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RESENHAS 155 (Middletown) e a literatura sobre communities. Teve contacto com Elton Mayo, que o orientou no apren- dizado das técnicas de entrevista, e com o antropó- logo Conrad Arensberg, com quem discutiu métodos de pesquisa de campo. Lloyd Warner, autor de Yankee city, veio a ser seu orientador na Universidade de Chicago. Para a revisão do manus- crito, contou com as sugestões de Everett Hugues. Como diz Gilberto Velho, na apresentação da edição brasileira, o livro “como produto final traz inevitavel- mente as marcas de sua passagem e relações com alguns dos expoentes da Escola de Chicago dos anos 1940” (p. 12). Outro aspecto importante diz respeito à atualidade do livro e sua pertinência para enten- der áreas pobres e o mundo popular no Brasil de hoje. O diagnóstico oferecido pelo autor contra- põe-se à imagem produzida pelo senso comum, que considera as áreas pobres exclusivamente um problema: degradadas, homogêneas, desorganiza- das, caóticas e fora da lei, devendo necessaria- mente ser “ajudadas” uma vez que “abandonadas à sua própria sorte” nunca se desenvolverão. Vistas de dentro, e a partir do olhar arguto do cientista social, tem-se outra visão: tais localidades corresponderiam a áreas onde coexistem espaços e grupos locais diferenciados porém estruturados a partir de redes de relações sociais. A desorgani- zação social não é, portanto, a tônica geral – o que não significa negar a existência do conflito entre os grupos. Foote White não tem, dessa forma, nem uma visão “miserabilista” nem popu- lista dos pobres. O autor insiste na importância da sociabilidade que ocorre no espaço público do mundo popular, na “sociedade da esquina” para usar seu próprio linguajar. Pois é na esquina, no espaço informal, que as decisões são tomadas, que os grupos se estruturam e que as relações sociais se constroem e se destroem. Que este livro sirva de “aviso” e inspiração a todos aqueles que queiram se lançar na aventura da observação participante. LICIA VALLADARES é professora de Sociologia da Universidade de Lille 1 e membro do Laboratório Clerse/CNRS. No Brasil é pesquisadora associada do Iuperj. Pistas da sociologia para um século atormentado Robert BRYM, John LIE, Cynthia Lins HAMLIN, Remo MUTZENBERG, Eliane Veras SOARES & Heraldo SOUTO MAIOR. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo, Thomson, 2006. 609 páginas. Ricardo Antunes Recentemente, o Conselho Nacional de Educação aprovou a volta do ensino de sociolo- gia e filosofia para o ensino médio no Brasil. A decisão, auspiciosa, poderá possibilitar, em breve tempo, um estudo mais humanista e crítico que, de certo modo, contrasta com a razão instrumen- tal que preside a sociabilidade contemporânea, na qual as chamadas “regras do mercado” têm tido cada vez mais prevalência, inclusive no âmbito educacional. Teremos, então, uma real retomada dos estudos de sociologia e filosofia em nossas escolas. O que nos obriga, nas universidades, a formar melhores sociólogos e filósofos. Se já temos aqui publicado várias obras de muitos dos autores clássicos das ciências sociais, com boas edições e mesmo traduções, se já pode- mos consultar o denso Dicionário do pensamento social do século XX (organizado por William Outhwaite, Tom Bottomore et al., publicado pela Jorge Zahar Editor), agora, em boa hora, podemos saudar este novo livro que acaba de ser publicado no Brasil. Sociologia: sua bússola para um novo mundo é um empreendimento intelectual de fôle- go: em suas mais de seiscentas páginas, oferece um panorama abrangente, complexo e heterogê- neo das incontáveis questões, desafios, dilemas e problemas nestes conturbados séculos, o XX que já se foi e o XXI que acaba de principiar. Desde logo seus autores mostram que o pro- jeto do livro, entretanto, tem claro contraste com as enciclopédias. Se estas ensinam o que pensar sobre tantos temas, este novo livro pretende demonstrar como os sociólogos formulam suas questões e inda- gações e, desse modo, possibilitar que as respostas sejam encontradas pelos leitores/as. Embora seu desenho apresente a formatação de algum modo aparentada com as enciclopédias

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RESENHAS 155

(Middletown) e a literatura sobre communities. Tevecontacto com Elton Mayo, que o orientou no apren-dizado das técnicas de entrevista, e com o antropó-logo Conrad Arensberg, com quem discutiu métodosde pesquisa de campo. Lloyd Warner, autor deYankee city, veio a ser seu orientador naUniversidade de Chicago. Para a revisão do manus-crito, contou com as sugestões de Everett Hugues.Como diz Gilberto Velho, na apresentação da ediçãobrasileira, o livro “como produto final traz inevitavel-mente as marcas de sua passagem e relações comalguns dos expoentes da Escola de Chicago dos anos1940” (p. 12).

Outro aspecto importante diz respeito àatualidade do livro e sua pertinência para enten-der áreas pobres e o mundo popular no Brasil dehoje. O diagnóstico oferecido pelo autor contra-põe-se à imagem produzida pelo senso comum,que considera as áreas pobres exclusivamente umproblema: degradadas, homogêneas, desorganiza-das, caóticas e fora da lei, devendo necessaria-mente ser “ajudadas” uma vez que “abandonadasà sua própria sorte” nunca se desenvolverão.Vistas de dentro, e a partir do olhar arguto docientista social, tem-se outra visão: tais localidadescorresponderiam a áreas onde coexistem espaçose grupos locais diferenciados porém estruturadosa partir de redes de relações sociais. A desorgani-zação social não é, portanto, a tônica geral – oque não significa negar a existência do conflitoentre os grupos. Foote White não tem, dessaforma, nem uma visão “miserabilista” nem popu-lista dos pobres. O autor insiste na importância dasociabilidade que ocorre no espaço público domundo popular, na “sociedade da esquina” parausar seu próprio linguajar. Pois é na esquina, noespaço informal, que as decisões são tomadas,que os grupos se estruturam e que as relaçõessociais se constroem e se destroem.

Que este livro sirva de “aviso” e inspiração atodos aqueles que queiram se lançar na aventurada observação participante.

LICIA VALLADARES é professora deSociologia da Universidade de Lille 1 e

membro do Laboratório Clerse/CNRS. NoBrasil é pesquisadora associada do Iuperj.

Pistas da sociologia paraum século atormentado

Robert BRYM, John LIE, Cynthia Lins HAMLIN,Remo MUTZENBERG, Eliane Veras SOARES &Heraldo SOUTO MAIOR. Sociologia: sua bússolapara um novo mundo. São Paulo, Thomson, 2006.609 páginas.

Ricardo Antunes

Recentemente, o Conselho Nacional deEducação aprovou a volta do ensino de sociolo-gia e filosofia para o ensino médio no Brasil. Adecisão, auspiciosa, poderá possibilitar, em brevetempo, um estudo mais humanista e crítico que,de certo modo, contrasta com a razão instrumen-tal que preside a sociabilidade contemporânea, naqual as chamadas “regras do mercado” têm tidocada vez mais prevalência, inclusive no âmbitoeducacional. Teremos, então, uma real retomadados estudos de sociologia e filosofia em nossasescolas. O que nos obriga, nas universidades, aformar melhores sociólogos e filósofos.

Se já temos aqui publicado várias obras demuitos dos autores clássicos das ciências sociais,com boas edições e mesmo traduções, se já pode-mos consultar o denso Dicionário do pensamentosocial do século XX (organizado por WilliamOuthwaite, Tom Bottomore et al., publicado pelaJorge Zahar Editor), agora, em boa hora, podemossaudar este novo livro que acaba de ser publicadono Brasil. Sociologia: sua bússola para um novomundo é um empreendimento intelectual de fôle-go: em suas mais de seiscentas páginas, ofereceum panorama abrangente, complexo e heterogê-neo das incontáveis questões, desafios, dilemas eproblemas nestes conturbados séculos, o XX quejá se foi e o XXI que acaba de principiar.

Desde logo seus autores mostram que o pro-jeto do livro, entretanto, tem claro contraste com asenciclopédias. Se estas ensinam o que pensar sobretantos temas, este novo livro pretende demonstrarcomo os sociólogos formulam suas questões e inda-gações e, desse modo, possibilitar que as respostassejam encontradas pelos leitores/as.

Embora seu desenho apresente a formataçãode algum modo aparentada com as enciclopédias

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(sumário, glossário, objetivos de cada capítulo,questões para a reflexão) acrescentam que a sua“[...] novidade refere-se ao espaço dedicado àdemonstração de como os sociólogos pensam.Em diversas ocasiões damos exemplos anedóticosa fim de enfatizar a importância de um tema”. Eacrescentam: “Também apresentamos interpreta-ções conflitantes, para uma mesma questão ediversos dados que avaliam os méritos de cadauma. Não apenas nos referimos a tabelas e gráfi-cos, mas os analisamos. Quando as evidências per-mitem, rejeitamos algumas teorias e corroboramosoutras. Assim, muitas seções deste livro podem serlidas não como verbetes de enciclopédia, mascomo se fossem artigos de jornal, embora sociolo-gicamente fundamentados. Se tudo isso lhe pare-ce próximo ao que os sociólogos fazem em suavida profissional, então teremos alcançado nossoobjetivo: apresentar a prática sociológica demaneira menos asséptica, mais realista e, portan-to, mais atraente” (p. 21). Mostrar, então, como sedesenham os “mapas sociológicos” capazes depermitir uma melhor compreensão dos inúmerosdilemas que afligem o mundo atual é seu objeti-vo central.

Adaptação bastante alterada em relação àedição original em língua inglesa, essa nova bús-sola, organizada pelos professores Robert Brym(Toronto), John Lie (Berkeley), Cynthia LinsHamlin, Remo Mutzenberg, Eliane Veras Soares eHeraldo Souto Maior (todos da UniversidadeFederal de Pernambuco), tem escopo abrangente.Se a edição original já denotava a preocupaçãoem oferecer elementos de compreensão para umagama quase infindável de problemas e temáticas,ainda que com o olhar voltado para o centro ouo norte do mundo, a edição brasileira, com a sig-nificativa contribuição dos sociólogos da UFPE,ampliou vários capítulos, itens, temáticas e olha-res, acrescentando elementos analíticos que semostraram imprescindíveis para uma melhor inte-lecção da experiência brasileira em seu ofíciosociológico.

Concebido em cinco partes (“Fundamentos”,“Processos sociais básicos”, “Desigualdades”,“Instituições” e “Mudança social”), o temário érico e diversificado, utilizando-se de vasta biblio-grafia, com forte ênfase na contemporaneidade.Os distintos caminhos da pesquisa, as diversas

teorias e metodologias presentes na teoria social,as questões da ciência e da experiência, da cultu-ra, da socialização (infantil e adulta), das desi-gualdades, da raça e da etnicidade, da sexualida-de e de gênero são apresentados e desenvolvidos.Ou, ainda, o estudo da economia e do trabalho,dos sindicatos e dos movimentos sociais, da políti-ca e da democracia, da família, da religião e daeducação, da comunicação de massa, da urbaniza-ção, da população e do desenvolvimento, tudoisso está desenhado de modo criterioso, ao mesmotempo introdutório e cuidadoso, embasado embibliografia ampla e atualizada, em que a proble-mática é oferecida, e a resposta é um desafio parao/a leitor/a.

A cada item apresentado, seguem-se um resu-mo, questões para reflexão e um glossário, o queconfere um sentido didático necessário. O tema doaborto, as discussões sobre as políticas sociais noBrasil atual, o tema da moda, do riso e do humor,das trocas simbólicas, das redes e das burocracias,das classes sociais, das elites e das estratificações,das marcas, da subjetividade, da ecologia, da glo-balização, do terrorismo, das guerras, da violênciaurbana, das tecnologias, enfim, uma gama amplíssi-ma de temas e pontos são oferecidos, descortinan-do um cenário que pode ser mergulhado pelo estu-dante que quer melhor conhecer os problemascontemporâneos da sociologia.

Pode-se ilustrar o volume com o capítulodedicado ao trabalho. Longe de uma uniformiza-ção, ou ainda de um dualismo quase binário, tãoao gosto dos teóricos do fim ou da desconstruçãodo trabalho, o labor aparece em sua dimensãocontraditória, que cria mas também subordina,humaniza mas degrada, liberta e escraviza, eman-cipa mas é fonte de alienação e estranhamento.Percorrendo um pouco da história do trabalho ede sua literatura especializada, o texto interrogadesde o início: o trabalho é momento de salvaçãoou percurso da danação? E oferece um bompanorama, tanto de algumas tendências empíri-cas, como de algumas das complexas questõesteóricas que conformam essa problemática.

O mesmo ocorre no capítulo dedicado àsteorias da estratificação social, tema nodal dasociologia. De Marx a Weber, passando pelo am-plo debate contemporâneo, procura-se ofereceros contornos mais gerais da controvérsia, de mo-

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do a municiar os/as leitores/as para que possamadquirir uma melhor compreensão do debate e,desse modo, exercitar a reflexão e a busca de res-postas. A este ponto voltarei mais adiante.

O debate sobre o aborto, a questão do(des)armamento, são também elucidativos. Na tri-lha seguida pelo livro, apresentam-se os princi-pais pontos da controvérsia deixando que as res-postas sejam perseguidas pelos leitores/as.

A questão das cotas raciais nas universida-des pode ser destacada como bom exemplo desseprocedimento pedagógico: depois de uma longaexposição do capítulo denominado “Raça e etni-cidade”, recuperando elementos das formulaçõesde Morton, Lombroso, Gobineau, passando noBrasil pelos estudos de Nina Rodrigues, SylvioRomero, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes,enfrentando os contornos do debate contemporâ-neo sobre o dilema racial brasileiro, sobre o colo-nialismo e o mercado de trabalho (mais desiguale excludente em relação aos negros), o capítuloencerra-se com uma questão de grande importân-cia e que está no centro do nosso debate atual:como se posicionar diante da política de cotasraciais na universidade brasileira? Será um passoem direção à promoção de justiça ou uma espéciede racismo às avessas? Após indicarem a polêmi-ca, os autores apresentam, então, alguns dos ele-mentos centrais, favoráveis e contrários, deixandoque o leitor/a reflita e busque elementos para suaresposta.

Claro que numa obra dessa envergadura,amplitude e densidade, algumas lacunas apare-cem. Menciono alguns exemplos emblemáticos:apesar das freqüentes remissões aos clássicos, ouniverso contemporâneo sai mais fortalecido emface da herança dos fundadores da sociologia eda teoria social. A bússola tem os ponteiros maisvoltados para a sociologia contemporânea, o que,aliás, é antecipado no Prefácio do livro, quandoos autores anunciam que “as novas perspectivas eabordagens teóricas obrigam a transcender o refe-rencial clássico dado pelo funcionalismo, o inte-racionismo simbólico e as teorias do conflito”. Masoutros argumentarão que os clássicos ainda são aprincipal fonte (ou bússola) para se compreenderas essencialidades presentes na modernidade.

Pode-se também exemplificar, uma vez mais,com o capítulo “Teorias da estratificação social”

que, partindo das referências iniciais feitas a Marxe Weber, remetem ao debate contemporâneo acer-ca do ressurgimento da análise das classes, viaindicações de Erik Olin Wright e John Goldthorpe,o primeiro se reivindicando herdeiro de Marx e osegundo, na esteira de Weber. Pode-se acrescentarque o debate em torno da validação (ou infirma-ção) conceitual das classes sociais teve outras infle-xões decisivas, como a influência culturalista in-glesa de Thompson (mencionado no livro) eRaymond Williams, a crítica a mercadorização e afetichização do mundo feita pela Escola de Frank-furt (a partir do livro seminal História e consciên-cia de classe do jovem Lukács), a problematizaçãohabermasiana presente em sua Teoria da açãocomunicativa, bem como as críticas contemporâ-neas de P. Anderson (em relação a Thompson) ede István Mészáros (referida a Habermas), entretantas outras. Mas isso talvez levasse o livro a umadimensão por demais abrangente.

Na análise das instituições, poderia ter sidoútil também a recorrência a Foucault e sua metáfo-ra do panóptico. O sistema prisional (para não falarde seu prolongamento para as corporações ditas“modernas”) seria exemplo fértil para se perceberas distintas formas da dominação no universomicrocósmico.

Por fim, há também um tratamento relativa-mente tímido em relação à temática das revolu-ções e das tentativas de implantação do socialismoao longo do século XX, experimentos quase todosderrotados (o que por si denota a necessidade desua melhor compreensão). Das significativas con-tribuições de Marx, como sua crítica premonitóriaacerca da impossibilidade do socialismo num sópaís e à necessidade de pensá-lo como uma pro-cessualidade histórico-mundial, ao desencantoweberiano em relação ao burocratismo (soviético),bem como o significativo debate contemporâneoacerca das causalidades do desmoronamento doempreendimento desencadeado a partir de 1917,tudo isso poderia merecer um capítulo à parte.Vale mencionar, nestas pequenas sugestões, queMarx aparece como responsável pela “teoria doconflito”, quando seria mais apropriado apresen-tá-lo como um “teórico da contradição”.

Mas a envergadura, o escopo, a seriedade, origor e a atualidade fazem do livro Sociologia: suabússola para um mundo novo, uma bela publica-

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ção, justamente quando a sociologia volta commais força a freqüentar nossas escolas.

RICARDO ANTUNES é professor titularde Sociologia no IFCH/Unicamp.

Política e nação no dramamoral da TV

Esther HAMBURGER. O Brasil antenado: a socie-dade da novela. Rio de Janeiro, Zahar, 2005. 193páginas.

Heloisa Buarque de Almeida

Sempre intrigou aos pesquisadores estran-geiros no Brasil a particular história da televisão ea hegemonia da Rede Globo na cultura nacional.De modo semelhante a alguns outros países daAmérica Latina, o Brasil teve na produção televi-siva nacional seu ponto forte, ancorado nas nar-rativas seriadas melodramáticas que ainda predo-minam no horário nobre dos canais abertos. Apresença da telenovela como formato culturalproduzido aqui foi associada a uma menor impor-tação direta de produtos culturais norte-america-nos do que outros países periféricos.1 Sua grandepenetração na vida cotidiana é um fato sociocul-tural nacional que ainda merece reflexão. Noâmbito de uma abordagem antropológica destatemática – que inclui, portanto, a pesquisa etno-gráfica sobre a produção desse modelo de narra-tiva – destaca-se o trabalho de Esther Hamburger.O Brasil antenado é uma adaptação de sua tesede doutorado, defendida em 1999 na Universida-de de Chicago sob a orientação de MarshallSahlins, intitulada Política e intimidade na novelabrasileira (idéia retomada no capítulo de conclu-são do livro). É exatamente dialogando com aimagem de pesquisadores estrangeiros sobre anovela brasileira que Hamburger constrói seusquestionamentos. Se para os brasileiros parececoerente a relação entre novela e imagens denação, a pesquisadora explora os vários aspectosaté então pouco estudados e busca explicar comoisso se dá, não por meio de conjecturas geraismuito comuns quando se fala e se escreve sobreessa temática, mas com base em pesquisa empíri-ca, de coleta e interpretação de dados.

É possível interpretar o livro a partir de doisângulos. De um lado, Hamburger delineia as for-mas particulares de interação entre a produção danovela e a sua audiência; e, de outro, refletesobre os conteúdos de algumas novelas e como,