versão corrigida - usp...agradecimentos ao deus trino, criador, doador da salvação, do sopro da...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA SOCIAL
ANDREacute SZCZAWLINSKA MUCENIECKS
AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI ndash (RE)SIGNIFICACcedilOtildeES DO LESTE NA
ESCANDINAacuteVIA TARDO-MEDIEVAL
Versatildeo corrigida
Satildeo Paulo
2014
ANDREacute SZCZAWLINSKA MUCENIECKS
AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI ndash (RE)SIGNIFICACcedilOtildeES DO LESTE NA
ESCANDINAacuteVIA TARDO-MEDIEVAL
Tese apresentada ao Departamento de
Histoacuteria da Universidade de Satildeo Paulo
para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Histoacuteria Social
Orientadora Profa Dra Ana Paula
Tavares Magalhatildees Tacconi
Versatildeo corrigida
De acordo
Satildeo Paulo
2014
AGRADECIMENTOS
Ao Deus trino criador doador da Salvaccedilatildeo do sopro da vida de sua imagem
semelhanccedila que permite todo e qualquer empreendimento no campo das letras e do saber
Aos familiares tanto os perto quanto distante geograficamente pelo suporte e apoio
constante e pela prioridade sempre dada agrave minha formaccedilatildeo e educaccedilatildeo meus pais Igors e Luacutecia
minha irmatilde Rebeca meus avoacutes Agafangiel (in memorian) e Marta
Aos tutores e conselheiros que nesta fase de minha jornada pessoal assumiram papeis
natildeo tanto mais diretivos mas providenciaram ao lado da liberdade intelectual e de accedilatildeo
necessaacuterios os conselhos e exemplo de vida imprecindiacuteveis
Prs e Revs Denis Artur Darcy Mauriacutecio Andreacute Mira
Aos professores que contribuiacuteram de tantas formas em minha formaccedilatildeo para a
conclusatildeo deste trabalho e de tantas formas que muitos dos mesmos natildeo imaginam ndash alguns por
muitos anos a fio Ana Paula Bruno Gomide Elena Nikolaievna Vassina Maria Cristina
Pereira Renan Frighetto Faacutetima Regina Fernandes Frighetto Marcelo Cacircndido Andrejs Vasks
Johnni Langer Celso Taveira
Aos amigos colegas e alunos Desses alguns nunca entenderam exatamente o que
estudo sempre se comprazendo em perguntar-me acerca de dinossauros pterodaacutectilos e a Era
do Gelo a outros agradeccedilo as sugestotildees criacuteticas descrenccedilas e piadas que colaboraram para a
composiccedilatildeo de um trabalho melhor e de uma autoimagem menor outros foram de grande ajuda
em minha trajetoacuteria acadecircmica oferecendo oportunidades e ajuda inestimaacutevel Alguns
enquadram-se em vaacuterias dessas situaccedilotildees Diversos estimularam minha criatividade de vaacuterias
formas alguns ouviram pacientemente meus deliacuterios outros pagaram a liacutengua ao verem-se
constrangidos agrave lerem e comentarem esta tese Pedro Paulinho Renan Daniel Larissa Samuel
Evandro Wellington Otaacutevio Van Lucas Ceceacuteu Faacutebio Pablo
Agraves instituiccedilotildees que deram suporte proveram recursos experiecircncia crescimento pessoal e
sustento IBVM STBNET CBVM
Aos natildeo mencionados minha gratidatildeo pela compreensatildeo de minhas falhas imensas que
incluem a falta de memoacuteria
Tambeacutem fica claro que muitos aqui mencionados incorrem em mais de uma das categorias Mas
deixemos de positivismo
DEDICATOacuteRIA
Ao meu avoacute Agafangiel Szczawlinska falecido em
2010 cujas cinzas agora compotildeem parte do
Altacircntico meridional Nascido no nuacutecleo da antiga
Rus nos territoacuterios pertencentes outrora agrave tribo dos
Drevliani sua uacuteltima frase dita em minha presenccedila
(tendo tomado conhecimento de minha entrada no
doutorado uma semana antes) foi dirigida
profeticamente para o meacutedico que o atendia na UTI
ldquoEste eacute meu neto Ele eacute doutorrdquo Sua inspiraccedilatildeo vai
em muitos sentidos aleacutem desde o trabalho
incansaacutevel criativo ndash por vezes pendente ao tosco -
agrave face seacuteria
RESUMO
Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash
(Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese (doutorado) ndash
Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo
Paulo 2014
Nesta tese analisamos as nuances que o conceito de leste assumiu nas fontes escritas da
Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV
De iniacutecio procedemos na observaccedilatildeo de como a historiografia referente agraves interaccedilotildees
entre povos da Escandinaacutevia e do Nordeste Europeu produziu extenso debate de
implicaccedilotildees poliacuteticas conhecido como a Controveacutersia Normanista Neste capiacutetulo
salientamos tambeacutem os impactos que o estudo do medievo teve nos tempos
contemporacircneos
A seguir efetuamos uma siacutentese baseada na interpretaccedilatildeo da Cultura Material sobre os
movimentos escandinavos a leste no periacuteodo viking que forneceram material para os
proacuteprios historiadores e autores na Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV
Ateacute entatildeo demonstramos que a despeito da Controveacutersia Normanista haacute evidecircncia
convincente e suficiente para demonstrar que a presenccedila escandinava no leste foi
deveras significativa
Os capiacutetulos posteriores centralizam-se na anaacutelise das fontes primaacuterias Dividimo-las
em fontes que apresentam material cartograacutefico e geograacutefico obras de cunho
historiograacutefico e sagas voltadas ao entretenimento como seleccedilatildeo de obras
representativas de tais grandes grupos analisamos o Mappamundi islandecircs Gks 1812
4to 5v-6r o proacutelogo da Edda Menor a Heimskringla a Gesta Danorum e a Ọrvar-Odds
Saga
A anaacutelise dessas fontes demonstrou que entre o seacuteculo XIII e o XIV ocorreu na
produccedilatildeo escrita escandinava uma bifurcaccedilatildeo entre o conhecimento produzido com
objetivos de instruccedilatildeo e aquele com intuitos de entretenimento
O uso do leste na primeira vertente eacute livresco inserindo muito do saber acumulado do
Medievo Ocidental e ressignificando o leste segundo paracircmetros das terras biacuteblicas e
dos autores claacutessicos
Nas fontes de intuito de entretenimento o uso do leste eacute tambeacutem ressignificado mas
desta feita de acordo com material mais ligado agrave cultura e agraves narrativas populares
empregando o leste na materializaccedilatildeo de temas do fantaacutestico e da mitologia
ABSTRACT
Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash Austrvegr e
Garethariacuteki ndash (Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese
(doutorado) ndash Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2014
(ldquoAustrvegr and Garethariacuteki - (re)significations of the East in Low-Middle Ages
Scandinaviardquo)
In this thesis we analyze the nuances assumed by the concept of east in the primary
sources of Scandinavia and Iceland in the thirteenth and fourteenth centuries
Initially we proceeded in the observation of how the historiography related to Northern
and Eastern Europe have produced extensive debate of political implications named the
Normanist Controversy In this chapter we have stressed also the impacts that Medieval
Studies may assume in Contemporary milieu
Hereafter we build a synthesis based on Material Culture - in the archaeological sense -
of the Scandinavian movements in East in the Viking Age interactions that already had
provided inspiration for authors in XIII-XIVs At this point we have showed
successfully that there is enough evidence to demonstrate the relevance of the
Scandinavian presence in medieval Eastern Europe
The later chapters deal with the analysis of several kinds of primary sources We have
gathered and organized it in geographical and cartographical works writings of
historiographical nature and entertainment aimed sagas
As a selection of representative works of such large groups we studied the Icelandic
Mappamundi of manuscript Gks 1812 4to 5v-6r the Prologue of Edda Minor the
Heimskringla the Gesta Danorum and the Ọrvar-Odds Saga
The analysis of these sources showed that between the thirteenth and the fourteenth
century a bifurcation occurred in Scandinavian written sources between the knowledge
produced for the purposes of instruction and the one with the goal of entertainment
The use of the East in the first group is highly scholar re-elaborating the East in the
light of accumulated knowledge of the Western Middle Ages as well as redefining it
within parameters coherent with christian and classical authors
The sources aimed to entertainment however employed the eastern areas in connection
with a different kind of knowledge Folk narratives and popular lore gained prominence
in the reshaping of eastern region transforming it in an auspicious place to the
materialization of the fantastic and the mythical
MAPAS
Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki 90
Mapa 02 Austrvegr e seus ramais 99
Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava 102
Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga
105
Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares 108
Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na Sueacutecia e Noruega por Km2 119
Mapa 07 As proviacutencias suecas 135
Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica 182
Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII 184
Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico 192
Dniepr
Volga
Para Kiev e Bizacircncio
TABELAS
Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo 112
Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo 114
Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings 136
Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII 200
Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson 204
Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto 242
Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais 250
Tabela 08 O desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum 251
Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr 286
FIGURAS
Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e
finalizando a 1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo
82
Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950 em Gniozdovo Iniacutecio do X 107
Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo 113
Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo 113
Figura 05 U 439 Desenho de Johann Bureaus em 1595 127
Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland 128
Figura 07 U 792 ndash Ulunda 129
Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn 131
Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional dinamarquecircs 132
Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde foi movida Oriunda de
Sannerby 133
Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) 153
Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) 154
Figura 13 Mappamundi de Macrobius 158
Figura 14 Mapa isidoriano em T-O 160
Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo 162 Figura 16 O mapa da Vinland 165
Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r 167
Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539) 191
Figura 19 Van EEDEN Stemma 209
Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum 238
SIGLAS ndash MANUSCRITOS E COacuteDICES
Poacuteviest vrieacutemennikh liet
PVL Poacuteviest vrieacutemennikh liet
L Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo laurentina
H Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo hypatiana
Heimskringla
F Codex Frisianus - AM 45 fol
K Kringla ndash Lbs fragm 82
HH Haralds saga Harethraacuteetha
OH Oacutelaacutefs saga ins Helga
OT Oacutelafs saga Tryggvasonar
Edda Menor
R Codex Regius - GKS 2367 4to
T Codex Trajectinus - MSS 1374
U Codex Uppsaliensis - DG 11 4to
W Codex Wormianus - AM 242 fol
Gesta Danorum
A
a
BD
b
C
c
E
F
f
g
j
K
k
O
o
p
s
t
v
x
Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g
Ediccedilatildeo de Paris 1514
Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol
570)
Codex de Caspar Barth (perdido)
Fragmento de Laverentzen
Colaccedilatildeo de C
Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570
Chronicon Sialandiae
Codex usado por F (perdido)
Codex de Birger Gunnersen (perdido)
Compendium Saxonis - Add 49 2o
Albert Kranz
Codex usado por K (perdido)
Peder Olsen
Codex usado por Peder Olsen (perdido)
Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)
Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645
Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)
Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575
Arqueacutetipo medieval (perdido)
Ọrvar-Odds Saga
OS Ọrvar-Odds Saga
S Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo curta - Perg 4tpo nr 7 43v-57r20
M Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo meacutedia - AM 344 a 4to 1r-24v
A Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante A - AM 343 4deg membr 59v-81v
B Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante B - AM 471 4deg membr 61r-96v
E Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante E - AM 173 4deg membr
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS 22 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria 22
12 A historiografia pertinente 26
13 A Ruacutessia czarista 27
131 Tatiacuteschev 29
132 O alematildees 29
a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738) 29
b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783) 31
c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809) 32
14 A controveacutersia Normanista 36
141 A posiccedilatildeo normanista38
I A Etimologia 41
II As fontes 42
a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet 42
b) Fontes bizantinas 42
c) Fontes islacircmicas 45
d) Fontes latinas 46
142 A posiccedilatildeo anti-normanista 47
I A questatildeo da etimologia 48
II Os argumentos de ausecircncia 49
III Os enviados 50
IV Fontes islacircmicas 50
V Superioridade econocircmica 50
143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees 51
I O problema das etimologias 51
II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade 52
144 Outras possibilidades interpretativas55
145 O problema metodoloacutegico 56
146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e
possibilidades interpretativas adicionais 58
15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 63
151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS 63
152 O periacuteodo Stalinista 66
153 Os tempos poacutes-Stalin Kruchtchoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 69
154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991) 70
155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica 73
16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev 76
161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de Falsificaccedilatildeo da
Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de
2012) 75
162 A academia russa hoje 78
17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula 79
18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro 84
CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL 89 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 91
211 A numismaacutetica 92
2111 As Fontes 94
2112 Os khazares e os aacuterabes 95
2113 Rotas e cronologias 97
I O Baacuteltico Austrvegr 98
II A Rus de norte Ladoga 103
III Rostov Suzdal e Murom 106
IV Os povoamentos pareados 106
V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland 108
22 As estelas ruacutenicas 110
221 Sobre as estelas ruacutenicas 111
222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas 115
223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas 123
224 As estelas ruacutenicas e o leste125
23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste 135
CAPITULO 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA 139 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste 139
311 O sistema cardinal e a terminologia 141
312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo 143
313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica simples
147
314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica 150
3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas 151
3142 Os Mappaemundi 155
3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi 156
3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais 158
3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417) 159
3146 Isidoro (ca 560-636) 159
3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas
ldquoBeatosrdquo 161
315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais 163
32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII 174
321 Fino-uacutegricos 177
322 Os Baltos 181
323 Baltos e Fino-Uacutegricos 190
324 Bjaacutermaland 191
CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA 198 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo 199
42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa 204
421 Histoacuterico 204
422 A Heimskringla 207
423 A Edda menor 208
424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor 212
425 O proacutelogo da Edda Menor 214
426 O Evemerismo219
427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo224
428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr Magnus o
bom e Haraldr Harethraethi227
429 Garethariacuteki como local de refuacutegio228
4210 Conclusotildees parciais234
43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 235
431 O Evemerismo de Saxo 243
432 O leste na Gesta Danorum 248
433 A Temaacutetica do Conselheiro 250
434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares 253
435 O leste e as cruzadas setentrionais 255
44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste educar e instruir
258
CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A NARRATIVA DE
ENTRETENIMENTO 261 51 As Fornaldarsoumlgur 261
511 Dataccedilotildees e subdivisotildees 264
52 A Ọrvar-Odds Saga 266
521 Manuscritos e redaccedilotildees 266
522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-geograacutefica 268
523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar 270
524 O Homem-Casca 279
53 As iniciaccedilotildees e o leste 286
6 CONCLUSOtildeES 288
7 BIBLIOGRAFIA 291 71 Fontes primaacuterias 291
711 Fontes escritas tradicionais 291
a) Colecirctaneas 291
b) Por autor ou tiacutetulo 291
712 Cultura material ndash estelas ruacutenicas 293
72 Referecircncias Bibliograacuteficas 294
8 APEcircNDICES 311 Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo 311
Apecircndice II Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras
Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo 313
15
INTRODUCcedilAtildeO
A juventude dos estudos histoacuterico-arqueoloacutegicos do medievo escandinavo e
germacircnico no Brasil e na proacutepria Ameacuterica Latina natildeo eacute novidade tambeacutem natildeo o eacute o
vigor com que essa aacuterea tem se desenvolvido nas uacuteltimas deacutecadas Se prosseguirmos um
pouco mais adiante e nos dispormos a discutir o contexto escandinavo mais a leste
envolvendo a Ruacutessia nos periacuteodos viking e medieval encontramos um panorama de
ineditismo quase total com pouquiacutessimas exceccedilotildees como a tese de doutorado
defendida por Euriacutepides Simotildees de Paula1 no departamento de Histoacuteria Social da
Universidade de Satildeo Paulo na deacutecada de 1940
A produccedilatildeo que insere a temaacutetica Escandinava no contexto de leste eacute restrita a
artigos esparsos de estudiosos ligados de forma mais ou menos indireta ao toacutepico O
interesse entretanto eacute relativamente crescente em particular nas novas geraccedilotildees de
graduandos em Histoacuteria que enfrentam aleacutem da resistecircncia entre os proacuteprios
acadecircmicos estabelecidos (e desconhecedores do campo em questatildeo) a ausecircncia de
literatura O trabalho de Euriacutepides Simotildees de Paula veicula informaccedilotildees uacuteteis mas que
necessitam de atualizaccedilatildeo e contextualizaccedilatildeo
Essa deficiecircncia engloba outros problemas que inclui a falta de bibliografia
estrangeira mais acessiacutevel ao estudante que deseja adentrar o campo As obras de cunho
geral sobre a cultura russa mais difundidas nas naccedilotildees ocidentais apresentam uma
ecircnfase acentuada no periacuteodo sovieacutetico em decorrecircncia da influecircncia da URSS no seacuteculo
XX e da maneira como as relaccedilotildees sovieacutetico-americanas moldaram a poliacutetica do mundo
contemporacircneo
Eacute relativamente faacutecil se encontrar manuais de alcance geral sobre a Histoacuteria
Russa desde seus primoacuterdios ateacute os tempos sovieacuteticos que carecem de maior
especializaccedilatildeo nos tempos que interessam agrave escandinaviacutestica O acesso agraves fontes
primaacuterias e secundaacuterias eacute cada vez mais faacutecil ao estudioso graccedilas ao advento da Internet
e dos recursos digitais mas o interessado em desvendar o toacutepico ainda se depara com
inuacutemeras dificuldades ndash desde o desconhecimento de por onde comeccedilar ao proacuteprio
acesso agraves linguagens e idiomas requeridos
1 PAULA Euriacutepedes Simotildees de O comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de Kiev Satildeo Paulo Universidade
de Satildeo Paulo 1942
16
O foco de nosso trabalho eacute de muitas formas muacuteltiplo por estranha que possa
parecer tal afirmativa ao leitor que enxergaraacute a temaacutetica russondashescandinava no medievo
como algo da mais notoacuteria especificidade Nosso interesse primordial de pesquisa satildeo as
visotildees e conceituaccedilotildees desenvolvidas pelos eruditos escandinavos do medievo sobre o
leste ndash austr em antigo noacuterdico
O leste pode consistir em referecircncia simples de direccedilatildeo geograacutefica nesta
acepccedilatildeo por vezes assume um significado relativo passageiro para quem o emprega
por exemplo um navegante que sai da Islacircndia ruma para leste quando se dirige para a
Noruega um norueguecircs ruma para leste quando se dirige para a Sueacutecia
Ainda geograficamente entretanto o leste pode assumir uma conotaccedilatildeo mais
absoluta que perpassa a mera dimensatildeo geograacutefica e ainda que a incorpore assume
tambeacutem um significado quase que etnoloacutegico Neste sentido encontramos o leste
enquanto regiatildeo habitada por populaccedilotildees especiacuteficas diferentes e similares aos
escandinavos em diversos graus e por eles caracterizados e distinguidos por conceitos
proacuteprios
Haacute outra dimensatildeo que o leste assume na historiografia escandinava medieval
De natureza mais eteacuterea menos ldquorealrdquo ao leitor contemporacircneo e mais inserida no
campo do imaginaacuterio da narrativa miacutetica e fantaacutestica Uma dimensatildeo na qual o leste
torna-se um lugar adequado para tanto os acontecimentos e feitos dos deuses e heroacuteis
quanto para localizaccedilatildeo de acontecimentos imemoriais que se encontram no domiacutenio do
passado
O estudo do conceito de leste assume portanto um papel significativo no
proacuteprio estudo do desenvolvimento da histoacuteria do pensamento nas regiotildees escandinavas
medievais Estruturas de pensamento que passam a ser fixadas de forma escrita e que
sofrem uma bifurcaccedilatildeo crescente entre narrativas de cunho mais estritamente histoacuterico e
geograacutefico para o campo natildeo apenas do fantaacutestico mas de proacuteprio entretenimento
Tal circunstacircncia leva-nos a efetuar uma aproximaccedilatildeo com a jaacute antiga discussatildeo
entre o mito e a histoacuteria entre o fato e o ficcional Poreacutem o faz de formas que
extrapolam nossas concepccedilotildees contemporacircneas e que devem ser compreendidas e
estudadas dentro da mentalidade do contexto em questatildeo Os marcos temporais satildeo
fornecidos pelo nosso proacuteprio tema A concentraccedilatildeo de fontes escritas tradicionais
escandinavas ocorre no seacuteculo XIII refletindo processos diversificados e distintos
17
ocorridos nos reinos escandinavos
Majoritariamente remete aos seacuteculos IX-XI conhecido como o periacuteodo viking
Temos portanto uma dualidade temporal constante O trabalho por noacutes proposto estaacute
fadado a estudar a histoacuteria natildeo apenas de pensadores e historiadores do passado mas a
histoacuteria por eles pensada e escrita Para isso devemos nos aproximar natildeo apenas de seu
contexto mas tambeacutem do contexto que tatildeo vividamente atraiu seu interesse Essa opccedilatildeo
traz consequecircncias metodoloacutegicas principalmente ligadas agrave existecircncia e disponibilidade
das fontes primaacuterias sua proacutepria natureza bem como os procedimentos a serem
adotados em relaccedilatildeo a elas
Nossa pesquisa estaacute estruturada de forma a inicialmente prover um panorama
referencial dos contextos em questatildeo discutiremos a historiografia pertinente ao tema e
natildeo apenas o tradicional contexto poliacutetico e narrativo de escrita das fontes Tambeacutem
nessa seccedilatildeo tocaremos brevemente na discussatildeo entre Mito X Histoacuteria Fato X Ficccedilatildeo
que ainda que bastante familiar ao historiador precisa ser revisitada por razotildees que
explanaremos logo a seguir Tal abordagem enfatizaraacute os enganos que o uso
indiscriminado da Arqueologia pelo historiador pode induzir
Essa seccedilatildeo conteacutem tambeacutem a discussatildeo da chamada Controveacutersia Normanista
que merece destaque Ainda que uma questatildeo considerada resolvida na historiografia
ocidental - e mesmo nos paiacuteses da antiga Cortina de Ferro a temaacutetica ainda eacute capaz de
suscitar debate acalorado em territoacuterio russo polarizando as posiccedilotildees poliacuteticas tanto
dentro quanto fora da academia Dessa forma uma temaacutetica que seria de certa forma
acessoacuteria ndash visto que nosso objeto eacute focado sobre o ponto de vista escandinavo sobre o
leste e natildeo o contraacuterio ndash acabou por assumir atenccedilatildeo e espaccedilo especial pelas
implicaccedilotildees poliacuteticas contemporacircneas que a temaacutetica pode assumir e em relaccedilatildeo agraves
quais natildeo estamos dispostos a nos omitir
Eacute relevante a circunstacircncia de que a anaacutelise das consequecircncias presentes no
estudo da Antiguidade e do Medievo consista em um campo relativamente recente nos
estudos antigos mas bastante ausente nos medievais No Brasil tal preocupaccedilatildeo tem
sido constante no trabalho de pesquisadores ligados agrave Antiguidade como Pedro Paulo
Funari Renata Senna Garrafoni e Glaydson Joseacute da Silva ndash destacamos por exemplo
os estudos do uacuteltimo referentes aos usos da Antiguidade na Franccedila de Vichy mas com
exceccedilatildeo de tentativas de anaacutelise cinematograacutefica e da Cultura popular o estudo das
18
formas de emprego do medievo na Idade Contemporacircnea ainda tem engatinhado e
encontrado resistecircncia Destacamos os estudos de Johnni Langer referentes agraves
representaccedilotildees escandinavas no Romantismo por si soacute pioneiros e que despertaram
interesse em toda uma geraccedilatildeo de estudantes
Em nossa apresentaccedilatildeo do Normanismo pretendemos ir no entanto um passo
adiante na demonstraccedilatildeo ainda que em linhas gerais de como uma temaacutetica do
Medievo pocircde assumir consequecircncias amplas na Ruacutessia e na Uniatildeo Sovieacutetica a ponto
de vir a ser considerada danosa e perigosa ao Estado implicando perseguiccedilatildeo aos seus
proponentes bem como assumindo conotaccedilotildees de disputa e ressentimento poliacutetico entre
antigas naccedilotildees do Bloco Sovieacutetico e a Ruacutessia
Para a confecccedilatildeo de tal seccedilatildeo nos beneficiamos consideravelmente dos
conselhos dos professores do departamento de Liacutenguas Orientais da Universidade de
Satildeo Paulo Bruno Gomide e Elena Vaacutessina bem como das oportunidades de discutir e
lecionar o tema na disciplina de Cultura Russa I ministrada pelo proacuteprio professor
Gomide O leitor encontraraacute nesta seccedilatildeo portanto uma siacutentese consideravelmente
ampla ndash estamos plenamente cientes do paradoxo da afirmaccedilatildeo - e tambeacutem inexistente
na Ameacuterica Latina Tambeacutem devemos aqui o agradecimento aos professores Andrejs
Vasks da Universidade de Riga Letocircnia Heiki Valk e Anti Selart da Universidade de
Tartu Estocircnia
Essa ponte entre o passado e o presente eacute desejaacutevel em todo trabalho de pesquisa
histoacuterica eacute impossiacutevel dissociar-se do presente vivido que sempre se imiscuiraacute na
pesquisa do mais ldquoneutrordquo e ldquocientiacuteficordquo dos historiadores De fato as pesquisas antigas
e medievais permanecem como um dos uacuteltimos redutos na pesquisa histoacuteria em que se
pratica um modelo no qual o historiador pensa isolar-se em sua torre de marfim
mantendo postura supostamente apoliacutetica ndash ora o proacuteprio haacutebito de abster-se eacute accedilatildeo de
consequecircncia poliacutetica ainda que de toleracircncia subserviecircncia ou mesmo apoio ao status
quo
Por outro lado perduram ainda em acircmbito acadecircmico as discussotildees sobre as
maneiras de se efetuar tal conexatildeo passado-presente e em muitas ocasiotildees a criacutetica de
uma historiografia mais conservadora centralizar-se-aacute no argumento de que muitos
historiadores que dizem efetuar o estudo da Antiguidade ou Medievo estatildeo na verdade
efetuando estudos de Histoacuteria Contemporacircnea Em outras circunstacircncias a mesma
19
historiografia tradicional com uma preocupaccedilatildeo salutar do recurso agraves fontes primaacuterias
advogaraacute uma total e cabal ausecircncia de referecircncia teoacuterica e reflexiva externa agrave fonte
como se tal empirismo fosse de fato possiacutevel
Procuramos lidar com tais ambiguidades e dualidades em nossa pesquisa
efetuando dentro das possibilidades de tempo e espaccedilo trabalho soacutelido de anaacutelise das
fontes ndash sejam escritas ou arqueoloacutegicas mas sem nos abstermos das implicaccedilotildees soacutecio-
poliacuteticas contemporacircneas de tal anaacutelise Cabe tambeacutem ao leitor a consideraccedilatildeo final
acerca de quatildeo perto fomos capazazes de chegar de tal objetivo
No capiacutetulo seguinte procederemos ao estudo de Austrvegr e Garethariacuteki nos
seacuteculos IX -XI ndash termos que dissecaremos com mais afinco adiante mas que por hora eacute
suficiente definir enquanto aacutereas agrave leste da Escandinaacutevia ndash Austrvegr compreendendo a
regiatildeo baacuteltica e Garethariacuteki a Rusde Kiev e Novgorod Em tal fase da pesquisa daremos
foco agraves fontes propiciadas pela Cultura Material ndash termo aqui empregado em seu
conceito arqueoloacutegico Empregaremos principalmente duas seacuteries documentais a
numismaacutetica e as estelas ruacutenicas Nossa pesquisa natildeo eacute exclusivamente arqueoloacutegica e
natildeo possui a natureza de uma anaacutelise arqueoloacutegica especiacutefica e detalhada de limitado e
determinado contexto arqueoloacutegico Dessa maneira pela proacutepria natureza de tais fontes
e pelas possibilidades de tempo e espaccedilo tal etapa de estudo inevitavelmente recorreraacute
com frequecircncia ao cacircnon interpretativo acadecircmico possuindo caraacuteter enciclopeacutedico
Temos a confianccedila de poder a despeito de tais circunstacircncias prover o leitor de
interpretaccedilotildees e siacutenteses ainda natildeo agrupadas em conjuntos
O capiacutetulo seguinte iniciaraacute a contraparte temporal do seacuteculo XIII Analisaraacute a
terminologia conceituaccedilatildeo e aparatos geograacuteficos disponiacuteveis aos antigos escandinavos
incluindo suas formas de expressatildeo linguiacutesticas cartografia e formas narrativas Esta
seccedilatildeo seraacute complementada por uma anaacutelise das diferenciaccedilotildees etno-geograacuteficas
presentes na Euraacutesia de noroeste
A seguinte e uacuteltima parte do trabalho lidaraacute mais profundamente com as fontes
escritas de caraacuteter tradicional ao historiador em particular com os trabalhos de Snorri
Sturlusson Saxo Grammaticus e autores anocircnimos de diversas modalidades de sagas
Os dois capiacutetulos a ela destinada dividir-se-atildeo em uma anaacutelise especiacutefica das obras
histoacutericas e croniacutesticas dos autores supracitados no primeiro seguida da comparaccedilatildeo
com a Ọrvar-Odds Saga e alguns extratos de outras Fornaldarsoumlgur que exemplificam
20
outras formas totalmente distintas de se empregar o passado e de se compreender o
leste
Tal estruturaccedilatildeo da pesquisa a nosso ver necessaacuteria agrave abrangecircncia de todas as
temaacuteticas envolvidas corre perigosamente perto da discussatildeo jaacute referenciada sobre
ldquomito X histoacuteriardquo ldquofato X ficccedilatildeordquo ldquoo que realmente aconteceu X o que foi escrito sobre
issordquo O leitor perceberaacute a facilidade com que se associa Cultura Material
conhecimento Arqueoloacutegico e materialidade agrave objetividade cientiacutefica bem como o texto
escrito agrave subjetividade Um estudo focado na materialidade nos seacuteculos IX-XI seguido
da anaacutelise das fontes escritas do seacuteculo XII que tratam sobre esses primeiros seacuteculos
induz tentadoramente o pesquisador a uma diferenciaccedilatildeo simplista entre ldquoo que de fato
aconteceurdquo estudado pela Arqueologia e ldquoo que se escreveu sobre istordquo estudado pela
Histoacuteria Esperamos natildeo incorrer nessa discussatildeo de forma ingecircnua despreparada e
simplista e deixaremos ao leitor a conclusatildeo se conseguimos ou natildeo vencer e transpor
tal limitaccedilatildeo
A natureza muacuteltipla de nosso trabalho implica um caraacuteter por vezes
enciclopedista e mais inclinado ao estudo generalista ao inveacutes de uma anaacutelise
estritamente transversal Temos a confianccedila no entanto de apresentarmos ao leitor e agrave
academia uma discussatildeo pareada com o estado da pesquisa internacional beneficiada
pela discussatildeo com especialistas da Escandinaacutevia do Reino Unido e do Baacuteltico e que
pode se prover de elementos tanto da academia ocidental quanto da antiga cortina de
ferro
Em relaccedilatildeo aos nomes russos empregamos a tabela de transliteraccedilatildeo do ciriacutelico
empregada pelo curso de Liacutengua Russa do Departamento de Letras Orientais da
Universidade de Satildeo Paulo que pode ser consultada no Apecircndice II No caso de
acadecircmicos russos com produccedilatildeo internacional principalmente no mundo anglo-saxatildeo
citamos as formas de seus nomes segundo as respectivas publicaccedilotildees Quanto aos
nomes escandinavos mantivemo-los em suas formas originais incluindo terminaccedilotildees
de nominativo singular
Por fim falta ainda a ressalva sobre o emprego especiacutefico que faremos dos
termos ldquovikingrdquo e ldquovareguerdquo Defendemos o emprego do termo ldquovikingrdquo em uma
acepccedilatildeo ocupacional natildeo eacutetnica de um indiviacuteduo que navega em expediccedilotildees listadas
nas fontes escritas e monumentais como lsquoiacute vikingrsquo fossem de saque ou comeacutercio
21
Defendemos tal posiccedilatildeo em artigo publicado em 20102 e desde entatildeo a mesma ideia foi
proposta e defendida por Renan Birro e Theacuteo Moosburguer
Quanto ao uso do termo ldquovareguerdquo eacute designaccedilatildeo comum agrave historiografia usada
para escandinavos normalmente suecos que navegam lutam perseguem carreira ou
residem nas terras a leste fosse Austrvegr Garethariacuteki ou mesmo Bizacircncio e aleacutem Esta
acepccedilatildeo geral induz a uma dicotomizaccedilatildeo simples entre varegues-mercadores e vikings-
guerreiros e pode ser encontrada na obra de autores consagrados na Escandinaviacutestica
como Lucien Musset3 e o casal Sawyer
4
Entretanto tal formulaccedilatildeo jaacute natildeo se sustenta de forma completa Ainda que a
maior parte dos empreendimentos a leste tenham tido caraacuteter comercial os aspectos
presentes em expediccedilotildees vikings encontram-se tambeacutem nos movimentos dos varegues a
leste sendo o termo viking empregado pela historiografia mais recente a lidar com as
terras orientais5 Tambeacutem eacute importante notar que um indiviacuteduo natildeo necessariamente
navegava apenas a oeste ou apenas a leste Dessa forma empregamos ldquovikingrdquo de forma
ocupacional mas geneacuterica e varegue de forma especiacutefica enquanto vikings nas terras a
leste
2 MUCENIECKS Andreacute S ldquoNotas sobre o termo viking usos abusos etnia e profissatildeordquo In Revista
Aletheacuteia de Estudos sobre a Antiguumlidade e Medievo volume 22 agodez 2010 3 MUSSET Lucien Les peuples scandinaves au Moyen Acircge Presses universitaires de France Paris
1951 Musset discute o conceito de ldquovikingrdquo nas paacuteginas 41s e o de varegue segundo a acepccedilatildeo citada
na 53 4 SAWYER Birgit amp SAWYER Peter Medieval Scandinavia from Conversion to Reformation circa
800-1500 Minneapolis Minnesota University Press 2003 [1993] 53 5 Destaque-se os influentes trabalhos de Thomas Noonan em particular sua seacuterie de artigos ldquoThe Islamic
World Russia and the Vikings 750-900rdquo seminais no campo da Numismaacutetica a obra de referecircncia de
Wladimir Duczko ldquoViking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europerdquo publicada
pela Brill em 2004 e o recente manual de Stefan Brink e Neil Price ldquoThe Viking Worldrdquo publicado em
2008 O termo ldquovikingrdquo tem sido empregado tambeacutem por autores de origen russa e que publicam em
russo como Tatjana Jackson Elena Melnikova e Leo Klejn bem como em congressos internacionais ndash
podemos citar por exemplo o Internacional medieval Congress em Leeds UK e as ldquoSaga Conferencesrdquo
22
CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS
ldquoAlguns estimando que os fatos mais proacuteximos a noacutes satildeo por
isso mesmo rebeldes a quaquer estudo verdadeiramente sereno
desejavam simplesmente poupar agrave casta Clio contatos demasiado
ardentes [Assim pensava imagino meu velho professor Isso eacute
certamente atribuir-nos um fraco domiacutenio dos nervos Eacute tambeacutem
esquecer que a partir do momento em que entram em jogo as
ressonacircncias sentimentais o limite entre o atual e o inatual estaacute longe
de se ajustar necessariamente pela meacutedia matemaacutetica de um intervalo
de tempo] Estava tatildeo errado meu bravo diretor do liceu
languedociano onde empunhei minhas primeiras armas que advertia-
me com sua voz grossa de capitatildeo de ensino lsquoAqui o seacuteculo XIX
natildeo eacute muito perigoso quando chegares nas guerras de Religiatildeo secirc
prudentersquo Na verdade quem uma vez diante de sua mesa de trabalho
natildeo tiver a forccedila de poupar seu ceacuterebro do viacuterus do momento seraacute bem
capaz de destilar suas toxinas ateacute num comentaacuterio sobre a Iliacuteada ou o
Ramayanardquo (Marc Bloch)6
11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria
Os paradigmas histoacutericos sofreram consideraacuteveis alteraccedilotildees na Poacutes-
modernidade O que muitos de noacutes natildeo se apercebem eacute o quatildeo modernos ainda somos
em muitos aspectos Como Barstad7 salienta a despeito das grandes diferenccedilas
existentes entre as metodologias dos positivistas alematildees e a Escola dos Annales
francesa ambas partilham do pressuposto de que a tarefa do historiador eacute compreender
o passado
O estado atual de discussatildeo da disciplina aponta para a necessidade de uma
reflexatildeo seacuteria por parte do historiador sobre o seu trabalho sua produccedilatildeo e seu proacuteprio
ponto de partida Em particular o lugar de onde o historiador escreve precisa ser
considerado bem como a compreensatildeo de que sua escrita natildeo eacute neutra e desprovida de
significados para o seu presente e sua posteridade
Aparentemente haacute um senso comum de que a dimensatildeo poliacutetica do presente no
trabalho do historiador eacute considerada mais significativa na relaccedilatildeo de que seu recorte de
estudo aproxima-se de seu proacuteprio tempo As temporalidades mais distantes ndash
Antiguidade Antiguidade Tardia e Idade Meacutedia permanecem distantes geografica e
6 BLOCH Marc Apologia da Histoacuteria ou O ofiacutecio do historiador Ediccedilatildeo anotada por Eacutetienne Bloch
Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 [1997] P62 7 BARSTAD History and the Hebrew Bible Can a History of Israel Be Written In GRABBE L L
Grabbe (ed) Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245 European Seminar in
Historical Methodology 1 Sheffield 1997 p40
23
temporalmente e escondendo-se em tal distacircncia eacute risco constante do historiador
pressupor a ausecircncia de consequecircncias e influecircncias ndash nas duas matildeos ndash de seu trabalho
no contexto em que ele vive
Haacute de ressaltar que ao menos no que toca a Antiguidade Greco-Romana o
panorama tecircm sido mudado Gradualmente mais departamentos e pesquisadores abrem-
se agraves necessidades do estudo dos diversos usos da Antiguidade efetuados a posteriori
Dessa forma natildeo causam mais tamanha estranheza linhas de pesquisa inteiramente
devotadas a este objetivo e ainda assim inseridas em departamentos voltados ao estudo
da Antiguidade
A despeito de criacuteticas eventuais de uma historiografia mais tradicional e
empiacuterica os produtos de tais linhas de trabalho tecircm dado significado maior ao proacuteprio
estudo da Histoacuteria Poliacutetica com um todo Podemos citar como exemplos de tais estudos
os trabalhos de Glaydson da Silva8 acerca dos empregos de identidades eacutetnicas ndash ora
gaulesas ora gallo-romanas ora francas na Franccedila em particular no periacuteodo de Vichy
trabalhos do grupo de pesquisa no qual o mesmo se insere que tambeacutem inclui Pedro
Paulo Funari Renata Senna Garrafoni Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa e
Joseacute Geraldo Costa Grillo ligado agrave UFPR e Unifesp e chamado ldquoAntiguidade e
Modernidade usos do passadordquo estudos sobre apropriaccedilatildeo de imaginaacuterio germacircnico
antigo e mesmo helecircnico na Alemanha nazista dos quais se destaca o ensaio de Carlo
Ginzburg ldquoMitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di Georges
Dumeacutezil em ldquoMitos emblemas e sinaisrdquo9 estudos sobre a apropriaccedilatildeo do passado
romano pela Itaacutelia fascista e mesmo estudos sobre os usos da Arqueologia nas naccedilotildees
coloniais disputas eacutetnicas e temaacuteticas afins
No estudo do medievo entretanto tais preocupaccedilotildees parecem mais distantes da
mente do historiador a despeito da maior proximidade temporal ndash e por vezes nos
casos europeus geograacutefica Algumas exceccedilotildees notaacuteveis ndash e podemos referir nesta linha
de pesquisa alguns trabalhos do professor Johnni Langer acerca das representaccedilotildees
8 Destacamos SILVA Glaydson Joseacute da O mundo antigo visto por lentes contemporacircneas as extremas
direitas na Franccedila nas deacutecadas de 1980 e 90 ou da instrumentalidade da Antiguumlidade Histoacuteria (Satildeo
Paulo) v 26 p 79-99 2007 e principalmente SILVA Glaydson Joseacute da Histoacuteria Antiga e usos do
passado um estudo de apropriaccedilotildees da Antiguidade sob o regime de Vichy (1940-1944) Satildeo Paulo
Annablume Fapesp 2007 222p 9 Publicaccedilatildeo original GINZBURG Carlo Mitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di
Georges Dumeacutezil Miti emblemi spie Morfologia e storia Einaudi 1986
24
romacircnticas sobre os vikings10
ndash vecircm trabalhar o estudo de determinadas representaccedilotildees
do medievo em periacuteodos mais contemporacircneos Mas satildeo casos mais raros esporaacutedicos
e muitos deles se perdem como meros estudos de curiosidades carecendo de anaacutelises
poliacuteticas mais consistentes
Dois pontos fundamentais que derivam de tais reflexotildees satildeo as fronteiras
riacutegidas entre Mito e Histoacuteria e uma reavaliaccedilatildeo do proacuteprio conceito de verdade
histoacuterica A respeito das implicaccedilotildees poliacuteticas de nosso objeto de pesquisa
retornaremos com maior detalhe brevemente Em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoMito e Histoacuteriardquo
ao tratarmos da dualidade temporal entre o periacuteodo viking e o periacuteodo da Baixa Idade
Meacutedia na Escandinaacutevia costuramos as duas situaccedilotildees inadvertidamente pela proacutepria
natureza das fontes envolvidas pelas disciplinas que se destacam em seus estudos e
pelos preconceitos que gravitam em torno de tais disciplinas
Quando comparamos o estudo dos seacuteculos IX-XI ndash carente de fontes primaacuterias
escritas e por conseguinte centralizado em interpretaccedilotildees sugeridas pelo estudo da
Cultura Material por disciplinas como a Arqueologia Numismaacutetica e Paleografia ndash com
a anaacutelise das fontes escritas no seacuteculo XIII-XIV ndash caracterizados por abundacircncia de
material escrito e epigraacutefico e portanto dominados por estudos histoacutericos e literaacuterios as
naturezas das disciplinas induzem-nos a pressupor uma maior verossimilhanccedila nos
estudos que lidam com a materialidade produzindo uma polarizaccedilatildeo entre cultura
material = histoacuteriaverdade versus fontes escritas e literaacuterias = mitomentira
As proacuteprias divisotildees entre as fontes primaacuterias tambeacutem influenciadas por doses
consideraacuteveis de positivismo histoacuterico induzem a criteacuterios de ldquomaiorrdquo ou ldquomenorrdquo
verossimilhanccedila em abordagens que por mais que envolvidas em discursos
historiograacuteficos contemporacircneos repetem estereoacutetipos de matriz positivista A
contraposiccedilatildeo entre as Fornaldarsoumlgur (Sagas Fantaacutesticas) com as Islendigasoumlgur
(Sagas dos Islandeses)11
produziu tradiccedilatildeo de desmerecimento das primeiras em favor
da suposta maior factualidade e realismo das uacuteltimas
Eacute interessante frisar entretanto que possuiacutemos um termo classificatoacuterio
empregado por alguns dos proacuteprios islandeses medievais ainda que aparentemente mais
10
LANGER J The origins of the imaginary Viking 4 2002 Centre for Baltic StudiesGotland
University Visby Sweden Viking Heritage Magazine v 04 n04 p 07-09 2002 amp ________ Les
Vikings premiers europeacuteens In Temas medievales 14 14 2006 Scielo Argentina _________ A guerra
das imagens In Histoacuteria (UNESP) 26 2007 11
Discutiremos em separado as categorias de fontes primaacuterias nos capiacutetulos II e V
25
restrito Trata-se de lygisoumlgur Traduzido para o inglecircs como ldquolie-sagasrdquo uma
apropriaccedilatildeo razoaacutevel no portuguecircs seria ldquosagas de mentirardquo ou mesmo algo coloquial
como ldquosagas de mentirinhardquo Poreacutem natildeo eacute necessaacuterio pressupor aqui um criteacuterio
pejorativo per se Trata-se de um criteacuterio de certa forma similar ao que empregamos ao
diferenciar ldquoveriacutedicordquo de ldquofictiacuteciordquo ou mesmo ldquohistoacuteriardquo e ldquomitordquo e enfatiza o aspecto
de que o evento narrado ocorreu ou natildeo12
Este paracircmetro classificatoacuterio cria situaccedilotildees curiosas ao olhar contemporacircneo
Enquanto o paracircmetro classificatoacuterio fosse o ldquoocorreurdquo ou ldquonatildeo-ocorreurdquo a
incorporaccedilatildeo de motivos maacutegicos e fantaacutesticos podia ser feita a um enredo que
ldquorealmente ocorrerardquo sem alterar a caracteriacutestica de ldquofatordquo da narrativa em questatildeo A
maior parte das sagas classificadas atualmente como marcadamente fantaacutesticas e
fictiacutecias ou seja as fornaldarsoumlgur natildeo eram chamadas de lygisoumlgur E de algumas
sagas classificadas como tais afirmava-se que das mesmas natildeo se devia desprezar o
valor pois a despeito de sua natildeo-factilidade traziam ensinamentos morais relevantes
Temos portanto definiccedilotildees e consideraccedilatildeo sobre a diversa natureza do
conhecimento que natildeo coincidem exatamente com as nossas proacuteprias visotildees Nossa
divisatildeo tradicional que classifica mito enquanto fantasia e invenccedilatildeo e histoacuteria enquanto
estudo ou narrativa de fatos que realmente aconteceram natildeo se aplica aqui
As Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur a despeito de suas formas e esteacuteticas
muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o passado e a narrativa em
contextos diferentes e subsequentes Esses usos diversos satildeo igualmente vaacutelidos e eacute
anacrocircnico executar juiacutezos de valor ou colocar uma forma de escrita de saga como
superior agrave outra A menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor
enquanto fonte histoacuterica
De igual forma ao tratarmos da dualidade temporal eacute mister salientar que todas
essas interpretaccedilotildees dos contextos histoacutericos ndash sejam as interpretaccedilotildees arqueoloacutegicas
sobre os seacuteculos IX-XI e seu estudo focado no material sejam as construccedilotildees escritas
nos seacuteculos XIII-XIV sejam os estudos histoacutericos feitos sobre as mesmas e sua
abordagem quase que literaacuteria ndash trata-se de interpretaccedilotildees e construccedilotildees efetuadas por
historiadores ndash dos seacuteculos em questatildeo dos seacuteculos XIX ateacute noacutes Tratamos de visotildees
sobre um passado do qual cada eacutepoca aproximou-se empregando o cabedal de
conhecimento disponiacutevel para si
12
DRISCOLL Matthew Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-
Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 Pp190ss
26
12 A historiografia pertinente
A dinacircmica entre Escandinaacutevia e o Leste foi tratada diferentemente nos paiacuteses
nas quais foi estudada Na Escandinaacutevia na Europa Ocidental e na Ameacuterica a ecircnfase
maior da Escandinaviacutestica sempre foi o oeste em particular os movimentos vikings nas
Ilhas Britacircnicas A presenccedila escandinava a leste foi considerada um fato dado mas uma
especificidade mais ligada aos varegues os vikings suecos e as proacuteprias dificuldades de
comunicaccedilatildeo e troca de informaccedilotildees com o bloco sovieacutetico colaboraram em muito para
que o tema permanecesse em posiccedilatildeo perifeacuterica
Na Ruacutessia posterior URSS e paiacuteses a ela incorporados a situaccedilatildeo foi bastante
diversa A historiografia russo-escandinava e o iniacutecio da proacutepria historiografia russa
estatildeo entrelaccedilados e o debate ligado a esta questatildeo diz respeito diretamente ao proacuteprio
surgimento da Ruacutessia ndash seja qual acepccedilatildeo se empregue para o termo assumindo
significados maiores sob os regimes czarista sovieacutetico e da Era Putin-Medvedev mas
sempre retornando ao moto de que o normanismo13
eacute uma ideologia ldquodanosardquo ao estado
russosovieacutetico dependendo da temporalidade em questatildeo ou reafirmando e
legitimando a independecircncia dos Paiacuteses Baacutelticos por enfocar supostos viacutenculos
milenares com o Ocidente e o Norte
Destarte eacute pertinente efetuarmos um panorama sobre as diversas abordagens
que a temaacutetica jaacute sofreu Fica a ressalva de que natildeo se trata de nosso objetivo primaacuterio a
confecccedilatildeo de um estudo especiacutefico sobre a historiografia russo-sovieacutetica que merece
por si soacute consideraacutevel espaccedilo agrave parte
Faremos a seguir um apanhado historiograacutefico sumaacuterio da Ruacutessia seguido de
uma discussatildeo mais detalhada da chamada ldquoControveacutersia Normanistardquo Daremos ecircnfase
especial aos primeiros historiadores de origem germacircnica pela proacutepria inexistecircncia no
Brasil de qualquer informaccedilatildeo acerca dos mesmos e pelo papel que tiveram no
desenvolvimento de estudos russo-escandinavos Atravessaremos o periacuteodo sovieacutetico
encerrando tal discussatildeo com uma anaacutelise da situaccedilatildeo da temaacutetica no Brasil Ocidente
(em particular Escandinaacutevia EUA e Reino Unido) e Paiacuteses da antiga Cortina de Ferro
Na antiga URSS a arqueologia foi rebatizada como ldquoHistoacuteria da Cultura
Materialrdquo e foi ensinada por muito tempo como parte das ciecircncias histoacutericas Esta
circunstacircncia eacute similar nas antigas repuacuteblicas sovieacuteticas e em parte da antiga Cortina de
13
Que definiremos agrave exaustatildeo muito em breve
27
Ferro destarte muito da discussatildeo historiograacutefica entralaccedila-se com a discussatildeo da
proacutepria teoria arqueoloacutegica que diga-se de passagem enfrenta problemaacuteticas muito
similares na relaccedilatildeo passado-presente
13 A Ruacutessia czarista
Os primeiros estudos histoacutericos na Ruacutessia deram-se no seacuteculo XVIII e devem-se
principalmente aos trabalhos de Tatiacuteschev ndash relido e cada vez mais resgatado na Ruacutessia
nos tempos contemporacircneos Bayer Muumlller e Schloumlzer Conquanto entre os acadecircmicos
no ocidente e na Escandinaacutevia a atuaccedilatildeo escandinava na Rus de Kiev e Novgorod tenha
sido ponto bastante consensual havendo maior divergecircncia em nuances e detalhes sobre
os movimentos escandinavos no leste na Ruacutessia e URSS a situaccedilatildeo foi diversa por
implicar na proacutepria formaccedilatildeo do ldquoestadordquo bem como em ferir as sensibilidades e
nacionalismos de diversas eras
A temaacutetica escandinava esteve presente jaacute na primeira geraccedilatildeo de historiadores
russos Em parte a origem e formaccedilatildeo alematilde de elevada porcentagem desses estudiosos
explica embasamento e propensotildees aos estudos germacircnicos Entretanto desde os
princiacutepios da historiografia russa estudos de tal natureza encontraram um revezamento
entre acirrada resistecircncia e aceitaccedilatildeo em particular com o surgimento da chamada
ldquoControveacutersia Normanistardquo deflagrada jaacute em 1749 que defendia um papel significativo
escandinavo no surgimento e organizaccedilatildeo da Rusde Kiev e que ainda na atualidade
perdura como ponte de debate entre acadecircmicos de situaccedilatildeo e oposiccedilatildeo na Ruacutessia poacutes-
sovieacutetica
A despeito do grande debate acadecircmico que a controveacutersia gerou os
historiadores da Ruacutessia dos seacuteculos XVIII-XIX acabaram por adotar em grande parte a
posiccedilatildeo normanista como histoacuteria oficial ainda que fossem acusados de um suposto
anti-patriotismo De fato apoacutes a morte de Pedro o Grande e com o final da linha direta
masculina dos Romaacutenov ndash entre 1761 a 1917 portanto o Impeacuterio Russo foi governado
por oriundos principalmente da dinastia germacircnica dos Holstein-Gottorp
No seacuteculo XIX os alematildees compunham 57 dos oficiais no Ministeacuterio de
assuntos exteriores 46 do ministeacuterio de defesa e 62 do Ministeacuterio de Correio e
Comunicaccedilotildees A presenccedila germacircnica na ciecircncia e nas artes era tambeacutem dominante
28
Dessa forma como Zakharii14
argumenta a elite do Impeacuterio Russo alienada das classes
subalternas careceria de um elo nacionalista eslaacutevico que a impedisse de favorecer a
ideia normanista
Nos primeiros historiadores a lidar com a questatildeo escandinava na Ruacutessia tal
campo de estudo foi geralmente secundaacuterio em relaccedilatildeo aos seus interesses principais
normalmente ligados agraves antiguidades claacutessica e oriental
Natildeo obstante as fortes posiccedilotildees anti-normanistas desenvolvidas na Ruacutessia
imperial entre autores nacionalistas e na posterior Uniatildeo Sovieacutetica os primeiros
historiadores na Ruacutessia acabaram por se deparar com a temaacutetica escandinava ao lidar
com as proacuteprias fontes primaacuterias que tratavam dos primoacuterdios da histoacuteria russa Em
trabalhos que natildeo consistiam em suas maiores aplicaccedilotildees de esforccedilos as circunstacircncias
mais baacutesicas do trabalho historiograacutefico ndash o diaacutelogo com as fontes primaacuterias ndash
apontavam para a presenccedila escandinava no iniacutecio da Rus
Veremos a seguir um breve panorama dessa primeira geraccedilatildeo de historiadores
iniciando-se com Tatiacuteschev e a seguir enfatizando os ldquoalematildeesrdquo Bayer Muumlller e
Schloumltzer passando posteriormente para o estudo da controveacutersia normanista
propriamente dita que iraacute permear toda a discussatildeo de uma historiografia russo-
escandinava desde entatildeo e que fornece um panorama bastante adequado e sinteacutetico das
relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Ruacutessia enquanto tema historiograacutefico
O fechamento de tal discussatildeo de daraacute com o estudo das modificaccedilotildees ocorridas
na historiografia russa com a Revoluccedilatildeo de 1917 e as transformaccedilotildees sofridas pela
mesma no decorrer da histoacuteria sovieacutetica a abertura e o os tempos contemporacircneos
14
ZAKHARII Roman The Historiography of Normanist and Anti-Normanist theories on the origin of
Rus modern historiography and major sources on Varangian controversy and other Scandinavian
concepts of the origins of Rus Master dissertation Centre for Viking and Medieval Studies The
University of Oslo 2002 P22
29
131 Tatiacuteschev
Vassiacutelii Nikiacutetitch Tatiacuteschev (1686-1750) foi inicialmente um militar diplomata
e engenheiro russo no tempo de Pedro o Grande destacou-se como tenente nas batalhas
de Narva e Poltava e tendo passado os anos entre 1713 e 1717 no estrangeiro coletara
consideraacutevel bibliografia de cunho geograacutefico e histoacuterico Por tais razotildees foi escolhido
por Pedro o Grande para levar a cabo um levantamento geograacutefico de toda a Ruacutessia15
tarefa que tendo sido completada em 1739 durou 20 anos
Em 1724 Tatiacuteschev esteve em missatildeo diplomaacutetica na Sueacutecia A despeito de seus
objetivos oficiais serem assuntos ligados agrave metalurgia mineraccedilatildeo moeda e cunhagem
tal contexto propiciou a Tatiacuteschev a oportunidade de obter contatos com acadecircmicos
suecos tambeacutem no campo da Histoacuteria contato que teve influecircncia em seus primeiros
estudos histoacutericos e que pode ser notado jaacute na primeira obra histoacuterica na Ruacutessia
ldquoHistoacuteria Russa desde os tempos antigosrdquo publicada postumamente em 176816
Dessa forma Tatiacuteschev natildeo foi apenas o primeiro historiador russo mas tambeacutem
o iniciador dos russo-escandinavos
132 O alematildees17
a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738)18
Eacute chamado por Belaiew19
de o fundador de fato da ldquopesquisa islandesardquo na
Ruacutessia ndash posiccedilatildeo que como acabamos de afirmar parece mais adequada a Tatiacuteschev
Tendo estudado e pesquisado diversas fontes primaacuterias incluindo escandinavas gregas
e orientais Bayer escreveu a obra ldquoDe Varagisrdquo publicada em latim em 1735 e em
russo em 1768 e que seria obra fundamental na controveacutersia normanista Bayer deu
ecircnfase especial ao estudo das sagas escandinavas entatildeo disponiacuteveis
15
BELAIEW NT Eymundar Saga and Icelandic Research in Russia In Saga Book II (1934) p93 16
BELAIEW 94 17
Destaque seja dado ndash o uso do termo ldquoalematildeordquo ou ldquoalematildeesrdquo estaacute sendo efetuado em periacuteodo preacutevio agrave
unificaccedilatildeo da Alemanha 18
A maior parte das referecircncias sobre Bayer eacute passiacutevel de ser encontrada em bibliografias referentes agrave sua
carreira enquanto sinoacutelogo dentre as quais se destaca LUNDBAEligK Knud TS Bayer (1694-1738)
Pioneer Sinologist Scandinavian Institute of Asian Studies Monograph Series No54 Curzon Press
London amp Malmouml 1986 19
BELAIEW 94
30
Bayer nasceu em Koumlnigsberg na eacutepoca parte da Pruacutessia onde passou os
primeiros 32 anos de sua vida Classicista por formaccedilatildeo seu toacutepico inicial inicial de
estudo foi a histoacuteria das Igrejas na Aacutesia antes da abertura das rotas mariacutetimas aleacutem da
Iacutendia Dessa forma estudava o etiacuteope o siriacuteaco e a expansatildeo do Cristianismo rumo ao
sul
Aos 19 anos demonstrou interesse em estudar o chinecircs tendo a possibilidade de
fazecirc-lo mais seriamente trecircs anos depois em 1716 na biblioteca de Berlim onde teve
contato com o pouco material ao qual tinha acesso Coletou grande quantidade de
material mas seu conhecimento do chinecircs natildeo chegou a ser completo e profundo o
suficiente para ser considerado um sinologista20
Em 1726 mudando-se para Satildeo Petersburgo ocupou o cargo de curador das
antiguidades greco-romanas e posteriormente passou a lecionar antiguidades orientais
o que lhe permitiu ocupar-se mais a fundo com seus interesses na China Sua biblioteca
vendida por sua viuacuteva e posteriormente passando por mais de um proprietaacuterio acabaria
por formar a ldquoBayer Collectionrdquo da biblioteca da Universidade de Glasgow contendo
por volta de 200 livros e manuscritos chineses e orientais e incluindo sua
correspondecircncia com jesuiacutetas em Beijing (dada entre 1731 ateacute a sua morte) e livros em
folhas de palmeiras21
Sua obra ldquoMuseum Sinicum in quo Sinicae Linguae et Literatura
ratio explicaturrdquo publicada em 1730 consiste na primeira obra detalhada sobre a liacutengua
chinesa a ser publicada na Europa22
Eacute peculiar que sua obra De Variagis (1735) de tamanha influecircncia nos estudos
russo-escandinavos e de tamanha relevacircncia na criaccedilatildeo da Controveacutersia Normanista
tenha sido fruto de parte consideravelmente marginal de seu trabalho
20
LUNDBAEK pp182s 21
The Bayer collection In lthttpwwwglaacukservicesspecialcollectionscollectionsa-
zbayercollectiongt 22
BOXER C R Bulletin of the School of Oriental and African Studies University of London Vol 51
No 2 (1988) p 367
31
b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783)23
Gerhard Friedrich Muumlller nasceu em Herford na Westphalia em 18 de outubro
de 1705 Recebeu sua educaccedilatildeo em Leipzig e em 1725 foi convidado para cofundar a
Academia de Ciecircncias em Satildeo Petersburgo Participou da segunda expediccedilatildeo
Kamtchatka que relatou sobre a vida e a natureza a leste das cadeias dos Urais Entre
1733 e 1743 dezenove cientistas e artistas viajaram atraveacutes da Sibeacuteria para estudar
povos e culturas e coletar dados para a confecccedilatildeo de mapas Muumlller descreveu e
categorizou vestimentas religiotildees e rituais dos grupos eacutetnicos siberianos tambeacutem sendo
considerado ldquopairdquo da etnografia e do folclore
Ao retornar da Sibeacuteria tornou-se historioacutegrafo do Impeacuterio Russo Foi um dos
primeiros historiadores a trazer um registro geral da histoacuteria Russa baseado no exame
extenso das fontes escritas Graccedilas agrave ecircnfase que deu do papel escandinavo e alematildeo na
histoacuteria russa ndash um germe da teoria normanista ndash ganhou a inimizade de Lomonoacutessov
que antes lhe apoiara
Em 6 de setembro de 1749 Muumlller proferiu uma fala na Academia Imperial de
Ciecircncias de Satildeo Petersburgo intitulada ldquoOrigines gentis et nominis Russorumrdquo baseado
no ldquoDe Varagisrdquo de Baumlyer e a partir do qual propocircs a teoria de que o antigo reino da
Ruacutessia Kievana fora fundado por escandinavos24
Muumlller natildeo conseguiu sequer terminar sua fala devido ao tumulto que ela gerou
e a questatildeo teve de ser levada ao conde Alieksiei Grigoacuterievitch Razumoacutevskii e agrave proacutepria
imperatriz Isabel25
que criou um comitecirc a fim de investigar se os escritos de Muumlller
eram danosos aos interesses do Impeacuterio
A situaccedilatildeo particularmente o testemunho de Lomonoacutessov prejudicou
consideravelmente sua carreira Apoacutes muitos ataques por seus colegas Muumlller foi
proibido de dar continuidade agrave suas pesquisas na Ruacutessia antiga e Kievana suas
publicaccedilotildees foram confiscadas e destruiacutedas
23
Informaccedilotildees bibliograacuteficas quando natildeo-referenciadas obtidas na Allgemeine deutche Biographie
STIEDA Ludwig Von Muumlller Gerhard Friedrich In Allgemeine Deutsche Biographie herausgegeben
von der Historischen Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften Band 22 (1885) S
547ndash553 24
PRITSAK Omeljan The Origin of Rus Volume I Old Scandinavian Sources other than the Sagas
Cambridge Massachusetts Harvard Ukrainian Research Institute Harvard University Press 1981 P03s 25
Ielizavieta Pietroacutevna Imperatriz entre 1741 a 1762
32
A despeito da turbulecircncia dos anos entre sua fala na Academia Imperial e o
confisco de suas obras a situaccedilatildeo de Muumlller gradualmente se ameniza Em 1754 recebe
a nomeaccedilatildeo de secretaacuterio conferencista da Academia de Ciecircncias e no ano seguinte
consegue o trabalho de editor da publicaccedilatildeo cientiacutefica ldquoEscritos mensaisrdquo na qual
publica diversos artigos acadecircmicos ainda escrevendo sobre as origens da Ruacutessia
Chegou a ser eleito membro estrangeiro da Academia Sueca Real de Ciecircncias
em 1761 juntamente com Lomonoacutessov que permanece criacutetico de seu trabalho e de suas
publicaccedilotildees na ldquoEscritos mensaisrdquo Este falece em 1765 ano no qual Muumlller se muda
para Moscou tendo sido indicado diretor-chefe do Orfanato da cidade Em 1766 Muumlller
recebe a posiccedilatildeo de mantenedor dos arquivos do Coleacutegio de Relaccedilotildees exteriores de
Moscou
Em 1772 Muumlller eacute atingido por uma paralisia mas continua a escrever e
produzir Doou ao governo uma coleccedilatildeo dos seus tratados e morreu em Moscou com 77
anos em 1783
c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809)26
Especialista em diversas aacutereas suas contribuiccedilotildees para a humaniacutestica no geral
foram grandes e diversas Paralelamente a seu rival Gatterer em Goumlttingen Schloumltzer
definiu o escopo temporal da ldquoMittelalterrdquo entre a queda do Impeacuterio Romano em 476 e
a descoberta da Ameacuterica em 1492 O primeiro conceito de ldquoetnologiardquo definido por
Adam Koacutellar em 1783 deve muito ao seu intercacircmbio de ideias com Schloumlzer27
sendo
que o proacuteprio conceito de ldquoethnographierdquo eacute atribuiacutedo ao proacuteprio Schloumlzer ou a
Gatterer28
Schloumlzer foi conduzido por boa parte de sua vida em um interesse pelo Oriente e
pelas terras biacuteblicas Movido por necessidades materiais financeiras e de patrociacutenio
viajou para Sueacutecia e Ruacutessia onde efetuou contribuiccedilotildees fundamentais para suas
historiografias Contribuiccedilotildees que natildeo obstante sua relevacircncia natildeo consistiam no
26
A maior parte das informaccedilotildees bibliograacuteficas sobre Schloumlzer foram obtidas na ldquoAllgemeine Deutsche
Biographierdquo e na ldquoRussland und die acuteGoumlttingische seele ndash 300 jahre St Petersburgacute Ausstellung in der
Paulinerkirche Goumlttingen unter der Schirmherrschaft von Bundespraumlsident Johannes Rau und dem
Praumlsidenten der Russischen Foumlderation Wladimir Putinrdquo ambos disponiacuteveis em meios impressos e
digitais 27
STAGL Justin Rationalism and Irrationalism in Early German Ethnology The Controversy between
Schloumlzer and Herder 1772∕1773 In Anthropos 93 Viena Anthropos Institut 1998 P524 28
STAGL Justin P 522
33
objetivo primaacuterio de sua vida acadecircmica de forma muito semelhante ao que ocorrera
com a produccedilatildeo acadecircmica de Bayer
Nascido em 1735 em Jaggstadt Noumlrdlichen Wuumlrttenberg Schoumlzer foi
historiador jornalista pedagogo e estatiacutestico Descendente de pastores protestantes
iniciou seus estudos em Teologia em Wittenberg Apoacutes completar sua dissertaccedilatildeo em
Teologia (ldquoDe vita Deirdquo) em 1754 em Witteberg mudou-se para Goumlttingen aonde
estudou com o entatildeo eminente orientalista e especialista em Antigo Testamento Johann
David Michaelis
Influenciado pela acircnsia por aventuras e viagens por questotildees teoloacutegicas e
mesmo missionaacuterias estudou aacuterabe geografia e estatiacutestica do Oriente Meacutedio Natildeo
possuiacutea o dinheiro necessaacuterio para cumprir seus planos e usando de bolsas e de um
pequeno capital deixado por seu pai para completar seus estudos simultaneamente
buscava formas de se manter principalmente como professor particular na famiacutelia dos
Roumlderer
Por meio de Michaelis conseguiu um trabalho como tutor privado de Murray
pastor da comunidade alematilde em Estocolmo Dessa forma em 1755 mudou-se para a
Sueacutecia onde residiu por trecircs anos e meio Estudou Goacutetico e Antigo Noacuterdico em Uppsala
entre 1756 e 1757 e devido agrave sua vivacidade de espiacuterito e diversas habilidades ndash
incluindo a de aprender o sueco conseguiu manter-se no paiacutes ajuntar certa quantia de
dinheiro e fazer conexotildees importantes ainda mantendo em mente suas ideias de viajar
para o Oriente Ali publicou algumas obras e conseguiu alguns trabalhos como
jornalista
Retorna agraves terras germacircnicas entre 1758 a 1761 como tutor particular em
Luumlbeck na residecircncia dos Kusel (1758∕59) e em Goumlttingen Esta fase marca um grande
desapontamento em sua vida Michaelis organizara uma expediccedilatildeo dinamarquesa
exploratoacuteria agrave Araacutebia que partiu sem Schloumltzer ndash natildeo recomendado por Michaelis para
a mesma alegadamente por Schloumltzer possuir caraacuteter ldquoobstinado e egocecircntricordquo29
Schloumltzer ainda com seus objetivos de visita ao Oriente em vista e por meio
novamente do proacuteprio Michaelis e de Buumlshing consegue um lugar enquanto assistente
literaacuterio e tutor privado da famiacutelia do jaacute referido Gerhard Friedrich Muumlller em Satildeo
29
STAGL 525
34
Petersburgo Ali aprende rapidamente a liacutengua russa bem como tem contato com as
fontes primaacuterias para a histoacuteria da Ruacutessia
Dotado de temperamento forte Schloumlzer logo entra em choque com Muumlller
deixando sua casa em 1762 Entra em conflito tambeacutem com o proacuteprio Buumlshing e com o
poliacutemata Lomonoacutessov cujos versos critica e cuja inimizade adquire ndash bastante danosa
face agrave extrema importacircncia de Lomonoacutessov nos meios culturais cientiacuteficos e artiacutesticos
da Ruacutessia
Consegue o suporte entretanto de Taubert que por sua vez mantinha um
escritoacuterio de prestiacutegio e o acesso ao conde Razumovski Schloumlzer consegue assim a
posiccedilatildeo assalariada de instrutor adjunto da instituiccedilatildeo educacional que o conde fundara
para seus filhos e para os de outras famiacutelias nobres
A despeito das rivalidades acadecircmicas que Schloumlzer conseguira Kozlov pai de
um de seus alunos intermedia contato com a imperatriz Catarina II ldquoa granderdquo(1762-
1796)30
Catarina interessa-se por ele e em 1765 lhe garante a posiccedilatildeo de membro da
Academia e de professor em tempo integral de Histoacuteria Russa por cinco anos com um
salaacuterio de 850 rublos
Registra-se que Schloumlzer manteria ateacute o fim de sua vida grande apreccedilo e creacutedito
agrave deacutespota esclarecida da Ruacutessia patrocinadora das artes e do saber O patrociacutenio
pretendido por Schloumlzer para sua viagem ao Oriente entretanto natildeo era de interesse de
Catarina ficando o projeto parado
O ambiente da Ruacutessia de entatildeo foi de grande estiacutemulo para a produccedilatildeo
acadecircmica de Schloumlzer agrave qual ele dedicou-se com particular afinco Aplicando modelos
com os quais trabalhara na Sueacutecia em particular nos trabalhos de Suumlssmilch e
Wargentin Schloumlzer trabalhou em prol do projeto de Taubert da criaccedilatildeo de um bureau
estatiacutestico para a Ruacutessia encorajando a criaccedilatildeo de listas e diretoacuterios de nascimentos
mortes e casamentos Suas propostas entretanto mantiveram-se na maior parte no
papel
Sua atividade acadecircmica no gabinete da imperatriz teve mais sucesso ainda que
relativamente tarde Schloumlzer efetuou trabalho criacutetico e de campo na Histoacuteria antiga da
Ruacutessia em particular com a criacutetica dos textos e manuscritos aprendida em Goumlttingen agrave
Poacuteviest vrieacutemennikh liet escrita em eslavocircnico antigo do qual publicou uma ediccedilatildeo
30
Iekatierina II ldquoVielikaiardquo viveu de 1729 a 1796 governando a Ruacutessia de 1762 ateacute sua morte
35
criacutetica entre 1802 e 1809 ndash a primeira aplicaccedilatildeo do meacutetodo criacutetico germacircnico a um texto
do medievo31
Tal trabalho entretanto natildeo satisfazia aos maiores planos de Schloumlzer
que abandona a Ruacutessia em definitivo em 1767 apoacutes periacuteodos tambeacutem de conturbaccedilotildees e
rumores junto aos seus rivais na Academia
Nesse meio tempo Schloumlzer recebera do governo Hannoveriano em Goumlttingen os
tiacutetulos de Professor extraordinarius em 1764 em grande parte por intercessatildeo de
Michaelis e Doctor honoris causa em 1766 devido ao seu trabalho acadecircmico na
Ruacutessia posiccedilotildees que lhe auxiliaram na obtenccedilatildeo de suas funccedilotildees na Ruacutessia apoacutes seus
conflitos com Lomonoacutessov
Em 1769 consegue o cargo de professor em tempo integral na faculdade de
filosofia em Goumlttingen com o salaacuterio de 540 thalers casando-se no mesmo ano com
Caroline Roumlderer da qual fora preceptor no tempo em que ali estudara adquirindo uma
residecircncia na Paulinerstraszlige e ali se estabilizando para o resto de sua vida
Em Goumlttingen Schloumlzer deu continuidade aos seus trabalhos sobre a Ruacutessia
ainda que relativamente distante de laacute A correspondecircncia com estudantes e bibliotecas
da Ruacutessia garantiram-lhe bibliografia e nos seus primeiros anos ali Schloumlzer publicaria
diversas obras bem como revisaria trabalhos antigos por vezes em meio agrave polecircmicas
com Buumlsching e Muumlller Probe russischer Annalen32
(1768) ldquoAnnales Russici
(Goumlttingen 1769) Tableau de lhistoire de Russie (Goumlttingen 1769) ldquoGeschichte von
Ruszligland bis zur Erbauung Moskaus im J 1147rdquo(Goumlttingen 1769)33
Oskold und Dir
erste Probe russischer Annalen (Goumlttingen 1773)34
Em 1771 Schloumlzer publicaria ldquoUma histoacuteria geral dos povos do Norterdquo nuacutemero
31 da coleccedilatildeo ldquoHistoacuteria geral do mundordquo Em 1785 publicaria ainda parte dessa mesma
coleccedilatildeo sob o nuacutemero 50 ldquoGeschichte Lithauensrdquo35
Sua ldquoNordische Geschichterdquo36
encontraria boa acolhida a despeito de criacuteticos
severos como Thun jovem professor em Halle que apontou severos erros de Schloumlzer
em relaccedilatildeo aos eslavos ocidentais e a despeito de ser principalmente uma compilaccedilatildeo e
traduccedilatildeo de autores escandinavos
31
STAGL 526 32
ldquoAmostra dos anais russosrdquo 33
ldquoHistoacuteria da Ruacutessia ateacute a edificaccedilatildeo de Moscou no ano de 1147rdquo 34
ldquoAskold e Dir primeira amostra dos anais russosrdquo 35
ldquoHistoacuteria dos lituanosrdquo 36
ldquoHistoacuteria noacuterdicardquo
36
Nesta obra Schloumlzer definiria por ldquonorterdquo o espaccedilo desde a Islacircndia ateacute a
peniacutensula de Kamtchatka e do Mar de Barents aos Balkans organizando as regiotildees por
um Voumllkersystem ldquosistema de povosrdquo ao inveacutes de unidades poliacuteticas e classificando
tais povos por meio de suas linguagens37
Esse apoio e emprego de Leibniz na
organizaccedilatildeo das populaccedilotildees por meio dos grupos linguiacutesticos acabou por se constituir
em um dos maiores meacuteritos da obra
O periacuteodo posterior da vida de Schloumlzer foi devotado agrave suas atividades de ensino
e pesquisas relativos a outros toacutepicos como Histoacuteria do Mundo Estatiacutestica e Poliacutetica e
os estudos relativos agrave Escandinaacutevia e Ruacutessia natildeo foram levados adiante
Por suas contribuiccedilotildees ao estudo da Histoacuteria Russa Schloumlzer recebeu em 1804 o
tiacutetulo de nobre da parte do Imperador Alexandre I (1801-1825)
14 A controveacutersia Normanista
As ideias de Bayer Muumlller e Schloumltzer sobre o papel Escandinavo na origem da
Ruacutessia como vimos desembocaram em uma disputa acadecircmica acirrada de amplo
escopo que atingiria toda a historiografia pertinente e viria a ser conhecida como
ldquoControveacutersia Normanistardquo Seus pontos de conflito focam-se no papel que os
escandinavos tiveram na formaccedilatildeo da Rusde Kiev nos periacuteodos viking e medieval
principalmente entre os seacuteculos XIII-XI38
O termo ldquoRuacutessiardquo por si soacute eacute geneacuterico e necessita de clarificaccedilatildeo A
controveacutersia normanista trata sobre os iniacutecios da Ruacutessia mas a Rusde Kiev enquanto
origem do Impeacuterio e Federaccedilatildeo russos eacute objeto de controveacutersia a mesma origem eacute
alegada pelos historiadores ucranianos
Ao falarmos de Rusde Kiev tratamos do reino dentre os seacuteculos X-XIII
existente em regiatildeo aproximada agrave Ucracircnia contemporacircnea formado majoritariamente
por populaccedilotildees de etnia e linguagem eslaacutevico-orientais e sobre as quais a origem dos
primeiros governantes eacute o objeto de disputa na Controveacutersia Normanista Outras
acepccedilotildees que o termo Ruacutessia adotou incluem o Gratildeo-Ducado de Moscou por vezes
chamado de termos similares a ldquoMoscoacuteviardquo que perdurou dos seacuteculos XIV-XVII ndash visto
por alguns como continuador da Rus de Kiev e por outros como entidade poliacutetica
37
STAGL 526 38
Informaccedilotildees bibliograacuteficas e narrativas baseadas em PRITSAK e BELAIEW listados nas referecircncias
37
bastante diversa ndash os Impeacuterios Russos subsequentes e a Federaccedilatildeo Russa poacutes-URSS
Dessa forma historiografias historicistas ndash tais quais as marxistas ndash que lidam
com uma linha contiacutenua e inexoraacutevel de eventos cujo desfecho enquadra-se em uma
teoria geral explicativa ou um desenrolar jaacute previsto traccedilam a linha indeleacutevel entre a
Rus de Kiev e as Ruacutessias posteriores posiccedilatildeo que jaacute foi e ainda eacute objeto de muito
debate em particular com historiadores de origem ucraniana ndash cujo paiacutes consiste no
herdeiro territorial do reino em questatildeo
Os proacuteprios limites e abrangecircncia da Rus na Alta Idade Meacutedia encontram
controveacutersia na inclusatildeo ou natildeo da regiatildeo das cidades do norte ndash Novgorod Ryazan
Rostov Smolensk Polotsk e Suzdal ndash em seu escopo poliacutetico-geograacutefico situaccedilatildeo que
tendo perpassado a obra de autores como o escandinavista russo Aron Gurevitch Dmitri
Likhatchoacutev e Iuri Stiepanovitch voltou agrave pauta contemporacircnea entremeado de
implicaccedilotildees poliacuteticas nas accedilotildees do presidente russo Vladiacutemir Putin
Segundo a Poacuteviest vrieacutemennikh liet os eslavos de leste e seus vizinhos fino-
uacutegricos foram vencidos por alguns varegues aos quais pagavam tributo mas libertaram-
se desse jugo Entretanto natildeo conseguiam manter a ordem e chamaram outros varegues
para governaacute-los Os irmatildeos Riurik Sineus e Truvor responderam ao chamado dando
origem ao primeiro reino unificado de Rus
Segundo esse ponto de vista baseado principalmente nas fontes primaacuterias
escritas chamado normalmente de ldquonormanistardquo o termo Rus eacute de origem noacuterdica mais
precisamente referindo-se aos svear que adentrando o Norte russo foram organizadores
da vida poliacutetica primeiramente na regiatildeo do lago Ilmen e posteriormente mais ao sul ao
longo do Dnieper (vide Mapas 03 e 04)
Tais afirmaccedilotildees satildeo de teor polecircmico em ambientes acadecircmicos influenciados
ou gerenciados por governos autoritaacuterios A primeira disputa sobre esse tema ocorreu na
Ruacutessia Imperial nas eacutepocas das guerras do Norte nas quais a Ruacutessia combateu dentre
outras naccedilotildees a Sueacutecia
Como jaacute demonstrado quando Muumlller proferiu sua conferecircncia sobre as fontes
escandinavas aos membros da Academia Imperial Russa em 1749 causou veemente
debate ao propor a ideia normanista Os estudiosos russos presentes natildeo podiam admitir
a ideia de que a origem do estado russo fosse estrangeira ainda mais de um grupo
38
eacutetnico com o qual travara guerras recentemente39
O debate perdura por toda a historiografia russa ucraniana sovieacutetica e mesmo
polonesa Nos tempos da URSS desenvolveu-se a teoria que chamaremos de ldquoanti-
normanistardquo principalmente por meio de argumentos que empregavam a Arqueologia e
a Linguiacutestica segundo a qual a origem do estado russo seria autoacutectone e devida
exclusivamente aos eslavos de leste
Ao menos em seus primoacuterdios a ideia normanista revestiu-se de conotaccedilotildees
poliacuteticas que por sua vez implicavam uma incapacidade dos povos eslaacutevicos em
desenvolverem um processo independente de formaccedilatildeo de ldquoestadordquo40
A historiografia
sovieacutetica posterior consideraria a teoria normanista politicamente prejudicial
argumentando que ela negava a habilidade das ldquonaccedilotildees eslavasrdquo de formar ldquoestados
independentesrdquo por meio de seus proacuteprios esforccedilos41
Segundo os anti-normanistas os Rus seriam eslavos autoacutectones na regiatildeo Sul de
Kiev desde os tempos preacute-histoacutericos antes do aparecimento de vikings e varegues na
Europa Esse elemento nativo eslaacutevico teria tido o papel decisivo na construccedilatildeo de um
Estado42
em particular da Rus de Kiev
Veremos a seguir as posiccedilotildees de ambas correntes
141 A posiccedilatildeo normanista
A historiografia contemporacircnea possui uma posiccedilatildeo majoritariamente
normanista ainda que em graus variados Tal posiccedilatildeo eacute encontrada tambeacutem entre
pesquisadores russos contemporacircneos de origem russa e de outros paiacuteses da antiga
Cortina de Ferro como Dmitrii Matchinskii (Ruacutessia) Gleb Lebedev (Ruacutessia) Elena
Melnikova Tatjana Jackson (Ruacutessia)43
e Wladyslaw Duczko (Polocircnia-Sueacutecia) Alguns
casos apresentam posiccedilotildees intermediaacuterias incluindo autores tradicionais e referenciais
no toacutepico no ocidente como o russo-americano Vernadsky sobre o qual falaremos mais
39
A guerra russo-sueca de 1741-1743 apoacutes a qual o Impeacuterio Russo incorporou a Finlacircndia e a Sueacutecia
iniciou seu decliacutenio enquanto potecircncia 40
ZAKHARII p18 41
ЯКОВЛЕВ Н О преподавании отечественной истории Большевик 22 1947 Москва 42
As acepccedilotildees de ldquoestadordquo defendidas por tal posiccedilatildeo frequentemente enquadram-se em conceitos
marxistas considerando uma linha contiacutenua e inexoraacutevel da histoacuteria a levar ao Comunismo e
considerando dessa forma o periacuteodo em questatildeo como uma etapa em tal desenvolvimento 43
No caso de autores com produccedilatildeo biograacutefica ampla no ocidente como Lebedev Melnikova e Jackson
empregamos aa formas dos nomes proacuteprios pelos quais satildeo citados internacionalmente
39
adiante
Quanto agrave historiografia brasileira a discussatildeo eacute insuficiente sobre o assunto ateacute
o presente para poder se falar em tendecircncias e posiccedilotildees Euriacutepides Simotildees de Paula
autor da uacutenica obra especiacutefica e mais abrangente sobre o assunto bem como uacutenica fonte
de consulta para diversos estudantes e pesquisadores defende a posiccedilatildeo normanista sem
ressalvas Aleacutem de seu trabalho mais amplo que discutiremos melhor mais adiante haacute
artigos esparsos endossando a posiccedilatildeo normanista quase que em sua totalidade
Levando-se em consideraccedilatildeo que as novas geraccedilotildees de pesquisadores
interessados no tema tecircm se levantado em meio a estudos escandinavos eacute razoaacutevel
pressupor uma tendecircncia agrave consolidaccedilatildeo da posiccedilatildeo normanista tambeacutem na academia
brasileira
Listamos a seguir alguns dos principais expositores de posiccedilatildeo normanista desde
seu princiacutepio ou ao menos que se enquadrem em seu espectro de alguma maneira
tendo-se em mente que muitos estudiosos incorporam matizes dos dois lados Os
alematildees que colaboraram para a criaccedilatildeo de uma historiografia russa estatildeo listados na
Ruacutessia A Ucracircnia estaacute considerada a parte por a despeito de estar sob jugo do Impeacuterio
Russo e da URSS pela maior parte de sua histoacuteria ter produzido tradiccedilatildeo historiograacutefica
proacutepria e estaacute listada em conjunto com a Polocircnia pelas temaacuteticas e abordagens por
vezes similares de sua historiografia A lista natildeo eacute exaustiva a quantidade de estudiosos
no ocidente por exemplo que adota uma posiccedilatildeo que pode ser considerada dentro do
espectro normanista eacute por demais extensa
No Impeacuterio Russo
August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809 Wuumlrttemberg Impeacuterio Russo)
FriedrichFiodor Aleksandrovitch Braun (1862-1920 ndash Impeacuterio RussoURSS 1920-
1942 ndash Leipzig Alemanha) Nikolai Mikhailovitch Karamzim (1766-1826 Impeacuterio
Russo) Serguei Mikhailovitch Solovioacutev (1820-1879 Impeacuterio russo) Mikhail
Pietrovitch Pogodin (1800-1875 Impeacuterio russo) Aleksiei Aleksandrovitch Chakhmatov
(1864-1920 Impeacuterio Russo)
Na Escandinaacutevia e Alemanha
Ernst Kunik (Pruacutessia 1814-1899) Vilhelm Ludwig Peter Thomsen (1842-1927
Dinamarca) Ture Algot Johnsson Arne (1879-1965 Sueacutecia) Herbert Jankuhn (1905-
40
1990 Alemanha) Adolf Frans Emil Stender-Petersen (1893-1963 Impeacuterio Russo
Dinamarca Estocircnia Dinamarca) Holger Arbman 1904-1968 (Sueacutecia)
Russos emigrados
Vladimir A Mochin (1877-1921 ndash Impeacuterio Russo 1921-1987 - Iugoslaacutevia) George
Vernadsky (1887 Impeacuterio Russo 1927-1973 EUA)
Na Polocircnia e Ucracircnia
Henryk Paszkiewicz (1897-1979) Stiepan Tomachevskii (1845-1930 Ucracircnia) Myron
Mikhailovitch Korduba (1876-1947 Ucracircnia) Mykola Chubaty (1889-1975 Ucracircnia)
A argumentaccedilatildeo inicial defendida por tais eruditos baseava-se principalmente na
anaacutelise das fontes primaacuterias e em argumentos de anaacutelise linguiacutestica Apontava para uma
elite escandinava fundadora da Rus Kievana governante dos eslavos orientais e outras
etnias nativas (fino-uacutegricos e baltos)
A posiccedilatildeo normanista passou por modificaccedilotildees e possui nuances e niacuteveis de
aceitaccedilatildeo diversos As conotaccedilotildees poliacuteticas iniciais foram substituiacutedas sendo que alguns
estudiosos chamados por vezes ldquoneo-normanistasrdquo44
como Jankuhn Stender-Petersen
Arbman e Taube apresentariam ideias que envolvem uma mudanccedila gradual no governo
estrangeiro sobre os eslavos bem como graus mais variados de assimilaccedilatildeo
Alguns normanistas participantes da historiografia ocidental ucraniana das
deacutecadas de 1920-30 como os referidos Stepan Tomashevsky M Korduba M Chubaty
e B Krupnytsky apresentaram aceitaccedilotildees parciais de alguns pontos anti-normanistas
George Vernadsky (1887-1973) autor de grande influecircncia no meio de liacutengua
anglo-saxatilde ndash e em nosso proacuteprio trabalho apesar de afirmar de forma enfaacutetica adotar
uma posiccedilatildeo normanista45
ao ponto de qualificar como ldquoquixotescosrdquo os esforccedilos anti-
normanistas46
natildeo aceita ideias altamente difundidas entre os mesmos como a
etimologia do nome Rus ligada a Roethslagen e Ruotsi47
(que discutiremos logo adiante)
Vernadsky em ocasiatildeo alguma diminui a parcela de responsabilidade eslaacutevica-
44
ZAKHARII 18 45
VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale
University Press 1964 6ordmed [1943] Pp259 261ss 275ss 46
VERNADSKY 276 47
VERNADSKY pp 278s
41
oriental na formaccedilatildeo da Rus antes adota tambeacutem posiccedilatildeo que a despeito de
categorizaacutevel dentre os normanistas daacute grande papel agraves interaccedilotildees muacutetuas
populacionais ndash a linha ao nosso ver mais coerente e contemporacircnea de pesquisa a
despeito de jaacute falecido haacute mais de 40 anos
Da mesma forma Thomas Noonan (1938-2001) busca uma posiccedilatildeo mais
intermediaacuteria na questatildeo ainda que partindo inequivocamente de pressupostos que
seratildeo reconhecidos por anti-normanistas como ldquonormanistasrdquo e pelos proacuteprios
normanistas como moderados
Omeljan Pritsak resume muito convenientemente os toacutepicos-chave dos dois
lados da questatildeo em sua obra peculiar ldquoThe origin of Rusrdquo apanhado imenso de
erudiccedilatildeo nos campos conectados agrave questatildeo e apresenta outra proposiccedilatildeo completamente
original de sua lavra inserindo a participaccedilatildeo da Rādhānīya judaica
Adentremos de forma mais aprofundada nas minuacutecias da posiccedilatildeo
I A Etimologia
O primeiro ldquoestadordquo russo a Rus de Kiev (ou kievana) foi fundada por
estrangeiros escandinavos Rus era o nome dado aos vikings de Leste oriundos da
Sueacutecia e conhecidos como ldquovareguesrdquo A etimologia do nome ldquoRusrdquo derivaria do fino-
uacutegrico ldquoRuotsirdquo termo cujas derivaccedilotildees satildeo empregadas ateacute os tempos contemporacircneos
entre populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica (como estonianos e finlandeses) ao referirem-se aos
suecos
Esse termo por sua vez viria do germacircnico ldquoRoacuteethrrdquo que significa ldquoremadorrdquo
em particular derivado da regiatildeo costeira de Uppland denominada como Roethslagen
cujos habitantes chamariam-se portanto Roacuteethskarlar Ekblom e Stender-Petersen
apresentam uma variante dessa etimologia sugerindo que rus derivaria de roacuteeth(er)s-
byggjar algo como ldquoos habitantes de estreitos entre as ilhasrdquo48
Devemos salientar que a grande maioria das estelas ruacutenicas com citaccedilotildees a
escandinavos viajando e morrendo em Garethariacuteki encontram-se no distrito sueco atual de
Uppland Retornaremos a tal toacutepico em detalhe no capiacutetulo 2 desta tese
48
STENDER-PETERSEN Adolf Zur Rus-Frage In Varangica Aarhus 1953 p82
42
II As fontes
a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet
Tambeacutem chamada de ldquoCrocircnica primeira russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo sua
autoria foi atribuiacuteda no seacuteculo XIX ao monge Nestor que a teria escrito nas
proximidades de um monasteacuterio de Kiev Mais recentemente tecircm-se questionado tal
autoria argumentando-se pela hipoacutetese de uma compilaccedilatildeo de diversas crocircnicas49
Haacute duas redaccedilotildees conhecidas da crocircnica a Laurentina copiada pelo monge
Lavrentii em 1377 e a Ipatiana que datada da metade do seacuteculo XV recebeu seu nome
do monasteacuterio de Ipatiev em Kostroma onde foi descoberta apesar de provavelmente
ter sido copiada em Pskov50
As diferenccedilas entre ambas satildeo poucas principalmente nas
entradas apoacutes o ano 1110 Em ambas as redaccedilotildees o texto que transcreveremos a seguir
referente aos Rus eacute o mesmo
Nela os grupos entre os quais os Rusi estatildeo incluiacutedos satildeo todos germacircnicos de
aleacutem-mar chamados de varegues shviedy (шведы ndash svear∕suecos) normanny
(норманны - noruegueses) angly (англы - anglos) gotlandy (готландцы ndash
gotlandeses)
ldquo(862) () Estes varegues (варяги) foram chamados Rus
(русью) assim como outros chamavam-se shviedy outros normanny e
angly e ainda outros gotlandy ()51
b) Fontes bizantinas
Os tratados assinados entre os Rus e os bizantinos em 911 e 944 trazem os
nomes dos signataacuterios de rus Estes nomes satildeo nitidamente transcriccedilotildees de nomes de
origem escandinava Karly Inegeld (Ingeld) Farlof Veremud
O livro De administrando imperio ldquo(Acerca da administraccedilatildeo do Impeacuteriordquo)
49
SHERBOWITZ-WETZOR OlgerdP Introduction In The Russian Primary Chronicle Laurentian
Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The
Mediaeval Academy of America 1953 P 03 50
SHERBOWITZ-WETZOR 04 51
ldquo(862) Те варяги назывались русью как другие называются шведы а иные норманны и англы а
еще иные готландцы (hellip) rdquo In Повесть временных лет ldquoCrocircnica dos anos antigosrdquo ldquoCrocircnica
primaacuteria Russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo Ediccedilatildeo de Likhatchov segundo o texto Laurentino obtida em
lthttpwwwold-russianchatru01povesthtmgt Uacuteltimo acesso em 28∕10∕2014 Traduccedilatildeo para o inglecircs
CROSS Samuel Hazzard (trad) amp SHERBOWITZ-WETZOR Olgerd P (ed) The Russian Primary
Chronicle Laurentian Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-
Wetzor Cambridge The Mediaeval Academy of America 1953
43
escrito em cerca de 948 a 952 supostamente pelo imperador bizantino Constantino
Porfirogecircnito (905 - 959) lista os nomes das cataratas e corredeiras do Dnieper
frequentemente em duas formas que o autor diferencia como sklavisti e rosisti As
formas chamadas de rosisti satildeo evidentemente transcriccedilotildees de designaccedilotildees
escandinavas Essoupi (antigo noacuterdico vesuppi ndash natildeo durma) Oulvorsi (antigo
noacuterdico holmfors corredeira da ilha nome eslavocircnico dado Ostrovouniprach)
Gelandri (antigo noacuterdico gjallandi gritandordquo ldquosoando alto) Aeifor (Antigo noacuterdico
eiforr sempre feroz eslavocircnico ldquoneasitirdquo) Varouforos (antigo noacuterdico varufors
corredeira do penhasco ou barufors corredeira da onda eslavocircnico Voulniprach)
Leanti (antigo noacuterdico leandi fervendo ou hlaeligjandi rindo eslavocircnico Veroutzi)
Stroukoun (antigo noacuterdico strukum corrente raacutepida eslavocircnico Naprezi)
Segue uma versatildeo nossa da passagem
9 Sobre a vinda dos Rus em monoxylas da Ruacutessia para
Constantinopla
As monoxylas que descem da Russia para Constantinopla satildeo de
Nemogard onde Sviatoslav filho de Igor arconte da Ruacutessia tem seu
trono e outras da cidade de Miliniska de Teliutza de Chernigov e de
Vishegrad
Todos estes descem o rio Dniepr e ajuntam-se na cidade de
Kiev tambeacutem chamada Sambatas Seus tributaacuterios eslavos os
chamados Krivichi os Lendzaneni e o resto das regiotildees eslavas
cortam as monoxylas em suas montanhas no tempo do inverno e
quando eles as tecircm preparadas com a chegada da primavera e o
derretimento da neve trazem-nas para os lagos vizinhos
E jaacute que estes lagos desaguam no rio Dniepr eles entram entatildeo
no mesmo rio e descem para Kiev carregam os barcos adiante para
serem terminados e vendem-nos para os Rus Os Rus compram os
cascos apenas equipando-os com remos escaacutelamo e outros
equipamentos de pesca de suas monoxylas velhas que eles
desmontam e assim deixam-nas preparadas E no mecircs de junho eles
descem o rio Dniepr e vecircm a Vitichev que eacute uma cidade tributaacuteria dos
Rus e ali se reuacutenem por dois ou trecircs dias E quando todas as
monoxylas estatildeo reunidas eles partem e descem o jaacute mencionado rio
Dniepr
E primeiramente eles vecircm para a primeira corredeira chamada
Essoupi que significa em Rus e slavocircnico ldquonatildeo durmardquo A barragem
por si soacute eacute tatildeo estreita quanto a largura de um estaacutedio No meio dela
estatildeo enraizadas altas rochas que erguem-se como ilhas Contra estas
entatildeo vem a aacutegua ergue-se e cai do outro lado com um poderoso e
amedrontador estrondo Dessa forma os Rus natildeo se arriscam a passar
entre elas mas dirigem-se agrave margem desembarcando os homens em
terra seca e deixando o resto dos bens a bordo das monoxylas Eles
entatildeo despem-se e carregam-na a peacute para evitar bater em alguma
rocha Isto eles fazem alguns agrave proa alguns no meio do barco
44
enquanto outros novamente agrave popa navegam-na com paus e com
este procedimento cuidadoso eles passam a primeira barragem
contornando pela margem do rio
Quando eles passam esta barreira reembarcam os outros da
terra seca navegam adiante e descem ateacute a segunda barreira chamada
em Rus ldquooulvorsirdquo e em eslavocircnico ldquoostrovouniprachrdquo que significa
ldquoa ilha da barragemrdquo Esta eacute como a primeira desastrada e que natildeo
pode se atravessar diretamente Novamente eles desembarcam os
homens e passam as monoxylas como na primeira ocasiatildeo De forma
similar eles passam a terceira barreira chamada ldquoGelandrirdquo que
significa em eslavocircnico ldquobarulho da barragemrdquo e entatildeo a quarta
barragem a grande chamada em Rus ldquoaeiforrdquo e em eslavocircnico
ldquoneasitrdquo porque os pelicanos descansam nas pedras da barragem
Nesta barragem todos colocam a proa agrave frente em terra e aqueles
delegados para manter a vigia saem com eles Assim vatildeo estes
homens e mantecircm vigiacutelia atenta aos Pechenegues
Os restantes tomando os bens que eles tecircm a bordo das
monoxyla conduzem os escravos em suas cadeias por terra seis
milhas ateacute atravessarem a barragem Entatildeo em parte arrastando suas
monoxyla em parte carregando-as em seus ombros eles conduzem-
nas ao lado oposto da barragem E entatildeo colocando-as no rio e
carregando-as com a bagagem embarcam eles mesmos e novamente
navegam nelas Quando eles chegam agrave quinta barragem chamada em
Rus ldquoVarouforosrdquo e em eslavocircnico ldquovoulniprachrdquo porque ela forma
um grande lago eles novamente conduzem suas monoxylas pelas
margens do rio como na primeira e segunda barragens e chegam agrave
sexta barragem chamada em Rus ldquoLeantirdquo e em eslavocircnico
ldquoVeroutzirdquo que eacute ldquoebuliccedilatildeo da aacuteguardquo e esta tambeacutem eles cruzam de
forma similar
E entatildeo eles navegam adiante para a seacutetima barragem chamada
em Rus ldquostroukounrdquo e em eslavocircnico ldquonaprezirdquo que significa
ldquopequena barragemrdquo Essa eles passam no chamado vau de Vrar por
onde os khersonitas deixam a Ruacutessia e os Petchenegues vatildeo a
Kherson Esse vau eacute tatildeo largo quanto o Hipoacutedromo e medido rio
acima da base ateacute o ponto em que as rochas atingem a superfiacutecie um
tiro de arco de comprimento Eacute nesse ponto consequentemente que
os Petchenegues descem e atacam os Rus Depois de atravessar este
lugar eles alcanccedilam a ilha chamada de Satildeo Gregoacuterio na qual realizam
seus sacrifiacutecios porque um gigantesco carvalho fica ali e eles
sacrificam galos vivos Eles tambeacutem penduram ao redor flechas e
outros patildeo e carne ou algo de qualquer coisa de que cada um possa
ter como eacute seu costume Eles tambeacutem lanccedilam sortes sobre os galos se
eacute para mata-los ou comecirc-los tambeacutem ou deixaacute-los vivos
Dessa ilha em diante os Rus natildeo temem aos Petchenegues ateacute
que eles atingem o rio Selinas Dali entatildeo eles comeccedilam (a fazecirc-
lo∕temecirc-los) e navegam por quatro dias ateacute que chegam ao lago que
forma a foz do rio na qual estaacute a ilha de Satildeo Atherios Tendo chegado
nesta ilha eles ali descansam por dois ou trecircs dias E eles reequipam
suas monoxyla com tantos apetrechos quanto seja necessaacuterio velas
mastros e lemes que eles trazem consigo Jaacute que esee lago eacute a foz do
rio como foi dito e desaacutegua no mar e a Ilha de Satildeo Aitherios fica ao
mar eles vecircm entatildeo ao rio Dniester e tendo chegado seguros ali
descansam novamente Mas quando o clima eacute propiacutecio eles lanccedilam-se
45
ao mar e chegam ao rio chamado Aspros e depois de descansar ali de
maneira similar eles novamente partem e vecircm para Selinas como eacute
chamado um ramal do rio Danuacutebio
E ateacute eles passarem o rio Selinas os Petchenegues manteacutem paz
com eles E se acontece que o mar lanccedila uma monoxylas na praia eles
todos colocam-na na terra de forma a apresentar uma oposiccedilatildeo unida
aos Petchenegues Depois do Selinas eles natildeo temem a ningueacutem mas
entrando no territoacuterio da Bulgaacuteria eles vecircm agrave foz do Danuacutebio Do
Danuacutebio eles procedem para Konopas de Konopas para Constantia
de Constantia para o rio de Varna e de Varna eles vecircm ao rio Ditzina
todos eles sendo territoacuterio buacutelgaro Do Ditzina eles chegam ao distrito
de Mesembria e ali finalmente sua viagem cheia de tanto trabalho e
terror tamanhas dificuldades e perigos estaacute em seu fim A severa
forma de vida desses mesmos Rus no inverno eacute como se segue
Quando comeccedila o mecircs de Novembro seus chefes junto com
todos os Rus de uma soacute vez deixam Kiev e vatildeo para a poliudia que
significa ldquoarredoresrdquo (γύρα) isto eacute para as regiotildees dos verviani
drugovitchi krivitchi severiani e o resto dos eslavos que satildeo
tributaacuterios dos Rus Ali eles satildeo mantidos ao longo do inverno mas
entatildeo novamente comeccedilando no mecircs de abril quando o gelo do rio
Dniepr derrete eles descem de volta a Kiev Eles entatildeo pegam suas
monoxylas como foi dito anteriormente preparam-nas e descem para
a Romania Os Ouzi podem atacar os Petchenegues52
c) Fontes islacircmicas
Alguns normanistas argumentam que as fontes islacircmicas tambeacutem fazem
distinccedilotildees entre Rūs e aş-Şaqāliba (eslavos) Ahmad Ibn Rustah explorador e viajante
persa do seacuteculo X viajou ateacute Novgorod com os Rus e sobre eles escreve o seguinte
ldquoOs Rūsīya vivem em uma ilha em um lago (hellip) Eles tecircm um
governante chamado khāqān Rūs Os Rūs pilham os Saqāliba
navegando em seus barcos ateacute virem sobre eles Tomam-nos cativos e
vendem-nos em Khazarān e Bulkār () Eles natildeo tecircm campos
cultivados e vivem de pilhar a terra dos Saqāliba
Quando um filho nasce o pai lanccedila uma espada perante ele e
diz lsquoEu natildeo lhe deixo nenhuma heranccedila Tudo que vocecirc possui eacute o
que vocecirc pode obter com esta espadarsquo ()
Eles usam espadas lsquoSulaymānrsquo (versatildeo nossa)rdquo53
52
Texto grego no apecircndice I 53
ldquoldquoThe Rūs [Rūsīya] live in an island in a lake (hellip) They have a ruler called khāqān Rūs The Rūs raid
the Saqāliba sailing in their ships until they come upon them They take them captive and sell them in
Khazarān and Bulkār (Bulghār) They have no cultivated fields and they live by pillaging the land of the
Saqāliba When a son is born the father throws a naked sword before him and says lsquoI leave you no
inheritance All you possess is what you can gain with this swordrsquo (hellip) They use lsquoSulaymānrsquo swords ()
rdquo Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the
Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012
46
Esta passagem eacute usada com frequecircncia por escandinavistas particularmente na
tentativa de reconstruccedilatildeo dos costumes antigos do periacuteodo viking incluindo funerais
praacuteticas de guerra e mesmo preferecircncia por armas As espadas referidas podem ser
sabres obtidos no distrito de Salmān em Khurasān54
norte da Peacutersia Soldados do
distrito usavam espeacutecies de sabres curvos no seacuteculo IX chamados shamshir mas o
termo pode ser aplicado tambeacutem a espadas de lacircmina reta55
-56
d) Fontes latinas
Nos Annales Bertiniani encontra-se um extrato que narra sobre dois enviados
dos Rhos vindos do imperador bizantino Theofilos (813-842) ao imperador Luis o Pio
(778-840) em Ingelheim cujo liacuteder tinha o tiacutetulo de chacanus ndash latinizaccedilatildeo de
ldquokhaganrdquo Consta que ldquo() o imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda
e descobriu que estas pessoas eram suecosrdquo
Misit etiam cum eis quosdam qui se id est gentem suam Rhos
vocari dicebant quos rex illorum chacanus vocabulo ad se amicitiae
sicut asserebat causa direxerat petens per memoratam epistolam
quatenus benignitate imperatoris redundi facultatem atque auxilium
per imperium suum toto habere possent quoniam itinera per quae ad
illum Constantinopolim venerant inter barbaras et nimiae feritatis
gentes inmanissimas habuerant quibus eos ne forte periculum
inciderent redire noluit Quorum adventus causam imperator
diligentius investigans comperit eos gentis esse Sueonum57
A Historia Ottonis do bispo Liutprand (c922-972) de Cremona tambeacutem traz
uma referecircncia aos Rus Enviado do imperador germacircnico Otto I (912-973) ao
imperador bizantino Nikephoros II Phokas (c912-969) entre 968-969 Liutprand cita o
seguinte
54
Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the
Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012 Nota 30 55
LINDSAY James E Daily life in the medieval Islamic world Greenwood Publishing Group 2005
p 64 56
Consideramos possiacutevel entretanto que a referecircncia se deva ao tipo de accedilo damasceno comum no
mundo islacircmico do medievo altamente valorizado pelos escandinavos mas cuja tecnologia os europeus
natildeo dominavam Lingotes do material eram comercializados pelos persas eacute possiacutevel que esta passagem
nos decirc uma pista importante sobre a fonte de material para as altamente valorizadas espadas uhfberth
primeira opccedilatildeo do guerreiro viking e cujas teacutecnicas de fabricaccedilatildeo e fontes de mateacuteria-prima ainda
consistem em um problema natildeo resolvido de todo na escandinaviacutestica 57
ldquoO imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda e descobriu que estas pessoas eram
suecosrdquo Annales Bertiniani Hannoverae Impensis bibliopolii Hahniani 1883 p21 Obtido em
httpwwwarchiveorgstreamannalesbertinian00waitpagen3mode2up em 22 de fevereiro de 2012
Avaliaacutevel tambeacutem na Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum
scholarum separatim editi
47
ldquoHabet quippe ab aquilone Hunagrios Pizenacos Chazaros
Rusios quos alio nos nomine Nordmannos apellamus ()rdquo
(Liudprandi antapodosis LibI 10 Grifo nosso)58
XV Gens quaedam est sub aquilonis parte constitua quam a
qualitate corporis Greci vocant Ρουσιος Ruacutesios nos vero a positione
nominamus Nordmannos Lingua quippe Teotonum nord aquilo man
autem dicitur homo unde et Nordmannos aquilonares homines dicere
possumus (Lib V15 Grifo nosso)59
Resumindo a argumentaccedilatildeo a hipoacutetese normanista tem sua origem portanto nas
fontes escritas russas em particular a Poacuteviest vrieacutemennikh liet e respalda-se em uma
seacuterie de fontes escritas de povos vizinhos Segundo ela nos princiacutepios da Rusos eslavos
foram dominados pelos varegues mas conseguiram expulsaacute-los Entretanto natildeo foram
capazes de se autogovernar necessitando pedir a ajuda de outros varegues para fazecirc-lo
Desses que vieram derivou a dinastia riurikida
Os primeiros governantes da Rus possuiacuteam de fato nomes escandinavos como
Igor (Yngvarr) Oleg (Helgi) Olga (Helga) Rurik (Hrorekr) sendo que apenas a partir
de Sviatoslav os nomes eslavos passam a ser predominantes As fontes e tratados
bizantinos trazem a maior parte dos Rus listados portando nomes escandinavos e os
nomes dos rios percorridos pelos varegues ateacute Bizacircncio tanto em suas formas
escandinavas quanto eslavas A proacutepria forma comum de tratamento no russo
ldquogospodinrdquo ndash ldquocavalheirordquo - derivaria do antigo noacuterdico ldquohusbondrdquo em contrapartida agraves
formas ldquopanrdquo em outras liacutenguas eslaacutevicas como o ucraniano e o polonecircs
142 A posiccedilatildeo anti-normanista
Quanto aos anti-normanistas sua escola deriva diretamente de correntes
nacionalistas russas tanto dos tempos czaristas quanto dos sovieacuteticos Se nos primeiros
a Sueacutecia era tradicional inimigo nas natildeo tatildeo ultrapassadas guerras do Norte quanto aos
segundos a ideia de que o estado russo tivesse sua origem em populaccedilotildees estrangeiras
natildeo podia ser aceita por um governo marcado pelo autoritarismo que apregoava possuir
58
ldquo os russos a quem noacutes chamamos de nordmanosrdquo Liudprandi antapodosis In Monumenta
Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi Liber I 10 59
Liudprandi antapodosis In Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in
usum scholarum separatim editi Liber V 15
48
sistema poliacutetica e econocircmico superior aos outros paiacuteses
Pode-se dizer que seu iniacutecio deu-se com a reaccedilatildeo de Mikhail Lomonoacutessov
(1711-1765 Impeacuterio Russo) agrave fala supracitada de Muumlller Dentre outros defensores
subsequentes da posiccedilatildeo podemos citar de iniacutecio Stepan Aleksandrovitch Gedeonov
(1815-1878 Impeacuterio Russo) Nikolai Ivanovitch Kostomarov (1818-1885 - Impeacuterio
Russo origem mista russo-ucraniana) Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920
Impeacuterio Russo) e V Vasilevskii que apresentaram teorias em contraacuterio agrave origem
normanista ndash as chamadas teorias ldquoBalto-Eslaacutevicardquo ldquoLituanardquo e ldquoGoacuteticardquo60
A despeito de certo influxo normanista na historiografia sovieacutetica inicial
diversos acadecircmicos passaram a apresentar forte criticismo agrave mesma encontrando
alguns seguidores em outros paiacuteses A posiccedilatildeo normanista encontrou pouco apoio
particularmente na historiografia ucraniana61
Dentre seus defensores ou simpatizantes podemos citar Mykhailo Serhiiovitch
Hruchtchevski (1866-1934- Ucracircnia-URSS) Boris Dmitrievitch Griekov (URSS 1882-
1953) Serafim Vladimirovitch Iushkov (1888-1952 URSS) Boriacutes Aleksandrovitch
Rybakov (1908-2001 URSS) L Tcherepnin Mikhail N Tikhomirov Vladimir T
Pashuto I Chaskolskii Nicholas Valentine Riasanovsky (1923-2011 USA) Alexander
V Riasanovsky o polonecircs Henryk Łowmiański (1898-1984) e historiadores ucranianos
contemporacircneos como Petro Petrovitch Tolochko (1938-) MBraychevski M Kotlyar e
V Baran
A posiccedilatildeo anti-normanista eacute em grande parte uma resposta aos pontos
defendidos pelos normanistas Apresenta-se como uma contra-argumentaccedilatildeo
comprometida com a origem autoacutectone da Ruacutessia ou da Ucracircnia do que propriamente
num escopo teoacuterico bem-definido Seguem suas ideias principais
I A questatildeo da etimologia
Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920) articulou a ideia de que o termo Rhos
estaria conectado aos Roxolani da Antiguidade tribos Saacutermatas que teriam habitado as
estepes da atual Ucracircnia e migrado para a direccedilatildeo do Danuacutebio no seacuteculo I AC Sua
ideia que se tornou tradicional na argumentaccedilatildeo anti-normanista e foi chamada de
60
ZAKHARII 20 61
ZAKHARII 21
49
ldquoTeoria iranianardquo perdeu peso e aceitaccedilatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX
Em 1837 o historiador escritor e naturalista ucraniano Mikhailo
Oleksandrovitch Maksymovitch (1804-1873) desenvolveu a ldquoTeoria localrdquo segundo a
qual o nome Rus estaria ligado agrave aacuterea do rio Rosacute tributaacuterio da margem direita do
Dnieper e nascente na Vinnytsia Oblast Outros rios citados tambeacutem por Potebnya
seriam o Rosava (tributaacuterio do mencionado Rosacute) Rusna e Rostavitsia Proeminente no
processo de construccedilatildeo de consciecircncia nacional ucraniano levado a cabo do seacuteculo XIX
Maksymovitch argumentava que a regiatildeo da Rus natildeo teria ficado despovoada apoacutes a
Invasatildeo Mongol Antes teria sido habitada continuamente pelos remanescentes da Rus
com os quais os ucranianos teriam uma linha de continuidade direta
Esta ideia seraacute levada mais adiante a partir do periacuteodo sovieacutetico Os anti-
normanistas argumentariam que o nome Rus estaria inicialmente ligado com a aacuterea de
Kiev ao Sul habitada desde seacuteculos anteriores pelos eslavos e natildeo com as regiotildees de
Ladoga e Novgorod ao norte de maior influecircncia escandinava e habitada anteriormente
por baltos e fino-uacutegricos
Ilovaacuteiskii62
citaria o Neman da Lituacircnia como nomeado anteriormente de Ros
contendo um tributaacuterio chamado Rus e drenado na bacia Rusna o Ros ou Rus na
proviacutencia de Novgorod Rusi (a foz do Narev) Ros (uma foz do Dniepr) Rusa (a foz do
Semi) e um Ros ou Ras no Volga Nesta linha argumentativa estaria o uso dos termos
Ruslo ldquoriordquo em antigo eslavocircnico e Rusalka - um ldquoespiacuterito da aacuteguardquo nas mitologias
eslaacutevicas
Outra evidecircncia etimoloacutegica apresentada pelos anti-normanistas seria o uso do
termo Hrōs na Crocircnica siriacuteaca do Pseudo-Zacharias reitor de 555 AD ligado a povos
de origem no caacuteucaso vivendo no periacuteodo em questatildeo ao sul de Kiev ndash trecircs seacuteculos
anteriormente aos movimentos escandinavos no norte da Ruacutessia portanto
II Os argumentos de ausecircncia
Outro argumento levantado pelos anti-normanistas em contraposiccedilatildeo agrave ideia da
derivaccedilatildeo de Ruotsi de Roethslagen seria a inexistecircncia de qualquer tribo chamada de
Rus na Escandinaacutevia bem como a ausecircncia de menccedilatildeo a ela nas fontes noacuterdicas
62
ILOVAacuteISKII 1890 VII
50
Afirmam tambeacutem que haacute ausecircncia de material arqueoloacutegico escandinavo
encontrado nas rotas de comeacutercio cidades e entrepostos proacuteximos agraves mesmas
III Os enviados
Quanto aos enviados citados nos Annales Bertiniani a postura anti-normanista
afirma que os nomes noacuterdicos natildeo provariam o componente eacutetnico escandinavo dos
Rus Antes esses escandinavos seriam apenas espeacutecies de representantes comerciais de
priacutencipes eslaacutevicos Rus Seriam diplomatas e comerciantes profissionais
IV Fontes islacircmicas
Alguns defensores anti-normanistas citam o autor Ibn Khurdadbeh que
escrevendo entre 840 e 880 chamava aos rus uma tribo de eslavos (aş-Şaqāliba)
V Superioridade econocircmica
Rybakov (1908-2001) professor de Histoacuteria na Universidade de Moscou desde
1939 personificaraacute em particular as ideias anti-normanistas Em Ремесло Древней
Руси63
de 1948 procura demonstrar que a Rus de Kiev seria superior economicamente
agrave Europa Ocidental Em Геродотова Скифия Историко-географический анализ de
197964
defenderaacute que os eslavos descenderiam dos citas da Antiguidade
Baseando-se em sua argumentaccedilatildeo os anti-normanistas negam a validade do
relato da Poacuteviest vrieacutemennikh liet alegando que natildeo haveria razatildeo para que os eslavos
culturamente avanccedilados convidassem os varegues para governaacute-los
63
ldquoOfiacutecios na antiga Rusrdquo 64
ldquoCitia de Heroacutedoto anaacutelise histoacuterico-geograacuteficardquo
51
143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees
I O problema das etimologias
As criacuteticas dos anti-normanistas resumem alguns pontos criacuteticos das ideacuteias
normanistas Um dos ataques mais fundamentados seria a etimologia de Rus e a sua
suposta ligaccedilatildeo com Roacuteethr
Omeljan Pritsak ainda que natildeo totalmente contraacuterio agrave posiccedilatildeo normanista vai
aleacutem da criacutetica anti-normanista ao atacar a proacutepria derivaccedilatildeo de Rus de ruotsi Segundo
ele ruotsi vincularia-se a um suposto rūzzi e natildeo Rus65
Ele aponta entretanto que seria igualmente errocircneo o uso do pseudo-Zacharias
e o suposto Hrōs pelos anti-normanistas O termo para ele seria na verdade uma
corruptela na adaptaccedilatildeo siriacuteaca do grego ἥρως (heroacutei) Na passagem em questatildeo o
copista teria citado um trecho referente agraves Amazonas citadas de uma versatildeo do meacutedio
persa da saga de Alexandre A corruptela de ἥρως teria sido usada para os pares gigantes
das Amazonas e natildeo se trataria de uma forma eacutetnica de um povo ou grupo racial66
Podemos apontar tambeacutem que haacute certa circularidade no uso de hidrocircnimos
contendo raiacutezes similares a Rus ou rosacute e os termos ruslo e rusalka por encontrarem-se
em campos semacircnticos adjacentes ligados agrave aacutegua rios foz de rio divindades aquaacuteticas
Os anti-normanistas estatildeo corretos quando afirmam a ausecircncia de alguma tribo
germacircnica ou escandinava com tal designaccedilatildeo Isto natildeo invalida entretanto a
argumentaccedilatildeo acerca da proveniecircncia de Roethslagen como possiacutevel etimologia para Rus
A criacutetica anti-normanista nesse sentido fundamenta-se num criteacuterio bastante restrito e
exclusivamente eacutetnico ndash uma acepccedilatildeo contemporacircnea de identidade A inexistecircncia de
uma tribo de um grupo eacutetnico com laccedilos consanguiacuteneos ldquoraciaisrdquo apresenta-se como
contra-argumento insuficiente agrave medida que a etimologia proposta de Roethslagen
enfatiza a proveniecircncia da regiatildeo costeira de Uppland e tem o viacutenculo com o ato de
remar navegar lanccedilar-se ao mar Eacute uma proposiccedilatildeo de etimologia de caraacuteter ao menos
em sua origem ocupacional que posteriormente definiraacute o grupo em questatildeo de forma
eacutetnica apenas na confrontaccedilatildeo com outro grupo cultural distinto
Haacute de se notar a existecircncia de outras etimologias que apresentam situaccedilatildeo
65
PRITSAK 06 66
PRITSAK 06
52
similar em contexto muito proacuteximo nos termos vikingr e bjarmar Conquanto tenham
no periacuteodo contemporacircneo e poacutes-romacircntico assumido um sentido marcadamente eacutetnico
ao leitor as etimologias mais recentes propostas derivam vikingr de vik- baiacutea enseada
ligando-o natildeo a um sentido eacutetnico restrito agrave Noruega e agrave regiatildeo de Oslo mas sim ao
sentido ocupacional do termo daquele que frequenta o mar67
Bjarmar por sua vez a despeito das tentativas de estudiosos que tentam ligar a
designaccedilatildeo aos Komi da regiatildeo russa de Perm tem obtido um consenso acadecircmico eacute
termo aplicado primordialmente aos careacutelios mas tem sua origem no termo fino-uacutegrico
-per(e)macute Isto implica o caraacuteter ocupacional o modo de vida das populaccedilotildees que
desenvolviam atividade econocircmica extratora nas proximidades do Mar Branco
principalmente a coleta de peles caccedila e comeacutercio68
Enfim um peso muito grande em etimologias demonstra ser prejudicial e
impraticaacutevel abrindo os flancos de ambas as posiccedilotildees a uma seacuterie de ataques
II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade
Os anti-normanistas questionam a quantidade de material escandinavo
encontrado nas principais cidades e povoamentos da Rus como Novgorod Kiev e
Staraia Ladoga Eacute adequado afirmar que encontramo-nos aqui em uma forma um tanto
subjetiva e relativa de argumentaccedilatildeo ao quantizar por ldquomuitordquo e ldquopoucordquo Em particular
no campo da Arqueologia a ausecircncia de vestiacutegios de alguma espeacutecie natildeo eacute ldquoprovardquo ou
ponto passiacutevel de definiccedilatildeo teoacuterico pela proacutepria natureza da evidecircncia arqueoloacutegica
que eacute fragmentada indiciaacuteria e incompleta
Acerca do toacutepico David M Wilson escreve o seguinte
ldquoIn England the only town to produce really convincing Viking
antiquities in any number is York and this number has been rather
exaggerated Structures of the Anglo-Danish period in York are rarely
found and even when they are they are not specifically Viking in
character The other Viking towns in England [known from historical
sources ndash OP] have produced hardly any Viking antiquities We know
that the Vikings were there just as we know that there Vikings in
Novgorod and Kievrdquo69
67
HAYWOOD John The Penguin Historical Atlas of the Vikings London Penguin Books 1995 Pp
08ss MUCENIECKS 2010 03-06 68
CHESTNUT Michael Afterword In ROSS Alan The Terfinnas and Beormas of Othere University
College London Viking Society for Northern Research 1981 p77 69
WILSON David M East and West A Comparison of Viking Settlement In Varangian Problems
53
A citaccedilatildeo transcrita tambeacutem por Pritsak pode levantar argumentos contraacuterios ou
questionamentos sobre o que eacute um nuacutemero ldquoexageradordquo ou ldquoconvincenterdquo de artefatos
Pode parecer tambeacutem uma forma de se esquivar do problema de forma retoacuterica Ela traz
agrave pauta entretanto alguns aspectos uacuteteis e pertinentes agrave discussatildeo
A mais premente eacute a questatildeo da dificuldade de questotildees relativas agrave etnicidade70
na interpretaccedilatildeo dos vestiacutegios arqueoloacutegicos Conquanto tenha sido tema de destaque na
Arqueologia Histoacuterico-Cultural o predomiacutenio da Arqueologia Processualista abandonou
quase que por completo as discussotildees referentes agrave etnicidade pelas dificuldades e
impossibilidades apresentadas pela natureza da evidecircncia Ou seja a questatildeo per si jaacute eacute
complexa quando associado ao problema polecircmico da etnicidade dos Rus
evidentemente assume contornos ainda mais difusos e pouco seguros
A questatildeo da Etnicidade eacute um tema que seraacute retomado pela arqueologia poacutes-
processualista em bases bastante diversas com fundamentaccedilotildees teoacutericas diversas
amplas e complexas e uma compreensatildeo diferente do problema da existecircncia de
subjetividades fluidez mutabilidade e criteacuterios de definiccedilatildeo eacutetnica muitas vezes
especiacuteficos em cada caso
Outro aspecto levantado eacute a questatildeo da Arqueologia Histoacuterica e da relaccedilatildeo
muitas vezes difiacutecil e nem sempre harmocircnica entre os diferentes niacuteveis de interpretaccedilatildeo
que satildeo levantados pela Arqueologia e pela Histoacuteria Um exemplo de caso dessas
questotildees eacute a escavaccedilatildeo de Sarskoie Gorodichtche ao sul da atual Rostov no banco do
Sara A despeito das grandes evidecircncias de habitaccedilatildeo escandinava coexistindo com os
Meri nativos fino-uacutegricos a partir do seacuteculo IX esta interpretaccedilatildeo formulada desde o
iniacutecio das escavaccedilotildees em 1854 foi substituiacuteda quando as escavaccedilotildees sovieacuteticas foram
reiniciadas apoacutes 1949 A interpretaccedilatildeo sovieacutetica oficial veiculada na Большая
советская энциклопедия71
seria a de que o siacutetio era exclusivamente habitado pelos
Meri desde o seacuteculo VI Fortificaccedilotildees foram construiacutedas pelos eslavos no seacuteculo X
mas apoacutes isso a cidade declinou ateacute o seacuteculo XIII Sarskoie Gorodichtche passou a ser
considerada pela academia sovieacutetica como a ldquocapitalrdquo dos antigos Meri
Scando-Slavica Supplementum 1 Copenhagen Munksgaard 1970 P113 70
Consideramos o termo na acepccedilatildeo de um conjunto de carateriacutesticas que definem uma determinada
populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave outra Tais atributos possuem fronteiras muito fluiacutedas por vezes pragmaacuteticas que
alteram-se no decorrer do tempo sendo mais geralmente ligados agrave liacutengua viacutenculos sanguiacuteneos e
religiosos 71
ldquoGrande enciclopeacutedia sovieacuteticardquo
54
Por fim levanta-se a questatildeo da natureza da ocupaccedilatildeo escandinava natildeo apenas
na Ruacutessia mas da proacutepria forma e natureza dos movimentos escandinavos pela Europa
e outras regiotildees Um elemento-chave no sucesso escandinavo em um espectro
geograacutefico tatildeo grande deve-se em grande parte agrave sua mobilidade e adaptabilidade
caracteriacutestica a diversos contextos Associada a esta adaptabilidade estaacute uma fluidez
consideraacutevel na natureza dos processos sociais envolvidos que em particular no caso da
Rus parece ter sido bastante marcante como demonstra a mudanccedila em poucas geraccedilotildees
dos nomes escandinavos da casa de Rurik para nomes eslaacutevicos Como bem ressalta
Logan
The principal historical question is not whether the Rus were
Scandinavians or Slavs but rather how quickly these Scandinavian
Rus became absorved into Slavic life and culture In 839 the rus
were swedes in 1043 the Rus were slavs Sometime between 839 and
1043 two changes took place one was the absorption of the Swedish
Rus into the Slavic people among they settled and the second was the
extension of the term acuteRusacute to apply to these Slavic peoples by whom
the Swedes were absorved72
Sob este aspecto de mobilidade transitoriedade e adaptabilidade eacute necessaacuterio
frisar que a evidecircncia arqueoloacutegica daacute suporte agrave compreensatildeo de uma ampla
movimentaccedilatildeo escandinava pela Euraacutesia evidenciada natildeo apenas no grande nuacutemero de
tesouros de dirhams encontrados pela Ruacutessia Paiacuteses Baacutelticos e Escandinaacutevia mas
tambeacutem por artefatos como pentes broches objetos com vestiacutegios de inscriccedilotildees ruacutenicas
e fiacutebulas encontrados em Staraia Ladoga Timerevo (extrato mais antigo de Yaroslav)
Gorodichtche Staraya Russa Sarskoie Gorodichtche Gniozdovo e nos paiacuteses vizinhos
(ie Daugmale e Grobiņa na Letocircnia Iru e Proosa na Estocircnia)
O cemiteacuterio de Plakun no outro banco do Volkhov em Ladoga contendo
enterramentos escandinavos natildeo eacute equiparado agrave Grobiņa por exemplo poreacutem a
evidecircncia existente eacute sob nosso ponto de vista bastante convincente apresentando
indiacutecios convincentes da presenccedila escandinava73
72
LOGAN F D The Vikings in History Routledge 1991[1983] p203 73
NOONAN 1998a 339
55
144 Outras possibilidades interpretativas
Omeljan Pritsak ainda que inclinado para o lado anti-normanista considera
nenhum dos extremos da querela completamente convincente presentando uma outra
hipoacutetese Segundo ele o nome Rus eacute uma espeacutecie de ldquotrademarkrdquo de mercadores judeus
medievais especializados em comercializar escravos da Ruacutessia Europeacuteia principalmente
com muccedilulmanos mas tambeacutem com europeus ocidentais
O grupo principal nesse tipo de comeacutercio era a corporaccedilatildeo judaica chamada
Rādhānīya que possuindo contatos na maior parte das colocircnias judaicas incluindo o
acesso agraves regiotildees controladas pelos khazares detinha o monopoacutelio do fornecimento de
escravos eslavos os chamados aş-Şaqāliba lsquopelos muccedilulmanos
Note-se que na liacutengua inglesa bem como em diversos idiomas da Europa
Ocidental o termo ldquoescravordquo deriva de variantes do ldquoeslav-rdquo tal era o predomiacutenio de tal
componente eacutetnico no comeacutercio escravista na Euraacutesia O termo aacuterabe ldquoaş-Şaqālibardquo
tambeacutem deriva de ldquosklavrdquo ou termos similares pelos quais os proacuteprios eslavos se
nominavam Na Europa Ocidental os judeus da Rādhānīya baseariam-se em algumas
regiotildees da Francia como Marseiles e Rodez Para Pritsak tais mercadores conhecidos
como ldquoRuthenicisrdquo teriam legado o nome Rus oriundo de sua proacutepria companhia Com
o passar do tempo o comeacutercio por eles dominado passaria a intermediaacuterios varegues
que dessa forma adotariam o nome Rus como uma espeacutecie de marca registrada ou
designaccedilatildeo comercial74
Tal ideacuteia natildeo pode ser sustentada De fato o chamar tais judeus de ldquomercadores
russosrdquo ou ldquoruthenicisrdquo devia-se antes de seu nome comercial agrave sua proveniecircncia e
atividade nas regiotildees jaacute conhecidas por tal nome O argumento de Pritsak por mais
engenhoso que parece acaba tornando-se uma inversatildeo
Quanto agrave Thomas Noonan apesar de dar um peso grande agrave evidecircncia
arqueoloacutegica e em particular da Numismaacutetica toma uma posiccedilatildeo mais moderada mais
de acordo com a Arqueologia Histoacuterica contemporacircnea em procurar inserir aspectos
das duas visotildees levando em consideraccedilatildeo tanto a presenccedila escandinava quanto a
contribuiccedilatildeo local eslaacutevica fino-uacutegrica e baacuteltica ainda que aparentemente esta posiccedilatildeo
incline-se um pouco para o espectro normanista da questatildeo De fato esta posiccedilatildeo eacute a
74
PRITSAK 24s
56
que tem alcanccedilado a maior proximidade com um consenso ao menos entre os
estudiosos nos paiacuteses anglo-saxotildees escandinavos e baacutelticos sobre os iniacutecios da Ruacutessia
Nos uacuteltimos anos a temaacutetica viking tem levantado tambeacutem um nuacutemero grande
de interessados na Ruacutessia e em outras naccedilotildees de origem eslaacutevica ao menos a niacutevel
popular e o nuacutemero de estudiosos de origem eslava a considerar a questatildeo sem as
tradicionais restriccedilotildees e preconceitos sovieacuteticos tecircm aumentado bem como obras que
ampliam e trazem em pauta novas questotildees Podemos citar por exemplo Melnikova75
Tatijana Jackson76
Fyodor Androshchuk77
Wladyslaw Duczko78
145 O problema metodoloacutegico
A questatildeo do nacionalismo e da influecircncia do ambiente contemporacircneo poliacutetico
sobre o pesquisador eacute o principal ponto gerador de discoacuterdia entre os diversos
envolvidos nos debates normanistas A temaacutetica por si soacute encontra-se de certa forma
esgotada e repetitiva no que toca agrave argumentaccedilatildeo e contra-argumentaccedilatildeo dos dois lados
Haacute ainda outra dimensatildeo que necessita ser acrescentada ao debate o problema
metodoloacutegico De fato boa parte da discordacircncia envolvida na controveacutersia normanista
eacute uma discordacircncia de meacutetodo e da forma de anaacutelise das fontes de informaccedilotildees
O lado normanista privilegia a evidecircncia histoacuterica as fontes primaacuterias de caraacuteter
mais tradicional ou seja escritas Os anti-normanistas procuram dirigir o peso
interpretativo para a Arqueologia como se a mesma pudesse propiciar um argumento
cientiacutefico isento factual e plenamente objetivo Ambos os lados empregam evidecircncia
linguiacutestica etimoloacutegica e toponiacutemica nas tentativas de reforccedilar sua argumentaccedilatildeo por
vezes gerando becos sem saiacuteda
Dessa forma parte do que ocorre na controveacutersia normanista espelha um
problema de ordem mais geral metodoloacutegica que eacute objeto primaacuterio de estudo do ramo
75
MELNIKOVA EA The Eastern World of the Vikings Eight Essays about Scandinavia and Eastern
Europe in the Early Middle Ages Gothenburg Old Norse Studies 1 Goumlteborg universitet
Litteraturvetenskapliga institutionen 1996 76
ДЖАКСОН Т Н Austr iacute Goumlrethum древнерусские топонимы в древнескандинавских источниках
mdash М Языки русской культуры 2001 (JACKSON Tatiana Nikolaievna Austr I Goumlrethum Topocircnimos
russo-antigos nas fontes antigas escandinavas Moscou Liacutengua e Cultura Russos 2001) 77
ANDROSHCHUK Fjodor The Vikings in the East In BRINK Stefan amp PRICE Neil (eds) The
Viking World London amp New York Routledge 2008 pp517-542 78
DUCZKO Wladyslaw Viking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europe The
Northern World v12 Leiden Boston amp Tokyo Brill 2004
57
especiacutefico da Arqueologia Histoacuterica e que perpassa diversos outros recortes Um
exemplo muito marcante de similaridade metodoloacutegica ocorre na Arqueologia Siro-
Palestina antiga Arqueologia Biacuteblica que nas uacuteltimas deacutecadas assistiu ao
engrandecimento de toda a evidecircncia arqueoloacutegica e a propiciada pela Cultura
Material79
em conjunto a um desprezo pelas fontes escritas das quais o texto biacuteblico eacute a
principal definindo a escola chamada de Minimalista Temos aqui as motivaccedilotildees de
ordem ideoloacutegica e a influecircncia da ldquoNew Archaeologyrdquo (ou arqueologia
ldquoProcessualistardquo) com sua ecircnfase nas Ciecircncias Sociais e seu cientificismo bem como
abandono de temaacuteticas de etnicidade religiatildeo e o uso das fontes escritas
Eacute interessante notar a similaridade de resultados provocada por contextos sociais
diversos e especiacuteficos A Arqueologia sovieacutetica natildeo bebeu das mesmas fontes teoacutericas
que influenciaram a Arqueologia ocidental A ldquoNew Archaeologyrdquo natildeo teve acesso ao
bloco oriental aliaacutes o isolamento entre arqueoacutelogos e historiadores sovieacuteticos e
ocidentais provocou uma gama variada de incompreensotildees e gerou atraso em vaacuterias
frentes nos estudos histoacutericos mais amplos que envolvem a Ruacutessia e o Ocidente
Entretanto a matriz marxista teve na arqueologia sovieacutetica um papel similar ao
que as teorias sociais tiveram na New Archaeology que foi a tentativa de explicaccedilatildeo do
registro e da evidecircncia por meio de um escopo teoacuterico criacutetico e bem-definido Eacute
necessaacuterio reconhecer o benefiacutecio e avanccedilo que as tentativas de interpretaccedilatildeo mais
soacutelidas trouxeram agrave Arqueologia como um todo fazendo-a transpor o status de ldquociecircncia
auxiliarrdquo fazendo-a abandonar uma abordagem meramente descritiva e ilustrativa e
dando a ela um escopo mais amplo e soacutelido dentre as demais Ciecircncias Humanas
Entretanto esse apego agraves teorias gerais explicativas muitas vezes imobilizou a
interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica em quadros riacutegidos e preacute-definidos abandonando fontes
uacuteteis de informaccedilatildeo como a evidecircncia das fontes primaacuterias escritas dessa forma
limitando grandemente a abrangecircncia das temaacuteticas passiacuteveis de estudo arqueoloacutegico
O lado normanista da questatildeo por sua vez desenvolveu-se de em grande parte
em uma visatildeo histoacuterica de caraacuteter mais tradicional compartilhada pela Arqueologia
Histoacuterico-Cultural As explicaccedilotildees de migraccedilotildees e movimentos de povos como fatores
provocadores de mudanccedila tatildeo caracteriacutesticos da explicaccedilatildeo da Arqueologia Histoacuterico-
79
Termo usado aqui na acepccedilatildeo arqueoloacutegica que considera Cultura Material toda manifestaccedilatildeo da accedilatildeo
humana natildeo limitada agrave confecccedilatildeo de artefatos ndash contendo a tecnologia da escrita ou natildeo - mas
revelando-se tambeacutem por exemplo na alteraccedilatildeo do ambiente e da paisagem
58
Cultural harmonizam-se bem com a explicaccedilatildeo normanista em seu espectro mais
simplista e extremado Um grupo estrangeiro externo ldquomais evoluiacutedordquo traz tecnologia e
estruturas sociais que promovem mudanccedila social no contexto em questatildeo
Eacute necessaacuterio transpor tais linhas de explicaccedilatildeo para uma compreensatildeo mais
satisfatoacuteria da situaccedilatildeo que aplique um tratamento adequado agraves diversas naturezas de
evidecircncias e incorpore escolas de pensamento mais recentes como a Arqueologia Poacutes-
Processual e a Nova Histoacuteria Natildeo podemos simplesmente ignorar as fontes escritas
tampouco as evidecircncias arqueoloacutegicas Concordacircncias entre ambas nos revelam
conhecimento sobre o passado Poreacutem discordacircncias tambeacutem
A abordagem de Thomas Noonan tentando esquivar-se das insuficiecircncias
produzidas pelas fontes escritas abriu generosos leques de interpretaccedilatildeo mas propiciou
uma estrutura explicativa de cunho mais econocircmico para o movimento escandinavo no
Leste A circulaccedilatildeo de dirhams aacuterabes apresentou-se como atrativo e impulso aos
escandinavos
A narrativa deixada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet pode apontar caminhos
interpretativos diversos e mais amplos de como o passado recente era visto pelo seacuteculo
X A reelaboraccedilatildeo do passado lida com esse mesmo passado estudado atraveacutes dos
vestiacutegios arqueoloacutegicos e da Numismaacutetica Dessa forma ainda que as interpretaccedilotildees
mais oacutebvias de ambas abordagens possam parecer exclusivas elas propiciam um
conhecimento mais completo do quadro histoacuterico da regiatildeo
146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e
possibilidades interpretativas adicionais
Haacute outra vertente ainda que pode ser explorada e que oferece campo promissor e
amplo no estudo da PVL e o Chamado dos Varegues Trata-se dos estudos que
incorporam anaacutelise do mito conhecimento antropoloacutegico e literaacuterio
Marshal Sahlins em ldquoIlhas da Histoacuteriardquo apresenta-nos um estudo de caso
antropoloacutegico que sugere uma forma interpretativa da situaccedilatildeo Natildeo pretendemos expor
uma hipoacutetese absoluta e substitutiva da controveacutersia mas apontar a existecircncia de formas
diversas pelas quais a situaccedilatildeo ainda pode ser analisada com o emprego de conceitos
59
mais recentes de interpretaccedilatildeo historiograacutefica como a Antropologia Histoacuterica
No estudo de caso ldquoO rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fijirdquo Sahlins
apresenta a desconcertante possibilidade comparativa da teoria tripartite de Dumeacutezil
com suas proacuteprias investigaccedilotildees sobre as estruturas sociais nas Ilhas Polineacutesias
A ponte que Sahlins faraacute encontra-se no aspecto da Teoria Poliacutetica Aponta para
a recorrente situaccedilatildeo do simbolismo envolvido na adoccedilatildeo de um governante estrangeiro
por uma sociedade especiacutefica
ldquoA soberania aparece como vinda do exterior da sociedade O
rei que eacute de iniacutecio um estrangeiro e uma figura um tanto aterrorizante
seraacute depois absorvido e domesticado pela populaccedilatildeo nativa em um
processo que passa por sua morte simboacutelica e seu consequente
renascimento sob a forma de um deus localrdquo80
Os paralelos apontados por Dumeacutezil encontram-se mais no campo da Histoacuteria
Claacutessica a vinda de Eneacuteias de Troacuteia a questatildeo dos latinos e sabinos a expulsatildeo de
Rocircmulo e Remo por Numitor e a posterior conquista do poder por Rocircmulo como um
ser vindo de fora Os paralelos trazidos por Sahlins tratam mais de casos da Oceania em
particular envolvendo o Capitatildeo Cook Poderiacuteamos acrescentar outras situaccedilotildees como a
chegada de Europeus agraves Ameacutericas em um contexto definitivamente natildeo conexo e sem
ligaccedilotildees histoacutericas verificaacuteveis
Poreacutem o contexto especiacutefico da Histoacuteria Claacutessica encontra-se mais proacuteximo em
um acircmbito europeu e podemos encontrar outros paralelos Um eacute de particular interesse
por ter sido empregado pelos criacuteticos das ideias normanistas Trata-se da Crocircnica
Anglo-saxatilde que vai tratar de formas muito semelhantes agrave narrativa da Poacuteviest
vrieacutemennikh liet a vinda dos anglos para as Ilhas Britacircnicas Por sua vez temos uma
interessante similaridade na Saga de Yngvar81
Sueco que faraacute uma expediccedilatildeo de renome
duradouro agrave Ruacutessia morrendo possivelmente nas proximidades do Mar Caacutespio Yngvar
enquadra-se de certas formas no estereoacutetipo do rei estrangeiro
Sahlins e Dumeacutezil traratildeo a ideia de que num campo simboacutelico e imaginaacuterio o
elemento estrangeiro simbolizaraacute o masculino o macho feroz criador e procriador e
quando mitologizado geralmente associado ao sol e agraves esferas celestes Quanto ao
80
SAHLINS Marshall O rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fiji In Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro
Jorge Zahar 1990 [University of Chicago Press 1987] p106 81
Traduccedilatildeo inglesa PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga
and Eymunds Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]
60
elemento nativo simbolizaraacute num primeiro momento o feminino a associaccedilatildeo com o
poder da terra e do subterracircneo de crescimento de accedilotildees paciacuteficas e duradouras Como
os sabinos apresentam-se associados com a riqueza com aquilo que ldquonutre a semente
divina e a transforma em substacircncia socialrdquo
Essa forma interpretativa encontra eco tambeacutem em estudos natildeo apenas da
Mitologia Escandinava per se mas tambeacutem em trabalhos que vinculam representaccedilotildees
mitoloacutegicas agrave proacutepria institucionalizaccedilatildeo monaacuterquica O conceito de Hierogamia (de
ιερός γάμος ldquocasamento sagradordquo) eacute aplicado no contexto escandinavo desde estudiosos
de deacutecadas anteriores como Regis Boyer Hilda Ellis-Davidson e Thomas Dubois
quanto das novas geraccedilotildees como Christopher Abram e Gro Steinsland82
De forma
recorrente encontram-se semelhanccedilas em narrativas que apresentam a uniatildeo entre duas
divindades representativas da ordem e do caos
Na narrativa escandinava o proacuteprio escandinavo estaacute ligado agrave divindade
masculina e ao princiacutepio da ordem A populaccedilatildeo estrangeira o outro ndash frequentemente
os saami ou os finnar - eacute associada agrave divindade e ao princiacutepio feminino ligado ao caos
agrave falta de estruturaccedilatildeo A uniatildeo entre as duas entidades resultaraacute em feitos
extraordinaacuterios Dessa forma encontra-se o mito da Hierogamia ldquostrongly connected to
the legitimation of the elite to the peoples wish for fertility as well as philosophies
around death and ressurectionrdquo83
Existem indiacutecios tambeacutem da existecircncia de mitos hierogacircmicos entre os fino-
uacutegricos em particular referente ao casamento do deus Ukko com Rani84
e entre os
povos eslaacutevicos85
As discussotildees relativas agrave mitologia eslaacutevica entretanto enfatizam de
82
Destaque agrave tese de doutoramento da norueguesa Gro Steinsland defendida em 1989 e intitulada ldquoDet
hellige bryllup og norroslashn kongeideologi en analyse av hierogami-myten i Skiacuternismaacutel Ynglingatal
Haacuteleygjatal og Hyndluljoacuted ldquo (ldquoO casamento sagrado e a ideologia noacuterdica de realeza uma anaacutelise do mito
do hieros gamos no Skiacuternismaacutel Ynglingatal Haacuteleygjatal e Hyndluljoacuteethrdquo) Agradecimentos a Renan Birro
que trouxe agrave lembranccedila as seguintes obras que tratam da temaacutetica em uma perspectiva mais ampla em
completa ABRAM Christopher Myths of the Pagan North New York Continuum International
Publishing Book 2011 STEINSLAND Gro BEUERMANN Ian et alli (eds) Ideology and Power in
the Viking and Middle Ages Scandinavia Iceland Ireland Orkney and the Faeroes Leiden Brill 2011 83
KVILHAUG Maria The Maiden with the Mead A Goddess of Initiation Rituals in Old Norse
Mythology Oslo VDM Verlag 2009p 23 84
DUBOIS Thomas Nordic Religions in the Viking Age Philadelphia at the University Press 1999 P
56 85
BELAJ Vitomir Uz Katičićevu rekonstrukciju tekstova o baltoslavenskoj Majci bogova In Trava od
srca Hrvatske Indije II Urednici Ekrem Čauševićhellip et ali Zagreb Hrvatsko filološko društvo
Filozofski fakultet 2000 MARJANIĆ Suzana The Dyadic Goddess and Duotheism in Nodiloacutes The
Ancient Faith of the Serbs and the Croats In Studia Mythologica Slavica VI 2003 Pp 181-204 amp
NODILO Natko Stara vjera Srba I Hrvata In Religija Srbacirc i Hrvatacirc na glavnoj osnovi pjesama priča i
govora narodnog (Antiga feacute dos seacutervios e croatas In Religiatildeo dos seacutervios e croatas nas principais bases
61
forma um tanto demasiada aspectos estruturalistas e mesmo fenomenoloacutegicos que
desembocam em tentativas da reconstruccedilatildeo de um panteatildeo bem-definido e difundido
frequentemente desconsiderando as especificidades contextuais Em ambos os casos a
aplicaccedilatildeo do hieros gamos agrave legitimaccedilatildeo monaacuterquica encontra-se distante da discussatildeo
mas eacute interessante notar que ao menos funcionalmente haacute similaridades entre as
divindades envolvidas (ie um deus celeste muitas vezes ligado ao trovatildeo que une-se agrave
deusa-terra)
Retornando a um contexto escandinavo eacute razoaacutevel argumentar que no campo do
imaginaacuterio a temaacutetica do ldquorei estrangeirordquo propicia valor simboacutelico acentuado em
particular na confecccedilatildeo de narrativas de princiacutepios de reinos e dinastias
O historiador necessita ter saudaacuteveis ressalvas na aplicaccedilatildeo de comparaccedilotildees
entre contextos sem conexotildees histoacutericas empiacutericas e∕ou plausiacuteveis ainda que um
regresso ao historicismo e positivismo natildeo sejam uma opccedilatildeo poreacutem de forma alguma
procuramos a criaccedilatildeo de leis antropoloacutegicas universais
Ora eacute necessaacuterio frisar o proacuteprio meacutetodo antropoloacutegico e etnograacutefico insiste na
necessidade de que o estudo de campo preceda o estudo de caso eacute ele que forneceraacute a
teoria explicativa especiacutefica do caso em questatildeo ainda que outros estudos teoacutericos
possam propiciar escopo fundamentaccedilatildeo bem como na formulaccedilatildeo mais precisa das
questotildees
Feitas tais ressalvas julgamos plausiacutevel que a forccedila simboacutelica do governante
estrangeiro recorrente em diversos contextos (incluindo na Europa e dentre outras
populaccedilotildees proacuteximas aos escandinavos) tenha sido um fator que natildeo deve ser
desconsiderado na anaacutelise da Poacuteviest vrieacutemennikh liet enquanto relato histoacuterico do
surgimento da Ruacutessia
O poder simboacutelico que a temaacutetica fornece agrave dinastia governante natildeo pode ser
subestimado e eacute mais que coerente e plausiacutevel que a existecircncia de temaacutetica miacutetica
recorrente em relatos de legitimaccedilatildeo monaacuterquica escandinavos sejam empregados numa
fonte que ainda que eslaacutevica defenda a existecircncia e legitimaccedilatildeo de uma dinastia de
origem escandinava em contexto eslaacutevico
A sugestatildeo do uso de uma temaacutetica especiacutefica pelo cronista natildeo eacute aleatoacuteria e
de canccedilotildees estoacuterias e ditos populares) Split Logos 1981
62
desprovida de significado As ideias circulam nos mais diversos contextos influenciam
e sofrem influecircncias mas natildeo surgem do nada Dessa forma a forccedila simboacutelica do rei
estrangeiro teve de ser inspirada por algum evento do passado que natildeo pode estar
desconexo ou incoerente com o emprego da mesma
Tal circunstacircncia eacute reforccedilada pelo contexto de escrita da PVL marcado pelo
esfacelamento e enfraquecimento das antigas unidades entre os priacutencipes russos e
quando a Rus passa a se dividir em pequenos principados tomados de disputas e feudos
entre seus governantes Uma histoacuteria apontando uma linhagem uacutenica e contiacutenua que
surgiria em meio de contexto de contendas como a apresentada com o chamado dos
varegues possui assim especial significado no sentido de reunir e retomar antigos laccedilos
de unidade legitimados pela casa ancestral riurikida
Poreacutem o reduzir a situaccedilatildeo a uma mera narrativa de legitimaccedilatildeo pode
subestimar o poder do simboacutelico e restringir sua circulaccedilatildeo e perenidade seja temporal
ou social
O interlace entre extratos sociais ndash clerical aristocraacutetico ou mesmo da tatildeo
buscada ldquoCultura popularrdquo - permite uma ampliaccedilatildeo das possibilidades de ressonacircncias
do mito nas sociedades eslaacutevicas fiacutenicas e escandinavas do medievo e do contexto de
interaccedilatildeo entre as mesmas
Por fim outro caminho tambeacutem pelo qual natildeo temos no presente condiccedilotildees de
nos aprofundarmos seria o aberto por Eleazar Meletiacutenski ligado agrave chamada Escola de
Tartu e autor de obras extremamente relevantes agrave temaacutetica como a ldquoPoeacutetica do Mitordquo
ldquoOs arqueacutetipos literaacuteriosrdquo e ldquoA Edda e as formas primitivas de Eposrdquo
Categorias e conceitos presentes em alguns estudos medievais russos como o de
ldquoeacutepico arcaico mitoloacutegicordquo ou ldquoconto-maravilhoso heroacuteicordquo (Богатырская Сказка)
poderiam fornecer novas ferramentas interpretativas em um contexto histoacuterico mais
plausiacutevel e conectado que inserisse elementos comuns aos eacutepicos russos (como a
recorrecircncia de triacuteades tambeacutem presente no chamado dos varegues por exemplo)
63
15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos
151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS
Voltemos ao desenrolar da controveacutersia normanista em solo russo em particular
referente aos desenvolvimentos da mesma no periacuteodo sovieacutetico Tal histoacuterico mistura-se
com o proacuteprio desenvovimento da Histoacuteria e da Arqueologia na Uniatildeo Sovieacutetica
Em 1919 foi criada a RAIMK Academia Russa de histoacuteria da Cultura Material
derivada da antiga Comissatildeo Arqueoloacutegica Imperial de Petrogrado Seu primeiro diretor
foi Nikolai Marr (1865-1934) Neste periacuteodo a arqueologia em particular foi marcada
por caracteriacutesticas relativamente progressistas incluindo comunicaccedilatildeo de resultados e
ideias a niacutevel internacional e disputas teoacutericas86
Personalidade polecircmica Marr foi considerado por alguns como um gecircnio mas
por outros como os linguistas Trubetskoi e Jakobson como insano87
Natildeo exatamente
um arqueoacutelogo Marr estava mais interessado na formulaccedilatildeo de teorias linguiacutesticas e no
ajuste dos achados arqueoloacutegicos a elas sendo um amador que praticara de tal forma a
Arqueologia em seu passado e que tampouco tinha por ela apreccedilo88
Dentre suas ideias baacutesicas como o ldquoJafetismordquo e a ldquoPaleontologia da falardquo
recebeu destaque a concepccedilatildeo de que as mudanccedilas linguiacutesticas ao inveacutes de ocorrerem
por meio de processos de diferenciaccedilatildeo fonoloacutegica gramatical e leacutexica dariam-se por
meio de respostas agrave mudanccedilas socioeconocircmicas nas sociedades89
Similaridades entre liacutenguas indicariam similaridades em seus estaacutegios
ldquoevolutivosrdquo Pelo adequamento superficial de tal teoria aos referenciais marxistas de
mudana sociocultural as ideias de Marr encontrariam acolhida e dominacircncia no meio
acadecircmico sovieacutetico ateacute a deacutecada de 195090
Com a criaccedilatildeo da URSS a RAIMK transformaria-se na GAIMK91
ndash Academia
Estatal de Histoacuteria da Cultura Material assumindo jurisdiccedilatildeo por todas as repuacuteblicas da
86
PLATONOVA Nadezhda Igorevna The Phenomenon of Pre-Soviet Archaeology Archival Studies in
the History of Russian Archaeology ndash Methods and Results In SCHLANGER Nathan amp
NORDBLADH Jarl (eds) Archives Ancestors Practices Archaeology in the Light of its HistoryNew
York amp Oxford Brghahn Books 2007 P48 87
KLEJN Leo Soviet Archaeology Trends Schools and History Oxford 2013 p 204 88
KLEJN 212 89
KLEJN 211s 90
TRIGGER 206 91
TRIGGER 206
64
URSS Ocorreu a criaccedilatildeo de departamentos de arqueologia com muitos pesquisadores
em tempo integral e com facilidades de acesso a institutos de anaacutelise geoloacutegica
climatoloacutegica da fauna e flora dentre outros campos do conhecimento92
No iniacutecio da deacutecada de 20 foi criado em Moscou o RANION a ldquoSeccedilatildeo de
arqueologia da Associaccedilatildeo russa de Instituos de Ciecircncias Sociaisrdquo Espeacutecie de rival do
GAIMK o RANION estava sob supervisatildeo direta do Partido Comunista que tambeacutem
estimulava a criaccedilatildeo de centros regionais de pesquisa e sociedades arqueoloacutegicas
O periacuteodo imediato apoacutes a Primeira Guerra mundial foi marcado pela NEP ndash
nova poliacutetica econocircmica (1921-1928) no qual a URSS esteve sob governo de Lecircnin
Nesse periacuteodo o governo sovieacutetico adotou poliacutetica de reconciliaccedilatildeo com a intelligentsia
ndash em sua maior parte oriunda da classe intelectual anterior agrave revoluccedilatildeo sendo que boa
parte da mesa natildeo havia apoiado a revoluccedilatildeo bolshevique
Lenin adotaria a poliacutetica de que ao inveacutes de se destruir os fundamentos
cientiacuteficos e culturais atingidos pela burguesia o partido deveria aproveitaacute-los e edificar
novos fundamentos sobre os mesmos ndash o governo comunista natildeo poderia governar o
paiacutes sem o apoio das classes educadas e detentoras de conhecimento93
Dessa forma ao menos nos anos da NEP muitos intelectuais das geraccedilotildees
anteriores donos de reputaccedilotildees consolidadas exerceram cargos de chefia e influecircncia
com remuneraccedilotildees adequadas possuindo relativa liberdade de pensamento94
a despeito
das ideias de Marr no GAIMK
Esse periacuteodo inicial da arqueologia sovieacutetica assistiu agrave substituiccedilatildeo da
arqueologia preacutevia amadora por uma arqueologia profissionalizada com a formaccedilatildeo de
grande nuacutemero de acadecircmicos e uma coordenaccedilatildeo mais adequada de esforccedilos por todos
os territoacuterios da URSS Foi tambeacutem um periacuteodo no qual ocorria grande colaboraccedilatildeo
com autores do estrangeiro95
Uma das principais publicaccedilotildees na arqueologia do periacuteodo foi o periacuteodo Eurasia
Septentrionalis Antiqua cujo editor o finlandecircs Aarne Michaeumll Tallgreen (1885-1945)
foi relevante defensor da posiccedilatildeo normanista Tallgren publicaria em 1911 ldquoDie kupfer-
und bronzezeit in Nord- und Ostrussland Irdquo no qual analisaria a cultura arqueoloacutegica da
92
TRIGGER 207 93
TRIGGER 207 94
TRIGGER 208 95
TRIGGER 208
65
Idade do bronze do Volga-Kama enquanto produto de difusatildeo da expansatildeo sueca na
Ruacutessia Tallgreen publicaria artigos de autores russos em liacutenguas ocidentais como o
inglecircs francecircs e alematildeo num contexto em que a arqueologia europeia ainda
influenciava a produzida na Uniatildeo Sovieacutetica
A influecircncia difusionista da escola vienense de antropologia consistia na ideia
dominante entre os arqueoacutelogos e propiciava um campo intelectual apropriado para
ideias de escandinavos estrangeiros portadores de cultura no territoacuterio da Rus Neste
contexto inicial a circunstacircncia de lidar com a Cultura Material era para tais
pesquisadores ligaccedilatildeo suficiente com uma perspectiva materialista96
A posiccedilatildeo da primeira geraccedilatildeo de historiadores poacutes-revolucionaacuterios entretanto
natildeo eacute tatildeo facilmente rotulaacutevel como ldquonormanistardquo ou ldquoanti-normanistardquo O foco de
atenccedilatildeo dos pesquisadores passaraacute gradualmente da etnogecircnese para o estudo de
questotildees soacutecio-econocircmicas poreacutem neste processo conceitos antigos ainda perduraratildeo
consideravelmente A proacutepria visatildeo de uma arqueologia marxista monoliacutetica nas
deacutecadas subsequentes vecircm sido criticada como desconhecedora das nuances soacute
perceptiacuteveis com a anaacutelise de documentaccedilatildeo nem sempre acessiacutevel ou disponiacutevel ao
pesquisador ocidental apenas muito recentemente97
Entre 1917 e 1920 destacam-se dois trabalhos especiacuteficos referindo o problema
normando O primeiro eacute Drevneyshiye Sudby Rus skogo Plemeni (Os antigos
destinos da tribo russa) de Aleksei Aleksandrovitch Chakhmatov (1864-1920) Sua
criacutetica agrave crocircnica nestoriana seraacute fundamental para os posteriores anti-normanistas
sovieacuteticos Entretanto Shakhmatov manteacutem-se em um posicionamento analiacutetico que
insere a histoacuteria inicial da Rus em uma estrutura normana desenvolvendo uma teoria na
qual trecircs estados varegues teriam se sucedido ndash ideia que frutificaria na obra de
Platonov
A outra obra de PPSmirmov Волжский Путь и Древние Руси (Rota do
Volga e os antigos Rus) basearia-se fortemente nas obras de crocircnicas muccedilulmanos
medievais e centralizaria a influecircncia varegue na aacuterea do Volga98
Devemos ainda referir ao acadecircmico Brim que tentaraacute conciliar a ideia
normanista e a origem escandinava do termo Rus com a frequecircncia do termo Ros nas
96
TRIGGER 209 97
PLATONOVA 48 98
ZAKHARII 96
66
aacutereas mais meridionais do Dniepr e de Kiev argumentando que teria havia uma mistura
entre ambos componentes eacutetnicos e sociais
Tal estado favoraacutevel agrave manutenccedilatildeo de uma posiccedilatildeo normanista ou ao menos
conciliadora perduraraacute ateacute o final da deacutecada de 20 e iniacutecio da deacutecada de 30 Ainda em
1931 a enciclopeacutedia concisa sovieacutetica veicularia que a classe dominante entre os seacuteculos
9-11 era composta principalmente de varegues e chamada de Rus99
152 O periacuteodo Stalinista
A subida de Stalin ao poder alteraria drasticamente as ciecircncias sovieacuteticas Entre
os anos de 1928 a 1932 ocorreria a chamada ldquoRevoluccedilatildeo culturalrdquo bem como a
campanha para acomodar a intelligentsia aos princiacutepios marxistas sovieacuteticos
Os centros de pesquisa arqueoloacutegica regionais foram substituiacutedos por
departamentos de estudos regionais controlados pelo governo
A partir de 1930 os contatos entre acadecircmicos sovieacuteticos e estrangeiros foram
suprimidos100
Por certo tempo o GAIMK era o uacutenico local onde podia se encontrar
exemplares de publicaccedilotildees estrangeiras
O que seria considerado ldquomanifestordquo da nova arqueologia sovieacutetica marxista
seria publicado em 1929 por Vladislav Ravdonikas (1894-1976) O relatoacuterio publicado
no ano posterior como ensaio e intitulado ldquoPara uma histoacuteria sovieacutetica da cultura
materialrdquo foi lido em sessatildeo do GAIMK Criticava posiccedilotildees da antiga intelligentsia e
defendia sua substituiccedilatildeo por princiacutepios marxistas101
Nos anos seguintes ocorreu a perseguiccedilatildeo que passava pela demissatildeo ateacute
mesmo prisatildeo e exiacutelio de arqueoacutelogos que natildeo mudassem seus pontos de vistas
acomodando-os agraves novas configuraccedilotildees ideoloacutegicas
O proacuteprio Tallgren em virtude de suas criacuteticas a tais processos perdeu seu tiacutetulo
de ldquocidadatildeo honoraacuterio sovieacuteticordquo posteriormente agrave sua visita a Leningrado em 1935
A RANION foi substituiacuteda em 1932 por um ramo moscovita da GAIMK
denominado MOGAIMK O principal pensador nesse periacuteodo foi o proacuteprio Ravdonikas
99
ZAKHARII 98 100
TRIGGER 210 101
TRIGGER 210
67
mas a maior parte dos novos arqueoacutelogos carecia de experiecircncia ndash tanto no marxismo
quanto na arqueologia102
e a ausecircncia de muitas diretrizes nos escritos de Marx natildeo
tornava a tarefa da criaccedilatildeo de uma arqueologia marxista mais faacutecil
Ainda assim a arqueologia sovieacutetica foi pioneira no sentido de tentar explicar
mudanccedilas sociais por meio da Cultura Material antecedendo-se em suas formas
explicativas agrave proacutepria New-Archaeology ou Arqueologia Processualista explicando
mudanccedila no registro por meio de transformaccedilotildees internas das sociedades ao inveacutes de
recorrer de imediato agrave migraccedilatildeo e difusatildeo103
Evidentemente sob fortes restriccedilotildees
conceituais e sob a obrigatoriedade de enquadrar achados e teorias explicativas em
moldes marxistas e materialistas
Eacute significativo a niacutevel conceitual que a Arqueologia tenha nesse periacuteodo sido
ldquorebatizadardquo de ldquoHistoacuteria da Cultura Materialrdquo104
Um fator particularmente catastroacutefico para a teoria arqueoloacutegica sovieacutetica no
periacuteodo em questatildeo foi o predomiacutenio das ideias de Marr acerca da mudanccedila linguiacutestica
Elocubraccedilotildees bizarras foram criadas a fim de explicar mudanccedilas populacionais
O proacuteprio Ravdonikas seguindo os passos de Marr explicaria as modificaccedilotildees
culturais e eacutetnicas na Crimeacuteia na qual se sucederam Citas Godos e Eslavos como uma
mudanccedila de uma mesma populaccedilatildeo local tendo haviado uma evoluccedilatildeo linguiacutestica entre
as liacutenguas iranianas sucedidas pelas germacircnicas e finalmente pela eslava Tambeacutem
argumentaria que devido agrave tal sucessatildeo evolucionaacuteria local e a necessidade de
passagem por tais estaacutegios os godos da Crimeacuteia germacircnicos natildeo teriam qualquer
relaccedilatildeo com outros povos germacircnicos do oeste e norte ndash a evoluccedilatildeo linguiacutestica ocorria
independentemente105
Tal ideia seria abandonada apenas com Stalin em 1950 que salientaria em seu
ensaio ldquoSobre o marxismo na linguiacutesticardquo que os russos falavam russo antes da
revoluccedilatildeo e permaneceram o falando apoacutes a mesma
A despeito do avanccedilo teoacuterico ndash ao menos nas tentativas de explicaccedilatildeo social
com emprego da Cultura Material teacutecnicas tradicionais e consolidadas na Arqueologia
no Ocidente como construccedilatildeo de tipologias classificaccedilotildees e descriccedilotildees foram deixadas
102
TRIGGER 212 103
TRIGGER 217 104
KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica 1993 P21 105
TRIGGER 218
68
de lado designadas como metodologias ldquoburguesasrdquo o que gerou descompasso e atraso
consideraacutevel da arqueologia sovieacutetica em relaccedilatildeo agrave praticada no restante da Europa e
Ameacuterica
Apoacutes 1934 ocorreu um aumento consideraacutevel de estudos empiacutericos mais
convencionais e profissionais na arqueologia sovieacutetica A proacutepria insistecircncia em
ortodoxia poliacutetica e o risco de se ser contraacuterio a ela implicava que discutir teoria e
inovaccedilotildees na teoria marxista era tarefa perigosa106
Foram reinstituiacutedos os programas de poacutes-graduaccedilatildeo e defesas de teses e
dissertaccedilotildees e a Arqueologia ainda que continuasse enquanto um ramo da Histoacuteria foi
reconhecida enquanto disciplina recebendo a designaccedilatildeo especiacutefica de ldquoArqueologia
Soviacuteeticardquo para distinguiacute-la do que era chamado de ldquoArqueologia burguesardquo107
Em adiccedilatildeo aos projetos arqueoloacutegicos de larga escala iniciados em 1928
difundiram projetos de arqueologia de salvamento e iniciou-se a publicaccedilatildeo da
Советская Археология (ldquoArqueologia Sovieacuteticardquo)
Nos finais da deacutecada de 30 as discussotildees relativas agrave etnogecircnese ndash em particular
relativas aos povos eslaacutevicos e aos germacircnicos ndash assumiram grande importacircncia
discussatildeo agravada pelo contexto circundante da 2ordf guerra mundial As escavaccedilotildees de
Novgorod demonstrando elevado desenvolvimento urbano e mesmo a descoberta de
cartas escritas em cartas de beacutetula que demonstraram literamento em extratos sociais
fora do clero deram acircnimo a explicaccedilotildees nacionalistas acerca do progresso eslaacutevico no
medievo particularmente ldquorussordquo em relaccedilatildeo aos povos da Europa Ocidental
Destarte a influecircncia escandinava e o normanismo foram veementemente
rejeitados108
ainda que o predomiacutenio das teorias de Marr tornasse as explicaccedilotildees
referentes agrave etnogecircnese verdadeiros malabarismos teoacutericos
O uacuteltimo pensador a advogar a ideia normanista seria Brim que defenderia a
dualidade entre os nomes Rus oriundo de Ruotsi e em voga no norte e Ros ligado ao
sul e aos rios da bacia do Dnieper Griekov incluiria ideias do uacuteltimo em sua obra109
mas penderia definitivamente para o papel auto-suficiente dos eslavos e o surgimento
106
TRIGGER 221 107
TRIGGER 221 108
TRIGGER 225 109
ZAKHARII p97
69
da Rus enquanto entidade poliacutetica autoacutectone110
Eacute nesse periacuteodo que se desenvolveriam
as ideias de anti-normanistas importantes como Artamanov Iushkhov e Trubatcheacutev
Stalin reassentaria populaccedilotildees de todo o territoacuterio ocupado pela URSS de forma
a diluir minorias eacutetnicas e enfatizar uma pressuposta unidade de estado alterando
tambeacutem a interpretaccedilatildeo histoacuterica e arqueoloacutegica de forma a enfatizar unidades e
conexotildees ancestrais e milenares dentre seus povos constituintes111
ndash fossem elas reais e
embasadas ou natildeo Evidentemente em tais processos antigas atitudes de Pan-eslavismo
foram retomadas ressignificadas e empregadas de forma a legitimar a nova ordem em
particular a partir da deacutecada de 1940112
Em 3 de Novembro de 1947 Iakovlev resumiria o espiacuterito da questatildeo
normanista agrave academia sovieacutetica de entatildeo com sua declaraccedilatildeo no perioacutedico ldquoBolshevikrdquo
de que o normanismo era ldquopoliticamente danosordquo por ldquonegar a habilidade das naccedilotildees
eslavas de formarem um estado independente por seus proacuteprios esforccedilosrdquo113
153 Os tempos poacutes-Stalin Kruschoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn
Ainda que descrito por alguns como problemaacutetico114
ou de crise115
o periacuteodo
posterior ao governo de Stalin permitiu que a interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica assumisse ares
distintos
Mais relevante no entanto foi a significativa liberalizaccedilatildeo pela qual passou a URSS
tanto a niacutevel acadecircmico quanto na sociedade em geral decorrente do chamado ldquodegelordquo
da administraccedilatildeo de Nikita Kruschoacutev enquanto primeiro secretaacuterio da URSS A relativa
abertura da URSS ao ocidente e a puacuteblica condenaccedilatildeo aos desfeitos de Staacutelin por
Kruschtchoacutev tiveram efeitos na academia na histoacuteria e arqueologia
A centralizaccedilatildeo especiacutefica das pesquisas arqueoloacutegicas foi diluiacuteda com a criaccedilatildeo
de outros centros O acesso a perioacutedicos estrangeiros tambeacutem se tornou mais faacutecil ainda
que sob a lente marxista-leninista que as compreendia enquanto produtos da sociedade
110
ZAKHARII p93 111
BARFORD 276 112
BARFORD 277 113
ЯКОВЛЕВ 1947 114
apud GENING 1982 em TRIGGER 226 115
apud SOFFER 19858-15 em TRIGGER 226
70
burguesa que deviam passar sob o crivo da criacutetica materialista116
As discussotildees dentro do marxismo tornaram-se mais complexas e multi-
facetadas por todo o contexto cultural sovieacutetico ndash incluindo a historiografia117
Ainda
assim a posiccedilatildeo normanista permaneceu condenada pela maioria dos acadecircmicos
sovieacuteticos ateacute a deacutecada de 1970 em particular aos ligados agrave chamada ldquoEscola de
Moscourdquo118
Nesse contexto destaca-se o nome de Liev Samoilovitch Klein mais conhecido
como Leon Klejn e que se tornaria voz ativa e de relevacircncia no estabelecimento de um
reavivamento das ideias normanistas dentro da proacutepria URSS Judeu oriundo da
Bieloruacutessia efetuaria seus estudos de poacutes-graduaccedilatildeo em Leningrado apoacutes ser forccedilado a
abandonar a universidade de Grodno por divergecircncias ideoloacutegicas119
Tendo estudado arqueologia com Mikhail Artamonov e filologia com Vladimir
Propp entre os anos de 1947 a 1950 Klejn criticaria as posiccedilotildees de Marr ato que natildeo
lhe trouxe consequecircncias mais seacuterias pela condenaccedilatildeo de tais ideias pelo proacuteprio Stalin
Trabalhando no departamento de arqueologia apoacutes 1960 Klejn tornar-se-ia
professor assistente do mesmo em 1962 mas completaria o grau equivalente a um
doutorado (Candidato de ciecircncias) apenas em 1968 sem conseguir defender sua tese
entretanto
154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991)
Com a deposiccedilatildeo de Kruschoacutev e a subida de Breacutejnev ao poder muito de suas
medidas incluindo a abertura da URSS ao ocidente foram revertidas Entretanto foi no
periacuteodo do longo governo de Breacutejnev que a URSS atingiu status de superpotecircncia e no
qual sua populaccedilatildeo desfrutaria de melhorias econocircmicas e sociais consideraacuteveis A
ciecircncia tecnologia e a academia no geral avanccedilariam num processo de
profissionalizaccedilatildeo ainda maior
Tais melhorias no entanto natildeo perduraram sendo que o final do periacuteodo a
116
TRIGGER 227 117
REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003
P123 118
BARFORD 233 119
ZAPATERO Gonzalo Ruiz Prefacio In KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica
1993 PVII
71
URSS entraria em marcada crise principalmente econocircmica
Na metade da deacutecada de 1960 Leon Klejn organizaria uma seacuterie de seminaacuterios
sobre o normanismo na tentativa de estabelecer uma posiatildeo normanista mais velada
parcial ou ao menos que sobrevivesse agraves restriccedilotildees da ideologia oficial Tal contexto
gerou debate entre o proacuteprio Klejn e Shaskolski Seria o que o proacuteprio Klejn chamaria
de ldquoterceiro picordquo de debate normanista na Ruacutessia (agora URSS) os dois primeiros
seriam Muumlller contra Lomonoacutessov e Pogodin contra Kostomarov120
Klejn desmembraria o conceito normanista no que ele chamaria de ldquosete
passosrdquo de acordo com os quais o mesmo era discutido na historiografia sovieacutetica 1) a
chegada dos escandinavos na antiga aacuterea eslava oriental 2) Fundaccedilatildeo de Kiev por eles
3) a origem escandinava do termo Rus 4) Influecircncias escandinavas na cultura eslava
oriental 5) Escandinavos como criadores do primeiro estado eslavo oriental 6)
Preferecircncia racial dos escandinavos como causa de seu sucesso 7) Influecircncas poliacuteticas
na situaccedilatildeo contemporacircnea os ldquogeniais escandinavosrdquo enquanto chefes e os eslavos
como seus subordinados121
Klejn argumentaria que seria possiacutevel a aceitaccedilatildeo dos cinco primeiros passos
tranquilamente sem qualquer risco de distorccedilatildeo da teoria marxista Seria perseguido
pelo regime e preso na deacutecada de 1980 por sua homossexualidade conseguindo
defender sua tese de doutorado apenas em 1994
No entanto de seus seminaacuterios e posicionamentos em Leningrado surgiria uma
nova vertente historiograacutefica na URSS favoraacutevel ao normanismo e oposicionista que
tornaria forma mais marcadamente a partir da deacutecada de 1980122
sendo chamada
geneacuterica e natildeo oficialmente de ldquoEscola de Klejnrdquo termo desfavorecido pelo proacuteprio
Klejn que atualmente aposentado na academia apoacutes lecionar na Universidade
Europeia de Satildeo Petersburgo eacute colunista na Troitski variant
Os estudos histoacutericos e arqueoloacutegicos na URSS seriam mais criticados e
problematizados nas deacutecadas de 70 e 80 abrindo espaccedilo importante a pensamentos
divergentes Formozoacutev por exemplo criticaria amargamente o estado da Arqueologia
120
WESTRATE Michael The ldquoNorman Problemrdquo in Historiography Nationalism and the Origins of
Russia In Vestnik the Journal of Russian and Asian Studies 08 de maio de 2007 Obtido em
lthttpwwwsrasorgnationalism_and_the_origins_of_russiagt Uacuteltimo acesso em 03092014 121
KLEJN Leo Normanism mdash antinormanism the end of the argument In Stratum plus Non-Slavic
Elements in the Slavic World 1999 N05 Pp 91-101 122
Apud LEBEDEV GS Epokha vikingov v Severnoi Europe Leningrad 1985 In BARFORD 233
72
sovieacutetica em seu artigo de 1977 ldquoCriacutetica das fontes em Arqueologiardquo123
Segundo ele um problema generalizado na Arqueologia sovieacutetica era o
procedimento de publicar conclusotildees e resultados da pesquisa sem os dados da pesquisa
em si O leitor leigo final ficaria com a impressatildeo de que os conflitos problemas e
dificuldades da interpretaccedilatildeo histoacuterico-arqueoloacutegica estariam resolvidos enquanto que
ao acadecircmico faltariam todas as premissas soacutelidas para construccedilatildeo do conhecimento124
Klejn referindo-se a Formozoacutev e agrave situaccedilatildeo cita a monografia de Danilenko ldquoO
neoliacutetico na Ucracircnia Capiacutetulos da Histoacuteria antiga do sudeste da Europardquo de 1969 cuja
periodizaccedilatildeo ndash razoavelmente detalhada ndash basear-se-ia apenas em materiais colhidos na
superfiacutecie sem sequer estudo estratigraacutefico ou escavaccedilotildees os proacuteprios materiais de
superfiacutecie foram empregados sem qualquer uso de serializaccedilatildeo125
O proacuteprio Formozoacutev viria a ser eleito membro do conselho de redaccedilatildeo da
Sovetskaia Arkheologia o que Klejn definiria como ldquoum bom sintomardquo De fato nesse
ambiente de retorno a um debate mais proacuteximo de uma conjuntura acadecircmica e
cientiacutefica foi possiacutevel o surgimento dessa nova escola normanista em particular em
Leningrado mantendo a polarizaccedilatildeo acadecircmica Leningrado - Moscou
Destacar-se-iam alguns pesquisadores nesse novo normanismo sovieacutetico cujas
obras perduram contemporaneamente AN Kirpichnikov EA Melnikova EN Nosov
e V Ia Petrukhin Dessa forma a posiccedilatildeo normanista assumiu uma conotaccedilatildeo poliacutetica
ativa no sentido de polarizar politicamente seus participantes entre oposiccedilatildeo (os
normanistas) e os suportadores do status quo (anti-normanistas)
Eacute inviaacutevel se empregar os termos ldquoesquerdardquo e ldquodireitardquo em suas acepccedilotildees
poliacuteticas mais empregadas no Ocidente ao se tratar de Uniatildeo Sovieacutetica126
destarte
optamos por ao inveacutes de se usar um improacuteprio ldquoesquerdardquo para caracterizar a
123
ФОРМОЗОВ ААО критике источников в археологии Ин Советская Археология 1977 Н 01
с05-14 124
ФОРМОЗОВ с10 125
KLEJN 1993 87 126
Norberto Bobbio resumindo e agrupamento a maior parte das definiccedilotildees pertinentes define como um
dos criteacuterios de maior relevacircncia para distinccedilatildeo entre Esquerda e Direita a igualdadedesigualdade
inserindo tambeacutem outras nuances ao debate como por exemplo a diacuteade liberdadeautoridade Segundo
tais criteacuterios a URSS possuiria uma poliacutetica de esquerda que no entanto pelas caracteriacutesticas proacuteprias e
especiacuteficas de um estado autoritaacuterio gerou outras formas de desigualdade Natildeo obstante a distinccedilatildeo e sua
discussatildeo permanecem vaacutelidas ainda que cinzentas o proacuteprio partido Ruacutessia Unida do qual faz parte
atualmente Vladiacutemir Putin por mais que consista em partido de situaccedilatildeo possui alas e divisotildees internas
que refletem a proacutepria divisatildeo direita-esquerda-centro Vide BOBBIO Norberto Direita e Esquerda
razotildees e significados de uma distinccedilatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Editora UNESP 1995[1994]
73
dissidecircncia em se empregar o conceito de ldquooposiccedilatildeordquo
155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica
Na deacutecada de 1990 com o final da Uniatildeo Sovieacutetica transformaccedilotildees de grande
magnitude percorreram toda a sociedade da Ruacutessia e demais ex-repuacuteblicas sovieacuteticas
Na tentativa de se emular os aparentes sucessos das sociedades ocidentais instaurou-se
na Ruacutessia a cartilha neoliberal incluindo liberaccedilatildeo total dos preccedilos combate ao deacuteficit
puacuteblico e inflaccedilatildeo cacircmbio flutuante e consequente sobrevalorizaccedilatildeo do rublo e
privatizaccedilotildees127
Simplificando uma situaccedilatildeo complexa algumas das consequecircncias foram queda
relevante da produccedilatildeo industrial diminuiccedilatildeo de investimentos externos desemprego e
subemprego concentraccedilatildeo brusca de renda surgimento de uma classe de especuladores
queda na expectativa de vida e precariedade nos serviccedilos puacuteblicos128
O impacto em setores especiacuteficos como a sauacutede por exemplo eacute mensurado
estatisticamente O mesmo eacute mais difiacutecil na aacuterea de pesquisa e produccedilatildeo de
conhecimento Os danos agraves aacutereas ligadas aos serviccedilos puacuteblicos evidentemente atingiram
a aacuterea da Educaccedilatildeo e da Pesquisa incluindo estudantes subvencionados Ocorreu o
desmantelamento de uma grande quantidade de institutos e de equipes de pesquisa
construiacutedos por meio de uma longa e difiacutecil maturaccedilatildeo e dilapidados por meio de cortes
de verbas e salaacuterios reduzidos129
Em tal circunstacircncia o meio acadecircmico seraacute atingido duramente pela migraccedilatildeo
de ceacuterebros mas ao menos tempo ficaraacute razoavelmente livre de imposiccedilotildees ideoloacutegicas
e governamentais Merece destaque nessa deacutecada o trabalho efetuado por Yanin relativo
aos resultados de escavaccedilatildeo de Novgorod
Yanin ainda que analizando a complexidade eacutetnica da reigatildeo que envolvia fino-
uacutegricos e eslavos argumentaria que a evidecircncia arqueoloacutegica corroboraria o Chamado
127
REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003 P
269 128
Idem p270 129
Idem ibidem
74
dos Varegues da Crocircnica Primaacuteria Russa130
A situaccedilatildeo perpassaria toda a deacutecada e passaria a reverter-se apenas no seacuteculo
XXI com o iniacutecio da chamada ldquoEra Putinrdquo que seria marcada por uma tentativa de
estabilidade econocircmica e retomada do crescimento131
O meio para tanto seria um papel
afirmativo diretivo e regulatoacuterio da parte do Estado levando ao fortalecimento de
outras contradiccedilotildees dentre as quais a mais marcada seria o recrudescimento de formas
autoritaacuterias na infante democracia russa Sem maiores surpresas seraacute nestes anos mais
recentes que novas discussotildees sobre o normanismo retomariam forccedila na Ruacutessia
16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev
O iniacutecio da era Putin (2000-2008) foi marcado pela nostalgia em relaccedilatildeo aos
tempos de Stalin e o sentimento de necessidade de uma ldquomatildeo forterdquo O crescimento do
poder econocircmico privado associado agrave corrupccedilatildeo e redirecionamento das prioridades
nacionais levou a uma consequente diminuiccedilatildeo no estiacutemulo agrave pesquisa em determinados
campos da ciecircncia Neste periacuteodo a Arqueologia passou a receber o menor apoio do
estado jaacute registrado na histoacuteria russa e sovieacutetica menor ainda que nos anos turbulentos
de guerra civil proacuteximos a revoluccedilatildeo de 1917 O contexto eacute marcado por baixas
remuneraccedilotildees e diminuiccedilatildeo das posiccedilotildees acadecircmicas132
Natildeo obstante no iniacutecio de seu primeiro mandato enquanto presidente (2000-
2004) Vladimir Putin demonstrou acentuado interesse pela histoacuteria mais antiga e
recuada da Ruacutessia ainda que tal interesse tenha a presentado-se mais a niacutevel pessoal ou
na proacutepria construccedilatildeo de sua imagem Viajou pelo norte para Novgorod em 2001
quando o governador local tentou persuadiacute-lo que o local fora a mais antiga capital da
Ruacutessia Putin discutiria a ideia com historiadores e arqueoacutelogos mas focaria sua atenccedilatildeo
no papel de Kiev na histoacuteria da Ruacutessia bem como de que forma lidar com a situaccedilatildeo
apoacutes a independecircncia da Ucracircnia Os acadecircmicos foram unacircnimes em confirmar o papel
de relevacircncia de Novgorod mas tendo ressalvas em relaccedilatildeo agrave ideia do uso do passado
130
YANIN V L The archaeological study of Novgorod An Historical Perspective In The
Archaeology of Novgorod Russia The society for Medieval Archaeology 1992 Pp 67-106 131
REIS Filho 275 132
KLEJN Leo S Russia In SILBERMAN Neil Asher amp BAUER Alexander A (eds) The Oxford
Companion to Archaeology Oxford At the University Press 1996 P67
75
mais remoto para construccedilatildeo de uma ideia nacional133
Putin manteve-se com seu projeto mas transferindo a atenccedilatildeo para ainda no
norte Staraia Ladoga culminando na celebraccedilatildeo de 1250 anos da cidade em 2003 apoacutes
decreto presidencial Os jornais e a miacutedia descreveram na ocasiatildeo Staraia Ladoga como
a ldquoprimeira capital da Ruacutessiardquo134
Putin chegaria ao local de barco o que evocaria concientemente para
Shnirelman a proacutepria chegada dos Varegues reforccedilando o simbolismo e a tentativa de
Putin de no iniacutecio de seu mandato associar-se agrave ideia da proacutepria criaccedilatildeo do primeiro
ldquoestadordquo russo Para o presidente o nacionalismo russo tinha de basear-se em sua
ldquoproacutepria histoacuteriardquo 135
Eacute interessante no entanto que a iniciativa de Putin por mais ideoloacutegica que
tenha sido coexiste com aparente interesse pela histoacuteria mais antiga da Ruacutessia e com
tentativas de tomar liccedilotildees do passado para o presente Nesse sentido antes de efetuar
malabarismos teoacutericos e de ir contrariamente agrave maioria dos acadecircmicos Putin
demonstraria comportamento mais pragmaacutetico tentando empregar ideologicamente da
melhor forma possiacutevel a evidecircncia aceita unanimemente
No caso da origem russa a ecircnfase de Putin seria no desenvolvimento do norte
particularmente Staraia Ladoga e neste sentido de tomada de liccedilotildees e tentativas de
interpretaccedilatildeo Putin viria a sugerir que o desenvolvimento da cidade deu-se como
resultado da ldquointegraccedilatildeordquo dos povos ndash comparaccedilatildeo clara com seu proacuteprio projeto de
uma Ruacutessia novamente hegemocircnica Uma posiccedilatildeo raramente respeitosa agrave interpretaccedilatildeo
acadecircmica por parte de um estadista russo que ao inveacutes de tentar banir a ideia
normanista procuraria dela aprender liccedilotildees e aplicaccedilotildees
O interesse de Putin no siacutetio diminuiria em 2004 e entraria em decliacutenio No
entanto Putin providenciaria suporte financeiro para escavaccedilotildees em Novgorod e Staraia
Ladoga no iniacutecio de seu segundo mandato (2004-2008)
Por sugestatildeo de Medveded ndash no momento em questatildeo chefe de sua
133
SHNIRELMAN Victor Archaeology and the National Idea in Eurasia In HARTLEY Charles
YAZICIOĞLU Bike amp SMITH Adam (eds) The Archaeology of Power and Politics in Eurasia
Regimes and Revolutions Cambridge at the University Press 2012 P25 134
BBC amp Channel One TV Moscow ldquoRussian president discusses problems with local authority
representativesrdquo 17072003 In lthttpwwwrussialistorgarchives7254-12phpgt Uacuteltimo acesso em
28102014 135
SHNIRELMAN 2012 26
76
administraccedilatildeo poreacutem Putin visitaria em 2005 o centro Histoacuterico-Arqueoloacutegico de
Arkaim no sul dos montes Urais O siacutetio de Arkaim escavado na deacutecada de 1990 foi
declarado pelos arqueoacutelogos locais como a terra de origem dos Indo-Arianos Iniciou-se
entatildeo um novo projeto de ideia nacional estimulado pelo proacuteprio arqueoacutelogo que
escavara o local Guennadi Zdanovitch encarado com reservas por Putin136
Num momento em que as tentativas de atribuir ascendecircncia eslava a Rurik
enfrentava grandes dificuldades e sua associaccedilatildeo agrave ideia da construccedilatildeo de um estado
russo trazia problema ao nacionalismo dos russos Arkaim apresentava-se como
alternativa atraente ampla tanto pelas implicaccedilotildees mais vastas das migraccedilotildees indo-
arianas como pela questatildeo do autoctonismo da populaccedilatildeo ali vivendo e sua ligaccedilatildeo
direta com os eslavos137
161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de
Falsificaccedilatildeo da Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio
de 2009 a 14 de fevereiro de 2012)
Com o final do segundo mandato de Putin elegeu-se Dmitri Medvedev com
Putin como primeiro ministro Em 15 de maio de 2009 o entatildeo presidente Medvedev
criou por meio de decreto presidencial uma comissatildeo com o intuito de ldquodefender a
Ruacutessia contra falsificadores da Histoacuteriardquo e ldquocontra aqueles que quiserem negar a
contribuiccedilatildeo sovieacutetica na Segunda Guerra Mundialrdquo138
A comissatildeo foi liderada pelo chefe de estado Serguei Narichkin e composta por
antigos membros do Duma como Serguei Markov e Natalia Narotchnitskaia bem como
por oficiais das forccedilas armadas e do serviccedilo de inteligecircncia De 28 membros 5 eram
historiadores a proacutepria Natalia Narotchnitskaia Andrei Artizov (chefe da agecircncia de
arquivo federal) Aleksandr Chubarian (chefe do instituto de Histoacuteria Mundial da
Academia russa de Ciecircncias) Andrei Sakharov (chefe do Instituto de Histoacuteria russa da
136
RIANOVOSTI 16052005 ldquoPutin visits Arkaim Museum-Reserve in Chelyabinsk Regionrdquo In
lthttpenriarusociety2005051640361770htmlgt Uacuteltimo acesso em 28102014 SHNIRELMAN
2012 27 SHNIRELMAN Victor A Russian Response Archaeology Russian Nationalism and the
ldquoArtic Homelandrdquo In KOHL Philip L KOZELSKY Mara BEN-YEHUDA Nachman (eds) Selective
Remembrances Archaeology in the Construction Commemoration and Consecration of National Pasts
Chicago At the University Press 2008 [2007] p46 137
SHNIRELMAN 2012 27 138
O decreto estaacute disponiacutevel online nos arquivos do Kremlin УКАЗ президента Российской
Федерации О комиссия при президенте Российской Федерации по противодействию попыткам
фальсификации истории в ущерб интересам России
lthttpdocumentkremlinrupageaspx1128040gt Uacuteltimo acesso em 11092014
77
Academia russa de Ciecircncias) e Nikolai Svanidze
Narichkin acusaria Letocircnia e Lituacircnia de ldquoreescreverrdquo e ldquopolitizarrdquo a histoacuteria
Estocircnia e Letocircnia de defesa do nazi-fascismo defendendo que a tarefa da comissatildeo
seria analisar falsificaccedilotildees de fatos histoacutericos que pudessem manchar a reputaccedilatildeo
internacional da Ruacutessia139
Evidentemente a comissatildeo foi vista com maus olhos
internacionalmente gerando atrito com os paiacuteses Baacutelticos em particular na Letocircnia140
Geoacutergia Ucracircnia141
e antigos paiacuteses da Cortina de Ferro como a Polocircnia142
que
consideram a ocupaccedilatildeo sovieacutetica como uma atitude hostil Posiccedilotildees que negassem a
contribuiccedilatildeo sovieacutetica contra o nazismo foram criminalizadas143
e no caso de paiacuteses
cujas interpretaccedilotildees contradissessem a ldquohistoacuteria oficialrdquo da comissatildeo os mesmos
deveriam sofrer sanccedilotildees ndash caso particular e especiacutefico dos paiacuteses Baacutelticos e as
interpretaccedilotildees sobre os julgamentos de Nuremberg144
Dentro da proacutepria Ruacutessia a comissatildeo encontrou criacuteticas de vozes importantes
como de Mikhail Gorbatchoacutev145
Eacute evidente o caraacuteter autoritaacuterio e de revisionismo
histoacuterico da comissatildeo De nosso interesse direto entretanto eacute que a despeito do foco
principal da comissatildeo na histoacuteria contemporacircnea o normanismo foi considerado como
uma das temaacuteticas perigosas pela comissatildeo
O responsaacutevel por tal enquadramento foi Andrei Sakharov Em entrevista agrave TV1
efetuada dois meses depois anunciaria que uma das mais ldquoameaccediladoras falsificaccedilotildeesrdquo
139
ldquoКомиссия против фальсификации истории обещает не переписывать книги и не учить
ученыхrdquo In newrucom 17 de junho de 2009 lthttpwwwnewsrucomrussia17jun2009historyhtmlgt
Uacuteltimo acesso em 11092014 140
Por exemplo na tentativa de reabilitaccedilatildeo de condenados por crimes de guerra como Vassili Kononov
ldquoКремлевская комиссия займется делом Кононоваrdquo In delfilv 20 de maio de 2009
lthttprusdelfilvnewsdailypoliticskremlevskaya-komissiya-zajmetsya-delom-
kononovadid=24659049gt Uacuteltimo acesso em 11092014 141
ldquoMedvedev Forms a Commision to Protect Russian Historyrdquo In Jamestown Fundation from Eurasia
Daily Monitor V 06 Issue 98
lthttpwwwjamestownorgsingleno_cache=1amptx_ttnews5Btt_news5D=35018amptx_ttnews5Bbac
kPid5D=13ampcHash=6729b2258eVBH8o_ldXX4gt Uacuteltimo acesso em 11092014 142
lthttponlinewsjcomnewsarticlesSB124277297306236553mg=reno64-
wsjampurl=http3A2F2Fonlinewsjcom2Farticle2FSB124277297306236553htmlgt Uacuteltimo
acesso em 11092014 143
ldquoRussia Moves to Ban Criticism of WWII Winrdquo In Time 08 de maio de 2009
lthttpcontenttimecomtimeworldarticle08599189692700htmlgt Uacuteltimo acesso em 11092014 144
FILATOVA Irina Medvedevs new Russian orthodoxy Postwar Soviet history is to be revised with
official sanction and transgressions from the approved version could lead to prison In The guardian 21
de maio de 2009 lt httpwwwtheguardiancomcommentisfree2009may21russia-medvedev-historygt
Uacuteltimo acesso em 02102014 145
ldquoGorbachev blasts Kremlin managed democracy in Russiardquo In dnaindiacom 22 de maio de 2009
lthttpwwwdnaindiacomworldreport-gorbachev-blasts-kremlin-managed-democracy-in-russia-
1258111gt Uacuteltimo acesso em 11092014
78
da histoacuteria russa era o normanismo que estaria se espalhando novamente Inspirada por
organizaccedilotildees e instituiccedilotildees estrangeiras que financiariam ldquoatividades destrutivasrdquo de
alguns acadecircmicos russos146
Suas iniciativas encontraram tamanha oposiccedilatildeo que
Sakharov viu-se forccedilado a se aposentar Apoacutes a circunstacircncia o normanismo passou a
ser encarado como ldquovitoriosordquo e encontra-se em voga147
mas julgamos leviano
pressupor uma situaccedilatildeo fechada
Na proximidade da transiccedilatildeo posterior do governo com um terceiro mandato de
Putin a comissatildeo seria encerrada No entanto levando-se em consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo
poliacutetica russa no momento de escrita desta tese o nacionalismo e expansionismo russo
agravam-se com a situaccedilatildeo de anexaccedilatildeo da Crimeacuteia e conflitos na Ucracircnia As
discussotildees envolvendo a Ucracircnia tensotildees com Paiacuteses Baacutelticos e OTAN trazem a tona
novamente as antigas discussotildees relativas ao Ocidente e sua relaccedilatildeo com a Ruacutessia ndash de
fato o eixo mais sensiacutevel e particularmente ligado com a situaccedilatildeo normanista que
evoca o papel do Ocidente nas questotildees internas russas ou em suas aacutereas de influecircncia
A ideia de um projeto nacional de legitimizaccedilatildeo do estado russo com o uso das
ciecircncias histoacutericas permaneceraacute em pauta Eacute particularmente relevante ao se efetuar tal
panorama a percepccedilatildeo de que quiccedilaacute as ideias histoacutericas de Putin em relaccedilatildeo a Kiev e o
atual territoacuterio ucraniano natildeo estiveram dormentes Os efeitos da mudanccedila de foco do
norte para o sul ainda traratildeo desenvolvimentos posteriores agrave discussatildeo normanista
Seguir adiante com mais conclusotildees no presente momento eacute conjectura
162 A academia russa hoje
Por fim em adiccedilatildeo a autores jaacute atuantes nos debates Moscou X Leningrado
como Elena Melnikova destacam-se nesta uacuteltima deacutecada e meia os trabalhos de
Tatijana Jackson e de diversos pesquisadores ligados agrave Academia Russa de Ciecircncias
como Galina Glazyrina Elena Gurevitch Fiodor Uspenskii bem como de outras
instituiccedilotildees russas como Glieb Kazakov (da Russian State University) Tatiana
146
GAZEAU Veacuteronique amp MUSIN Alexandre Normannism and Anti-Normannism In Liberteacute pour
lacuteHistoire 24 de marccedilo de 2010 lthttpwwwlph-
assofrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=1393Anormannisme-et-
antinormannismeampcatid=313Adossier-russieampItemid=78amplang=engt Uacuteltimo acesso em 21042014 147
Entrevista КУЗНЕЦОВ Алексей (entrevistado) amp БУНТМАН Сергей (entrevistador)
Ломоносов и норманская теория в истории lthttpwwwechomskruprogramsnetak799397-
echogt
79
Cheniavskaia (Moscow State University)
A uacuteltima geraccedilatildeo de acadecircmicos tem natildeo apenas se enquadrado de forma
marcadamente normanista em suas posiccedilotildees mas tambeacutem tem encontrado boa inserccedilatildeo
no meio internacional produzindo conhecimento especiacutefico sobre o medievo
escandinavo ndash natildeo necessariamente atendo-se apenas agraves relaccedilotildees entre os mesmos e o
leste mas adicionando estudos sobre diversas aacutereas ligadas aos mesmos como
epigrafia runologia estudo literaacuterios histoacutericos e arqueoloacutegicos das sagas
17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula
A temaacutetica russo-escandinava em solo brasileiro eacute praticamente ineacutedita Em
adiccedilatildeo a poucos artigos publicados e a obra de Celso Taveira148
centralizada mais
especificamente nas origens e desenvolvimento da Rus e suas relaccedilotildees no mundo
ortodoxo e bizantino existe uma uacutenica e particularmente notaacutevel obra de maior
extensatildeo sobre o tema a tese de doutoramento ldquoO comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de
Kievrdquo publicada em 1942 por Euriacutepedes Simotildees de Paula e que incorpora uma
relevacircncia institucional para a Universidade de Satildeo Paulo por diversas razotildees
O professor Euriacutepides Simotildees de Paula catedraacutetico de Histoacuteria Antiga na
Universidade de Satildeo Paulo foi pioneiro no estudo de diversas aacutereas no Brasil e
publicou diversos trabalhos que percorriam temaacuteticas inusitadas e pouco estudadas
fosse no quesito de recorte ou na abordagem historiograacutefica tomada
Sua tese de doutoramento foi pioneira natildeo apenas tematicamente foi a primeira
tese de doutorado em histoacuteria a ser defendida na proacutepria Universidade de Satildeo Paulo149
Orientada por Jean Gageacute foi defendida em 13 de setembro de 1942 sendo a banca
composta pelo proacuteprio Jean Gageacute (presidente) Pierre Monbeig Conde Emanuel de
Bennigsen Pliacutenio Ayrosa e Alfredo Ellis Junior150
148
TAVEIRA Celso Da primeira agrave terceira Roma A commonwealth bizantino-eslava e seu impacto na
formaccedilatildeo da Ruacutessia 2008 Relatoacuterio de Poacutes Doutorado ndash Universidade Estadual Paulista Campus de
Assis 149
EL MURR Victoacuteria Namestnikov amp EL MURR Joubran O Comeacutercio Varegue e o Gratildeo-Principado
de Kiev In SOUZA Antonio Candido de Mello et alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de
Paula artigos depoimentos de colegas alunos funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo
Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 pp 406 amp 409 150
EL MURR amp EL MURR 406
80
Euriacutepedes foi capaz de reunir a bibliografia disponiacutevel no Ocidente muito dela
parte de sua proacutepria e vasta biblioteca pessoal que disponibilizaria depois para os
alunos151
O acesso agrave tese foi difiacutecil por 30 anos pela existecircncia de poucos e antigos
exemplares difundiu-se por vezes por coacutepias mimeografadas e datilografadas152
Finalmente em 1972 ela foi reimpressa sem uma complementaccedilatildeo desejada pelo seu
autor Passaram-se mais de duas deacutecadas sem tentativa alguma de continuidade ao
trabalho pioneiro de Euriacutepedes153
Os trabalhos posteriores natildeo estariam focados na Rus kievita ou na questatildeo dos
varegues referindo-as de passagem ou parcialmente
Em relaccedilatildeo agrave proacutepria controveacutersia Euriacutepedes tem posiccedilatildeo clara e definida
exposta jaacute em sua introduccedilatildeo para ele o principado de Rus rdquoeacute obra dos Normandos que
se lanccedilam sobre a Europa desde o final do seacuteculo VIIIrdquo154
Natildeo obstante ele a discute em razoaacutevel detalhe ainda mais tendo-se em conta a
data de publicaccedilatildeo e o acesso difiacutecil agrave biliografia no tempo em questatildeo155
Inicia pela
etimologia dos nomes Rus e Varegue156
concluindo que os Rus eram escandinavos157
e
que o nome varegue possui a mesma origem158
Euriacutepedes de Paula considera que o chamado dos varegues contido na crocircnica de
Nestor consistiria em uma ldquojustificativardquo de uma posse jaacute efetiva das terras eslavas da
parte dos escandinavos159
O autor adiciona pontos interessantes e intriacutensecos agrave discussatildeo que sustentam
um domiacutenio jaacute consolidado e preacutevio dos varegues sobre o principado russo Conquanto
a crocircnica nestoriana date a chegada de Riurik em Novgorod em 862 e o domiacutenio de
Kiev por seus descendentes em 881 consta que em 860 durante o reinado de Miguel III
ocorreu um ataque dos Rus a Bizacircncio o que pressuporia uma forccedila jaacute organizada e
relativamente consolidada Os Annales Bertiniani que jaacute citamos a respeito da origem
escandinava dos Rus fala sobre o reinado de Luis o Piedoso entre 814 a 840 e cita a
151
Idem 152
Idem 407 153
Idem 408 154
PAULA 06 155
PAULA 05 amp EL MURR amp EL MURR 406 156
PAULA 14-22 157
Idem 18 158
Idem 21s 159
Idem 24
81
chegada de uma embaixada dos Rus ndash pelo autor como suecos ndash durante o reinado do
bizantino Teoacutefilo ndash entre 829 a 842 portanto160
Dada a data de escrita e o jaacute banimento do normanismo na URSS enquanto
possibilidade explicativa e considerando-se que Euriacutepedes chegou a consultar
bibliografia de autores russos eacute razoaacutevel supor que o mesmo optou conscientemente
pela sua tomada de posiccedilatildeo seja alinhando-se politicamente com o consenso ocidental
seja por convencimento da evidecircncia analisada Parece-nos mais provaacutevel que esta
uacuteltima afirmativa esteja mais proacutexima da verdade como se depreende de seu trabalho
Euriacutepedes natildeo chegaria a visitar a Uniatildeo Sovieacutetica ou a consultar qualquer
bilbiografia in loco Era conhecido por alguns acadecircmicos sovieacuteticos interessados em
estudos brasileiros e na Revista de Histoacuteria da USP como Lev Slioacuteskin com o qual
travou conhecimento em 1965 em congresso efetuado em Viena em conversa em
francecircs Quanto ao proacuteprio domiacutenio de Euriacutepedes sobre o tema de sua tese nas palavras
de Slioacuteskin Euriacutepedes era ldquouma pessoa de imensa erudiccedilatildeo certo na histoacuteria antiga da
Ruacutessia ()rdquo161
160
Idem 27 161
SLIOSKIN Lev Euriacutepedes de Paula na Uniatildeo Sovieacutetica In SOUZA Antonio Candido de Mello et
alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de Paula artigos depoimentos de colegas alunos
funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 P 564
82
Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e finalizando a
1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo Fonte EL MURR amp
EL MURR 409
Euriacutepedes orientaria trecircs teses de doutoramento que tocariam na questatildeo russo-
medieval Foram as teses de Marcos Margulies ldquoEvoluccedilatildeo dos contatos intergrupais na
Europa da Idade Meacutedia atraveacutes do relacionamento entre judeus e russosrdquo defendida em
1970 de Niko Zuzek ldquoRazotildees da recusa do gratildeo principado de Moscou agrave uniatildeo
florentinardquo defendida em 1972 e de Victoacuteria Namestnikov El Murr ldquoPoema russo do
seculo xii o dito da expediccedilatildeo de Igorrdquo tambeacutem defendida em 1972
Os impactos e desenvolvimentos desses trabalhos entretanto foram pequenos
no sentido da criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de estudos da Ruacutessia medieval ndash o que dizer
entatildeo de uma historiografia mista russo-escandinava Alguns reflexos tardios de tais
trabalhos podem ser percebidos por exemplo na notaacutevel publicaccedilatildeo em 2000 de uma
traduccedilatildeo do ldquoCanto da campanha de Igorrdquo por Maria Aparecida BP Soares162
Eacute digno
de nota que em suas referecircncias a uacutenica obra especiacutefica brasileira no tema seja o
162
SOARES Maria Aparecida BP Priacutencipe Igor ou o canto da campanha de Igor Rio de Janeiro
Francisco Alves 2000
83
trabalho de Victoacuteria Namestnikov El Murr em meio a publicaccedilotildees russas e algumas
obras de referecircncia geral em liacutenguas latinas ou inglecircs
O comentaacuterio de Soares agrave traduccedilatildeo natildeo faz menccedilatildeo alguma agrave situaccedilatildeo
escandinava descrevendo rapidamente a formaccedilatildeo da Ruacutessia de Kiev como produto
apenas dos povos eslavos sem sequer a menccedilatildeo dos varegues163
e devendo muito mais
ao comentaacuterio consagrado de Likhatchov em ediccedilatildeo de 1967164
e agrave ldquoHistoria de La
URSS165
rdquo do que agrave diminuta produccedilatildeo brasiacutelica sobre o tema
A tese de Margulies seria publicada em 1971 pela Bloch como ldquoOs Judeus na
Histoacuteria da Ruacutessia166
rdquo ndash nome evidentemente mais atrativo em termos de mercado
Historiograficamente eacute trabalho que mais incorporaria as ideias de Euriacutepedes sobre o
normanismo ainda que os varegues consistam em parte pequena da obra ndash o primeiro
capiacutetulo apenas
Neste eacute interessante notar que o autor natildeo se deteacutem nas questotildees e implicaccedilotildees
historiograacuteficas do normanismo na historiografia russa O maacuteximo que o autor propotildee-
se a discorrer sobre a questatildeo eacute um paraacutegrafo explicativo no proacuteprio sumaacuterio
ldquoEste capiacutetulo trata de um curioso e razoavelmente
desconhecido Estado russo criado pelos normandos nos territoacuterios
depois transformados em Ruacutessia estado gerado e gerido pelos grupos
germacircnicoso que ateacute os nossos dias aborrece a oficial historiografia
sovieacuteticaembora o fato ocorresse haacute mais de mil anosrdquo167
Transparecem nesse resumo algumas ideias subjacentes ao trabalho uma
oposiccedilatildeo entre geneacutericos quase monoliacuteticos grupos ldquoeslavosrdquo e ldquogermacircnicosrdquo (no
prefaacutecio o autor iraacute enfatizar tal oposiccedilatildeo enquanto um ldquoantagonismo () eslavo-latinos
contra os franco-germanosrdquo) e uma certeza de falta de necessidade de discussatildeo
historiograacutefica ndash como afirmamos a pouco Margulies se porta em relaccedilatildeo agrave questatildeo
como se o normanismo seja um fato dado consumado comprovado e longe de qualquer
duacutevida
163
SOARES 12 164
Listada em suas referecircncias como ldquoLIKHATCHOV Dmitri S Slovo o polku Igoreve Gueroiacutetcheskii
proacutelog ruacutesskoi literatury (O canto da campanha de Igor Proacutelogo heroico da literatura russa) Leningrado
Izdaacutetelstvo ldquoKhudoacutejestvennaia literaturardquo 1967rdquo 165
HISTORIA DE LA URSS Moscou Instituto de Historia de la academia de Ciecircncias de la URSS amp
Editorial Progreso 1977 166
MARGULIES Marcos Os judeus na histoacuteria da Ruacutessia Rio de Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1971 167
MARGULIES ldquoSumaacuteriordquo
84
Partindo da divisatildeo norte-sul da Rus no medievo com um nuacutecleo ao norte em
Novgorod e outro ao sul em Kiev ele defende ndash novamente como fato dado e sem
maiores discussotildees historiograacuteficas - um gerenciamento estrangeiro no primeiro estado
russo e uma superioridade dos primeiros em relaccedilatildeo aos segundos ao menos no quesito
mercantil Em suas proacuteprias palavras
ldquoGerados pelos interesses comerciais dos povos mercantilmente
evoluiacutedos ndash os normandos ao norte e os bizantinos no Sul () rdquo168
Margulies iraacute reafirmar constantemente o papel dominante dos varegues em
relaccedilatildeo aos eslavos orientais e mesmo o domiacutenio dos mesmos em relaccedilatildeo a outros
mercadores a percorrer a regiatildeo incluindo os judeus ndash que se tratam do foco central de
seu livro169
Para ele os escandinavos ldquono Ocidente contruiacuteram a Inglaterra e no Oriente
a Ruacutessiardquo170
ainda que afirmando a raacutepida assimilaccedilatildeo dos mesmos nas populaccedilotildees com
as quais lidavam e a ausecircncia de vestiacutegios posteriores nos proacuteprios estados
Dessa forma seu trabalho endossa ponto a ponto o normanismo ldquoclaacutessicordquo
desde o chamado dos varegues na crocircnica nestoriana aos nomes escandinavos dos
governantes171
e os tratados bizantinos172
18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro
Designaccedilotildees como ldquoEuropa Orientalrdquo paiacuteses da antiga Cortina de Ferro ou
antigo ldquoBloco Orientalrdquo ainda que bastante difundidas e empregadas jaacute natildeo mais se
sustentam de forma cabal em particular ao se tratar de suas historiografias locais
As especificidades e subdivisotildees culturais encontradas nos mesmos satildeo
marcantes e suas relaccedilotildees institucionais com a Ruacutessia e URSS satildeo igualmente diversas
Os paiacuteses baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) possuem passado de rancor e
disputa ideoloacutegica com a Uniatildeo Sovieacutetica e sua historiografia medieval reflete tal
circunstacircncia
168
MARGULIES 15 169
Idem 18 170
Idem 20 171
Idem 23 172
Idem 26
85
Concomitantemente na Estocircnia e Letocircnia ocorreu contato intenso com a
Escandinaacutevia em eacutepocas jaacute anteriores ao proacuteprio periacuteodo viking e a historiografia
contemporacircnea da regiatildeo considera a temaacutetica normanista como ponto jaacute resolvido
inclusive ultrapassado em um cenaacuterio nacional agravado pela dificuldade de fundos e
estiacutemulo agrave pesquisa173
Anti Selart chamaraacute a questatildeo de ldquorelevanterdquo apenas nos anos 50 a 60 e ligada
na Estocircnia sovieacutetica enquanto reaccedilatildeo ao livro ldquoNordische Mission Revals Gruumlndung
und die Schwedensiendlung in Estlandrdquo de Paul Johansen publicado em 1951 em
Estocolmo174
o que demonstra inclusive uma falta de paridade e atualizaccedilatildeo de parte
dos acadecircmicos do Baacuteltico em relaccedilatildeo aos recentes desenvolvimentos da controveacutersia
na Ruacutessia
Com o final da URSS outras naccedilotildees de substrato eslavo como Polocircnia e
Tcheco-eslovaacutequia abandonariam as tentativas pan-eslavistas de explicar o
desenvolvimento antigo de suas sociedades como atingidos pelos eslavos isoladamente
antes aceitando ndash muitas vezes apressadamente ndash quaisquer tentativas de conexatildeo com a
Europa Ocidental em movimento paralelo agrave expansatildeo da Comunidade Europeia para o
leste175
Em tal contexto de receacutem-aberto debate o normanismo assume retomado vigor
natildeo sem embate com as velhas ideias
A Polocircnia teve lugar de destaque na discussatildeo normanista Trecircs dos principais
acadecircmicos a discutir a questatildeo e influenciar a situaccedilatildeo da mesma tiveram origem
polonesa Henryk Łowmiański (1898-1984) Henryk Paszkiewicz (1897-1979) e Jogravezef
Sȩkowski176
Łowmiański foi autor de obras de grande volume destacam-se Prusy pogańskie
(1935) (Os antigos prussianos) ldquoZagadnienie Normanow w genezie panstw
slowianskich (1957)rdquo (O problema dos normandos na gecircnese os estados eslavos)
Początki Polski (6 vol) Studia nad dziejami Słowiańszczyzny Polski i Rusi w wiekach
średnich (1986)
173
SELART A Saksa doktorike Meie Mommsen Akadeemia 18(8) 1836 -1849 2006 ϹЄЛАРТ А
Начало городской жизни в средневековой Ливонии и Руси Балтия в контексте Северного
пространства От Средневековья до 40-х годов XX века Институт всеобщей истории РАН - М
Изд-во Института всеобщей истории РАН (ИВИ) 2009 С 84-102 Troca de emails com profs Drs
Anti Selart e Dr Heiki Valk da Universidade de Tartu em janeiro de 2014 Entrevista pessoal com prof
Dr Andrejs Vasks na Latvijas Universitate julho de 2013 174
Anti Selart Email pessoal para Andreacute Muceniecks em 17012014 175
BARFORD PM The Earl Slavs Ithaca amp New York Cornell University Press 2001 P 282 176
ZAKHARII 76
86
Łowmiański discordava da derivaccedilatildeo de Rus de Ruotsi argumentando que
talvez ldquoRusrdquo tivesse a ver com o antigo noacuterdico raueth ldquovermelhordquo Nas liacutenguas eslaacutevicas
haveria o cognato em termos derivados de ldquorusyrdquo que significaria avermelhado
amarronzado pendendo para o vermelho significando alguma caracteriacutestica territorial
ou como sugeriria o norueguecircs Haringkan Stang pessoas com o cabelo avermelhado
Para Łowmiański o termo Rus surgira no meacutedio Dnieper aplicaria-se depois ao
estado ali e surgido e mais posteriormente generalizado aplicaria-se com uma
conotaccedilatildeo mais eacutetnica e social Mais posteriormente aventaria a hipoacutetese de que
implicaria uma organizaccedilatildeo militar originada na regiatildeo do Ladoga consistindo de
elementos mistos eslavos escandinavos e fino-uacutegricos mas com predomiacutenio eslaacutevico
destarte Łowmiański enquadrou-se ainda que de forma matizada no espectro anti-
normanista da controveacutersia
Em breve retornaremos a Paszkiewicz
Falta por fim uma anaacutelise da historiografia da qual noacutes propriamente mais
bebemos em nossa pesquisa a historiografia anglo-saxatilde no sentido de se expressar em
liacutengua inglesa Longe de ser formada apenas de estudiosos anglo-americanos eacute formada
tambeacutem em grande parte de russos ucranianos e poloneses emigrados para Estados
Unidos Reino Unido e Escandinaacutevia que produziram a maior parte da historiografia
acessiacutevel e influente no ocidente
Nesse grupo inserimos o jaacute mencionado Paszkiewicz os Riasanowsky George
Vernadsky Omeljan Pritsak Wladyslaw Duczko Simon Franklin Jonathan Shepard e
Thomas Noonan
Afirmamos anteriormente que Vernadsky apesar de normanista ldquodeclaradordquo natildeo
aceita como corretas algumas pressuposiccedilotildees caras aos normanistas ldquoclaacutessicosrdquo Dentre
estas destaca-se sua discordacircncia da etimologia do nome Rus enquanto derivaccedilatildeo do
escandinavo Rhodslagen e fino-uacutegrico Ruotsi
Antes adota a ideia de origem e matiz anti-normanista de uma conexatildeo
meridional do nome oriundo de Ros Vernadsky associa-o a diversos hidrocircnimos
originaacuterios de populaccedilotildees antigas das estepes como Rukh-As ou Roc-As mais
especificamente ao nome ΄ρωϛ (hros) Seu primeiro expositor foi Diakonov que analisa
o Pseudo-Zacharias Rhetor de 555 Tal fonte segundo Diakonov citaria certos Hros
87
como populaccedilotildees nomaacutedicas huacutenicas do norte do Caacuteucaso
Jaacute citamoa a pouco que essa ideia foi desacreditada e mesmo ridicularizada por
Omeljan Pritsak177
que demonstra que o relato na verdade eacute uma versatildeo oriunda do
meacutedio-persa da histoacuteria de Alexandre com um erro de coacutepia na qual os consortes das
amazonas gigantes satildeo citados como ldquoheroacuteisrdquo empregando o termo ήρωϛ (heros)
Jaacute Henryk Paszkiewicz (1897-1979) apesar de polonecircs por nascimento migrou
para a Inglaterra onde publicou suas obras de maior relevacircncia tornando-se
medievalista de renome e influecircncia no mundo anglo-saxatildeo no campo dos estudos
referentes agrave Europa Oriental
Nos anos poacutes-guerra publicaria sua trilogia The Origin of Russia (George Allen
amp Unwin LTD London 1954) The Making of the Russian Nation (Longmann amp Todd
London 1963) e The Rise of Moscows Power (niedokończony wydany pośmiertnie
East European Monographs 1983) De grande interesse no Ocidente e publicada em
inglecircs (apesar de Paszkiewicz tecirc-la escrita em polonecircs) sua trilogia enfrentou problemas
para ser divulgada na Polocircnia Cortina de Ferro e URSS por razotildees doutrinaacuterias e pela
inclinaccedilatildeo normanista de Paszkiewicz vindo a ser publicada apenas apoacutes a deacutecada de
1990 (1996 1998 e 2000) em polonecircs apoacutes esforccedilos na recuperaccedilatildeo de seus
manuscritos
Os pontos de vista de Paszkiewicz e em grande parte a forma como os colocou
geraram consideraacutevel polecircmica e resistecircncia da parte dos autores russos Paszkiewicz
nunca tentou fazer concessotildees ou amenizar quaisquer aacutereas mais sensiacuteveis de suas
ideacuteias declara sem qualquer problema que os eslavos do Ilmen eram incapazes de se
organizarem e foram dominados pelos escandinavos
Ainda mais polecircmicas foram suas declaraccedilotildees sobre a proacutepria natureza dos
russos que misturam um nacionalismo polonecircs com raiacutezes em movimentos como o
sarmatismo e natildeo disfarccedilam um discurso eslavista exclusivista e mesmo racista
Paszkiewicz afirma que os russos foram fino-uacutegricos que adotaram a liacutengua eslaacutevica
apoacutes a cristianizaccedilatildeo destarte os varegues dominaram uma populaccedilatildeo fino-uacutegrica que
se tornaria ldquorussardquo e natildeo um povo eslaacutevico178
Paszkiewicz cria dessa forma suas
177
PRITSAK 06 178
PASZKIEWICZ Henryk Origins of Russia London George Allen amp Unwin 1954 pp 155s
88
proacuteprias ideis de superioridade racial ndash de eslavos e escandinavos sobre fino-uacutegricos no
entanto - ao mesmo tempo exaltando seu povo de origem e rebaixando os russos
O predomiacutenio normanista no Ocidente foi atacado sistematicamente pelos
Riasanovsky particularmente Nicholas o filho (1923-2011) Autor de ldquoA History of
Russiardquo(1963) um dos livros mais influentes e mais reeditados no contexto norte-
americano179
Riasanovsky criticaria de forma mais especiacutefica e contundente a
supremacia e parcialidade da historiografia no Ocidente que tratava da questatildeo em
artigo publicado no Russian Review de 1947180
Riasanovsky criticava o que chamou de
ldquostandard normanist explanationrdquo181
Seu principal debatedor seria Paszkiewicz e a
discussatildeo entre os acadecircmicos foi considerada por Klejn e outros autores como a
ldquoterceira ondardquo de debates normanistas
Autores contemporacircneos e posteriores agrave discussatildeo dentre os quais o proacuteprio
Vernadsky Omeljan Pritsak Jonathan Sheppard Simon Franklin Thomas Noonan e
Wladislaw Duczko desenvolvem pontos de vistas mais amplos e matizados
Chamar-lhes ldquonormanistasrdquo eacute arriscado subjetivo Todos consideram a
existecircncia tanto do componente escandinavo como do eslaacutevico fundamentais no
surgimento da Rusde Kiev Ideias tais quais ldquosuperioridadeinferioridaderdquo cultural
ldquoevoluccedilatildeo culturalrdquo e similares encontram-se jaacute bastante circunscritas e datadas
Destarte se por ldquonormanistardquo eacute correto enquadrar qualquer acadecircmico que
considere que tenha havido a presenccedila escandinava nas origens da Rus de Kiev entatildeo
todos estes autores o satildeo e com exceccedilatildeo de um ou dois nomes a historiografia
ocidental inteira o seraacute bem como a maior parte da produccedilatildeo russa recente
Se ldquonormanistardquo implica aceitar a cartilha estabelecida que inclui a origem do
nome e mesmo uma situaccedilatildeo de domiacutenio e superioridade cultural o leitor necessitaraacute
vasculhar a bibliografia mais antiga a fim de satisfazer os criteacuterios
Por fim retornaremos no capiacutetulo seguinte a discutir a presenccedila escandinava no
territoacuterio da antiga Rus Eacute impossiacutevel ao acadecircmico contemporacircneo desacreditar que
179
A uacuteltima ediccedilatildeo a 8ordf foi atualizada por um antigo estudante seu Mark Steinberg RIASANOVSKY
Nicholas amp STEINBERG Mark A History of Russia New York 2010 [1963] 180
RIASANOVSKY Nicholas The Norman Theory of the Origin of the Russian State In Russian
Review Vol 07 n01 1947 P97 181
RIASANOVSKY 1947 96
89
tais movimentos existiram ou mesmo que possuiacuteram relevacircncia Argumentos relativos
agrave escassez de material arqueoloacutegico natildeo mais se sustentam o emprego de tal
informaccedilatildeo no entanto estaraacute sempre sujeito agrave subjetividade do autor ao contexto no
qual ele escreve e natildeo seratildeo poucas as vezes que tal produccedilatildeo estaraacute sujeita agrave
legitimaccedilatildeo de ideologias e situaccedilotildees poliacuteticas
90
Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki
Do autor Elaborado com a ferramenta MapMaker Interactive da National Geographic Education
91
CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL
21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material
Pela escassez de fontes escritas na Alta Idade Meacutedia tanto na Rus quanto
Escandinaacutevia a construccedilatildeo de uma histoacuteria do periacuteodo viking em tais contextos
beneficia-se com o uso extenso da Cultura Material em uma acepccedilatildeo arqueoloacutegica do
termo
Segundo tal conceito poderiacuteamos definir Cultura Material como qualquer
criaccedilatildeo vestiacutegio alteraccedilatildeo ou construccedilatildeo produzida pela accedilatildeo humana Tal definiccedilatildeo eacute
vaacutelida desde construccedilotildees e criaccedilotildees intencionais (ie a construccedilatildeo de um edifiacutecio ou de
um salatildeo uma estela ruacutenica com conteuacutedo escrito ou natildeo uma ferramenta) como a
alteraccedilatildeo do meio-ambiente dada pela accedilatildeo humana (ie o desmatamento de
determinadas aacutereas a drenagem de um pacircntano)182
Haacute de se notar que tal ampliaccedilatildeo do
conceito de fonte primaacuteria e emprego das mesmas natildeo diferem muito das definiccedilotildees
propostas por Jacques LeGoff em sua ldquoNova Histoacuteriardquo
Discutimos extensamente anteriormente a hipoacutetese normalista e sua resistecircncia
da parte de autores principalmente na Ruacutessia URSS e Ucracircnia Tambeacutem demonstramos
que parcela consideraacutevel dessa argumentaccedilatildeo anti-normanista fundamenta-se em uma
suposta ausecircncia de material arqueoloacutegico demonstrando uma expansatildeo escandinava a
leste Natildeo analisaremos os siacutetios escandinavos em solo eslaacutevico em alguma espeacutecie de
tentativa de argumentaccedilatildeo normalista Como jaacute discutimos anteriormente tal afirmaccedilatildeo
e tais argumentos baseados em ausecircncia satildeo questionaacuteveis e natildeo se sustentam
A despeito da existecircncia de extenso material escavado em gorodi ndash termo usado
extensivamente na bibliografia para se referir agraves cidades fortificadas eslaacutevicas como
Novgorod e Kiev - daremos ecircnfase a duas seacuteries de material que por possuiacuterem
diversos testemunhos da mesma natureza permitem o traccedilar de comparaccedilotildees mais
seguras Tratam-se tambeacutem de materiais que possuem natureza dupla no sentido
interpretativo permitindo tradicionalmente seu emprego tanto pelo campo da
arqueologia quanto da Histoacuteria Trata-se do testemunho numismaacutetico amparado pelos
achados arqueoloacutegicos em solo russo e o testemunho das estelas ruacutenicas
Como afirmado em nossa introduccedilatildeo partes consideraacuteveis desta seccedilatildeo apoiar-se-
182
BEZERRA DE MENESES Ulpiano A cultura material no estudo das sociedades antigas In Revista
de Histoacuteria 115 (Nova Seacuterie) 1983 pp112s
92
atildeo em bibliografia secundaacuteria natildeo temos a pretensatildeo de apresentar um trabalho
arqueoloacutegico ou numismaacutetico antes de provermos nesta seccedilatildeo um apanhado
contextual baseado nas diferentes formas da Cultura Material que embase nosso estudo
sobre o emprego do contexto viking pelos eruditos dos seacuteculos posteriores
No entanto a parte final deste capiacutetulo dedicada ao estudo das estelas ruacutenicas
foi efetuada com a anaacutelise direta de nossa parte das proacuteprias estelas complementando
assim a sessatildeo com um estudo baseado nos testemunhos primaacuterios
211 A numismaacutetica
O estudo numismaacutetico dos escandinavos em relaccedilatildeo ao leste apresenta algumas
peculiaridades e exclusividades em relaccedilatildeo agrave forma como a numismaacutetica eacute normalmente
estudada
No campo geral da numismaacutetica as moedas satildeo estudadas em relaccedilatildeo a diversos
fatores Tratando-se de objetos portaacuteteis fabricados em material duraacutevel de produccedilatildeo
repetida dimensotildees controladas e valor simboacutelico reconhecido entre grupos sociais pela
representaccedilatildeo de uma autoridade compartilhada satildeo muitos aspectos que podem ser
estudados por meio delas a tecnologia a economia o comeacutercio mesma a poliacutetica e
sociedade
Seu valor eacute normalmente dado de forma simboacutelica sua emissatildeo se daacute por uma
autoridade puacuteblica reconhecida sua confecccedilatildeo e impressatildeo se datildeo de formas
controlaacuteveis e fiscalizaacuteveis Dessa forma em diversas ocasiotildees no tempo e espaccedilo
foram emitidas moedas cujo ldquovalor intriacutenseco (enquanto mercadoria) era negligenciaacutevel
sem qualquer relaccedilatildeo com o valor da mercadoria no lugar da qual deviam circularrdquo 183
O material e peso natildeo eram os responsaacuteveis diretos pelo valor da moeda mas sim a
autoridade puacuteblica que executou sua impressatildeo e emissatildeo
No testemunho numismaacutetico que nos interessa referente aos escandinavos em
Austrvegr e Garethariacuteki esta caracteriacutestica essencial das moedas natildeo possui significado
algum Os grandes objetos de interesse para escandinavos eram os dirhams muccedilulmanos
ndash moedas cunhadas em prata pelo mundo aacuterabe O interesse era o material e peso dos
mesmos estas moedas eram avaliadas portanto pelo valor intriacutenseco que possuiacuteam e
natildeo simboacutelico A autoridade que as confeccionou natildeo era (re) conhecida o simbolismo e
183
FREacuteRE Hubert Numismaacutetica uma introduccedilatildeo aos meacutetodos e agrave classificaccedilatildeo Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo
de Alain Costilhes e Maria Beatriz Borba Florenzano Satildeo Paulo Sociedade Numismaacutetica Brasileira amp
Louvain-la-Neuve (Beacutelgica) Seacuteminaire de numismatique Marcel Hoc 1984p 17
93
matemaacutetica nelas gravadas natildeo fazia sentido ao escandinavo184
Os escandinavos obtinham moedas de prata com comerciantes muccedilulmanos
trocando-as principalmente por peles obtidas no norte Esse comeacutercio era efetuado
principalmente em Itil capital dos Khazar na embocadura do Volga ou mesmo
posteriormente mais ao sul nas regiotildees dos atuais Iracirc e Iraque A Ruacutessia e a
Escandinaacutevia tinham escassez de depoacutesitos de prata e moedas de prata ocidentais
caroliacutengias eram raras185
Dessa forma os dirhams muccedilulmanos eram uma fonte de
prata que propiciava distinccedilatildeo social riqueza e poder186
Natildeo obstante tais singularidades entretanto tais moedas ainda assim podem
indicar outra seacuterie de informaccedilotildees O quesito de datas eacute relativo Pode-se obter por meio
do testemunho dado atraveacutes de seacuteries mas natildeo de moedas isoladas Podem-se presumir
datas-limite da cunhagem e circulaccedilatildeo das moedas mas natildeo dataccedilotildees absolutas Pode-se
saber com precisatildeo os locais de origem e as casas de cunhagem A observaccedilatildeo das
proveniecircncias cruzada com as dataccedilotildees seria de grande utilidade para estudos histoacutericos
poliacuteticos dos califados aacuterabes do periacuteodo em questatildeo mas foge totalmente do nosso
escopo
A despeito do simbolismo diverso o fato de encontrar-se grande quantidade de
depoacutesitos de moedas podem nos trazer informaccedilotildees sobre o imaginaacuterio crenccedilas e
haacutebitos mentais dos escandinavos em questatildeo Ainda que os dirhams natildeo trouxessem
efiacutegies e rostos gravados a atitude corrente escandinava de enterrar tesouros de prata
pode ter origem religiosa e natildeo meramente de entesouramento
Natildeo haacute uma elaboraccedilatildeo uniacutevoca sobre o mundo apoacutes a morte entre os
escandinavos e nem se trata de nosso propoacutesito aqui nos adentrar muito no assunto
Dentre muitos autores que tratam de temas ligados agrave religiosidade escandinava preacute-
cristatilde nos chamam a atenccedilatildeo os conceitos organizados por Hilda Ellis
Ellis teoriza sobre a existecircncia de duas concepccedilotildees baacutesicas de vida poacutes-morte
uma de outra vida apoacutes a destruiccedilatildeo do corpo e a outra de uma vida na terra ou
embaixo dela segundo esta uacuteltima concepccedilatildeo o homem falecido continuaria vivendo
em seu local de enterramento como si ali fosse uma casa e ainda usufruindo de suas
184
WILSON David The Vikings and their origins Scandinavia in the First Millenium London Thames
and Hudson 1970 P102 185
BARFORD 181 186
NOONAN Thomas Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the
Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998
Pp 346-347
94
possessotildees ali187
Eacute razoaacutevel portanto pressupor uma conexatildeo do entesouramento com tais
concepccedilotildees religiosas que destarte providenciam bens para o falecido bens em sua
vida post-mortem
2111 As Fontes
O acesso agraves coleccedilotildees de dirhams encontradas nas regiotildees de Austrvegr e
Garethariacuteki eacute dificultado pelas deacutecadas de isolamento entre a URSS e o Ocidente A
principal forma de acesso a estas informaccedilotildees satildeo por meio de autores com tracircnsito nos
meios acadecircmicos do leste da Europa e do Ocidente como Thomas Noonan188
e mais
recentemente Matheus Bogucki189
Eacute necessaacuterio portanto se salientar que o estudo numismaacutetico ao menos
enquanto parte de nosso estudo maior eacute um estudo baseado na interpretaccedilatildeo acadecircmica
ldquocanocircnicardquo e natildeo em uma anaacutelise das proacuteprias coleccedilotildees numismaacuteticas Tal estudo deve
ser feito agrave parte de formas que natildeo cabem no escopo deste trabalho
187
ELLIS Hilda Roderick The Road to Hel A Study of the Conception of the Dead in Old Norse
Literature New York Greenwood Press 1968 65 188
Thomas Noonan publicou por mais de duas deacutecadas material e anaacutelises da evidecircncia numismaacutetica na
Ruacutessia Europeia e Baacuteltico Eacute impossiacutevel natildeo nos referirmos a ele extensamente NOONAN Thomas Pre-
970 dirham hoards from Estonia and Latvia I Catalog In Journal of Baltic Studies 83 1977(a) 238-
259 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia II General considerations In Journal of Baltic
Studies 84 1977 (b) 312-323 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia III An examination of
the ninth century hoards In Journal of Baltic Studies 91 1978(a) 7-19 Pre-970 dirham hoards from
Estonia and Latvia IV An analysis of the hoards buried between 900 and 970 In Journal of Baltic
Studies 92 1978 (b) 99-115 Ninth-century dirham hoards from Northwestern Russia and the
Southeastern Baltic In Journal of Baltic Studies 133 1982 220-244 A dirham hoard of the early
eleventh century from northern Estonia and its importance for the routes by which dirhams reached
Eastern Europe CA 1000 AD In Journal of Baltic Studies 143 1983 185-201 Dirham hoards from
medieval Lithuania In Journal of Baltic Studies 234 1992 395-414 The Islamic World Russia and the
Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998 (a)
Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis In The Islamic World
Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595
Ashgate 1998(b) Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the Vikings
750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998(c) 189
BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of
Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart
Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige
Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-
361
95
2112 Os khazares e os aacuterabes
O contexto de origem dos Dirhams auxilia grandemente na compreensatildeo das
suas diversas proveniecircncias bem como nos possiacuteveis meios de chegada dos mesmos ao
norte aleacutem do estabelecimento de balizas cronoloacutegicas Eacute importante o destaque de que
a proveniecircncia dos dirhams no norte eacute o Oriente Meacutedio e natildeo a Aacutesia Central190
destarte eacute-nos necessaacuterio adentrarmos ao menos de forma limitada o mundo
muccedilulmano de entatildeo
Entre 602 e 628 ocorre agrave chamada guerra ldquoBizantina-Sassacircnidardquo que marcaraacute o
fim do impeacuterio persa sassacircnida Em seu primeiro estaacutegio de 602 a 622 os persas teratildeo
sucessos constantes Durante o governo de Heraacuteclio ao trono bizantino (610-641) a
situaccedilatildeo muda Em 627 auxiliados tambeacutem pelos khazares as forccedilas de Heraacuteclio
invadem o proacuteprio territoacuterio dos sassacircnidas que pagam tributo por paz
Apoacutes esta guerra tanto os bizantinos quanto os persas estavam exauridos Os
islacircmicos saiacuteram favorecidos Os primeiros esquadrotildees aacuterabes a adentrar o territoacuterio
persa natildeo foram vistos como uma ameaccedila pelo governante Yazdegerd III e pelo vice-rei
Rostam-e Farokhzad A organizada cavalaria pesada persa efetiva contra os regimentos
bizantinos natildeo o era contra os camelos leves aacuterabes O uso de elefantes inicialmente
teve sucesso mas logo veteranos aacuterabes que jaacute haviam combatido contra os bizantinos
na Siacuteria (que tambeacutem os usavam) trouxeram o conhecimento de como lidar com eles
Com a morte de Maomeacute em 632 e a disputa subsequente pelo poder surge o
primeiro dos quatro califados da histoacuteria muccedilulmana ndash o califado Rashidum - que parte
para uma seacuterie de campanhas militares e conquistas sob a lideranccedila inicial do califa
entre 632-634 Abu Bakr (Abdullah ibn Abi Quhafa) sogro de Maomeacute e subsequente
do califa Umar (ʿUmar ibn al-Khaṭṭāb) morto em 644
Apoacutes uma inicial invasatildeo da Mesopotacircmia em 633 em 636 deu-se um marco da
conquista aacuterabe com a chamada ldquoBatalha de Qadisiyyahrdquo que foi chave para a
conquista aacuterabe do Iraque e que tambeacutem viu uma alianccedila entre os persas com os
bizantinos atraveacutes do casamento da filha de Heraacuteclio com Yazdegerd Em um processo
complexo e marcado por reveacutezes a Mesopotacircmia foi conquistada pelos aacuterabes entre 636
190
NOONAN Thomas Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis
In The Islamic World Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected
Studies Series 595 Ashgate 1998(b)P 51
96
a 638 Entre 638 e 639 a Armecircnia ndash entatildeo possessatildeo bizantina eacute invadida sendo
completamente conquistada em 642191
Entre 638 e 641 ainda ocorreratildeo constantes reides dos persas na regiatildeo da
Mesopotacircmia A proviacutencia do Khuzistatildeo eacute conquistada pelos aacuterabes em 641 Poreacutem o
califa Umar desejava paz ndash os aacuterabes ainda viam os persas com temor Apoacutes um breve
periacuteodo de paz a Peacutersia eacute conquistada entre 642 e 644 sendo que na segunda metade do
seacuteculo VII jaacute tinham assegurado controle da Transcaucasia Os cem anos seguintes
foram palco das chamadas ldquoguerras aacuterabe-khazarrdquo Destacam-se duas a primeira em
652 quando os aacuterabes foram derrotados pelos Khazares na cidade Khazar de Balanḡar
e a segunda entre 708 a 737192
-193
Na segunda guerra ocorreram vitoacuterias de ambos os lados entretanto travavam-
se raides em ambas as vertentes do Caacuteucaso ocorrendo poucas batalhas decisivas Em
730 o priacutencipe khazar Barjjk efetuou uma excursatildeo ateacute o noroeste do Iratilde derrotando os
Umiacuteadas em Ardabil e matando seu governante mas sendo morto no ano seguinte em
Mosul194
Um ponto marcante daacute-se em 737 quando os aacuterabes liderados por Marwan ibn
Muhammad (o futuro califa umiacuteada Marwan II) efetuam uma campanha mais
significativa contra os khazares Derrotam-nos no Caacuteucaso do norte chegam a ocupar a
capital khazar Atil e perseguem o Kagan ateacute a regiatildeo de Burtas no baixo Volga aonde o
convencem a se render e se converter ao Islamismo Apoacutes isso Marwan retorna agrave
Transcaucaacutesia e o Kagan recupera sua independecircncia 195
Nenhum dos dois lados conseguiu portanto submeter o Caacuteucaso inteiro e a
situaccedilatildeo natildeo era sustentaacutevel Para os Khazares ficou claro o perigo que era a guerra
contiacutenua com os aacuterabes tendo tido suas forccedilas destruiacutedas e seu governante humilhado
Quanto aos aacuterabes ficou claro que natildeo era suficiente derrotar as forccedilas khazares o
adequado seria ocupar seu territoacuterio196
A situaccedilatildeo muda com a chamada ldquoRevoluccedilatildeo Abaacutessidardquo quando o califa al-
191
SAUNDERS JJ A History of Medieval Islam London amp New York Routledge pp50-53 192
SAUNDERS JJ 50-58 193
MAKO Gerald The possible reasons for the Arab-Khazar Wars In ALLSEN ThT GOLDEN
PB KOVALEV RK amp MARTINEZ AP (eds) Archivum Eurasiae Medii Aevi (17) Wiesbaden
Harrassowitz Verlag 2010 P45 194
MAKO 47 195
NOONAN 1998 (b) 51 196
MAKO 56s
97
Mansur inicia uma poliacutetica de ldquodetenteacuterdquo com os khazares em 760 A situaccedilatildeo de
problemas econocircmicos sociais religiosos e poliacuteticos passados pelo califado favorece o
estiacutemulo agrave paz e comeacutercio em detrimento das guerras e conquistas
A oferta de ldquodeacutetenterdquo eacute aceita de imediato pelos khazares e o governador de
Arminiyah eacute ordenado por Mansur a casar-se com a filha do Kagan A despeito de outra
batalha gerada pela invasatildeo de forccedilas khazares no Azerbaijatildeo e Arran em 799800 as
hostilidades datildeo lugar ao comeacutercio entre 760 e 800 e a preocupaccedilatildeo dos khazares no
campo militar se daacute mais em relaccedilatildeo aos bizantinos
O rei Joseph bem Aaron dos khazares (khagan ou bek ndash haacute disputa sobre seu
status) governando aproximadamente entre 950 e 960 escreve ao rabino judeu Abu
Yusuf (Hasbai ibn Shaprut) de Coacuterdoba que os Khazares protegiam o Caacutespio (e
consequentemente os aacuterabes) de ataques dos Rus197
2113 Rotas e cronologias
O estudo dos depoacutesitos de dirhams sua distribuiccedilatildeo geograacutefica e dataccedilatildeo tecircm
propiciado reconstituiccedilotildees plausiacuteveis do desenvolvimento das rotas comerciais
escandinavas com o Oriente Proacuteximo O desenvolvimento da Arqueologia e acuacutemulo de
dados tecircm trazido seguranccedila a hipoacuteteses elaboradas proacuteximas da deacutecada de oitenta
acerca dos primeiros movimentos escandinavos a leste
Thomas Noonan198
apresenta os estudos numismaacuteticos compreensivos mais
detalhados sobre tais movimentaccedilotildees fundamentado em grande parte em bibliografia
sovieacutetica inacessiacutevel aos pesquisadores ocidentais Seus estudos buscam responder agrave
pergunta de por que os escandinavos aventurarem-se no interior da Ruacutessia e acabaram
por tornar-se referecircncia para os estudos subsequentes
Comparativamente com Inglaterra e Franccedila a Ruacutessia de norte era razoavelmente
pobre materialmente na transiccedilatildeo entre os seacuteculos XIII e IX Dessa forma a atraccedilatildeo que
as ilhas britacircnicas e o Ocidente em particular seus monasteacuterios desprotegidos exerciam
sobre os vikings eacute facilmente compreendida mas natildeo os porquecircs de escandinavos
aventurarem-se na Ruacutessia considerando que a Escandinaacutevia era mais rica materialmente
do que a proacutepria Ruacutessia
197
NOONAN 1998 (b) 51s 198
NOONAN 1998 (c) 346-347 Ver nota 188 e as referecircncias bibliograacuteficas para uma listagem
completa
98
I O Baacuteltico Austrvegr
O movimento escandinavo na Ruacutessia foi de iniacutecio um subproduto da atividade
Escandinava no Baacuteltico Oriental que remontava haacute seacuteculos antes do iniacutecio do Periacuteodo
Viking e incluiacutea tanto a execuccedilatildeo de expediccedilotildees raacutepidas de saque e comeacutercio como de
proacutepria habitaccedilatildeo e construccedilatildeo de ocupaccedilotildees Do Baacuteltico Oriental e da proacutepria Sueacutecia o
acesso agrave regiatildeo do Ladoga era facilitado A ldquorota de lesterdquo o ldquocaminho para lesterdquo satildeo
traduccedilotildees possiacuteveis para o termo ldquoAustrvegrrdquo que pode ser aplicado agraves proacuteprias rotas
per si ou agrave proacutepria regiatildeo baacuteltica-oriental
Nos seacuteculos V e VI as principais populaccedilotildees a comerciarem com a regiatildeo de
Garethariacuteki vinham do Baacuteltico A quantidade de depoacutesitos de moedas na regiatildeo da antiga
Pruacutessia e nas regiotildees eslaacutevicas ocidentais mostram movimentos iniciais da parte de
baacutelticos e eslavos ocidentais no que toca ao comeacutercio e circulaccedilatildeo de dirhams
No VI seacuteculo um grupo escandinavo possivelmente teria residido na foz do
Daugava199
nas proximidades ou na proacutepria Daugmale (vide Mapa 02) fortificaccedilatildeo no
curso do Daugava que tambeacutem assumiu papel de entreposto comercial Arbman efetua
descriccedilatildeo interessante do local Daugmale dominava o trecho de navegaccedilatildeo mais aacuterdua
do Daugava e apesar de suas fortificaccedilotildees fora queimada quatro vezes200
Mas a
confunde com Duumlnaburg (atual Daugavpils) localizada aproximadamente 200 km para
o sul no curso do Daugava e construiacuteda apenas no seacuteculo XIII Ellis-Davidson efetua
confusatildeo envolvendo tambeacutem a Daugavpils considerando que uma citaccedilatildeo de Saxo
Grammticus trate da mesma201
Saxo no entanto viveu e escreveu antes da construccedilatildeo
de Daugavpils o que leva a pressupor que a fortificaccedilatildeo do Daugava a qual ela se refere
eacute Daugmale
199
VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale
University Press 1964 6ordmed [1943]p266 200
ARBMAN Holger The Vikings London Frederick Praeger 1961 p 96 201
ELLIS-DAVIDSON Hilda Commentary In SAXO GRAMMATICUS The History of the Danes
Traduccedilatildeo FISCHER Peter II Vols Woodbridge Suffolk Boydell amp Brewer 2006[1979-80] P31
99
Mapa 02 Austrvegr e seus ramais Legenda 1 Ramo maior do Austrvegr 2 Rotas aquaacuteticas locais principais 3 Presumida fronteira eacutetnica balto - fino-uacutegrica 4 Colinas fortificadas e centros de poder 5 Cemiteacuterios com enterramentos escandinavos 6 Entrepostos comerciais em colinas fortificadas Fonte VALK Heiki The Vikings and the Eastern Baltic In BRINK amp PRICE (eds) The Viking World Routledge 2008 p486
100
Essa circulaccedilatildeo primitiva de Dirhams fora o impulso inicial a atraccedilatildeo primeva a
dirigir escandinavos principalmente os svear para as regiotildees de leste A despeito de
vestiacutegios no Golfo da Finlacircndia a principal regiatildeo de influecircncia escandinava e que
exemplifica a influecircncia e interesse no leste nesses seacuteculos iniciais eacute a Kuacuterland em
particular nas proximidades de Grobiņa (hoje na Letocircnia) e Apuole (hoje na Lituacircnia)
(vide Mapa 02) Haacute grande quantidade de achados de origem ou conexatildeo escandinava
em Kuacuterland tambeacutem em outros locais nas proximidades de Grobiņa Priediens II Porāni
e Rudzukalns II datados do periacuteodo de Vendel possuem conexotildees na regiatildeo da atual
peniacutensula de Kaliningrado202
As escavaccedilotildees e obras de Birger Nerman demonstraram o estabelecimento de
Svear e Gotar na regiatildeo por um periacuteodo aproximado entre os anos de 600 e 800 O
estabelecimento dos Svear eacute marcadamente militar Entretanto os vestiacutegios de
povoamentos dos oriundos de Gotland apresentam caracteriacutesticas mais marcadamente
comerciais apresentando inclusive a presenccedila de mulheres possivelmente famiacutelias203
O cruzamento com fontes escritas eacute possiacutevel As fontes propriamente
escandinavas apresentam problemas no que tange a uma historicidade estrita factual
abrindo espaccedilo para as discussotildees referentes ao entrelaccedilamento entre histoacuteria e misto
fato e ficccedilatildeo historicidade e narrativa
Entretanto a Vita anskarii de Rimbert arcebispo de Bremen traz uma narrativa
aparentemente mais croniacutestica e factual que ao menos corrobora a presenccedila sueca na
Kurland em tais seacuteculos A crocircnica ofereceu muito material para a formulaccedilatildeo das
hipoacuteteses de Berman eacute a situaccedilatildeo toda eacute um exemplo feliz de Arqueologia Histoacuterica
Ainda por Rimbert temos a informaccedilatildeo de que ocorrera uma rebeliatildeo da parte
dos kurs que expulsaram os svear seguida de um domiacutenio mais fundamentado em
extorsatildeo de impostos da parte dos daneses Dessa forma eacute plausiacutevel a hipoacutetese de que to
seacuteculo VII reis suecos tenham tido uma possessatildeo na Kurzeme
Nesse mesmo seacuteculo jaacute havia contatos entre escandinavos e habitantes da regiatildeo
de Ladoga entatildeo majoritariamente fino-uacutegrica mas interagindo comercialemente com
poucos mercadores escandinavos baltos e saami mas ainda natildeo os povos eslaacutevicos204
No comeccedilo do seacuteculo VIII supostamente Livonia e Estonia eram parte do reino de Ivarr
202
ANDROSHCHUK 517s 203
NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus
Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 204
DUCZKO 64
101
rei da Suecia de sul e Dinamarca205
Apoacutes a consolidaccedilatildeo do poder no litoral
gradativamente os escandinavos passariam a explorar mais profundamente o interior
(vide Mapa 03)
Nessas primeiras duas deacutecadas do seacuteculo VIII ocorreram modificaccedilotildees no
sistema comercial de longas distacircncias entre o Baacuteltico e o mundo islacircmico em
movimento derivado do crescimento dos mercados islacircmicos e khazares ao sul e
consequente aumento de demanda de produtos setentrionais dos quais se destacavam
peles mas tambeacutem escravos
Dessas deacutecadas datam os primeiros vestiacutegios de um comeacutercio envolvendo prata
como se depreende da dataccedilatildeo de depoacutesitos de dirhams encontrados natildeo apenas na
Ruacutessia de Noroeste mas na proacutepria Sueacutecia Pomerania e Mecklenburgo a concentraccedilatildeo
dessa prata nesse periacuteodo inicial entretanto daacute-se principalemente nas regiotildees dos
eslavos ocidentais206
O caminho do Daugava provia de iniacutecio a melhor opccedilatildeo para a exploraccedilatildeo das
regiotildees de leste consistindo na rota mais natural provavelmente teraacute sido o primeiro
caminho a pavimentar o avanccedilo Escandinavo na Ruacutessia rumo a um mercado lucrativo a
despeito do grande nuacutemero de portagens e cachoeiras necessaacuterias para se transpor Os
habitantes das margens do Daugava Baltos e fineses ofereciam pouca unidade e eram
esparsos Os varegues natildeo teriam tido problemas em primeiro comerciar e depois
dominar207
Nas partes superiores do rio nas proximidades da posterior Polotsk jaacute
encontrariam-se alojados povos eslaacutevicos mas aparentemente natildeo muito organizados
Kerner e Vernadsky defendem que nesse periacuteodo inicial os escandinavos teriam passado
diretamente sem se deter pela regiatildeo de Novgorod chegando agrave regiatildeo com as nascentes
tanto do Daugava quanto do Dnieper proacuteximo agraves nascentes do Volga208
(vide Mapa 03)
Em relaccedilatildeo ao Dnieper uma expansatildeo inicial natildeo teria ido de imediato muito
longe ao sul jaacute que a regiatildeo teria grupos de lituanos e eslavos melhor organizados e
capazes de oferecer melhor resistecircncia
205
VERNADSKY 266 206
DUCZKO 63 207
Ibidem 208
VERNADSKY 268
102
Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava
Do autor Feito com a ferramenta ldquoMapmaker Interactiverdquo da National Geographic (TM)
Golfo de Riga
Dniepr
Volga
Daugava
(DuumlnaZapadnaya Dvina)
103
II A Rus de norte Ladoga
Seja pelas dificuldades impostas pelos nativos ou por caracteriacutesticas geograacuteficas
fica notoacuterio pelo estudo da Cultura Material que as principais rotas comerciais a serem
desenvolvidas pelos escandinavos em Garethariacuteki tenderiam a dirigir-se mais para o
norte atravessando o Golfo da Finlacircndia
A despeito do grande nuacutemero de vestiacutegios encontrados tambeacutem pela rota que
cruza o Daugava eacute clara a maior relevacircncia que a rota setentrional assumiria e de fato
como jaacute afirmado anteriormente houvera jaacute contato preacute-histoacuterico a perpassar a regiatildeo
A prata dos Dirhams enquanto motor comercial iraacute contribuir na geraccedilatildeo de um
sistema econocircmico particular na futura regiatildeo de Garethariacuteki Paulatinamente os
escandinavos vatildeo apropriando-se das rotas e meios propiacutecios a esse comeacutercio
diminuindo cada vez mais a necessidade de intermediaacuterios
Dessa forma sua penetraccedilatildeo na Ruacutessia pelos rios eacute gradual Os primeiros
entrepostos comerciais ficam nas proximidades do Golfo da Finlacircndia Lago
PeipusPskov e Lago Ladoga (vide Mapa 01) na cidade chamada pelos escandinavos de
Aldeigja ndash a Staraia Ladoga dos eslaacutevicos na qual existem vestiacutegios de contatos com
escandinavos ainda que em menor grau desde a idade do ferro209
A populaccedilatildeo inicial de tais regiotildees eacute majoritariamente fino-uacutegrica com
componente balto relativamente alto mas decrescente Haacute registro de contatos preacute-
histoacutericos com populaccedilotildees da Sueacutecia Central via ilhas Aringland e vestiacutegios arqueoloacutegicos
de objetos escandinavos nas regiotildees aleacutem do Volga em Perm210
Os eslavos orientais tambeacutem gradualmente iratildeo conquistando o norte
desalojando as populaccedilotildees nativas e misturando-se com elas
Como jaacute discutido em seccedilatildeo anterior Marija Gimbutas argumenta segundo
informaccedilatildeo mista arqueoloacutegica e linguiacutestica (no campo da toponiacutemica) que a regiatildeo de
expansatildeo dos povos Baacutelticos teria chegado ateacute as proximidades da atual Moscou Os
estudos linguiacutesticos igualmente demonstram o grau de influecircncia e mistura sofrido e
exercido pelos eslavos orientais em relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos Igualmente estudos
etnograacuteficos demonstram o grau de influecircncia baacuteltica encontrado nas populaccedilotildees
eslaacutevicas da Bieloruacutessia atual ndash influecircncia que natildeo obstante deve muito ao periacuteodo da
Repuacuteblica Polaco-Lituana na Idade Moderna possui substrato preacute-histoacuterico
Este complexo processo de controle econocircmico escandinavo e expansatildeo
209
ANDROSHCHUK 520 210
DUCZKO 65
104
territorial eslaacutevica natildeo permite uma postura totalmente exclusivista no que toca agrave
controveacutersia normanista Eacute adequado entretanto dar suporte agrave ideacuteia que o desenvolver
inicial da Rus ocorreu em um processo no qual uma minoria escandinava passava
gradualmente a deter um monopoacutelio econocircmico sobre uma populaccedilatildeo principalmente
eslaacutevica Entretanto o niacutevel cultural e tecnoloacutegico de ambas natildeo era tatildeo distinto
As localidades mais importantes nesta fase seratildeo Gniozdovo proacutexima a
Smolensk e agrave regiatildeo de encontro da fonte dos grandes rios (Daugava Dniepr e Volga) e
Staraia Ladoga ao norte (vide Mapa 04) A uacuteltima consiste na uacutenica cidade de alguma
significacircncia de fato de toda a Ruacutessia de Noroeste no periacuteodo medieval primitivo De
acordo com os estudos arqueoloacutegicos desenvolveu-se na metade de seacuteculo VIII211
Os sovieacuteticos datavam os escandinavos em Ladoga entre 840 e 850 mas o
registro arqueoloacutegico sugere uma ocupaccedilatildeo na verdade no extrato mais antigo entre
750 a 830 O achado mais pertinente a esse respeito eacute uma coleccedilatildeo de 26 ferramentas de
ferreiro de origem Escandinava ou Norte-europeacuteia (Baacuteltica) em uma oficina datada
pela dendrocronologia da deacutecada de 760212
A probabilidade maior eacute de que um empoacuterio sazonal escandinavo tenha sido
fundado proacuteximo a 750 e que a ocupaccedilatildeo por um grupo permanente de escandinavos
tenha se dado a partir do iniacutecio do seacuteculo IX quando um cemiteacuterio puramente
escandinavo passou a funcionar nos arredores de Ladoga213
Os escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga pelo surgimento de dirhams
valorizados pela falta de fontes de prata tanto na Ruacutessia quanto na Escandinaacutevia A
anaacutelise dos depoacutesitos de dirhams na Ruacutessia e no Baacuteltico sugere que eles a despeito do
conhecimento preacutevio preacute-histoacuterico ali chegaram com interesses comerciais mais
amplos e mesmo intuitos de residecircncia ao final do seacuteculo VIII logo crescendo em
nuacutemero e regularidade o vestiacutegio arqueoloacutegico atesta sua presenccedila seja na forma de
pentes calccedilados tecircxteis broches um cajado com inscriccedilotildees ruacutenicas e mesmo jogos214
211
NOONAN 1998 (c) 346 212
Ibidem 213
Ibidem 214
DUCZKO 69s
105
Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga Do autor (feito com MapMaker Interative ndash National Geographic)
Golfo da Finlacircndia
Lago Peipus (Pskov)
Ladoga
Para Kiev e Bizacircncio
106
Parte razoaacutevel desses dirhams chegaram agrave Ruacutessia com propoacutesito de pagamento
agraves populaccedilotildees das bacias do Volga e do Dniepr por produtos locais em particular peles
Entretanto um percentual alto de tais moedas talvez ateacute da ordem de 36 era
reexportado para o Baacuteltico215
O traacutefico regular de dirhams entre Ruacutessia e Escandinaacutevia
via Ladoga se iniciou no princiacutepio do seacuteculo IX constituindo-se em evidecircncia adicional
da presenccedila escandinava em Ladoga bem antes de 840
III Rostov Suzdal e Murom
Seja vindo pelo ramo do Austrvegr do Daugava ou da regiatildeo de Ladoga a
proacutexima aacuterea a ser atingida seria a de Rostov Suzdal e Murom (vide Mapa 04) na qual
se encontra quantidade consideraacutevel de achados tipicamente escandinavo como fiacutebulas
ovais e espadas216
O acesso inicial a esta aacuterea deu-se de acordo com Vernadsky217
atraveacutes do rio Kotorosl tributaacuterio do Volga que chegava ateacute agraves proximidades de
Iaroslav
A etapa seguinte fora o lago Nero aonde se situa Rostov (vide Mapa 04) Haacute
uma portagem ali para o rio Nerl que eacute um tributaacuterio do Kliazma ndash por sua vez
tributaacuterio do Okaacute Dessa forma os varegues teriam chegado na bacia do Okaacute Tambeacutem
para Vernadsky218
os Escandinavos devem ter chegado a exercer um domiacutenio sobre os
fineses da regiatildeo de Rostov e Suzdal jaacute no seacuteculo VIII De fato Sarskoie Gorodichtche
conteacutem os vestiacutegios mais antigos da presenccedila escandinava na regiatildeo do Volga219
IV Os povoamentos pareados
Existem pares de povoamentos ou entrepostos comerciais com duas camadas
distintas no proacuteprio local ou que demonstram ter sucedido um ao outro em uma
localidade geograacutefica proacutexima Esta circunstacircncia eacute bastante sugestiva no sentido da
existecircncia de povoado autoacutectone balto ou fino-uacutegrico com influecircncia escandinava
sucedido por um povoamento eslaacutevico enquadrando-se no processo de expansatildeo eslava
para as terras do norte que se deu a partir da segunda metade do seacuteculo X220
215
NOONAN 1998 (c) 346 216
VERNADSKY 268 217
VERNADSKY 269 218
Ibidem 219
DUCZKO 190 220
DUCZKO 189
107
Dentre tais povoamentos pareados destacam-se GniozdovoSmolensk Timerevo
Iaroslav e Sarskoie GorodichtcheRostov (vide Mapas 03 e 04) O caso de Sarskoie
GorodichtcheRostov eacute emblemaacutetico dessa situaccedilatildeo
As escavaccedilotildees em Sarskoie Gorodichtche iniciaram-se em 1854 sendo
conduzidas pelo conde Alieksiei Uvarov Entre os achados encontraram-se objetos de
origem escandinava e ocidental incluindo uma espada Caroliacutengia com a inscriccedilatildeo latina
ldquoLun fecitrdquo e dois depoacutesitos de dirhams Outro depoacutesito de dirhams da vizinhanccedila
possuiacutea inscriccedilotildees ruacutenicas
Os achados escandinavos datam do seacuteculo IX em diante O registro indica
tambeacutem a coexistecircncia paciacutefica de fino-uacutegricos (meria) e varegues nos seacuteculos IX e X
Haacute um predomiacutenio de inumaccedilotildees
O siacutetio demonstra que a cidade entrou em decliacutenio a partir do seacuteculo X Por
dataccedilatildeo dendrocronoloacutegica sabe-se que o pavimento mais antigo de Rostov data de
963 sendo interessante notar a concordacircncia entre o decliacutenio de Sarskoie Gorodichtche
muito proacuteximo ao iniacutecio do florescimento de Rostov ndash desta feita com um caraacuteter mais
notoriamente eslaacutevico
No caso de Gniozdovo Smolensk o
decliacutenio da primeira coincide com a
emergecircncia de Smolensk no iniacutecio do seacuteculo
XI221
Haacute nuacutemero consideraacutevel de achados
arqueoloacutegicos tipicamente escandinavos em
Gniozdovo incluindo vestiacutegios funeraacuterios de
cremaccedilotildees em barcos222
Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950
em Gniozdovo Iniacutecio do X
Fonte Гнёздовский археологический комплекс
2001
221
АВДУСИН ДИ К вопросу о происхождении Смоленска и его первоначальной топографии
Смоленску 1100 лет Смоленск 1967 Pp 71s 222
ANDROSHCHUK 526
108
V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland
O desenvolvimento dessa rede econocircmica escandinava ensaiado na regiatildeo
baacuteltica e iniciado nas regiotildees fino-uacutegricas do norte da Ruacutessia vai disseminando-se para
o sul e leste O gradual eliminamento de intermediaacuterios leva os escandinavos a
desenvolverem uma rota comercial direta com os Khazares que habitando a regiatildeo ao
norte do Caacuteucaso satildeo os intermediaacuterios com o mundo muccedilulmano produtor dos
Dirhams
O poderio dos khazares natildeo foi passiacutevel de ser subjugado pelo pequeno nuacutemero
de escandinavos no iniacutecio do processo sendo conquistado apenas em seacuteculos
posteriores por uma Rus jaacute de caraacuteter bastante eslaacutevico e nativo
Dessa forma a principal via comercial que se estabeleceria pelos escandinavos
levava-os diretamente ao comeacutercio com os Khazares Seguia a regiatildeo do Ladoga ateacute o
Volga Na aacuterea de Bolghar trocavam-se peles e cecircra pelos dirhams
Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares
Do autor
A obtenccedilatildeo desses produtos nativos levou ao desenvolvimento simultacircneo de
outra rota comercial dirigida ao sul ndash desta feita via o Dniepr e a regiatildeo das fontes dos
grandes rios (vide Mapa 04) Eacute nesta aacuterea que a relaccedilatildeo escandinava-eslaacutevica seraacute o
impulso formador da Rus A fim de obter mateacuteria-prima para troca por dirhams com os
Volga
Bolghar
Para o mundo Khazar e aacuterabe
(Serkland)
109
Khazares mais a leste os escandinavos desenvolveram uma extensa rede de obtenccedilatildeo
de tributo das populaccedilotildees locais fossem fino-uacutegricas baacutelticas ou eslaacutevicas
As tribos eslaacutevicas orientais maioria populacional do contexto tecircm papel de
destaque na situaccedilatildeo gradualmente substituindo as populaccedilotildees nativas fino-uacutegricas e
baacutelticas mais setentrionais Os extratos mais antigos escavados nos empoacuterios comerciais
demonstram uma presenccedila escandinava forte bem como fino-uacutegrica As camadas mais
superiores e recentes por sua vez vatildeo demonstrar cada vez mais a presenccedila do
elemento eslaacutevico
Resta ainda um aspecto relevante nesse contexto do contato com Bizacircncio que
os escandinavos teratildeo em sua marcha para o sul A riqueza e os atrativos materiais e
culturais de Bizacircncio formaram uma impressatildeo duradoura e poderosa na mentalidade
escandinava Ocorre mesmo a formaccedilatildeo da chamada ldquoguarda vareguerdquo um corpo de
elite de guarda-costas formada principalmente por varegues a serviccedilo dos governantes
de Bizacircncio
A participaccedilatildeo nesta guarda de elite seraacute elemento de honra para diversos dos
personagens escandinavos sejam fictiacutecios ou reais e encontraraacute eco nas fontes de
seacuteculos posteriores como trataremos mais detalhadamente no capiacutetulo 04
Dessa forma sob o ponto de vista mais estritamente econocircmico de anaacutelise
fortalecido pelo estudo numismaacutetico eacute possiacutevel delinear-se uma rede complexa de rotas
comerciais e de atrativos para os Escandinavos no leste Um movimento modesto de
iniacutecio entremeado de intermediaacuterios vai gradualmente desenvolver uma estrutura que
incorporava as rotas da Escandinaacutevia via Golfo da FinlacircndiaLadoga e Daugava do
Volga rumo aos Khazares e do Dnieper rumo a Bizacircncio Um sistema que desenvolveraacute
uma forte estrutura social e econocircmica de caraacuteter eacutetnico misto com predominacircncia
inicial de gerenciamento escandinavo e posterior eslavizaccedilatildeo tanto da estrutura de
poder como das populaccedilotildees nativas das regiotildees envolvidas
Esse sistema geraraacute um imaginaacuterio persistente na memoacuteria escandinava que
atrairaacute muitos aventureiros guerreiros e mesmo pregadores e forneceraacute temaacutetica para
uma ampla formulaccedilatildeo intelectual em particular nos seacuteculos XIII e XIV periacuteodo no
qual a Rus de Kiev jaacute estaraacute em decadecircncia o poderio Khazar foi destruiacutedo pelos Rus e
as estepes do sul da Ruacutessia satildeo varridas por movimentos nocircmades das estepes jaacute natildeo
mais bloqueados pela forccedila dos Khazares
O proacuteprio relacionamento dinaacutestico entre as elites dirigentes escandinavas e
russas demonstraraacute a perenidade das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Rus
110
O iniacutecio desse sistema deu-se quando outros povos do Baacuteltico aleacutem dos
Escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga e sua prata islacircmica Provavelmente os
maiores responsaacuteveis por muitos depoacutesitos de dirhams do iniacutecio do seacuteculo IX das costas
das atuais Alemanha e Polocircnia foram eslavos ocidentais (ou eslavos do baacuteltico) 223
Mas ainda que muitos povos baacutelticos tenham sido atraiacutedos para Ladoga agrave
evidecircncia disponiacutevel sugere fortemente que os escandinavos foram os uacutenicos desses a se
aventurar no interior da Ruacutessia em busca da fonte dessa prata224
Em 839 os varegues estavam tatildeo familiarizados com o interior da Ruacutessia e seus
rios que chegaram por ali ateacute Constantinopla Isto indica que levou apenas uma geraccedilatildeo
entre aproximadamente 800-840 para que os escandinavos descobrissem como viajar
para o sul atraveacutes da Ruacutessia usando as grandes vias aquaacuteticas da Europa Oriental225
Dessas deacutecadas em diante desenvolver-se-ia uma nova fase de expansatildeo
22 As estelas ruacutenicas
As estelas ruacutenicas satildeo testemunhos materiais iconograacuteficos e de caraacuteter escrito
ainda que formulaico sobre as accedilotildees escandinavas a leste no periacuteodo viking Fornecem
informaccedilotildees sobre a proveniecircncia dos varegues seus destinos o conhecimento e
terminologia geograacuteficos sobre o leste dentre muitas outras informaccedilotildees sobre o
periacuteodo viking
Os aspectos geograacuteficos e etnograacuteficos de algumas estelas foram de certa forma
empregada nesse trabalho no capiacutetulo 3 item 31 ldquoQuadro etno-linguiacutestico de
Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIIIrdquo
Apresentaremos agora de forma mais detalhada tal seacuterie de fontes portanto
extraindo das mesmas informaccedilotildees pertinentes em nossa tentativa de construccedilatildeo de um
quadro plausiacutevel das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia Austrvegr e Garethariacuteki no periacuteodo
viking
223
NOONAN 1998 (c) 346 224
Ibidem 225
Ibidem
111
221 Sobre as estelas ruacutenicas
O significado de Runa nas liacutenguas escandinavas estaacute ligado a ldquomisteacuteriordquo
ldquosegredordquo226
Possivelmente trata-se de um cognato oriundo das liacutenguas baacutelticas ou
mesmo fino-uacutegricas nas quais os significados do termo transitam proacuteximos a ldquofalarrdquo
ldquocantarrdquo227
Haacute mais de uma seacuterie de agrupamento de caracteres que chamamos de ldquoruacutenicosrdquo
incorporando povos germacircnicos da Europa continental nas ilhas britacircnicas e
principalmente na Escandinaacutevia Todos tem em comum o fato de serem meios de
expressatildeo proacuteprios de populaccedilotildees de liacutengua germacircnica em suas diversas ramificaccedilotildees
Assim como a maioria dos alfabetos europeus a origem longiacutenqua da escrita
ruacutenica remonta ao alfabeto feniacutecio Do mediterracircneo tal sistema de escrita inovador
baseado em fonemas simples (ao inveacutes de siacutelabas eou conceitos como nas escritas
hierogliacuteficas ideograacuteficas e cuneiformes) percorreu um longo caminho por diversas
terras tomando diversas formas e influecircncias tornando-se a forma de expressatildeo de
nuacutemero incontaacutevel de povos
No caso das populaccedilotildees germacircnicas a opiniatildeo de maior aceite desenvolvida
simultaneamente por Marstrander e Hammarstroumlmm entre as deacutecadas de 1920 e 1930
considera as runas como caracteres derivados de alfabetos da regiatildeo norte da Itaacutelia e da
Etruacuteria implicando assim certo parentesco da escrita ruacutenica com o proacuteprio alfabeto
latino - do qual posteriormente sofreu influecircncias e incorporou alguns caracteres228
Tal derivaccedilatildeo teria se dado em periacuteodo no qual as inscriccedilotildees do norte da
peniacutensula itaacutelica natildeo estariam ainda extintas a despeito da existecircncia e predomiacutenio do
latim e ocorreu pelo contato de alguma tribo germacircnica (os Marcomanni para
Marstrander os Cimbri para Altheim e Trautmann) com povos norte itaacutelicos
provavelmente ceacutelticos
Tal afirmaccedilatildeo natildeo eacute de difiacutecil confirmaccedilatildeo Basta notar a proacutepria semelhanccedila de
muitos dos caracteres ruacutenicos com os caracteres capitais do alfabeto latino Por exemplo
o ldquoFrdquo ldquoUrdquo ldquoRrdquo o ldquoIrdquo o ldquoMrdquo (em algumas derivaccedilotildees) o ldquoSrdquo o ldquoTrdquo o ldquoBrdquo e assim por
diante Na maior parte dos casos eacute possiacutevel traccedilar a conexatildeo epigraacutefica demonstrando
conexotildees entre caracteres que agrave um olhar simples dificilmente seriam aparentados
226
SPURKLAND Terje Norwegian Runes and Runic Inscriptions Woodbridge The Boydell Press
2005[2001]p 03 227
O termo empregado para os diversos cantos do Kalevala eacutepico finecircs por exemplo eacute ldquorunordquo Em letatildeo
liacutengua baacuteltica indo-europeia o verbo runat significa ldquofalarrdquo 228
ELLIOT 1963 06s
112
Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction Manchester
at the University press 1963 p08
Existem evidecircncias arqueoloacutegicas de que a escrita ruacutenica era conhecida jaacute no
seacuteculo II229
Seu uso se estendeu por toda a Idade Meacutedia e em alguns casos foi paralelo
ao emprego do alfabeto latino Na regiatildeo sueca da Dalecarlia seu uso foi registrado
ainda na Idade Moderna
229
SPURKLAND 2005 04
113
O alfabeto ruacutenico eacute conhecido como ldquofuthornarkrdquo ou variantes deste nome (como
ldquofuthorcrdquo) Deve-se agrave ordem mais comum em que os fonemas dessas escritas satildeo
listados f u thorn a r k h n i a s t b m l R
Haacute diversos variantes do futhornark de acordo principalmente com o nuacutemero de
caracteres e um criteacuterio cronoloacutegico tais variantes entretanto natildeo consistem em
entidades fechadas Eacute possiacutevel se encontrar testemunhos materiais que empregam
caracteres mistos de conjuntos distintos
Sua primeira forma eacute chamada de antigo futhornark Esta modalidade bem como
suas variantes foi empregada tanto na Europa continental (entre os seacuteculos II-IX)
quanto na Escandinaacutevia (nos seacuteculos VII-VIII) Possuiacutea basicamente 24 caracteres
Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo Obtido em JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala
Esselte Herzogs 1984 P 13
Entre os seacuteculos VIII e IX as modificaccedilotildees nas liacutenguas germacircnicas foram
acompanhadas por mudanccedilas tambeacutem nas formas de escrita que acarretaram uma
simplificaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo no nuacutemero de caracteres reduzidos para 16 Esta nova
forma foi chamada de Novo futhornark e foi empregada primordialmente na Escandinaacutevia
principalmente nas Estelas ruacutenicas Possui duas variantes chamadas ldquorunas normaisrdquo
ou de ldquoramaspernas compridasrdquo e ldquoRunas de ramaspernas curtasrdquo
Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo Obtido em
JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala Esselte Herzogs 1984 P 28
114
Outro grupo de variaccedilotildees importante eacute chamado de futhornork anglo-saxatildeo ou
inglecircs Continha entre 26 a 33 caracteres dependendo da regiatildeo e variante (Thames
Vienna Codex Othonis Ruthwell etc) Foi empregado principalmente entre os seacuteculos
V-XI na Inglaterra anglo-saxatilde registrando escritos em antigo inglecircs e antigo friacutesio
Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction
Manchester at the University press 1963 p39
115
Existem diversas outras variantes por exemplo as chamadas ldquorunas
marcomacircnicasrdquo empregadas no continente entre os seacuteculos VIII-IX as ldquomedievaisrdquo
encontradas na Escandinaacutevia dentre os seacuteculos XII-XV e as dalecarlianas usadas na
Sueacutecia tatildeo tardiamente como o periacuteodo compreendido dentre os seacuteculos XVI-XX Esses
grupos possuem caracteriacutesticas dos grupos descritos acima
E por fim haacute de-se salientar que em alguns casos principalmente nas Ilhas
Britacircnicas ocorre o emprego de caracteres de sistemas agrupados como distintos pelos
acadecircmicos ndash por exemplo mistura de runas anglo-saxatildes e escandinavas230
222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas
Haacute cerca de 6000 inscriccedilotildees ruacutenicas na Escandinaacutevia aproximadamente a
metade em monumentos de pedra231
O restante eacute encontrado principalmente em objetos
de madeira mas tambeacutem de metal e osso como ferramentas armas moedas sinos de
igreja e pias batismais
O uso da escrita provavelmente natildeo foi restrito aos extratos mais elevados da
sociedade Esta ideia de restriccedilatildeo eacute passada por uma soma de fatores o melhor estado
de conservaccedilatildeo das inscriccedilotildees monumentais registrada em pedra e erigidas por pessoas
de recursos relatos de origem aristocraacutetica como o contido na Egils saga
Skalagriacutemssonar no qual o skaldr e aristocrata Egil corrige um uso errocircneo da escrita
ruacutenica com propoacutesitos maacutegicos feito por algueacutem de extrato social inferior ndash uma
passagem muito rica para discussotildees sobre letramento conflitos culturais e sociais e
mesmo religiosidade Por fim a ideia preconcebida de que a escrita estaacute sempre
associada a um extrato social ldquosuperiorrdquo
Entretanto haacute de se notar que o entalhe de uma inscriccedilatildeo ruacutenica ndash que consiste
principalmente de traccedilos horizontais ndash necessita apenas de uma faca ou objeto cortante e
um pedaccedilo de madeira Foram encontrados muitos objetos contendo atividades do
cotidiano possiacuteveis contratos de venda objetos com o nome de seu dono que revelam
um uso mais difundido do que se imagina
Um paralelo interessante pode ser traccedilado com ao achado de cartas e bilhetes
escrito por crianccedilas em carta de beacutetula na cidade de Novgorod na Rus de norte Cidade
de antigo predomiacutenio escandinavo acrescenta elementos interessantes agrave discussatildeo do
230
RENTERGHEM Aya Van And Now for Something Completely Different Runic Confusion Now and
Then Comunicaccedilatildeo apresentada na seccedilatildeo 823 no International Medieval Congress of Leeds 08072014 231
ZILMER 2005 38
116
letramento nas regiotildees de contato multicultural ou ditas ldquoperifeacutericasrdquo da Europa no
medievo
A discussatildeo sobre letramento no medievo assume mais de uma conotaccedilatildeo Em
termos mais estritos remete ao conceito de um certo grau de conhecimento e emprego
do latim uma pessoa letrada ldquolitteratusrdquo o eacute em contraposiccedilatildeo ao ldquoilliteratusrdquo o
ldquolaicusrdquo e nesse campo pode ser designada uma pessoa que ainda que natildeo conhcendo o
latim faccedila uso de outra forma de escrita ndash por exemplo a ruacutenica232
Letramento entretanto pode implicar no conhecimento de uma escrita ndash seja
latina ou natildeo233
De fato tal conceito mais amplo apresenta-se como muito mais
adequado no caso das regiotildees escandinavas que presenciaram o emprego de escrita por
seacuteculos antes da inserccedilatildeo da cultural cristatilde e latina
Nos seacuteculos apoacutes a conversatildeo agrave Cristandade entretanto - e eacute nesse periacuteodo no
qual as estelas ruacutenicas em particular tiveram maior florescimento ndash as duas formas de
escrita latina e ruacutenica coexistiram Entretanto com propoacutesitos funccedilotildees e limitaccedilotildees
diversas Os meios de escrita por exemplo delimitam grandemente o emprego da
mesma O custo de pergaminhos e ferramentas envolvidas na confecccedilatildeo de manuscritos
torna seu uso bastante circunscrito a atividades de maior vulto de relevacircncia
institucional ou religiosa em um contexto cristatildeo-latino Tal natildeo se daacute no entanto com
o entalhe de runas que pode ser efetuado em material de faacutecil acesso como pedaccedilos de
madeira com o emprego de ferramentas de igualmente faacutecil obtenccedilatildeo - como uma faca
Arqueologicamente a escrita eacute uma tecnologia uma teacutecnica Como tal seu
domiacutenio apresenta vantagens a seu portador agravequele que a domina destarte pode ser
empregada como forma de dominaccedilatildeo e poder Nesse sentido o domiacutenio da escrita o
letramento assume um papel de atividade cultural de uma praacutetica uma habilidade um
padratildeo de comportamento que se apresenta associado a ideologias desenvolvidas em
resposta a esses mesmos padrotildees de comportamento234
O relato da Egilssaga por exemplo pode revelar ao estudioso nuances
interessantes das sociedades escandinavas como a gradual concentraccedilatildeo de poder e
232
BAUML Franz H Varieties and Consequences of Medieval Literacy and Illiteracy Speculum 55
1980 pp 237-265 CLANCHY MT From memory to written record England 1066-1307 Oxford
Blackwell 1993 Pp224-252 233
STOCK Brian The Implications of Literacy Written Language and Models of Interpretation in th
Eleventh Centuries Princeton at the University Press 1983 P06 234
LERER Seth Literacy and Power in Anglo-Saxon Literature Lincoln University of Nebraska Press
1991 P 22
117
terras da parte de elites e a tentativa das mesmas de se assegurar para si o domiacutenio de
teacutecnicas que garantam privileacutegios
O emprego de duas escritas distintas oriundas de contextos culturais tatildeo
diversos apresenta ainda maior nuacutemero de variantes e torna a questatildeo mais complexa e
multifacetada Terje Spurkland prefere empregar o termo ldquorunacyrdquo ao inveacutes de
ldquoliteracyrdquo considera o uso de ldquorunic literacyrdquo uma idiossincrasia pela referida
dualidade e complexidade cultural envolvida em seu emprego Tal dualidade implicaria
em diversidade de expressotildees de meios de contextos comunicativos e de comunidades
textuais Dessa forma natildeo haveria em contextos normais a intersecccedilatildeo entre tais
formas de ldquoletramentordquo235
Poderiacuteamos acrescentar diversos casos de anormalidade ndash
por exemplo o uso de formas latinas com caracteres ruacutenicos - mas tais circunstacircncias
fogem ao nosso escopo
Por fim eacute possiacutevel que o nuacutemero de objetos com escritas ruacutenicas tenha sido
muito maior indicando um letramento - ou seu equivalente ruacutenico ndash mais amplo A
natureza pereciacutevel do material no qual foram confeccionadas ndash na maior parte das
vezes madeira ndash restringe o acesso que temos agrave esta informaccedilatildeo As variantes no
proacuteprio meio tambeacutem satildeo significativas dentro da proacutepria Escandinaacutevia A Noruega
apresenta um nuacutemero consideraacutevel de inscriccedilotildees em bastotildees e meios do cotidiano236
em
contraste com o pequeno nuacutemero de estelas encontradas em seu territoacuterio
A maior parte do material que possuiacutemos consiste em estelas runiacutecas ndash
monumentos erigidos em pedra contendo inscriccedilotildees no futhark em sua maioria no novo
futhark de 16 caracteres Traduzimos como ldquoestela ruacutenicardquo o termo sueco ldquorunstenarrdquo
no inglecircs ldquorunestonerdquo Optamos por ldquoestelardquo ao inveacutes de ldquopedrardquo ou ldquorochardquo por tratar-
se de termo jaacute de amplo uso na arqueologia ao referir-se a monumentos de pedra
contendo inscriccedilotildees ou representaccedilotildees considerando que ldquopedrardquo ou ldquorochardquo natildeo
passam uma dimensatildeo adequada agrave natureza de tais artefatos
O costume de se erigir e entalhaacute-las comeccedilou no periacuteodo das migraccedilotildees mas
floresceu do final do X ao iniacutecio do XII (+- 970-1170) Possui-se perto de 2300
inscriccedilotildees desse periacuteodo distintas dos periacuteodos anteriores e posteriores237
235
SPURKLAND Terje Literacy and acuteRunacyacutein Medieval Scandinavia In ADAMS Jonathan amp
HOLMAN Katherine (eds) Scandinavia and Europe 800 ndash 1350 Contact Conflict and Coexistence
Turnhout Belgium Brepols 2004 P 344 236
SPURKLAND 2004 334 237
SAWYER Birgit 2008[2000] 11
118
As inscriccedilotildees das estelas mais antigas satildeo contrastantes diacutespares difiacuteceis de
agrupar por generalizaccedilotildees algumas mais longas satildeo obscuras com o conteuacutedo
variando grandemente e algumas possuem foacutermulas maacutegicas As estelas posteriores satildeo
mais similares entre si tanto em forma quanto em conteuacutedo Suas inscriccedilotildees satildeo
geralmente claras e factuais bastante similares entre si na linguagem foacutermulas e
conteuacutedo
A maior parte das estelas dos seacuteculos X e XI foram erigidas para pessoas mortas
Praticamente todas inscriccedilotildees iniciam-se com uma foacutermula memorial contendo quem
erigiu a estela ndash o patrocinador - e em memoacuteria de quem foi erigida ndash o homenageado
Em cerca de 90 dos casos haacute alguma relaccedilatildeo de parentesco entre ambos238
Frequentemente as estelas providenciam informaccedilotildees adicionais do patrocinador ou
homenageado status social tiacutetulos viagens no estrangeiro feitos militares causa e
local de morte Algumas inscriccedilotildees terminam com o nome do entalhador
Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na
Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees
cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland Apenas 10 das estelas
referem-se a movimentos vikings Destas mais que 34 fala de vikings caiacutedos nas
regiotildees de leste O restante das estelas trata de questotildees do cotidiano heranccedila e
memoacuteria
Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na
Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees
cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland
238
SAWYER Birgit 2008[2000] 59-68
119
Diversas estelas desapareceram e
por vezez outras satildeo descobertas muitas
vezes fortuitamente em obras ou
escavaccedilotildees Sua distribuiccedilatildeo geral poreacutem
dada a frequecircncia e o padratildeo das estelas
descobertas natildeo deve ser diversa do que se
conhece 50 na Noruega 200 na Dinamarca
medieval (incluindo Halland Blekinge e
Skane hoje na Sueacutecia) e pelo menos 1800
na Sueacutecia medieval sendo mais que a
metade deste nuacutemero na regiatildeo de Uppland
Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na
Sueacutecia e Noruega por Km2
(Fonte Sveriges nationalatlas p45)
A dataccedilatildeo eacute incerta ao tratar-se de inscriccedilotildees individuais Haacute certos consensos
aproximados quanto a dataccedilotildees regionais de cunho mais geneacuterico Na Dinamarca (com
exceccedilatildeo de Bornholm) a maior parte das estelas data do final do seacuteculo X ao iniacutecio do
XI Em Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland as estelas satildeo de certa forma contemporacircneas com
as danesas sendo que no restante da Sueacutecia um pouco mais recentes Em Uppland (e
Bornholm) as estelas foram erigidas apenas jaacute passadas algumas deacutecadas do seacuteculo XI
sendo que em alguns lugares o costume perdurou ainda no seacuteculo seguinte Uppland
possui a maior concentraccedilatildeo de estelas ruacutenicas239
As estelas ruacutenicas satildeo fontes de informaccedilatildeo para diversas disciplinas acerca do
periacuteodo viking Providenciam informaccedilotildees sobre linguagem e ortografia arte e poesia
nomes de lugares e pessoas conhecimento geograacuteficoe etnoloacutegico artesatildeos
especializados disseminaccedilatildeo do Cristianismo
239
SAWYER amp SAWYER 10
120
Haacute ainda uma necessidade de estudos mais generalistas que incorporem as
especificidades regionais que se concentram normalmente em aspectos como
linguagem forma das runas layout e ornamentos deixando de notar que alguns
aspectos satildeo caracteristicamente regionais
As explicaccedilotildees sobre a curta duraccedilatildeo do costume de se erigir estelas ruacutenicas
bem como sua distribuiccedilatildeo desigual nos territoacuterios escandinavos natildeo possuem um
consenso ou uma teoria geral explicativa No geral as teorias explicativas defendem a
existecircncia de necessidades sociais agraves quais as Estelas ruacutenicas respondem Segundo tal
linha de raciociacutenio a distribuiccedilatildeo desigual das estelas poderia mostrar que em algumas
regiotildees as mesmas natildeo eram necessaacuterias Apresentamos a seguir algumas linhas
explicativas que tecircm sido elaboradas sobre a temaacutetica
a) MOLTKE e JANSSON a teoria ldquoclaacutessicardquo ndash estelas ruacutenicas enquanto
ldquoMonumentos da Era Vikingrdquo
As estelas ruacutenicas seriam ldquomonumentos das viagens vikingsrdquo Frutos da
atividade viking as estelas refletiam o gosto pelas expediccedilotildees vikings comemoravam a
elas e agravequeles que nelas pereceram Com o final do periacuteodo viking o costume das
estelas tambeacutem esmoreceria240
Ainda que grande parte das estelas sejam explicitamente comemorativas tal
explicaccedilatildeo eacute insatisfatoacuteria ndash ainda que as estelas de viagens tenham definido os
paracircmetros e a ldquomodardquo para as demais natildeo se explica porque no final do periacuteodo viking
houve a explosatildeo suacutebita de estelas em diversos lugares da Escandinaacutevia e em tatildeo grande
nuacutemero
Os historiadores tendem a dar mais atenccedilatildeo agraves estelas que comemoram os que
morreram no estrangeiro passando a impressatildeo que tais estelas satildeo tiacutepicas enquanto
consistem em apenas 10 por cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas241
A maior parte das estelas fala de pessoas que viveram e morreram em casa
consistindo um corpus de evidecircncia ainda muito negligenciado pelos historiadores
Informaccedilotildees pontuais sobre uma ou outra pessoa da qual natildeo se sabe nada (exceto que
erigiu uma estela) satildeo insignificantes a natildeo ser que o corpus seja considerado como um
todo
240
JANSSON 1984 42s 241
SAWYER amp SAWYER 12
121
b) Von FRIESEN (1928) LJUNGBER (1938) PALME (1958) GRAumlSLUND
(1987) LARSSON (1990) WILLIAMS (1996) - mudanccedila religiosa
O processo de cristianizaccedilatildeo eacute um fator explicativo importante para o costume
de ereccedilatildeo de estelas ruacutenicas pois o costume reflete tambeacutem a transiccedilatildeo de costumes
fuacutenebres pagatildeos para cristatildeos Existem trecircs vertentes explicativas principais nesta linha
natildeo necessariamente excludentes
b1) O costume atendia agrave necessidades emocionais entre os receacutem-conversos
que a despeito de terem enterrado seus parentes em novos locais (adros) queriam
honraacute-los em lugares tradicionais como em casa em uma estrada ou num local de
assembleia Explicaccedilatildeo de caraacuteter psicoloacutegico pode explicas parcialmente o fenocircmeno
b2) algumas estelas foram movidas muito cedo dos seus lugares originais para
adros ou mesmo usadas na construccedilatildeo de igrejas ndash sugere-se que foi a proacutepria falta de
espaccedilo nos adros para enterramentos cristatildeos que criou a necessidade de erigir uma
estela ruacutenica cristatilde Em Uppland a construccedilatildeo de igrejas e cemiteacuterios cristatildeos demorou
um longo tempo e ali as estelas podem ter funcionado como laacutepides cristatildes em
cemiteacuterios pagatildeos (Graumlslund)
b3) As estelas ruacutenicas provavelmente tambeacutem compensavam o abandono de
costumes de enterramento com bens e pompa em um periacuteodo transicional quando o
enterro cristatildeo seria visto como cerimocircnia muito simples
Existem muitas situaccedilotildees na linha da mudanccedila religiosa que necessitam de
explicaccedilatildeo A explicaccedilatildeo da conversatildeo religiosa natildeo explica por exemplo a
distribuiccedilatildeo desigual e as poucas homenagens agraves mulheres 7 das estelas conteacutem
comemoraccedilotildees dirigidas agrave mulheres e em metade destas as mulheres satildeo comemoradas
junto com homens Em contrapartida os tuacutemulos femininos da Idade do Ferro satildeo
mobiliados ricamente e tecircm proporccedilatildeo bem mais alta de adornos
c) Peter e Birgit SAWYER242
as Estelas ruacutenicas enquanto ldquosintoma de criserdquo
A explicaccedilatildeo de Peter e Birgit Sawyer para o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das
estelas ruacutenicas as explica enquanto um ldquosintoma de criserdquo Birgit Sawyer eacute autora de
uma das obras mais completas e influentes no campo de estudo das estelas ruacutenicas
destarte suas ideias merecem espaccedilo agrave parte
242
SAWYER amp SAWYER 14
122
Segundo os Sawyer provavelmente o iniacutecio do costume ao menos entre o
seacuteculo X tardio ao XI inicial foi lanccedilado por Haraldr dente-azul que erigiu largo
memorial em Jelling para seus pais Ainda que longa e elaborada a inscriccedilatildeo parece ter
determinado o padratildeo e dado o prestiacutegio de Haraldr em toda a Escandinaacutevia natildeo eacute
surpreendente que seu monumento fosse tatildeo influente
A Estela de Jelling tornou-se um siacutembolo tanto da transiccedilatildeo do paganismo para
Cristianismo quanto do desenvolvimento de novas formas de governo A maior parte
das estelas daneses espalham-se por aacutereas sob o controle de Harald ou seu filho Sven e
nas regiotildees aonde o crescente poder real danecircs se firmava as pessoas parecem ter
seguido o padratildeo individual nos moldes de Jelling
A discussatildeo de especificidades em Goumltaland Svealand Uppland e regiatildeo dos
lagos Malar leva os Sawyer a argumentar que efetuando-se estudos caso a caso as
estelas ruacutenicas satildeo sintomas de mudanccedila dramaacutetica e que esta hipoacutetese lanccedilaria luz nas
condiccedilotildees econocircmicas e sociais do tempo Eacute uma linha argumentativa que reflete parte
de suas obras e que privilegia uma ruptura com conjunturas antigas
d) GREN (1994) ANDREacuteN (2000) JESCH (2001) NIELSEN (2003)
ZILMER (2005) As estelas ruacutenicas enquanto sistemas de comunicaccedilatildeo
Esta ideia natildeo exclui as demais explicaccedilotildees Frequentemente mistura-se com as
outras ou faz parte de componentes significativos das mesmas A ideia de que as estelas
ruacutenicas sejam meios de comunicaccedilatildeo eacute de certa forma evidente seja na anaacutelise de
aspectos comemorativos ou legislativos (ie de heranccedila)
A proposiccedilatildeo defendida mais especificamente por Gren sobre o aspecto
comunicativo das estelas ruacutenicas enfatiza que as estelas consistiriam em meios
duradouros e expressivos de comunicaccedilatildeo em particular no sentido de que
constituiriam em respostas poderosamente materializadas a problemas e desafios
enfrentados pelas pessoas
A ideia de Gren natildeo eacute exclusiva agraves estelas ruacutenicas sendo desenvolvida com a
base em exemplos da preacute-histoacuteria (monumentos megaliacuteticos) ateacute as catedrais do goacutetico
europeu Gren centraliza sua explicaccedilatildeo em uma uacutenica estela ruacutenica desenvolvendo
uma explicaccedilatildeo psicoloacutegica No caso de uma aplicaccedilatildeo mais ampla de suas ideias seria
necessaacuterio extrapolar cada estela ruacutenica como resposta a uma tensatildeo social especiacutefica o
que aproximaria sua ideia agrave teoria do ldquosintoma de criserdquo dos Sawyer
123
A despeito da limitaccedilatildeo da teoria de Gren Zilmer expande sua ideia e compara
com outras proposiccedilotildees de Jesch Nielsen e Andreacuten que enfatizam aspectos
comunicacionais das estelas Em suma a ecircnfase dada insere-se de que natildeo apenas a
mensagem textual das estelas comunica algo Seu tamanho localizaccedilatildeo estilo artiacutestico
dentre outras caracteriacutesticas ligadas agrave fisicalidade e agrave imageacutetica satildeo caracteriacutesticas que
comunicam diferentes mensagens tatildeo significativas quanto o conteuacutedo explicitamente
textual243
223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas
Em adiccedilatildeo agraves informaccedilotildees geograacuteficas religiosas poliacutetcas e de caraacuteter mais
teacutecnico haacute ainda uma vertente a ser mais explorada no campo das estelas ruacutenicas que
trata do estudo de relaccedilotildees sociais
As estelas foram memoriais natildeo apenas dos mortos mas tambeacutem dos que as
erigiram Os patrocinadores satildeo quase sempre mencionados em primeiro lugar e a
relaccedilatildeo entre ele (ou ela) e o homenageado eacute definida quase que universalmente
demonstrando claramente sua relevacircncia
Podem ser notados certos princiacutepios em relaccedilatildeo a quem comemora quem
(normalmente parentes mais proacuteximos e companheiros) com algumas variaccedilotildees
regionais significativas demonstrando que os patrocinadores tinham certo interesse no
que o morto tinha tido ou teria direito244
Tais interesses eram normalmente
reinvidicaccedilotildees pessoalmente ou em nome de outros menores a herdar terras bens ou
status (como o rank ou tiacutetulo de thegn) Alguns patrocinadores tinham o direito de
dividir o que tinha sido possuiacutedo conjuntamente como em casos de em casamento ou
parceria
Eacute provaacutevel que esses memoriais refletissem ao menos parcialmente os
costumes de heranccedila da pessoa que os patrocinavam As novas condiccedilotildees de
responsabilidade e propriedade apoacutes a morte de um parente ou parceiro determinavam
natildeo apenas quem comemorava mas tambeacutem a ordem de nomeaccedilatildeo dos patrocinadores
nomeados bem como o cuidado com que suas diferentes relaccedilotildees com o falecido eram
especificadas
243
ZILMER 2005 45s 244
SAWYER amp SAWYER 13
124
Birgit Sawyer245
alega a existecircncia de dois padrotildees principais de heranccedila a)
Uppland diversos patrocinadores satildeo nomeados incluindo mulheres b) Dinamarca
(tendecircncia tambeacutem em Noruega e Goumltaland) patrocinadores individuais satildeo
mencionados haacute poucas mulheres Outras regiotildees escandinavas mostrariam traccedilos de
ambos padrotildees em diferentes graus
A heranccedila partilhaacutevel (diversos patrocinadores tiacutepica de Uppland) consistiria no
costume mais comum mais tardiamente e a natildeo-partilhaacutevel (um patrocinador exemplar
na Dinamarca) primitivamente A explicaccedilatildeo dada por Sawyer para tais divisotildees
encontraria amparo nas diferentes estruturas de poder organizadas nos reinos
escandinavos que incluem a proacutepria estruturaccedilatildeo monaacuterquica e institucionalizaccedilatildeo da
Cristandade
Os daneses foram muito cedo governados por reis capazes de concentrar um
poder mais centralizado que possivelmente tomavam medidas para que as terras por
eles distribuiacutedas aos seus principais homens natildeo fossem divididas As regiotildees suecas
possuiacuteram processo de centralizaccedilatildeo monaacuterquica muito mais tardio gradativo e multi-
facetado
Pode-se levantar tambeacutem uma explicaccedilatildeo alternativa agrave questatildeo do poder central
Uma alegaccedilatildeo de heranccedila levantada por patrocinadores muacuteltiplos pode refletir
simplesmente uma reinvidicaccedilatildeo que pode ser feita por todos patrocinadores Em
contrapartida patrocinadores individuais teriam uma reinvidicaccedilatildeo que natildeo podia ou
natildeo deveria ser dividida como uma posiccedilatildeo enquanto agente real ou a residecircncia
principal de um proprietaacuterio de terras normalmente reservada ao filho mais velho
As questotildees ligadas agrave heranccedilas propriedades e exibiccedilatildeo monumental de tais
reinvindicaccedilotildees levantam outras questotildees ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos das
estelas ruacutenicas Natildeo se sabe ao certo porque em determinado periacuteodo foi necessaacuterio
que se erigissem tais memoriais e por que tornariam-se tatildeo marcadamente similares
entre si
245
Idem p14
125
224 As estelas ruacutenicas e o leste
A terminologia geograacutefica referente agraves populaccedilotildees de Austrvegr jaacute foi
referenciada anteriormente nesse trabalho Como jaacute afirmado a discriminaccedilatildeo
terminoloacutegica geograacutefica eacute bastante acurada e emprega termos que natildeo apenas refletem
bastante satisfatoriamente as divisotildees eacutetnicas e geograacuteficas das regiotildees a leste como
tambeacutem continuam em uso nos seacuteculos posteriores tanto em obras de cunho geograacutefico
quanto narrativo
As estelas de interesse para nossos propoacutesitos enquadram-se na parcela das
estelas ldquovikingsrdquo que comemoram homens mortos em expediccedilotildees ao estrangeiro Como
jaacute citado acima o nuacutemero total das estelas vikings perfaz aproximadamente 10 por
cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas Aqui referimo-nos enquanto ldquoestelas vikingsrdquo
agraves estelas que conteacutem referecircncias a expediccedilotildees de caraacuteter viking ou navegaccedilatildeo as
estelas que Jansson emprega enquanto ldquoMonumentos do periacuteodo vikingrdquo Ao referirmos
as estelas que lidam especificamente com vikings no oeste o faremos de forma
especiacutefica Na ausecircncia portanto de especificaccedilatildeo empregamos tal conceito geneacuterico
apresentado na introduccedilatildeo deste trabalho
A anaacutelise e catalogaccedilatildeo das estelas ruacutenicas eacute padronizada pelo sistema do
projeto Samnordisk runtextdatabas Iniciado em 1986 na Universidade de Uppsala
Sueacutecia o projeto atualmente disponibiliza a transcriccedilatildeo das inscriccedilotildees para o antigo
noacuterdico e versotildees para o sueco e o inglecircs de todas as inscriccedilotildees ruacutenicas encontradas ndash
natildeo limitando-se portanto agraves estelas ruacutenicas e empregando um sistema de banco de
dados que pode ser baixado e instalado no computador do pesquisador chamado de
Rundata
Segundo o sistema do Samnordisk runtextdatabas empregam-se abreviaturas
das proviacutencias suecas seguido de um nuacutemero de registro (ie Souml = Soumldermanland U =
Uppland) No caso de outros paiacuteses as abreviaccedilotildees satildeo dos proacuteprios paiacuteses
escandinavos (ie Dinamarca = DR) ou X seguido da abreviaccedilatildeo do paiacutes (ie X Ua =
Ucracircnia) A discriminaccedilatildeo acurada das proviacutencias suecas natildeo eacute devida apenas agrave criaccedilatildeo
do projeto na Sueacutecia mas sim ao grande predomiacutenio das estelas ruacutenicas em territoacuterio
sueco e necessidade de maior precisatildeo
A publicaccedilatildeo de novos achados de estelas ruacutenicas eacute feita pela Fornvaumlnnen
publicaccedilatildeo quadrimestral da Academia Real de Letras em Estocolmo Sueacutecia fundada
em 1906 e especializada no campo de Arqueologia e arte medievais
126
Dessa forma diferentemente dos achados numismaacuteticos as informaccedilotildees das
estelas ruacutenicas satildeo de faacutecil acesso para pesquisadores de todas as regiotildees do mundo
desde o advento da Internet
Numeraccedilotildees alternativas esporadicamente satildeo empregadas Destas destaca-se a
numeraccedilatildeo empregada por Elena Melnikova em uma seacuterie de publicaccedilotildees referentes agraves
estelas ruacutenicas de leste iniciadas antes da organizaccedilatildeo do Samnordisk runtextdatabas
As publicaccedilotildees a citar inscriccedilotildees catalogadas por Melnikova empregam a terminaccedilatildeo
Mel seguida do nuacutemero mas tal procedimento tecircm caiacutedo em desuso com a inserccedilatildeo das
mesmas no Samnordisk runtextdatabas Tal desuso tambeacutem ocorre com a listagem
proacutepria da obra de Bloumlndal publicada em 1978 e republicada em 2007246
As estelas ruacutenicas suecas consistem em aproximadamente 1800 exemplares As
estelas vikings segundo Sawyer cerca de 10 deste total Contando-se caso a caso das
estelas encontramos um nuacutemero de 177 Eacute possiacutevel dividir ainda estas estelas vikings
em subseacuteries de acordo com o criteacuterio geograacutefico das localidades de morte do
comemorado ou entatildeo de acordo com a comemoraccedilatildeo de um mesmo indiviacuteduo (ou
indiviacuteduos ligados a ele)
Algumas estelas possuem nomes que natildeo apresentam consenso em sua leitura
como o caso jaacute referido da U 439 cujo termo ndashaskalat eacute lido como ldquoAistlandrdquo ou
ldquoSerklandrdquo Em alguns casos nomes proacuteprios satildeo considerados por alguns autores como
referecircncia a locais como no caso da U 1087 que Bloumlndal lista entre as estelas varegues
pela circunstacircncia de que o comemorado possui o nome Garethar247
Dessa forma em
adiccedilatildeo agrave circunstacircncia da descoberta de novas estelas todos os caacutelculos e nuacutemeros satildeo
inerentemente aproximaccedilotildees
246
BLOumlNDAL Sigfuacutes The Varangians of Byzantium An aspect of Byzantine military history translated
revised and rewritten by Benedikt S Benedikz Cambridge At the University Press 2007 [1978] 247
BLOumlNDAL 2007 225
127
U 439
Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do
Samnordisk runtextdatabas
ldquoHaeligrlaeligif ok THORNorgaeligrethr letu raeligisa staeligin
thornenna at Saeligbiorn faethur sinn Es styrethi austr
skipi meeth Ingvari a
AEligistaland()Saeligrkland[i]()rdquo
Versatildeo (nossa) para o portuguecircs
Haeligrleif e THORNorgaeligrethr tiveram esta pedra
erigida para Saeligbjoumlrn seu pai Que guiava a
leste um barco com Yngvarr para Eistland()
Serkland()
Figura 05 U 439 Desenho de Johann
Bureaus em 1595 Localizada originalmente
no palaacutecio de Steninge perdeu-se Em
destaque as runas lidas como ldquo-skalatrdquo
Eacute procedimento comum referir-se a ldquoEstelas vareguesrdquo ao se falar das estelas
comemorando escandinavos viajando ou caiacutedos nas regiotildees de leste mas existem
subdivisotildees em tal definiccedilatildeo mais geneacuterica Em relaccedilatildeo ao criteacuterio geograacutefico as
subdivisotildees das estelas varegues satildeo as seguintes
a) As estelas varegues per si acabam por referir-se apenas aos termos Austr
Austrvegr Gardar Garethariacuteki ou variantes dos mesmos normalmente ligados aos
territoacuterios da Rus ou empregando designaccedilotildees geneacutericas de leste (ldquoaustrrdquo) Dentre
estas enumeramos as seguintes U 153 U 154 U 209 U 283 U 366 U 504 U 636 U
687 U 898 Souml 33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml
308 Souml 338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G
114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447
Esta seacuterie perfaz um total de 34 artefatos consistindo em aproximadamente
298 do total das estelas varegues e 191 das estelas vikings Inserimos em nossa
contagem a estela X UaFv191447 encontrada na ilha de Berezani atual Ucracircnia por
128
conter inscriccedilotildees ruacutenicas e tratar-se de artefato da mesma categoria das outras estelas
ruacutenicas
A U 504 fala de um homem que navegava tanto para leste quanto oeste razatildeo
pela qual contamo-la em ambas listagens mas a inserimos na somatoacuteria total das estelas
enquanto apenas um artefato
U 504
Transcriccedilatildeo para o antigo
noacuterdico do Samnordisk
runtextdatabas
ldquoKaeligtilfastr raeligisti staeligin thornenna aeligftiR
Asgaut faethur sinn SaR vas vestr ok
austr Gueth hialpi hans salurdquo
Versatildeo nossa
ldquoKaeligtilfastr erigiu esta rocha em
memoacuteria de Asgautr seu pai Ele foi
para oeste e leste (Que) Deus ajude
sua almardquo
Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland
Foto segundo licenccedila livre da ldquoCreative
Commonsrdquo
b) Estelas da Greacutecia estelas que possuem referecircncias agrave Grekland termo
escandinavo empregado para Bizacircncio Dada a grande popularidade da guarda varacircngia
e da possibilidade de carreira feitos militares ou comeacutercio com Bizacircncio haacute um nuacutemero
consideraacutevel de tais estelas Satildeo elas
U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431 U 446 U 518
U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml 82 Souml 85 Souml 163 Souml
165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G 216
129
Perfazem um nuacutemero de 30 artefatos cerca de 263 das estelas varegues e
168 das estelas vikings
U 792
Transcriccedilatildeo para o antigo
noacuterdico do Samnordisk
runtextdatabas
ldquoKarr let raeligisa staeligin thornenna at
Horsa() faethur sinn ok
Kabbi()Kampi()Kappi()Gapi
() at mag sinn Fo[r] haeligfila feaR
aflaethi ut i Grikkium arfa sinumrdquo
Versatildeo (nossa) para o portuguecircs
Karr teve esta pedra erigida para
Horsa() seu pai e Kapi () para
seu parente Viajou de froma
competente ganhou riqueza no
estrangeiro na Greacutecia para seu
herdeirordquo
Figura 07 U 792 ndash Ulunda
c) Estelas do Baacuteltico referem-se agraves regiotildees baacutelticas dos territoacuterios das atuais
Letocircnia Estocircnia e Finlacircndia Satildeo elas U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U
582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs 13 Vg 181 G 135 G 319
Um total de 14 artefatos 127 das estelas varegues e 79 das estelas vikings
Em Grobiņa atual Letocircnia e siacutetio de grande importacircncia nos estudos
escandinavos foi encontrada uma estela pictoacuterica na deacutecada de 80 Enquanto artefato
arqueoloacutegico eacute de valia na ecircnfase nos movimentos escandinavos na aacuterea Entretanto
natildeo listamo-la entre as estelas ruacutenicas por ser estela de outra natureza natildeo contendo
inscriccedilotildees ruacutenicas mas pictogramas Estelas nesta categoria foram encontradas
principalmente em Gotland e outras aacutereas do Baacuteltico aparentando tratar-se de produtos
130
especiacuteficos da arte de Gotland exportados para uma ou outra aacuterea de influecircncia eou
colonizaccedilatildeo
d) Estelas da Lombardia Quatro estelas encontradas na Lombardia satildeo por
vezes enquadradas entre as estelas varegues por se considerar como fruto de atividades
de varegues em Bizacircncio Satildeo elas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65 Apenas 36
das estelas varegues e 22 das estelas vikings
Haacute duas seacuteries de estelas mencionando indiviacuteduos especiacuteficos que a erudiccedilatildeo
considera tratarem-se das mesmas pessoas dados principalmente os referenciais
geograacuteficos Satildeo as estelas de Yngvarr e Freygeirr
a) Estelas de Yngvarr Haacute um nuacutemero consideraacutevel de estelas ou fragmento das
mesmas (entre 26 a 28) com referecircncia direta ou circunstancial a Yngvarr chefe que
liderou expediccedilatildeo rumo agrave Serkland Ainda referente a tal expediccedilatildeo possui-se a
Yngvarrs Saga escrita provavelmente no seacuteculo XIII que reconta o evento de forma
fantaacutestica Tal expediccedilatildeo terminou em desastre e muitos de seus participantes satildeo
comemorados por meio de estelas ruacutenicas Satildeo elas
U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157 Souml 9 Souml
96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277 Souml 279 Souml 281
Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155
Bloumlndal considera tambeacutem que as estelas U 785 listada por ele como estela 13
e referindo-se a um falecido em Serkland248
bem como a estela Souml 131 listada por ele
como 4249
fariam parte da seacuterie de Yngvarr Natildeo se levando em consideraccedilatildeo estas
estelas pela ausecircncia de consenso acadecircmico temos 26 estelas de Yngvarr 236 das
estelas varegues e 146 das estelas vikings
248
BLOumlNDAL 2007 225 249
BLOumlNDAL 2007 227
131
U 778
Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do
Samnordisk runtextdatabas
ldquoTHORNjalfi ok Holmlaug leacutetu reisa steina
thornessa alla at BankaBagga son sinn Er aacutetti
einn seacuter skip ok austr styacuterethi iacute Ingvars lieth
Gueth hjalpi ocircnd BankaBagga Aacuteskell reist ldquo
Versatildeo (nossa) para o portuguecircs
ldquoTHORNjalfi e Holmlaug tiveram todas
estas rochas erigidas para BankiBaggi seu
filho Ele sozinho possuiacutea um barco e
navegou para o leste com a tropa de Yngvar
Que Deus ajude o espiacuterito de
BankisBaggis Aacuteskell entalhou ldquo
Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn
b) Estelas de Freygeirr Freygeirr fora provavelmente um chefe que executou
expediccedilotildees na regiatildeo baacuteltica Referem-se a ele as seguintes estelas
Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158
A estela U 698 eacute comumente tambeacutem listada entre as estelas do Baacuteltico segundo
proposiccedilatildeo de Omeljan Pritsak250
Conteacutem a referecircncia de um homem morto na Livocircnia
Eacute interessante notar a existecircncia de uma estela danesa a Dr 216 Tal estela eacute em estilo
RAK consistindo numa das mais antigas fontes a citarem a Sueacutecia Se a eacute correta e tais
estelas referem-se ao mesmo indiviacuteduo entatildeo Freygeirr nascera na Dinamarca e
falecera na Sueacutecia
As 6 estelas de Freygeirr representam aproximadamente 55 das estelas
varegues e 34 das estelas vikings
250
PRITSAK 1981 399
132
Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional
dinamarquecircs
Foto de Christian Bickel disponibilizada sob licenccedila livre
(Creative Commons)
DR 216
Transcriccedilatildeo para o antigo
noacuterdico do Samnordisk
runtextdatabas
ldquoAsrathornr ok
Hildu[ng]RHildv[ig]RHildu[lf]R
resthornu sten thornaelignsi aeligft FrathornaFraeligthorna
fraelignda sin sin aelign han was thorna
faeligkn() waeligRa aelign han warthorn doslashthornr
a Swethorniuthornu ok was fyrst() i()
Friggis() liethi() thorna alliR
wikingaRrdquo
Versatildeo para o portuguecircs
(do autor)
ldquoAsrathornr e Hild[ung] erigiram
esta rocha em memoacuteria de Fraeligthorna
seu parente [ ] ele morreu na
Sueacutecia e foi primeiro () na tropa
() de Freygeirr [ ] de todos os
vikingsrdquo
Somando-se o total das estelas varegues incluindo as estelas da Lombardia
desduplicando-se a referecircncia a Freygeirr nas estelas do Baacuteltico e desconsiderando-se as
duas adiccedilotildees de Bloumlndal agraves estelas de Yngvarr chegamos a um nuacutemero de 114 estelas
varegues 64 do total das estelas vikings
Uma contagem aproximada das estelas vikings a oeste nos leva agraves seguintes
proporccedilotildees
a) Estelas vikings de oeste contendo referecircncias agrave locais da Europa mencional
ou simplesmente mencionando que o comemorado fora em expediccedilatildeo viking (ldquoiacute
133
viacutekingrrdquo) Ainda apresentam uma definiccedilatildeo terminoloacutegica centrada em uma dualidade
exclusiva viking=oeste varegue=leste
Satildeo elas U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml 137 Souml
159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111 OumlG Fv1970310
Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330 Dr 334 Dr 216
Um total de 30 artefatos Aqui inclui-se a Dr 216 mencionada entre as estelas de
Freygeirr O nuacutemero de estelas sem referecircncia geograacutefica abre a possibilidade de que
nem todas refiram-se agrave localidades da Europa Ocidental havendo a possibilidade de
conter participantes de expediccedilotildees a leste
A U 504 exemplifica clara e expliacutecitamente a participaccedilatildeo de vikings tanto a
leste como oeste Essa estela tambeacutem eacute listada entre as estelas varegues
Contando-se o nuacutemero de 30 estelas entretanto chega-se a 168 das estelas
vikings e 469 das estelas de oeste
Souml 319
Transcriccedilatildeo para o
antigo noacuterdico do Samnordisk
runtextdatabas
ldquoFinnviethr() gaeligrethi
kuml thornessi aeligftiR GaeligiRbiorn
faethur sinn Hann vareth dauethr
vestrrdquo
Versatildeo (nossa) para o
portuguecircs
ldquoFinnviethr() fez estes
monumentos paraem
memoacuteria de Geirbjocircrn seu
pai Ele morreu no oesterdquo
Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde
foi movida Oriunda de Sannerby
134
b) Estelas da Inglaterra U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U
1181 Souml 46 Souml 55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104
Oumlg Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr 337
Dr 6 N 184
Somam 31 estelas 174 das estelas vikings gerais e 484 das estelas vikings
de oeste
c) Estelas de Jarl Hakon as estelas U 16 U 617 e Sm 76 conteacutem referecircncias a
Jarl Hakon Trecircs artefatos apresentam pouca relevacircncia estatiacutestica consistindo em
aproximadamente 17 das estelas vikings gerais e 47 das estelas vikings de oeste
As estelas vikings de oeste sem retirar-se a Dr 216 perfazem portanto 64
artefatos aproximadamente 36 do total das estelas vikings contra os 64 das estelas
varegues
135
23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste
Como jaacute afirmamos a estatiacutestica pertinente natildeo pode propiciar nuacutemeros exatos e
imutaacuteveis mas a proporccedilatildeo quase que dobrada da quantidade de estelas varegues em
relaccedilatildeo agraves estelas vikings de oeste eacute evidente
Tal dado per si entretanto precisa ser considerado em meio a diversos fatores
Dentre esses destacamos as frequecircncias das regiotildees de origem das estelas ruacutenicas (vide
Tabela 03) A maior parte das estelas vikings procedem de Uppland e Soumldermanland
seguidos de Oumlstergotland segundo padratildeo que combina com a proveniecircncia geral das
estelas ruacutenicas em sua totalidade Oumlland entretanto que possui elevada quantidade de
Estelas Ruacutenicas por aacuterea conteacutem apenas uma estela viking
Alguns tecircnues padrotildees
regionais podem ser delineados
coerentes com a interpretaccedilatildeo
histoacuterica tradicional A pequena
quantidade de artefatos na
Dinamarca possuem um nuacutemero
maior de estelas inglesas
enquanto que Gotland possui uma
maioria absoluta de estelas
varegues contendo tambeacutem uma
estela da Greacutecia e duas do Baacuteltico
Mapa 07 As proviacutencias suecas Do
autor Feito com a ferramenta
ldquoMapmaker Interactiverdquo da National
Geographic
136
Tipo Regiatildeo Varegues per si Greacutecia Baacuteltico Lombardia Yngvarr Freygeirr Vikings de oeste Inglaterra Haakon Total
Uppland 9 18 8 2 8 4 5 8 2 64
Soumldermanland 11 7 2 2 15 11 6 54
Oumlstergoumltland 2 2 2 4 2 12
Smaringland 1 3 6 1 11
Vaumlstergoumltland 3 1 1 2 2 9
Gotland 3 1 2 1 8
Dinamarca 1 1 4 1 6
Vaumlstmanland 2 1 3 6
Gaumlstrikland 1 1 1 2
Noruega 1 1 2
Oumlland 1 1
Alemanha (Schleswig) 1 1
Ucracircnia 1 1
Letocircnia Estela
Pictoacuterica
de
Grobiņa
-
177
Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings As aacutereas rachuradas indicam picos das frequecircncias
A Gs 13 aparece tanto na seacuterie de Estelas do Baacuteltico quanto das de Freygeirr Dessa forma foi contada como apenas uma Procedemos da mesma forma em relaccedilatildeo agrave Dr 126
listada tanto enquanto uma estela viking de oeste quanto de Freygeirr
Conforme discutido no toacutepico das estelas do baacuteltico a estela pictoacuterica de Grobiņa natildeo foi inserida na contagem
137
Tal distribuiccedilatildeo harmoniza-se com a pressuposiccedilatildeo tradicional de uma ecircnfase
entre os dinamarqueses e noruegueses nas expediccedilotildees vikings a oeste e Ilhas Britacircnicas
e dos vikings suecos e de Gotland a leste em particular as relaccedilotildees de Gotland com o
Baacuteltico
Entretanto outras distribuiccedilotildees fogem desse padratildeo e sugerem outras hipoacuteteses
A Noruega possui um exemplar varegue e um inglecircs Gaumlstrikland possui um exemplar
do BaacutelticoFreygeirr e uma estela da Inglaterra
Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland apresentam uma distribuiccedilatildeo praticamente igual
entre estelas de leste e oeste inseridas as subdivisotildees regionais e Smaringland demonstra
uma propensatildeo forte para oeste
Dessa maneira o quadro geral demonstra de fato uma forte inclinaccedilatildeo entre os
vikings suecos para o leste mas tal inclinaccedilatildeo apresenta uma concentraccedilatildeo especiacutefica
em Soumldermanland Uppland e Gotland Os suecos das demais regiotildees apresentam uma
distribuiccedilatildeo quase que uniforme entre leste e oeste com leve predomiacutenio para o leste
com exceccedilatildeo de Smaringland Entretanto o nuacutemero de estelas vikings nas outras regiotildees
suecas eacute muito menor e a amostragem natildeo eacute estatisticamente suficiente para conclusotildees
definitivas
Por hora parece adequado pressupor que os vikings das demais regiotildees suecas
encontravam-se ativos tanto a leste quanto a oeste Possuiacutemos poucas estelas ruacutenicas das
demais regiotildees mas parece razoaacutevel a proposiccedilatildeo de que esta circunstacircncia possa ser
aplicada tambeacutem aos vikings de Noruega e Inglaterra Eacute significativo que das uacutenicas
duas estelas vikings da Noruega uma seja varegue
Tal fase da anaacutelise deixa uma aparecircncia inicial de que o movimento a leste foi
empreitada fortemente concentrada entre os suecos da regiatildeo dos lagos Malaren e
Gotland No entanto a escrita histoacuterica posterior inseriraacute o leste de papeacuteis significativos
que levam a repensar os quadros de exclusividade e duplicidade simples nos campos de
accedilatildeo ldquovareguerdquo e ldquovikingrdquo
A especificidade e distribuiccedilatildeo desigual das estelas ruacutenicas pode induzir a
conclusotildees natildeo de todo seguras Natildeo obstante o cruzamento das informaccedilotildees com os
subsiacutedios dados pela numismaacutetica e arqueologia parecem fortalecer e preencher o
quadro de um movimento a leste instigado pela prata muccedilulmana e inicialmente
entremeado de intermediaacuterios
Gradativamente os escandinavos eliminaratildeo as intermediaccedilotildees e se aventuraratildeo
cada vez mais a leste com controle cada vez maior das fontes de riquezas
138
desenvolvendo sistema complexo que afetaraacute o proacuteprio desenvolvimento posterior da
histoacuteria da Rus Os suecos seratildeo peccedila-chave em tais processos
Poreacutem seus resultados a longo prazo seratildeo sentidos nas mentalidades
escandinavas como um todo Analisaremos a seguir as contruccedilotildees escritas realizadas
pelos historiadores posteriores todos dos locais mais ocidentais dos reinos
escandinavos e que revestem o leste com significados arraigados nesta tradiccedilatildeo de
seacuteculos de relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Leste
139
Capitulo 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA
ldquoEacute inuacutetil lembrar endereccedilando-me aos fenomenoacutelogos que o espaccedilo cotidiano o espaccedilo do
primeiro estrato natural do ldquomundo da vidardquo eacute apenas quase euclidiano e isso localmente ele
natildeo eacute certamente homogecircneo nem mesmo isoacutetropo ele tem um alto e um baixo os trilhos da
estrada de ferro convergem na distacircncia a direccedilatildeo de qualquer demo situado entre Aacutetica e
Atenas e uacutenica e privilegiada pelos habitantes do demo () o espaccedilo () soacute eacute quase contiacutenuo
no sentido de Aristoacuteteles da divisibilidade ndash pois esta uacuteltima natildeo pode ser levada longe
demais Assim que a reflexatildeo comeccedila o mundo da vida se revela problemaacuteticordquo
(Cornelius Castoriades)251
31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste
Um passo obrigatoacuterio - quiccedilaacute um tanto oacutebvio - em um estudo que pretende tratar
com um termo primariamente ligado a uma direccedilatildeo geograacutefica eacute uma compreensatildeo
inicial de que forma o sistema de referenciamento geograacutefico se apresenta em sua forma
mais cotidiana pragmaacutetica e simples em suma de que forma o conhecimento e a
terminologia geograacuteficos ao menos no que toca agraves referecircncias e coordenadas se
apresenta nas fontes escandinavas sem o acuacutemulo de imaginaacuterio ideologia e narrativa
Eacute perfeitamente possiacutevel e necessaacuterio o questionar a validade de tal proposiccedilatildeo
enquanto construto da imaginaccedilatildeo humana todo sistema de ideias deriva de categorias
mentais especiacuteficas e culturais algumas dessas categorias por certo apresentam maiores
elaboraccedilotildees que outras por vezes certas construccedilotildees encontram-se mais marcadamente
entremeadas de elementos evidentes na natureza de forma a minimizar a accedilatildeo da
elaboraccedilatildeo humana sobre os mesmos
Seria possiacutevel efetuar alguma espeacutecie de ldquodissecaccedilatildeordquo de discriminaccedilatildeo de
elementos ldquosimplesrdquo ldquocomplexosrdquo ldquomaisrdquo ou ldquomenosrdquo elaborados culturalmente A
despeito da dificuldade da tarefa do complexo problema de se abordaacute-la de forma
objetiva ndash e da proacutepria possibilidade da objetividade conforme jaacute discutimos no
primeiro capiacutetulo desta tese ndash nos parece razoaacutevel efetuar uma diferenciaccedilatildeo entre os
sistemas simples de direcionamento geograacutefico ndash e nesta categoria enquadramos o
proacuteprio sistema cardinal mas tambeacutem o cabedal baacutesico terminoloacutegico geograacutefico
251
CASTORIADES Cornelius Figuras do Pensaacutevel as Encruzilhadas do Labirinto Volume VI Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Basileira 2004 Pp402s
140
empregado para referecircncia e direccedilatildeo ndash e elaboraccedilotildees que apesar de se basearem ou
empregarem elementos de tais sistemas a eles adicionam dimensotildees que o transcendem
Um exemplo simples de tal diferenciaccedilatildeo pode ser observado em trecircs empregos
do termo austr ldquolesterdquo no antigo noacuterdico (itaacutelicos nossos)
() austr iacute Jamtaland ok Helsingjaland ok Vestrloumlnd ()
ldquo(para o ) leste em Jamtaland e Helsingland e (para) o ocidente ()rdquo
(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 04252
)
() um sumarit iacute Austrveg ()
No veratildeo para Austrvegr
(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 46253
)
En hann var farinn iacute Austrveg at berja troll
ldquoMas ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para destruir trollsrdquo
(Edda Menor Codex uppsaliensis Cap 26254
)
Todas as passagens satildeo pressupostamente da autoria de um mesmo indiviacuteduo
Snorri Sturlusson A primeira encontrada na Saga de Egil indica nada aleacutem da direccedilatildeo
per si ldquopara o lesterdquo A leste do narrador um leste apenas posicional localizam-se
Jamtaland e Helsingland para oeste estatildeo outras regiotildees imediatamente enumeradas
Aqui o personagem eacute a referecircncia a direccedilatildeo descritiva eacute apenas indicativa e mesmo
relativa vaacutelida para apenas seu observador
O segundo caso empregado na mesma Egils saga eacute o uso de um composto do
termo ldquoAustrvegrrdquo empregado no capiacutetulo 46 Nesta ocasiatildeo Egil e seu irmatildeo Thoacuterolfr
iniciam expediccedilatildeo para Kuacuterland Nesse uso do termo o ldquovegrrdquo fica mais compreensiacutevel
pelas imediaccedilotildees de Kuacuterland passa um dos grandes ramais da rota rumo a Kiev e
Bizacircncio ldquoAustrvegrrdquo o ldquocaminho de lesterdquo
De fato a nomenclatura seraacute empregada com frequecircncia nesse sentido e
assumiraacute a conotaccedilatildeo mais ampla das regiotildees a leste do Baacuteltico em particular os atuais
Paiacuteses Baacutelticos e Finlacircndia Tal uso composto natildeo adiciona apenas o termo ldquovegrrdquo ao
simples ldquoaustrrdquo em adiccedilatildeo incorpora toda uma gama de significados ao mesmo ndash no
caso adicionando a ele uma conotaccedilatildeo geograacutefica e mesmo etnograacutefica
Por fim a terceira passagem encontra-se na Edda em prosa na qual lemos
novamente o termo ldquoAustrvegrrdquo Aqui o termo aglutinaraacute ainda uma dimensatildeo adicional
252
In JOacuteNSSON Finnur (ed) Altnordische Saga-Bibliothek 3 Halle Niemeyer 1924 253
Idem 254
In PAacuteLSSON Heimir (ed) The Uppsala Edda University College London Viking Society for
Northern Research 2012
141
em seu significado No caso em questatildeo o deus THORNoacuterr estava a leste nas regiotildees de leste
no caminho de leste a lutar contra gigantes
Aqui eacute evidente ou pressuposto para o leitor que a leste haacute gigantes nesse
sentido nesta direccedilatildeo localiza-se Jottunheimr a terra dos gigantes Em adiccedilatildeo agrave
referecircncia simples de direccedilatildeo em adiccedilatildeo agrave regiatildeo etno-geograacutefica adiciona-se um
terceiro significado Desta feita um construto miacutetico uma localidade do imaginaacuterio
bem como toda uma gama de narrativas personagens e peculiaridades que confluem ali
O uacuteltimo significado estaraacute mais em voga nas fontes mais tardias em particular
nas Fornaldarsoumlgur quando se tornaraacute mais saliente nas narrativas que Austrvegr eacute
ponto de passagem para as dimensotildees ainda mais a leste bordejantes das aacutereas miacuteticas
de Jottunheimr das Planiacutecies de Glasir de Geirrodland
Temos aqui portanto um termo baacutesico ao qual se adiciona natildeo apenas um
composto mas gamas distintas e amplas de significados que discriminaremos de forma
mais pontual nos capiacutetulos seguintes Neste capiacutetulo lidaremos especificamente com a
dimensatildeo inicial referencial e mais simples de leste enquanto direccedilatildeo geograacutefica Para
tanto traccedilaremos um panorama geneacuterico sobre o conhecimento e representaccedilotildees
primaacuterias geograacuteficas que transparece nas fontes primaacuterias islandesas e escandinavas ndash
que como veremos em breve natildeo necessariamente satildeo monoliacuteticos e concordantes
Em seguida apresentaremos um quadro detalhado dessas mesmas regiotildees de
Austrvegr ndash na acepccedilatildeo de ldquocaminho de lesterdquo discriminadas nas fontes escandinavas
incluindo-se aqui as estelas ruacutenicas
311 O sistema cardinal e a terminologia
O sistema cardinal e suas derivaccedilotildees se entrelaccedilam no cotidiano e no
vocabulaacuterio da maioria das culturas dos tempos contemporacircneos De forma similar agrave
contagem e mensuramento do tempo ainda que natildeo de maneira tatildeo interiorizada e
arraigada consiste em um sistema conceitual de propoacutesitos praacuteticos que principalmente
por suas implicaccedilotildees cotidianas eacute assimilado e considerado como um fato dado a um
ponto em que eacute impossiacutevel para um indiviacuteduo que se considere ldquoeducadordquo ldquocivilizadordquo
enfim devidamente aculturado privar-se de conhececirc-lo ainda que minimamente
Como discute Norbert Elias de forma magistral eacute por demais estranho ao
homem moderno e assim o foi aos primeiros etnoacutelogos e antropoacutelogos encontrar
pessoas em culturas ditas ldquoprimitivasrdquo ou menos avanccediladas que desconheccedilam sua
142
proacutepria idade Poderiacuteamos traccedilar um paralelo ainda que de menor peso ao pensarmos
acerca da localizaccedilatildeo e terminologia espacial255
Enquanto sistema conceitual entretanto qualquer sistema de orientaccedilatildeo por
maior difusatildeo que encontre e por mais baseado que esteja em fenocircmenos naturais e
dados empiacutericos ndash e aqui podemos incluir trajetoacuteria do Sol (leia-se percepccedilatildeo de uma
trajetoacuteria do Sol ndash nem sempre considerada como tal) e dos astros depoacutesitos minerais e
norte geograacutefico magneacutetico absoluto - localiza-se na esfera da Cultura antes que da
Natureza
Certamente que natildeo entraremos detalhadamente aqui em tal discussatildeo mas fica
evidente a necessidade de se considerar o sistema de orientaccedilatildeo geograacutefico enquanto
produto de criaccedilatildeo da razatildeo humana e do acuacutemulo e transformaccedilatildeo de saber como algo
que estaacute sujeito aos contextos especiacuteficos temporais nos quais eacute formulado empregado
e reformulado
O sistema cardinal por mais que se baseie em e estabeleccedila coordenadas
absolutas eacute passiacutevel de relativizaccedilatildeo ndash ao menos por meio da criaccedilatildeo de variantes ou
mesmo na forma de sua utilizaccedilatildeo Um exemplo claro eacute a convenccedilatildeo de apontamento de
direccedilatildeo ao norte Por mais que tal convenccedilatildeo tenha se desenvolvido por conseguinte agrave
uma determinante empiacuterica do norte absoluto e da buacutessola apontando para o mesmo -
por sua vez fundamentados na existecircncia de concentraccedilatildeo de minerais em determinada
parte da crosta terrestre - no decorrer dos tempos a percepccedilatildeo de tais absolutos a
compreensatildeo das mesmas e as representaccedilotildees de tal circunstacircncia empiacuterica sofrem
alteraccedilotildees de matizes estritamente culturais mais especificamente a dominacircncia e
hegemonia das culturas ocidentais do hemisfeacuterio norte em acircmbito mundial
Note-se por exemplo na representaccedilatildeo cartograacutefica dos sistemas graacuteficos
derivados de tais coordenadas que os mapas da Antiguidade e do Medievo natildeo
necessariamente trazem as imagens com o norte nos quadrantes superiores como o
fazem os mapas contemporacircneos de fato como logo demonstraremos tal circunstacircncia
eacute rara
Mapas do mundo islacircmico traziam o norte para baixo e o sul ndash ou sudeste - para
cima e existiram tendecircncias diversas cartograacuteficas entre os proacuteprios europeus ocidentais
255
Eacute evidente que devemos muito aqui sem possibilidade de referir apenas uma simples passagem agraves
reflexotildees de Norbert Elias A referecircncia ao homem que desconhece sua idade encontra-se de qualquer
forma na paacutegina 10 da ediccedilatildeo que consultamos mas devemos muito mais ao autor do que apenas a
leitura desta paacutegina Vide ELIAS Norbert Sobre o tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998
[1984]
143
Mesmo contemporaneamente a representaccedilatildeo da Ameacuterica agrave esquerda e Euraacutesia e Aacutefrica
agrave direita natildeo eacute unacircnime e possui variaccedilotildees nas diversas esferas culturais do globo Em
breve retornaremos com mais detalhe na representaccedilatildeo graacutefica depicccedilatildeo geograacutefica e
confecccedilatildeo de mapas
312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo
Eacute relevante se debruccedilar previamente na terminologia referente aos sistemas
geograacuteficos e espaciais empregados pelos Escandinavos no medievo
A niacutevel bibliograacutefico eacute possiacutevel encontrar discussatildeo e reflexatildeo sobre os sistemas
de orientaccedilatildeo espaciais empregados pelos escandinavos em particular no que toca agraves
relaccedilotildees entre Islacircndia e Noruega Sobre o leste entretanto a situaccedilatildeo eacute mais exiacutegua O
grosso da bibliografia discute o conceito de leste quando o discute especificamente no
que chamamos de leste ldquosituacionalrdquo ou ldquodirecionalrdquo
Tal discussatildeo possui um forte vieacutes linguiacutestico agrave medida que deriva de termos e
modificaccedilotildees dos mesmos sendo necessaacuteria uma discussatildeo e explanaccedilatildeo especiacutefica dos
significados de direccedilatildeo e localizaccedilatildeo no antigo noacuterdico
O caraacuteter relativo e bastante distinto temporalmente de nosso presente de tais
formas de orientaccedilatildeo e expressatildeo geram estranheza ao olhar contemporacircneo de forma
que autores como Tatjana N Jackson ao comparar tais formas de expressatildeo com o
sistema cardinal as divide por vezes como ldquocorretasrdquo (se equivalem agraves distacircncias
indicadas cardinalmente) e ldquoincorretasrdquo (se natildeo se adequam ao sistema cardinal ainda
que empreguem termos do mesmo256
O sistema e a nomenclatura cardinais escandinavos derivam de uma tradiccedilatildeo
germacircnica mais ampla De forma geral a nomenclatura ndash nor- austrō- sun- wes-
influenciou a antiga terminologia latina ndash septentrionalisborealis orientalis
australismeridionalis occidentalis ainda que as formas latinas subsistam em termos
derivados257
O sistema baacutesico escandinavo de quatro coordenadas cardinais (norethr ndash norte
austr ndash leste suethr-sul vestr - oeste) desenvolveu-se na Noruega baseado no contorno da
256
JACKSON T Old Norse System of Spatial Orientation In Saga Book 25 1998 Pp 72s 257
POKORNY Julius Indogermanisches etymologisches Woumlrterbuch 2 Baumlnde Francke Verlag Bern
und Muumlnchen 1958 Verbetes ldquoau-3(aṷe) ṷērdquoldquoaṷes-ldquo ldquosāṷel- suṷeacutel- sṷel- sūl-ldquo
144
costa norueguesa e na observaccedilatildeo dos astros dado o desconhecimento da buacutessola258
Especula-se sobre a possibilidade de que os nomes germacircnicos antigos tenham sido
empregados para o que consideramos pontos intermediaacuterios envolvendo uma rotaccedilatildeo
de 45ordm259
Entretanto a observaccedilatildeo das direccedilotildees norueguesas baseadas no desenho costeiro
ajuda a compreender melhor a situaccedilatildeo Eacute possiacutevel encontrar termos que parecem por
vezes peculiares ou ldquoestranhosrdquo agrave mente acostumada ao sistema de coordenadas
cardinais absolutas como por exemplo o termo landnorethr empregado para ldquonordesterdquo
mas que pode ser traduzido ao peacute-da-letra como ldquopara o norte via terrardquo enquanto que
uacutetnorethr ldquopara o norte indo para forardquo representava a direccedilatildeo de oeste ou noroeste ndash
consistindo nas rotas possiacuteveis a serem tomadas se o observador tomasse em
consideraccedilatildeo a geografia e costa norueguesas
Tal uso de vocabulaacuterio natildeo estaacute limitado aos residentes da Noruega antes
incorporou-se no vocabulaacuterio do antigo noacuterdico Observemos uma passagem escrita
novamente por Snorri Sturlusson um islandecircs na Ynglingasaga parte inicial da
Heimskringla
ldquoAf hafinu gengr langr hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-hafrdquo
ldquoDo mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em
direccedilatildeo ao nordeste e eacute chamada de Mar Negrordquo
(Heimskringla Ynglingasaga 01260
Traduccedilatildeo e grifo nossos)
O trecho em questatildeo encontra-se na descriccedilatildeo do mundo habitado mas descreve
regiatildeo longe da costa norueguesa o Mar Negro O uso para nordeste no entanto eacute
landnorethr261
Haacute o sistema referencial designado por Kirsten Hastrup262
como ldquoultimaterdquo no
sentido de que indica o objetivo final uacuteltimo a ser atingido pelo viajante Esta forma
258
LEONARD Stephen Language Society and Identity in early Iceland Wiley-Blackwell 2012
P 161 259
Ex o mesmo radical para austr- ldquolesterdquo e ldquoaustralisrdquo ldquomeridionalrdquo no latim Vide POKORNY
opcit ldquoaṷes-rdquo WEIBULL Lauritz De gamle nordbornas vaumlderstrecksbegrepp Scandia 01 1928
EKBLOM R Alfred the Great as Geographer Studia Neophilologica 14 1941-2 __________ Den
forntida nordiska orientering och Wulfstans resa till Truso Foumlrnvaumlnnen 33 1938 SKOumlLD
Tryggve Islaumlndska vaumlderstreck Scripta Islandica Islaumlndska saumlllskapets aringrsbok 16 1965 260
JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04 261
Landnorethr ndash no genitivo landnoreths 262
HASTRUP 55
145
de expressatildeo eacute mais marcadamente linguiacutestica empregando expressotildees adveacuterbios e
modificadores de sentido indicativos de proveniecircncia e destino Tal sistema de
referecircncias em antigo noacuterdico centraliza-se em trecircs formas baacutesicas de expressatildeo que
denotam direccedilatildeo localidades e origens que a grosso modo podem ser expressos
simplificadamente como ldquo(dirigindo-se) para algum lugarrdquo ldquoem algum lugarrdquo ldquo(vindo)
de algum lugarrdquo263
A adiccedilatildeo de sufixos a adveacuterbios concede nuances especiacuteficas que se assemelham
a esse sistema tripartite o sufixo ndashi implica descanso em algum lugar especiacutefico
enquanto adveacuterbios com sufixo ndashan iratildeo indicar movimento partindo de algum lugar264
Alguns adveacuterbios satildeo modificados apenas de uma forma dual norethr por
exemplo significa ldquonorterdquo ldquopara o norterdquo enquanto norethan significa ldquo(vindo do) nortersquo
mas a maioria dos adveacuterbios acaba por se enquadrar no sistema ternaacuterio de localizaccedilatildeo
O uso do sufixo ndashan precedido da preposiccedilatildeo fyrir cria uma frase preposicional
que indica uma posiccedilatildeo relativa em relaccedilatildeo a outra fixa fyrir norethan heiethina significa
ldquo(a) norte dos pagatildeosrdquo
Fyrir norethan acabou tornando-se uma expressatildeo idiomaacutetica significando ldquono
norterdquo265
Esse tipo de construccedilatildeo generalizou-se tambeacutem para as outras posiccedilotildees
geograacuteficas Ainda no iniacutecio da Ynglingasaga temos um exemplo simples de seu uso
() heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en
sumir Eacuteneacutea
() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns Europa
por alguns Enea
(Heimskringla Ynglingasaga 01266
Traduccedilatildeo e grifo nossos)
Esse sistema conceitual eacute muito forte nas fontes primaacuterias criando expressotildees
especiacuteficas dependendo dos sentidos e localidades e enfatizando grandemente um
sistema de localizaccedilatildeo geograacutefica que chamamos de ldquorelativordquo ldquosituacionalrdquo ou
ldquodirecionalrdquo mas que com o decorrer do tempo acaba por assumir uma circunstacircncia
mista na qual a relativa localizaccedilatildeo dos pontos entre si gradualmente assume
conotaccedilotildees fixas idiomaacuteticas A coordenada que assume maior importacircncia natildeo eacute a
263
LEONARD 157 264
LEONARD 158 265
LEONARD 158 266
In JOacuteNSSON 1911 04
146
localidade per si (ie a Noruega ou a Islacircndia) mas antes a posiccedilatildeo relativa das
localidades em questatildeo entre si
As localidades fixas empregadas mais frequentemente nesse sistema satildeo a
Islacircndia e a Noruega Viajar da Noruega para a Islacircndia seria escrito em sua forma
completa em antigo Noacuterdico como aeth fara fraacute Noregi uacutet til Iacuteslands Entretanto seu uso
mais comum eacute o abreviado aeth fara uacutet Literalmente em portuguecircs ldquosairirdirigir-
seviajar para forardquo
O sentido contraacuterio da Islacircndia para Noruega eacute usualmente indicado como aeth
fara uacutetan ldquovir de forardquo expressatildeo empregada largamente nas sagas e na produccedilatildeo
legal267
Tal sistema possui origem oacutebvia com os noruegueses que tendo colonizado a
ilha da Islacircndia empregaratildeo seu ponto de partida (a Noruega) como ldquodentrordquo e a
Islacircndia como ldquoforardquo Entretanto mais de um seacuteculo apoacutes a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e
quando a mesma jaacute se encontrava com caminhos distintos da Noruega os proacuteprios
islandeses continuavam a usar as mesmas formas de coordenadas Ainda que se
dirigissem da Islacircndia para a Noruega sua forma de expressatildeo eacute de dirigir-se do ldquoforardquo
para o ldquodentrordquo que evidencia uma continuidade do conceito original direcional mas
somada a uma modificaccedilatildeo intriacutenseca do mesmo a relatividade e ateacute mesmo
ldquoetnocentridaderdquo do conceito original norreno sofrearaacute uma sutil transformaccedilatildeo na qual
as expressotildees indicativas de pontos relativos entre si acabam por assumir conotaccedilotildees
fixas especiacuteficas e intrinsecamente ligadas a localidades especiacuteficas e imutaacuteveis
Outro exemplo da transformaccedilatildeo readaptaccedilatildeo e de certa forma ressignificaccedilatildeo
da terminologia geograacutefica eacute o caso da divisatildeo da Islacircndia em quadrantes ou ldquoquartasrdquo
(fjoacuterethungar) efetuada em 965 AD268
Esta divisatildeo foi efetuada num sistema de base cardinal contendo outras
peculiaridades de referecircncia geograacutefica O viajante que se dirigia ao quadrante sul
(baseado em um sistema cardinal) da Islacircndia dirigia-se de forma absoluta para o
oeste Entretanto o uso linguiacutestico empregado era de dirigir-se ao sul 269
Em adiccedilatildeo a tais nuances haacute-se ainda de notar casos nos quais o autor emprega
o sistema de coordenadas cardinais de forma mais oacutebvia referenciando o destino
imediato para onde o personagem da narrativa dirige-se Dessa forma o itineraacuterio de
267
LEONARD 159 268
JACKSON 73 269
LEONARD 162 JACKSON 73
147
algueacutem na Noruega que se dirige para a Sueacutecia pode ser descrito como ldquoviajou para
lesterdquo
313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica
simples270
Esta forma de referenciamento geograacutefico simples pode ser encontrada por
toda a produccedilatildeo escrita escandinava medieval como se espera de uma terminologia
empregada amiuacutede Haacute de se destacar no entanto uma seacuterie especiacutefica de fontes na qual
as nuances do sistema podem ser percebidas com maior propriedade tanto devido agrave
proacutepria forma de linguagem e estilo mais frequente como pelas proacuteprias caracteriacutesticas
geograacuteficas e de cenaacuterio especiacuteficas agrave modalidade de tal gecircnero procedeu parcela
consideraacutevel dos extratos de fonte e exemplos linguiacutesticos examinados ateacute entatildeo
Referimo-nos agraves chamadas Islendigasoumlgur as sagas islandesas por excelecircncia
muitas vezes traduzidas apenas como ldquosagasrdquo ldquosagas familiaresrdquo ou em uso mais
recente iniciado por Theodore Andersson271
e difundido por Else Mundal Torfi Tulinius
e outros acadecircmicos como ldquosagas dos antigos islandesesrdquo272
Ao lado das grandes obras histoacutericas as Islendigasoumlgur tiveram papel
fundamental provavelmente ainda maior na forma narrativa islandesa sobre os
acontecimentos e personagens do passado
Saga (pl soumlgur) eacute um termo empregado muito genericamente para formas
narrativas islandesas Proveacutem do antigo noacuterdico segja verbo que significa ldquodizerrdquo
ldquofalarrdquo ou por si soacute ldquocontordquo ou ldquohistoacuteriardquo e incorpora narrativas em prosa acerca de
algum personagem famiacutelia ou regiatildeo Apesar do gecircnero per si ser composto em prosa
haacute com grande frequecircncia conteuacutedo poeacutetico veiculado em seu meio em particular na
poesia escaacuteldica
Mas existem outras modalidades de saga e a definiccedilatildeo de distinccedilotildees literaacuterias
precisas entre as diversas modalidades das mesmas pode ser tarefa complexa e nem
sempre satisfatoacuteria
Conquanto as diferenccedilas entre alguns tipos de saga ndash por exemplo entre as
270
Boa e resumida referecircncia ao toacutepico pode ser encontrada em OacuteLASON Veacutesteinn Family Sagas In
McTURK Rory (Ed) A companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell
Publishing 2006 [2005] pp 101-118 271
ANDERSSON Theodore The Growth of the Medieval Icelandic Sagas (1180-1280) Ithaca amp
London Cornell University Press 2006 272
MUNDAL Else Introduction In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas Reviews and Revisions
Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P01
148
Iacuteslendingasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur ndash possam ser marcantes haacute um nuacutemero elevado
de categorias que natildeo se enquadram nesses ou nos outros grandes grupos ou gecircneros
Certamente esta circunstacircncia natildeo exclui o emprego de criteacuterios de
categorizaccedilatildeo que satildeo relevantes uacuteteis e que provecircm auxiacutelio na compreensatildeo mais
precisa da produccedilatildeo escrita islandesa medieval
As Iacuteslendingasoumlgur descrevem principalmente os eventos ocorridos no
primeiro seacuteculo da comunidade islandesa entre 930 e 1030 (por vezes contendo partes
introdutoacuterias que lidam com os eventos na Noruega e Islacircndia no periacuteodo principal de
colonizaccedilatildeo entre 870 e 930) Sua dataccedilatildeo eacute razatildeo de debate ldquoDating the Icelandic
Sagasrdquo de Einar Sveiacutensson escrito em 1958 e publicado pela Viking Society for
Northern Research eacute obra referencial nesse sentido273
Sveiacutensson critica o procedimento de antigos editores tradutores e estudiosos
das sagas como Guethbrandur Vigfuacutesson marcado pela subjetividade e que atribuiacuteam
qualidades como ldquotomrdquo e ldquocaraacuteterrdquo agraves narrativas os quais empregavam como criteacuterios
para dataccedilatildeo e apreciaccedilatildeo274
e discutiraacute o emprego de evidecircncias histoacutericas275
dataccedilatildeo
dos manuscritos276
relaccedilotildees entre as diversas sagas277
evidecircncias literaacuterias e
linguiacutesticas278
e mesmo o que chama de criteacuterios ldquoartiacutesticosrdquo279
ndash criteacuterios que de certa
forma retomam usos que o proacuteprio Sveiacutensson criticou anteriormente mas que admite
que podem ser uacuteteis quando adicionados aos demais
Seus criteacuterios para dataccedilatildeo seratildeo ainda empregados resumidos e discutidos por
muitos autores Else Mundal os resume como a) relaccedilatildeo literaacuteria entre as proacuteprias sagas
b) dataccedilatildeo pela observaccedilatildeo de eventos e condiccedilotildees do proacuteprio autor refletidos na saga
c) qualidade artiacutestica do texto280
Tulinius os discute em profundidade ressaltando que
poucas adiccedilotildees tecircm sido feitas a eles281
com a exceccedilatildeo do trabalho jaacute referido de
Theodore Andersson que encaminha a situaccedilatildeo da dataccedilatildeo das sagas para uma
273
SVEIacuteNSSON Einar Dating the Icelandic Sagas an Essay in Method Viking Society for Northern
Research London 1958 274
SVEIacuteNSSON 39s 275
Idem 50 276
Idem 11 277
Idem 76 278
Idem 76s 96s 279
Idem pp 115ss pp 40 280
MUNDAL Else The Dating of the oldest Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed)
Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P41 281
TULINIUS Torfi Dating Eyrbyggja Saga The Value of ldquoCircumstancialrdquo Evidence for Determining
the Time of Composition of Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas
Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P130
149
discussatildeo do desenvolvimento de gecircnero literaacuterio282
Nos tempos contemporacircneos a tendecircncia acadecircmica tem sido a atribuiccedilatildeo de
datas cada vez mais recentes para as Iacuteslendingasoumlgur situando a dataccedilatildeo de suas
primeiras formas no seacuteculo XIII a partir de 1230 ou 1240283
Podemos listar entre elas a Egils saga a Njaacutels saga Kormaacuteks saga Viga-
Glums saga Giacutesla saga Grettir saga Eyrbyggja Saga Laxdaeligla Saga Heietharviacutega
saga dentre muitas outras Satildeo por vezes divididas internamente em mais categorias
como sagas familiares sagas de localidades ou de clatildes sagas de skaldar
Estas sagas contecircm narrativas realistas feita em tom soacutebrio e imparcial o autor
daacute tanto a acontecimentos importantes quanto a corriqueiros o mesmo tom narrativo
recurso que confere grande impacto agrave medida que as consequecircncias das accedilotildees
importantes acontecem
Seu heroacutei ou personagem principal pode ser um fora da lei um skaacuteldr ou
alguma entidade mais geneacuterica como uma famiacutelia ou mesmo uma regiatildeo da Islacircndia
Seus personagens natildeo satildeo completamente maus ou completamente bons por vezes um
personagem obviamente heroico e virtuoso deve lutar com outro de igual valor a fim de
compensar alguma ofensa a sua honra
A despeito da forma dominante em prosa poemas satildeo muito empregados em
particular nas sagas cujos personagens principais satildeo skaacuteldar como a Egils saga e a
Kormaacuteks saga constituindo-se em recursos importantes na apresentaccedilatildeo de
pensamentos dos personagens
O enredo centraliza-se em um ou mais conflitos normalmente causados por
alguma ofensa de honra a algueacutem Agrave medida que a parte procura sua compensaccedilatildeo
partidos e alianccedilas vatildeo sendo formados e o conflito inicial pode crescer e gerar outras
retaliaccedilotildees e ofensas secundaacuterias Normalmente a saga termina quando as partes satildeo
conciliadas
Geograficamente circunscrevem-se agrave proacutepria Islacircndia e regiotildees com as quais
seus habitantes mantecircm contato mais direto como a Escandinaacutevia propriamente dita
Irlanda as Ilhas Britacircnicas e do Atlacircntico Norte Referecircncias agrave Bjarmaland ou
Austrvegr satildeo pontuais e raras como os acontecimentos narrados na Egils saga sobre
Bjarmaland e Kuacuterland
A natureza o ldquotomrdquo o uso da linguagem ndash as caracteriacutesticas formais desse
282
ANDERSSON 2006 283
MUNDAL 35
150
gecircnero satildeo razotildees que colaboram para um uso mais recorrente e marcado de uma
terminologia senatildeo desprovida de componentes ideoloacutegicos e imaginaacuterios extra ao
menos mais focada na linguagem cotidiana Tambeacutem eacute importante a ecircnfase de que esta
modalidade de escrita largamente apreciada natildeo apenas pelos seus receptores mas
tambeacutem pela criacutetica posterior veio a ser considerada pela historiografia como uma ldquofase
de ourordquo da escrita medieval islandesa a chamada ldquoera dos Sturlungsrdquo (da qual faz parte
tambeacutem Snorri)
Uma larga porcentagem de autores da posteridade ndash e natildeo apenas de vieacutes
historicista ndash consideraria a produccedilatildeo escrita posterior a tal era como decadente e seus
antecessores enquanto passos ldquopreparatoacuteriosrdquo para a mesma Retornaremos agrave tal
discussatildeo no capiacutetulo 5
Esta forma de expressatildeo linguiacutestica eacute similar ao encontrado em outras fontes
de nosso interesse particular seraacute a obra de Snorri Sturlusson no capiacutetulo 4 que
assimilaria em grande parte tal forma literaacuteria
314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica
A forma narrativa seraacute o principal veiacuteculo de transmissatildeo de ideias em nosso
contexto de estudo inclusive nos aspectos referentes agrave representaccedilatildeo geograacutefica Haacute
uma segunda natureza de fontes que natildeo pode ser subestimada ou deixada de lado e que
acrescenta dimensotildees natildeo esperadas agrave compreensatildeo da mentalidade geograacutefica no
medievo da Escandinaacutevia
Aqui referimo-nos agrave confecccedilatildeo de mapas e outras formas de representaccedilatildeo
pictoacuterica do conhecimento geograacutefico que como veremos muito em breve satildeo
exemplos de alta relevacircncia na compreensatildeo da assimilaccedilatildeo do conhecimento
geograacutefico de outros acircmbitos culturais no contexto da Escandinaacutevia e Islacircndia
particularmente no seacuteculo XIII
Por tratarmos especificamente do norte podemos reduzir o nuacutemero de
manifestaccedilotildees pictoacutericas ao grupo especiacutefico dos chamado ldquoMappaemundirdquo que
consistem na forma principal encontrada nos manuscritos islandeses
Possuem-se poucos Mappaemundi no contexto escandinavo medieval As
informaccedilotildees contidas nos mesmos concordam razoavelmente com as veiculadas na
produccedilatildeo escrita e permitem pressupor certo consenso ou ao menos uma uniformidade
do conhecimento geograacutefico
151
Antes poreacutem de se analisar tais fontes precisamos traccedilar algumas
consideraccedilotildees sobre as proacuteprias tradiccedilotildees cartograacuteficas antigas e medievais tendo-se em
mente que natildeo eacute plenamente possiacutevel tecer derivaccedilotildees simplistas e inequiacutevocas das
influecircncias sofridas pelos Escandinavos no quesito conhecimento geograacutefico mas que
os mesmos sofreram as mais diversas influecircncias que se somaram ao proacuteprio
conhecimento acumulado pelos proacuteprios desde as eras preacute-histoacutericas
Exiacutemios navegadores e exploradores pragmaacuteticos por muitos seacuteculos mais do
que qualquer outro povo europeu os escandinavos incorporaram conhecimentos e
habilidades de navegaccedilatildeo e orientaccedilatildeo oriundos das mais diversas proveniecircncias Agraves
descobertas e criaccedilotildees propriamente nativas escandinavas devem ser adicionadas
influecircncias natildeo apenas de tradiccedilotildees europeias mas tambeacutem do mundo aacuterabe e
muccedilulmano
3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas
Mapas da autoria dos primeiros e mais influentes geoacutegrafos gregos como
Anaximandro (ca 610-546 aC) Hecateu de Mileto (ca 550 ndash 476 aC) Posidocircnio
(150-130 aC) e Ptolomeu supostamente localizam a Europa o norte no quadrante
superior do mapa a Aacutefrica (ldquoLiacutebiardquo) agrave esquerda e Aacutesia agrave direita Entretanto o acesso
que se tem a seus mapas eacute dado atraveacutes apenas de reconstruccedilotildees feitas principalmente
apoacutes o seacuteculo XIX O enquadramento do norte no quadrante superior em boa parte de
tais mapas eacute provavelmente uma das muitas adaptaccedilotildees e alteraccedilotildees efetuadas nos
mapas da Antiguidade que inseriram conhecimento informaccedilotildees preconceitos e mesmo
ideologias dos tempos do historicismo e positivismo284
A influecircncia de tais geoacutegrafos suas descriccedilotildees e metodologias eacute milenar e pode
ser notada tanto no desenvolvimento da posterior cartografia ocidental quanto na
equivalente do mundo islacircmico Entretanto tal influecircncia se deu natildeo apenas na forma de
representaccedilatildeo meramente espacial Antes da mera percepccedilatildeo e descriccedilatildeo empiacuterica o
dado idealizado o conceito e a representaccedilatildeo matemaacutetica e geomeacutetrica constituem-se
nos elementos de maior relevacircncia na tradiccedilatildeo cartograacutefica helecircnica285
284
BRODERSEN Kai Cartography In DUECK Daniela amp BRODERSEN Kai Geography in
Classical Antiquity Cambridge at the University Press 2012 p101 285
JONES Alexander Ptolomyacutes Geography Mapmaking and the Scientific Enterprise In TALBERT
Richard J Ancient Perspectives Maps and Their Place in Mesopotamia Egypt Greece and Rome
Chicago At the University Press 2012 Pp 114 117
152
De fato o homem da antiguidade preferia textos descriccedilotildees e tratados
idealizados286
em detrimento de mapas o que por si soacute possui seu peso na proacutepria
elaboraccedilatildeo de mapas nas obras de tais autores e um direcionamento especiacutefico na
confecccedilatildeo dos mesmos
Uma das vertentes mais ilustres a beber de tais tradiccedilotildees em particular de
Ptolomeu e do proacuteprio Aristoacuteteles287
a cartografia antiga e medieval islacircmica se
fundamentaraacute basicamente no trabalho de trecircs geoacutegrafos Abū Zayd Ahmad ibn Sahl al-
Balkhī (morto 322 aH 934 aD) Abū al-Qāsim Muhammad ibn Hawqal (479
aH1086 aD) e Abū Ishāq Ibrāhīm ibn Muhammad al-Fārisī al-Işţakhrī (957 aD) A
maior parte dos trabalhos de outros geoacutegrafos deriva ou eacute influenciada de alguma forma
principalmente pelos trabalhos de Ibn Hawqal e Al Işţakhrī
A obra de Al-Balkhī intitulada Ṣuwar al-aqālīm foi ampliada posteriormente
por Al Işţakhrī que por sua vez passou pelo mesmo processo sob a pena de Ibn
Hawqal o que tem levado ao desenvolvimento da ideia de uma ldquoescola de geoacutegrafos de
Balkhīrdquo288
Os mapas de al-Işţakhrī e Ibn Hawqal satildeo bastante similares entre si tendo que
provavelmente o segundo evidentemente sido bastante influenciado pelo primeiro Os
demais mapas incluindo aqui o bastante conhecido e influente mapa circular de al-Idrīsī
(1099-116566 aD) derivam grandemente da obra desses dois autores
De fato o mapa conhecido como da autoria de al-Idrīsī provavelmente foi uma
inserccedilatildeo em sua obra ldquoO livro das curiosidadesrdquo escrito por volta de 1020 a 1050 aD
e extensamente copiado por ocasiatildeo de 1150 quando Roger II da Siciacutelia efetuou um
compecircndio geograacutefico
286
BRODERSEN 109s 287
RAPOPORT Yossef amp SAVAGE-SMITH Emilie The Book of Curiosities and a Unique Map of the
World In TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle
Ages Fresh Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 P122 288
TIBBETS Gerald R The Balkhī School of Geographers P 108 In HARLEY amp WOODWARD
(eds) The History of Cartography Vol II Book I Cartography in the Traditional Islamic and South
Asian Societies Chicago at the University Press 1987 STOCK Guumlnter amp NEUWIRTH Angelika
Europa im Nahen Osten ndash Der Nahe Osten in Europa Akademie Verlag GmbH 2010 P144
153
Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) Oxford Bodleian Library MS Ouseley 373 fols 3b-
4a
Em todos esses mapas o norte fica direcionado para o canto inferior direito
sendo que no topo da paacutegina encontra-se o sudoeste Haacute outras caracteriacutesticas que os
diferenciam grandemente das tradiccedilotildees europeias poderiacuteamos citar por exemplo o
centro do mundo que ao inveacutes de Jerusaleacutem encontra-se na Caaba289
bem como as
vertentes de mapas zonais que continham sete zonas climaacuteticas (as kishvarr)
explicitadas em meio de ciacuterculos pelo mapa ndash no mapa de Al Işţakhrī destacadas em
ciacuterculos vermelhos a primeira na India a segunda na Araacutebia e Abissiacutenia terceira em
Egito e Siacuteria quarta no Iratilde quinta na Aacutesia Menor e terras dos aş-Şaqāliba sexta na
terra dos Turcos e de Gog e Magogue e culminando com a seacutetima na China290
289
BORGOLTE Michael Christliche und muslimische Repraumlsentationen der Welt Ein Versuch in
transdisziplinaumlrer Mediaumlvistik Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften Berichte und
Abhandlungen Bd 14) Berlin 2008 Pp104s 290
BORGOLTE 100
154
Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) Obtido em IBN FADLAN STONE
amp LUNDE (trad) Ibn Fadlān and the Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin
Books 2012
155
3142 Os Mappaemundi291
Os Mappaemundi formam um conjunto de mapas caracteriacutesticos do medievo
ocidental Basearam-se nos mapas da Antiguidade adaptando-os para a Cristandade
medieval Antes de buscarem trazer dimensotildees distacircncias e coordenadas especiacuteficos
retratavam eventos significativos da Histoacuteria Cristatilde Seu propoacutesito primaacuterio portanto
era a instruccedilatildeo dos fieacuteis e este mesmo sentido pode ser encontrado nos mapas da
Antiguidade como por exemplo o mapa de Eumenius datado de AD 297
Um Mappaemundi natildeo consiste necessariamente em uma depicccedilatildeo graacutefica do
mundo o termo pode ser empregado por exemplo significando uma descriccedilatildeo verbal
ou algum sentido metafoacuterico
Os mapas medievais possuiratildeo tambeacutem uma funccedilatildeo histoacuterica e narrativa
podendo ser vistos como anaacutelogos agraves narrativas medievais que retratam eventos
separados no tempo mas dispostos na mesma cena
Os mapas enquanto ferramenta com a funccedilatildeo especiacutefica de auxiacutelio a navegaccedilatildeo
e decorrentes necessidades de precisatildeo seratildeo desenvolvidos a partir do seacuteculo XIII por
italianos e sicilianos Receberatildeo o nome de ldquoPortulanosrdquo
Destarte eacute possiacutevel elencar a niacutevel de teacutecnica de composiccedilatildeo trecircs meacutetodos de
compilar a informaccedilatildeo cartograacutefica coexistentes na Baixa Idade Meacutedia
- Os empregados nos jaacute citados portulanos enquanto primeiras cartas naacuteuticas eram
construiacutedas baseadas nos contornos do Mediterracircneo e limitadas pelas proacuteprias formas
do suporte (velum etc)
- Os mappaemundi parecem ter sido baseados no conceito de que haveria uma
quantidade limitada de informaccedilatildeo a ser inserida em uma aacuterea circunscrita e definida
seja oval retangular ou redonda Esta aacuterea eacute por vezes seccionada ou dividida em
seccedilotildees esquemaacuteticas
291
As informaccedilotildees de cunho geneacuterico para esta seccedilatildeo foram obtidas basicamente nas duas maiores obras
de referecircncia na temaacutetica a) WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp
WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric
Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 amp b) EDSON
Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In TALBERT Richard
amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh Perspectives New
Methods Bril Leiden Netherlands 2008 pp 219-236 Conquanto o uacuteltimo trabalho esteja mais
atualizado e insira questotildees importantes agrave discussatildeo como por exemplo o proacuteprio questionamento sobre
a validade de classificaccedilotildees dos Mappaemundi segundo criteacuterios contemporacircneos o valor da obra de
Woodward perdura consistindo o mesmo na base para o segundo Informaccedilotildees pontuais seratildeo citadas a
parte
156
- Um terceiro meacutetodo define uma rede regular de paralelos e meridianos nos quais a
informaccedilatildeo geograacutefica seria inserida
3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi
Cronologicamente eacute possiacutevel diferenciar trecircs principais periacuteodos de tradiccedilatildeo dos
Mappaemundi
De Lactacircncio (ca240-320) a Gregoacuterio o Grande (ca 540-604) o periacuteodo tardo-
antigo greco-romano e patriacutestico (ca400 ndash ca 600) consistiraacute no periacuteodo de gestaccedilatildeo
das principais tradiccedilotildees cartograacuteficas medievais
Durante a Renascenccedila caroliacutengia (VIII-XII) ocorreraacute produccedilatildeo acelerada de
livros e manuscritos nos monasteacuterios e consequente proliferaccedilatildeo bem como
aperfeiccediloamento teacutecnico dos mapas Seraacute um periacuteodo chamado por alguns autores
como ldquo the gold Age of Church cartographyrdquo292
Entre os seacuteculos XII a XIII haveraacute uma chamada de ldquoRenascenccedila do seacuteculo
XIIrdquo293
quando agraves presentes tradiccedilotildees adiciona-se um influxo de conhecimento aacuterabe e
dos claacutessicos gregos
Como acabamos de afirmar as trecircs tradiccedilotildees fundamentais que influenciaram
toda a produccedilatildeo de mapas no medievo e continuaram a coexistir no restante da Idade
Meacutedia ateacute o Renascimento surgiram no primeiro periacuteodo da Antiguidade Tardia Satildeo as
tradiccedilotildees advindas de Macrobio Orosio e Isidoro
Na confecccedilatildeo dessas tradiccedilotildees cartograacuteficas ocorreu uma complexa interaccedilatildeo de
diversas correntes de pensamento Em particular duas vertentes de escritos geograacuteficos
confluiratildeo e influenciaratildeo a produccedilatildeo de mapas no medievo o pensamento claacutessico
greco-romano (Macroacutebio Martianus Capella baseados em Pliacutenio e Pomponius Mella e
nas tradiccedilotildees de Pitaacutegoras a Posidocircnio) e o pensamento da Igreja (reaccedilotildees mistas ao
saber pagatildeo e cientiacutefico S Damiatildeo natildeo via utilidade na Ciecircncia mas S Jerome ndash 340-
420 parece ter compilado mapas da Palestina e Asia)
Conquanto haja um consenso internacional na classificaccedilatildeo dos Mapas
medievais como um todo definido em 1949 segundo proposiccedilatildeo de Marcel Destombes
no XVI Congresso Internacional Geograacutefico em Lisboa os criteacuterios de classificaccedilatildeo
292
Apud BAGROW History of Cartography 42 note 55 In WOODWARD p 299 293
Apud HASKINS Renaissance of the Twelfth Century note 50 In WOODWARD p 299
157
especificamente relativos aos Mappaemundi variam Simar294
(1912) Andrews295
(1926) Uhden296
(1931) Destombes297
(1964) Arentzen298
(1984) Woodward299
(1987) e Dalcheacute (1993)300
propuseram paracircmetros diversos Dalcheacute criticaria os
sistemas de Destombes e Andrews mas natildeo o de Woodward por lidar com mapas
anteriores aos estudados pelo uacuteltimo301
Tendo em vista os desenvolvimentos histoacutericos descritos acima empregamos a
classificaccedilatildeo de Woodward que se baseia tanto no mesmo quanto nas classificaccedilotildees de
autores anteriores De fato a despeito da publicaccedilatildeo em 2008 da obra monumental
ldquoCartography in Antiquity and the Middle Agesrdquo editada por Richard Talbert e Richard
Unger302
o trabalho de Woodward permanece referecircncia inclusive para o supracitado
trabalho
Seu sistema propotildee a diferenciaccedilatildeo dos mappaemundi enquanto zonais
esquemaacuteticos - tambeacutem chamados de tripartites o que inclui os difundidos mapas T-O -
quadripartites e transicionais303
e natildeo eacute a uacutenica forma passiacutevel de ser encontrada No
entanto parece-nos a mais abrangente e adequada aos nossos proacuteprios propoacutesitos de
classificaccedilatildeo das fontes da Escandinaacutevia
294
SIMAR Theophile La geographie de lAfrique Centrale dans lantiquite et~au Moyen-Age In Revue
Congolaise 3 (1912-13) pp 1-23 81-102145-69225-52289-310440-41 295
ANDREWS Michael Corbet The Study and Classification of Medieval Mappae Mundi In
Archaeologia 75 (1925-26) pp 61-76 296
UHDEN Richard Zur Herkunft und Systematik der mittelalterlichen Weltkarten In Geographische
Zeitschrift 37 (1931) pp 321-40 297
DESTOMBES Marcel (ed) Mappemondes AD 1200-1500 Catalogue prepare par la Commission
des Cartes Anciennes der Union Geographique Internationale Amsterdam N Israel 1964 298
ARENTZEN Jorg-Geerd Imago Mundi Cartographica Studien zurBildlichkeit mittelalterlicher
Welt- und Okumenekarten unter besondererBerucksichtigung des Zusammenwirkens von Text und Bild
Miinstersche Mittelalter-Schriften 53 Munich Wilhelm Fink 1984 299
WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp WOODWARD David (eds)
The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric Ancient and Medieval Europe and
Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp 286-299 300
DALCHEacute Patrick Gautier De la glose agrave la contemplation Place et fonction de la carte dans les
manuscrits du Haut Moyen Acircge In Testo e Immagine nell acuteAlto Medioevo Settimane di Studio del
Centro Italiano di Studi sullacuteAlto Medioevo Spoleto Presso la Sede del Centro 1994 XLI pp 700-704 301
Idem ibid 302
TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh
Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 303
WOODWARD 1987 295
158
3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais
O Mappamundi de Macroacutebio seraacute conhecido por seu nome ou como zonal
Deriva de seu comentaacuterio ao Sonho de Scipio de Cicero (51 aC) que trabalha
conceitos e informaccedilotildees de Posidocircnio (ca 135 ndash 5150 aC) Crates de Mallos (ca 168
aC) e Erastoacutetenes (ca 275-194 ac empregando conceitos de Pitaacutegoras
Resumidamente eacute um mapa que divide o globo em zonas climaacuteticas habitadas
ou natildeo por meio de latitudes Esse mapa iraacute empregar o conceito grego de um
continente antiacutepoda localizado no hemisfeacuterio sul em sua zona temperada
Cada um dos continentes ndash inclui-se aqui Eurasia e Aacutefrica enquanto um macro-
continente sendo o antiacutepoda o outro ndash possuiria respectivamente no sentido do poacutelo
para a linha equatorial uma zona inabitada fria uma zona temperada e uma zona
inabitada quente Nessa uacuteltima zona ambos os hemisfeacuterios encontrar-se-iam sendo
banhadas por um oceano intermediaacuterio
Martianus Capella (fl 410-39) popularizaria esse tipo de mapa em seu
ldquoCasamento de Filologia e Mercuacuteriordquo
Figura 13 Mappamundi de Macrobius ndash Coacutepia de Johannes Eschuidus In Summa Anglicana
1489 Paris Badius 1519 Reimpressatildeo da ediccedilatildeo de 1515 James Ford Bell Library Tamanho
original 14 x 14 cm
159
3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)
A obra de Oroacutesio difere de Macroacutebio e Martianus por ser diretamente dirigida
contra os pagatildeos Seu texto natildeo conteacutem nenhum mapa nem o menciona as opiniotildees
acadecircmicas dividem-se e haacute argumentos favoraacuteveis tanto no sentido de que ao escrever
sua obra Orosio teria em uso algum Mappamundi quanto no sentido contraacuterio
Eacute clara a influecircncia que a obra de Aggripa teve no trabalho de Paulo Oroacutesio
Entretanto a despeito de reconstruccedilotildees do suposto mapa de Aggripa a proacutepria natureza
pictoacuterica de seu trabalho permanece em disputa304
Natildeo obstante seu emprego ou natildeo de alguma representaccedilatildeo pictoacuterica do mundo
o fato inconteste eacute a influecircncia que sua obra teve nas obras posteriores a referirem-se a
Geografia e histoacuteria e na proacutepria confecccedilatildeo de mapas pelo medievo Supostamente
foram influenciados por seu trabalho mapas famosos como o Anglo-Saxatildeo ldquoCottonrdquo
(seacuteculo X) e o Mappamundi de Hereford (seacuteculo XIII)
Na ausecircncia de um mapa de sua proacutepria lavra toda argumentaccedilatildeo de influecircncia
em outro mapa permanece em aberto
3146 Isidoro (ca 560-636)305
A tradiccedilatildeo de mapas inaugurada por Isidoro de Sevilha principalmente em suas
Etymologiae e em De natura rerum seraacute indubitavelmente a mais longeva e influente
por todo o medievo em um levantamento de Destombes mais de 660 exemplos de
mapas derivados de sua tradiccedilatildeo foram encontrados por todo o medievo306
Natildeo se possui um exemplar de mapa original de sua proacutepria lavra mas eacute
perfeitamente possiacutevel compreender-se o formato do mesmo pela tradiccedilatildeo derivada
Satildeo os chamados mapas T-O que dividem a terra em trecircs partes com Jerusaleacutem no
centro do mundo
O ldquoTrdquo no caso eacute formado pelas massas aquaacuteticas do mar Mediterracircneo na aacuterea
superior o rio Nilo agrave direita e o rio Don (Tanais em grego) agrave esquerda O ldquoOrdquo eacute a
esfera circundante dos oceanos na qual o ldquoTrdquo estaacute enquadrado
304
MERRILIS AH History and Geography in Late Antiquity Cambridge 2005 P72 305
Uma profusatildeo de mapas isidorianos com respectivas referecircncias pode ser obtida no site
lthttpcartographic-imagesnetCartographic_Images205_Isidore_of_Seville_T-Ohtmlgt Uacuteltimo acesso
em 23102014 306
WOODWARD 301
160
Nesta modalidade de mapa a Aacutesia eacute colocada na parte superior com a Europa agrave
esquerda e a Aacutefrica agrave direita Tal circunstacircncia eacute explicada por vaacuterias razotildees como por
exemplo a localizaccedilatildeo do Paraiacuteso na Aacutesia bem como a zona supostamente mais
propiacutecia climaticamente agrave habitaccedilatildeo humana
Essa divisatildeo reflete a proacutepria divisatildeo biacuteblica descrita no capiacutetulo 10 do livro do
Gecircnesis e retomada por Isidoro dos filhos de Noeacute Shem Kham e Jaffet Isidoro
disporia os descendentes de Shem na Aacutesia os de Jaffet na Europa e os de Kham na
Aacutefrica307
Figura 14 Mapa isidoriano em T-O In De Natura Rerum Florenccedila Biblioteca Medicaea-Laurenziana
Plut2939 f19v Seacuteculo XIII Obtido em EDSON 2008 225
307
EDSON Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In
TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh
Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 p 226
161
3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas
ldquoBeatosrdquo
Outra importante tradiccedilatildeo cartograacutefica eacute a classificada por Woodward como
ldquoquadripartiterdquo mas referida comumente como os mapas ldquoBeatosrdquo308
Tal modalidade
pode ser compreendida como uma derivaccedilatildeo dos mapas T-O isidorianos ou como uma
mistura dos mesmos com os zonais macrobianos
Conteriam os 3 continentes mais um ldquoantiacutepodardquo aleacutem mar normalmente no
hemisfeacuterio sul seu formato era retangular e eacute possiacutevel discernir uma marcada
influecircncia esteacutetica e graacutefica moccedilaacuterabe Satildeo mapas chamados de ldquoevangeliacutesticosrdquo
mostrando os apoacutestolos nos cantos da Terra309
Tal tradiccedilatildeo foi desenvolvida por Beatus de Lieacutebana ndash ca 730-800 que viveu na
regiatildeo da atual Cantabria entatildeo reino das Astuacuterias em seu Comentaacuterio do Apocalipse
escrito por volta de 776
Natildeo se possui uma coacutepia de seu suposto mapa original mas o nuacutemero de coacutepias
e desenvolvimentos do mesmo tambeacutem permitem pressupor com precisatildeo sua forma e
definem um grupo e tradiccedilatildeo bem claros
Uma das coacutepias mais difundidas e conhecidas dessa modalidade de mapas eacute
encontrada na coacutepia do monasteacuterio de Saint Sever Escrito no seacuteculo XI
aproximadamente nas proximidades de 1040 visto que Gregori de Montaner abade que
encomendou a obra o foi entre 1028 a 1072
308
RICOBOM Introduccedilatildeo ao histoacuterico da Cartografia e das concepccedilotildees da forma da Terra V2
Departamento de Geografia UFPR Curitiba 2008 Pp03-14 309
WOODWARD 304s
162
Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo O mapa eacute uma coacutepia do seacuteculo XI feita na abadia
franca de Saint Sever da obra original (o comentaacuterio do Apocalipse) de Beato de lieacutebana monge das Astuacuterias
do seacuteculo VIII
Imagem de ldquoPatrimonio EditionesrdquoColagem nossa Dados do manuscrito orginal Bibliotheacuteque Nationale de
France Ms Lat8878 Seacuteculo 11 Ca 1038310
Tal classificaccedilatildeo eacute uma simplificaccedilatildeo de um quadro mais complexo
multifacetado e frequentemente marcado por tradiccedilotildees locais e especiacuteficas mas resume
suficientemente as linhas gerais necessaacuterias agrave nossas anaacutelises subsequentes
310
httppatrimonio-edicionescomenfacsimilthe-saint-sever-beatus Uacuteltimo acesso em 26072014
163
315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais
Feito tal apanhado geral cartograacutefico eacute hora de voltarmos ao contexto especiacutefico
da Escandinaacutevia
Eacute possiacutevel se afirmar a existecircncia de uma tradiccedilatildeo de pensamento e depicccedilatildeo
geograacuteficos que datam desde os tempos preacute-histoacutericos entre os povos escandinavos e
seus ancestrais Suas formas entretanto diferem grandemente do que se compreende
posteriormente por ldquoCartografiardquo bem como seus objetivos
Gudmund Schuumltte argumentaria em 1920 em artigo publicado na Scottish
Geographical Magazine ter encontrado representaccedilotildees de constelaccedilotildees em
representaccedilotildees preacute-histoacutericas na Dinamarca mais especificamente nas estelas de
Venslev e Dalby311
mas haacute dificuldades em tal interpretaccedilatildeo principalmente porque as
supostas marcas nas pedras e nas constelaccedilotildees natildeo coincidem entre si tatildeo perfeitamente
quanto o autor argumenta312
Um artigo igual em francecircs foi publicado no ano seguinte na ldquoLa Naturerdquo na
Franccedila por certo ldquoSchoumlnfeldrdquo313
mas Schuumltte provavelmente foi o autor original natildeo
apenas pela data anterior mas tambeacutem pela existecircncia de diversas outras publicaccedilotildees de
sua lavra sobre a temaacutetica cartograacutefica em particular sobre mapas de Ptolomeu314
Natildeo obstante a duacutevida que repousa em tais modalidades de inscriccedilotildees eacute possiacutevel
se encontrar representaccedilotildees referentes agrave proacutepria cosmologia como um exemplo da
Aacutervore da Vida (no periacuteodo viking e medieval chamada de ldquoYggsdrasilrdquo) encontradas
em Loumlkeberg315
e representaccedilotildees cosmoloacutegicas em vaacuterios niacuteveis encontradas no
primeiro milecircnio AD principalmente em estelas pictoacutericas da ilha de Gotland316
Quanto ao periacuteodo medieval a Escandinaacutevia apresenta uma notaacutevel escassez de
mapas em meio a uma consideraacutevel quantidade de manuscritos de aproximadamente
311
SCHUumlTTE Gudmund Primaeval Astronomy in Scandinavia In Scottish Geographical Magazine
n04 (1920) 244-254 312
SMITH Catherine Delano Cartography in Prehistoric Europe and the Mediterranean In HARLEY
JB amp WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric
Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp82s 313
A referecircncia completa SCHOumlNFELD M Lacuteastronomie preacutehistorique em Scandinavie La Nature
no2444 81-83 05021921 314
Destacam-se ldquoPtolemyacutes maps of northern Europe a reconstruction of the prototypesrdquo publicado pela
Royal Danish Geographical Society em 1917 e os posteriores ldquoA ptolemaic riddle solvedrdquo de 1952 e
ldquoPtolemyacutes maps and liferdquo do mesmo ano 315
SMITH 87 316
Idem 91
164
8000 manuscritos islandeses apenas trecircs incluem mapas ndash cinco mapas ao todo mais
um mapa do seacuteculo XII originaacuterio provavelmente de Lund Desses mapas conhecem-se
quatro coacutepias posteriores317
O pequeno nuacutemero de mapas natildeo indica um desconhecimento ou falta de
interesse geograacutefico O nuacutemero de textos em prosa eacute significantemente maior
aproximadamente quatro cosmografias ndash das quais vinte e cinco coacutepias foram
encontradas diversos itineraacuterios mas o mais importante muita informaccedilatildeo e referecircncia
geograacutefica dispersa em toda a produccedilatildeo escrita seja nas sagas obras de cunho histoacuterico
e de entretenimento318
Os navegadores do norte e do Baacuteltico natildeo adquiriram o haacutebito de usar mapas na
navegaccedilatildeo ateacute muito tempo depois dos seus equivalentes mediterracircneos ndash no seacuteculo
XVI quando o uso de Portulanos jaacute era praacutetica corrente no sul tal costume ainda era
desprezado pelos mais antigos setentrionais319
Os cartoacutegrafos e navegadores mediterracircneos por sua vez pragmaacuteticos tinham
por haacutebito enfatizar e retratar as regiotildees nas quais tinham contato frequente ou interesse
comercial destarte poucos Portulanos retratavam o Baacuteltico e a Escandinaacutevia ateacute os
seacuteculos XIV e XV sendo que um nuacutemero ainda menor com razoaacutevel fidelidade320
Eacute mister ter-se em conta o contexto de tais seacuteculos que inclui o domiacutenio
econocircmico da Liga Hanseaacutetica entre os seacuteculos XIII-XVI conflitos pela hegemonia
poliacutetica entre os reinos escandinavos e as cidades germacircnicas (que dentre outras
consequecircncias colaboraraacute no estabelecimento da Uniatildeo de Kalmar em 1397) e os
proacuteprios efeitos da peste negra321
ndash todos colaboradores no sentido de que o norte
europeu e a regiatildeo baacuteltica manteriam posiccedilatildeo perifeacuterica em relaccedilatildeo agrave Europa do
Mediterracircneo322
Quanto agrave proacutepria retrataccedilatildeo da Islacircndia e das ilhas do Atlacircntico a mesma
circunstacircncia se repete Haacute discussatildeo sobre qual a primeira retrataccedilatildeo cartograacutefica da
317
SIMEK Rudolf Altnordische Kosmographie Studien und Quellen zu Weltbild und Weltbeschreibung
in Norwegen und Island vom 12 bis zum 14 Jahrhundert Berlin Walter de Gruyter amp Co 1990 P 60 318
SIMEK Rudolf Scandinavian World Maps In FRIEDMAN John Block amp FIGG Kristen Mogg
(eds) Trade Travel and Exploration in the Middle Ages An Encyclopedia Rotledge 2000Pp 537s 319
CAMPBELL Tony Portolan Charts from the Late Thirteenth Century to 1500 In HARLEY JB amp
WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric
Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 p409 320
CAMPBELL 415 321
MORTENSEN Lars Boje amp BISGAARD Lars Medieval Urban Civilization and its North European
Variant In BISGAARD Lars MORTENSEN Lars Boje amp PETTITT Tom (eds) Guilds Towns and
Cultural Transmission in the North 1300-1500 Odense University Press of Southern Denmark 2013 P
09 322
MORTENSEN amp BISGAARD 08
165
mesma em Portulanos sendo as opiniotildees mais correntes a carta de Bertran em 1482
(segundo Winter) ou a ligeiramente mais antiga de Bartolomeu de Pareto em 1455
Haacute um mapa retratando a Vinland mas tal eacute controverso e natildeo haacute consenso
sobre sua dataccedilatildeo Ateacute o seacuteculo XVII todos os outros mappaemundi escandinavos bem
como os relatos e escritos em prosa veiculam a ideia de que a Groenlacircndia fora um
continente ligado a leste com a Sibeacuteria e a oeste com a Vinland
O mapa da Vinland no entanto mostra-a como uma ilha concepccedilatildeo bastante
recente Natildeo haacute nenhum padratildeo T-O o norte fica na parte superior ndash enfim o mapa eacute
muito provavelmente de autoria mais recente (ver Figura 16)
Figura 16 O mapa da Vinland
Obtido em GRAHAM-CAMPBELL James Os Viquingues origens da Cultura Escandinava Vol II
Madrid Ediccedilotildees de Prado 1997 P177
O mapa mais antigo medieval propriamente escandinavo eacute originaacuterio de Lund
mas atualmente estaacute depositado em Berlin aonde consta como Berlin MStheolLat149
fol27r323
T-O segundo a tradiccedilatildeo salustiana poreacutem sem iconografia alguma Escrito por
uma matildeo germacircnica traz poucos nomes na Europa apenas Roma Bari Achaia
Constantinopole Grecia Cologne England Dacia e Suithia324
Indica de seu autor um
323
Informaccedilotildees mas sem a foto disponibilizada em lthttpwwwmanuscripta-mediaevaliade|5gt 324
SIMEK 2000 538
166
conhecimento ou formaccedilatildeo claacutessicos e conexotildees entre Lund Cologne e England por
outro lado
Trecircs dos cinco mappaemundi islandeses satildeo zonais climaacuteticos ou macrobianos
dividem a regiatildeo setentrional e habitaacutevel da Terra em trecircs continentes (Asia Europa e
Aacutefrica) Encontram-se depositados na Arnemagnean Collection no manuscrito AM 736
I 4to 1v (iniacutecio do XIV) Haacute uma coacutepia efetuada no seacuteculo XVIII na Copenhagen
Kongelige Bibliotek sob o registro Ny Kongelige Samling Nks 359 4to p15 bem
como uma registrada como AM 732b 4to 3r do iniacutecio do seacuteculo XIV
O manuscrito Gks 1812 4to325
conteacutem trecircs mapas
O primeiro no foacutelio 11v consiste em um pequeno mapa do seacuteculo XIII
registrado como ldquoGamle Kongelige Samling MS Gks 1812 4to 11vrdquo Depositado na
Copenhagen Kongelige Bibliotek e copiado no seacuteculo XVII para o AM 252 fol 59v
natildeo mostra a divisatildeo zonal Esse mapa eacute uma coacutepia de alguns mapas similares no
tratado cosmograacutefico ldquoDe filosofia mundirdquo escrito c1130 por William de Conches O
texto foi adaptado dele e nele estaacute incorretamente atribuiacutedo em alguns manuscritos a
Beda
O mesmo manuscrito conteacutem dois mapas T-O O primeiro copiado em AM 252
fol 58r eacute extremamente simples Conteacutem a divisatildeo dos trecircs continentes com seus
nomes apenas consistindo no centro de um diagrama maior que conteacutem direccedilotildees
cardinais ventos estaccedilotildees idades do homem meses do ano e signos do zodiacuteaco
respectivos
O outro exemplar eacute de maior interesse aos nossos propoacutesitos Estaacute copiado no
AM 252 fol 62r Em paacutegina dupla (5v-6r) conteacutem mais de 100 nomes cerca de 70 dos
quais satildeo nomes de paiacuteses quase todos em latim Esse mapa mostra similaridade com
algumas das cosmografias e listas citadas anteriormente mas natildeo haacute uma ligaccedilatildeo clara
de autoria entre eles
Carl Christian Rafn datou-o por volta do ano 1150326
Kristian Karinglund de ca
1250327
325
Descriccedilatildeo e informaccedilotildees do manuscrito em lthttphandritisismanuscriptviewGKS04-1812gt
Uacuteltimo acesso em 21102014 326
RAFN Carl Christian (ed) Antiquiteacutes Russes dapregraves les monuments historique des anciens et des
Islandais Scandinaves Copenhague 1850-1852 vol 1 327
KAringLUND Kristian (ed) Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague Moslashller 1917s
167
Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r
Obtido em PRITSAK Omeljan The Origin of Rus
A estruturaccedilatildeo deste Mappamundi eacute bastante simples O esquema T-O
apresenta-se meramente como o paracircmetro geral de organizaccedilatildeo divindindo os
continentes em trecircs aacutereas separadas pelo Mediterracircneo Egito e Don (ldquoTanakvislrdquo) natildeo
havendo nenhuma tentativa de representaccedilatildeo das localidades via um sistema de
coordenadas matemaacutetico-geograacuteficas tampouco alguma tentativa de depicccedilatildeo graacutefica
dos locais As localidades estatildeo representadas apenas por seus nomes inclusive os rios e
mares
Os quatro cantos possuem as direccedilotildees cardinais em antigo noacuterdico e latim
austroriens suethrmeridies occidensvestr e norethrseptentrio A disposiccedilatildeo geral do
mapa com o sul para o alto apresenta semelhanccedila mais com as tradiccedilotildees cartograacuteficas
aacuterabes do que propriamente com as do medievo ocidental que normalmente apresentam
a Aacutesia no canto superior aparentemente temos um modelo T-O ocidental inserido em
uma estrutura ao menos influenciada pela cartografia islacircmica
168
Entretanto eacute de se destacar que nos pontos de intercecccedilatildeo entre os dois folios
tanto no canto superior quanto inferior existem duas seccedilotildees separadas espeacutecie de
tabelas contendo informaccedilotildees pouco usuais em mapas T-O
a) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Aacutefrica
Suethr
Meridies
(euro) (dies)
Estas calida
Iuuenta calor (spiritus)
b) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Europa (logo abaixo de ldquoBiarmar habitavit hicrdquo)
(Norethr)
Septentrio
Circius qui et troacias
Hiemps frigida
De crepita frigus corporis
A mesma circunstacircncia daacute-se nos outros pontos cardinais na aacuterea a leste na
Aacutesia encontram-se as seguintes inscriccedilotildees
Septemtrio Aquilo qui et boreas Vvlturnus qui et calcias Sub solanus qui et afeliotes Eurus
Ver tepidu(m)
Infancia tepor sangvinis
Asia
Enquanto que no oposto ao ocidente pode-se ler o seguinte
Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes
Autumnus humidus
Senecta humor aqua
Tal espeacutecie de informaccedilatildeo em particular a de natureza climaacutetica (ie ldquoAutumnus
humidusrdquo ldquooutono uacutemidordquo) eacute muito mais comum nos mapas zonais demonstrando
uma influecircncia dos mesmos acentuada pela divisatildeo circular em particular na Aacutesia
Todo esse esquema estaacute inserido em uma seacuterie de ciacuterculos concecircntricos As
informaccedilotildees e nomes contidos no ciacuterculo central satildeo as localidades geograacuteficas a
metade do mapa contendo a regiatildeo da Aacutesia mais detalhada possui ainda dois outros
niacuteveis nos quais regiotildees mais amplas satildeo descritas Por exemplo o niacutevel mais central
conteacutem localidades como ldquoCalldeardquo e ldquoBabilonrdquo (nome que se repete em outra aacuterea) o
169
niacutevel superior conteacutem ldquoMesopotamiardquo e o niacutevel ainda superior a ele locais como
ldquoParthiardquo ldquoMediardquo o que apresenta uma espeacutecie de organizaccedilatildeo em proviacutencias e
localidades internas a estas em espeacutecies de grupos contendo subgrupos mas acaba por
natildeo se apresentar de forma tatildeo precisa
Nas regiotildees da Aacutefrica e Europa todos os nomes de localidades estatildeo inseridos no
ciacuterculo central Nos niacuteveis superiores estatildeo as indicaccedilotildees de continente (ldquoAfRicardquo e
ldquoEuRopardquo)
O foacutelio 5v eacute totalmente preenchido pela Aacutesia Nessa seccedilatildeo podem ser lidas
algumas breves descriccedilotildees e explicaccedilotildees latinas acerca do clima jaacute citadas haacute pouco e
os seguintes nomes
Monstras328
India Massagete Caspies Colci Seres Bactria Hircania
Armenia Parthia Media Persidia Carmania Caria Frigia Troia Pamphilia Hiberia
ldquoTigris fluuiusrdquo Mesopotamiam ldquoCharra ciuitas Abraherdquo ldquoAsia minorrdquo Isauria
ldquoCilicia ciuitas Thar(s)usrdquo Cappadocia Commagena Palestina Cesarea Sidon Tyrus
Assiria Calldea Babilon Evfrates ldquoArabia ibi est mons Syna id estrdquo Horeb
Ptholomais Philistea ldquoLibanus monsrdquo Madianite Iudea ldquoHebron ibi sepulltus est
Adam primusrdquo Galathia Nazareth Hierusalem Galilea Hiericho Egiptus Babilon
Syria Ascalia Iopen Alexandria ldquoTanakvisl fluuius maximusrdquo ldquoNilus flumen Egiptirdquo
Haacute uma grande riqueza de tradiccedilatildeo biacuteblica e claacutessica Os nomes listados incluem
natildeo apenas cidades e paiacuteses como Jerusaleacutem Babilocircnia e Troacuteia mas tambeacutem elementos
topograacuteficos e hidrograacuteficos Libanus mons ndash Montes Liacutebanos localizados ao norte da
Judeacuteia Tanakvisl fluuius maximus ndash o Don incluindo aqui o uacutenico nome em antigo
noacuterdico329
em tal seccedilatildeo do mapa
Os comentaacuterios inclusive permitem-nos ter vislumbres e suposiccedilotildees sobre a
natureza das discussotildees relativas ao conhecimento biacuteblico e claacutessico dos eruditos
islandeses a especificaccedilatildeo de Cilicia ciuitas Thar(s)us nos demonstra a preocupaccedilatildeo
do(s) autor(es) do mapa em especificar qual Tarsiacutes estaacute em questatildeo a Taacutersis-Tarso
local de nascimento do apoacutestolo Paulo proacutexima agrave regiatildeo da Cilicia ou a Taacutersis-
Tartessos dos feniacutecios localizada no estrito de Gibraltar para onde supostamente
rumava o profeta Jonas
328
Segundo Rafn nas Antiquiteacutes Russes vol II p392 ldquoMonstrosardquo 329
O rio Don ndash Tanais para os autores gregos Tanakvisl para os escandinavos
170
O nome ldquoBabilonrdquo eacute encontrado duas vezes no mapa Em uma delas estaacute na
regiatildeo na qual se espera encontraacute-lo numa lista que inclui Assiria Calldea Babilon e
Evfrates Na outra apariccedilatildeo no entanto estaacute colocado ao lado de Egiptus abaixo de
Hierusalem e acima de Nilus flumen Egipti Poderiacuteamos nos perguntar se porventura
antes de um erro natildeo se trata de uma interpretaccedilatildeo teoloacutegica envolvendo o simbolismo
de Babilocircnia como cidade da perdiccedilatildeo e mal conectando o ao Egito lugar do cativeiro
de Israel
Quanto ao folio 6r eacute preenchido na parte superior pela Aacutefrica e na inferior pela
Europa Enquanto a aacuterea da Aacutesia jaacute referida apresenta-se bastante completa com nomes
de locais retirados das tradiccedilotildees claacutessica e biacuteblica o mapa natildeo eacute tatildeo preciso nos
continentes restantes Na Europa a nomenclatura eacute razoavelmente precisa refletindo
bem a divisatildeo geograacutefica dos seacuteculos XII e XIII mas trazendo pouco detalhe sobre a
regiatildeo Baacuteltica e do proacuteprio norte da Europa o proacuteprio Mar Baacuteltico natildeo eacute citado Quanto
ao texto na Aacutefrica traz poucas localidades e precisatildeo os poucos nomes com um nuacutemero
relativamente grande de acontecimentos derivam tambeacutem da tradiccedilatildeo claacutessica
Segue a seguir uma transcriccedilatildeo do folio 6r que conteacutem os continentes da Aacutefrica
e Europa Encontra-se em itaacutelico os nomes cuja direccedilatildeo da escrita foi alterada ou
rotacionada para possibilitar a leitura em nosso meio de transmissatildeo As proporccedilotildees e
distacircncias entretanto foram mantidas com precisatildeo inclusive a divisatildeo das palavras em
linhas
171
Occidens vestr
Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes
Autumnus humidus
Senecta humor aqua
AfRica EuRopa
Hic s(unt)
solitu- E
dines thi
o
inacces pia
sibiles
(et) arene
usque huc
Normannia
Brittannia
Vasconia
Galicia
Hispania
Tile Island
Libia prouincia
Affrice que est
circa Cirenen
Garamannia
Getulia ibi in-
fantes ludunt
serpentib(us)
Gaulo insula ibi
nec serpens nasci-
tur nec uiuit
Numidia
MauritanieIII
Med
iter
ran
um
Mar
e Ibernia
Anglia Scocia
Parmo
montes330
Gallia Frisia
Danmorc
Fra(n)cia] Saxonia
Germania
La(n)gobardia
Roma
Italia
Apulia
Constantinopolis
Tracia
Grecia
Norvegie
Gautland
Svithornioeth
Rvsia
Kio
Eronei331
Sparta
Scithia
frigida
Misia
Bia(r)ma(r)
habitavit hic
Pentapolis reacutegio
ibi sunt v urbes
Trogita prouincia
ibi in uenitur carbu(n)-
culus igneus (et) al-
ter exacontalit(us)LX
colorib(us) micans
Bizancena fruc-
tissima terra
Haacute poucas regiotildees que se referem ao mundo escandinavo No mundo atlacircntico
em aacutereas distintas encontramos TileIsland (Islacircndia) Ibernia (Hibernia - Irlanda)
Anglia Scotia (Inglaterra e Escoacutecia) Na Escandinaacutevia propriamente dita temos um
330
Para Karinglund o correto seria ldquoPireneusrdquo In Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague
Moslashller 1917s 331
ldquoNocircmadesrdquo
172
agrupamento de Norvegie (Noruega) Gautland (a regiatildeo meridional da Sueacutecia
Gotaland) Svithornioeth (nome para a Sueacutecia dos Svear a norte de Gotaland) com Rvsia
(Rus) enquanto que a Dinamarca (Danmorc) estaacute listada entre Frisia e Saxonia
A Biarmaland encontra-se separada com uma pequena descriccedilatildeo Bia(r)ma(r)
habitavit hic
No acircmbito da Ruacutessia temos poucos nomes Eronei significando ldquonocircmadesrdquo
Kio para Kiev e proacuteximo a uma Sparta temos Scithia frigida a ldquoCiacutetia friardquo A proacutepria
Constantinopla estaacute agrupada com cidades do Mediterracircneo e natildeo associada ao mundo
de Rus
Esta disposiccedilatildeo de localidades forma de organizaacute-la inclusotildees e omissotildees
permitem-nos traccedilar algumas conclusotildees sobre as pessoas envolvidas na produccedilatildeo do
mapa e mesmo em relaccedilatildeo a sua dataccedilatildeo
Em primeiro lugar o mapa eacute evidentemente um instrumento de instruccedilatildeo de
materializaccedilatildeo de conceitos ao inveacutes de um meio de localizaccedilatildeo A instruccedilatildeo no caso
refere-se ao conhecimento das tradiccedilotildees biacuteblica e claacutessica A profusatildeo de dados de
ambas as tradiccedilotildees eacute bastante evidente seja na meticulosa caracterizaccedilatildeo da Aacutesia ou na
livresca apresentaccedilatildeo africana
Natildeo haacute uma ecircnfase nas proacuteprias terras de origens escandinavas Conquanto haja
a divisatildeo sueca entre Gotaland e Svithornioeth a especificidade escandinava quase se encerra
por aiacute E o conhecimento sobre Escandinaacutevia e adjacecircncias demonstrado ali estaacute
entremeado de interpretaccedilotildees claacutessicas note-se que a Islacircndia eacute apresentada com o
nome de Tile (Thule) a ilha setentrional dos navegadores gregos sobre cuja natureza a
discussatildeo perdura ateacute os tempos contemporacircneos Jaacute-se teorizou sobre uma localizaccedilatildeo
exata sobre um conhecimento praacutetico de tal ilha identificando-a ora com a Islacircndia ora
com as Ilhas Britacircnicas ou como mera estoacuteria de um lugar fantaacutestico setentrional
cercado de monstros e gelo O autor do mapa no entanto identifica-o claramente com
sua proacutepria ilha
Quanto agrave Ruacutessia eacute notaacutevel estar listada conjuntamente com Noruega e Sueacutecia
em contraparte ao ajuntamento da Dinamarca com as regiotildees germacircnicas continentais
Mas aqui tambeacutem haacute o influxo do saber biacuteblico-claacutessico a uma tradiccedilatildeo mais
especificamente escandinava e a identificaccedilatildeo de Scithia frigida remete-nos agrave esta
mistura de tradiccedilotildees e regiotildees ao lermos autores como Snorri que chamaram a Ruacutessia
ou a regiatildeo a norte do Mar Negro de Svithornioeth a ldquofriardquo ou a ldquogranderdquo
173
En norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda
Ao norte do Mar Negro se encontra Svithornioeth ldquoa granderdquo ou ldquoa friardquo
(Heimskringla Ynglingasaga 01332
Traduccedilatildeo e grifo nossos)
A terminologia para as regiotildees cardinais e a inserccedilatildeo das regiotildees escandinavas eacute
efetuada de forma tecircnue em tal mapa ldquoLesterdquo eacute identificado majoritariamente com a
Aacutesia agrave Europa (destarte agrave Escandinaacutevia) resta a inserccedilatildeo entre oeste e norte Natildeo se
pode encontrar nuances terminoloacutegicas e maneirismos do antigo noacuterdico em tal
terminologia Austrvegr e Garethariacuteki satildeo sequer mencionadas o Baacuteltico natildeo estaacute
retratado tampouco outros rios significativos da Rus com exceccedilatildeo do Don ndash que o eacute
pela sua relevacircncia no costume dos mapas T-O
Biarmaland tambeacutem estaacute dessa forma em um simples norte sem matizaccedilatildeo
sem as incorporaccedilotildees literaacuterias e conceituais sobre os Bjarmar ainda que contendo uma
inscriccedilatildeo Tal no entanto coloca-os em patamar similar agraves descriccedilotildees de outras partes
do mundo ldquoaqui habitavam os Bjarmarrdquo descriccedilatildeo distante do outro de um diverso
mundo de uma outra realidade
Em suma o conhecimento que se obteacutem da cartografia medieval escandinava
revela-nos antes o que ele nos traz sobre o aprendizado erudito escandinavo das
tradiccedilotildees ocidentais islacircmicas do que propriamente no conhecimento geograacutefico
especiacutefico escandinavo em particular no que toca ao leste Para discerni-lo mais
claramente teremos de nos centrar em outras modalidades de fontes metodologias e
recursos que eacute o que faremos a seguir
332
JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04
174
32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII
A regiatildeo da Ruacutessia europeacuteia era habitada por diversas populaccedilotildees de filiaccedilotildees
eacutetnicas e linguiacutesticas diversas no periacuteodo das expansotildees eslaacutevicas e escandinavas no
norte da Ruacutessia (seacuteculos VIII-IX) Os principais grupos autoacutectones da regiatildeo
vinculavam-se ao ramo Fino-uacutegrico da famiacutelia linguiacutestica Uralo-Altaica e ao subgrupo
baacuteltico da famiacutelia indo-europeacuteia
Atualmente grande parte desses grupos foi extinguida eou absorvida como o
antigo prussiano ou possui idiomas em estado de extinccedilatildeo como o Livio Vote Vepse e
o antigo curocircnio O nuacutemero de referecircncias nas fontes escritas eacute pequeno e por vezes a
interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica eacute controversa
Algumas das denominaccedilotildees empregadas nas fontes escritas modificaram-se ao
longo dos tempos assumindo conotaccedilotildees diferentes e mesmo indicando populaccedilotildees
diversas como o caso do termo ldquoEistlandrdquo Outras assumiram significados diversos de
cunho poliacutetico e mesmo nacionalista como no caso de PermiaBjarmaland Dessa
forma faz-se necessaacuterio um estudo mais detalhado do quadro etno-linguistico do
contexto de forma a se agregar contribuiccedilotildees dos estudos histoacutericos arqueoloacutegicos
antropoloacutegicos e linguiacutesticos
Ao tratar do leste fiacutesico geograacutefico bem como os povos que nele habitavam as
fontes escandinavas diferenciam as regiotildees de Austrvegr e Garethariacuteki (vide Mapa 01)
Por Austrvegr em um sentido mais estrito etno-geograacutefico ficavam
compreendidas as regiotildees de norte e leste do Mar Baacuteltico que atualmente incorporam a
Finlacircndia os Paiacuteses Baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) e a antiga regiatildeo da Pruacutessia
atualmente a regiatildeo administrativa russa de Kaliningrad
Garethariacuteki incorporava mais propriamente o territoacuterio da atual Ruacutessia europeia
Bieloruacutessia e Ucracircnia Nos seacuteculos XIII-XIV o significado de seu nome fica associado a
ldquoReino das cidadesrdquo devido ao grande nuacutemero de fortificaccedilotildees e paliccediladas com os quais
os escandinavos ali se deparavam Entretanto no periacuteodo viking a quantidade de
fortificaccedilotildees natildeo era significativa o que causa problemas interpretativos quanto agrave
origem do nome ao deparar-se com o mesmo (ou variantes) em estelas ruacutenicas do seacuteculo
XI
Bjarmaland eacute citada agrave parte e incorpora muito do fantaacutestico do desconhecido
do outro Eacute citada como parte do leste mas diferentemente das regiotildees de Austrvegr
natildeo se encaixa perfeitamente na mentalidade e nos costumes escandinavos Eacute a
175
incorporaccedilatildeo do outro a regiatildeo limiacutetrofe entre o conhecido e desconhecido o natural e
o sobrenatural o criacutevel e o fantaacutestico o dominado e o incontrolaacutevel Seus habitantes satildeo
sempre antagonistas que amiuacutede empregam magia e recursos sobrenaturais contra o
heroacutei ou personagem principal da narrativa Sua linguagem eacute incompreensiacutevel Seus
deuses estranhos e diferentes Em alguns casos particularmente na Gesta Danorum os
finni ldquofinlandesesrdquo satildeo com frequecircncia citados em conjunto com Bjarmaland
Haacute por volta de seis trabalhos em Antigo Noacuterdico contendo descriccedilotildees
geograacuteficas da Europa todas derivadas de duas redaccedilotildees principais de uma descriccedilatildeo
encontrada no capiacutetulo 4 do livro 14 das Etimologias de Isidoro A estas descriccedilotildees as
fontes acrescentam as localidades do mundo setentrional
A primeira redaccedilatildeo eacute encontrada na Heimslyacutesing encontrada no Hauksboacutek
(AM544) e escrita no seacuteculo XIII e na Upphaf A segunda redaccedilatildeo eacute representada pelo
Landafraedi e o Tocius orbis brevis discriptio No que toca agrave Europa de Norte e Leste a
Ǫrvar-Odds saga no capiacutetulo 30 apresenta uma listagem muito similar agrave da
Heimslyacutesing e inclusive mais completa que ela com a adiccedilatildeo de nomes encontrados
apenas na Upphaf333
A listagem apresentada na Ǫrvar-Odds saga natildeo possui pretensotildees
de um tratado geograacutefico antes apresenta uma listagem de exeacutercitos que veio em
suporte a KvillanusOumlgmundr o adversaacuterio de Oddr
Todas estas redaccedilotildees apresentam uma reelaboraccedilatildeo da jaacute reelaborada versatildeo de
Isidoro da genealogia biacuteblica conectando as cidades da Rus agrave genealogia de Noeacute via
seu filho Yaffet seguido de Magog
Quanto aos nomes das cidades da Rus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga
apresentam a mesma listagem e apresenta similaridade grande com a descriccedilatildeo
apresentada na proacutepria Poacuteviest vrieacutemennikh liet
Vejamos a listagem das localidades
- Na Heimslyacutesing
ldquoHia Garethariki liggia lond thornessi
[a] Kirialir Refalir Tafeistaland
[b] Virland Eistland
[c] Lifland Kurl [and]
[d]
[e] Erml [and] Puacutelinaland334
rdquo
333
PRITSAK 520 529 334
Heimslyacutesing In Hauksboacutek AM 544 4deg f3v Ed JOacuteNSSON Finnur P 155
176
- Na Ǫrvar-Odds saga redaccedilatildeo AB335
ldquothornar var ok mikill herr af Kirjaacutelalandi ok Rafestalandi Refalandi
Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi Laacutenlandi Ermlandi
ok Puacutelinalandirdquo
Havia tambeacutem uma grande horda (vinda) de Kirjaacutelaland e
Rafestaland Refaland Virland Eistland Liacutefland Vitland Cuacuterland
Laacutenland Ermland e Puacutelinaland
(Ọrvar-Odds Saga 30 redaccedilatildeo AB Traduccedilatildeo nossa)336
Eacute importante ressaltar que os autores de tais fontes agrupam as localidades por
criteacuterios quase que estritamente geograacuteficos A despeito da relevacircncia da linguagem ao
se tratar da etnicidade no medievo as localidades em tais listas satildeo apresentadas em
agrupamentos regionais que por vezes conteacutem grupos etno-linguiacutesticos distintos mas
habitantes de regiotildees limiacutetrofes como por exemplo os kurs e os Livocircnios da Letocircnia
atual ndash por sua vez compreendidos nos grupos etno-linguiacutesticos balto-indo-europeu e
fino-uacutegrico
Descriccedilotildees sejam de cunho mais ldquofictiacuteciordquo na Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus seja de cunho mais croniacutestico como na Henrici Chronicon Livoniae
apresentam tambeacutem quadros interessantes das interaccedilotildees entre tais populaccedilotildees ndash
novamente de forma que natildeo se apega a criteacuterios etno-linguiacutesticos Saxo Grammaticus
ao apresentar a lista de povos do norte que combateram na Batalha de Bravalla junto de
Dinamarqueses de um lado ou Sueco do outro apresenta kurs e estonianos no campo
dos suecos e livocircnios no campo dinamarquecircs De forma bastante etnograacutefica no
entanto Saxo cita amiuacutede os Finni em conjunto com os Biarmi enfatizando diferenccedilas
peculiares em relaccedilatildeo aos escandinavos ndash como por exemplo o que ele descreve de
ldquonomadismordquo A Henrici Chronicon Livoniae narra sobre as alianccedilas entre kurs e
estonianos de Saarema
Feitas tais consideraccedilotildees fica a lembranccedila de que as categorizaccedilotildees etno-
linguiacutesticas contemporacircneas possuem caraacuteter instrutivo e didaacutetico mas natildeo devem ser
tomadas como fatores exclusivos ou dominantes na interpretaccedilatildeo das dinacircmicas sociais
do medievo
335
Acerca da Ǫrvar-Odds saga manuscritos e redaccedilotildees vide capiacutetulo 05 336
In RAFN CC (ed) Fornaldarsoumlgur Nordrlanda Vol II Kaupmannahoumlfn 1829 30 K p 294
177
321 Fino-uacutegricos
O termo de cunho etno-linguiacutestico ldquofino-uacutegricordquo refere-se aos grupos humanos
de uma das subdivisotildees da grande famiacutelia linguiacutestica Uraacutelica Sua expansatildeo geograacutefica
daacute-se por todo o norte Eusasiaacutetico e sua unidade com o grupo Altaico eacute objeto de
discussatildeo337
O ramo fino-uacutegrico possui duas grandes subdivisotildees fino-permiano e uacutegrico
que por sua vez subdividem-se ainda mais No recorte de interesse agraves relaccedilotildees
escandinavas e eslavas no medievo as populaccedilotildees fino-uacutegricas em questatildeo pertencem
ao subgrupo fiacutenico com suas divisotildees entre fino-baacuteltico e inclui diversas populaccedilotildees da
a) regiatildeo norte da atual Ruacutessia Europeacuteia muitos extintos ou em perigo de como os
Vepsi Voti Kareli b) regiatildeo baacuteltica incluindo as diversas tribos de finlandeses e
estonianos e os livonianos da Letocircnia) e proto-saami (que compreendem os Saami ndash
denominados popularmente como ldquolapotildeesrdquo)338
O grupo etno-linguiacutestico do ramo fino-uacutegrico da famiacutelia uralo-altaica pode ser
considerado como o mais proacuteximo que temos condiccedilatildeo de definir enquanto
ldquoautoacutectonesrdquo da Europa setentrional e Norte-oriental Os territoacuterios antigamente
habitados pelos mesmos eram muito extensos tendo sido grandemente reduzidos Parte
consideraacutevel de regiotildees habitadas antigamente por populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica eacute
atualmente habitada por grupos indo-europeus (germanos baltos e eslavos) e turcos
No contexto do Norte da Ruacutessia europeacuteia os grupos fino-uacutegricos de maior
destaque satildeo o ramo balto-finecircs Desses atualmente sobrevivem os livocircnios estonianos
finlandeses (dentro dos quais os kareli) e lapotildees (saami) No periacuteodo de escrita da
Poacuteviest vrieacutemennikh liet a regiatildeo entre o Golfo da Finlacircndia e o Mar Branco era
habitada por outros grupos aparentados entre si Vepsi Votes e Kareli
Os povos fino-uacutegricos referidos nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas satildeo
Na Finlacircndia
- Finnland Finnmark o nome que empregamos para a Finlacircndia propriamente dita
ldquoterra dos finnarrdquo traz uma peculiaridade com a significaccedilatildeo atual O termo ldquoFinnlandrdquo
pode ser empregado para a atual regiatildeo sul-ocidental da Finlacircndia Suomi em finlandecircs
337
MARCANTONIO Angela (org) The Uralic Language Family Facts Myths and Statistics
(Publications of the Philological Society) Oxford Wiley-Blackwell 2002 pp21ss 35ss 48ss 338
DEacuteCSY Gyula Einfuumlhrung in die Finnisch-Ugrische Sprachwissenschaft Wiesbaden Otto
Harrassowitz 1965
178
Sumacute em antigo russo Eacute um termo encontrado nas estelas ruacutenicas G 319 e U 582339
Poreacutem ldquoFinnarrdquo eacute empregado geralmente nas sagas para os Saacuteami e natildeo para
finlandeses Samland a Lapocircnia eacute destarte referida como ldquoFinnmarkrdquo Em Saxo
Grammaticus Finnmarchia
Uma exceccedilatildeo parece ocorrer no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga quando em
um reide Oacutelaacutefr Haraldsson ataca Finnland o texto em prosa cita os Finnar mas a
poesia os Finnlendingar340
- Tafeistaland Rafestaland ldquoterra dos preguiccedilososrdquo341
Regiatildeo conhecida como a
proviacutencia da Tavastia na Finlacircndia de centro-sul Haumlme em finlandecircs e Yam em antigo
russo O termo eacute empregado na Ǫrvar-Odds saga (como Rafestaland) na Hemslyacutesing
p155 121 e na estela ruacutenica Gs 13
- Kirjaland Karelia Termo atestado na Heimslyacutesing (como Kirialir) na Ǫrvar-Odds
saga (Kirjalaland) Eacute possiacutevel que a estela U 180 refira-se a Vyborg da Karelia (Viipuri)
ou a Viborg da Jutland
- Baacutelagarethssiacuteetha Referecircncia rara parece se referir agrave costa sul da Finlacircndia rumo ao
Golfo da Finlacircndia342
Aparece no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga no capiacutetulo 119
da Njaacutels Saga e no capiacutetulo 07 da Haacutelfdanar Saga Eysteinssonar O que per se
consiste em distribuiccedilatildeo interessante por se tratar de trecircs gecircneros distintos de saga uma
Koumlnungasaga uma Iacuteslendigasaga e uma Fornaldarsaga
Na Estocircnia
A Estocircnia conteacutem quatro referecircncias certas mais duas duacutebias em inscriccedilotildees
ruacutenicas varegues bem como uma descriminaccedilatildeo terminoloacutegica bastante acurada Tal
circunstacircncia deve-se possivelmente agrave importacircncia da rota comercial passando pelo
Golfo da Finlacircndia e o norte da Estocircnia ndash a regiatildeo estoniana de Virumaa que inclui a
costa norte do paiacutes eacute a que possui maior referenciaccedilatildeo nas estelas ruacutenicas (trecircs
339
МЕЛЬНИКОВА 1976 201 ДЖАКСОН 340
AALTO Sirpa amp LAAKSO Ville Karelia Finland and Austrvegr In Aacute austrvega Saga and East
Scandinavia Preprint papers of The 14th
International Saga Conference Uppsala 2009 p07 341
PRITSAK 359 342
ZILMER Kristel Learning about Places and People Representations of Travelling Connections and
Communication situation in the Sagas of Icelanders In Sagas and Societies - Conference at Borgarnes
Iceland 2002 P 01
179
ocorrecircncias)
- Virland regiatildeo costeira setentrional estoniana Em estoniano Virumaa a regiatildeo pode
ser satisfatoriamente equacionada com a regiatildeo de Narva citada na Poacuteviest vrieacutemennikh
liet Referenciada nas estelas U 346 U 356 (conteacutem a mesma mensagem e foram
confeccionadas pelo mesmo artesatildeo) e U 533 bem como na Heymslyacutesing e na Ǫrvar-
Odds saga (30) Virumaa foi a regiatildeo estoniana com maior contato escandinavo no
periacuteodo viking devido agrave sua localizaccedilatildeo proacutexima ao Golfo da Finlacircndia que a colocava
diretamente no principal ramo do Austrvegr
- Rifaland Refaland termo que se refere agrave regiatildeo da Revalia sendo Reval o nome
medieval para a atual capital da Estocircnia Tallinn Eacute um termo natildeo encontrado nas
estelas ruacutenicas mas nas fontes medievais como de se esperar Encontra-se Refalir na
Heimslyacutesing e Rifaland na Ǫrvar-Odds saga (30)
- EistlandEstland Eistland eacute um termo geneacuterico para Estocircnia propriamente dita Deve-
se atentar para a circunstacircncia de que termo similar fora empregado em Taacutecito e na
traduccedilatildeo de Alfredo de Oroacutesio para a regiatildeo mais meridional e de caraacuteter etno-
linguiacutestico muito diverso da Pruacutessia Oriental (listadas no seacuteculo XIII nas regiotildees de
Samland e Ermland e nas fontes anglo-saxocircnicas tambeacutem como Witland seratildeo
discutidas adiante) O termo eacute encontrado amplamente nas fontes escandinavas
incluindo sagas as fontes geograacuteficas mencionadas (Ọrvar-Odds 30) os trabalhos de
cunho mais universal de Saxo e Snorri e na estela Vg 181 A estela U 439 possui o
termo ldquondashskalatrdquo interpretado como Aistland ou Serkland343
ndash interpretaccedilotildees bastante
diacutespares portanto344
Na Poacuteviest vrieacutemennikh liet os estonianos satildeo chamados de chud
Pritsak345
considera que as estelas U 446 e Souml 45 possuam referecircncias agrave Eistland
por meio do nome proacuteprio AEligist-fari ldquoo que viaja para os AEligistirdquo mas eacute interpretaccedilatildeo
duacutebia Poderiacuteamos sugerir o significado ldquoo que viaja para lesterdquo por exemplo
343
Serkland eacute termo que pode significar a regiatildeo aleacutem Volga no mundo muccedilulmano ou a regiatildeo os
Khazares agraves margens do Mar Caacutespio Como veremos no capiacutetulo 04 por vezes o nome eacute empregado para
Aacutefrica agrave medida em que se conecta com os islacircmicos 344
A interpretaccedilatildeo que ndashskalat eacute aistland eacute endossada por Melnikova (МЕЛЬНИКОВА 1977 201) Tal
estela faz parte das chamadas ldquoEstelas de Yngvarrrdquo seacuterie de estelas que referem-se agrave expediccedilatildeo de grande
alcance ao leste efetuada por Yngvarr que terminou em desastre nas proximidades do Caacutespio e que
iniciou-se no Baacuteltico Oriental Sua argumentaccedilatildeo centraliza-se na interpretaccedilatildeo de que a expediccedilatildeo de
Yngvarr partira da Estocircnia Omeljan PRITSAK (p362) considera tal interpretaccedilatildeo errocircnea 345
PRITSAK 362
180
Os estonianos possuem papel proeminente nas narrativas escandinavas
portando-se de forma muito similar aos proacuteprios vikings oriundos de tais regiotildees
travando comeacutercio e alianccedilas ou lutando com os mesmos Uma das elaboraccedilotildees mais
significativas envolvendo aos estonianos estaacute na Heimskringla (seacuteculo XIII) que
conteacutem a captura e escravidatildeo do ainda menino Olaf Tryggvason posteriormente Olaf I
da Noruega por vikings estonianos Vendido e criado como escravo por um estoniano
chamado de Klerkon passa nas matildeos de outros donos ateacute ser comprado por seu tio
Sigurethr Eiriksson e ser levado para crescer em Garethariacuteki
- Aethalsyacutesla e Eysyacutesla Aethalsyacutesla eacute um termo para aregiatildeo costeira ocidental estoniana
Eysyacutesla refere-se agrave a ilha estoniana de Saaremaa no Golfo de Riga346
Pritsak e
Melnikova (1977 201) consideram que a estela U 518 traga referecircncia agrave ela por meio de
ldquoisislurdquo O Rundata apresenta a mesma localidade enquanto a ilha de Selaoumln no lago
Malaren Sueacutecia Muitas das referecircncias literaacuterias aos estonianos satildeo feitas a estonianos
especiacuteficos de Saaremaa muitas vezes em conjunto com os baltos kurs
Saxo Grammaticus emprega o termo ldquoRotalardquo ao se referir agrave costa norte-ocidental
estoniana na altura de Haapsalu347
- Ruumlno Haacute uma possiacutevel referecircncia agrave ilha de Ruumlno no Golfo de Riga na estela Vs 22
mas a interpretaccedilatildeo eacute duacutebia e a estela bastante danificada348
- Lifland ndash normalmente listada juntamente com as regiotildees de etnicidade baacuteltica (kurir e
semgallir) habitantes da atual Letocircnia Refere-se aos Livocircnios que habitavam as
regiotildees setentrionais da Curlacircndia e da atual Letocircnia Atualmente consistem em minoria
eacutetnica no norte da proviacutencia de Kurzeme (Curlacircndia) na Letocircnia O termo eacute listado nas
estelas ruacutenicas U 698 Souml 38 e em muitas fontes escritas tradicionais incluindo a Gesta
Danorum de Saxo Gramaticus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga Na Poacuteviest
vrieacutemennikh liet satildeo listados como liv O maior conhecimento que se tem de seus
costumes se daacutepor meio da Chronicon Livoniae escrita no seacuteculo XIII por Henri da
346
MAumlGI 2011 194 FINLAY Alison amp FAULKES Anthony (trads) Heimskringla University College
London Viking Society for Northern Research 2011 Pp235 amp 240 347
FISCHER Peter On Translating Saxo In FRIIS-JENSEN Karsten (ed) Saxo Grammaticus a
Medieval Author between Norse and Latin Culture Museum Tusculanum Press Copenhagen1981 p62
CHRISTIANSEN 1997 111 348
МЕЛЬНИКОВА ЕА Скандинавские рунические надписи Тексты перевод коммент АН
СССР Ин-т истории СССР ndash Москва Наука 1977 206
181
Livocircnia ndash provavelmente um cleacuterigo germacircnico
- Domesnes Domesnaumls Tumisnis o cabo de Kolkasrags349
na atual Letocircnia localizado
agrave entrada do Golfo de Riga entre a costa letatilde e a ilha estoniana de Saaremaa eacute citado na
Souml 198 A regiatildeo de Kolka eacute ainda atualmente um dos uacuteltimos locais com residentes
livocircnios tratando-se de aacuterea protegida pelo governo letatildeo
322 Os Baltos
Atualmente apenas na Letocircnia e Lituacircnia bem como em colocircnias de tais etnias
em outros paiacuteses existem descendentes dos antigos baltos indo-europeus A partir do
periacuteodo medieval os paiacuteses baacutelticos sofreram contiacutenua dominaccedilatildeo de potecircncias
estrangeiras em particular escandinavos germacircnicos e por fim eslavos possuindo seu
territoacuterio original drasticamente reduzido
O conhecimento de seu passado eacute fragmentaacuterio e ocupa pouco espaccedilo nos
estudos interessados em escandinaviacutestica e eslavos de leste havendo pouquiacutessimos
trabalhos acessiacuteveis a pesquisadores ocidentais a preencher tal lacuna Especificamente
temos apenas ldquoThe Baltsrdquo de Marija Gimbutas bem como uma parte consideraacutevel em
sua obra ldquoThe Bronze Age Europerdquo e ldquoForeword to the Past A Cultural History of the
Baltic Peoplerdquo de Endre Bojtar destinada ao toacutepico ldquoThe Baltsrdquo entretanto apesar de
empregado por acadecircmicos do Ocidente como manual eacute considerado ligeiramente
defasado em alguns aspectos arqueoloacutegicos por especialistas nos proacuteprios paiacuteses
baacutelticos em particular na Lituacircnia350
Trabalhos conjuntos entre acadecircmicos dos Paiacuteses Baacutelticos e da Escandinaacutevia tecircm
surgido entretanto aos poucos clarificando melhor a situaccedilatildeo em particular no campo
dos estudos arqueoloacutegicos e haacute um crescimento constante na produccedilatildeo de perioacutedicos
tambeacutem acessiacuteveis via internet providenciando melhor divulgaccedilatildeo e compreensatildeo de
contextos ateacute entatildeo natildeo estudados pelo meio acadecircmico brasileiro
As referecircncias nos autores claacutessicos aos povos baacutelticos satildeo muito poucas e a
identificaccedilatildeo eacutetnica dos mesmos natildeo eacute absoluta Gimbutas assume que os ldquoNeurirdquo de
Heroacutedoto seriam Baltos em seu ramo oriental351
mas a identificaccedilatildeo natildeo eacute inequiacutevoca
Os ldquoaestirdquo de Taacutecito entretanto satildeo considerados com maior consenso como
349
МЕЛЬНИКОВА 1977 200 350
BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste Central
European University Press 1999 [1997] p58 nota 18 351
GIMBUTAS Marija The Balts London Thames and Hudson 1963 pp97-102
182
populaccedilotildees baacutelticas ocidentais habitando a regiatildeo circundante da atual peniacutensula de
Kaliningrado e os territoacuterios da antiga Pruacutessia Oriental e sul da Curlacircndia
Os territoacuterios habitados pelos povos baacutelticos em seu ramo oriental estendiam-se
no passado ateacute as proximidades das atuais Moscou e Yaroslav Tal hipoacutetese eacute
fundamentada na comparaccedilatildeo das culturas arqueoloacutegicas e em principal na anaacutelise de
topocircnimos feita por Buga (entre 1913 e 1924) nos rios da Bielo-Ruacutessia Vasmer (em
1932) nos distritos de Smolensk Tver (Kalinin) Moscou e Chernigov e de Toporov e
Trubachev (em 1962) na bacia do Dnieper
O extenso estudo de Toporov e Trubachev demonstraraacute uma origem baacuteltica para
o nome de mais de 1000 rios na bacia do Dnieper oferecendo fortes evidecircncias para
uma ampla expansatildeo dos povos na antiguidade nas regiotildees das atuais Bielo-Ruacutessia e
Ruacutessia europeacuteia352
Endre Bojtar apontaraacute criacuteticas importantes agrave definiccedilatildeo territorial
com base nos hidrocircnimos Dentre elas a relatividade de um suposto ldquoconservadorismordquo
na manutenccedilatildeo dos nomes de rios353
Entretanto manteacutem a ideia da regiatildeo aproximada
de expansatildeo baacuteltica antes da chegada de migrantes eslavos para o norte (vide Mapa 08)
Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica
Legenda
1 Nomes
baacutelticos
frequentes
2 Nomes
baacutelticos
infrequentes
3 Nomes
baacutelticos raros e
questionaacuteveis
Fonte BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste
Central European University Press 1999 [1997]p54
352
ТОПОРОВ ВН ТРУБАЧЕВ ОН 1962 353
BOJTAR 54
183
Barford defende a identificaccedilatildeo dos povos baltos com uma aacuterea aproximada das
Culturas arqueoloacutegicas Kievana no periacuteodo romano e Tumshmlya-Bansherovo
Kolochin e Balachino na primeira metade do seacuteculo VI AD354
Temos dessa forma uma regiatildeo hipoteacutetica (poreacutem consensual) de habitaccedilatildeo
baacuteltica que coincidia com a regiatildeo de florestas do norte europeu e circundando a regiatildeo
sul e oriental do Baacuteltico bordejando a oeste os povos germacircnicos a sul proto-eslavos e
povos das estepes e a norte e leste populaccedilotildees natildeo indo-europeacuteias de idiomas fino-
uacutegricos
Por conseguinte os povos baacutelticos foram particularmente afetados com as
expansotildees eslaacutevicas tanto dos eslavos de leste para o norte da Ruacutessia nos seacuteculos VIII e
IX quanto dos eslavos ocidentais que chegaram agraves costas baacutelticas no seacuteculo VI
As fontes escritas sugerem que nesse processo de expansatildeo eslaacutevica o ramo
baacuteltico oriental ficou isolado do ramo ocidental pelos eslavos de leste A referecircncia
nesse sentido eacute dada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet ao citar a resistecircncia dos povos
chamados de Galindoi que Gimbutas identifica como baltos aparentemente separados
de outros povos e de similaridade etno-linguiacutestica e que iriam migrar para a regiatildeo leste
das atuais Letocircnia e Lituacircnia Nota-se que entre as tribos prussianas do seacuteculo XIII a
regiatildeo mais limiacutetrofe e meridional era chamada de ldquoGalindardquo
A identificaccedilatildeo entre esses galindos e os das proximidades de Moscou natildeo eacute
totalmente inequiacutevoca A proacutepria etimologia do termo pode apresentar conclusotildees
diversas Termos baacutelticos similares (letatildeo ldquogalsrdquo lituano ldquogalasrdquo) possuem campo
semacircntico relativo a ldquofimrdquo ldquoteacuterminordquo e dessa forma eacute razoaacutevel pressupor que regiotildees
limiacutetrofes fronteiriccedilas ou distantes poderiam receber nomes com tal terminologia
Os grupos de relevacircncia especiacutefica no contexto de primoacuterdios da Rus satildeo
principalmente trecircs diversas tribos prussianas habitando as regiotildees da atual peniacutensula
de Kaliningrado as tribos lituanas dentre as quais incluem-se os samogiacutecios e as tribos
letatildes das quais destacam-se kurs zemgaacutelios e latgaacutelios
Conquanto as fontes russas e germacircnicas refiram-se com frequecircncia agraves tribos
lituanas as fontes escandinavas sejam de forma escrita tradicional ou na forma de
estelas ruacutenicas natildeo o fazem nunca antes enfatizando os kurs (kurir) e zemgaacutelios
(semgallir) com os quais travavam maior contato
354
BARFORD 394s ldquoMap Irdquo e ldquoMap IIrdquo
184
Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII
Fonte GIMBUTAS Marija The Balts London thames and Hudson 1963 P23
A terminologia encontrada nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas para populaccedilotildees
baltas satildeo a seguinte
Na Letocircnia
Os povos habitantes no territoacuterio da atual Letocircnia satildeo referenciados em sete
inscriccedilotildees ruacutenicas dos varegues em adiccedilatildeo agraves fontes escritas Duas referecircncias aos
livocircnios (descritos juntamente aos povos fino-uacutegricos acima) quatro aos semgallir uma
agrave regiatildeo do Venta na Kurzeme e uma agrave entrada do Daugava Eacute o maior nuacutemero de
185
referecircncias em inscriccedilotildees ruacutenicas aos povos do baacuteltico principalmente aos semgallir
Vernadsky endossa a ideia de que a Rota comercial escandinava passando pelo
Daugava teria sido anterior agrave Rota pelo Golfo da Finlacircndia De fato os contatos
escandinavos em particular com a Kuacuterland satildeo atestados primeiramente na Vita
Anskarii escrita no seacuteculo IX mas datam de seacuteculos antes Entretanto os contatos com
as proacuteprias regiotildees estonianas aparentam ser igualmente antigos ainda que natildeo tatildeo
intensos
De qualquer forma as terras baltas e livocircnias foram as primeiras aacutereas de
interesse sueco no leste e propulsoras para os movimentos posteriores mais amplos Tal
circunstacircncia justifica o relativamente grande nuacutemero de referecircncias agrave regiatildeo da atual
Letocircnia Posteriormente a rota que passava o Daugava tornaria-se um ramo secundaacuterio
do Austrvegr em comparaccedilatildeo com agrave rota mais setentrional que cruzava o Golfo da
Finlacircndia mas sem perder de todo sua relevacircncia
Semgallir o povo da proviacutencia de Zemgale dos letotildees chamada Semigalia nas
fontes latinas Semgola na Poacuteviest vrieacutemennikh liet Os semgallir habitavam os
territoacuterios ao sul do Daugava etnograficamente categorizados dentre os baltos
orientais Seu idioma eacute um dos principais constituintes do letatildeo atual A
composiccedilatildeo de seu etocircnimo Zemgale indica a localizaccedilatildeo de uma terra de
fronteira ndash zeme ldquoterrardquo gals ndash ldquolimite fim fronteirardquo e pode sugerir tal
localizaccedilatildeo tanto como a regiatildeo fronteiriccedila aos liacutevios do norte como a tribo letatilde
mais meridional ainda que tais afirmativas sejam especulativas
A Chronicon Heinrici Livoniae escrita no seacuteculo XIII por um
eclesiaacutestico germacircnico narra os eventos do seacuteculo XII por ocasiatildeo da conquista
germacircnica da regiatildeo da Livocircnia Ali os semgallir aparecem como as uacuteltimas
populaccedilotildees a serem conquistadas e cristianizadas Alguns de seus costumes
(como a decapitaccedilatildeo de inimigos no campo de batalha) parecem impactar ao
cronista que dedica bastante espaccedilo aos mesmos mas as alianccedilas e
identificaccedilotildees eacutetnicas dos mesmos natildeo ficam claras Aparentemente pela
crocircnica as relaccedilotildees com os kurs eram amigaacuteveis diferentemente da situaccedilatildeo
com estonianos e lituanos mas o caraacuteter pontual de tais alianccedilas natildeo nos permite
consideraccedilotildees absolutas que elucidem em definitivo a etimologia
Satildeo citados nas estelas Souml 198 Souml 327 possuem uma referecircncia duacutebia
(proposta por Brate) na Souml 110 bem como em uma caixa de cobre encontrada
186
em Sigtuna (R 173)355
Apesar das referecircncias relativamente frequentes nas
inscriccedilotildees ruacutenicas as referecircncias escritas aos semgallir nas fontes tradicionais
satildeo mais raras Satildeo listados na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds saga (30) e apenas
citados duas vezes na Gesta Danorum nos livros 5 e 7 No uacuteltimo caso ambas
as referecircncias satildeo de passagem e ligadas agrave histoacuteria de Starkatherus sendo os
semgaacutelios citados em conjunto com outros povos do Baacuteltico (kurs e sembi na
primeira kurs e eesti na segunda) na primeira referecircncia os mesmos se revoltam
contra o domiacutenio danecircs e satildeo conquistados por Starkatherus A segunda eacute o
poema final do heroacutei no qual cita suas conquistas listando ali o episoacutedio
narrado anteriormente
Kuacuterland a regiatildeo de Kurzeme na atual Letocircnia e o ducado histoacuterico da
Curlacircndia possessatildeo nos tempos da Repuacuteblica Polaca-Lituana que chegou a
obter possessotildees coloniais na Gacircmbia e Caribe na Idade Moderna No periacuteodo
viking as regiotildees dos kurs possuiacuteam cinco divisotildees centralizadas em
fortificaccedilotildees (Pilsats Megova Duvzare Ceklis e Piemare) chegando ateacute a costa
norte da atual Lituacircnia
Os Kurs (kurir nas fontes escandinavas kors na Poacuteviest vrieacutemennikh liet)
satildeo as populaccedilotildees - juntamente com os estonianos e bjarmar - mais citadas nas
fontes escritas escandinavas Suas referecircncias satildeo as mais longas e mesmo
factiacuteveis algumas delas memoraacuteveis como a descriccedilatildeo do cativeiro do skaldr
Egill Skalagriacutemsson na Egils saga escrita no seacuteculo XIII provavelmente por
Snorri Sturlusson Tambeacutem emblemaacutetica eacute a referecircncia jaacute citada bastante antiga
da Vita Anskarii de Rimbert escrita no seacuteculo IX que conta sobre um suposto
periacuteodo de domiacutenio dos suecos sobre os kurs
A Chronicon Henrici Livoniae traz informaccedilotildees sobre os kurs no seacuteculo
XII principalmente taacuteticas militares e costumes funeraacuterios dos mesmos por
ocasiatildeo de expediccedilotildees de ataques mariacutetimos aos cruzados e no cerco efetuado
por eles a Riga interrompido para o cumprimento da cremaccedilatildeo de seus mortos
Nos seacuteculos XII e XIII os kurs estavam frequentemente associados agrave
estonianos de Saaremaa executando expediccedilotildees vikings pelo baacuteltico capturando
escravos e bens (incluindo sinos de igrejas principalmente na Sueacutecia)
355
МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364
187
Aparentemente ateacute entatildeo a julgar pelas referecircncias textuais possuiacuteram diversos
periacuteodos de domiacutenio ou pagamento de tributo da parte de Escandinavos
entremeados por revoltas e momentos de liberdade Em algumas ocasiotildees
aparentam ser parceiros de escandinavos seja em contatos comerciais ou
expediccedilotildees vikings
A categorizaccedilatildeo eacutetnica dos kurs do periacuteodo viking enquanto baltos natildeo
foi feita sem disputa De fato foi razoavelmente comum classificaacute-los enquanto
uma tribo fino-uacutegrica ideia que esporadicamente volta agrave tona principalmente da
parte de autores finlandeses e estonianos
Um dos argumentos mais fortes nesse sentido eacute o nuacutemero consideraacutevel
de termos de origem fino-uacutegrica que transparecem nos tratados do seacuteculo XIII
no idioma dos kurs como sua proacutepria denominaccedilatildeo ldquokurrdquo que pode significar
ldquogrourdquo nos idiomas fino-uacutegricos ldquokiligundenrdquo (regiatildeo administrativa) ldquomalevardquo
(unidade do exeacutercito) Esse niacutevel de argumento eacute usual em obras de
popularizaccedilatildeo cientiacutefica como do historiador amador Edgar Valter Saks356
Haacute argumentos considerados a niacutevel mais acadecircmico Um deles eacute a
denominaccedilatildeo ateacute o seacuteculo XIX da ilha estoniana de Saaremaa como ldquoKurasaarrdquo
ldquoIlha dos Kursrdquo Marika Maumlgi efetua um paralelo com a situaccedilatildeo na Estocircnia de
Saarema chamada de Eysyacutesla em contrapartida agrave costa Ocidental como
Adalsyacutesla357
Esta identificaccedilatildeo eacute aceita por poucos e deve ser considerada como uma
idiossincrasia a mais em categorizaccedilotildees e divisotildees eacutetnicas das populaccedilotildees (natildeo
apenas) do medievo De fato os kurs seratildeo uma das tribos constituintes dos
letotildees da Idade Moderna e Contemporacircnea o substrato e os cognatos fino-
uacutegricos na liacutengua letatilde adveacutem do idioma dos livocircnios natildeo da liacutengua dos kurs Em
adiccedilatildeo o istmo da Curocircnia entre a Pruacutessia Oriental e a Lituacircnia foi habitado ateacute
o seacuteculo XIX pelos Kursenieki descendentes dos antigos kurs e seu idioma era
claramente balto sendo que a discussatildeo mais seacuteria academicamente dividiu-se
no sentido de classificaacute-lo enquanto idioma balto oriental ligado ao letatildeo e ao
lituano ou ocidental ligado ao prussiano antigo358
Os siacutetios arqueoloacutegicos de Grobiņa (atual Letocircnia) e Apuole (atual
356
SAAKS Edgar Eesti viikingid 2005 pp 31-34 357
VUORELA 206 MAumlGI 2011 194 358
STONKUTĖ Loreta Kuršininkų tarmės lituanizmai In Studentu zinātniskās Konferences laquoAktuāli
baltistikas jautājumiraquo tēzes Latvijas Universitātes Filoloģijas fakultātes 2002 Pp43s
188
Lituacircnia) escavados por Birger Nerman na deacutecada de 1920 datildeo suporte agrave
relaccedilotildees antigas dos mesmos com a Escandinaacutevia principalmente os Svear e a
ilha de Gotland desde o seacuteculo VII359
Na Gesta Danorum de saxo Gramamaticus os kurs (ldquocuretesrdquo) satildeo
citados nos livros 123568911 e 14 incluindo episoacutedios relevantes como o
cativeiro de Hadingus no livro I e a batalha de Bravalla no livro 8
Eacute interessante notar que de forma contrastante com a relativa
abundacircncia de referecircncias nas fontes de ordem mais tradicional a uacutenica possiacutevel
referecircncia agrave terra dos kurs em estelas ruacutenicas encontra-se na G 135 e fala sobre
um homem morto em Vindau ndash Vendava No periacuteodo em questatildeo os kurs se
encontravam em processo de expansatildeo ao norte habitado por livocircnios e natildeo eacute
possiacutevel saber com exatidatildeo se a referecircncia ao Venta implicaria em alguma
relaccedilatildeo com os kurs ou com os livocircnios da Kurzeme
Na Antiga Pruacutessia
SaacutemlandLanland Ermland Vitland regiotildees da Pruacutessia Oriental tribos baltas
indo-europeacuteias A esta regiatildeo foi aplicado o termo ldquoAistlandrdquo por historiadores
da antiguidade (em particular na Germania de Taacutecito) e a versatildeo anglo-saxocircnica
de Oroacutesio feita por Alfredo bem como a viagem de Othere relatado tambeacutem por
Alfredo o que gera confusatildeo com a Eistland ndash Estocircnia de caraacuteter diverso
entretanto Quando as sagas e Snorri Sturlusson referem-se a ldquoestirdquo
normalmente o fazem tendo em mente estonianos
As correspondecircncias com topocircnimos baacutelticos satildeo Saacutemland ndash Semba
Ermland ndash Varme (Warmia) Marika Maumlgi argumenta por uma possiacutevel mistura
de terminologias eacutetnicas defendendo a possibilidade de que o uso de ldquoSamlandrdquo
possa por vezes implicar na Kurzeme360
mas trata-se de uma posiccedilatildeo bastante
isolada
A regiatildeo da Pruacutessia oriental continha algumas das maiores
concentraccedilotildees de depoacutesitos de dirheims do mundo islacircmico Noonan e Bogucki
defendem que habitantes das costas eslavas do baacuteltico bem como antigos
prussianos tenham sido os primeiros intermediaacuterios no comeacutercio de dirheims
359
NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus
Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 360
MAumlGI 2011 194
189
entre os mundos islacircmico e escandinavo361
A regiatildeo abrigou um dos primeiros entrepostos comerciais do periacuteodo
viking a cidade de Truso Localizada no lago Druzno atualmente no local
encontra-se a cidade de ElbingElblag O local foi ativo como parte da rota do
acircmbar e no periacuteodo viking como localidade-chave na redistribuiccedilatildeo dos
dirhams vindos das regiotildees de leste tendo despertado o interesse escandinavo de
descobrir as regiotildees de proveniecircncia de tal prata e precipitado a proacutepria
expansatildeo escandinava na regiatildeo da posterior Rus
Haacute uma referecircncia agrave Samland em caracteres ruacutenicos na jaacute citada caixa
de cobre encontrada em Sigtuna (R 173)362
ldquoWitlandrdquo eacute empregado na Ǫrvar-
Odds saga e na viagem de Othere relatada pela crocircnica de Alfredo (em inglecircs
antigo) As demais regiotildees satildeo citadas tambeacutem na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds
saga
Saxo Grammaticus cita-os como ldquosembirdquo nos livros 68910 e 11 Em
um dos poucos casos de constacircncia em sua narrativa em praticamente todas as
citaccedilotildees os sembi estatildeo em conjunto com os Kurs (em 4 das 5 citaccedilotildees
normalmente rebelando-se contra daneses) e em oposiccedilatildeo aos sclavi
Lituacircnia
A ausecircncia de referecircncias aos lituanos natildeo teraacute passado desapercebida ao leitor
mais atento e informado De fato as fontes escandinavas natildeo se referem aos mesmos
Esta ocorrecircncia explica-se pela ausecircncia de costa mariacutetima ndash ocupada pelos kurs
prussianos zemgaacutelios liacutevios e estonianos ndash mas tambeacutem pela natureza diversa de
contatos entre lituanos e seus povos vizinhos no periacuteodo viking
Diferentemente de seus vizinhos costeiros as diversas tribos lituanas tiveram
menor contato com a Escandinaacutevia e maior com Polocircnia as demais tribos baacutelticas e os
eslavos de leste Os contatos com o mundo escandinavo foram dessa forma
intermediados por seus vizinhos Os proacuteprios territoacuterios lituanos ficavam agrave margem das
grandes rotas comerciais que ligavam a Escandinaacutevia agrave Euraacutesia e sua geografia
361
BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of
Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart
Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige
Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-
361 362
МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364
190
abundante em florestas e pacircntanos certamente natildeo colaborou para a diminuiccedilatildeo de seu
isolamento
A despeito desse isolamento por ocasiatildeo das cruzadas setentrionais e a expansatildeo
germacircnica para o leste os lituanos foram capazes de se organizar em uma monarquia
forte e expansionista com a originalidade de manterem com suas crenccedilas pagatildes
ancestrais
O paganismo oficial lituano apenas perderia seu lugar por ocasiatildeo da unificaccedilatildeo
das coroas polaca e lituana e na idade moderna a Polocircnia-Lituacircnia consistiraacute no estado
territorial mais extenso e muacuteltiplo da Europa
323 Baltos e Fino-Uacutegricos
A relaccedilatildeo entre baltos e fino-uacutegricos parece ter sido de particular influecircncia
muacutetua No campo da linguiacutestica os empreacutestimos e influecircncias satildeo extensos desde o
campo de terminologia de ferramentas e tecnologias ateacute de relaccedilotildees familiares363
Estudos dos Haplogrupos de DNA demonstram tambeacutem uma relaccedilatildeo particular
de miscigenaccedilatildeo de entre os habitantes da Letocircnia e Lituacircnia com os povos fino-uacutegricos
da Estocircnia e Finlacircndia em particular no predomiacutenio demonstrado do haplogrupo N do
cromossomo Y dominante entre as populaccedilotildees de etnicidade fino-uacutegrica ao lado do
haplogrupo R1a comum entre populaccedilotildees da Europa Setentrional (em particular na
Noruega) Oriental (com frequecircncias variando por volta de 50 de predomiacutenio entre
poloneses ucranianos bielorussos e russos) e das estepes364
Eacute razoaacutevel a suposiccedilatildeo de um nuacutecleo original populacional provavelmente
pequeno de fala indo-europeacuteia com afinidade geneacutetica com outras populaccedilotildees de
falares da mesma famiacutelia como eslavos e germanos que se difundiu rumo ao norte
interagindo e miscigenando-se com as populaccedilotildees locais
363
GIMBUTAS 33-36 364
LAITINEN Virpi LAHERMO Paumlivi SISTONEN Pertti SAVONTAUS Marja-Liisa Y-
Chromosomal Diversity Suggests that Baltic Males Share Common Finno-Ugric-Speaking Forefathers
In Human Heredity 2002 53 68ss
191
324 Bjaacutermaland
Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539)
Traduzida frequentemente por Peacutermia ou Perm esta regiatildeo apresenta problemas
e discussotildees por deacutecadas no que tange sua localizaccedilatildeo e composiccedilatildeo eacutetnica As fontes
escandinavas de forma mais geneacuterica colocam-na na foz do Viacutena (o Dvina setentrional)
ou seja nas margens do Mar Branco
Olaus Magnus em sua ldquoDescriccedilatildeo dos povos Setentrionaisrdquo jaacute no seacuteculo XVI
afirma baseando-se explicitamente em Saxo a existecircncia de duas aacutereas em Bjarmaland
ldquoBiarmia ulteriorrdquo e ldquoBiarmia citeriorrdquo Em seu mapa a ldquoCarta Marinardquo (ver Mapa 4)
localiza uma soacute ldquoBiarmiardquo ao norte do que descreve como ldquoLacus Albardquo em regiatildeo que
192
pode ser identificada claramente com a Peniacutensula de Kola
Nota-se a compreensatildeo do Mar Branco como um lago acerca da qual eacute
interessante a observaccedilatildeo da regiatildeo em um mapa contemporacircneo
Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico Do autor
A causa de dissensatildeo nesta identificaccedilatildeo eacute a circunstacircncia de que a regiatildeo natildeo
coincide com a ldquoGrande Peacutermiardquo da Ruacutessia mais ao leste e sul E em algumas das
Fornaldarsoumlgur o caminho para Bjarmaland eacute feito dirigindo-se para Austrvegr ou seja
pelo Baacuteltico Oriental
As colocaccedilotildees de Alan S C Ross em 1930 com adiccedilotildees em 1940 1978 e
1981365
(nesta uacuteltima data de Michael Chesnutt) permanecem ainda norteando a
abordagem da questatildeo O outro estudo mais amplo feito sobre a questatildeo eacute da pena de
Mervi Koskela Vasaru em 2009 e apesar de natildeo se referir ao uacuteltimo chega a
conclusotildees similares366
O debate assume ainda contornos mais complexos e apresenta
maiores discordacircncias com a entrada do quesito de etnia na discussatildeo
365
ROSS 1981 366
KOSKELA VASARU Mervi Bjarmaland Phd thesis University of Oulu 2009 ___________
Bjarmaland and Interaction in the North of Europe from the Viking Age until the Early Middle Ages In
Journal of Northern Studies Vol 06 N02 2012 Umearing
193
A viagem de Othere eacute a fonte mais antiga a referir-se aos Bjarmar Satildeo ali
chamados de Beormas e a descriccedilatildeo da viagem parece aplicar-se bem a populaccedilotildees que
residiam agraves margens do Mar Branco e como tais satildeo localizados na Carta magna de
Olaus Magnus
Uma seacuterie de sagas e fontes escandinavas vai referir-se a jornadas agrave Bjarmaland
Normalmente os seus habitantes satildeo antagonistas dos escandinavos e recorrem ao uso
de magia em suas batalhas Em particular Saxo Grammaticus e as fornaldarsoumlgur
colocam ecircnfase nos bjarmar enquanto antagonistas bem como na sua habilidade em
manipular o sobrenatural
Com sua ecircnfase especial no aspecto de narrativa de entretenimento e
incorporaccedilatildeo do fantaacutestico o aspecto maacutegico dos bjarmar eacute sempre salientado nestas
narrativas Um tipo especial de referecircncia eacute aquela na qual um personagem dos bjarmar
descende de um humano e de um ser sobrenatural (normalmente uma gigantea) Eacute
dessa maneira que eacute explicada a concepccedilatildeo de Ogmund necircmesis de Ọrvar-Oddsem sua
saga
Os bjarmar satildeo bons e gerais exemplos do ldquooutrordquo na narrativa escandinava A
Ǫrvar-Odds saga em sua forma longa traz como primeiro grande feito de Odd sua
viagem agrave Bjarmaland Aliaacutes Odd sempre seraacute lembrado em ocasiotildees posteriores da
narrativa como Odd ldquoo que foi ateacute Bjarmalandrdquo Ali ele demonstra a dificuldade de
compreensatildeo no campo linguiacutestico e de costumes Necessita de inteacuterprete da liacutengua dos
bjarmar que eacute colocada por meio da foacutermula ldquosemelhante ao barulho dos paacutessarosrdquo e
necessita de inteacuterprete dos proacuteprios costumes e haacutebitos dos homens ali
Sua divindade eacute chamada de ldquoJomalirdquo que eacute cognato com o termo fino-uacutegrico
para ldquodeusrdquo ldquoJumalrdquo e natildeo encontra ressonacircncia ou equivalecircncia no panteatildeo
escandinavo
Haacute duas formas de abordagem empregadas na definiccedilatildeo de quem satildeo os bjarmar
A mais comum procura sua identidade etno-linguistica Os indicativos para esta
definiccedilatildeo se baseiam nos paracircmetros geograacuteficos dados pelas fontes algumas
descriccedilotildees pontuais e esparsas de costumes e a referecircncia ao deus ldquoJomalirdquo
Esta referecircncia em particular feita duas vezes apenas daacute o argumento da filiaccedilatildeo
linguiacutestica fino-uacutegrica dos Bjarmar em conjunto com a evidecircncia mais tecircnue e
disputada da etimologia do proacuteprio nome perm
Segundo esta primeira abordagem existem quatro possibilidades eacutetnicas para os
194
Bjarmar
Lapotildees (saami) ndash satildeo os Finnar das fontes escandinavas citados haacute pouco
Segundo os argumentos de Vasmer (que se fundamentam basicamente no
campo da linguiacutestica e anaacutelise de topocircnimos eacute importante salientar) a
distribuiccedilatildeo antiga dos saami incluiria aacutereas ao sul do Mar Branco (incluindo a
foz do Dvina setentrional) e a aacuterea a nordeste do lago Onega Entretanto como
Ross salienta Othere descreve os Saami em sua viagem como os Terfinnas a
seguir passando para os Beormas os quais descreve como outras populaccedilotildees
Eacute pouco provaacutevel que o autor fosse descrever duas a mesma populaccedilatildeo
seguidamente por duas nomenclaturas diferentes e poderiacuteamos fazer facilmente
uso do mesmo argumento para a descriccedilatildeo dos saami como finnar nas fontes
escandinavas ou mesmo de frequentes ocasiccedilotildees aonde finnar e bjarmar satildeo
citados um proacuteximo ao outro Via de regra as fontes que descrevem a viagem agrave
Bjarmaland via o norte da Noruega descrevem primeiramente encontros com os
Finnar e posteriormente com os Bjarmar Um exemplo claro disto daacute-se na
proacutepria Ǫrvar-Odds saga e eacute circunstacircncia loacutegica ao considerar os habitantes de
norte da Noruega e peniacutensula de Kola os lapotildees pelos quais os viajantes
precisam passar antes de chegar ao Mar Branco
Outro argumento contra a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami eacute a
referecircncia ainda de Othere que os Beormas praticam agricultura e possuem
modo sedentaacuterio de vida Ainda que pontual eacute referecircncia significativa ao ser
feita em contraposiccedilatildeo a um modo nocircmade atribuiacutedo aos Terfinnas Finnar
Fica excluiacuteda portanto a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami
Komi
Os Komi satildeo os habitantes dos distritos russos aos quais se aplica o termo
ldquoGrande Peacutermiardquo e aonde a proacutepria cidade de Perm encontra-se Atualmente
distribuem nos governos de Vyatka Vologda Perm e Arkhangelsk Os Komi satildeo as
proacuteprias populaccedilotildees as quais o termo Perm eacute aplicado constituem com os Udmurt o
ramo Komi-Permyak da famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica Vasmer eacute o uacutenico
proponente de peso para esta identificaccedilatildeo Para ele os BjarmarBeormas seriam
Antigos Permianos (Zyrian-Komi) Ele apresenta evidecircncia toponiacutemica de uma
distribuiccedilatildeo mais ampla rumo a oeste e norte em tempos anteriores incluindo
territoacuterios que natildeo influem em nossa discussatildeo como Olonets Novgorod Vologda
195
Vyatka Perm Kazan e Kostroma O material dado referente agrave regiatildeo de
Arkhangelsk que engloba os distritos de Arkhangel Kholmogory Onega
Shenkursk Pinega Mezen e Pechora entretanto satildeo de interesse agrave nossa discussatildeo
O argumento principal colocado por Ross367
contraacuterio agrave identificaccedilatildeo de
Bjarmaland com os Perm entretanto eacute que sua expansatildeo rumo ao norte seria
posterior ao seacuteculo XI No seacuteculo em questatildeo os Komi ainda estariam unidos com
os Udmurt sob domiacutenio Buacutelgaro-Turco no periacuteodo chamado ldquoPermiano primitivordquo
Alguns argumentos secundaacuterios (e questionaacuteveis) apresentados em conjunto satildeo a
ausecircncia de material arqueoloacutegico de origem escandinava ou de imitaccedilatildeo
escandinava entre os Komi (argumento de Tallgren) a despeito da existecircncia de
coleccedilatildeo ampla e bem-catalogada de antiguidades permianas a natureza de cognatos
entre as liacutenguas komi e balto-fiacutenicas (particularmente careacutelio e vepse) sugere que
um possiacutevel contato entre as mesmas teria dado-se apenas em regiatildeo bem mais ao
sul do Mar Branco (argumento de Uotila) Othere descreve as liacutenguas dos Terfinnas
e Beormas como mutuamente inteligiacutevel ou muito semelhante
Por certo esse criteacuterio eacute bastante subjetivo o grau de semelhanccedila entre duas
liacutenguas fino-uacutegricas a um observador de fala germacircnica- indo-europeacuteia dificilmente
pode ser mensuraacutevel Entretanto eacute relevante destacar que dentre os subgrupos da
famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica a distacircncia entre o ramo komi-permiak e o saami eacute
significativa Jaacute o saami e o ramo balto-fiacutenico satildeo notoriamente proacuteximos e tal
distacircncia era consideravelmente menor haacute um milecircnio atraacutes Ao argumento soma-se
ainda a referecircncia ao deus Jomali ndash termo evidentemente Balto-fiacutenico e por fim o
argumento de que os Komi nunca habitaram a peniacutensula de Kola apoacutes o que Ross
chega agrave conclusatildeo de que os Komi natildeo podem ser os Bjarmar das fontes
escandinavas
O decorrer da histoacuteria russa assistiu o desenvolvimento de um principado de
Perm que nos seacuteculos X-XI pagaria tributos a Novgorod mas que no decorrer dos
seacuteculos XV-XVI e sua cristianizaccedilatildeo tornar-se-ia vassalo de Moscou tendo
desfrutado de relativa independecircncia ateacute o seacuteculo XV Movimentos nacionais
posteriores aos seacuteculos XIX incorporariam o imaginaacuterio de sua histoacuteria incluindo a
homocircnima Bjarmaland em construccedilotildees de identidades nacionalismos justificativas
e ideologias frente a um Impeacuterio Russo unificador e totalitaacuterio
367
ROSS 1981 54
196
Vots (ou vatja)
Sugestatildeo apresentada por Jaakola e desconsiderada de imediato por Ross368
jaacute
em 1940 Referidos na PVL como chudi no seacuteculo XIII habitavam as proximidades
de Novgorod e do Ladoga369
No periacuteodo entre-guerras sua populaccedilatildeo era proacutexima
apenas a um milhar de pessoas de distribuiccedilatildeo limitada aos arredores de Satildeo
Petersburgo (entatildeo Leningrado) Em 1956 contavam apenas com 25 pessoas370
No
censo de 2010 o nuacutemero de falantes aumentara para 68 indiviacuteduos371
Kareli o aspecto ocupacional
Esta eacute a opccedilatildeo de maior peso ao tentar se enquadrar os bjarmar em uma etnia
especiacutefica Entretanto esta hipoacutetese estaacute ligada a uma interpretaccedilatildeo mais ampla do
significado de etnicidade
A evidecircncia linguiacutestica e toponiacutemica incluindo discussotildees que incluem as fontes
primaacuterias russas aponta uma ocupaccedilatildeo de aacutereas da peniacutensula de Archangelsk e das
margens do Mar Branco ateacute o Dvina Setentrional pelos kareli372
De fato toda a
monografia jaacute citada acima ldquoThe Terfinnas and Beormas of Othererdquo de Alan Ross tem
como objetivo principal o demonstrar a identificaccedilatildeo dos Terfinnas com os Sami
(lapotildees) e os BeormasBjarmar com os kareli A identificaccedilatildeo entretanto foi colocada
em questionamento principalmente pela historiografia sovieacutetica pelas razotildees jaacute
apontadas acima da regiatildeo russa de Perm localizada mais a leste e sul do Mar Branco e
habitada pelos Komi
A soluccedilatildeo desse impasse requer uma anaacutelise mais cuidadosa associada a um
conceito de etnicidade mais amplo Esta abordagem da questatildeo eacute relativamente mais
recente mas tem conseguido um maior consenso
A identificaccedilatildeo dos Kareli do norte enquanto os Bjarmar associada com a
existecircncia posterior da regiatildeo de Perm dentre os Komi soacute pode ser conciliada
considerando o aspecto ocupacional do termo perem aspecto que Chestut373
designaria
como ldquoum modo de vidardquo
Perem deriva de uma raiz fino-uacutegrica e aplicar-se-a a mercadores peripateacuteticos e
368
ROSS 1981 55 369
VUORELA 146s 370
VUORELA 145 371
Ethnologue Obtido em lt httpwwwethnologuecomlanguagevotgt Uacuteltimo acesso em 11112014 372
ROSS 1981 56s 373
CHESTNUT 75
197
caccediladores estabelecidos mais ao sul e habituados a explorar os recursos das regiotildees
setentrionais que bordejavam o Mar Branco (em particular a obtenccedilatildeo de peles) bem
como seus moradores nocircmades e que natildeo apresentavam defesa organizada efetiva
Tal ideia que recebeu maior atenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo com a republicaccedilatildeo da
monografia de Ross com as atualizaccedilotildees de Chesnut baseia-se principalmente no
estudo de 1956 do finlandecircs Kustaa Vilkuna que analisou o uso do termo Permi
empregado por careacutelios operando em grupo de mercadores atraveacutes da Finlacircndia Sueacutecia
do norte e Finmark Tal designaccedilatildeo de grupo seria atestada ainda no seacuteculo XVI por
ocasiatildeo de problemas gerados por tais Permi ao governo sueco Encontraria um
exemplo paralelo de uso misturado de ocupaccedilatildeo eacutetnica com atividade profissional pela
acepccedilatildeo que o termo Saksa assumiu no finlandecircs de ldquoGermacircniardquo para ldquomercadorrdquo374
Uma questatildeo eacute inatacaacutevel o contexto do norte da Ruacutessia foi povoado por muitas
populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica de grau maior ou menor de semelhanccedila muacutetua e que
deixaram substratos consideraacuteveis no proacuteprio idioma e dialetos russos setentrionais375
Igualmente o campo de argumentos muito precisos com bases linguiacutesticas abre espaccedilo
para historicismo e cientificismo e deve ser utilizado com cuidado
Parece-nos mais adequada a suposiccedilatildeo mais largamente aceita
contemporaneamente de que as populaccedilotildees com as quais os escandinavos travavam
contato e que chamavam de bjarmar eram kareli em sua grande maioria e que a
denominaccedilatildeo derivou de fato de um aspecto ocupacional Isto natildeo gera uma contradiccedilatildeo
com a circunstacircncia de que os careacutelios em uma acepccedilatildeo que nos soa mais
marcadamente eacutetnica satildeo referidos como tais nas fontes escandinavas
Entretanto a natureza exclusiva desta etnicidade kareliana deve ser relativizada
e aberta num sentido de que certo amaacutelgama de populaccedilotildees fino-uacutegricas certamente
ocorreu na regiatildeo fechando a porta para especulaccedilotildees nacionalistas modernas
374
apud VILKUNA 649ss In CHESTNUT 78 375
SAARIKIVI Janne Substrata Uralica Studies on Finno-Ugrian Substrate in Northern Russian
Dialects Tartu Tartu University Press 2006
198
CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA
Ateacute o presente ponto de nossa discussatildeo esperamos ter deixado claro que a
despeito da discussatildeo inflamada que esporadicamente ressurge na Ruacutessia e Ucracircnia
contemporacircneas sobre o papel Escandinavo em seus primoacuterdios esta mesma presenccedila eacute
confirmada por uma miriacuteade de fontes de diversas naturezas incluindo fontes escritas
de caacuterater tradicional e a Cultura Material esta uacuteltima por meio da anaacutelise numismaacutetica
e arqueoloacutegica incluindo aqui o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas pelo
territoacuterio do que eacute hoje entendido como Sueacutecia
Tambeacutem demonstramos que a teoria normanista ou algum de seus espectros
consiste na posiccedilatildeo acadecircmica preponderante no Ocidente exemplificando tambeacutem tal
circunstacircncia por meio da anaacutelise de Cultura Material mas esperamos natildeo ter incorrido
de forma radical em suas pressuposiccedilotildees salientando que a despeito do papel exercido
por escandinavos nos primeiros passos da Rus natildeo eacute possiacutevel se diminuir a criatividade
e influxo dos eslavos orientais em sua formaccedilatildeo
Dando prosseguimento a nossos propoacutesitos iniciais eacute mister analisarmos daqui
em diante de que formas tais movimentos ao leste produziram marcas na historiografia e
produccedilatildeo escrita escandinava no medievo nos seacuteculos imediatamente posteriores a tal
expansatildeo
Eacute esse objetivo que cumpriremos na seccedilatildeo a seguir Neste capiacutetulo discutiremos
de iniacutecio autores que se propuseram a escrever histoacuterias de grande escopo tentando
inserir suas naccedilotildees e povos em um contexto mais amplo mundial Para os mesmos o
leste assumiraacute nuances especiacuteficas e ideoloacutegicas que pretendemos demonstrar aqui Os
autores que se prestam a tal propoacutesito satildeo o islandecircs Snorri Sturlusson e o danecircs Saxo
Grammaticus
Em seguida observaremos uma manifestaccedilatildeo diversa da produccedilatildeo escrita que
ainda que se sirva das mesmas mateacuterias-primas - relatos orais tradiccedilotildees folcloacutericas e
conhecimento livresco - molda tais elementos com propoacutesitos e resultados distintos
Falamos aqui das Fornaldarsoumlgur em especial a Ọrvar-Odds Saga
Iniciaremos esta seccedilatildeo com uma apresentaccedilatildeo breve do contexto de produccedilatildeo
intelectual desenvolvido na Escandinaacutevia e Islacircndia do seacuteculo XIII procedendo de
imediato agrave anaacutelise das fontes primaacuterias
199
41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo
As deacutecadas de 1170 a 1230 concentram um periacuteodo de marcante aumento na
produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia continental e Islacircndia A despeito do aumento
consideraacutevel de contatos com outras naccedilotildees europeias incluindo as ilhas britacircnicas e o
continente que propiciaram modelos literaacuterios e a influecircncia do Cristianismo eacute
necessaacuteria a ecircnfase de que o aumento exponencial literaacuterio foi precedido por uma
tradiccedilatildeo oral fortemente consolidada acompanhada de aspectos culturais circundantes
que garantiam aos mantenedores de tal tradiccedilatildeo prestiacutegio e privileacutegios sociais376
-377
Aos principais responsaacuteveis por esta transmissatildeo de conhecimento e poesia
chamou-se de skaldar ldquoescaldosrdquo378
indiviacuteduos que improvisavam e compunham
poemas segundo intrincadas meacutetricas preacute-estabelecidas e empregos de motivos
mitoloacutegicos Tais homens foram amiuacutede personagens principais ou de destaque em
muitas Iacuteslendingasoumlgur algumas das quais receberam seus nomes como a Saga de
Kormak e a Saga de Egil
Como jaacute afirmado indiviacuteduos com tais habilidades dispunham de meios
suficientemente garantidos de prestiacutegio nos salotildees de jarls e reis encontrando honra e
suporte de seus liacutederes enquanto simultaneamente revestiam-se de importacircncia
fundamental na transmissatildeo do conhecimento sobre o passado A historiografia recente
tecircm demonstrado por meio de abordagens ligadas agrave outras ciecircncias sociais diversas
facetas de tal sistema que incluiacutea uma cultura de daacutedivas e trocas ndash os salotildees de chefes
e liacutederes que proviam bons presentes eram frequentados por melhores escaldos379
e
complexas formas de acuacutemulo e troca de capitais380
Tal produccedilatildeo intelectual e literaacuteria possui forma e objetivo diversificados
incluindo obras de menor porte como sagas de scaldos heroacuteis e famiacutelias sagas de
tempos legendaacuterios obras escritas no vernaacuteculo lidando com assuntos laicos e
regionais ateacute histoacuterias com maiores pretensotildees e trabalhos em molde cristatildeo incluindo
376
SAWYER ampSAWYER 2003 pp 219-224 230-238 377
WANNER Kevin Snorri Sturlusson and the Edda The Conversion of Cultural Capital in Medieval
Scandinavia University of Toronto Press 2008 378
ldquoSkaacuteldrrdquo significa ldquopoetardquo em antigo noacuterdico O termo eacute de iniacutecio geneacuterico para qualquer tipo de
poeta mas tornou-se de adoccedilatildeo especiacutefica para os que tratavam com a poesia ldquoescaacuteldicardquo encontrada nas
sagas e fontes islandesas antigas regida por regras e paracircmetros especiacuteficos SKAacuteLD WHALEY Diana
Edwards In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia (Garland
Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 379
WINROTH Anders The Conversion of Scandinavia Vikings Merchants and Missionaries in the
Remaking of Northern Europe Yale University Press New Haven amp London 2012 pp42s 380
WANNER Op cit
200
um espelho de priacutencipes (o Konungs skuggsjaacute composto na Noruega em antigo
noacuterdico) as obras histoacutericas de Snorri Sturlusson e Saxo Grammaticus ndash esta uacuteltima
escrita em latim
Na regiatildeo da Sueacutecia tal processo deu-se de forma diversa A despeito de natildeo ter
passado por tal ldquoflorescimento literaacuteriordquo nos seacuteculos XII e XIII os suecos produziram
um nuacutemero maior de crocircnicas e obras escritas na Idade Meacutedia tardia bem como em sua
transiccedilatildeo para o periacuteodo moderno Soma-se a sua situaccedilatildeo peculiar a jaacute discutida
disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas em grau natildeo equiparado na Dinamarca e Noruega
Nesses seacuteculos Escandinaacutevia e Islacircndia possuem consolidados ou em processo
avanccedilado de consolidaccedilatildeo um nuacutemero consideraacutevel de centros de produccedilatildeo intelectual e
erudita providos de livros capital humano ndash frequentemente provido de formaccedilatildeo em
centros no exterior principalmente Paris e Inglaterra - em adiccedilatildeo a formas ideoloacutegicas
cristatildes razoavelmente enraizadas
Lund na Dinamarca ndash atualmente na Sueacutecia - aglutinou erudiccedilatildeo em torno de
si primordialmente da parte de seus eclesiaacutesticos Alguns dos eruditos daneses de maior
destaque foram autores como Saxo Grammaticus (ca1150-1220) Sven Aggesen
(114050 - ) o proacuteprio arcebispo Absalatildeo (ca 1128-1202) e Anders (1167-1228) seu
sucessor no arcebispado de Lund O uacuteltimo citado por Saxo Grammaticus no Prefacio
da Gesta Danorum eacute descrito como algueacutem que estudara ldquoem Franccedila Itaacutelia e
Bretanhardquo Gunnar de Viborg (1152-1251) autor do Coacutedigo Legal da Jutacircndia primeira
legislaccedilatildeo escrita da Dinamarca eacute nome tambeacutem merecedor de destaque381
dentre outros
referidos por Arnold de Luumlbeck (morto 12111214) autor da Chronica Slavorum382
Rei Arcebispo
Eskil (ca1100-1181)
Valdemar I (1157-1182)
Absalatildeo (ca 1128-1202) Bispo em Roskilde 1158-1192
Arcebispo em Lund 1178-1202
Knut IV (1182-1202)
Valdemar II (1202-1241) Anders Sunesson (1167-1228) Arcebispo em Lund 1202-1228
Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII Do autor
381
JANSEN amp HANSEN 02ss 382
DAVIDSON Commentary 11
201
Na Islacircndia destacavam-se natildeo apenas um mas diversos centros de saber as
escolas nas catedrais de Haukadalr Hoacutelar e Skaacutelholt merecem menccedilatildeo mas
principalmente Oddi o centro de erudiccedilatildeo mais consolidado no territoacuterio islandecircs e de
onde sairiam diversos bispos para Skaacutelholt
Dentre os oriundos de laacute podemos citar Saemundr Froacuteethi (1056-1133) o
ldquoestudadordquo o proacuteprio Joacuten Loftsson (1124-1197) que adotou Snorri como discutiremos
mais adiante seu filho Paacutel Jonsson (1155-1211) bispo em Skaacutelholt anteriormente
estudante em Londres aonde adquirira ldquogrande saberrdquo segundo a Byskupa soumlgur383
Satildeo Thorlaacutekr (1133-1193) tambeacutem bispo em Skaacutelholt estudara em Paris e Londres
dentre outros eruditos
Foi o ambiente de Oddi que propiciou a Snorri Sturlusson o conhecimento e
meios necessaacuterios para sua grande produccedilatildeo escrita ainda que e debata sobre a natureza
do que exatamente era ensinado ali
Em Haukadalr estudara Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi (1067-1148) autor do
Iacuteslendigaboacutek que narra a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e provavelmente do Primeiro tratado
Gramaacutetico (ca 1160) Houve uma atribuiccedilatildeo de sua autoria agrave proacutepria Heimskringla que
natildeo eacute aceite pelos acadecircmicos e que seraacute comentada mais adiante
O processo de adequaccedilatildeo e inserccedilatildeo da erudiccedilatildeo escandinava no meio europeu
ocidental foi marcado pela produccedilatildeo de consideraacutevel quantidade de material a lidar com
periacuteodos recuados nos tempos pagatildeos da Escandinaacutevia As formas de se lidar com tal
passado pagatildeo foram muacuteltiplas e variadas
Na Islacircndia as sagas apresentam-no de maneira soacutebria croniacutestica
desapaixonada e bastante pessoal Saxo Grammaticus e Snorri Sturlusson ao
escreverem obras de maior abrangecircncia inseriram tal passado em uma linha mais
ampla conectiva dos tempos pagatildeos ancestrais ao presente cristatildeo
Tradicionalmente e mesmo dentre muitos autores contemporacircneos considera-
se tal contexto como um momento de estiacutemulo ao antiquarismo de tentativa de resgate
de tradiccedilotildees e imaginaacuterios que corriam o risco de serem suplantados e esquecidos
frente ao fortalecimento da tradiccedilatildeo cristatilde
Esta interpretaccedilatildeo vem sido problematizada de forma diversa em tempos mais
recentes em obras como ldquoSnorri Sturluson and the Eddardquo de Kevin Wanner O autor
apresenta o emprego do passado das formas poeacuteticas e dos mitos antigos como formas
383
Byskupa soumlgur 1948 I 263
202
de ganho e preservaccedilatildeo de capital cultural ndash assumindo por completo as acepccedilotildees de
Bordieu - diante de um contexto cada vez mais internacionalizado no qual os salotildees e
cortes enchiam-se de formas poeacuteticas estrangeiras
Nesse contexto a compreensatildeo e apreciaccedilatildeo dos versos escaacuteldicos era limitada
a poucas pessoas e consequentemente o prestiacutegio influecircncia e alcance do proacuteprio
Snorri era diminuiacutedo em medida proporcional agrave grande capacidade e conhecimento
demonstrados pelo mesmo nas formas de composiccedilatildeo antigas384
A despeito da maior relevacircncia e significado das obras de Saxo Grammaticus e
Snorri Sturlusson tais autores natildeo foram os uacutenicos tampouco primeiros a escreverem
histoacuterias (ou tentativas de) de suas naccedilotildees
Na Dinamarca foram escritas histoacuterias crocircnicas ou obras de tal caraacuteter antes de
Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum Por exemplo a Gesta Suenomagni regis et
filiorum eius et passio gloriosissimi Canuti regis et martyris que apesar de ter sido
escrita pelo monge inglecircs AEliglnoth em 1120 tratava da vida de S Knut e seus irmatildeos
Se tomarmos em consideraccedilatildeo um escopo e interesses mais amplos a
Chronicon Roskildense consiste na primeira obra que pode receber a nomenclatura de
uma ldquohistoacuteriardquo danesa tendo sido escrita nas proximidades de 1140
Entre 1170 a 1220 encontramos natildeo apenas a Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus mas tambeacutem trecircs obras da autoria de Sven Aggesen385
um tratado legal
uma histoacuteria poliacutetica e uma linhagem reacutegia386
De forma similar agraves circunstacircncias envolvendo a Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus natildeo se sabe o nome exato da histoacuteria escrita por Sven Aggesen O tiacutetulo
Compendiosa regum daniae historiae ldquoHistoacuteria resumida dos reis da Dinamarcardquo eacute
encontrado no texto editado por Stephanius em 1642
Christensen em sua traduccedilatildeo de 1992 para a Viking Society foi Northern
Research adota-o e o traduz como ldquoA short history of the kings of Denmarkrdquo Como tais
tiacutetulos evocam trata-se de uma histoacuteria bastante breve ainda mais se comparada agrave
extensatildeo da Gesta Danorum ndash na qual provavelmente se baseou em algumas de suas
partes iniciais387
O casal Sawyer apresenta uma divisatildeo didaacutetica das obras escandinavas
agrupando autores segundo ideologias poliacuteticas Sven Aggesen (na Dinamarca) e a
384
WANNER 2008 385
SAWYER amp SAWYER 2003 221 386
CHRISTIANSEN 1992 04 387
CHRISTIANSEN 1992 22
203
Sverris saga (na Noruega) defenderiam ideais poliacuteticos teocraacuteticos de forma contraacuteria agrave
Gesta de Saxo Grammaticus (Dinamarca) e Theodoricus na Noruega que defenderiam
ideais da proacutepria Reforma gregoriana e em suporte agrave primazia da Igreja Por sua vez o
islandecircs Snorri traduziria bem a voz da aristocracia
Estas diferenccedilas de concepccedilotildees poliacuteticas estariam ligadas agraves proveniecircncias dos
autores ou aos nuacutecleos de poder aos quais os mesmos estariam ligados Snorri adveacutem
de um contexto islandecircs no qual o conflito entre a tentativa do rei da Noruega em
concentrar poder e restringir a autonomia dos islandeses bate de frente com as proacuteprias
tentativas de maior autonomia dos chefes locais da Islacircndia Na Dinamarca Saxo
Grammaticus estava diretamente sob comissatildeo dos arcebispos de tradiccedilatildeo reformada na
igreja danesa Absalatildeo e Anders Sunesson jaacute Sven Aggesen fora oriundo da famiacutelia
Thurgot da Jutlacircndia tradicional defensora dos privileacutegios do rei em relaccedilatildeo agrave Igreja
Ora eacute necessaacuterio cuidado na confecccedilatildeo de correspondecircncias uniacutevocas tatildeo
claras e simples Tomemos o caso especiacutefico de Sven Aggesen Querelas familiares natildeo
consistem em contexto algum em processos simples e uniacutevocos O simples
pertencimento agrave famiacutelia dos Thrugut natildeo define necessariamente a posiccedilatildeo poliacutetica de
Sven
Destaquemos o oacutebvio a defesa de uma concepccedilatildeo teocraacutetica agrave medida em que
defende o rei enquanto enviado agrave Terra reforccedila o seu poder e autonomia em relaccedilatildeo a
Igreja e o coloca em posiccedilatildeo igual ou superior agrave ela consistindo em contradiccedilatildeo com as
ideias da reforma e os preceitos resumidos no Dictatus papae que defendem
exatamente inverso e um poder mais concentrado na matildeo dos religiosos
Os Thugut e Sven Aggesen supostamente comungam de tal posiccedilatildeo teocraacutetica
Ora da mesma famiacutelia saiacutera anteriormente Eskil O arcebispo reformador
escandinavo Devemos salientar que as memoacuterias do arcebispo escritas em seu exiacutelio
em Clairvaux sugerem que ele natildeo se encontrava exatamente em bons termos com seu
irmatildeo Aggi (pai de Sven) e suas posiccedilotildees poliacuteticas e religiosas podem explicar parte
consideraacutevel de tal mal-estar
Em suma correspondecircncias simples satildeo uacuteteis mas perigosas Podem explicar
mas podem esconder e eacute necessaacuterio um olhar mais cuidados e aprofundado caso a caso
Retornemos agrave difusatildeo de obras escritas Ainda Peter e Birgit Sawyer388
explicam esta concentraccedilatildeo de escritos como reflexo da consolidaccedilatildeo do poder real
388
SAWYER amp SAWYER 2003 230
204
norueguecircs e danecircs a escrita histoacuterica consistiria nesses casos de um ldquosintoma de criserdquo
das antigas estruturas e uma necessidade de fixaccedilatildeo escrita do que se perdia O estiacutemulo
inicial fora a necessidade de legitimaccedilatildeo do poder real apoacutes periacuteodos longos e
turbulentos de guerra civil
Tal descriccedilatildeo tambeacutem conteacutem um elemento simplificante da situaccedilatildeo ainda
que razoavelmente fundamento e a questionaremos adiante Em suas linhas gerais no
entanto esta estrutura explicativa provecirc razotildees compreensiacuteveis para a diminuiccedilatildeo da
escrita de cunho histoacuterico na Dinamarca apoacutes a deacutecada de 1230 No contexto
subsequente jaacute teraacute ocorrido uma consolidaccedilatildeo mais efetiva do poder real associado a
consequentes mudanccedilas nas estruturas sociais e de poder que incluiacuteram fortalecimento
da Igreja e da aristocracia em conjunto com a realexa
Destarte eacute tambeacutem possiacutevel encarar a explosatildeo de manifestaccedilotildees escritas
enquanto respostas distintas e de matizes diversas apresentadas por igualmente diversos
extratos e grupos sociais agraves demandas das mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas ocorridas em seu
tempo
42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa
421 Histoacuterico389
Snorri eacute indubitavelmente o autor mais proliacutefico e influente do qual se possui
autoria confirmada no contexto escandinavo A Sturlunga Saga detalha boa parte de sua
vida passando um retrato de uma existecircncia rica atribulada ambiacutegua e
interessantemente similar agraves narrativas que ele proacuteprio escreveu
Sturla THORNoŕetharsson ------ Guethnyacute Boumlethvardoacutettir
THORNoŕethr Sighvaacutetr Snorri
Boumlethvar Sturla Oacuteraeligkja
Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson Do autor
389
As informaccedilotildees acerca de Snorri Sturlusson podem ser encontradas na Sturlunga Saga uma coleccedilatildeo
de vaacuterias sagas de autorias diversas efetuada no seacuteculo XIII A tiacutetulo de praticidade empregaremos aqui
MAGNUSSON Magnus amp PAacuteLSSON Hermann (trads) King Haraldrsquos saga Harald Hardradi of
Norway ndash from Snorri Sturluson Translated with an introduction by Magnus Magnusson and Hermann
Paacutelsson New York Dorset Press 1986Pp 15-19
205
Snorri nasceu em Hvamm localizada no oeste da Islacircndia em 1179 da famiacutelia
dos Sturlungar filho de Sturla THORNoŕetharsson e Guethnyacute Boumlethvardoacutettir Dentre seus ancestrais
tanto da linhagem paterna quanto materna constam nomes proeminentes da histoacuteria
islandesa como Snorri ldquoo sacerdoterdquo sobre o qual se pode ler na Harald Saga
Gudmund ldquoo poderosordquo personagem de destaque na Njals saga Egil Skalagrimsson
escaldo de grande fama que daria seu nome agrave Egils saga e Markus Skeggjason poeta e
legislador do Althorningr390
(morto em 1107)
Snorri foi criado pelo aristocrata Joacuten Loftsson (1124-1197) na escola de
Saemundr Froacuteethi (Saemundr ldquoo estudadordquo) em Oddi ndash como demonstrado pouco acima
centro de maior destaque intelectual na Islacircndia de entatildeo e local que propiciaria a ele
acesso a toda tradiccedilatildeo histoacuterica e literaacuteria disponiacutevel a um islandecircs do seacuteculo XIII
Joacuten Loftsson foi neto do rei Magnus III ldquoo descalccedilordquo (berfœtt) da Noruega por
parte de sua matildee Thora filha ilegiacutetima do mesmo e foi criado na Noruega Os homens
de Oddi orgulhavam-se de seus viacutenculos com as dinastias reais norueguesas a ponto de
em 1190 uma eulogia ser composta em homenagem a Joacuten ligando sua linhagem agrave casa
real norueguesa desde Halfdan o negro
Em suma Snorri cresceu em um ambiente de simpatia ao rei da Noruega e que
lhe provia grandes estiacutemulos e possibilidades intelectuais
Sua adoccedilatildeo deu-se como forma de resolver um feudo entre seu pai Sturla e Joacuten
consistindo em acordo particularmente vantajoso para Sturla que possuiacutea menor
influecircncia e poder Sem tal situaccedilatildeo dificilmente Snorri teria tido acesso ao saber que
acumulou e sistematizou no decorrer dos anos
Entre 1197 e 1215 Snorri acumulou terras riquezas e influecircncia em diversas
regiotildees da Islacircndia Em 1215 aos 36 anos de idade foi eleito legislador do Althorningr em
grande parte devido agrave sua jaacute desenvolvida fama como poeta Ateacute entatildeo Snorri
desenvolve particularmente a chamada ldquopoesia de corterdquo cultivada pelos islandeses nas
cortes reais escandinavas com meacutetricas intrincadas poreacutem jaacute em seu periacuteodo final
Passa trecircs anos nesta posiccedilatildeo e eacute nesse periacuteodo que sua trajetoacuteria poliacutetica seraacute
intensificada e entrelaccedilada com as disputas de poder no processo centralizador real na
Noruega e Islacircndia
390
Espeacutecies de reuniotildees ajuntamentos ou assembleias formadas por homens livres de caraacuteter
principalmente juriacutedico e legislativo e comuns entre os povos de origem germana Os thorningi definiam a
aplicaccedilatildeo das leis banimento de criminosos mas foi por exemplo um thorningr que votou a adoccedilatildeo do
Cristianismo na Islacircndia quando se reuniu (circunstacircncia natildeo tatildeo comum) um THORNingr geral ou AlTHORNingr
ALTHORNINGI BYOCK Jesse In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia
(Garland Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 p10
206
Em 1218 viaja para a Noruega a convite do rei Haacutekon Haacutekonarsson (entatildeo com
10 anos de idade) e seu regente Jarl Skuli No ano seguinte viaja agrave Sueacutecia sendo bem
recebido na corte de outro Jarl desta feita Jarl Hakon ldquoo loucordquo - para o qual Snorri jaacute
compusera anteriormente um poema que lhe rendeu generosos presentes Nesta ocasiatildeo
Snorri comporaacute outro poema nomead Andvaka em honra agrave viuacuteva do mesmo
Estabeleceraacute tambeacutem contato com o legislador Eskil Magnusson e sua esposa Kristina
Nilsdottir Blake circunstacircncias provaacuteveis nas quais Snorri tenha informado-se mais
detalhadamente sobre a histoacuteria sueca
Os regentes noruegueses intitulam Snorri como skutilsvein um tiacutetulo similar ao
de cavaleiro Tal movimento tem caraacuteter poliacutetico bem inserido nas estrateacutegias de
extensatildeo da autoridade real norueguesa agrave Islacircndia aproveitando-se da posiccedilatildeo-chave de
Snorri junto ao Althorniacutengr
Snorri retorna agrave Islacircndia em 1220 Em agradecimento aos seus patronos
noruegueses compotildee o poema Haacutettatal (ldquolista de meacutetricasrdquo) composto de 102 estrofes
nas quais ele ilustra as diversas meacutetricas da poesia escaacuteldica e com o qual encerra a
Edda menor Em 1222 eacute novamente feito legislador do Althorniacutengr posiccedilatildeo na qual
permanece ateacute 1231
Eacute significativo notar que ateacute entatildeo Snorri eacute visto por seus proacuteprios familiares
como defensor e simpatizante da monarquia posiccedilatildeo que lhe rendeu uma seacuterie de
conflitos Esta posiccedilatildeo deve ser levada em consideraccedilatildeo na leitura de anaacutelise que como
referimo-nos anteriormente classificam simplisticamente Snorri como um porta-voz da
aristocracia islandesa
As disputas poliacuteticas entre alguns goethar na Islacircndia e entre os proacuteprios
Sturlungar acentuam-se entre os anos de 1222 a 1231 Ocorre uma cisatildeo entre os
Sturlungar de um lado cooca-se Sighvatr irmatildeo de Snorri com seu filho Sturla em
oposiccedilatildeo a Snorri com seu sobrinho da parte de THORNoŕethr Boumlethvar
Supotildee-se que Snorri tenha escrito a Heimskringla nos anos proacuteximos a 1230
Em 1232 ele natildeo mais eacute legislador do Althorniacutengr O rei Haacutekon da Noruega convida os
goethar da Islacircndia a irem para a Noruega para supostamente mediar suas disputas
Snorri retorna agrave Noruega em 1237 mas comete um erro poliacutetico e ao inveacutes de
apoiar ao rei Haacutekon julga que seria mais proveitosa uma alianccedila com jarl Skuli Nos
anos seguintes Snorri retorna agrave Islacircndia (1239) em meio a uma intensificaccedilatildeo de
conflitos principalmente com Gissur THORNorvaldsson enquanto na Noruega o rei Haacutekon
ocupa-se em seus proacuteprios conflitos com jarl Skuli
207
Skuli eacute morto em 1240 Quanto a Snorri seria morto em sua proacutepria residecircncia
em Reykholt por Arni ldquoBeiskurrdquo em 1241 A uniatildeo da Islacircndia com a Noruega seraacute
ratifica pelo Althorniacutengr apenas em 1262 apoacutes a continuidade de disputas tanto interinas
quanto com a Noruega
As obras de Snorri consistem na Edda menor talvez a Egil saga391
e a
Heimskringla Eacute de nosso interesse a anaacutelise de partes especiacuteficas da Edda menor e da
Heimskringla que eacute o que faremos a seguir
422 A Heimskringla
Trata-se de uma coletacircnea de sagas que apresentam os reis da Noruega
precedidas por um iniacutecio evemerista se inicia com a dinastia miacutetico-fundadora dos
Ynglingar traccedilando uma linha contiacutenua de Oacuteethinn ateacute Magnus Erligsson morto em
1184 Possui caraacuteter eminentemente histoacuterico e narrativo numa busca de harmonizar as
tradiccedilotildees miacuteticas com a sequecircncia croniacutestica de reis histoacuterica propriamente dita
O nome significa literalmente ldquociacuterculo do mundordquo Satildeo as duas primeiras
palavras do texto ldquoKringla heimsinsrdquo e passaram a ser usadas como tiacutetulo da obra a
partir do seacuteculo XVII A principal caracteriacutestica da Heimskringla eacute o sequenciamento de
uma seacuterie de sagas em uma uacutenica obra coerente linear e podemos acrescentar
ambiciosa
O manuscrito mais antigo da obra eacute chamado de ldquoKringlardquo (Lbs fragm 82) que
data de ca 1258-1264 Restou apenas uma folha mas o mesmo foi copiado por Aacutesgeir
Joacutensson no seacuteculo XVII Trata-se do manuscrito no qual a maior parte das ediccedilotildees se
baseiam Outros manuscritos incompletos satildeo o AM 39 fol (ca 1300) e o Codex
Frisianus (AM 45 fol ca 1300-1325) ndash tambeacutem chamado de Friacutessboacutek Ambos bastante
similares ao Kringla392
Em relaccedilatildeo agrave sua autoria natildeo haacute referecircncia expliacutecita no texto ou nos
manuscritos existentes A autoria de Snorri foi creditada em 1551 na traduccedilatildeo para o
dinamarquecircs feita por Peder Claussoslashn Friis e Laurents Hanssoslashn e tecircm-se aceito a ideia
391
A atribuiccedilatildeo da autoria da Egils Saga Skalagriacutemssonar agrave Snorri Sturlusson foi proposta por Gruntvig
primeiramente em 1818 em sua traduccedilatildeo da Heimskringla mas ganhou forccedila apoacutes a traduccedilatildeo de Sigurethur
Nordal em 1933 Natildeo eacute aceite de forma plena e consensual Diversos autores dentre eles CORMACK
(2001) e BOULHOSA (2005) questionam-na em discussatildeo similar agrave proacutepria discussatildeo sobre a atoria da
Heimskringla 392
FINLAY amp FAULKES 2011 xiii
208
de que os mesmos tinham acesso a manuscritos agora perdidos que continham a autoria
expressa com poucas exceccedilotildees
Jon Gunnar Joslashrgensen vecirc tal crenccedila num manuscrito predido como pouco
convincente sugerindo que a alegaccedilatildeo da autoria de Snorri da parte de Friis e Hanssoslashn
fundamamentam-se menos na tradiccedilatildeo datada dos tempos medievais do que na
discussatildeo acadecircmica do proacuteprio seacuteculo XVI Salienta que um dos manuscritos da obra
o Codex Frisianus (F) atribui a autoria a Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi e que Friis e
Hanssoslashn deliberadamente teriam desconsiderado tal atribuiccedilatildeo393
Jonna Louis-Jensen (1997)394
Alan Berger (1999)395
Margaret Cormack
(2001)396
e Patriacutecia Pires Boulhosa (2005)397
tambeacutem questionam a autoria de Snorri
Em adiccedilatildeo aos problemas levantados por Joslashrgensen adicionam questotildees envolvendo a
autoria individual e coletiva no medievo
Satildeo no entanto poucas vozes dissonantes em meio a uma tradiccedilatildeo bem
estabelecida que aceita de bom grado a autoria de Snorri Sturlusson nem que por
conveniecircncia398
423 A Edda menor
A Edda menor tambeacutem chamada de Edda em prosa ou Edda de Snorri eacute uma
obra que natildeo pode ser classificada em gecircneros conhecidos Ela conteacutem uma coletacircnea
significativa de mitologia escandinava (Gylfaginning ndash o ldquoengano de Gylfirdquo) uma
espeacutecie de ars poeacutetica scaacuteldica (Skaacuteldskaparmaacutel) e um poema em homenagem ao rei
norueguecircs (Haacutettatal) precedidos por proacutelogo que eacute obra prima de evemerismo
Natildeo existe um manuscrito que contenha a Edda de Snorri completa Os
principais manuscritos satildeo o Codex Regius (GKS 2367 4to 1ordf metade do XIV tambeacutem
chamado de Konungsboacutek) o Codex Uppsaliensis (DG 11 4to 1ordm quarto do seacuteculo XIV)
o Codex Wormianus (AM 242 fol metade do XIV) e o Codex Trajectinus (MSS 1374
393
JOslashRGENSEN Jon Gunnar Snorre Sturlesoslashns Fortale paa sin Chroslashnicke Om kildene til
opplysningen om Heimskringlas forfatter Gripla 9 1995 Pp45ndash62 394
LOUIS-JENSEN Jonna Heimskringla Et vaeligrk af Snorri Sturluson In Nordica Bergensia 14 1997
Pp 230-245 395
BERGER Alan J Heimskringla and the Compilations In Arkiv foumlr nordisk filologi 114 1999
Pp05-15 396
CORMACK Margaret Egils saga Heimskringla and the Daughter of Eiriacutekr bloacuteethoslashx In Alviacutessmaacutel
10 2001 pp66s 397
BOULHOSA Patricia Pires Icelanders and the Kings of Norway Mediaeval Sagas and Legal Texts
Leiden and Boston Brill 2005 Pp08-10 398
JOacuteNSSON 1911 WANNER 2008 26ss FINLAY amp FAULKES 2011 vii s
209
coacutepia feita no seacuteculo XVI de um manuscrito do seacuteculo XIII conhecido tambeacutem como
Trektarboacutek) 399
Os manuscritos natildeo concordam totalmente entre si sua relaccedilatildeo eacute complexa e
alguns tambeacutem trazem outras obras Dentre os principais se destacam o Codex Regius e
o Codex Uppsaliensis O Codex Regius eacute o mais completo e normalmente eacute utilizado
para as ediccedilotildees da Edda O Codex Uppsaliensis no entanto eacute mais antigo conteacutem
menos inserccedilotildees e eacute mais condensado que o Codex Regius O Codex Wormiamus possui
uma versatildeo bastante extendida do Proacutelogo contendo inserccedilotildees com referecircncias biacuteblicas
e a deuses gregos mas tambeacutem conteacutem outros materiais relativos agrave poesia incluindo o
Primeiro Tratado Gramatical
Uma das primeiras Stemma foi proposta por Van Eeden no final do seacuteculo XIX
com acreacutescimos de Finnur Joacutensson na deacutecada de 1930
Figura 19 Van EEDEN Stemma In JOacuteNSSON Finnur (ed) Edda Snorra
Sturlusona Udgivet efter haringndskrifterne Nordisk Forlag Koslashbenhavn 1931 P
XXXVII
Segundo tal interpretaccedilatildeo uma versatildeo original ldquoPrdquo teria dado origem a duas
outras redaccedilotildees respectivamente x e z Enquanto x originaria o Codex Wormianus (W)
em um ramo e o Regius (R) e o Trajectinus (T) em outro a redaccedilatildeo z daria origem ao
Codex Uppsaliensis (U)
Muitas outras proposiccedilotildees foram colocadas ao longo dos tempos sobre a
situaccedilatildeo mas natildeo cabe aqui discutirmos uma a uma Uma tese geralmente aceita eacute de
que todos os manuscritos baseiam-se em um exemplar perdido e duas posiccedilotildees
contraditoacuterias satildeo dominantes ou Codex Uppsaliensis foi uma versatildeo encurtada do
Codex Regius ou este foi uma versatildeo ampliada daquele400
Paacutelsson eacute partidaacuterio de uma terceira opccedilatildeo baseada na tese de doutoramento de
Friedrich Muumlller defendida em 1941 e intitulada Untersuchungen zur Uppsala-Edda
399
ROSS Margaret Clunies A History of Old Norse Poetry and Poetics Woodbridge Boydell amp
Brewer 2012[2005] P151 400
PAacuteLSSON 2012 xlii
210
Segunda esta teoria o proacuteprio Snorri escrevera duas versotildees da Edda que teriam dado
origem agraves duas principais redaccedilotildees conhecidas atraveacutes de U e R401
A ediccedilatildeo de Finnur Joacutensson baseada primariamente no Codex Regius eacute antes
de uma ediccedilatildeo de um dos coacutedices um reflexo da tentativa do mesmo de se chegar a uma
forma arquetiacutepica ou original objetivo que tem sido considerado impossiacutevel402
Em relaccedilatildeo agrave autoria a Edda eacute atribuiacuteda a Snorri no Codex Uppsaliensis no
qual se lecirc em sua paacutegina inicial
Este livro se chama Edda Ele foi compilado (seiti saman) por Snorri
Sturlusson da maneira que estaacute ordenado aqui
(Codex Uppsaliensis Cabeccedilalho do f2r p1 Traduccedilatildeo e itaacutelico
nossos) 403
No proacuteprio DG 11 4to um cabeccedilalho no Haacutettatal nomeia novamente Snorri
enquanto seu autor O tratado gramatical contido no W cita o Haacutettatal tambeacutem
afirmando a autoria de Snorri Haacute outras referecircncias medievais a sua autoria a Haacutekonar
Saga e o Terceiro tratado gramatical citam o Haacutettatal afirmando a autoria de Snorri
Sturlusson e o manuscrito AM 748 I b 4to fragmentaacuterio atribui a autoria de Snorri ao
Skaacuteldskaparmaacutel404
Arngriacutemur Joacutensson (1568-1648) foi o primeiro a propocircr de forma consistente a
autoria de Snorri na Edda e esta viria a ser bem aceita pelas geraccedilotildees subsequentes405
A
existecircncia de interpolaccedilotildees mistura de textos antigos e de outros autores no entanto eacute
tema que frequentemente volta agrave pauta dadas diferenccedilas consideraacuteveis dentro do
proacuteprio texto e em alguns manuscritos
O trecho que nos interessa em particular o Proacutelogo eacute de longe a parte da Edda
com maiores discordacircncias entre os diferentes coacutedices e que mais viria a levantar
hipoacuteteses sobre autorias diversas Em breve voltaremos a discutiacute-lo em detalhes
Quanto aos propoacutesitos de Snorri em escrever a Edda haacute dois postulados que
satildeo veiculados pela grande maioria dos acadecircmicos que jaacute os estudaram o primeiro eacute a
afirmaccedilatildeo de que Snorri organizou a Edda fazendo um trabalho de antiquarista
401
PAacuteLSSON 2012 xliii 402
FAULKESAnthony (ed) Edda Prologue and Gylfaginning University College London Viking
Society for Northern Research 2005 P xxx 403
ldquoBoacutek thornessi heitir Edda Hana hefir saman setta Snorri Sturluson eptir thorneim haeligtti sem heacuter er skipatrdquo
In PAacuteLSSON 201206 404
FAULKES 2005 xiv 405
Idem xiv
211
construindo uma coletacircnea de mitos e formas poeacuteticas efetuadas por um indiviacuteduo
interessado na preservaccedilatildeo do passado islandecircs
O segundo associa a vida de Snorri com a Era dos Sturlungs e enfatiza as
dualidades e contradiccedilotildees entre um homem avarento ambicioso poliacutetico astuto e com
sede de poder em contrapartida ao homem das letras do saber interessado na escrita
poeacutetica e histoacuterica
Estas ideias podem ser encontradas desde os autores do seacuteculo XIX passando
por traduccedilotildees mais voltadas a um puacuteblico geral como a de Brodeur em 1916 ateacute autores
contemporacircneos como Anthony Faulkes406
Kevin Wanner eacute voz dissidente Em seu livro407
estuda a Edda de Snorri agrave luz
das ideias de Bordieu interpretando a mesma enquanto uma tentativa da parte de Snorri
de preservar suas proacuteprias formas de capitais seu conhecimento do passado e das
formas poeacuteticas e sua habilidade em empregaacute-las paulatinamente perdiam espaccedilo em
razatildeo das modificaccedilotildees sofridas pelas sociedades da Islacircndia e da Escandinaacutevia
Sua poesia natildeo era mais compreendida os mitos nos quais suas figuras de
linguagem baseavam-se natildeo eram mais conhecidos Dessa forma sua proacutepria habilidade
e podemos dizer arte natildeo eram reconhecidos tampouco lhe traziam retorno em termos
de prestiacutegio poder e influecircncia
A composiccedilatildeo da Edda fora antes de uma obra de objetivo antiquaacuterio um
modo de tentar reverter a situaccedilatildeo Provavelmente o poema Haacutettatal fora composto
primeiramente as seccedilotildees explicativas contendo a coletacircnea de formas poeacuteticas e os
mitos que as sustentavam provavelmente foram compostas depois O proloacutego seria
adicionado ainda posteriormente consistindo em uma explicaccedilatildeo racionalizada e
evemerista do autor sobre os mitos ali inseridos
406
FAULKES 2005 xvi 407
WANNER 2008
212
424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor
O iniacutecio da Ynglingasaga na Heimskringla nos apresenta a compreensatildeo de
mundo de seu autor ndash que conforme discutimos acima natildeo temos certeza se foi Snorri -
e o conhecimento geograacutefico acumulado pelo mesmo
Diz-se que o ciacuterculo da terra no qual a raccedila humana habita estaacute
divididocortado por muitas reentracircncias dessa forma grandes mares
correm adentrando a terra (vindos do) oceano Assim eacute sabido que haacute
um grande mar que vai Narvesund (Gibraltar) e ateacute Jerusaleacutem
Do mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em direccedilatildeo
ao nordeste e eacute chamado de Mar Negro (Svartahaf) divide as trecircs
partes da terra a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns
Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth
a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens
de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande
Blaacuteland
A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio
assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol
Em Sviacutethornjoacuteeth existem muitos grandes domiacutenios e muitas raccedilas de
homens e muitas liacutenguas ali haacute gigantes e ali haacute anotildees e ali haacute
homens azuis e haacute todo tipo de criaturas estranhas ali haacute imensas
bestas selvagens e temiacuteveis dragotildees
No lado sul das montanhas que ficam na orla externa de todas as terras
habitadas corre um rio chamado Sviacutethornjoacuteeth que eacute corretamente chamado
pelo nome de Tanais mas foi anteriormente chamado de Tanakviacutesl
ou Vanakviacutesl e que desaacutegua no Mar Negro
(as terraso paiacutes) no Vanakviacutesl foi chamado de Vanaland ou
Vanaheimr e o rio separa as trecircs partes do mundo a parte oriental eacute
chamada de Aacutesia e a ocidental Europa
(Heimskringla Ynglingasaga 01 Versatildeo nossa) 408
408
Kringla heimsins suacute er mannfoacutelkit byggvir er mjọk vaacutegskorin ganga họf stoacuter oacuter uacutetsjaacutenum inn iacute
jọrethina Er thornat kunnigt at haf gengr fraacute Nọrvasundum ok alt uacutet til Joacutersalalandz af hafinu gengr langr
hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-haf
THORNaacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en sumir Eacuteneaacute En
norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda Sviacutethornjoacuteeth ina miklu kalla sumir menn eigi minni
en Serkland it mikla sumir jafna henni vieth Blaacuteland it mikla inn noslashrethri hlutr Sviacutethornjoacuteethar liggr oacutebyggethr af
frosti ok kuletha svaacute sem inn syethri hlutr Blaacutelandz er auethr af soacutelarbruna Iacute Sviacutethornjoacuteeth eru stoacuterherueth mọrg thornar
eru ok margs konar thornjoacuteethir ok margar tungr thornar eru risar ok thornar eru dvergar thornar eru ok blaacutemenn ok thornar
eru margs konar undarligar thornjoacuteethir thornar eru ok dyacuter ok drekar furethuliga stoacuterir Oacuter norethri fraacute fjọllum thorneim er
fyrir uacutetan eru byggeth alla fellr aacute um Sviacutethornjoacuteeth suacute er at reacutettu heitir Tanais hon var forethum kọllueth Tanakviacutesl
eetha Vanakviacutesl hon koslashmr til sjaacutevar inn iacute Svarta-haf Iacute Vanakvislum var thornaacute kallat Vanaland eetha
Vanaheimr Suacute aacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan Euroacutepaacute In JOacuteNSSON
1911 04
213
A passagem nos revela a incorporaccedilatildeo de um saber geograacutefico medieval amplo
veiculado natildeo apenas no Mappamundi islandecircs e nos itineraacuterios mas nos tratados
geograacuteficos medievais e demais mappaemundi da Europa Ocidental
Snorri Ari ou quem quer que tenha sido seu autor assimila e reproduz
textualmente as concepccedilotildees de mundo e terminologias macrobianas de zonas climaacuteticas
habitadas e desabitadas especificamente a diferenciaccedilatildeo especiacutefica de uma zona fria e
uma desabitada quente
A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio
assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol
A terra eacute por ele descrita como tripartite
ldquo() divide as trecircs partes da terra ()
Tal concepccedilatildeo evoca de imediato a triparticcedilatildeo tatildeo frequente no medievo
derivada de Isidoro de Sevilha e espelhada inclusive na confecccedilatildeo dos mapas T-O
segundo qual a Terra seria habitada pelos filhos de Noeacute Shem Kham e Yaffet que
povoariam respectivamente Aacutesia Aacutefrica e Europa Esta divisatildeo eacute o paracircmetro
organizacional empregado no Mappamundi islandecircs por noacutes analisado no capitulo
anterior
No entanto a forma como o autor prossegue na narrativa da Ynglingasaga natildeo
espelha esta divisatildeo ou ao menos a adapta
() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns
Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth
a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens
de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande
Blaacuteland
A divisatildeo em Aacutesia e Europa eacute refletida nas direccedilotildees cardinais de leste e oeste
Entretanto ao inveacutes de prosseguir para sul o texto continua descrevendo o norte ldquoAo
norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth a Grande ou a friardquo
Para complicar a situaccedilatildeo a Aacutefrica e a divisatildeo das aacuteguas presentes nas
concepccedilotildees isidorianas satildeo transformadas em produtos especiacuteficos dessa obra se na
primeira tradiccedilatildeo os braccedilos divisoacuterios das aacuteguas satildeo o Mediterracircneo e o TanaisDon
214
aqui o Mar Negro assume o papel do Mediterracircneo enquanto o TanaisDon permanece
em sua funccedilatildeo
A Aacutefrica eacute citada poreacutem comparativamente e assumindo um sentido diverso
ao comparar a grande Sviacutethornjoacuteeth em termos de tamanho agrave Grande Blaacuteland
particularmente citando-a tambeacutem como ldquoa friardquo o autor estaacute adaptando a ideia
macrobiana e grega do continente Antiacutepoda em uma zona climaacutetica diversa
Blaacuteland eacute o termo empregado para a Aacutefrica significando ldquoterra azulrdquo
Serkland como jaacute visto nos Capitulos 02 e 03 pode se referir agraves terras aleacutem do Mar
Caacutespio ou o mundo Islacircmico Dessa forma a divisatildeo tripartite da terra e a divisatildeo em
zonas climaacuteticas macrobianas apresentam-se enquanto ideias externas ao conhecimento
do autor possivelmente conceitos natildeo de todo dominados por ele
Eacute possiacutevel tambeacutem que o autor da Heimskringla tendo conhecimento das
tradiccedilotildees geograacuteficas ocidentais e islacircmicas ndash tendo-se em mente que os mapas
islacircmicos tambeacutem empregaratildeo ainda que de forma muito distinta conceitos de ldquozonas
climaacuteticasrdquo delas discorde e simplesmente prefira expor a sua visatildeo de como mundo se
organiza
Natildeo eacute de todo surpreendente que a regiatildeo circunscrita a Bizacircncio e agrave Rus
tomem maior importacircncia em sua histoacuteria do que o Mediterracircneo dados os eventos que
posteriormente ele narraraacute envolvendo a migraccedilatildeo dos ancestrais dos Escandinavos
ponto ao qual retornaremos brevemente bem como o histoacuterico escandinavo na Rus
425 O proacutelogo da Edda Menor
Se recuarmos temporalmente na produccedilatildeo cuja autoria esta mais claramente
associada a Snorri Sturlusson e atentarmos para o proacutelogo da Edda encontraremos uma
divisatildeo do mundo organizada de forma muito mais livresca mas uma situaccedilatildeo
infinitamente mais complexa Cada um dos principais manuscritos da Edda traz o
Prologo de forma diversa e muito jaacute se discutiu sobre o trecho A versatildeo mais longa eacute a
contiga no Codex Wormianus O trecho a seguir eacute o contido no Codex Regius que
conteacutem menos interpolaccedilotildees que W mas natildeo estaacute tatildeo condensado como U
O mundo foi dividido em trecircs partes Do sul em direccedilatildeo a
oeste pelo Mar Mediterracircneo estaacute a parte chamada Aacutefrica Sua regiatildeo
meridional eacute quente e castigada pelo sol A segunda regiatildeo comeccedila no
oeste e continua a norte pelo mar eacute chamada de Europa ou Enea Sua
215
regiatildeo norte eacute tatildeo fria que nenhuma grama cresce e ningueacutem pode
sobreviver ali Do norte e (indo) para a parte oriental ateacute o sul ali eacute
chamada de Aacutesia409
(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)
A passagem estaacute plenamente de acordo com as tradiccedilotildees geograacuteficas medievais
ocidentais e a concepccedilatildeo tripartite de mundo chega agrave precisatildeo de delinear subdireccedilotildees
ldquodo sul em direccedilatildeo a oesterdquo ldquocomeccedila no oeste e continua a norterdquo ldquodo norte para o
continente oriental ()rdquo Estatildeo discriminados Aacutefrica Europa - cujo proacuteprio nome da
tradiccedilatildeo greco-romana Enea eacute dado e a Aacutesia
A concepccedilatildeo zonal e de regiotildees desabitadas tambeacutem estaacute inserida no trecho
incorporada na Aacutefrica e ao norte da Europa Em suma uma descriccedilatildeo que cabe
perfeitamente agrave tradiccedilatildeo de Isidoro e que insere satisfatoriamente concepccedilotildees
macrobianas
No Codex Wormiamus haacute uma grande inserccedilatildeo entre a primeira parte do
Proacutelogo que conteacutem uma breve descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do mundo e da queda do homem e
a parte concernente agrave divisatildeo da Terra em trecircs partes O princiacutepio de tal inserccedilatildeo daacute-se
da seguinte forma
Em sua velhice Noeacute dividiu o mundo com seus filhos Planejou para
Kham a parte oeste para Yaphett a parte norte e para Shem a parte
sul410
(Edda Menor Codex Wormianus Proacutelogo Versatildeo Nossa)
De iniacutecio a passagem parece um contrasenso visto que coloca Kham a
ocidente e Shem para sul Pelo contraacuterio o decorrer do trecho traraacute uma reflexatildeo e
elaboraccedilatildeo consideraacuteveis sobre o texto biacuteblico a continuidade da narrativa dissertaraacute
409
ldquoVeroumlldin var greind iacute thornrjaacuter haacutelfur Fraacute suethri iacute vestr ok inn at Miethjaretharsjaacute saacute hlutr var kallaethr Affriacuteca
Hinn syethri hlutr thorneirar deilethar er heitr ok brunninn af doacutelu Annarr hlutr fraacute vestri ok til norethrs ok inn til
hafsins er saacute kallaethr Evropaacute eetha Enea Hinn nyrethri hlutr er thornar kaldr svaacute at eigi vex gras ok eigi maacute
byggja Fraacute norethri ok um austrhaacutelfur allt til suethrs thornat er kallat Asiacuteaacuterdquo In FAULKES 2011 04 410
ldquoIacute elli sinni skiptir Noacutei heiminum meeth sonum siacutenum AEligtlaethi hann Cham vestrhaacutelfu en Japheth
norethrhaacutelfu en Sem suethrhaacutelfurdquo
In ldquoThe extended Prologue to Gylfaginning from Codex Wormianus [W] with the extended portions
highlighted in redrdquo Obtido em
lthttpwwwgermanicmythologycomProseEddaAndersonProloguehtmlgt
Ediccedilatildeo criacutetica e anaacutelise contidas na tese de doutoramento de Tarin Willis
lt httphomepagesabdnacukcgi-bincgiwrapwag017mg-
newcgit=1ampidl=1ampnf=1ampw=goampw=sm1gt Uacuteltimo acesso e 12112004
216
sobre o desenvolvimento dos homens o crescimento de seu conhecimento e soberba e
de que forma os descendentes de Kham habitariam a parte destinada a seu irmatildeo Shem
A inclusatildeo posterior da referecircncia agrave construccedilatildeo de Sinnear pelos mesmos demonstra
reflexatildeo sobre o capiacutetulo 10 do Gecircnesis particularmente o verso 10 quando se afirma
que os descendentes de Kham teriam construiacutedo Sinnear na Mesopotacircmia
Eacute difiacutecil harmonizar os textos adiccedilotildees e discordacircncias A depreender-se pelas
inserccedilotildees do Codex Wormianus seu autor possui concepccedilotildees cosmoloacutegicas proacuteprias
natildeo necessariamente equivalentes agraves veiculadas nas outras partes do Proacutelogo De fato
esta matildeo demonstra uma elaboraccedilatildeo biacuteblica a niacutevel de algueacutem letrado teologicamente
diversamente do leigo Snorri
Mais adiante no proacuteprio W a genealogia apresentada seraacute consideravelmente
extendida Nos outros coacutedices ela vai dos reis de Troacuteia aos deuses escandinavos ndash
evemerizados enquanto humanos de grandes feitos Aqui ela se extende rumo ao
passado de Priacuteamo ateacute Saturno de forma encontrada em outras fontes e autores do
medievo ocidental como Honorius Augustodunensis De imagine mundi III e o chamado
ldquoPrimeiro mitoacutegrafordquo411
demonstrando conhecimento adicional da tradiccedilatildeo letrada
Se nos parece bastante evidente que as inserccedilotildees feitos no Proacutelogo em W natildeo
devem ter sua origem em Snorri natildeo nos parece tatildeo clara a mesma situaccedilatildeo no que se
refere ao Proacutelogo em suas versotildees menores
A questatildeo da autoria de Snorri no proacutelogo da Edda e na Heimskringla
influencia decisivamente na interpretaccedilatildeo dos extratos de fonte analisados ateacute entatildeo
Caso considere-se Snorri o autor tanto da Heimskringla quanto do Proacutelogo da
Edda como compreender tal diferenccedila de concepccedilatildeo em duas obras escritas em
periacuteodos razoavelmente proacuteximos pelo mesmo indiviacuteduo
Podemos levantar a hipoacutetese de uma maturaccedilatildeo e desenvolvimento de uma
visatildeo cosmoloacutegica da parte do proacuteprio Snorri que pode ter se modificado e incorporado
outras visotildees do mundo desde sua viagem a Escandinaacutevia ateacute seu retorno agrave Islacircndia
Poderiacuteamos alegar de forma diametralmente oposta que ou Snorri ao criar sua
cosmologia partiu do conhecimento livresco disponiacutevel ao erudito comum do medievo
ocidental dirigindo-se a uma adaptaccedilatildeo proacutepria sua do mesmo ou que partindo de um
conhecimento circunscrito geograacutefico do meio islandecircs gradualmente tomou
conhecimento e domiacutenio da tradiccedilatildeo geograacutefica europeia mais ampla
411
FAULKES Anthony Descent from the Gods In Mediaeval Scandinavia 11 1978-89 P12
217
Outra explicaccedilatildeo de longe favorita para os mitoacutelogos eacute a que foram feitos
adendos e interpolaccedilotildees por outrem no Proacutelogo Assim a passagem natildeo seria
inteiramente da pena de Snorri e conteria elementos de outros autores principalmente
no que toca ao emprego da tradiccedilatildeo cristatilde e greco-romana Tal explicaccedilatildeo se insere na
discussatildeo natildeo resolvida sobre o niacutevel do conhecimento de latim e da tradiccedilatildeo claacutessica da
parte de Snorri e como demonstramos acima eacute vaacutelida ao menos em alguns
manuscritos como o Codex Wormianus
Julgamos conveniente pressupor a autoria de Snorri tambeacutem no Proacutelogo da
Edda ainda que natildeo estejamos tatildeo certo quanto agrave mesma na Heimskringla Jaacute
afirmamos que as inserccedilotildees do Codex Wormianus devem ser de outra matildeo certamente
destoam grandemente do texto como um todo Quanto ao nuacutecleo do Proacutelogo natildeo eacute
problema pressupormos que a despeito de um tratamento diferente da tradiccedilatildeo ndash como
em breve discutiremos natildeo haacute um impedimento que Snorri tenha tomado uma atitude
dupla de contar os mitos noacuterdicos em uma seccedilatildeo e analisaacute-los no proacutelogo da obra
A despeito das divergecircncias e mudanccedilas entre os coacutedices a primeira passagem
transcrita eacute comum a todas as versotildees A concepccedilatildeo livresca tripartite do mundo eacute
afirmada As interpolaccedilotildees do Wormianus omitem o leste na divisatildeo do mundo As
outras passagens comuns aos demais coacutedices entretanto associam-no agrave Aacutesia e
caracterizam-no da seguinte forma - citamos aqui techo do Codex Regius ao falar da
Aacutesia
Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz
ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim
como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras
que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas
com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de
habilidade412
(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)
Uma concepccedilatildeo ligada agrave tradiccedilatildeo claacutessica e particularmente cristatilde O texto
conteacutem uma clara emulaccedilatildeo do simbolismo que gira em torno do Eacuteden no Gecircnesis e na
Cidade Celestial do Apocalipse como por exemplo nas referecircncias da produccedilatildeo de
412
ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth
verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit
thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES
2011 04
218
ldquoouro e pedras preciosasrdquo Haacute uma seacuterie de versos biacuteblicos que podem ser origem de
alguns termos como ldquo() todas as becircnccedilatildeos sabedoria e forccedila beleza e toda forma de
habilidaderdquo tornando difiacutecil uma associaccedilatildeo uacutenica
As ideias expressas no versiacuteculo de Gecircnesis 0208 e no capiacutetulo 21 do
Apocalipse ndash que trata da Jerusaleacutem celestial - satildeo fundamentais nas associaccedilotildees e
criaccedilatildeo de tradiccedilotildees que ligam o leste ao paraiacuteso a utopias e similares de forma
demasiadamente ampla e disseminada na Cristandade Medieval413
para ser discutida
aqui A localizaccedilatildeo do Eacuteden eacute claramente referida no texto biacuteblico como no Oriente
ldquoE plantou o SENHOR Deus um jardim no Eacuteden na direccedilatildeo do
Oriente e pocircs nele o homem que havia formadordquo
(Gn 0208 Biacuteblia Sagrada Versatildeo Almeida Revista e atualizada)
Esse sentido dotado de matiz religiosa pode encontrar alguma contraparte ou
eco distante em tradiccedilotildees nativas escandinavas mas por meio de significativa
ressignificaccedilatildeo
Citamos no capiacutetulo anterior uma referecircncia da Edda natildeo do Proacutelogo mas do
Gylfaginning Nessa seccedilatildeo Snorri conta diversos mitos escandinavos Em um deles THORNoacuterr
estaacute ausente de Aacutesgarethr pois () ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para
destruir trollsrdquo414
Atkinson defende a ideia de que na cosmologia escandinava antiga haveria uma
associaccedilatildeo do leste com o reino dos mortos de Austrvegr como regiatildeo similar a Hell
Para tanto aleacutem da passagem supracitada e de estudos de Turville-Petrie que associam
criaturas miacuteticas a Austrvegr ele emprega diversas das inscriccedilotildees nas estelas ruacutenicas
referindo-se aos mortos no leste415
Natildeo se trata de uma ocorrecircncia isolada ainda que a conexatildeo natildeo seja totalmente
clara e necessite de intermediaccedilotildees Algumas das narrativas de viagem agrave terra dos
mortos tratam da ida aos domiacutenios de Geirroumlethr416
Em algumas partes das
Fornaldarsoumlgur como no capiacutetulo 23 da Ọrvar-Odds Saga e nos capiacutetulos 5 e 11 da
THORNorsteins saga Viacutekingssonar os domiacutenios de Geirroumlethr estatildeo localizados
413
RIBEIRO Maria Eurydice de Barros Ribeiro O Inferno e o Paraiacuteso Cartografia e Paisagem (Seacutecs
XII-XV) In Histoacuteria Revista Dossiecirc Idade Meacutedia 5(12) jandez 2000 P25 414
ldquo(hellip) en hann var farinn iacute Austrveg at berja trollrdquo In PAacuteLSSON 2012 60 415
ATKINSON Hugh Upp ek thorneacuter verp ok aacute Austrvega death overseas and the dead in the East
Comunicaccedilatildeo apresentada na XIV Saga Conference ldquoAacute Austrvegardquo 2008 416
ELLIS 1968 171
219
inequivocamente no leste ndash um leste materializado enunciado apoacutes a enumeraccedilatildeo de
outros domiacutenios conhecidos de Austrvegr e Garethariacuteki
Adicionano-se tambeacutem as discussotildees pertinentes agraves estelas ruacutenicas apresentadas
no capiacutetulo 02 desta tese a hipoacutetese de Atkinson parece-nos plausiacutevel ainda que em
necessidade de maior verificaccedilatildeo Conforme jaacute discutido haacute uma pequena porcentagem
do total das estelas que lida com expediccedilotildees vikings Dessa uma parcela consideraacutevel
trata do leste igualmente tomando-se a amostra como um todo porcentagem razoaacutevel
conteacutem referecircncias a mortos
Destarte abre-se o espaccedilo para a discussatildeo sobre a funccedilatildeo memorial em relaccedilatildeo
aos mortos inserindo-se uma dimensatildeo religiosa aleacutem poreacutem perdura a necessidade de
se analisar de forma balanceada toda a evidecircncia das estelas incluindo os percentuais de
outras seacuteries que lidem com temaacuteticas similares A questatildeo permanece em aberto
Retornando agrave Edda fica evidenciada a associaccedilatildeo do leste a um imaginaacuterio
geograacutefico advindo da tradiccedilatildeo cristatilde com nuances no campo do religioso e que pode
ser entrelaccedilado com conceituaccedilotildees cosmoloacutegicas de tradiccedilotildees mais antigas da
Escandinaacutevia
A contraparte claacutessica fornecida pela passagem dar-se-aacute na continuidade do
texto ao traccedilar a genealogia dos deuses no paganismo escandinavo com o emprego do
conceito evemerista
426 O Evemerismo
Por evemerismo compreende-se uma forma hermenecircutica desenvolvida desde o
helenismo segundo a qual os deuses seriam homens cujos feitos foram amplificados
pela passagem do tempo e a tradiccedilatildeo miacutetica Recebeu seu nome do helecircnico Euhemeros
do seacuteculo III aC mas formas similares de interpretaccedilatildeo foram usadas por autores
anteriores a ele como o proacuteprio Heroacutedoto e continuariam sendo empregadas por autores
dos mais distantes contextos na antiguidade e do medievo incluindo Clemente de
Alexandria Isidoro de Sevilha e Roger Bacon Pode tambeacutem ser chamado de uma
interpretaccedilatildeo histoacuterica ou mesmo hitoricizante da mitologia
Na introduccedilatildeo da Heimskringla em conjunto com o proacutelogo da Edda menor e
sua primeira parte (Gylfaginning) temos uma elaboraccedilatildeo erudita e coerente da parte de
Snorri - e de quaisquer outros autores que tenham feito ao texto - que liga as divindades
escandinavas dos tempos pagatildeos aos reis dos seacuteculos XII e XIII numa linha
220
genealoacutegica contiacutenua e podemos ateacute mesmo dizer racional
Os deuses do paganismo escandinavo satildeo descritos como homens notaacuteveis
heroacuteis e reis da antiguidade que adquiriram proeminecircncia no norte devido agraves suas
caracteriacutesticas excelentes
Na Ynglingasaga a narrativa se sucede agrave haacute pouco apresentada descriccedilatildeo do
mundo Apoacutes afirmar a divisatildeo tripartite do mesmo e citar o rio TanaisDon
(TanakvislTanaquisl) o autor continua
(o paiacutes) para leste do Tanaquisl na Aacutesia foi chamado Aacutesaland ou
Aacutesaheimr e a cidade capital daquela terra foi chamada Aacutesgarethr
Naquela cidade houvera um chefe que era chamado Oacuteethinn ali foi um
grande lugar para sacrifiacutecio Foi costume ali que doze sacerdotes do
templo deviam tanto dirigir os sacrifiacutecios como tambeacutem julgar as
pessoas Eles foram chamados de diacutear ou droacutettnar a eles servia e
obedecia todo o povo
Oacuteethinn foi um grande e bem-viajado guerreiro que conquistou muitos
reinos Ele era tatildeo bem-sucedido em cada batalha que a vitoacuteria estava
do seu lado era a crenccedila de seu povo que a vitoacuteria pertencia a ele em
cada batalha ()
Seu povo tambeacutem estava habituado estivessem em perigo em terra ou
mar a chamar o seu nome e pensavam que sempre eles teriam
conforto e auxiacutelio por meio dele pois pensavam que aonde ele
estivesse a ajuda estaria por perto
Ele geralmente viajava tatildeo longe que passava muitas temporadas em
suas jornadas417
(Heimskringla Ynglingasaga seccedilatildeo 2 Versatildeo nossa)
Aqui o uso do leste da Aacutesia eacute associado primariamente agrave tradiccedilatildeo miacutetica
noacuterdica e ao lugar de maior ressonacircncia da mitologia escandinava Aacutesgarethr a cidade
dos deuses
Snorri esvazia o conteuacutedo miacutetico de tal faceta racionalizando-o e definido-o
geograficamente Os proacuteprios nomes das divindades e do continente facilitam sua
transposiccedilatildeo a famiacutelia principal dos deuses da qual Oacuteethinn eacute o liacuteder inconteste eacute a
famiacutelia dos AEligsir Nada mais natural que seja feita a associaccedilatildeo entre Aacutesaland
417
Fyrir austan Tanakviacutesl iacute Aacutesiacuteaacute var kallat Aacutesaland eetha Aacutesaheimr en họfuethborgin er var iacute landinu
kọlluethu thorneir Aacutesgareth En iacute borginni var họfethingi saacute er Oacuteethinn var kallaethr thornar var bloacutetstaethr mikill THORNat var
thornar siethr at xii hofgoethar vaacuteru œztir skyldu thorneir raacuteetha fyrir bloacutetum ok doacutemum manna iacute milli thornat eru diacutear
kallaethir eetha droacutettnar thorneim skyldi thornjoacutenostu veita ok lotning alt foacutelk
Oacuteethinn var hermaethr mikill ok mjọk viacuteethfọrull ok eignaethist mọrg riacuteki hann var svaacute sigrsaeligll att iacute hverri
orrostu fekk hann gagn ok svaacute kom at hans menn truacuteethu thornviacute at hann aeligtti heimilan sigr iacute hverri orrostu()
Svaacute var ok um hans men hvar sem thorneir urethu iacute nauethum staddir aacute sjaacute eetha aacute landi thornaacute kọlluethu thorneir eiga nafn
hans ok thornoacutetti jafnan faacute af thornviacute froacute thornar thornoacutettusk thorneir eiga alt traust er hann var Hann foacuter opt svaacute langt iacute
brott at hann dvalethisk iacute ferethinni mọrg misseri In JOacuteNSSON 1911 04s
221
Aacutesaheimr ldquoterra dos aesirrdquo com a Aacutesia
O discurso evemerista mais completo e elaborado de Snorri entretanto se daacute
na Edda em seu proacutelogo Seu iniacutecio daacute-se com a proacutepria paraacutefrase do texto biacuteblico
O Deus todo poderoso criou no princiacutepio os ceacuteus e a terra e tudo
o que neles haacute e no fim criou duas pessoas Adatildeo e Eva e deles
vieram clatildes cujos descendentes multiplicaram-se e espalharam-se
pelo mundo todo () mas a grande maioria voltou-se para os desejos
deste mundo e negligenciou os mandamentos de Deus418
rdquo
(Edda menor Codex Regius Proacutelogo Versatildeo nossa)
Prossegue dando continuidade agrave narrativa do diluacutevio ao repovoamento da
Terra e agrave repeticcedilatildeo da desobediecircncia a Deus O que se passa a seguir eacute uma reflexatildeo
extremamente racional das explicaccedilotildees miacuteticas Posteriormente na Gylfaggining Snorri
mostraraacute como as narrativas cosmoloacutegicas escandinavas pagatildes descreveratildeo a formaccedilatildeo
do mundo atraveacutes do cadaacutever do gigante Hiacutemir de seus ossos vieram as montanhas de
seu ceacuterebro as nuvens de sua carne a terra e assim por diante
Aqui no proacutelogo Snorri busca compreender como se desenvolvera tal forma
de explicaccedilatildeo natural Tal discurso eacute dado apoacutes a narrativa do diluacutevio e da repeticcedilatildeo dos
erros dos homens que natildeo obstante teriam sido agraciados por Deus com a sabedoria
Eacute por meio do uso dessa sabedoria que Snorri faz a ponte para a descriccedilatildeo a seguir
Ele tambeacutem lhes deu a sabedoria para compreender todas coisas
terrenas e todas as partes separadas que pudessem ser vistas no ceacuteu e
na Terra
As pessoas pensaram sobre estas coisas imaginando o que
poderia significar que a terra e os animais e os paacutessaros eram de
alguma forma similares ainda que suas naturezas fossem diferentes
Uma das caracteriacutesticas da Terra eacute que quando as altas montanhas satildeo
cavadas jorra aacutegua e mesmo em vales profundos natildeo eacute necessaacuterio
cavar muito fundo em busca de aacutegua O mesmo eacute verdade nos animais
e nos paacutessaros cujo sangue estaacute igualmente perto da superfiacutecie na
cabeccedila e nos peacutes Uma segunda caracteriacutestica da terra eacute que grama e
flores florescem todo ano mas no mesmo ano tudo esvanesce e cai
Assim eacute com os animais e os paacutessaros cabelo e penas crescem neles
mas cada ano caem A terceira caracteriacutestica da Terra eacute que quando
418
ldquoAlmaacutettigr gueth skapaethi iacute upphafi himin ok jọreth ok alla thornaacute hluti er thorneim fylgja og siacuteetharst menn tvaacute er
aeligttir eru fraacute komnar Adam ok Evu ok fjọlgaethist thorneira kynsloacuteeth ok dreifethist um heim allan () en myklu
fleiri snerusk eptir girndum heimsins ok oacuteraeligktu gueths boethoreth ()rdquo In FAULKES 2005 03
222
ela eacute aberta ou cavada a grama cresce sobre o solo que estaacute mais
proacuteximo agrave superfiacutecie As pessoas pensam nas rochas e pedras como
comparaacuteveis aos dentes e ossos das criaturas vivas Assim eles
entendem que a Terra eacute viva e tem vida proacutepria Eles tambeacutem sabem
que em termos de anos a Terra eacute maravilhosamente velha e poderosa
por sua proacutepria natureza Ela daacute nascimento a todas as coisas vivas e
declara propriedade sobre tudo o que morre Por esta razatildeo eles
deram a ela um nome e traccedilaram suas origens a ela419
(Edda menor Codex Regius ProacutelogoVersatildeo nossa)
Eacute por meio do desenvolvimento de raciociacutenios similares que Snorri partiraacute agrave
explicaccedilatildeo da origem dos deuses Seu raciociacutenio eacute bastante analiacutetico preciso nem um
pouco dado agrave alegorias ou misticismo O maacuteximo de concessatildeo agrave que Snorri se permite
eacute no campo da teologia sempre em volta de questotildees bem-estabelecidas como a criaccedilatildeo
do mundo por Deus e o desvio dos homens em relaccedilatildeo ao seu criador
A mesma forma de arrazoamento eacute aplicada agrave explicaccedilatildeo do surgimento de
Oacuteethinn THORNoacuterr Sif e outras divindades noacuterdicas Descendentes dos homens de Troia que
segundo o Proacutelogo estaacute localizada no centro do mundo esses homens espelham as
qualidades que foram atribuiacutedas de iniacutecio ao continente da Aacutesia posteriormente agrave
cidade de Troacuteia culminando em si mesmos Releiamos passagem jaacute citada
Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz
ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim
como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras
que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas
com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de
habilidade420
(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)
419
ldquoMiethlaethi hann ok spekethina svaacute at thorneir skilethu alla jarethliga hluti ok allar greinir thornaeligr er sjaacute maacutetti loptsins
ok jaretharinnar
THORNat hugsuethu thorneir ok undruethusk hverju thornat mundi gegna er jọrethin ok dyacuterin ok fuglarnir họfethu saman eethli
iacute sumum hlutum ok var thornoacute oacuteliacutek at haeligtti THORNat var eitt eethli aeth jọrethin var grafin iacute haacutem fjalltindum ok spratt
thornar vatn upp ok thornurfti thornar eigi lengra at grafa til vaz en iacute djuacutepum dọlum Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at
jafnlangt er til bloacuteeths iacute họfethi ok foacutetum
Ọnnur naacutettuacutera er suacute jarethar at aacute hverju aacuteri vex aacute jọrethinni gras ok bloacutem ok aacute sama aacuteri fellr thornat allt ok fọlnar
Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at thorneim vex haacuter ok fjaethrar ok fellr af aacute hverju aacuteri
THORNat er hin thornriethja naacutettuacutera jarethar thornaacute er hon er opnueth ok grafin thornaacute grœr gras aacute thorneiri moldu er efst er aacute
jọrethunni Bjọrg ok steina thornyacuteddu thorneir aacute moacuteti tọnnum ok beinum kvikenda Af thornessu skilethu thorneir svaacute at
jọrethin vaeligri kyk ok hefethi liacutef meeth nokkurum haeligtti ok thornat vissu thorneir at hon var furethuliga gọmul at aldartali
ok maacutettug iacute eethli Hon fœddi ọll kvikvendi ok hon eignaethisk allt thornat er doacute Fyrir thornaacute sọk gaacutefu thorneir henni
nafn ok tọlethu aeligttir siacutenar til hennarrdquo In FAULKES 2011 03 420
ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth
verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit
thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES
2011 04
223
A descriccedilatildeo no Proacutelogo natildeo coincide em todos os pontos com outras estoacuterias do
restante da obra ou mesmo em outras obras Aqui THORNoacuterr eacute neto do rei Priacuteamo de Troacuteia -
associada ao nome Tyrkland terras dos Tyrks mas foi levado para a Traacutecia Trakiacuteaacute - que
o Proacutelogo associa ao nome noacuterdico THORNruacuteethheim
Da sua descendecircncia viria Oacuteethinn que por sua vez se assentaria na Sueacutecia e
daria origem aos governantes das outras naccedilotildees do norte Um de seus descendentes seria
Gylfi rei dos suecos que assumiraacute papel proeminente na proacutexima parte da Edda a
Gylfaginning
No Gylfaginning a situaccedilatildeo eacute diversa Gylfi interroga aos deuses que lhe
contam a origem e o fim de tudo aqui os mitos e tradiccedilotildees racionalizados e explicados
anteriormente no Proacutelogo satildeo narrados em uma forma mais proacutexima agrave tradiccedilatildeo
escandinava preacute-cristatilde
Natildeo apenas o tom narrativo passa por modificaccedilotildees significativas As relaccedilotildees
entre os personagens tambeacutem sofrem alteraccedilotildees No mito veiculado pelo Gylfaginning
Oacuteethinn reina em Aacutesgarethr eacute apresentado como Allfoumlethr (pai de todos) e eacute pai natildeo
descendente de THORNoacuterr Snorri apresenta-o dando continuidade a um relato que descreve
detalhadamente a cosmologia e cosmogonias antigas escandinavas incluindo a criaccedilatildeo
do mundo a partir do corpo morto do gigante Ymir
Existem trecircs correntes teoacutericas principais que ganharam destaque na
interpretaccedilatildeo desses textos A escola historicizante inaugurada pelos arqueoacutelogos
Petersen (1849-1896) e Salin (1861-1931) e adotada largamente pelos germanistas
posteriores421
viria a defender que as narrativas de Snorri refletiram a memoacuteria de
eventos que de fato teriam ocorrido No caso em questatildeo movimentos germacircnicos do
periacuteodo das migraccedilotildees a partir do seacuteculo IV das regiotildees do Don e do Mar Negro atraveacutes
da Germacircnia e Escandinaacutevia
Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum de Andreas Heusler
(1908)422
que estudaria os eventos ligados aos troianos e agrave Tyrkland nos escritos de
Snorri e Ari daria origem agrave escola da Gelehrte Urgeschicht423
A grosso modo esta
escola - muito influente por deacutecadas posteriores - procura traccedilar os passos da construccedilatildeo
de uma ldquopreacute-histoacuteria germacircnicardquo por um pensamento erudito islandecircs dos seacuteculos XII-
421
Obras emblemaacuteticas PETERSEN Karl Nikolai Henry Om Nordboernes Gudedyrkelse og Guderto i
Hedenold Em antikvarisk Undersoslashgelse Koslashbnhavn CA Reitzels Forlag 1876 amp SALIN Bernhard
Studier tillaumlgnade Oscar Montelius Stockholm Norstedt 1903 422
HEUSLER Andreas Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum Verlag der
Koumlniglich Preuszligischen Akademie der Wissenschaften Berlin 1908 423
ldquoPreacute-histoacuteria ensinadardquo
224
XIII que bebe de outros historiadores europeus como Fredegarius Scholasticus (ca658-
661) Pseudo-Fredegarius (da Gesta Francorum ca727) Isidoro de Sevilha e Geoffrey
de Monmouth424
-425
Por fim outra corrente interpretativa de relevacircncia eacute a escola da mitologia
comparativa ou estruturalista representada por Georges Dumeacutezil que incorpora a
mitologia escandinava ao esquema tripartite indo-europeu Dumeacutezil (1992)[1970]
defendia uma posiccedilatildeo diametralmente oposta ao historicismo de entre outros autores
Paul Hermann Alguns pontos significativos em sua trajetoacuteria com impacto em sua
aplicaccedilatildeo no estudo de Snorri satildeo as publicaccedilotildees de Mythes et dieux des Germains -
Essai dinterpreacutetation comparative (1939) Loki (1948) Les Dieux des Germains essai
sur la formation de la religion scandinave (1959) Du mythe au roman la Saga de
Hadingus et autres essais (1970)426
427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo
Jean Bodel (1165-1210) classificou os ciclos literaacuterios medievais nas chamadas
ldquomateacuteriasrdquo a Mateacuteria da Bretanha concernente ao Rei Artur a Mateacuteria de Roma que
incorporaria temas da Antiguidade Claacutessica e a Mateacuteria de Franccedila centralizada em
Carlos Magno
Dentro da ldquoMateacuteria de Romardquo desenvolveu-se uma linha peculiar interpretativa
ligada agrave Guerra de Troacuteia As conexotildees e genealogias entre os autores e obras natildeo eacute
totalmente clara No entanto duas obras supostamente traduccedilotildees para o latim de
antigos originais gregos foram fundamentais para o desenvolvimento de tais formas
escritas Satildeo elas a Dictys Cretensis Ephemeridos belli Trojani (seacuteculo IV) e Daretis
Phrygii de excidio Trojae historia (seacuteculo V-VI) 427
Ambas satildeo bastante semelhantes contando a destruiccedilatildeo de Troia Um exemplo
de trabalho que as empregou enquanto fontes ou inspiraccedilatildeo eacute o ldquoLe Roman de Troierdquo de
Benoicirct de Sainte-Maure
Poreacutem a influecircncia de tais obras no medievo natildeo estaacute limitada agrave ldquoMateacuteria de
424
PRITSAK 227-237 425
SEE Klaus von Europa und der Norden in Mittelalter Universitaumltsverlag C Winter Heidelberg
1999 P276 426
Indicamos BOULHOSA Patriacutecia Pires A mitologia escandinava de Georges Dumeacutezil uma reflexatildeo
sobre meacutetodo e improbabilidade Revista Brathair 6(2) p 3-31 2006 como boa siacutentese das criacuteticas
dirigidas a Dumeacutezil no campo da escandinaviacutestica 427
DacuteARCIER Louis Faivre Histoire et geacuteographie drsquoun mythe La circulation des manuscrits du De
excidio Troiae de Daregraves le Phrygien (VIIIe-XVe s) Paris Eacutecole nationale des Chartes 2006 P03
225
Romardquo De fato ela perpassa a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Meacutedia Haacute relatos
histoacutericos escritos tanto seacuteculos antes do desenvolvimento dos ciclos literaacuterios em
Francia quanto contemporacircneos a eles
Torna-se um expediente frequente ligar o destino de refugiados de Troia ou
seus descendentes ao passado das naccedilotildees europeias DacuteArcier afirma que as uacutenicas
exceccedilotildees ao uso de tal expediente satildeo os autores espanhoacuteis e irlandeses428
afirmaccedilatildeo
com a qual discordamos - em breve mostraremos por exemplo que ela natildeo se aplica a
Saxo Ao Dictis Cretensis e o Daretis Phrygii devemos adicionar a proacutepria Eneida de
Virgiacutelio enquanto fonte de inspiraccedilatildeo para uma seacuterie de autores europeus429
O primeiro emprego das origens troianas para um povo europeu eacute efetuado
pelo Pseudo-Fredegaacuterio (c 727) que o aplica aos francos430
Um caso relevante para a
historiografia escandinava eacute a obra Historia Regum Britaniae de Geoffrey of Monmouth
(ca1100-1155) ndash esta uacuteltima note-se mais ligada agrave ldquoMateacuteria da Bretanhardquo do que agrave
ldquoMateacuteria de Romardquo mas que bebe igualmente da histoacuteria de Troia
No livro I de sua Historia Regum Britanniae Geoffrey of Monmouth conta que
apoacutes a guerra de Troacuteia Eneas refugiou-se na Itaacutelia Seu bisneto Brutus seria banido mas
algum tempo depois fora conduzido pela deusa Diana para uma ilha no ocidente que ele
nomeia ldquoBritanniardquo segundo o seu proacuteprio nome Agraves margens do Thames fundaria a
cidade de Troia Nova posteriormente renomeada para Londinium ndash a London atual Haacute
indiacutecios fortes de que em vaacuterios momentos Geoffrey of Monmouth tenha empregado a
Eneida de Virgilio431
Esta digressatildeo literaacuteria e histoacuterica nos eacute necessaacuteria porque toca diretamente na
questatildeo da transmissatildeo da temaacutetica para a Escandinaacutevia Geoffrey de Monmouth eacute
considerado uma das fontes e modelos principais para a Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus432
cujo proacuteprio domiacutenio do latim nos daacute mostras de conhecimento de
Virgiacutelio433
Entretanto haacute na Islacircndia uma traduccedilatildeo de provavelmente da metade do seacuteculo
428
DacuteARCIER 14 429
MOLCHAN George Gregory Translating Arthur The Historia Regum Britaniae of Geoffrey of
Monmouth and Roman de Brut of Wace Doctoralacutes dissertation Louisiana State University December
2013 P76 430
DacuteARCIER 14 431
MOLCHAN 76 432
ELLIS-DAVIDSON 2006 09 53 56 72 92 160 433
Idem pp01 05-08 142
226
XIII434
para o vernaacuteculo da Daretis Phrygii de excidio Trojae historia A obra veio a ser
chamada de Troacutejumanna Saga ndash ldquoSaga dos homens de Troiardquo Ela se enquadra no
gecircnero conhecido como Riddarrasoumlgur ou ldquoSagas cavalheirescasrdquo que normalmente
consistem em traduccedilotildees de Chansons-de-Geste e literatura cortesatilde para o antigo
noacuterdico
Esta obra possui ao menos trecircs redaccedilotildees A primeira mais antiga presente no
Hauksboacutek recebeu por tal razatildeo o seu nome as outras duas provavelmente mais
tardias quiccedilaacute do seacuteculo XIV435
foram chamadas de ldquoalfardquo e ldquobetardquo Enquanto a versatildeo
do Hauksboacutek eacute bastante proacutexima agrave Daretis Phrygii encontram-se nas outras redaccedilotildees
influecircncias de autores latinos provavelmente a Ilias latina e a Heroides de Oviacutedio436
Em vista de tal variedade de redaccedilotildees e origens natildeo haacute possibilidade segura de
se conhecer quais foram as fontes exatas de Snorri Sturlusson tampouco as obras que o
mesmo possuiacutea a sua disposiccedilatildeo sequer se sabe com certeza qual fora o seu
conhecimento de latim437
Eacute possiacutevel que tivesse acesso agraves traduccedilotildees efetuadas dos gregos quiccedilaacute da
Eneida Eacute igualmente possiacutevel que tenha se valido de alguma traduccedilatildeo das mesmas para
o antigo noacuterdico tendo esta traduccedilatildeo conexatildeo ou natildeo com a Troacutejumanna saga
Quanto agraves diferenccedilas de paternidade ou descendecircncia entre Oacuteethinn e THORNoacuterr
encontradas no Proacutelogo e na Gylfaginning julgamo-las poucas para atestar uma
paternidade diversa ao Proacutelogo ndash ao menos em uma suposta redaccedilatildeo arquetiacutepica do
qual provavelmente a contida no Codex Uppsaliensis seja a mais proacutexima
O projeto da Edda como um todo eacute similar agrave construccedilatildeo de camadas
sucessivas seu nuacutecleo seu centro eacute o Hattataacutel Para compreendecirc-lo o leitor precisa de
dois campos do conhecimento bastante diversos o conhecimento das meacutetricas foacutermulas
e meacutetodos de composiccedilatildeo poeacutetica e o conhecimento dos mitos que provecircm temas e toda
a base para este cabedal linguiacutestico
Por fim o Proacutelogo eacute um complemento perfeito para o trabalho explicando os
mitos que por sua vez auxiliavam na compreensatildeo dos recursos linguiacutesticos e poeacuteticos
e do proacuteprio Hatattaacutel
434
LOUIS-JENSEN Jonna (ed) Troacutejumanna saga the Dares Phrygius version Copenhagen CA
Reitzel 1981 Pp LndashLVI 435
LOUIS_JENSEN Idem 436
ELDEVIK Randi Claire The Dares Phrygius Version of Troacutejumanna saga A Case Study in the
Cross-cultural Mutation of Narrative Doctoral dissertation Harvard University 1987-88 pp 06s 437
WANNER 2008 PAacuteLSSON Heimiacuter (ed) Introduction In The Uppsala Edda University College
London Viking Society for northern Research 2012 p xiv
227
Dadas as tradiccedilotildees europeias que ligam origens das naccedilotildees a imigrantes de
Troacuteia e dadas as proacuteprias semelhanccedilas fortuitas na maior parte das vezes superficiais
entre nomes como Troacuteia e THORNoacuterr Sibila e Sif Traacutecia e THORNruacuteethheim Aacutesia e Aacutesgarethr as
tradiccedilotildees medievais cristatildes e principalmente claacutessicas forneceratildeo os paracircmetros
atraveacutes dos quais os mitos seratildeo explicados e racionalizados Desta feita o
procedimento de trocar as relaccedilotildees familiares entre Oacuteethinn e THORNoacuterr apresenta-se como
plenamente aceitaacutevel e compreensiacutevel
428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr
Magnus o bom e Haraldr Harethraethi
Nas fontes discutidas ateacute entatildeo haacute predominacircncia de reelaboraccedilatildeo claacutessica e
biacuteblica das visotildees de leste em detrimento do conhecimento geograacutefico e formulaccedilotildees
mais propriamente escandinavas
Austrvegr e Garethariacuteki estatildeo ausentes em tais fontes e em nossa discussatildeo ateacute o
momento com a pequena excessatildeo discutida a pouco sobre a possiacutevel associaccedilatildeo de
Austrvegr agrave terra dos mortos
Alguns autores alegaratildeo um desconhecimento e ignoracircncia sobre o leste da parte
dos autores islandeses e mesmo noruegueses438
Natildeo podemos concordar de todo com a
afirmaccedilatildeo mas em comparaccedilatildeo com o conhecimento dos daneses e principalmente
suecos a afirmaccedilatildeo possui certo fundamento
A Heimskringla apresenta informaccedilatildeo relevante sobre o leste que iremos
analisar agora Desta feita natildeo o leste extremamento reelaborado e ressignificado dos
Proacutelogos mas o leste de Austrvegr e Garethariacuteki
Categorizamos esta informaccedilatildeo em duas categorias principais a) informaccedilotildees
dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas b) o ciclo dos noruegueses refugiados em
Garethariacuteki
a) informaccedilotildees dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas
A Heimskringla nos traz nomes de reis relaccedilotildees dinaacutesticas e de parentesco
locais de governo informaccedilotildees sobre comeacutercio e economia informaccedilotildees geograacuteficas
438
AALTO amp LAAKSO 2009 06
228
Temos nomes de governantes de Garethariacuteki ValdimarrValdamarr Allogia e Jarisleifr
Vissavaldr bem como informaccedilotildees de parentesco dos mesmos como nomes de esposas
e filhos Ingigerd Ellisif Valdemar Vissivaldr Holte e Boldr
Encontramos nomes de localidades bastante especiacuteficos agrave Austrvegr Aethalsyacutesla
Eysyacutesla Baacutelagarethssiacuteetha o rio Viacutena bem como informaccedilotildees sobre as rotas comerciais
com Garethariacuteki e os Finnar aleacutem dos produtos trocados em tais rotas e a maneira com
que tal comeacutercio se dava
Entremeados na narrativa haacute ainda marcados estereoacutetipos eacutetnicos sobre os fino-
uacutegricos e uma descriccedilatildeo de costumes religiosos dos Bjarmar
b) o ciclo dos noruegueses refugiados em Garethariacuteki
Oacutelaacutefr Tryggvason Oacutelaacutefr Magnusson Magnus o bom e Haraldr Harethraacuteethi tecircm a
caracteriacutestica em comm de terem obtido exiacutelio e refuacutegio em Garethariacuteki Com exceccedilatildeo de
Oacutelaacutefr Magnusson todos passaram a infacircncia eou parte da juventude ali
429 Garethariacuteki como local de refuacutegio
Na Oacutelafs saga Tryggvasonar439
eacute impossiacutevel desvincular seu protagonista da
regiatildeo de leste O iniacutecio de sua histoacuteria eacute contado nos capiacutetulos 05 a 07 Capturado por
vikings estonianos aos trecircs anos de idade Oacutelaacutefr passou seis anos como escravo na
Eistland440
Seu tio Sigurdr Eiriksson a serviccedilo de Valdimarr (Wladiacutemir) de Holmgard
(Novgorod) vem agrave Eistland coletar impostos descobre-o compra-o e o leva consigo
para Novgorod ocultando seu parentesco com o menino441
Algum tempo depois no mercado em Novgorod Oacutelaacutefr reconhece Klerkon o
viking estoniano que o comprara e matara seu pai adotivo Mata-o com um machado e
pede ajuda a Sigurethr que o leva para abrigo com a rainha Allogia442
Sigurethr revela agrave rainha a genealogia e sangue real de Oacutelaacutefr e a necessidade que o
mesmo tem de proteccedilatildeo visto a existecircncia de inimigos na Escandinaacutevia A rainha pede
ao rei que o acolha e Oacutelaacutefr passa nove anos com o ldquoRei Valdimarrrdquo443
O autor volta agrave Oacutelaacutefr apenas no capiacutetulo 21 Estimado pela rainha e pelo rei
439
Saga de Oacutelaacutefr Tryggvason 440
Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 05 ldquoOTrdquo nas citaccedilotildees subsequentes 441
OT 06 442
OT 07 443
OT 07
229
adquire fama e torna-se chefe e guerreiro Certos homens invejosos fizeram a cabeccedila do
rei contra Oacutelaacutefr e Valdimarr natildeo o trata tatildeo bem quanto antes Oacutelaacutefr decide partir para a
Escandinaacutevia fazendo-o com a benccedilatildeo da rainha
No capiacutetulo 31 Oacutelaacutefr converte-se ao Cristianismo e eacute batizado em Syllingar ndash
ldquoSiciacuteliardquo apoacutes previsotildees de um vidente e sua cura milagrosa apoacutes uma batalha
O capiacutetulo 90 nos provecirc de mais alguns nomes Jarl Eirikr faz uma expediccedilatildeo em
Austrvegr Atinge os domiacutenios do rei ldquoValdamarrrdquo e toma Aldeigjuborg (Ladoga)
Passaria cinco anos nesta expediccedilatildeo e segundo a saga quando deixou Garethariacuteki efetuou
reides em Aethalsyacutesla e Eysyacutesla
Os nomes da saga ndash tanto pessoais como topocircnimos - satildeo bem conhecidos em
outras fontes Sua elaboraccedilatildeo na Heimskringla transparece a existecircncia de contatos
iacutentimos entre as aristocracias da Rus e da Escandinaacutevia incluindo Noruega
O autor no entanto possui conhecimento limitado dos eventos Allogia
evidentemente recordaccedilatildeo do nome Olga aparentemente na saga eacute consorte do ldquoReirdquo
Valdimarr ndash escrito posteriormente na mesma saga como ldquoValdamarrrdquo
Valdimarr eacute Vladiacutemir I priacutencipe de Novgorod entre 970-978 e gratildeo-priacutencipe de
Kiev de 978 a 1015 Poreacutem filho de Olga Seu proacuteprio local de governo natildeo eacute citado
pelo autor
Haacute de se notar entretanto uma precisatildeo nos nomes ligados agrave Austrvegr
Aethalsyacutesla e Eysyacutesla satildeo nomes bastante especiacuteficos respectivamente da costa ocidental
estoniana e da ilha de Saaremaa
A partir da Oacutelaacutefs saga ins Helga444
a informaccedilatildeo do autor torna-se mais
verossiacutemil e acurada Nesta saga e nas seguintes ndash de Magnus o bom e de Haraldr
Harethraacuteethi o governante da Rus eacute Iaroslav ndash Jarisleifr no antigo noacuterdico Ele casa-se no
capiacutetulo 95 com Ingigerd filha do rei sueco Oacutelaacutefr ndash evento que se deu de fato em
1019
A saga lista os filhos do casal Valdemar Vissivald Holte e Bold sendo que o
capiacutetulo 17 da Haralds saga Harethraacuteetha acrescenta agrave lista Ellisif que como adiciona o
autor era conhecida como Elizabeth
Iaroslav I o saacutebio teve com Ingigerd da Sueacutecia os seguintes filhos por ordem
de nascimento Vladimir Iziaslav I Anastasia Sviatoslav II Vsevolod I Elizabeth
Anne Viatcheslav e Igor445
444
ldquoSaga Oacutelaacutefr o santordquo 445
PVL 299s
230
Iaroslav foi filho de Vladimir Por ocasiatildeo da morte de seu pai em 1015 tornou-
se co-regente em Novgorod enquanto seu irmatildeo Sviatopolk tomava o poder em Kiev
apoacutes diversas disputas nas quais os outros irmatildeos foram mortos ndash dentre os quais Boris
e Glieb primeiros santos da Ruacutessia446
Com a ajuda de varegues Iaroslav venceu
Sviatopolk em 1019 tomando o poder tanto de Novgorod quanto de Kiev447
Iaroslav
iniciou tambeacutem a codificaccedilatildeo legal na Rus a chamada ldquoRusskaia pravdardquo448
Em 1030 Iaroslav construiu na Estocircnia o forte de Iuriev na antiga vila de
Tarbatu que viria a ser conhecida posteriormente como Tartu coletando a partir de laacute
tributos das tribos estonianas vizinhas449
Retornando agrave saga no capiacutetulo 191 o rei Oacutelaacutefr vai para a Rus com seu filho
Magnus apoacutes revoltas na Noruega contra ele Ali eacute recebido por Jarisleif e sua esposa
Ingegerd O rei lhe oferece o reino da Bulgaria450
mas Oacutelaacutefr decide retornar agrave
Noruega451
apoacutes um sonho premonitoacuterio452
Magnus fica com Jarisleifr e Ingegerd que
providenciam cavalos e outros recursos necessaacuterios De fato sabe-se que Iaroslav
proveu refuacutegio para Oacutelaacutefr no ano de 1028453
A saga eacute encerrada apoacutes a morte de Oacutelaacutefr Einar Tambaskelfer e Kalf Arnalson
mandam mensagens para Jarisleifr pedindo que Magnus vaacute para a Noruega assumir o
trono Jarisleifr os convida a buscaacute-lo na proacutepria Novgorod454
Apoacutes isto a Saga de Magnus o bom narra brevemente em seu primeiro capiacutetulo
o seu retorno para a Noruega saindo de Novgorod via Ladoga o exiacutelio de Magnus na
Rus fora contado antes na saga de seu pai
O ciclo eacute encerrado com a Haralds saga Harethraacuteetha Meio irmatildeo de St Oacutelaacutefr
Haraldr escapou da batalha de Stiklestad na qual aquele morrera Tinha 15 anos tendo
encontrado refuacutegio na Rus novamente sob a proteccedilatildeo de Jarisleifr455
Harald passa
vaacuterios anos ali viaja e faz expediccedilotildees nas regiotildees circundantes e vai para
Constantinopla456
446
MARTIN Janet Medieval Russia 980-1584 Cambridge at the University Press 1996[1995] Pp22-
26 447
Idem 44 448
Idem 71 449
Idem 43s 450
Oacutelaacutefs saga ins Helga 198 ldquoOSrdquo nas proacuteximas citaccedilotildees 451
OS 202 452
OS 199 453
MARTIN 44 454
OS 265 455
Haralds saga Harethraacuteetha capiacutetulo 01 Citada como ldquoHHrdquo 456
HH 02
231
A saga nos daacute o nome de mais de um imperador iniciando por Michael
ldquoCatalactusrdquo e a imperatriz ldquoZoerdquo O contexto eacute complexo chamado por Vryonis de
ldquointerluacutedio burocraacutetico do seacuteculo XIrdquo457
e haacute uma sucessatildeo de governantes
Miguel IV o Paflagocircnio foi casado de fato com Zoe Porfirogecircnita e governou
Bizacircncio de 1034 a 1041458
O apelido dado pela saga no entanto provavelmente
refere-se a Miguel V ldquoKalaphatesrdquo sobrinho de Miguel IV e filho adotivo de Zoe que
governou apenas quatro meses entre os anos de 1041 a 1042459
O governo deu-se apoacutes
isto com a coregecircncia de Zoe e seu novo marido Constantino IX ldquoMonomachosrdquo ndash
tambeacutem citado na saga no capiacutetulo 13
A saga nos diz que Harald participou trecircs vezes do costume de ldquopoluta-svarfrdquo
que permitia que a guarda varegue tomasse parte do tesouro do imperador quando este
morresse460
ndash o que implica numa troca de trecircs imperadores e recuaria a chegada de
Harald a Bizacircncio ao imperador Romano III morto em 1034 jaacute que Constantino IX
morreria apenas em 1055461
Harald juntou-se agrave Guarda dos Varegues da qual foi feito chefe462
Efetua
expediccedilotildees em Serkland que a Saga equaliza com ldquoAacutefricardquo ndash aqui enfatizando
Serkland enquanto terra Sarracena Passou anos ali e enviava a riqueza que adquiria
para Jarisleifr463
Harald efetua muitos ataques a castelos na Siciacutelia464
informaccedilatildeo
coerente com o periacuteodo no qual os governantes de Bizacircncio tentavam retomar o
controle da ilha tomada pelos islacircmicos465
O capiacutetulo 09 cita dois islandeses que estavam com Haraldr na guarda varegue
Um deles Haldor foi ancestral de Snorri Sturluson Haraldr retorna com eles e com os
demais varegues para Constantinopla e depois ruma para Jerusaleacutem466
Ouvindo que seu sobrinho Magnus tornou-se rei na Noruega deseja retornar
Apoacutes intrigas em Constantinopla eacute preso pelo Imperador467
Tem uma visatildeo de St
457
VRYONIS Spero Bizacircncio e Europa Lisboa Editorial Verbo sd [London 1967] 458
VRYONIS 08 459
Idem 460
HH 13 461
VRYONIS 08 462
HH 03 463
HH 05 464
HH 06 465
ANGOLD Michael Bizacircncio a ponte da Antiguidade para a Idade Meacutedia Rio de Janeiro Imago
2002 [2001] p 125 466
HH Caps 11 amp 12 467
HH 13
232
Oacutelaacutefr e foge com a ajuda de milagres468
Por fim volta para Novgorod com Jarisleifr469
casando-se com sua filha Ellisif
(Elisabeth)470
Em todas estas passagens relacionadas agrave eacutepoca de Iaroslav haacute lugares comuns
como visotildees sonhos e artifiacutecios Os nomes no geral estatildeo de acordo com outras fontes
conhecidos havendo poucas discrepacircncias ndash no narrado ateacute agora a uacutenica dificuldade eacute
Jarisleifr em Novgorod Na altura do retorno de Haraldr para a Rus Iaroslav jaacute
governava em Kiev
Em todas estas sagas haacute a repeticcedilatildeo do tema de um norueguecircs de sangue real que
foge ou eacute levado por seu pai ou protetor para Garethariacuteki e laacute encontra abrigo proteccedilatildeo e
mesmo oportunidades
A atitude do autor em relaccedilatildeo agrave Garethariacuteki eacute benevolente no geral Arriscamos a
sugerir que Garethariacuteki assumiraacute um papel de extensatildeo da Escandinaacutevia propriamente
dita A extensatildeo em que haacute identificaccedilatildeo ou reconhecimento de diferenccedilas eacute duacutebia
Na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar o distanciamento parece maior Sigurethr ao
encontrar Oacutelaacutefr no mercado de escravos percebe ldquoque ele devia ser estrangeirordquo471
No
capiacutetulo 21 tendo ele crescido e adquirido respeito e comando temos o seguinte
comentaacuterio
Mas aconteceu como geralmente pode acontecer que quando
estrangeiros chegam ao poder ou em grande fama que ultrapassam os
nativos que muitos eram invejosos de quatildeo querido ele era para o rei
e natildeo menos para a rainha472
O proacuteprio Oacutelaacutefr no entanto em suas viagens apoacutes sair de Garethariacuteki usa o nome
ldquoOacutelirdquo ldquoAlirdquo ou ldquoOlerdquo e afirma ser russo (ldquogerzkrrdquo473
) Encontramos esse artifiacutecio ndash em
parte justificado devido ao desejo do mesmo de se ocultar dos seus inimigos e comum
em vaacuterias sagas ndash nos capiacutetulos 31 32 46 e 47
Nas sagas seguintes no entanto natildeo haacute referecircncias similares Antes o que
encontramos ndash tambeacutem presente na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar satildeo estereoacutetipos em
relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos
468
HH Caps 14 amp 15 469
HH 16 470
HH 17 471
() at saacute myndi thornar uacutetlendrrdquo Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 07 472
En vareth thornat sem optliga kann veretha thornar er uacutetlendir menn hefjask til riacutekis eetha til svaacute mikillar fraeliggethar
at thornat verethi umfram innlenzka menn at margir ọfunduethu thornat hversu kaeligrr hann var konungi ok eigi siacuteethr
droacutetningu () Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 21K 119 473
ldquo( ) Oacutela ok kvazk vera gerzkrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 31 K 125
233
Na batalha final de Oacutelafr Trygvassonar haacute um arqueiro cujo nome eacute ldquoFinnrrdquo ou
que eacute saami (ldquofinnarrdquo) ldquoEntatildeo o jarl falou para o homem que alguns chamavam Finnr
apesar que alguns diziam que ele era Finskr ndash ele era o melhor arqueirordquo474
A vinculaccedilatildeo das duas ideias (bom arqueiro e finskr) poderia ser casual natildeo
fosse sua repeticcedilatildeo na Oacutelaacutefs saga ins Helga no capiacutetulo 82
Havia um homem das terras altas chamado Finn o pequeno e
alguns diziam que ele era da raccedila (aeligtt) dos finnar ele era um homem
muito pequeno e de peacutes tatildeo raacutepidos que nenhum cavalo podia
ultrapassaacute-lo ele era um corredor muito bem exercitado
especialmente com sapatos de neve e atirador com o arco475
Outras citaccedilotildees associam os finnar com praacutetica de maacutegica e artes sorrateiras
como eacute comum em outras sagas e outras seacuteries de fontes escandinavas No capiacutetulo 07
os finnar conjuram espiacuteritos contra os noruegueses no capiacutetulo 83 o haacute pouco
mencionado Finn o pequeno insere ervas na bebida dos homens do rei aumentando
exponencialmente seu efeito Por fim na proacutepria batalha na qual S Oacutelaacutefr eacute morto476
o
skaldr Sigvatr cantaria que o rei provara da ldquohabilidade maacutegica dos finnarrdquo477
4210 Conclusotildees parciais
Nas obras islandesas do seacuteculo XIII de cunho histoacuterico eacute possiacutevel se delinear
duas fontes principais de conhecimento referente ao leste a tradiccedilatildeo escandinava de
conhecimento do Baacuteltico e adjacecircncias e a tradiccedilatildeo medieval ocidental formada a partir
de erudiccedilatildeo grego-romana e biacuteblica
As partes das obras citadas dotadas de cunho de instruccedilatildeo apresentaccedilatildeo ou
explicaccedilotildees geneacutericas possuem uma elaboraccedilatildeo mais marcada pela tradiccedilatildeo biacuteblica e
claacutessica Nesse caso situam-se o Proacutelogo da Edda e Ynglingasaga e a referecircncia a
Austrvegr e Garethariacuteki eacute praticamente nula
Em relaccedilatildeo agraves narrativas e sagas dos islandeses a situaccedilatildeo diverge havendo o
predomiacutenio da tradiccedilatildeo de natureza mais notadamente escandinava Nesta situaccedilatildeo
enquadram-se as sagas que compotildeem a Heimskringla e trechos da Edda em prosa
474
ldquoTHORNaacute maeliglti jarl vieth thornann mann er suimr nefna Finn em sumir segja at hann vaeligri finzkr ndash saacute var inn
mesti bogmaethrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 108 K 179 475
Maethr er nefndr Fiethr liacutetli uplenzkr maethr em sumir sehja at hann vaeligri finzkr at aeligtt hann var allra
manna minztr ok allra manna foacutethvatastr svaacute at engi hestr toacutek hann aacute raacutes hann kunni manna bezt vieth skieth
ok boga ()Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON 1911 82 K 244 476
OH 228 477
ldquofjọlkunnigra Finnardquo
234
O leste eacute um instrumento poderoso na tentativa de conexatildeo das duas tradiccedilotildees ao
fornecer uma localizaccedilatildeo geograacutefica para o centro do mundo e as regiotildees de origens
Nesta reelaboraccedilatildeo feita de forma evemerista a tradiccedilatildeo biacuteblica ganha mais forccedila do
que as demais
Passaremos a seguir a observar a situaccedilatildeo apresentada na obra de Saxo
Gramamticus na Dinamarca
235
43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum
Ao nosso conhecimento Saxo Grammaticus eacute autor de apenas uma obra a
Gesta Danorum Esta verdadeira Histoacuteria foi composta no periacuteodo da forte dinastia dos
Valdemares sob encomenda e patronato do arcebispo Absalatildeo sucessor de Eskill em
Lund e possivelmente depois sob seu sucessor e sobrinho Anders Sunesson
Diferentemente de Snorri sabe-se pouco acerca de Saxo e o que se sabe eacute em
grande parte conjectural Praticamente toda a informaccedilatildeo relevante acerca de Saxo seja
informaccedilatildeo de fato ou trate-se de conjunturas foi enumerada por Paul Johansen de
forma hipercriacutetica e resumida de formas mais convenientes e moderadas nos prefaacutecios
agraves traduccedilotildees de inglesa de Elton e Zeeberg sendo que pouco podemos acrescentar de
novo nesse sentido e incorremos no risco de repeticcedilatildeo tanto dos citados autores quanto
de noacutes mesmos
No prefaacutecio da Gesta Saxo afirma que seu pai e avocirc teriam servido a Valdemar
I Eacute improvaacutevel portanto que ele mesmo tenha nascido antes de 1150 O argumento
sobre a dataccedilatildeo de sua morte nas proximidades de 1220478
eacute fraacutegil Tem por base
principal de que foi por razatildeo de sua morte que Saxo natildeo teria narrado os eventos da
vida de Valdemar II principalmente sua conquista da Estocircnia As proximidades de 1185
satildeo mais aceites de forma geral como o iniacutecio da escrita da obra e os uacuteltimos eventos
nela narrados ocorreram em 1187479
Acerca da origem de Saxo haacute a possibilidade de que seja proveniente da
Zelacircndia O iniacutecio do argumento eacute relativamente fraco tendo recebido mais peso pela
tradiccedilatildeo de seus editores dos tempos de Poacutes-Renascimento e Reforma Protestante o
discurso de Saxo e supostamente seu ldquotomrdquo natildeo poupariam elogios aos Zeelandeses
sendo a regiatildeo por vezes referenciada enquanto o ldquocentro da Dinamarcardquo mas a citaccedilatildeo
a esta referecircncia eacute a uacutenica evidecircncia contemporacircnea do proacuteprio texto de Saxo
A tradiccedilatildeo renascentista daraacute continuidade a esta ideia A crocircnica da Jutlacircndia
escrita em 1431 atribui sua origem agrave Zelacircndia assim como seu tiacutetulo Grammaticus480
A primeira ediccedilatildeo da Gesta de 1514 pelo bispo Urnes o cita como zeelandecircs de forma
que pode implicar um conhecimento geral e banal de tal proveniecircncia O nome ldquoGesta
478
ELLIS-DAVIDSON 2006 p 12 479
Idem p10 480
ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s
236
Danorumrdquo eacute empregado pela primeira vez na Crocircnica da Zelacircndia que tambeacutem refere-
se a Saxo como Cognomine Longus (apelidado o ldquocompridordquo o ldquoaltordquo)
Da relaccedilatildeo entre Sven Aggesen e Saxo Grammaticus sabe-se igualmente pouco
O avocirc de Saxo Grammaticus teria servido a Valdemar I (provavelmente
portanto apoacutes 1157) mas o pai de Sven foi morto em guerra em 1132 Dessa forma
Saxo provavelmente era bem mais jovem que Sven
Ainda assim eacute citado pelo mesmo como seu associado (contubernalis)
Contubernalis eacute traduzido ao peacute-da-letra como ldquocompanheiro de tendardquo e tal citaccedilatildeo da
parte de Sven levantou a hipoacutetese de que Saxo fora um guerreiro ou um soldado
Poreacutem contubernalis pode ser traduzido de inuacutemeras formas como por
exemplo ldquocolegardquo ou ldquocompanheirordquo481
tornando bem mais provaacutevel que Sven e Saxo
tenham sido eclesiaacutesticos
Karsten Friis-Jensen482
identifica Saxo como um cacircnon de Lund que
testemunhou alguns tiacutetulosdecretos em 11803 e 11971201 Esta hipoacutetese eacute mais aceita
do que a que considera Saxo como um deatildeo de Roskilde Segundo ideacuteia difundida pelo
bispo Lave Urne da proacutepria Roskilde Saxo seria certo provoste que teria viajado a
Paris em 1165 Tal data encontraria um Saxo Grammaticus demasiadamente idoso483
e
trata-se portanto de maacute compreensatildeo do bispo Lave Urne ou mesmo maacute feacute no sentido
de trazer atenccedilatildeo ao seu proacuteprio bispado mas natildeo eacute nossa tarefa julgar o mesmo
No Praefatio da Gesta Saxo descreve a si mesmo como algueacutem a serviccedilo de
Absalatildeo como o ldquouacuteltimo de seus seguidoresrdquo484
Eacute de fato possiacutevel encontrar o nome
ldquoSaxordquo em uma lista de cleacuterigos na catedral de Lund No caso o dito cujo seria um
acoacutelito o grau mais baixo entre os cacircnons Natildeo podemos ter certeza da identificaccedilatildeo no
entanto De fato ldquocomitum suorum extremordquo eacute uma mera e comum foacutermula de
submissatildeo natildeo implicando de fato em uma pista segura485
Haacute ainda no monasteacuterio de Soslashro uma nota deixada pela vontade de Absalatildeo
Segundo ela ele enviara a quantia de dois marcos e meio de prata emprestada ao seu
clericus Saxo Saxo tambeacutem deveria devolver ao monasteacuterio de Soslashro os dois livros que
481
CHRISTIANSEN 1992 2s 482
FRIIS-JENSEN K Was Saxo a Canon of Lund In Cahiers de lacuteInstitut du Moyen-acircge Grec et Latin
lix 1989 pp331-357 483
ELTON Preface 484
ldquoComitum suorum extremordquo In GESTA DANORUM Praefatio 485
FRIIS-JENSEN 1989 332
237
o arcebispo emprestara a ele Possivelmente eram dois coacutedices de Valeacuterio Maximo e
Justino que foram presenteados agrave biblioteca em Soslashro por Absalatildeo e que foram autores
cuja influecircncia eacute claramente perceptiacutevel na Gesta Danorum486
Tambeacutem natildeo se sabe com exatidatildeo aonde Saxo teria estudado A opccedilatildeo pelo
modelo de obra e o costume danecircs eclesiaacutestico agrave eacutepoca levantam a possibilidade de um
tempo no exterior quiccedilaacute Paris ou alguma outra localidade franca O proacuteprio Saxo afirma
no Praefatio que o arcebispo em sua eacutepoca Anders teria estudado em Paris Bologna e
Oxford
Em suma em meio a uma profusatildeo de referecircncias a eclesiaacutesticos chamados Saxo
em deacutecadas distintas eacute possiacutevel criar a imagem de um Saxo nascido ou proveniente da
Zeelacircndia descendente de uma famiacutelia aristocraacutetica ou de guerreiros Possivelmente
estudara no exterior o que reforccedilaria uma origem de uma famiacutelia com alguns recursos
ou ao menos oriunda do extrato dos pequenos proprietaacuterios livres
Seria no entanto um cleacuterigo possivelmente cacircnon em Lund e a despeito de
sua autoreferida posiccedilatildeo falsa modeacutestia ou mero topos de consistir em um dos
ldquomenoresrdquo tratava-se um indiviacuteduo de reconhecida capacidade literaacuteria e domiacutenio da
produccedilatildeo escrita claacutessica a ponto de ter para si o encargo de tarefa importante das matildeos
de um dos maiores liacutederes de seu seacuteculo
Quanto agrave sua obra o nome dado pelo proacuteprio autor eacute desconhecido ldquoGesta
Danorumrdquo eacute denominaccedilatildeo posterior Sua primeira impressatildeo deu-se em 1514 por
Jodocus Badius Ascensius em Paris da ediccedilatildeo de Christiern Pedersen trazendo o tiacutetulo
ldquoDanorum Regum heroumque Historiaerdquo Esta ediccedilatildeo tornou-se a base para todas as
versotildees e ediccedilotildees posteriores
Existem alguns fragmentos mais antigos dos quais o mais extenso eacute o
fragmento de Angers (Ny kgl Saml 4to 869 g) que conteacutem anotaccedilotildees atribuiacutedas ao
proacuteprio Saxo e conteacutem parte do livro I Outros fragmentos datam de 1275 e satildeo
menores Tratam-se dos fragmentos de Lassen contendo o livro VI de Kall-Rasmussen
contendo o livro VII - ambos satildeo agrupados como ldquoBDrdquo - e de Plesner (ldquoErdquo conteacutem o
livro XIV) Com exceccedilatildeo do manuscrito de Angers todos os fragmentos encontram-se
depositados na Biblioteca Real da Dinamarca em Copenhague sob registro Ny kgl
Saml Fol 570
486
ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s
238
Legenda
________________________ Relaccedilatildeo modelo-coacutepia (texto completo ou excertos)
-------------------------------------- Transformaccedilatildeo deliberada (epiacutetomerevisatildeo traduccedilatildeo )
helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip Contaminaccedilatildeo ocasional variaccedilotildees de leitura relatadas
A
a
BD
b
C
c
E
F
f
g
j
K
k
O
o
p
s
t
v
x
Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g
Ediccedilatildeo de Paris 1514
Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol 570)
Codex de Caspar Barth (perdido)
Fragmento de Laverentzen
Colaccedilatildeo de C
Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570
Chronicon Sialandiae
Codex usado por F (perdido)
Codex de Birger Gunnersen (perdido)
Compendium Saxonis - Add 49 2o
Albert Kranz
Codex usado por K (perdido)
Peder Olsen
Codex usado por Peder Olsen (perdido)
Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)
Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645
Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)
Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575
Arqueacutetipo medieval (perdido)
Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum In BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of
Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN 1981 P 10
239
O texto de 1514 chamado de ldquoEdiccedilatildeo de Parisrdquo (a) eacute no entanto o uacutenico
testemunho completo que temos do trabalho de Saxo Muito de discutiu se o suposto
arqueacutetipo (X) foi escrito totalmente pelo proacuteprio Saxo ou se houve interpolaccedilatildeo de
algum editor do seacuteculo XIII487
Boserup eacute da posiccedilatildeo de que o testemunho do manuscrito de Angers daacute
suficientes indiacutecios de que o proacuteprio Saxo foi responsaacutevel pela escrita de sua obra como
um todo na forma em que foi reproduzida posteriormente488
Esta posiccedilatildeo tem ateacute o
presente momento encontrado boa acolhida no meio acadecircmico A figura 20 conteacutem
Stemma que representa bem o consenso acadecircmico sobre a questatildeo
O nome ldquoGesta Danorumrdquo data de 1342 Foi encontrado na Chronica Jutensis
tambeacutem conhecida como Compendium Saxonis que consistiu em uma versatildeo resumida
da Gesta Danorum constando aproximadamente de um quarto de seu tamanho As
versotildees e ediccedilotildees posteriores da Gesta empregavam nomes diversos o tiacutetulo passou a
ser empregado mais genericamente a partir do seacuteculo XIX Quanto agrave ediccedilatildeo de
Pedersen foi feita com uma coacutepia antiga do texto encontrada com o arcebispo de Lund
Birger Gunnerssen
A identificaccedilatildeo imediata do gecircnero literaacuterio precisa ser feita tendo em vista
outras caracteriacutesticas que natildeo apenas o tiacutetulo O nome concedido no seacuteculo XIV e
difundido contemporaneamente associa seu conteuacutedo com as Chansons-de-Geste
datadas do seacuteculo XII e que fazem parte de um escopo literaacuterio mais amplo que inclui
temaacuteticas relativas agrave cavalaria e agrave sociedade cortesatilde mas que possuem caracteriacutesticas
formais distintas e estatildeo particularmente circunscritas agrave regiatildeo da Francia
Certamente tal difusatildeo de ideacuteias fez-se tambeacutem na Dinamarca em particular
devido ao nuacutemero de cleacuterigos que estudava em Francia e no estrangeiro oferecendo um
modelo literaacuterio adequado aos propoacutesitos de Saxo Como jaacute afirmamos influecircncia
similar ocorreu na proacutepria Islacircndia ainda que posteriormente com as Riddarasoumlgur
Poreacutem natildeo eacute adequado classificar a Gesta Danorum como uma Chanson-de-
Geste apesar do nome atribuiacutedo a ela ndash como jaacute vimos por sua posteridade Ainda
assim natildeo descartamos a possibilidade de que Saxo tenha se inspirado ao menos
parcialmente em obras do gecircnero ou influenciadas por ele
Alguns dos elementos carateriacutesticos dessa modalidade satildeo encontrados na
487
BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN
1981 P 09 488
BOSERUP 25
240
Gesta Danorum Primeiramente a temaacutetica eacutepica e os feitos de um povo e de heroacuteis O
povo eacute o danecircs Os heroacuteis satildeo vaacuterios normalmente reis e heroacuteis em sentido beacutelico mas
que via de regra espelham o principal heroacutei da Gesta que eacute o arcebispo Absalatildeo A
exaltaccedilatildeo de ambos - tanto o povo danecircs quanto o arcebispo-heroacutei - encontra-se
expliacutecita no Praefatio
Em relaccedilatildeo agrave linguagem natildeo se pode afirmar da mesma forma A Gesta
Danorum eacute escrita em latim natildeo em vernaacuteculo contrariamente agraves Chansons-de-Geste
O ato de cantar os feitos dos heroacuteis por meio de formas poeacuteticas ndash comum agraves
Chansons-de-Geste - eacute comum em toda a Gesta Danorum mas natildeo se presta para
classificaacute-la no gecircnero visto espelhar tradiccedilotildees escandinavas antigas ndash como a
escaacuteldica Saxo reivindica para si o papel de tradutor de algueacutem transmite que os
cantares e tradiccedilotildees de seu povo
Acerca da sacralizaccedilatildeo dos guerreiros e da visatildeo da aristocracia por um vieacutes
clerical a Gesta Danorum apresenta material exemplar tanto por conter narrativas de
Cruzadas propriamente ditas quanto por derivaacute-las do passado miacutetico A temaacutetica das
Cruzadas contra os eslavos ocidentais permeia toda a Gesta Danorum de forma
expliacutecita entre os livros X-XIV e de forma esquemaacutetica ideoloacutegica e velada nos livros
de I a IX489
A Gesta Danorum apresenta um constante agrupamento de feitos histoacutericos e
narraccedilatildeo croniacutestica com tradiccedilotildees miacuteticas na tentativa de alinhaacute-las de forma
razoavelmente loacutegica em uma linha genealoacutegica preacute-estabelecida
Eacute possiacutevel que tanto Saxo quanto Sven tenham se baseado em alguma
genealogia na qual foram acrescentando material externo Nesse agrupamento e
ordenaccedilatildeo de fontes o material oriundo das memoacuterias dos arcebispos seria colocado de
maneira semelhante ao originaacuterio de tradiccedilotildees miacuteticas
Quando o material oriundo de outras tradiccedilotildees natildeo se ajusta harmonicamente
aos relatos de testemunhas oculares ou aos quais Saxo atribua maior valor como os de
Absalatildeo os por ele proacuteprio vividos ou ao proacuteprio material considerado como
pertencente ao campo da ldquohistoacuteriardquo avalizada como por exemplo Beda Saxo
racionaliza os mitos antigos procurando tornaacute-los plausiacuteveis aos seus olhos e aos de seu
leitor A exemplo de Snorri e a tradiccedilatildeo islandesa Saxo recorre ao evemerismo
Saxo a despeito de ser um escritor comissionado natildeo apenas transcreve o que
489
MUCENIECKS 2008 51 57-61 102-104
241
lhe eacute dito nem reproduz simplesmente certa posiccedilatildeo poliacutetica Com frequecircncia profere
juiacutezos claros de valor sobre uma histoacuteria que acabou de narrar Entretanto ao se
observar a forma como ele a narra ou os episoacutedios posteriores a ela o leitor percebe
claramente que sua ideacuteia eacute exatamente oposta
Na proacutepria narrativa da trajetoacuteria de seu patrono Absalatildeo alguns entrevecircem a
possibilidade de que para Saxo o arcebispo se ocupasse demasiadamente com os
assuntos mundanos e laicos490
A escolha dos personagens-fonte para as narrativas tambeacutem revela paracircmetros
proacuteprios individuais A grande maioria dos heroacuteis vilotildees e demais personagens da
Gesta possuem paralelos em sagas poemas e narrativas
Raramente poreacutem Saxo conta uma tradiccedilatildeo de forma similar agraves outras fontes
escandinavas Em algumas circunstacircncias nas quais se possui narrativas mais completas
ndash como a Edda de Snorri - Saxo por vezes inverte o papel entre protagonista e
antagonista
Temos um exemplo claro no mito de BalderusBalethr do qual temos outra
versatildeo em Snorri Saxo inverte o papel de Balethr transformando-o em vilatildeo e
transferindo suas caracteriacutesticas boas para o adversaacuterio HotherusHoumlethr ndash que por sua
vez eacute apenas um joguete nas matildeos de Loki na narrativa da Edda de Snorri A proacutepria
planificaccedilatildeo entre ldquomaurdquo e ldquobomrdquo evidente em Saxo natildeo possui tal dimensatildeo de certo
e errado nas narrativas da Edda
Alguns dos episoacutedios aos quais Saxo apresenta maior cuidado de elaboraccedilatildeo
por muitas vezes natildeo centralizam sua atenccedilatildeo nos reis mas em algum heroacutei paralelo agrave
narrativa do rei este dessa forma ainda que o suposto protagonista oferece interesse
secundaacuterio para o leitor frente ao heroacutei
O arcebispo Absalatildeo faleceu em 1202 Saxo provavelmente concluiu a escrita da
Gesta entre 1215 a 1219491
ano no qual foi construiacutedo por Valdemar o forte de Tallinn
na Estocircnia492
O Praefatio cita a campanha de Valdemar no Elba mas cala sobre a na
Estocircnia Eric Christiansen assume uma data limite de 1215 e argumenta que apoacutes a
expediccedilatildeo de 1206 de Valdemar agrave Estocircnia ldquoSaxo que ainda escrevia sua Gesta nesta
490
SAWYER amp SAWYER 2003 225 CHRISTIANSEN 1997 60s 491
CHRISTIANSEN 1997 110 492
URBAN William The Baltic Crusade Chicago Lithuanian Research and Studies Centre 1994 Pp
124s
242
eacutepoca foi avivando sua narrativa com faacutebulas de como os ancestrais do rei tinham
povoado a Ruacutessia e conquistado o Daugava os Estonianos e os finesesrdquo493
Apoacutes o falecimento do arcebispo o curso do trabalho parece ter mudado Eacute uma
ideia bem aceita de que Saxo escreveu primeiramente os uacuteltimos livros (X-XVI) da
Gesta tendo iniciado posteriormente a escrita dos primeiros (I-IX) que veiculam as
origens dos daneses e os tempos de paganismo494
Haacute consideraacutevel contraste entre as
duas partes da obra e o procedimento de praxe tecircm sido dividi-las como parte miacutetica (I-
IX) e ldquohistoacutericardquo (X-XVI) a uacuteltima baseada nas memoacuterias de Absalatildeo (ver Tabela 06)
Arcebispo Rei Livros escritos Aspecto geral
Absalatildeo Valdemar I
amp Knut IV
X-XVI Crocircnica da Dinamarca Feitos de Absalatildeo
as cruzadas na Slavia
Anders Sunesson Valdemar II I-IX ldquoPreacute-Histoacuteriardquo da Dinamarca evemerismo
dos mitos do norte
Anders Sunesson Valdemar II Prefaacutecio Descriccedilatildeo geral do trabalho e do mundo
agradecimentos e homenagens
Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto (do autor)
A despeito dessa divisatildeo eacute possiacutevel encontrar unidade em ideologias e
propoacutesitos em ambas as partes por mais diferentes que pareccedilam entre si Nesse sentido
diversos autores identificaram esquemas e ordenaccedilotildees especiacuteficas na Gesta Inge
Skovgaard-Pedersen (1975)495
defende uma divisatildeo quadripartite na obra os livros I-IV
conteacutem o mundo antes do nascimento de Cristo os V-VIII o periacuteodo anterior agrave
conversatildeo da Dinamarca os livros IX-XII narram o crescimento na igreja danesa e XIII
a XVI o estabelecimento dos arcebispados Kurt Johannesson (1978-1981) identificou
uma elaboraccedilatildeo crescente na gesta Danorum que apresenta as Quatro Virtudes
Cardinais496
e Sigurd Kvaeligrndrup defendeu (2004) a existecircncia de doze princiacutepios e uma
emulaccedilatildeo de ldquoFeitos e ditos memoraacuteveisrdquo de Valeacuterio Maacuteximo497
493
CHRISTIANSEN 1997 110s 494
ELLIS-DAVIDSON 2006 11 495
SKOVGAARD-PEDERSEN I Gesta Danorums genremaeligssige placering In BOSERUP Ivan (ed)
Saxostudier Copenhagen Museum Tusculanum 1975 Pp 20-29 496
JOHANNESSON 1981 121 497
KVAEligRNDRUP 2004 28
243
431 O Evemerismo de Saxo
O evemerismo na Gesta Danorum de longe recebe a atenccedilatildeo dos estudiosos de
sua contraparte na Edda e na Ynglingasaga Sob consideraccedilotildees meramente estiliacutesticas
seu texto apresenta uma elaboraccedilatildeo muito distinta da dos autores islandeses e pode por
vezes ser de difiacutecil compreensatildeo e interpretaccedilatildeo
Em contraposiccedilatildeo ao predomiacutenio da escola da Gelehrte Urgeschichte na
Heimskringla e Edda em Prosa a forma interpretativa mais difundida sobre o tema em
Saxo foi feita por Georges Dumeacutezil em Du mythe au roman de 1970 que analisa-o sob
a oacutetica dos estudos mitoloacutegicos mais especificamente o material contido no livro I
referente a Hadingus
Existem dois episoacutedios especiacuteficos no livro I nos quais Saxo Grammaticus
apresenta explicaccedilotildees evemeristas Dumeacutezil chama-os de ldquoDigressotildees mitoloacutegicasrdquo O
primeiro dos episoacutedios disserta sobre trecircs raccedilas de feiticeiros (mathematici) gigantes
magos e o cruzamento de ambos Os gigantes possuiacuteam grande tamanho mas os
poderes dos maacutegicos eram superiores O resultado do cruzamento entre as duas raccedilas
produziu descendentes que natildeo possuiacuteam nem o tamanho dos gigantes nem as artes dos
maacutegicos Todos vieram a ser chamados de deuses
O episoacutedio estaacute inserido apoacutes a abertura da narrativa sobre Hadingus e a
descriccedilatildeo de como o mesmo foi adotado por gigantes apoacutes a morte de seu pai [151]
Dumeacutezil procura explicar a passagem estruturalmente com base em comparaccedilotildees entre
gigantes e homens e os ases e vanes da mitologia escandinava498
A interpretaccedilatildeo nos parece razoaacutevel a despeito das ressalvas de Boulhosa499
e
pode ser pensada paralelamente com os mitos de criaccedilatildeo escandinavos aos quais temos
acesso por meio de Snorri nos quais gigantes e deuses estatildeo presentes
O que nos parece entretanto como Dumeacutezil tambeacutem nota500
eacute que o episoacutedio
do cruzamento das raccedilas possa conter alguma reminiscecircncia do capiacutetulo 06 do livro do
Gecircnesis que narra o cruzamento das filhas dos homens com seres sobrenaturais
algumas traduccedilotildees inclusive enfatizam a existecircncia de gigantes
Natildeo nos deteremos nesse episoacutedio que aos nossos propoacutesitos serve apenas de
forma acessoacuteria no sentido de explicar parcialemente a metodologia hermenecircutica de
498
DUMEacuteZIL Do mito ao romance a Saga de Hadingus Satildeo Paulo Martins fontes 1992 pp101s 499
BOULHOSA 2006 500
DUMEacuteZIL 1992 103
244
Saxo Seu evemerismo assimila tradiccedilotildees distintas e procura coadunaacute-las em uma
narrativa explicativa tambeacutem racionalizada No caso os objetivos do adendo miacutetico se
prestam para explicar o emprego de gigantes na narrativa posterior bem como os
poderes apresentados pelos mesmos Tambeacutem eacute uacutetil na narrativa para demonstrar como
seres habilidosos receberam adoraccedilatildeo da parte dos homens como deuses
A segunda digressatildeo mitoloacutegica no entanto merece mais de nossa atenccedilatildeo
Leia-mo-la com cuidado
1 Nesta eacutepoca um tal de Othinus recebia atraveacutes de toda a
Europa a qualificaccedilatildeo mentirosa de deus mas era em Uppsala que ele
residia a maior parte do tempo e honrava muito especialmente esta
cidade como sua residecircncia ordinaacuteria seja por causa da apatia de seus
habitantes seja por causa da apraziacutevel localizaccedilatildeo Desejosos de
prestar uma homenagem agrave sua majestade divina os reis do Norte
mandaram reproduzir a imagem dele numa estaacutetua de ouro que
enviaram a Bizacircncio como expressatildeo de seu respeito nas mais
caracterizadas formas de religiatildeo Aleacutem disso enfiaram densos e
pesados braceletes nos braccedilos da estaacutetua
Exultante com tatildeo consideraacutevel homenagem ele foi
extremamente sensiacutevel agrave afeiccedilatildeo dos expedidores Mas sua mulher
Frigga para poder mostrar-se em seus mais belos adornos convocou
ferreiros e fez retirar todo o ouro da estaacutetua Othinus mandou enforcaacute-
los colocou a estaacutetua sobre um pedestal e pelo arttifiacutecio de um
espantoso sortileacutegio deu-lhe o poder de falar quando algueacutem tocasse
nela Mas Frigga natildeo se deu por vencida colocando a elegacircncia de
seus enfeites acima da dignidade de seu marido ela prostituiu-se com
um de seus servidores Graccedilas a ele Frigga conseguiu derrubar a
estaacutetua e aproveitou para o seu luxo pessoal o ouro que tinha sido
supersticiosamente dedicado a um culto puacuteblico Ela natildeo teve o menor
escruacutepulo em abandonar-se ao seu impudor para melhor satisfazer sua
avidez essa mulher indigna de ser esposa de um deus O que poderei
acrescentar aqui senatildeo que um tal deus era no fundo bem digno de
tal esposa Tatildeo grande era nesse tempo o erro do qual os mortais eram
meros joguetes
Assim Othinus sob o impacto da injuacuteria que a esposa lhe
infligira natildeo sentiu menos o dano sobre sua imagem do que sobre o
seu leito Profundamente ferido por essas duas irritantes vergonhas e
obedecendo a um nobre sentimento de honra decidiu exilar-se
pensando que assim apagaria a maacutecula da afronta sofrida
2 Com a partida de Othinus um certo Mithotyn ceacutelebre por
seus sortileacutegios que faziam crer que sua forccedila lhe era insuflada por
um dom celeste aproveitou a ocasiatildeo para outorgar-se tambeacutem uma
pretensa divindade e envolvendo os espiacuteritos baacuterbaros nas trevas de
um novo erro induziu-os pela fama de seus sortileacutegios a celebrarem
cerimocircnias em sua homenagem Dizia ele que natildeo se podia apaziguar
a coacutelera dos deuses e redimir as faltas cometidas contra a majestade
deles atraveacutes de sacrifiacutecios globais e confusos por conseguinte
proibiu que se lhes dirigissem pedidos coletivamente e estabeleceu
para cada uma das divindades oferendas distintas
245
Com o regresso de Othinus Mithotyn renunciou ao socorro de
seus sortileacutegios e foi esconder-se em Fiocircnia501
mas os habitantes
lanccedilaram-se sobre ele e mataram-no Mesmo depois de morto suas
vergonhosas praacuteticas continuaram se manifestando pois todos aqueles
que se aproximavam de seu tuacutemulo ele os matava de morte suacutebita e
causou tantas calamidades apoacutes seu desaparecimento que parecia que
a morte de Mithotyn tinha de deixar lembranccedilas quase mais pavorosas
do que a vida dele como se quisesse encontrar culpados para fazecirc-los
expiar seu assassinato Em meio a esses infortuacutenios os habitantes
retiraram o cadaacutever dele da tumba decapitaram-no e furaram-lhe o
peito com uma estaca foi a salvaccedilatildeo deles
3 Depois disto Othinus a quem a morte de sua mulher
restituiacutera sua antiga gloacuteria redimindo de certa maneira a maacutecula
causada em sua divindade retornou do exiacutelio e todos aqueles que em
sua ausecircncia tinham ostentado tiacutetulos e recebido honras de deuses
foram obrigados a renunciar a estes dizendo que nada disso lhes
pertencia e pelo fulgor reparado de sua majestade dispersou como
trevas os grupos de maacutegicos que se haviam formado e forccedilou-os por
uma ordem natildeo soacute a deporem suas qualificaccedilotildees divinas mas ainda a
abandonarem a paacutetria avaliando corretamente que era preciso
expulsar da terra aqueles que tinham tatildeo escandalosamente usurpado o
ceacuteu502
(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Traduccedilatildeo de
Aacutelvaro Cabral In DUMEacuteZIL 1992 Pp117s)
501
A ilha dinamarquesa de Fyen Para Henrik Schuumlck seria no paiacutes dos Finni 502
Dan 171 (p 251 ) [1] Ea tempestate cum Othinus quidam Europa tota falso divinitatis titulo
censeretur apud Upsalam tamen crebriorem deversandi usum habebat eamque sive ob incolarum inertiam
sive locorum amoenitatem singulari quadam habitationis consuetudine dignabatur [2] Cuius numen
Septentrionis reges propensiore cultu prosequi cupientes effigiem ipsius aureo complexi simulacro
statuam suae dignationis indicem maxima cum religionis simulatione Byzantium transmiserunt cuius
etiam brachiorum lineamenta consertissimo armillarum pondere perstringebant [3] Ille tanta sui
celebritate gavisus mittentium caritatem cupide exosculatus est [4] Cuius coniunx Frigga quo cultior
progredi posset accitis fabris aurum statuae detrahendum curavit [5] Quibus Othinus suspendio
consumptis statuam in crepidine collocavit quam etiam mira artis industria ad humanos tactus vocalem
reddidit [6] At nihilominus Frigga cultus sui nitorem divinis mariti honoribus anteponens uni
familiarium se stupro subiecit cuius ingenio simulacrum demolita aurum publicae superstitioni
consecratum ad privati luxus instrumentum convertit [7] Nec pensi duxit impudicitiam sectari quo
promptius avaritia frueretur indigna femina quae numinis coniugio potiretur [8] Hoc loci quid aliud
adiecerim quam tale numen hac coniuge dignum exstitisse [9] Tanto quondam errore mortalium
ludificabantur ingenia [10] Igitur Othinus gemina uxoris iniuria lacessitus haud levius imaginis suae
quam tori laesione dolebat [11] Duplici itaque ruboris irritamento perstrictus plenum ingenui pudoris
exsilium carpsit eoque se contracti dedecoris sordes aboliturum putavit Dan 172 (p 2523 ) [1] Cuius
secessu Mithothyn quidam praestigiis celeber perinde ac caelesti beneficio vegetatus occasionem et ipse
fingendae divinitatis arripuit barbarasque mentes novis erroris tenebris circumfusas praestigiarum fama
ad caerimonias suo nomini persolvendas adduxit [2] Hic deorum iram aut numinum violationem confusis
permixtisque sacrificiis expiari negabat ideoque iis vota communiter nuncupari prohibebat discreta
superum cuique libamenta constituens [3] Qui cum Othino redeunte relicta praestigiarum ope latendi
gratia Pheoniam accessisset concursu incolarum occiditur [4] Cuius exstincti quoque flagitia patuere
siquidem busto suo propinquantes repentino mortis genere consumebat tantasque post fata pestes edidit
ut paene taetriora mortis quam vitae monumenta dedisse videretur perinde ac necis suae poenas a noxiis
exacturus [5] Quo malo offusi incolae egestum tumulo corpus capite spoliant acuto pectus stipite
transfigentes id genti remedio fuit Dan 173 (p 2536 ) [1] Post haec Othinus coniugis fato pristinae
claritatis opinione recuperata ac veluti expiata divinitatis infamia ab exsilio regressus cunctos qui per
absentiam suam caelestium honorum titulos gesserant tamquam alienos deponere coegit subortosque
magorum coetus veluti tenebras quasdam superveniente numinis sui fulgore discussit [2] Nec solum eos
deponendae divinitatis verum etiam deserendae patriae imperio constrinxit merito terris extrudendos
ratus qui se caelis tam nequiter ingerebant
246
Detter e Dumeacutezil explicam o episoacutedio em termos mitoloacutegicos demonstrando os
componentes ali assimilados a Guerra dos AEligsir e Vanir que conteacutem o episoacutedio da
cabeccedila de Miacutemir o colar de Briacutesingamen o mito de Njọrethr e Skaacuteethi503
De fato eacute perfeitamente possiacutevel encontraacute-los na digressatildeo Hadingus elaborado
conforme o deus Njọrethr eacute o personagem principal do livro na mitologia de Snorri
Njọrethr adentra a famiacutelia dos AEligsir atraveacutes de uma guerra que se daacute entre as duas famiacutelias
de deuses
O ponto que nos interessa no entanto eacute o que a passagem nos demonstra sobre a
elaboraccedilatildeo de leste na Gesta Danorum Para isso precisamos recorrer agrave comparaccedilatildeo
com as fontes islandesas
Em ambos possuiacutemos uma temaacutetica similar e uma hermenecircutica evemerista no
lidar com os mitos e na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem A Heimskringla e o Proacutelogo da
Edda Menor vinculam as origens de seus povos ao Oriente mais especificamente agrave Aacutesia
Menor agrave Troacuteia Oacuteethinn estaacute presente nas narrativas e residiraacute posteriormente em
Uppsala
O que o relato de Saxo nos traz nesse sentido per se Os personagens Othinus
(evidentemente uma transcriccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo do nome Oacuteethinn) Mythothyn ndash
ldquofalsomiacuteticordquo Oacuteethinn e Frigga Othinus eacute reverenciado em Uppsala e governa em
Bizacircncio
O paralelo geograacutefico e temaacutetico com os Proacutelogos islandeses eacute oacutebvio Poreacutem ele
se encerra nesses niacuteveis
Natildeo haacute uma narrativa da guerra de Troacuteia sequer uma Troacuteia ndash Saxo fala em
Bizacircncio natildeo haacute uma narrativa de migraccedilatildeo Em seu lugar temos uma intriga palaciana
entre um ser ndash ambiguamente tratado na primeira sentenccedila como falso deus ndash ldquo() falso
divinitatis titulo censeretur ()rdquo mas ao mesmo tempo um falso deus mais digno ou
merecedor de honrarias do que o outro que usurpa sua posiccedilatildeo e que ao final da
situaccedilatildeo recupera o ldquofulgorrdquo de sua antiga ldquomajestade divinardquo (numen -inis)
Haacute dados acessoacuterios como os preconceitos de Saxo ndash que seratildeo mostrados e
repetidos exaustivamente em livros posteriores ndash sobre o sexo feminino satildeo
incorporados em Frigga apresentada como uma aduacuteltera que cede agrave luxuacuteria do ouro
Ora a explicaccedilatildeo da proveniecircncia dos daneses eacute colocada por Saxo
anteriormente na primeria linha da Gesta
503
DUMEacuteZIL 1992 121s
247
ldquoOs daneses traccedilam seus iniacutecios a Dan e Angul filhos de
Humblus que foram natildeo meramente os fundadores de nossa raccedila mas
tambeacutem seus guias Dudo entretanto que escreveu uma historia da
Francia acredita que os daneses fluiacuteram dos danais e foram nomeados
segundo elesrdquo504
(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Versatildeo nossa)
Saxo liga conscientemente a histoacuteria de origem dos daneses a Dudo de S
Quentin autor da Historia Normannorum associando ldquodanecircsrdquo aos ldquodanaisrdquo nome dado
aos helecircnicos na Iliacuteada Pouco depois na passagem cita agrave Beda autor da Historia
ecclesiastica gentis Anglorum ao refletir sobre o destino de Angul e a origem dos
ingleses
Esta passagem explica a genealogia mas natildeo o porquecirc do esvaziamento do
sentido mais comum ao medievo Ocidental da ldquoMateacuteria de Romardquo Tampouco explica
porque Saxo tendo jaacute recorrido a outra fonte explicativa insere a narrativa que conteacutem
versatildeo diferente e de forma tatildeo transfigurada
Haacute diversos problemas nesta situaccedilatildeo bem como na nossa interpretaccedilatildeo O
principal eacute que natildeo podemos definir um arqueacutetipo exato escandinavo que trace a
origem de Oacuteethinn agrave Troacuteia Possuiacutemos uma longa tradiccedilatildeo de escrita histoacuterica Medieval
Ocidental e uma derivaccedilatildeo da mesma em solo Islandecircs que o fazem mas a existecircncia de
tal tradiccedilatildeo natildeo obriga Saxo a empregaacute-la especialmente se no iniacutecio do livro empregou
outra histoacuteria de origem ainda que mais simples
A formaccedilatildeo de Saxo Grammaticus e alguns dos elementos da narrativa no
entanto satildeo por demais similares agrave tradiccedilatildeo da ldquoMateacuteria de Romardquo para pressupormos
que Saxo natildeo a conhecia Ele simplesmente optou por empregar apenas elementos
acessoacuterios da mesma Em outros toacutepicos da mitologia ele o faz semelhantemente
citamos a pouco o mito de Balethr como exemplo
Cremos no entanto poder sugerir ao menos duas hipoacuteteses razoaacuteveis
conectadas agrave nossa temaacutetica que ajudam a compreender as seleccedilotildees efetuadas por Saxo
nesse episoacutedio
504
111 [1] Dan igitur et Angul a quibus Danorum coepit origo patre Humblo procreati non solum
conditores gentis nostrae verum etiam rectores fuere [2] Quamquam Dudo rerum Aquitanicarum
scriptor Danos a Danais ortos nuncupatosque recenseat
248
432 O leste na Gesta Danorum
A primeira hipoacutetese eacute que a ldquoMateacuteria de Troacuteiardquo natildeo oferece sentido para o leste
em Saxo Grammaticus e o Oriente natildeo incorpora dessa forma signicados de origem no
mesmo sentido que nos Proacutelogos islandeses incluindo os imaginaacuterios sacros referentes
ao Paraiacuteso e agrave Nova Jerusaleacutem
Haacute pouco espaccedilo para interpretaccedilatildeo biacuteblica ndash natildeo apenas no livro I mas por toda
a Gesta Eacute de certa forma surpreendente encontrar um nuacutemero maior de referecircncias
teoloacutegicas e derivaccedilotildees de interpretaccedilotildees biacuteblicas nas obras histoacutericas dos autores
islandeses supostamente leigos do que na obra de um eclesiaacutestico danecircs que escreve
comissionado por um arcebispo
Eric Christiansen expotildee pensamento similar quanto agraves inclinaccedilotildees espirituais ou
poliacuteticas de Saxo
ldquoHe was interested in the spiritual regeneration of the heathen
Slavs but much more interested in the political regeneration of
Denmark and he seems to have believed that both aims were equally
acceptable to God He was writing at a time when Denmark was a
powerful and prosperous kingdom and his concern was to give this
kingdom a past as glorious as the presentrdquo505
Destarte se desejamos entender os sentidos que o leste pode assumer na Gesta
Danorum devemos fazecirc-lo de forma coadunada com a ideologia poliacutetica defendida por
Saxo No momento eacute pertinente retornarmos agrave fonte e observar em maior detalhe como
Saxo se refere agrave regiatildeo no seu Proacutelogo ao discriminar os povos da Escandinaacutevia
ldquoApoacutes o que para o nascente tambeacutem se encontra um ajuntamento de
muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo506
-507
Para Saxo em sua linguagem rebuscada e carregada de sinocircnimos e
qualificantes o leste eacute um ldquoajuntamento de muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo
A descriccedilatildeo da regiatildeo de tal forma no Praefatio eacute significativa em particular se
levarmos em consideraccedilatildeo a ideia de sua composiccedilatildeo posterior aos demais livros da
Gesta Nesse caso a consideraccedilatildeo eacute ponderada fruto de anos de trabalho e escrita e da
criaccedilatildeo de conceitos e preconceitos bastante solidificados na mente do autor Eacute fruto das
505
CHRISTIANSEN 1997 65s 506
ldquoPost quam ab ortu quoque multiplex diversitatis barbaricae consertio reperiturrdquo (0210) 507
Ou ldquode povos baacuterbarosrdquo