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1 SISTEMAS DE GENES EM SÉRIE GRANT, V. The architeture of the germplasm. New York: John Wiley & Sons, cap. 4. 1964 (tradução). Um fenótipo é um estágio avançado, frequentemente um ponto final em uma sequência metabólica com passos individuais que podem ser governados por diferentes locos. O aminoácido arginina em Neurospora, por exemplo, precisa de sete paços dos quais cada um é controlado por um loco diferente. Beadle e outros sugeriram que a relação entre locos separados e os sucessivos passos em uma cadeia de reações bioquímicas podem seguir o seguinte esquema: loco A loco B loco C enzima a enzima b enzima c passo a passo b passo c Substrato produto A produto B produto C É evidente que a formação de um produto final (produto C no caso acima) depende de vários locos (locos A, B e C) trabalhando nos diferentes passos da sequência. Por conveniência nos referiremos aos vários locos controlando diferentes passos em uma sequência metabólica como um sistema de locos em série. Se algum loco da série for representado por um alelo mutante que não propriamente ativa um passo essencial, o produto C não será formado e o indivíduo será um tipo mutante deficiente em C. Entretanto existem diferentes mutantes deficientes em C que fenotipicamente serão os mesmos mas, após uma análise genética mais detalhada, serão considerados não alélicos. A interação entre locos separados em uma série desse tipo, pode tomar várias formas que agora serão considerados. Fatores complementares No esquema apresentado acima C é o produto final de uma sequência que requer a ação sucessiva de três locos, A, B e C. Vamos assumir que um organismo é diplóide e homozigotos para os alelos dominantes A, B e C, destes locos, que juntos determinam o fenótipo normal. O genótipo é normalmente AABBCC, e o fenótipo exibe normalmente o produto C. Em seguida vamos assumir que existem dois tipos mutantes, um alelo mutante para o loco A e outro para o loco B, apresentando as constituições aaBBCC e AAbbCC. Ambos são mutantes que não apresentam o produto C. O cruzamento desses dois indivíduos, entretanto, levará à formação de indivíduos normais, pois o primeiro mutante produz gametas aBC e o segundo produz gametas AbC, de maneira que os zigotos formados serão AaBbCC, havendo uma complementação e produzindo o fenótipo normal. Se os locos A e B estão em cromossomos separados eles segregarão independentemente para formar quatro tipos de gametas: AB, ab, Ab e aB. A união ao acaso desses gametas produzirá indivíduos normais e mutantes deficientes em C na razão de 9:7 na próxima geração. Desde que dois locos complementam um ao outro na produção de um dado fenótipo, a interação gênica é apropriadamente chamada de herança de fator complementar. O caso clássico, trabalhado por Batenson, Saunders e Punnett em 1906, envolveu cor de flores em ervilha doce (Lathyrus odoratus). Duas ervilhas de flores brancas produziram F 1 de flores azuis que segregaram indivíduos com flores azuis e brancas na proporção de 9:7 na geração F 2 . Desde então numerosos outros exemplos foram descritos tanto em plantas como animais, sendo a interação de complementação considerada um fenômeno geral. Genes inibidores A ausência do produto C pode ser normal para um certo organismo. O fenótipo normal (no caso deficiência em C) seria produzido por um genótipo contendo, além dos locos para produção de C, também um loco inibindo a formação de C. O loco inibidor operaria pelo simples bloqueio de um dos estágios precursores na sequência metabólica que produz C. Então no genótipo AabbCC, no mesmo modelo considerado inicialmente, o alelo b inibe a formação do produto C e pode ser considerado como um inibidor do loco C. O mesmo loco B pode ser um fator complementar em uma forma alélica (B) e um inibidor em outra (b). Complementação e supressão representam, nesses casos, aspectos positivos e negativos da mesma forma básica de interação gênica. Em uma espécie o alelo normal de um loco pode ter uma ação complementar e pode propriamente ser chamado de um loco complementar. Ou o alelo normal pode ter uma ação inibidora, caso em que o loco será identificado, para efeitos práticos, como um loco inibidor.

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SISTEMAS DE GENES EM SÉRIE

GRANT, V. The architeture of the germplasm. New York: John Wiley & Sons, cap. 4. 1964 (tradução).

Um fenótipo é um estágio avançado, frequentemente um ponto final em uma sequência metabólica com passos individuais que podem ser governados por diferentes locos. O aminoácido arginina em Neurospora, por exemplo, precisa de sete paços dos quais cada um é controlado por um loco diferente. Beadle e outros sugeriram que a relação entre locos separados e os sucessivos passos em uma cadeia de reações bioquímicas podem seguir o seguinte esquema: loco A loco B loco C

enzima a enzima b enzima c passo a passo b passo c

Substrato produto A produto B produto C É evidente que a formação de um produto final (produto C no caso acima) depende de vários locos (locos A, B

e C) trabalhando nos diferentes passos da sequência. Por conveniência nos referiremos aos vários locos controlando diferentes passos em uma sequência metabólica como um sistema de locos em série.

Se algum loco da série for representado por um alelo mutante que não propriamente ativa um passo essencial, o produto C não será formado e o indivíduo será um tipo mutante deficiente em C. Entretanto existem diferentes mutantes deficientes em C que fenotipicamente serão os mesmos mas, após uma análise genética mais detalhada, serão considerados não alélicos. A interação entre locos separados em uma série desse tipo, pode tomar várias formas que agora serão considerados.

Fatores complementares

No esquema apresentado acima C é o produto final de uma sequência que requer a ação sucessiva de três locos,

A, B e C. Vamos assumir que um organismo é diplóide e homozigotos para os alelos dominantes A, B e C, destes locos, que juntos determinam o fenótipo normal. O genótipo é normalmente AABBCC, e o fenótipo exibe normalmente o produto C. Em seguida vamos assumir que existem dois tipos mutantes, um alelo mutante para o loco A e outro para o loco B, apresentando as constituições aaBBCC e AAbbCC. Ambos são mutantes que não apresentam o produto C. O cruzamento desses dois indivíduos, entretanto, levará à formação de indivíduos normais, pois o primeiro mutante produz gametas aBC e o segundo produz gametas AbC, de maneira que os zigotos formados serão AaBbCC, havendo uma complementação e produzindo o fenótipo normal. Se os locos A e B estão em cromossomos separados eles segregarão independentemente para formar quatro tipos de gametas: AB, ab, Ab e aB. A união ao acaso desses gametas produzirá indivíduos normais e mutantes deficientes em C na razão de 9:7 na próxima geração.

Desde que dois locos complementam um ao outro na produção de um dado fenótipo, a interação gênica é apropriadamente chamada de herança de fator complementar. O caso clássico, trabalhado por Batenson, Saunders e Punnett em 1906, envolveu cor de flores em ervilha doce (Lathyrus odoratus). Duas ervilhas de flores brancas produziram F1 de flores azuis que segregaram indivíduos com flores azuis e brancas na proporção de 9:7 na geração F2. Desde então numerosos outros exemplos foram descritos tanto em plantas como animais, sendo a interação de complementação considerada um fenômeno geral.

Genes inibidores

A ausência do produto C pode ser normal para um certo organismo. O fenótipo normal (no caso deficiência em

C) seria produzido por um genótipo contendo, além dos locos para produção de C, também um loco inibindo a formação de C. O loco inibidor operaria pelo simples bloqueio de um dos estágios precursores na sequência metabólica que produz C. Então no genótipo AabbCC, no mesmo modelo considerado inicialmente, o alelo b inibe a formação do produto C e pode ser considerado como um inibidor do loco C.

O mesmo loco B pode ser um fator complementar em uma forma alélica (B) e um inibidor em outra (b). Complementação e supressão representam, nesses casos, aspectos positivos e negativos da mesma forma básica de interação gênica. Em uma espécie o alelo normal de um loco pode ter uma ação complementar e pode propriamente ser chamado de um loco complementar. Ou o alelo normal pode ter uma ação inibidora, caso em que o loco será identificado, para efeitos práticos, como um loco inibidor.

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O amor perfeito selvagem (Viola tricolor) normalmente possui uma mancha escura ou guia de néctar nas flores, mas ocorrem formas sem mancha. Cruzamentos entre formas manchadas e não manchadas de V. tricolor dão segregações indicando que a formação das manchas requer a presença de um gene positivo para mancha (S) e um gene complementar (K) necessário para a expressão de S. Uma espécie aparentada de amor perfeito (Viola arvensis), usualmente não apresenta manchas, mas plantas com mancha são ocasionalmente encontradas. Um estudo da progênie do cruzamento manchada x sem mancha de V. arvensis mostra que esta espécie possui locos para mancha e também um ou dois locos supressores (I e H) inibindo a formação de mancha. A condição sem mancha que é normal em V. arvensis é então devido à presença de mais ou menos quatro locos com efeitos antagônicos: dois trabalhando na direção da formação de mancha e dois supressores, talvez bloqueando o mesmo estágio precursor. Essas espécies portanto diferem fenotipicamente na presença de mancha na primeira e ausência na segunda. Essas diferenças fenotípicas não resultam de uma simples presença ou ausência de locos formadores de manchas nas duas espécies. Cada espécie é vista com possuindo locos positivos para mancha, combinados com locos complementares (em V. tricolor) ou loco inibidor (em V. arvensis). As características diferentes entre as duas espécies são devidas aos diferentes balanços entre os fatores positivos e negativos.

Sistemas de locos com efeitos opostos têm sido descritos por muito pesquisadores em muitos organismos. Como Clausen enfatizou, esses sistemas têm sido largamente encontrados em plantas tanto para cor de flores com outras características. Clausen e Hiesey estudaram a herança de 16 caracteres multifatoriais em Potentilla glandulosa em detalhes suficientes para determinar se locos inibidores estavam presentes ou ausentes em vários sistemas gênicos. Em metade dos casos analisados foram encontrados esses locos ou, no mínimo, locos com efeitos opostos.

Epistasia

Uma forma de interação gênica descoberta no inicio da genética mendeliana foi aquela na qual um loco

mascara o efeito do outro tal que o fenótipo é determinado efetivamente pelo loco anterior e não pelo último quando eles estão juntos. Os efeitos fenotípicos são comparáveis àqueles produzidos pela combinação de um alelo dominante e um recessivo de um loco, mas o genótipo responsável por estes efeitos fenotípicos difere pois a característica dominante resulta da interação entre locos separados ao invés da interação alélica de um único loco. Esta relação de dominância e recessividade entre locos separados é conhecida como epistasia.

O termo epistasia é usado correntemente pela genética quantitativa e de populações para se referir a interações gênicas de várias espécies. Neste sentido mais geral da palavra, todos os tópicos considerados neste capítulo, e alguns daqueles a serem discutidos no próximo capítulo, seriam descritos como interações epistáticas. A mesma terminologia foi introduzida por Bateson em 1907 e usada pelos primeiros estudiosos da genética mendeliana em um sentido mais restrito para um tipo especial de interação gênica, como definido acima. É neste sentido especial que usaremos o termo epistasia aqui.

Procurando por uma explicação da epistasia em termos de ação e interação gênica, podemos considerar uma modificação na sequência metabólica mostrada no início. Essa sequência não é necessariamente linear, mas pode ser ramificada. Vamos supor que o passo b da sequência pode ser desviado para a formação de um produto que vamos chamar de beta (β). O loco B, controlando o passo b desempenha então um papel crítico para os diferentes alelos de B, podendo (1) preparar um produto intermediário para a ação do loco C, (2) simplesmente bloquear a ação de C ou (3) desviar o caminho metabólico para uma nova direção, para formação de β. No primeiro caso o loco B é complementar ao C; no segundo caso é um inibidor de C; e no terceiro caso é epistático em relação a C.

No caso de epistasia, portanto, um alelo β no loco B, no genótipo AAββCC não apenas inibe a ação do loco C mas também tem uma ação separada e divergente dele próprio. O fenótipo resultante da ação deste genótipo, consequentemente , é a falha na produção do produto C e, em consequência, possui o produto alternativo β. Em outras palavras, o genótipo BBCC produz C, enquanto o genótipo ββCC produz β ao invés de C.

Nilsson-Ehle cruzou cevada de espigas pretas com cevada de espiga amarela. As gerações F2 e F3 segregaram em razões consistentes com a idéia de que os tipos parentais diferiam em dois locos independentes, S e Y, os quais determinam a formação de pigmentos preto e amarelo, respectivamente. Se o loco S for representado pelo seu alelo recessivo (s) nos genótipos ssYY, ssYy e ssyy, as espigas são amarelas. Mas se for representado pelo seu alelo dominante (S), em qualquer combinação com o alelo Y, as espigas são pretas. Os genótipos SSYY e SSYy possuem um alelo para a produção de pigmento amarelo, mas esta potencialidade não se realiza por causa do efeito mascarador do alelo epistático S, que determina espigas pretas.

Pode ser suposto que os pigmentos amarelo e preto são desenvolvidos por uma síntese divergente de um precursor comum e que o loco S controla um estágio no ponto de divergência ou antes do mesmo. Os alelos s e S controlam são então capazes de interromper o caminho para síntese de pigmento amarelo ou preto, respectivamente.

Uma versão bem simplificada para determinação da cor das espigas em cevada é apresentada aqui propositalmente para ilustrar as características da epistasia. Clausen e Hiesey mostraram que os dados de Nilsson-Ehle, combinados para todos os cruzamentos de cevada, são melhor explicados como sendo uma série de no mínimo quatro locos epistáticos, na qual S é primeiro epistático e Y último hipostático. O loco S, para espigas pretas, predomina sobre o segundo loco (Gr) para espigas cinzas, que predomina sobre um terceiro loco (W) para espigas brancas até que o loco hipostático Y, para espigas amarelas é alcançado. O sistema mais complexo seria aceito para explicar como a sequência metabólica para cor das espigas é igualmente complexo. As rotas alternativas para formação de pigmento não são

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apenas duas, preto versus amarelo, como sugerido no parágrafo anterior, mas várias e provavelmente seguem uma série de ramificações.

Em V. tricolor vários locos se combinam para produzir a cor preta nas flores. A cor normal das flores maduras é violeta. A conversão do pigmento preto em violeta é realizada por uma série epistática de cinco locos, onde os alelos dominantes predominam um sobre o outro da seguinte maneira: M1→M2→M3→M4→M5. Plantas homozigotas recessivas para todos os cinco locos (m1m1m2m2...) têm flores pretas. Plantas homozigotas recessivas para os quatro primeiros locos, mas carregando um ou dois alelos dominantes no loco hipostático (m1m1m2m2...M5_) têm flores com um veludo preto. Sucessivamente tonalidades mais claras de violeta são produzidas pelos alelos M4, M3 e M2, respectivamente; deste modo o genótipo m1m1m2m2m3m3M4_... promove a presença de veludo com cor escura carregada, enquanto o genótipo m1m1M2_.... produz flores com veludos claros. O alelo epistático M1 quando presente em um genótipo, com alelos recessivos ou dominantes para os outros locos M (M1_......), produz uma cor violeta normal.

Esta série de locos epistáticos implica a existência de uma série de passos sucessivos na conversão do pigmento preto em violeta, com diferentes locos controlando diferentes passos. A via biossintética provavelmente consiste de uma sucessão de ramificações levando em direção ao preto em outra à presença de veludo ou violeta. Os diferentes alelos M1.....M5 poderiam ligar a reação bioquímica em uma ou outra rota alternativa a cada ramificação sucessiva.

Epistasia, como fatores complementares e inibidores, é comum e disseminado, com numerosos exemplos sendo encontrados tanto em plantas com animais.

SISTEMAS DE LOCOS MÚLTIPLOS

GRANT, V. The architeture of the germplasm. New York: John Wiley & Sons, cap. 5. 1964 (tradução).

O desenvolvimento de muitos caracteres dos organismos provavelmente requer a presença de vários ou muitos locos gênicos elaborando o mesmo ou similar substância de crescimento ou reguladores de crescimento e, portanto, cooperando para produzir um grande efeito quantitativo. Tais caracteres como tamanho e proporção de órgãos ou do corpo como um todo, a taxa de crescimento e tempo de maturação, a densidade de pigmentação ou de pelos, provavelmente são herdados como se eles fossem controlados por vários ou muitos locos com efeitos cumulativos.

Caracteres quantitativos controlados por fatores múltiplos Nós conhecemos que uma dose do alelo Y em milho produz 2,25 unidades de vitamina A por grama de endosperma e que duas doses deste alelo produz 5,0 unidades de vitamina por grama. Ser for vantajoso para uma planta de milho ter grãos com grande quantidade de vitamina A, este resultado seria atingido mais facilmente pela multiplicação do número de alelos Y até a concentração desejada. Por exemplo, o efeito quantitativo de 15 ou 20 unidades por grama seria produzido pela ação cumulativa de 6 ou 8 alelos respectivamente, se o suprimento da substância precursora não limitar. É sabido que aquelas células e tecidos que desempenham funções secretoras ou nutritivas que consequentemente precisam produzir alguma substância de crescimento em grandes quantidades - como as glândulas salivares em Drsophila, glândulas de seda em mariposas, células intestinais e do fígado em mamíferos, células do “tapetum” nos estames das flores de plantas, endosperma em sementes de plantas, etc...- frequentemente possuem vários ou muitos grupos cromossômicos (poliploidia) ou fios cromossômicos (politenia). Células do “tapetum” em plantas frequentemente possuem duas ou quatro vezes mais grupos cromossômicos que os tecidos normais do mesmo corpo. Calcula-se que os cromossomos gigantes da glândula salivar de Drosophila são compostos de mais ou menos 1000 fios paralelos. O significado do maior número de grupos cromossômicos ou fios cromossômicos nas células desses tecidos pode consistir na multiplicação de locos gênicos. Pela multiplicação de locos gênicos ativos através da poliploidia ou politenia, o tecido pode ser hábil em desenvolver uma extraordinária atividade metabólica. A maioria dos tecidos no corpo de um organismo diplóide são, é claro, diplóides. Não há razão para supor que os tecidos diplóides normais de um organismo estejam isentos do problema da produção de várias substâncias de crescimento em quantidade, que é tão aparente no caso de tecidos glandulares e nutritivos. Ao contrário, o último revela, de uma impressionante, um tipo de atividade celular que leva a efeitos quantitativos que se generalizam para todo o corpo. As células diplóides não podem, por definição, aumentar o número de locos gênicos trabalhando, pela adição de cromossomos extras, mas podem conseguir o mesmo resultado tendo múltiplos locos permanentemente construídos na constituição cromossômica normal. A formação de 12 unidades de vitamina por grama em uma planta, por um loco Z que produz duas unidades por grama por alelo z, poderia ser conseguido pela multiplicação do cromossomo que carrega o loco Z para um nível hexaplóide ou pela disseminação do loco Z em três locais do grupo haplóide de cromossomos de uma célula diplóide. Em ambos os casos a célula em uma planta homozigota para z conteria 6 alelos z

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e produziria a quantidade de vitamina requerida. Uma série de dois ou mais locos separados tendo efeitos similares sobre o mesmo caráter, usualmente um caráter quantitativo, é referido como fatores múltiplos. No período de 1909 a 1916 foi demonstrado que alguns dos diferentes caracteres em plantas são de fato controlados por fatores múltiplos. A existência de fatores múltiplos foi confirmada mais tarde para muitos caracteres em muitos organismos. Nilson-Ehle mostrou em 1909-1911, observando a segregação obtida na progênie de híbridos entre trigo com grãos vermelhos e trigo com grãos brancos, que a cor do grão é controlada por três locos independentes com efeitos similares, R1, R2 e R3. Clausen e Hiesey, reanalizando os dados de Nilson-Ehle, concluíram mais recentemente que uma série de quatro e não três locos R está provavelmente envolvida na herança da cor dos grãos em trigo. Em 1910 e 1913 East e seus colaboradores estudaram a herança do tamanho da espiga e vários outros caracteres em milho. Uma variedade de milho pipoca tem espigas curtas (6 ou 7 cm) enquanto uma variedade de milho doce apresenta as espigas longas (14-19 cm).Os híbridos F1 em tem espigas intermediárias com 10-13 cm. As espigas da progênie F2 variam continuamente de curtas (7 cm) a longas (21 cm), sendo que a maioria são intermediárias (10-14 cm). A variação e distribuição de F2 indicam as diferenças no comprimento da espiga entre os parentais são devidas a diferenças alélicas em locos múltiplos. A teoria da herança dos fatores múltiplos foi aplicada em humanos no mesmo período (1910 e 1913) por Davenport, que mostrou que a diferença na cor da pele entre negros e caucasianos é devido, em grande parte, a dois locos com efeitos equivalentes cumulativos. Em 1914 Shull relatou herança de fatores múltiplos em bolsa de pastor (Capsella bursa-pastoris) da família da mostarda (Cruciferae). Um tipo parental com capsulas triangulares e outro com capsulas ovais produziram híbridos F1 com capsulas triangulares. A geração F2 segregou em uma razão próxima de 15 triangulares para uma oval. Alguns F2 com capsula triangular não apresentaram segregação em F3 e F4; outros segregaram. Alguns dos segregantes F3 e F4 mostraram proporção 3:1 e outros 15:1 para forma da capsula. Estes resultados são explicados pela hipótese de que as diferenças na forma da capsula são devidas a dois locos independentes com efeitos similares (isto é, por fatores duplicados), que são representados, no parental de fruto triangular, por alelos dominantes e, no parental de frutos ovais, por alelos recessivos. Dois anos mais tarde East (1916) mostrou que a diferença no tamanho da flor em Nicotiana longiflora, entre um tipo com corola longa e outro de corola curta, é controlada por uma série de locos múltiplos predominantemente com efeitos similares e cumulativos. Este experimento clássico de East foi conclusivo para a hipótese dos fatores múltiplos.

Tipos de sistemas de múltiplos locos Nós podemos indagar que tipos de ação estão ocorrendo nos vários membros de um sistema de locos múltiplos. Tentaremos resolver este problema dedutivamente, perguntando como um dado efeito quantitativo pode ser produzido pela ação conjunta de múltiplos locos. Podemos resolver isso com uma série de modelos hipotéticos. Então, procurando exemplos atuais, podemos ver se os casos hipotéticos têm alguma relação com a realidade ou não. Vamos elaborar sobre o caso hipotético, mencionado inicialmente, dos locos múltiplos (Z1, Z2, Z3) responsáveis pela formação de uma vitamina em uma planta. Os alelos z1, z2 e z3 desses locos produzem duas unidades de vitamina por grama cada um. Se os efeitos das ações dos alelos separados são aditivos e iguais, a célula de um diplóide homozigoto, contendo 6 alelos, sintetizando duas unidades cada um, produzirá vitamina na concentração de 12 unidades por grama. Esse sistema de locos múltiplos com efeitos iguais e aditivos é conhecido tecnicamente como um sistema polimérico. Suponhamos agora que a concentração de vitamina mais vantajosa para a planta é 17 unidades por grama. Esta concentração de vitamina representa uma situação adaptativa para a planta e uma meta adaptativa em direção da qual a linhagem da planta pode ir. O sistema de locos múltiplos da planta ancestral, produzindo 12 unidades, precisa ser mudado para seus descendentes alcançarem a meta adaptativa. Que espécie de mudança genética poderá levar a um fenótipo novo e melhor adaptado? 1 – Mutações poderão ocorrer em cada loco Z, alterando a forma alélica, que produz duas unidades de vitamina, para novos alelos mutantes capazes de sintetizar três unidades por grama. A célula diplóide homozigota para os alelos mutantes produziriam então 18 unidades de vitamina por grama. 2 – a planta poderia mudar do sistema de múltiplos fatores, com três locos Z, para um composto de quatro locos. Um loco adicional seria inserido em algum ponto dos cromossomos, pela duplicação de um dos três segmentos contendo um dos três locos Z originais. Sem nenhuma mutação nos alelos, há agora 8 alelos z em uma célula diplóide, sintetizando 16 unidades por grama. Entretanto a condição mais vantajosa e adaptativa para a planta, por suposição, é 17 unidades, não 18 (como na solução 1) ou 16 (como na solução 2). Organismos vivos, entretanto, se ajustam às circunstâncias e à adaptações imperfeitas. Afinal 16 ou 18 unidades estão mais próximos da meta adaptativa da planta do que o ancestral com12 unidades. Além disso, a condição ótima para alguns caracteres quantitativos parece Ter limites relativamente amplos, embora a faixa ótima seja muito mais estreita em outros casos. Se a concentração de vitamina na planta tem uma larga faixa ótima, as soluções 1 ou 2 representarão alternativas satisfatórias e geneticamente possíveis de levar a um fenótipo bem adaptado. Mas se, por alguma razão fisiológica, a concentração de vitamina precisar se ajustar dentro de limites estreitos, algum outro caminho terá que ser encontrado.

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3 – Mutações ocorreriam em cada loco Z, no alelo padrão z, para um novo alelo mutante sintetizando precisamente 2,83 unidades por grama cada um. O homozigoto triplo mutante sintetizaria então sempre exatamente 17 unidades por grama. Alelos mutantes com a precisão de ação desejada podem ou não serem funcionalmente possíveis ou podem ou não aparecer durante a história evolutiva da população da planta. A ocorrência de três eventos mutacionais independentes, levando a um novo nível de atividade imediatamente precisa e equivalente, em três diferentes locos, é uma situação improvável. Um genótipo sintetizando 17 unidades (solução 3) é concebível mas improvável, porque uma outra maneira geneticamente mais simples existe para a planta poder encontrar o mesmo resultado. 4 – Um ou dois dos três locos Z podem mutar para novos alelos com maior atividade na síntese de vitamina. Desde que as mudanças nos diferentes locos Z sejam eventos independentes, é provável que as forças de ação de alelos mutantes separados serão diferentes. Uma combinação de três genes com forças diferentes poderá portanto formar um fenótipo bem adaptado, contendo 17 unidades de vitamina por grama. Por exemplo, se os alelos mutantes do loco Z1 produzirem 4,5 unidades cada um (ao invés de duas) e os locos Z2 e Z3 permanecessem inalterados, o novo genótipo homozigoto sintetizará 9 + 4 + 4 = 17 unidades por grama. Ou se o loco Z1 mutar para um alelo com uma força de ação igual a quatro unidades e se o Z2 mutar para um novo alelo com uma força de 2,5 unidades, e se o loco Z3 não mudar, a nova combinação homozigótica produzirá também 17 unidades, através de um caminho alternativo (8 + 5 + 4). O resultado neste caso é um sistema composto de locos múltiplos com efeitos aditivos mas desiguais. As chances das plantas adquirirem, por mutação, três locos aditivos desiguais, cujos efeitos somados resultem em 17 unidades, são maiores do que as chances de obter três mutações com efeitos precisos e iguais, totalizando 17 unidades. A solução 4 é mais provável geneticamente do que a solução 3. Todavia existe uma forte possibilidade de que alelos mutantes com efeito cumulativo totalizando exatamente 17 unidades não apareça. Suponhamos que apenas as mutações disponíveis para a planta sejam as novas formas alélicas do loco Z1, com um poder de síntese de quatro unidades, e alelos mutantes do loco Z2 com poder de síntese de 3,5 unidades, permanecendo inalterado o loco Z3. O efeito cumulativo dos alelos mutantes de Z1 e Z2 e o alelos padrões de Z3 na condição homozigótica é, portanto, não as 17 unidades requeridas para a adaptação, mas 19. 5 – Sob estas condições, um ajustamento fino do fenótipo levaria à incorporação, dentro do sistema de fatores múltiplos, de um contrapeso na forma de um loco trabalhando em direção oposta a Z1, Z2 e Z3. Se a força dos pares de alelos dos locos Z é respectivamente +8, +7 e +4, e se a força de um par de alelo de um loco antagônico (I) introduzido no sistema é –2, a combinação dos locos Z e I produzirá o fenótipo de 17 unidades por grama. Combinações gênicas dessa natureza são referidas na literatura como sistemas oposicionais, ou sistemas de modificadores para mais e menos, dependendo do balanço particular das forças envolvidas, e o loco com efeito antagônico é chamado de inibidor ou supressor (normalmente designado I ou S). Para as nossas propostas o ponto essencial é que um caráter quantitativo prescrito pode ser produzido não apenas por locos múltiplos com efeitos aditivos, mas também por locos múltiplos com efeitos antagônicos ou subtrativos. Nós reconhecemos, deste modo, que a mutação dos locos Z na direção de aumentar a síntese da vitamina é raro. E se os locos permanecerem estáveis? Ou, e se as mutações que ocorrerem forem funcionalmente inúteis para a planta em qualquer combinação gênica possível? Outro caminho levando do fenótipo ancestral com 12 unidades para um novo e mais adaptado fenótipo com 17 unidades pode ser seguido sob essas condições. 6. A produção total de vitamina dos locos Z originais, que agora serão assumidos permanecer estáveis, seria suplementada pela adição de locos com efeitos individuais diminutos, mas presentes em grande número no genoma. Com 25 locos desse tipo, cada um produzindo 0,1 unidades por alelo ou 0,2 unidades por para de alelos, com efeitos aditivos, produziriam conjuntamente as 5 unidades necessárias para suprir a diferença da condição ancestral de 12 unidades para a meta adaptativa de 17 unidades. Um conjunto de fatores múltiplos desse tipo, consistindo de um ou mais locos com grandes efeitos e numerosos locos com pequenos efeitos, com estes últimos agindo principalmente, mas não necessariamente, na mesma direção, é geralmente referido como um sistema de genes maiores e modificadores ou, em certos casos como um sistema poligênico, e os fatores com pequenos efeitos são genes modificadores ou poligenes. Uma importante lição para nós aqui é que um sistema de locos com vários efeitos desiguais representa um dos possíveis caminhos para um ajustamento fino do fenótipo. Vários poligenes podem ser incorporados no sistema gênico até o número necessário para um fenótipo ser produzido com o nível quantitativo preciso requerido para adaptação. O grau de desigualdade entre os genes maiores e os modificadores pode, é claro, variar largamente. As forças relativas de ação de vários locos múltiplos foram assumidas estar na proporção aproximada de 2:1 no caso 4 acima e na proporção 20:1 no caso 6. Esta atividade proporcional dos genes maiores e menores poderá Ter valores intermediários. Em resumo, as ações relativas dos locos em um sistema de fatores múltiplos e envolvido na expressão de um caráter quantitativo, pode tomar várias formas possíveis. Os efeitos dos diferentes locos múltiplos em cada sistema pode ser: 1 - Aditivo e igual (polimeria); 2 - Aditivo e moderadamente desigual (anisomeria); 3 - Subtrativo e desigual (sistemas oposicionais); 4 - Predominantemente aditivo e extremamente desigual (sistema de genes maiores e modificadores; sistemas poligênicos).

Locos múltiplos com efeitos cumulativos: modelos hipotéticos Uma análise do controle multifatorial de um caráter pode ser feita com experimentos de hibridização com indivíduos que diferem quantitativamente para esse caráter. O híbrido F1 normalmente será intermediário entre os tipos

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parentais com respeito ao caráter em questão. A progênie F2 segregará de uma forma contínua ou aproximadamente contínua, variando do fenótipo encontrado em um parental até o fenótipo do outro parental. A distribuição de frequência dos vários tipos F2 forma uma curva em forma de sino com um pico de maior frequência na faixa intermediária. Esta curva pode ser simétrica ou inclinada. Algumas das propriedades de um sistema de locos múltiplos, tais como o número aproximado de locos independentes envolvidos, suas forças de ação relativa e a presença ou ausência de dominância, podem ser inferidas da distribuição dos fenótipos nas gerações F1, e F2, e as inferências podem ser verificadas pelos dados obtidos nas gerações F3 e seguintes. Portanto para estudar o problema vamos considerar uma série de modelos hipotéticos nos quais os fatores estranhos vão variar um de cada vez. Tais modelos têm vantagens e desvantagens. Sendo super simplificados eles não podem ser aplicados diretamente e sem qualificações para casos reais, que são invariavelmente complexos. Por outro lado, apesar da sua simplicidade não realística ou talvez por causa dela, eles são úteis para mostrar os diferentes tipos de sistemas de locos múltiplos. O número de locos múltiplos independentes (não ligados) para os quais um híbrido está segregando, pode ser inferido da frequência com que os tipos parentais são recuperados na geração F2. Um tipo parental é recuperado nas seguintes proporções em uma geração F2 segregando para g fatores múltiplos: g = 2 → 1/16; g = 3 → 1/64; g = 4 → 1/256; g = 5 → 1/1024; g = n → (1/4)n. O numerador das frações acima podem representar qualquer dos parentais se os locos múltiplos forem verdadeiramente poliméricos com efeitos iguais e aditivos e sem dominância. Em sistemas mais complexos, complicados pela existência de dominância ou antagonismo entre locos, o numerador pode representar o tipo recessivo de valor fenotípico mais baixo. Se os locos múltiplos surgirem no mesmo cromossomo, consequentemente estarão ligados e as proporções serão parecidas coma segregação de poucos locos, como foi verificado nos primeiros estudos de herança multifatorial. A segregação de um caráter quantitativo na progênie de um híbrido não expõe necessariamente, para análise, todos os locos múltiplos envolvidos na expressão daquele caráter. A segregação revela apenas aqueles locos que estão representados por diferentes alelos nos dois parentais. As progênies híbridas (F1’s) derivadas de um cruzamento entre duas plantas ou animais diferindo na estatura ou taxa de crescimento, não segregam para esses caracteres por si só; elas segregam para diferenças quantitativas para aqueles caracteres entre os parentais e para as diferenças alélicas responsáveis pelas diferenças no caráter. O número de locos segregantes é provavelmente bem menor na maioria dos casos do que o número total de locos múltiplos envolvidos na expressão de determinado caráter, pois os parentais podem ser geneticamente iguais e o híbrido F1 ser homozigoto para alguns dos locos pertencentes ao sistema de fatores múltiplos. Então os experimentos de hibridização nos dão apenas uma noção, não um quadro completo, dos sistemas gênicos controlando os vários caracteres. Mas embora incompleto é isso, e apenas isso que nós temos. Vamos tomar em seguida um número constante de locos múltiplos com ações cumulativas, digamos três, e consideremos os efeitos das diferentes forças relativas de ação nos três locos e diferentes graus de dominância, sobre a variação fenotípica em F1 e F2. Assumiremos que duas plantas diferem em algum caráter quantitativo controlado pelos três locos independentes (A, B e C) com efeitos aditivos. O caráter no qual os tipos parentais diferem poderia ser a quantidade de vitamina, a altura ou peso do corpo, o número de dias ou semanas requeridos para o desenvolvimento até a maturação, etc. Qualquer que seja o caráter, um dos parentais (P1) terá valor 18 e o outro (P2) terá valor 16. As diferenças alélicas nos três locos, responsáveis pela diferença fenotípica, podem ser expressadas pelos genótipos de P1 como AABBCC e de P2 como aabbcc. Além disso assumiremos, para promover a discussão seguinte, que os vários alelos produzem efeitos fenotípicos completos um ambiente padrão no qual os tipos parentais e a progênie híbrida estão cultivadas. Mais especificamente, a herdabilidade do caráter sob segregação, que é a proporção da variação observada neste caráter que é devido à genética (sem a ambiental), é assumida ser 100% (não ocorrem efeitos ambientais). Esta consideração não é realística, pois as herdabilidades de caracteres quantitativos são invariavelmente reduzidas e frequentemente baixas. Não podemos discutir aqui os efeitos complicadores que reduzem a herdabilidade. Como os modelos são teóricos, o efeito do ambiente pode ser retirado. As distribuições teóricas apresentadas na discussão seguinte pode ser tomada como referência para caracteres possuindo herdabilidade completa (100%) ou, mais realisticamente, para o componente genotípico da variação observada nos caracteres com valores reduzidos de herdabilidade. Vamos agora examinar o esquema de variação esperado nas gerações F1 e F2 segregando para três locos independentes com efeitos iguais e aditivos, sob várias condições de dominância. 1 – Se os efeitos dos locos A, B e C são iguais e aditivos e, além disso, nenhuma dominância está presente entre os alelos homólogos (A e a, etc.), o cruzamento de P1 (fenótipo 18 unidades) com P2 (fenótipo 6 unidades) produz um híbrido F1 com fenótipo 12 unidades, o qual é exatamente intermediário entre os parentais. Os genótipos dos parentais e F1 e o valores fenotípicos determinados por esses genótipos são:

P1 AABBCC – 6 + 6 + 6 = 18 P2 aa bb cc – 2 + 2 + 2 = 6

F1 Aa Bb Cc – 4 + 4 + 4 = 12. A distribuição de frequência dos tipos F2 formarão então uma curva em forma de sino simétrica com extremos em 18 e 6 e um pico de frequência em 12, como mostrado na Figura 1a. 2 – Se ocorrer dominância no loco A mas não em B e C, tal que Aa tenha o mesmo valor de AA, mas Bb seja intermediário entre BB e bb e Cc seja similarmente intermediário entre CC e cc, e se os efeitos de todos os três locos

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forem iguais e aditivos, os genótipos e valores fenotípicos correspondentes dos parentais e híbrido serão os seguintes: P1 AABBCC – 6 + 6 + 6 = 18 P2 aa bb cc – 2 + 2 + 2 = 6

F1 Aa Bb Cc – 6 + 4 + 4 = 14. O híbrido F1, embora intermediário, não é exatamente assim, mas inclinado na direção do parental que possui um par de alelos dominantes (Fig. 1b). A geração F2 também forma uma curva de frequência que também é inclinada na direção de P1 (Fig.1b). 3 – Se dois locos, A e B, exibirem dominância de A sobre a e B sobre b, enquanto o loco C não apresenta dominância, com as condições de igualdade de efeitos permanecendo as mesmas, F1 e a distribuição dos fenótipos de F2 serão mais fortemente ainda inclinados na direção do parental dominante (Fig. 1c). 4 – Se, finalmente, a dominância estiver presente nos três locos com os efeitos iguais e aditivos, os resultados esperados em F1 e F2 serão como indicado na Fig. 1d.

Figura 1 - Distribuição esperada de fenótipos na progênie F2 de um híbrido segregando para três locos múltiplos não ligados, com efeitos iguais e aditivos. Os fenótipos de F1 e dos dois parentais estão indicados pelas setas. (a) Sem dominância; (b) Dominância em um loco; (c) dominância em dois locos; (d) Dominância nos três locos.

Caráter quantitativo

Freq

uênc

ia

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Consideremos agora o caso de três locos com efeitos aditivos e desiguais. Vamos assumir que o loco A tem efeitos quantitativos que são duas vezes mais fortes que o locos B e C. A presença ou ausência de dominância em um loco forte levará então aos seguintes situações: 1 – Se nenhuma dominância é manifestada na interação entre A e a ou entre os outros pares de alelos, os tipos parentais e F1 terão os seguintes fenótipos:

P1 AABBCC – 9 + 4,5 + 4,5 = 18 P2 aa bb cc – 3 + 1,5 + 1,5 = 6

F1 Aa Bb Cc – 6 + 3 + 3 = 12. A curva de frequência para a geração F2 será simétrica com um pico no valor 12, como a curva para o caso 1 com locos aditivos e iguais (compare Figs. 1a e 2a). Um maior número de classes fenotípicas está presente na geração F2 neste caso e, por isso, a variação é mais contínua. Entretanto a curva da Fig. 2a possui um pico mais baixo e é mais larga do que a Fig. 1a. 2 – Se os locos A, B e C tiverem as mesmas forças relativas de ação como acima, mas dominância apenas no loco A, então teremos:

P1 AABBCC – 9 + 4,5 + 4,5 = 18 P2 aa bb cc – 3 + 1,5 + 1,5 = 6

F1 Aa Bb Cc – 9 + 3 + 3 = 15. F1 e F2 estão agora inclinados em direção do parental dominante (Fig. 2b) 3 – Com dominância nos locos A e B, o valor para F1 será 16,5 e a distribuição dos indivíduos F2 estará ainda mais inclinada em direção de P1 (Fig. 2c). 4 – Se a dominância estiver, finalmente, presente nos três locos, a distribuição de F2 é fortemente inclinada, como visto na Fig. 2d.

Figura 2 - Distribuição esperada de fenótipos na progênie F2 de um híbrido segregando para três locos múltiplos não

ligados, com efeitos aditivos mas desiguais. Os fenótipos de F1 e dos dois parentais estão indicados pelas setas. (a) Sem dominância; (b) Dominância no loco mais forte; (c) dominância no loco mais forte e em outro mais fraco; (d) Dominância nos três locos.

Freq

uênc

ia

Caráter quantitativo

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Locos múltiplos com efeitos oposicionais Os locos envolvidos em um sistema de fatores múltiplos não necessariamente trabalham todos na mesma direção, mas alguns locos podem Ter efeitos antagônicos a outros, caso que podemos chamar de sistema oposicional. Podemos considerar um caso hipotético como ilustração. Vamos considerar que dois indivíduos (plantas ou animais) difiram em algum caráter quantitativo com os valores fenotípicos de 18 e 6, como nos modelos considerados anteriormente. Consideremos que essa diferença fenotípica seja devida a diferenças alélicas em três locos independentes, A, B e C, que os efeitos fenotípicos estão sendo completamente expressos, novamente como nos modelos anteriores. Mas agora os locos são antagônicos e desiguais, a expressão fenotípica quantitativa é devida à somatória de alguns efeitos positivos e alguns efeitos negativos. Então as duas formas parentais podem formar seus fenótipos pelos seguintes modos de ação dos locos:

P1 AABBCC – +26 - 4 - 4 = 18 P2 aa bb cc – +10 - 2 – 2 = 6

No F2 derivado do cruzamento P1xP2 aparecem tipos que são fenotipicamente mais extremos do que os dois parentais. A ocorrência de segregação transgressiva, como este fenômeno é conhecido, é devida à formação de novas combinações gênicas nas quais o balanço de forças presentes nos genótipos parentais é quebrado pela recombinação. Por exemplo, o genótipo Aabbcc que pode ser encontrado na geração F2 terá o efeito +26 –2 –2 = 22 e, consequentemente terá uma maior expressão quantitativa do caráter em questão do que parental com maior valor fenotípico. Reciprocamente, o genótipo aaBBCC, com um valor de +10 –4 –4 = 2 produzirá um fenótipo com um valor quantitativo menor do que o parental inferior. Vamos agora considerar os efeitos de dominância em um sistema de locos oposicionais desta natureza.

1. Se a dominância não estiver presente em algum loco, os fenótipos serão: P1 AABBCC – +26 –4 –4 = 18 P2 aa bb cc – +10 –1 -2 = 6

F1 Aa Bb Cc – +18 –3 –3 = 12. O F1 é então exatamente intermediário. A geração F2 terá a distribuição de fenótipos mostrada na Figura 3a.

2. Se houver dominância no loco A, a medida quantitativa do híbrido F1 será: F1 Aa Bb Cc – +26 -3 -3 = 20.

Esta é uma situação interessante na qual não apenas os tipos F2, mas também os F1’s excedem fenotipicamente os dois parentais (veja Fig. 3b).

3. Com dominância em dois locos, A e B, o híbrido F1 é novamente transgressivo, embora não tão fortemente como o anterior (veja Fig. 3c).

4. Com dominância nos três locos, a expressão fenotípica do híbrido F1 coincide com o parental com alelos dominantes. A distribuição dos fenótipos em F2 é agora mais fortemente inclinada em direção ao parental dominante do que no caso anterior. Todavia, a ocorrência de segregantes transgressivos na geração F2 revela de forma esclarecedora o tipo de interação gênica envolvida (Fig 3f). Híbridos F1 transgressivos não são raros em hibridização de plantas. Os híbridos F1 derivados de numerosos cruzamentos interrraciais e interespecíficos em Gilia foram transgressivos para 9 de 203 caracteres estudados. Essa transgressividade em um caráter que segrega em gerações avançadas, em classes fenotípicas mais ou menos distintas, é evidência de interação gênica complementar, que nós discutimos capítulo anterior. A síndrome de características com transgressividade em F1, igualmente em F2 e variação contínua em F2, para um caráter com alta herdabilidade, também é encontrada ocasionalmente e também precisa ser explicada em termos de um modelo definido. Vimos hipoteticamente que esta síndrome pode ser produzida pela segregação de um sistema de fatores múltiplos no qual os locos têm ações oposicionais, forças desiguais e dominância em locos fortes mas não em todos. Em Potentilla glandulosa as folhas variam em tamanho, sendo pequenas na raça alpina e grandes na raça costeira. A geração F2 do cruzamento interracial mostra variação contínua no tamanho da folha, com uma baixa frequência do tipo parental, indicando que locos múltiplos estão envolvidos. Segregação transgressiva é encontrada na geração F2, alguns indivíduos tendo folhas menores do que o parental alpino e muitos indivíduos possuindo folhas maiores do que o parental costeiro (veja Fig. 4). Este fato sugere a possibilidade de que locos múltiplos formem um sistema oposicional. Também vemos na Fig. 4 que o híbrido F1 ultrapassa o parental costeiro no tamanho da folha. O esquema de variação observado em F1 e F2 mostrado na Fig. 4 é similar, em suas características gerais, ao esquema hipotético mostrado na Fig. 3b. É possível que esta similaridade seja coincidência; também é possível que indique para fatores comuns em ambos os casos. A inclinação de F2 e F1 além dos limites da variação normal do parental costeiro seria explicada pela hipótese de que as duas raças de P. glandulosa diferem em locos múltiplos com efeitos antagônicos, alguns dos quais são representados por alelos dominantes na raça costeira. Um estudo de gerações avançadas seria necessário para verificar esta hipótese.

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Figura 3 – Distribuição esperada de fenótipos em F2 de um híbrido segregando para três locos múltiplos não ligados

com efeitos desiguais e oposicionais. Os fenótipos de F1 e dos parentais são indicados pelas setas. (a) Sem dominância; (b) Dominância em um loco forte; (c) Dominância em um loco forte e um loco fraco; (d) Dominância em um loco fraco; (e) Dominância em dois locos fracos; (f) Dominância nos três locos.

Freq

uênc

ia

Caráter quantitativo

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Locos ou genes modificadores A existência de locos modificadores foi demonstrado primeiro em Drsophila melanogaster por Bridges e por Sturtevant no período de 1916 a 1919. Um caso clássico estudado por Sturtevant envolve o número de cerdas por grupo, no dorso da mosca. Moscas normais têm quatro cerdas em cada grupo no dorso do tórax. Entretanto uma forma mutante chamada “dichaete” possui poucas cerdas por grupo. A diferença entre o número normal e o número reduzido de cerdas é devido, primeiramente, a diferenças alélicas em um único loco (D), com as moscas normais sendo homozigotas recessivas (dd) e as “dichaete" sendo heterozigotas (Dd). O genótipo DD é letal. Entre uma série de moscas “dichaete”, com genótipos iguais (Dd) e criadas em um ambiente uniforme, o número médio de cerdas varia significativamente em linhagens diferentes. Então algumas moscas Dd podem ter duas cerdas e outras linhagens com a mesma constituição para o loco D pode ter uma, zero, três ou mesmo quatro cerdas. Foi mostrado que os genótipos Dd com diferentes números de cerdas diferem para outros locos que têm efeitos relativamente fracos sobre o caráter número de cerdas e não modifica a expressão desse caráter em moscas normais.

Figura 4 – Distribuição de frequência do comprimento da roseta da folha entre 996 indivíduos F2 de um cruzamento

interracial em Potentilla glandulosa (Clausen e Hiesey, 1958). Entretanto esses locos modificadores afetam a expressão do alelo D nas moscas Dd. São conhecidos muitos locos modificadores diferentes que afetam o caráter “dichaete”. Algumas das formas alélicas de um ou mais destes modificadores intensificam a expressão do alelo D; outros alelos modificadores agem para suprimir os efeitos do alelo D. Os “intensificadores”, ou modificadores para mais, explicam os fenótipos de Dd com número de cerdas extremamente reduzido, enquanto os supressores ou modificadores para menos levam para fenótipos normais ou próximo disso. Em resumo, o número de cerdas por grupo no dorso de Drosophila, é controlado primeiramente pelo loco D, mas em segundo lugar por um, vários ou muitos outros locos com pequenos efeitos. O primeiro pode ser referido como gen maior e o segundo como um sistema de modificadores. O conceito de locos modificadores foi usado mais tarde, por Harland, em uma série de estudos de 1929 a 1936, para explicar algumas das variações observadas em gerações F2 e retrocruzamentos derivados de híbridos em algodão. Duas espécies aparentadas e compatíveis de algodão do Novo Mundo, Gossypium hirsutum e Gossypium barbadense, possuem um certo número de locos homólogos em comum. Em certos casos alelos idênticos dos mesmos locos são encontrados em cada uma das espécies. Então o loco S, controlando a presença de manchas nas pétalas, possui o alelo dominante (S) para presença de manchas e o alelo recessivo s para ausência de mancha, nas duas espécies. Similarmente os alelos RB (dominante) e rB (recessivo), determinando plantas com caule vermelho e verde, respectivamente, estão presentes em ambas as espécies de algodão. Estes e muitos outros caracteres segregam como se ocorressem diferenças em apenas um loco, nos cruzamentos dentro das espécies. Por exemplo, se uma forma de G. barbadense com manchas púrpuras na base das pétalas é cruzada com uma forma sem manchas, da mesma espécie, o híbrido F1 é manchado e o F2 segrega em duas classes fenotípicas claramente distintas, manchadas e sem manchas, em uma razão de 3:1. Resultados similares são

Comprimento da folha (cm)

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obtidos quando formas manchadas e sem manchas de G. hirsutum são hibridizadas. Mas o mesmo caráter, que segrega em uma razão Mendeliana simples nas gerações F2 derivadas dos cruzamentos intraespecíficos, exibe variação contínua, sugerindo um controle multifatorial nas progênies de cruzamentos interespecíficos. Então, se uma planta manchada de G. barbadense é cruzada com uma planta sem manchas de G. hirsutum, o F1 é intermediário para a intensidade das manchas das pétalas e a geração F2 contém 22 graus fenotípicos variando desde ausência completa de manchas para a presença mais intensa de manchas do que aquelas de G. barbadense. A mesma variação é encontrada na geração F3. Outros caracteres, tais como a cor do caule da planta (fenótipos vermelho e verde), a forma das margens das folhas (fenótipos ondulado e liso), etc., comportam-se da mesma maneira em cruzamentos intra e interespecíficos. Desde que os alelos dos genes maiores relacionados com manchas nas pétalas, cor da planta, margens das folhas e outros caracteres são os mesmos em G. barbadense e G. hirsutum, a variação contínua na geração F2 dos cruzamentos interespecíficos é provavelmente um resultado de diferenças alélicas entre as espécies em outras partes dos dois genótipos. Harland sugeriu que a segregação simples e definida de um caráter em um cruzamento intraespecífico é devido ao fato de que o restante do genótipo possui um background genético relativamente constante, diante do qual as fases dominante e recessiva de um gen maior podem se expressar claramente. Em contraste, os genótipos de duas espécies diferem em muitos outros locos modificadores além do gen maior sob consideração e a segregação desses modificadores em cruzamentos interespecíficos produzem muitos backgrounds genéticos diferentes sobre os quais o gene maior precisa se manifestar. A variação contínua nas gerações F2 e F3 dos cruzamentos interespecíficos é uma consequência da segregação de alelos diferentes de numerosos locos modificadores afetando a expressão dos alelos dominantes e recessivos de genes maiores. Então as espécies de algodão diferem em seu conjunto de locos modificadores. Esta hipótese pode ser testada pela transferência de um alelo de um gene maior controlando alguma característica de uma espécie para outra através de repetidos retrocruzamentos. Se, como postulado, a variação contínua neste caráter, em cruzamentos interespecíficos, é devida da segregação de locos modificadores, a herança do caráter em questão deixaria de ser multifatorial e seria Mendeliana simples tão logo o background genético fique uniforme. O background genético pode se uniformizar pelo retrocruzamento do híbrido, repetidamente por várias gerações, para uma espécie parental que, por razões práticas, é aquela com alelos dominantes para o gen maior sob investigação. O híbrido de barbadense manchado x hirsutum sem manchas foi retrocruzado geração após geração para o parental barbadense manchado. Desta maneira o alelo recessivo para ausência de manchas (s), originalmente derivado de G. hirsutum, foi transferido para o background genético de G. barbadense. Após várias gerações de retrocruzamentos, a variação no grau do fenótipo manchado deixou de ser contínua e tornou-se descontínua. Indivíduos heterozigotos de gerações avançadas de retrocruzamentos, quando autofecundados , produziram progênies segregando em diferentes classes fenotípicas , manchas normais versus manchas fracas, em uma razão 3:1. Estes resultados e outros similares, obtidos para outras caracteres contrastantes entre as duas espécies de algodão confirmam a hipótese de Harland de que as duas espécies diferem em muitos locos modificadores. Quando o híbrido é cruzado para G. barbadense, os fenótipos alternativos são manchas normais nas pétalas ou manchas fracas. O fato dos alelos para ausência de manchas produzirem manchas fracas no background de G. barbadense, pode levar à conclusão de que o conjunto de modificadores desta espécie tem um efeito geral de aumentar a expressão do loco para manchas. Por outro lado, quando o retrocruzamento recíproco é feito entre o híbrido e G. hirsutum, as manchas tornam-se gradualmente mais fracas em cada geração e, eventualmente, desaparecem. Este resultado indica que o complexo modificador de G. hirsutum tende suprimir a formação de manchas nas pétalas. Em outras palavras, G. barbadense possui dois alelos, S e s, juntos com uma série de modificadores para mais e G. hirsutum possui os mesmos alelos com uma série de modificadores para menos. O conceito de locos modificadores ajuda-nos a entender um caso de herança de pubescência, descrito por Clausen e Hiesey em Potentilla glandulosa. Na raça costeira desta espécie as folhas e pecíolos estão densamente cobertos com pelos. A raça alpina apresenta-se apenas com poucos pelos dispersos, sendo chamada de lisa. O híbrido F1 é pubescente mas não tão fortemente como o parental costeiro. Seis graus de pubescência podem ser reconhecidos na geração F2, variando de liso como a raça alpina até muito pubescente com a raça costeira. A distribuição de frequência dos vários graus de pubescência entre 970 indivíduos F2 está resumida na Tabela 3. Tabela 3 – Herança da pubescência em Potentilla glandulosa (adaptado de Clausen e Hiesey, 1958).

Densidade de pelos nas folhas e pecíolos

Raça Alpina

Raça Costeira

F1

Segregação observada em F2

Frequência esperada sob

hipótese de série epistática

Frequência esperada com hipótese de um

gene maior e modificadores

Liso + 0 1 Pouco liso 1 3 Ligeiramente liso 20 195 11 <242 Pouco pubescente 174 227 Pubescente + 599 485 >485 Muito pubescente + 176 242 242

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Em seguida, para explicar os resultados observados nas gerações F1 e F2, Clausen e Hiesey propuseram uma

hipótese envolvendo os seguintes postulados: Primeiro, a diferença de pubescência entre os tipos parentais é devida a cinco locos múltiplos com efeitos aditivos (G1,....G5). Em segundo lugar, o parental muito pubescente carrega alelos dominantes e o parental liso carrega alelos recessivos para quatro desses cinco locos (G2....G5), mas não há interação de dominância entre os alelos de G1. Em terceiro lugar, os cinco locos formam um série epistática na qual G1 é epistático ou dominante sobre G2, G2 é sobre G3 e assim por diante. O parental muito pubescente é então o dominante superior e o parental liso o recessivo inferior para os cinco locos, exibindo dominância intergênica ou epistasia, quatro dos quais também dominância interalélica. A forte preponderância de tipos pubescêntes nas gerações F1 e F2 e a raridade dos tipos lisos e pouco lisos é consistente com a hipótese precedente e realmente a concordância entre fequências observadas e esperadas dos fenótipos F2 é alta (Tabela 3).

Uma das condições assumidas nesta hipótese é que o alelo G1 embora epistático sobre os alelos dominantes dos outros quatro locos, não é dominante sobre seu alelo homólogo g1. Não há evidência para assegurar essa suposição.

Uma hipótese mais simples e alternativa que se encaixa melhor com os dados, é que a presença ou ausência de pubescência nas duas raças de P. glandulosa e seus híbridos é devido a um único gene maior, junto com uma série de modificadores como aqueles encontrados em Drosophila e Gossypium. Nenhuma dominância é manifestada na interação entre os dois alelos deste loco presente em muitos parentais pubescente e lisos, respectivamente, e, portanto, a descendência F2 de seus híbridos segregam em classes fenotípicas com razão próxima a 1:2:1. Cerca de ¼ dos indivíduos F2 são como o parental muito pubescente; cerca de ¼ são como F1; e o ¼ restante varia de pouco pubescente a pouco liso. Essas classes fenotípicas corresponderiam aos seguintes genótipos para o gene maior G: muito pubescente como a raça costeira – g1g1; pubescente como F1 – g1g2; e liso ou fracamente pubescente – g2g2.

Portanto a razão básica 1:2:1 é alterada pela ação de modificadores. Os dados disponíveis podem ser explicados se for assumido que os locos modificadores são hipostáticos (com ação subordinada) ao alelo g1 mas não ao g2, tal que os modificadores exercem seus efeitos apenas nos genótipos g2g2. A direção da ação da maioria dos locos modificadores é no sentido de inibir os efeitos dos alelos g2. Consequentemente, alguns genótipos F2 consistindo de g2g2 e modificadores para menos tem o mesmo fenótipo pubescente de g1g2, enquanto alguns outros genótipos g2g2 se aproximam de g1g2 em sua expressão fenotípica. O resultado da ação de modificadores para menos é um excesso de fenótipos F2 iguais a F1 e uma deficiência de fenótipos lisos e pouco liso (Tabela 6)

A variação no grau de expressão no caráter pubescência na classe genotípica g2g2, variando de liso, passando por estágios intermediários até pouco pubescente, pode ser explicado pelo grupo de locos modificadores independentemente do loco G. Tipos recombinantes na geração F2 que são homozigotos para g2 e contêm uma grande dose de modificadores para menos, assemelham-se ou se aproximam-se de g1g2 em seu fenótipo. Tipos recombinantes em F2 com genótipo g2g2, junto com pequena dose de modificadores para menos, são lisos ou pouco lisos. Doses intermediárias de modificadores para menos em combinação com a condição homozigótica g2g2 produzem vários graus intermediários de pubescência.

Deve ficar claro que nenhuma das hipóteses anteriores, de locos modificadores e de série epistática – ambas com características em comum - pode ser considerada como mais do que provisória no presente. A série contínua de tipos pubescentes poderá ser devido à segregação de um gene maior e uma série de locos modificadores. Se é ou não é, o esclarecimento pode ser feito apenas com pesquisas futuras. Como Clausen e Hiesey habilmente colocaram observaram, “Uma análise de populações F3 e F4 seria necessária para entendermos claramente da herança da pubescência além deste ponto.

Nós examinamos dois exemplos reais e um provável, nos quais a expressão de um caráter determinado primeiramente por um gene maior é afetado por locos modificadores adicionais com relativamente pequenos efeitos individuais. Nem todos os indivíduos de Drosophila carregando o alelo dominante D para a forma “dichaete”, par número de cerdas, têm uma expressão fenotípica deste alelo, pois algumas vezes genótipos Dd possuem o número de cerdas normal. O alelo D é dito ter penetrância incompleta. Se a penetrância incompleta é devida a efeito de locos modificadores, os últimos são chamados de modificadores de penetrância. Em Gossypium o alelo S para manchas nas pétalas é dominante sobre o alelo s em certos backgrounds genéticos, mas não em outros. Aqui a dominância ou não dominância de um alelo é condicionada por locos modificadores que são adequadamente chamados de modificadores de dominância. A distinção entre modificadores de dominância e modificadores de penetrância não parece ser tão essencial.

Está suficientemente claro que locos modificadores têm efeitos relativamente pequenos sobre o caráter que eles modificam. Entretanto podemos perguntar se a modificação de outros locos é única função dos modificadores. A ação de um loco modificador é limitada a influenciar levemente a ação de algum gene maior? Ou o loco modificador tem uma função primária importante além de seus efeitos pleiotrópicos secundários sobre outros locos? A ação de um loco modificador é quantitativamente pequena no sentido absoluto ou pequena apenas em relação a algum caráter particular que ele afeta indiretamente?

Em algodão (G. barbadense) um dos modificadores do loco S para manchas nas pétalas mostra-se como sendo o loco Y, que controla a produção de pigmento amarelo na corola. O alelo dominante S produz manchas coloridas muito mais intensamente quando em combinação com o alelo Y do que com o alelo y. Similarmente o loco H para ausência de pelos age como um modificador da forma da folha; o alelo H determinando folhas com lóbulos mais curtos em proporção ao seu comprimento.

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Poligenes

Em alguns casos onde é possível identificar os modificadores, então eles mostram-se como genes maiores por si próprios. Mas isto geralmente é verdade? Todos os locos modificadores têm uma função maior por si próprio? Ou o genótipo inclui uma classe de locos modificadores com ações primariamente menores?

As opiniões de diferentes geneticistas não são concordantes nesta questão. Mather e outros sugeriram que genes maiores com efeito fenotípico pronunciado e poligenes com efeitos menores representam duas categorias reais de fatores genéticos. Muitos outros estudiosos não aceitam a idéia de genes menores como uma classe especial de determinantes genéticos. Desde que é tecnicamente difícil estabelecer a existência e a natureza de locos com pequenos efeitos fenotípicos que são sobrepostos pelos efeitos de locos maiores e condições ambientais, a informação necessária para responder a questão de uma maneira decisiva não está disponível no momento e, consequentemente nós teremos que nos satisfazer aqui com uma discussão inconclusiva.

O termo poligene será usado aqui, seguindo Mather, para denotar um loco com efeito total minúsculo sobre o fenótipo. Um loco modificador, como nós já vimos, pode ter um pequeno efeito sobre um caráter mas um grande efeito em outro, ou poderá Ter um pequeno efeito total. No primeiro caso o modificador seria um gene maior com influência para modificar outros locos; no segundo caso seria um poligene pela definição adotada aqui. Locos modificadores indubitavelmente existem. A questão é se em classes de modificadores não analisadas minuciosamente, existem também verdadeiros poligenes.

Para começar vamos recordar nossa discussão inicial das várias rotas pelas quais um sistema de locos múltiplos pode produzir um efeito quantitativo preciso que é de valor adaptativo para o organismo. Uma das maneiras eficientes de atingir um ajuste fenotípico fino em algum produto de ação gênica quantitativa é pela combinação de genes maiores com grandes efeitos e poligenes com efeitos totais minúsculos. Variações no número e dose de poligenes pode levar à quantidade de produto gênico para um nível particular requerido pelo organismo.

Agora se há algum sistema genético que é fisicamente possível e seria útil para o organismo, mas que não foi explorado pelo menos por algumas formas de vida, os biologistas ainda têm que entendê-la. De fato, a inventividade da vida está usualmente bem acima da imaginação dos biologistas. Portanto se pensarmos dedutivamente, que os genótipos dos organismos não possuem poligenes com efeitos minúsculos mas seriam beneficiados se os tivessem, seria esperado que eles os adquirissem em sua evolução em direção de um estado de melhor adaptação. Consequentemente, se sistemas poligênicos são geneticamente e fisicamente possíveis, como parece ser o caso, e se eles representam um meio para produção de um efeito quantitativo finamente ajustado, como também parece ser o caso, nós esperaríamos encontrar tais sistemas sendo usados pelo menos por alguns organismos bem adaptados.

De fato admite-se que poligenes existem em Drosophila melanogaster com base em evidência direta que é realmente sugestiva, embora não inteiramente conclusiva. Duas linhagens desta mosca, chamadas de Oregon e Samarkand, de acordo com sua procedência, diferem no número de pelos na face inferior de dois segmentos abdominais, a linhagem Oregon tendo uma média de 43,5 pelos por fêmea e a Samarkand uma média de 59,2. As diferenças hereditárias para esse caráter entre as duas linhagens não pode ser explicada com um loco particular, mas segrega como se vários ou muitos locos estiverem envolvidos. Há apenas três cromossomos grandes (e um muito pequeno) no grupo haplóide de D. melanogaster sobre os quais os locos que controlam o número de pelos abdominais podem estar localizados. Cada um desses cromossomos pode ser marcado com marcadores genéticos apropriados e seguidos na progênie de cruzamentos entre as linhagens Oregon e Samarkand. Com o uso de tais marcadores, a influência de cada um dos três cromossomos grandes sobre a densidade de pelos abdominais foi analisada.

Desta maneira pode ser estimado que o cromossomo sexual ou X de Samarkand determina a formação de aproximadamente 3,3 mais pelos do que o cromossomo X de Oregon; um cromossomo II de Samarkand determina 4,2 mais pelos do que um cromossomo II de Oregon; um cromossomo III de Samarkand determina em torno de 8,2 mais pelos do que um cromossomo III de Oregon. Os três cromossomos combinados na linhagem Samarkand carregam então vários ou muitos fatores determinando 15,7 mais pelos do que os fatores homólogos nos três cromossomos homólogos na linhagem Oregon. Estes fatores, espalhados sobre os três cromossomos e respondendo por diferenças fenotípicas na presença de pelos de duas linhagens de moscas, podem ser considerados como poligenes.

A densidade de outro tipo de pelo em D. melanogaster, as cerdas esternopleurais, é controlada por vários locos com pequenos efeitos individuais. A distribuição desses locos no cromossomo X foi investigada em cruzamentos entre as linhagens Oregon, Samarkand e outras, que diferem fenotipicamente e genotipicamente com respeito a este caráter. Os genes controlando a densidade de cerdas esternopleurais estão localizados em cinco regiões separadas no cromossomo X. As duas extremidades do cromossomo X têm um efeito máximo sobre o caráter e portanto podem abrigar uma alta concentração de locos determinando a densidade de cerdas. Pelo menos, cinco e, provavelmente mais locos para a densidade de cerdas esternopleurais, são encontrados apenas sobre o cromossomo X. Desde que os efeitos fenotípicos de todos os locos combinados é pequeno, o efeito de um loco individual é ainda menor. O número de cerdas esternopleurais parece ser controlado por um sistema de poligenes. Um sistema poligênico similar, consistindo de pelo menos cinco e provavelmente mais poligenes determinando o número de cerdas abdominais é encontrado no cromossomo II de Drosophila.

Foi sugerido que os poligenes estão, na maioria das vezes, localizados nas regiões heterocromáticas, que são regiões escurecidas no núcleo metabólico interfásico, enquanto que os genes maiores com efeitos fenotípicos especializados e frequentemente distintos encontram-se nas regiões eucromáticas, que diferem da heterocromatina em suas propriedades de coloração. Embora a heterocromatina não contenha locos maiores, possui uma atividade genética

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definida e generalizada. Como Darlington e Mather colocaram: “Nós podemos agora reconhecer dois tipos dois tipos de locos e dois tipos de cromatina. Os genes maiores ocorrem apenas na eucromatina e a heterocromatina contém apenas poligenes. A eucromatina pode também conter poligenes, talvez na própria cromatina ou talvez em segmentos não distinguíveis como propriamente heterocromatina por seu pequeno tamanho ou por alguma outra razão.”

A atividade genética da heterocromatina em D. melanogaster é indicada por vários fatos. O cromossomo Y da mosca da fruta é completamente heterocromático e carrega poucos genes maiores. Ainda exerce um efeito generalizado e quantitativo sobres os caracteres das moscas. Então diferentes cromossomos Y de diferentes linhagens influenciam o número de cerdas esternopleurais, provocando efeitos quantitativos como aqueles produzidos pelos poligenes. Efeitos similares são provocados pelas regiões heterocromáticas do cromossomo X.

Moscas mutantes com poucas cerdas e também com asas ásperas, pernas fracas , olhos rústicos e genitália masculina alterada, conhecidas como “minúsculas”, são devidas a mutações em algumas das numerosas regiões espalhadas sobre todos os cromossomos e frequentemente coincidindo com regiões heterocromáticas. É extraordinário que acima de 50 segmentos cromossômicos, frequentemente heterocromatina, carregam fatores genéticos que, em uma forma mutante, determinam um grupo muito similar de caracteres.

Alelos homólogos de um loco e regiões homólogas de dois cromossomos são pareadas na meiose e algumas vezes também na mitose. Agora se os poligenes representam locos mais ou menos homólogos com influencias similares sobre o processo geral de crescimento e se são largamente distribuídos na heterocromatina em regiões diferentes dos diferentes cromossomos, então, considerando a tendência de unidades gênicas homólogas formar pares, nós esperaríamos encontrar evidências de uma atração entre regiões heterocromáticas. De fato a heterocromatina de diferentes cromossomos tendem a parear não especificamente, e podem mesmo se unir em massas densas, como nos cromocentros de cromossomos de glândulas salivares de Drosophila.