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Organização do evento

Comissão Geral

Anete Abramowicz (UFSCar), Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (FPEI e UNICAMP), Mairise Ap.

Souza (FPEI e Consultora em Ed. Inf. e Ed. Ambiental), Maria Walburga dos Santos (FPEI e UFSCar),

Peterson Rigatto da Silva (FPEI, MIEIB, Diretor de Creche Municipal /Piracicaba), Renata Cristina

Dias Oliveira (FPEI e Coord. Pedag. SP), Solange Estanislau dos Santos (FASS), Suely A. Mello

(UNESP), Tatiana Noronha Souza (FPEI e UNESP/Jaboticabal).

Comissão Local (São Carlos)

Alexandre Rodrigo N. Silva (FPEI e Coord. Pedag. Creche/ USP), Andrea Moruzzi (UFSCar), Anete

Abramowicz (UFSCar), Beatriz Boriollo (Fórum Regional S. Carlos e UFSCar), Cleonice Maria

Tomazzetti (Universidade Federal de Santa Maria), Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (FPEI e

UNICAMP), Maria Auxiliadora Farias (Fórum Regional S. Carlos e Creche Comunitária Estrela da

Manhã), Maria Walburga dos Santos (FPEI e UFSCar). Suely Mello (UNESP), Tatiane Cosentino

(Fórum Regional S. Carlos e UFSCar)

Comissão Científica

Ana Lúcia Goulart de Faria (UNICAMP), Ana Paula Soares (USP), Anete Abramowicz (UFSCar),

Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto (UNESP/Marília), Elieuza Aparecida de Lima (UNESP),

Eloisa Acires Candal Rocha (UFSC), Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (FPEI e UNICAMP),

Ivone Garcia Barbosa (UFG), Jader Janer Lopes (UFF), Ligia Maria Leão de Aquino (UERJ), Lucia

Maria Lombardi (UFSCar/Sorocaba), Marcia Gobbi (USP), Maria Carmem Barbosa (UFRGS), Maria

Letícia Nascimento (USP), Maria Walburga dos Santos (UFSCAR), Michelle de Freitas Bissoli

(UFAM), Mônica Apezzato Pinazza (USP), Silvia Cruz (UFC), Suely Amaral Mello (UNESP), Tizuko

Morchida Kishimoto (USP), Vera Vasconcellos (UFF)

Comissão de Divulgação

Débora Alves Neto (Fórum Regional Santos, FPEI e Consult. Ed. Inf. de Santos), Alexandre Rodrigo

N. Silva (FPEI e Coord. Pedag. Creche/ USP), Flávia Cristina O. Murbach de Barros (FPEI e Docente

Ens. Superior/Ourinhos), Indyra A. P. Castellanos (FPEI e Coord. Pedg. SP), Márcia Satomi Tsuda

(FPEI/Gestora – SME/Presidente Prudente), Railda Barreto (FPEI – Gestora-SME/Presidente

Prudente), Renata Cristina D. Oliveira (FPEI e Coord. Pedag. SP), Solange Estanislau dos Santos

(FASS)

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ISSN 2448-1157

Comissão Orçamentária e Financiamento

Anete Abramowicz (UFSCar), Maria Walburga dos Santos (FPEI e UFSCar)

Colaboradoras/es

Adriana Maimone Aguillar (UFTM), Alexandre Rodrigo N. Silva (Creche/ USP), Alex Barreiro

(Faculdades Integradas Maria Imaculada), Ana Lúcia Goulart de Faria (UNICAMP), Ana Maria

Orlandina Tancredi Carvalho (UFPA), Anamaria Santana da Silva (UFMS), Ana Paula Cordeiro

(UNESP/Marília), Anete Abramowicz (UFSCar), Angela Maria Scalabrin Coutinho (UFPR), Beatriz

Boriollo (Creche/USP), Cassiana Magalhães (UEL), Celia Regina Batista Serrão (Universidade

Presbiteriana Mackenzie), Cleonice Maria Tomazzetti (UFSCar), Cleriston Izidro dos Anjos (UFAL),

Conceição de Maria Moura Nascimento Ramos (UFMA), Daniela Finco( UNIFESP), Dourivan

Camara Silva de Jesus (UFMA), Elieuza Aparecida de Lima (UNESP), Fabiana de Oliveira

(UNIFAL), Flávio Santiago (Doutorando FE/UNICAMP), Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros

(FIO),

Gabriela Guarnieri Campos Tebet (UNICAMP), Gabriel de Andrade Junqueira Filho (UFRGS),

Jaqueline Pasuch (UNEMAT), José Milton de Lima (UNESP/Presidente Prudente), Juliana

Campregher Pasqualini (UNESP/Bauru), Lúcia Lombardi (UFSCar/Sorocaba), Luciane Muniz

Ribeiro Barbosa (UNICAMP), Mairise Aparecida Souza (Fórum Paulista de Educação Infantil),

Márcia Anacleto (SME/Campinas), Márcia Satomi Tsuda (Gestora – SME/Presidente Prudente),

Marcos Garcia Neira (USP), Maria Walburga dos Santos (UFSCar), Mariete Félix Rosa

(FCG/FACSUL), Maristela Angotti

(UNESP/Araraquara), Marlene Oliveira dos Santos (UFBA), Mirian Lange Noal (UFMS), Nara

Soares Couto (SEE/SP), Narda Helena Jorosky (FIO), Paulo Fochi (UNISINOS), Peterson Rigato

Silva (Prefeitura Municipal de Piracicaba), Regina Aparecida Marques de Souza (UFMS), Renata

Cristina Dias Oliveira (Prefeitura do Município de São Paulo), Rosali Rauta Siller (SME/SMJ),

Rosânia Campos, Roselene Crepaldi (Instituto Singularidades), Sandra Regina Simonis Richter

(UNISC), Solange Estanislau dos Santos(FASS), Sônia Regina dos Santos Teixeira (UFPA), Soraya

Franzoni Conde (UFSC), Sueli Palmen (SME/Campinas), Suely A. Mello (UNESP), Sylvie Bonifacio

Klein (Prefeitura do Município de São Paulo), Tatiana Noronha de Souza (UNESP/Jaboticabal), Vera

Lucia Guerra (UEMS), Viviane Drumond(UFT), Zoia Ribeiro Prestes (UFF)

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O COPEDI - VII Congresso Paulista de Educação Infantil

III Simpósio Internacional de Educação Infantil

O Congresso Paulista de Educação Infantil – COPEDI – em sua sétima versão e o III Simpósio

Internacional de Educação Infantil, é evento tradicional de reconhecida importância no cenário

nacional na área de Educação Infantil. Organizado pelo Fórum Paulista de Educação Infantil, congrega

pesquisadores/as, professores/as, especialistas, estudantes e demais interessados/as nos debates,

pesquisas e proposições em relação à infância, às crianças e seus direitos e à Educação Infantil,

ancorado em três pilares: políticas, práticas e teorias refletidos, em 2015, na temática “Eu ainda sou

criança… Educação Infantil e resistência: os lugares das infâncias na educação e nas lutas políticas”.

As duas últimas versões ocorreram na Universidade de São Paulo/USP. Pela primeira vez, a realização

do evento se dará em uma Universidade Federal, no interior do estado, a UFSCar, localizada em São

Carlos.

Com metodologia própria dos congressos contará com conferências de abertura e fechamento, mesas

de debates temáticos, apresentação de trabalhos de pesquisa ou relatos de experiências (nas Formas

Oral, Pôster e Vídeo), além de Oficinas Pedagógicas e Atividades Culturais, prevendo a participação

de convidados estrangeiros e do Brasil como um todo, a partir do trabalho efetivado realizado por uma

Comissão Científica referendada pelo campo.

Durante o evento, ocorrerá assembleia do Fórum Paulista de Educação Infantil, com processo de

escolha do grupo gestor do Fórum para o próximo triênio.

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Índice Geral

Eixo 1 ................................................ p.010

Eixo 2 ..................................................p.112

Eixo 3 .................................................p.195

Eixo 4 ..................................................p.351

Eixo 5 ..................................................p.431

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Sumário

ÍNDICE GERAL ............................................................................................................. v

EIXO 1

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E PARA A

INFÂNCIA.....................................................................................................10

BRINCANDO PARA APRENDER OU APRENDER BRINCANDO A

LUDICIDADE NO COTIDIANO DA CRECHE.................................................... 11

EDUCAÇÃO INFANTIL, POLÍTICAS PÚBLICAS E A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES/AS ................................................................................................ 26

A OBRIGATORIEDADE DA PRÉ-ESCOLA: EDUCAÇÃO COMO

“INVESTIMENTO” PARA A COESÃO SOCIAL? ............................................... 37

LUGAR DA INFÂNCIA FRENTE À NOVA LEI: OS DESAFIOS DA ESCOLA

PÚBLICA COM A INSERÇÃO DE CRIANÇAS DE 5-6 ANOS NO ENSINO

FUNDAMENTAL ................................................................................................... 49

POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO

MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO

INTEGRADOR PARA A INFÂNCIA PAULISTANA .......................................... 61

O PROINFÂNCIA E AS TESSITURAS DA PRÁTICA DE UMA EMEI EM

PORTO ALEGRE/RS: CONSTITUIÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

PEDAGÓGICO ........................................................................................................ 72

A ANTECIPAÇÃO DA ESCOLARIDADE ATRAVÉS DE MANDADOS DE

SEGURANÇA: PERCEPÇÕES DE PAIS SOBRE A PRÉ-ESCOLA1 ................. 85

EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL JUNTO A INFÂNCIA ..................... 99

EIXO 2

TEMPOS, ESPAÇOS, RELAÇÕES E INFÂNCIAS: BASES

EPISTEMOLÓGICAS ........................................................................................ 112

O RESGATE DO LÚDICO E DO SIMBÓLICO: O ENSINO DO JOGO DE

XADREZ EM VIGOTSKI. .................................................................................... 113

BRINCADEIRAS DE FAZ DE CONTA NOS ESPAÇOS TEMPOS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................................................... 126

“DO DESENHO AO MAPA: REPRESENTANDO OS ESPAÇOS.” ......................... 139

AS INTER-RELAÇÕES ENTRE A LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO

INFANTIL ............................................................................................................. 144

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ÁGORA: OCUPAÇÕES INFANTIS DOS PROCESSOS DE ESCOLHAS E

TOMADAS DE DECISÃO ACERCA DA ROTINA E DO CURRÍCULO ......... 156

MEDIAR A LEITURA DO LITERÁRIO PARA PROMOVER A FORMAÇÃO

LEITORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................. 169

BRINQUEDOTECAS NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

INFANTIL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA ................... 182

EIXO 3

FORMAÇÃO DOCENTE .......................................................................................... 195

O CONFRONTO DAS VOZES NO DIÁLOGO DE PROFESSORES DE

EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRE SEU PRÓPRIO TRABALHO ....................... 196

A ATUAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDOS PRÁTICAS EDUCATIVAS E

FORMAÇÃO DOCENTE-GEPETE/UFMS: DISCUSSÕES SOBRE A

EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA ............................................................ 209

EU CANTO PRA VOCÊ: SABERES MUSICAIS DE PROFESSORES DA

PEQUENA INFÂNCIA1 ....................................................................................... 217

SABERES DOCENTES SOBRE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

.......................................................................................................................240

ABRINDO A CAIXA DE COSTURA PARA UMA “COSTURAÇÃO” NA

EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................................................... 243

FORMAÇÃO CONTINUADA NAS VIVÊNCIAS COTIDIANAS DE

PROFESSORAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA NA

PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL ........................................................ 256

O COORDENADOR PEDAGÓGICO COMO EIXO DA FORMAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NO CONTEXTO DA

EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................................................... 266

OS DOCUMENTOS OFICIAIS, A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A

EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL ................................................................ 276

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CRECHE NO CONTEXTO DAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS: A ANÁLISE DO

RELATÓRIO DE GESTÃO CONSOLIDADO NO EXERCÍCIO 2014 DO

GOVERNO FEDERAL. ........................................................................................ 290

DOS LIVROS PARA A VIDA REAL: APRENDENDO A GESTAR UMA

ESCOLA DA INFÂNCIA. .................................................................................... 312

A MODALIDADE EAD E O DESAFIO NA QUALIFICAÇÃO DAS PRÁTICAS

EDUCATIVAS COM CRIANÇAS: O ESTÁGIO COMO ESPAÇO DE

INVESTIGAÇÃO. ................................................................................................. 317

POR UMA FORMAÇÃO DOCENTE MAIS COMPLEXA E REFLEXIVA

BASEADA NAS IDEIAS DE EDGAR MORIN .................................................. 330

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SENTIDOS DA ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA EM CIRCULAÇÃO NAS RELAÇÕES

COTIDIANAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................... 338

EIXO 4

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: CULTURAS INFANTIS E PRODUÇÃO

CULTURAL PARA E COM OS BEBÊS E AS CRIANÇAS ........................... 351

A CONTAÇÃO E RECONTAÇÃO DE ESTÓRIAS COMO FERRAMENTA

PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

EXPERIMENTAÇÃO PARA E COM AS CRIANÇAS..............................352

ESPAÇOS UTILIZADOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O BRINCAR ............ 362

PROJETO: JOÃO E MARIA NO PARQUE DE PNEUS ............................................ 363

OS BEBÊS E O CESTO DAS POSSIBILIDADES: UMA RELAÇÃO DE

DESCOBERTAS, ENCANTOS E APRENDIZAGENS ...................................... 375

AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E A

LINGUAGEM LÚDICA ....................................................................................... 388

EMEI GABRIEL PRESTES PROVOCANDO EDUCAÇÃO INTEGRAL A CEU

ABERTO ................................................................................................................ 402

BERIMBAU CHAMOU: PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS

PEDAGÓGICOS POR MEIO DOS SABERES PERTENCENTES À

CULTURA CAPOEIRA ........................................................................................ 415

O ATELIER NA ESCOLA DA INFÂNCIA ................................................................ 420

LUDIBUS DA FFC- UNESP- CAMPUS DE MARÍLIA: UMA BIBLIOTECA,

BRINQUEDOTECA E ATELIÊ MÓVEIS PARA ENCANTAR AS CRIANÇAS

DA EDUCAÇÃO INFANTIL. .............................................................................. 421

EIXO 5

INFÂNCIAS, CRIANÇAS, DIVERSIDADE E DIFERENÇAS ....................431

CONTANDO E LENDO O ORIENTE POR MEIO DE HISTÓRIAS

TRADICIONAIS .......................................................................................... .........432

A LITERATURA INFANTIL LIBERTANDO CRIANÇAS ....................................... 448

PRÁTICAS RELIGIOSAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE UMA ESCOLA

PÚBLICA LAICA ................................................................................................. 461

OS (DES) CAMINHOS DA INFÂNCIA: TENDÊNCIAS E DESAFIOS

CONTEMPORÂNEOS NA IDENTIDADE DO SER CRIANÇA ....................... 471

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Eixo 1

Políticas públicas para a Educação

Infantil e para a Infância

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BRINCANDO PARA APRENDER OU APRENDER BRINCANDO A LUDICIDADE NO

COTIDIANO DA CRECHE

Adelaide Joia

RESUMO

O artigo ora apresentado visa discutir o lugar que a ludicidade ocupa hoje na educação infantil,

especialmente nas creches, assim como as contradições existentes entre as teorias e práticas. O

município pesquisado é Caieiras/SP, cuja proposta curricular sofreu mudança a partir de 2009,

passando da tradicional forma de atendimento, na qual a dicotomia entre o cuidar e o educar estava

evidenciada na rotina – com horários determinados para atividades de cuidado e horários

determinados para atividades educacionais – para uma proposta que privilegia o brincar e

aparentemente integra o cuidar e o educar. O objetivo foi o de compreender a viabilidade de uma

proposta pedagógica, que foi gestada e implantada por terceiros – equipe técnica da SME – sem a

participação das educadoras, que atuam diretamente com as crianças. Como essas profissionais se

posicionaram à época da implantação do novo modelo, e como atuam neste novo cenário,

lembrando que as mesmas não são profissionais da carreira do magistério e a formação mínima

exigida para a participação nos concursos de ingresso, para a respectiva função, é de ensino

fundamental. A fim de captar as intenções no dinamismo da prática utilizei técnicas de observação,

por meio de anotações em caderno de campo e entrevistas semiestruturadas realizadas com as

profissionais.

Palavras-chave: Educação Infantil. Creche. Ludicidade. Brincadeiras. Aprendizagem.

Introdução

O presente artigo visa apresentar minha tese de doutorado defendida no ano de 2015 na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, a qual buscou discutir e compreender o lugar que a ludicidade

ocupa hoje nas instituições de educação infantil, em especial nas creches, bem como, as

contradições existentes entre as teorias e as práticas.

O município escolhido para a realização da pesquisa foi Caieiras, localizado na região

metropolitana de São Paulo. Uma cidade que conta com uma população infantil de 0 a 5 anos de

cerca de 4970 crianças (MEC/INEP/2011) e uma rede municipal de ensino que atende 1.553

crianças (IBGE/INEP/ MEC/2012), distribuídas em 23 creches e pré-escolas da rede municipal.

A opção metodológica do estudo foi pela realização de uma pesquisa qualitativa, que se

revelou como um estudo de caso. Conta com uma parte teórica – seções 1 e 2 – e uma parte

empírica – seções 3 e 4. A seção 1 apresenta e discute a literatura e a legislação que versa sobre a

educação infantil, especialmente a creche e as especificidades das crianças pequenas; a seção 2

faz uma discussão acerca da importância das brincadeiras na vida das crianças e, portanto, a sua

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importância nas instituições de ensino; a seção 3 apresenta a municipalidade em questão – a rede

municipal de Caieiras e a creche onde foi realizada a pesquisa empírica – com algumas análises e

seção 4 apresenta os dados coletados (observação participante e entrevistas semiestruturadas) com

as respectivas análises e resultados.

O objetivo do trabalho foi o de compreender se na nova configuração das creches (com

ofertas de brinquedos) as crianças, de fato, estão brincando mais e como ocorrem as brincadeiras.

E a pergunta que permeou todo o trabalho foi: - Qual o lugar que a ludicidade ocupa hoje nas

instituições de educação infantil de zero a três anos e as possíveis relações e contradições

estabelecidas entre as teorias que apontam para uma educação infantil integral e as práticas

vigentes?

Avanços e desafios

As discussões, pesquisas e produções acadêmicas acerca da infância no Brasil ocorridas

nas três últimas décadas contribuíram para uma série de avanços e conquistas no âmbito das

políticas públicas para a primeira infância, tanto no campo da proteção integral e especial, quanto

no da educação, haja vista a creche e a pré-escola que passaram a compor a educação infantil e

esta a primeira etapa da educação básica. Nessa configuração, a creche passa a ser, pelo menos do

ponto de vista legal, um espaço institucional de direito integral das crianças pequenas.

Todavia ainda há muito por se fazer para que, de fato, tal direito seja assegurado,

especialmente no que se refere à faixa etária de zero a três anos. Não obstante a meta do novo

PNE (repetindo a anterior) ser a de garantir até 2024 o atendimento a 50% das crianças em creches,

a cobertura hoje no Brasil está em torno 27,9 % (20131), sendo que em algumas regiões o

percentual é ainda menor.

Não é por acaso que a educação da criança pequena foi e continua sendo objeto de inúmeros e

intensos debates na área. Nos dias atuais além das vozes femininas – das mães trabalhadoras –

gritarem pelo direito a creche para seus filhos; estudos da psicologia, da pedagogia, da

neurociência entre outros, corroboram com a causa apontando que os primeiros anos de vida são

fundamentais para o desenvolvimento do ser humano e que, portanto, garantir os cuidados e a

Fonte: IBGE/Pnad

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educação das crianças nessa peculiar fase de desenvolvimento deve ser uma obrigação do Estado,

da família e da sociedade.

Na literatura encontram-se argumentos enfatizando que educar crianças pequenas não

significa escolarizá-las, ao contrário, na educação das crianças devem estar contemplados todos

os seus direitos, ou seja, o respeito, o cuidado, a proteção, a ludicidade, a afetividade, as interações,

entre outros, considerando-se as diferentes linguagens, especialmente o corpo e o movimento.

Dentre os autores que enfatizam a importância do brincar no processo educacional das

crianças, podem-se destacar os estudos de Vygotsky (1988), Moyles (2002), Kishimoto (2007),

Brougère (2008), Carneiro e Dodge (2007) e Friedmann (2013).

O Estado Brasileiro também assumiu compromissos com as suas crianças por meio de

importantes leis, como por exemplo, a Constituição Federal, que em seu art. 227 estabelece uma

série de direitos; na mesma linha e mais diretivamente à criança, o ECA, que no art. 16, item IV,

declara o direito da criança ao brincar, praticar esportes e divertir-se e a Declaração dos Direitos

da Criança um documento extremamente importante, que deveria ser diretriz para as políticas da

infância, (1959), com seus 10 princípios, que foram ratificados pelo Brasil, é bem pouco utilizado

nos projetos pedagógicos.

Não obstante os compromissos legais e a produção teórica, observa-se que o tripé –

ludicidade, afetividade e cuidado – tem ocasionado grandes descompassos entre as propostas

pedagógicas e as práticas vigentes.

Do ponto de vista legal o resultado dessa luta emerge – por força dos movimentos sociais

– na Constituição Federal, em 1988 e se consolida na década de 1990, com a Convenção dos

Direitos da Criança (1990), o ECA (1990), a LDB (1996), os RCNEI (1998), as DCNEI (1999),

entre outros documentos oficiais e publicações diversas – nacionais e internacionais – que versam

sobre a temática e reforçam a importância do cuidar e educar de forma integrada, assim como a

importância dos jogos, brincadeiras e da fantasia no desenvolvimento físico, social e intelectual

das crianças desde a mais tenra idade.

Além dos documentos oficiais, é fundamental destacar a existência de importantes

instâncias de âmbito nacional de discussão e luta em prol das crianças, como o Fórum Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), o Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente (CONANDA), a Rede Nacional pela Primeira Infância (RNPI), além

dos organismos multilaterais e de todos os outros conselhos estaduais e municipais e Redes de

Defesa e Proteção à Criança.

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À luz dessa trajetória – de avanços legais e produção acadêmica – percebe-se que nesses

últimos 30 anos houve uma significativa mudança de paradigma, no que se refere ao atendimento

à criança pequena, entretanto a impressão que se tem é que a mudança refletida na organização

dos espaços institucionais não altera a concepção de atendimento à criança pequena, ou seja, houve

troca de mobília e de algumas práticas, mas os objetivos da educação infantil continuam os

mesmos, que é o de preparação da criança para a escolarização e não o de garantir o direito à

criança de vivenciar, experienciar o que ela pode e precisa agora no seu tempo, enquanto é ainda

uma criança pequena em peculiar fase de desenvolvimento.

Hoje já não é mais absurdo defender a importância das brincadeiras nas creches e pré-

escolas, ao contrário, é quase um consenso, pelo menos nos discursos e também na aparência, haja

vista a organização do espaço com pouca mobília e oferta de brinquedos. Assim, o que intriga

nessa nova forma de atendimento, não é a implementação da ludicidade como o carro-chefe da

instituição logicamente, mas a concepção de educação infantil que ainda paira nas respectivas

instituições de atendimento e nas instâncias formuladoras da política.

A hipótese levantada, que se revelou real, é que mudou apenas o aspecto físico da creche,

a aparência, hoje no lugar da antiga mobília – berços, quadrados, pequenas mesas e cadeiras –

encontram-se tapetes, almofadas, cantos temáticos organizados com brinquedos diversos, mas a

concepção de atendimento continua como a de anos atrás, tendo em vista que uma considerável

parcela de profissionais que atuam diretamente com as crianças continua leiga e com extensas

jornadas de trabalho, não contam com horários de trabalho pedagógicos coletivos e individuais e

as práticas continuam cindidas, revelando que as atividades de cuidado não são compreendidas

como educativas e ocorrem em paralelo àquelas consideradas “educacionais”.

Para chegar a esta constatação fez-se necessário responder à pergunta mãe desse trabalho,

que se desdobrou em outras:

As brincadeiras, juntamente com as interações, são realmente o foco do currículo das

creches?

Qual o lugar que a ludicidade ocupa hoje na educação infantil (creche) e as contradições

existentes entre as teorias e as práticas?

O que pensam os gestores e educadores da creche acerca da importância do brincar, tendo

em vista que ora está ausente, ora presente e ora é imposto enquanto obrigação para as crianças.

Se as crianças estão de fato brincando mais, como ocorrem as brincadeiras? E com quem as

crianças brincam?

Qual a visão das educadoras sobre o brincar?

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Quais os tempos das brincadeiras?

Quais as intenções de quem brinca?

Quem planeja as brincadeiras?

Como a criança é vista pelos adultos da creche?

O que mais a criança faz na creche, além de brincar?

A criança está sendo ouvida e respeitada enquanto sujeito de direitos em peculiar fase de

desenvolvimento?

Como ocorrem as interações dos adultos com as crianças?

Para responder tais questionamentos e constatar a hipótese se fez necessário compreender

como ocorreu a transição das creches das Secretarias de Assistência Social para as Secretarias de

Educação. Como as creches estão alocadas no sistema de ensino, as secretarias municipais de

educação, que até então não tinham tradição de trabalho com os pequenininhos, precisaram se

reestruturar a fim de assimilar ou adaptar o trabalho realizado com as crianças da creche no

currículo educacional.

Observou-se que novas propostas curriculares estão sendo implantadas e implementadas

nas redes de creche, restava saber como estaria ocorrendo a implementação, ou seja, como a

prática docente (o dia a dia) dialoga com a proposta pedagógica da Secretaria de Educação.

Para compreender a implantação do currículo buscou-se desdobrar o objeto de estudo em

itens:

Estudar a prática vigente nas instituições de atendimento à criança pequena à luz legislação

municipal e federal, da literatura e dos documentos oficiais do MEC para a educação Infantil.

Analisar como essa nova prática pedagógica vem sendo implementada, ou seja, como o

trabalho docente (no dia a dia) dialoga com a reposta pedagógica da Secretaria de Educação.

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Conclusão

Após a coleta de dados, procedeu a organização dos mesmos em categorias, para a

realização das análises. As técnicas utilizadas para análise do trabalho foram: leitura atenta dos

registros coletados na observação; transcrição, categorização e análise das entrevistas, análise dos

documentos e fotografias e cotejamento desse resultado com o referencial teórico.

A pesquisa de campo buscou captar as concepções e as práticas de atendimento às crianças,

isto é, de que forma as educadoras compreendem e exercem as suas atividades. E a revelação foi

que o contexto educacional atual é bastante complexo, pois, ao mesmo tempo em que as

educadoras tentam, por um lado, inserir em seus cotidianos as brincadeiras, que é uma

determinação da Secretaria Municipal de Educação, por outro lado, essas educadoras trazem

consigo “uma crença” de educação tradicional, pautada na rigidez, disciplina e silêncio, que

conflita o brincar e a alegria com as aprendizagens, e por isso, ainda que de forma velada, mantêm

os objetivos e metas a serem alcançados pelas crianças, como apoios para o trabalho.

A análise dos dados evidenciaram que, no tocante às “atividades pedagógicas” existe uma

lacuna entre a proposta da rede municipal e a sua efetivação na prática, e que tal lacuna consiste

em mais de uma questão. Uma delas pode-se dizer que está na ausência da formação inicial e

continuada das educadoras da creche. Como essas profissionais são leigas e cumprem uma extensa

jornada de trabalho, sem horário para estudos, por mais que exista boa vontade, não é possível

compreender, e mais que isso, implementar uma proposta de trabalho que tenha como foco o

brincar. Os dados coletados indicam que a proposta de trabalho não está clara e transparente para

as profissionais da unidade pesquisada, e sendo assim, elas acabam por desempenhar o trabalho

baseadas em suas intuições e no senso comum.

A pesquisa aponta que o conflito é gerado devido à incompreensão das educadoras frente

à nova proposta pedagógica, a qual lhes diz que devem ensinar as crianças brincando. Ouvindo

seus relatos foi possível constatar que, embora tentem, não conseguem compreender como é

possível demonstrar o aprendizado das crianças – que em suas concepções ainda é o aprendizado

escolar – sentem falta dos registros das crianças nos cadernos e folhas, onde, segundo a professora,

era palpável e visível a aferição ou não do conhecimento (escolar) das crianças. Naquele modelo

era possível inferir, agora se sente insegura.

A falta de escuta, as práticas autoritárias, a rigidez no tratamento, a padronização e as

punições aos pequenos não foram momentos raros na unidade, ao contrário foram os mais

recorrentes e marcantes, evidenciando assim a distância a percorrer para garantir uma educação

de fato integral às crianças.

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Essas questões merecem destaque, pois, os documentos oficiais ratificam que os cuidados,

a educação e a interação são ações imprescindíveis no trato com as crianças e só podem ocorrer

de forma indissociável.

De acordo com os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (PNQEI),

volume 1,

[...] para que sua sobrevivência (da criança) seja garantida e seu crescimento e

desenvolvimento sejam favorecidos, para que o cuidar/educar sejam efetivados,

é necessário que sejam oferecidas às crianças dessa faixa etária condições de

usufruírem plenamente suas possibilidades de apropriação e de produção de

significados no mundo da natureza e da cultura. As crianças precisam ser

apoiadas em suas iniciativas espontâneas e incentivadas a:

Brincar;

Movimentar-se em espaços amplos e ao ar livre;

Expressar sentimentos e pensamentos;

Desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de expressão;

Ampliar permanentemente conhecimentos a respeito do mundo, da

natureza e da cultura apoiadas por estratégias pedagógicas apropriadas;

Diversificar atividades, escolhas e companheiros de interação em creches,

pré-escolas e centros de Educação Infantil (PNQEI, p.18/19).

Outra questão observada relaciona-se à política educacional do município, pois, não

obstante a modificação visual, a implantação dos cantos temáticos e a leveza do ambiente, o fato

de não existir uma proposta curricular na rede, fragiliza as educadoras que não têm onde se

subsidiar e se apegar. Elas ficam o tempo todo se justificando, parece que tentando convencer a si

próprias sobre a importância do brincar. Parece que quando brincam estão perdendo tempo e por

isso justificam e estabelecem objetivos. Nessa correria não conseguem ou não priorizam escutar

as crianças, observar e registrar suas práticas.

Outro fator, não menos importante, está implicado no currículo dos cursos de pedagogia

que, não corrobora com uma formação docente que perceba e compreenda a criança para além de

aluno, que a veja como cidadã de pouca idade, que precisa ter todas as suas potencialidades

trabalhadas e que carece ser compreendida como sujeito em peculiar fase de desenvolvimento.

Mais um ponto nevrálgico que pode ser apontado ao trabalho das professoras está

relacionado às avaliações externas e mais recentemente ao Pacto Nacional pela Alfabetização na

idade Certa (PNAIC), que por não serem trabalhados de forma agregadora ao processo de ensino

e aprendizagem das crianças, chegam para as professoras e gestoras em forma de cobrança de

resultados, sem considerar as especificidades da infância e o percurso das crianças.

Tendo em vista este panorama e dialogando com a revisão bibliográfica que defende um

projeto de educação integral contemplando o tripé educação, cuidado, ludicidade, a conclusão é

que os estudos existentes sobre a educação das crianças pequenas são insuficientes e mal

distribuídos, pois na creche estudada não havia sequer um livro relacionado à primeira infância,

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nem mesmo as publicações oficiais do MEC, como as Diretrizes Curriculares (DCNEI), os

Parâmetros curriculares (PNQEI), os Indicadores de qualidade (INDIQUE), ou qualquer outro.

Só esses motivos já são indicativos suficientes para afirmar que é muito difícil, para não

dizer impossível, inovar, trabalhar numa perspectiva de educação integral, favorecer a ludicidade,

o afeto e o cuidado.

Não obstante o objetivo do estudo fosse discutir sobre a importância das brincadeiras no

interior das instituições de educação infantil, a presente estudo revela que, apesar das tentativas,

não é possível haver mudança de concepção sem que haja também muito investimento na

formação docente.

Os tradicionais métodos de ensino estão de tal forma enraizados, impregnados nos

professores que, para desconstruí-los torna-se necessário repensar o atual pragmatismo docente.

Para tanto, é necessário e urgente repensar os cursos de formação de professores, de modo a

aproximá-los das novas realidades.

Uma vez que as alunas dos cursos de pedagogia são ou serão professoras de alunos reais,

não raras vezes do mesmo município onde estudam e/ou trabalham, a política pública precisa

pensar mecanismos que aproximem as universidades das redes de ensino, de modo a estabelecer

um diálogo entre as teorias e as práticas.

Enquanto professora de curso de pedagogia é possível perceber que não raras vezes as

secretarias de educação dificultam os estágios para as estudantes, que na sua visão, acabam por

atrapalhar o fluxo normal do trabalho. Em contrapartida, enquanto poder público, sentimos falta

da universidade mais presente nos espaços públicos, trocando e alimentando teoricamente as

educadoras. Por que não agregar as políticas de formação e de atendimento?

Outra questão urgente a ser revista na política de atendimento à criança pequena é o

financiamento. É fato que o Fundeb trouxe importantes avanços no que se refere ao atendimento

aos mais pequenininhos, todavia, após a euforia da conquista, é hora de rever os repasses.

Carreira e Pinto (2007) ao apresentarem o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) trazem uma

discussão na qual apontam uma série de problemas nos insumos relacionados aos trabalhadores

em educação, entre os quais pode-se citar a fragmentação das políticas de formação, o não

reconhecimento da profissão docente para além dos profissionais do magistério (se aplica bem na

creche) e os baixos salários (p. 29). Pois o que se observa na realidade das creches brasileiras é

um grande número de profissionais leigos contratados a baixo custo, sem o crivo da qualificação

e, portanto da carreira docente.

Para a equalização desses problemas, a única medida visualizada pelo CAQi seria a

ampliação do investimento nessa etapa de ensino, o que até hoje ainda não ocorreu. De acordo

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com os cálculos previstos no CAQi, o valor por criança-ano deveria ser (em 2006) de R$ 3.783,00

(sem considerar as despesas com a alimentação), que ao contabilizar a alimentação, passaria para

R$ 4.139,00.

A Portaria Interministerial nº 19 de 27 de dezembro de 2013 define em seu anexo I, os

seguintes valores aluno/ano da educação infantil, a serem repassados em 2014 ao estado de São

Paulo:

Creche integral R$ 3.944,06

Creche parcial R$ 3.033,89

Pré-escola integral R$ 3.944,06

Pré-escola parcial R$ 3.033,89

Observe que o repasse referente ao período integral é muito próximo do parcial,

dificultando com isso, a vida dos gestores que precisam ofertar a creche (de modo geral) em

período integral.

Considerando que o quadro de pessoal da creche (período integral) é praticamente o dobro

do quadro de uma pré-escola (parcial) torna-se inviável manter os profissionais de ambas as

instituições, com as mesmas jornadas de trabalho e pagando salários equivalentes.

Uma luz que se acende nesse caminho obscuro é a recente aprovação do novo Plano

Nacional de Educação (PNE) que entre outros avanços, estabelece na meta 20 a ampliação de

recurso para a educação pública;

Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete

por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo,

o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.

Finalmente vale dizer que a experiência resultante desse trabalho enquanto pesquisadora

trouxe além de muitas aprendizagens, bastante energia para se manter na luta em defesa de uma

educação infantil pública e de qualidade, em defesa de uma pedagogia não escolarizante e em

defesa dos direitos da criança.

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EDUCAÇÃO INFANTIL, POLÍTICAS PÚBLICAS E A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES/AS

Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho

RESUMO

O artigo tematiza as políticas públicas em vigor no Brasil destinadas à formação de professores

que atuam na Educação Infantil. Analisa o Programa de Formação Inicial para Professores em

Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) que objetiva habilitar os docentes que se encontram

exercendo a docência sem a formação exigida pela legislação. Utiliza a pesquisa bibliográfica e

documental, investigando em documentos, publicações, pesquisa online, relatórios do Proinfantil

e na vivência da autora como docente do programa. Focaliza o trabalho desenvolvido pela

Universidade Federal do Pará/Instituto de Ciências da Educação/Grupo de Estudos e Pesquisa em

Educação Infantil – IPÊ, em 2008 e 2009, nos Estados de Rondônia e Amazonas. Destaca a

importância do Proinfantil para a qualificação docente. Afirma a necessidade de políticas públicas

para a Educação Infantil e a contribuição do Programa para os cursistas e docentes.

Palavras chave: Formação de Professores; Educação Infantil; Proinfantil.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo evidenciar as políticas públicas relativas à Formação do

Professor de Educação Infantil em vigência no Brasil e analisar uma dessas políticas - o Programa

de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil – o Proinfantil e seu

impacto no trabalho docente e na busca de qualificação do/a professor/a de Educação Infantil.

Este estudo envolve dois Estados da Região Norte – Amazonas e Rondônia e discute o

papel das Universidades Federais. E de modo especial da Universidade Federal do Pará - UFPA

no que concerne à qualificação docente, visto que esta Instituição de Ensino Superior por meio do

Instituto de Ciências da Educação/Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil – IPÊ

assumiu o desafio de gerenciar atividades de formação dos quadros qualificando aqueles que iriam

atuar diretamente na formação professores para o exercício do magistério na primeira etapa da

Educação Básica.

O envolvimento da autora deste artigo com o Proinfantil inicia com a elaboração dos

módulos referentes à parte pedagógica, foi uma das assessoras. Posteriormente, como

representante da Universidade Federal do Pará para discutir a participação desta Instituição no

Programa, fato que ocorreu em 2007 em reunião no Ministério da Educação/Coordenadoria Geral

de Educação Infantil e em Belém e compartilhar a decisão de a Universidade Federal do Pará, por

meio do Instituto de Ciências da Educação, Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil

– IPÊ atuar na Região Norte. E finalmente como docente ministrando aulas em todas as etapas de

formação de quadros para o exercício do magistério na Educação Infantil, nos dois Estados,

territórios deste estudo.

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Como procedimentos metodológicos utiliza a pesquisa bibliográfica e documental, na qual

se vale de fontes primárias como documentos, publicações, pesquisa online, relatórios do

Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil - Proinfantil e

na vivência da autora como participante de diversas fases do programa, de modo especial como

docente. Esta investigação tem como foco o trabalho desenvolvido pelo Grupo II, realizado nos

Estados do Amazonas e Rondônia nos anos de 2008 e 2009.

O artigo inicia discutindo o conceito de políticas públicas na sua relação com a sociedade

e o impacto que essas políticas têm no que concerne à busca de qualificação e melhoria da

qualidade da educação oferecida pelas creches e pré-escolas às crianças. Trata, ainda, das políticas

que estão sendo desenvolvidas pelo governo federal nas quais a Região Norte se insere, com

destaque para os Programas de Formação de Professores para a Educação Básica como a formação

em nível de ensino médio, de ensino de graduação, de pós-graduação e de extensão.

CONTEXTUALIZANDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Nas análises que fazemos sobre as políticas educacionais melhor as entenderemos se

compreendermos o papel do Estado.

O conceito de Estado aparece pela primeira vez em 1513 no livro O Príncipe escrito por

Maquiavel com uma conotação moderna, no sentido de ser uma entidade política, geral em

oposição às instituições da Idade Média, situada acima dos regimes particulares. Normalmente a

classe dominante utiliza-se do Estado para determinar que seus interesses sejam considerados

como interesses de todos. O fundamento do Estado em Marx,

[...] é a sociedade, ou seja, o mundo real das relações sociais e históricas, que se projeta

organicamente nas esferas superestruturais dessa mesma sociedade [...].

Para Marx e Engels (2001) O Estado resguarda e organiza uma dominação de classe, ao

basear-se em uma sociedade, cuja estrutura social é a reprodução das relações capitalistas de

produção. Do mesmo modo que sua organização jurídica se dá por um conjunto de instituições

que não podem ser confundidas com ele, mas representam e administram os interesses

configurados (LIMA, MENDES, 2006, p. 59)

O Estado, portanto, no sistema capitalista está sempre a serviço de quem detém o poder

econômico. Dessa forma investe pouco nas demandas provenientes das camadas populares,

quando não as ignora totalmente.

Todavia para diminuir as tensões resultantes da adoção de um modelo capitalista de

produção, que na sua dinâmica de desenvolvimento impõe a sua lógica, as suas contradições e as

suas ambiguidades sempre em detrimento da classe trabalhadora e da sua força de trabalho

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estabelece políticas públicas.

E o que são as políticas públicas? Aqui são entendidas como: “o ‘Estado em ação’; é o

estado implantando um projeto de governo, por meio de programas, de ações voltadas para setores

específicos da sociedade. [...] As políticas públicas são de responsabilidade do Estado” conforme

Höfling (2001, p.31) ou como quer Lins (1997) citando Dye é a ação e não ação do Governo, pois

a não ação pode ter tanto impacto quanto a ação.

A educação é uma política pública de caráter universal, de corte social e de

responsabilidade do Estado e que somente no início da década de 1930 do Século XX, no Brasil

foram lançadas as bases para a construção de uma rede integrada de ensino, neste país, (DRAIBE,

1991) com a criação do hoje Ministério da Educação, embora tenha sido criado pela primeira vez

no início da República Brasileira em 1891, porém de efêmera existência.

A política de formação de professor, parte integrante das políticas educacionais, vem sendo

desenvolvida massivamente, para os professores sem a habilitação devida, com atuação no ensino

fundamental e médio desde a segunda metade do Século XX conforme programas desenvolvidos

pelo Ministério da Educação.

Fruto do Acordo Ministério da Educação e a United States Agency for International

Development - MEC-USAID, realizou-se Reforma de Ensino do 1º e 2º Graus, transformada na

Lei 5.692/1971, a qual modifica a estrutura didática do ensino brasileiro, dando-lhe um caráter

tecnicista e orientado para a formação de mão de obra para o mercado de trabalho.

Para se adequar a esse novo ordenamento jurídico, por meio do Ministério da

Educação/Departamento de Ensino Fundamental foram realizados, pela Universidade Federal do

Pará, cursos de graduação em nível de licenciatura curta, como a Licenciatura Polivalente de 1º

Ciclo, Licenciatura Monovalente do 1º Ciclo e Curso de Pedagogia para o 1º Grau,

compreendendo as seguintes habilitações: Administração Escolar, Supervisão Escolar e Inspeção

Escolar, licenciaturas essas, que permitiam a atuação do professor até o segundo ano do segundo

grau. Referidos cursos foram realizados não só em Belém, mas também nos principais polos de

desenvolvimento do Estado como Abaetetuba, Castanhal, Marabá, Santarém e Soure.

Todavia para os docentes em exercício no magistério da Educação Infantil a decisão

política de se formar o/a professor/a, inicia-se no Século XXI, quando o Ministério da Educação,

por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil, lança programas destinados aos/às

professores/as que já estão atuando em creches e pré-escolas públicas ou redes conveniadas de

caráter filantrópico, confessional ou comunitário.

Estas políticas de formação de professores para a Educação Infantil seriam estabelecidas

tardiamente, por que os docentes são na sua grande maioria mulheres, um dos segmentos mais

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frágeis da sociedade?

Ou seria por que o seu exercício profissional tem como público alvo as crianças, que são

o segmento mais vulnerável da sociedade?

Ou ainda por que as pesquisas científicas e a sociedade vêm destacando a importância da

infância e da educação na apropriação das qualidades eminentemente humanas?

Ou por que os que frequentam as instituições públicas ou conveniadas de Educação Infantil

são as crianças oriundas das camadas populares?

Ou ainda por que tais políticas são estabelecidas pelos organismos internacionais com a

aprovação do Congresso Nacional?

São questões ainda demandando mais pesquisas, porém, por qualquer uma das razões,

tardiamente, começa-se a pensar na formação de professores para a primeira etapa da Educação

Básica, etapa essa de fundamental importância para iniciar o processo de apropriação das

qualidades humanas pela criança.

E quais são esses programas?

O Ministério da Educação, conhecendo as estatísticas relativas ao quadro de professores

que não atendem a legislação de ensino no que concerne à formação para o exercício do magistério

estabeleceu programas em nível nacional para que os Estados e Municípios da Federação

pudessem aderir ou não ao programa, dependendo da situação de qualificação do seu quadro

docente.

Os programas são: de formação em nível médio modalidade normal, em nível de

graduação, em nível de Pós-Graduação Lato Sensu, tanto em nível de especialização como de

aperfeiçoamento, que no caso do Estado do Pará, todos tiveram a participação da Universidade

Federal do Pará.

PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz em seu artigo 62 as exigências

legais para o exercício do Magistério na Educação Básica a formação em nível superior em Cursos

de Licenciatura de Graduação Plena, especificando que para o a atuação no magistério para turmas

de Educação Infantil, admite-se o ensino médio modalidade normal, todavia essa permissão é

relativa, pois, como meta aprovada no Plano Nacional de Educação – 2001-2010 esclarece que a

preferência é para os que possuem como titulação o nível superior.

O Plano Nacional de Educação transformado na Lei 10.172/2001, para a Década da

Educação 2001-2010, com base nas estatísticas produzidas pelo MEC/INEP na sinopse estatística

de 1996 (BRASIL/MEC, 1998, p. 67) constatou que 219.517 docentes atuavam na Educação Pré-

Escolar, no país, não havendo dados em relação ao exercício do magistério em creches.

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Destes docentes 7,37% possuíam como nível de formação o primeiro grau incompleto,

8,68% tinham concluído o primeiro grau. Com o segundo grau completo totalizavam 65,68% e

com nível superior, 18,24%.

Além do nível de formação não atender as exigências legais, a qualificação também se

apresentava deficiente, com a falta de articulação entre teoria e prática, com deficiente

fundamentação teórica sobre quem é a criança e como contribuir para a sua construção para que

esta possa se e apropriar das máximas qualidades da sua condição humana e com graves problemas

de infraestrutura tanto no que concerne ao espaço fisco, como na oferta de materias para as

crianças e condições de trabalho para os docentes.

Com esse quadro era urgente a formulação de planos, programas e projetos que

garantissem o mínimo exigido não apenas para o exercício do magistério na Educação Infantil

como também programas que asseguraseem uma infraestrutura que obedecessem aos Parâmetros

Básicos de Infra-estrutura para as Instituições de Educação Infantil e também para cumprir

determinações dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial.

Para responder a esse quadro precário em relação à formação docente e cumprir as metas

contidas no Plano Nacional de Educação, assim formuladas:

6. A partir da vigência deste plano, somente admitir novos profissionais na educação

infantil que possuam a titulação mínima em nível médio, modalidade normal, dando-se

preferência à admissão de profissionais graduados em curso específico de nível superior.

7. No prazo máximo de três anos a contar do início deste plano, colocar em execução

programa de formação em serviço, em cada município ou por grupos de Município,

preferencialmente em articulação com instituições de ensino superior, com a cooperação

técnica e financeira da União e dos Estados, para a atualização permanente e o

aprofundamento dos conhecimentos dos profissionais que atuam na educação infantil,

bem como para a formação do pessoal auxiliar. (BRASIL/PNE/2001, p. 14 ),

o Ministério da Educação cria Programas para garantir a qualificação e a habilitação

profissional para a atuação na Educação Infantil.

Desse modo foram criados os seguintes programas: O Programa de Formação Inicial para

Professores em Exercício na Educação Infantil - proinfantil, implantado em 2005 destinado

àqueles docentes que já estão no exercício do magistério em instituições públicas, confessionais,

comunitárias e filantrópicas e que ainda não possuem a formação em nível médio modalidade

normal; o Plano Nacional de Formação de Professores para a Educação Básica – PARFOR,

ofertando o Curso de Licenciatura, em nível de Graduação Plena; o Curso de Especialização em

Educação Infantil e na Docência da Educação Infantil e o Curso de Aperfeiçoamento em Educação

Infantil.

Destes programas todos focalizaremos a seguir o Programa de Formação Inicial para

Professores em Exercício na Educação Infantil – Proinfantil.

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PROINFANTIL

De acordo com o Guia Geral do Proinfantil (2005, p 12, citado por, Pimentel et al. UFPA, 2009,

p. 10) o Proinfantil é

[...] um curso à distância em nível médio, na modalidade Normal, para a formação de

Professores de Educação Infantil que atuam em creches e pré-escolas que não possuem

a formação exigida pela legislação, sendo realizado pelo MEC em parceria com os

Estados e Municípios [...].

O Programa se configura como uma política pública de corte social, na área da educação,

com financiamento público, oriundo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação –

FNDE, de caráter emergencial, incluída no princípio constitucional do regime de colaboração

entre os três entes federados, a União, os Estados e Municípios todos com responsabilidades bem

delineadas.

É um curso que adota a modalidade à distância, porém no início de cada módulo possui

uma fase presencial, abrangendo 76 horas de formação, desenvolvidas pela Agência Formadora,

que neste estudo refere-se à Universidade Federal do Pará destinadas aos Professores Cursistas;

encontros quinzenais com 64 horas com o tutor para acompanhamento e orientação das diferentes

atividades propostas ao professor/cursista e com 20 horas antecedendo as provas bimestrais.

Os objetivos do programa, de acordo com a mesma fonte são assim enunciados:

- habilitar em magistério para a Educação Infantil (EI) os professores em exercício, de acordo com a legislação

vigente;

- elevar o nível de conhecimento e aprimorar a prática pedagógica dos docentes;

- valorizar o magistério oferecendo condições de crescimento profissional e pessoal do professor;

- contribuir para a qualidade social da educação das crianças com idade entre 0 e seis anos. (MEC. 2005, p 12, apud

PIMENTEL et al. UFPA, 2009, p. 10) UFPA, 2009, p. 10).

O Curso tem a duração de dois anos, com uma carga horária de 3.392 (três mil trezentos e

noventa e duas) horas, distribuídas em seis áreas temáticas, sendo quatro módulos relativos à

formação geral do ensino médio, assim denominadas de: Linguagem e Códigos: sistemas

simbólicos: Língua Portuguesa I, II e III; Língua Estrangeira I, II e III; Identidade, Sociedade e

Cultura: Sociologia, Filosofia, Antropologia, História e Geografia I e II; Vida e Natureza: Biologia

e Física e Química I, II e III e Matemática e Lógica. São 32 livros de estudo para os professores

cursistas.

Os outros 2 módulos referem-se à formação pedagógica, intitulados: Fundamentos da

Educação: Sociologia, Filosofia da Educação, Antropologia e Psicologia e Organização do

Trabalho Pedagógico e Metodologia.

Estes componentes curriculares originam-se do Programa de Formação de Professores em

Exercício - Proformação que foi um programa de formação de nível médio, modalidade normal,

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destinado aos professores que já exercem o magistério nas séries iniciais do ensino fundamental,

mas não possuíam a habilitação exigida por lei, nas escolas públicas das regiões norte, nordeste e

centro-oeste do país. Assim Gatti (apud GATTI. 2000, p. 80) caracterizou o Proformação:

O Programa de Formação de Professores em Exercício (Proformação) é um curso na

modalidade de ensino à distância para a habilitação no Magistério em nível médio. Está

dirigido aos professores em exercício no sistema de ensino, que não tenham ainda

formação desse nível. Estudos de demografia mostraram que não são poucos os

professores no Brasil, especialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste que não têm

formação em nível médio e muitos sequer terminaram o Ensino Fundamental.

O referido programa - Proformação - começou a ser pensado em 1996, porém somente em

1999 iniciou sua implantação, ainda com um projeto piloto. Há muita semelhança entre os dois

programas - Proformação e Proinfantil na metodologia, na forma de organizar e apresentar o

material e na concepção política.

A distinção entre o Proformação e o Proinfantil não é de nível de escolarização, pois ambos

são de nível médio, nem do proponente, pois ambos são programas de iniciativa do Ministério da

Educação, tentando resolver a crônica falta de qualificação do professorado brasileiro

especialmente das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e da zona rural e nem de política, pois

ambos se inserem entre as políticas neoliberais propugnadas pelo Banco Mundial. Embora os dois

cursos sejam de nível médio modalidade normal o que os distingue é o caráter da formação, pois

o Proinfantil é um curso de nível médio modalidade normal, com ênfase para a Educação Infantil

enquanto que o Proformação se destina a formar professores para os anos iniciais do ensino

fundamental.

As atividades desenvolvidas pelo professor/cursista no Proinfantil compreendem: estudos

individuais nos módulos que cada professor/cursista recebe; atividades individuais no caderno de

atividades a serem efetuadas com base nos livros de estudo; registro de atividades significativas

que deverão ser anotados no caderno de atividades; o portfólio, este instrumento pedagógico

permite apresentar o conhecimento assimilado sob a forma de diferentes registros de todo o

trabalho realizado numa unidade, entre outras coisas.

Os Estados que aderiram ao Programa na Região Norte foram Rondônia, Amazonas,

integrantes do Grupo II, e Amazonas e Pará integraram o Grupo III, sendo que o início do

programa se deu em momentos diferentes. O Grupo II iniciou no primeiro semestre de 2008 e o

Grupo III somente em 2009.

O Estado do Amazonas possui 62 municípios. Destes 12 participaram do programa, a

saber: Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Coari, Itacoatiara, Juruá, Manaus, Manaquiri, Maraã,

Lábrea, Nova Olinda do Norte, Pauini, Uarini, identificados no mapa do Estado do Amazonas na

figura 1, em anexo. As vivências formativas eram realizadas em Manaus, capital do Estado.

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Dos 52 municípios que constituem o Estado de Rondônia, 12 integraram o Grupo II, a

saber: Alto Alegre dos Parecis, Ariquemes, Cacoal, Cujubim, Campo Novo, Jorge Teixeira,

Ministro Andreazza, Nova União, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici, Nova União e Rolim

de Moura, assinalados no mapa do Estado de Rondônia, visível na figura 2, em anexo. As

formações foram realizadas em Porto Velho, Ji Paraná e Rolim de Moura.

Realmente são poucos os municípios que participaram deste Programa, considerando a

demanda existente, visto que em Rondônia, com exercício na pré-escola existiam, 13 professores

com o Ensino Fundamental incompleto, 28 com o Ensino Fundamental completo e 1.191 com o

Ensino Médio de acordo com dados do MEC/INEP citado por (MEC. 2005, p 12, apud

PIMENTEL et al UFPA, 2009, p. 10). Conforme Relatório do Proinfantil, o Estado de Rondônia

contou com 121 (UFPA, 2011, p. 49) professores cursista, dos quais 94 (UFPA, 2011, p. 49)

concluíram o curso representando 83% de aprovação. (UFPA, 2011, p. 59).

No Amazonas, os dados referem-se também ao exercício do magistério na pré-escola e

nesta havia 57 professores com o Ensino Fundamental incompleto, 81 com o Ensino Fundamental

completo e 6.121 com o Ensino Médio. (MEC. 2005, p 12, apud PIMENTEL et al, UFPA, 2009,

p. 10). Participaram do Proinfantil como cursistas no Estado do Amazonas 603 professores.

(UFPA, 2011, p. 49). O percentual de aprovação final foi de 80%. (UFPA, 2011, p. 59), totalizando

461 docentes. (UFPA, 2011, p. 49).

Os dados evidenciam a falta de prioridade atribuída à educação ao longo da História do

Brasil sempre relegada a um segundo plano. Acrescente-se que não estão incluídas as informações

referentes à creche, no qual em geral, o nível de escolarização é inferior aos outros níveis de ensino

e quanto ao Ensino Médio não revelam se esse nível médio é ou não modalidade normal. Todavia,

o número de professores/as que se habilitara para o Proinfantil é bem maior que a demanda

apresentada, evidenciando que há necessidade urgente de se aprimorarem as estatísticas

educacionais, de serem estabelecidas políticas públicas para formação de professores para a

Educação Infantil viáveis, que garantam a qualidade da educação para as crianças e que os gestores

municipais cumpram a legislação em vigor, fazendo concurso público, de acordo com as

exigências estabelecidas em lei.

Os períodos de formação do Programa desenvolvido pela Universidade Federal do Pará

foram bem avaliados pelos participantes das formações como se pode constatar no registro a

seguir;

A análise das avaliações dos participantes dos encontros de AGFs (Agencia Formadora)

e TRs (Tutores) indica que ao longo do ano houve avanço significativo na qualidade das

formações, pois os profissionais que ministraram os cursos eram pessoas com pesquisa

na área de educação infantil e com experiência na docência de formação de professores,

o que possibilitou um trabalho caracterizado pela articulação entre a teoria e a prática no

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cotidiano da Educação Infantil. Outro aspecto positivo apontado pelos participantes é a

continuidade e a coerência entre os conteúdos trabalhados nos diferentes módulos.

(BRASIL/UFPA, 2011, p 18/9).

Essa decisão política do Ministério da Educação de convidar as Universidades Federais

para participar dos Programas de Formação de Professores garantiu um salto de qualidade aos

programas, pois estas por meio de suas unidades acadêmicas da área da educação são o lócus por

excelência de formação de professores, pois em geral acumulam pesquisa e docência nas áreas

específicas, no caso a Educação Infantil, além do compromisso social e regional que a grande

parte dos docentes possui, tendo consciência do seu papel de que é possível a construção de “outro

mundo” em novas bases produtivas e humanas. A manifestação da equipe da UFPA/ICED/IPÊ

revela esses avanços:

Apesar das dificuldades enfrentadas na implantação do Programa, foi visível o

reconhecimento dos envolvidos (MEC, Estados e Municípios) no que diz respeito aos

avanços conquistados com a parceria das Universidades. Estes avanços devem-se

principalmente ao fato de que as quatro Universidades que aderiram ao Programa têm

experiência em pesquisa na área da educação infantil. Desse modo, o domínio teórico

que as equipes possuem dos conteúdos da área da educação infantil e a relação destes

com a prática pedagógica do (a) professor (a) de Educação Infantil possibilitaram que os

TR (Tutores), PF (Professores Formadores), ATP (Assessoras Técnicas)e APEI

(Articulador Pedagógico da Educação Infantil) tivessem acesso a discussões atualizadas

da área de Educação Infantil, o que ocasionou mudanças significativas na qualidade do

Programa nos estados. Assim, entende-se que, ao aderir ao Programa, a UFPA

desempenhou importante papel na construção da qualidade da educação infantil no nosso

País. (BRASIL/UFPA, 2011, p 31).

Destaca-se que também as equipes das Universidades tiveram significativas conquistas

com a execução do Programa tanto no que concerne ao trabalho conjunto em todas as fases do

programa, as discussões, a organização do material, a seleção de textos complementares. Isto se

pode observar na voz da equipe da UFPA:

Nessa perspectiva, a ação colaborativa entre os entes oportunizou o crescimento pessoal

e profissional para todos os envolvidos no Programa. Particularmente, no que diz respeito

aos encontros de formação, a possibilidade de dialogar com professores e professoras de

diferentes municípios do estado do Amazonas e de Rondônia com formação e experiência

em diversas áreas do conhecimento foi extremamente interessante, sobretudo porque

estamos construindo uma nova etapa da História da Educação Infantil na Amazônia, na

qual concepções que consideram a criança sujeito de direitos a quem não basta apenas

reconhecer que elas têm voz, mas que necessitam ser ouvidas e consideradas nas suas

necessidades e especificidades foram debatidas e motivo de reflexão por parte dos

presentes nos encontros de formação. (BRASIL/UFPA, 2011, p 58).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do Proinfantil apresenta um resultado muito positivo no que concerne ao

desenvolvimento do programa como um todo, ou seja, na formação de quadros docentes, foram

555 professores nos dois estados – Amazonas e Rondônia, com aprovação de mais de 80% em um

curso que adota a modalidade à distância, ainda que tenha significativa parcela de atividades

presenciais, com as enormes distâncias existentes em nossa região, nem sempre contando com o

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apoio dos gestores municipais no momento devido e com as dificuldades inerentes de afastamento

para as formações presenciais obter um significativo percentual de aprovação, contando com uma

equipe entusiasmada das Secretarias de Educação dos Estados e com docentes interessados nos

municípios e com a significativa contribuição das Universidades em muito favoreceu o alcance

dos objetivos.

O trabalho conjunto e articulado que passou a ser desenvolvido por todas as Universidades

que integraram o Proinfantil nesse momento é outro saldo positivo, pois as discussões versavam

sobre questões fundamentais, como a concepção de formação, análise de conteúdos, a elaboração

das avaliações, a descentralização dos recursos, entre outros. Essa ação colaborativa também

propiciou integração e avanços nas equipes que atuaram no programa.

Reconhece-se a importância do Proinfantil. É, porém, uma política emergencial, que se

espera não seja mais necessário reeditá-la. É fundamental e urgente o poder público estabelecer

uma política de formação de professores/as para a Educação Infantil, de caráter permanente, em

que o regime de colaboração entre os entes federados aconteça, que se viabilizem condições mais

favoráveis à participação dos cursistas e que atenda a diversidade existente neste país e com a

participação das universidades públicas.

REFERÊNCIAS.

AZEVEDO, Janete M. Lins. A Educação como Política Pública. Campinas, São Paulo: Autores

Associados, 1997.

BRASIL/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Plano Nacional de Educação.

Brasília: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, 1998.

BRASIL/UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Relatório do Proinfantil: janeiro/2008 a

junho/2010. Belém: UFPA/IPÊ, 2011.

GATTI, Bernadete A. AMARAL. Teresa Barros. MEDRADO, Jandira. Formação do Professor

no Proformação: unindo a teoria e a prática no sistema de Educação à Distância. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol2b.pdf. Acessado no dia 26 de maio de 2014.

HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Políticas públicas e educação.

Cadernos CEDES. Ano XXI, n°55, Campinas, p. 30-41, 2002.

MAPA DO ESTADO DO AMAZONAS. In Imagens de Mapa do Estado do Amazonas.

Disponível em: http://www.guiageo.com/amazonas.htm. Acessado no dia 27 de maio de 2014.

MAPA DO ESTADO DE RONDÔNIA. In Imagens de Mapa do Estado de Rondônia.

Disponível em http://www.guiageo.com/rondonia.htm. Acessado no dia 27 de maio de 2014.

LIMA, Rosângela Novaes. MENDES, Odete da Cruz. A Gestão Política de Educação:

contrapontos entre descentralização e avaliação na lógica da reforma do estado. In: NETO,

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36

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Antonio Cabral. NASCIMENTO, Ilma Vieira do. LIMA, Rosângela Novaes. Política Pública de

Educação No Brasil: compartilhando saberes e reflexões. Porto Alegre: Sulina, 2006.

PIMENTEL, Maria Olinda Silva de Sousa et all. Relatório Proinfantil: UFPA, período janeiro a

julho de 2008. Belém/PA. UFPA. 2009.

ANEXO I ANEXO II

FIGURA 1 – ESTADO DO AMAZONAS FIGURA 2 MAPA DO ESTADO DE

RONDÔNIA

Fonte: http://www.guiageo.com/amazonas.htm Fonte: http://www.guiageo.com/rondonia.htm

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A OBRIGATORIEDADE DA PRÉ-ESCOLA: EDUCAÇÃO COMO “INVESTIMENTO”

PARA A COESÃO SOCIAL?

Flavia de Lamare1

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo central compreender a ampliação da obrigatoriedade

escolar de oito para quatorze anos, especialmente no âmbito da pré-escola. Partimos, aqui, da

hipótese de que esta expansão é parte dos programas de inclusão social que focalizam os chamados

“grupos vulneráveis” ou “minorias”, em que se compreende a pré-escola como uma das

possibilidades de redenção das questões sociais pelos indivíduos. Assim, a obrigatoriedade

aparece sob o princípio do direito, mas, é sustentada pelo discurso da inclusão social como

“salvadora” dos problemas sociais causados pela sociedade capitalista que vivemos. Usamos

como referencial de análise o materialismo histórico dialético.

Palavras-Chave: Educação Infantil; obrigatoriedade; inclusão social.

Introdução

A ampliação da obrigatoriedade escolar de oito para quatorze anos é uma medida dos anos 2000,

ou seja, do governo Lula. Partimos, aqui, da hipótese de que esta expansão é parte dos programas

de inclusão social que focalizam os chamados “grupos vulneráveis” ou “minorias”, em que se

compreende a pré-escola como uma das possibilidades de redenção das questões sociais pelos

indivíduos. Assim, o que se afirma ser direito à inclusão precisa ser pensado à luz da

responsabilização do indivíduo, da meritocracia; características da sociedade de classes. A

sociedade capitalista continua sendo o horizonte, mas agregam-se novos adjetivos a fim de que se

tenha uma sociedade “harmonizada”.

Nesse sentido, a obrigatoriedade da EI pode ser compreendida como uma medida compensatória

necessária às consequências sociais do capitalismo contemporâneo. Como afirma Di Pierrô

(2001), a focalização das políticas sociais, incluindo a educação, baseia-se na lógica capitalista de

que, dado os limitados recursos disponíveis, o investimento público precisa ser eficaz o que só

seria possível através de ações direcionadas a pequenos grupos do território nacional ou a

subgrupos populacionais para os quais esse benefício resulte maior impacto positivo. A pré-escola

Bretanha, nos Estados Unidos e na América Latina, nas quais são avaliados os efeitos da

Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana - PPFH/UERJ; Tecnologista da Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz, lotada

na DIREH/Creche; Professora do módulo de Fundamentos Pedagógicos do Curso de Desenvolvimento Profissional para

Educadores Infantis - Creche Fiocruz/EPSPJV-Fiocruz

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frequência de crianças a programas de EI (CAMPOS, 1997). Segundo esses estudos, a constância

à pré-escola favorece o desempenho das crianças no Ensino Fundamental; crianças mais pobres

se beneficiam mais dessa experiência. Ou seja, a EI é uma das áreas educacionais que mais

retribuiriam à sociedade os recursos nela investido.

É importante destacar que a educação escolar nesse período passa a ser fundamental para

a “construção” de um novo homem, ou seja, um sujeito que se comprometa, que se solidarize, que

participe de grupos, de associações em prol de um “mundo melhor”, mas que tenha como cerne

as questões individuais e não as coletivas. Com isso, objetiva-se a conformação do conjunto de

trabalhadores, desde a mais tenra idade, à cultura hegemônica, tanto do ponto de vista técnico

como do ponto de vista ético-político. Além disso, o país também estaria cumprindo com a agenda

internacional estabelecendo uma aproximação com a Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) e atendendo a demandas da burguesia, uma vez que caberia

a escola transmitir valores relacionados à coesão social.

Do ponto de vista legal, a ampliação da escolaridade básica ocorreu de forma lenta, desde

a última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/1996). Nela, temos a

Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica2.

O processo de elaboração e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(BRASIL, 1996b), pós Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), foi amplamente debatido.

Entretanto, o texto final aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da

República não contemplou totalmente o projeto original que havia contado com a participação

popular em sua elaboração.

A LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996b) apresenta três artigos sobre a EI, e tem como marco

significativo o fato de nomeá-la a primeira etapa da Educação Básica. Tal normatização, de uma

forma ou de outra, significa o reconhecimento das creches e pré-escolas como parte do sistema

educacional, o que poderia diminuir o cunho filantrópico a elas ligado. Vale ressaltar que a

inserção da EI na Educação Básica não universaliza necessariamente seu atendimento.

2Na ocasião de sua aprovação, em 1996, a LDB nº 9394/1996 dividia a Educação Básica em três etapas: a) Educação

Infantil (0-6 anos); b) Ensino Fundamental (7- 14 anos); c) Ensino Médio (15-17 anos). Confirma-se a obrigatoriedade

do Ensino Fundamental, pela Emenda Constitucional nº14/1996 (BRASIL, 1996a) e assegura uma universalização

do Ensino Médio gratuito.

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Em 2001 temos a aprovação da Lei nº 10.172 (BRASIL, 2001) que institui o Plano

Nacional de Educação (PNE). Para Saviani (2007, p. 163) “ao que parece, o mencionado plano

foi formulado mais em função do objetivo pragmático de atender a condições internacionais de

obtenção de financiamento para a educação, em especial aquele de algum modo ligado ao

Banco Mundial”. As chamadas populações vulneráveis figuram como aquelas a quem se devem

destinar as ações prioritárias.

Davies (2006) afirma que:

o plano sancionado pelo presidente padece do equívoco primário de não estipular percentuais de gastos para atender às metas de expansão nos vários níveis e modalidades de ensino, o que significa usar os mesmos recursos atuais para atender a um número bem maior de crianças em todos os níveis de ensino.

Segundo a lógica do PNE (BRASIL, 2001) deve-se fazer mais com as mesmas verbas e sob esta

perspectiva consegue-se compreender a prioridade atribuída, no caso da Educação Infantil, às

famílias de baixa renda.

Um ponto que chama a atenção é o “argumento social”, pois,

Ele deriva das condições limitantes das famílias trabalhadoras, monoparentais, nucleares, das de renda familiar insuficiente para prover os meios adequados para o cuidado e educação de seus filhos pequenos e da impossibilidade de a maioria dos pais adquirirem os conhecimentos sobre o processo de desenvolvimento da criança que a pedagogia oferece. (BRASIL, 2001, p. 36-37)

Esta citação explicita uma ideologia que tenta justificar a existência de uma classe que não

é capaz cuidar de seus filhos. Argumenta-se, com isso, a necessidade de expansão da EI no país,

sem criar, no entanto, as condições efetivas para que os pais consigam ter garantidos os meios

para sua sobrevivência material e também no que se refere a compreender a EI como um direito,

uma conquista.

A concepção de infância presente neste plano contribui para a compreensão de sua

ideologia, bem como apresenta subsídios para as políticas educacionais do país: “é nessa idade,

precisamente, que os estímulos educativos têm maior poder de influência sobre a formação da

personalidade e o desenvolvimento da criança. Trata-se de um tempo que não pode estar descurado

ou mal orientado.” (BRASIL, 2001, p. 37-38)

A importância da EI é assim justificada pelo fato de desenvolver desde a infância a

inteligência, não desperdiçando o “potencial humano”.

Se a inteligência se forma a partir do nascimento e se há janelas de oportunidade na infância quando um determinado estímulo ou experiência exerce maior influência sobre a inteligência do que em qualquer outra época da vida, descuidar desse período significa desperdiçar um imenso potencial humano (BRASIL, 2001, p.36, grifo nosso).

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Com esse mesmo argumento, Araújo (2011) afirma que:

Deve-se criar uma cultura de coleta de dados que permita acompanhar o desenvolvimento infantil do período pré-natal até a fase adulta. Estes dados devem ter informações detalhadas sobre o ambiente familiar, o status intelectual e emocional dos pais, os recursos que as famílias dispõem para investir na educação dos filhos e as características das escolas e dos professores com quem as crianças passam boa parte do tempo (ARAÚJO, 2011, p. 27).

Nesse sentido, a obrigatoriedade do ensino começa a ser revista no PNE de 2001 (BRASIL, 2001)

quando estabelece o ensino fundamental de nove anos como meta da educação nacional.

Conforme nos indica D´Almeida (2014),

Para dar sequência a esta determinação, em maio de 2005 institui-se a Lei nº 11.114 alterando mais uma vez a LDB 9394/96, tornando obrigatória a matrícula das crianças de seis anos de idade no ensino fundamental. Ainda com este propósito, em fevereiro de 2006 entra em vigor a Lei nº 11.274 – que volta a alterar a LDB 9394/96 – estabelecendo o prazo de implantação do ensino fundamental obrigatório de nove anos até 2010. [...] Esta modificação legal atinge diretamente a educação infantil, à medida que até então esta etapa da Educação Básica abarcava as crianças até seis anos. [...] Segundo as normas traçadas para o aumento do tempo de obrigatoriedade, o ingresso precoce de crianças no sistema de ensino asseguraria um tempo mais extenso para as aprendizagens e, consequentemente, para a formação de capital humano. (D´ALMEIDA, 2014, p. 77-78)

Dentro dessa perspectiva, direito e responsabilidade passam a ser pares fundamentais e

princípios morais que regem as relações entre governo e indivíduos. Sobre isto, Giddens (1999, p.

75) diz: “com o individualismo em expansão deveria vir uma extensão das obrigações individuais.

Auxílios-desemprego, por exemplo, deveriam acarretar a obrigação de procurar trabalho

ativamente, e cabe aos governos assegurar que os sistemas de bem-estar social não desencorajem

a procura ativa”.

Como cada um torna-se responsável por seu sucesso ou fracasso, redefine-se um padrão

de sociabilidade dominante, em que uma das estratégias é, sem dúvida, o estímulo ao

individualismo como valor moral radical.

Em essência, o que o “individualismo como valor moral radical” procura defender é a atomização e descontextualização do ser. [...] o que esta noção procura fazer é naturalizar a condição histórica do homem e fragmentar a sua inserção na vida social, como se fosse possível isolar o indivíduo da sociedade, visando abstrair o homem das relações sociais, naturalizar a sociedade e justificar as desigualdades e a exploração do capital sobre o trabalho. (MARTINS, 2009, p. 40)

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Martins, a partir de Marx e Gramsci, nos ajuda a entender esse processo ao fazer a crítica dessa

concepção.

O ser se transforma em homem pelas influências que recebe dos outros homens nas relações que geram a produção da existência tanto no sentido físico quanto no moral, sendo absurdo, portanto, admitir a idéia do ser feito por si mesmo (MARX; ENGELS, 1984). Com efeito, “o homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa” (GRAMSCI, 1999: 406). [...] a razão ou a consciência é um produto social condicionado pelas determinações geradas pelo modo como se produz a existência (MARX e ENGELS, 1984). Isso significa que essa consciência poderá ser desagregada ou ocasional, ou ainda crítica e consciente, refletindo concepções distintas de mundo. (MARTINS, 2009, p. 41).

Assim, o aumento da obrigatoriedade escolar no Brasil, com a aprovação da Emenda

Constitucional (EC) nº 59/2009, determina que até 2016 os sistemas de ensino ofereçam

"Educação Básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade” (BRASIL, 2009).

Com isso, o que seria a ampliação de um direito (a obrigatoriedade da educação básica é também

uma luta progressista) acaba se circunscrevendo a uma medida que vincula a expansão da

educação à incapacidade das famílias de cuidarem de seus filhos, cabendo, portanto, à pré-escola

ser espaços de socialização e inclusão social. Nesse sentido, o que é pensado como direito à

inclusão e papel do Estado é proposto como “responsabilidade individual de não se deixar excluir”

(GARCIA, 2014, p. 108). Esta seria uma forma, inerente e necessária ao capital, de adequar e

“arranjar” a sociedade, cujo papel do Estado é fundante nesse processo.

No relatório de avaliação da Política de Educação Infantil no Brasil (BRASIL; UNESCO,

2009) representantes do Ministério da Educação afirmam que:

O Brasil pretende alcançar os níveis econômicos e sociais das sociedades industriais avançadas. Para tanto, há dois requisitos essenciais: uma elevada capacidade de participar da economia do conhecimento e um alto grau de coesão social. A educação infantil fornece uma sólida base de aprendizado para a vida toda e para a sociedade do conhecimento. O acesso universal à educação infantil é um elemento fundamental numa sociedade mais coesa. (BRASIL; UNESCO, 2009 – grifo nosso).

Nesse sentido, a principal justificativa oficial apresentada como avaliação da Política de

Educação Infantil no Brasil relaciona-se ao fato de esta etapa da educação fornecer elementos aos

indivíduos para que vivam de maneira coesa, por meio do oferecimento de uma base de

aprendizado.

Embora não se vincule diretamente à obrigatoriedade escolar, o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)

dá condições contábeis a essa expansão. Criado em 2006, esse fundo foi criado pela Emenda

Constitucional nº 53/2006 (BRASIL, 2006a) e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 (BRASIL,

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2007a) e pelo Decreto nº 6.253 (BRASIL, 2007b), em substituição ao Fundef, que vigorou de

1998 a 2006.

Entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 2007, o Fundeb é uma proposta de

financiamento da Educação Básica que se propõe assegurar o acesso à educação a um maior

número de pessoas. Foi apresentado à população (no governo do Partido dos Trabalhadores – PT)

como uma política mais incisiva da União visando atender todos os níveis, etapas e modalidades

de ensino, pretendendo, assim, corrigir as falhas do Fundef. Nesta perspectiva, este fundo foi

divulgado pelo governo Lula, sobretudo na época eleitoral, como a grande solução para os males

da educação. Entretanto, segundo Davies (2006, p. 3):

Se ele [Fundeb] fosse tão importante para o governo, este teria encaminhado a sua PEC em 2003, quando teve força política e pressa inclusive para aprovar a reforma da previdência pública, não em junho de 2005, quando ficou acuado com o escândalo do mensalão. Por isso, é provável que o governo tenha proposto o Fundeb em 2005, não porque estivesse seriamente preocupado em “revolucionar” a educação, mas porque quisesse apenas melhorar sua imagem desgastada e recuperar a iniciativa política. [...] em síntese, o Fundeb, assim como o Fundef, é apenas um mecanismo de redistribuição de parte significativa dos recursos já vinculados à educação dos Estados e municípios, trazendo pouquíssimos novos (apenas a complementação federal) para o sistema educacional como um todo.

Assim, previsto para 14 anos de vigência este fundo tem como mecanismo de distribuição

de recursos uma lógica parecida com a utilizada pelo Fundef. Há uma captação de recursos pelos

Estados e Municípios e uma complementação da União de acordo com o número de matrículas na

Educação Básica. Novos impostos foram incorporados ao Fundeb, mas continuam de fora o

Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto Sobre

Transmissão de Bens Intervivos (ITBI) (SOUSA JUNIOR, 2007).

O cálculo para distribuição de recursos no Fundeb ocorre a partir do total de alunos da

Educação Básica presencial, pelo Censo Escolar no ano anterior. Deste modo, os recursos são

distribuídos de acordo com as matrículas das etapas ou modalidades de ensino. Aos Municípios

cabe atender a Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental e aos Estados os

anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

Como dito anteriormente, embora não se vincule diretamente à obrigatoriedade escolar, o

Fundeb dá condições contábeis a essa expansão. Deste modo, a obrigatoriedade estaria associada

ao oferecimento de oportunidades iguais “a todos”, em que as políticas educacionais devem se

sustentar na premissa da “inclusão social”. Assim, quanto mais cedo a criança for matriculada na

escola, maior a chance de se prevenir “problemas sociais”.

A noção de inclusão social relacionada à educação ganha, nessa proposta, o caráter de lidar com aquelas pessoas consideradas “sem habilidades”. Trata-se de formar um

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“capital humano”, ou seja, as capacidades adequadas às atuais condições de exigências do capital. (GARCIA, 2014, p. 112)

Tal ponto de vista é ressaltado por Cunha e Heckman (2011),

Recentes estudos sobre o desenvolvimento humano mostram que as pessoas são diferentes em várias habilidades, e que estas habilidades explicam uma grande parte da variação interpessoal no sucesso econômico e social, diversidade que se manifesta na mais tenra idade. A família desempenha um papel crucial na formação dessas habilidades, pois fornece tanto os genes quanto o meio ambiente com os quais tais habilidades são determinadas. Algumas famílias não conseguem criar ambientes propícios e isso tem resultados nefastos para os seus filhos. No entanto, vários estudos mostram que é possível compensar parcialmente os ambientes adversos se investimentos de alta qualidade forem feitos suficientemente cedo na vida da criança (CUNHA; HECKMAN, 2011, p.11).

É, nesse contexto, que em 2013, é feita a alteração da LDB nº 9394/96 por meio da Lei nº

12.796 (BRASIL, 2013). Essa regulamentação oficializa a mudança realizada na Constituição por

meio da Emenda Constitucional nº 59 em 2009 (BRASIL, 2009). Essa lei institui no art. 4:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade. (BRASIL, 2013)

A organização da Educação Infantil deverá seguir as seguintes regras descritas no art. 31:

I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional; III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas; V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança.” (BRASIL, 2013)

A questão da obrigatoriedade da pré-escola precisa ser analisada a partir da concepção do

lugar, do “ser criança”, na sociedade. Sob argumentos que versam a aparência dos fenômenos,

como “a mãe precisa trabalhar”, procura-se justificar a criança na escola, a partir dos quatro anos.

É preciso inserirmos nesse debate as questões trabalhistas, as contradições que marcam o mundo

contemporâneo entre o capital e o trabalho.

Ressaltamos que a obrigatoriedade da pré-escola não está associada a uma mudança

estrutural, ou seja, a acelerada ampliação da Educação Infantil, já na lei, ocorre de modo

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precarizado, à medida que, por exemplo, não há uma previsão de formação para os trabalhadores

que atuarão com este segmento para além do que já estava posto na LDB de 1996 – nível médio

na modalidade Normal3.

A própria apreensão do conceito de pobreza expressa pelo Banco Mundial (2000) nos ajuda

a entender o processo da obrigatoriedade da pré-escola na política brasileira, pensada com base

no discurso da inclusão social:

A pobreza é mais que renda ou desenvolvimento humano inadequado; é também vulnerabilidade e falta de voz, poder e representação. Esta visão multidimensional da pobreza aumenta a complexidade das estratégias de sua redução, porque é preciso levar em conta outros aspectos, como os fatores sociais e as forças culturais. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 12)

Deste modo, reiteramos nosso entendimento de que cabe ao Estado a oferta de uma

educação pública, gratuita, laica e de qualidade como a principal forma, em uma sociedade de

classes, de se disputar uma formação omnilateral. A escola é um espaço de luta e de muitas

conquistas que não pode ser sustentada pelo discurso da inclusão social como “salvadora” dos

problemas sociais causados pela sociedade capitalista que vivemos.

A obrigatoriedade da pré-escola relaciona-se a uma política de programas focalizados –

sob a orientação consentida dos organismos internacionais que versam uma sociedade harmoniosa

e coesa, a fim de que se mantenha a hegemonia capitalista – direcionados a uma população

definida nacional e internacionalmente com padrões de pobreza. Assim, a obrigatoriedade aparece

sob o princípio do direito, mas na realidade, pauta-se na produtividade econômica.

A figura abaixo elucida essa questão enfocando, ainda no discurso do potencial de cada

indivíduo. Para André e Costa (2004, p. 47), “trata-se de uma educação que reconheça e

desenvolva seus potenciais, empoderando-as a agir prepositivamente sobre as questões

relacionadas à descoberta de si mesmas, ao convívio e ao mundo ao seu redor”.

3 Ressaltamos que essa formação refere-se ao professor, mas, pela especificidade da faixa etária, muitas vezes são

contratados outros profissionais (com denominações como: auxiliar, docente, berçarista, recreador, entre outros) sem

que exista nenhuma regulamentação quanto a formação ou escolarização desses sujeitos.

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Fonte: ANDRE; COSTA (2004, p. 46)

A imagem expressa uma concepção de homem, em que o aspecto psicológico determinaria

as competências para a sua ação no mundo. Desloca-se, com isso, o foco dos processos educativos

dos conteúdos disciplinares para o sujeito que aprende – ou não aprende – tendo como princípio

o direito a aprender a partir de uma concepção hegemônica de mundo e de formação baseada na

adaptação e na necessidade de “convivência humana”, a partir da naturalização das desigualdades.

Entretanto, assim como nos ensina Gramsci (2013, p. 262), a “’natureza’ humana não

residia dentro do indivíduo, mas na unidade do homem e das forças materiais: portanto, a

conquista das forças materiais é uma maneira – e a mais importante – de conquistar a

personalidade”.

Assim como Marx e Engels (2007) que afirmaram que a maneira como os homens

produzem sua subsistência depende dos meios concretos de que dispõe – portanto, que a natureza

dos indivíduos depende das condições materiais determinantes da produção –, Gramsci (2013)

não acredita na existência de indivíduos isolados em suas subjetividades (como algo abstrato e

genérico universalmente), mas como um ser dentro de uma realidade social concreta, interligado

a outros sujeitos. Com isso, não seria possível existir uma “pessoa” desvinculada da realidade

social, completa em si mesma; o homem é interação, síntese entre passado e a potencialidade do

futuro. Assim,

O problema do que seja o homem é sempre, portanto, o chamado problema da “natureza humana”, ou também o do chamado “homem em geral”, isto é, a tentativa de criar uma ciência do homem (uma filosofia) que parta de um conceito inicialmente “unitário”, de uma abstração na qual se possa conter todo o “humano”. [...] a afirmação de que a “natureza humana” é o “conjunto das relações sociais” é a resposta mais satisfatória porque inclui a ideia do devir: o homem “devém”, transforma-se

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continuamente comas transformações das relações sociais; e, também porque nega o “homem em geral”: de fato, as relações sociais são expressas por diversos grupos de homens que se pressupõem uns aos outros, cuja unidade é dialética. (GRAMSCI, 2013, p. 244-245)

A obrigatoriedade da Pré-Escola converge com a ideia de que no mundo hoje existem

oportunidade para todos, o que faz com que seja gerada a sensação de fracasso, de auto-

culpibalização. Não podemos dissociar a natureza da educação escolar ao trabalho.

Destarte, a educação deve permitir às crianças se apropriarem das riquezas construídas e

produzidas pelo homem, compreendido sempre como síntese do passado e, acima de tudo, como

potencialidade para o futuro. A intencionalidade pedagógica desde a Educação Infantil precisa ser

analisada dentro do contexto sócio, histórico e político, o que inclui a própria concepção de

infância e de “ser criança” na sociedade de classes.

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LUGAR DA INFÂNCIA FRENTE À NOVA LEI: OS DESAFIOS DA ESCOLA

PÚBLICA COM A INSERÇÃO DE CRIANÇAS DE 5-6 ANOS NO ENSINO

FUNDAMENTAL

Profa. Dra. Neide Barbosa Saisi

Resumo

No Brasil, em 2010, foi implantada a Lei 11.274/06 que antecipou o acesso de crianças de

sete para 5 a 6 anos ao Ensino Fundamental. Com a hipótese de que os novos primeiros anos não

atendiam às características dessas crianças, investigou-se, na cidade de São Paulo, em uma

escola pública, o processo de ensino-aprendizagem, confrontando-o com uma concepção de

criança baseada em Piaget, Vygotsky e Wallon. De natureza exploratória e de preocupação

prática, os dados empíricos foram obtidos por meio de observação de classes de 1º ano, entrevistas

com suas educadoras e análise documental do Projeto Pedagógico da escola, no modelo da

pesquisa qualitativa. Revelou-se que a singularidade da criança não foi considerada. O ensino

ocorreu desarticuladamente aos interesses e necessidades da faixa etária, o que implicou a

perda da participação e satisfação da criança com as atividades pedagógicas, gerando

consequentemente um prejuízo na qualidade educacional e afetando o objetivo da lei que é manter

a criança dentro da escola.

Palavras-chave: Ensino Fundamental de Nove Anos; A criança de 5 a 6 anos; Inadequação pedagógica.

Introdução

Desde a última década do século passado alterações legais consagraram o direito das

crianças de zero a seis anos à educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB),9.394/96, inovou ao definir a Educação Infantil (creches e pré-escolas) como primeira

etapa da Educação Básica.

Na década seguinte, novas decisões legais reafirmaram essa nova identidade da Educação

Infantil quando a Lei 11.114/05 estabeleceu a matrícula obrigatória para crianças de seis anos e

a Lei 11.274/06 ampliou o Ensino Fundamental para nove anos letivos, com matrícula obrigatória

aos seis anos de idade, mesmo incompletos.

Com o objetivo de “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da

escolarização obrigatória e assegurar que ingressando mais cedo no sistema de ensino escolar, as

crianças prossigam nos estudos e alcancem maior índice de escolaridade” (PEREIRA e

TEIXEIRA, 2008, p. 118) o Ensino Fundamental foi ampliado em um ano e o mesmo tempo foi

reduzido da Educação Infantil.

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Este conjunto de medidas legislativas repercutiu de diferentes maneiras entre os

educadores. Se, por um lado, a valorização da Educação Infantil soou positivamente entre eles,

por outro, a incorporação do último ano deste nível ao Ensino Fundamental para atender à Lei

causou debates e posicionamentos contrários entre si. Argumentos, a favor e contra, de diferentes

naturezas foram invocados por autoridades e educadores brasileiros.

A despeito da polêmica, 2010 foi o prazo final estipulado pelo governo para a implantação

da Lei. Com este fato, muitos artigos e estudos acadêmicos surgiram sobre o tema do ensino de

nove anos. Um levantamento na biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em

2012 identificou várias pesquisas de mestrado e doutorado desenvolvidas entre 2007 a

2012. Com foco em diferentes objetos, os de caráter mais amplo estudaram-no em seus

aspectos políticos ou circunstanciais da implementação da Lei; os de ordem específica, da

perspectiva pedagógica e um deles centralizou a criança como fonte de informação.

Justificativa

Os que se preocuparam com a dimensão pedagógica não haviam se debruçado sobre a ação

direta do professor dos novos primeiros anos, quando este ensina seus alunos, agora acrescidos

de crianças menores. Assim, o objeto de estudo focado no presente trabalho foram as ações

pedagógicas realizadas pelos professores de primeiro ano, em suas aulas. Desenvolveu-se em uma

pública e outra privada do Município de São Paulo. Foi realizado em

2012, com participação de uma aluna de Pedagogia do programa de Iniciação Científica.

A proposta, quando em projeto, obteve aprovação do Comitê de Ética da Universidade à qual

esta autora pertence. Neste texto, serão apresentados os dados da escola pública, pois intenta- se

problematizar aqui a qualidade da educação oferecida pelo Estado no que concerne à consideração

da criança em sua singularidade, questão candente quando se tem com foco a infância.

Portanto, a consulta a esses estudos foi relevante para contextualizar e aprofundar o tema

e, principalmente, para justificar o objeto desta pesquisa ao procurar oferecer informações novas,

ainda não reveladas pelos estudos já realizados e que são passíveis de enriquecer o debate sobre

temas das Políticas Públicas, da qualidade da educação brasileira e do espaço que a infância

ocupa nestes âmbitos.

Dentre esses trabalhos, destacou-se a tese de doutorado de Tenreiro (2011), intitulada

Ensino Fundamental de nove anos: o impacto da política na escola, devido a sua abrangência

nacional e ao seu potencial como fonte fidedigna de valor de referência na discussão dos

dados da presente pesquisa, ao oferecer a possibilidade de confrontar os achados desta com os de

outros autores.

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Objetivos

Norteou a presente pesquisa a seguinte indagação: crianças de cinco a seis anos tem suas

características infantis consideradas nas ações pedagógicas do professor dos novos primeiros

anos? Portanto, o objetivo estabelecido foi o de averiguar criticamente se as ações pedagógicas do

professor do atual 1º ano consideram as características da criança de cinco a seis anos, conforme

preconizadas por autores interacionistas da psicologia da educação, Piaget, Vygotsky e Wallon,

em face dos novos primeiros anos.

Metodologia

De acordo com este objetivo, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois visou apontar as

características de um grupo de educadores em relação à sua ação educativa. “As pesquisas

descritivas são as (...) as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados

com a atuação prática” (GIL, 2002, p. 4).

De natureza exploratória, sem a pretensão de generalizar os resultados, consistiu em

um estudo de caso das duas escolas mencionadas, ao visar, mediante dados cuidadosa e

sistematicamente coletados e analisados, favorecer decisões seguras, por parte desta autora,

quanto à direção de pesquisas futuras no que tange à condição da educação brasileira e contribuir

para o debate sobre a qualidade do ensino. As pesquisas exploratórias revelam-se úteis como

primeiro passo.

De acordo com os procedimentos, as fontes de informação foram: a) entrevistas

semiestruturadas concedidas pelos educadores: professoras da primeira série, coordenadoras e

diretoras para identificar sua formação e opinião sobre o ensino de nove anos; b) observação das

aulas de primeiro ano para identificar como o professor coordena suas ações pedagógicas e

relacionais em face de alunos mais jovens; c) análise do Projeto Pedagógico para verificar se houve

planejamento da implantação.

A análise dos dados foi de natureza qualitativa e teve como critério uma concepção de

criança fundamentada nas teorias mencionadas cujo fundamento epistemológico é interacionista.

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Referencial teórico

Pelo modelo adotado, o ser humano é concebido como um processo em interação com seu

contexto físico e social no qual estão presentes os aspectos culturais, históricos e pessoais.

Tem como premissa que a criança vai se constituir como ser humano na medida em que interage

com o mundo resultando desse processo uma identidade singular e única. Para Vygotsky, o

funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto, histórico, carregado de

significado cultural (p.40).

Ao nascer, ela já está preparada para aprender, mas a aprendizagem só irá ocorrer na

medida em que interagir com o ambiente: sua linguagem depende da interação com os adultos, da

qualidade da comunicação que estes estabelecem com ela e do grau de liberdade que tem para

expressar-se; do mesmo modo, sua compreensão sobre os fenômenos físicos e sociais do seu

entorno é mediada pelo significado cultural atribuído pela sociedade e este chega até ela pela

interação com o outro; os aspectos emocionais para amadurecerem e se transformarem em

afetividade carecem da interação pela qual apreendem os valores que regem a convivência entre

os homens e entre eles e a natureza. É pela consideração e reflexão propiciada pelo adulto

sobre as diferentes situações, principalmente as de conflito, é que a criança irá desenvolver-se de

modo integrado em seus aspectos social, cognitivo, emocional, motor e ético.

Desta perspectiva privilegia-se a interação ativa da criança com seu meio. Sua participação

é considerada parte integrante das atividades pedagógicas e os conteúdos escolares passam a

integrar a função de estimular essa interação e de ajudar a criança exercitar sua curiosidade e

manter seu interesse para realizar atividades consideradas relevantes para sua aprendizagem.

Nesse processo, a consideração pelas peculiaridades da criança é primordial. O conceito

de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky ressalta justamente este aspecto: a ajuda que

o educador dispensa à criança perante o que ela já sabe e o que ela ainda não sabe, mas que é

considerado importante que ela venha a saber. Sem esta dimensão, a interação entre professor e

aluno perde em qualidade porque o ensino não corresponde às necessidades presentes na situação.

A concepção integral de ser humano impõe a consideração não só do aspecto cognitivo,

mas também do social, do emocional e do corporal. Wallon contribuiu ao apresentar uma teoria

que mostra as influências recíprocas entre essas dimensões: é por meio da cognição que a

compreensão das próprias emoções se desenvolve em afetividade, em direção ao

autoconhecimento e, ao mesmo tempo, as emoções constituem-se em alavanca, ou em obstáculos,

a aprendizagens cognitivas, sociais e motoras (comportamentais); é por meio do movimento motor

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que a criança menor explora o ambiente físico e o apreende cognitiva e afetivamente; é nas

relações estabelecidas entre elas e delas com os adultos que aprimora a cognição sobre a realidade

física e social.

Dessa maneira, o processo interativo pedagógico interfere de modo global na

aprendizagem da criança devido ao entrelaçamento existente entre as diferentes dimensões,

mesmo que o foco do professor seja apenas em uma delas. Ao mesmo tempo, o efeito provocado

pela interferência suscita respostas que auxiliam o professor dimensionar a adequação, ou não, de

seu trabalho e tomar novas decisões.

Piaget, Vygotsky e Wallon valorizam o brincar como uma atividade que caracteriza a

criança e as manifestações expressivas (desenho, pintura) como um modo pelo qual suas

organizações cognitivas e afetivas são demonstradas. Consideram a dimensão simbólica que as

engloba como um fenômeno psicológico construído na sua interação com o mundo e cujo

resultado, por sua vez, interfere na qualidade das futuras interações. As atividades simbólicas,

lúdicas e expressivas têm relevância para o processo ensino-aprendizagem por ser constitutiva da

dimensão emocional e afetiva e aparecer em forma de interesse na criança.

O educador pautado em uma concepção concreta, social, histórica e dialética do ser

humano tem como premissa o valor inalienável da educação como instrumento de sua promoção

e o professor como o profissional que responde pela função de realizar esta tarefa.

Os dados de observação foram captados e analisados mediante o critério da concepção de

homem aqui apresentada. As ações pedagógicas foram interpretadas segundo os conceitos

provenientes dos autores adotados, o que mostra o uso da teoria como ferramenta de leitura da

realidade.

Desenvolvimento da pesquisa

A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) estudada localiza-se na zona norte

da cidade, com 700 alunos de seis anos incompletos a 17, do 1º ao 9º ano, com dois turnos: das

7h30 às 12h30 e das 13h30 às 18h30. O prédio possui três pavimentos nos quais se

distribuem as salas da equipe gestora, dos professores, dos agentes escolares, de leitura, de

acompanhamento pedagógico, de multimeios, da Rádio, da secretaria, os banheiros para

funcionários e para alunos, o laboratório de informática, o almoxarifado, dez salas para aulas, a

cozinha, o refeitório, o depósito de alimentos, o pátio interno, um palco, duas quadras e um

estacionamento. Não há parque nem brinquedoteca.

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As famílias são 70% oriundas da capital, 5% do interior do Estado e o restante do Nordeste

do país. Cerca de 80% dos pais são operários não especializados e 60% das mães têm emprego

informal. 90% dos pais possuem uma renda de dois a três salários mínimos e 8%, de quatro a seis.

Há os que participam de Bolsa Escola e Bolsa Família e 70% moram em casa própria.

42% não concluíram o Ensino Fundamental; 32,5% sim. 10% cursaram suplência, 5%

cursaram o Médio, 2,5% são analfabetos e 2% têm curso superior. Trata-se, portanto, de uma

população social, cultural e economicamente simples, em sua maioria.

O corpo docente é composto de 70 professores, 40 do Ensino Fundamental I, inclusive os

de cursos complementares (informática, sala de leitura etc.) e 30 do Fundamental II. Em sua

maioria, são concursados e efetivos da unidade, todos graduados e alguns com pós-graduação. A

equipe gestora é formada por uma diretora, graduada em artes, dois vice-diretores e duas

coordenadoras pedagógicas, uma para o Fundamental I e a outra para o II. Os agentes

escolares e os funcionários da secretaria também são efetivos, todos com Ensino Médio completo;

os agentes de limpeza e cozinha são terceirizados e em sua maioria não o concluíram.

A análise do projeto pedagógico revelou que a escola desenvolve três projetos: a) um jornal

que publica semestralmente matérias feitas pelos próprios alunos e é destinado à comunidade; b)

Projeto de Xadrez, com participação em campeonatos fora da escola; c) Ensino de línguas - francês

e espanhol. Não foi identificado projeto específico para a implantação da Lei, dado confirmado

na entrevista.

Entrevista

A coordenadora pedagógica e diretora entendem que “física e psicologicamente a criança

de cinco anos e meio a seis é muito imatura para as cobranças exigidas”. Compreendem suas

necessidades espaciais e aponta a impossibilidade de atendê-las devido à estrutura do prédio não

comportar a construção de um parque ou de uma brinquedoteca e, nem mesmo, a adaptação das

salas de aula com carteiras menores e cantinhos lúdicos, pois estas são compartilhadas

com os alunos maiores no período oposto do primeiro ano. Com estes dados, depreende -

se que as gestoras conheciam as necessidades das crianças, mas consideravam que não

tinham recursos materiais para atende-las.

As duas professoras, pedagogas e efetivas da prefeitura, têm experiência no magistério:

uma com adultos e a outra com primeiro ano, mas nenhuma com crianças de cinco a seis anos.

Explicaram que a adequação do professor às demandas de uma determinada turma nem

sempre é atendida, pois na rede escolar, o que determina a atribuição é a classificação do professor

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que, amparado pela Lei, escolhe segundo sua decisão. Ao diretor cabe convencê-lo a assumir

turmas às quais possa corresponder pedagogicamente.

Consideram a criança dessa faixa etária “imatura” e sua “inclusão absurda”. Apontam

como problemas: a falta de espaço e de recursos materiais (salas e mobiliário desproporcionais ao

tamanho da criança menor e falta de parque e de brinquedoteca); o tempo maior de permanência

em sala que diminui a oportunidade da criança brincar; a exigência do governo quanto à

alfabetização; o despreparo do professor (“como alfabetizar?”) e sugerem uma formação

específica, uma vez que “o novo primeiro ano é diferente da antiga primeira série”. “A Secretaria

ofereceu um curso on-line, mas não houve retorno” e a falta de “integração da família à escola”.

Alegam que a unidade escolar abordou o tema de modo superficial e não realizou nenhuma

ação em favor das características dessa faixa etária, que a mudança “ocorreu de forma brusca, sem

planejamento”.

Observação

As duas salas de aula foram observadas por um mês, todos os dias da semana durante uma

hora. Eram compostas por 30 a 35 alunos acomodados em carteiras dispostas uma atrás das outras,

o que não favorecia o movimento das crianças; algumas delas, quando sentadas, não alcançavam

o chão. A mesa da professora ficava sempre de frente para a classe e, atrás dela, a lousa. Havia

na parede alguns cartazes com músicas, listas de palavras, alfabeto e os numerais que eram

apontados pelas professoras e a turma, em conjunto, reproduziam os sons equivalentes às letras

e aos numerais. Não havia materiais diversificados e as explicações eram dadas oralmente

pelo professor. O processo de alfabetização se desenvolvia por meio da memorização do nome

das letras e de cópias no caderno de palavras evocadas.

Ao chegarem, as crianças organizavam seus materiais em cima da carteira conforme a

matéria prevista. No caderno de português, todos os dias, copiavam o cabeçalho, a sequência de

atividades colocadas na lousa e escreviam o alfabeto e os numerais de zero a 50. Não

interagiram com objetos concretamente. Muitas se dispersavam, outras demonstravam enfado e

algumas choravam, outras se comparavam com quem conseguia realizar a tarefa, e outras não

a concluíam antes do recreio. Neste, elas corriam, gritavam, pulavam no pátio coberto, sem

nenhum brinquedo ou proposta de atividade lúdica. Presentes, os inspetores que as

repreendiam pela movimentação e algazarra. Algumas vezes acabavam em acidentes e brigas, que

não eram refletidas com a criança. Quando voltavam, estavam sempre agitadas e as professoras

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reclamavam em tom de voz mais elevado, repreensivo e até ameaçador para que se aquietassem

e completassem os exercícios que exigiam, muitas vezes, mais de um dia.

Brincavam nas aulas extracurriculares (duas vazes por semana com duração de 45 minutos

cada) com outros professores: de Artes, de Leitura, de Informática e de Educação Física.

Nesta última, a criança podia tomar iniciativa, exercitar o corpo por meio de jogos e brincadeiras

que desenvolviam a coordenação motora, lateralidade, equilíbrio, interação com os colegas e

imaginação, com desenhos.

A necessidade de movimentar-se, de explorar o ambiente, de interagir com ele, de

expressar- se e de refletir sobre o próprio comportamento não era atendida. A intervenção do

adulto, sempre repreensiva em situações de “desobediência” não contribuiu para a reflexão e

compreensão sobre seu modo de agir.

Resultados

Os dados descritos revelam que as características ambientais próprias para crianças de

cinco a seis anos, como parque, brinquedoteca e salas com mobiliário adequado, não foram

preservadas. O prédio destinado ao novo primeiro ano não dispunha desses recursos e sua estrutura

era inadequada: carteiras grandes e pesadas, o que dificultava a mobilidade da criança, sua

interação com os demais e os rearranjos espaciais que o professor faria para dinamizar as aulas.

Na mudança de um segmento para outro, houve uma ruptura sem preservar o atendimento das

características do novo aluno.

O problema estrutural dos prédios é de difícil solução, pois são construções antigas, muitas

delas sem espaço para adaptações às novas exigências. Aquelas escolas que podem fazê-las,

“esbarram” em questões burocráticas que emperram as soluções, de acordo com constatações

desta autora na pesquisa realizada a seguir. Entretanto, constatou-se, em meio a essas dificuldades,

que algumas unidades escolares empenharam-se e conseguiram fazer adaptações. Todavia,

não ocorreu antes da instalação do novo Ensino Fundamental, como deveria ser quando se planeja.

No trabalho em sala, predominaram atividades pedagógicas monótonas, repetitivas,

individuais, sem apelo à participação, iniciativa, criatividade e interatividade, atributos

necessários para um processo de aprendizagem ativo e significativo. A cópia diária de palavras

sem sentido para algumas não contribuiu para promover o gosto pelo aprender e a vontade de se

empenhar. O interesse e comunicação da criança não foram considerados. Não houve

reformulação pedagógica mediante sua resposta. Suas manifestações de desinteresse não

provocaram mudanças nas ações didáticas das professoras. Nomearam as dificuldades como

sinônimo de imaturidade, mas não promoveram uma adequação pedagógica a este fato. Embora

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valorizem o brincar e as atividades expressivas nesta idade, não os utilizaram como recurso

didático.

As situações descritas revelam que o processo ensino-aprendizagem observado careceu

de uma tradução prática das concepções preconizadas pelos autores aqui adotados: desenvolve-se

o pensamento lógico matemático pela manipulação de materiais e muito menos por sua

simples repetição sonora, ou oral, ou escrita, até à exaustão. Estas são apenas parte do processo

de aprendizagem, mas que perdem seu valor quando mal dosadas e realizadas mecanicamente.

É pela interação com os objetos que a criança “inventa” a noção de quantidade, de tamanho, além

de abstrair suas propriedades. Este fato requer sua atuação ativa, caso contrário, pode

desinteressar-se.

Quando este fato ocorre, configura-se como alerta para a professora reorganizar-se, pois é

nessa interação que sua ação ganha em concretude em especificidade e corresponde à realidade

imediata, como nos sugere o conceito de zona proximal.

A compartimentalização do processo educacional em disciplinas estanques: movimento

apenas na Educação Física e atividades simbólicas e expressivas em “salas de leitura” obedeceu

ao padrão do Ensino Fundamental e não às da criança concreta que ali estava, além de ignorar sua

necessidade de representar, fantasiar, também em situações de ensino formal. Este fato revela que

o processo ensino-aprendizagem fragmentou as atividades e para isto, desconsiderou as

peculiaridades de criança.

Tais fatos podem ser entendidos no contexto dessa escola: as professoras não tinham

experiência com este segmento. Propõem, inclusive, um investimento na formação de professores

para o enfrentamento das peculiaridades de que se reveste este período infantil. Fatores estruturais

como o procedimento de escolha de aula podem criar barreiras na seleção adequada. Não houve

investimento da escola no planejamento do processo de implantação em suas condições concretas:

as características dos atuais primeiros anos, as necessidades pedagógicas decorrentes, tais como

um currículo específico, um processo de alfabetização dinâmico e uma estrutura didática que

enfrentasse a carência de recursos físicos. Não se notou uma busca de alternativas pedagógicas.

Um fato que corrobora a situação descrita é o emprego dos “Cadernos de Apoio”, enviados pela

Secretaria Municipal da Educação, que devem ser aplicados dentro de um determinado prazo. Sem

experiência com a faixa etária, seu uso passou a ser a alternativa principal.

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Considerações finais

Os dados descritos tornam claro um modo pelo qual a implantação da Lei 11.274/2001

repercutiu na escola pesquisada. Nesta, o nível socioeconômico e intelectual das famílias

atendidas é de natureza simples: a grande maioria dos pais é operária não especializada e as mães

têm emprego informal; o salário de ambos perfaz de dois a três salários mínimos em 90% dos

entrevistados e há os que recebem Bolsa Família e quase metade não conclui Ensino

Fundamental. Portanto, estes dados indicam a relevância que a escola assume quando atende uma

comunidade como essa, enquanto agência de promoção humana.

Após cinco anos da implantação, a formação do professor é um dos focos de crítica que

permanece. Esta necessidade, pontuada por outras pesquisas tais como a de Capuchinho (2007),

de Araújo (2008), de Dantas (2009), de Vargas (2010), de Antunes (2010), de Mota (2010) e de

outros, confere ao tema uma centralidade no conjunto de carências que assolam a educação

brasileira e que precisam ser enfrentadas. Aliás, em sua pesquisa, Tenreiro (2011) afirma que esta

questão foi indicada em praticamente todos os 18 trabalhos analisados por ela.

A presente pesquisa ressalta esta necessidade com base nos dados encontrados dentro

das salas pesquisadas. Em que pesem todas as mazelas de ordem estrutural que dificultam a

realização de um trabalho de qualidade, a formação do professor continua candente por ser ele o

responsável direto pelo trabalho educativo.

O segundo aspecto res saltado foi a ausência de planejamento ocorrida no plano do governo

e outra no nível da própria escola. Mudanças que contemplam objetivos da magnitude que a Lei

propôs requerem planejamento e este não foi realizado pela escola, conforme verificado

também em Araújo (2008), em Moro (2009), em Antunes (2010). Todos esses estudos mostram

carência de informações dos professores para uma atuação firme e consistente. Em decorrência,

sentimentos de incertezas e inseguranças emergem dessas circunstâncias. O planejamento com

base nessas carências apresenta-se como um recurso racional para enfrentá-las.

Pode-se concluir que a prática pedagógica que preponderou na implantação foi a do Ensino

Fundamental sobre a da Educação Infantil, apesar das reconhecidas críticas de que o primeiro

padece. Neste sentido, persiste o desafio de ampliar os espaços da infância para além dos próprios

da Educação Infantil ao estendê-los até alcançar o Ensino Fundamental, o que significa ter a

infância como foco independentemente do ciclo educacional em que a criança se encontra.

Ao concluir, reitera-se que os achados não podem ser generalizados para outras unidades

da rede, mas que podem suscitar novos estudos aprofundados e ampliados de modo a que os

desafios em prol da infância, sejam enfrentados com dados passíveis de generalização.

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São muitos os aspectos que podem ser abordados a partir dos dados encontrados pela

pesquisa, mas espera-se que os que foram pontuados possam contribuir para o debate sobre a

educação pública brasileira e especialmente sobre a infância. A busca de uma educação de

qualidade implica levar a sério a formação do professor por ser ele o profissional que responde

diretamente pelo processo de ensinar e aprender.

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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO

BÁSICA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO

INTEGRADOR PARA A INFÂNCIA PAULISTANA

Marcia Cordeiro Moreira

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

RESUMO

O currículo integrador, desde 2013 em processo de escrita participativa, com as equipes

pedagógicas de educação infantil e ensino fundamental da rede municipal de educação em

São Paulo tem pretende explicitar princípios para a garantia de direitos de bebês e crianças,

para a população de diferentes culturas e identidades territoriais. A construção de um

currículo integrador para a infância paulistana deve se dar na perspectiva da gestão

democrática, considerando os diferentes sujeitos presentes nas unidades educacionais

públicas municipais. Entendemos que o processo de transição das crianças entre creche e

pré-escola e da Educação Infantil para o Ensino Fundamental deve contemplar desde

o currículo, compreendido como um instrumento vivo, até a criação de espaços adequados

nas salas e na área externa, além de práticas que viabilizem as interações criança/criança

para que possam desenvolver suas culturas de pares infantis.

PALAVRAS CHAVES: Infâncias, Currículo, Integração

O desenho de uma rede

A rede municipal de ensino da cidade de São Paulo (RME) nasce em meados da

década de 1950. Atualmente a RME atende a quase um milhão de crianças, jovens e adultos

a partir do trabalho de quase 84.000 funcionários. São números que apontam a

complexidade desta rede e suas demandas frente aos desafios de nosso tempo4.

A organização do atendimento aos bebês, às crianças, adolescentes, jovens e adultos

obedece a seguinte conformidade: a crianças dos 0 aos 3 anos de idade através dos Centros

de Educação Infantil (CEI); crianças dos 4 aos 5 anos através das Escola Municipais de

Educação Infantil (EMEI), crianças e adolescentes a partir dos 6 anos de idade nas Escolas

Municipais de Ensino Fundamental (EMEF), Jovens e adultos através das unidades de

EMEF que oferecem a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno e ensino

1 http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Noticia/Vizualizar/PortalSMESP/Numerosa-da-Secretaria -acesso em 24/05/2015

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médio através das Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio (EMEFM). Há ainda

os Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), que possui outras formas

de atendimentos aos jovens e adultos de nossa cidade; e as Escolas Municipais de Educação

Bilíngue para Surdos (EMEBS) que atende crianças jovens e adultos com deficiência

auditiva.

Há na rede municipal de educação paulistana seis Escolas Municipais de Educação

Bilíngue para Surdos, 8 Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio e 547 Escolas

de Ensino Fundamental, 2316 Unidades de Educação Infantil.

Um dos pressupostos da condução da política educacional em curso de 2013 a

2016 é compreender bebês e crianças em sua integralidade como sujeitos da

aprendizagem e o processo educativo em sua inteireza, superando diversas formas de

dicotomia, onde ainda há uma hierarquização entre diferentes áreas de conhecimento, seja

na fragmentação dos componentes curriculares no ensino fundamental, seja entre ciência e

arte marcadamente no ensino fundamental, além de cisões historicamente construídas, entre

formas de atendimento aos bebês e crianças presentes nos CEIs, EMEIs e EMEFs da Rede

educacional pública municipal de São Paulo.

A educação infantil envolve o atendimento de bebês e crianças, sendo o atendimento

em CEIs destinados às aos bebês e crianças de até três anos completos e em EMEIs para

as crianças de quatro e cinco anos de idade.

A atual organização do ensino fundamental está configurado com três ciclos de

aprendizagem, a saber: ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano), Ciclo Interdisciplinar (4º ao

6º ano) e Ciclo Autoral (7º ao 9º ano).

Sinteticamente apresentando os pressupostos de cada ciclo de aprendizagem do

ensino fundamental, podemos partir das seguintes concepções desta organização: o ciclo de

alfabetização tem como propósito primeiro de que todos os estudantes estejam alfabetizados

até o término do 3º ano do ensino fundamental; o ciclo Interdisciplinar objetiva a articulação

entre as áreas do saber, frente a um mundo complexo e que exige uma prática formativa

que reflita as diversidades dos problemas da vida contemporânea, abrindo a possibilidade

da articulação de projetos com horários garantidos nos 4ºs e 6ºs anos do ensino fundamental,

e um espaço de docência compartilhada entre professor especialista e professor pedagogo

em 4 aulas por semana com os grupos de 6º ano; o ciclo autoral objetiva que a dinâmica do

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ensino esteja voltada para práticas de produção de conhecimentos de forma autoral, com

pesquisas e organização do que é conhecido através de trabalhos colaborativos de autoria

(TCA).

Desde o ano de 2013, organizando ações de formação e em decorrência das

reflexões realizadas em conjunto pelas Divisões de Educação Infantil e de Ensino

Fundamental da Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo, temos nos

inquietado com a constatação de que crianças e bebês, produtores de culturas e sujeitos de

aprendizagem da educação básica paulistana, especialmente nas interações e experiências

proporcionadas na educação infantil e no ciclo de alfabetização do ensino fundamental, são

percebidos e tratados das mais diversas maneiras pelos educadores, evidenciando a

convivência nas práticas pedagógicas, de múltiplas e muitas vezes contraditórias

concepções, permeadas ainda em grande parte por uma visão adultocêntrica quanto às

relações entre educadores e educandos, e uma visão hierarquizante entre conhecimento,

culturas e saberes quanto ao que constitui currículo em unidades de educação infantil e

de ensino fundamental, neste caso especialmente com as crianças do ciclo de alfabetização.

Esta inquitação inicial, ao ser apresentada e compartilhada por outros integrantes

das equipes pedagógicas das Diretorias Regionais de Educação, que estão presentes em

treze diferentes regiões do município, foi se constituindo em um grupo de trabalho que tem

por objetivo a construção de um documento que expresse os princípios de um currículo

integrador para a infância paulistana, destinado à educação infantil e aos anos iniciais do

ensino fundamental, de modo a subsidiar os momentos de formação docente como espaços

para pensar, conhecer melhor e atender com qualidade social aos direitos dos bebês e

crianças que compõem as múltiplas infâncias paulistanas.

Os desafios e as ações que estendem no horizonte próximo

Os desafios são muitos e uma questão que se apresenta é: como manter uma atitude

crítica nas análises e de otimismo nas ações? Não se trata do otimismo ingênuo, mas o que

mobiliza para as transformações e construções necessárias. Há a necessidade de criar e

intensificar o clima de pertencimento dos educadores e dos educandos ao Projeto Político

Pedagógico de cada unidade educacional, através da participação ativa, do reconhecimento

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do protagonismo de todos os envolvidos, da construção de caminhos alternativos que

repensem a educação no espaço de CEIs, EMEIs e EMEFs nos territórios da cidade.

A rede municipal de educação da cidade de São Paulo vive um momento rico em

reflexões e busca de novos percursos em relação ao currículo. A implementação do

Programa Mais Educação São Paulo2 trouxe muitas inquietações e destas, muitas buscas

por transformações nas ações pedagógicas desenvolvidas nas unidades educacionais.

Esses desafios passaram a compor os horários coletivos de formação continuada no

âmbito das unidades, assim como por meio de outras ações de formação realizadas pelas

Diretorias Regionais de Educação (DRE), os cursos, seminários e congressos oferecidos por

diversas esferas da Secretaria Municipal de Educação, boa parte em parceria com

universidades. Estas ações têm evidenciado o desejo e as práticas autorais de professores e

um olhar e uma escuta que percebam e promovam a produção das culturas infantis na

construção de uma educação pública municipal com qualidade social.

Dentre todos os desafios, está o de produzirmos documentos curriculares para a Rede

Municipal de Ensino, que se constituam como subsídios para as reflexões nos diversos

tempos e espaços de formação continuada, pois em uma proposta dialógica, ampliar os

espaços de construção coletiva é uma necessidade concreta, permitindo a articulação de

projetos, a constituição de ações que integrem as diferentes áreas de conhecimento e as

múltiplas linguagens, assim como as possibilidades de investigação presentes nos espaços

educativos. A escola não pode se configurar com ações solitárias. Será o conhecimento e a

articulação em rede que permitirá novos lugares para a educação pública p a u l i s t a n a .

Nesse s e n t i d o , a l g u m a s publicações da S e c r e t a r i a Municipal de Educação

como: “Avaliação na E d u c a ç ã o Infantil: Aprimorando Olhares”3, “Indicadores de

Qualidade na Educação Infantil”4 e “Diálogos Interdisciplinares a caminho da autoria”5 têm

subsidiado as discussões sobre educação de bebês e crianças, sobre os diferentes sujeitos

da infância dos CEIs, EMEIs e EMEFs do município de São Paulo. Nesse momento,

estamos em processo de construção coletiva do documento “Currículo Integrador para a

infância paulistana: por uma ideia de educação básica”. Reconhecer que bebês e crianças,

são sujeitos e cidadãos no tempo presente e não apenas de alguém a ser preparado para o

2http://maiseducacaosaopaulo.prefeitura.sp.gov.br/ - acesso em 24/05/2015 3 http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Regionais/108700/Documentos/SupervisaoEscolar2014/ORIENTA%C3%87%C3%83O

%20NORMATIVA%20-%20N%C2%BA%2001-2013%20-%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20INFANTIL.doc

4 http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/12617.pdf

5http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Noticia/Visualizar/PortalSMESP/Dialogos-interdisciplinares-a-caminho-da-

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futuro, implica em considera-los como partícipes protagonistas no processo educativo.

Nesse sentido, o propósito é de educar com os bebês e as crianças. Este reconhecimento

de “educar com” exige novas maneiras de pensar o currículo e o cotidiano escolar, de

forma menos prescritiva e mais autoral, a partir de diretrizes que enunciem os princípios

éticos, políticos e estéticos para a prática pedagógica, que se construam por meio de uma

escuta sensível, de um olhar observador, de reflexões coletivas com o envolvimento de

todos os atores, democraticamente, e com a maturidade deste coletivo expressa em um

processo permanente de avaliação institucional participativa. Todos esses elementos devem

constituir o Projeto Político Pedagógico, mas este precisa ser uma carta de intenções que

explicite os princípios e garanta a expressão de toda a potência dos que fazem parte do

processo educativo, toda a vivacidade presente nas unidades educacionais e na comunidade.

A discussão sobre currículo integrador tem como objetivo principal pensar a

educação como princípios para a garantia de direitos de bebês e crianças, para uma

população que deposita na escola pública a expectativa de atendimento de educação

integral, com a presença de diferentes culturas e identidades territoriais. A construção de

um currículo integrador para a infância paulistana deve se dar na perspectiva da gestão

democrática, que considere os diferentes sujeitos presentes nas escolas públicas municipais.

Por esses motivos, há também a necessidade de algumas desconstruções e mudanças

de paradigma, pois há o diálogo com a experiência da rede municipal de educação. Em

decorrência desse processo, um documento que defina princípios para um currículo

integrador provoca um olhar criterioso para os processos pedagógicos com base nas

concepções que cristalizaram alguns aspectos que precisam ser transformados, tais como a

cisão que permeia o atendimento entre CEIs e EMEIs, entre educação infantil e ensino

fundamental, entre cuidar e educar, entre brincar e aprender, entre fazer e pensar, entre

corpo, mente e emoção.

Nesse cenário, o professor enquanto intelectual, tem papel de autoria e

extremamente relevante no processo que vivencia com os educandos, assumindo as

possibilidades de avanço ou de recuo na prática cotidiana com os educandos. Este

pressuposto exige uma grande articulação com todos os profissionais de cada unidade

educacional construindo uma unidade no projeto articulado por tantas vozes no interior da

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escola. Nesse cenário, cada CEI, EMEI ou EMEF passa a ter autonomia para gerenciar

seus projetos, tempos e espaços.

A formação inicial e o diálogo com a formação continuada.

A formação inicial oferecida aos docentes, além da diversidade em torno da

qualidade dos cursos e dos currículos das instituições de ensino superior, também implica

em formação geral que não necessariamente contribui para a compreensão da pluralidade

cultural dos grupos com quem os docentes interagem em sua ação profissional nas mais

diversas faixas etárias. No entanto, há um equívoco em olhar para o professor sempre a

partir do que lhe falta, considerando as lacunas de sua formação, ou daquilo que ele não

conhece, sob pena de reproduzirmos em relação aos educadores o tipo de relação que

desaconselhamos por não considerar as crianças enquanto produtoras de cultura da cultura

infantil e capazes de estabelecerem relações com os mais diversos sabres e

conhecimentos.

É preciso investir na potencialidade dos educadores, e esse processo se dá

especialmente através da formação continuada, seja no âmbito da unidade educacional, seja

através de oferta de outros tempos e espaços de formação para além dos muros da escola,

que precisam estar presentes nas políticas educacionais de formação docente. No entanto,

nota-se que a informação não é suficiente para que se consolidem as ações de formação.

A promoção de experiências de participação política e de reflexões sobre ética e

compromisso com ações pedagógicas emancipatórias, construídas coletivamente nos

diferentes espaços educativos, os quais promovam as aprendizagens de todos os sujeitos

envolvidos, bem como ampliação das possibilidades de experiências estéticas nos

momentos destinados às formações, podem criar oportunidades para transformações

importantes na atuação docente e nas interações entre adultos e crianças, entre educadores

e educandos e entre escola e família.

As aprendizagens são entendidas como experiências que não se restringem ao

exercício de raciocínio lógico e desenvolvimento cognitivo, ou acúmulo de novas

informações, mas às possibilidades de experiências em múltiplas linguagens, em processos

não apenas de aquisição de conhecimentos, mas de exploração dos saberes que emergem

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o processo, de criação de culturas e expressão do sujeito em sua integralidade física,

emocional, cognitiva e cultural.

Outro aspecto a ser considerado é a importância de compreender o docente enquanto

intelectual, em processo de reflexão permanente sobre sua ação pedagógica e autor no

processo de organização dos tempos e espaços, dos materiais que disponibiliza, dos registros

e da documentação pedagógica que organiza para o acompanhamento pedagógico das

aprendizagens e para comunicação de seu trabalho no coletivo, mediador das interações

entre os educandos, e destes com todas as fontes de investigações possíveis, dentro e fora

da sala de aula, em espaços externos à unidade e na concepção de uma cidade educadora.

Assim a formação desejável e necessária ao educador não se restringe à formação

inicial, e nem a uma formação estritamente teórica e especializada em uma ou algumas

áreas. O profissional de educação precisa compreender-se como em permanente

construção, constituindo sua identidade profissional a partir dos grupos com quem convive,

dos desafios pedagógicos que encontra em seu percurso, da interação com os educandos,

do estudo de áreas de conhecimento diversas e das múltiplas linguagens, da construção de

projetos com bebês e crianças e com o coletivo de educadores, da escuta e da investigação

das culturas infantis, das culturas dos familiares e da comunidade onde a instituição

educativa está inserida.

O professor autor percebe-se como sujeito implicado no processo educativo,

com o compromisso de apresentar, debater e acolher propostas no coletivo das unidades

educacionais, com o compromisso de buscar conhecer o contexto, garantir direitos

fundamentais de bebês e crianças e representá-los como atores sociais. Percebe, nas

interações presentes no cotidiano, a necessidade de um olhar atento e de uma escuta sensível

para todas as expressões dos múltiplos sujeitos com que convive, garantindo o

protagonismo e autoria de meninas e meninos nos processos educativos. Esse profissional

aprende a perceber as nuances das características presentes através da leitura de mundo e

do envolver-se, comprometer-se com a educação de qualidade social em uma escola

inclusiva e com os direitos de todos os cidadãos.

Identificando-se como autor e como intelectual, o docente busca, para além dos

espaços de formação institucionais, sua formação em outros espaços diversos, a partir dos

desafios que encontra no percurso de sua atuação pedagógica, assim como problematiza

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ações no e do coletivo das instituições educativas e problematiza as interações das e com as

crianças.

Lembrando que o espaço das unidades educativas conta com um conjunto de

educadores para além dos docentes, faz-se necessário destacar o papel do Coordenador

Pedagógico como articulador do coletivo, o qual promove desafios, propõe momentos para

que os docentes e outros profissionais compartilhem suas práticas, envolve os

profissionais do quadro de apoio nas discussões pedagógicas e defende o investimento tanto

financeiro, como de organização de espaços, tempos e materiais a serviço do atendimento

dos direitos dos educandos e dos educadores em toda a sua potencialidade. Além da

necessária articulação com as famílias evidenciando as características de uma educação com

qualidade social para seus filhos.

A importância do papel da Direção da escola, por sua vez, está em promover

uma gestão democrática, com participação de todos, não apenas nas instâncias formais

como Conselho de Escola, Reuniões de Pais e Mestres e Associação de Pais e Mestres, mas

por meio da criação de canais para as diversas formas de expressão que evidenciem o direito

à voz de todos os educandos, de todas as idades, garantindo o acolhimento dos atores

envolvidos no Projeto Político Pedagógico das unidades da Rede Municipal de Ensino.

São estes profissionais em diálogo que constituirão os espaços dos projetos de cada

unidade educacional, de forma articulada com as outras unidades e em consonância com

as diretrizes educacionais da Rede Municipal de Ensino.

A gestão democrática na construção de um currículo integrador para a infância

Para a gestão dos projetos de cada unidade educacional e a gestão dos recursos

financeiros, os Conselhos de Escola e a Associação de Pais e Mestres (APM) constituem-

se como importantíssimos espaços de resolução das demandas da comunidade escolar.

Propostas sobre ocupações de cada espaço da unidade escolar, são discutidas nesse fórum

composto por equipe gestora, professores, funcionários, pais e estudantes. O destino das

verbas repassadas pela Secretaria Municipal de Educação também é discutido neste espaço,

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possibilitando que cada integrante do conselho apresente os motivos para a aquisição ou

não de um bem material, para as possibilidades de reorganização de espaços e viabilização

de possíveis atividades curriculares para além dos muros da escola. Ainda há muito que

avançar na ocupação destes fóruns de decisões coletivas dentro nas Unidades de Ensino.

Cada uma destas unidades constituiu-se a partir das demandas do local em que estão

e trazem como qualidades inerentes aos seus trabalhos o questionamento permanente de

uma escola que atenda às necessidades de aprendizagens dos estudantes, modificando-se

anualmente para readequar-se ao tempo vivido.

Todas as escolas da rede municipal de ensino podem modificar os seus tempos e

espaços na constituição dos saberes a partir do Programa Mais Educação São Paulo,

mas para isso é preciso percorrer as instâncias democráticas que as legitimam e as

lançam a novas práticas.

Entendemos então, que o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino

Fundamental deve contemplar desde o currículo, compreendido como um instrumento vivo,

até a criação de espaços adequados tanto nas salas, quanto na área externa, além de práticas

que viabilizem as interações criança/criança para que possam desenvolver suas culturas de

pares infantis.

Busca-se que a transição efetive-se como um período de articulação entre educação

infantil e ensino fundamental em diálogo, que respeita o desejo das crianças de conhecer e

considera a continuidade do processo de aprendizagem, a partir de contextos próximos do

universo significativo dos meninos e meninas. Destacando-se a intensificar e expandir

muitas das ricas experiências que se constituem ao longo da educação infantil, em vez de

interrompê-las, de substituí-las.

Este é o momento de pensar em uma escola inclusiva e integradora das de saberes,

de conhecimento e de todas as etapas e modalidades da educação básica. É o momento de

valorização da autoria docente, da postura ética e comprometida dos profissionais da

educação com a qualidade social da educação pública municipal, e de potencializar os

espaços de formação coletiva como locus privilegiado para a organização curricular e

pedagógica do processo de ensino- aprendizagem que considere a riqueza presente em cada

uma e no conjunto das unidades educacionais da Rede Pública Municipal.

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As ações em curso para a construção do currículo integrador

Nos meses de agosto e setembro de 2015 foram realizados treze seminários

regionais, com participação de professores e gestores que atuam na educação infantil e no

ensino fundamental – ciclo de alfabetização. Nesses encontros tem sido discutida a

importância de uma teoria pedagógica que contribua nas reflexões sobre um currículo que

atenda às características e necessidades educativas de bebês e criança.

Os diálogos estabelecidos nos seminários apontam para a possibilidade de ações

de formação conjunta nas regiões, entre profissionais de educação infantil e de ensino

fundamental, assim como para reflexões sobre cuidar e educar, sobre a expressão por meio

de múltiplas linguagens, sobre a inserção de crianças na cultura escrita, sobre brincar e

aprender, sobre o tempo livre, ou a ausência dele, na escola de ensino fundamental. Sobre

a importância de pensar tempos e espaços a partir da escuta efetiva e de um olhar sensível

para infâncias presentes nas unidades educacionais.

O grupo de trabalho constituído p o r representantes d a s e q u i p e s d e

formação de educação infantil e ensino fundamental das treze regiões da cidade tem

encontros periódicos para a escrita, com previsão de conclusão ao final do ano de 2015,

contando no momento, com a assessoria da professora Draª Suely Amaral Mello.

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O PROINFÂNCIA E AS TESSITURAS DA PRÁTICA DE UMA EMEI EM PORTO

ALEGRE/RS: CONSTITUIÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO PEDAGÓGICO

Sabrina Garcez 1

– PMPA/SMED

Magda Raquel D’Ávila Pereira2

– PMPA/SMED Eixo: Políticas Públicas para a Educação

Infantil e para a Infância

Resumo

O relato traz um recorte da organização de uma instituição municipal de educação infantil,

modelo B Proinfância/MEC, com capacidade para 166 crianças, até 6 anos de idade, em Porto

Alegre/RS. Com 60 dias para sua organização, discussões e percalços marcaram as atividades

que envolveram aos profissionais na constituição do espaço de ação pedagógica próprio para a

diversidade das crianças e famílias a serem atendidas. Os sorrisos e o bem estar diários destas

crianças são o maior estímulo para enfrentar as batalhas diárias necessárias ao fazer pedagógico,

desconstituindo concepções que culturalmente perspassam a Educação Infantil como local de

guarda e cuidado. Os múltiplos espaços, essenciais para a aprendizagem das crianças, seguem

sendo explorados em suas possibilidades e sendo apropriados pela comunidade escolar, para além

do cuidado, garantindo a aprendizagem lúdica e significativa para crianças de 0 a 6 anos.

Palavras-chave: Educação Infantil. Proinfância. Políticas públicas.

“A organização dos espaços e dos materiais são importantes mediadores da aprendizagem,

devendo, em primeiro lugar, atender às necessidades infantis (afetivas, cognitivas, fisiológicas,

relacionadas à construção da autonomia e à socialização) e propiciar desafios, descobertas e

possibilidades para que as crianças estabeleçam variadas interações.”

Horn, 2013.

O Proinfância e o município de Porto Alegre

As possibilidades pedagógicas e de atendimento decorrentes da construção de creches e pré

escolas, bem como sua equipagem, através do Programa Nacional de Reestruturação e

1 Especialista em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento. Professora da Rede Municipal de Porto

Alegre/RS. Diretora da EMEI Miguel Granato Velasquez. Email: [email protected] 2

Mestre em Educação pela PUCRS. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre/RS. Vice Diretora da EMEI

Miguel Granato Velasquez. Email: [email protected]

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Aquisição de Equipamentos para Rede Escolar Pública de Educação Infantil - Proinfância

vêm mudando a história da Educação Infantil no Brasil. Com o Programa instituído em 2007,

como parte das ações do PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação, foram 8728 unidades

construídas e atendidas através do Proinfância no país nestes sete anos de funcionamento,

ampliando o atendimento de crianças de 0 a 6 anos em cerca de 2500 municípios do país.

As escolas construidas nos moldes do Proinfância foram planejadas pautando o espaço

como ambiente essencial para aprendizagem das crianças atendidas. Previu-se salas de aula com

área interna de higiene, com banheiro e fraldário para crianças entre 2 e 3 anos (Maternal

1), fraldários para turmas de crianças entre 4 meses e 2 anos (Berçários), descanso

para turmas de crianças entre 4 meses e 4 anos (Berçário à Maternal 2), solários compartilhados,

sala multiuso, área coberta para atividades, pracinha, sala de informática, além de amplo espaço

externo que favorece a criação de recantos alternativos.

Em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (RS), apenas em 2015, oito anos

após a implantação do Programa, inaugura-se as duas primeiras unidades do Proinfância no

município. Destas, apenas uma delas tem administração exclusivamente municipal, com todo

atendimento e manutenção efetuado através da municipalidade local, com profissionais

concursados e habilitados ao trabalho com crianças de 0 a 6 anos. Destaca-se que, esta escola, é

também a primeira instituição exclusivamente municipal em Porto Alegre inaugurada nos últimos

dezoito anos, voltada para a Educação Infantil.

Muitos são os critérios que qualificam os municípios a participar do Proinfância. Há de

demonstrar que existe uma demanda mínima para região escolhida, apontada através dos dados

do Censo Escolar, que possui a dominialidade da área onde pretende construir a escola, a

viabilidade técnica e legal para utilização do terreno escolhido. Ainda, para construção do modelo

que temos, se faz necessário terreno com mínimo de 2800 m² e a localização ser em área urbana.

Etapas conclusas, a municipalidade assina um Termo de Compromisso com o FNDE para a

transferência de recursos para obra. No entanto, mais que o espaço físico, a construção de um

equipamento do porte das escolas vinculadas a este programa, responde aos anseios e desejos de

muitas famílias que vêem nestas a possibilidade de buscarem novas oportunidades para sua

via, bem como de terem seus filhos atendidos de forma integral pelo município.

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Porto Alegre não difere das demais capitais do país. Com alta demanda populacional,

creches e pré escolas, com atendimento em turno integral são em número deficitário para atender

todas as crianças entre 4 meses e 6 anos. Por opção política, nos últimos anos, priorizou-se escolas

infantis conveniadas com o sistema público, um modelo que embora atenda às necessidades de

vagas, não possui a mesma qualidade das instituições municipais em funcionamento. Ainda,

destaca-se que nestes convênios existe co-participação financeira dos pais ou responsáveis,

tornando-se inviável para muitos o acesso e permanência na escola.

Nossa escola se constitui dia a dia: tessituras...

Frente da EMEI Miguel Granato Velasquez

Fonte: Arquivo Pessoal - Sabrina Garcez

Em janeiro de 2015, cerca de dois meses e meio antes de sua inauguração formal e três

meses após a entrega da obra, assumimos a gestão da escola, com o objetivo de constituí-la para

seu pleno funcionamento e atendimento a comunidade. Uma área ampla, com salas espaçosas e

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inúmeros locais e possibilidades. E um silêncio assustador provocado pelas paredes vazias e

pela falta dos murmúrios tão característicos de um ambiente escolar, em qualquer etapa do

ensino. Um milhão de ideias e poucas expectativas de colocá-las em prática em um tempo tão

curto e sem condições financeiras de bancar nossas crenças e sonhos.

Foram exatos 66 dias até a inauguração formal da escola e a certeza de que temos um

mundo pela frente ainda a ser conquistado. Neste curto período, coube a nós a tarefa de

realizar as inscrições, oferecer as vagas existentes aos alunos excedentes na lista de espera de outra

escola infantil da região, matricular os alunos contemplados, organizar os espaços físicos,

montar a equipe pedagógica, organizar o grupo de professores e monitores, propor o viés

pedagógico pautado nas questões da infância, gerenciar os grupos de limpeza e nutrição de

acordo com as especificidades da Educação Infantil e gerenciar os problemas estruturais

apresentados desde o início. Muitas tarefas indispensáveis para tornar um prédio vazio em um

espaço rico e acolhedor. A escola possui um projeto inovador para a rede municipal de

ensino, com uma área bem mais ampla que as demais instituições de Educação Infantil e com

muitos espaços diferenciados que promovem a aprendizagem e oferecem uma multiplicidade que

contribui para o desenvolvimento das crianças que acolhemos diariamente em oito turmas, do

Berçário ao Jardim B, com 166 crianças frequentes entre seis meses e seis anos.

O primeiro desafio constituiu-se da necessidade de reformas na estrutura física. Sim,

reformas. Com apenas três meses de obra entregue, vários eram e, ainda são, os problemas

estruturais presentes na construção da escola, além dos atos de vandalismo que assolaram a

mesma. Portas arrombadas, telhas quebradas, torneiras roubadas, espelhos e vidros

depredados foram as primeiras obras de reparo efetuadas no prédio escolar. Para além disso, nos

deparamos com questões ainda sem solução, como um átrio para apresentações escolares e

teatrais que não possui escoamento para as águas das chuvas. A área externa ao prédio, entregue

em condições inadequadas para a circulação, com terreno irregular, restos de obra e vegetação

rasteira, questões de organização do espaço prejudicadas pelo fato da escola ter sido construída

sobre um aterro sanitário e possuir solo inviável para o plantio de árvores ou vegetação rasteira

pelo risco de contaminação. Dia a dia, vencíamos uma etapa, dávamos um pouquinho da nossa

cara ao espaço que passamos a ocupar e constituir. Muitas foram as tarefas, muitas foram as mãos

a colaborar, desde o capinar do pátio e colocação da grama em companhia do Diretor

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Administrativo da Secretaria Municipal de Educação (SMED), até a colaboração de

colegas de outras escolas, do Projeto de Educação Ambiental da EMEF Presidente João Belchior

Marques Goulart (LIAU) que com seus alunos realizaram o plantio inicial. Parcerias firmadas

ainda com outras instâncias da municipalidade local, como o Departamento Municipal de Limpeza

Urbana (DMLU) na capina da área de terreno e para limpeza das ruas adjacentes e a Secretaria

Municipal de Obras e Viação (SMOV) no nivelamento necessário do terreno. Fisicamente muitas

necessidades foram apontadas. Bacias para banho nos berçários, armários para as estruturas em

pedra de granito, chuveiros, torneiras quentes, uma lista sem fim nem começo. A cada olhar, uma

enxurrada de possibilidades e o sentimento de impotência em não conseguir realizar todas as

demandas.

A escola refletia uma demanda de uma comunidade, de um bairro que se organizara e fora

em busca de suas demandas através do Orçamento Participativo3

(OP) e acompanhava a

construção da mesma com a mesma expectativa de quem gera um filho. Foram muitas visitas,

muitos pais que não acreditavam que aquela linda construção abrigaria uma escola 100% pública,

sem custos para as famílias. Para a maioria, a creche seria uma resposta aos seus anseios. Mas,

para nós iniciava um processo de desconstituir a ideia de creche e fortalecer os vínculos com a

Escola que estávamos constituindo, uma escola da infância, segundo Oliveira (2002). Um espaço

onde não se prioriza a guarda assistencial, nem a escolarização precoce, mas um “local onde a

criança tem fala, ou seja, pronuncia-se já desde o nascimento, construindo significados e cultura.

Talvez, então, as “reinações infantis” tenham novo espaço para serem compreendidas.” como nos

complementa ainda Oliveira (2002).

Em meio a tudo isso, uma equipe se formava... Entre obras, inscrições para as vagas e listas

intermináveis de produtos e materiais, a equipe de profissionais estava se compondo pouco a

pouco, com muitos servidores públicos novos, recém nomeados para trabalhar em nossa escola.

Cremos que as mesmas incertezas que tivemos ao nos depararmos com o vazio da construção,

assolou às professoras e monitoras que dia a dia passavam a fazer parte de nossa rotina. Missões

diferentes que se complementavam: à nós cabia oferecer condições para o trabalho e a ação de

cada profissional que agregava-se ao grupo, a estes cabia organizar o seu espaço de trabalho.

3

. 3Implantado em 1989 na Capital gaúcha, se constitui em um instrumento de Participação Popular. É um processo pelo

qual a população decide, de forma direta, a aplicação dos recursos em obras e serviços que serão executados pela

administração municipal

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Já com turmas formadas, fazia-se necessário conhecer os alunos e as famílias que seriam

atendidas, através de entrevistas marcadas com os pais e datas sendo pensadas para o início do

período de adaptação escolar, uma nova necessidade se impunha: a organização do ambiente de

salas de aula, a constituição do espaço pedagógico de ação. A anamnese se constituiu um momento

importante de acolhimento às crianças e famílias, que se surpreendiam com o tamanho do espaço

físico, bem como a falta de equipamentos e mobiliários.

Organizando os espaços pedagógicos

Sabemos que em um ambiente pedagógico, a mobília, os materiais didáticos e o que cobre

as paredes dialogam com quem o habita e que devem refletir também o conjunto de relações que

nele ocorrem, os jeitos de ser, conviver e interagir. Assim, para pensarmos o encaminhamento

do trabalho educativo, é necessário ter intencionalidade e clareza para a estruturação destes

espaços, pois brinquedos, jogos, materiais de expressão plástica, de leitura e outros que

possibilitam aprendizagens às crianças são importantes e necessários, mas sempre exigem

um planejamento da forma como serão oferecidos, dos espaços que ocuparão. Nesse sentido, o

ambiente deve favorecer interações, ser atrativo, acolhedor, seguro e desafiador para as crianças

que nele serão acolhidas.

“Todo ambiente, sem exceção, é um espaço organizado segundo certa

concepção educacional, que espera determinados resultados. Há sempre um

arranjo ambiental, mesmo que isso se traduza na existência de uma sala com

pouco mobiliário e poucos objetos e brinquedos ou uma sala atulhada de

berços dispostos lado a lado, como na enfermaria de um hospital tradicional,

ou abarrotada de mesas, cadeiras ou carteiras, imitando um arranjo escolar

também ultrapassado.” (Oliveira, p. 192-193, 2002).

Como promover a constituição destes espaços com uma equipe que ainda não se ajustara

às concepções de educação e infância que acreditamos? Como possibilitar essa construção sem

meios financeiros suficientes para adquirir o desejado? Como mensurar e tornar realidade todos

estes anseios? Inúmeros questionamentos indispensáveis para tornar este espaço um local de

possíveis aprendizagens e respeito â infância permearam nossas ações em busca deste

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espaço ideal. Horn (2013) nos coloca da importância do planejamento destes ambientes e das

concepções que embasam cada proposição.

“(...) os espaços destinados às crianças de diferentes faixas etárias não podem ser considerados

como uma sala de aula na perspectiva tradicional, mas sim como um espaço referencia para os grupos de

crianças. Isso implica pensar que neste local a proposta não seja organizá-lo e gerenciá-lo para “aulas”

aconteçam, mas sim, que experiências educativas possam ser vividas pelas crianças. (...)

Entendemos a criança como agente de seu próprio conhecimento, como protagonista e ativa,

alguém que aprende na interação com meio e com outros parceiros. Essa interação introduz a criança no

ambiente, estimulando-a a participar, a construir e a ser protagonista em uma atitude participativa, que

acontecerá na vida que partilha com o grupo.” (Horn, p. 9-10, 2013).

Sabíamos o que desejar, sabíamos o que fazer...mas nos faltavam recursos suficientes para

dar vazão às nossas crenças. O Proinfância prevê uma equipagem inicial que, no bojo de seu

planejamento e ações, considera justamente esses aspectos. No entanto, por divergências entre os

sistemas de uso e liberação de verbas públicas da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e o

Ministério da Educação, não tínhamos as verbas destinadas a essa finalidade, a cumprir as

especificações técnicas de Mobiliários e Equipamentos4

previstos no programa. Nossa tarefa se

tornara mais densa, mais difícil, embora não impossível. Era preciso inovar, sermos criativas e

propositivas para fazer acontecer.

Foram muitas intervenções nas salas, nos espaços, no prédio escolar, que aconteceram

nestes dois meses de organização do espaço. Os materiais, adquiridos pela Assessoria Pedagógica

da SMED em parceria com quatro escolas municipais da rede de ensino, não eram exatamente o

que compraríamos ou definiríamos como mais importantes e significativos para nossos anseios.

Foram básicos e atenderam a uma demanda inicial que pautou a inauguração formal

4 Item constante do Programa Proinfância/ FNDE/ MEC. Listagem disponível no link

<http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/130-proinfancia?download=9348:proinfancia-manual-descritivo- para-aquisicao-de-mobiliario-e-

equipamentos-versao-2013>.

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deste equipamento modelo de Educação Infantil para o município de Porto Alegre.

Emergencialmente atendem às turmas e crianças que constituem atualmente a escola infantil,

mas temos consciência de que podemos e queremos um pouco mais. Muitos espaços precisam

de uma intervenção com móveis diferenciados, com equipamentos pensados além da mera

distribuição dos mesmos, mas que qualifiquem as práticas pedagógicas. Muitos espaços a

serem organizados de forma a contemplar cada grupo etário, respeitando as características,

necessidades e especificidades de cada fase. O diferencial de atendimento à crianças a partir

de 3 meses (Turma de Berçário 1), oferecido por poucas escolas da Rede Municipal de Educação

constituiu um desafio a mais. Como organizar esse espaço de forma educativa, exploratória,

pensando na segurança destes bebês, ainda demandando cuidados tão próprios? Às mães que

amamentavam, foi incentivada continuidade, com kits de amamentação e ampla possibilidade de

acesso à escola para o aleitamento. A escola está funcionando e atendendo a demanda de vagas

que a região impunha, bem como conta com a satisfação da comunidade que atende, embora

com a certeza de que ainda possui muito a ser feito. Para além de sua organização, precisamos

gerir maneiras de adequar uma obra pensada para o Nordeste do Brasil para o clima do nosso

Sul, com chuvas e ventos menos brandos que o norte do país. Temos por exemplo, o espaço

destinado a área de Refeitório, sem nenhuma proteção ou parede para diminuir o acesso das

questões climáticas. Um espaço usado satisfatoriamente em dias quentes, mas que, frente aos

rigores de nosso clima, precisou ser remanejado, ocupando- se o espaço da Sala de Multiuso

(que foi provisoriamente agregada à Sala de Informática). Ainda em relação a esta mesma área,

faltava proteção de toldos e vidros para diminuir o acesso da chuva. Parte deste problema

foi resolvido, mas ainda se constitui um paliativo frente a inadequação do uso de um espaço

tão amplo e desprotegido. Cotidianamente nos damos conta de algo que pode ser aprimorado,

facilitado, acrescentado para que a escola seja mais acolhedora, para que cumpra com sua função

nesta comunidade de uma forma mais eficaz. Pautamo-nos, hoje, em um documento construído

a partir de um estudo propositivo do Ministério da Educação sobre a Organização dos Espaços

internos e externos das unidades do Proinfância no Brasil, exame este em consonância com as

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, a base de nossas ações pedagógicas

na escola e na Educação Infantil do país, para subsidiar a qualidade no atendimento. Tal

manifestação, feita por Horn (2013), busca evidenciar formas de organizar os espaços para

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atender a infância, externando que esta construção não possui regras fixas, mas deve ser fruto

das relações entre os atores que ali atuam e das infâncias socioculturais do meio em que inserem,

sendo mutantes, se reestruturando a cada tempo, de acordo com as vivências de cada grupo e as

necessidades impostas de seu desenvolvimento.

Considerações finais: não estamos prontos!

A escola não está pronta. Aliás, esperamos que jamais esteja conclusa. Enquanto um

espaço de produção de conhecimento e de múltiplas aprendizagens, a escola deve ser um espaço

em constante transformação, em construção permanente e imbuída da ideia de que estará sempre

em desenvolvimento. Espaço esse constituído de forma dinâmica pela constante reflexão do

trabalho pedagógico. Por questões de organização da mantenedora – SMED, temos reuniões

mensais de Formação Continuada com os profissionais (Professores e Monitores), buscando

qualificar as discussões e a construção dos fazeres pedagógicos. Nestes encontros, além do aporte

teórico, é incentivada as reuniões por grupos etários e também entre as equipes de trabalho, com

o propósito de aproximar as experiências e instigar os questionamentos e as reflexões necessárias.

Como gestoras, temos organizado momentos de reunião também com as equipes de Higiene

e de Nutrição, para organização do trabalho destas, buscando fazê-los compreender a

importância da atividade destes profissionais no dia-a-dia da escola. Nesse sentido, destacamos

a importância destas formações, presente em Pantoni ett ali (2002):

“(...)é fundamental que o educador realize sistematicamente uma reflexão sobre suas ações, de preferência

antes e depois delas, através de planejamento e avaliação. (...)

É preciso que ele tome sua prática como objeto para reflexão. Assim, o educador torna-se peça

fundamental da construção de seu conhecimento, do conhecimento das crianças, da proposta pedagógica

da instituição, de sua identidade profisisonal e da qualidade do serviço prestado à comunidade como um

todo.” (Pantoni ett ali, p. 27, 2002)

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A ação de todos os profissionais envolvidos – equipe diretiva, professores, monitores,

funcionários - faz-se imprescindível para manter a escola funcionando tanto no aspecto

pedagógico (planejamento de ações, projetos, atividades pedagógicas) quanto no aspecto

físico (limpeza e cuidados de higiene dos espaços, a qualidade da alimentação fornecida). Os

desafios são diários, constantes, dinâmicos. E enquanto estiverem presentes na ação pedagógica

dos profissionais que constroem a educação deste país, ainda temos chance de fazer a

diferença neste país e de mudar o mundo.

Visão da praça da escola. Fonte: Arquivo Pessoal - Sabrina Garcez

Solário adjunto às salas de aula.

Fonte: Arquivo Pessoal - Sabrina Garcez

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Sala Multiuso Fonte: Arquivo Pessoal - Sabrina Garcez.

Sala do Berçário 1 Fonte: Arquivo Pessoal – Sabrina Garcez

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Saguão interno da escola Fonte: Arquivo Pessoal – Sabrina Garcez

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Referências

Horn, Maria da Graça Souza. Estudo propositivo sobre a organização dos espaços internos

das unidades do Proinfância em conformidade com as orientações desse programa e as

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIs) com vistas a subsidiar

a qualidade no atendimento. Brasília, MEC, 2013.

Oliveira, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: CORTEZ,

2002.

Pantoni, Rosa V.; Teles, Regina; Mello, Ana Maria e Rossetti-Ferreira, M. Clotilde. A formação

nossa de cada dia. in Os Fazeres na Educação Infantil, organizado Maria Claúdia Rossetti-

Ferreira ett ali. São Paulo: CORTEZ, 2002.

Portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. Proinfância.

Disponível em <http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/proinfancia-projetos-

arquitetonicos-para-construcao/proinfancia-tipob>. Acesso em 11/08/2015.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Orçamento Participativo. Disponível em

<http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/default.php?p_secao=15>. Acesso em 12/08/2015.

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A ANTECIPAÇÃO DA ESCOLARIDADE ATRAVÉS DE MANDADOS DE

SEGURANÇA: PERCEPÇÕES DE PAIS SOBRE A PRÉ-ESCOLA1

Resumo

OLIVEIRA, Sueli Machado Pereira de2

Este texto tem como objeto a percepção sobre a Pré-Escola de pais que solicitaram judicialmente

a matrícula de seus filhos através de Mandados de Segurança. Como metodologia, realizou-se

entrevistas semiestruturadas com dezessete pais. Como aporte teórico recorreu-se principalmente

a autores da Sociologia da Infância e da Judicialização da Educação. Verificou-se um constante

estado de tensão na educação da criança pequena: ao mesmo tempo, deve preservar a infância e

tornar a criança competente. Conclui-se que as percepções sobre a Pré-Escola não contribuíram

para diferenciá-la do Ensino Fundamental pois, no imaginário e na prática, é percebida com muita

ambiguidade. É tanto considerada como o período em que a criança tem mais liberdade para

brincar, em que ela não é obrigada a cumprir as tarefas e dar conta de tantas aprendizagens, como

é entendida na lógica da seriação, seguindo o ritmo do EF9 e tendo como aprendizagens mais

importantes a leitura e a escrita.

Palavras-chave: Percepção sobre a Pré-Escola. Antecipação da escolaridade da criança.

Judicialização da educação.

INTRODUÇÃO

Decorridos dez anos da publicação da Lei 11.274/2006, que implanta o Ensino Fundamental

de Nove Anos (EF9) a questão da data de corte para matrícula no 1º ano ainda não foi resolvida de

forma abrangente para todo o país (OLIVEIRA, 2015). Esta questão constituiu-se alvo de ações

no judiciário, notícias na mídia, manifestação de sindicatos particulares e discussões no meio

educacional, tornando-se um assunto polêmico que suscitou debates acalorados pelo país,

revelando a atualidade e a importância social dessa discussão, trazendo consequências também

para a educação infantil (OLIVEIRA 2013; 2015).

Pesquisas realizadas no Brasil e no exterior têm mostrado que existe uma relação positiva

entre a escolaridade futura da criança e a sua experiência na Pré-Escola e aqueles dos estratos

inferiores da distribuição de renda são os mais beneficiados pela Pré-Escola (CAMPOS et al.,

2011a; 2011b; TAGGART et al., 2011; SYLVA et al., 2010; MOSS, 2011).

1 Trabalho apresentado ao VII Copedi/2015. Parte da Tese de Doutorado intitulada A criança de cinco anos no ensino

fundamental de nove anos: percepção de pais, diretores e juízes, defendida em julho de 2015 na FaE/UFMG. A pesquisa teve

apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

2 Doutora em Educação pela FaE/UFMG(2015), professora do IFSULDEMINAS Campus Pouso Alegre. Contato:

[email protected]

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Segundo Almeida (2005), a contração no fluxo e na densidade populacionais da rede escolar

é o resultado previsível das estratégias de fecundidade dos casais. Assim, numa sociedade mais

envelhecida, pode-se constatar a presença global de menos crianças e alunos, “mas, em

compensação, a existência de alunos desde idades cada vez mais precoces e por um período de

tempo cada vez mais longo” (ALMEIDA, 2005, p. 583).

Objetiva-se neste artigo trazer as percepções de pais sobre a Pré-Escola e as lógicas

subjacentes para a solicitação de matrícula de seu/sua filho/a com data de aniversário posterior às

datas de corte através de Mandado de Segurança.

Destacam-se no quadro teórico de análise aqui contemplado, principalmente autores da

Sociologia da Infância e da Judicialização da Educação.

Como caminho metodológico escolheu-se, na coleta de dados, a entrevista semiestruturada,

de forma que se teve um guia dos tópicos abordados para se obter o conhecimento que o

entrevistado possui imediatamente à mão. Utilizou-se para o registro da entrevista a gravação

digital e a posterior transcrição e análise. Segundo (FLICK, 2009), tem-se como função na

interpretação dos textos a busca de dois objetivos opostos, aplicados tanto alternativa quanto

sucessivamente, sendo que o primeiro “consiste em revelar e expor enunciados ou contextualizá-

los no texto”, levando a um aumento do material textual – de trechos curtos no texto original, para

páginas inteiras muitas vezes. O segundo objetivo é o de “reduzir o texto original por meio de

paráfrase, de resumo ou de categorização”. Assim, analisou-se cada entrevista primeiro

isoladamente – tempo no qual buscou-se reconhecer fragmentos que tivessem regularidades,

singularidades, familiaridades e estranhezas. Posteriormente, analisou- se os recortes, buscando-

se agrupá-los por recorrências e similaridades. E, por fim, a análise permitiu construir algumas

“amarrações” que mostrassem as compreensões, sentidos e lógicas subjacentes às falas dos

sujeitos.

Para identificar os sujeitos para a entrevista, realizou-se a análise da data de nascimento dos

alunos do 1º ano, de acordo com o Livro de Matrícula, no período compreendido entre os anos de

2007 a 2013, em quatro escolas privadas administradas por instituições particulares localizadas

na cidade de Poços de Caldas, sul de Minas Gerais.3 Para a coleta de dados, procedeu-se à

análise de cada ano, verificando-se que foram matriculados 156 alunos no 1º ano do EF9 com data

3Todos os diretores assinaram Termo de Anuência.

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de nascimento posterior à indicada pelas normativas. Analisando as pastas individuais verificou-

se que 09 matrículas foram efetivadas por meio de liminares; 68 com amparo no Parecer CEE/MG

n. 1.071/20104; 07 com o Termo de Ciência e Responsabilidade assinado pelos pais; 11

amparadas por Parecer que regulariza matrículas indevidas5; em 20 constam relatórios

psicopedagógicos; e em 41 pastas de crianças não foram encontrados amparos legais; destas,

02 matrículas foram realizadas por transferência de estabelecimentos de outros estados. Assim,

em apenas quatro escolas deste município, verificou-se que 26,3% das matrículas ocorreram de

forma irregular, sem a observação do limite de idade, sem amparo legal e sem que isso fosse

detectado pela direção ou por órgãos superiores de inspeção escolar. Entretanto, não se

aprofundou nesta questão, por não ser este o objeto da pesquisa. Identificou- se através dos

diretores outras 09 matrículas através de liminares realizadas no 4º período da Pré-Escola.

Buscaram-se informações de filiação, endereço e telefones para contato em todas as pastas e

posteriormente foram feitas ligações para todos os 18 pais. Os pais de 05 alunos não quiseram ou

não puderam dar entrevista, obtendo-se um total de dezessete entrevistas (em quatro situações

pai e mãe foram entrevistados em locais e horários diferentes). Todos assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, e tiveram suas dúvidas quanto à pesquisa respondidas pela

pesquisadora e foram referenciados por “Pai” seguido de numeração arábica.

DESENVOLVIMENTO

As demandas judiciais e a antecipação da escolaridade

Segundo Silveira 2010, na exigibilidade do direito à educação básica através de recurso

judicial, os conflitos mais presentes foram a requisição de vaga na educação básica e a

requisição para o oferecimento de serviços que impedem a permanência do aluno na escola6.

4 A matrícula, no ano de 2011 e 2012, no 1º ano do Ensino Fundamental, teve como regra geral que só poderia ocorrer para as

crianças que completaram 6 anos de idade até 31 de março e em caráter excepcional, as crianças de 5 anos de idade,

independentemente do mês de seu aniversário de 6 anos, que no seu percurso educacional estiveram matriculadas e frequentaram,

por 2 anos ou mais a Pré-Escola, poderiam dar prosseguimento para o Ensino.

5Como por exemplo, o Parecer CEE/MG n. 408/2009 que amparou dez crianças com matrículas que desrespeitaram a data-limite.

6 Adaptação nos prédios escolares e transporte que garantem a acessibilidade e o atendimento especializado às

crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais.

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A autora destaca, ainda, que “a maioria das ações é levada a litígio em períodos

específicos, ocasionados por alterações nas políticas de oferta do atendimento educacional e na

legislação” (SILVEIRA, 2010, p. 191). Assim se deu em relação à data de corte, pois foi a partir

da implantação do EF9 e da regulação pelo CNE, do dia 31 de março como limite máximo, que

foram efetivadas muitas matrículas no 1º ano do EF9 e na Educação Infantil, de forma seletiva e

elitista, através de liminares7. A Educação Infantil muitas vezes não é levada a sério pela própria

direção das escolas, pois estas nem sempre fizeram o alinhamento das matrículas a partir desta etapa

de acordo com a data de corte vigente, o que acarretou muitas demandas judiciais. A questão da

data de corte foi deixada para o EF9, pois, segundo este depoimento “ainda é Educação Infantil,

a gente vai levando (Pai 14)”.

Segundo o Pai 15, as solicitações na justiça para matrícula foram percebidas como uma

onda “um movimento, uma massa, as pessoas fazem então eu também vou fazer” e segundo o

Pai 17 foi “imposta pela sociedade e pelos [outros] pais. Muitas pessoas solicitaram sem ao

menos pensar sobre o que as impulsionou ou sobre as consequências dessa ação para as crianças,

chegando-se a afirmar que: “todo mundo está indo, então a gente também vai (Pai 15)”. E,

ainda, muitos pais buscaram a matrícula no 1º ano do EF9 apesar da escola ter orientado o contrário.

Neste caso, a criança foi considerada imatura pela escola – que a acompanhou o ano todo – e,

através de um laudo psicopedagógico e de uma medida liminar, ela entrou no EF9.

- O que foi passado para a gente na reunião é que ela ainda não está preparada. Ela ainda é

imatura para o aprendizado. E a cobrança agora é maior (Pai 10).

Segundo este depoimento, outras famílias, depois de entrarem, desistiram do processo:

“porque achavam que a criança ainda não tinha essa preparação, achavam que seria mais viável

voltar um ano (Pai 16)”. Outros desistiram pois, demandar judicialmente não foi um processo

simples. Nota-se o sentimento que tiveram da pressão colocada tanto pela escola, quanto pelos

procedimentos:

- Na época, o processo foi muito complicado. O processo em si é rápido, o mandado de segurança é muito rápido.

Mas o fato de a gente ir na escola com a mesma turma, participar das reuniões, eles retirarem a gente da turma, ter

que fazer reunião separada, ter que mandar carta, ter que mandar e-mail, ficou assim muito discriminatório. Na

época, não ficou bom. Para a gente que passou por esse processo, não foi legal. Foi meio traumatizante na época

(Pai 8).

7Resoluções CNE/CEB n. 01, de 14 de janeiro de 2010 e n. 6, de 20 de outubro de 2010.

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Para os depoentes 10 e 12 muitos pais não deram atenção à orientação da direção da escola

de manter as crianças na educação infantil por motivação financeira, com o argumento de não

querer pagar de novo a mesma série. A motivação financeira é colocada como sendo de outros

pais, pois este motivo, nas entrelinhas, não é considerado digno de confessar.

Destaca-se no excerto abaixo que a política educacional, colocando a criança mais cedo no

EF9 e em consequência também nas etapas anteriores (Creche e Pré-Escola), foi importante para

os que residem na área rural, visto que as Creches e Pré-Escolas se encontram basicamente em áreas

urbanas, e o transporte escolar atende, majoritariamente, alunos das etapas posteriores. Crianças

nestas condições ou são ensinadas por adultos mais capazes ou são alfabetizadas no 1º ano do

EF9.

- Pra nós que moramos na zona rural, não tem creche. Ela estaria em casa sem fazer nada, só brincando. Criança de

lá não frequenta creche. Ela entraria na escola depois das outras crianças e sem saber nada. Ela aprendia alguma

coisa, só se ela tivesse interesse mesmo. Eu ia falando pra ela coisas que ela mesma ia me perguntando (Pai1).

Outra questão colocada foi a alteração constante da data de corte, cujas mudanças

consideradas “de uma hora pra outra (Pai 8)” geraram confusão e dificultaram o

acompanhamento pelas escolas.8 Isso não passou despercebido, principalmente nos casos em que,

numa mesma família, duas crianças enfrentaram esse limite: “me pareceu muito arbitrária [a lei],

não entendo o sentido dela até hoje, até porque, pelo que eu entendo, eles mudam ela mês sim,

mês não, alteram o conteúdo dessa lei, esse limite etário (Pai 12)”.

Esse pai considerou que um critério seria justo se tivesse a ver com o pedagógico, e não

“com diretrizes que o governo tem para as escolas públicas, e verbas, e necessidade de dividir

turmas (Pai 12)”, pois para ele, não faz sentido que:

- Crianças que têm uma condição plena de viver uma estimulação completamente nova em crescimento e

aprendizagem fiquem retidas um ano na vida, marcando passo em cima de um conteúdo que já está dominado, por

causa de uma determinação que não tem fundo pedagógico (Pai 12).

Em toda questão que envolve um limite temporal, considera-se injusto não alcançar um

8 Em Minas Gerais, no período de três anos a data se alterou quatro vezes: 30 de abril, de 2004-2008 (Resol. SEEMG

n. 469/2003); 30 de junho em 2009 (Resol. SEEMG n. 1.086/2008); 31 de março, de 2010-2013 (Resol. SEEMG n.

1.086/2008); e, a partir de 2014, a data de corte volta a ser 30 de junho (Lei Estadual n. 20.817, publicada em

30/07/2013).

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direito por questão de horas, dias ou alguns meses. Mas, sobretudo nesta questão da matrícula,

isso implica adquirir o direito somente no ano letivo seguinte, o que não ocorre com muitas das

outras limitações etárias nas quais o sujeito está apto no dia seguinte ao do seu aniversário. Assim,

levando para casos individuais a data de corte poderia não trazer efetiva diferença no

desenvolvimento das crianças. Segundo suas percepções “10 horas não influenciaria em nada

(Pai 16)”, “por apenas quatro dias, ela [vai] perder um ano (Pai 1)” ou “um mês de idade de

diferença nunca fez diferença nenhuma na sala dele (Pai 8)”. Entende-se que qualquer data de

corte será questionada por aqueles que se sentem prejudicados, porque a data escolhida foi anterior

daquela que atenderia aos seus interesses pessoais.

A consciência da importância do brincar nessa idade surgiu mais tarde, com a ponderação

de estar impondo à criança, de forma precoce, um desenvolvimento que poderia ter-se dado em

época posterior, sem nenhum prejuízo a ela. A dúvida que não tiveram à época em que entraram

com a solicitação judicial se manifestou quando perguntados sobre o que achavam da criança

entrar com cinco anos no EF9. De forma contraditória à solicitação judicial, consideraram que,

embora a criança dê conta das aprendizagens, “não tem pressa para começar (Pai 8)”. Em muitos

casos, não se deram conta de que a sua própria solicitação na justiça era para matricular a criança

ainda com cinco anos no EF9, idade essa agora considerada como neste excerto, um período em

que a criança ainda é “muito imatura para o primeiro ano (Pai 11)”.

- O adulto é muito reflexo do que a gente foi como criança. Então, se você pulou [etapa], acho que vai ficar o vazio,

faltando esse lado. Eu não sei explicar, mas eu sinto assim. Vai ficar faltando alguma coisa que você deixou de

fazer como criança (Pai 2).

- Pelo fato de eles entrarem muito cedo na escola, eles perdem um pouco da infância. Eu fico com dó. Eu tenho dó

dessa criançada. Porque, é o seguinte, a infância foi feita para a criança brincar. E hoje as responsabilidades são muito

grandes em cima deles (Pai 9).

Entretanto, em alguns casos, os próprios pais perceberam que dificuldades atuais e futuras

podem ser creditadas na pressa para começar, como é o caso da criança que, por ser “a mais

novinha na sala, ela [a professora] nota que, em algumas matérias, ela tem alguma dificuldade.

Tem que ficar dando mais atenção para ela. E isso provavelmente vai acompanhar ela a vida

inteira. Então não sei se é o ideal se fazer isso [antecipar] (Pai 2).”. E, ainda, meses de

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diferença na idade da criança podem não fazer diferença em seu aprendizado, mas podem deixá- la

vulnerável em relação às crianças maiores e mais velhas, como na afirmação que se segue.

- Ela é a mais nova da sala e não tem problema para acompanhar o que a professora ensina. O que acontece é que

como ela é a mais nova e a menorzinha da sala os outros mexem muito com ela e também chamam ela de nerd por ela

ser muito dedicada (Pai 5).

Assim, a diferença pôde ser notada, influindo em alguns casos no desenvolvimento corporal da

criança:

- Eu sinto de diferença, por exemplo, é no pega-pega... ela é um pouco mais lenta que as outras. Isso sim. Mas na

questão de ensino ela acompanha de boa, ela também, por exemplo, nas brincadeiras assim normais, de sala de aula,

ela não tem dificuldade nenhuma (Pai 6).

Questiona-se a pertinência das avaliações psicopedagógicas às quais as crianças que

tiveram sua matrícula antecipada foram submetidas. Elas consideraram a criança como um todo?

Ou consideraram, na testagem, principalmente os aspectos cognitivos, sem entrar nos aspectos

do desenvolvimento social e corporal da criança?

A diferença de idade entre os alunos pode ainda trazer consequências bem mais tarde, como

no depoimento deste pai que tem um dos filhos no ensino médio e ele é o mais novo dentre os

amigos: “Às vezes tiram até sarro dele por ser mais novo. E às vezes ele fica meio deslocado.

Como se ele fosse o mais imaturo. Ou colocam ele como criança (Pai 14)”. Ser mais novo ou

mais velho faz diferença nos relacionamentos de crianças e adolescentes, podendo, muitas vezes,

levar a comportamentos de bullying9. Também o excesso de responsabilidades e cobranças muito

cedo na vida da criança pode, em consequência, deixá-la insegura, levando os pais a buscarem

ajuda em terapias, como no caso deste depoimento: “Ano passado eu tive que recorrer à

psicóloga, porque ele estava muito inseguro. Ele fez três meses de terapia, melhorou bastante,

percebo alguma recaída de vez em quando, mas [agora] ele está bem (Pai 5)”.

Na percepção deste pai, a antecipação da escolaridade pode, ainda, fazer com que a criança

“se sinta mais responsável mais cedo, [pelo fato de] ter que estudar mais cedo, chegar na.

9 Bullying é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de

maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas.

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faculdade com uma idade menor (Pai 12)” e, consequentemente, levando à entrada no mercado de

trabalho mais cedo também.

Outro fator de destaque se refere à certeza dos pais na própria capacidade de avaliação do

desenvolvimento da criança, que pode ser creditado ao fato de as crianças, nesta fase, mostrarem

em casa os aprendizados adquiridos no dia a dia, e ao fato de pais da classe média serem mais

informados sobre questões pedagógicas e, portanto, se sentirem mais capazes desse

acompanhamento. Esse empoderamento pode também ser percebido pela visão de que garantir a

matrícula seria uma questão de justiça e de direito nos excertos: “Seria injusto ele ficar (Pai 9)”;

“Estavam prontos e não podiam continuar porque a lei colocou uma data de corte. Então a gente

achou certo entrar na Justiça para garantir o direito dele de continuar (Pai 8)”. Verifica-se que

a garantia do direito à educação é percebida como se ele não estivesse garantido com a permanência

da criança na Educação Infantil.

Percepções dos Pais sobre a Pré-Escola

Em Minas Gerais, em consequência da Lei Estadual n. 20.817/2013, muitos pais não

entraram na justiça, preferindo manter as crianças na Educação Infantil, e, como uma solução,

embora não prevista na legislação, a escola inventou um terceiro período para a Pré-Escola ou

quinto ano para a Educação Infantil. Como o sistema é apostilado criou-se uma questão

problemática em termos curriculares. Segundo este depoimento,

- De 11 a 15 crianças ficaram nesse quinto ano, aprendendo nada de diferente. Tentando aprender coisas que elas

não tinham visto, mas sem entrar na matéria do primeiro ano (Pai 8).

Pode-se levantar aqui as seguintes questões: escolas com sistema apostilado tiveram/têm

mais dificuldade para o fato de a criança permanecer mais um ano na educação infantil? Se o

currículo não fosse amarrado em apostilas as dificuldades seriam as mesmas? As Diretrizes

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Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), se bem entendidas, minorariam

os problemas ocorridos?

Outra questão que se destaca é que as percepções sobre a Pré-Escola não contribuíram

para diferenciá-la do EF9. Apesar de se diferenciarem conceitualmente, no imaginário e na

prática a Pré-Escola é percebida com muita ambiguidade. Zabalza (2000) diz que as famílias

acabam vendo a escola de Educação Infantil mais como uma expressão das condições impostas

pela sociedade para que o sujeito integre-se dentro dela do que como uma oportunidade real para

enriquecer os recursos pessoais nos diversos domínios de desenvolvimento.

Correa (2011) e Malta (2012) evidenciaram que o brincar livre está muito mais presente

e é mais respeitado na Educação Infantil, enquanto no EF9 ele é realizado de maneira direcionada

pelo professor e com muita ênfase nos conteúdos curriculares obrigatórios, principalmente na

alfabetização e letramento.

Alguns consideram a Educação Infantil como o período em que a criança tem mais

liberdade para brincar, em que ela não é obrigada a cumprir as tarefas e dar conta de tantas

aprendizagens.

- Eu acho que a alfabetização não é obrigatória porque a criança não é forçada a fazer nada. Ali [na educação infantil]

ela é livre. Ela está tendo uma noção do que ela vai aprender, mas ela não é obrigada a cumprir igual a gente pega

uma prova e é obrigado a dar conta. Se ela estiver afim de não fazer, ela não vai fazer (Pai 1).

- Na minha forma de pensar, é desfrutar de todos os direitos que lhe são devidos, porque no pré ela não tem

compromisso, ela está ali para brincar, e automaticamente se instruir (Pai 5).

- É o lugar para viver, brincar, conviver com os outros, com os amigos (Pai 8).

Já para outros, a Pré-Escola é entendida sistematicamente na lógica da seriação, tendo como

aprendizagens mais importantes a leitura e a escrita. Não há menção às outras habilidades, que

envolvem domínio das emoções, expressão corporal e artística e aprendizagem das regras sociais.

Há um senso comum de que, simplesmente por já estar alfabetizada, a criança necessita entrar logo

no EF9. Porém, cada vez mais, muitas crianças se alfabetizam mais cedo, devido ao maior número

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de estímulos presentes em nossa sociedade. Este não pode ser, portanto, um critério a ser

considerado para a entrada nesta etapa de ensino. Entretanto o entendimento não é este. Para os

depoentes, o domínio da leitura e da escrita é uma habilidade que esperam ser desenvolvida na

Educação Infantil e, se desenvolvida, a criança deve seguir para outra etapa. Verifica-se de forma

inequívoca a importância da alfabetização como elemento definidor da identidade desses

primeiros anos da educação básica – a Pré-Escola e os anos iniciais do EF9.

- Então ela não tinha para onde ir. Ou ela ia para o primeiro ano ou ela voltaria um ano. Então foi por essa razão que

a gente achou, tipo assim, ela já sabia ler, já tinha o domínio da escrita um pouquinho, então por que colocar para trás?

Então nós tentamos avançar ela com todas as crianças da mesma época que ela, que foram para frente. Então nós

colocamos também (Pai 3).

- Nosso filho já tinha completado o Pré I e o Pré II, já vinha com aquela mesma turminha, que conseguiu seguir

por conta de já ter a idade correta, já sabia ler e escrever, e já iria fazer seis anos em nove de abril (Pai 8).

- Porque tinha condições de seguir na escola. Ele estava apto para passar para o primeiro ano. Ele já sabia ler, no

caso (Pai 9).

- Se uma criança com cinco anos já sabe ler, para que ela vai ficar para trás? Vai ficar esperando o que? (Pai 12).

Em geral, parece não ser consenso a importância e a especificidade da Educação Infantil.

No excerto abaixo, a Educação Infantil segue o ritmo do EF9. Onde fica o lúdico, a fantasia, a

liberdade de fazer as coisas sem pressa, sem tanta cobrança?

- Na educação infantil o sistema também é apostilado. E ela tem muitas atividades para fazer o tempo todo. Todo

dia tem dever, só final de semana que não. Depende, tem dia que tem duas, três folhas. Tem dia que já tem três

folhas e mais um livro de literatura. Tem bastante dever sim (Pai 10).

Para Dubet e Martucelli (1996), o conceito de educação da classe média é mediado pela

presença de uma forte cultura psicológica que estabelece um acordo entre a necessidade de

realização da criança e seu desempenho escolar. Não seria, por outro lado, o fato de queimar

etapas no desenvolvimento infantil o que estaria, cada vez mais, levando os consultórios de

psicologia a receber crianças forçadas precocemente a atender às expectativas dos adultos?

Nota-se também que os relacionamentos das crianças são observados e estimulados pelos

adultos, e encontra-se em suas falas um apelo para manter a ligação das crianças com outras da

sala, com as quais elas mantêm relação de amizade, o que também foi encontrado na pesquisa de

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Fevorini e Lomonaco (2009), em que os pais esperavam que a escola promovesse uma

interação saudável entre os alunos e que seus filhos desenvolvessem amizades sólidas e tivessem

prazer em ir à escola. Os Pais 2, 5, 8 e 16 preferiram proteger a criança de possível frustração, de

forma que ela continuasse com os mesmos amiguinhos, considerando que seria um problema ter

que começar com outra turma e ver a turminha dele inteira andando. Entretanto, verifica-se uma

contradição em querer que a criança acompanhe os amigos para brincar, pois, como vimos, no

EF9 o tempo para brincar vai ficando cada vez mais restrito.

Observa-se uma ênfase na competição entre as crianças, embora a Educação Infantil não

seja um meio de promoção para o EF9 e, nesta etapa, conforme o Art. 31º da LDB, a avaliação

deve ser realizada mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, ou seja, sem

notas. Entretanto observa-se que, na prática, as escolas mensuram quantitativamente e os pais

comparam os resultados de seus filhos. No fundo, não seria o sentimento de que estariam sendo

“reprovadas” mais traumatizante para os pais do que propriamente para as crianças? Se

preocupam com o fato de os filhos entrarem mais cedo na escola, pois, caso contrário, como diz

este pai, a criança ficaria com “um déficit social, um déficit de, vamos dizer assim,

intercomunicação (Pai 2)” comparada com outras crianças que entraram mais cedo.

Outra questão verificada foi a ênfase colocada na concorrência num mercado futuro, numa

posição ambígua, pois, mesmo considerando a “infância sagrada (Pai 9)”, impuseram à criança

uma sobrecarga de atividades, de forma a torná-la apta à concorrência. Se a criança não é colocada

mais cedo na escola, “aí, quando vai chegando mais para frente, os outros já estão com isso, estão

com aquilo, e seu filho começando a ter (Pai 9)”.

Isso significa um constante estado de tensão na educação da criança, que, ao mesmo tempo,

deve preservar a infância e prepará-la para o futuro. Chegam a afirmar que “elas estão precoces

nessa questão, mas isso é uma exigência do mundo (Pai 13)”, ou mesmo que é preciso “preparar

para o futuro, mas sem prejuízo da infância (Pai 12)”. Assim, de acordo com a experiência de R.

Ballion10 (1982, citado por DUBET; MARTUCELLI, 1996), os pais se comportam também como

"consumidores" de escola em um "mercado" dominado pela concorrência de crianças e das

escolas. Percebe-se que, ao mesmo tempo em que é importante manter a criança no grupo de

coleguinhas no qual ela iniciou a escolarização, argumentam que “nos dias de hoje há uma

competição muito grande no mercado de trabalho e cada um deve ter um lugar estabelecido (Pai

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2)”. Assim, “é um prejuízo para a criança perder um ano (Pai 1)” e, no que mundo atual,

“não tem tempo pra você ficar para trás (Pai 6)”.

Dessa forma, responde-se afirmativamente à pergunta de Mollo-Bouvier (2005), “seriam

as aprendizagens precoces um antídoto contra o temor dos pais diante do futuro?”. Da mesma

forma, confirma-se sua assertiva de que, “hoje em dia, o tempo social concedido à infância

segmenta-se, encurta e, às vezes, cai no esquecimento” (MOLLO-BOUVIER, 2005, p. 394-

400).

É curioso constatar que os pais, quando se referem à infância, eximem-se de

responsabilidade pela precocidade da criança e não percebem o quanto eles próprios contribuem

para que a criança esteja perdendo o tempo da infância ou a modificando, um tempo único na

constituição do sujeito, talvez com tristes consequências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se que a polêmica em torno da data de corte trouxe uma maior visibilidade para

a criança, a infância e a Educação Infantil. Há um constante estado de tensão na educação da

criança, que, ao mesmo tempo, deve preservar a infância e prepará-la para o futuro. Encontram- se

nas justificações dos pais elementos que articulam traços da ideologia neoliberal – educar para o

desempenho, a concorrência no mercado futuro e a competição entre as crianças – com os do

discurso do bem-estar da criança – de fazer o que é melhor para ela. Os pais se eximem de

responsabilidade pela precocidade da criança e não percebem o quanto eles próprios contribuem

para que a criança esteja perdendo o tempo da infância ou a modificando. As percepções sobre a

Pré-Escola não contribuíram para diferenciá-la do EF9 pois, no imaginário e na prática, é

percebida com muita ambiguidade. É tanto considerada como o período em que a criança tem

mais liberdade para brincar, em que ela não é obrigada a cumprir as tarefas e dar conta de tantas

aprendizagens, como é entendida na lógica da seriação, seguindo o ritmo do EF9 e tendo como

aprendizagens mais importantes a leitura e a escrita.

10 BALLION, R. 1982. Les Consommateurs d'école. Paris, Stock.

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Educação Alimentar e Nutricional junto a Infância

Antonio Carlos Barbosa da Silva – Unesp- Assis – SP. [email protected]

Financiamento: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/CNPq/Sesan

– Processo 407514/2012-0 – PROGRAD – Unesp-Assis

RESUMO

A presente prática retrata uma ação educativa não formal em Educação Alimentar e

Nutricional com crianças (3 a 5 anos). Pensamos com as crianças formas de ter uma

alimentação saudável e ampliar o conhecimento em torno da cultura alimentar brasileira.

Nossa prática teve uma abordagem educacional problematizadora, para o desenvolvimento

do diálogo junto as crianças. Como método de ação, usamos recursos lúdicos, rodas de

conversa, oficinas culinárias etc. Esses tipos de práticas nos permitiram aprofundar sobre a

história e cultura de nossa culinária, sobre a quantidade de ingredientes nocivos presentes nos

alimentos, sobre a importância de cozinharmos nossa comida etc. A experiência contribuiu

para a efetivação de uma Educação Alimentar e Nutricional que aprofundou os elementos

históricos, culturais, sociais que permeiam a alimentação da criança brasileira, além de gerar

debates em torno dos hábitos alimentares contemporâneos nocivos e suas implicações, tais

como o sobrepeso e obesidade

Palavras chave: educação alimentar e nutricional. Contemporaneidade. Cultura alimentar.

A necessidade de postular uma educação alimentar e nutricional:

motivações e revisão teórica

O presente trabalho é um recorte de práticas educativas não formais em Educação

Alimentar e Nutricional, de um projeto matriz de pesquisa-ação intitulado “Ean, Cultura

e subjetividades: a escola contribuindo para a formação de sujeitos críticos e criativos em

torno da cultura alimentar”, financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS) e CNPq/SESAN. Neste recorte apresentamos nossas ações

desenvolvidas em uma escola pública na cidade de Assis-SP, no qual crianças entre 3 a 5

anos foram orientadas a ter uma alimentação saudável e a conhecer a cultura alimentar

brasileira.

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Desde 1990 o Governo Federal tem demostrado preocupação com a aquisição de

hábitos disfuncionais na alimentação do brasileiro. Estudos indicaram que a população

infantil cada vez mais cedo adquiri péssimos hábitos alimentares. Segundo Rodrigues

(2012), no Brasil, dados sobre o consumo alimentar de 26 mil crianças de 5 a 10 anos,

oriundos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) (2009), indicaram

consumo inadequado de frutas e, principalmente, de verduras e legumes. Cerca de 30%

das crianças não ingeriam esses alimentos. Entretanto, alimentos disfuncionais, tais

como, biscoitos salgados, salgadinhos de pacote, doces e biscoitos recheados eram

consumidos três dias ou mais na semana, por mais de 50% das crianças.

Segundo o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para

Políticas Públicas (2012), as pesquisas científicas apontaram que aumento de várias

doenças crônicas degenerativas estaria relacionado aos hábitos alimentares da população.

Em um mundo neoliberal e ditado pelas regras do Capital o sujeito ficaria à mercê das

artimanhas da indústria do marketing e veria na busca do prazer consumista o ideal de

vida.

Conforme Garcia (2003), em decorrência de novas demandas geradas pelo modo de

vida urbano, ao comensal seria imposta a necessidade de reequacionar sua vida segundo as

condições das quais dispõe, como tempo, recursos financeiros, locais disponíveis para se

alimentar, local e periodicidade das compras, entre outras. As soluções são capitalizadas pela

indústria e comércio, apresentando alternativas adaptadas às condições urbanas e delineando

novas modalidades no modo de comer, o que certamente contribuiu para mudanças no

consumo alimentar das pessoas. Produto deste modus vivendi urbano, a comensalidade

contemporânea se caracterizou pela escassez de tempo para o preparo e consumo de

alimentos. Dessa forma, o acesso aos alimentos, na sociedade moderna,

predominantemente urbana, foi determinado pela estrutura socioeconômica e pelo estilo

de vida célere, individual e consumista da sociedade contemporânea. (Lipovetsky, 1989).

Além disso, a sociedade contemporânea vai buscar no discurso cientifico adequações

que justifiquem o estilo de vida econômico e social por nós adotado. Assim, a difusão de uma

parte do conhecimento científico neutro baseado na equação em que o alimento deve ser visto,

meramente, sob forma de quantidade de calorias, não se importando se essas são in naturas

(alimentos com fibras, vitaminados, frescos, sem aditivos químicos, com açúcares naturais

etc.) ou ultra processados (alimentos com quantidades excedentes de aditivos químicos, sais,

açucares e gorduras etc.); a divulgação dessas informações científicas nos meios de

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comunicação; e o uso do discurso científico na publicidade de alimentos, são outras

estratégias que a sociedade baseada no Capital e consumo também usam para transformar o

cenário alimentar, desencorajando uma alimentação baseada, na produção e consumo de

alimentos in natura.

De um modo geral, a alocação de uma parte de um discurso cientifico neutro, a

globalização da economia e a industrialização exercem um papel importante na crescente

produção e consumo de alimentos de maior concentração energética, altamente

palatáveis, disfuncionais, com excesso de aditivos químicos, de aparência magistral (as

embalagens atuais dos alimentos são coloridas, alegres e “informativas”) e de custo

relativamente baixo.

Segundo Garcia (2003), a uniformização de certas práticas e do comportamento

alimentar facilitam as mudanças na alimentação que vão sendo incorporadas como parte

do modo de vida operante. Pressionadas pelo poder aquisitivo, pela publicidade e

praticidade, as práticas alimentares vão se tornando permeáveis a mudanças,

representadas pela incorporação de novos alimentos, formas de preparo (atualmente há

uma gama enorme de comidas que necessitam apenas ser descongeladas), compra e

consumo. Contudo, é possível que tais mudanças encontrem mais ou menos resistência,

dependendo da cultura alimentar e da consolidação de suas práticas estabelecidas e

simbolicamente valorizadas.

De acordo com Ribeiro (2000), o vazio de nossa origem, relatada como país

subalterno, dependente, colonizado, influi na definição de nossa identidade. Enquanto outras

nações se perguntam para onde irão, nós nos perguntamos quem somos. Todavia, ao perceber

que raiz, origem, identidade são construídas, este vazio passa a ser um trunfo pela liberdade

em relação à raiz, manifestada em uma ideia de nacionalidade a qual o autor se refere

como “quase antropofágica”, no sentido de integrar o outro. Participando desta mesma

discussão a respeito do país, Freire Costa (2000) destaca a rapidez e a facilidade com que

o brasileiro absorve itens das culturas americana e europeia por serem consideradas

modos de vida “superiores” pelos que se julgam “inferiores”.

Para Dória (2002) a nossa culinária, composta pelas culturas indígenas e pelas

heranças negra e ocidental ibérica, são por analogia, três línguas diferentes, três sistemas

culinários irredutíveis uns aos outros e ainda desconhecemos de fato nosso repertório

culinário dos últimos 500 anos por falta de interesse das elites dominantes, cujos olhares

sempre se voltaram para a Europa e, mais recentemente, para os Estados Unidos, em uma

perspectiva de imitação, reservando desprezo pelo nativo. Ao instigar uma gastronomia

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sustentada na criação e redescoberta dos sabores brasileiros, o autor coloca como desafio

renovar a culinária de uma estrutura formada por sistemas culinários distintos. Este suposto

caráter permeável da nossa cultura resultaria em uma capacidade de importar novas práticas

e gostos, de gerar novas demandas, de assumir prontamente mudanças no modo de vida e de

abandonar aqueles costumes e práticas que poderiam conformar uma identidade própria.

Sejam quais forem as explicações para as mudanças sofridas nas práticas alimentares, é certo

que elas engendram um novo padrão alimentar.

Para Rodrigues (2012), as crianças, que por ser uma camada da população mais

frágil diante do estilo de vida consumista da contemporaneidade e das artimanhas

sedutoras da indústria alimentícia e marqueteira são as que mais tem seus hábitos ditados

pelo mundo do novo Capital.

McNeal (2000) aponta que as crianças na contemporaneidade se tornaram

consumidoras, apresentando recursos próprios para a aquisição de produtos,

principalmente do segmento de alimentos e bebidas. Para o autor, esse tipo de comércio

entre as crianças ocorre em todas as classes sociais de maneira independente dos pais.

Entretanto, as crianças têm maior acesso a produtos menos nutritivos (guloseimas e

salgadinhos em pacotes) já que eles estão cada vez mais baratos, sempre disponíveis nas

prateleiras dos supermercados, altamente palatáveis, atrativos na apresentação e

potencializados pelo grande número de propagandas televisivas.

Rocha (2011) indica que a atual Política Nacional de Alimentação e Nutrição

(PNAN) (BRASIL, 2003) aponta a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) como uma

estratégia factual para a promoção da alimentação saudável, mas não aprofunda a sua

reflexão nem estabelece normas para desenvolver, analisar e avaliá-las; ao contrário,

ressalta a dificuldade ao assumir a necessidade de buscar consenso sobre

conteúdos, métodos e técnicas do processo educativo que envolva a EAN. Embora a EAN

seja valorizada, ao mesmo tempo se dilui no conjunto de propostas, pelo fato de suas

bases teórico-conceituais e operacionais, não estarem claramente estabelecidas.

Para Boog (1997) a promoção da EAN deve valorizar e resgatar elementos da

cultura alimentar, considerando a segurança alimentar, respeitando e modificando crenças

e atitudes em relação à alimentação veiculada pela indústria alimentar. É também preciso

levar em conta o acesso econômico e social da população à alimentação adequada,

promovendo essa questão em programas comunitários, escolares e de saúde.

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De um modo geral, a alimentação representa a manifestação da formação social e

cultural de um povo, a chave simbólica dos costumes, um código subjetivo que registra,

forja identidades, que denuncia e evidencia um modo de pensar o mundo.

Quando a EAN é postulada meramente como uma consulta parcial do tratamento,

a-histórico e atemporal, independente de grupos sociais, desconsiderando as questões

mencionadas, ela se torna um saber técnico, alienado, que não valoriza o sujeito e sua

cultura alimentar e não o considera como capaz de transformar sua história.

Para Valente (2002), ao considerarmos os processos históricos e sociais que estão por

trás da nutrição e o possível fortalecimento dos movimentos educativos populares na

reivindicação de uma alimentação mais crítica e saudável, poderíamos estar criando um tipo

de ação mais eficaz sobre a realidade da alimentação brasileira e resgatar sistemas alimentares

que foram ou estão sendo descartados na contemporaneidade, tais como, a produção e

consumo de alimentos caseiros – hortas, criação de animais de corte, cozimento etc. Michael

Pollan (2014), jornalista e ativista político e ecológico, defende que talvez a única forma do

sujeito contemporâneo enfrentar a indústria alimentar e seus malefícios seja produzido e

consumindo sua própria comida.

Na constituição desses sistemas, intervêm fatores de ordem ecológica, histórica,

cultural, social, psicológica e econômica que implicam representações e imaginários

sociais envolvendo escolhas e classificações. Assim, estando a alimentação humana

impregnada pela cultura, é possível pensar os sistemas alimentares como sistemas

simbólicos em que códigos sociais estão presentes atuando no estabelecimento de

relações dos homens entre si e a natureza.

A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), ao apontar a EAN como

estratégia para maior consciência sobre nossa cultura alimentar e consequentemente melhorar

a saúde nutricional dos brasileiros, também atribui aos educadores de diversos setores a

responsabilidade em orientar as crianças sobre o ato de alimentar-se a partir dos diversos

sistemas culturais, local, regional e nacional.

Portanto, a EAN pode ser um dos caminhos existentes para a promoção da saúde,

que leva a população a refletir sobre o seu comportamento alimentar a partir da

conscientização sobre a importância da alimentação para a saúde, permitindo a

transformação e o resgate dos hábitos alimentares tradicionais, além de introduzir vários

pontos discutidos do meio ambiente, como o acesso à água, o uso de agrotóxicos,

transgênicos, aditivos e a produção de resíduos - aspectos que fazem parte do contexto da

alimentação saudável devendo, portanto, ser integrados ao seu conteúdo.

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De certa forma, quem trabalha em EAN, além de associá-la a uma Educação para a

Saúde, deve focar suas questões educativas de forma crítica e transformadora. Tal como Paulo

Freire (1987) nos alertou: problematizar os elementos que cerceiam os processos educativos

é um caminho para a formação da consciência crítica dos educandos.

A educação libertadora possibilita ao sujeito encontrar condições para descobrir-

se e conquistar-se em sua própria história e ser capaz de sozinho controlar seus problemas,

após o diálogo com os educadores. A educação libertadora deve transformar a

dependência dos sujeitos sobre os educadores em independência, com reflexão e ação,

através da conscientização dos mesmos. É preciso que os sujeitos tomem consciência de

sua realidade para depois transformá-la. Vale a pena, então, pensarmos na condição atual

do sistema alimentar operante, debate-lo, redefini-lo e desenvolver novas forma de ter

uma alimentação saudável, histórica e crítica.

A educação problematizadora implica em um constante esclarecimento da realidade,

resultando na inserção crítica e reflexiva na realidade dos sujeitos e na negação do homem

abstrato, isolado, desligado do mundo. É um ato dialógico que possibilita a superação da

contradição educador-educandos, no qual ambos educam e são educados, se tornando sujeitos

do processo educativo. Desse modo, o educador refaz seu ato cognoscente, na

cognoscitividade dos educandos, que são agora investigadores críticos em diálogo com o

educador e não mais recipientes dóceis de depósitos de informações.

Portanto, convém ressaltar que nossa prática teve a abordagem educacional

problematizadora, ativa, não formal como elementos para o desenvolvimento do diálogo

e da reflexão junto as crianças na adoção de hábitos alimentares saudáveis, críticos na

intenção de melhorar a qualidade de vida e valorizar a cultura alimentar.

A construção da prática

Nossa prática pretendeu refletir junto com um grupo de crianças entre 3 a 5 anos

(o grupo conta com cerca de cinco a doze crianças a cada sábado) que frequentam o

projeto Escola da Família (projeto do Governo do Estado de São Paulo, que abre as

escolas para a comunidade nos fins de semana e, através de uma equipe de professores,

organiza atividades de lazer e esportes para a população) sobre a importância de uma

alimentação saudável e cultural.

Através de recursos lúdicos, rodas de conversa, oficinas culinárias, apresentação

e debates de animações que focam a alimentação em seus enredos desenvolvemos junto

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com as crianças questões que abordavam a alimentação saudável, a história de pratos

brasileiros e sua constituição funcional e os malefícios de uma dieta a base de alimentos

ultra processados.

Desenvolvimento em uma prática de educação alimentar

A seguir apresentaremos um resumo de alguns caminhos percorridos para o

desenvolvimento de nossa prática junto com as. Evidente que essas práticas foram

adaptadas às linguagens e cultura local das crianças.

A equipe que desenvolveu as práticas contava com o coordenador do projeto

(professor de Psicologia), uma pesquisadora em Educação, três estagiários de Psicologia,

um estagiário de Nutrição, um Culinarista.

Em uma das primeiras práticas apresentamos às crianças do grupo alguns

alimentos industrializados e debatemos sobre a quantidade de açúcar e ingredientes

químicos contidos neles e o que eles podem causar ao organismo das pessoas. Logo em

seguida, com a intenção de apontar um contraponto ao consumo desses alimentos,

mostrávamos que muitas guloseimas poderiam ser confeccionadas em casa, com menos

ingredientes prejudiciais `saúde. Assim, construímos com as crianças um saber culinário

que rompia com a ideia de que, necessariamente, biscoitos e doces só são produzidos em

fábricas. A parceria com profissionais de culinária e nutrição que faziam parte do projeto

foi essencial, pois assim, em muitas atividades pudemos utilizar a cozinha da escola.

Intitulamos essas práticas de oficinas de culinária.

Ainda sobre a composição dos alimentos, realizamos outra oficina cujo objetivo

foi desenvolver reforçar o diálogo em torno dos ingredientes que estão presentes em

diversos alimentos industrializados, tais como o açúcar, sódio, gorduras, corantes e

conservantes. Nessa oficina apresentamos partes de dois vídeos (Além do Peso e Fed Up) que

mostram a quantidade de açúcar em alguns alimentos e abordamos sobre a farsa dos sucos da

caixinha que não são nada naturais. Depois fizemos um suco de morango natural com açúcar

mascado, com açúcar refinado e sem açúcar; e o suco de morango em “pó” já açucarado. A

experimentação dos sucos e os vídeos ampliaram o universo das crianças quanto às

quantidades dos ingredientes nocivos nos alimentos, o que levou a uma maior reflexão sobre

a quantidade de elementos naturais e químicos dos alimentos.

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A utilização de recursos audiovisuais também foi por nós utilizado. A apresentação

de desenhos que fazem parte do universo da criança foi uma das formas que utilizamos para

desenvolver algumas práticas em educação alimentar e nutricional. Como ilustração de uma

dessas práticas, citamos a utilização do episódio do desenho Super Why (2ª. Temporada,

episódio 14,veiculado no canal Discovery Kids). Neste episódio discute-se o maleficio de

uma alimentação com excesso de açúcar que dá uma falsa sensação de energia duradoura

para uma das personagens do desenho. A personagem para brincar sente a necessidade de

consumir grandes quantidades de alimentos com excesso de açúcar (biscoitos industrializados

e refrigerantes) para ter energia, mas logo se cansa e fica sonolenta. O enredo do desenho vai

buscar respostas na história de João e Maria e mostra como as crianças da fábula eram

manipuladas por uma Bruxa má que tinha uma alimentação extremamente disfuncional. O

desenho aponta que uma alimentação com frutas, legumes e alimentos in natura dariam mais

energia para as personagens por muito mais tempo, uma vez que ficariam um tempo maior

no organismo das pessoas.

Em outra prática apresentamos um episódio do seriado mundialmente conhecido

Simpsons, no qual o personagem Bart fica dependente de açúcar. O desenho é crítico em

mostra os efeitos negativos do excesso de açúcar no organismo. Logo após, foi feito uma

discussão do vídeo e dos rótulos de biscoitos recheados, doces achocolatados, salgadinhos

em pacotes, refrigerantes e gelatina. Nossa discussão centrou em apontar como podemos

perder o controle ao consumir excessivamente alguns ingredientes e como esses estão

ocultados nos alimentos industrializados. A indústria alimentar tem como estratégia

mascarar, através do rótulo, ingredientes que quando em excesso são notadamente

prejudiciais à saúde. Assim, mascaram o excesso de açúcar no alimento sob o nome

fantasia de maltodextrina, frutose, dextrose, néctar, glicose, sacarose, lactose, maltose,

açúcar invertido, maple syrup, melado, melaço, xarope de milho, xarope de guaraná,

xarope de malte, xilose etc.

Em outra prática resgatamos o conhecimento a respeito das frutas, verduras e legumes

presentes em nossa região. Foram apresentadas réplicas em tamanho natural de legumes,

verduras e frutas às crianças, cabendo a esses descobrir o nome do vegetal e sua função na

alimentação humana. Foram também apresentadas frutas in natura às crianças e por elas

degustadas, de forma à serem conhecidas em sua totalidade. Junto a essa atividade efetuamos

uma exposição teórica da origem de diversas frutas em nosso país. Através do diálogo as

crianças aprenderam que a maior parte das frutas que consumimos tem origem em outros

países. Outro problema que apresentamos foi em relação a monocultura que inibe a produção

de uma maior diversidade frutífera em nosso país.

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Conhecer novos sabores e texturas de novas comidas deram as crianças uma sensação

prazerosa e as instigaram a buscar novas experimentações de alimentos in natura. Aqui vale

a pena apontar que em uma sociedade célere, tecnológica, o tempo para comprar, encontrar

alimentos in natura torna-se uma tarefa árdua. 90% dos alimentos de um supermercado são

chamados de junk food (alimentos ultraprocessados)1 que apresentam excesso de

ingredientes disfuncionais tais como o açúcar, o sal e a gordura e aditivos químicos, tais,

como conservantes e corantes artificiais.

Incentivamos também as crianças a participarem de jogos que ampliavam o saber em

torno da alimentação. Em um jogo de Advinha o objetivo foi descobrir os alimentos que

fazem parte nossa culinária e no que eles podem ser transformados. As crianças tiveram

contato com os alimentos brasileiros em sua forma natural e tinha que descobrir no que

eles poderiam ser transformados. Destaque aqui para o resgate da mandioca e seus

subprodutos. Uma planta originalmente brasileira que nos acompanha ao longo da história

e que a cada dia perde lugar devido a sua substituição na mesa do brasileiro pelos produtos

farináceos a base de trigo ou ao ultra processamento que indústria alimentar de junk food

faz da mandioca, nos afastando de sua manipulação caseira (vide os biscoitos de polvilho,

doces, massa de tapioca e pão de queijo que são vendidos prontos e não nos passa pela

cabeça produzi-los em casa).

Para ilustrar nossa fala, fizemos junto com as crianças uma receita de pão de

queijo e polvilho. Dessa forma, fazendo uma receita de pão de queijo e polvilho, podemos

falar sobre a importância histórica e cultural da mandioca e do queijo mineiro na

alimentação dos brasileiros e como temos cultura suficiente para elaborar uma comida

em vez de compra-la pronta em um supermercado. Além disso, esse tipo de prática

proporcionou trabalhar com as crianças a coordenação fina, ao permitir a manipulação da

massa do pão pelas crianças. Reforçar o desenvolvimento das relações interpessoais, ao

unir o grupo de crianças para o desenvolvimento de uma tarefa (a confecção do biscoito).

Além de oferecer às crianças noções básicas de peso e medida ao separar e utilizar os

ingredientes da receita na medida correta.

1 A junk food pode ser traduzida comida e bebida disfuncional, geralmente acrescidas de excesso de sal,

açúcar e gordura, que rapidamente torna-se viciante e prazerosa ao unir esses três ingredientes. Michael

Moss em seu livro Salt Sugar Fat: How the Food Giants Hooked Us (2014), chega a uma conclusão que a

intensidade, tanto da fórmula química desses ingredientes quanto das campanhas de venda, torna as pessoas

extremamente vulneráveis, sendo quase impossível resistir. Para Michael Moss, a junk food parece ser uma

espécie de droga sintetizada a partir de três ingredientes: sal, açúcar e gordura.

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Desdobramentos: caminhos para uma educação alimentar

Nossas práticas abrem caminho para a efetivação de uma Educação Alimentar e

Nutricional que resgata e aprofunda os elementos históricos, culturais e sociais que permeiam

a nutrição e alimentação da criança brasileira. Os debates em torno dos hábitos alimentares

adquiridos na contemporaneidade levam às crianças elementos críticos que as capacitam a

lidar com a cultura de massa e a indústria alimentícia e marqueteira e suas implicações, como

o hiperconsumismo e uma alimentação à base de junk food.

Apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores de frutas e hortaliças os

brasileiros não possuem o hábito de comer vegetais diariamente e a cada dia mais cede a

uma alimentação baseada em alimentos ultra processados.

A produção e o consumo de alimentos industrializados tornam-se marcas que

definem nossa contemporaneidade. A construção histórica e cultural em torno de nossa

alimentação está sendo aniquilada pela indústria alimentar que praticamente coloca o

alimento pronto ou semi pronto em nossos lares. Cerca de 90% de todos os alimentos de

um supermercado são ultra processados e elaborados de forma que ofereça o mínimo de

esforço para digeri-lo e o máximo de sabor ao degustá-lo. A indústria consegue tal feito

ao misturar no alimento industrializados proporções generosas e palatáveis de

ingredientes que, reconhecidamente, são extremamente prazerosos e prejudiciais à saúde.

Assim, os salgadinhos em pacote, as bolachas recheadas, as proteínas ultra processadas,

os pães entre outros são misturas generosas de sal, açúcar e gordura (ingredientes

reconhecidamente viciantes).

Nesse cenário, a camada populacional infantil é a que mais sofre com essa

uniformização dos novos hábitos alimentares. Por ser uma camada que está mais propensa

a acreditar naquilo que é veiculado pelos meios de comunicação e com paladar adocicado

cede facilmente aos caprichos da indústria marqueteira e perde o contato com alimentos

in natura. Também é na infância que os hábitos alimentares são formados e tendem a

permanecerem pela vida inteira. Atualmente, é comum crianças apresentarem doenças

que até então eram desenvolvidas somente em adultos, tais como, a obesidade, sobrepeso,

diabetes tipo II e as cardiopatias – doenças diretamente ligadas a uma alimentação

deficitária.

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Dessa forma, a adoção de uma educação alimentar e nutricional, parece ser um

desdobramento necessário para enfrentar uma sociedade que é movida pelas

determinações inerentes a uma postura consumista.

A Educação Alimentar e Nutricional contribui de forma efetiva para o sujeito

melhorar sua saúde e identificar possíveis alimentos que podem ser prejudiciais ao

desenvolvimento físico e emocional das crianças.

A partir de nossas práticas percebemos a carência de informação que as crianças

têm sobre nossa história e cultura alimentar, além da escassez de informações sobre a

alimentação adequada e dos componentes prejudiciais que compõem os alimentos

industrializados.

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Eixo 2

Tempos, Espaços, Relações e

Infâncias: bases epistemológicas

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O Resgate do Lúdico e do Simbólico: o ensino do jogo de xadrez em Vigotski.

(Adriana Tomaz de Oliveira Souza; Alex de Souza Rodrigues; Arthur José Aguiar Reis;

Bárbara Andressa M. de Rocha; Calisryann Silva Lima; Caroline Almeida Sá; Chaysther Silva

Lima; Daniela Coelho de Souza; Déborah Sales de Faria; Diany Paula Gondim; Emanuelly

Maria Miranda Silva; Evaldo Antonio da Silva Júnior; Flairane de Lima Costa – Universidade

Estadual de Goiás – UEG – Campus Goiânia ESEFFEGO.) (email: [email protected])

Resumo

Este trabalho propõe o ensino do jogo de xadrez de forma lúdica e historicizada, para além dos

métodos de ensino tradicionais e tecnicistas. Com base no conceito de jogo em Vigotski e na

importância do lúdico e do simbólico para o desenvolvimento infantil, propusemos o ensino do

jogo do xadrez para crianças a partir da fantástica narrativa da Lenda de Sissa, que reconstrói

as regras do jogo a partir de elementos lúdicos, no intuito de potencializar as capacidades de

representação simbólica da criança. Foram realizados encontros quinzenais com professores da

rede pública de ensino e com graduandos da UEG. Nos encontros foram realizados estudos das

obras clássicas de Vigotski, e em paralelo foram realizadas oficinas de jogo de xadrez.

Observou-se o resgate dos elementos lúdicos e simbólicos do jogo e também a facilidade em

aprender um jogo erroneamente considerado “difícil de jogar”. Ficou evidenciado nas práticas

a importância do lúdico no ensino do jogo de xadrez.

Palavras Chave: Jogo de xadrez. Lúdico. Vigotski

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Vigotski e a Teoria Histórico Cultural

O contexto em que Vigotski escreveu a maior parte de suas obras, era o de um país em

plena revolução social, onde a sociedade dominada pela elite czarista e caracterizada por

profundas divisões de classe, estava sendo totalmente transformada, e em seu lugar se

objetivava construir uma nova sociedade pautada nos valores comunistas de igualdade social e

sem distinções de classes. Mas, segundo Vigotski, para a construção desta nova sociedade, era

preciso também uma nova educação identificada com os interesses dos trabalhadores e de toda

a classe proletária. Daí surge o seu primeiro livro "Psicologia Pedagógica", escrito entre os anos

de 1921 e 1924, e cujo objetivo principal era de formação de novos professores de educação

básica para uma nova sociedade que se estabelecia.

Vigotski toma como referencial para seus estudos o Marxismo, onde consegue apontar

saídas e alternativas para a crise que se instalava na ciência positivista de sua época. Segundo

Vigotski, com bases nos pressupostos marxistas, é impossível explicar a conduta humana

exclusivamente do ponto de vista biológico. (VIGOTSKI, 2003, p.62). Utilizando-se do

conceito de trabalho em Marx, Vigotski afirma que o homem através do trabalho foi capaz de

adaptar a natureza a si, transformando-a e ao mesmo tempo sendo transformado, diferentemente

dos demais animais, que já nascem adaptados à natureza. Através do trabalho, que é uma ação

planejada e racional, o ser humano é capaz de regular e controlar os processos vitais entre si e

a natureza, e incorporou à sua experiência "algo novo", que transformou o homem em um ser

singular. Através do trabalho, o homem se faz homem, e se transforma em cada agir consciente,

planejado e sistematizado. Sendo assim, dentro desta perspectiva, Vigotski afirma que o ser

humano não nasce humano, ele se faz humano através do trabalho, sendo cada homem um ser

irrepetível.

Acima de tudo, no comportamento humano - em comparação com a dos animais -

observamos a utilização ampliada da experiência das gerações anteriores. O ser

humano não aproveita apenas a experiência destas gerações na escala estipulada e

transmitida pela herança física. Todos nós utilizamos na ciência , na cultura e na vida

a enorme quantidade de experiência acumulada pelas gerações anteriores, que não é

transmissível mediante a herança biológica. Em outras palavras, ao contrário dos

animais, no ser humano existe uma história, e essa experiência histórica, essa herança

não física, essa herança social, é o que o distingue do animal. (VIGOTSKI, 2003,

p.62).

Vigotski busca decifrar o caráter consciente da conduta humana e tenta também elucidar

qual é a natureza psíquica da consciência. Para Vigotski a consciência é uma das formas mais

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complexas de organização do comportamento humano, e cita a expressão de Marx de

"duplicação da experiência", referindo-se à consciência humana. Vigotski então constrói a

fórmula do comportamento humano através da seguinte representação matemática:

[1] reações hereditárias + [2] reações hereditárias x experiência pessoal (reflexos

condicionados) + [3] experiência histórica + [4] experiência social + [5] experiência

duplicada (consciência).

Segundo Vigotski os primeiros componentes [1] e [2] são comuns aos homens e animais,

porém, a experiência pessoal, histórica, social e a consciência são características

exclusivamente humanas, e surgem como pressuposto e também produto do trabalho humano.

Assim sendo, torna-se inegável as características biológicas do ser humano, que se tornam o

ponto de partido para a formulação das teorias vigotskianas, entretanto, as mesmas são

insuficientes para explicarem os fenômenos do próprio comportamento humano, como o da

consciência, por exemplo. “Portanto, o fator decisivo do comportamento humano não é só o

fator biológico, mas também o social, que confere componentes totalmente novos à conduta do

ser humano.” (VIGOTSKI, 2003, p. 63)

O Brincar em Vigotski

Vigotski propõe elucidar qual a gênese da brincadeira e também qual o seu conceito, e

ainda procura decifrar qual o verdadeiro papel da brincadeira no desenvolvimento da criança.

Ele aponta que a brincadeira não é a atividade predominante na infância, mas sim a atividade

principal, ou seja, é a atividade de maior importância para a promoção do desenvolvimento da

criança. Vigotski desconsidera a definição de brincadeira pautado apenas na característica de

satisfação da criança. Para ele, outras atividades podem propiciar maior satisfação à criança do

que o próprio brincar. Por outro lado, o autor exemplifica que um jogo de regras pode não trazer

satisfação à criança, pois ela pode perder o jogo e ter uma reação de insatisfação pelo resultado

não alcançado. Sendo assim, para Vigotski a definição de brincadeira a partir do princípio da

satisfação é um conceito errôneo. Vigotski alerta também para o perigo em querer

"intelectualizar" ao extremo a infância, e corrermos o risco em perder de vista ou generalizar

os sentimentos, impulsos, necessidades, afetos e motivações que atuam na criança durante o

brincar.

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Inclino-me a atribuir a essa questão um sentido mais geral, e penso que o erro de uma

série de teorias é o desconhecimento das necessidades da criança; teorias que

entendem essas necessidades num sentido amplo, começando pelos impulsos e

finalizando com o interesse como uma necessidade de caráter intelectual. Resumindo,

há desconhecimento de tudo aquilo que se pode reunir sob o nome de impulso e

motivos relacionados à atividade (...) Pelo visto, qualquer deslocamento, qualquer

passagem de um estágio etário para outro relaciona-se à mudança brusca dos motivos

e dos impulsos para a atividade. (VIGOTSKI, 2008, p.24)

Para Vigotski, na idade pré-escolar surgem diferentes necessidades e impulsos

importantes para o desenvolvimento da criança, e que originam o próprio brincar. É justamente

na infância que, segundo Vigotski, afloram os desejos e tendências irrealizáveis, onde as

satisfações imediatas das crianças são frustradas através do adiamento de seus desejos. Sendo

assim, dentro deste conflito irrealizável, imposto pelo mundo adulto, tais necessidades são então

satisfeitas no próprio brincar infantil. “Parece-me que, se na idade pré-escolar não houvesse

o amadurecimento das necessidades não-realizáveis imediatamente, então, não existiria

a brincadeira.” (VIGOTSKI, 2008, p.25).

Por que a criança brinca? Essa é a pergunta central de Vigotski ao tentar explicar que a

brincadeira infantil surge na criança a partir dos desejos irrealizáveis dentro do mundo adulto,

e que são satisfeitos através de uma ação imaginária e ilusória, a brincadeira.

Quando a criança pré-escolar deseja andar de cavalo, mas sabe da impossibilidade de

realizar este seu desejo, então, ela começa a brincar com a vassoura, por exemplo, e este objeto,

de forma imaginária, se torna um cavalo.

Para Vigotski, a criança na fase da primeira infância, não consegue diferenciar o campo

visual do campo semântico. Já, a partir dos 03 anos (idade pré-escolar) a criança passa então a

distinguir o campo visual e o semântico, ou seja, diferencia aquilo que vê (objeto) de seu

significado (sentido). “Isso torna-se possível em razão da divergência, que surge na idade pré-

escolar, entre o campo visual e o semântico.” (VIGOTSKI, 2008, p. 26). E é justamente nesta

fase onde as capacidades simbólicas da criança se desenvolvem sobremaneira, onde o brincar

se torna produto e pressuposto deste desenvolvimento infantil.

Para Vigotski o brincar infantil não é um lugar separado do real, ao contrário, para este

autor a brincadeira e a própria situação real coincidem, sendo que as próprias

regras do brincar advêm das regras do comportamento real. “As ações da brincadeira que

combinam com a situação são somente aquelas que combinam com as regras.”

(VIGOTSKI,2008, p.27). Logo, o brincar não é um delírio da criança ou um mundo à parte ou

separado do real, se correlaciona com as próprias vivências da criança.

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Para Vigotski qualquer situação imaginária vivenciada pela criança possui em si regras

de comportamento (códigos sociais), e também qualquer tipo de brincadeira infantil com regras

contem também situações do imaginário e do simbólico. Logo, para o autor a criança é livre,

mas esta liberdade da criança é apenas ilusória. Vigotski ressalta ainda que durante a chamada

primeira infância, a força impulsionadora para a criança está nos objetos, e estes acabam

determinando o seu próprio comportamento. Já na idade pré-escolar, isso de fato não acontece

mais, pois os objetos em si acabam perdendo o seu poder impulsionador de outrora, já que a

criança começa a agir de forma diferente em relação a tudo o que vê.

Devido ao fato de, por exemplo, um pedaço de madeira começar a ter papel de boneca,

um cabo de vassoura tornar-se um cavalo, a ideia separar-se do objeto, a ação, em

conformidade com as regras, começa a determinar-se pelas ideias e não pelo próprio

objeto. (VIGOTSKI, 2008, p.30).

Segundo Vigotski, nessa guinada na relação entre ideia/objeto, a brincadeira cumpre um

papel fundamental e proporciona a efetiva transição para isso. O objeto que antes possuía

predominância, passa então, a partir deste chamado momento crítico, a ser um elemento

subordinado ao sentido, e este por sua vez passa a ter predominância sobre o próprio objeto.

Numa relação matemática, teríamos em um primeiro momento a fração OBJETO/SENTIDO

representando a supremacia do campo visual sobre o semântico na primeira infância (0-3 anos).

A fração se inverte quando surge o momento crítico, ou seja, quando o campo semântico

(significados) supera o campo visual, criando uma nova relação SENTIDO/OBJETO, onde a

partir de agora a criança passa a abstrair o próprio objeto, dando-lhe novos sentidos com base

no imaginário. “Dessa forma, na brincadeira, a criança cria a seguinte estrutura sentido/objeto,

em que o aspecto semântico, o significado da palavra, o significado do objeto, é dominante e

determina seu comportamento.” (VIGOTSKI, 2008, p.31).

objeto predominante objeto subordinado

OBJETO momento crítico SENTIDO

SENTIDO OBJETO

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As relações Simbólicas e o Jogo de Xadrez

Vigotski descreve a importância do imaginário na vida da criança. O autor destaca que

o mundo infantil não é um mundo à parte ou desconectado do real, mas que existe a partir do

real, onde a criança não apenas repete o vivido, mas cria e recria o próprio vivido.

A imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira

infância, absolutamente ausente nos animais, e representa uma forma especificamente

humana de atividade da cosnciência; e como todas as funções da consciência, forma-

se originalmente na ação. (VIGOTSKI, 2008, p.25)

Para Vigotski todo jogo possui regras e também elementos do imaginário. As

brincadeiras de faz-de-conta, por exemplo, possuem regras que são apropriadas através da

própria vida social. Os chamados códigos sociais são apropriados e internalizados pela criança

em seu cotidiano e no próprio ato de brincar. Os jogos regrados, como o jogo de xadrez, por

exemplo, que possui regras bastante rígidas e complexas, também possui elementos do

imaginário em sua execução.

(...) a chamada brincadeira pura com regras (do escolar e do pré-escolar até o fim desta

idade) consiste, essencialmente, na brincadeira com situação imaginária, pois,

exatamente da mesma forma como a situação imaginária contém em si,

obrigatoriamente, regras de comportamento, qualquer brincadeira com regra contém

em si a situação imaginária (...) Qualquer brincadeira com situação imaginária é, ao

mesmo tempo, brincadeira com regras e qualquer brincadeira com regras é brincadeira

com situação imaginária. (VIGOTSKI, 2008, p.28)

Segundo Vigotski, a criança na chamada primeira infância age sempre em função do

que vê, ou seja, suas ações ficam presas ao campo ótico (visual). Porém, já na idade pré-escolar,

ocorre uma reviravolta, pois a criança ao brincar consegue separar o campo ótico do campo

semântico, separando de fato o objeto da idéia. O autor cita o exemplo da vassoura, que no

brincar transforma-se em um cavalo para a criança, promovendo a ruptura entre objeto e

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significado. Tal fato decorre do desenvolvimento das funções simbólicas da criança,

onde o brincar se torna elemento fundamental e relevante neste processo.

“(...) recentemente, obtivemos a comprovação de que a chamada brincadeira pura com

regras (do escolar e do pré-escolar até o fim desta idade) consiste, essencialmente, na

brincadeira com situação imaginária, pois, exatamente da mesma forma como a

situação imaginária contém em si a situação imaginária. O que significa por exemplo

jogar xadrez. Criar uma situação imaginária. Porque ainda que sejam conceitos

próprios do xadrez o peão poder andar somente de uma forma, o rei de outra, a rainha

de outra; “comer”, perder peças, etc., mesmo assim há uma certa situação imaginária

que está sempre presente e não substitui diretamente as relações reais da vida. Pensem

na mais simples brincadeira de crianças com regras. No mesmo instante em que a

brincadeira começa a ser regulada por algumas regras, ela se transforma numa situação

imaginária, pois uma série de ações reias revela-se impossível nessa situação.”

(VIGOTSKI, 2008, p. 28).

Observamos assim, o imenso potencial do ensino do jogo de xadrez para crianças com

relação aos seus elementos imaginários e simbólicos, ou seja, sendo um jogo regrado, o xadrez

possui também grande riqueza lúdica e simbólica para o desenvolvimento infantil, onde tais

elementos do imaginário, contidos dentro do próprio jogo de xadrez, podem incentivar, auxiliar

e facilitar os processos de ensino e aprendizagem do próprio jogo.

Ensinando o jogo de xadrez a partir de Vigotski

Sabendo da importância dos elementos imaginário e simbólicos no desenvolvimento

infantil, a partir da teoria de Vigotski, criamos a possibilidade de ensino do jogo de xadrez para

crianças, para além do ensino tecnicista, mecânico e tradicional existente atualmente na maioria

das escolas e clubes de xadrez. A proposta metodológica é a utilização da lenda da origem do

jogo de xadrez, a Lenda de Sissa (CARDO, 1944), como estratégia de ensino do jogo. A Lenda

é repleta de simbologia, magia e encantos. A metodologia consiste em narrar às crianças a

Lenda de Sissa, e ao mesmo tempo, ensinar as regras do jogo, já que a própria lenda contém,

de forma simbólica e fantástica, as regras do xadrez. A Lenda vai sendo contada às crianças, ao

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mesmo tempo em que são ensinadas as regras do jogo, ou seja, a Lenda de Sissa, além de possuir

elementos lúdicos, também proporciona a aprendizagem das regras básicas do jogo.

O jogo de xadrez, segundo Oliveira (2005), é um jogo milenar e cuja origem é ainda bastante

incerta. Existem várias versões sobre sua história, e neste trabalho citaremos apenas a versão

de Cardo (1944).

Conta a lenda que em um grande arquipélago, houve uma sangrenta batalha entre duas nações. Muitos

soldados já haviam sido mortos e a guerra

não se findava. Como a trégua demorava a ser

assinada, então os reis destas duas nações

resolveram recompensar qualquer pessoa que

criasse uma representação daquela batalha,

afim de que ela nunca mais se repetisse. Foram

vários os candidatos e muitas as tentativas de

representações. Até que finalmente, um homem

chamado Sissa, conseguiu satisfazer os

caprichos e exigências reais quanto à

representação daquela triste guerra.

Na presença dos dois reis, Sissa colocou aos pés dos monarcas, uma caixa e um tabuleiro

quadriculado em preto e branco, e em forma de jogo, passou a narrar os fatos daquela absurda

guerra. O tabuleiro era uma réplica daquele arquipélago onde se travou a grande batalha. Era

dividida por sete paralelos (sete fileiras) e por sete meridianos (sete colunas), formando assim

64 ilhas ou quadrados, geometricamente igual a posição geográfica no mapa.

As peças do jogo representavam os personagens das duas cortes envolvidas no conflito. Para

cada peça, um movimento capaz de reproduzir os acontecimentos reais da batalha.

Ao representar o movimento dos reis no jogo, Sissa aproveitou para satisfazer a vaidade

dos dois reis, dizendo serem eles as figuras mais importantes do jogo, e em virtude disso

poderiam realizar qualquer tipo de movimento, mas o fato de caber a eles o papel de mentor da

batalha, ao realizar cautelosos exercícios de pensamento estratégicos, então seu movimento era

de apenas uma casa para por vez.

Sissa apresentou as rainhas, as quais chamou de damas. Elas cintilavam e brilhavam

como estrelas no céu e sua luz permite movimentos em todas as direções, podendo realizar

saltos distantes com apenas uma única jogada.

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Sissa apresentou aos reis, seus conselheiros

particulares, os bispos. Eles iniciam o jogo

sempre ao lado do rei e da rainha, afim de

sussurar-lhes os conselhos de forma mais fácil.

Estes, os bispos, movem-se na direção de suas

vozes, nas diagonais, e podendo também

realizar movimentos em grandes O Rei

distâncias (saltos), pois é grande o poder

das palavras.

As torres, segundo o sábio Sissa, está

relacionada aos pontos cardeais e também

abriga os combatentes, tendo o seu movimento

ordenado em forma de cruz (norte-sul-leste-

oeste), podendo também saltar, desde que não

tenha nenhuma peça à frente.

Em seguida, Sissa apresentou os cavalos reais, os únicos capazes de pular as peças de

sua mesma cor. Deu a eles um movimento capaz de garantir o alcance da lança do cavaleiro

sobre o inimigo, quando o mesmo estivesse a um braço de distância, perfazendo assim a letra

“L”.

Por fim, foi apresentado os soldados reais, chamados de peões. Sissa explicou-lhes que

eles representavam a força mais numerosa do exército real e que deslocavam para o combate

sempre a pé, e por isso movimentavam-se lentamnte, apenas um quadrado por vez. Os peões

eram também o símbolo de coragem e lealdade ao rei, nunca recuavam da batalha, iam sempre

avante, daí, não possuir o peão movimentação para trás. Como eles estavam sempre

posicionados no “front” da batalha, eram os mais vulneráveis dentro do conflito, e sendo grande

o número de baixa entre os peões, os reis decidiram que para qualquer peão que alcance a última

defesa inimiga (a última fileira oposta), receberia uma promoção, automaticamente se

transformaria num cavaleiro real, podendo ser substituído por qualquer outra peça do jogo, com

exceção do próprio rei.

Sissa ensinou ainda, que cada peça deveria atacar e defender-se conforme o movimento

de cada uma. Ao enfrentar o inimigo em seu caminho e aprisioná-lo, poderá então ocupar o seu

lugar no tabuleiro. Para o peão entretanto, devido ao pequeno alcance de sua arma, só

poderá capturar o adversário diagonalmente, pois somente até ali é o alcance do golpe de sua

arma.

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A organização do tabuleiro fica

definido assim: o rei branco no

quadrado preto e o rei preto no

quadrado branco no centro das

primeiras fileiras, pois lutarão para

tomar os poderes do adversário. As

damas sempre ao lado dos reis,

dama preta na casa preta, e dama

branca na casa branca. Ao lado do

rei e da rainha, ficam os bispos, pois

são os conselheiros reais. Em

seguida, ao lado dos bispos so

cavalos, e nas pontas,

diametralmente opostas as duas

torres. No “front”, ou seja, na

segunda fileira, os peões, que

protegerão toda a guarnição e

comitiva real.

Sissa então mostrou que o jogo de xadrez, por ele criado, poderia ser jogado por

diferentes pessoas e com diferentes estilos, de acordo com a personalidade de cada um. Ensinou

ainda, que no jogo de xadrez é possível ainda, através de sua prática, tirar vantagens de nossas

próprias forças e a superação de nossas fraquezas.

Os reis, maravilhados e encantados com a espetacular invenção de Sissa, ofereceu-lhe

uma recompensa, que ele escolhesse qualquer coisa que quisesse como forma de compensação

pela criação jogo de xadrez. Então Sissa disse a eles que sua maior recompensa seria que todos

pudessem praticar o jogo de xadrez, tentando aprender e guardar seus valores e significados.

Embora Sissa afirmasse que realmente era esse seu único desejo, os reis achando que aquele

pedido era muito pouco, insistiram para que ele pedisse riquezas maiores, e afirmavam ainda

que juntos tinham tantas riquezas, que eram capazes de construir uma castelo todo de pedras de

ouro se assim o quisessem. Diante de tamanha insistência e persuasão, Sissa então refez seu

pedido: que para ele colocassem uma moeda de ouro na primeira casa do tabuleiro, duas para a

segunda, quatro na terceira casa, oito na quarta casa, e assim sucessivamete, até que se

completasse todas as 64 casas do tabuleiro. Os reis então aceitaram a proposta e ordenaram aos

seus súditos que realizassem o tal pedido de Sissa. Os matemáticos e sábios da corte começaram

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então a realizar os cáculos para a contagem das moedas de Sissa, porém ao se completar a

décima casa do tabuleiro, observaram que já alcançava a enorme quantidade de 1024 moedas,

e ao continuarem os cáculos viram que para se completar todo o tabuleiro em uma progressão

geométria como exigiu Sissa, seriam necessárias 264-1 moedas ou seja

18.446.744.073.709.551.615!

Cardo (1944) encerra a história do jogo de xadrez dizendo que em virtude disso, o xadrez

ainda continua sendo praticado e amado até os nossos dias, e segundo ele continuará sendo

praticado enquanto a humanidade existir.

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Brincadeiras de faz de conta nos espaços tempos da Educação Infantil Maria Emilia Santiago Barreto- UFRRJ

RESUMO

A investigação Brincadeiras de faz de conta de crianças em uma turma de educação infantil -

Um estudo etnográfico em Sociologia da Infância focaliza aspectos referentes à cultura lúdica,

tem como pressuposto as crianças como contribuintes ativos para o complexo processo de

continuidade cultural e mudança dentro do grupo de pares, e na sociedade em geral. A

metodologia utilizada foi a etnografia, tendo como foco uma turma de crianças de 3 e 4 anos de

idade, em uma unidade municipal de educação infantil. Este estudo confirma que as crianças,

nas suas relações entre pares, constituem suas próprias culturas da infância nas quais

manifestam suas competências sociais. As rotinas e a organização do espaço-tempo mostram a

necessidade de a escola dar maior autonomia às crianças para desenvolverem as atividades de

modo geral e as representações gráficas, em particular.

Palavras-chave: Pré-escola, brincadeiras de faz de conta, cultura da infância.

Introdução

Este artigo resulta da investigação Brincadeiras de faz de conta de crianças em uma

turma de educação infantil - Um estudo etnográfico em Sociologia da Infância, que foi realizada

com crianças de 3 e 4 anos de idade, em uma unidade municipal de educação infantil de

Seropédica - Rio de Janeiro, no período de março a dezembro de 2011. Uma parte dos resultados

do trabalho foi incorporada a este artigo.

A investigação buscou revelar os principais elementos definidores das culturas de

infância, no espaço do brincar e nas relações entre as crianças nele situadas, e identificar a rotina

das crianças em uma turma de educação infantil. A metodologia utilizada foi a etnografia,

incorporando a observação participante e instrumentos metodológicos visuais, câmera de vídeo

e máquina fotográfica. Em fevereiro, procedeu-se o pedido de autorização aos pais. O pedido

de autorização das crianças ocorreu quando da minha entrada no terreno, em março, após o

período de adaptação delas na turma.

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Corsaro (1992) propõe o termo reprodução interpretativa ao se referir à participação

infantil na sociedade. Para o autor, as crianças “criam e participam de suas próprias e exclusivas

culturas de pares quando selecionam ou se apropriam criativamente de informações do mundo

adulto para lidar com suas próprias e exclusivas preocupações.” (CORSARO, 2011, pag. 31).

Portanto, para o autor, “as culturas infantis de pares são produções coletivas inovadoras e

criativas, produzidas sobre o quadro de conhecimentos culturais e institucionais aos quais as

crianças se integram e que ajudam a constituir.”(CORSARO, 2011, pag. 39).

Referencial teórico

O jogo sócio-dramático é considerado por estudiosos (McCune-Nicholich & Fenson,

1984; Smith & Vollstedt, 1985) como paradigma do jogo na idade pré-escolar. Kishimoto

(2011, p. 43) aponta que a brincadeira de faz de conta, também conhecida como simbólica, de

representação de papéis ou sócio-dramática, é a que deixa mais evidente a presença da situação

imaginária, no que concorda com Costa (2003) em que a brincadeira de faz de conta consiste

em dar vida a um personagem fictício através de uma encenação improvisada. Nessa brincadeira

infantil, o aspecto definidor é o trabalho espontâneo de elaboração simbólica do contexto

situacional onde se desenrola a cena, seus personagens e o tema.

A dimensão da não literalidade foi apontada nos estudos de Smith e Vollsted (1985)

como o critério mais poderoso para a definição de jogo. Nessa perspectiva, Ribeiro (2005)

argumenta que o jogo simbólico depende da possibilidade de a criança representar mentalmente

um objeto, ou situação ausente, e torná-lo presente por meio de ficção, valendo-se de outros

objetos ou ações. Nesse contexto, Brougère (1995, p. 99) considera que “a brincadeira é uma

mutação do sentido, da realidade: as coisas aí tornam-se outras. É um espaço à margem da vida

comum, que obedece a regras criadas pelas circunstâncias”.

Pellegrini e Boyd (2002) definem o faz de conta ou jogo fantástico como uma atividade

não literal, ou uma atividade em que uma coisa representa outra coisa. A fantasia pode ser social

(com um adulto ou um par) ou solitária. O faz de conta social implica em negociação: para

brincar com outra sobre um mesmo tema, a criança precisa de um acordo quanto aos

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significados implícitos nos papéis e ações, caso contrário, a brincadeira não ocorrerá em grupo.

Sendo assim, as transformações realizadas sobre os objetos precisam ser acompanhadas pelos

parceiros e, para fazer parte da brincadeira, deve haver a aceitação dos papéis e/ou formas de

negociação. Concordando com Brougère (1998), que considera que para que uma atividade seja

um jogo é necessário que seja interpretada como tal pelos atores sociais, em função da imagem

que têm dessa atividade.

A fantasia do real é a expressão usada por Sarmento (2003) para se referir ao mundo do

faz de conta da criança, onde esta transpõe o real imediato e o reconstrói criativamente pelo

imaginário. Para o autor, nas culturas infantis esses dois universos se encontram associados

num processo de imbricação, onde a não literalidade permite à criança enfrentar as situações

dolorosas da vida. Desse modo Sarmento afirma que:

(...) É um “mundo de faz de conta” em que o que é verdadeiro e o que é imaginário se confundem

estrategicamente para que a brincadeira valha mesmo a pena. Aliás, “faz de conta” é uma expressão que

não capta completamente o modo como as crianças introjectam real nas suas brincadeiras através da

transposição de personagens ou situações. (SARMENTO, 2002).

Embora Sarmento (2002) considere que a expressão “faz de conta” não represente bem

a relação entre realidade e fantasia, pois para as crianças a fantasia é tão real quanto à realidade

sobre a qual ela é construída, ele não sugere que o termo deixe de ser usado por pesquisadores

da Sociologia da Infância1.

Fein (1981) constatou em seus estudos que as crianças começam a fazer incursões pela

fantasia durante o segundo ano de vida, aumentando a frequência de ocorrência no terceiro ou

quarto ano e declinando a partir daí. Nessa perspectiva, Andresen (2005) e Branco (2005)

consideram que a criança é capaz de entender o faz de conta e usar processos mentais de forma

representacional a partir dos três anos de idade. E é nessa faixa etária que ela passa a dar maior

importância ao grupo de pares (Eckerman & Peterman, 2001). Pedrosa e Aguiar (2006)

consideram que estudos apontam que “as crianças imitam um comportamento do parceiro e este

serve de suporte para criar uma sequência interativa mais longa e partilhada”, e que “as crianças

assimilam e constroem cultura com os parceiros, no grupo do brinquedo” (p.178).

1 Ver teses da Universidade do Minho –Braga – Portugal em Estudos da Criança, especialização

em Socilogia da Infância

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Resultados

As brincadeiras de faz de conta das crianças do Pré-1 B, realizadas na sala de aula

aconteciam durante as atividades dirigidas, a professora liberava as crianças para brincarem à

medida que terminavam suas atividades. A sala de aula do Pré-1 B possuía um espaço no canto

direito, ao fundo, preparado para as brincadeiras de faz de conta das crianças, que a professora

denominou a “casa da Maria”. Era um local onde os brinquedos estavam dispostos em duas mesas

baixas, uma com miniatura de utensílios domésticos de cozinha (xícara, pires, copo, bule,

açucareiro, panelas, talheres, liquidificador, batedeira) e outra com miniaturas da mobília da sala

de estar e do quarto de dormir, além de diversas bonecas e alguns carrinhos. Havia também uma

mesa de computador com um teclado. Esse espaço da sala era usado tanto pelas meninas como

pelos meninos, porém as brincadeiras não se restringiam apenas a esse espaço. As crianças

pegavam os brinquedos e os utensílios de cozinha da “casa da Maria”, levavam para suas mesas

para brincar de fazer comida com massinha, e também se espalhavam pela sala nas brincadeiras

e passeios com suas bonecas, nas perseguições, lutas e corridas com os carrinhos.

As brincadeiras realizadas na sala consistiam num repertório (quadro 1) que se repetia

continuamente. Dentre as brincadeiras mais frequentes estava o faz de conta onde as crianças

assumiam papéis de mães, pais, filhos, filhas e professora.

Quadro 1: repertório de brincadeiras

Brincadeiras de faz de Temas mais frequentes Características

conta

Preparar e servir refeições. Preparam café, chá, suco, bolo, carne...

Lavar louça. Passam esponja na louça.

Tarefas do cotidiano, Cantar parabéns. Cantam em volta da mesa, falam o nome de

representando papéis de um colega no final.

mãe, pai, filho, filha, tio, Cuidar do bebê. Dão banho e comida à boneca bebê.

professora e motorista.

Passar roupa. Colocam a roupa na tábua e passam o ferro.

Chamam a polícia.

Falar ao telefone. Falam com: o namorado, pai, mãe.

Dirigir carro. Dirigem um carro usando o teclado do

computador.

Empurram os carrinhos.

Fazer leitura para colegas. Contam história para os colegas folheando

livro.

Representando papel de Perseguição Luta corpórea.

polícia, monstro ou Correm atrás dos colegas fingindo ser a

animais ferozes. polícia, um monstro ou um animal feroz.

Barraca Barraca embaixo da mesa Brincam embaixo da mesa.

Fonte: dados da pesquisa

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As brincadeiras com preparação de bolos para comemorar aniversário era seguida pela

música “parabéns pra você”. Nas comemorações de aniversário, Kamille geralmente assumia a

liderança no papel de mãe, conforme episódio já relatado (e repetido agora) em que Kamille

preparou um bolo e cantou parabéns junto com Pedro Lucas:

(...) “parabéns pra você, muitos anos de vida, é big, é big, é hora, é hora, Ra ti bum, 1, 2, 3, (...)”. Ana Beatriz, que estava disputando um brinquedo com Leanderson, vem participar, pula batendo palmas

enquanto canta; Leanderson também se aproxima batendo palmas, Kamille fala o nome de Leanderson no final da música. (...) (28/04/11).

Essa brincadeira de cantar parabéns, que já havia ocorrido anteriormente, foi repetida

em outras ocasiões, porém com algumas variações onde foram introduzidos novos elementos,

como a ampliação da contagem, incluindo outros números, e a organização de uma fila. Convém

também destacar Daniel, que antes apenas assistia e agora participa ativamente da brincadeira,

batendo palmas e pulando. As crianças brincam e criam suas brincadeiras, que se repetem,

observando-se um comportamento padrão. Essa brincadeira liderada por Kamille cantando

parabéns para os colegas foi reproduzida, dias depois, por Daniel, que começou a cantar e pular,

batendo palmas, na mesa onde Kamille estava cozinhando: “é big, é big, é hora, é hora...”

(Episódio filmado, 09/05/11).

Daniel, a princípio, tinha um comportamento paralelo brincando na cozinha da “casa da

Maria”. Pellegrine & Boyd (2002) consideram que o jogo paralelo é uma situação em que duas

crianças brincam em condições de proximidade espacial, mas não uma com a outra. Estudos

(Bakeman e Brownlee, 1980, apud Pellegrine, 2002, p.229) constataram que o jogo paralelo das

crianças com menos de 5 anos pode funcionar para dar a elas a oportunidade de “avaliar o

tamanho” de um grupo antes de entrar nele. Os episódios relatados mostram que o

comportamento de Daniel evoluiu de paralelo para participante do grupo, portanto considero

que o jogo paralelo, conforme Smith (1978, apud Pellegrine, 2002, p.229) afirma, pode ser

considerado uma estratégia.

O episódio também apresenta uma situação em que Yasmim procura Kamille para se

proteger da perseguição de Leanderson. Algumas meninas sempre procuravam Kamille em

busca de proteção. Por ter um tipo físico forte e ser a criança mais alta da turma, os meninos a

respeitavam por ela ter mais força que eles; além disso, ela gostava de assumir esse papel de

mãe e protetora. Evaldsson (2009) aponta que as crianças mais velhas assumem, no jogo, os

papéis de adultos mais poderosos - mãe, pai, patrão e assim por diante - com mais frequência

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que os mais jovens. As brincadeiras de perseguição e de luta estavam sempre entre as

brincadeiras dos meninos, se intercalando com as brincadeiras de empurrar seus carrinhos pela

sala. Os meninos usavam frequentemente o secador de brinquedo da “casa da Maria” como

se fosse um revólver, apontando para os colegas e “atirando”, fazendo o barulho do tiro com a

boca, enquanto os outros meninos, para se defender, usavam a prórpria mão, com os dedos

inicador e polegar esticados, também simulando um revólver.

As brincadeiras de luta não eram bem aceitas pela professora, que sempre interferia e

advertia sobre esse tipo de brincadeira: Pedro Lucas levou uma arma de brinquedo. Ao pegar

a arma, Breno faz de conta que está atirando, a professora reclama: “Breno, não é para

brincar de matar com a arma.” (Nota de campo, 27/10/11). Entretanto, os meninos sempre

encontravam uma forma de estarem lutando e atirando. Como eram situações que começavam

e terminavam rapidamente, muitas vezes a professora não percebia, pois frequentemente

estava ocupada orientando as crianças nas tarefas individuais e não prestava atenção nas

brincadeiras que aconteciam na sala. Kauã era o mais novo da turma e quem mais gostava de

provocar os colegas para começar uma brincadeira de luta, em que eles geralmente caíam no

chão. No episódio a seguir, temos o relato que retrata uma ocasião típica dessas lutas:

(...) Daniel arruma a bandeja e sai andando, Lorran passa correndo e tenta pegar uma xícara da

bandeja, Daniel não deixa, vira de costas e levanta a bandeja para o alto. Lorran está com o secador

na mão, Leanderson vem correndo atrás de Lorran, agarra no seu pescoço. Leanderson luta com Lorran e tenta tomar o “revólver”, os dois se desequilibram e caem no chão, Lorran se levanta e “atira” em

Leanderson três vezes, “pou, pou, pou”. A professora reclama, os dois param e olham para ela por

alguns segundos, Leanderson sorri, Lorran sai andando. Kauã, que vinha acompanhando os dois, faz

gestos de luta (...) (28/04/11).

Os conflitos nas brincadeiras aparecem em estudos de Brougère (2004), Francis

(1997), Sager, Sperb (1998), Jones (1997), Azevedo (2003) e Fabes, Martin, Hanish

(2003). Kishimoto e Ono (2008) argumentam que o uso do poder, ao protagonizar personagens

fantásticos ou do cotidiano, em lutas, não representa estímulo à violência. É a oportunidade para

a criança assumir papéis interessantes, ativos e movimentados, aprender a liderar, tomar

iniciativa na definição dos enredos, além de usar as linguagens corporal e oral para expressar

ideias. Portanto, para Brougère (2004), encontramos nas brincadeiras simbólicas o uso da

gramática lúdica originada na experiência de jogos do tipo rough-and-tumble.

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Estudos realizados com crianças do 1º ciclo (Pellegrini, 1989a) indicam que o jogo

violento evolui geralmente para jogos e não para a agressão. O autor considera que o jogo

violento não constitui uma forma de agressão para a maior parte das crianças.

Compreender as crianças como atores sociais e como produtoras das culturas da infância

tornam evidentes as culturas lúdicas das crianças, ao mesmo tempo em que expõem a percepção

de infância dos adultos, no contexto da pré-escola. Considerando que a brincadeira é um

processo de relações entre a criança e o brinquedo e das crianças entre si e com os adultos, o

brincar não pode ser pensado nas instituições de educação infantil como uma atividade de

menor importância para preencher o tempo entre uma atividade dirigida e outra. Precisa, sim,

estar incluído na proposta pedagógica da instituição, ocupando um lugar específico, integrado

às atividades diárias da criança na pré-escola.

Portanto, precisa haver organização da rotina, dos materiais educativos, do espaço para

as brincadeiras e os brinquedos, considerando que a forma como são organizados podem

influenciar nas representações e maneiras como adultos e crianças sentem, pensam e interagem

nesse espaço.

Compreender o papel da brincadeira nas instituições de educação infantil e a

importância em se oferecer às crianças a oportunidade de conhecerem e reelaborarem as

experiências do mundo em que vivem, a partir das interações com as experiências das outras

crianças e também dos professores que interagem com elas, implica em garantir a efetiva

participação da criança como ator social. Todavia, nem sempre os profissionais que interagem

com as crianças estão seguros quanto ao papel que devem desempenhar. Os espaços da sala de

aula são organizados, muitas vezes, apenas em função do uso ou do controle dos adultos,

comprometendo, assim, a mediação dos adultos, não favorecendo o exercício da autonomia e

da negociação entre as crianças.

Considero que um dos desafios a ser alcançado para a garantia do direito da criança à

brincadeira, nas diversas modalidades de brincar, na pré-escola, é a existência de um espaço

adequado e tempo suficiente para que ocorram as brincadeiras. No Pré-I B, embora esse direito

fosse reconhecido, acontecia no intervalo de tempo que sobrava, depois da tarefa dirigida até a

hora da higiene das mãos para o almoço. Em certos dias, as crianças eram liberadas para brincar

na “casinha da Maria” à medida que iam terminando a “tarefa do dia”, que era uma atividade

individual. Nessas ocasiões, a professora distribuía o material para a atividade do dia sobre

todas as mesas, para que todas as crianças a realizassem ao mesmo tempo e de forma mais

autônoma. Entretanto, em outros dias, as atividades eram feitas em pequenos grupos, ou

individualmente, com a orientação da professora ou da estagiária. Nesses dias, a maioria das

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crianças era liberada logo após as atividades na roda, enquanto um pequeno grupo era

orientado; entretanto, havia o inconveniente de aquelas terem suas brincadeiras

interrompidas ao serem chamadas para fazer a tarefa. Em outras ocasiões enquanto

aguardavam a vez de serem chamadas para fazer atividade dirigida,

individualmente as crianças foram mantidas em suas mesas, manipulando massinha, pequenos

blocos de construção e “brinquedos educativos” (letras do alfabeto), Em uma dessas ocasiões,

as crianças usaram os brinquedos livremente, enquanto conversavam entre si:

(...) Sento a uma mesa onde também estavam Lorran, Yasmim, Matheus, Juan, Deiveis e Ana Clara. Na

nossa mesa são colocados blocos para construção.(...) Lorran empilha os blocos e fala: “olha Emilia”!

Yasmin também fala: “olha Emilia”. Ana Clara: “olha tia”.

Lorran: “não é tia, é Emilia”.

Lorran: “olha Emilia, estou fazendo uma armadilha para meu cachorro levar choque”.

Eu: “coitado, vai levar choque!?”

Lorran: “ele está fugindo, ele é mau.” (Lorran coloca a mão na armadilha e finge levar um choque, os

colegas da mesa também colocam a mão e fingem levar um choque).

Lorran: “Emilia, quer colocar a mão na armadilha?” Coloco a mão e também finjo que levei um

choque. (Nota de campo 18/10/11).

O brinquedo colocado em nossa mesa possibilitou que as crianças brincassem

livremente, criando uma situação de faz de conta - Lorran criou um cachorro imaginário para

sua garagem. No entanto, e outras mesas foram colocados

brinquedos educativos, concebidos com finalidade de aquisição de conteúdos

específicos, direcionados para a aprendizagem, como os blocos com letras do

alfabeto.

Oliveira (1989) considera que o brinquedo educativo, entendido como recurso que

ensina, desenvolve e educa de forma prazerosa, ganha força com a expansão da educação

infantil, especialmente a partir do século XX. Segundo Oliveira (1989), o brinquedo

educativo:

simboliza, portanto, uma intervenção deliberada no lazer infantil no sentido de oferecer conteúdo pedagógico ao

entretenimento da criança. Trata-se, enfim, de imprimir à situação de brinquedo, vista como algo gratuito e sem

finalidade imediata, um determinado tipo de aprendizado, que o brinquedo educativo traz intrinsecamente.

(OLIVEIRA, 1989, p. 44)

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Kishimoto (1994) menciona que ao se permitir a ação intencional (afetividade), a

construção de representações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o desempenho de

ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas interações (social), o jogo e o brinquedo

educativo contemplam várias formas de representação da criança, contribuindo para sua

aprendizagem e desenvolvimento. A autora argumenta que o brinquedo educativo pode ser

analisado, quanto à sua função, sob a perspectiva lúdica ou educativa. Quanto à função lúdica,

o brinquedo propicia diversão, prazer, quando escolhido voluntariamente, ou até desprazer.

Kishimoto (1994) salienta ainda que as situações lúdicas criadas pelo educador, com o fim de

aprendizagem, necessitam ser contempladas com a possibilidade de que a criança aja

intencionalmente na brincadeira.

A expectativa de saberem que iam ser chamadas fazia com que algumas crianças

ficassem sentadas em suas mesas, esperando, sem se envolverem nas brincadeiras, como foi o

caso de Yasmim, no episódio a seguir:

(...) Ligo a filmadora para registrar as brincadeiras de algumas crianças que já estão indo para a “casa da Maria”. Nathália vai para lá e chama Yasmim: “Yasmim, vem brincar de comidinha”. Yasmim : “eu ainda não fiz o meu trabalho”

. Nathália: “Emilia, vem brincar comigo” (...) (Episódio gravado em 18/10/11).

Esse episódio nos mostra que o brincar acontecia como uma atividade paralela, com

interrupções da professora e da estagiária, que chamavam as crianças para fazerem suas tarefas.

Ademais, havia outras intervenções, que ocorriam para disciplinar, resolver conflitos ou

impedir que determinadas brincadeiras acontecessem, conforme o episódio em que a

Professora se aproxima das crianças que estão brigando e fala: “não é para brincar de luta”

(...) “vocês não estão sabendo brincar!” (Episódio gravado, em 28/04/11).

Nesse episódio estava havendo um conflito paralelamente entre Francisco e

Leanderson, e entre Lorran e Kamille; a professora, que não estava acompanhando o

desenrolar dos acontecimentos, interpretou como uma brincadeira de luta e interferiu

dispersando o grupo. Assim, as crianças mais uma vez perderam a oportunidade de tentar

resolver seus conflitos por conta própria. Talvez por isso algumas crianças estivessem sempre

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recorrendo à professora para reclamar do colega: “tia, ele me bateu; tia, ele me empurrou”. A

preocupação da professora em repreender as crianças, por achar que estavam brincando de luta,

revelou sua percepção da brincadeira como atividade preparatória para a vida adulta, e não

como uma forma de se expressarem e vivenciarem o mundo que as cerca.

Corsino (2008) refere que entender a criança como sujeito imerso na cultura e com sua

forma singular de agir e pensar é respeitar o tempo e o espaço da brincadeira como a própria

forma da criança conhecer e transformar o mundo em que vive.

Fica evidente nos episódios relatados que os educadores presentes na sala não sabiam

da importância, de acompanhar as brincadeiras das crianças, o que, por sua vez, as tornavam

desconhecedoras do mundo do faz de conta dos pequenos, perdendo assim uma oportunidade

valiosa de conhecer melhor suas crianças; concordando com Porto (2008) em que as crianças

trazem para suas brincadeiras o que veem, escutam, observam, experimentam e ressignificam.

Nessas ressignificações, muitas vezes inusitadas aos olhos dos adultos, as crianças revelam suas

descobertas e visões de mundo. Portanto, os adultos, que convivem com as crianças, muitas

vezes não se dão conta da importância de cada gesto, de cada palavra, de cada movimento da

brincadeira.

Considerações finais

Brincando, a criança expressa e reelabora suas percepções de mundo, logo é preciso

criar espaços para que ela possa vivenciar tal experiência. A brincadeira livre deveria ser o

momento para as crianças brincarem sem interferência e também sem mediação alguma das

professoras.

Por entender a brincadeira como um espaço de apropriação e reelaboração da cultura

consideram que ela não deve sofrer interferência do professor, e que é preciso haver um

ambiente, tempo e espaço favoráveis, além de contar com o interesse daqueles que são

responsáveis pela educação das crianças. A prática educativa que não entende a criança como

ator social e produtora de cultura provoca, muitas vezes, situações nas quais os desejos,

sentimentos e a individualidade das crianças são ignorados.

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A prática educativa adotada pela professora da turma, de planejar e determinar todas as

atividades excluía a participação das crianças no processo decisório do planejamento e da

organização das atividades do dia. Conforme nos aponta Borba (2008), essa prática educativa

em que o professor decide pela criança e impõe os tempos e os espaços da rotina, em que as

crianças acabam por se adaptar, não reconhece a criança como ator social. Embora formas de

socialização e representação da cultura sejam concebidas nesses espaços.

Finalmente, concluo esse artigo considerando que as múltiplas subjetividades

apresentadas pelos artefatos culturais, produzem efeitos na constituição dos grupos infantis.

Concordando com Dornelles (2003) quando refere que as crianças se relacionam de várias

formas com os significados e valores inscritos nos brinquedos, e que, segundo Bakhtin (1992),

na fala que acompanha as ações do jogo a criança traz, simultaneamente, o vivido e o novo,

construindo cultura, refletindo e refratando a realidade na qual está inserida, dando uma nova

ordem às coisas.

Convém salientar que embora tenha havido algumas intervenções da professora para

manter a disciplina, ao deixar disponível e dar acesso a uma diversidade de brinquedos para as

crianças experimentarem e conhecerem diferentes papéis, sem determinar posições e

comportamentos para meninos e meninas, favoreceu a livre escolha aos papéis específicos em

função do gênero.

Considerando que a cultura lúdica da criança é simbólica e deve ser entendida dentro de

uma cultura global na qual está inserida, finalizo com Jobim e Souza (2003) quando referem

que “... a criança não se constitui no amanhã: ela é o hoje, no seu presente, um ser que participa

da construção da história e da cultura de seu tempo.” (SOUZA, 2003, p. 159).

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“DO DESENHO AO MAPA: representando os espaços.”

Meigue Alves dos Santos

Resumo

O presente trabalho foi realizado no Centro de Convivência Infantil- CECI - UNICAMP,

com um grupo de crianças com idade de 4 e 5 anos. Trago aqui para esta discussão

algumas das observações que fiz nos momentos em que as crianças brincavam ao fazerem

algumas representações com questões sobre a representação dos espaços em seu entorno.

Isso implicou em fazer uma leitura daquilo que se viu. Por isso, a importância que o tema

teve, foi observada a partir das brincadeiras e representações que as crianças começaram

a fazer, junto com alguns questionamentos quando a função do mapa, e de como poderiam

construir um. Acreditando que, para a entendimento do espaço que as cercam, somente é

possível compreendê-lo a partir do contexto o qual estão inseridos. A curiosidade os levou

a observar as construções nos arredores do CECI, quando foram visitadas. Foi construída

uma maquete contendo a representação das coisas que mais chamaram atenção da turma.

Através das atividades realizadas, foi trabalhada a linguagem cartográfica, o que culminou

na construção de uma maquete dos arredores a instituição.

Palavras chave: mapas, cartografia, representação

1 – Introdução

Há várias maneiras de desenvolver o estudo de mapas. Mas como iniciar este

estudo de forma lúdica, com crianças que ainda não dominam a leitura convencional, de

uma forma não escolarizante?

Chegar a um lugar desconhecido utilizando um mapa ou para traçar um bom

caminho é uma tarefa difícil. Embora pareça simples, para realizar essas tarefas são

necessários conhecimentos que só são adquiridos num processo que envolva o universo

infantil, de uma forma natural e lúdica.

Tratando-se de crianças de 4 e 5 anos, é difícil pensar como trabalhar tal tema

envolvendo a linguagem cartográfica e trazer respostas aos questionamentos surgidos

diante das discussões delas nas rodas de conversas. No nosso caso, passando a atender às

necessidades fazem do cotidiano, além de entender o ambiente em que vivem.

Quanto ao entendimento e construção de mapas estes “só podem ser devidamente

compreendidos se vistos no contexto histórico e cultural em que foram produzidos”

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(ALMEIDA,2001, pg 13,). Por isso iniciamos com a observação do CECI, estendendo

para o entorno da instituição.

Tudo partiu da exploração de possibilidades e tentativas de resolução dos

problemas surgidos ao longo do tempo, uma vez que cada criança procurou experimentar

e entender algumas das relações espaciais, mesmo complexas.

Quanto a essa questão vale ressaltar a importância observar e escutar as crianças

em todas as suas linguagens, ou em seus questionamentos e discussões. É por isso que

concordo quando Rinaldi (2012, P. 228) diz que:

(...) Escutar significa estar aberto aos outros e ao que eles tem a dizer, ouvindo

as cem (e mais) linguagens com todos os nossos sentidos. Escutar é um verbo

ativo, pois significa não só gravar uma mensagem, mas também interpretá-la,

e essa mensagem adquire sentido no momento em que o ouvinte a recebe e

avalia. (RINALDI, 2012, p.228).

É importante pensar essa escuta como pratica: uma ação observadora, cuidadosa e

atenta, em que nós educadores também somos responsável por ajudar na criação de

contextos apropriados para que as crianças possam explorar suas possibilidades e se

sintam confiantes, confortáveis, estimuladas e respeitadas no seu processo cognitivo de

descoberta. E assim participar do trabalho das crianças, mas não de forma imposta e sim

como coparticipante do processo de construção, numa direção compartilhada e solidária

com elas.

Diante desse pensamento foi possível, como educadora, ser uma coparticipante

nessa relação estabelecida entre as crianças e as experiências que tiveram em suas

descobertas. Já a apreensão de conhecimentos aconteceu por meio da interação delas com

o objeto e seu entorno, e foram criando os mais diversos símbolos, que se relacionam entre

si. Eles foram usados para representar ora no papel um espaço reduzido, ora em forma

tridimensional na construção da maquete. Tanto os mapas quanto a maquete feitos

trouxeram elementos do mundo infantil, formulado pela própria criança, com diversidade

de cores e formas, próprias de cada uma.

Para compreender essa linguagem, cada criança entende e apreende, em um

momento único, na sua infância plena e com muita brincadeira. São vivencias importantes

para entender o posicionamento do espaço que cada um produziu. Mais do que interpretar

símbolos, ela pode e cria sinais próprios. E foi assim que aconteceu com essa turma.

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O tema surgiu a partir da observação do modo como brincavam e representavam

trajetos através da construção de mapas, além de algumas crianças perguntavam: “Pra que

servem os mapas?”; “Como podemos construir um?”; “O mapa e só para ir a lugares

longe?”; “As vezes meu pai usa o mapa do celular, esse mapa fala!”; “Só existe mapas

grandes como o Mapa Mundi e o mapa do Brasil?”; “Não, tem mapa da minha casa, eu vi

no GPS do carro da minha mãe”; “E o mapa do tesouro e a mesma coisa dos outros

mapas?”.

Diante desses e outros questionamentos que foram surgindo, as crianças

procuravam meios para responde-los. Por um período de duas semanas, as brincadeiras,

na maioria delas, incluía a discussão, e/ou construção de mapas, com percursos e direções

variadas. E mediante a curiosidade crescente se deu todo o desenvolvimento das

atividades.

2 – Objetivos Gerais

Promover o conhecimento do meio ampliando experiências sensoriais, expressivas que

possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e do coletivo;

Observar e compreender as características do espaço que rodeiam as crianças;

Incentivar a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e

o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social;

Possibilitar o conhecimento de si e do mundo através de experiências que envolvam

movimento e redescoberta;

Explorar e ampliar conceitos e relações matemáticas;

Desenvolver experiências de ampliação das práticas de letramento.

3 - DESENVOLVIMENTO

O trabalho iniciou-se com as brincadeiras de faz de conta das crianças do grupo.

Todos se envolveram bastante na brincadeira de construir pistas para os carrinhos da sala.

Então junto com as crianças construímos ruas para a locomoção dos carrinhos no chão da

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sala. Na sequência elas começaram a registrar suas produções com desenhos. A partir

daísurgiram vários questionamentos sobre como fazer os desenhos dos percursos,

questionavam os desenhos dos colegas e traziam as discussões para a roda de conversa.

Entre o grupo surgiu a proposta de caminharmos envolta do prédio. As crianças

perceberam que o formato do prédio era diferente do formato habitual das casas e de outras

construções. Sugeri para que o grupo tentasse representar esse formato, para tanto

realizamos algumas discussões e refizemos o percurso novamente para esclarecer as

dúvidas do grupo. Chegaram a um consenso de que o prédio apresentava um formato

parecido com o da letra H, foi o Henrique que fez essa descoberta.

Foi feita a proposta de conhecer as ruas que estão a volta do CECI, durante esse

passeio as crianças comentaram sobre diversos assuntos: prédios altos, prédios baixos,

sobre placas e sinalização de trânsito, a passarela do hospital, o heliporto, entre outros.

Como sempre surgiam novos questionamentos e informações, os passeios às ruas

foram realizados várias vezes. Outra questão que chamou muito a atenção das crianças foi

a quantidade de carros que passavam pelas ruas e que estavam estacionados. Dentre as

várias representações feitas pelas crianças, uma delas foi o desenho feito pela turma

representando os arredores do prédio do CECI, segundo o olhar que tiveram para esses

espaço.

Concomitantemente surgiu curiosidade sobre as placas de sinalização, as crianças

questionaram as falas ouvidas pelo aparelho GPS dos pais. Nas atividades de

musicalização procuramos músicas que envolviam movimentos diferenciados e para

direções diversas.

Algumas crianças trouxeram a observação da existência do heliporto. Questionei

o grupo sobre como poderia ser a visão do prédio e de seu entorno visto de cima, do

helicóptero. Trouxemos algumas imagens de satélite e confirmamos a discussão anterior

do grupo sobre o formato do prédio do CECI (parecido com a letra H do Henrique).

Outra atividade realizada foi a construção de um Mapa do Tesouro, feito

coletivamente pela turma. Foi observado a coerência nos trações, e quando brincamos de

caça ao tesouro, não foi difícil da turma encontra-los.

Todo esse trabalho de observação, discussão e construção culminou na confecção

de uma maquete contendo a representação do que mais chamou a atenção das crianças.

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4 – Tempo de Duração

Aproximadamente entre dois.

5 – Avaliação

A partir das produções, representações, questionamentos surgidos das crianças,

além das observações, fotos e vídeos que tiveram acesso, foi constatado o quanto elas são

detalhistas em suas observações. Observaram que o prédio do Ceci tem forma da letra H,

igual o símbolo no chão do heliporto. Mas o que mais se evidenciou foi o numero grande

de carros que ficam nos arredores e em toda a Universidade.

Todas as atividades realizadas, eles mostraram em suas diversas representações, a

riqueza de informações e conhecimentos apreendidos. O mais importante não foi a

finalização e sim todo o processo em si, em que as crianças exploraram o tema usando as

várias linguagens infantis.

6- Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Rosangela Doin de. Do Desenho ao mapa: iniciação na escola. São Paulo:

Contexto, 2001.

RABITTI, G. Á Procura da dimensão perdida: uma escola de infância de Reggio

Emília.

Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender – São

Paulo: Paz e Terra, 2012.

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AS INTER-RELAÇÕES ENTRE A LITERATURA E O

DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Núbia Silvia Guimarães Paiva

Ana Luíza Bustamante Smolka

RESUMO

Este texto apresenta uma discussão desenvolvida na pesquisa em desenvolvimento no programa

de pós-graduação em educação, que tem a intenção de compreender e evidenciar as inter-relações

entre a literatura e o desenvolvimento infantil. Tem como aporte teórico e metodológico a

perspectiva histórico-cultural, por entender que, no cotidiano escolar as relações estabelecidas,

sejam elas entre adulto/criança, criança/criança, sujeitos/conhecimento e, entre esses e os

elementos da cultura permeados na literatura infantil, alimentam e são alimentadas pela

imaginação e pela criatividade e, consequentemente, potencializadoras de desenvolvimento.

Dessa forma, alia-se a pesquisa às práticas pedagógicas que contemplam a linguagem literária no

espaço escolar, tendo como objetivo destacar as relações advindas dessa prática e suas implicações

nos processos de ensino, aprendizado e de desenvolvimento das crianças. A investigação está

respaldada nos princípios da pesquisa qualitativa, mais especificamente, na pesquisa participante,

que prevê a inserção do pesquisador no cotidiano da escola e sala de aula, bem como o

acompanhamento e interesse em explicar os processos interativos vividos pelos sujeitos. Espera-

se com esse trabalho, contribuir com debates e reflexões internas e externas à escola, promovendo

dessa forma, a percepção do quanto a literatura pode promover aprendizagem e desenvolvimento

nas crianças e a melhoria da qualidade do ensino na Educação Infantil, com a ampliação do

desenvolvimento da imaginação e criatividade das crianças e, ainda, com a formação de

professores.

Palavras-chaves: Desenvolvimento cultural infantil, Literatura infantil.

1. INTRODUÇÃO

Este texto apresenta uma pesquisa de doutorado que está em desenvolvimento no

Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Unicamp,

integrante do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL). A referida pesquisa

tem a intenção de compreender e evidenciar as inter-relações entre a literatura e o

desenvolvimento infantil, pois percebe-se que as histórias e os livros provocam nas

crianças sensações de identificação traduzidas em variados sentimentos, captando o

ouvinte/leitor de forma encantadora. Raiva, medo, alegria, dor, contentamento ou

descontentamento e muitos outros que nos despertam inquietações diversas quanto à

natureza dessas manifestações e ainda, quanto ao amálgama desses momentos da prática

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pedagógica com as relações entre os processos de ensino, aprendizagem e

desenvolvimento das crianças. Compreende-se o desenvolvimento infantil com base na

teoria histórico-cultural que considera o papel fundamental da interação social e das

vivências para que tal processo ocorra.

A partir das interações sociais, materializadas na mediação e na experiência

partilhada, ocorrem os processos de (re)apropriação e, consequentemente, de

desenvolvimento dos sujeitos. Para Vygotski (1997), o desenvolvimento é contínuo e

marcado pela (inter)ação do sujeito por meio das relações sociais estabelecidas. No

desenvolvimento, há funções consolidadas/autônomas e funções emergentes. As funções

psicológicas que emergem e se consolidam no plano interativo (intersubjetivo), tornam-

se internalizadas, isto é, transformam-se para constituir o funcionamento interno

(intrasubjetivo), da mesma forma que retornam transformadas para as novas interações

sociais a serem estabelecidas.

Vygotsky rejeitou, portanto, a ideia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção de

cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são

moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas

possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas

funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações morfológicas no

órgão físico. (OLIVEIRA, 1992:24).

Neste viés, Vigotski (1997) ressalta que o desenvolvimento é eminentemente

cultural e está relacionado às interações da criança com o meio que a circunscreve.

Estudos que consideram as interações como fatores fundamentais no processo de

desenvolvimento da criança (GALVÃO, 2000; DANTAS, 1982; WALLON, 1995),

defendem a aquisição do conhecimento como um processo construído pelo indivíduo

durante toda a sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo moldado passivamente

pelas pressões do meio, considerando a fundamental importância do mediador nas

relações estabelecidas. Portanto, o sujeito constrói hipóteses para as experiências que vive

tanto na escola como em outros ambientes que frequenta, vai se desenvolvendo por meio

da interação que estabelece com outras pessoas, situações ou objetos.

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Nessa interação, fatores internos - características biológicas - e externos- o meio em que

vive – se (inter)relacionam continuamente, sendo (res)significados pelo sujeito. De acordo com

essa perspectiva a criança é vista como exploradora, investigadora, que desempenha um papel

ativo na construção e organização do mundo e de seu próprio desenvolvimento (VYGOTSKY,

1989). Pino (2000) faz importantes discussões a esserespeito e nos ajuda a entender como ocorre

esse processo à luz da teoria histórico-cultural.

Especificar bem este termo é fundamental para precisar o outro, uma vez que

a existência social humana pressupõe a passagem da ordem natural para a

ordem cultural. Discutir a natureza do social e a maneira como ele se torna

constitutivo de um ser cultural é, sem dúvida alguma, um detalhe muito

importante da obra de Vigotski, o qual merece uma atenção especial ( p. 47).

Considera-se social e cultural, espaços como: a família, a escola, os amigos, os lugares

que a criança frequenta, e todas as vivências ocorridas em cada um desses lugares. Ou seja, na

medida em que a criança vive e se relaciona com as pessoas vai sendo constituída, formada ao

mesmo tempo em que também participa do processo do outro. Com base nesses pressupostos,

entende-se que as escolas de educação infantil têm espaços de interações muito ricos que

promovem momentos significativos nos processos de constituição dos sujeitos e por esta razão

podem ser espaços de investigações e construções de saberes diversos. Essas práticas e saberes,

se evidenciados, no caso desta pesquisa, principalmente permeadas pela literatura infantil,

podem também servir de palco criativo para a nossa área de conhecimento no que se refere à

formação do educador e ao currículo oferecido às crianças.

A(INTER)AÇÃO ENTRE A LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Para aprofundar a compreensão acerca dos processos de desenvolvimento humano,

especialmente, do desenvolvimento infantil, considera-se fundamental discorrer, sobre três

conceitos apontados por Vigotski, principalmente, a partir de três textos: “Quarta aula: a questão

do meio na pedologia”, “Manuscrito de 1929” e o terceiro, “Problemas De La Psicología

Infantil”. Dentre as tantas possibilidades de adensamento teórico que os textos nos permitem,

elege-se os conceitos de “vivência”, “significação” e

de “novas formações” (TOASSA, 2010; PINO, 2010; SMOLKA, 2004; MESHCHERYAKOV,

2010), a serem problematizados nas interações das crianças na escola, por considerar que é

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possível estabelecer um diálogo entre os mesmos e nossa pesquisa em andamento no programa

de pós-graduação em educação. Segundo Meshcheryakov (2010), é possível abarcar tal

conceito de forma concreta por meio da observação e análise do comportamento pois, De todo

modo, a vivência pode ser expressa no “mundo exterior”, em vários níveis de comportamento – através de

reações espontâneas e impetuosas; uma confissão, longas conversações pessoais com um amigo, algumas

ações (por exemplo: escrever uma carta, fazer caridade, ir ao teatro, ao estádio, a um encontro, a uma loja e

assim por diante), organização e planejamento de uma atividade de longo prazo, que muda completamente a

representação e o estilo de vida. (ibidem, p.715).

Para Vygotsky (1928), os aspectos que demarcam o desenvolvimento humano são o

surgimento de formações qualitativamente novas na personalidade do sujeito, ou seja, uma nova

estrutura da personalidade e de sua atividade, abre espaço para transformações psíquicas e sociais

que se produzem pela primeira vez em cada período. De acordo com o autor, o desenvolvimento é

marcado pela alternância de períodos ao longo da vida dos sujeitos: os estáveis e os de crises. Ou

seja, em nossas pesquisas que intentam explicar determinado aspecto de um conceito ou como ele

está contido nas interações é necessário atentar-se ao processo, às (re)construções e (re)elaborações

feitas pelos/com os sujeitos.

Embora Vygotsky apresente e explique as formas do processo de desenvolvimento

reconhecendo nele, estágios, defende que a análise deve se dar na essência do processo e não

em seus traços externos. Para ele, a atenção deve estar nas mudanças nas atividades da criança

porque sua personalidade muda como um todo integral em sua estrutura interna no percurso do

desenvolvimento.

Segundo o autor o termo “novas formações” pode ser assim compreendido:

Entendemos por formaciones nuevas el nuevo tipo de estructura de la

personalidad y de su actividad, los cambios psíquicos y sociales que se

producen por primera vez en cada edad y determinan, en el aspecto más

importante y fundamental, la conciencia del niño, su relación con el medio, su

vida interna y externa, todo el curso de su desarrollo en le período dado. (idem,

336)

Foi com base nessa definição que o autor alargou sua teoria sobre o desenvolvimento e

propôs a elucidação das questões relacionadas aos estágios do desenvolvimento. De acordo com

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Meshcheryakov (2010), “desenvolvimento é o processo no qual a personalidade ou indivíduo é

formado, pelo aparecimento de novas qualidades a cada passo do caminho, novas formações,

especificamente humanas, que são preparadas por todo o prévio trajeto desenvolvimental” (p.

708).

Discorrendo um pouco mais sobre a relação entre o conceito de vivência e novas formações

considera-se importante trazer outra relação onde o conceito aparece na obra de Vigotski,

justamente ligado à arte, perspectiva na qual associamos a Literatura Infantil. Ainda segundo

Mescheryakov (idem), na monografia sobre o Hamlet, o autor enfoca as relações mútuas entre o

sujeito-mundo, de forma similar à fenomenologia1, abolindo-se no plano analítico, o limite entre

sujeito e objeto, afirmando que este campo tem propriedades híbridas que abarcam os aspectos

internos e externos numa unidade (p. 763).

Sendo assim, a ideia de vivência para Vigotski, tal como aparece em “A Tragédia do

Hamlet” (1916/1999), designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-crítico,

cuja fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura. ” (p. 761). Tal afirmação abre

para nossa pesquisa, um leque de possibilidades e compreensões com/sobre as/das “vivências”

das crianças com as obras literárias.

Toassa & Souza (2010) ainda nos apontam que no desenvolvimento do conceito de

vivência, os estudos de Vigotski foram incorporando ideias que ampliaram o próprio sentido

do mesmo, passando este a ter uma abrangência mais completa, podendo ser entendido “como

unidade sistêmica da consciência/personalidade; unidades da relação interna consciência-meio.

” (p. 764). Associado ao conceito de vivência, ancoramos nosso trabalho no conceito de

“significação” discutido por Smolka (1997a, 2004) pois o mesmo possibilita compreender os

modos de significar dos sujeitos envolvidos na pesquisa, crianças e professoras2, demonstrando

as formas que percebem e vivem as inter-relações com a literatura infantil.

Portanto, a vivência é única - singular do sujeito - eu significo a situação vivida e a mesma

passa a agir sobre mim e eu sobre o meio - aquilo que é vivido é imbuído de sentido pelo sujeito.

Aqui o conceito de significação discutido por Smolka (2000, 2004) a partir dos pressupostos de

2Parte-se da definição do conceito de vivência como algo que atravessa, que só pode ser adquirido, quando se vive

pois é no processo de viver que algo acontece, que se realiza alguma co Termo criado no séc. XVIII pelo filósofo

J.H. Lambert (1728-1777), designando o estudo puramente descritivo do *fenômeno tal qual este se apresenta à

nossa experiência. (JAPIASSU, 2001)

Todos os sujeitos adultos envolvidos na pesquisa são do sexo feminino, portanto faremos referência sempre com

o termo “professoras” para nos referir às colegas envolvidas/participantes da/na pesquisa.

isa, assim como discutido e problematizado por Toassa & Souza (2010) e também

por Meshcheryakov (2010).

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Vygotski, pode contribuir para compreender de que forma as interações sociais e culturais

tornam-se próprias do sujeito, bem como contribuem em seu processo de desenvolvimento.

Associando tal aspecto do desenvolvimento com as possibilidades desencadeadas nas

inter-relações entre as crianças e a literatura infantil, anunciamos nossa inquietação para/com

esse processo vivido na escola de educação infantil, considerando o meio, aqui privilegiando as

vivências a partir da/com a Literatura Infantil, como palco de observação, análise e elaboração

teórica, a fim de dar corpo à empreitada a que nos propusemos enfrentar, desenvolver uma

pesquisa que dê conta de apontar os elementos do desenvolvimento infantil anunciados nas

vivências com a literatura infantil. Entender tais conceitos torna-se fundamental na medida em

que para nós, o cotidiano escolar da

Educação Infantil, pode ser considerado o “meio” tais como as definições apontadas por

Vigotski (2010) e, ainda, que o desenvolvimento humano ocorre em situações sociais.

Assim como Facci (2013), entende-se que, com base na perspectiva histórico-cultural,

é tarefa das escolas e dos professores de educação infantil,

[...] ampliar o círculo de contatos da realidade da criança, estimular e organizar

o jogo criativo das crianças, auxiliar a criança a descobrir determinadas facetas

da realidade que se refletirão posteriormente no jogo: as particularidades da

atividade dos adultos, as funções sociais das pessoas, a relações sociais entre

elas, o sentimento social da atividade humana. A intervenção do professor

pode se dar tanto na seleção de temas para a brincadeira, quanto na distribuição

dos papéis entre as crianças e definição dos acessórios a serem utilizados.

Nesta direção, busca-se, por meio dessa pesquisa, evidenciar como as crianças

interagem com o que nós, professores, oferecemos no cotidiano escolar, mais especificamente

com a literatura infantil, em sala de aula.

De acordo com Bessa Carrijo (2005), o atendimento à demanda das crianças das creches e

pré-escolas no município de Uberlândia, foi sendo ampliado gradativamente durante o período de

2001 a 2005, a partir, principalmente, da regulamentação legal feita pela Lei de Diretrizes e Bases

9394/96. Segundo a autora, mesmo com a legislação favorecendo esse atendimento, as políticas

públicas não garantem que a lei, seja, de fato, respeitada. Mesmo assim, a autora aponta que

houveram avanços significativos, dentre eles, a transferência das Unidades de Atendimento às

crianças de 0 a 6 anos da Secretaria de Ação Social para a Secretaria Municipal de Educação. Sabe-

se que o acolhimento oferecido a essa faixa etária, ainda não consegue atender a toda a demanda

existente, mesmo assim concomitante às discussões acerca da oferta e atendimento às crianças, é

importante também atentar que muitos olhares têm se voltado para esse público, principalmente

no que se refere à qualidade do atendimento que está sendo oferecido nas creches e pré-escolas.

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O CAMINHO DA PESQUISA: o encontro e o encanto com/da literatura com as crianças

A fim de atender aos questionamentos e objetivos da pesquisa, quais sejam, como se dá o

trabalho com a literatura infantil no município de Uberlândia e quais são as implicações desse

trabalho na prática pedagógica, no processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento integral

das crianças, busca-se embasar a metodologia da pesquisa nos princípios da abordagem qualitativa,

mais especificamente, na pesquisa participante, que prevê a inserção do pesquisador no cotidiano

da escola e sala de aula, estabelecendo um olhar atento nas interações que ali ocorrem (EZPELETA

& ROCKWELL 1986).

Assim, a metodologia consta da utilização de instrumentos técnicos semióticos que

visam atingir os objetivos apresentados acima, concretizadas em algumas ações teórico-práticas

específicas que visam inicialmente, fazer um diagnóstico da realidade e posteriormente

desenvolver uma metodologia baseada nos princípios histórico-culturais que visa acompanhar

o processo de interação das crianças com a literatura infantil, bem como evidenciar os processos

de desenvolvimento provocados nas crianças, a partir do contato mais profundo com as obras

literárias.

Busca-se respaldo na proposta de P. Ya. Galperin, que de acordo com Núñez e Oliveira

(2013), é preciso estudar a gênese dos processos cognoscitivos na criança. Isso pode ser

desenvolvido por meio de uma metodologia que acompanhe e explique os processos interativos,

e que dê conta de evidenciar as inter-relações entre a literatura e o desenvolvimento infantil.

Sendo assim, algumas ações já foram desenvolvidas e estão em fase de desenvolvimento, tais

como contato com a Secretaria Municipal de Uberlândia a fim de conhecer e estudar o currículo

elaborado para as escolas de educação infantil e perceber a inserção ou ausência do trabalho

com a literatura nesse currículo. Seleção das escolas em que se dará a pesquisa de campo,

buscando acompanhar crianças que tem acesso à obras literárias com regularidade.

De acordo com Lüdke e André (1986, p. 12) na metodologia qualitativa “a preocupação

com o processo é muito maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar um

determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e

nas interações cotidianas. ” Para isso, a entrevista enquanto instrumento de pesquisa, com os

gestores dos currículos para a infância no município de Uberlândia e com professores que atuam

diretamente com as crianças, poderá evidenciar como os mesmos pensam o trabalho com a

literatura, e, ainda, identificar como os sujeitos envolvidos percebem o processo vivido.

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Em um contato iniciado com a Secretaria Municipal de Uberlândia, representada por uma

assessora, tivemos acesso ao documento denominado de “Diretrizes Curriculares para a Educação

Infantil”. Embora esse material ainda esteja sendo analisado, já foi possível perceber as proposições

de um grupo que se dispôs a pensar a proposta municipal para esse nível de ensino, bem como, se

dispôs também em apontar caminhos a serem reelaborados pelas Escolas Municipais de Educação

Infantil. O interesse em conhecer e analisar tal documento, pauta-se na possibilidade de localizar a

inserção/ou ausência da literatura nas diretrizes gerais propostas pelo município, considerando que

esse material servirá de referência aos docentes em sua atuação frente às crianças.

Percebe-se que a literatura não aparece em nenhum eixo específico, portanto, dando

continuidade à análise e fazendo uma relação entre as Diretrizes Curriculares com nossa

investigação, destaca-se que dentre as ações pertinentes ao currículo, o trabalho com a literatura

visa contribuir com a formação de crianças leitoras, mesmo que ainda não dominem o código

escrito. Segundo Zilberman, (2010, p. 25), “[...] o texto é incompreensível, pois ele nunca

exaure seu objeto, cujo significado se efetua quando o leitor ali deposita seu conhecimento e

experiência. ” Sendo assim, advém a necessidade constante de promover essa aproximação da

criança com as obras literárias, pois ainda, segunda autora:

Presume-se que a circulação de textos literários na escola não deva contrariar

características atribuídas à literatura, uma vez que se justifica por facultar a

realização do significado principal da arte: o acesso a experiências e saberes

que, por limitações variadas, o ser humano não pode obter de outra maneira.

A literatura se alimenta do vasto campo das possibilidades humanas, que ela

socializa tanto aos que podem alcançá-las por outros meios quanto aos que

estão privados dessa chance. Competia à escola colaborar para a concretização

dessa utopia da arte; não poderia fazê-lo, porém, sem levar em conta o tipo de

diálogo que se estabelece entre o público e as obras. Por sua vez, propiciar a

prática do diálogo e refletir sobre os modos como ele se efetiva talvez sejam

atividades mais que suficientes para legitimar a presença da literatura na sala

de aula. (idem, p. 35).

Muitas são as possibilidades de interação das crianças com as obras literárias,

entretanto, destaca-se aqui sua contribuição essencial para o desenvolvimento cultural e da

linguagem da criança, ultrapassando, inclusive as próprias intenções do autor da obra lida. As

formas de comunicação e expressão particulares, vivenciadas e significadas por cada sujeito

por meio da leitura ou escuta de histórias, podem se constituir, segundo Smolka (2010, p. 44)

em prática social que promove marcas nos indivíduos:

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[...] a atividade de leitura como forma de linguagem, originária na dinâmica

das interações humanas – portanto, de natureza dialógica – que, em processo

de emergência e transformação no curso da História, marca os indivíduos (em

termos cerebrais mas não genéticos) e configura as relações sociais [...] como

atividade inter e intrapsicológica, no sentido de que os processos e os efeitos

dessa atividade de linguagem transformam os indivíduos enquanto medeiam

a experiência humana [...] leitura como mediação, como memória e prática

social.

A experiência de ler e ouvir histórias, é uma atividade de linguagem que provoca nos

leitores diversas sensações que, para um educador e pesquisador atento podem constituir-se

como elementos fundamentais da prática pedagógica que nos impulsionam a compreender a

natureza dessas manifestações para o desenvolvimento infantil, considerando os processos e

interações de ensino e aprendizagem das crianças. Sendo assim, corroboramos Smolka (2010,

p. 51) de que:

É na perspectiva da sociogênese do conhecimento que enfoco a leitura como

atividade de linguagem, como forma de interação especificamente humana,

socialmente fundada e historicamente desenvolvida, e enfoco as crianças, em

seu processo de constituição como sujeitos-leitores, como protagonistas e

interlocutores.

É importante ressaltar ainda, a relevância dos textos literários para as crianças, Silva

(2010, p. 77) alerta-nos que “[...] a fruição do texto literário, pelas práticas do ouvir e/ou ler,

configura-se como uma janela através da qual o sujeito-leitor pode compreender melhor o

mundo e organizar suas próprias experiências. ”

4. APONTAMENTOS FINAIS

A presente pesquisa tem o propósito de evidenciar como as práticas e as (inter)ações com a

Literatura se dão na educação infantil, bem como constituir-se em um estudo que demonstre esse

processo de interação fortalecido com/no desenvolvimento cultural da criança, considerando

que:

Enquanto experiência de linguagem e, ao mesmo tempo, de revelação, descoberta e aprofundamento de

referenciais da realidade, a leitura da literatura infantil influi significativamente no processo de desenvolvimento

da criança. Além da fruição do texto literário, que é, em si mesmo, um processo criativo, a aventura do ler vai

permitir à criança um refinamento de sua razão (inteligência) pelas reflexões feitas de seu tempo e de seu contexto.

Por outro lado, conduzida por sua capacidade de imaginação e pela inventividade de sua linguagem, a criança é

capaz de criar sínteses, funções ou prolongamentos dos elementos extraídos de uma ou mais histórias. (Idem).

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O estudo tem como aporte teórico e metodológico a perspectiva histórico-cultural, por

entender que, no cotidiano escolar as relações estabelecidas, sejam elas entre adulto/criança,

criança/criança, sujeitos/conhecimento e, entre esses e os elementos da cultura permeados na

literatura infantil, alimentam e são alimentadas pela imaginação e pela criatividade e,

consequentemente, são potencializadoras de desenvolvimento.

As análises se basearão nos processos estabelecidos nas (inter)ações das crianças com a

literatura, explicando as multiplicidades de possibilidades de significação e das “vivências”

desencadeadas. Assim, momentos de escuta de histórias em diferentes formatos, seja na

biblioteca, no cantinho de leitura em sala de aula, em momentos coletivos de contação/audição

de histórias, em dramatizações feitas pelas próprias crianças, com a mediação ou não das

professoras, estão sendo interpretadas e explicitados a partir dos conceitos de meio,

significação, vivência, novas formações e desenvolvimento cultural.

A partir desta exposição nos perguntamos, quais as percepções estão sendo propiciadas nas

crianças no contato com a literatura infantil? Como as crianças estão “significando” as (inter)ações

estabelecidas com a literatura? De que forma essas“vivências” estão se constituindo no

desenvolvimento cultural das/nas crianças? Sendo assim, entendemos que a literatura, ao estar inserida

no contexto cotidiano escolar, de forma sistemática3 pode ser problematizada e debatida por meio dos

conceitos apresentados/discutidos acima e possibilitar a construção de conhecimentos fundamentais para

a prática pedagógica neste nível de ensino.

3 O termo sistemático refere-se à frequência de tais atividades na escola, ou seja, a literatura garantida no currículo,

e não apenas um elemento que aparece esporadicamente nas práticas pedagógicas como meio de distração ou

passatempo das crianças.

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5. Referências Bibliográficas

CARRIJO. Menissa Cícera O. Bessa. Educação Infantil e políticas públicas na

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ÁGORA: ocupações infantis dos processos de escolhas e tomadas de decisão acerca da

rotina e do currículo

Cláudia Pereira de Souza1

Elaine Dantas Valério2

Resumo

Este relato objetiva apresentar uma experiência desenvolvida com crianças de 3 a 4 anos

realizada em um Centro de Educação Infantil localizado no bairro periférico da cidade de São

Paulo, chamado Cidade Tiradentes. A metodologia das Assembleias se apresentou como

possibilidade de escuta atenta e qualificada da voz das crianças pequenas. Na sociedade do

consumo, a criança sempre ficou aquém dos processos de tomadas de decisão do universo

adulto, isso se refere, às decisões inerentes ao mundo infantil. Assim, foi necessário pensar

estratégias para colocar a criança no centro da roda, promovendo sua autoria. No CEI Mário

Pereira Costa, tal processo gerou mudanças no planejamento da rotina e no olhar para os

espaços. Observamos que as crianças, a partir da mediação da professora e com a colaboração

da Diretora, contribuíram para a ressignificação do tempo, dos espaços e dos materiais da

Unidade Educacional.

Palavras Chaves: Protagonismo; Assembleia; Direito; Voz Ativa; Escuta.

Relato de Experiência

Neste ano 2015 eu, Cláudia Pereira de Souza, estou como Educadora da turma de Mini

II, no Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa. Fazem parte dessa turma 20 crianças

com idade de 3 a 4 anos. Divido uma sala com outra educadora que também possui uma turma

de mini II com, mais 20 crianças. Essa é a turma Mini II – C e D.

Sabendo que a média de frequência, considerando as duas turmas, é de 30 a 35 crianças,

notei a necessidade da divisão dos agrupamentos para melhor aproveitamento da rotina e bem

estar, assim, acredito assegurar o desenvolvimento efetivo das crianças.

Conversei com a Educadora Mirlândia, responsável pela turma D, e decidimos pela

separação das turmas. Nós recebemos as crianças na sala e, após o café eu rodízio com o

agrupamento C, a partir das indicações contidas na linha do tempo e, assim, usufruímos das

salas e espaços desocupados.

Graduada em Pedagogia pela UMC – Universidade de Mogi das Cruzes, turma de 2011. Professora de Educação Infantil do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa, Unidade da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, situada no bairro de Cidade Tiradentes, Extremo Leste, periferia da cidade de São Paulo. 2 Graduada em Pedagogia pela UNESP Campus Marília– Universidade Estadual Paulista- Júlio de Mesquita Filho- Marília. Diretora de

Escola do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa, Unidade da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, situada no

bairro de Cidade Tiradentes, Extremo Leste, periferia da Cidade de São Paulo.

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As crianças do Mini II – C, são dinâmicas e participativas, estão descobrindo as

possibilidades da linguagem. Colocam-se intensamente como sujeitos, de seu desenvolvimento,

sendo autores a partir da necessidade de participarem da organização diária da rotina.

Em nossa cultura as crianças nunca ocuparam lugar de destaque na sociedade. É

novidade para muitas pessoas e, infelizmente para muitos educadores, afirmar que as crianças

desde os primeiros minutos de suas vidas se comunicam com o mundo. A partir desta afirmação

é que fundamentamos o nosso trabalho. Para termos mais subsídios sobre o assunto, vejamos o

que nos informa a Orientação Normativa n.º 01: Avaliação na Educação Infantil: aprimorando

os olhares.

Destaca-se que considerar as falas e expressões das crianças e bebês, carregadas de

indicações sobre como os mesmos pensam a escola da infância constituem-se em um valioso

subsídio para a construção de espaços mais ricos e significativos para eles, considerando seus

interesses e necessidades. Nesse sentido, a instituição de Educação Infantil é pensada para e

com as crianças e suas famílias. (SME/DOT, 2014 p. 2)

Deste modo temos a certeza de que precisamos por meio de nossos planejamentos

pedagógicos promover espaços que garantam uma escuta qualificada das falas das crianças e,

assim, fazer com que de fato, sejam elas protagonistas da rotina e de seu aprendizados.

Na linha do tempo do CEI, existem os momentos em que as duas turmas, C e D, dividem

a mesma sala, uma dessas ocasiões acontece no horário de vídeo. E foi num desses

espaçotempos de nossa rotina que a, Educadora Mirlândia e eu, podemos presenciar um

profundo exemplo de participação das crianças.

Num certo dia, enquanto os educandos assistiam ao vídeo do Palavra Cantada o

aparelho de DVD parou de funcionar. Imediatamente as crianças começaram a reclamar e

questionar o motivo do defeito. Depois de tentativas de conserto, foi impossível continuar com

a programação.

A Educadora Mirlândia e eu, explicamos que as crianças deveriam reivindicar o direito

a um novo aparelho de DVD junto a Sra. Elaine – Diretora do CEI. Duas semanas depois ao

fato, as crianças do mini II, enquanto a Diretora passava na sala, comentaram o ocorrido. Alguns

lembraram da necessidade de a escola adquirir um novo aparelho de DVD e que tinham o

direito de argumentar com a Diretora.

Em outros momentos passando pela mesma situação, sinalizamos novamente que eles

teriam o direito de pedir e argumentar com a Diretora. Salientamos também que, nós

educadoras, falaríamos a respeito do aparelho com a Elaine.

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Trabalhando a rotina e as mudanças de sala do mini II C as crianças questionavam o

porquê de ir de uma sala para outra, porque não ir ao parque, porque tal atividade na rotina. Por

vários momentos as crianças insistiam questionando, o porquê da separação das turmas, sendo

que dessa forma, momento ou outro da rotina, um agrupamento ficaria sem sala. Explicava que

a sala existia, porém, para melhor aproveitamento e, com menor número de crianças, seria mais

tranquilo para todos. Perguntei se apesar de mudar de espaço estavam gostando de trabalharem

em um grupo menor, disseram que sim. Então em comum acordo, combinamos que seguiríamos

dessa forma, separando as turmas.

Dentre tantas observações da turma e sua forte vontade em participar e questionar a

rotina que lhes era proposta diariamente decidi trabalhar com eles o processo de autoria infantil,

por ter a convicção dessa possibilidade, através da metodologia de Assembleias. Iniciei

explicando o significado da terminologia e qual seria o sentido de seu desenvolvimento. De

modo que percebessem que o espaço educacional e coletivo e deve ser usufruído e gerido por

todos que dele fazem parte. As crianças se animaram com a ideia e demos inicio a esse processo.

No dia 20 de maio de 2015 iniciamos com uma roda de conversa, na qual, perguntei se

alguém saberia o significado da palavra assembleia. Todos pensaram e não expressaram nada.

Retomei e disse para eles se tratar de um momento em pessoas se reúnem em espaços públicos

e/ou coletivos para questionarem e deliberarem sobre assuntos que fossem de interesse de todos.

Expliquei que o espaço do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa é público,

de usufruto da comunidade educativa e que meninos e meninas, famílias, educadores e

comunidade tinham o direito de intervir naquilo que julgassem necessário para a melhoria do

ambiente.

A princípio foi muito interessante, pois para as crianças, o ato de pedir ou questionar

algo, poderia ser feito somente para o pai, a mãe ou algum membro adulto da família. Não

faziam essa relação quando o sujeito se torna a escola. Aqui podemos perceber o quanto nossas

escolas, ainda servem como massa de manobra do sistema, na formação de pessoas submissas

que não ofereçam risco a ordem estabelecida.

Num segundo momento perguntei o que eles gostariam de pedir, sugerir, questionar em

relação ao espaço escolar e que todas as suas queixas seriam encaminhadas para a Elaine,

Diretora do CEI. Comecei a instigá-los e iniciei a gravação como registro pedagógico.

Perguntei3 “- Vivi você sugere algo, quer pedir?” No momento preferiu se manter em

silêncio. Continuei: “- O que você gosta ou não na escola?” E o silêncio permanecia.

3 Todos os diálogos e assembleias foram registrados em vídeos.

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Perguntei para a Carol e, ela respondeu: “- A boneca que ganhei da minha mãe esta em

casa.” Eu disse: “ - Que bom Carol, mas o que você gostaria de dizer algo que a escola precisa?”.

Ela respondeu que não.

Percebi que gravá-los não os deixava a vontade. Perguntei se preferiam que parasse a

gravação e responderam que sim.

Afinal quem fica a vontade em falar com um celular em sua direção?

Até que ao questionar o Davi ele disse: “- Brinquedo”.

“Mas você acha que não temos brinquedos o suficiente?” argumentei. Pensaram e o Wesley

respondeu: “-Mas boneco do Hulk, não tem, prô.”.

Respondi: “- Realmente, esse boneco não tem. Que bela observação Wesley.”

“- E, o que mais?”. Questionei

“- Boneca, prô!” Disse a Leticia.

Prontamente argumentei que bonecas têm na escola. Leticia, logo respondeu que boneca

bonita não, pois as bonecas não possuíam cabelos e nem roupas.

As outras crianças complementaram dizendo que as bonecas não tinham shorts e nem

calcinhas.

Fiquei feliz, pois realmente as bonecas do CEI não estão em bom estado de conservação

e não eram tão atrativas para as crianças, fato que era normal, tendo em vista que os brinquedos

são bem explorados por eles.

Continuei provocando-os e, o Caio falou “- Carrinhos!” eu disse “- que carrinhos para

brincar eles tinham e, que não poderiam dizer ao contrário para a Elaine.

A Heloisa foi pontual quando disse: ”- Bombeiro não prô!”. E os meninos continuaram:

“- Policial, ambulância, avião.

Entendi que eles gostariam de ter carrinhos referentes às profissões.

A Heloisa pediu fantasia da Frozen4 Disse para ela que o CEI já tinha as fantasias e que

o fato é que não havíamos utilizado ainda.

Ela disse que queria a da Frozen, e, o Davi disse, que não poderia faltar a do príncipe

Kristoff. Claro que as motocas apareceram.

Para mim, enquanto professora de Educação Infantil, estava sendo um momento

maravilhoso e mágico. Afinal realmente as crianças de CEI possuem extremo potencial para

argumentar, justificar, e contribuir para um espaço que de fato é deles.

4 Animação infantil – longa metragem - da Disney, 2013, dirigido por Chris Buck e Jennifer Lee. Conta a história de uma princesa do gelo que vive um romance com o jovem Kristoff.

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Talvez de modo utópico esperamos que num futuro não muito distantes as educadoras

e educadores da Educação Infantil se conscientizem da potencialidade de participação das

crianças e consigam de fato escutá-las. Esse pressuposto já figura em muitos documentos e

publicações de autores ligados à educação. Em 2015, por exemplo todas Unidades de Educação

Infantil do Município de São Paulo avaliaram seu serviço por orientação da Secretaria

Municipal de Educação.

Essa avaliação foi orientada por um rico documento produzido por diversos educadores

das escolas diretas e indiretas da prefeitura, e o documento dos Indicadores da Qualidade na

Educação Infantil Paulistana em diversas vezes toca no assunto da participação das crianças:

Para concretizar tais objetivos no cotidiano educacional, as educadoras e os educadores

precisam favorecer e potencializar a participação, a autonomia de bebês e crianças,

compartilhando propósitos, considerando as colocações infantis, negociando pontos de vistas e

significados, conversando, tomando decisões conjuntas, garantindo e valorizando suas criações.

(SME/DOT, 2015 p. 63).

Ou seja, de fato as assembleias se mostram como metodologia eficaz no processo de

participação democrática e autonomia das crianças. Esperamos que a Avaliação da Educação

Infantil no município de São Paulo sirva como motor para estimular esse processo em todas as

Unidades.

Após tantas experiências significativas, encerramos o inicio desse momento de

Assembleia. Disse que depois colocaríamos no papel todos os pedidos e entregaríamos a

Diretora. E que toda assembleia deveria ser registrada, ou seja, faríamos um documento em que

eu seria a escriba deles e quando todos estivem de acordo entregaríamos a Elaine assinado.

No dia 27 de maio retomei com eles e perguntei o que mais gostariam de pontuar. A

Leticia voltou a pontuar a importância de mais brinquedos:¨ “- Pro com mais brinquedos não

tem menos briga, tem brinquedo pra todo mundo. O que tem é chato, tem pouco¨.

As meninas logo se lembraram da bolsa de mulher. - Pro a gente quer bolsa de mulher¨.

Fui registrando na lousa e disse que quando terminássemos iria digitar, expliquei que, o

texto para documento faríamos depois de realizar o levantamento daquilo que eles pediriam.

Disse que no documento não poderíamos deixar de sinalizar o local do qual

escreveríamos o relato. E, no momento em que escrevi na lousa o nome São Paulo, indicando

o local, cidade em que morávamos, o Davi disse.

¨- São Paulo. Eu não moro em São Paulo.

¨- Você mora onde então Davi?”

Ele respondeu: “- Cidade Tiradentes.” ¨Não... Eu moro longe, mas não nesse lugar¨.

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A turma logo se manifestou e, eu expliquei para eles partindo do micro com o objetivo

de alcançarmos o macro. Disse que eles moram numa casa que fica em uma vila chamada Santa

Etelvina e, que esta vila está localizada no bairro de Cidade Tiradentes, e, este bairro fica dentro

do município de São Paulo – Estado de São Paulo, país Brasil. Disse que traria um mapa que

apresenta o mundo e suas cidades e países. E que tínhamos ainda o mapa da cidade São Paulo.

As crianças ficaram ansiosas para verem os mapas e me cobravam a todo o momento,

de modo a não me deixarem esquecer.

Esse momento para mim foi de enorme aflição, afinal como trabalhar localização com

crianças tão pequenas? Até onde poderia ir? Como deixar claro para que as crianças

entendessem que moravam em São Paulo?

Conversei com a professora Christiane dos Santos Ramos e perguntei se ela poderia me

ajudar nesse momento? Ela me disse para apresentar os mapas partindo, do macro para o micro,

e que eles dariam a sinalização de onde partir.

No dia seguinte continuaram as cobranças e a euforia era grande. Como a escola não

possuía um mapa, pedi ao professor Mário que me emprestasse o dele. Peguei também, na

internet o mapa de São Paulo, para acalmar a ansiedade das crianças.

Realizamos a roda de conversa e todos demonstraram interesse, expliquei novamente do

micro para o macro e prometi os dois mapas maiores. Durante esse intervalo expliquei a

importância de termos dois representantes de sala e disse a necessidade do porque teríamos que

escolher.

Todos ficaram em silencio e disse que seria interessante ter um porta-voz para melhor

organização assim, por exemplo: disse que a sala da diretora era pequena e que não iria caber

todas as crianças no momento da entrega do documento final. Além disso, conversamos sobre

a importância de elegermos pessoas que poderiam representar o grupo todo e que é, dessa forma

que se organizam todos os grupos num sistema democrático.

Completei dizendo que, as crianças eleitas representantes da turma, seriam responsáveis

por encaminharem todas as propostas levantadas nas Assembleias.

Passado alguns dias, realizei o processo de escolha dos representantes, expliquei que a

criança que desejasse representar a turma, poderia se candidatar e, que a escolha seria através

de voto. Como as crianças do Mini Grupo II-C por vezes apresentam características

egocêntricas, pedi para que não votassem em si, porque assim não conseguiríamos chegar ao

escolhido.

Não teria como todos serem representantes então coloquei a seguinte proposta: ¨-Pense

no colega que você gostaria que fosse o nosso representante.” Questionei um por um e esperava

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ouvir tudo, como por exemplo: ouvir o colega do lado dar o mesmo voto do anterior, esperava

que se recusassem a participar por timidez; inocência minha, pois no fim, 12 crianças se

candidataram.

Qual não foi a minha surpresa, pois ao realizar o processo de votação, percebi que as

crianças estavam combinando votos. Não de forma a fazer campanha para o amigo, mas sim

cochichando para decidirem em quem iriam votar.

Percebi em um dado momento em o quanto eles estavam aquém do processo, poxa as

crianças já sabiam como se organizava o sistema de votação ao ponto de combinarem seus

votos.

Pedi que deixassem os colegas escolherem em quem iriam votar e orientei que não seria

bom influenciar os votos das crianças.

Ao iniciarmos a votação, cada criança pensava antes de dizer em quem iria votar. A

Alice que foi a primeira não quis falar logo e pediu para pensar, acabou por ser a ultima a

pronunciar o seu voto. Por fim, os eleitos para entregarem o documento para a diretora foram o

Kaio e como suplente, a Heloisa.

Confesso que diante o caminhar dessa ação, desde o inicio até o momento atual,

comprovei de forma clara o quanto, o professor de educação infantil tem para aprender com as

crianças e o quanto precisa desenvolver o processo da ação reflexão ação em seu planejamento

pedagógico. Alem disso, o que tornasse necessário fazer para não tornar maçante ou tirar o

encanto das crianças no momento em que se descobriam autores de sua própria rotina.

Com isso resolvi propor às crianças trabalhar toda quarta-feira com a rotina móvel5.

Expliquei que teriam a possibilidade de escolherem as atividades, disse também que algumas

coisas não poderiam mudar, como por exemplo: a hora do suco, a hora do almoço e

determinadas atividades sugeridas, poderiam não entrar na rotina móvel, por conta da linha do

tempo.

Além disso, tenho desenvolvido o projeto de Artes com eles, uma vez que deixaram

claro o quanto apreciam a pintura, a massinha, música, enquanto a expressão do corpo.

5 Entende-se por rotina móvel, quando a rotina planejada e organizada previamente pela educadora, não se torna

algo rígido – inflexível, podendo assim ser alterada ao longo do dia a partir das necessidades das crianças e dos

espoçotempos da escola.

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Eles adoraram o momento das rotinas móveis, que, passaram acontecer toda semana.

Sempre que necessário proponho outras possibilidades, para que eles, percebam o leque de

atividades que podem realizar.

O quanto ainda tenho por caminhar e ver a importância da primeira infância, o quanto

as crianças tem por oferecer e que não são apenas seres que necessitam somente de cuidados

físicos . Tive a oportunidade de perceber que por vezes as subestimamos como educadoras,

dentro de suas potencialidades.

Não somente eu , mas durante esse processo ao contar para as colegas de trabalho o que

as crianças falavam e pediam, deixavam as outras professoras com um olhar de admiração e de

espanto.

“- Nossa eles estão assim? Já estão nesse processo de organização das ideias?”.

É notório o quanto os próprios profissionais do CEI, ainda veem a primeira infância com

o olhar apenas do bem estar físico e, esquecem-se do potencial que existe nas crianças, a vontade

e disponibilidade para conhecer o novo, o olhar que brilha à cada nova descoberta e que o

cuidado também vem da escuta, do olhar do professor para a criança, sendo que a partir dessa

escuta e atenção cuidadosa, as próprias crianças conduzem, mostram a direção da qual seguir,

são autores de sua trajetória. Momentos em que mostram o quanto devemos ser flexíveis,

atuantes e mediadores a todo instante.

O quanto é importante revermos a todo instante nossa função social, o que espero da criança, o

quanto da minha função social levo para ela. O que realmente estou propondo, fazendo,

mediando que traga cada vez mais à criança o prazer e vontade de conhecer cada vez mais.

Quando levei finalmente os mapas foi extremamente empolgante para eles. Olharam,

questionaram as bandeiras, lugares, mais uma vez voltou toda a reflexão: Até onde eu,

professora, estava caminhando bem, até onde a atividade não se tornaria maçante. Será que

somente levar os mapas seria o suficiente para eles. Retomei toda explicação do micro para o

macro e para complementar, trouxe para eles o vídeo do Palavra Cantada: O Menino.

O vídeo trabalha justamente localização do micro para o macro. Pedi que prestassem atenção.

Por fim preguntei se tinham entendido e preguntei para o Davi se agora ele morava em São

Paulo. Ele olhou para mim e deu um sorriso.

Passado alguns dias e sempre preferi deixar as terças para as Assembleias, perguntei se

poderíamos fechar a lista de necessidade para escrevermos o texto. Claro que agora eles pediam

o mapa. Perguntei por que e Leticia simplesmente respondeu para ver o mundo.

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As crianças estavam ansiosas e perguntei se queriam a presença da Elaine para terem uma

primeira conversa com ela e, todos disseram que sim. A diretora Elaine ficou a par de todo o

processo, uma vez que seria com ela que as crianças conversariam.

Gravei este dia e quase todas as crianças falaram. Foi muito bacana ver a desenvoltura deles e

o quanto estavam dispostos. Disseram tudo e ainda complementaram. A Vitoria disse que

precisa ter banheira e chupeta.

A Elaine perguntou:

“- Para vocês?”

As crianças responderam:

“- Não é para as bonecas.”

Por fim decidimos que estava no momento de escrever o texto.

Depois de uma semana começamos o texto. Então, expliquei para as crianças que elas falariam

e eu escreveria na lousa. Lembrei que primeiro colocaríamos o local onde o documento foi

escrito São Paulo.

Disse também que para iniciar devemos colocar o nome para quem o documento é destinado.

Responderam para a Elaine e em seguida perguntei novamente e qual sua função aqui. Disseram

diretora.

Nesse momento eu, enquanto educadora me perguntei se deveria corrigir a escrita deles no

documento, pois ainda não possuem a organização gramatical e textual em suas falas.

Será que uma das opções antes de partir para o texto seria, por exemplo, eles desenharem o que

gostariam e fazer uma roda de conversa com a Elaine? O que tornaria menos maçante? Enfim

conduzir um trabalho sem tirar o prazer das crianças e instiga-las cada vez mais complexo

requer dedicação do professor e como já disse constante reflexão.

Com esses questionamentos decidi continuar. O mais interessante no momento da construção

do documento foi a participação das crianças. Elas foram construindo coletivamente. A Heloisa

nesse dia falou:

¨- Nossa pro quantas letras você usa!¨

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“- É mesmo.” disse Vitoria! As crianças acompanhavam interessadas, e deixei para continuar

na próxima semana. Procurei a professora Christiane para saber até onde poderia intervir no

texto das crianças. Ela disse que poderia realizar tranquilamente e, apontar a maneira correta de

escrever. Procurei a Christiane pela bagagem de formação quanto ao processo de alfabetização

e letramento.

Quando retornamos com o texto apontei para as crianças que a fala deles ¨-Nós quer,¨ precisava

ser colocado de forma mais formal no texto e o correto seria ¨- Nós queremos.¨

O documento ficou assim:

São Paulo, 18 de junho de 2015

Senhora Diretora Elaine

Nós queremos boneca porque está feia, não tem cabelo, não tem roupa e não tem calcinha.

É pouco, se tivesse mais não tinha briga. Não está funcionando a caixa de som e está raspando

o DVD.

Queremos mapa para ver o Planeta Terra. O mundo conhecer.

Queremos mamadeira, chupeta, banheira para as bonecas.

Os meninos querem mais carrinhos: bombeiros, avião, policial. Bonecos também tipo Hulk.

Fantasia da Frozen e do príncipe Kristoff, mais motocas e bolsa de mulher.

Mini II C.

Representantes de sala:

Kaio Ruan Santos de Souza;

Heloisa Felix Nogueira.

Mantive o texto sem grandes intervenções para garantir as falas das crianças. Disse para

elas que iria digitar e ler novamente para que dessem o aval. E assim foi feito.

O ultimo momento foi ler e depois chamar os representantes de sala para assinar o

documento expliquei que a assinatura valida o pedido do documento. Chamei a Elaine e disse

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para o Kaio entregar o documento. Ela leu e disse que daria a devolutiva por escrito. Depois

disso entramos em recesso escolar.

Diante de todo o ocorrido posso dizer que por varias vezes não cansei de elogiar as

crianças e de falar delas para os colegas de trabalho.

Por vezes ouvi que esse trabalho começa a ser desenvolvido somente no fundamental II

ou ensino médio. Autoria, voz ativa que se iniciam tardiamente quando o que mais queremos

das crianças é a criticidade, conhecimento de mundo. Percebo o quanto devemos trabalhar a

nossa escuta com a criança.

Os documentos da Prefeitura exigem essa escuta para garantirmos voz ativa e o

protagonismo infantil das crianças. Esse trabalho de autoria, também foi amplamente discutido

com as famílias durante um processo de Avaliação da Unidade.

Estando a par de todo trabalho a Elaine levou o documento com os pedidos das crianças

para a reunião da APM, socializou com as famílias e professores o trabalho desenvolvido e a

expectativa das crianças. Informou que incluiria os pedidos das crianças assim que a verba da

Prefeitura chegasse.

Assim que retornamos do recesso, a Diretora Elaine, conversou comigo a respeito dos

pedidos realizados pelas crianças e comentou que tinha, juntamente com as funcionárias,

organizado o espaço do CEI e, durante a organização, constatou que haviam muitas bonecas e

roupas espalhadas aleatoriamente, por isso a sensação de poucos brinquedos. Uma solução

encontrada pela Diretora foi comprar caixas organizadoras, vestiu as bonecas e as deixou

separadas na caixa, assim seria fácil de as educadoras e crianças encontrarem.

Na sala das crianças foi trocado o aparelho de DVD por um computador, amplificador

de som e um projetor. Assim o espaço foi transformando em uma sala multimídia, dado que

promoverá, ainda mais, o interesse das crianças pela tecnologia e, ajudará as professoras no

desenvolvimento de pesquisas com a turma.

Disse a ela que levaria essas conquistas para as crianças, contextualizando que todas as

melhorias é fruto de um processo iniciado por elas, principalmente a partir das Assembleias e,

dessa forma daria um retorno para elas.

Depois de apresentar a rotina do dia pedi para as crianças sentarem em roda, pois teria

novidades para partilhar com elas. Retomei todo o processo realizado e, as cranças me

questionando o tempo todo, diziam: “- Por que as bonecas estão aqui?” e, eu, os provoquei: “-

O que mais vocês pediram?

Não precisou muito para que eles retomassem todo o processo em suas memórias. Nesse

momento eu realizei a leitura para eles da resposta enviada pela Elaine. Mostrei a caixa com as

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bonecas, enquanto explicava que tínhamos sim, bonecas com roupas, mas que dependia

somente de uma questão de organização. Falei também à respeito da sala com o equipamento

multimídia. E qual não foi minha surpresa, que ao termino da minha fala, as crianças de tanta

felicidade, aplaudiram de pé.

Em seguida distribui as bonecas para as crianças, para perceberem se tudo estava de

acordo com o gosto delas. Após a aprovação, como se não era de esperar, começaram a brincar

com a novidade. Em outro momento, apresentei o computador e as diversas possibilidades de

utilização da nova sala de multimídia. Todas ficaram muito satisfeitas!

Foi um trabalho muito produtivo para nós, enquanto educadoras, pois como dizia Paulo

Freire, o grande educador brasileiro: “O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua

prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão...”

(FREIRE, 2002 p.13) e para a turma do Mini Grupo 2C, ficamos extremamente contentes com os

objetivos alcançados que, foram além da autoria infantil, conseguimos contribuir com a

conscientização das crianças em relação ao exercício da democracia e desenvolvimento do

senso de responsabilidade e cuidado com aquilo que é de todos. Outra conquista, sem dúvida,

foi a sensibilização que as crianças se apropriaram em relação à opinião do colega, dado que

fortalece a abertura para a solidariedade, valor fundamental para a superação de uma sociedade

individualista.

Com o desenvolvimento desse projeto as crianças se reconheceram como detentores de

dignidade, sentiram-se valorizadas e respeitadas em sua condição de sujeitos de direitos e de

cidadãos produtores de cultura.

O projeto não termina aqui, temos a consciência de que esse é apenas um primeiro passo

num processo que terá continuidade no Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa de

modo, a criar-se uma cultura que se estenda não apenas entre as educadoras e educadores, mas

faça sentido para toda a Comunidade Educativa.

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Referências Bibliográficas

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientação

Normativa n.º 01: Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares. São Paulo:

SME/DOT, 2014.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica.

Indicadores da Qualidade na Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.

Disponível em: <http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/13402.pdf>

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa. 43ª ed.

São Paulo: Paz e Terra, 2002.

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MEDIAR A LEITURA DO LITERÁRIO PARA PROMOVER

A FORMAÇÃO LEITORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Fabíola Cordeiro de Vasconcelos

Universidade Federal de Campina Grande - UFCG

Resumo: Na Educação Infantil, a leitura de obras literárias mostra-se crucial para favorecer a formação

das crianças como leitoras proficientes, que gostem de ler e tenham uma relação prazerosa com

essa prática. Nas ocasiões de leitura de literatura infantil para e com as crianças, abrem-se

muitas oportunidades de aprendizado, as quais, direcionadas por um educador/mediador que as

reconheça e as explore em sua riqueza, podem favorecer efetivamente a formação leitora dos

pequenos. Neste trabalho, com base nos estudos de Kaercher (2001), Brandão e Rosa (2010),

Corsino (2010), Arena (2010), entre outros, discutiremos a relevância da leitura de obras

literárias no contexto da escola infantil, enfatizando, a partir da abordagem de uma obra literária

específica, a importância das intervenções do mediador da leitura para o fomento da

constituição de competências leitoras nas crianças desde a Educação Infantil.

Palavras-chave: Educação Infantil; Literatura infantil; mediação da leitura; formação de leitores. Introdução:

A leitura compartilhada de livros de literatura na Educação Infantil se constitui como

uma das múltiplas atividades relevantes a serem promovidas junto às crianças dessa etapa. Por

meio dela, podem ser promovidas inúmeras aprendizagens, além de se garantir o acesso

significativo à língua e à literatura enquanto manifestação artística, enfim, à riqueza da cultura

humana.

Ler para e com as crianças desde muito cedo mostra-se, portanto, como algo

fundamental que, na escola infantil, deve ocorrer cotidianamente, especialmente quando se

considera que a formação de capacidades leitoras se inicia antes do domínio do código escrito

e que a leitura de obras literárias infantis pode ser um caminho favorecedor da constituição das

crianças como leitoras capazes de atribuir sentidos aos textos que com elas são compartilhados.

Nas situações de partilha da leitura de livros de literatura infantil, o educador

desempenha relevante papel, uma vez que lhe cabe, através da mediação dessa leitura, auxiliar

significativamente, através de suas intervenções, as crianças a compreenderem o lido,

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usufruindo de fato da linguagem literária e construindo sentidos a partir dela. Desse modo, a

atuação desse mediador mostra-se crucial para que as crianças se desenvolvam como leitoras,

fazendo uso de estratégias de leitura, mesmo ainda não tendo adquirido a capacidade de

decodificar.

Reconhecendo o texto literário infantil como caminho adequado para iniciar a formação

leitora de crianças e a participação efetiva, nesse processo, do educador mediador da leitura do

literário, neste trabalho pretendemos discutir a relevância da leitura de obras literárias infantis

no contexto da escola infantil e enfatizar a importância das intervenções do mediador da leitura

para o fomento da constituição de competências leitoras nas crianças desde a Educação Infantil.

Para cumprir tal intento, iniciaremos com reflexões acerca da necessidade de, na escola

infantil, entre as múltiplas atividades a serem propiciadas às crianças, promover-se

frequentemente o compartilhar histórias através de situações de leitura coletiva de livros de

literatura infantil. Na sequência, ressaltaremos esse gênero e suas características como relevante

instrumento que pode auxiliar a construção de capacidades leitoras nas crianças desde a

Educação infantil, além de ressaltar a importância do mediador na realização da leitura, de

modo a favorecer a formação dos pequenos para atribuir competentemente sentidos ao lido. Em

prosseguimento, a partir de exemplos da leitura compartilhada de uma obra literária numa turma

de pré-escolar I, discutiremos as possibilidades de, através dessa leitura, favorecer-se

efetivamente a formação de competências leitoras nas crianças.

Educação Infantil: por que é preciso compartilhar histórias?

Na Educação Infantil, as atividades proporcionadas às crianças devem ser múltiplas e

organizadas no tempo, de forma a promover experiências variadas, capazes de

possibilitar vivências plurais que favoreçam a criatividade, a experimentação, a imaginação, o

desenvolvimento de várias linguagens expressivas e as interações sociais (BARBOSA; HORN,

2001). Dentre as variadas atividades possíveis de serem promovidas nesse contexto, cabe

destacar as situações em que se realiza a partilha de histórias com as crianças, nos momentos

em que, coletivamente, é vivenciada a leitura de livros de literatura infantil.

As práticas de ouvir e contar histórias são fundamentais ao desenvolvimento das

crianças, colaborando, entre outros aspectos, com a constituição de uma relação positiva das

mesmas com a leitura e a literatura (KAERCHER, 2001). Em virtude disto, é necessário que,

no cotidiano das instituições de Educação Infantil, a convivência das crianças com histórias

seja frequente, abrindo possibilidades para a sua formação como sujeitos que, além de gostarem

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de ler, encaram o livro, a leitura e a literatura como fontes de prazer, divertimento e

aprendizagem.

Entretanto, Kaercher demonstra preocupação com a prática de ouvir e contar histórias

na Educação Infantil, alertando para a sua desfiguração quando transformada em atividade com

caráter escolar, na qual se cristalizam os papéis de professor e aluno, destruindo-se a riqueza

das possibilidades de, verdadeiramente, serem partilhadas compreensões, sensações e opiniões

a respeito do lido. Tal preocupação fundamenta o seu pensamento de que a formação de

crianças que gostem de ler e tenham uma relação prazerosa com a literatura ocorrerá, de fato,

se o livro for parte integrante do seu dia-a-dia, condição fundamental para que se inicie o

processo de sua formação como leitores, compreendidos como sujeitos capazes de construir

sentidos, lendo com fluência e frequência, mas também com prazer, alegria e por desejo

próprio.

Para tanto, segundo a estudiosa, desde cedo deve ser propiciado um contato frequente e

agradável da criança com o objeto livro e com o ato de ouvir e contar histórias, em primeiro

lugar. Mais tarde, ampliar-se esse contato para o convívio significativo com o conteúdo dos

livros, com a história propriamente dita, seus textos e ilustrações. Como alerta a autora, diferentemente do que se pensa em práticas fundamentadas em

perspectivas escolarizantes, a leitura de literatura ma Educação Infantil não tem sempre que

servir para algo, voltando-se a uma utilidade prática imediata, especialmente a relacionada ao

atendimento de rituais escolares. Ao contrário, deve-se ler literatura pelo prazer que isto

proporciona, por sua importância enquanto arte, afinal, a literatura tem como papel precípuo a

função de divertir, emocionar, sensibilizar, levar a compreender melhor o meio circundante e

as próprias vivências, humanizando o sujeito.

Nessa perspectiva, como destacado por Arena (2010), o convívio das crianças com o

gênero literário desde cedo é fundamental, uma vez que é por meio de obras literárias de

qualidade, as quais “redesenham e reinterpretam a realidade” (p. 15), que elas também se

apropriam ativamente da cultura e da história humanas, ademais, encontrando na literatura um

caminho profícuo a sua constituição como leitoras.

Literatura infantil e formação leitora desde a Educação Infantil

Embora ainda se perpetue, em alguns meios, a ideia de que o aprendizado da leitura só

se inicia a partir do domínio do código escrito, resultado do processo de alfabetização, é cada

vez mais vigente a compreensão de que a criança, por vivenciar situações significativas de

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interação com o objeto escrito e com sujeitos letrados, constrói conhecimentos e concepções

acerca do ler, dos objetos de leitura e de suas características.

Esse entendimento decorre, entre outros aspectos, dos avanços na compreensão da

leitura, hoje entendida como processo de interação que pressupõe que o leitor, para identificar

e construir unidades de significação, vale-se tanto dos estímulos visuais do texto quanto de suas

estruturas globais de conhecimento que, em interação, possibilitam a produção de sentido para

o lido (KATO; MOREIRA, 1997, p. 54). Além disso, dos estudos sobre letramento, os quais

destacam que a criança é introduzida, desde cedo, por meio da interação com o objeto escrito,

mas, sobretudo, com adultos mediando esse processo, nas funções sociais da língua escrita em

toda a sua gama de usos, propósitos e manifestações.

Desse modo, é sabido que mesmo não dominando ainda o código escrito, a criança pode,

por intermédio das relações com sujeitos leitores mais experientes, ter acesso aos textos e serem

auxiliadas a compreendê-los, desenvolvendo desde cedo, em decorrência, habilidades

necessárias à futura competência leitora, as estratégias de leitura, procedimentos fundamentais

à construção da compreensão do lido.

As estratégias de leitura voltam-se à ampliação do entendimento do lido e, como

procedimentos mentais, são utilizadas pelo leitor proficiente para compreender o que lê. O leitor

ativo, ao construir significados, realiza várias estratégias, a exemplo de buscar estabelecer

conexões entre o lido e o já sabido, construir inferências, sintetizar a informação e monitorar

adequadamente o próprio processo leitor, devendo ser ensinado a aplicá-las em sua leitura.

Segundo Girotto e Souza (2010, p. 65), “Entre o repertório de estratégias de

compreensão [...], há uma estratégia essencial, a de ativar o conhecimento prévio”, o qual,

trazido à leitura, sustenta a aprendizagem e o entendimento. Para elas, se os leitores não dispõem

de algo que seja articulado à nova informação, dificilmente construirão significados, ao mesmo

tempo que, quando dispõem de uma boa bagagem cultural relacionada ao tratado, são mais

capazes de entender o texto. Assim, fazer conexões entre o lido e as experiências pessoais

favorece a compreensão, pois as “vivências e conhecimentos prévios dos leitores abastecem as

conexões que fazem” (p. 67).

As autoras ainda relevam a estratégia inferencial, que também é fundamental à

compreensão e diz respeito ao “ler nas entrelinhas”, concluindo ou interpretando algo que não

está explícito no texto. Defendem, dada a importância dessa estratégia, ser preciso que o

educador ensine as crianças a como agir na leitura, apontando as dicas fornecidas pelos textos

e orientando como combiná-las com o conhecimento prévio para produzir inferências

adequadas.

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Portanto, na Educação Infantil, com vistas ao desenvolvimento da formação leitora das

crianças, a leitura e seu ensino precisam ter um lugar muito definido e amplo, devendo-se, nesse

contexto, privilegiar "o ensino e a aprendizagem de algo que coexiste com as crianças, que

interessa a elas, que está presente em sua vida" (SOLÉ, 2003, p. 75), o que pode se dar por

intermédio da literatura infantil, elemento que, por suas peculiaridades, também muito interessa

os pequenos e os encanta.

Assim, cada vez mais fortemente se destaca a importância da literatura infantil para a

formação pessoal e leitora das crianças, o que se deve, entre outros aspectos, à riqueza de

recursos do gênero que, como a literatura em geral, apresenta características artísticas e

estéticas, manifestadas por meio de um tratamento cuidadoso da linguagem.

Pelas peculiaridades do destinatário a quem se dirige - a criança, a literatura infantil

apresenta aspectos que se voltam a atendê-las. Por isso, considerando que esse leitor possui

uma visão particular do mundo e uma fértil capacidade para imaginar e fantasiar, no universo

literário infantil há espaço para o fantástico, o metafórico, o ambíguo, a plurissignificação e o

humor. Além do mais, nesse universo se encontra o uso de uma linguagem próxima da criança,

expressa em um léxico especial e adequado as suas características intelectuais e emocionais.

Outro elemento da literatura infantil que merece destaque são as ilustrações, as quais,

segundo Ramos (2011), ganham cada vez mais relevância e, articuladas ao texto escrito,

mostram-se fundamentais por provocarem no leitor deslocamento e emoção, levando-o a

imaginar, refletir e construir sentidos.

Ressalta-se, diante do exposto, o valor do texto literário infantil como instrumento para

a formação do leitor criança desde os primeiros anos, uma vez que, por meio do lúdico e do

prazer, pode ajudar a conduzi-lo à autonomia leitora. Assim, diante de uma obra literária, o

pequeno leitor é conduzido a ampliar progressivamente suas capacidades de construir sentidos,

através de um processo de diálogo constante com o expresso, processo este que deve ser

favorecido pela mediação da leitura.

O mediador da leitura e seu papel na formação leitora das crianças da Educação Infantil

Com base na perspectiva histórico-cultural e na ideia de que "a interação do sujeito com

o mundo se dá pela mediação feita por outros sujeitos" (OLIVEIRA, 1995, p. 56), as relações

entre os indivíduos têm sido evidenciadas como fator constituinte da aprendizagem. No caso

das instituições educativas formais, aqui se destacando as instituições de Educação Infantil, os

mediadores culturais adultos - os educadores - têm o papel explícito de interferir nos processos

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de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, promovendo avanços que não se dão

espontaneamente.

No que concerne à leitura, prática cultural de enorme significado nas sociedades letradas,

evidencia-se a importância da mediação desse adulto, a quem cabe, no caso da leitura de literatura

infantil, promover o acesso das crianças ao gênero e, principalmente, auxiliar o sujeito leitor a

perceber o texto, compreendendo-o a partir do diálogo e da discussão a respeito do que leu.

Portanto, num movimento de apropriação cultural ativa, ao se relacionar com o gênero literário e

sendo auxiliada por um mediador cultural, a criança vai aprendendo e apreendendo,

progressivamente, os modos de atribuição de sentidos ao lido (ARENA, 2010).

O modo pelo qual o adulto faz a mediação da leitura, respondendo às reações e

iniciações da criança, é, portanto, um fator crucial na sua constituição como leitora capaz de

compreender o que escuta/lê. Inegavelmente, crianças pequenas têm capacidade para interpretar

o que está nos livros, mas, para isso, precisam ser auxiliadas por alguém que favoreça as

interações com esse objeto, faça perguntas instigantes e provocadoras, enfim, estimule a

construção da compreensão.

Pressupondo a literatura como relevante porta de entrada para o mundo letrado, Corsino

(2010, p. 187) ressalta a importância da mediação do adulto nas primeiras leituras da criança,

uma vez que é ele

quem faz escolhas, quem dá voz às crianças durante a leitura, quem escuta e

considera suas produções, quem faz mediações instigadoras, quem coloca pontos de vista em discussão, quem provoca argumentações e narrativas, quem

incita o diálogo entre os textos verbal e o não verbal, quem abre e acolhe múltiplas leituras.

Brandão e Rosa (2010) também destacam tal relevância, afirmando que as situações de

conversa sobre os textos literários, guiadas por um leitor mais experiente, são fundamentais à

formação leitora, uma vez que possibilitam engajar o leitor ou ouvinte na busca e produção de

significados sobre o que lê ou escuta, através da construção conjunta da compreensão.

Portanto, para não alimentar uma atitude passiva das crianças diante dos textos lidos, o

mediador precisa atuar incentivando-as a compreendê-los e a construir concepções próprias a

seu respeito. Para tanto, encará-las como coparticipantes do processo de leitura, capazes de

estabelecer diálogos e trocas produtivas com um mediador mais experiente, é fundamental.

Explorar a leitura dos livros literários para formar competências leitoras nas crianças

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Partindo do pressuposto de que a leitura de obras literárias no cotidiano da pré-escola

pode se constituir como oportunidade significativa para o desenvolvimento das crianças como

leitoras, agora discutiremos possibilidades de mediação produtiva da leitura do livro infantil

“Pê de Pai”, dos autores Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, publicado pela editora

Cosac Naify, em segunda edição, no ano de 2013. Essa discussão tomará como base uma

situação de leitura compartilhada dessa obra, ocorrida numa turma de pré-escola I de uma

instituição de Educação Infantil paraibana, na qual a mediação da leitura não se mostrou

adequada para desenvolver a formação leitora das crianças, especialmente porque a leitura foi

protagonizada pela educadora, que apresentou aos pequenos sua compreensão do conteúdo do

livro, não lhes possibilitando participação efetiva no processo de atribuição de sentidos.

A obra literária “Pê de Pai”, com pouco texto escrito e ilustrações que se destacam nas

páginas, apresenta vinte e quatro diferentes “tipos” de pai (a exemplo de “pai cabide” e “pai

colchão”), fazendo uso de interessantes metáforas que relacionam características assumidas

pelo pai em seu modo de se relacionar com o filho e elementos da realidade (objetos, profissões

etc.). O entendimento do seu conteúdo demanda a leitura competente da ligação entre a

expressão que define o tipo de pai e a imagem que a acompanha, exigindo, portanto, a

compreensão das metáforas e dos implícitos que subjazem a caracterização do pai como

“despertador” ou “escada”, por exemplo.

Na situação de leitura apresentada, a obra foi escolhida pela educadora, por ocasião da

proximidade da comemoração do dia dos pais, para ser compartilhada com as crianças que,

reunidas em círculo, ouviram atentamente a leitura feita por ela. Escolhemos, para explicitar a

relevância de uma mediação adequada da leitura do literário, três trechos dessa situação,

referentes à apresentação de diferentes páginas do livro, sobre os quais refletiremos a seguir.

Inicialmente, em relação à página do livro que caracteriza o “pai ambulância”, vê-se a

imagem de um pai com expressão facial aflita, carregando nos braços o filho desfalecido e

correndo para levá-lo a algum lugar. Ao apresentá-la às crianças, a mediadora teceu o seguinte

comentário: “Pai ambulância. Ah, papai ambulância é muito legal! Quando o filhinho cai, ele segura, abraça, protege, corre com o filhinho pra casa ou para o hospital”.

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Apesar da riqueza da página para a realização de uma leitura que extrapole o explicitado,

a mediadora não criou oportunidades para que as crianças percebessem a metáfora,

relacionando adequadamente a ambulância e a atitude de um pai cuidadoso que, diante da

doença do filho, acode-o e corre, levando-o ao hospital. Para favorecer a construção dessa

compreensão, precisaria ter auxiliado as crianças a recuperarem conhecimentos anteriores a

respeito, por exemplo, do que é e para que serve uma ambulância, já que a ativação de

conhecimentos prévios é uma estratégia de leitura fundamental que pode ser estimulada desde

cedo. Além disso, a possibilidade das crianças exporem seus conhecimentos prévios as auxilia

enormemente na tarefa de busca pela compreensão. Para tanto, como salientam Silva e Balsan

(2013), “O professor deve estar atento, oferecer leituras do interesse e vivências das crianças

para que, desta forma, haja maiores possibilidades de [...] utilizarem sua bagagem na tentativa

de compreensão” (p. 92).

Além do mais, a leitura efetiva da página requer a observação atenta da imagem,

considerando-se que a percepção de seus detalhes muito auxilia o leitor a entender o

apresentado. No caso do “pai ambulância”, a compreensão da metáfora requer atentar para a

fisionomia aflita e preocupada do pai, para suas pernas bem abertas, denotando movimento de

correr, e para a expressão débil do filho, que o pai segura cuidadosamente enquanto se locomove

com pressa, aspectos para os quais a mediadora poderia ter chamado a atenção das crianças,

ajudando-as a entender a relação entre esses aspectos e a caracterização do pai como “pai

ambulância”, afinal, é por intermédio da ação dos mediadores da leitura que as crianças, como

leitores ativos, vão interagindo com os textos e, progressivamente, formando o seu estatuto

leitor (MCLAUGHLIN; ALLEN, 2002 apud GIROTTO; SOUZA, 2010).

Com relação à página que destaca o “pai seta”, consideramos que a mediação da leitura

também requeria uma intervenção diferente, pois não abrindo espaço à participação das

crianças, não contribuiu efetivamente para que elas, com a ajuda da mediadora,

compreendessem o que é apresentado. Na ocasião, após mostrar a página, a educadora explicou

às crianças: “Pai seta. Senta! Papai quando está brabo: Senta! Vem cá! Ó, apontando

assim (fez o gesto), é o papai seta. Quando o papai fizer isso: já sei, papai, você é o

papai seta”.

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Embora recorrendo a exemplos das vivências das crianças, quando se deparam com um

pai que, bravo por algum motivo, determina enfaticamente o que quer que façam e aponta para

onde devem ir, como uma seta, a mediadora não explorou a riqueza de possibilidades

inferenciais da página, mais uma vez apenas apresentando aos ouvintes as inferências que ela

própria havia construído.

Como nas etapas iniciais da formação do leitor a compreensão se dá como decorrência

da interação da criança com o professor e com os demais colegas, não é entregando o sentido

pronto, nem deixando o pequeno leitor solitário a cargo da construção do mesmo que se

favorecerá a sua constituição como leitor autônomo, capaz de fazer uso competente das

estratégias de leitura. O entendimento da metáfora exposta nessa página da obra demanda,

primordialmente, o conhecimento do que é uma seta e de sua função, na ausência do qual o

sentido fica comprometido. Não tendo verificado o conhecimento das crianças a esse respeito,

a mediadora desperdiçou a oportunidade de, relacionando a seta com a ideia de indicação,

ajudá-las a entender que um “pai seta” é aquele indica, determina a direção para onde o filho

deve ir. A exploração das características da imagem, na qual se vê um menino cabisbaixo, um

pai com postura autoritária, uma vez que tem uma das mãos na cintura e um braço, com dedo

indicador apontando para a direita, certamente teria auxiliado as crianças a compreenderem o

significado de um “pai seta”.

Ainda no que concerne às características dessa página, cabe dar destaque aos implícitos

que ela encerra. A competente compreensão da metáfora do “pai seta” requer inferir, a partir

das pistas fornecidas pela imagem, que o pai, insatisfeito com algo feito pela criança, com rigor

determina que se dirija a outro local, indicando-o como uma seta. Embora tais informações não

estejam explícitas na página, é possível ao leitor depreendê-las a partir da relação entre as

informações propiciadas pelo texto e o que esse leitor já conhece, uma vez que, conforme

Girotto e Souza (2010), o exercício de ativar informações já conhecidas interfere diretamente

na compreensão durante a leitura. No caso de leitores iniciantes, a percepção desses aspectos

deve ser orientada pelo mediador através de intervenções e questionamentos significativos que

favoreçam o uso de estratégias leitoras como a ativação de conhecimentos prévios e a

construção de inferências.

O terceiro trecho selecionado compreende a leitura da página referente ao “pai cofre”,

na qual a imagem apresenta um pai abaixado junto à filha para, com atenção, ouvir um segredo

que ela lhe conta ao ouvido.

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Ao apresentar o “pai cofre” às crianças, a mediadora explicou: “Papai cofre é aquele

que guarda segredinhos. Ó, a filhinha aqui contando o segredinho para papai e ele

guardando no cofre. O cofre vai ser o quê? O seu ouvido”. Novamente, houve uma

apresentação do significado atribuído pela mediadora ao “pai cofre”, sem que as crianças

fossem convidadas a construir esse sentido no âmbito coletivo. Interessante teria sido conhecer

o que sabiam sobre o objeto cofre e sua utilidade, ou apresentar informações a esse respeito,

para que pudessem entender a metáfora de que o “pai cofre” é aquele a quem se podem revelar

confidências e que as guardará muito bem guardadas. Contar e ouvir segredos faz parte das

vivências infantis e isto poderia ter sido aproveitado para auxiliá-las a compreender os

implícitos do texto. Tendo perguntado o que viria a ser o cofre, poderia ter aberto espaço às

hipóteses e ideias das crianças, no entanto, ao responder imediatamente, dizendo que o cofre é

o ouvido do pai, não favoreceu a capacidade inferencial e o entendimento de que, como um

cofre, o pai guarda os segredos que o filho lhe confia.

A respeito dessa capacidade, competência imprescindível à compreensão do lido, cabe

considerar que, nos textos, nem tudo está explicitado e, por isso, é necessário que o leitor, com

base em seu conhecimento prévio e nas pistas apresentadas pelo autor, deduza informações não

apresentadas de modo claro e direto, isto é, as infira. Por isso, nas ocasiões de leitura de textos

literários infantis, elaborar perguntas de compreensão de natureza inferencial é muito relevante,

uma vez que, com elas, o mediador ajuda as crianças a "construir novos significados que não

estão dados no texto, mas que podem ser deduzidos" (BRANDÃO; ROSA, 2011, p. 45).

Assim, destaca-se a fundamental relevância do educador no seu papel de mediador da

leitura do texto literário, ajudando as crianças a ativar conhecimentos prévios e construir

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inferências, apropriando-se das pistas do texto escrito e também da ilustração para efetivar a

construção da compreensão. Desse modo, diferentemente de agir como aquele que entrega

prontos os sentidos, cabe a ele a função de colaborar com seus interlocutores nessa construção,

incrementando a sua formação leitora, afinal, como apontam Girotto e Souza (2010), a criança

forma-se como leitora quando constrói seu saber sobre o texto e a leitura a partir das atividades

que lhe são propostas pelo mediador durante o processo de planejar, organizar e implementar

atividades de leitura literária.

Considerações finais

A formação de leitores é um processo que começa antes mesmo do domínio do código

escrito pela criança, por isso cabendo à Educação Infantil investir em práticas que favoreçam o

início dessa formação, dentro de situações lúdicas e significativas.

A literatura infantil, por suas peculiaridades e proximidade com a criança, apresenta-se

como caminho interessante para desencadear, nesse contexto, o processo de formação dos

pequenos como leitores. Por meio da leitura compartilhada de obras literárias infantis,

direcionada por um mediador com maior experiência cultural e leitora, é possível e necessário

investir no ensino de estratégias fundamentais à atribuição ativa de sentidos ao lido. Esse

mediador desempenha um papel muito significativo à medida que questiona, sugere, provoca

reações, requer explicações sobre informações não explícitas no texto, problematiza ideais e

negocia sentidos, podendo, efetivamente, contribuir com a formação leitora das crianças desde

a Educação Infantil.

Entretanto, cabe ressaltar que sua atuação precisa estar pautada na compreensão da

criança como um sujeito ativo e capaz de, dentro de suas capacidades e com o auxílio de um

sujeito mais experiente, colocar-se efetivamente diante dos textos e compreendê-los, evitando-

se, assim, que as situações de leitura partilhada de textos literários infantis se restrinjam à

imposição da leitura feita por um adulto às crianças, negando-se as possibilidades destas como

sujeitos de cultura e leitores ativos.

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BRINQUEDOTECAS NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

INFANTIL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA

Isabel Cristina de Jesus Brandão

Carmem Virgínia Moraes da Silva

Milene de Macedo Sena

Renilda Rodrigues da Silva Bernard

Roberta Bolzan Jauris

Ronilda Rodrigues da Silva Oliveira

Silmara Ribeiro Moreira

Silvânia Brito Araújo Tamiles Santos Gomes Soares

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB

Comunicação de Pesquisa Resumo O presente trabalho apresenta os resultados de um levantamento acerca das especificidades

das brinquedotecas na rede pública municipal de ensino da cidade de Vitória da Conquista,

BA. A pesquisa de campo envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas com

representantes das instituições nas quais existem brinquedotecas, abordando: trajetória de

fundação, aquisição do acervo, funcionamento, acesso das crianças e da comunidade. Os

resultados revelam que predomina o improviso e não há um espaço projetado para as

brinquedotecas; os brinquedos são organizados de forma semelhante, em armários e/ou

prateleiras; é marcante a ausência de profissionais especializados para fazer a mediação

criança/brinquedo; o uso dos espaços está restrito às crianças das escolas, não sendo pensado

enquanto espaço destinado às crianças da comunidade. Diante disso, se fazem necessárias a

ampliação e o fortalecimento do debate sobre o conceito e as contribuições do brincar no

desenvolvimento das crianças.

Palavras-chave: Brincadeira; Brinquedoteca; Educação Infantil. 1. Introdução

Essa pesquisa tem como objetivo fazer um levantamento acerca das especificidades das brinquedotecas existentes na rede pública municipal de ensino da cidade de Vitória da Conquista, BA. O interesse pelo tema surge das experiências vivenciadas nas atividades docentes no ensino superior e das pesquisas do Grupo de Pesquisas, Estudos, Infância e

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Educação Infantil (GPEIEI-CNPq) que tem possibilitado observar um crescimento

de trabalhos monográficos sobre a temática do brincar, reforçando a reconhecida importância

deste processo para o desenvolvimento das crianças. Compreendemos que o presente estudo

também trará informações que fortalecem os argumentos para a construção de uma

brinquedoteca na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Vitória da

Conquista, Ba1.

A brinquedoteca surgiu nos Estados Unidos, em Los Angeles, no ano de 1934, tendo

como atividade principal o empréstimo de brinquedos. No Brasil, seu surgimento efetivo

ocorreu na década de 80, sendo esta definida como um espaço preparado para estimular a

criança a brincar, possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de

um ambiente especialmente lúdico. É um lugar onde tudo convida a explorar, a sentir, a

experimentar (SANTOS, 1997).

A brinquedoteca pode ser implantada em escolas, comunidades ou bairros, hospitais,

universidades, clínicas, centros culturais e vários outros ambientes. É um espaço vivo e

dinâmico, onde as crianças se relacionam de forma ativa, as atividades auto-iniciadas são

valorizadas e as regras são discutidas. O adulto, assumindo o papel de mediador, deve

favorecer a atividade do aprendiz, respeitar o erro, valorizar a linguagem, privilegiar

qualquer atividade criativa ou em grupo e considerar a criança um ser integral - afetivo,

social e cognitivo (SANTOS, 1997).

No Brasil, a discussão sobre o brincar em Educação Infantil ganha destaque também

a partir dos anos 80 do século XX com a garantia na Constituição de 1988 da educação das

crianças em creches e pré-escolas e foi reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (BRASIL, 1996) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) referenda os

direitos da criança garantidos na Constituição e contribuiu para a elaboração de diversos

documentos, tais como o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (BRASIL,

1998), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), que abordam a

importância do brincar na Educação Infantil.

1 Cadastramos o projeto de extensão Brinquedoteca Brinquerer no ano de 2013, mas até o presente momento

não adquirimos verba que possibilite a concretização do espaço.

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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil estabelece que:

Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009 – grifo

nosso).2

E no Art. 6º define os princípios que devem ser respeitados nas propostas

pedagógicas de Educação Infantil:

I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. (BRASIL, 2009; grifo nosso).

Mas, apesar de todos esses avanços em termos de legislação, devemos nos questionar

sobre o que tem sido feito no cotidiano das instituições de ensino, especialmente no que diz

respeito ao lugar ocupado pela brincadeira no cotidiano da Educação Infantil.

Compreendemos que a brinquedoteca constitui um espaço importante para o

desenvolvimento de atividades lúdicas tanto para crianças quanto para adultos que na

sociedade contemporânea tem cada vez menos tempo e espaços para a brincadeira. Diante

disso surgem as questões: Existem brinquedotecas nas instituições de ensino no município

de Vitória da Conquista? Qual o espaço das brinquedotecas nessas instituições? Como se

deu o processo de construção e organização das brinquedotecas? Como são utilizadas? De

2 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CÂMARA DE

EDUCAÇÃO BÁSICA. RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009 - Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições

legais, com fundamento no art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação

dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CNE/CEB nº 20/2009,

homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de dezembro

de 2009, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil a serem observadas na organização de propostas pedagógicas na Educação Infantil.

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que forma as crianças e/ou a comunidade tem acesso? Quem coordena esses espaços? Essas

são algumas das questões que motivaram esse estudo.

Além disso, compreendemos que por meio dessa pesquisa podemos identificar,

analisar e compreender os espaços do brincar nas instituições de Educação Infantil no

referido município.

2. Processo de Pesquisa

A presente pesquisa caracteriza-se como um estudo quanti-qualitativo, pois além do

levantamento acerca da existência de brinquedotecas junto às instituições de ensino,

buscamos apreender as percepções dos sujeitos a respeito das brinquedotecas.

Neste sentido, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com representantes das

instituições nas quais existem brinquedotecas. As entrevistas semiestruturadas se constituem

como rico instrumento para acessar informações sobre quais as percepções a respeito da

brinquedoteca e as condições de implantação e funcionamento, bem como a dinâmica

existente em cada uma delas. Este tipo de entrevista permite o entrevistado ter mais

espontaneidade e liberdade para responder as perguntas dentro de sua concepção sobre este

espaço destinado ao brincar (LUDKE e ANDRÉ, 1986)

As entrevistas foram feitas com representantes das instituições, como diretora,

monitora, coordenadora pedagógica e professora3, com o objetivo de compreendermos a

trajetória de fundação das brinquedotecas, a aquisição do acervo, o funcionamento das

mesmas, o acesso das crianças e da comunidade à brinquedoteca. As entrevistas foram

realizadas com agendamento prévio e as participantes estabeleceram os locais e as datas, de

acordo com a disponibilidade de cada uma. É importante destacar que a produção dos dados

foi feita por grupos de pesquisadores; as entrevistas foram gravadas com a autorização dos

sujeitos e depois transcritas.

A pesquisa foi desenvolvida entre os meses de março e julho de 2015 e nesse período

foi realizado um levantamento de informações sobre as instituições de ensino da rede

municipal de Vitória da Conquista a fim de verificar quais dispunham do espaço específico

da brinquedoteca. No primeiro momento o contato com os gestores das

3 Todas as participantes da pesquisa são do gênero feminino.

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instituições foi através de questionário aplicado em uma reunião do Sindicato do Magistério

Municipal Público de Vitória da Conquista (SIMMP) realizada no dia 23 de fevereiro de

2015. Os gestores que não compareceram a essa reunião foram consultados por telefone e

aqueles com os quais não foi possível fazer o contato por telefone, foram contactados na

própria instituição. Neste processo inicial foi possível identificar que das 203 instituições do

município, dez contam com uma brinquedoteca, sendo que nove são instituições de

Educação Infantil e apenas uma é escola de ensino fundamental que atende também a

Educação Infantil.

Apesar desse número reduzido de instituições que possuem brinquedoteca, foi

possível perceber, no processo de construção dos dados, que muitos gestores compreendem

a importância desse espaço para a educação das crianças e manifestaram a vontade de contar

com tal recurso no ambiente escolar por entenderem que este é de primordial importância

para o desenvolvimento das atividades nas instituições de Educação Infantil. Alguns

afirmaram ter solicitado da Secretaria Municipal de Educação (SMED) a brinquedoteca, mas

tiverem seus requerimentos indeferidos por falta de espaço físico.

Enquanto fazíamos as entrevistas, os participantes teceram comentários acerca das

dificuldades enfrentadas por eles para manterem em funcionamento as brinquedotecas: “É

difícil manter o acervo da brinquedoteca, pois as crianças quebram muito ao brincar e não

temos recurso, apenas a ajuda da comunidade” (DIRETORA DA CRECHE 1).

A maioria chamou a atenção para a falta de uma profissional com formação adequada

para atuar na brinquedoteca, uma brinquedista, pois o espaço fica fechado aguardando a

própria professora da turma para usá-lo com as crianças:

Não existe um funcionário na brinquedoteca, apesar de muitas solicitações feitas à Secretaria de Educação. A sala é aberta apenas na hora em que a professora vai desenvolver as atividades com as crianças. Dessa forma, temos dificuldades de manter o espaço sem um funcionário para tomar

conta (DIRETORA DA CRECHE 1).

As críticas e observações se constituem em rico material para futuras pesquisas e

intervenções juntos às instituições, mediante projetos de extensão que podem ser realizados

pela universidade.

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3. Apresentação e Discussão dos Dados

Os dados foram construídos através das entrevistas semiestruturadas com

representantes das dez instituições que contam com brinquedoteca na rede municipal de

ensino de Vitória da Conquista, Bahia. Para o presente artigo serão apresentados os dados

construídos sobre cinco instituições denominadas Creche 1, Creche 2, Creche 3, Creche 4 e

Creche 5, considerando os aspectos: trajetória de fundação das brinquedotecas, aquisição do

acervo, funcionamento das mesmas, acesso das crianças e da comunidade à brinquedoteca.

As entrevistas foram realizadas com profissionais que compõem a direção em três

creches e com profissionais responsáveis pelo funcionamento da brinquedoteca em duas

creches. As brinquedotecas foram fundadas entre os anos de 2008 e 2015, como resultado

da iniciativa das equipes gestoras e não contou com um processo de planejamento. Como

consequência, funcionam em antigas salas de aula ou em outros espaços improvisados: “Inicialmente, a atual sala da brinquedoteca no planejamento da construção original, seria a

sala dos professores, mas, a direção da instituição decidiu organizar a brinquedoteca para as

crianças” (VICE-DIRETORA DA CRECHE 4).

Verificamos que predomina o improviso e não há um espaço que foi projetado para

as brinquedotecas. Neste sentido, podemos afirmar que a maioria das edificações das

instituições possui uma infraestrutura precária. São edificações que dificultam a interação

entre espaço físico, o projeto pedagógico e o desenvolvimento infantil, além de dificultar o

acesso da comunidade em geral. Em alguns casos isso ocorre porque as construções não

foram planejadas exclusivamente para o atendimento ao público infantil. Como parte das

instituições funciona em locais alugados, tais imóveis não foram construídos pensando nas

especificidades das crianças.

Sobre a organização dos brinquedos, na Creche 1 os brinquedos são dispostos em

prateleiras, algumas baixas à altura das crianças, outras não. Segundo a entrevistada, as

crianças são orientadas a organizarem os brinquedos após o uso, o que faz a sala permanecer

sempre bem arrumada. A diretora da Creche 2, informou também que no mesmo ambiente

existem dois espaços: um de literatura onde estão expostos os livros e o outro onde se

encontra os brinquedos, arrumados em prateleiras. Já na Creche 3, o espaço possui, além dos brinquedos, mesas e cadeiras pequenas, pia para as crianças lavarem as

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mãos e espelho. Segundo a profissional responsável pela brinquedoteca da Creche 3 “os

brinquedos são organizados por tipos”, e a partir do que foi observado, os brinquedos estão

dispostos em armários de MDF em duas paredes da sala. Na Creche 4 os brinquedos são

organizados por tipos em seções separadas e os móveis foram adquiridos através da

prefeitura. Segundo a profissional responsável pela brinquedoteca na Creche 5 os

brinquedos são organizados por tipos em armários e por cantinhos específicos.

Assim, foi constatado que as brinquedotecas são montadas em salas, com as

adaptações mínimas para garantir a realização das atividades. Em algumas destas

brinquedotecas os brinquedos ficam guardados em armários fechados como se fossem

objetos que devem permanecer sempre em bom estado. O processo de organização dos

brinquedos é semelhante nas instituições pesquisadas, sendo feito em armários e/ou

prateleiras, sendo que não foi investigado o critério empregado para a organização.

Segundo Altman (1992, p. 153) “a classificação ajudará a mantê-los de forma funcional e,

principalmente, conhecendo cada brinquedo, ela ajudará a quem trabalha com eles na

indicação de cada brinquedo”. Desta forma, consideramos fundamental o aprofundamento

da pesquisa para compreender o processo de organização e classificação dos brinquedos.

É importante destacar que o documento ‘Critérios para um atendimento em creches

que respeite os direitos fundamentais das crianças’ (BRASIL, 1995), elaborado por Maria

Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, ao discutir o direito das crianças à brincadeira, elenca

critérios que devem ser observados:

• Os brinquedos estão disponíveis às crianças em todos os momentos • Os brinquedos são guardados em locais de livre acesso às crianças

• Os brinquedos são guardados com carinho, de forma organizada • As rotinas da creche são flexíveis e reservam períodos longos para as brincadeiras livres das crianças • As famílias recebem orientação sobre a importância das brincadeiras para o desenvolvimento infantil • Ajudamos as crianças a aprender a guardar os brinquedos nos lugares apropriados • As salas onde as crianças ficam estão arrumadas de forma a facilitar brincadeiras espontâneas e interativas

• Ajudamos as crianças a aprender a usar brinquedos novos

• Os adultos também propõem brincadeiras às crianças

• Os espaços externos permitem as brincadeiras das crianças

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2. As crianças maiores podem organizar os seus jogos de bola, inclusive futebol 3. As meninas também participam de jogos que desenvolvem os movimentos amplos: correr, jogar, pular 4. Demonstramos o valor que damos às brincadeiras infantis participando delas sempre que as crianças pedem 5. Os adultos também acatam as brincadeiras propostas pelas crianças (BRASIL, 1995, p. 12).

Observa-se que o referido documento destaca a importância do brincar na Educação

Infantil e a necessidade dos adultos darem mais atenção a essa atividade das crianças que

pode ser livre e mediada pelos adultos.

Outro aspecto relevante diz respeito à ausência de profissionais especializados para

fazer a mediação criança/brinquedo (os brinquedistas), pois concordamos com Andrade (1992, p. 85) quando afirma que: “é preciso que existam profissionais com boa formação

prática e teórica [...] e, sobretudo, com suficiente clareza do seu papel junto à criança”.

Em três das cinco instituições ora analisadas cada professora leva a sua turma para a

brinquedoteca. Na Creche 1 a entrevistada sinaliza a importância da presença de uma

brinquedista:

Aqui percebo que apenas uma professora sabe usar a brinquedoteca, pois

ela vivencia as brincadeiras com as crianças. As outras professoras deixam as crianças aqui e não participam com elas. Já tivemos uma brinquedista aqui por um ano e foi muito bom o trabalho (DIRETORA DA CRECHE 1).

Para a diretora, a presença de uma brinquedista no espaço é fundamental para o

desenvolvimento das atividades, pois muitos professores ainda não conseguem usar os

recursos de forma efetiva e proveitosa para as crianças. Considerando a indicação de

Vigotski (1930/2014, p. 25) de que “qualquer atividade imaginativa tem sempre uma história

longa atrás de si [...] o que a criança vê e ouve constitui desse modo os primeiros pontos de

apoio para a sua criatividade futura”, podemos inferir que a exploração efetiva do espaço da

brinquedoteca por parte das crianças, com o acompanhamento ativo de um profissional são

importantes no desenvolvimento do processo criativo infantil.

Ainda sobre a existência de um profissional responsável pelas atividades na

brinquedoteca, a Vice-Diretora da Creche 4 pontua: “Não tem um funcionário responsável pela brinquedoteca, cada professor da turma que conduz as crianças para este espaço”.

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Diante disso, ressaltamos que a equipe responsável pelo funcionamento das

brinquedotecas deverá ser pensada a partir das características de funcionamento do

espaço e da clientela que frequenta o espaço.

Com relação ao uso das brinquedotecas, foi possível compreender que ainda é

muito restrito devido ao pouco tempo e necessidade de um profissional para atuar no

espaço. Como exemplo, citamos a Creche 3, na qual o tempo de uso da brinquedoteca é

organizado da seguinte forma: cada turma da creche (que são crianças de 2 a 5 anos),

utiliza por uma hora, com a frequência de uma vez por semana, sendo, duas turmas por

dia. Já na Creche 4, no que se refere o planejamento para o uso da brinquedoteca, a

entrevistada respondeu que cada turma frequenta o espaço duas vezes por semana,

durante 40 minutos e que o uso dos brinquedos é livre, à escolha das crianças:

A creche não possui ainda o projeto político pedagógico (PPP), que está em construção, pois tem pouco tempo que foi inaugurada e estamos ainda planejando as atividades específicas para serem desenvolvidas na brinquedoteca (VICE DIRETORA DA CRECHE 4).

Na Creche 1, embora a diretora afirme que o uso da brinquedoteca é abordado no

Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, percebemos que há uma carência de

discussão sobre a temática, pois, segundo a entrevistada “cada professora trabalha à sua

maneira”, o que demonstra uma fragmentação das atividades pedagógicas com as crianças

da Educação Infantil.

Segundo a entrevistada da Creche 2 a discussão sobre a brinquedoteca não está

presente no Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, pois o mesmo data de 2007

e a brinquedoteca data de 2010. Podemos inferir, diante do exposto, que a brincadeira não

seja um elemento central no processo de educação das crianças. É importante destacar

que o PPP é um documento importante para a instituição e deve ser elaborado de forma

coletiva, no qual devem constar os conceitos e os princípios políticos pedagógicos que

vão direcionar o trabalho desenvolvido na escola.

É importante destacar, também, que prevalece uma concepção do espaço da

brinquedoteca como recurso exclusivamente pedagógico e, conforme destaca Kishimoto:

Se brinquedos são sempre suportes de brincadeiras, sua utilização deveria criar momentos lúdicos de livre exploração, nos quais prevalece

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a incerteza do ato e não se buscam resultados. Porém, se os mesmos objetos servem como auxiliar da ação docente, buscam-se resultados

em relação à aprendizagem de conceitos e noções, ou mesmo, ao desenvolvimento de algumas habilidades. Nesse caso, o objeto

conhecido como brinquedo não realiza sua função lúdica, deixa de ser brinquedo para tornar-se material pedagógico. Um mesmo objeto pode

adquirir dois sentidos conforme o contexto em que se utiliza:

brinquedo ou material pedagógico. (KISHIMOTO, 2002, p. 14).

Compreendemos a importância de se utilizar do lúdico também como recurso

pedagógico, mas, o que nos causa impacto é verificarmos que nas instituições de

educação infantil no município de Vitória da Conquista há um enfoque excessivo nessa

atividade uma vez que tem como objetivo ensinar as crianças a ler e escrever. Esses dados

fora verificados na pesquisa desenvolvida por Brandão no ano de 2003 sobre as políticas

d educação infantil do referido município.

A SMED tem percebido que, investir na criança de seis anos, é

bem melhor do que investir na de zero a cinco anos, pois à medida

que se investe na criança de seis, maiores chances ela terá de

chegar em melhores condições ao Ensino Fundamental. Sobre

isso o secretário faz a seguinte observação: ‘É mesmo de prática

e eu vejo isso até com outro olhar porque não sou especificamente

da área de educação’. Acredita-se que a criança de seis anos

desenvolve melhor do que a de cinco anos e, conseqüentemente,

o retorno de investimento é mais rápido. Instruir, esta é a

perspectiva. (BRANDÃO, 2003, p. 86)

Uma política de educação para a primeira infância que atende as exigências do

Banco Mundial.

O Banco Mundial define que o objetivo da infância é ‘tornar-se um adulto plenamente produtivo, o ‘capital humano’do futuro’ (PENN, 2002, p. 10). Nesse sentido, compreende que as intervenções na EI ‘podem

aumentar a eficiência da educação primária e secundária, podem contribuir para maior produtividade e renda futuras, bem como reduzir o custo de

serviços públicos e do atendimento à saúde’.(Young, apud PENN, 2002, p.

13). Uma ‘noção de aprendizagem para toda a vida e ao longo de toda vida. Nesse sentido achamos que intervenções que motive a aprendizagem precoce,

facilita o desenvolvimento da sociedade do conhecimento’ (Hasan, 2003).4 (BRANDÃO, 2003, p. 29)

4 Abrar Hasan representante da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE -

França). Palestra proferida no simpósio: Grandes Políticas para os Pequenos: perspectivas mundiais e brasileiras, realizado durante o III Congresso Paulista de Educação Infantil, no período de 28 a 31 de maio de 2003, em Águas de Lindóia – SP.

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As práticas no interior das instituições são pautadas na concepção de infância e

de desenvolvimento infantil para o futuro. Somente na Creche 3 foi feita referência de

forma mais clara ao brincar livre, pois, a entrevistada assevera: “é proposto o brincar

livre” e sobre a arrumação dos brinquedos após o uso foi dito que: “quando termina o

tempo de cada turma, eles são responsáveis para ajudar a arrumar os brinquedos, do jeito

deles é claro”. A concepção apresentada por Vigotski (1966/1984, p. 106), do brincar de

faz de conta como uma atividade em que “a criança em idade pré-escolar envolve-se num

mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados”, nos

remete ao brincar de forma livre, de forma que a criança escolha, crie e estabeleça regras

para o brincar. E neste processo do brincar livre a presença e participação do adulto é

inquestionável, como mediador e como aquele que aprende sobre a criança no processo

de observação desta atividade de indiscutível importância para o processo de

desenvolvimento e aprendizagem.

Diante do exposto, pontuamos a importância do projeto político-pedagógico

(PPP) para pensar sobre a organização das práticas a serem desenvolvidas na Instituição

de Educação Infantil, especificamente, o brincar dentro deste espaço, como processo de

expressão da criação infantil e não apenas com a finalidade pedagógica.

Em todas as instituições o uso da brinquedoteca é restrito às crianças da creche

em questão e os brinquedos pertencentes às mesmas foram doações de pessoas físicas e

jurídicas a partir de campanhas de arrecadação. Assim, evidencia-se que a concepção de

brinquedoteca nos espaços pesquisados ainda está restrita às crianças de Educação

Infantil, não sendo pensado enquanto espaço destinado às crianças de outras faixas etárias

e de livre acesso à comunidade onde as instituições estão localizadas.

Considerações

A pesquisa sobre as brinquedotecas configura-se como fundamental para

pensarmos o espaço e o tempo do brincar nas instituições de Educação Infantil, uma vez

que a brincadeira caracteriza-se como uma atividade essencial para o desenvolvimento

das crianças. Nesse sentido, a brinquedoteca apresenta-se como mais um espaço de

produção de cultura de pares infantis, que Corsaro compreende (2011, p. 128) “como um

conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e preocupações que as

crianças produzem e compartilham em interação com as demais”.

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Os dados levantados na pesquisa evidenciam que há necessidade de maiores

investimentos por parte do poder público no que se refere à Educação Infantil. Ficou

evidente a dificuldade de obtenção de recurso financeiro para a manutenção dos

brinquedos e do próprio espaço, assim como a falta de profissionais especializados para

organizar e cuidar desses espaços. Compreendemos que a temática da brinquedoteca

também seja pauta das políticas públicas.

Um ponto que chama a atenção diz respeito ao tempo estipulado pelos adultos

para que as crianças tenham acesso a brinquedoteca. Há um limite de uso uma única vez

na semana e nesse dia um tempo determinado para o uso do espaço. Quando não estão na

brinquedoteca, as crianças utilizam o pátio das instituições para brincar. Destacamos que

a maioria das instituições não possui uma área externa adequada para as crianças

brincarem: falta área verde, há muitos obstáculos, os espaços são pequenos e por isso há

um revezamento no horário de recreio das turmas, etc.

Nesse tópico podemos considerar também os desencontros entre os profissionais

das instituições sobre a brinquedoteca, a função, o lugar que ocupa a relação com as

atividades pedagógicas desenvolvidas no cotidiano da escola:

Brougère (1981), em trabalho denominado Le jouet ou la production de

l’efance, mostra que brinquedos construídos especialmente para a criança só

adquirem o sentido lúdico quando funcionam como suporte de brincadeira.

Caso contrário, não passam de objetos. É a função lúdica que atribui o estatuto

de brinquedo ao objeto fabricado pela indústria de brinquedo ou a qualquer

outro objeto. Se uma casa de boneca é objeto decorativo em sala de jantar,

disposta em locais apropriados de uma instituição infantil, funciona como

objeto simbólico, estimulante de brincadeira para crianças, especialmente de

3 a 4 anos. (KISHIMOTO 2002, p. 8).

Apesar das dificuldades e ausências que perpassam o funcionamento das

brinquedotecas foi possível perceber que as entrevistadas têm um interesse considerável

em relação a tais espaços. Para elas, é de suma importância que as instituições,

principalmente, as que atendem a Educação Infantil, tenham uma brinquedoteca, pois

acreditam que elas têm papel fundamental no desenvolvimento das crianças.

Constatamos, também, que as participantes da pesquisa enfatizam a necessidade de uma

brinquedoteca nessas instituições, que tenham um espaço adequado para que as

atividades das mesmas possam ser desenvolvidas, pois um espaço pequeno não contribui

para a realização de um trabalho mais eficiente.

As questões levantadas nos leva a refletir que ainda se faz necessário a ampliação

e fortalecimento do debate nas escolas sobre o conceito de ludicidade e as contribuições

dos jogos e brincadeiras na formação e no desenvolvimento das crianças de qualquer

idade, bem como as contribuições para os jovens, adultos e idosos, daí a necessidade da

escola integrar a comunidade no uso da brinquedoteca.

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AZEVEDO, Antonia Cristina Peluso de. Brinquedoteca no diagnóstico e intervenção

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BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução, apresentação e notas de Marcus Vinicius Mazzatri; posfácio de Flávio Di Giorgi. São Paulo: duas cidades: ed. 34, 2002.

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BRANDÃO, Isabel Cristina de Jesus. Políticas Públicas de Educação Infantil. Dissertação (mestrado) - São Carlos, UFSCar, PPGE, 2003.

CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

LUDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. (Temas básicos de educação e ensino)

SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos. Petrópolis: Vozes, 1997.

VIGOTSKI, Lev Seminovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1966/1984.

______. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: Martins Fontes,

1930/2014.

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Eixo 3

Formação docente

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O confronto das vozes no diálogo de professores de educação infantil sobre seu

próprio trabalho

Profª. Drª. Ermelinda Barricelli - FAMESP/UNICAMP

Profª. Drª. Ana Luiza Bustamante Smolka - UNICAMP

RESUMO: Esta apresentação objetiva mostrar os resultados parciais de uma investigação desenvolvida em um Centro de Educação Infantil (CEI) de São Paulo em

que se mobilizou um grupo de professores de Educação Infantil para falarem sobre seu

trabalho visando à superação de conflitos próprios do métier. Para tanto, utilizamos um

dos métodos desenvolvidos na Clínica da Atividade do CNAM (Conservatoire National

des Arts et Métiers) denominado Autoconfrontação. Os textos produzidos nesses

encontros foram analisados linguisticamente, especialmente no tocante à análise dos

temas abordados, à mobilização de vozes, ao uso de pronomes e de marcadores textuais

que mostram a polifonia desses textos (AUTHIER-REVUZ, 2001 ; MAINGUENEAU,

2005). A relevância desta pesquisa deve-se à possibilidade de desenvolvimento dos

professores por meio da ampliação do seu poder de agir (Clot,2008) e a superação de

conflitos relacionados ao fazer pedagógico.

Palavras Chaves: educação infantil, desenvolvimento, formação de professores. Introdução

Este trabalho1 investigativo tem como objetivo mobilizar um grupo de professores

de Educação Infantil para falarem sobre seu trabalho visando à superação de conflitos

próprios do métier, para tanto, o campo empírico escolhido foi um CEI da região

periférica da cidade de São Paulo. O trabalho se baseia nos pressupostos desenvolvidos,

principalmente, na Clínica da Atividade do Conservatoire National des Arts et

Métiers (CNAM) que desenvolveu um procedimento de discussão a partir de imagens

gravadas do professor-trabalhador em situação de trabalho, denominado

Autoconfrontação.

A investigação teve início em 2013 com a observação e reconhecimento do campo

de atuação, desenvolveu-se durante o ano de 2014 com as filmagens e as discussões a

partir das cenas gravadas. E, atualmente encontra-se em uma nova fase em que os

professores tem realizado a auto filmagem de sua prática e a discussão coletiva.

1 A investigação integra um projeto de pós-doutorado que vem sendo realizado junto ao GPPL (Grupo de

Pesquisa Pensamento e Linguagem) da Faculdade de Educação da UNICAMP sob supervisão da Profª. Drª. Ana Luiza Bustamante Smolka com financiamento da FAPESP (Processo 2013/16869-).

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Essa prática é um desdobramento do trabalho realizado em 2014, desencadeado por

iniciativa do grupo de professores, esta etapa ainda não foi concluída.

Apresentaremos, a seguir, os pressupostos e os desdobramentos deste projeto.

Contexto em que a pesquisa está se desenvolvendo

A pesquisa está sendo realizada na cidade de São Paulo em uma creche da Rede

Pública Municipal supervisionada pela Secretaria Municipal de Educação desse mesmo

munícipio, localizada no bairro de Cidade Tiradentes, situado no extremo leste de São

Paulo a 35 quilômetros do marco zero da cidade.

Cidade Tiradentes se desenvolveu como o maior complexo de conjuntos

habitacionais da América Latina, com cerca de 40 mil unidades. Grande parte desses

empreendimentos foi construída na década de 1980 pela COHAB (Companhia

Metropolitana de Habitação de São Paulo), pelo CDHU (Companhia de Desenvolvimento

Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) e por grandes empreiteiras, que inclusive

aproveitaram o último financiamento importante do BNH (Banco Nacional da

Habitação). Cidade Tiradentes abrigada uma população de 219.868 mil habitantes.

O CEI Professor Mario Pereira Costa atende cerca de 156 crianças na faixa etária

entre 0 e 5 anos. O prédio do CEI possui dois andares, as crianças deslocam-se para o

andar superior pela escada ou pelo elevador. No andar superior ficam as crianças do

berçário I e II (de zero a dois anos). Nesse andar há solário e refeitório exclusivo para os

bebês, além das salas equipadas com brinquedos próprios para essas faixas etárias. As

professoras realizam atividades nos ambientes internos e externos, no refeitório e no

solário. No térreo ficam as crianças maiores, nesse andar estão o parque e o refeitório

grande.

O contato com a instituição e o convite aos professores.

Para iniciar o trabalho realizamos alguns encontros préviso com os professores

para explicitação do método de Autoconfrontação (AC) e constituiçao do grupo de

participantes.O grupo de voluntários é formado por oito professores, Mario2 atua nessa

escola desde que se formou há 10 anos ; Rogério está no CEI há sete anos. Claudia e

2Os nomes são fictícios. Todas as questões de ética foram rigorosamente cumpridas, professores, equipe diretiva e

comunidade foram informados sobre o teor e desdobramentos da pesquisa e assinaram sua concordância, com opções de anonimato e com nossos contatos para eventuais esclarecimentos ao longo da pesquisa.

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Chris atuam no CEI há cinco anos, Magali há oito anos, Daniela ingressou em 2013 e

Silvia há 2009.

Daniela e Silvia são professoras do berçário I do período da tarde e a turma tem

em média sete crianças entre 0 e 1 ano por professor; Rogério e Magali atuam no berçário

II também do período da tarde e as crianças têm em média entre 1 e 2 anos e as turmas

são formadas por nove crianças; Mario e Chris atuam no período da manhã com as

crianças do mini-grupo I com idade entre 2 e 3 anos com turmas de onze crianças por

educadores; e, por fim, Camila e Claudia são professoras do mini-grupo II cuja faixa

etária é 3 e 4 anos e cada educador tem 22 crianças ; Claudia atua no períoda da manhã e

Camila no período da tarde.

Antes de iniciar as filmagens, realizamos a primeira reunião com o grupo de

professores participantes para estabelecer alguns combinados. Foi definido como seria o

processo de filmagem, considerando que nesse tipo de pesquisa, por um lado, oito é

número muito grande de professores, por outro não nos parecia justo abrir mão de

professores interessados em participar, pois a adesão tinha sido voluntária. E o terceiro

ponto referia-se à necessidade de autorização dos professores e dos pais para a realização

das filmagens das crianças e a explicação das questões de ética em pesquisa.

Em seguida, as discussões se voltaram para o desenvolvimento do projeto e os

professores passaram a refletir sobre quais momentos filmar. Os professores se

questionaram sobre como acontecem de fato às interações com as crianças nesses

momentos e as filmagens permitiriam visualizar essas interações. Assim, convencionou-

se focar nas relações, especialmente, nos momentos mais livres para verificar como se

conduz o trabalho pedagógico. O que temos de fato com essa demanda do grupo é a

discussão do papel do professor. A outra definição estabelecida nesse encontro foi que as

filmagens e ACs começariam pelos grupos dos professores: Mario e Chris (MG I) e

Camila e Claudia (MG II).

O método da Autoconfrontação

Como já apresentado, o projeto tem como objetivo mobilizar um grupo de

professores para falarem sobre seu próprio trabalho visando à superação de conflitos

próprios do métier. Para tanto, utilizamos a Autoconfrontação como método de

intervenção. Neste método, intervir significa assumir que o pesquisador atua e faz parte

da situação de pesquisa, participando do diálogo que se estabelece. Assumindo o“outro”

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como sujeito da/na investigação, o pesquisador orienta o diálogo, apoiando-se no conceito

de atividade dirigida como unidade de compreensão e explicação das situações de

trabalho.

Nesse processo, pesquisador e pesquisado se afetam, se transformam. Os

pressupostos que ancoram esse método encontram-se nas elaborações teórico-

metodológicas de Vigotski (1934/2001) e Bakhtin (2003), e mais particularmente, em

seus modos de conceber o desenvolvimento humano e o estatuto da linguagem nesse

desenvolvimento. Como afirma Vigotski, “a ação passada pelo crivo do pensamento se

transforma noutra ação, sobre a qual se reflete” (1925/1996).

Assim, utilizamos os métodos desenvolvidos pelas Ciências do Trabalho da

linha Francesa (CLOT, 1999, 2008 ; FAÏTA, 2001 ; AMIGUES, 2003, 2004 e SAUJAT,

2002, 2004), neste caso, especialmente a Autoconfrontação, com as devidas adaptações

que se fizerem necessárias de acordo com o contexto de pesquisa brasileiro.

A Autoconfrontação(CLOT e FAÏTA, 2001) consiste em um procedimento de

discussão a partir de imagens gravadas do trabalhador em situação de trabalho, que se

desenvolveu em oposição às ideias do americano Taylor (1856/1915), conhecidas como

Organização Científica do Trabalho, que rapidamente se expandiram para a Europa,

principalmente, para a Itália, na fábrica da Fiat; e para a França, na fábrica da Renault. A

Organização Científica do Trabalho consistia, sinteticamente, na otimização do tempo e

no aumento da produção, e apresentava-se como uma forma de dominação dos

trabalhadores, pois buscava a padronização do processo de produção e a utilização de

cronômetros nas linhas de montagem.

Esse excesso de controle começou a ser combatido pelos trabalhadores; em alguns

setores e foi ganhando força até que novas propostas surgiram e começaram a propagar-

se, como os estudos desenvolvidos pelos ergonomistas. Para sua consolidação, foi da

maior importância os aportes trazidos pelo ergonomista Wisner (2008), responsável pela

distinção entre os conceitos de trabalho prescrito e de trabalho realizado: como as

próprias palavras indicam, o primeiro corresponde ao que o trabalhador deve fazer,

enquanto o segundo corresponde à sua atividade observável. Segundo o autor, o trabalho

em desenvolvimento mostra dimensões que o prescritor, por mais preciso que busque ser,

nunca poderá prever, pois o trabalhador é o criador de sua tarefa, não havendo separação

(ou não devendo haver) entre concepção e execução (WISNER, 2008); não existindo

propriamente o trabalho de concepção, pois essa continua durante a própria execução.

Atribuindo nova direção aos estudos sobre o trabalho, Wisner via a Ergonomia não como

uma disciplina voltada para o conhecimento do trabalho, mas para a sua transformação

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(de suas regras, de seus instrumentos etc.). Defendia, ainda, que os problemas práticos

colocados pelos trabalhadores precisavam de soluções práticas.

Nessa mesma direção, começaram a aparecer trabalhos desenvolvidos por

psicólogos do trabalho, principalmente, na Clínica da Atividade que tem por objetivo o

estudo da atividade humana em situação de trabalho. Esses psicólogos expandiram a

distinção entre trabalho prescrito e trabalho realizado, admitindo-se que, além dessas duas

dimensões, existe o real da atividade (CLOT, 2004): a atividade realizada seria o

observável, ao passo que o real da atividade seria o que se vê e, também, o que não se vê,

o que se fez e o que se deixou de fazer, o que se quer fazer e o que se é impedido de fazer,

ou seja, tudo o que faz parte do processo, desde a elaboração da atividade até a sua

concretização. Parafraseando Vigotski (2003), Clot (2008, p.89) afirma que o homem é

pleno, em cada minuto, de possibilidades não realizadas, sendo que o

comportamento é sempre um sistema de reações vencedoras.

Assim, o real da atividade estaria relacionado às lutas internas pelas quais os

trabalhadores passam para realizar uma determinada tarefa, ou como sintetiza Clot

(2006), seria a conjugação do possível (observável) e do impossível (que deve ser

apreendido de forma indireta) de cada atividade de trabalho.

Alguns pesquisadores especificaram esse debate focando o trabalho docente,

entre eles Saujat (2004), do Grupo Ergape3, que nos diz que o trabalho do professor é

visível, mas a atividade não pode ser tocada com o dedo, pois a atividade reflete um

sujeito particular, um momento específico e uma história única. Nota-se, todavia, que o

trabalho do professor não pode se confundir, ou mesmo se reduzir ao trabalho de ensino

na sala de aula (AMIGUES, 2004), que corresponde apenas a uma das dimensões desse

trabalho. Além disso, para o autor a aprendizagem do aluno deve ser vista como um objeto

em longo prazo, considerando que ela continuará por toda a vida. Assim, para Amigues

(2004), o trabalho do professor compreende, também, outras dimensões ligadas à

organização do ambiente de trabalho coletivo, à efetivação da prescrição, à prescrição de

tarefas para si (autoprescrição) e para os alunos, e à projeção de situações futuras em

função dos avanços realizados. Esse autor nos apresenta, ainda, uma das definições do

trabalho docente.

A atividade do professor na classe consiste em organizar um meio de trabalho

coletivo para instaurar nos alunos uma relação cultural a um objeto do saber, a fim de

modificar sua relação pessoal a esse saber.O objeto da atividade do professor é aqui a

3Ergonomie de l’Activité des Professionnels de l’Éducation, composto por pesquisadores como Daniel

Faïta e Renée Amigues e o próprio Frederic Saujat entre outros.

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organização coletiva do meio-classe, a distribuição de tarefas aos alunos, a organização

de um diálogo didático, a construção do sentido do fazer e do dizer, sua retomada em uma

inscrição temporal e no histórico do grupo-classe etc; em outros termos, ele constrói um

meio de trabalho para fazer os alunos agirem (AMIGUES, 2003).

Segundo Clot (2001), a análise do trabalho tornou-se uma preocupação e, ao

mesmo tempo, um recurso para os profissionais que atuam na área, defendendo formas

de ação que possam transformar as situações de trabalho, por meio de métodos indiretos

como a Instrução ao Sósia4 e a Autoconfrontação Simples e Cruzada, utilizados,

principalmente, pela Clínica da Atividade e pelo Grupo Ergape.

Nas autoconfrontaçoes (AC) as discussões acontecem, primeiramente, com a

participação do trabalhador e do pesquisador para discussão dos modos de fazer, ou seja,

dos ‘como’ e não dos ‘porquês’, sendo essa fase conhecida como Autoconfrontação

Simples (ACS). Em seguida, a discussão acontece entre dois trabalhadores do mesmo

métier para posterior retomada do debate entre o pesquisador e trabalhadores, que já

passaram pela (ACS) ; esse momento é chamado de Autoconfrontação Cruzada (ACC).

O desenvolvimento desses métodos se justifica pelo fato de a atividade não ser

diretamente acessível. Por esse motivo, esses dois dispositivos são denominados métodos

indiretos de intervenção na medida em que o trabalhador revive sua experiência de

trabalho por meio de uma troca verbal. Segundo Clot (2008), essa troca verbal não

consiste em falar do vivido, mas sim reviver a experiência profissional, pois essa troca

verbal é considerada outra atividade, ou seja, é a experiência vivida da experiência

vivida, o contato social consigo mesmo. O trabalhador se vê frente ao pesquisador e com

isso tem-se uma ação em curso entre trabalhadores e pesquisador e não somente uma

representação da ação passada. Desse modo, o sujeito encontra em si mesmo qualquer coisa de novo, ou como afirma Clot

(1995), citando Vigotski (1924), eu me reconheço na medida em que sou outro para

mim mesmo. Com isso, percebe-se que a riqueza do procedimento está nas trocas realizadas

entre trabalhador e pesquisador e entre os próprios trabalhadores que corroboram para

esse diálogo consigo mesmo.

4 Não utilizaremos esse método nesta intervenção. Para saber mais: Clot (2001b); Muniz-Oliveira(2011);

Lousada,Barricelli (2013).

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A Análise das Autonconfrontações

Depois de transcritas as autonconfrontações foram analisadas linguisticamente

para levantamento dos atores postos em cena no discurso, para tanto, foram marcados os

pronomes que indicassem o uso das pessoas (eu, nós= eu+outro professor, ou eu+

coordenadora, a gente, etc.). Em relação às vozes, o uso do discurso direto e indireto pode

servir de principal indicador de inserção de vozes (Mario disse que me ajudaria ou

segundo a mãe relatou...). O plano global do texto nos mostrou os temas discutidos ao

levantarmos os conteúdos que foram tematizados pelos enunciadores (MAINGUENEAU,

2005).

Nos exemplos a seguir, podemos acompanhar fragmentos ilustrativos das

autoconfrontações:

Autoconfrontação Simples - Claudia:

Claudia: Então, esse momento aqui, é para a criança ter tranquilidade e para ela saber o que

vai acontecer no dia dela. Está tudo discriminado para ela ter essa orientação e saber o que

tem no dia dela, para não ter surpresa: e agora, o que é que vem? E traz segurança também,

para saber que meu dia tem etapas, e que acontece isso, isso, isso e isso.

Pesq.: A descrição da rotina deles.

Claudia: É. Pesq.: E você faz isso todos os dias?

Claudia: Todos. Pesq., Quando eu filmei da Camila, ela também faz isso e eu não vi nem o Mario e nem a Cris fazer. Então, isso é um combinado entre você e a Camila?

Claudia: Não, nós nem chegamos a conversar, na verdade. A gente está conversando

agora, a gente troca muita atividade, e qual a nossa sugestão há algum tempo já, é pedir

um (???) para os pais e deixar para eles montarem a rotina. Claro, precisa algumas regras,

por exemplo, hoje o parque não pode porque seus amigos também precisam usufruir do

parque, mas nós podemos fazer isso ou isso, deixar que daqui um tempo, eles terem essa

autonomia, participarem dessa rotina e não só trazer pronta.

Pesq.: Entendi, a ideia é que as crianças participem da escolha da rotina, é isso?

Claudia: Isso. A princípio, a gente está focando bem, mostrando o que é essa rotina todos os dias. E ali, com o passar do tempo, eles estarem fazendo essa rotina também. Então, a

princípio , a gente quer focar bem no que é essa rotina todo dia. Depois, a gente tinha combinado de montar essa...

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Pesq.: Quem é esse ‘a gente’, quando você fala?

Claudia: Eu e a Camila, a gente está agora combinando...

Pesq.: combinando mais?

Claudia: É, combinando.

Autoconfrontação Cruzada - Claudia e Camila

As professoras estão observando a cena em que Claudia apresenta a rotina para as crianças e Camila fala:

Camila: Posso parar?.... Você escreve antes? A rotina... você escreve antes?

Claudia: Não... Camila: É que não filmou... você escreve junto com eles?

Claudia: Não, eu escrevo antes... aí depois eu vou mostrando, aí depois eu vou mostrando ...

Camila: Porque eu escrevo junto com eles...

Claudia: ahhh... então eu coloco na lousa e não escrevo com eles... ehhh... vou seguindo

a rotina normal.... na hora que eles têm uma dúvida ‘ai Cláudia agora é o que?’ Olha a

nossa rotina... o que vem depois da nossa rotina? Então eu sempre peço para eles

estarem olhando quando estiverem com dúvida.... eu só falo a primeira vez e depois eles

já sabem, só olhar e a rotina está ali.

Camila: É porque eu faço junto com eles, eu faço normalmente depois do leite... então a

gente volta para a sala e é a hora que eu faço .... o que que a gente já fez: a gente já acordou, a gente fez a higienização, a gente tomou o leite, aí eu começo ... agora a gente

vai fazer tal coisa aí vou escrevendo junto com eles na lousa o que é que a gente vai fazer

e aí eu já deixo lá... eu escrevo junto com eles .... entendeu? Eu passo para eles o que a

gente vai fazer na rotina, mas eu passo para eles, escrevendo na hora, eu não deixo

pronto...

Claudia: hummmm

Pesquisadora: Em que momento que você escreve, Claudia? Antes deles chegarem?

Claudia: Geralmente bem na hora da entrada, quando eles estão para entrar eu coloco na lousa e deixo...

Pesq: Você chega bem cedinho... tem um ou dois vão chegando e você vai

organizando....

Claudia: isso.... deixo pronta antes... não tive essa dinâmica de escrever na hora... de

colocar aqui...

Pesq: é só uma outra maneira de fazer...

Claudia e Camila: é...

Pesq: são duas maneiras de fazer: deixar pronto e fazer com eles...

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Claudia: acho que deve ser bacana para ele... tanto posso ver ela pronta como a professora escreve junto, então são duas dinâmicas que ...

Camila: quando a gente tá fazendo a gente fala.. hoje a gente vai fazer a roda de história

e depois o projeto ... aí eu explico ... o projeto alimentação... e no projeto a gente vai

fazer isso e isso ... ai depois e eles ‘é parque?’ Não... hoje a gente não tem parque hoje a

gente vai no jacaré, por exemplo... aí dificilmente eles me perguntam o que é que tem

durante o dia ... não sei se tem alguma relação....

Claudia: eles me perguntam....

Podemos perceber que os primeiros ‘a gente’ colocados em cena nos segmentos da

ACS de Cláudia referem-se às vozes da própria professora e de sua colega Camila (eu +

Camila), assim vemos a permanente interlocução das professoras que se estabelece no

discurso da professora Claudia. Por outro lado, vemos postos em cena outros atores e outras

vozes, como o ‘a gente’ ou ‘eles’ da ACC de Camila que se refere a ela e as crianças (eu +

crianças). Vemos ainda, na ACC de Camila a inserção da própria voz da professora

reproduzindo o diálogo dela com as crianças: “quando a gente tá fazendo a gente fala..

hoje a gente vai fazer a roda de história e depois o projeto” , sendo que esse “a gente”

refere-se exclusivamente a própria professora.

No decorrer das análises é possível verificar, por exemplo, quais os atores que

aparecem, os que mais aparecem, de que forma aparecem, entre outras possibilidades.

Com isso, a análise vai mostrando aspectos do discurso que são colocados em cena e nos

ajudam a compreender melhor o diálogo que se estabelece entre os participates.

Na autoconfrontação cruzada, o trabalhador tem a possibilidade de entrar em

contato com outros modos de fazer e, assim, ampliar o seu poder de agir (CLOT, 2008),

A ACC apresentada vai revelar as diferenças do que era referido como igual: na discussão

sobre a escrita da rotina na lousa, pelo menos duas possibilidades de realização da

atividade se evidenciam, assim como entram em debate os modos diferenciados de lidar

com as crianças.

Os resultados já obtidos

A análise do trabalho, de acordo com Clot (2008), prevê a emergência de conflitos

próprios do métier, pois a troca verbal é o espaço para o desenvolvimento. A

autoconfrontação favorece a troca verbal entre os trabalhadores, assim as

autoconfrontações vão proporcionando o surgimento desses dilemas.

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De forma bastante sintética, podemos apontar a riqueza dos resultados iniciais

desta intervenção pela emergência e superação de diferentes conflitos do coletivo de

professores como, por exemplo, a organização do trabalho do professor volante a partir

de uma discussão desencadeada por Camila e Claudia, que se estendeu para todo o grupo,

em que Camila estava com uma criança com febre e solicitava apoio sem sucesso. Essa

cena desencadeou toda uma discussão sobre o papel do professor volante e a necessidade

de envolvê-los mais nas discussões pedagógicas, assim como, reestruturar o quadro de

apoio.

Em discussões mais pontuais Chris pôde rever sua postura individual no confronto

dialógico com a pesquisadora e, posteriormente, com Mario em uma discussão sobre a

diferença de postura a ser assumida pelos professores na Educação Infantil e no Ensino

Médio, com isso ela pôde reconhecer-se como uma “professora brava” na postura, mas

amorosa no modo de sentir e ao flagra-se no seu próprio dizer (BARRICELLI e

SMOLKA, 2015) ela pôde experimentar novos modos de fazer. Mário nos mostrou a

riqueza do trabalho real (Clot, 1999) ao revelar nuances desconhecidas do seu trabalho

que só se tornaram visíveis no diálogo com pesquisadora ao assistirem juntos suas

filmagens. Cláudia aponta os dilemas da inclusão colocando em debate questões

nucleares desse tema como o limite e as possibilidades de incluir uma criança,

questionando, inclusive, quando sua tentativa de incluir a criança pode, sem ser essa a

intenção, excluir mais do que incluir, questão essa compartilhada por Camila.

Além disso, a “intervenção” começa a sair dos limites do CEI, mas não pelas mãos

da pesquisadora. Em uma iniciativa que partiu da diretora, apoiada por todos, a “intervenção”

foi inscrita no 18º Congresso do SINESP (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino

Público Municipal de São Paulo) no encontro TransFormar: a Educação na

contemporaneidade pede mudanças.A própria diretora se engajou na elaboração,

preparando o material, tirando fotos, e apresentando o pôster O professor como protagonista da sua prática: a autoavaliação por meio de filmagens que foi

realizado em setembro de 2014. Segundo o seu relato, foi o único trabalho apresentado

com caráter de pesquisa, por esse motivo, muitos participantes se interessaram pelo

pôster, fizeram perguntas e até elogiaram a descrição do que está sendo feito.

Em outra iniciativa que partiu do CEI, inscrevemos nossa pesquisa na I Jornada

Regional de Educação e Cultura: Nosso território como espaço de convivência, diálogo

e reflexão: em busca de uma cidade educadora realizada pela Diretoria Regional de

Educação de Guaianases - Diretoria de Orientação Técnico Pedagógica (DOT) com o

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título: O professor protagonista de sua prática: a vídeogravação e a auto-observação

como instrumento dessa transformação. Nesse encontro, apresentaremos a pesquisa

em duas vozes: a voz da pesquisadora para relatar um pouco das bases teóricas dessa

proposta, e a voz dos professores participantes, representada pelo Mario, para relatar o

que o motivou a participar dessa intervenção e quais as transformações que ele já percebe

em seu trabalho.

E, finalmente, contagiando os outros professores, neste momento estamos

realizando uma terceira etapa da intervenção em que um grupo de professores está

realizando, o que convencionamos como auto filmagem, ou seja, eles mesmos filmaram

sua prática sem a presença de um pesquisador e, em um segundo momento (fase atual)

realizaremos reuniões coletivas gravadas para discutir essas gravações. Assim, ao se

apropriarem do método de investigação/intervenção, os professores o transformam, em

seus usos, para redimensionar o próprio trabalho cotidiano.

Considerações

Nossa expectativa em relação a este projeto é possibilitar o desenvolvimento dos

professores e da pesquisadora por meio da superação dos conflitos postos em cena por

meio de nosso instrumento de intervenção-formativa. Ou, dito de outro modo, que a

metodologia que utilizamos propicie discussões que favoreçam a apropriação de novas

ferramentas para a realização do trabalho docente, como defende Clot (2006, p. 24), que

afirma que a criação e a apropriação dos instrumentos pelo homem só acontece se estes

responderem aos conflitos travados nas diversas atividades, ou como nos explica com

suas próprias palavras: eles (instrumentos) são apropriados por ele (homem) se eles

(instrumentos) são apropriados para ele (homem) 5.

5 Grifos e parênteses nossos.

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A ATUAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDOS PRÁTICAS EDUCATIVAS E FORMAÇÃO

DOCENTE-GEPETE/UFMS: DISCUSSÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA

PEQUENA

Janaina Oliveira Silva 1

Juliane Lourenço 2

Marlene Fernandes do Nascimento Lima 3

Priscila Nataly Oliveira Rigonato 4

Larissa Wayhs Trein Montiel5

Resumo

O trabalho quer discutir a atuação do grupo de estudos GEPETE/UFMS- Práticas Educativas e

Formação Docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, câmpus de Naviraí,

analisando as aproximações e os distanciamentos que a formação inicial proporciona aos

acadêmicos do curso de Pedagogia. Destacando a relevância do aprofundamento das discussões

em um grupo de estudos/pesquisas durante o processo de construção de identidade profissional

em relação ao embasamento teórico e metodológico e no levantamento de dúvidas das questões

rotineiras das instituições de Educação Infantil. As reuniões possibilitaram ao grupo refletir as

concepções e representações sobre as infâncias. Questionamentos se fizeram presentes na

trajetória do grupo e possibilitou um encaminhamento mais aprofundado das práticas educativas

das professoras, assim como, um olhar sobre a formação das acadêmicas em período de estágio

(remunerado e/ou obrigatório) da rede municipal de Naviraí- MS.

Palavras- chave: Formação Docente; Educação Infantil; Grupos de Estudos e Pesquisas

INTRODUÇÃO

O presente texto busca relatar a atuação do grupo de estudos e pesquisa, GEPETE –

Grupo de Estudos e Pesquisas em Práticas Educativas e Tecnologia Educacional na linha de

Práticas Educativas e Formação Docente, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul – UFMS, câmpus de Naviraí-MS, buscando aproximações e os

distanciamentos da formação inicial dos acadêmicos do curso de Pedagogia com o foco na

Educação Infantil. De forma que, destacamos a relevância do aprofundamento das discussões

em um grupo de estudos/pesquisas durante o processo de construção de identidade profissional.

Assim, temos como objetivo perceber a importância que um grupo de estudos e

pesquisa proporciona para a formação

de professores propiciando reflexões teóricas e metodológicas sobre questões rotineiras das

instituições de Educação Infantil que envolve a figura do professor.

Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV. 2 Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV.

3Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV. 4 Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV. 5 Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- UFMS, câmpus de Naviraí, coordenadora da linha Práticas Educativas e Formação Docente do Grupo de Estudos e

Pesquisas em Práticas Educativas e Tecnologia Educacional- GEPETE/UFMS/CPNV. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD na Linha

de História, Memória e Sociedade.

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I - AS DISCUSSÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA

Consideramos as reuniões do Grupo de Estudo Práticas Educativas e Formação

Docente de grande relevância, pois através das discussões foi possível perceber concepções de

Educação Infantil e as diferentes infâncias que se apresentam no cotidiano de nossas

instituições. Como aponta as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil

(BRASIL, 2010, p.06) acerca da concepção de criança:

A criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que se

desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por

ela estabelecidas com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos

culturais nos quais se insere. Nessas condições ela faz amizades, brinca com água ou

terra, faz-de-conta, deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona,

constrói sentidos sobre o mundo e suas identidades pessoal e coletiva, produzindo

cultura (grifo nosso).

Nesse sentido, devemos dizer que o entendimento de criança vem mudando ao longo

dos tempos, conforme o contexto e, assim se moldando historicamente ao meio em que vivem.

De maneira que podemos conjecturar que a criança é um sujeito ativo em constante processo

de aprendizagem que possui uma história quando chega à instituição de Educação Infantil,

buscando sua identidade por meio das relações e das experiências por ela vivenciadas com o

outro.

Produzir diferenças torna-se, portanto, um desafio para as práticas educacionais, uma

vez que delas se exige um posicionamento teórico diferente, talvez um

desmantelamento do que foi produzido como referenciais em educação, referendados

pela cultura, pela ideia de povo e pelas áreas que a formam [...] (ABRAMOWICZ;

LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p.187).

Interessante dizer que a infância é entendida por dois aspectos sendo aquela que

constrói e muda de acordo com as organizações da sociedade, por outro lado através da história

de cada um, desde o nascimento até adolescência. A noção de infância surgiu com a sociedade

capitalista, urbano industrial, na medida em que mudavam a inserção e o papel social da criança

na sua comunidade (BRASIL, 2007, p. 14).

Hoje em dia compreendemos a criança como um sujeito social, mas historicamente

esse conceito não esteve presente na sociedade e a criança era vista como um ser de pouco

apreço e considerada quase que descartável como descreve Ariès em a História Social da

Criança e da Família (1981).

Segundo Ariès (1981), a concepção de infância ou de infâncias foi mudando

historicamente, pois a criança era vista como um adulto em miniatura se vestia com roupas

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parecidas com a dos pais, participava em ambientes inadequado a sua idade e não tinha o afeto

da família.

Nesse contexto a criança não conhecia a brincadeira, pois vivia o mundo do adulto. A

concepção de infância só foi sendo construída a partir do século XVI, como aponta Ariès

(1981), “a infância foi uma invenção da modernidade, constituindo-se numa categoria social e

construída recentemente na história da humanidade. O sentimento de infância, como uma

consciência da particularidade infantil, é decorrente de um longo processo histórico, não sendo

uma herança natural”.

Por muito tempo a criança foi representada como uma figura inocente, delicada e

sujeita a qualquer fragilidade, a uma vida suscetível a doenças e perigos. Alguns autores

apontam que as crianças da Idade Média tinham manifestações de atenção e carinho.

O trabalho de Ariès deu início a uma fértil produção historiográfica, tornando-se

referência no campo. Estudos mais recentes vêm, no entanto, refinando a perspectiva

do autor, demonstrando que, ao contrário da emergência de um sentimento da infância

na modernidade, em oposição a uma suposta indiferença, característica das sociedades

medievais, como sugere o autor, verifica-se a pluralidade de experiências históricas

da infância, em períodos distintos e em contextos diversos (ROCHA e GOUVEA,

2010, p.188).

Porém, só com o início da Idade Moderna é que a infância passa a ser considerada

como uma concepção de liberdade e autonomia. A infância muda historicamente com o tempo

e nesse contexto a criança e a infância muda também inserida numa realidade diferente e com

diversas peculiaridades. Desta forma, não podemos considerar todos os tipos de infâncias como

iguais, mas, seria a condição social da criança (ROCHA e GOUVEA, 2010).

[...] sempre houve várias infâncias, distintas entre si por condição social, por idade,

por sexo, pelo lugar onde a criança vivia, pela cultura, pela época, pelas relações com

os adultos. Mas também eram diferentes as infâncias dependendo de quem as olhava,

de quem as registrava, de quem as comentava, de quem investia nela (MÜLLER,

2007, p. 96).

Após uma longa trajetória de avanços e retrocessos na educação brasileira percebemos

um processo de transformação que efetivou a Educação Infantil como uma garantia de

atendimento escolarizado e não de caráter assistencialista, sendo garantia a toda criança o

direito a educação desde o nascimento, a creche tornou-se parte do sistema de educação básica,

uma etapa muito importante para o desenvolvimento das crianças devendo desenvolver suas

potencialidades e ampliar suas experiências.

A partir de tal determinação legal amparada pela Constituição Federal Brasileira de

1988, determina que a Educação Infantil seja a primeira etapa da educação básica como também

aponta as Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (BRASIL, 2010, p.12):

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Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se

caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem

estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças

de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e

supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle

social.

Segundo Kramer (1998, p.7), “[...] a educação infantil não se restringe aos aspectos

sanitário ou assistencial, mas não se resume, tampouco, á mera antecipação da escolaridade

nem a transmissão sequencial de informações”. Falar de Educação Infantil é falar em uma

proposta de ensino para cidadão de direito, já que as crianças possuem papel essencial na

sociedade.

Nesse sentido, as creches vão se distanciando do caráter assistencialista e tornaram-se

instituições de Educação Infantil independente de sua classe social do seu público. E as

legislações vigentes asseguram o dever do Estado na garantira e na oferta de Educação Infantil

pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção.

De acordo com o Referencial Curricular da Educação Infantil (1998, p.23):

Educar significa, portanto propiciar situações de cuidados, brincadeiras e

aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o

desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com

outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e acesso, pelas

crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural.

Podemos considerar que na Educação Infantil é o momento de educar e cuidar por

meio do brincar e a instituições devem propiciar um ambiente facilitador para o

desenvolvimento e aprendizagem das crianças em todos os aspectos.

A escola de Educação Infantil tem como função prioritária promover as infâncias, já

que nem todos as têm. [...] O desafio posto para o professor de Educação Infantil é

propor uma educação cujas práticas educativas não impeçam o devir6, mas o

implementem. Portanto, o desafio é o de implementar o exercício da infância

(ABRAMOWICZ; LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p.197).

Cabe ao professor garantir que as crianças possam experimentar o máximo de

possibilidades, considerando que o tempo de ser criança não pode ser medido pelo tempo

cronológico, mas um tempo de viver e de criar.

II- A FORMAÇÃO DO PROFESSOR EM EDUCAÇÃO INFANTIL E A

IMPORTÂNCIA DO GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS

6 Devir não como um vir-a-ser, pois já vimos que nada tem a ver com futuro, com uma cronologia qualquer, mas,

sim, com aquilo que somos capazes de produzir e de inventar como possibilidade de vida, potência de vida, o poder

da vida opondo-se ao poder sobre a vida (ABRAMOWICZ; LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p.195).

.

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Alguns estudos recentes como de Leite (2011) e Tardif (2002) apontam que a profissão

docente parece se consolidar na prática, se distanciando dos conhecimentos

universitários e do diálogo teórico. Essa situação ocorre porque as práticas de formação

encontram-se desvinculada da realidade educacional, o que agrava ainda mais a articulação

entre teoria e prática, sendo que, o futuro professor pouco consegue relacionar à práxis

pedagógica.

Para Mizukami (1986, p. 108), uma possível solução seria estruturar os cursos, de

forma que:

[...] teorias e práticas pedagógicas não fossem consideradas de forma dicotomizada,

mas sim que, a partir da prática se pudesse refletir discutir, analisar, questionar, criticar

diferentes opções teóricas em confronto com essa mesma prática. Esta seria também

uma das formas de se evitar a utilização de receituários de abordagens estaques e

externas ao professor que, no máximo, poderão ser lembrados posteriormente, mais

que não terão reflexo algum no seu cotidiano escolar.

Entendemos que tais características são essências para ajudar os professores em

formação a compreender tanto a dinâmica do trabalho, quanto também a superar suas

dificuldades ao longo dos anos de experiência na prática escolar.

O profissional da Educação Infantil não se reconhece, muitas vezes nem por si e nem

pela comunidade, como professor, mas como um cuidador de crianças, sendo alguém que

substitui as ações de cuidados dos pais enquanto trabalham. Em alguns relatos no grupo de

estudos percebemos que, as práticas pedagógicas com as crianças pequenas, em alguns

momentos, se resumem apenas ao ato do cuidar, ficando muito distante das ações do educar o

que fica mais evidente quanto menor são as crianças.

Ainda nos dias atuais encontramos concepções errôneas sobre a profissão do docente

da Educação Infantil pautados em ser uma “boa professora”, deve ser mãe, gostar de crianças,

desenvolver um sentimento de amor pela profissão.

[...] a imagem da boa educadora próxima à idéia de boa mãe foi determinante da falta

de identidade profissional do educador de infância, principalmente marcado por uma

concepção de que o período da educação infantil era um apêndice ao processo escolar,

ocupando um lugar marginal, como se a primeira fase do processo ensino

aprendizagem não tivesse muita importância e tão pouco peso na formação da criança

cidadã (CARDONA, 2006, apud, ROCA 2010, p. 11).

Nesse contexto, as primeiras descobertas das crianças com o mundo que as cercam por

muito tempo não foram consideradas importantes de forma que na sua formação não era preciso

que o professor reconhecesse o potencial e a autonomia dos pequenos para desenvolvê-las e

nem precisava ser um profissional com entendimento do fazer pedagógico. Contudo,

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avançamos em relação ao aprofundamento do conhecimento sobre o processo de aprendizagem

e do desenvolvimento das crianças.

As crianças têm um enorme potencial criativo, que muitas vezes é sufocado numa

cultura intelectualista. O educador de infância precisa refletir sobre essa prática, sem

partir de concepções pré-determinadas, de receitas ou manuais para direcionar a

experiência. Na própria ação, o educador de infância encontrará seu material para

refletir sobre um fenômeno vivido, para elaborar seus conteúdos a partir do

experimentado: “Os profissionais [...] que atuam com crianças precisam assumir a

reflexão sobre a prática, o estudo crítico das teorias que ajudam a compreender as

práticas, criando estratégias de ação, rechaçando receitas ou manual” (KRAMER,

2002, p.129).

O professor de crianças pequenas deverá introduzir novas experiências utilizando a

criatividade, possibilitando momentos de criar, inovar buscando em sua prática novos

conhecimentos de forma não fragmentada.

As reuniões do grupo de estudos e pesquisa oportunizaram uma aprendizagem

diferente das disciplinas ofertadas pela universidade no curso de Pedagogia. É uma

possibilidade de diálogo e de reflexão onde trocamos os relatos de experiências, e as práticas

do estágio gerando discussões com a mediação da coordenadora da linha de estudos revendo

documentos, leis e autores que discutem a Educação Infantil.

Nesses encontros conseguimos aproximar as questões vivenciadas na prática dos

estágios (remunerados ou obrigatórios) e de professores que já estão a algum tempo atuando na

educação e relacionar com pesquisadores que vem debatendo assuntos relacionados à formação

do professor e as práticas educativas e a Educação Infantil.

De forma, podemos considerar que grupos de estudos e pesquisa são de grande

importância para a construção dos saberes e aperfeiçoamento da prática e da pesquisa durante

a formação do professor assim como, sua posterior atuação em sala de aula. Concordamos com

Pimenta (2012) quando considera que a formação dos professores através de ações de estudos

poderá contribuir, não apenas colocando á disposição dos alunos as pesquisas sobre a atividade

docente na escola, mas também, procurando desenvolver com eles pesquisas da realidade

escolar, ao trabalhar a pesquisa como princípio formativo na docência.

A proposta apresentada pelo grupo de estudos GEPETE/UFMS- Práticas Educativas e

Formação Docente iniciaram as atividades sem a intenção de gerar tantos resultados positivos,

mas, ao longo dos encontros fomos percebendo que o grupo se tornava mais forte e com o

propósito de debater as ações vivenciadas tanto nas instituições de Educação Infantil como na

Universidade e até em alguns momentos com a realidade vivida pela maioria das mulheres que

hoje trabalham e tem filhos. Assim, pretendemos continuar somando esforços em aprofundar

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nossos estudos e saberes sobre a Educação Infantil a fim de viabilizarmos uma educação

fundamentada na experimentação e na vivência dos sujeitos, valorizando a vida e a história da

criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa possibilitou aos acadêmicos que participam do Grupo de Estudos e

Pesquisas: Práticas Educativas e Formação Docente (GEPETE/UFMS) ter novos olhares sobre

a Educação Infantil, por meio das discussões e dos apontamentos dos autores discutidos. Tendo

contribuído para formação da docência em Educação Infantil.

As reuniões do grupo foram importantes no que diz respeito às práticas pedagógicas

da Educação infantil, refletimos sobre o educar e cuidar e discutimos sobre formação docente,

ressaltando a importância da teoria- prática caminharem juntas, pois exige que o professor de

hoje transgrida em suas práticas para conseguir alcançar seus objetivos.

Neste contexto, o grupo vem seguindo uma proposta positiva nas discussões na qual

trocam relatos e experiências vividas na sua rotina escolar, ampliando seu conhecimento em

relação aos temas geradores de cada encontro. E de maneira que o grupo propõe continuar suas

discussões e aprofundar seus estudos e pesquisas procurando aproximar cada vez mais a teoria

e a prática, apontando para um maior reconhecimento do professor de crianças pequenas e

lutando por qualidade da educação infantil.

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Eu Canto Pra Você: saberes musicais de professores da pequena infância1

Sandra Mara da Cunha2

Resumo:

Pensar a formação musical de professores da pequena infância com base nos diálogos entre três

campos de estudos foi o caminho tomado na pesquisa de doutorado concluída em 2014. A

Educação Musical se abriu às contribuições da Formação de Professores e da Sociologia da

Infância para, juntas, tratarem da música e seus processos de construção de conhecimento em

um Centro de Educação Infantil-CEI e em uma Escola de Educação Infantil-EMEI de São

Paulo-SP. Durante um ano letivo, em encontros semanais permeados por acontecimentos

musicais e tendo como ponto de partida os saberes e práticas musicais que estavam em jogo na

ação educativa das professoras com as crianças, foram empreendidos aprofundamentos e

ampliações em suas atuações musicais e pedagógicas. O estudo encontrou abrigo na abordagem

da pesquisa-ação participativa e provocou, como resultado, a conquista de uma atitude

norteadora para as ações docentes que nomeie como “dupla escuta”: para o fenômeno sonoro e

para as crianças fazendo música.

Palavras-chave: Educação Musical. Formação de Professores. Sociologia da Infância.

Educação Infantil

Introdução

Pensar a formação de professores da pequena infância a partir dos seus saberes e práticas

musicais em jogo na ação educativa com as crianças foi o tema de investigação sobre o qual me

debrucei no doutorado defendido no segundo semestre de 2014 na FE/USP. A consideração

pelos saberes dos professores e a escola como um lugar privilegiado para a promoção de

reflexões e avanços nas práticas pedagógico-musicais foram princípios adotados na condução

desta pesquisa, pois acredito que:

[...] não é possível mudar o profissional sem modificar de maneira articulada

os contextos em que os professores trabalham, ou seja, a reflexão sobre a

prática profissional insere-se numa reflexão mais global sobre os lugares

institucionais em que essa prática decorre. [...]

Assim, as escolas convertem-se em centros de desenvolvimento profissional

dos professores (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p. 269).

1 Este texto é fruto de Pesquisa de Doutorado, realizada no período de agosto de 2010 a agosto de 2014, na Faculdade de Educação da Universidade de São

Paulo - FEUSP. Tese defendida e aprovada em 30 de Setembro de 2014. 2 Assistente Pedagógica da Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo – EMIA/SP e Professora no curso de Licenciatura em Educação Musical da

Faculdade da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco

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Desse modo, estudar o tema desta investigação somente com base na Educação Musical

não traria a compreensão necessária sobre o ensino de música para professores em exercício,

nem mesmo sobre o modo das crianças fazerem música. Assim é que julguei fundamental me

abrir para outros campos de estudo e promover diálogos com a Educação Musical. Foi também

de importância fundamental para o desenvolvimento da pesquisa a adoção de uma concepção

de infância que ultrapassasse os limites do meu próprio campo de modo a superar pressupostos

vindos da Psicologia, área que de modo dominante tem alicerçado a Educação Musical.

Observar, estimular e cultivar o fazer musical infantil foi uma questão importante neste

processo, pois o que nós professores pensamos sobre as crianças e sobre a infância determina

grandemente o modo como conduzimos o nosso trabalho e a relação com elas estabelecida.

Pensar, portanto, as crianças a partir da maneira como fazem música foi especialmente

interessante do ponto de vista do ensino desta área artística, em que a imaginação e a criação

desempenham um papel fundamental. Desse modo, a relação de alteridade entre os adultos que

têm essa compreensão sobre o fazer musical infantil e sobre as próprias crianças é questão

central para a formação e atuação profissional docente nesse campo.

Justificativa

Com a intenção de compreender melhor o tema desta pesquisa, a Educação Musical

estabeleceu diálogos com a Formação de Professores nas questões relacionadas à formação

profissional docente, e com a Sociologia da Infância para entender as crianças e seus modos de

fazer música. É neste ponto que encontramos a justificativa para a realização desta pesquisa:

sua importância reside no fato de que a investigação de Doutorado, multifacetada e

interdisciplinar por natureza, só poderia mesmo ter acontecido em um “lugar” não situado

geograficamente, mas conceitualmente criado e possuidor de uma permeabilidade que consente

fluxos contínuos entre os três eixos de estudo.

Os movimentos de ir e vir caracterizaram, portanto, esta pesquisa e se fizeram presentes

durante todo o seu desenvolvimento: alternaram-se diálogos entre campos de conhecimento,

trocas de saberes entre professores, crianças e adultos se relacionando e fazendo música e

espirais cíclicas na condução da pesquisa-ação participativa.

Para discorrer sobre esta investigação e os caminhos tomados para a sua consecução, a

tese foi estruturada em sete capítulos, sendo que nos três primeiros encontra-se a sua

fundamentação teórica. Nos capítulos seguintes foi apresentada a pesquisa de campo e seus

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contextos, com a mostra dos seus principais acontecimentos, a sua análise e para encerrar, as

considerações finais.

Objetivos

A pesquisa emergiu com o objetivo primeiro de reconhecer e incorporar os saberes e

práticas musicais e os interesses e demandas de professores ao seu próprio processo de

formação em exercício. Partir do conhecimento musical preexistente e, de acordo com as

reflexões sobre estes saberes, buscar, com as professoras que participaram do estudo, novos

modos de fazer e ensinar música, pensando nesta como área de conhecimento. Desse modo, as

professoras poderiam repensar suas concepções e práticas que percebem a música como apoio

e ilustração para outras disciplinas, ou simplesmente como recreação, entretenimento,

brincadeira e diversão, assim como diz Swanwick:

Certamente é agradável, às vezes, ter música funcionando como fundo para

outras atividades ou dirigida por essas atividades. Mas em educação musical

a principal meta é, certamente, trazer a conversação musical do fundo de nossa

consciência para o primeiro plano. A pergunta “qual é a função da música?”

fica, então, subordinada à pergunta “como ela funciona?” [...] o foco

educacional tem, acima de tudo, de estar nos verdadeiros processos do fazer

musical (SWANWICK, 2003, p. 50, grifo do autor).

O segundo objetivo da pesquisa foi propor que os avanços nas práticas docentes

ocorressem cada vez mais em fina sintonia com a ação musical das crianças. Com isso, ao

trazerem para os encontros da pesquisa de campo os relatos das atividades musicais

desenvolvidas com suas turmas, as professoras poderiam, com esse compartilhamento, tomar

consciência de como as crianças se apropriavam ou não de tais propostas, para refinarem ainda

mais seu trabalho com a música.

Referencial teórico

Os temas relativos à Formação de Professores - como o desenvolvimento profissional

docente, os saberes dos professores e a escola como um lugar privilegiado para empreenderem

seus estudos - foram abordados com base na área da Formação de Professores. Os escritos,

principalmente de autores como García (1999), Oliveira-Formosinho (2009), André (2010),

Zeichner (2008) e Zeichner & Diniz (2005), assim como as contribuições de Tardif (2000,

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2001) e Nóvoa (1995, 1999) forneceram uma base conceitual de caráter mais amplo para pensar

sobre a Formação de Professores como campo de estudos.

Na seção referente à docência para a educação infantil, Halldén (2005) e Gomes (2003)

conduziram os aspectos mais específicos em relação a esta etapa de ensino.

O segundo capítulo abordou os temas pertinentes à Educação Musical. A provável

origem dos saberes musicais dos professores da educação infantil paulistana, bem como os

princípios pedagógicos que guiaram a pesquisa de campo constituíram os assuntos tratados,

sempre em conexão com as possibilidades de aprendizagem musical das crianças pequenas. As

ideias de Koellreutter (1994), trazidas também por Brito em pesquisas sobre o autor (2001,

2004), assim como Delalande (1976, 1989, 1995) e Brito (2001, 2003, 2004 e 2007),

corroboraram as escolhas de princípios constituintes de um trabalho musical voltado para a

atuação docente com crianças pequenas.

No terceiro capítulo, a Educação Musical travou conversas instigantes com a Sociologia

da Infância, com o objetivo de trazer maior compreensão sobre crianças e sobre a infância. A

Sociologia da Infância tem como princípio estruturante o paradigma da competência infantil,

ou, como afirma Sarmento (2009, p. 22): “todas as crianças são competentes no que fazem,

considerando a sua experiência e as suas oportunidades de vida, sendo que as suas áreas de

competência são distintas das áreas de competência adulta”. Ainda de acordo com o autor, “é

da ordem da diferença e não da grandeza, incompletude e imperfeição, que a Sociologia da

Infância trata quando estabelece a distinção das crianças face aos adultos” (Ibidem, p. 22).

Além de Sarmento (2002, 2003, 2007, 2008, 2009, 2013a, 2013b), os pesquisadores

Prout (2005) e Corsaro (2011) fundamentaram os pressupostos mais importantes do campo para

o tema em foco neste estudo. Qvortrup (1997, 2011), Halldén (2005), Ferreira (2004, 2008) e

Nascimento (2009) também trouxeram suas contribuições para uma melhor compreensão dos

estudos que vêm sendo realizados nessa área.

Metodologia

Por ter sido investigação e ação reflexiva sobre a prática docente-musical das

professoras, com a intenção de produzir mudanças, o paradigma de pesquisa que mostrou

possuir maior consonância com este estudo foi o da pesquisa-ação. Dentro desse modelo, a

metodologia que me forneceu inspiração - e na qual encontrei abrigo - foi a pesquisa-ação

participativa, especialmente voltada para o campo artístico-educacional.

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De início, busquei apoio em Barbier (1985, 2007) e em Thiollent (1994), mas em

seguida autores como Máximo-Esteves (2008), Franco (2005, 2008), Costa (2007) e Dick

(2003) foram especialmente esclarecedores para encontrar, nessa metodologia, os pontos de

contato com este estudo e lhe fornecer o apoio para a sua fundamentação e condução, pois:

Essa reflexão permanente sobre a ação é a essência do caráter pedagógico

desse trabalho de investigação. Nesse processo de reflexão contínua sobre a

ação, que é um processo eminentemente coletivo, abre-se o espaço para se

formar sujeitos pesquisadores (FRANCO, 2005, p. 498).

Os instrumentos de pesquisa foram essencialmente a observação participante e os relatos

do caderno de campo feitos no decorrer da investigação. Outro instrumento para a coleta de

dados foram duas entrevistas com características de grupos focais, realizadas no primeiro e no

último encontro com as professoras.

Desenvolvimento da pesquisa

A parte central deste estudo foi a pesquisa-ação realizada durante todo o ano de 2012

com dois grupos de professoras de crianças de zero a cinco anos de idade, de duas escolas

municipais da cidade de São Paulo, um Centro de Educação Infantil – CEI e uma Escola de

Educação Infantil – EMEI. Em encontros semanais permeados por reflexões e buscas de novos

caminhos de atuação, foi construído, de modo compartilhado, um trabalho com a música.

No seu desenvolvimento, as professoras partiram do já sabido e, com as reflexões

empreendidas sobre essas ações primeiras, foram instigadas a estabelecer conexões entre

assuntos e buscar os caminhos que a abertura característica do trabalho artístico lhes apresentou:

A formação tem me feito olhar de modo diferente para o meu trabalho, um

novo jeito de ouvir. Antes eu propunha uma atividade musical e logo passava

para outra. Agora eu consigo dar continuidade a uma atividade, consigo

desenvolver, aprofundar o trabalho (Júlia, professora da EMEI).

O foco essencial da pesquisa-ação foi colocado em dois aspectos: na escuta atenta e

cultivada do fenômeno sonoro, na compreensão possível dos seus elementos constitutivos, e

também na observação e na escuta sensível, porque atenciosa e acolhedora para as crianças

fazendo música. Com o que nomeei como “dupla escuta”, as professoras puderam, então,

empreender reflexões, retomar o que havia sido feito nas aulas com as crianças e, ao nos

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debruçarmos juntas sobre esses acontecimentos nos nossos encontros, tentar outros caminhos,

refinando modos de ação e repensando concepções.

Trabalhar cada vez mais em sintonia com as crianças provocou transformações

importantes e profundas no trabalho das professoras, tornando-o mais próximo de seus

pequenos alunos e, por isso mesmo, mais adequado para a etapa da educação infantil. Música

que tantas vezes transformou-se em movimento, em dramatização, em dança, em brincadeira,

e voltou de novo a ser música.

O desmanche entre áreas artísticas encontra razão de ser também na educação da

pequena infância, nas experiências que provocam aprendizagens e trazem conhecimento.

Educação musical voltada para a educação infantil e pensada não na forma de “aulas de

música”, mas como momentos musicais dados em espaços e tempos outros e que seguem o

mais característico dos modos de ser e de aprender das crianças pequenas. Modos diluídos nos

“entre tempos” e “entre espaços” onde habitam o rico imaginário infantil e a arte.

A apresentação e a interpretação dos dados coletados no decorrer da pesquisa de campo

contaram fatos de três momentos do seu tempo de acontecimento: o início, o desenvolvimento

e a finalização. Nesse percurso, emergiram alguns assuntos que se mostravam relacionados uns

com os outros e, com essa proximidade, acabaram se constituindo como temas gerais, que se

sobressaíram e estiveram presentes o tempo todo, permeando nossas discussões e, portanto,

tornaram-se categorias para guiar os comentários e a análise dos dados.

As situações práticas envolvidas no decorrer da pesquisa de campo e seus fundamentos

teóricos foram apresentados separadamente na tese, mas é importante pontuar que eles foram

pensados como lados de um mesmo objeto, que se completaram para dar conta de uma

compreensão mais profunda do tema de investigação eleito. Essas faces foram constituintes de

um corpo total, com membros que se articulavam e a ele pertenciam, mostrando-se como fluxos

contínuos que se uniram para pensar os saberes e as práticas musicais de professores da pequena

infância, naquilo que possuíam de mais fundamental: uma atuação musical docente que se dá

na relação estreita entre adultos e crianças no contexto educativo, com descobertas e ações

musicais que aconteceram na sua concretude.

Mais do que dar visibilidade a esses acontecimentos, o que se desejou com a pesquisa

foi escutá-los e considerá-los, e é por isso que “eu canto pra você” colocou-se como uma canção

de acolhimento para a ação musical das professoras, e delas para com as crianças.

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Resultados

Terminado esse percurso investigativo e formativo, tornaram-se visíveis os conteúdos

abordados, o conhecimento adquirido pelas professoras e também pelos seus pequenos alunos,

caracterizando, desse modo, um currículo aberto e construído também em sintonia com as

crianças, um currículo musical que se revelou no final, de modo posposto.

Uma das contribuições mais importantes deste estudo para o campo da Educação

Musical foi a de trazer para os professores que trabalham música na educação infantil, sejam

eles músicos ou não, uma compreensão renovada sobre as crianças pequenas e seus modos

genuínos de fazer música. Segundo uma das participantes da pesquisa de campo, as crianças:

São o que são, nós é que mudamos o nosso olhar, nós ampliamos essa

questão de dar os instrumentos e até de dizer para elas: “- Acreditamos que

vocês podem fazer uma coisa legal com isso aqui.” Mas elas são musicais

como sempre foram, nós é que não tínhamos percebido (Sofia, professora

da EMEI, grifos meus).

Acredito que o que nomeei como a música das crianças ou, em outras palavras, a música

que as crianças fazem, não é a música da indústria cultural voltada para elas e nem a reproduzida

e repetida à exaustão na busca de uma interpretação profissional adulta. Desse ponto de vista,

creio que a música das crianças é aquela que emana do corpo e dos materiais sonoros diversos

e que ganha vida nas suas experimentações imaginativas e brincantes. E que, quando

estimuladas por adultos sensíveis e atentos, ganham sentido e podem se transformar em formas

esteticamente interessantes.

Foram as crianças que decidiram usar as caixas de papelão para tocar junto

com a música. Eu não sei nada e descobri que as crianças sabem cantar e

escolher o que fazer melhor do que eu. Foram elas que decidiram que as caixas

seriam os instrumentos para tocar junto com a música, porque achavam que

elas produziam sons mais suaves e que combinavam mais com a música.

Muito mais do que pandeiros e tambores (Alice, professora da EMEI).

A concepção de infância aqui trazida contribuiu para alargar o ponto de vista das

professoras com respeito às crianças e ajudou a conduzir esse processo de instigá-las a verem e

a ouvirem mais seus pequenos alunos. Por meio de múltiplos canais perceptivos, puderam se

deixar guiar pelas crianças e seguir mais de perto suas pistas, em aproximações que acarretaram

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uma atuação mais apropriada, na música e, para além dela, nos contextos educativos vários,

como no depoimento a seguir:

[...] mudou o olhar porque eu imaginava que a música era você sentar e cantar,

as crianças afinadinhas, tocar instrumentos bonitinhos, pra mim, isso era

música. E quando você falou dos sons, dos barulhos, um apito, isso é música,

isso me fez ver de forma diferente e até trabalhar de uma forma diferente com

as crianças. Eu ficava muito ansiosa, as crianças começaram a experimentar,

começaram a sugerir. E você começa a ver a criança sozinha produzindo ali,

pegando e tocando. (Maria Luíza, professora do CEI)

Mais uma contribuição deste estudo para a Educação Musical foi a consideração pelo

que as professoras sabiam e queriam saber fazer melhor e que se ligou, portanto, ao que as

crianças queriam fazer e sabiam fazer. E esse desejo de saber mais, de professoras e de crianças,

ganhou vida em um espaço-tempo poético de descobertas e de fazeres embalados por sons e

músicas, canções e instrumentos musicais, nos corpos dançantes e brincantes de uma infância

que vive e acontece na ação musical. E, para tanto, é preciso que esteja presente na atitude dos

adultos, seu apoio e reconhecimento.

Considerações Finais

Tendo em vista os dois objetivos desta pesquisa - desenvolver e ao mesmo tempo estudar

os saberes e as práticas musicais de professoras da pequena infância, considerando seu

conhecimento pré-existente e tornar cada vez mais visível para as participantes a ação musical

das crianças - ela revelou conquistas importantes e apontou caminhos a serem seguidos.

Caminhos que podem conduzir a melhorias nas práticas musicais de professores não

especialistas e, consequentemente, das relações de adultos com crianças, porque construída na

“dupla escuta” e na realidade da escola pública da pequena infância na atualidade. Para tanto,

faz-se importante levar em consideração os seguintes pontos apontados pela pesquisa:

Que os pesquisadores e especialistas considerem os saberes musicais dos

professores não músicos e que os tragam para a construção das propostas de

desenvolvimento profissional docente nesse campo.

Como consequência direta desse objetivo primeiro, que a sequência do

conteúdo programático a ser desenvolvido com os professores em situação de formação

seja aberta e não estabelecida a priori pelos educadores e pesquisadores.

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Que a escola como uma realidade singular e única seja eleita como o lugar

privilegiado para a realização dos aprofundamentos docentes.

Somado a isso, o apoio especialista concebido com base nos diálogos entre a

Educação Musical com a Formação de Professores e com a Sociologia da Infância

mostrou-se como ponto fundamental para instigar, propor e desafiar os professores na

busca dos caminhos mais viáveis para cada realidade educativa. Tendo em vista o que o

grupo profissional docente já sabe e o que deseja saber, mas propondo sempre um mergulho na

especificidade do campo da Educação Musical e em um trabalho guiado por princípios

educativo-musicais claros;

Que a educação musical realizada nas escolas da pequena infância encontre

a sua essencialidade na “dupla escuta”: foco no fenômeno sonoro e na escuta musical

cultivada e também na ação das crianças quando fazem música.

Que as concepções de infância e de educação da infância possam ser

repensadas, buriladas e ampliadas. Que o trabalho dos professores aconteça, enfim, levando-

se em consideração as crianças em primeiro lugar e que a música seja o veículo para

alcançarmos um trabalho de qualidade na educação da pequena infância.

Foi com base no fazer musical infantil, possibilitado pelo processo de pensar o

aperfeiçoamento musical das professoras em consonância com o que aplicavam com seus

pequenos alunos e com o que estes recriavam a partir das propostas docentes, que construímos

juntas, pesquisadora/formadora e professoras da pequena infância, essa pesquisa. Pesquisa-ação

como encontro, validada pelas discussões que escutaram a opinião de todas as participantes e

que as levou à ampliação do conhecimento no campo da música. A construção do grupo é o que

foi diferente, elas mesmas afirmaram:

Mª Eduarda: A formação foi um ganho para o grupo, que conseguiu construir

um trabalho de música. Nesse ano a gente conseguiu ter uma articulação do

trabalho de música que a gente já tinha algum tempo que não tinha aqui na

escola. (Mª Eduarda, professora da EMEI)

Se para as professoras, esse processo de construção do conhecimento educativo-musical

foi importante e fundamental para o desenvolvimento da “dupla escuta”, para o acontecimento

dessa proposta de pesquisa foi essencial que ela tenha se dado com base em “múltiplas escutas”.

Escuta e acolhimento das professoras e das professoras para as crianças.

E que essas escolas, quiçá, possam ser um dia a casa onde habitam com alegria as

crianças e suas músicas.

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SABERES DOCENTES SOBRE AVALIAÇÃO NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Raiza Fernandes Bessa de Oliveira

Maévi Anabel Nono

RESUMO

Esta comunicação de pesquisa se refere a uma investigação realizada em 2014, em nível de

Iniciação Científica, com apoio FAPESP, por meio da qual pretendeu-se responder: quais são

os saberes de professoras que atuam em uma creche que atende a crianças de 0 a 3 anos de idade

sobre avaliação na Educação Infantil? Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados

observação com registro em diário de campo e questionários. Os sujeitos da pesquisa foram

professoras de uma escola de Educação Infantil de São José do Rio Preto, SP. Os resultados

obtidos a partir dos questionários sugerem que os sujeitos possuem saberes relevantes sobre o

tema. Entretanto, por meio das observações, constatou-se dificuldade em articulá-los à prática

docente. Conclui-se destacando a importância da formação inicial e continuada que permita a

construção dos saberes necessários para avaliarem o desenvolvimento das crianças, rompendo

com práticas avaliativas que não são consideradas adequadas.

Palavras-chave: Professores-Formação. Educação Infantil. Avaliação. INTRODUÇÃO

A Educação Infantil vem se consolidando, no Brasil, como etapa importante da Educação Básica. Desde a Constituição de 1988, que trouxe o atendimento em creches e pré- escolas para o capítulo da Educação, e, em seguida, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, que determinou que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, o atendimento de crianças de 0 a 5 anos em ambientes educacionais vem aumentando. Juntamente com sua expansão, crescem também estudos sobre a especificidade da infância e as necessidades da escola que a atende.

A avaliação na Educação Infantil é um tema que vem sendo cada vez mais estudado; assim, entendendo este como um tema relevante no que diz respeito ao bom atendimento das crianças pequenas que frequentam creches e pré-escolas, buscou-se investigar saberes que professoras de uma instituição pública de Educação Infantil têm sobre o assunto, buscando analisar esses saberes e suas influências na prática docente.

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JUSTIFICATIVA

Qual a finalidade da Educação Infantil? Os professores que atuam nessa etapa da

Educação Básica ainda trazem consigo uma concepção assistencialista e/ou concebem a

Educação Infantil como preparatória para o Ensino Fundamental? Ainda são muitas as questões

em torno desta etapa da educação – sua função, seus objetivos, suas especificidades, como

devem ser construídas as relações dentro das creches e pré-escolas. Dentre essas questões,

encontra-se a avaliação, ou seja, como deve ocorrer o processo de avaliação das crianças que

frequentam a Educação Infantil? A importância deste trabalho justifica-se pela necessidade de

estudar e discutir as formas e os objetivos da avaliação nesta etapa da Educação Básica.

OBJETIVOS

De modo geral, o objetivo desta investigação consistiu em investigar os saberes que

professores de Educação Infantil possuem sobre a avaliação.

Como objetivos específicos, pretendeu-se:

Identificar qual é, do ponto de vista dos professores, a finalidade da avaliação na Educação

Infantil.

Descrever e analisar as formas de registro que os professores de Educação Infantil utilizam

para documentar os processos de desenvolvimento e as aprendizagens das crianças.

Identificar quais saberes são necessários, do ponto de vista dos professores de Educação

Infantil, para avaliar o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças.

Identificar, do ponto de vista dos professores de Educação Infantil, quais as contribuições e

limitações de seus cursos de formação inicial para sua atuação nas creches e pré-escolas,

especificamente no que se refere à avaliação do desenvolvimento e aprendizagens das crianças.

REFERENCIAL TEÓRICO

O professor, principalmente aquele que lida com crianças de 0 a 5 anos de idade,

exerce influência essencial e determinante na vida e na autoestima das crianças com quem

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tem contato, podendo proporcionar a elas conhecimentos de mundo diversos, desenvolver a

subjetividade e a abstração, colaborando para a visão positiva dela mesma, ou privando-a desses

conhecimentos e reprimindo-a em diversos sentidos. Assim, entende-se que é impossível avaliar

as crianças e seu desenvolvimento sem levar em consideração as especificidades da infância, as

características pessoais e os aspectos sociais e culturais nos quais as crianças estão inseridas.

Com isso, deve-se buscar uma avaliação contínua, dinâmica e formativa. Segundo Rezende

(2007), para isso é necessária uma ação pedagógica que vá na contramão da avaliação

excludente ou ainda, classificatória, que vise um modelo de aluno ideal, com comportamentos

ideais.

A avaliação na Educação Infantil deve levar em conta todos os aspectos do

desenvolvimento de uma criança. Avaliá-la é, portanto, observar e registrar seu

desenvolvimento, tendo como parâmetro para comparação a própria criança, ou seja, onde ela

estava e aonde ela já chegou, percebendo suas potencialidades, suas dificuldades e suas

características pessoais. Neste sentido, avaliar é, de acordo com Silva (2012), “[...] analisar o

processo de construção da aprendizagem vivenciada pelo educando, tendo como objetivo

redimensionar todo o momento das propostas educacionais, servindo como um instrumento

educativo fundamental no desenvolvimento humano” (p. 2).

Isso significa que a autoavaliação do professor também é fundamental no que diz

respeito ao processo de avaliação das crianças no âmbito da Educação Infantil. Dessa forma, “[...] a avaliação exige de quem avalia uma consciência clara de seu próprio papel e dos esforços

que faz no sentido de atingir seus propósitos e objetivos” (SILVA, 2012, p. 2). Com isso, o

professor deve estar ciente de que a avaliação “[...] não possui uma finalidade em si. Ao contrário, ela é o meio pelo qual podemos observar se estamos atingindo os objetivos

previamente estipulados” (RITCHER; MOTA; MENDES, 2009, p. 185).

Richter, Mota e Mendes (2009) discorrem sobre o fato de que apesar de as profissionais

de Educação Infantil não se utilizarem de instrumentos de avaliação já consolidados em outros

níveis de educação (como, por exemplo, provas e notas), elas acabam por legitimar esse tipo de

processo avaliativo excludente e constrangedor, só que em termos mais “sutis”, embora tão

prejudiciais para a criança como os anteriores. Com isso, “[...] apesar da sutileza, o erro

continua concebido como algo a ser evitado” (RICHTER; MOTA; MENDES, 2009, p. 180).

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Busca-se, então, compreender a prática pedagógica dos professores de Educação

Infantil no que diz respeito à avaliação das crianças. Uma ferramenta importante para a

realização desta tarefa é o registro. O registro pedagógico norteia o trabalho, representa o

pensamento e a organização da ação, além de, implicitamente, revelar as visões de mundo e

concepções do professor. Segundo Silva (2012), o registro é essencial no processo de avaliação

das crianças pequenas; ele deve ser sistematizado e coerente, deve ser elaborado de diferentes

maneiras, de modo que permita ao professor observar o desenvolvimento e aprendizagem das

crianças, bem como avaliar e acompanhar a sua própria prática pedagógica, buscando

melhorias, modificações e transformações pertinentes.

Para a construção de práticas avaliativas que caminhem juntas com a valorização da

criança pequena em sua especificidade e com seu direito a um atendimento qualidade, é

necessário que o professor, e também a escola, tenham claras suas metas e objetivos, levando

em consideração as características de seus alunos, com base na compreensão das fases do

desenvolvimento infantil.

Tem-se, também, como base para o entendimento da prática avaliativa docente, o que as

políticas públicas para Educação Infantil e os documentos que tratam desta etapa da Educação

Básica propõem sobre a avaliação das crianças pequenas. No Referencial Curricular Nacional para

a Educação Infantil (RCNEI) (BRASIL, 1998) coloca-se que o professor deve fazer uma avaliação

formativa em relação às crianças e seu aprendizado. Como, por exemplo, neste trecho no qual no

documento aponta-se como deve ser a avaliação na área da Música:

A avaliação na área de música deve ser contínua, levando em consideração os

processos vivenciados pelas crianças, resultado de um trabalho intencional do

professor. Deverá constituir-se em instrumento para a reorganização de objetivos,

conteúdos, procedimentos, atividades, e como forma de acompanhar e conhecer cada

criança e grupo. Deve basear-se na observação cuidadosa do professor. O registro de

suas observações sobre cada criança e sobre o grupo será um valioso instrumento de

avaliação (BRASIL, 1998, p. 77).

Sendo assim, entende-se a avaliação na Educação Infantil como um processo flexível,

contínuo e formativo, que permite ao professor sistematizar e refletir sobre os processos de

ensino-aprendizagem, sobre a sua própria prática docente e sobre as necessidades e o

desenvolvimento das crianças que estão sob sua responsabilidade, a fim de identificar as

práticas que foram bem sucedidas, bem como falhas e o que precisa ser modificado e

melhorado. Avaliar é uma ação intrínseca aos atos de cuidar e educar as crianças nas creches e

pré-escolas, colocando ao professor e às escolas o grande desafio de ressignificar as práticas

educativas e o modo como a avaliação é entendida nesta etapa da Educação Básica.

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METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986) em que se

buscou analisar questionários respondidos pelos sujeitos da pesquisa e, também, sua prática

avaliativa diária com as crianças, por meio de observações e registros em diário de campo. Tal

análise fundamentou-se em levantamento bibliográfico sobre o tema avaliação na Educação

Infantil (GUIMARÃES; CARDONA; OLIVEIRA, 2014; RITCHER; MOTA; MENDES,

2003; OLIVEIRA, 2007; REZENDE, 2007; SILVA, 2012; PAZ, 2005).

Os questionários eram compostos por cinco questões, versando sobre os seguintes

tópicos: a contribuição, ou não, dos cursos de formação inicial e de formação continuada em

relação à avaliação na Educação Infantil; os saberes necessários para um professor conseguir

avaliar, no dia a dia, o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças; instrumentos

utilizados para a avaliação do desenvolvimento e das aprendizagens das crianças e as formas

de registro das professoras; o que é possível de ser avaliado no desenvolvimento e nas

aprendizagens das crianças; o significado, do ponto de vista das professoras, da avaliação nessa

etapa da Educação Básica.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Os dados foram coletados em uma escola pública de Educação Infantil localizada no

município de São José do Rio Preto, SP. A escola atende anualmente a cerca de 115 crianças

com até 3 anos de idade, em período integral. Todas as professoras são do sexo feminino e

possuem entre 27 e 52 anos de idade. A maioria delas cursou o Magistério e todas fizeram

também o curso de Licenciatura em Pedagogia, exigido por lei a partir da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional 9.394/96.

A coleta de dados foi realizada por meio de aplicação de questionário, observação e

registro em diário de campo. Foram utilizados na pesquisa 10 questionários, respondidos pelas

docentes que trabalhavam na instituição e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. Os sujeitos da pesquisa foram nomeados de P1 a P10. As visitas à escola de

Educação Infantil campo de pesquisa foram realizadas duas vezes por semana, durante os meses

de abril e maio de 2014, em período integral. As observações foram realizadas em um

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agrupamento de 24 crianças entre 3 e 4 anos de idade que estavam, no período da coleta, sob a

responsabilidade de 2 docentes (1 no período da manhã e 1 no período da tarde) e contava com

a presença de 2 estagiárias (1 em cada período) (embora matriculadas com 3 anos de idade,

algumas crianças completaram 4 anos no decorrer do ano letivo).

RESULTADOS

Levando-se em consideração os questionários respondidos, entende-se que as

profissionais de Educação Infantil que trabalham na escola campo de pesquisa possuem saberes

relevantes sobre a avaliação nesta etapa da Educação Básica, como sugere o trecho a seguir:

A avaliação na educação infantil acontece nas observações diárias das ações das

crianças, seus avanços, suas dificuldades, seu modo de ser e agir estando ligada a

reflexão da prática pedagógica. Significa aceitar as diferenças de cada um e ao

mesmo tempo refletir sobre os pontos positivos e negativos da prática pedagógica

buscando ajudar as crianças para que elas possam se desenvolver com sucesso (P9).

No que se refere aos saberes das professoras sobre a finalidade da avaliação na Educação

Infantil, elas destacam aspectos do desenvolvimento das crianças que podem ser avaliados,

entre os quais, “[...] a linguagem oral, a autonomia, a identidade, movimento, socialização,

desfraldamento, higiene corporal e bucal” (P1), “A coordenação motora geral, a coordenação

motora fina, a convivência em grupo, as habilidades, enfim: o desenvolvimento no geral” (P4),

“O desenvolvimento na linguagem oral, através de músicas, roda de conversas, a autonomia, a

coordenação fina, através de trabalhos com canetas, giz de cera, pincel, conhecer o nome, as

cores primárias, etc” (P6).

Muitas destacam também a importância do registro e as formas das quais se utilizam

para registrar a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças: P2 coloca que “[...] a avaliação

na Educação Infantil se dá por meio de anotações, fotos e vídeos, tudo visando o

desenvolvimento da criança” e afirma que se utiliza de “[...] vídeos, fotos, registros,

recolhimento de informações dos pais e opiniões dos professores da mesma sala” (P2).

No que se refere aos saberes necessários para avaliar, as professoras reconhecem a

importância de saber observar e saber reconhecer o tempo e as características de cada criança,

bem como saber elaborar um planejamento que oriente a prática pedagógica, como P4 coloca: “[...] é importante saber observar cuidadosamente, criar objetivos e planejar atividades

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adequadas e ter flexibilidade à mudança, caso seja necessário”. P7 concorda quando defende

que “[...] o professor precisa ser observador, criar objetivos e planejar atividades adequadas,

dando assim um real ponto de partida para esta observação”. Destacam também a importância

de saber registrar, como revela o trecho escrito por P10: “O registro, é fundamental registrar e

observar as atividades e o desenvolvimento de cada criança, para que possamos obter

informações sobre o conhecimento e os avanços que esses pequenos estão tendo”.

Já no que diz respeito à formação inicial e continuada e práticas de avaliação, pode-se

perceber que boa parte das docentes aponta ter tido contato com saberes referentes à avaliação

na Educação Infantil em algum momento de sua formação profissional, seja inicial ou

continuada, embora algumas apontem lacunas nos cursos de formação no que se refere a esse

tema.

Muitas das profissionais afirmam entender, ainda, a avaliação como instrumento de

reflexão de suas práticas pedagógicas, ou seja, uma ferramenta que as auxilia no planejamento

das atividades e na formulação de mudanças que se fazem necessárias no cotidiano da creche.

Em suas respostas aos questionários, as professoras fazem pouca referência (apenas 1

ocorrência) a estudos e documentos oficiais que tratam do tema avaliação na Educação Infantil,

embora deva-se deixar claro que não foi solicitado explicitamente a elas que fizessem tais

referências.

As observações foram realizadas tendo por base os focos de análise e objetivos desta

pesquisa, buscando estabelecer relações entre o que era observado no espaço da Educação

Infantil e o referencial teórico sobre a avaliação nesta etapa da Educação Básica. As

observações ocorreram em um agrupamento de 24 crianças entre 3 e 4 anos de idade (Maternal

II). Os processos avaliativos se deram no âmbito da rotina escolar e do trabalho pedagógico do

qual as crianças, as docentes e as estagiárias fazem parte, assim sendo, tendo como base o

referencial teórico sobre a avaliação nesta etapa da Educação Básica, bem como os objetivos

da pesquisa, buscou-se compreender esses processos e discuti-los.

As docentes e estagiárias observadas terão suas identidades resguardadas, portanto será

usada a seguinte nomenclatura para identificá-las: Professora da manhã – P9; Professora da

tarde – P10; Estagiária da manhã – EM; Estagiária da tarde – ET. A seguir serão descritas e

analisadas algumas situações registradas em diário durante a realização da pesquisa.

Durante a realização de uma atividade, as meninas estavam sentadas, fazendo uma

dobradura, a professora tenta incentivá-las: “Isso, parabéns! Tá certo! Vai ficar do jeito que

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vocês fizerem, do jeito de vocês, não tem problema!” (P9). Nessa fala, fica claro que a

professora entende como importante dar um retorno para as crianças em relação ao seu

desempenho; ela está, portanto, avaliando-as, e, neste caso, seu comentário foi positivo. Em

outro momento, a professora pede que elas colem a dobradura na folha, uma delas parece não

se importar com a orientação e não faz o que foi solicitado. A professora, então, comenta “Ela é passada! Sempre tem um desses, né!?” (P9). Nesta fala da professora fica evidente seu

julgamento negativo em relação não só ao comportamento da criança naquele dado momento,

mas sobre a sua personalidade e jeito de ser.

Outras falas das docentes podem ser analisadas da mesma forma. Quando, por exemplo,

ET se dirige para uma criança “Vamos! Você vai embora, coloca seu sapato... Tem que desenhar

para ele entender”. O modo pejorativo com que ela se dirige à criança é extremamente

prejudicial à formação da identidade e da auto-estima da mesma, pois as experiências dos

primeiros anos de vida são essenciais para a construção da pessoa como sujeito, como destaca

Oliveira (2007):

Enfocando essa discussão no campo da educação escolar, percebe-se que o professor

é o profissional que atua mais diretamente com a criança em um período

consideravelmente longo, por isso ele exerce grande poder de influência sobre a sua

auto-estima e sobre a sua personalidade. Essa influência é ainda maior quando se trata

de crianças na faixa etária de zero a seis anos, que se encontram vulneráveis a qualquer

influência de um adulto mais próximo (p. 178).

Em alguns momentos é possível perceber o esforço das docentes em relação ao

aprendizado das crianças, de modo que elas não fiquem “atrasadas” e sofram por isso nas

próximas etapas da escolaridade. É claro também que suas práticas são bastante baseadas em

elogios e broncas, disciplinamentos e comparações, prêmios e ameaças: “Parabéns! É isso

mesmo!” (P9); “Parabéns! Tá lindo!”(P10); “Olha só como está a sua folha! Amanhã sua mãe

vai ver, viu? Ela vai ver como você cuida das coisas” (P9); “Eu só vou ser amiga de quem

obedece” (P9); “Fecha o bico! Você quer ficar sozinho lá fora? Então pára!”(P9); “Olha aí no

que dá ficar atrapalhando na hora da história, agora fica sem brincar. Eu estou muito triste, meu

coração vai embora triste com vocês” (EM); “Ah, esse passado, sem noção, mas esse aqui é

uma graça, ele sabe tudo, não tem como não gostar” (ET).

Outro equívoco claro é a comparação baseada no gênero das crianças, ou seja, a

professora compara constantemente o desempenho e a aprendizagem delas com base na divisão

entre meninos e meninas, sendo que as meninas apresentam resultados superiores: “As meninas picam certinho, quadradinho, mas esses meninos...” (P9); “Que nojo, olha o que

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você fez! Você é princesa, menina, não pode fazer isso!” (P9); “Eles são muito diferentes das

meninas” (P9). Esse tipo de atitude por parte da docente é considerado prejudicial, pois ela não

parte da própria criança como seu parâmetro de reflexão sobre o desenvolvimento dela mesma,

mas sim, cria estereótipos de crianças e de comportamentos ideais que, na verdade, inexistem:

Embora a professora de Educação Infantil não faça uso de instrumentos de avaliação,

como a prova, a nota e a reprovação, que legitimam a prática avaliativa convencional,

faz uso de formas mais sutis e talvez tão prejudiciais ao desenvolvimento infantil, como, por exemplo, certas comparações entre alunos (RITCHER; MOTA; MENDES,

2013, p. 179).

Outra questão que deve ser discutida é a postura docente frente ao erro das crianças.

Esse tipo de atitude revela a necessidade da transformação de conceitos escolares em relação

ao erro, fazendo com que este passe a ser visto como algo natural ao ser humano que vive em

uma dinâmica de constante aprendizado, ainda mais quando se trata de crianças tão pequenas,

que ainda estão se desenvolvendo. Como na situação a seguir:

A professora (P10) está com todas as crianças na sala. No chão, um painel que está

sendo pintado com tinta pelas crianças. Um menino está com o rolinho na mão, ele

passa o rolo com força, vira a mão para um lado e para o outro tentando pintar a

folha. A professora avisa: “Você vai rasgar a folha desse jeito!”. Antes mesmo que a

criança tenha tempo de continuar, a professora tira o rolinho da mãe dela e o entrega

para outra criança (Diário de campo, 04/05/2014).

Assim, o erro deve passar a ser entendido como possibilidade: possibilidade de

intervenção do professor; possibilidade de compreensão do raciocínio da criança; possibilidade

de refletir sobre o que a criança já sabe e aonde ela ainda precisa chegar.

Como pontos positivos, pôde-se destacar a reflexão das professoras sobre a sua própria

prática pedagógica. Dessa forma, por meio da resposta das crianças, seu desempenho, seus

interesses e suas dificuldades, as docentes buscam reformular a sua prática, buscando obter

melhores resultados, ou seja, com o objetivo de que as crianças aprendam mais e melhor:

A melhor avaliação é eu acompanhar a minha prática e mudar a forma como eu faço

as coisas, sempre que precisar... A gente tem que se adaptar a cada criança, pois cada uma aprende de um jeito e se elas não aprenderem, a gente não alcança nossos

objetivos (P9).

Em relação às formas de registro utilizadas pelas docentes, identificou-se que elas se

utilizam de diferentes meios e recursos para registrar o desenvolvimento e as aprendizagens das

crianças. As formas de registro utilizadas pelas professoras são as seguintes: diário de classe;

relatório na caderneta; fotos, vídeos e atividades (portfólios); fichas descritivas individuais.

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É importante destacar, também, que as docentes reconhecem o desenvolvimento e a

aprendizagem das crianças, dentro do que foi planejado por elas ao longo da rotina escolar.

Muitas vezes, elas identificam nas crianças, individual e coletivamente, esse desenvolvimento

e, em outros casos, se utilizam das situações cotidianas para reformular as suas práticas em

busca de melhores resultados: “A gente tem que fazer mais de uma vez pra ver qual o melhor

jeito, qual dá mais certo” (P9); “Ela participou (a criança), pela primeira vez! Ela nunca falava

nada porque é muito tímida!” (P9); “Eles melhoraram muito. Na primeira semana eu quase pedi

pra sair, é questão de muito amor, muita dedicação... Eles mudaram muito, ainda não está bom,

mas quando a gente deseja uma coisa, uma hora acontece” (P9).

Neste sentido, entende-se que as professoras se esforçam, também, para que as crianças

aprendam e se desenvolvam, e se cobram como profissionais quando isso não acontece.

Infelizmente, esse tipo de prática aparece pontualmente em alguns momentos da rotina da

creche, sendo que, em outros, destacam-se práticas avaliativas comparativas e punitivas,

baseadas na comparação entre as crianças (principalmente com base no gênero), comparações

entre as “crianças-problema” e as “crianças ideais”, punições (principalmente perder momentos

de brincadeira, como o parque), reclamações em relação ao comportamento e as atividades das

crianças, e elogios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização desta pesquisa foi possível considerar que, de modo geral, as práticas

avaliativas das professoras de Educação Infantil acabam por se basear em práticas

adultocêntricas, disciplinadoras e controladoras dos comportamentos das crianças. Elas se

utilizam de elogios, comparações, punições, ameaças e recompensas para alcançar certos

objetivos e comportamentos em relação ao grupo e a cada criança individualmente. Muitas

vezes, essa postura se justifica pela preocupação que as crianças aprendam e se desenvolvam,

de modo a não ficarem “atrasadas” e não sofrerem nos anos subsequentes de escolarização, o

que não vai ao encontro do referencial teórico e das orientações sobre o tema:

A avaliação da criança, nesta etapa, é entendida como um processo contínuo e

dinâmico, de fundamental importância. Avaliar é observar e intervir constantemente,

(re)planejando a ação educativa na busca de (re)signifcá-la de forma apropriada às

necessidades de cada criança e do grupo como um todo. A avaliação no contexto de

educação infantil deve ser mediadora do desenvolvimento da criança (SILVA, 2012,

p. 4).

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Em relação à concepção das docentes sobre finalidade da avaliação na Educação

Infantil, pode-se considerar que o discurso geral das professoras não destoa do referencial

teórico e das orientações sobre a avaliação. Entretanto, na prática, os processos avaliativos são

permeados de práticas e posturas que não são consideradas ideais, já que nesta etapa da

educação a avaliação deve ser processual e contínua, sem intenção de promoção das crianças,

mas sim, buscando acompanhar, refletir e registrar o desenvolvimento e as aprendizagens delas,

bem como servir de diagnóstico para o professor em relação à sua própria prática, mostrando

um caminho para mudanças, reflexão, reformulação e aprendizado.

Foi possível observar que as docentes se utilizam de diferentes formas de registro para

acompanhar o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças. Há portfólios individuais

dentro de cada projeto, além disso, as docentes fazem o diário de classe diariamente e um

resumo do mês na caderneta dos alunos. Elas também elaboram a ficha descritiva de cada

criança, que deve conter avanços e aprendizados delas e que é discutida com os pais em reunião.

Elas também se utilizam de fotos, desenhos e atividades para acompanhar e avaliar as crianças.

Em relação aos saberes necessários para se avaliar na Educação Infantil, pôde-se

perceber que estes saberes são muitos, e complexos. Os processos avaliativos na Educação

Infantil muitas vezes ocorrem de maneira subjetiva e sutil, e isso faz com que os professores

tenham uma postura avaliativa dura e punitiva, muitas vezes sem nem ao menos perceber. Com

as respostas dos questionários respondidos pelas docentes, foi possível observar que elas

reconhecem que é necessário ao profissional de Educação Infantil saber observar, saber

acompanhar o desenvolvimento infantil, bem como elaborar e reelaborar seu planejamento de

acordo com as necessidades de cada criança e do grupo. Entretanto, na prática, adquirir essa

postura exige um esforço constante de ruptura com práticas avaliativas adultocêntricas,

punitivas e comparativas, de modo que se alcance a real finalidade da avaliação nas creches e

pré-escolas, apontada por Silva (2012):

A avaliação na Educação Infantil não tem o objetivo de fazer a criança passar de ano,

mas o intuito de observar e compreender o dinamismo presente no desenvolvimento

infantil e redimensionar a prática pedagógica, ajudando o professor a intervir no

momento certo em que as dificuldades apresentam-se, acompanhando a evolução da

criança (p. 4).

Esse tipo de postura exige também formação inicial e continuada de qualidade para que

as professoras não acabem por repetir com os seus educandos as práticas vivenciadas por elas

em suas trajetórias como alunas da Educação Básica. Neste sentido, essa formação sobre

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a avaliação das crianças pequenas se mostra de essencial importância para o rompimento com

práticas avaliativas que não são considerada adequadas e para que

as crianças que frequentam as creches e pré-escolas tenham o direito de aprender

e se desenvolver plenamente sem serem julgadas, avaliadas rigidamente por seus resultados e

comportamentos, punidas, comparadas com outras crianças. Busca-se, assim, uma Educação

Infantil que permita às crianças a construção de suas identidades e de sua autoestima, afim de

que elas sejam sujeitos de suas aprendizagens e histórias. Desse modo, a avaliação

deve ser vista como um instrumento de auxílio ao desenvolvimento e aprendizado da criança

e não como ferramenta para examiná-la, excluí-la ou denegri-la.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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desenvolvida na Educação Infantil. Ensino em Re-Vista, 11(1): 173-187, jul.02/jul.03.

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Abrindo a caixa de costura para uma “costuração” na Educação Infantil.7

Zilanda Silva Abreu28

Esta pesquisa, ao mesmo tempo em que revela o percurso de construção da minha

identidade profissional como professora da Educação Infantil, propõe a reflexão sobre o desafio

de planejar situações significativas às crianças. Para que este trabalho tomasse forma, foi

preciso seguir as diferentes linhas: as linhas do desenho das crianças, as linhas das minhas

memórias, as linhas teóricas adotadas na pesquisa e, ainda, as linhas de costura com as quais as

crianças puderam experimentar diferentes formas de desenhar, bordar, tecer teias e redes. Foi

por meio do entrelaçamento de todas essas linhas que obtive respostas para as minhas questões

acerca das crianças, das quais cuido e educo, e de mim mesma como professora e pessoa.

Palavras chave: Educação Infantil; Bordado; Desenho Expandido; Professor reflexivo.

O alinhavo

Há pouco mais de um ano eu me reencontrei com o bordado. Bordar faz parte da cultura

da pequena localidade do interior da Bahia onde nasci e morei até os vinte anos, idade em que

me mudei para São Paulo em busca de trabalho. Eu pertenci a essa tradição cultivada pelas

mulheres da comunidade que tinham o bordado como fonte de renda e um modo de vida, já que

se tratava de uma prática cultural. A relação com o bordado, para a maioria daquelas mulheres,

em especial a minha mãe, envolvia afetividade, admiração, respeito, cuidado. Bordar exigia

entrega, mas, para mulheres que tinham que dar conta dos filhos, do trabalho doméstico e da

lavoura, funcionava também como uma atividade terapêutica.

Bordar era uma prática coletiva que envolvia compartilhamento de crenças, valores,

saberes e rituais específicos, por exemplo, não era vista com bons olhos a moça não abastada

que não dominasse essa prática.

As bordadeiras e aprendizes se juntavam em grupos, especialmente à tarde, nas salas e

calçadas das casas ou nos assentos e gramados da pracinha. Bordar era instigante pois, os

assuntos voltados ao bordado, tais como a combinação de cores das meadas, as formas de tornar

1 Este texto é fruto de pesquisa de Especialização, realizado no Período de 2014 a 2015, para o curso: Arte na Educação: Teoria e Prática, ECA/USP. 2 Professora de Educação Infantil Na Creche/Pré-escola Saúde-SAS/USP

1

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o avesso perfeito, a posição dos fios, os macetes para fazer emendas e arremates entre outros

eram tecidos e enredados com os da vida local.

Ocorreu que, diante de um novo contexto para assumir as outras facetas que me

compõem – a de estudante e de professora numa cidade grande, por exemplo - precisei fazer

adormecer a mulher bordadeira. O reencontro com o bordado trata-se, pois, de reencontrar-me

com minhas origens.

Esse reencontro se deu após os primeiros módulos do Curso de especialização Arte na

Educação: Teorias e Práticas da Escola de Comunicação e Artes/USP. Ingressei neste curso em

um momento pessoal no qual estava completamente devastada pela dor do luto de minha mãe

mas, a exigência feita pelo curso da produção de um trabalho de criação, me deu forças para

seguir adiante e comecei a bordar a minha história de menina, cujas linhas e contornos pareciam

ganhar vida própria, formando imagens e fazendo-me ver a mim mesma e a importância dos

entes queridos em minha vida.

Comecei tateando os primeiros riscos, às vezes sentia que a agulha tinha vontade própria

e ia procurando novos caminhos, seguindo suas trilhas. Durante esse processo de criação pude

reviver algumas lembranças que estavam bem guardadas dentro de mim. À medida que a minha

história se materializava no bordado eu era tomada pelo prazer e me sentia plena, pois, me sentia

cada vez mais próxima de mim mesma e de minha mãe. Foi o “achado” que me permitiu

elaborar a perda e, desde então, não quis mais me separar de algo que me fazia tão bem.

Esse reencontro com o Eu menina me fez pensar no Eu mulher, na minha vida de

professora, no que poderia ser realmente significativo nesse momento de recomeço. Senti

vontade de buscar minha origem encontrando-me assim com a minha própria essência.

Ao perceber o efeito, indireto, do bordado em minha prática com as crianças, comecei a

me perguntar: Como trazer o bordado para a minha prática pedagógica? Em que medida o

bordado está presente em meu fazer pedagógico? De que forma este fazer pedagógico poderia

considerar as práticas das crianças?

O bordado estava cada vez mais presente em minha vida, continuei bordando e, ao

mesmo tempo, pensando sobre a possibilidade de oferecer às crianças algo tão significativo

para elas como o bordado era para mim.

Imbuída do desejo de tornar o bordado presente em minhas práticas pedagógicas, passei

a observar o tratamento que lhe tem sido dado do ponto de vista artístico e teórico. Pude notar

que o bordado tem alcançado um lugar de destaque, passando a ser visto não mais como

artesanato utilizado para ornamentar as casas, mas como uma nova linguagem estética nas

ilustrações de livros infantis e uma nova linguagem na arte contemporânea.

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Hoje, como professora da Educação Infantil, após ter me reencontrado com e no

bordado, observo melhor as linhas dos desenhos das crianças, seus gestos, suas posturas diante

dos materiais.

Busco, neste memorial analítico-descritivo, possibilitar o acesso do leitor à minha “caixa

de costura”, de modo a expor o bordado já pronto – a minha história com o bordado; o bordado

inacabado – a forma como tenho utilizado o bordado em minha prática pedagógica e o esboço

do bordado por fazer – minhas práticas.

Pretendo enfatizar a relevância do meu reencontro com o bordado e a forma de

ressignificá-lo, mostrando a importância da formação continuada na construção de novo sentido

à minha prática. Retomar minhas origens pelo bordado possibilitou tornar-me uma professora

diferente e o uso da linha, de forma metafórica e de forma literal, foi essencial para isso. Passei

a trabalhar com as crianças o desenho como linguagem, procurando entender a sua

complexidade.

As linhas que dão forma: do desenho ao bordado um olhar para o processo de criação

Esta pesquisa foi realizada na Creche/Pré-escola Saúde, com crianças entre 2 e 6 anos

ao longo do ano de 2014. Trata-se de uma instituição pública destinada a crianças filhas de

funcionários, estudantes e docentes da Universidade de São Paulo, situada no Centro da mesma

cidade.

A minha experiência como professora de Educação Infantil começou há exatamente dez

anos, nesta mesma instituição. Trabalhei, primeiramente, com bebês, que tinham entre 4 meses

a 1 ano e atualmente atuo com um grupo multietário entre 4 e 6 anos.

Desde inicio, com os bebes, fui aprendendo a importância das artes desde cedo na vida

do indivíduo. Em relação aos pequenos, a porta de entrada para as artes se dava de forma

sensorial, por meio de experiências com diferentes texturas, como café, sagu, gelatina, beterraba

triturada e outros. Os gestos das crianças nessas experiências me inquietavam, assim como a

linguagem do desenho.

E a partir do curso em Arte na Educação entendi melhor o significado do desenho para

a criança: para ela é uma linguagem tão importante quanto as demais.

Enquanto a criança desenha, brinca com seu gesto, seu traço, seu corpo e com o

movimento que ela produz ao desenhar, vai descobrindo, ao mesmo tempo, novos

traços, novas formas. O resultado a princípio é quase acidental, mas, quanto maior o

domínio conquistado sobre seu corpo e sobre o movimento que produz na superfície,

mais atua sobre essa superfície. Vai paulatinamente ampliando seu repertório de

marcas, pontos e linhas, e assim surge o “desenho de ação.” (Iavelberg 2013, p.66).

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Por acreditar nesta importância do desenho, passei a oferecer sistematicamente às

crianças propostas com essa linguagem favorecendo-lhes reflexões para as transformações de

suas marcas gráficas.

Para esta pesquisa elaborei um projeto de trabalho para um agrupamento multietário, de

2 a 6 anos. A cada proposta de trabalho observava o quanto se dedicavam às suas produções e

desenvolviam-se nesta linguagem, construindo novos estilos, ampliando seu repertório.

O foco estava no processo de cada criança pois, para que o resultado fosse positivo, era

preciso que tivessem passado pelo processo de exploração, experimentação e principalmente

que houvesse interação entre as crianças e os objetos.

Ao longo do percurso, propus desenharem em diferentes planos, possibilitando outros desafios

corporais, a ampliação de novos gestos, ações, invenções e descobertas.

Derdyk considera interessante repensar o espaço físico oferecido à criança para desenhar, a fim

de propiciar-lhe diferentes situações espaciais e corporais. De acordo com essa autora, as várias

posições assumidas pela criança ao desenhar - em pé, sentado, deitado - geram consequências

e posturas distintas da relação da criança com a mão, com o olho, com o sentido, com o

instrumento, com o suporte e com o espaço.

A produção de cada criança era cuidadosamente exposta para que cada uma pudesse

reconhecer seus próprios traços, suas obras e as do outro, aprendendo também a apreciar.

Enquanto eu observava as crianças em suas ações e gestos, pude perceber cada vez mais

a importância do desenho. Foi através dessas observações que vi no desenho das crianças um

novo reencontro com o bordado. As linhas dos desenhos me remetiam às linhas do bordado e

então comecei a bordar alguns desenhos das crianças, sempre com a permissão dos seus

produtores.

Nesse fazer pedagógico, eu ia me descobrindo como artista, ressignificando o bordado

que, outrora latente em mim, agora pulsava em desejo de mostrar-se, explodindo em

criatividade, em beleza, em construção de novas possibilidades, em conhecimento, em arte.

Segundo Albano (1993, p. 37):

A inteireza, a certeza, a densidade do momento de criação estão presentes no

adulto que cria e na criança que brinca. É visível a concentração, o corpo

inteiro presente no ato de brincar de uma criança. É a sensação de estar inteiro

no que está realizando o que une o artista a criança. A criança brica porque

não poderia viver de outra forma. Por isso desenha, por isso cria: porque

brinca.

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Depois de prontos, os bordados eram levados para as crianças apreciassem seus

desenhos com nova textura e as reações eram surpreendentes. Alguns perguntavam se poderia

levar para casa, outro dizia: “Olha só! Dá para costurar na blusa.” Outro completava: “Vou

pedir para minha avó fazer igual”!

Quanto mais eu me dedicava a oferecer o melhor às crianças, mais as linhas dos seus

desenhos me levavam a outras recordações de minha infância.

Abrindo a caixa de bordado: resgatando a importância do bordado na constituição do eu

professora

Nasci na Bahia e lá morei por 19 anos, e foi durante esses anos que eu tive o primeiro

contato com o desenho embora, naquela época, sem me dar conta disso.

Meu pai e minha mãe tiveram nove filhos. Eu sou a oitava e a presença dos meus irmãos

mais velhos foi fundamental para o meu processo de aprendizagem. Com eles aprendi a

BRINCAR, usando diferentes objetos, como sabugos de milhos, carrinhos feitos por eles de

tábua e borracha. E também a BRIGAR, aprendendo a me defender ou a ofender. Com o meu

irmão mais novo aprendi a cuidar e a transmitir o que eu havia aprendido com os outros mais

velhos.

Não tínhamos televisão, mas o meu pai tinha uma radiola, com a qual podíamos ouvir

histórias, tanto bíblicas, como as contadas num programa de rádio que se chamava Tia Leninha.

Enquanto ouvia as histórias e novelinhas, na companhia de irmãs mais velhas, podia observá-

las bordando: o movimento das suas mãos conduzindo a agulha e transformando o fio de linha

em um espetaculoso castelo!

Em minha cabeça de menina ficava imaginando quando eu teria o meu castelo, será que

seria tão belo quanto aquele bordado por elas? O carretel que já não servia para enrolar a linha,

em minhas mãos, se transformava em um belo carrinho feito com um pedaço de vela, palito de

dente e uma pequena borracha cortada de um pneu de bicicleta. E dali eu já partia para outra

brincadeira.

Quando era possível, gostava de ficar em companhia de minha mãe enquanto ela

bordava sentada à porta da rua. Em sua caixa de linhas havia um emaranhado de meadas de

diversas cores, do qual ela arrancava fio por fio para criar uma paisagem, que eu também

gostaria de visitar. Ficava deslumbrada com o poder das linhas, parecia que nas mãos das

bordadeiras criavam vida.

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Eu observava com encanto e prazer os debuxos que ela colecionava para bordar em

toalhas, lençóis e roupas de bebê. O desenho que passava do papel para o tecido, a linha e a

agulha transformavam-se em um produto final de valor inestimável. O valor dado a todas essas

coisas que resultavam no bordado, e o bordado em si, que aprendi desde cedo, trago comigo até

hoje.

Nas minhas brincadeiras de boneca era eu mesma quem fazia as roupinhas variando os

modelos e aperfeiçoando as costuras. Fazia também as toalhinhas para a mesa da minha casinha

(que não passava de uma caixa vazia). Com restos de tecidos, agulha e as linhas MÁGICAS, as

brincadeiras ficavam cada vez mais ricas.

Com os cacos das telhas de novas construções podíamos fazer desenhos pela calçada.

Desenhava a brincadeira de amarelinha (ou como era chamada por nós de “tô tá” ou “caco”).

Lá passávamos boa parte do tempo livre. Em época de chuva, a diversão era visitarmos a cheia

dos rios que cortavam a cidade, pois a paisagem mudava, ganhando um novo desenho. Passada

a cheia, catávamos pedrinhas. Eu escolhia as mais redondinhas, pois essas eram as mais

adequadas para podemos brincar de “cata pedrinha”

ou “cinco Marias.” A cada brincadeira, podíamos fazer os nossos desenhos com objetos

achados na natureza ou nela deixados pelo homem. De acordo com Albano (1993, p. 95):

Buscar o desenho que ficou perdido na infância é um trabalho que exige

coragem e humildade. É fazer uma viagem em busca do seu próprio desígnio.

Uma busca que lembra aquele brinquedo de puxar e empurrar, que as crianças

fazem com latas e cordões. Trata-se de puxar as imagens esquecidas, ir ao

fundo e avançar. Projetar-se. Há momentos de volta ao passado para resgatar

o seu universo lúdico, há em outros momentos saltos para o desconhecido, o

desprender-se e avançar em buscar do inusitado: é o momento da criação. Que

se alimenta do mergulho no universo interior e se lança em busca do novo.

É preciso, em primeiro lugar, aceitar o desajeitamento, assumir o não saber e

começar de novo. E então ser capaz de arriscar, de entrar no jogo e se deixar

contagiar pelo prazer da brincadeira com os traços, as formas e as cores.

Reaprender a ver, a se espantar com o que vê...

Quando me mudei para São Paulo, me assustei com o tamanho da cidade, mas mesmo

com toda essa diferença, São Paulo tinha algo que eu queria: a possibilidade de entrar em

contado com as diferentes linguagens da arte e de refletir de maneira mais critica sobre o

assunto.

E fui buscando no cinema, teatro, museus e nas ruas de São Paulo coisas que pudessem

me remeter ao belo, à percepção estética e ao fazer artístico, sempre estudando e tendo boas

referências para isso.

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Hoje, como professora, procuro oferecer às crianças brinquedos de largo alcance, para

que elas possam ter a oportunidade de criar o seu próprio objeto, podendo se divertir com uma

caixa que elas transformam em telefone, ou em um carrinho, construindo pista, ponte e tudo

que possa estar em sua imaginação.

Ao começar a trabalhar o desenho de forma mais sistematizada, passei a me questionar,

principalmente, sobre como poderia trabalhar com desenhos fazendo com que as crianças

pudessem refletir sobre ele, ter tempo para experimentá-lo, explorar os materiais, perceber-se

na ação.

Como professora de crianças pequenas, estava sempre preocupada com o tempo e com

o resultado final de cada produção. E conforme as crianças traziam novos desejos, novos

interesses, passei a observá-las e a escutá-las com mais atenção. Percebi que para elas o mais

importante eram os caminhos a percorrer e a mim, como professora, cabia fazer a mediação

entre o mundo e elas.

Atualmente, muito se fala sobre a importância do desenho enquanto recurso

fundamental no processo de simbolização da criança ou do sujeito. E se a linguagem do desenho

é tão fundamental assim qual é o meu papel como PROFESSORA? Uma resposta que encontrei

em Albano (1993, p. 89):

É importante em primeiro lugar conhecer profundamente as crianças. Não

apenas o conhecimento que se pode adquirir nos livros, mas se dispor a

observar atentamente as suas crianças. É importante também estar consciente

do seu poder, pois é através dele que divide o tempo e distribui os espaços. E,

então, começar a se perguntar do porquê de tão pouco tempo e tão pouco

espaço para a atividade de desenhar, e se indagar, ainda, onde está o seu

próprio desenho: em que tempo e espaço ele se perdeu.

E sair à procura.

É o primeiro passo para romper a cadeia da alienação: é dominado, domina,

não cria, não leva a criação...

E assim fui entendendo que, para construir algo como uma forma, é necessário que os

conteúdos da ação se diferenciem, se multipliquem criativamente, tornando, assim, possível sua

assimilação como algo novo. É preciso entender que as crianças irão sempre buscar

correspondências em algo que já sabem, dando sentido à sua aprendizagem com aquilo que lhes

é comum. É preciso deixá-las experimentar, explorar, pois assim elas irão descobrir novas

formas. E eu me reencontrando com meu próprio desenho, através das linhas do bordado.

Segundo Ostrower (1987, p. 43):

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Todas as atividades humanas estão inseridas em uma realidade social, cujas

carências e cujos recursos materiais e espirituais constituem o contexto de vida

para o individuo. São aspectos, transformados em valores culturais, que

solicitam o indivíduo e o motivam para agir. Sua ação se circunscreve dentro

dos possíveis objetos de sua época. Assim, o conceito de materialidade não

indica apenas um determinado campo de ação humana. Indica também certas

possibilidades do contexto cultural, a partir de normas e meios disponíveis.

Com efeito, para o individuo que vai lidar com uma matéria, ela já surge em

algum nível de informação e já de certo modo configurada - isso, em todas as

culturas, já vem impregnada de valores culturais.

As vivências que tive com o desenho, mesmo sem a consciência sobre ele, me ajudam

hoje para planejar boas experiências para as crianças.

Enquanto vou me aperfeiçoando, buscando mais conhecimento sobre desenho, também

vou me deslumbrando com os desenhos das crianças. Observando as linhas que vão se

encontrando em vários pontos, deixando rastro, com seu movimento. Observo as suas variadas

posições: a reta, a vertical, a horizontal, a inclinada, a circular, a curva, a pontilhada e, por fim,

a quebrada. As linhas das crianças me remontam às minhas linhas e, com elas, se emaranham.

É só através das linhas que podemos fazer aquela paisagem ou o castelo no qual

gostaríamos de morar. E assim vou levando as linhas para a minha vida de professora, pois são

elas que me conduzem.

Costurando o fazer pedagógico e o desenvolvimento do desenho

Depois de ter me encantado com as linhas dos desenhos produzidos pelas crianças, era

a minha vez de contribuir, oferecendo-lhes linhas para que pudessem fazer suas costuras. Para

isso, eu precisava saber como poderia abordar o tema. Observando as crianças, percebi que,

para começar a costura, seria preciso apresentar-lhes, primeiramente, a linha. Foi então que, em

roda, eu lhes disse que iríamos “costurar sem agulha.” Usaríamos os barbantes e o desafio seria

fazer a costura pelas árvores do entorno, pois, como afirma Iavelberg (2013), é muito importante

para as crianças pesquisarem, experimentarem novos materiais, diferentes suportes, planos e

etc..

Saímos em direção ao jardim, sentamo-nos em uma roda e, ali, entreguei um pedaço de

barbante para as crianças e orientei-as a passá-lo por entre as árvores, dizendo que seria uma

costura sem agulha.

A cada laçada por entre as árvores, eu podia ouvir as crianças conversando entre si: umas

diziam que fariam uma armadilha enorme para pegar o saci, outras diziam que estavam

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construindo a teia do Homem-Aranha. As meninas pouco falavam, pois estavam entregues à

sua criação, dando laçadas, nós, ou simplesmente fazendo um emaranhado de barbantes.

Percebi a entrega de cada criança e mais tarde, no final dia, quando seus pais chegaram

para pegá-las diziam: “Olha ali! fomos nós que fizemos”, “É uma armadilha para pegar saci”

ou “Olha! É a teia do Homem-Aranha.” E, sempre que aparecia alguém diferente na Creche, lá

estavam elas contando sobre nossa costura por entre as árvores.

E a costura com agulha? Será que daria certo? Como poderia oferecer uma agulha para

crianças pequenas, instrumento com o qual, talvez, nem tivessem ainda tido nenhum contato?

Essas passaram a serem minhas indagações. Então comecei a pesquisar materiais que não lhes

trouxessem nenhum risco. Em uma loja de materiais para costura, pedi tela

para tapeçaria e lã de diferentes cores, mas ainda faltava um instrumento que poderia

ser o mais perigoso: a “agulha.” Observei agulhas de vários tamanhos e escolhi uma que achei

adequada para as crianças.

No dia em que propus a oficina de costura, denominada pelas crianças de “costuração”,

organizei a sala com vários materiais e suportes para aquelas crianças que não quisessem

costurar como: cartolinas cortadas em diferentes formas, lápis de carpinteiro, giz de cera,

canetões, grafites, lápis de cor. Para dar início à costura, disponibilizei pedaços de tela cortados

em quadros de 20 centímetros.

As crianças que escolheram costurar pegaram seus tecidos, aproximaram-se da mesa e

lá se depararam com alguns desafios, como, por exemplo, enfiar a linha na agulha. Sem

demonstrar como fazê-lo, pedi que elas tentassem e, nessa tentativa, uma criança, após levar a

linha à boca para moldá-la, conseguiu passar a linha pelo buraco da agulha. Sugeri, então, que

ela ensinasse às outras crianças a sua estratégia, e ela o fez com muito prazer.

Um menino que ali estava zangou-se por não conseguir passar a linha pela agulha. A

menina mais experiente o instruiu: “Olha só! Segura bem aqui e passa a linha nesse fundinho.”

As conversas eram muitas e distintas, e algumas crianças diziam: “A minha avó não

costura com essa agulha e sim com aquelas que são duas”, “A minha avó também não costura

assim. Ela costura com uma máquina”, “Sabe Zi, outro dia minha mãe estava costurando a

minha calça e era com uma agulha assim.”

Entre uma conversa e outra, acabava aparecendo um desafio: linha que embaraçava ou

linha que saía da agulha. Mas logo esses desafios eram superados e a conversa tomava um novo

rumo. Com o olhar atento ao movimento da agulha, algumas crianças diziam que estavam

fazendo uma capucheta3. Uma delas comentou: “Quando eu chegar lá na Paraíba vou logo

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dizendo para minha avó que já sei fazer costura.” Outra completou: “Também vou falar para

minha mãe que já sei fazer costura.”

As crianças menores não se interessaram pela agulha, mas se aproximaram da mesa e,

pegando um pedaço de lã, começaram a passá-lo pelo pescoço, sentindo a sua textura deslizando

em sua pele. Elas davam voltas pelo corpo com o pedaço de lã e se olhavam no espelho, tentando

capturar ou congelar aquele momento em que saíam desenhando pelo corpo e pelo espaço,

divertindo-se, entregando-se de forma prazerosa àquele fazer.

O nosso tempo de oficina estava se esgotando mas, apesar das crianças quererem

continuar, era necessário parar para que pudéssemos retomar essa prática em outro momento.

E, no final da tarde, uma menina se aproximou perguntando se poderia levar um pedaço de lã

para casa. Eu disse que sim e, enquanto ela aguardava a sua mãe, juntou-se às outras colegas,

com as quais fez uma costura na grade da Creche.

Diante dos resultados, percebi que era preciso repetir mais vezes aquela proposta. Por

isso, no dia seguinte, montei mais uma vez a mesa da “costuração.” Além de algumas crianças

que já haviam participado da proposta no dia anterior, apareceram outras, que também ficaram

ali encantadas com o movimento da agulha com a linha. Um menino me disse: “Olha! Eu vou

fazer uma casa, uma gaivota, e uma árvore”!

As costuras não pararam por aí. Certa tarde, no pátio, uma criança se aproximou com

uma vasilha cheia de gravetos, cipós e me perguntou: “Zi podemos costurar esses gravetos”?

Eu lhe respondi que sim, e começamos a costurar, emendar aqueles gravetos com barbantes.

Logo apareceram novos adeptos à brincadeira, os quais começaram a fazer colares com os

gravetos e barbantes. Diante disso, comungo com a seguinte afirmação de Ostrower (1987, p.

39-40):

O que, portanto, se coloca aqui é que, para poder ser criativa, a imaginação

necessita identificar-se com a materialidade. Criará em afinidade empatia com

ela, na linguagem especifica de cada fazer. Mas sempre conta a visão global de

um indivíduo, a perspectiva que ele tenha no amplo fenômeno que é o humano,

o seu humanismo. São seus valores de vida que dão a medida para seu pensar e

fazer. Einstein, o gênio da física, também tocava violino e fazia filosofia.

Depois da “costura sem agulha”, da “costuração” e de tantas outras brincadeiras que

surgiram, foi a vez do fazer dos adultos da creche com as costuras: os desenhos das crianças,

em pequenos quadros de tecido cru, foram unidos e formaram uma toalha de mesa usada para

celebrar os aniversários das crianças.

3 Termo usado na Região de São Paulo, especialmente no Grande ABC, para definir uma pipa feita com

jornal, sem varetas, apenas papel e linha.

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Arrematando sem nó

A vivência e o contato com teorias voltadas à arte e, mais especificamente, com o

desenho, foram fundamentais na minha vida de professora. Essa experiência possibilitou que

eu repensasse a minha própria prática pedagógica e olhasse de forma diferente para a prática

das crianças. Percebi que a maneira como atualmente o meu fazer pedagógico é conduzido

remete, inevitavelmente, a toda a minha experiência com a arte, em especial com o bordado,

que ocorreu fora da escola. Mas conscientizei-me também de que as práticas das crianças devem

ser o eixo estruturante do meu planejamento. Assim sendo, passei a “ouvi-las” melhor,

considerando-as como seres globais, que possuem conhecimentos relacionados à arte e modos

de lidar com ela.

Observei que, para desenhar, as crianças precisavam ter instrumentos, além do lápis e

papel, por meio do quais pudessem deixar suas marcas. Com a sua imaginação, criavam suas

histórias e construíam brincadeiras.

A cada proposta oferecida, eu observava a entrega das crianças, que, em momentos de

pátio, continuavam a fazer seus desenhos, ora com os gizes de lousa disponíveis ou com outros

riscantes que elas mesmas descobriam.

Os desenhos já não estavam mais somente no papel, pois já tinham transcendido as

barreiras dessa limitação. As crianças, pouco a pouco, encontravam outros suportes como as

árvores do pátio, a casinha de boneca, o fogão – nada escapou, nem mesmo as paredes. Ousaram

nos materiais como barbantes, linhas e outros para deixaram suas marcas.

As crianças perceberam que, com a linguagem do desenho, elas poderiam expressar-se,

registar, descobrir novas estratégias e, com isso, eu passei a conhecê-las melhor. Os desenhos

e as costuras nos aproximaram, unindo-nos com diferentes pontos e linhas, formando, entre nós,

um elo de confiança. Nesse processo interativo, cada um pode aprender com o outro e o prazer

de compartilhar era explicitado por todos.

Como disse Derdyk (2010, p. 8),

“Costuro fixamente - ponto por ponto, buraco por buraco, furo por furo -

independente do material e forma adquirida. A ação é imperativa sobre o terreno

da visibilidade (linhas de costura).”

A experiência do bordado despertou em mim a potência da ação e da experiência

criadora, pois me permitiu ter a sensibilidade de, como artista, ver-me como sujeito capaz de

promover a minha própria transformação e, como professora, enxergar as crianças como

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sujeitos capazes de promover a sua própria transformação. Com isso, pude aprender o poder da

organização, da atenção e da preparação pessoal, pois ser professor é um ato de entrega, em que

a compreensão, a sensibilidade, o cuidado, o carinho, o amor, a generosidade e a reciprocidade

são aprendidos e compartilhados desde cedo, com e na Ed. Infantil.

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Formação continuada nas vivências cotidianas de professoras: a construção de uma

prática na perspectiva Histórico-Cultural

Gabriela Regina Rossi da Silva1

Patrícia Jensen Schifter2

Rosane Welk3

1 Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Jaraguá do Sul, Santa Catarina.

2 Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Jaraguá do Sul, Santa Catarina.

3 Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Jaraguá do Sul, Santa Catarina.

Esta é a história de três professoras que viveram um processo de formação continuada,

através do acesso à Teoria Histórico-Cultural, enquanto orientadoras pedagógicas em uma

Secretaria Municipal de Educação e que incitou a produção de uma Proposta Pedagógica para

a Educação Infantil. Autores como Vigotsky, Leontiev, Elkonin, Mello, Horn, Barbosa,

Oliveira, Sarmento, Brougère, bem como dissertações e teses de pesquisadores brasileiros

revolucionaram suas concepções de criança, infâncias, educação infantil. Os estudos realizados

evidenciaram que as crianças têm formas próprias de pensar, sentir, agir e estar no mundo; que

a brincadeira e as interações com os pares e com os adultos favorecem a formação das funções

psicológicas superiores; que vivências e experiências com as diferentes linguagens aproximam

as crianças do patrimônio cultural, científico, tecnológico e ambiental da humanidade.

A Teoria Histórico-Cultural e a transformação das práticas pedagógicas

Em 2012, três professoras de uma Rede Municipal de Ensino são convidadas a atuar

como orientadoras pedagógicas no setor da Educação Infantil da Secretaria da Educação. O

cenário dessa experiência é composto de vinte e oito Centros de Educação Infantil e trinta

Escolas que atendem turmas de pré-escola. Com quase mil profissionais sob sua

responsabilidade, assumiram a função de orientadoras, não imaginando que essa tarefa seria tão

intensa e complexa. Tinham apenas uma vaga ideia sobre as atividades que as aguardavam.

Sabiam que haveria acompanhamento da prática pedagógica dos profissionais em seus locais

de trabalho, que deveriam organizar e oferecer cursos de formação continuada e que

responsabilizar-se-iam por orientações em relação à documentação pedagógica. Essa

experiência caracterizou-se rica e transformadora de

suas concepções e crenças a respeito do trabalho com a criança de até cinco anos.

A função de orientadoras permitiu às professoras perceberem que havia uma distância

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muito grande entre a Proposta Municipal vigente desde 2001 e as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (2010). Diante disso, iniciaram um processo de leitura dos

documentos oficiais emitidos pelo Ministério da Educação e obras já conhecidas sobre

Educação Infantil no Brasil. Logo perceberam algumas incongruências e atrasos nas

concepções presentes na Proposta de 2001 em relação às DCNEI (2010).

Após uma visita a uma outra Secretaria de Educação de referência no Estado, as

orientadoras começaram a pensar que a Educação Infantil do Município estava alheia a tudo

que se discutia em relação a educação da criança pequena. A primeira providência depois da

visita foi ler a proposta pedagógica do Município visitado. Constatou-se que essa proposta

estava de acordo com as DCNEI (2010), emergindo a necessidade de iniciar uma discussão

sobre concepções de criança, infâncias e Educação Infantil.

As discussões e as reflexões das orientadoras levou-as a consultar os sites das

universidades que dispunham os trabalhos de mestrado e doutorado que foram de grande

importância para elucidar uma nova compreensão sobre a especificidade da Educação Infantil.

Entre as leituras mais significativas a que tiveram acesso e que foram responsáveis pela

formação como orientadoras estavam: Valiengo (2008); Bassan (1997); Beber (2014); Bizarro

(2010); Câmara (2006); Castro (2011); Correa (2013); Dias (2005); Trois (2012); Fochi (2013);

Gamba (2009); Gobbato (2011); Magalhães (2014); Pereira (2011); Peters (2009); Prado

(1998); Ramos (2011); Rocha (1994); Santos (2010); Schneider (2004); Silva (2007); Batista

(1998); Búfalo (1997); Canavieira (2010); Coutinho (2002); Godoi (2006); Martins Filho

(2013); Müller (2007); Nunes (2011); Richter (2005); Schmitt (2008); Vieira (2009); Martins

Guimarães (2011). A leitura desses trabalhos proporcionou contato com a Teoria Histórico-

Cultural e os conceitos defendidos por Vigotsky, Leontiev, Elkonin, Mello, Horn, Barbosa,

Kishimoto, Oliveira, Sarmento, Brougère.

Os meses finais de 2013 e os primeiros de 2014 foram dedicados à escrita dos textos

preliminares para uma nova proposta que se mostrou urgente. Ao iniciar o ano de 2014, as

orientadoras promoveram encontros para discutir concepções de criança, infâncias, Educação

Infantil, currículo e documentação pedagógica. Esse processo gerou muitas dificuldades: uma

delas foi constatar que a Rede não estava inteirada da urgência da necessidade de conhecer e

colocar em prática as orientações provenientes das DCNEI

(2010). Enquanto as orientadoras acessavam a Teoria Histórico-Cultural, avançando na

compreensão de como a criança aprende, seus/suas colegas, por inúmeros fatores, muitos deles

justificados na pesquisa de Magalhães (2014), interpretavam equivocadamente a proposição de

repensar as práticas vigentes à luz da Teoria Histórico-Cultural. A recusa foi fortemente

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percebida, dificultando o trabalho de refletir com o grupo a relação teoria e prática.

A cada texto escrito para a nova proposta organizava-se um encontro de formação

continuada para submetê-lo à discussão e crítica. Esses textos objetivavam também uma

transformação das práticas observadas durante as visitas de acompanhamento das professoras

nos Centros Municipais de Educação Infantil. Enquanto a proposta, como texto, ia avançando

e a compreensão da Teoria pelas orientadoras se ampliando, os/as profissionais continuavam a

questionar a necessidade de discutir as concepções que norteavam suas práticas.

Por esse motivo, para aproximar os profissionais da Teoria Histórico-Cultural,

constituiu-se um grupo de representantes das unidades de Educação Infantil para ler e discutir

os textos que embasavam essa nova concepção. Envolvidos nesse grupo estavam os gestores

das escolas, dos Centros de Educação Infantil e os docentes, que tinham como compromisso

disseminar, divulgar e envolver os/as profissionais das instituições no estudo da Teoria. Os

textos da professora Suely Amaral Mello foram imprescindíveis nessa discussão.

Apesar de se observar significativo interesse e encantamento por parte do grupo, que foi

denominado “Multiplicadores”, houve críticas de gestores/as das instituições de que o tempo

dedicado ao encontro estava por atrapalhar o bom andamento do trabalho dos Centros e das

Escolas. As orientadoras, longe de concordarem com essa ideia, estavam cada vez mais

convencidas de que os/as professores/as têm como compromisso tornar a leitura e a escrita

prática incorporada ao seu cotidiano.

Finalizada a escrita dos textos que compunham a nova Proposta Curricular para

Educação Infantil, ela foi apresentada e encaminhada para análise do Conselho Municipal da

Educação e à Câmara de Vereadores e divulgada ao público com a possibilidade de receber

contribuições.

Apesar desse movimento, a proposta recebeu pouca atenção dos/as profissionais, que

apresentaram grande resistência à reflexão, a repensar suas práticas e ao conhecimento do texto,

contribuindo para a desvalorização de todo o processo vivido. Assim, no mês de abril deste ano,

a Proposta Curricular foi retirada da plenária do

Conselho de Educação e as orientadoras retornaram para suas instituições de origem,

para exercerem a função de professoras novamente. Apesar de o documento não ter sido adotado

como uma Diretriz Municipal, ele subsidia a prática das autoras, que atualmente trabalham com

crianças de até três anos e estão convencidas de que é possível e urgente um olhar sobre a

criança como sujeito de direitos e protagonista de sua história.

Apesar da sensibilização de alguns profissionais que incorporaram mudanças em sua

prática pedagógica, as orientadoras, ao retornarem aos seus locais de trabalho, confirmaram que

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ainda há desconhecimento e desvalorização da brincadeira, como principal atividade por meio

da qual a criança aprende e se humaniza; das interações entre crianças de diferentes idades e

entre adultos e crianças como condição para que aconteça o processo de humanização; do

espaço, que ao ser pensado e planejado, cumpre o papel de “terceiro educador” e as diferentes

linguagens, que aproximam as crianças do patrimônio cultural, científico, tecnológico e

ambiental da humanidade. Esses conceitos passam a ser explicitados a seguir, uma vez que

nortearam o processo de formação continuada dos profissionais e na construção da proposta.

A brincadeira é a atividade principal e mais séria que a criança realiza e o seu

reconhecimento é um marco histórico para a constituição e a orientação das práticas

pedagógicas dos/as profissionais. Segundo Prado (1998), a cultura da criança é reconhecida no

espaço da brincadeira. A Educação Infantil deve garantir o tempo de se viver a infância, não

furtando da criança o direito à brincadeira, ao lúdico, como respeito à sua cultura.

É consenso entre os teóricos da psicologia, Vigotsky, Leontiev e Elkonin que a

brincadeira é uma atividade social e cultural comum às crianças de todo o mundo e que contribui

para o seu desenvolvimento (SILVA, 2007, p. 31). As pesquisas desses teóricos garantem: a

brincadeira é elemento humanizador para a criança.

Para Vigotsky, a brincadeira é a atividade típica que torna as crianças seres humanos

dotados das capacidades próprias da espécie, desenvolvidas socialmente, em contato com a

cultura, produzindo-a e sendo produzidas por ela.

Kishimoto (2010) enfatiza que a criança representa aspectos do seu cotidiano enquanto

brinca e estes comunicam a compreensão que ela possui das relações sociais em seu contexto.

A brincadeira é de tal forma importante que as crianças em seu brincar, com o uso da

imaginação, interpretam a realidade segundo uma lógica peculiar e própria da infância, que é

distinta da lógica adulta e que caracteriza a cultura de grupo de crianças.

A brincadeira, apesar de quase um século de pesquisas a favor, tem fortes indícios de

que é diferente para crianças e adultos. “O brincar suscita nas pessoas sentimentos, às vezes

contraditórios, de prazer e preocupação, decorrentes de indagações sobre o real significado da

brincadeira na vida das crianças” (ROCHA, 1994). Brougère (citado por PETERS, 2009, p. 31)

“[…] adverte sobre a atitude contraditória de pais e educadores de destacarem o valor educativo

da brincadeira ao mesmo tempo em que tentam transformá-la para que fique de acordo com

suas expectativas. […] isso mostra os limites de suas crenças no seu valor educativo”. Pode-se

afirmar que a maioria dos educadores não concebe a brincadeira como atividade que dá

identidade à infância.

Implícita está a ideia de que o exercício da docência, mesmo na Educação Infantil, faz-

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se pelo controle e encaminhamento da maior parte das atividades às crianças e que a brincadeira

não representa ser importante, pois grande parte dos/as profissionais acredita que brincar serve

para gastar energia, para desafogo, uma vez que se desconhece sua participação na constituição

da humanidade dos sujeitos. Por isso, cotidianamente é preciso sair em defesa da criança e ao

seu direito de brincar.

Na produção do currículo para a Educação Infantil não há prescrição antecipada de

conteúdos ou ações, a não ser as interações entre educadores e crianças previstas nas práticas

pedagógicas dos docentes. A concepção de infância, criança e Educação Infantil do/a

educador/a é o que determina sua prática, conforme as palavras de Martins Guimarães (2011,

p. 53) “[...] o trabalho pedagógico que se realiza é o produto de como se concebe que os bebês

e crianças bem pequenas sejam”.

O brincar pode ser indicado como a atividade principal da criança, pois nessa fase do

desenvolvimento humano é que ocorrem as principais mudanças nos processos psíquicos e nos

traços de personalidade do indivíduo. Viver a infância significa, entre outras coisas, brincar,

jogar, fantasiar, imitar, internalizar, socializar, exercitar-se como ser social (NUNES, 2011, p.

47).

Como práticas educativas, as interações articulam o protagonismo de crianças e adultos

através de encontros, pois quando a criança chega ao espaço de Educação Infantil seu universo

se amplia e as interações se intensificam. Por isso, o/a professor/a deve privilegiar os momentos

de interação criança/adulto, criança/criança, criança/ espaço dentro dos espaços de Educação

Infantil, prevendo-os no planejamento. O desconhecimento do valor das interações para a

aprendizagem e a formação das funções psicológicas superiores leva ao que se tem observado

atualmente: falta de compreensão sobre a importância de oferecer momentos de encontro entre

os protagonistas – crianças e adultos.

Uma criança, ao nascer, ainda não adquiriu os conceitos culturais próprios da

humanidade. Para ela saber que o telefone serve para comunicar-se com outra pessoa, alguém

mais experiente deve apresentá-lo a ela. E esse exercício dá-se pelas interações sociais, que

articulam o cotidiano e possibilitam a construção de conceitos por parte da criança. Essa linha

de pensamento é defendida por Oliveira (2011), que busca em Vigotsky o entendimento de que

tudo é social e que “[…] toda função psicológica superior manifesta-se, primeiro, em uma

situação interpessoal e depois em uma situação intrapessoal”, ou seja, os conceitos culturais do

meio em que estamos inseridos primeiro nos são apresentados socialmente e depois são

internalizados pelo sujeito.

A organização do espaço é, em grande medida, uma forma de prever como os processos

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de desenvolvimento das crianças vão acontecer sob os cuidados dos/as profissionais da

educação. Os espaços destinados à Educação Infantil recebem, por sua vez, uma atenção

diferenciada, já que a Teoria Histórico-Cultural atribui grande importância aos objetos culturais

como mediadores em potencial para o processo de humanização. Os educadores mostram suas

concepções através do arranjo espacial e o papel que ocupa a criança no processo educativo. É

elemento pedagógico na educação da primeira infância porque é nele que se materializarão as

experiências das quais as crianças vão tomar parte, onde o/a professor/a disporá às crianças

parte dos objetos que ele/ela considera importante elas conhecerem nessa etapa de suas vidas,

sinalizando quais concepções a respeito de educação e desenvolvimento organizam sua prática.

Dessa forma, dois aspectos resultam dessa interação: a construção da autonomia da criança pelo

acesso que ela tem aos materiais e a manifestação das diferentes linguagens que serão

construídas durante as interações com eles.

“O espaço é um educador formado pela ação humana, consciente ou não, que vai

circunscrevendo nele suas concepções a respeito das crianças e seu papel e das relações ali

vivenciadas” (SCHMITT, 2008, p. 125). Como quer Horn (2004), há uma mudança de

paradigma importante: passa-se da centralidade de atuação do professor, a um protagonismo da

criança, regido pelos brinquedos, móveis e objetos planejadamente colocados para o seu desafio

e para a sua interação.

O planejamento sistemático e intencional do/a professor/a concentrar-se-á nessas ações

e esse fazer pedagógico permitirá que a criança execute ações sem o auxílio do adulto, pois leva

em consideração o que a criança deseja e necessita, bem como suas potencialidades.

É preciso reconhecer que, ao contrário do que tradicionalmente se preconizou como

processo educativo, tendo o adulto como único detentor de saberes e conhecimentos a serem

transmitidos às gerações mais jovens, a interação com o espaço na Educação Infantil requer

mudança de atitude frente ao protagonismo desse terceiro educador.

A presença das crianças pequenas e dos adultos nos vários espaços de Educação Infantil

apresenta-se ainda timidamente, longe de ser exemplar e tampouco planejada com

intencionalidade. Ainda é comum entre os educadores a pouca crença de que o espaço ocupe

um lugar tão importante quanto afirmam as pesquisas em educação nos últimos vinte anos.

Ignora-se com facilidade que existe uma multiplicidade de acontecimentos que se dão nos

espaços das instituições educativas e que não são vistos como aprendizagem.

Muitas práticas denunciam a exclusividade de uso do espaço interno em detrimento do

espaço externo, pois este significa ausência de controle e possível contaminação. Por isso a

organização do ambiente constitui-se em uma parte irrenunciável do projeto educacional de

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uma instituição. Os espaços internos são exclusivos para a realização de “atividades

pedagógicas” e os externos para “recreação”, destituídos de grande valor para a aprendizagem

das crianças.

A maioria das concepções ainda vigentes percebidas nas instituições de Educação

Infantil desse município denotam a perspectiva da pedagogia tradicional. Ela coloca o/a

professor/a como centro do processo da aprendizagem e do desenvolvimento da criança e de

quem devem emanar todas as proposições e ações a serem realizadas por ela. O espaço deveria

funcionar para promover as interações entre crianças e adultos, porém, “A organização dos

espaços na educação infantil, em muitas realidades, sofre ainda influências advindas das várias

identidades que, ao longo de sua trajetória, foram sendo construídas, as quais vão desde o

assistencialismo até o espelhamento na escola de ensino fundamental” (HORN, 2004).

Em suma, na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, a organização do espaço objetiva

proporcionar amplas oportunidades de aprendizagem e interações sociais. O espaço da sala é

pensado tendo em vista o arranjo da mobília, dos brinquedos e outros materiais para que as

crianças se relacionem umas com as outras, com os adultos, com os objetos e os brinquedos,

podendo, assim, vivenciar diferentes experiências. O adulto é o mediador da relação da criança

com o mundo, no entanto essa mediação não precisa ser sempre direta e presencial: quando o

adulto pensa o espaço como um estímulo ao desenvolvimento da criança, já fará essa mediação,

e não precisará estar presente imediatamente na atividade que a criança desenvolve.

A composição do currículo da Educação Infantil preconiza que as crianças tenham

experiências de aprendizagem nas diferentes linguagens. As linguagens são a vivência de

experiências de aprendizagem através de emoções, sentimentos, pensamentos e ações e

possibilitam que a criança possa conhecer a si e ao mundo; expressar-se por imagens, canções,

música, teatro, dança, movimento, língua escrita e falada; conhecer o mundo através da

natureza, da sociedade; construir seu protagonismo por meio da linguagem matemática e da

linguagem da brincadeira. As linguagens se destacam por aromas, sons, cores, formas, texturas,

gestos, choros e tantas outras manifestações culturais (HORN, 2004). Crianças brincam juntas

e individualmente, dominam diversas linguagens por meio das quais aprendem a se relacionar

e se interessam pelas coisas, desde a natureza até o que envolve os inúmeros aspectos da vida.

O currículo da Educação Infantil se materializa através das interações, da brincadeira e

das múltiplas linguagens (plástica, gráfica, escrita, oral, corporal, matemática, musical…). Mas

para oferecer experiências por meio dessas linguagens é preciso conhecer como elas se

apresentam. As linguagens são percebidas não fragmentadas nas crianças, desenvolvendo-se de

forma integral. Portanto, uma única vivência pode expressar múltiplas linguagens.

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Considerações Finais

A partir das contribuições dos estudos e pesquisas da Teoria Histórico-Cultural, as

autoras puderam compreender que a noção de desenvolvimento humano dá-se através da

interação dos sujeitos entre si e com o meio, assim como a crença de que história e cultura

sobrepõem-se às determinações biológicas. Por isso a Educação Infantil, como instância

educativa, cumpre papel primordial na humanização das novas gerações.

A aprendizagem que adveio dessa experiência remete pensar que o processo de

construção de uma Proposta Pedagógica é um caminho que pode ser considerado uma rica

formação continuada, porque permite que os profissionais ampliem as discussões e as reflexões

que o exercício da profissão exige, principalmente, que se aprofundem os estudos sobre as

melhores condições para a plena vivência da infância pelas crianças.

A contribuição fundamental dessa Proposta teria sido: a retomada dos Projetos

Pedagógicos das instituições de Educação Infantil desse Município, orientando as práticas no

sentido da formação da personalidade e da inteligência das crianças, bem como na formação da

sua autoestima, no acolhimento delas em sua diversidade e peculiaridades familiares; a criança

sendo concebida como sujeito da aprendizagem, como protagonista junto aos adultos mais

experientes, mas não mais importantes do que ela; a transformação das práticas pedagógicas no

sentido de destituir concepções pautadas na Educação Infantil como instância de assistência

e/ou preparatória para as etapas posteriores.

Essa experiência transformou as autoras em professoras mais críticas, mais exigentes,

mais atentas à prática. Sabem que a cada dia um novo desafio vai levá-las a continuar estudando.

Esse é o trabalho do/a educador/a atual.

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O coordenador pedagógico como eixo da formação e desenvolvimento profissional

docente no contexto da Educação Infantil

Janaina Cacia Cavalcante Gonçalves da Silva 1Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FE/USP.

O coordenador pedagógico se apresenta como um importante elo entre a dinâmica dos

envolvidos (professores e crianças), do que é proposto (desenvolvimento das proposições com

as crianças) e da formação e desenvolvimento profissional da equipe como um todo. No

contexto da Educação Infantil sua função torna-se um desafio diante das questões imbricadas e

nas relações estabelecidas.

Esta pesquisa em nível de doutorado, ainda em andamento, se refere ao papel deste

gestor e propõe uma investigação com coordenadores pedagógicos que atuam na rede da

Prefeitura do Município de São Paulo sobre a complexidade da sua atuação na Educação

Infantil, com uma abordagem qualitativa, as informações serão submetidas a uma análise crítica

e aprofundada a fim de estabelecer uma interlocução entre as várias etapas da pesquisa.

Gestão e liderança na Educação Infantil

Nas instituições de Educação Infantil da Prefeitura do Município de São Paulo, a gestão

é formada pelo diretor, o assistente do diretor e o coordenador pedagógico. O trio gestor tem

um papel fundamental tanto para a organização administrativa e pedagógica como para o pleno

desenvolvimento e implementação dos projetos na Unidade Educativa, envolvendo toda a

comunidade escolar e coordenando as ações do trabalho a ser realizado.

O desafio posto ao coordenador pedagógico, um dos elos deste trio gestor, é o de

potencializar as práticas dos professores almejando uma maior interlocução entre o que é

planejado, proposto e o que realmente é efetivado na prática nos espaços pelos profissionais

com as crianças.

Esta pesquisa ainda com dados iniciais se propõe a investigar a função do coordenador

pedagógico no contexto da Educação Infantil como eixo central da formação e desenvolvimento

profissional docente.

Esta tarefa que em um olhar superficial parece rotineira e incorporada na função do

coordenador pedagógico torna-se complexa e cheia de tessituras e se apresenta como mola

propulsora da formação e do trabalho desenvolvido.

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Outra questão que merece destaque é o contexto de atuação destes profissionais, a

Educação Infantil, o que torna o panorama de atuação singular, pois este gestor é o responsável

pela formação e encontrará na sua Unidade, diferentes sujeitos/profissionais, com

características próprias, professores com e sem experiência, diversas faixas etárias, diferentes

concepções, histórias de vida, níveis de compreensão distintos, sobre o que seja o trabalho com

a infância, profissionais muito comprometidos, outros nem tanto, os abertos as mudanças,

outros mais resistentes, os reflexivos e os que precisam de mais investimentos e apoio.

A este respeito Hargreaves (1994, p.185) esclarece:

[...] as culturas de ensino compreendem as crenças, valores, hábitos e

formas assumidas de fazer as coisas em comunidades de professores

que tiveram de lidar com exigências e constrangimentos semelhantes ao

longo de muitos anos. A cultura transmite aos seus novos membros

inexperientes as soluções historicamente geradas e colectivamente

partilhadas de uma comunidade. Constitui, portanto, um

enquadramento para a aprendizagem ocupacional. [...] Se quisermos

compreender aquilo que um professor faz e o porque o faz, devemos,

portanto, compreender a comunidade de ensino e a cultura de trabalho

da qual ele faz parte.

A complexidade das variáveis que estão presentes nesta atuação definirão boa parte

das estratégias (FULLAN, 2003) e tomadas de decisão por parte deste profissional.

Sendo assim o papel do coordenador se torna um desafio diante das questões

imbricadas em sua função e nas relações estabelecidas na sua atuação como profissional e nos

desdobramentos que serão desencadeados a partir da sua intervenção na formação docente.

O coordenador pedagógico na Educação Infantil: formação, desenvolvimento profissional

e supervisão de práticas

A formação dos professores de Educação Infantil já se inicia na graduação com uma

série de lacunas, sendo ilusório pensar que todos os profissionais chegarão às unidades

escolares, tendo uma base comum de conhecimentos aptos a estarem com crianças, muitas vezes

tão pequenas como é o caso dos bebês. A universidade deixa muito a desejar no tocante a

formação dos profissionais da pequena infância. Seus currículos não conseguiram adequar às

necessidades de um cabedal teórico e prático que reflita e possa compor uma gama de saberes

para o trabalho com crianças de 0 a 11 anos, ou seja, uma infância que comporta várias infâncias

com suas devidas particularidades.

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O coordenador pedagógico, por sua vez, é um profissional que também foi formado

pela universidade com os mesmos conhecimentos do professor e percebe que o lugar ocupado

por ele, no momento em que deixa a função de professor para assumir a de coordenador, exige

uma disposição e um apanhado de conhecimentos que não necessariamente estão somente na

prática, no fazer do trabalho cotidiano, percebe assim que sua função é muito mais complexa.

Exige um olhar atento, um leque de conhecimentos específicos, que possam o ajudar a

maximizar a dinâmica dos envolvidos (professores e crianças), do que é proposto

(desenvolvimento das proposições com as crianças) e da formação e desenvolvimento

profissional da equipe como um todo.

Toda essa engrenagem multifacetada coloca este papel como crucial dentro da

instituição, torna-se uma peça chave para que haja confronto e reflexão crítica para além do

trivial.

Alguns profissionais ainda não conseguiram vislumbrar a função de coordenador

pedagógico como atuante nestes aspectos, a fim de potencializar os momentos de formação,

como aquele que tece, dentro de um apanhado de variáveis, questionamentos que estão

imbricados no cotidiano do professor, das crianças, do que é feito, a luz de uma base teórica

sólida.

Este profissional conseguirá ter clareza do que é necessário e de como deve ser sua

atuação se elaborar um panorama de ações reais que possam balizar toda a sua ação individual

com cada profissional e ao mesmo tempo coletivamente.

Se o coordenador não se munir de um repertório para a sua própria formação, ficará

muito difícil conseguir efetivamente mexer nas bases que estão alicerçadas a prática do

professor, e assim conseqüentemente, desestabilizar algumas estruturas que podem contribuir

para a formação dele e de todo coletivo. (FULLAN, 2003)

Na Prefeitura do Município de São Paulo os professores dos Centros de Educação

Infantil (CEIs), responsáveis pela faixa etária do zero aos três anos, têm destinados para sua

formação uma hora (60 min.) coletivamente três vezes por semana e duas horas individuais, o

que claramente mostra-se insuficiente e dificulta o trabalho do coordenador.

Sabemos que esses profissionais são os que mais precisariam de um olhar e apoio para

a sua formação, devido à superficialidade com que foi explorada esta faixa etária em contextos

coletivos na formação inicial. Além disso, hoje estão emergentes recentes discussões e estudos

do potencial nesta idade e o papel do professor da pequena infância, a fim de se desvencilhar

de uma herança assistencialista e engessada.

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Já os professores das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) responsáveis

pelos de 4 e 5 anos, possuem 11 horas/aula (45 min.), onde 8h/a são coletivas e 3h/a são

individuais. Nos horários coletivos o coordenador pedagógico tem a possibilidade de propor

discussões e tematizar práticas que possam colaborar com o trabalho desenvolvido na

instituição e a reflexão dos professores. Este horário é regido e regulamentado pelos Planos

Especiais de Ação (PEAs), projetos de formação que acabam muitas vezes por formatar e não

possibilitar a real formação dos envolvidos.

A divisão entre os CEIs e as EMEIs torna-se clara quando o assunto é formação, não

só pelas faixas etárias que compõe essas unidades. As EMEIs conquistaram alguns aspectos

positivos em relação á formação o que nos CEIs além de ser recente este horário de formação é

extremamente reduzido diante das demandas.

O desenvolvimento profissional dos professores na Prefeitura de São Paulo ainda é um

desafio e somente poderá obter resultados se o plano de formação do coordenador pedagógico

estiver alicerçado em objetivos e princípios norteadores que balizem o trabalho a ser

desenvolvido e que ele esteja integrado nele. Como afirma Oliveira-Formosinho (2002, p. 104):

[...] Um mediador é aquele que entra na relação entre a pessoa e a sua

experiência ao dirigir o alerta consciente para aqueles dados da

experiência que detêm o potencial para serem promotores de

crescimento. Ambos os indivíduos são afectados por este processo. [...]

Estes princípios precisam ser partilhados por todos e fazerem parte de um projeto

maior, no caso o Projeto Político Pedagógico, conforme Hargreaves “o desenvolvimento de um

sentido de missão numa comunidade escolar gera lealdade, empenhamento e confiança e

constitui um poderoso estímulo para o aperfeiçoamento” (HARGREAVES, 2004, p. 183).

Sabemos que unanimidade dentro de uma instituição escolar é um tanto difícil, mas este não

pode ser um empecilho para o início de um trabalho real de formação. A clareza do papel do

coordenador e da sua função precisam estar evidentes para os envolvidos, se não o todo, mas

um grupo precisa comungar destes mesmos ideais expressos no projeto maior. (OLIVEIRA-

FORMOSINHO, 2009)

O coordenador pedagógico juntamente com o diretor, compondo a equipe de gestão

responsável tanto pela burocracia organizacional da instituição como pedagógica, precisam

estabelecer um elo que possam compactuar dos mesmos ideais, objetivos e princípios. Caso esta

parceria não seja acordada, o trabalho além estar comprometido em seus objetivos

fundamentais, será muito difícil conseguir a adesão dos demais profissionais.

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Este projeto precisa ser delineado com intenções que sejam compartilhadas

primeiramente por aqueles que irão direcionar a implementação das ações. O discurso coeso e

coerente com o que é almejado se torna essencial para que o grupo de professores possa além

de acreditar nas propostas, serem muitas vezes, convencidos da real necessidade e importância

destas.

A instituição não conseguirá conquistar resultados positivos sem o estabelecimento de

metas e valores comuns a trilhar. Na grande maioria das vezes, serão caminhos mais longos e

até com prazos mais abertos, mas com a certeza do que se quer, mesmo com momentos de

instabilidade e até de insegurança entre os envolvidos, mas ao contrário disso estarão à mercê

de urgências, desgastes e terão a sensação de andar em círculos.

Na atuação do coordenador a gestão pedagógica precisa ser objeto fundamental de sua

ação e dos momentos de formação, sabemos que o apanhado de questões administrativas se faz

presente diariamente nas instituições (HARGREAVES, 1994; FORMOSINHO; ARAUJO,

2007), mas não se pode abandonar um imperativo em detrimento do outro. Alguns profissionais

acabam por usar questões administrativas como válvula de escape para o não enfrentamento

das reais questões que emergem dentro da instituição, o que mostra a fragilidade do sistema,

pois este também negligencia o apoio para o formador e meios que potencialize a sua própria

formação.

O formador precisa ter condições de investir tempo, custo e disponibilidade para sua

própria formação, pois também está no processo de formação enquanto profissional. Torna-se

muito difícil ou quase impossível querer fazer o que não se sabe, ou não possuir as estratégias

adequadas para a formação no caso com adultos. Como o coordenador pode

implementar a formação contínua e o desenvolvimento profissional (OLIVEIRA-

FORMOSINHO, 2009)2na Educação Infantil sem saber como é esse contexto, quem são os

envolvidos, o que emerge e o que efetivamente é necessário?

A formação do coordenador não pode estar restrita a cursos esporádicos, dias

formativos isolados e descontextualizados da sua vivência, não serão essas mínimas ações que

darão condições e o ajudará a pensar e refletir sobre as questões da sua formação e dos seus

professores.

2De acordo com a autora “a formação contínua e desenvolvimento profissional são perspectivas diferentes sobre a

mesma realidade que é a educação permanente dos professores num processo de ciclo de vida”. Sendo assim,

“formação contínua analisa-a mais como um processo de ensino/formação e o desenvolvimento profissional mais

como um processo de aprendizagem/crescimento”. E a autora conclui: “o desenvolvimento profissional é um

processo mais vivencial e mais integrador do que a formação contínua. Não é um processo puramente individual,

mas um processo em contexto” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p.225).

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Elencar ações no seu contexto, com e para os seus profissionais, sabendo que estes têm

as suas particularidades, com distintos grupos e faixas etárias, requer estabelecimento de metas

a curto, médio e longo prazo. Com clareza que no percurso muitas arestas terão que ser aparadas

e outras tantas questões serão suscitadas que merecerão um olhar cuidadoso.

O coordenador é aquele que busca meios, formação adequada para problematizar a

sua ação, suas certezas e possibilitar aos seus professores que busquem checar como planejam,

o que sabem, o que precisam saber, quais as indagações necessárias nas propostas realizadas, o

que se pode fazer, modos de reflexão e de reorganização do trabalho. É aquele que se mostra

disponível, a compreender, partilhar, pensar e refletir junto, balizado em teoria que sustente

essa prática, sabedor de conhecimentos pertinentes ao trabalho com crianças pequenas.

Nos momentos de formação o coordenador atua como líder do grupo (FULLAN,

2003), colaborando na reflexão sobre e na prática do professor. A supervisão destas práticas

corrobora para o desenvolvimento profissional deste professor e o auxilia a entender questões

que muitas vezes não estão presentes no seu fazer ou no que verdadeiramente pensa ser o

trabalho com crianças.

O professor tem pra si que a sua atuação naquele momento é a melhor, e muitas vezes,

é a melhor que ele pode fazer, não faz de outro modo, porque não sabe, tem intrínseco para si

que aquele “jeito” tem o melhor resultado, então acaba por não questionar e refletir sobre sua

atuação e na ação realizada. O resgate memorial e reflexivo para o professor só terá sentido se

o coordenador como par avançado e colaborador da sua ação, confrontar com ele proposições

desencadeadoras do que foi e como foi realizado. Conforme enfatiza Oliveira-Formosinho

(2002, p. 116):

As acções no âmbito da supervisão deveriam ser concebidas no sentido

de providenciarem recursos, oferecerem informação e apoiarem e

motivarem os professores no sentido de se envolverem neste tipo de

experimentação e reflexão sistemáticas, encorajando os educadores a

construírem teoria a partir da sua própria prática.

O caminho da reflexão é árduo, doloroso e requer dinamismo e anseio por querer fazer

melhor, a parceria coordenador pedagógico e professor tem que almejar a discussão de práticas

profissionais, tato nas relações interpessoais e acima de tudo confiança em abrir as

possibilidades para um jogo aberto e sincero. Conforme Oliveira–Formosinho evidencia “a

prática reflexiva permite aos profissionais lidarem melhor com a incerteza profissional e apóia

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a noção de experimentação consciente e crescimento profissional contínuo”. (OLIVEIRA-

FORMOSINHO, 2002, p. 113)

Alguns mais resistentes estarão permeando o caminho, as dificuldades e os desafios

serão cotidianos, mas quando se estabelece um contrato de ambas as partes por pensarem juntos

de uma maneira que possam respeitosamente colaborar entre si em prol do trabalho em

instituições coletivas com crianças, boa parte dos entraves já estarão superados.

O professor tem uma imagem de detentor do saber, que possui todas as respostas, que

o seu modo de pensar ou realizar é o melhor, quando este profissional se abre a possibilidade

de tentar outros modos, pensar em outras possibilidades, sair do senso comum e se colocar como

aprendiz, historiador e estudioso da sua própria prática, a formação será almejada e não imposta.

Neste aspecto os pares têm um papel importante, não somente com o coordenador o

professor poderá refletir e compor o seu cabedal de formação (OLIVEIRA-FORMOSINHO,

2002), os colegas podem e devem ser parceiros produtivos e companheiros que compartilham

os mesmos anseios, propostas de trabalho, discussões, dificuldades, e assim, uns podem

colaborar efetivamente na troca de saberes com os outros. Quando o grupo percebe que pode

trocar e o quanto é produtivo haver essa troca, estabelecem-se condições propícias para a

cumplicidade, o respeito, a solidariedade, a colaboração, constitui uma maturidade entre os

integrantes que potencializa o intercâmbio de saberes.

Na rede percebemos professores com práticas exitosas, comprometidos com seus

estudos, que desenvolvem o trabalho com dinamismo e com uma coerente fundamentação

teórica e pedagógica, mas que não revela o contexto da Unidade Educacional como um todo.

São ações que não foram trabalhadas enquanto grupo de um coletivo profissional em formação,

ou pequenos grupos ou pares que debatem suas práticas, e estas fazem parte de um projeto

maior. Tornam-se práticas isoladas (HARGREAVES, 1994), de professores bem

intencionados, que acabam buscando outros meios para refletir e subsidiar a sua prática

pedagógica, pois não encontram este espaço em seus contextos de atuação.

Segundo Oliveira-Formosinho (2002, p. 115):

[...] A reflexão facilita o desenvolvimento de competências de resolução

de problemas ao promover a capacidade de reformular a experiência,

gerar alternativas e fazer inferências com base no reconhecimento

prévio, e ainda avaliar acções no sentido de construir novas

aprendizagens. A reflexão envolve a remodelagem de uma situação

como resultado da clarificação de questões, da reconsideração de

asserções e da criação de um vasto leque de respostas ou acções

alternativas.

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A Educação Infantil apresenta um cotidiano imbricado em ações onde as crianças são

o foco maior. Dentro de um mesmo grupo de professores teremos várias concepções de infância

e criança, se não há princípios norteadores entre as concepções e as práticas, tudo será realizado

de maneira improvisada e descontextualizada.

Este entrave impossibilita a criação de mecanismos de produção de documentação

pedagógica, uma ferramenta essencial para a formação e reflexão tanto do processo formativo

em si como da prática realizada com as crianças. Sem este material o professor terá dificuldades

de perceber como as crianças observam, realizam, interferem, trocam, falam e interagem diante

das propostas, perdem-se elementos fundamentais de captação teórica, metodológica e didática.

O ser coordenador pedagógico neste contexto requer que o seu fazer como formador

possua conhecimentos e saberes que possibilitem, a partir da documentação pedagógica

produzida, elencar estratégias formativas propulsoras que alavanquem o fazer e o refletir do

professor para que assim haja o desenvolvimento profissional com perceptibilidade do que seja

ser um professor da infância.

A partir deste ponto de vista o objetivo seria que toda a comunidade educativa se visse

e pudesse assim tornar-se aprendente a partir das suas próprias práticas dentro do seu contexto

atuação. Diante disso podemos falar em desenvolvimento profissional (OLIVEIRA-

FORMOSINHO, 2009).

A rede como um todo não propicia elementos que possibilitem esse olhar amplo para

questões cotidianas e suas práticas, e muitas vezes, impede que proposições assim aconteçam,

seja na burocracia excessiva, na infraestrutura comprometida, horários fragmentados, formação

formatada e engessada, pouco tempo efetivo para reflexão crítica e embasada no próprio

cotidiano, muitas crianças por educador, etc.

Os coordenadores se sentem sugados por tantas demandas e os professores percebem

as fragilidades e muitos se apóiam nestas condições para se tornarem resistentes a qualquer tipo

de mudança (FULLAN, 2003).

A formação proporcionada pelos órgãos centrais na maioria das vezes não atinge o

cerne das questões, pois se tornam “pacotes” de ações, programas e temáticas que devem ser

trabalhadas nas escolas pelos professores, e estes se vêem no papel passivo, meramente técnico

em sua atuação de reprodutor de algo pensado por outro. (ZEICHNER, 2008)

O desafio é compreender que apesar de todas essas variáveis e dificuldades torna-se

urgente questionar algumas práticas herdadas e cristalizadas em organizações que sufocam e

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pouco contribuem para o desenvolvimento profissional tanto do coordenador como do

professor.

Considerações Finais

A complexidade das exigências do trabalho do coordenador em um contexto como a

Educação Infantil requer disposição para o enfrentamento de muitas questões relacionadas ao

modo como é percebido este espaço e as possibilidades de interferência.

Os espaços de formação proporcionados e privilegiados pela rede para os profissionais

da Educação são os que acontecem fora das unidades, em cursos, encontros e seminários. A

questão crucial não é que estas iniciativas não sejam válidas, são estratégias com objetivos

definidos de questões pontuais, o que precisa ser revisto é a valorização da formação como

desenvolvimento profissional atrelado à supervisão de práticas dentro do contexto de atuação,

no interior da escola e não fora dela.

Os professores precisam atribuir sentido entre o objeto de estudo na formação e o que

acontece no desenvolvimento dos seus trabalhos, essa ligação possibilitará questionamento e

empenho, a fim de potencializar a prática.

O coordenador pedagógico precisa desenvolver características essenciais de um líder,

ser um bom ouvinte, persuasivo diante das propostas, disposto a ajudar, ser autêntico e dinâmico

diante das situações. Além disso, precisa ser reconhecido por este grupo ou por parte dele para

que assim possa conduzir um contexto tão complexo como a Educação Infantil.

Liderar é estar à frente, o bom líder é aquele que influencia as outras pessoas para

realizarem projetos juntos com eficácia (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009; FULLAN, 2003).

Para prover a liderança é necessário estar disposto a compartilhá-la, buscar valorizar as pessoas,

compreender que cada uma delas possui uma história de vida, aproveitar o que trazem e assim

buscar meios e oportunidades de trocas.

Os líderes não nascem prontos, possuem competências que podem ser desenvolvidas

ao longo do percurso profissional, mas para isso precisam de investimento formativo adequado

e possibilidades, assim como o professor, de experienciar.

O coordenador pedagógico como líder tem em mente, como ponto principal de sua

ação, ser um multiplicador, e como satisfação principal, o crescimento e o desenvolvimento

profissional do seu grupo.

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Referências

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burocrática. IN: OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. ; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. A.

(orgs.) Pedagogia(s) da Infância. Porto Alegre/RS: Artmed. 2007.

FULLAN, M. Liderar numa cultura de mudança. Porto/PT. Edições ASA. 2003. P. 39-56

HARGREAVES, A. Os professores em tempos de mudanças – o trabalho e a cultura dos

professores na Idade pós-moderna. Lisboa. Mc Graw Hill. 1994. P. 107-130.

______. Individualismo e Individualidade: compreender a cultura dos professores. In:

HARGREAVES, Andy. Os professores em tempos de mudanças – o trabalho e a cultura dos

professores na Idade pós-moderna. Lisboa. Mc Graw Hill. 1994. P. 183-208.

OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. (org.) A supervisão na formação de professores II. Porto/PT:

Porto Editora. 2002. p. 102-121.

______. Desenvolvimento profissional dos professores – aprendizagem profissional e acção

docente. In: Formosinho, J. (coord.) Formação de Professores: aprendizagem profissional e

acção docente. Porto / PT: Porto Editora. 2009. p. 221-284.

ZEICHNER, K. M., Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na

formação docente. Educação e Sociedade. Campinas. Vol. 29, nº 103. Mai-ago/2008. P. 535-

554. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br

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OS DOCUMENTOS OFICIAIS, A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A EDUCAÇÃO

INFANTIL NO BRASIL

Maria José da Silva Rocha1

Maria do Carmo de Sousa2

Resumo

Este artigo almeja discutir documentos oficiais produzidos entre os anos de 1970 e 2010

analisando as ideias que apresentadas no tocante a políticas públicas sobre Educação Infantil,

assim como a abordagem matemática preconizada em cada contexto e as concepções de

Infância e Educação predominantes em cada período. Embasadas no aporte teórico

(ABRAMOWICS, 2003; ARROYO, 1995; ARIÉS, 1981; KUHLMANN, 1998) concluímos

que a complexidade, a singularidade e a permanente construção dos conceitos de Infância e

Educação devem ser continuamente ampliados e alterados nos documentos oficiais com a

contribuição de várias áreas do conhecimento para que, no contexto dos conteúdos de

matemática vivenciados pelas crianças de zero a seis anos, as ações educativas não sejam

consideradas apenas “compensação de carências” ou “etapa de preparação” da criança para o

Ensino Fundamental, uma vez que deve possibilitar definitivamente à criança viver sua infância

e se desenvolver plena e integralmente.

Palavras-chave: Infância, Educação, Matemática.

Introdução

As constantes reformulações dos programas oficiais, principalmente as dos currículos

para a educação de crianças de zero a seis anos, sempre nos chamaram a atenção pelo próprio

movimento de mudanças por que passam. Ampliamos e aprofundamos o nosso olhar sobre essas

reformulações quando, ao longo do mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em

Educação (PPGE/UFSCar) 3, investigamos os saberes de três professoras da Educação Infantil

no período de formação continuada empreendida no contexto de uma Atividade Curricular

de Integração, Ensino, Pesquisa e Extensão (ACIEPE/UFSCar) onde a temática em pauta

envolveu a educação matemática para crianças de 3 a 6 anos.

1 Mestre em Educação e Coordenadora Pedagógica da Unidade de Atendimento à Criança da Universidade Federal

de São Carlos (UAC/UFSCar). 1 Doutora em Educação e Docente do Departamento de Metodologia e Ensino da Universidade Federal de São

Carlos (DME/UFSCar).

2 ROCHA, M.J.S. Saberes Docentes: vozes de professores da infância sobre a educação matemática para

crianças, 2014.112f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos

2014.

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Na ocasião, o objeto de estudo da pesquisa de mestrado estava relacionado aos saberes

dos professores manifestos no momento em que participavam da ACIEPE de modo que a

investigação centrou-se nos saberes dos professores/docentes no momento em que analisavam

e elaboravam vivências matemáticas para crianças de 3 a 6 anos.

A análise dos saberes dos docentes realizou-se a partir de categorias elaboradas por

Tardif (2008), que apresenta um modelo tipológico de classificação e identificação dos saberes

dos professores, sendo que os resultados da pesquisa indicaram, no contexto da formação

continuada, que as narrativas orais dos professores estão permeadas de saberes individuais e

coletivos que se entrelaçam a todo momento e dentre os quais estão os saberes pessoais –

provenientes da formação escolar anterior à formação profissional para o magistério –, bem

como saberes provenientes de programas oficiais e livros didáticos usados no trabalho do

professor, ambos os saberes integrando o conjunto de saberes da experiência profissional.

Esse entrelaçamento de saberes individuais e coletivos motivou-nos, então, a consultar

os currículos ou modelos pedagógicos que orientavam as ações dos professores em seu dia a

dia no que diz respeito às vivências matemáticas. Ao desenvolvermos a pesquisa, outras

questões nos chamaram a atenção como, por exemplo, tentar compreender o propósito e o

contexto em que se deram as mudanças dos saberes desses docentes em relação às metodologias

indicadas nas propostas curriculares da educação infantil.

O presente artigo visa discutir, portanto, as recomendações que constam nos

documentos oficiais, dentre eles os modelos, os subsídios e as propostas curriculares referentes

ao ensino de matemática na educação infantil.

Há de se considerar que a presença dos conhecimentos relacionados à Educação

Matemática está presente nos programas oficiais, de modo que, inicialmente, faremos uma

apresentação do que consideramos como a articulação entre a Educação Matemática e a

Educação Infantil, indicada nos documentos que analisamos, apreciando as décadas que

correspondem ao período de 1970 a 2010. Em seguida faremos considerações a respeito da

relação Infância e Educação considerando-se que os documentos consultados mostram que, ao

longo da história da Educação Infantil, muitos foram os significados em voga para os conceitos

de Infância e Educação, estando suas definições pensadas e colocadas em prática conforme a

época e os contextos histórico, social e cultural do país.

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3. A articulação entre a Educação Matemática e a Educação Infantil nos programas

oficiais

Para contextualizar a articulação entre a Educação Matemática e a Educação Infantil

nos programas oficiais apresentamos, para cada década entre 1970 e 2010, o quadro abaixo no

qual buscamos, de maneira sintética, indicar como a Matemática é concebida e abordada nos

documentos analisados, assim como quais são a política e a função subjacentes à Educação Infantil

de cada período:

Quadro 1 – Elementos que definem a concepção e a abordagem Matemática, além da política e a função subjacente à Educação Infantil e à Pré-escola nos documentos oficiais analisados e

correspondentes ao intervalo entre os anos 1970-2010. Elaborado pelas autoras.

Elementos que definem a concepção e a

Política para a Educação Infantil e a função

Décadas abordagem da Matemática subjacente nos atribuída à Pré-Escola nos documentos

documentos analisados analisados

Utilizar expressões como “o elemento

pertence” e o “elemento não pertence”;

Determinar conjuntos por meio da conjunção de Nos anos 70 a política voltada para a

dois atributos (atributo definidor), tais como: Educação Infantil priorizou a expansão do

construindo conjuntos sendo dado o atributo atendimento da criança pré-escolar, uma vez que

conjuntivo, descobrindo o atributo conjuntivo havia altos índices de desistência e reprovação de

definidor de um conjunto (utilizando como crianças nas primeiras séries do que, atualmente,

universo a caixa de blocos lógicos); Identificar o conhecemos como Ensino Fundamental. Tal

conjunto unitário como o conjunto de quem tem política foi adotada com a intenção de diminuir

um elemento; Manipular e/ou construir conjuntos esses índices, pois se acreditava que a parcela

unitários; Estabelecer correspondência entre mais significativa do desenvolvimento do ser

1970 elementos de dois conjuntos identificando o humano ocorria nos primeiros anos de vida e que,

conjunto com: maior número de elemento, menor não encontrando condições adequadas nesse

número de elementos, mesmo número de período, todo o desenvolvimento posterior

elementos; Ordenar conjuntos de até 10 (dez) poderia ser prejudicado. Oferecer oportunidades

elementos em ordem crescente e decrescente; de realização que possibilitassem o pleno

Identificar quantidade de 1 (um) a 10 (dez) desenvolvimento das potencialidades das crianças

associando cada quantidade ao símbolo numérico e que proporcionassem condições adequadas para

correspondente e vice-versa; Vivenciar as o ingresso das mesmas no até então denominado

operações fundamentais por meio de situações Primeiro Grau eram perspectivas visadas nesse

sensibilizadoras: repartindo, acrescentando, período.

repetindo quantidades iguais, tirando, estimando

quanto falta, etc.

Na década de 1980 a política voltada para a

Educação Infantil mudou. O documento Diálogo

da Pré-Escola hoje (SÃO PAULO, 1984):

Por meio do exercício de pré-esquema afirmou, então, que a política em relação à

1980 matemático de classificação e seriação o professor Educação Infantil não era mais a de criar classes

deveria auxiliar a criança na formação do conceito de Educação Pré-Escolar, e sim a de auxiliar os

de número que, por sua vez, envolvia as noções municípios na implantação de redes pré-

de quantidade, identidade, reversibilidade e escolares. Esse era o compromisso assumido pelo

possibilidade de representação. Estado e cujo princípio norteador era a política

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educacional que pressupunha a descentralização e

a participação democrática.

Logo, atender às reivindicações da

comunidade a partir do conhecimento local

tornou-se compromisso do Estado no sentido de

ultrapassar os limites meramente assistenciais

para pôr em prática um trabalho fundamental

para o desenvolvimento da criança de modo que,

nesta perspectiva, a Pré-escola tem como função

pedagógica propiciar ao aluno vivências

desafiadoras respeitando seu desenvolvimento.

Para o professor era fundamental o conhecimento

teórico e a reflexão sobre a relação entre a teoria

e a prática para melhor orientar sua ação

pedagógica.

Na década de 1990 a política para a Educação

Infantil (BRASIL, 1994a) reafirmava o

reconhecimento de que a Educação infantil,

destinada às crianças de zero a seis anos, era a

primeira etapa da Educação Básica, indispensável

O conhecimento lógico-matemático

só se

à construção da cidadania traduzindo, assim, a

consciência social sobre o significado da infância

constitui e adquire uma estrutura de conjunto em

e o direito à educação da criança em seus

função de certo exercício não verbal, mas

1990 primeiros anos de vida.

essencialmente ativo da criança sobre o meio.

Paralelamente, diversas ações de capacitação

Dessa forma ela, a criança, estrutura suas noções

de recursos humanos, a nível central e regional,

de espaço e causalidade demandando, então, a

procuravam levar o professor a refletir sobre sua

necessidade de uma representação lógica, física e

prática pedagógica (SÃO PAULO, 1990), de

histórica de seus conhecimentos.

modo que era imprescindível compreender como

ocorria a aquisição do conhecimento pelas

crianças e quais eram os passos dados na

construção desse conhecimento.

Segundo estudos de Kramer, Nunes e

Carvalho (2013), a política para a educação

infantil indicava, no final do século XX e início

do século XXI, mudanças na função social,

política e pedagógica das instituições de

O objeto

de conhecimento da Matemática

educação e cuidado das crianças de zero a cinco

anos, bem como na concepção de criança e de

para as crianças deveria acontecer pela exploração

infância, na ideia de desenvolvimento infantil e,

de situações-problema. O que se pretendia não era

por conseguinte, nas concepções didáticas para os

aplicar o que

já se sabia, mas sim possibilitar

processos educativos nas creches e pré-escolas.

novos conhecimentos a partir dos conhecimentos

O marco dessas

mudanças estava

que estavam em interação a partir de

novos

representado nas Diretrizes Curriculares

2000 desafios, o que ocorria durante o convívio social e

Nacionais para Educação Infantil (BRASIL,

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o contato das crianças com histórias, contos,

1999), aprovadas pelo Conselho Nacional de

música, jogos, brincadeiras etc. Essas situações

Educação em 1999 e revistas em 2009. Em uma

deveriam proporcionar momentos onde a criança

fase transitória da creche e pré-escola na busca

recitaria a seu modo a sequência numérica, faria

por uma ação integrada que incorporasse às

comparações entre quantidades e entre noções

atividades educativas os cuidados essenciais das

numéricas e deveria localizar-se espacialmente.

crianças e suas brincadeiras, apontavam-se metas

de qualidade que contribuíram para que as

crianças tivessem desenvolvimento integral de

suas identidades, de forma que fossem capazes de

crescer como cidadãos cujos direitos à infância

seriam reconhecidos.

2010

As crianças e o conhecimento matemático: A Educação Infantil vive hoje um intenso

experiências de exploração e ampliação de processo de revisão de concepções sobre a

conceitos e relações matemáticas. Segundo Brasil educação de crianças em espaços coletivos, de

(2012) A entrada do bebê no mundo matemático seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas

acontece com a imersão e experimentação do mediadoras de aprendizagens e do

bebê com o próprio corpo. Ao movimentar-se no desenvolvimento das crianças. Foram tomadas

espaço subindo, descendo, entrando e saindo; como prioritárias as discussões sobre como

balbuciando sons ao ritmo de melodias; olhando orientar o trabalho docente junto às crianças de

de cima ou de baixo, deitado, sentado, de pé; até três anos em creches e assegurar práticas

apalpando objetos de diferentes formas, texturas, junto às crianças de quatro a cinco anos que

tamanhos, espessuras etc. o bebê explora a preveriam formas de garantir a continuidade no

geometria dos objetos, espaço físico, observas as processo de aprendizagem e de desenvolvimento

diferenças de ritmos e tons musicais e assim, das crianças, sem a antecipação de conteúdos que

mergulha no mundo matemático. As crianças seriam desenvolvidos no Ensino Fundamental

maiores entram neste mundo ao experimentar e (BRASIL, 2010).

representar, também, noções de quantidades,

medidas, peso e volumes. E assim, por meio da

experiência e exploração dessas vivencias

ampliam conceitos e relações matemáticas.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), a Educação Matemática brasileira

enquanto campo profissional e área de investigação surgiu na década de 1970. Deste

modo é interessante observar que também os programas oficiais para a pré-escola estavam

sendo elaborados neste período. Os estudos experimentais realizados por psicólogos

americanos e europeus sobre o modo como as crianças aprendiam matemática foi um dos

fatores determinantes para o surgimento da Educação Matemática; do que podemos

inferir que tais estudos influenciaram as reformulações curriculares oficiais de modo que

os pesquisadores da Educação Matemática contribuíram com a elaboração e a

reformulação dos documentos oficiais, assim como em relação à formação de

profissionais da Educação Infantil.

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Assim, a perspectiva teórica que fundamentou o ensino da matemática neste

período esteve atrelada à Teoria dos Conjuntos, principal eixo temático do Movimento

da Matemática Moderna que surgiu, segundo Fiorentini (1995), como resposta à

constatação de uma considerável defasagem entre o progresso científico da nova

sociedade industrial e o currículo escolar vigente, sobretudo nas áreas de ciências e

matemática no período pós Segunda Guerra Mundial.

Os estudos acadêmicos sobre a Infância e a Educação no decorrer das décadas

influenciaram de maneira significativa a elaboração de tais documentos oficiais, sendo

possível perceber a concretização das mudanças na maneira como os documentos as

representam. A percepção de criança, defendida pelos autores que escreveram os

documentos citados, é a de que ela deveria ser considerada enquanto um ser integral.

Desta maneira, a instituição educativa deveria admitir uma postura que compreendesse o

infante em sua totalidade, tanto do ponto de vista afetivo quanto dos pontos de vista físico

e cognitivo admitindo-o, por outro lado, como um ser em desenvolvimento e não como

um receptáculo de Pedagogias criadas por terceiros.

2. Infância e Educação

Ao refletirmos sobre o quê as propostas curriculares para a educação infantil têm

indicado aos professores em relação ao conhecimento matemático, refletimos também

sobre a Infância e a Educação, pois esses documentos têm a preocupação de adequar os

conhecimentos ao nível de compreensão das crianças, o que leva à abordagem necessária

dessas concepções. Desta maneira, vamos trazer aqui algumas considerações a esse

respeito para uma melhor compreensão do que estamos querendo mostrar como a

temática deste artigo.

Os estudos de Ariés (1981), por meio das imagens de infância burguesas,

analisaram como se davam as transformações do sentimento moderno de infância e de

família, de modo que a inserção da criança na sociedade confirma este sentimento.

Nascido no contexto burguês, o termo criança deixa de assumir o papel produtivo de

quando misturado com os adultos e passa a ser ingênuo e inocente, imperfeito e

incompleto. Segundo o mesmo autor, a escola substituiu a aprendizagem como meio de

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educação e a criança foi separada do adulto, mantida à distância numa espécie de

quarentena antes de ser solta no mundo.

O número expressivo de crianças desamparadas levou o Estado e a sociedade a

criarem instituições de amparo, tais como asilos, orfanatos e a Roda dos Expostos. No

século XVIII, com as transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas na França

e na Inglaterra, apareceram as primeiras creches com caráter assistencialista, cuja função

era afastar as crianças pobres do trabalho servil que o sistema capitalista em expansão

impunha, além de servirem como guardiãs de crianças órfãs e filhas de trabalhadores. De

acordo com Abramovay e Kramer (1991), os Jardins da Infância – criados por Froebel

nas favelas alemãs, por Montessori nas favelas Italianas, por Reabody nas americanas –

possuíam no século XIX função compensatória, de modo a suprir as carências,

deficiências culturais, linguísticas e afetivas das crianças provenientes das classes

populares.

De acordo com os estudos de Kuhlmann Jr. (1998), a expansão internacional dos

Jardins da Infância ocorreu com a influência norte-americana sendo que, no

Brasil, antes mesmo da República, Rui Barbosa defendia, em 1822, a implantação do

equipamento, de modo que, em 1875, o setor privado efetivou tal implantação na cidade

do Rio de Janeiro. No âmbito público, já no período republicano, em 1896 tivemos

notícias sobre a inauguração de um Jardim na cidade de São Paulo.

Ainda, o mesmo autor mostra que há uma aceitação generalizada no mundo

ocidental desse equipamento froebeliano como instituição educacional a se adotar para a

educação das crianças de 3 a 6 anos (KUHLMANN, 1998). Mesmo com a defesa de uma

educação republicana laica, a religião não ficava de fora dos Jardins da Infância, até

porque Froebel concentrou sua concepção educacional na dimensão religiosa.

Até o final do século XX o atendimento à criança de zero a seis anos ficou

historicamente vinculados às ações dos ministérios da Saúde, da Previdência e

Assistência Social e da Justiça, mas não foi integralmente assumido por nenhum deles,

pois não constituía dever do Estado até 1988, sendo que a responsabilidade era atribuída

às empresas empregadoras de mães e entidades sociais mediante convênios. Foram

intensas no Brasil, na metade da década de 1970, as mobilizações populares em torno da

reivindicação por educação da criança pequena, o que contribuiu, em 1986, para a

autorização das empresas e empregadores a adotarem o reembolso-creche em substituição

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à exigência contida na Lei trabalhista (CLT), que dispõe sobre as instituições de creche e

demais serviços de assistência pré-escolar para os filhos dos servidores dos órgãos e

entidades da Administração Federal. Durante este período houve um crescimento

significativo dos atendimentos às crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas.

Na década de 80 do século XX um texto constitucional define claramente como

direito da criança de 0 a 6 anos de idade e dever do Estado o atendimento em creche e

pré-escola com formas concretas de não só assistir, mas educar a criança pequena. A

Infância passa a ser vista como objeto dos deveres públicos do Estado e não fica mais

circunscrita ao âmbito do direito da família, porém, mesmo assim, Arroyo (1995) mostrou

em seus estudos que, nesta década, a Infância era vista de maneira limitada como o porvir

do “futuro cidadão”, de modo que a instituição de educação infantil tinha como função

preparar a criança para um dia ser “alguém na vida”, para “ir bem” na escola etc. Para

refletir sobre esta temática apresentamos os estudos de Kuhlmann Jr. (1998), os quais – a

partir de uma interpretação histórica – indicavam que as creches e pré-escolas

assistencialistas foram concebidas e difundidas como instituições educacionais. A ideia

de pensar a Educação como o oposto da assistência fragilizou as ações educativas, pois

desconsiderou o universo cultural da criança em privilégio ao desenvolvimento cognitivo.

O jogo e o brinquedo, vistos como atividades fundamentais para as crianças, foram então

desvalorizados de modo que o modelo escolar acabou por auxiliar as práticas educativas

das crianças pequenas e o jogo e o brincar acabam sendo vistos apenas como atividade

recreativa. .

Considerando, ainda, as reflexões de Abramowicz (2003) no que diz respeito, a

saber, qual a educação infantil seria incluída no sistema de ensino, a autora mostra que as

dicotomias cuidar / educar, assistir / cuidar, assistir / educar produzidas e cultivadas

amplamente passaram a fazer parte das discussões sobre a importância desses aspectos

para o desenvolvimento da criança pequena e, ao mesmo tempo, tornaram-se meios de

significar e diferenciar os equipamentos conforme um ou outro pressuposto. Desta

maneira, não é mais possível pensar a criança, principalmente as crianças pobres, levando

em consideração a falta. Assim, nos mostra a autora que a infância tem-se constituído em

alvo de saberes e poderes que vêm sendo construídos e modificados ao longo da História

configurados enquanto categoria social.

Portanto, a criança deixa de existir em um contexto de conceitos padronizados,

estáveis e objetivos passando a ser co-construtora de conhecimento, identidade e cultura.

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Esta nova concepção vem de uma perspectiva pós-moderna que afirmar que o

conhecimento não é visto como universal, imutável e absoluto, sendo a aprendizagem:

(...) uma atividade cooperativa e comunicativa, na qual as crianças constroem

conhecimento, dão significado ao mundo, junto com os adultos e, igualmente

importante, com outras crianças: por isso enfatizamos, que a criança pequena,

como aprendiz, é um co-construtor ativo. A aprendizagem não é uma

transmissão de conhecimento que conduz a criança a resultados pré-ordenados,

nem a criança é um receptor “pobre” que aguarda esperançosa a receita de

conhecimento do adulto

(DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 72).

Nesse sentido, atualmente as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil defendem o seguinte conceito de criança:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas

que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina,

fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói

sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2010,

p. 12).

3. O que as propostas curriculares indicam em seus quarenta anos de orientação

aos professores da Educação Infantil: Algumas considerações

Os programas oficiais analisados – o modelo pedagógico da década de 1970 (SÃO

PAULO, 1979), o Subsídio para Implementação do Modelo Pedagógico Para Educação

Infantil da década de 1980 (SÃO PAULO, 1981), a Proposta Curricular para a Educação

Pré-Escolar (SÃO PAULO, 1990), Educação Infantil no Brasil: situação atual

(BRASIL, 1994b), Por uma política de formação profissional de educação infantil

((BRASIL, 1994a) Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos

fundamentais das crianças

BRASIL, 1994c), o terceiro volume do Referencial Curricular Nacional da

Educação Infantil da década de 2000 (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação infantil de 2010 (BRASIL, 2010) – expressam concepções

de Infância e Educação que podem ser identificadas no conteúdo dos textos como também

na forma de organização dos mesmos.

Na década de 1970, por exemplo, os modelos pedagógicos tinham certa

preocupação em mostrar que, apesar das crianças não serem consideradas carentes

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culturalmente, houve uma dificuldade em inseri-las numa nova cultura e a pré-escola

configurava-se como o local onde esse processo de inserção da criança poderia ocorrer,

o que talvez explique uma preocupação excessiva com o conteúdo a ser aprendido pela

criança, onde o contexto era o de expandir a educação pré-escolar atingindo, assim, as

camadas mais pobres da população para que as crianças pudessem ter acesso aos bens

culturais das classes mais abastadas como livros, brinquedos e jogos educativos etc. (SÃO

PAULO, 1979).

Outra hipótese levantada é a de que, talvez, mesmo com a intenção de não

considerar a educação infantil com a função de uma educação compensatória, a sua rápida

expansão fez com que outros fatores não fossem tão bem planejados, tais como a

formação inicial e continuada dos professores, a gestão das unidades de educação infantil,

entre outros.

Neste período, portanto, havia uma percepção de que as crianças ocupavam

posições determinadas pelas relações de poder (gênero, classe, etnia, entre outras) que

insidiam em suas especificidades culturais. Cabe-nos fazer a pergunta, será que esse

problema foi resolvido?

A nosso ver parece que não. Assim, a crítica que culminaria nas bases para as

mudanças que ocorreriam nas décadas de 80 e 90 pautava que a pré-escola necessitava

deixar de ser um local com preocupação apenas propedêutica, pois os autores defendiam

uma concepção de infância que considerasse a maneira própria da criança compreender

o mundo.

Foi no período entre as décadas de 1980 e 1990 que percebemos, então, uma

grande mudança na organização didática dos currículos para a Educação infantil,

justamente quando a sociologia e a antropologia se aliam mais fortemente à educação

infantil e os conteúdos da matemática para as crianças de 3 a 6 anos aparecem nos

programas oficias com outra roupagem, já não sendo vista como área de conhecimento

estanque e separada, mas integrada a outras áreas, o que conduziu à intensificação dos

estudos sobre a função da educação infantil a partir da especificidade da criança.

Nos anos 2000 dá-se a volta dos programas oficiais em relação à organização

didática dos currículos, ou seja, os conteúdos são elencados por faixa etária, objetivos

instrucionais e divididos por metodologia. Recomendava-se que a aprendizagem da

matemática na Educação Infantil ocorresse por meio da exploração da situação-problema,

com um sentido muito preciso. Essas situações-problema deveriam ser criteriosamente

planejadas a fim de que estivessem contextualizadas, remetendo a conhecimentos prévios

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das crianças e possibilitando a ampliação de repertórios de estratégias no que se refere à

resolução de operações, notação numérica, formas de representação e comunicação etc.,

e mostrando-se como uma necessidade que justificasse a busca por novas informações.

Consideramos que as constantes mudanças em relação ao currículo para crianças

estão atreladas às permanentes construções das concepções de Infância e Educação que,

articuladas com as políticas públicas, constroem representações do ser Criança.

Percebemos, então, que na década de 2000 várias mudanças significativas em relação a

tais considerações ocorreram como, por exemplo, as alterações quanto às construções dos

prédios para o funcionamento de creches (crianças de 0 a 3 anos) e pré-escolas (crianças

de 4 a 6 anos), que deixaram de ser edifícios separados e passaram a atender ambas as

faixas etárias em um único espaço físico, colaborando para que o cuidar e o educar

também fossem vistos de maneira integrada.

Atualmente, retomando o que apresentamos no Quadro-síntese destas mudanças

históricas, vivemos na Educação Infantil um intenso processo de revisão de concepções

sobre educação de crianças em espaços coletivos, de seleção e fortalecimento de práticas

pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças, o que nos

coloca, mais uma vez, imersos em um período de mudanças.

Considerações Finais

Concluímos, assim, que é interessante observarmos as várias

contribuições da psicologia, da história, da sociologia, da antropologia e da educação

matemática para a educação infantil que, no decorrer da história de quarenta anos de

programas oficiais para a orientação de professores, foram se integrando e mostrando

como o nosso olhar para a Infância e a Educação pode ser ampliado ainda mais, de

maneira que possamos ver como os conteúdos de matemática são vivenciados pelas

crianças de zero a seis anos para que as ações educativas não sejam consideradas apenas

uma “compensação de carências” ou uma “etapa de preparação” da criança para o ensino

fundamental, possibilitando definitivamente à criança viver sua infância e se desenvolver

plena e integralmente.

Deste modo,acreditamos que os documentos oficiais indicam aos

professores conhecimentos fundamentados em pressupostos teóricos que explicam a

escolha por uma ou outra ação prática que legitima seus fazeres na importante evolução

da linguagem e do pensamento matemático da criança, além de ancorar a concepção de

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Educação e Infância adotada. Portanto, temos a intenção de continuar nossos

estudos no sentido de investigar como atualmente os cursos de formação inicial e

continuada abordam a matemática para crianças de creche e pré-escola, no sentido de

melhor compreendermos quais as resposta destes saberes na prática dos professores com

as crianças.

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CRECHE NO CONTEXTO DAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS: A ANÁLISE DO

RELATÓRIO DE GESTÃO CONSOLIDADO NO EXERCÍCIO 2014 DO

GOVERNO FEDERAL.

ARIOSI, Cinthia Magda Fernandes1

Formação do professor de creche é uma necessidade urgente no Brasil, mas ainda não

entrou na agenda das politicas educacionais. Esse trabalho surgiu a partir da leitura do

relatório de gestão consolidado no exercício 2014 do governo federal, disponibilizado

no site do Ministério da Educação. O objetivo foi identificar no referido relatório as

ações de formação de professores para creche realizadas por meio de programas

federais. A questões norteadora foi: diante da necessidade de formação dos profissionais

para creche existe algum programa de formação promovido pelo governo federal para

esse segmento da educação básica? A pesquisa foi basicamente bibliográfica e

documental. O governo federal não tem investido na formação dos professores de

educação infantil e, menos ainda, da creche. Os municípios tem assumido essa tarefa,

mas com muita dificuldade financeira e de pessoal para garantir a formação de

qualidade.

Palavras-chave: Formação de professores. Creche. Politica educacional.

Introdução

A Educação Infantil (EI) é responsabilidade dos Municípios, mas na região de

Presidente Prudente, onde desenvolvemos várias ações junto aos municípios na

formação de professores, temos identificado que a maioria deles tem optado pelo

apostilamento ou adoção de livro didático para pré-escola. As empresas de

apostilamento oferecem formação continuada para o segmento que utiliza o material,

mas as creches não se incluem nessa situação2 Assim, temos observado que os

profissionais de creche ficam a mercê das iniciativas dos próprios municípios, que tem

encontrado dificuldade em cumprir essa tarefa.

1 Professora da Faculdade de Tecnologia e Ciências – FCT, Departamento de Educação - Unesp, Campus Presidente Prudente. Pedagoga. Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da FCC/Unesp/Marília. E-mail: [email protected] 2 Neste momento a qualidade das formações oferecidas pelas empresas de apostilas não está em pauta.

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Desde 2008, funciona, na região citada acima, o Fórum Regional Permanente de

Educação de 0 a 12 anos (Forpedi). Os 18 municípios que aderiram ao Forpedi no ano

de 2015, são unanimes em afirmar a inexistência de programas formação para os

profissionais de creche e justificam, assim, a opção do Fórum pela formação continuada

para educadores de creche desde 2011. Os representantes destes municípios apontam a

existência de muitas ações governamentais (estaduais e Federais) para a formação de

professores dos outros segmentos da educação básica, as mais citadas são: Pacto

Nacional pela Alfabetização na idade certa (Pnaic), Programa Ler e Escrever, Educação

Matemática nos Anos Iniciais (Emai), entre outros. A partir destas considerações surgiu

a intenção de verificar se esse sentimento exposto pelos participantes do Forpedi pode

ser comprovado e como o Governo Federal tem contribuído com os municípios para que

eles formem continuamente seus profissionais de creche.

O presente trabalho foi realizado por meio de pesquisa em texto de livros e

artigos que apresentam informações sobre a situação atual das creches no Brasil, no

tocante as especificidades deste segmento da educação básica e a formação de

professores. Também foram pesquisas as leis que regem a educação brasileira, em

especial a educação infantil. E foi analisado o Relatório das ações desenvolvidas pelo

Ministério da Educação – MEC, no ano de 2014, disponibilizado no site do MEC, em

maio de 2015. Portanto, foram realizadas a pesquisa bibliográfica e documental.

Para dar conta desta proposta organizamos o texto com uma analise da legislação

educacional vigente sobre a creche no Brasil. Depois foi organizada uma discussão

sobre as especificidades da creche e a necessidade de formação para os professores deste

segmento. E finalmente, apresentamos os dados do Relatório das ações desenvolvidas

pelo MEC em 2014, comprovando nossa hipótese inicial, o Governo federal não

contribuiu com a formação continuada dos profissionais de creche, colaborando com os

municípios e o sentimento dos membros do Forpedi é verdadeiro.

A creche na legislação educacional

A educação infantil no Brasil mudou de status com a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de n.º

9394/96. Essas duas leis representaram grandes avanços para esse segmento de

escolarização.

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O documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças

de zero a seis anos à Educação, apresentado pelo Ministério da Educação em 2006,

afirma que

Ao Estado, portanto, compete formular políticas, implementar programas e

viabilizar recursos que garantam à criança desenvolvimento integral e vida

plena, de forma que complemente a ação da família. Em sua breve existência,

a educação das crianças de 0 a 6 anos, como um direito, vem conquistando

cada vez mais afirmação social, prestígio político e presença permanente no

quadro educacional brasileiro (BRASIL, 2006, p. 5).

Na continuidade do texto há o reconhecimento da Educação Infantil (EI) como

etapa fundamental para a constituição do sujeito e reafirma a abrangência deste nível de

escolaridade em creche que atende crianças de 0 a 3 anos e pré-escola voltada às crianças

de 4 a 6 anos3. O texto da política nacional para a EI, ainda, menciona que

Tradicionalmente, na educação de crianças de 0 a 3 anos predominam os

cuidados em relação à saúde, à higiene e à alimentação, enquanto a educação

das crianças de 4 a 6 anos tem sido concebida e tratada como

antecipadora/preparatória para o Ensino Fundamental. Esses fatos, somados

ao modelo de “educação escolar”, explicam, em parte, algumas das

dificuldades atuais em lidar com a Educação Infantil na perspectiva da

integração de cuidados e educação em instituições de Educação Infantil e

também na continuidade com os anos iniciais do Ensino Fundamental.

(BRASIL, 2006, p. 9).

O texto oficial já apontava a existência de uma dicotomia entre o atendimento

oferecido pela creche e a pré-escola, ou seja, na creche predominava o cuidado e a

higiene e na pré-escola a ação de antecipação ou preparação para o ensino fundamental.

Essa dicotomia não está presente somente no documento, mas é uma realidade nas

escolas de EI pelo Brasil. Para além, desta dicotomia sobre o papel de cada um destes

segmentos, que foi motivo de muitos debates e pesquisas (KRAMER, 2003; ORTIZ e

CARVALHO, 2012; OLIVEIRA et al, 2009; ROSEMBERG, 2002; KRAMER, 2005;

ALVES e VERISSIMO, 2007). Há outros elementos que influenciam o processo de

construção da identidade educacional da EI no Brasil, em especial da creche.

No documento da Política Nacional de Educação Infantil de 2006, são

apresentadas as Metas de ação do Ministério da Educação (MEC) para melhoria da

qualidade da EI, são elas:

incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas

pedagógicas e curriculares;

promoção da formação e da valorização dos profissionais que atuam nas

creches e nas pré-escolas;

apoio aos sistemas de ensino municipais para assumirem sua

responsabilidade com a Educação Infantil;

criação de um sistema de informações sobre a educação da criança de 0

a 6 anos. (BRASIL, 2006, p. 10).

3 A idade de 6 (seis) anos na educação infantil foi alterada pela Lei nº 11.274/2006. BRASIL. Lei N°11.274, de 06 de

fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece

as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com

matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, 07 fevereiro 2006.

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Entendemos que para que essas metas se concretizem é necessária que existam

políticas públicas que garantam o aumento do investimento na EI, em especial na creche,

com foco na formação dos profissionais da creche. Muitos pesquisadores e educadores

defendam a unidade da EI, mas é impossível negar as especificidades destes dois

segmentos. As crianças da creche são diferentes das crianças da pré-escola, do ponto de

vista das capacidades cognitivas, mas não do direito a qualidade de educação.

Durante muitos anos os bebês foram descritos e definidos principalmente por

suas fragilidades, suas incapacidades e sua imaturidade. Porém, nos últimos

tempos, as pesquisas vêm demonstrando as inúmeras capacidades dos bebês.

Temos cada vez um maior conhecimento acerca da complexidade da sua

herança genética, dos seus reflexos, das suas competências sensoriais e, para

além das suas capacidades orgânicas, aprendemos que os bebês também são

pessoas potentes no campo das relações sociais e da cognição. Os bebês

possuem um corpo onde afeto, intelecto e motricidade estão profundamente

conectados e é a forma particular como estes elementos se articulam que vão

definindo as singularidades de cada indivíduo ao longo de sua história. Cada

bebê possui um ritmo pessoal, uma forma de ser e de se comunicar.

(BARBOSA, 2010, p. 2).

Desta forma, defendemos que o profissional de creche carece de uma formação

que comtemple essas especificidades. Para que o professor da creche trabalhe e

desenvolva esse bebê que é competente, poderoso, potente e criativo, segundo Rinaldi

(1999), ele precisa de conhecimentos sobre as formas de aprendizagens desta faixa

etária, sobre o respeito as necessidades afetivas, sociais, culturais e motoras dos bebês,

reconhecendo-os como sujeitos da história e de direito e produtores de cultura.

Diante do exposto, percebemos uma contradição, pois as pesquisas tem mostrado

que os profissionais que atuam nas creches ainda mantém práticas oriundas da

concepção assistencialista, isso deve-se ao fato de que os cursos de graduação de

formação de professores, ainda não incorporaram os conceitos e práticas voltadas aos

bebês. Frequentemente os professores formados em nível superior se negam a atuarem

nas creches, mas se não há outra alternativa, trabalham nesse segmento descontentes,

com um forte sentimento de desvalorização e desprestígio profissional. Essa situação

tem sido constatada por meio de vários trabalhos de extensão universitária que vem

sendo desenvolvidos ao longo dos últimos dois anos4

Observa-se que a preocupação é maior para a formação do professor que atua

com crianças de 0 a 3 anos, pois as teorias e práticas acerca dessa faixa etária

ainda são pouco difundidas nos cursos de formação inicial, uma vez que essa

etapa da educação passou a ser incorporada recentemente como educação

básica. Assim ainda são poucas as publicações no campo educacional da

Pedagogia direcionadas aos bebês e crianças pequenas em ambientes

coletivos. (SANTOS; HADDAD, 2010, p. 6)

4Projeto de extensão - Curso de Difusão de Conhecimento: “A educação na Creche (0 a 3 anos): fundamentação teórica e práticas”,

desenvolvido em 2014. Projeto de extensão - Curso de Difusão de Conhecimento: “A educação na Creche (0 a 3 anos): relacionando

teoria e prática” e “Qualidade na educação infantil: construindo a cultura da avaliação”, ambos em desenvolvimento no ano de 2015.

Projeto de Extensão “Qualidade na Educação Infantil: uma construção a partir da realidade”, em desenvolvimento. E pelo projeto do

Núcleo de Ensino “Currículo Emergente e Documentação Pedagógica: instrumentos pedagógicos para tornar visível o trabalho da

escola de educação infantil”, ainda em desenvolvimento.

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Percebemos que em virtude do exposto, a prática desenvolvida com os bebês nas

instituições não difere das práticas desenvolvidas no interior das famílias, entretanto o

atendimento oferecido na creche deve ser diferente. O trabalho da creche deve estar

pautado em uma concepção educacional, que garanta ao individuo o apoio afetivo,

psíquico, cognitivo e psicomotor e da linguagem necessário ao desenvolvimento pleno

do ser humano. Todavia, no Brasil, considerando o histórico assistencial da creche

constata-se que, na prática de seu atendimento, as trabalhadoras de creches veem o

cuidado com a criança como algo que não demanda habilidade ou conhecimentos

específicos, de menor valor e subsidiário em relação a educação, levando em conta o

“instinto maternal” e natural das mulheres (ALVES; VERISSIMO, 2007, p. 15).

Esse cenário indica que o profissional para atuar na creche precisa ter uma

formação ampla e sólida, que atenda as especificidades educacionais desta faixa etária,

mas quando investigamos nos programas e ações, implementadas pelo governo federal,

propostas que contribuíam para a formação dos profissionais de educação infantil, em

especial da creche, verifica-se a inexistência destas ações. Apesar da indicação desta

necessidade no documento que apresenta a Política Nacional de Educação Infantil

efetivamente essas ações não acontecem. Essa afirmação é legitimada pelo Relatório de

Gestão consolidado no Exercício 20145. No referido relatório as ações desenvolvidas

pelo Ministério da Educação – MEC, no ano de 2014, são:

São demandantes dos serviços de atendimento ao cidadão as Secretarias do

MEC: SAA, SASE, SEB, SECADI, SERES, SESu e SETEC; e as

Autarquias: CAPES, FNDE e INEP.

As principais informações prestadas são referentes a:

- Programa Ciências sem Fronteiras;

- ENEM, ENADE, CENSO e demais avaliações;

- FIES e demais programas do FNDE;

- SISU, PROUNI e demais assuntos da Educação Superior;

- Regulação e supervisão da Educação Superior;

- Pró-Jovem e demais programas da Secretaria de Educação

- Continuada, Alfabetização,

- Diversidade e Inclusão;

- Programas da Secretaria de Educação Básica;

- CAPES mestrado, doutorado e Plataforma Freire; e

- PRONATEC e demais programas da Secretaria de Educação

- Profissional e Tecnológica.

Sabemos que, segundo da LDB nº 9394/96, o município é o principal

responsável pela educação infantil em todos os sentidos, mas os governos municipais

não tem conseguido atender todas as demandas de atendimento as crianças pequenas e

menos ainda, conseguem prover a formação continuada dos professores de creche e pré-

escola. Os gestores dos municípios de pequeno porte têm sentido muito essa dificuldade

5Relatório disponível no site do MEC, na sessão da Secretaria de Educação Básica. Disponível em: <

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12492&Itemid=811>. Acesso em: 25 jul.2015.

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e necessitam de apoio, ou suplementação como prevê a legislação vigente. Com a

implementação da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que altera a LDB 9394/96, e

amplia a obrigatoriedade da educação básica iniciando aos 4 anos até os 17 anos, ou

seja, da educação infantil (pré-escola) ao ensino médio, existe a preocupação que a

creche fique mais desamparada por não se tratar da escolaridade obrigatória.

No relatório as creches e pré-escolas são mencionadas no tópico sobre

planejamento orçamentário e os resultados obtidos, dentro de um projeto desenvolvido

com objetivo de

Elevar o atendimento escolar, por meio da promoção do acesso e da

permanência, e a conclusão na Educação Básica, nas suas etapas e

modalidades de ensino, em colaboração com os entes federados, também por

meio da ampliação e qualificação da rede física. (BRASIL, 2015, p. 65).

Salientamos que esse projeto está voltado a ampliação da rede física, porém

limita-se a construção de escola, de quadras poliesportivas, escolas para comunidades

quilombolas e salas de recursos, cabendo aos municípios a manutenção das escolas

depois da inauguração. Não é oferecido nenhum apoio referente à formação de

professores para atuarem nessas escolas. Segundo o relatório do MEC, com relação a

essa meta a avaliação é:

Meta: Apoiar a construção de 7 mil creches e pré-escolas

A meta objetiva ampliar o atendimento educacional por meio de assistência

técnica e financeira aos municípios e ao Distrito Federal para construção de

escolas de educação infantil, iniciativa que faz parte do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC 2). Também está prevista a aquisição de

equipamentos e mobiliário, de forma que as escolas públicas de educação

infantil tenham condições adequadas de funcionamento, além de

assessoramento técnico, com foco na formulação de propostas pedagógicas

condizentes com a identidade educacional e sociocultural dos municípios.

No âmbito do PAC 2, de 2011 até 2014, foi aprovada a construção de 6.185

unidades de educação infantil, atendendo a 2.738 municípios, com

investimentos de R$ 7,8 bilhões. Somente em 2014, foi apoiada a construção

de 958 creches e pré-escolas em 717 municípios, com valor superior a R$ 1,2

bilhão.

Desde o início do ProInfância, em 2007, foram aprovados 8.787 projetos para

construção, totalizando investimentos de R$ 10,3 bilhões. Destas unidades,

mais de 2.500 estão concluídas. (BRASIL, 2015, p. 67).

O relatório ainda apresenta questões referentes a frequência das crianças nas

escolas de educação infantil. Ele demonstra um crescimento substancial nessa

frequência, que em 2013 era pouco mais de 23% para creche e de 80% para pré-escola.

Segundo os argumentos apresentados no relatório, essa ampliação de frequência na EI

deve-se a construção de unidades escolas por meio do programa ProInfância, como se

apenas construir escolas fosse o suficiente para que a criança seja bem atendida e a

qualidade seja garantida. O relatório apresenta:

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Meta: Elevar progressivamente a taxa de frequência à escola para população de 0 a 3 anos, de

forma a alcançar a meta do PNE 2011-2020

Meta: Elevar progressivamente a taxa de frequência à escola para

população de 4 e 5 anos, de forma a alcançar a meta do PNE 2011-2020

Em 2001, a taxa de frequência escolar da população de 0 a 3 anos era de

10,6%, passando para 20,8% em 2011 e para 23,2% em 2013, de acordo com

os dados da PNAD, evidenciando um significativo crescimento ao longo dos

últimos dez anos. Já a taxa de frequência à escola para a população de 4 e 5

anos, passou de 55% em 2001 para 77,4% em 2011 e 81,4% em 2013.

[…]

Para esse resultado, destaca-se a importância do ProInfância, voltado para a

construção de novas unidades de educação infantil e para a aquisição de

mobiliário e equipamentos, além do assessoramento técnico com foco na

formulação de propostas pedagógicas condizentes com a identidade

educacional e sociocultural dos municípios. Em 2014, foram apoiadas para

construção 958 unidades de educação infantil, o que totaliza a aprovação de

6.185 creches e pré-escolas em todas as unidades da Federação, no âmbito

do PAC, desde 2011. Considerando todas as formas de financiamento (PAC,

convênios e emendas parlamentares) foram aprovadas para construção 8.787

creches e pré-escolas desde 2007. (BRASIL, 2015, p. 69).

Outro ponto interesse para refletir sobre o texto acima, é a afirmação referente

as escolas que foram aprovadas para construção, porém não há a garantia de que essa

construção tenha se concretizado até o momento. A convivência com dirigentes de

pequenos municípios6 tem mostrado que eles têm dificuldade de atender todas as

exigências do programa ProInfância e muitas vezes não tem acesso a ele.

O texto ainda menciona outro programa

Ainda no âmbito da educação infantil, o Programa Brasil Carinhoso tem o

seu desenvolvimento integrado em várias vertentes, sendo uma delas a

expansão da quantidade de matrículas de crianças entre 0 e 48 meses, cujas

famílias sejam beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF), em creches

públicas ou conveniadas. O apoio financeiro é devido somente aos

municípios e ao Distrito Federal que informaram no Censo Escolar do ano

anterior a quantidade de matrículas dessas crianças. O Programa repassa, de

forma automática, um complemento de 50% do valor anual mínimo por

matrícula em creche pública ou conveniada, definido para o Fundeb para

custear despesas com manutenção e desenvolvimento da educação infantil,

tais como ações de cuidado integral, segurança alimentar e nutricional e para

garantir o acesso e à permanência da criança na educação infantil. Em 2014,

foram investidos R$ 765,6 milhões, beneficiando 580.584 alunos em 4.937

municípios. (BRASIL, 2015, p. 69).

Com mais esse projeto desenvolvido pelo governo federal fica evidente o baixo

investimento que é realizado na educação infantil, em relação aos outros níveis de

escolarização. No relatório não existe a menção sobre atividades de formação de

professores para a creche, que é o tema central nesse trabalho. A creche está inserida

legalmente na estrutura de ensino brasileiro, mas seus profissionais não são alvo de

programas federais de formação de professores.

Assim, explicitar o reconhecimento e o tratamento dado à especificidade da

docência na educação infantil tornou-se, em muitos momentos da pesquisa,

6Convivência que acontece nos projetos de extensão já mencionados.

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ISSN 2448-1157

uma tarefa desafiadora. As proposições muitas vezes não incluíam essa

especificidade, nem tampouco a excluíam, sugerindo, pela ausência de uma

explicitação, que poderiam ser direcionadas também ao professor de

educação infantil. O fato de, na maior parte dos textos, ser utilizada uma

forma única para dirigir-se ao professor da educação básica também se

tornou uma indicação do tratamento dado à especificidade da docência da

educação infantil. (BONETTI, 2004, p. 138)

As pesquisas têm mostrado que a especificidade da formação de professores para

a creche não são respeitadas e atendidas nas legislações brasileiras, pois quando são

mencionadas, são sempre em segundo plano (BARBOSA, 2010). O que demonstra o

pouco interesse e investimento na formação professores para creche no nosso país.

Esse aspecto ficou evidente na análise dos documentos RFP/1998, Proposta

2000 e Parecer 009/200. Ao tratar da especificidade da docência da educação

infantil, o RFP/1998 apresenta uma maior afinidade com as discussões

realizadas e as propostas apresentadas pelos profissionais da área no âmbito

do COEDI, especialmente quanto à função de educar e cuidar, que é

apresentada como especificidade da docência de 0 a 6 e como objetivos das

instituições educativas. Mesmo que as referências à docência na educação

infantil ocorram de forma secundária no RFP/1998 em relação aos

documentos que o seguiram, é possível perceber as ideias defendidas pelo

conjunto dos pesquisadores e educadores da área, em âmbito nacional,

influindo na construção do documento. (BONETTI, 2004, p. 138-139)

Esses textos apontam como as legislações e documentos oficiais tem abordado

a formação de professores para crianças pequenas no Brasil. Segundo Bonetti (2004),

os Referenciais para a Formação de Professores apresentam maior proximidade com as

propostas do COEDI que evidenciam a indissociabilidade do cuidar e do educar e o

documento oficial que mais atende a especificidade da educação infantil.

Já a Proposta 2000 distancia-se consideravelmente do entendimento da

função de educar e cuidar e no Parecer 009/2001 praticamente desaparecem

as referências a essa função, tratando a formação do professor de educação

infantil de forma mais genérica, como professor da educação básica.

(BONETTI, 2004, p. 139)

Há um programa do Governo Federal para formação continuada de professores

de educação infantil, denominado de ProInfantil. Esse programa é

[…] um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destina-

se aos profissionais que atuam em sala de aula da educação infantil, nas

creches e pré-escolas das redes públicas – municipais e estaduais – e da rede

privada, sem fins lucrativos – comunitárias, filantrópicas ou confessionais –

conveniadas ou não, sem a formação específica para o magistério7.

Entretanto analisar o currículo proposto para essa ação de formação de

professores de creche é no mínimo assustador, porque é possível identificar os

conteúdos específicos necessários a docência na educação infantil, mas em pouca

quantidade. Reconhecemos que a apresentação do site do MEC é breve, mas seria

necessário que a especificidade da educação infantil já estivesse presente na

apresentação do currículo e não está como podemos verificar.

7Fonte: site do MEC. Disponível em: <

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12321&Itemid=550>.

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Base Nacional do Ensino Médio: Linguagens e Códigos (Língua portuguesa);

Identidade, Sociedade e Cultura (Sociologia, Filosofia, Antropologia,

História e Geografia);

Matemática e Lógica;

Vida e Natureza (Biologia, Física e Química).

Formação Pedagógica: Fundamentos da Educação (Fundamentos Sociofilosóficos, Psicologia e

História da Educação e da Educação Infantil);

Organização do Trabalho Pedagógico (Sistema Educacional Brasileiro,

Bases Pedagógicas do Trabalho em Educação e Ação Docente na Educação

Infantil)2.

Considerações Finais

Diante das análises realizadas, percebemos que o professor para atuar em creche

necessita de um conhecimento específico que atenda as necessidades dos bebês que

estão em uma fase muito particular do desenvolvimento humano. Além disso, uma fase

que determinará todo o desenvolvimento e por esse motivo precisa de muita atenção e

preparo do profissional. Para dar conta de toda essa especificidade é fundamental uma

formação inicial e continuada de qualidade e com várias possiblidades de acesso. Não é

possível que somente os municípios sejam os agentes responsáveis pela formação

continuada destes profissionais.

Desta forma, apontamos que as poucas opções de formação de professores para

creche oferecidas no âmbito do governo federal são insuficientes e negligenciam a

especificidade da docência para a educação infantil. Nesse sentido a nossa proposta se

constitui em um instrumento valioso de qualificação dos professores de creche.

Os profissionais que participam do Forpedi tem razão, quanto a escassez de

programas de formação continuada para os profissionais de creche, mas para a pré-

escola também há carência. Desta forma, a educação infantil como um todo está

desguarnecida de atendimento formativo por parte do governo federal. O que torna o

Forpedi um espaço muito importante de formação para a EI na região de Presidente

Prudente.

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Referências

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Dos livros para a vida real: aprendendo a gestar uma escola da infância.

Angélica A. Curvelo Alves1

Resumo

Tentar uma escola nova foi o desafio aceito ao assumir a gestão de uma instituição de educação

da infância na cidade de Suzano. A equipe e as famílias colocaram demandas de que uma escola

nova precisava nascer, mas não sabiam bem por onde começar. É dessa mistura de sonhos e da

gestão colaborativa, organizada e fundamentada teoricamente que começa a brotar uma escola

com mais de percepção da infância, mais de democracia, colaboração, mais cuidado pedagógico

para os fazeres centrados na história da criança e mais sonhos. No caminho dessa construção

vale compartilhar a experiência de como foi agir em várias frentes, de como se fez importante

a reflexão constante e o replanejamento para que a escola que já existe nos livros possa um dia

existir nas vidas de nossas crianças.

Palavras chave: Educação Infantil – Infância – Gestão Escolar – Gestão Democrática

As inquietações de viver uma escola de educação da infância que não fosse devorada pelas datas

comemorativas, por práticas de repetição e por ações maternais não eram novas e nem solitárias,

desde o início do nosso século se viu crescer um movimento para o qual era urgente as

discussões de para quem era a escola de educação infantil, a que infância ela se destinava, para

que nossas crianças estavam lá, quem edificava as práticas cotidianas, entre tantas outras

indagações que muitas pesquisas publicadas já discutiram. O fato é que, embora a literatura

científica tenha ricas informações sobre as particularidades da infância e da Educação Infantil

(Campos, 1985; Barreto, 1995; Oliveira, 2000; Kramer, 2001; Dahalberg, 2003; Nascimento

2011), amplas e profícuas discussões sejam arquitetadas nos congressos da área, na escola, no

chão da escola de onde eu venho, no dia a dia do que se faz, pouca coisa tem mudado.

1

1. Diretora de Escola Municipal de Educação Infantil na cidade de Suzano/SP Doutoranda do programa de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação de São Paulo, Mestre em Educação: Psicologia da Educação, Especialista em Gestão Escolar e em Direito Educacional, Pedagoga e Bacharel em Direito

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Foi dessa sensação de que se há pouca mudança nos fazeres escolares da Educação Infantil,

da vontade de que essa mudança necessária deixe de ser tímida e se torne grande e que ela

comece por algum lugar, que em janeiro de 2015 resolvi assumir a gestão de uma unidade

escolar de Educação Infantil na cidade de Suzano, municipalidade da qual faço parte do quadro do

magistério desde 2002. Claro que aceitar esse desafio não era uma aposta de que eu poderia

transformar a escola, eu já sabia que isso não era tarefa de um homem só, mas era uma

possibilidade, para além de quatro paredes, de tentar trazer para os espaços da vida um pouco das

mudanças já prescritas, trazê-las dos livros para a vida real.

O começo – como quase todo princípio de história – foi muito, muito difícil. Não tinha

como discutir práticas renovadas em meio a tanto caos. Eram muitas as pedras no caminho. A

maior de todas elas nem estava no campo das práticas pedagógicas, mas no das relações humanas.

As relações que o coletivo de adultos que trabalhava na unidade escolar tinha, uns com os outros,

com a comunidade e com a própria profissionalidade eram profundamente comprometidas. Pairava

tudo, menos ares de que ali se desenvolvia uma atividade produtiva humana, uma atividade que

fizesse das pessoas felizes. Esse foi o primeiro espaço em que se fez necessária uma atuação mais

dedicada. Mãos à obra, começamos inspirados pelo conceito de formação crítica de educadores de

Liberali (2008) com exercícios constantes da escuta, uns dos outros, com discussões analíticas da

prática laboral e com a retomada de regras de convivência e outras normas preconizadas pelo

estatuto da classe de trabalhadores. Parece simples, mas essas conversas tiveram um potencial,

notadamente, conflitante e, dialogicamente, transformador do cotidiano de trabalho na escola.

Outros grandes propulsores no que se refere às relações do coletivo foram: o grande combinado

de que as decisões não seriam mais tomadas de maneira isolada e autoritária, mas compartilhadas

e pensadas no coletivo, como preconiza a Constituição Federal quando trata da gestão democrática

da escola pública, e que as informações chegariam com mais eficiência a todos, via meios

tecnológicos2 e livro de comunicados.

Iniciada a organização da casa, passamos para o fortalecimento da relação entre a escola e

as famílias das crianças por meio da constituição do conselho de escola como colegiado com a

finalidade de cogestão escolar, isso porque a escola que as famílias desejam para seus filhos precisa

ser construída baseada nos sonhos que a comunidade compartilha e que precisam ser sabidos pela

2 Passamos a usar grupos de whatsapp (aplicativo de celular) para maior eficiência na comunicação.

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escola. O diagnóstico inicial era o mesmo que aparece em muitas outras escolas: a relação

existente era de afastamento, mas aos poucos fomos conseguindo aproximações importantes

como participações em reuniões, em tomadas de decisões e na exposição do que as famílias

queriam e pensavam da escola. Com o empoderamento das famílias, embora haja ainda muito

trabalho por ser feito nesse campo, já se pode notar o maior cuidado das famílias com o que é

proposto pela escola, com o que é produzido pelas crianças.

Uma terceira frente de trabalho foi a transformação dos horários de trabalho pedagógicos

coletivos (HTPC’s)3

em espaços de real trabalho de coletivo. Esse foi um dos campos de maior

resistência que, semana a semana, foi sendo transformado em espaço de colaboração entre os

docentes na reflexão sobre a prática. Aqui o maior exercício foi trocar a “roupa” de tempo

perdido que os HTPC’s tinham por uma outra de tempo ganho. As negociações com discussões e

ponderações foram decisivas para a evolução das mudanças, valendo ressalvar que os temas de

estudos serem abordados por diferentes docentes em cada encontro foi outro realce para a rotina

de estudo, ora por potencializar as habilidades individuais dos sujeitos, ora por dar às reuniões a

função formativa que deveriam ter.

Depois de tantas pequenas revoluções chegava a vez de começarmos a pensar os espaços,

voltando ao objetivo inicial de trazer para a escola de Educação Infantil um pouco mais de

protagonismo infantil, de liberdade, de impulso ao desenvolvimento. Mudar espaços físicos

depende em um tanto de vontade coletiva e em outro de recursos financeiros. Na forma da lei, só

conseguimos os recursos necessários em meados do ano e, então, pudemos fazer as interferências

planejadas coletivamente. Transformamos espaços antes inutilizados em espaços aconchegantes

para leituras, para cotações de história, para atividades coletivas e prazerosas, revitalizamos

espaços ao ar livre, transformamos materiais para a construção de brinquedos, incluindo assim,

novos espaços de rotina, novas formas de viver as experiências pedagógicas e cotidianas na escola.

Relações trabalhadas a cada dia, famílias em aproximação, estudos em curso, espaços

redesenhados e a sinergia desses campos começa a refletir a aproximação de uma escola que não

havíamos vivenciado antes, uma escola nova começa a se apresentar. Não sei se podemos compará-

la com aquelas que as páginas dos livros nos mostram com tanto encanto, mas ela com certeza já

encanta aos adultos e crianças que a compõem de forma única.

3

São horas trabalhadas pelos docentes, fora da sala de aula que, por determinação do estatuto vigente, devem ser dedicadas ao estudo da prática do magistério e produção de material pedagógico.

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Deste ponto, se faz necessário o planejamento dos novos campos de ação que associados

aos mencionados anteriormente podem ampliar as possibilidades de manutenção da qualidade da

escola. Em nossos planos estão o estabelecimento em breve de assembleias infantis em que sejam

eleitas representatividades das crianças para que elas também tenham voz na gestão da instituição,

meio pelo qual se espera poder caracterizar de forma mais peculiar à infância vivida nesta

comunidade e suas possibilidades. Outra pretensão que temos é a de podermos, todos os

educadores da instituição, visitarmos escolas de educação infantil com práticas que sejam

diferentes das tradicionais ou fundamentadas em métodos com os quais não temos familiaridade.

Por fim, em nossos planos temos ainda a reescrita do projeto político- pedagógico da unidade

escolar, de modo a pautar nele as novas necessidades e sonhos existentes e compartilhadas pelos

diferentes atores, além da documentação por meio de escrita reflexiva de nossas práticas

reorientadas, na direção de comunicar a outros educadores nossas tentativas, frustrações e sucessos

no caminho de tentar elevar mais e mais a qualidade da educação infantil.

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Referências Bibliográficas:

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Grandes políticas para os pequenos, Campinas, v. 37, p. 7-18, 1995.

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,

1988.

CAMPOS, M. M. Pré-escola: entre a educação e o assistencialismo. Escola Municipal, ano 16,

n.13, 1985.

CARVALHO, M. C.; KRAMER, S. Perfil das crianças de 0 a 6 anos que frequentam creches, pré-

escolas e escolas. Revista Brasileira de Educação, n.16, p.35-47, jan.-abr. 2001.

DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância:

perspectivas pós-modernas. Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2003.

LIBERALI, F. C. Formação crítica de educadores: questões fundamentais. Taubaté: Cabral Editora

e Livraria Universitária, 2008.

OLIVEIRA, Z. de M. R. de. Educação Infantil Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,

2010 (5ª Edição).

. Educação Infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 2004

(6ª Edição).

. A Criança e seu Desenvolvimento: perspectivas para discutir

a Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 2000 (4ª Edição).

VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas. Madrid: Machado Libros, v. 4, 1996.

. Obras escogidas. Madrid: Machado Libros, v. 3, 1995.

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A MODALIDADE EAD E O DESAFIO NA QUALIFICAÇÃO DAS PRÁTICAS

EDUCATIVAS COM CRIANÇAS: O ESTÁGIO COMO ESPAÇO DE

INVESTIGAÇÃO.

Taciana Camera Segat – UFSM

Franciele Maffini - UFSM Andressa Wiedenhoft Marafiga – UFSM

Fernando Ferrão – UFSM/PMJC Priscila Arruda Barbosa – UFSM/PMSMS

Taciana Camera Segat - UFSM Vanessa Alves da Silveira de Vasconcellos – UFSM/PMSM

A formação de professores que atuam com crianças de 0 a 10 anos, na modalidade à distância,

tem sido o campo de pesquisa do grupo DOCINFOCA. Neste sentido, este trabalho tem como

objetivo discutir sobre como o Curso de Pedagogia na modalidade a distância (UFSM) está

contribuindo para a qualificação das práticas e da própria Educação Infantil dos municípios

onde nossos alunos realizam seus estágios curriculares, mediante a orientação e

acompanhamento destes. Como metodologia utiliza-se a pesquisa qualitativa, tendo como

suporte a pesquisa documental e, para a coleta de dados os relatórios finais produzidos pelos

alunos na disciplina de Estagio Supervisionado na Educação Infantil (primeiro semestre de

2013) e os pareceres de avaliação dos estagiários emitido pelas escolas. Assumindo o

compromisso de compreender novos significados para o fazer pedagógico.

Palavras-chave: Prática educativas na Educação Infantil; Estágio curricular; Formação de professores.

A Universidade Aberta do Brasil-UAB, em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria-UFSM, coloca em prática a expansão e interiorização da educação superior, pública e

gratuita, oferecendo diversos cursos de graduação e pós-graduação1 na modalidade a

distância. No ano de 2011, o curso de Graduação em Pedagogia teve sua primeira turma de

1 De acordo com o site do Núcleo de Tecnologia educacional – NTE, os cursos do sistema UAB, em nível de

graduação, oferecidos pela UFSM são: Administração Pública, Educação Especial, Formação de Professores para a Educação Profissional, Licenciatura em Física, Licenciatura em Geografia, Letras – Espanhol/Literaturas, Letras – Português e Literaturas, Pedagogia, Licenciatura em Sociologia, Tecnólogo em Agricultura Familiar. Já como cursos em nível de pós-graduação, tem-se: Educação Ambiental, Eficiência Energética, Educação Física Infantil e Anos Iniciais, Ensino de Filosofia no Ensino Médio, Ensino de Matemática no Ensino Médio, Ensino de Sociologia no Ensino Médio, Gestão de Organização Pública em Saúde, Gestão Educacional, Gestão em Arquivos, Gestão Pública, Gestão Pública Municipal, Mídias na Educação, Tecnologias da Informação e da Comunicação aplicadas à Educação.

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estágio supervisionado. Eram 9 polos2 distribuídos em diferentes regiões do Rio Grande do Sul

e, para cada um destes, havia 1 professor externo, 2 tutores e 1 professor responsável pela

disciplina.

Nesta dinâmica, a equipe de estágio procurou conhecer um pouco melhor os contextos

das escolas infantis públicas do interior do Rio Grande do Sul e o modo como organizam suas

práticas, atendendo as Diretrizes Curriculares Nacionais, aplicadas à formação inicial para o

exercício da docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, dentre

outros.

Este processo formativo, em nível de graduação, visa proporcionar estudos teórico-

práticos, investigações, reflexões, planejamentos, bem como o desenvolvimento e avaliação de

práticas educativas e a aplicação de outros campos do conhecimento à educação. Conforme as

referidas Diretrizes, além de outras capacidades, o Pedagogo deve estar apto a: “II -

compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu

desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social;”

(BRASIL, 2006, p. 3).

A fim de que o graduando possa construir tais capacidades, somado as disciplinas,

seminários, práticas de docência, de observação, acompanhamento, participação no

planejamento, execução e avaliação de aprendizagens, em escolas e em outros ambientes

educativos, tem-se o estágio curricular que visa garantir experiência de exercício profissional.

Tais afirmativas aplicam-se tanto às práticas pedagógicas desenvolvidas no curso de graduação

presencial, quanto na modalidade a distância.

De modo específico, a dinâmica do curso de Pedagogia a distância permite que o

acadêmico desenvolva as atividades propostas contando com o auxílio dos professores das

disciplinas e também de tutores, por meio de mediação e, fazendo uso de tecnologias. Estes

profissionais realizam o acompanhamento do desempenho dos estudantes pautados no princípio

da interatividade e, por meio de orientações teórico-práticas. Tais características do ensino na

modalidade a distância firmam-se também na disciplina de estágio curricular supervisionado,

na qual se vivencia a interlocução entre a Universidade e as escolas municipais de Educação

Infantil.

De acordo com Pimenta e Lima;

2 Polo de Restinga Seca, Faxinal do Soturno, Cruz Alta, Tapejara, Sobradinho, Livramento, São Lourenço do

Sul, Três Passos e Três de Maio.

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Ao transitar da universidade para a escola e desta para a universidade, os estagiários

podem tecer uma rede de relações, conhecimentos, aprendizagens, não com o objetivo

de copiar, de criticar apenas os modelos, mas no sentido de compreender a realidade

para ultrapassá-la (2004, p. 111).

Assim, entendemos que essa relação, ao viabilizar a aproximação e inserção do

estagiário no lócus de seu campo profissional, permite que, tanto este possa vivenciar práticas

educativas de modo a construir conhecimentos acerca da docência, quanto professores lotados

em escolas municipais, no interior do Estado, podem renovar suas concepções e abordagens

teórico-práticas por meio de reflexões construídas neste encontro.

Estas, provocadas a partir de suas colaborações nas propostas de atividades realizadas

pelos acadêmicos do curso de Pedagogia a distância em um potencial processo de interação

colaborativa, o qual contribui também para a formação continuada destes, já experientes,

professores. A possibilidade de dar continuidade à formação destes profissionais surge então, a

medida que participam da elaboração dos planejamentos dos acadêmicos e, com isso, realizam

o exercício de refletir acerca dos elementos do currículo que serão contemplados naquele

determinado momento, bem como, por meio de que estratégias, poderão ser organizadas e

desenvolvidas as práticas pedagógicas.

Neste processo de interação, conta-se também com a atuação dos professores e tutores

da disciplina de estágio, os quais, por meio das orientações no ambiente moodle3, buscam fazer

com que o estagiário construa relações entre os referenciais teóricos trabalhados e as práticas

pedagógicas vivenciadas no contexto da escola, de modo que perceba a complementariedade

entre os mesmos. Dessa forma, acredita-se nas contribuições do curso de Pedagogia (UFSM),

na modalidade a distância, para a qualificação da Educação Infantil nos municípios que recebem

os acadêmicos para a realização de estágios curriculares, sendo, os mesmos, acompanhados e

assessorados pelos professores das escolas, professores da disciplina de estágio e também,

tutores.

Para melhor compreender este processo formativo pautado no referencial teórico de

base conceitual, nos relatórios de estágio supervisionado na Educação Infantil e também nos

pareceres de avaliação dos estagiários emitidos pelas escolas, dos polo de Três Passos e Cruz

Alta em 2013, discutimos aspectos referentes às particularidades vivenciadas no processo de

formação de professores na modalidade a distância. Com base na abordagem metodológica de

3 Ambiente Virtual de Ensino-aprendizagem

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Minayo (1994), consideramos que a ciência, ou seja, o conhecimento científico se constrói na

relação entre a racionalidade e a experiência que emerge na realidade vivenciada.

Neste caso, entre o que se propõem/orienta com base em referenciais teóricos e o que

se configura de fato nas práticas de Educação Infantil em escolas municipais e que, com isso,

tem-se, nos resultados da pesquisa em ciências sociais, uma aproximação com essa realidade.

Sendo assim, a análise dos relatórios de estágio e dos pareceres busca, constantemente, criar

articulações entre os dados encontrados nos mesmos e o referencial teórico trabalhado, de modo

a atender ao objetivo de discutir como o Curso de Pedagogia, na modalidade a distância

(UFSM) está contribuindo para a qualificar as práticas e a própria Educação Infantil nos

municípios onde são realizados estágios curriculares.

Pimenta e Lima (2004) trazem que:

O estágio traduz as características do projeto político-pedagógico do curso, de seus

objetivos, interesses e preocupações formativas, e traz a marca do tempo histórico e

das tendências pedagógicas adotadas pelo grupo de docentes formadores e das

relações organizacionais do espaço acadêmico a que está vinculado. Traduz ainda a

marca do(s) professor(es) que o orienta(m), dos conceitos e práticas por ele(s)

adotados (p. 113).

A partir disso, considera-se que o Estágio Supervisionado na Educação Infantil,

enquanto disciplina, constitui-se em potencial experiência teórico-prática do processo

formativo vivenciado no curso de Pedagogia. Do mesmo modo, Gomes (2009) compreende o

estágio como:

[...] atividade de aproximação com o campo profissional, por tratar-se de uma forma

de inserção no mundo do trabalho e na área específica de atuação, de possibilidade de

conexão entre a teoria estudada e a prática observada nas instituições que acolhem as

estagiárias, configurando-se, assim, como um passo importante na construção das

identidades profissionais (p. 67).

Com base na autora, nosso entendimento justifica-se então pelo fato de compreender

que, nesta aproximação, tanto o acadêmico tem a oportunidade de se inserir na escola, seu

futuro campo de atuação profissional, quanto passa a construir conhecimentos pautados nas

especificidades das práticas educativas na Educação Infantil. Fazendo referência à Pimenta e

Lima (2004), Gomes (2009) acrescenta que o estágio é:

[...] uma oportunidade de aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade profissional, podendo o estagiário ali questionar-se, problematizando,

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acerca do sentido da profissão, do que significa ser professor na sociedade atual, das

contradições, valores, concepções e saberes em circulação no espaço institucional das

escolas (p.74).

Porém, Pimenta e Lima (2004) destacam que, para aprender a profissão docente durante

o estágio, é preciso estar atento às particularidades da realidade escolar. Tais pressupostos são

direcionados, neste caso, para a análise da experiência de estágio supervisionado na Educação

Infantil. Acerca desta etapa da educação, considera-se importante ressaltar que vários estudos

dão conta de que sua condição de direito das crianças à educação e, com as exigências

qualitativas atuais para este atendimento educacional, são prerrogativas contemporâneas.

A Pedagogia, ao formar professores para a Educação Infantil, em nível superior,

materializa estas questões históricas que demarcam o percurso evolutivo que vem sendo tecido

nesta, atualmente reconhecida, como uma das etapas da educação básica. O curso na

modalidade a distância, além oportunizar a formação em mesmo nível, amplia as possibilidades

de acesso para que mais estudantes se tornem professores com formação para atuar na educação

da infância, inclusive em regiões no interior do Estado.

Assim, as atividades da disciplina Estágio Supervisionado na Educação Infantil, no

Curso de Pedagogia a distância, a partir da inserção do acadêmico no campo profissional, visam

contribuir para que o mesmo, em seu processo formativo, vivencie e, com isso, perceba as

particularidades que envolvem as práticas de Educação Infantil.

As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança,

centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações,

relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,

brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e

constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009,

p. 1).

Estes apontamentos são apresentados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil – DCNEIs, política compreendida como documento orientador das práticas

educativas destinadas às crianças de 0 a 5 anos de idade (OLIVEIRA, 2010). Ainda no sentido

de dar suporte à organização da práticas educativas com crianças pequenas, as DCNEIs (2009)

tratam da necessidade de se conceber o cuidado e a educação como aspectos indissociáveis; o

currículo como conjunto de práticas que devem articular experiências e saberes das crianças

com conhecimentos culturais, artísticos, ambientais, científicos e

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tecnológicos a fim de que possam se desenvolver de modo integral; garantir processos de

apropriação e renovação das linguagens, dentre outros.

A experiência que se tem vivenciado nesse sentido é a da construção de um trabalho em

parceria entre a Universidade (UAB/UFSM) e escolas públicas de Educação Infantil em vários

municípios no interior do Rio Grande do Sul. Tal relação permite o desenvolvimento de um

trabalho colaborativo entre os alunos-estagiários do curso de Pedagogia e os docentes

responsáveis pelas turmas onde o estágio é realizado, o que se confirma em:

[...] o estágio, conforme o professor, se caracterizaria mais como uma interação do

que como simples intervenção, abrindo-se a possibilidade de uma ação entre

universidade e a escola, na qual professores-alunos e professor de estágio também

atualizam seus conhecimentos acerca da profissão docente (PIMENTA e LIMA, 2004,

p.115).

Com base nas autoras, entendemos que a potencialidade destas relações atinge ambos

os sujeitos e instituições, pois, tanto o acadêmico tem a oportunidade de experimentar a

vivência de seu campo profissional, já na condição de professor, quanto o docente, ao colaborar

nos planejamentos e práticas propostas pelo estagiário, estará refletindo sua própria atividade

docente e, desse modo, imerso em um processo de formação continuada pautado pela prática

da reflexão.

Colaborando com as ideias dessas autoras é possível identificar nos Relatos de

Experiências das alunas a potencialidade da relação estagiário/professor regente, como uma

parceria que favorece tanto a formação inicial do futuro docente que está desempenhando seu

estágio, como também a reflexão sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas pela própria

professora da classe, contribuindo para sua formação dentro do seu contexto de trabalho.

O recorte do Relato de Experiência do Estágio em Educação Infantil a seguir deixa

evidente a potência dessa parceria com a escola: “Tive um ótimo relacionamento com a

professora regente, ela estava sempre querendo me conhecer melhor, me pedindo ajuda,

trocamos ideais, compartilhamos atividades, foi muito atenciosa e prestativa comigo, me

apoiando e sendo parceira em tudo” (Relato de Estágio, aluna do Polo de Três Passos-RS)

“Durante as cinco semanas de estágio houve uma grande disponibilidade dos membros

da escola em colaborar para o trabalho realizado, a participação de todos os membros,

principalmente da professora titular foi em muitas vezes decisivas para o bom andamento das

atividades complementares” (Relato de Estágio, aluna do Polo de Cruz Alta-RS)

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“Vale a pena ser destacado que a professora regente foi uma ótima companheira e

apoiadora das minhas ideias, tivemos e ainda temos uma ótima relação profissional, e nesse

momento estamos elaborando, juntas, os pareceres descritivos dos alunos. Ela em nenhum

momento tentou dominar a situação, ou interferir na aula, mas muitas vezes colaborou

trazendo ideias e sugestões para incrementar a prática” (Relato de Estágio, aluna do Polo de Três Passos-RS)

É importante destacar também o retorno da escola, nos Pareceres emitidos pelas

professoras regentes sobre o processo de estágio vivenciado pelas alunas. Em um dos pareceres

fica evidente essa colaboração e o quanto ela enriquece as práticas, favorecendo o processo

formativo das professoras envolvidas:

“A aluna esforçou-se no sentido de trazer novas ideias, ao grande grupo, colaborando com

o desenvolvimento das práticas pedagógicas da escola” (Parecer sobre o estagiário –

Polo Três Passos-RS)

Acerca desta relação, Gomes (2009) traz que:

A formação universitária constitui parte importante da trajetória de ser educadora de

crianças pequenas. Trata-se do momento de contato com o campo profissional, do

debate teórico da área aliado ao conhecimento institucional, do exame e da

problematização das práticas desenvolvidas na instituição, o que representa uma etapa

formativa essencial. Nesse contexto, o estágio revela-se uma das possibilidades de

reflexão sobre teoria e prática e de ação profissional qualificada na área da Educação

Infantil (p. 56).

Levantando pontos para discutir a mediação nos cursos de formação de educadoras de

crianças pequenas, a autora aponta para a possibilidade da formação universitária dialogar com

a formação contínua dos professores que atuam nas escolas. Ao referir-se sobre a construção

das identidades profissionais de professoras que atuam em creches e pré-escolas, incluindo

também estagiários, Gomes (2009), afirma que ensinar e aprender dá origem a um ciclo que se

reinicia com o ensino, seguido de novas aprendizagens e, desse modo, tem-se o movimento de

aprender-ensinar-aprendendo. Para ela, o educador e, em específico, o de crianças pequenas,

forma-se nas relações, mediações, interações e propostas.

A partir destas ideias, entendemos que a abordagem de Gomes (2009) condiz com a

proposta que se defende neste texto, ou seja, a da formação como processo contínuo, “[...] um

continuum formativo para as estudantes/estagiárias que estão se inserindo no mundo do trabalho

profissional nessa área e para profissionais já atuantes” (p. 45). Nesta lógica, a autora

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entende a formação das estudantes como formação universitária e, a das educadoras das escolas

de Educação Infantil, formação contínua.

A autora explica que o uso do termo formação universitária é em função de não

compreender o curso de Pedagogia como a formação inicial, uma vez que a inserção do

acadêmico no campo da educação teve início desde que se tornou aluno e, certamente, suas

experiências lhe deixaram marcas que produzem sentidos em relação ao ser educador. Uma

segunda justificativa seria em razão daqueles estudantes que cursaram Magistério em nível

médio, considerando que, embora seja exigida formação em nível superior para atuar na

Educação Infantil, o curso em nível médio, ainda é aceito.

Formação contínua, conforme Gomes (2009, p. 68) é um “[...] processo ininterrupto de

aprofundamento [...]”. Com base em alguns autores que apontam a realização de cursos de

aperfeiçoamento e a adequação da formação às exigências das atividades exercidas, Gomes

firma seu entendimento acrescentado que, além de uma adaptação interna do sujeito às

exigências requeridas no exercer da profissão, o que se destaca é sua capacidade de refletir

sobre suas práticas a fim de (re) significá-las e modificá-las.

Nesse sentido, compreende-se a reflexão como elemento essencial das práticas

educativas e do processo formativo dos educadores. A autora a entende como processo criativo

e também compartilhado na construção de conhecimentos e na mobilização de saberes advindos

da experiência. Na mesma direção, Moss (2010) afirma que:

A prática reflexiva possibilita uma compreensão mais profunda da aprendizagem e de

outras atividades realizadas nas instituições de educação infantil [...], sustentando,

assim, o planejamento e melhorando o trabalho pedagógico futuro. A prática reflexiva

esfuma as fronteiras entre a teoria, a prática e a pesquisa (p. 17).

Para Pimenta e Lima (2004):

A base dos processos de reflexão dos professores é constituída por seus saberes adquiridos formal e informalmente. A formação contínua estaria assim a serviço da

reflexão e da produção de um conhecimento de um conhecimento capaz de oferecer a

fundamentação teórica necessária para a articulação prático-crítica em relação ao aluno, à escola, à sua profissão e à sociedade (p. 131).

As autoras entendem, portanto, a reflexão como elemento de emancipação capaz de

dar sentido à prática realizada e também de mediá-la com a realidade na qual se está inserido

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analisando-a de forma crítica. Assim, é a partir da reflexão e, do redirecionamento de sua

própria prática que o educador pode mudar a escola e a sociedade.

Da mesma forma, Reed (2010, p. 195) compreende a prática reflexiva como algo que

;constitui o desenvolvimento profissional e, por isso, afirma que: “A análise reflexiva pode ser

benéfica para o indivíduo e agir como um mecanismo de refinamento e melhoria da prática. Ela

permite que se tenham perspectivas diferentes sobre como os próprios profissionais veem sua

prática”.

Com base no que propõem estes autores, percebemos a reflexão como elemento inerente

às práticas dos estagiários e também dos professores das escolas. Sobretudo, para estes como

veículo que permite realizar um olhar crítico sobre a própria prática e, desse modo, desenvolver-

se profissionalmente por meio da formação continuada.

Nos relatos de experiência fica claro esse processo de reflexão presente na realização

do estágio, tanto na vivência do cotidiano escolar e da sala de aula, como na própria organização

da prática pedagógica.

“O estágio Supervisionado propicia ao professor-aluno, colocar em prática o que se

estuda na teoria, sendo um suporte no desenvolvimento de competências da profissão,

proporcionando momentos de reflexão durante este período no qual a teoria é observada na

prática e (re)significada”. (Relato de Estágio, aluna do Polo de Cruz Alta)

“Podemos perceber que o planejamento, a observação e o registro são realmente

instrumentos imprescindíveis no fazer-docente, pois nos orienta constantemente em nossa

prática, transformando-nos em professores reflexivos e críticos sobre o nosso trabalho o que

sem dúvida contribui de forma satisfatória e significativa para o trabalho docente e para a

aprendizagem e construção de conhecimento do educando.” (Relato de Estágio, aluna do Polo de Cruz Alta)

Na maioria dos pareceres sobre o estagiário, tanto do Polo de Três Passos como o de

Cruz Alta, fica marcante a ideia do desenvolvimento de atividades diferenciadas, criativas,

envolventes, variadas, inovadoras e atrativas, conforme os próprios termos usados nos

pareceres. É possível verificar que existe aí um processo de reflexão inerente a estas

constatações, visto que a professora ao apontar tais questões realizou uma análise do que pôde

estar vivenciando no processo de estágio das alunas, verificando as diferenças, o que se

mostrava produtivo e criativo, o que realmente envolvia as crianças no desenvolvimento dos

trabalhos e que se diferenciavam de sua prática docente.

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De acordo com Gomes, na perspectiva da formação baseada na reflexão:

[...] o estágio entendido como ação de prática de ensino e/ou acesso à realidade

educacional presente nas instituições de educação ou nos sistemas de ensino

configura-se como uma atividade de relação entre teoria e prática e uma estratégia de

trabalho coletivo em cursos de formação universitária (2009, p. 74).

Sendo visto ainda como maneira de relacionar teoria e prática, o pensamento e a ação.

Desse modo, acredita-se que é possível, no circuito prática/teoria/prática, a partir de uma

situação prática, buscar referencial teórico que a explique, produza aspectos capaz de superá-la

e, assim, criar alternativas para uma nova prática que, se refletida, poderá ser transformada

(GOMES, 2009). O estágio, nessa lógica, é considerado teoria e prática, ao mesmo tempo, pois

a prática armazena uma teoria que a sustenta.

Assim, o estagiário, ao observar a atuação do educador precisa de condições que o

permitam apreender as teorias que a sustentam e realizar a leitura pedagógica, tomando como

base fundamentos estudados e postos em questão diante da prática profissional. Este exercício

formativo refere-se à práxis – “capacidade de articular dialeticamente o saber teórico e o saber

prático” (GOMES, 2009, p. 75).

Em suas pesquisas, a autora considera o estágio uma porta de entrada da identidade

profissional na formação de educadoras de crianças pequenas. Isto em função de impulsionar a

reflexão sobre a formação e possibilitar o exercício da práxis. Desse modo, torna-se importante

elo entre a teoria e a prática e também, entre a formação universitária e a formação contínua

desenvolvida nas instituições de educação infantil que acolhem os estagiários.

Pimenta e Lima (2004), embora se referindo sobre a formação de professores-alunos,

ou seja, aqueles que já atuam como docentes e, no processo de formação em nível superior,

tornam-se estagiários, apresentam compreensões que podem ser estendidas também àqueles

professores que, já formados neste nível, compartilham experiências com estagiários nas turmas

em que atuam.

Nessa condição de professor-estagiário, destacamos o Relato de uma aluna que realizou

seu estágio na mesma instituição em que já atuava como docente há alguns anos. No recorte do

trabalho observamos o quanto o estágio proporcionou aprendizagens e reflexão a respeito desse

processo formativo docente.

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“Apesar de conhecer muito bem a escola e a turma em que realizei a prática, o dia a

dia possibilitou novos olhares, exigindo de mim uma grande dedicação e preocupação [...]

Apesar de atuar como professora a alguns anos, estive sempre muito preocupada durante a

prática de estágio com as aprendizagens da crianças. Minha preocupação era de realmente

estar fazendo uma função importante, desenvolvendo um trabalho significativo para os alunos,

oferecendo condições de aprendizagens. [...] O estágio de educação infantil foi primordial para

o meu crescimento e formação como profissional de pedagogia, proporcionando momentos de

aplicação de todo o embasamento teórico que foi elaborado durante o curso, a fim preparar os

acadêmicos para uma formação significativa, desafiadora e reflexiva.” (Relato de Estágio,

aluna do Polo de Três Passos-RS)

Segundo Pimenta e Lima (p. 129), “[...] o estágio se configura, para quem já exerce o

magistério, como espaço de reflexão de suas práticas, a partir das teorias, de formação contínua,

de ressignificação de seus saberes docentes e de produção de conhecimentos”. Desse modo,

entendem esta experiência como espaço de diálogo, em que é possível superar obstáculos e

encontrar novos caminhos.

A partir disso, a formação de professores é entendida como desenvolvimento

profissional e, nesse sentido Pimenta e Lima (2004) acrescentam que

A dinâmica da formação contínua pressupõem um movimento dialético, de criação constante do conhecimento, do novo, a partir da superação (negação e incorporação)

do já conhecido. [...] formação contínua como uma prática reflexiva dinamizada pela

práxis, como um movimento metodológico e como uma política de desenvolvimento profissional de professores (p.130-131)

Entendemos que, neste diálogo, embora compartilhem experiências, cada sujeito

assume-se como protagonista de seu processo formativo. Gomes (2009, p. 220) discorre que tal

entendimento significa considerá-lo como “[...] um trabalhador capaz de pensar seu fazer e

recriá-lo; um intelectual crítico com competência para não só transformar sua prática, mas, com

condições institucionais de colaboração, mudar os contextos em que ela é produzida”.

Pimenta e Lima (2004), assim como Gomes (2009) abordam aspectos sobre a identidade

dos professores. Desse modo, trazem que ela “[...] se constrói com base no confronto entre as

teorias e as práticas, na análise sistemática das práticas à luz das teorias, na elaboração das

teorias, o que permite caracterizar o estágio como um espaço de mediação reflexiva entre a

universidade, a escola e a sociedade” (p. 112). Justamente o que se propõe discutir: a

possibilidade de formação contínua a partir do confronto e colaboração com uma

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prática que, na vivência da formação universitária, realiza o ciclo aprender-ensinar-

aprendendo e, desse modo, contribui para a qualificação das práticas nas escolas de

Educação Infantil no interior do Rio Grande do Sul.

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Referências

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http://nte.ufsm.br/moodle2_UAB/mod/page/view.php?id=16851> Acesso 15 jul. 2014.

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Por uma formação docente mais complexa e reflexiva baseada nas ideias de Edgar

Morin

Katia Tarricone – Professora da Rede Municipal de São Paulo e do PARFOR e de cursos de

pós-graduação promovidos pelo Departamento de Fundamentos da Educação – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP – São Paulo - Brasil Resumo: É na primeira infância que a base para o ser humano se alicerça e é nela que se concebem os

principais pilares que o regerão por toda a vida. Isso exige de pais e educadores uma atenção

bastante acurada na Educação dos pequenos para vencer os desafios apresentados pela

contemporaneidade que busca um saber-fazer pedagógico menos fragmentado. Para isto,

realizou-se uma pesquisa bibliográfica acerca dos estudos sobre a complexidade proposta por

Edgar Morin e alertou-se para a necessidade de compreender os Sete Saberes necessários à

Educação do Futuro. Diante de um aprofundamento teórico, baseado em Morin, o docente da

Educação Infantil encontrará mais suporte para propiciar às crianças, um ensino menos

esfacelado, mais integrado, e mais humano. Palavras-chave: formação docente; primeira infância, educação infantil, mudança de paradigmas, Edgar Morin.

Considerações iniciais

É na primeira infância que a base para o ser humano se alicerça e é nela que se concebem

os principais pilares que o regerão por toda a vida. Cada vez mais, governos, organismos

internacionais e outras organizações têm pensado e agido sobre a educação para este período.

Contribuições das Neurociências comprovam que, do nascimento aos 3 anos de idade, formam-

se 90% das conexões cerebrais, ou seja, que a arquitetura cerebral começa a se formar na

primeira infância e passa a ser moldada, ao longo de sua vida, pelas suas experiências

e relacionamentos com o ambiente e as pessoas com quem interage.

Isto significa que quanto melhores forem as condições oferecidas para a criança,

principalmente nesta faixa etária, ela sofrerá menos estresse e terá mais oportunidades de

aprendizado e de superação de suas dificuldades. Isso é benéfico para toda a sociedade. Uma

das pesquisas que corroboram esse pensamento foi realizado pelo Projeto Pré-

Escolar High/Scope Perry, em Michigan, no Estados Unidos. Esse estudo acompanhou famílias

de baixa renda, com 3 a 4 anos, em uma evolução longitudinal até os 27 anos. Conferiu -se que as

crianças que participaram da Pré-escola apresentaram melhore índice de

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saúde, comportamento e, até mesmo, de renda familiar, aumento de produtividade e menor

índice de prisão e delinquência. Para oferecer, assim, estas boas condições de desenvolvimento

e aprendizagem, é preciso que pais e educadores tenham esta clareza quando trabalham com os

pequenos.

No entanto, apesar do avanço da tecnologia e dos aspectos da mundialização, em pleno

século XXI, vivenciamos uma época de incertezas, instabilidades e é cada vez mais difícil

explicar essa realidade fragmentada na qual estamos inseridos. Há uma crise muito profunda

política, cultural e humanamente que requer novas formas de lidar e refletir sobre as concepções

de homem, e de sociedade que coexistem e nos amparam nas ações sobre o mundo.

São muitos os questionamentos que se instauram, tanto do ponto de vista teórico, quanto

do prático. O maior deles, sem dúvida, refere-se a compreender quais são os subsídios com os

quais o educador deve se pautar para vivenciar o século XXI.

Nesse sentido, como possibilitar uma formação plural e diversificada aos docentes da

educação infantil que contemple as principais questões do currículo e pretenda a ruptura de

paradigmas históricos e não críticos acerca do ser humano?

A justificativa para tal incômodo alude aos múltiplos desafios que a educação

(particularmente, a escola) enfrenta na contemporaneidade. Novos temas e teorias se sucedem

e demandam aprofundamentos no saber-fazer pedagógico que, nem sempre, são totalmente

estruturados ou compreendidos. Apesar de esta questão não ser privilégio apenas da educação,

a ciência atual tem exigido posturas dos educadores para que saibam lidar com situações, muitas

das quais não só nunca foram antes vividas, mas também nunca antes sequer imaginadas.

Assim, este texto objetiva demonstrar que é preciso estabelecer caminhos que ampliem

os modos de ver e de se relacionar com os fenômenos existentes e, para isto, Edgar Morin

propõe o pensamento complexo, pois afirma que somente com uma reforma no pensamento,

com a mudança de antigos e ultrapassados paradigmas é que ocorrerá uma reforma no ensino.

Morin é um dos principais filósofos contemporâneos franceses. É, também, antropólogo,

sociólogo, professor e escritor com uma profunda preocupação com as questões sócio-

antropológicas, políticas e éticas da humanidade.

Ele também assegura que é necessário educar os educadores, para que não ignorem a

curiosidade das crianças e para que saibam auxiliá-las em seu desenvolvimento do senso crítico.

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Desta forma, baseada em Marconi e Lakatos (data), esta pesquisa bibliográfica

seguiu as oito fases distintas – a) escolha do tema; b) elaboração do plano de trabalho; c)

identificação; d) localização; e) compilação; f) fichamento; g) análise e interpretação – e

culminou com a h) redação, como procedimento para elaborar uma interpretação crítica

sobre os escritos de Edgar Morin. Os dados analisados, bem como a experiência de

vivenciar, como educadora, o reducionismo da disciplinarização / segmentação do

conhecimento incita a buscar novos meios para elucidar esse momento atual de um

multiculturalismo sem precedente, que revela angústias e incertezas.

Dessa modo, pretende-se delinear uma investigação baseada em publicações –

como os livros Os sete saberes necessários à educação do futuro (2001) e Inrodução ao

pensamento Complexo (2001), dentre outros e textos como o de Lorieri (2010), Assis

(2005 e 2000) e Santos (2001) – acerca do trabalho e das ideias sobre o pensamento

complexo, elaborada e difundida por Edgar Morin, que critica os modos simplificadores

do conhecimento, que “mutilam”, esfacelam a “realidade” em recortes, saberes

fragmentados que não são inseridos novamente no contexto. Afinal, complexo é “aquilo

que é tecido em conjunto” (Morin, 2001: p.20).

Reflexoes acerca da complexidade em Edgar Morin

Morin demonstra que estamos em uma fase de transição das ciências. Foram

muitas as transformações ocorridas na Educação nas últimas décadas. Novos conceitos e

teorias surgiram para absorver as mudanças significativas que permeiam a

contemporaneidade, porém, estas se apresentam em um aspecto mais global, universal.

Paradigmas científicos construídos desde a revolução científica do século XVI e

desenvolvidos nos séculos seguintes, hoje se demonstram rompidos em razão dos

acontecimentos mundiais.

A ciência moderna, contrária à aristotélica, receia aceitar as evidências advindas,

exclusivamente, de nossas experiências imediatas e estabelece um rigor científico para a

medição e tratamento dos dados. Com isso, parte-se do pressuposto de que há uma

determinada ordem e estabilidade na visão sobre o “funcionamento” do mundo. Decorre

disto, as transformações tecnológicas existentes.

Contudo, o cenário é mais complexo e é muito difícil para a mente humana

compreender totalmente a “realidade”, pois nem todos os pressupostos epistemológicos

e metodológicos se revelam inteligíveis. Assim, a racionalidade preconizada por

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Descartes, e outros, tornou-se passível de questionamentos com as novas pesquisas e as

novas formulações realizadas na formação de concepções de mundo e de sociedade.

A crise do paradigma dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade

de condições. Distingo entre condições sociais e condições teóricas. […] A

primeira observação, que não é tão trivial quanto parece, é que a identificação

dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma científico moderno é o

resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. O

aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em

que se funda (Boaventura, 2001: p. 24)

Os avanços da física quântica, biologia, química têm provocado, nos últimos

anos, concepções totalmente distintas daquelas

(...) que herdamos da física clássica. Em vez da eternidade, a história; em vez

de determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a

interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem;

em vez da necessidade, a criatividade e o acidente. (Boaventura, 2001: p. 28)

Desta maneira, o mundo contemporâneo revela a necessidade de uma profunda

reflexão epistemológica sobre o conhecimento, que passe a valorizar os estudos

humanísticos para superar a oposição ciências naturais x ciências sociais. O excesso de

especialização levou a uma fragmentação do saber, porém, esta ruma para um “paradigma

emergente”, no qual os temas convergem uns para os outros. Eis porque urge implementar

a transdiciplinaridade, a qual exige uma particularização do trabalho científico, que

permite a integração de conhecimentos, antes, metodologicamente desarticulados. Ainda,

A prudência é a insegurança assumida e controlada. Tal como Descartes, no

limiar da ciência moderna, exerceu a dúvida em vez de a sofrer, nós, no limiar

da ciência pós-moderna, devemos exercer a insegurança em vez de a sofrer.

Na fase de transição e de revolução científica, esta insegurança resulta ainda

do facto de a nossa reflexão epistemológica ser muito mais avançada e

sofisticada que a nossa prática científica. (Boaventura, 2001: p. 57-58)

Em 2001, a Unesco solicitou ao prof. Edgar Morin que aprofundasse a visão

transdisciplinar da educação e respondesse às demandas da contemporaneidade e ele

apresentou Os sete saberes Fundamentais para a Educação: “As cegueiras do

conhecimento: o erro e a ilusão”; “Os princípios do conhecimento pertinente”; “Ensinar

a condição humana”;

“Ensinar a identidade terrena”; “Enfrentar as incertezas”, “Ensinar a compreensão”; e a

“Ética do gênero humano”.

Seus fundamentos desvelam-se para todos os níveis escolares; todavia, neste

trabalho, prepondera a formação docente para a Educação Infantil.

Se, como foi abordado, a primeira infância constitui a base na qual se erigirá o ser

humano, estes temas são mais do que relevantes para contribuir com a formação de um

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pensamento complexo, que procura “religar” os saberes, articulá-los e considerá-los em

seu contexto. Para entender a globalização, é preciso compreender a complexidade da

sociedade e preconizar uma reflexão mais ampla e mais profunda para se atingir, de fato,

uma reforma do pensamento e, em decorrência, uma reforma educacional.

Robert Fulghum (2000, p. 23) já havia destacado:

Quanto mais penso sobre a vida, mais me convenço de que ela não é

um piquenique. Foi quando descobri que já sei praticamente tudo o que é

necessário saber para viver com dignidade – o que, afinal, não é assim tão

complicado. Já sei quais são as coisas que realmente contam. (...)Tudo que eu

preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer, e como ser, aprendi no

jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no

último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha

maternal. (...) Olhe! Tudo que você precisa mesmo saber está por aí, em algum

lugar. A regra de ouro, o amor e os princípios de higiene. Ecologia e política,

igualdade e vida saudável.

Deste modo, a Educação Infantil é um espaço privilegiado para se trabalhar com

a complexidade, que se apresenta, no homem, de diferentes maneiras, conforme aponta

Trindade e Serbena (2007, p. 2-3), é possível definir a

natureza do homem [e] não se esgotar apenas nele, mas encontrar-se nas suas

múltiplas multidimensionalidades interconectas é uma destes modos de

compreender a complexidade humana. Segundo Morin, o homem apresenta-se

como um microcosmo representante da espécie, homem genérico, universal e

ao mesmo tempo singular; o ser humano é dotado de auto-eco-organização e

suas múltiplas dimensionalidades estão interligadas de modo que ele é o

resultado da interação de agentes de toda a ordem (fatores genéticos,

ecológicos, cerebrais, culturais, sociológicos, psicológicos e eventos

aleatórios). Esta auto-eco-organização é uma das facetas da natureza humana,

é a qualidade do ser humano de se regenerar constantemente a partir de sua

organização capaz de se auto-reparar, auto-transformar, fazendo com que ele

também possua uma ética ecológica e solidária com os outros homens, com a

realidade que lhe cerca e consigo mesmo.

A formação docente, neste sentido, deve estar atenta aos Setes saberes que Morin

enfatizou. O primeiro, diz respeito ao próprio conhecimento, que não espelha a realidade.

Esse conhecimento é sempre uma tradução, reconstrução e, se assim não for visto, pode levar

à incidência de erros e de ilusões, pois nossa percepção é interpretativa cerebralmente.

Deve-se, inclusive, ensinar a criticar o próprio conhecimento em suas várias

características.

O segundo saber refere-se às condições de um conhecimento pertinente, em que

se deve contextualizar os saberes, interligá-los, articulá-los, estabelecer relações,

porquanto o todo é muito mais do que a soma de todas as partes.

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O terceiro saber preza pela identidade humana, pois o ser humano é

biopsicossocial, ou seja, ao mesmo tempo, é físico, biológico, psíquico, cultural, social e

histórico. Assim, estudar estes aspectos separadamente, conforme ocorre no currículo

escolar, com a disciplinarização, é reduzi-lo a fragmentos. É preciso ensinar a condição

humana, como um todo integrado, em que se considera que somos espécie-indivíduo-

sociedade, que temos nossas diversidades e singularidades que precisam ser respeitadas,

pois vivemos da interação com o outro e com o ambiente. Por isto, é importante denotar

a necessidade de se trabalhar a ecologia, as ciências da terra, a Cosmologia.

O quarto aspecto aponta para o ensino da compreensão humana, ter a

oportunidade de compreender o outro e a si mesmo, de se autoanalisar. Na Educação

Infantil é bem patente a necessidade de explicar e demonstrar o que é compreender uns

aos outros, pois isso facilitará para a formação de bons e duradouros relacionamentos.

O quinto saber evidencia as Incertezas. Estamos em um momento histórico que

nos mostra que, apesar de todo o rigor metodológico, as ciências nem sempre acertam as

previsões. Segundo Morin (s/d: p.10)

Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível,

mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora, se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar

consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo

da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.

A Condição Planetária é o sexto aspecto e confere uma real importância, pois, se

os seres humanos não se conscientizarem de que estamos todos interligados, com

problemas comuns, e precisamos evitar as ameaças ecológicas, de destruição do planeta

e do próprio homem. Morin denomina o sétimo saber de Antropo-ética. Apesar das diferentes culturas, cabe

ao homem desenvolver a sua ética e cuidar das responsabilidades, sejam pessoais sejam

sociais. Devido a isso, todos os educandos devem ser orientados para tomar consciência

de sua cidadania.

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Considerações Finais

Dentre as muitas contribuições que o pensamento de Morin trouxe à ciência, em

geral, e à educação, em particular, o texto Os sete saberes Fundamentais para a

Educação tornou-se uma fonte inesgotável de reflexões e debates.

Se, na primeira infância, os desafios de um saber-fazer pedagógico se impõem de

modo mais premente, cabe ao educador trazer, para sua prática, a visão crítica que é

trabalhar em uma época de incertezas e com os paradoxos da contemporaneidade.

O desafio, que cada um dos saberes desperta, mostra que, ao se transformar o

educador, a escola também se transforma em espaço produtor de novas ideias, de grandes

motivações e, principalmente, de renovadas esperanças.

Nas palavras de Morin (s/d, p.):

Na minha opinião não temos que destruir disciplinas, mas temos que integrá-

las, reuni-las uma as outras em uma ciência como as ciências estão reunidas,

como, por exemplo, as ciências da terra, a sismologia, a vulcanologia, a

meteorologia, todas elas, articuladas em uma concepção sistêmica da terra.

Penso que tudo deve estar integrado, para permitir uma mudança de

pensamento que concebe tudo de uma maneira fragmentada e dividida e

impede de ver a realidade. É preciso desenvolver uma ética do gênero

humano para que possamos superar esse estado de caos e iniciar, talvez, a

civilizar a terra. (Morin, s/d,p.).

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Referências bibliográficas

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SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. Porto:

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SENTIDOS DA ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA EM

CIRCULAÇÃO NAS RELAÇÕES COTIDIANAS DA EDUCAÇÃO

INFANTIL

MARIA DE LOURDES GOMES DA SILVA

RESUMO

O presente texto faz parte da pesquisa realizada no mestrado, desenvolvido na

Faculdade de Educação da Unicamp, sob a orientação da Profa. Dra.Roseli Aparecida

Cação Fontana, na qual buscou-se apreender os sentidos da atividade de orientação

pedagógica que circulam nas relações cotidianas da educação infantil, a partir de questões

suscitadas pela experiência da pesquisadora como orientadora pedagógica na Rede

Municipal de Ensino de Campinas. Assumindo os pressupostos de Vigotski, Paulo Freire

e Mikhail Bakhtin, no que se refere à constituição histórico cultural da pessoalidade e da

profissionalidade dos sujeitos e à centralidade da linguagem nesse processo, elegeram-se

como objeto de análise os registros escritos, feitos pela própria pesquisadora, de situações

vividas no seu cotidiano de trabalho em três escolas municipais de educação infantil de

Campinas, no período de 2012 a 2014. Em conformidade com os pressupostos assumidos

também foram utilizados, no processo de investigação, alguns conceitos da psicologia do

trabalho de Yves Clot e o conceito de experiência do historiador Edward Thompson. O

episódio escolhido para compor este texto deu visibilidade à interações produzidas entre

a OP e outros sujeitos na imediaticidade do cotidiano das escolas. A situação

documentada foi tomada, então, como fonte de indicadores dos sentidos da atividade de

orientação pedagógica em circulação e em elaboração nas interações sociais.

Palavras-chave: Educação Infantil, Orientação pedagógica, Produção de

sentidos.

INTRODUÇÃO

O trabalho aqui apresentado faz parte da pesquisa que realizei no mestrado e

nasceu de questões suscitadas por minha experiência como orientadora pedagógica na

Rede Municipal de Ensino de Campinas, desde 2003. Das tantas perguntas que me faço,

escolhi algumas para guiar minha trajetória na pesquisa: como apreender os sentidos da

orientação pedagógica nas relações cotidianas de trabalho? Como as compreensões sobre

o trabalho da orientação pedagógica afetam minhas ações e minhas expectativas,

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os valores e princípios que norteiam minha atividade como educadora? Tais questões

estavam relacionadas ao sentido dessa atividade (afinal de contas, o que caracteriza a

orientação pedagógica?) e se assentavam na sensação de perda do sentido e da eficácia

do trabalho que eu realizava. O que acabava por afetar minha identidade como

profissional.

REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Procurei aproximar-me desses sentidos, a partir das interlocuções produzidas no

cotidiano das instituições de Educação Infantil, onde atuo desde o ano de 2009.

Assumindo os pressupostos de Vigotski, Paulo Freire e Mikhail Bakhtin no que se refere

à constituição histórico cultural da pessoalidade e da profissionalidade dos sujeitos e à

centralidade da linguagem nesse processo, elegi como objeto de análise registros escritos,

feitos por mim, de situações vividas no meu cotidiano de trabalho em três escolas

municipais de Educação Infantil no período de 2012 a 2014. Em conformidade com esses

pressupostos, também utilizei, nesse processo de investigação, alguns conceitos da

psicologia do trabalho de Yves Clot e o conceito de experiência do historiador Edward

Thompson. As situações que documentei deram visibilidade às interações produzidas

entre mim e os demais sujeitos na imediaticidade do cotidiano das escolas. Nelas, a

orientação pedagógica não era propriamente o objeto das interlocuções. As referências a

essa atividade emergiam no âmbito de outros assuntos, em especial de temas da Educação

Infantil que eram abordados do ponto de vista das teorias educacionais, da organização

das instituições destinadas ao atendimento das crianças de 0 a 6 anos e das relações de

trabalho que se produziam no interior destas instituições. Assim, mais do que definições,

os sentidos da orientação pedagógica apareciam na forma de comentários, de perguntas,

de pedidos de intervenção, de sugestões, de negociações e indiciavam expectativas,

incômodos, concordâncias e discordâncias em relação à atuação da orientadora

pedagógica, dúvidas e/ou o reconhecimento (ou não) das possibilidades dessa atividade

para o cotidiano escolar. Da perspectiva assumida, as situações documentadas foram

tomadas, então, como fonte de indicadores dos sentidos da atividade de orientação

pedagógica em circulação e em elaboração nas interações sociais, produzidas, tanto nas

condições imediatas, quanto nos contextos mais amplos. No entanto, para apreender tais

compreensões, não bastava analisar o conteúdo comum, de significação estável, sobre o

qual enunciavam os participantes das ocorrências interativas documentadas, mas

considerar os modos como eles enunciavam esse conteúdo, a quem, com que entonações,

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com quais apreciações valorativas e em que condições.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Para conduzir tal análise, foi necessária a imersão nos registros a partir de alguns

passos: caracterizar os contextos das situações, seus participantes e o assunto principal da

interlocução onde se indiciavam sentidos da orientação pedagógica; explicitar o motivo

que me levou a registrar a situação; explicitar os sentidos da orientação pedagógica

apreendidos no registro e os elos existentes entre eles e aqueles presentes na literatura

científica da área pedagógica e na literatura relativa às normas e regimentos relativos a

essa atividade, entendidos como sua tradição, como seus sentidos cristalizados no âmbito

das relações culturais; explicitar os usos dados aos sentidos da orientação pedagógica no

âmbito da situação imediata registrada e o que se apreendeu em termos de estilos pessoais.

No processo de elaboração da dissertação, essa análise mais detalhada me conduziu à

seleção de seis episódios, nos quais se destacavam três temas da Educação Infantil - o

registro, o acolhimento e a incorporação de múltiplas linguagens ao processo educativo

– que foram ativamente elaborados por diferentes sujeitos da escola e por mim, em

relações de planejamento, de formação continuada e de orientação individual a

professoras.

A seguir, trago um dos episódios utilizados na pesquisa e as análises feitas a partir

dele.

EPISÓDIO

Nesse final de semestre, realizamos com o grupo uma oficina de

bonecas de pano. A boneca presente na Pedagogia Waldorf já fazia parte

da minha história há dezessete anos. Na gravidez da minha primeira

filha, Clara, fiz o curso que ensinava a construção da boneca e quis

fazer com minhas próprias mãos sua primeira boneca. No entanto, a

presença da boneca no grupo se deu pelas mãos de uma professora. Ela

fez o mesmo curso no ano anterior e, na medida em que fazia da boneca

uma presença marcante na escola, despertou nas colegas a vontade de

aprender. Assim, nasceu a ideia da oficina. Dedicamos um encontro de

formação (FC) para essa finalidade. A professora, como sempre muito

cuidadosa com tudo que faz, preparou com muito carinho a oficina.

Uma sensibilização e a leitura de um

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poema foram formas encontradas para harmonizar o grupo para a tarefa

de fazer bonecas.

Esse foi um trabalho árduo. Entre lãs, linhas, agulhas, tesouras e

roupas de bonecas fomos costurando e dando “vida” à uma nova boneca.

Durante a costura, engatávamos conversas que extrapolavam a discussão

sobre como fazer bonecas ou sobre o trabalho pedagógico. As palavras,

por vezes traziam as experiências pessoais, os filhos, os maridos e

dilemas internos circulavam na roda de conversa. Ficamos mais de 6

horas na costura das bonecas. No mesmo ambiente, uma mesa foi

organizada com bebidas e petiscos que mataram a nossa fome entre a

costura de uma perna e uma amarração de pescoço.

No final da tarde, interessante foi observar a expressão de alegria

e realização das pessoas com as bonecas prontas, produtos do seu

trabalho. Também foi muito curioso observar cada boneca ficando

muito parecida com quem a havia produzido. Eram como filhas.

Brincamos que a escola parecia uma maternidade - tantos nascimentos

num só dia. Na avaliação da oficina várias pessoas falaram do cansaço

no final do dia, mas principalmente falaram do prazer em ver a boneca

pronta. Foi uma experiência muito rica para todos nós. (registros

pessoais, 24 de junho de 2014)

No registro realizado indico que “a presença da boneca no grupo se deu

pelas mãos de uma professora”, ou seja, um elemento que passou a ser uma

referência forte no grupo de crianças e adultos ao ponto de virar tema de uma formação

foi inserido no cotidiano da escola por uma professora. Destaco o fato de que a boneca

Waldorf fazia parte da minha história. Provavelmente por entender que o fato de já

conhecer e ter sido sensibilizada por esse fazer também contribuiu para que eu desejasse

compartilhar “a experiência de fazer bonecas” com o grupo.

Considero que a orientadora pedagógica representa mais uma voz no grupo, ainda

que marcada pelas especificidades das condições de produção do seu trabalho, a OP não

precisa saber mais que as professoras, mas por dispor de uma visão de conjunto da escola,

pode contribuir para a explicitação dos saberes que dela participam. Com isso, um

conhecimento individual pode vir a ser compartilhado e se tornar conhecimento do grupo.

A professora incorporou na sua turma a boneca de pano que

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ela aprendera a confeccionar. Suas colegas, observando o envolvimento das crianças com

aquele brinquedo, demonstraram curiosidade em aprender a fazê-lo. Essa ideia aos

poucos foi tomando corpo no grupo até que conseguimos colocar esse aprendizado como

objetivo de uma oficina num momento de formação continuada.

Em meu registro destaco o comprometimento, o cuidado e o carinho da professora

responsável pela oficina: A professora, como sempre muito cuidadosa com

tudo que faz, preparou com muito carinho a oficina. Uma

sensibilização e a leitura de um poema foram formas encontradas para

harmonizar o grupo para a tarefa de fazer bonecas.

A professora assume a tarefa com responsabilidade, se sente implicada nesse tempo de

formação coletiva, entendendo essa ação como parte do seu trabalho. A preparação da

oficina revela traços pessoais-profissionais da professora, aspectos dos modos como ela

concebe o compartilhamento do saber-fazer específico em questão e, ao mesmo tempo,

traços do modo como ela se relacionava com o seu grupo de trabalho e a melhor forma

de envolvê-lo na atividade. Tomou para si a tarefa de comprar os materiais necessários;

organizou o espaço da oficina, dispondo os materiais, bonecas já construídas por ela, bem

como as roupas que seriam usadas pelas bonecas confeccionadas, escolheu um poema,

uma música e, ainda, fez cookies para presentear os participantes da oficina.

A sensibilização envolveu uma música que foi dançada em roda com o intuito de

contribuir na preparação do corpo para a oficina. O poema escolhido falava das mãos que

costurariam a boneca:

“Mãos que abençoam e fazem o bem

Mãos que trabalham e não se detêm

Mãos que amorosas os fracos amparam

Mãos sim que rezam e sempre rezaram

Mãos que se elevam num gesto profundo

É dessas mãos que precisa o mundo.” (H. Klemm)

As mãos de que fala o poema contém o trabalho e o sagrado e exercitam o amor

ao outro. Alfredo Bosi (1977) também escreveu sobre os trabalhos da mão, levando-nos

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a uma consciência da infinidade de ações realizadas por essa parte do nosso corpo. São

as mãos que produzem e preparam o alimento, que agridem e afagam, que brincam, que

produzem sons, cuidam, curam... Nesse texto ele revela os trabalhadores e as capacidades

das suas mãos: do pedreiro, do lenhador, do oleiro, do escultor, do pintor, do escritor e da

costureira, que segundo ele, tem olhos nas pontas dos dedos para alinhavar, prespontar,

costurar. Na oficina de bonecas, éramos educadoras-costureiras, mesmo com pouca

habilidade, nos aventuramos a explorar a potencialidade das nossas mãos ao máximo.

Com tudo o que compôs a oficina, ela se revelou como um momento valioso na formação

das educadoras que nela estavam envolvidas e sua condução estava a cargo de uma das

professoras do grupo.

Antonio Nóvoa (2009) tem se destacado nas pesquisas sobre formação de

professores. Um dos pressupostos defendidos por ele é o papel dos professores como

âncora na formação dentro da escola, refletindo coletivamente sobre o trabalho,

mobilizando conhecimentos e instituindo as práticas como lugar de reflexão e formação.

Nóvoa (2009) argumenta em favor de uma formação de professores construída dentro da

profissão. Esse autor discute a formação de professores valorizando o trabalho em equipe

e o exercício coletivo da profissão. Afirma ainda que os programas de formação de

professores estão afastados da profissão docente e, assim, para reverter esse processo seria

necessária, entre outros fatores, a aquisição de uma cultura profissional, que está ligada à

ideia de que:

Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa

profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo

com os outros professores que se aprende a profissão. O registro das práticas, a

reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação são elementos centrais para o

aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar a profissão.

(p.30)

Nóvoa fala em aprender com os colegas mais experientes, entendendo que a

experiência de cada profissional é composta por conhecimentos que podem ser

compartilhados no grupo e em favor do coletivo. A oficina de bonecas oferecida aos seus

colegas pela professora mais nova do grupo, tanto na idade, quanto no tempo de exercício

da profissão, se insere na perspectiva de formação por ele defendida. O registro feito,

juntamente com sua análise, oferece indícios de processos de formação que foram

mobilizados.

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A oficina consistia na confecção de um brinquedo que se situa no contexto de uma

determinada pedagogia, a pedagogia Waldorf, que tem como ponto de partida o

conhecimento da criança e de seu desenvolvimento em diversos aspectos. Tem suas bases

na concepção de mundo e de ser humano que foi desenvolvida pelo filósofo austríaco

Rudolf Steiner (1861-1925). Essa pedagogia defende que a Educação Infantil ofereça

possibilidades para que a criança se desenvolva plenamente e de forma saudável através

do brincar. Pressupõe ainda que a criança está em processo de apropriação da cultura na

qual está inserida e esse é o principal motivo pelo qual se deve oferecer a ela brinquedos

que reproduzam, em seu formato, cores e texturas, os elementos do mundo. Dessa forma,

estaríamos contribuindo para a construção dos conceitos dos objetos que a cercam. Os

brinquedos, nessa pedagogia, são desenvolvidos a partir de materiais como lã, feltro,

madeira, tecidos, que estimulam os diversos sentidos. Além disso, devem possibilitar à

criança o desenvolvimento da imaginação e, por isso, possui pouco acabamento. A equipe

não tinha conhecimento dos princípios dessa pedagogia, por isso, a confecção da boneca

representava apenas a construção de um brinquedo, ainda que, ao longo da oficina,

tenham sido feitas algumas referências a esses princípios. A boneca é feita com tecidos

de algodão e com enchimento de lã natural de carneiro e tem traços bem delicados.

Ao narrar o processo de criação da boneca, indico que foi um trabalho árduo: de

encher de lã o corpinho, costurar pernas, braços, pescoço, enrolar a lã na medida certa

para dar forma à cabeça, costurar, prender, amarrar, formando, moldando a boneca. Como

se trata de um trabalho artesanal, majoritariamente feito à mão, contando com as

habilidades e experiências anteriores das pessoas com agulha, linha e costura, muitas

vezes parávamos para ver a produção da outra, pedir ajuda, saber se estava no caminho

certo. O formato de oficina tem esse caráter prático e, assim, as aprendizagens ocorrem

na observação da forma como o outro faz, de modo que se aprende a fazer fazendo. No

murmurinho das falas ora ouvíamos “não consegui fazer o pescoço, como é que faz?”;

ora ouvíamos “a costura do pé está ficando estranha, será que é assim mesmo?”. Foi árduo também devido à demora, exigiu-nos dedicação de várias horas e mobilizou, em

nós, novas habilidades.

Mas o tempo da oficina foi ocupado de outras maneiras: Durante a costura,

engatávamos conversas que extrapolavam a discussão sobre como fazer

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bonecas ou sobre o trabalho pedagógico. As palavras, por vezes traziam

as experiências pessoais, os filhos, os maridos e dilemas internos

circulavam na roda de conversa.

Outro aspecto defendido por Nóvoa em seus estudos sobre formação de

professores é que essa formação deve dedicar uma atenção especial às dimensões pessoais

da profissão docente. Esse autor costuma afirmar que “O professor é a pessoa e uma parte

importante da pessoa é o professor”. Ao relatar que as conversas que ocorriam durante a

costura das bonecas traziam as experiências pessoais trago indícios de que a pessoalidade

dos envolvidos naquela situação de formação tinha espaço de expressão. O princípio da

interação entre a dimensão pessoal e profissional dos processos de formação docente não

estava determinado previamente como princípio na realização da oficina, mas ele foi

exercitado na medida em que durante o processo de sua realização houve a possibilidade

de expressão de traços da pessoalidade de cada uma de nós e permitiu-nos reconhecermos

como sujeitos singulares com histórias diversas, o que contribuiu no fortalecimento de

vínculos entre os membros do grupo.

No episódio narrado todas nós envolvidas naquela formação, enquanto falávamos

de nós mesmas como pessoas, construíamos um brinquedo: uma boneca. Acho importante

destacar que a boneca não estava sendo construída para o acervo de brinquedos da escola,

mas era da pessoa que a construía. Embora no registro eu não tenha explicitado esse

aspecto, lembro-me de que teve quem começou a oficina dizendo que ia presentear a

sobrinha com a boneca e, no final da oficina, já não tinha mais certeza dessa opção. Tinha

desenvolvido certa afetividade com a boneca, de modo que seria difícil doá-la: “quero

ficar com ela”, dizia.

O ato de se entregar à construção de um brinquedo é, de certo modo, brincar.

Brincar está relacionado com alegria, prazer, espontaneidade, flexibilidade, possibilidade

de extravasar emoções. Socialmente essas ações estão apartadas daquilo que é

considerado como algo sério. O brincar se contrapõe à lógica de produtividade da

sociedade capitalista, que valoriza o pensamento racional em detrimento do pensamento

intuitivo, que estabelece uma dicotomia entre corpo e mente, que valoriza mais os

resultados em detrimento dos processos... A alegria pode até ser reservada para os

momentos de lazer, mas vivenciar essa experiência no trabalho parece ser algo não

autorizado.

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A lógica de oposição entre o universo adulto como algo sério e o universo infantil

como o lugar em que pode ser permitida a brincadeira é mediadora dos processos de

formação. Estarmos ali, costurando bonecas feitas à mão, com alinhavos movidos pelas

histórias que iam sendo narradas pelas pessoas, representava uma inversão dessa lógica.

Por que não considerar que a alegria e a seriedade podem andar juntas no trabalho? Por

que não se distanciar desse pressuposto de que brincar não é permitido ou inapropriado

para os padrões de comportamento adulto? Por que não construir uma perspectiva de

formação e de trabalho, na qual mesmo sendo sério e responsável o adulto também tenha

o direito à brincadeira e ao lúdico?

No sensível e delicado documentário Tarja Branca – A Revolução que Faltava

(2013) dirigido por Cacau Rhoden é expressa a defesa de que o brincar é a atividade

principal da criança e também sua forma primeira de contato com o mundo social. O filme

não se limita a tratar da brincadeira da criança, mas defende também a necessidade da

brincadeira entre os adultos, proclama o resgate da criança que existe em cada adulto.

Lançar-se nessa tarefa significa se contrapor à lógica de produtividade da sociedade

capitalista, onde “tempo é dinheiro” e não há espaço para a gratuidade de atividades como

o livre brincar. Acredito que a oficina de bonecas caminhou alguns passos nessa direção.

Basta ver a referência de que aquele momento foi também momento de brincar: “(as

bonecas) eram como filhas. Brincamos que a escola parecia uma

maternidade - tantos nascimentos num só dia.”Na produção de conhecimento

sobre a Educação Infantil, a defesa da importância do brincar para o desenvolvimento

infantil muitas vezes é expressada através da máxima “brincar é coisa séria”. Apesar disso, a oposição entre seriedade e brincadeira costuma

estar presente nos processos de formação docente e, por isso, nem sempre é fácil defender

que atividades de caráter lúdico podem ser tomadas como uma dimensão legítima da

formação humana, pois muitas vezes o adulto não se permite o exercício do lúdico. É

comum a brincadeira aparecer na formação dos professores vinculada exclusivamente à

ideia de que eles devem aprender as brincadeiras para depois ensiná-las às crianças. Ainda

que esse aspecto tenha validade, podemos ir além dele e alimentar a dimensão brincante

e a prática lúdica nesses momentos formativos.

A importância da brincadeira para o desenvolvimento das crianças e o seu papel

na educação infantil tem sido amplamente pesquisada. Autores como Piaget, Vigotski,

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e Benjamim são estudiosos que trazem importantes contribuições acerca dessa temática.

Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil defendem que

a proposta pedagógica das instituições deve garantir o direito à brincadeira e à interação

entre as crianças e ter esses dois aspectos como eixos norteadores das práticas

pedagógicas. Assim, a promoção de situações formativas em que os educadores possam

vivenciar o lúdico, a brincadeira está em sintonia com a constituição de práticas na

Educação Infantil que contemplem a dimensão do brincar como eixo. Quanto mais o

adulto vivenciar a ludicidade, maior será a chance de que esse profissional esteja sensível

às brincadeiras das crianças, se envolva com elas, traga elementos que possam enriquecer

os momentos de faz de conta e organize intencionalmente tempos e espaços para que a

brincadeira possa fluir entre as crianças.

No registro aparece que, na avaliação da oficina, as pessoas envolvidas não

deixaram de apontar o cansaço trazido pela realização da tarefa, mas também disseram

da alegria e prazer envolvidos na atividade e da realização em ver as bonecas prontas.

Embora ninguém tenha realizado explicitamente essa associação, há fortes indícios de

que essa dimensão lúdica da atividade tenha sido a responsável pela sensação de prazer e

alegria dos participantes dessa produção. Outro aspecto apontado na avaliação foi a

sensação de realização, que pode ser associada à materialidade do produto do trabalho

artesanal. Ter a boneca pronta, em mãos, compensava o esforço empreendido na sua

produção. O produto do trabalho do educador é de outra natureza, mais fluido, mais em

longo prazo e por isso, torna-se mais difícil visualizar a materialidade do seu produto.

Cada boneca tinha a cara de quem a costurou. Elas não tinham só os detalhes escolhidos

por suas ‘artesãs’, mas também guardavam histórias amarradinhas nas linhas!

CONSIDERAÇÕES FINAIS ou ALGUMAS APRENDIZAGENS DO

PERCURSO

Das aprendizagens ocorridas no processo de pesquisa destaco o fato de ela ajudou-

me a olhar para as práticas pedagógicas e ouvir as interlocuções que as compõem,

vislumbrando os modos como se materializa um princípio que marca a minha trajetória

profissional e de vida: uma visão de educação que considera o ser humano de maneira

integral, que não dissocia corpo e mente, razão e emoção, tanto nos processos com as

crianças, quanto na formação dos educadores. Vigotski (2010) afirma que “a emoção não

é um agente menor do que o pensamento”, se contrapondo a uma educação

intelectualizada, baseada numa “vida desprovida de grandes alegrias” e numa

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lógica de “automatização do homem”. Para esse autor, “são precisamente as reações

emocionais que devem constituir a base do processo educativo”.

A pesquisa contribuiu para reforçar o pressuposto de que o trabalho da OP deve

ser pautado por ações que não apaguem a sua responsabilidade no processo de formação

dentro da escola, mas também que não se constitua como atribuição exclusiva desse

profissional. Esse princípio se fundamenta numa concepção de formação inspirada pelo

pensamento de Paulo Freire, uma formação co-participada, entendida como encontro de

sujeitos ativos que tomam a prática pedagógica como objeto de conhecimento e se

desafiam a pensarem sobre ela, numa relação dialógica, buscando romper com a tradição

da hierarquização na relação entre professores e orientadora pedagógica.

Outro aspecto a ser destacado como aprendizagem do percurso foi o

reconhecimento de que o sentimento de insatisfação com o trabalho e a sensação de que

ele “não serve pra nada” pode ser relativizada à luz da compreensão da complexa trama

de produção de sentidos, apreendida sob a perspectiva de que os processos de constituição

dos sujeitos estão sempre em aberto. A promoção e vivência de práticas miúdas de

trabalho coletivo, práticas inspiradas em linguagens artísticas que buscam a articulação

das dimensões pessoais e profissionais dos sujeitos possibilita a relativização do

sentimento de ineficácia do trabalho da orientadora pedagógica.

Se o que mobilizou o início desta pesquisa foram as perguntas sobre a minha

prática, preciso reconhecer que, em meio a tantas aprendizagens ocorridas no percurso,

as perguntas não cessaram. Elas foram refeitas, pois o debruçar-se sobre as práticas

instiga a formulação de novas perguntas. Afinal, uma das minhas aprendizagens está no

reconhecimento de que os processos de formação humana, inscritos na história e na

cultura, devem contribuir para a intervenção na realidade de forma que fortaleça os

processos de humanização e não para a acomodação. Para Freire (1998), somos seres

incabados: “Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da

experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o

inacabamento se tornou consciente” (p.55). Saber-se inacabado significa tomar distância

daquilo que estou sendo no mundo e com o mundo e inserir-se num processo de busca do

conhecimento. Ao longo do processo da pesquisa e da escrita deste texto, fui me

reconhecendo e também me estranhando ao buscar os sentidos da orientação pedagógica

que vêm me constituindo como profissional, buscando formas de falar da história da

orientadora pedagógica que tenho sido mesmo sabendo que esse processo de constituição

profissional nunca será finalizado.

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Eixo 4

Práticas Pedagógicas: Culturas

Infantis e Produção Cultural para e

com os bebês e as crianças

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A contação e recontação de estórias como ferramenta para

o Ensino de Ciências na Educação Infantil:

experimentação para e com as crianças

SATO, Marcelo K1 ., PRADO, Mariana A. B. do2

Resumo

O questionamento das crianças acerca do mundo social e natural é recorrente e está

previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010). A presente

atividade ocorreu no ano de 2014 na Creche/Pré­Escola Oeste da Universidade de São Paulo.

Foi proposto com as crianças do grupo Roxo­Pégasus uma sequência de atividades que tem

como base a experimentação como forma de investigação. A contação e recontação de

estórias foi utilizada como ferramenta para aproximar a rotina das crianças dos diversos

métodos científicos. Com aporte na perspectiva histórico­cultural de Vygotsky (2014), é

possível observar os elementos pertencentes das culturas de pares infantis (CORSARO, 2011)

sendo incorporados nas atividades de recontação. Tal relato permite compartilhar experiências

de Ensino de Ciências na Educação Infantil que fujam do senso comum de antecipação da

escolarização através da memorização de conceitos específicos e descontextualizados.

Palavras chave: Imaginário infantil, contação de histórias, culturas infantis

1 Integrante do grupo CHOICES ­ Instituto de Biociências/USP ­ [email protected] 2 Graduada pelo Instituto de Biociências/USP e licencianda em Pedagogia pelo Instituto Singularidades ­

[email protected]

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Introdução e justificativa

“(...) fräulein... nome esquisito! nunca vi! que bonitas assombrações

havia de gerar na imaginação das crianças! era só deixar ele

descansar um pouco na ramaria baralhada, mesmo inda com poucas

folhas, das associações infantis, que nem semente que dorme os

primeiros tempos e espera. então espigaria em brotos fantásticos,

floradas maravilhosas como nunca ninguém viu. porém as crianças

nada mais enxergariam entre as asas daquela mosca azul... elza lhes

fizera repetir muitas vezes, vezes por demais a palavra!

metodicamente a dissecara. "fräulein" significava só isto e não outra

coisa. e elas perderam todo gosto com a repetição. a mosca

sucumbira, rota, nojenta, vil. e baça.. “

Mário de Andrade

Contextos

Ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010)

nota­se a ausência de eixos curriculares voltados para as áreas específicas de conhecimentos.

A estrutura e os conteúdos do documento indicam a priorização das formações humana e

social das crianças, com a concepção de criança enquanto

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas

cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,

brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,

narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,

produzindo cultura (2010: 12)

Entretanto, as perguntas e questionamentos acerca do mundo são temas frequentes nas

rotinas da Educação Infantil. Mesmo assim, a maneira de se trabalhar os aspectos das Ciências

Naturais ainda é incerta neste contexto. Espera­se que essa experiência possa contribuir para

as discussões na área.

O presente relato refere­se a uma atividade na Creche e Pré­Escola Oeste (Creche

Oeste), da Superintendência de Assistência Social da Universidade de São Paulo (SAS­USP),

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realizado em 2014. A iniciativa surgiu em razão do alto índice de casos de dengue na Cidade

Universitária da USP, revelando a Creche Oeste como maior foco de larvas do mosquito

transmissor (Aedes aegypti). Como forma de combate ao vetor, foi elaborada uma sequência

baseada no estímulo ao imaginário na experimentação científica, tendo como tema central a

dengue e seu transmissor.

A atividade foi proposta com o grupo Roxo­Pégasus3, composto de dezessete crianças

de cinco e seis anos. A escolha da turma se deu pela afinidade com o tema do projeto central

do ano: a água. Além do ciclo da água e a sua importância, também seria discutida a relação

entre a água e os animais; sua necessidade fisiológica, animais que vivem na água e animais

que precisam dela para se reproduzir.

Para contextualizar a doença e estimular o uso de armadilhas no experimento foi feita

uma contação de estória. Momentos posteriores de recontação pelas crianças auxiliou na

identificação dos temas que poderiam ser utilizados no projeto e a compreender como as

crianças ressignificaram os elementos da estória para sua rotina.

Referenciais teóricos

A curiosidade e imaginação das crianças é motivo de encantamento de muitas

educadoras e educadores na Educação Infantil. Segundo a psicologia histórico­cultural, a

imaginação é o fundamento de toda atividade criadora e manifesta­se igualmente em todos os

aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e tecnológica

(VIGOTSKI, 2014). É possível resgatar tal importância nas Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Infantil, que indica como um dos eixos norteadores garantir experiências que

incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o

questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças

em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza.

(BRASIL, 2010: 26)

3 Roxo denomina a última turma da Creche e Pré­Escola Oeste e Pégasus indica o nome próprio de cada turma,

escolhido pelas crianças no começo do ano.

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No que diz respeito a esse eixo, o Ensino de Ciências pode se mostrar um grande

aliado, uma vez que grande parte dos conhecimentos científicos construídos historicamente

tiveram como base observações e questionamentos acerca do mundo físico/social (POPPER,

2005; MILL, 2008; KUHN, 1962).

Porém não é de se espantar que essa relação não seja óbvia. Diversas interpretações

deformadas da Ciência são encontradas tanto entre os professores da área quanto em artigos

sobre educação científica/Ensino de Ciências. Algumas dessas deformações são: a

transmissão de visões individualista, elitista, aproblemática e ahistórica da Ciência;

apresentação rígida (Ciência exata e infalível) entre outras (CACHAPUZ et al., 2011).

Nesse sentido, o Ensino de Ciências pode exercer uma importante função na interface

entre as crianças e o mundo físico que as rodeia. Para isso, entretanto, é essencial pensá­lo de

maneira que fuja destas concepções deformadas e que tenha como base a real investigação e

indagação do mundo.

No que diz respeito às culturas infantis, Corsaro cunha o termo pares de crianças para

referir a “coorte ou o grupo de crianças que passa seu tempo junto quase todos os dias” (2011:

127). Tal conjunto estabelece determinada rotina e é por meio da produção e participação

coletiva nesses espaços e tempos que as crianças tornam­se membros tanto de suas culturas de

pares quanto do mundo adulto onde estão situadas (CORSARO, 2011).

A reprodução interpretativa, ou seja, a contribuição ativa das crianças na preservação

e na mudança social (CORSARO, 2011), das linguagens, procedimentos e atitudes do

universo científico pode ser capaz de fornecer uma experiência científica ressignificada para

as necessidades dos pares de crianças. Considerando que o processo científico é um fenômeno

social (CACHAPUZ et al., 2011), pode­se estabelecer, então, uma cultura científica de pares

infantis.

Fornecer o contato com os diferentes processos das Ciências, provido de tempo,

espaço e atenção às especificidades da infância, com o cuidado de não cair em visões

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distorcidas da Ciência, pode ser uma fonte rica de experiências investigativas, de exploração e

de encantamento para e com as crianças.

Relato das atividades

Com o intuito de organizar as atividades e seus registros, a experiência foi dividida

nos momentos abaixo.

Contação de estória

Para iniciar a sequência de atividades, as crianças foram convidadas a participar de

uma roda de contação de estórias4.

A trama narrada possui autoria própria e gira em torno de Bartolomeu e

Celeste, irmãos que, com a ajuda de um “cientista” maluco e sua máquina do tempo,

tentam compreender o que houve com seus pais para ficarem doentes. Nessas “voltas”

no tempo, diversos insussessos na prevenção da dengue os estimulam a pensar em

hipóteses sobre como poderiam solucionar esse problema. Mesmo depois das medidas

preventivas (limpar objetos e lugares alagados), fez­se necessária a construção de

armadilhas para evitar a proliferação dos mosquitos da dengue (Aedes aegypti).

Depois de feito o teste das armadilhas, seus pais acordam saudáveis no derradeiro

sábado.

Após o momento de roda, foi proposto às crianças que registrassem, em forma de

desenho, os momentos que sentiram mais interesse da narrativa. O desenho foi coletivo,

composto por grupos de aproximadamente quatro crianças. Cabe ressaltar aqui que as

armadilhas apareceram diversas vezes nos desenhos, fortalecendo nossa intenção de trabalhar

a experimentação.

No segundo dia, uma roda de conversa retomou a discussão anterior. Mais uma vez as

armadilhas foram citadas (junto com a máquina do tempo), demonstrando novamente o

interesse das crianças pelo uso desses artefatos.

4 Cf. RUBIRA, 2006. p.36.

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Confecção das armadilhas

Para a confecção das armadilhas foram utilizados materiais simples (garrafa PET

vazia, microtule, lixa, tesoura ou estilete e fita crepe) que foram previamente preparados com

o objetivo de facilitar e possibilitar o manuseio por parte das crianças.

As armadilhas construídas foram baseadas no modelo desenvolvido pelo Prof. Maulori

5

Cabral, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentado em vídeo disponível na

internet.

Diferentes tipos de alimentos foram usados como iscas para atrair os mosquitos: arroz,

café, açúcar refinado e ração de gato. As perguntas propostas para as crianças foram: qual isca

atrairia mais mosquitos? e o mosquito preferia colocar as larvas em lugares claros ou

escuros?. As crianças propuseram elaborar armadílhas com cada um dos alimentos, uma com

todos as iscas juntas e outra sem nenhum. Também sugeriram colocar a mesma quantidade em

lugares claros e escuros.

Foram produzidas 20 armadilhas, dez para lugares de alta luminosidade e dez para

lugares com baixa luminosidade. Elas foram espalhadas na escola pelas crianças.

Contextualização do experimento

No terceiro dia, houve uma breve explicação ilustrada, em roda, sobre as diferentes

fases de vida do mosquito da dengue. Foi apresentada uma tabela para as crianças

sistematizarem os resultados encontrados, a fim de, no final da sequência, conseguirem

responder as duas perguntas feitas no momento anterior.

Contagem das larvas e conclusão da experimentação

Após buscar as armadilhas pela creche, houve a contagem das larvas de cada

armadilha e o preenchimento da tabela. Assim, foi possível visualizar que a armadilha com a

ração de gato, colocada em região de baixa luminosidade, possuía mais larvas. Tal resultadoe

5 https://www.youtube.com/watch?v=Jyi_zj3PWcc

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permitiu inferir que esta atraiu mais mosquitos. As crianças também tiveram a

oportunidade de observar as larvas e pupas do mosquito no microscópio.

Recontação e acompanhamento

Antes de relatar como se deram os momentos de recontação, é importante ressaltar o

contexto em que a sequência estava situada. Em maio de 2014 os funcionários da

Creche/Pré­Escola Oeste deliberaram a adesão à greve de docentes e funcionários da USP.

Sendo assim, tal retomada deu­se após um período de quatro meses.

A atividade pautada na recontação constou de duas etapas: a produção narrativa

de uma versão da estória, construída pelas crianças e registrada pelas educadoras

responsáveis e a construção de um painel com relevo, contendo as personagens e outros

elementos da estória adaptada.

Na reescrita, elementos como o Dr. Maluco, as crianças, sua mãe doente e os

mosquitos aparecem na trama, que se assemelha quanto ao conteúdo da estória original.

Entretanto, há aspectos únicos que são válidos de ressaltar, como a aparição de elementos

sonoros e divertidos (como a picada no nariz da mãe, que havia inchado e emitia o som de

uéum­uéum), a desaparição da máquina do tempo e das armadilhas.

Na trama criada pelas crianças, as seis crianças (três meninos e três meninas)

encontram ovos e larvas de mosquitos da dengue em um brinquedo que acumulou

água. Com baldes, recolhem muitos mosquitos e os levam para o Dr. Maluco, que

produz um remédio que mata todos os mosquitos da dengue. Os mosquitos fogem para

a Grécia Antiga, onde encontram­se com Pégasus.

Na construção do painel, o grupo utilizou jornais, cola e tinta para representarem

alguns elementos da estória em três dimensões.

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Figura 1. Painel coletivo com elementos da estória criada pelas crianças, em três dimensões.

Reflexões e desdobramentos

São diversas as possibilidades de aproximação dos conteúdos das Ciências e dos

currículos da Educação Infantil. Um cuidado deve surgir ao se propor atividades com essa

intenção, uma vez que modelos de antecipação da escolarização vão contra as concepções

de criança da Sociologia da Infância, presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (2010). O relato descrito acima exemplifica uma das muitas ações que

podem possuir caráter interdisciplinar das áreas das Ciências e da Educação Infantil, sem cair

no atual estado do Ensino de Ciências, pautado na memorização de conceitos.

Futuras análises dessa intervenção servirão de base para pesquisa sobre as relações

entre o imaginário e a construção do conhecimento científico em atividades com crianças

pequenas. Cabe aqui levantar alguns dos questionamentos que surgem:

● De que forma os elementos dessa cultura de pares aparecem na recontação?

● Como as metodologias e lógicas do pensamento científico foram ressignificadas

na recontação?

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● Como as crianças propuseram soluções para as dificuldades das personagens,

durante a construção de sua estória?

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer às Profas. Dras. Alessandra Bizerra, Suzana Ursi, Maria

Aparecida Visconti, Celi Dominguez e Maria Letícia Nascimento pelo apoio. Agradecemos

também a Geisly, Marília, Mariana, Tami, Tabata e Rafael Barros pela ajuda na proposição

e aplicação da atividade, assim como seu registro. Agradecemos também à Fabiana Rubira

e à Célia Gomes, grandes mestras.

Às educadoras e educadores, funcionárias e funcionários da Creche/Pré­Escola Oeste,

em especial à Flaviana, Prislaine e Ana Cristina, nossos sinceros votos de agradecimento

e parabenização pelo trabalho de excelência que exercem. Que o mundo conheça um

pouco mais dos encantos que acontecem nesse espaço.

Ás crianças, por nos receberem, ensinarem e compartilharem suas visões e

conhecimentos conosco, nosso mais profundo “obrigado”. Que suas curiosidades nunca

deixem de existir e que continuem questionando e se questionando por aí.

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Referências bibliográficas

ANDRADE, M. Amar, verbo intransitivo. Belo Horizonte: Villa Rica,

1995. BRASIL, M. Diretrizes curriculares nacionais para a educação

infantil. 2010

CACHAPUZ, A.; et al. A necessária revolução do ensino de ciências. São Paulo:

Cortez,

2011.

CORSARO, W. Sociologia da infância. São Paulo: Artmed,

2011. KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions. 1962.

MILL, J.; NAGEL, E. Philosophy Of Scientific Methods. Genesis Publishing Pvt Ltd, 2008.

POPPER, K. The logic of scientific discovery. Routledge,

2005.

RUBIRA, F. Contar e ouvir estórias: um diálogo de coração para coração acordando

imagens. 2006. 216f. Dissertação (Mestre em Educação) ­ Faculdade de Educação,

Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006.

VIGOSTKI, L. Imaginação e Criatividade na Infância. São Paulo: WMF Martins Fontes,

201

4.

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ESPAÇOS UTILIZADOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O BRINCAR.

Alessuze Carneiro (CUML)

Evani Andreatta Amaral Camargo (CUML)

Este estudo fundamenta-se na perspectiva histórico-cultural e tem como objetivo investigar os

modos de participação de uma professora nos processos de significação dos alunos,

considerando-se o brincar.Neste texto, busca-se identificar o espaço que a professora

disponibiliza para isto e como realiza as intervenções. A pesquisa está sendo realizada em uma

escola de Minas Gerais, em uma turma de educação infantil. Os resultados indicam que há três

espaços usados pela professora para o brincar: pátio, parque e sala de aula. No pátio e no parque

ocorre um brincar espontâneo, sem intervenção da professora, que assume o papel de cuidar.

Na sala de aula, ocorre o brincar instrumental, brinca-se para aprender letras, números etc. Deste

modo, conclui-se que o brincar, como é compreendido pela teoria histórico-cultural, como

possibilidade de elaboração das funções mentais superiores, não está sendo trabalhado neste

contexto.

Palavras-chave: Teoria Histórico-Cultural. Educação Infantil. Brincar.

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PROJETO: JOÃO E MARIA NO PARQUE DE PNEUS

Ricardo Alves Batista1

Maria Elenice Vasconcelos da Paz2

Cindy Romualdo Souza Gomes3

Resumo: O Projeto João e Maria no Parque de Pneus, foi desenvolvido no Centro de Educação

Infantil Municipal Austrílio Ferreira de Souza (CEIM Austrílio) na cidade de Dourados - Mato

Grosso do Sul, com as turmas do Pré I “B” e “C” vespertino, totalizando 34 crianças envolvidas

no projeto. O objetivo foi a revitalização de um espaço mal aproveitado na instituição, para a

idealização (por parte das crianças) e construção (por parte dos professores) de um parque, a

fim de promover um ambiente que favorecesse o desenvolvimento global das crianças por meio

do brincar. Os “pequenos arquitetos” planejaram o ambiente a partir da imaginação e do faz-

de-conta, desencadeados pela contextualização da história infantil “João e Maria”, para além

disso, tiveram também como suporte criativo imagens da internet e visita a um outro parque de

pneus para então desenharem e enfim construírem uma maquete que representasse os de

brinquedos de ambas as turmas. O resultado foi a construção de um parque, que teve como

matéria prima principal as ideias das crianças e pneus descartados promotor de suas

brincadeiras, faz-de-conta, imaginação e socialização.

Palavras-chave: Brincar; Criança; Parque de pneus;

1.Profissional de Educação Física pelo Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN), professor na rede municipal de Dourados-MS em Centros de Educação Infantil. É cursista na especialização Docência na Educação Infantil do programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (FAED/UFGD). É graduado na capoeira pela Associação Brasileira de desenvolvimento e apoio da arte capoeira (ABADA-Capoeira/RJ) É professor de capoeira e possui um espaço com área de treino e trabalho social. Espaço Cultural Ricardo Capoeira desde 2013.

2.Pedagoga pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), é professora efetiva da rede municipal de Dourados-MS, trabalha na Educação Infantil. É especialista em Docência na Educação Infantil pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

3.Pedagoga pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), é professora efetiva da rede municipal de Dourados-MS, trabalha na Educação Infantil a cinco anos. É mestre em Educação pela mesma universidade e membro de grupo de Pesquisas Processos Civilizadores. Professora formadora da especialização Docência na Educação Infantil do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação FAED – UFGD.

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O discurso e prática do brincar

O ponto de partida deste projeto, se deve a compreensão de dois princípios norteadores do

fazer pedagógico: o primeiro princípio refere-se a compreensão da criança enquanto,

[...] sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2012).

A proposta de atividades foi apresentada às turmas e delas foi esperada a aprovação,

para então prosseguir, pois o andamento deste dependia única e exclusivamente do interesse

das mesmas e o quanto elas se envolviam e criavam. De nada adiantaria os professores

encaminharem por si só as propostas e resultados, pois iria contra a ideia de que as crianças

seriam protagonistas e modificadoras de seu meio, seria um ambiente construído destituído de

significado para as elas, que o gerariam apenas no momento em que adentrassem para brincar.

Uma vez proposto, desde o princípio do desenvolvimento do Parque de Pneus, os

pequenos esboçavam sentirem-se donos das futuras instalações, conhecedores profundos do

ambiente a ser modificado e detentores de diferentes narrativas do brincar a partir da

valorização dada às suas sugestões, opiniões e ideias. Às turmas foi dada a oportunidade de

expressar como queiram que estivesse estruturado o espaço desencadeador do seu brincar,

carregado de significado e possibilidades de brincadeiras pensadas por elas.

O segundo princípio, refere-se ao brincar, que como bem define Kishimoto, em suas

contribuições para manual de orientação pedagógica, o ato importantíssimo para que a criança,

a partir de seu processo construtivo, desenvolva diferentes aprendizagens, em seu

[...] o brinquedo e a brincadeira são constitutivos da infância. A brincadeira é,

para a criança, um dos principais meios de expressão que possibilita a investigação e a aprendizagem sobre as pessoas e o mundo. Valorizar o brincar

significa oferecer espaços e brinquedos que favoreçam a brincadeira como atividade que ocupa o maior espaço de tempo na infância. (BRASIL, 2012).

Este brincar não pode configurar-se apenas no seu modo utilitário e a realização deste

projeto figura-se em uma tentativa de se avançar nesse aspecto. Ou seja, não apenas ter a

iniciativa de construir mais uma espaço destinado ao brincar, mas o fazê-lo a partir das

necessidades e ideias de quem irá usufruir dele.

A construção desse parque visa representar a importância e o espaço que deve ser dado ao

brincar nas instituições de educação infantil, é uma busca por alargar as possibilidades e

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momento do brincar para além do que se faz usualmente como bem analisam Martins e Cruz

em sua pesquisa sobre “brincar por brincar ou para aprender”:

O brincar e a Educação Infantil são temas que se apresentam inter-relacionados desde longa data. No entanto, mesmo sendo valorizado nos discursos daqueles que compõe o amplo contexto da Educação Infantil, esta prática social não se consolida nas práticas pedagógicas cotidianas neste ciclo de ensino. (2008).

Assim como as autoras bem colocam, nesse CEIM não é diferente da rotina relatada

acima, que é a de usar o brincar como momento de extravasar as energias contidas das crianças

em detrimento de atividades propedêuticas à escola.

Geralmente este brincar vincula-se ao horário das crianças irem embora, já que em

creches/CEIMs não há intervalo tal como os das escolas. O tempo certo de ocorrer, é após as

crianças terem cumprido uma série de atividades, geralmente fotocopiadas e relacionadas a

datas comemorativas. Ao final do período as professoras já estão cansadas de tanto controlar os

impulsos dos pequenos e então os deixam brincarem livremente, correrem, se jogarem no

gramado, rolarem na areia etc.

A necessidade de avançar com relação a essas características do brincar na instituição,

não se refere a como as crianças brincam, mas sim como o brincar é utilizado de modo a não

fazer parte de todo o período que a criança está na instituição.

E desta contradição entre discurso e prática, os educadores recorrem a utilização em

seus planejamentos da palavra ludicidade e sobre esse recorrente movimento de desiquilíbrio

assim chamado por Kishimoto, esta analisa que “[...] o desequilíbrio provoca duas situações

duas situações: não há mais ensino, há apenas jogo, quando a função lúdica predomina ou, ao

contrário, quando a função educativa elimina todo hedonismo, resta apenas ensino.” (KISHIMOTO, 1994, p.19 Apud MARTINS; CRUZ, 2008.). E este movimento de hora apenas

privilegiar o ensino e hora apenas privilegiar o brincar livre, está presente tanto nas creches

como também em escolas que atendem os primeiros anos do Ensino Fundamental.

O curioso é que todas as educadoras e educadores tem prontamente frases feitas a serem

repetidas sobre o brincar, porém são poucas que têm práticas a relatar sobre como brincam ou

incentivam uma brincadeira entre ou com suas crianças. E muitas vezes vinculados a esses

discursos sobre as brincadeiras e brinquedos, ouve-se análises sobre o quanto as crianças não

sabem brincar, organizar brincadeiras, ou se divertirem tal qual estes educadores dizem ter feito

na época deles.

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Porém os conhecimentos que muitas vezes falta a estes professores é o de que a

capacidade de produzir uma atmosfera de brincadeiras não é algo natural dos pequenos, a

concepção “deixe que brinque” expressa contrariedade ao que a brincadeira realmente significa.

E muitas vezes denota que a este fazer não são importantes investimentos, espaços bem

estruturados e estudos para que haja qualidade.

O brincar é uma construção social e cultural e para existir e progredir é necessário que

alguém ensine a criança como lidar com este fazer. (MARTINS; CRUZ, 2008). Antes porém,

do sucesso de tal ação, é necessário que a criança tenha seus pares, tempo e espaço, para então

começar a pertencer e construir outros mundos e vivências.

Brincar é repetir e recriar ações prazerosas, expressar situações imaginárias, criativas, compartilhar brincadeiras com outras pessoas, expressar sua individualidade e sua identidade, explorar a natureza, objetos, comunicar-se e participar da cultura lúdica para compreender seu universo. Ainda que o brincar possa ser considerado um ato inerente à criança, exige um conhecimento, um repertório que ela precisa aprender. (BRASIL, 2012, p.7).

Sendo assim, o ato de brincar não é um impulso natural da criança, “qualquer coisa é

brinquedo, qualquer tempo é brincadeira”. A própria significação do brinquedo para gerar uma

brincadeira só existe quando alguém ensina a criança a utilizá-lo para o devido fim. Entre as

primeiras manipulações de objetos realizadas pela criança e o aparecimento do faz de conta há

um complexo processo de desenvolvimento em que o adulto ocupa papel fundamental.

(MARTINS; CRUZ, 2008, p. 69).

Deste modo, a brincadeira figura-se como construção e reconstrução de aprendizagens

frente a uma determinada ação, vinculada ao objeto brinquedo e a construção da brincadeira,

geradas de crianças para crianças e de criança para adultos e de adultos para crianças.

(MARTINS; CRUZ, 2008).

O brincar na Educação Infantil deve ser compreendido como integrante de uma

importante concepção presente e conquistada a esta etapa da educação básica: a concepção de

que o cuidar e o educar são indissociáveis, e a esta indissociação deveria ser agregado outro

verbo, que resulte como um tripé para o atendimento na educação infantil: cuidar, educar e

brincar. “Para educar crianças pequenas, que ainda são vulneráveis, é necessário integrar a

educação ao cuidado, mas também a educação e o cuidado à brincadeira”. (BRASIL, 2012,

p.6).

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Sombra boa e espaço mal utilizado

O referido projeto teve início nas duas primeiras semanas do mês de julho (01/07 a

10/07), adentrou o período de recesso escolar (13/07 a 27/07) e foi concluído e inaugurado na

primeira semana de agosto (05/08/2015). Seu desenvolvimento contou com a iniciativa do

Professor Ricardo Batista e com a participação das professoras, regentes das turmas de Pré I “A” e “B” vespertino, respectivamente professora Maria Elenice da Paz e professora Cindy

Gomes.

A área de construção do parque fica na lateral do CEIM, medindo 5m por 19m. Era uma

área evitada pelas professoras e de pouco atrativo para as crianças. Sua vantagem resumia-se à

uma boa sombra proporcionada pelas árvores da espécie sibipiruna, sombra esta importante no

verão e ausente nos demais espaços externos da instituição.

Utilizar o espaço para a estruturação de brinquedos feitos preferencialmente com pneus

descartados, vincula-se as possibilidades que este material traz e agrega à prática pedagógica

na Educação Infantil. Ou seja, a estruturação deste espaço oferece às crianças momentos que

por meio do brincar venham a conhecer, desenvolver e aprimorar habilidades físicas básicas,

praticar a curiosidade e criatividade ao mexer, tocar e explorar os diferentes elementos e

texturas, sobrepor desafios, construir e reconstruir significados dos elementos, do espaço e dos

processos construtivos do brincar. (BATISTA, 2014).

Possibilidades estas trazidas como importantes nas Diretrizes Curriculares Nacionais

para Educação Infantil:

As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação

Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira e garantir experiências que promovam o conhecimento de si e do mundo por

meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais, que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito

pelos ritmos e desejos da criança. (BRASIL, 2010, p.25)

A idealização e construção de parques feitos com pneus é disseminada na internet, pelo

seu baixo custo, durabilidade e mensagem de conscientização quanto aos cuidados sobre o que

é descartado no meio ambiente, bem como as possibilidades de reutilização e redução de danos

ambientais. Este tipo de estrutura o professor Ricardo já possui experiência em montar, porém

nunca o fez com a efetiva participação de crianças e/ou alunos.

Porém, o que realmente torna este projeto importante e especial dentre os que foram

construídos, é o fato de considerar as crianças (4 e 5 anos de idade) como protagonistas,

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agentes transformadoras do meio e construtoras de conhecimentos durante todo o processo de

idealização e desenvolvimento do Parque de pneus.

E deste princípio dependia o desenvolvimento e finalização do projeto como bem define

Kishimoto no manual de orientação pedagógica que versa sobre o brincar nas Diretrizes

Curriculares da Educação Infantil

A criança é cidadã – poder escolher e ter acesso aos brinquedos e às brincadeiras é um de seus direitos como cidadã. Mesmo sendo pequena e vulnerável ela sabe muitas coisas, toma decisões, escolhe o que fazer, olha e pega coisas que interessam, interage com pessoas, expressa o que sabe fazer e mostra em seus gestos, em seu olhar, em uma palavra, como compreende o mundo. (BRASIL, 2012, p.7)

Do faz-de-conta à realidade

O desenvolvimento do projeto contou com a colaboração de três professores, esses se

organizaram conforme a cargo horária que cada um possuía. O professor Ricardo desenvolveu

atividades com as crianças as quintas-feiras, já as professoras Cindy e Maria Elenice que

possuem horários iguais e cargo horária maior para estarem com as turmas, se organizaram de

modo a trabalharem alguns aspectos do projeto com as turmas juntas e outros momentos em

separado.

Assim desenvolveram atividades com as crianças as terças e sextas-feiras durante o

período todo e as quartas e quintas em horários parciais. E houve um momento em que os três

professores uniram-se para juntos chegarem a um dos pontos fortes do projeto, a representação

do parque de pneus através de uma maquete.

Deste modo o processo de desenvolvimento do projeto ficou estruturado da seguinte

maneira:

Etapa 1- Apresentação da proposta para as turmas;

Primeiramente os professores apresentaram a proposta do projeto para as turmas.

Priorizando assim o interesse, as ideias e sugestões, falas e opiniões das mesmas.

Contextualizando a proposta com experiências anteriores que as crianças tiveram com um

parque de pneus, e para além desta abordagem utilizaram-se de imagens de outros espaços

semelhantes retiradas da internet.

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ISSN 2448-1157 369

Etapa 2 –Idealização do parque;

Os professores retomaram com a turma suas opiniões sobre a visita a um parque feito

de pneus, conversaram sobre conceitos básicos de meio ambiente, reutilização e preservação

ambiental. Depois de rodas de conversas e diversas ideias para a estruturação do parque os

pequenos fizeram seus desenhos representando neles suas escolhas de brinquedos. Por ser um

desenho com intenção de esboço, os professores conversaram individualmente com cada

criança para registrar por escrito no desenho o que cada uma quis representar e ainda qual a

ideia que tinham de como se brincava em seus parques e quais materiais seriam utilizados para

construí-los.

Etapa 3 – História João e Maria

Outro recurso importante para o desenvolvimento do projeto, foi a utilização da história

“João e Maria”, que proporcionou subsídios advindos do faz-de-conta para inspiração no

momento da construção da maquete do parque. As crianças ouviram a história e acompanharam

a narrativa por meio de desenhos, em roda de conversa retomaram os pontos chave da história,

fizeram ilustrações dos trechos que mais gostaram, e a predominância foi a representação da

casa de doces que João e Maria encontraram na floresta. A partir dessa história e o cenário da

casa bruxa, toda feita de doces, os professores iniciaram uma contextualização mais profunda

entre a proposta do parque e a possibilidade de representá-lo por meio de doces tal qual a casa

da bruxa.

Etapa 4 – Construção da Maquete

Juntos, professores e crianças sentaram-se para ver os desenhos e desse momento

listaram quais brinquedos se repetiam e ainda socializaram suas ideias. Dessa triagem ficou

combinado quais brinquedos seriam construídos na maquete. Cada educador trouxe com sigo

alimentos que representassem os materiais que seriam utilizados para a construção do parque.

A predominância foram os doces: balas, rosquinhas de chocolate e coco, doce de leite

em pasta, biscoito de polvilho, bolacha de amido de milho, marshmellows e confeitos coloridos.

Em pequenos grupos os educadores organizaram junto com as crianças os brinquedos e partes

de estruturas que foram sendo reservadas sobre um bolo de chocolate representado o espaço

físico do terreno a ser utilizado. Por fim todos os brinquedos feitos de doces foram realocados

sobre uma grande placa de isopor. Ao final foram feitas filmagens e fotografias e as crianças,

assim como João e Maria comeram parte da casa da bruxa por ser feita de doces, as crianças

dos Prés ao concluírem a maquete comeram o parque de doces.

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Etapa 5 – Construção do Parque

A busca por materiais para a estruturação do parque, na segunda semana de recesso

escolar, por motivos climáticos e agenda dos professores. Neste momento os professores

contaram com a ajuda de amigos colaboradores, dentre eles alguns funcionários da instituição

e também com o Capítulo Dourados nº 78 ordem Demolay. A seleção de pneus descartados foi

feita no depósito da prefeitura de Dourados, outros matérias foram adquiridos por meio de

compra com dinheiro da instituição ou mesmo de doações.

Conforme os brinquedos foram finalizados em termos de estrutura, as pinturas e

acabamentos vinham em seguida, pois despendiam de tempo para se chegar ao cenário de um

parque feito de doces. Alguns pneus foram pintados de modo a representarem, donuts,

brigadeiros, beijinhos, bolos feitos em camadas e com coberturas e como rosquinhas

polvilhadas de açúcar, outras armações com formatos que não privilegiavam formatos de doces

receberam estampas de pirulitos, balas, sorvetes de casquinha, picolés e cupcakes.

Etapa 6 – Finalização do parque e contribuição das crianças

No retorno às atividades do CEIM, as crianças foram convidadas a participarem dos

retoques finais do parque de pneus, para elas foram comprados estêncil com pequenas estampas

de doces, que utilizaram na decoração das superfícies dos brinquedos. Cada uma teve liberdade

de escolha sobre o que queriam estampar e onde queriam estampar.

Etapa 7 – Inauguração “João e Maria no Parque de Pneus”

A inauguração foi feita no período da tarde, como a presença das crianças do Pré I “B”

e “C”, professores idealizadores, integrantes do Capítulo Dourados nº 78, demais turmas do

CEIM, funcionários, pais das crianças das turmas do Pré e núcleo da secretaria de Educação

Infantil Municipal de Dourados. A tarde foi de celebração, música, fotografias, piquenique e de

muitas brincadeiras. O parque foi oficialmente aberto pelas próprias crianças, envolvidas no

projeto, com o ato de puxar a fita vermelha desobstruindo a passagem do portal de entrada do

parque.

Resultados e Avalição: o brincar para todos da instituição

A avaliação foi de caráter processual, a cada atividade proposta seja durante ou depois, as

turmas eram questionadas sobre suas impressões do que estava sendo feito, se estavam gostando ou

não. Outra rotina de avaliação entre os professores foi o movimento de observar

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os resultados do que foi proposto e se os objetivos foram alcançados, possibilitando assim,

quando necessário, repensar outras abordagens metodológicas ou recursos para o dia seguinte

superando as limitações anteriores.

Outros recursos foram utilizados para avaliar o que estava em andamento, tais como:

registro do desenvolvimento das atividades por meio de fotos e vídeos, audição das falas das

crianças, desenhos, e atenção aos retornos advindos das falas das famílias das crianças bem

como dos funcionários da instituição que em algum momento ouviram as crianças comentarem

suas impressões sobre o projeto, além das impressões dos funcionários e comunidade atendida

pela instituição.

Ao final da execução do projeto “João e Maria no parque de pneus”, foi elaborado um

relatório documentado com desenhos, fotos e vídeos com o registro de todo o processo de

desenvolvimento do projeto, estabelecendo comparativos entre avanços e limitações.

Desse relatório os professores destacaram que:

Ao virem o parque de pneus pronto, as crianças se reportaram a história de “João e

Maria” ao reconhecerem nos pneus representações e estampas de doces;

O Brincar das crianças que idealizaram o parque extrapolaram os objetivos e narrativas

de brincar que foram apresentadas anteriormente no início do projeto;

As crianças se reconheceram enquanto idealizadoras/donas do parque de pneus. Foram

reconhecendo os brinquedos no espaço e comentavam entre elas sobre os desenhos que

fizeram, sobre a representação na maquete, disseram os nomes dos brinquedos criados

por elas, quem tinha escolhido e como se brincava;

Muitas crianças preocuparam-se em averiguar se os pneus estavam furados para que não

acumulassem água, expressando cuidado e conscientização com relação a um projeto

desenvolvido na instituição: dengue;

O projeto em si foi capaz de envolver outras turmas da instituição, como exemplo a

turma do Maternal I matutino, que o decorou alguns cantos do Parque de pneus

montando jardins verticais utilizando garrafas pet penduradas pelo alambrado do

parque;

Nos momentos em que as turmas foram chamadas para desenharem, foi visível a

insegurança delas com relação ao traço e representação da realidade. Disso os

professores improvisaram, e deixaram com as crianças alguns objetos para darem

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suporte ao desenho. Tampinhas de garrafas, por exemplo, foram utilizadas para darem

contorno e forma a representação dos pneus. A partir disso os pequenos deslancharam

na imaginação e foi possível alcançar o resultado esperado nos esboços para o parque;

As crianças e sua infinidade inventiva e criativa, foram além do que era previsto e por

vezes durante o processo de desenvolvimento do projeto muitas dúvidas surgiram por

parte dos professores: se os brinquedos que criaram e solicitavam eram possíveis de se

fazer, se caberiam no espaço e se eram seguros e adequados a elas. Deste ponto foram

necessárias pesquisas e remanejamentos de brinquedos para outros espaços no terreno;

Infelizmente dois brinquedos que estavam inclusos na seleção de ambas as turmas não

foram construídos por falta de espaço no terreno, e houve criança que percebeu esta

ausência;

Um desafio que foi superado de maneira criativa, foi a necessidade de mostrar as turmas

como algo abstrato torna-se concreto e palpável. O desafio estava em como representar

os diferentes materiais utilizados para a construção do parque para um tamanho em

miniatura na maquete. A solução foi o faz-de-conta, linguagem e ambiente que as

crianças compreendem e transitem com facilidade e criatividade, por isso do projeto se

chamar “João e Maria no Parque de Pneus”. Facilmente os pequenos assimilaram os

doces enquanto representantes dos materiais a serem utilizados, e disto tiraram

vantagem para construir a maquete e criar enredos de brincadeiras;

Dessa experiência, o projeto feito a partir da criatividade das crianças, ficou a ampliação

do acervo de possibilidades criativas para os brinquedos, principalmente ao professor

Ricardo que é construtor desse tipo de parque;

Desse feito, à comunidade foi mostrado o quanto as crianças são capazes de

compreenderem o meio, se responsabilizarem por um projeto e colaborarem com suas

ideias e aprendizagens provindas de outras experiências interpessoais capazes de

agregar valor ao que é proposto;

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Considerações Finais

O desenvolvimento deste projeto, possibilitou adentrar novos caminhos de estudos

sobre o brincar e como este deve ser promovido nas instituições de educação infantil e Pré

escolas, ou seja, para além da função utilitária tão disseminada e reproduzida por educadores.

A construção e utilização do parque de Pneus não garante avanços neste sentido, mas

caracteriza-se como um começo e necessidade de práticas pedagógicas que deixem de

subjugar as capacidades das crianças e apontar o quão frutífero pode representar estruturar

projetos que se desvinculem de folhas fotocopiadas e datas comemorativas, tornando o

brincar um eixo pertencente a indissociável da prática do cuidar e educar.

A demanda de trabalho na construção do parque ultrapassou o tempo estimado para

sua finalização, e por vezes os professores e equipe de apoio, se reorganizaram ampliando os

turnos de trabalho, e dentre os sucessos e insucessos no decorrer da finalização do projeto, o

apoio de colegas de trabalho por meio de redes sociais, bem como o vislumbre dos próprios

professores ao imaginarem e preverem as diversas reações da garotada frente a conquista do

parque, que era abstrato para um ambiente colorido e palpável, os impulsionou a cada dia a ir

adiante e a fazer a diferença em busca de construir um ambiente que representasse as crianças

enquanto agentes transformadoras de seu meio, construtoras de cultura e aprendizagens por

meio do brincar.

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Referências

BATISTA, Ricardo Alves. Projeto parque de pneus: pneumágico. Espaço Cultural Ricardo Capoeira, com Projeto Mais Educação Escola Sócrates Câmara, 2014.

BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo de Ser e estar no mundo. In: Brasil. Ministério da Educação. e Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da

criança de seis anos de idade. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Departamento de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: FNDE, Estação Gráfica,

2006.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil/Secretaria de Educação Básica. - Brasília: MEC, SEB, 2010

_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brincadeira e interações nas diretrizes curriculares para a educação Infantil: manual de orientação pedagógica:

módulo 1/Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2012.

MARTINS, I. C.; CRUZ, M. N. Brincar por brincar ou brincar para aprender? O lugar da

brincadeira na educação infantil. Educação e fronteiras (UFGD), v. 2, p. 187-202, 2008.

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OS BEBÊS E O CESTO DAS POSSIBILIDADES: UMA RELAÇÃO DE

DESCOBERTAS, ENCANTOS E APRENDIZAGENS

Cassiana Magalhães (UEL)

Lucinéia Maria Lazaretti (UEM)

Nádia Mara Eidt (UEL) Resumo: O presente trabalho visa apresentar as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para

organizar o trabalho educativo com bebês, usando como recurso o cesto de tesouros.

Entendemos que recursos dessa natureza podem auxiliar na organização do trabalho pedagógico

com bebês contribuindo na aprendizagem e desenvolvimento de capacidades psíquicas dos

pequeninos. A possibilidade de intervenção que deu origem a esse trabalho foi realizada uma

sala de berçário de uma instituição municipal da cidade de Londrina – PR, mediante parceria

entre a coordenadora do PIBID, supervisora (a professora da classe) e alunos bolsistas do

Programa. Como resultados, temos, por um lado, a possibilidade de alunos do curso de

Pedagogia atuarem conjuntamente com a supervisora no planejamento e na promoção de ações

que visem somar esforços no sentido de qualificar o trabalho pedagógico na educação infantil.

Por outro lado, foi possível verificar, ao longo da intervenção com as crianças, avanços no

repertório de conhecimentos dos bebês.

Palavras-chave: bebês; intervenção pedagógica; Psicologia Histórico-Cultural.

Introdução

A prática pedagógica com os bebês, especificamente durante o primeiro ano de vida, encerra muitos desafios. Isso pode ser comprovado pelas inúmeras pesquisas que atestam que ainda persistem ações restritas às necessidades básicas de sono, alimentação e higiene, sem o olhar atento às outras possibilidades educativas que possam contribuir nas conquistas de aprendizagem e desenvolvimento dos pequeninos (LAZARETTI, 2013; BARBOSA, 2000).

Temos nos deparado com espaços de berçários repletos de berços, paredes coloridas e enfeitadas, porém, que pouco promovem o desenvolvimento dos bebês. Professores que se comunicam entre eles, mas não se comunicam com as crianças pequenas. Espaços externos pouco ou nada utilizados, chão pouco experimentado. No discurso encontramos a dificuldade de se trabalhar com bebês e quando afirmam haver “atividades”, estas estão voltadas a folhas de papel sulfite carimbadas (mãos, pés, dedos).

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Essa constatação baliza essencialmente em qual é a concepção de criança e de

desenvolvimento que ainda reina no discurso docente. Persiste a ideia do não-domínio, do não-

saber dos bebês e, que eles ainda não têm determinadas capacidades e habilidades e por isso,

inviabiliza qualquer ação educativa, persistindo a pedagogia da espera.

Diante disso, esse texto objetiva apresentar as contribuições da Psicologia Histórico-

Cultural na compreensão da aprendizagem e desenvolvimento da criança, relatando

possibilidades de intervenção com os bebês na direção de ampliar e diversificar a relação

criança-mundo. Essa possibilidade de intervenção foi concretizada em uma sala de berçário de

uma instituição municipal da cidade de Londrina – PR, que atende crianças de 4 meses a 1 ano

e 6 meses de idade, mediante parceria entre a coordenadora do PIBID,1 supervisora (a

professora da classe) e alunos bolsistas do Programa. Tal parceria se deu na montagem do cesto

e no estudo e discussão teórica sobre: 1) a relação entre ensino, aprendizagem e

desenvolvimento à luz da Psicologia Histórico-Cultural, 2) a intencionalidade do trabalho do

professor junto aos bebês e 3) O cesto de tesouros como recurso para promover o

desenvolvimento de novas necessidades e capacidades psíquicas nos bebês.

O Cesto de Tesouros: possibilidades, encantos e aprendizagens no primeiro ano de vida

O primeiro ano de vida é marcado pela relação emocional e afetiva que a criança estabelece

com o adulto. As ações de cuidado e de atenção provocam comunicação e medeiam a relação bebê-

adulto pela atividade conjunta que origina aprendizagens cada vez mais complexas. A característica

fundamental do “[...] recém-nascido é a sua capacidade ilimitada para assimilar novas experiências

e adquirir as formas de comportamento que caracterizam o homem” (MUKHINA, 1996, p. 76).

Desde os primeiros meses, é intenso a relação do bebê com o adulto e também com a realidade

circundante, e essa relação reorganiza o desenvolvimento do bebê, em que num primeiro momento

predominam necessidades biológicas e orgânicas e progressivamente, surgem necessidades sociais.

Deste modo, o desenvolvimento psíquico da criança começa a se formar no processo de educação,

efetivado pelos adultos, que, além de satisfazerem as necessidades imediatas da criança, organizam

sua vida e criam condições para que seja formada a experiência social (ELKONIN, 1969).

1 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência.

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Essa experiência social é formada pela atividade conjunta com os adultos e potencializa

conquistas no desenvolvimento do bebê, durante o primeiro ano. O adulto comunica-se com o

bebê que, como consequência, forma as premissas da linguagem por meio dos primeiros

balbucios e sons e nessa comunicação origina-se a necessidade de deslocar-se, de mover-se, de

rolar, de arrastar-se. Com isso, amplia-se o conjunto de objetos que pode alcançar, os quais, por

isso, convertem-se em objetos de seu conhecimento, revelando suas propriedades e nexos.

Significa que desde os mais simples movimentos, quando o adulto inclina-se sobre a criança,

aproxima e afasta seu rosto, pega, mostra e estende a ela algum objeto de cor viva, ensejam um

motivo para que a criança fixe seu olhar no rosto do adulto ou no objeto. Esses primeiros

movimentos, até a conquista de segurar e apalpar o objeto, estão voltados para um intenso

desenvolvimento e com inúmeras possibilidades de relação entre a criança e o adulto e

favorecem o desenvolvimento de funções psíquicas como a sensação, percepçao, atenção e a

memória. “A sensação é a primeira fonte de todos os nossos conhecimentos sobre o mundo”

(SOKOLOV, 1960, p. 95). Essa função se caracteriza pela captação de propriedades isoladas

dos objetos (uma cor ou uma forma, por exemplo). Por volta de 3 a 4 meses de vida, a

movimentação de objetos e do rosto do adulto no campo de visão da criança possibilita que a

sensação dê lugar à percepção. Esta função reflete o conjunto das propriedades dos objetos,

possibilitando a construção de uma imagem unificada dos mesmos (EIDT e MAGALHAES,

2015). A promoção do desenvolvimento da sensação e da percepção é um dos principais

objetivos do trabalho docente no primeiro ano de vida:

Um dos focos do trabalho educativo nos primeiros meses de vida é, pois,

a organização intencional de situações educativas que possibilitem à

criança perceber cores, sons, texturas, cheiros, sabores, resultante da

relação comunicativa do(a) professor(a) com o bebê. Nessa relação,

esse profissional propõe oportunidades educativas capazes de garantir

o direito dos bebês a ricas experiências olfativas, gustativas, auditivas,

visuais e táteis, dirigindo-se carinhosamente e falando diretamente com

eles, enaltecendo o barulho e o cheiro da chuva, por exemplo, ou lhe

instigando a saborear uma fruta (LIMA, VALIENGO e RIBEIRO,

2014, pg. 28-29).

Por meio da intervenção pedagógica, ampliam-se as possibilidades de manipulação,

durante o primeiro ano, formando novas capacidades, por exemplo, concentrar-se, examinar,

apalpar, ouvir, entre outras, e, com a formação do ato de agarrar, a atividade orientadora e

exploradora adquire uma nova configuração quando a criança começa a se orientar pelos novos

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objetos. As ações da criança “[...] são estimuladas pela novidade dos objetos e sustentadas pelas

novas qualidades dos objetos que vão sendo descobertas durante a sua manipulação” (ELKONIN, 1998, p. 214).

Vale ressaltar que, de acordo com Martins (2009, p. 105), a mediação intencional do

adulto é essencial para a transformação da atenção involuntária para a voluntária. “A

possibilidade de manejar as coisas amplia seu círculo de atenção, permitindo o treino de

focalização e fixação a uma vasta gama de estímulos visuais, auditivos, táteis, etc.” Ainda de

acordo com a mesma autora, a expressão mais primitiva da memória do bebê é o

reconhecimento das pessoas e objetos à sua volta. Com o desenvolvimento da linguagem verbal,

há um considerável enriquecimento desses registros.

Tendo em vista a criação de novas necessidades no bebê e o desenvolvimento de suas

funções psíquicas, uma proposta alternativa para o trabalho pedagógico com esse segmento é o

cesto de tesouros, que contém um aglomerado de objetos de diferentes texturas, cores,

tamanhos, cheiros, preferencialmente oriundos de materiais naturais. Goldschmied e Jackson

(2006) sugerem a organização de elementos utilizados cotidianamente pelo adulto e que estão

fora do alcance das crianças. De acordo com o manual de orientação pedagógica organizado

pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2012) a organização do cesto inicia-se com uma

pesquisa na comunidade para conhecer os objetos de uso do cotidiano. O segundo momento é

de escolha de materiais com diferentes características: duros, moles, ásperos, macios e outros.

O próximo passo é verificar se os objetos estão limpos e são seguros. Finalmente, colocá-los

em uma cesta de vime, firme, sem alças e sem farpas. O manual organiza ainda uma lista com

sugestões de materiais, separando-os em: Objetos da natureza, objetos feitos com materiais

naturais ou outros materiais de uso cotidiano, objetos de madeira, objetos de metal, objetos de

couro, têxteis, borracha e pele, objetos de papel e papelão. Orienta-se ainda, acrescentar

materiais que representem as práticas culturais de cada comunidade (BRASIL, 2012).

Majem e Òdena (2010) sugerem que o interessante é reunir sessenta objetos organizados de

modo atrativo em um cesto firme com aproximadamente trinta e cinco centímetros de diâmetro e

oito centímetros de altura. Além da higienização dos objetos, cabe ressaltar a necessidade de

substituí-los, criando assim, novos interesses e proporcionando descobertas. As autoras (2010)

afirmam ainda que mesmo sem a interferência do adulto, este é para as crianças um ponto de

referência. “[...] É importante que observe as transformações e os progressos de cada criança, e que

perceba quais objetos querem alcançar e quais meios utilizam para isto”

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(MAJEM e ÒDENA, 2010, p.27). Queremos ressaltar que o adulto está envolvido deste a

organização do cesto, na seleção dos materiais, na organização do tempo que destina à

exploração e tateio.

A proposta de intervenção: da metodologia, dos resultados e discussões

Com base nos pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural, organizamos

juntamente com as alunas e supervisoras do PIBID uma atividade de intervenção no berçário

de uma instituição municipal da cidade de Londrina – PR, utilizando como recurso o cesto de

tesouros. As alunas permaneceram na turma de uma das supervisoras do Pibid que atende

crianças de 4 meses a 1 ano e 6 meses de idade. O período de permanência das crianças na

instituição é de aproximadamente 11 horas, sendo que duas professoras assumem a turma no

período da manhã e outras duas no período da tarde, todas concursadas pela Prefeitura

Municipal e com curso superior. Durante o período de observação verificou-se que muitas das

ações das professoras era dirigida à rotina, porém a professora da turma e supervisora do PIBID

enfatizaram a importância de se fazer o planejamento e organizar o espaço de modo a promover

o desenvolvimento das crianças.

Tendo isso em vista, inicialmente foi realizado um grupo de estudos envolvendo a

coordenadora do PIBID, a supervisora (a professora da classe) e alunos bolsistas do Programa,

visando a montagem do cesto de tesouros e o estudo e discussão teórica sobre: 1) a relação entre

ensino, aprendizagem e desenvolvimento à luz da Psicologia Histórico-Cultural, 2) a

intencionalidade do trabalho do professor junto aos bebês e 3) O cesto de tesouros como recurso

para promover o desenvolvimento de novas necessidades e capacidades psíquicas nos bebês. Foi

discutido que a orientação de Goldschmied e Jackson (2006) era para deixar o bebê explorar

livremente os objetos que integram o cesto, dando menor importância à intervenção do adulto nesse

primeiro momento. Adotando o referencial da Psicologia Histórico-Cultural, pensou-se em uma

maneira de ampliar ainda mais as possibilidades de exploração do cesto com o objetivo de criar

novas necessidades nos bebês. Como procuraremos mostrar a seguir, o professor assume um papel

fundamental, favorecendo mediações que permitam que a criança comece a compreender a função

social dos objetos e suas qualidades no interior da prática social humana. Ao assim fazer, por um

lado, o educador promove o desenvolvimento de funções psíquicas2

2 Pasqualini e Mesquita (2008) definem função psíquica como sendo uma propriedade de ação de que dispõe nosso psiquismo no processo de captação da realidade objetiva. Constituem funções psíquicas (ou processos funcionais): sensação, percepção, memória, linguagem, pensamento, imaginação, emoção e sentimentos.

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como a atenção, a memória, a linguagem e as operações lógicas do pensamento, quais sejam,

análise, síntese e generalização. Por outro, ele engendra a criação das bases para a formação da

nova atividade principal, o jogo de papéis sociais ou faz-de-conta, fazendo com que o

desenvolvimento infantil avance. Tendo isso em vista, foi organizado um cesto com diversos

materiais e também pensado em maneiras de organizar o espaço com desafios e objetos

interessantes para manipulação. Assim, toda semana tinha uma novidade: uma rede com

utensílios de cozinha pendurados, desafios em baixo de uma bancada, berços virados com coisas

dentro e muito mais. Neste texto, trazemos a proposta de intervenção com o cesto de tesouros

e as cenas que discutimos aconteceram no ano de 2014.

Cena 1

Fonte: arquivo da pesquisadora

Os bebês estavam manipulando objetos indistintamente, se familiarizando com as diferentes

propriedades: formas, tamanhos, peso. Na atividade conjunta com o adulto, neste caso, a professora

foi a responsável por orientar uma maneira de manipular o objeto, criando assim, uma nova

necessidade e despertando uma atitude na criança. Um objeto utilizado indiscriminadamente, a

partir da mediação da professora, agora serve para massagear a barriga. Durante a observação

evidenciamos que, quando a professora diz: “faz massagem na barriga”,

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a criança compreende a frase, pega o objeto e faz “massagem” no lugar do corpo indicado pela

professora. Nessa cena, duas importantes observações que servem de premissas para orientar o fazer

docente: o papel da imitação e a linguagem oral. O professor, na atividade conjunta, foi um modelo

de ação, que produziu uma ação adequada com o objeto e a criança reproduziu e imitou, com ações

reiterativas e concatenadas. O professor, os adultos mais próximos, são sempre modelos de ação no

qual portam a experiência social e nos quais a criança irá imitar e se apropriar dessas ações que

constituirão sua experiência individual. Em relação a linguagem, a comunicação, a nomeação, uso

e funções dos objetos, origina ampliação, riqueza e diversidade na linguagem oral da criança, ao

conseguir reconhecer e pegar objetos nominados, bem como, posteriormente, farão parte do

repertório de vocabulário da criança. O adulto pode neste momento intensificar a comunicação com

a criança questionando: “onde está tal objeto? ”, “vamos pentear o cabelo? ”, e assim por diante.

Venguer (1986, p.117) salienta que “[...] a principal atividade nas crianças da primeira infância está

relacionada com a percepção dos sons. Por esta razão desenvolve-se de forma intensa o ouvido

fonemático (responsável pela discriminação dos sons), a percepção dos sons da língua materna”.

De acordo com Venger (1976, p. 122, tradução nossa), uma das principais funções da

linguagem é a comunicação: “[...] a comunicação surge motivada pela situação concreta, dentro

da qual estão incluídos os adultos e a criança”. Pela ampliação da comunicação no círculo de

vivências da criança, exige-se dela um domínio cada vez mais elaborado dos meios

comunicativos, e o principal deles é a fala. A fala, como estímulo auxiliar, além de ser um meio

de contato social com as pessoas do entorno social, desempenha uma função específica na

organização da conduta da criança:

As palavras dirigidas à solução de um problema não somente referem-se aos

objetos pertencentes ao mundo exterior, mas alcançam também o próprio

comportamento da criança, as suas ações e intenções. Por meio da fala, a

criança demonstra ser capaz, pela primeira vez, de dominar sua própria

conduta e de relacionar-se consigo mesmo externamente, considerando-se a si

mesma como um certo objeto. A fala ajuda a criança a dominar esse especial

objeto por meio da organização preliminar e do planejamento de seus próprios

atos de conduta. Aqueles objetos que se encontravam além do alcance de suas

operações práticas se fazem agora, graças à fala, acessíveis na atividade da

criança (VYGOTSKI; LURIA, 2007, p. 24, tradução nossa).

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ISSN 2448-1157 382

Cena 2

Fonte: arquivo da pesquisadora

A criança manipula papéis e amassa. Ao pegar o papel higiênico a professora diz:

“Limpa seu nariz”. E a criança primeiro observa ao redor, em seguida, vira-se para a professora e

realiza a ação. Nessa cena, a relação com o objeto – o papel – adquire uma função social. O papel,

além de amassar e manipular, ações primárias, adquirem uma função no seu uso social. Ao limpar

seu nariz, provavelmente, a criança não executou com maestria tal ação, porém, duas importantes

observações podem ser efetuadas: o domínio sensório-motor e a função social dos objetos. Aprender

a manusear adequadamente os objetos cotidianos, como colher, lápis, entre outros, demandam

constantes ações de manipulação repetitivas que ocorrem diariamente na prática cotidiana. Significa

que, nas situações pedagógicas, quanto mais rico e diverso for o acesso a objetos a serem

conhecidos, manipulados e executados, maior será a experiência de ação da criança.

Concomitantemente, essas ações com os objetos, mediados pelos adultos, progressivamente

engendram uma nova forma de atitude diante do mundo dos objetos: estes se tornam não mais

simples objetos apalpados, mas instrumentos que têm uma forma determinada para seu uso – um

domínio dos seus procedimentos –, socialmente elaborado, e é necessário aprender a cumprir a

função que lhes designou a experiência social. A criança aprende, por meio da influência educativa

e formativa dos adultos, o significado social dos objetos, fixados pela atividade humana, e as

propriedades funcionais dos objetos, orientando-se a buscar em

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cada novo objeto-instrumento seu destino específico. Os objetos, como instrumentos culturais,

mediatizam a relação da criança com o mundo objetivo. “É importante destacar que precisamente

o domínio das ações concordantes e instrumentais exerce a influência mais essencial sobre o

desenvolvimento psíquico da criança” (MÚJINA, 1979, p. 51, grifos nossos).

Observando as ações dos adultos com os objetos, o pequeno se apropria das formas humanas da atividade prática objetivada. Na ação com os objetos, a

criança descobre que muitos deles podem ser utilizados de modo similar. Este tipo de descoberta conduz à generalização não somente dos objetos similares

(por alguma característica), como também a generalizar a experiência da atividade (MÚJINA, 1979, p. 54, tradução nossa).

Nas duas cenas podemos constatar o importante papel da professora. Na medida em que

disponibiliza os objetos também interfere na ação com os mesmos. Para Mukhina (1996, p.51) “o papel diretivo do ensino no desenvolvimento psíquico da criança manifesta-se no fato de que a

criança assimila novas ações, inicialmente orientada e ajudada pelo adulto, depois sozinha”. As ações da professora podem tanto apresentar os objetos para os bebês, como ampliar suas

necessidades em relação à linguagem. O que pretendemos é evidenciar que a exploração do

cesto com a intervenção do adulto pode ser mais rica e qualificada do que a simples

manipulação dos objetos pela criança.

De acordo com Venguer (1986, p.116)

Se os objetos estão simplesmente ante a visão da criança, inclusive se ela o

examinar, mas não sentir necessidade de determinar especialmente sua forma,

sua cor, as relações de tamanho ou outras propriedades, isso não determinará

nela a formação de representações precisas. Tais representações, formar-se-ão

somente como resultado da execução de ações de percepção, relacionados com

os objetos que apresentem distintas propriedades. E essas ações, como já

vimos, estão relacionadas com os tipos de atividade prática característicos da

criança, fundamentalmente com a atividade com objetos. Por isso, a

acumulação de representações sobre a propriedade dos objetos, dependerá da

medida em que a criança considerar as diversas características (distintas

formas, cores, relação de tamanho, etc.), durante suas ações com objetos, já

tendo dominado a orientação visual ao orientar essas ações.

A afirmação justifica a necessidade de o professor organizar as ações de modo que além

da atuação dos bebês, é preciso nomear os objetos, ensinar seu uso e assim, ampliar as relações

com os objetos da cultura e com os motivos pelos quais foram criados. Isso porque,

compreendemos que o adulto, nesse processo, ocupa um lugar importante, já que é pela

atividade conjunta entre crianças e adultos que ocorre infinitas aprendizagens. O adulto não

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apenas disponibiliza e organiza, mas como portador vivente da experiência social, apresenta e

significa o mundo dos objetos humanos. Conforme Lísina (1987, p.286) “Agora a criança está

absorta pelos objetos. Por exemplo: ela olha para o adulto que lhe dirige a palavra. O adulto lhe

mostra um objeto e na criança imediatamente desperta um ávido interesse por ele”. Nesse

sentido, que o desenvolvimento da criança é sempre um processo de transformação, que, pela

mediação do Outro, altera sua condição de ser biológico num ser cultural. O processo de

desenvolvimento se forma sob a influência das relações externas, sociais, que reconfiguram as

funções elementares agregando características superiores, por meio de ações mediadas e

intencionais. Essa ação sobre a realidade complexifica-se pela mediação do adulto na atividade

da criança. Nas palavras de Mukhina (1996, p.50) “Sem dúvida, é melhor um ensino não

espontâneo, consciente, que dê à criança o que ela necessita e garanta seu pleno

desenvolvimento”. Assim, a criança se desenvolve assimilando a experiência social, por isso, a

necessidade de aprender o comportamento do homem.

Considerações finais

No decorrer deste texto, objetivamos apresentar as contribuições da Psicologia

Histórico-Cultural para organizar o trabalho educativo com bebês, usando como recurso o cesto

de tesouros. Percebemos a importância no uso de recursos, brinquedos, ambientes e posições

que precisa ser enriquecido e constantemente reorganizado, para que eles não se tornem

enfadonhos e rotineiros no processo de atividade da criança. Por isso o professor, ao organizar

diferentes ambientes e espaços, oportuniza situações novas, oferece elementos novos,

provocando a curiosidade e o interesse em manipular e agir em relação às possibilidades

inovadoras.

O novo não só estimula a atividade da criança a respeito do objeto, mas também lhe proporciona apoio. As ações da criança de um ano são estimuladas pela novidade dos objetos e sustentadas pelas novas qualidades dos objetos que vão sendo descobertas durante sua manipulação. O esgotamento das possibilidades de novidade implica a cessação das ações com o objeto (ELKONIN, 1998, p. 214).

Essa ideia deflagra a necessidade de um olhar atento do professor no sentido de observar a

exploração das crianças, alternar os objetos do cesto, oferecer novos. A intervenção que realizamos

contribuiu, por um lado, para refletir sobre a relação da professora com a criança

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pequena, ressaltando a importância dos adultos na formação do psiquismo da

criança. São os adultos que, ao participar da vida dos bebês poderão intensificar o seu modo

de exploração dos objetos, ampliando as possibilidades de desenvolvimento. Por outro lado,

foi possível verificar, ao longo da intervenção com as crianças, avanços no repertório de

conhecimentos dos bebês e possibilidades potenciais em seu desenvolvimento.

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AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E A

LINGUAGEM LÚDICA

Profª Dra. Suselaine Ap. Zaniolo Mascioli1

Trabalho decorrente da pesquisa ‘Educação Infantil: elegendo e analisando critérios

para se investir na qualidade do atendimento’, estudo piloto, desenvolvido pelo – GPEI

– Grupo de Pesquisa em educação infantil. O estudo de abordagem metodológica mista,

(qualitativa e quantitativa) teve por objetivo analisar as concepções das educadoras

sobre uma atuação profissional que faz uso da linguagem lúdica. Fundamentado pelas

orientações legais e por autores estudiosos da infância entre eles kuhlmann Jr,

kishimoto, Sarmento, Brougère e Angotti, observou-se que as práticas em educação

infantil oscilam entre o cuidar e o educar, que o espaço destinado para a arte e o brincar

encontra-se empobrecido. Apesar de existir uma intencionalidade positiva, há pouco

domínio teórico e um distanciamento entre o discurso e as ações realizadas no cotidiano.

Reitera-se a necessidade de uma formação em serviço onde o educador seja o sujeito de

seu próprio processo de construção e apropriação de conhecimentos.

Palavras-chave: Formação Continuada. Educação Infantil. Linguagens.

O presente artigo é decorrente do trabalho de pesquisa desenvolvido pelo – GPEI

– Equipe de Pesquisa voltada para educação infantil que compõe uma rede internacional

de investigadores, buscando avaliar e desenvolver a qualidade, integrando os contextos

escola, família e sociedade.

O GPEI entendendo e reconhecendo a necessidade de formar, orientar e

sensibilizar os educadores profissionais e leigos promoveu nos últimos anos, diferentes

ações voltadas para a pesquisa, extensão e formação, na tentativa de oferecer

contribuições para a infância, para a formação de professores e para a difusão do papel

da Educação Infantil na contemporaneidade em diferentes contextos sociais.

Entre as ações promovidas pelo referido grupo de pesquisa, encontra-se a

pesquisa Educação Infantil: elegendo e analisando critérios para se investir na

qualidade do atendimento, um estudo piloto de caráter exploratório, descritivo-

avaliativo, desenvolvido no município de Araraquara (e que posteriormente deverá se

desdobrar em outros municípios), que buscou investigar a qualidade no atendimento

educacional oferecido às crianças menores de seis (6) anos de idade, partindo da

percepção e perspectivas de qualidade que os atores

Docente da Universidade Paulista – UNIP e Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Infantil - GPEI UNESP/Araraquara

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educativos profissionais expressam a partir de suas experiências. Tal estudo

piloto contou com a participação voluntária de trinta e dois (32) profissionais que

atuavam com as crianças na creche, vinte e cinco (25) diretores de unidade e vinte e dois

(22) docentes com atuação na pré-escola, portanto, representantes dos diferentes

segmentos de cada um dos trinta e quatro (34) Centros de Recreação e Educação da

cidade de Araraquara.

A pesquisa de abordagem mista utilizou princípios e procedimentos da

abordagem qualitativa e quantitativa. Foi proposto um estudo de caráter exploratório,

descritivo-avaliativo, que utilizou instrumento de pesquisa no qual pudemos levantar e

explicitar dados relacionados aos critérios temáticos considerados imprescindíveis para

se pensar na qualidade da Educação Infantil.

Utilizou-se como recurso para a coleta de dados a aplicação de um formulário

eletrônico que contemplava uma multiplicidade de questões objetivas, abertas e em

escalas. Esse questionário foi elaborado por meio de programa de computador

especificamente desenvolvido para essa pesquisa. O instrumento foi aplicado nas

instalações do pólo computacional da FCL/UNESP/CAr.

Com a preocupação de validar a estrutura, a apresentação e a confiabilidade do

recurso de coleta, anteriormente à aplicação do mesmo junto aos profissionais do

município, providenciou-se uma simulação, onde os próprios pesquisadores envolvidos

responderam ao instrumento, acompanhados pelo “IAGE – Informática Aplicada à

Gestão Educacional, grupo de pesquisa interdisciplinar e interinstitucional que tem por

objetivo geral explorar as possibilidades oferecidas pela informática para o apoio à

Gestão Educacional”.

O recorte que aqui se apresenta, focou-se nas respostas de algumas das questões

objetivas destinadas ao grupo das vinte e duas (22) professoras de Educação infantil,

que trabalham com crianças de quatro e cinco anos. Tal foco teve por objetivo analisar

as concepções das educadoras sobre uma atuação profissional que faz uso da

linguagem lúdica.

Procurou-se assim responder as seguintes questões: O que o educador de quatro a cinco

anos compreende sobre o papel do brincar e qual o espaço destinado às atividades

lúdicas em seu fazer pedagógico?

Brincar é um direito da criança reconhecido historicamente em diversos

documentos legais. A Declaração Universal dos Direitos da Criança escrita em 1959, já

enfatizava o direito ao brincar, afirmando que “a criança deve desfrutar plenamente de

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jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as

autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.” (artigo 7º).

A Convenção dos Direitos da Criança de 1990 reafirma o direito ao brincar, apontando-

o como um dos traços próprios da primeira infância, e considerando que a brincadeira,

permite não apenas que a criança se divirta, mas também amplie suas capacidades. O

Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (1990) especifica o direito de “brincar,

praticar esportes e divertir-se”. (art. 16 inciso IV).

Toda criança tem o direito e a necessidade de brincar, “o direito de brincar, se

apresenta como um dos direitos da cidadania, da mesma forma que o direito à cultura, à

arte, ao esporte e ao lazer, mas sabemos que, hoje muitas crianças encontram-se

desprovidas desse direito e privadas da própria infância.” (Mascioli, 2006, p. 106).

Para Janet Moyles (2002) o brincar é algo complexo que proporciona situações

potenciais de aprendizagem, estimulando a imaginação e a criatividade. O brincar do

tipo imitativo, permite, segundo Moyles (2002), que a criança desempenhe papéis, que

fundamentam a codificação, narração, verificação e recodificação de informações.

Oliveira (1996) reitera tal questão e afirma que ao brincar, a criança assume vários

papéis utilizando-se de palavras e do corpo, elementos reveladores dos aspectos

imitativos na interação criança-criança. Para a autora, ao assumir um papel na

brincadeira, “[...] a criança coloca-se dentro de formas mais complexas de

funcionamento psicológico, ou seja, mais avançadas em relação a suas condições de

atuação independente.” (OLIVEIRA, 1996, p.79).

A autora também evidencia que a atividade lúdica possibilita um avanço nas

competências habituais da criança, pois permite que suas ações sejam guiadas para além

de seu comportamento cotidiano. O brinquedo cria um espaço de capacidades

emergentes, promovendo uma transição do pensamento concreto ao pensamento

abstrato, a partir da maior flexibilização na recomposição de significados.

Entende-se aqui que a brincadeira é um espaço educativo fundamental da infância,

pois por meio do brincar a criança pode construir uma identidade autônoma, cooperativa

e criativa. “A criança que brinca adentra o mundo do trabalho, da cultura e dos afetos

pela via da representação e da experimentação”. (ABRAMOWICZ e WAJSKOP, 1997,

p.56).

É importante salientar que através da relação pensamento-ação, a criança passa a

desenvolver sua linguagem oral e escrita de forma lúdica, conseqüentemente as

brincadeiras inseridas no ambiente escolar servirão de estimulo ao raciocínio da criança.

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O brinquedo faz parte da vida da criança. Simboliza a relação do pensamento-ação

e, sob esse ponto, constitui provavelmente a matriz da toda atividade lingüística,

ao tornar possível o uso da fala, do pensamento e da imaginação. (ALMEIDA,

1998, p.37).

Oliveira (1988) destaca a importância da dimensão interativa do brincar e dos

processos de significação emergentes no brincar, apontando os variados recursos

lingüísticos que a criança utiliza para configurar a atividade. É por meio da palavra que

a ela define seus papéis e organiza formas de ação partilhadas com seus pares, ao

estabilizar os significados dos objetos negociados e atribuir sentido à ação lúdica.

Nesse processo de interação inerente ao ato de brincar, as crianças internalizam

que regras existem e devem ser elaboradas e respeitadas.

É, portanto, na situação de brincar que as crianças se podem colocar desafios e

questões alem de seu comportamento diário, levantando hipótese na tentativa de

compreender os problemas que lhes são propostos pelas pessoas e pela realidade

com a qual interagem. Quando brincam, ao mesmo tempo em que desenvolvem

sua imaginação, as crianças podem construir relações reais entre elas e elaborar

regras de organização e convivência. [...] (WAJSKOP, 2001, p.33).

Cunha (1994) também faz tais ressalvas indicando que quando a criança brinca

em grupo, exercita o convívio e a participação, aprendendo a aceitar as regras impostas

pelo grupo, percebendo que existe o momento certo de se pronunciar, mas, também de

ouvir e que as criticas feitas pelos colegas podem contribuir para sua formação.

Mesmo quando ela ainda não sabe brincar junto com outra criança, pode brincar

paralelamente. Ás vezes, dizer “eu também quero brincar”, não significa que quer

brincar junto, mas ao lado; de qualquer maneira é o começo da vontade de

participar por parte de alguém que ainda não aprendeu a partilhar. (CUNHA, 1994,

p.21).

O ato de brincar e a própria brincadeira desencadeiam um novo tipo de

conhecimento, isso por que cada brincadeira carrega um valor histórico passado de

geração para geração. Assim sendo, a brincadeira está à mercê de condicionantes

temporais, sociais e geográficos, podendo uma mesma brincadeira associar-se a

diferentes nomenclaturas e apresentar-se com diferentes regras e versões.

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Por meio da brincadeira as crianças, sozinhas ou em grupo, tentam compreender

o mundo em que vivem e são capazes de assumir outros papéis e, através do imaginário,

dar diferentes significados a objetos e ações. Porém, o termo brincar pode ser

compreendido erroneamente quando usado para indicar momentos e atividades triviais

e irrelevantes, uma concepção que se opõe a intencionalidade da aprendizagem.

A PERSPECTIVA DAS PARTICIPANTES: APRESENTANDO E

ANALISANDO ALGUNS RESULTADOS:

Das vinte e duas professoras, quatorze participantes indicaram como principal

objetivo da Educação Infantil, a promoção do desenvolvimento integral da criança, quatro

participantes afirmaram ser prioridade cuidar e educar a criança e as outras quatro

afirmaram que o objetivo da educação infantil é orientar e inserir a criança no mundo do

conhecimento.

As concepções das professoras apontam para uma consonância com os

documentos e pressupostos legais da Educação Infantil.

A literatura presente na área de educação aponta para a tentativa atual de

compreender o período da infância em suas singularidades, procurando legitimar o

indivíduo, desde a mais tenra idade, como cidadão de direitos.

A história já reserva para o passado o entendimento da criança

enquanto um adulto em miniatura, um bibelô, um ser com quem

se passa um tempo para guardá-lo, protegê-lo e preservá-lo

fisicamente; já deve ter ficado no passado o conceito e as

práticas de depositar as crianças em creches para que seus pais

possam trabalhar sossegados, direito existente, mas não

suficiente para justificar esse tipo de atendimento. O período da

infância é sim uma etapa singular da vida do ser humano,

momento mágico, único de desenvolvimento e para tanto deve

estar planejado, estruturado. (ANGOTTI, 2006, p. 19).

Os documentos efetuados em órgãos de planejamento e execução da política

educacional, com o intuito de oferecer diretrizes para as instituições de atendimento de

zero a seis anos, enfatizam o binômio cuidar e educar permeado pela linguagem lúdica,

como funções complementares e indissociáveis nas instituições de creches e pré-

escolas.

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O referido binômio, inspirado na expressão inglesa educare - que significa

“extrair o que está dentro” - assinala a integração entre educação e cuidado. “A

expressão [educar-cuidar] tem o objetivo de trazer à tona o núcleo do trabalho

pedagógico consequente com a criança pequena. Educá-la é algo integrado ao cuidá-la.”

(KUHLMANN JR, 2008, p. 60).

Educar é criar condições para que a criança se aproprie de formas de agir e de

significações presentes em seu meio social – entre elas as linguagens- formas estas que

a levam a constituir-se como um sujeito histórico. Nessa perspectiva, é indispensável e

urgente entender que:

Olhar a Educação Infantil, enxergá-la em sua complexidade e sua

singularidade significa buscar entendê-la em sua característica de

formação de crianças entre o 0 e os seis anos de idade, constituindo

espaços e tempos, procedimentos e instrumentos, atividades e jogos,

experiências e vivencias em que o cuidar possa oferecer condições

para que o educar possa acontecer e o educar possa prover condições

de cuidado, respeitando a criança em suas inúmeras linguagens e no

seu vínculo estreito com a ludicidade. (ANGOTTI, 2006, p.25).

Ao perguntamos se as participantes consideram importante o trabalho com as

diferentes linguagens na Educação Infantil, apenas uma respondeu que não.

Ao pensarmos em linguagem, percebemos que na busca pela compreensão e

comunicação com a realidade que se apresenta em nosso entorno, nós, seres humanos,

podemos fazer uso de múltiplas linguagens. A linguagem é “uma dimensão de nossa

existência” (CHAUÍ, 2001, p.151) e cada linguagem exprime intenções, pretensões,

menções ao tipo de mensagem que se propõe a comunicar, e do tipo de homem, de

mundo e de sociedade que cada uma veicula.

Trata-se, portanto de uma atividade de criação, interpretação e decifração de

significados e que pode ser feita “miticamente ou logicamente, magicamente ou

racionalmente, simbolicamente ou conceitualmente.” (CHAUÍ, 2001, p.151).

O RECNEI foi o primeiro documento oficial brasileiro a trazer subsídios para o

trabalho pedagógico com as múltiplas linguagens visando à qualidade e o

desenvolvimento integral da criança. Considerando que “as crianças possuem uma

natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um

jeito muito próprio” (v. 1, p. 21) e que as situações de aprendizagens “devem estar

baseadas não apenas nas propostas dos professores, mas, essencialmente, na escuta das

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crianças e na compreensão do papel que desempenham a experimentação e o erro na

construção do conhecimento” (v. 1, 1998, p. 30).

Até o momento da referida publicação, o termo linguagem que se apresentava

geralmente no singular e se referia à oralidade e à escrita; passou a ser difundido no

plural, incluindo em seu arcabouço também as linguagens não verbais como movimento,

desenho, pintura, modelagem, colagem, música, dança, brincadeira, escultura,

construção, fotografia, ilustração, cinema.

Quando solicitamos que as participantes identificassem os cinco itens principais

por ordem de importância com relação à quais linguagens mais trabalham com as

crianças, sete afirmaram ser a Literatura Infantil a mais importante, seis afirmaram ser

a Linguagem Musical, quatro escolheram a linguagem oral, uma participante escolheu

a Pintura, uma optou pelo Desenho, uma pela Escrita e, apenas duas reconheceram a

Linguagem Lúdica como prioritária em seus fazeres pedagógicos.

As demais atividades apresentadas nas opções do instrumento de pesquisa, ou

seja, a Modelagem, o Artesanato, a Dobradura, o Cinema (vídeo, dvd), o Teatro (de

fantoches, de bonecos...), a Dramatização e a Dança, não foram escolhidas como

primeira opção de nenhuma das participantes.

Esses dados são preocupantes quanto reconhecemos que no processo educativo

e de formação infantil, as linguagens, sobretudo as simbólicas (como a corporal,

dramática, plástica, gráfica, sonora/musical, lúdica, etc.) auferem grande relevância,

exercitando diversas habilidades expressivas e, se configurando como uma forma de

leitura significativa de mundo.

Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil - PNQI-

documento publicado em 2006 e que baliza as propostas curriculares da Educação

Infantil Brasileira priorizam um atendimento educativo às crianças de zero a cinco anos,

com destaque às múltiplas linguagens da aprendizagem, destacando que as propostas

pedagógicas da educação infantil devem permitir a interação com as diversas áreas do

conhecimento e o atendimento das necessidades e características das crianças.

Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, seguindo o que

consta na legislação brasileira, apontam também para o fato de que propostas

pedagógicas da educação infantil façam uso de diferentes metodologias, espaços,

circunstâncias e materiais para o desenvolvimento de suas atividades, visando

desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de expressão em suas múltiplas

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linguagens (corporal, plástica, verbal, musical, escrita, virtual, etc.), possibilitando que

a criança expresse seus sentimentos e pensamentos.

É importante lembrarmos aqui que a criança explora as possibilidades

expressivas das linguagens de maneira interrelacionada. Assim sendo, o planejamento

educativo ao abordar as linguagens, não deve fazê-lo de modo isolado ou disciplinar.

As atividades devem contextualizar-se a serviço das interações, da criação e da

expressão infantis, da curiosidade por conhecer-se e conhecer o mundo, portanto, de

significativas aprendizagens.

Quando indagamos às participantes sobre a utilização das atividades lúdicas

(jogos, brinquedos e brincadeiras), onze participantes afirmaram que as mesmas servem

para desenvolver a criança social e culturalmente. Nove participantes afirmaram que as

atividades lúdicas permitem observar e promover o desenvolvimento infantil, uma

participante afirmou que o brincar é útil por permitir observar e diagnosticar a criança do

ponto de vista psicológico e uma participante respondeu que os jogos e brincadeiras

servem prioritariamente para trabalhar conteúdos e conceitos.

Nota-se aqui que o lúdico é abordado apenas por uma parcela das participantes,

por razões e concepções distintas e defende-se, segundo a teoria que nos orienta que a

pratica lúdica deveria ser prioridade para todas as educadoras.

kishimoto (1997), define a brincadeira infantil como sendo a ação da criança ao

mergulhar na ação lúdica, ou seja, o lúdico em ação. É brincando que renovamos e

transformamos a vida, resgatamos nosso passado, aprendemos sobre nossa cultura e

sobre a nossa história.

Carneiro (2012) aponta que apesar de termos numerosos e recentes estudos que

defendem a importância do brincar enquanto um bem vital e cultural, “a sua prática

nunca esteve tão ameaçada” (CARNEIRO, 2012, p. 89).

Para a referida autora os obstáculos em relação à utilização da brincadeira são

de origens diversas e, entre eles estão à falta de clareza conceitual, as políticas públicas,

as organizações curriculares, a desvalorização da atividade e o despreparo dos

profissionais da educação infantil.

Sarmento (2003) esclarece que é através do brinquedo que a criança irá

reproduzir o universo adulto e, assim, produzir o universo infantil. O imaginário da

criança é o modo pelo qual ela estabelece sua relação com o mundo, construindo através

do brincar a dimensão simbólica da cultura infantil.

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ISSN 2448-1157 396

Contrariamente aos adultos, entre brincar e fazer coisa séria não há distinção, sendo o brincar muito do que as crianças fazem de mais sério [...] o brinquedo e o brincar são também um factor fundamental na recriação do mundo e na produção das fantasias infantis. (SARMENTO, 2003, p. 15-16).

Assim, a criança brinca para conhecer a si própria e aos outros em suas relações;

para expressar emoções; para conhecer os objetos em seu contexto e o uso cultural dos

objetos; para realizar coisas que talvez sejam impossíveis em seu convívio e sua

realidade; e, entre outras coisas, para aprender as normas do mundo em que vive, os

comportamentos e os hábitos determinados pela sua própria cultura.

O brincar é, portanto, um caminho viável para que ela possa também reconhecer

as diversidades culturais.

Ao brincar as crianças trazem para suas brincadeiras o que veem, escutam,

observam e experimentam. Revelam suas visões de mundo, suas descobertas. As

brincadeiras ficam mais interessantes quando associadas às diferentes linguagens, entre

ela a corporal. O corpo comunica e é preciso aprender a ler suas mensagens.

Ao perguntarmos qual tipo de atividade lúdica as participantes utilizam em suas

ações pedagógicas com mais frequência, oito participantes responderam ser a

brincadeira cantada, cinco participantes afirmaram ser o brincar de faz –de- conta,

quatro disseram ser a brincadeira tradicional (como pular corda, passa anel, amarelinha,

corre cotia...), três professoras afirmaram trabalhar prioritariamente com o jogo de

construção, e duas participantes disseram utilizar mais freqüentemente o jogo de

encaixe. A alternativa sobre a brincadeira com brinquedo sucata não foi escolhida por

ninguém.

Brougère (2004; 2001; 1998a, 1998b) denomina esse fazer infantil com o

brinquedo de cultura lúdica. O autor aponta também que garantir o tempo e o espaço

dos diferentes jogos, brinquedos e brincadeiras na vida da criança é responsabilidade

não só das famílias, mas também das instituições escolares desde o nível da Educação

Infantil.

Procuramos averiguar também se o movimento corporal se apresenta nas

atividades lúdicas que utilizam, dezenove professoras disseram que em suas propostas

com o brincar o movimento é muito explorado, as outras três afirmaram explorar pouco

brincadeiras com movimento.

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ISSN 2448-1157 397

A tentativa de valorização dos jogos, brinquedos e brincadeiras com movimento

no processo educativo é uma maneira de tentar compreender a multiplicidade cultural

do universo lúdico infantil.

Os espaços escolares abarcam crianças com vivências e repertórios

lúdicos distintos e que devem ser respeitados e ampliados. Com

frequência nos deparamos com turmas heterogêneas, das quais alguns

alunos parecem mais acostumados ao mundo lúdico demonstrando

maior domínio sobre brincadeiras cantadas, brinquedos e até jogos

criados por eles, alguns outros, quando muito, restringem sua

experiência lúdica ao videogame e outros por sua vez, parecem por

um motivo ou outro, desprovidos de qualquer repertório, privados de

seu tempo e de seu direito de brincar. (MASCIOLI, 2006, p. 108-109).

Tentando compreender melhor a concepção e a atitude das professoras diante do

brincar, perguntamos o quê às mesmas frequentemente fazem durante o brincar das

crianças. Apenas nove professoras disseram que brincam junto com elas procurando ser

um membro do grupo, enquanto que seis afirmaram que brincam junto com elas

procurando dirigir a brincadeira, quatro participantes reconheceram que aproveitam o

momento do brincar das crianças para desenvolver outras atividades e três disseram

observar as crianças ficando fora da brincadeira. Demonstram assim, pouca, ou

nenhuma oportunidade de enriquecimento sobre o brincar infantil.

Dezesseis das participantes entendem que os espaços existentes em suas

instituições são adequados para promover as atividades e o desenvolvimento integral

das crianças, porém, quando perguntamos em que tipo de espaço-físico elas trabalham

com mais freqüência com suas crianças, doze deram como primeira opção de resposta

que mesmo com sistema de rodízio, elas permanecem mais nas salas estruturadas,

mantendo as crianças nas mesas e cadeiras.

A questão dos lugares e espaços representa outro obstáculo com que o universo

do brincar se depara, pois, “[...] não só é preciso assegurar o direito à brincadeira, como

é também necessário fomentar a criação de novos lugares para brincar, bem como de

uma consciência lúdica que garanta um justo lugar à brincadeira na vida.” (FORTUNA,

2004, p. 3).

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ISSN 2448-1157 398

CONCLUSÕES

Nas últimas décadas o campo das pesquisas e práticas no território da Educação

Infantil vem ganhando novos contornos e o brincar aparece como elemento de

reconhecida importância em documentos legais e em pressupostos teóricos.

Aparentemente as instituições de educação infantil mesmo sofrendo ainda a

influência de ranços do assistencialismo, do psicologismo e do pedagogismo, tentam

construir sua identidade própria. Porém, por meio desse estudo pode-se observar que as

práticas em educação infantil ainda oscilam entre o cuidar e o educar, e onde o espaço

para o brincar oscila entre o laissez-faire e a diretividade.

Percebeu-se aqui uma realidade, onde mesmo as participantes tendo demonstrado

uma intencionalidade positiva em relação ao universo lúdico e certo domínio teórico

sobre a sua importância para a criança, demonstraram também um distanciamento entre

o discurso e as ações realizadas no cotidiano.

Podemos relacionar tal fato ao que Mazzeu (1998) denominou “senso comum

pedagógico”, ou seja, fragmentos de teorias, que são assimiladas pelo professor

geralmente sob a forma de clichês e que movem a sua prática cotidiana. Segundo o autor,

esse senso comum pedagógico cria a “ilusão de um domínio de teorias”, quando, na

verdade, o que existe são idéias soltas, elementos fragmentados, sem embasamento

teórico. Trata-se, portanto, de uma prática que está isolada de um pensar reflexivo, de

um fazer pelo fazer, que não permite que as professoras tenham um conhecimento mais

profundo, nem tampouco o domínio sobre a linguagem lúdica.

Reconhecer sua prática pedagógica imersa em uma prática social exige que o

professor rompa o senso comum, que muitas vezes permeia seu trabalho, e perceba a

relação imediata entre a ação e o pensamento, assim como a necessidade da reflexão e

de teorias educacionais mais elaboradas em seu dia-a-dia.

Janet Moyles (2002) questiona o fato de que é difícil justificar e valorizar as

atividades lúdicas em um contexto educacional onde o brincar é freqüentemente

restringido e desvalorizado pela posição que ocupa nos currículos e nas práticas, sendo,

por exemplo, proposto apenas em momentos posteriores ao cumprimento das

‘obrigações’, ou seja, após o ‘trabalho escolar’. “A qualidade do brincar de uma criança

depende igualmente de inúmeras variáveis, entre as quais o valor que as crianças e outros

atribuem a ele.” (MOYLES, 2002, p.24).

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ISSN 2448-1157 399

Segundo Moyles (2002) os professores reconhecem a importância do brincar e

muitas vezes, até lastimam que as atividades lúdicas não sejam valorizadas pelos pais das

crianças que freqüentam a educação infantil. Porém, a autora enfatiza que

Embora aceitando quase instintivamente o valor do brincar, é difícil

para os professores envolvidos na organização cotidiana da

aprendizagem infantil extrair algo com substância pragmática e

teórica suficiente sobre o qual basear seus julgamentos e oferecimento

de aprendizagem. (MOYLES, 2002, p.18).

O estudo aqui apresentado reitera a necessidade de uma formação (inicial ou em

serviço) onde o educador seja o sujeito de seu próprio processo de construção e

apropriação de conhecimentos, exercitando e estimulando suas habilidades, aprendendo

também por meio de suas próprias percepções e atitudes e reflexões individualizadas e

coletivizadas com outros profissionais.

A formação lúdica defendida aqui é alicerçada, assim como deveria ser toda ação

educativa, por consistentes intervenções pedagógicas, onde o educador já de posse dos

conhecimentos teórico-práticos, procura inserir a linguagem lúdica em seu fazer

pedagógico buscando a melhor maneira de incorporá-la.

Tal comportamento em busca por aprimoramento segundo Pinto (2000)

corresponde à consciência do educador, que, por meio de constantes reflexões, procede

a uma análise interna de sua própria realidade pessoal como professor, examinando com

autoconsciência crítica sua conduta e seu desempenho.

Um ambiente institucional que realmente valoriza as atividades lúdicas deveria

ser cuidadosamente estruturado, tendo o adulto um papel crucial em sua organização.

Um agir autônomo e consciente dos educadores sobre o brincar exige adaptações

referentes ao ambiente físico, a disposição e escolha de materiais, a forma, a linguagem

e o momento dedicado para apresentar verbalmente a proposta lúdica para os alunos,

garantindo um espaço constante para as opiniões, sugestões e colaborações das crianças.

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ISSN 2448-1157 400

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ISSN 2448-1157 402

EMEI Gabriel Prestes provocando educação integral a CEU Aberto

Naíme Andréa da Silva

EMEI Gabriel Prestes

Este trabalho pretende mostrar que a EMEI Gabriel Prestes tem desenvolvido uma

educação para crianças protagonistas de um processo brincante e dialogado na

escola. Quando ouvida e observada em atenção aos seus saberes infantis, as crianças

dessa escola conseguem estabelecer na relação com adultos e seu entorno,

aprendizagens, brincadeiras, pertencimento e amor ao território em que vivem. A

outra tarefa da escola tem sido ensinar as crianças a conviverem com as diferenças na

cidade pelo trabalho de cultural popular que constrói identidades, promovendo a

cultura de paz e de igualdade na convivência das crianças, professores e educadores,

famílias e pessoas que convivem com a escola que se transborda para o território,

desenvolvendo educação integral a CEU aberto, rumo ao bairro e a cidade

educador/a.

Palavras chaves: Emei Gabriel Prestes, Território educativo, cortejos poéticos,

cultura popular, CEU.

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EMEI Gabriel Prestes provocando educação integral a CEU Aberto

Ah! a rua. Só falam de tirar as crianças da rua.

Para sempre? Eu sonho com as ruas cheias delas.

É perigosa, dizem: violência, drogas... E nós adultos, quem nos livrará do perigo urbano?

De quem eram as ruas? da polícia e dos bandidos? Vejo por outro ângulo: um dia

devolver as ruas às crianças, ou

devolver as crianças às ruas;

ficariam, ambas, muito alegres.

Paulo Freire

A EMEI Gabriel Prestes, é uma escola de educação infantil que atende crianças de

4 e 5 anos e que em 2015 tem 190 crianças matriculadas em dois turnos de 6 horas. Esta situada

na Rua da Consolação, próxima a histórica Rua Maria Antônia, ao polêmico Parque Augusta,

ao Cemitério da Consolação - considerado um Museu de Arte a céu aberto da cidade - à

ocupação de artistas e arte-educadores da Casa Amarela, à igreja da Consolação, ao SESC

Consolação, à Biblioteca Monteiro Lobato, à Biblioteca Mario de Andrade, à Escola Estadual

Caetano de Campos, à Praça Roosevelt, à Praça da República e à EMEI Armando de Arruda

Pereira. Assim, entre outras tantas possibilidades como cinema, teatro, feiras livres, livrarias,

supermercados, sacolões, padarias, etc., configuramos o que temos chamado de “Território

Ceuzinho ou território central das infâncias”, ou propriamente, um entorno recheado de

possibilidades educadoras para as crianças pequenas, realizando educação integral a CEU1

aberto.

Foi nesse território, privilegiado de equipamentos socioculturais, que o olhar para

construção de bairros educadores fez com que Arlete Persoli, diretora da Emei Gabriel Prestes

de 2005 a 2009, semeasse na equipe esse olhar para a cidade educadora e a construção da cultura

de paz por meio do brincar e do diálogo com as crianças. Somado ao receio da escola ter seu

terreno novamente tomado pela especulação imobiliária na antiga luta entre o público e privado

que a escola trava com a Faculdade Presbiteriana Mackenzie, a

1

O Centro Educacional Unificado, carinhosamente chamado de "CEU", foi o principal projeto da Secretaria Municipal de Educação na gestão

Marta Suplicy na Prefeitura paulistana. Integra, no mesmo espaço físico, equipamentos de diversos órgãos da administração municipal — Secretarias da Educação, da Cultura e de Esporte — e conta com a presença efetiva das Secretarias Municipais de Assistência Social, da Saúde, de Transporte e Infraestrutura Urbana, de Segurança Urbana e das Subprefeituras, vivenciando-se a intersetorialidade e demonstrando-

se como o poder público, de forma integrada, pode se aproximar das comunidades locais e compreender melhor suas necessidades, ao mesmo tempo em que pode otimizar os recursos públicos, ao atender integradamente as demandas.

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EMEI Gabriel Prestes constrói uma proposta político-pedagógica calcada no diálogo, escuta e

construções coletivas e colaborativas, transbordando o currículo para além grades da escola.

Acreditamos que a educação no território se constrói a partir e com olhar das

infâncias, que se dá pelo encantamento, pela construção do imaginário das crianças e também

pela pesquisa das memórias das histórias das famílias e das memórias do entorno. E educação

dessa forma ocorre pelas ocupações do espaço público, nas conexões e diálogos educativos com

pessoas e lugares, pelas vivências das crianças e adultos das brincadeiras livres e tradicionais.

A cultura popular traz identidade pelas comidas, danças, histórias, causos, poemas e literatura.

É nessa cultura popular que são construídos processos identitários inteiros, com pertencimento,

com autonomia, com respeito à diversidade, com ética e estética, com alegria e solidariedade,

levando assim á construção de uma cultura de paz.

Acreditamos que, se cada território da cidade compreendesse esse conjunto de

ações numa proposta comum das escolas e instituições socioculturais, chegaríamos à real

vivencia da cidade educadora.

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais

e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território

usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O

território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das

trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.

SANTOS, apud TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO

INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da

cidade, p 18, 2010

O Parque Infantil Gabriel Prestes existe como arquitetura modernista de Mario de

Andrade há 63 anos, mas existe historicamente documentado há apenas 15 anos. Em 1999, a

escola foi fechada e entregue a Faculdade Presbiteriana Mackenzie por um ano. Em 2000, a

escola reabre, sem nenhuma documentação, e retoma construindo uma nova proposta político-

pedagógica.

Em 2005 a Emei Gabriel Prestes recebe como nova diretora Arlete Persoli que traz

uma nova perspectiva educacional, estabelecendo junto ao corpo docente os princípios da

autonomia, responsabilidade, solidariedade, cultura de paz e cidade educadora. Havia um forte

medo de perder novamente a escola e o corpo docente inicia junto a Arlete uma jornada de

mudança institucional.

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Em 2009, um novos docentes se integram á equipe e é rediscutida a proposta

educacional com vistas a um fortalecimento da proposta politico-pedagógica.

Em 2010, com a ida de Arlete para o Centro de Convivência Heliópolis, a escola

recebe na Gestão Monica Galib que, junto à Coordenadora Maria Luiza Mendonça, o corpo

docente e comunidade constroem a possibilidade dos percursos das crianças pela cidade.

O território do centro de SP merece uma atenção especial no plano das políticas

públicas de educação, saúde, moradia, políticas voltadas às infâncias e suas culturas, pois ao

mesmo tempo que se configura como um Não Lugar (AUGÉ, Marc, 1994), locais sem

pertencimento, com violência urbana, desumanizados e desprovidos de direitos sociais,

políticos, ambientais e até mesmo civis, conforme afirma Augé:

O Não lugar é diametralmente oposto ao lar, a residência, ao espaço

personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida circulação,

como aeroportos, estações de metrô, e pelos meios de transporte – mas

também pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados. (AUGÉ, Marc. P. 75, 1994)

Ao mesmo tempo, o centro de São Paulo se revela com coletivos e histórias de

resistência travando lutas politicas intensas na área da saúde, educação, moradia, combate a

epidemias como aids e o crack, movimento LGBT e até mesmo de resistência indígena. Ainda

destacamos que a política de “estado” implantada na região há no mínimo uma década é de

concepção higienista, onde a disputa entre o público e o privado é intensa e feroz, o que coloca

em risco políticas voltadas para população mais pobre e vulnerável socialmente.

Esta afirmação é retratada pela briga da sociedade civil organizada com a

especulação imobiliária, onde podemos citar as lutas pelo Parque Augusta, como também pelo

Movimento Sem–Teto e dos Artistas Populares que ocupam os prédios vazios do centro São

Paulo e vivem processos de reintegração de posse, de forma a terem seus direitos civis e

humanos violados, em detrimento da lógica do lucro selvagem.

É nesse contexto social, político e cultural que as EMEIs - Escolas Municipais de

Educação Infantil centrais, têm suas histórias submersas:

A EMEI Gabriel Prestes foi fechada e cedida à Faculdade Presbiteriana Mackenzie em

1999, sofreu, sofre uma disputa espacial e reabriu suas portas 1 ano depois;

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A Emei Armando de Arruda Pereira já sofreu ameaças de fechamento, mobilizando

suas famílias na defesa da escola;

A Emei Patrícia Galvão não tem prédio até hoje, tendo sua sede cedida pela Escola

Estadual Caetano de Campos.

Desde 2013 acompanhamos a disputa de poder pela reserva ambiental do Parque

Augusta entre os movimentos sociais coletivos da cidade com a especulação imobiliária. Em

2014 várias famílias desabrigadas são feridas pela polícia do estado de São Paulo na

reintegração de posse e na briga com Movimento dos Sem-Teto de São Paulo (MSTS) .

Famílias estas que estão inseridas em nossas escolas públicas municipais de educação infantil.

Todo esse contexto discutido há 14 anos pela EMEI Gabriel Prestes nos fez tomar

uma decisão política em relação à nossa proposta político-pedagógica: entrar numa articulação

de vários parceiros, preocupados em transformar o centro de SP num território educador, e

construir juntos uma proposta de trabalho para a região.

[...]será preciso criar novos mecanismos que revertam as tendências herdadas do

modo de produção precedente (da escola separada da cidade, da vida) e inventar

outros objetos geográficos (outros tempos-espaços), dotados de finalidade em

consonância com o novo modo (de educar integralmente) e destinados, sobretudo, a

ajudar a liberação do homem e não a sua dominação. SANTOS, apud TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO INTEGRAL: a reinvenção

pedagógica dos espaços e tempos da escola e da cidade, p 48, 2010.

Sendo assim, compreendemos que a proposta político- pedagógica com os coletivos

do entorno, numa pedagogia em participação, na expansão dos diálogos, de espaços

agregadores, de processos colaborativos, de olhares expansivos, de uma pedagogia processual,

caberia como proposta no território:

A escola pública precisa ser integral, integrada e integradora. Integrar ao

Projeto Eco-Político Pedagógico da escola as igrejas, as quadras de esporte,

os clubes, as academias de dança, de capoeira e de ginástica, os telecentros,

parques, praças, museus, cinemas etc. além de, universidades, centros de

estudos, Ongs e movimentos sociais, enfim, integrar o bairro e toda a

municipalidade. (GADOTTI, Moacir, p33, 2009)

Temos construído a ideia de que a educação de crianças pequenas não se dá apenas

no interior da escola, mas também no pertencimento ao seu bairro, ocupando e se apropriando

das ruas pelo conhecimento histórico de onde nasceu, nos diálogos de seus problemas e

trazendo seus saberes infantis pelas brincadeiras de rua.

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Em 2014 a Emei Gabriel Prestes recebe Daniel Ianae, André Gravatá e Antônio

Sagrado Lovato, do Movimento Entusiasmo, e estabelece uma parceria que abre suas portas à

cidade para a I Virada Educação.

O MOVIMENTO ENTUSIASMO (ME) é uma iniciativa que nasceu para provocar

mudanças profundas no aprendizado das pessoas a partir da potencialização de conexões no

território local.

São definidas uma série de ações para estimular essas mudanças no centro da cidade de São

Paulo, onde foi realizada a primeira Virada Educação, além de diversas experiências poéticas

para aprofundar a relação com o território. Em movimento com a Virada Educação 2015, e

também produzindo o livro "Mistérios da Educação" e o curta-metragem "Inventolhar", o

movimento entusiasmo acredita numa nova relação das pessoas com a educação e com elas

mesmas.

A Virada Educação é um projeto sobre provocar novas apropriações de um território

em direção à construção coletiva de uma comunidade mais conectada, que percebe o aprender

e o ensinar espalhados por todos os lugares. A primeira experiência da Virada aconteceu no

Centro de SP em 2014.

Foi nesses diálogos que relatamos nosso desejo de construir o território Ceuzinho,

quando compreendemos a educação que transborda a escola e vai para a praça, a feira, ao

supermercado, ao museu, a escola vizinha com as crianças ocupando o entorno e propondo seus

saberes.

A partir de setembro de 2014, a Emei recebe como Coordenadora a educadora

Naíme Silva, que afirma que precisamos devolver a cidade às crianças e que imediatamente

estabelece uma parceria com Ana Beatriz Goulart de Faria, Arquiteta da Cenários Pedagógicos

e uma das colaboradoras da Construção arquitetônica dos CEUs1, na cidade de São Paulo.

No final de 2014, junto aos parceiros do Entusiasmo, a equipe começa a estreitar

os vínculos com as famílias das crianças atendidas em encontros mensais, aos sábados,

denominados Cafés com Poesia, selando sua parceria com os agentes culturais da secretaria

Municipal de Cultura e integrando ao currículo da escola o cordel e o repente da cultura popular

brasileira.

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Nos cafés com poesia, temos um relato de uma criança que disse pra sua mãe

que ela gosta muito da escola da fantasia, e da mãe que tinha pensado em colocar a filha numa

escola particular, mas ela entendeu que a filha dela precisa brincar, porque ouviu da professora

que a atendeu, que a criança teria a vida toda pra estudar e tão pouco para ser criança! Outras

famílias, como Maria Jorge, mãe da Vitória vem para o Café com poesia na expectativa:

“que aqui fosse feita uma discussão da Gabriel poder abrir turmas do ciclo de alfabetização,

para que minha filha possa ter uma continuidade na proposta pedagógica.”

Outras mães que possuem bebes de colo ou como parturientes, desejam que a

EMEI Gabriel Prestes, abra vagas para bebes, acolhendo a ideia de virarmos um CEMEI-Centro

Municipal de Educação Infantil, que atende de zero a 5 anos e 11 meses.

A maioria das famílias é unanime ao dizer que o espaço externo que a escola

apresenta foi a principal decisão para que seus filhos e filhas viessem estudar na Gabriel Prestes,

pois essa crianças moram em locais apertados e limitados para brincadeiras. Outra narrativa é

que aqui as crianças sao felizes e querem vir a escola, gostam do espaço e das professoras e de

vestirem fantasias para brincarem no parque. As famílias relatam gostarem muito dos momentos

de festa na escola, que podem entrar na escola, que sao convidados a participação o tempo todo

e que isso dá um conforto e confiança com a escola.

Algumas famílias afirmam que gostam de saber que a escola leva as crianças

para o entorno a feira, ao mercado, ao sacolão, a livraria, para fazerem suas pesquisas inventadas

com a professora. Quando passam pelas mesmas ruas com seus filhos e filhas, eles dizem que as

crianças falam nomes das ruas, sobre atravessar na faixa de segurança, e onde é o supermercado.

As famílias manifestam seu desejo de que as crianças possam ter educação

integral, não apenas com período integral, mas também absorvendo as idades de zero a doze

anos, na perspectiva de campos de experiências, trabalhos em projetos e roteiros de pesquisa com

estudantes da primeira, segunda e terceira infâncias, respeitando que todas são crianças, e que

suas culturas e saberes precisam ser preservados.

Em consonância com as diretrizes nacionais curriculares de educação infantil,

partimos para uma proposta politico-pedagógica que, no interior da unidade, reconhece as

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culturas e saberes infantis. Estamos defendendo um currículo voltado a construção da autonomia,

solidariedade, responsabilidade, diálogo, escuta, autoria, encantamento de crianças e adultos,

com educandos e educadores, com famílias e com professores. A EMEI Gabriel Prestes faz

constantemente reflexões de quebra de paradigmas de um currículo centrado em datas

comemorativas, inovando com uma proposta de buscar nos saberes infantis, na autoria de

professores, em trabalhos em projetos com crianças, nas saídas no entorno da escola, na pesquisa

das historias das culturas das famílias e crianças, bem como nas memórias locais e do entorno,

uma nova proposta de trabalho no território.

Dos diálogos da cidade para dentro da escola e do interior da escola para a

cidade, a EMEI Gabriel Prestes, em parceria com o Movimento Entusiasmo, começa a usar a

poesia e a cultura popular como referência de avanços em suas práticas pedagógicas e ações

curriculares. Com visitas à Pinacoteca do Estado, à Biblioteca Monteiro Lobato, à Casa Amarela,

ao Gabinete do Desenho, ao SESC Consolação, ao Cemitério da Consolação, a livrarias, feiras

livres, supermercados e sacolões, crianças e famílias passam a ocupar o território, dando

visibilidade às infâncias, trazendo novos olhares e conversas para as rodas, despertando novas

idéias que alimentam um currículo pelo protagonismo das crianças e autoria dialogada com

professores e suas famílias.

A formação dos professores e educadores da escola também passa a se dar a

partir da ocupação tanto do território, quanto de grupos de estudo e cursos ligados à Universidade

de São Paulo e movimentos da antroposofia da pedagogia Waldorf. Grupos de estudo dos

Contextos Integrados da Educação infantil, coordenados pela Profas Tizuko Morchida e Monica

Pinazza, têm levado à Coordenação e professoras da EMEI Gabriel Prestes a uma profunda

reflexão de suas práticas e posturas de escuta e observação das brincadeiras e saberes infantis.

Outro grupo de estudos que envolve parte da equipe é da Profa Marcia Gobbi, que traz a reflexão

de nosso olhar para as artes, desenhos e imagens das crianças como práticas sociais e das culturas

infantis. As formações têm trazido bons debates, como a exibição dos documentários Sementes

de nosso Quintal e Territórios do Brincar. A educação para igualdade racial e para a escuta e

participação dos bebês e crianças pequenas na escola e no território tem sido outra reflexão

fundamental para a construção de uma nova postura em nossa forma de educar. As professoras

também têm buscado formações antroposóficas na Escola Rudolf Steiner e da pedagogia Waldorf

em geral, além da preciosa formação no interior da unidade

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sobre Parques Sonoros, no Programa São Paulo Carinhosa, política voltada às infâncias da cidade

de São Paulo do Governo Fernando Haddad.

Defendendo a metodologia de relatos de práticas e rodas de conversa dialogados

com Professores da Academia, educadores experientes da Rede Municipal e mesmo de

Movimentos Sociais e da Infância, as professoras e educadoras da Emei Gabriel Prestes tem

dessa forma construído e revisitado a proposta político- pedagógica: Percursos das infâncias, diálogos no território e o olhar das crianças sobre a cidade educadora.

Inspirados em igual discussão do Projeto “Criança fala - comunidade do Glicério

escuta”, de Nayana Bretas, o Movimento Entusiasmo traz a idéia dos Cortejos para o

chamamento da II Virada Educação 2015. Esses Cortejos, aliados à proposta de construção da

cultura popular do Brasil e de outros povos do mundo, leva as crianças a ocupar o território,

distribuindo poemas e desenhos, conhecendo suas lutas, suas histórias e compreendendo seu

pertencimento. História desde a São Paulo de Piratininga levou a reflexão das crianças, famílias

e professoras, sobre os povos indígenas, a exploração e disputas no território central da cidade,

atrelando inclusive a luta pelos parques.

A pesquisa das memórias locais, levou às crianças e educadoras o conhecimento

sobre a primeira escola de educação infantil na Praça da República, bem como a primeira escola

normalista dirigida por Gabriel Prestes, nosso patrono, e dos 80 anos da educação infantil que

comoramos em 2015. Levou ainda à descoberta que Mário de Andrade, precursor dos parques

infantis em São Paulo, foi um dos fomentadores do Movimento Antropofágico da cultura

paulistana e brasileira. A afirmação do texto abaixo, ajuda-nos a sustentar práticas na ocupação

das ruas e do território por crianças e educadoras:

“Essa reconquista (dos espaços públicos pela criança, a partir da escola) requer

o rompimento da escola/prisão/fortaleza e sua transformação na

escola/praça/parque (como propunha Anísio Teixeira).” MEC BRASIL, TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO

INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da

cidade, p 50 , 2010.

A pesquisa levou as crianças a vários percursos por cortejos poéticos no centro

da cidade.

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No I Cortejo Poético das Infâncias, as crianças, famílias educadores e

movimentos sociais foram levados à Luta do Parque Augusta e de nossa fauna e flora da Mata

Atlântica do centro de São Paulo. Também destacamos a importância do diálogo sobre um

currículo que respeite as infâncias nas escolas de ensino fundamental e médio da região,

especificamente EE Marina Cintra e EE Caetano de Campos. Vivenciamos uma ciranda com

famílias, professores e artistas da casa amarela na Praça Roosevelt para a entrega de um

documento pedindo um desenho de Território Ceuzinho e Educação Integral na região, contendo

a assinatura das famílias realizadas numa das Assembleias da avaliação institucional: Indicadores

de Qualidade da Educação Infantil Paulistana.

No II Cortejo Poético das Infâncias, já em construção das historias do território,

as crianças do Infantil I e as professoras Vanessa Oliveira e Keila Martins, desenham nas ruas o

tema da II Festa da Cultura Popular Brasileira e de outros povos do Mundo. Em sua segunda

edição apresenta: Memórias da São Paulo de Piratininga e da São Paulo da Garoa, levando as

crianças a um diálogo com a Praça da República e a EMEI Armando de Arruda Pereira. Juntos,

a EMEI Gabriel Prestes, EE Caetano de Campos, Movimento Entusiasmo, Movimentos Sociais

do território e Guarda Civil Metropolitana, mostram ao entorno nossa discussão de cultura

popular e o chamado para a Virada Educação 2015, que se encerra com uma roda de música e o

grupo Trupicalhada na Biblioteca Monteiro Lobato. Nesse contexto, lembramos que:

Milton Santos, Paulo Freire, Mayumi Souza Lima trazem, na essência de suas

propostas, o recado de que escolas e cidades mais humanas (generosas, justas,

inclusivas, de qualidade etc.) só poderão ser feitas a muitas mãos,

coletivamente, com a participação de todos os segmentos da comunidade

escolar e todos os setores da sociedade, ou seja, no âmbito da escola, na parte

que lhe/nos cabe, o princípio da gestão democrática é indispensável para este

processo de requalificação da escola, da cidade, da educação. MEC BRASIL, TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO

INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da

cidade, p 50 , 2010.

Algumas famílias que acompanharam o II Cortejo poético das Infâncias

paulistanas disseram numa entrevista ao portal do aprendiz:

“Meu filho está amando. Ele é todo musical e alegre e eu percebo que

atividades como essa fazem uma diferença enorme no comportamento dele. A

EMEI Gabriel Prestes estimula que as crianças brinquem mais, ao invés de

serem alfabetizados tão precocemente. É uma escola que preza o

desenvolvimento natural da criança. Aqui ele tem o tempo para brincar e essa

é a fase ideal para isso, pois não vai voltar nunca mais.

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Sair ao espaço público os torna responsáveis. Faz conhecer as pessoas, as

ruas, a cultura. A rotina escolar não permite que você conviva com as

diferenças sociais. Para mim é uma alegria, vejo que eles ficam felizes com o

aprendizado. Eu mesmo tenho coisas que só estou aprendendo aqui e agora.

Sempre que posso apoio e participo para melhorar a escola. Pedi folga do

trabalho para não perder esse momento inesquecível.” Tânia Oliveira, mãe

de Rafael, 5

Uma professora fala da ansiedade das crianças em participar do Cortejo:

“A semana inteira as crianças ficaram na expectativa do Cortejo. Uma mãe

me contou que seu filho, acostumado a acordar ao meio-dia, estava

levantando às sete da manhã.

Foi muito emocionante ver os olhos deles descobrindo a cidade. É tanto

aprendizado que a gente nem consegue mensurar. Eles nos dão retorno. Assim

que voltamos, pedi para definirem o passeio em poucas palavras. ‘Parque de

diversões’ disse um, ‘supimpa’, ‘muitas descobertas’ disseram outros. Foram

muitos significados para eles – tanto que por vezes nem conseguem verbalizar,

mas percebemos no sorriso, no olhar. Isso é trabalho realizado. Quando paramos na Biblioteca Monteiro Lobato, uma mãe botou a mão no

meu ombro e disse: ‘hoje eu descobri um pouquinho como é ser professor’. Os

olhos dela marejaram. Fiquei tocada com o olhar dela, que continuou:

‘também descobri hoje que quero ser professora’. Então são descobertas para

todo mundo, não apenas para crianças.” Érika Silva, professora da EMEI Gabriel Prestes.

O jornalista Danilo Mekari do portal do Aprendiz também foi ouvir os

passantes no momento do II Cortejo e colheu as seguintes narrativas:

“Interessante as crianças conhecerem a cidade como é, e não apenas o trajeto

de casa para a escola e vice-versa. Me parece uma atividade diferente, para

elas aprenderem a se comportar na rua, a agir em grupo. Os professores que

elaboraram tiveram uma boa ideia.” Regina, que esperava ônibus na rua da Consolação “Adorei ver as crianças passeando, todos caracterizados, muito bonitinhos. O

pessoal animando na frente estava melhor ainda. Tem que mostrar um pouco

da cidade para elas que, às vezes, só conhecem lugares com os pais, e é outra

visão quando se está com professores e amigos. Foi a primeira vez que vi algo

assim.” Keite, que vende caldo de cana de segunda a sexta-feira na Praça da

República “Desde pequena, a criança tem que conhecer o local onde vive. É

importantíssima a saída de dentro da sala de aula. Estou feliz vendo essa

garotada passear na praça. Sou totalmente a favor da cultura e de uma nova

educação.” Domingos Nelson, engenheiro eletrônico que participava de

manifestação de professores estaduais na Praça da República

Na II Virada Educação 2015, a Emei Gabriel Prestes se coloca como

protagonista junto ao Movimento Entusiasmo na autoria dos desenhos das atividades e

experiências dos polos da Virada, propondo momentos de brincadeira, brinquedos, literatura,

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arte, histórias, narrativas, sensações, reflexões, mudanças de postura com a Natureza, cuidados

a sua Saúde, cultura popular, dança clássica e popular, canções, rodas de conversa, sarau poético,

cirandas, debate político, Teatro e poesia, muita poesia.

Por outro lado, a presença dos estudantes reinaugura as ruas, pois as pegadas

das trilhas educativas deixam marcas de sentidos e de sociabilidade. E a cidade

agradece. Cidade e escola, uma na outra ressignificadas, requalificadas. E

ambas ficam mais belas... É assim que a cidade irá, efetivamente, assumir seu

papel de educadora, e não, por convênio ou por decreto. Essa é a cara da escola

do século XXI, com sua arquitetura fluida, mutante, conectiva. Arquiteturas

que alinhavam os pontos desconexos de nosso território, que ponham os corpos

em movimento, dando aos estudantes e a todos da escola o direito de explorar

os espaços da escola e do bairro. MEC BRASIL, TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO

INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da

cidade, p 57 , 2010

Estamos em curso dessa história, em plena efervescência dessa construção

coletiva. Nossos sonhos são de termos reconhecido que estamos construindo educação integral

para as famílias e suas crianças e de atender plenamente e com qualidade suas expectativas de

ampliação etária e de tempo educativo das crianças na escola. De continuar a explorando crianças

e educadoras as possibilidades educativas no entorno, aprendendo a conviver com a cidade, e

provocando nela o reconhecimento de que as crianças são suas moradoras, que merecem respeito,

e ao devolvermos a cidade às crianças, termos a esperança de continuarmos na promoção desse

direito humano.

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ISSN 2448-1157 414

Referencias Bibliográficas:

AUGÉ, Marc. Não Lugares: introdução a uma antropologia, da supermodernidade, Ed PAPIRUS:

Campinas: Sao Paulo, 1994.

GADOTTI, Moacir. Educação Integral no Brasil: inovações em processo. Ed: PAULO FREIRE: São

Paulo, 2009.

MEC, Brasil. Programa MAIS Educação, série MAIS Educação- cadernos pedagógicos-Territórios

Educativos para a Educação Integral: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da

cidade. Brasília, 2010.

Sites importantes e documentos importantes: Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares

http://www.portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/TextosLegais/coletanea_201

4_Orientacoes_Normativas_Outras%20Secretarias_Comunicados_SME.pdf

Construindo um Regimento da Infância

http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/TextosLegais/LegislacaoEducacio

nal/OrientacaoNormativa_01_04.pdf

Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=9769&It emid=

Educação Infantil e práticas de igualdade racial

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=11284&I temid=

Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil

Volume I -http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf Volume II –

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol2.pdf

DIREITOS DA CRIANÇA- DEIXA EU FALAR

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=12815&I temid=

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=12451&I temid=

EMEI Gabriel Prestes: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Page/PortalSMESP/EMEI-Gabriel-

Prestes

Facebook Emei Gabriel Prestes https://www.facebook.com/pages/Emei-Gabriel-

Prestes/1592459884328189

Virada Educação: http://viradaeducacao.me

Livreto contando a historia da Virada Educação

http://viradaeducacao.me/arquivos/livreto_virada_educacao_movimento_entusiasmo.pdf

PORTAL APRENDIZ http://portal.aprendiz.uol.com.br/2015/08/21/protagonizado-por-criancas-

cortejo-poetico-espalha-sorrisos-pelo-centro-de-sao-paulo/

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Berimbau Chamou: Proposta de construção de espaços pedagógicos por meio dos

saberes pertencentes à cultura capoeira

por Eudes Fernandes1

Resumo

Este trabalho traz um coletivo de ações e reflexões pedagógicas acerca das

potencialidades colaborativas do ensino da capoeira ao processo de implementação da lei

10.639 e seus desdobramentos junto à educação infantil. Discorre sobre ações de

sensibilização de educadores(as) da rede de ensino infantil de Araraquara, promovidas e

realizadas na unidade SESC da cidade por meio do espaço expositivo ‘Berimbau

chamou”. Acreditamos na relevância deste trabalho por compreendermos que a capoeira

seja uma manifestação cultural de singular importância para o processo de formação do

ser e, em especial, na fase de sua vida em que o lúdico é sua atividade principal, seu jeito

de apropriar-se do mundo. Para tanto, tecemos intenso diálogo entre saberes do universo

capoeirístico com a obra freireana e com conceitos presentes em Vigotski e Elkonin.

palavras-chaves: capoeira, educação infantil, dialogicidade e lúdico

1 Aluno do curso de Ciências Sociais da Unesp Araraquara, aluno do movimento para pesquisa e práticas

culturais Manifesto Capoeira e membro do grupo de estudos de questões étnico-raciais Erê. Contato: [email protected]

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Apresentação

A exposição “Berimbau chamou” trata-se de um espaço educativo e

dinâmico, localizado na unidade Sesc Araraquara, que permanecerá por três meses cujo

objetivo é proporcionar vivencias de cultura popular, em especial a capoeira, tanto para

professores(as) quanto para alunos(as) da rede pública municipal. O espaço contém

instrumentos de capoeira para amostra e para atividades práticas onde ensinamos os

participantes a tocar, painéis contam um pouco da história da capoeira, apresentam as

letras de algumas músicas e contam da participação da mulher na capoeira através de

imagens e textos escritos.

A idealização da exposição surgiu da preocupação em se ter espaços que

propiciem o diálogo e o contato do universo escolar com a cultura popular brasileira.

Desta forma o projeto tem como ponto de partida o fomento prático para a implementação

da lei 10.639/03 assim como o debate das questões étnico-raciais e os elementos

necessários para a formação de uma identidade de fato brasileira.

Para tanto, buscamos referencias teóricas da pedagogia, que nos

auxiliassem na prática de ensino da capoeira para crianças de 3 a 6 anos, assim como

referências que elucidassem diferentes formas de abordagem da capoeira enquanto

ferramenta educacional, no processo de sociabilização, construção de identidade e da

ideia de indivíduo (ABIB, 2004).

O formato lúdico e prático do espaço foi desenvolvido a partir das

percepções obtidas em projetos anteriores desenvolvidos no Sesc Araraquara, tais como “Circuito Escolar Sesc de capoeira”, Protejo Esporte Criança e Curumim. Diante destes

projetos se viu a necessidade de aproximar essas dimensões educacionais, a capoeira e a

escola. O espaço “Berimbau chamou” é a materialização da ideia de um ambiente que

reúna os principais agentes mediadores da formação de jovens e crianças.

Junto aos professores que participaram do curso de capacitação “escola e

capoeira” e aos que frequentam o espaço, procuramos a construção de uma forma de

conhecimento que perpassa a dimensão do indivíduo como parte fundamental do coletivo

que é a sociedade e seu entorno.

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Motivações

O que levou a elaboração e o desenvolvimento deste trabalho foi a

compreensão da necessidade e da urgência do diálogo das culturas populares brasileiras

com o universo escolar visando a implementação da lei 10639/03. Haja visto as

potencialidades da capoeira em se utilizar de jogos e brincadeiras para fomentar estas

questões além de contribuir formação da identidade dos indivíduos envolvidos, enquanto

pertencentes a cultura brasileira.

Desenvolvimento

O desenvolvimento do projeto se dá através de parcerias do Sesc com

escolas municipais da cidade em questão. As escolas trazem os alunos(as) até a unidade,

onde estes participam de atividades práticas, lúdicas e dinâmicas no espaço “berimbau

chamou”.

Até o momento recebemos cerca de 500 crianças e jovens, com idade entre

3 e 15 anos, de diversas escolas e realidades sociais. Diversos foram os formatos das

vivências desenvolvidas com os educandos, as atividades aconteceram de forma lúdica e

diversificada, com momentos voltados para a movimentação, música, jogos e contação

de alguma história que contextualizasse a atividade proposta.

Com os professores(as) as atividades foram voltadas para a imersão no

universo da capoeira enquanto ferramenta educacional de fato, foram feitas dinâmicas e

atividades que mostrassem a possibilidade de se utilizar da capoeira na sala de aula em

diversos aspectos e para diversas faixas etárias, mesmo que os professores não tivessem

grande domínio da arte. No curso de capacitação “capoeira e escola” os professores

também receberam um material voltado para o diálogo que abrange estas diversas formas

de abordagem da cultura popular brasileira, da capoeira com as questões étnico-raciais

assim como a educação socioambiental.

Considerações

Entendemos que o diálogo entre a unidade SESC Araraquara e a secretaria

municipal de educação, mais especificamente, a coordenação de educação infantil

contribuiu de modo ímpar no processo de formação das crianças e professorado

envolvido. Assim, indicamos tal parceria enquanto ação importante para superação das

limitações socioeducativas presentes em nossa realidade.

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Entendemos também que as aproximações entre capoeira e educação infantil

fomentem a formação e o desenvolvimento do indivíduo e de sua identidade enquanto brasileiro

conhecedor de sua cultura. Neste sentido, o diálogo das manifestações culturais brasileiras com

a escola se faz necessário uma vez que estas estes saberes colaboram de modo importante,

potencializando ações pedagógicas compromissadas com uma formação humanizadora em prol

de uma sociedade plural e justa.

Esperamos que este diálogo permita também apropriações culturais relativa aos

conhecimentos populares que constituem a diversidade etnicocultural de nosso pais,

fomentando assim reflexões sobre qual cultura é ensinada em nossas escolas e por que.

Evidenciamos a singularidade da cultura capoeira neste processo, uma vez que

traz em seu corpo elementos pertencentes ao universo infantil, em que o lúdico perfaz a

linguagem de apropriação e compreensão do mundo adulto, sendo assim, sua atividade

principal. Logo, a musicalidade, a brincadeira e a gestualidade inerentes à prática da capoeira

podem otimizar ações de ensino e aprendizagem cuja finalidade seja a práxis.

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Referencias

ABIB, Pedro R.J. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese

(Doutorado em Ciências Sociais aplicadas a Educação) - Unicamp, 2004.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, 2005.

RADICCHI, Marcelo. Capoeira e Escola, significados da participação. Editora Fontoura.

Várzea Paulista, 2013.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. 47ª edição.

________. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz

e Terra, 2006.

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O ATELIER NA ESCOLA DA INFÂNCIA

Escola Italiana Eugenio Montale

Paola Capraro e Silvia M. de F. Adrião A Escola Italiana Eugenio Montale possui uma visão humanista e tenta preservar todas as

linguagens que as crianças possuem. Uma das maneiras que encontrou, inspirada na abordagem

italiana de Reggio Emilia, foi trabalhar com o atelierista. Esta figura, que perpassa todas as

disciplinas, dá voz às curiosidades e à criatividade das crianças.

O atelierista, que é uma pessoa formada em arte, considerando o artista quem mais consegue

manter o olhar fresco e encantado de uma criança, trabalha junto delas com um olhar poético e

narrativo da realidade. Não existe uma hora dedicada ao atelier, o atelierista está sempre

presente nas várias atividades do cotidiano.

Palavras-chave: atelier, abordagem italiana, atelierista.

EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança: A abordagem de

Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

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LUDIBUS DA FFC- UNESP- CAMPUS DE MARÍLIA: UMA BIBLIOTECA,

BRINQUEDOTECA E ATELIÊ MÓVEIS PARA ENCANTAR AS CRIANÇAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL.

Ana Paula Cordeiro

Francisane Nayare de Oliveira Maia

Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista“ Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Marília.

Resumo

Este texto tem por objetivo apresentar o trabalho desenvolvido pelo Projeto Ludibus, ligado ao

Departamento de Didática da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp (Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) de Marília-SP. O projeto conta com um ônibus lúdico

que se configura como uma biblioteca, brinquedoteca e ateliê itinerantes. Visa sensibilizar

graduandos da universidade, diretores e professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental

(ciclo I) a respeito da importância do lúdico e da arte como elementos facilitadores do

desenvolvimento infantil. Também leva às escolas públicas propostas de ação às crianças a fim

de estimulá-las a criar e expressar-se ludicamente por meio das linguagens artísticas. Os

resultados demonstram que um trabalho voltado para estes campos de conhecimento leva as

crianças a criarem, a falarem de si e seu mundo, bem como auxiliam na formação inicial e

continuada de professores.

Palavras-chave: Educação Infantil. Formação de professores. Arte. Lúdico. Projeto LUDIBUS.

Introdução

Neste texto apresentamos o trabalho desenvolvido junto ao Projeto Ludibus – o ônibus

da alegria, ligado ao Departamento de Didática da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp

(Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) de Marília. Para tanto, convidamos o

leitor a imaginar um ônibus de viagem todo colorido, onde os bancos foram substituídos por

baús e estantes, mesas e muitos brinquedos, tintas, livros, gibis. Um ônibus que se configura

como uma brinquedoteca, biblioteca e ateliê de artes itinerantes. Ele vai até as escolas de

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Educação Infantil e Ensino Fundamental, levando sua proposta de educar crianças e formar

professores por meio de atividades artísticas e lúdicas.

O Projeto tem por principal característica este ônibus lúdico e visa a aliar ensino,

pesquisa e extensão universitária em seu bojo. Existe desde 1999, inspirado em bibliotecas

móveis existentes em capitais brasileiras, geralmente mantidas por secretarias de cultura, para

desenvolver seu trabalho. Até o ano de 2013, o veículo do Projeto era um ônibus circular

adquirido pela Reitoria, que desenvolvia seu trabalho de forma sistemática nas escolas públicas

do município de Marília. De 2013 em diante, um novo veículo foi adquirido no lugar do antigo,

um ônibus de viagem, que hoje tem condições de atender a uma demanda maior de cidades e

de escolas.

A principal proposta do Projeto é a de possibilitar às escolas de Educação Infantil e de

Ensino Fundamental experiências pedagógicas ligadas à arte, ao lúdico e à literatura Infantil.

Para tanto, possuímos uma equipe com cerca de dezenove alunos de graduação, composta por

bolsistas do Núcleo de Ensino de Marília, da PROEX- Pró-Reitoria de Extensão Universitária

da Unesp e do PIBID- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Os bolsistas

apresentam propostas ligadas à arte e ao lúdico, visando ao desenvolvimento infantil. Partimos

do pressuposto de que a arte e o lúdico são importantes elementos da cultura, devendo estar

presentes na educação de crianças da Educação Básica, de forma sistemática, dentro dos

objetivos de um projeto educacional que privilegie tais elementos. Sendo assim, apresentamos

os objetivos do Projeto, quais sejam:

-sensibilizar professores de escolas da Educação Básica e alunos da graduação da FFC,

principalmente do curso de Pedagogia, para o fato de que brincadeiras, atividades artísticas e

literárias auxiliam na formação integral da criança;

-oferecer às crianças da Educação Básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental- ciclo I)

oportunidades de vivências e aprendizagens através do lúdico e da arte, como elementos que

integram sua formação;

-conhecer as formas de pensar e visões de mundo das crianças beneficiadas pelo Projeto, por

meio do trabalho de arte – educação realizado nas escolas parceiras.

Especificamente, visamos, por meio do Projeto:

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-realizar pesquisas junto às escolas parceiras tendo como foco as atividades lúdicas e artísticas

como elementos integradores de diversas áreas do conhecimento;

-integrar escola pública e universidade por meio do diálogo e das ações realizadas;

-proporcionar aos alunos bolsistas consistente formação, tendo em vista a experiência adquirida

ao longo das ações nas escolas, que lhes possibilite aproximar teoria e prática docente.

-manter arquivo das principais ações realizadas com amostras de produções, registros

fotográficos e filmagens, formando assim um acervo – memória do Projeto.

Organizamos o trabalho com vistas à criação, à apreciação e reflexão infantis, seja

através das artes visuais, de jogos tradicionais e teatrais, da educação para o movimento ou da

literatura infantil. Temos por principal procedimento o oferecimento de oficinas variadas,

ligadas a tais áreas de conhecimento, nas quais as crianças são convidadas a participar de forma

ativa e criativa. Utilizamo-nos dos pressupostos teóricos da Sociologia da Infância, que vê a

criança como sujeito ativo, como ator social. Anotações em diários de pesquisa, registros

variados e observação participante fazem parte dos procedimentos adotados.

1. Discussão teórica: pressupostos relacionados à criança, à educação infantil, à arte e ao

lúdico.

No Projeto visamos trabalhar com as linguagens artísticas e atividades lúdicas de forma

que levemos as crianças a elaborarem trabalhos próprios e apreciarem a arte, de forma crítica,

com reflexão. Consideramos que nem sempre as linguagens artísticas são privilegiadas nas

escolas e tampouco trabalhadas com criticidade e com vistas à criação. Constantemente

observamos trabalhos realizados mecanicamente e propostas que levam apenas à reprodução e

não à criação, tais como desenhos prontos para colorir, peças teatrais criadas por professores,

coreografias prontas. Enfim, trabalhos que não levam a criança a de fato refletir sobre seu fazer

artístico.

A perspectiva do Projeto é a de levar crianças e professores a refletirem sobre seu fazer

artístico, não cabendo, portanto, atividades que visem apenas à reprodução, sem reflexão.

Pensamos no fazer artístico de forma dialética, um fazer artístico que seja desvelador da

realidade.

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ISSN 2448-1157 424

Corroboramos com Fischer (1971), que afirma que a função da arte, numa sociedade

opacizada e complexa como a capitalista é a de, por meio de um processo dialético de

aproximação com o real, levar o homem a conhecer melhor o mundo, a desvelá-lo. No entanto,

também não podemos nos esquecer da magia que existe na obra de arte, nos elementos comuns

que conseguem ultrapassar as barreiras do tempo e do lugar. O homem cria e a arte é necessária

para que o homem se compreenda e compreenda melhor o mundo que o cerca. Quanto à arte, Canclini a define como

[...]atividades ou aspectos de atividades de uma cultura em que se trabalha o sensível

e o imaginário, com o objetivo de alcançar o prazer e desenvolver a identidade simbólica de um povo ou de uma classe social, em função de uma práxis

transformadora” (CANCLINI, NESTOR GARCÍA 1984, p. 207-9).

Também a pensamos como

Uma forma de criação de linguagens- a linguagem visual, a linguagem musical, a linguagem cênica, a linguagem da dança e a linguagem cinematográfica, entre outras.

Toda linguagem artística é um modo singular de o homem refletir-reflexão/reflexo-

seu estar-no-mundo. (MARTINS, M. C., PICOSQUE, G., GUERRA, M. T. T., 1998, p. 41).

Consideramos, assim, imprescindível que um processo educacional que vise à formação

integral da criança inclua de forma sistemática e apropriada as linguagens artísticas no bojo das

escolas.

Em relação às atividades lúdicas, visamos a resgatar brincadeiras tradicionais bem como

jogos diversos no âmbito do Projeto. Quanto à importância do jogo e do lúdico Huizinga (1990)

dirá que o jogo é tão importante a ponto de ser elemento fundante da cultura e da civilização

humana. O autor apresenta algumas características que considera intrínsecas ao jogo tais como:

voluntariedade, separação entre os momentos de jogo e os fenômenos cotidianos, existência de

regras e limitação do jogo no tempo e no espaço. No Projeto LUDIBUS as crianças tem acesso

a jogos de tabuleiros, brinquedos diversos (bolas, cordas, bonecas, fantoches, petecas,

bilboquês, fantasias, máscaras, casas de bonecas, etc) e há a proposição de atividades lúdicas,

bem como o ambiente da brinquedoteca itinerante torna-se ambiente lúdico – educativo

adequado às necessidades infantis (KISHIMOTO, 2003). Existe a liberdade para manusear

todos os brinquedos e materiais, bem como os bolsistas estão à disposição das crianças para

desenvolverem atividades e para orientá-las em relação às regras de jogos e brincadeiras. Há,

em relação às crianças pequeninas, o estímulo à imaginação por

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meio de jogos e brincadeiras de faz de conta. As máscaras, fantasias e fantoches, bem como os

livros de Literatura Infantil são importantes aliados das brincadeiras. Nossa ideia referente ao lúdico é que ele é o elemento de prazer que perpassa as atividades

humanas. Segundo Huizinga (1990) lúdico remete à leveza, ao esvoaçar dos pássaros e ao nado

dos peixes, mas, sobretudo à ilusão, à simulação. Fantasiando, representando, a criança cria

brincadeiras, conhece a si mesma e a seu entorno.

Pautamo-nos, para pensar na criança que brinca, cria, aprecia, reflete, no referencial

teórico da Sociologia da Infância. Para esta vertente teórica, a criança é um ser ativo e criador

pessoal de cultura. Ela interpreta o que vivencia, seleciona os elementos da cultura e os utiliza

em suas culturas de pares para criar e contribuir com o avanço da civilização (CORSARO,

2011). A infância é vista como categoria social, como forma estrutural que não desaparece,

apesar de seus membros mudarem continuamente.

Dentro da perspectiva da Sociologia da Infância, pensamos na arte como linguagem e

no lúdico como importante elemento da cultura. As linguagens artísticas e o lúdico são vistos

como essenciais para o desenvolvimento infantil. Pensamos as crianças em ambientes coletivos

e em suas relações com crianças da mesma idade e mais velhas, bem como com adultos com

os quais convive. As relações que se dão, a forma como encaram a vida e o entorno, suas formas

de ver o mundo, são essenciais aos estudos que desenvolvemos junto ao Projeto, pautados pelo

referencial da Sociologia da Infância, vista como uma área de conhecimento dentro do campo

mais amplo da Sociologia. Autores como Corsaro (2011), Sarmento (1997), Faria; Demartini;

Prado (2009), Gobbi (2009), Penitente e Cordeiro (2012), Cordeiro (1997), entre outros, são

estudados para uma melhor compreensão da criança em ambientes coletivos, construindo

cultura. As criações infantis são estudadas. Desenhos, poemas, músicas e brincadeiras criadas

pelas crianças são analisados dentro do referencial teórico proposto. As discussões ocorrem em

reuniões organizacionais e no Grupo de Pesquisa “Educação, comunicação e Sociedade”, dentro da linha de pesquisa “Sociologia da Infância”.

Pelo viés da Sociologia da Infância as crianças e suas ações são analisadas

primordialmente em momentos coletivos, por meio das culturas de pares. Suas formas de ver o

mundo, a maneira como pensam e refletem sobre suas individualidades, grupos sociais, o seu

entorno, seu potencial criativo e interpretativo são levados em conta nas análises de pesquisas

com crianças. Enfatizamos o “com crianças” em contraposição a “sobre crianças”, pois nesse

tipo de pesquisa as crianças são sujeitos, participantes, tem voz e poder de escolha.

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Destacamos também que no campo da Educação Infantil pautamo-nos na Resolução nº 5, de

17 de dezembro de 2009, que Fixa a Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

(BRASIL, 2009). Em seu artigo 4º apresenta uma concepção de criança que

é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,

aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009, p.1)

As Diretrizes determinam também que os eixos norteadores da Educação Infantil devem ser as

interações e brincadeiras. Sendo assim, o elemento lúdico deve perpassar todas as atividades

voltadas para a criança pequena. No Projeto Ludibus, esta é uma realidade.

Método e procedimentos

O referencial metodológico que mais se aproxima de nosso trabalho é o da Pesquisa

– Ação. Segundo Thiollent configura-se como

um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual o pesquisador e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo(1986, p.14).

O autor ainda diz que

uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa–ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além

disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação

problemática, merecendo investigação para ser elaborada e conduzida (1986, p.15).

No Projeto, todos são protagonistas das atividades realizadas. Como já mencionamos,

realizamos semanalmente reuniões com os bolsistas para a organização e implementação das

atividades nas escolas, bem como realizamos avaliações e orientações em relação ao que

efetivamente foi realizado junto aos profissionais das escolas e das crianças. Todos são

convidados a elaborar propostas de atividades, a partir das discussões realizadas e referencial

teórico norteador do trabalho.

Dialogamos constantemente com coordenadores, professores e profissionais da

educação sobre o trabalho a ser realizado. Em muitos casos, colaboramos com propostas que

partem das próprias escolas, a partir de projetos que estão desenvolvendo relacionados ao

campo da arte e da ludicidade. Em outros momentos, as escolas sugerem determinadas

atividades lúdicas e artísticas, como momentos de contar histórias, para estimular nas crianças

o saudável hábito da leitura.

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As atividades propostas às crianças são diversificadas e elas também são convidadas a

proporem atividades no campo artístico, como um “Sarau Cultural” que ocorreu nos meses de

outubro e novembro de 2013 em nossa instituição parceira. Nossa proposta abarca dois grandes objetivos: trabalhar com a formação inicial e continuada de

professores e com o processo de formação de crianças da educação básica. Os motes do trabalho

são as linguagens artísticas e o lúdico. Dessa forma, consideramos que criar é imprescindível

ao desenvolvimento. E fruir e refletir sobre as experiências e o vivido.

Adotamos, junto da equipe de bolsistas, os seguintes procedimentos:

-reuniões semanais para a organização, implementação e avaliação de atividades a serem

realizadas nas escolas; -organização do material do ônibus/Projeto;

-encontros no Grupo de Pesquisa “Educação, comunicação e sociedade”, para a discussão

teórica de textos relacionados ao Projeto; -orientações coletivas e individuais;

-elaboração de projetos, textos e trabalhos científicos a serem apresentados em eventos

acadêmicos e científicos; -elaboração de material e de brinquedos para suprir as necessidades do Projeto.

-organização de atividades e cursos de extensão voltados para professores da Educação Básica.

Junto aos professores da rede os procedimentos são:

-diálogo constante com os profissionais da rede, parceiros do Projeto LUDIBUS; -

oferecimento de cursos de curta e média duração (4 a 32 horas) relacionados às artes e

atividades lúdicas; -oferecimento de palestras e conferências relacionadas às temáticas do

Projeto. Junto às crianças da Educação Básica nosso trabalho consiste em: -oferecer atividades variadas relacionadas às linguagens artísticas (teatro, música, artes visuais,

movimento e dança, literatura) e ao lúdico (jogos variados), a fim de que as crianças criem por

meio de tais atividades; -levar as crianças a apreciarem obras de arte, estimulando-as a refletirem sobre o que veem e

sobre o que criam;

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Nos encontros semanais fazemos uso de variadas formas de registros, tais como diários

de pesquisa, fotografias, desenhos, relatórios, etc. Todo o material é analisado à luz do

referencial teórico pertinente ao trabalho que desenvolvemos.

Resultados

Em relação às atividades realizadas, nos últimos três anos (2012-2015) desenvolvemos

um trabalho mais voltado para os aspectos do ambiente lúdico- educativo proporcionado pelo

ônibus e suas características de brinquedoteca, biblioteca e ateliê itinerantes. Nos anos

anteriores desenvolvemos alguns projetos temáticos, incluindo a filosofia para crianças e temas

cotidianos, tais como: falar de si, de gostos, do bairro, da cidade, da escola. Até mesmo temas

relacionados a bienais de arte de São Paulo foram desenvolvidos. Em anos anteriores a 2010 a

atividade de contar histórias foi trabalhada, das mais variadas formas: contar com a presença

do livro; com baú de histórias, com materiais e acessórios; com adereços; com dramatizações e

narrativas. As artes visuais e principalmente a pintura e o desenho sempre tiveram lugar

privilegiado no Projeto.

De 2013 para cá decidimos por oferecer todo o material do ônibus às crianças, com

maior liberdade de escolha dos brinquedos, livros, papéis, tintas, etc. As crianças puderam

explorar mais, observar mais, escolher ainda mais o que queriam de fato fazer. Os bolsistas da

equipe funcionaram como mediadores das brincadeiras e atividades, sempre atentos às falas e

necessidades das crianças. No meio destas atividades destacou-se o gosto das crianças pela

leitura de livros e pela feitura de desenhos. Analisamos o desenho infantil pelo viés da

Sociologia da Infância. Nesse sentido, destacamos que Gobbi (2009) tem desenvolvido

pesquisas aliando o desenho infantil à oralidade, defendendo que o desenho, aliado às falas

infantis são “reveladores de olhares e concepções dos pequenos e pequenas sobre o seu contexto

social, histórico e cultural, pensados, vividos, desejados” (GOBBI, 2009, p. 71). Suas produções devem, portanto, ser reconhecidas, valorizadas e respeitadas como importantes

registros, que revelam muito do entorno infantil.

Algumas propostas simples levaram as crianças a criarem e falarem de si e de seu

entorno por meio de suas obras. Alguns desenhos chamaram a atenção da equipe, por sua

dramaticidade ou pelo uso das cores. Aliados à oralidade (GOBBI, 2009), podem nos revelar

muito do que se esconde por trás do comportamento infantil: medos, anseios, desejos, formas

de ver o mundo, modos de viver, situações cotidianas, etc.

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Nos anos de 2014 e 2015, o ônibus lúdico tem visitado escolas de Educação Infantil da

seguinte forma: com duas delas temos parcerias fixas, com visitas quinzenais. Em outras, há

visitas esporádicas, a pedido das escolas, que podem ser públicas ou particulares. Destacamos

que as parcerias fixas são realizadas apenas junto a escolas públicas.

Quanto aos alunos bolsistas, estes participam de todas as atividades propostas e

apresentaram trabalhos em eventos dentro e fora da faculdade. Cabe ressaltar que a equipe

ganhou novo fôlego com a participação dos bolsistas do PIBID- subprojeto Pedagogia- área de

Educação Infantil da FFC- Unesp de Marília, que passaram a auxiliar a equipe em todas as

ações desenvolvidas.

O diálogo com os professores da instituição parceira e a participação dos mesmos nas

atividades com as crianças contribuíram, segundo suas próprias falas, para sua formação

continuada. Houve muita troca, pois eles tem muito a oferecer à equipe do Projeto.

Conclusão

As linguagens artísticas e as atividades lúdicas, tantas vezes deixadas de lado nas escolas

em detrimento de atividades e aprendizagens consideradas mais “importantes”, são os

elementos – chave dentro do Projeto LUDIBUS. Com o objetivo de sensibilizar educadores

para tais áreas do conhecimento humano e levar as crianças a conhecerem melhor o mundo por

meio de tais atividades, o LUDIBUS desenvolve seu trabalho. Visitando escolas,

desenvolvendo parcerias várias, fomentando o ensino, a pesquisa e a extensão universitários.

Nesse trabalho todos são protagonistas, todos elaboram propostas, tem voz e

possibilidades de opinar sobre as atividades desenvolvidas. Com um olhar voltado para uma

criança ativa, criativa, um ser cultural, capaz de contribuir com o arcabouço cultural da

civilização, o ônibus lúdico leva seu trabalho educativo às escolas de Marília e região. Novas

parcerias estão sendo firmadas, tais como com a Secretaria da Saúde, que nos convidou para

um trabalho conjunto relacionado à importância do aleitamento materno em escolas de

Educação Infantil. As diversas realidades educacionais nos instigam e nos desafiam a seguir

em frente, nesse Projeto mágico, que nos leva sobre as “rodas da alegria”!

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Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Resolução n º 5, de dezembro de 2009. Brasília: MEC, 2009.

CANCLINI, Nestor García. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. São Paulo: Cultrix, 1984.

CORDEIRO, A. P. Os meninos da rua da descida: uma proposta de arte e vida através do teatro. 1997. 98 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista. Marília, 1997.

CORSARO. W. A. Sociologia da Infância. São Paulo: Artmed, 2011.

FISCHER, E. A necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

GOBBI, M. Desenho infantil e oralidade: Instrumentos para pesquisas com crianças pequenas. In: FARIA, A. L. G.; DEMARTINI, Z. de B. F.; PRADO, P. D.(Orgs.). Por uma cultura da

infância: metodologias de pesquisa com crianças. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2009. p. 69-92.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Trad. João Paulo

Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 1990.

KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

MARTINS, M. C., PICOSQUE, G., GUERRA, M. T. T. Didática do Ensino da Arte: A Língua do Mund o- poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998, p. 41.

PENITENTE. L. A. A.; CORDEIRO, A. P. Questões Teóricas e Metodológicas das Pesquisas com Crianças: um olhar possível. In: SEMINÁRIO EDUCAÇÃO 2012. Cuiabá. 2012. Anais.

Seminário Educação 2012: crianças coisificadas não querem ser vistas de forma razoável. Elas querem um olhar de azul! Cuiabá: UFMT. p. 1 a 12.

SARMENTO, Manuel Jacinto e Pinto Manuel (1997). “As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo”. In M. Pinto e M. J. Sarmento (Coord.), As Crianças: Contextos e Identidades. Braga. Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa - Ação. São Paulo : Cortez, 1986.

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Eixo 5

Infâncias, Crianças, Diversidade e

Diferenças.

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Contando e lendo o Oriente por meio de histórias tradicionais

Leticia Rocha de Abreu Sodré

Carvalho1

Resumo

Tendo em vista a diversidade de etnias, crenças, costumes e valores, que tão fortemente

caracterizam a população brasileira, é de grande importância que o tema da pluralidade

cultural seja trabalhado ainda durante a Educação Infantil.

Precisamos aproveitar a curiosidade que as crianças podem apresentar quanto ao que lhes

é diferente e mostrar a elas a existência de modos distintos de se viver no mundo. Além

disso, devemos estimulá-las a fazer perguntas e procurar respostas às suas questões,

porque é desse modo que aprendem sobre ele.

A prática pedagógica que venho aqui relatar faz parte do projeto “Lendo o Mundo por

Meio de Histórias”, em que as crianças da Educação Infantil, ao entrarem em contato com

contos tradicionais de países de quatro continentes – América (especificamente a parte

latina), Europa, Ásia e África - são expostas a diferentes culturas.

Tal projeto ocorreu durante todo o ano de 2015, sendo contadas, a cada bimestre, histórias

de tradição oral de um desses quatro continentes, com apoio de objetos, fantoches,

adereços e instrumentos musicais. Durante a contação, as crianças foram convidadas a

fazer questionamentos, criar suas hipóteses e desenvolver, portanto, as suas próprias

leituras de mundo.

Palavras-chave: pluralidade cultural, Educação Infantil, contação de histórias.

1 Professora de Educação Infantil em São Paulo/SP, onde atua como contadora de histórias desde 2013, e

mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da USP.

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Introdução e Justificativa

A história do Brasil é marcada pela ideia da mestiçagem, conceito - amparado em

Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1992) - de o povo brasileiro ser resultado da

miscigenação entre a população indígena nativa, o negro africano escravizado e o

colonizador branco português. No entanto, o atual conjunto de pessoas que compõem essa

nação não pode se resumir de tal maneira, pressupondo-se a intensa imigração ocorrida

ainda na primeira metade do século XIX: suíços, alemães, eslavos, árabes, italianos,

japoneses, entre outros. Após a abolição da escravatura (1888), tal movimento imigratório

torna-se ainda mais volumoso (Museu da Imigração, 2015).

De acordo com Souza (2013), Gilberto Freyre, ao estabelecer a miscigenação como

central em sua narrativa, diferencia-se dos autores de seu tempo ao considerá-la de um

ponto de vista mais cultural e menos racial: a articulação de diferentes tradições culturais,

considerando seus contextos históricos e sociais, e não a hereditariedade racial ou o meio

geográfico considerados isoladamente.

Indo nesse ensejo, alguns autores (Silva, 1999; Canen, 2002; Padilha, 2004, dentre

outros) discutem a construção de um modelo de currículo multicultural, o qual, para Lima

(2009, p. 6-7) pressupõe

(...) o reconhecimento da diversidade cultural, étnica, religiosa que permeia

o tecido social, criando espaço de encontro entre as diferentes culturas,

possibilitando o diálogo e a troca de experiência entre os diferentes sujeitos

a fim de favorecer, tanto a compreensão mais aprofundada das diferenças

culturais, quanto a reconstrução de valores, hábitos e saberes entre os

sujeitos.

A educação infantil, enquanto primeira etapa da Educação Básica,

focada no

“desenvolvimento integral da criança de 0 a 5 anos de idade, considerando suas dimensões

física, afetiva, intelectual, linguística e social” (Passos, 2009, p. 103), tem profunda

relevância na formação de sua personalidade. Desse modo,

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Os espaços coletivos educacionais, nos primeiros anos de vida, são espaços

privilegiados para promover a eliminação de qualquer forma de

preconceito, racismo e discriminação, fazendo com que as crianças, desde

muito pequenas,

compreendam e se envolvam conscientemente em ações que conheçam,

reconheçam e valorizem a importância dos diferentes grupos étnico-

raciais para a história e a cultura brasileiras. (Brasil, 2009, p. 47)

É importantíssimo, no processo de desenvolvimento das crianças, que elas se

tornem conscientes de que a realidade em que vivem não é única, coexiste junto a todo

um universo de outras realidades possíveis modos distintos de se viver no mundo, de falar,

de se vestir, de morar, de agir, de ser. Para isso, precisamos de práticas e currículos

voltados para o reconhecimento e a valorização das diversidades culturais, que tanto as

influenciam na construção de suas identidades.

Compartilhamos da concepção de criança adotada nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2010), na qual essa é compreendida como

sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas

cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,

brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra,

questiona e constrói sentidos.

Refutamos a ideia de que a cultura é algo criado unicamente pelos adultos e deve

ser incorporada passivamente pela criança. Freire (1989), em consonância conosco, diz

que as crianças são detentoras de cultura, assim como os adultos, porque transformam o

mundo e, ao transformá-lo, se transformam. Cohn (2005, p. 33) também defende a criança

como produtora de cultura ao formular um sentido ao mundo que a rodeia: “a diferença

entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe

menos, sabe outra coisa”.

O mesmo pensamento é reforçado por Prado (2014, p. 90):

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As crianças elaboram sentidos para o mundo e para suas experiências compartilhando plenamente os sentidos existentes, mas com autonomia cultural em relação aos adultos. Embora isto precise ser relativizado, já que os sentidos que as crianças elaboram partem de um sistema simbólico compartilhado com os adultos, pode‐se dizer que as crianças não são apenas produzidas pelas culturas, mas também as produzem.

No entanto, é muito comum, na prática de contar histórias para crianças, que os adultos

organizem esse momento de tal modo que a criança deva ficar “quietinha” e com o corpo

imóvel durante a leitura2, não lhe sendo oferecida a oportunidade de interagir com a história

por meio da fala e, consequentemente, sendo cerceada a possibilidade de organização do seu

pensamento.

Nossa contrariedade a essa prática encontra apoio em Bakhtin (apud Jobim e Souza,

1994), o qual ressalta que, ao expressarmos nossa compreensão sobre qualquer tema para

uma outra pessoa, nossa palavra retorna sempre modificada para o nosso pensamento.

Quanto mais se fala e expressa suas ideias, tanto melhor elas são formuladas internamente.

Em defesa disso, Bruner (2001, p. 119) diz que “muito provavelmente uma das primeiras

e mais naturais formas pela qual organizamos nossa experiência e nosso conhecimento é

em termos do formato narrativo”.

Para Benjamin (1983), a narrativa tem como matéria-prima as experiências, que

podem ser tanto pessoais como coletivas, de um povo ou de uma cultura, expressas na

forma de conto ou saga. Para o mesmo, o narrador faz com que essa narrativa, oriunda de

uma experiência, torne-se outra vez em experiência para aqueles que ouvem a sua história.

Do ponto de vista de Walter Benjamin, o conceito de experiência não equivale a

vivência, é “conhecimento acumulado, que se prolonga e se desdobra. Significa o modo

de vida, (...) associando a vida particular à vida coletiva e estabelecendo um fluxo de

correspondências alimentado pela memória” (Meinerz, 2008, p. 18).

Desse modo, a prática pedagógica que venho aqui relatar foi o projeto “Lendo o

Mundo por Meio de Histórias”, que teve como proposta oferecer às crianças, de 3 a 5

anos, da Educação Infantil de uma escola da zona sul da cidade de São Paulo, a

possiblidade de experienciar diferentes culturas ao redor do mundo por meio das histórias

de tradição oral dos seus respectivos países. O projeto ocorreu durante todo o ano de 2015.

Foram contadas, a cada bimestre, contos tradicionais de um dentre quatro diferentes

continentes a serem abordados ao longo do ano: América – especificamente a Latina,

Europa, Ásia e África.

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Os encontros com as crianças de cada turma eram realizados semanalmente,

durante a “Hora do Conto”, momento específico de contação de histórias, oferecido pela

autora, que tem atualmente na escola a função única de contadora de histórias, ou seja, não é

caracterizada comoprofessora do grupo de crianças. Nessa proposta, a contação de

histórias é realizada sem que haja a leitura de um livro, com apoio de instrumentos

musicais, fantoches, adereços e objetos, e de forma interativa: as crianças são convidadas

a participar das situações da história, fazer questionamentos, criar suas hipóteses e

desenvolver, portanto, as suas próprias leituras de mundo.

Objetivos

Hora do Conto tem como objetivos desenvolver o gosto e o interesse pelas

histórias, exercitar a concentração, ampliar o vocabulário e compreender a estrutura de

uma narrativa. Mas o seu objetivo principal é o de possibilitar o desenvolvimento de

leituras de mundo: compreensão das relações em sociedade, causas e consequências,

sentimentos e emoções humanas. Para isso, as crianças são incentivadas a fazer

questionamentos e formular hipóteses sobre as relações entre os personagens e fatos

ocorridos na história, sugerir encaminhamentos para a história e estabelecer relações entre

ela e outras referências pessoais e culturais, criando suas próprias narrativas.

Neste projeto específico, “Lendo o Mundo por Meio de Histórias”, tem-se como

objetivo conhecer a respeito de outros povos e etnias por meio dos contos tradicionais de

seus países, permitindo ter contato com diversos elementos da cultura, como vestuário,

alimentação, moradia, hábitos, valores e crenças.

2 Rubira (2006, p. 16) nos ilustra essa situação: “A ‘Hora do Conto’ é tida, simplesmente, por vários

educadores como um momento de sossego do professor que consegue, com certa frequência, calar e imobilizar (...) com sua narrativa”.

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Descrição e Análise do Processo

O projeto descrito ocorreu ao longo de todo ano de 2015. No entanto, o relato

presente se restringirá ao trabalho realizado durante o mês de agosto, quando foram

abordados contos da cultura oriental, mais especificamente da China e do Japão, com as

turmas de faixa etária entre quatro anos e meio e cinco anos e meio, totalizando 79

crianças.

Na escola onde tal projeto foi desenvolvido há uma presença relevante de

descendentes orientais (com ascendência de países como Japão, China e Coréias),

havendo uma média de 3 crianças por turma, considerando cada grupo ser composto de

aproximadamente 15 meninos e meninas. Isso proporcionou um grande enriquecimento

da proposta, sendo que as histórias geravam paralelos com as experiências vividas pelas

próprias crianças, além de demais referências trazidas por eles.

1ª semana

A primeira semana do projeto se propôs a sensibilizá-los e despertar o seu interesse

com relação à cultura do leste da Ásia, procurando reconhecer elementos da mesma que

já lhes fossem familiares.

O que fiz foi me caracterizar, vestindo um kimono tradicional e pintando o rosto, e

trazer objetos daquela cultura que os permitissem, ver, cheirar, sentir com as mãos e ouvir.

Eu deixei uma canção de ninar chinesa tocando enquanto eles iam entrando na sala.

Não falava nada, apenas os observava com um sorriso, e isso tudo lhes parecia muito estranho.

A reação foi muito bacana. Eles a princípio ficavam em silêncio também, olhando de modo

curioso e rindo. A partir do momento em que todos se sentaram, passei a cumprimentá-los

com as mãos em prece, olhando nos olhos, de um por um, o que também causou

estranhamento.

Em um segundo momento, perguntei a eles por que eu estava vestida e pintada

daquele modo, por que estava tocando aquela música, para que eu pudesse partir da

conclusão deles e não de uma fala minha. Uma menina, logo que me viu, disse: “você

parece uma suspeita!”. Boa parte da turma disse sem demora que eu estava vestida de

japonesa ou de chinesa e deveria ser porque na história haveria uma personagem assim.

Disse então que eu estava vestida daquele modo porque naquele mês eu contaria para eles

histórias da Ásia, mais especificamente do Japão e da China.

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ISSN 2448-1157 438

Mostrei em um Globo giratório a localização daqueles países e o objeto foi sendo

passado de mão em mão para que eles pudessem comparar a localização do Brasil com a do

continente asiático. Algumas crianças já tinham o conhecimento de que, devido à posição do

sol e ao giro da Terra, enquanto aqui estava de dia, lá estava de noite e vice-versa,

compartilhando essa informação com os colegas. Levei para mostrar a eles: incenso, para que

eles pudessem cheirar; hashi, o que alguns disseram saber usar, mas "com elastiquinho"; uma

fotografia de comida japonesa - sushi e sashimi, que alguns disseram adorar, principalmente

os descendentes; uma fotografia com espetinhos de escorpião e barata, dos mercados

chineses, o que gerou bastante surpresa e comoção por parte deles; os gatos da sorte chineses,

que muitas crianças já conheciam e disseram ter visto na casa da avó ou em restaurantes,

principalmente com o gatinho mexendo a pata para frente e para trás; cubos de chá

chineses, para que eles pudessem cheirar; um tsuru, o origami de passarinho; um leque,

que usei para ventar em seus rostos, o que eles gostaram muito; uma fotografia de gueixa,

de um samurai, de um imperador chinês, de dois meninos lutando judô, do dragão típico

do ano novo chinês, da muralha da china, e das casas tradicionais chinesas, os pagodes.

Isso tudo rendeu bastante conversa. Algumas crianças chegaram a ir pra China e

Japão e conheceram de perto algumas coisas das quais eu estava falando e mostrando.

Uma menina disse que lá as casas são feitas com madeira encaixada, não são usados

pregos; que eles comem formiga no cinema, em vez de pipoca; e descreveu perfeitamente

como se queima um incenso. Um menino falou, enfatizando seu estranhamento com isso,

que lá eles comem os peixes vivos, provavelmente confundido cru com vivo. Alguns

meninos que tinham aproximação com algumas artes marciais, como o judô e o karatê,

disseram que nas aulas eles usam kimono e se cumprimentam abaixando o tronco. Muitos

ficaram curiosos com o samurai, um forte elemento da cultura oriental. O dragão também

despertou especial atenção das crianças, que acharam interessante o fato das pessoas

ficarem dentro dele, conduzindo seus movimentos. Daí surgiram algumas perguntas: "mas

como as pessoas saem lá de dentro? elas saem por onde, pela boca do dragão? lá dentro

tem água pra elas beberem?". Fomos imaginando juntos como aquilo poderia acontecer

e desenvolvendo hipóteses.

O conhecimento de algumas crianças sobre a China e Japão já era mais elaborado:

falaram sobre os vulcões e terremotos que assolam a região, e uma menina mencionou

que, quando isso acontece, eles se escondem em abrigos em baixo do solo. As crianças

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descendentes demonstraram claramente um certo orgulho de se estar dando destaque para

a cultura da qual eles têm origem, citando uma coisa ou outra que a avó tem ou faz.

Tal prática foi baseada na perspectiva do multiculturalismo apresentada por Candau

(2008, p.5), que defende práticas pedagógicas que criem representações dos “outros”,

incluindo questionamentos a respeito do que categoriza e quem são esses grupos de “nós”

e de “outros”, questionando a própria cultura como sendo a única verdadeira e válida.

Dentre os objetos que eu levei, também havia um Buda, um sino tibetano e uma

foto de aprendizes de monges tibetanos meditando.

Ao mostrar uma imagem, retirada da internet, em que havia crianças de cabeça raspada,

vestindo um manto de cor laranja, sentadas no chão com as pernas cruzadas, mãos unidas

próximas aos tornozelos e olhos fechados, perguntei às crianças o que achava que elas

estavam fazendo. Em algumas turmas, disseram que eles estavam rezando, ou, de uma

maneira mais poética, “eles estão conversando com Buda". Poucas vezes disseram

prontamente que estavam meditando, o que demonstra uma falta de familiaridade com

essa prática.

Depois de vermos e comentarmos a foto, os convidei para fazer um experimento de

meditação. Disse que tocaria o sino tibetano e, enquanto ele ressoasse ficaríamos em

silêncio, escutando. Imediatamente eles colocam as mãos em cima dos joelhos, tocando

o dedão e o dedo indicador, e fizeram o som de “OM”, reproduzindo um determinado

estereótipo do que seria a meditação.

Alguns perguntaram o que era meditação e os próprios colegas responderam,

dizendo que servia para ficar tranquilo. Minha forma de explicar foi que, ao meditar, as

pessoas procuram tirar os pensamentos da cabeça, procuram não pensar, e se concentrar

na respiração, sentindo o ar entrar e sair do pelo nariz, fazendo a barriga aumentar e

diminuir. Na grande maioria dos grupos fizemos esse exercício.

Perguntei também a eles o que era aquela escultura e a palavra Buda com frequência

gerou riso das crianças, por se parecer com o som de "bunda". De acordo com o grupo,

expliquei de formas diferentes quem era aquele homem, nascido na Índia e que largou

uma vida de riqueza para dedicar-se a ser sábio e contribuir com os outros. Em uma turma

específica, com crianças de cinco anos, houve uma conversa mais demorada sobre o que

era o budismo. Disse a eles que é uma religião com forte presença na China e no Japão,

mas também aqui, assim como ao redor do mundo. Em algum momento mencionei a

palavra reencarnação, o que acabou gerando uma conversa bem interessante:

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• O que é reencarnação? (Laura)

• É quando, depois que a gente morre, a nossa alma vai para o corpo de

um bebezinho que está nascendo. Mas tem gente que acha isso e tem

gente que acha que quando a gente morre, acabou, não acontece mais

nada. (Leticia)

• E o que é alma? (Laura)

• Olha, é difícil de dizer. Quando a gente morre, a gente não faz mais nada,

não mexe mais nada, então eu acho que alma é o que faz a gente vivo.

(Leticia)

• É, é o que faz a gente respirar. (Leo)

• Isso é o pulmão! (Sofia)

• Quando tá quebrada a alma a gente morre. (Laura, concluindo)

• Eu não quero morrer, eu não quero ficar longe dos meus pais. (Sofia)

Mas você vai crescer e os seus pais vão morrer, daí você vai ter um bebezinho e vai morrer antes

do seu bebezinho. (Leo) 8. Quando eu morrer eu vou continuar na minha família? (Thiago)

9. Não, Thi, quando a gente morre, não fica mais entre as pessoas

que estão vivas. (Leticia)

10. E então o que acontece quando a gente morre? (Laura)

11. Tem gente que é enterrada no caixão, uma caixa grande de

madeira, que vai pra dentro de um buraco na terra, e tem gente que é

cremada, colocam fogo no corpo dela até ela virar pó, e então colocam

o pó numa caixinha pequena. (Leticia)

12. Eu não quero ser queimada, eu quero ir pra caixinha. (Sofia)

(Diário profissional da professora)

Foi um diálogo muito precioso sobre a morte, que nas culturas orientais é encarada

de um modo muito mais natural e tranquilo em comparação com o ocidente.

Benjamin (1985, p.236-237) lembra que as crianças são bem diferentes do modo como

os adultos as concebem ou as conceberam ao longo da história: “criança exige dos adultos

explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis... A criança aceita

perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e pesadas, desde que sejam honestas e

espontâneas”.

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2ª semana

Em nossa segunda semana, contei a eles a história tradicional chinesa “O Pote

vazio”

(Demi, 2001). Para a contação, fiz uso de alguns objetos: 4 vasos coloridos, “sementes” de

brincadeira, duas flores de tecido, um cachepô que usei para fazer o imperador, um chapéu

que usei para fazer o Ping e o sino tibetano. Combinei com as crianças que, antes do início de

cada história, iria tocar o sino e ficaríamos em silêncio (“meditando”) até que ele parasse de

soar. Essa experiência deu muito certo em quase todas as turmas e a história pode ser iniciada

calmamente, com todos já preparados para ouvi-la.

Em vez de começar imediatamente a história, primeiro mostrei para eles os vasos que

havia trazido e perguntei o que eram e se estavam cheios ou vazios. Disse então que aquele

era um conto chinês chamado "O Pote Vazio" e que o seu personagem principal era Ping, um

menino que gostava muito de plantas e sabia cuidar muito bem delas. Por essa razão, eu havia

trazido para a sala pequenos vasos com terra e sementes de flores, para que eles pudessem

fazer o mesmo que Ping em casa. Alertei que nem sempre, mesmo que a gente cuide bem

da plantinha, ela chega a crescer, então eles não deveriam ficar tristes caso isso

acontecesse, mas de toda forma, deveriam cuidar dela da melhor maneira.

Muitos saíram com seus pequenos vasos, falando que iriam fazer carinho na terra e

conversar e cantar para a sementinha, como fazia o Ping. É interessante como uma história

pode dar sentidos a uma dada relação, gerar afeto, vontade de ser como o "herói". Uma

das crianças, descendo para se preparar para a saída, disse que traria o vaso sexta, no dia

do brinquedo, demonstrando o quão querido aquilo se tornara para ele.

A contação de histórias tem uma relação íntima com a produção de leituras de

mundo pelas crianças, por oferecer a elas a oportunidade de vivenciarem outras

perspectivas. Conforme muito bem apontado por Jou (2013):

a leitura de narrativas ou, no caso de crianças pequenas, a escuta de

contos infantis, promoveria o entendimento das crianças dos desejos,

crenças, intenções e sentimentos dos personagens, assim como

promoveria a compreensão dos sentimentos e pensamentos próprios que

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a história lhes provoca. Ou seja, se a tristeza ou alegria do personagem

sensibiliza a criança, a leitura estaria estimulando sua empatia (...).

Quando falava da relação que o Ping tinha com a plantas, um menino perguntou se ele

namorava com elas. Eu disse que, de algum modo, ele era apaixonado por elas, e as tratava

com amor. Interessante também a formulação de hipóteses pelas crianças quanto aos motivos

pelos quais aquela semente do Ping não brotava nunca. Uns disseram: ela devia estar

estragada, estava quebrada, ou "alguém amassou". Mas, em outras turmas, foram raras as

vezes em que a explicação para a não germinação da semente estava baseada na própria

semente: "ele não regou todos os dias" ou "não podia fazer carinho na terra". Para aqueles

que acreditavam que não tinha nada de errado e "pra planta crescer demora mesmo", ainda

havia esperança: "e se ninguém virar imperador esse ano e aí no próximo ano a plantinha do

Ping já cresceu e ele pode virar imperador". A compreensão do real sentido de "fazer o

melhor possível durante um ano", com a semente, apenas foi possível no final da história.

Quando, na história, as outras crianças mostram a Ping seus vasos com flores maravilhosas,

algumas crianças, em turmas diferentes, sugeriram: "então por que ele não pega uma flor e

coloca no vaso também?". Eu fiquei um pouco surpresa com a pergunta, mas foi uma boa

oportunidade de entender que nada é óbvio para eles, e de explicar que, se ele fizesse isso,

estaria mentindo, porque, afinal, sua semente não havia dado flor.

É importante aqui ressaltar a mediação do adulto que, nesse contexto, tem a

possibilidade de assumir diversos papeis: disponibilizar o acesso ao mundo da cultura já

pré-existente, por meio da contação de histórias; discutir a história contada, comentando

sobre as intenções e sentimentos dos personagens e explicando porque se comportam de

determinado modo - o que auxilia as crianças em seu desenvolvimento sociocognitivo

(Hinchcliffe, 1996); e escutar a criança, o que, para Jobim e Souza (1994) “é uma

oportunidade de retomarmos, a partir da sua ótica, um olhar crítico sobre a nossa cultura”.

3ª semana

Na terceira semana de contação de histórias orientais, contei a história tradicional

chinesa

“O Brocado Maravilhoso” (Neil, 2000), em que uma senhora, idosa e de poucos recursos

materiais, tece a imagem de uma fotografia, em que está registrado o seu lugar dos sonhos,

onde sempre desejara morar. No meio da história, após concluir o seu trabalho, o tecido

voa com o vento e se perde, passando a ser procurado pelos três filhos da mesma. No fim,

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o tecido é encontrado e torna-se realidade, ou seja, transforma-se de fato na paisagem que

retratava. Por se tratar da história de uma senhora tecelã, em frente de cada criança

coloquei um quadrado de juta e fios de lã já passados nas agulhas de plástico para que,

enquanto eu contasse a história, eles fossem também fazendo o seu próprio bordado. Na

maior parte do tempo e na quase totalidade das turmas eles ficaram completamente

envolvidos, tanto no bordado como na história, que é, de fato, muito entusiasmante.

As crianças souberam desde o princípio da história identificar que, assim como em

inúmeros outros contos tradicionais, o filho mais novo é o mais corajoso, bom e esperto.

Diziam, com cara de certo desdém, "é claro que o mais novo que vai conseguir! é sempre

ele!", mas certamente tendo prazer em fazer essa constatação.

Como todos os três irmãos foram procurar o bordado da mãe na direção do vento, as

crianças ficaram curiosas: "mas lá não para de ventar?". De fato, eles se preocupam com

detalhes e fazem o exercício da empatia, colocando-se no lugar dos personagens. Quando

disse que o filho mais velho andou, andou e andou, sem parar para descansar, uma criança

perguntou: "mas ele não levou nem uma garrafinha de água?". Uma fala muito linda e poética

surgiu de um menino, quando sugeriu que aquele bordado era como se fosse um remédio

para a senhora tecelã. Delicadeza de pensamento, já que a senhora adoeceu justamente

quando perdeu o seu precioso brocado.

No fim da história, quando disse que todos foram morar naquela casa retratada na

fotografia, utilizada pela senhora para confeccionar o seu brocado, as crianças ficaram

radiantes, mas não se esqueceram dos dois irmãos mais velhos, querendo saber qual o

destino dos mesmos.

Foi uma experiência de muito aprendizado. Os bordados que as crianças fizeram

ficaram muito bonitos e foram resultado de um exercício de autonomia na escolha do que

usar, o que fazer e como fazer aquele bordado, compondo uma obra coletiva das turmas

de cinco anos, o que também possibilitou a experiência de criar algo que não pertence a

uma única pessoa, mas a várias.

Por meio desse exercício, tivemos a oportunidade de experimentar um outro canal

de aprendizado, em que o corpo das crianças encontrou-se mais ativo, atuante. Para Le

Breton (2007), não há ação humana que não seja mediada pelo corpo. Nós nos

relacionamos com o mundo através dos sistemas simbólicos produzidos pelo corpo e é a

imersão da criança no campo simbólico que permite o seu desenvolvimento.

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Com essa história, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais da paisagem e

da arquitetura chinesas, além de nos aproximarmos de valores como o respeito e consideração

aos idosos, o valor da persistência, da coragem e do trabalho, muito presentes na cultura

oriental.

4ª semana

Nessa última semana contei “A Princesa Dragão” (Carrasco, 2014), conto

tradicional japonês que trata de um pescador que mergulhou até as profundezas do mar a

fim de encontrar o castelo da princesa dragão. Para isso, utilizei apenas um pequeno baú

e dentro dele um tule branco.

Antes de iniciar a história, quis deixar um tom de mistério, lhes dizendo que aquela

história não tinha um final feliz, era um final meio "de terror". Além disso, levantei o

desafio de adivinharem o que havia dentro do baú para que o fim se desse daquele modo.

Isso os deixou mobilizados e se mantiveram atentos e curiosos até o fim.

Houve também curiosidade das crianças quanto à atividade de pescador: eu disse

que Uroshima era o melhor pescador do Japão e, mesmo quando os demais não

conseguiam nada, ele sempre conseguia pescar os melhores peixes, todos os dias. Uma

criança, então, perguntou se assim não iriam acabar os peixes do mar. Ótimo raciocínio.

Tive então de me explicar melhor, defendendo a profissão e atitude do personagem. As

crianças deram sugestões interessantes, como quando disseram que os peixes espada

poderiam ser os guardas do castelo, o que incorporei à história nas contações seguintes.

No final da história, quando Uroshima decide subir à superfície, a princesa lhe alerta

ao fato de que, enquanto o tempo passa devagar lá embaixo, passa muito rápido em cima.

Ela também entrega a ele um baú e orienta que não abra, caso contrário algo horrível pode

acontecer. Uroshima, ao chegar na superfície frustra-se com a mudança da paisagem e

das pessoas e decide abrir o baú dado de presente. Nesse momento, uma nuvem branca o

envolve como um furacão e ele vai envelhecendo rapidamente até virar pó.

Algumas crianças souberam explicar com propriedade que aquilo se deu devido ao

tempo em cima ter passado mais rápido do que no fundo do mar e, por isso, quando ele

subiu tudo estava tão diferente. Um conceito complexo de ser compreendido.

Algumas crianças saíram da sala dizendo "ele virou um cadáver!", outras saíram

espalhando para as crianças dos demais grupos que naquela história havia uma maldição.

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O clima de mistério e suspense e a imagem do tule saindo do baú e o circundando

velozmente enquanto o personagem vai envelhecendo fizeram com que as crianças se

encantassem pela história e com frequência peçam para que eu a conte novamente.

De acordo com Bruner (2003, p. 31), a quebra de canonicidade está intimamente

ligada à natureza do ser humano, tanto crianças como adultos:

Crianças entram no mundo da narrativa precocemente. Elas

desenvolvem expectativas sobre como o mundo deveria ser, e suas

expectativas demonstram vieses estranhos e singulares, assim como as

dos adultos. Novamente, assim como os adultos, elas estão

profundamente sintonizadas com o inesperado, mais que isso, atraídas

por aquilo que é estranho. O fascínio pelo inesperado está impregnado

na sua brincadeira.

De acordo com Egan (2002), as histórias tradicionais estão plenas de imagens

vívidas, frequentemente bizarras, que causam em nós uma série de efeitos psicológicos.

Por meio da contação de histórias é possível desenvolver nas crianças a capacidade de

evocar imagens mentais do que não está presente, havendo uma sensação de que são reais

e presentes. Para o autor, um aspecto talvez inevitável das imagens que construímos a

partir das palavras é que elas trazem algum componente afetivo, por menor que seja.

Considerações Finais

O projeto pôde auxiliar as crianças no reconhecimento de diversos elementos da

cultura oriental, como a experiência da meditação, a naturalização do ciclo da vida e da

morte, a dedicação ao trabalho, o respeito aos mais velhos e o cuidado com as plantas.

Em resposta ao trabalho realizado, além de realizarem, inclusive fora do contexto dos

nossos encontros, comentários sobre as narrativas, as crianças passaram a trazer de casa

elementos da cultura oriental, como peças do vestuário e objetos, para compartilhar

comigo e com a turma, demonstrando interesse e envolvimento com o projeto.

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A LITERATURA INFANTIL LIBERTANDO CRIANÇAS

Monica Abud Perez de Cerqueira Luz

RESUMO

Essa pesquisa está fundamentada em autores que reiteram o papel da Literatura Infantil

como instrumento eficaz para desfazer o preconceito no convívio social. Visando atender

a mistura de povos e culturas existentes no Brasil, por uma determinação que partiu da

luta do movimento negro, tornou-se obrigatório inserir a temática História e Cultura

Africana em toda a Educação Básica, através da Lei 10.639/03.Nosso objetivo foi

observar a aplicabilidade da Lei 10.639/2003, que atribui a todas as áreas do

conhecimento a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos

escolares. A ênfase do trabalho foram os livros de Literatura Infantil utilizados em sala

de aula pelas docentes no momento de contação de histórias. Com base na análise de

discurso e das observações, reconhecemos reais possibilidades de inserir uma prática

pedagógica antirracista na educação infantil. A relevância social visa contribuir para uma

educação inclusiva.

Palavras chave: Étnico-racial. Literatura. Práticas Pedagógicas.

INTRODUÇÃO

Esse artigo tem por finalidade mostrar que o ato de ler ou ouvir histórias talvez

seja a forma mais antiga e divertida de educar, compartilhar conhecimentos, como

também ser fonte condutora de transmissão de valores e desconstrução de preconceitos.

Os contos de fada, por exemplo, promovem a possibilidade de aguçar a

imaginação e a curiosidade em relação a assuntos de interesse. Encontrar soluções para

questões do cotidiano e estabelecer contato com o mundo social e seus dilemas.

Por meio da leitura de literatura, a criança pode construir parâmetros para atuar

e interagir no mundo externo. A literatura infantil aborda temas presentes no dia a dia das

crianças como racismo, por exemplo.

Munanga (2004) enfatiza que o conflito entre as raças surgiu a partir do

momento em que os naturalistas do séc. XVIII tentaram classificar os grupos humanos

pela cor. A discriminação é visível na sociedade moderna, tanto quanto o preconceito de

gênero, étnico, religioso.

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O preconceito e a discriminação são opiniões pré-formadas por indivíduos sobre

algo que não conhecem, ou pensam conhecer. De forma distorcida e não discutida, sem

saber opinião de pessoas que conhecem ou participam do gênero discriminado por eles.

Diante do contexto exposto, surgiu à necessidade do reconhecimento das

demandas da comunidade afro-brasileira em relação à valorização da identidade da

criança afrodescendente através da Literatura Infantil, aspecto presente na Lei

10.639/2003.

Fundamentada em vários autores e principalmente no conceito de Quijano

(2010), o racismo é aqui entendido como resultado de uma construção sociológica e

mental da ideia de raça fruto de um padrão de dominação colonial eurocêntrica.

Nosso objetivo foi analisar a aplicabilidade da Lei 10.639/2003, que atribui a

todas as áreas do conhecimento a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira

nos currículos escolares. A ênfase do trabalho foram os livros de Literatura Infantil

utilizados em sala de aula pelas docentes.

A pesquisa de campo se deu no ano de 2014, onde acompanhamos uma turma

de trinta e cinco crianças, com idades entre quatro e cinco anos e a professora desse grupo,

durante quatro meses em uma escola municipal de educação infantil da cidade de São

Paulo, SP, zona oeste.

Como categoria de análise, utilizamos os conceitos de identidade racial,

literatura, preconceito e libertação.

A metodologia da pesquisa foi feita por meio da análise bibliográfica dos livros

infantis, produzidos e utilizados a partir da promulgação da Lei 10.639/ 2003 como

instrumento pedagógico para abordar as questões étnico- raciais.

Os dados foram tratados qualitativamente, levando em conta algumas marcas

literárias racistas ou discriminatórias, bem como de desenhos que possibilitaram instigar

as categorias racismo e o preconceito.

Finalmente, a relevância social da pesquisa se fundamentou no reconhecimento e

na valorização e na contribuição sociocultural da população afrodescendente para o país.

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Com base na análise de discurso e das observações, reconhecemos reais

possibilidades de inserir uma prática pedagógica antirracista na educação infantil.

PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Muitos estudiosos, sociólogos, antropólogos, pedagogos dentre outros, veem na

literatura infantil, a possibilidade de acessar um mundo de imaginação, sonhos e fantasias.

A criança na Educação Infantil entra em contato com a obra literária escrita para

ela ter uma compreensão maior de si e do outro. Por meio da literatura, terá oportunidade

de desenvolver seu potencial criativo e ampliar os horizontes da cultura e do

conhecimento, percebendo o mundo e a realidade que a cerca.

A literatura infantil se torna um elemento indispensável e muito importante no

desenvolvimento da autoestima, cognitivo e social das crianças. Por meio das histórias,

as crianças se veem, relacionam os conflitos fictícios com os vividos por elas, trabalha

oralidade, atenção e fazem uma leitura de mundo, além de desenvolver o gosto pelos

livros.

Quando a criança não se vê ali representada na história ou se a realidade retratada

na história nunca faz parte de sua realidade, sendo carregada de estereótipos, é possível

que essa criança não desenvolva uma imagem positiva dela mesma.

Para Cândido1 (1988) a literatura deve ser considerada um bem indispensável para

o ser humano, sendo assim necessária para garantir o amplo acesso das crianças à

sociedade.

Considerando o sentido amplo da literatura, em sua obra, Direito Humanos e

Literatura, o autor expressa a literatura como uma necessidade universal e que necessita

ser satisfeita, o que a torna um direito e fator indispensável da humanização. É por meio

da leitura e da escrita que a criança poderá conhecer novas realidade e culturas,

acrescendo esses conhecimentos aos já adquiridos pela leitura de mundo. Desse modo, a

criança será capaz de libertar-se-á das ignorâncias e opressões reputadas a ela pelos

opressores, como reitera Freire:

A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica

a continuidade da leitura daquela (FREIRE, 1982).

Para CÂNDIDO (1988) não há homem que possa viver sem a literatura, pois ela “aparece como

manifestação universal de todos os homens” e é fator indispensável de humanização.

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Diante da díade educação e cultura, os estudos de Petit2 (2006) compreendem a

leitura de literatura como um instrumento capaz de ajudar as crianças a superar seus

momentos adversos da própria vida, contribuindo para a construção ou reconstrução das

crianças.

Parreiras3(2006) em sua dissertação de Mestrado reitera a utilização do conto

como mediador entre o real e o imaginário. Segundo a autora, a Literatura pode ser

considerada uma ponte entre a criança e a subjetividade, pois é a Literatura que possui

qualidade de criar tais pontes por trabalhar com conteúdos simbólicos e fantasiosos.

Caldin 4 (2004) afirma que o conto favorece a introspecção, pois pelo seu intermédio

a criança pensa sobre os seus sentimentos e tem a esperança que o sofrimento vivenciado

em determinado momento de sua vida é passageiro. A leitura de histórias produz reflexões

na criança, mesmo que se encontre sozinha ou no escuro.

Roland Barthes5(1978) entende que a Literatura é a utilização da linguagem não

submetida ao poder, uma vez que esta linguagem literária não necessita de regras e nem

mesmo de estruturação fixa para se fazer compreender. Diferentemente do que acontece

com a utilização da linguagem científica cotidiana, que requer restrita obediência à sua

estrutura, para que haja uma perfeita comunicação.

O autor que se utiliza dessa linguagem literária é livre para escolher e criar uma

estrutura própria, desde que possa expressar seus sentimentos e ideias. Assim, construindo

o texto de acordo com seus próprios desejos, o escritor consegue que sua criação tenha

um novo valor: a arte.

As histórias infantis expressam de forma coerente e dinâmica as mazelas sociais,

sobretudo quando elas retratam as diferenças existentes na sociedade e o respeito que

devemos ter para com o nosso semelhante. Ela aborda os problemas enfrentados pelas

crianças, como o medo, a insegurança, o egocentrismo, o preconceito, a discriminação.

Assim, para Zilberman (2003)

A criança, devido não só à circunstância social, mas também por razões

existenciais, se vê privada ainda de um meio interior para a experimentação do

mundo, ela necessitará de um suporte fora de si que lhe sirva de auxiliar. É esse

lugar que a Literatura Infantil preenche de modo particular [...] (ZILBERMAN,

2003, p. 45)

A discriminação é algo visível na sociedade moderna, o preconceito de gênero,

étnico, religioso infelizmente ainda é muito grande. O preconceito e a discriminação são

2 PETIT (1999) dá ênfase aos sujeitos mediadores de leitura. O mediador pode ser um professor, um bibliotecário, um jornaleiro, um trabalhador ou simplesmente

um amigo ou uma pessoa com quem se convive.

3 PARREIRAS (2006) em sua Dissertação, desenvolvida na USP, SP, intitulada A Psicanálise do Brinquedo na Literatura para Criança aponta que a Literatura

como o brinquedo abre caminhos para a criança defrontar consigo mesma e com os outros, favorecendo a sua subjetivação. 4 Caldin é mestre em Literatura e seus trabalhos utilizam a literatura com função terapêutica. 5 Barthes Barthes foi um escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Formado em Letras Clássicas em 1939 e Gramática e Filosofia em

1943 na Universidade de Paris.

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opiniões pré-formadas por indivíduos sobre algo que não conhecem, ou pensam conhecer.

De forma distorcida e não discutida, sem saber opinião de pessoas que conhecem ou

participam do gênero discriminado por eles.

Não podemos deixar de mencionar que vivemos em um país que ainda conserva

uma herança escravocrata enorme, marcado pelas desigualdades políticas, econômicas,

sociais e públicas, principalmente na área social.

Segundo Munanga (2004), o conflito entre as raças surge a partir do momento em

que os naturalistas do séc. XVIII, ao tentarem classificar os grupos humanos,

estabeleceram escalas de valor entre as chamadas raças, relacionando- as características

a cor da pele, traços morfológicos, além das qualidades psicológicas, morais, intelectuais

e culturais. Para o autor

Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente

superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características

físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio

(dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que segundo

pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais

inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras

raças, principalmente a negra, mais escura de todas e, consequentemente

considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos

inteligente e, portanto, a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de

dominação. (MUNANGA, 2004, p.19).

Assim, o racismo é uma questão estrutural de nossa sociedade e é manifestado por

meio do preconceito baseado em diferenças fenotípicas.

Diante desse processo, a construção identitária da criança negra ocorre de forma

extremamente conflituosa. Quando acessa seu repertório imagético, constituído (entre

outros) pelos livros de literatura infantil, ela percebe que não existe uma correspondência

corporal positiva. O preconceito racial interfere diretamente na construção dessa

identidade, uma vez que o negro tendo como referência o ideal branco, conscientemente

ou não, atribui características negativas ao seu próprio corpo.

Como aproximar as crianças negras socialmente excluídas pelas crianças brancas

ou mulatas da literatura infantil? Que tipos de literatura essas crianças estão vivenciando

na escola? As histórias que reforçam o preconceito por palavras, contexto e imagens ou

as que libertam realmente de todo esse processo de quase trezentos anos pós-escravidão?

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Dentro destes princípios, algumas reflexões parecem necessárias quando se tenta

compreender a trajetória das políticas públicas no Brasil, na promoção da eqüidade social

e a superação dos desequilíbrios.

O Brasil desde a sua colonização, nunca obteve uma identidade autêntica, plural e

construída por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos. (ORTIZ,

2003). Segundo o autor, existe a tentativa de fixar uma noção de cultura somente no

âmbito político, atendendo os interesses de uma classe dominante que têm sua veracidade

aferida em suas propostas baseada em interesses próprios.

Levando todo esse contexto para a educação, é um enorme desafio desenvolver na

escola novos espaços pedagógicos que propiciem a valorização das múltiplas identidades

que formam a identidade do povo brasileiro.

As salas de pré-escola devem ser um ambiente prazeroso, onde são oferecidos e

trabalhados todos os tipos de materiais, pois através da observação, comparação,

classificação e reflexão, as crianças possam descobrir a importância da cultura, das

crenças, dos rituais afro-brasileiros, procurando se apropriar desse conhecimento

construído e acumulado historicamente.

É imprescindível incorporar nos currículos da pré-escola, a escuta de histórias

infantis com matrizes africanas, que possam promover um sentimento de identificação,

na medida em que regaste a história dos negros, sua herança africana e sua importância

na formação do Brasil.

Em relação à literatura infantil, as imagens ilustradas também constroem enredos

e cristalizam percepções. Sendo assim, é importante perceber, como os negros são

representados nas histórias infantis.

Atualmente, os textos voltados para o público infantil retratam os negros em

situações comuns do cotidiano, enfrentando preconceitos, resgatando sua identidade e

valorizando suas tradições religiosas, mitológicas e a oralidade africana.

Segundo Jovino

Há também os livros que retomam traços e símbolos da cultura afro-brasileira,

tais como as religiões de matrizes africanas, a capoeira, a dança e os

mecanismos de resistência diante das discriminações, objetivando um estímulo

positivo e uma auto-estima favorável ao leitor negro e uma possibilidade de

representação que permite ao leitor não negro tomar contato com outra face da

cultura afro-brasileira que ainda é pouco explorada na escola, nos meios de

comunicação, assim como na sociedade em geral. Trata-se de obras que não se

prendem ao passado histórico da escravização. (Jovino 2006: 216)

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É importante ressaltar que essas mudanças na forma de pensar e ser sujeito negro

na literatura infantil é de intensas lutas de movimentos negros em diversos âmbitos

sociais. Resultados de questionamentos e debates no campo da educação para as relações

etnicorraciais, onde as ações de reparação são o reconhecimento e a valorização da

história, da cultura e da identidade dos afro-brasileiros.

Segundo Ortiz (2003), só através de uma releitura dos elementos que compõem as

culturas negras no Brasil será capaz de resgatar para todos os brasileiros uma cultura

nossa, considerada marginal, mas que é condizente com a identidade cultural do país.

É importante trabalhar a discussão da diversidade já na infância. Se a criança não

for preparada desde cedo, dificilmente romperá com os preconceitos, que são frutos de

um contexto eurocêntrico advindo de um processo colonial, que tenderá a repetir os

padrões de discriminação que aprendeu na sua família e no seu meio social.

A questão da colonialidade fundamenta-se no eurocentrismo, forjando uma crença

de superioridade dos europeus, sobre os outros povos. A colonialidade está diretamente

engendrada e segundo Quijano6

Com a constituição da América (latina), no mesmo momento e no mesmo

movimento histórico, o emergente poder capitalista torna-se mundial, os seus

centros hegemônicos localizam-se nas zonas situadas sobre o Atlântico – que

depois se identificarão como Europa – e como eixos centrais do seu novo

padrão de dominação estabelecem-se também a colonialidade e a modernidade.

Em pouco tempo com a América (latina) o capitalismo torna-se mundial,

eurocentrado, e a colonialidade e a modernidade instalam-se associadas como

eixos constitutivos do seu específico padrão de poder, até hoje (2010, p.85).

A colonialidade transfere para as relações etárias e étnico-raciais compreensões

maniqueístas, como de superioridade versus inferioridade, bem e mal, certo e errado,

maduro e imaturo, moderno e atrasado, entre outros.

Conforme reitera Quijano (2010) o racismo é resultado de uma construção

sociológica e mental da ideia de raça, fruto de um padrão de dominação colonial

eurocêntrica que deve ser rompida.

Descolonizar os currículos, as ideias, as propostas de trabalho, as mentes, as

histórias, os livros infantis; efetivar rupturas epistemológicas e culturais trazidas pela

questão racial na educação brasileira. É necessário operar na sociedade uma mudança

horizontal, onde as culturas negadas e silenciadas possam eclodir.

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa

apenas as crianças de ascendência negra, mas também aos alunos de outras ascendências

6 Quijano é cientista social que, em conjunto com outros pesquisadores do grupo Modernidade/Colonialidade, enriquece a percepção sobre os eixos que sustentam

as relações de poder contemporâneas.

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étnicas, principalmente brancas, pois ao receber uma educação preconceituosa, eles

também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas.

Discutir referenciais teóricos na perspectiva dos gêneros textuais (BAKHTIN,

2003) que reafirma no desenvolvimento de um trabalho que abarque a centralidade da

função comunicativa da linguagem e das africanidades (SILVA, 2005).

Para analisar os dados encontrados, partimos de estudos sobre a Lei 10.639/03 e

sua importância na área educacional e de alguns trabalhos já realizados com a mesma

temática da representação do negro em livros de histórias infantis.

A PESQUISA

Durante quatro meses, acompanhamos essa turma de alunos e a professora, nos

momentos de brincadeira, jogos simbólicos, atividades livres na quadra e dirigidas com a

intervenção da professora.

Pudemos notar nas relações entre as crianças, alguns traços marcantes de atitudes

puramente racistas. Na brinquedoteca, por exemplo, das dezessete meninas da turma,

notamos reiteradamente que apenas duas, brincavam com os bebês negros. A grande

maioria da sala, cerca de 80% era formada por afrodescendentes e mesmo assim, grande

parte dessas crianças, não se intitulava negra.

Nos momentos de contação de história, as crianças não escolhiam as histórias que

possuíam na capa desenhos ou gravuras de negros. As meninas davam preferência aos

contos de fadas e os meninos quase na maioria, não demonstraram interesse pela

atividade. Assim, enquanto a professora em roda contava a história, os mesmos se

dispersavam, levantavam, falavam alto, cutucavam o colega.

Conversamos com a professora a respeito dessa escolha de livros que partia das

crianças e questionamos o porquê dela não trabalhar as questões raciais.

Num primeiro momento, ela nos respondeu que os livros com esse tema não eram

interessantes. Solicitamos que nos levasse a biblioteca e pesquisamos os títulos

disponíveis.

É importante ressaltar que a escola tem um acervo muito grande e com livros

bastante novos no mercado editorial. Notamos que os livros que abordavam as questões

raciais estavam praticamente intactos, sem marcas de uso (uma dobra, uma orelha na

página, um rasgo).

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Separamos o livro A menina bonita do laço de fita, da autora Ana Maria Machado.

Conversamos coma professora sobre o livro e ela se dispôs a trabalhar a história com as

crianças.

Durante a contação da história as crianças pela professora, pudemos notar certo

estranhamento por parte das crianças quando ouviram que a menina era linda, com

cabelos pretos enrolados e parecia uma princesa.

Uma menina negra pediu para a professora mostrar o desenho e quando viu a

menina disse:

- “Nossa, que feia essa neguinha”.

Imediatamente a professora retomou a história e seguiu até o término da mesma.

Algumas crianças ficaram perplexas em saber o que falar após a contação. Outras

se agitaram. A professora organizou uma ordem para que pudessem fazer os comentários.

Um menino branco virou para a professora e falou:

- “Eu gostei do coelho porque ele achou a menina negra bonita igual eu acho.”.

Outro garotinho falou:

“- Ela é igual a minha mãe, mas eu não tenho um coelho”.

Num outro momento a professora deu uma folha de sulfite e pediu que as crianças

se desenhassem. O tema era: Eu sou assim...

Deixou que cada um se auto desenhasse. Recolheu as folhas e não interviu nas

produções.

Naquele dia, nos procurou e comentou conosco a representação simbólica que

algumas crianças tinham delas próprias.

Oito meninas e dois meninos negros se desenharam brancos. A professora

demonstrava certa preocupação com o fato, imaginando que a história recém-trabalhada

pudesse ter interferido na autoimagem das crianças.

Passaram-se algumas semanas e ela propôs uma atividade com base no que

havíamos conversado.

Cada criança ganhou um espelho retangular tamanho médio. A professora

disponibilizou folhas, lápis coloridos, giz de cera, apontador, borracha.

A consigna era a seguinte: as crianças deveriam se olhar no espelho e desenhar

seu rosto, como se fosse uma fotografia. As crianças ficaram empolgadas com a atividade

diferenciada.

Nessa atividade, a professora fazia algumas intervenções como: seus olhos são

assim... seus cabelos... sua pele... sua boca... e suas orelhas...

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Após o desenvolvimento do trabalho, nos reunimos novamente e percebemos que

três crianças, sendo duas meninas e um menino que haviam se auto desenhado brancos,

nesse momento se reconheceram negros.

Quando a professora solicitou para que apresentassem seu desenho (foto), não

percebemos constrangimento quanto à raça que foi ali expressada perante os colegas.

Acreditamos que a história é um instrumento rico e potente para resgatar raízes,

aguçar percepções. Daí por adiante, a professora buscou novas histórias que abordassem

as relações étnico-raciais.

Conforme coloca Quijano (2010) é importante descolonizar os currículos, as

ideias, as propostas de trabalho, as mentes, as histórias, os livros infantis; efetivando

rupturas epistemológicas e culturais trazidas pela questão racial na educação brasileira.

CONCLUSÃO

O objeto de estudo desta pesquisa é a Literatura Infantil analisada em sua relação

com os princípios de uma educação para as relações étnico-raciais, conforme previsto

na Lei 10.639/03.

Diante da díade educação e cultura, nossa pesquisa foi pautada na concepção de

literatura infantil de vários autores e pesquisadores, dentre eles Cândido que atribui à

literatura um bem indispensável para o ser humano, sendo assim necessária para garantir

o amplo acesso das crianças à sociedade.

A literatura na perspectiva de Petit (2006) que pode nutrir a vida de uma criança,

auxiliando-a a enfrentar momentos de crise e dentre outros; à literatura infantil que pode

libertar como reitera Jovino (2006) onde livros que retomam traços e símbolos da cultura

afro-brasileira, tais como as religiões de matrizes africanas, a capoeira, a dança e os

mecanismos de resistência diante das discriminações, levam um estímulo positivo a

criança, possibilitando a contrução de uma autoestima favorável a criança negra, além da

possibilidade de representação que permite ao leitor não negro tomar contato com outra

face da cultura afro-brasileira.

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Para Quijano (2010), o racismo é resultado de uma construção sociológica e mental

da ideia de raça, fruto de um padrão de dominação colonial eurocêntrica que deve ser

rompida. Descolonizar os currículos, as ideias, as propostas de trabalho, as mentes, as

histórias, os livros infantis; efetivar rupturas epistemológicas e culturais trazidas pela

questão racial na educação brasileira. É necessário operar na sociedade uma mudança

horizontal, onde as culturas negadas e silenciadas possam eclodir.

A proposta dessa pesquisa foi analisar nos livros infantis a representação dos

negros por meio de imagem, discurso e conteúdo presentes nos livros infantis. (Osman,

2010). Possibilitou-nos discutir referenciais teóricos na perspectiva dos gêneros textuais

(Bakhtin, 2003) que reafirmaram a centralidade da função comunicativa da linguagem e

das africanidades (SILVA, 2005).

Os dados encontrados foram tratados de modo qualitativo, partindo de estudos

sobre a Lei 10.639/03 e sua importância na área educacional, bem como de alguns

trabalhos já realizados com a mesma temática da representação do negro em livros de

histórias infantis.

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Práticas religiosas na educação infantil de uma escola pública laica

Denise Mak

RESUMO

O presente estudo, cujo tema foi cerne da dissertação de mestrado, investigou como a

religião tem sido abordada dentro do âmbito escolar público por agentes educacionais,

especificamente da educação infantil, no município de São Paulo, tendo como base teórica

as contribuições de Bourdieu (2004; 2011; 2012), Fernández (1995), Wallon (1975; 1995;

2008) e Vygotski (2007). Durante quatro meses do ano de 2013, utilizou-se do método de

observação para a coleta das informações em uma Escola Municipal de Educação Infantil

As práticas observadas foram analisadas à luz da hipótese que considerou a presença da

religião dentro da escola como um bem simbólico e também como uma forma de violência

simbólica, além de conceitos da psicologia do desenvolvimento. Para este texto somente

duas professoras serão analisadas, ambas refletem suas crenças particulares em sala de

aula. Conclui-se que a religião pessoal dessas docentes faz parte do cotidiano escolar

dessa instituição.

Palavras-chave: Educação infantil. Escola laica. Religião. Práticas pedagógicas.

Professores.

Introdução

Esta pesquisa, cujo tema foi cerne da dissertação de mestrado, intitulada A

presença da religião em ações docentes de uma escola pública de educação infantil, teve

como objetivo verificar o como a escola pública laica no mundo contemporâneo trabalha

ou não o tema religião, para isso foi feita uma análise do dia a dia de uma Escola

Municipal de Educação Infantil (EMEI) do município de São Paulo, durante quatro meses

do ano de 2013, na qual quatro professoras polivalentes foram observadas em sala de aula,

para verificar manifestações religiosas no ambiente escolar.

A questão de que a religião influencia ações docentes dentro da escola pública de

educação infantil, sem respeitar a diversidade cultural, parte de observações esparsas

colhidas como observadora da prática de colegas de trabalho, já que sou professora desta

etapa de ensino. Datas religiosas que não deveriam constar no calendário da escola

pública laica estão presentes nos planejamentos escolares.

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Para este texto, trago como recorte alguns dados da pesquisa. Busca-se verificar

se, e como, a religião entra na escola, de forma sutil, por meio dos agentes que atuam em

uma instituição pública de Educação Infantil. Se há uma lei que efetiva o ensino religioso

dentro do ensino fundamental, como fica a educação infantil já que não existe nenhuma

legislação que discute a religião nesta etapa da educação? As professoras polivalentes

colocariam em seus planejamentos a questão da religião? Como o tema é trabalhado?

Em suma, este estudo buscou explorar a temática educação infantil e religião

dentro das práticas de professoras polivalentes atuantes nessa etapa de ensino.

Justificativa e objetivos

Este estudo tem como pretensão discutir práticas docentes incluindo as que

abordem a questão da religião. A pretensão desta pesquisa é a de debater o que acontece

no interior de uma determinada escola de educação infantil, enfatizando uma faceta

cultural sem desconsiderar o contexto em que as pessoas estão inseridas.

Assim, há a pretensão de focalizar algumas práticas naturalizadas dentro da escola,

como também auxiliar em futuras pesquisas sobre a temática aqui debatida com o objetivo

de que outros estudiosos se aprofundem mais no tema, principalmente na área de

formação de professores e de como a religião pode interferir no desenvolvimento infantil,

sempre com o objetivo de que as crianças tenham a melhor formação possível.

Deste contexto abordado e do aprofundamento teórico, surgiu a problematização

acerca da educação infantil e da religião dentro dessa etapa de ensino, a questão

norteadora se explicita: as ações pedagógicas realizadas por profissionais da escola

pública de educação infantil, nos diferentes lugares que compõem tal etapa de ensino,

veiculam aspectos religiosos portados pelas disposições dos agentes que nelas atuam?

Esta questão ampla pode ser desdobrada em outras que subsidiaram a pesquisa: Em que

ambientes da escola são veiculados tais aspectos? De que modo tais aspectos são

veiculados? Quais são os agentes educacionais mais frequentes nessa veiculação? Há

diferenças entre a atuação das professoras e dos demais agentes? Em quê? Quais são as

mensagens presentes em tais intervenções?

O principal objetivo da pesquisa consistiu em detectar e analisar a eventual

reprodução social da religião e de aspectos religiosos como parte da cultura veiculada

dentro da escola. Como objetivos específicos foram especificados: verificar se a religião

faz parte da cultura presente na escola, principalmente por parte dos professores e suas

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ações nos diversos lugares que compõem o ambiente da Educação Infantil; identificar e

analisar as ações do dia a dia que expressem conduta que veicule aspectos religiosos

dentro da escola; verificar manifestações dos demais agentes educacionais no que tange

à veiculação de valores religiosos dentro do espaço escolar.

A partir das leituras e do que foi exposto nesta parte inicial foi constituída a

seguinte hipótese: a moralidade religiosa, como parte da cultura, tende a fornecer

subsídios simbólicos para as ações dos profissionais da educação, posto que está presente

nas disposições dos professores que as manifestam em suas condutas.

Referenciais teóricos

A definição do tema levou à escolha dos referenciais da área da Sociologia e

Psicologia, que tratam das questões educacionais e pedagógicas. As análises dos dados

foram feitas com base nas contribuições teóricas de Bourdieu (2004; 2011; 2012) e

Fernández (1995) no que tange ao aspecto reprodutor da cultura simbólica na escola, no

que diz respeito à religião. Os referenciais teóricos ajudam a compreender o quanto a

escola pode reproduzir a religião sem um senso crítico, como algo naturalizado no âmbito

social. Além desses referenciais, também Wallon (1975; 1995; 2008) e Vigotski (2007),

por considerarem a criança um ser em desenvolvimento, nos auxiliam a entender a faixa

etária observada e suas peculiaridades.

Metodologia

Como procedimento de análise, optamos pela observação contínua em sala de aula

e, quando necessário, alguns questionamentos seriam feitos às educadoras ou aos

profissionais presentes em determinadas situações, sem prévia pauta de entrevista, e sim

em funções dos sinais observados nas situações. Além disso, para obtenção de parte da

coleta de dados, também foi verificada a documentação da escola no que tange ao Projeto

Político e Pedagógico e ao projeto executado pela coordenadora para formação

continuada dos professores, além da ficha de matrícula para 2014 disponibilizada também

por ela.

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Desenvolvimento da pesquisa

A pesquisa está organizada no que se denominou “cenas”, para melhor

sistematização dos dados. Para a apresentação deste estudo trago duas professoras como

opção de recorte da pesquisa. As crianças de ambas as salas possuem entre 4 e 6 anos.

Professora A

Primeiramente, Professora A é Hare Krishna, tem 39 anos e possui 19 anos de experiência

como professora e é efetiva na prefeitura, trabalhando em dois períodos – matutino e

vespertino – com educação infantil na mesma escola – das 7h às 11h e das 15h às 19h.

Cena 1 – Professora A

É hora da entrada das crianças, a professora esperou na sala e elas foram chegando aos

poucos. Ajeitaram as mochilas em um canto da sala destinado a isso e sentaram nas

cadeiras dispostas. Após a chegada de um número significativo de crianças, a

professora estendeu um tapete de plástico, desenhado com letras, no centro da sala e

pediu para que os alunos sentassem nele. Ela pega um caderno e começa a ler uma

história colada nele. A professora A contou uma história chamada O ovo da Vida, que

questiona se o coelho nasce ou não do ovo.

Após o término da história as crianças voltaram a sentar nas cadeiras e a professora

distribuiu uma atividade em folha sulfite, na qual havia um desenho em formato de ovo,

com a seguinte proposta por ela explicada:

Desenhem dentro do ovo o que vocês gostariam de ter no ovo de vocês, lembrem-se

que na história o ovo tinha carinho, amor, alegria. (Professora A)

Em seguida as crianças desenharam livremente; a professora observava que alguns

alunos fugiam da temática; ela apenas relembrava as crianças o que tinha dito

anteriormente, sem interferir no que estava sendo desenhado. Conforme as crianças

terminavam as atividades, a professora fazia observações e vistava os desenhos. Após

o término da atividade era hora do café.

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A abordagem feita sobre a Páscoa é reflexiva, pois a Professora A trouxe uma

história para seus alunos, cujo enredo questiona o fato do coelho nascer de um ovo. Assim,

A tentativa abordar tal data de forma diferenciada, talvez por pertencer a uma religião não

cristã.

Enquanto as crianças desenhavam, fiz alguns questionamentos à professora:

Você tem alguma religião? (Pesquisadora)

Sim, eu sou Hare Krishina. (Professora A)

Você acha que se tem uma influência cristã dentro da escola? (Pesquisadora)

Sim, tem muita professora que diz que não, mas já vi algumas passando vídeo do

nascimento de Cristo no Natal, ou, como no começo do ano, que passaram “Smilinguido,

a moda amarela”. Isso incomoda um pouco. (Professora A)

Smilinguido é um desenho cristão, mas envolve outras análises, como o fato de

Smlinguido ser uma formiga. Em sua sociedade (um formigueiro) cada um tem uma

função a ser realizada. Resumidamente, o assunto tratado em tal desenho é a questão do

diferente, pois todas as formigas passam a se vestir de amarelo após Smilinguido ser muito

elogiado pela rainha, pois ele se veste com esta cor. Um dos amigos dele descobre que o

formigueiro ficou monocromático, aspecto que não traz a mesma beleza que as várias

cores antes usadas podem acarretar, além disso, todos são diferentes e não é uma

vestimenta que determinará o caráter de alguém - isso tudo envolto em questões cristãs,

nas quais Deus e Jesus não deixam de ser citados de forma constante.

Aqui se verifica uma maneira de reproduzir o cristianismo na escola, pois ambos

os filmes perpassam valores de tal religião. Vale enfatizar que esse foi um relato feito pela

professora A e que durante a pesquisa não foi visto nenhum filme com temática religiosa.

Professora D

D tem 38 anos e declara-se católica. Possui 17 anos de experiência e sempre atuou

na educação infantil, sendo efetiva na prefeitura de São Paulo.

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Cena 2 – Professora D

As crianças chegaram à sala e sentaram-se; a professora iniciou a aula com a contagem de quantos

alunos estavam presentes, de uma maneira diferenciada: pediu que as meninas ficassem em pé

como estátuas e conforme ia contando elas voltavam a sentar e, em seguida, ela fez o mesmo com

os meninos. Após este momento, ela fez a rotina. A professora D possui fotos dos espaços e dos

objetos da escola e seus nomes escritos ao lado da foto, então se vão ao parque há a foto do parque

e ao lado o nome do espaço escrito e um cartaz em que ela coloca na ordem o que os alunos irão

fazer naquele dia; as crianças permaneceram atentas à fala dela. Logo em seguida, a cena do dia

anterior se repetiu, com a professora fazendo a seguinte oração:

“Mãozinha no coração. Senhor Jesus, abençoe a minha vida, a da minha família, dos meus

amigos. Senhor Jesus, neste dia seremos mais obedientes e mais bondosos. Amém.” (Professora

D)

Após a oração, a turma desceu para o café da manhã.

Cena 3 – Professora D

A professora organizou as mesas com pecinhas, para receber as crianças e elas brincaram com o

material. A professora chamou a atenção, pois era o momento de fazer a contagem de quantas

crianças vieram. Primeiro ela pediu que as meninas se levantassem, eles contaram todos juntos e

logo em seguida foi a vez dos meninos. Após este momento, a professora passou aos alunos a

rotina do dia, da mesma maneira do dia anterior, e as crianças permaneceram atentas à fala da

professora. Também como no dia anterior foi hora de orar, momento realizado antes do café.

Neste dia a cena se repetiu, mas como é uma oração espontânea, alguns dizeres se modificaram:

Mãozinha no coração, escutando o coração. Senhor Jesus, nós queremos te louvar e te agradecer

pelo dia de hoje. Abençoe, Senhor Jesus. Hoje estamos felizes porque nós ficamos muitos dias

em casa e hoje voltamos para a escola. Senhor Jesus, providencie emprego para a mamãe e o

papai. (professora D)

Acabada a oração, as crianças se organizaram em fila para descer ao refeitório.

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A professora orava todos os dias, com o intuito de agradecer ou pedir algo antes

do café. Esta é uma forma de inculcação da religião cristã e pode ser vista como uma

violência simbólica e uma forma de reproduzir conceitos da sociedade e do campo

religioso desse credo dentro da escola. O seu campo religioso é trazido para dentro do

seu campo profissional, além do seu habitus.

Quanto às atividades desenvolvidas por Professora D, essas são significativas para

as crianças, sendo que elas participam de forma ativa do que é proporcionado, como no

momento da contagem. Elas demonstram grande curiosidade pela rotina, esta feita com

fotos do ambiente escolar, com o nome escrito ao lado, ou seja, ao se considerar a teoria

vigotskiana e walloniana sobre o conhecimento mediado pelo adulto, esta professora

demonstra um grande domínio do que está sendo feito.

Assim, merece destaque o modo diferente do manejo da turma quando faz a

verificação da presença e quando apresentava a rotina do dia; além disso, ela conseguia

prender a atenção das crianças, com a expectativa necessária para preparar a oração e a

concentração que vinha a seguir.

Resultados

O estudo verificou modos pelos quais os docentes de determinada escola pública

veiculam conceitos e valores religiosos dentro do cotidiano de uma EMEI no município

de São Paulo. Sabe-se que há uma diversidade religiosa inerente à escola, a criança desta

faixa etária, entre 4 e 5 anos, ainda não tem constituído valores religiosos fortemente

arraigados na sociedade. Assim, houve a preocupação de verificar se há ou não uma

influência por parte das professoras polivalentes na formação e constituição desses

preceitos, analisando o que ocorre dentro de uma sala de aula de educação infantil. Assim,

a pesquisa analisou e concluiu que as professoras acompanhadas, neste recorte,

reproduzem dentro da escola pública sua religiosidade.

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Considerações finais

O ambiente escolar é único, digno de uma diversidade cultural rica, que é ainda

mal trabalhada e estudada. É preciso trazer essa diversidade para melhor desenvolvê-la

em sala de aula, incluindo no debate feito entre educadores e educandos o saber sobre

outras realidades, visões de mundo ou filosofias de vida variadas.

A lei é clara ao estabelecer regras para o ensino fundamental quanto à disciplina

Ensino Religioso, mas a inquietação por parte da pesquisadora foi quanto à educação

infantil, pois havia uma preocupação ao verificar no cotidiano escolar práticas

reproduzidas por docentes. Ao perceber que datas comemorativas que visam à reprodução

de valores cristãos ou o consumismo infantil são trabalhados dentro desse contexto, sem

a mínima reflexão por parte dos educadores, houve a curiosidade em estudar e aprofundar

mais sobre tema.

A educação infantil não possui um currículo comum, como é o caso do ensino

fundamental, não é uma etapa de ensino obrigatória, apesar de a lei ter sido promulgada

e os municípios precisarem adequar-se até 2016. A herança que se tem sobre o

entendimento da educação infantil está permeada pela concepção de um curso

preparatório para o fundamental I e esta é uma visão equivocada por parte dos educadores,

pois em tal etapa de ensino a criança deve ser vista como um ser em formação, com voz

ativa e merecedora de um universo lúdico, já que o brincar é fator primordial para o

desenvolvimento cognitivo infantil. Além disso, os CEIs e EMEIs são muitas vezes

confundidos com instituições assistencialistas e não como educacionais, especialmente

porque não são obrigatórios, são a salvação para a maior parte dos pais que trabalham, e

nesta visão consiste um grande desafio por parte de educadores: quebrar regras

estabelecidas há tempos e refletir sobre a própria prática.

Para essa faixa etária, o educador deve explorar a curiosidade inerente do mundo

infantil, a criança é questionadora e exploradora; trabalhar de forma a desenvolvê-la

globalmente deve ser o objetivo dessa educação. A cultura está imposta, sempre, e saber

o que e como mediá-la é função do professor, conforme já ressaltado ao longo do texto,

de forma a não gerar ações preconceituosas em relação a outras etnias, filosofias de vida

ou religiões.

Muitas vezes pensamos que as crianças são incapazes de refletir sobre alguns

aspectos que ocorrem dentro de uma perspectiva considerada científica. Podemos achar

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que refletir sobre a cultura seria algo improvável dentro do universo infantil. Professoras,

pais e mães cometem um erro equivocado ao pensar que as crianças não podem ter

pensamentos mais sofisticados em relação ao que o mundo pode nos oferecer. Para que a

criança construa essa lógica científica, faz-se necessário partir do lúdico, do brincar, de

ensiná-las a pensar mesmo dentro de algo que muitos podem considerar insignificante.

O educador deve dominar conceitos discutidos quanto à importância da

motricidade e da linguagem para o desenvolvimento infantil.

A dificuldade que muitos professores encontram para ver que a educação é um

ato de coerção social e imposição constante de uma cultura instituída e inquestionável é

um obstáculo na educação brasileira.

Há a necessidade de que os cursos de formação de professores discutam com os

futuros educadores – sejam eles inspetores, coordenadores, diretores ou professores –

sobre os mais diversos âmbitos da educação. Há o imperativo de se questionar o que está

naturalizado dentro da sociedade e isso requer uma formação mais reflexiva. Entretanto,

o que se tem verificado ainda é um caminho contrário, com uma formação fragilizada em

cursos curtos e rápidos de Pedagogia.

Enfim, o estudo aqui exposto dá margem para futuras pesquisas e um

aprofundamento maior no que tange a questão da religião e formação docente dentro desta

etapa de ensino, por vezes pouco explorada por parte dos pesquisadores.

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OS (DES) CAMINHOS DA INFÂNCIA: TENDÊNCIAS E DESAFIOS

CONTEMPORÂNEOS NA IDENTIDADE DO SER CRIANÇA

Marília Silva Mendes¹

Nelma Menezes Soares de Azevêdo¹

Neste artigo, propomos uma reflexão sobre a questão da identidade do ser criança

na contemporaneidade. Sabemos que cada época, cada povo e cada cultura têm uma

forma de ver e de se relacionar com essa primeira etapa da vida humana. O presente

trabalho visa a estudar as transformações identitárias da criança que desafiam a educação

no mundo contemporâneo. Sendo assim, o presente texto procura explorar questões

relacionadas à concepção de infância proposto pela Sociologia da Infância e de uma

concepção sociohistórica de desenvolvimento humano, a forma como as identidades são

construídas, os processos que aí estão envolvidos e as mudanças que vem ocorrendo na

educação da criança. Espera-se, com esse estudo, contribuir com a investigação do tema

proposto e provocar reflexões para uma ação transformadora na educação.

Palavras-chave: Identidade. Criança. Sociologia da infância. Desenvolvimento Humano.

Educação.

¹Aluna do Mestrado em Educação, Culturas e Identidades da UFRPE/FUNDAJ.

² Aluna do Mestrado em Educação, Culturas e Identidades da UFRPE/FUNDAJ.

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