temas gerais em direito e seus reflexos no desenvolvimento

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TEMAS GERAIS EM DIREITO E SEUS REFLEXOS NO DESENVOLVIMENTO

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CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

LUCIANO DO NASCIMENTO SILVA

Coordenador Acadêmico da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

MARIA CEZILENE ARAÚJO DE MORAIS

Coordenador Acadêmico - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

VALFREDO DE ANDRADE AGUIAR FILHO

Coordenador de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

NÁJILA MEDEIROS BEZERRA E YULGAN TENNO DE FARIAS

Coordenadores-Adjuntos de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPBCNPJ 12.955.187/0001-66

Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO

Adilson Rodrigues PiresAdolpho José Ribeiro

Adriana Maria Aureliano da SilvaAna Carolina Gondim de Albuquerque

OliveiraAndré Karam Trindade

Alana Ramos AraújoBruno Cézar Cadê

Carina Barbosa GouvêaCarlos Aranguéz Sanchéz

Cláudio Simão de Lucena NetoDaniel Ferreira de Lira

Elionora Nazaré CardosoEly Jorge Trindade

Ezilda Cláudia de MeloFelix Araújo Neto

Fernanda Isabela Oliveira FreitasGisele Padilha Cadé

Glauber Salomão LeiteGustavo Rabay Guerra

Herry Charriery da Costa Santos

Hipolito de Sousa LucenaIgnacio Berdugo Gómes de la Torre

Javier Valls PrietoJeremias de Cássio Carneiro de Melo

José Flôr de Medeiros JúniorKarina Teresa da Silva Maciel

Laryssa Mayara Alves de AlmeidaLuciano do Nascimento Silva

Ludmila Douettes Albuquerque de AráujoMarcelo Alves Pereira Eufrásio

Marcelo Weick PoglieseMaria Cezilene Araújo de MoraisRaymundo Juliano Rego Feitosa

Rodrigo Araújo ReülRômulo Rhemo Palitot Braga

Samara Cristina Oliveira CoelhoSuênia Oliveira Vasconcelos

Talden Queiroz FariasThamara Duarte Cunha MedeirosValfredo de Andrade Aguiar Filho

Page 4: TEMAS GERAIS EM DIREITO E SEUS REFLEXOS NO DESENVOLVIMENTO

GUSTAVO RABAY GUERRA E LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDACOORDENADORES

FÁBIO BRITO FERREIRA, RAONI LACERDA VITA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

ORGANIZADORES

TEMAS GERAIS EM DIREITO E SEUS REFLEXOS NO DESENVOLVIMENTO

SÉRIE DIREITO, DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPBCAMPINA GRANDE – PB

2015

Page 5: TEMAS GERAIS EM DIREITO E SEUS REFLEXOS NO DESENVOLVIMENTO

T278

CDU 340

Temas gerais em direito e seus reflexos no desenvolvimento/Gustavo Rabay Guerra (Coord.); Laryssa Mayara Alves de Almeida (Coord.); Fábio Brito Ferreira (Org.); Raoni Lacerda Vita (Org.); Vinícius Leão de Castro (Org.). – Campina Grande: AREPB, 2015.

110 p.

ISBN 978-85-67494-09-8

1. Direito 2. Reflexos I. Título.

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB.Foi feito o depósito legal.

© Copyright 2015 by AREPB

Editor-chefeLARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E LUCIANO NASCIMENTO SILVA

Coordenação do LivroGUSTAVO RABAY GUERRA E LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

Organização do LivroFÁBIO BRITO FERREIRA, RAONI LACERDA VITA E

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

CapaPHELLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA

Editoração GUSTAVO RABAY GUERRA

ISAAC RAMON FERREIRA DINIZ GOMES LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

DiagramaçãoGUSTAVO RABAY GUERRA

ISAAC RAMON FERREIRA DINIZ GOMESLARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

VINÍCIUS LEÃO DE CASTROData de fechamento da edição: 26-03-2015

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores.

v

O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB,com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.bre confira E-Books gratuitos

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PREFÁCIO Com espírito multidisciplinar e refinada sintonia com grandes

temas que enchem de inquietações juristas e pesquisadores de outras áreas do saber, a série Direito, democracia e desenvolvimento é lançada para contribuir com debates acadêmicos e permitir aos leitores destacada fonte de investigação. Trata-se de conjunto de obras que congrega o estado da arte em nível de pós-graduação, no campo fértil e ainda muito pouco explorado do desenvolvimento, conquanto categoria.

A senda é aberta com esse volume, dedicado aos Temas gerais em direito e seus reflexos no desenvolvimento e plasmado pela cidadania e pelo novo paradigma do desenvolvimento, entendido como ramo autônomo do conhecimento jurídico e, simultaneamente, direito humano. A miragem sobre os componentes da obra, anunciada em uma perspectiva transversal, transpõe os limites da dogmática jurídica, perpassando questões sociais latentes, com engajamento de rara qualidade, inclusive, no plano internacional.

Nesse giro, sucedem-se os capítulos apresentados por Adelmar Azevedo Régis, Andrey Levi Diogenes Magalhães, Artur Felipe Costa Ferreira Neri, Carlos Eduardo dos Santos Farias, Carlos Frederico Nóbrega Farias, Edigardo Ferreira Soares Neto, Fábio Andrade Medeiros, Fábio Brito Ferreira, George Suetonio Ramalho Júnior, Rafael Augusto Dantas Carneiro Souto e Renato José Ramalho Alves, em bem sucedida colaboração de produção acadêmica, sem descurar de relevantíssimos aspectos prático-profissionais das respectivas temáticas.

Abrindo o volume, Fábio Andrade Medeiros apresenta capítulo sobre a questão posta já no título: Asilo – direito humano ou prerrogativa dos estados? No texto, apresenta divergências doutrinárias sobre o alcance normativo das disposições e conceitos que abrangem a categoria asilo político no direito internacional.

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Sob a inquietação do recrudescimento da urbanização desordenada e a instalação de grandes indústrias nas zonas, Rafael Augusto Dantas Carneiro Souto analisa o problema da Poluição sonora como dano ambiental, agente poluidor e responsabilidade pelo dano, em capítulo que discute as diferentes esferas de responsabilização (administrativa, civil e penal), pelos danos causados nessa modalidade.

O direito fundamental à cultura e a noção de proteção universal desse bem jurídico ocupa o interessante texto de George Suetonio Ramalho Júnior sobre o São João de Campina Grande-PB, no capítulo intitulado O maior São João do mundo como bem cultural imaterial da humanidade, na qual defende a inscrição da festa folclórica da “Rainha da Borborema” – a segunda maior cidade paraibana – como patrimônio cultural sob proteção da UNESCO.

Carlos Eduardo dos Santos Farias e Edigardo Ferreira Soares Neto nos brindam com contributo inédito sobre o tema Licitação sustentável: uma nova forma de comprar da Administração Pública, enquadrando novas possibilidades de gestão sustentável da atividade da administração pública brasileira, ainda assolada pela ineficiência e subdesenvolvimento.

Influências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no Brasil é a questão trazida pelos autores Artur Felipe Costa Ferreira Neri e Andrey Levi Diogenes Magalhães, em que apontam a importância das relações do país com essa relevante organização internacional, participando de vários de seus comitês, em que pese o Brasil não integrar o conjunto de nações com assento na OCDE.

Carlos Frederico Nóbrega Farias e Renato José Ramalho Alves apresentam texto estruturante sobre O papel das agências reguladoras no Brasil, no qual abordam, entre outros aspectos conceituais, a chamada tese da captura, no sentido de prevenir a ocorrência de relações indesejadas entre a agência, o governo e os entes sob regulação setorial, em que mais uma vez a independência e eficiência da administração pública é posta em xeque.

A questão político-eleitoral tão em evidência nos dias atuais, à vista das almejadas reformas, é o tema desenvolvido por Adelmar

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Azevedo Régis e Fábio Brito Ferreira, na seção dedicada a enfrentar o conceito de Poluição visual no âmbito da propaganda eleitoral.

Afinados com o presente e sempre abertos ao futuro, todos os temas são nomeadamente relevantes e alguns até inéditos, como se percebe do itinerário apresentado. Resta congratular os organizadores Fábio Brito Ferreira, Raoni Lacerda Vita e Vinícius Leão de Castro pela coletânea. A padronização e qualidade das fontes consagram um excepcional oportunidade para os leitores da obra, que terão outros volumes lançados em breve, no mesmo padrão.

Gustavo Rabay GuerraAdvogado. Doutor em Direito, Estado e Constituição (UNB).

Mestre em Direito (UFPE). Professor do CCJ/UFPB.Membro do Conselho Editorial de A Barriguda.

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SUMÁRIO

Prefácio Gustavo Rabay Guerra

Asilo: direito humano ou prerrogativa dos Estados? .................... 10Fábio Andrade Medeiros

Poluição sonora como dano ambiental, agente poluidor e responsabilidade pelo dano ............................................................... 26

Rafael Augusto Dantas Carneiro Souto

O Maior São João do mundo como bem cultural imaterial da humanidade ......................................................................................... 38

George Suetonio Ramalho Júnior

Licitação sustentável: uma nova forma de comprar da Administração Pública ....................................................................... 49

Carlos Eduardo dos Santos Farias e Edigardo Ferreira Soares Neto

Influências da organização para a cooperação e desenvolvimento econômico (OCDE) no Brasil ........................................................... 61

Artur Felipe Costa Ferreira Neri e Andrey Levi Diogenes Magalhães

O papel das agências reguladoras no Brasil .................................... 77Carlos Frederico Nóbrega Farias e Renato José Ramalho Alves

A poluição visual no âmbito da propaganda eleitoral ................ 104Adelmar Azevedo Régis e Fábio Brito Ferreira

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Capítulo 1

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ASILO: DIREITO HUMANO OU PRERROGATIVA DOS ESTADOS?

Fábio Andrade Medeiros1

Sumário: 1 Introdução. 2 Asilo como prerrogativa do Estado concedente. 3 Asilo como Direito Humano. 4 Asilo na legislação brasileira. 5 Conclusões. Referências

1 INTRODUÇÃO

A prática de conceder asilo em terras estrangeiras a pessoas que estão fugindo de perseguição é uma das características mais antigas da civilização. Em textos escritos há 3.500 anos, durante o florescimento dos antigos grandes impérios do Oriente Médio, como o Hitita, Babilônico, Assírio e Egípcio Antigo já se encontram referências à concessão de asilo2.

Asilo significa a proteção dada às pessoas que, por motivos variados, procuram abrigo em um local ou cidade que não aquela em que sofreram perseguição. Portanto, na sua nova morada, isto é, no seu asylon, não correm o risco de dali serem retiradas de forma

1 Mestrando em Direito Internacional na Universidade Católica de Santos – UNISANTOS. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor de Direito Constitucional I e II no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Advogado.

2 ANNONI. Dannielle. O direito internacional dos refugiados e o Brasil. Curitiba: Juruá, 2012, p.96, p. 79.

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abrupta ou violenta, pois gozavam de proteção3.Essa proteção pode ser concedida dentro do território do

próprio Estado (Asilo Territorial), ou dentro de lugares específicos sob a sua autoridade (Asilo Diplomático). É uma forma de extensão da proteção que o Estado confere aos seus nacionais para pessoas de outras nacionalidades, que, por razões de perseguição política, precisam buscar fora do seu país de origem a proteção que ali não está sendo assegurada.

Logo, ao garantir proteção para aqueles que são vítimas de perseguição política, o asilo constitui-se em uma ferramenta importante de preservação dos ideais democráticos, sobretudo da liberdade de expressão, além de ser um importante instrumento de salvaguarda do direito à vida e à liberdade.

Não obstante sua prática ter sido adotada desde a antiguidade, o asilo foi tratado como uma norma universal apenas na Declaração de Direitos Humanos de 1948, cujo art. 14 destaca que todo homem, vítima de perseguição, tem direito de procurar e de gozar asilo em outros países.

Apesar de destacar que todo homem pode procurar e gozar asilo fora de seu país, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, não deixa claro se os Estados estão obrigados a conceder o asilo a quem procura, ou se o farão por mera liberalidade, escolhendo discricionariamente a quem conceder a proteção, o que acaba provocando discussões até os dias atuais sobrea existência ou não de um direito humano ao asilo.

A Declaração dos Direitos do Homem da América (1948) dá um tratamento diferente a essa questão afirmando, no art. 22.7 que “Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com convênios internacionais”, o que leva alguns autores a defender a existência de uma diferença de aplicação do instituto no continente americano.

3 PEREIRA, Luciana Diniz Durães. O direito internacional dos refugiados: Análise crítica do conceito refugiado ambiental. Belo Horizonte: Del Rey 2010, p. 44.

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Essa ausência de clareza normativa provoca uma discussão doutrinária até os dias atuais que registra opiniões divergentes sobre a concessão do asilo. Seria o asilo um direito humano do cidadão? Ou o instituto é apenas uma faculdade, uma prerrogativa do Estado, que fica inteiramente livre para decidir a quem concede a proteção? Esse artigo analisará essa questão a partir do cotejo dos diversos pontos de vista doutrinários sobre o tema.

2 ASILO COMO PRERROGATIVA DO ESTADO CONCEDENTE

Significativa parcela da doutrina que trata do assunto afirma que a concessão do asilo é uma prerrogativa conferida aos Estados, que podem negar o pedido sem precisar detalhar uma justificativa para a negativa, uma vez que o ato de conceder ou negar o asilo seria um ato discricionário do Estado4.

Caminhando nessa direção, Leopoldo Cesar Fontenele, assenta que a primeira conclusão que deve ser tirada das disposições da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que tratam sobre asilo “é a de que o asilo poderá ser gozado se for concedido, pois não existe qualquer dever do Estado em concedê-lo”5. Arrematando esse raciocínio destaca o autor que “para o Estado, a concessão do asilo não é uma obrigação, é uma indulgência, uma faculdade”6.

Portanto, apesar de expressamente previsto na Declaração Universal de 1948, o direito de asilo não foi satisfatoriamente por ela resguardado, pois, o documento não atingiu consenso quanto à imposição aos Estados do dever de concederem o asilo, optando pela redação que diz apenas que o indivíduo tem o direito de buscar e de gozar do asilo, evitando, contudo, se posicionar de forma clara sobre

4 Ato discricionário, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Melo, “é aquele que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles”. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. Revista, atualizada, ampliada. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 368.

5 FONTENELE, Leopoldo Cesar. Op. cit., p. 29.6 Ibid, p. 29.

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a obrigatoriedade dos Estados concederem o asilo quando solicitado e quando o solicitante preencher os requisitos.

Discorrendo sobre o tema, Liliana Lyra Jubilut destaca que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, “assegura o direito de qualquer pessoa perseguida em seu Estado a solicitar proteção a outro Estado, mas não estabelece o dever de um Estado de conceder asilo”7.

A autora esclarece, através de um histórico do processo que resultou no texto final do art. 14, da Declaração, que o direito de asilo apareceu na primeira versão do processo de elaboração da Declaração, denominada versão Humprey (junho de 1947), em homenagem ao seu relator8, no artigo 34, da seguinte forma: “todo Estado deve ter o direito de conceder asilo a refugiados políticos”. Como se vê, nessa primeira versão, o direito de asilo não era do indivíduo, mas sim do Estado, e estava adstrito a refugiados políticos9.

Essa proposta foi mantida também na segunda versão do documento, denominada versão Cassin (junho de 1947) cujo relator foi Rene Cassin10. A manutenção foi fruto do temor dos Estados, cujos representantes elaboravam a declaração, de atraírem para si

7 JUBILUT, L. L. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Paulo: Método, 2007, p. 36.

8 John Humprey foi um advogado, diplomata e acadêmico canadense No 40º Aniversário da Declaração Universal, Humphrey recebeu o Prêmio de Direitos Humanos da ONU, que reconhece “pessoas que fizeram contribuições relevantes para a promoção e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”. Ele faleceu seis anos mais tarde, aos 89 anos de idade. Cf. <http://www.embaixada-americana.org.br/HTML/ijde1108p/humphrey.htm>. Acesso em: 07.11.2014.

9 JUBILUT. L. L. Op. cit., p. 40.10 René Samuel Cassin (Baiona, 5 de Outubro de 1887 — Paris, 20 de

Fevereiro de 1976) foi um jurista francês. Filho de um comerciante francês judeu, ele serviu como soldado na Primeira Guerra Mundial e, mais tarde passou a formar a Union Fédérale, uma veterana organização esquerdista, pacifista. Ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1968 por seu trabalho na elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.1 Nesse mesmo ano, ele também foi premiado com um dos próprios prêmios de Direitos Humanos da ONU. René Cassin fundou o Instituto Francês de Ciências Administrativas (IFSA) que foi reconhecido como associação de utilidade pública.

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vultosas obrigações financeiras decorrentes da concessão de asilo, especialmente do refúgio. Destarte, mantido o asilo como um direito do Estado, manter-se-ia igualmente a discricionariedade da concessão, o que, na visão dos Estados era a melhor alternativa de regulamentação do instituto, pois não atrairia uma obrigação de conceder o asilo11.

Já na versão da Comissão de Direitos Humanos (novembro de 1947), terceira versão do documento, o direito passou a ser individual, e a discussão passou a ser a de se ele implicaria no direito de solicitar e gozar asilo, dada a sua concessão, ou no direito de ter o asilo concedido12.

O texto final dessa versão ficou assim redigido: “Todos têm direito de escapar de perseguições política, ideológica, ou em função de preconceito racial por meio de refúgio no território de qualquer Estado que esteja disposto a lhes conceder asilo”. Reconheceu-se, portanto, o direito individual ao asilo, porém subordinado à vontade dos Estados.

Na versão de Genebra (dezembro de 1947), o direito de asilo não somente passou a ser o direito de ter o asilo concedido, como também sofreu limitações em relação a quem poderia ser beneficiado por ele. O texto ficou redigido dessa forma “Todos têm o direito buscar asilo em função de perseguição e de tê-lo como concedido. Tal direito não será concedido a criminosos e àqueles cujos atos são contrários aos princípios e propósitos das Nações Unidas”13.

Essa ideia foi mantida na versão seguinte, Lake Sucess (junho de 1948), tendo o texto final estipulado o seguinte: “1. Todos têm o direito de buscar asilo em função da perseguição, em outros países. 2. Persecuções decorrentes de crimes não políticos e de atos contrários aos propósitos das Nações Unidas não constituem perseguição”14.

Porém, por ocasião da elaboração da última versão antes da adoção do texto final da Declaração (o que ocorreu em dezembro de 1948), o direito de asilo mais uma vez perdeu força, tendo a expressão

11 JUBILUT. L. L. Op. cit. p. 40.12 Ibid, p. 40.13 Ibid. p. 41.14 Ibid, p. 41.

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que falava na sua concessão substituída pelo seu gozo.Este é o texto que foi mantido na versão final da Declaração

Universal dos Direitos do Homem (1948), que corresponde ao seu artigo 14. Mesmo não sendo a forma ideal de proteção, pelo fato de não obrigar a concessão do asilo, denota uma evolução do instituto, já que existe, a partir desse diploma legal, uma base internacional positivada para o direito de asilo em geral15.

Percebe-se, assim, que a obrigatoriedade da concessão de asilo foi tema efetivamente discutido durante o processo de elaboração da Declaração de 1948, tendo sofrido alterações em mais de uma oportunidade até a versão conclusiva ficar pronta. Contudo, ao final acabou não constando do texto a obrigatoriedade da concessão, mas apenas o direito de buscar e gozar asilo, o que demonstra que os Estados envolvidos na elaboração da Declaração de 1948 de fato não quiserem dar ao asilo o status de direito humano, que corresponderia a uma obrigação estatal, mas sim de uma prerrogativa dos Estados que ficariam livres para escolher discricionariamente a quem conceder a proteção.

Também tratando da natureza jurídica do asilo e da discussão sobre o seu caráter obrigatório ou facultativo, Danielle Annoni e Lysian Carolina Valdes, destacam que o Estado detém o poder discricionário de estender seu manto protetivo a qualquer pessoa que se encontre sob sua jurisdição. Segundo as autoras “por se tratar de um ato discricionário de cada país, fica claro que os Estado é livre para conceder ou não a sua proteção ao solicitante”, Destacam ainda que os procedimentos para a solicitação, apreciação e concessão do asilo, são estabelecidos pelos países, não sendo possível falar na existência de um procedimento único e universal para todos, cabendo a cada Estado adotar procedimento próprio sobre o tema16.

Tratando do asilo, Guido Soares trilha o mesmo caminho, ressaltando

“Enfim, deve notar-se uma característica importante, que faz com que

15 JUBILUT. L.L. p. 41.16 ANNONI, Danielle. O direito internacional dos refugiados e o Brasil.

Curitiba: Juruá, 2012, p.96.

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o asilo, tal qual regulamentado, seja um instituto de efeitos limitados, no relativo à proteção internacional dos direitos humanos. Tanto o asilo diplomático, quanto o asilo territorial são institutos que têm, como destinatários de suas normas, os Estados, uma vez que estas os tratam como uma faculdade concedida ao Estado asilante, a quem cabe julgar as condições de sua admissibilidade. Em nenhuma hipótese, há normas que confiram a um indivíduo perseguido, por motivos ou delitos políticos, o direito subjetivo de conseguir asilo diplomático ou territorial, pelo simples fato de ter havido uma situação de urgência, em seu país de nacionalidade ou domicílio e de estar asilado nele perseguido17”.

Portanto, de acordo com os que defendem esse entendimento a respeito do tema, a concessão ou não do asilo, tanto na modalidade territorial, quanto diplomático, é uma prerrogativa dos Estados, que decidirão discricionariamente se estenderão a pessoas de outras nacionalidades a proteção que é assegurada aos seus cidadãos. Não haveria, assim, a obrigatoriedade do Estado em conceder asilo quando provocado para isso, porquanto não constitui direito subjetivo do estrangeiro. São concessões do Estado no exercício do seu poder discricionário e não direitos dos cidadãos.

Essa também é a opinião externada por Liliana Jubilut, para quem “Por esse instituto jurídico um Estado tem o poder discricionário de conceder proteção a qualquer pessoa que se encontre sob sua jurisdição”18.

3 ASILO COMO DIREITO HUMANO

Contudo, existem posições divergentes, entendo que o asilo deve ser considerado como um direito humano fundamental, e não uma mera faculdade, ou uma prerrogativa dos Estados, e deve ser concedido pelo Estado sempre que o solicitante da proteção preencha os requisitos, não cabendo a este uma avaliação discricionária se concederá ou não a proteção, mas sim uma verdadeira obrigação de

17 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002, p.388 apud GUERRA, Sidney. Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005, p. 128

18 Op. cit, p. 38.~

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conceder o asilo19. Os defensores dessa tese, a exemplo de Mark Manly,

recorrem sobretudo à Declaração Americana de Direitos Humanos (1948) para justificar a posição em defesa do asilo como direito fundamental do indivíduo, destacando que de acordo com o texto do artigo 22,7, da Declaração Americana, ficou consagrado não apenas o direito de buscar e gozar asilo, mas sim um direito de recebê-lo, que corresponderia a um dever dos Estados de conceder o asilo, quando o solicitante preencher os requisitos necessários à concessão. Portanto, a partir dessa norma, o direito de asilo teria deixado de ser uma prerrogativa do Estado e passado a ser um direito humano que o Estado não poderia conceder apenas quando quisesse20.

Segundo Mark Manly, “la grand innovación del artículo es que pro primera vez un instrumento internacional reconoce el asilo como derecho humano y no como uma prerrogativa del Estado”21. Mark Manly destaca, ainda, que “Dentro del contexto de la gran tradición latinoamericana de asilo, esto marca um cambio radical”.

De fato, a construção normativa da Convenção difere da que foi utilizada na Declaração dos Direitos do Homem de 1948, enquanto que o documento da ONU fala em direito de buscar asilo, a Declaração Americana vai além e destaca que nos Estados signatários daquele documento toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo22.

Discorrendo acerca da correta interpretação da expressão “buscar e receber asilo”, Mark Manly afirma que é possível argumentar “que el término contenido em la Declaración Americana refleja uma obligación correlativa del Estado de otorgar asilo, cuando los

19 MANLY, Mark. La consagración del asilo como um derecho humano: Análisis comparativo de la Declaración Universal, la Declaración Americana y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Cf. <http://www.acnur.org/biblioteca/pdf/3189.pdf?view=1>. Acesso em 07.11.2014.

20 MANLY, Mark. Op. cit., p. 142.21 Ibid, p. 142.22 “Art. 22, 7 – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território

estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com convênios internacionais”.

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requisitos sean satisfechos”. Não obstante, o próprio autor reconhece que a força do artigo 22,7, da Declaração Americana, fica mitigada “por la inclusión de la frase “de acuerdo con la legislación de cada país y con los convenios internacionales”23.

Ou seja, para os que defendem que o asilo é parte integrante dos direitos humanos fundamentais, os Estados não podem pretender reduzir a sua aplicação a uma mera faculdade, ou um ato discricionário, mercê de fragilizar o importante instituto de proteção humanitária. Nessa linha de pensamento, embora reconhecendo a dificuldade de compatibilizar uma visão de asilo como direito fundamental do cidadão e uma obrigação do Estado em conceder a proteção sempre que solicitada, quando presentes os requisitos, Marcos Wachowicz destaca que é preciso fazer uma mudança de enfoque sobre o tema, pois somente assim haverá um verdadeiro avanço em relação ao asilo, de modo a torná-lo efetivamente um novo artefato de garantias de direitos essenciais do homem24.

No mesmo sentido Albuquerque Mello defende que o asilo, considerando ser benefício essencialmente humanitário, a fim de que alcance completamente a sua finalidade, deveria se transformar em um direito do indivíduo e em dever do Estado25.

Essa também é a posição defendida por Flávia Piovesan, que afirma ser necessário “reduzir o domínio da discricionariedade do Estado, a fim de que direitos universalmente assegurados sejam efetivamente implementados”. Para a autora “ao direito de solicitar asilo e dele gozar, enunciado na Declaração Universal, há de corresponder o dever do Estado de conceder asilo”26.

Também na mesma direção é a lição de Juan Ignacio Mondelli, ao analisar o asilo como um direito humano no direito argentino, destacando como fundamento da sua posição teórica que

23 MANLY, Mark. Op. cit. p, 143. 24 WACHOWICZ, Marcos. O direito de asilo como expressão dos direitos

humanos. Cf. <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-direito-de-asilo-como-express%C3%A3o-dos-direitos-humanos>, Acesso em: 07.11.2014.

25 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 2. V. p. 1029.

26 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 262.

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En efecto, es importante notar que el agregado de la palabra recibir en el texto del artículo 22.7 de la Covención Americana viene a reforzar la idea de que el asilo no es, al menos em su variante del asilo territorial, uma mera potestad del Estado, sino um derecho fundamental de la persona. De modo que, por lo que respecta al asilo territorial, el Estado tiene la obligación de assegurar que la persona podrá, em forma efectiva, buscar o solicitar asilo, pero también que lo recibirá y tendrá derecho a desfrutar de él, de acuerdo a las disposiciones de las convecniones internacionales pertinentes y su propia legislación interna. Dicho em otros términos, el Estado está obligado a otorgar asilo, siempre que la persona necesite y merezca protección como refugiado. Esto significa que el asilo no está supeditado a consideraciones políticas sino a que la persona caiga bajo las cláusulas de inclusión de la definición aplicable de refugiado y a que no resulte excluible del régimen de protección, por ejemplo, por tratarse de um genocida o de um criminal de guerra” 27

O autor, como se verifica defende a tese de que à luz da Convenção Americana, pelo menos o asilo territorial é um direito do cidadão, devendo ser assegurado sempre que aquele que busca a proteção se enquadre nas condições e não esteja incluído em alguma situação de exclusão.

Mondelli chega a admitir que esse raciocínio poderia se aplicar somente ao asilo territorial, deixando apenas o asilo diplomático como uma prerrogativa estatal, mas chama a atenção de que mesmo nesse tipo de asilo os Estados não podem criar óbices à concessão da proteção, como por exemplo, negando o salvo conduto, caso seja concedido o asilo diplomático a alguém que se encontre nas sedes das embaixadas no País territorial28.

Sobre o tema, André de Carvalho Ramos leciona que, como consequência da internacionalização do asilo, existiria a possibilidade das decisões que concedem ou denegam asilo passar pelo crivo internacional, afirmando, ainda, que a antiga discricionariedade plena na concessão do asilo passaria, por ser um tema de direito

27 MONDELLI, Juan Ignacio. El asilo como derecho humano en el derecho argentino. p. 12. Acesso em 07.11.2014.

28 Ibid., p. 13.

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internacional, a ser regulada, e o Estado poderia vir a ser chamado perante um Tribunal (por exemplo a Corte Internacional de Direitos Humanos, por violação ao Pacto de São José e da Declaração de Bogotá)29.

Contudo, mesmo fazendo essa ressalva da possibilidade do Estado responder internacionalmente em face da concessão ou denegação do asilo, o próprio autor acaba reconhecendo também que o Direito Internacional se limita reconhecer “o direito de solicitar asilo como parte integrante dos direitos humanos”30.

Não obstante, André de Carvalho Ramos insiste na ideia de que “a discricionariedade nacional é regrada e sua fundamentação pode ser rechaçada pelos órgãos internacionais”31.

4 ASILO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Especificamente no caso do Brasil, parte da doutrina também cita a presença do asilo na Constituição Federal como mais um argumento a reforçar a ideia de que o instituto não pode ser reduzido a um mero ato discricionário do Estado, que concederia ou negaria a proteção sem necessidade de justificar a decisão, baseando o acolhimento ou a recusa unicamente na decisão discricionária do governo.

Nesse campo, alguns doutrinadores acreditam que o asilo, quando tem previsão constitucional na Carta Magna, como é o caso do Brasil, no art. 4°, inciso X, da Constituição Federal, deixa de constituir ato discricionário, entendendo que, se está expresso na sua Constituição Federal, o país tem a obrigação da concessão do asilo político. Essa opinião foi sustentada pelo Ministro do

29 A Corte Interamericana de Direitos Humanos utiliza a Declaração de Bogotá (embora não vinculante) como elemento para a interpretação dos deveres de proteção de direitos humanos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos e na Carta da Organização dos Estados Americanos. Para conhecer mais sobre o assunto, ver Processo Internacional de Direitos Humanos, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

30 RAMOS, André de Carvalho. Asilo e refúgio: semelhanças, diferenças e perspectivas. p. 19.

31 RAMOS, André de Carvalho. Op. cit. p. 20.

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Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, no julgamento da Extradição 1.008, da qual fora relator. Disse o ministro na ocasião

Em síntese, embora não haja uma obrigação internacional de concessão se asilo, parece que, entre nós, tendo em vista a expressa previsão constitucional, ele assume caráter de direito subjetivo do estrangeiro, e, como tal, a de ser tratado. A sua recusa somente poderá ocorrer nas hipóteses em que não se configure a situação prevista, sujeito o seu reconhecimento a controle pelo Judiciário.32

Porém, mesmo sendo relevante a defesa do asilo como um direito fundamental do cidadão, e levando em conta a inegável internacionalização do instituto, como exposto acima, não há como negar que o ato de concessão de asilo ainda é um ato discricionário do Estado, resultante da sua soberania, e a concessão ou denegação dessa proteção, não obstante as opiniões em sentido contrário, é um ato que não pode sujeitar o Estado a penalidades perante a comunidade internacional, tendo este o direito de escolher a quem concede a proteção que por obrigação só deve aos seus próprios cidadãos, não necessitando a justificação da declaração de resposta do pedido.

Isso ocorre porque mesmo nas normas internacionais que foram além da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948, e trataram o instituto do asilo não apenas pela ótica da solicitação e do gozo, mas do direito mesmo de receber a proteção, não restou claramente assentada a obrigação do Estado na concessão, muito menos a que sanções o Estado estaria sujeito nos casos de denegação dessa proteção.

32 Supremo Tribunal Federal. Ext. 1.008. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=479118>. Acesso em 23.02.2015.

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5 CONCLUSÕES

O asilo é um instituto utilizado pela humanidade desde a antiguidade clássica, muito embora tenha sido alçado à condição de norma de caráter universal apenas com a edição da Declaração de Direitos Humanos de 1948, em que constou no art. 14, o direito que as pessoas possuem de procurar e gozar do asilo. A Declaração Americana de Direitos Humanos também tratou do asilo, mas com uma redação diferente em que consta o direito a buscar e receber asilo.

Há uma divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do asilo, em que parte da doutrina entende ser este um direito humano, por isso de observância obrigatória pelos Estados, e uma outra visão que entende que se trata tão-somente de uma prerrogativa estatal a ser utilizada discricionariamente, sem que a negativa possa importar em qualquer sanção ao Estado.

Em que pesem as pertinentes ponderações em sentido oposto, esse trabalho não concorda com a possibilidade de penalizar um Estado que não concede o asilo a um indivíduo, nem apresenta a fundamentação para essa negativa. Logo, não há como entender atualmente que o asilo seja um verdadeiro direito humano, cuja negativa poderia implicar em uma responsabilização internacional do Estado.

O próprio Mark Manly, que defende com muita ênfase a interpretação do asilo como direito humano, e não como uma prerrogativa do Estado, que poderia usar dela de forma discricionária, reconhece que “a pesar de que la Convención Americana establece uma serie de obligaciones estatales em materia de asilo, la transformación del asilo de uma prerrogativa estatal a um derecho humano en la práctica no se há consolidado”33.

Esse é também o entendimento de Luiz Paulo Teles F. Barreto, para quem

A principal diferença entre os institutos jurídicos do asilo e do refúgio

33 Op. cit. p. 158.

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reside no fato de que o primeiro constitui exercício de um ato soberano do Estado, sendo decisão política cujo cumprimento não se sujeita a nenhum organismo internacional. Já o segundo, sendo uma instituição convencional de caráter universal, aplica-se de maneira apolítica, visando a proteção de pessoas com fundado temor de perseguição34.

Essa também é a conclusão desse trabalho. É inegável que a sistemática sobre a aplicação do asilo deve avançar e buscar consolidar uma posição que estabeleça a obrigatoriedade da concessão da proteção quando presentes os requisitos e ausentes qualquer cláusula de exclusão, diminuindo, ou mesmo extinguindo a discricionariedade do Estado, e valorizando o instituto como um direito humano, o que sem dúvida o fortaleceria como instrumento de proteção humanitária.

Porém, não é essa a realidade que se verifica atualmente, porquanto, nenhuma norma internacional que trata da matéria, nem mesmo a Declaração Americana de Direitos Humanos, como ficou demonstrado, fixou o asilo como um direito humano ou estabeleceu de maneira clara e conclusiva a obrigação do Estado em conceder o asilo.

Esse fato, contudo, não faz com que o asilo deixe de ser classificado como um instituto de proteção humanitária relevante, configurando-se em uma importante alternativa de proteção àqueles que necessitam deixar o seu País de origem ou se residência habitual por serem vítimas de perseguição causada por manifestar opiniões políticas divergentes.

Destaque-se, por fim, que inúmeros casos de Asilo Diplomático recentes demonstram essa realidade, pois, as pessoas que foram alvo desse tipo de proteção dificilmente conseguiriam obter proteção através de outro instrumento internacional, como o refúgio, por exemplo, pois, não teriam condição de se deslocar até outro País para formular a solicitação de refúgio sem que tivessem a sua liberdade cerceada pelas autoridades judiciais e policiais locais.

34 Das Diferenças entre os institutos jurídicos do asilo e do refúgio. Cf. <http://www.migrante.org.br/Asilo%20e%20Refugio%20diferencas.doc>. Acesso em: 05.11.14.

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_________. Supremo Tribunal Federal. Ext. 1.008. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=479118>. Acesso em 23.02.2015.

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Capítulo 2

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POLUIÇÃO SONORA COMO DANO AMBIENTAL, AGENTE POLUIDOR E

RESPONSABILIDADE PELO DANO

Rafael Augusto Dantas Carneiro Souto1

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito. 3 Agente poluidor. 4 Responsabilização do agente poluidor. 5 Impacto ambiental. 5.1 Dano e o Crime ambiental. 6 Enquadramento da poluição sonora como Crime ambiental. 7 Penalidades previstas na legislação ambiental. 7.1 Responsabilidade administrativa. 7.2 Responsabilidade civil. 7.3 Responsabilidade penal. 8 Conclusões. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Com o crescimento desordenado das cidades e o surgimento de grandes indústrias, as pessoas passaram a conviver com a poluição de lagos, rios, mares, solo e ar. Nesse cenário, existe outro tipo de poluição que não pode ser visto e com o qual as pessoas de certa forma se acostumaram, podendo ser considerado um dos maiores problemas da vida moderna: a poluição sonora.

A poluição sonora é uma das formas de poluição ambiental que mais vem se agravando, exigindo soluções para controlar seus

1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, pós graduado em Direito Processual Civil também pelo UNIPÊ, Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS e Advogado no Escritório Marcusso e Visintin Advogados Associados.

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efeitos sobre o meio ambiente e a qualidade de vida dos cidadãos. As alterações provocadas no meio, por exemplo, pela poluição química da água e do ar podem ser facilmente identificadas, ao contrário da poluição sonora, cujos efeitos não são imediatos, porém são cumulativos e vão se implantando com o tempo, como a surdez, desequilíbrios psíquicos e de doenças físicas degenerativas.

O presente estudo se baseou em uma pesquisa descritiva e bibliográfica e porquanto foram analisados livros, normas constitucionais e jurisprudências relacionadas ao tema, sendo fundamentada por autores da área. Diante de tais observações, o que se objetiva, no presente artigo, é analisar a poluição sonora e o dano ambiental por ela causado.

2 CONCEITO

A poluição sonora é resultado do ruído ou barulho indesejado. Considerada uma das formas mais graves de agressão ao homem e ao meio ambiente, pode provocar danos irreparáveis à saúde das pessoas, principalmente, àqueles que estão frequentemente expostos à poluição.

Milaré (2004, p.297) afirma que a poluição sonora é o ruído capaz de incomodar ou de gerar malefícios à saúde.

Sendo assim, a poluição sonora é o efeito provocado pela difusão do som num tom demasiado alto, sendo o mesmo muito acima do tolerável pelos organismos vivos, no meio ambiente. Dependendo da sua intensidade, causa danos irreversíveis nos seres humanos. Ou seja, a poluição sonora ocorre quando, num determinado ambiente, o som altera a condição normal de audição.

2.1 AGENTE POLUIDOR

O poluidor é um agente nocivo à sociedade e ao meio ambiental, pois o mesmo comete crimes ambientais ao ecossistema em andamento.

Segundo Farias (2007, p. 81), poluidor é toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou

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indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

4 RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE POLUIDOR

A responsabilização do agente poluidor dar-se na forma de punir o poluidor. A responsabilidade abrange a consequência decorrente do não cumprimento de uma obrigação. No momento em que o indivíduo se obriga em presença de outrem a um procedimento positivo ou negativo e não cumpre, arcará com as consequências decorrentes de tal ação, salvo se o não cumprimento for decorrente de caso fortuito ou força maior e, ainda assim, desde que não esteja moroso, ou seja, no plano obrigacional, o devedor responsabiliza-se pelos seus atos. A responsabilidade provém tanto de uma relação contratual como extracontratual, consoante preleciona Albuquerque (1999).

O dano ambiental atinge proporções que o tornam irreparável; imagine ainda se o autor da denúncia tivesse que se munir dos meios de prova contra o infrator, para demonstrar sua conduta lesiva, tornar-se-ia quase impossível obter uma prestação jurisdicional favorável, até porque quase sempre são fortes grupos econômicos, mais uma razão para desestimular o cidadão a levar adiante uma querela ambiental.

Seguindo os ensinamentos jurídicos, a responsabilidade civil tem procurado libertar-se do conceito tradicional de culpa. A vítima não consegue, muitas vezes, vencer a barreira processual e não logra convencer a justiça dos extremos da imputabilidade do agente.

5 IMPACTO AMBIENTAL

O crescimento dos grandes centros urbanos e o desenvolvimento tecnológico das indústrias submete o indivíduo ao convívio permanente com o ruído, não acatando convenções e nem classes sociais. A poluição sonora ocupa a terceira posição entre as doenças ocupacionais, influenciando nas manifestações auditivas e não-auditivas do ruído ambiental no organismo humano. O barulho inesperado ou de fonte desconhecida pode provocar várias formas

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de reações reflexas. Em exposição temporária, o organismo retorna ao normal, correspondendo à reação primária. Se a fonte geradora de ruído é mantida ou alternada, podem ocorrer mudanças persistentes.

A exposição ao ruído causa sérias alterações no organismo humano. Conforme Gerges (1992, p. 51):

São conhecidos sérios efeitos tais como: aceleração da pulsação, aumento da pressão sanguínea e estreitamento dos vasos sanguíneos. Um longo tempo de exposição ao ruído alto pode causar sobrecarga do coração, causando secreções anormais de hormônios e tensões musculares. Os efeitos destas alterações aparecem em forma de mudanças de comportamento, tais como: nervosismo, fadiga mental, frustração, prejuízo no desempenho no trabalho.

A contaminação da atmosfera urbana pelo ruído se converteu em ameaça à saúde pública, afetando não apenas os seres humanos, mas também toda forma de ser vivo exposto a tal poluição.

5.1 Dano e o Crime Ambiental

São vários os danos relacionados à poluição sonora, principalmente no meio ambiente artificial e no meio ambiente do trabalho. O Anteprojeto da Lei 9.605/98, no seu artigo 59, tratava expressamente do crime de poluição sonora, que compreendia a seguinte conduta:

Art. 59. Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão ou imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades.Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Fiorillo (2009) aborda que tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, fundamentando para tanto que:

O bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção

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de sons, ruídos e vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades. (...).

De acordo com Constantino (2002), o veto ocorreu, porque o Excelentíssimo Senhor Presidente da República atendeu aos anseios da comunidade evangélica e da denominada bancada evangélica no Congresso Nacional, que viam no sobredito artigo, caso fosse sancionado, um óbice para o exercício da liberdade dos cultos religiosos em geral, pois os mesmos, comumente, envolvem atividades sonoras, como cânticos e toque de instrumentos musicais. Tendo em vista que a redação do dispositivo tipifica penalmente a produção de sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as normas legais ou regulamentares, não a perturbação da tranquilidade ambiental provocada por poluição sonora, além de prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, tornou-se necessário o veto do art. 59 da norma projetada. Embora tenha ocorrido o veto presidencial, a poluição sonora ainda subsiste como crime, a teor do disposto no artigo 54 da Lei 9.605/98.

Milaré (2001) comenta que “ao falar em poluição de qualquer natureza que resulte ou possa resultar em danos à saúde humana, contempla a poluição sonora, restando inócuo o veto ao art. 59 da Lei, que tinha por missão cuidar da matéria”. O enquadramento da poluição sonora como crime ambiental está à mercê da intensidade do nível de ruído, de forma que estes devem resultar ou ter a possibilidade de resultar em danos à saúde humana.

Prevê o citado artigo:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.Se o crime é culposo:Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Constatino (2002. p. 197) comenta que:

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O objeto jurídico do delito em estudo é a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que propicie boas condições de desenvolvimento à vida e à saúde humanas, bem como recursos adequados à subsistência da fauna e da flora, para as gerações presentes e futuras. Os objetos materiais do delito são o ser humano que pode ter sua vida ou saúde prejudicada ou ameaçada pelo delito, e os demais seres integrantes da fauna e da flora que podem sofrer mortandade ou destruição significativa, em razão da conduta ilícita.

Possui como sujeito ativo qualquer pessoa, física ou jurídica, e como sujeito passivo a coletividade. O tipo penal em tela prevê como criminosa a conduta de causar poluição de qualquer natureza. A natureza jurídica do ruído é de agente poluente. Assim, satisfeitos os elementos normativos do tipo, quais sejam os de “causar poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”, a conduta da poluição sonora poderá subsumir-se ao tipo penal descrito no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais.

6 ENQUADRAMENTO DA POLUIÇÃO SONORA COMO CRIME AMBIENTAL

O enquadramento da poluição sonora como crime ambiental está à mercê da intensidade do nível de ruído, de forma que estes devem resultar ou ter a possibilidade de resultar em danos à saúde humana.

Comenta Constatino (2002) que o objeto jurídico do delito em estudo é a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que propicie boas condições de desenvolvimento à vida e à saúde humanas, bem como recursos adequados à subsistência da fauna e da flora, para as gerações presentes e futuras. Os elementos materiais do delito são o ser humano, que pode ter sua vida ou saúde prejudicada ou ameaçada, e os demais seres integrantes da fauna e da flora, que podem sofrer mortandade ou destruição significativa, em razão da conduta ilícita.

Portanto a natureza jurídica do ruído é de agente poluente,

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assim os elementos normativos do tipo, quais sejam os de “causar poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”, a conduta da poluição sonora poderá subsumir-se ao tipo penal do artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais supratranscrito.

7 PENALIDADES PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

Os aspectos da responsabilidade ambiental in genere, entendida como a responsabilidade de consequências ao infrator da legislação ambiental. É que. juridicamente, a infração ambiental pode ter repercussão em três esferas distintas e independentes, embora uma possa, eventualmente, ter repercussão em outra. Assim sendo, a infração de normas ambientais poderá ter reflexos penais, civis e administrativos, conforme a natureza da norma em pauta.

A apuração destas três modalidades de responsabilidade não é realizada pelo mesmo órgão, tem consequências jurídicas diversas e está submetida a regime jurídico específico, embora se verifiquem alguns pontos em comum.

7.1 Responsabilidade Administrativa

A responsabilidade administrativa é objetiva, consoante ao artigo 14, § 1º da Lei 6.938/81, que resulta da infração às normas administrativas, sujeitando-se o infrator a uma sanção de natureza, também, administrativa.

Na responsabilidade administrativa, emprega-se a teoria objetiva, ou seja, independe da intenção do agente para haver responsabilização. Exclui-se, então, como requisito necessário a culpabilidade para integração do tipo punível de caráter administrativo, visto que o infrator é responsabilizado pelo dano causado ao meio ambiente, afetado por sua atividade independentemente de existência de culpa, conforme previsto na legislação a responsabilidade administrativa ambiental, no Art. 2º do

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Decreto 6.514/2008. Decorre de regras próprias e implica um procedimento, in

casu um “processo administrativo” próprio. Nenhuma relação direta tem, portanto, com a responsabilidade penal ou civil, até porque o fundamento das obrigações, embora relacionado a um fato comum, pode não ser o mesmo.

As infrações administrativas encontram um amplo espectro de ocorrência, pois, nos termos do artigo Art. 70 da Lei nº 9.605/98: “[c]onsidera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

A aplicação de sanções administrativas também pode encontrar esteio em normas estaduais e municipais, já que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a proteção ao meio ambiente (CF/88, artigo 23, inc. VI e VII), havendo competência legislativa concorrente para as questões ambientais (CF/88, artigo 24, inc. VI).

7.2 Responsabilidade Civil

Comenta Gonçalves (2007) que a palavra responsabilidade origina-se do vocábulo latino respondere. Significa garantia de restituição ou compensação do bem lesado. Então, representa a reparação do dano para restabelecer o equilíbrio da atividade que trouxe um prejuízo, constituindo, assim, a fonte geradora da responsabilidade civil.

A Constituição de 1988, em relação às anteriores, pode ser considerada como um divisor de águas, no tocante a tutela do meio ambiente. Destinou um capítulo inteiro à matéria.

O legislador constituinte, no art. 225 da Constituição, erigiu o meio ambiente à categoria de bem de uso comum do povo, asseverando assim ser direito de todos tê-lo de maneira ecologicamente equilibrado, e, em contrapartida, determinou que sua defesa e preservação para as presentes e futuras gerações são dever do Poder Público e de toda a coletividade.

Ainda no supracitado artigo, precisamente no §3º, sujeita

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os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a responderem por suas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, no plano penal e administrativo, independente da obrigação de reparar os danos causados.

No sentido amplo do termo, é possível compreender a responsabilidade como sendo a consequência decorrente do não cumprimento de uma obrigação. No instante em que alguém se obriga perante outrem a uma conduta positiva ou negativa e não cumpre, arcará com as implicações decorrentes de tal ato, salvo se o não cumprimento for decorrente de caso fortuito ou força maior e, ainda assim, desde que não esteja moroso, ou seja, no plano obrigacional o devedor responsabiliza-se pelos seus atos.

Comenta Venosa (2007) que qualquer atividade que ocasiona um dano gera responsabilidade ou dever de indenizar. Haverá, por vezes, excludentes, que impedem a indenização. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso.

Granziera (2009, p.588) demonstra que a reparação de um dano ambiental deve ocorrer como a de um outro dano em direito civil, gerando, ao autor, três obrigações: 1. obrigação de fazer: recuperar o bem danificado; 2. obrigação de não fazer: cessar a atividade causadora do dano; 3. obrigação de dar: indenizar, em caso de impossibilidade de recuperação do bem danificado.

A responsabilidade civil tem como pressupostos uma ação ou omissão, mais a ocorrência de um dano e o nexo de causalidade entre eles. Essa tríade compunha a responsabilidade civil. A responsabilidade, por sua vez, decorre tanto de uma relação contratual como extracontratual. Porém, tanto em uma como em outra espécie o princípio basilar é o dever de indenizar. O fundamento da responsabilidade se baseia em vários princípios, sendo, porém, o mais importante o da igualdade dos ônus e dos encargos sociais.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que, “independente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto, é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente”, conforme Trennepohl (2008, p.134).

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Com isso, a responsabilidade civil objetiva pelo dano ao meio ambiente foi a forma mais eficaz de se garantir o atendimento ao preceito constitucional de assegurar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

7.3 Responsabilidade Penal

A Lei nº 9.605/98 trouxe ao mundo jurídico a responsabilidade penal por infrações ambientais, que está calcada na culpabilidade, inclusive com previsão de responsabilidade de pessoa jurídica. O artigo 2º da referida lei revela que foi adotada a teoria monista, no que concerne ao concurso de agentes, pois estabelece que: “quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade”. Da mesma forma que o Código Penal, mitiga a aplicação da teoria monista, estabelecendo a culpabilidade como coeficiente para aplicação da pena.

De acordo com Fiorillo (2007), o Projeto de Lei dos Crimes Ambientais, em seu artigo 59, incrimina a conduta de “produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares ou desrespeitando as normas sobre emissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades”, a pena de detenção era de 3 meses a 1 ano e multa. Contudo, tal dispositivo, como já exposto supra, foi vetado pelo Presidente da Republica, em seu fundamento, ainda consoante Fiorillo (2007) “[o] bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção de sons, ruídos, e vibrações resultantes de quaisquer atividades”.

A responsabilidade penal daqueles que praticam atos contra o meio ambiente também encontra fundamento jurídico na própria Constituição Federal do Brasil, que dispões em seu art. 225, § 3º: “[a]s condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano”.

Para  Freitas e  Freitas (2000, p. 50), “[o] poder da norma penal

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é utilizado como mecanismo forte de persuasão: intimida o infrator e, no caso das pessoas jurídicas, suscita o receio da publicidade negativa”.

8 CONCLUSÕES

A relevância do sistema jurídico ambiental, a construção da consciência da cidadania ecológica e a força política dos movimentos sociais no que se referem às questões ambientais serão possíveis, desde que seja revista a concepção de educação ambiental, tendo-se como objetivo a construção em cada indivíduo da consciência da coletividade não apenas quanto ao seu meio restrito – bairro, cidade, amigos, família – mas abrangendo toda a comunidade humana mundial, como vítima e responsável pelos crimes ambientais causados pelas indústrias, pelas empresas diversas, pelos governos ou por cidadãos isolados.

A Lei 9.605/98 tornou-se uma aliada no combate aos crimes ambientais, dando efetividade ao ideário constitucional de apenar as condutas desconformes ao meio ambiente, prevendo para tanto sanções mais severas e incentivando os Estados a formularem leis direcionadas à efetiva responsabilidade por danos ao ambiente e para a compensação às vítimas da poluição sonora.

REFERÊNCIAS

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CONSTANTINO, Carlos Ernani. Delitos Ecológicos: a lei ambiental comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

FARIAS, Talden. Direito Ambiental: tópicos especiais João Pessoa: Editora Universitária, 2007.

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____________. Curso de Direito Ambiental Bbrasileiro. 10. ed.revisada e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

____________. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

PIMENTEL-SOUZA F. (1992). A poluição Sonora Ataca Traiçoeiramente o Corpo. In: Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA). Apostila “Meio Ambiente em Diversos Enfoque”, “Projeto Tamburo”. AMDA, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria Municipal da Educação, BH. p. 24- 26.

TRENNEPOHL, TERENCE DORNELLES. Direito Ambiental. 3. ed. São Paulo: Jus Podivm, 2008.

VENOSA, Silvio Sálvio. Direito Civil - Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo, 2007.4v.

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Capítulo 3

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O MAIOR SÃO JOÃO DO MUNDO COMO BEM CULTURAL IMATERIAL DA

HUMANIDADE

George Suetonio Ramalho Júnior 1

Sumário: 1 Introdução. 2 Patrimônio cultural imaterial como bem jurídico tutelável. 3 Das tutelas jurídicas para salvaguardar os bens culturais imateriais. 4 O São João de Campina como relevante bem cultural imaterial da humanidade. 4.1 A origem da festa de São João. 4.2 A festa de São João como conservação da cultura popular nordestina. 4.3 O maior São João do Mundo como patrimônio cultural da humanidade. 5 Conclusões. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A cultura é a verdadeira história de uma nação, representa a identidade de cada povo. É da tradição repassada de geração em geração, que se forma a herança cultural de uma nação.

A busca pelo desenvolvimento pode fazer com que o ser humano se distancie dos antigos hábitos.

1 Graduado em Direito no Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE) em 2003, especialista em Direito Tributário pela Universidade do Amazonas (UNAMA) em 2007 e Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Advogado militante e Procurador do Município de Campina Grande.

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Esse distanciamento natural do homem com o passado, por, quiçá, subjugá-lo a ultrapassado, faz surgir a necessidade do Estado de proteger juridicamente os antigos costumes, como forma de garantir o desenvolvimento sustentável da sociedade.

Assim surgiu o direito ao meio ambiente cultural internacionalmente protegido, como um direito de terceira geração dos direitos humanos.

O Brasil tem os mais diversos bens culturais imateriais do mundo passíveis de reconhecimento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), apesar de atualmente só possuir três dos cento e vinte reconhecidos pela organização internacional.

Exemplo disso é a festa denominada “O Maior São João do Mundo”, que apesar de possuir todos os requisitos de bem folclórico cultural imaterial, ainda permanece sem registro no  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e UNESCO.

Os estudos folclóricos a respeito do “Maior São João do Mundo” são vastíssimos e comprovam que é um bem cultural imaterial de relevância mundial.

2 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL COMO BEM JURÍDICO TUTELÁVEL

A definição jurídica da expressão patrimônio cultural refere-se a todos os bens, materiais e imateriais, que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante da nação. A conservação desses bens se revela essencial para manter a identidade tradicional de um povo.

Em outras palavras, o patrimônio cultural corresponde à riqueza que as tradições são capazes de transmitir à sociedade. É a herança cultural da sociedade transmita de geração para geração.

No Brasil, a tutela constitucional do patrimônio cultural foi introduzida pela Constituição de 1934, que previa em seu art. 148, o dever do Estado em favorecer o desenvolvimento cultural e proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País.

A Constituição Federal de 1988 trouxe um conceito bem

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mais moderno e amplo para o patrimônio cultural, incluindo expressamente os bens imateriais como sujeitos à proteção estatal, dispõe o art. 216 da CF, in verbis:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver;III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Há mais, a Constituição Federal, em seu art. 23, quando tratou da competência comum de todos os entes federados em proteger o patrimônio cultural, elevou o patrimônio cultural ao status de meio ambiente cultural constitucionalmente protegido.

Em 17 de outubro de 2003 foi realizada em Paris, a “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial” pela UNESCO, da qual o Brasil foi signatário.

O texto da convenção passou a integrar o ordenamento jurídico interno brasileiro através do Decreto 5.753/2006.

A Convenção da UNESCO estabeleceu, em seu art. 2, numero 1, o conceito de patrimônio cultural, como sendo:

Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as

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comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.

O art. 2º define que as formas de manifestação cultural se darão nos seguintes campos: a) tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo do patrimônio cultural imaterial; b) expressões artísticas; c) práticas sociais, rituais e atos festivos.

3 DAS TUTELAS JURÍDICAS PARA SALVAGUARDAR OS BENS CULTURAIS IMATERIAIS

Está previsto na Constituição Federal que os bens culturais imateriais, devido a sua relevância para o desenvolvimento sustentável da nação, estão sujeitos à proteção estatal.

A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu §1º do art. 216 várias formas de salvaguardar os bens culturais imateriais, não há um rol exaustivo das tutelas jurídicas, mas apenas exemplificativo, tais como os inventários, os registros, a vigilância, o tombamento e a desapropriação.

Os legitimados devem pleitear o reconhecimento no âmbito nacional do patrimônio cultural ao IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão da administração federal.

O Estado Brasileiro, por sua vez, possui a legitimidade para requerer a UNESCO o registro e a preservação de patrimônio cultural de interesse da humanidade.

Assim, o registro de bem cultural imaterial, seja no patrimônio nacional, seja no patrimônio da humanidade, tem função primordial para salvaguardar a cultura imaterial.

O Decreto nº 3.551/2000, que instituiu o “Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial” integrantes do patrimônio cultural brasileiro, dispõe em seu artigo 1º, §1º, inciso II, sobre o “Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social” (Decreto 3.351/2000).

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4 O SÃO JOÃO DE CAMPINA COMO RELEVANTE BEM CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE

4.1 A origem da festa de São João

A origem das festas juninas, ou ciclos joanino, que tem como principal personagem o São João Batista, há décadas vem sendo estudado por religiosos e folcloristas, sendo o centro das pesquisas a região nordeste do Brasil, onde as raízes da festa têm se encravado na cultura popular do povo nordestino.

Existem versões colidentes no que tange ao sentido religioso da festa, se cristã ou pagãs. As dúvidas dessa origem decorrem da interpretação dos costumes da festa, notadamente sobre as fogueiras, as superstições, os rituais, para alguns seria a continuidade das antigas cerimônias dedicadas ao fogo, para outros, essas fogueiras do atual São João são uma referência à comemoração do nascimento de São João Batista, tal como apregoado na versão cristã.

Se há controvérsias quanto às origem mais remota da festa, o mesmo não se pode dizer quanto à origem da festa no Brasil, pois a quase unanimidade dos folcloristas defendem que a festa de São João possui uma origem europeia e que chegou ao Brasil pelos portugueses em meados do século XVI.

Um importante registro a ser feito aqui é que o São João ainda hoje é comemorado na Europa, exemplo disso é a região da Galícia na Espanha, fronteiriça com Portugal, onde a fogueira, tal qual no Brasil, é o símbolo da festa e é acesa no dia 23 de junho, véspera do nascimento de São João Batista.

Lima relata que:

[d]ançando, pulando fogueira, saboreando as iguarias próprias da época, os frequentadores dos modernos arraiais talvez dão se dêem conta de que reencenam, assim, uma tradição brasileira de mais de 400 anos. (LIMA, 2010, p. 34)

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4.2 A Festa de São João como conservação da cultura popular nordestina

As festas folclóricas do Brasil têm um traço incomum que as diferenciam das demais nações, que é a interação social e racial que representam a diversidade social e cultural que formou a nação brasileira.

O contato dos ibéricos com os mouros nas terras áridas do nordeste brasileiro desenharam os contornos dessa festa folclórica, despertando nestes novos cristãos nordestinos as tendências pagãs para a exuberância da volúpia, o que descreve com precisão o povo nordestino.

Maria de Lourdes Nunes Ramalho, escritora e pesquisadora da cultura nordestina, relatando a origem da colonização do nordeste, ilustra a miscigenação étnica, religiosa e cultural dos ibéricos, mouros e judaicos, que formaram, de uma só vez, o povo nordestino.

Lourdes descreve que:

[t]al tradição, poética e musical, oriunda ‘do século de ouro da literatura hispana’ (sementes culturais islâmicas, plantadas na Espanha), irradiou-se sobre as literaturas neolatinas (portuguesa e catalã) e, conduzidas pelas comunidades que fugiam ou se escondiam de alguma coisa (a Inquisição), atravessou ‘os mares nunca dantes navegados’ e veio radicar-se em terras que, pelo afastamento da costa, pela agressividade do meio, desestimulavam outros aventureiros à sua colonização. (RAMALHO, 2002, P. 114)

Os festejos do São João mantém vivo no nordeste do Brasil a memória original da época colonial, é a história preservada de forma viva pela cultura popular, onde o meio rural teve a função de manter pura a tradição, intocada pelo modernismo.

A fogueira, as quadrilhas, os casamentos comunitários, o milho, a canjica, a música, são festejos de todas as crenças, de todos os povos imigrantes que festejavam juntos no sertão nordestino o solstício de inverno.

As festas de São João têm essa proeminente importância para a cultura e para a história do mundo, pois mantém conservado os

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costumes e a tradição do período onde ocorreu o encontro desses vários povos em uma terra desconhecida, vindos de tão distantes, com costumes tão diferentes. Os festejos juninos preservam justamente esse período, este exato momento onde houve a interação cultural, o qual se preserva até os dias de hoje.

A festa de São João representa para o mundo de hoje a autêntica união cultural dos judeus, mouros e cristãos, pois diferentemente de Toledo, na Espanha, onde os três povos conseguiram conviveram juntos e em paz, aqui no nordeste brasileiro eles foram além e se transformaram num só povo.

Lourdes nos brinda com o seguinte relato:

[e]mbora a penetração dos sertões tivesse ocorrido já na Renascença, foi o “espírito medieval” que se instalou e enraizou-se nessa regiões e foi essa tradição, perdida lá e conservada nessa terra longínqua que guardou, até hoje, a herança atávica, que constitui um dos maiores acervos da tradição popular no Brasil e no contexto mundial. (RAMALHO, 2002, P. 116)

A festa de São João é sem dúvidas a maior representação folclórica do povo nordestino, pois carrega os costumes dos povos mais antigos das terras setentrionais do nordeste. E é no nordeste onde o São João se mantém fiel às origens, pois o povo nordestino não se deixou influenciar pelo modernismo urbano, ao contrário, levou para os festejos urbanos as raízes ancestrais encravadas no meio rural.

4.3 O Maior São João do Mundo como patrimônio cultural da humanidade

A revolução industrial e o ciclo das secas, principalmente na década de 70, trouxe um esvaziamento do campo com o êxodo rural, levando milhares de famílias nordestinas de rurícolas a migrarem para centros urbanos em busca de melhores condições de vida.

Essa mudança de hábito de vida do meio rural para os grandes centros, a tecnologia, a globalização, embora extremamente importantes para o desenvolvimento social, pode acarretar a perda, o esquecimento dos antigos costumes, das antigas tradições.

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No entanto, os festejos populares do ciclo junino, com os elementos da fogueira, fogos de artifício, as quadrilhas, as danças, o forró, as roupas e as comidas típicas mantiveram acesa nos sertanejos que migraram para as cidades, a tradição de seus antepassados.

A festa junina, assim, realizada nos grandes centros urbanos, ao transformar as ruas e as praças em arraial, mantém ardente a fogueira da cultura popular.

Campina Grande, também conhecida como a Rainha da Borborema, tem uma importância ímpar na preservação desta tradição. Sendo a maior cidade do interior do Nordeste, surgiu no século XVII como “sítio de Campina Grande”, mas somente em 1790 que foi elevada à categoria de vila, passando a ser chamada de Vila Nova da Rainha. No dia 11 de outubro de 1864, pela lei provincial n.º 137, a vila elevou-se à categoria de cidade, denominando-se Campina Grande.

A cidade possuiu uma característica excepcional para a festa do São João urbano, geograficamente se mantém num ponto do mapa quase que no centro do nordeste, cujas coordenadas demonstram isso claramente 7° 13’ 50” S, 35° 52’ 52” W. Está encravada no interior do Estado da Paraíba, bem próxima das regiões rurais e ao mesmo tempo é um grande centro urbano.

Outro ponto a favor de Campina Grande é a formação de seu povo, cuja imensa maioria tem origem no sertão paraibano, de forma que essa cultura popular, “esse apego às origens” a “tradição que veio da roça” simplesmente brotam naturalmente nos cidadãos campinenses, que além do mais sempre foram conhecidos como um povo hospitaleiro, sensível ao lazer, para o lúdico, para o festejar.

Todos esses elementos juntos, somados ao clima serrano da Borborema que na noite fria sugere ficar ao lado do calor da fogueira, transformaram Campina Grande no “Maior São João do Mundo”.

A origem da festa junina de Campina Grande, remonta aos anos 30, quando era realizada em clubes sociais, nos bairros da cidade, no entanto, não havia uma programação oficial, eram festejos dispersos.

Durante as décadas que se seguiram os festejos foram aumentando de tamanho, clubes foram se especializando nos festejos

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com quadrilhas, arraiais espalhados pelos quatro cantos da cidade.Os anos passaram e a notícia das festas juninas de Campina

Grande ganhavam fama Brasil afora ano traz ano, e a cada mês de junho tornou-se mais frequente a visita de turistas vindos dos quatro cantos do país.

Elizabeth Lima explica que foi na década de 70 que o evento se disseminou por toda a cidade, tendo a prefeitura passado a organizar a festa, centralizando os festejos na cidade, no entanto, foi no ano de 1984 que se estabeleceu a marca “O Maior São João do Mundo”, pela administração do prefeito Ronaldo José da Cunha Lima. (LIMA, 2008, p. 54).

Durantes as três décadas seguintes “O Maior São João do Mundo” estabeleceu-se como o maior evento turístico do Estado da Paraíba, os números são cada vez mais expressivos.

Na última edição do “O Maior São João do Mundo”, o Parque do Povo, local onde se realiza o evento, estima-se que o número de visitantes da festa ultrapassou 2,5 milhões de pessoas nos 30 (trinta) dias de festa. Foram 140 quadrilhas juninas, 120 trios pé-de-serra, 110 shows no palco principal, 270 atrações musicais, que resultaram em mais de 1.200 horas de forró, sendo uma grande fonte de receita para as finanças da comunidade regional.

Cumpre registrar que o evento já foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Paraíba, pela Lei Estadual n.º 9.390/2011, e também é objeto de um projeto de Lei 1.727/2011 de autoria do então Deputado Federal Romero Rodrigues, em tramitação na Câmara dos Deputados, para transformar em patrimônio cultural imaterial nacional.

Em que pese haja uma possibilidade de se proteger bens de valor histórico e cultural por meio de lei, a verdade é que a mais autêntica das proteções é a realizada pelos órgãos administrativos do patrimônio histórico e cultural, até porque o ato legislativo não pode suplantar o poder discricionário do órgão em proceder ou não o registro dos bens nos livros.

Enfim, o “Maior São João do Mundo” enquadra-se perfeitamente como ato festivo tradicional, previsto no art. 2, número 2, alínea ‘c’ da Convenção da UNESCO, na condição de festejos imateriais.

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A sua importância folclórica registra a formação do povo do nordeste do Brasil, cuja integração e união das culturas imigrantes moura, judaica e católica, o que é inédito na história e na cultura mundial.

Assim, representa o interesse da comunidade internacional em ver reconhecido como patrimônio cultural da humanidade.

5 CONCLUSÕES

Diante de todas constatações verificadas no decorrer do presente estudo, chegamos a conclusão de que há um interesse cultural nacional e internacional em se registrar o “Maior São João do Mundo” como patrimônio cultural nacional no livro das celebrações.

Entendemos que o registro junto ao IPHAN é um direito líquido e certo do evento.

Após o reconhecimento e registro em âmbito nacional, surge a possibilidade de se pleitear o registro do bem junto à UNESCO, para ser reconhecido o “Maior São João do Mundo” como patrimônio cultural da humanidade.

REFERÊNCIAS

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______, Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Brasília, DF, 2000.

______, Decreto nº 5.753, de 12 de abril de 2006. Promulga a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, adotada em Paris, em 17 de outubro de 2003, e assinada em 3 de novembro de 2003. Brasília, DF, 2003.

LIMA, Elizabeth Christina de Andrade. A Festa de São João nos

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Discursos Bíblicos e Folclórico. Editora Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande, 2010, p. 16

_____, Elizabeth Christina de Andrade. A Fábrica dos Sonhos, a Invenção da Festa Junina no Espaço Urbano. Editora Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande, 2008, p. 49

RAMALHO, Maria de Lourdes Nunes. Raízes Ibérica Mouras e Judaicas do Nordeste. Editora Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa. 2002.

UNESCO. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Paris, 17 de outubro de 2003.

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Capítulo 4

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LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL: UMA NOVA FORMA DE COMPRAR DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Carlos Eduardo dos Santos Farias1

Edigardo Ferreira Soares Neto2

Sumário: 1 Introdução. 2 Contexto Histórico. 3 A Sustentabilidade e o Ordenamento Jurídico brasileiro. 4 A Gestão Sustentável da Administração Pública. 5 Conclusões. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Pretenderemos deixar demonstrado, no decorrer do presente estudo, que a situação da qualidade ambiental dos bens e serviços adquiridos pela administração pública brasileira é muito preocupante, pois só no ano de 2010 é que o nosso país passou, de forma humilde, a dispor em seu ordenamento jurídico geral, mais precisamente na lei de licitações, a figura da licitação sustentável. No entanto, essa realidade ainda não alcança todos os componentes governamentais, mesmo sabendo que a lei sob o n.° 8.666/93, é o instituto legal que

1 Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS, Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa, UNIPÊ, Professor da Mauricio de Nassau, Professor da FPB.

2 Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS, Pós-graduado em Ciências Criminais pelo Centro Universitário de João Pessoa, UNIPÊ, Professor da Mauricio de Nassau, Professor da FPB.

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deverá ser aplicado por todas as esferas de Governo.Mister destacarmos que o meio ambiente não pode esperar e

por essa razão o direito não podará deixar de evoluir ao ponto de proteger aquele de forma efetiva e eficiente.

Destacaremos por oportuno os principais pontos da sustentabilidade, partindo da contextualização histórica em que se passou a discutir a preservação ambiental tanto a nível mundial como nacional, tendo o foco na questão da sustentabilidade na administração pública, uma vez que esta é muito importante na composição do PIB, através das licitações.

2 CONTEXTO HISTÓRICO

O mundo vem discutindo durante anos sobre a utilização desenfreada dos recursos naturais pela humanidade. Nessas discussões os países visualizam que as suas próprias ações em prol do desenvolvimento industrial e tecnológico vêm trazendo sérios problemas ao meio ambiente e se não forem modificadas a população mundial, como aconteceu com os dinossauros, poderá chegar a ser dizimada, pois lhes faltarão todos os recursos naturais necessários à sobrevivência.

Desta feita, segundo o gráfico abaixo, o mundo vem, no transcorrer dos anos, discutindo as formas de se manter em pleno desenvolvimento, no entanto, tendo como meta primordial a preservação da natureza, posto que esta é a fonte de toda a riqueza da humanidade.

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Como podemos verificar no gráfico acima, o primeiro passo na preocupação com o meio ambiente a nível mundial foi dado pelo chamado “Clube de Roma”, que nada mais era do que um grupo de pessoas ilustres que se reuniam para debater um vasto conjunto de assuntos relacionados à política, à economia internacional e, sobretudo, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. O referido Clube foi fundado em 1968 pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King.

Em seguida nos deparamos com o relatório “The Limits to Growth” (Os limites do crescimento), elaborado por uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts - MIT, à época chefiada por Donella Meadows, cientista ambiental, professora e escritora, por solicitação do Clube de Roma.

Em ato contínuo temos a Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano promovida pelas Nações Unidas realizada entre

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os dias 5 a 16 de junho de 1972, foi a primeira atitude mundial em tentar organizar as relações de Homem e Meio Ambiente. Naquela oportunidade, sociedade científica já detectava graves problemas futuros em razão da poluição atmosférica provocada pelas indústrias.

Por fim temos o Relatório Brundtland, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”. Este foi criado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, no ano de 1987, e traz para a humanidade a noção de Desenvolvimento Sustentável.

No Relatório Brundtland o desenvolvimento sustentável é idealizado como “o desenvolvimento que satisfaz às necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (ONU, 1991, p.9).

O referido relatório é por demais importante, pois nasce da constatação de que os padrões de consumo e de produção de bens, no mundo moderno, seriam totalmente incompatíveis com a noção de desenvolvimento sustentável, em função de pressões e agressões que esses padrões imporiam ao sistema ambiental.

Por essa razão o Relatório Brundtland propõe à comunidade mundial uma serie de medidas voltadas ao crescimento tecnológico e industrial, de uma forma sustentável, tendo como meta a preservação do meio ambiente e a utilização criteriosa de recursos naturais, em razão de estes serem finitos.

Em 23 de dezembro de 1989, ocorre a aprovação em assembleia extraordinária das Nações Unidas, da realização de uma conferência sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, como fora recomendado pelo relatório Brundtland, início da chamada Agenda 21, que por sua vez veio a ser realizada no Rio de Janeiro em 1992.

A Agenda 21 é um documento que consolida um amplo programa de sustentabilidade ambiental, reafirmando e ampliando as recomendações do Relatório Brundtland, e por sua vez, mais precisamente em seu item 4.23, os entes governamentais são grandes consumidores de bens e serviços, e por essa razão podem exercer um considerável papel na modificação da visão empresarial como também na opinião do público em geral.

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“4.23. Os próprios Governos também desempenham um papel no consumo, especialmente nos países onde o setor público ocupa uma posição preponderante na economia, podendo exercer considerável influência tanto sobre as decisões empresariais como sobre as opiniões do público. Consequentemente, esses Governos devem examinar as políticas de aquisição de suas agências e departamentos de modo a aperfeiçoar, sempre que possível, o aspecto ecológico de suas políticas de aquisição, sem prejuízo dos princípios do comércio internacional.”(Agenda 21, Capítulo 4)

Em sendo assim, vários países, inclusive o Brasil, passaram a utilizar, como instrumento de fomento de incentivo à produção de bens e serviços sustentáveis pelas empresas, o poder de compra das entidades governamentais.

3 A SUSTENTABILIDADE E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O primeiro passo dado pelo Estado brasileiro na busca pela proteção do meio ambiente foi a criação da Lei 6.938/81, onde se busca compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente.

Em ato posterior, e como não poderia ser diferente, visto ser esta tida como a Constituição Cidadão, o Brasil, em 1988, trouxe em seu texto constitucional a preocupação com a questão do meio ambiente, estabelecendo no art. 225, da carta magna como sendo direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No que concerne às licitações, a Lei n. 8.666/93 previu que a elaboração de projetos básicos e executivos de obras e serviços deve considerar o impacto ambiental.

Já no ano de 2009, mais precisamente em 29 de dezembro daquele ano, nasce a Lei n. 12.187, a qual tem por objetivo instituir a Política Nacional sobre Mudanças no Clima, oriunda da intensa discussão internacional acerca das mudanças climáticas.

No ano de 2010, o Brasil passou a adotar de forma bem mais expressiva novos modelos de compras públicas. É neste ano que o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editou a Instrução

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Normativa n.º 1, de 19 de janeiro de 2010, a qual estabelece critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras na Administração Pública Federal.

Ainda no ano de 2010, nasce no ordenamento jurídico pátrio a Lei n. 12.305 de 2 de agosto, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esta, por sua vez, traz em seu bojo a questão da licitação sustentável, posto que prevê a prioridade para a aquisição de bens, serviços e obras de empresas ambientalmente sustentáveis.

Por fim, nós teremos, em 15 de dezembro de 2010, a edição da Lei 12.349, alterou a Lei 8.666/93, mais precisamente em seu art. 3°, caput, quando inclui naquele a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como diretriz dos procedimentos para a contratação pública.

4 A GESTÃO SUSTENTÁVEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Destacamos que os progressos da ciência e da tecnologia mundial contribuíram e ainda contribuem para a ampliação da perspectiva de vida das populações e, consequentemente, para o aumento dessas populações. Assim, como não poderia ser diferente, a economia capitalista volta-se para potencializar a expansão de seus mercados com a elevação dos níveis de produção, necessitando, cada vez mais, de matérias-primas e de recursos naturais.

Desta feita, as agressões ao meio ambiente passaram a ser demasiadamente constantes e proporcionalmente maiores, tanto pelo lado da busca de novas fontes de recursos como também resultantes do despejo de resíduos na natureza.

Em sendo assim, temos que as compras realizadas pelos Órgãos Públicos representam 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Segundo o ex-secretário de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, o senhor Delfino Natal de Souza, se forem levados em consideração os convênios e os contratos de repasse, por exemplo, este valor chega a 16% do PIB nacional. Desta feita a Administração Pública possui um potencial enorme no combate à degradação do meio ambiente.

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Já para Maria de Fátima Cavalcante Tosini temos:

“O governo tem o poder de influenciar o mercado por meio das licitações de bens, serviços e obras. As compras do setor público - nos âmbitos federal, estadual e municipal – movimentam cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional”.( TOSINI, 2008)

Neste diapasão JOSÉ Mª GIMENO FELIÚ, entende que:

“Os contratos firmados pela Administração não constituem exclusivamente um meio de abastecimento do Estado, mas também uma forma de intervenção na vida econômica, social e política do país. Isto significa que a contratação pública não deve mais ser considerada um fim em si mesma, mas sim uma ferramenta jurídica a serviço da Administração, para o cumprimento efetivo de seus fins”.( GIMENO FELIÚ, 2006, p.16 e 17)

Posto isso temos que o Brasil, no ano de 2010, ano que podemos definir como o marco da sustentabilidade em nossa nação, editou normas de extrema necessidade e que põe a Administração Pública na posição de primeira combatente no tocante à degradação do meio ambiente.

O primeiro passo foi dado quando da edição da Instrução Normativa n.° 01/2010, do Ministério do Planejamento, onde foram positivadas as regras para as licitações na forma sustentável a nível federal. Em seu art.1° a instrução discrimina de forma clara que as especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas.

Mister destacarmos que a presente instrução normativa ao criar os critérios para a realização de licitações sustentáveis manteve em sua essência o princípio da isonomia posto que, em seu art. 2°, vedou a imposição de exigências nos editais que comprometam o caráter isonômico e com isso prejudiquem a competitividade do processo licitatório.

Neste sentido fica claro que o Poder Público licitante deverá

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atentar para a escolha de produtos, serviços e bens que atendam a critérios de sustentabilidade ambiental, porém não poderá em hipótese alguma estabelecer restrições que comprometam o tratamento igualitário entre os competidores.

Quanto à questão de o edital conter exigências que favoreçam o desenvolvimento sustentável, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Senão vejamos:

“Tais exigências são compatíveis com os princípios da isonomia e da razoabilidade, já que as cláusulas discriminatórias, no caso, têm por objetivo a proteção do meio ambiente, com fundamento em preceitos constitucionais contidos especialmente nos artigos 170, VI e 225, §1º,V.”(  DI PIETRO, 2012, p.379)

Neste momento o Brasil deu um passo muito importante na proteção do meio ambiente. Ocorre que esta instrução normativa é um ato administrativo normativo, advindo do Poder Regulamentador que possui o executivo, ora praticado por um órgão federal e, portanto, não possui o condão de vincular os atos praticados pelos demais integrantes da federação, a exemplo dos Estados e Municípios.

Mister destacarmos que a partir dessa instrução a lei maior das compras públicas,ou seja, a Lei 8.666/93, fora devidamente alterada em seu art. 3°, caput, quando neste foi incluída a palavra sustentável, pela Lei 12.349, de 15 de dezembro de 2010. E agora todos são obrigados a licitar de forma sustentável.

Porém essa modificação foi muito humilde, pois no que pese a normatização geral do Direito Administrativo, o gestor público só poderá fazer ou deixar de fazer algo se a lei assim o autorizar.

Deste modo, a simples inclusão do termo sustentável no caput do art. 3°, da Lei 8.666/93, não alcançou de forma plena os demais poderes políticos, como também as demais esferas de governo, igualmente ao que aconteceu com os órgãos federais que, além da lei geral, estão sob a égide da Instrução Normativa n.° 1/2010.

Por essa razão é que a lei de licitação deverá ser modificada, no tocante a ser complementada, para que a exigência da realização das licitações sustentáveis abrace de forma efetiva todos os entes

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federativos, e com isso possa o Brasil promover a sustentabilidade ambiental de forma mais concreta.

Os tempos mudaram e a administração pública brasileira não poderá mais prestigiar em seus contratos apenas o valor econômico dos bens ou serviços a serem adquiridos, mas também sua durabilidade, sua eficiência energética, seu impacto no meio ambiente e o volume de resíduo que é produzido.

5 CONCLUSÕES

O objetivo do presente estudo consiste na análise da evolução histórica da forma de se pensar a atuação do governo no controle da devastação do meio ambiente, partindo de uma ferramenta muito importante, que no caso é a licitação pública, meio pelo qual a administração pública realiza as suas aquisições de bens e serviços.

Assim, estudamos de forma primordial a evolução das licitações sustentáveis no Brasil, e verificamos que esta é uma realidade, no entanto, deverá sofrer modificações para que assim possa alcançar a todos indistintamente.

Entendemos que a compreensão de que a defesa e a preservação do meio ambiente é uma meta a ser perseguida pelas nações, com vista a assegurar condições sustentáveis para as gerações presentes e futuras.

A licitação sustentável é um mecanismo muito importante a ser utilizado pelo nosso país, na busca da proteção do meio ambiente, pois como podemos verificar no presente trabalho, a administração pública é responsável por 16% do PIB, e desta feita, pode usar esse potencial para exigir que as empresas que atuam no Brasil, produzam de forma sustentável.

A proteção do meio ambiente é uma obrigação constitucional e por essa razão é que a Administração deverá buscar meios de cumprir essa determinação.

Por essa razão, devemos adotar critérios de sustentabilidade ambiental nas diversas atividades da vida em sociedade e principalmente na atuação estatal, posto que o não amadurecimento da humanidade com relação aos permanentes “avisos” da natureza

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poderá trazer o caos em um futuro bem próximo.

REFERÊNCIAS

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COSTA, Carlos Eduardo Lustosa da. As Licitações Sustentáveis na Ótica do Controle Externo. 2011, 56 f. Artigo (Especialista em Auditoria e Controle Governamental) - Instituto Serzedello Corrêa– ISC/TCU, Distrito Federal, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Licitação: princípios: princípio da licitação sustentável. In:______ Direito Administrativo. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2012.

Documento assinado por 179 países participantes da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”. O termo “Agenda 21” foi usado no sentido de intenções, desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI. Disponível em: <http://www.ecolnews.com.br/agenda21/>. Acesso em 03.08.2013.

GIMENO FELIÚ, José Mª. La nueva contratación pública europea y su incidencia en la legislación española. Madrid: Civitas, 2006.

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Brasil). Instrução Normativa nº 1, de 19 de janeiro de 2010. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 25 jan. 2010. Disponível em: <http://www.cti.ufu.br/sites/cti.ufu.br/files/IN-SLTI-01-19Jan2010-Sustentabilidade-Ambiental.pdf>. Acesso em: 29.07.2013.

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Ministério do Planejamento, Brasília, 2012, Disponível em: <www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/03/06/pais-apresenta-sistema-de-compras-governamentais-em-feira-de-tecnologia-na-alemanha/print> Acesso em 0308.2013.

ONU, Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2 ed. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991.

TAVARES, Maria Gorete. Administração Pública. Enfoque sobre sustentabilidade e licitação sustentável . Jus Navigandi, Teresina, ano 18,  n. 3572,  12  abr.  2013  . Disponível em:  <http://jus.com.br/artigos/24180>. Acesso em: 4.08.2013.

TOSINI, Maria de Fátima Cavalcanti. Compras no Setor Público: critérios visando ao desenvolvimento sustentável.  Boletim Responsabilidade Social e Ambiental do Sistema Financeiro, Ano 3, nº. 34, setembro de 2008. Disponível em: <http://www.cqgp.sp.gov.br/gt_licitações/publicações/Guia-de-compras-públicas sustentáveis.pdf>. Acesso em: 03.08.2013.

VALENTE, Manoel Adam Lacayo.  Marco legal das licitações e compras sustentáveis na Administração Pública.  Câmara dos Deputados. 2011. Seção Documentos e pesquisa. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/documentos-e esquisa/publicacoes/estnottec/tema1/2011_1723.pdf>. Acesso em: 25.07.2013.

Wikipédia, a enciclopédia livre, Conferência de Estocolmo, Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Estocolmo>. 25.07.2013.

Wikipédia, a enciclopédia livre, O Clube de Roma, Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Clube_de_Roma>. Acesso em 25.07.2013.

Wikipédia, a enciclopédia livre, Relatorio de Brundtland,

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Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland>. Acessado em 25.07.2013.

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Capítulo 5

INFLUÊNCIAS DA ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE) NO BRASIL

Artur Felipe Costa Ferreira Neri1

Andrey Levi Diogenes Magalhães2

Sumário: 1 Introdução. 2 OCDE. 2.1 Instrumentos Jurídicos da OCDE. 2.1.1 Decisões. 2.1.2 Recomendações. 2.1.3 Declarações. 3 Relação Brasil e OCDE. 3.1 Na Atualidade. 4 Considerações. Referências.

1 INTRODUÇÃO

As organizações internacionais exercem um papel importante na história. São fatores de mudança no mundo, a exemplo da OCDE, BM, FMI, OMC, pois essas Organizações direcionam os rumos políticos, baseados em teorias, compostas por técnicas e métodos próprios que influenciam todo globo terrestre. A ideia de aldeia global advém de toda a prática e trabalho realizado por estas

1 O autor é professor, Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS, especialista em Direito Tributário pelo IBET- Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Advogado.

2 O autor é Advogado, Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS, Membro da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor Subseção de Campina Grande/PB- OAB/PB.

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instituições. Se deduz, que caso estas organizações internacionais inexistissem, o mundo não se apresentaria a nós tal como o faz hoje, pois a sua história, a nível econômico, político e social, sobrevoaria outra realidade, que não a atual.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, cuja sede é em Paris, França, é uma organização internacional composta por 34 membros. A OCDE foi fundada em 14 de dezembro de 1961, sucedendo a Organização para a Cooperação Econômica Europeia, criada em 16 de abril de 1948.

A OCDE é um órgão internacional e intergovernamental que reúne os países mais industrializados e também alguns emergentes como México, Chile e Turquia. Os representantes se reúnem para trocar informações e alinhar políticas com o objetivo de potencializar seu crescimento econômico e colaborar com o desenvolvimento de todos os demais países membros.

2 OCDE

A OCDE é um fórum no qual os governos podem trabalhar juntos para compartilhar experiências e buscar soluções em comum. Trabalha com os governos para entender o que impulsiona a mudança política, econômica, social, e ambiental. Mede-se a produtividade e os fluxos globais de comércio e investimento. Analisa dados para previsões futuras. Estabelece padrões internacionais em uma grande variedades de atividades, desde agricultura, tributos, segurança social, educação, pensões até segurança de produtos químicos. Também trabalha com empresas, outras organizações internacionais, sindicatos e organizações da vida civil. Baseia-se em fatos e experiências da vida real.

A nova organização em sua criação (1960), já gozava de considerável importância devido ao fato de reunir entre seus membros mais de dois terços da produção mundial de bens e quatro quintos do comércio internacional.

No âmbito das Organizações Internacionais, a OCDE possui métodos de funcionamento e características atípicas. É um organismo complexo, misto de “Think Tank”, repositório de conhecimento,

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porém é atividade meio e não fim. A elaboração dos documentos de trabalho dos comitês requer pesquisa De “clube”, dedicado à formulação de estratégias e coordenação de posições entre os países membros; De tribunal das políticas dos países com o seu mecanismo de “peerpressure”; De “rulemaker”, por meio de suas decisões e recomendações.

A OCDE é um fórum no qual os governos podem trabalhar juntos para compartilhar experiências e buscar soluções em comum. Trabalha com os governos para entender o que impulsiona a mudança política, econômica, social, e ambiental. Mede a produtividade e os fluxos globais de comércio e investimento, analisa dados para previsões futuras, estabelece padrões internacionais em uma grande variedades de atividades, desde agricultura, tributos, segurança social, educação, pensões até segurança de produtos químicos, e também trabalha com empresas, outras organizações internacionais, sindicatos e organizações da vida civil, baseando-se em fatos e experiências da vida real.

2.1 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DA OCDE

A OCDE adota, principalmente, instrumentos de natureza flexível, recomendatória (soft law), embora, também se utilize instrumentos de natureza obrigatória (hard law). Duas políticas de caráter opostas, mas que dizem a respeito do grau de responsabilidades e de vinculação que os países membros possuem com a organização, entre si e com os países parceiros.

No direito internacional, a terminologia de “soft law”, vertente recomendatória e flexível, permanece relativamente controversa, pois existem alguns doutrinadores do Direito Internacional que não aceitam a sua existência, e para outros, há bastante confusão quanto sua natureza no campo do Direito. No entanto, para a maioria dos estudiosos internacionais, o desenvolvimento de instrumentos de “soft law” é aceito no sistema jurídico internacional, onde os estados e organizações são partícipes em acordos no cenário mundial.

Instrumentos de “soft law” são geralmente considerados instrumentos não vinculativos, que, no entanto, possuem um grande

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potencial para se transformar em “hard law”. Este “endurecimento” do“soft law” pode acontecer de duas maneiras diferentes. Uma delas é quando as declarações, recomendações, etc, são o primeiro passo para um processo de tomada de tratado, em que será feita referência aos princípios já estabelecidos nos instrumentos de “soft law”. Outra possibilidade, é que os acordos não convencionais têm a intenção de ter uma influência direta sobre a prática dos Estados, e na medida em que eles são bem sucedidos em fazê-lo, eles podem levar à criação de um direito consuetudinário.

Soft law é uma opção para as negociações em que compromisso com vínculo jurídico não é conveniente para a negociação em virtude de um determinado ponto, tempo, razões políticas ou econômicas, mas continua a querer negociar algo com boa fé recíproca.

Soft law também é visto como uma opção flexível - que evita o compromisso imediato e intransigente feito sob a forma de tratado e também é considerado potencialmente uma via mais rápida para compromissos legais do que o ritmo lento do direito internacional consuetudinário . Com o passar do tempo, na sociedade globalizada de hoje é fácil usar a mídia e a internet para difundir o conhecimento do conteúdo das declarações e compromissos assumidos nas conferências internacionais. Ao fazer isso, esses compromissos não-desejáveis, muitas vezes capturam a imaginação dos cidadãos que começam a acreditar nestes instrumentos de soft law, como se fossem instrumentos jurídicos. Por sua vez, sente-se que isso acaba por impactar governos que são forçados a levar em conta os desejos dos cidadãos, as ONGs, as organizações, os tribunais e até mesmo as empresas que começam a se referir a esses instrumentos jurídicos não vinculativos tão frequentemente e com tanta importação que começam a evidenciar as normas legais.

A OCDE, também se utiliza do “hard law”, pois não exclui o poder de tomar decisões e exigir que essas sejam cumpridas. O Artigo 5º da Convenção de 1961 trata desta atribuição de poder da organização. O descumprimento de decisões da OCDE constitui violação da Convenção de 1961, assim também, descumprimento do Direito de Tratados. E o mesmo artigo cita o fato de que a aceitação de uma decisão por um país membro já o faz obrigado a por em

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prática essa decisão em prazo razoável.Mas, afinal qual é a diferença entre os vários instrumentos

jurídicos da OCDE? O artigo 5º da Convenção da OCDE afirma que “a fim de atingir os seus objetivos, a organização pode: (a) tomar decisões que, salvo disposição em contrário, será obrigatória para todos os membros, e (b) fazer recomendações aos membros”.

Há uma série de instrumentos de normatização usados pela organização para formular políticas em suas diversas áreas. Os principais tipos de atos são decisões e recomendações. Porém, podemos dividir os instrumentos da OCDE nos seguintes atos normativos3: decisões, acordos internacionais ou tratados, recomendações e declarações

2.1.1 Decisões

As decisões propriamente ditas servem para estabelecer mecanismos de cooperação e possuem um formato que indica a importância atribuída pelos países membros ao engajamento, por isso seu caráter permanente e obrigatório através de formato solene.

Por mais que as decisões propriamente ditas tenham esse caráter (Hard Law), elas, fortuitamente, acompanham-se de mecanismo de sanções ou de soluções que possam ser utilizados em caso de descumprimento das decisões. Isto acontece pelo fato do espírito de cooperação se fazer muito presente entre os membros da OCDE. Além disso, o constrangimento político e moral já se fazem sanções por excelência.

As decisões da OCDE não são consideradas acordos internacionais, porém de acordo com o Artigo 5º da Convenção, possui valor jurídico para os países que as subscrevem. Dessa forma, caso seja descumprido constitui violação à Convenção, por consequência do Direito dos Tratados. Raramente, as decisões

3 OECD. Decisions, Recommendations and other Instruments of the Organisation for Economic Co-Operation and Development. 2014 Disponível em: <http://webnet.oecd.org/OECDACTS/Instruments/ListByTypeView.aspx>. Acesso em: 01/12/2014.

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são acompanhadas de uma prescrição de sanções ou solução de controvérsias que possa ser usado em caso do não cumprimento.

As decisões são juridicamente vinculativas para todos os países membros que não se manifestarem em contrário no momento em que são adotadas. Embora não se trate de tratados internacionais, eles implicam o mesmo tipo de obrigações legais como aqueles subscritos por tratados internacionais. Membros são obrigados a implementar decisões e devem tomar as medidas necessárias para tal implementação.

O país-membro não precisa recorrer ao processo de ratificação como, a exemplo dos tratados internacionais, a não ser se declarado pelo conselho que aprovou o projeto de decisão. De acordo com o artigo 5º da Convenção, o país-membro que aceita uma decisão tem a obrigação de colocar em prática, em prazo razoável. Devido ao caráter de cooperação da organização, o constrangimento moral e político já constitui mecanismo de sanção por excelência das decisões da Organização.

As decisões seguem modelos com forma e estilos precisos que, normalmente, vêm acompanhadas de anexos; nesses, constam os órgãos responsáveis por supervisionar a aplicação da decisão, os mecanismos de cooperação e parte da substancia, sempre com a utilização da palavra “decisão”. Já as decisões que possuem artigos facultativos são denominadas “decisão-recomendação”. Portanto, existe dois tipos de decisões com os seus vinculados: decisões com recomendação (soft law) e apenas (hard law).

2.1.2 Recomendações

São os instrumentos facultativos4 (soft law) mais utilizados pela OCDE e a forma, por excelência, de exteriorização da Organização. Detêm adaptabilidade, natureza recomendatória, não-exigível. São

4 PINTO, Denis Fontes de Sousa. OCDE: uma visão brasileira. 2000. 170f. P. 27. Coleção Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília: IRBr, FUNAG, 2000. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0024.pdf>. Acesso em: 10/12/2014.

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apresentadas em linguagem genérica e abrangente que permite aos países-membros maior margem de manobra no processo de aplicação. Portanto, esse ato normativo permite facilitar adequação da norma às novas exigências das relações internacionais.

As recomendações não são juridicamente vinculativas, mas a prática lhes concede grande força moral como representação da vontade política dos países-membros e existe a expectativa de que os países membros farão o seu melhor para implementar integralmente a recomendação. Assim, os países-membros que não pretendem implementar uma recomendação normalmente abster-se-ão quando ela é adotada.

Não requer, ademais, nos países-membros, o exame da matéria pelos órgãos legislativos nacionais.

As recomendações preveem o comprometimento dos países-membros de notificar as medidas adotadas, no contexto de sua aplicação. Quando os países não desejem comprometer-se com as recomendações adotadas pelo conselho, é esperado que os países manifestem sua aceitação parcial ou se abstenham, acompanhada de reservas ou interpretações.

A experiência que se tem dentro da Organização é da quase totalidade das recomendações ser colocada em prática pelos seus membros. Portanto, reitera a natureza consensual da aceitação e desejo da regulamentação.

Até fevereiro de 2015, a OCDE possuía 188 recomendações em vigor.

2.1.3 Declarações

São notas tomadas pelo Conselho de Ministros das Relações Exteriores e das Finanças, que passam a constituir ponto de partida de novos trabalhos dos comitês, na elaboração das futuras decisões e recomendações. Elas não são atos formais da organização e não se destinam a ser juridicamente vinculativos, mas elas são anotados pelo Conselho da OCDE e sua aplicação geralmente é monitorada

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pelo órgão responsável da OCDE5. Todas as partes da Declaração estão sujeitas a revisões periódicas.

Um exemplo é (Green Growth) a declaração do crescimento verde que envolve a tributação ambiental, matéria que será objeto de estudo no capítulo III.

Até fevereiro de 2015, a OCDE possuía 28 declarações em vigor.

3 RELAÇÃO BRASIL E OCDE

A busca pelo alcance global tem sido uma parte integrante da OCDE desde o seu início em 1961, aliás, a sua natureza global já foi expressa em sua Convenção inaugural, onde o artigo 1º da Convenção afirma que os membros devem contribuir para a consolidação de expansão econômica nos Estados, bem como os países terceiros no processo de desenvolvimento econômico” Para isso, o artigo 12 estipula que a Organização pode estabelecer e manter relações com Estados não membros ou organizações, convidar os governos terceiros ou organizações de participar em atividades da Organização.

Uma nova estrutura de governança para a Organização reitera o comprometimento da Organização com os não-membros, em particular as grandes economias emergentes, para compartilhar as melhores práticas e promover o desenvolvimento econômico. A OCDE oferece aos membros e não-membros uma plataforma de discussão e troca de experiências conhecimentos. Além disso, é sabedora, que não conseguirá resolver problemas de proporção mundial, se não ultrapassar suas fronteiras. Um exemplo, a questão ambiental.

Reconhecendo que as relações da OCDE com economias não-membros são ainda mais fundamentais no mundo interdependente

5 PINTO, Denis Fontes de Sousa. OCDE: uma visão brasileira. 2000. 170f. P. 31. Coleção Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília: IRBr, FUNAG, 2000. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0024.pdf>. Acesso em: 10/12/2014.

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de hoje do que eram quando a Organização foi fundada, a OCDE, em 2005, adotou um quadro estratégico para orientar as suas relações globais.

O Brasil não é membro da OCDE, porém participa do programa engajamento ampliado que lhe permite participar de Comitês da Organização.

O Brasil é uma das muitas economias não-membros com os quais a OCDE tem relações de trabalho, além de seus países membros. O país é uma potência econômica de escala continental no sistema internacional. Nas últimas duas décadas, o Brasil tornou-se uma fonte valiosa de experiência de políticas públicas, ao integrar o ranking das maiores economias do mundo.

O Brasil é uma das cinco principais economias emergentes com as quais a OCDE estabeleceu uma parceria chave, juntamente com a China, a Índia, a Indonésia e a África do Sul. O brasil é a maior economia da América Latina, e sétima economia do mundo. Com um PIB de US 2,4 trilhoes. (Banco Mundial, 2012) A relação mutuamente proveitosa do Brasil com a OCDE vem evoluindo de forma constante e favorável desde meados dos anos 1990.

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O Brasil em 1992 apresentou candidatura a membro pleno do centro de desenvolvimento. No mesmo período, manifestou, seu interesse em participar dos quatro seminário, para os quais o Brasil havia sido convidado a participar, anteriormente, pela OCDE.

Daí em diante, tornou-se membro do Centro de Desenvolvimento, do Comitê do Aço e tem participado como observador dos Comitês de Comércio, Investimentos Internacionais e Empresas Multinacionais, Política de Concorrência, Agricultura, Administração Pública.

O relacionamento entre a OCDE e o Brasil aprofundou-se a partir de 1999, quando em resposta a um pedido das autoridades brasileiras para uma cooperação mais estreita com a OCDE, o Conselho da OCDE criou um programa direcionado ao Brasil. Desde então, o Brasil tornou-se um parceiro forte e ativo da OCDE. Uma maior aproximação entre o Brasil e a instituição ocorreu em 2000, quando o governo brasileiro assinou a “Convenção de Combate à Corrupção de Autoridades Estrangeiras”6.

Em 16 maio de 2007, O Conselho da OCDE no âmbito ministerial aprovou uma resolução que decidiu “fortalecer a cooperação da OCDE com o Brasil, além da China, Índia, Indonésia e África do Sul” por meio do programa de engajamento ampliado com vistas a uma possível adesão à OCDE7.

3.1 NA ATUALIDADE

O Brasil participa de vários programas da OCDE, inclusive o “enhanced engagement” (engajamento ampliado) que lhe permite participar de Comitês da Organização. Pode atuar, de forma seletiva,

6 RECEITA FEDERAL DO BRASIL. OCDE: Considerações Gerais. [2012-2014]. Disponível em: <http://www.sain.fazenda.gov.br/sobre-a-sain-1/ocde>. Acesso em: 12/12/2014.

7 OECD. Chair’s summary of the OECD Council at Ministerial Level, Paris, 15-16 May 2007 - Innovation: Advancing the OECD Agenda for Growth and Equity. 16/05/207. Disponível em: <http://www.oecd.org/newsroom/chairssummaryoftheoecdcouncilatministeriallevelparis15-16may2007-innovationadvancingtheoecdagendaforgrowthandequity.htm>. Acesso em: 05/12/2014.

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nos Comitês que lhe são de interesse e que lhe servem de fonte de informações e de plataforma para a divulgação de suas posições. As discussões nos Comitês e Grupos de Trabalho de que o Brasil participa têm revelado convergência de políticas em diversas áreas, desde o combate à corrupção até padrões de conduta para empresas multinacionais, passando por políticas de concorrência e de fomento do investimento estrangeiro direto8.

O Brasil aderiu alguns instrumentos legais da OCDE, que resultam do trabalho realizado nos Comitês da Organização e relatórios realizados no âmbito do Secretariado, cobrindo uma vasta área de temas, que vai da ação eficaz contra Cartéis à assistência administrativa mútua em assuntos fiscais, e muitos deles viraram normas aplicáveis em todo o mundo. Podemos citar como exemplo: Convenção da OCDE sobre o Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais; padrões e modelos, como as Normas de Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais; ou Recomendações, como por exemplo, a Recomendação sobre o Combate aos Cartéis em Licitações Públicas. Também podem assumir a forma de Orientações, como por exemplo, as Diretrizes para Empresas Multinacionais. O Brasil adere atualmente a 14 instrumentos jurídicos da OCDE9: a) Códigos e Esquemas Agrícolas; b) Carta de Bolonha sobre a Declaração de Políticas para PMEs; c) Convenção sobre o Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais; d) Decisões do Conselho relativas à Mútua Aceitação de Dados na Avaliação de Produtos Químicos; e)Recomendação do Conselho relativa a uma Ação Eficaz contra Cartéis; f) Declaração Ministerial de Istambul para Fomentar o Crescimento de PMEs Inovadoras e Internacionalmente Competitivas; g)Declaração sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais; h)Recomendação do Conselho sobre as Orientações de Devida

8 Id. O Brasil e a OCDE. [2013-2014]. Disponível em: <http://www.pcn.fazenda.gov.br/ocde/o-brasil-e-a-ocde>. Acesso em: 12/12/2014.

9 Id. Active with Brazil. Jun. 2014, Paris. Disponível em: <http://www.oecd.org/brazil/Brazil%20brochureWEB.pdf>. Acesso em: 03/12/2014.

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Diligência para as Cadeias Responsáveis pelo Fornecimento de Minerais Originários de Áreas de Conflito e Áreas de Alto Risco; i) Declaração sobre Propriedade, Integridade e Transparência na Condução de Negócios e Finanças Internacionais; j) Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais; k) Declaração sobre a Crise Financeira Global e Créditos à Exportação; m) Declaração sobre Erosão da Base Fiscal e Transferência de Lucros; n) Diretrizes multilaterais – Extrato do Anexo da Decisão que Institui o Comitê do Aço e; o) Declaração de Troca Automática de Informações para Fins Fiscais

O Brasil tem participação ativa em diversos Comitês, bem como em inúmeras áreas de trabalho da OCDE, é um “Associado”, ou seja, participa em pé de igualdade com os países membros em sete comitês da OCDE e é vice-presidente de dois deles, o Conselho de Administração do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) e o Comitê do Aço. Isto reflete a liderança que o Brasil desenvolveu nessas áreas, bem como um sinal importante de seu forte compromisso com o diálogo sobre políticas que ocorre nesses e em outros organismos da OCDE. Além disso, o Brasil é um “Participante” em outros onze colegiados da OCDE (ver anexo). Participa de comitês da OCDE, e é membro da OCDE de Centro de Desenvolvimento. Finalmente, ele suporta atividades regionalmente focados da OCDE na América Latina, realizando reuniões regionais sobre combate à corrupção ou a governança corporativa. Sua liderança também abriu vias de diálogo com o resto da América Latina10.

O Brasil é Associado à sete Órgãos da OCDE: a) Conselho de Administração do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (PISA) (2007, Vice-presidente desde novembro de 2013); b) Conselho de Administração do Centro de Desenvolvimento (2005) c) Grupo de Trabalho sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais, do Comitê de Investimento (1997); d) Grupo de Trabalho do Comitê de Investimento, relacionado à Declaração sobre Investimento

10 OECD. Active with Brazil. Jun. 2014, Paris. Disponível em: <http://www.oecd.org/brazil/Brazil%20brochureWEB.pdf>. Acesso em: 03/12/2014.

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Internacional e Empresas Multinacionais (1997); e) Comitê do Aço (1996, Vice-presidente desde dezembro de 2013); f) Reunião Conjunta do Comitê de Produtos Químicos e Grupo de Trabalho de Produtos Químicos, Pesticidas e Biotecnologia em questões relacionadas à Mútua Aceitação de dados: Grupo de Trabalho dos Coordenadores Nacionais do Programa de Diretrizes de Teste; e Grupo de Trabalho sobre Boas Práticas de Laboratório (2011); g) Fórum Mundial sobre Transparência e Troca de Informações para Efeitos Fiscais (2009)

O Brasil é associado a dois projetos da OCDE: a) Erosão da Base Fiscal e Transferência de Lucros (BEPS) (2013); b) Revisão dos Princípios de Governança Corporativa.

A criação do CD serviu, essencialmente, de elo de ligação entre a OCDE e os países em desenvolvimento com a finalidade de assistir e informar a Organização, por meio de diferentes formas de cooperação e diálogo com os países não-membros.

4 CONSIDERAÇÕES

Não há dúvidas de um estreitamento de relação cada vez maior entre a OCDE e O Brasil. Podemos citar alguns exemplos dos efeitos dessa relação.

Um exemplo é a Lei da Concorrência, adotada em 2011, é um passo importante para uma concorrência saudável. A nova lei concluiu um processo de reforma e modernização da política de concorrência no Brasil iniciado em 2003. A Lei de Concorrência brasileira aprovada em 2011 reflete diversas recomendações chave, feitas na revisão por pares da OCDE, inclusive: a) a introdução de uma notificação de fusão ex ante, bem como um sistema de critério duplo para a notificação de fusão; b) um aumento significativo do valor das multas; c)sanções penais mais duras com multa e pena de prisão, em vez de escolha entre as duas; d) um Sistema Brasileiro de Política de Concorrência mais bem estruturado.

A OCDE também apoia os formuladores de políticas em seus esforços de melhorar as licitações públicas. O Projeto OCDE de Combate a Cartéis em Licitações na América Latina foi lançado

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em 2007 com projetos no Brasil e no Chile. O objetivo é ajudar as autoridades a detectar e prevenir licitações fraudulentas em editais públicos. Foram estabelecidas parcerias interinstitucionais pelas autoridades Promovendo concorrência saudável brasileiras, com o apoio da OCDE, para conscientizar sobre o combate às práticas fraudulentas. Como exemplo, a OCDE analisou a proposta de alteração da Lei de Licitações e explicou a utilidade da Declaração de Elaboração Independente de Propostas, que agora é obrigatória para as licitações federais e estaduais.

A OCDE também trabalha ativamente em questões de comércio eletrônico. Atualmente, a OCDE está fazendo a revisão das Diretrizes para a Proteção do Consumidor no Contexto do Comércio Eletrônico, de 1999. Foi dada atenção particular ao desenvolvimento de políticas de orientação a pagamentos móveis e pagamentos on-line, produtos de conteúdo digital e comércio eletrônico participativo. O Brasil está engajado neste trabalho, que está intimamente ligado a um decreto sobre comércio eletrônico publicado em março de 2013. O Brasil também tem papel ativo no trabalho da OCDE sobre segurança de produtos do consumidor. Em 2010, a OCDE desenvolveu o Manual de Políticas do Consumidor, um guia prático que fornece um arcabouço para o entendimento das alterações nos mercados de consumo e as implicações relacionadas à elaboração de políticas. Em outubro de 2012, a Organização lançou o banco de dados Global Recalls, um portal que reúne informações sobre recalls de produtos em todo o mundo, fornecendo a governos, empresas e consumidores uma nova ferramenta para abordar questões de segurança11.

Apesar do exposto, da ralação estreita do Brasil com a Organização Internacional, o país ainda não é membro da OCDE. É necessário examinar os custos de uma adesão, sejam eles diretos (contribuição ao orçamento da instituição), ou indiretos (custeio da participação de funcionários governamentais nas reuniões da organização e utilização de recursos humanos para acompanhamento

11 OECD. Active with Brazil. Jun. 2014, Paris. Disponível em: <http://www.oecd.org/brazil/Brazil%20brochureWEB.pdf>. Acesso em 03.12.2014.

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e preparação da participação brasileira nos diversos órgãos envolvidos). o correto aproveitamento da condição de membro da OCDE depende de participação direta dos órgãos competentes do Governo brasileiro nos diversos comitês, onde se realizam as trocas de experiências e os exercícios de revisão periódica (peer review). Além disso, tem que se analisar se o Brasil está apto a seguir as práticas, as políticas e os padrões da OCDE. Essas foram definidas a partir das práticas, políticas e padrões adotadas pelos membros da organização, na ampla maioria países desenvolvidos, com estrutura econômica e social por vezes distante da brasileira. E nosso Sistema tributário e Ambiental deixa a desejar em relação aos países desenvolvidos.

REFERÊNCIAS

OECD. Decisions, Recommendations and other Instruments of the Organisation for Economic Co-Operation and Development. 2014 Disponível em: <http://webnet.oecd.org/OECDACTS/Instruments/ListByTypeView.aspx>. Acesso em 01.12.2014.

______. Active with Brazil. Jun. 2014, Paris. Disponível em: <http://www.oecd.org/brazil/Brazil%20brochureWEB.pdf>. Acesso em 03.12.2014.

______. Chair’s summary of the OECD Council at Ministerial Level, Paris, 15-16 May 2007 - Innovation: Advancing the OECD Agenda for Growth and Equity. 16/05/207. Disponível em: <http://www.oecd.org/newsroom/chairssummaryoftheoecdcouncilatministeriallevelparis15-16may2007-innovationadvancingtheoecdagendaforgrowthandequity.htm>. Acesso em 05.12.2014.

______. Putting Green Growth at the Heart of Development. 2013. Paris. Disponível em: <http://www.oecd.org/dac/SLM2013_issue%20paper%20green%20growth.pdf>. Acesso em 03.12.2014.

PINTO, Denis Fontes de Sousa. OCDE: uma visão brasileira. 2000. 170f. Coleção Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco.

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Brasília: IRBr, FUNAG, 2000. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0024.pdf>. Acesso em 10.12.2014.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. OCDE: Considerações Gerais. [2012-2014]. Disponível em: <http://www.sain.fazenda.gov.br/sobre-a-sain-1/ocde>. Acesso em 12.12.2014.

______. O Brasil e a OCDE. [2013-2014]. Disponível em: <http://www.pcn.fazenda.gov.br/ocde/o-brasil-e-a-ocde>. Acesso em 12.12.2014.

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Capítulo 6

O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

Carlos Frederico Nóbrega Farias1

Renato José Ramalho Alves2

Sumário: 1 Introdução. 2 Origem histórica das Agências Reguladoras. 3 O surgimento das Agências Reguladoras no Brasil. 4 O papel das Agências Reguladoras no Brasil. 5 Conclusões. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata das funções das agências reguladoras no Brasil, abordando, também suas origens históricas e do seu regime jurídico atual em nosso país.

Com efeito, desde meados do século XX, desenvolve-se mais intensamente o conceito de direito econômico, entendido como o direito das políticas públicas na economia. Trata-se, pois, do conjunto de normas jurídicas que permitem ao Poder Público exercer influência, orientar, direcionar estimular proibir ou reprimir comportamentos dos agentes econômicos num dado país ou

1 Mestrando em Direito Internacional pela Universidade de Santos – UNISANTOS; Conselheiro Federal e Presidente da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB.

2 Pós-Graduando em Direito Tributário pela Escola Superior da Advocacia (ESA) da OAB-PB; Articulador em Negociações Internacionais do Engajamundo; Estagiou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (2014).

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conjunto de países3. Nesse contexto, um dos principais objetos de estudo do

direito econômico4 são os mecanismos de regulação da economia, notadamente as agências reguladoras, entendidas como instrumentos de controle, pelo o Estado, de atividades econômicas e de prestação de serviços públicos.

Para se entender o papel das agências reguladoras atualmente, faz-se necessária a compreensão das transformações da regulação da economia durante a história. No Brasil, tais transformações podem ser analisadas segundo quatro marcos principais: a regulação patrimonialista; a regulação desconcentrada; a regulação concentrada e; o período contemporâneo.

Durante marco da regulação patrimonialista, a partir do Brasil Colônia até o início do Segundo Império, o Estado era entendido como um mero veículo de interesses dos governantes. Toda a regulação estatal tinha por fundamento e por objetivo a manutenção do poder, realizando-se uma política predatória das riquezas dos súditos.

No período de regulação desconcentrada, que durou do início do Segundo Império até o fim da República Velha, percebeu-se certo deslocamento do poder regulatório. Tal fenômeno representava a descentralização e o enfraquecimento do poder imperial. Foi uma época marcada por ideias típicas do liberalismo econômico, o que desencadeou uma relativa desregulamentação da economia.

A partir da Era Vargas até o início da década de 1990, fatores

3 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1.

4 Bercovici, citando Gaspar Ariño Ortiz, explica que o direito econômico pode ser compreendido “por uma perspectiva metodológica ou por uma perspectiva substancialista. Esta perspectiva substancialista atribui um determinado conteúdo material ao direito econômico, geralmente vinculado às normas e instrumentos jurídicos por meio dos quais o Estado dirige a atividade econômica. Já a perspectiva metodológica por ele [Gaspar Ariño Ortiz] defendida diz respeito à necessidade de interpretação e aplicação do direito econômico por critérios jurídicos e econômicos, levando-se em conta, fundamentalmente, a função econômica da norma, por meio da análise econômica do direito” (in: BERCOVICI, Gilberto. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 299.

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como o crescimento da economia e o desenvolvimento tecnológico obrigaram o Estado brasileiro a tratar com mais cautela a questão regulatória em nosso país. Esse período é marcado pela regulação concentrada, que ampliou os instrumentos de regulação econômica. Destacarem-se, assim, medidas estatais direcionadas a combater os colapsos do livre mercado; a promover a substituição de importações – como forma de amenizar os efeitos da crise do comércio exterior ocasionada por conflitos internacionais –; a estabelecer uma política de congelamento de preços, dentre outras5.

No período contemporâneo, que se iniciou nos primeiros anos da década de 1990 e verifica-se até os dias atuais, a regulação econômica ganhou maior destaque nas políticas governamentais. Nesse marco atual, um tema central é a questão da concorrência, objeto de medidas regulatórias baseadas na ideia de que “a competitividade no setor público e no privado proporcionará ganhos quantitativos e qualitativos tanto para o Estado quanto para os usuários dos serviços e consumidores dos produtos”6.

É exatamente nesse contexto que, no presente trabalho, se analisará o papel das agências reguladoras em nosso país. Entretanto, para entender a realidade atual das agências, é preciso compreender o processo histórico que originou sua concepção, conforme se aborda a seguir.

2 ORIGEM HISTÓRICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

As agências reguladoras foram criadas como mecanismos de relativização das garantias liberais clássicas, como o direito à propriedade e à liberdade contratual, havidas como praticamente absolutas durante a fase do capitalismo liberal puro7.

5 AGUILLAR, Fernando Herren, op. cit. 113-114. 6 Idem, p. 168. 7 BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras Independentes e Democracia no

Brasil. REDAE – Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 3, ago-set. 2005, Salvador, p. 5.

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Com efeito, o surgimento de instituições administrativas para regular atividades de interesse público remonta a meados do século XIX, na Inglaterra, com a criação, pelo parlamento inglês, de instrumentos para efetivar medidas previstas na legislação e para resolver possíveis conflitos normativos. Para cada lei que dispusesse acerca de um assunto de relevo, criava-se um ente para aplicá-la.

Entretanto, foi nos Estados Unidos que se instituíram as primeiras agências reguladoras modernas, em moldes parecidos com os quais conhecemos hoje. Especificamente no final do século XIX, foi criada a primeira agência reguladora norte-americana, o Interstate Commerce Comission (1887), com o objetivo de regular os serviços interestaduais de transporte ferroviário. A nova entidade detinha não apenas o poder de criar instrumentos normativos como também de executar as suas próprias medidas8. Ela serviu como modelo para o surgimento de novas instituições independentes de regulação nos Estados Unidos, tais como a Federal Comunications Commission, a Securities and Exchange Comission e a National Labor Relations Board.

Nesse sentido, o contexto político-social da realidade norte-americana provocou a necessidade de implementação de instituições autônomas ao Poder Executivo, que vivia uma forte crise de legitimidade. Grande parte da sociedade reivindicava que instituições estatais, dotadas de profissionais com grandes conhecimentos técnicos, passassem a atuar, de forma eficaz, na regulação da prestação de serviços públicos essenciais, decidindo sobre aspectos importantes como, por exemplo, a estipulação de valores para os limites das tarifárias dos serviços. Essas instituições tinham como principais características diminuir as pressões políticas, estabelecer decisões imparciais e promover uma atuação do Poder Executivo mais independente.

Assim, para Gustavo Binenbojm9, o desenho institucional

8 ROSANVALLÓN, Pierre. La legitimidad democrática. Imparcialidad, reflexividad, proximidad. Buenos Aires: Manatial. 2009, p. 119-122.

9 BINENBOJM, Gustavo. Ibidem, p. 1.

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norte-americano, após o New Deal, baseou-se em agências com acentuado nível de autonomia em relação ao Poder Executivo. Com fundamento na ideia de afastamento de interesses políticos ou particulares, foram designados administradores pretensamente neutros, dotados de alta qualificação técnica.

De acordo com Cuéllar10, as agências reguladoras norte-americanas caracterizavam-se por quatro aspectos principais, quais sejam: a) a imposição de sanções pela Administração aos particulares deveria ser autorizada pelo Poder Legislativo, por meio de regras que controlassem atuação das agências administrativas; b) os procedimentos decisórios adotados pelas agências deveriam se pautar pelas diretivas legislativas; c) possibilidade de revisão jurisdicional da atividade das agências, a fim de assegurar a utilização pelas agências de procedimentos precisos e imparciais conforme as diretivas impostas pelos legisladores; d) o processo decisório utilizado pelas agências deveria facilitar o exercício da revisão judicial.

Por sua vez, o autor Marçal Justen Filho11 classifica as agências norte-americanas de acordo com a autonomia (independentes e não independentes), o âmbito de atuação (agências de serviços administrativos; agências de desenvolvimento; agências de bem-estar social; agências de relação econômica, e; agências de regulação social); natureza das atividades (executivas ou reguladoras), e; nível federativo (federais, estaduais e municipais).

Em meados do século XX, o governo americano criou mecanismos de defesa para evitar possíveis abusos no que tange às interferências das agências. Um exemplo disso foi a Lei de Procedimento Administrativo, de 1946, que se constituiu como um instrumento de formalização procedimental e uniformização do funcionamento dos órgãos administrativos e que tornou possível o controle judicial das decisões finais das agências pelo Poder

10 CUÉLLAR, Leila. Poder normativo das agências reguladoras norte-americanas. Revista de Direito Administrativo, n. 229, pp. 153-176, jul-set, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 160.

11 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. SP: Dialética, 2002. pp. 64-69.

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Judiciário12.A atuação de agências reguladoras, nos Estados Unidos, possui

uma abrangência maior que em outros países, principalmente os Europeus. Sobre do tema, discorre Di Pietro que

“enquanto na Europa, a Administração Pública tem uma organização complexa, que compreende uma série de órgãos que integram a Administração direta e entidades que compõem a Administração indireta, nos Estados Unidos toda a organização administrativa se resume em agências (sinônimo de entes administrativos em nosso direito)13”.

Assim, podemos perceber que os Estados Unidos criaram o modelo originário das agências reguladoras, servindo de influência para diversos países, inclusive o Brasil, ainda que, conforme se demonstra a seguir, se verifique a presença de fortes diferenças de padrões regulatórios entre os dois países.

3 O SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

O fenômeno da regulação pode ser entendido como a o processo pelo qual o Estado controla a atividade econômica, visando corrigir deficiências do mercado, ou a prestação de serviços públicos, com o objetivo de torná-los cada vez mais eficientes14.

Desde as primeiras décadas do século XX, ou seja, entre o marco da regulação desconcentrada e o marco da regulação concentrada, o Brasil já possuía entidades com funções regulatórias e fiscalizatórias de setores econômicos. Di Pietro, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, traz os seguintes exemplos:

12 SHECARIA, C. C. B. M. A competência das agências reguladoras nos USA. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Coord.). Direito regulatório: temas polêmicos. Belo Horizonte: Forum, 2003, p. 461

13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 2007, p. 133.

14 Cf. MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico. Coimbra: Coimbra Editora: 2007, pp. 52-55.

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[...] o Comissariado de Alimentação Pública (1918), o Instituto de Defesa Permanente do Café (1923), o Instituo do Açúcar e do Álcool (1933), o Instituto Nacional do Mate (1938), o Instituto Nacional do Pinho (1941), o Instituto Nacional do Sal (1940), todos esses institutos instituídos como autarquias econômicas, com a finalidade de regular a produção e o comércio. Além desses, podem ser mencionados outros exemplos, como o Banco Central, o conselho Monetário Nacional, a Comissão de Valores Mobiliários e tantos outros órgãos com funções normativas e de fiscalização15.

O fim da Segunda Guerra Mundial marca o início da reconstrução das economias dos países que participaram do conflito, passando o Estado a atuar mais efetivamente nas atividades econômicas, seja de forma exclusiva ou em concorrência com o setor privado.

No Brasil, o desenvolvimento de movimentos neoliberais, a constante falta de recursos por parte do Estado para arcar a assoberbada máquina estatal e as dificuldades encontradas para uma boa administração fizeram com que a ideia de Estado regulador ganhasse força, com possibilidade de ser transferida para o setor privado a realização de diversos serviços públicos.

Nesse momento, a escola neoliberal, pugnando pela renovação estatal, substituindo o Estado interventor pelo Estado regulador; fazendo nascer novamente a concepção de que o mercado é o responsável pelo direcionamento da produção. Assim, em diversas áreas, o Estado deixa de ser agente econômico e passa a ser Estado indutor, fiscalizador e fomentador das atividades econômicas.

Contudo, foi na década de 1990 que o Brasil, já na vigência da Constituição de 1988, desenvolveu, mais intensamente, o processo de desestatização dos serviços públicos, deslocando-os, principalmente através de concessões, à iniciativa privada, e consolidando o Estado como agente normativo das atividades econômicas.

Nesse sentido, na década de 1990, ocorreu uma série de privatizações decorrentes do Plano Nacional de Desestatização

15 Op. cit, p. 434.

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(PND), instituído pela Lei nº 8.031 de 1990, que, posteriormente, foi alterada pela Lei nº 9.491 de 1997. Tal período também foi marcado por emendas constitucionais que permitiram a delegação da prestação de serviços públicos de competência do Estado para a iniciativa privada, a exemplo das emendas constitucionais nº 08 e 09 de 1995.

Assim, o país foi adotando uma postura econômica neoliberal, delegando à iniciativa privada a exploração direta de atividades que antes eram de sua responsabilidade, assumindo um papel fiscalizador e regulamentador de tais atividades, através da criação de diversas agências reguladoras.

Contudo, vários autores apontam críticas em relação ao modo como ocorreu a introdução das agências reguladoras no Brasil, eis que o processo se deu sem o planejamento adequado. Coutinho, por exemplo, aponta que

a introdução da regulação na década passada foi, em muitos casos, simultânea às privatizações. Em outros casos, somente veio a ser feita após a venda das estatais em leilão. Ambas as circunstâncias representam uma deficiência de reforma regulatória. Chega a ser intuitivo admitir que as regras para a regulação dos setores-alvo devem ser criadas antes da privatização. É preciso que sejam desenhadas estratégias e modelos de regulação e concorrência para os mercados em questão antes de as empresas passarem às mãos privadas. Mais do que isso, é preciso que haja um verdadeiro planejamento de objetivos regulatórios como condição para uma regulação subsquente eficaz16.

Por outro lado, é necessário ressaltar que, em que pese a utilização em comum do termo “agências reguladoras”, o modelo brasileiro possui escassas semelhanças com o modelo norte-americano. Na verdade, se as agências dos Estados Unidos foram instituídas com o objetivo de propulsionar mudanças, buscando a relativização das liberdades econômicas básicas, no Brasil, elas foram criadas para garantir a preservação do status quo, tendo como

16 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Privatização, Regulação e o Desafio da Universalização. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Regulação Direito e Democracia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 74.

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objetivo assegurar a plenitude de tais liberdades em face de eventuais tentativas de mitigação por futuros governantes17. O modelo de regulação, no Brasil, mais se aproximou ao da Europa continental, onde órgãos reguladores são denominados de entes administrativos independentes.

4 O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

Sob influência do Plano Nacional de Desestatização (por meio da Lei n° 9.491/97), na década de 1990, houve a descentralização por delegação legal, isto é, a transferência para a iniciativa privada, de atividades que o poder Público vinha exercendo de forma ineficiente e dispendiosa18.

Nesse contexto, as agências reguladoras vieram para normatizar, direcionar, conduzir e fiscalizar o exercício dessas atividades por parte do setor privado. Exatamente nesse sentido foram as inovações trazidas pelas Emendas Constitucionais n° 8 e 9, ambas de 1995. O art. 21, XI, da Constituição de 1988, passou a prever a implementação, no âmbito da União, de um órgão regulador das atividades de telecomunicações (atualmente, a ANATEL). Por sua vez, com a alteração no art. 177, §2°, III, foi previsto a criação de um órgão regulador das atividades descritas como de monopólio da União (art. 177, I a III).

No âmbito federal, em 1996, foi criada, pela Lei n° 9.427/96, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), possui as funções de regular e fiscalizar atividades de geração, a transmissão, a distribuição e a comercialização da energia elétrica, bem como de atender reclamações de consumidores e de mediar conflitos de interesse em temas referentes ao setor de energia elétrica.

Em 1997, em harmonia com as inovações da EC n° 8,

17 Op. cit, p. 6.18 BORBA, José Edwaldo Tavares. Sociedade de economia mista e privatização.

Rio de janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 37.

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foi instituída, pela Lei n° 9.472/97, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), visando promover o desenvolvimento da área de telecomunicações no país, atuando por meio de poderes de outorga, regulamentação e fiscalização.

Ainda em 1997, em conformidade com as alterações promovidas pela EC n° 9, foi criada, por meio da Lei n° 9.478/97, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), para regular as atividades da indústria de petróleo e gás natural e dos biocombustíveis. Tal como a ANEEL, a ANP é vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

A quarta agência reguladora federal criada na década de 1990 foi a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), instituída, em 1999, por meio da Lei n° 9.782/99. Com vínculo institucional com o Ministério da Saúde (MS), a ANVISA atua no controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços da área da saúde.

No início do ano 2000, foi instituída, pela Lei n° 9.961/00, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), também vinculada ao Mistério da Saúde, tendo a função de monitorar, fiscalizar e regular as atividades de assistência suplementar à saúde, principalmente aquelas prestadas por particulares.

No mesmo período, surgiu a Agência Nacional de Águas (ANA), após a promulgação da Lei n° 9.984/00, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o objetivo de regular, implementar e coordenar a gestão dos recursos hídricos no país.

Em 2001, a Lei n° 10.233/01 criou a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), responsável por realizar a concessão de ferrovias, rodovias e transporte ferroviário relacionado à exploração da infraestrutura, bem como pela permissão de transporte coletivo regular de passageiros por rodovias e ferrovias. A ANTT também é responsável pela regulação e pela fiscalização das atividades realizadas pelos concessionários e permissionários de tais atividades.

Além disso, a Lei n° 10.233/01 ainda criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), atualmente vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República, com o papel de

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regular, monitorar e fiscalizar os serviços prestados no setor de transportes aquaviários e a exploração, por terceiros, da infraestrutura portuária e aquaviária brasileira.

No ano de 2005, foi instituída a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), vinculada à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, com o objetivo de fiscalizar e regular as atividades desenvolvidas no âmbito aviação civil, a fim de garantir a segurança no transporte aéreo e a qualidade dos serviços.

É importante observa que nem toda agência é, obrigatoriamente, uma agência reguladora. Nesse sentido, Aguillar explica que, embora alguns órgãos sejam denominados como agências, não se constituem como agências reguladoras. Para o autor,

a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) [...] e A Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE). As competências da ADA e da ADENE estão relacionadas ao planejamento do desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste e à gestão dos incentivos fiscais e fundos especiais que ficam sob sua tutela, e não à regulação normativa das atividades em sua área de atuação. [...] A Agência Nacional do Cinema (ANCINE) não é uma agência reguladora, servindo para conjugar os esforços de estímulo à produção cinematográfica. Também recebe o nome de agência, mas não se trata de agência reguladora, a Agência Brasileira de Inteligência, sucessora de diversos órgãos de inteligência no país, como o SNI19.

Contudo, em que pese os lúcidos argumentos de Aguillar, discordamos da sua análise quanto à Agência Nacional do Cinema (ANCINE), ao desconsiderá-la como uma agência reguladora. Isto porque uma análise da legislação que rege as atividades da ANCINE leva à conclusão que, na verdade, ela se trata de uma autêntica agência reguladora. Nesse sentido, conforme prevê a Medida Provisória n° 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, a ANCINE foi constituída como um órgão de “regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica” (art. 5°). Outrossim, o art. 9°, parágrafo único, da Lei 12.485/11, determina que “as atividades de programação e de

19 AGUILLAR, Fernando Herren, op. cit., p. 204.

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empacotamento serão objeto de regulação e fiscalização pela Agência Nacional do Cinema”.

Por outro lado, há organismos que, embora não sejam denominados como agências, pela semelhança de função e de regime jurídico ao qual está submetido, podem ser considerados como uma agência reguladora. É o caso, por exemplo, da Comissão de Valores Mobiliários, criada pela Lei n° 6.385/76, constituindo, talvez, a agência reguladora mais antiga do país.

Advirta-se que, apesar de determinados serviços públicos começarem a serem executados pela iniciativa privada, eles não perdem seu caráter público, sendo o Estado ainda o responsável pela sua prestação apropriada, passando a ter função de planejar, regulamentar e fiscalizar sua execução20.

Com efeito, segundo Carvalho Filho21, as agências reguladoras, no Brasil, foram constituídas sob a forma de autarquias, ou seja, órgãos da Administração Indireta, com o papel principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação de serviços públicos ou o exercício de atividades econômicas, assim como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los.

Além do mais, é plenamente possível a criação de agências reguladoras também no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que sejam instituídas para atuar na regulação de atividades que sejam de suas respectivas competências. Exige-se, contudo, que as agências reguladoras, por serem espécies de autarquias, sejam criadas mediante lei, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição de 1988.

É preciso ter em mente que, quanto ao papel das agências reguladoras, ainda há diversas problemáticas a serem solucionadas, dentre elas destacam-se: a pouco expressiva participação popular, a debilidade das instituições; o baixo nível de organização da sociedade civil; o baixo nível de expectativa quanto à atuação do governo, entre

20 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Agência reguladora: natureza jurídica, competência normativa, limite de atuação. Revista de Direito Administrativo, n. 215, jan-mar-1999. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.72.

21 Cf. CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 484-485.

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outras22. Outro grave problema que assola a eficiência das agências

reguladoras é a influência de fatores pessoais e políticos na administração de tais entidades. Não se pode exercer funções de regulação de maneira adequada se não há independência e imparcialidade na condução das atividades regulatórias..

Nesse sentido, a doutrina vem desenvolvendo o conceito da teoria da captura, a qual tem o objetivo de evitar uma “vinculação promíscua entre a agência, de um lado, e o governo instituidor ou os entes regulados, de outro, com flagrante comprometimento da independência pública”23. A Constituição Federal, inclusive, em seu art. 176, §4°, prevê o combate a tal prática nociva, determinando que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

O problema da captura das agências reguladoras pode surgir de dois modos: pelo setor privado, na medida em que, por exemplo, empresas que exercem os serviços regulados, valendo-se de seu poder econômico, interferem na atividade regulatória, influenciando o comportamento da entidade reguladora (captura econômica), ou; pelo próprio setor público, quando há uma vinculação da atividade da agência reguladora com interesses – principalmente eleitoreiros – de agentes públicos, em especial, de detentores de mandato no âmbito do Poder Executivo (captura política)24.

Dessa forma, é preciso identificar os pontos sensíveis do problema, para que, com base neles, sejam formuladas alternativas que afastem a captura dos órgãos reguladores. Uma solução possível,

22 Cf. PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.43, n.6, pp. 1343-1368, nov-dez., 2009, p. 352.

23 Cf. CARVALHO FILHO, op. cit., pp. 485.24 Cf. Cf. MELO, Thiago Dellazari. A “captura” das agências reguladoras: uma

análise do risco de ineficiência do Estado Regulador. 2010. 126 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Data de defesa. Total de folhas. Tese (Doutorado) ou Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2010, pp. 39-58.

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apontada por Salgado, seria a de:

Institucionalizar as agências, criando quadros de profissionais especializados, com os incentivos de carreira e pecuniários necessários para minorar os riscos de captura, é fundamental para assegurar as bases de uma intervenção de longo prazo confiável do ponto de vista do investidor privado e legítima, da perspectiva do interesse público25.

Nesse sentido, Carvalho Filho aponta que, em muitos casos, cabe ao Judiciário evitar que haja a captura da agência reguladora por interesses alheios. Nesse sentido, no julgamento da Apelação Cível n° 342.739, o TRF da 5ª Região, com base nos princípios da administração pública, decidiu no sentido de impedir a nomeação, para vagas do Conselho Consultivo da ANATEL, destinadas à representação de entidades voltadas para os usuários, de pessoas que haviam ocupado cargos em empresas concessionárias, uma vez que estava evidente a suspeita de que tais nomeações poderiam prejudicar as atividades regulatórias da referida autarquia.

Portanto, percebe-se que, atualmente, embora as agências reguladoras exerçam papel fundamental para promoção de um desejável funcionamento dos serviços públicos, bem como para o equilíbrio entre as empresas que exercem determinadas atividades econômicas, é preciso que se tome medidas para que o exercício de tais órgãos reguladores estejam voltados, exclusivamente, ao interesse público.

5 CONCLUSÕES

As agências reguladoras constituem-se como um dos principais objetos de estudo do Direito Econômico. Desde meados do século XX, seu papel vem ganhando cada vez mais importância, notadamente em virtude do desenvolvimento e consolidação de movimentos econômicos neoliberais.

No Brasil, foi, principalmente, a partir da década de 1990 que

25 SALGADO, Lúcia Helena. Agências regulatórias na experiência brasileira: um panorama do atual desenho institucional. Brasília: IPEIA, 2003, pp. 47-48.

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surgiram as primeiras agências reguladoras propriamente ditas, com a desestatização de determinados serviços públicos, em regra, por meio de concessões. Entretanto, mesmo sendo prestados por entes privados, tais serviços não perderam seu caráter de público, e, por isso, o Estado, embora não os forneça diretamente, assumiu um papel regulador, por meio das agências.

Dessa forma, as agências reguladoras, criadas com natureza pública, na forma de autarquias, exercem, no Brasil, importante papel de fiscalizar, conduzir e regular as prestações de serviços públicos e o exercício de atividades econômicas por particulares.

Contudo, as atividades regulatórias estão, constantemente, sob o risco de serem capturadas, isto é, desviarem-se do seu foco principal – baseado na busca do interesse público. Nesse sentido, a teoria da captura busca indicar soluções que visem a manter as agências reguladoras longe de influências externas que podem advir tanto de particulares (captura econômica), quanto do próprio setor público (captura política).

Percebe-se também que, em muitos casos, cabe ao Judiciário, proferindo decisões lastreadas nos princípios da administração pública, reagir ao fenômeno da captura das agências reguladoras, contribuindo para a imparcialidade e a moralidade nas atividades regulatórias.

Por fim, é possível afirmar que, com as atuais políticas de contenção de gastos em todas as esferas públicas, novas atividades e serviços tendem a ser delegadas ao setor privado. Por isso, as agências reguladoras parecem, cada vez mais, estarem consolidadas em nosso país, de modo que faz-se necessário a adoção de medidas visem a fortalecê-las, deixando-as livres de influências externas.

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Capítulo 7

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A POLUIÇÃO VISUAL NO ÂMBITO DA PROPAGANDA ELEITORAL

Adelmar Azevedo Régis 1

Fábio Brito Ferreira2

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito de meio ambiente e de poluição. 3 O conceito de poluição visual e suas consequências. 4 Propaganda eleitoral e poluição visual. 4. Conclusões. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A partir das últimas décadas do Século XX a comunidade internacional passou a perceber a importância do meio ambiente, conferindo-lhe maior atenção. Argumentava-se que, diante da constatada finitude do planeta, seria necessário buscar outra forma de se tratar a natureza, questionando-se inclusive a industrialização e a ideia de crescimento constante da economia.

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental pela Unisantos. Especialista em Direito Empresarial pela UFPB. Bacharel em Direito pela UFPB. Advogado em João Pessoa.

2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental pela Unisantos. Bacharel em Direito pela UFPB. Professor do IESP – Instituto de Educação Superior da Paraíba, em João Pessoa. Advogado em João Pessoa.

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Percebeu-se, segundo Barbieri3, que a degradação ambiental era um problema planetário, que ultrapassava os limites geopolíticos, decorrente do tipo de desenvolvimento praticado pelos países e não restrita à degradação ambiental, mas com dimensões sociais, políticas e culturais.

Em 1972, após alguns anos da edição dos clássicos “The Population Bomb”, de Paul Erlich, e “The Tragedy of Commons”, de Garrett Hardin, ambos de 1968, encomendado ao Massachusetts Instituto of Technology (MIT) pelo Clube de Roma4, surgiu o livro “The Limits to Growth”, ou Relatório Meadows5, que, de forma alarmante, apontava que a atividade humana crescia mais rapidamente que a capacidade da Terra de produzir recursos, o que acarretaria um grave colapso econômico e social, já no Século XXI6.

Também em 1972, ocorreu, na cidade de Estocolmo, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, apontada por muitos como o marco inicial para o debate internacional sobre o meio ambiente, ocasião em que foram estabelecidas as novas bases para o entendimento sobre as relações humanas com a natureza, lançando o embrião para o conceito de desenvolvimento sustentável e incitando os países a estabelecer normas jurídicas de proteção ao meio ambiente.

No âmbito internacional, influenciadas pela Declaração de Estocolmo, as constituições passaram a abordar a temática do

3 BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente: as estratégias de mudança da Agenda 21. Petrópolis: Vozes, 1998, p.15.

4 Entidade não governamental e sem fins lucrativos, que reúne pessoas ilustres, dentre cientistas, acadêmicos, economistas, empresários, políticos e religiosos, para discussão de temas de interesse mundial de ordem política, social, econômica, ambiental e cultural.

5 MEADOWS, D. L., MEADOWS, D. H., RANDERS, J. & BEHRENS, W.W. Limites do crescimento - um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972

6 Em 2008, Graham Turner, da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO) na Austrália, publicou um artigo intitulado “Uma comparação de ‘Os Limites do Crescimento’ com trinta anos de realidade”. Nele, examinou os últimos trinta anos de realidade com as previsões feitas em 1972 e descobriu que mudanças na industrialização, produção de alimentos e poluição estão todas coerentes com as previsões do livro de um colapso econômico e social no Século XXI.

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meio ambiente. Assim ocorreu na Bulgária (1971), Panamá (1972), Iugoslávia (1974), Grécia (1975), Portugal (1976), Polônia (1976), Argélia (1976), China (1978), Espanha (1978), Peru (1980), Chile (1980), El Salvador (1983), Guatemala (1985), México (1987), Argentina (1994) e, finalmente, na França (2005). Com relação aos Estados Unidos, embora não haja na Constituição da República expressa previsão de proteção ambiental, mais de um terço dos seus Estados possui normas constitucionais protetivas ao meio ambiente.

No Brasil, em 1981, surge o grande marco teórico para o estudo do Direito Ambiental, a Lei 6.938/1981, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), até hoje reconhecida como uma norma bastante avançada, em termos de proteção ambiental.

Em 1988, influenciada e inspirada pelas Constituições de Portugal, de 1976, e da Espanha, de 1978, a Constituição Brasileira, seguindo a tendência mundial, dedicou, no sob o título da “Ordem Social”, um capítulo inteiro ao meio ambiente, detalhado no art. 225, refletindo e consagrando o compromisso do Estado e da sociedade brasileira com a questão ecológica.

Aliás, segundo o grande jurista Hermann Benjamim7, a tutela do meio ambiente não ficou “aprisionada” no artigo 225, que é somente “o ápice ou a face mais visível de um regime constitucional que, em vários pontos, dedica-se, direta ou indiretamente, à gestão dos recursos ambientais”, sendo certa a observação do Ministro do Supremo Tribunal Federal e constitucionalista de escol, Luis Roberto Barroso8, no sentido de que “as normas de tutela ambiental são encontradas difusamente ao longo do texto constitucional”.

7 BENJAMIM, Antônio Hermann V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO. José Joaquim Gomes; LEITE. José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2007, p.86

8 BARROSO, Luis Roberto, A proteção do meio ambiente na Constituição Brasileira. Revista Forense, v.317, p.177, 1992.

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Desta forma, a nossa Carta Magna é tida pela melhor literatura9 como um diploma abrangente e moderno, em matéria ambiental, inclusive trazendo meios processuais próprios para garantir da tutela do meio ambiente e sua efetividade, como a ação civil pública e a ação popular.

Essa ecologização do texto constitucional, na expressão absolutamente feliz do assaz citado Hermann Benjamim, propõe a receita solidarista do “nós-todos-em-favor-do-planeta”10.

Passou o ser humano, dentro da evolução histórica, a se preocupar com a preservação ambiental, tutelando juridicamente o meio ambiente e combatendo todas as formas de poluição, dentre as quais a poluição do solo, a atmosférica, a hídrica, a nuclear, a sonora e a poluição visual, que será objeto específico de nosso estudo.

A poluição visual, indubitavelmente enquadrada no conceito jurídico de poluição previsto na Lei 6.938/81, não é meramente uma degradação de ordem estética das paisagens urbanas, mas uma ameaça à saúde humana e à sadia qualidade de vida das populações, merecendo maior e melhor combate por parte dos poderes públicos e pela sociedade.

O presente trabalho tem como escopo analisar a propaganda com fins eleitorais como vetor da poluição visual e também geradora de considerável volume de resíduos sólidos urbanos.

2 O CONCEITO DE MEIO AMBIENTE E DE POLUIÇÃO

A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 3º, I, conceitua meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências

9 WALCACER, Fernando; FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de. Constituição, direitos humanos e meio ambiente: um balanço crítico de nossa jurisprudência.In FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de (organizadores). Direito Ambiental em debate. Rio de Janeiro. Esplanada, 2004. Vol. II, p.212; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, p.211 e GUERRA, Sidney; GUERRA, Sérgio, Curso de direito ambiental. Belo Horizonte: Forum, 2009. p.63

10 BENJAMIM, Antônio Hermann V.. Op. Cit.,p.59.

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e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

A melhor doutrina especializada aponta, entretanto, que a definição legal limitou-se exclusivamente ao meio ambiental natural e preconiza que o conceito de meio ambiente trazido pela Constituição Federal não pode ficar restrito ao meio ambiente natural ou físico, mas deve ser um conceito bem mais amplo,

“globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico”.11

Assim, meio ambiente não é apenas o ambiente natural, mas todo ambiente que serve de suporte ou alicerce para as relações sociais. De acordo com José Afonso da Silva, meio ambiente seria a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

Para o festejado constitucionalista, existiriam três aspectos do meio ambiente: I – o meio ambiente físico ou natural, que seria formado pelo solo, subsolo, ar atmosférico, fauna, flora, águas; II – o meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto); III – o meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do meio ambiente artificial, pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou e traduz a história de um povo, sua formação, sua cultura.

Essa também é a posição defendida por doutrinadores do escol

11 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental constitucional. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p.2

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de Álvaro Luiz Valery Mirra12, ÉdisMilaré13, Hugo Nigro Mazzilli14, José Rubens Morato Leite15, Maria Luiza Machado Granziera16e ainda Paulo Affonso Leme Machado17. Celso Antonio Pacheco Fiorillo18 ainda menciona o meio ambiente digital e o meio ambiente do trabalho como subdivisões do conceito de meio ambiente, sendo certo que mesmo o Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do eminente Ministro Celso de Mello, também reconheceu o “conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral”19.

Por seu turno, a Lei Federal nº 6.938/81 definiu poluição como “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos” (art. 3º, III).

Nota-se, facilmente, do conceito legal, que foi preocupação do legislador, dentre outros pontos, dar proteção jurídico-legal ao meio ambiente também no seu viés plástico, posto que, no predito artigo 3º, inciso III, alínea “d”, do mencionado diploma normativo, taxou

12 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e reparação do dano amo meio ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p.9.

13 MILARÉ, Édis, Direito do Ambiente; doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pp.54 e 55.

14 MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.95

15 LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, p.80.

16 GRANZIERA, Maria Luiza M.. Direito Ambiental. São Paulo. Atlas, 2011, p.7417 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 7. Ed. São

Paulo: Malheiros, 1998, p.9218 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13.

Ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p.77-8219 BRASIL. STF – ADI 3540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-

2005. Plenário. DJ DE 3-2-2006.

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de poluição a degradação que afete o perfil estético do ambiente.Logo, parece claro que nesse contexto está inserido todo tipo

de poluição, tais como poluição do solo, a sonora, a atmosférica, a hídrica e também a poluição visual, tutelando-se, juridicamente, a proteção da paisagem e também a saúde humana, esta no que toca especialmente à estabilidade afetivo-emocional do homem. Para mantê-la, adverte Nusdeo20, é preciso evitar a deterioração e o congestionamento do ambiente artificial, como é o urbano.

3 O CONCEITO DE POLUIÇÃO VISUAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

É certo que a função estética das paisagens urbanas tem por finalidade principal criar a sensação visualmente agradável às pessoas21. José Afonso da Silva afirma que a paisagem urbana

“é a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes”, alertando que “a boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de conjuntos e elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida citadina despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e sobreviver”.22

Vale salientar que uma paisagem urbana harmoniosa, livre de

poluição visual, é um direito difuso, pois a manutenção de padrões estéticos no cenário urbano encerra inegável interesse de todos, face à sua relação direta com a qualidade de vida e com o bem-estar da população, como bem doutrinam Paulo Affonso Leme Machado23 e

20 NUSDEO, Fábio. Verbete poluição. Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977, v. 59, p. 262.

21 MINAMI, Issao; GUIMARÃES, João Lopes Júnior. A importância da paisagem. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.015/862. Acesso em 15.12.2013.

22 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1997, p.273-274.

23 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 8. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.110.

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Rodolfo de Camargo Mancuso24.A percepção da paisagem urbana, entendida de forma

abrangente como qualquer porção da cidade, que engloba o meio ambiente artificial ou construído, é fator de importância na qualidade ambiental que, constantemente, se busca para harmonizar a perpetuação do homem no mundo. Essa qualidade visual almejada na cidade se percebe através da capacidade que o indivíduo tem em decodificá-la.

Como fontes de poluição e principais agentes promotores do caos visual no cenário urbano, podem ser referidas as mídias exteriores, também conhecidas por mídia ao ar livre ou publicidade externa, tais como outdoor, frontlight, backlight, totem, fachada, cartaz, painel digital, busdoor, relógio, projeção, galhardete, placa de rua, triedro, assim como outras fontes, mencionadas por Ignez Conceição Nini Ramos25, tais como folhetos, folhetins, folders distribuídos por empresas nos faróis; muros eternizados com anúncios (apostos em viadutos, pilastras e postes); bancas de jornal abarrotadas de publicidade; barracas de camelôs e ainda as estações de rádio-base.

Podem ser citadas ainda, como fontes de poluição visual, os grafites e pichações, aglomerações permanentes de pessoas em áreas restritas da cidade (ex: zonas de pedestres, calçadões, aeroportos, estações de metrô); recipientes de lixo expostos abertamente em lugares públicos; engarrafamentos de trânsito e vias expressas com deslocamento de automóveis e caminhões em alta velocidade; favelas com deficiente organização urbana e arquitetônica; moradores de rua alojados em viadutos e praças públicas e ainda postes de fiação aérea (telefonia, iluminação, tv a cabo).

Issao Minani e João Lopes Guimarães Júnior26 reconhecem

24 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Aspectos Jurídicos da Chamada “Pichação e Sobre a Utilização da Ação Civil Pública para a Tutela do Interesse Difuso à Proteção da Estética Urbana”, RT 679/62.

25 RAMOS, Ignez Conceição Ninni. Poluição Visual. Disponível em <http://www.redeambiente.org.br/Opiniao.asp?artigo=65>. Acesso em 10/12/2013.

26 A importância da Paisagem. Disponível em http://.vitrovius.com.br/arquitextos/art000/bases/texto094.asp. Acesso em 15/12/2013.

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a poluição visual na crescente deterioração que as cidades vêm sofrendo:

Poluição visual é, pois, consequência e resultado de desconformidades de todas essas situações e também o efeito da deterioração dos espaços da cidade pelo acúmulo exagerado de anúncios publicitários em determinados locais, porém, o conceito mais abrangente é aquele que diz que há poluição visual quando o campo visual do cidadão se encontra de tal maneira que a sua percepção dos espaços da cidade é impedida ou dificultada.

Já para Bianca M. Bilton Antacli27, poluição visual seria uma desarmonia ou degradação visual geradora de desequilíbrio do meio ambiente artificial (cidade e paisagem urbana). Por seu turno, para Lucrécia D’Aléssio Ferrara28, a poluição visual é a negação do elo entre o usuário e a paisagem.

Em termos informacionais, poluição visual urbana é um significado determinado pela impossibilidade que o usuário encontra para apropriar-se do espaço urbano e usá-lo. Poluição é o significado de um ruído entre ambiente urbano e usuário; poluição se opõe, portanto, ao significado e ao ambiente urbano planejado, enquanto sistema de comunicação.”

Vargas e Mendes29 apresentam uma definição mais completa e abrangente sobre poluição visual:

[...] limite a partir do qual o meio não consegue mais digerir os elementos causadores das transformações em curso e acaba por perder as características naturais que lhe deram origem. No caso,o meio é a visão, os elementos causadores são as imagens e as características iniciais

27 ANTACLI, Bianca M. BiltonSignorini. Aspectos jurídicos da poluição visual. Dissertação (Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos). Pontíficia Universidade Católca de São Paulo, São Paulo, 2004, fl.7

28 FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Poluição Visual e Leitura do Ambiente Urbano. São Paulo,1976, p.1.

29 VARGAS, Eliana Comin; MENDES, Camila Faccioni. Poluição Visual e paisagem urbana: quem lucra com o caos? Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/art000/esp116/aps>. Acesso em08/12/2013.

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seriam a capacidade do meio de identificar e compreender as mensagens.

E ratificando a importância entre a preocupação da estética e saúde do usuário, que sofre a poluição visual, Santos30 a define como:

Efeitos danosos resultantes dos impactos visuais causados por determinadas ações e atividades, a ponto de: prejudicar a saúde,a segurança e o bem estar da população; criar condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetar desfavoravelmente a biota; afetar as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.

Vale mencionar, ainda, a Convenção Européia da Paisagem, que entrou em vigor em 1º de março de 2004 e foi o pioneiro tratado internacional a reconhecer a fundamental importância da paisagem na qualidade de vida dos homens e que conceitua poluição visual como sendo

“a degradação ofensiva à visualidade resultante ou de acúmulo de instalações ou equipamentos técnicos (torres, cartazes de propaganda, anúncios ou qualquer outro material publicitário) ou da presença de plantação de árvores, zona florestal ou projetos construtivos inadequados ou mal localizados.”

Por outro lado, vale frisar que a esta alteração desarmônica e agressiva da paisagem urbana, que caracteriza a poluição visual, vai muito além de questões de padrões estéticos, sendo mesmo uma ameaça à saúde, a partir do momento em que impede o bem estar dos habitantes do espaço urbano.

Campos, em dissertação de mestrado, descreveu aspectos do estudo científico, realizado em 2003, pelo Instituto Paulista de Stress, Psicossomática e Psiconeuroimunologia (IPSPP), sob coordenação do Doutor Esdras Guerreiro Vasconcelos, no qual se ratificou a importância do controle da poluição visual, devido ao fato de a mesma afetar, de maneira acentuada, questões relativas ao estresse e

30 SANTOS, Fabiano Pereira dos, Meio Ambiente e Poluição. Disponível em <http://www.jus.com.br/doutrina/texto/asp?id=4573>. Acesso em 05/12/2013.

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causar prejuízos à saúde humana.

Dentre os fatores causadores de distress existente no contexto físico-social de nossa vida contemporânea, está o agente poluidor visual. Ele é visto como sendo um dos mais relevantes. O homem do século XX e, consequentemente, o deste século, elabora 85% das informações do meio ambiente através do sistema visual. Esse hiperdesenvolvimento do sistema visual provocou certa atrofia no funcionamento dos outros órgãos dos sentidos, ou seja, do paladar, da audição, do olfato e, sobretudo, do tato. Ver é fundamental. Ver para crer parece ter se tornado o mote de vida do homem do século da comunicação. E exatamente por ser essa via de entrada na integridade interior de nosso organismo, uma das mais importantes para o ser humano moderno, convém que se exerçam aqui redobrados cuidados, visto que tudo que penetra à membrana do receptor visual traz em si e consigo determinado potencial para desencadear um processo de stress lá dentro do corpo. (Vasconcelos, apud. Campos 2006, p.30).

Já Érica Bechara assegura:

“enquanto a poluição visual – ao lado da poluição sonora e de outros agentes poluidores típicos das grandes cidades – pode causar stress, desconforto, sensação de abandono e decadência, a paisagem limpa e harmônica pode trazer bem-estar psicológico e aumento da auto-estima de seus moradores, então orgulhosos do local em que vivem”. 31

Estudos realizados por Pinheiro32 indicam que pessoas expostas à poluição visual apresentam sintomas psíquicos que superam a mera fadiga, tais como irritação, lapsos de memória, desorganização, ansiedade, dentre outros.

4 PROPAGANDA ELEITORAL E POLUIÇÃO VISUAL

31 BECHARA, Érica. A proteção da estética urbana em face das pichações e do grafite na lei dos crimes ambientais. Disponível em www.emporiodosaber.com.br Acesso em 09/12/2012.

32 PINHEIRO, Ana Cristina de Paula. Poluição visual no Campus da Universidade de Brasília. Laboratório de Psicologia Ambiental. Série; Textos de alunas de Psicologia Ambiental, 2004, nº2, Universidade de Brasília. Instituto de Psicologia. Disponível em <http://www.psi-ambiental.net/pdf/2004poluicao.pdf>. Acesso em 15/12/2013.

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Essa realidade da poluição visual também se faz presente no período eleitoral, quando se desenvolve o processo democrático de escolha de representantes do povo, dentre candidatos indicados por partidos políticos, em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal), conforme se infere do art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal.33

A cada dois anos, de forma alternada, o eleitor brasileiro é chamado a votar nos candidatos de sua preferência para os cargos em disputa, seja nas eleições gerais, nas quais se define o Presidente e o Vice-presidente da República, os Senadores, os Deputados Federais e Estaduais, seja nas eleições municipais, nas quais são sufragados os Prefeitos e Vereadores.

As regras destinadas a regulamentar esse processo de disputa do poder político estatal vêm definidas na Constituição Federal e em normas infraconstitucionais, das quais impende destacar o Código Eleitoral34 (Lei 4.737, de 15 de Julho de 1965), a Lei da Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990), a Lei das Eleições (Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997), além das resoluções e instruções35 frequentemente expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Nesse contexto, após o dia 05 de julho do ano de cada eleição e nos três meses seguintes é permitida a propaganda político-eleitoral, através da qual os candidatos se esforçam para obter a adesão dos cidadãos visando conquistar ou preservar a investidura em cargos eletivos de representação do poder estatal.

Disso decorre a necessidade dos candidatos revelarem os

33 Constituição Federal. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

34 Em observância ao que dispõe o art. 121 da Constituição Federal 1988, o Código Eleitoral foi recepcionado com a natureza de lei complementar naquilo que seja compatível com o texto constitucional.

35 Esse poder normativo conferido à Justiça Eleitoral resulta de delegação expressa do autêntico legislador originário, conforme se depreende do Código Eleitoral (art. 1º, parágrafo único) e da Lei 9.504/97 (art. 105).

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valores e as ideias que os consolidam e os distinguem uns dos outros, valendo-se, para tanto, dos mais variados instrumentos de comunicação legalmente permitidos, donde se destacam: a) a exposição em horários reservados de televisão e rádio; b) a divulgação de jingles e mensagens em carros de som e autofalantes; c) a fixação de placas, faixas, estandartes e a distribuição de panfletos, volantes e cartazes; d) a exposição em encartes de jornais impressos; e) a manutenção de páginas eletrônicas na internet; e f) a realização de comícios, carreatas, passeatas, dentre outras formas de divulgação.

Esse instrumento essencial à propagação das candidaturas e das diversas correntes políticas existentes na nossa sociedade, na maioria das vezes, parece estar sendo utilizado em absoluto descompasso com o bem estar dos destinatários das mensagens, vez que, não raro, se identifica no cotidiano das campanhas eleitorais excessos propagandísticos que trazem considerável impacto negativo à qualidade de vida dos habitantes nos centros urbanos, especialmente quanto à perturbação visual, objeto do tema aqui abordado.

Talden Farias36, ao refletir sobre a poluição eleitoral e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pontua:

“Com efeito, é durante o período eleitoral que normalmente as cidades são invadidas por tais práticas abusivas, como carros de som em lugares e em horários indevidos, paredes pichadas, produção de poluição sonora, muros pintados, vias públicas saturadas de placas de propaganda, camadas de cartazes se sobrepondo umas às outras, faixas nos postes, excesso de cartazes e santinhos jogados pelas calçadas e ruas, realização de passeatas e outras manifestações políticas em locais ambientalmente frágeis etc. É claro que não se pode imputar essas condutas a todos os candidatos, já que uma grande deles parte consegue fazer propaganda eleitoral dentro dos limites da legalidade.(...)A poluição eleitoral é sempre o resultado da utilização indevida ou inconseqüente da propaganda política por parte dos candidatos e de seus auxiliares, seja a propaganda política sonora e estética ou visual – ou seja

36 FARIAS, Talden. A poluição eleitoral e o direito a o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Jus Navigandi. Texto publicado em set. de 2006. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/8981/a-poluicao-eleitoral-e-o-direito-ao-meio-ambiente-ecologicamente-equilibrado>Acesso em 17dez. 2013.

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na realização de eventos ou ocorrências eleitorais em que ambos os tipos de propaganda política sejam utilizados. Nesse sentido, é interessante que o combate à poluição eleitoral seja efetuado em paralelo com a fiscalização à propaganda eleitoral.”

Em verdade, o legislador, de forma gradativa, vem agindo no sentido de limitar esse ataque ambiental estético das campanhas eleitorais desde 2006, quando consignou expressa proibição de se veicular propaganda de qualquer natureza nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos,além da proibição de propaganda eleitoral mediante outdoors37.

Assinale-se que muito embora o objetivo imediato das alterações legislativas nessa seara não seja conter impactos ambientais negativos, mas sim o crescente custo financeiro das campanhas, novas mudanças continuaram a ser inseridas nas normas eleitorais contribuindo para amenizar o revés exagerado da veiculação de propaganda em bens particulares, donde se destaca a restrição surgida no ano de 2009 quanto ao tamanho de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscrições, cujos padrões não são tolerados caso excedam a 4m² (quatro metros quadrados)38.

Não obstante, em 2013, outras mudanças legislativas na temática da propaganda eleitoral foram aprovadas, que, decerto, refletiram positivamente para mitigar a exagerada ofensa visual perceptível nos períodos de pleito eleitoral, a saber: a) proibição de veiculação de propaganda eleitoral em cavaletes e assemelhados nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum; b) a limitação da dimensão dos adesivos utilizados na propaganda; c) a proibição de colar propaganda eleitoral em veículos, exceto adesivos microperfurados

37 Lei 9.504/97, art. 37, §8º acrescido pela Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006.38 Lei 9.504/97, art. 37, § 2º com redação dada pela Lei nº 12.034, 29 de setembro

de 2009.

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até a extensão total do para-brisa traseiro e, em outras posições, adesivos até a dimensão máxima fixada na lei; e d) a proibição de outdoors eletrônicos39.

Não obstante tantas alterações normativas, os candidatos parecem alheios ao sentimento da população quanto aos excessos empregados no campo da poluição visual, vez que fazem multiplicar, nos mínimos espaços das vias públicas e nos bens particulares, peças publicitárias das mais diversas naturezas que desordenam a percepção do meio ambiente no entorno, causam flagrante assombro à paisagem das cidades, além de, como destino final, resultar na produção de considerável quantidade de resíduos sólidos.

Vale mencionar que no congresso comemorativo dos dez anos da Escola Judiciária Eleitoral (EJE/TSE), o Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, Paulo Tamburini, divulgou estudo atestando que o lixo produzido pelo material impresso oriundo da propaganda eleitoral de 2012 “poderia ser utilizado para a publicação de 40 milhões de livros escolares com 50 páginas. Com o comprimento dessa quantidade de papel empilhado seria possível dar 143 voltas ao redor da Terra”.

Assinalou-se, além disso, que grande parte do lixo decorrente da poluição visual acaba por se acumular em galerias pluviais, contribuindo com alagamentos e enchentes, sobretudo nos grandes centros40.

Paulo de Tarso Tamburini e José Albucacys Manso de Castro Júnior41 destacam que os materiais empregados na confecção de placas, estandartes e faixas “trazem o agravante de serem fabricados com material altamente inflamável, que produz fumaça tóxica e não é

39 Lei 9.504/97, art. 37, caput,38, §§ 3º e 4º, e 39, §8º, com redação dada pela Lei nº 12.891, de 11 de dezembro de 2013.

40 Dados contidos na página oficial do TSE na internet. Disponível em <http://www.tse.jus.br/noticias-tse/2012/Dezembro/lixo-da-propaganda-eleitoral-poderia-produzir-20-milhoes-de-livros>Acesso em 17dez. 2013.

41 TAMBURINI, P.T; CASTRO JÚNIOR, J. A. M.O impacto ambiental da propaganda eleitoral. Consultor Jurídico. Texto publicado dia 12 de out. de 2012. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-out-12/feito-relacao-impacto-ambiental-propaganda-eleitoral>Acesso em 17dez. 2013.

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biodegradável. Assim, facilmente se vê que nossa propaganda eleitoral vai ser capaz de atravessar milênios”.

Vê-se, com efeito, que toda essa desconformidade traz como resultado um desequilíbrio na qualidade de vida da população, encerrando uma agressão que urge ser confrontada com mecanismos que assegurem a interação da festa democrática com padrões mínimos de respeito ao meio ambiente.

5 CONCLUSÕES

As paisagens urbanas são severamente impactadas no período de propaganda eleitoral e, com isso, alteram o bem-estar da população, sem que, para tanto, exista qualquer incompatibilidade de coexistência harmoniosa entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o processo de escolha da representação popular, com os mecanismos de divulgação das candidaturas que lhe são inerentes.

Nesse período, a estética das cidades é exposta a incomum ambiente de poluição que decorre da multiplicação excessiva de faixas, estandartes, banners, folders, adesivos, pinturas de muros, folhetos, volantes e outros impressos que atingem negativamente o campo visual do cidadão.

Tem-se, portanto, que os avanços conquistados no processo de escolha da representação popular não podem estar restritos ao sistema e votação e apuração eletrônica, aos impedimentos pessoais de candidatos (Lei da Ficha Limpa) ou ao combate ao caixa dois, reclamando, de igual modo, ação urgente visando corrigir os graves impactos negativos que a propaganda eleitoral vem causando ao meio ambiente e à qualidade de vida da população.

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