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BIBLIOTECA VIRTUAL

BIBLIOTECA VIRTUALSALA DE LECTURA

CONSEJO LATINOAMERICANO DE CIENCIAS SOCIALES (CLACSO)

Callao 875, 3er. Piso(1023) Buenos Aires, Argentina

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Economia, sociologia, eficincia e democracia na anlise das relaes de trabalho

Adalberto Moreira Cardoso

Sobre horizontes analticos

A s sociedades latino-americanas vivem momento de grande restrio de suas opes civilizatrias. Culpe-se, sem medo de errar, a hegemonia de uma certa rationale econmica no arsenal analtico imposto agenda dos cientistas sociais pela vitria do capitalismo na cena mundial. O paradigma neoclssico de abordagem das coisas no mundo ganhou vigncia terica e prtica no sub-continente com uma fora, intensidade e extenso jamais antecipveis h 10 ou 15 anos, e o sucesso momentneo dos planos de estabilizao baseados no mercado levou lona, ou mesmo converteu, analistas insuspeitos em vrios de nossos pases. Noes como equilbrio espontneo, gerao espontnea de coordenao no mercado, eficincia, eficcia, indivduo e mercado, encadeiam-se logicamente para constituir aquele paradigma em filtro necessrio (porque associado, argumenta-se, natureza das coisas) pelo qual enxergar-se o mundo. Fazem-no em substituio, ponto por ponto, a idias como normas sociais, solidariedade, distribuio, justia, classes sociais e sociedade. Economia em lugar de sociologia.No que a sociologia tenha ocupado, nos mesmos termos, qualquer posio hegemnica em qualquer tempo, mas ela certamente deu o norte para muitas das interpretaes sobre nossa realidade, e tambm para projetos de superao dos dilemas de nosso processo civilizatrio. No posso me alongar nisso, mas parece incontestvel que Raul Prebisch, Celso Furtado e Anibal Pinto animaram, a partir da CEPAL, leituras da formao econmica da Amrica Latina em que as pessoas, as classes sociais, as culturas locais, as instituies, sobretudo o Estado, cumpriram papel no apenas como objeto de estudo, mas centralmente como critrio de interpretao em sentido Gramsciano: os processos de consolidao do capitalismo por aqui foram problematizados como dinmicas econmico-sociais. Estava em perspectiva, sempre, a possibilidade ou necessidade (sim, era um programa de estudos e de interveno) da superao do atraso, do subdesenvolvimento ou do lugar subordinado de nossa formaes econmicas no concerto das naes. Logo, no havia como pensar a economia sem o Estado, e no havia ao econmica sem planejamento estatal, planejamento cujo parmetro normativo era o bem estar crescente que o capitalismo traria s populaes de nossos pases. Distribuio, redistribuio, sociedade, justia, equidade. O desenvolvimentismo como critrio de interpretao submetia a possibilidade mesma de apreenso do real necessidade de superar os entraves ao nosso caminho rumo a um mundo menos desigual1. Um caminho para fora do subdesenvolvimento, conceito em torno do qual Celso Furtado construiu um slido edifcio terico de cunho fortemente sociolgico.H outros exemplos, possivelmente menos comprometidos com a superao das mazelas do capitalismo nas fronteiras do prprio capitalismo do que a Cepal2. Mas com esta lembrana quis apenas marcar que o desenvolvimentismo na Amrica Latina guiou-se por um corpo analtico, talvez hegemnico e fortemente autctone, em que a economia estava longe de significar mercado. Em que as relaes sociais eram mais do que jogos. Em que uma sociedade justa era mais do que uma sociedade em equilbrio timo de Pareto.A alienao daqueles critrios de interpretao no discurso econmico corrente tem conseqncias analticas e prticas ainda por se mensurar, mas parece-me que a vitria da perspectiva neoclssica, ao perder de vista a sociologia, perdeu tambm a humanidade. No falo de um suposto componente humano genrico qualquer, ou de um ideal de pessoa ou sociedade alheio ao mundo real. Falo do que as naes fizeram de si mesmas sobretudo nos dois ltimos sculos, isto , do processo civilizatrio que, se cumpriu o vaticnio de Tocqueville numa parte diminuta (mas economica e politicamente dominante) do Globo3, condenou 2/3 de sua populao excluso, pobreza, condio indigna e aviltante de escravos da necessidade. Perdeu a capacidade de pensar o real do ponto de vista da possibilidade de sua superao. O pragmatismo econmico verte o-mundo-como-ele- ao mesmo tempo no parmetro normativo para a medida e interpretao do prprio mundo e no limite do possvel no mundo. Circunscreve o horizonte de possveis mesquinhez da realidade hodierna. Se o socialismo ruiu, se no h socialismo, no pode haver socialismo. Se o capitalismo venceu, ento no pode haver outra coisa seno o capitalismo. Com o que as coisas so como so por natureza, por necessidade, no por humanidade. neste sentido que a perda da sociologia perdeu a humanidade no discurso econmico hegemnico: a interveno humana naturalizada, o mundo segue seu curso por necessidade, selecionando para o lixo da histria os menos eficientes.Escusado dizer que discurso e prticas hegemnicos delimitaram um significado preciso para a histria, associado a um percurso timo no concerto das naes qua mercados desregulados, de tbias fronteiras e obstculos mobilidade dos diversos capitais, histria que por isto mesmo faz tabula rasa das histrias nacionais. Ironia da contemporaneidade: a velha idia da imanncia dos processos de mudana ganha vocalise inteiramente surpreendente na catilinria da ortodoxia reinante.E trata-se precisamente de uma ortodoxia que, ademais, desqualifica leituras alternativas sobre o mundo, o que leva Oliveira (1999) a nome-la de totalitria. por trata-se de uma ortodoxia, ademais, que torna-se possvel referir-me ela como uma forma de restrio sem precedentes dos horizontes analticos e civilizatrios na Amrica Latina.Nas pginas que se seguem pretendo desenvolver este argumento com base em duas noes centrais ao debate atual na sociologia do trabalho, impostas a ns pelos economistas que rezam na cartilha hegemnica: a de flexibilizao do mercado de trabalho e a de empregabilidade. Tomo estes casos como exemplos centrais de um processo mais amplo de deslocamento da viso sociolgica sobre as coisas, cujo resultado tem sido a virtual cegueira para a crescente desconstruo do tecido social tramado no ocidente nos ltimos dois sculos, isto , a civilizao que conhecemos, desconstruo cujas conseqncias os neoliberais de planto no parecem dispostos a reconhecer, talvez porque no tenham nada a oferecer em seu lugar seno o mercado. O espao disponvel no me permitir ser mais do que alusivo na enumerao dos problemas, mas estarei satisfeito se despertar no leitor qualquer espcie de indignao produtiva, isto , a sensao de que algo aqui faz sentido e de que vale a pena perseguir o filo oferecido anlise.Na primeira seo avalio a receita desregulamentadora global em processo de ser aviada no Brasil desde a subida de Fernando Henrique Cardoso ao poder em 1994. Ela d o esquadro mais geral do programa (em curso neste e em outros pases do continente) de desregulamentao das relaes de troca e, no limite, de desestatizao da economia. Nas duas sees seguintes analiso as noes de flexibilizao do mercado de trabalho e de empregabilidade, faces da mesma moeda de destituio ou diluio das instituies sociais de respaldo ao funcionamento do mercado de trabalho. A ambio exegtica esbarra nos limites do texto, mas pretendo estar apontando as questes centrais. Por fim, realo algumas leituras concorrentes e complementares sobre o sentido do direito do trabalho no ocidente, direito que est na ala de mira do discurso e da prtica de flexibilizao, para mostrar que o neoliberalismo uma opo, para dizer desde j, pr, talvez anti-civilizatria.Desregulamentao: uma receita

H quem argumente ser da natureza dos embates ideolgicos a hipostasia das aparncias por parte dos que lograram, de um modo ou de outro (ainda que sempre temporariamente), impor sua verso dos fatos, sua leitura da histria (Chau, 1993). Este argumento um chamado cautela acadmica. Talvez a jactncia dos neoliberais no passe disso e sua vitria seja apenas ideolgica. Para alguns j se teria tornado evidente, por exemplo, que em lugar algum, nem mesmo nos Estados Unidos e Inglaterra sob Reagan e Thatcher, vingou a aposta no Estado mnimo. Quando ocorreu nos pases centrais, a desregulamentao das relaes econmicas e sociais deu-se de forma muito segmentada, mesmo no caso do mercado de trabalho. De um modo geral, foram preservadas zonas importantes da organizao social, como a regulao das trocas comerciais entre blocos regionais, em que os Estados nacionais se verteram em espcies de holdings, ou no que Altvater (1995) chamou de Estados nacionais concorrenciais, defendendo os interesses das empresas ptrias junto a organismos reguladores do comrcio internacional e contra os outros Estados nacionais. Foi preservada e em muitos casos (Alemanha, Japo e Coria) aumentada a capacidade de planejamento do investimento produtivo, isto , a capacidade do Estado formular e implementar polticas industriais, coordenando e mesmo financiando o investimento privado. crescente a demanda por controle dos fluxos financeiros internacionais pelos bancos centrais principalmente dos Estados Unidos, da Alemanha, da Inglaterra e do Japo, em face do estrondoso aumento do volume de recursos volteis, em busca de melhor e mais rpido retorno. Hoje mais do que nunca as polticas macroeconmicas dos governos so um elemento crucial do equilbrio entre as naes (Chesnais, 1996; Guttmann, 1995). E finalmente, mas no por fim, dados em Batista Jr. (1998: 46-7) revelam que os pases do G-7 aumentaram o gasto pblico (como proporo do PIB) de 36,3% na mdia do perodo 1978-82, para 39,4% entre 1991-95. Nos pases da OCDE o salto foi de 37,3% para 40,7%. A dvida pblica bruta deu um salto espetacular na OCDE de 42% para 66,61% do PIB nas duas pontas. Ao contrrio do que apregoa a cartilha neoliberal, pois, os Estados nacionais no primeiro mundo esto aumentando sua presena na gerao do produto. Ou, como afirma Batista Jr., o neoliberalismo reina mas no governa. As homenagens prestadas a esta ideologia contrastam com sua limitada influncia prtica no mundo desenvolvido (idem: 49). isso que leva Mattoso (1996: 35) a afirmar que a idia de Estado mnimo que alimenta o discurso neoliberal tem um componente que se destina preferencialmente para o consumo de governos de pases do Sul (ver tb. Cordova, 1996 e Bronstein, 1997).Tendo a concordar com o tom destes alertas. Mas se a cautela analtica impe que suspeitemos da ideologia imperante, no nos devemos cegar para o fato notrio de que, na periferia do capitalismo, o discurso neoliberal ganhou substncia e temos sido (brasileiros, argentinos, chilenos, mexicanos...) muito zelosos na aplicao da receita. A desregulamentao tem sido, sim, a norma por aqui. Sob Pinochet no Chile, sob Salinas de Gortari no Mxico, sob Menem na Argentina, ou sob Fernando Henrique Cardoso no Brasil, a desregulamentao no continente avanou passo a passo e , hoje, incontestvel.O Brasil foi, provavelmente, o ltimo dos assim chamados pases emergentes a empreender reformas econmicas segundo o cnon abertura-comercial-e-reforma-do-Estado, principalmente via privatizaes e ajuste fiscal, denominao andina para a desobrigao do Estado em relao sociedade civil (ou, segundo o linguajar hegemnico, ao mercado). A abertura das fronteiras nacionais, que poria uma p de cal nas polticas desenvolvimentistas de substituio de importaes, ocorre a partir de 1988, mas apenas depois de 1994 que a essa frmula juntou-se a ncora cambial como mecanismo mais importante de estabilizao da moeda nacional (em conexo com altas taxas de juros e controle da base monetria) e fio condutor do chamado choque de competitividade na economia. Ademais aspecto central para meus propsitos e tambm para a receita em processo de ser aviada tornaram-se crescentes as presses por flexibilizao dos mercados de fora de trabalho, tida como momento crucial da modernizao das relaes entre capital, trabalho e Estado na nova ordem produtiva mundial4.Como instrumental de interveno global dos estados nacionais perifricos, vale a pena perscrutar a lgica do hoje nufrago receiturio de reforma econmica vendido como panacia ao terceiro mundo, j que produziu resultados em muitos aspectos desastrosos, como a elevao do desemprego global e o sucateamento de parte da malha industrial de muitos pases, sobretudo o Brasil. So seus efeitos (principalmente o desemprego) que sustentam o discurso da flexibilizao do mercado de trabalho, objeto central desta anlise.A referida lgica simples, quase singela. A abertura expe as empresas autctones competio internacional e os diferenciais de produtividade dificultam a penetrao externa competitiva de seus produtos. Condenadas a vender no mercado interno, tm que aumentar a produtividade para reduzir preos diante do competidor externo (no caso brasileiro, crescentemente do Mercosul) e seguir aprofundando a reestruturao. Isso tem impactos de mdio prazo sobre os nveis de inflao, mas os ganhos de produtividade raramente compensam a pequena acomodao inflacionria que ocorre no incio da vigncia do programa de estabilizao. Como conseqncia, a taxa de cmbio fixa (Argentina e, mais recentemente, Malsia) ou quase fixa (como foi o caso do Brasil e do Mxico) em relao a uma moeda ou a uma cesta de moedas, torna-se desfavorvel ao agente interno (valorizao cambial), o que segue dificultando a penetrao externa dos produtos autctones, ao mesmo tempo em que amplia ainda mais a exposio da economia competio externa, obrigando as empresas nacionais a aprofundar a reestruturao produtiva para baixar custos e aumentar a qualidade dos produtos.A reconverso tecnolgica passa a dar-se crescentemente via importao de mquinas e equipamentos, produzindo impactos para trs no parque industrial nacional, afetando negativamente setores de bens capital e de matrias primas. No incio, apenas os setores mais dinmicos, mas logo, toda a indstria v-se obrigada reconverso tecnolgica, ainda que de forma segmentada. Movimentos de concentrao via falncias, fuses e aquisies dominam os setores mais dinamicamente afetados pela competio externa. Aprofundam-se os ganhos de produtividade, os preos continuam caindo e a inflao (supunha a receita) finalmente domada.O cmbio valorizado torna deficitrias as contas externas: as importaes explodem tanto devido ao consumo assalariado quanto capitalista (importao de bens de capital para a reestruturao). Conjuntura externa favorvel, com grande disponibilidade de poupana internacional em busca de grandes e rpidos retornos, permite ao Estado polticas de atrao de capitais destinados composio de supervites em conta corrente e, por conseqncia, de reservas internacionais que salvaguardaro a moeda sobrevalorizada contra ataques especulativos. Tais polticas concentram-se em taxas reais de juros muito superiores s oferecidas nos mercados estveis do primeiro mundo; nas privatizaes; e na flexibilizao dos mercados financeiros nacionais. Enquanto a reforma do Estado no se efetiva, as privatizaes, ao assegurar receita lquida ao setor pblico, financiam a taxa de juros, operando a transferncia de poupana pblica (e do pblico) para os investidores internacionais e nacionais. Tudo isso permanece at que as reformas fiscal, patrimonial e administrativa do Estado saneiem as contas pblicas, permitindo manter o dficit em patamares aceitveis. Nesse ponto, o cmbio pode ser liberado e os juros reduzidos. O Estado estar enxuto, eficiente e saneado, e a economia estar sem inflao e competitiva.Talvez porque to singelo, o receiturio no tardou a revelar sua fragilidade, primeiro com a queda mexicana de 1994 e, depois, com a profunda crise desatada pelo crash da bolsa de Hong Kong em 23 de outubro de 1997, que culminou com a queda do Brasil em 1999. A dependncia externa de capitais volteis (pedra de toque do financiamento dos dficits em conta corrente de pases unilateralmente abertos ao mundo, como o caso) s se sustentou enquanto os investidores internacionais mantiveram expectativas favorveis quanto capacidade destes pases honrarem seus compromissos. Profecias retroalimentadas (leia-se especulao) quebraram Malsia, Coria do Sul, Tailndia, Indonsia, Rssia e Brasil. O preo que os povos destes pases vm pagando pelo curso das polticas no laboratrio em que nos tornaram ainda no foi adequadamente contabilizado. Nem por isso a catilinria neoliberal perdeu fora entre ns.Por outras palavras, Fernando Collor de Mello iniciou e Fernando Henrique Cardoso arrematou o programa neoliberal padro de reforma econmica, a receita tal qual, assim como o fizeram Carlos Menem na Argentina e Salinas de Gortari no Mxico. No se trata de um programa autctone, inovador ou especialmente engenhoso, mas da submisso pura e simples da inteligncia econmica da Regio a um cnon que no vige entre os que o vendem como panacia.Olhando em retrospecto, todos estes pases fracassaram, isto , falharam em cumprir prescries de Washington em um ou outro aspecto. Sobretudo no Brasil, lamenta o FMI, no se promoveu o ajuste fiscal do setor pblico (esta denominao da moda, mercadolgica para o Estado, que vem restringir seu papel na vida da nao a uma equao de receitas e despesas); as taxas de juros mantidas na estratosfera por mais de 2 anos multiplicaram por 5 a dvida pblica interna, aumentando as suspeitas quanto capacidade do pas honrar seus compromissos com a comunidade financeira internacional; o que dizer dos brasileiros, dos nacionais? Desemprego, informalidade e aumento da desigualdade social, tudo isso encarado como custos do ajuste, custos a ser debelados no mundo melhor que ele promete. Sua causa, como mencionado, a rigidez da legislao trabalhista. Da a receita flexibilizadora. O fracasso adveio dos problemas da vida real, no do modelo.

Flexibilidade

Ocorre que o desemprego era esperado por todos, porque efeito colateral inevitvel da racionalizao produtiva, principalmente do setor industrial. A flexibilizao dos mercados de trabalho (cuja irm siamesa a re-qualificao da fora de trabalho), ento, parte da receita, a ela inextricavelmente atada como panacia para esta mazela especfica da reforma econmica que nos foi imposta: o desemprego. Por que se tratava de mazela inescapvel? Primeiro, porque os sistemas nacionais de relaes de trabalho estariam caducos, pejados de legislao rgida que no permitiria ao capital a mobilidade necessria para fazer frente ao aumento da competitividade global. Em segundo lugar, por culpa, teimosia ou irracionalidade dos trabalhadores, que se recusam melhoria de sua empregabilidade. Ou, dizendo de outra maneira, h desemprego (continuado) porque a fora de trabalho no est adequadamente qualificada para a nova realidade produtiva e (crescente) porque a lei impede que o ajuste ao choque de competitividade resultante da implementao do modelo se faa ou via transferncia de trabalhadores entre setores produtivos, ou via reduo dos salrios (Pastore, 1997). A lei e a ordem institucional que rege as relaes de trabalho (Justia do Trabalho e sindicatos, basicamente) impediriam a flexibilidade alocativa e salarial no mercado de trabalho, o que nos levaria ao ajuste pelo desemprego e/ou a informalidade (Camargo, 1996).Note-se que a nova ordem mundial e sua intensa competitividade so pressupostas, um dado de realidade. Elas no causam nada por si mesmas, mas apenas enquanto obstadas pelos sistemas nacionais de relaes de trabalho, empecilhos a ser reformados ou mesmo removidos para que a competio pura e simples estabelea equilbrio espontneo no mercado.No deixa de ser surpreendente, diga-se de passagem, o fato de que estudos produzidos em instituies oficiais, porm to diversas quanto o IPEA e o SEADE no Brasil5, demonstrando ser o mercado de trabalho nacional um dos mais flexveis do mundo, estejam ausentes da bibliografia dos outros estudos e trabalhos que insistem em afirmar que a legislao trabalhista brasileira rgida e precisa ser flexibilizada6. O mercado de trabalho por aqui marca-se, demonstraram aqueles estudos, por enorme flexibilidade alocativa e salarial, o que d inteira liberdade aos capitais produtivos em momentos de choque econmico como o que estamos vivendo. Mas deixemos isso de lado, por ora. Minha inteno aqui no testar a veracidade das teorias, mas apenas chamar a ateno para sua abrangncia e seu sentido mais profundo, isto , a lgica interna que preside sua pregao.Flexibilizao do mercado de trabalho denominao diversa para reviso do direito do trabalho, do ordenamento jurdico-normativo das relaes de trabalho em geral. Supe, portanto, a existncia de algo cuja vigncia impede o bom funcionamento do mercado. Com o risco da simplificao, talvez seja possvel identificar um modelo ou, no mnimo, uma configurao estvel de regras, leis ou regulamentos que, dado que impedem o funcionamento adequado do mercado de trabalho, demandam mudana, flexibilizao. Esse o primeiro passo. Mais tarde, tentarei circunscrever um sentido para esse modelo. De meu ponto de vista, so os significados adquiridos pelo direito do trabalho no mundo contemporneo que esquadrinham o alcance do arsenal analtico neoclssico, hegemnico na economia, como essencialmente pr (ou anti) civilizatrio.

Um modelo

Noronha (1998) argumenta, de forma bastante convincente, que, em lugar do que muitos afirmam, isto , ser o modelo brasileiro de relaes de trabalho de tipo corporativo (o que remete a regimes de negociao de interesses entre capital, trabalho e Estado em mecanismos tripartites relativamente autnomos de produo de regras; ou ao corporativismo de tipo fascista), somos um exemplo tpico, junto com a Frana, de modelo legislado de relaes de trabalho. A lei cumpre, por aqui, o papel que as convenes ou contratos coletivos ou por empresa cumprem em pases como Sucia e, em alguma medida, Alemanha, num nvel mais global (contratos coletivos nacionais); e como Colmbia e Inglaterra num nvel mais local (contratos coletivos por empresa). Boa parte dos contratos e convenes coletivas no Brasil no fariam seno atualizar, no nvel local, a legislao contida na Consolidao das Leis do Trabalho - CLT7, muitas vezes no respeitada pelas empresas.O conceito de modelo legislado de relaes de trabalho tem origem, provavelmente, em Jeammaud (1980), em referncia justamente ao caso francs, onde a produo das regras e normas de uso do trabalho, bem como a regulao da negociao entre capital e trabalho, d-se preferencialmente no nvel da legislao federal, sendo, portanto, produzida no parlamento e no em mecanismos composicionais. Parte do direito do trabalho alemo tem esta caracterstica, assim como os direitos mexicano, venezuelano, argentino antes da era Menem, e aquele dos pases latinos da Europa (Frana, Itlia, Portugal e Espanha)8. Segundo esse modelo, o direito do trabalho recobre, ou regula, dois tipos de relaes:1. As relaes de trabalho propriamente ditas, i.e. aquelas entre patres e cada um de seus empregados, pelas quais se troca trabalho por remunerao, se definem as regras de acesso ao emprego (idade mnima e mxima, por exemplo), o lugar que o indivduo ocupar no organograma da empresa, e tambm regras mais universais como a que regula a jornada de trabalho etc.2. As relaes profissionais, por meio de regras para a defesa e representao de interesses das partes, capital e trabalho. So as relaes de direito coletivo e recobrem a organizao sindical, a ao coletiva, a negociao coletiva, a representao por locais de trabalho etc.Supiot (1994) argumenta que esta forma geral do direito do trabalho, sobretudo nas relaes de trabalho (mais do que nas profissionais), decorre de uma sntese das tradies jurdicas germnica e romana, caracterizadas respectivamente por direitos estatutrios e contratuais. De um lado, temos a instituio de um estatuto geral, que obriga a todos os envolvidos na relao de trabalho e que decorre da vinculao de cada trabalhador com uma mesma comunidade de trabalho (a empresa). De outro lado, as normas propriamente contratuais denotam a fora de trabalho como prestadora de servios, a ser remunerados por um soldo ou salrio. Aqui, direitos individuais, o indivduo como objeto do direito que, como tal, verte-se em instrumento de proteo e cidadania. Ali, obrigaes e direitos das partes na relao de prestao de servios contratados.J os direitos de greve, de organizao, de voz e ao no interior das empresas, tm sua forma mais acabada delineada j na primeira metade do Sculo XX, sendo aperfeioada em cada pas segundo maior ou menor poder sindical, maior ou menor presena de representantes sindicais nos parlamentos ou no executivo, maior ou menor presena estatal na ordem social (Castel, 1998). O direito que regula as relaes profissionais, pois, seria um produto genuno deste ltimo sculo e meio de lutas operrias.Isso o mais prximo que chegarei, neste texto, da definio de um modelo de relaes de trabalho. Se algo est em questo, em ala de mira do discurso e da prtica de reforma em boa parte da Amrica Latina e certamente no Brasil, este duplo direito do trabalho, que regula tanto as relaes de trabalho quanto as relaes profissionais, tanto o mercado de trabalho quanto a ao sindical. As duas coisas andam juntas, pois, e no Brasil como na Frana, na Alemanha ou na Argentina, so (ou esto deixando de ser) lados da mesma moeda9.

Flexibilidade e Estado mnimo

Antes de perscrutar o sentido deste corpo regulatrio para a sociedade capitalista ocidental10, gostaria de investigar a lgica mais geral que preside o discurso de sua flexibilizao no debate econmico, sobretudo entre os economistas do trabalho. Sua coerncia se tece na clara clivagem que estabeleceu entre os interesses nacionais e os interesses dos nacionais, isto , dos indivduos, das pessoas, sobretudo dos trabalhadores da nao. Isto no est explcito em parte alguma, mas pode ser lido nas entrelinhas do dogma econmico, como desdobramento da receita resumida h pouco. Acompanhe-se o diagnstico corrente: a Amrica Latina, para encontrar um lugar no bonde da histria, que fez trilhos do socialismo real, do fascismo, do desenvolvimentismo terceiro-mundista e de outras formas estatocntricas de soluo do problema de dar comida e dignidade social aos cidados, a Amrica Latina, eu dizia, precisa melhorar a produtividade do trabalho. O mesmo trabalhador deve ser capaz de gerar mais produto na mesma unidade de tempo. Como o salrio pago por tempo, no por pea, por um mesmo montante de salrios produzir-se- mais coisas que, por isso mesmo, podem ter seu preo reduzido. Decorrem: maior competitividade dos produtos nos mercados interno e externo; reduo das presses inflacionrias; perspectivas de reduo das taxas de juros; maior renda para o Estado na forma de impostos diretos e indiretos; menor presso sobre a balana comercial; etc. etc.. Enfim, la vie en rose. O raciocnio foi simplificado aqui, mas no est longe do dogma econmico: o aumento da produtividade tem efeitos benficos globais sobre a sade das naes.Como aumentar a produtividade, isto , como produzir mais em menos tempo? O mesmo diagnstico apresenta a receita: modernizando o parque produtivo, de preferncia sem interferncia do Estado; restaurando a infra-estrutura de apoio atividade produtiva (sem o Estado, isto , via privatizaes); saneando o sistema financeiro (sem o Estado, tambm via privatizaes); qualificando a fora de trabalho (isto sim, com apoio do Estado, j que este seria, genuinamente, interesse dos nacionais com o qual o mercado no estaria disposto a arcar); desregulamentando os mercados de trabalho para dar maior rapidez reconverso tecnolgica na indstria. Os objetivos postos na dianteira como interesse nacional, note-se bem, supem a alienao do Estado como artfice, caudatrio ou simplesmente defensor deste interesse. Caber-lhe-ia atuar como o queria Herbert Spencer no Sculo XIX: para evitar a lex talionis, a lei do talio, a guerra de todos contra todos no mercado. As solues, segue a receita, viriam pelo mercado. Em lugar da regulao estatal que marcou o ps-guerra, Estado mnimo.O interesse nacional, pois, estaria associado idia de Estado Mnimo. Mas o que sustenta essa idia, isto , porque podemos ou, na verdade, devemos reduzir a regulao ao mnimo? A teoria neoclssica que orienta o discurso neoliberal, como sabido, garante que os agentes no mercado, perseguindo seu prprio interesse, produziro espontaneamente situao de equilbrio. O que isso? Igualdade? Certamente no, porque este resultado no pode estar normativamente posto como meta na ao de agentes auto-interessados. A eficincia no supe distribuio, muito menos redistribuio, como j o reconheceu o autor clssico da justia liberal, John Rawls (1995). Justia? Isto , uma distribuio com equidade dos recursos sociais? Claro que no, porque a idia de justia supe a vida em sociedade, compromissos extra-mercado (Rawls) ou, de outra maneira, comprometimento com valores para alm da troca de equivalentes mensurados por um equivalente geral (Habermas, 1987). O que, ento, o equilbrio de mercado?Uma definio possvel (de inspirao neoclssica, diga-se desde logo) a de que nenhum dos agentes econmicos tem incentivos para mudar sua prpria estratgia de ao a menos que o outro o faa. Este o equilbrio de Nash na teoria dos jogos e no supe, obviamente, a idia de poder ou capacidade para mudar a posio. Num jogo atual qualquer de mercado, posso saber que estou em posio desvantajosa mas no dispor de mecanismos para reverter esta posio. Tenho incentivos, mas no o poder de faz-lo. Uma outra definio possvel a de que, no equilbrio, ningum pode estar em melhor posio sem piorar a posio de um terceiro e vice-versa. o equilbrio (ou optimalidade) de Pareto11.O equilbrio de Pareto supe alguma mensurabilidade dos recursos, digamos, de poder dos jogadores e , antes de tudo, um ponto de chegada, algo a que certos jogos tenderiam em certas condies, que no cabe avanar aqui. O que importa que, aplicado a relaes de mercado, ele um ponto possvel de convergncia e pode funcionar como aspecto normativo das trocas entre agentes com recursos desiguais de poder, algo que pode remeter existncia de instituies ou, no limite, do Estado. J o equilbrio de Nash no supe a optimalidade de Pareto, claro, porque ele perfeitamente compatvel com situaes como uma taxa de desemprego de 20%; ou concentraes de renda como a brasileira, onde 34 milhes de pessoas esto abaixo da linha de pobreza, os 10% mais ricos capturam 50% da renda etc. O equilbrio no quer dizer nem igualdade nem equidade, como nos ensinou Lord Keynes em sua Teoria Geral. Ele pode significar, por exemplo, que uns sempre ganham e outros sempre perdem, de forma reiterada e previsvel, de tal maneira que o analista racional pode afirmar que nenhum ator tem interesse em mudar as regras do jogo simplesmente porque o jogo, objetivamente, no muda.O Estado Mnimo como aspecto central do interesse nacional, pois, estaria associado a esta noo de equilbrio no mercado, alienao do Estado como agente da constituio de algo que poderamos chamar a nacionalidade. Tudo isso em nome da eficincia econmica no novo mercado global em equilbrio (no necessariamente paretiano). E a eficincia do funcionamento do mercado o que se estaria buscando com as propostas de desregulamentao das relaes de trabalho, propostas que andam juntas com o outro remdio, o aprimoramento, ou aumento, da empregabilidade da fora de trabalho.Este seria o interesse dos nacionais, subsumido ao interesse da nao por eficincia. O segredo desta submisso, porm, est em que a eficincia no mercado deixa de ser um interesse ptrio, cujas fronteiras possam ser claramente delimitadas. Numa associao de idias nada difcil de rastrear, o que est em questo o funcionamento do mercado enquanto tal. E, como o mercado destri crescentemente as fronteiras (a questo no a sobrevivncia no novo capitalismo global?), o interesse nacional se confunde com a idia da eficincia do funcionamento do sistema como um todo, de nossa parte no sistema global de trocas eficientes. O discurso neoliberal opera uma clivagem entre o interesse nacional e o interesse dos nacionais justamente porque a eficincia de mercado como meta elege os capitais aptridas como senhores dos projetos de organizao social. A sobrevivncia no novo capitalismo global confunde-se com a sobrevivncia do novo capitalismo global.O interesse dos nacionais, ao contrrio, tem fronteiras claramente delimitadas. Estamos encerrados no Brasil, ou na Amrica Latina. Por isso mesmo estaramos oferecendo resistncia insustentvel tendo em conta o modelo de eficincia global vertido em interesse nacional, dado que a inrcia dos sistemas nacionais de relaes de trabalho, que se recusam flexibilizao, seria um empecilho, um obstculo ou um entrave eficincia j referida. O equilbrio por aqui se manifestaria como desigualdade, desemprego etc., isto , como um equilbrio no-timo ou socialmente indesejvel porque a legislao trabalhista existe.No por acaso, ento, que a proposio desregulamentadora corrente oferece como soluo a contratao coletiva entre capital e trabalho, isto , por fora ou sem o Estado, em substituio, por exemplo, ao direito do trabalho. Capital e trabalho encontrar-se-iam segundo seus recursos de poder e, medindo-os, pactuariam as condies de seus encontros no futuro. Sem sequer o cuidado de usar meias palavras, argumenta-se que o contrato coletivo mais flexvel e, portanto, mais adequado nova ordem mundial em que o ator mais forte (o capital) necessita rever as regras todo o tempo em nome da eficincia (Pastore, 1994). Mudar a lei, ao contrrio, implica introduzir a poltica na histria, j que tudo tem que passar pelo Congresso Nacional, submeter-se ao debate pblico e talvez, interesses nacionais de outra ordem, que no o da simples eficincia, ganhem vida prpria. Ora, a poltica , por definio, ineficiente. Algum j disse que da natureza dos bons acordos que todos saiam perdendo. No mundo globalizado, o contrato coletivo livremente negociado, flexvel e passvel de reviso sempre que o interesse mais forte for contrariado, a panacia para o mal dos acordos congressuais: no mercado, longe das incertezas do jogo poltico, o mais forte pode sair ganhando sempre. Em nome da eficincia.No se est falando, obviamente, de um contrato coletivo nacional, que seria, segundo esta leitura, to rgido quanto a lei. A idia a contratao descentralizada, por empresa, no mundo privado. Eis a palavra oficial da Confederao Nacional das Indstrias - CNI:A passagem de um sistema estatutrio para outro baseado na negociao deve ser cercada de alguns cuidados. A contratao coletiva no pode funcionar como uma outra forma de engessamento da economia, tal como ocorre nos pases que optaram por um nvel mais centralizado de negociao. Para obter a flexibilizao desejada, fundamental caminharmos para uma negociao descentralizada em nvel de empresa (CNI, 1997: 24).A flexibilizao das relaes de trabalho como interesse nacional, pois, sinnimo de alienao do Estado, de desregulamentao, de transferncia aos atores sociais capital e trabalho do poder de definir seu destino. Retenhamos este ponto, por hora. Vejamos o que h a respeito da requalificao e seu corolrio, a empregabilidade, interesse genuno dos nacionais no discurso corrente.

Empregabilidade

A empregabilidade , como mencionado, a outra face da dinmica de desregulamentao das relaes sociais. Neologismo que ao mesmo tempo substantivo e adjetivo, colou-se recentemente fora de trabalho como se fora uma marca de nascena, um atributo identitrio. Agora diz-se dos indivduos que eles tm maior ou menor empregabilidade, que podem melhor-la ou pior-la, que podem inclusive perd-la inteiramente, digamos, por idade ou invalidez, com o que deixam de ser fora de trabalho e tornam-se outro ser social, algum fora da PEA, algum sem empregabilidade.Podem perd-la tambm porque no mundo contemporneo, argumenta-se, estaria ocorrendo este fato notrio de que pessoas em pleno gozo de suas foras fsicas e mentais, sem outra propriedade para dispor que no sua capacidade de trabalho, j no so empregveis. Gente, por exemplo, que no se teria reciclado depois da perda de um emprego industrial em setores onde, em razo da reestruturao produtiva, profisses operrias ou gerenciais tenham desaparecido inteiramente, tornando obsoletas as qualificaes adquiridas antes. Ou gente que, estando h pouco tempo no mercado de trabalho, no teria acompanhado as mudanas ocorridas no lado da demanda por trabalho, no se qualificando de acordo12.No preciso muito esforo para perceber que esta noo de empregabilidade remete a ativos, quilo que o trabalhador tem a oferecer no mercado de trabalho de tal maneira a tornar-se atraente para os empregadores. No bastam habilidade (ou fora) fsica e sade mental que sustentem o aprendizado. A (nova?) questo que um e outro podem ser hierarquizados a ponto de delimitar para a excluso combinaes pouco atraentes de ambos. Por exemplo, jovens pouco escolarizados tm sade mas no tm educao, velhos muito escolarizados sabem muito mas vivero pouco, mulheres educadas podem ficar grvidas etc. Isto quer dizer que esta noo de empregabilidade s faz sentido como conceito explicativo da dinmica do mercado de trabalho num mundo em que a origem, a matriz das hierarquias sociais que recortam as gradaes do que bom ou ruim, adequado ou no, a empresa, o lugar da eficincia onde um ativo troca-se por recompensa (salrio) segundo sua utilidade marginal.Segundo a rationale desta noo de empregabilidade, isto , analisando-a por dentro e a partir de seus pressupostos, dizer de algum que ele/a no empregvel dizer que no h no mundo empregadores dispostos a dar-lhe um lugar na estrutura de produo ou distribuio de mercadorias e servios. Como o empregador agente racional e seu empreendimento uma empresa racionalmente gerenciada, no de se esperar que crie postos de trabalho impossveis de ser ocupados. Se s existem postos que podem ser ocupados, um indivduo qualquer s no empregvel porque outro o , quer dizer, porque h pessoas com as habilidades requeridas pelos postos de trabalho disponveis, criados por empregadores racionais segundo um planejamento empresarial voltado para a obteno do lucro. A empregabilidade como conceito geral, pois, assenta-se sobre a desigualdade efetiva de distribuio de recursos ou ativos empregveis entre os indivduos trabalhadores. Ela pressupe a desigualdade de oportunidades de acesso a postos de trabalho j que, se todos fossem substitutos perfeitos no mercado de trabalho, todos seriam igualmente empregveis, e no haveria necessidade desse conceito, que no distinguiria coisa alguma.A estrutura da noo de empregabilidade irm gmea de outro conceito neoclssico padro, o de capital humano13, base de uma teoria que dominou as anlises econmicas sobre mercado de trabalho nos anos 60 e 70, sobretudo depois da derrocada das polticas keynesianas de pleno emprego. Aquela teoria procurava explicar as diferenas de renda como funo das diferenas entre os indivduos, isto , das caractersticas da oferta de fora de trabalho. Com isso, estaria sanando uma lacuna na teoria neoclssica do emprego que, argumenta-se, punha nfase quase exclusiva nos aspectos da demanda por trabalho. Para a correta compreenso deste arrazoado, convm recordar, rpida e muito esquematicamente, as bases do argumento neoclssico. So quatro seus pressupostos gerais:(i) as empresas maximizam lucros num mercado de competio perfeita;(ii) a tecnologia que empregam dada exogenamente e apresenta rendimentos marginais decrescentes;(iii)os trabalhadores maximizam bem estar, e decidiro quanto trabalhar, isto , quanto de lazer estaro dispostos a abrir mo em troca de um salrio, tendo em vista seu plano de consumo, com o que a oferta de trabalho tem relao positiva (crescente) com o salrio real;(iv)a demanda agregada nominal dada exogenamente14.Decorre dos pressupostos (i) e (ii) que, dado um nvel de salrios qualquer, a curva de demanda por trabalho por parte das empresas decrescente com o nmero de trabalhadores, na medida em que, a partir de determinado ponto (o ponto em que o salrio pago ltima unidade de trabalho adicionada equivale ao produto gerado por ela), contratar torna-se irracional para as firmas. Logo, o nvel de emprego e o de salrios so determinados ao mesmo tempo, e o emprego de equilbrio, correspondente a um salrio de equilbrio, determina-se no ponto de interseo da curva de oferta (crescente com o salrio, segundo o pressuposto iii) e a de demanda (decrescente com o salrio) por trabalho.Note-se que salrios e nvel de emprego (logo, de desemprego) so parte da mesma funo e se determinam mutuamente. Como, por estes pressupostos, o mercado de bens tende necessariamente ao equilbrio, se o mercado de trabalho funcionasse perfeitamente, o nvel de salrio efetivamente observado seria igual ao de equilbrio. No entanto, qualquer empecilho ao livre funcionamento do mercado de trabalho pode fazer com que o salrio real fique acima do nvel que equilibraria oferta e demanda, o que gera desemprego (Amadeo e Estevo, 1994: 14-15). S possvel haver desemprego, pois, se o mercado de trabalho funcionar de forma imperfeita, e uma das principais fontes de imperfeio so as instituies, como os sindicatos e a legislao trabalhista. A sociedade entra no modelo como empecilho, rudo ou obstculo ao bom funcionamento do mercado. Como algo, pois, a ser removido.O leitor atento j ter feito a ponte entre esta teoria e as propostas de desregulamentao e flexibilizao do mercado de trabalho discutidas na seo anterior. Dar ao mercado condies para funcionar sem empecilhos e encontrar espontaneamente o equilbrio, eis a receita. ela, tambm, que permite compreender a hegemonia da noo de empregabilidade na explicao do desemprego crescente como fruto da desigualdade entre os indivduos.Ocorre que o paradigma neoclssico padro no dispunha de mecanismos internos, um argumento estritamente econmico, para a explicao das diferenas de renda. Ao apresent-los como resultado do mal funcionamento do mercado de trabalho, o paradigma estava obrigado a recorrer a outras disciplinas, como o direito ou a sociologia. Ao faz-lo, encontrou que os sindicatos funcionam como monoplios com poder de fixao do salrio real acima do que seria conseguido espontaneamente no mercado. Encontrou tambm que a legislao trabalhista, ao estabelecer mecanismos de proteo a determinados trabalhadores e no a outros (jovens e velhos por oposio aos demais, gestantes por oposio s mulheres fora desta condio etc.), introduzia desequilbrios geradores de diferenas e/ou desemprego dos segmentos desprotegidos (como em Amadeo e Camargo, 1996).Chega-se, ento, ao ponto que interessa aqui: a teoria do capital humano veio dar ao paradigma neoclssico um argumento econmico para as diferenas de renda entre os indivduos, ao sofisticar um pouco mais a pressuposto (iii) apresentado antes. Agora os trabalhadores no so pensados unicamente como maximizadores de utilidade (bem estar relacionado ao consumo ou ao lazer), mas tambm como indivduos racionais que investiro em si mesmos para maximizar retornos monetrios do trabalho. No se trata de um trade off entre quantidade de trabalho a ser ofertada e retorno esperado em termos de salrio. Trata-se de um novo trade off entre, de um lado, a quantidade de investimento na qualidade da capacidade de trabalho a ser ofertada no mercado e, de outro, o salrio esperado. Com isso, as diferenas de renda passam a depender unicamente dos investimentos individuais dos trabalhadores, sobretudo (mas no exclusivamente) os investimentos em educao. Os mecanismos ou determinantes pelo lado da oferta de trabalho passam a ser tudo o que se precisa saber para se compreender a distribuio de renda.Pois bem, a noo de empregabilidade apenas substitui diferenas de renda por diferenas na capacidade de acesso a postos de trabalho, e temos a chave do tesouro: o desemprego decorre de que determinados indivduos (os desempregados) no investiram adequadamente em si mesmos para tornar sua fora de trabalho atraente para os empregadores, como os outros indivduos (os empregados) o fizeram (como em Pastore, 1997 e 1998). E assim como a melhoria da renda dependia do investimento individual em educao, assim tambm a sada do desemprego. A escolarizao, panacia anterior para acabar com as diferenas de renda, agora nos salvar das diferenas na empregabilidade das pessoas.Nestes termos, a noo empregabilidade tem o dom de explicar, ao mesmo tempo, porque alguns esto desempregados e outros, empregados. Alm disso, ela transfere fora de trabalho todo o nus por seu desemprego (ou por seu emprego, claro). Se cada qual tivesse buscado informao adequada sobre as necessidades reais dos mercados de trabalho; e se tivesse investido em si mesmo de forma diferenciada, isto , mais e melhor do que os outros indivduos, estaria, agora, em melhor posio do que os outros. Seria, certamente, empregvel.Assim como a teoria do capital humano, a teoria da empregabilidade no tem nada a dizer sobre um aspecto crucial do funcionamento do mercado de trabalho, que so os determinantes sociais, econmicos e tecnolgicos de constituio de postos de trabalho. Se o paradigma neoclssico padro no tinha olhos para os determinantes pelo lado da oferta, seu complemento deu razo quase exclusiva a estes, negligenciando no apenas aspectos da oferta de postos de trabalho, como ainda os mecanismos sociais pelos quais indivduos e famlias coordenam ou simplesmente planejam sua insero produtiva. A crtica de Granovetter (1981) teoria do capital humano antiga, mas cabe perfeitamente aqui: tal teoria no d conta desse fato corriqueiro de que a economia pode no gerar postos de trabalho adequados s qualificaes presentes; ou de que pode no gerar postos de trabalho de qualquer natureza. Mais do que isso, no h nada que garanta que o ritmo de investimento das pessoas (e famlias) em sua qualificao eqivaler ao de criao de postos de trabalho adequados a ela.O essencial, porm, est em outra parte. Falar em empregabilidade entronizar a firma como o parmetro para a anlise da dinmica do mercado de trabalho analisando-a, ademais, apenas como um ambiente para a produo de lucro. Agora, qualificaes operrias so comercializadas segundo seu valor de mercado numa troca entre iguais: postos de trabalho existem, responsabilidade do trabalhador adequar-se, ou igualar sua qualificao a eles. Esta , est claro, uma inverso completa da rationale que orientou a consolidao do direito do trabalho no mundo, baseada na idia de que as pessoas tinham direito ao trabalho (Beynon, 1999), algo, alis, que verteu-se em preceito constitucional no Brasil em 1988. porque se tinha reconhecido este ltimo direito que se pde definir os legitimamente desempregados para fins de polticas sociais, por exemplo (Offe, 1984). O direito ao trabalho tinha estatuto de um direito civil. Logo, o desemprego era responsabilidade civil ou de Estado. A empregabilidade, ao substituir o direito pelo mercado, institui como nica responsabilidade aquela do trabalhador por encontrar um emprego para si. Logo, o desemprego lhe deve ser imputado. O interesse nacional como interesse pela sobrevivncia do mercado global, ento, circunscreve como interesse dos nacionais sua empregabilidade, uma noo que exime o Estado da responsabilidade civil pelo emprego.

O direito do trabalho e seus sentidos

O discurso econmico hegemnico (hoje mais do que um discurso, uma prtica de vrios governos nacionais latino-americanos), apresenta dificuldade crescente em aceitar que o mercado no existe sem o Estado. Analistas srios, remando contra a corrente15, esto se tornando, talvez perigosamente, a minoria num debate eivado de ideologias, interesses escusos ou interesses reais, mais ou menos explcitos. crescentemente reduzido o nmero de formuladores de polticas pblicas dispostos a aceitar, por exemplo, que no h contratos sem um corpo de magistrados cuja tarefa faz-los valer16. Que no h troca de equivalentes sem um meio de troca e que no h meio de troca, moeda, sem Estado. Que a moeda no uma emergncia espontnea no mercado, sendo, ao contrrio, dependente da garantia da estabilidade das trocas no futuro e de que esta garantia no se baseie na fora, mas sim numa idia qualquer de troca justa, justia processualmente legitimada na ao de juzes e advogados, na interveno de ministros e na legislao produzida nos congressos nacionais, muito alm da equivalncia pura e simples no mercado.No mercado de trabalho, este mercado especial em que a fora de trabalho no uma mercadoria qualquer, mas uma mercadoria que teima em trazer consigo a subjetividade, a vontade, a pirraa, a raiva ou a boa ndole daquele que a porta, o trabalhador, este mercado, mais do que qualquer outro, no pode funcionar sem o Estado. Na verdade, ele no existe sem o Estado, que lhe d a forma e o contedo, d-lhe existncia por meio dos mecanismos regulatrios que definem quem pode trabalhar (menores de 10 ou de 14 anos no podem, maiores de 70, 75 ou 80 tampouco, dependendo do pas), por quanto tempo trabalhar, qual a remunerao mnima, por quanto tempo se pode ficar sem trabalhar ganhando o salrio (frias, descanso semanal remunerado etc.), sendo, em suma, agente e promotor do direito do trabalho como constituinte de qualquer idia de troca no mercado.Pois bem, o ponto a ser desenvolvido daqui por diante, mesmo que telegraficamente, tem a ver com a idia de que talvez no se esteja percebendo que as clivagens entre interesse nacional e interesse dos nacionais, entre a eficincia de mercado e a sobrevivncia no mercado, entre sobrevivncia no mundo global e sobrevivncia do mercado global, entre Estado e mercado, enfim, pem em questo um aspecto central do direito do trabalho, que sua condio de elemento fulcral das relaes de classe no capitalismo. Vejamos.Se inquirirmos por um momento sobre a razo de ser dos instrumentos de regulao do mercado de trabalho (isto , das duas dimenses do direito do trabalho mencionadas antes), se refletirmos sobre o lugar que ocupam na sociedade contempornea, em seu sentido para os contemporneos, encontraremos leituras muito diversas, muitas vezes conflitantes17. Na literatura econmica hegemnica no debate, o direito do trabalho avaliado, principalmente e como sugerido, em termos dos obstculos ou incentivos que impe aos atores no mercado. J na literatura sociolgica, jurdica ou poltica a viso mais comum, quase de senso-comum, a de que o direito do trabalho existe, ou constituiu-se ao longo do ltimo sculo e meio, para proteger o lado mais fraco da relao de trabalho, isto , o assalariado.Tornou-se clssica, neste recorte, a viso de Offe (1984), por sua vez devedora de Polanyi (1944), segundo a qual o direito do trabalho reduz a disparidade de poder entre capital e trabalho no mercado. Em conexo com a legislao social no capitalismo avanado, ele desmercantiliza a fora de trabalho ao transferir ao patro e ao Estado parte substancial dos custos de reproduo do trabalhador individual e de sua famlia. Como o valor do trabalho no pode ser mensurado contra um equivalente no mercado, seu preo no tem qualquer relao com seu valor, sendo arbitrado como parte de um arranjo normativo mais amplo que determina, por exemplo, salrios mnimos, pisos salariais por categoria profissional etc. Essa abordagem teve e tem grande fora entre analistas por vezes polares da social-democracia, como o caso de Przeworski (1989) e Francisco de Oliveira (1988). Em Habermas (1987b) alimentou um slido argumento sobre o esgotamento das energias utpicas no capitalismo, uma vez que a utopia feita histria nos estados de bem-estar estaria circunscrevendo os interesses dos trabalhadores reproduo do sistema.Se bem que importante, esta noo de direito do trabalho como reduo das disparidades de poder nem de longe a nica. A literatura francesa costuma trat-lo tambm em seu aspecto, por assim dizer, civilizatrio das empresas, servindo a um ideal qualquer de justia no trabalho, de emancipao do trabalhador em relao ao jugo do proprietrio. Essa vertente teve muita fora nos anos 60, sob a pena de Andr Gortz ou Georges Friedman, mas avanou pela Inglaterra nos anos 70 e 80 e forte ainda hoje nos pases perifricos, Brasil entre eles. Gortz, por exemplo, se perguntava como era possvel uma sociedade democrtica conviver com o despotismo imperante no interior das empresas, em que as regras de uso do trabalho eram unilateralmente definidas pelo patro, em que a gesto do negcio era encarada como prerrogativa nica do proprietrio e os direitos dos cidados ficavam pendurados no vestirio, com a roupa da rua, trocada pelo macaco de trabalho. Quem j entrou numa fbrica no Brasil ou no Mxico no pode deixar de fazer-se a mesma pergunta ainda hoje...O papel civilizatrio do direito do trabalho, ento, teria a ver com a penetrao da proteo estatal ali onde as relaes parecem, primeira vista, ter carter unicamente privado, j que a empresa nada mais do que um instrumento para a produo de lucro, sendo, como tal e legitimamente, passvel de gesto privada pelo proprietrio. Aquele direito, ento, penetraria as relaes privadas, retirando-as desta esfera de arbtrio onde impera a lei do mais forte. F-lo-ia, ademais, para alm de uma perspectiva puramente humanista da liberdade regrada, na medida em que toma em conta as hierarquias reais que cortam a organizao social burguesa moderna, que destina ao trabalho lugar subordinado.Mais recentemente, sobretudo depois de Habermas ter lanado sua teoria do agir comunicativo, a literatura alem vem pondo nfase em outro aspecto central do direito do trabalho, vendo-o tambm como elemento fulcral do processo secular de juridificao das relaes sociais, isto , de colonizao do mundo da vida (o lugar por excelncia do agir comunicativo) pelo direito. como se o Estado, por meio da produo de regras jurdicas, estivesse limitando a autonomia dos indivduos e dos grupos na determinao ou defesa de seus interesses. Note-se que a abordagem crtica em relao ao direito como aspecto da ordem estatal moderna, ao mesmo tempo em que reconhece seu papel central na vertebrao desta mesma ordem, isto , sua funo (o termo de Habermas) como um dos instrumentos da coeso social (ao lado do dinheiro, do poder e da solidariedade). A abordagem, ademais, tem semelhana com certa leitura liberal do direito (o direito como obstculo), mas a alternativa no uma sociedade fragmentada de indivduos negociando suas posies segundo seu interesse particular, mas sim uma sociedade cuja identidade construda por indivduos dispostos a negociar suas posies originais na busca do entendimento e, possivelmente, do bem comum.H quem identifique no direito do trabalho uma virtude em sentido maquiaveliano, isto , algo que tende objetivamente a realizar-se caso se imponham as condies da fortuna. Como o direito do trabalho constitui as relaes de produo, estabelecendo proteo real aos trabalhadores contra o arbtrio completo do patro (no h mais escravido formal, por exemplo) nestas condies ele contribui para a reproduo pacfica da ordem capitalista, ao mesmo tempo em que amplia as bases da democracia liberal. Ele conferiria legitimidade explorao da fora de trabalho e daria caldo de sustentao ao compromisso de classe que permite a convivncia, sempre tensa, entre capitalismo e democracia. Esta leitura comum entre os suecos, e bom citar Esping-Andersen (1985) ou Korpi (1983).No Brasil e em parte da Amrica Latina (sobretudo Mxico e Argentina) o direito do trabalho visto, quase sempre, como uma concesso estatal, como um instrumento dentre muitos outros de moldagem de uma sociedade civil invertebrada, carente de fontes universais e endgenas de construo de solidariedade (Werneck Vianna, 1976). Um modelo ainda mais fortemente legislado do que o francs, por exemplo, fruto de uma concepo do papel do Estado como demiurgo das disputas entre capital e trabalho. O direito do trabalho teria cumprido, entre ns, o papel civilizatrio que lhe atribui a literatura francesa, no tanto pela pacificao ou humanizao das empresas, mas pela vertebrao da prpria sociedade via estabilizao de expectativas dos assalariados a respeito de seu quinho na riqueza socialmente produzida e seu lugar na estrutura de distribuio de recursos mais propriamente estatutrios. Indivduos e coletividades, ao se vincularem a uma categoria profissional reconhecida pelo Estado e, com isso, investir-se de direitos quase corporativos18, ganhavam tambm um lugar na ordem social de posies, definindo-se por oposio a outras categorias profissionais e aos que no estavam no mercado formal de trabalho.No obstante leituras diversas quanto sua necessidade social, ou simplesmente sociolgica19, difcil sustentar que estes sentidos do direito do trabalho estejam no horizonte dos reformadores de hoje. Por outro lado, se as presses por transformao permitem a circunscrio de um modelo anterior, ou melhor, de significados precisos para um modelo certamente abstrato e de modo algum encontrvel em qualquer parte, no descerram com a mesma facilidade um futuro sequer prximo do unvoco. As experincias nacionais tm sido muito diversas e apenas com muita licena potica, se poderia falar em convergncia nos processos internacionais de reforma dos sistemas de relaes de trabalho20. Mas parece-me possvel, sim, capturar o esprito do que se pretende, isto , o lugar a que os reformadores gostariam de chegar se o poder lhes fosse desptico, ainda que sua efetivao receba o crivo das histrias nacionais, para infelicidade dos que propugnam pelo fim do Estado. A concluso segue esse passo.

Coda

A palavra de ordem, como j se disse, a flexibilizao, ou um sinnimo mais sonoro, a desregulamentao dos mercados de trabalho. O modelo esboado antes estaria gerando custos excessivos e rigidez no mercado de trabalho, limitando a reestruturao capitalista necessria na nova ordem competitiva mundial, a dos mercados globalizados. Resultado: como os custos so altos e a legislao um obstculo sua reduo, o capitalista prefere livrar-se do empregado a assumir o nus de sua reproduo. E ele o faz de diversas maneiras: des-patria ou re-patria empresas; funde-se com outros capitalistas, investe em tecnologia poupadora de fora de trabalho, focaliza o empreendimento produtivo no core business e terceiriza o resto, pratica outsourcing de produtos, tudo para livrar-se deste incmodo que o trabalhador com direitos. Logo, desemprego, eis a concluso da leitura hegemnica.A flexibilidade, ou a desregulamentao, cumpriria esta tarefa central de dar mobilidade ao investimento produtivo e, como decorrncia lgica, gerar empregos ou, pelo menos, garantir os empregos existentes. Deixemos de lado a contradio interna no argumento, aquela que apregoa a necessidade de investimentos tecnolgicos e aumento de produtividade para competir e, ao mesmo tempo, espera que a destruio de postos de trabalho da decorrente gere empregos. O que me interessa marcar aqui a mudana de objetivos inscrita nesta virada interpretativa: onde esto os elementos civilizatrios associados ao direito do trabalho? O que dizer de sua virtu Maquiavel, isto , reproduzir o capitalismo com democracia? A chamada globalizao e a hegemonia de rationale e interpretao econmicas da sociedade mudaram o tom da leitura corrente sobre o direito do trabalho. Ele, agora, objeto de leitura pragmtica, instrumental mesmo: o capitalismo venceu as batalhas ideolgica e prtica no mundo contemporneo, com o que os mecanismos de regulao social devem ser postos sua disposio. Devem verter-se em instrumentos no da civilizao, da democracia ou do bem estar social, mas sim da reproduo global do sistema, do mercado mundial.Esta leitura, como est claro, est prenhe de um projeto: nos termos do que se discutiu antes, est em pauta a remercantilizao da fora de trabalho, ou a reprivatizao das relaes de classe. Est em causa a desjuridificao das relaes sociais e de mercado, instituindo o mercado onde ele, de fato, jamais existiu, exceto talvez nos primrdios da industrializao, o tempo dos moinhos satnicos e do despotismo de mercado (Burawoy 1985), quando levas de camponeses, por excesso de contingente, obrigavam-se a trabalho semi-escravo em Manchester ou Paris. No se trata de uma desjuridificao Habermas, portanto, isto , que liberasse as potencialidades inscritas na razo comunicativa, intrinsecamente redentora, mas sim de uma desregulamentao que garanta o imprio da razo instrumental em que determinados indivduos procuram impor seu interesse a outros.Se isso verdade, cabem algumas perguntas: supondo que as leituras resumidas acima sobre o carter civilizatrio do direito do trabalho etc. estavam ao menos prximas da realidade, se o discurso neoliberal se efetivasse em sua plenitude, no estaramos diante do risco de dissoluo dos laos sociais mais estveis do capitalismo, aqueles garantidos, justamente, pelo direito do trabalho? Se comprarmos o argumento sobre seu papel civilizatrio, estaremos diante de movimentos, ou presses, anti-civilizao? Se o direito do trabalho pacificou as relaes de produo e deu alento democracia, poderemos suportar sua dissoluo pura e simples, ponto de chegada dos discurso desregulamentadores mais radicais?Em nenhum lugar do planeta se fala a srio sobre esta possibilidade (ao menos em sua verso mais radicalmente neoliberal), exceto, talvez, no terceiro mundo, e certamente no Brasil. Talvez porque no mundo desenvolvido se tenha alguma noo dos riscos de profunda crise social decorrente da diluio dos laos de solidariedade associados ao direito do trabalho. Equivoca-se, bom que se diga, quem enxerga a solidariedade como o sentimento restrito de pertena a um grupo ou classe social. A solidariedade que sustenta uma sociedade inteira galvanizada por certa estabilidade nos encontros face a face, estabilidade que tem seu fundamento, dentre outras coisas, na certeza de que o outro no tem como objetivo ltimo (ou mesmo que o tenha no conseguir) tomar o meu lugar, ganhar os meus bens ou solapar minha dignidade. O direito do trabalho cumpriu exatamente este papel para o trabalhador diante do capitalista, fazendo-o, ainda mais, como resultado universal e, por isso mesmo, social.Em nenhum lugar se fala a srio sobre essa diluio do direito do trabalho exceto, como afirmei, no terceiro mundo e certamente no Brasil. Apenas por aqui o discurso liberalizante tem plena vigncia, e temos sido mais realistas do que o rei na implementao de polticas neoliberais, ou de desregulamentao de todas as esferas da atividade econmica, do mercado de capitais ao de produtos, do sistema financeiro ao mercado de trabalho. Apenas por aqui os reformadores de planto parecem desconhecer que o mercado no cria solidariedade naquele sentido referido acima, isto , de vrtebra, de sustentculo da estabilidade dos encontros entre os agentes sociais. Apenas aqui no se parece reconhecer que o mercado, deixado a si mesmo, o mercado sem o Estado, a guerra, a selva ou a mfia, ou tudo isso junto. esse, parece-me, o risco maior da flexibilizao e desregulamentao do mercado de trabalho tal como propostas pelos vencedores atuais da guerra ideolgica.Para que no reste dvidas no leitor: o que estou afirmando aqui que a hegemonia da rationale econmica neoliberal vertida em ideologia dominante, que pensa por modelos e v o mundo do ponto de vista da eficincia dos mercados, eficincia que cobra seu preo s instituies (burguesas, por suposto) e aos mecanismos de vertebrao social, como o direito do trabalho, esta hegemonia restringe o campo analtico e o instrumental interpretativo a mnimos pr-civilizatrios, onde a questo social era assunto para os exrcitos e a democracia, uma piada nos sales da nobreza. O modelo no capaz de fornecer instrumentos analticos adequados para a compreenso da vida real, que, por toda parte, teima em impor-se na forma de movimentos de trabalhadores, de sentenas judiciais, de votaes nos parlamentos enfim, nisso tudo que a catilinria reinante segue denominando obstculos ou imperfeies a se remover. Tornou-se tarefa central da sociologia chamar a ateno para esta restrio, fornecendo economia elementos para a superao de seus prprios limites.

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Notas

1 Devo esta lembrana do lugar da sociologia no pensamento inaugural da Cepal a conferncia de Maria da Conceio Tavares em homenagem a Celso Furtado, realizada no XIII Congresso Brasileiro de Economistas no Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 1999. Trabalho de flego sobre a conformao do pensamento desenvolvimentista no Brasil Bielschowsky (1996), onde a Cepal tem reconhecida sua importncia decisiva.2 No posso deter-me nisso aqui. Penso, por exemplo e ao azar, em Fernando H. Cardoso e Enzo Faleto e sua Teoria da Dependncia, em Francisco de Oliveira e sua crtica razo dualista, ou em Andr Gunder Frank e sua teoria da acumulao dependente.3 Refiro-me percepo de Tocqueville sobre a histria como a marcha inexorvel da igualdade.4 Para uma anlise detalhada do debate em torno da flexibilizao do mercado de trabalho no Brasil, ver Cardoso (1999b: cap. 5), contrapondo-se principalmente a Camargo (1996) e Amadeo e Camargo (1996).5 Barros e Mendona (1997), Barros, Cruz, Foguel e Mendona (1997) pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econmica Aplica, rgo do governo federal); e Montagner e Brando (1994) pela Fundao SEADE (Sistema Estadual de Anlise de Dados, rgo do governo Estado de So Paulo).6 Como vem exigindo o economista Jos Pastore (1994, 1997 e 1998), institudo em porta-voz da verso hegemnica em discusso aqui; ou como sugeriu Camargo (1996).7 A CLT , como o nome indica, uma consolidao da legislao produzida durante o governo ditatorial de Getlio Vargas relativa ao direito sindical e trabalhista. Em termos da legislao trabalhista, a CLT inspira-se sobretudo nas experincias inglesa e francesa, anteriores desregulamentao dos anos 80 e 90 respectivamente. A legislao sindical, por seu lado, tem inspirao na Carta del Lavoro de Mussolini, razo pela qual o modelo brasileiro foi denominado corporativista.8 Como o demonstra Supiot (1994: pp. 17 e ss.). Ver tambm Romita (1993).9 claro que em lugar algum um modelo to abstrato tem vigncia real. No Brasil, por exemplo, e como mostram Cardoso (1999), Arbix e Zilbovicius (1997), Castro e Comin (1998), Gitahy e Bresciani (1998), Neves (1999), dentre outros, os setores mais modernos da indstria (como o automovilstico ou o petroqumico) tm regras de uso do trabalho e mesmo de organizao sindical centralmente pactuadas entre capital e trabalho, seja no nvel de empresa, seja no nvel regional (cidade ou Estado). O mesmo ocorre na Argentina, como mostra Novick (1999), e no Mxico (Dombois e Pries, 1998; Bayn y Besunsn, 1996). A referncia a um modelo permite chamar a ateno, porm, para elementos invariantes ou mdios, isto , para o fato de que, se h excees, elas ocorrem num ambiente em que, na mdia, o modelo tem vigncia mais do que simplesmente parcial.10 Woodiwiss (1999) argumenta, convincentemente, que este modelo no se aplica aos pases da sia no Pacfico, onde as relaes de trabalho tm cunho patriarcal. E esta no , certamente, a tradio de regulao nos pases do antigo socialismo real.11 Ver Tsebelis (1990: 67 e 110).12 Ver, por exemplo, Senai (1995 e 1996).13 Souza, Santana e Deluiz (1999) denominam a nova investida de neo-TCH, ou neo-teoria do capital humano. Ver pp. 62 e ss. e, tambm Deluiz (1997).14 Ver Amadeo e Estevo (1994: 14; 50 e ss.); Granovetter (1981: 16 e ss.).15 Como por exemplo, Singer (1996) e Oliveira (1999).16 H uma cruzada no Brasil contra o Poder Judicirio, sobretudo a Justia do Trabalho, alvo de iniciativas reformadoras por parte do Executivo e do Legislativo. No momento (outubro de 1999) o Congresso ultima as atividades de uma Comisso Parlamentar de Inqurito instalada h quatro meses, que desvelou esquemas de corrupo em vrias de suas instncias, relacionados com venda de sentenas, desvio de verbas de obras pblicas, nepotismo e peculato, dentre outros crimes. Esta CPI, conquanto restrita a casos isolados, parece ter contaminado fortemente a imagem do Poder Judicirio como um todo, principalmente seu ramo trabalhista.17 Devo muito do recorte analtico ds pargrafos seguintes a Jeammaud (1998).18 Como o direito de ser representados por sindicatos oficiais, de acesso a renda mnima, de frias remuneradas, de estabilidade no emprego aps certo tempo de permanncia nas empresas etc.19 Castel (1998) institui o direito do trabalho no fulcro do que ele denomina sociedade salarial, por exemplo, com o que aquele direito ganha estatuto de elemento definicional das sociedades contemporneas.20 Como sustentam, por exemplo, Hyman (1994); Lane (1994); Dombois e Pries (1998b); Katz e Darbishire (1998); dentre tantos outros.