salvaterra de magos * pedaços da história da tauromaquia

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1 Salvaterra de Magos Séc. XVIII Séc. XXI

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Já no séc. XVIII, as corridas toiros eram apreciadas em Salvaterra de Magos - Num brinco, perdeu a vida, o Jovem Conde dos Arcos. Com o decorrer dos tempos, nota-se no séc. XIX, a presença de muitos lavradores/ganaderos, além dos bandarilheiros: Irmãos Roberto,. A tradição tauromáquica mantém nos séc. XX e XXI

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Page 1: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

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Salvaterra de Magos

Séc. XVIII – Séc. XXI

Page 2: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

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Para os meus sobrinhos:

* Rogério;

(Fernandes Travessa)

*Cláudio José,

que um dia tiraram a alternativa e foram Cavaleiros

Tauromáquicos

* Lembrando com um carinho especial, o meu cunhado,

Manuel Fernandes Travessa,

um apaixonado, destas “coisas” dos toiros

Foto da Capa: Rotunda na EN 118, frente à Praça de Toiros de Salvaterra, com

um motivo alrgórico ao Campino

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Informações para a história daTauromaquia

Salvaterra de Magos Séc. XVIII – Séc. XXI *********** Autor: Gameiro, José Editor: Gameiro, José Rodrigues Morada: Bº Pinhal da Vila – Rua Padre Cruz, 64 – 1º Telem.918905704 Tel. 263 505178 *************** Composição: Papel Bruchado – Formato A5 Sistema PDF **************** Blogue: “ www.historiasalvaterra.blogs.sapo.pt”

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O MEU CONTRIBUTO

Sou descendente de gente simples do campo, meu avô paterno, foi campino, como foram todos os seus irmãos. A minha passagem pelo mundo da festa brava, cingiu-se apenas na escrita de uma ou outra notícia, ou artigo de alguma efeméride, como: “Os 76 anos sobre a morte do famoso toureiro

ribatejano, natural de Salvaterra de Magos; Vicente Roberto”, que foi publicada no “Diário do Ribatejo”, ou a recolha de recordações numa grande entrevista, a José Luis das Neves, o único obreiro vivo, da construção da Praça de Toiros, publicada no Jornal “Aurora do Ribatejo” com o titulo, “Os 50 anos da inauguração da praça de toiros de Salvaterra” e, a entrevista ao antigo forcado, “José Hipólito – Figura Típica da Terra” que saiu também naquele semanário de Benavente. Em 1976, fiz notícia jornalística, de uma jornada reivindicativa de toiros de morte em Portugal, que teve lugar no salão nobre do Clube Desportivo Salvaterrense, e, na sua sequência, meses depois levou à morte de toiros na praça de Salvaterra. Um outro artigo fiz sair no já desaparecido jornal Vale do Tejo, quando do falecimento do aficionado António Cadório. De vez enquanto lá me aparecem pedindo a minha ajuda, entusiastas destas coisas dos toiros, ou estudantes interessados em saber algo sobre a morte do Conde dos Arcos, ocorrida num brinco de toiros, aqui em Salvaterra. Esta morte, para muitos é ainda uma incógnita e motivo de grandes discussões entre aficionados, e não só, também os que gostam de “contos e lendas” ligados à terra, tentam

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desvendar o que apenas se sabe pelo que está escrito. O meu espólio sobre a temática taurina em Salvaterra, sendo guardado ao longo de muitas décadas, não é coisa que valha, são documentos recolhidos por carolice, que cruzam dados sobre lavradores/ganadeiros que aqui tinham terras, desde o séc. XIX, e faziam criação de toiros. O campino tinha lugar de destaque naquelas importantes casas agrícolas, como guardador das manadas de gado bravo. Os cavaleiros, toureiros e moços de forcados, são outros componentes que enriqueceram a festa brava nos séc. XX e XXI, desta vila ribatejana. Com tais documentos, pensei se não valeria a pena agrupar todo este material e, com ele fazer um livro, para não se perder tanta informação, que muito valerá aos interessados em aprofundar Sendo uma tradição de séculos, não só ribatejana, aqui está esta edição – “Salvaterra de Magos – Pedaços para a História da Tauromaquia nesta Vila - séc. XIX, XX e XXI”. É um pequeno trabalho que ficará ao dispor de quem um dia queira fazer um estudo profundo da história da tauromaquia em Salvaterra de Magos. Se isso vier a acontecer, já me sinto contente !! Janeiro de 2011 JOSÉ GAMEIRO

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I A Última corrida de Touros em Salvaterra

Nota Prévia

A trágica morte do jovem fidalgo, Manuel

José de Noronha e Menezes, 7º Conde dos

Arcos, filho do Marquês de Marialva, numa

corrida de touros, em Salvaterra de Magos,

tem servido para muita transcrição ao longo

dos tempos, levou a que Luiz Augusto Rebello

da Silva, numa das suas obras marcantes, e

um marco de referencia do romantismo

português, no séc. XIX. Ao longo dos tempos,

em tudo quanto é editado sobre Salvaterra,

não deixa de aparecer,” A Morte do Conde

dos Arcos”. Conto que sendo romanceado,

segundo alguns autores, foi escrito cerca de

70 anos depois do acontecimento.

A MORTE DO CONDE DOS ARCOS

“O sr. D. José, primeiro do nome, era em

Salvaterra um rei em férias. –A verdade é que

os maldizentes notavam, em segredo, que

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Sua Majestade, estava sempre ao torno e o

Marquês no trono. O prolóquio fundava-se na

habilidade mecânica do monarca como

torneiro, e no carácter dominador do

marquês como ministro.

Vicejavam os campos em plena primavera.

A amendoeira cobria-se de flores, os bosques

esfolhavam-se, as veigas vestiam-se e

matizavam-se, e a brisa doidejava indiscreta

arregaçando o lenço à donzela que passava,

ou roubando um beijo à rosa perfumada.

Tudo eram alegrias e cânticos… os rouxinóis

nas moitas, o coração nos amores, e a

natureza nos sorrisos ao sol esplêndido que a

dourava.

O Rei estava em férias em Salvaterra e,

uma tourada real chamara a corte a restante

fidalguia do país a esta vila. Os fidalgos

respiravam nestas ocasiões menos oprimidos.

Não os assombrava tão de perto a privança

do ministro. Os touros eram bravos, os

cavaleiros destros, o anfiteatro pomposo, e o

cortejo das damas adorável. O prazer na

boca de todos. Por cúmulo de venturas o

Marquês de Pombal ficara em Lisboa, retido

pelo conflito com o embaixador de Espanha.

Contava-se em segredo nos recantos do

palácio o diálogo entre o enviado castelhano

e o secretário de estado português, louvando-

o uns em voz alta, para os ecos daquelas

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paredes repetirem os elogios, crucificando-o

outros sem piedade, para saciarem os ódios.

As devotas e os fidalgos puritanos eram pelo

espanhol, e pediam a Deus que os rebates da

guerra próxima despenhassem o plebeu

nobilitado do seu pedestal político. Os

magistrados e os homens de capa e volta,

defendiam o marquês e respondiam com

meios sorrisos às fogosas jaculatórias dos

zelosos do trono e do altar.

O Marquês de Pombal, tinha-se negado

com firmeza às concessões exigidas

imperiosamente pelo governo castelhano:

– Muito bem, - atalhou o embaixador – um

exército de sessenta mil homens entrará em

Portugal e fará …

- O quê ? – Perguntara o marquês, sorrindo-

se com a tremenda luneta assentada e no

tom mais indiferente.

- Fará entender a razão e a justiça de el-rei,

meu amo, a Sua Majestade, e a vossa

excelência! – Redarguiu meia oitava acima o

espanhol, supondo o ministro fulminado.

Sebastião José de Carvalho franziu as

sobrancelhas, carregou a viseira, e cravando

a vista e a luneta no diplomata, retorquiu-lhe

friamente:

- Sessenta mil homens muita gente é para

casa tão pequena; mas querendo Deus, el-rei

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meu amo e senhor, sempre há-de achar onde

possa hospedá-la. Mais pequena era

Aljubarrota e lá couberam os que D. João de

Castela trouxe.

Vossa excelência pode responder isto ao

seu governo. E, levantando-se para despedir

o embaixador, acrescentou:

- Bem sabe vossa excelência que pode

tanto cada um em sua casa, que mesmo

depois de morto é precisos quatro homens

para o tirarem!

O embaixador saiu jurando por Dyos y la

Virgem Santíssima, e o marquês preparou-se

para a guerra.

O caso é, como dizia o nosso Zeferino na

Sobrinha do Marquês, que Sebastião José de

Carvalho foi um grande ministro e que fez

muito pela nação. Hoje há menos quem

responda assim à letra às ameaças dos

estrangeiros.

Berra-se muito, dorme-se a sono solto ao

som dos hinos patrióticos e depois salva o

castelo de madrugada e está salva a pátria.

O marquês de Pombal prezava as artes e

protegia e animava as classes médias. Esse

pouco que o reino progrediu deveu-se a ele.

Se a indústria nunca acabou de sair da

infância, a culpa quase toda foi dos maus

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governos que sucederam ao seu, e também

do povo que não quis trabalhar deveras…

Mas vamos aos touros reais. Desses é que o

ministro não gostava nada.

Queria-os ao arado e não à farpa, e

parecia-lhe melhor, que os toureadores,

sendo fidalgos, servissem o Estado com a

pena ou com a espada, e, sendo mecânicos,

que lavrassem, tecessem e ganhassem

honradamente a vida, enriquecendo-se a si e

à nação.

Mas el-rei D. José, cedendo em tudo ao

marquês, quanto aos touros não admitia

reflexões. Nisto era rei a valer

e Bragança legitimo. Os

fidalgos sabiam-no e por isso

desfrutavam doces prazeres

– a satisfação do gosto

nacional e a contradição da

vontade do ministro.

Desatendê-la sem perigo e pela mão do

soberano era para eles um deleite e um

triunfo. Nestas funções não vigorava a

severidade das últimas pragmáticas. Outro

motivo de júbilo.

Quem queria podia arruinar-se em luxuosos

vestidos, enfeites e toucados.

As bordaduras e os recamos de ouro, os

veludos e sedas de fora, talhados à francesa,

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resplandeciam constelados de pérolas e

diamantes. Por cima dos mais ricos trajos e

das mais vistosas cores desenrolavam-se os

anéis ondeados das empoadas cabeleiras. As

damas ostentavam as graças de seus

donaires e tufados, e emoldurando o belo

oval dos rostos nos penteados caprichosos,

sorriam-se para os gentis campeadores, e seus

olhos cheios de luz e de promessas

estimulavam até os tímidos.

Correram-se as cortinas da tribuna real.

Rompem as músicas. Chegou el-rei, e logo

depois entra pelos camarotes o vistoso

cortejo, e vê-se ondear um oceano de

cabeças e de plumas. Na praça ressoam

brava alegria as trombetas, as charamelas e

os timbales.

Aparecem os cavaleiros, fidalgos distintos

todos, com o conto das lanças nos estribos e

os brasões bordados no veludo das

gualdrapas dos cavalos. As plumas dos

chapéus debruçam-se em matizados

cocares, e as espadas em bainhas lavradas

pendem de soberbas talins.

Os capinhas e forcados, vestem com garbo

à castelhana antiga. No semblante de todos

brilha o ardor e o entusiasmo.

O Conde de Arcos, entre os cavaleiros, era

quem dava mais na vista. O seu trajo, cortado

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à moda da corte de Luiz XV, de veludo preto,

fazia realçar a elegância do corpo.

Na gola da capa e no corpete sobressaiam

as finas rendas da gravata e dos punhos.

Nos joelhos as ligas bordadas deixavam

escapar com artificio os tufos de cambraieta

alvíssima.

O conde não excedia a estatura ordinária;

mas, esbelto e proporcionado todos os seus

movimentos eram graciosos.

As faces eram talvez pálidas de mais, porém

animadas de grande expressão, e o fulgor

das pupilas negras fuzilava tão vivo e por

vezes tão recobrado, que se tornava

irresistível.

Filho do marquês de Marialva e discípulo

querido de seu pai, do melhor cavaleiro de

Portugal, e talvez da Europa, a cavalo, a

nobreza e a naturalidade do seu porte

enlevavam os olhos.

Ele, e o corcel, como que ajustados em uma

só peça, realizavam a imagem do centauro

antigo. A bizarria com que percorreu a praça,

domando sem esforço o fogoso corcel,

arrancou prolongados e repetidos aplausos.

Na terceira volta, obrigando o cavalo quase

a ajoelhar-se diante de um camarote, fez que

uma dama escondesse turvada no lenço as

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rosas vivíssimas do rosto, que decerto

descobririam o melindroso segredo da sua

alma, se em momentos rápidos como o

faiscar do relâmpago pudesse alguém

adivinhar o que só dois sabiam.

El-rei, quando o mancebo o cumprimentou

pela última vez, sorriu-se, e disse voltando-se: -

Porque virá o conde quase de luto à festa ?

Principiou o combate.

Não é propósito nosso descrever uma

corrida de touros. Todos teem assistido a elas

e sabem de memória o que o espectáculo

oferece de notável. Diremos só que a raça

dos bois era apurada, e que os touros se

corriam desembolados, à espanhola.

Nada diminuía, portanto, as probabilidades

do perigo e a poesia da luta. Tinham-se

picado alguns bois. Abriu-se de novo a porte

do curro, e um touro preto investiu com a

praça.

Era um verdadeiro boi de circo. Armas

compridas e reviradas nas pontas, pernas

delgadas e nervosas, indício de grande

ligeireza, sinal de força prodigiosa.

Apenas tocara o centro da praça,

estancou como deslumbrado, sacudiu a

fronte e, escavando a terra impaciente,

soltou um mugido feroz no meio do silêncio,

que sucedera às palmas e gritos dos

espectadores.

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Dentro em pouco as capinhas, saltando a

pulos as trincheiras, fugiam à velocidade

espantosa do animal, e dois ou três cavalos

expirantes, denunciavam a sua fúria.

Nenhum dos cavaleiros se atreveu a sair

contra ele. Fez uma pausa. O touro pisava a

arena ameaçador e parecia desafiar em vão

um contendor.

De repente viu-se o Conde dos Arcos firme

na sela provocar o ímpeto da fera e a haste

flexível do rojão ranger e estalar, embebendo

o ferro no pescoço musculoso do boi.

Um rugido tremendo, uma aclamação

imensa do anfiteatro inteiro, e as vozes

triunfais das trombetas a charamelas

encerraram esta sorte brilhante. Quando

o nobre mancebo passou a galope por

baixo do camarote, diante do qual

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pouco antes fizera ajoelhar o cavalo, a

mão alva e breve de uma dama deixou

cair uma rosa, e o conde, curvando-se

com donaire sobre os arções, apanhou a

flor do chão sem afrouxar a carreira,

levou-a aoslábios e meteu-a no peito.

Investindo depois com o touro, tornado

imóvel com a raiva concentrada, rodeou-

o estreitando em volta dele os círculos até

chegar quase a pôr-lhe a mão na nuca.

O mancebo desprezava o perigo e pago

até da morte pelos sorrisos, que seus olhos

furtavam de longe, levou o arrojo a arrepiar a

testa do touro com a ponta da lança.

Precipitou-se então o animal com fúria cega

e irresistível.

O cavalo baqueou trespassado e o

cavaleiro, ferido na perna, não pôde

levantar-se. Voltando sobre ele o boi

enraivecido arremessou-o aos ares, esperou-

lhe a queda nas armas, e não se arredou

senão quando, assentando-lhe as patas sobre

o peito, conheceu que o seu inimigo era um

cadáver.

Este doloroso lance ocorreu com a

velocidade do raio. Estava já consumada a

tragédia e não havia expirado ainda o eco

dos últimos aplausos.

De repente um silêncio, em que se

conglobam milhares de agonias, emudeceu

o circo. Rei, vassalos e damas, meio corpo

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fora dos camarotes, fitavam a praça sem

respirar e erguiam logo a vista ao céu como

para seguir a alma que para lá voava envolta

em sangue.

Quando mancebo, dobrado no ar, exalava

a vida antes de tocar no chão, um gemido

agudo, composto de soluços e choro, caiu

sobre o cadáver como uma lágrima de fogo.

Uma dama desmaiada nos braços de outras

senhoras soltara aquele grito estridente,

derradeiro ai do coração ao rebentar do

peito. El-Rei D. José com as mãos no rosto,

parecia petrificado. A corte desta vez

acompanhava-o na sua dor. Mas o drama

ainda não tinha concluído. Quem sabe!?

O terror e a piedade iam cortar de novas

mágoas o peito a todos. O Marquês de

Marialva assistira a tudo do seu lugar.

Revendo-se na gentileza do filho, seus olhos

seguiam-lhe os movimentos brilhando a cada

sorte feliz.

Logo que entrou o touro preto, carregou-se

de uma nuvem o semblante do ancião.

Quando o Conde dos Arcos saiu a farpeá-lo,

as feições do pai contraíram-se e a sua vista

não se despregou mais da arriscada luta.

De repente o velho saltou um grito sufocado

e cobriu os olhos, apertando depois as mãos

na cabeça. Os seus receios haviam-se

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realizado. Cavalo e cavaleiro rolavam na

arena, e a esperança pendia de fio ténue !

Cortou-lhe rapidamente a morte, e o

marquês perdido o filho, luz da sua alma e

ufania de suas cãs, não preferiu uma palavra,

não derramou uma palavra; mas os joelhos

fugiam-lhe trémulos, e a elevada estatura

elevou-se vergando ao peso da mágoa

excruciante.

Volveu, porém, em si, decorridos momentos

alivia palidez do rosto tingiu-se de

vermelhidão febril subitamente. Os cabelos

desgrenhados e hirtos revolveram-se-lhe na

fronte inundada de suor frio como as sedas

da juba de leão irritado.

Nos olhos amortecidos faiscou instantâneo,

mas terrível, o sombrio clarão de uma cólera,

em que todas as ânsias insofridas da

vingança se acumulavam.

Em um ímpeto a presença reassumiu as

proporções majestosas e erectas como se lhe

corresse nas veias o sangue do mancebo que

perdera.

Levando por acto instintivo a mão ao lado,

para arrancar da espada, meneou

tristemente a cabeça. A sua boa espada,

cingira-a ele próprio ao filho neste dia que se

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convertera para sua casa em dia de eterno

luto.

Sem querer ouvir nada, desceu os degraus

do anfiteatro, seguro e resoluto como se as

neves de setenta anos lhe não branqueassem

a cabeça. – Sua majestade ordenou ao

marquês de Marialva, que aguarde as suas

ordens! – disse um camarista, detendo-o pelo

braço.

O velho estremeceu como se acordasse

sobressaltado, e cravou no interlocutor os

olhos desvairados, em que reluzia o fulgor

concentrado dum pensamento imutável .

Desviando depois a mão que o suspendia,

baixou mais dois degraus.

- Sua majestade entende foi já bastante

desgraçado e não quer perder nele dois

vassalos…

- El-rei manda nos vivos e eu vou morrer! –

atalhou o ancião, em voz áspera, mas sumida

– Aquele é o corpo do meu filho! – e

apontava para o cadáver – Está ali!

Sua majestade pode tudo menos desarmar

o braço do pai, menos desonrar os cabelos

brancos do criado que o serve há tantos

anos. Deixe-me passar, e diga isto.

D. José vira o marquês levantar-se e

percebera a sua resolução. Amava no

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estribeiro-mor as virtudes e a lealdade nunca

desmentidas. Sabia que da sua boca não

ouvira senão a verdade, e a ideia de o perder

assim era-lhe insuportável.

Apenas lhe constou que ele não acedia à

sua vontade, fez-se branco, cerrou os dentes

convulsos e, debruçado para fora da tribuna,

aguardou em ansioso silêncio o desfecho da

catástrofe.

A esse tempo já o marquês pisava a praça,

firme e intrépida como os antigos romanos

diante da morte.

Dentro do peito o seu coração chorava,

mas os olhos áridos queimavam as lágrimas

quando subiam a rebentar por eles.

Primeiro do que tudo queria a vingança.

Por impulso instantâneo, todo o

ajuntamento se pôs de pé.

Os semblantes consternados e os olhos

arrasados água, exprimiam, aquela dolorosa

contenção de espírito, em que um sentido

parece concentrar todos.

- Deixai-o ir ao velho fidalgo! A mágoa, que o

trespassa, não tem igual. O fogo, que lhe

presta vida e forças, é a desesperação.

Deixai-o ir, e de joelhos!

Saudai a majestade do infortúnio. O pai

angustiado ajoelhou junto do corpo do filho e

pousou-lhe depois um ósculo na fonte.

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Desabrochou-lhe o talim e cingiu-o, levantou-

lhe do chão a espada e correu-lhe a vista

pelo fio e pela ponta de dois gumes.

Passou depois a capa no braço e cobriu-se.

Decorridos instantes estava no meio da praça

e devorava o touro com a vista chamejante,

provocando-o para o combate.

Cortado de comoções tão cruéis, não lhe

tremia o braço e os pés arreigavam-se na

arena como se um puder oculto e superior

lhos tivesse ligado repentinamente à terra.

Fez no circo um silêncio gélido, tremendo e

tão profundo, que poderiam ouvir-se até as

pulsações do coração do marquês, se

naquela alma de bronze o coração valesse

mais do que a vontade.

O touro arremete contra ele. Uma e muitas

vezes o investe ego e irado, mas a destreza

do marquês esquiva sempre a pancada. Os

ilhais da fera urfam de fadiga, a espuma

franja-lhe a boca, as pernas vergam e

resvalam, e os olhos amortecem de cansaço.

O ancião zomba da sua fúria. Calculando as

distâncias, frustra-lhe todos os golpes sem

recuar um passo. O combate demora-se.

A vida dos espectadores resume-se nos

olhos. Nenhum usa desviar a vista de cima da

praça. A imensidade da catástrofe imobiliza

Page 21: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

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todos. De súbito solta el-rei um grito e recolhe-

se para dentro da tribuna.

O velho aparava a peito descoberto a

marrada do touro, e quase todos ajoelharam

para rezarem por alma do último marquês de

Marialva.

A aflitiva pausa apenas durou momentos.

Por entre as névoas, de que a pupila trémula

se embaciava, viu-se o homem crescer para

a fera, a espada fuzilar nos ares e logo após

sumir-se até aos copos entre a nuca do

animal.

Um bramido, que atroou o circo, e o baque

do corpo agigantado na arena, encerraram

o estremo acto do funesto drama. Clamores

uníssonos saudaram a vitória.

O marquês, que tinha dobrado o joelho

com a força do golpe, levantava-se mais

branco do que um cadáver. Sem fazer caso

dos que o rodeavam, tornou a abraçar-se

com o corpo do filho, banhando-o de

lágrimas e cobrindo-o de beijos.

O touro ergueu-se, e, cambaleando com a

sezão da morte, veio apalpar o sítio onde

queria expirar. Ajuntou ali os membros e

deixou-se cair sem vida ao lado do cavalo do

conde dos Arcos.

Page 22: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

22

Nesse momento os espectadores olhando

para a tribuna real estremeceram. El-rei, de

pé e muito pálido, tinha junto de si o marquês

de Pombal, coberto de pó e com sinais de ter

viajado depressa.

Sebastião José de Carvalho voltava de

propósito as costas à praça falando com o

monarca. Punia assim a barbaridade do

circo. – Temos guerra com a Espanha, senhor.

E inevitável. Vossa majestade não pode

consentir que os touros lhe matem o tempo e

os vassalos. Se continuássemos nesse caminho

… cedo iria Portugal à vela.

- Foi a última corrida marquês. A morte do

conde dos Arcos acabou os touros reais

enquanto eu reinar

– Assim o espero da sabedoria de vossa

majestade.

Não há tanta gente nos seus reinos, que

possa dar-se um homem por um touro.

- El-rei consente que vá em seu nome

consolar o marquês de Marialva ?

- Vá ! É pai. Sabe o que há-de dizer-lhe…!

- O mesmo que ele me diria a mim, se

Henrique estivesse como está o conde. El-rei

saiu da tribuna, e o marquês de Pombal,

entrando na praça em toda a majestade da

sua elevada estatura, levantou nos braços o

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velho fidalgo, dizendo-lhe com voz meiga e

triste:

- Sr. Marquês! Os portugueses, como V. exª.,

são para darem exemplos de grandeza de

alma e não para os receberem.

Tinha um filho e Deus levou-lho. Altos juízos

seus!

A Espanha declara-nos a guerra e el-rei,

meu amo e senhor, precisa do conselho e da

espada de v.exª. e travando-lhe da mão,

levou-o quase nos braços até o meterem na

carruagem.

D. José I, cumpriu a palavra dada ao seu

ministro. No seu reinado não mais se picaram

touros reais em Salvaterra.”

********************

************

*******

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24

II

O CONDE DOS ARCOS –

A SUA ORIGEM E MORTE

NOTA PREVIA

É pela carta real de 2 de Fevereiro de 1620

que, pela primeira vez se fala deste título;

Conde dos Arcos. É um título atribuído com

conotação à povoação de Arcos de

Valdevez.

Segundo alguns historiadores, o nascimento

do 7º Conde dos Arcos; D. Manuel José de

Noronha e Menezes, terá acontecido em

Marvila, no ano de 1740.

Em 1989, quando pesquisava o local onde

teria existido o “Teatro Régio de Salvaterra”,

pessoas que agora teriam 115 anos de idade,

disseram-me que na meninice deles, o povo

falava que o sítio onde teria acontecido a

corrida, era num terreno aberto, por

detrás do Paço das Damas. Lembravam-

se, que no primeiro quartel do séc. XX,

Page 25: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

25

aquela zona foi urbanizado com algumas

casas. E que alguns lhe chamavam

“Canto da Ferrugenta”, outros o “Páteo

do Pardalada”. Quanto ao registo da morte

sabe-se foi feito nos serviços da secretaria do

paço real de Salvaterra e, do mesmo, fez

notícia a “ Gazeta de Lisboa”, jornal da

época.

A POLÉMICA

A curiosidade em conhecer melhor o que

foi escrito por Rebello da Silva, sobre a “Última

corrida de toiros em Salvaterra e a morte do

Conde dos Arcos” tem levada à realização

de vários colóquios, onde as inúmeras

intervenções, causam sempre alguma

polémica. Também em 2003, Vitor Escudero,

considerado um investigador no mundo dos

toiros, em Portugal,

Arraigadamente disse numa reunião de

aficionados, realizada em Salvaterra, “É uma

das maiores mentiras da nossa História”, o

Conde dos Arcos morreu, na Murteira

(Samora Correia).

**********

De acordo com o registo cronológico dos titulares “Conde dos

Arcos”, regista-se a sua morte em 1779, mas em documentos

usados posteriormente, como: “certidão de óbito”, a sua morte

ocorreu em 10 de Fevereiro de 1778.

Page 26: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

26

***********

Já antes, Pizarro Monteiro, falecido em 1991,

deixou escrito em 1982, que a morte do

Conde dos Arcos, nunca aconteceu de

maneira trágica em Salvaterra, mas sim de

morte natural, conforme uma oração fúnebre

deixada escrita em 1778.

Page 27: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

27

Também quando das obras, realizadas na

Igreja Matriz da vila, em 1958, o padre José

Rodrigues Diogo, pároco da freguesia, em

presença de três pedras tumulares em frente

ao altar daquele templo, disse: Uma delas é

do Bispo João Soalhães, fundador da Igreja,

em 1296, cujo orago é S. Paulo. Uma outra é,

do Conde dos Arcos, veio do convento de

Jericó, quando do sismo de 1858.

Page 28: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

28

Page 29: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

29

III

A CONSTRUÇÃO DA PRAÇA DE TOIROS

Corria o ano de 1919, os mais idosos, ainda

falavam da existência de uma praça de

toiros, uma construção em madeira, que

existiu na vila, que era explorava pela

Misericórdia de Portalegre. Na vila de

Benavente andava no ar, o entusiasmo para

a construção de uma praça de toiros. Na

taberna do José Luis das Neves, ali na esquina

da Trav do Martins, com a rua Direita, um

grupo de aficionados, juntava-se todas as

noites, e um deles não tirava da cabeça a

vontade das gentes da terra vizinha, de virem

a construir uma praça de toiros. Que inveja

aquela, de não terem também uma aqui em

Salvaterra de Magos. A ideia amadureceu e

foi avante, um grupo se formou mesmo ali -

Francisco Maria Gonçalves, Augusto da

Silva,Manuel Lopes Gonçalves, Luiz Gonçalves

da Luz, António Henriques Alexandre, Augusto

Page 30: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

30

Gonçalves da Luz, Carlos Alberto Rebelo,

Pedro de Sousa Marques, e o taberneiro, José

Luis das Neves, depressa fizeram uma

“circular” com várias cópias, que circulou por tudo quanto era sitito da vila.

José Luis das Neves, contou-me isto e muito

mais, quando o entrevistei, no aniversário dos

50 anos da inauguração da Praça de Toiros,

efeméride que fiz publicar no Jornal Aurora

do Ribatejo. Nessa época trabalhava José

das Neves, no Grémio da Lavoura. De início,

tiveram alguns contratempos, mesmo de

lavradores que não aceitaram o entusiasmo

do grupo, um deles chegou mesmo a

oferecer uma quantia em dinheiro, para

desistirem da ideia, pois não acreditava. A

circular, distribuída à população dizia assim:

“De há muito que os Salvaterrenses, e outros

mais, cuja longa permanência aqui os leva a

considerar esta também sua terra Natal, vêm

mostrando desejos de voltarem a possuir

novamente uma Praça de Toiros nesta

localidade. E, para que essa ideia se torne um

facto, combinaram os abaixo assinados

reunirem-se quanto antes, o que fizeram

ontem, em casa dum dos signatários,

deliberando o seguinte; Procurar levara a

efeito a construção desse dito edifício e, uma

vez concluído, oferecê-lo ao Hospital da

Misericórdia desta vila; Diligenciar falar e

escrever a todos, sem execepção, a fim de

angariar os donativos precisos para a

construção imediata do referido edifício,

Page 31: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

31

ficando todo e qualquer desses donativos à

responsabilidade dos mesmos signatários, que

prestarão contas a seu devido tempo, se

assim lhes for exigido. Inútil seria dizer que a

construção de tal edifício de espectaculos

representará mais um engradecimento para

a nossa terra e uma dávida, cremos, de

importante valor para o nosso Hospital, Casa

de Caridade esta que tão digne e

merecedora é que a ajudem. Assim, pois,

espera a Comissão que todos a coadjuvem,

por toda e qualquer forma, peocurando

vencer sempre dificuldades que apareçam, a

fim de se conseguir principiar e chegar à

conclusão de tão útil e desejado edifício.

Nesta esperança e agradecendo

antecipadamente, se subcreve com toda a

consideração e respeito.

Salvaterra de Magos, 18 de Setembro de

1919. A Comissão”.

Este e mais alguns documentos, me

ofereceu José Das Neves, quando da referida

entrevista, dizendo-me: Estão aqui nesta

gaveta há umas boas dezenas de anos.

Replicando disse-me - iguais a estes, apenas

tinha o Fernando de Sousa Marques, filho do

meu amigo Pedro Marques, que de vez

enquando a emprestava e parece que

veiram a desaparecer. Estes, o Dr. José

Cardador, fez usos deles, num livro que

escreveu sobre a Misericórdia, mas depois me

devolve-os Dos documentos oferecidos por

José das Neves, faça aqui uso de alguns.

Page 32: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

32

Uma carta foi enviada à Câmara Municipal,

na pessoa do seu presidente, pedindo a

oferta de um pedaço de terreno, com

sessenta metros de diâmetro à entrada da

vila, onde estava um resto de pinhal, e três

velhos Moínhos já sem uso.

Um ofício, com data de 18 de Setembro de

1919, foi dirigido ao Ministério das Finanças,

pedindo a decência de pinheiros do Pinhal

do Escaroupim, próximo desta vila. A

construção da praça iniciou-se, que levou

vários meses, já que as bancadas, foram em

madeira. A decoração interior, tinha

parecenças com a do Campo Pequeno.

Terminada a obra, uma Comissão

encarregou-se dos festejos da inauguração –

António Sousa Vinagre, Dr. Armando Santos

Calado, Dr. Roberto Ferreira da Fonseca, José

Rebelo de Andrade e Henrique da Costa

Freire.

O dia da inauguração, foi marcado para 1

de Agosto de 1920, e no programa constava,

Page 33: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

33

que às 5 horas, seria lançado uma salva de 21

morteiros. Às 8 horas, entrada de toiros a pé.

Às 13 horas, a embolação dos que seriam

corridos. Às 16 horas, sessão solene no Club,

em homenagem ao falecido bandarilheiro,

Vicente Roberto da Fonseca, e seu irmão

Roberto Jacob da Fonseca, sendo

descerrado os retratos dos dois grandes

artistas, executando por essa ocasião a

Banda Euterpe Alhandrense o “hino Irmãos

Robertos”, escrito expressamente para este

fim pelo seu inteligente,maestro Serra e

Moura. Às 17, 30 horas começará a corrida

de toiros em que tomam parte os laureados

artistas; José Casimiro e Adolfo Macedo, a pé

Teodoro Gonçalves, Ribeiro Tomé, Vital

Mendes, Francisco Rocha, Mateus Falcão e

Manuel dos Santos, da Golegã, Os forcados

do valente grupo de que é capataz, Manuel

Burrico, o director da corrida, Roberto Jacob.

Os touros desta corrida são generosamente

oferecidos pela firma Roberto & Roberto.

No segundo dia dos festejos, haverá uma

uma segunda corrida, em que tomam, José

Casimiro e Adolfo Macedo, e os laureados

bandarilheiros amadores, D. Carlos

Macarenhas, D. Pedro de Bragança, Patrício

Cecílio, Francisco D`Oliveira, João malhou da

Costa e Rafael Gonçalves. Campinos António

Eugénio de Menezes (abegão), Joaquim

Coimbra, Manuel Coimbra, Francisco Souto

Barreiros. carecas; António José Rebelo de

Andrade, papagaio; D. Baltazar de Freitas

Page 34: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

34

Lino. Os touros para esta corrida foram

gentilmente oferecidos pelo novo ganadero

Francisco Ferreira Lino, orindos da antiga

ganadaria António Ferreira Roquette.

Os jornais, ABC e “A Manhã”, entre outros

envaram a Salvaterra de Magos, os seus

jornalistas, das suas páginas sobre

tauromaquia, para fazerem a reporgem. O

Jornal A Manhã, diário republicano, fez sair

no dia 6 de Agosto, edição que se esgotou.

em Salvaterra de Magos, mesmo sendo

dobrado os exemplares à venda. Algum

tempo ainda levou a entregar a praça à

Misericórdia, foi necessário mais algumas

ofertas em dinheiro, dos lavradores e do

povo, que acorria aos bailes, já sem

encargos, foi a chave entregue à

Misericórdia. A Associação de Beneficência –

Misericórdia de Salvaterra de Magos, faz

chegar à Comissão Construtora da Praça de

Touros, o ofício nº 9 “À execlentíssima

Comissão Construtora da Praça de Touros

desta vila” * Tendo chegado às minhas mãos,

o ofício de V. Exªs., que acompanhava a

chave da praça de touros, eu, em nome da

Comissão Administrativa tenho a honra de

lhes agradecer a sua benemérita intenção, e

bem assim a todos os senhores que

concorreram para a construção daquela

propriedade, e de lhes notitificar que na acta

da sessão de hoje, lhes fica exarado um voto

de louvor pela sua bela intenção.

Saúde e Fraternidade.

Page 35: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

35

Salvaterra de Magos, 16 de Março de 1924

(a) – José Eugénio de Menezes

O CICLONE

Cerca de uma vintena de anos depois,

ventos ciclónicos fizeram-se sentir por todo o

país. Em Salvaterra de Magos, os estragos

foram imensos, a Praça de touros, sofreu

muitos estragos. Jorge de Melo e Faro (Conde

de Monte Real) e sua esposa, exmª Snrª D.

Maria Teresa Castro Pereira Guimarães de

Melo e faro, tomaram a iniciativa da sua

reconstrução e organizaram duas corridas,

entegando as receitas ao Hospital, Da

primeira corrida 13.851$50 e da segunda

corrida 115.176$65 ( À primeira corrida

dignou-se assistir Sua Excelência o Senhor

Presidente da República, General António

Oscar de Fragoso Carmona).

Para reparar os estragos, também contribuiu

com avultada quantia, o benemérito de

Salvaterra, o lavrador; Gaspara da Costa

Ramalho

Nota: O Dr. José Asseiceira Cardador, no seu livro “Subsídio para o Estudo

da Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos, - 1970, faz

refrências à Praça de Toiros

***********************

***************

Page 36: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

36

IV

TOIROS DE MORTE EM SALVATERRA

Depois do acontecido em 1762, com a

morte do Conde dos Arcos, vários abusos

com mortes de toiros aconteceram em

praças portuguesas.

Em 1921, Joaquim Mella, na praça de toiros

das Caldas da Rainha, estoqueou um toiro e,

logo de seguia em Salvaterra de Magos, o

toureiro “Faculdades”, que muitas vezes fez

Page 37: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

37

parelha com os irmãos Roberto(s), abateu

toiros o que deu origem à publicação de uma

nova lei que revogava as anteriores

proibições, que vinham de 1837 e 1838.

Novamente e apesar das proibições, em

1927, foram mortos toiros em praças de

Portugal. Novo decreto-lei, foi publicado no

Diário do Governo, de 11 de Abril de 1928,

estabelecendo pesadas sanções para os

prevaricadores, bem como aos proprietários

das praças.

Em 1952, Manuel dos Santos, estoqueou um

toiro no Campo Pequeno e, mais tarde coube

a vez ao matador António dos Santos. Os

anos decorriam e os aficionados, toureiros e

ganadeiros pugnavam, mesmo em surdina,

pela morte dos toiros na arena, das praças

portuguesas,

Aproveitando as incertezas políticas que

pairavam em Portugal, depois da revolução

dos cravos, em 1974, novamente o “mundo”

ligado a festa tauromáquica, realiza em

Page 38: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

38

Salvaterra de Magos, no dia 18 de Dezembro

de 1976, no salão do Clube Desportivo local,

um colóquio, Da reunião, fiz noticia que foi

publicada no jornal “Diário do Ribatejo” em

18 de Dezembro de 1976, que aqui

transcrevo:

“Sim, toiros de morte em Salvaterra de Magos foi a

palavra de ordem, no colóquio realizado no passado

dia 18, no Salão do Clube Desportivo Salvaterrense.

Promovido pela Comissão Pró-Toiros de Morte em

Portugal e apoiada pela Comissão da Praça de Toiros

de Salvaterra, e na sequência de outras sessões sobre o

mesmo tema, foi levada a efeito uma sessão e

esclarecimento sobre a situação da tauromaquia em

Portugal e dar a conhecer o ponto da situação sobre o

movimento que se está a desenvolver para as corridas

na próxima temporada, sejam integrais. Compunham a

mesa do colóquio: Dr. Queirós (advogado), José Júlio,

Parrreirita Cigano, António Portugal, Ludovino

Bacatume Mestre Batista (toureiros). Rogério Amaro

(critico e pegador de toiros), João Ramalho(ganadeiro)

João Mascarenhas, Chony, Francisco Rocha

(aficionados), e ainda as senhoras; Isabel Cadencio e

Page 39: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

39

Carolina Bacatum. Foram ainda convidado e, estiveram

presentes; forcados, campinos e alguns elementos da

Comissão que tinham em seu poder a gerência da praça

de toiros da misericórdia local.

Abriu o colóquio, o sr, Chony que fez algumas

considerações sobre as perspectivas e a sua viabilidade

dos toiros de morte em Portugal. Seguidamente foi

dada a palavra ao ganadeiro João Ramalho, que fez

uma síntese dos toiros de lide e as dificuldades na sua

criação. O dr. José Queiró, começou a sua intervenção,

por fazer algumas considerações ao processo judicial,

onde estão envolvidos os matadores e cavaleiros, que

intervieram na já célebre corrida de 31 de Outubro do

corrente ano, em Vila Franca de Xira. Depois fez

algumas análises ao Decreto-Lei, que proíbe os toiros

de morte em Portugal e que data de 1836,e que foi

confirmado pelo Decreto de 1919, que prevê para as

infracções nalguns pontos multas de 2$00 e 15$00,

mais tarde em 1921 saiu a Portaria que vem de igual

modo regulamentar as corridas de toiros e suas

implicações, ainda em 1928, saiu outro Decreto-Lei

sobre igual matéria e que na opinião jurista, tal matéria

publicada, está desde há muito ultrapassada, e que urge

Page 40: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

40

modificar. Pela sua intervenção recebeu grandes

aplausos.

O crítico de toiros do “jornal de noticias” e forcado,

Rogério Amaro, iniciou a sua intervenção sobre o papel

dos moços de forcados e a necessidade de os

agrupamentos serem reduzidos, se os toiros de morte

for uma realidade, foi muito aplaudido. José Júlio,

António Portugal e Parreirita Cigano descreveram

cada uma à sua maneira o papel do matador de toiros,

em Portugal e em Espanha, Por todos foi condenado o

obsoleto Decreto, que ainda regula as corridas com

toiros de morte em Portugal. As senhoras, Isabel

Cadencio e Carolina Bacatum, referiram-se ao papel

das senhoras no ambiente tauromáquico, aplaudiram e

incentivaram os elementos da Comissão Pró-Toiros de

Morte a prosseguir a sua luta, que era aliás a luta de

todos os aficionados.

O sr. João Mascarenhas, que na sua intervenção,

empregou grande entusiasmo e bastante aficion,

começou por exortar os presentes a apoiar a Comissão,

que está a trabalhar no projecto, que se espera dentro

de algum tempo venha a ser entregue ao governo. Fez

uma crítica, às ausências dos aficionados, que servem

nos meios da comunicação social, e manifestou a sua

Page 41: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

41

grande alegria, por naquela sala encontrar grande

número de jovens e que se estava em presença de novos

aficionados. Loduvino Bacatum, também deu uma

achega, focando os aspectos dos toureiros, que sendo

reconhecidos como trabalhadores na sua profissão,

nalguns Ministérios, inclusive o do Trabalho, não

podiam ser matadores de toiros, em Portugal, também

deu a conhecer pormenores ao público presente de

como tem sido o “mister”de empresário neste país, e

que num futuro muito próximo, tal condição, terá que

ser mais humana.

Ao entrar-se no período de perguntas aos elementos

que compunham a mesa, assistiu-se a um dialogo, muito

vivo e entusiasta, com perguntas que pelo seu

conteúdo,verificava-se que os aficionados

Salvaterrianos, estavam deveras preocupados com o

futuro das corridas de toiros, muito especialmente com

as de toiros de morte, sendo muito frequente ouvir-se “a

petição para a frente”, começar com os toiros de morte

em Portugal, ela se efective, mas terminaram, com a

morte do Conde de Arcos, na Primavera de 1762. Por

último foram exibidos filmes, dando conta à assistência

de como são frias e sem motivação, as corridas de

toiros em Portugal, em paralelo com as realizadas em

Page 42: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

42

Espanha, onde o público vê o espectáculo, cheio de

vibração quando o matador remata a faena, com o

estoque final. A assistência, cerca de três centenas e

meia de pessoas, saiu deveras entusiasmada, assinando

por fim as listas, para a respectiva petição de toiros de

morte em Portugal.

18-12-76 * JOSE GAMEIRO

**************

Uns meses depois, num ambiente, então descrito de

provocar a lei, na praça de toiros de Salvaterra, em 15

de Maio de 1977, os toureiros Armando Soares e o

espanhol “El Macareño”, estoquearam 4 toiros. Do

acontecido, o jornal “Aurora do Ribatejo”, publicou

notícia, em 25 de Maio de 1977.

Page 43: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

43

Page 44: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

44

V

CRIADORES DE TOIROS EM SALVATERRA

Nota Prévia

No séc. XIX, existem registos de lavradores

de Salvaterra de Magos, para além de terem,

a sua actividade agrícola, desenvolviam a

criação de gado bravo. Havia as pequenas e

grandes ganadarias. Nas pequenas,

trabalhavam um restrito grupo que não

passavam do Moiral, Contra Moral e

Campinos.

Page 45: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

45

Nos meses da Primavera e Verão, o gado

pastava nas terras frescas da bacia do rio

Tejo. Como no campo de Salvaterra e Lezíria

Grande (Vila Franca de Xira). No tempo de

Outono e Inverno, alimentavam-se do pasto

da charneca, lá para os lados do Chaparral e

Coelhos, pastando algumas vezes nas terras

frescas, que viriam a pertencer anos depois à

Barragem de Magos.

RODRIGO FERREIRA DA COSTA (Dr.)

Natural de Salvaterra de Magos, foi médico

e criador de gado bravo, por volta de 1873,

forneceu vários curros de toiros para a praça

do Campo de Sant`Ana. Falecer em 1878, na

sua terra-natal.

ANTONIO FERREIRA ROQUETTE

Natural de Salvaterra de Magos, teve casa

agrícola nesta vila, foi criador de toiros, com

divisa: turquesa e branco. Os seus toiros

gozavam de grande fama. Enviou alguns

curros para a praça de Sant`Ana, em Lisboa

Page 46: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

46

e chegou a fornecer curros para Madrid. O

lavrador de Alpiarça, João Ignácio da Costa,

comprou-lhe alguns toiros, para apurar as

suas rezes. Tal como seu irmão, José Ferreira

Roquette, foi toureiro e cavaleiro amador,

conseguindo grande popularidade.

JOSE LUIZ DE BRITO SEABRA

Nasceu em Salvaterra de Magos, em 30 de

Agosto de 1845, foi dono com sua mãe do

palacete construído nesta vila, que mais tarde

passou a propriedade da família Monte Real.

Foi lavrador e ganadeiro, presidente da

câmara municipal de Salvaterra de Magos,

membro da Junta Geral do Distrito de

Santarém. Foi sócio fundador do Real Club

Tauromachico Portuguez, fundado em 23 de

Fevereiro de 1892. Faleceu em Valada, no dia

27 de Julho de 1893.

Page 47: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

47

ANTONIO JOSE FERREIRA DA SILVA

Nasceu a 19 de Setembro de 1889, filho do

ganadeiro com o mesmo nome, forneceu

toiros para serem corridos em várias praças

dos pais, a sua divisão era Azul, e as manadas

pastavam nos campos de Salvaterra.

ROBERTO DA FONSECA JUNIOR

Nasceu em Salvaterra de Magos, filho

reconhecido do antigo bandarilheiro, Roberto

da Fonseca, quando da abertura do seu

testamento * Nos últimos anos do séc. XIX,

pretendeu ser toureiro, convencido de que

não tinha aptidões artísticas, dedicou-se à

criação de toiros de lide.

JOSE FERREIRA ROQUETTE

JFR

Page 48: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

48

Nasceu em Salvaterra de Magos, era irmão

de António Roquette, teve uma manada de

toiros bravos, com a divisa verde.

JOÃO ANTÓNIO FERNANDES

Pequeno lavrador, natural de Salvaterra de

Magos, tinha uma vacada e, alguns toiros de

selecção, que pastavam nos campos da vila,

junto ao Tejo. Forneceu curros para várias

praças dos pais.

ROBERTO & ROBERTO

(Vicente Roberto e Roberto da Fonseca),

RR

Nasceram em Salvaterra de Magos, como

bandarilheiros ganharam fama e proveito,

dedicaram-se à agricultura e tiveram uma

ganadaria de toiros de lide, que pastavam

nos seus campos de Salvaterra. Um curro de

Page 49: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

49

toiros desta ganadaria, foi corrido na arena

do Campo de Sant`Ana, em Dezembro de

1987, onde teve lugar a última corrida nesta

praça. Actuaram os cavaleiros Casimiro

Monteiro, Alfredo Tinoco, José Bento de

Araújo e D. Luiz do Rego.

Estes ganadeiros integraram em Portugal, o

primeiro lote, que construíram “Tentaderos”

para testarem as suas vacas e, para tal

construíram um, na sua Herdade dos Coelhos.

FRANCISCO FERREIRA LINO

FFL

Nasceu em Salvaterra de Magos, filho de

João Francisco Lino, iniciou a actividade

agrícola, aos 18 anos, depois de passar pelo

comércio em Lisboa. De pequeno lavrador,

foi comprando propriedades e, por volta de

1915, acabou de construir o seu Palacete,

cujo começo vinha antes do terramoto de

1909, na sua Quinta da Ómnia. A sua

Page 50: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

50

ganadaria, teve início naquela época, sendo

os seus animais oriundos de António Ferreira

Roquette.

JOSE VICENTE DA COSTA RAMALHO

Filho do lavrador e benemérito, Gaspar da

Costa Ramalho, em 1936, era detentor de

casa agrícola, com criação de toiros, que

pela fama adquirida nas praças portuguesas,

começaram a ser solicitados para as arenas

de Espanha.

IRMÃOS ROBERTO

(Vicente Roberto Ferreira da Fonseca, Roberto

Ferreira da Fonseca (Dr.) e,

João Roberto Ferreira da Fonseca)

IR

Receberam por herança casa agrícola e

ganadaria, de seu pai João Roberto, que por

Page 51: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

51

sua vez recebeu da firma Roberto & Roberto.

A Ganadaria, na primeira metade do séc. XX,

muita fama lhes deu.

JOÃO RAMALHO

(JOÃO JOSE DE MORAES SARMENTO COSTA RAMALHO)

Nasceu em Salvaterra de Magos, filho do

lavrador e ganadeiro; José Vicente da Costa

Ramalho * Sede: Quinta da Gatinheira

(Salvaterra de Magos) * Divisa: Lilás e Branco

* Historial: Em 1961 compra 30 vacas Toiros a

José Pedrosa e 1 toiro e 4 vacas “Chamaco”,

vindas de Pinto Barreiros, com ferro de irmãos

Roberto (Salvaterra de Magos) * Em 1963,

compra 8 vacas Urquijo x Alves do Rio, a Dr.

José Manuel Andrade (linha toda dada ás

filhas: Thereza e Helena Ramalho)

Page 52: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

52

JOSE LUIS PEREIRA DIAS

Natural da Malveira (Oeste), na década

de 70 do séc. XX, veio para Salvaterra de

Magos, onde tem morada * Divisa: Azul e

Preto * Toiros oriundos: José Manuel Andrade,

Engº Ruy Gonçalves e Cabral de Ascensão *

Antiguidade: 1976

FELICIDADE DIAS

(Felicidade da Conceição Filipe Pereira Dias)

* Nos anos 70 do séc. XX, fixou residência em

Salvaterra de Magos * esposa do ganadeiro

José Dias e, mãe dos Irmãos Dias * Divisa:

Encarnado e Amarelo * Toiros oriundos:

Andrade Salgueiro e Manuel César Rodrigues

* Ganadaria conhecida desde 1984.

Page 53: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

53

IRMÃOS DIAS

José Luís Pereira Dias e Felicidade da Conceição

Filipe Pereira Dias

Filhos de José Dias e Felicidade Dias,

* Ganadaria desde 1976 * Tem sede em

Salvaterra de Magos (Ribatejo) * Toiros

oriundos de Norberto Pedroso, que iniciou

uma ganadaria em 1910, com vacas

portuguesas de Manuel Duarte Oliveira e

Condessa da Junqueira. De Emílio Infante da

Câmara, também adquiriu algumas vacas e

sementais.

THEREZA E HELENA RAMALHO

(Thereza Margarida e Helena Rita Bastos de Moraes

Sarmento Ramalho)

Page 54: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

54

*Morada na Quinta da Gatinheira (Salvaterra

de Magos) * Divisa: Laranja e Verde Musgo * A

sua ganadaria é oriunda de seu pai João

Ramalho. Antiguidade já conhecida em 1976,

nos últimos anos deixaram de ter registo,

passando os seus animais a integrar a

ganadaria de seu pai, com o fim de serem

corridos em Espanha.

***************

**************

*****

Page 55: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

55

VI

CRIADORES DE CAVALOS EM SALVATERRA

Nota Prévia

As terras de Salvaterra de Magos, junto ao

rio Tejo, férteis em aluvião, onde a erva fresca

era muito convidativa param a criação de

gado cavalar, dando origem ao

aparecimento de algumas Coudelarias.

Nas Estatísticas de Portugal, dos últimos

anos do séc. XIX, constam que a produção

animal, de gado bovino,

cavalar e asno, criada neste

concelho, tinha grande

peso na economia do pais,

quer em quantidade e qualidade. O burro,

Page 56: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

56

era aproveitado em grande quantidade para

os cruzamentos com (égua/cavalo), dando

origem ao Macho/Mula, para os trabalhos

mais exigentes da lavoura.

Entre os vários criadores do gado da raça

cavalar, constava a casa agrícola, Cadaval,

de Muge.

PORFIRIO NEVES DA SILVA

Natural de Salvaterra de Magos, foi grande

lavrador com terras no concelho onde

nasceu e, nos concelhos vizinhos. Era

respeitado por todo o Ribatejo (anteriormente

Estremadura), pela dedicação a que se

entregou à criação do gado cavalar. Nos

registos antigos do Ministério do Exército,

verifica-se que foi muito pretendido, pela

qualidade do seu gado, que apresentava na

remonta, todos os anos.

Em 1907, foi Administrador-Interino da

Câmara Municipal da sua terra-natal, o que

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57

lhe valeu o seu toponímico à rua que mais

tarde passou a Gen. Humberto Delgado.

JOÃO OLIVEIRA E SOUSA

Oliveira e Sousa, sendo engenheiro,

pertenceu aos quadros do exército, com o

posto de Capitão.

Era abastado lavrador, com residência em

Salvaterra de Magos, contava em 1935, com

propriedade nos concelhos de Salvaterra de

Magos, Coruche, Benavente, Vila Franca e

Azambuja.

Também possuía propriedades no norte do

pais, pois era oriundo da zona

da Guarda.

Na sua actividade agro-

pecuária, dedicava grande

apreço pela criação do gado cavalar, onde

incluía bons exemplares nascidos de uma

éguada da raça lusitana, que pastava por

vezes na Lezíria Grande (Vila Franca de Xira).

Page 58: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

58

A sua coudelaria, proveio de António José da

Silva, que em 1893, já cuidava de criar bons

exemplares de cavalos, destinados à

remonta, realizada pelo exercito português.

Com a sua morte, os filhos, continuaram a

casa agrícola (Oliveira e Sousa, Herdeiros),

tendo os netos o cuidado de continuarem a

administram a Casa Agrícola. As instalações

da Coudelaria, são na Quinta do Massapez,

em Salvaterra de Magos

IRMÃOS ROBERTO

João Roberto da Fonseca, em 1939, com 78

anos de idade, pai de Vicente Roberto da

Fonseca; de Roberto da Fonseca (Dr.) e de

João Roberto Ferreira da Fonseca, tendo a

sua casa agrícola, dedicava especial

atenção à criação do gado bravo e do gado

cavalar. Teve exemplares em várias

exposições em Salvaterra. Em 1928 recebeu

um diploma, pela presença de 10 poldros,

Page 59: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

59

considerados de grande qualidade, numa

exposição do então Ministério da Guerra.

ANTONIO DA SILVA LAPA

Natural de Salvaterra de Magos, desde

jovem, como agricultor interessou-se pela

criação de gado cavalar. Depressa,

escolheu e veio a manter uma raça de

cavalos que destinava à cavalaria militar e

desportiva.

Para esse tipo de exemplares, usava o

cruzamento do Português “Alter” com

“Zapota”, animal das terras da Andaluzia

(Espanha). Aos 76 anos de idade, ainda era

um credenciado criador de cavalos.

MENEZES & IRMÃO, LDª

Os irmãos José Eugénio de Menezes e

António Eugénio de Menezes, fundaram uma

Sociedade Agrícola. Por falecimento deste

Page 60: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

60

último, passou a pertencer à firma, seu filho,

António de Menezes. Foram criadores de

cavalos raça Lusitano, em terras de Salvaterra

e do Pombalinho (Santarém).

JOSE LOPES FERREIRA LINO

Nasceu em Salvaterra de Magos, em 1914,

na década de 60, sendo funcionário da

câmara municipal de Salvaterra de Magos,

fazia uma pequena agricultura e, tinha gosto

pela criação de cavalos e éguas, que

pastavam nas terras de Alcamé (Vila Franca),

apresentando-os depois à venda na Remonta

Anual, que o exército fazia em Salvaterra de

Page 61: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

61

Magos. Sendo um grande aficionado da festa

brava, possuía um jogo de cabrestos, que

fazia exibir nas Festas da terra.

******************

**************

Page 62: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

62

VII

A DINASTIA ROBERTO

Nota Prévia

Desde menino de escola, ouvia falar dos

Roberto(s). Diziam que foram toureiros. Nesse

tempo, talvez em 1955, passando eu, na rua

Cândido dos Reis (Antiga Rua S. António), dei

comigo envolvido entre uma multidão, que

em grande alegria descerravam uma placa

de homenagem aos irmãos toureiros. Esse

grande número de pessoas, estavam ali com

os representantes da Casa do Ribatejo,

deixando uma lápide na parede, por cima da

porta de um prédio da família, o seu preito de

gratidão, aos homens que um dia honraram

Page 63: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

63

Salvaterra e o Ribatejo, com as suas belas

actuações em praças de toiros de Portugal e

Espanha.

O tempo passou…! Nunca mais, os seus

conterrâneos se lembraram deles, nem uma

rua com o seu topónimo. Foram simplesmente

esquecidos. Os autarcas, aqueles que

decidem, nunca tiveram em conta, o seu

valor artístico que levou a todos os cantos, o

nome de Salvaterra, nem a lembrança da sua

benemerência.

A ORIGEM

O nome Roberto referenciado em Salvaterra

de Magos, nos meados do séc. XVIII, segundo

alguns estudos genealógicos, estará ligado

aos falcoeiros, vindos da Holanda, como

mestres daquela arte. Henrique Jacob (1744-

1829), um deles, casou com Ana Josefa de

Vasconcellos, desta vila, e daí o início da

dinastia – Os Jacob (s).

António Roberto da Fonseca, tal como os

seus irmãos Luís Roberto da Fonseca, Tito da

Fonseca e Antão José da Fonseca, nasceram

em Angra do Heroísmo (Açores), vindo ainda

Page 64: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

64

crianças para Lisboa, instalando-se depois em

Salvaterra de Magos. Segundo algumas

crónicas da época, um batalhão da última

invasão francesa estava aquartelado no lado

norte do Tejo, num palacete de Valada. Aqui

em Salvaterra de Magos, houve forte

confronto com o exército português, tendo o

povo local muito ajudado nesse combate

militar, fazendo desbaratar os invasores.

Muitos residentes da vila foram foragidos.

António Roberto da Fonseca, recebeu a

protecção dos Conde de Almada, que

tinham á época um palacete na vila. Aos 12

anos de idade, mostrou algumas aptidões

para enfrentar toiros de lide. Seus irmãos, Tito,

Luís e, o Antão, também exprimiam este gosto

e, tourearam alguns anos.

ANTÓNIO ROBERTO DA FONSECA,

Nele foi encontrada muita aficion, foi

bandarilheiro profissional, a sua apresentação

pública, foi na então

pequena povoação

da Glória (Glória do

Ribatejo), depois de

receber lições de:

Manuel Faria, António

Cordeiro e Vicente

Tinoco, afamados

lidadores da época.

Toureou na antiga praça de toiros existente

Page 65: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

65

no Salitre (Lisboa), com seus irmãos; Antão e

Luís Roberto, que faleceu em 1862.

* Retirou-se da profissão de picar toiros, em

1859, bastante velho e arruinado de saúde.

Veio a falecer em Salvaterra de Magos, a 21

de Março de 1882. Os seus três filhos; Vicente

Roberto, Roberto Jacob da Fonseca e João

Roberto, também enveredaram pela arte do

toureio.

Algumas crónicas da época, da

especialidade taurina, conservam textos, das

actuações destes “monstros” da tauromaquia

portuguesa, que foram Vicente e Roberto da

Fonseca. A tourear, ganharam fama e

proveito, mas foram humildes na vida cívica.

Depois de retirados das arenas,

recolheram-se à vida da agricultura, na sua

terra natal, Salvaterra de Magos.

A agricultura, e a criação de gado bravo,

foram caminhos bem aproveitados, que

deixaram a seus descendentes. Em relação

ao filho, João Roberto da Fonseca, atingiu um

plano pouco lisonjeiro nesta arte dos toiros.

VICENTE ROBERTO

Nasceu na vila de Salvaterra de Magos,

em 1836. Foram seus pais, António Roberto da

Fonseca e D. Maria Gertrudes da Fonseca.

Seu pai, foi também um toureiro distinto.

Page 66: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

66

Vicente Roberto, chegou a aprender o ofício

de alfaiate; manifestando, porém decidida

vocação para o toureio, principiou a aplicar-

se à arte tauromáquica, toureando em

Almada com 13 anos de idade.

O Conde de Vimioso, que assistia à corrida ao ver a

maneira como Vicente Roberto acabava de

evidenciar a sua aptidão para

as lides taurinas, depois da

corrida desceu à arena,

abraçou-o, incentivando-o ao

estudo, e ofereceu-lhe um

trajo de “luces” de

bandarilheiro. Fato de azul e

oiro, que seria o primeiro, que

vestiu de uma brilhante

carreira.

Quando aprendia o ofício de alfaiate, em Vila

Franca de Xira, fez parte da filarmónica da

terra, no intuito de aproveitar o denominado

“BOI PARA A MUSICA”, o que se costumava

tocar nas corridas no Ribatejo.

Aos 18 anos, começou a apresentar-se como

toureiro de profissão, juntamente com

seu pai e seu irmão João Roberto, que era

Page 67: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

67

igualmente um excelente executante, entre

outros artistas.

Em 1858, estreou-se na praça de toiros do

Campo de Sant`Ana, e estão bem vivas na

memória de todos as ovações que ali

alcançou. A sua reputação firmou-se cada

vez mais, e em 1861, entrou para o quadro de

artistas contratados pelo empresário

Domingos Alegria. Os críticos da época, não

se fartavam de o elogiar, sempre que

actuava, os jornais chegavam a fazer

segunda edição, só para venda em Lisboa.

O seu primeiro benefício realizou-se em

1862, apresentando-se nele também seu

irmão, Roberto da Fonseca, que sendo

convidado a tomar parte se recusara, dizia:

não ter grande habilidade, grande era a sua

grande modéstia. A insistência foi muita,

actuou e brilhou na arena de tal sorte que

depois veio a tornar-se dos mais notáveis

mestres do toureio nacional. É impossível

dar nota de todos os triunfos, ovações e

Page 68: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

68

festas artísticas de Vicente Roberto; o público

correia sempre pressuroso a saudá-lo

freneticamente e os bilhetes atingiam um

preço elevadíssimo, com praças sempre

cheias. Toureou em todas as praças de

Portugal, e pela primeira vez, em 1865, na de

Badajoz, correndo touros desembolados e

com sorte inovadoras, como a “Cadeira”,

alcançando um legítimo sucesso. Em 1892, foi

convidado pela nova sociedade “Empresa

Tauromáquica Lisbonense”, para actuar com

seu irmão Roberto da Fonseca, no dia 18 de

Agosto, na corrida à portuguesa, na

inauguração da praça de touros do Campo

Pequeno, em Lisboa. Na Figueira da Foz,

toureou a 10 de Setembro de 1888, numa

sorte de cadeira, ficou gravemente ferido e

teve de recorrer a uma enfermaria da

misericórdia local. Debatendo-se entre a vida

simpatia e dedicação, tanto do digno

provedor e a morte, recebeu inúmeras

provas de simpatia e dedicação, tanto do

Page 69: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

69

digno provedor comendador Afonso Ernesto

de Barros, que havia pouco tempo tinha sido

agraciado com o titulo de visconde da

Marinha Grande, como de Frederico

Nogueira de Carvalho, Fernando de Mello,

José Jardim, que pertenciam ao pessoal

médico e enfermagem do hospital.

Apenas se restabeleceu do lamentável

desastre, contemplou aquela instituição, com

um importante donativo, e no seu testamento

deixou-lhe mais um legado. Com tal colhida,

a sua saúde agravou-se, ficou débil cada vez

mais, e a medicina usando todos os recursos

declarou-se impotente, e após um doloroso e

prolongado martírio, faleceu às 11 horas da

manhã, do dia 1de Junho de 1896, rodeado

de toda a família que durante tanto tempo

disputou à morte aquela preciosa existência.

Pessoa dedicada ao bem e ao útil, e que

mais uma vez deu eloquentes provas de

grande amizade e solidariedade que havia

entre os irmãos Roberto. Deixou no seu

Page 70: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

70

sobrinho, o nosso prezadíssimo amigo e

distinto bandarilheiro, João Roberto, um

digno representante dessa raça de artistas(1),

************ **************

(1) - Foi testamenteiro do tio; Roberto Jacob da Fonseca e continuou com a casa agrícola, deixando depois a seus filhos,

que passaram a usar o ferro Irmãos Roberto

*********** ************

PRIMEIRO ANO APÓS A SUA MORTE

O jornal semanário “ PRETO E BRANCO”

publicado em 1867, faz o elogio fúnebre a

Vicente Roberto, quando da passagem

do primeiro aniversário após a sua morte.

“Vimos hoje, com a alma alanceada por uma

profunda saudade, registar o primeiro aniversário

do falecimento dessa simpática individualidade

que se chamou Vicente, prestando a devida

homenagem a esse incomparável amigo que soube

conquistar um nome imorredoiro no toureiro

português, onde é contado entre os seus grandes

mestres, nobilitar-se por actos de filantropia em

que reflectiu a bondade da sua alma.

Na mais grato para nós do que evocar esse vulto

saudoso, que sempre nos distinguiu com uma

imerecida simpatia; o que sentimos é não

podermos dizer com profundos traços de verdade

o que Vicente Roberto valeu como homem e como

Page 71: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

71

artista; mas a palidez da nossa linguagem será

animada pela afectuosa lembrança que das

brilhantes qualidades deste ilustre morto, todos

conservam arreigadas na alma. Graças à extrema

lhaneza e afabilidade do seu trato, à honradez

imaculada do seu carácter e ao seu coração

sempre aberto às emoções do bem, Vicente

Roberto viu criar-se e desenvolver-se em volta de

si uma enorme simpatia e consideração, o que

sem dúvida devia contribuir para suavizar a vida,

límpida como o cristal, mas torturada pela doença

que se agravara enormemente nos últimos anos.

Amigo delicado, galgava por cima das maiores

dificuldades e sacrifícios para servir os seus

amigos, fazendo um perfeito contraste com a

sociedade actual, tão degenerada; filantropo

benemérito, via na felicidade dos outros a sua

própria felicidade; era assim que despendia uma

grande parte da sua fortuna, adquirida já nos

trabalhos da arena, já na agricultura e criação de

gado bravo, em proteger hospitais, montepios e

outras casas de beneficência, socorria muita

pobreza ignorada, enxugando muitas lágrimas,

fazendo renascer a esperança no peito dos

desgraçados. Como bandarilheiro, Vicente

Roberto, ocupou desde muito novo um dos

primeiros lugares entre os mais ilustres artistas

tauromáquicos de Portugal.

Ágil, audacioso e infatigável, a sua vida de

toureiro foi uma série ininterrupta de calorosos

triunfos; só seu irmão Roberto Jacob da Fonseca,

o podia igualar no trabalho de bandarilhas, nos

Page 72: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

72

recortes à cabeça do toiro sem o auxílio da capa e

em outras sortes que executava com graça e arte

inexcedíveis e que faziam bramir de entusiasmo

os aficionados. A sua fama de lidador exímio

estendeu-se até à própria Espanha, chegando a

tourear em Badajoz, com seu irmão Roberto da

Fonseca, touros desembolado. Ali, as espanholas

que se deliciavam com essas lutas titânicas entre o

homem e o animal, e que aplaudem com frenesim

o pouco edificante espectáculo do toiro que

ajoelha agonizante aos pés do matador, as

espanholas, delirantes de entusiasmo ao ver o

grande artista endoidecer, subjugar e dominar o

toiro com voltas e mais voltas garbosas da sua

capa vermelha, prorromperem na mais veemente

manifestação, cobrindo o distintíssimo artista com

uma nuvem de flores e palmas. Dessas ovações

delirantes que lhe embriagaram a alma,

conservava Vicente Roberto as mais saudosas

recordações. E nos últimos anos de sua vida

como não lhe seria doloroso ver-se impossibilitado

para o toureio que tanto amava por causa da

cruciante doença que dia a dia lhe vinha minando

a existência! De vez em quando, a pedido dos

amigos, lá descia à arena para colocar um

magistral par de ferros em que se revelava sempre

o primoroso e distinto artista de outros tempos.

Nessas ocasiões que bem raras eram, divisava-

se-lhe na fisionomia, cheia de bondade, uma

passageira alegria, e Vicente Roberto saia sempre

da praça coberto das mais ruidosas ovações de

apreço e simpatia. O nosso semanário, não

Page 73: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

73

comporta longas biografias, razão porque nos

limitamos a condensar uns traços biográficos que

resumem em síntese luminosa, o alto valor desse

homem que a par dum grande artista foi um

honrado e infatigável trabalhador, chegando a

adquirir uma opulenta fortuna, e um coração de

oiro que espalhou tantos benefícios pelos

pobrezinhos da sua terra natal, e por diversos

estabelecimentos de caridade do nosso país; uns e

outros ainda pranteiam a perda irreparável que

sofreram e delas sobram as bênçãos e flores, o

mármore frio do seu túmulo. Hoje, dia do

primeiro aniversário da sua morte, depomos sobre

o túmulo do nosso querido amigo um “BUQUET”

de sinceras saudades, ate porque recordamos o

povo da sua terra, desfilando reverente e

comovido perante o féretro e espargindo mil

bênções sobre aquele que foi um dos seus filhos

mais dilectos e um dos seus mais devotados

protectores. Assim, Vicente Roberto, que durante

a vida se viu rodeado dos maiores afectos e

admirações, depois de morto teve todas as

honrarias a que tinha direito, sendo conduzido à

sua última morada por entre alas compactas dos

amigos. Vicente Roberto, evidenciando mais uma

vez os seus sentimentos piedosos, deixou em

testamento vários legados às Misericórdias; de

Salvaterra de Magos, Figueira da Foz, Coruche,

Santarém e ao Montepio de Salvaterra. O grande

artista reviverá na memória da família

amantíssima, no coração da qual deixou um

imenso vácuo, e na lembrança dos que tiveram a

Page 74: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

74

felicidade de privar com ele, e conhecer as

qualidades do seu belíssimo carácter.

(Coimbra, 1 de Junho de 1897 – António Júlio

(Vale de Sousa)

ROBERTO JACOB DA FONSECA

“ Um amigo aficionado de Salvaterra, pede-

me duas linhas sobre o ex-bandarilheiro, que

foi Roberto Jacob da Fonseca.

Artista de um valor tão extraordinário, que é

das tarefas mais difíceis falar dessa glória da

tauromachia portugueza, que foi a maior

figura do toureio antigo, e a nossa maior

relíquia, que hoje possuímos, vivendo na sua

linda Salvaterra, de tão

grandes e históricas

tradições taurinas.

Inaugura-se hoje ali, a sua

nova praça de touros, que a aficion do

Ribatejo, aguardava com impaciência, e a

ela vae assistir, dirigindo a sua primeira corrida

Page 75: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

75

de touros o bom velhinho, Roberto da

Fonseca, que foi um toureiro tão

extraordinário, que a sua grande fama não só

foi conhecida em Portugal, chegando até às

praças de Hespanha, onde tanto se exige dos

seus artistas, e ali Roberto da Fonseca, fez a

mais brilhante das figuras, honrando a arte

portugueza, de lidar rezes bravas. Recorda-

me ainda com saudade, a tarde que o vi

pela primeira vez, em uma festa artística, dos

Irmãos Robertos, na extinta praça do Campo

de Sant`Ana, onde o querido bandarilheiro,

tantas tardes de glória teve em companhia

do seu irmão Vicente, outro grande artista já

falecido, e do seu sobrinho o nosso amigo

João Roberto da Fonseca, actualmente

retirado das lides taurinas, mas ainda um

verdadeiro aficionado, e um dos mais

reputados ganaderos portuguezes. Roberto

da Fonseca, que ainda hoje não teve quem o

egualasse, reuniu à sua esbelta figura,

grandes conhecimentos, grande hagilidade,

Page 76: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

76

de que era possuidor, tornando-se o primeiro

bandarilheiro portuguez, saindo das sortes

com elegância e frescura, pisando sempre os

verdadeiros terrenos, e assim cravava no

morilho dos touros excelentes pares de

bandarilhas, que os velhos aficionados ainda

hoje recordam com grande saudade.

Com a moleta, foi dos artistas portuguezes o

primeiro, que se dedicou a este toureio do

vizinho reino, para o que tinha muita

habilidade, tendo tardes em que estava

primoroso. Ainda inaugurou a praça do

Campo Pequeno a 18 de Agosto de 1892, em

companhia dos seus colegas; ALFREDO

TINOCO, MINUTO, FERNANDO OLIVEIRA, VICENTE

ROBERTO, JOSÉ PEIXINHO, JOÃO CALABAÇA e RIO

SANCHO, todos eles já falecidos. Dos onze

artistas, que há 28 anos inauguraram a nova

praça de Lisboa, apenas existem ROBERTO

JACOB DA FONSECA, JOÃO ROBERTO, RAFAEL

PEIXINHO e PESCADEIRO, este ausente em

Hespanha, e hoje retirado do toureio.

Page 77: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

77

Depois da inauguração do Campo

Pequeno, em poucas corrido Roberto da

Fonseca tomou parte, despediu-se ao público

aficionado, na festa artística que seu

sobrinho, João Roberto ali realizou, estando

magistral.

Dedicou-se depois à sua lavoura em

Salvaterra, encontrando-se ainda hoje à

frente da sua casa agrícola, o que foi um dos

melhores ornamentos das touradas em

Portugal. Um grupo de amigos de Coruche,

pediu-lhe a sua presença na praça da terra e,

em 18 de Agosto de 1899, toureou pela última

vez. Já muito velhinho, apareceu em 17 de

Novembro de 1921, a presidir a corrida

organizada pela Associação dos Toureiros

Portugueses, no campo pequeno, amparado

por José Bento Araújo, desceu à arena e aí

recebeu do público que esgotava a praça, a

maior ovação da sua vida, pois a aficion não

o havia esquecido.

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78

Hoje, dia 1 de Agosto de 1920, vae

inaugurar como director da corrida, a nova

praça, onde estará presente o distinto e

apreciado cavaleiro tauromáquico JOSE

CASIMIRO, outra glória da nova geração, e

estamos certos que a sua primeira sorte, será

oferecida ao respeitável toureiro, que com a

sua presença, ali se vão iniciar de novo as

corridas de touros em Salvaterra.”

**********

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79

O SEU TESTAMENTO

Roberto Jacob da Fonseca, que na sua

juventude foi bandarilheiro, tal como seu irmão

Vicente, granjeou fama e fortuna, nas arenas de

Portugal e Espanha. No seu último testamento,

deixou expresso toda a sua vontade, várias vezes

modificada, antes de falecer. Este último desejo,

foi fechado no dia 24 Agosto de 1920, tendo o

seu falecimento ocorrido no dia 8 de Maio de

1923, com 79 anos de idade.

. Uma certidão foi passada, por António

Emiliano Garrido da Silva, há época secretário

da administração do concelho de Salvaterra de

Magos, a pedido do seu testamenteiro, o

sobrinho João Roberto da Fonseca.

“Eu, Roberto Jacob da Fonseca, solteiro, de

setenta e nove anos de edade, natural da

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80

freguesia da vila e concelho de Salvaterra de

Magos, onde resido, filho legitimo de António

Roberto da Fonseca e de Maria Gertrudes

Roberto, já falecidos, faço o meu testamento

pela forma seguinte:

Seguinte: - Em primeiro lugar declaro que de

mulher ser livre, com quem podia casar: houve

um filho que é Roberto da Fonseca Júnior,

casado, natural e morador em Salvaterra de

Magos e a quem pelo presente testamento eu

reconheço e perfilho, para que ele tenha e gose

todos os direitos, que a lei concede aos filhos

perfilhados. – Pelas forças da metade livre aliás,

da metade, cuja livre desposição a lei me

permite, deixo:

- A Dona Vitalina Pasehoa (da Fonseca),

solteira, de Salvaterra de Magos, o seu uso

fructo, de todas as minhas terras, para que o

gose enquanto viva for, ficando a propriedade

das mesmas terras a seus filhos, se, casando, e do

matrimónio os vier a ter; e os não tendo, ficará

do, aliás, ficará por sua morte a propriedade

Page 81: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

81

dita a meu sobrinho João Roberto da Fonseca;

no caso de este ser falecido, ficará tal

propriedade a seus filhos, dele meu sobrinho. Ao

dicto meu sobrinho João Roberto da Fonseca

deixo em plena propriedade todos os meus

celeiros, abegoarias e palheiros, incluindo o

terreno das cavalariças, que está por vedar, bem

como a chamada casa da capela e da machina.

Com o ónus de ser meu primeiro testamenteiro.

Como especial demoustração da minha amizade,

deixou-lhe todos os meus brindes e objectos

artísticos, que passarão para a sua posse nas

trez victrines

que estão encerrados com os que pertenceram a

meu irmão Vicente Roberto, e a meu sobrinho já

Page 82: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

82

pertencem, segundo disposição testamentaria do

dito meu irmão. Se á data da minha morte meu

sobrinho fôr falecido ficarão estes legados a seus

filhos. – A cada um dos filhos de meu sobrinho

João Roberto da Fonseca, deixo a minha

corrente e relógio de ouro.

– Aos filhos de Roberto Anica, deixo duzentos

escudos. – A Vicente Anica deixo cento e

cincoenta escudos. – Deixo mais: - cento e

cincoenta escudos a cada um dos seguintes:

António Anica- A João Carvalho Anica duzentos

e cincoenta escudos, aos filhos do falecido

Doutor Gregorio Fernandes, um conto de reis

para todos, e á Excelentíssima Senhora Dona

Sofia Rodrigues Fernandes trezentos escudos,

pedindo desculpa a todos da singela lembrança,

que lhes deixo, signal apenas da muito

veneração em que tenho a memoria do Doutor

Gregorio Fernandes; a cada um dos meus

afilhados: Dona Amélia Garcia de Carvalho,

Vicente Roberto Garcia de Carvalho, e Roberto

Isaac da Nazareth, cento e cincoenta escudos; -

Page 83: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

83

A Vitalina Isaac, duzentos escudos; ao meu

amigo Joaquim Paulino Duarte, ou caso seja

falecido, a sua esposa, duzentos escudos, ao meu

afilhado Armando Santos ficará pertencendo o

meu anel de brilhantes, que está em uma

caixinha de metal dentro da montra. A Manuel

Aleixo de Carvalho, se á data do meu

falecimento estiver ao serviço da Sociedade

Roberto & Roberto, cento e cincoenta escudos; -

aos meus velhos creados Manoel Bernardino,

Francisco Feijão, Miguel Galricho, Roberto Gil

e Francisco Morcego, se á data do meu

falecimento estiverem ao serviço da Sociedade

Roberto & Roberto, cem escudos a cada um; se

alguns deles tiver falecido no dito serviço,

revertará a importância do seu legado para seus

legítimos herdeiros; - A cada creado que na

minha casa, ou na sociedade Roberto &

Roberto, tiver mais de cinco anos de serviço,

cincoenta escudos; - ao abegão Lino da Silva

duzentos escudos, se estiver de Roberto &

Roberto, e, caso tenha falecido nesse serviço, fica

Page 84: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

84

a mesma importância cabendo a seus filhos; aos

meus servidores Manoel Ribeiro e Joaquim

Almeida, se ainda o forem á data da minha

morte, cem escudos a cada; a Justa Pereira

Lérias, duzentos escudos, e a sua filha mais

velha cincoenta escudos, a Maria das Dores

Carcereira, cem escudos; a Urbina Conceição e

Rosa Pirralha, se estiverem ao meu serviço, cem

escudos a cada uma; deixo ainda ao Hospital da

Santa casa da Misericórdia de Salvaterra de

Magos, mil e quinhentos escudos; ao Hospital da

Santa Casa da Misericórdia de Coruche, mil

escudos, ao Hospital de Jesus Christo da Santa

casa da Misericórdia de Santarém, Santarém,

quinhentos escudos, ao Hospital da Misericórdia

da Figueira da Foz quinhentos escudos; Quero

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85

que aos pobres de Salvaterra sejam distribuídos

cento e cincoenta escudos em esmolas; e que por

alma de meus paes e irmãos, se apliquem trinta

missas, e por minha alma vinte, todas de esmola

não inferior a um escudo; Se á data da morte

existir Instituição que destribua habitualmente

sopa aos pobres de Salvaterra, quero lhe sejam

entregues duzentos escudos. Se por enfelecidade

dos que precisam, tal instituição não existir, será

esta quantia devidida por quinze jornaes, sendo

nove de Lisboa, á escolha do meu testamenteiro,

e seis do Porto á escolha do meu amigo velho

amigo Júlio Gama, Redactor das Gasetas das

Aldeias, a esses jornaes espero dever a fineza da

distribuição pelos seus pobres, das quantias que

lhes forem entregues, deixando eu aqui á

Imprensa do meu paiz o meu agradecimento,

pelo carinho, com que sempre se referiu á minha

família, apreciando-nos como artistas.

As contribuições a pagar pelo usofructo das

propriedades que fica a Dona Vitalina Paschoa

da Fonseca, e a devida pelos legados em dinheiro

Page 86: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

86

a particulares, ficam a cargo da minha

testamentaria. Todos os legados em dinheiro

serão pagos em moeda corrente no paiz e

cumpridos dentro do ano posterior á minha

morte. Quero que por sua morte sejam

depositados no meu jazigo a já referida Dona

Vitalina Paschoa da Fonseca e meu sobrinho

João Roberto da Fonseca, sua mulher e filhos, a

não ser que, por sua vontade ou de seus

herdeiros hajam de o ser em outro local. Nomeio

meus testamenteiros: em primeiro lugar meu

sobrinho João Roberto da Fonseca, e em

segundo lugar o meu amigo Joaquim Ferreira

Pedroza, a quem peço aceite este encargo e a

lembrança de trezentos escudos. Quero que dos

benefícios deste testamento seja excluído quem,

sob qualquer protesto, ou com qualquer intuito

que não seja o de fazer cumprir extremamente

as suas, suas cláusulas. Tomar a iniciativa de

sobre ele levantar, aliás levantar letigio ou

pleito. E, no caso por mim não esperado, que tal

se dê, se considedará como não excripto tudo o

Page 87: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

87

que a esse referi. Quero que o meu funeral,

modesto, mas decente seja ordenado pelo meu

testamenteiro. E assim tenho feito o meu

testamento, que quero revogue qualquer outro

que em data anterior, tenha feito. E declaro que

o mandei escrever, e que depois de o ter bem

lido e conferido e achado em tudo, conforme

com a minha última vontade, rubriquei as folhas

e assigno no final, conscientemente e livre de

qualquer coacção ou imposição. Em tempo

declaro que os legados a Urbina Conceição e

Rosa Piralho serão de duzentos escudos, e não

de cem, como por lapso se escreveu. E tendo

novamente lido todo o meu testamento, achei em

tudo conforme com a minha ultima vontade e

conscientemente e livremente o vou assignar

depois de ter rubricado as folhas, tendo tudo

sido encripto a meu rogo. Salvaterra de Magos,

vinte e quatro de agosto de mil novecentos e

vinte. ainda em tempo uma declaração: a meu

sobrinho João Roberto da Fonseca, e na sua

falta a seus filhos, deixo como atrás digo todos os

Page 88: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

88

objectos artísticos e brindes, com as vitrines em

que estão guardados, tanto os meus, como os que

foram de meu irmão Vicente, quer sobre este

haja ou não disposição testamentária em favor

do dito meu sobrinho; porem quero que,

comquanto se faça arrolamento e avaliação

desses objectos em qualquer tempo, para efeitos

convenientes, nunca a sua entrega possa ser

exigida sem que passe um ano sobre a minha

morte. Uma vez mais li todo o meu testamento, e

parecendo-me nele deixar bem expresso o meu

pensamento o declaro a expressão da minha

última vontade, pelo que muito livre e

espontaneamente o vou assignar, depois de

rubricar as folhas. Salvaterra de Magos, vinte e

quatro de Agosto de mil novecentos e vinte aliás

Salvaterra de Magos, vinte e quatro de Agosto

de mil novecentos e vinte (assignado) Roberto

Jacob da Fonseca” - Saibam quantos virem este

auto de aprovação de testamento cerrado, que

aos vinte e quatro dias do mez de agosto do ano

de mil novecentos e vinte, nesta vila de

Page 89: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

89

Salvaterra de Magos e escriptório da Firma

Comercial Roberto & Roberto, na rua

denominada do almirante candido dos reis,

onde vim eu Notário Francisco César Gonçalves.

O chamado do testador; aqui estava

pessoalmente presente Roberto Jacob da

Fonseca, solteiro, proprietário, de maior edade;

Sui guris, anarador nesta mesma vila de

Salvaterra, e as trez testemunhas edoneas,

adeante nomeadas e no fim assignadas; e tanto

eu notario como as ditas testemunhas

conhecemos aquele testador Roberto Jacob da

Fonseca pelo próprio e nos certificamos de que

ele está em seu perfeito juízo e de livre de toda e

qualquer coação. E por ele testador Roberto

Jacob da Fonseca me foi apresentado neste acto,

em presença das mesmas testemunhas, este

testamento e disposição, declarando como ela é a

sua ultima vontade, o qual testamento, que eu vi,

sem o ler está escripto por pessoa diversa do

testador, está rubricado e assignado pelo mesmo

testador, contem cinco laudas e mais trez linhas

Page 90: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

90

de outra lauda e não tem borrão algum,

entrelinhas, emenda, ou nota marginal. E por

verdade lavrei este auto, que principiei em logo

em seguida á assignatura do testamento e o

continuei sem interrupção, sendo testemunhas a

tudo presentes desde o principio até ao fim.

Carlos de Novaes Barreiros, Chefe da Secretaria

da Câmara Municipal deste concelho – Manoel

da Silva Robeiro, Chefe da Repartição de

Finanças deste mesmo concelho – e José de

Vasconcelos, Thesoureiro da Fazenda Publica

deste concelho. Todos trez casados, de maior

edade, cidadãos portuguezes, hábeis para

testemunhas, residentes nesta vila de Salvaterra

de Magos, os quaes todos assignam, com os seus

nomes a dita primeira testemunha Carlos de

Novaes Barreiros, o qual efectivamente o leu

neste acto, em voz alta pelo testador em lugar

deste e vão agora todos assignar, como fica dito.

E eu referido Notário Francisco César

Gonçalves o escrevi e assigno em raso depois de

egualmente lida em voz alta esta declaração por

Page 91: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

91

mim Notário e pela dita primeira testemunha

para esse fim indicado pelo testador. Declaro

que li este auto de aprovação do meu

testamenteiro e o reconheci conforme a minha

vontade – (ass) Roberto Jacob da Fonseca.

(assignados sobre duas estampilhas fiscaes no

valor total de um escudo e cincoenta centavos,

e devidamente inutilizadas) Roberto Jacob da

Fonseca - Carda Silva Ribeiro – José de

Vasconcelos – O Notário Francisco César

Gonçalves. Emolumentos seis escudos e

cincoenta centavos. Tem mais coladas duas

estampilhas de contribuição industrial no valor

total de oitenta e dois centavos e uma estampilha

fiscal de um centavo e meio todas devidamente

inutilisadas e assignadas pelo Notário Francisco

César Gonçalves . (Na capa do testamento)

Testamento de Roberto Jacob da Fonseca,

aprovado nesta vila de Salvaterra de Magos aos

vinte e quatro de Agosto de mil novecentos e

vinte perante mim Notário (ass) Francisco César

Gonçalves. E nada mais constava do dito

Page 92: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

92

testamento cerrado que bem e fielmente para

aqui fiz copiar em mão e poder do apresentante

a quem o entreguei do que dou fé. Foi lavrado

nesta Administração o respectivo auto de

abertura apresentação e publicação deste

mesmo testamento, como consta do livro

numero dois de autos de abertura ou publicação

de testamentos cerrados de folhas um a folhas

dois sob numero um. Administração do

Concelho de Salvaterra de Magos, oito de Maio

de mil novecentos e vinte e trez. António

Emiliano Garrido da Silva. E por ser verdade fiz

passar a presente cópia de certidão que assigno e

vae autenticada com o selo branco desta

secretaria”

****************

************

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93

JOÃO ROBERTO DA

FONSECA

Nasceu em Salvaterra de Magos,

no dia 19 de Março de 1860,

sendo neto, de António Roberto

da Fonseca, foi-lhe dado o nome

do pai. Por ter ficado órfão muito cedo, foram seus

tios; Vicente e Roberto, que o protegeram e foram

seus mestres na vida artística. Toureou pela primeira

vez em Alcácer do Sal, a pedido do avô de João

Núncio. A partir daí os convites não mais pararam.

Toureou depois em Vila Franca de Xira, Santarém e

Coruche. Em 1878, apresentou-se no Campo

Sant`Ana, num espectáculo taurino, em benefício de

uma creche. Um ano depois, esteve na Barquinha,

alternou com seus tios e Marcel Botas, os toiros eram

do dr. Máximo da Silva Falcão. Esteve brilhante a

tourear, nas sortes de saída do curro e junto às

trincheiras. Os cartazes de algumas praças de

Portugal anunciavam-no em destaque e, em 1982,

actuou em Lisboa, com João Costa, afamado

Page 94: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

94

bandarilheiro. João Roberto, nesta corrida esteve de

tal sorte que deu um brilharete a bandarilhar.

Com a doença de seu tio Vicente, começou a ser mais

solicitado em Lisboa, fazendo um contrato de seis

épocas. Demolida a praça de Sant`Ana, João Roberto

passou a ser visto, na arena do Campo Pequeno.

Pelos êxitos alcançados, a sua presença era muito

solicitada em vários pontos do país, pois deliciava os

espectadores no capear na sorte de “cadeira”, e na

sorte de bandarilhar. Em Portalegre, no ano de 1895,

fez a sua despedida das arenas.. Um tempo depois,

ainda pisou o recinto da praça da sua terra -

Salvaterra de Magos, num festival de beneficência.

Com a morte de João Roberto, terminou a mais

notável geração de toureiros, da mesma família, em

Portugal.

Foram seus filhos: Vicente Roberto da Fonseca,

nasceu em 2 de Dezembro de 1891, Dr. Roberto

Ferreira da Fonseca e João Roberto Fonseca

Page 95: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

95

Page 96: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

96

VIII

BANDARILHEIROS

Nota Prévia

Muitos nomes dos salvatorianos ilustres que

pelo seu destemido valor, actuaram em

praças do país, quer como cavaleiros, quer

como bandarilheiros, não tiveram grande

espaço nas crónicas taurinas, dos jornais da

época. Da nobre família Costa Freire, sabe-se

Joaquim Pedro da Costa Freire, foi um grande

equitador, com fama em todo o Ribatejo

toureiro. Outros dos seus membros, ainda no

séc. XIX, foram amadores tauromáquicos,

Page 97: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

97

disso atesta as recordações de ramalhetes de

flores, bem guardados no palacete da

família.

ROGÉRIO AMARO

Rogério Amaro, nasceu em Salvaterra de

Magos, em 1923, conseguiu a alternativa de

bandarilheiro.

Durante muitos anos foi peão de brega, dos

cavaleiros; Simão da Veiga Júnior e João

Branco Núncio e, dos matadores de toiros;

Manuel dos Santos e Diamantino Viseu, entres

outros. Terminou a sua longa carreira ligada

aos toiros, como director de corridas.

JOAQUIM DA CONCEIÇÃO

Em 10 de Maio de

1953, numa corrida

realizada, em

Salvaterra de Magos,

sua terra natal, fez

prova de alternativa

de Aspirante a Bandarilheiro. Na comissão de

Page 98: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

98

apreciação esteve presente o matador de

toiros Diamantino Viseu.

FRANCISCO DA SILVA FAZ-CORDAS

“El-Palhota”, nasceu em Salvaterra de

Magos, foi viver para Vila Franca de Xira,

onde esperava encontrar, espaço para a sua

aficion, pois os toiros eram a sua paixão.

Entrou no mundo da tauromaquia, como

Bandarilheiro. A sorte não

lhe sorriu, para sobreviver,

com um pouco de

habilidade, lá foi vivendo,

fazendo os seus pequenos

trabalhos artísticos, em ferro e arame, com

motivos taurinos.

ANTÓNIO CADÓRIO

Nasceu em 27 de Dezembro de 1921, ainda

jovem, na aprendizagem da arte de

sapateiro, ficou a ser conhecido pelo

“Mestiço” . Foi aprendiz do mestre daquela

Page 99: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

99

arte, João Ferreira, conhecido por João

Coxinho, por ter uma perna amputada.

Como as muitas tertúlias que existiam dos

52 sapateiros existentes na vila de Salvaterra

de Magos, a do mestre João Coxinho, torcia

pelo matador de toiros; Diamantino Viseu.

Cadório, grande aficionado, sempre viveu

para a tauromaquia, queria ser bandarilheiro.

Desejando ter lugar e brilhar nas arenas,

sonhando abalou até Vila Franca de Xira.

Ali, viveu toda a sua vida com a profissão

de sapateiro. Dos seus sonhos, mais não fez

que ensinar a arte de tourear, numa escola

que montou. De lá saíram toureiros de fama,

como José Júlio e José Falcão, pois queria

que eles brilhassem mais nas arenas, que os

seus conterrâneos; Irmãos Vicente e Roberto

da Fonseca.

Já entrado na idade, António Cadório,

regressou à sua Salvaterra. Comigo falou

algumas vezes das suas frustrações e, até da

maneira como era ignorado pelas gentes da

Page 100: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

100

sua geração, pois dos novos já o esperava. Ia

fazendo os seus “biscates” de sapateiro.

Viajava muitas vezes na carreira, pois ia

levar/buscar calçado, aos seus antigos

fregueses (Vila Franca, Alhandra e arredores).

Era na estação das carreiras, que me

falava da bela arte de tourear a pé, como

que tentando convencer-me: “há muitos

anos que não se toureia com sortes de

“gaiola” e de “navalha”, como ouvia dizer na

nossa terra, quando era miúdo, que aqueles

brilharam e tiveram glória, fama e proveito.

”António Cadório, faleceu no dia 20 de

Outubro de 1979. Um dia a sua prima

Conceição, que lhe dera albergue, deu-me o

seu BI, para aproveitar a fotografia, afim de

ilustrar um artigo que mais tarde publiquei no

já extinto jornal Vale do Tejo. Maurício do

Vale, tendo por Cadório, grande respeito e

afeição, escreveu no jornal “Vida

Ribatejana”, um artigo que aqui registamos.

Page 101: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

101

ANTÓNIO CADÓRIO,

MUITO COLHIDO PELA VIDA,

MORREU NOS CORNOS DA DOENÇA!

“Estou arrumado”, dizia-me há tempos no Campo

Pequeno, quando à hora do sorteio por ali

apareceu, conforme combinara com Mário Coelho.

António Cadório, toda uma face abalada, era a

imagem da amargura pelo que o destino lhe

guardara. O bilhete que o toureiro lhe ofereceu,

apertou-o ele, Cadório com a força de quem se

agarra a algo querido pela última vez. E quase o foi!...

Morreu António Cadório! Morreu um Ribatejano!

Morreu um coração aficionado! Morreu um simples-

grande Homem dos Toiros!!!

Um Homem do Ribatejo!

Desde o sonho que teve em ser toureiro ao não consegui-lo, a

vida pregou-lhe várias colhidas. A incompreensão dos homens

condena muitos Homens!...Mas essa condenação é uma medalha

com outra face – a da nobreza de carácter e sentimento que,

tarde ou cedo (e, quase sempre, mais tarde…), lhes é

Page 102: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

102

reconhecida e devidamente cantada! Muitos foram os toureiros

que passaram pelas suas mãos, pelos seus olhos! Uns lograram

voar para o êxito (José Falcão, Vítor Mendes, Palhota, Boleiro e

outros); uns conseguiram sair da penumbra, mas não puderam ir

além: outros, nem uma coisa nem outra. Com uma vida repartida

por Vila Franca de Xira, Alhandra e Salvaterra de Magos, António

Cadório nunca soube fechar as portas para quem quer que

fosse! Moços pobres, sem “padrinhos”, batiam-lhe à porta, e ele

aí estava com as suas ganas e o seu saber.

Uma vida que valia a pena historiar e que, só por si, seria um

romance, um drama. Vivendo pobremente, arranjava sempre

aquele tempo e aquele mínimo de cifrões para andar com os seus

“maletillas”, de tenta em tenta, daqui para ali.

Page 103: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

103

A “Palha Blanco” viu-o muitas vezes encostado à trincheira a

ver seus pupilos treinar. E pedia aos toureiros que

aconselhassem os seus rapazes, dizendo a estes que ouvissem

aqueles. Tinha bom sentido toureiro, pelo que também opinava

quando observava treinos de “maestro”, como acontecia, às

vezes, com Mário Coelho.

Este, aliás confessou sensibilizado que era de Cadório a

primeira muleta com que citou um bezerro (numa ferra, já lá vai

um bom par de anos!), bem como o escutava quando trocavam

impressões sobre toureio. Morreu António Cadório!

Muito colhido pela vida, morreu nos cornos da doença! Morreu

um dos poucos poetas do toureio! Sonhador que era diante dos

seus “maletillas”, sonhando neles os êxitos que em si não

viveram, António Cadório merece o respeito de todos nós, da

Festa! Porque viveu, sonhando! Porque amou a Festa, sonhando!

Porque, talvez morresse nos cornos da doença, sonhando que um

toiro o matara na mais imponente Monumental ou… na sua linda

“Palha Blanco” Sepultado, no cemitério de Salvaterra de Magos,

sua terra-natal, o “Mestiço” como era conhecido, tem na sua

pedra tumular, umas poucas palavras; “uma lembrança dos

Page 104: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

104

aficionados de Vila Franca de Xira”. Os aficionados da sua terra,

continuaram a tê-lo no esquecimento

************

*******

*************

Page 105: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

105

IX

CAVALEIROS TAUROMÁQUICOS

FERNANDES TRAVESSA

(Rogério Manuel Silva Fernandes Travessa),tal

como seu irmão Cláudio José, entrou como

cavaleiro

tauromáquico,

depois de actuar

em praças de

Portugal, Espanha

e, nos EUA (Califórnia). Fez a sua prova de

cavaleiro praticante, em Santarém, conforme

noticiou o Jornal o Ribatejo, na sua edição de

15 de Março de 1990. Recebeu a alternativa,

na monumental de Cascais, no dia 24 de

Page 106: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

106

Julho de 1994, apadrinhado por José Manuel

Cortes. Daqui em diante, foram poucas as

corridas em que esteve presente. Com seu

irmão, associou-se na exploração de uma

escola de ensino de cavalos e cavaleiros.

CLAUDIO JOSÉ

(Cláudio José Silva

Fernandes Travessa). Tal

como seu irmão Rogério,

desde muito novo teve o

sonho ser cavaleiro

tauromáquico e chegar à

alternativa!

Depois de actuar, em Espanha, durante

alguns anos como Rojenedor, foi até aos EUA,

onde toureou na Califórnia. Em Salvaterra, no

dia 30 de Agosto de 1998, aos 23 anos de

idade, obteve a alternativa, sendo seu

padrinho Joaquim Bastinhas. Nos anos

seguinte, ainda esteve presente nos cartazes

de corridas em Portugal e Espanha. Um

Acidente, levou-o a ficar ausente dos

Page 107: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

107

redondéis. Com seu irmão Rogério montou,

uma escola de ensinamento de cavalos e

cavaleiros.

ANA BATISTA

(Ana Cristina Marramaque Batista), natural

de Salvaterra de Magos, nasceu no dia 16 de

Junho de 1978.

Ana Batista, desde muito nova quis ser

cavaleira tauromáquica.

A sua apresentação pública, vestindo de

fato curto, foi na praça de toiros da sua terra-

natal, em 1988, onde lhe foi destinado um

novilho, toureando com o Praticante Cláudio

José.

A sua alternativa,

ocorreu dois anos depois,

na praça de toiros de

Coruche, em 8 de Julho

de 2000, sendo seu

padrinho; Joaquim

Bastinhas. A sua carreira

tem sido de grandes êxitos, tem estado

presente em todas as arenas de Portugal,

como figura do toureio a cavalo, também é

muito apreciada em Espanha, onde se

desloca todas as temporadas taurinas.

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108

***************************

***********************

OUTROS CAVALEIROS AMADORES

Depois da praça de toiros de Salvaterra, ser

inaugurada, em 1920, alguns amadores, pelo

gosto de tourear a cavalo, não deixaram de

ser solicitados a actuar em arena, pois tinham

angariado alguma experiência. Passaram a

constar em cartazes de festivais taurinos em

várias localidades do Ribatejo,

MÁRIO MARQUES

Mário Monteiro Marques, nascido a 17 de

Maio de 1925, desde muito novo mostrou

aptidões para a arte equestre, era um artista

na forma de ensinar os animais.

Um acidente de viação, ocorrido em 25 de

Março de 1858, tirou-lhe a vida e com ele foi

o seu grande sonho.

Page 109: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

109

MONICA MONTEIRO

Ainda menina, já

manifestava o gosto de

andar a cavalo, pouco

depois mostrava grande

tendência para a aficion, o

toureio equestre era a sua

paixão. O Jornal o Ribatejo, na sua edição de

18 de Outubro de 1990, dava a noticia que

ela actuava, com Cláudio Travessa, entre

outros amadores, num espectáculo em

Santarém. A sua apresentação pública, em

Salvaterra de Magos, sua terra-natal, foi em

1992. Os empresários depressa viram nela

uma cavaleira tauromáquica com arte, que

podia empolgar o público aficionado, nas

praças de toiros portuguesas. Treinava

afincadamente, esperando a sua

oportunidade, foi convidada num programa

especial da Rádio Ribatejo, coordenado pelo

crítico, Paulo Beja, esteve ao lado de Ana

Page 110: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

110

Batista e Sónia Matias. Em 1993, na Nazaré,

num festival taurino, em dia de carnaval,

Mónica caiu do cavalo e, foi internada de

urgência em Leiria, tinha fractura de crâneo.

O estado de coma durou alguns dias, já

estava internada no hospital de Santa Maria.

Recuperada, na época seguinte, foi a Lagos

tourear fazendo a prova de cavaleira

praticante, apareceu vestida com uma

casaca de cor bordeaux filada a oiro. O

sonho de ser cavaleira tauromáquica, era

uma meta, treinava diariamente. Um dia

quando regressava a casa pela estrada, o

movimento de carros era imenso, um pesado,

apitou por detrás, o animal teve medo, a

Mónica caiu, ficou paraplégica. Não ficou

esquecida, em 1997, o grande aficionado

salvaterrense; Manuel Fernandes Travessa, em

conjunto com um grupo de amigos, onde a

família Telles esteve presente, foi

homenageado em Salvaterra de Magos

Page 111: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

111

X

CRITICOS TAUROMÁQUICOS

(ROBERTO FERNANDES)

Num dia de Agosto de 1959, com a tarde a

despedir-se do calor, a brisa já se sentia,

convidando os clientes do Café Ribatejano, a

aproveitarem as sombras

daquelas árvores em

frente, iguais a tantas

outras tílias em todo o

jardim do Largo dos

Combatentes. Na esplanada, debaixo de

uma dessas sombras, sentado numa cadeira

de ferro, um homem já entrado na idade,

Page 112: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

112

refrescava-se com uma água fresca,

daquelas engarrafadas. Andava eu, por ali

pois esperava a chegada da carreira das

17,00 horas, que tinha paragem em frente ao

edifício da escola. O homem, viu-me vestido

a preceito, fardado com boné (era a farda

de empregado da camionagem), dirigiu-me

a palavra: Então moço, esperas alguma

coisa! Lá respondi ao que estava e, porque

estava, enfim a conversa foi ao ponto de

saber de quem eu era filho.

Enfim, todos aqueles pormenores de quem

tem alguma curiosidade. Lá respondi, chamo-

me: José Rodrigues Gameiro !!

Convidou-me para me sentar, e beber uma

água, fazer-lhe companhia. De chofre, disse-

me; eu conheço o teu pai, é o “Zé Pataco”

(1), é jardineiro na câmara, somo velhos

amigos de juventude. Quando cá venho,

conversamos muito sobre a nossa terra.

Page 113: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

113

Também ouvi falar e conhecia grande parte

da tua família, o teu bisavô, o teu avô e os

irmãos dele, foram grandes campinos.

******** *********

(1) – A alcunha de Pataco, vinha de meu bisavô que a deixou a

alguns descendentes.

****** ******

Naqueles meus 14 anos de idade, fiquei

algo confuso. Agora o curioso era eu! Então

o senhor é de cá de Salvaterra! Sou, venho

cá passar uma semana de férias todos os

anos. Um ano de ausência, as saudades é

muitas da família, da minha terra e dos

amigos. Olha, já perguntei ao meu amigo Zé

Pataco, que me confirmasse quem era aquele

José Gameiro, que escreve no jornal “Aurora

do Ribatejo”, jornal que leio todas as

semanas. Afinal és tu!...

Estava eu, pronto para continuar a

conversa, mas com a chegada da carreira, lá

me despedi, com um aperto de mão.

Page 114: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

114

O homem, ainda me disse, volto cá para o

ano e, temos muito que conversar. À noite,

em casa, lá fiz a conversa sobre tal encontro,

meu pai informou-me: É o Roberto da

Ferradora, é neto do Roberto que foi toureiro.

Olha, ele é muito apaixonado por toiros, julgo

que faz criticas das corridas, não tenha a

certeza?!...

Um ano se tinha passado !

Um dia estava eu, na Central das Carreiras,

na rua Heróis de Chaves, a preparar os

volumes das encomendas, para seguirem

para Marinhais e Glória do Ribatejo, quando

do lado do Jardim do Lopes, vinha um

homem vestido a preceito, com chapéu

preto na cabeça, acercou-se de mim,

cumprimentou-me e num instante: “Já não se

lembra de mim!...” Apresentou-se, recordou o

nosso encontro, no ano anterior. Olhe, trago-

lhe aqui um livro que lhe quero oferecer, são

os “Anais de Salvaterra de Magos”. O ano

Page 115: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

115

passado, ainda soube pelo seu pai e, por

outras pessoas amigas, que tem gosto em

saber coisas da nossa terra!

De imediato, abriu o livro e nele fez uma

pequena dedicatória. Nessa noite e nas

seguintes, o livro foi todo lido página por

página e agora faz parte do meu espólio.

Um tal RUI DE SALVATERRA, que em 1935, fazia

crónicas tauromáquicas, era da família

“Ferreira Estudante”

Assinatura de Roberto Fernandes, extraída do livro “Anais de

Salvaterra de Magos” com a sua dedicatória

**********************

****************

Page 116: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

116

XI

MOÇOS DE FORCADO

Nota Prévia

O rei D. José, determinou em 1762, que no

seu reinado não haveria mais corridas reais,

em Salvaterra foi a última. Mais tarde, em

1836, a rainha D. Maria II, assinou o decreto

que seríamos proibidos os toiros de morte, em

praças de Portugal. O palácio real de

Salvaterra, há muito tinha desaparecido após

alguns incêndios e, da derrocada provinda

do sismo, de 1858. O espaço onde tinha

ocorrido, a morte do Conde dos Arcos, estava

agora rodeado de construções, era

conhecido pelo Canto da Ferrugenta (1).

Page 117: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

117

*******

(1) - Joaquina Mendes, José Caleiro, Rosa Mendonça e

Francisco Costa(pessoas que viveram em dois séculos) –

Foram por mim entrevistados em 1989, para um trabalho

“Em busca do Teatro Real da Ópera de Salvaterra de

Magos”.

Os toiros passaram a ser pegados. Os

monteiros da choça, foram convertidos em

moços de forcados. O povo fornecia os seus

elementos, aqueles mais destemidos, estavam

sempre na primeira fila. Quando da

inauguração da praça de toiros de Salvaterra

de Magos, em 1 de Agosto de 1920, o grupo

de forcados, foi chefiado pelo capataz;

Manuel Burrico, de Vila Franca de Xira.

Bastava haver um festival tauromáquico em

Salvaterra de Magos, ou em vilas dos

arredores, logo se formava um grupo de

forcados, como foi o caso de um que foi

actuar a Leiria, em 1966, num festival a favor

do União de Leiria, entre outros figurou

António Santos Paulo, conhecido por António

Béu.

***********

Page 118: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

118

1942 - Grupo de Forcados de Salvaterra numa corrida após o

ciclone

Manuel Fróis Marques

(Manuel Lazão); morreu,

em 1948, num acidente,

num circo, na Feira de

Setembro de Benavente,

quando agradecia ao

público depois de ter

pegado um bezerro, uma

Page 119: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

119

marrada, pelas costas, fracturou-lhe a coluna

grupo de

forcados

profissional de

Manuel Faia,

Manuel dos Reis

(Manuel

Ferrador),

primeiro lado direito

1956 - Grupo de Forcados de Salvaterra

Page 120: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

120

1969 – Um Grupo de Forcados de Salvaterra

ANTÓNIO LAPA

Nasceu em Salvaterra de Magos, desde

jovem manifestou o gosto pela pega dos

toiros. Seu pai, também já tinha pegado toiros

nas arenas. Um dia veio ter às minhas mãos

uma página do já desaparecido jornal “O

Diabo”, era do dia 22 de Outubro de 1985 e,

tinha um artigo assinado por Miguel

Alvarenga, que pela sua importância e

significado aqui o transcrevemos:

O ADEUS A ANTÓNIO LAPA

“ Dizem-me que te

fostes embora, António

Lapa.

Que entregaste a

jaqueta ao Francisco

Costa e te despediste

das arenas em Alcácer.

Não pude lá estar.

Page 121: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

121

Mas não quis deixar passar o momento de

aqui te prestar a minha homenagem.

Ao teu valor, António Lapa. Ao forcado

completo que tu foste. A mais que isso,

António: à amizade que se fez forte no

México e se foi prolongando por estes tempos

fora. Lembro-me desse mês inesquecível .

Dessa camaradagem sem fim que fui

encontrar entre vocês todos, nesse México

que não esquecemos mais. Comigo, com

todos os outros. O Hilário, o Costa, o Silvino, o

Fazé, o António Santos. Todos. Agora; dizem-

me que te foste embora. Que disseste adeus

a uma carreira que abraçaras de alma e

coração, durante o qual nunca, mas nunca,

esqueceste tudo o que devias ao mestre

Nuno Salvação Barreto. Dizia-lo com respeito.

Com admiração. Com a firmeza e a justiça

que caracterizam os homens de bom

carácter. Como tu, António Lapa. Recordar-

te, daqui te enviar o maior dos abraços que

houver na terra, é a minha homenagem na

Page 122: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

122

hora da tua partida. Simples, António Lapa.

Mas sentida. Adeus António Lapa! “

JOSE CARLOS HIPOLITO

Conhecia-o das brincadeiras das épocas

carnavalescas e, da fama que espalhava

enquanto moço de forcado Um dia pedi-lhe uma

entrevista para eu publicar no jornal “Aurora do

Ribatejo”. Os dados que me concedeu, foram

publicados assim:

JOSÉ CARLOS HIPÓLITO

(O Timpanas)

- FIGURA TIPICA DA NOSSA TERRA –

Homem pequeno, com 53 anos de idade,

dotado de uma traquinice que o faz estar

constantemente sempre bem disposto.

Pelo Carnaval, desde há muitos anos, é o grande

animador das festas do nosso burgo, sendo tal a

imaginação e o talento nas figuras

por si encarnadas , que deixam sempre saudades.

No entanto o seu semelhante pode contar com

ele nas horas difíceis, estando sempre atento e

vigilante no seu posto de bombeiro voluntário, pois

dá o seu contributo à Associação de Bombeiros

desta vila. Mas o seu grande “martírio”, onde as

Page 123: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

123

saudades o vão corroendo, é a festa brava.

Quando fala de tauromaquia todo o seu pequeno

corpo se modifica, as contracções notam-se na

sua face, os seus nervos de aço com que ainda há

poucos anos empolgava multidões nas Praças de

Toiros, ficam fluidos – É um homem vencido, cheio

de saudades!... Na esperança que nos

identificasse uma fotografia de foi publicada, em

1957, na edição especial do Jornal – Vila

Ribatejana. Logo que poisou os olhos no retrato

mostrou-se nervoso, a sua calma desapareceu e

nos seus olhos algo bulia, o que não evitou que

mesmo disfarçadamente tentasse limpar uma

lágrima rebelde que já o incomodava. E

enquanto me ia informando dos nomes dos

componentes do Grupo, Disse-nos;

“Olhe, foi neste grupo que

peguei toiros pela primeira

vez e, foi em Coruche, já lá

vão cerca de 30 anos”. Uma

das suas salas está repleta de

quadros, onde se podem

apreciar várias sequências de

pegas de caras, por si efectuadas em centenas

Page 124: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

124

de actuações nas Praças de Toiros, tanto no País

como no Estrangeiro. Hoje, exercendo a profissão

de metalúrgico, foi na sua vida do campo que

começou os seus primeiros contactos com os

toiros. Naquele tempo, ainda havia a grade –

uma forma de trabalhar a terra – onde os bois,

alguns bravos, depois de “bruxados”, tornavam-se

dóceis. Voltando à tauromaquia, vai-nos dizendo:

“ Tenho muita estima pelo Sebastião Nabiço e,

também pelo Manuel Faia. Olhe! já me ia

esquecendo do Albino Fróis Marques e do seu

irmão, o Manuel Lazão. A eles devo muito do que

sei da difícil arte de pegar toiros”.

“ No entanto não me posso esquecer do Manuel

dos Reis, o Manuel Ferrador, pois com ele tive

tardes inesquecíveis. Bom companheiro!...

Ao ver-mos uma foto, num daqueles imensos

quadros pregados na parede, onde José C.

Hipólito esteve na cabeça de um possante toiro

(510 Kgs), diz-nos que esta pega foi na Nazaré.

Apontando para umas outras, informa-nos “Aqui

foi no Campo Pequeno, a critica da época, por

esta pega me chamou o Pegador de Toiros mais

pequeno de Portugal – O Pigmeu com braços de

Page 125: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

125

aço. Esta aqui, foi em Salvaterra com um “bicho”

dos Robertos, também com cerca de 600 Kgs. Foi

tão grande o delírio do público que um

espectador, nas barreiras me levantou em peso,

tal era o seu entusiasmo.

A um canto, num pequeno móvel, está a sua

jaqueta, o barrete, calção e os sapatos. Mostra-

nos um álbum com características orientais e, diz-

nos: “ Aqui guardo imensas recordações de

algumas celebridades do nosso mundo

tauromáquico”, e mostra-nos actuações com o

mestre João Branco Núncio, mestre David Ribeiro

Telles, Manuel dos Santos, Diamantino Viseu,

Ricardo Chibanga, José Rosa Rodrigues e outros.

“Olhe, aqui nesta foto, foi quando o Manuel dos

Santos fez a sua festa de despedida, no Campo

Pequeno. Neste grupo (o de Adelino de Carvalho)

estou eu e o Manuel Ferrador. Esta fotografia, tem

uma dedicatória do Manuel dos santos, a mim”

“Numa digressão que fiz à China, onde o

Manuel dos Santos, nos levou – éramos três

forcados – pois ele organizou várias corridas em

Hong-Kong, a praça foi construída em canas de

Page 126: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

126

Bambu e, comportava cerce de 8 mil

espectadores. O Chibanga também foi.

“Olhe, em cerca de 5 meses que lá estivemos,

peguei 36 toiros e, numa das corridas actuei com

uma costela partida, como pode ver por esta

fotografia”. “ No entanto por causa dos toiros,

estive duas vezes em Roma, uma no México e

outra na Venezuela”.

Enquanto decorria a nossa conversa e nos

mostrava centenas e centenas de fotografias, vai-

nos dizendo que, no entanto depois destes anos

todos a pegar toiros e de muita “porrada” ter

levado, não pode esquecer tardes memoráveis

que, viveu !

Um pequeno desgosto o acompanha e, diz-

nos “Ainda não fiz a minha festa de despedida !”

“À cerca de 5 anos, tentei organizar uma corrida.

A então Comissão da nossa Praça, depois de

concordar, vai criando dificuldades, e eu, já tinha

a oferta de toiros, cavaleiros e forcados e, se fosse

necessário, alguns toureiros também se me

ofereceram. Tive de desistir, pois a Comissão por

ter começado a arrepiar caminho, dificultou,

dizendo que não poderia emprestar a Praça.

Page 127: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

127

Olhe, que eu oferecia a receita para o Hospital.

Não chego a compreender como me puderam

fazer aquilo. E num tom magoado diz-nos, actuei

em tantos festivais graciosamente para a

Misericórdia. No entanto não perdi ainda a

esperança de fazer a minha festa de despedida e

na minha terra, vou começar os meus contactos

novamente e espero que a actual Comissão da

Praça de Toiros me ajude, emprestando-me a

praça, pois em contrapartida, a receita será para

o Hospital”. E assim deixamos o José Carlos Hipólito

– O Timpanas de Salvaterra – entregue às suas

recordações e tristezas. O Pigmeu, com braços de

aço, com alguém um dia lhe chamou. Que a sua

ambição se realize, é o nosso grande desejo.

Muitos outros nomes

envergaram a jaqueta,

enveredando por outros grupos,

como: João Ramalho, que

pertrnceu durante anos aos

Amadores de Santarém, Tózé

Martinho, que vivendo em

Salvaterra, e tendo laços de família com João

Ramalho, ainda jovemvestiu a jaqueta, e António

Page 128: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

128

Rogério Amaro, desde criança viveu em casa o

ambiente taurino, através de seu pai – Rogério

Amaro, pegou toiros vestindo várias jaquetas, mas

envergando a do grupo Salvação Barreto, deu-

lhe mais notoriedade.

EMBOLADORES /FARPEADORES

José Caçador/ ou José Venscelau, já no

início do século XX, esmerava-se na feitura, de

farpas/ ou bandarilhas, embolando também

os toiros em dias de corria. As embolas,

construídas à base de couro e que servem

para cobrir os cornos dos toiros, pois as pegas,

aconselham o seu uso. Este trabalho

artesanal, transmitiu a seu filho António

Aleluia, com quem trabalhou durante muitas

dezenas de anos a difícil maneira de

ornamentar os

ferros (farpas),

que são

acessórios nos

espectáculos

Page 129: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

129

taurinos. Tal artesanato, foi continuado na

família, por João Aleluia (João Venscelau),

neto e filho daqueles, sendo as farpas, muito

procuradas especialmente por emigrantes,

para decoração das suas tertúlias.

****************

*****************

AS TERTULIAS TAUROMÁQUICAS

No primeiro quartel do séc. XX, era nas

barbearias e oficinas de sapateiros que as

gentes do povo se juntava para discutir, as

alegrias e tristezas do que se passava nas

arenas do mundo taurino. Ali,existiam tertúlias,

cujo confronto verbal era intenso defendendo

arraigadamente os seus ídolos. No Clube do

Lavradores, cujos sócios eram a gente fina da

terra, mais recatados, não deixavam também

Page 130: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

130

de fazer ouvir os seus comentários, em

relação aos artistas taurinos da época, O

espírito aguerrido das gentes de Salvaterra,

nunca perdeu este sentido de manter viva a

sua ligação ao mundo taurino, e por vezes já

na segunda metade do séc. XX, lá arranjava

um “cantinho” onde se convivia e falava de

toiros. Nascendo amiúdas vezes, grupos de

forcados, que tinham uma duração efémera.

Já no séc. XXI, novamente um grupo destes

amigos da Festa Brava, se juntou e fundou o

Clube Taurino Salvaterrense. Legalizado com

estatutos, entre outras actividades culturais, o

seu lema é a “divulgação e o apoio de tudo

o que respeito ao espectáculo tauromáquico

e, em particular, às actividades taurinas que

ocorram em Salvaterra de Magos”

UMA ESCOLA DE TOUREIO

Os aficionados de Salvaterra, tinham em

mente a criação de uma Escola de Toureiro,

para isso tinham em Francisco Palhota, antigo

Page 131: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

131

praticante, que vestiu o traje de luces, o seu

monitor. Por volta do ano 2000, foi-lhes feita a

promessa, por João Nunes, numa campanha

eleitoral, para a Junta de Freguesia de

Salvaterra, que os seus anseios seriam uma

realidade, se fosse eleito, pois tinha a

intenção de apoiar aquela lacuna, já que

havia uma praça de toiros na terra, que

precisava de mais actividade. O tempo

passou, fartos de esperar, um dia

“assobiaram”, João Nunes, já presidente da

Junta de Freguesia, pois segundo os

aficionados não cumpriu o seu compromisso,

conforme se pode ler numa reportagem que

saiu no jornal JVT Nº 392, pág. 11, de 31 de

Julho de 2003.

*************

*********

Page 132: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

132

XII

CAMPINOS

Nota Prévia

Moço Nogeiro, Roupeiro Novo, Roupeiro

Velho, Contra-Moiral, Moiral e Campino-Mor,

era a hierarquia do homem que guardava

toiros no Ribatejo, vinda de séculos passados,

ainda conhecida por volta de 1930.

O Campino, era uma figura de grande

respeito entre os seus pares e, muito

estimados pelos patrões. No trabalhar os

cabrestos para a recolha dos toiros em praça.

Na condução do gado nas pastagens e, a

caminho das localidades onde os curros de

toiros iam ser corridos, o povo respeitava-os

por “grandes varas”.

No dobrar do séc. XX, os terrenos de

pastagem encurtaram. As ganadarias,

passaram por uma lenta mudança, notava-se

Page 133: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

133

mais naquelas alicerçadas em hábitos que

vinham de séculos anteriores. O Feitor,

Campino e Moiral, as três grandes figuras da

Lezíria ribatejana, estavam em

desaparecimento.

UMA FAMILIA DE CAMPINOS

António da Silva Cantante, avô paterno do

autor, tinha uma irmandade de cinco irmãos,

quatro rapazes e uma rapariga; João, José,

Luiz, Manuel e Maria Joana. Uns tinham no

apelido; Silva e outros, Galricho.

A alcunha de “Pataco”, veio de meu

bisavô, Miguel Galricho, por ter recebido a

oferta de mais um pataco, para trabalhar na

Casa do Barão de Salvaterra.

A notícia do pagamento de mais dois

vinténs, correu em toda a Lezíria, o que

reconhecia no meio da campinagem, o seu

valor de grande vara. A inveja foi tal, que não

o livrou da alcunha de “Pataco” que deixou à

descendência.

Um meu avoengo, foi um respeitável

Campino-Mor, nas vacadas do rei D. Miguel,

que pastavam em terras de Salvaterra e

Pancas. O antigo bandarilheiro Roberto

Jacob da Fonseca, mais tarde lavrador e

ganadeiro, contemplou o meu bisavô no seu

Testamento, entre muitos trabalhadores da

sua casa agrícola.

Page 134: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

134

ALGUMAS HISTÓRIAS

Andava eu, pelos 14 anos de idade já

escrevia para o jornal “Aurora do Ribatejo”.

Do meu avô paterno, António Cantante

(Pataco), ouvi relatos da sua antiga vida de

campino. Dessas recordações, guardei alguns

apontamentos. Agora para este trabalho, lá

fui “rebuscar” aquelas informações.

Como campino viveu a sua maior parte da

vida, no campo junto das manadas de toiros.

Os anos tinham passado, a idade e as

forças, já não o deixavam “dar conta do

recado”, como ele um dia me disse: “Os toiros

bravos que conhecia como a palma das suas

mãos, já não lhe obedeciam, aos gritos é toiro

lindo!...

“Já não era aquela “vara” de outros

tempo!...”

Entrado na idade, deixou a campinagem e

foi guardar uma éguada afilhada, com 50

cabeças, da casa agrícola Menezes & Irmão,

Ldª. No mês de S. Tiago, de 1944, deixou de

todo aquela actividade. mas os seus dois

irmãos, o João e o José, continuaram na

ganadaria Irmãos Roberto. “Estava farto de

tanta canseira, tantos foram os frios dos

invernos, e os calores de muitos verões, anos a

fio, em que esteve sentado na sela, com a

manta aos ombros - a manta lombeira, quer

Page 135: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

135

cai-se geada, quer chovesse, guardando

tantas cabeças de gado, que lhe perdeu o

conto”

A “velhice” tinha chegado.

Deixou na vila, a casa onde vivia, na rua d`

água e, recolheu-se, com minha avó Emília e,

meus tios; Manuel e Luís, numa pequena

barraca de caniço, que construiu, nos

terrenos do Rego, que alugou ao Dr. José de

Menezes, seu antigo patrão. Ali vivia, do

sustento de algumas vacas leiteiras, com a

venda de leite, a tirar da vaca, pois criava

vitelos. Nos valados, perto dos poços onde as

mulheres lavavam roupa (1), eram o local

onde apascentava o gado, a erva fresca

abundava.

Um dia sentado num pequeno banco, com

fundo de “sumaúma” por ele entrançada,

como bem sabiam fazer os campinos, além

de esteiras e, fechar garrafões de vidro com

cordel - disse-me: “Quando fores grande

nunca queiras ser campino, aquilo é um

trabalho dos Diabos; ama-se mais os animais

do que a família. Teu pai, não quis ser

campino, também não quis aprender a

endireitar a “Espinhela” (2) e fez bem!

******* *********

(1) – Pequenos tanques de cerca de um metro de fundo, onde a água era constante, as mulheres esgotavam-no, na lavagem da roupa. No fundo tinham pedra para assento

Page 136: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

136

dos pés, em cima no terreno, uma laje para a lavagem da

roupa. Estendiam a roupa branca pela erva, para corar.

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(2) – Endireitar a Espinhela; era endireitar a coluna vertebral, que ele aprendeu com os campinos mais antigos – Os bezerros ficavam com as costas tortas porque o parto,

algumas vezes acontecida com as vacas em pé e, os bezerros nestas condições tinham dificuldade em começar a andar. Depois da mãe, comer a placenta e limpar o

animal com a língua, os campinos tapavam o pequeno animal e puxavam-no com uma corda (para evitar as marradas da vaca). O mais dextro, punha a cabeça do

vitelo entre as pernas e, com as mãos fazia massagens ao longo das suas costas. Minutos depois o pequeno animal já andava para

junto da mãe. Cheguei a ver avô fazer isto a alguns homens que o procuravam com dores nas costas.

************** *************

Dizia-me; “comecei aos 10 anos a guardar

os bois da tralhoada, depois passei para as

manadas de toiros bravos. Ao entrar nos 25

anos de idade, um dia cheguei a campino-

mor, numa casa agrícola da vila, de

Salvaterra de Magos. Ainda, trabalhei com

meu pai e, os meus irmãos João e o José, nos

Roberto & Roberto. Aqueles irmãos toureiros

que, ganharam uma fortuna a tourearem em

Espanha. As suas lembranças, eram sempre

uma “lengalenga” do seu tempo de

campinagem. Aquela dos toiros que iam ser

corridos em Santarém!

Saíram da Herdade dos Coelhos,

atravessaram a vila, ao cair da tarde de

sexta-feira, foram toda a noite pela estrada

do meio, pelos campos de Muge e Benfica,

Page 137: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

137

saíram para lá de Almeirim, quando o sol

dava os primeiros sinais de vida, estavam a

atravessar a ponte do Tejo. Um mar de gente,

estava na ponte, viam-se os barretes, os

chapéus, coletes e casacos, voavam no ar, a

querer tirarem os toiros que a gente mantinha

entre os cabrestos. Aquela malandragem,

não nos dava descanso e, éramos para aí uns

30 campinos. O curro, tinha de estar em

Santarém, na tarde de sábado para a corrida

de domingo à tarde.

Eram dias de grande trabalheira, mas

também a gente se vingava, era cá cada

varada naqueles costados. Também me

contou, uma outra de um curro de toiros, que

tinha de ser corrido em Vila Franca, e como

era costume, saiam dos Coelhos, ao inicio da

1936 – Quatro irmãos campinos

Page 138: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

138

tarde, para aproveitar a maré do Tejo, e

atravessar para Valada, através dos

mouchões, ia-mos pelos campos da

Azambuja, e a chegada a Vila Franca, a

meio da tarde de sábado, para serem

corridos no domingo.

“A trabalheira começava logo aqui, depois

do Maçapez, ia-mos por Trás-Monturos, a

rapaziada não deixava os toiros descansados,

alguém tinha passado o segredo, queriam

tirar os bois do meio dos cabrestos, ao passar

a ponte da vala.

A gente percebia daquilo, já estávamos

habituados e, a vara trabalhava logo nos

“costados” deles. Depois em Valada e na

Azambuja, era de ver gente a escorrer

sangue, aqueles diabos não deixavam os

animais sossegados e, davam-nos muito

trabalho, para manter o gado no meio dos

cabrestos.

Varada neles!.. Era a ordem do campino-

mor. Lino Garoto. Os nossos cavalos, os toiros

e cabrestos, babavam-se por todo o lado.

Meu avô, gostava de beber o seu copito e,

quando ficava um pouco “enxergado” como

ele dizia, lá se lembrava de tocar um vira do

campo ou o fandango, numa pequena

gaita-de-beiços, já muito velhinha e

desafinada.

Page 139: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

139

Com a música do fandango, ficava

empolgado de tal maneira, que não resistia a

tentar fazer o jogo de pernas.

Era de ver e ouvir…!

Nunca se esquecia dos campinos, seus

camaradas de outros tempos. Hó, que

grande gente. Grandes varas.

Os seus dois irmãos; João da Silva Galricho,

José da Silva Galricho, o seu primo João

Vitorino, o Lino da Silva, alcunhado por Lino

Garoto, o Joaquim Quartilho, o Francisco

Almeida, e o Fernando Nobre.

Muitos outros que vieram mais tarde como:

Manuel Luís, José Duarte Cantador,

conhecido por “José da Moira” e, o Manuel

Bernardo, estes últimos dois acabaram a vida

de campinos. no lavrador José Lino.

O TRAJE DO CAMPINO MUDOU!

No dobrar do século

XX, os campinos, aquela

gente que lidava com o

gado bravo em plena

Lezíria ribatejana, ainda

mostrava a pele curtida

por mil sóis. Os mais

novos, já usavam o boné

na cabeça, colete e

Page 140: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

140

calça de ganga ou cotim, em dias de

trabalho e, lá se via, muito poucos, com a

cara ornamentada com uma pequena e

larga patilha na cara, um pouco abaixo da

orelha. As grandes suíças que por vezes

“beijavam” os bigodes, com duas pontas

bem finas e enroladas, foram caindo em

desuso por volta dos anos 30, época da

última geração de antigos campinos, muitos

deles conhecidos e respeitados por grandes

“Varas”.

O Campino, homem de têmpera rija,

hábitos muito antigos, ainda tinha e tem

vaidade em mostrar o seu vestuário.

A jaqueta brincheta, barrete preto e cinta

da mesma cor, era vestuário em tempo de

trabalho. Em dias de festa, era substituído por

um outro mais sobranceiro e luzidio, como:

Barrete verde, com cercadura vermelha.

Colete vermelho, ou azul, atado com cordões

na frente enfeitados com botões metálicos,

mostrando nas costas, desenhos genuínos,

feitos muitas vezes por familiares.

O ferro da casa agrícola (de que era

trabalhador) é usado, no peito (lado

esquerdo), em ferragem latão/cobre, em

forma de brasão ou emblema.

A cinta vermelha, de lã com franjas, tem a

função de apertar o corpo do campino. A

camisa branca justa de colarinho redondo,

Page 141: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

141

pode ter efeitos desenhados, de uma fina

linha.

O calção, de fazenda rapada azul-escuro,

ou preto, enfeitado com botões metálicos do

lado de fora da perna. A meia branca é

usada por cima do joelho, arrendada, feita à

mão. Os sapatos de salto de prateleira,

usados com fivelas e espora.

OS RANCHOS FOLCLÓRICOS

E A CONSERVAÇÃO DOS USOS E COSTUMES

Quando do aparecimento do rancho da

Casa do Povo de Salvaterra de Magos, em

1980, sendo o garante da preservação e

divulgação desta forma de vestir do nosso

povo, usa nas suas actuações, o vestuário de

campino e camponesa em dia de festa.

Para a

confecção

das roupas,

recorreu-se

a uma das

últimas

costureira,

que ainda

sabia confeccionar este tipo de roupa, na

vila, a artesã, Elvira Santana.

Do vestuário do início do século XX e, muito

usado ainda em 1920, a saia da mulher tinha

Page 142: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

142

uma roda (4 panos), franzida na cintura por

um cós. A saia de castor, de cor vermelha,

era usada por debaixo, na segunda posição.

Nos anos seguintes já no início da década

de 50 passou a usar-se nos dias festivos a saia

de castor (hoje,

conhecido como

feltro de 15) e, foi

reduzido para três

panos, como foi

mostrado pelo

Rancho dos

Trabalhadores do

Núncio Costa.

No rodado da saia, mais tarde, já em 1960,

era usual ver-se o tecido de nome “riscado”,

na confecção das blusas (camisas), das

mulheres e camisas dos homens, entrava a

“populine”. sendo o garante da preservação

e divulgação desta forma de vestir do nosso

povo, usa nas suas actuações, o vestuário de

campino e camponesa em dia de festa.

Agora por tudo quanto é recinto de feira,

exposições e corridas de toiros, o campino

deixou o copo de vinho, adaptou-se ao seu

tempo, bebendo cerveja e outras bebidas

finas.

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Uma Folha de Férias de uma semana de trabalho na

construção da Praça de Touros

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Inauguração da Paça de Touros - 1920

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Reportagem / Entrevista de - José António Teodoro Amaro (Tamaro) *José

Gameiro “Jornal Aurora do Ribatejo” edição 1972

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149

XIII

UMA VIAGEM DE VILA FRANCA DE XIRA,

ATÉ SALVATERRA

Foi um dia para não esquecer pelos seus

participantes. Realizava-se a segunda corrida

da inauguração da praça de toiros de

Salvaterra de Magos. Uma comitiva de Vila

Franca de Xira, foi convidada. Cerca de 50

rapazes, que vieram a Salvaterra.

O grupo visitante, à chegada no cais da

vala real de Salvaterra, deram o nome Vila

Clube Taurino ao agrupamento. Os simpáticos

rapazes alugaram duas grandes fragatas, que

navegaram através do rio Tejo e, da vala real

da vila.

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150

Numa fragata, foi organizada uma casa de

jantar, com um grande toldo e, ali nada

faltava; mesas cadeiras; casa de banho ao

fundo; relógio de parede – tudo decorado

com muito gosto. Um guarda-vento, servia de

guichet para a entrada das comidas, pois

durante o desfile dos visitantes – Largo dos

Combatentes viagem de ida foi servido o

almoço e lanche. As refeições eram feitas

numa cozinha e entravam para a casa de

jantar, pelo dito guichet.

A despensa era um encanto..!

Estava guarnecida, de cestos de verga

com galinhas e coelhos, além de um carneiro

vivo, também para matar e comer a bordo. O

peixe para se conservar fresco, estava metido

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151

em canastras, forradas a erva de espadanas.

A fruta era em grande quantidade. Algumas

caixas de cerveja estavam juntas a barris de

vinho (branco e preto). Para refrescar estes

líquidos também se preveniram de caixas

com gelo. Uma cozinheira e duas ajudantes,

confeccionaram seis pratos em cada

refeição. Tendo a cozinha começado a

laborar pelas 5 da manhã. A primeira

refeição, foi servida pelas 10,00 horas e

chegou até às 13,00 horas. A outra um pouco

mais frugal, começou pelas 15,00 horas e,

havia quem estivesse acabar pelas 17,00

horas, quando o cais da vala de Salvaterra

estava à vista e, uma multidão acenava e

gritava, sons ainda não percebíveis, pelos

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152

visitantes. A outra fragata, foi destinada a

camarata, com uma cama para cada

passageiro, pois estava destinado passar a

noite na vila vizinha. Havia lavatório, espaço

de WC e guarda fato. Chegados a Salvaterra

e, com as embarcações já atracadas, delas

saiu o som da estudantina, sob a direcção de

Sabino Gomes, tocando a pandeireta, com

alegria e salero o dr. Genso. Iniciaram a

caminhada pela rua da Capela da

Misericórdia, rodeados de muita gente,

passaram pela Igreja Matriz e do jardim do

edifício municipal. A multidão acompanhante

fez crescer o cortejo, até à praça de toiros.

Um tempo depois, com a praça esgotada e

em delírio, decorreu a corrida. A noite já

chegava, foram levantados muitos brindes

pelos nossos amigos de Vila Franca, não

esquecendo o jornal “A Manhã”, a quem

todos os visitados dedicaram uma estima.

Endoidecido de alegria, perguntava Sabino

Gomes, com muita graça: - Gostaram do

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153

nosso lugre de recreio?!... A noite foi passada

em diversas casas agrícolas, cujas famílias se

empenharam em bem receber. Pela meia

manhã de terça-feira, com a maré a

convidar o regresso, Carlos Gonçalves,

lavrador de Vila Franca e presidente do grupo

e o “maitre d`hotel”, de quem todos

recebiam ordens, com grande prazer,

elogiando até os seus apetitosos menús.

Despediu-se das entidades e do povo de

Salvaterra, com comovidos abraços, dizendo:

Até nisto foi à portuguesa antiga, a festa de

Salvaterra de Magos.”

* B. Duarte *

Os periódicos da época, deram destaque

ao acontecimento, especialmente o jornal “A

Época” que ilustrou as suas páginas, com

fotografias, dos barcos a navegarem na vala

real de Salvaterra e, o grupo de visitantes no

cais e em frente ao edifício da escola, no

Largo dos Combatentes, a caminho da praça

de toiros.”

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154

XIV

TOIROS EM DIA DE FEIRA,

NO DOBRAR DO SÉC. XX

No dobrar do século XX, o espectáculo

taurino, tinha na sua raiz emoções que

vinham de tempos imemoriais. Leis e mais leis,

vieram condicioná-lo, a última foi com o

Decreto-Lei 306/91 de 7 de Agosto,

completado com o Decreto Regulamentar Nº

62/91 de 29 de Novembro, que queria

harmonizar o espectáculo taurino aos tempos

que corriam. Um novo “espartilho”, para a

festa taurina, pois tudo mudou e nada

passaria a ser como dantes!

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155

O povo vinha deixando de ver aquele

aparato, de uma corrida de toiros, fora da

praça, mas os aficionados, ainda viviam

aquela festa com todo aquele encanto,

dentro da praça de toiros. Em 1950, a feira

franca de Salvaterra, ocorria como todos os

anos em Maio e, nesse dia, realizava-se uma

das muitas corridas que tinham lugar

anualmente na praça de toiros da vila. No

mês de Setembro, realizava-se a feira da

vizinha vila de Benavente e, uma semana

depois, a de Salvaterra. A feira de Maio, já

em plena Primavera, contava sempre com

uma corrida de toiros. Havia já algum tempo,

o cartaz estava na rua onde anunciava que

vinham actuar os mestres cavaleiros; João

Branco Núncio e Simão da Veiga. Os

espadas, eram os matadores de toiros;

Diamantino Viseu e Manuel dos Santos.

Abrilhantava a corrida a banda de música

dos bombeiros da vila. Os toiros eram da

ganadaria Irmãos Roberto e, os forcados,

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156

eram do grupo de Manuel Faia, onde

pegavam O Timpanas e Manuel Ferrador,

homens queridos da terra. As “claques de

aficionados” que aqui existiam, tinham agora

mais uma vez oportunidade de ver actuar os

seus ídolos, pois ao longo do ano, dividiam-se

em acérrimas discussões. Um grupo; apoiava

João Núncio, um outro Simão da Veiga.

Quanto aos matadores de toiros; era de ouvir

qual o grupo, que sobrepunha o seu toureiro,

em relação aos outros. As discussões tinham

lugar, nas oficinas dos mestres sapateiros, nas

oficinas dos barbeiros e, continuava na sede

do Clube Desportivo local, pois aí à noite nos

jogos das cartas, lá vinha à baila a aficion.

Naquele domingo de Maio, os aficionados

visitantes que enchiam por completo as

“tascas” da feira e, as tabernas na procura

dos bons “petiscos” da terra, na hora da

entrada param a corrida perdiam-se entre a

multidão. O muro da Horta do Sopas, estava

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157

repleto de curiosos vendo os cavaleiros

“passeando” os cavalos.. Nas janelas da

praça, os espectadores, empoleirados no

gradeamento, tinham os olhos postos no mar

de gente que enchia a avenida, na

esperança de verem chegar os toureiros.

De repente, gritam, lá vêm eles !....

Eram os matadores, entre o seu stafe,

vinham à “paisana”, com os trajes de luces

por baixo. Avenida abaixo, vinham da Pensão

do Café Ribatejano, onde estavam alojados.

De imediato foram rodeados por aquele

multidão de aficionados, até entrarem na

praça. A corrida, estava esgotada de

espectadores e, durou cerca de três horas.

No final o matador, Manuel dos Santos, que

foi o triunfador, saiu pela porta grande,

levado em ombros, entre o delírio da

multidão, que percorreu a avenida, a rua

Marquês de Pombal, a rua Heróis de Chaves

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158

e, por fim chegou à Pensão. De imediato,

numa das janelas, agradeceu os aplausos

daqueles aficionados que delirantemente lhe

batiam palmas.

*************

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159

XV

A ORIGEM DO TOIRO DE LIDE – UMA OPINIÃO

Da pena de António Relvado, colaborador

que foi do extinto Jornal Vale do Tejo, JVT,

transcrevemos com a devida vénia, o seu

artigo.

“O toiro de lide constitui a maior inovação

Espanhola na criação de animais. Antes que

os Ingleses começassem a formar importantes

raças Vacuns e Porcinas, durante os séculos

XVII e XVIII, inclusive antes de 1791, criou-se o

LIVRO GENEALOGICO DO CAVALO, de puro

sangue Inglês, ia-se seleccionar em Espanha o

toiro de lide, pois os primeiros ganadeiros

espanhóis controlavam e anotavam a sua

genealogia, comportamento e características

nos primeiros livros de ganadarias.

Page 160: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

160

Das civilizações do passado chegou-nos

alguns enigmas difíceis de decifrar. Em torno

do toiro existem pinturas rupestres e

representando o toiro desde o V ao III milénio

antes de Cristo. Segundo numerosos

arqueólogos, estas figuras foram realizadas

com a finalidade de indicar a existência de

caça abundante.

A fauna predominante ma Península

Ibérica, durante o Paleolítico era composta

por cavalos, toiros, veados, javalis e outras

espécies de menor porte. O toiro selvagem

da Pré-História tinha como finalidade

alimentar o homem, caçá-lo, e usá-lo como

elemento de trabalho. O uro ou toiro

selvagem, estava domesticado no oriente

desde épocas mais remotas. Assim, chegou à

Europa Central e Nórdica formaram-se muitas

raças alpinas e centro europeias actuais.

As sucessivas variações climatéricas

determinaram as trocas de flora e fauna,

eliminando numerosas espécies.

Page 161: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

161

Na Península Ibérica o clima nunca foi

demasiado rigoroso não alterando a flora e a

fauna originando migrações de gado vacum

da Europa Central e Norte de África, pois a

Península estava unida ao Norte de África.

A ERA DO TAURO

A era do Tauro corresponde aos anos 4513

a 2353 antes de Cristo, caracteriza-se pelas

diversas civilizações históricas por culto a

divindades taurinas. Em todas as culturas

Mediterrâneas e no mundo Celta a crença

mágica das virtudes genéticas do toiro e a

sua transmissão ao homem fizeram dele figura

sacra e objecto de culto e de numerosos ritos

religiosos e celebrações festivas. Assim, na

Mitologia Grega aparece em forma de

Minitauro. No Egipto, o Boi Ápis e o deus da

fecundação e da abundância, os Hebreus

adoravam o bezerro de ouro, na Babilónia

são os toiros alados e ainda temos o Celta

Tamos e o toiro Irlandês Cualungé. O mundo

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162

romano adoptou o culto de origem Persa

Mitra, o jovem deus que sacrifica o toiro

primordial para fazer surgir o mundo. Há 2000

anos Júlio César descrevia o Uro que habitava

na selva Hercínia na Alemanha, junto ao rio

Danúbio de carácter indómito, enorme

bravura e ligeireza assim como o divertimento

que constitua a sua caça pelos jovens. Era

um animal enorme e perigosíssimo que

povoava os bosques da Europa Central e

Nórdica. Os Alemães chamavam-lhe

Auerochs ou toiro selvagem. Foi Júlio César

que introduziu o vocábulo uros na língua

latina. O uro foi extinto na Europa na Idade

Média, é o antepassado selvagem de todas

as raças bovinas existentes.O toiro de lide

Page 163: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

163

actual é de todos os descendentes directos o

que melhor conserva as suas características.

O TOIRO NA HISPÃNIA

O toiro bravo descendente do uro ou toiro

selvagem da idade média, que abundava

em toda a Europa, trazido pelos Celtas.

Situou-se no Norte de Espanha e Portugal,

tendo-se juntado com o gado procedente do

Norte de África durante o período glaciar.

Como na cultura Greco-Romana, o toiro

está muito ligado às raízes culturais

Hispânicas. É o animal mais emblemático, ao

ponto de simbolizar a festa popular, e a sua

figura traduz todas as artes, desde as pinturas

rupestres aos toscos verracos ibéricos, as

tendências modernas da cultura Espanhola e

Portuguesa, representado em desenhos,

gravados, pinturas, esculturas e por

pressuposto na nossa literatura. O toiro

Page 164: Salvaterra de Magos * Pedaços da História da tauromaquia

164

representa um papel fundamental na

economia da península ibérica, pois modifica

a paisagem devido à necessidade das

grandes vacadas, e propicia à criação de

feiras de gado que tanta importância tem

para o desenvolvimento dos povos e cidades.

O toiro de lide teve como, origem e solar

em Espanha, e desde aqui se estendeu e

exportou a Portugal, a França e numerosos

países do Continente Americano,

principalmente durante o no séc. XX. Graças

à concorrência de interesses de uma cultura

popular com profunda raiz taurina, as práticas

equestres dos nobres e cavaleiros da Idade

Média. A destreza para o jogo com toiros do

pessoal encarregado do seu manejo nas

herdades e nos matadouros, assim como a

inteligente arte de criar e seleccionar dos

ganaderos, criou-se um belo animal, uma das

maiores jóias da zootécnica mundial.”

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165

INDICE:

CAPITULOS

Pág. 4 Preambulo

Pág. 6 * I Última Corrida de Toiros em Salvaterra

Pág. 24 * II Conde dos Arcos – Sua Origem e Morte

Pág. 29 * III A Construção da Praça de Touros de

Salvaterra de Magos

Pág. 36 * IV Toiros de Morte em Salvaterra

Pág 44.* V Criadores de Toiros de Salvaterra

Pág. 55 * VI Criadores de Cavalos em Salvaterra

Pág. 62 * VII A Dinastia Roberto

Pág. 96 * VIII Bandarilheiros

Pág. 105 * IX Cavaleiros Tauromáquicos

Pág. 111 * X Críticos Tauromáquicos

Pág 116 * XI Moços de Forcados

Pág.132 * XII Campinos

Pág 149 * XIII *Uma Viagem de Vila Franca, até

Salvaterra

Pág.154 * XIV Toiros em dia feira, no dobrar do

séc. XX

Pág.159* XV A Origem do Toiro de Lide – Uma Opinião

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166

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

- Revista” Branco e Negro” ………………….. 1897

- Jornal “A Elite” ……………. 1 de Agosto de 1920

- Jornal “A Manhã” ……… 6 de Agosto de 1920

- Revista ”Touros e Toureiros” ………………. 1932

- Revista “A HORA” …………………………… 1939

- Jornal “Aurora do Ribatejo” ………………… 1970

* Reportagem dos 50 anos da inauguração

da Praça de Toiros~ Jornal “Aurora do Ribatejo”

- Livro Contos e Lendas - Última Corrida de Touros em

Salvaterra * Rebello da Silva – edição “Colecção

Civilização”

- Livro “A Misericórdia de Salvaterra” – Dr. José

Asseiceira Cardador * Edição: 1968

* Livro “Associação Portuguesa de Criadores de Toiros

de Lide – Edições: 1986 e 1990

* A Origem do Toiro de Lide *Jornal Vale do Tejo, 1999

* Jornal Vale do Tejo (António Cadorio) Ano 1999 *

Artigo de José Gameiro

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167

Pág. 7 – Escritor Rebello da Silva – Foto a/d

Pág. 9 v/s – Morte Conde dos Arcos (Aguarela Roque Gameiro)

Pág. 11 – Quadro em Azulejo – Morte do Conde dos

Arcos * Foto do Autor

Pág. 23 – Pintura, embalagem da caixa de bolos “Marialvas” Produto fabricado por

Francisco Henriques da Fonseca – Vendido

p/ Rest. Ribatejano 1950 Pág. 24 - Pintura de Martin Maqueda

Pág. 25 – Certidão de Óbito Conde dos Arcos

Pág. 32 - Noticia da Morte de Toiros em Salvaterra, com bilhete de entrada na corrida

Pág. 48 – Jogo de Cabrestos, da Casa Agrícola José

Lino, na Avenida da vila, pelas “Festas dos

Toiros e do Fandango” – 1966, onde se vê o Lavrador, José Lino que acompanha o

desenrolar do trabalho dos campinos José

Duarte (José da Moira) e Manuel Bernardo * Foto Autor- 1988

Pág. 51 – António Roberto da Fonseca * a/d

Pág. 53 – Vicente Roberto * a/d

Pág. 62 – Roberto da Fonseca * a/d Pág. 69 – Jarras de Porcelana, com Baquetes de Flores,

Troféus conquistados pelos toureiros Irmãos

Roberto * Foto do Autor Pág.71 – Um dos três Armários de Troféus dos

Bandarilheiros – Irmãos Roberto (s) – Autor

Pág 78 – João Roberto da Fonseca (Lavrador) – a/d Pág 80 - Irmãos; Vicente Roberto da Fonseca, Roberto

Ferreira da Fonseca (Dr.) e João Roberto da

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168

Fonseca ª a/d

Pág 80 v/s – Quadros da Vida Agricola “Irmãos Roberto

Pág 82 - Joaquim da Conceição, Bandarilheiro ª a/d

Pág 83 – António Cadório “Mestiço” * a/d Pág. 87 – António Cadório e seus alunos; José Julio

e José Falcão * Foto Jornal Vida Ribatejana

Pág. 89 - Rogério Travessa, Cavaleiro Tauromáquico, no dia da sua alternativa, em Cascais ª a/d

Pág. 90 - Cláudio José, no dia da sua alternativa, em

Salvaterra de Magos * a/d Pág. 91 – Ana Batista, Cavaleira Tauromáquica,

no dia da sua alternativa, em Coruche * a/d

Pág. 93 - Mónica Monteiro, Aprendiz de Cavaleira

Tauromáquica * a/d Pág. 95 - Roberto Fernandes (D. Paco),

Critico Tauromáquico – a/d

Pág 99 – Assinatura Roberto Fernandes - 1960 Pág. 102/103 – Grupos de Forcados de Salvaterra

Pág. 104 - António Lapa, Pegador de Toiros * a/d

Pág. 107– José Carlos Hipólito, Pegador de Toiros - Grupo Adelino Carvalho, Lisboa

Pág. 118 – Campinos (Irmãos Galricho/

Pataco) a/d

Pág. 120 – Campino Moderno, com Traje de Trabalho Pág. 122 – Meia feita em lã, p/ uso do Campino em

Dia de festa - confecção artesanal e Campino

em Dia de Festa Feira de Santarém (Campino* “A Tradição já não é o que era”?) *mgomes,blogspot.com/…/campino doribatejohtml

Pág. 124 – Rancho Folclórico da Casa do Povo de

Salvaterra de Magos, e mostra de vestuário

(Campino e Camponeza) Pág. 125 – José Luiz das Neves – Membro da Comissão

que construiu a Praça de Toiros em

Salvaterra de Magos Pág. 136 - Entrada de Toiros para a Corrida Inaugural

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169

da Praça de Toiros de Salvaterra * a/d

Pág. 139 - Página de Salvaterra, no Jornal “Aurora do

Ribatejo –Benavente, a reportagem dos 50

anos da inauguração – 1970 da Praça de Toiros de Salvaterra * José Amaro

e José Gameiro

Pág. 142 – Manuel Burrico, Forcado que chefiou o grupo na inauguração da Praça de Toiros de

Salvaterra de Magos

Pág.159 – Grupo de Visitantes, no Cais da Vala Pág.160 – Desfile dos Visitantes no Largo dos Combatentes Pág.170 – Novo Toiro de Lide Pág.124 - Campino* “A Tradição já não é o que era”? *mgomes,blogspot.com/…/campino doribatejohtml *************

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