revista digital papo de cinema

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1 Papo de Cinema PAPO DE CINEMA Junho 2012 | Edição 1 | Ano 1 O amor “indizível”, enfim verbalizado. A carta como elemento de expressão do sentimento no cinema Semiótica – Pág. 27. Os conflitos do amor e da amizade nas comédias românticas. Por Ruleandson do Carmo. Aspas – Pág. 19. Network movies: a lógica (ou a falta dela) nos filmes em rede. Paralelo – Pág. 15. Transmidialidade em pauta: Entrevista com Letícia Malloy Pág. 31. Julgando o filme pela capa. “500 dias com ela”: análise minuciosa do cartaz Veja bem. – Pág11. REVISTA DIGITAL Características e filmografia. Descubra Woody Allen. Direção – Pág. 07.

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1ª Edição da Revista Digital Papo de Cinema. Publicação experimental.

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O amor “indizível”, enfim verbalizado.A carta como elemento de expressão do sentimento no cinemaSemiótica – Pág. 27.

Os conflitos do amor e da amizade nas comédias românticas.Por Ruleandson do Carmo.Aspas – Pág. 19.

Network movies: a lógica (ou a falta dela) nos filmes em rede.Paralelo – Pág. 15.

Transmidialidade em pauta: Entrevista com Letícia MalloyPág. 31.

Julgando o filme pela capa. “500 dias com ela”: análise minuciosa do cartazVeja bem. – Pág11.RE

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Características e filmografia. Descubra Woody Allen.Direção – Pág. 07.

falta dela) nos filmes em rede.Paralelo – Pág. 15.

Características e filmografia. Descubra Woody Allen.Direção – Pág. 07.

O amor “indizível”, enfim verbalizado.A carta como elemento de expressão do

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O amor “indizível”, enfim verbalizado.A carta como elemento de expressão do

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ÍNDICE

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DIREÇÃO

VEJA BEM. “ASPAS”

PARALELO

IMPRESSÃOTRILHA SONORA

LEMBRA DESTA CENA?

SEMIÓTICA

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EditorialExpediente

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

REITORProf. Rivadávia C. D. de Alvarenga Neto

INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E DESIGNProf. Rodrigo Neiva

COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMOFernanda Bastos

ORIENTAÇÃOProfª Tacyana Arce

DISCIPLINATrabalho Interdisciplinar de Graduação V

EQUIPEAndré Zuliani

Jonathan MaxuellLeilane StaufferNatanael Vieira

PAPO DE CINEMARua Diamantina, 567Lagoinha – BH/MG

CEP: 31110-320

Caro leitor,

Papo de Cinema é fruto do Trabalho Interdisciplinar de Graduação, disciplina do 3º período do Curso de Jornalismo. À época, o produto era um programa radiofônico. Sob slogan “Sua seção pipoca no rádio”, o piloto levou aos ouvintes uma análise da comédia de Woody Allen, “A Era do Rádio” (Radio Days, 1987).

No formato de dossiê, o radiodocumentário buscou referências em nas disciplinas daquele período e de semestres anteriores. Traduzimos os resultados, o momento de experimentação, de erros e acertos em um projeto perene. Objeto de constante aprimoramento.

Todo o processo de construção do piloto inspirou a criação do que agora levamos a você: a Revista Digital Papo de Cinema. Como garimpeiros, demos início a uma nova jornada de pesquisa, apuração, redação e descobertas. A plataforma digital e o contexto do Jornalismo Especializado colocaram a nossa frente um grande desafio: com um produto analítico, adequar-nos à internet, meio de relações fugazes e imediatismo.

Para isso, mesclamos seções de reportagens aprofundadas a espaços que proporcionam descanso visual a você, com combinação de cores, ilustrações, fontes... O resultado você confere nesta edição. A nossa primeira edição. E que tal falar de amor na estreia? Nada mais inspirador, não é mesmo!? Conversamos com cinéfilos, estudantes, pesquisadores, professores e especialistas da área e compartilhamos com você o fruto dessa empreitada.Entre no clima e no papo com o saboroso poema de Mário Quintana.

Amor é síntese

Por favor, não me analiseNão fi que procurando cada ponto fraco meu.

Se ninguém resiste a uma análise profunda,Quanto mais eu...

Ciumento, exigente, inseguro, carenteTodo cheio de marcas que a vida deixou

Vejo em cada grito de exigênciaUm pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é sínteseÉ uma integração de dadosNão há que tirar nem pôrNão me corte em fatias

Ninguém consegue abraçar um pedaçoMe envolva todo em seus braços

E eu serei o perfeito amor.

Boa leitura!Da redação

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Local de conhecer o perfi l, produção, características e curiosidades sobre um diretor que retrate, de alguma forma, o tema da edição.

Conhecido pelo estilo peculiar e original, o diretor escolhido sempre dá um jeito de retratar o amor de maneira irônica. O sucesso de suas receitas, nada previsíveis, está na vasta lista de obras que assina como diretor e roteirista. Adivinhou? Descubra agora.

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“Você vai conhecer o homem de seus sonhos”. “Tudo pode dar certo”. “Todos dizem eu te amo”. Quem pensou que as frases são títulos de livros de autoajuda, enganou-se. O que temos acima são nomes de comédias românticas do diretor Allan Stewart Königsberg, ou Woody Allen.

Nasceu em Nova Iorque em 1935 e é escritor, músico, roteirista, ator e cineasta. O interesse por cinema surgiu quando o pequeno Allen, então com dois anos, foi assistir ao filme “Branca de Neve e os sete anões” (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937). A única lembrança que ele tem do filme é de ter corrido até a frente da sala e tocado na tela. O episódio foi lembrando 40 anos depois, em seu filme “Noivo neurótico, noiva nervosa” (Annie Hall, 1977).

Por ser o roteirista dos filmes que dirige, Woody Allen, na maioria das vezes, cria um personagem mal humorado, mas cômico, e é representado por ele mesmo. O tipo, uma espécie de alterego, é presença garantida em quase todos os filmes. Foi assim desde “Annie Hall”, em 1977, até “Scoop – O grande furo” (Scoop, 2006), último longa no qual atuou. Acreditamos que não há outro diretor que retrate tão bem o amor nas telonas. Os filmes destacam os relacionamentos e conflitos, reflexões sobre o comportamento humano, diálogos interessantes e bem humorados que debocham das situações corriqueiras. Uma peculiaridade de Allen ao escrever os roteiros e dirigir as cenas.

E não para por aí. Quase uma mania, Woody, de alguma forma, procura ambientar os filmes em sua terra natal. Exemplos que não nos deixam mentir são os longas “Noivo neurótico, noiva nervosa”, “Manhattan, contos de Nova York”, “Tiros na Broadway”, “Melinda e Melinda”. A obsessão de filmar em Nova Iorque é deixada de lado, por exemplo, em 2004, quando o diretor viaja a Londres, para rodar “Ponto Final – Match Point” (Match Point, 2005). O sucesso de crítica e público foi responsável pela conquista de mais fãs.

Devido ao sucesso em terras europeias, por exemplo, o diretor iniciou uma nova fase na carreira e passou a filmar em diferentes países. Da estreia de “Match Point”, em 2005, até hoje, Woody dirigiu sete produções, sendo quatro delas em Londres, Barcelona, Paris e Roma.

O mais novo trabalho do diretor, “Para Roma, com amor” (The Rome with Love), estreia no Brasil, no dia 29 de Junho de 2012. Após seis anos de sua última interpretação como o mágico/ilusionista/charlatão Sid Waterman em “Scoop – O grande furo”, Woody Allen retorna às telonas interpretando o personagem Jerry. O filme ainda não chegou às terras tupiniquins. Mas, você tem dúvidas de que Woody Allen interpretará um velho rabugento, mal humorado, mas engraçado? Nós não.

Curiosidade:Fato inusitado sobre o diretor é que ele nunca comparece na cerimônia do Oscar. Sempre é indicado por seu trabalho como diretor ou roteirista, porém, mesmo quando seu filme “Annie Hall”, ganhou 4 estatuetas em 1978 – melhor atriz, fotografia, direção e roteiro – Woody Allen não estava presente. Coube ao co-apresentador King Vidor parabenizá-lo e aceitar o prêmio em seu nome.

Em 2002, Allen surpreendeu a todos no Kodak Theatre ao aparecer de surpresa no palco da cerimônia. O motivo foi um convite para apresentar uma espécie de tributo às vítimas dos atentados de 11 de Setembro. Não só o fez como também divertiu a plateia ao contar que sentiu medo quando a Academia ligou para convidá-lo. Acreditava que ela reivindicava os Oscars que ele havia ganhado.

Confira todos os filmes de Woody Allen ao longo dos seus 47 anos de carreira.

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2013-Untitled Woody Allen Project (Pré-produção)2012-Para Roma, com Amor (Estréia 29 de Junho)

1989-Crimes e Pecados1989-Contos de Nova York

2005-Ponto Final - Match Point2004-Melinda e Melinda

1983-Zelig1982-Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão

1997-Desconstruindo Harry1996-Todos Dizem Eu Te Amo

1972-Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo e Tinha Medo de Perguntar 1971-Bananas

1966-O que Há, Tigresa?

2009-Tudo Pode Dar Certo2008-Vicky Cristina Barcelona

1987-A Era do Rádio1986-Hannah e Suas Irmãs

2001-O Escorpião de Jade2000-Trapaceiros

1978-Interiores

1977-Noivo Neurótico, Noiva Nervosa

1993-Um Misterioso Assassinato em Manhattan1992-Maridos e Esposas

2011-Meia-Noite em Paris2010-Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos

1988-A Outra1987-Setembro

2003-Igual a Tudo na Vida2002-Dirigindo no Escuro

1980-Memórias1979-Manhattan

1995-Poderosa Afrodite1994-Tiros na Broadway

1969-Um Assaltante Bem Trapalhão

2007-O Sonho de Cassandra2006-Scoop - O Grande Furo

1985-A Rosa Púrpura do Cairo

1984-Broadway Danny Rose

1999-Poucas e Boas1998-Celebridades

1975-A Última Noite de Bóris Grushenko

1973-O Dorminhoco

1991-Neblina e Sombras

1990-Simplesmente Alice

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O objetivo desta seção é avaliar se o que foi representado na capa corresponde ao que é mostrado no fi lme. O cartaz e o título de um fi lme formam, juntos, o cartão de visitas da obra. Aqui você verá o que eles pretendem transmitir aos espectadores e o que os elementos usados signifi cam. Nesta edição, a análise será da comédia romântica “500 dias com ela” (500 days of Summer, 2009), dirigida por Marc Webb.

Veja bem.

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JULGANDO O FILME PELA CAPA

“De tanto olhar o que está visível, o invisível vai, finalmente, aparecer”. A frase do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard leva à reflexão sobre alguns elementos fundamentais para que um filme seja bem-sucedido. Produção eficaz, atores competentes, equipe alinhada. Fatores importantes, mas não únicos. A publicidade cinematográfica e o título são a fonte de informação primária sobre a obra.

Um dos recursos dessa publicidade são os cartazes, cujo objetivo é capturar o público, despertando interesses. Partindo desse pressuposto, o cartaz da comédia romântica “500 dias com ela” (500 days of Summer, 2009) com roteiro de Scott Neustadter e Michael W. Heber e direção de Marc Webb, é muito bem-sucedida.

O cartaz original trabalha com um mosaico de 470 fotos da personagem Summer (Zooey Deschanel) em diferentes ângulos, expressões e planos (primeiro, primeiríssimo, detalhe, médio), que procura representar todos os dias em que Tom (Joseph Gordon-Levitt) esteve com ela.

O mosaico apresenta algumas fotos com tom amarelado que dá forma a um sol, sobreposto pelo título, referindo-se ao verão, estação vigente quando Summer e Tom se conhecem. O número quinhentos na forma numérica e entre parênteses refere-se ao tempo em que eles estiveram juntos.

Na parte superior do cartaz – portanto, em destaque –, temos o nome dos protagonistas, Joseph Gordon-Levitt e Zooey Deschanel. Na parte inferior, Tom – que é arquiteto, mas atua como escritor de cartões – aparece assentado em um gramado, concentrado em um bloco no qual faz seus desenhos. Ao fundo dele, aparecem traços simples que esboçam um horizonte de prédios, traços que fazem divisão entre a imagem de Tom e o mosaico que preenche todo o restante da peça publicitária. De algum modo, a disposição das imagens de Tom e do mosaico pode levar à conclusão que os desenhos do protagonista estão relacionados com sua amada, Summer.

É importante ressaltar, ainda, as cores

no cartaz. As fotos de Summer são trabalhadas em uma série de cores com tonalidades claras, destacando-se o amarelo. Destaque que tem a ver com o gênero comédia romântica, conforme o livro Clés et codes du cinéma, de Yveline Baticle. Na obra, a doutora em Psicolinguística e professora honorária da Universidade de Paris afirma que há uma tendência em associar a cor amarela a filmes de comédia. Em contrapartida, Tom aparece trajando roupas, meias e tênis escuros, o que se refere ao momento de perda pelo qual está passando. Ainda segundo os estudos de Baticle, que pesquisou vários cartazes de cinema, os tons escuros transmitem a sensação de horror, perda e luto.

Não há a menor dúvida de que o filme é uma legítima comédia romântica. Gênero que possui uma consagrada fórmula: o casal protagonista passa por uma série de contratempos, mas termina junto, apaixonado e feliz. A princípio, “500 dias com ela” também parece ser assim. Mas uma frase no cartaz muda tudo. É a tag-line, frase de efeito que indica, parcialmente,

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alguns dos acontecimentos que se desenrolarão na película, reforçando a trama. Na parte inferior do cartaz, bem próxima à imagem de Tom assentado, inscreve-se a frase “This is not a love history. This is a history about love” (“Essa não é uma história de amor. É uma história sobre o amor”). A tag-line tem papel fundamental, porque instiga o espectador a querer entrar no enredo da história, já com uma pré-compreensão de que verá algo diferente do convencional. E esse toque, por mais sutil que seja, conduz muitas pessoas às salas de cinema.

Do verão ao outono

O título de um filme é o elemento que produz nossa primeira impressão sobre ele. Para Godard, é a pátria de um filme. É o título que norteia, direciona o enredo, e revela ao espectador quais expectativas ele pode ter. É uma espécie de cartão postal da obra. O cineasta e romancista canadense Jacques Godbout, sintetizou

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o poder do título em uma frase: “Digam-me um título e lhes darei uma obra”, parafraseando um antigo ditado popular.

No caso do filme dirigido por Marc Webb, o título não poderia ser menos importante. Pelo contrário. É preciso pontuar, antes de qualquer análise, que os títulos original e brasileiro são diferentes. Os nomes dos filmes são traduzidos de maneiras diferentes em cada versão, adequando-se às características peculiares de cada país. Em “500 dias com ela”, a alteração foi sutil: o Summer do original foi substituído pelo ela, na versão brasileira.

Summer é uma mulher pragmática, de iniciativa, que vive o momento de acordo com sua vontade. Uma bon vivant, que pensa como grande parte dos homens. Isso gera até uma chacota durante o filme, quando McKenzie, amigo de Tom, pergunta se a protagonista é homem, após ela ter dito que é livre, independente e não namora porque não quer.

A sutileza do título está na palavra summer (verão, em português). O verão é a estação mais quente do ano, que sucede a primavera e antecede o outono. Esse detalhe só se desvenda no epílogo do filme, momento - no final da película - que revela o destino dos personagens mais importantes. É no desfecho que Tom, depois da desilusão com Summer, decide recomeçar a vida, e em uma entrevista de emprego conhece uma mulher chamada Autumm. E o que é autumm? Outono, em português. As semelhanças não são meras coincidências. A escolha dos nomes das duas dá sentido à narrativa. O período do verão - de Summer - se encerra, enquanto o outono – tempo de Autumm – começa.

De certa forma, essa é uma das grandes mensagens do filme: o amor é cíclico, como as estações do ano. Apesar do sofrimento com as desilusões amorosas, que são inerentes à condição humana, sempre haverá a possibilidade de encerrar um período de sofrimento e começar uma nova história de amor.

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Responsável por explorar a composição de dois fi lmes análogos, a seção Paralelo traça semelhanças, particularidades e características de obras que se aproximam; seja pelo assunto, tratamento, recursos cinematográfi cos utilizados ou mesmo pelo gênero.

Nesta edição, conheça a estrutura narrativa de “Idas e Vindas do Amor” (Valentine’s Day, 2010) e “Simplesmente Amor” (Love Actually, 2003). As comédias românticas, dirigidas por Garry Marshall e Richard Curtis, respectivamente, constroem-se a partir do modelo network movies, conhecido no Brasil como fi lme em rede. Confi ra.

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Numa rede só: análise das narrativas de Love Actually e Valentine’s DayFruto de Hollywood, “Idas e Vindas do Amor” (Valentine’s Day, 2010) está na lista das obras dirigidas por Garry Marshall. O diretor norte-americano comandou também o clássico “Uma linda mulher” (Prety Woman, 1990), cuja estrutura narrativa é bem distinta de Idas e Vindas, mas ambos têm, no elenco, a presença de uma das divas do cinema: Julia Roberts. Por falar em estrutura narrativa e famosos, Marshall parece ter gostado da linha de produção de Valentine’s. Ele é responsável também pela direção do longa “Noite de Ano Novo” (New Year’s Eve, 2011). Nas obras de 2010 e 2011, Marshall dá espaço a pequenas tramas que acontecem simultaneamente e que, em alguns momentos, acabam se esbarrando. Ao mesmo tempo, Idas e Vindas e Noite de Ano Novo se organizam a partir núcleos independentes.

Seguindo o mesmo estilo narrativo, “Simplesmente Amor” (Love actually, 2003) é obra britânica, dirigida por Richard Curtis. O histórico do neozelandês é marcado mais por roteiros e traz nomes como “O Diário de Bridget Jones” (Bridget Jones’s Diary, 2001), “Um lugar chamado Notting Hill” (Notting Hill, 1999) e “Quatro casamentos e um funeral” (Four Weddings and a Funeral, 1994). Na obra de 2003, o estilo proposto por ele foi bem diferente das propostas dos filmes anteriores. Além de não deixar passar batido o rol de astros admiráveis do cinema – seja por carreira ou beleza –, Curtis estrutura, em “Simplesmente Amor”, as várias histórias, distribuídas entre 19 personagens, em um contexto bem definido. As tramas do longa são trabalhadas a partir do típico espírito natalino do mês de dezembro e, o que as une não poderia deixar de ser, claro, o amor. Estruturado de maneira bem semelhante a esta, Garry Marshall concentra as histórias de Idas e Vindas do Amor às vésperas do Valentine’s Day.

As obras apresentam em comum também a construção narrativa. O modelo seguido é o network movies, conforme classificação do estudioso em cinema contemporâneo David Bordwell. No Brasil, o estilo é chamado de filmes em rede. Segundo as análises de Bordwell, inclusive, a classificação de linhas narrativas não deve ser trabalhada como conceito fixo e imutável, mas com a ideia de narração como processo que ocupa espaço na mente do interlocutor, e este desenvolve atividade fundamental no processo de interpretação.

Ao considerar tais reflexões, a doutora em Ciências da Comunicação e professora de cinema da Escola de Belas Artes, da UFMG, Ana Lúcia Andrade, explica que filmes com essas estruturas são considerados uma espécie de subgênero com narrativas paralelas, que se entrelaçam em algum momento, construindo sua identidade. Segundo ela, “essa construção narrativa permite uma gama de personagens tipológicos, em situações diversas acerca de um mesmo tema, passíveis de identificação com o espectador”.

Nesta linha, a presença de estrelas do cinema também é considerada marca dos filmes em rede. Ana Lúcia justifica que é comum esses tipos de produção serem interpretados por atores conhecidos do grande público, “uma vez que existem protagonistas dos diversos ‘episódios’ articulados dentro do todo narrativo”. Enredo, diretor e a divisão em pequenos e fundamentais papéis dentro da história são, também, critérios para a escolha dos personagens. Entretanto, a presença de astros é revelada por

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Jason (Topher Grace) se rende aos encantos da jovem secretária Liz (Anne Hathaway), cena de “idas e vindas”.

outro importante fator: a bilheteria. “Os produtores veem oportunidade de aglomerar um elenco atraente, aproveitando do carisma deles como chamariz de bilheteria, como um leque de estrelas de várias gerações que possam agradar aos vários públicos”, acredita Ana Lúcia Andrade. Não é à toa que o star system, desde as primeiras décadas do século XX, passando pelo auge nas décadas de 40 e 50 até chegar à atualidade, é instrumento de promoção dentro de Hollywood, renovando o elenco a cada geração, a fim de conquistar a plateia.

Avaliação

Idas e Vindas do Amor e Simplesmente Amor aproximam-se, principalmente, pelo estilo narrativo. Semelhanças,

entretanto, não fazem, necessariamente, com que os níveis de qualidade sejam iguais. A opinião da jornalista, cinéfila e pós-graduanda em Produção e Crítica Cultural, Joana Nascimento, acerca das duas obras aponta para isso. “Acho que ‘Simplesmente Amor’ consegue fazer todas as amarras necessárias para que cada uma das histórias expostas na trama fosse bem apreendida. Isso indica para uma narrativa que tem incipiência conjunta. As histórias acontecem paralelamente. Uma não acaba para que a outra comece, porém, há como discerni-las”. No que diz respeito ao resultado da obra dirigida por Garry Marshall, Joana avalia que “Idas e Vindas do Amor” não apresenta o caráter inusitado, típico dos network movies. “O filme não responde

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aos critérios de novidade, edificação, estruturação. É apenas mais uma obra hollywoodiana, com atores

bem vistos nos holofotes, em que nem a fama e talento conseguem elevar o filme a um bom patamar. Os diálogos não são bem construídos e as histórias clichês”.

É inegável que o desafio de todo filme é contar boas histórias; narrativas que sejam capazes de atrair e chamar atenção das pessoas. Inerente a este desafio, está o risco comum aos filmes que se articulam a partir de muitas tramas paralelas: confundir o interlocutor, não cumprindo sua proposta principal. É o que expõe a professora Ana Lúcia Andrade. “No caso desse subgênero, assim como numa novela, são várias histórias entrelaçadas – o que demandaria maior elaboração do roteiro, no sentido de dar coerência e coesão às várias tramas. Além disso, por haver muitos personagens, corre-se o risco dos papéis serem mal construídos ou pouco desenvolvidos. Isso se dá principalmente pelas tipificações quase esquemáticas, ou mesmo caricaturais, de determinadas vertentes, devendo ser representativos e envolventes”.

Narrativas paralelas com outras perspectivas

Em meio ao contexto narrativo, de classificação e estrutura dos filmes, faz-se evidente como as comédias românticas costumam ser mais populares do que dramas contundentes. Isso não significa, entretanto, que as obras não sejam eficazes e não cumpram o que “prometem”. O que existem são objetivos distintos, conforme esclarece a fala da professora de cinema da Escola de Belas Artes da UFMG, Ana Lúcia Andrade. “‘Simplesmente amor’ destina-se ao grande público e, por isso, atenta-se para um discurso mais acessível. Os melhores filmes acabam sendo os que, com esse propósito, não se nivelam por baixo. Eles procuram promover links na narrativa, que estabeleçam e conectem os universos retratados”.

Nesta perspectiva, exemplos de filmes que buscam alcançar um trabalho envolvente e satisfatório voltam-se para a necessidade de tratar algum tema sob vários ângulos e diversos olhares. Para isso, eles também utilizam os diversos personagens, situações e modalidades dramáticas que ajudam a compor o todo. A professora Ana Lúcia identifica esse tipo de construção em “Short cuts – Cenas da vida” (Short Cuts, 1993), “O jogador” (The Player, 1992), “Amores brutos” (Amores perros, 2000) e “Babel” (2006).

“Robert Altman era um competente articulador de narrativas paralelas. Os ótimos e bem articulados “O jogador” e “Short cuts” comprovam isso. Sempre com elenco recheado de nomes proeminentes de suas épocas, encarnando personagens dos mais idiossincrásicos, são verdadeiros filmes-painéis, com um espírito satírico em relação ao universo que abordam: o da indústria cinematográfica, o da cidade de Los Angeles e o da moda, respectivamente”, defende Ana Lúcia. As obras “Amores brutos” e “Babel”, de Alejandro González Iñárritu, também se constituem por meio de complexas narrativas paralelas. “Eles tecem relações contundentes entre situações opostas que se aproximam em determinado ponto e contam com personagem representativos. O cineasta defende as histórias quase como teses humanistas”, finaliza Ana Lúcia Andrade.

Em “Simplesmente Amor”, Mark (Andrew Lincoln) se declara, em silêncio, para Juliet (Keira Knightley), esposa de seu melhor amigo,

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Aspas

Espaço reservado a contribuições trazidas por especialistas da área. Com assunto livre, mas consoante à proposta da edição e à linha editorial da revista, o convidado traz, em um artigo, novidades, observações e experiências do cinema.O jornalista, mestre em Ciência da Informação e responsável pelo blog “Eu só queria um café”, Ruleandson do Carmo, inaugura a seção. Ele fala sobre o amor e a amizade presentes nas comédias românticas. Abre aspas...

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Sobre como o amor é sempre papo de cinema, risada, lágrima

e super-poderPor Ruleandson do Carmo

Um dos filmes mais aguardados deste ano é “Batman The Dark Knight Rises“ (2012), obra que terá a tarefa de superar seu antecessor, em bilheteria e em sucesso de crítica. É que “Batman The Dark Knight” (2008) figura na lista dos filmes mais vistos, nos cinemas, de toda a história. Sim, é um filme de super-herói. Mas um dos motes principais da trama de 2008 é o conflito sentimental entre o protagonista Bruce Wayne (Christian Bale), o Batman, e sua melhor amiga Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal). Ele a ama e quer namorá-la. Ela o ama, mas quer ser amiga dele (quem nunca?).

Se o referido filme do homem-morcego deixasse um pouco de lado as explosões, o ar sombrio e arrancasse algumas risadas do público, focando-se mais na história de amor do “casal” (com as aspas ou sem aspas? Olha o conflito!), poderia até se tornar uma comédia romântica. E o mesmo pode-se dizer da trilogia do Homem-Aranha e

seu romance com a melhor amiga, Mary Jane, e do Superman, com o romance entre Clark Kent e a amiga Lois Lane.

Mas nem é preciso mudar os filmes de heróis de gênero. É o que diz Edgar Morin: o amor é a obsessão cultural do homem moderno e o motivo principal para a felicidade (MORIN, 2009). Além dos filmes dramáticos, de ação, de super-heróis, animações e todos os outros – por que não? – que sempre trazem alguma história de amor, as comédias românticas dedicam-se integralmente a debater os diversos problemas das histórias de amor.

Resultados de estudos realizados em 2007 (Cruz, 2007) revelam que o conflito mais comum no gênero é o “do amor X a amizade”, em que os personagens principais não sabem se gostam um do outro para namorar ou se são apenas amigos.

Entre as comédias românticas que representam tal conflito, destaca-se “Harry & Sally - feitos um para o outro” (1989), “O casamento do meu melhor amigo” (1997), “A razão do meu afeto” (1998), “Amor à segunda vista” (2002), e “Apenas amigos” (2005), por figurarem entre as principais bilheterias

do gênero. O estudo aprofundado destes filmes revela alguns elementos comuns na estruturação narrativa das comédias românticas, dentre eles: paixões; mito de Eros e Psique; amor sintético; amizade; comédia, happy end; e recurso da tela-dividida.

Assim, as paixões – raiva, felicidade, ódio, amor e todos outros sentimentos que, segundo Aristóteles (2000), mudam o modo de o indivíduo julgar o outro – são extremamente importantes para os casais principais dos longas expressarem seus sentimentos em relação ao amado, algo fundamental em filmes românticos. A paixão amor é o que motiva as demais paixões nos personagens, pois, se o amor é a forma, as outras paixões são o conteúdo.

A representação do conto de Eros e Psique – o mito do Cupido apaixonado pela mortal mais bela – também é relevante para o desenvolvimento das comédias românticas, pois elas, assim como mito, evidenciam que a ideia do sofrimento amoroso, como etapa obrigatória para a felicidade ao lado do verdadeiro amor, não é original ou particular das comédias românticas, mas pode ser vista como reprodução

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da estrutura do mito, como comprova a semelhança da história desses filmes com as cinco fases de Eros e Psique: introdução – quando o casal se conhece; núpcias de morte – encontro amoroso; tentação e paixão – conflito que leva o casal a se separar; provação – tentativa de reunião do casal; e final feliz.

O gênero comédia romântica é assim denominado por tratar-se de comédias que representam e reproduzem os preceitos do amor romântico e sua ideologia de encontrar alguém por quem se sinta amor da carne (sexual) e da alma (sentimental), simultaneamente. No entanto, é justamente ao apresentar a oposição entre esses dois amores, por meio do conflito entre amor e amizade, que os filmes estudados distanciam-se do amor sintético, definido por Morin (2009) como a união dos dois tipos de amor, o amor típico do cinema.

No referente à amizade, as comédias românticas que representam o conflito amor X amizade costumam apresentá-la como elemento que justifica e moraliza o amor, pois a apontam, na tendência da cultura de massas, como caminho para o namoro ideal, baseado no companheirismo e não na atração sexual. Assim, contrariando a regra contemporânea, as comédias românticas estudadas valorizam mais a amizade do que o amor, algo que, excetuando curtos períodos da história humana, não é comum desde a Grécia Antiga.

Se o amor romântico é responsável pela segunda parte do nome do gênero comédia romântica, os elementos cômicos respondem pela primeira, ao tornar tais filmes comédias e não apenas dramas ou melodramas românticos. No entanto, há vários níveis de comédia, desde o equilíbrio entre comédia e

romance, à prevalência da comédia, e ainda os que são melodramas românticos, com pequenos toques cômicos. Entretanto, a função da comédia é promover a descontração e tornar as histórias mais leves, atendendo ao preceito de diversão da cultura de massas.

Por sua vez, o melodrama, nas comédias românticas, costuma exercer grande influência, sendo que características apontadas como da comédia romântica, como o personagem cômico fora do eixo do casal principal, e os excessos, seja na comédia ou no romance, são, na verdade, elementos melodramáticos, aproveitados por tais filmes. Assim, as comédias românticas não são histórias dramáticas com humor, mas sim histórias melodramáticas de amor com elementos cômicos.

Acerca do happy end do drama romântico e da cultura de massas – o final feliz que sempre acontece –, podemos dizer que eles comprovam que, nas comédias românticas, nem sempre há a obrigação do final feliz, tradicional na indústria cinematográfica hollywoodiana. O importante é tudo o que o casal principal vivencia e não o final. Essa lógica faz com que a primazia seja de o casal principal ter vivenciado momentos muito felizes ao longo do filme e não necessariamente terminem juntos.

Sobre o recurso da tela-dividida – cada um do casal principal vivenciando situações similares em metade da tela, mostrando como são “almas gêmeas” –, podemos afirmar que ele é modernizado pelas comédias românticas atuais e convertido em um paralelismo romântico, que exerce a mesma função: sugerir a compatibilidade do casal principal em

um jogo de proximidade e distância. Agora as cenas são intercaladas e não necessariamente as similaridades serão mostradas na mesma tela.Com isso, podemos concluir que, em geral, as comédias românticas representam a linha tênue entre amor e amizade, como uma linha ainda mais tênue entre namoro e amizade, a amizade como amor sem sexo e como um sentimento que deve prevalecer em qualquer relacionamento. Seja como for, ter amizade ou não, tratando-se de amor, talvez, seja como Nina, personagem de Jennifer Aniston na comédia romântica A razão do meu afeto (1998), diz: “A questão não é ter tudo. É escolher alguém e fazer dar certo”.

E, voltando aos super-heróis, certamente, caso se baseie na história em quadrinhos, “Batman The Dark Knight Rises” (2012) chegará às telonas com Batman e a Mulher-Gato em um conflito ainda mais difícil, passando do somos amigos ou amantes para o somos inimigos ou amantes? Esta dúvida você não deseja nem para um inimigo. Ops!...

Depois de ler a Papo de Cinema, dê uma passadinha no blog do nosso convidado:

www.eusoqueriaumcafe.com

Referências

ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes,

2000.

CRUZ, Ruleandson do Carmo. Comédia romântica: a

representação da linha tênue entre amor e amizade nos

filmes do gênero. 2007. 128 f. (Monografia, Cinema) – Centro

Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), Belo Horizonte,

2007. Disponível em: < http://www.convergencia.jor.br/

bancomonos/2007/ruleandson.pdf>. Acesso em: 7 maio

2012.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX Volume 1:

Neurose. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

www.eusoqueriaumcafe.com

ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes,

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Lembradesta cena?

Diminua a luz e acomode-se na poltrona. É hora de se deleitar com imagens deliciosas.

Como o tema desta edição é o amor, nada melhor que relembrar belos filmes, em belos momentos.

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Expressão universal do amor...

Homem-aranha (2002)Tobey Maguire e Kirsten Dunst

Peter Parker e Mary Jane.

Meia noite em Paris (2010)Owen Wilson e Rachel McAdams

Gil e Inez

Diário de uma paixão (2004)Ryan Gosling e Rachel McAdams

Noah e Allie

Shrek (2001)Shrek e Fiona

E o vento levou (1939)Clark Gable e Vivien Leigh

Rhett Butler e Scarlett O’Hara

Branca de Neve e os sete anões (1937)Branca de Neve e o Príncipe

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Ghost - Do outro lado da vida (1990)Partrick Swayze e Demi Moore

Sam e Molly

Cablanca (1942)Humphrey Bogart e Ingrid Bergman.

Rick e Ilsa

A dama e o vagabundo (1955)Vagabundo e Lady

Meu primeiro amor (1991)Macaulay Culkin e Anna Chlumsky

Thomas e Vada

Ninotchka (1939)Melvyn Douglas e Greta Garbo

Leon e Ninotchka

Dirty dancing - Ritmo quente (1987)Partrick Swayze e Jennifer GreyJohnny Castle e Frances ‘Baby’

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Com um ensaio mais livre, a seção contempla análises de obras cinematográfi cas, considerando estudos desenvolvidos pela semiologia. A iniciativa partiu da percepção de que essa área de estudo é bastante explorada, para construir observações analíticas sobre qualquer assunto.

Na primeira edição você verá como um objeto que já carregava em si a história de duas pessoas deu início a outra história. Esse objeto é a carta. O fi lme escolhido foi “Uma carta de amor” (Message in a Bottle, 1999).

Mas o ensaio procura, por um lado, fl ertar com outras produções que trazem a simbologia da missiva como elemento que proporciona contato pessoal, ativa os sentidos, media relações, enfi m. Por outro, procura mostrar detalhes da linguagem cinematográfi ca que passam despercebidos. Ou melhor, passavam.

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Sem

iótic

aO amor, enfim,“dizível”É bem provável que todos tenham sido perguntados, em algum momento dessa vida, o que significa “amor”, “amar”. Mais provável ainda é, pensando nas diversas formas que o dito sentimento se manifesta, ter demorado a responder, ter sentido vergonha, desviado do assunto, ter dado um sorriso amarelado, enfim. Não é de se estranhar a dificuldade que muitos têm em definir, mesmo que de forma pessoal e despretensiosa, o que o amor significa. Para a psicóloga Janaína Moraes o “olho a olho coloca a pessoa em uma situação em que não é possível a defesa”. E quando se escapa dessa circunstância – a de tentar verbalizar – não é raro, também, que a tentativa acabe por cair em clichês. Talvez um dia chegue-se à conclusão de que não é preciso procurar pelo significado do termo. Quem sabe não se chegue a nada. Então, o que buscar?

Chegamos a um momento de atribuição de sentido a todas as coisas, e tentamos fazê-lo com os sentimentos. É aí que nascem os desconfortos. Não da concessão de significados em si, mas da incapacidade ou falha nesse processo. Isto é, o surgimento da dúvida insolúvel.

Mas, até aqui, já se sabe que o amor é “indizível”. A escritora Laura Botelho introduz seu livro “A semiótica do amor” dizendo que o sentimento é um “conjunto de sinais não verbais que estão constantemente presentes no convívio, na troca, no lidar entre amigos, pais, filhos, marido e esposa, amantes, [...]... Enfim, com tudo aquilo que nos cerca e carece de atenção e cuidados especiais”.

Aí está: não verbais. Janaína Moraes salienta que a comunicação direta implica na perda da defesa, no desarme. Falar sobre o sentimento ou “sobre si, é expor-se, é colocar-se diante do outro sem escudos, sem véus”, reforça. Mas ela também adianta que existem outros meios de emissão de mensagem: “o corpo, o olhar, a segurança (ou insegurança) da voz”, por exemplo, dizem muito.

E em matéria de comunicação não verbal, o cinema – desde que nasceu – é doutor em fazer despertar os sentidos e por eles fazer-se entender. Sobretudo nos gêneros que levam ao público as várias faces do amor; como o romance, a comédia e o drama. Durante as sessões de exibição, a película girava ao som de uma orquestra, ou mesmo uma banda, que ajudava os espectadores a entender a atmosfera das cenas. É nesse

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O momento em que Theresa encontra a carta de “G” e endereçada a Catherine.

momento que audição é ativada. Concomitantemente, a visão era aguçada à base do preto e branco, muitas vezes borrados e sem um bom contraste. Nada que desanimasse o público, ávido por aquela invenção mágica que projetava mais que imagens. O cinema, contudo, evoluiu e, aos poucos, foi incorporando novos fazeres, técnicas, estéticas, óticas, enfim. Com isso, foi deixando muitas coisas pelo caminho.

Mas o amor, sim ele, continuou sendo assunto para muitos curtas e longas. Os novos métodos e meios facilitaram a aplicação da estética ao visual e ao som. O que também passou pelo processo de evolução e/ou modernização diz respeito ao “amor indizível” nas telonas. Não que ele tenha se transformado em algo dizível. Mas os gêneros cinematográficos, principalmente o romance e o drama, encontraram maneiras de deixar o tema mais palatável, audível e legível – talvez o melhor termo fosse “leiturável”. Neste caso, é interessante notar a maneira como um símbolo serviu de base para a narrativa a várias produções: a carta. Ao mesmo tempo em que mostra uma transição, não necessariamente de forma cronológica, da fase da significação não verbalizada do amor para uma etapa em que ele aparece traduzido em palavras, acarta romantizou histórias de sofrimento, endureceu histórias românticas e, algumas vezes, desapareceu durante um tempo na trama. Voltando ao final para ser assinada e lembrar ao espectador que tudo aquilo estava sendo lido, recordado e projetado na tela. Vários filmes aliaram textos pessoais de personagens, isto é, uma narrativa que já era constituída em tese, ao próprio enredo.

Na telona

Exemplo de história de sofrimento que foi romantizada está no drama “Uma carta de amor” (Message in a bottle, 1999), do diretor mexicano Luis Mandoki. A personagem Theresa Osborne (Robin Wright Penn, indicada ao Globo de Ouro por melhor atriz coadjuvante em Forrest Gump, 1995) é jornalista e trabalha na Tribuna de Chicago. É muito bem vista por Charlie (Robbie Coltrane, o Rubeus Hagrid de Harry Potter), o editor do periódico, figura engraçada e enigmática. Certa vez, enquanto corria pela praia, deparou-se com um objeto enterrado na areia, trazido, aparentemente, pelas ondas do mar. Impulsionada pela sua curiosidade – até aqui, nada jornalística –, ela se aproximou e recolheu o artefato. Uma garrafa bem fechada e com uma folha de papel enrolada, cuidadosamente. Ao abrir, viu que se tratava de uma carta apaixonada endereçada, simplesmente, a Catherine e assinada por “G”. Era o limiar, a porta de entrada para uma

história que se desenvolveria em linhas um tanto quanto tortas.

Afora as desventuras que Theresa viveria, a presença daquele símbolo na narrativa de “Uma carta de amor” se desenvolve de maneira a criar um clima romântico, por vezes nostálgico. “Esse meio tradicional sugere mais comunhão e compartilhamento do que seus equivalentes eletrônicos” avalia o Doutor em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG, Leo Cunha. É essa comunhão que o diretor Mandoki deixa transparecer no filme. A psicóloga Janaína Moraes até considera que a internet até tem sido usada como ferramenta de expressão de sentimentos, mas “a carta carrega o calor e o perfume de quem a escreve. É íntima e pessoal”, contrapõe.

Além da significação depreendida da materialidade da carta, é interessante observar como os planos e ângulos usados no filme contribuem para a sensação de conforto e intimidade com o que está sendo lido pela personagem

O momento em que Theresa encontra a carta de “G” e endereçada a Catherine.

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Papo de CinemaPapo de Cinema

– e visto e ouvido pelo espectador. Nesse caso, “Uma carta de amor” fica devendo um pouco. Os ângulos que normalmente são usados, como o chamado “plongée” – no qual a câmera capta a imagem de cima para baixo e dá a impressão que é o espectador quem está enxergando o objeto naquela ação – não foi muito usado. Antes, o mexicano Luis Mandoki utilizou ângulo normal e escala em plano médio em quase todas as cenas.

Recurso parecido com o que o inglês David Jones aplicou a “Nunca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road, 1987). O filme vai além disso e os personagens chegam a dialogar de fato com o espectador. Em “Uma carta de amor”, a história tem uma carta (e depois aparecem outras) como limiar. Em “Nunca te vi, sempre te amei”, a trama também tem o objeto como ponto de partida, mas, ao contrário da produção de Mandoki, é costurada pelas missivas até o fim.

A entrelinha deste caso é a época na

qual transcorrem as histórias. “Nunca te vi” é ambientada em Nova Iorque e em Londres durante a Segunda Guerra Mundial e “Uma carta” é contemporânea a nós. Isso justifica a constância com que se correspondem os personagens principais, Helene Hanff (Anne Bancroft) e Doel (Anthony Hopkins) na trama dos anos 1940. Mas ambos originam-se de livros – homônimos, diga-se – e conseguiram transmitir de forma clara o que não se dizia. No livro “A semiótica do amor”, fundamentado em pesquisas na área da comunicação verbal e não verbal, além da programação linguística, Laura Botelho parafraseia os cientistas dizendo que “a palavra é aquilo que o homem utiliza quando todo o resto falha!”. Não é bem o caso de Helene e Doel. Afinal, as cartas que trocam fazem viagens transatlânticas para chegarem ao destino.

Já Theresa, que, apesar de ter encontrado a missiva à beira mar, descobre que a viagem não foi tão longa quanto as de “84 Charing”,

apaixona-se pelas palavras. Tanto que chega a se anular para viver uma nova história. Assim, é possível perceber em ambas as histórias, traços da semiologia de Roman Jakobson. Especificamente em alguns conceitos da função da linguagem que o pensador propõe, tais como: a emotiva, que denota a carga do emissor e a injuntiva, que se relaciona ao destinatário. Claramente depreendidas da trama de Mandoki. Outra função, a poética, claro, é vista tanto na trama em si, quanto na versão do título de “84 Charing Cross Road”: “Nunca te vi, sempre te amei”.

Uma carta significa muito mais do que o escrito que ela leva. “Na carta, há um ritual que vai além da escrita. É uma forma de, através de palavras, colocar-se num papel que viaja para chegar ao seu destino. A entrega e o recebimento não são imediatos, levam um tempo. Isso gera vivências de sentimentos e expectativas em quem envia e assim será também com quem recebe, que poderá continuar esse ciclo”, finaliza Janaína Moraes.

Todas as cartas de amor...Todas as cartas de amor sãoRidículas.Não seriam cartas de amor se não fossemRidículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,Como as outras,Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,Têm de serRidículas.

Mas, afinal,Só as criaturas que nunca escreveramCartas de amorÉ que sãoRidículas.

Quem me dera no tempo em que escreviaSem dar por issoCartas de amorRidículas.

A verdade é que hojeAs minhas memóriasDessas cartas de amorÉ que sãoRidículas.

(Fernando Pessoa)

Quem me dera no tempo em que escrevia

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Entrevista com Letícia Malloy

Transmidialidade em Pride and Prejudice

Clássico da literatura inglesa e referência mundial, o livro Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito) é o romance da escritora britânica Jane Austen, publicado pela primeira vez em 1813. Datada como antiga, mas considerada por críticos como um dos grandes exemplos de trabalhos literários atemporais, a obra de Jane Austen retrata a vida da aristocracia inglesa do século XIX e reserva espaço especial às relações humanas deste período. Casamento, interesses econômicos e as atribuições do homem e da mulher na sociedade são algumas das temáticas problematizadas pela escritora, apresentadas de maneira irônica e sutil. A famosa frase “É verdade universalmente admitida que um homem solteiro, possuidor de boa fortuna, esteja à procura de uma esposa” (JANE AUSTEN, 1997b, p. 19) instiga bem o estudo feito pela autora.

O que tudo isso tem a ver com a proposta de uma revista digital sobre cinema? A resposta está na transmidialidade. A lógica deste último elemento consiste, basicamente, em transportar conteúdos para diferentes mídias e adequá-los a partir das especificidades de cada plataforma – linguagem, espaço, recursos. O livro Pride and Prejudice é conhecido pelas várias adaptações que recebeu; no teatro, na televisão, na própria literatura e, claro, no cinema. Em 2005, Joe Wright dirigiu a obra homônima e trouxe às telas como protagonistas Keira Knightley e Matthew Macfadyen, interpretando o casal Elizabeth Bennet e Mr. Darcy.

Para falar sobre o livro e as impressões da adaptação da obra inglesa, Papo de Cinema trouxe a mestranda em Teoria da Literatura da UFMG e admiradora do trabalho de Jane Austen, Letícia Malloy. A convite da edição, Letícia aceitou assistir ao filme e conhecer as atuações dos personagens criados pela autora britânica e adaptados para a obra cinematográfica. Confira:

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Papo de Cinema: Quais fatores presentes na obra da autora foram responsáveis por atrair as adaptações?Letícia Malloy: A obra de Jane Austen como um todo – não apenas Orgulho e Preconceito – é visitada e revisitada, porque trata das compreensões sociais, das relações do homem, dos costumes de um período da Inglaterra. A autora se mostra uma grande observadora do comportamento humano e dos sentimentos e abre espaço para a identificação. Ela brinca com convicções e a lógica de uma sociedade, em que as percepções devem ser estritamente observadas. Orgulho e Preconceito, especialmente, mostra a questão de que por mais sensatos que sejamos, podemos errar em relação ao julgamento que fazemos do outro. Através dos dilemas da protagonista espirituosa que questiona padrões e hierarquias do início do século XIX, a mulher de hoje se reconhece em determinadas situações, claro que com limites e exceções. Além disso, a partir dos diálogos que essa heroína suscita, é possível estabelecer pertinência para nós hoje. Os personagens são mais complexos e existe uma série de camadas a serem descobertas. Esses aspectos atraem adaptações.

P: Quais elementos da narrativa da autora estão presentes no livro e no filme? L: Além da ironia, a iniciativa de falar sobre o cotidiano de pessoas anônimas. Hoje, isso é comum, mas é interessante pensar que uma jovem, no início do século XIX, quando não havia tanto espaço para a escrita feminina, começou a escrever sobre pessoas que não faziam parte da aristocracia britânica. Robinson Crusoe, escrito por Daniel Defoe e publicado na primeira metade do século XVIII, é considerado o primeiro romance inglês. Até ele, se formos pensar no contexto inglês, os textos diziam respeito aos nobres, àqueles que eram autores de grandes feitos, jamais a uma classe burguesa, relacionado a uma família de comerciantes, , como é o caso da família

de Elizabeth Bennet. A autora participa de um momento em que este foco muda e esses pontos são vistos no livro e no filme também.

P: Poderíamos dizer, então, que Jane Austen marca um novo momento na literatura clássica inglesa?L: Exatamente. Ela participa de um período, em que o foco de criação literária se desmistifica. O gênero romance carregou a herança de a heroína vir justamente de uma classe econômico-social considerada inferior. É exatamente o caso da personagem Elizabeth Bennet.

P: A primeira opção de título para o livro seria “First Impressions”. Você acredita que a troca por “Pride and

Prejudice” foi bem feita?L: É um título interessante, embora entregue bastante o enredo e não suscita curiosidade. Peguemos dois exemplos de personagens, presentes tanto no livro quanto no filme. O antagonista Mr. Wickham – interpretado por Rupert Friend, na adaptação de 2005 – inicialmente, é considerado uma pessoa extremamente cordial. Ele agradou toda família de Elizabeth Bennet, para que depois fosse descoberto como farsante. Ao contrário dele, Mr. Darcy, apresenta-se arrogante e de trato difícil, e, gradualmente, revela-se uma pessoa de caráter e realmente ideal para Elizabeth Bennet. A partir desses exemplos, acredito que First Impressions é um

título que não desafiaria tanto o leitor. Pride and Prejudice pede que o leitor analise os personagens e verifique onde estão o orgulho e o preconceito. É interessante perceber também que, tanto no livro, quanto no filme, existem vários níveis e várias manifestações dos dois sentimentos que permeiam a obra, não apenas nos papéis de Mr. Darcy e Elizabeth. Mr Collins, por exemplo – a primeira pessoa que pede Elizabeth em casamento –, mostra um tipo de orgulho muito associado à vaidade.

P: Falamos sobre as impressões da autora sobre a sociedade da época retratada, os temas que envolvem a moral, cultura, educação e costumes. Você acredita que a adaptação cinematográfica de 2005 foi bem feita?L: Procurei levantar algumas reflexões que Walter Benjamin faz sobre tradução e levar em consideração a questão da transmidialidade. É preciso pensar que tanto a tradução quanto a adaptação são atividades criativas; inevitavelmente, elas cometem a traição da obra original. Apesar disso, o filme tem seu mérito. O espectador daquela obra pode gostar bastante do que viu sem ter tido contato com o livro de Jane Austen. A recepção de Orgulho e Preconceito, no cinema, foi bastante positiva, inclusive. Isso já é um honra. Há filmes por aí que parecem que são feitos apenas para o leitor. Um aspecto muito positivo em relação à época é que o filme não cometeu nenhum tipo de anacronismo. Não inventaram situações para simplesmente atender o espectador e a história não ficar “desinteressante”. A opção de não colocar, por exemplo, um baita de um beijo entre Mr. Darcy e Elizabeth foi respeitada. O que a gente vê muito no cinema e que não aconteceu em Pride and Prejudice é que, para se ter um grande retorno financeiro, coloca-se um acontecimento que não caberia na época retratada. A roteirista Deborah Moggach respeitou isso.

P: A partir das adaptações da obra da

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autora, quais as principais diferenças que você enxerga entre as histórias contadas em livros e no cinema?L: Obviamente, o roteiro adaptado, imaginando a linguagem do cinema e o tempo que você tem para contar uma história, vai exigir supressões. Isso é compreensível. Alguns roteiros são de extrema competência, ao ponto de agradar os leitores mais apaixonados. Para o leitor, talvez, o que cause certo pesar seja a supressão de personagens que são mais periféricos ou que aparecem somente em algum momento da trama, mas são importantes para o significado e o tom da história. Exemplo disso é a diminuição da importância, no filme, das personagens Mr. e Mrs. Gardiner, tios da protagonista. Outro aspecto perdido é o ritmo como as coisas acontecem. Jane Austen trabalha com a dinâmica daquela sociedade; como demorava para se fazer uma visita, o espaço de tempo entre o encontro de duas pessoas que se amavam, por causa de protocolos e medo de mal entendidos. Isso não é um demérito ao filme, mas não deixa de ser uma característica perdida.

P: O que para você, como observadora do livro e do filme, foi considerado discrepante?L: Dois aspectos mostraram-se incoerentes ao leitor e ao espectador. Um em relação à personagem Jane e outro ao Mr. Darcy. A caracterização da Jane Bennet indica que trata-se de uma moça que sonha com o casamento, extremamente discreta e que sabe se comportar socialmente. No momento da trama em que sua mãe, Mrs. Bennet, faz com que ela vá para Londres, com o objetivo de promover o casamento da filha com Mr. Bingley, e ela obedece, há uma traição da caracterização já construída. No romance, Jane vai a Londres e fica na casa dos tios para recuperar-se da desilusão amorosa. Ela não sobe em uma carroça (como no filme) para ir atrás de Mr. Bingley. O segundo aspecto é sobre o processo de transformação do Mr. Darcy, que não apareceu no filme. A personalidade dele

foi mostrada de maneira muito chapada, em blocos. Ao contrário do que o filme faz com Elizabeth Bennet, que aparece com etapas visíveis de transformação, com Mr. Darcy parece que, ao final, a heroína se surpreende com a personalidade dele. Isso foi crucial no romance. Essa parte da história retrata muito a questão da desconstrução do orgulho e do preconceito.

P: Foi possível identificar alguma semelhança narrativa entre o romance inglês e o filme?L: As falas, embora sintetizadas, foram bastante similares, se não as mesmas. O cuidado que eles tiveram também com o retrato da paisagem, daquela Inglaterra do Sul ali. A fotografia foi muito bem explorada. Eles fizeram uma pesquisa bastante cuidadosa para escolher quais poderiam ser as casas de cada família e procuraram resgatar as descrições que Jane Austen faz dos ambientes. O que me deixou curiosa, em relação ao filme de 2005 e à adaptação da BBC de 1995, é que esse material mostra os ambientes com uma suntuosidade muito maior. A caracterização da Jane desse filme também foge da proposta trazida pela série exibida na tv britânica. No filme, a personagem é despenteada e rústica. Embora ela seja uma pessoa simples, acredito que ela não tinha, necessariamente, esses aspectos. Ao mesmo tempo, a Jane do filme pode ter sido construída para atender determinadas expectativas de uma heroína que está bastante livre daquelas convenções.

P: A partir da questão da transmidialidade, que avaliação você faz do filme? L: Considerando a construção de outra história que, apesar de ser baseada em um romance, ela é compreendida de maneira independente, o filme cumpriu seu papel e teve êxito. Prova disso é a recepção que ele teve bastante positiva da crítica. Foi uma história bem contada. É visível a preocupação que a equipe teve em retratar a instituição

casamento, a figura da mãe inquieta com o futuro conjugal das filhas, as relações de subserviência presentes naquela sociedade. Se eu não tivesse lido a obra, não me interessasse tanto pela Jane Austen, eu gostaria do filme mesmo assim.

P: A leitura promove a questão sensorial, de incentivo à imaginação. Se pensarmos com os olhos da leitura, a história contada com o auxílio da imagem (como é o caso do cinema) demarca a imaginação. Há ganhos na exploração da imagem na construção de sentido para a narrativa?L: A narrativa construída por Jane Austen tem uma força de recursos imagéticos muito grande, embora ela não crie descrições enfadonhas. O propósito dessa obra, assim como qualquer outra obra literária, é permitir que você tenha uma possibilidade grande de interpretações, de construções, de imagens. Isso é natural da obra literária. Paralelo a isso, está na natureza de uma obra que se constrói pela imagem – o cinema – mostrar uma daquelas possibilidades de interpretação. Aqui, a competência do roteirista em mostrar uma interpretação que seja interessante suficiente quanto a leitura que se faz do texto é fundamental.

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Trilha Sonora

Você pode não acreditar, mas houve um tempo em que a música não era bem vista nos fi lmes. Quando O cantor de jazz (The Jazz Singer, 1927) entrou em cartaz, como o primeiro fi lme falado e com canto sincronizado, houve uma divisão entre os produtores cinematográfi cos.Entenda como isso se desenvolveu até nossos dias. Aproveite para relembrar alguns fi lmes que marcaram época conquistando os cinéfi los pelos ouvidos.

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O SOM DO AMORVocê pode não acreditar, mas houve um tempo em que a música não era bem vista nos filmes. Quando O cantor de jazz (The Jazz Singer, 1927) entrou em cartaz, como o primeiro filme falado e com canto sincronizado, houve uma divisão entre os produtores cinematográficos. Muitos acreditavam que era um retrocesso na lin-guagem, já que – pensavam – o som poderia diminuir a importância da construção poética da imagem. Charles Chaplin, por exemplo, só aderiu a era do som agregado à imagem com Tempos modernos (Modern Times, 1936), quando cantou. Depois, com O grande ditador (The Great Dictator, 1940), quando fez um emocionante e clássico discurso. O fato é que, na atualidade, não há como conceber um filme sem associá-lo a uma forte trilha sonora, capaz de elevar o espectador à profundidade da narrativa cinematográfica em questão.

Desse tempo para cá, a presença do som e da música nos filmes foi adquirindo um espaço cada vez maior, deixando de ser apenas um complemento na narrativa e tomando lugar de destaque nas produções. O cantor, compositor e produtor da rádio Gurani FM, Bob Tostes, é da vertente dos que entendem que som e imagem devem estar integrados. Ele destaca que a música não pode se sobrepor à história, mas não pode ter seu papel menosprezado. “A música precisa reforçar o que está sendo visto na tela”, constata.

O compositor explica que os recursos sonoros podem acrescentar informações, como no caso do clássico filme Tubarão (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, quando “a cada inserção do tema de John Williams [autor da trilha sonora da obra], sabe-mos que o tubarão está próximo, mesmo que não apareça na tela.” Além disso, o som pode ser o condutor da narrativa, “como nos westerns de Sergio Leone. Neles, a música do compositor Ennio Morricone, grandiosa, rica e melancólica, cria um tom épico e contrastante com a violência apresentada”. Uma trilha sonora bem selecionada, seja com músicas feitas para o filme ou escolhidas pelos produtores, pode ajudar muito uma obra. A ligação da cena com a canção forma uma excelente experiência para o espectador, que terá a dimensão completa do que o diretor quis transmitir.

É certo que em todos os gêneros a trilha tem papel fundamental, já que consegue produzir sensações em quem assiste. No entanto, para cada um desses gêneros, a trilha tem diferentes níveis de importância e produção. Em um filme de suspense, por exemplo, os silêncios e os ruídos, aparentemente simples, fazem toda a dife-rença. No entanto, não há uma regra. Com um toque a mais de genialidade, o cineasta Alfred Hitchock e o compositor Bernard Herrmann entraram para a história

do cinema com a trilha sonora do sus-pense Psicose (Psycho, 1960). Quem viu não se esquece da clássica cena do chuveiro. A cada facada desferida contra Marion, interpretada por Janet Leigh, há uma sincronização direta com a música de Hermman.

O amor em cançõesMas se há uma temática em que a trilha tem valor basilar, é nos filmes de amor, quer sejam romances ou comédias românticas. Obras com essa temática têm o potencial de trabalhar com as emoções do espectador, por razões ób-vias. Quem é que ao se lembrar de um amor não se lembra também de uma música que marcou o período de um re-lacionamento? Pois bem, com os filmes a lógica é a mesma. Não é raro perce-ber que casais da ficcção inspiram os romances da vida real, com histórias de grandes encontros, paisagens sensacio-nais e músicas inesquecíveis, que os transportam para o ambiente do filme. É só falar de Uma linda mulher (Pretty Woman, 1990), que logo vem à mente a música “Oh, Pretty Woman”. Outro ex-emplo: é impossível se referir a Titanic (idem, 1997) sem mencionar a canção “My Heart Will Go On”. Mas ainda aqui, Bob Tostes faz um alerta: “deve haver um equilíbrio entre a imagem e a músi-ca, ou corre-se o risco de um excesso prejudicial ao filme”.

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Esse equilíbrio citado por Tostes é per-feitamente encontrado nas obras do cineasta norte-americano Woody Allen. Em Meia noite em Paris (Midnight in Par-is, 2011), a trilha sonora faz o especta-dor se ambientar na Paris de 1920 e da atualidade, mesmo que esteja a milhares de quilômetros de distância. Clássicos franceses e americanos dão ritmo à nar-rativa de Allen. Estão no filme desde o norte-americano Cole Porter, com can-ções famosas como “Let’s do it”, “You do something to me” e “You’ve Got That Thing” à Joshepine Baker, cantando, com sua charmosa voz francesa, a tam-bém clássica “La conga Blicoti”.

Em Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010), a trilha é bem mais modesta que no filme de cenário pa-risiense, mas igualmente planejada. Am-bientado em Londres, no princípio e no final do filme percebe-se a execução da música “When You Wish Upon a Star”. Essa canção foi vencedora do Oscar de Melhor Canção Original em 1941. Ela foi tema do desenho Pinnochio (Pinocchio, 1940) e ainda hoje embala as produções das produções da Walt Disney. Nesse caso, a trilha sonora leva a uma reflexão que transcende à complementação da narrativa. A canção fala sobre acreditar nos sonhos e, em certa medida, o longa retrata isso. Em uma análise ainda mais abrangente, considerando a associa-ção imediata da música com a Disney, o objetivo de Allen poderia ser criticar a

“indústria das ilusões”. Apesar da incerta resposta, o fato é que essa trilha dá singu-laridade ao filme e colabora consideravelmente para a compreensão da narrativa.

A aventura de Woddy Allen com trilhas sonoras de sucesso começou em 1996, com Todos dizem eu te amo (Everyone Says I Love You, 1966). Foi o primeiro musi-cal dirigido pelo cineasta e, certamente, não muito convencional, a começar pelo fato de que os atores não eram cantores profissionais. Eram, no máximo, amadores. E quando eram. Allen, que nunca escondeu seu fascínio pela música americana, es-colheu clássicos das décadas de 1920 a 1940. Aliás, ele sempre esteve diretamente envolvido na composição das trilhas sonoras de seus filmes. “Just you, just me”, de Jesse Greer e Raymond Klages foi uma das canções escolhidas a dedo pelo cineasta - que também é músico - para Todos dizem eu te amo.

Bob Tostes acredita que o fato de Allen ser músico pode ser o seu grande dife-rencial na montagem das trilhas de seus longas. O gosto e o conhecimento do cineasta sobre música “transparece na cuidadosa escolha que ele faz das canções que compõem a trilha sonora de seus filmes, e no efeito que elas produzem, mesmo que a música não tenha sido composta originalmente para o filme - como sempre acontece”, destaca Tostes.

Na era do rádioAnos antes da sua primeira inserção no mundo dos musicais, Woddy Allen já havia feito um longa cuja trilha sonora merece todos os destaques. O filme A era do rádio (Radio Days, 1987), de 1987, retrata a época de ouro do rádio, na década de 1940. Em uma obra desse porte, o diretor não poderia descuidar na seleção das músicas. E não o fez. Durante o filme, 44 músicas dão ritmo à narrativa. O coordenador musical, Joe Malin, teve seu trabalho facilitado, porque Allen, como de costume, es-colheu pessoalmente cada uma das músicas. A Malin coube organizar o repertório conforme cada cena. Dentre as mais de quatro dezenas de canções estão “In the mood” e “American Patrol”, do músico de jazz Glenn Miller, “All or Nothing at All”, de Frank Sinatra e até “Tico tico no fubá”, da brasileira Carmen Miranda.

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Veja bem.

Letícia Malloy:Perseverança e resistência“As pontes de Madison”

Ruleandson do Carmo:Esperança

“A razão do meu afeto”

Joana Nascimento:Genuíno

“Patch Adams O amor é contagioso”Jonathan Maxuell

Vida“Um homem de sorte”

Leilane Stauffer:Renúncia

“Brilho eterno de uma mente sem lembranças”

Guilherme Rezende:O encontro de duas partes inteiras

Maurício Guilherme Silva Jr.Poesia

“De-lovely”

Natanael VieiraPermita-se

“Cinema Paradiso”André Zuliani

Ceder“Tudo pode dar certo”

Luísa Reiff:“É pobre um amor que se pode medir”

(Shakespeare)“O fabuloso destino de Amélie Poulain”

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Veja bem.

Este é um espaço dedicado especialmente ao leitor da Papo de Cinema. Aqui, você pode contar o que gostou de um fi lme e o porquê. Se não gostou, conte também. É um ambiente de troca de experiências.

Nesta edição você confere o que os estudantes de jornalismo, Guilherme Rezende e Luísa Reiff, acharam dos fi lmes que assistiram. Ele, a produção argentina “O segredo dos teus olhos” (2009), ela, o brasileiro “Do começo ao fi m” (2009).

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O cinema argentino tem uma capacidade incrível de surpreender. Os filmes possuem uma elegância ao tratar de temas delicados. “O Segredo dos Seus Olhos” (El Secreto de Sus Ojos, Argentina-Espanha, 2009) é dirigido por Juan José Campanella, que tem no currículo o ótimo filme Clube da Lua e ainda assina o roteiro de “Click”, sucesso estrelado por Adam Sandler em 2006. Confesso que quando me preparei para assistir ao filme, imaginei que seria mais uma dramática narrativa que se passa na ditadura argentina. Fiquei surpreso. Como quem gosta de ouvir histórias, deparei-me com uma ótima história contada com a dose certa da delicadeza argentina e com o suspense que prende a atenção.

O ator Ricardo Darín interpreta Benjamín Espósito, um funcionário público aposentado que decide escrever um livro sobre o crime que marcou sua carreira no Tribunal Penal de Buenos Aires. Em 1974, uma mulher foi brutalmente estuprada e assassinada, e Benjamín foi escolhido para investigar o caso. Para encadear bem a história, o ex-funcionário público refaz os passos da investigação do homicídio. Em uma boa amarração no enredo, ele tem ao seu lado o parceiro Pablo Sandoval e a chefe sedutora Irene Menêndez Hastings, interpretada de forma corajosa e doce pela coadjuvante Soledad Villamil.

Não há pressa em definir o rumo da história, muito menos em destacar os personagens importantes para a trama – característica do diretor Campanella, que controla muito bem a velocidade de seus filmes. Como o retorno ao passado de Benjamín prende a atenção, não nasce em nós a inquietação de ver a trama resolvida. Saboreamos cada diálogo como quem se deleita com o chocolate que resta no fundo de uma panela de fondue.

O grande mote do enredo é deixar claro que, resolvendo o caso do assassinato, Benjamín também tenta resolver algumas questões de sua vida particular. Deixando explícito o lado humano das profissões, dos relacionamentos, da história. Talvez a grande sacada do diretor seja fazer um filme, classificado como policial, sem nenhuma pirotecnia hollywoodiana. O ser humano, demasiado humano, como diria a filósofa Hannah Arendt é o foco... suas preocupações, desejos e a pequena dimensão em um mundo proporcionalmente grande. O filme passa a ideia de que não há a possibilidade de se desligar totalmente do

passado. A história avança e recua sem perder o ritmo. E o que mais me encantou foi a naturalidade com que a ditadura argentina foi tratada, já que o filme se passa no cenário sangrento de caça às bruxas – leia-se: aos comunistas –, durante o governo de Isabel Perón.

Com um orçamento considerado baixo – cerca de dois milhões de euros – a produção feita em parceria entre Argentina e Espanha bateu recordes na Argentina e ainda foi indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O roteiro é baseado no livro La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sacheri. Ainda não li a obra, e não o farei por um bom tempo. Preciso ainda rever o filme para absorver certas passagens; entender algumas referências da cultura argentina. Só depois vou ler com calma a obra que inspirou esse belíssimo drama. O filme é a prova definitiva de que o cinema argentinho amadureceu e está na prateleira de cima das boas produções do cinema.

O segredo dos seus olhos Por Guilherme Rezende

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Do começo ao fi m

Escolher um filme em que o tema central é o amor é uma tarefa muito fácil. O tema circula livremente por diferentes gêneros cinematográficos... comédia, suspense, drama, as comédias românticas (que já se definem pelo nome) e por aí vai.

Optei por um filme em que o tema trazia a promessa de um “algo a mais”, um amor fora do convencional. Em “Do começo ao fim” (2009), dirigido por Aluísio Abranches (o mesmo de “Um copo de cólera”, 1999), o casal protagonista é homoss-exual e, além disso, os dois personagens que se envolvem são meio-irmãos. A combinação de homossexualismo e incesto é bastante polêmica, mas o roteiro se recosta sem maiores de-senvolvimentos. Por mais “modernos” que sejam os tempos vividos pelos personagens, em nenhum momento eles pro-tagonizaram culpa, dúvidas ou angústia. A vida real é assim?

Esperava sentir empatia pelos personagens, que tentariam viver sua história contra todos os preceitos sociais, religiosos e tabus, o que não aconteceu. A infância dos dois irmãos se passa de forma interessante, mas o desenrolar do romance é descomprometido com a realidade.

Apesar da boa fotografia e trilha sonora, os diálogos aconte-cem de forma vazia. Os dois irmãos, depois de adultos, en-caram uma relação de casal habitual mas sequer discutem isso. É difícil imaginar que pessoas embarcassem em uma jornada tão contraditória e em nenhum momento conversassem como isso as afetaria, vivendo no mundo na forma em que vivemos. Não é cogitada a hipótese de que isso fosse, nem ao menos, incomum.

Esperava uma história de amor, daquelas em que no primeiro beijo você já recorre à caixa de lenços e começa a chorar, mas a falta de coesão realmente sufoca um maior envolvimento com os personagens. Fatos sucedidos de forma tão irreal aca-bam desinteressando até mesmo ao público que não esperava um romance à Romeu e Julieta.

Por Luísa Reiff

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