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687 CAPÍTULO 48 TESTÍCULO NÃO DESCIDO LUCIANO ALVES FAVORITO JULIANA BEZERRA BASTOS ANDRE LIMA DINIZ I - INTRODUÇÃO O testículo se origina no abdômen e durante o período fetal humano, migra através do canal inguinal em direção ao escroto entre a 15a e a 28a semana pós-concepção (Heyns & Hutson, 1995; Sampaio & Favorito, 1998; Hutson et al, 2015) (Figura 1) Figura 1: Esquema demostrando a cronologia da migração testicular. Os fetos com idade gestacional entre 10 e 20 semanas pós-concepção tinham a maioria dos testículos situados no abdômen; os fetos com idade entre 21 e 25 semanas pós-concepção tinham a maioria dos testículos situados no canal inguinal e todos os fetos com mais de 30 semanas tinham os testículos situados na bolsa escrotal. (13)

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CAPÍTULO 48

TESTÍCULO NÃO DESCIDO

LUCIANO ALVES FAVORITOJULIANA BEZERRA BASTOS

ANDRE LIMA DINIZ

I - INTRODUÇÃO

O testículo se origina no abdômen e durante o período fetal humano, migra através do canal inguinal em direção ao escroto entre a 15a e a 28a semana pós-concepção (Heyns & Hutson, 1995; Sampaio & Favorito, 1998; Hutson et al, 2015) (Figura 1)

Figura 1: Esquema demostrando a cronologia da migração testicular. Os fetos com idade gestacional entre 10 e 20 semanas pós-concepção tinham a maioria dos testículos situados no abdômen; os fetos com idade entre 21 e 25 semanas pós-concepção

tinham a maioria dos testículos situados no canal inguinal e todos os fetos com mais de 30 semanas tinham os testículos situados na bolsa escrotal. (13)

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Existem alterações que podem afetar este processo, fazendo com que a migração testicular não se complete, originando uma anomalia de posição denominada criptorquia ou testículo não descido (Hutson et al, 2015). Esta condição expõe o testículo à uma temperatura cerca de 2 graus centígrados mais elevada que a temperatura do escroto, o que geralmente pode causar danos ao epitélio germinativo, podendo acarretar infertilidade futura ao paciente, além de estar associada à uma maior incidência de câncer testicular (Gill & Kogan, 1997; Kollin & Ritzen, 2014; Mikuz, 2015).

A criptorquia é uma das patologias congênitas mais comuns no sexo masculino, com uma inci-dência de 2 a 5% dos nascimentos a termo, e apresentando uma incidência que pode chegar à 30% nos nascimentos prematuros (Gill & Kogan, 1997; Lee & Houk, 2013; Hutson et al, 2015).

ETIOLOGIA

Diversos fatores estão envolvidos na criptorquia: genético, hormonal e anatômicos (Virtanen et al, 2007). O risco de criptorquia é 3,5 vezes maior em pacientes com irmãos portadores da doença e 2,5 vezes maior se o pai tiver tido criptorquia (Hutson et al, 2010). O testículo não descido é um achado muito frequente nas desordens de diferenciação sexual em pacientes com baixo peso ao nascimento e em prematuros (Virtanen et al, 2007). Diversos fatores ambientais também parecem estar associados ao testículo não descido e a outras anomalias da genitália masculina como a hi-pospadia. Alguns desses fatores são a exposição a organofosforados, tabagismo materno e diabetes materno (Mathers et al, 2009).

A migração testicular é um processo complexo, sendo mediada por fatores endócrinos e me-cânicos. A integridade do eixo entre o testículo, o hipotálamo e a hipó� se, que regula a produção da testosterona, é importante para esse processo. A criptorquia é um evento comum em patologias nesse eixo, como, por exemplo, o hipogonadismo hipogonadotró� co e a de� ciência de 5-alfa-redu-tase (Hutson et al, 2010). A testosterona parece desempenhar papel ativo na migração do testículo, induzindo o desenvolvimento de estruturas importantes para a migração testicular como o processo vaginal, o ducto deferente, o epidídimo, o canal inguinal e o escroto. Outro mecanismo de ação da testosterona seria através de estímulo do nervo genitofemoral, que induziria a produção do peptídio relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) que atua estimulando o desenvolvimento do gubernácu-lo testicular.

As gonadotro� nas fetais e placentárias também estão implicadas no processo da migração

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testicular. Essas substâncias atuam estimulando a produção dos androgênios testiculares, que in-duzem o crescimento e o desenvolvimento do ducto deferente, do epidídimo, do processo vaginal e do próprio gubernáculo (Henys & Hutson, 1995). É de conhecimento geral que o tratamento da criptorquia com gonadotro� nas induz à migração do testículo em níveis que variam de 25 a 55% dos casos (Cortes et al, 2003).

Outra substância endócrina envolvida na migração testicular seria a descendina. Essa subs-tância secretada pelo testículo, independente dos androgênios teria um papel importante no cresci-mento das células mesenquimais do gubernáculo. O gubernáculo seria portanto uma das estruturas fetais implicadas na migração testicular mais modi� cadas pela ação hormonal.

Problemas com o eixo hipotálamo-hipo� sario estão associados com a criptorquia, o que ex-plica a alta incidência desta anomalia em pacientes com as síndromes de Prader-Willi, síndrome de Kallman, hipoplasia hipo� sária e anencefalia .

CLASSIFICACÃO DA CRIPTORQUIA

A criptorquia pode ser unilateral ou bilateral e geralmente é mais frequente à direita (Ashley et al, 2010). Em geral, 80% dos testículos são palpáveis e 20% não palpáveis, estando na cavidade abdominal ou ausentes (Kaefer, 2004). O testículo nãodescido pode ser classi� cado de acordo com a sua posição ao longo do trajeto normal da migração testicular ou em sítios ectópicos. O testículo pode estar localizado no abdômen, no canal inguinal, no anel inguinal externo (pré-pubico) ou ser retrátil (Heyns & Hutson, 1995).

O testículo retrátil é de� nido como um testículo supra-escrotal que pode ser levado até o escroto, permanecendo nesta região sem tração até que o re� exo cremastérico atue e tracione o testículo para a região supra-escrotal ou inguinal (La Scala & Ein, 2004). O manejo dos pacientes portadores de testículo retrátil permanece controverso entre a observação até a adolescência e a intervenção cirúrgica precoce.

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ECTOPIA TESTICULAR

O local de inserção da porção distal do gubernáculo seria um dos fatores envolvidos na ectopia testicular (Heyns & Hutson, 1995). Estudos prévios relatam que a porção distal do gubernáculo apre-sentaria 6 extensões: abdominal, pubo-peniano, femoral, perineal, escroto contra-lateral e escrotal (Heyns & Hutson, 1995) (Figura 2). Especula-se que esses ramos da porção distal do gubernáculo existiriam durante o início do desenvolvimento fetal e desapareceriam durante o processo de migra-ção testicular (Heyns & Hutson, 1995). Se algum desses prolongamentos da porção distal persistir, o indivíduo poderia desenvolver testículo ectópico (Cromie, 1978).

Figura 2: Desenho esquemático evidenciando as seis extensões da porção distal do gubernáculo: 1) Femoral, 2) Escrotal, 3) Perineal, 4) Escrotal contra-lateral, 5) Pubo-peniana e 6) Intersticial. T= testículo, G=gubernáculo, baseado no trabalho de Favorito

(26).

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Diversas teorias tentam explicar a ectopia testicular, e as mais aceitas são: (a) falha no meca-nismo de dilatação do canal inguinal pelo gubernáculo, o que faria com que o testículo � casse livre durante sua migração, propiciando a mobilização excessiva para locais fora do seu trajeto normal (Cromie, 1978); (b) Invasão do gubernáculo pelas fáscias da parede abdominal, próximas ao canal inguinal, o que levaria a um bloqueio na passagem do testículo em direção ao escroto, favorecendo seu desvio para um local ectópico (Backhouse, 1982) e (c) a existência de inserções distais múltiplas do gubernáculo testicular, que guiariam o testículo para os principais sítios ectópicos (Heyns & Hut-son,1995).

A teoria mais aceita para explicar a ectopia testicular é a existência de inserções distais múl-tiplas do gubernáculo. Segundo essa teoria, proposta por Lockwood no século passsado (Heyns & Hutson, 1995), o gubernáculo apresentaria 6 locais de inserção distal em ordem decrescente de incidência: escrotal, intersticial (abdominal), femoral, perineal, transverso (escrotal contra-lateral) e pubo-peniano (Heyns & Hutson, 1995; Scorer & Farrington, 1971) (Figura 2).

RISCO DE CÂNCER E INFERTILIDADE

Os tipos de tumor testicular mais comumente associados à criptorquia são o seminoma e o carcinoma embrionário com uma incidência 35 a 40 vezes maior que na população geral (Gapani et al, 2008). Cerca de 10% dos tumores testiculares estão associados à criptorquia e o risco da ocorrên-cia de tumores aumenta nos testículos situados em posição mais alta (Gapani et al, 2008) (Figura 3). O risco da ocorrência tumoral aumenta nos pacientes que não foram operados e nos pacientes operados em idades mais avançadas e em geral ocorrem entre os 20 e 40 anos de idade (Docimo et al, 2004; Walsh et al, 2007).

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Figura 3: A � gura evidencia exemplos de tumor testicular associados à criptorquia. A) Tomogra� a computadorizada evi-denciando massa abdominal em paciente de 23 anos portador de criptorquia abdominal. B) Durante a laparotomia desse mesmo

paciente foi evidenciada massa testicular que após exame histopatológico foi diagnosticado seminoma. C) Paciente de 25 anos com o testículo localizado no canal inguinal, com queixa de dor e aumento de volume no local. D) A exploração cirúrgica evidencia massa

tumoral no testículo com criptorquia que o histopatológico demonstrou ser um seminoma.

A infertilidade tem uma incidência aumentada na criptorquia em virtude de alterações epi-télio germinativa e das células de Sertoli. O risco de infertilidade é seis vezes maior em pacientes com criptorquia bilateral do que nos pacientes com criptorquia unilateral (Chung & Brock, 2011). A criptorquia unilateral está associada com azoospermia em cerca de 13% dos casos enquanto que na criptorquia bilateral esse índice pode chegar a mais de 80% nos casos bilaterais não tratados (Kaefer, 2004). Diversas alterações histológicas podem ocorrer no testículo contra lateral tópico nos casos de criptorquia unilateral (Kaefer, 2004).

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ANOMALIAS ASSOCIADAS

Diversas anomalias estão associadas à criptorquia, no entanto as anomalias epididimárias e a hérnia inguinal estão entre as mais frequentes (Scorer & Farrington, 1971; Gill & Kogan, 1997; Shar-ma & Sen, 2013) (Figura 4 e Figura 5). As anomalias epididimárias estão associadas à criptorquia com uma incidência muito variável na literatura: de 36 a 79% dos casos (Mollaeian, 1994; Barthold & Redman, 1996; Favorito et al, 2006). O conhecimento das anomalias epididimárias mais comuns pode evitar acidentes durante a cirurgia de orquidopexia, como, por exemplo, a lesão de um epidí-dimo alongado (Ko� & Scaletsky, 1990).

Figura 4: Paciente de 4 anos de idade com testiculo supra-escrotal apresentando relação anatômica entre o testículo e o epidídimo do Tipo V – Disjunção total entre o epidídimo e o testículo. Notar a presença de um apendice testicular (ap) e patência do

processo vaginal. (*) = cabeca do epididimo, T– testículo, E – epidídimo.

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Figura 5: Paciente de 4 anos de idade com o testículo esquerdo situado no canal inguinal. Podemos observar a relação anatômica entre o testículo e o epidídimo do Tipo III – disjunção de cauda do epidídimo, associada a um epidídimo alongado. (*) =

gubernáculo testicular; T – testículo e E – epidídimo

A ocorrência das hérnias inguinais associadas à criptorquidia deve-se a persistência do proces-so vaginal (Shrock, 1971; Johansen, 1987; Lao et al, 2012). O processo vaginal é uma bolsa em fun-

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do cego que se estende do peritônio ate o escroto, sendo revestido por epitélio celômico (Backhouse, 1982). Esse conduto geralmente se oblitera após o término da migração testicular (Shrock, 1971; Johansen 1987; Lao et al, 2012). Nos casos onde o processo vaginal não se fecha, a criança poderá desenvolver hérnia inguinal ou hidrocele comunicante.

DIAGNÓSTICO

O exame clinico tem papel fundamental no diagnóstico da criptorquidia. Na inspeção, deve-se avaliar a região inguinal e o testículo contra-lateral. No exame do escroto, em geral, se observa a ausência do testículo (Figura 6). Durante a palpação deve-se avaliar a região inguinal através do aumento da pressão abdominal com o paciente deitado e sentado. A palpação do testículo contra lateral apresenta importância.

Figura 6: Exame clinico de um paciente com criptorquia evidencia que o escroto se encontra “vazio” no lado esquerdo. Esse paciente era portador de criptorquia inguinal.

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Os exames de imagem devem ser solicitados apenas quando o exame clínico apresentar al-guma dúvida em relação ao local e à presença do testículo. A ultrassonogra� a (USG) apresenta uti-lidade diagnóstica, principalmente nos testículos situados no canal inguinal em pacientes obesos, sendo de pouca acurácia no diagnostico dos testículos não palpáveis (Tasian & Copp, 2011).

A tomogra� a computadorizada é um exame caro que emite radiação ionizante, apresenta alto índice de falso negativo na investigação dos testículos abdominais, tendo portanto uso restrito na investigação da criptorquia.

A ressonância nuclear magnética (RNM) é um exame caro e apresenta um índice de falso ne-gativo menor que a TC para a investigação de testículo abdominal, no entanto apresenta baixa sen-sibilidade na identi� cação do testículo não palpável (Krishnaswami et al, 2013).

A laparoscopia é o exame de eleição para o diagnóstico do testículo não palpável. É um mé-todo diagnóstico e terapêutico. A laparoscopia diagnostica apresenta sensibilidade e especi� cidade maior que qualquer outro método no diagnostico do testículo não palpável. A laparoscopia apresen-ta vantagem em relação à cirurgia aberta como a melhor identi� cação da anatomia, da viabilidade e da localização do testículo não palpável (Aggarwal & Kogan, 2011).

IDADE IDEAL PARA O TRATAMENTO DA CRIPTORQUIA

Alterações na fertilidade são consideradas a principal consequência da criptorquia. Estu-dos atuais demonstram que se o tratamento for realizado entre 6 meses e um ano de idade essas alterações podem ser minimizadas. Um estudo com a utilização de tratamento hormonal para a criptorquia demonstrou que o tratamento antes de um ano de idade levava a mais altos índices de preservação do epitélio germinativo (Schwentner et al, 2005). Em um elegante estudo clínico onde os pacientes foram divididos em 2 grupos, um tratado aos nove meses de idade e outro aos três anos, � cou evidenciado que a cirurgia realizada aos nove meses apresentava maiores benefícios no crescimento do testículo com criptorquia (Kollin et al, 2006).

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TRATAMENTO CLINICO

O uso do tratamento clinico ainda tem muita controvérsia na literatura, sendo, no entanto, ainda utilizado em diversos centros. Esse tipo de tratamento não deve ser administrado antes de 1 ano de idade em virtude dos efeitos colaterais (Cortes et al, 2003). O tratamento hormonal estimula a produção de testosterona.

Os análogos LHRH estimulam a produção de LH e são administrados sob a forma de Spray nasal na dose de 1,2 mg/dia, durante 4 semanas, com um índice de sucesso entre 30 e 60% (Cortes et al, 2003). A Gonadotro� na Coriônica Humana (Pregnil® ou Profasi HP ® - 1000, 1500, 2000 UI) estimula a produção de testosterona e se administra em 1 dose diária com o intervalo de 72 horas no seguinte esquema: até 2 anos – 4.500 UI; 2 a 5 anos – 6.000 UI; 6 a 10 anos – 8.000 UI e acima de 10 anos – Ine� caz. O índice de sucesso dessa droga é em torno de 15 a 50% dos casos, com índices maiores em testículos no anel externo ou retráteis (Cortes et al, 2003). Os principais efeitos colaterais desse tratamento são: o fechamento prematuro das epí� ses, o desenvolvimento de caracteres sexuais se-cundários, comportamento agressivo e aumento de volume e hiperpigmentação do escroto e pênis.

TESTÍCULO NÃO PALPAVEL

Cerca de 20% dos testículos com criptorquia são impalpáveis e cerca de 20% dos testículos não palpáveis são ausentes. O exame é fundamental para o diagnóstico, mas o teste de estímulo hormonal apresenta grande importância.

No testículo impalpável unilateral se realiza o teste do estímulo hormonal com HcG ou análogo LHRH, se o testículo continuar impalpável deve-se realizar uma USG da região Inguinal e se a USG não demonstrar o testículo se indica uma laparoscopia diagnostica (Ashley et al, 2010).

Se o testículo não palpável for bilateral se realiza a dosagem de testosterona e USG da região inguinal. Após a dosagem da testosterona se faz o teste de estímulo hormonal com HcG; se após o teste a testosterona aumentar, é sinal de que o testículo está presente e indica-se a laparoscopia, no entanto, se o teste for negativo, deve-se realizar a laparoscopia de qualquer forma para con� rmar a agenesia testicular (Aycan et al, 2006; Ashley et al, 2010).

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TRATAMENTO CIRÚRGICO

O objetivo do tratamento cirúrgico é a colocação do testículo no escroto sem atro� a ou recor-rência. A cirurgia deve ser realizada entre 6 e 12 meses de idade e apresenta índices de sucesso em torno de 90% (Cortes et al, 2003; Docimo et al, 2000). As complicações cirúrgicas são mais comuns nos casos de anomalias testiculares, testículos pequenos ou com vasos curtos (Henna et al, 2005).

No caso dos testículos não serem palpáveis, é necessária a exploração cirúrgica por via lapa-rascópica ou aberta, permitindo identi� car a morfologia e localizações anatômicas do testículo, ducto deferente e vasos testiculares e, desta forma, selecionar a técnica cirúrgica mais adequada ao tratamento. Portanto, a conduta terapêutica é essencialmente cirúrgica e deve ser realizada, prefe-rencialmente, até os dezoito meses de vida ou assim que o diagnóstico for feito (Kolon et al, 2014).

A terapia cirúrgica é realizada mediante a orquidopexia ou a orquiectomia. Na primeira os tes-tículos são reposicionados e � xados na bolsa escrotal após a criação de uma bolsa dartos, enquanto na segunda eles são removidos cirurgicamente. Os dois tratamentos cirúrgicos podem ser realizadas tanto por via laparoscópica quanto aberta (Elias et al, 2010).

A orquiectomia é adotada nos casos de criptorquidia unilateral em que o testículo acometido é atró� co, há atresia ou pequeno comprimento do ducto deferente, as veias testiculares estão loca-lizadas retroperitonealmente por serem muito curtas ou na presença de testículo intra-abdominal em pacientes na fase pós-púbere, associada a um testículo contralateral sem alterações anatômicas e morfológicas (Kolon et al, 2010). No entanto, em crianças pós-púberes, há controvérsias na adoção desta conduta uma vez que ela traria prejuízos a qualidade de vida do paciente e um maior risco de mortalidade pós-operatória, havendo um consenso de realizá-la nos casos de um risco aumentado de neoplasia testicular (Chung & Lee, 2015).

Nos demais casos de criptorquia são realizados a orquidopexia, que em pacientes pré-púberes com testículos intra-abdominais é aplicada uma das três técnicas cirúrgicas: orquidopexia conven-cional, orquidopexia laparoscópica, orquidopexia de Fowler-Stephens em um tempo e orquidopexia de Fowler-Stephens em dois tempos. Nos três tipos de técnicas a cirurgia consiste em localizar o tes-tículo, dissecá-lo junto ao cordão espermático, adquirindo livre tensão, e então realizar o seu reposi-cionamento junto à bolsa escrotal. Quando realizada aberta, é adotada uma incisão inguinal medial à espinha ilíaca ântero-superior até a fáscia do oblíquo externo, de forma a permitir a exploração da cavidade peritoneal. As vantagens da realização destas técnicas por laparoscopia incluem melhor visualização, capacidade de dissecção vascular extensa até a origem dos vasos, menor morbidade e

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capacidade de criar um anel interno medial aos vasos epigástricos inferiores e realizar um curso em linha reta até o escroto (Elias et al, 2010).

A orquidopexia convencional é realizada quando o testículo tem localização baixa e os vasos testiculares e ductos deferentes são longos o su� ciente para serem reposicionados junto a eles na bolsa escrotal (Figura 7).

Figura 7: Etapas da orquidopexia. A) Incisão transversa na região inguinal; B) Acesso por planos com identi� cação do testícu-lo e epidídimo situados no canal inguinal; C) Realizada através de dissecção rômbica um espaço no escroto para o posicionamento

do testículo (“neo-bolsa”); D) Fixação do testículo na túnica dartos.

ORQUIDOPEXIA LAPAROSCOPICA

O tratamento cirúrgico depende da localização do testículo. A maioria das orquidopexias pode ser realizada através de acesso inguinal e mesmo escrotal. A laparoscopia é frequentemente utili-zada para o diagnóstico do testículo não palpável, avaliando a posição testicular, se o testículo esta

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atró� co ou ausente (Aggarwall & Koogan, 2014; Kurz, 2016). A laparoscopia permite a realização simultânea da orquidopexia e apresenta altos índices de sucesso.

CIRURGIA DE FOWLER-STEPHENS

Já a orquidopexia de Fowler-Stephens, tanto em um como em dois tempos, é adotada quando o testículo tem localização alta e os vasos testiculares são muito curtos para serem � xadas na bol-sa escrotal. Nela é realizada a ligadura destes vasos, sendo o fornecimento de sangue ao testículo preservado via circulação colateral, e procedendo-se com o reposicionamento e � xação do testículo (Cherian et al, 2014).

Na técnica de Fowler-Stephens em um tempo, a ligadura e � xação do testículo são realizados em um único tempo cirúrgico, enquanto na técnica em dois tempos, na primeira fase do tratamento cirúrgico é realizada a ligadura dos vasos testiculares e em uma segunda operação, de três a seis me-ses após o primeiro tempo cirúrgico, o testículo é reposicionado e � xado à bolsa escrotal (Aggarwall & Koogan, 2014; Kurz, 2016). Sempre que possível é adotada a orquidopexia primária, a qual apre-senta a maior taxa de e� ciência. Comparando-se as duas técnicas de Fowler-Stephens, a realizada em dois tempos apresenta maiores taxas de sucesso (Cherian et al, 2014, Kolon et al, 2014).

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