reconstituição em 3d das ruínas do povoado medieval do sabugal velho (aldeia velha, sabugal)

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    Reconstituição em 3D das ruínas do povoado

    medieval do Sabugal Velho (Aldeia Velha, Sabugal)Tiago Cabral (*) e Marcos Osório (**)

    1. Introdução As intervenções arqueológicas realizadas no povoado do Sabugal Velho, entre 1998 e 2002, permitiram denir a ocupação do local emdois momentos distintos: durante o I milénio a.C. e posteriormente nossécs. XII-XIII d.C. Esta derradeira presença humana no topo do relevodeixou evidências melhor conservadas das estruturas habitacionais edefensivas que compunham o núcleo populacional.

    Sendo já uma velha aspiração doGabinete de Arqueolo-gia do Município doSabugal, só agora sur-giu a possibilidade defazer a reconstituiçãoem 3D das ruínas ar-queológicas relativas aesta 2ª fase de ocupação(Fig. 1), no âmbito deuma colaboração como engenheiro topógrafoTiago Cabral.

     Ao longo dos anos, as ruínas do Sabugal Velho tinham despertadoimensa curiosidade nas pessoas, nomeadamente acerca da organizaçãourbana e das actividades quotidianas da população daquela época.

    Em publicações anteriores tinham já sido avançados algunsdados descritivos e interpretativos sobre o urbanismo e a arquitecturadeste aglomerado medieval (Osório, 2005; Osório, 2008a; Osório,2010). Com esta recente abordagem informática pôde-se reavaliar essescontributos e incluir alguns outros que, através destas ferramentas,foram agora ponderados.

     A reconstituição tridimensional da aldeia forticada, tomandocomo base as descobertas arqueológicas e os fundamentos históricos,

    Figura 1 - Modelo tridimensional do povoado do Sabugal Velho.

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    traz agora a público uma nova percepção sobre aquilo que noutrostempos existiu naquele local. Este modelo vem mostrar o que as ruínasarqueológicas por si só não conseguiam, suscitando ainda maiorcuriosidade aos visitantes.

     A sua utilização em sites da Internet ou na forma de simuladores

    de visita virtual, como aqui aconteceu, é mais um meio que o Municípiodo Sabugal dispõe para mostrar a aparência deste antigo núcleopopulacional e a forma como as populações aí viverem, sendo um génerode aplicação informática com grande potencial para a componente dedefesa do património arqueológico do Município (Gata, 2007: 9).

    Este artigo pretende mostrar também como a aplicação dos meiosinformáticos na Arqueologia é um instrumento auxiliar na análise dosdados proporcionados pelas escavações arqueológicas, possibilitandoainda, no caso dos softwares  3D, a sua utilização como ilustração edivulgação à população geral.

    2. MetodologiaO desenho tridimensional das ruínas foi desenvolvido no âmbito doestágio curricular de Tiago Cabral na Câmara Municipal do Sabugal, emcolaboração com o Gabinete de Sistemas de Informação Geográca (SIG)e o Gabinete de Arqueologia, permitindo o acesso à informação base que

     viria a servir de suporte ao desenho, nomeadamente o levantamentotopográco do local, no sistema de coordenadas Datum Lisboa (Hayford-Gauss Militar), e a planta esquemática da reconstituição hipotética dourbanismo, com a localização dos sectores escavados, elaborada a partirdo levantamento topográco e de uma fotograa aérea das ruínas em1958, pertencente ao Instituto Geográco e Cadastral (antiga designação

    do Instituto Geográco Português, IGP).Devido ao facto de se tratar de uma reconstituição urbanística,optou-se por tomar como ponto de partida a planta esquemática,encontrando-se a mesma no formato raster. Tornou-se necessário

    Figura 2 – Comando  Extrude  utilizado na criação e modelação dos sólidos durante oprocesso de reconstituição 3D das estruturas da planta no programa AutoCAD Civil 3D.

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    levar a cabo a georreferenciação e o desenho vetorial dos elementos,sobrepondo a planta ao levantamento topográco, utilizando para isso o

     Software ArcMap. Seguidamente procedeu-se à importação dos pontosde cota do levantamento topográco no  Software AutoCAD Civil 3D,a m de gerar o Modelo Digital de Terreno (MDT), que viria a servir

    de base à construção das casas, muros e muralhas. Posteriormente,procedeu-se ao alargamento da área envolvente através dos Softwares AutoCAD Civil 3D  e Google Earth, obtendo assim uma perspectivamais alargada do local.

     A denição do terreno é melhor no levantamento topográco, poiso nível de pormenor e concentração de pontos de cota que caracterizam olocal é maior. Assim, houve necessidade de fazer alguns ajustes, modelandoo terreno nas zonas de junção, a m de lhe conferir continuidade.

    Depois de ter o MDT nal, efetuou-se a importação da plantaesquemática, já georreferenciada e no formato vetorial, para o AutoCADCivil 3D, e procedeu-se à modelação 3D dos elementos da planta no

    Workspace 3D Modeling (Fig. 2).Terminado o processo de modelação 3D, seguiu-se a importaçãodo cheiro no  Software Google Sketchup, onde foram colocadas astexturas da estrutura (Fig. 3). Esta aplicação informática permite umamelhor gestão dos recursos de memória e processamento, permitindoassim uma renderização mais rápida. Ter o modelo 3D disponívelnos dois formatos constitui uma vantagem, pois o mesmo pode serconvertido num ou noutro formato, dependendo do m que se deseje,aproveitando assim as mais-valias de cada Software.

    Sobre o MDT, pensou-se na aplicação de uma ortofoto o maisantiga possível e no tratamento da sua imagem, de forma a nãoevidenciar grandes alterações feitas pelo Homem ao longo dos tempos.Depois de aplicado chegou-se à conclusão de que não iria retratar damelhor forma o local, uma vez que não existe informação sucienteque possibilite a recriação da constituição do terreno e pelo facto de a

    Figura 3 – Aplicação de texturas às estruturas reconstituídas no programa Google Sketchup.

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    ortofoto ter pouca denição quando próxima dos elementos do desenho.Optou-se então por aplicar uma cor entre um castanho relativo à terrae um verde relativo à vegetação, tendo a vantagem de, a morfologia doterreno, se destacar melhor numa cor sólida.

     As imagens utilizadas nas texturas são provenientes de pesquisas

    realizadas no motor de busca Google. Para o seu tratamento foiutilizado o Software Adobe Photoshop, este permitiu gerar um padrãode continuidade para cada uma delas, quando as mesmas são aplicadasao modelo 3D.

    Na fase nal do trabalho, foi denido um percurso virtual pelospontos de maior interesse do povoado. Seguidamente procedeu-se à renderização da animação 3D, permitindo a criação de váriosfotogramas que depois viriam a ser compilados através do  Software

     Adobe After Effects e que permitiu a criação de um vídeo. Esse vídeo viria posteriormente a ser editado no Software Edius (Canopus), pois omesmo permite uma melhor edição nal, já com um ajuste mais eciente

    no que concerne à temporização dos vários clips, às suas transições, aosefeitos, à colocação das etiquetas informativas com a designação doslocais de interesse, ao ajuste dos “faders” (quer ao nível do áudio, querao nível dos clips de vídeo), à equalização do som (ajuste de decibéis) eaos créditos nais do trabalho.

    O presente trabalho constitui um exemplo de como as diversasáreas prossionais se podem complementar a m de estabelecerprogressos na investigação do passado histórico. O contributo destetrabalho vai ao encontro do debate de ideias que poderá vir a serestabelecido entre os prossionais da Arqueologia. Representa apenasum anteprojecto, que pode ser melhorado com mais tempo e recursos.

    Tais melhoramentos podem passar por conferir um aspecto maisrealista às edicações, ao terreno e à vivência humana local.

    3. Critérios de reconstituição As intervenções arqueológicas no povoado medieval do Sabugal Velho tinham proporcionado diversas informações que permitiamcaracterizar, em linhas gerais, a primitiva sionomia desta aldeia e queserviram também de suporte a este trabalho (Osório, 2008a).

    Todavia, em qualquer projecto desta natureza, perantea necessidade de enunciação de outros aspectos relativos àtridimensionalidade e tipologia das estruturas, surgem naturalmente

    questões das quais não existem informações exactas, como por exemploa dimensão e a textura das estruturas em matéria perecível aplicadasnas coberturas, no fabrico das portas e no capeamento da muralha deterra batida. Esta constatação obrigou a repensar os dados, recorrendofrequentemente aos registos arquivados, mas fundamentalmenteà observação de paralelos em outras estações arqueológicas e nosaglomerados de arquitectura tradicional das Beiras (APP, 1988).

    Nos casos em que não se obtiveram elementos conáveis paraaplicar no modelo tridimensional, recorreu-se fundamentalmenteao bom senso, como critério. Mesmo assim, algumas das propostasavançadas são perfeitamente discutíveis e exigem uma eventual

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    reavaliação das fontes, a consulta de mais paralelos publicados e atéa realização de trabalhos arqueológicos complementares no local.Devem, pois, ser vistas apenas como conjecturas que considerámos,com grande probabilidade, terem sido utilizadas naquela altura.

    Passaremos agora a enunciar alguns dos critérios que utilizámos

    e a justicação das opções que tomámos neste trabalho.3. 1. Nas estruturas defensivasO Sabugal Velho possui dois alinhamentos defensivos: a cintura internade alvenaria de xisto e granito que contorna completamente o núcleourbano e que corresponde à reconstrução de uma muralha castrejapreexistente; e a estrutura defensiva externa, de terra batida, construídaapenas do lado poente (Fig. 1).

     A espessura da muralha interior foi determinada com base noregisto arqueológico e no levantamento topográco do talude de pedras,tendo uma dimensão média de 4 m, apesar de ser bastante variável

    (como se constatou nas escavações: Osório, 2005: 85), mas que nãopudemos representar com demasiado rigor no traçado geral.Não foram identicadas – quer

    na ortofoto ou no terreno – quaisquertorres adossadas exteriormente aopano de muralhas, em toda a cinturaamuralhada. Constata-se que as maisprimitivas construções defensivasmilitares medievais, na região do AltoCôa, eram constituídas por simplescercas defensivas sem torreões. Estes

    foram sendo acrescentados maistarde, a partir do séc. XIV (Monteiro,1999: 34), como por exemplo emSortelha (Osório, 2012: 105), como intuito de anquear as muralhase controlar ecazmente o assédioinimigo, no âmbito de novas soluçõesde arquitectura militar instituídas.

     A textura realista escolhidapara a reconstituição destaestrutura defensiva inspirou-se

    nos troços intactos identificadosnas sondagens do sector III (Fig.4), onde se verificou que a muralha fora edificada em alvenaria degranito fino amarelado e xisto acinzentado, de módulo mediano,formando um aparelho disforme e irregular, mantendo a aparênciada primitiva muralha castreja, mas aplicando maior quantidadede xisto nos troços reformulados nesta segunda fase de ocupação(Osório, 2005: 85-86).

     Assumimos apenas uma entrada no recinto interior, embora pudesseter outras não detectadas no local e no levantamento topográco, utilizáveiscomo portas falsas ou serventias de acesso aos terrenos de cultivo.

    Figura 4 – Comparação entre o troço damuralha escavado e a textura usada na

    sua reconstituição.

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    Sabemos pelasescavações que o actualacesso ao Sabugal

     Velho não correspondeà primitiva entrada no

     burgo amuralhado me-dieval (Osório, 2005:90). O paramento defen-sivo mantém-se sob ocaminho de terra batidaque acede ao topo,conforme foi possívelobservar nas escavaçõesdo sector III. Pela aná-lise da topograa e da

    fotograa aérea é perfeitamente visível uma abertura mais a sul desse

    carreiro (Fig. 6). Esta porta não era totalmente coincidente com o eixo deentrada da muralha exterior, gerando um acesso mais indirecto (Fig. 5).Considerando que qualquer anel defensivo teria um portão de

    madeira a fechar o acesso, seguimos a tipologia comum nas restantesforticações medievais da região, com porta de folha dupla, girando emtorno de dois eixos laterais, eventualmente com uma abertura menornum dos portados, para facilitar as entradas de indivíduos, sem abrirtodo o portão. Por suposição, achámos que a altura do portão chegariaaté ao topo da cerca defensiva, com 4 m de altura, e não previmosnenhum arco de entrada, dado o tipo de aparelho construtivo empregue.

     A forma de capeamento da muralha é impossível de determinar.

    O mais certo, pela sua tipologiae cronologia, é que não tivessequalquer sistema de ameias, masum aplanamento que permitissea circulação no topo, seguindoa tradição castreja da Idade doFerro mesetenha.

     A reconstituição damuralha exterior de terra batida,na encosta poente do relevo,poderá ser mais problemática

    (Fig. 1). O seu traçado semicircularé perfeitamente visível no local,tal como na fotograa aérea demeados do séc. XX (Fig. 6), e asua dimensão não se afasta muitodaquilo que ainda se conserva.

     Actualmente mantém cerca de 3m de altura e 6 m de espessurana base, mas consideramosque poderia ter primitivamentemaior volume, pois sendo uma

    Figura 5 – Um aspecto da primitiva entrada do povoado,com as duas linhas defensivas: a muralha de alvenaria in-terior e a cerca de terra batida externa.

    Figura 6 – Confronto entre a recente recons-tituição das ruínas e o excerto da fotograaaérea de 1958.

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    construção térrea, é natural que tenha perdido com a erosão parteda sua elevação máxima. Não sabemos se ela seria munida de umprovável fosso interno ou se a depressão que aí se observa não é apenasconsequência do aproveitamento do solo natural para a sua edicação(Osório, 2005: 90).

     A construção desta segunda cerca de terra reecte o evidenteempenho na defesa do povoado, compreensível à luz da instabilidademilitar dos séculos XII-XIII na raia entre leoneses e portugueses(Osório, 2008a: 10; Osório, 2010: 72). No entanto, comparando comoutras Vilas amuralhadas do Alto Côa, não é compreensível o motivodesta solução dupla e do recurso a distintas morfologias defensivas.Seria apenas um reforço externo devido à menor qualidade do anelcastrejo de alvenaria ou visava somente proteger o espaço entre as duasmuralhas, com intuitos agro-pecuários?

    Se esta estrutura não foi edicada com funções exclusivamentemilitares, mas pensada também para a protecção dos animais selvagens,

    ela tornava-se verdadeiramente eciente se fosse complementada comestruturas de madeira a rematar a cumeada do talude de terra, que dadoo seu carácter perecível são mais difíceis de detectar nas intervençõesarqueológicas.

     À semelhança de outros casos conhecidos, colocámos a hipótesedo uso de postes de madeira, talvez de carvalho (abundante na região),com uma altura máxima de 2,5 metros (Fig. 5). Estas hipotéticasestruturas verticais seriam certamente completadas com um entrançadode varas e ramos, sucientes para repelir fundamentalmente a entradade animais selvagens. Apesar de não ter sido representada, esta cinturaexterna teria também um sistema de fecho da entrada, que não foi

    possível conceber digitalmente.No entanto, esta nossa proposta para a muralha exterior équestionável e merecia a realização de sondagens arqueológicasespecícas neste talude, que permitissem assegurar a existência demarcas em negativo dos primitivos postes.

    3.2. No urbanismo A reconstituição dos arruamentos e dos espaços públicos desta aldeiafoi mais pacíca, devido ao bom estado de conservação da primitivamalha urbana do aglomerado, de traçado ortogonal.

    Neste trabalho seguimos as reexões anteriormente publicadas

    da existência de um eixo central, no sentido noroeste/sudeste, aolongo da cumeada do outeiro (Osório, 2008a: 10). Este arruamentoprincipal estendia-se ao longo de 200 m, mantendo 5 m de larguramédia, para o qual se abriam diversos edifícios e de onde arrancavampequenas transversais de acesso a outros espaços mais indenidos doaglomerado (Fig. 6).

    Junto à entrada é possível que houvesse um primeiro espaçopúblico, delimitado pela disposição e concentração dos edifícios (Fig.6). A principal artéria urbana não desembocava nessa área, mas asconstruções que fecham esse arruamento, a poente, convergem mesmopara o tal largo às portas da aldeia.

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    O edicado tende a concentrar-se no topo e na encosta meridionaldo relevo – área de maior exposição solar e abrigo de ventos dominantes,embora se reconheçam na ortofoto restos construtivos na encosta norte,onde o cultivo foi intenso (em séculos recentes) e consequentementea destruição foi maior (Fig. 6). Não possuímos dados sucientes para

    denir o eventual traçado urbanístico dessa área do aglomerado, sendoaté provável que não se expandisse para aí, nem para a extremidadenascente do outeiro amuralhado. Há ainda um outro facto inquestionável,que é a não utilização do pano de muralhas como estrutura de encostodo casario. A linha defensiva encontra-se praticamente desimpedida deedicações, talvez por razões de estratégia militar.

    Fora do arruamento principal deduzem-se outros pequenos blocos construtivos que parecem constituir conjuntos habitacionais e osrespectivos anexos. Foram assinalados aí alguns alinhamentos pétreosque, pela sua espessura e conguração, não devem corresponder aedifícios, mas a prováveis muros de pátios e quintais, como ainda hoje

    se observa em qualquer aldeia beirã.Estes muros de menor importância que aparecem por entre ascasas e que denem pequenos pátios internos, aos quais se daria acessopor cancelas de madeira (Fig. 8), foram reconstruídos virtualmentecom pouca altura e com menor espessura (50 cm). A textura atribuídaao seu aparelho é diferente da utilizada na muralha e nas casas, sendomenos cuidada, dados os seus meros propósitos de vedação.

    Na extremidade sudeste do povoado identicou-se um outromuro que fecha um grande espaço interno no povoado (Fig. 6), utilizadotalvez como redil de gado comunitário: para rebanhos, vacas, burros oucavalos. A presença de animais de carga está provada pelo aparecimento

    de vários cravos e ferraduras de pequeno tamanho, talvez de burro oude garrano, nas escavações efectuadas na ferraria descoberta na ruacentral do povoado (Osório, 2008b: 117).

    3.3. Na arquitectura As edicações medievais do Sabugal Velho são maioritariamente de

    planta rectangular, comuma dimensão média de9X6 m, sendo geralmenteamplas, sem quaisquerindícios de divisão

    interna, concentrandono mesmo espaço todasas actividades: cozinha,dormitório e até a loja dosanimais. Na generalidade,as paredes destes imóveistinham em média 70 cmde espessura, conformeos dados registados nasescavações (Osório,2008a: 11).

    Figura 7 – Idealização do aspecto que teria a rua prin-cipal do aglomerado.

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    Foram assinaladas algumas construções mais elaboradas quepoderiam ter funções de maior relevância no aglomerado, a par deoutras de dimensão reduzida. Se as edicações menores corresponderãoa anexos, arrecadações e lojas de animais, já os edifícios maiorespodem mesmo ter carácter comunitário, embora nenhum destes fosse

    interpretado, por exemplo, como a igreja, dado que não reuniamcaracterísticas arquitectónicas, orientação canónica ou artefactoslitúrgicos associados, que permitissem atribuir-lhes essa funçãoreligiosa, ao contrário do que aconteceu no povoado medieval de CariaTalaia (Osório, 2010: 68 e 71).

     As casas são unicamente de piso térreo, pois não se identicaramevidências de escadas interiores ou exteriores de pedra e porque aespessura das paredes também parece excluir essa possibilidade, talcomo já foi proposto anteriormente (Osório, 2008a: 12).

    Há quem defenda que não eram frequentes os edifícios com doispisos nesta época, especialmente num povoado de características rústicas,

    mas que estes começaram apenas a difundir-se nas grandes cidades apartir dos sécs. XVI-XVII (Gomes, 1987: 71, nota 139; Carvalho, 1989:38). Presentemente, segundo os estudos tipológicos sobre as antigascasas beirãs, este género de edifício térreo apenas perdura em escassaspovoações do actual concelho de Almeida (APP: 32, 42 e 43), sendoprimitivamente muito maior a sua difusão pelas terras do vale do Côa.

    Quanto às coberturas, tendo em consideração que os registosda intervenção arqueológica revelaram a inexistência de qualquerrevestimento cerâmico (telha de canudo) ou de pedra (lajes de xisto),concluímos que os edifícios do Sabugal Velho eram cobertos com materiaisperecíveis como giestas ou colmo (Fig. 9) (Osório, 2010: 66), como ainda

    hoje se observa nas regiões da serra da Estrela e de Montemuro (APP:71). Alguns autores defendem que esta solução era muito frequente naIdade Média (APP: 71; Conde: 253 e nota 102), pois criava uma coberturamais económica, mais leve para imóveis amplos e assegurava tambémuma temperatura mais confortável no interior das casas, numa região deinvernos rigorosos (APP: 71; Conde: 263, nota 102).

    E v i d e n t e m e n t ehaveria algumas estruturasde suporte dessas coberturas,não tão complexas comono caso dos telhados, mas

    recorrendo provavelmentea vigas, tábuas e ramosentrelaçados. Tendo emconta estas propostas,propusemos a possibilidadedos imóveis terem vários

     barrotes a sustentar ascoberturas, com cerca de6 m de dimensão e comsecção circular, colocados nosentido menor da cobertura.

    Figura 8 – Conjunto edicado em torno de um pátiointerno delimitado por muros.

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    Por outro lado, dadas as características dos edifícios, especialmentena rua principal, sucessivamente encostados entre si ao longo de 100metros de fachada paralela ao arruamento (Fig. 7), a única solução possívelera a utilização de coberturas de uma só água. Não havia outro recursode escoamento pluvial, dado que as casas eram lateralmente contíguas.

     Assim, partindo apenas do senso-comum e não de evidências arqueológicas,considerámos que estas coberturas deveriam pender sempre para astraseiras dos imóveis, tendo em conta que é bastante inconveniente a suaescorrência para os vãos da fachada.

    Fora da artériaprincipal já não se observaesta linearidade e simetriadas construções e existemmais arruamentos quequebram as adas edicadas.

     Aí observam-se alguns

    edifícios de maior dimensãoe de planta quadrangularque já poderiam tercoberturas de duas águas(Fig. 8 e 9), escorrendo--as, naturalmente, para aslaterais, sempre que issofosse possível.

    Salvo alguma excepção, o critério que utilizámos para a inclinaçãodas águas foi vertê-las para os espaços secundários de menor serventiae nunca para a fachada ou para os arruamentos.

    Naturalmente, as paredes do lado inclinado da cobertura seriammenos elevadas que as restantes. Ora, tendo em consideração um pédireito em torno dos 2,3 m (como é habitual nas casas tradicionais

     beirãs) e as portas com 1,8 m de altura, atribuiu-se às fachadas dosedifícios da rua principal uma elevação em cerca de 2,6 m, sendo asparedes posteriores de menor dimensão, apenas com 2,1 m, para darum desnível aproximado de 8 %.

     A localização exacta das portas nos edifícios reconstruídos foicoincidente, na maior parte dos casos, com as interrupções detectadasnos alinhamentos dos muros. Quando estas não eram visíveis nolevantamento topográco e na fotointerpretação, seguimos o critério

    de assinalar a entrada nas paredes que davam directamente para osarruamentos ou para os pátios internos. As portas foram desenhadas com 1 m de largura, excepto nos

    imóveis em que foram identicadas evidências arqueológicas deaberturas de maior dimensão, como por exemplo na ferraria da ruadireita (com cerca de 1,5 m) e nos portais dos pátios.

    Neste modelo arquitectónico tridimensional não guram as janelas (Figs. 7 e 9). Não obtivemos dados sucientes para determinara sua existência, dimensão ou regularidade de utilização. Tal como se

     verica ainda hoje nas casas tradicionais mais rústicas do Alto Côa, os vãos das janelas têm relativamente pouca importância no imóvel e é

    Figura 9 – Pormenor da solução que optámos para acobertura dos edifícios.

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    possível que apenas houvesse algumas de reduzida dimensão, mas nãoas incluímos em nenhuma fachada, por falta de noções exactas sobre asua representação gráca.

    Os restos conservados dos alicerces das casas revelam máqualidade construtiva, tendo sido empregue predominantemente o xisto,

    de mais fácil confecção e aprovisionamento local, em lascas regulares emedianas, assentes a seco, a par de alguns blocos de quartzito e granito,de maiores dimensões, na base das paredes. Nos cunhais e nos vãos dasfachadas deve ter sido utilizada cantaria de granito de boa qualidade(Osório, 2008a: 11), embora não tenham sido detectadas evidênciasmateriais que comprovem a hipótese, talvez porque a pedra tenha sidosistematicamente levada para as povoações limítrofes. Assim, não foipossível fazer a reprodução el e integral da sionomia do aparelhoconstrutivo, com o detalhe que pretendíamos, por estas indeniçõese por algumas outras diculdades de reprodução digital. Mesmoassim, o aspecto nal dos imóveis assemelha-se grandemente ao que

    é patente, ainda hoje, em muitos núcleos históricos da região do AltoCôa, mostrando que determinadas tradições construtivas perduraramaté aos nossos dias.

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  • 8/17/2019 Reconstituição em 3D das ruínas do povoado medieval do Sabugal Velho (Aldeia Velha, Sabugal).

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    S A B U C A L E

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     __________(*) Engenheiro topógrafo(**) Gabinete de Arqueologia do Município do Sabugal e Centro de Estudos

     Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto