar melhoria .

Fisher4 (1960) comenta que a prática clínica pres-tigia de uma maneira eficaz a formação do aluno inde-pendentemente do que foi previamente ensinado . Mais ainda, durante as atividades clínicas, este inicia a formação de julgamentos mais maduros e também es-tima o conteúdo prático de conhecimentos e ideais que tinham sido previamente recebidos como de valor aparente . Essas apreciações refletem-se em atitudes do corpo docente quando da determinação de normas, ambientes e nível intelectual da prática clínica .

Wittrock14 (1971) destacou que o aluno se obriga a cumprir seus afazeres clínicos de modo competen-te a fim de prever e suprimir fatores causadores de falhas no plano de tratamento, o que o capacita a trabalhar independentemente do auxílio do profes-sor completando as condutas clínicas em um espaço razoável de tempo .

Nessa ordem de idéias, Mackenzie7 (1974) salien-tou quatro razões para medir a eficiência clínica: ve-rificar competência, manter o cumprimento no cui-dado à saúde, fornecer “feedback” ao estudante e melhorar o processo de aprendizagem .

Com vistas a analisar o trabalho pré-clínico de alu-nos de graduação, Weinfeld13 (1996) valeu-se de den-tes extraídos e adaptados em manequim e notou que, além do dente pré-molar inferior representar aquele de menor dificuldade em todas as etapas avaliadas, a fase de maior insucesso da terapia endodôntica foi, em ordem decrescente: obturação, acesso e preparo da câmara pulpar, preparo do canal radicular e por último odontometria .

Arruda2 (1997) julgou as variáveis que influenciam a produtividade clínica de 186 fichas de alunos de gra-duação do Curso de Clínica Integrada da Universidade de São Paulo . O mencionado autor admite que, para um ensino clínico eficiente, os professores devem estar atentos para obter informações a respeito das dificul-dades de aprendizado de cada estudante e da sua com-petência aliada a seu desempenho clínico .

Simi Jr . et al .11 (1998) recomendaram a identifica-ção e análise de dificuldades nas diversas etapas do tratamento endodôntico no transcurso das atividades

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clínicas da Disciplina de Endodontia . Para tal, sele-cionaram 740 planos de tratamentos endodônticos . Os alunos foram entrevistados anotando-se as suas dificuldades em um questionário idealizado pelos professores . Em seus resultados consta que um dos maiores obstáculos encontrados por 100 alunos nas diversas etapas do tratamento endodôntico foi, entre outros, a odontometria, sendo que os maiores erros para esse procedimento foram a escolha do primeiro instrumento, seguindo-se a tomada radiográfica e o cálculo matemático .

Kamaura et al .5 (2003) estudaram alguns quesitos da prática endodôntica realizada na clínica e no labo-ratório, valendo-se de alunos da Disciplina de Endo-dontia . Os referidos autores analisaram radiografias finais dos tratamentos endodônticos realizados consi-derando, entre outros critérios de qualidade, a quali-dade radiográfica no tocante à forma – adequada ou inadequada . Quando comparados os tratamentos rea-lizados em laboratório e clínica, ocorreram diferenças significativas nos critérios acidentes e qualidade radio-gráfica, evidenciando-se diminuição da qualidade ra-diográfica ao longo do período de exercício da espe-cialidade . Os autores perceberam que a evolução seqüenciada da habilidade exige do corpo docente um estreito acompanhamento para não se permitir a que-da na performance . A experiência do laboratório, re-latam os autores, deverá ser imediatamente colocada à prova na clínica de modo a aproveitar os conheci-mentos recentes e aplicá-los em pacientes .

Com vistas a avaliar a qualidade de ensino na Dis-ciplina de Endodontia da Universidade Federal do Ceará, Vale12 (2005) valeu-se de questionário, com 16 perguntas, o qual foi aplicado aos alunos de graduação do primeiro e segundo semestres de 2004 . Observou-se que, dos 69 alunos matriculados na Disciplina de En-dodontia, apenas 59,42% devolveram o questionário com as respostas, totalizando 41 alunos – sendo 20 alu-nos da turma do primeiro semestre e 21, do segundo .

O referido autor localizou várias dificuldades ope-ratórias, sendo necessário o reconhecimento de aten-ção e treinamento maiores para as fases de acesso e preparo da câmara pulpar e obturação do canal; to-davia, porcentagens significativas dos respondentes das duas turmas cometeram erros ou falhas, também de procedimento, em outras etapas do tratamento endodôntico menos significativas do ponto de vista percentual, sendo a tomada radiográfica e a odonto-metria assinaladas tanto nos primeiros tratamentos in vitro e in vivo como no último tratamento .

Por razões didáticas podemos seqüenciar os pas-

sos do tratamento endodôntico laboratorial da se-guinte forma: fase de acesso à câmara pulpar e à entrada do canal radicular, odontometria, preparo químico-cirúrgico dos canais radiculares e obturação dos canais radiculares . A seqüência dos passos é transmitida mediante aula expositiva em sala . Por-tanto, posteriormente, torna-se indispensável a pre-sença dos acadêmicos no laboratório ou na clínica para o exercício prático de suas atividades, as quais foram orientadas em sala de aula sob a supervisão do professor .

Aliás, observa-se que as execuções dessas tarefas práticas, em parte, nem sempre são cumpridas integral-mente, haja vista as dificuldades dos passos operatórios que exigem certos cuidados no seu desenvolvimento .

Nesse particular, Paiva, Antoniazzi9 (1991) e Lage-Marques, Antoniazzi6 (2002) referindo-se à tomada radiográfica esclarecem que, em presença do isola-mento absoluto do campo operatório, as dificuldades encontradas nessa fase se justificam em razão da pre-sença do grampo e do lençol de borracha, os quais exigem vigilância durante o estabelecimento das an-gulações verticais e horizontais . Por esse motivo, as-segura-se a ocorrência de um número elevado de perda de tomadas radiográficas .

Considerando todas as ponderações aqui despen-didas, visamos destacar os erros que mais acometem o procedimento de odontometria e para tanto esta-mos propondo um questionário para verificar de ma-neira pormenorizada os obstáculos para a realização desse procedimento .

O propósito do presente trabalho foi avaliar e identificar, valendo-se de questionário, as dificulda-des encontradas durante as atividades laboratoriais da Disciplina de Endodontia realizadas em dentes humanos extraídos montados em manequim, anali-sando-se os resultados das tomadas radiográficas pe-riapicais durante o procedimento odontométrico em função da quantidade de perdas de películas radio-gráficas, do desperdício do tempo de trabalho e do tempo de trabalho .

mAtEriAL E mÉtoDoForam selecionados 50 alunos do terceiro ano

cursando a Disciplina de Endodontia do Departa-mento de Odontologia da Universidade de Taubaté no primeiro semestre de 2005 . Ao término de suas atividades laboratoriais, procuravam-se alunos que tinham efetuado a fase de tratamento endodôntico denominada odontometria para serem avaliados por meio de uma entrevista com tempo mínimo estimado

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Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL

de 10 minutos .Nessa entrevista, os professores explicavam e mos-

travam o conteúdo do questionário (Quadro 1) aos alunos, tendo sido pedidos a estes, inicialmente, o preenchimento e a assinatura do termo de consenti-mento livre e esclarecido; após isso, os professores distribuíam para cada aluno seis a sete fichas com o referido questionário, sendo uma ficha destinada para cada dente em que já tinha sido executado o procedimento odontométrico, pedindo a ele que se manifestasse e identificasse nesse questionário previa-mente elaborado a presença ou não das referidas dificuldades .

A finalidade do processo era a manifestação do aluno e a identificação por parte deste, em um ques-tionário previamente preparado, da presença ou não de dificuldades no transcurso da odontometria, or-denando-se os erros possíveis desse tempo operatório segundo o Quadro 1 .

De posse dos resultados obtidos, foram confeccio-nadas tabelas com números e seus respectivos percen-tuais e foi feita análise estatística pelo teste do Qui-quadrado (χ2) .

rESuLtADoSOs resultados desta avaliação estão dispostos nas

Tabelas 1 a 4 .Constatou-se que, dos 50 alunos matriculados na

Disciplina de Endodontia no ano de 2005, apenas 45 responderam e devolveram o questionário, perfazen-do-se um total de 90% de alunos entrevistados e de 271 fichas respondidas, as quais foram recolhidas para análise obtendo-se assim uma representação do nível de acertos e erros durante a odontometria .

DiSCuSSÃoOs erros que ocorrem durante o tratamento en-

dodôntico podem resultar em posterior perda do dente . Assim, menor ocorrência de erros significa ampliação dos índices de sucesso, o que torna neces-sária a descoberta de qual a causa mais significativa dos erros cometidos e se esses sobrevêm por falta de habilidade, por deficiência no aprendizado ou por imprudência ou negligência do aluno .

Verifica-se durante o treinamento pré-clínico a experiência de erros, sobretudo quando se trata de tomadas radiográficas . Como o resultado desse exa-me é de importância fundamental para a continuação das fases subseqüentes da terapia endodôntica, as di-ficuldades dessas tomadas são, sem sombra de dúvida, achados que na prática importunam e preocupam os

professores e orientadores .O professor em sua exposição teórica de situações

da prática odontológica tenta transmitir ao aluno o aprendizado dos exercícios que enfrentará durante todo o semestre no laboratório, e este em sala de aula vê, ouve e escreve o que o professor pondera . No la-boratório, ao realizar o seu treinamento, percebe-se que no início há dificuldades na consecução dos exer-cícios práticos, pois, na realidade, o aluno necessita de criar hábitos cada vez mais intensos no laboratório a fim de exercer com convicção as suas tarefas do dia-a-dia e desenvolver práticas que o faz avançar; sem

Universidade de Taubaté Departamento de OdontologiaCurso de Pós-graduação em Odontologia

Fichanº________ Dente_____ Data___/___/___

A)Assinaleasdificuldadesabaixorelacionadasquevocêacreditaterencontradoduranteosprocedimentosodontométricos:

1.Enquadramentodofilme[]2.Manutençãodofilme[]3.AfinidadecomoaparelhoderaiosX[]4.Interferênciadogrampo[]5.Interferênciadolençoldeborracha[]6.Dificuldadedeposicionaroângulovertical[]7.Dificuldadedeposicionaroângulohorizontal[]8.Dificuldadedelocalizaraáreadeincidência[]9.Tempodeexposição[]

10.Revelação[]11.Fixação[]12.Técnicautilizada[]13.Escolhadoprimeiroinstrumento[]14.Cálculomatemático[]15.Errooufalhatécnicanoprocessamento[]

B)Quantaspelículasradiográficasforamutilizadasduranteoprocedimentoodontométrico(nãodeveconstararadiografiainicial)?

1.Duaspelículas[]2.Trêspelículas[]3.Quatropelículas[]4.Cincopelículas[]5.Seispelículasoumais[]

C)Houvedesperdíciodetempodetrabalho?

1. Sim[]2. Não[]

D)Tempodetrabalhoparaarealizaçãodaodontometria(pararespostasimàquestãoanterior)

1.Atéquinzeminutos[]2.Atétrintaminutos[]3.Atéquarentaminutosoumais[]

Quadro 1 - Questionário para o preenchimento das ques-tões formuladas .

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esquecer, é claro, as suas consultas em livros-textos e trabalhos de pesquisa, e não só o estudo do assunto que o professor pondera em sala de aula .

Os alunos apresentam níveis diferentes de difi-culdades no decorrer de seu treinamento, o que contraria a idéia de clareza, harmonia e adequação da fase que está se propondo realizar com eficiência . Isso repercute no plano de ensino proposto pela disciplina . As dificuldades, quando identificadas, poderão ser trabalhadas a fim de melhorar o apren-dizado dos alunos .

Com esse objetivo, moveu-nos a intenção de ana-lisar, em vários procedimentos odontométricos, os erros que mais se destacam .

Os achados em nossa pesquisa (Tabela 1) apon-tam alto índice percentual de dificuldades em se es-tabelecer o ângulo horizontal do cone do aparelho de raios X no manequim – 72 ocorrências, sendo 38 em elementos molares (52,78%), os de maior desta-que, seguidos dos pré-molares – 23 casos (31,94%) e finalmente dos incisivos – 11 situações (15,28%) .

Do mesmo modo, o estabelecimento das angula-ções verticais também apresentou dificuldades em 67 ocasiões e, mais uma vez, os dentes molares foram aqueles de maior índice de erro – 34 circunstâncias (50,75%), seguindo-se 19 pré-molares (28,36%) e, por último, 14 incisivos (20,89%) .

Esses dados identificam-se com as declarações de Paiva, Antoniazzi9 (1991) e Lage-Marques, Antoniazzi6 (2002), que, ao se referirem à tomada radiográfica diante do isolamento absoluto do campo operatório, esclareceram que as dificuldades encontradas nessa fase se justificam em razão da presença do grampo e do lençol de borracha, os quais exigem vigilância du-rante o estabelecimento das angulações verticais e ho-rizontais, assegurando-se número elevado de perda de tomadas radiográficas, que além de dispendiosa gasta tempo de trabalho .

Além disso, Vale12 (2005) observou erros na toma-da radiográfica e na odontometria no primeiro trata-mento in vitro, enquanto no último tratamento in vitro constatou erro na tomada radiográfica . Ao atentar para o primeiro tratamento in vivo, verificou erros durante a radiografia, a secagem da radiografia e a odontome-tria, entre outros . Para os erros observados no último tratamento in vivo constatou falha na radiografia .

A qualidade radiográfica observada com padrão de processamento (revelação e fixação), ratifica Vale12 (2005), foi adequada em 87 radiografias e em 13 si-tuações estava inadequada em avaliações no labora-tório de dentes unirradiculares . Considerando-se dentes birradiculares tratados em laboratório, a qua-lidade radiográfica foi adequada em 83 condições e inadequada em 17 casos . Para os dentes multirradi-

Grupo dentário

DificuldadeIncisivos Pré-molares Molares Total

Enquadramentodofilme 8(19,51%) 11(26,83%) 22 (53,66%) 41

Manutençãodofilme 4(33,33%) 5(41,67%) 3 (25,00%) 12

AfinidadecomoaparelhoderaiosX 14(31,82%) 16(36,36%) 14 (31,82%) 44

Interferênciadogrampo 18(34,61%) 12(23,08%) 22 (42,31%) 52

Interferênciadolençoldeborracha 17(29,31%) 20(34,48%) 21 (36,21%) 58

Dificuldadedeposicionaroângulovertical 14(20,89%) 19(28,36%) 34 (50,75%) 67

Dificuldadedeposicionaroângulohorizontal 11(15,28%) 23(31,94%) 38 (52,78%) 72

Dificuldadedelocalizaraáreadeincidência 10(18,18%) 13(23,64%) 32 (58,18%) 55

Tempodeexposição 1(14,28%) 3(42,86%) 3 (42,86%) 7

Revelação 10(29,41%) 11(32,35%) 13 (38,24%) 34

Fixação 10(37,04%) 12(44,44%) 5 (18,52%) 27

Técnicautilizada 5(25,00%) 4(20,00%) 11 (55,00%) 20

Escolhadoprimeiroinstrumento 18(29,03%) 20(32,26%) 24 (38,71%) 62

Cálculomatemático 19(31,67%) 17(28,33%) 24 (40,00%) 60

Errooufalhatécnicanoprocessamento 12(36,36%) 13(39,39%) 8 (24,25%) 33

Totaldedificuldades 171(26,55%) 199(30,90%) 274 (42,55%) 644

tabela 1 - Freqüências, em valores absolutos e porcentagens, das dificuldades encontradas durante os procedimentos odontométricos nos três grupos dentários .

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Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL

culares, as avaliações realizadas no laboratório indi-cam que a qualidade radiográfica foi menor, sendo 64 casos adequados e 36 inadequados .

Concordamos com Kamaura et al .5 (2003) que os alunos de graduação no início de suas atividades na Disciplina de Endodontia estão ainda desprepara-dos e apresentam baixíssima habilidade específica, o que sem sombra de dúvida representa alto grau de dificuldade .

Além disso, constatamos ainda, na aludida Tabe-la 1, 62 ocorrências de dificuldades durante a escolha do primeiro instrumento, que ocorreram em 24 mo-lares (38,71%), 20 pré-molares (32,26%) e em 18 casos (29,03%) nos dentes incisivos .

Com relação à escolha do primeiro instrumento,

cumpre ressaltar que os resultados acima encontra-dos se apresentam, do ponto de vista percentual, pró-ximos aos achados por Simi Jr . et al .11 (1998), que se depararam com 40% de dificuldades nesse item (para os molares) . Acresça-se, porém, que os referidos au-tores valeram-se de 740 planos de tratamento e nós tão somente de 271 fichas .

Considerando-se o cálculo matemático, obtive-mos em 60 dentes dificuldades na resolução odonto-métrica, assinaladas em 24 molares (40,00%), 17 pré-molares (28,33%) e em 19 incisivos (31,67%) .

Talvez esse número elevado de erros no cálculo matemático se fundamente nas observações de Paiva et al .10 (1991), que ressaltam que o cálculo matemáti-co utilizado durante a manobra de odontometria é

Grupo dentário

Quantidade de películas radiográficas

Incisivos Pré-molares Molares

Duaspelículas 43 (47,2%) 22 (24,5%) 4 (4,4%)

Trêspelículas 31 (34,1%) 36 (40,0%) 22 (24,5%)

Quatropelículas 11 (12,1%) 20 (22,2%) 38 (42,2%)

Cincopelículas 2 (2,2%) 11 (12,2%) 17 (18,9%)

Seispelículasoumais 4 (4,4%) 1 (1,1%) 9 (10,0%)

Total 91 (100,0%) 90 (100,0%) 90 (100,0%)

tabela 2 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, da quantidade de películas radiográficas utilizadas durante os procedimentos odontométricos .

χ2=71,28(significanteaonívelde1%)(α=0,01).

Grupo dentárioDesperdício de tempo de trabalho

Incisivos Pré-molares Molares

Sim 63 (69,2%) 72 (80,0%) 87 (96,6%)

Não 28 (30,8%) 18 (20,0%) 3 (3,4%)

Total 91(100,0%) 90 (100,0%) 90 (100,0%)

tabela � - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, de desperdício ou não de tempo de trabalho durante os procedimentos odontométricos .

χ2=23,33(significanteaonívelde1%)(α=0,01).

Grupo dentárioTempo para realização da odontometria

Incisivos Pré-molares Molares

Atéquinzeminutos 17 (27,0%) 14 (19,4%) 16 (18,4%)

Atétrintaminutos 39 (62,0%) 47 (65,3%) 30 (34,5%)

Atéquarentaminutosoumais 7 (11,0%) 11 (15,3%) 41 (47,1%)

Total 63(100,0%) 72(100,0%) 87(100,0%)

tabela � - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, de tempo de trabalho para realização da odontometria .

χ2=33,10(significanteaonívelde1%)(α=0,01).

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cercado de dificuldades, já que se trata de um ato relativo, fruto da comparação e sujeito a erros .

Aliás, Simi Jr . et al .11 (1998) ressaltam que uma das maiores dificuldades encontradas pelos alunos de graduação durante o procedimento odontométrico é o cálculo matemático, que teve especial destaque com percentual de 30% . Observou-se também inter-ferência do lençol de borracha, fato esse que dificul-tou o procedimento odontométrico em 58 ocorrên-cias, seguindo-se a interferência do grampo, em 52 situações .

Para os fatores acima citados, constataram-se 21 dificuldades para os molares (36,21%), 20 para os pré-molares (34,48%) e 17 para os incisivos (29,31%) quan-do considerada a interferência do lençol de borracha; e constataram-se 22 casos para os molares (42,31%), 12 ocorrências para os pré-molares (23,08%) e 18 erros para os incisivos (34,61%) quando analisamos a inter-ferência do grampo .

Encontramos percentual significativo no item difi-culdade de localizar a área de incidência (55 ocasiões), constituído em ordem decrescente de 32 dentes mo-lares (58,18%), 13 pré-molares (23,64%) e 10 incisivos (18,18%) .

De fato, além de atentarmos para as angulações verticais e horizontais dos diversos grupos dentários, as áreas de incidência do feixe de raios X, especial-mente a região apical dos dentes, devem ser bem lo-calizadas na face e radiografadas .

Desse modo, presumimos que, dependendo da região a ser radiografada, deve-se evitar a superposi-ção valendo-se para isso da técnica da bissetriz com incidência excêntrica ou até mesmo da técnica do paralelismo, o que propicia isomorfismo da imagem, principalmente da região apical; sugerimos ainda des-locamento do cilindro para região apical .

Assim, a falta de uma apurada técnica radiográfica com vistas a localizar corretamente a área de incidên-cia dos raios X determinou a ocorrência de dificulda-des em dentes molares – 58,18%, seguindo-se os pré-molares – 23,64%, e os incisivos – 18,18%, como visto na Tabela 1 .

Constatamos 44 dificuldades por parte dos alunos no item afinidade com o aparelho de raios X, sendo que ocorreram em 14 situações com os dentes mola-res, seguindo-se os pré-molares (16) e, em 14 momen-tos, os incisivos .

Esse acontecimento deve-se à falta de prática, uma vez que o aluno do terceiro ano de curso está inician-do o desenvolvimento de habilidades na Disciplina de Endodontia se valendo do aparelho de raios X .

Em relação ao enquadramento do filme durante as tomadas radiográficas, averiguamos que, das 41 dificuldades, 22 eram de enquadramento do filme em dentes molares, 11, em dentes pré-molares e apenas 8, em dentes incisivos .

Com respeito à revelação e fixação, notamos 34 e 27 dificuldades encontradas, respectivamente, para revelação e fixação da película radiográfica . Assim sendo, películas de 13 molares, 11 pré-molares e 10 incisivos sofreram falhas durante a revelação, enquan-to nas de 5 molares, 12 pré-molares e 10 incisivos ocorreu fracasso na fixação .

No que tange a erro ou falha técnica no proces-samento, localizamos 33 dificuldades, sendo 8 ocor-rências em molares, 13 em pré-molares e 12 em incisivos .

Mais uma vez, destacam-se as observações de Vale12 (2005), ao afirmar que o padrão de processamen-to – na revelação e fixação –, para garantir a qualida-de radiográfica, deve ser cuidadosamente observado a fim de que o profissional tire maior proveito em menor tempo possível, e destacam-se as considera-ções de Bombana, Capriglione3 (1991), que chamam a atenção para obtenção de boas radiografias do pon-to de vista técnico . Assim, deve-se estabelecer uma padronização da metodologia de processamento, por exemplo, tempo constante de revelação e utilização de solução em uma temperatura fixa, ou seja, entre 16°C e 24°C, tomando-se o cuidado de renovação freqüente das soluções .

Dado interessante diz respeito às dificuldades re-lacionadas à técnica utilizada, uma vez que atentamos para 20 ocasiões, das quais 11 pertenciam aos molares, 4, aos pré-molares e 5, aos incisivos .

Muito embora tenhamos encontrado número re-duzido de dentes com esse tipo de erro, nunca é de-mais lembrar que o emprego de técnica apropriada (paralelismo ou bissetriz com incidência excêntrica) é sempre aconselhável; recomendamos ao aluno em sala de aula preferencialmente o uso de aparelho de raios X com cone longo – dispositivo esse encontrado na clínica de graduação do Departamento de Odon-tologia . Na sua ausência, devemos nos valer de posi-cionador de filme periapical para tomadas radiográ-ficas sob isolamento absoluto ou de adaptador exigido para técnica do paralelismo .

Detalhe importante diz respeito às dificuldades encontradas pelos alunos no tocante ao item manu-tenção do filme . Deparamo-nos com 12 ocorrências, das quais 3 pertenciam aos molares, 5, aos pré-molares e 4, aos incisivos . Nesse particular convém esclarecer

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Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL

que o manequim odontológico utilizado pelos alunos de graduação possui dispositivo, como uma lingüeta móvel, que permite a introdução do filme tornando fácil a fixação da película radiográfica na região a ser radiografada .

Finalmente, em 7 situações houve dificuldades por parte do aluno em determinar o tempo de expo-sição . Isso ocorreu em 3 casos de tomadas radiográfi-cas em molares, 3 em pré-molares e apenas um caso em incisivo .

De fato, o que se constata durante o treinamento é a ocorrência de perdas de películas radiográficas que são tomadas durante a odontometria, o que au-menta o desperdício de tempo de trabalho em decor-rência dos erros cometidos . Calculamos, após o levan-tamento, que cerca de 450 películas foram perdidas . Essa perda equivale a três caixas de filme, o que não nos parece natural para um procedimento tão sim-ples, já que apenas duas películas radiográficas no máximo são suficientes para execução da odontome-tria por dente .

Aliás, a perda de tempo diz respeito ainda a uma série de fatores, tais como a espera em uma fila para realização tanto da tomada radiográfica como do pro-cessamento da película radiográfica, o tempo de revela-ção e fixação, o preenchimento dos valores odontomé-tricos na ficha – o que inclui o cálculo matemático –, a espera pela aprovação do professor para continuidade do processo e a compreensão do processo de odonto-metria pelo iniciante .

No que concerne à quantidade de películas ra-diográficas usadas no procedimento nos três gru-pos dentários, expressa na Tabela 2, observou-se que houve diferença estatisticamente significante entre a quantidade de películas utilizadas durante os procedimentos odontométricos entre os grupos dentários .

Para esses indicadores, os resultados frente ao tes-te Qui-quadrado (χ2) para um nível de probabilidade de 1% nos asseguram que, quando comparado o nú-mero de películas para tomada radiográfica dos inci-sivos com o para tomada dos pré-molares e molares, ficaram evidentes diferenças significantes .

Por outro lado, para o desperdício ou não de tem-po de trabalho durante a tomada radiográfica nos três grupos dentários avaliados, a Tabela 3 informa em valores absolutos e porcentagens que ocorreu dife-rença estatisticamente significante .

Os resultados, confrontados por meio do teste estatístico para um nível de probabilidade de 1%, indicam que, quando analisado o desperdício ou não

de tempo de trabalho frente às análises radiográficas dos incisivos, pré-molares e molares, houve desigual-dades nas freqüências de desperdício ou não de tem-po de trabalho .

A Tabela 4 apresenta em valores absolutos e por-centagens o tempo de trabalho obtido para tomadas radiográficas dos três grupos dentários analisados, apontando-se diferença estatisticamente significante .

Os dados comparados nessa avaliação, quando da execução do teste estatístico para um nível de proba-bilidade de 1%, permitem demonstrar que, quando pesquisado o tempo de trabalho frente às tomadas radiográficas e quando comparados os resultados dos dentes incisivos, pré-molares e molares, os comporta-mentos foram diferentes .

Não obstante Weinfeld13 (1996) ter encontrado na sua pesquisa como última dificuldade a odonto-metria, julgamos que o nosso projeto alcançou os objetivos, ou seja, esclareceu e apontou erros e difi-culdades em vários itens, os quais mostraram que as tomadas radiográficas durante o procedimento odon-tométrico são tarefa que, cada dia mais, exige treina-mento continuado, de modo que o aluno ao realizar posteriormente essa prática em pacientes se utilize de cada vez menos tomadas radiográficas .

CoNCLuSÕESDe posse dos resultados obtidos nesta pesquisa,

parece-nos adequado deduzir que:• Na maioria das vezes, os molares foram os dentes

que apresentaram as maiores freqüências em valo-res absolutos e porcentagens de dificuldades, se-guindo-se os pré-molares e por último os incisivos .

• Houve diferença em relação à quantidade de pe-lículas radiográficas utilizadas durante os proce-dimentos odontométricos entre os três grupos dentários avaliados .

• Ocorreu diferença para os três grupos dentários analisados durante os procedimentos odontomé-tricos no tocante ao desperdício de tempo de trabalho .

• Houve diferença em relação ao tempo de trabalho para realização da odontometria entre os três gru-pos dentários examinados .

ABStrACtAnalysis of the difficulties faced by undergraduate students while determining tooth length

The aim of this study was to identify and to evalu-ate, by means of a questionnaire, the difficulties faced by students during laboratorial activities in extracted

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human teeth mounted on a mannequin in the disci-pline of Endodontics . Thus, the periapical radio-graphs taken during tooth-length determination pro-cedures were analysed as to the factors quantity of dental intraoral films and their loss, waste of work time and work time . Fifty 3rd year students were selected which were taking the discipline of Endodontics of the Department of Dentistry, University of Taubaté, SP, Brazil, in the first semester of 2005 . After their lab activities, students were evaluated by means of an in-terview during an estimated minimum time of 10 min-utes . The professors explained and showed the con-tents of the questionnaire to the students, and these were asked, initially, to fill out and sign a free and informed consent form . The professor then handed out six to seven cards to each student with the ques-tionnaire, one card for each tooth for which the stu-dent had already concluded the tooth-length determi-nation procedure . For each card, the student was asked to express and identify in the previously created questionnaire the presence or absence of any diffi-culty . It was concluded that the molars presented the highest frequencies in number and percentages of difficulties, followed by the premolars and lastly by the incisors . There was significant statistical difference (p = 0 .01) in relation to the factors quantity of dental intraoral films used, waste of work time and work time during the tooth-length determination procedures among the three evaluated dental groups .

DESCriPtorSRadiography, dental . Odontometry . Molar . Pre-

molar . Incisor . §

rEFErêNCiAS BiBLiográFiCAS 1 . Abreu MC, Masetto MT . O professor universitário em aula:

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Recebido para publicação em 16/01/2006

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cenários descritos, reuniam-se para a elaboração das questões clínicas de interesse; perfez-se um total de 16 reuniões, com 26 horas de discussão, e produziram-se 53 questões clínicas estruturadas . Componentes específicos de cada questão foram identificados (pa-ciente, intervenção, comparação, desfecho) . Con-cluiu-se que o exercício da formulação de questões clínicas estruturadas é um passo importante para o aprendizado clínico, o desenvolvimento da capacida-de crítica do aluno e no direcionamento de tópicos e questões de pesquisa clínica .

DESCritorESEducação em Odontologia . Ensino . Pesquisa em

odontologia .

uma abordagem inovadora para a adoção de con-dutas clínicas na área de saúde foi proposta a

partir do início da década de 1990, fundamentada no modelo de práticas clínicas baseadas em evidências científicas .11 Essa proposta busca efeitos diretos no aperfeiçoamento do processo de tomada de decisões em odontologia: (1) tornar os serviços de prestação

rESumoA etapa inicial do processo de elaboração de um

protocolo de pesquisa clínica é a formulação de uma questão de pesquisa clara e específica . Durante a abor-dagem prática com os pacientes, um tópico de inte-resse clínico é determinado e uma dúvida ou lacuna no conhecimento deve ser expressa na forma de uma questão clínica não estruturada . Esta deve passar por um processo de estruturação para que seja passível de resposta através de uma busca sistematizada de informações científicas, da avaliação crítica, interpre-tação das informações e avaliação dos possíveis desfe-chos clínicos . O objetivo do trabalho foi desenvolver a aplicação prática da elaboração de questões clínicas, por meio da discussão em grupo de cenários clínicos originários de atividades clínicas de Prótese Dentária . Inicialmente, realizou-se a coleta de dados, em for-mulários específicos, de 31 cenários clínicos durante 40 sessões de atendimento de pacientes da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) . Em um segundo momento, grupos de discus-são formados por 3 ou 4 alunos, com a presença de um professor tutor para orientação das discussões dos

Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática

O exercício da formulação de questões clínicas estruturadas é um passo importante para o aprendizado clínico, o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno e o direcionamento de tópicos e questões de pesquisa clínica.

Cláudio Rodrigues Leles*, Lorena Batista de Oliveira**, William José Morandini***, Erica Tatiane da Silva****

* Professor Doutor da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás . E-mail: [email protected] .

** Cirurgiã-Dentista .

*** Aluno de Pós-Graduação (Mestrado) da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás .

**** Aluna de Graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás .

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Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET

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de saúde mais efetivos, (2) controlar custos na aplica-ção de recursos sem comprometimento da qualidade dos benefícios e (3) aliar os avanços tecnológicos às mudanças sociais e à evolução das expectativas dos usuários dos serviços .9 Além das metas de melhoria na relação de custo-efetividade dos serviços de aten-ção à saúde, uma atenção à diminuição da lacuna entre a pesquisa e a prática clínica merece enfoque especial, sobretudo na área clínica, em que a condu-ta motivada por opiniões pessoais empíricas muitas vezes se sobrepõe à adoção da evidência científica e da ênfase no julgamento crítico consciente, comu-mente resultando na simples adesão irrestrita a regras e conjuntos de normas técnicas .13

Como conseqüência, o ensino e a prática odonto-lógica em muitos casos acabam por promover apenas a ênfase no treinamento clínico, na observação de resultados imediatos de intervenções clínicas, em de-cisões intuitivas e na padronização de técnicas .1 Há uma desvalorização do ensino como produção de co-nhecimento, ficando este e suas formas de apropria-ção e produção restritos apenas à pesquisa .2 Ao con-trário, uma relação indissociável entre ensino e pesquisa deveria ser estabelecida . A arte do ensino e da pesquisa odontológica deve ser constantemente refletida, a ponto de prestigiar um ensino baseado em evidências científicas, discutido e passível de mu-danças em todo momento .6

Nesse contexto, a etapa inicial do processo de ela-boração de um protocolo de pesquisa clínica é a for-mulação de uma questão de pesquisa . Inicialmente, a partir da abordagem do paciente na atividade clíni-ca prática, um tópico de interesse clínico é determi-nado, e uma dúvida clínica, expressa como uma ques-tão clínica não estruturada, é estabelecida . Nesse ponto, uma questão clínica deve passar por um pro-cesso de estruturação para que seja passível de respos-ta através de uma busca sistematizada de informações científicas relevantes disponíveis, seguindo-se a ava-liação crítica e interpretação das informações no con-texto do problema clínico apresentado e, finalmente, sua aplicação clínica e a avaliação do desfecho clínico do problema10 (Figura 1) .

A questão de pesquisa aborda aquilo que o inves-tigador deseja conhecer, partindo de uma preocupa-ção geral que precisa então ser reduzida a um tópico concreto e viável de ser estudado . Existem caracterís-ticas gerais de uma boa questão de pesquisa: deve ser factível, interessante, inovadora, ética e relevante . Entretanto, a relevância, em particular, constitui a característica mais importante da questão clínica, vis-

to que tem o potencial de influenciar as decisões ou diretrizes clínicas e de saúde pública .4

Um modelo prático para formulação de questões de pesquisa clínica bem elaboradas foi proposto por Miller, Forrest,8 em 2001 . Consiste em um processo sistemático de conversão das informações em questões clínicas . Uma questão clínica de pesquisa deve, assim, conter os seguintes elementos: (1) o paciente, a popu-lação, o problema, (2) a intervenção, (3) a comparação, se houver, e (4) o resultado ou desfecho . Essa estratégia foi denominada de questões PICO – do inglês: “Pa-tient”, “Intervention”, “Comparison” e “Outcome” –, para questões que envolvem tratamento, e PIPO – do inglês: “Patient”, “Intervention”, “Prediction” e “Out-come” – para questões que envolvem predição .

O objetivo do presente estudo é elaborar questões clínicas estruturadas a partir da discussão de cenários clínicos práticos e identificar componentes das ques-tões que direcionem enfoques para pesquisa clínica .

Tópico de interesse

1. DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS CLÍNICOS

Dúvida clínica

2. BUSCA SISTEMÁTICA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

3. AVALIAÇÃO CRÍTICA DAS EVIDÊNCIAS DISPONÍVEIS

4. USO DA EVIDÊNCIA NO TRATAMENTO DO PACIENTE

5. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS

Análise e interpretação

das referências relevantes

Determinação das fontes de informação

e de estratégias de busca

Cenário clínico(paciente/problema)

Cenário clínico(paciente/problema)

Questão clínicanão estruturada

Seleção das referências relevantes

Avaliação das informações no contexto clínico

Figura 1 - Método baseado em evidência para tomada das decisões clínicas .

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mAtEriAL E mÉtoDoA metodologia proposta foi dividida em duas par-

tes distintas . Inicialmente, foram realizadas a seleção de pacientes e a coleta de dados, e, em um segundo momento, procedeu-se à discussão em grupo do caso descrito para elaboração das questões clínicas de in-teresse . A coleta de dados para formulação de questões clínicas estruturadas foi realizada em formulários es-pecíficos no transcorrer das atividades clínicas, duran-te e após o atendimento de pacientes, na unidade de atendimento da Clínica Integrada I e II, e na Clínica de Especialização em Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás .

Seleção de pacientes e coleta de dados A seleção de pacientes foi realizada de forma ale-

atória, em dias de atendimento clínico pré-determi-nados, com base no interesse despertado no aprofun-damento da discussão do cenário clínico do paciente . Outro critério adotado para delimitação do contexto de interesse para escolha dos pacientes foi a seleção restrita àqueles submetidos a tratamento protético para reposição de dentes ausentes .

A coleta de dados relacionados à identificação do paciente e aos aspectos clínicos relevantes da história médica e história odontológica foi realizada a partir do prontuário clínico do paciente . Com o objetivo de descrever o cenário clínico detalhado do paciente e do problema clínico em questão (paciente-problema), foi realizada uma entrevista semi-estruturada com o paciente e o aluno responsável pelo atendimento .

Discussão do caso clínico e elaboração da questão clínica

Com base nas informações obtidas na etapa ante-rior, foi estabelecida uma abordagem para discussões em grupo com enfoque na problemática descrita nos casos clínicos . O grupo de discussão era formado por 4 a 5 pessoas, estudantes de graduação e de pós-gra-duação, acompanhadas por um professor-tutor com a função de direcionar e estimular a discussão, apre-sentar problemas e fornecer informações pertinentes ao tópico em questão .

A discussão do cenário clínico do paciente-proble-ma fornecia questionamentos, traduzidos em ques-tões clínicas não estruturadas, as quais eram transcri-tas por um dos membros do grupo . O próprio grupo estabeleceu critérios para a seleção das questões clí-nicas . Aquelas questões que não eram relevantes não faziam parte da seleção, somente as questões de en-foque clínico com desfecho significativo sob o ponto

de vista da atenção à saúde do paciente eram consi-deradas e permaneciam como tema de discussão .

Após as sessões de discussão, passava-se à estrutu-ração das questões clínicas relevantes elaboradas pelo grupo . Essas questões foram formuladas de acordo com o modelo proposto por Miller, Forrest,8 em 2001 (questões PICO), contendo os seguintes itens: popu-lação/paciente/problema, intervenção, comparação e desfecho . Aquelas questões que envolviam predição eram consideradas na seguinte estrutura (PIPO): po-pulação/paciente/problema, intervenção, predição e desfecho .

Adicionalmente, foi estabelecido o contexto de interesse da questão, de acordo com seis categorias: educação, prevenção, diagnóstico, etiologia, prog-nóstico e tratamento . A determinação do tipo de questão abordada serve como base para a sugestão do tipo de estudo mais adequado para a resolução da questão clínica formulada, de acordo com os níveis de hierarquia de evidência .

Durante o processo de discussões, os seguintes critérios foram estabelecidos como necessários para o encerramento de cada questão clínica:1. ser passível de resposta: a questão clínica deve se

referir a fatos concretos e sugerir abordagens fac-tíveis para respondê-la; deve ser suficientemente clara para que seja possível sua resposta de forma objetiva;

2. ser específica: ter como enfoque o problema de maior interesse, com um escopo (alvo) bem defi-nido; a elaboração de questões demasiadamente amplas pode dar origem a questionamentos se-cundários, os quais enfraquecem o potencial de resolução da questão clínica principal;

�. ter significado prático para o paciente: o problema clínico em questão deve ser significativo, a ponto de refletir um problema clínico real para o pacien-te; sua reflexão deve fazer sentido sob o ponto de vista do paciente;

�. ser relevante: a resposta à questão deveria resultar em implicações diretas em termos de benefícios reais para o paciente, ter o potencial de influenciar tomadas de decisão clínica, interferir no manejo clínico ou em políticas de saúde, contribuir para o avanço científico da profissão e/ou sugerir futuros direcionamentos de pesquisa na área clínica,4

rESuLtADoSForam selecionados 31 casos de pacientes que fo-

ram acompanhados em um total de 40 sessões clíni-cas . Os dados dos pacientes foram coletados entre março e junho de 2004, durante atividades clínicas relacionadas à Prótese Dentária .

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Esses casos geraram discussões que foram realiza-das em salas da Faculdade de Odontologia da UFG, perfazendo-se 16 reuniões com a duração total de aproximadamente 26 horas de discussão . Em cada uma das reuniões participavam em torno de quatro pessoas, sendo obrigatória a presença de um orienta-dor-tutor (um investigador experiente e com prática clínica, responsável pela estimulação das discussões), um aluno do mestrado e acadêmicos dos últimos anos de graduação, todos originários da Faculdade de Odontologia da UFG .

Como resultado dessas reuniões, foi elaborado um grande número de questões clínicas, as quais foram resumidas num total de 53 questões clínicas estruturadas .

Um exemplo de questão clínica estruturada a par-tir da discussão dos cenários clínicos dos pacientes é descrito a seguir .

Cenário clínico apresentado• Paciente: sexo feminino, 47 anos, desdentada to-

tal superior e inferior .• Queixa principal: “A dentadura está incomo-

dando” .• História odontológica resumida: desdentada total

há aproximadamente 14 anos, usuária de próteses totais convencionais superior e inferior, as quais nunca foram substituídas; paciente insatisfeita com a condição das próteses .

• História médica resumida: saúde geral satisfató-ria; apresenta hipertensão controlada (freqüenta regularmente o cardiologista) .

• Condição clínica: extrema reabsorção do rebordo inferior, fluxo salivar normal e ausência de lesões na mucosa; próteses com estética insatisfatória; prótese total inferior com retenção e estabilidade deficientes, causando desconforto e função mas-tigatória prejudicada; a paciente requer melhora da condição geral das próteses, principalmente em relação aos problemas relacionados à prótese inferior .

Estruturação da questão clínica a partir da discussão do cenário clínico

• Paciente/problema: Paciente desdentado total inferior com reabsorção acentuada do rebordo residual, usuário de prótese total convencional com retenção e estabilidade deficientes .

• Intervenção: tratamento com prótese total im-planto-suportada (“overdenture”) retida por dois implantes na região intermentoniana .

• Comparação: tratamento com prótese total con-vencional .

• Resultado (desfecho): maiores benefícios fun-cionais, conforto e satisfação do paciente, me-lhor qualidade de vida e relação custo-benefício favorável .

Questão clínica estruturada“Em paciente desdentado total inferior com re-

absorção acentuada do rebordo residual, usuário de prótese total convencional com retenção e estabilida-de deficientes, o tratamento com prótese total im-planto-suportada (“overdenture”) retida por dois implantes na região intermentoniana, em compara-ção com o tratamento com prótese total convencio-nal, resulta em melhor prognóstico do tratamento?” (O prognóstico se relaciona a fatores como desempe-nho funcional, conforto, satisfação do paciente, me-lhoria na qualidade de vida e maiores benefícios com custos aceitáveis .)

As 53 questões clínicas finalizadas foram, então, tomadas como elementos de discussão para agrupa-mento dos componentes da questão clínica (pacien-te/problema, comparação, intervenção e resultado) em tópicos considerados para o desenvolvimento de questões de pesquisa clínica em Prótese Dentária . Os tópicos resultantes são descritos nos Quadros 1 a 3 .

As questões clínicas foram classificadas de acordo com o contexto de interesse e também de acordo com os vários problemas e tipos de tratamento realizados: oclusão, prótese total, prótese parcial fixa, implante, prótese parcial removível, periodontia e outros .

DiSCuSSÃoO exercício da clínica odontológica deveria se

basear fundamentalmente em condutas práticas ba-seadas em evidências científicas confiáveis . Pesquisas clínicas bem conduzidas e de elevada relevância cien-tífica, como ensaios clínicos controlados, estudos co-orte e caso-controle, os quais apresentam hierarquia de evidência superior em relação a outros tipos de estudo,3,12 são necessárias para fornecer informações aplicáveis à prática clínica . Pesquisas relevantes, en-tretanto, iniciam-se com a elaboração de hipóteses e formulação de questões clínicas bem estruturadas .4,8

O processo de formulação de questões clínicas sempre se inicia com o paciente-problema . Portanto, uma questão de pesquisa clínica deve, necessariamen-te, originar-se na prática clínica . Além disso, elaborar uma questão clínica adequada exige uma percepção diferenciada a ser incorporada ao conhecimento do

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Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET

Pacientes adultos

Com dentição completa

• Comalteraçõesoclusais

• Comdisfunçãotemporomandibular

• Comatriçãodentáriaacentuada

• Comdentesindividuaiscomcomprometimentoestrutu-ralextenso

• Comdentescomproblemasclínicossignificativoseprognósticoquestionável

• Comausênciadoremanescentecoronário

• Comacentuadaperdadeinserçãoemobilidadedentária

• Comnecessidadederestauraçõesindividuais

• Comnecessidadederetençãointra-radicular

- Comremanescenteradicularcurto

- Comquantidadereduzidadedentinaradicular

- Comnúcleointra-radicularcurto,semproblemaclínicosignificativo

Desdentado parcial

• Usuáriodepróteseremovível

• Comindicaçãodepróteseremovível

• Usuáriodeprótesefixa

• Comindicaçãodeprótesefixa

• Compoucosdentesremanescentescomprognósticodesfavorável

• Cominsucessorepetidodeintervençõesanteriores

• Comdisfunçãotemporomandibular

• Comrestriçãofinanceira

• Comespaçoprotéticocurto

- Posterior

- Anterior

• Comperdadentáriaunitária

- Anteriore/ouposterior

- Superiore/ouinferior

• Comperdasdentáriasmúltiplas

- Anteriore/ouposterior

- Superiore/ouinferior

Desdentado total

• Usuáriodeprótesestotaisconvencionais

- Superiore/ouinferior

- Comretençãoeestabilidadesdeficientes

• Comnecessidadedetratamentoprotético

- Superiore/ouinferior

• Cominsucessorepetidodeintervençõesanteriores

• Comrestriçãofinanceira

• Comfluxosalivarreduzido

• Comdisfunçãotemporomandibular

• Comacentuadareabsorçãodorebordoresidual

Pacientes jovens

Com necessidades protéticas

Com disfunção temporomandibular

Quadro 1 - Componente “P” (Paciente/Problema) con-siderado na elaboração de questões clínicas em Prótese Dentária .

pesquisador . O treinamento dessa habilidade é essen-cial na formação do pesquisador e pode ser desenvol-vido através do estímulo ao questionamento crítico e reflexivo das práticas clínicas usuais .

É preciso entender que questões relevantes são difíceis de ser elaboradas, e, nesse sentido, estar aten-to para identificar, durante o encontro com os pa-cientes, lacunas importantes no conhecimento que podem influenciar a conduta clínica bem como defi-nir, da forma mais precisa possível, sobre quem esta questão está sendo feita são passos importantes nesse processo . Portanto, é fundamental que se conheçam, desde o início, os limites e problemas práticos ao se formular uma questão antes de se despender muito tempo e esforço sem resultado . O domínio do assun-to, adquirido com uma revisão ampliada e continua-da de trabalhos de pesquisa, e a experiência compar-tilhada por pesquisadores experientes com aqueles iniciantes são ingredientes importantes para o desen-volvimento de habilidades .8

A questão de pesquisa deve ser voltada para des-fechos clínicos relevantes . A relevância é capaz de influenciar as diretrizes clínicas e de saúde e de dire-cionar o conhecimento científico e o futuro da pes-quisa . As incertezas existem, mas encontrar uma ques-tão importante que possa ser válida é um desafio . É necessário domínio da literatura, estar alerta a novas idéias e técnicas, ser criativo e persistente .

A evidência é considerada no rigor da metodo-logia, e o nível de evidência é descrito direcionando-se para os tipos de questões formuladas, como aque-las derivadas de problemas sobre terapia/prevenção, diagnóstico, etiologia e prognóstico . Por exemplo, o mais alto nível de evidência associado com ques-tões sobre terapia ou prevenção será de revisões sis-temáticas com base em estudos-controle randomiza-dos .5 Contudo, o mais alto nível de evidência associado com questões sobre prognóstico será de revisões sistemáticas de estudo coorte . O conheci-mento de cada segmento da literatura é apropriado para a tomada de decisão clínica, e a busca rápida dessa informação é importante para a prática base-ada em evidência .7

Para se obter prática baseada em evidências é ne-cessário trabalhar em conjunto à primeira discussão, com enfoque na tomada de decisão baseada em evi-dências, e então incorporar o método PICO na equi-pe . Inicia-se pela lista de pacientes-problema, por questões ou tópicos para os quais não se tem resposta, por informações completas ou que se gostaria que tivessem evidência relevante . Deve-se estabelecer para

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Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET

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cada caso, individualmente, o que se considera ser o problema, a intervenção, a comparação (se houver) e o resultado, e então, comparar suas respostas com aquelas de outros membros do grupo . Inicialmente, esse processo acaba exigindo muito esforço e pode acabar por desencorajar os membros do grupo, mas com a prática, o esforço se tornará natural e aumen-tará a habilidade em estabelecer problemas e criar direcionamentos para solucioná-los .8

Essas mesmas recomendações asseguram a auten-ticidade para o cenário educacional . Segundo Miller,

Forrest8 (2001), faculdades podem incorporar esse processo e integrá-lo às suas atividades de ensino e pesquisa . Cenários clínicos reais podem ser usados em sala de aula para o estabelecimento de problemas es-pecíficos e de soluções clínicas seguras e eficazes . Esse processo também pode ser implementado na clínica .

Tratamento protético (paciente dentado)

• Restauraçãodiretaversusindireta

• Coroatotalmetalocerâmicaversussemmetal

• Restauraçãoparcialversusrestauraçãototal

• Substituiçãodarestauraçãoversusreparodarestauração

• Retençãointra-radicularcomnúcleometálicofundidoversusnúcleodireto

• Substituiçãoversusnão-substituiçãodonúcleo

• Substituiçãoversusnão-substituiçãodarestauração

• Procedimentosclínicoscomplexosparaamanutençãododenteversusprocedimentosclínicosvoltadosparaasubstituiçãododente

Tratamento protético (desdentado total)

• Prótesetotalconvencionalversus“overdenture”implanto-suportada

• Prótesetotalconvencionalversusprótesetotalfixaimplanto-suportada

• Técnicadeconfecçãodeprótesetotaltradicionalversussimplificada

Tratamento protético (desdentado parcial)

• Próteseparcialfixaconvencionalversusadesiva

• Próteseparcialfixaconvencionalversussemmetal

• Próteseparcialfixadento-suportadaversusimplanto-suportada

• Próteseparcialremovívelcomaconfecçãodeplanos-guiaversussemaconfecçãodeplanos-guia

• Exodontiaseguidaporimplanteversusimplantetardio

• Prótesesobreimplanteimediataversusprótesetardia

• Substituirodenteausenteversusnãosubstituirodenteausente

• Planejamentocomplexoversusplanejamentosimplificado

• Mínimaintervençãoversusintervençãocompleta

• Critériosclínicosebiomecânicosversuscritériossubjetivos

• Critériosnormativosdeavaliaçãodetratamentoversuscritériosdeavaliaçãocentradosnopaciente

• Necessidadenormativaversusnecessidadespercebidas

Quadro 2 - Componentes “I” e “C” (Intervenção e Com-paração) constituintes das questões clínicas em Prótese Dentária .

• RiscodeDTM

• Riscodealteraçõesoclusais

• Adesãoacritériosdediagnóstico

• Alteraçãodadimensãoverticaldeoclusão

• Benefíciosfuncionais

• Satisfaçãopelopaciente

• Desempenhoclínico

- Longevidadedotratamento

- Durabilidadedaprótese

• Prognósticoclínico

- Satisfaçãodopaciente

- Estéticasatisfatória

- Biomecânicasatisfatória(retenção/estabilidade)

- Conforto

- Melhorqualidadedevida

- Menorriscodefalhastécnicas

- Menorriscodecárie

- Menorriscodeenvolvimentoperiodontal

- Menorriscodeenvolvimentopulpar

- Menorriscodecomplicaçõespós-operatórias

- Menorriscodecomprometimentofuturo

• Aceitaçãodoplanodetratamentopelopaciente

• Resultadoclínico

- Númerodeconsultas

- Duraçãodotratamento

- Númeroderetornos

- Necessidadedereembasamentodaprótese

- Necessidadedeajustes

• Restabelecimentofuncionaleestético

• Prognósticodaretençãointra-radicular

- Riscodefraturadaraiz

- Riscodefalhanaretenção

• Relaçãocusto-benefício

• Relaçãocusto-efetividade

• Efetividadenorestabelecimentofuncionaleestético

• Estabilidadeparaaprótese

• Capacidadedetolerarumapróteseremovível

• Preferênciadopaciente/profissionalpelamanutençãododente

Quadro � - Componente “O” (Resultado/Desfecho) con-siderado na elaboração de questões clínicas em Prótese Dentária .

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Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET

Quando confrontados com o paciente-problema ou com a necessidade de informação, estudantes po-dem aplicar e desenvolver suas habilidades na cons-trução de boas questões e na aplicação de métodos de tomada de decisão baseada em evidência . Esses são passos importantes para uma postura crítica e refle-xiva com maiores benefícios para o paciente e melhor eficiência na prestação de serviços de saúde .

CoNCLuSÕESO exercício da formulação de questões clínicas

estruturadas é um passo importante para o aprendi-zado clínico, para o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno e para o direcionamento de tópicos de pesquisa . Esse processo deve ser estimulado em atividades clínicas e incorporado à prática de ensino em odontologia .

ABStrACtMaking structured clinical questions for research purposes: a practical approach

The first stage of a clinical research protocol is the formulation of a clear and specific research question . The research that emanates from clinical practice is related to a topic of interest about which a doubt or lack of knowledge is identified and translated into a non-structured clinical question . This initial question must be properly structured in order to be answerable after systematic literature review, critical appraisal, interpretation of the available evidence, and evalu-ation of the possible clinical outcomes when the evi-dence is transferred into practice . The aim of this study was to develop a practical exercise of formu-lation of clinical questions in prosthodontics . Data was collected in specific forms from 31 clinical scenarios during 40 appointments with patients at the School of Dentistry, Federal University of Goiás (UFG) . Clin-ical scenarios were presented and discussed by groups that included 3 to 4 dental students and a tutor, where clinical questions were formulated during a total of 16 meetings and aproximately 26 hours . A total of 53 structured clinical questions were formulated and the specific components of the questions were identified (patient, intervention, comparison, outcome) . It was concluded that exercising the formulation of clinical questions is an important step in clinical learning, for

the improvement of critical skills and for identifica-tion of topics and questions for research purposes .

DESCriPtorSEducation, dental . Teaching . Dental research . §

rEFErêNCiAS BiBLiográFiCAS 1 . Brunette D . Critical thinking . Understanding and evaluating

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Recebido para publicação em 13/03/2006

Aceito para publicação em 18/05/2006

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Vivemos num momento de intensas mudanças . O profissional do século XXI necessita saber pen-

sar estrategicamente, com criatividade, e ter capaci-dade de tomar decisões . Ele também necessita saber pensar e aprender a aprender .

Esse novo profissional deve saber fazer e refazer soluções, sendo necessário para isso um ensino que integre efetivamente a pesquisa . Partindo do pressu-posto de que a universidade está relacionada com a tríade ensino-pesquisa-extensão, presume-se lógica a inseparabilidade das três funções, mas, na prática co-tidiana, estão desarticuladas . O que encontramos são docentes e pesquisadores realizando trabalhos isola-dos, cada qual procurando valorizar o seu trabalho separadamente .

rEViSÃo DE LitErAturALembrando as palavras de Demo3 (1991):

“Quem ensina carece pesquisar, quem pesquisa carece en-

sinar . Professor que apenas ensina jamais o foi . Pesquisador

que só pesquisa é elitista, privilegiado e acomodado”,

e resguardando-me da polêmica que a afirmação do autor pode gerar, tenho tido a oportunidade de ob-servar em alguns dos meus trabalhos desenvolvidos na área da saúde, em especial Medicina e Odontolo-gia, durante esses últimos dez anos que muitos pes-quisadores se encontram fechados em seus laborató-rios, apenas pesquisando, totalmente desvinculados do ensino . Necessitamos de uma integração das ativi-

rESumoEstamos vivendo um momento de transição paradig-

mática . O profissional do século XXI deve ser preparado para enfrentar essas novas mudanças . Ele deve saber fazer e refazer soluções . O processo educativo vivencia-do em nossas universidades, muitas vezes, tem se susten-tado numa prática docente tradicional, concebendo o aluno como receptor de conteúdos prontos e acabados . Essa prática dificulta o autêntico pensar, priorizando a reprodução em detrimento das idéias . Em contraparti-da, o processo educativo que ultrapassa os limites de reprodução fundamenta-se na criatividade e estimula a ação-reflexão, formando, assim como apresenta Schön12 (2000), o profissional reflexivo . Nessa concepção de educação o estudante sente-se desafiado a explorar e aprofundar seu conhecimento, a questionar e a recons-truir o conhecimento já difundido . A pesquisa como princípio pedagógico, proposta por Demo2 (1998), é uma das formas para que se concretize tal pressuposto . Este artigo pretende analisar as diretrizes que podem ser assumidas como referenciais para a formação de um profissional de odontologia do século XXI, identificar exigências que se colocam para um profissional dessa área e analisar a pesquisa como princípio pedagógico na formação dos futuros odontólogos . Os teóricos esco-lhidos para fundamentar este artigo foram: Edgar Mo-rin, Paulo Freire, Pedro Demo e Donald Schön .

DESCritorESPesquisa . Ensino/métodos . Competência profissio-

nal . Ensino superior .

A formação do dentista no contexto do século XXi: a pesquisa como princípio pedagógico

A pesquisa fundamenta-se na criatividade e na ação-reflexão e pode contribuir para a formação de um profissional reflexivo e competente, que sabe fazer e refazer soluções.

Sônia Maria Vicente Cardoso*

* Pós-Doutora em Educação pela Universidade São Paulo, Professora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste Paulista . E-mail: [email protected] .

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A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV

dades de pesquisa com as atividades de ensino, na prática formativa da graduação .

É indispensável que os cursos de graduação desen-volvam um projeto pedagógico, no qual ensino, pesqui-sa e extensão estejam indissociavelmente integrados . Não pode existir ensino de qualidade sem pesquisa .

Justificando a necessidade da pesquisa para os futu-ros cirurgiões-dentistas, vamos aqui utilizar as afirma-ções de Demo2 (1998), que nos demonstram a impor-tância de a universidade formar não somente o profissional competente, mas também o cidadão com-petente, aquele que constrói e reconstrói uma interven-ção adequada a partir das idéias, técnicas e dos instru-mentos utilizados anteriormente, formando assim, como nos apresenta Schön12 (2000), o profissional re-flexivo, aquele que consegue, diante de um novo pro-blema, resolvê-lo através de experiências anteriores .

Quanto ao cidadão competente, Greco6 (2004) afirma que a cidadania começa na escola, desde os primeiros anos da educação infantil e se estende à educação superior, nas universidades . Começa, se-gundo ele, com o fim do medo de perguntar, de in-quirir o professor, de cogitar outras possibilidades do fazer, enfim, quando o aluno aprende a fazer fazendo e a construir um espaço para sua utopia e um clima de paz e bem-estar social, político e econômico no meio social .

Em relação ao profissional competente, é pela pesquisa que o aluno se habitua a ter iniciativa, em termos de procurar livros, textos e novas informa-ções, superando a regra comum de receber conteú-dos prontos através de aulas copiadas e dos métodos tradicionais da reprodução de textos, os quais deco-ra para as provas . Estaríamos, assim, como nos apre-senta Freire4 (1996), dando passos significativos para construir a “educação libertadora” no lugar da educação bancária .

Segundo Demo2 (1998):

“[ . . .] A pesquisa, na universidade, faz parte da profissiona-

lização também, não sendo, pois, apenas opção ou voca-

ção, mas componente crucial do processo de formação e

recuperação da competência; é, por isso, a maneira deci-

siva de substituir treinamento por educação, ou seja, o

mero fazer, pelo saber fazer e sempre refazer; tratando-se

de formação da competência, o aspecto formativo deve

predominar sobre o transmissivo .”

A pesquisa motiva os alunos a participarem mais de sua formação, e a se envolverem mais em seu processo educacional . Trata-se de transformar as informações

em conhecimento, de transformar o conhecimento em sapiência, como afirma Morin7 (2000a) . Podemos, assim, formar o cidadão competente e o profissional competente caracterizados por Demo2 (1998) .

A dinâmica da pesquisa nos cursos de graduação pode colaborar para a formação do profissional com-petente, que sabe fazer e refazer soluções . Não po-demos esquecer que, para que aconteça uma educa-ção pela pesquisa, é condição fundamental que o professor seja pesquisador, não um profissional da pesquisa, mas um pesquisador como profissional da educação,3 sendo necessário, então, um questiona-mento dos professores . Faz, portanto, parte deste artigo ressaltar algumas questões para o preparo dos professores de Odontologia .

DiSCuSSÃoHá uma necessidade urgente de rejuntarmos,

religarmos homos e nature e, segundo Morin8 (1999), a educação do futuro exige um esforço transdiscipli-nar que seja capaz de assumir esse papel . Para com-preender isso, Morin10 (1995) propõe a teoria do pensamento complexo, que nos permite conhecer a complexidade na qual estamos envolvidos e que somos, já que a busca pela clareza e simplificação levou a modernidade a se distanciar da complexida-de inerente à condição humana . O pensamento complexo se fundamenta na interdependência do todo e das partes .

Segundo Morin11 (2000c):

“[ . . .] Complexus significa o que foi tecido junto: de fato há

complexidade quando elementos diferentes são insepará-

veis constitutivos do todo (como o econômico, o político,

o sociológico, o psicológico, o afetivo), e há um tecido

interdependente, interativo e inter-retroativo entre o ob-

jeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo,

o todo e as partes, as partes entre si . Por isso, a complexi-

dade é a união entre unidade e multiplicidade .”

Morin9 (2000b) vem nos propor a reformar o pen-samento, combater o reducionismo instalado em nos-sa sociedade e valorizar o complexo . No paradigma da complexidade temos de levar em conta o todo e as partes . Ele vem nos propor uma nova ciência, com consciência de sua complexidade . Precisamos traba-lhar a condição humana . O ser humano foi fragmen-tado ao longo desses anos nos cursos universitários: estuda-se o corpo humano, esquece-se do psíquico, do espiritual . Torna-se também necessário ensinar a compreensão humana e a solidariedade:

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A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV

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“[ . . .] A educação do futuro deverá ser primeiramente uni-

versal, centrada na condição humana . Estamos na era pla-

netária; uma aventura comum conduz os seres humanos,

onde quer que se encontrem . Esses devem reconhecer-se

em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhe-

cer a diversidade cultural inerente a tudo o que é humano .

Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no

universo, e não o separar dele .”

No reconhecimento de crise planetária, Morin8 (1999) nos apresenta a educação como possibilidade de religar os saberes de acordo com as exigências da humanidade e de romper com a oposição entre na-tureza e cultura, sendo necessário que o homem sai-ba se reconhecer como ser complexo que é, e reco-nhecer o outro como também complexo, respeitando a condição humana dentro da diversidade cultural, religiosa, étnica, e outras .

O professor precisa resgatar nos seus alunos o ser humano como um todo . A partir da modernidade, fomos nos limitando a uma compreensão cientificista, racionalista e mecanicista do mundo . O homem é razão, mas também é alma . Torna-se um desafio aos professores orientar seus alunos, que são seres com-plexos, para a construção de uma sociedade mais feliz e solidária .

Morin7 (2000a) nos mostra que precisamos evo-luir da informação para o conhecimento, e do co-nhecimento para a sapiência, passando esse conhe-cimento a se vincular à existência do indivíduo . Dessa maneira a Educação estaria formando o pro-fissional competente e cidadão competente, coloca-do por Demo3 (1991), ou seja, um profissional com-petente em sua profissão e também capaz de interferir, com o saber, na sociedade em que vive, no sentido de construí-la como uma sociedade capaz de ser solidária, pois:

“[ . . .] Ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos,

mas também da transformação, em seu próprio ser mental,

do conhecimento adquirido em sapiência, e da incorpo-

ração dessa sapiência por toda a vida .”11

“[ . . .] A liberdade pode ser instituída e garantida pela Cons-

tituição, a igualdade pode ser, em certa medida, imposta

pelas leis ou pelo acesso à escolaridade, mas a fraternidade,

ninguém pode impô-la do exterior . A fraternidade deve

ser vivida . É uma necessidade fundamental . A solidarieda-

de é aquilo que religa . É a solidariedade que permite que

a liberdade não seja criminosa, que cada um não se entre-

gue livremente à agressão, à dominação do outro .”11

O ensino e a prática dos profissionais da saúde acompanharam o desenvolvimento ocorrido nas de-mais áreas do conhecimento . Houve um grande de-senvolvimento técnico-científico, mas que se tornou cada vez mais fragmentado, proporcionando uma grande valorização das especialidades em detrimento da visão da totalidade do paciente .

Ocorre a mesma coisa na Odontologia: a maioria dos professores é especialista, as disciplinas são dadas umas independentemente das outras, e o aluno passa a ter uma visão fragmentada do paciente . A formação do cirurgião-dentista, assim delineada, por um lado não consegue dar conta da preparação técnica-cien-tífica necessária frente aos avanços do conhecimento e, por outro lado, não prepara esse profissional para atuar nos demais aspectos, inclusive docência, ou seja, para atuar além do biológico . Se não considerarmos a saúde como um completo bem-estar físico, mental e social, estaremos nos preocupando apenas com o físico, em detrimento do mental e do social .

Tendo conhecimento, como educadores, da com-plexidade humana e das suas contradições, nós pro-fessores precisamos auxiliar os nossos estudantes a orientarem toda essa complexidade para a construção de um mundo mais humano, mais solidário . Nossos alunos, além do conhecimento técnico-científico, in-questionavelmente necessário, também precisam de uma formação humanista que considere a inteireza do ser humano e que o comprometa com a sociedade .

Esse mesmo profissional deve ter habilidades e capacidade de integrar conhecimentos vividos em áre-as diversas, autonomia de pensamento e ação, flexibi-lidade e articulação, além de saber trabalhar em equi-pe, ser criativo e ter capacidade de refazer respostas .

O profissional atual necessita ser reflexivo . É im-portante que esse saiba refletir sobre sua prática . Como nos apresenta Schön12 (2000), o profissional reflexivo é aquele que consegue, diante de um novo problema, resolvê -lo através de experiências anterio-res, ser criativo e solidário, capaz de compreender e modificar a realidade .

CoNCLuSÃoPara que os profissionais sejam formados não so-

mente como profissionais competentes, mas também cidadãos competentes é necessário repensarmos nos-sas práticas docentes . Precisamos de profissionais ge-neralistas e humanistas, que saibam lidar com a com-plexidade e com a especialização, conhecendo os riscos de uma hiperespecialização . Garavatti5 (2002) afirma que:

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A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV

“[ . . .] Não podemos deixar de reconhecer o momento de

transição por que passa a Odontologia, e os professores e

cirurgiões-dentistas devem estar preparados para atuar

nesse novo contexto, em que estão inseridos os fenômenos

de globalização e socialização dos cuidados da saúde, que

devem ser compreendidos em toda a sua complexidade .

Vivemos um período de grandes transformações de toda

a interatividade das relações humanas, e essas ocorrem

numa velocidade alucinante, causando a desestabilização

de vários conceitos, valores e estruturas .”

Buarque1 (2003) deixa um apelo aos professores:

“[ . . .] Por favor, aceitem o risco de serem professores num

tempo em que o conhecimento muda a cada instante,

exigindo dedicação para acompanhar as mudanças contí-

nuas . Aceitem com audácia esse desafio, e sigam rumo à

criação de novas maneiras de conhecer, por mais efêmeras

que sejam .”

E para finalizar, Morin8 (1999) enfatiza ser neces-sário que o professor tenha amor à matéria que ensi-na, assim como para com os alunos a quem ensina . O professor ainda precisa sentir-se comprometido com os profissionais que estará formando .

ABStrACtThe training of the dentist in the XXIst century: research as a pedagogical principle

We are living a paradigmatic transitional moment . The professional of the XXIst century must be pre-pared to face these new changes . He or she should be able to create and recreate solutions . The educa-tional process experienced in our Universities has often been based on a traditional teaching practice that conceives students as mere recipients of ready-to-use and finished contents . As a result, the authen-tic act of thinking is undermined, as reproductive thoughts prevail over innovative ideas . On the other hand, there is another kind of teaching practice that exceeds the limits of reproduction and is based on creativity and stimulates action-reflection, thus pre-paring a reflective professional, as presented by Schön12 (2000) . Under this conception of education, students feel challenged to explore and deepen their knowledge, to question and rethink the current

knowledge . In order to make this assumption real, research should be adopted as a pedagogical princi-ple, as proposed by Demo2 (1998) . This article in-tended to analyze the guidelines which could be adopted as a reference for the training of a dentist in the context of the XXIst century, to identify the re-quirements faced by such a professional, and to ana-lyze research as a pedagogical principle in the training of the next-generation dentists . The theorists chosen to substantiate this article were Edgar Morin, Paulo Freire, Pedro Demo and Donald Schön .

DESCriPtorSResearch . Teaching/methods . Professional com-

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2ª ed . São Paulo: Cortez; 2000c .

12 . Schön D . Educando o profissional reflexivo: um novo design

para o ensino e a aprendizagem . Porto Alegre: Artes Médicas;

2000 .

Recebido para publicação em 12/02/2006

Aceito para publicação em 17/05/2006

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Revista da ABENO • 7(1):58-625�

do impacto social que tem tido até o presente, prin-cipalmente por sua atuação na modificação dos pro-blemas de saúde na população, especificamente no campo da saúde bucal .

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Odontologia5 propõem que o for-mando egresso deva apresentar um perfil de:

“[ . . .] um profissional generalista, humanista, crítico e re-

flexivo, para atuar em todos os níveis de atenção em saúde,

com base no rigor técnico e científico . Capacitado ao exer-

cício de atividades referentes à saúde bucal da população,

pautado nos princípios éticos, legais e na compreensão da

realidade social, cultural e econômica do seu meio, diri-

gindo sua atuação para a transformação da realidade em

benefício da sociedade .”

Porém, Masetto12 (1998), ao analisar o modelo de ensino superior brasileiro, afirma que a forma-ção superior está voltada para o mercado de traba-lho, centrada na formação técnica e dependente do conhecimento externo, com dificuldade para criar e universalizar soluções adequadas à realidade social .

Essa dificuldade também é identificada nos cursos de graduação em Odontologia, pois as faculdades brasileiras apresentam padrões curriculares com grande enfoque nas ciências básicas e técnicas opera-tórias, mas enfoque limitado nos aspectos preventivos e de saúde pública .21

rESumoAtualmente, os cursos de graduação em Odontolo-

gia estão à frente de um grande desafio na proposta de ensino, que é sair de um modelo centrado no diagnós-tico, tratamento e na recuperação de doenças, que foi praticado durante anos, para outro centrado na promo-ção de saúde, prevenção e cura de pessoas . O presente artigo de revisão faz uma reflexão sobre a importância da preocupação social nos currículos das universidades e faculdades de Odontologia na formação dos futuros cirurgiões-dentistas . Os cursos de graduação tendem a apresentar a condição de ensino fragmentado dentro de ambientes da própria instituição, cabendo ao acadê-mico a integração dos conteúdos, o que leva este futuro profissional a um distanciamento da realidade da po-pulação . A preocupação social é uma realidade que deve estar presente nos currículos de Odontologia, só assim as universidades e faculdades conseguirão formar um profissional com uma visão integral da saúde . Também existe a necessidade de resgatar a importância e a vali-dade dos estágios extramuros como ambiente essencial-mente necessário para a aprendizagem dos alunos .

DESCritorESFaculdades de odontologia . Educação em odon-

tologia . Odontologia comunitária . Currículo . Meio social .

A odontologia como profissão tem sido objeto de críticas em torno de se determinar a capacidade

A preocupação social nos currículos de odontologia

A graduação em Odontologia deve formar não apenas profissionais competentes, mas também pessoas aptas a interagir eticamente no contexto social.

Rafael Gomes Ditterich*, Priscila Paiva Portero*, Leide Mara Schmidt**

* Mestres em Odontologia (Clínica Integrada) pela Universidade Estadual de Ponta Grossa . E-mail: [email protected] .

** Doutora em Educação (Supervisão e Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Didática Aplicada ao Ensino Superior do Programa de Mestrado em Odontologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa .

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A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM

Segundo Bernal Alvarez3 (2000), a prática odon-tológica deve proporcionar a construção, a reafirma-ção e a confrontação com a teoria . A teoria e a práti-ca devem se inter-relacionar permanentemente, para proporcionar espaços de criação, de integração e de reflexão crítica .

A prática educativa humanizada na área da saúde coloca o homem como centro do processo de cons-trução da cidadania, é comprometida e integrada à realidade social e epidemiológica e às políticas sociais e de saúde, oportunizando a formação contextualiza-da e transformada .17 Pois é óbvio que uma profissão só se faz reconhecida moral e eticamente na mesma medida em que se beneficia o conjunto da sociedade, e não apenas parcelas privilegiadas no contexto do país, as quais dispõem de recursos financeiros para custear o benefício .18

As faculdades e universidades não devem limitar o aprendizado ao espaço físico da sala de aula, pois o aluno precisa ser inserido no contexto profissional e social .7 Desse ponto de vista, a graduação em Odon-tologia não deve apenas cuidar dos interesses cientí-ficos ou didáticos, mas deve preocupar-se também com a formação profissional de pessoas comprome-tidas com o bem-estar e a melhoria da sociedade . Em outras palavras, devem formar não apenas profissio-nais competentes, mas pessoas aptas a interagir etica-mente no contexto social .1,15

O artigo é uma revisão da literatura sobre a preo-cupação social nos currículos das faculdades de Odontologia e das universidades que possuem o cur-so para formação de futuros cirurgiões-dentistas .

DiSCuSSÃoOs currículos em geral são pautados pela divisão

das disciplinas, tratadas como se fossem especialida-des inseridas na formação da graduação .22 Dos alunos, exige-se que reúnam as partes na tentativa de alcançar e entender o todo . Verifica-se que, ao final, resulta a construção de uma clínica de aplicação prática do conjunto de conhecimentos, mesmo no que diz res-peito àqueles currículos que julgam integrar a forma-ção . Na realidade, os conhecimentos permanecem fragmentados . A simples aplicação em conjunto não resulta em integração . Essa é uma das questões cru-ciais a serem superadas na aplicação dos conceitos de interdisciplinaridade .18

Dentro dos currículos do curso de Odontologia geralmente a preocupação com a realidade social está vinculada a dois momentos da formação do cirurgião-dentista, que seriam: nas disciplinas de Odontologia

em Saúde Coletiva e Estágio Supervisionado . Isso de-monstra o descaso das faculdades com os currículos, já que outras disciplinas somente se preocupam com o indivíduo, ou, mais especificamente, somente com a boca . É cada vez mais inadmissível desvincular saú-de bucal de saúde geral .

A Odontologia em Saúde Coletiva, entre outras atribuições, é responsável pelo desenvolvimento da teoria e da prática do estudo das doenças bucais mais prevalentes numa população, dos principais fatores associados a essas doenças e das medidas de interven-ção mais adequadas para reduzir e controlá-las, man-tendo-as em níveis aceitáveis do ponto de vista social e econômico da comunidade .6

A área da Saúde Coletiva tem um papel de grande importância na formação do futuro cirurgião-dentis-ta com o perfil exigido pelas Diretrizes Curriculares e pela sociedade, ou seja, com formação generalista, socialmente sensível e principalmente disposto a aprender .20

Paula, Bezerra18 (2003) avaliaram 89 currículos de graduação em Odontologia no Brasil e verificaram que, para a área da Odontologia em Saúde Coletiva, a carga horária variou de 30 a 840 horas, com média de 257 horas . Já Rodrigues et al.20 (2006), ao analisa-rem 50 currículos de graduação, encontraram uma carga horária que variou de 75 a 699 horas para a mesma disciplina . Nos dois estudos, não se encontrou correlação entre a carga horária total do curso e o que era destinado para a área da Saúde Coletiva, isto é, não necessariamente os cursos que apresentam maior carga horária eram aqueles que possuíam maior concentração para Saúde Coletiva . O que de-monstra que a maioria dos cursos não incorporou a disciplina em seus currículos de maneira efetiva, o que demonstra a despreocupação com o papel e a real importância da saúde pública .18

A outra disciplina que tem como obrigatoriedade o atendimento integral, individual e coletivo na aten-ção em saúde bucal é o Estágio Supervisionado . De acordo com o Parecer CNE/CES 329/2004,4 o curso de Odontologia deve apresentar uma carga horária mínima de 4 .000 horas, sendo que, dessa carga horá-ria, 20% deverá ser destinada ao Estágio Supervisio-nado, conforme determina a Resolução CNE/CES 3/2002 .5 Também segundo as Diretrizes da Associa-ção Brasileira de Ensino Odontológico – ABENO2 (2002), o Estágio Supervisionado:

“[ . . .] é o instrumento de integração dos conhecimentos

do aluno com a realidade social e econômica de sua região

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A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM

60

e do trabalho de sua área . Ele deve também ser entendido

como o atendimento integral do paciente que o aluno de

odontologia presta à comunidade, intra e extramuros . O

aluno pode cumpri-lo em atendimentos multidisciplinares

e em serviços assistenciais públicos e privados .”

“[ . . .] deve fomentar a relação ensino-serviços e ampliar as

relações da universidade com a sociedade . Ele deve colocar

o futuro profissional em contato com as diversas realidades

sociais (locais, regionais e nacionais), incluindo-se as prá-

ticas e políticas de saúde pública e a realidade do mercado

de trabalho, possibilitando ao aluno ser um agente trans-

formador dessas realidades .”

“[ . . .] tanto o intra como o extramuros caracterizam-se pela

atenção integral ao paciente . Sugere-se a criação de clíni-

cas integradas de atenção básica, com complexidade cres-

cente, com os alunos executando competências já adqui-

ridas, trabalhando desde a educação e promoção de saúde

até a reversão do dano . O foco dessas clínicas integradas

é o paciente como um todo [ . . .]”

Segundo Ringel et al.19 (2000), a formação exclu-siva do currículo ou do estágio supervisionado no âmbito intramuro desde sempre vem apresentando carências sob o ponto de vista conceitual:1. Encarar o paciente fora de seu contexto social

muitas vezes gera uma contradição entre seu plano de tratamento e as reais necessidades de atenção da pessoa para chegar ao estado de saúde biopsi-cossocial .

2. Existe uma falta de integração do estudante a pro-gramas de saúde bucal dirigidos ao âmbito da vida ou de trabalho da pessoa, impossibilitando sua participação nos programas de saúde multipro-fissionais .

�. Os serviços e procedimentos técnicos propostos pelos docentes obedecem geralmente a critérios pré-estabelecidos e não a uma situação do paciente no contexto que permita adequar as propostas terapêuticas à realidade socioeconômica e cultural das pessoas .As atividades extramuros abrem à convivência e à

interação das universidades com as comunidades, e fa-miliarizam e capacitam os estudantes a trabalhar na realidade que enfrentarão no mercado de trabalho .13,14 Também possibilitam aos alunos o conhecimento das estruturas organizacional, administrativa, gerencial e funcional dos serviços públicos de saúde; a participação no atendimento à população; a compreensão das polí-ticas de saúde bucal, do papel do Cirurgião-Dentista; o conhecimento das bases epidemiológicas do método

clínico e de suas aplicações práticas nos programas de saúde bucal, além do conhecimento dos parâmetros e/ou instrumentos de planejamento utilizados nos pro-jetos de saúde e programas de saúde bucal .21

Bernal Alvarez3 (2000) propõe que a prática odon-tológica fora dos muros da universidade deva iniciar-se desde o primeiro ano, para situar o estudante na realidade e criar um sentimento de compromisso so-cial, fazendo com que o estudante participe de sua dinâmica cultural, política e democrática, identifican-do as necessidades sociais e potencializando sua cria-tividade e autonomia nas propostas de soluções . Com base nisso, o estudante se vinculará a diferentes cená-rios, com uma participação que pode adotar diversas modalidades: observação, acompanhamento ou exe-cução, segundo o nível acadêmico . Esse objetivo al-cança-se à medida que diferentes disciplinas se unem para trabalhar em equipe, uma vez que a complexi-dade do processo saúde-doença requer uma integra-ção coordenada entre as ciências básicas e sociais, e que dê suporte permanente na existência, no desen-volvimento e na operação do sistema de saúde sob o ponto de vista legal, formativo, investigativo, financei-ro e de comunicação .

As atividades extramuros inseridas nos currículos de graduação, como metodologia de ensino e como forma de prestar assistência odontológica à comunida-de, vêm sendo adotadas por muitas instituições de en-sino . É possível, no entanto, que o desconhecimento ou a subestimação do valor pedagógico dos estágios extramuros não tenham permitido seu uso generaliza-do, mantendo-se, muitas vezes, o modelo tradicional de ensino . Esse modelo por sua vez levou às seguintes conseqüências: mecanicismo, biologicismo, assistên-cia individual, especialização precoce, tecnificação do ato odontológico, ênfase na odontologia curativa e formação elitista alienada da realidade social .10,16

Os cursos de graduação, ao promoverem atividades fora de seu ambiente físico, integram a comunidade com os acadêmicos, realizando um esforço para mudar o modelo de atenção em saúde bucal de individual para coletivo, de curativo para preventivo e de ambien-te isolado para a realidade social . Também propiciam o conhecimento das características epidemiológicas da sociedade, conforme suas condições de vida e dimen-sões de trabalho e educação, proporcionando um es-tágio voltado à promoção de saúde e elaboração de estratégias para resolução de problemas .

O real papel da universidade seria o de identificar corretamente os problemas de saúde de cada muni-cípio ou região e dizer como pode resolvê-los, ou seja,

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A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM

o ensino e a pesquisa devem ser direcionados para ações de impactos sociais que possibilitem melhores condições de vida para a população . Assim, os egres-sos estarão preparados para o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, cientes do seu compromisso de devolver à sociedade tudo que lhes foi ensinado .8

Porém, Segura et al.21 (1995) afirmam que os está-gios extramuros se caracterizam pela pouca integração entre as diversas disciplinas e pelo planejamento em curto prazo, sem avaliações sistemáticas . As dificuldades encontradas com maior freqüência pelas instituições são: a escassez de recursos econômicos, assim como a falta de motivação dos docentes e o desconhecimento do valor pedagógico para esse tipo de prática .

Nas faculdades e universidades, o curso de Odon-tologia deve buscar parcerias com entidades privadas e instituições governamentais, principalmente prefei-turas, já que a atenção à saúde é de responsabilidade dos municípios . A ABENO2 (2002) recomenda para a realização do estágio supervisionado: rede de servi-ços públicos, Programa Saúde da Família, Odontolo-gia de Grupo, internato rural, estágio metropolitano e unidades de extensão conveniadas ou da própria universidade .

Segundo Ringel et al.19 (2000), o modelo curricu-lar deveria ser baseado na aprendizagem em condi-ções reais . Esse modelo constitui:1. Um ensino orientado para a comunidade – O co-

nhecimento da saúde bucal dos grupos humanos através do reconhecimento do contexto social e de sua realidade epidemiológica, vinculando-a com a clínica .

2. Um ensino centrado no paciente – Um ensino em que os planos de tratamento se realizam em função das necessidades do paciente e não pela docência em si mesma .

�. Um ensino centrado no estudante – Uma forma-ção integradora do conhecimento da realidade e dos recursos que se oferecem à Odontologia, com os objetivos da docência . Deve permitir formar acadêmicos mediante um ensino automotivado, resolvendo problemas surgidos da realidade clí-nica no tratamento das patologias bucais .

CoNSiDErAÇÕES FiNAiSA preocupação social é uma realidade que deve

estar presente nos currículos de Odontologia, só as-sim as universidades estarão formando, como afirma Landín et al.9 (1993), um profissional com um concei-to integral da saúde, baseado no caráter inseparável do biológico e do social, do preventivo e do curativo, e do homem e do meio em que vive .

Há necessidade de resgatar a importância e a va-lidade do estágio como ambiente essencialmente ne-cessário para a aprendizagem dos alunos .11

Muitas instituições devem ainda desenvolver – por meio de estágios extracurriculares, do próprio Está-gio Supervisionado, da disciplina de Odontologia em Saúde Coletiva – ou mesmo criar uma integração en-tre as disciplinas no decorrer do curso de graduação, demonstrando assim sua preocupação com a realida-de social, para que os futuros profissionais se sintam motivados e, assim, possamos sonhar com mudanças na condição bucal da população brasileira .

ABStrACt Social concern in the dentistry curriculum

Currently, the undergraduation courses in Den-tistry face a great educational challenge, namely, to leave behind a model centered on the diagnosis and treatment of illnesses and recovery from them, which was practised for years, and adopt one centered on health promotion, prevention and cure . The present literature review reflects on the importance of social concern in the curriculum of dental schools and uni-versities and in the training of future dentists . Under-graduation courses tend to suffer with the problem of fragmented education inside the very institution, leaving the student with the burden of having to in-tegrate the several subjects by himself, leading this future professional to become apart from the reality of the population . Social concern is a reality that must be present in the Dentistry curriculum, only thus will universities and dental schools be able to train a pro-fessional with a holistic view of health . There is also the need to redeem the importance and validity of extramural training as an environment that favours learning .

DESCriPtorSSchools, dental . Education, dental . Community

dentistry . Curriculum . Social environment . §

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A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM

62

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Recebido para publicação em 05/03/2006

Aceito para publicação em 17/05/2006

Para anunciar na Revista da ABENO, envie um e-mail paraPara anunciar na Revista da ABENO, envie um e-mail para

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Revista da ABENO • 7(1):63-7 6�

DESCritorESEducação baseada em competências . Internet .

Atitude frente aos computadores .

o escritor Monteiro Lobato escreveu que “um país se faz com homens e livros”, e, provavelmente,

o autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo incluísse a In-ternet e o computador como ferramentas indispen-sáveis de construção de cidadania .

Ter acesso à tecnologia é essencial para combater a exclusão social e abrir oportunidades iguais para todos os cidadãos . O acesso universal à informação traduz um mecanismo fundamental de mudanças do modo como a sociedade interage entre si . Nesse pro-cesso, o computador tem a sua influência e a Internet explode como a mídia mais promissora desde a im-plantação da televisão no acesso à informação .8,10,12 É a mídia mais aberta, descentralizada e, por isso mes-mo, mais ameaçadora para os grupos políticos e eco-nômicos hegemônicos .

Aumenta o número de pessoas ou grupos que criam na Internet suas próprias revistas, emissoras de rádio ou de televisão, sem pedir licença ao Estado ou estar vinculados a setores econômicos tradicionais . Cada um pode dizer nela o que quiser, conversar com quem desejar, oferecer os serviços que considerar convenientes .12,14

Estas novas ferramentas de comunicação e de in-formação – Internet, computador, telefone celular –, atualmente acessíveis a camadas da população que antes não as tinham, passaram a permitir que mais gente conheça as necessidades da sociedade e possa

rESumoO mundo passa por constantes transformações, e

a Internet está sendo utilizada como um recurso di-dático de grande importância . Do giz ao computador, a tecnologia esteve presente na escola servindo de mediação entre a ação e a aprendizagem de profes-sores e alunos . Cada vez mais, é mais freqüente o uso de ferramentas tecnológicas nas salas de aula: o com-putador, juntamente com seu principal recurso, a Internet, tem suscitado debates acerca de sua eficácia ou não para a educação escolar . O uso da Internet, em experiências com projetos educativos, revela que tal recurso origina ambientes de aprendizagem dife-rentes dos das tradicionais aulas presenciais, no que se referem aos papéis dos professores e alunos, ao fluxo das informações, ao grau de autonomia e de participação dos alunos e, também, ao desenvol-vimento de competências complexas como as que envolvem a resolução de problemas . Contudo, tais experiências revelam que esses resultados só são pro-veitosos e eficazes quando os professores possuem preparação técnica pedagógica para esse fim . Educar com novas tecnologias é um desafio que não foi en-frentado com profundidade . As tecnologias podem ajudar, mas, fundamentalmente, educar é aprender a gerenciar um conjunto de informações e torná-las algo significativo para cada um, o conhecimento . A introdução da Internet na escola funciona como ca-talisadora de mudanças, portanto, é pertinente con-siderar essa nova ferramenta como um precioso au-xílio na aprendizagem .

internet – um recurso didático

A Internet explode como a mais promissora mídia de comunicação e acesso à informação desde a televisão. Mas será que essa nova ferramenta está pronta para contribuir de maneira efetiva com o processo ensino-aprendizagem de qualidade?

Elaine Manso Oliveira Franco de Carvalho*, José Luiz Lage-Marques**

* Doutora em Endodontia pela Universidade de São Paulo . Professora da Universidade Federal de Alfenas . E-mail: [email protected] .

** Professor Titular da Universidade de Taubaté e da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo .

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Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL

6�

participar das soluções .Mas, como sempre acontece com as novidades,

nem sempre a aceitação se faz harmoniosa e livre de ambigüidades . Será a Internet um auxiliar didá-tico de um processo de ensino-aprendizagem de qualidade? Esse novo instrumento tecnológico está suportando o aprimoramento do ensino-aprendi-zagem, estimulando o aluno a trabalhar com um conjunto variado de informações, selecionando as mais relevantes, avaliando-as e assim gerando novos conhecimentos?

O analfabetismo digital, na nova economia, é tão grave quanto não saber ler e escrever era na velha economia .2,13,14

A preocupação central deste estudo reside em como essa nova tecnologia está sendo recebida na Educação e ela se fundamenta no receio de que o uso desta tecnologia esteja descompromissado com os objetivos pedagógicos das Instituições de Ensino .

rEViSÃo DE LitErAturA E DiSCuSSÃoHá cerca de duas décadas, vários autores4,7 têm

vindo anunciar que as transformações em curso con-duzirão a uma nova sociedade: a sociedade da infor-mação . Esse conjunto de transformações econômicas e sociais surge com a generalização da introdução das novas tecnologias, as quais estão a mudar a forma de trabalho, de relacionamentos e de divertimento . Em longo prazo, a forma de pensar está, também, a ser subtilmente transformada .

A transformação, que se opera a uma velocidade vertiginosa, é o resultado de um longo ciclo de mu-danças iniciado com o aparecimento da linguagem, que iniciou um processo de desenvolvimento das ca-pacidades cognitivas do homem . O aparecimento do alfabeto, na Grécia, provocou a emergência de um novo discurso conceitual e, logo, de um novo estado mental, que seria alvo de uma nova configuração com o aparecimento da imprensa . A revolução do acesso à informação e a reelaboração da estrutura do livro provocadas pela imprensa culminaram em grandes transformações nas esferas políticas, religiosas, eco-nômicas e sociais .

Dessa forma, para elucidar e contribuir para a construção de conceitos, alguns aspectos serão abor-dados, tendo em vista que novas tecnologias, ao se disseminarem pela sociedade, levam à experiência nova e a novas formas de relação com o outro, com o conhecimento e com o processo de ensino-apren-dizagem . Foi assim no passado, com a disseminação

da escrita . A própria origem da Educação e da Escola, tal como concebidas, depende fundamentalmente desta tecnologia de registro e recuperação de infor-mação que é a escrita . O desenvolvimento dessa tec-nologia promoveu grandes transformações na prática educativa .7,8,15

É praticamente inconcebível ensinar e aprender sem livros, objetos que somente começaram a ser usa-dos em larga escala com o advento da máquina de imprimir e da técnica de corte de papel, que permitiu que os livros se tornassem portáteis .

As novas tecnologias, especialmente as que estão ligadas às chamadas “mídias interativas”, estão promo-vendo mudanças na Educação, num processo que pa-rece estar apenas começando . Para a maioria dos edu-cadores elas são absolutamente desconhecidas . Uma parcela muito pequena teve algum contato ou usa com alguma freqüência essas tecnologias . E, mesmo para estes, elas representam uma imensa novidade .15

A Exclusão Digital está relacionada à falta de in-clusão social, com um agravante: a revolução tecno-lógica tende a aprofundar o fosso que separa quem domina a nova linguagem e quem não a sabe usar; estes estão praticamente condenados a não sair do lugar em que se encontram .

A exclusão socioeconômica desencadeia a exclu-são digital, ao mesmo tempo em que a exclusão digi-tal aprofunda a exclusão socioeconômica . A inclusão digital deveria ser fruto de uma política pública com destinação orçamentária, a fim de que ações promo-vam a inclusão e equiparação de oportunidades a todos os cidadãos . Nesse contexto, é preciso levar em conta indivíduos com baixa escolaridade, baixa ren-da, com limitações físicas e idosos . Uma ação priori-tária deveria ser voltada às crianças e aos jovens, pois constituem a próxima geração .3,10,13,14

Um parceiro importante à inclusão digital é a edu-cação . A inclusão digital deve ser parte do processo de ensino de forma a promover a educação continu-ada . Note que educação é um processo e a inclusão digital é elemento essencial desse processo .

Embora a ação governamental seja de suma im-portância, ela deve ter a participação de toda a socie-dade face à necessidade premente que se tem de acesso à educação e redistribuição de renda, permi-tindo assim acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) .

A Internet, rede de informações, está repleta de vários tipos de aplicações educacionais, de divulga-ção, de pesquisa, de apoio ao ensino, que contribuem

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Revista da ABENO • 7(1):63-7 65

Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL

para a construção do conhecimento autônomo . A educação presencial pode modificar-se signifi-

cativamente com as redes eletrônicas . As paredes das escolas e das universidades se abrem, as pessoas se intercomunicam, trocam informações, dados, pesqui-sas . A educação continuada é potencializada pela possibilidade de integração de várias mídias, acessan-do-as tanto em tempo real como assíncrono, isto é, no horário favorável a cada indivíduo, e é facilitada também pela praticidade de pôr em contato educa-dores e educandos .4

As mídias digitais permitem que se estabeleçam relações descentralizadas e horizontalizadas entre os produtores e consumidores de conhecimento . Isto porque tais mídias possibilitam maior interação entre tais agentes . Assim, o seu interior permite ser ora pro-dutores, ora consumidores dos conteúdos e dos pro-cessos possíveis de circularem na rede .

Portanto, se tais mídias digitais não explorarem esse potencial interativo e as possibilidades de rela-ções mais horizontais, serão apropriadas como as ve-lhas mídias, em que a grande massa de receptores recebe de modo pouco participativo o que lhes é ofer-tado por um número mínimo de produtores, como é o caso, por exemplo, do modelo da televisão .3,4,8

Wolton16 (2000) define a Internet como a

“rede constituída por diferentes redes interconectadas à

escala mundial . É a percursora das auto-estradas da infor-

mação” .

A educação, por meio da Internet, terá que ser responsável por uma ruptura paradigmática a partir da mudança de tecnologia . A aposta da Internet na educação é de que a tecnologia introduza um para-digma e interfira na produção de conhecimento .3

Colocam-se desafios para a educação, a respeito dos currículos e dos paradigmas que irão se construir a partir dessa nova realidade .

A Internet não pode ser apenas apresentada como uma grande fonte de dados sobre os mais diversos assuntos, sem que se perceba que se transformou tam-bém o modo de produzir conhecimento . É a partir dessa clareza que se devem estabelecer os paradigmas e conteúdos da educação do futuro .

Enquanto não se parte para descobrir os verda-deiros potenciais da Grande Rede e que benefícios esta pode trazer para a educação, há o risco da con-denação da transposição de uma pedagogia retrógra-da para a Internet . Não há evidências da perda da

autoridade do professor como porta-voz do saber, pois outra será sua importância e sua legitimidade se dará a partir daí .

A capacidade de aprendizado e de assimilação poderá ser bastante elevada e estimulada, a partir de exemplos concretos, mas virtuais; a Internet será o palco de intercâmbio entre escolas (alunos e profes-sores) de todo o mundo, onde qualquer História po-derá ser comparada com depoimentos de quem a viveu sem intermediações de historiadores oficiais ou da imprensa .

Sendo assim, novas perspectivas quanto à maneira de “ensinar” podem ser pensadas . A Educação à Dis-tância recebeu notável impulso a partir da aplicação de novas tecnologias, notadamente aquelas que en-volvem a Internet .

A aprendizagem com a Internet pode tornar-se colaborativa dando a oportunidade da responsabili-dade da própria aprendizagem, e assim colaborando para a construção de um pensamento crítico .6,9,10

As redes eletrônicas não apresentaram a solução mágica para modificar profundamente a relação pe-dagógica, mas vão facilitar como nunca antes a pes-quisa individual e grupal, o intercâmbio de professo-res com professores, de alunos com alunos, de professores com alunos .

Segundo Moran et al .11, em 2003, o professor pode iniciar um assunto em sala de aula sensibilizando, criando impacto, chamando a atenção para novos dados, novos desafios . Depois, convidar os alunos a fazer suas próprias pesquisas, individualmente e em grupo, para que procurem chegar a suas próprias sínteses . Enquanto os alunos fazem pesquisa, o pro-fessor pode ser localizado eletronicamente, para con-sultas ou dúvidas . O professor se transforma num assessor próximo do aluno, mesmo quando não está fisicamente presente .

Pensar sobre como dar aula, diante das tecnolo-gias e de alunos familiarizados e competentes na sua utilização técnica, é desafiador . Não é um modismo, não é algo voluntário e que só alguns professores fa-náticos irão fazer . Cada um vai, de alguma forma, confrontar-se com essa necessidade de reorganizar o processo de ensinar .1,7,9

É enorme a responsabilidade do docente, na pers-pectiva de que a qualidade do processo educativo está essencialmente relacionada à qualidade de formação do professor e à competência deste profissional na sua relação com o conhecimento de que se professa detentor .

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66

Não há como conceber, por exemplo, um profes-sor que somente exerça o ensino, embora isso possa acontecer com relativa freqüência na escola e na uni-versidade . Da mesma maneira, é muito difícil acredi-tar que alguém somente pesquise sem socializar os resultados de sua busca, apesar de, freqüentemente, existirem comentários ou críticas sobre o isolamento ou distanciamento de cientistas da realidade .

Acreditar que há um nexo entre as duas esferas (ensino e pesquisa) é justamente acreditar na possi-bilidade da produtividade do docente . O perfil pro-fessor-pesquisador ou o pesquisador-professor é o que concretiza essa produtividade, cada vez mais ne-cessária numa sociedade em transformação e cujo ambiente se mostra nebuloso e incerto .5,6

A pesquisa é condição indispensável da prática do-cente, e tem como conseqüência, tanto para o docente quanto para o discente, um princípio educativo refe-rencial, uma vez que o professor não educa apenas por meio de palavras, mas também pela postura revelada em suas atitudes ou no conjunto de suas ações . Isso repercutirá no aluno que, por sua vez, se questionará a respeito de querer ou não se tornar um sujeito crítico, criativo e conquistar sua autonomia intelectual .6

Nunca houve tanto conhecimento, tantas respos-tas prontas, fáceis e acessíveis sobre as questões que nos afligem, nunca houve tanta alienação, ingenuida-de e apatia .

O professor tem de aprender a lidar com o fato de que os alunos terão mais facilidade que ele com as novas tecnologias . A melhor maneira de encarar isso é reconhecer essa limitação e deixar que os alunos mais desenvoltos tecnologicamente se tornem monitores nos momentos de dificuldades técnicas . Isso ajuda o professor a admitir que ele não é mais o detentor de todo o conhecimento que os alunos devem adquirir .

Os professores deverão ser preparados para traba-lhar como facilitadores e, até mesmo, provocadores de participação . O professor não tem mais a missão de “transmitir conhecimento” e, sim, de orientar o aluno e ajudá-lo na busca do conhecimento . Essas são as no-vas tarefas do professor: estipular metas, planejar e estar atento para que os recursos estejam disponíveis .

CoNCLuSÕESEducar com novas tecnologias é um desafio que

até agora não foi enfrentado com profundidade . As novas tecnologias poderão proporcionar um apren-dizado contínuo e flexível .

As tecnologias podem ajudar, mas, fundamental-

mente, educar é aprender a gerenciar um conjunto de informações e torná-las algo significativo para cada um de nós, isto é, o conhecimento .

O desafio do uso da Internet como recurso didá-tico é motivar os alunos a continuar aprendendo quando não estão em sala de aula . Motivá-los a reali-zar troca e não somente repasse de informação .

Estimular o aluno a aprender em ambientes vir-tuais é um grande desafio pedagógico .

ABStrACtThe Internet – a teaching resource

The world is constantly undergoing changes, and the Internet is being used as an important teaching resource . From the chalk piece to the computer, tech-nology has been present in school as a link between action and learning for professors and students . Technological tools are more and more frequent in the class room: the computer along with its chief re-source – the Internet – have raised a debate about their effectiveness in school education . The use of the Internet in educational programs has revealed that this resource gives rise to educational environ-ments which are different from that of the tradition-al attendance classes regarding the roles of teachers and students, the flow of information, the degree of autonomy and participation of students, and the de-velopment of complex competencies such as those involving the resolution of problems . Nevertheless, experience shows that these results are useful and effective only when teachers are technically prepared for them . To educate using new technology is a chal-lenge which has not yet been thoroughly tackled . Technology may help, but to educate is fundamen-tally to learn how to manage a set of information and turn it into something significant to the individual, namely knowledge . The introduction of the Internet into school programs acts as a catalyst for change . Therefore it is appropriate to consider this new tool as a precious aid to learning .

DESCriPtorSCompetency-based education . Internet . Attitude

to computers . §

rEFErêNCiAS BiBLiográFiCAS 1 . Almeida LP . O uso pedagógico da internet na educação supe-

rior de graduação presencial no estado do Paraná: o caso do

Unicentro [Dissertação de Mestrado] . Paraná: Instituto de

Tecnologia do Paraná; 2001 [acesso 26 jul 2004] . Disponível

em: http://teses.eps.ufsc.br//Resumo.asp?2770 .

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Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL

Conheça toda a trajetória Conheça toda a trajetória da cinqüentenária da cinqüentenária

2 . Azevedo W . Muito além do Jardim da Infância: o desafio do

preparo de alunos e professores on-line; 1999 [acesso 15 fev

2005] . Disponível em: http://www.abed.org.br/antiga/htdocs/pa-

per_visem/wlson_azevedo.htm .

3 . Cabral A . Apoteose e Apocalipse: Internet e Educação no Bra-

sil; 2001 [acesso 11 jul 2005] . Disponível em: http://www.comu-

nicacao.pro.br/artcon/interneduc.htm .

4 . Castells M . A Sociedade e Rede – A era da informação, econo-

mia, sociedade e cultura . Vol .1 . 2ª ed . São Paulo: Paz e Terra;

1999 .

5 . Demo P . Metodologia da Investigação em Educação . Curitiba:

Editora IBPEX; 2003 .

6 . Freire P . Pedagogia da Autonomia . São Paulo: Paz e Terra;

1999 .

7 . Lévy P . As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamen-

to na era da informática . Lisboa: Instituto Piaget; 1994 .

8 . Moran JM . Interferência dos meios de comunicação em nosso

conhecimento . Revista INTERCOM jul/dez 1994;XVII(2)

[acesso 30 mai 2005] . Disponível em: http://www.eca.usp.br/

prof/moran/interf.htm .

9 . Moran JM . Mudanças na Comunicação Pessoal . 2ª ed . São

Paulo: Paulinas;, 2000 . p . 90-1 .

10 . Moran JM . Novos desafios na educação – a internet na educa-

ção presencial e virtual; 2001 [acesso 27 jul 2004] . Disponível

em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/novos.htm .

11 . Moran JM, Masetto M, Behrens MA . Novas Tecnologias e Me-

diação Pedagógica . 7ª ed . Campinas: Papirus; 2003 . p . 12-7 .

12 . Moura RM . A Internet na Educação: uma contribuição para

aprendizagem autodirigida; 1998 [acesso 27 jul 2004] . Dispo-

nível em: http://members.tripod.com/RMoura/internetedu.htm .

13 . Neri MC (coord .) . Mapa da Exclusão Digital . Rio de Janeiro:

FGV/IBRE, CPS; 2003 . 143 p . [acesso 30 mai 2005] . Disponível

em: http://www.federativo.bndes.gov.br/bf_bancos/estudos/

e0002091.pdf .

14 . Revista Época . Inclusão digital – Informe Publicitário nº 320;

5 jul 2004 .

15 . Rondelli E . Sete pontos para concretizar a sociedade do co-

nhecimento – Quatro Passos para a Inclusão Digital; jul 2003

[acesso 13 fev 2005] . Disponível em: http://www.comunicacao.

pro.br/setepontos/5/4passos.htm .

16 . Wolton D . E depois da Internet? Lisboa: Editora Difel; 2000 .

p .10 .

Recebido para publicação em 18/02/2006

Aceito para publicação em 17/05/2006

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número de acessos ao material de apoio . O sugerido no início do curso foi de, pelo menos, 2 acessos sema-nais, totalizando 40 acessos ao final das 20 semanas da disciplina . Os alunos aprovados alcançaram a mé-dia de 91,5 acessos, significando 128,75% além do número de acessos mínimos exigidos .

DESCritorESEducação a distância . Educação em Odontologia .

o Ensino a Distância (EaD) gradativamente vem sendo aplicado nos cursos de conteúdos que per-

mitam o desenvolvimento do aspecto cognitivo sem a presença física de um tutor . A grande discussão para a não-aplicação na área da saúde fundamenta-se na ne-cessidade da checagem principalmente do desenvolvi-

rESumoEste trabalho avaliou o desempenho dos 29 alunos

da primeira turma de Endodontia do curso de Gra-duação em Odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas – São Paulo, que contou com o ensino presencial suportado pela disponibilização de conteúdos em plataforma educacional TelEduc . A sala de aula foi projetada para que cada aluno tivesse acesso a um computador desktop . O material de apoio desenvolvido somou “slides” do professor, apos-tilas, links para sites de conteúdos aprovados, pergun-tas freqüentes, diretrizes para o desenvolvimento de trabalhos, avaliações e tutoriais animados projetados de maneira interativa e sob aspectos educacionais adequados à mídia proposta . O resultado apresenta-do no desempenho dos alunos foi comparado com o

Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual

O material didático disponibilizado via web motiva o estudo individual e auxilia no ensino presencial, quando desenvolvido sob os conceitos de usabilidade e “design” instrucional apropriados.

Mary Caroline Skelton-Macedo*, Cristiany Castro Basilio**, Nilden Carlos Cardoso Alves***, Viviane Pereira Marques****, Moacyr Ely Menéndez-Castillero*****, Rielson José Cardoso Alves******

* Doutora em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo . E-mail: [email protected] .

** Mestranda em Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo .

*** Mestre em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo .

**** Especialista em Endodontia pela Escola de Aperfeiçoamento Profissional da Associação dos Cirurgiões Dentistas de Campinas .

***** Doutor em Prótese Dental pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo .

****** Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic .

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mento de habilidades próprias e absolutamente ne-cessárias, assim como das atitudes pertinentes e que são fundamentais no momento da determinação do diagnóstico e da aplicação de uma determinada téc-nica na condição patológica apresentada .

Levando-se em consideração os fatos discutidos, alguns cursos têm iniciado um processo de desenvol-vimento da parte cognitiva utilizando-se do suporte a distância, no qual o material utilizado em sala de aula fica disponível ao aluno para que este o acompanhe quantas vezes necessitar, podendo também consultar sites indicados pelos professores, apostilas preparadas adequadamente, tutoriais de procedimentos para acompanhamento em trabalhos laboratoriais e clíni-cos, diretrizes para desenvolvimento de trabalhos complementares e até avaliações .

A plataforma educacional TelEduc permite a dis-ponibilização do material de apoio com as vantagens do gerenciamento do curso, fornecendo dados im-portantes quanto a número de acessos por aluno, páginas mais visitadas, tempo de permanência nas páginas, repositório de material do próprio aluno e avaliações de conhecimento . Essa plataforma é gra-tuita e neste trabalho foi aplicada com base em servi-dor particular instalado em São Paulo .

Este trabalho, portanto, observou o desempenho dos alunos da primeira turma do curso de Graduação em Odontologia da Faculdade São Leopoldo Man-dic – disciplina de Endodontia – comparado ao nú-mero de acessos que foram motivados a realizar ao material de apoio desenvolvido e disponibilizado sob a égide da interatividade e do conceito de “design” instrucional .

mAtEriAL E mÉtoDoSA equipe de tutores/professores contou com 4

membros: 2 mestres doutores, 1 mestre e 1 especia-lista, além de um estagiário mestrando . Foram feitas reuniões prévias ao início do curso para se adequar o preparo do material de apoio para a disponibiliza-ção na web . Foram desenvolvidas aulas em Power-Point, apostilas ilustradas, tutoriais para preenchi-mento de apostilas de estudo, diretrizes para a realização de trabalhos complementares e avaliações de retenção do conhecimento diário . Criou-se um personagem para ser associado à figura de professor virtual, desenvolvido sob critérios que comunicassem conceitos endodônticos relevantes . Algumas anima-ções com este personagem permitiram informar ou reforçar conceitos e explicações da sala de aula .

Todo o material de apoio foi ricamente ilustrado

e colorido para tornar a leitura agradável e auto-ex-plicativa . Os arquivos de extensão doc (arquivo pa-drão do aplicativo MS Word®) e ppt (arquivo gerado pelo aplicativo MS PowerPoint®) foram gravados em extensão pdf (arquivo do tipo “Portable Document Format”, gerado pelo aplicativo Adobe Acrobat®) não permitindo a edição posterior (o cuidado com a se-gurança do material de apoio foi estudado e aplicado de maneira a disponibilizar conteúdos sempre com o logotipo da equipe que o desenvolveu e de forma não editável) . Outro cuidado com relação à segurança do material foi montar páginas em html para a disponi-bilização dos conteúdos .

Obedecendo às áreas oferecidas pela plataforma, na Dinâmica do Curso fez-se a apresentação formal do corpo docente, do desenvolvimento das ativida-des, das normas da escola e da disciplina, assim como de todo o processo avaliativo durante o decorrer do curso . A primeira Agenda constou de mensagens de encorajamento, sempre privilegiando a importância do estudo individual .

Na área de Atividades estavam disponíveis Estudos Dirigidos sobre cada assunto a ser abordado, diretri-zes para Trabalhos Complementares, Avaliações e Gabaritos e diretrizes para os Seminários propostos . A área correspondente ao Material de Apoio teve to-das as aulas em “slides” disponibilizadas em arquivos pdf com os respectivos objetivos a serem alcançados em cada assunto . Sendo a sala de aula montada com um computador por aluno, o acesso ao material do tutor/professor podia ser feito durante a aula, acom-

Figura 1 - Exemplo de aula de Anatomia Interna Dental desenvolvida em PowerPoint Microsoft® e disponibilizada como arquivo swf (Shockwave File – gerado pelo aplicati-vo Flash® MX Professional – Macromedia®) para o curso de Endodontia .

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panhando os “slides” sem desvio de atenção . Obser-vam-se nas Figuras 1 e 2 os exemplos das telas de Aula de Anatomia Interna Dental e do tutorial de Esvazia-mento e Odontometria .

No primeiro dia de aula presencial, os alunos fo-ram instruídos a preencher seu Perfil – área destina-da à apresentação para os demais atores do processo, composta por informações pessoais e foto de cada um, inclusive dos professores .

O desenvolvimento do curso foi apresentado e também as metas e a aplicação da plataforma edu-

cacional . Durante as aulas presenciais os “slides” do professor seriam seguidos por acompanhamento na plataforma e durante a semana seria necessário ao menos 1 acesso para consulta da agenda e desenvol-vimento das tarefas propostas através de tutoriais e explicações .

O número de acessos foi acompanhado sem que se constrangesse nenhum aluno a visitar a plataforma . Apenas foram instruídos a buscar as informações do curso ali depositadas .

Os resultados de acessos comparados ao desem-penho dos alunos ao final do curso constam a seguir sob forma de números puros e porcentagens de acesso .

Figura 2 - Exemplo de tutorial de Esvaziamento e Odon-tometria desenvolvido em Flash MX Pro Macromedia® para o curso de Endodontia .

gráfico 1 - Acessos gerais dos alunos à plataforma edu-cacional TelEduc .

2

17

10

0

5

10

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20

Número de acessos

Núm

ero

de a

luno

s

Abaixo do mínimo sugerido

Do mínimo sugerido ao dobro

O dobro do sugerido ou mais

gráfico 2 - Número de acessos realizados por aluno durante a disciplina de Endodontia (média: 75,11 acessos) .

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60

84

108

75

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32

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12

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42

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200

A03 A04 A06 A08A01 A02 A05 A07 A09 A11 A12A10 A13 A14 A16 A18A15 A17 A19 A21 A22A20 A25 A26A23 A24 A27 A28 A29

Alunos

Ace

ssos

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curs

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rESuLtADoSO Gráfico 1 mostra o número de acessos ocorri-

dos durante o decorrer das 20 semanas da aplicação da Disciplina de Endodontia no curso de Odontolo-gia . Dos 29 alunos matriculados, 17 acessaram a pla-taforma e estiveram expostos aos seus conteúdos entre o mínimo de acessos sugerido e o dobro e 10 alunos acessaram a plataforma o dobro do sugerido ou mais vezes .

Já o Gráfico 2 mostra o número de acessos por aluno, envolvendo os 29 alunos matriculados na dis-ciplina de Endodontia . A média da turma foi de 75,11 acessos, ou seja, 87,77% acima do mínimo sugerido no início do desenvolvimento da disciplina .

Com respeito ao desempenho alcançado pelos alunos, observa-se que os que mais acessos fizeram ao material didático disponibilizado obtiveram melhor desempenho geral . Não foram computadas as horas de estudo nas páginas da plataforma por esse consti-tuir um dado passível de erro: o tempo de estudo na página não avalia se o aluno leu o conteúdo “on-line”

ou preferiu imprimi-la para leitura “off-line” . Esses dados constam no Gráfico 3, e a média foi de 91,5 acessos para os alunos aprovados na disciplina, por-tanto 128,75% a mais do que o mínimo de acessos sugeridos .

O número de acessos de alunos não aptos à apro-vação, mas que realizaram exames finais complemen-tares, atingiu uma média de 67,57 acessos, totalizando 68,92% mais acessos do que o mínimo sugerido ini-cialmente . O Gráfico 4 ilustra a distribuição dos aces-sos desses alunos .

Os alunos não aptos à aprovação na disciplina de Endodontia, após realizado o exame complementar, realizaram mais acessos ao conteúdo disponibilizado se comparados com a média dos que realizaram o exame – 67,57 acessos . A média dos primeiros foi de 73,22 acessos, alcançando-se 83,05% mais acessos do que o mínimo sugerido de 40 acessos, 19,98% menos do que os acessos dos aprovados inicialmente – 91,50 acessos – e 2,52% menos do que a média de acessos totais da turma – 75,11 acessos . O Gráfico 5 ilustra

gráfico � - Número de acessos realizados pelos alunos aprovados (10 alunos aprovados - média: 91,5 acessos) .

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A03 A07 A10 A11 A12 A16 A24 A26 A27 A29

Alunos aprovados

Núm

ero

de a

cess

os

gráfico � - Acessos realizados pelos alunos não aptos à aprovação, porém aptos à realização de exame comple-mentar (14 alunos necessitaram de exame complemen-tar - média: 67,57 acessos) .

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A01 A05A02 A09A06 A15 A17A14 A19A21 A22 A23 A25 A28

Alunos em exame final

Núm

ero

de a

cess

os

gráfico 5 - Número de acessos dos alunos não aptos à aprovação na disciplina (09 alunos não aptos à aprovação - média: 73,22 acessos) .

60

4551 49

66

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84

115

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0

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A02 A05 A09 A14 A15 A17 A22 A25 A28

Alunos não aptos

Núm

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de a

cess

os

gráfico 6 - Número de acessos por professor (média: 92,66 acessos) .

162

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P1 P2 P3

Professores

Núm

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esse alcance .Outro dado levantado e interessante foi o número

de acessos por parte do corpo docente . Excluindo-se aqui o professor responsável pela manutenção da pla-taforma, por acessar inúmeras vezes a fim de deposi-tar material, verificar acessos e levantar dados gerais, observou-se que entre os professores houve em média 92,66 acessos (portanto 131,65% a mais do que o mí-nimo sugerido aos alunos), como apresentado no Gráfico 6 .

DiSCuSSÃoO EaD puro sofre muitas críticas quanto à moti-

vação do aluno inserido em seu contexto, principal-mente dirigidas à ausência do professor . Na realida-de, quando se desenvolvem cursos em EaD, observa-se que o aprendizado pode ocorrer à distância, desde que o professor esteja completamente presente, ain-da que virtualmente, ou seja, o contato do professor com seus alunos deve ser constante dentro das ferra-mentas que assim o permitam .

Óbvio está que a complementação do ensino pre-sencial com suporte a distância soma vantagens de ambos os aspectos educacionais, porém ainda neces-sita de um material desenvolvido com o intuito de motivar o aluno ao estudo individual para que ocorra o desempenho almejado . Os estudos de interativida-de e “design” instrucional, além da usabilidade das ferramentas propostas, devem ser levados em consi-deração no momento da adequação do material a ser disponibilizado pelo corpo docente . A linguagem vi-sual terá imensa vantagem em comparação à leitura pura e simples; os textos devem estar bem ilustrados e coloridos a fim de proporcionar ambiente de leitu-ra agradável e prazeroso .

As animações entram com grande força no EaD e na adequação de material para suporte a distância, tornando facilitados as explicações tutoriais e o en-caminhamento do raciocínio na construção do mes-mo . Stefanelli9 (2006) comenta que a criação da identidade visual nos projetos multimídia está con-duzindo o EaD a um novo padrão estético na trans-missão de mensagens complexas por meio de ima-gens gráficas .

Considerando-se a necessidade visual no ensino da Odontologia, deve-se empreender cuidados na preparação de imagens e vídeos .2,3,6 Segundo Lemos et al.5 (2002), um escâner de boa qualidade óptica pode produzir imagens de boa qualidade até mesmo de peças anatômicas, podendo ser empregadas como material didático .

Ainda assim é necessário cuidado na escolha da estratégia com que se aplicam esses conceitos . Deve estar bem estruturada do ponto de vista da escola pedagógica que se quer aplicar para que não se cons-truam materiais inadequados, aplicando-se em or-dem e relevância que vão simplesmente colocar a perder horas de trabalho de adequação e desenvolvi-mento do material de apoio .

Quanto à utilização do hipertexto no ensino me-diado por computador, Portugal8 (2005) sugere que essa modalidade de apresentação eletrônica de con-teúdos se assemelha ao processo do pensar, estrutu-rado numa rede que conecta conhecimentos adqui-ridos em épocas distintas, permitindo a reconstrução do conhecimento a cada novo aprendizado . A grande preocupação em disponibilizar conteúdos está na for-ma em que a estrutura do hipertexto deve ser apre-sentada, devendo-se configurar ambientes educacio-nais de forma a não limitar a exploração e a criatividade do aluno, garantindo que os objetivos de aprendizagem sejam assim alcançados .8 O conceito de usabilidade e “design” instrucional são aqui apre-sentados como relevantes na disponibilização do ma-terial didático, seja no EaD puro ou no suporte a distância . A escolha da plataforma educacional, por-tanto, deve se adequar a esses critérios de forma a ambientar o aprendizado ordenado, ainda que per-mitindo o navegar não linear de suas páginas .

O TelEduc como plataforma educacional é bas-tante simples em sua utilização, exigindo pouco tem-po de adaptação do corpo docente e do discente . Sua linguagem é clara e as áreas do ambiente podem ser ocultadas desde que não se privilegie sua utilização durante o curso . Não é necessário que se produzam páginas em html para inserção do material de apoio . Esta sugestão visa dificultar ainda mais a alteração ou utilização inadequada .

Quanto à humanização desta modalidade de en-sino, no caso deste trabalho, a mescla com o ensino presencial fez substancial diferença: o contato direto com os alunos assegurou lembrar-lhes de que era necessário acessar as tarefas via TelEduc durante as aulas presenciais . Sobre as aulas, os alunos que foram condicionados a utilizar o computador para fazer anotações em sala de aula passaram a utilizá-lo para acessar os “slides” do professor, podendo comandar seus arquivos de forma a retornar informações não assimiladas ou que causassem dúvidas . As anotações puderam ser deixadas de lado, fixando-se a atenção do corpo discente na fala do professor e em seu ma-terial de apoio .

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Um aspecto muito importante no EaD é a publi-cação do material de apoio na plataforma . Para tal, é necessário que todo o material de um mês, pelo me-nos (totalizando 4 aulas), esteja pronto e publicado para aplicação . O TelEduc permite que o material seja publicado com acesso permitido somente aos professores e, à medida que o curso assim o exigir, seja disponibilizado aos alunos . De qualquer forma, a produção do material deve andar à frente da publi-cação, permitindo ajustes necessários, gravações dos arquivos de forma segura e disposição adequada às necessidades do curso .

Outra questão a ser discutida é o receio por parte do corpo docente no aplicar das novas tecnologias . O Gráfico 6 mostra a média de acessos realizada pelos professores do curso e dá a clara visão de que ainda há elementos não afeitos às tecnologias educacionais, o que pode comprometer o contato entre professores e alunos . É realidade supor que muitos dos alunos estão mais afeitos às modernas tecnologias e utiliza-ções da Internet do que a maior parte dos professores, mas deve-se ressaltar que não podem se formar sozi-nhos baseados neste fato . O professor ainda detém o conhecimento para a construção do ambiente educa-cional para que o processo de ensino-aprendizagem se desenvolva de maneira asseguradamente eficaz, seja por que meio educacional for . Portanto, baseado nisso, o professor pode e deve se associar ao “de- signer” instrucional para que o material de apoio di-dático seja desenvolvido em parceria, porém com a real possibilidade de adequação às necessidades do aprendizado . O medo a ser tratado é o de que o alu-no ficará independente em seu processo de aprendi-zado na medida em que navegar por um ambiente bem estruturado, interativo, interessante e eficaz em sua meta de ensino .

Vale salientar a afirmação de Freire4 (1997):

“A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si,

é processo, vir a ser . Não ocorre em data marcada . É nesse

sentido que uma pedagogia da autonomia tem de ser cen-

trada em experiências estimuladoras da decisão e da res-

ponsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da

liberdade .”

O estudo da OECD7 (Organização para Coope-ração e Desenvolvimento Econômico) traz informa-ções relevantes quanto ao desempenho dos alunos do Ensino Médio sob aplicação de ferramentas digi-tais . Os autores relatam que os computadores são um recurso poderoso ainda subutilizado na maior parte

dos países . Esse estudo faz parte do Programa Inter-nacional de Avaliação de Alunos (PISA), que sugeriu que é função educacional mostrar aos alunos como fazer uso produtivo do computador . A informática faz diferença quando incorporada à pedagogia, seja como ferramenta de pesquisa, seja por meio de jogos, seja por softwares educativos . Os resultados obtidos nessa análise mostraram que os alunos que fizeram acessos de pelo menos uma vez na semana obtiveram maior desempenho em matemática, porém alunos com maior número de acessos tiveram redução na performance .

Em contraponto aos resultados obtidos no presen-te trabalho, no qual os alunos do Ensino Superior obtiveram melhor rendimento quando o número de acessos à plataforma educacional foi maior, pode-se observar não somente a diferente faixa etária, mas também relevar a importância de se adequar o mate-rial didático à exigência da mídia em questão, sob o ponto de vista pedagógico, e de forma que alcance interesse aos olhos do corpo discente .

A plataforma educacional TelEduc ainda se pre-ocupa em criar um ambiente de humanização do ensino, permitindo aos alunos que gerem seu próprio perfil, com foto e informações pessoais, assim como os professores também podem criar os seus próprios . Isso gera um ambiente mais amigável e menos virtual, podendo-se conhecer anseios, receios e necessidades além do mero acessar de informações, constituindo um ambiente facilitador da relação professor/aluno assim como do processo de ensino-aprendizagem, concordando com as observações de Amorim et al.1 (2005) . Os alunos também podem depositar arquivos preparados por eles ou encontrados na medida em que estudam, oferecendo aos colegas e professores o fruto de sua própria pesquisa .

Nesse ambiente de ensino agradável e interativo, criado com foco na necessidade de interatividade e aplicação dos conceitos de usabilidade e “design” ins-trucional, pôde-se observar que os alunos foram além no número de acessos que se havia sugerido inicial-mente no curso . O Gráfico 1 mostra que a maior par-te dos alunos (17) acessou do mínimo (duas vezes por semana) ao dobro dos acessos sugeridos, enquanto 10 alunos acessaram o dobro do mínimo ou mais ve-zes . O Gráfico 2 apresenta a distribuição dos acessos realizados por todos os alunos .

Os Gráficos 3, 4 e 5 disponibilizam a distribuição dos acessos realizados por alunos que alcançaram a aprovação na disciplina, que não alcançaram a apro-vação antes do exame final e que não obtiveram ap-

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tidão após o exame final, respectivamente . Conside-rando-se o número médio de acessos dos alunos aprovados superior em 128,75% ao mínimo sugerido, observa-se que quanto mais tempo exposto ao mate-rial didático disponibilizado, mais aproveitamento de aprendizado foi alcançado, em função das carac-terísticas de desenvolvimento do material e da facili-dade oferecida pela interface educacional . Uma das alunas começou o curso atrasada em 2 meses em função de gravidez e parto durante o período da disciplina . Comunicada do acesso aos conteúdos, propôs-se a estudar sozinha e realizar tarefas e ava-liações em particular, alcançando os objetivos pro-postos pela disciplina, tornando-se apta à aprovação . Outro caso foi o de um aluno que só podia fazer acessos noturnos, já que trabalhava nesse horário e era exigido que se mantivesse acordado . De todos os alunos, foi o de maior tempo de conexão ao material de apoio disponibilizado, alcançando a aprovação sem exame complementar .

Já os dados dos Gráficos 4 e 5 mostram números médios de acessos próximos (67,57 e 73,22) por envol-verem a mesma população, apenas aproximadamente 70% superiores ao mínimo de acessos exigido, em que catorze alunos passaram pelo exame complementar (Gráfico 4); destes, nove não obtiveram aprovação fi-nal (Gráfico 5) . Os alunos reprovados que não obtive-ram desempenho suficiente para a realização do exa-me complementar (A4, A8, A13, A18 e A20) alcançaram uma média de acessos de 63,4, apenas 58,5% acima do mínimo sugerido no início do curso .

Considerando-se o mínimo de acessos sugerido suficiente apenas para que os alunos acompanhassem o professor em sala de aula e obtivessem as tarefas para a aula seguinte, o número de acessos total da turma ao material disponibilizado surpreendeu o cor-po docente .

Ainda são necessárias novas mensurações de aprendizado a distância como suporte do ensino pre-sencial, considerando-se um futuro bastante promis-sor quando o material didático for desenvolvido sob princípios de interatividade, usabilidade e “design” instrucional, podendo ser desenvolvido por profissio-nais de artes gráficas associados ao corpo docente em questão .

CoNCLuSÕES 1. O acesso ao material didático disponibilizado via

web motiva o estudo individual suportando sua utilização no ensino presencial .

2. Quanto mais tempo o aluno for exposto ao mate-

rial disponibilizado, maior será seu rendimento no desempenho global .

�. A motivação ao estudo individual está diretamen-te relacionada à qualidade do material didático disponibilizado .

ABStrACtEndodontics at the undergraduate level with presence teaching and distance support: a motivational strategy for individual study

This study evaluated the performances of 29 stu-dents from the first Endodontics class that was given through presence teaching and distance support, based on the TelEduc educational platform, at the São Leopoldo Mandic Dentistry College, Campinas, São Paulo, SP, Brazil . The college offered a desktop com-puter for each student . The developed didactic mate-rial included the professor’s slides, printed summaries of lessons, links to sites with approved contents, fre-quently asked questions, guidelines for developing papers, tests and interactive animated tutorials de veloped for the proposed medium . The students’ per-formance results were compared to the number of times they accessed the didactic material . In the begin-ning of the course, students were recommended to access the didactic material at least 2 times weekly, total-ling 40 acccess instances at the end of the 20 weeks of the subject . The approved students reached an average of 91 .5 access instances, representing an access count 128 .75% greater than the minimum required .

DESCriPtorSDistance learning . Education, dental . §

rEFErêNCiAS BiBLiográFiCAS 1 . Amorim JA, Armentano VA, Miskulin MS, Miskulin RGS . Uso

do TelEduc como um recurso complementar no ensino pre-

sencial . 03 jan 2005 [acesso 06 abr 2006] . Disponível em: http://

www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActive

Template=1por&infoid=1071&sid=48 .

2 . Bueno MR . Informática na montagem e apresentação de ma-

terial didático . In: Estrela C . Metodologia Científica: Ciência,

Ensino, Pesquisa . 2ª ed . São Paulo: Artes Médicas; 2005 . p . 611-

78 .

3 . Cardoso RJA, Skelton-Macedo MC . Importância e evolução dos

recursos didáticos . In: Estrela C . Importância e Evolução dos

Recursos Didáticos - Metodologia Científica: Ciência, Ensino,

Pesquisa . 2ª ed . São Paulo: Artes Médicas; 2005 . p . 557-609 .

4 . Freire P . Pedagogia da autonomia - Saberes necessários à prá-

tica educativa . São Paulo: Paz e Terra; 1997 .

5 . Lemos EM, Caldeira CL, Aun CE, Gavini G, Skelton-Macedo

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Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual •Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC

MC . Método de captura e utilização de imagem digital direta

(IDD) com finalidade didática em Odontologia . Revista do

Instituto de Ciências da Saúde: Odontologia, Farmácia, Bio-

química e Veterinária 2002;9(3):199-206 .

6 . Menéndez Castillero ME . ABC da Informática Odontológica .

São Paulo: Santos; 1999 .

7 . Pisa Governing Board - OECD . Are students ready for a tech-

nology-rich world? What PISA studies tell us . 24 Jan 2006 [ac-

cessed 2006 Apr 24] . Available from: http://www.pisa.oecd.org/

document/21/0,2340,en_32252351_32236173_36161109_1_1_

1_1,00.html .

8 . Portugal C . Hipertexto como instrumento para apresentação

de informações em ambiente de aprendizado mediado pela

Internet . 02 jan 2005 [acesso 06 abr 2006] . Disponível em:

http://www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?User

ActiveTemplate=1por&infoid=1061&sid=69.

9 . Stefanelli EJ . A Importância do Profissional de Comunicação

Gráfica na Produção de Material em EAD [acesso 07 abr 2006] .

Disponível em: http://www2.abed.org.br/visualizaDocumento.

asp?Documento_ID=11 .

Recebido para publicação em 27/04/2006

Aceito para publicação em 18/05/2006

A Revista da ABENO – Associação Brasileira de Ensino Odontológico – tem como missão primordial:

contribuir para a obtenção de indicadores de qualidade do ensino odontológico respeitando os desejos de formação discente e capacitação docente;

assegurar o contínuo progresso da formação profissional;

produzir benefíciosdiretamente voltados para a coletividade;

produzir junto aos especialistas a reflexão e análise crítica dos assuntos da área em nível local, regional, nacional e internacional.

ABENOABENOAssociação Brasileir

a de Ensino Odontológico

R E V I S T A D A

ABENOABENO

Associação Brasileira de Ensino Odontológico

volume 6

número 2

julho/dezembro

2006

ISSN

1679

-595

4

A Revista da ABENO – Associação Brasileira de Ensino Odontológico – tem como missão primordial:

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É comum que educadores julguem que os estu-dantes são hábeis no uso de computadores com fina-lidades educativas .19 O fato de alguém utilizar o com-putador para jogos ou correio eletrônico não implica em habilidades mais complexas, como as envolvidas em TIC . Um fator crítico na implementação de TIC em escolas de odontologia é a grande variabilidade na competência de professores e alunos para o uso de computadores,16 o que pode não só prejudicar mesmo os projetos mais bem elaborados como, futu-ramente, acentuar as iniqüidades entre profissionais de diversos países . Assim sendo, as escolas de odon-tologia devem abordar essas diferenças tão cedo quanto possível, contemplando em seu curriculum ati-vidades que envolvam o uso de TIC .

Dessa forma, as autoras buscam revisar a literatura especializada sobre as potencialidades do uso de tec-nologias de informação e comunicação no ensino da odontologia .

rEViSÃo DA LitErAturAAtravés de um questionário postado em meio eletrô-

nico e respondido por 825 indivíduos (profissionais e estudantes da área odontológica) de 52 países, Schleyer et al .22 (1998) procuraram traçar o perfil de usuários da Internet na área da odontologia . Os resultados obtidos mostraram que, para estes, o uso da Internet visa prin-cipalmente à discussão de casos clínicos, busca de infor-mações diagnósticas e terapêuticas, compra de produtos odontológicos, comunicação com pacientes e ao acom-panhamento de cursos de educação continuada .

rESumoNa Odontologia, assim como em outras áreas do

conhecimento, tecnologias de informação e comuni-cação (TIC) constituem ferramentas de crescente importância, permitindo o uso de novas mídias edu-cacionais que proporcionam aos estudantes o exercí-cio da capacidade de procurar e selecionar informa-ções, aprender de forma independente e solucionar problemas . O cirurgião-dentista, independentemen-te de seus interesses, deve estar apto a utilizá-las para seu desenvolvimento profissional . As autoras revisam a literatura especializada sobre as potencialidades do uso de TIC no ensino da odontologia .

DESCritorESEducação em Odontologia . Ensino superior . In-

formática em saúde .

Com a rápida evolução da tecnologia, passou-se a ter acesso a informações instantâneas oriundas de

qualquer parte do mundo, o que se reflete de maneira marcante sobre o processo de ensino-aprendizagem . Na Odontologia, assim como em outras áreas do conhe-cimento, tecnologias de informação e comunicação (TIC) constituem ferramentas de crescente importân-cia, pois propiciam o uso de novas mídias educacionais que proporcionam aos estudantes o exercício da capa-cidade de procurar e selecionar informações, aprender de forma independente e solucionar problemas . O ci-rurgião-dentista interessado em pesquisa, saúde públi-ca, ensino ou prática clínica deve estar apto a utilizá-las para o seu desenvolvimento pessoal e profissional .20

tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia

As tecnologias de informação e comunicação propiciam aos alunos o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações, aprender de forma independente e solucionar problemas.

Vania Fontanella*, Márcia Schardosim**, Maria Cristina Lara**

* Professora Adjunta da Faculdade de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil . E-mail: [email protected] .

** Alunas do Curso de Especialização em Radiologia Odontológica da Sobracursos .

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Verificando as características dos cursos “on-line” de educação continuada em odontologia, Schleyer21 (1999) compilou da Internet endereço eletrônico, título do curso, tópicos abordados, quantidade de telas, equivalência em créditos, custo e tipo de insti-tuição . Foram encontrados 157 cursos, oferecidos por 32 instituições, com custo médio de U$ 25 por crédi-to equivalente . Os cursos mais encontrados foram nas áreas de periodontia, diagnóstico e patologia . O autor afirma que os cursos “on-line” constituem uma alter-nativa importante para a educação continuada, con-tudo são difíceis de localizar, estando acessíveis ape-nas àqueles que são bem treinados na recuperação de informações na “web” .

Um curso foi desenvolvido visando ensinar perio-dontia para um grupo de 28 estudantes de 12 dife-rentes países, combinando PBL (“problem-based learning” – aprendizado baseado em problemas) com ensino à distância . O curso foi iniciado durante um “workshop”, quando os alunos foram divididos em 4 grupos e a cada grupo foi atribuído um tutor . Posteriormente, utilizou recursos “web” e incluiu co-municação simultânea ou não entre os integrantes do grupo . Os resultados do estudo indicaram que o efei-to mais positivo observado pelos estudantes foi a fa-miliarização com o uso do computador . Os alunos também avaliaram positivamente o uso de recursos multimídia para o aprendizado de procedimentos clínicos . O uso de correio eletrônico foi considerado muito lento para a troca de informações, e programas para comunicação em tempo real mostraram ser mais eficazes na discussão de problemas e formulação de hipóteses . Além disso, foi considerado que o contato pessoal prévio ao desenvolvimento do curso facilitou o aprendizado . Os autores sugerem que o ensino à distância deve ser organizado de forma a utilizar di-ferentes mídias, permitindo ampla interação entre estudantes e professores .14

Uma pesquisa através de questionário foi realizada com estudantes de 16 cursos de odontologia de 9 países europeus . Os resultados mostraram que 60% deles utilizam o computador em seus estudos e que 72% têm acesso à internet . Os recursos mais utilizados foram editores de texto (69%), internet (59%), fer-ramentas de busca como o Medline (45%) e apresen-tações multimídia (22%) . Diferenças foram observa-das entre os estudantes do Norte e Oeste Europeus, que têm acesso a computadores na escola, e os de países como Grécia e Espanha, nos quais os compu-tadores não são disponíveis . Menos da metade dos

alunos recebeu alguma forma de treinamento quan-to ao uso de computadores para a educação na uni-versidade . Tendo em vista as diferenças regionais, os autores recomendam estreita colaboração entre as universidades, de forma a compartilhar conhecimen-tos e experiências com as TIC .15

Na área de radiologia odontológica foi realizado um estudo para determinar se a exposição a um pro-grama interativo determina diferença na qualidade de levantamentos periapicais realizados por estudan-tes do primeiro ano . Foram aleatoriamente selecio-nados 59 alunos divididos em dois grupos, sendo que apenas os do grupo I fizeram o treinamento prévio com o programa . Todos os alunos realizaram os le-vantamentos em manequins, e foram atribuídos esco-res de qualidade a esses levantamentos . Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, contudo os alunos julgaram que o uso do programa facilitou a execução das radiografias .9

Eynon et al .8 (2003) realizaram estudo com um gru-po de estudantes da Universidade de Birmingham/In-glaterra durante um curso virtual sobre prótese remo-vível com duração de 6 meses . Um questionário foi distribuído antes de se iniciar o curso, avaliando a ex-periência no uso da internet e as expectativas quanto ao curso . Um segundo questionário foi distribuído ao final, com questões acerca do curso . A maior preocu-pação dos estudantes antes de começar o curso foi em relação ao acesso ao computador, ao grau de conheci-mento de informática necessário, ao tempo envolvido no curso e à idéia de que este seria mais um “fardo” . Os maiores benefícios apontados ao final do curso fo-ram a conveniência e a disponibilidade das informa-ções, bem como a possibilidade de recuperação de conteúdos perdidos ou mal compreendidos . O princi-pal problema relatado pelos estudantes foi o acesso a equipamentos (computadores e impressoras) . Os au-tores concluíram que o curso foi considerado útil como recurso adicional, mas que a indisponibilidade de equi-pamentos em um curso de odontologia pode interferir negativamente no aproveitamento dos alunos .

Em estudo proposto para testar se um simulador de realidade virtual pode prever a performance de estudantes em curso tradicional de dentística opera-tória em manequim, Imber et al .10 (2003) avaliaram uma amostra de 26 estudantes do terceiro ano do curso de odontologia da Universidade de Tel Aviv . Todos fizeram pré-teste no simulador de realidade virtual, cujo resultado foi comparado ao da avaliação após o curso tradicional em manequim . Os resultados

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do estudo mostraram a correlação no desempenho dos alunos quando avaliados pelos dois métodos (r = 0,49; p = 0,012) . Aqueles estudantes que obtive-ram uma média baixa no simulador de realidade vir-tual também não tiveram bom desempenho no curso tradicional com manequim . A recíproca também foi verdadeira, pois aqueles que desempenharam bem no simulador de realidade virtual, desempenharam bem no curso tradicional . Como vantagens de um simulador de procedimentos clínicos, os autores ci-tam a possibilidade de avaliação consistente e repro-duzível, não-susceptível a variações que ocorrem em avaliações humanas, além da possibilidade de identi-ficação precoce de alunos que possam vir a ter baixo desempenho clínico .

Aly et al .2 (2003) apresentaram o desenvolvimen-to e a avaliação de um curso multimídia na área de ortodontia para alunos de graduação e pós-gradua-ção da Universidade Católica de Leuven/Bélgica, os quais foram divididos em quatro grupos (n = 25) as-sim constituídos: Grupo 1: 3º ano; Grupo 2: 4º ano; Grupo 3: 5º ano de graduação e Grupo 4: pós-gradu-ação . O conteúdo do curso abrangeu introdução à ortodontia, avaliação clínica e radiográfica, classifi-cação de Angle, diagnósticos e aparelhos ortodônti-cos, maloclusões, biomecânica, fissuras palatinas e implantes . Vários casos clínicos foram discutidos . A avaliação foi realizada com 24 questões e seis possíveis respostas . A maioria dos estudantes ficou muito en-tusiasmada e interessada com essa nova possibilidade educacional, contudo foram encontradas diferenças significativas entre os grupos 1, 2/3 e 4, evidencian-do-se que alunos mais experientes aceitaram melhor o curso . Segundo os autores, a facilidade da informá-tica em combinar imagens, sons e informação de forma interativa resulta em uma ferramenta impor-tante na educação .

De acordo com Littlefield et al .12 (2003), a simula-ção de procedimentos endodônticos, além de outras tantas vantagens, permite a identificação e correção de erros com repetição de procedimentos que te-nham sido insatisfatórios . Os autores descrevem um sistema desenvolvido com essa finalidade, o SimEn-do I, no qual os alunos interagem . O estudo piloto com 74 alunos identificou as necessidades de aperfei-çoamento do programa e, posteriormente, um estudo interinstitucional resultou em escore médio de 8,1 para o sistema, em escala de 0 a 10 .

Um curso de cirurgia foi criado no Laboratório de Informática da USP, sendo dividido em 3 módulos

básicos: materiais e teoria básica (nomenclatura e fun-ções dos instrumentos cirúrgicos, anatomia, psicolo-gia, radiologia e fisiologia); apresentação do ambiente cirúrgico e biossegurança; procedimentos laborato-riais de sutura realizados pelo aluno . Participaram 22 estudantes do 2º e 3º semestres, cada um com acesso individual ao computador . Obteve-se um bom resulta-do apesar de os professores estarem ausentes na maior parte do tempo, ajudando somente em algumas difi-culdades através de circuito fechado de televisão . Ima-gens eram usadas para corrigir todos os estudantes si-multaneamente . As dificuldades individuais eram observadas através de um sistema de microcâmera . A idade dos alunos variou de 18 a 35 anos e 59% eram mulheres . Todos relataram suas experiências com o computador e a freqüência com que o usavam . Essas informações foram confirmadas pelos registros do sis-tema . Foram encontradas dificuldades no uso do “mouse” e teclado simultaneamente ao uso de instru-mentos cirúrgicos .7

Aly et al .1 (2004) avaliaram dois métodos de ensino na Universidade Católica de Leuven/Bélgica: aulas teóricas tradicionais e o uso de programas multimídia (CAL – “Computer Assisted Learning”) . Alunos da disciplina de ortodontia foram separados em dois gru-pos, sendo que o grupo A (n = 15) recebeu aulas apre-sentadas na forma de CAL, com recursos multimídia de interatividade, e o grupo B (n = 11) recebeu igual conteúdo, porém através de aulas teóricas tradicio-nais, com uso de quadro-negro e projeção de diapo-sitivos . Na avaliação não foram encontradas diferen-ças significativas entre os dois grupos, exceto para uma questão de caráter multidisciplinar, na qual os alunos do grupo A tiveram melhor desempenho . Segundo os autores, recursos de CAL podem melhorar o de-sempenho do estudante; entretanto, não substituem o ensino tradicional, em que dúvidas são esclarecidas e atitudes reforçadas na presença do professor .

Mattheos et al .13 (2004) verificaram o efeito de um “software” interativo aplicado com o intuito de auxi-liar estudantes de odontologia da Universidade de Malmö/Suécia a desenvolver habilidades de auto-ava-liação . Os estudantes foram sorteados para constituir dois grupos de 26 indivíduos . Os alunos do grupo teste receberam material referente a quatro casos clí-nicos de periodontia através do programa interativo, que apresentava uma auto-avaliação final, enquanto os do grupo controle receberam o mesmo material através de páginas da “web” sem interatividade . Ao final de um mês, todos os alunos foram avaliados por

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dois professores, cegados para a constituição dos gru-pos . Não foram encontradas diferenças significativas entre o desempenho dos alunos dos dois grupos . Se-gundo os autores, dois fatores parecem estar relacio-nados a esse resultado: os estudantes não reconhece-ram os benefícios do uso do “software”, julgando terem precisado muito mais tempo que os colegas que não utilizaram o programa para estudar o mesmo conteúdo . Além disso, alguns dos alunos que utiliza-ram o programa afirmaram não ter explorado todos os seus recursos, preferindo imprimir todas as páginas para leitura .

Na área de radiologia odontológica, foi desenvol-vido um programa para treinar o diagnóstico de cárie em radiografias interproximais digitalizadas .17 Po-dendo interagir com o programa, o usuário avalia sua habilidade para o diagnóstico de cárie proximal, já que o programa mostra cortes histológicos dos mes-mos dentes avaliados radiograficamente e gera um gráfico relativo aos acertos e erros . Esse programa foi utilizado por 22 professores da área clínica, tendo sido registrado seu desempenho no diagnóstico de cárie . Após o registro, os professores responderam um questionário avaliando o programa . De modo geral, este foi considerado útil e adequado, entretan-to uma minoria de professores mostrou-se descrente quanto à sua capacidade de melhorar o diagnóstico . Além disso, aqueles professores menos preparados para o diagnóstico de cárie em dentina em radiogra-fias interproximais, ou seja, os professores que apre-sentaram baixa sensibilidade para o diagnóstico, fo-ram os que atribuíram melhores avaliações para o programa .

Boberick4 (2004) descreve o desenvolvimento e a resposta de estudantes a um curso interativo “on-line” de dentística pré-clínica, criado com o objetivo de substituir a experiência baseada no professor (aulas tradicionais) pela experiência conduzida pelo aluno . Dos alunos participantes (n = 123), 95% responde-ram a um questionário anonimamente ao final do curso . Destes, 99% julgaram a secção de vídeos exce-lente e 73% consideraram que as mesmas podem substituir as sessões de demonstração; contudo, ficou evidente e influência do tipo de conexão à internet (discada ou a cabo) na facilidade de visualização dos vídeos . Os estudantes também responderam favora-velmente em relação à galeria de imagens, na qual casos clínicos “ideais” e “não-ideais” foram apresen-tados, acompanhados de comentários sobre as causas de insucesso, medidas preventivas e soluções .

Buchanan6 (2004) relata a vasta experiência do curso de Odontologia da Universidade da Pensilvâ-nia com o uso da tecnologia de realidade virtual para ensino pré-clínico . Utilizando-se a unidade DentSim, são apresentados casos clínicos para diag-nóstico e decisão terapêutica, bem como realizado o treinamento de procedimentos técnicos através de “instrumentos virtuais” . Os resultados de vários estudos realizados em diferentes áreas sugerem que, dessa forma, os alunos aprendem mais rapidamen-te, atingindo níveis satisfatórios e padronizados de habilidades .

Jasinevicius et al .11 (2004) avaliaram dois sistemas de simulação para treinamento pré-clínico em den-tística . Um grupo de alunos foi treinado de forma tradicional em manequins (T: n = 13) e outro utilizou um sistema de realidade virtual (RV: n = 15) . Compa-rando os grupos, os autores não encontraram dife-renças significativas quanto ao desempenho, contu-do, o tempo médio utilizado pelos alunos para solucionar dúvidas com os professores foi significati-vamente menor no grupo RV (30 minutos) do que no grupo T (2,8 horas) .

Bogacki et al .5 (2004) desenvolveram um progra-ma para ensino de anatomia dental a estudantes do 1º ano do curso de odontologia e o compararam ao ensino tradicional . Os alunos foram aleatoriamente designados a dois grupos: I - os que utilizaram o pro-grama (n = 23) e II - os que freqüentaram as aulas tradicionais (n = 22) . Os escores médios do exame final foram: Grupo I: 90,0 ± 5,2 e Grupo II: 90,9 ± 5,3, não havendo diferenças estatísticas entre eles . Os au-tores concluíram que o método com uso do programa para ensino de anatomia dental pode substituir satis-fatoriamente o método tradicional .

Ávila3 (2004) desenvolveu um programa tutorial multimídia interativo para estudo da anatomia em radiografias panorâmicas . O programa é estrutura-do em módulos, compostos dos seguintes temas: formação da imagem na técnica panorâmica, se-qüência para interpretação radiográfica, anatomia radiográfica em panorâmicas, jogos e avaliação . A seguir, 10 professores doutores em Radiologia, de-nominados peritos, e 46 alunos de graduação do 2º, 3º e 4º anos de graduação da Faculdade de Odonto-logia da Universidade Federal de Goiás responde-ram a um questionário, avaliando o “software” como método de ensino-aprendizado . Foi verificado que 100% dos avaliadores não fariam qualquer modifi-cação no “layout”, na navegação e no conteúdo do

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módulo de anatomia radiográfica, e que 98% dos alunos e 60% dos peritos aprovaram as imagens des-se mesmo módulo . Todos os entrevistados gostariam de ter mais acesso a “softwares” educacionais e afir-maram que o programa se apresentou explicativo e de fácil entendimento . Todos os peritos declararam que o programa atingiu plenamente os objetivos propostos e se constitui um método de ensino-apren-dizado válido .

Mattheos et al .16 (2005) avaliaram a habilidade para o uso da tecnologia em educação entre profes-sores e estudantes de odontologia . Um questionário abordando habilidades e competências relacionadas ao uso do computador na educação (escore máxi-mo = 49) foi aplicado durante um congresso interna-cional de educadores em odontologia (n = 149) e para os alunos do 1º ano do curso de odontologia da Universidade de Malmö/Suécia (n = 58) . Não foram encontradas diferenças significativas entre os escores médios dos professores (20,7 ± 9,9) e dos alunos (18,1 ± 8,5) . Observou-se correlação positiva signifi-cativa (r = 0,395; p < 0,0001) entre o escore obtido e o ano de graduação no grupo de professores . Os re-sultados demonstraram que, tanto para o grupo de professores quanto para os alunos, existe uma ampla variabilidade na competência para o uso do compu-tador em educação . Além disso, as habilidades que os alunos julgaram ter quando se auto-avaliaram foram inferiores às aferidas pelo questionário .

CoNSiDErAÇÕES FiNAiSO crescimento da informática nas próximas déca-

das deve ser exponencial . Novas tecnologias oferecem grandes oportunidades para aqueles que desejam e que estão aptos para ultrapassar as barreiras iniciais que são a competência e familiaridade com os poderosos ins-trumentos de TIC, com profundo impacto na educa-ção . O número de documentos resultantes da busca por “educação odontologia” no site Alta Vista cresceu de 7 .480 em agosto de 1999 para 15 .800 em agosto de 2000 e para 85 .016 em outubro de 2001 .18 Em março de 2006, essa mesma busca no Google resultou em mais de 775 .000 documentos . Esse crescimento reflete o interesse e a confiança depositada na “web” como ins-trumento de transferência de conhecimento para to-dos os envolvidos com a Odontologia . Contudo, gran-de parte dos documentos recuperados é propaganda de produtos e/ou serviços . Espera-se que, no futuro, a “web” possa funcionar como uma escola virtual basea-da no conhecimento sem fronteiras .

Durante o processo de ensino-aprendizagem uti-lizando a “web”, entre os aspectos que devem ser me-didos e avaliados, estão o comportamento dos alunos e a efetiva transferência do conteúdo trabalhado para situações clínicas . Para que evidências suficientemen-te fortes sejam obtidas, é necessário que se continue pesquisando sobre o assunto .

Diante do exposto, fica evidente a oportunidade de utilização e avaliação de recursos de TIC no ensino da odontologia .

ABStrACtInformation and communication technologies in dental education

In Dentistry, as well as in other areas of knowledge, information and communication technologies (ICT) constitute tools of increasing importance, allowing the use of new educational media that enable students to exercise their capacity of searching and selecting information, learning independently and solving problems . Dentists, regardless of their areas of inter-est, must be able to use those technologies for their professional development . The authors review the specialized literature on the potentialities of the use of ICT in dental education .

DESCriPtorSEducation, dental . Education, higher . Medical

informatics . §

rEFErêNCiAS BiBLiográFiCAS 1 . Aly M, Elen J, Willems G . Instructional multimedia program

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Page 81: volume7, n° 1

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Eur J Dent Educ 2001;5(4):139-47 .

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21 . Schleyer TKL . Online continuing dental education . J Am Dent

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current internet users in dentistry . J Am Dent Assoc 1998;

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Recebido para publicação em 14/03/2006

Aceito para publicação em 17/05/2006

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ABENOABENOAssociação Brasileira de Ensino Odontológico

R E V I S T A D A

ABENOABENO

Associação Brasileira de Ensino Odontológico

volume 6número 2julho/dezembro2006

ISSN

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ABENOABENO

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R E V I S T A D A

ABENOABENO

Associação Brasileira de Ensino Odontológico

volume 6número 2julho/dezembro2006

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Associação Brasileira de Ensino Odontológico

R E V I S T A D A

ABENOABENO

Associação Brasileira de Ensino Odontológico

volume 6número 2

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como a doença de maior probabilidade de contami-nação durante atendimento odontológico por 100% dos professores e 97,73% dos alunos participantes . Quando foram questionados sobre a conduta correta em caso de acidente com risco de contaminação, 21,74% dos professores obtiveram acerto completo e nenhum aluno respondeu corretamente . Respon-deram de forma parcialmente correta 52,17% dos professores e 52,27% dos alunos . Não responderam corretamente 47,73% dos alunos e 26,09% dos pro-fessores . Concluiu-se que a grande maioria dos parti-cipantes conhece os riscos, mas desconhece a condu-ta correta a ser adotada . Faz-se necessário um programa de treinamento e acompanhamento du-rante todas as atividades clínicas .

rESumoDurante o atendimento odontológico, o profissio-

nal está sujeito a sofrer acidentes com risco de conta-minação e adquirir doenças infectocontagiosas, devi-do ao constante contato com sangue e outros fluidos e tecidos possivelmente contaminados . O objetivo deste trabalho foi analisar o conhecimento dos pro-fessores e alunos do curso de odontologia da UNI-MONTES (Montes Claros, MG, Brasil) sobre condu-tas frente a acidentes com risco de contaminação durante o atendimento odontológico . A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário pro-duzido pelos pesquisadores . Participaram da pesqui-sa 23 professores e 88 alunos que estão em disciplinas de atendimento clínico . A hepatite foi relacionada

Conhecimento dos professores e alunos da uNimoNtES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação

Embora a maior parte dos cirurgiões-dentistas conheça os riscos a que está sujeita durante a prática profissional, poucos sabem como agir quando os acidentes acontecem, e as universidades têm papel fundamental na mudança desse quadro.

Adriana Benquerer Oliveira Palma*, José Mendes da Silva**, Mania de Quadros Coelho**, Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu***, Vera Lúcia Silva Resende****, Victor Fernandes Tavares*****

* Professora do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros . Mestranda em Odontopediatria .

** Professores do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros . Especialistas em Saúde Pública .

*** Professor do Centro Universitário Newton Paiva . Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais . E-mail: [email protected] .

**** Professora da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais . Doutoranda em Odontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais .

***** Cirurgião-Dentista graduado pela Universidade Estadual de Montes Claros .

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Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF

DESCritorESControle de risco . Ferimentos penetrantes produ-

zidos por agulha . Odontologia .

Durante a prática diária, os cirurgiões-dentistas, como outros trabalhadores na área de saúde,

encontram-se em ambiente propício à disseminação de agentes que podem causar diversos tipos de infec-ção .26,30 Muitos microrganismos podem estar presen-tes no sangue ou na saliva, como as bactérias causa-doras da sífilis e tuberculose, e os vírus causadores do sarampo, do herpes, das hepatites e da imunodefici-ência adquirida ou HIV .3,5,6,9,25,30,38 Com o advento da AIDS ou SIDA, no início da década de 80, os profis-sionais da área de saúde passaram a se preocupar mais com o controle de infecção .30,34 Entretanto, a maior preocupação dos cirurgiões-dentistas deve ser com os vírus causadores das hepatites,30 principalmente as causadas pelo vírus B, devido à sua alta prevalência e letalidade, e as causadas pelo vírus C, pela sua alta morbidade e letalidade .19,32,36

Segundo o Ministério da Saúde, em um consultó-rio odontológico com atendimento diário de vinte pacientes, em uma semana, pelo menos um paciente com vírus da hepatite B (VHB) entrará em contato com o profissional e sua equipe .5 A probabilidade de infecção após exposição percutânea pelo vírus da hepatite B é significativamente maior do que a pelo HIV, podendo chegar a 40% . Para o vírus da hepati-te C, o risco médio varia de 1% a 10% .5,6

Outros vírus relacionados a outras hepatites foram recentemente descritos, denominados vírus G, TT e SEN, mas faltam estudos mais profundos sobre os riscos reais de transmissão para o profissional da Odontologia .21,35,37

A transmissão de microrganismos para o profissio-nal pode se dar por diferentes vias: contato direto com lesões infecciosas ou com sangue e saliva conta-minados; contato indireto, mediante transferência de microrganismos presentes em um objeto contamina-do; respingos de sangue, saliva ou líquido de origem nasofaríngea, diretamente em feridas de pele e mu-cosa; através de acidentes com instrumentos perfuro-cortantes ou pela dispersão de microrganismos por aerossóis .14,19, 20,31,34,36,38

Assim, é recomendada aos profissionais a utilização de medidas para proteção individual, bem como a pro-teção do meio no qual trabalham e dos pacientes . Essas medidas, denominadas “Medidas de Precaução-Pa-drão”, buscam evitar toda e qualquer forma de conta-minação cruzada no ambiente de trabalho .5,6,9,30,37

Diante dessa realidade, as questões relativas ao controle de infecção e às normas de biossegurança passaram a ter um novo enfoque, uma vez que não eram vistas de forma tão crítica como são agora . Pe-quenos procedimentos, como pegar materiais das gavetas, antes considerados inofensivos, devem hoje antes ser revistos e corrigidos . Os novos conhecimen-tos sobre a necessidade de controle de infecção exi-gem adequação e mudança de hábitos .33

Alguns recursos para evitar a ocorrência de infecção cruzada em consultórios odontológicos têm sido reco-mendados . Qualquer negligência pode intensificar a incidência dessas infecções . Deve-se observar rigorosa-mente as normas de biossegurança e utilizar todos os recursos disponíveis de modo a proporcionar seguran-ça a toda a equipe de saúde e aos pacientes .30,33

Organizações de saúde como o Centers for Disease Control and Prevention (CDC)7,8 e a American Dental Association (ADA)1 e o Ministério da Saúde do Brasil5,6 têm desenvolvido normas de assepsia, desinfecção e esterilização, preconizando protocolos de controle de infecção . Essas normas devem ser aplicadas a todos os tipos de procedimentos clínicos odontológicos e para todos os instrumentos e equipamentos .

O Ministério da Saúde orienta que o trabalhador acidentado, com risco de infecção, seja acompanhado clínica e sorologicamente pelo setor de Medicina do Trabalho ou por um Serviço de Controle de Infecção por 6 meses .5,6

Os serviços de saúde devem ter sempre à disposi-ção dos seus funcionários um sistema que inclua:a) protocolos escritos para que se possa reportar o

fato;b) avaliação do acidente;c) aconselhamento;d) tratamento e acompanhamento do profissional de

saúde em risco de adquirir qualquer infecção .Por outro lado, o profissional de saúde deve re-

portar o acidente imediatamente ao seu superior, particularmente porque as medidas profiláticas, quando recomendadas, devem ser implementadas imediatamente após o acidente .6

Considerando-se que os profissionais devem estar cada vez mais capacitados para o mercado de traba-lho,28 também na área da saúde, suas condutas devem estar pautadas no conhecimento científico .

O Ministério da Saúde, as instituições de saúde, os cirurgiões-dentistas e as Universidades têm a res-ponsabilidade de desenvolver e implementar medi-das (protocolos) para o manejo das situações de aci-dentes e a assistência aos profissionais da equipe .6

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Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Odontologia, o profissional deve ter um perfil generalista, com compreensão da realidade so-cial e capacidade para o exercício de atividades refe-rentes à saúde bucal da população, pautado em prin-cípios éticos . Sendo a Universidade a grande formadora de recursos humanos, deve se preocupar em formar profissionais competentes, comprometidos com a transformação da realidade em benefício da socieda-de .2,11,13,15 Como o professor tem papel importante na formação do perfil do profissional a ser colocado no mercado, é importante que ele tenha um conhecimen-to consolidado sobre as normas de controle de infec-ção para que possa transmitir aos seus alunos, através de palavras e atitudes, princípios corretos de contro-le de infecção .15,22

Por isso, é de grande relevância avaliar o conhe-cimento dos professores e alunos, futuros profissio-nais de saúde, sobre a conduta frente à exposição a material biológico infectante, com risco de contami-nação iminente . A inclusão do conteúdo de Biosse-gurança como conteúdo nos cursos de Odontologia vem reforçar essa disposição, sensibilizando os alunos a utilizarem normas de controle de infecção .

Assim, este estudo teve como objetivo principal investigar o conhecimento dos professores e alunos do curso de Odontologia da UNIMONTES sobre con-dutas frente a acidentes com risco de contaminação durante o atendimento odontológico .

mAtEriAL E mÉtoDoTrata-se de um estudo epidemiológico, descritivo,

de corte transversal . O curso de Odontologia da UNI-MONTES é constituído de 10 períodos letivos (semes-tres), e os alunos iniciam as atividades práticas, de atendimento a pacientes, no 4º período . Participa-ram do presente trabalho alunos do 4º, 5º, 6º, 8º e 9º períodos e professores que ministravam aulas prá-ticas nas clínicas do curso de Odontologia da UNI-MONTES, no 1º semestre de 2002 . Foram excluídos os alunos do 7º período, uma vez que os mesmos par-ticiparam de seminário da disciplina de Clínica Res-tauradora I, quando esse assunto foi amplamente discutido . Além disso, os alunos do 10º período não participaram porque estavam em atividades extramu-ros, dificultando a coleta dos dados .

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIMONTES (Pro-cesso número: 056/2002) . Os alunos e professores que aceitaram participar da pesquisa assinaram o ter-mo de consentimento livre e esclarecido .12

Os pesquisadores, previamente calibrados, apli-caram um questionário pré-testado ao grupo pes-quisado . Em relação às respostas, foram considera-das corretas aquelas que estavam de acordo as orientações do Ministério da Saúde .6 Com relação à pergunta sobre a doença que consideravam ser de maior risco de contaminação durante o exercício da Odontologia, considerou-se acerto quem respon-deu Hepatite B .19,30,32

Os acidentes considerados com risco de contami-nação foram aqueles com instrumental perfurocor-tante em contato com sangue-saliva . Em relação às condutas frente a acidente com risco de contamina-ção, considerou-se acerto completo quem respondeu de acordo com as normas do Ministério da Saúde:6

“Interromper o procedimento, retirar o EPI (Equipamen-

to de Proteção Individual), lavar abundantemente a área

afetada, preencher o CAT (Comunicado de Acidente de

Trabalho), encaminhar ao médico para avaliar necessida-

de de quimioprofilaxia para HIV .”

Os dados coletados foram codificados e digitados utilizando-se o programa Microsoft Excel . Através da estatística descritiva eles foram apresentados em ta-belas de freqüência .

rESuLtADoS E DiSCuSSÃoDo total de 127 alunos elegíveis para o estudo, 88

(69,29%) aceitaram participar da pesquisa, respon-dendo ao questionário, sendo 49 (55,68%) do sexo feminino e 28 (31,82%) do sexo masculino; não iden-tificaram o gênero 11 discentes (12,5%) . Em relação à distribuição dos alunos respondentes por período, 26 (29,55%) alunos eram do 4º período, 18 (20,45%) do 5º período, 10 (11,36%) do 6º período, 15 (17,05%) do 8º período, 19 (21,59%) do 9º período .

Do total de 39 professores elegíveis, 23 (58,97%) concordaram em participar e responderam ao questio-nário; destes, quatro respondentes (17,4%) não revela-ram o gênero, 7 (30,43%) eram homens e 12 (52,17%), mulheres . Quanto área de atuação, 8 (34,78%) minis-travam o conteúdo de Clínica Integrada, 1 (4,35%) de Estomatologia, 2 (8,70%) de Endodontia, 3 (13,04%) de Clínica Infantil, 1 (4,35%) de Prótese, 2 (8,70%) de Periodontia, 4 (17,39%) de Estudo da Saúde Coletiva II, 1(4,35%) de Cirurgia e 1 (4,35%) não respondeu qual era a disciplina que ministrava .

Avaliando-se a doença que os sujeitos da pesquisa consideram de maior risco de contaminação, 100,00% dos professores e 97,73% dos alunos responderam ser

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Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF

a hepatite, e 2,27% dos alunos responderam ser a hepatite/aids as doenças de maiores riscos de conta-minação durante o atendimento odontológico (Ta-bela 1) . Em relação aos resultados anteriores, a lite-ratura aponta que o vírus da hepatite B e C são mais infecciosos do que o HIV e provocam alta morbidade e mortalidade .6,19,27,30,32,36

Quando os professores foram questionados sobre o que consideram como acidente com risco de conta-minação, 47,82% responderam ser o acidente perfuro-cortante o acidente de maior risco de contaminação .

Alguns autores descrevem que ocorre alta porcen-tagem de acidentes com instrumentos perfurocortan-tes durante o atendimento odontológico e que isso representa um grande risco de contaminação para o profissional .17,24,29,30,32,36 Outros autores relatam tam-bém que o risco com agulhas ocas é maior pela quan-tidade de sangue transferido por esse tipo de agulha .6

A literatura descreve que o maior número de aci-dentes ocorre nas especialidades em que os profissio-nais atuam em áreas cruentas . Esse fato é esperado, pois ocorre maior exposição a situações de risco .10,23

Autores relatam que o risco de soroconversão ao HIV em acompanhamento de um acidente perfuro-cortante com agulha que esteja contaminada pelo HIV tem sido estimado em 0,3% .6,16,18 Lo Re, Kots-man20 (2005) afirmam que a incidência de sorocon-versão de hepatite C após um acidente varia de 3% a 4% . Esses autores relatam ainda que o risco de con-taminação por contato de sangue contaminado com as mucosas deve ser considerado .

Em relação às respostas dos alunos referentes ao acidente com risco de contaminação, os seguintes resultados foram obtidos: 37,5% responderam ser o acidente com instrumento perfurocortante e 52,27% responderam ser o acidente perfurocortan-te e a contaminação por saliva e sangue os acidentes de maiores riscos .

Quando os sujeitos da pesquisa foram questiona-dos quanto à conduta em casos de acidentes com risco de contaminação, 21,74% dos professores obti-veram acerto completo e nenhum aluno respondeu corretamente . Responderam de forma parcialmente correta 52,17% dos professores e 52,27% dos alunos . As respostas foram consideradas completamente in-corretas para 47,73% dos alunos e 26,09% dos pro-fessores (Tabelas 2 e 3) .

Segundo as recomendações do Ministério da Saúde,6 em princípio, qualquer acidente deve ser tratado da mesma forma, independentemente das características do paciente ou ambiente onde o acidente se deu . Uma cuidadosa avaliação é neces-sária para determinar a necessidade da implemen-tação das medidas de profilaxia pós-exposição recomendadas pelo Ministério da Saúde .6 Além disso, a análise criteriosa das circunstâncias rela-cionadas ao acidente pode contribuir para a pre-venção de ocorrências .

É importante salientar que a Universidade é a responsável primeira pela formação do profissional, e a estruturação do currículo dos cursos de Odonto-logia deve visar a formação de profissionais que vol-tem sua práxis para as necessidades requeridas pelo quadro epidemiológico, em meio à historicidade do processo saúde-doença-cuidado .4,13 A informação científica, a partir do momento em que é produzida, leva algum tempo para ser difundida entre os profis-sionais que a utilizarão . Apesar de a maioria dos res-pondentes ter acertado essa questão, tem-se ainda uma preocupante porção que ainda não detém esse conhecimento .

Doença com risco de contaminação

Freqüência absoluta

Freqüência relativa

HepatiteB 86 97,73%

HepatiteB/Aids 2 2,27%

Total 88 100,00%

tabela 1 - Respostas dos alunos quanto à doença de maior risco de contaminação (Montes Claros, 2002) .

Conhecimento do protocolo

Freqüência absoluta

Freqüência relativa

Acertocompleto 0 00,00%

Acertoparcial 46 52,27%

Erro 42 47,73%

Total 88 100,00%

tabela 2 - Conhecimento dos alunos quanto ao protoco-lo de conduta frente ao risco de contaminação (Montes Claros, 2002) .

Conhecimento do protocolo

Freqüência absoluta

Freqüência relativa

Acertocompleto 5 21,74%

Acertoparcial 12 52,17%

Erro 6 26,09%

Total 23 100,00%

tabela � - Conhecimento dos professores quanto ao pro-tocolo de conduta frente ao risco de contaminação (Mon-tes Claros, 2002) .

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O papel do professor como educador é muito im-portante na formação do profissional, pois ele é quem irá ajudar o aluno a se apropriar do conhecimento construído, de lhe dar significado, de gerir diferenças, de problematizar, de motivar, de provocar e de dar ao indivíduo condições de desenvolver um pensamento e um discurso próprios .22 Assim, os cursos de odonto-logia devem promover atividades que difundam esse conhecimento entre os corpos docente e discente .

CoNCLuSÃoOs resultados mostraram que a maioria dos pro-

fessores e alunos conhecem os riscos de ocorrência de acidentes durante a prática profissional, porém está despreparada para atuar quando da ocorrência dos acidentes profissionais . A ocorrência de acidente com instrumento perfurocortante constitui sério pro-blema em relação ao controle da infecção cruzada, e medidas preventivas devem ser reforçadas para sua redução . Faz-se necessário um programa de treina-mento constante em relação a questões de conduta frente a acidentes com risco de contaminação para os corpos docente e discente .

ABStrACtKnowledge held by professors and students from Unimontes University on the protocol and recommended conducts in case of accidents with the risk of contamination

Dental professionals are subject to suffering needlestick injuries during their work, with the risk of being contaminated and contract infecto-conta-gious diseases due to the fact that they are in constant contact with possibly contaminated blood, other flu-ids and human tissues . The objective of this study was to analyze the knowledge held by professors and stu-dents from the Dentistry course given at Unimontes University (Montes Claros, Minas Gerais, Brazil) on the recommended conducts in case of accidents with the risk of contamination during dental care proce-dures . Data were collected using a questionnaire elaborated by the researchers . A total of 23 professors and 88 students working in clinical disciplines par-ticipated in this research . Hepatitis was reported as the disease with the highest probability of contamina-tion during dental attendance by 100% of professors and 97 .73% of students . When questioned about the correct conduct in case of accident with risk of con-tamination, 21 .74% of the professors and none of the students answered completely correctly . Answers con-sidered partially correct were given by 52 .17% of pro-

fessors and 52 .27% of students . Answers considered completely wrong were given by 47 .73% of students and 26 .09% of professors . It was concluded that most of the participants are aware of the risks of contamina-tion during their work, but that they are unaware of the correct protocol to be followed in case of needle-stick injuries . A training program and follow-up are thus required during all clinical activities .

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Recebido para publicação em 31/03/2006

Aceito para publicação em 18/05/2006

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Revista da ABENO • 7(1):88-95��

res, uma proposta de melhor preparo do aluno para o estudo independente e para a pesquisa por meio do incentivo à iniciação científica e um investimento no corpo docente do curso .

DESCritorESEducação em odontologia . Assistência integral à

saúde . Formulação de políticas .

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia preconizam que o

egresso esteja em condição de desenvolver uma práti-ca generalista da profissão, a partir do perfil de um:

“Cirurgião-dentista com formação generalista, humanista,

crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção

à saúde, com base no rigor técnico e científico . Capacitado

ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da po-

pulação, pautado em princípios éticos, legais e na compre-

ensão da realidade social, cultural e econômica do seu

meio, dirigindo sua atuação para a transformação da rea-

lidade em benefício da sociedade” (p . 8) .5

Antecedendo-se essas recomendações, Costa et al .8 (1992) avaliaram a qualidade da formação acadêmica em Odontologia relacionando-a à atividade profissio-nal posterior em um estudo com os cirurgiões-dentis-tas na Grande São Paulo, no ano de 1987, que apon-tou para o fato de que a Universidade não estava atingindo com eficiência o seu papel de formação profissional .

rESumoEste trabalho procurou investigar o processo de

formação em Odontologia, a partir de egressos for-mados há até cinco anos e em movimento de busca por pós-graduação lato sensu, no exercício de uma prática generalista da profissão . Optou-se por uma pesquisa exploratória, com abordagens quantitativa e qualitativa . Os dados foram obtidos por meio de questionário com assertivas relacionadas com a te-mática pesquisada e da análise do grau de concor-dância e/ou discordância . Utilizou-se, também, de entrevistas semi-estruturadas cujo material foi sub-metido a uma Análise Temática . Os principais acha-dos evidenciam aspectos essenciais que ainda dificul-tam a concretização do perfil de egresso preconizado pelas Diretrizes Curriculares, especialmente no to-cante ao preparo para uma prática generalista da profissão . Salientam-se a falta de articulação da teo-ria com a prática, uma visão da Odontologia descon-textualizada da realidade com conseqüente despre-paro para atuação no mercado de trabalho, uma formação inadequada para o trabalho no contexto do SUS, um preparo inadequado para ações ligadas à administração e ao gerenciamento da própria prá-tica e pouco preparo para o relacionamento com o paciente e com os outros profissionais da área . Esse panorama aponta para a necessidade de mudanças dessas falhas, incorporando também ampliação de cenários de aprendizagem com aprimoramento da proposta de ensino da clínica integrada, flexibiliza-ção curricular com maior integração de conteúdos/disciplinas e implantação de práticas interdisciplina-

A graduação em odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças

Evidenciou-se a dificuldade de concretização do perfil de egresso preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, especialmente no tocante ao preparo para uma prática generalista da profissão.

Otavio Fernando Genta Cordioli*, Nildo Alves Batista**

* Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo e Gerente de Desenvolvimento Educacional do Senac-SP . E-mail: [email protected] .

** Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo e Livre-Docente em Educação Médica . E-mail: [email protected] .

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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA

Entre os resultados mais relevantes, encontraram-se: o treinamento na faculdade era divorciado da re-alidade profissional; o ensino era teoricamente satis-fatório, porém com necessidade de complementação prática adquirida com a experiência clínica pós-for-mação; o treinamento clínico deveria ser incremen-tado; o preparo em cirurgia periodontal, diagnóstico de doenças com manifestação oral, prótese fixa, oclu-são e ortodontia era insuficiente ou inexistente; havia um despreparo básico no manuseio clínico do pacien-te; a carga horária destinada ao treinamento prático deveria ser aumentada; deveria ser incrementado o ensino da administração do consultório .

As Diretrizes Curriculares também enfatizam que o perfil acadêmico a ser construído deve ser compa-tível com uma atuação de qualidade, eficiência e re-solutividade no Sistema Único de Saúde (SUS), con-siderando-se o processo de Reforma Sanitária Nacional Brasileira, e trazem em seu artigo 5º, pará-grafo único, que

“( . . .) a formação do cirurgião-dentista deverá contemplar o

sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saú-

de num sistema regionalizado e hierarquizado de referência

e contra-referência e o trabalho em equipe .” (p . 2) .4

Moysés16 (2003, p . 93) comenta que

“( . . .) o ensino, predominantemente exercido por especia-

listas, estimula a especialização precoce dos educandos e a

fragmentação do conhecimento e do ato odontológico”,

e indica uma tendência contrária a esse perfil deli-neado .

Secco, Pereira21 (2004, p . 119) citam que

“o desafio a ser enfrentado parece passar pela superação

da dicotomia entre formação geral versus formação espe-

cífica”,

mediante uma nova racionalidade capaz de incorpo-rar a diversidade, as contradições e as tensões que constroem o cotidiano nas instituições de ensino su-perior . Nesse sentido, Garbelini et al .14 (2003) apon-tam para a necessidade do desdobramento e da ade-quação dos conteúdos e das atividades curriculares para se construir um perfil generalista .

Cristino9 (2005) comenta que:

“convivemos numa realidade paradoxal e numa conse-

qüente crise paradigmática na qual somos especialistas

tendo que formar generalistas” (p . 13) .

Feuerwerker11 (2003), falando sobre os princípios para o desenvolvimento curricular a partir das dire-trizes, propõe uma correção desse apontamento ao afirmar que a educação profissional deve enfocar os problemas mais relevantes da sociedade e o programa do curso deve ser baseado nos critérios epidemioló-gicos e nas necessidades de saúde .

Wotman et al .22 (2003) propõem uma mudança filosófica do ensino odontológico referente ao pa-pel da responsabilidade profissional, com ênfase na proteção e melhoria da saúde bucal e geral da comunidade . O modelo visa incorporar ao currícu-lo os conteúdos que capacitem o futuro profissional a promover a saúde e o bem-estar da população, avaliando longitudinalmente as mudanças na per-cepção da responsabilidade profissional e nas ati-tudes dos alunos, assim como acompanhando pa-ralelamente a evolução do estado de saúde da comunidade .

Com base nesses pressupostos, questiona-se: Como tem ocorrido o processo de formação do ci-rurgião-dentista para o exercício de uma prática ge-neralista da profissão? Quais as mudanças sugeridas pelos egressos visando um melhor preparo para essa prática?

Este artigo explora, na perspectiva da vivência da prática generalista da profissão, sugestões de aprimo-ramento da graduação em Odontologia .

mEtoDoLogiAEsta é uma pesquisa de caráter exploratório,

construída a partir de abordagens quantitativa e qualitativa . Partimos do pressuposto de que os mé-todos podem ser complementares na busca de ex-plicações para o objeto de análise . Os sujeitos da pesquisa são cirurgiões-dentistas formados há até cinco anos, que exercem em seus consultórios a prá-tica generalista da profissão e que estão cursando um programa de pós-graduação lato sensu na Clíni-ca Odontológica do Senac-SP . Os dados foram cole-tados a partir de um questionário composto de de-zesseis questões fechadas desenvolvidas com base nas principais recomendações das Diretrizes Curri-culares Nacionais do curso de graduação em Odon-tologia . Ao final do questionário, foi aplicada uma entrevista de aprofundamento, cujo roteiro contou com três questões abertas .

Os dados obtidos com as questões fechadas foram quantificados, tabulados e dispostos em gráficos . O material qualitativo adquirido com as entrevistas foi tratado por uma das técnicas de Análise de Conteúdo, denominada Análise Temática .

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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA

�0

rESuLtADoS E DiSCuSSÃoQuando se questionou sobre indicação de mudan-

ças na graduação, caso fossem os coordenadores do curso de Odontologia da faculdade onde estudaram, 100% dos profissionais responderam que fariam mu-danças, visando melhorar a graduação (Gráfico 1) .

Foram sugeridas quarenta e oito mudanças; de-zessete ligadas à metodologia de ensino/aprendiza-gem; treze relacionadas à carga horária de prática clínica e laboratorial; doze, à carga horária de teoria; e seis, aos espaços físicos, como laboratório, clínica e sala de aula (Gráfico 2) .

Com a implantação das Diretrizes, os cursos de Odontologia percebem-se pressionados pelas orien-tações propostas e pelo debate em torno da qualidade e da avaliação no cenário nacional e internacional, iniciando uma busca por novos caminhos para aten-derem a esses desafios de construção do projeto pe-dagógico e das mudanças curriculares .21

Segundo Carvalho et al .6 (2005), muitas discussões têm ocorrido, abordando-se principalmente o perfil do profissional a ser formado no curso de graduação em Odontologia . Dessa forma, sugere-se a necessida-de de mudanças curriculares, buscando-se o preparo

com visão integral do paciente, considerando-o como um todo biopsicossocial e somático .

Aquilante, Tomita3 (2005) também citam a neces-sidade de reestruturação do currículo odontológico para que os egressos possam estar preparados para o atendimento das necessidades da população . Os au-tores propõem repensar o processo ensino-aprendi-zagem, tanto em relação aos conteúdos programáti-cos (o que ensinar) quanto às metodologias de ensino (como ensinar) .

Para Feuerwerker, Almeida12 (2004, p . 15), as Di-retrizes Curriculares Nacionais sugerem a superação das abordagens metodológicas tradicionais de ensi-no-aprendizagem, e convidam à formação por com-petência, ou seja, uma formação com “( . . .) experiên-cias e oportunidades de ensino-aprendizagem para além do campo cognitivo” .

Na análise qualitativa das entrevistas, encontra-mos cento e quarenta e uma unidades de registro, divididas em treze categorias de análise .

A categoria mais citada é a necessidade de “melhor articulação da teoria com a prática”, com trinta e duas citações, sendo o aumento do tempo de treinamento clínico a proposta mais apontada pelos entrevistados:

“( . . .) para melhorar a faculdade, a graduação, eu apostaria

mais na clínica integrada . . . dar um tempo maior dentro

da integrada . Uma visão mais geral . Você poderia pegar o

paciente e trabalhar o geral dele, todos os procedimentos,

como funciona no consultório .”

A integração propriamente dita foi também mui-to enfatizada nesta articulação:

“Eu estenderia primeiro na carga horária, principalmente

de clínica para a gente trabalhar, e principalmente de clí-

nica integrada, não daquela coisa separadamente . . . só aula

de canal, hoje, só aula de . . . não, aquela coisa integrada que

você chega, você pega o paciente e você faz do princípio

ao fim e você vai da oclusão, da restauração até reabilitação

e estar trabalhando como um todo . Eu estenderia a grade

horária clínica, principalmente clínica integrada .”

Para a melhoria da articulação foi também suge-rida alteração de grade curricular:

“colocar algumas matérias que poderiam ter sido coloca-

das, em anos anteriores . Às vezes, a carga horária, joga essa

matéria pro oitavo semestre, poderia ter sido dada no se-

gundo, antes de entrar na clínica pra você estar mais pre-

parado até pra, é, atender mais rapidamente e com uma

ergonomia melhor, que isso daí não foi aplicado né?”

25%

27%

35,5%12,5%

Carga horária teórica

Carga horária prática

Metodologia de ensino-aprendizagem

Ambiente físico (clínica, laboratório, salas de aula)

gráfico 2 - Sugestões de mudanças .

CT C I D DT

18

3

0 0 02

4

6

8

10

12

14

16

18

0

20

Núm

ero

de r

espo

stas

gráfico 1 - Indicações de mudanças em sendo coorde-nador de curso . CT: concordo totalmente, C: concordo, I: indiferente, D: discordo, DT: discordo totalmente .

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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA

Pesquisa realizada por Costa et al .7 (2002), com 636 alunos de Odontologia, apontou que 68,82% dos estudantes consideram a discussão de casos clí-nicos como a atividade que mais contribui para o aprendizado e para a maior integração entre teoria e prática profissional . Para o autor, as atividades teóricas de ensino eram satisfatórias, porém, o maior problema encontrava-se no preparo insufi-ciente para a prática, havendo desequilíbrios entre as cargas horárias dedicadas a essas modalidades de ensino .

Figueiredo et al .13 (2005), em um estudo realizado com pessoas ligadas à rede SUS, mostram que os pro-fessores e acadêmicos percebem claramente um dis-tanciamento entre a teoria e a prática . Os autores concordam que apenas as reformas curriculares im-plementarão mudanças para melhorar a integração entre o que se ensina e o que se pratica, assim como a qualidade dos profissionais formados .

Como segunda maior categoria de análise nas pro-postas de mudança, os entrevistados propõem um “ensino mais contextualizado com a realidade”:

“( . . .) é o que eu mudaria assim . . . é mostrar para o gradu-

ando como que funciona a odontologia fora da faculdade,

que eu saí só com essa idéia, como funciona lá dentro . Saí

de lá e não conhecia . É isso .”

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia, ao definirem o perfil profissional do egresso, recomendam que sua atuação esteja pautada

“( . . .) na compreensão da realidade social, cultural e eco-

nômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a trans-

formação da realidade em benefício da sociedade”

(p . 4) .5

Nesse sentido, a atuação no SUS é realçada pelos egressos:

“A questão também do Sistema Único de Saúde, eu acho

que a universidade também não mostrou a realidade de

como funciona um posto de saúde, numa prefeitura ( . . .)”

“Então, de repente, fazer com que o aluno vá, conheça a

realidade, as dificuldades das pessoas .”

A 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal, re-alizada em agosto de 2004, apontou a dissociação entre o modelo formador e a realidade brasileira e o não-comprometimento desse modelo com as ne-cessidades da população como as principais causas

de o sistema de ensino superior não estar cumprin-do o seu papel na formação de profissionais com-prometidos com o SUS e com o Controle Social . Um dos temas debatidos na conferência foi “For-mação e Desenvolvimento em Saúde Bucal”, que abordou a problemática da não-compreensão críti-ca das necessidades sociais por parte das universi-dades públicas e privadas e a falta de gestão do Ministério da Educação em integrar o ensino a es-sas questões . Dessa forma, os profissionais forma-dos continuam inadequados para o trabalho no SUS, com dificuldades para execução das práticas integrais de atenção .1

A “melhoria do ensino de administração/geren-ciamento de consultório” foi a terceira categoria mais citada:

“Até eu acho interessante também fazer . . . no caso, o pro-

fissional fazer uma gerência mesmo, fazer simulações de

compra de material, o que vai se utilizar e o que não vai,

e fazer um levantamento . . . Isso eu acho que seria interes-

sante, na graduação já, voltando àquela parte de adminis-

tração do consultório e tudo mais .”

As Diretrizes Curriculares Nacionais descrevem nas competências gerais dos egressos que esses devem estar aptos a

“( . . .) fazer o gerenciamento e a administração da força de

trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação,

da mesma forma que devem estar aptos a ser empreende-

dores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de

saúde” (p . 4) .5

A “integração do ensino” é apontada como suges-tão de mudança na graduação em dezesseis citações . Além dela, o estímulo à interdisciplinaridade no aten-dimento clínico (integração das competências docen-tes na prática clínica geral) é também citada:

“Deveria ter sido integrado melhor as disciplinas . Então,

de repente, para que você pudesse mudar isso, você mon-

ta uma equipe com 4 professores de dentística mas, um

desses professores, de repente, está ali e não é um profes-

sor de dentística, é um professor de periodontia . Então

você tem uma dúvida num caso, você chama o professor

de dentística, mas chama o de perio também e aí, ele vai

dar uma sugestão melhor . . . Não digo que todas as discipli-

nas tivessem um professor de outra área, mas um professor

que tivesse uma capacidade de gerenciar o pensamento

lógico dos outros profissionais daquela disciplina .”

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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA

�2

A “ampliação de cenários de treinamento clínico” foi muito sugerida pelos egressos, enfatizando a ne-cessidade dos estágios extramuros:

“( . . .) Realmente criar um trabalho em escolas, criar con-

sultórios, para disponibilizar, já que está no meio acadê-

mico, sobre coordenação de como é feita uma clínica in-

tegrada .”

Pelissari et al .19 (2005) propõem mudança para uma prática pedagógica mais humanizada, que fuja do mo-delo mecanicista da prática profissional, empenhado em atender as demandas de mercado, e propõem o desenvolvimento da competência ética e social da futu-ra profissão, com enfoques multiprofissionais de traba-lho em equipe e com a ampliação dos cenários de en-sino-aprendizagem para os serviços de saúde do SUS .

Outra sugestão de mudança é o melhor “preparo para a pesquisa/iniciação científica” durante o curso:

“A área de metodologia deveria ter sido muito mais, apesar

de ser chata, honestamente falando, eu acho que deveria

ter sido muito mais abordada e não, nunca no começo

como eles colocam, no primeiro e no segundo semestre,

mas sim nos últimos, quando é o momento da gente fazer

a monografia .”

Diegoli et al .10 (2005) comentam que a estratégia da pesquisa na graduação propicia a formação de um profissional mais crítico e atuante, além de melhorar o atendimento e a inserção na realidade social, na medida em que funciona como um fator propulsor da integração de conteúdos e disciplinas, contribuin-do assim para a segurança no exercício de sua ativi-dade profissional .

A melhoria do ensino das “relações interpessoais” foi também apontada:

“Os professores deveriam, não sei de que forma, isso é bas-

tante difícil, bastante complicado . . . se eu formasse o curso

de odontologia eu iria priorizar muito o bom relaciona-

mento entre os colegas, que falta muito . Pela concorrência,

um quer massacrar o outro e isso é triste, é triste, é horrível

e eu acho que deveria ser completamente diferente . . . uma

relação de um não querer massacrar o outro, de um querer

ajudar o outro, querer fazer crescer a Odontologia no nos-

so país . Eu acho que isso que deveria ser visado ( . . .)”

“Investimentos no quadro docente” envolvendo melhoria na remuneração, na competência didático-pedagógica e na qualificação acadêmica dos professo-res foram citados, bem como a “melhoria do processo

seletivo para ingresso” e a “melhoria do processo ava-liativo” estiveram presentes .

Cinco unidades de registro, classificadas na cate-goria das “mudanças gerais”, propõem o trabalho com turmas pequenas, aumento da carga horária do curso, controle da abertura de faculdades e melhoria da formação humanística do aluno .

CoNSiDErAÇÕES FiNAiSEsta pesquisa, como o que já vem sendo apontado

em outros estudos, mostra alguns aspectos essenciais que ainda dificultam a concretização do perfil de egresso preconizado pelas Diretrizes Curriculares Na-cionais dos Cursos de Graduação em Odontologia, especialmente no tocante ao preparo para uma prá-tica generalista da profissão .

Dentre esses aspectos, salientamos a falta de arti-culação da teoria com a prática, uma visão da Odon-tologia descontextualizada da realidade com conse-qüente despreparo para atuação no mercado de trabalho, uma ênfase intraprofissional com pouca in-tegração com as outras áreas da saúde, uma formação inadequada para o trabalho na equipe de saúde no contexto do SUS, um preparo inadequado para ações ligadas à administração e ao gerenciamento da própria prática e pouco preparo para o relacionamento com o paciente e com os outros profissionais da área .

Esse panorama aponta, na visão dos egressos, para a necessidade de mudanças dessas falhas, incorporan-do também a necessidade de ampliação de cenários de aprendizagem com um aprimoramento da propos-ta de ensino da clínica integrada, uma flexibilização curricular com maior integração de conteúdos/dis-ciplinas e implantação de práticas interdisciplinares, uma proposta de melhor preparo do aluno para o estudo independente e para a pesquisa por meio do incentivo à iniciação científica e um investimento no corpo docente do curso .

Observamos hoje um movimento, praticamente em todos os cursos de graduação em Odontologia, de busca por melhorias/adequações de seus projetos pedagógicos .

Para Perri de Carvalho20 (2004, p . 9), a condição de ensino do curso está diretamente vinculada à pro-posta do Projeto Pedagógico, considerado nas Dire-trizes Nacionais como um dos itens principais no processo de avaliação dos programas de graduação e, também, como precursor da integração entre os

“( . . .) segmentos docente, discente e administrativo; ele visa

a eficiência do processo e a qualidade da formação plena

do aluno em termos científico-culturais, profissionais e de

cidadania” .

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Moysés17 (2004) cita o perfil do egresso, as com-petências, aptidões e habilidades, os conteúdos cur-riculares, os estágios e as atividades complementares, a organização do curso, o acompanhamento e a ava-liação como os aspectos cruciais para o ensino odon-tológico na graduação e sua contextualização na pós-modernidade . Além disso, salienta que os cursos de Odontologia deverão pensar seus projetos pedagógi-cos de maneira coletiva, alinhando-os às Diretrizes Curriculares Nacionais, e deverão focar o aluno como facilitador do processo ensino-aprendizagem .

Outro aspecto muito enfatizado é a necessidade de adequação do projeto pedagógico dos cursos para a formação de profissionais mais preparados para o trabalho no sistema de saúde vigente .

Nesse sentido, a 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal preconiza para o ensino superior odontológico:

• redefinição do modelo de formação com a inclusão de habilidades necessárias ao trabalho no SUS;

• estruturação dos mecanismos de acompanhamen-to e monitoramento;

• reformulação periódica dos currículos acadêmi-cos, direcionando-os para a melhora da qualidade da atenção básica, com ênfase no modelo de pro-moção da saúde, no trabalho em equipe multipro-fissional e interdisciplinar, na perspectiva da hu-manização da atenção à saúde bucal;

• reestruturação e valorização de conteúdos que tratem de saúde pública e coletiva, oferecendo uma atenção especial na formação em saúde da família;

• adequação do modelo formador à realidade bra-sileira, comprometendo-o com as necessidades da população;

• celebração de convênios entre as Instituições de Ensino Superior (IES) e os serviços de saúde dos municípios, ampliando a oferta de estágios na rede do SUS .1

Em nível internacional, o ensino da Odontologia também passa por transformações . A American Dental Education Association (ADEA), em 2002, aponta di-versas recomendações para orientação desse ensino:

• preparar egressos com competência e conheci-mento para um sistema de saúde integrado e ade-quado às necessidades da população;

• ensinar focando valores que preparem o aluno a ingressar na profissão com responsabilidade social e como integrante moral da classe odontológica;

• orientar quanto ao número, tipo e à educação do efetivo profissional visando o equilíbrio entre a disponibilidade e o acesso aos tratamentos odon-tológicos;

• contribuir para uma formação que respeite a di-versidade étnica e racial do país;

• desenvolver competências culturais em seus egressos, assim como apreço pelo seu papel na saúde pública;

• servir como fornecedores efetivos, definidores de papéis e inovadores na entrega de cuidados odon-tológicos para a população;

• enfocar a assistência, a prevenção e a saúde públi-ca, visando diminuir as diferenças de saúde nas camadas sociais menos favorecidas .15

Entre as políticas adotadas pela American Dental Association,2 destacam-se:

• o desenvolvimento conjunto de modelos inovado-res de ensino clínico, construídos pelas comuni-dades educacionais e profissionais;

• o estímulo às mudanças curriculares no sentido de fortalecer a Odontologia como uma ciência;

• a pesquisa e o atendimento ao paciente como fa-tores fundamentais na missão do ensino odonto-lógico;

• a melhoria do ensino de competências interpes-soais, estratégias de “marketing” pessoal e técnicas de gerenciamento .Paula, Bezerra18 (2003, p . 7) comentam que

“a era da Odontologia como arte, obra de artesão, está

ficando no passado . Profissionais com habilidades técnicas

são necessários e o serão sempre . Contudo, o novo profis-

sional que se avizinha há que apresentar iguais competên-

cias científicas em conhecimento básico das ciências da

saúde, problemas de saúde populacionais e dos caminhos

a serem trilhados no futuro próximo” .

Nesse sentido, acreditamos que o diagnóstico e a discussão contínua de alternativas para a solução de problemas vigentes possam gerar projetos que bus-quem novos caminhos para o processo ensino-apren-dizagem na graduação em Odontologia .

ABStrACtThe Dentistry undergraduation course from the perspective of graduates: proposed changes

This work is an investigative approach to the train-ing process in Dentistry, from the perspective of stu-dents, up to five years after graduating from dental school, who had engaged in lato sensu graduate courses while experiencing a generalist practice of the profes-sion . An exploratory research was chosen for this work, making quantitative and qualitative approach-es . The data were collected through questionnaires

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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA

��

related to the theme researched and analysis of the degrees of concordance and discordance . Semi-struc-tured interviews were also used and their results were submitted to a Thematic Analysis . The main findings reveal the essential aspects that still prevent the achievement of the graduate profile proposed by the Brazilian Curricular Guidelines, especially those re-lated to the training for a generalist practice of the profession . The lack of interaction between theory and practice is highlighted, as well as a vision of Den-tistry disconnected with reality and consequent lack of preparation to function in the labor marketplace . An inadequate training to work in the context of the Brazilian public health system (SUS), an inadequate preparation for managing a private practice and self-development, and no preparation for social interac-tion with other professionals and patients also stand out . This landscape indicates the necessity of chang-ing these shortcomings by incorporating the improve-ment of learning scenarios with a focus on an inte-grated clinical teaching proposal and on a flexible curriculum, with greater contents/discipline integra-tion . Other actions should also be considered such as the implementation of interdisciplinary practices, a better preparation of undergraduate students in or-der to lead them to independent studies and research through incentives to engage in the scientific initia-tion program, and, finally, more investment in the development of professors .

DESCriPtorSEducation, dental . Comprehensive health care .

Policy making . §

rEFErêNCiAS BiBLiográFiCAS 1 . ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico .

3ª Conferência Nacional sobre Saúde Bucal/CNSB [acesso 22

dez 2005] . Disponível em: http://www.abeno.org.br .

2 . ADA - American Dental Association . Current Policies [cited 21

Dec 2005] . Available from: http://www.ada.org/prof/resources/po-

sitions/doc_policies.pdf .

3 . Aquilante AG, Tomita NE . O estudante de Odontologia e a

educação . Revista da Abeno 2005;5(1):6-11 .

4 . Brasil . Ministério da Educação . Conselho Nacional de Educa-

ção . Câmara de Educação Superior . Resolução CNE/CES 3, de

19 de fevereiro de 2002 . Institui Diretrizes Curriculares Nacio-

nais do Curso de Graduação em Odontologia; 2002 . p . 1-4 .

5 . Brasil . Ministério da Educação . Secretaria de Ensino Superior .

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Farmácia e Odontologia . Parecer CNE/CES 1300/2001, pu-

blicado no Diário Oficial da União de 07/12/2001, seção 1,

p . 25 [acesso 04 abr 2005] . Disponível em: http://portal.mec.gov.

br/sesu .

6 . Carvalho DR, Franco EJ, Pedrosa SF . Avaliação de clínicas

odontológicas na Universidade Católica de Brasília . Revista da

Abeno 2005;5(2):109-14 .

7 . Costa AMDD, Costa JRV, Costa MD, Costa RD, Botrel TEA .

Contribuição do perfil do aluno de graduação em odontologia

para a redefinição dos recursos usados pelo professor no pro-

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8 . Costa AMDD, Stegun RC, Todescan R . Do Ensino à Prática

Odontológica: Um levantamento da realidade na grande São

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9 . Cristino PS . Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibi-

lidades . Revista da Abeno 2005;5(1):12-8 .

10 . Diegoli NM, Bottan ER, Stuker H, Imianowski S . Estratégia da

pesquisa como princípio educativo e o processo de integração

curricular e de ações de extensão . In: 40ª Reunião Anual da

ABENO; 2005; Balneário Camboriú . Anais . São Paulo: Associa-

ção Brasileira de Ensino Odontológico; 2005 . p . 162-3 .

11 . Feuerwerker LCM . Educação dos profissionais de saúde hoje –

problemas, desafios, perspectivas e as propostas do Ministério

da Saúde . Revista da Abeno 2003;3(1):24-7 .

12 . Feuerwerker LCM, Almeida M . Diretrizes Curriculares e Pro-

jetos Pedagógicos: é tempo de ação . A importância das diretri-

zes curriculares nacionais na formação dos profissionais da

odontologia deve ser amplamente discutida . Revista da Abeno

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13 . Figueiredo MC, Bender AS, Feldmann V, Nascimento IM . É a

universidade promotora de conhecimentos, saúde e prestado-

ra de serviços: A palavra do estudante, do professor, do profis-

sional e do usuário ativo do SUS . In: 40ª Reunião Anual da

ABENO; 2005; Balneário Camboriú . Anais . São Paulo: Associa-

ção Brasileira de Ensino Odontológico; 2005 . p . 175-6 .

14 . Garbelini CCD, Morita MC, Terada RSS . Oficina 03 – Estraté-

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so Nacional da Rede Unida; 2003; Paraná . Belo Horizonte:

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15 . Haden NK, Catalanotto FA, Alexander CJ, Bailit H, Battrell A,

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tutions: The report of the ADEA President’s Commission . J

Dent Educ 2003;67(5):563-83 .

16 . Moysés SJ . A humanização da educação em odontologia . Re-

vista Pro-Posições 2003;14(1):87-106 .

17 . Moysés SJ . Políticas de saúde e formação de recursos humanos

em Odontologia . Revista da Abeno 2004;4(1):30-7 .

18 . Paula LM, Bezerra ACB . A estrutura curricular dos cursos de

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19 . Pelissari LD, Basting RT, Flório FM . Vivência da realidade: o

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Revista da ABENO • 7(1):88-95 �5

A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA

rumo da saúde para a Odontologia . Revista da Abeno

2005;5(1):32-9 .

20 . Perri de Carvalho AC . Planejamento do curso de graduação

de Odontologia . É importante planejar os cursos de graduação

considerando-se as Diretrizes Curriculares Nacionais . Revista

da Abeno 2004;4(1):7-13 .

21 . Secco LG, Pereira MLT . Formadores em odontologia: profis-

sionalização docente e desafios político-estruturais . Ciênc

Saúde Coletiva 2004;9(1):113-20 .

22 . Wotman S, Lalumandier J, Canion S, Zakariasen K . Reexamin-

ing educational philosophy: the issue of professional respon-

sibility, “Cleveland First” . J Dent Educ 2003;67(4):406-11 .

Recebido para publicação em 05/04/2006

Aceito para publicação em 17/05/2006

Atenção,autores!

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Revista da ABENO • 7(1):96�6

Normas para apresentaçãode originais

5. texto: Deverá seguir, dentro do possível, a seguinte estrutura:

a) Introdução: deve apresentar com clareza o objetivo do trabalho e sua relação com os outros trabalhos na mesma linha ou área . Extensas revisões de literatura devem ser evitadas e quando possível substituídas por referências aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde certos aspectos e revisões já tenham sido apresentados . Lembre-se que trabalhos e resumos de teses devem sofrer modificações de forma a se apresentarem adequadamente para a publicação na Revista, seguindo-se rigorosamente as normas aqui publicadas .

b) Material e métodos: a descrição dos métodos usados deve ser suficientemente clara para possibilitar a perfeita compreensão e repetição do trabalho, não sendo extensa . Técnicas já publicadas, a menos que tenham sido modificadas, devem ser apenas citadas (obrigatoriamente) .

c) Resultados: deverão ser apresentados com o mínimo possível de discussão ou interpretação pessoal, acompanhados de tabelas e/ou material ilustrativo adequado, quando necessário . Dados estatísticos devem ser submetidos a análises apropriadas .

d) Discussão: deve ser restrita ao significado dos dados obtidos, resultados alcançados, relação do conhecimento já existente, sendo evitadas hipóteses não fundamentadas nos resultados .

e) Conclusões: devem estar baseadas no próprio texto . f) Agradecimentos (quando houver) .

6. Abstract: Resumo do texto em inglês . Sua redação deve ser paralela à do resumo em português .

�. Descriptors: Versão dos descritores para o inglês . Para sua determinação, consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS” (http://decs.bvs.br) (no máximo 5) .

�. referências bibliográficas: Devem ser ordenadas alfabeticamente, numeradas e normatizadas de acordo com o Estilo Vancouver, conforme orientações publicadas no site da “National Library of Medicine” (http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) . Para as citações no corpo do texto deve-se utilizar o sistema numérico, no qual são indicados no texto somente os números-índices na forma sobrescrita . A citação de nomes de autores só é permitida quando estritamente necessária e deve ser acompanhada de número-índice e ano de publicação entre parênteses . Todas as citações devem ser acompanhadas de sua referência bibliográfica completa e todas as referências devem estar citadas no corpo do texto . As abreviaturas dos títulos dos periódicos deverão estar de acordo com o “List of Journals Indexed in Index Medicus” (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=journals) . A exatidão das referências bibliográficas é de responsabilidade dos autores .

Vi. Endereço - E-mail, telefone e fax de todos os autores . Obs .: Qualquer alteração de endereço, telefone ou e-mail deve ser imediatamente comunicada à Revista . §

i. missão - A Revista da ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico é uma publicação quadrimestral que tem como missão primordial contribuir para a obtenção de indicadores de qualidade do ensino Odontológico, respeitando os desejos de formação discente e capacitação docente, com vistas a assegurar o contínuo progresso da formação profissional e produzir benefícios diretamente voltados para a coletividade . Visa também produzir junto aos especialistas a reflexão e análise crítica dos assuntos da área em nível local, regional, nacional e internacional .ii. originais - Os originais deverão ser redigidos em português ou inglês e digitados na fonte Arial tamanho 12, em página tamanho A4, com espaço 1,5 e margem de 3 cm de cada um dos lados, perfazendo o total de no máximo 17 páginas, incluindo quadros, tabelas e ilustrações (gráficos, desenhos, esquemas, fotografias etc .) ou no máximo 25 .000 caracteres contando os espaços .iii. ilustrações - As ilustrações (gráficos, desenhos, esquemas, fotografias etc .) deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, apresentadas em páginas separadas e numeradas consecutivamente em algarismos arábicos . As respectivas legendas deverão ser concisas e localizadas abaixo e precedidas da numeração correspondente . Nas tabelas e nos quadros a legenda deverá ser colocada na parte superior . As fotografias deverão ser fornecidas em mídia digital, em formato tif ou jpg, tamanho 10 x 15 cm, em no mínimo 300 dpi . Não serão aceitas fotografias em Word ou Power Point . Deverão ser indicados os locais no texto para inserção das ilustrações e de suas citações .iV. Encaminhamento de originais - Solicita-se o encaminhamento dos originais de acordo com as especificações descritas no item II para o endereço eletrônico www.abeno.org.br . A submissão “on-line” é simples e segura pelo padrão informatizado disponível no site, no ícone “Revista Online” . Somente opte pelo encaminhamento pelo correio diante da necessidade de publicação de ilustrações em formato tif/jpg e alta resolução (veja especificações no item III) . Endereço: REVISTA DA ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico - Universidade Católica de Brasília - Curso de Odontologia - Nova Sede QS 07 Lote 01 - Bairro Águas Claras - CEP: 72030-170 - Brasília - DF .

V. A estrutura do original1. Cabeçalho: Quando os artigos forem em português,

colocar título e subtítulo em português e inglês; quando os artigos forem em inglês, colocar título e subtítulo em inglês e português . O título deve ser breve e indicativo da exata finalidade do trabalho e o subtítulo deve contemplar um aspecto importante do trabalho .

2. Autores: Indicação de apenas um título universitário e/ou uma vinculação à instituição de ensino ou pesquisa que indique a sua autoridade em relação ao assunto .

�. resumo: Representa a condensação do conteúdo, expondo metodologia, resultados e conclusões, não excedendo 250 palavras e em um único parágrafo .

�. Descritores: Palavras ou expressões que identifiquem o conteúdo do artigo . Para sua determinação, consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS” (http://decs.bvs.br) (no máximo 5) .