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Este relatório é produto e parte do trabalho desenvolvido no Disque-Denúncia,de suporte às atividades das Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs. Suaproposta é agregar a visão do morador da favela — aquele que vivia entredois medos, o do traficante e o da polícia — às atividades e ações dosdiversos atores, durante o processo de pacificação. O principal observador em camponeste caso, não é a polícia, não é o governo, não é a mídia, não é a academia e nem mesmoo Disque-Denúncia: é o favelado¹, que através de sua denúncia espontânea, ora preventivaora reativa, manifestou suas apreensões, seus medos, seus clamores, suas desconfianças,mas sempre revelando sua vontade firme e decidida de apoiar as ações adotadas pelasautoridades contra o domínio do tráfico em sua comunidade.TRANSCRIPT
Compõem esta pesquisa 1859 denúncias registradas no Disque-Denúncia RJ, referentes aos morros/favelas Batam, Chapéu Mangueira e Babilônia, Cidade de Deus e Dona Marta, no período de um ano antes da implantação das UPPs, até março de 2010. Diante da diferença nos períodos de implantação, a data das denúncias para os morros/favelas segue uma série não uniforme.
SIGLAS E TERMOS UTILIZADOSBOPE Batalhão de Operações Especiais da PMERJ.DDs Sigla utilizada para se referir às denúncias. Também alude, quando no singular, ao Disque-
Denúncia.UPP Unidade de Polícia Pacifi cadora.
ATENDIMENTORemete aos registros que não correspondem a uma denúncia, já que esta indica um crime ou a possibilidade de sua ocorrência.
NÚCLEO DE ANÁLISEEquipe do Disque-Denúncia responsável pela produção de conhecimento e elaboração de estudos e pesquisas.
NOTAS METODOLÓGICAS E FONTES DE INFORMAÇÕESCompõem esta pesquisa 1859 denúncias registradas no Disque-Denúncia RJ, referentes aos morros/favelas Batam, Chapéu Mangueira e Babilônia, Cidade de Deus e Dona Marta, no período de um ano antes da implantação das UPPs, até março de 2010. Diante da diferença nos períodos de implantação, a data das denúncias para os morros/favelas segue uma série não uniforme, assim representada:
BATAM Implantação UPP: Fev. 2009Denúncias incorporadas ao relatório: Fev. 2008 à Fev. 2010
CHAPÉU MANGUEIRA / BABILÔNIAImplantação UPP: Jun. 2009Denúncias incorporadas ao relatório: Jun. 2008 à Fev. 2010
CIDADE DE DEUSImplantação UPP: Fev. 2009Denúncias incorporadas ao relatório: Fev. 2008 à Fev. 2010
DONA MARTAImplantação UPP: Dez. 2008Denúncias incorporadas ao relatório: Dez. 2007 à Fev. 2010
HERÓISANÔNIMOSUPPs - A visão da favela.
Rio de Janeiro, Março de 2010
NÚCLEODISQUE-DENÚNCIADE ESTUDOS, PESQUISAS E RESULTADOS
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ste relatório é produto e parte do trabalho desenvolvido no Disque-Denúncia,
de suporte às atividades das Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs. Sua
proposta é agregar a visão do morador da favela — aquele que vivia entre
dois medos, o do traficante e o da polícia — às atividades e ações dos
diversos atores, durante o processo de pacificação. O principal observador em campo
neste caso, não é a polícia, não é o governo, não é a mídia, não é a academia e nem mesmo
o Disque-Denúncia: é o favelado¹, que através de sua denúncia espontânea, ora preventiva
ora reativa, manifestou suas apreensões, seus medos, seus clamores, suas desconfianças,
mas sempre revelando sua vontade firme e decidida de apoiar as ações adotadas pelas
autoridades contra o domínio do tráfico em sua comunidade.
1. Favelado: Morador de favela. Fonte: Dicionário Aurélio.Foto: Morro Dona Marta - Reprodução do site do Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Finaliza dizendo que os moradores do local estão sendo intimidados pelo tráfico, que ameaçou matar aqueles que reclamarem dos fatos narrados para o grupamento policial, que será inaugurado dia dez de junho, no morro.”(Babilônia, jun/2009)
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Para fins de análise, foram considerados três momentos:
Distribuição das denúnciasnos períodos:
Período anterior à implantação da UPP
Um ano antes da implantação oficial da UPP ao
período de implantação da UPP (descrito linhas
abaixo);
Período de implantação da UPP
Dos três meses anteriores aos três posteriores à
implantação oficial da UPP;
Período posterior à implantação da UPP
Pós período de implantação UPP (descrito linhas
acima) a fevereiro de 2010.
O trabalho tem forte base qualitativa. Todas as denúncias foram lidas e seus conteúdos
avaliados. As chamadas registradas sobre a modalidade Atendimento que se referiam ao
trabalho das UPPs também foram considerados. O relatório resultante da pesquisa foi
divido em cinco partes.
A primeira identifica uma análise geral das denúncias e as demais correspondem
especificamente a cada uma das favelas destacadas para a pesquisa (Batam, Chapéu
Mangueira e Babilônia, Cidade de Deus e Dona Marta). A análise estatística das denúncias
referentes a estas regiões está apresentada em cada relatório específico.
O processo de pacificação das favelas do Cantagalo, Pavão e Pavãozinho ainda está em
curso, e não integra a presente análise. Seus resultados já estão sendo monitorados nos
mesmos critérios dos demais aqui apresentados.
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Atividades do Disque-Denúncia nos processos de pacificaçãoIniciadas as primeiras operações, a população passou a informar às autoridades, através
do DD, sobre as atividades do tráfico de drogas. Uma equipe do Núcleo de Análise foi
designada para dar suporte ao trabalho policial, monitorando as denúncias e produzindo
conhecimento através de pesquisas e relatórios, identificando os hábitos, as rotas, os
arsenais e a movimentação dos traficantes.
Em tempo real, as informações que chegavam da população passaram a ser transmitidas
diretamente para a polícia. A sinalização de que o BOPE estava iniciando uma operação
era percebida pelo tilintar incessante dos telefones do Disque-Denúncia. Eram ligações
anônimas ajudando os policiais a encontrar arsenais e esconderijos de bandidos.
O arsenal foi encontrado na mata, ao lado de uma bananeira, praticamente enterrado, e dificilmente seria encontrado se não fosse a cooperação dos moradores.”(Coronel PM Paulo Henrique de Azevedo Moraes - Comte. BOPE)
O Disque-Denúncia produziu 100 mil impressos no formato 10 x 15 centímetros, para apoiar as UPPs e estimular mais e melhores denúncias.
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A população do Rio de Janeiro, desde
a criação do Disque-Denúncia em
1995, contribui com as autoridades na
identificação e resolução de crimes,
através de suas denúncias anônimas. Estas
denúncias circulam entre duas dimensões:
reativa e preventiva. A primeira corresponde
à reação a um fato consumado, um ato diante
da existência de um crime. A segunda, ao contrário, visa evitar um crime, impedir que ele
aconteça. No caso das denúncias sobre as áreas pacificadas, elas corresponderam a ambas
as dimensões. No período anterior à implantação das UPPs, o caráter das denúncias era
predominantemente reativo, muito embora representassem a demanda por intervenções
do poder público. Tão logo as UPPs foram implantadas, tudo indicava um aumento de
denúncias, porém, diminuíram e, desde então, se mantêm constantes. O que se modificou
da implantação para os dias de hoje foi o
caráter das informações: se antes o foco era
o tráfico de drogas e as atividades envolvidas
na sua manutenção, atualmente refletem
intentos por serviços públicos, conflitos
interpessoais, manutenção do estado das
coisas e estabelecimento de uma relação
confiável com a polícia.
...os moradores do local estão obrigados a comprar botijões de gás nas mãos do tráfico. O chefe do tráfico impôs que nenhum morador pode entrar no morro com botijões cheios e nenhum vendedor pode subir o morro para vender.”(Babilônia, jun/2009)
Na rua Barão de Macaúbas vários carros estacionam obstruindo a via e as calçadas. Dois homens lavam e secam estes carros e fizeram um gato no poste para ligarem o aspirador de pó.”(Dona Marta, jan/2009
O comportamento da comunidade refletido nas denúncias
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Entre dois medos
A população residente nas favelas do Rio de Janeiro, especialmente aquelas sob a
implantação das UPPs, verbalizou em denúncias, um medo dicotômico. Se por um lado
expurgava o trafi cante de drogas, por outro, temia a polícia que os sucederia, sobretudo,
nas primeiras experiências, quando ao termo UPP signifi cados não estavam associados.
O medo aos bandidos é revelado pela tirania imposta por poderosas e modernas armas de
fogo, reafi rmado por narrativas de truculência, mortes violentas e ameaças.
A relação da polícia com a população, segundo relatos de moradores das favelas, esteve
fundada em enfrentamento, atos de corrupção e ações desrespeitosas, que serviam à
nutrição do medo.
Nos processos de pacifi cação, um sentimento diferenciado sobre a polícia foi evidenciado
quando denunciantes ligavam para insistir na permanência do BOPE.
Tenente Andrada - Subcomandante da UPP Dona Marta. Reprodução Internet: http://e-comunitario.blogspot.com
Denúncias de tráfi co de drogas
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As denúncias anteriores às ocupações indicavam uma realidade de violência e terror
sistematicamente provocado pelos traficantes de drogas que, através de medidas
intimidadoras, sustentadas pelo uso de armamentos, reproduziam seu poder. Expulsão e
homicídio de moradores, tiroteio entre grupos rivais e cobrança de taxas eram algumas
das situações comumente vivenciadas.
No caso do Jardim Batam, em que a comunidade vivia sob o domínio de uma milícia, as
denúncias estão menos referidas às drogas, mas igualmente refletiam tirania, sensação
de medo e insegurança. A característica fortemente mercantil dos milicianos resultava
em estruturados sistemas de cobrança e controle de serviços básicos. Para manter seus
negócios tinham nas ameaças aos moradores um fator de garantia de recebimento das
taxas.
Este batalhão refletia confiança e sua saída causava preocupação com o que viria. Ninguém,
então, sabia o que era uma UPP.
Hoje, com a repercussão do comportamento profissional dos policiais das UPPs, seus
resultados positivos, as denúncias indicam que o conjunto da população do Rio, inclusive a
que ocupa o entorno das favelas, tem apoiado e requerido a pacificação em suas regiões.
Período anterior à implantação das UPPs
...acrescenta que os citados estão aliciando as adolescentes moradoras da região para que se tornem suas mulheres. Informa ainda que, os traficantes citados ameaçam e expulsam os moradores que se opõem aos abusos...”(Chapéu Mangueira, abr/2009)
Durante a noite fumam crack e cheiram cocaína, expondo moradores e pais de família a toda violência..., e pede que o governo ajude a comunidade, assim como ocorreu na Ladeira dos Tabajaras e no Dona Marta.”(Morro do Fogueteiro, mar/2009)
O gráfico a seguir refere-se ao conjunto de denúncias recebidas entre 2008 e 2009.
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A polícia era demandada para proteger a comunidade dos tiroteios entre grupos rivais, da
perturbação de sossego dos bailes funk, para impedir homicídios ou para localizar corpos
de vítimas. Por outro lado, corrupção e violência policial eram assuntos presentes nas
reclamações dos moradores.
As denúncias que se referiam às ações do tráfi co davam indicações sobre localização dos
principais trafi cantes, dos arsenais, dos cemitérios clandestinos e dos pontos de venda
de drogas.
Poucas denúncias sobre o cotidiano da população e de suas necessidades chegavam ao
Disque-Denúncia nesse período, refl etindo a tirania exercida pelo tráfi co na vida diária da
comunidade, com a imposição de toques de recolher, expulsão de moradores, e execuções
exemplares.
Teor das denúncias
Denúncias em geral
* O pico de 32 denúncias em junho de 2008 está relacionado ao sequestro da equipe do Jornal O Dia.
*
Denúncias de tráfi co de drogas
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A população participou ativamente do processo de pacificação. Tão logo o BOPE iniciava
suas operações, percebia-se, pelo incremento das denúncias, a preocupação dos moradores
em trazer ao DD informações sobre a movimentação dos traficantes, suas rotas de fuga,
seus esconderijos e os locais de guarda de armas e drogas.
As denúncias extrapolavam o território da pacificação, chegavam dos locais para onde os
traficantes haviam fugido e de onde reproduziam desmandos e tentativa de controle de
moradores.
Os denunciantes estavam sempre atentos à ação da polícia e ao comportamento dos
policiais. As únicas referências feitas a casos de corrupção foram de situações anteriores
ao processo de pacificação. Houve excessos relatados, não de violência, mas de abusos,
percebidos pelos moradores na imposição de regras de convivência - perturbação de
sossego, regularização do comércio, comportamentos sociais.
A convivência com armamentos pesados era determinante na vida dos moradores, e na
maneira como a relação deles se estabelecia com os bandidos e com a polícia.
Período de implantação das UPPs
Teor das denúncias
Relata que, no morro citado, próximo de uma creche, podem ser vistos dezenas de traficantes fortemente armados, oriundos do morro Dona Marta e da Cidade de Deus...”(Morro do Sossego - Madureira, fev/2009)
Informa que eles usam armas, fazem testes de tiro a toda hora, xingam, gritam uns com os outros, matam, desovam os corpos, guardam motos roubadas, picham as paredes, sujam as portas de todos os moradores.”(Morro do Fogueteiro, mar/2009)
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Já nas primeiras ações da UPP, os
trafi cantes exigiam dos moradores que se
manifestassem contrários à implantação
nas reuniões com representantes do Estado.
Como intimidação, invadiam suas casas,
buscando abrigo e esconderijo para suas
armas. Interferiam na rotina das famílias
exigindo fornecimento de refeições, além
de usá-las como escudo e massa de manobra contra a polícia. Nada disso enfraqueceu o
ânimo demonstrado pelos denunciantes em seus relatos, muitas vezes comprovadamente
precisos na indicação das atividades do tráfi co local.
As denúncias passam a refl etir uma comunidade diferente daquelas sob o domínio do
tráfi co de drogas. Não há mais informações sobre uso ostensivo de armamentos, e o tráfi co
é esporádico, não mais realizado por grupos de trafi cantes em pontos fi xos.
Denúncias de tráfi co de drogas
Período pós UPPs
...hoje à noite numa reunião entre integrantes da Secretaria de Segurança e líderes da comunidade, os moradores estão sendo obrigados a se mostrarem contra a implantação de um posto de policiamento.”(Dona Marta, nov/2008)
Após a consolidação das UPPs, ocorre evidente mudança de comportamento dos
moradores, de sua visão da comunidade e de suas relações de convivência - concentram-se
com predominância em questões relativas às necessidades locais. Apontam, ainda, um ou
outro ponto de comércio de drogas, sustentado por pequenos grupos, ou individualmente
por trafi cantes.
Os moradores da Cidade de Deus ainda não consideram que o processo de pacifi cação esteja consolidado. As denúncias remetem à necessidade de mais ações da polícia.
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O direito de participar ativamente da vida da favela, a partir de então experimentado pela
população das áreas pacificadas, chocou-se com os deveres implícitos ao exercício da
cidadania. Assim foram geradas denúncias sobre “abusos” da polícia, que na verdade
refletiam a conduta legitima da autoridade para manutenção/estabelecimento da ordem.
Não houve, de fato, denúncias sobre corrupção ou violência policial em nenhuma das
UPPs, no período.
Houve, sim, um número pequeno de denúncias sobre tráfico, falando de algum movimento
de venda de drogas, sem citar armamentos ou grupos de traficantes. No caso do Dona
Marta, em abril de 2009, nenhuma denúncia sobre tráfico de drogas foi registrada, assim
como, no caso do Batam, neste ano de 2010.
As novas denúncias manifestam o fim da
invisibilidade da comunidade e de seus
integrantes, que passam a ocupar e se apropriar do
espaço da favela. Suas necessidades, suas relações
interpessoais tornam-se o alvo das denúncias:
excessos, como barulho e a obstrução das vias
públicas, devem ser regulados. Neste momento,
o abismo entre a favela e os serviços públicos é
superado pela aproximação com o Estado.
O presente relatório pretendeu trazer para o campo das discussões sobre a pacificação
das favelas no Rio de Janeiro, a voz dos seus moradores. A credibilidade do Disque-
Denúncia, como canal de expressão dos clamores da população, permitiu uma visão
única, privilegiada, do fenômeno.
Relatórios específicos sobre as comunidades do Morro Dona Marta, da Cidade de Deus,
dos Morros Babilônia e Chapéu Mangueira e da Favela do Batam, complementam esta
análise.
Teor das denúncias
Conclusão
Relata que no Batam localiza-se uma creche de nome (...), que não possui alvará e cuja proprietária (...) costuma maltratar fisicamente as crianças. Narra que o local não tem estrutura e nem brinquedos pedagógicos.”(Batam, mar/2010)