reflexÕes e encaminhamentos para o trabalho … · obra “estética da criação verbal”...
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Revista Contexturas, n. 23, p. 17 - 38, 2014. ISSN: 0104-7485
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REFLEXÕES E ENCAMINHAMENTOS PARA O TRABALHO COM
A LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
Edcleia Aparecida BASSO
Universidade Estadual do Paraná-Campus de Campo Mourão
Marileuza Ascencio MIQUELANTE
Universidade Estadual do Paraná-Campus de Campo Mourão
RESUMO
Neste artigo objetivamos apresentar encaminhamentos práticos ao professor de LE
na área de leitura, articulando teorias que a entendem com prática social,
oportunizando a produção de sentidos, levando o aluno-leitor não apenas a
compreender o texto, mas a posicionar-se responsiva e criticamente frente a
diferentes gêneros discursivos, abrigados pela abordagem discursiva.
Palavras-chave: Leitura; Estratégias; Gêneros discursivos.
ABSTRACT
This article aims at presenting reading practical procedures for foreign language
teachers, articulating theories that understand reading as social practice, providing
production of meaning opportunities, leading the student-reader not only to
understand the text, but assuming a critical and responsive position towards
different speech genres, under the discursive approach.
Key-words: Reading; Strategies; Discursive Genres.
Introdução
Com base na nossa experiência como pesquisadoras e professoras de
Língua Inglesa em escolas públicas e nos resultados de pesquisas (LOPES,
2008; SANTOS, 2009; entre outras), podemos dizer que, apesar da Língua
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Estrangeira (LE) aparecer como disciplina em todos os anos do Ensino
Fundamental II, os estudantes das escolas públicas chegam ao final do
Ensino Médio sem as condições mínimas necessárias para ler com
compreensão razoável os textos do livro didático ou similares, e menos ainda
para entendê-los como gêneros discursivos que circulam nas diferentes
esferas sociais, independentemente de qual que seja a língua estrangeira
(LE), e por vezes, inclusive, em língua portuguesa. Nossa posição é
ratificada por Lopes (2008:139), quando diz que “É significativo o número
de alunos que não compreende o que lê, não faz relação entre as múltiplas
informações que recebe, tem dificuldade em se apropriar do conhecimento
que a leitura traz e fazer deduções”.
Além disso, a situação parece agravar-se ainda mais por ser a leitura
vista, comumente, como uma tarefa árdua e enfadonha, ficando quase que
sempre legada a um trabalho de tradução superficial e linear das palavras.
De acordo com Barbarini (2009) e comprovado pela nossa experiência na
formação de professores, geralmente o professor pede ao aluno que leia o
texto e responda algumas questões, que já vêm prontas no livro didático, ou
que faça a tradução do texto.
Diante de tal problemática, neste artigo, pretendemos conduzir nossas
reflexões e estudos para a área de LE, partindo do possível conhecimento
que os professores já têm sobre das estratégias de leitura e o uso que delas já
fazem em suas aulas de LE na educação básica, buscando ampliar seu
horizonte teórico, possibilitando-lhe a realização de um trabalho com leitura
de “textos sociais em circulação, oriundos de contextos sociais reais”
(CRISTOVÃO, 2009:320), ou seja, de gêneros discursivos, com estrutura,
temática e estilo compatíveis com a função social e objetivo a que se propõe,
portanto, numa perspectiva discursiva da linguagem.
Para alcançar tal intento, apresentamos encaminhamentos práticos
para o trabalho com a leitura em LE, tendo em vista haver poucos materiais
nessa perspectiva disponibilizados e de fácil acesso aos professores. Tais
encaminhamentos serão precedidos por uma discussão dos principais
pressupostos teóricos que lhe dão sustentação, além de outros conhecimentos
que se fazem necessários quando o tema é leitura em uma nova língua.
Assim, tendo a prática de leitura na Educação Básica como horizonte
colocamo-nos como objetivos para este artigo: a) Propiciar uma síntese dos
principais pressupostos teóricos bakhtinianos, re-orientados para a área de
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leitura em LE; b) Explicitar a presença desta teoria em documentos
importantes que norteiam a educação básica no país e em alguns estados; c)
Discutir o uso das estratégias de leitura em LE como parte dos
procedimentos necessários para a compreensão na perspectiva discursiva;
para, finalmente, d) Propor encaminhamentos para o trabalho com as
práticas sociais, materializadas nos gêneros discursivos, por acreditarmos
serem estes um importante instrumento interdisciplinar que dá atenção
especial à linguagem e seu funcionamento para as atividades humanas.
Pressupostos bakhtinianos em foco
Os estudos do filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin, sobretudo sua
obra “Estética da criação verbal” (2003), deram origem a outros estudos e
pesquisas sobre os gêneros do discurso e sua aplicabilidade em sala de aula,
alguns dos quais serão aqui revisitados para o alcance dos nossos objetivos.
Para Paiva (2007), Bakhtin, ao falar sobre a linguagem, afirma que a
integração de dois ou mais indivíduos em uma esfera de regras internas,
organizadas em terreno bem definido e circunscritas em uma situação
imediata, dão vida à linguagem. Com outras palavras, Modro (2007) diz que
o ser humano, ao se sociabilizar, tem necessidade de interagir com outros
indivíduos. Esse processo se dá de modo complexo, porém dinâmico, na
comunicação, em situações interlocutivas. As formas pelas quais o ser
humano se manifesta aos seus interlocutores, mediante sua relação com o
outro e com o mundo que o cerca, dá-se o nome de linguagem.
É nessa relação dialógica do Eu com o Outro por meio da linguagem
que surgem os gêneros discursivos. A língua está em contínuo
desenvolvimento e, nesse desenvolver-se, constitui o sujeito (GERALDI,
2013; MODRO, 2007), que está, por sua vez, intimamente ligado às práticas
sociais, dando-lhe condição suficiente para, apropriando-se da realidade,
expressar-se, produzindo textos.
Com uma visão sociointeracionista, Bakhtin (2003) acredita que todo
e qualquer discurso nasce das relações sociais. A sociedade está organizada
em esferas sociais como a política, midiática, familiar, escolar, jurídica,
científica, entre outras, que se relacionam por meio da língua. Tais
manifestações - orais ou escritas - revelam as condições específicas e as
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finalidades de cada esfera social, principalmente em três aspectos: conteúdo
temático, estilo e construção composicional.
O conteúdo temático refere-se não somente ao assunto tratado no
gênero, mas também ao domínio de sentidos e aos recortes possíveis para um
determinado gênero, enquanto que o estilo diz respeito às escolhas lexicais,
fraseológicas e gramaticais utilizadas na interação verbal. A construção
composicional é a estrutura que dá forma e sustentação ao gênero. Esses três
aspectos acham-se interligados, compondo um gênero discursivo que, ao ser
produzido para circular em uma das esferas sociais, revela suas
especificidades.
Cabe neste momento lembrar que “mesmo sendo mutáveis, flexíveis,
os gêneros têm uma certa estabilidade” (SCHNEUWLY, 2004:27). Isso quer
dizer que nem todo tema cabe em todos os gêneros, nem pode circular,
evidentemente, em todas as esferas. Isso leva o autor a fazer adaptações,
percebidas pelo leitor como necessárias ao uso propositado de um tema em
um determinado gênero, para uma esfera específica. Podemos exemplificar
com o gênero receita, que tem sido usado muitas vezes para falar de
sentimentos. Teoricamente, podemos dizer que tal situação adequa-se à
relativa estabilidade do gênero, proposta por Bakhtin (2003).
Marcuschi (2005:18) nos alerta sobre a precaução que devemos ter ao
nos referirmos ao conteúdo temático, estilo e construção composicional, para
não concebermos os gêneros como modelos estanques nem como estruturas
rígidas, pois, apesar de cada gênero ter sua identidade no ponto de vista
léxical, grau de formalidade ou natureza dos temas, ele também abre
caminho para os estilos, criatividade e variação. Dessa forma os gêneros
devem ser entendidos “como formas culturais e cognitivas de ação social
corporificadas de modo particular na linguagem, temos de ver os gêneros
como entidades dinâmicas”. A própria língua não é estanque, ela varia e,
consequentemente, os gêneros também variam, adaptam-se, renovam-se e
multiplicam-se. O mais apropriado, portanto, seria observarmos os gêneros
pelo seu lado dinâmico, social, interativo, evitando, assim a fixação pela sua
classificação estrutural.
Os gêneros do discurso são infinitos, considerando a diversidade de
atividade humana e as transformações que eles vão sofrendo dentro da
própria esfera. Segundo Bressanin e Petroni (2008), na visão de Bakhtin, os
gêneros discursivos são entendidos como uma forma característica de
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enunciação em que a palavra assume uma expressão única. Meneguetti e
M.Cavalcanti (2013) complementam, afirmando que cada gênero é único,
concreto e histórico, dada a profunda relação existente entre o significado
das palavras e o contexto sócio-histórico de produção de cada gênero.
Ainda vale ressaltar a distinção que Bakhtin faz entre os gêneros ao
classificá-los em primários e secundários, sendo os primários as
manifestações verbais espontâneas do cotidiano, mais simples e os primeiros
que apropriamos por meio de conversas familiares, com amigos e vizinhos,
bilhete, mensagens, entre outros. Nas palavras de Schneuwly (2004), os
gêneros primários se caracterizam “pela troca, interação, controle mútuo pela
situação; pelo funcionamento imediato do gênero como entidade global,
controlando todo o processo, como uma só unidade; nenhum ou pouco
controle metalinguístico da ação linguística em curso.” De acordo com
Faraco (2009), os gêneros secundários, por sua vez, são mais complexos e
próprios da escrita. Transitam em circunstâncias mais culturais,
principalmente na científica, artística, sociopolítica e absorvem os gêneros
primários, passando a ter uma característica particular dentro dos
secundários.
Resumimos assim, alguns dos pressupostos teóricos bakhtinianos,
discutidos amplamente nas academias e usados como referência para os
principais documentos prescritivos do país para LE, discutidos a seguir.
Os gêneros discursivos e os documentos norteadores para LE
A maioria dos documentos norteadores para a educação básica, na
área de LE, tais como os PCN-Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), as
OCEM-Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), as DCE-
Diretrizes Curriculares Estaduais (2008) no Paraná, o Referencial Curricular
no Rio Grande do Sul (2009), entre outros similares, usados em diferentes
estados, ancoram-se na perspectiva discursiva, proposta inicialmente pelos
membros do chamado Círculo de Bakhtin, e, posteriormente, por seus
seguidoresi. Os documentos prescritivos mencionados sugerem o trabalho
com os gêneros discursivos que, por trazerem marcas históricas, sociais e
culturais, são um ótimo recurso a ser utilizado na escola para que os alunos
possam desenvolver uma consciência mais crítica e ter contato com a
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diversidade cultural, principalmente considerando que a língua não está
dissociada da prática social.
Nas palavras de Dolz e Schneuwly (1998:07) “o gênero pode ser
considerado um mega-instrumento que fornece suporte para a atividade nas
situações de comunicação e uma referência para os aprendizes”. Para Lopes-
Rossi (2008), a concepção sociodiscursiva é a base da maioria das propostas
atuais de ensino de LE, baseadas nos gêneros discursivos que são
instrumentos de ensino privilegiados, capazes de promover o
desenvolvimento da capacidade de ler do aluno. Segundo Schneuwly e Dolz
(2004:179), “quando um gênero textual entra na escola produz-se um
desdobramento: ele passa a ser, ao mesmo tempo, um instrumento de
comunicação e um objeto de aprendizagem.” Além disso, o uso dos gêneros
discursivos possibilita um trabalho com a língua-alvo que se distancia das
concepções normativas e estruturalistas, cabendo ao professor oportunizar
aos alunos o maior contato possível com textos oriundos de diferentes
esferas sociais, considerando: quem diz, para quem diz, os objetivos e as
intenções contidas nos enunciados. Os PCN (BRASIL,1999:96) corroboram
dizendo que:
A análise de textos de diferentes gêneros (slogans,
quadrinhos, poemas, notícias de jornal, anúncios
publicitários, textos de manuais de instrução, entre
outros), vazados em língua estrangeira, permite a
consolidação do conceito e o reconhecimento de que um
texto só se configura como tal a partir da articulação de
determinados elementos, de uma intencionalidade,
explícita ou não, e de um contexto moldado por variáveis
socioculturais.
Acreditamos que o trabalho com os gêneros tem um papel importante
para a formação dos alunos, pois a todo o momento agimos por meio deles.
Assim, quanto maior o contato deles com os gêneros de diferentes esferas
sociais, maior será sua chance de saber utilizá-los de maneira adequada
conforme o contexto. As DCE-LEM (PARANÁ, 2008:77) orientam o uso de
gêneros como parte integrante dos conteúdos básicos:
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Para o trabalho das práticas de leitura, escrita, oralidade e
análise linguística, serão adotadas como conteúdos
básicos os gêneros discursivos conforme suas esferas
sociais de circulação. Caberá ao professor fazer a seleção
de gêneros, nas diferentes esferas, de acordo com o
Projeto Político Pedagógico, com a Proposta Pedagógica
Curricular, com o Plano Trabalho Docente, ou seja, em
conformidade com as características da escola e com o
nível de complexidade adequado a cada uma das séries.
No entanto, mesmo com uma linha teórica discursiva marcada, os
documentos norteadores não explicitam possíveis práticas pedagógicas com
os gêneros, nem como trabalhar as práticas discursivas de leitura, escrita,
oralidade, ou para fazer a análise linguística dos gêneros estudados. Quando
muito, colocam sugestões de textos de acordo com as esferas de circulação.
Por esta razão, optamos com o presente artigo tentar suprir uma pequena
parte desta lacuna, ainda que de maneira incipiente, na área da leitura, por
consideramos ser essa a prática social em LE mais importante para o
educando, ajudando-o na aquisição do conhecimento científico,
sistematizado, histórico, disponibilizado pela escola e abrindo-lhe mais
espaço no seu cotidiano.
Gêneros discursivos e leitura no ensino de LE
Ler é uma atividade agregada ao ser humano. Desde que nascemos
fazemos leituras de situações, pessoas, olhares, livros, jornais, imagens,
músicas, considerando a infinidade de textos disponíveis ao nosso redor.
Partimos da premissa dialógica bakhtiniana que texto e leitor são
elementos indissociáveis, tendo em vista que o ‘eu’ produz e espera uma
atitude responsiva do ‘tu’, em qualquer língua. E, em se tratando
especificamente de textos escritos em LE, lê-los não implica simplesmente
em decodificá-los. O ato de ler consiste na capacidade do leitor em
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compreender o que lê e mais: posicionar-se criticamente diante do que leu.
Fazer uma leitura, de acordo com Martins (1984:20), “significa uma
conquista de autonomia, permite a ampliação dos horizontes, implica
igualmente um comprometimento, acarreta alguns riscos”. Por meio da
leitura em LE, o aluno-leitor tem a oportunidade de expandir seu
conhecimento, enriquecer-se intelectualmente, compreender melhor o
mundo que o rodeia.
No presente artigo tratamos, especificamente, da leitura em LE na
escola pública, cuja aprendizagem é quase que responsabilidade total da
escola, uma vez que o contato do aluno ou a exposição à nova língua fora
deste contexto é pouco ou insuficiente para garantir um leitor proficiente.
Com Freire (1999:11) assumimos que “a leitura do mundo precede
sempre a leitura da palavra”, e que o conhecimento de mundo, trazido pelo
educando, seja um dos fatores mais importantes para a compreensão de texto
em LE, somado a outros que também contribuem para o processo como o
vocabulário, a gramática e, de acordo com as novas teorias do discurso, a
noção e o domínio de diversos gêneros discursivos.
Diferentemente do processo de ler em língua materna, a leitura em LE,
pelo fato de o código linguístico e o seu uso não serem dados a priori, requer
o trabalho com diversas competências: linguística, sociolinguística,
discursiva, estratégica, referencial (BASSO, 2001; 2008; ROCHA e SILVA,
2007; BRASIL, 1999). Assim, o trabalho com a leitura em LE demanda que
o professor encontre alternativas para despertar o interesse dos alunos,
desenvolver sua criticidade, ampliar seus conhecimentos linguísticos, de
modo que percebam as implicações ideológicas existentes em um discurso.
(...) o professor desempenha um papel importante na
leitura, já que, pela forma como encaminha o trabalho em
sala de aula, os significados poderão ser mais ou menos
problematizados, ou as possibilidades de construção de
sentidos percebidas como mais ou menos significativas,
como espaço para exercício de ação no mundo social ou
submissão aos sentidos do outro. (PARANÁ, 2008: 64)
Nossa experiência em sala de aula nos diz que a prática com a leitura
implica também no conhecimento de diferentes teorias que se moldam frente
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à realidade da escola pública e dos alunos, tais como a teoria cognitivista, na
qual se assenta a origem do trabalho com estratégias de leitura. Esta teoria
estuda os processos de aprendizagem e de aquisição de conhecimentos,
sobretudo os internos. Com o surgimento da Psicolinguística, que se uniu ao
cognitivismo e à Linguística, a leitura passou a ser realizada com ajuda de
esquemas (ANDERSON, 1988), possibilitando ao leitor interferir na
compreensão do texto, sendo a leitura compreendida como elemento
integrador entre leitor e texto. Transpondo tal compreensão para a leitura em
LE, podemos dizer que o aluno-leitor com seu conhecimento prévio na nova
língua, ainda que pequeno, seu conhecimento de mundo e auxiliado por
estratégias específicas, aplicadas pelo professor, pode explorar e extrapolar o
texto em busca da significação. A abordagem comunicativa centrou-se nessa
perspectiva, colocando o léxico como central para a leitura em LE, em
substituição à gramática.
Na concepção discursiva, o leitor continua sendo um participante
ativo, contudo a compreensão ultrapassa os limites do texto, da significação,
buscando pela produção de sentidos feita durante o ato de ler, implicando
dizer que cada leitura feita de um texto, permite nova interação,
consequentemente, nova leitura com novos sentidos. A leitura é entendida
como um ato comunicativo, pois o leitor e autor negociam o sentido do
texto, abrindo espaços discursivos para interpretações diferenciadas. Essa
abordagem considera que a produção de um texto, bem como sua leitura, é
altamente influenciada por fatores sociais, ideológicos e históricos. Coerente
com esta perspectiva, Cristovão (2009) apresenta uma proposta de leitura
pautada em uma concepção discursiva de linguagem que considera a
dimensão discursiva e socio-histórica, servindo-se do gênero como
instrumento para o ensino e aprendizagem de línguas.
Também apoiados nos teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo,
Dolz e Schneuwly (1998) falam das capacidades linguísticas como proposta
para a produção textual e destacam a importância delas para
leitura/compreensão de textos. Os autores dividem as capacidades de
linguagem em três categorias: a) Capacidades de Ação: referem-se aos
conhecimentos construídos sobre os mundos físico, social e subjetivo,
identificáveis no texto através do contexto de produção e levantamento do
conteúdo temático; b) Capacidades Discursivas: lidam com os mecanismos
discursivos que sinalizam a organização do conteúdo temático; e c)
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Capacidades Linguístico-discursivas: relacionam-se ao domínio de unidades
linguísticas necessárias à produção de um texto, tais como: coesão verbal e
nominal, conectores, vozes presentes no texto, escolhas lexicais, entre
outras. O trabalho com as capacidades mencionadas possibilita ao aluno-
leitor fazer uso do seu conhecimento textual, remetendo-o a outros textos.
Esse domínio dá a ele mais autonomia e condições para superar algumas das
suas dificuldades.
Pelo apresentado, podemos concluir que ambas as abordagens para o
ensino de leitura – a cognitivista e a discursiva - desenvolvem-se de forma
independente e se diferenciam em vários aspectos. No entanto, acreditamos
que tais abordagens podem contribuir para a formação do aluno-leitor e
também para orientar o trabalho pedagógico do professor. Isso nos levou a
pensar em encaminhamentos práticos para aulas de leitura em língua inglesa,
apresentados na próxima seção, que usam as estratégias de leitura, advindas
da teoria cognitivista, ampliando seu escopo para bem como explorem com
mais propriedade as características constitutivas dos gêneros (conteúdo
temático, estrutura composicional e estilo) de maneira simples e de fácil uso.
Vale lembrar com Lopes-Rossi (2008:56) que “as atividades de leitura
de um determinado gênero devem ser desenvolvidas no âmbito de um
projeto de leitura com tempo para que os alunos possam ler uma seleção de
vários exemplares do gênero alvo do projeto”. A autora ainda acrescenta que
a leitura deve ser trabalhada, explorando as condições de produção e de
circulação do texto, seus propósitos comunicativos, seus elementos
composicionais, sua organização, seu conteúdo temático e seu estilo.
Encaminhamentos práticos para a leitura de gêneros discursivos
Nossa larga experiência no ensino de LE – língua inglesa – em escolas
públicas, que perpassou por diferentes abordagens e métodos, nos dá
sustentação para dizer que a concepção de leitura que tem sido de fato
implementada na educação básica é a entendida como decodificação de
palavras, ou seja, que a compreensão efetiva de um texto passa
necessariamente pelo conhecimento de cada palavra. A tarefa do ato de ler
em LE tem se limitado ao processo de abstração do significado,
independentemente do texto, excluindo assim o papel ativo do leitor, na
produção de sentidos. O dicionário tem sido o grande recurso das aulas,
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equacionando a leitura à tradução. Desnecessário se faz dizer que o resultado
de tal trabalho tem desencorajado os alunos a crer na sua capacidade de ler
em LE com base nos seus conhecimentos de mundo, da língua em questão e
na sua capacidade de fazer hipóteses, confirmadas ou não ao longo do texto,
assemelhando-se ao feito em língua materna.
Buscando modificar essa situação, pesquisadores e estudiosos da área
de LE buscaram na abordagem instrumental o uso das estratégias de leitura,
para facilitar o processo de leitura, livre das amarras ao dicionário e à
tradução de cada palavra, dando ao aluno-leitor maior autonomia na busca
de pistas no texto para a produção de sentidos. Para compreender o que
sejam tais estratégias, procuramos defini-las como diferentes atividades
usadas pelo leitor em sua língua materna, quase sempre inconscientemente,
visando tornar o processo cognitivo de compreensão e interpretação de
textos mais ágil e mais fácil.
Várias são as estratégias de leitura, porém consideramos que as mais
importantes e possíveis de serem utilizadas nas aulas de LE na educação
básica são: Previsão (Predicting); Leitura para compreensão geral do texto
(Skimming); Leitura em busca de informações específicas (Scanning);
Trabalhando com as palavras transparentes, conhecidas e desconhecidas
(transparent, known and unfamiliar words); Leitura pormenorizada
(Reading for details); Checando a compreensão (Checking comprehension).
Baseadas em Wallace (1993), Tomich (2000), Heberle (2000), e,
numa tentativa de ampliar a capacidade leitora dos alunos e oferecer suporte
ao professor de LE, sugerimos novas estratégias como: Organização textual
(Understanding text organization); Avaliando o texto (Evaluating the text);
Ligando ideias (Linking ideas); Reagindo ao texto (Reacting to the text).
Leitura em LE: da compreensão à produção de sentidos
Os encaminhamentos abaixo propostos podem se adequar a inúmeros
textos, gêneros discursivos verbais escritos, uma vez que, por objetivar
desenvolver a capacidade de ler na nova língua, tratarão de aspectos
linguístico-discursivos, discursivos, paralinguísticos, de leitura imagética,
das práticas sociais nas quais o gênero se insere, seu público-alvo, intenções,
contextos de produção, entre outros. Assim pensadas, as sugestões podem
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servir de apoio para o preparo de aulas de leitura em LE para todos os níveis
de ensino, ou para complementar atividades propostas em livros didáticos.
Procurando didatizar o uso das estratégias, utilizaremos os já
conhecidos passos ou fases sugeridos já por Aebersold e Field em 1997 para
aulas de leitura em LE, que são: Pré-leitura (Pre-reading), Leitura (While-
reading) e Pós-leitura (post-reading).
.
Pre-leitura (Pre-reading)
Esta fase serve para o professor identificar o conhecimento prévio
sobre o assunto o aluno traz para a leitura, uma vez que acreditamos que a
leitura em LE garante-lhe não apenas confirmar seu conhecimento de
mundo, mas alcançar novas formas ‘ler’, de ‘escrever ou de ‘reescrever’ este
mundo, de transformá-lo por meio de nossa prática consciente. Esta fase
serve também de motivação, de incentivo à leitura, levando os alunos a
fazerem predições sobre a temática do texto, bem como sobre o gênero a ser
trabalhado. Em geral é feita quase sempre oralmente, procurando situar o
gênero nas diferentes esferas nas quais circula, chamando atenção para sua
função e uso como prática social, atentando, sobretudo, para o conteúdo
temático. Nesta fase, o professor pode contribuir para o desenvolvimento da
Capacidade de Ação, conforme a proposta dos autores do Interacionismo
Sociodiscursivo, antes discutidos.
Sugerimos os seguintes enunciados, que, dependendo do nível dos
alunos, podem ou devem ser feitos em inglês:
O que você(s) acha(m)... Qual é a sua opinião? O que você(s)
sabe(m) a respeito de...
Indique palavras, em português ou em inglês, que você espera
encontrar durante a leitura ...
Quem já ouviu falar de...? O que vocês sabem de...? Onde este
gênero circula? Quem geralmente lê este gênero? Que tipo de leitura
fazemos ao nos depararmos com este gênero?
Tais questionamentos ou similares podem ser seguidos de um
Brainstorm – que serve para ativar os conhecimentos, sobremaneira, do
léxico da nova língua, e culminar com um Mapa Semântico feito no quadro,
tendo o tema no centro, circundado das palavras a ele ligadas. Palavras
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cruzadas; Relacionar colunas (com sinônimos e antônimos, imagens); Bingo
são exemplos de atividades que servem tanto para ativar o conhecimento
prévio dos alunos sobre a temática quanto para antecipar palavras
desconhecidas relevantes e necessárias que aparecerão no texto a ser lido,
numa tentativa de facilitar a produção de sentidos durante a leitura.
Uma das estratégias de leitura que pode ser utilizada nesta fase é a
Previsão (prediction) que visa identificar a temática/assunto/gênero.
Sugerimos que seja iniciada, focalizando apenas o título ou a manchete, se
for matéria extraída de jornal, ou explorando gráficos, figuras ou fotos
contidos no texto, com intenção de levantar hipóteses sobre o assunto a ser
lido. Alguns enunciados possíveis para esta estratégia:
O que o título (a ilustração... o gráfico...) lhe sugere(m)
Você consegue prever algum aspecto do assunto a ser abordado?
Pelo título do texto, o que você acha que virá no texto?
Leitura (While/During Reading)
São atividades preparadas pelo professor para encorajar a interação
entre o aluno-leitor e o texto, na busca da produção de sentidos, como
alternativa para a compreensão da leitura entendida como mero resultado da
tradução linear. Devem ser utilizadas quando o texto completo já tiver sido
entregue ao aluno. Várias são as estratégias de leitura indicadas para esta
fase. Destacaremos as seguintes:
a) Leitura rápida do texto (Skimming): Seu objetivo é fazer com
que o aluno-leitor leia o texto rapidamente, procurando confirmar/identificar
o assunto e o gênero. Alguns enunciados para uso desta estratégia são:
Do que se trata o texto?
Que aspectos são tratados no texto?
Qual é a ideia principal de cada parágrafo?
Qual é o gênero?
O que você pode deduzir a respeito do assunto? (Análise palavras,
expressões, desenhos, negritos, itálicos, gráficos).
b) Leitura em busca de informações específicas (Scanning): Esta
estratégia é a indicada para textos/gêneros que contêm muitas informações
específicas ou gráficos, fazendo com que o aluno-leitor procure por elas/elas
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no texto. É válido lembrar que nem todo texto tem informações específicas.
Ao preparar as atividades de leitura, sugerimos que as informações
solicitadas não estejam dispostas linear ou sequencialmente no texto, para
que o aluno-leitor releia o texto várias vezes. Para tanto, indicamos os
seguintes enunciados:
Examine gráficos, ilustrações, títulos, sub-títulos e responda
rapidamente:
Em que ano? Quem é o responsável? Qual a previsão do número...?
A que se referem os números do ...parágrafo, da página ...da linha...
Localize a sigla .(?.).e diga o que ela significa
A que se refere a porcentagem/número...que aparece no texto...
Consulte o texto e complete o parágrafo...
Quem é ...? Quantas pessoas, animais, pesquisas...?
Relacione as duas colunas (nomes e cargos, pessoas e idades,
pessoas e lugares...)
Quem é mencionado no texto (autor, artigo...)
c) Trabalhando com as palavras transparentes, conhecidas e
desconhecidas (transparent, known and unfamiliar words): Esta estratégia
serve, sobremaneira, para explorar a compreensão de textos que têm muitas
palavras de origem latina, pois possibilitam ao aluno-leitor “ler” em
português, textos em inglês. É indicada, sobretudo, para gêneros
informativos e científicos. Serve também para trabalhar com a autoestima
dos alunos que, quase sempre, se sentem incapazes de ler um texto em inglês
sem ajuda do dicionário. Contudo, nem todos entendem ou reconhecem as
palavras transparentes da mesma forma. Seu reconhecimento dependerá em
muito da proficiência do aluno-leitor em sua língua materna e do seu
conhecimento de mundo, levando-nos a concluir que quanto maior for o seu
vocabulário em português, maiores serão suas chances de entender um texto
em inglês pela ajuda das palavras transparentes. Recomendamos os passos:
Numerar as linhas do texto.
Ler o texto, em silêncio, circulando todas as palavras transparentes.
Torna-se mais interessante e motivador o trabalho feito parágrafo a
parágrafo, com a leitura em português das palavras circuladas, feita pelo
professor, procurando dar a entonação, buscando produzir sentidos. Se o
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texto for rico em palavras transparentes, muito provavelmente, os alunos
conseguirão compreender a essência do parágrafo pelo uso dessa estratégia.
Com o intuito de contribuir para a construção de sentidos do texto, o
professor pode pedir ao aluno para:
Sublinhar as palavras conhecidas (que já estudaram, que sabem o
significado).
Ler juntos – professor e alunos – em português, as palavras
conhecidas e as transparentes.
Outra estratégia importante que o professor precisa desenvolver no
aluno é a capacidade de lidar com palavras desconhecidas sem uso do
dicionário, uma vez que é impossível sempre recorrer a ele quando nos
deparamos com uma situação de leitura. Aconselhamos os seguintes
encaminhamentos:
Fazer um triângulo nas palavras desconhecidas.
Levantar hipóteses sobre o que o que elas poderiam significar;
É preciso ensinar o aluno a deduzir e a inferir o significado das
palavras pelo contexto, ou pela proximidade trazida pelas ideias já
identificadas. Para facilitar esta tarefa de grande complexidade, o professor
pode focar em alguns aspectos como:
A formação da palavra (prefixo, sufixo, raiz...)
A classe gramatical (o artigo antes do substantivo, por exemplo)
Se após a palavra, segue uma explicação, ou exemplo...
Se é sinônimo ou antônimo de uma já mencionada
Se ela é comparada ou contrastada com outra já conhecida
Posição da palavra na frase
O significado da palavra no contexto do parágrafo
Sugestões de como trabalhar com estes aspectos:
Numerar as colunas de acordo com o significado (linha...)
Localizar no texto tal ou linha tal... construções... exemplos de..
Distribuir em colunas
Transcrever do texto (de acordo com informações)
Procurar na linha... o oposto de , sinônimo de, tradução de...
Selecionar no texto exemplos de...
Completar os períodos de acordo com o texto
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Usar... para completar as sentenças
Considerando a explicação dada no quadro, dar o significado/ ligar...
Assinalar com um X a resposta...
Identificar a que(m) se referem os seguintes pronomes ou palavras
ou expressões
O professor deve checar os sentidos diferentes advindos de cada
hipótese levantada.Com este trabalho, o professor estará trabalhando
simultaneamente as Capacidades Discursivas e Linguístico-Discursivas do
aluno-leitor.
d) Checando a compreensão (Reading in detail): É importante
discutir bem com os alunos, mostrando a eles que normalmente em língua
inglesa a ideia principal do texto vem no primeiro parágrafo. Isso acontece
também em cada parágrafo que traz a sua essência no início. Assim sendo,
um exame cuidadoso de cada parágrafo é fundamental.
Para facilitar a leitura com foco na sua compreensibilidade, é possível
elaborar atividades com os seguintes enunciados:
Escreva V OU F or T or F nas afirmações abaixo, justificando as
consideradas como falsas;
De acordo com os dados fornecidos, a situação...;
Indique tantos...;
As ações foram desencadeadas por...;
Responda de acordo com o texto;
Escolha a(s) alternativa(s) que atende(m) ao que foi discutido no
texto;
Os parágrafos abaixo contêm as ideias principais do texto. Numere-
os adequadamente;
Cite vantagens e desvantagens citadas pelo autor;
Que exemplos o autor usa para ilustrar...;
Qual a opinião de... a respeito de ...;
Relacione as colunas;
Indique em que linhas as afirmações foram feitas.
e) Organização textual (Understanding text organization): Todo
texto é organizado a partir de uma estrutura. As partes que o compõe são
organizadas de forma a torná-lo significativo. Há vários elementos dentro de
um texto que contribuem para estabelecer as relações entre as diferentes
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partes, além de servir para expressar as diferentes funções comunicativas.
Esta é a razão pela qual reconhecer a forma de organização de um texto
ajuda o leitor a compreendê-lo melhor. Para tanto, o professor pode produzir
atividades que foquem nos seguintes aspectos:
• Reconhecimento da organização do texto;
• Entendimento da função da organização do conteúdo naquele texto;
• Identificação dos elementos necessários para a progressão do texto;
• Identificação da(s) sequência(s) mais recorrente(s) - argumentativa,
descritiva, narrativa, expositiva, injuntiva, dialogal – para inferir
sentido com base no uso de tais sequências;
• Associação dos vocábulos e expressões ao tema do texto;
• Reconhecimento das palavras, expressões e ideias que tenham o
mesmo referente de modo a construir os elos coesivos gramaticais;
f) Avaliando o texto (Evaluating the text): Esta estratégia pode ser
usada durante ou depois da leitura. Seu objetivo é encorajar o leitor a formar
opinião, fazer julgamentos e expressar suas reações em relação ao texto lido.
É por meio dessa estratégia que o aluno poderá avaliar o que leu. Algumas
perguntas para nortear o trabalho com essa estratégia podem ser:
Você (não)gostou do texto lido? Justifique.
Você compreendeu o texto?
O texto é de cunho informativo, entretenimento ou utilidade?
Sobre o que o texto fez você pensar?
Foi possível estabelecer alguma relação entre o texto lido e outros
fatos/acontecimentos/histórias?
g) Reagindo ao texto (Reacting to the text): Ao fazer uso dessa
estratégia esperamos que os alunos possam construir sentidos, extrapolando
o nível literal, sendo ativo, tendo consciência de que o sentido pode ser
construído a partir da sua compreensão. Como os sentidos são resultados da
interação entre o que o leitor traz para o texto e o que autor colocou nele, o
aluno-leitor precisa considerar o contexto, a situação de comunicação,
trazendo para o momento da leitura o conhecimento prévio, as experiências,
os sentimentos, os valores e as crenças. Possíveis perguntas para serem
trabalhadas nessa estratégia:
O que o texto diz?
Como o texto organiza seu dizer?
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A organização do texto contribui para que sua finalidade seja
atingida?
Qual a relevância do assunto/tema abordado no texto?
Quem o produziu? Em qual contexto?
Quais os valores expressos no texto?
Quais as vozes sociais presentes no texto?
A quem esse texto interessa?
Qual o efeito provocado em você pela leitura do texto?
Há algum posicionamento explicito do autor em relação a aspectos
culturais? Quais?
Pós-leitura (Post reading activities)
Tradicionalmente, nesta fase, os autores ainda centram-se na
compreensão ou discussão do texto, ou nos aspectos linguísticos
(gramaticais). Na perspectiva adotada neste artigo, a Pós-leitura tem como
objetivo verificar o nível ou o grau de compreensão conseguida pela leitura
feita. É o momento em que o aluno é chamado a se posicionar
responsivamente frente à leitura feita. Segundo Bakhtin (2003), só há texto,
entendido como prática discursiva, se o “outro” se posicionar, se der sua
resposta, se expressar sua valoração. É o momento do dialogismo, da
produção de sentidos. Isso pode ser alcançado com enunciados como: Em sua opinião, qual o possível objetivo do autor ao produzir esse texto?
Quem o autor quis alcançar?
Como este assunto poderia ser tratado em diferentes gêneros e para
diferentes audiências?
Que relação se pode fazer entre...e...;
Qual a contribuição dessa leitura para sua formação?
O que você acrescentaria ou modificaria no texto?
Que tom o autor utilizou para escrever o texto?
Que registro linguístico foi utilizado? Por quê?
Qual a posição do autor quanto ao assunto?
Qual é o tom do texto?
Qual foi o estilo de linguagem utilizado no texto?
A leitura do texto modificou ou reforçou o seu posicionamento a respeito
do assunto?
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Que marcas ideológicas/culturais você consegue encontrar no texto?
Cite limitações/problemas/ou potenciais do assunto trazido pelo texto;
Cite pontos positivos e negativos sobre o assunto focalizado no texto;
O que você ainda não sabe sobre o assunto?
Que meios/fontes podem ajudá-lo a buscar mais informações/conhecimento
sobre o assunto?
Ao fazer uso desse encaminhamento, o professor pode contribuir para
o desenvolvimento da Capacidade de ação, conforme a proposta dos autores
do Interacionismo sociodiscursivo. Além disso, desperta a criticidade do
aluno-leitor que se coloca como o “outro”.
Considerações finais
Os estudos dos gêneros discursivos e de sua aplicabilidade em sala de
aula ainda são recentes, mas as publicações já demonstram que há um
crescente interesse em estudos e pesquisas na área, bem como daqueles que
querem fazer a transposição didática da teoria para a prática, sobretudo,
porque os documentos que norteiam a prática pedagógica dos professores de
LE estão ancorados nesta perspectiva. Contudo, como a própria teoria
propõe, é preciso partir do conhecimento prévio do professor. Foi o que
tentamos fazer no presente artigo, que discutiu a importância dos gêneros
como instrumentos sociais e também de ensino, na área da leitura.
Procuramos apresentar alguns encaminhamentos para o trabalho em aulas
que podem ser aplicados a diversos gêneros, por meio de estratégias,
abrigados nos pressupostos das abordagens sociointeracionista e discursiva,
propiciando condições de melhorar não somente a proficiência em leitura do
aluno-leitor, mas, principalmente transformando-o em um leitor crítico,
responsivo, participante e co-produtor dos textos lidos e dos sentidos que
propiciam novas leituras a cada leitura, consciente do lugar que ocupa nos
diferentes espaços sociais, bem como de sua capacidade de (inter)ação
no/com o mundo.
Referências
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i Para mais leituras sobre os gêneros e sua relação com a sala de aula de línguas, sugerimos
autores como: Cristovão (2008), Rosa & Basso (2011); Rocha (2008). Esses trabalhos tentam
didatizar os gêneros para a aplicabilidade em sala de aula, visando contribuir com a prática
docente e consequentemente com a formação do educando.