reflexoes criticas

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Portal do Planejamento – Secretaria de Planejamento e Investimentos Estrategicos (SPI) Pelo que entendi, cada “tema” (sao 53) e’ discutido usando as seguintes subcategories: 01.Definicao do Tema 02.Indicadores 03.Marco Legal 04.Principais Assuntos Derivados do Tema 05.Interfaces Tematicas 06.Atores Relevantes 07.Analise Territorial do Tema 08.Reflexoes Criticas 09.Bibliografia 1. Referencias Bibliograficas 2. Glossario/Indicacoes de Leitura 10.Insercao no PPA 1. Programacao 2. Visao das Prioridades 3. Programas Selecionados 1. Orientacoes Estrategicas 2. Efetividade do Gasto 3. Recomendacoes 4. Notas de texto 11.Glossario Por enquanto, apresenta-se aqui o que foi possivel recuperar da categoria “Reflexoes Criticas” de alguns temas. Imagino que essa categoria contem um resumo da analise apresentada nas paginas anteriores, e portanto serve como atalho enquanto o quebra-cabeca continua sendo montado. Reflexoes Criticas: Energia Eletrica

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Page 1: Reflexoes Criticas

Portal do Planejamento – Secretaria de Planejamento e Investimentos Estrategicos (SPI)

Pelo que entendi, cada “tema” (sao 53) e’ discutido usando as seguintes subcategories:

01. Definicao do Tema02. Indicadores03. Marco Legal04. Principais Assuntos Derivados do Tema05. Interfaces Tematicas06. Atores Relevantes07. Analise Territorial do Tema08. Reflexoes Criticas09. Bibliografia

1. Referencias Bibliograficas2. Glossario/Indicacoes de Leitura

10. Insercao no PPA1. Programacao2. Visao das Prioridades3. Programas Selecionados

1. Orientacoes Estrategicas2. Efetividade do Gasto3. Recomendacoes

4. Notas de texto11. Glossario

Por enquanto, apresenta-se aqui o que foi possivel recuperar da categoria “Reflexoes Criticas” de alguns temas. Imagino que essa categoria contem um resumo da analise apresentada nas paginas anteriores, e portanto serve como atalho enquanto o quebra-cabeca continua sendo montado.

Reflexoes Criticas:

Energia Eletrica

O Tema energia encerra significativos debates relacionados ao próprio setor e a aos seus efeitos na sociedade e na economia, muitos dos quais lançados na seção “Principais Assuntos Derivados do Tema”. São apresentadas abaixo, pragmaticamente, reflexões críticas que buscam uma melhor apreciação do tema.

A imprevisibilidade dos licenciamentos ambientais (muitos dos quais sujeitos a manifestações de órgãos competentes sem prazo definido), leva a um risco não probabilístico de desabastecimento, uma vez que se perde qualquer previsibilidade para cronogramas de planejamento e execução de obras, com

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reflexos em termos de redução da atratividade para o investimento privado, de insegurança na disponibilidade e de aumento no preço da energia. Assim sendo, há que se reformular os procedimentos e parâmetros para licenciamento ambiental, estabelecendo prazos para todas as manifestações e extrapolando os limites de decisão de um órgão ambiental específico, para, talvez, um órgão ou colegiado superior (por exemplo, de ministros de Estado) que arbitre as questões ambientais versus demais impactos danosos, inclusive daqueles resultantes da própria mora nos licenciamentos.

Há que se combater a crescente judicialização das questões ambientais, instituindo mecanismos de diálogo, cooperação e informação com a sociedade civil organizada e com o judiciário. Uma vez que o Ministério Público se envolve crescentemente com questões ambientais, chegando a ter estruturas montadas para esse acompanhamento. Há que se acordar uma mais eficiente interveniência da ação de cada um dos poderes, evitando que ações, despachos e liminares casuísticos (muitos dos quais sem a base de informação necessária) tenham impactos danosos e recorrentes sobre o setor elétrico, sobre a economia e, consequentemente, sobre o desenvolvimento do país.

A redução da área alagada dos reservatórios das hidrelétricas, com impacto na perda da regularização e da energia armazenada, leva a sérios riscos para a segurança energética e tem justificativa relacionada à proteção ambiental, o que é bastante discutível. Isto porque, primeiro, o abandono da construção de usinas de regularização torna o sistema elétrico cada vez mais vulnerável aos períodos secos, potencializando a dependência em relação às chuvas e induzindo o acionamento de usinas térmicas cuja energia gerada é mais cara e mais poluente. Os reservatórios de regularização do fluxo, contribuem para evitar que as cheias dos rios causem inundações repentinas e a devastação de, por vezes, cidades inteiras, cujo o impacto pode ser significativamente maior do que o eventual alagamento provocado por reservatórios, já que este é feito de forma lenta e progressiva, com cuidados de resgate de espécies animais e ainda com reassentamento das populações atingidas.

O peso dos custos ambientais sobre os empreendimentos do setor elétrico torna os empreendimentos de geração hidrelétrica cada vez mais caros, reduzindo a sua competitividade com outras fontes de energia e conflitando com as premissas do sistema, que incluem a modicidade tarifária.

Não há dúvida a respeito do Brasil conseguir atender a demanda por energia nos próximos anos. Em que pese a riqueza e a diversidade de variáveis que afetam este tipo de projeção (tratados no item "Principais Assuntos Derivados do Tema", dentro do tópico "A Oferta e a Demanda de Energia frente ao Crescimento Econômico"), a principal dúvida que se coloca não é "se", mas "como" o Brasil atenderá o aumento da demanda. O caminho que se desenha é o da combinação de um melhor aproveitamento hidrelétrico com a expansão das fontes alternativas de energia, segundo uma estratégia que conta ainda com a expansão da utilização do gás natural para fins de geração de energia elétrica, dada a sua disponibilidade (por produção nacional ou importação), conferindo um lastro de segurança ao sistema. 

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Quando se fala em modicidade tarifária, pode-se discutí-la sobre dois aspectos: o primeiro, o de quanto custa o kW para a unidade consumidora e o segundo, o de quanto custa a conta final. Dependendo do custo do kW, seja ele barato, subsidiado ou desonerado, pode-se ter um efeito perverso sobre o consumo. Isto porque a eventual modicidade tarifária pode induzir um consumo e um desperdício maior, bem como o abandono de medidas de eficiência energética, refletidos numa conta final de energia com o mesmo valor que teria antes, porém com eficiência energética menor e sem eficácia em termos de ter reduzido o desembolso da unidade consumidora.

Inclusao Digital

Com base nas reflexões realizadas por meio das entrevistas, da literatura e da pré-montagem realizada internamente na SPI, foi possível identificar um conjunto de assuntos que causam barreiras ao desenvolvimento da inclusão digital, especialmente relacionados às causas do problema central do tema em análise – baixa taxa de acesso às TICs. As causas identificadas dizem respeito ao caráter multidimensional do processo de inclusão digital e envolvem questões complexas que requerem ações governamentais e o apoio da sociedade civil organizada.

Assim, seguem algumas reflexões sobre os pontos críticos que envolvem a temática:

1. Infraestrutura – A infraestrutura de comunicações no Brasil é gerida pelas empresas do mercado privado. Assim, só existe onde o mesmo atua, fato que retrata a exclusão digital. Em menor escala, mas de igual importância, a ausência de infraestrutura elétrica em determinadas regiões contribui para a desigualdade de acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, pois é pré-requisito para a conectividade (exclusão digital e elétrica). Tais deficiências ocorrem principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos e nas zonas rurais em geral, pelos motivos já destacados no documento. A ação regulatória do Estado incentiva o processo de padronização e expansão da infraestrutura no território brasileiro quando promove a livre concorrência e inibe ações monopolistas das empresas do setor. Entretanto, a lacuna deixada pelo mercado pressupõe a intervenção do Estado, seja na regulação ou mesmo na atuação direta no provimento de infraestrutura de acesso,  no sentido de garantir à população não assistida, as mesmas condições e oportunidades oferecidas pela tecnologia. Nesse contexto, surge no governo a necessidade de atuar além da regulação, implementando políticas públicas que estimulem a expansão da infraestrutura de comunicação onde ela não existe e garanta à população menos favorecida condições de adquirir o serviço onde há infraestrutura. O anúncio do Plano Nacional de Banda Larga confirma a pretensão do governo em atuar mais diretamente no setor, reduzindo os entraves de conectividade (recursos físicos) da sociedade brasileira. O escopo de atuação do plano supõe o atendimento de outras demandas prementes da inclusão digital, como produção de conteúdos e disponibilização de serviços públicos baseados em aplicativos e-Gov, como ilustra a Figura 8.1, conforme dados da Casa Civil.

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Figura 8.1 - Escopo de atuação do PNBL.

Fonte: Casa Civil, 2010.

2. Capacitação tecnológica – A pouca habilidade no uso de TIC (analfabetismo digital) contribui para o baixo acesso a tecnologias. Essa incapacidade operacional advém da própria formação dos indivíduos (baixa alfabetização literária) e das poucas alternativas viáveis de capacitação tecnológica. A alfabetização digital é instrumento essencial no processo de inclusão digital, e o letramento, por sua vez, é pré-condição nesse contexto. O processo de inclusão digital passa pela escola, o que reforça a necessidade de capacitação dos promotores da educação, os professores. As entrevistas e as referências bibliográficas reafirmaram a necessidade de incentivo ao ensino pedagógico tecnológico, desde o ensino básico até os níveis superiores de educação, com o objetivo de motivar o contato periódico e constante com a tecnologia. Ademais, ainda é precário o número de estabelecimentos de ensino tecnológicos acessíveis e de qualidade para a população economicamente ativa.

3. Uso efetivo das TICs – A pouca percepção dos benefícios do uso das TICs, a baixa velocidade de conexão, o pouco contato com as tecnologias, a dificuldade cultural na assimilação de novas tecnologias e a ausência de conteúdos e serviços que atendam demandas específicas dos indivíduos causam desinteresse de parte da população no uso das TICs, em especial, da menos favorecida economicamente e de faixa etária elevada. As múltiplas dimensões das causas do problema evidenciam a necessidade de atuação coordenada entre Governo Federal e os outros entes federais no processo de mitigação dessas dificuldades.

4. Oferta e Demanda – A dificuldade na aquisição de equipamentos e serviços de comunicações (conectividade) são fatores que inibem a promoção da inclusão digital. As barreiras se constituem das seguintes formas: preço elevado (falta de concorrência em algumas regiões); carência de infraestrutura no local (last mile) e oferta de crédito inadequada para o perfil do consumidor alvo. Outro fator inibidor é a elevada carga tributária sobre o setor de TIC, que, de acordo com as empresas atuantes no setor, é o principal motivo do elevado preço do serviço. Os tributos dos serviços de acesso à Internet chegam a representar 42% do preço final para o consumidor. Apesar das desonerações para a indústria de informática, que elevou a venda de computadores no País nos últimos 3 anos, o preço do serviço de acesso continua inacessível para a população de baixa renda. O ICMS representa 59,52% dessa tributação, sendo um imposto de competência dos Estados e do Distrito Fedral. Alguns Estados brasilerios adotaram políticas específicas para reduzir o ICMS e fomentar o serviço de banda larga, como por exemplo o Estado de São Paulo. Tal iniciativa revelou que a isenção do tributo de forma isolada não garante à população a entrega do serviço por parte das operadoras, já que esse tipo de serviço não está sujeito às metas de universalização, dessa forma, a operadora não tem obrigação de atender as requisições de cidadãos que habitam regiões onde não há rede (infraestrutura), mesmo nos grandes centros urbanos . A insuficiência de infraestrutura de última milha pode ser combatida com políticas de

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apoio aos pequenos provedores e à indústria nacional de equipamentos, que em conjunto, poderiam suprir a necessidade de conexão e, ao mesmo tempo, gerar emprego e renda para o país. Uma política de crédito adequada à população excluída digitalmente carece de um planejamento prévio, pois o uso de equipamentos de informática deve estar atrelado à possibilidade de conexão à internet. É ineficiente estipular uma política de crédito para a compra de equipamentos quando parte da população não poderá se conectar à rede, seja pela insuficiência de infraestrutura ou pelo elevado preço do serviço. É preciso, portanto, uma ação conjunta dos entes federativos na definição de políticas incentivadoras que promovam prioritariamente a expansão da infraestrutura de acesso, a redução no preço dos serviços e uma linha de crédito adequada à população mais afetada que viabilize a compra de equipamentos de tecnologia de informação.

Reforma Agraria

Pode-se afirmar que, até o momento, não se conseguiu realizar a reforma agrária, de fato. Os governos que se seguiram à democratização no país avançaram nos gastos com a política, promoveram assentamentos e desapropriaram terras, mas não lograram alterar a estrutura fundiária extremamente concentradora, abrindo caminho para a superação dos problemas que dela decorrem. Nem mesmo conseguiram conferir qualidade aos assentamentos já existentes, garantindo educação, assistência técnica, qualificação, infraestrutura, crédito e outros serviços. Vale lembrar que, após o último PNRA, finalizado há três anos, não se construiu um plano sucessor, nem foram traçadas metas para a reforma agrária para o período do PPA 2008-2011.

Um dos pontos-chave para o avanço da desconcentração de terras é a atualização dos índices de produtividade, que abriria a possibilidade da desapropriação de imóveis considerados improdutivos e que não cumprem, portanto, sua função social, e a transferência de parcelas de terras para o público demandante, contribuindo para elevar o número de assentados.

Do ponto de vista legal, além da mudança dos índices de produtividade, é central aprovar norma para restringir a desnacionalização do espaço fundiário brasileiro. A transparência em torno de quem são os proprietários estrangeiros de terra e dos seus limites fundiários é de extrema importância para a soberania alimentar e para a viabilidade de políticas agrícolas voltadas ao abastecimento interno. Outra norma cuja aprovação constituiria grande avanço para a promoção da cidadania seria a PEC que prevê a destinação para reforma agrária de terras nas quais seja encontrado trabalho escravo. 

Outro ponto é que já está claro, hoje, que não basta assentar as famílias sem terra ou com acesso precário a ela. É preciso dar as condições para que essas famílias possam, com base no seu trabalho, produzir, se inserir no mercado local, acessar bens e serviços públicos e, consequentemente, melhorar suas condições de vida. E, ao melhorar a condição e a qualidade de vida, consegue-se manter essas famílias no campo, reduzindo o êxodo rural e diminuindo a pressão sobre o emprego e serviços

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nas cidades. Apesar de todos os esforços de programas como o Pronera e o Crédito-instalação e as ações do programa de Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assentamento, percebe-se que, de maneira geral, a qualidade dos assentamentos é muito baixa. Apesar de passarem a ter acesso a terra e a alguns serviços, a qualidade de vida dessas populações permanece muitas vezes a mesma que era antes de terem sido assentadas (Sparovek, 2003).

Apesar de a agricultura familiar ser responsável por 38% do valor bruto da produção agropecuária e ser a principal fornecedora de alimentos básicos para a população brasileira, segundo os dados do Censo Agropecuário 2006, o cultivo e a comercialização de matérias-primas, de gêneros alimentares e de produtos com baixo valor agregado, por parte dos assentados, não logrará transformar a realidade da pobreza do campo. Nesse sentido, faz-se fundamental o apoio do Estado para a construção de uma agroindústria baseada nas pequenas propriedades familiares e calcada no cooperativismo.

O MDA, no âmbito do Pronaf, já possui um programa específico para a agroindústria familiar, com linhas de ação definidas que englobam desde a disponibilização de crédito até o apoio na divulgação dos produtos. A concretização da agroindustrialização de pequeno porte depende, em grande medida, do apoio de programas federais mais incisivos, com a oferta de crédito barato e em escala, oferecido, por exemplo, pelo BNDES, em conjunto com ações de suporte ao cooperativismo e associativismo. Programas estaduais e municipais devem se somar a essas iniciativas, a serem traduzidas num conjunto de ações e serviços públicos para o setor (Prezzoto, 2002). Percebe-se que o apoio prestado por meio dos programas e ações disponíveis não consegue ter o impacto de elevação da renda, para os agricultores mais frágeis, que têm as atuais políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O Nordeste, por exemplo, registrou, no período de 2001 a 2004, estagnação em quase todas as fontes de renda para as categorias ocupacionais compatíveis com a agricultura familiar, com exceção da fonte de renda na qual se insere justamente a transferência por meio do Bolsa Família (Schneider, 2006). Tal situação pode ter sido alterada nos últimos anos com o fortalecimento de políticas voltadas à agricultura familiar, mas ainda há grande peso das políticas sociais para parte deste público, o que se expressa, por exemplo, no fato de que parcela significativa dos que estão no Pronaf A integram o Bolsa Família.

Os assentamentos devem ser sustentáveis também sob o ponto de vista ambiental. Tal reflexão importa sobretudo pelo papel que a Amazônia tem tido enquanto espaço de criação de novos assentamentos. Estes podem ter papel essencial na preservação de recursos naturais e na recuperação de áreas degradadas, desde que fomentados com maior ênfase projetos alternativos de assentamentos, como os agroflorestais e os extrativistas.

Outra questão fundamental é o papel da pluriatividade para o desenvolvimento rural. Inserida num contexto de superação da dicotomia rural-urbano bem como da superação do paradigma da modernização técnico-produtiva da agricultura, a promoção da pluriatividade pelo Estado coloca-se como saída possível para superar as desigualdades do campo por meio da "promoção de estratégias sustentáveis de diversificação dos modos

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de vida das famílias rurais" (Schneider, 2006). Ao apoiar atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer bem como a atividades industriais e de prestação de serviços, o Estado estará contribuindo para a geração de emprego, renda, participação social e cidadania no campo.

O desafio reside, ainda, na busca da promoção de uma reforma agrária sob a perspectiva do desenvolvimento territorial, com vistas ao fortalecimento do capital social dos territórios. Nas palavras de Abramovay (2000, citado por Miralha, 2008):

O próprio crescimento urbano recente aumenta a demanda por novos produtos e novos serviços vindos do meio rural. O desafio consiste em dotar as populações vivendo nas áreas rurais das prerrogativas necessárias a que sejam elas os protagonistas centrais da construção dos novos territórios.

Outro ponto em que a ação do Estado é importante se refere à assistência técnica e extensão rural - Ater. Uma rede consolidada e estruturada de Ater contribui para o fortalecimento de agroindústrias incipientes e daquelas que se pretenda apoiar, uma vez que fornece desentraves aos problemas de gestão, elaboração de projetos e comercialização, que são característicos da agricultura familiar atual. A partir de 1990, as atividades de extensão ficaram à deriva nos estados (Callou, 2007), após a extinção, por parte do governo Fernando Collor de Mello, do sistema Embrater. Desde meados dos anos 2000, atividades de Ater vêm sendo executadas pelo governo federal em parceria com as Emater bem como com organizações da sociedade civil, numa tentativa de reconstrução do sistema que se perdeu nos anos 1990, mas que se mostram insuficientes. A Lei Geral de Ater simplificará a execução da assistência técnica, por meio de chamadas públicas.

Há que se considerar, especificamente, o papel da educação e do fortalecimento das ações do Programa de Educação no Campo, promovido pelo MDA. Mais de 30% dos trabalhadores rurais são analfabetos e cerca de 70% não terminaram o ensino fundamental. Essa constatação reforça a necessidade de se ter um olhar cuidadoso sobre o tema no contexto da superação da pobreza no meio rural.

Os estudos feitos sobre os assentamentos são, de modo geral, específicos12. Não existe, portanto, uma cultura de avaliação que se proponha a testar os reais efeitos da política como um todo e que levem em conta as especificidades de cada região (Abramovay, 2005). Isso é uma grave deficiência, ainda mais num contexto de discussão sobre a atualidade da reforma agrária e sobre o potencial de impacto dessa política no desenvolvimento rural.

Por fim, as reflexões aqui expostas apontam para um problema estrutural da sociedade brasileira como a concentração de terras, que assegura a atualidade do tema da reforma agrária. Porém, esta deve ser pensada sob uma perspectiva diferente daquela que vigorava na década de 1960 (atrelada exclusivamente às razões econômicas), incorporando as potencialidades do rural (para além do agrícola) e toda a sua diversidade, que inclui não apenas os com-terra e os sem-terra, mas também as relações entre preservação do meio

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ambiente e geração de ocupações, bem como os modos de vida das comunidades específicas, como quilombolas, extrativistas, pescadores etc. que demandam políticas próprias.

Producao de Agua Bruta

Tendo em vista a questão central do tema “Produção de Água Bruta” que é a baixa sustentabilidade nos usos dos recursos hídricos, três agrupamentos de problemas com origens distintas são identificados: um relacionado com perdas e ineficiências no uso dos recursos hídricos; outro relativo à contaminação de mananciais; e um relacionado a falhas institucionais. Na sequência, são apresentadas algumas reflexões sobre os pontos que foram considerados críticos para a sustentabilidade nos usos dos recursos hídricos no País.

1. Conflitos pelo Uso da Água

A tradição e a estruturação de alguns setores usuários que atuam há mais tempo com as questões de recursos hídricos geram uma assimetria de informações em relação aos demais setores. Quando há incompatibilidade de usos entre eles, tende a prevalecer as iniciativas dos setores economicamente mais fortes em detrimento dos demais, o que pode comprometer os usos múltiplos. A prevalência da força econômica tende a transferir para os demais setores os custos de indisponibilidade hídrica, comprometendo a equidade no acesso a um bem de domínio público. Assim, é importante o estabelecimento de infraestrutura hídrica, que garanta a disponibilidade de água para os usos múltiplos, e de uma estrutura de gerenciamento que promova a harmonização entre os setores usuários de forma a minimizar os conflitos.

2. Falhas na Aplicação dos Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos

Dos instrumentos previstos para o gerenciamento dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso assume papel relevante como fator de inibição à baixa eficiência no aproveitamento e ao consumo elevado de água pelos setores usuários. A cobrança deve ser estabelecida em função dos usos prioritários que são previstos nos planos de recursos hídricos da bacia. No entanto, os comitês de bacia devem assumir o papel de mediador dos setores usuários, aprovando o estabelecimento dos planos de bacia, o enquadramento de corpos hídricos e os parâmetros para a cobrança. A pouca efetividade no funcionamento dos comitês comprometem o modelo de gestão estabelecido para os recursos hídricos e fragilizam os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH).

3. Poluição e Contaminação de Mananciais

O ciclo de contaminação e comprometimento de mananciais apontado sinaliza para falhas nos instrumentos das políticas públicas de saneamento, de ordenamento urbano e de meio ambiente. O fato de o País tratar apenas 26% de todo o esgoto urbano produzido indica a necessidade de grandes investimentos para a implementação das políticas de saneamento.

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O cenário atual compromete a captação e o tratamento de água para o consumo humano. A mudança desse cenário implica em uma maior integração entre as políticas ambientais, de saneamento e de ordenamento territorial, de forma que o atual passivo possa ser reduzido, principalmente nas regiões metropolitanas e nas regiões hidrográficas com baixa disponibilidade hídrica (vide quadro da Região Hidrográfica Atlântico Nordeste Oriental).

4. Conservação e Reuso da Água

Com vistas a uma maior racionalidade no uso dos recursos hídricos, as atuais políticas públicas não incentivam a adoção de mecanismos de redução do consumo e de melhoria da eficiência no uso da água. A utilização em áreas urbanas de práticas de reuso, de aproveitamento de águas pluviais e de explotação de águas subterrâneas como fontes alternativas de suprimento são pouco aplicadas no País. Prevalece a visão de que é possível captar volumes crescentes de água em mananciais fora da bacia. Entretanto, há que se considerar que essa prática tende a ser cada vez mais restritiva tendo presente a resistência dos usuários das bacias doadoras e os custos crescentes de infraestrutura. Os atuais sistemas de tratamento e distribuição de água apresentam elevadas perdas, desde a captação até a distribuição de água, que devem ser minimizadas. Existem tecnologias de reuso para o aproveitamento de água em usos não nobres como irrigação, lavagem de calçadas e descarga sanitária. Devem ser criados mecanismos legais e incentivos econômicos que favoreçam o reuso e o reaproveitamento de água principalmente em processo produtivos que envolvem o uso intensivo.

5. Sistemas de Monitoramento e Controle

As informações disponíveis sobre os aspectos qualitativos e quantitativos dos mananciais representam um entrave ao planejamento e ao controle efetivo do uso dos recursos hídricos. Além da baixa cobertura da rede em águas superficiais no aspecto quantitativo, os dados qualitativos são esparsos e carecem de periodicidade e sistematização. Em relação ao monitoramento de corpos hídricos subterrâneos, não há uma rede que permita a coleta e o acompanhamento da evolução nos aspectos qualitativos e quantitativos do uso, o que indica o desconhecimento do potencial sustentável de uso de mananciais hidrogeológicos.

Controle de Inundacoes e Alagamentos

Os alagamentos e inundações ocorrem por problemas que podem ser agrupados segundo três origens distintas: um “endógeno”, ou seja, inerente ao processo de ocupação e consolidação de espaços urbanos; outro “exógeno”, relacionado a fatores que, na bacia hidrográfica, alteram os componentes do ciclo hidrológico provocando a elevação das cotas de enchentes dos rios; e um terceiro agrupamento relacionado a falhas institucionais. Na sequência, são apresentadas algumas reflexões sobre os pontos que se consideram críticos para a redução do número de afetados por inundações e alagamentos no País.

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1. Conflitos pelo uso da água

Os sistemas de drenagem das cidades afetam o campo, bem como as cidades a jusante, quando promovem o aumento da vazão e das áreas de enchente dos mananciais devido à impermeabilização do solo. Esses sistemas aceleram o escoamento, bem como causam poluição dos corpos hídricos com as águas contaminadas por efluentes de esgotamento sanitário e da própria drenagem urbana. Os sistemas de drenagem urbana não estão sendo submetidos à outorga de usos dos recursos hídricos, no que se refere à quantidade ou à qualidade dos efluentes. Dessa forma, os projetos de drenagem são feitos sem critérios que considerem os interesses dos demais usuários dos mananciais receptores. É importante ressaltar que as bacias hidrográficas funcionam como organismos nos quais todas as partes devem estar integradas. Quando se concebe isoladamente o sistema de drenagem de uma cidade, são desconsiderados os efeitos causados aos demais ocupantes da bacia. É preciso que o planejamento integrado dessa unidade maior de gerenciamento dos recursos hídricos se concretize. Muitas ações podem contribuir para o alcance dessa situação ideal, como a adequação dos sistemas de monitoramento de dados hidrometeorológicos, a conclusão do enquadramento dos corpos d'água, a implantação e efetivação dos comitês e planos de bacia e a aplicação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos.

2. Indefinição da Titularidade dos Serviços de Saneamento Básico

A Lei 11.445, de 05 de janeiro de 2007, estabeleceu as diretrizes nacionais para os serviços de saneamento básico. Esse instrumento legal encontra-se em fase de regulamentação e ainda restam indefinições sobre a sua titularidade (se são de competência dos estados os dos municípios). Essa indefinição gera insegurança jurídica, sobretudo para as empresas prestadoras de serviços.

Os serviços de saneamento, que envolvem o abastecimento de água, a implantação de esgotamento sanitário, a drenagem de águas pluviais e a limpeza urbana, devem ser prestados de forma articulada e integral - seja diretamente pelo ente competente ou sob a forma de concessão - visto que esses serviços são complementares e interdependentes. Exemplificando, a qualidade dos serviços de coleta e disposição de resíduos sólidos afeta diretamente os sistemas de drenagem (naturais ou não). Se o primeiro é de competência do município e o segundo de competência do estado,  faz-se necessária uma articulação entre os entes na prestação dos serviços para que o objetivo das intervenções seja alcançado.

 3. Intensificação da Ocupação e Uso Agrícola dos Solos

O assoreamento dos rios, ocasionado pela remoção da cobertura vegetal e pelo manejo inadequado do solo, tem como consequência a elevação das cotas de enchentes, o que também ocorre pela redução da infiltração de água no solo ocasionado pelo desmatamento, e, consequentemente, aumento da vazão de escoamento dos mananciais. Essa elevação das cotas de enchente aumenta o risco de inundações em áreas ribeirinhas. Desse modo, os mecanismos de incentivo à ocupação e ao uso do solo devem estimular a

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contenção de processos erosivos, bem como a observação dos limites mínimos de áreas destinadas à preservação e à proteção de mananciais, tendo em vista os efeitos diretos que causam na bacia hidrográfica.

4. Impermeabilização de Ambientes Urbanos

O crescimento desordenado dos centros urbanos e o adensamento populacional provocaram a rápida impermeabilização desses ambientes, o que contribui com o aumento da vazão de escoamento superficial. Para uma mesma intensidade de chuva, esse aumento provoca a elevação das cotas de enchente dos rios a jusante. Os mecanismos de incentivo ao manejo e retenção de águas pluviais para as novas edificações e para as já existentes devem ser estabelecidos, em conformidade com as diretrizes da Lei de Saneamento. Assim, ao se expandir os centros urbanos, as edificações devem ser neutras em relação ao aumento do escoamento superficial, promovendo a detenção de parte das águas pluviais em suas próprias áreas. Estruturas de uso comum devem ser construídas para amenizar o incremento de vazão gerado por edificações existentes.

5. Defasagem no Ensino de Engenharia

A maioria dos cursos de formação em engenharia do País ainda trabalha com a perspectiva de que os projetos de sistemas de drenagem devem favorecer e acelerar o escoamento das águas pluviais urbanas. Esse tipo de intervenção agrava ainda mais a situação do sistema de drenagem a jusante do projeto. A concepção de projetos que incentivem o amortecimento dos picos de vazão de águas pluviais, bem como o estudo de alternativas tecnológicas para a disposição de águas drenadas são formas de se buscar o equilíbrio dos sistemas de drenagem urbana, procurando estabelecer uma maior abrangência desses sistemas e a mitigação de seus impactos nos corpos hídricos receptores.

6. Fragmentação das Bases de Dados Hidrometeorológicas

Os sistemas de coleta e formação de base de dados hidrometeorológicos são essenciais para o estabelecimento de estudos e pesquisas sobre fenômenos pluviais e fluviais. O conhecimento da série histórica é de grande relevância para o estabelecimento dos parâmetros utilizados no dimensionamento das estruturas hidráulicas. O histórico recente de dados, a baixa cobertura da rede de monitoramento e a descontinuidade dos registros fragilizam a qualidade de sua aplicação em projetos, o que faz com que as estruturas hidráulicas sejam mal dimensionadas em função do baixo grau de conhecimento da bacia hidrográfica em estudo. Dessa forma, a base de dados hidrometeorológicos ainda é inadequada e diversos dados existentes são de difícil acesso a pesquisadores e projetistas. Uma ampla cobertura de redes de monitoramento de vazões e de precipitações pluviométricas, assim como de previsão de eventos, é fundamental para o aprimoramento dos projetos de estruturas hidráulicas, para a operação de sistemas de alerta e para o mapeamento de áreas de risco de alagamentos e inundações.

7. Falha de Coordenação da Política de Ordenamento Urbano

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Como o ente municipal é o responsável pela execução da política de ordenamento urbano, cabe à União o estabelecimento das diretrizes para a política nacional de desenvolvimento urbano. O principal instrumento que expressa as diretrizes locais é o Plano Diretor Municipal. Entretanto, sem o estabelecimento de critérios para a elaboração de planos de drenagem que integrem os planos diretores, permanecerá o modelo de ocupação urbana que incentiva o adensamento populacional e que promove o aumento da taxa de solo urbano impermeabilizado, favorecendo a ocorrência de alagamentos e inundações. Ao não estruturar as áreas mais afastadas dos centros das cidades, a ocupação de áreas ribeirinhas e encostas, próximas às zonas centrais, é favorecida. Nessas áreas a população fica exposta a um elevado risco de ocorrência de desastres (inundações e deslizamentos).

8. Vulnerabilidade do Sistema Nacional de Defesa Civil

Mesmo que o Plano Nacional de Defesa Civil preveja a atuação preventiva da Defesa Civil, esse enfoque ainda é incipiente. O fato de se ter mecanismos que facilitam a disponibilização, em caráter emergencial, de recursos para a reconstrução de áreas afetadas, dispensando inclusive processos licitatórios, não pode eximir a responsabilidade dos estados membros e, principalmente, da União quanto ao planejamento das intervenções com enfoque de atuação preventiva e de longo prazo. Tanto na utilização e desenvolvimento de sistemas de alerta em tempo real e de mapeamento das áreas de risco de alagamento e inundação, quanto na orientação e estabelecimento de intervenções de caráter estrutural preventivo, o Sistema de Defesa Civil deve contribuir para a minimização dos danos que a ocorrência desses eventos possa causar. Outro aspecto que cabe ressaltar é o atual modelo de concepção da Defesa Civil que possui caráter militar e é estruturado nos moldes do corpo de bombeiros e polícia militar. A Defesa Civil necessita de uma revisão conceitual de sua forma atuação puramente reativa passando também a englobar a prevenção e o alerta de desastres e focar na “segurança civil”.

9. Segurança de Barragens

O País possui pouca tradição na prevenção de riscos. Mesmo sendo devastadores os efeitos do rompimento de barragens, a preocupação com a elaboração e execução de planos de segurança de barragens e de ação em caso de rompimento é bastante incipiente no Brasil. O estabelecimento da política nacional de segurança de barragens ainda encontra-se em tramitação no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 168/09). Essa área necessita de orientação, de legislação, de um sistema de regulação e fiscalização e de um órgão responsável atuante. Deve-se investir na qualidade dos projetos, da execução, da operação e da manutenção dessas estruturas. No entanto, contando com o risco de ocorrência do rompimento, planos e sistemas de ação e de alerta devem ser elaborados e implantados. O Ministério da Integração Nacional possui algumas iniciativas, porém, essa área carece de uma maior atenção da União, tendo em vista a ocorrência de rompimentos que vêm causando danos à sociedade, como o caso da barragem de Algodões II no Piauí.

10. Falha de Coordenação Institucional

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Há uma pulverização institucional do tema na Administração Pública Federal. No que se refere ao programa de Drenagem Urbana, o Ministério da Integração Nacional é responsável pelo programa, porém, o Ministério da Saúde e, principalmente, o Ministério das Cidades possuem ações desse programa de governo. Isso não seria um problema se não fosse a desarticulação entre as ações de cada ministério. Os critérios de seleção dos projetos não estão bem definidos, mesmo existindo manuais para proposição de iniciativas no programa, pois, não são observados. O campo de atuação de cada órgão não está claramente definido. Espera-se um melhor estabelecimento das diretrizes setoriais a partir das discussões e publicação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) em 2010.

Educacao Superior

A relevância do tema reside no seu profundo relacionamento com processo de desenvolvimento econômico e social.

A maior escolaridade da população em geral e a expansão do ensino superior em específico estão associadas tanto à ampliação das possibilidades de crescimento econômico em função de ganhos de produtividade como à inclusão no mercado de trabalho de indivíduos aptos a executarem atividades necessárias ao aperfeiçoamento e expansão das atividades produtivas. O crescimento econômico relativamente mais elevado registrado a partir de 2004, associado à elevação dos investimentos, em especial em infraestrutura, foi suficiente para que surgissem relatos de escassez de profissionais formados pela Educação Superior em determinadas especialidades, como é o caso de engenheiros civis em algumas regiões do País. A expansão do ensino superior de qualidade coloca-se assim como condição viabilizadora da continuidade do crescimento econômico sustentado, uma vez que a ela cabe a tarefa de dotar o País de profissionais aptos a executarem atividades complexas relacionadas ao desenvolvimento.

Cabe, em documentos futuros, a realização de estudos acerca do perfil dos profissionais de formação superior que serão demandados mais intensamente por esse processo de crescimento, não apenas em termos gerais, mas também em termos dos setores específicos que tendem a liderar o dinamismo econômico nos próximos anos. São exemplos de perguntas a serem respondidas: Quais os profissionais necessários para a continuidade do processo de recuperação e expansão da infraestrutura econômica e social do País? Quais os profissionais necessários para o desenvolvimento do conjunto de atividades diretamente associadas à exploração das reservas do pré-sal? Quais profissionais serão demandados pelo adensamento das cadeias produtivas que serão dinamizadas pela exploração do pré-sal? Esses profissionais serão formados pelos cursos de Educação Superior existentes no País na quantidade necessária e com a devida qualidade? Responder a essas perguntas é o primeiro passo para que o País construa as bases para o máximo aproveitamento das oportunidades de dinamização da economia, através do balanceamento da formação de profissionais de nível superior, que deve tanto buscar suprir o mercado das especialidades necessárias como evitar o excesso de oferta

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de outras. Este é um papel que cabe ao Estado, diretamente relacionado à função planejamento, e ao qual ele não deve se furtar.

No caso, por exemplo, dos profissionais de engenharia, a perspectiva de um crescimento sustentado anual em torno de 6% aponta para restrições na oferta desses profissionais. Atualmente, os cursos de engenharia - públicos ou privados - no Brasil respondem por cerca de 5% dos formando ao ano, número inferior ao de países como Coreia do Sul (25%), Rússia (18%) e Japão (19%). Outro dado relevante é que as instituições privadas são responsáveis pela oferta de 75% das vagas do ensino superior no Brasil, sendo este percentual de 50%, considerando apenas as vagas de engenharia. O que mostra a relevância do papel no Estado na área, sobretudo se considerado o papel da engenharia na promoção da inovação científica e tecnológica. É fundamental que seja planejada a expansão do ensino superior público, levando-se em conta, entre outros critérios, perfis profissionais necessários a setores estratégicos para o desenvolvimento e o crescimento econômico.  

Outro ponto é que a relação entre a educação superior e o mercado de trabalho não é apenas de natureza direta, este recebendo da primeira os recursos humanos de que necessita. A expansão de profissionais com ensino superior também é decisiva sob o ponto de vista das capacidades intelectuais para a construção das pontes para a entrada definitiva na sociedade do conhecimento, ainda que atravessada por problemas clássicos ligados às desigualdades e à garantia efetiva da cidadania. Os rumos tomados pela sociedade são também função das possibilidades críticas e reflexivas de seus agentes, residindo aí um papel central de formação própria à Educação Superior. Nos tempos de hoje, o desafio é que o ensino superior esteja estruturado de modo a relativizar os conhecimentos estritamente especializados e combinar formação flexível e diversificada com capacidade para aprendizagem contínua. 

Por outro lado, o tema relaciona-se também à equalização das oportunidades de mobilidade social e à melhor distribuição de recursos cognitivos. Neste ponto também é central o papel do Estado, conforme definido no próprio marco legal brasileiro, ao prover condições para que todos os indivíduos tenham oportunidade de acesso ao ensino superior de qualidade, seja em termos da educação básica adquirida, seja em termos da oferta de ensino superior em condições adequadas a todos os grupos, o que envolve a concessão de bolsas na rede privada e a oferta de vagas gratuitas nas IFES. É, entretanto, longo o caminho a ser ainda percorrido nessa questão, como apontam a baixa frequência líquida geral no ensino superior e as importantes diferenças nesse indicador quando segmentado por renda, raça/cor, localização e região geográfica, conforme apresentado anteriormente.

Essa equalização tem também rebatimento nas desigualdades regionais, uma vez que, conforme apresentado anteriormente, a oferta e a qualidade do ensino superior não são homogêneas no território, sendo a homogeneização importante tanto para balancear as chances de acesso à educação de qualidade entre os moradores das diversas regiões do País como para dotar todas as regiões de indivíduos aptos a desenvolverem atividades mais complexas associadas à expansão e diversificação da atividade produtiva, de forma

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que a própria carência de mão-de-obra qualificada não se torne um fator indutor de baixo dinamismo nas regiões menos desenvolvidas.

Há também de se assinalar os vínculos entre ensino superior e desenvolvimento científico e tecnológico. As instituições de ensino superior, e em especial as universidades, são grandes produtoras de pesquisas e desenvolvimento de atividades intensivas em tecnologia, a partir das quais se criam as bases para o desenvolvimento de novos métodos de trabalho e tecnologias que propiciam ganhos de produtividade para a economia nacional. Ainda que a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico sejam objeto de um tema específico, há que se destacar os profundos vínculos existentes entre o ensino superior e a pesquisa científica, uma vez que, assim como os conhecimentos acumulados ao longo da educação básica são o ponto de partida para a constituição das competências dos alunos na graduação, os conhecimentos adquiridos ao longo da graduação são a base a partir da qual se constroem novas competências nas pós-graduações, locus importante das pesquisas científicas.

Outro aspecto dos mais relevantes são as relações entre ensino superior e a educação básica. A elevação dos níveis de qualidade e de acesso à educação básica é uma das questões que se colocam hoje como prementes. O principal fator alavancador da qualidade da educação é justamente a formação dos docentes, o que se dá no âmbito do ensino superior. Nesse sentido, o PDE buscou superar o que chamou de falsa dicotomia entre educação básica e superior, introduzindo uma visa sistêmica do sistema educacional como um todo na qual a formação dos docentes é fundamental para a qualificação da educação básica. Mas as relações entre educação básica e superior são ainda mais amplas, sendo a cobertura e qualidade da primeira determinante para as condições de acesso à segunda. As deficiências nos níveis de acesso à educação infantil e ao ensino médio, os problemas de repetência e evasão no ensino fundamental, que se traduzem em elevadas distorções idade-série, e as deficiências qualitativas da educação básica, traduzidas em níveis insuficientes de desenvolvimento de capacidades e habilidades, legam um passivo educacional que compromete, de partida, tanto as possibilidades de equalização de acesso ao ensino superior como o conjunto de habilidades e capacidades dos alunos ao final da graduação. Nesse sentido, não é possível tratar os problemas da Educação Superior sem considerar a situação educacional legada pela educação básica.

A análise realizada até o momento apontou também para a liderança da rede privada na oferta de Educação Superior. Entretanto, quando se considera a qualidade relativamente mais baixa da educação ofertada por essa rede, conforme visto anteriormente, é possível dizer que a expansão do ensino superior e, relacionada a ela a melhora da frequência líquida, ocorreu em prejuízo da qualidade do ensino. Ademais, pode-se constatar a perda recente de dinamismo da rede privada, cujas matrículas se expandiram em 17,5% em 2002, mas, em 2007, apenas 5,0%. Esse fato, associado ao grande número de vagas ociosas na rede privada, que era de aproximadamente 1,5 milhão em 2008, de acordo com dados do Censo da Educação Superior, indicam uma possível exaustão da demanda pelo ensino privado, o que torna ainda mais relevante o papel do Estado, em especial do Governo Federal, na expansão da Educação Superior através da oferta de ensino gratuito.

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O Governo Federal vem respondendo a esse desafio através da expansão das vagas ofertadas pelos campi em funcionamento, pela constituição de novas universidades e pela construção de novos campi para as universidades existentes, além de buscar a articulação e a integração do sistema nacional de Educação Superior a distância. Essas iniciativas se refletem no número de matrículas nas IFES, que caem em termos anuais fortemente no período 2002-2005 (de 12,0% para 1,2%) e voltam a se recuperar no período mais recente, alcançando 2,6% em 2007. Essa recuperação ainda é, entretanto, insuficiente para compensar a perda de dinamismo da expansão da rede privada.

Comparações internacionais apontam que a despesa brasileira com a educação terciária ainda está aquém da registrada em países da OCDE. Em média, os países que compõem essa organização apresentam gastos da ordem de 1,5% do PIB com a educação terciária, enquanto que no Brasil esse número é de 0,8%. O mesmo se dá quando a comparação é entre gastos governamentais com a educação terciária com relação ao total de gastos governamentais: a média da OCDE é de 3,1%, enquanto que para o Brasil é de 2,7%. Esses números apontam que mesmo em termos relativos, o País ainda despende menos recursos com a educação terciária que o mundo desenvolvido. 

Por fim, é importante aprofundar as reflexões sobre as formas de ingresso no ensino superior público e as políticas para garantia da permanência. Os critérios associados exclusivamente ao exame vestibular configuram mecanismos opacos de priorização dos estratos que estruturalmente já apresentam melhores condições socioeconômicas para o aproveitamento escolar. A democratização do ensino superior pressupõe o aprofundamento das políticas de assistência ao estudante de ensino superior (em especial, voltada àqueles em situação de pobreza), mas também do reconhecimento das desigualdades sociais que inviabilizam maior diversidade entre grupos e estratos no acesso ao ensino superior, demandando critérios, como por exemplo, o sistema de cotas (tanto raciais, quanto sociais), que redistribuam oportunidades educaionais. 

Igualdade de genero

Segundo o Relatório de Avaliação do PPA 2008-2011: exercício 2009 (MP, 2009), a promoção do desenvolvimento passa, necessariamente, pela universalização dos direitos. Mas, deve-se reconhecer que a universalidade dos direitos pressupõe o enfrentamento de vulnerabilidades associadas a segmentos populacionais específicos, como as desigualdades de gênero, por exemplo. Em outros termos, a ampliação dos direitos deve estar radicada no reconhecimento às diferenças, que não devem se converter em desigualdades.

O governo federal reconheceu esse pressuposto ao criar, em 2003, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (além da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria Especial de Direitos Humanos), com status de Ministério, vinculada à Presidência da República. Buscou-se, assim, a incorporação do princípio da

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igualdade - em todas suas dimensões - no processo de desenvolvimento e na consolidação da democracia, por meio da redução das desigualdades de gênero, raciais, geracionais, de orientação sexual, entre outras.

No entanto, o desafio é grande e não pode ser objetivo apenas de um órgão específico de políticas para as mulheres. É necessário um modelo de gestão integrado de políticas públicas, envolvendo articulação entre órgãos do governo federal, entre estes e governos subnacionais, e entre governos e sociedade civil.

A redução das desigualdades de gênero pressupõe a promoção da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, e entre as mulheres, bem como a transformação da cultura organizacional patriarcal, discriminadora, racista e sexista da sociedade.

Assim, os desafios que se apresentam são muitos, entre eles os destacados pelo Relatório Final de Implementação do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2005-2007), quais sejam: a) as dificuldades de consolidação de um novo tema na agenda política nacional; b) as restrições impostas pela cultura organizacional da administração pública brasileira, que dificulta a concretização dos princípios da transversalidade e da interseccionalidade; c) os limites impostos pelo pacto federativo brasileiro que estabelecem responsabilidades e atribuições específicas a cada ente da federação, retirando da gestão direta do governo federal temas importantes para a questão de gênero; d) a heterogeneidade das diferentes políticas que afetam o tema, tanto no que se refere ao nível de descentralização, quanto à existência de sistemas, leis orgânicas e fundos; e) os recursos escassos e a constante disputa no campo político por maior legitimidade que se traduza em maior orçamento, mais recursos humanos etc; f) as disparidades regionais e a dimensão do país, que faz com que o público-alvo das políticas de igualdade de gênero devam alcançar mais de 97 milhões de brasileiras; g) a pouca produção de informações em áreas estratégicas, como a área da violência, por exemplo.

Decorrente dos limites impostos pelo pacto federativo, descrito acima, um outro gargalo que precisa ser superado é a não existência de organismos de políticas para as mulheres em vários governos estaduais e na maioria dos governos municipais. A existência dessas institucionalidades é de fundamental importância para refletir, em cada esfera administrativa do poder público, o compromisso institucional com o enfrentamento da discriminação, da violência contra as mulheres e com a promoção da igualdade de gênero.

Por fim, interessa notar que o fortalecimento do campo requer novos paradigmas na construção das políticas, já que não se trata apenas da prestação de serviços ou da entrega de bens, mas da luta pela redistribuição do reconhecimento, alterando status e representações sociais dominantes, que repercutem sobre a vida das mulheres.

Promocao e acesso a cultura

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As políticas de promoção e acesso à cultura em um contexto de respeito e valorização da diversidade cultural que caracteriza o país são uma forma de promoção do desenvolvimento considerado a partir de outras dimensões que não apenas a expansão da renda nacional. A cultura, assim como a educação, é fator determinante das condições de socialização dos indivíduos e do exercício da cidadania. É nesses termos que deve ser considerada a relevância das políticas públicas associadas ao tema.

O conjunto de iniciativas hoje implementadas pelo Governo Federal na área vão ao encontro da valorização e do fomento da diversidade cultural brasileira e, dessa forma, do estímulo ao desenvolvimento compreendido em termos mais amplos. Entretanto, a escala em que essas iniciativas são implementadas ainda encontra-se aquém da necessária frente às deficiências apontadas no campo dos equipamentos culturais disponíveis e das desigualdades nas possibilidades de fruição cultural.

Apesar dos avanços registrados ao longo do documento, observa-se que a política cultural ainda possui diversas fragilidades, tanto em termos de carência de recursos financeiros como em termos organizacionais. As políticas para cultura carecem de princípios e diretrizes comuns para o conjunto de atores que interagem para execução da política, do estabelecimento de uma divisão clara de atribuições e responsabilidades entre os entes da federação, do estabelecimento de instâncias de controle social e, em especial, da constituição de mecanismos estáveis de repasse de recursos entre os entes. É nesse sentido que se destaca a importância do estabelecimento de um Sistema Nacional de Cultura, conforme atualmente em discussão no Congresso Nacional.

Com relação a pontos mais específicos, é fundamental destacar as relações entra a questão urbana e cultura e entre juventude e cultura. No primeiro caso, os equipamentos culturais, juntamente com os esportivos, têm papel central para a (re)vitalização e coesão dos espaços sociais urbanos, propiciando zonas de convivência e interação para a população. No caso da relação entre cultura e juventude, aponta-se que as políticas para esse público não devem se circunscrever às tradicionais questões do emprego e da renda, devendo a cultura também ser considerada como elemento relevante por sua capacidade de promover o uso democrático do espaço público, favorecendo a constituição de vínculos comunitários e ofertando aos jovens oportunidades de socialização e lazer que os afastem do consumo de drogas e da violência. De modo que a dimensão cultural deve ser reforçada nas políticas urbanas, expressas principalmente no PAC I e II e no Programa Minha Casa, MInha Vida. 

Defesa Agropecuaria

O Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento afirma que a forma como se estrutura a defesa agropecuária nacional apresenta-se inadequada para atender aos desafios demandados pela agricultura brasileira. Apesar do desenvolvimento da sanidade agropecuária no Brasil nos últimos anos, poucos avanços houve na questão da qualidade de produtos e processos num sentido mais amplo, o que seria crucial para a sustentabilidade da agricultura brasileira. O Brasil deve adotar a qualidade de produtos e

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processos como estratégia de inserção competitiva, ao invés de apenas restringir-se a atuações tópicas em defesa sanitária e à instituição de áreas livres.

O Brasil necessita instituir um marco regulatório consistente, envolvendo legislação, institucionalidade e competências dos entes federativos. Devem ser amplamente difundidas a avaliação de conformidade, a análise de risco da cadeia produtiva e dos processos críticos de defesa agropecuária, adequada rastreabilidade, inspeção fitozoossanitária, certificação de produtos e processos, laboratórios credenciados e sistema de qualidade ambiental.

A criação do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) proporciona maior integração entre os níveis federal, estadual e local, e destes com o setor produtivo. Porém, a implementação do SUASA ainda é incipiente e caminha lentamente. Faltam mecanismos sólidos de integração, execução e tomada de decisões, para realizar políticas consistentes de qualidade de produtos e processos. Devem ser estabelecidos, de forma nítida, limites de competências e responsabilidades entre as instâncias garantindo a atuação convergente dos entes federativos e eliminando distorções e conflitos, assim como definir o apoio aos Estados e Municípios que aderirem ao SUASA, com recursos humanos, materiais e financeiros. Segundo o MAPA os repasses de recursos da União para os entes federados por meio de convênios ficam seriamente prejudicados devido à situação de inadimplência dos entes perante a União, o que impossibilita a realização de transferências voluntárias, conforme previsto na lei de responsabilidade fiscal. É necessário adequar o marco legal, para que essas transferências possam acontecer.

Os Planos Plurianuais de Atenção à Sanidade Agropecuária, quando implementados, deverão constituir referência para elaboração dos PPAs do governo federal e também os planos dos governos estaduais e municipais. Os mesmos estão previstos para serem elaborados a cada 5 anos com revisões anuais. Contudo os mandatos do poder executivo e os PPAs têm duração de 4 anos, tendo sua vigência a partir do segundo ano do mandato do chefe do poder executivo, até o primeiro ano do mandato seguinte. Por isso a duração dos Planos Plurianuais de Sanidade agropecuária devem ser reformulados para que tenham uma duração de 4 anos como os PPAs.

Outra questão premente diz respeito à organização das competências dos órgãos federais, estaduais e o setor privado. É preciso reorganizar as instituições e instâncias específicas de forma a evitar a sobreposição de funções. Dessa forma, quem exerce o poder de polícia não deve ser responsável pela produção de provas laboratoriais. No mesmo sentido, quem aplica a legislação não deve exercer o poder normativo e regulamentar.

O Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento propõe a estruturação de uma agência de defesa da agricultura com a atribuição de gerenciar a certificação da qualidade de produtos e processos, em concepção compatível com os padrões internacionais, dispondo de autonomia operacional, recursos e estruturas adequadas.

Primeiramente, é necessário separar a formulação e a operacionalização das normas de política de qualidade, com a concentração das decisões regulatórias numa única instância

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federal. Além disso, deve-se garantir o espaço para o contraditório, o que somente será factível com a realização das provas laboratoriais por instituições independentes da estrutura que produziu a autuação.

A estrutura pública que exerce o poder de polícia vem sendo financiada por meio da cobrança de taxas que encarecem os produtos e acabam por inibir a adoção generalizada de boas práticas pelos empreendimentos menores. É necessário encontrar formas objetivas de assegurar o financiamento adequado e permanente do processo de estruturação e manutenção das ações de defesa sanitária com recursos orçamentários livres de contingenciamento, de forma a evitar a descontinuidade das ações.

Os regulamentos de defesa sanitária vegetal e defesa sanitária animal datam de 1934 e não mais atendem os objetivos mais amplos de garantia de qualidade dos produtos. Por isso é necessária a revisão e adequação da legislação vigente, mediante apresentação de propostas normativas atualizadas no campo da defesa sanitária vegetal e animal. Nesse sentido, está em andamento o anteprojeto de lei de defesa sanitária vegetal. Também está sendo revisto o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária da Inspeção Animal (RIISPOA), que se encontra na fase final de consolidação das propostas recebidas.

Quanto aos recursos humanos, segundo o MAPA, constata-se um enorme descompasso entre a necessidade do sistema público de qualidade de produtos agropecuários, e os quantitativos e níveis de capacitação dos recursos humanos necessários. Como exemplo, ao longo das últimas três décadas, o crescimento da indústria de abates deu-se num ritmo muito forte, enquanto isso, por 25 anos não houve contratações de veterinários e auxiliares técnicos para a Defesa e Inspeção.– exceto as destinadas à criação do estado de Mato Grosso do Sul - nem sequer para reposição dos inspetores que se aposentaram no período e, quando foram retomadas, se deram em números insuficientes, com problemas para a efetivação no serviço público federal, e sem formação especializada. Quanto á questão da formação cabe ressaltar que a disciplina sanidade agropecuária é tratada marginalmente na graduação desses profissionais, sendo muitas vezes necessário cursar uma especialização no tema. Isso reflete o pouco valor que o governo e a sociedade atribuem a essa dimensão, que se torna cada vez mais relevante no mercado internacional. Recomenda-se revisar a grade curricular dos cursos superiores de agronomia, medicina veterinária, zootecnia e áreas afins para que possam contemplar as disciplinas relativas à sanidade agropecuária em nível satisfatório.

Deve-se ressaltar a importância das funções relacionadas à inteligência epidemiológica e à rede de apoio laboratorial, ambas deficientes atualmente, sem as quais é impossível desenvolver e manter sistemas de vigilância compatíveis com as demandas atuais, pois o Brasil avançou muito na criação de zonas livres de algumas pragas e doenças, porém sem fazer a mudança necessária na gestão e comunicação de risco e sem desenvolver novas ferramentas e indicadores. Daí a necessidade de uma política de construção das redes laboratoriais pública e privada, devendo-se estruturar mecanismos de certificação que permitam a consolidação de rede privada de análise laboratorial, uma vez que não existem recursos orçamentários suficientes para a execução desses serviços pela estrutura

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pública. Também é necessário o desenvolvimento de sistemas de bancos de dados em rede para que os indicadores possam ser acompanhados tempestivamente e com precisão.

O Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento sugere criar, no BNDES, linha de crédito de investimento para estruturação de rede de excelência de serviços laboratoriais privados para a agropecuária. O setor público deve, preferencialmente, promover a modernização da rede laboratorial mantida pelas instituições de pesquisas científicas e tecnológicas e universidades, consistindo em prioridade para o desenvolvimento da agricultura brasileira.

A educação sanitária é estratégica na defesa agropecuária, pois ajuda e construir a responsabilidade coletiva ao longo das cadeias produtivas agropecuárias. A carência de capacidade de gestão das instâncias regionais e locais e de recursos, além das deficiências na educação básica tendem a dificultar ações de educação sanitária, que envolvem, acima de tudo, conscientização. Por isso, novas parcerias com os SENARs e a rede de ensino pública e privada devem ser desenvolvidas para incutir a conscientização dos produtores rurais e consumidores quanto aos aspectos de sanidade agropecuária. Além disso, são necessários recursos adicionais e assistência técnica ao pequeno produtor rural, para que este possa produzir em condições de sanidade e para que não se iniciem focos de pragas e doenças que venham a propagar-se, comprometendo as áreas livres e mesmo toda a produção de uma região.

Apesar do objetivo setorial de garantir a segurança alimentar e do reconhecimento da importância de assegurar a inocuidade dos alimentos e a produtividade da agricultura brasileira, a formulação das políticas de defesa agropecuária visam, primordialmente, atender às exigências dos mercados mundiais a fim de evitar as barreiras não-tarifárias. Algumas práticas como a rastreabilidade (SISBOV), o APPCC e a certificação de propriedades livres ou monitoradas para brucelose e tuberculose permanecem sendo de adesão voluntária, adotadas apenas a fim de atender às exigências dos países importadores, pois tendem a incrementar os custos de produção. Na área vegetal pode-se citar as políticas de instituição de áreas livres da pinta preta dos citros, da cydia pommonella, da mosca da carambola e da mosca das cucurbitáceas que têm como principal função evitar as barreiras impostas pelos países importadores. Por outro lado, será necessário ampliar as atividades de fiscalização, pois essas não possuem abrangência e penetração suficientes em todo o território nacional para garantir um nível de qualidade uniforme dos produtos agropecuários destinados ao consumo interno, além de oferecer assistência técnica e financeira, principalmente aos pequenos produtores.

Por fim, quanto às ações para erradicação da febre aftosa, sabe-se que o Brasil tem extensa fronteira terrestre com 10 países e que há trânsito de animais, pessoas e veículos pela fronteira, e que, para garantir uma área livre é necessário erradicar a aftosa em todo o continente. Muitas ações nesse sentido têm sido empreendidas envolvendo acordos entre países, além de organismos internacionais. Apesar do esforço empreendido e dos resultados positivos apresentados, observa-se que as metas não têm sido alcançadas e que, esporadicamente, surgem focos da doença e eventuais surtos, causando sérios prejuízos às economias dos países envolvidos e exigindo a realização de novas etapas de

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vacinação. Por isso, a meta de erradicação da febre aftosa na região até dezembro de 2009, proposta pelo PHEFA e pelo PAMA não foi atingida. Logo, persistindo a situação atual, não se alcançará a erradicação da febre aftosa e somente se manterá a epidemia ao nível de controle, permanecendo a possibilidade de difusão da doença às zonas livres, na ocorrência de falhas ou deficiências nos sistemas de atenção veterinária. O Brasil, que visa consolidar sua liderança no continente, necessita capitanear ações também em relação à febre aftosa a fim de concluir os mapeamentos de risco, fortalecimento da vigilância sanitária nas fronteiras, harmonização dos requisitos de importação e de controle de trânsito de animais e produtos de origem animal entre os países, e principalmente, auxiliar os países vizinhos no combate à endemia da febre aftosa.

Previdencia social

Um dos principais riscos atribuídos ao RGPS remete ao descontrole do seu déficit financeiro. Alega-se que a viabilidade do Regime será comprometida pela sua natureza de repartição simples (população ativa garante com suas contribuições os benefícios dos inativos) e por motivo das tendências demográficas do Brasil (diminuição da taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida). Haveria assim a necessidade de reformar o sistema, ajustando-o à tendência de ampliação dos benefícios e de redução da base de contribuintes. Nessa linha, as propostas de maior evidência são a instituição de uma idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição e a combinação do modelo de repartição simples com planos complementares baseados em modelos de capitalização (modelo de previdência misto).

Em relação a essa discussão de Déficit da Previdência, entende-se que a concepção constitucional da Previdência Social como um direito social, integrante da Seguridade Social, a afasta da ideia de “seguro”, em que o indivíduo tem um contrato e direitos individuais e, quando ocorre uma contingência, recebe algum benefício de acordo com o que contribuiu. Na Seguridade, são flexibilizados os critérios contributivos, com ênfase nos princípios da solidariedade e da distributividade. A continuidade da redução das desigualdades pressupõe o fortalecimento dessa concepção.

Entretanto, no médio prazo, pode ser debatida a necessidade de uma reforma, de modo a conformar o sistema às transformações demográficas do País. Elas devem ser graduais e com regras de transição que respeitem os direitos adquiridos. Mudanças abruptas não apenas são injustificáveis do ponto de vista demográfico, como podem gerar instabilidade do sistema ao incentivar antecipações de aposentadorias.

De todo modo, considera-se que o enfrentamento do suposto desequilíbrio das contas não se restringe às reformas do sistema, mas exige esforços de aprimoramento da gestão e, especialmente, manutenção do crescimento econômico. Como apontado, a sustentabilidade do sistema previdenciário está relacionada aos ciclos de crescimento econômico e à dinâmica do mercado de trabalho. Foi no cenário favorável dos últimos anos que se conjugaram a evolução da cobertura previdenciária nacional e a redução da necessidade de financiamento do RGPS. Nesse sentido, deve-se procurar a manutenção

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de taxas de crescimento por períodos prolongados que permitam a geração de emprego formal, tarefa que exige participação cada vez mais ativa do setor público.

Apesar da trajetória recente de crescimento registrada pela economia brasileira, aparentemente interrompida de forma apenas momentânea em 2009 pela crise econômica mundial, persistem problemas como o dinamismo relativamente baixo frente ao potencial de expansão e a alta informalidade do mercado de trabalho, o que aponta para a existência de uma grande margem para geração de novos empregos formais e aumento do número de contribuintes que impactariam nas receitas do RGPS.

A questão fundamental é a ampliação da cobertura previdenciária, inclusive relaxando a relação entre o acesso aos benefícios e a capacidade de pagamento. Nesse sentido, reitera-se a importância das medidas de flexibilização do RGPS que busquem formalizar trabalhadores e aumentar o número de contribuintes do sistema. Cabe, portanto, aprimorar iniciativas como o Plano Simplificado de Previdência Social e o Empreendedor Individual. Como observado no tópico "Indicadores", o número de contribuintes individuais para o RPGS em 2007 era da ordem de 5,4 milhões, menos de 50% do total de pessoas com o perfil de empreendedor individual (11,1 milhões) apontado pela PNAD 2007. Conforme dados do Ministério do  Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Programa do Microempreendedor Individual, que vigora desde julho de 2009, havia formalizado até setembro mais de 50 mil trabalhadores nos estados em que já estava operando: Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e no Distrito Federal.

No que tange à gestão do RGPS, a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social, vale destacar que nos últimos quatro anos ocorreram mudanças relevantes para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população. A principal foi a unificação das atividades de administração previdenciária, tributária e aduaneira, com a criação da Receita Federal do Brasil (RFB), aumentando a eficácia da fiscalização e facilitando a recuperação de débitos. Isto permitiu ao INSS focar seus esforços na melhoria da qualidade do atendimento e dos serviços prestados, deixando de lado a função arrecadadora.

Ademais, algumas medidas foram adotadas para facilitar o acesso do usuário, principalmente em relação aos canais remotos de atendimento, fortalecendo o uso da internet e do agendamento do atendimento através do telefone. Entretanto, mesmo com os esforços concentrados do INSS, o gargalo do atendimento persiste, causando transtornos para os usuários do sistema. As filas que ocorriam, até mesmo antes da abertura das agências, diminuíram, mas surgiu o fenômeno da fila virtual, ou seja, o usuário faz o agendamento do atendimento pelo telefone, mas precisa esperar um tempo excessivo para que atendimento efetivo ocorra. Muitos dos serviços oferecidos têm prazo superior a 30 dias entre o agendamento e o atendimento, causando atrasos na concessão dos benefícios.

Vale destacar que, além de garantir serviços de maior qualidade à sociedade, a continuidade dos esforços de aprimoramento da gestão previdenciária também beneficiará a arrecadação do sistema.

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Controle do desmatamento

Numa primeira análise, e a exemplo do que ocorre em outras regiões do mundo, o desmatamento no Brasil, em especial no Cerrado e na Amazônia, é resultante de complexo processo que tem como causas mais relevantes a necessidade de ocupação territorial, o crescimento demográfico, a implementação de grandes obras de infraestrutura e a expansão das fronteiras destinadas à pecuária e à agricultura. Há de se destacar também, em relação ao agronegócio, a atuação das forças do mercado, que conduzem a busca de oportunidades para as regiões onde os fatores de produção têm menor custo.

Assim, muitas das intervenções que contribuíram para o desmatamento foram provenientes da implementação de iniciativas públicas de diferentes matizes, dentre as quais se destacam a política e o crédito agrícola, a política de transportes e a energética. Observa-se também que grande parte do desmatamento deriva de demandas externas à região desmatada, e não raras intervenções visam ao atendimento de mercados distantes do centro da efetiva extração ou produção, sem mudança significativa na qualidade de vida da população local, em especial dos pequenos produtores do meio rural. E, em relação à agropecuária, embora essa parcela de produtores tenha papel importante no desmatamento, geralmente são os grandes proprietários que acabam assumindo o controle do processo, fato que está na raiz dos conflitos agrários na Região Norte do país.

Soluções duradouras que levem à diminuição do desmatamento devem ser estruturadas a partir das potencialidades regionais e das necessidades da população local, mas com a pujante inserção de inovações tecnológicas que possibilitem a melhoria da qualidade da educação, a produção sustentável da riqueza e o acesso a mercados cada vez mais exigentes quanto aos aspectos socioambientais. Trata-se, de certa forma, de inversão de ordem no nosso histórico processo de desenvolvimento, ou seja, a educação e inovação tecnológica devem ser necessariamente priorizadas e consideradas vetores para um novo modelo de desenvolvimento, requerido por uma região com características únicas e exigências diferenciadas, como é o caso da Amazônia.

Historicamente, a inserção econômica do país no mundo deu-se sob a lógica da exploração dos seus recursos naturais (madeiras, minérios, terras para a produção agropecuária), envolvendo escasso conteúdo tecnológico, fato que muitas vezes colocou o Brasil em situação vulnerável sob os aspectos econômicos, sociais e, mais recentemente, ambientais. Por esse caminho, a competitividade de boa parte dos nossos produtos no mercado internacional esteve – e ainda está - sustentada ora pela precarização das relações e condições de trabalho, ora pela exploração predatória dos recursos naturais, ora por ambos. Associa-se a esse quadro a divisão regional interna, onde as regiões Sudeste e Sul passaram a  desempenhar, a partir do processo de industrialização iniciado nas primeiras décadas do século passado, o papel de "locomotiva" da economia nacional, gerando produtos de maior valor agregado, cabendo principalmente ao Norte e ao Centro-Oeste a função de produtoras de insumos para abastecer as primeiras e, atualmente, a outros lugares do mundo.

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Esse modelo de desenvolvimento mostra-se incompatível em especial para a Amazônia, uma vez que a exploração predatória dos seus recursos é insustentável ao longo do tempo. Há de se considerar também que residem, nessa região, cerca de 25 milhões de pessoas e, ao persistir nessa trajetória, com a sua inevitável busca de culpados e diante de complexo emaranhado de normas ambientais que impõe sérias restrições ao uso da terra, o que se consegue é o acirramento dos ânimos e o contínuo direcionamento de parte crescente e significativa da produção regional à situação de ilegalidade.

Torna-se necessário, em última análise, romper com esse modelo e propor novos caminhos, que impulsionem a Amazônia Legal e o Cerrado em direção a uma nova era de desenvolvimento sustentável. Parte-se do princípio que a adoção de políticas públicas deve ter como principais diretrizes o planejamento estratégico para ocupação e uso dos espaços territoriais, a incorporação de tecnologias, a introdução de estímulos positivos que visem à preservação ambiental e a geração local de renda e emprego. Além dessas, detectou-se que muitos estudos sobre o desmatamento, em especial da Amazônia, apresentam-se contaminados por posições ideológicas, e o resultado que se deseja é obtido a partir de um corte e seleção de elementos que satisfaçam determinadas condições de contorno cujo propósito é meramente a ratificação quantitativa e qualitativa da tese inicial. Assim sendo, a qualidade e a transparência da informação são os pilares para a sustentabilidade de qualquer política pública ou iniciativa governamental para essas regiões.

A partir dessas considerações, apresenta-se, sem a intenção de esgotar o assunto, o seguinte conjunto de iniciativas capazes de inibir o desmatamento, em especial na Amazônia Legal e no Cerrado, e, ao mesmo tempo, de promover o desenvolvimento sustentável dessas regiões:

1. Ampliação e fortalecimento da Rede Amazônica de C, T & I, integrando diversas entidades públicas e privadas, sob a coordenação da Embrapa, que vise à identificação das potencialidades regionais para a produção florestal, pesqueira, química, farmacêutica e energética, esta última por intermédio também da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, e possibilite melhor aproveitamento das riquezas, com geração local de emprego e renda;

2. Modernização e ampliação da infraestrutura de portos e aeroportos da região, em especial naquelas cidades-polo já identificadas no Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento. Com esse propósito, propõe-se a criação de linhas de financiamento e a disponibilização de recursos públicos para a aquisição de modernas embarcações para transporte hidroviário de pessoas e carga, construção e modernização de portos e aeroportos e implementação de iniciativas que visem à melhoria da navegabilidade dos rios. Idêntica priorização deve ser dada ao modal ferroviário, em especial no Cerrado. Essas medidas objetivam reduzir a pressão sobre o transporte rodoviário, aproveitar a riqueza do modal hidroviário e criar alternativas para o escoamento da produção regional;

3. Implantação da “Amazônia Digital”, mediante a disponibilização de rede de telecomunicações que permita o acesso à banda larga a uma velocidade compatível para a

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geração e disseminação do conhecimento, em especial quanto à educação a distância e à telemedicina, e que conduza a vigoroso processo de inclusão digital que traga também como consequência a redução da necessidade de deslocamento de pessoas;

4. Mudanças na política de crédito rural, por meio da criação de incentivos creditícios que culminem com a disseminação do conceito de eficiência agropecuária, que integre o critério produtividade, privilegiando o aumento quantitativo do numerador na equação produção/área, sem que haja aumento do denominador, não só para as condições de financiamento como para a própria concessão do crédito rural. Tal condição pode ser caracterizada pela contenção da área desmatada, pelo reaproveitamento daquelas degradadas e pelo incentivo à produtividade;

5. Implementação de um inovador Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Amazônia Legal, que incorpore a educação ambiental, incluindo o manejo florestal, e o planejamento familiar ao seu conteúdo, e tenha como diretriz o aproveitamento sustentável das riquezas regionais;

6. Levantamento e implantação, inclusive mediante apoio financeiro, de projetos que incrementem o desenvolvimento de atividades rurais que não gerem desmatamento, tais como o ecoturismo, a pesca e aquicultura, a produção extrativa sustentável e o artesanato;

7. Implementação do Plano Nacional de Eficiência Energética – PNEf, seguramente um instrumento capaz de mobilizar a sociedade para a importância da conservação da energia e reduzir, mesmo que parcialmente, a demanda por energia, reconhecidamente fator de ocupação efetiva ou potencial dessas regiões, seja por meio da expansão das áreas destinadas à cana-de-açúcar para a produção de etanol ou soja para biodiesel;

8. Padronização e divulgação da marca “Amazônia”, identificação que caracterize um processo de produção sustentável cuja rastreabilidade seja assegurada por mecanismos confiáveis;

9. Modernização do Sistema de Mapeamento da Degradação Florestal na Amazônia Brasileira - DEGRAD, a cargo do INPE, de tal forma que o monitoramento das áreas degradadas possa fornecer elementos para a definição de políticas públicas, concessão de crédito rural e a elaboração do ZEE- Amazônia e do zoneamento de risco climático – ZARC. 

10.  O setor madeireiro deve ser reconhecido como vital para a economia da Amazônia e é um importante gerador de renda e emprego. Contudo, para ser explorado de forma sustentável, técnicas como o Plano de Manejo Florestal precisam contar com mais recursos e melhores condições de financiamento, e medidas que visem ao ordenamento territorial, dentre elas o Zoneamento Ecológico-Econômico, precisam ser incentivadas pelo Governo Federal e transformadas em instrumentos que norteiem a implementação de políticas públicas; 

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11. No que diz respeito à produção de indicadores é importante qualificar e integrar o Sistema Nacional de Informações Florestais do Serviço Florestal Brasileiro – SFB/MMA, que envolve a elaboração de inventário florestal em todos os biomas, geração de estatísticas sobre as principais cadeias produtivas do setor de base florestal, construção de índice de preços para produtos florestais com a elaboração das Contas Florestais no âmbito do Sistema de Contas Nacionais – SCN, coordenado pelo IBGE e tendo como base o Sistema Integrado de Contas Econômico Ambientais - SICEA das Nações Unidas. No caso da cobertura florestal, é importante dar continuidade às estimativas realizadas em 2004 para todos os biomas de modo a construir uma série estatística com metodologias padronizadas.

12.  Técnicas modernas de irrigação e drenagem podem levar ao melhor uso da água e aumentar a produtividade das áreas já cultivadas no Brasil. Isto traria como consequência o aumento da oferta de alimentos e contribuiria para a redução do desmatamento.  Assim, a irrigação, utilizando tecnologias de ponta, precisa ser considerada nas políticas públicas como um dos vetores para a redução do desmatamento, uma vez que a maior parte do potencial brasileiro de expansão sustentável da agricultura irrigada encontra-se nas Regiões Norte (13 milhões de hectares) e Centro-Oeste (7 milhões de hectares), de acordo com dados do Documento de Referência Temática - DRT Irrigação.

13. Pesquisas em tecnologias e processos que aumentem a produtividade da pecuária sem necessidade de desmatamento de novas áreas. A exemplo do trabalho da EMBRAPA - link - em que em determinadas propriedades no estado do Acre conseguiram aumentar a média de lotação do pasto. Enquanto no Brasil a média de lotação do pasto é de aproximadamente uma cabeça por hectare, nessas propriedades chega a 2,9.

Assistencia Social

O tema Assistência Social sofre de um forte estigma, pois historicamente sempre esteve associado à filantropia.

A confusão em torno do tema assistência social pode estar relacionada à sua vinculação ao problema da pobreza, como expressa SPOSATI (2007): "é este o campo das culpas, das vítimas e sofredores, dos coitados e dos não cidadãos. Somente quando a pobreza for criminalizada, isto é, quando seus causadores forem apontados, talvez se possa romper com o moralismo milenar que cerca a questão. A condição de ser pobre não gera direitos. É a condição de ser cidadão que os gera. Por consequência, enquanto for atribuída a responsabilidade da assistência social ao trato do pobre, ela não será uma política de direito de cidadania”.

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Muitas vezes, entende-se que as ações de assistência transmutam-se para o campo da ordem moral e emergencial, direcionado a carentes, sem qualquer relação ou menção a direitos ou deveres. Parte deste estigma provém do fato de que o Brasil ainda carrega as marcas da nossa cultura política, caracterizada por ações clientelistas, filantrópicas e caritativas.

O ponto crucial na área de assistência, portanto, é torná-la uma política de direitos, compartilhada entre entes federados e sociedade civil; um dever do Estado para a promoção da cidadania. No tripé da seguridade social, ainda há grande lacuna na efetivação da assistência, mesmo com os avanços dos últimos anos com a PNAS e o SUAS. Alterar este quadro supõe reconhecer as demandas que se colocam para a área, sobretudo em função da conjugação de velhos e novos riscos (pobreza, desigualdade, emergência de formas precárias de trabalho, estigmatização, mudanças demográficas e na constituição da família, ciclos de vida, exclusão socioterritorial etc.).

Algumas das questões centrais para a assistência são: como estruturar a área para que ela responda a estas situações respeitando as diferenças e combatendo as desigualdades expressas no território? Como superar uma visão meramente negativa em torno dos beneficiários da política, de modo que suas ações possam viabilizar aquisições e potencializar vínculos comunitários, familiares e de cidadania?

Neste contexto, ganham relevo as funções que podem ser desempenhadas pelos CRAS, dada a sua localização em áreas de maior vulnerabilidade. Entende-se usualmente, por exemplo, que os agentes do CRAS poderiam funcionar como “fiscais” do cumprimento das condicionalidades do Bolsa Família. É preciso rechaçar essa versão estreita dos equipamentos de assistência, que vai na direção oposta aos desafios expostos no parágrafo acima.

O aspecto mais relevante na associação entre CRAS e Bolsa Família é transformar a posse de um cartão em uma porta de entrada para a cidadania, conforme já dito, desenvolvendo potencialidades dos beneficiários e novas aquisições.

Outro ponto central na assistência social é seu papel num cenário de envelhecimento populacional no Brasil. Tal quadro exige transformações no sistema de seguridade social brasileiro e a previsão de novos serviços, como os de formação e disponibilização de cuidadores públicos. 

Por fim, deve-se assinalar que os objetivos mencionados pressupõem o fortalecimento da primazia do Estado na formulação e execução da política de assistência social (por exemplo, de gestão de recursos humanos e dos equipamentos como CRAS, CREAS, centros de convivência, rede de acolhimento, etc.), pois, como afirma Boschetti (2000), "o direito só pode ser reconhecido no âmbito do Estado”. O que não significa desconhecer o papel que deve ser desempenhado pelas entidades privadas sem fins lucrativos e pelos conselhos de assistência social.

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Agricultura irrigada

O desenvolvimento da agricultura irrigada, por envolver aspectos estruturais, políticos e sociais, possui barreiras de execução que precisam ser abordadas, tais como:

1. Conflito pelo uso da água – Como a agricultura irrigada é uma atividade de uso intensivo de recursos hídricos e sua prática é concorrente com outros usos, como o consumo humano e a geração de energia. Esse conflito pode ser considerado um dos principais riscos ao desenvolvimento da agricultura irrigada, caso não seja adotada uma estratégia coordenada de ações com os demais setores. A solução para eventuais conflitos pode se dar pela efetiva aplicação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos, previstos na Lei 9.433/97, e pelo adequado tratamento das questões relacionadas a projetos de irrigação, como a eficiência no uso da água. A identificação criteriosa das zonas com potencial de conflito e o planejamento da utilização dos recursos hídricos são atividades fundamentais para mitigação desse risco.

2. Lacuna de coordenação da implementação da política de irrigação – Constatou-se a carência de coordenação das ações de governo (entre as suas esferas) e entre os setores público e privado. Essa carência torna frágil a intervenção institucional frente à agricultura irrigada, em virtude da grande quantidade de atores envolvidos com o tema: Ministério da Integração Nacional; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; EMBRAPA; CODEVASF; DNOCS; ANA; Ministério do Meio Ambiente; além dos órgãos das outras esferas. A pulverização dos atores evidencia a importância da coordenação das ações de governo, exigindo uma atuação sistemática do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em particular da SPI, no âmbito do tema.

3. Foco restrito da política de irrigação – Estima-se que da área irrigada no Brasil, apenas 6,5% correspondam a áreas inseridas em perímetros públicos de irrigação, no entanto são essas intervenções que concentram a aplicação de recursos públicos destinados ao desenvolvimento da agricultura irrigada. As análises realizadas no presente documento demonstram a necessidade de ampliação de foco das atuais políticas públicas, de forma a incluir iniciativas que estimulem uma participação ainda maior do setor privado, buscando não somente o desenvolvimento regional, mas também a ampliação da produção de alimentos em regiões potenciais.

4. Custo da energia elétrica – A energia elétrica aparece como um dos componentes de alto custo da agricultura irrigada, o que sugere articulação com os atores do setor elétrico para encaminhamento de soluções que envolvem o desenvolvimento da agricultura irrigada. Os fatores que contribuem para o alto custo da energia são: horário/período de fornecimento com tarifas mais baixas restrito e incompatível com algumas culturas (exemplo: mamão); deficiência na aplicação de tecnologias de eficiência energética aos sistemas de irrigação e o manejo ineficiente do sistema de irrigação.

5. Crédito e incentivos financeiros não adaptados à agricultura irrigada – A inexistência de linhas de crédito adequadas aos prazos de maturação dos projetos da agricultura irrigada provoca restrições ao desenvolvimento do setor. Da mesma forma, o

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seguro rural não é adaptado à agricultura irrigada, fazendo-se necessário o desenvolvimento de instrumentos específicos de seguro e crédito.

6. Dificuldade de acesso à tecnologia – O acesso limitado ao conhecimento de práticas de irrigação apresenta-se como elemento restritivo no desenvolvimento da agricultura irrigada. A baixa oferta de cursos direcionados às técnicas de irrigação e a inexistência de assistência técnica em alguns estados, ou sua oferta deficiente em outros, contribuem para uma utilização ineficiente das técnicas e sistemas de irrigação existentes. O desenvolvimento de ações que promovam a disseminação da pesquisa e da tecnologia, especialmente ao pequeno produtor, pode contribuir diretamente para o aumento da eficiência nas áreas irrigadas.

Igualdade Racial

Se, por um lado, a democracia racial é um mito num país como o Brasil, atravessado por desigualdades de cor/raça significativas, por outro, deve servir como o mais elevado dos desafios das políticas da área. Combater o racismo, a discriminação e o preconceito é pré-condição para alterar o quadro que hierarquiza brancos e negros e para perseguir uma igualdade baseada no reconhecimento das diferenças.

É preciso construir consensos em torno da questão racial, dando legitimidade às políticas públicas da área, o que pressupõe desconstruir a tese racial expressa paradigmaticamente por Gilberto Freyre (mas iniciada no século XIX). Para o autor pernambucano, nas fazendas de engenho do Brasil oitocentista praticava-se uma escravidão dócil, que conferia aos negros condições incomparavelmente melhores do que tinham, por exemplo, os operários ingleses.

A importância desse debate reside no fato de que, sob tal perspectiva histórica, nega-se a constituição de uma ordem moderna estruturada, entre outros, por mecanismos que distribuem status e prestígio diferenciados por grupos de cor/raça, afirmando-se, por conseguinte, o poder da miscigenação na formação social brasileira.

O reconhecimento acima referido é central para a tese de que a distribuição de posições sociais compreende mecanismos como o preconceito, a discriminação e o racismo, de forma que as desigualdades têm determinantes de classe, mas também de cor/raça no Brasil, o que radica no regime escravista que perdurou por séculos, responsável pela importação da África de contigente expressivo de negros para o Brasil, mas também na forma como estes se integraram à sociedade moderna.

Repetindo, é decisivo construir um patamar mais efetivo de legitimidade das ações de igualdade racial, pautadas na questão do reconhecimento entre cidadãos e grupos (do ponto de vista da questão racial, só realizável a partir da afirmação das diferenças e da abertura de canais sociais para sua expressão) e de sua igualdade, com relação às oportunidades, aos direitos e ao status.      

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Nesse sentido, não se pode confundir a universalização de direitos com políticas universais. Estas têm cumprido papel central na promoção da cidadania (estabelecendo, por exemplo, o direito à saúde e ao ensino fundamental para todos), mas devem ser complementadas por ações que cumpram os objetivos acima postos. A expressão maior do fato de que é preciso assegurar a legitimidade de políticas de promoção da igualdade racial é que as políticas afirmativas (entendidas como promotoras das vantagens àqueles que são discriminados) já são largamente utilizadas no Brasil para outros grupos (mulheres, pessoas com deficiência etc.), sem haver maiores contestações. 

Por fim, a desnaturalização dos mecanismos que transformam diferenças em desigualdades no campo racial deve estar baseada no combate às formas concretas sob as quais aqueles aparecem. De forma que não se pode apenas trabalhar com a categoria raça (socialmente construída), estendendo-a às experiências específicas, como o racismo institucional nas mais diversas instâncias, a exemplo da justiça e da polícia; a combinação de sexismo e racismo, que afeta as mulheres negras; as condições precárias associadas ao trabalho doméstico, que responde por 20% das ocupações das mulheres negras, e é marcado pela herança colonial e patriarcal; a violência que acomete a juventude negra, sobretudo aquela que habita espaços urbanos precários.

Vale assinalar que os instrumentos de política pública voltados a tais situações não são voltados imediatamente ao combate à pobreza, embora guardem relações importantes com esse objetivo. As ações afirmativas são desenhadas, sobretudo, para combater discriminações e para diversificar social e racialmente posições e lugares no sistema educacional, nas vagas de trabalho, nas elites burocráticas, políticas, intelectuais etc.     

Protecao a Crianca e ao Adolescente

Entre as críticas que se faz à implementação dos direitos da criança e do adolescente sob a doutrina da proteção integral, estão: o foco na proteção especial, a dificuldade da integralidade e intersetorialidade das políticas públicas afetas ao tema e a não efetivação das determinações do ECA.

O ECA trata da proteção integral a crianças e adolescentes, no entanto, os planos nacionais específicos para o segmento, elaborados para responder às determinações do Estatuto, estão voltados para a proteção especial. Falta a constituição de uma política nacional integral, que agregue as vertentes da promoção, prevenção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Os eixos da promoção e prevenção dos direitos estão diluídos em políticas e planos setoriais, como na política nacional de educação, de saúde, de assistência social, entre outras. Isso significa que a política de direitos da criança e do adolescente está fragmentada pelas políticas e planos nacionais setoriais e planos específicos com ênfase na proteção especial. Nesse sentido, o CONANDA e a SPDCA/SEDH propuseram a instituição de um grupo de trabalho interministerial que, a partir das deliberações da VIII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros materiais, deverá elaborar a Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e seu Plano Decenal[3] , sob a perspectiva da proteção integral.

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Para que se implemente de fato a proteção integral, faz-se necessária a integração das políticas públicas, ou seja, pensando no desenvolvimento do ser, mote do ECA, as políticas públicas que afetam crianças e adolescentes devem ser implementadas de forma intersetorial. Entre as tentativas de articular políticas públicas está a Agenda Social Criança e Adolescente.

Lançada em 2007, a Agenda Social Criança e Adolescente tem por objetivo reduzir a violência contra crianças e adolescentes, por meio de três linhas de ação voltadas para a convivência familiar e comunitária (Caminho para casa), a implementação do SINASE (Na medida certa) e enfrentamento da violência sexual e outras violências (Bem me quer). Entre as diretrizes da Agenda está a gestão integrada, com a criação de instrumentos de monitoramento e avaliação, bem como o intercâmbio de experiências e promoção de transferência em tecnologias sociais. Para a gestão integrada da Agenda, foi constituído um comitê interministerial. Há que se ter cuidado, no entanto, para que as ações não sejam executadas setorialmente, transformando o Comitê num mero espaço de apresentação das realizações de cada setor ali representado.

Apesar das significativas conquistas no campo jurídico e político-conceitual com o advento do ECA, a proteção integral a crianças e adolescentes e a efetivação de seus direitos ainda não são uma realidade. As acentuadas desigualdades sociais e o desafio de incorporação de novos paradigmas igualitários fazem com que persista um padrão de desrespeito aos mais elementares direitos humanos de crianças e adolescentes.

Nesse sentido, são fundamentais a apropriação dos valores e a implementação dos parâmetros constitucionais e legais, que afirmam as crianças e adolescentes como verdadeiros sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento e com absoluta prioridade. A questão central é o debate em torno das lacunas do sistema de proteção social brasileiro para a realização das diversas dimensões associadas aos direitos da criança e do adolescente. Em outros termos, a construção da Política Nacional deve se pautar pela indicação dos gargalos do Estado brasileiro no que se refere a equipamentos e serviços voltados ao segmento em questão, incluindo os mecanismos de exigibilidade dos direitos, a articulação federativa, a prevenção contra riscos, entre outros.

Uma das principais lacunas que se pode observar diz respeito ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente que, apesar de bem desenhado, contemplando mecanismos de promoção e de exigibilidade de direitos, ainda é frágil e necessita ser fortalecido de forma a garantir a realização plena dos direitos de crianças e adolescentes, em especial àqueles com direitos já violados (abrigados, vítimas de exploração sexual, em situação de trabalho, em conflito com a lei etc).

Politica Industrial

O quadro de transformações recentes na estrutura produtiva da indústria merece atenção, na medida em que se observa possível tendência à especialização no processamento de commodities, enquanto a expansão da participação relativa de setores mais intensivos em

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tecnologia parece estar estagnada. De modo geral, isso pode ser constatado pelo aumento da participação relativa da indústria extrativa, quando comparada à indústria de transformação. Ademais, a análise pode ser refinada quando se observa a indústria de transformação.

Os dados da PIA 2007 (ver o tópico “Indicadores”) sugerem tendência de ganho de participação e consequente especialização da indústria em setores intensivos em recursos naturais. Em 2007, dos cinco principais setores que respondiam por 57,3% do valor da produção industrial, três estão diretamente associados ao processamento de recursos naturais - fabricação de produtos alimentícios e bebidas (15,34%), fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool e metalúrgica básica (7,9%) – ao passo que dois produzem bens de maior valor agregado – fabricação de produtos químicos (10,3%), fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias (8,5%). Ademais, os maiores ganhos de participação entre 1998 e 2007 foram de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool, que se ampliou consideravelmente (de 6,4% em 1998 para 15,3% em 2007) e metalurgia básica (5,6% para 7,9%).

Contrariamente, setores mais intensivos em ciência e tecnologia permanecem com reduzido peso na estrutura produtiva brasileira e, em geral, apresentaram trajetória de estagnação entre 1998 e 2007. Podem-se citar os casos de: fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática (0,56% em 1998 e 0,64% em 2007); fabricação de outros equipamentos de transporte, categoria que integra a indústria aeronáutica (1,2% em 1998 e 2% em 2007); fabricação de instrumentos médicos de ótica e precisão (0,9% em 1998 e 0,8% em 2007) e fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações (2,8% em 1998 e 1,8% em 2007). Além disso, verifica-se no setor de fabricação de produtos químicos, categoria de grande porte da matriz industrial brasileira, onde se enquadram setores tecnologicamente intensivos, como a produção farmacêutica, que registrou entre 1998 e 2007 uma das maiores quedas de participação (passou de 12,7% para 10,3%).[2]

Esses dados reforçam a constatação de possível contradição na PDP. Como aponta Mansueto (2009), países que adotam uma política industrial têm como objetivo fomentar o desenvolvimento de novos setores e criar vantagens comparativas. Entretanto os instrumentos brasileiros parecem privilegiar setores em que o País já é competitivo e para os quais não seria necessária política industrial.

A Política tem como objetivo o aumento da competitividade sistêmica de todo o setor produtivo nacional, portanto, é estruturalmente abrangente. Procura lidar com os gargalos e oportunidades de diversos sistemas produtivos e das empresas. Essa concepção é positiva, considerando a diversificação historicamente alcançada pela indústria brasileira, o peso dos empregos industriais e as diversas potencialidades do País associadas à grandeza do seu território e população. Ademais, está alinhada com alguns imperativos globais favoráveis, como é o caso da demografia brasileira. Como aponta o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, a dinâmica produtiva industrial e terciária será beneficiada pelo crescimento demográfico global e nacional, aliada à maior proporção da

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população na idade ativa no conjunto total da população brasileira. Maior demanda de bens e serviços de consumo e disponibilidade de mão-de-obra para atender ao crescimento industrial induzido pelo aumento da demanda.

Entretanto a concepção da política industrial brasileira parece pouco pragmática, ao considerar a relativa escassez de recursos disponíveis para a oferta de instrumentos de fomento ao setor industrial, quando comparada à magnitude da demanda dos diversos setores, a qual a política se propõe a atender. Nesse contexto, uma abordagem mais focalizada (como a da própria PITCE) poderia ser mais efetiva. Pela sua grande abrangência, o sucesso da PDP torna-se relativamente mais dependente da revisão de paradigmas da própria política econômica, de modo a incorporar em seus principais instrumentos (políticas monetária, fiscal, cambial) os objetivos de política industrial.

Alguns avanços nesse sentido já estão sendo percebidos, como a adoção de medidas anticíclicas no período da crise internacional, a redução considerável das taxas de juros, que, mesmo distantes, começam a se aproximar dos patamares internacionais, e a recente medida de tributação da entrada de capital estrangeiro, com o objetivo de garantir maior estabilidade do câmbio. Há, porém, longo caminho a ser percorrido para sinalizar condições macroeconômicas estáveis e propícias ao desenvolvimento industrial. Vale destacar que em um cenário de maximização do lucro de curto prazo, os investimentos são interrompidos, os gastos em inovação são descontínuos e não se consolida uma visão de futuro coordenada entre o setor público e o setor privado, que permita o direcionamento conjunto do desenvolvimento do setor industrial, necessário para o sucesso da política industrial.

A coordenação é um elemento crítico da política industrial, sobretudo em função do seu risco natural de captura por setores específicos. Nesse sentido, são percebidas fragilidades na PDP na exigência de contrapartidas do setor produtivo. Pode-se citar a dificuldade do Governo negociar a manutenção de empregos após a desoneração de setores específicos, como foi o caso das demissões ocorridas na indústria automobilística, logo após a primeira isenção do IPI. Vale destacar que não existem critérios claros na PDP que apontem as situações nas quais os incentivos para setores específicos serão interrompidos, o que reduz a eficácia dos instrumentos e atrapalha a correção de imperfeições. O problema de coordenação também se reflete na baixa hierarquia da ABDI, órgão-chave da execução da política. Trata-se de uma organização privada, mas com a missão de articular políticas de governo, sendo constantes às dificuldades na coordenação e mobilização dos atores envolvidos na PDP.

A crise financeira internacional também impôs grande desafio à PDP. Como apontado no tópico “Indicadores”, foram grandes os impactos sobre os níveis de atividade, os investimentos, o funcionamento do mercado de trabalho e o desempenho externo da indústria, o que naturalmente tende a dificultar o alcance das suas metas. Apesar disso, relativamente à maioria das economias mundiais, o cenário pós-crise parece apontar para uma mais rápida recuperação do setor industrial. Neste contexto, é importante ressaltar também o papel desempenhado pelo BNDES na prevenção do agravamento desta crise nos segmentos industriais mais dinâmicos, que compensou a redução da

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poupança externa com a ampliação de suas linhas de financiamento.  Do ponto de vista estrutural, no entanto, a crise pode provocar o fechamento de mercados e a intensificação de políticas industriais protecionistas no cenário internacional, um grande risco para o desempenho externo da indústria brasileira.

Ao mesmo tempo, verifica-se outro risco em virtude do aumento da competitividade internacional de indústrias manufatureiras concorrentes, como as da China, Índia e Coreia, impulsionadas por políticas industriais focadas no desenvolvimento tecnológico e inovação e na internacionalização de empresas. Como aponta o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, o deslocamento do dinamismo econômico global para a Ásia e as disponibilidades de fatores naturais do Brasil abrem janelas de oportunidades para o País ser uma grande plataforma de produção de produtos agrícolas e da indústria extrativa. As oportunidades, porém, podem representar uma ameaça para o desenvolvimento da indústria de transformação. Essa ameaça exige maior esforço na condução da política industrial em fomentar setores estratégicos do ponto de vista da inovação.

[1] A OCDE aponta quatro faixas de atividades que compõem a classificação por intensidade tecnológica da indústria de transformação: Alta (Aeronáutica e aeroespacial, Farmacêutica, Material de escritório e e informática, Equipamentos de rádio, TV e comunicação, Instrumentos médicos de ótica e precisão); Média-alta (Máquinas e equipamentos elétricos, Veículos automotores, reboques e semirreboques, Produtos químicos, exclusive farmacêuticos, Equipamentos para ferrovia e material de transporte, Máquinas e equipamentos mecânicos) , Média-baixa (Construção e reparação naval, Borracha e produtos plásticos, Produtos de petróleo refinado e outros combustíveis, Outros produtos minerais não-metálicos e Produtos metálicos); Baixa (Produtos manufaturados e bens reciclados, Madeira e seus produtos, papel e celulose, Alimentos, bebidas e tabaco, Têxteis, couro e calçados).

[2] Mesmo com essa redução na participação relativa, cabe aclarar que, em termos absolutos, os volumes totais de produção dos setores mais intensivos em tecnologia têm aumentado, porém, em proporção menor que dos setores intensivos em recursos naturais.

Agricultura Familiar

A agricultura familiar é um setor que vem ganhando espaço na agenda política desde o final dos anos 90, mais fortemente nos últimos anos. A constatação, com base em dados estatísticos oficiais, de que advém desse setor a maior parte dos alimentos produzidos no país contribuiu para esse processo. A começar pelo Pronaf, instituído em 1995, uma série de políticas tem sido criada com o objetivo de atender aos públicos específicos do setor. Assim, o Ministério do Desenvolvimento Agrário tem buscado criar e fortalecer mecanismos como o seguro agrícola e o crédito e, nos últimos anos, tem inovado ao estabelecer linhas específicas para grupos como mulheres e jovens e para regiões de maior vulnerabilidade.

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Mesmo com todos os avanços nas políticas voltadas à agricultura familiar, persistem desafios. Primeiro, viu-se que o Estado não consegue atingir a universalidade da agricultura familiar brasileira, profundamente caracterizada pela heterogeneidade com que se apresenta no território, especialmente no caso do Nordeste. Nessa região, a agricultura familiar remete a condições de extrema pobreza, de não inserção no mercado e, consequentemente, de não geração de excedentes, razão pela qual os esforços desenvolvidos nos últimos anos, com programas de compra de alimentos, de expansão do crédito, de seguro da agricultura familiar, de garantia de preços, entre outros, devem se aprofundar e fortalecer para chegar aos mais pobres e menos desenvolvidos.

Alguns estudos (Guanziroli, 2006; Corrêa, 2007) mostram que, por mais que se tenha conseguido aumentar significativamente a oferta de crédito, nos últimos anos, os principais tomadores, concentrados na região Sul do país, são aqueles que se encontram em melhor situação: são mais integrados ao mercado, mais consolidados e possuem, portanto, melhores condições de fazer frente aos financiamentos. Por outro lado, uma agricultura familiar desenvolvida requer políticas mais efetivas de distribuição de terra, combinada com programas capazes de conferir sustentabilidade aos assentamentos, como as de agroindústrias.

Outro ponto crucial para o desenvolvimento da agricultura familiar é a questão da assistência técnica. Os dados do último Censo Agropecuário mostram que, para o conjunto de estabelecimentos com até 500 ha, pouco mais de 20% recebeu orientação técnica, ao passo que, do grupo de estabelecimentos com 500 ha 6 até mais de 2.500 ha, 60% recebeu orientação, o que demonstra que quem mais acessa esse tipo de serviço é justamente o grande produtor. O pequeno produtor demanda tais serviços para que trabalhe, por exemplo, com sementes e solo adequados.  A nova lei de Ater, sancionada em janeiro de 2010, objetiva criar condições para a expansão da oferta de assistência técnica, ao permitir a contratação por meio de chamadas públicas, de forma mais ágil e tempestiva do que os contratos de repasse e convênios. A assistência técnica e o extensionismo rural são decisivos para a expansão da produtividade da agricultura familiar, constituindo os canais pelos quais chegam aos produtores os inventos tecnológicos gerados pela EMBRAPA, escolas agrícolas etc.  

A rigor, as políticas de apoio ao agricultor devem se combinar para atuar nas diversas fases da cadeia produtiva, envolvendo não apenas assistência técnica mas também apoio à comercialização, organização dos produtores e dos mercados e resguardo contra riscos econômicos e naturais.  

Fortalecer a agricultura familiar significa superar a visão dominante que percebe o rural como atrasado, como resquício do urbano. E esse processo passa, necessariamente, pela melhoria das condições de vida da população no campo, papel irrefutável das políticas públicas, aliando a oferta de bens e serviços públicos de qualidade à criação de condições que permitam aos agricultores aumentarem seu nível de renda. A redução dos déficits educacionais, de moradia, de saneamento básico e de um conjunto de outros equipamentos sociais é, assim, fundamental para a inversão desse paradigma. Essa

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medida deve ser buscada ao lado do incentivo a atividades não agrícolas, como o artesanato e o turismo, que têm grande potencial de alterara a realidade do meio rural.

Nesse sentido, o Programa Territórios da Cidadania, lançado pelo governo federal em 2007, busca, por meio de uma concertação entre sociedade civil e governos municipais, estaduais e federal, atender a essas populações rurais com a integração e convergência de políticas públicas ofertadas no nível federal. Apesar do seu pouco tempo de existência, o programa tem ganhado, cada vez mais, robustez e relevância na agenda política. Uma de suas principais forças é justamente permitir a participação social de maneira qualificada. Dessa forma, as associações representantes dos agricultores familiares podem fazer chegar às instâncias adequadas suas reivindicações e demandas.

O fortalecimento do Programa é, ao mesmo tempo, um desafio e uma necessidade, pois, apesar de ter logrado reunir órgãos e ações em torno de regiões menos favorecidas, ainda é fraco. A grande dificuldade colocada, para além da integração na oferta das políticas, é a viabilização da entrega dos bens e serviços a territórios reconhecidamente deficientes em capital institucional, social e econômico. Para tanto, o Programa, enquanto política de Estado, deve buscar estruturar um arranjo orçamentário e financeiro e de gestão forte que permita viabilizar o gasto público estruturante para alterar o quadro econômico e social dos territórios. Essa tarefa demanda uma brusca mudança de paradigma, ao possibilitar a adoção de medidas, como a transformação dessas despesas públicas em obrigatórias, que viabilizem a ação do Estado no provimento dos produtos necessários à superação da condição de pobreza do campo.

 [6] Como a Lei nº11.326/06 estabeleceu que, para ser considerado agricultor familiar, o agricultor não detenha área maior do que quatro módulos fiscais, fez-se aqui o corte em 500 ha, considerando que o módulo fiscal máximo (região Amazônica) de 110 hectares.

Educacao Profissional

Tendo em vista o vínculo que a Educação Profissional e Tecnológica estabelece entre a escola e o trabalho, ela deve ser utilizada como principal recurso para resolver três das principais características negativas da educação brasileira: a inefetividade das políticas de educação de jovens e adultos, baixa taxa de escolarização líquida do ensino médio e a baixa atratividade dos currículos.

O problema é particularmente grave na modalidade de educação de jovens e adultos, situação que motivou uma recente alteração na LDB, a qual passou a estabelecer que essa modalidade deverá articular-se preferencialmente com a educação profissional quando de sua oferta. Os problemas citados na educação básica, bem como da EJA, estão

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relacionados, entre outros, à baixa atratividade da escola, materializada, também, pela inadequação do currículo frente às expectativas e necessidades do aluno. Nesse sentido, a educação profissional cumpre função de mostrar ao jovem a conexão entre a sua presença na sala de aula, o conteúdo ministrado e a relação que há entre aquele conhecimento e a formação para a vida profissional e para o cotidiano no mundo do trabalho.

Corrobora esse diagnóstico o fato de que, conforme apontado na parte reservada aos indicadores, quase 8 milhões de jovens de 15 a 24 anos estão fora da escola, sendo que, destes, aproximadamente 4 milhões sequer completaram o ensino fundamental. Esse contingente dificilmente irá retornar à escola se não identificar na educação elementos que façam sentido para a vida profissional.

Além disso, os números do ensino médio apontam para a necessidade de articulação com a modalidade profissional a fim de solucionar os problemas, tais como atratividade, repetência e evasão. As altas taxas de reprovação (12,3%) e abandono (12,8%), combinadas com os números ainda tímidos de escolarização líquida (50,4%) e aprovação (74,9%), dimensionam o desafio no ensino médio1. Cabe lembrar que aproximadamente 80% da população economicamente ativa não completou o ensino médio, situação que contribui para um cenário de baixa escolaridade e inserção precária no mundo do trabalho, o que também se reflete nos baixos rendimentos dessa parcela da população.

Essa perspectiva é reconhecida pelo Ministério da Educação, que entende a oferta de ensino médio integrado como uma maneira de recuperar o significado dessa etapa da educação básica, por meio de ações que o tornem mais atrativo para o jovem.

No contexto da educação de jovens e adultos, vale lembrar que, além da discussão sobre a atratividade e adaptação dos currículos e da articulação com a educação profissional, é necessário o desenvolvimento de políticas de apoio à permanência desses estudantes. Dentre essas políticas, inserem-se questões relacionadas à assistência ao estudante (alimentação, transporte, material escolar e renda) e também à oferta de vagas em horários adequados às especificidades do cotidiano dessa população, tal como a sazonalidade na área rural.

Em consonância com outras ações do MEC, o ensino médio integrado à educação profissional, como no modelo desenvolvido nos IFETS, busca fugir do ensino médio puramente teórico e propedêutico, na tentativa de conferir um sentido completo aos conteúdos e habilidades ali trabalhados, evitando que o médio seja simplesmente preparatório para o aluno que participará do processo de seleção ao ensino superior ou meramente introdutório para aqueles que irão cursar imediatamente o nível superior. A expansão das vagas federais em escolas técnicas, o apoio às escolas estaduais, e o acordo com o sistema S para oferecimento gratuito de educação profissional no nível médio também caminham no mesmo sentido.

Entretanto, apenas 10,1% das matrículas em 2008 no ensino médio apresenta alguma forma de articulação com a educação profissional. Desse montante, somente 14% é oferecido na modalidade integrada. Uma vez que as informações mais recentes são de

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2008, ainda não é possível realizar inferências sobre os resultados do PDE. Tampouco se pode avaliar se a ponderação de 1,30 no FUNDEB para o ensino médio integrado à educação profissional, em comparação com a ponderação de 1,20 para o ensino médio urbano, seria um fator indutor interessante para as redes municipais e estaduais.

A partir de 2009, o fator de ponderação do FUNDEB para matrículas em EJA integrada à educação profissional passou de 0,8 para 1,0. Essa mudança pode ser reflexo do reconhecimento dos custos mais elevados para a oferta integrada (que necessita de adaptação da infraestrutura física, materiais, entre outros) em relação à EJA não integrada (que permanece com o fator de ponderação 0,8), mas também como um incentivo à oferta de EJA integrada que, em 2008, era apenas residual, respondendo por apenas 0,19% das matrículas em EJA.

Também no contexto da EJA essas inflexões recentes na política ainda não podem ser observadas no Censo da Educação Básica, de modo que não é possível realizar um diagnóstico preciso sobre seus efeitos. De toda forma, os números de 2008 mostram que a efetiva integração entre níveis e modalidade demanda políticas de indução mais incisivas.

Outra condição indispensável para qualidade da educação básica refere-se à capacidade dos professores para ministrar ensino médio integrado ou educação de jovens e adultos integrada à educação profissional. Não adiantará alterar os currículos se os professores não tiverem habilidade para trabalhar o conteúdo com suas particularidades. Nesse sentido, convém induzir alterações no processo de formação dos docentes, com vistas a adaptá-los aos desafios da educação profissional e tecnológica.

No atual contexto de expansão da Rede federal de Educação Profissional e Tecnológica, a integração da oferta federal de educação profissional e tecnológica com o sistema produtivo foi feita com base na perspectiva de desenvolvimento territorial, como preconizado pelo PDE, e nos arranjos produtivos locais. Foi feita uma especificação de cidades-polo que orientou a instalação de novas unidades dos institutos federais e a oferta de novos cursos compatíveis com estrutura econômica da região.

No entanto, é interessante que essa perspectiva de integração com o sistema produtivo por meio dos arranjos produtivos locais e cidades-polo seja compartilhada também pelos sistemas estaduais e municipais. Nesse sentido, deve-se pensar o papel do governo federal na indução da expansão e coordenação vertical das ações, de modo que haja sinergia entre a oferta de vagas pelas três esferas, e que a oferta global das vagas públicas em educação profissional responda adequadamente à demanda, considerando tanto o público potencial quanto os arranjos produtivos locais - além da complementaridade da ação do governo federal em relação à educação básica, que nos locais menos dinâmicos deve assumir um protagonismo maior.

Ressalta-se, ainda, que a criação de novas vagas deve induzir a transformação no padrão de produção local. Ou seja, o desenvolvimento econômico do Brasil está diretamente relacionado à capacidade de o país produzir bens e serviços dotados de maior valor agregado. Nesse sentido, as escolas técnicas profissionais e tecnológicas podem induzir,

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ou ao menos viabilizar, com base nas vocações produtivas de cada lugar, mudanças no padrão da produção. Por isso, além da adequação às demandas locais e da interiorização da oferta, é imperativo que a transformação no padrão tecnológico da produção nacional seja associada à expansão das vagas.

A recente reorientação da educação profissional, considerando tanto a expansão da rede federal quanto a oferta estadual, municipal e privada, deve ser acompanhada também pelo incremento de atividades de regulação e avaliação dessa modalidade.

No contexto da expansão da Rede Federal, especificamente com a lei 11.892/2008, os IFETs passam a ter entre suas prerrogativas a realização de pesquisas aplicadas e o processo de geração e inovação tecnológica em nível de pós-graduação. Passam a ser, portanto, ao lado das universidades federais, atores responsáveis pelo desenvolvimento científico e tecnológico no âmbito de programas de pós-graduação stricto sensu.

Nesse sentido, é interessante pensar no papel de coordenação que instituições de fomento à pesquisa, como a CAPES, CNPq e FINEP podem desempenhar para que os institutos federais de fato integrem suas atividades às necessidades locais (desde a oferta de cursos de nível médio até a pesquisa de pós-graduação), evitando também a redundância com as pesquisas desenvolvidas em outras universidades ou institutos.

A perspectiva do fomento à educação profissional e tecnológica ligado à lógica dos arranjos produtivos carrega consigo estreita relação com as dinâmicas inter-regionais. No entanto, deve-se tomar o cuidado de não se homogeneizar as regiões, de modo a ignorar a complexidade de sua conformação econômica e social. Essa questão é emblemática no caso das metrópoles, cuja juventude das áreas periféricas está, em grande medida, exposta a violência e a situações de vulnerabilidade. Neste contexto, as escolas técnicas teriam grande potencialidade na promoção do desenvolvimento humano e social.

Cabe, portanto, pensar o papel do governo federal tanto no fomento quanto na oferta direta de educação profissional e tecnológica. Se os IFETs se colocam como importantes atores na realização de pesquisas de alto nível e no desenvolvimento científico e tecnológico, também pode ser levantada a questão de sua interação com a comunidade em que se insere, por meio de atividades semelhantes à extensão universitária. Em outros termos, não é suficiente dotar territórios de equipamentos educacionais, devendo-se induzir formas de integração entre escola e dinâmicas locais.

Outro ponto importante é a garantia do acesso da juventude mais vulnerável à educação profissional pública e de qualidade, devendo-se, para tanto, pensar mecanismos para cumprir tal objetivo. Este deve ser um eixo para a construção de uma política para a juventude, sobretudo no que se refere à potencialização deste público e à abertura de novos espaços de possibilidades para suas trajetórias. 

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1 Fonte: INEP/DTDIE, com dados de 2008.

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Fontes Alternativas de Energia

Arranjo institucional da política setorial 

A política do governo federal para o setor de energia elétrica de base eólica envolve um conjunto de regras, inclusive incentivos à realização de investimentos, que são observadas como importante elemento de referência pelos segmentos do setor privado com atuação na área de estruturação de empreendimentos e no financiamento de tais atividades. Para estes atores, a expectativa quanto à estabilidade dos regulamentos, por um horizonte temporal semelhante ao que orienta as decisões de investimento e financiamento, é tão relevante quanto o desenho institucional vigente.  

Interligação a rede básica do Sistema Interligado Nacional 

A geração de energia eólica admite projetos de tamanhos diferenciados, que podem atender uma fábrica ou um parque industrial, ou que podem ser orientados a múltiplos perfis de demanda. Nos dois primeiros casos a “geração distribuída” (GD), ou seja, a produção de energia nas proximidades das unidades consumidoras, permite a redução de custos e de perdas no transporte. Nos demais casos a estrutura de transmissão e conexão à rede básica assume maior relevância técnica e econômica. 

Custos de estruturação das redes de transmissão (entre o parque eólico e a rede básica) e o ponto de conexão ao SIN pode, em determinadas circunstâncias, envolver custos em dimensões capazes de inviabilizar investimentos. Nestes termos, é relevante a definição de modelos de transmissão e conexão que expressem boa solução tecnológica e sustentabilidade financeira aos empreendimentos.  

Pesquisa e desenvolvimento tecnológico (inovação) 

A pesquisa e o desenvolvimento tecnológico são fatores centrais para o desenvolvimento da inovação no âmbito da indústria brasileira de equipamentos utilizados na geração de energia de base eólica.

A inovação contribui decisivamente para o aumento da produtividade e para a redução dos custos de geração energética. No caso da indústria brasileira de equipamentos um exemplo de desafio importante é a adequação dos modelos de pás e geradores ao perfil das condições de produção observados no Brasil.  

Desenvolvimento da cadeia produtiva (escala de produção) 

O desenvolvimento da cadeia produtiva e a expansão da escala de produção são fatores relevantes para o desenvolvimento da competitividade da energia de base eólica no âmbito da matriz elétrica.

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Estes fatores são especialmente decisivos para a redução dos custos médios de produção da indústria nacional de equipamentos, fato capaz de gerar repercussões positivas e relevantes sobre a composição do preço final por megawatt gerado nos parques eólicos brasileiros.  

Competitividade das Fontes 

Há que se definir métodos de comparação inequívocos a respeito da competitividade das fontes alternativas, especialmente a eólica. O resultado do mais recente leilão, específico para esta fonte, demonstrou sua capacidade de ofertar energia a um preço satisfatório, capaz, inclusive de permitir que esta fonte participasse de leilões não específicos. Mais positivo ainda, um estudo da Eletrobras revela que esta fonte torna-se mais barata que a própria hidreletrecidade a partir do segundo ano de sua implantação. Contudo, uma vez que esta fonte goza de benefícos e incentivos, desde fiscais até operacionais, há que se expurgar dos cálculos esses benefícios, para se ter uma real dimensão de sua competitividade. Caso seja realmente competitiva, há que se analisar então a retirada (gradual ou não) dos incentivos.

Pesca e Agricultura

A atividade pesqueira e aquícola no Brasil, tanto artesanal quanto industrial, face à histórica descontinuidade e frágil consistência de políticas públicas destinadas à regulação e ao incentivo à formação e manutenção da cadeia produtiva, resultou em esforço de pesca além da capacidade natural de reposição dos estoques, levando à sobrepesca em algumas regiões.  Além disso, essa ausência conduziu à defasagem tecnológica e a deficiências das infraestruturas pesqueiras, embarcações, equipamentos.  Agravou esse quadro a carência de iniciativas que elevassem o nível educacional dos profissionais que vivem dessa atividade.  

Essa redução dos recursos pesqueiros acabou gerando disputa entre pesca artesanal e industrial, uma vez que estes últimos passaram a ocupar regiões que historicamente serviram de fonte para as comunidades tradicionais de pescadores.  Acrescenta-se a isso um exemplo desse conflito:  recentemente,  a redução dos recursos pesqueiros, quer seja por sobrepesca, degradação ambiental e diminuição das inundações no Pantanal,  tem gerado uma disputa muito grande entre pescadores artesanais e os praticantes da pesca esportiva, atividade turística muito importante nessa região.  Em função da pressão dos últimos sobre os órgãos públicos locais, os resultados têm sido desfavoráveis aos pescadores artesanais.

Diante dessa situação e das efetivas possibilidades de reversão desse quadro, devido principalmente à grande disponibilidade de recursos naturais observada no País, considera-se que a criação de um órgão dedicado a essa atividade foi acertada.  Todavia alguns aspectos, abordados a seguir, evidenciam que um futuro melhor para o setor depende de várias medidas que ainda estão por ser implantadas.

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Conforme mencionado, a SEAP elaborou, em junho de 2003,  o documento "Projeto Político-Estrutural", que traz uma série de indicadores, cujas principais previsões para 2006 eram as seguintes:

a) aumento da produção da aquicultura e pesca em 50%, passando de 1 milhão para 1,5 milhão de t/ano;

b) aumento do consumo de pescado per capita, superando o índice de 2003 = 6,8 kg/hab/ano, e buscando-se aproximar do consumo recomendado pela FAO, ou seja, 12 kg/hab/ano;

c) eliminação do analfabetismo entre os pescadores;

d) triplicar o superávit comercial, com aumento do valor exportado de US$ 129 milhões, em 2002, para US$ 387 milhões.

Já o "Plano Estratégico 2008/2011", também produzido pelo atual MPA em junho de 2007, afirma que as condições naturais existentes no Brasil abre perspectivas para o país, mesmo com todos os problemas apontados neste documento, ser o segundo maior produtor de pescado do mundo, por volta do ano 2030, com produção 20 vezes maior do que a atual.   Caso se confirme esta estimativa, a atividade pesqueira e aquícola contribuiria para a geração de renda de mais de US$ 100 bilhões por ano, com a criação de 10 milhões de empregos e exportação anuais em torno de US$ 40 bilhões.

A recente e inacabada reestruturação do setor, as eventuais dificuldades apresentadas durante a implantação das medidas previstas no Plano Mais Pesca e Aquicultura e a ausência de sistema nacional de informações que apresente dados quantitativos confiáveis sobre os quais se possa construir política efetiva para o setor podem ser apontados como as principais restrições para a concretização das previsões feitas pela SEAP para 2006.  Isso gera, como consequência, sérias desconfianças em relação às possibilidades de materialização das previsões feitas não só em curto prazo, para 2011, como em longo prazo, em 2030.

Conforme pode ser extraído da análise dos Indicadores, citados no capítulo 2, as medidas implementadas ainda não conseguiram alterar, de forma significativa, a situação dos principais indicadores do setor; ao contrário, em alguns casos, houve piora substantiva do índice, em especial quanto à balança comercial do pescado, que tem apresentando curva ascendente em relação às importações desde 2003.  Também a produção nacional de pescado manteve-se praticamente estável desde a criação da Secretaria em 2003, e o principal vetor apontado para o crescimento do setor, a aquicultura, também se revela sem grandes alterações.

Em relação às ações que o setorial inseriu no Plano Plurianual 2008/2011, observa-se que boa parte delas está relacionada a "Apoio" ou "Fomento", cujo caráter generalista sinaliza que o MPA ainda não conseguiu construir uma carteira de projetos estruturantes para o setor, apesar de o orçamento destinado ao órgão ter apresentado a evolução mostrada no

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Gráfico 6, no qual os valores entre 2003 até 2009 correspondem aos montantes autorizados e pagos, respectivamente.  O valor previsto na Lei Orçamentária 2010 para o MPA atinge 803,7 milhões.

Gráfico 6 - Execução Orçamentária do Ministério da Pesca e Aquicultura

        Fonte: SIGA Brasil  -   Elaboração: SPI/MP [14]

Vê-se, portanto, que, apesar da grande capacidade de geração de renda e emprego que a atividade pesqueira e aquícola pode proporcionar e da sua importância para a sustentabilidade ambiental, os problemas que ainda persistem no setor, aliados à ausência ou baixa confiabilidade de dados que possam permitir a estruturação e aferição de resultados de políticas, planos e programas factíveis, demonstram que os propósitos do órgão setorial para a área ainda se encontram, em boa medida, em fase de intenções, sem um elenco de iniciativas que possam, concretamente, mudar a realidade vigente.

Diante desse quadro, faz-se necessária a busca de instrumentos que possam, de alguma forma, auxiliar o MPA, órgão cuja criação e manutenção são essenciais para o desenvolvimento do setor pesqueiro e aquícola. Com o propósito de melhorar essa situação, devem ser tratados de forma prioritária:

a) a imediata implementação do Sistema Nacional de Informações de Aquicultura e Pesca (SINPESQ), uma vez que a carência de dados impede a correta mensuração do problema e de sua localização, o que traz como consequência a elaboração e implementação de iniciativas frágeis e generalistas.  A construção do SINPESQ deve integrar a carteira de projetos, em elaboração no Ministério do Planejamento;

b) a construção dos terminais pesqueiros nas localidades já definidas pelo MPA, medida que pode atenuar a precariedade da atual infraestrutura pesqueira, em especial nas regiões Norte e Nordeste;

c) o monitoramento e a fiscalização, cuja responsabilização deve ser compartilhada também com os  pescadores e aquicultores,  são essenciais para a manutenção da própria atividade pesqueira.  Com esse propósito, é fundamental que o MPA aponte quais restrições ainda impedem ou dificultam a implementação dessas iniciativas;

d) medidas que elevem o nível educacional e a capacitação dos pescadores e aquicultores devem ser incentivadas e consideradas como iniciativas estruturantes para o setor;

e) o desenvolvimento da atividade pesqueira e aquícola é opção concreta para a preservação do bioma amazônico.  Isto porque há estreita interdependência entre a conservação dos rios e das florestas, e a abundância dos recursos pesqueiros depende de ambos.  Assim, é alternativa para geração de renda e emprego não-dependente do desmatamento.  Dessa forma, as secretarias de planejamento estaduais devem se esforçar para que as propostas apresentadas pelo MPA visando ao desenvolvimento sustentável da região sejam implementadas.

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Aspecto que chama a atenção quanto ao desenvolvimento da aquicultura e pesca na Amazônia é a ausência dessa real alternativa como uma ação dentro do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).   Esse Plano tem características tático-operacionais, reúne iniciativas para a contenção do desmatamento na Amazônia Legal e objetiva fomentar atividades produtivas sustentáveis nessa região.  Contudo, ao ignorar a atividade pesqueira, o PPCDAM não incorpora alternativa fundamental para a preservação da Amazônia.

f) o setor ainda carece de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.  Nesse sentido, a recente criação da Embrapa Aquicultura e Pesca é passo relevante, cujas pesquisas precisam ser monitoradas: em um primeiro momento, com o propósito de contribuir para a superação de eventuais restrições; depois, para acompanhar a efetiva incorporação dos resultados por aqueles que mais precisam delas.

Além disso, e também em decorrência da recente reestruturação da MAPA e da existência de órgãos que atuam em áreas afins, uma oficina de Modelo Lógico para o tema seria excelente oportunidade para a discussão e enfrentamento dos problemas que ainda persistem no setor.

Gestao de Recursos Hidricos

Desafios ao Planejamento de Recursos Hídricos

Há que se destacar duas deficiências do instrumento fundamental da gestão de recursos hídricos: os Planos de Bacia Hidrográfica. A primeira é que esses instrumentos de planejamento não têm sido desenvolvidos ao ponto de detalharem os investimentos prioritários em cada bacia, limitando-se à definição de prioridades e diretrizes. Assim, os planos não têm contribuído para a tomada de decisão na alocação de recursos, ou escolha de projetos nas diferentes esferas político-institucionais. De fato, o detalhamento das ações prioritárias por si não seria suficiente para que o plano fosse incorporado ao planejamento setorial ou à carteira de investimentos dos diferentes entes da Federação.

A segunda deficiência desse instrumento é a indefinição da autoridade para o acompanhamento, a implementação e a revisão do plano, pois tem-se observado ausência de ação pós-plano, contribuindo para a ineficácia do instrumento. Os comitês de bacia não conseguiram ocupar esse papel de "dono do plano", sendo necessária a determinação de uma instituição responsável pela articulação, intra e intersetorial e com os entes federativos, e pela viabilização das ações programadas.  

Para que os planos cumpram seus objetivos, deve haver também a definição do foco e de modelos de gestão diferenciados em função da diversidade e complexidade da bacia/região e de seus problemas prioritários. De modo geral, tem sido usado como modelo o termo de referência para contratação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, o que não é adequado, uma vez que as escalas de planejamento são diversas e as

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demandas de cada bacia também, não sendo adequado que os planos de bacia sigam sempre padrão fixo.

Ainda com relação aos planos, o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) não define prioridades de ação e diretrizes específicas para as principais bacias hidrográficas, entendendo principais como as áreas com elevada ocorrência de oposição de interesses. A ausência de prioridades de investimento, aliada a cenário de restrição fiscal e à necessidade de cerca de R$ 2,5 bilhões/ano para implementação do PNRH no período 2008-2011, não contribui para o alcance dos objetivos da política. 

A ausência de diretrizes no PNRH para as bacias hidrográficas concorre ainda para a elaboração de planos de bacia em regiões em que não há disputas pelo uso da água e, portanto, não há prioridades a se estabelecer. Nesses casos, os planos mais se assemelham a planos de desenvolvimento regional, havendo desvio de objetivo do instrumento de gestão dos recursos hídricos.

Por fim, desafio não menos relevante que os anteriores é a integração dos planejamentos setoriais. É oportuno citar o caso emblemático envolvendo os setores de energia e de transportes. O setor de energia tem seu esforço histórico de planejamento amplamente reconhecido, desenvolvendo planos com horizontes de médio e longo prazos e com diferentes níveis de agregação das informações. Já o planejamento do setor de transportes, retomado recentemente pelo Plano Nacional de Logística e Transportes após longo período de inação, ainda requer avanços no detalhamento das prioridades de investimento.

Essa discrepância entre o planejamento dos dois setores tem gerado interesses nem sempre convergentes, pois não é adequado que o Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pela implementação da política energética, aguarde a definição pelo Ministério dos Transportes (MT) de investimentos em hidrovias em cada região do País. Nesse caso, as divergências ocorrem na definição dos projetos de usinas hidrelétricas em rios navegáveis, ou potencialmente navegáveis, sem a prévia inclusão de mecanismos de transposição.

O atraso dos investimentos em geração de energia, que poderia aumentar o risco de "apagões", ou o desrespeito ao uso múltiplo dos recursos hídricos, um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, devido à construção de barragens sem a previsão de eclusas, prejudicando a expansão do transporte hidroviário no país, são indesejáveis e causam graves prejuízos à sociedade.

A Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), em conjunto com a Agência Nacional de Águas (ANA), deu início em 2008 a uma tentativa de articulação entre os dois setores com a criação do Grupo de Trabalho Interministerial de Usos Múltiplos das Águas. As reuniões tiveram como enfoque inicial a Bacia dos rios Tapajós e Teles Pires e ocorreram até o início de 2009, quando os participantes, representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agência Nacional de Águas, do Ministério dos Transportes, do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério

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de Minas e Energia e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, resolveram que o grupo deveria ser formalizado, por meio de portaria conjunta dos titulares dos ministérios envolvidos.   Todavia, apesar dos esforços de todos os participantes, não foi possível chegar a uma proposta consensual, o que levou a interrupção do processo.  Em 2010 as discussões foram retomadas, agora no âmbito da Casa Civil. 

Concomitantemente, o assunto entrou na pauta do Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH, que, por meio de longo processo de discussão em suas câmaras técnicas, se findou no plenário, enviou recentemente ao Congresso Nacional a Moção nº 50, recomendando a aprovação de substitutivo ao PL nº 3.009/1997 com proposta própria. O referido projeto de Lei, em sua versão original, dispõe sobre a obrigatoriedade da inclusão de eclusas, ou de dispositivos equivalentes de transposição de nível, na implantação de barragens. A proposta do CNRH flexibiliza a obrigatoriedade e determina a integração dos planejamentos da construção de barragens com  a infraestrutura de navegação interior.

Desafios da Consolidação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

Apesar do considerável avanço alcançado na gestão dos recursos hídricos desde 1997, quando foi promulgada a Lei nº 9.433, que institui a Política e cria o Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SINGREH), ainda resta muito a ser feito para a consolidação desse sistema.

Um dos maiores entraves está concentrado nos órgãos estaduais de gestão de recursos hídricos, que apresentam sérias deficiências em seus quadros de pessoal e ainda não estão completamente estruturados. Grande parte desse problema é devido às mudanças administrativas recorrentes a cada período eleitoral, o que acarreta perda de conhecimento e prejudica o funcionamento da parcela estadual do SINGREH, pois conselhos e comitês dependem de órgãos implementadores fortes para que suas deliberações tenham eficácia.

Outra deficiência que pode ser correlacionada aos órgãos gestores estaduais é o atraso no enquadramento dos corpos d'água que, apesar de ser instrumento cuja existência é anterior à política de recursos hídricos, ainda apresenta baixa implementação no país.

Dentre os fundamentos da Política, está a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos, mas o conhecimento da sociedade brasileira sobre bacia hidrográfica, comitê de bacia e instrumentos está longe de ser universal, o que acarreta a captura da representação nos comitês e conselhos por grupos de interesse, podendo haver prejuízo dos benefícios difusos e coletivos. Pode-se apontar, no mínimo, duas causas para esse desconhecimento: a abundância de água em grande parte do território, o que minimiza a ocorrência de discordâncias em torno desse recurso; e a deficiência dos mecanismos de comunicação do SINGREH para a disseminação das informações. 

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Petroleo e Gas

O debate do setor de petróleo e gás tem se centrado sobre a atuação da Petrobras e a repartição da renda petrolífera, porém há outros pontos que também devem ser explorados no desenvolvimento do tema Petróleo e Gás.

A Petrobrás é uma empresa e, como as outras, busca o lucro, formando sua carteira de investimentos pela manutenção, inclusão e exclusão de projetos à medida que estes adquirem ou perdem viabilidade econômica. Do ponto de vista empresarial isto vale como regra geral. Contudo, para o Estado brasileiro, devem-se tornar elegíveis empreendimentos segundo critérios adicionais, como o retorno social, ambiental e o impacto regional das atividades do setor.

A decisão de expandir, ou não, o parque nacional de refino, não pode tomar em conta exclusivamente a economicidade dos projetos, sobretudo na temática de energia, onde as questões geopolíticas são exponenciadas. Mesmo que fosse mais econômico levar óleo para o exterior, refiná-lo e trazê-lo de volta, do que refiná-lo no Brasil, continuaria sendo desejoso ter em território brasileiro um parque de refino diversificado e distribuído pelo território, convergindo com outras ações de governo de infraestrutura e de política industrial. Isto porque, o que deve orientar os investimentos é a visão de país que se pretende construir, para a qual todas as ações devem convergir, e da qual estas se distanciariam se obedecessem exclusivamente à lógica fragmentada do investimento privado. Em suma, as decisões de investimento devem ser consideradas sob uma lógica que transcenda a visão empresarial, uma vez que muitas delas envolvem questões estratégicas das nações. Aí se inclui a decisão de produzir ou não fertilizantes, unidades navais e os demais componentes estratégicos da cadeia produtiva da indústria  do petróleo, mesmo que exista importação mais barata disponível. Também se inclui, por outra via,  as decisões de expansão do refino e da petroquímica nacionais, para exportação com valor agregado.

Outro ponto de debate diz respeito à necessidade de maior articulação do Estado e dinâmicas do setor petrolífero brasileiro. Os exemplos são vários:

A forma como o Estado converge e articula sua presença direta (participação acionária) e indireta nas empresas (através de bancos e fundos públicos: BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Previ, Petros);

A forma como o Estado interage perante a valoração de ativos no setor (inclusive das reservas), e  como este acompanha e analisa,  sistematicamente, as dinâmicas mercadológicas;

A formulação de desenho estratégico por parte do Estado, voltado para cenários, que perceba movimentos como a redução das fronteiras de exploração a nível mundial, desencadeia movimentos de recomposição de margens em outras atividades como o Refino e a Petroquímica, fazendo deste plano um novo foco da geopolítica mundial. Questões como essas precisam ser bem avaliadas, assim como as repercussões dos investimentos locais nas atividades relacionadas.

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Por fim, cabe reforçar que, em se confirmando o grande volume das reservas anunciadas do Pré-Sal, o país terá uma oportunidade importante para a superação dos imensos desafios do desenvolvimento social e econômico, com potencial para o resgate  de passivos históricos. Para isso, é preciso fazer boas escolhas na apropriação das rendas petrolíferas pelo Estado e comercialização de produtos com alto valor agregado (derivados de petróleo) de forma que as rendas do petróleo sejam canalizadas para a formação das capacidades humanas e tecnológicas, criando uma dinâmica produtiva nacional da cadeia produtiva da indústria do petróleo e outras conexas, intensivas em tecnologias sofisticadas com inserção competitiva nos mercados internacionais.

Seguranca Alimentar e Nutricional

Apesar dos avanços na institucionalização da política de SAN (resgate do Consea, apoio à criação dos conselhos de segurança alimentar regionais, realização das Conferências Nacionais, apoio às conferências estaduais e aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional), o principal desafio da área se refere a como lidar com todo seu escopo, orientando iniciativas em diversos setores.

Isso porque a natureza do conceito de SAN pressupõe não só políticas que reduzam desigualdades e favoreçam o acesso à alimentação (dimensão mais evidente do tema e que mais avançou nos últimos anos), mas também a remissão a outras questões de ordem estrutural como o modelo de produção agrícola, os hábitos de vida e consumo da população e a estrutura concentrada do comércio de alimentos.

A formulação de uma política e de um plano nacional de SAN deverá indicar as formas de organização da temática no âmbito das políticas públicas, envolvendo seleção de ações, gestão, monitoramento e avaliação. Particularmente, a construção de indicadores e metas no Plano Nacional deve ter forte correspondência com a escala da insegurança alimentar e das vulnerabilidades no Brasil, mas também com a sua distribuição pelo território. Em outros termos, deve estar claro como o Plano Nacional de segurança alimentar porta uma concepção para o enfrentamento de problemas das várias dimensões da questão. Outro ponto central na construção da política e do plano são os mecanismos de exigibilidade de direito, sem os quais as previsões legais que determinam o dever do Estado e o direito do cidadão a uma alimentação adequada e saudável não se efetivarão.

A realização do dever do Estado na área sob análise implica a adesão dos entes federativos ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan). A previsão da adesão deve constar da Lei da Política Nacional, envolvendo compromissos a serem firmados entre União e os outros entes. À União competiria, sobretudo, induzir o processo de constituição das instâncias da política de SAN, garantindo a capacidade institucional de gerir a política. O que envolveria controle social, monitoramento da situação alimentar (expandindo o uso do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) e coordenação das ações, entre outros.

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Inclusive, é decisivo que a coordenação acima referida se dê também entre os sistemas de políticas sociais, como o Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social e os sistemas de ensino. É condição de possibilidade do sucesso do Sisan estabelecer conexões virtuosas com estes sistemas, valendo-se de sua rede de profissionais, equipamentos e serviços. 

Os números apresentados neste trabalho mostram que, mesmo com os avanços das últimas décadas, ainda há um vasto espaço a percorrer para a promoção da segurança alimentar e nutricional, sobretudo no que se refere à população pertencente aos estratos mais baixos de renda. De modo que a universalidade do direito humano à alimentação adequada só se efetivará por meio de políticas voltadas a grupos e segmentos em situação de maior vulnerabilidade.     

Para tanto, é fundamental consolidar a rede de proteção e promoção social, com centralidade nos territórios mais vulneráveis, constituída de equipamentos para oferta de alimentos, serviços de assistência e vigilância social e de transferência de renda. Instrumentos como o CadÚnico são imprescindíveis para a identificação de famílias e priorização para a inclusão na política de transferência de renda, bem como para a distribuição espacial de equipamentos e serviços públicos, assegurando a capilaridade da rede.      

Outro tópico a destacar é a promoção dos sistemas locais de abastecimento, que criam uma dinâmica econômica e social virtuosa, sobretudo nos pequenos municípios. O ponto central é articular ações de fomento aos pequenos produtores com o aumento da renda das famílias. Para tanto, é preciso expandir os equipamentos de alimentação e nutrição, o apoio à aquisição de alimentos, o fomento às feiras populares, o estímulo ao cooperativismo e à organização dos produtores, entre outros. Neste contexto, vale assinalar a importância da iniciativa de vincular parte das compras do Programa Nacional de Alimentação Escolar à agricultura familiar local. 

Por fim, deve-se chamar atenção para evolução dos índices de sobrepeso e obesidade entre a população brasileira, fruto de hábitos de vida pouco saudáveis, como o sedentarismo e a alimentação inadequada, rica em gorduras, açúcar e sal. É urgente reforçar políticas, como as que regulamentam a propaganda destes alimentos, bloqueando a evolução deste quadro que gera agravos à saúde.

Direito a renda

A unificação dos programas de transferência de renda condicionada no Bolsa Família foi uma grande conquista no campo das políticas sociais. Primeiro, sob o ponto de vista da eficiência, com a obrigatoriedade de inscrição das famílias no CadÚnico, evitando, por exemplo, duplicidades e custos operacionais de manutenção de diferentes cadastros. Segundo, porque o Bolsa Família ampliou significativamente a escala dos repasses de recursos, em função da expansão do valor médio dos benefícios e do número de famílias atendidas. Segue abaixo a evolução das transferências totais do Programa.

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Execução Financeira das Transferências do Programa Bolsa Família (R$ milhões)

Fonte: MDS e Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento. Elaboração: SPI/MP

Com isso, introduziu-se mais fortemente no sistema de proteção social brasileiro a garantia de renda em função de condições de pobreza e vulnerabilidade para pessoas em idade ativa e pertencentes à população economicamente ativa, sem capacidade, todavia, de prover sua própria subsistência. Esta expansão do sistema de proteção social deu-se pela via dos benefícios não-contributivos, reforçando os critérios de redistributividade e solidariedade. A extensão deveu-se ao fato de que os benefícios não-contributivos da seguridade social no valor de 1 salário mínimo (assistenciais e previdenciários) estão vinculados a segmentos específicos, especialmente as pessoas idosas e com deficiência incapacitante para o trabalho.

Contudo, esta extensão criou tensões no âmbito do sistema de proteção social. Primeiro, muitos autores defendem os programas de transferência de renda como uma alternativa aos benefícios da seguridade social, seja pelos seus custos menores, seja porque promovem a ampliação de capital humano com repercussões sobre gerações mais novas.

No entanto, um ponto importante é dissociar programas de transferência de renda condicionada de um debate exclusivo sobre eficiência e custos dos programas sociais. Como o Bolsa Família persegue a universalização para o público em situação de pobreza, medida por um valor (linha) determinado de renda familiar per capita, sua escala de atendimento ampliou-se significativamente. Ademais, esta linha pode ser ajustada, não apenas pela evolução dos índices de preço, conforme já feito, mas também pelo crescimento médio da renda na economia brasileira, de modo a "colar" os mais pobres numa economia dinâmica e a garantir que não aumentem as distâncias sociais entre estratos beneficiários e não-beneficiários. Desta forma, o Programa constituiria uma espécie de patamar civilizatório, introduzindo definitivamente no sistema de proteção uma garantia de renda a todos aqueles que dela necessitassem.

Sob essa perspectiva, o Programa Bolsa Família contém uma dimensão de universalidade (acesso à renda a todos que dela necessitem), mas não abrindo mão da seletividade como meio de equalizar direitos. Logo, não convém representá-lo como uma alternativa aos benefícios de maior valor (no entanto, mais restritos no acesso) da seguridade social, mas como parte integrante do sistema de proteção social, estendendo seus benefícios a públicos até então não contemplados.

Todavia, a ideia de complementaridade entre programas de transferência de renda condicionada e benefícios da seguridade social ainda remete a outros focos de tensão, dentre os quais vale destacar os seguintes:

a) a diferença entre valores dos benefícios do Bolsa Família e o salário mínimo, piso dos benefícios da seguridade social. Uma simulação com base na Pnad mostra que os benefícios de 1 salário mínimo tem maior poder para retirar pessoas da situação de pobreza, quando comparados aos benefícios do Bolsa Família. Isso porque os valores associados a este último muitas vezes não são suficientes para colocar o beneficiário

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acima de determinada linha de pobreza. Neste sentido, é preciso discutir os valores dos benefícios do Bolsa Família à luz de uma renda mínima que represente o que foi designado como patamar civilizatório;

b) as transferências do Bolsa Família, diferentemente dos benefícios da previdência social e do Benefício de Prestação Continuada, não têm previsão constitucional. Nos termos acima tratados, salienta-se a necessidade de o Programa materializar o direito à renda como garantia contra os riscos e vulnerabilidades associados à pobreza. Neste sentido, seu funcionamento deve estar baseado num instrumento legal mais robusto;

c) o estreitamento da vinculação do Bolsa Família à garantia de renda enseja o debate sobre as condicionalidades do Programa, pois o reforço da dimensão de proteção social pressupõe a incondicionalidade do direito. Os caminhos a serem seguidos pelo Bolsa Família no futuro serão determinantes do papel que cumprirão as condicionalidades.

De modo geral, o futuro do Bolsa Família requer uma melhor definição dos objetivos do Programa, com repercussões também sobre sua operacionalização. Atualmente, há aspectos de diferentes naturezas incluídos no Bolsa Família - geração de oportunidades (por meio, por exemplo, de articulação com programas de qualificação profissional, criando módulos específicos para beneficiários do Bolsa Família), transferência de capital humano (por meio das condicionalidades) e garantia de renda (do qual é maior expressão o benefício básico para pessoas em extrema pobreza). Há exemplos internacionais de programas de transferência de renda com condicionalidades que salientam cada uma dessas dimensões, como o Programa Oportunidades do México, que enfatiza o capital humano, e o Chile Solidário (Chile), que salienta a geração de oportunidades.

A presente seção foi construída em torno da ideia de que o Bolsa Família deveria caminhar para aprofundar sua concepção de direito à renda, mantendo critérios de seletividade de modo a focar nos mais vulneráveis. Tal diretriz implicaria o reordenamento do Programa de forma a gerar maior coesão do sistema de proteção social, por meio da redução das diferenças entre os benefícios da seguridade social e o Bolsa Família, sob o ponto de vista dos valores, critérios e estatuto legal, principalmente.

Todavia, fortalecer o Bolsa Família como política para segurança de renda não implica excluir definitivamente dimensões associadas às condicionalidades ou às oportunidades, mas sim definir quais seriam os componentes centrais e os complementares do Programa. Os complementares ficariam a cargo, preferencialmente, de outras políticas públicas e setores, que garantiriam a integração de suas ações com a transferência de renda.

Inclusive, deve-se construir políticas específicas para o público beneficiário do Bolsa Família, de modo que a previsão legal do direito universal à educação e à saúde se manifeste para esse público como oferta de serviços de qualidade, referenciamento pelos

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equipamentos públicos das famílias em situação de vulnerabilidade e direito à permanência na escola.

É também essencial fortalecer as ações complementares, sobretudo por meio de mecanismos que assegurem o uso das informações do CadÚnico como critérios para seleção e execução de políticas que ofertem bens e serviços essenciais à promoção da cidadania.

Enfim, o fortalecimento da dimensão de garantia de renda do Bolsa Família ratificaria a extensão do sistema de proteção social brasileiro pela via dos benefícios não-contributivos voltados ao combate às desigualdades e à pobreza. Deve-se salientar, contudo, que a diminuição das desigualdades e da pobreza não se circunscreve à modificação no sistema de proteção social, abrangendo questões mais amplas como o dinamismo do mercado de trabalho e a regressividade da carga tributária brasileira, muito concentrada nos tributos indiretos. O ponto mais importante é que a intensificação da redução da desigualdade e da erradicação da extrema pobreza pressupõe a combinação destes elementos - extensão dos benefícios do sistema de proteção social, políticas de democratização do acesso a bens e serviços, crescimento econômico sustentado e políticas mais amplas, como a maior progressividade da carga tributária.

Infraestrutura em Comunicacao

As reflexões baseadas em entrevistas com atores do setor e a literatura disponível identificaram um conjunto de assuntos que causam barreiras ao desenvolvimento da infraestrutura em comunicação no país. As causas identificadas dizem respeito ao caráter transversal da temática e envolvem questões complexas que requerem ações governamentais em discussão com a sociedade civil organizada.Assim, seguem algumas reflexões sobre os pontos críticos que envolvem a temática.

1.  Indefinições do modelo no setor de comunicações brasileiro – A privatização do setor de telecomunicações no Brasil encerrou o período de monopólio estatal e permitiu a volta de investimentos no setor, através das operadoras multinacionais de telefonia. À época, o foco de atuação das ações governamentais era o serviço de voz, de maior interesse da sociedade. O modelo perseguido pela agência reguladora baseava-se, até então, em duas premissas básicas: a universalização dos serviços de regime público (voz) e a livre competição entre as empresas do setor. O modelo também previa a criação e utilização de fundos setoriais como o FUST, para garantir a universalização do serviço atendendo parcela da população onde o mercado não atuaria (área rural, por exemplo) e do FUNTTEL, destinado ao desenvolvimento tecnológico, fomento à inovação e aumento da competitividade da indústria local. O modelo pensado na reorganização do sistema de telecomunicações foi colocado em prática de forma parcial. Os fundos criados para reinvestimentos no setor foram, quase que na totalidade, contigenciados para geração de superávit primário. Além disso,  a universalização do serviço de regime público (voz) não atende a atual demanda da sociedade, movida pela convergência tecnológica. O atual momento é de nova definição do modelo, que deverá satisfazer as imposições postas pela convergência e antever o futuro da tecnologia. Outras nações já iniciaram o processo de

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definição deste modelo, alterando suas legislações e definindo seus planos nacionais de universalização de banda larga, considerando não somente as atuais demandas de conexão, e sim as demandas futuras, com planejamento de médio e longo prazo. Cabe, portanto, a discussão deste modelo no sentido de:

Promover as alterações necessárias na legislação; Incentivar e promover de fato a concorrência entre empresas do setor; Absorver os benefícios oriundos da convergência tecnológica; Materializar a competição do setor em vantagens para a sociedade; Diminuir a desigualdade social por meio dos avanços tecnológicos.

2.  Dicotomia: Carga tributária x Renda da população – O elevado preço dos serviços de comunicações em relação à renda da população é um forte entrave à inclusão digital. Nesse contexto, a carga tributária incidente sobre os serviços de telecomunicações contribui para elevar o preço praticado pelo mercado. A Tabela 8.1 mostra os tributos incidentes sobre os serviços de telecomunicações no Brasil, desconsiderando, entre outros tributos, o imposto de renda, o preço público pago pela permissão de uso municipal e as taxas de fiscalização e de instalação e funcionamento do serviço (Fistel).

Tabela 8.1 - Tributos e base de cálculo

Tributo Base de cálculo

ICMS 25%, 27% ou 30% sobre a receita bruta

PIS 0,65% sobre a receita bruta

COFINS 3% sobre a receita bruta

FUST 1% sobre a receita bruta

FUNTTEL 0,5% sobre receita com deduções calculada

sem a incidência de ICMS, PIS e COFINS.

Fonte: MC, 2009.

De acordo com representantes do setor, a carga tributária incidente sobre o serviço de banda larga chega a representar 42% do preço final para o consumidor em alguns estados brasileiros. Atrelada ao fato do Brasil possuir a terceira maior tributação do setor de comunicações, ficando atrás somente da Turquia e de Uganda de acordo com pesquisa realizada pela GSM Association, a média da renda da população brasileira ainda é baixa. De acordo com pesquisa feita pelo Cetelem (disponível em: www.cetelem.com.br), que estuda o mercado de varejo, a renda média da população brasileira é de R$ 1.285 mensais, sendo que a renda média disponível gira em torno de R$ 230. De acordo com estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010) o gasto médio com banda larga no Brasil custava, em 2009, cerca de 4,58% da renda mensal per capita. Na Rússia este gasto representava apenas 1,68% da renda mensal per capita daquele país. Ainda de acordo com o estudo, nos países desenvolvidos essa mesma relação situa-se em

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torno de 0,5%, o equivalente a quase 10 vezes o verificado no Brasil. Conforme documento publicado pela Câmara dos deputados “Alternativas de políticas públicas para banda larga” apenas metade das famílias brasileiras dispõem de renda disponível para pagar o serviço de banda larga de 1 Mbps de menor valor praticado no mercado. Este dado revela que, em curto prazo de tempo, é impossível cogitar a universalização do acesso à banda larga sem a adoção de políticas públicas que considerem a redução da carga tributária para o setor.

Entretanto, a ação isolada de diminuição da carga tributária não garante a entrega e a massificação do serviço de banda larga. É preciso uma articulação federativa mais eficaz, dado o caráter de distribuição dos tributos; uma ação mais incisiva da agência reguladora nessa questão, no sentido de discutir propostas de mudança com a sociedade; e por fim, promover alterações na legislação do setor que possibilitem ganhos diretos à sociedade.

3.  Qualidade no acesso aos serviços de comunicações – Além da insuficiência de infraestrutura de comunicações para atender a demanda reprimida no território brasileiro e do elevado preço do serviço, a qualidade dos serviços de comunicações no país é outro fator limitante ao desenvolvimento do setor. A má qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de telefonia (que detêm grande parte da infraestrutura de comunicações), influenciada pela baixa competitividade do mercado na maioria das localidades, se materializa na liderança do ranking de reclamações de consumidores nos Intitutos de Defesa do Consumidor (PROCON). O mercado de banda larga, gerenciado pelas mesmas empresas de telefonia, estão na mesma situação. Os contratos de serviços de internet são leoninos a favor das operadoras, é praxe do mercado a contratação de uma velocidade de conexão onde as operadoras garantem somente 10% desse valor. Tal prática disfarça a real velocidade disponibilizada ao assinante, que contrata e paga uma determinada velocidade de conexão e usa somente 10 % disto. Este fato enfatiza ainda mais o elevado preço dos serviços, que além de caros, não têm a qualidade desejada. O atual PNBL deve considerar este fato e garantir à sociedade a entrega de serviços de qualidade. Ademais, o plano deve fomentar a competitividade em regiões atendidas por somente uma operadora de telecomunicações.4.  Capacidade restrita no uso das TIC por parte da população – A expansão da infraestrutura no país deve ser bem planejada e considerar aspectos de efetividade no uso da tecnologia. Deve-se pensar quais outros programas de governo estarão disponíveis com a chegada dessa infraestrutura, de forma a garantir o objetivo fim do investimento, a melhoria da qualidade de vida do público beneficiado. Os principais motivos que inibem o cidadão brasileiro a usar a internet são: a falta de interesse e a falta de habilidade no uso de TIC, desta forma, adicionalmente à infraestrutura de comunicações, outras ações integradoras de governo precisam ser consideradas, no intuito de fortalecer as relações sociais existentes e permitir o uso eficaz da tecnologia. O uso da tecnologia requer um nível mínimo de letramento, assim, a capacitação e a formação de agentes multiplicadores que disseminem o uso e a importância da tecnologia, seja nas escolas, seja na própria comunidade, constitui elemento importante na definição de políticas públicas.