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Quando os Elefantes Choram A Vida Emocional dos Animais Jeffrey Masson Susan McCarthy Tradução Paula Cortes Sinais de Fogo Título original: When Elephants Weep: The Emotional Lives of Animals Autor: Jeffrey Moussaieff Masson Copyright (c) 1995 by Jeffrey Masson e Susan McCarthy Tradução: Paula Cortes Revisão: Rita Quintela Projecto Gráfico: Graça Castanheira + Jorge Santos Reservados todos os direitos para Portugal por: Sinais de Fogo Publicações, Lda Rua Diogo Dias, Lote 6 - r/c 2750-161 Cascais Tel. 21 482 33 55/6 Fax 21 482 33 57 e-mail: [email protected] Site: www.sinaisdefogo.pt Impressão e acabamento: Tipografia Guerra Lda 1ª edição, Cascais, Setembro de 2001 ISBN-972-8541-26-0 Depósito legal nº 168800/2001

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Quando os Elefantes Choram A Vida Emocional dos Animais

Jeffrey Masson Susan McCarthy

Tradução Paula Cortes

Sinais de Fogo

Título original: When Elephants Weep: The Emotional Lives of Animals

Autor: Jeffrey Moussaieff Masson

Copyright (c) 1995 by Jeffrey Masson e Susan McCarthy

Tradução: Paula Cortes Revisão: Rita Quintela Projecto Gráfico: Graça Castanheira + Jorge Santos

Reservados todos os direitos para Portugal por: Sinais de Fogo Publicações, Lda Rua Diogo Dias, Lote 6 - r/c 2750-161 Cascais Tel. 21 482 33 55/6 Fax 21 482 33 57 e-mail: [email protected] Site: www.sinaisdefogo.pt

Impressão e acabamento: Tipografia Guerra Lda 1ª edição, Cascais, Setembro de 2001 ISBN-972-8541-26-0 Depósito legal nº 168800/2001

Digitalizado por: Cátia Lima

Índice

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Agradecimentos 5 Prólogo: Em Busca do Coração do Outro 8 1 Em Defesa das Emoções 28 2 Brutos Sem Sentimentos 67 3 O Medo, a Esperança e os Sonhos Aterrorizantes 105 4 O Amor e a Amizade 138 5 O Pesar, a Tristeza e os Ossos dos Elefantes 188 6 Uma Capacidade para a Alegria 224 7 A Raiva, o Domínio e a Crueldade na Guerra e na Paz 266 8 A Compaixão, o Auxílio e a Discussão do Altruísmo 304 9 A Vergonha, o Rubor e os Segredos Mais Recônditos 350 10 A Beleza, os Ursos e o Pôr-do-Sol 374 11 O Impulso Religioso, a justiça e o Inexprimível 403 Conclusão: Partilhar o Mundo com Criaturas que Sentem 427 Bibliografia 446

Agradecimentos

Durante a fase de pesquisa que antecedeu este livro, tivemos ocasião de falar com diversos cientistas, treinadores de animais e com outras pessoas cujos conhecimentos foram inestimáveis. Gostaríamos particularmente de agradecer a ajuda de George Archibald, Mattie Sue Athan, Luis Baptista, Kim Bartlett, John Beckman, Mark Bekoff, Tim Benneke, Joseph Berger, Nedim Buyukmihci, Lisa De Nault, Ralph Dennard, Pat Derby, Ian Dunbar, Mary Lynn Fischer, Maria Fitzgerald, Lois Flynne, Roger Fouts, William Frey II, Jane Goodall, Wendy Gordon, Donald Griffin, David Gucwa, Nancy Hall, Ralph Helfer, Abbie Angharad Hughes, Gerald Jacobs, William Jankowiak, Marti Kheel, Adriaan Kortlandt, Charles Lindholm, Sarah McCarthy, David Mech, Mary Midgley, Myrna Milani, Jim Mullen, Kenneth Norris, Cindy Ott-Bales, Joel Parrott, Irene Pepperberg, Leonard Plotnicov, Karen Reina of Bristol-Myers Squibb, Diana Reiss, Lynn Rogers, Vivian Siegel, Barbara Smuts, Elizabeth Marshall Thomas, Ron Whitfield e Gerald S. Wilkinson, entre outros, pela sua paciência ao falar connosco. Estamos também muito gratos a Jennifer Conroy, Joanne Ritter, Mike Del Ross e Kathy Finger da Guide Dogs for the Blind de San Rafael. Quaisquer erros que tenhamos cometido, assim como as especulações mais arrojadas, especialmente as consideradas cientificamente vergonhosas, não lhes deverão ser imputadas.

Agradecimentos mais pessoais aos nossos amigos e família também pelo seu apoio e assistência real, especialmente a Daniel Gunther, Joseph Gunther, Kitty Rose McCarthy, Martha Coyote, John McCarthy, Mary Susan Kuhn, Andrew Gunther, Barbara e Gerald Gunther, Thomas Goldstein, Martin Levin e Bernard Taper; assim como a Daidie Donnelley, Fred Goode, Justine Juson, Marianne Loring, Jane Matteson, Eileen Max e Barbara Sonnenborn.

Queremos igualmente agradecer a Elaine Markson por ser uma agente maravilhosa; a Tony Colwell por ter tido sempre fé nesta ideia; a Steve Ross pelo seu entusiasmo e ajuda

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indispensável para tornar este livro no que ele é; e quanto à Kitty, só a Kitty sabe o que a Kitty merece.

PRÓLOGO

Em Busca do Coração do Outro

Diz-se que o elefante indiano por vezes chora. CHARLES DARWIN

Os animais choram. Pelo menos, vocalizam a dor ou tristeza, e em muitos casos parecem até pedir ajuda. Muitas pessoas acreditam assim que os animais podem estar infelizes e que experienciam sentimentos primários tais como felicidade, raiva ou medo. O comum leigo acredita facilmente que o seu cão, gato, papagaio ou cavalo tem sentimentos. Não só acredita nisso, como tem provas constantes bem diante dos seus olhos. Todos nós temos histórias extraordinárias com animais que conhecemos bem. Mas existe um grande fosso entre o ponto de vista do senso comum e o ponto de vista oficial da ciência sobre este tema. À força de um treino rigoroso e de grandes esforços mentais, os cientistas modernos - especialmente aqueles que estudam o comportamento dos animais - têm conseguido tornar-se praticamente cegos a estas questões. O meu interesse pelas emoções dos animais foi despoletado por experiências efectuadas com animais - algumas traumáticas, outras profundamente comovedoras -, bem como pela aparente opacidade e inacessibilidade dos sentimentos humanos comparativamente à franca pureza e limpidez manifestadas, por vezes, pelos meus amigos animais, e especialmente por animais em habitat selvagem. Em 1987, visitei uma reserva de caça no sul da índia, conhecida pelos seus elefantes selvagens. Uma manhã bem cedo, saí com uma amiga para dar um passeio pela floresta. Tínhamos andado aproximadamente 1,5 quilómetros quando nos deparámos com uma manada de aproximadamente dez elefantes, incluindo crias pequenas, que pastavam pacificamente. A minha amiga parou a uma distância prudente, mas eu decidi aproximar-me, parando sensivelmente a 6 metros deles. Um imponente elefante olhou para mim e abanou as orelhas. Não tendo qualquer conhecimento sobre elefantes, não fazia a mais pequena ideia de que isso constituía um sinal de aviso. Na mais perfeita ignorância, como se me encontrasse num jardim zoológico, ou na presença do Babar ou de qualquer outro elefante dos livros de contos, decidi que era ocasião de estabelecer contacto com os elefantes. Recordando um verso em sânscrito de saudação a

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Ganesha, o deus hindu que assume a forma de elefante, clamei "Bhoh, gajendra" - Saudações, Senhor dos Elefantes. O elefante barriu; por um segundo acreditei que se tratava da sua saudação de resposta. Foi então que a sua súbita e surpreendentemente ágil reviravolta e a carga trovejante na minha direcção tornaram bem claro que ele não comungava das minhas fantasias elefantinas. Fiquei completamente estarrecido por ver um animal de duas toneladas a avançar troando na minha direcção. Não tinha nada de simpático nem se parecia com Ganesha. Dei meia volta e corri desvairadamente. Sabia que estava numa situação de perigo real e sentia o elefante a ganhar terreno sobre mim. (Mais tarde soube com horror que os elefantes podem correr mais depressa do que as pessoas, até cerca de 45 quilómetros por hora.) Decidindo que estaria em maior segurança numa árvore, corri para um ramo pendente e tentei içar-me. Era demasiado alto. Contornei a árvore e disparei para o capim. Barrindo ameaçadoramente, o elefante surgiu correndo à volta da árvore, numa perseguição cerrada. O animal queria obviamente ver-me morto, derrubar-me com a sua tromba e esmagar-me. Pensei que apenas me restavam alguns segundos de vida, e o medo quase me fazia delirar. Recordo-me de ter pensado: "Como é que pudeste ser estúpido a ponto de te aproximares de um elefante selvagem?" Tropecei e caí no meio do capim. O elefante parou ao perder-me de vista. Ergueu a tromba para aspirar o ar em busca do meu odor. Felizmente para mim, a visão dos paquidermes não é muito boa. Tinha já chegado à conclusão de que era melhor não me mexer. Após uns longos momentos, o elefante deu meia volta e lançou-se noutra direcção, sempre à minha procura. Ergui-me então rápida e silenciosamente, a tremer, e regressei lentamente até ao local onde a minha aterrorizada amiga tinha parado, de onde pudera contemplar toda esta cena, convencida de que ia assistir à minha morte. Ter-me-iam bastado alguns conhecimentos rudimentares sobre elefantes para me ter mantido num lugar seguro: uma manada com crias pequenas está particularmente alerta ao perigo; os elefantes não gostam que o seu espaço seja invadido; o abanar de orelhas é um aviso directo. O encontro, em si, não foi mais do que a projecção do meu próprio desejo de que um elefante selvagem estivesse interessado em conhecer-me. Estava completamente enganado ao pensar que poderia comunicar com um elefante estranho nessas circunstâncias. Contudo, ele comunicou comigo muito claramente: estava zangado e eu tinha de me ir embora. Creio que esta é uma descrição bastante realista. Em contraste com os animais, as emoções das pessoas são frequentemente distantes. Por exemplo, nos sonhos experimento emoções fortes - raiva, amor, inveja, alívio, Curiosidade, compaixão - com um grau de intensidade que não se compara a quando estou acordado. A quem pertencem essas emoções? Serão minhas? Tratar-se-á daquilo que eu imagino que seja um sentimento? Nos sonhos não têm nada de abstracto: sinto um amor extraordinário, sempre por pessoas por quem realmente sinto amor, só que não nesse grau. Como já fui psicanalista, pensei tratarem-se de sentimentos que eu de certa forma reprimira na minha vida diurna, e que apenas tinha acesso aos sentimentos reais durante a noite. Teorizei assim que os sentimentos eram reais, mas que o acesso a eles me era negado. Os sentimentos estavam sempre lá, mas só podiam penetrar no consciente em determinados momentos, quando uma parte de mim não se encontrava alerta - uma vez que estava a dormir. Tinha que circundar de alguma maneira o meu ego, dar uma corrida final, e lá estavam eles à espera, puros, imaculados, prontos. Será que os animais possuem um acesso mais fácil a este mundo dos sentimentos que me é em grande parte negado quando estou acordado? Em seguida, temos a questão dos sentimentos dos outros. O que poderá ser mais interessante do que aquilo que os outros sentem? Será que sentem o mesmo que eu? Cheguei à conclusão de

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que isto é muito difícil de descobrir através de conversas ou mesmo da leitura. As canções, poemas, literatura, o caminhar nos bosques, podem evocar determinados sentimentos. Por vezes são estranhos, complexos, inexplicáveis, mesmo bizarros, e por vezes assumem uma intensidade muito para além da compreensão. E de onde é que isto vem? Há muito que penso nisso. Porque é que estou a sentir isto? O que é que estou a sentir? Qual o nome que lhe devo dar? Durante a minha formação como psicanalista, descobri que os analistas não estavam assim tão interessados nas emoções. Ou melhor, que limitavam o seu interesse à interpretação do significado dessa emoção para a psique ou à discussão sobre se uma emoção é ou não adequada. Considerei na altura que adequação era uma categoria ridícula. As emoções existiam, pura e simplesmente. Para além disso, pareciam surgir espontaneamente, tal como convidados misteriosos, difíceis de reter. Por vezes pensava que podia sentir qualquer coisa apenas durante um breve segundo, ou fracção de segundo, mas depois a sensação desaparecia e já não conseguia voltar a recordá-la. Outras vezes chegava a acordar a meio da noite com a lembrança de um sentimento que já tinha tido, e experimentava uma sensação de perda. A psicanálise debruça-se sobre os sentimentos, especialmente os sentimentos mais profundos. Para os psicanalistas, a essência de uma pessoa não é aquilo que esta pensa ou alcança, mas sim o que sente. A pergunta típica, quase humorística dos terapeutas, "O que sente em relação a isto?", acaba por ser uma questão elevada à quinta-essência e de difícil resposta. Nem sempre sabemos - daí a noção, patente nos primeiros trabalhos de Freud, de emoções inconscientes, aquelas às quais o acesso nos é negado. O primeiro objectivo da psicanálise - tornar o inconsciente consciente - procurava elevar os sentimentos à consciência, trazendo à superfície emoções submersas. No entanto, a questão das emoções existentes nos sonhos foi e continua a ser pouco abordada na literatura psicológica. O que me fascinou nos animais foi o fácil acesso que parecem ter às suas emoções. Nenhum animal - creio eu - precisa de sonhar para sentir. Eles demonstram constantemente os seus sentimentos. Se os aborrecermos, não hesitarão em mostrá-lo. Se acariciarmos um gato, este ronronará e esfregar-se-á contra nós. O que é que pode parecer tão satisfeito como um gato? Um cão abana o rabo e parece estar mais genuinamente satisfeito por nos ver do que qualquer ser humano. O que é que pode parecer tão feliz como um cão? Haverá alguma coisa que pareça tão pacífica como uma vaca? Ou tratar-se-ão de meras projecções humanas? Em criança, tinha um pato que devia pensar que eu era a mãe dele. Seguia-me para todo o lado. Quando fomos de férias, um vizinho ofereceu-se para tomar conta dele. Quando regressámos, perguntei-lhe ansiosamente como estava o meu pato, ao que ele respondeu: "Delicioso." A partir desse dia, tornei-me vegetariano. Ainda hoje não consigo comer nada que tenha olhos. A censura é muito forte. Adoro cães; para mim tem sido sempre óbvio que a sua vida emocional é excepcionalmente intensa. "Não, Misha, agora não há passeio." O quê? As orelhas erguem-se. Será que ouvi bem? "Desculpa, Misha, mas não." Sem sombra de dúvidas. As orelhas caem. Misha atira-se para o chão. Não há qualquer dúvida sobre o verdadeiro desapontamento que sente. Tal como não há dúvidas sobre a sua alegria quando lhe digo: "Está bem, vai buscar a trela, vamos dar um passeio", e o genuíno prazer que Misha tem nos seus passeios, como se delicia a perseguir e caçar folhas, voltando atrás, lançando-se a correr para a floresta e surgindo quer atrás de mim, quer à minha frente. A sua satisfação quando regressamos a casa, acendo a lareira e me sento a ler e ele descansa perto de mim com o focinho nos meus joelhos, é igualmente bem patente. À medida que foi envelhecendo e deixou de conseguir andar, quase que conseguia vê-lo a visitar cenas da sua vida passada na sua imaginação. Nostalgia, num cão? E porque

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não? Darwin acreditava que era possível. No seu livro A Expressão das Emoções no Homem e no Animal, Charles Darwin atreveu-se a imaginar a vida consciente de um cão: "Mas poderemos estar certos que um cão velho com uma excelente memória e algum poder de imaginação, tal como demonstrado pelos seus sonhos, nunca reflecte sobre os prazeres passados a caçar? E esta seria uma forma de autoconsciência. De uma forma ainda mais evocativa, perguntava: "Quem pode afirmar o que sentem as vacas, quando rodeiam e fitam fixamente um companheiro moribundo ou já morto?" Darwin não tinha medo de fazer especulações em áreas que parecem requerer uma investigação mais profunda. Outra razão que me levou a pensar com alguma profundidade sobre as emoções animais foi a experiência vulgar de ir a um jardim zoológico. Já todos tivemos ocasião de ver a expressão de tristeza desesperada no olhar de um orangotango, lobos que andam nervosamente para a frente e para trás, gorilas sentados na mais completa imobilidade, obviamente em desespero, ou que talvez tenham perdido toda a esperança de alguma vez voltarem a ser livres. Um livro fundamental para a minha opinião sobre as emoções animais foi The Question of Animal Awareness ("A Questão da Consciência Animal") de Donald Griffin. Atacado por diversos sectores aquando da sua publicação em 1976, defendia a eventual vida intelectual dos animais e perguntava se a ciência estaria a examinar com justeza as questões relativas à sua percepção e consciência. Embora Griffin não tenha explorado o campo das emoções, apontou-o como sendo uma área que requeria uma maior investigação. Convincente e intelectualmente excitante, levou-me a querer ler um trabalho comparável em termos das emoções animais, mas descobri que praticamente não existia qualquer investigação sobre a vida emocional dos animais na literatura científica moderna. E por que razão? Um dos motivos é que os cientistas, estudiosos do comportamento animal, zoólogos e etólogos têm medo de ser acusados de antropomorfismo, uma forma de blasfémia científica. Não só as emoções dos animais não são uma área de estudo respeitável, como as palavras associadas às emoções não lhes devem ser aplicadas. Porque é que é tão controverso discutir as vidas interiores dos animais, as suas capacidades emocionais, os seus sentimentos de alegria, desapontamento, nostalgia e tristeza? Jane Goodall escreveu recentemente acerca do seu trabalho com chimpanzés: "Quando, nos princípios dos anos 60, eu utilizei descaradamente palavras tais como `infância', `adolescência', `motivação', `excitação' e `humor', fui muito criticada. Pior do que isso foi o crime de ter sugerido que os chimpanzés possuíam `personalidades'. Estava a adjudicar características humanas a animais não-humanos, e por isso era culpada do pior pecado ecológico - antropomorfismo." Desejoso de conhecimentos mais sistemáticos sobre as emoções animais, descobri que o livro que queria ler ainda não tinha sido escrito. E por isso comecei a pesquisar os relatórios sobre determinados animais. Entre as primeiras pessoas que consultei relativamente à vida emocional dos animais encontravam-se os investigadores que trabalham habitualmente com golfinhos. Os golfinhos demonstram um tal prazer ao exibir-se, chegando a criar novos desempenhos próprios, que uma componente emocional elaborada se afigura óbvia. Visitei o Marine World Africa USA, perto de Berkeley, na Califórnia, para me encontrar com Diana Reiss, a investigadora-chefe dos golfinhos. Ela mostrou-me os "seus" quatro golfinhos no seu grande tanque límpido, todos indiscutivelmente olhando para ela, observando os seus movimentos, desejosos que ela entrasse na água e brincasse com eles. Eu queria pensar que os golfinhos eram felizes, que gostavam de ali estar. Perguntei-lhe. "Oh, sim," respondeu-me, "comem, acasalam, estão fisicamente saudáveis, desfrutam com os jogos que invento como parte da minha pesquisa". Assenti com a cabeça em concordância. Mas será

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que isso é suficientemente representativo de felicidade? Recordei o que George Adamson, marido de Joy Adamson, autora do famoso livro Uma Leoa chamada Elsa, escreveu na sua autobiografia: "Um leão não é realmente um leão se apenas tiver liberdade para comer, dormir e copular. Deve ser livre para caçar e escolher as suas próprias presas; procurar e escolher o companheiro; lutar e manter o seu território; e morrer onde nasceu - na selva. Deve ter os mesmos direitos que nós." Acreditando que os peritos que trabalham e estudam os animais me pudessem aportar, a nível pessoal, observações que tivessem relutância em apresentar num artigo científico, consultei outras reputadas autoridades sobre o comportamento dos golfinhos quanto à sua experiência relativamente às emoções que os seus golfinhos expressavam. Não se mostraram dispostos a especular, nem sequer a fazer observações. Um deles disse-me: "Eu não sei o que significa emoção." Outro transferiu o assunto para as suas alunas estagiárias, implicando que o tema, de certa forma, se encontrava abaixo da sua dignidade científica (ou masculina?). O que estas autoridades afirmaram foi literalmente contrariado por aquilo que fizeram. Um deles abraçou o seu estimado golfinho num momento nitidamente emocional, pelo menos para o investigador. Outro dificilmente conseguia ir-se embora à noite de tal forma estava ligado àquilo que ele designava pelos seus "indivíduos". As alunas estagiárias tinham muitas histórias para contar acerca da afeição mútua entre investigadores e golfinhos, mesmo com alguns golfinhos em liberdade. É difícil acreditar que estes cientistas possam exprimir sentimentos intensos em relação a criaturas que eles genuinamente acreditam serem desprovidos de qualquer emoção e incapazes de retribuir ou lhes darem qualquer tipo de resposta. De qualquer forma, como é que uma pessoa pode saber que um animal não sente nada se essa questão nunca foi investigada? Concluir sem qualquer estudo que os animais não têm sentimentos ou são incapazes de sentir é manter um preconceito, uma parcialidade não-científica, em nome da ciência. Esta não é a única área em que os cientistas se agarram a dogmas não-científicos. Veja-se durante quanto tempo os psicanalistas negaram a realidade do abuso sexual infantil. O abuso sexual de crianças já acontecia muito antes de Freud se interessar por esse tema, mas a sua conclusão, sem provas, de que não acontecia significativamente manteve o assunto encoberto até os movimentos femininos exporem a sua verdadeira prevalência. Em busca de informação sobre como os treinadores lidavam com as emoções dos animais que utilizavam nos seus espectáculos, abordei o director de relações públicas do Sea World de San Diego. Ele afirmou-me, sem cerimónias, que não concordava com o conceito de emoções animais e não permitiria que o Sea World fosse associado à minha investigação, porque "cheirava a antropomorfismo". Assim, fiquei bastante admirado ao ver os espectáculos nos quais a baleia-assassina e os golfinhos são treinados para acenar, apertar mãos e lançar água sobre os espectadores. Tinham sido treinados para se comportarem como pessoas - mais precisamente, tal como pessoas forçadas e treinadas para uma escravatura de entretenimento ao serviço de uma exploração comercial. A psicologia comparativa até à data discute os comportamentos e estados físicos observáveis dos animais, bem como as explicações evolutivas para a sua existência, mas afasta-se atemorizadamente dos estados mentais inextricavelmente envolvidos no seu comportamento. Ao observar esses estados, procura centrar-se na percepção e não na emoção. A disciplina mais recente da etologia - ciência que estuda o comportamento animal -, ao insistir nas distinções entre espécies, também procura explicações para o comportamento funcionais e causais, em vez de emotivas. As explicações causais baseiam-se em teorias de "causalidade final" - o animal acasala porque isso aumenta o sucesso reprodutivo - em oposição à

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"causalidade próxima" - o animal acasala porque se apaixonou. Apesar de ambas as explicações não serem necessária e mutuamente exclusivas - uma das mais conhecidas figuras da ecologia, Konrad Lorenz, falou confidencialmente de animais que se apaixonavam, que ficavam desmoralizados ou pesarosos -, o sector, no seu todo, tem continuado a tratar as emoções como não sendo merecedoras de atenção científica. Com o advento dos estudos laboratoriais em animais, especialmente nos anos 60, a distância mantida em relação ao mundo dos sentimentos dos animais ainda se tornou maior. Essa distância serviu de fundamento aos cientistas que praticam experiências dolorosas em animais por acreditarem que os animais não sentem dor nem sofrimento, ou que pelo menos a dor sentida pelos animais está tão distante da dor humana que não é necessário tomá-la em consideração em experiências projectadas. Os interesses profissionais e financeiros na continuidade da experimentação praticada em animais ajudam a explicar, pelo menos em parte, a resistência à ideia de que os animais possuem uma vida emocional complexa e são capazes de experimentar não só a dor como também emoções mais subtis tais como amor, compaixão, altruísmo, desapontamento e nostalgia. Reconhecer esta possibilidade implica determinadas obrigações morais. Se os chimpanzés podem sentir solidão e angústia mental, é obviamente errado utilizá-los em experiências nas quais são isolados e onde podem prever a dor diária. No mínimo, estas afirmações constituem um assunto para uma discussão séria - discussão essa que ainda mal começou. Alguns dos trabalhos mais inovadores e actuais realizados com animais estão direccionados para a utilização da linguagem, autoconsciência e outras capacidades cognitivas e, consequentemente, a cegueira obstinada da ciência em relação ao mundo das emoções animais parece estar à beira do colapso. Os atraentes temas da percepção e consciência são ambos mais fáceis de testar e mais respeitáveis do que a emoção. A inteligência é certamente fascinante, mas um animal, tal como um ser humano, não precisa de ser inteligente para possuir sentimentos. Os dados existentes sobre as emoções animais não são provenientes de trabalhos laboratoriais, mas sim de estudos de campo. Alguns dos mais conceituados investigadores actuais sobre animais, de Jane Goodall até Frans de Waal, de tempos a tempos desafiam a ortodoxia e, através das suas posições como eminências da sua própria área, utilizam palavras tais como "amor" e "sofrimento" para descrever os animais. Contudo, esses aspectos dos seus trabalhos são virtualmente ignorados, e continua a ser profissionalmente arriscado, para os cientistas de menor reputação, utilizar esse tipo de terminologia. Mas vislumbram-se já sinais de mudanças significativas. Recentemente, Sue Savage-Rumbaugh, cientista do Centro de Primatas Yerkes, em Atlanta, Georgia, escreveu no prefácio do seu livro Ape Language ("A Linguagem dos Macacos"):

É possível, se olharmos mais além das faces de formatos ligeiramente diferentes, "ler" as emoções dos macacos tão facilmente e com a mesma precisão com que se podem "ler" as emoções e sentimentos dos outros seres humanos. Existem poucos sentimentos que os macacos não partilhem connosco, com excepção talvez da auto-depreciação. Estes animais experimentam certamente e expressam exuberância, alegria, culpa, remorso, desdém, incredulidade, admiração, tristeza, dúvidas, ternura, lealdade, raiva, desconfiança e amor. Talvez um dia sejamos capazes de demonstrar a existência dessas emoções a nível neurológico. Até lá, apenas aqueles que vivem e interagem com macacos tão de perto como

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com membros da sua própria espécie poderão compreender a imensa profundidade das semelhanças comportamentais entre o macaco e o Homem.

Saber o que sentimos é uma das formas de julgar se um animal sente algo semelhante, mas poderá não ser a única nem sequer a melhor forma. Será que as semelhanças ou diferenças entre os animais e os seres humanos são a única ou mesmo a principal questão? É claro que podemos treinar-nos para sentir uma simpatia imaginativa e empática em relação às outras espécies. Sabendo o que procurar nas expressões faciais, gestos, posturas, comportamento, poderemos aprender a ser mais abertos e mais sensíveis. Precisamos de exercitar as nossas faculdades imaginativas, alargá-las muito para além de onde já nos conduziram e observar coisas que nunca tínhamos sido capazes de observar anteriormente. Não precisamos de ser limitados por nós mesmos como ponto de referência, por aquilo que já foi escrito, pelo consenso existente entre cientistas. O que temos a perder em dar o salto imaginativo para alargar as nossas simpatias e horizontes? Decidi explorar o que tinha sido escrito sobre animais em estudos científicos para ver se continham informações ocultas sobre as suas emoções, mesmo que não contivessem afirmações explícitas sobre tais matérias. Até à data, nenhum cientista proeminente empreendeu a tarefa de realizar o tratamento sustentado das emoções animais. Espera-se, a bem dos animais bem como dos seres humanos, que os cientistas sejam persuadidos a encarar com maior seriedade os sentimentos dos animais que partilham o mundo connosco. Neste livro, procuro mostrar que animais de todas as espécies têm vidas emocionais complexas. Apesar de muitos cientistas acreditarem que os animais que observaram possuíam emoções, poucos escreveram sobre o assunto. Esta é a razão pela qual a minha co-autora e eu examinámos um grande número de literatura científica, em busca de provas não admitidas. Redigi uma longa lista de testemunhas conceituadas, nomeadamente cientistas que estudaram animais selvagens no seu habitat natural. Procurei trabalhar ao lado de cientistas de renome, por forma a que mesmo os cépticos possam ver que os testemunhos são provenientes de um amplo leque de estudos cuidadosos de animais em diferentes meios ambientes. Estes estudos de campo demonstram aquilo em que a maioria dos leigos sempre acreditaram: que os animais amam e sofrem, choram e riem; que o seu coração se eleva em expectativa e cai em desespero. Podem estar solitários, apaixonados, desapontados ou curiosos; contemplam o passado com nostalgia e prevêem alegrias futuras. Sentem. Ninguém que já tenha vivido com animais poderá negar estas afirmações. Mas muitos cientistas fazem-no, e por essa razão procurei abordar as suas preocupações de uma forma mais detalhada do que seria necessária para o homem comum. "É óbvio", diz o dono de um animal de estimação; "É uma reivindicação gigantesca", dirá o cientista. Este livro procura estabelecer uma ponte sobre o fosso que separa o conhecimento daqueles que sempre observaram os animais sem preconceitos e a mente científica que não se quer aventurar num terreno tão emocional. Muitos cientistas têm evitado pensar nos sentimentos dos animais porque têm medo - realisticamente - de serem acusados de antropomorfismo. Por isso, estudei cuidadosamente a questão do antropomorfismo. Se este puder ser apresentado como uma falsa crítica, então o estudo das emoções animais poderá ser conduzido numa base científica, liberta de receios fictícios. Também procurei analisar objectivamente os argumentos da biologia evolutiva e questionar em que medida é que esta procura ajudar a explicar as vidas emocionais reais que os animais manifestam e até que ponto é que já estará habituada a ignorar essa realidade. Ao

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ler este livro poderá ser surpreendido pelo comportamento inesperado de alguns animais: um elefante que tem um rato de estimação; um chimpanzé fêmea que aguarda o regresso da sua cria morta; um urso contemplando o pôr-do-Sol em êxtase; um búfalo que patina no gelo; um papagaio que sabe exactamente o que está a dizer; um golfinho fêmea que inventa os seus próprios jogos - e, no meio de tudo isto, cientistas que se recusam a reconhecer aquilo que a si provavelmente parecerá óbvio. Na conclusão, debaterei algumas escolhas morais decorrentes de um entendimento preciso das emoções animais. Vimos que os animais sentem raiva, medo, amor, alegria, vergonha, compaixão e solidão até um ponto que apenas se pode encontrar nas páginas da ficção ou em fábulas. Talvez isto vá afectar não só a sua forma de pensar acerca dos animais mas também a maneira como os trata. Quanto mais claro se ia tornando para mim que os animais possuem sentimentos profundos, com mais indignação encarava qualquer tipo de experimentação praticada em animais. Poderemos justificar essas experiências quando sabemos o que os animais sentem quando submetidos a tais torturas? Será possível continuar a comer animais quando sabemos o que eles sofrem? Todos nos horrorizamos quando lemos, mesmo em ficção, acerca de pessoas que matam outras para vender partes dos seus corpos. Mas, a cada dia que passa, matam-se elefantes por causa das suas presas, rinocerontes pelos seus chifres e gorilas pelas suas mãos. A minha esperança é que, à medida que as pessoas vão entendendo que esses animais são criaturas com sentimentos, lhes seja cada vez mais difícil justificar essas acções cruéis.

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Em Defesa das Emoções

Algures na índia, um golfinho-do-Ganges fêmea procura o companheiro. Dormirá a seu lado sob as escuras águas do rio Ganges. Ela nunca precisou de ver. Essa espécie de golfinhos encontra tudo o que quer e precisa através da simples audição dos ecos. Por cima deles, no céu, duas garças azuis do leste empreenderam o voo de regresso da China para o oeste, em direcção ao seu território de procriação na Sibéria. As garças encontram-se a mais de 1,5 quilómetros de altura no céu, olhando para baixo com os seus olhos dourados. O que lhes irá no coração, ou no coração dos golfinhos? Completamente distantes de nós, as suas vidas de agitação e satisfação não se encontram muito além da nossa imaginação. Quando o golfinho emerge das águas lamacentas ou as garças alongam o pescoço durante o voo, somos invadidos por um súbito sentimento de familiaridade, pelo reconhecimento de que partilhamos uma herança emocional. Eles sentem e nós sentimos, independentemente da dificuldade que possa constituir saber realmente em que consistem os seus sentimentos. Após um início promissor há mais de cento e vinte anos, quando Darwin explorou este terreno no seu livro A Expressão das Emoções no Homem e no Animal, poucos cientistas têm reconhecido, investigado ou

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mesmo especulado acerca das emoções animais. As forças que militam em oposição à mera aceitação da possibilidade das emoções nas vidas dos animais são tão persistentes que este tema parece desonroso, quase interdito. A literatura erudita sobre animais contém diversas observações, registos e histórias que sugerem emoções que os animais possam estar a sentir ou expressar, ou pelo menos .que suscite uma maior investigação dessa possibilidade. Contudo, muito pouco ou mesmo nada se encontra disponível. G.G. Rushby, um guarda-caça que efectuava as "tarefas de controlo de elefantes" na Tanzânia (na altura, Tanganica), avistou três elefantas e um elefante jovem no capim. Uma vez que o seu trabalho consistia em nivelar por baixo a população de elefantes, matou as elefantas e feriu ligeiramente o jovem elefante. Para sua grande consternação, viu subitamente duas crias que estavam com as elefantas, mas escondidas pelo capim. Avançou em direcção a elas gritando e agitando o chapéu, na esperança de as empurrar para junto da manada maior, onde seriam adoptadas por outros elefantes. O animal ferido estava aturdido e indefeso, e não sabia para que lado se voltar. Então, em vez de fugirem, as crias órfãs comprimiram-se contra ele, amparando-o, e conduziram-no para longe do perigo. Terror, compaixão, bravura - relatos como este, sistematicamente desenvolvidos poderiam servir de provas para um mundo de profunda experiência emocional por parte dos animais, mas parece existir pouco espaço para eles na literatura científica. Acontecimentos únicos são descartados para a categoria de "histórias", mas no entanto não há qualquer razão para ignorar casos raros. E quando é realizável proceder à recolha de outros exemplos ou mesmo repetir acontecimentos invulgares, raramente isso é feito, de tal forma os cientistas acham prejudicial a responsabilidade de utilizar "histórias como provas". Defendendo a capacidade de dois chimpanzés que usam a linguagem gestual, Sherman e Austin, de improvisar combinações de gestos invulgares e impressionantes, a investigadora de primatas Sue Savage-Rumbaugh considera que essas ocorrências espontâneas "constituem talvez o tipo de informação mais importante que possuímos", contudo acrescenta que "evitamos referi-la nos nossos relatórios para publicação". As histórias colocam obviamente obstáculos aos cientistas, incluindo a incapacidade de controlar as circunstâncias que rodeiam o acontecimento, a frequente falta de documentação e a impossibilidade de criar estatísticas a partir de uma única ocorrência. Mas mesmo quando um acontecimento é meticulosamente registado e tem lugar numa situação controlada tal como as combinações de gestos utilizadas por Sherman e Austin, a natureza ocasional do acontecimento vai impedir a sua utilização aos olhos de muitos cientistas. As provas experimentais têm uma credibilidade quase exclusiva em relação à experiência pessoal, a um grau tal que mais parece religioso do que lógico. Jane Goodall considera a relutância científica -em aceitar as provas fornecidas pelas histórias como um problema muito sério, um problema que afecta toda a ciência. "Sempre me dei ao trabalho de compilar histórias, porque creio que são muito, muitíssimo importantes - apesar de a maioria dos cientistas as desprezarem. `Oh, isso são apenas histórias. O que é uma história? É uma descrição cuidadosa de um acontecimento invulgar." Conta que uma investigadora assistente de um laboratório encarregada de registar a reacção de macacos rhesus às fêmeas, algumas submetidas a tratamento hormonal ou já com remoção dos ovários, "disse-me que (...) a coisa mais fascinante para ela é que havia uma fêmea velha - que teve ocasião de observar ao longo de todos os diferentes estádios, que culminaram na remoção dos ovários - que, independentemente da fase em que se encontrasse, era sempre a mais popular. Mas tratava-se apenas de uma macaca e, como tal, o facto foi ignorado. Devem existir literalmente milhões

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de observações como esta que nunca penetraram na literatura." Estas observações poderiam proporcionar um campo rico e sugestivo para análise e posterior investigação, contudo esta é praticamente inexistente. Apesar de ser possível e habitual descrever acontecimentos deste tipo utilizando palavras conotadas com emoção, uma descrição simples não é necessariamente menos precisa. Este livro define emoções como experiências subjectivas, aquilo a que as pessoas se referem quando dizem "Estou triste" ou "Estou contente" ou "Estou desapontado" ou "Tenho saudades dos meus filhos". Uma emoção não se distingue de uma sensação, de uma paixão, de um sentimento ou daquilo a que os cientistas designam por "afecto". Humor refere-se a sentimentos que duram por um espaço de tempo mais alargado. Estas palavras referem-se simplesmente a estados sentimentais interiores, a algo que é sentido.

A Impossibilidade Prática de Ignorar a Emoção

A maioria das pessoas que trabalham com animais, tal como os treinadores, consideram realmente que os animais têm emoções. Os relatos daqueles que trabalham com elefantes, por exemplo, tornam bem claro que quem quiser ignorar o "humor" de um elefante, fá-lo por sua conta e risco. A filósofa britânica Mary Midgley coloca acertadamente a questão:

Os cornacas podem obviamente ter diversas crenças em relação aos elefantes que são falsas por serem "antropomórficas" - ou seja, interpretam incorrectamente alguns aspectos exteriores do comportamento dos elefantes por se basearem num padrão humano, o que é inadequado. Mas se eles fizessem isto em relação aos sentimentos básicos do dia-a-dia - se o elefante está contente, aborrecido, assustado, excitado, cansado, triste, desconfiado ou zangado - não só ficariam sem trabalho como já estariam simplesmente mortos. O treino de qualquer animal não será muito bem sucedido se o treinador não entender os seus sentimentos. Alguns treinadores afirmam que trabalham melhor com determinados animais do que com outros porque compreendem melhor os sentimentos dessa espécie ou desse animal específico. O domador Gunther Gebel-Williams observou diferenças, a nível individual, nas emoções dos tigres com que trabalhou: "Nem todos os tigres (...) podem ser treinados para saltar através de um anel de fogo. Quando introduzi esse truque no número dos tigres, tive de procurar entre os vinte com que habitualmente trabalhava na altura aqueles que não tivessem medo do fogo. Não foi uma tarefa fácil, porque a maioria dos tigres nem sequer se aproximam das chamas." O medo de cometer um antropomorfismo pode limitar um treinador de animais, afirma Mike Del Ross, treinador-chefe da Guide Dogs for the Blind, em San Rafael, na Califórnia: "Quanto maior for a abertura para procurar `ler' no cão, maior será a concentração e mais facilmente se conseguirá perceber o animal." Inquiridos sobre se continuariam a trabalhar com cães se estes não possuíssem emoções, os treinadores revelaram o seu espanto em relação à própria ideia. Kathy Finger respondeu: "Provavelmente não, porque creio que a leitura das emoções faz parte do relacionamento com cães - amá-los, respeitá-los." Dei Ross exclamou: "Impossível. Então o que seria se eles não tivessem emoções. Uma tal empatia na observação científica directa dos animais é controversa. Mas pensar o que

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sentiríamos se estivéssemos na pele do animal pode dar resultado. A maior parte dos cientistas que trabalham com animais no seu habitat natural fazem inferências com base na empatia, para compreender o seu comportamento, do género: "Se eu tivesse acabado de perder o meu melhor amigo, também não teria vontade nenhuma de comer durante algum tempo." Pensar sobre os sentimentos revelou-se uma forma valiosa de pensar acerca do comportamento.

As Emoções em Cativeiro - "Isso Não Conta" As provas das emoções em animais em cativeiro e animais de estimação são frequentemente consideradas irrelevantes. Os animais em cativeiro - de acordo com esse argumento - encontram-se em situações não naturais e o que os animais domésticos fazem é irrelevante em relação ao que os animais realmente são, como se não fossem realmente animais. Apesar de os animais genuinamente domesticados serem diferentes dos animais selvagens, domésticos e amestrados não significa a mesma coisa. Os animais domésticos são animais que foram criados para viver com os seres humanos - e por isso geneticamente modificados. Os cães, gatos e vacas são animais domésticos. Animais em cativeiro, tais como os elefantes, não o são, uma vez que através das gerações de pessoas que têm vindo a treinar elefantes, quase invariavelmente apanham e amestram elefantes selvagens, em vez de criarem elefantes. Uma vez que a natureza dos elefantes permanece inalterada, as observações em elefantes amestrados ou em cativeiro são de facto altamente relevantes para os elefantes que vivem no seu habitat natural. Apesar de os animais domésticos e os animais selvagens não serem exactamente iguais, têm contudo muito em comum. A informação sobre uns poderá ser importante para os outros. Tal como escreveu o biólogo de campo George Schaller: "O dono de um cão carinhoso poderá saber mais sobre a consciência animal do que muitos comportamentalistas de laboratório." A bióloga Lory Frame estudou os cães selvagens no Serengueti e fez a intrigante constatação que os animais dominantes (os únicos dentro de um grupo que habitualmente procriam) se parecem muito menos com os cães domésticos. "Intuitivamente eu parecia entender Maya e Apache. E compreendi que esse facto se devia a que o seu comportamento submisso me fazia recordar o dos cães domésticos. Não que o meu cão de família fosse do tipo subserviente, pelo contrário, ele metia-se muito comigo quando eu era criança. Mas o abanar da cauda de Maya constituía uma reminiscência do comportamento que as pessoas esperam e habitualmente obtêm dos seus próprios cães. Os cães selvagens dominantes, contudo, são completamente diferentes (...). Raramente tive ocasião de ver um sorriso ou um abanar de cauda. Pareciam sérios e muito perigosos. Se eu encontrasse o Sioux, a pé, treparia imediatamente para a árvore mais próxima. já em relação à Maya, provavelmente dar-lhe-ia palmadinhas na cabeça e oferecer-lhe-ia um biscoito." O conhecimento que Lory Frame tinha da sua experiência com cães domesticados ajudou-a a dar forma às suas observações dos cães selvagens. O facto de os animais em cativeiro e domésticos se encontrarem numa "situação não natural" não é, por si só, uma razão válida para tratar as suas observações com menor seriedade. Os seres humanos encontram-se igualmente numa situação pouco natural. Nós também não evoluímos no mundo em que agora vivemos, com recompensas adiadas e as mais estranhas exigências (estar sentados em salas de aulas ou picar relógios de ponto). De igual forma, não descartamos as nossas emoções como não existentes ou sem autenticidade simplesmente pelo facto de estas não ocorrerem em grupos restritos de reuniões de caçadores na savana africana, onde se julga

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que a vida humana terá começado. Nós próprios somos animais domesticados. Podemos estar a uma certa distância das nossas origens e ainda assim reivindicar que as nossas emoções são reais e características da nossa espécie. Porque é que o mesmo não poderá ser verdade para os animais? Não é natural os seres humanos estarem numa prisão. Contudo, se formos colocados numa prisão e sentirmos emoções não habituais, ninguém terá dúvidas de que se tratam de emoções reais. Um animal num jardim zoológico, ou um animal de estimação, podem sentir emoções que de outra forma não experimentariam, mas nem por isso deixam de ser menos reais. No intuito de descobrir se as suas observações dos mangustos-anões em cativeiro lhe podiam proporcionar informações precisas acerca desses animais no seu habitat natural, Arme Rasa; autora de Mongoose Watch ("A Observação dos Mangustos"), foi ao Quénia para os estudar no mato durante vários anos. Descobriu que o comportamento dos grupos de mangustos, mantidos em cativeiro em grandes recintos cercados, se assemelhava bastante ao dos animais selvagens, com duas excepções: os mangustos selvagens tinham de perder muito mais tempo em busca de alimentação, e por consequência tinham menos tempo para brincar e conviver. As suas vidas eram também fortemente influenciadas pela acção de outras espécies. As águias e cobras eram os seus predadores, por isso despendiam um tempo considerável a repelir as cobras. Lutavam com os mangustos de extremidades negras, de maiores dimensões. De uma forma geral ignoravam os lagartos e esquilos, mas ocasionalmente tentavam brincar com eles. Por outras palavras, a sua variação emocional era até certo ponto determinada pelas oportunidades que se iam apresentando, mas a curiosidade e os jogos eram comuns quer aos mangustos em cativeiro como aos que se encontravam em habitat natural. Por outro lado, as condições de cativeiro podem efectivamente modificar a forma como os animais se comportam. Um grupo de babuínos fêmea, mantidos juntos numa jaula, criam uma hierarquia de uma tal rigidez como nunca foi observado nessa mesma espécie em habitat natural. A questão não é que o cativeiro nunca possa alterar emoções e comportamentos, mas sim que tanto os animais cativos como os selvagens parecem ter sentimentos, e que as emoções dos animais em cativeiro são tão reais como as dos animais selvagens e, por conseguinte, igualmente merecedoras de estudo.

A Complexidade das Emoções

As emoções raramente surgem puras e isoladas de outras emoções. Nas pessoas, a raiva e o medo, o medo e o amor, o amor e a vergonha, a vergonha e a pena muitas vezes convergem em situações específicas. Os animais podem igualmente experimentar um misto de emoções. Talvez uma mãe golfinho que leva consigo a cria morta, durante vários dias, sinta simultaneamente amor e pena. Hope Ryden descreveu o caso em que um jovem alce guardava o corpo de outro jovem alce morto pelos coiotes, após a manada se ter retirado. Durante pelo menos dois dias o alce montou guarda ao corpo, repelindo agressivamente os coiotes e, de tempos a tempos, farejando e tocando o focinho do animal morto. Finalmente (depois de os coiotes terem conseguido comer parcialmente o corpo), o alce foi-se embora. Este animal pode ter sentido tristeza; talvez se tenha sentido solitário em relação à manada; pode ter sentido raiva dos coiotes; pode ter tido medo dos coiotes. Talvez ele sentisse amor pelo outro

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jovem morto. Esses sentimentos podem ser complexos e multifacetados ou difíceis de interpretar, o que não significa que não existam. Os animais não têm todos as mesmas emoções, tal como os seres humanos. Assim como é diferente o comportamento das espécies animais, as suas vidas sentimentais podem igualmente ser distintas. Este facto é frequentemente ignorado quando se discutem exemplos dos animais. Diz-se que "os gansos acasalam para toda a vida", ou que "os tordos empurram as suas crias assim que têm idade suficiente para sobreviver sozinhas", ou que "o cão não ajuda a cadela a criar os cachorros - é assim mesmo." Pressupõe-se erradamente que todos os animais são iguais e, consequentemente, que podemos tirar as mesmas conclusões acerca das pessoas. Mas enquanto os gansos acasalam para toda a vida, as galinhas-bravas já não. O macho acasala com o maior número de fêmeas possível e deixa que sejam elas a educar as crias sozinhas. A galinha-da-Tasmânia fêmea acasala frequentemente com dois machos e o trio educa as crias em conjunto. Enquanto os jovens tordos abandonam o ninho relativamente cedo, os condores permanecem com os progenitores durante anos. Nos lobos, machos e fêmeas encarregam-se conjuntamente da educação das crias. Estas diferenças muitas vezes dão origem a uma espécie de jogo de salão sociobiológico, no qual as pessoas tentam provar determinados aspectos do comportamento humano apontando para a espécie animal que exibe o comportamento que pretendem definir como "natural" para os seres humanos. Mas as espécies animais podem também diferir em termos do teor das suas emoções. A demonstração de que os elefantes sentem compaixão ou pena não significa que os hipopótamos sintam compaixão ou que os pinguins sintam pena. Talvez sim e talvez não. Os animais também diferem de uns para os outros, a nível individual. Entre elefantes, um pode ser tímido e outro arrojado. Um pode ser dado a ataques de fúria e outro ser pacífico. Um vitoriano comentava relativamente aos seus elefantes de trabalho em Rangoon: "Uns são trabalhadores esforçados e outros são uns mandriões; alguns têm um temperamento dócil e outros são teimosos como mulas. Alguns carregam um tronco de duas toneladas sem um único protesto, enquanto que outros com idêntica força mas menor vontade armam o maior dos alvoroços por um pauzinho, que em termos comparativos, não é nada." Theodore Roosevelt escreveu a respeito das espécies que caçou: "[Os ursos] diferem a nível individual em coragem e ferocidade, precisamente como os homens. (...) Um urso-pardo poderá ser difícil de assustar a ponto de oferecer resistência; já o seguinte poderá lutar até ao final, contra tudo e todos, sem sequer hesitar, ou mesmo atacar sem provocação. (...) Mesmo os velhos caçadores - que, em termos de classe, são opiniosos e de vistas algo curtas - fazem frequentemente generalizações tão precipitadas como os principiantes."

Perspectivas Sobre as Emoções Animais: Leiga e Científica

A maioria das pessoas comuns, que têm um contacto directo com animais, facilmente admitem a existência das emoções destes. Esta convicção baseia-se nas provas dadas pelos seus sentidos e numa dedução lógica. Ao escutar o ataque de pássaros a um gato, na vizinhança do seu ninho, geralmente deduzimos que estão furiosos. Se vemos um esquilo que foge rapidamente de nós, pensamos que é porque tem medo. Se virmos um gato a lamber as

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crias, julgamos que as ama. Quando ouvimos o trinar de um pássaro, supomos que está contente. Mesmo aqueles que apenas têm experiências indirectas com animais interpretam frequentemente aquilo que vêem como um estado emocional, um sentimento que correlacionam com sentimentos humanos semelhantes. Neste sentido, a descrição do leigo sobre a vida animal pode certamente ser mais precisa e é indiscutivelmente mais rica do que a descrição padronizada do comportamentalista, que não evidencia qualquer esforço de investigação das emoções animais de forma sistemática ou em profundidade. Apesar da ausência de um trabalho erudito sustentado sobre as emoções animais, existe hoje em dia um interesse muito superior pela realidade da vida dos animais. Os profissionais de um amplo leque de disciplinas partilham uma consciencialização cada vez maior da complexidade das acções dos animais - cognitiva, perceptiva, comportamental, individual e social, e correspondentemente uma maior humildade face às questões que se prendem com a capacidade animal. Os seres humanos já não estão assim tão preparados para se pronunciarem sobre o que um animal pode e não pode ser e fazer. Estamos a começar a entender que não sabemos e que nos encontramos apenas no início da aprendizagem. Apesar de o estudo da emoção ser um campo muito respeitável, aqueles que nele trabalham são geralmente psicólogos academicistas que confinam os seus estudos às emoções humanas. O trabalho de referência padrão, The Oxford Companion to Animal Behavior ("Guia Oxford para o Comportamento Animal") aconselha os comportamentalistas animais da seguinte forma: "Dever-se-á procurar estudar apenas o comportamento e não tentar chegar a qualquer emoção subjacente." Porquê? Poderão ser talvez ilusórios ou difíceis de medir, o que não significa que os sentimentos dos animais não existam e não sejam importantes. Os seres humanos nem sempre têm consciência daquilo que sentem. Tal como os animais poderão não ser capazes de traduzir os seus sentimentos em palavras, o que não quer dizer que não possuam sentimentos. Sigmund Freud fez uma vez a seguinte especulação: um homem pode estar apaixonado por uma mulher durante seis anos e só o perceber muitos anos mais tarde. Esse homem, com toda a boa vontade do mundo, não poderia ter verbalizado aquilo que desconhecia. Possuía os sentimentos, mas não tinha consciência da sua existência. Pode soar a paradoxo - e ser paradoxal porque, quando pensamos num sentimento imaginamos algo de que, conscientemente, nos apercebemos que estamos a sentir. Tal como Freud escreveu no seu artigo de 1915, "O Inconsciente": "Faz certamente parte da essência da emoção o facto de nós nos apercebermos dela." No entanto, é indiscutível que podemos "ter" sentimentos que desconhecemos.

A Definição das Emoções

Os teóricos de psicologia falam de um conjunto de emoções humanas fundamentais, universais, discretas e que eles consideram inatas. Estas emoções fundamentais são como as cores primárias, e podem dar origem a inúmeras variações. Um psicólogo procedeu à compilação de uma lista com cento e cinquenta e quatro nomes de emoções, desde a aversão à preocupação. Os teóricos não estão de acordo sobre quais as emoções básicas. René Descartes afirmou existirem seis emoções básicas: amor, ódio, espanto, desejo, alegria e pesar.

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Immanuel Kant encontrou cinco: amor, esperança, modéstia, alegria e pesar. William James definiu quatro: amor, medo, mágoa e raiva. O comportamentalista J.B. Watson postulou três emoções básicas: X, Y e Z, aproximadamente equivalentes a medo, raiva e amor. Os teóricos modernos como Robert Plutchik, Carroll Izard e Silvan Tomkins encontraram seis a oito emoções básicas - mas não as mesmas. Na maior parte das listas actuais, o amor não é incluído como tratando-se de uma emoção. Muitos cientistas preferem considerá-lo como um ímpeto ou motivação, se é que se referem a ele. Todas as emoções constantes dessas listas, vulgarmente utilizadas e aceites, foram consideradas passíveis de serem observadas entre os animais. Os dicionários de psiquiatria contêm o termo alexitimia para descrever o estado de uma pessoa incapaz de descrever ou reconhecer emoções, que apenas as consegue definir "em termos de sensações somáticas ou de uma reacção comportamental, em vez de as relacionar com pensamentos a ela associados". Essas pessoas são prejudicadas pela sua própria incapacidade de compreender o que são os sentimentos. É curioso que o estudo do comportamento animal exija que os seus profissionais se tornem alexitímicos. Para além disso, existem provavelmente outras emoções e variações subjacentes a elas que de tempos a tempos qualquer pessoa, independentemente da sua cultura, poderá sentir. A compilação de uma lista exaustiva pode ser, de certa forma, uma tarefa complicada, tal como a linguista polaca Arma Wierzbicka salienta ao observar que em algumas culturas não-ocidentais - por exemplo na cultura aborígene australiana - a existência de um conceito aparentado, mas não idêntico, à vergonha desempenha um papel social evidentemente inexistente na nossa cultura. A palavra para descrever esta emoção pode englobar simultaneamente os conceitos de "vergonha", "embaraço", "timidez" e "respeito". No entanto, é provável que o sentimento em si possa ser reconhecível, pelo menos de uma forma aproximada, por alguém de outra cultura. Devemos evitar confinar qualquer emoção apenas a uma zona do mundo. Afinal, não foi assim há tanto tempo que os etnólogos concluíram que havia algumas culturas (obviamente inferiores) onde a maioria das emoções ocidentais não poderiam ser expressas e consequentemente não poderiam ser experimentadas. Na altura, parecia ser tão desprovido de sentido indagar sobre compaixão ou admiração estética entre algumas tribos das montanhas como agora parece catalogar os êxtases contemplativos ao nível dos ursos. Um dos "grandes" textos antropológicos do início do século tinha como título As Funções Mentais nas Sociedades Inferiores, da autoria de L. Lévy-Bruhl, professor da Sorbonne. Este tipo de preconceito tem vindo lentamente a decair. A capacidade de sentir todo o tipo de emoções pode ser universal. Obras de grande relevância sugerem que determinados estados sentimentais são universais, ou pelo menos que a capacidade de os experimentar pode atravessar culturas, muito embora culturas e indivíduos diferentes os possam descrever de forma distinta, ou mesmo concederem uma outra importância às subtilezas desse sentimento. Se os sentimentos podem cruzar as culturas, parece ser então possível que possam também cruzar as espécies. Este livro aborda as emoções animais de acordo com a ordem de plausibilidade que as pessoas lhes conferem. Os seres humanos aceitam facilmente a possibilidade de outros animais sentirem a emoção do medo. O amor, pesar e alegria são consideradas "mais nobres" e, por conseguinte, com menor probabilidade de serem atribuídas aos outros, especialmente aos animais. Apesar de muitas pessoas se referirem abertamente à ira dos animais, alguns treinadores muito experientes contrapõem que os animais não sentem essa emoção. A discussão sociobiológica do altruísmo resultou na negação generalizada da eventualidade de existir compaixão nos animais. Relativamente à vergonha, sensação de

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beleza, criatividade, sentido de justiça e outras capacidades mais ilusivas: são essas as que se revestem de menor probabilidade de serem adjudicadas aos animais.

As Funções e os Benefícios da Emoção

Para que servem os sentimentos? A maioria dos não-cientistas achará que esta pergunta é um pouco estranha. Os sentimentos simplesmente existem. Justificam-se por si mesmos. As emoções conferem sentido e profundidade à vida. Não têm de servir qualquer outra finalidade para existir. Por outro lado, diversos biólogos evolucionistas, em contraste com os comportamentalistas animais, reconhecem algumas emoções fundamentais para a função de sobrevivência. Tanto ao nível dos animais como dos seres humanos, o medo vai dar origem ao evitar do perigo, o amor é necessário para cuidar dos jovens, a ira dá força para defender o território. Mas o facto de um comportamento funcionar ao serviço da sobrevivência não significa necessariamente que seja essa a razão por que ocorre. Outros cientistas atribuíram o mesmo comportamento ao condicionamento, às respostas aprendidas. Alguns reflexos e padrões de acções habituais podem ocorrer sem quaisquer sentimentos ou pensamentos conscientes. Uma cria de gaivota dá bicadas numa mancha vermelha por cima dela. O progenitor tem uma mancha vermelha no bico; a cria dá bicadas no bico do progenitor. O progenitor alimenta a sua cria sempre que esta lhe dá bicadas no bico. A cria é alimentada. Esta interacção não necessita de se revestir de qualquer teor emocional. Simultaneamente, não há qualquer razão para que estas acções não tenham um teor emocional. Nos mamíferos - incluindo os seres humanos - que tenham dado à luz, o leite liberta-se muitas vezes de forma automática sempre que o recém-nascido chora. Este facto não se encontra sob efeito do controlo voluntário: é um reflexo. Contudo, não significa que alimentar um recém-nascido seja exclusivamente um reflexo e não uma expressão de sentimentos tais como o amor. Os seres humanos possuem sentimentos acerca do seu próprio comportamento, mesmo que estes sejam condicionados ou reflexos. No entanto, uma vez que o reflexo existe e o comportamento condicionado está generalizado - é mensurável e observável -, a maioria dos cientistas procura explicar o comportamento animal recorrendo apenas a esses conceitos. É muito mais simples. Os que se opõem a falar de emoções e consciencialização ao nível dos animais, muitas vezes recorrem ao princípio da parcimónia, também designado por navalha de Ockham (Nota 1). Este princípio sustenta que se deverá escolher sempre a explicação mais simples para um fenómeno. Na versão do comportamentalista animal Lloyd Morgan, pode ler-se: "Em caso algum deveremos interpretar uma acção como o resultado de um exercício de uma faculdade física superior, se este puder ser interpretado como o resultado do exercício de outra que se encontre a um nível inferior na escala psicológica." Esta regra de dar crédito apenas à explicação mais simples ou inferior para um determinado comportamento não é incontestável. Muitas suposições duvidosas foram enterradas na tentativa de classificar determinadas faculdades como elevadas ou inferiores. As emoções são tipicamente consideradas faculdades superiores por razões não muito óbvias. Para além disso, o mundo não é necessariamente um lugar parcimonioso. Tal como Gordon Burghardt salientou: "A origem da vida através da criação é mais simples do que os métodos indirectos da evolução."

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Preferindo explicar o comportamento através de formas que mais facilmente se enquadrem nos métodos científicos, diversos cientistas têm-se recusado a considerar quaisquer outras causas para o comportamento animal que não o reflexo e o condicionamento. A ortodoxia científica defende que tudo aquilo que não pode imediatamente ser medido ou testado não existe, ou não é merecedor de maior atenção. Mas as explicações emocionais para o comportamento animal não têm forçosamente de ser extremamente complexas ou impossíveis de testar. Revestem-se apenas de uma maior dificuldade de verificação por parte dos métodos científicos, segundo as formas habituais. Requerem uma abordagem mais inteligente e sofisticada. Diversos ramos da ciência evidenciam já o desejo de efectuar aproximações sucessivas àquilo que, em última instância, poderá não ser passível de conhecimento, em vez de pura e simplesmente o ignorar.

Funktionslust

A biologia evolucionista confere uma maior sustentação à opinião de que os animais sente. De acordo com esse modelo, tudo aquilo que estimule a sobrevivência possui um valor selectivo. As emoções podem motivar um comportamento de sobrevivência. Um animal que teme o perigo e foge pode sobreviver comparativamente a outro que não o faz. Assim como outro animal que defende furiosamente o seu território poderá viver mais e melhor. Um animal que ama e protege as suas crias poderá deixar um maior número de descendentes. Um animal poderá ter prazer na sua capacidade de correr rapidamente, voar majestosamente ou escavar a grande profundidade. Esta antiga expressão alemã, funcktionslust (Nota 2), refere-se ao prazer experimentado ao realizar aquilo que cada um faz melhor - o prazer que os gatos têm em subir às árvores ou os macacos em balançar-se de ramo em ramo. Esse prazer, essa felicidade, pode aumentar a tendência de um animal realizar essas mesmas acções, incrementando igualmente as probabilidades da sua sobrevivência. Mas nem todas as acções norteadas pela emoção possuem um valor em termos de sobrevivência. Um animal carinhoso poderá deixar um maior número de descendentes, tornando assim o amor um auxiliar da sobrevivência; mas um animal carinhoso poderá também cuidar de crias deficientes ou de companheiros sem quaisquer hipóteses de sobrevivência, ou mesmo expor-se ao perigo para velar os seus mortos. Poderá adoptar as crias de outros, sem lhes transmitir os seus próprios genes. Estas acções não irão contribuir de forma alguma e provavelmente até poderão diminuir a sua forma física. Talvez os animais realizem determinadas acções em virtude do que sentem e não simplesmente em função de qualquer vantagem que lhes possa conferir em termos de sobrevivência. Contudo, o carinho pode ainda assim revestir-se de um valor de sobrevivência, em virtude da consequência imediata se traduzir numa maior descendência. Se um comportamento habitualmente adaptativo ocorrer também sem se verificarem quaisquer vantagens em termos de sobrevivência, isto pode significar que uma emoção envolvente e não apenas uma simples adaptação poderá estar a nortear o comportamento. Os biólogos apontam frequentemente para a vantagem evolutiva de um determinado comportamento como uma forma de contornar a questão das emoções. Os cientistas por vezes afirmam que uma ave canora não canta com alegria, nem o faz por achar que a melodia é bonita, mas sim

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porque está a estabelecer um território e a anunciar a sua boa forma física às eventuais companheiras. Assim, o encarar o canto de uma ave como um acto agressivo e de cariz sexual vai fornecer uma explicação genética para esse mesmo comportamento. O canto de um pássaro poderá efectivamente anunciar as suas reivindicações territoriais e poderá também atrair uma companheira, mas isso não obsta a que a ave cante porque esteja feliz e ache a sua melodia maravilhosa. Tal como o primatólogo Frans de Waal salienta, "Sempre que vejo um casal de papagaios alisando mutuamente as penas, carinhosa e pacientemente, o primeiro pensamento que me ocorre não é que o façam para estimular a sobrevivência dos seus genes. Esta é uma forma errónea de pôr a questão, uma vez que emprega o presente enquanto que as explicações evolucionistas apenas podem lidar com o passado." Em vez disso, de Waal interpreta as aves como exprimindo amor e expectativa ou, recuando um pouco, "uma ligação exclusiva". De igual forma, o comportamento humano que pode ser encarado como uma aptidão crescente de sobrevivência, muitas vezes não pode ser explicado apenas segundo esse parâmetro, tal como o pretendem os sociobiólogos. Quando os seres humanos monógamos têm "casos amorosos" não estão geralmente a pensar na maximização das suas hipóteses reprodutivas através da impregnação de outras fêmeas para além daquela com quem efectuaram um considerável investimento em termos de paternidade, nem em acasalar com machos geneticamente superiores para o benefício da sua própria descendência. De facto, os adúlteros de uma forma geral procuram evitar a reprodução. O abuso sexual de crianças também não possui qualquer valor para a sobrevivência, no entanto é comum. Se os seres humanos estão sujeitos à evolução mas possuem sentimentos inexplicáveis em termos de sobrevivência, se são propensos a emoções que não parecem aportar-lhes qualquer vantagem, por que razão é que deveremos supor que os animais agem apenas em função do investimento genético?

Um Duplo Padrão

Na qualidade de seres humanos, aplicamos indiscutivelmente padrões diferentes a nós mesmos e aos outros animais. Ao ser humano é permitido ter emoções. A razão habitualmente invocada é que os sentimentos são expressos através da linguagem, através de palavras como "Amo-te" ou "Não me importo" ou "Estou triste". As pessoas vivem grande parte das suas vidas de acordo com expressões de sentimentos delas próprias ou dos outros. Apesar de se tratar de um consenso generalizado que muitas pessoas mentem acerca dos seus sentimentos para assim estar em vantagem, que outras pessoas se enganam sobre os seus sentimentos ou não sabem realmente o que sentem, ou mesmo que os expressam sem qualquer credibilidade, poucos põem em dúvida que os sentimentos existam - os próprios e os dos outros. O método primário de raciocínio parece ser a analogia e a empatia: sabemos que temos sentimentos porque sentimos que são eles que nos impulsionam, e os outros fazem e expressam conceitos semelhantes por isso acreditamos que eles também têm sentimentos. Este tipo de raciocínio tem as suas limitações. Sabemos por experiência pessoal que os outros seres humanos podem sentir gratidão porque assim o dizem, e agem em consonância com isso. Por si só, este facto não lança qualquer luz sobre se um leão pode ou não sentir-se grato. Por outro lado, os seres

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humanos, mesmo quando inseridos em ambientes de sofisticação cultural, continuam ainda assim a ser uma espécie animal; a relação entre os ingredientes físicos e psíquicos das emoções poderá muito bem ser partilhada. Apesar de as emoções não poderem ser simplesmente reduzidas a uma mistura de hormonas, qualquer que seja a extensão da contribuição hormonal para os estados emocionais dos seres humanos, provavelmente realizam o mesmo nos animais. Substâncias como a oxitocina, epinefrina, serotonina e testosterona - consideradas capazes de influenciar as acções e sentimentos humanos - são igualmente observadas nos animais. As explicações excessivamente simplistas do comportamento humano em termos hormonais revelaram-se não só incorrectas como também perniciosas; deverá por isso ter-se o cuidado de evitar cometer o mesmo erro ao explicar o comportamento animal. Desvirtuando a convicção firmemente mantida de que as emoções são produtos exclusivamente humanos, que resultam dos nossos poderes mentais incomparáveis, os caminhos físicos das emoções humanas situam-se entre os mais primitivos. A parte do cérebro designada por sistema límbico, que se julga servir de mediador das emoções, é uma das mais antigas partes do corpo humano em termos filogenéticos, de tal forma que muitas vezes é designado pelo "cérebro réptil". De um ponto de vista puramente físico seria um milagre biológico os seres humanos serem os únicos animais a sentir. Poderá então ser demonstrado, por exemplo, que uma gata gosta dos seus gatinhos ou que estes gostam da mãe? Se as medições pudessem mostrar os níveis hormonais na corrente sanguínea da gata ao ver as crias, bem como os picos de actividade eléctrica em determinados pontos do seu cérebro, seria isso aceite como prova? Muitos cientistas diriam que não; nunca poderemos saber se um gato ama. Contudo, a maioria dos observadores acreditam à partida que a gata gosta dos seus gatinhos simplesmente com base no seu comportamento. Os cientistas preferem não o afirmar. Será que a afirmação "O macaco está obviamente triste" poderá não ser assim tão diferente de "O João está obviamente triste"? A palavra obviamente constitui uma interpretação; refere-se a indícios socialmente aceites para indicação de tristeza. O João fica a fitar o chão e a suspirar durante horas. O macaco também. O João pode não querer comer. E o mesmo poderá fazer o macaco. O João não quer falar; quando se lhe pergunta como se sente, olha fixamente para além do orador. Nós não vamos afirmar, por essa razão, que ele não pode sentir mágoa porque senão di-lo-ia. Podemos enganar-nos acerca do macaco. Também podemos estar enganados acerca do João. O João poderá de facto estar a sentir algo completamente diferente - apatia, talvez, ou um desespero existencial. Poderemos ter interpretado erradamente as suas acções, as suas expressões faciais e vocalizações. Obviamente é uma afirmação quanto ao tipo de provas que julgamos ter, mas as nossas provas poderão não ser assim tão boas para as pessoas, nem tão insignificantes para os outros animais, como julgámos.

As Pistas Ardilosas da Linguagem

Os seres humanos possuem a vantagem da linguagem, uma das maiores diferenças entre os seres humanos e os outros animais. Os animais não podem "falar" dos seus sentimentos de uma forma que os seres humanos possam entender sem sombra de dúvidas, muito embora a

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barreira da linguagem entre seres humanos e animais não seja absoluta. Mas a linguagem não é totalmente fidedigna como instrumento de medição emocional ao nível dos seres humanos. A declaração verbal de um sentimento não prova que a emoção exista, tal como a incapacidade de verbalizar uma emoção não prova a sua inexistência. Alguns seres humanos, deficientes profundos, não conseguem traduzir por palavras os seus sentimentos, o que não significa que não os tenham. Os seres humanos mudos sentem. As pessoas intelectualmente superiores podem mentir acerca dos seus sentimentos ou mesmo ocultá-los. A capacidade intelectual pode distinguir as pessoas dos outros animais - mesmo se apenas em termos de nível -, mas mesmo entre os seres humanos, inteligência e emoção não estão estreitamente correlacionadas. A linguagem faz parte da cultura, e as diferentes culturas a nível mundial parecem fazer muitas das mesmas distinções entre emoções e reportar a experiências semelhantes. Mas poderemos nós sentir uma emoção para a qual a nossa cultura não possui uma palavra ou quaisquer exemplos? Sem dúvida que existem emoções promovidas por uma determinada cultura e que já não o são noutra, o que não significa que não sejam vividas em todas elas. Poderá, por vezes, não ser fácil defini-las ou mesmo exprimi-las, tendo em conta a linguagem materna de cada um. Poderá mesmo ser difícil pensar acerca delas e especialmente transmiti-las a outros. Contudo, os próprios sentimentos podem gozar de uma certa autonomia que lhes permita ainda assim serem sentidos. De igual forma, os animais podem ter experiências emocionais difíceis de exprimir ou traduzir por palavras - mesmo que possuíssem a capacidade de as utilizar -, o que não impede, por essa mesma razão, que se tratem de sentimentos reais. Não obstante a barreira da linguagem, os seres humanos podem muito bem partilhar com os animais a grande maioria das emoções que são capazes de sentir. Trata-se de um preconceito muito antigo, de que apenas os seres humanos pensam e sentem porque só eles é que conseguem comunicar pensamentos e sentimentos por meio de palavras, escritas ou faladas. Descartes, filósofo francês do século XVII, acreditava que os animais eram apenas "bestas desprovidas de pensamento", automata (Nota 3), máquinas:

Não existem [homens] tão depravados nem tão estúpidos, com excepção talvez dos idiotas, que não sejam capazes de juntar diversas palavras e formar com elas uma frase através da qual dêem a entender os seus pensamentos; enquanto que, por outro lado, não existe nenhum animal, por mais perfeito e agraciado que tenha sido pelas circunstâncias, que possa fazer o mesmo (...) a razão pela qual os animais não falam como nós não é porque não possuam os órgãos, mas sim porque não têm pensamento.

Um autor desconhecido, contemporâneo de Descartes, relata a inflexibilidade dessa tese:

Os cientistas [cartesianos] espancavam os cães com uma total indiferença e troçavam daqueles que sentiam pena das criaturas como se elas fossem capazes de sentir dor. Afirmavam que os animais eram apenas relógios, que os lamentos que emitiam quando se lhes batia não eram mais que o ruído provocado pelo accionamento de uma pequena mola mas que o corpo era

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insensível. Pregavam os pobres animais pelas quatro patas a pranchas para os vivissectar e observar a circulação do sangue, tema de importante controvérsia.

Voltaire defendeu, pelo contrário, que a vivissecção demonstrava que o cão possuía os mesmos organes de sentiment (Nota 4) que o ser humano. "Respondam-me vós, os que acreditam que os animais não são mais do que máquinas," escreveu esse autor, "será que a Natureza dotou estes animais de toda esta maquinaria de sentimentos, com o objectivo apenas de que depois eles não possuíssem nenhum deles?" Noutro dos seus escritos, O Filósofo Ignorante, critica Descartes, dizendo que este "atreveu-se a afirmar que os animais são pura e simplesmente máquinas que procuram comida quando não têm apetite, que possuem órgãos de sentimentos para nunca sentirem seja o que for, que gritam sem sentir dor, que manifestam o seu prazer sem terem alegria, que possuem um cérebro apenas para nele não terem a mais ínfima das ideias, sendo por isso uma perpétua contradição da Natureza". Já em 1738, Voltaire se referia aos sentimentos humanitários do reputado físico inglês Isaac Newton e como - tal como o filósofo John Locke - este acreditava que os animais possuíam os mesmos sentimentos que o Homem. Escreveu Voltaire: "[Newton] pensava ser uma terrível contradição acreditar que os animais eram capazes de sentir e infligir-lhes sofrimento." É um facto que a maioria dos animais não possui um discurso que os seres humanos sejam capazes de entender. Mas será que a ausência de discurso, ao fim e ao cabo, constituirá uma manifestação assim tão importante dos sentimentos, como alguns filósofos imaginaram ser? Diversos chimpanzés e outros grandes macacos possuem um vocabulário com mais de cem palavras da Linguagem Gestual Americana. Conseguem comunicar não só com os seres humanos, como também com os membros da sua própria espécie. Não seria parcimonioso supor que eles teriam previamente comunicado alguns destes mesmos pensamentos aos outros macacos através de outros meios de comunicação que não a linguagem gestual humana? Porque é que deveriam esperar pelos cientistas para fazerem algo que já eram capazes de fazer por si sós? O facto de os macacos não possuírem cordas vocais humanas não significa que tenham de permanecer incomunicáveis. Após um fluxo inicial de excitação, a resposta esmagadora da comunidade científica em relação aos macacos que usam linguagem gestual foi ignorá-los ou votá-los a um total descrédito, quer como indivíduos quer como espécie. Se tivermos em consideração que as simples manifestações dos macacos em relação a comida e brinquedos são atacadas, poderemos facilmente imaginar a reacção se estas fossem acerca dos seus sentimentos. Os preconceitos mais enraizados afirmam que os sentimentos dos animais não podem ser conhecidos porque estes não podem falar; no entanto, se estes se exprimirem numa linguagem humana, aí a reivindicação será que o que dizem não pode eventualmente significar o mesmo que os seres humanos querem exprimir. Mesmo quando os animais falam a nossa linguagem, os seres humanos nem sempre acreditam no que eles dizem. Durante dezasseis anos, Alex, um papagaio africano cinzento, foi treinado pela psicóloga Irene Pepperberg, que se dedica à investigação das capacidades cognitivas das aves. Alex é um dos poucos papagaios do mundo que demonstrou compreender o sentido das palavras que profere. Conhece o nome de cinquenta objectos, sete cores e cinco formas. Consegue enumerar até seis objectos e dizer, entre dois objectos, qual deles é o mais pequeno. Alex também "apanhou" diversas frases "funcionais". Aprendeu: "Bem, agora vou-me embora", frase que ouve dizer no laboratório da psicóloga. Irene Pepperberg explica que

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para o repreender "dizemos: `Não! O Alex é mau!' e vamo-nos embora. E ele sabe exactamente o que dizer nesse contexto. Faz-nos regressar exclamando: `Voltem! Peço desculpa!` Alex aprendeu a pedir desculpa por ouvi-lo aos seres humanos. E sabe quando o deve dizer. Será que sente arrependimento? "Morde-nos e diz `Desculpa' e volta a morder," afirma a psicóloga, com alguma irritação, "Não há qualquer arrependimento!" Exactamente como muitas pessoas. Aqui está um animal que parece relatar verbalmente um estado emocional - arrependimento - mas em quem nós não acreditamos. Se estivesse de facto arrependido (tal como nós entendemos a expressão) por ter mordido, iria ele imediatamente morder de novo? Talvez. O que quer que se passe no íntimo do Alex, o animal está suficientemente motivado para aprender palavras humanas para caracterizar sentimentos humanos - talvez para assim fazer com que os seres humanos sejam companheiros mais agradáveis para os papagaios. O Alex pode não sentir qualquer arrependimento por estar a magoar alguém. Irene Pepperberg pode também não dispor de uma palavra para caracterizar o que o Alex pretende dela; ela pode nunca ter sentido o que o Alex sente. Os seres humanos são surpreendentemente parcos em termos de vocabulário para caracterizar emoções sociais positivas e indevidamente prósperos a designar outras, negativas a nível individual. Será que não existem graduações em termos de proximidade social e afecto no topo dessa panóplia sentimental, em relação à qual os seres humanos são, funcional e emocionalmente, uns completos analfabetos? Talvez ainda tenhamos muito que aprender.

Comunicação Sem Linguagem

A comunicação não-verbal entre seres humanos tem sido alvo de um crescente interesse entre académicos e terapeutas, nos últimos anos. Diversos estados mentais complexos são expressos de uma forma muito mais convincente através de gestos do que por frases, enquanto que outros parecem escapar completamente à linguagem verbal. Algumas tentativas para expressar sentimentos subtis ou indefiníveis deixam-nos a todos com a sensação de desajustamento das palavras. A poesia, ao fim e ao cabo, constitui uma tentativa de dirigir sentimentos, humores, estados e mesmo pensamentos difíceis de entender e que parecem desafiar a linguagem em prosa. E alguns sentimentos chegam mesmo a confundir a linguagem, mesmo até a poesia. As belas-artes e o silêncio começam onde as palavras acabam. Não há dúvida que os seres humanos conseguem comunicar pensamentos e sentimentos sem palavras; de facto, existe um número crescente de evidências de como grande parte da comunicação com os outros se processa fora do discurso verbal. Tal como os seres humanos comunicam através da linguagem corporal, gestos e acções expressivas, formalizadas através da mímica e da dança, dever-se-á tomar em consideração as declarações não verbais acerca de sentimentos, feitas pelos animais. Os animais comunicam informação através da postura, vocalizações, gestos e acções, quer a outros animais como aos seres humanos que estejam atentos. Apesar do estudo destes padrões ter vindo a ser melhorado, até mesmo os especialistas podem ser muito limitados na interpretação dessa mesma informação. Este facto é especialmente verdade 'para aqueles não familiarizados com a espécie. Os próprios animais são francamente melhores na compreensão desses sinais, mesmo entre espécies diferentes. E

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quanto a isso, Elizabeth Marshall Thomas especula mesmo que os animais podem ser muito melhores na interpretação da leitura dos sinais corporais humanos do que os seres humanos a interpretar a leitura dos sinais animais, independentemente de que tipo sejam. "A nossa espécie é capaz de acossar outras espécies não porque sejamos bons em comunicação, mas exactamente porque não o somos." De Waal queixa-se que os macacos são tão bons na leitura da linguagem corporal humana que quase levam as pessoas que com eles trabalham a sentir-se transparentes. Depois de quinze anos a estudar raposas vermelhas, criando-as e vivendo com elas, David Macdonald consegue entender a sua linguagem corporal. Pelo olhar apenas consegue distinguir entre uma raposa feliz, uma raposa excitada ou nervosa. Ele descreve-as com toda a naturalidade como brincalhonas, furiosas, estupefactas, temerosas, confiantes, satisfeitas, namoradeiras ou humilhadas. No seu livro Running with the Fox ("Correr com a Raposa") ilustra a linguagem corporal destes animais por forma a que todos aqueles menos familiarizados com as raposas a possam igualmente imaginar. Contudo, e uma vez que as emoções dos animais não são cientificamente respeitáveis, quando Macdonald aborda o tema se as raposas gostam de matar, recua, com o aviso "partindo do princípio que elas estão sujeitas a emoções reconhecíveis pelos seres humanos (...)". Macdonald considera esta pergunta "impossível de responder do ponto de vista filosófico". Mas para a maior parte dos leigos não é mais filosoficamente impossível de responder do que a questão se outros seres humanos possuem emoções, incluindo o sadismo. No livro de Konrad Lorenz, The Year o f the Greylag Goose ("O Ano do Ganso de Greylag"), na legenda de uma fotografia de um ganso macho pode ler-se: "Depois de Ado [outro macho] se ter apropriado de Selma [a sua antiga companheira], Gurnemanz ficou completamente desfeito, tal como se pode aperceber nesta imagem." Para uma pessoa apenas vagamente familiarizada com os gansos esta realidade não pode ser de todo apercebida. Poderia ser facilmente interpretado como um ganso feliz ou furioso. O ganso não possui mobilidade da face, por isso existem poucos desvios da expressão facial. Lorenz, com base na sua longa experiência, conhece a linguagem corporal dos gansos e pode fazer a sua leitura. A postura de Gurnemanz e a posição do pescoço são indicativas da sua submissão e desmoralização. Noutros pontos, Lorenz descreve as posturas do ganso, gestos e sons produzidos: vitorioso, incerto, tenso, contente, triste, alerta, relaxado ou ameaçador. A questão é que um ganso ou outro animal podem constituir uma violenta amálgama de emoções. Os sentimentos podem "estar estampados na sua face" e bastará apenas uma certa prática para interpretar o que nela se encontra impresso. Somos unicamente restringidos pela ignorância, falta de interesse, ânsia de exploração (tal como pretender comê-los) ou por preconceitos antropocêntricos que nos impedem, como por desígnio divino, de reconhecer pontos comuns onde estes possam existir. Como poderemos nós ser deuses se os animais são exactamente como nós?

Explorar o Tema Proibido

As normas para definir a existência de emoções nos animais começam com as de uso corrente para os seres humanos. Não deveriam ser exigidas mais provas de que um animal sente uma emoção do que aquelas exigidas a um ser humano - e tal como aos seres humanos, deveria ser

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permitido ao animal expressar-se na sua própria linguagem emocional, cujo entendimento iria depender do observador. As emoções humanas também escapam ao escrutínio científico exacto. Não existe de facto qualquer prova científica e universalmente aceite dos sentimentos humanos. O que uma pessoa sente nunca é inteiramente acessível a outra. Não só é incerta a comunicabilidade dos nossos sentimentos, como a eventualidade de uma pessoa entender ou não o universo da vida interior dos outros é, em última análise, indeterminável. Julgamos saber que as pessoas estão tristes, isoladas ou alegres, mas é difícil saber a especificidade do humor envolvente. Poderemos não estar encerrados em universos privados de sentimentos, mas a vida interior de outra pessoa, atendendo a que é individual, continua a ser basicamente um mistério. Uma história de "casos" humanos em que o medo, a raiva, o amor, o orgulho e a culpa não desempenhassem qualquer papel, seria estranhamente inadequada. As biografias destituídas de mágoa, tristeza e nostalgia pareceriam irreais. A vida de uma pessoa vulgar onde ninguém ama, é amado ou quer ser amado, onde nada se teme, onde ninguém se zanga ou faz com que alguém se zangue, onde o desespero profundo seja insondável, onde ninguém sinta orgulho em nada do que faça, onde ninguém tenha vergonha de fazer seja o que for, ou se sinta culpado por o fazer - seria uma péssima descrição, anti-natural e irrealista. Não seria nem credível nem precisa. Seria mesmo considerada desumana. Descrever as vidas dos animais sem incluir as suas emoções poderá ser igualmente tão impreciso, superficial e distorcido, e poderá mesmo despojá-los da sua integridade de uma forma muito profunda. Para entender os animais é fundamental perceber o que eles sentem.

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Brutos Sem Sentimentos

Ao longo da História, os seres humanos têm tido sempre a maior das preocupações em se distinguirem dos animais. Falamos, raciocinamos, imaginamos, prevemos, adoramos, amamos. E eles não o fazem. A insistência histórica num fosso intransponível entre os seres humanos e os outros animais sugere que tem por fundamento alguma necessidade ou função. Porque é que nós, seres humanos, tão frequentemente nos autodefinimos por via da diferenciação dos animais? Porque é que essa distinção entre Homem e besta é tão importante? As tentativas para efectuar esta distinção recaem principalmente em duas categorias. Em primeiro lugar, muitos citam as fraquezas humanas como únicas, das quais a principal é lutarmos contra nós próprios. Nestes casos, o escritor habitualmente procura inspirar os seus leitores com resoluções morais. No primeiro século d.C., Plínio o Velho, no seu livro História Natural, repreende: "Os leões não lutam uns com os outros; as serpentes não atacam as serpentes, nem os monstros das profundezas se rebelam contra os seus iguais. Mas muitas das calamidades do Homem são causadas pelos seus semelhantes." Quando, em 1532, Ludovico

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Ariosto em Orlando Furioso afirma: "O Homem é o único animal que fere o companheiro", também pretende servir como admoestação. James Froude no seu livro Oceana de 1886 exclama: "Os animais selvagens nunca matam por desporto. O Homem é o único para quem a tortura e morte dos seus semelhantes constitui um divertimento." E mesmo William James, já neste século, escreveu: "O Homem (...) é simplesmente a mais formidável de todas as bestas predadoras e de facto a única que ataca sistematicamente as da sua própria espécie." Nestes exemplos, não são tanto os animais que estão em observação mas sim os homens que são exortados a cessar as matanças (habitualmente) de outros homens. Pretende-se envergonhar os homens para que reconheçam que se comportam pior do que animais. A outra categoria, e de longe muito mais extensa que a dos "homens-bestas", contrasta com as citações das vantagens humanas: a nossa inteligência, cultura, sentido de humor, o conhecimento da morte. No século XIX, William Hazlitt sustentava que: "O Homem é o único animal que ri e chora; porque é o único animal que sabe ver a diferença entre aquilo que as coisas são e o que deveriam ser." E, já no nosso século, o filósofo William Ernest Hocking afirmou: "O Homem é o único animal que considera a própria morte e igualmente o único animal que não tem quaisquer dúvidas sobre a sua finalidade." A sua excepcionalidade é reivindicada em virtude do senso de humor, da capacidade de entender a virtude, da capacidade de fazer e utilizar ferramentas. Mais uma vez, os autores parecem estar mais interessados em lograrem um objectivo didáctico para os seres humanos do que em observar ou entender os animais. As comparações entre seres humanos e animais têm servido ao longo da História como uma fonte rica em instrução moral para os filósofos humanistas, particularmente durante uma época de sentimentalização do mundo natural em que este era tomado como modelo. O mais poético foi Buffon, grande naturalista francês do século XIX, que iniciou o seu estudo Sobre a Natureza dos Animais afirmando que os animais não podem pensar nem recordar mas possuem sentimentos "num grau superior ao dos seres humanos". Buffon acreditava existir uma vantagem na vida puramente sentimental dos animais. Os seres humanos - escreveu ele - levam vidas de desespero silencioso e "muitos homens morrem de tristeza". Em contraste, "Os animais não procuram prazeres onde estes não podem ser encontrados e, guiados apenas pelos seus sentimentos, nunca fazem uma escolha errada; os seus desejos são sempre proporcionais à própria capacidade de desfrutar; sentem tanto como desfrutam e desfrutam apenas na medida em que sentem. O Homem, por outro lado, na tentativa de inventar prazeres, nada mais faz senão estragar a Natureza; querendo forçar sentimentos, apenas abusa do seu ser abrindo brechas no seu próprio coração que mais tarde se revelam impossíveis de tapar." E termina referindo "a distância infinita que o Ser Supremo colocou entre os animais [e o Homem]". As interpretações contemporâneas deste contraste têm sido pouco mais fundamentadas na realidade animal e não vieram lançar muito mais luz sobre os animais - ou sobre os seres humanos. Recentemente N.K. Humphrey escreveu: "A evolução dos seres humanos tornou-os as criaturas com o maior grau de sociabilidade que alguma vez foi dado ver. As suas relações sociais possuem uma profundidade, uma complexidade e uma tal importância biológica para eles, que nenhuma outra relação entre animais se lhe pode aproximar." Considerando o pouco que se conhece sobre as "outras relações entre animais", esta afirmação afigura-se bastante injustificada. O pouco que sabemos e o muito que supomos saber é ilustrado pelo facto de, até há bem pouco tempo, constituir um cânone do comportamento animal que - ao nível das fêmeas - apenas a humana experimentava o orgasmo. Ainda em 1979, o antropólogo Donald Symons afirmava que "o orgasmo feminino é

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uma característica essencialmente restrita à nossa própria espécie". Quando a questão foi de facto investigada no macaco-de-rabo-cortado (Nota 5), utilizando o mesmo critério fisiológico utilizado para os seres humanos, descobriu-se que as fêmeas pareciam experimentar orgasmos. O primatólogo Frans de Waal observou o mesmo na fêmea bonobo (chimpanzé pigmeu) a partir de provas comportamentais. Tal como para muitas questões especificamente envolvendo a fêmea humana, a verdade é que não têm sido muitos os cientistas a considerar a questão de forma sistemática, efectuando apenas os estudos de observação de campo indispensáveis à obtenção de uma resposta. Talvez fosse mais do agrado da maioria dos cientistas masculinos imaginar que enquanto as fêmeas animais procuravam o sexo apenas durante o cio e, por consequência, o consumavam apenas com intuitos reprodutivos, as fêmeas humanas, em virtude da sua capacidade orgástica única, estariam desejosas de ter relações sexuais em qualquer ocasião.

Os Nossos Nobres Sentimentos

Sempre se exaltaram determinados sentimentos "superiores" que se supõem individualizar-nos em relação aos outros animais. Apenas os seres humanos - afirma-se - podem sentir emoções mais nobres tais como compaixão, amor verdadeiro, altruísmo, piedade, clemência, reverência, honra e modéstia. Por outro lado, têm sido frequentemente atribuídas emoções consideradas negativas ou "inferiores" aos animais: crueldade, orgulho, ganância, raiva, vaidade e ódio. Aqui parece estar em jogo um dano aparentemente insuportável, provocado ao nosso sentido de singularidade, ao direito a uma nobreza especial da nossa vida emocional. Assim, a questão não só de os animais poderem sentir mas também daquilo que sentem é utilizada para reforçar a barreira das espécies. O que se esconde por trás desta mentalidade "nós/eles" - a urgência de nos definirmos, provando que não só somos diferentes, como também totalmente diferentes, incluindo a nível emocional? Porque é que esta distinção entre Homem e besta é tão importante para os seres humanos? Um olhar sobre as distinções humanas existentes entre nós próprios poderá fornecer uma resposta parcial. Os grupos de seres humanos dominantes têm-se autodefinido, desde sempre, como superiores por via da própria distinção dos grupos que lhe estão subordinados. Assim, os brancos definem os negros, em parte, através da diferença entre os teores de melanina existente na pele; os homens são distinguidos das mulheres por via de características sexuais primárias e secundárias. Estas distinções empíricas são então utilizadas por forma a fazer parecer que são as próprias distinções e não as suas consequências sociais as responsáveis pelo domínio social de um grupo sobre o outro. Assim, a distinção entre Homem e besta serviu para manter o Homem no topo. As pessoas definem-se a si mesmas como diferentes ou semelhantes dos animais consoante é conveniente ou divertido, por forma a manterem a sua predominância sobre eles. Os seres humanos presumivelmente tiram partido do tratamento dado aos animais - magoando-os, encarcerando-os, explorando o seu trabalho, comendo os seus corpos, contemplando-os e mesmo na qualidade de seus proprietários - como um sinal de estatuto social. Qualquer ser humano com hipóteses de escolha não desejaria ser tratado desta maneira. Um exemplo gritante, ilustrativo de muitos destes preconceitos e onde são sugeridas

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algumas das suas consequência sociais, pode ser observado no artigo sobre "Animais" na Encyclopedia of Religion and Ethics ("Enciclopédia de Religião e Ética"), escrita em 1908:

A civilização ou talvez a educação, acarretou consigo a noção do grande abismo existente entre o Homem e os animais inferiores. (...) Nos níveis culturais inferiores, quer se trate de raças que, no seu conjunto, se encontrem abaixo do nível europeu, ou nos segmentos incultos de comunidades civilizadas, a distinção entre homens e animais não é adequadamente - se é que o é - reconhecida. (...) Os selvagens (...) atribuem ao animal um conjunto muito mais complexo de pensamentos e sentimentos e um grau muito superior de conhecimento e poder do que eles na realidade possuem. (...) Não constitui, assim, surpresa que a atitude em relação ao mundo animal seja de reverência e não de superioridade.

Só um homem inferior, próximo dos animais, poderia darlhes valor. As racionalizações humanas sobre a existência desse abismo são analisadas em A View to a Death in the Morning ("Um Olhar sobre uma Morte pela Manhã"), um elegante livro sobre caça da autoria de Matt Cartmill:

Ao investigar a fronteira entre animal e humano, os cientistas demonstraram uma considerável ingenuidade ao redefinir traços humanos supostamente únicos para evitar que pudessem ser atribuídos a outros animais. Considerem só os nossos supostamente grandes cérebros. Os seres humanos são tidos por mais espertos do que os outros animais, e por consequência nós deveríamos ter cérebros maiores. Mas de facto, os elefantes, baleias e golfinhos possuem cérebros maiores do que o nosso; e os pequenos roedores e macacos têm cérebros relativamente maiores (os seus cérebros representam uma percentagem superior de peso corporal em relação ao nosso). Os cientistas que se debruçam sobre estes assuntos trabalharam em conformidade para redefinir as dimensões do cérebro, dividindo o peso do cérebro por um índice metabólico basal ou outras funções exponenciais do peso corporal para assim obter um padrão, segundo o qual, os cérebros desses animais possam ser considerados inferiores aos nossos. A grandeza única do cérebro humano acabou por tornar-se assim numa questão de definição. Este não é o único exemplo de manipulação da ciência em relação ao objectivo da dominância. Em The Mismeasure of Man ("A Má Avaliação do Homem") Stephen Jay Gould descreve de forma convincente as manipulações conscientes e inconscientes de dados sobre as dimensões do cérebro para provar que o grupo racial a que pertencia o cientista era inerentemente mais inteligente do que os outros grupos. (Um exemplo semelhante de tentativa de colocar a ciência ao serviço da discriminação racial pode ser observado no recente trabalho de Murray e Herrnstein, The Bell Curve ["A Curva em Sino"]. Esta detestável peça de advocacia constitui uma prova deprimente que a inteligência mensurável não representa uma garantia de ideias inteligentes.)

O Outro Insensato

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A presumível falta de sentimentos dos animais tem constituído a principal desculpa para os maltratar. Isto foi levado a um extremo tal que os animais, durante muito tempo, foram considerados incapazes de sentir dor, física ou emocional. Mas quando um animal é magoado da mesma forma que se poderia magoar uma pessoa, geralmente evidencia uma reacção muito semelhante à que essa pessoa teria. Grita, foge, seguidamente examina ou acaricia as partes magoadas, retira-se e descansa. Os veterinários não têm quaisquer dúvidas que os animais feridos sentem dor e por consequência utilizam analgésicos e anestesias na sua prática clínica. O único critério que os animais não conseguem preencher em termos de sentir a dor física - tal como os seres humanos a entendem - é a capacidade de a expressar por palavras. Contudo, crê-se que o peixe preso no anzol não se agita por sentir dor (ou medo) mas sim devido a uma acção reflexa. Diz-se que uma lagosta colocada em água a ferver ou os cachorros a quem amputam as caudas não sentem nada. Um livro alemão recente sobre a consciência animal argumenta exactamente o contrário: "O facto de nós sermos imediatamente capazes de entender esses sinais constitui apenas mais uma indicação de que partilhamos com os outros animais a grandiosa construção do nosso aparelho da dor." Quando se procede realmente à investigação do tema, as descobertas estão de acordo com o senso comum: a dor aparente do peixe que se torce no anzol é real. Tem sido sempre reconfortante para o grupo dominante assumir que aqueles que se encontram em posições de subserviência não sofrem ou sentem dor de uma forma tão intensa, ou mesmo que não a sentem, por forma a que possam ser abusados ou explorados sem remorso e total impunidade. A história deste preconceito é notável pela pressuposição que as classes inferiores e outras raças são relativamente insensíveis. De igual forma, até aos anos 80, era rotina em cirurgia pediátrica efectuar intervenções em bebés com agentes paralisantes mas sem anestesia - de acordo com a antiga convicção que os recém-nascidos eram incapazes de sentir dor. Acreditava-se, sem provas, na imaturidade do seu sistema nervoso. O conceito de que os bebés não sentem dor está em directa oposição aos seus gritos e só pode ser classificado como um mito científico. Contudo, constituiu um dogma da medicina humana, que só há bem pouco tempo passou a ser reconhecido como falso, na sequência de estudos que demonstraram que os bebés a quem não fora administrada medicação contra a dor demoravam mais tempo a recuperar da cirurgia. Uma intolerância semelhante foi alargada à existência de emoções nos pobres, estrangeiros, naqueles criados em culturas empobrecidas ou menos esclarecidas e ao nível das crianças, que supostamente ainda não aprenderam a sentir de uma forma totalmente humana. Considera-se muitas vezes quando um bebé sorri, por exemplo, que se trata apenas de uma resposta física a gases intestinais. Diz-se que o bebé não está a sorrir em resposta a outras pessoas ou por felicidade, mas sim em consequência de manifestações digestivas. Apesar do facto de nenhum adulto sorrir como resultado de um desconforto ao nível do estômago, esta noção é amplamente repetida - muito embora, na maior parte dos casos, os pais da criança não acreditarem nela. Os estudos que demonstram que os sorrisos do bebé não estão relacionados com arrotos, regurgitações e flatulência tiveram pouco impacto sobre este conceito. Muitas pessoas preferem acreditar que as crianças possuem um nível muito reduzido ou mesmo uma ausência total de sentimentos. Se é assim tão fácil negar as vidas emocionais dos outros, é então muitíssimo mais simples negar as vidas emocionais dos animais.

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Antropomorfismo

O maior obstáculo da ciência relativamente à investigação das emoções dos outros animais tem sido um desejo excessivo de evitar o antropomorfismo. Antropomorfismo significa a atribuição de características humanas - como pensar, sentir, consciência e motivação - a seres não-humanos. Quando se diz "os elementos da Natureza estão a conspirar para arruinar o piquenique" ou "esta árvore é minha amiga" comete-se um antropomorfismo. Poucas pessoas acreditam, de facto, que o tempo está a conspirar contra eles, mas as ideias antropomórficas sobre os animais surgem de uma forma mais generalizada. Fora dos círculos científicos é comum referir-se os pensamentos e sentimentos de animais de estimação, assim como de animais selvagens e em cativeiro. Ainda assim muitos cientistas consideram a noção de que os animais sentem a dor como o mais grosseiro dos erros antropomórficos. Os cães e gatos são os principais alvos de antropomorfismo, tanto de forma correcta como incorrecta. É muito comum imputar pensamentos e sentimentos improváveis a animais de estimação: "Compreende tudo o que se lhe diz"; "Canta com toda a alegria que lhe vai no seu pequeno coração para nos demonstrar a sua gratidão". Algumas pessoas enfeitam os seus animais com roupas, compram-lhes presentes nos quais os animais não têm qualquer interesse ou atribuem mesmo as suas próprias opiniões a animais. Alguns cães chegam mesmo a ser treinados para atacar pessoas de raças diferentes dos seus donos. Muitos amantes de cães parecem gostar de acreditar que os gatos são egoístas, criaturas desprovidas de sentimentos que impiedosamente usam os seus iludidos donos, comparativamente aos cães, esses sim carinhosos, leais e ingénuos. Contudo, com maior frequência as pessoas têm opiniões bastante realistas sobre as capacidades e atributos dos seus animais de estimação. A experiência de viver com um animal proporciona muitas vezes uma perspectiva importante das suas capacidades e limitações - apesar de mesmo neste caso, tal como para as pessoas que convivem intimamente com outras, as ideias preconcebidas poderem ser mais convincentes do que as provas observadas, o que pode dar origem a uma realidade própria. Considerem as três afirmações seguintes sobre o comportamento de um cão: "A Brandy está aborrecida porque nos esquecemos do seu aniversário, A Brandy sente-se posta de parte e requer a nossa atenção" e "A Brandy está a exibir o comportamento submisso de um canídeo de categoria inferior". As duas primeiras afirmações podem ser consideradas antropomórficas, enquanto que a última é produto da gíria etológica - o estudo científico do comportamento animal. A primeira afirmação constitui muito provavelmente um erro ou uma projecção antropomórfica; o orador sentir-se-ia muito mal se o seu próprio aniversário tivesse sido esquecido e conclui por isso que o animal sente o mesmo. Mas é óbvio que a ideia que o cão saiba o que são aniversários e festas de aniversários é bastante remota. A terceira afirmação descreve um "etograma" das acções do animal, evitando qualquer referência a pensamentos ou sentimentos. Trata-se de uma descrição incompleta, que narra livremente os acontecimentos evitando explicá-los, restringindo assim a sua própria capacidade de predição. A segunda afirmação interpreta os sentimentos do cão. Embora possa ser mal interpretado, só constituirá um antropomorfismo se os cães não puderem sentir-se postos de parte e não solicitarem atenção - facto esse que muitos donos de cães sabem não ser verdade. No final, poderá ser a mais útil das três afirmações. Talvez a fonte mais rica de erros antropomórficos se verifique na interpretação humana dos animais selvagens. Uma vez que as pessoas vivem com animais

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domésticos, as teorias erróneas sobre o seu comportamento muito provavelmente irão ser negadas com o decorrer dos acontecimentos. Mas tendo em conta o contacto tão limitado da maioria com animais selvagens, as teorias existentes sobre eles poderão nunca ter ocasião de se opor aos factos, e por isso continuaremos a ser livres de imaginar lobos vorazes, golfinhos bondosos, ou corvos que se regem por normas parlamentares. A ciência considera o antropomorfismo em relação aos animais como um erro grave, ou até mesmo um pecado. É habitual em termos científicos dizer "cometer" um antropomorfismo. Este termo tem a sua origem na religião, referindo-se à atribuição de forma ou características humanas a Deus - o erro hierárquico de agir como se os simples seres humanos pudessem ser divinos - e daí a conotação com pecado. Num longo artigo sobre o antropomorfismo, na Encyclopedia of Religion and Ethics, de 1908, o autor (Frank B. Jevons) escreve: "A tendência para personificar objectos - quer se tratem de objectos sensoriais ou objectos do pensamento - observada ao nível dos animais, crianças, bem como nos selvagens é a própria origem do antropomorfismo." Segundo essa ideia, o Homem criou os deuses à sua própria imagem. O exemplo mais conhecido desta tendência é nos dado pelo autor grego Xenófanes (século V a.C.) que observou que os Etíopes representavam os seus deuses como seres negros, os Trácios apresentavam-nos com olhos azuis e cabelos ruivos e "se os bois e cavalos (...) possuíssem mãos e conseguissem pintar" as respectivas imagens de deuses seriam bois e cavalos. O filósofo Ludwig Feuerbach concluiu que Deus não é mais do que a projecção - num cenário celestial - da essência do Homem. Relativamente à ciência, o pecado contra a hierarquia instituída é atribuir características humanas aos animais. Tal como os seres humanos não podem ser como Deus, agora os animais não podem ser como os seres humanos (reparem bem quem assumiu o lugar de Deus.).

O Antropomorfismo como uma Epidemia

Os jovens cientistas são industriados sobre a gravidade deste erro. Tal como explica o comportamentalista animal David MacFarland: "Frequentemente têm de receber uma formação especial por forma a que possam resistir à tentação de interpretar o comportamento de outras espécies através dos mecanismos habituais para comportamento-reconhecimento." No seu recente livro, The New Anthropomorphism ("O Novo Antropomorfismo"), o comportamentalista John S. Kennedy lamenta-se: "O estudo científico do comportamento animal foi inevitavelmente marcado desde os seus primórdios pelo parentesco antropomórfico e até certo ponto ainda continua a sê-lo. Terá de batalhar para se libertar deste pesadelo e a luta ainda não terminou. O antropomorfismo continua, ainda hoje em dia, a constituir um problema, maior até do que os actuais neocomportamentalistas julgam (...). Se o estudo do comportamento animal quiser vingar como ciência, o processo de libertação das ilusões do antropomorfismo tem de continuar." Ele espera que "seja possível controlar o antropomorfismo, mesmo que não seja possível curá-lo completamente. Apesar de muito provavelmente fazer parte da nossa programação genética, e também inoculado por via cultural, isso não significa que essa doença seja intratável". O filósofo John Andrew Fisher observou: "A utilização do termo `antropomorfismo' por cientistas e filósofos é tão habitual

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que quase parece tratar-se de um termo de abuso ideológico, e tal como um termo político ou religioso (`comunista' ou `contra-revolucionário') que não necessita de explicação ou defesa quando utilizado como crítica." Numa ciência dominada pelos homens, as mulheres têm sido consideradas particularmente propensas à empatia, e por conseguinte ao erro antropomórfico e à contaminação. Durante muito tempo consideradas inferiores aos homens precisamente devido à sua grande emotividade, atribuía-se às mulheres uma supra-identificação com os animais que estudavam. Foi esta uma das razões que induziu os cientistas masculinos, durante muito tempo, a não encorajar a presença de biólogas de campo. Eram demasiado emocionais; permitiam que as emoções influenciassem os seus julgamentos e observações. As mulheres, pensava-se, tinham maior probabilidade que os homens de atribuir atitudes emocionais aos animais através da projecção dos seus próprios sentimentos, do que resultaria uma "contaminação dos dados". Assim, os preconceitos em relação ao sexo e os preconceitos em relação às espécies convergiram num ambiente supostamente objectivo. Acusar um cientista de antropomorfismo é fazer-lhe uma severa crítica em termos de credibilidade. É considerado uma confusão de espécies ou um desrespeito pela linha que divide o subjectivo do objectivo. Atribuir pensamentos ou sentimentos a uma criatura que se sabe incapaz de os ter, constituiria de facto um problema. Mas a imputação a um animal de emoções tais como alegria ou mágoa, só será um erro antropomórfico se se tiver a certeza de que os animais são incapazes de sentir essas emoções. Muitos cientistas tomaram esta decisão, mas não com base em provas. A questão não é tanto que a emoção seja negada mas sim o facto de ser considerada demasiado perigosa para fazer parte do debate científico - um campo de tal forma minado de subjectividade que fosse impossível realizar aí qualquer tipo de investigação. Do que resulta que só os mais proeminentes cientistas se atrevem a pôr em risco a sua reputação e credibilidade aventurando-se nesta área. Assim, poderão ser muitos os cientistas que actualmente já acreditem que os animais possuem emoções, mas não só não o afirmam como também não querem estudar o tema, nem estimular os seus estudantes a efectuar a correspondente pesquisa. Podem até atacar outros cientistas que tentam utilizar a linguagem das emoções. Qualquer leigo que pretenda obter credibilidade científica tem de trilhar o caminho com todo o cuidado. Um administrador de uma instituição de reputação internacional, especializada no treino de animais, observou: "Nós não assumimos uma posição oficial sobre a questão de os animais possuírem ou não emoções, mas estou convicto de que se falasse com qualquer um de nós, a nível individual, lhe diríamos todos, `É claro que têm emoções.' Mas enquanto organização, não queremos ser citados como afirmando que eles possuem emoções."

Tabus Linguísticos

Tomando como ponto de partida a convicção de que o antropomorfismo constitui um erro perigoso, um pecado ou mesmo uma doença, deverá proceder-se à investigação dos tabus, incluindo as regras que ditam a utilização da linguagem. Um macaco não pode estar zangado, mas sim manifestar agressividade. Uma garça-azul não sente afecto, evidencia apenas um comportamento cortejador ou paternal. Uma chita não tem medo de um leão, limita-se a

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manifestar um comportamento de fuga. De acordo com estas afirmações, á utilização dada por de Waal à expressão reconciliação, referindo-se a chimpanzés que se reuniram após uma luta, foi alvo de crítica: Não seria mais objectivo dizer "primeiro contacto pós-conflito"? Na busca da total objectividade, este tipo de linguagem utiliza a distância e a recusa de identificação com o sofrimento das outras criaturas. Contra esta ortodoxia científica, o biólogo julian Huxley argumentou que o facto de uma pessoa se imaginar na vida de outro animal não só é cientificamente justificável como também constitui uma fonte de conhecimento. Huxley afirmou o seguinte, no prefácio de um dos mais extraordinários relatos da ligação profunda e emocional entre um ser humano e uma leoa selvagem - o livro de joy Adamson Living Free ("Viver Livremente"): Quando pessoas como a Sra. Adamson (ou Darwin, também) interpretam gestos e posturas dos animais com recurso a termos psicológicos - raiva ou curiosidade, afecto ou inveja - os comportamentalistas mais rigorosos acusam-nos de antropomorfismo, de verem uma mente humana a trabalhar debaixo da pele do animal. Isto não é necessariamente assim. O verdadeiro etólogo tem de possuir uma mente evolutiva. Ao fim e ao cabo é também um mamífero. Para poder dar a mais exaustiva interpretação do comportamento tem de recorrer a uma linguagem que se aplique quer aos seus semelhantes mamíferos quer ao seu semelhante homem. E esse tipo de linguagem tem de utilizar uma terminologia tanto subjectiva como objectiva - medo assim como impulso de fuga, curiosidade bem como uma necessidade exploratória, solicitude maternal em todas as suas modulações para além de um sem fim de outras complicações que caracterizam a terminologia comportamentalista.

O argumento de Huxley veio opor-se à corrente principal do pensamento científico quando redigiu esse prefácio em 1961, que assim continua nos nossos dias. Um exemplo contemporâneo é-nos dado por Alex, o papagaio africano cinzento, que durante os treinos ou testes levados a cabo pelos investigadores, estes tinham de variar as questões que lhe iam colocando por forma a evitar a sugestão e que o Alex se aborrecesse. Quando os revisores de um trabalho que a investigadora Irene Pepperberg submeteu a uma publicação científica vetaram a utilização do termo tédio, ela observou:

Um dos peritos "caiu-me em cima". E no entanto, como já teve ocasião de ver, a ave olha para si e diz: "Vou-me embora." E vai mesmo! Esse perito afirmou que se tratava de um termo antropomórfico e que não tinha lugar numa publicação científica (...). Posso até recorrer a todos os termos possíveis do tipo estímulo-resposta. No entanto, verifica-se que muitos dos comportamentos do Alex são extremamente difíceis de explicar de uma forma que não seja considerada antropomórfica. Porque é que será errado explorar esta ideia - com base nas inúmeras e variadas observações obtidas num local de investigação - de que papagaios e seres humanos podem eventualmente partilhar a faculdade de sentir tédio?

Dar um Nome

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No estudo do comportamento animal, dar nomes aos animais tem desde sempre constituído um tabu para os cientistas. Para distinguirem os indivíduos, poderão designá-los por Macho Adulto n° 36 ou Jovem Verde. A maioria dos investigadores de campo, ao longo de gerações, têm oposto resistência a esta regra dando um nome aos animais que vigiam diariamente, pelo menos para sua própria utilização: Focinho Sarapintado e Cauda Malhada, FIO e Figan, ou Cleo, Freddy e Mia. Nos trabalhos publicados, alguns são convertidos em formas mais remotas de identificação, outros continuam a utilizar nomes. Sy Montgomery relata que em 1981, o antropólogo Colin Turnbull não aceitou redigir um comentário de fundo ao livro de Dian Fossey sobre as suas observações dos gorilas das montanhas pelo facto de esta lhes ter atribuído nomes. Ainda é mais comum não dar nomes aos animais laboratoriais, talvez pela mesma razão que nas quintas os proprietários evitam dar nomes aos animais destinados ao abate: nomes próprios têm um efeito humanizador e é difícil matar um amigo. Rebatendo a opinião que o facto de designar os animais por nomes só faz com que lhe sejam atribuídas características humanas, a investigadora de elefantes Cynthia Moss observa que, com ela, se passa exactamente o contrário: determinadas pessoas recordam-lhe elefantes. "Quando me apresentam uma pessoa chamada Amy, Amélia ou Alisou, lampejam na minha mente imagens da cabeça e orelhas desse elefante." A regra "sem nome" tem vindo progressivamente a mudar, principalmente a nível dos primatólogos, em virtude talvez do relevante trabalho de alguns investigadores que atribuíram nomes - e admitiram tê-lo feito - aos indivíduos estudados. Bekoff e Jamieson, biólogo de campo e filósofo respectivamente, defenderam que não só é admissível como também aconselhável dar um nome aos animais em estudo uma vez que a empatia estimula a compreensão. Contudo, ainda em 1987, uns investigadores que estudavam elefantes na Namíbia (na altura Sudoeste Africano) foram aconselhados pelas autoridades do parque a atribuir números aos animais porque nomes era demasiadamente sentimental. Com a garantia de que um número desumaniza mais do que um nome, será que por esse facto passa a ser mais científico? O designar por nomes - referir o chimpanzé por FIO ou Figan - pode ser considerado antropomórfico, mas também o é a atribuição de números. Os chimpanzés têm a mesma probabilidade de pensarem em si mesmos como o F2 ou o JF3 do que por FIO ou Figan. Nós não sabemos se os animais atribuem nomes a eles mesmos ou aos outros. Sabemos sim que reconhecem outros animais como seres individuais e se distinguem entre si. Os nomes são a forma utilizada pelos seres humanos para rotular essas distinções. O golfinho-roaz (Nota 6) consegue identificar e imitar os silvos característicos de cada um, o que muito se assemelha a um nome. Um fenómeno semelhante pode ser observado em aves em cativeiro. Quando era retirado o macho, os corvos e tordos fêmea na gaiola "frequentemente emitiam sons ou elementos de uma melodia que noutras circunstâncias eram principal ou exclusivamente produzidos pelo companheiro. Ao ouvir esses sons, a ave assim `chamada' regressava imediatamente, sempre que lhe era possível". A capacidade de chamar um companheiro pelo nome poderá ainda ser mais útil para as aves selvagens. Alguns animais indiscutivelmente respondem de forma emocional ao facto de lhes ser atribuído um nome. Mike Tomkies em Last Wild Years ("Os últimos Anos Selvagens") escreve que "apenas os pobres ignorantes troçam do meu hábito de dar nomes às criaturas com quem, durante anos, partilhei a minha casa, assim como a outras que comigo não coabitaram. Por isso, desde que não se trate de um som desagradável, tem pouca importância qual o nome que lhes é dado, mas não há dúvida que qualquer animal ou pássaro responde de forma totalmente distinta e se torna mais confiante quando passa a ser chamado por um nome". Se ao atribuir nomes aos

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animais em estudo se vai promover a empatia com eles, isso poderá traduzir-se numa ajuda e não num obstáculo à melhor compreensão da sua própria natureza. O facto fundamental subjacente nas críticas que acusam de antropomorfismo, é que os seres humanos são animais. A nossa relação com os animais não consiste num exercício literário com criação de deliciosas metáforas. Tal como a filósofa Mary Midgley apresenta a questão: "A tolice de algumas pessoas relativamente aos animais não pode impedir que o assunto seja tido como sério. Os animais não são apenas uma coisa com que as pessoas se divertem, tal como a pastilha elástica e o ski aquático, eles são o grupo ao qual as pessoas pertencem. Nós não somos meramente parecidos com os animais; nós somos animais." Actuar como se os seres humanos pertencessem a outra ordem de seres completamente diferentes dos outros animais é ignorar a realidade básica.

Antropomorfismo Não-Intencional

Mesmo os mais ferozes oponentes do antropomorfismo admitem que este por vezes resulta quando se procura prever o comportamento animal. Ao calcular o que um animal sente ou pensa poderemos melhorar a nossa capacidade de projectar a sua reacção. Estas conjecturas têm um elevado índice de sucesso. Apesar de a previsão bem sucedida não provar que o animal tenha realmente sentido ou pensado aquilo que se imaginou, constitui ainda assim um teste padrão das teorias científicas. John S. Kennedy, comportamentalista animal que encara o antropomorfismo como uma doença, admite ainda assim que é uma forma útil para previsão do comportamento. Kennedy argumenta que o antropomorfismo funciona porque os animais evoluíram para agir como se pensassem e sentissem: "É a selecção natural e não o animal que vai assegurar que aquilo que ele faz com maior frequência `faça sentido', tal como nós habitualmente dizemos." Apesar de Kennedy não aceitar "as pressuposições de que os animais possuem sentimentos e intenções", no entanto reconhece que a empatia pode ser útil para levantar questões e efectuar previsões. Assim, poderá prever-se que uma chita, receosa pelas suas crias, possa correr em direcção a um leão para o afastar. De acordo com a fórmula de Kennedy, se a chita o faz, não significa que seja motivada por um receio pelas vidas das suas crias. Significa apenas que ela evoluiu para agir como se receasse pelas suas vidas. É permitido especular que o intuito de deixar uma descendência numerosa seja a causa final do seu comportamento. Já não é permitido especular que o receio pelas suas vidas possa ser a causa próxima, e muito menos sobre como a chita se poderá sentir ao ver o leão a abocanhá-las. Porque é que é assim tão impossível saber o que os animais sentem, independentemente do número ou tipo de provas existentes? Porque é que conhecer os seus sentimentos será diferente, na verdade, dos pressupostos que se fazem rotineiramente acerca dos sentimentos das outras pessoas?

A Defesa do Solipsismo (Nota 7)

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À excepção de nos tornarmos na outra pessoa, não existe mais nenhuma forma de saber com certeza o que essa pessoa sente, apesar de algumas pessoas, mesmo os filósofos, levarem o seu solipsismo (acreditar que uma pessoa não pode ser mais do que ela própria) até esse ponto. Ao identificar os sentimentos dos outros, as pessoas nem sempre são conduzidas apenas pelas palavras, mas sim pelos padrões de comportamento observados - gestos, cara, olhos - e sua estabilidade com o passar do tempo. As conclusões baseiam-se neste facto e servem de fundo às decisões diárias da vida. Gostamos de determinadas pessoas, detestamos outras, acreditamos numas, receamos outras e agimos nesta base. Acreditar nas emoções dos outros é indispensável para a vida na sociedade humana. N.K. Humphries escreveu: "De acordo com o meu conhecimento, nenhum homem para além de mim experimentou uma sensação correspondente à minha sensação de fome, no entanto o conceito de fome decorrente da minha própria experiência ajuda-me a entender o comportamento alimentar dos outros homens." Quanto à posição humana de desconhecimento do sofrimento animal, Midgley afirmou sobre a posição solipsística extrema: "Se um torturador utilizasse como desculpa para as suas actividades a ignorância da dor provocada, com o fundamento que ninguém conhece seja o que for sobre as sensações subjectivas dos outros, não conseguiria convencer qualquer audiência humana. Uma audiência de cientistas não precisa de procurar ser a excepção a esta regra." Esta filósofa localiza a base destes pressupostos de superioridade humana subjacente à posição do solipsismo, ao citar uma passagem espantosa de Ética, da autoria do filósofo holandês do século XVII, Bento de Espinosa:

É óbvio que a lei contra a matança de animais se baseia mais em superstições vãs e numa piedade feminina do que em razões fundamentadas. A procura racional do que nos seja útil ensina-nos, com maior profundidade, a necessidade de nos associarmos com os nossos semelhantes homens, mas não com bestas ou coisas, cuja natureza é diferente da nossa; temos os mesmos direitos em relação a eles que eles têm em relação a nós. Mais ainda, uma vez que o direito de cada um é definido pela sua própria virtude ou poder, os homens têm de longe muito mais direitos sobre as bestas do que estas sobre os homens. No entanto não nego que as bestas possam sentir, o que nego é que nós não possamos tirar partido da nossa vantagem e utilizá-la como muito bem nos aprouver, tratando-as da forma que melhor nos convenha, uma vez que a sua natureza não é igual à nossa e que as suas emoções são naturalmente diferentes das emoções humanas.

Espinosa evita referir como é que ele sabe que as emoções animais são diferentes das humanas ou explicar de que forma é que isso justifica a sua exploração por parte do Homem, a pilhagem e matança. Ele afirma simplesmente que possuímos mais poder do que eles. A eventualidade passa a ser uma certeza. A defesa da caça, por José Ortega y Gasset, chega à mesma conclusão, insistindo que a vítima merece sempre o que lhe sucede: [Caçar] é uma relação que determinados animais impõem ao Homem, até ao ponto em que tentar não os caçar exija a intervenção da nossa própria vontade (...). Antes mesmo que algum caçador em particular os persiga já eles se sentem como eventuais presas e modelam a sua própria existência em termos desta situação. Assim, automaticamente, convertem qualquer homem

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normal que com eles se cruze num caçador. A única resposta adequada a um ser que vive obcecado com o evitar da sua captura é dar-lhe caça. [Itálico de Ortega y Gasset] Este antropomorfismo tão decepcionante, baseado por sua vez num modelo humano que por si só é ilusório, revela conceitos e interesses profundos e ocultos. A premissa encoberta de Ortega y Gasset - que os seres predadores procuram a sua própria sorte - assemelha-se muito à fundamentação das violações. A desculpa mais comum dos violadores é que as mulheres estavam a pedir para ser violadas, ou seja procurando e provocando a sua própria violação, e especialmente quando tentam activamente evitar a sua consumação. A desobrigação semelhante dos caçadores é aqui também contemplada para justificação da captura dos animais quando se designa a fuga à captura como uma "obsessão" - significando que aquilo que eles mais desejam é do que eles mais afanosamente fogem. As formas mais simples de antropomorfismo podem também interferir na observação e distorcer a compreensão. Carolus Linnaeus, naturalista sueco do século XVIII, que desenvolveu o sistema de classificação dos seres vivos, escreveu acerca dos sapos: "Estes animais imundos e odiosos são (...) abomináveis devido aos seus corpos frios, cor pálida, esqueletos cartilaginosos, pele nojenta, aspecto temível, olhos calculadores, cheiro ofensivo, voz desagradável, habitat sórdido e veneno terrível." Estas palavras carregadas de emotividade, referem-se às emoções que Linnaeus sentia sempre que ele via um sapo. Não são mais do que uma mera projecção. Calculadores não é certamente um termo científico para descrever os olhos de um sapo. Esta passagem não é mais do que arte - pouco descreve do mundo físico mas transmite acentuadamente o estado subjectivo do cientista.

Atribuir Papéis do Sexo Humano aos Animais

Outro problema do antropomorfismo tem sido o de atribuir a perspectiva que os seres humanos têm sobre os sexos - muitas vezes tão errada como a sua perspectiva sobre os bichos - aos animais. Parte-se muitas vezes do princípio de que é o macho que conduz a manada ou que é dominante ou mais agressivo mesmo' em espécies em que a realidade é totalmente distinta. Um programa de televisão recente sobre a Natureza, apresentou uma família de chitas no Parque Nacional do Serengueti, na Tanzânia. A cria macho chamava-se Tabu e a fêmea Tamu - termos em swahili para designar Perigo e Doçura. É de esperar certamente coisas diferentes de uma Doçura do que de um Perigo. É lógico que a expressão "O Perigo está a rondar a minha tenda" é muito mais ameaçadora que "A Doçura está a rondar a minha tenda". A sociobiologia tem evidenciado a tendência de estimular os preconceitos que os homens têm acerca das mulheres insistindo que são "naturais", pelo que se entende que podem ser observados nos membros do Reino Animal. Tal como atrás já foi referido, consegue-se provar quase tudo através de uma escolha cuidadosa das espécies. Não parece ser acidental que a sociedade humana tenha sido durante tanto tempo comparada à sociedade dos babuínos, apesar do facto de os babuínos, em termos sexuais, evidenciarem de longe um maior dismorfismo que os seres humanos e de também não formarem casais. A ideia parece ser a imposição de uma maior desigualdade, em termos de sexo, às fêmeas humanas através da aplicação de um modelo supostamente natural. O problema grave destas

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comparações negligentes entre Homem e animal é a inadequação do nosso actual conhecimento da vida animal, nomeadamente em assuntos cruciais tais como o papel da cultura no estudo dos animais no seu habitat natural. Os elefantes, por exemplo, aprendem com os mais velhos quais os seres humanos a temer com base na história da manada em relação aos seres humanos. Mike Tomkies descreve a observação de uma jovem águia, em habitat natural, sendo ensinada pelos progenitores - que indiscutivelmente estavam a demonstrar à cria o que devia fazer em vez de eles próprios se lançarem na caçada - como efectuar o voo para caçar e matar através de sucessivas demonstrações por parte destes. É óbvio que a pequena águia não nasceu já sabendo como fazer. Esse conhecimento é-lhe transmitido pela aprendizagem, ou seja pela cultura. É natural mas também é ensinado, e o facto de ser ensinado não significa que passe a ser anti-natural. A utilização do termo natural para descrever a forma como a pequena águia mata significa simplesmente que o animal foi observado enquanto o fazia. A distinção entre inato e natural, por outro lado, e cultural e ensinado, por outro, perde muita da sua força à luz das mais recentes observações sobre o que os animais ensinam uns aos outros.

Antropocentrismo (Nota 8)

O problema real subjacente em muitas das críticas de antropomorfismo é de facto o antropocentrismo. A colocação dos seres humanos no centro de toda a interpretação, observação e preocupação, assim como os homens dominantes no seu centro, tem dado origem a um dos piores erros da ciência, quer ao nível da astronomia, psicologia ou do comportamento animal. O antropocentrismo trata os animais como formas inferiores de indivíduos e nega o que realmente são. Reflecte um desejo obsessivo de diferenciação entre seres humanos e animais, de fazer com que os animais sejam completamente diferentes, provavelmente para assim manter os seres humanos no topo da hierarquia evolucionista e da cadeia alimentar. O conceito de que os animais são completamente distintos dos seres humanos, apesar dos nossos antepassados comuns, é muito mais irracional do que o conceito de que eles são como nós. Mas mesmo que eles não fossem de todo como nós, continuaria a não ser uma razão para deixar de os estudar, no seu próprio interesse. A seguinte conclusão foi apresentada por J.E.R. Staddon: "A psicologia, como ciência básica, deveria debruçar-se sobre o comportamento inteligente e adaptativo - sempre que observado -, por forma a que os animais possam ser estudados no seu próprio direito, pelo que nos podem ensinar sobre a natureza e evolução da inteligência, e não enquanto substitutos de pessoas ou ferramentas para a solução dos problemas humanos." O conhecimento obtido por via desse estudo, quer contribua ou não para a solução dos problemas humanos, é ainda assim conhecimento.

Os Animais como Santos e Heróis

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A idealização dos animais é outro tipo de antropocentrismo, apesar de nem de perto tão frequente como a sua denegrição ou endemoniação. A pressuposição de que os animais possuem todas as virtudes às quais os seres humanos aspiram e nenhum dos nossos defeitos é um antropocentrismo, porque no seu âmago está subjacente uma obsessão relativamente aos hábitos repulsivos e malévolos dos homens que os animais habitualmente destacam. De acordo com esta fórmula sentimental o mundo natural é um lugar sem guerra, assassinatos, violações e vícios, e os animais nunca mentem, enganam ou roubam. Este pressuposto é posto em causa pela realidade. Já foi observada decepção entre animais, desde os elefantes até às raposas do árctico. As formigas fazem escravos. Os chimpanzés podem atacar outros bandos de chimpanzés sem qualquer provocação e com intenções mortíferas. Grupos de mangustos anões lutam com outros grupos por território. O caso dos chimpanzés assassinos Pom e Passion, que mataram e comeram as crias de outros chimpanzés do seu próprio grupo, foi bem documentado pela equipa de investigação de Jane Goodall. Já foram observados orangotangos violando outros orangotangos. Ao nível dos leões, um macho que passa a ocupar um lugar dominante muitas vezes mata as crias de outros machos. Já foram vistas crias de hienas, raposas e corujas a matar e comer os seus próprios irmãos. Nem tudo se passa tal como os seres humanos gostariam que acontecesse entre os nossos primos de evolução. Somos forçados a compartilhar a reacção de Jane Goodall sobre o tratamento dado por alguns chimpanzés a um animal velho, com as pernas totalmente paralisadas pela poliomielite, que se encontrava só, posto de parte e que por vezes era mesmo atacado por aqueles que ainda se encontravam saudáveis. Na tentativa de atrair uns companheiros que se catavam mutuamente, para que fizessem o mesmo com ele, arrastou-se para cima de uma árvore: Com um forte grunhido de prazer, esticou uma pata em direcção aos outros, à laia de saudação - mas mesmo antes de ter podido estabelecer contacto, os dois chimpanzés foram-se embora rapidamente, e, sem sequer olhar para trás, recomeçaram a catar-se noutro ponto mais afastado da árvore. Durante dois minutos, o velho Gregor, deixou-se estar ali sentado, parado, contemplando-os fixamente. E então, penosamente, desceu para o chão. Ao vê-lo ali sentado, sozinho, os meus olhos nublaram-se, e nunca na minha vida estive tão perto de quase odiar um chimpanzé como quando voltei a olhar para os "catadores" em cima da árvore.

É difícil ver algum romantismo em algo tão feio. já há muito tempo que ninguém chamava ao leão o rei dos animais (à excepção de um filme de Walt Disney), mas os golfinhos têm sido ultimamente romanceados como sendo os mais inteligentes, mais nobres, mais pacíficos, melhores na vida em grupo do que até as próprias pessoas. Esta afirmação ignora o facto, bem documentado, que os golfinhos podem ser bastante agressivos. Recentemente descobriu-se que alguns golfinhos ocasionalmente praticam violações. Simultaneamente, a crueldade animal não se aproxima dos padrões humanos. Parece pouco provável que a violação por parte dos golfinhos rivalize a correspondente a nível humano. Um reputado estudo de amostragem aleatória de 1977, detectou que praticamente metade da população feminina de uma cidade dos EUA tinha sido vítima de violação ou tentativa de violação pelo menos uma vez na vida. A violação das crias poderá raramente ocorrer na vida selvagem mas nada é comparável com o facto de uma em cada três raparigas terem sido sexualmente molestadas em criança, tal como é demonstrado por um importante estudo americano conduzido em 1983 pelo mesmo investigador.

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Zoomorfismo (Nota 9)

Se os seres humanos podem interpretar incorrectamente os animais pressupondo que estes são mais como nós do que o são na realidade, será que os animais também podem projectar erradamente os seus sentimentos em nós? Será que os animais cometem aquilo que se poderia designar por zoomorfismo, adjudicando os seus atributos aos seres humanos? Um gato que traz como oferta a um ser humano roedores mortos, lagartos e pássaros, dia após dia, independentemente da repulsa com que essas ofertas sejam recebidas, estará a cometer um zoomorfismo. O equivalente a oferecer um rebuçado a um gato, tal como as crianças frequentemente fazem. No livro The Hidden Life of Dogs ("A Vida Secreta dos Cães'") Elizabeth Marshall Thomas escreve: "Quando um cão com um osso ameaça um observador humano, o cão está realmente a partir do princípio que essa pessoa quer apoderar-se desse objecto viscoso e coberto de porcaria, e por isso está a aplicar valores caninos ou a cometer um cinomorfismo" (Nota 10)." Se fosse um cão a contar a história da raça humana, alguns dos nossos atributos mais valiosos poderiam ser-nos sonegados, tal como a nossa história de qualquer civilização animal omitiria indiscutivelmente muitos dos seus feitos relevantes.

3

O Medo, a Esperança e os Sonhos Aterrorizantes

Os comportamentalistas animais dificilmente admitem que o terror possa regressar durante os sonhos dos animais, e no entanto, de um "Orfanato para Elefantes" do Quénia, surgiu um relatório sobre elefantes africanos bebés que, tendo testemunhado a matança da sua família por caçadores furtivos e visto como as presas lhes eram arrancadas dos corpos, acordavam aos gritos durante a noite. Que outra coisa sem ser recordações assustadoras de um trauma profundo poderiam ocasionar esses terrores nocturnos? O biólogo da vida selvagem Lynn Rogers passou décadas a estudar os ursos negros, seguindo-os por florestas e pântanos. Enquanto estudante universitário aprendeu a conhecer este tipo de ursos com o seu professor Albert Erikson. Um dia estavam eles a tentar efectuar uma recolha de sangue de um urso selvagem anestesiado quando, de repente, o animal acordou. O urso avançou para Erikson. Para grande surpresa de Rogers, Erikson avançou também para o animal. O urso então voltou-se para Rogers. Erikson disse-lhe "Invista!" Rogers avançou obedientemente para o urso, que deu meia volta e fugiu. Afirma Rogers: "Estava a aprender coisas que mais tarde me ajudariam a interpretar as acções dos ursos em função dos seus próprios medos e não dos meus."

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Um erro ao qual o antropomorfismo nos pode conduzir é o de interpretar os ursos através das nossas próprias emoções: como os tememos a percepção que deles temos é uns seres zangados e hostis. Outro erro idêntico mas oposto, ao qual o medo de cometer um antropomorfismo nos pode levar, é a recusa de admitir que os ursos podem sentir as suas próprias emoções. Rogers aprendeu a observar os ursos em função dessas emoções descobrindo que os ursos também sentiam medo. Aprendeu o que os assustava e como não os assustar: "Quando passei a ver os ursos em termos dos seus próprios medos, interpretando tudo o que a mim habitualmente me assustava e passando a traduzir essas situações em função dos próprios medos dos ursos, foi-me muito fácil ganhar a sua confiança e conseguir caminhar próximo deles, dormindo com eles - e fazer tudo o que é necessário para poder observar como um animal realmente vive no seu próprio mundo." Rogers aprendeu tão bem a entender os ursos selvagens que lhe foi permitido enroscar-se para passar a noite apenas a uns passos da caverna, e mesmo agarrar nas crias. Quando lhe foi colocada a questão se os cientistas habitualmente não evitam utilizar palavras como medo e confiança para descrever o comportamento animal, respondeu: "Sim, mas penso que erramos mais ao ignorar essas emoções do que ao tomá-las em consideração. São emoções básicas que tanto animais como pessoas partilham." A sua descrição de um urso subitamente alarmado mostra como os seres humanos podem aprender a "ler" nos ursos: "Podemos estar muito perto de um urso e estar tudo muito calmo, até que um simples ruído não identificado se ouve lá longe na floresta. O urso subitamente assume uma posição de alerta e desconfiança. (...) Sempre que acontece algo que faça com que o urso inspire profundamente - que é o primeiro sinal característico de medo - e assim que as orelhas do animal se erguem é altura de concluir, `É melhor dar um bocado mais de espaço ao urso, não estejas aqui mesmo em cima dele, porque há sérias hipóteses de que ele se atire a ti'," afirma Rogers alegremente. "O animal sente-se ameaçado por outra coisa qualquer e ele quer que eu lhe dê espaço e paz de espírito para poder lidar com a situação. Como os ursos me mostraram, em termos que não deixam lugar a dúvidas, que me devia afastar nesse tipo de situações, com o tempo acabei por aprender."

Uma Emoção Fundamental

De todas as emoções que os animais possam eventualmente sentir, o medo é a mais frequentemente aceite pelos cépticos e uma das poucas investigada pela psicologia comparativa. Uma das razões para isso é que o facto de sentir medo constitui uma óbvia vantagem evolutiva. O medo actua como um mecanismo que vai despoletar um comportamento defensivo, pelo que o seu valor em termos de sobrevivência é indiscutível para qualquer organismo capaz de se defender. O medo pode fazer com que os animais fujam, mergulhem, se escondam, gritem por ajuda, fechem as suas conchas, ericem as penas, ou mostrem os dentes. Se um animal não possuir um modo de defesa, o medo não lhe confere qualquer benefício. Contudo, o medo também tem sido reputado por interferir com a própria sobrevivência: as acções de uma pessoa ou animal em pânico não são sempre as mais acertadas, tal como um soldado aterrorizado que, num campo de batalha, corre para a linha

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de fogo. Também é mais fácil para nós acreditarmos que os animais sentem medo porque esta emoção é aquela que os seres humanos depreendem com maior frequência dos animais e podem mesmo sentir prazer com essa dedução. Um habitante da cidade, que provavelmente o mais que já fez foi visitar um jardim zoológico, já certamente espantou pássaros obrigando-os a voar, enxotou insectos, viu gatos a fugir de cães ou cães fugindo de outros maiores, e não tem qualquer razão para duvidar que os animais sintam medo. Da mesma forma, não parece ser necessário possuir um intelecto superior para experimentar medo. O intelecto pode ajudar a detectar razões mais subtis para o medo, mas os menos inteligentes ainda ficam com muito que temer. Aqueles que persistem em acreditar que um grande fosso separa as pessoas dos animais raramente parecem ser postos em causa pela noção do medo animal. Se bem que ao nível dos animais, não possa ser designado por emoção. Assim, apesar de os dicionários designarem o medo como uma emoção, os comportamentalistas animais poderão preferir a definição para medo dada pelo Oxford Companion to Animal Behavior: "Um estado de motivação suscitado por determinados estímulos específicos que geralmente dá lugar a um comportamento defensivo ou à fuga."

A Imagem do Terror

Os vestígios biológicos do medo são fáceis de detectar num laboratório. (De facto, que animal não terá razão para temer um laboratório?) Um pequeno impulso eléctrico na amígdala de um gato (parte do sistema límbico cerebral) produz um estado de alerta e um impulso maior dará origem a expressões e acções de terror. Um rato cuja amígdala tenha sido extirpada perde o medo aos gatos e dirigir-se-á direito a eles. Os investigadores da Universidade de Nova Iorque treinaram ratos para prever um choque eléctrico sempre que ouvissem determinado som, e descobriram - para sua grande surpresa - que os impulsos nervosos desses ratos ensinados a temer o som se dirigiam directamente do ouvido para a amígdala, em vez da via habitual, através do córtex auditivo. Segundo esta teoria a amígdala confere um aporte emocional a algumas formas de conhecimento. Os estudos endocrinológicos demonstram que hormonas como a epinefrina e norepinefrina facilitam a passagem de mensagens de medo. Os genetistas afirmam que em apenas dez gerações de animais criados, duas estirpes de ratos podem ser produzidas a partir de um mesmo lote de progenitores, sendo uma temerosa e outra calma. Mas mesmo os biólogos admitem que os sintomas fisiológicos por si só não constituem uma descrição completa do medo. O filósofo Anthony Kenny deu como exemplo uma pessoa que com medo das alturas as evita escrupulosamente, comparativamente a um montanhista relativamente menos temeroso. Aquele que evita as alturas pode conseguir o seu objectivo, e como resultado raramente exibirá sinais fisiológicos de medo. O montanhista, com maior frequência em situações de risco, poderá evidenciar esses sintomas muito mais vezes e no entanto não se afirmará a respeito dele que tem mais medo das alturas. Talvez, apesar de tudo, o conceito de "contrafobia", desenvolvido pelo psicanalista Otto Fenichel, não seja completamente desajustado neste caso. Otto Fenichel referiu a situação de pessoas que procuram aquilo que mais temem porque o medo é inconsciente. Assim, pelo menos alguns montanhistas sofrerão de terror das alturas mas são incapazes de admitir esse medo a eles

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próprios. O seu comportamento constitui uma forma de profunda supracompensação, uma auto-ilusão que visa manter o objecto fascinante, mas temido, sob constante observação. Será isto, tal como a bem conhecida obsessão pela repetição de traumas, um caso de uma busca da superioridade? Talvez a contrafobia não esteja confinada apenas aos seres humanos. Muitos animais de espécies predadas evidenciam um interesse macabro na morte de outros iguais a eles. Quando estudava as hienas no Serengueti, Hans Kruuk ficou espantado pelo facto de hienas ou outros predadores em plena caçada serem observados de perto por gnus ou gazelas que se aproximavam para ver. Esta atitude recebeu a designação de "comportamento de fascinação" ou "fenómeno do espectador". Estes observadores são atraídos mesmo quando a vítima não é da sua própria espécie. Os animais habitualmente predados demonstram igualmente interesse pelos predadores quando estes não se encontram em caçada, contemplando-os e mesmo seguindo-os. Uma chita que era observada por um grupo de gazelas deu um súbito salto e apanhou uma delas, por isso este comportamento também comporta alguns riscos. Kruuk especula que este comportamento perigoso contém em si uma vantagem selectiva - quer por ser benéfico para as espécies predadas vigiar o predador, evitando emboscadas, quer porque assim podem aprender informações valiosas acerca deles. No seu estudo clássico sobre os veados vermelhos, E Fraser Darling observou que "os veados manifestam uma acentuada objecção a deixar que uma pessoa ou objecto que eles considerem uma fonte eventual de perigo esteja fora do alcance do seu horizonte visual". Este pode constituir também um exemplo de contrafobia. Em A Expressão das Emoções no Homem e no Animal, Darwin procede ao estudo sistemático do aspecto dos animais quando sentem medo. E descobriu que, quer ao nível dos seres humanos quer ao dos animais, grande parte ou mesmo a totalidade destes fenómenos se podem verificar: olhos e boca abertos, olhos que reviram, o coração bate rapidamente, cabelos em pé, tremores musculares, dentes estalejantes e relaxamento do esfíncter. A criatura assustada pode ficar estática no mesmo sítio ou encolher-se. Estas regras aplicam-se a um número assinalável de espécies. Contudo, é surpreendente saber que quando os golfinhos têm medo os seus dentes batem, e que reviram os olhos, ou que num gorila assustado as patas tremem.

Este comportamento familiar num animal selvagem vem recordar o nosso parentesco ancestral. Melvin Konner escreveu: ,Nós somos - não numa perspectiva metafórica, mas exactamente numa perspectiva biológica - como a corça que mordisca a erva húmida iluminada pela neblina do entardecer; mascando, farejando uma jovem cria, aspirando o ar brumoso, sentindo-se em paz e subitamente, sem qualquer razão aparente, olhando para todos os lados num frenesim." Outros sintomas do medo podem ser mais específicos consoante as espécies. Uma cabra montês assustada, relata o biólogo Douglas Chadwick, baixa as orelhas, agita a língua por entre os lábios, agacha-se e ergue a cauda. De acordo com Chadwick, uma cria ergue a cauda para solicitar atenção ou mamar. O adulto continua a erguer a cauda quando está receoso. Se a cauda se encontrar parcialmente erguida, Chadwick afirma que significa: "Estou preocupado", e completamente erguida: "Tenho medo" ou talvez: "Mamã, socorro!" O ornitocultor Wolfgang de Grahl observa que os papagaios cinzentos jovens colocados em ambientes desconhecidos poderão não só esvoaçar loucamente com a aproximação de seres humanos como também esconder a cabeça num canto distante. Na opinião de Grahl, estas aves provavelmente acreditam - como as avestruzes, de quem se

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julgava esconderem as cabeças na areia - que deixam de poder ser vistas quando o fazem. Mas isto provavelmente baseia-se apenas numa sobrestimação da estupidez das aves. Os seres humanos que cobrem os olhos ou viram a cara a visões aterradoras não acreditam que não possam ser vistos. Talvez - tal como os seres humanos - os papagaios não possam suportar a visão daquilo que os assusta ou procurem impedir que os seus próprios sentimentos os dominem.

O que Temem os Animais

Em virtude de as pessoas trabalharem e viverem há tanto tempo com cavalos, algumas das coisas que os assustam são francamente bem compreendidas. Para além de perigos tão óbvios como predadores, podem ser alarmados por movimentos não familiares, ruídos ou cheiros. Eventuais alterações no seu ambiente envolvente podem frequentemente causar medo a estes animais. Os cavalos mais assustadiços parecem mesmo ficar alarmados por alterações imaginárias: um objecto pelo qual o cavalo tenha passado inúmeras vezes pode de repente provocar-lhe um sobressalto, apesar de não se ter verificado qualquer modificação. O que pode assustar um determinado cavalo pode deixar outro completamente indiferente, assim como alguns cavalos raramente exibem medo. Os cavalos podem também ter medo de sítios que não tenham o odor da presença de cavalos. Um cavalo que habitualmente entra sem qualquer dificuldade em atrelados por vezes poderá recusar-se a entrar num atrelado "novinho em folha". A história pessoal também desempenha um papel na génese do medo de um dado animal, que poderá ter aprendido a recear algo que antes não temia. Estes factos são expressos por convicções de senso comum. Por exemplo, se pegar num pau e o lançar a um cão para que este o vá buscar, e se o animal em vez disso se encolher de medo, o seu primeiro pensamento será que esse animal foi espancado. Os animais associam o medo a objectos que os tenham assustado no passado. As memórias podem ser despoletadas por semelhanças ou mesmo por suposições. Os animais também aprendem o medo como forma de evitar a dor. As cobaias laboratoriais temem a dor e aprendem a recear os choques eléctricos. Os coiotes aprendem a temer ao ficarem com o focinho cheio de picos de um porco-espinho. Os macacos aprendem que uma grande queda pode ser dolorosa.

O Medo e a Autodefesa

A maioria dos animais teme os seus predadores, o que tem bastante lógica. Como é que eles os reconhecem como seus predadores se nunca viram nenhum em acção, já não é tão óbvio, mas a sua reacção sim. Nas Montanhas Rochosas, Chadwick um dia observou um lince preparando-se para caçar um imponente bode montês. O lince dirigiu-se sorrateiramente até à saliência de um rochedo que ficava por cima do local onde estava o bode, colocando-se numa posição ideal para executar o salto, mas hesitou. Nesse momento, o bode viu o lince e recuou para um canto. Passado um pouco o bode avançou, bateu no chão com os cascos e arremeteu

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em direcção ao felino, com os chifres em riste. O lince continuou a observá-lo durante algum tempo, agitando de vez em quando uma pata em direcção ao bode até finalmente se ir embora. Ao princípio parecia que o bode estava assustado pela presença do lince predador, mas depois perdeu o medo e tornou-se agressivo. O lince teve um certo receio do bode - o suficiente para não atacar imediatamente e finalmente para acabar por desistir. Um factor relativamente ao reconhecimento dos predadores poderá ser uma resposta inata aos olhos arregalados. Foi constatado que um bando de pássaros com maior probabilidade atacará um mocho empalhado se este tiver olhos. Pintos que nunca viram um predador evitam objectos com olhos ou ocelos que os contemplem, especialmente se esses olhos forem grandes. Pássaros selvagens que se encontrem perto de um comedouro evidenciarão maior tendência a fugir se o desenho impresso no comedouro se assemelhar a olhos, e quanto mais realistas estes forem maior será o seu pânico. O medo de cair de alturas também parece ser inato em muitos animais. As crias de diversas espécies (incluindo a humana) evidenciam pânico quando confrontadas com declives acentuados, ou com uma imagem convincente de um declive acentuado, mesmo se nunca tiverem visto ou caído em nenhum. O medo das alturas é despoletado provavelmente nalgumas espécies com maior facilidade do que noutras. Uma criatura que viva em lugares altos não conseguirá sobreviver se passar muito tempo a estremecer em sinal de alarme. No entanto, o bode montês observado por Chadwick também evidenciou sinais de medo quando procurou uma reentrância nos penhascos, demasiado escarpados até para a sua própria espécie, ou quando pedaços de rocha se soltaram por baixo das suas patas e rolaram em direcção a um penhasco. Uma cria de urso castanho que caiu no rio McNeil, no Alasca, e foi arrastada em direcção aos rápidos evidenciou sinais de medo - baixou as orelhas e ficou com os olhos arregalados e a rolar nas órbitas. A mãe viu-o cair mas não pareceu ficar muito alarmada, apenas avançou na direcção da cria quando esta já tinha sido arrastada durante uma distância considerável. Talvez ela não tivesse percebido que aquilo que era seguro para ela não o era para o pequeno animal. Ou talvez a mãe tivesse pensado, ou sentido, que o filho não corria perigo real. A cria conseguiu sair do rio por si só.

Só e Perdido

Para os animais sociais ou para os jovens da maioria das espécies, a solidão comporta medos. O medo de estar só é muitas vezes difícil de destrinçar do medo de estar perdido. Wingnut era um pequeno urso castanho especialmente tímido observado nas margens do rio McNeil, que Thomas Bledsoe afirmou ter literalmente medo da própria sombra. Tinha medo que o deixassem sozinho, e gritava "histericamente" cada vez que a mãe ia pescar, continuando até esta regressar. Mais uma vez, poderia tratar-se de uma experiência anterior subjacente a esta reacção. Um boto-do-Pacífico (Nota 11), Keiki, que vivia num parque aquático, foi libertado numa baía próxima. Separado dos companheiros num local desconhecido, Keiki ficou aterrorizado, batendo os dentes e revirando os olhos. Os tratadores dos jardins Zoológicos dizem que os elefantes em cativeiro estão sujeitos ao "síndroma da morte súbita" ou "síndroma do coração partido" que se verifica (maioritariamente ao nível dos animais jovens) quando separados do seu grupo social ou colocados sozinhos noutro recinto. Jack Adams, do

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Centro de Estudo de Elefantes, descreve esta situação como "medo asfixiante". Tal como os cavalos que temem tudo o que não lhes é habitual, os papagaios cinzentos em cativeiro, mas não domesticados, receiam as alterações no seu meio envolvente. Em vez de comer num recipiente novo preferirão passar fome durante dias. Mesmo quando já tiverem ganho confiança e aceitem alimentos de um determinado indivíduo bastará uma alteração no vestuário para dar origem a alarme. Um ornitocultor relatou que um grupo de papagaios desconfiados apenas aceitava amendoins dados pela mãe deste - e só quando ela envergava o seu avental habitual. O termo neo fobia aplica-se a este temor do que não é familiar. A neofobia pode produzir reacções estranhas num animal criado em circunstâncias extraordinárias. O conservacionista indiano, Billy Arjan Singh, criou dois felinos, um pequeno leopardo órfão e uma cria de tigre. Ambos se mostraram particularmente aterrados com a primeira visão da floresta, tendo de ser pacientemente acalmados, levados inúmeras vezes a passear na floresta e de uma forma geral convencidos de que valia a pena visitá-la. Cody, um orangotango criado por seres humanos desde a infância, evidenciou um pânico total ao ver pela primeira vez outro orangotango. Todo o pêlo do corpo se lhe eriçou. Encolheu-se com medo e escondeu-se por trás do seu "progenitor" humano, agarrando-se a este com tanta força que deixou marcas. O plácido orangotango que tanto o tinha assustado era a sua própria mãe. Jim Crumley descreveu a observação de um bando de duzentos cisnes-bravos que descansavam num campo da Escócia. Enquanto Crumley os contemplava, uma nuvem de perturbação atravessou o bando. As aves que dormiam ergueram as cabeças e puseram-se em pé olhando para oeste, mas aí o bando sossegou. Os cisnes foram gradualmente relaxando e subitamente voltaram a evidenciar agitação: todas as cabeças se levantaram e começaram a chamar-se uns aos outros em sinal de alarme. Isto aconteceu por três vezes antes que o perplexo Crumley conseguisse entender o que estava a causar tanta preocupação aos cisnes. Aproximava-se uma tempestade e os cisnes tinham-na ouvido muito antes dele. Ele continuou a sua observação com o avançar da tempestade e constatou que os relâmpagos não provocavam qualquer reacção, mas cada estrondo de trovão aterrava-os.

Aprender a Ter Medo

Muitos medos são adquiridos. Facto em consonância com a teoria clássica do comportamento condicionado, segundo a qual os animais, incluindo os seres humanos, aprendem a associar estímulos negativos com acontecimentos específicos. É importante desconfiar de tudo aquilo que é rapidamente explicado como inato ou instintivo, quando também, e com a mesma facilidade, podem ser aprendidos em virtude de uma dura experiência ou mesmo transmitidos por outros membros dessa espécie. Elizabeth Marshall Thomas aponta os medos específicos de uma cadela husky, Koki, que adquiriu já sendo adulta. O som produzido por um objecto a cortar o ar, tal como uma corda ou um pau, fazia com que Koki se encolhesse batendo os dentes e com o pêlo eriçado. De acordo com a autora, "o som do álcool na voz de um homem" tinha exactamente o mesmo efeito. É possível que Koki reagisse ao odor e não ao som, uma vez que o álcool afecta o odor da transpiração humana; mas em qualquer dos casos o animal aprendera a recear homens que tivessem estado a beber. É difícil não deixar de concluir que a

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cadela teria também sido espancada por um homem bêbado. A teoria clássica do condicionamento foi abalada quando se descobriu que alguns estímulos são muito mais facilmente associados ao medo do que outros. Os ratos rapidamente associam comida a doença e evitam um alimento se já alguma vez ficaram doentes após o terem ingerido. Mas com menor improbabilidade associarão um choque eléctrico ou um ruído forte a doença, independentemente do número de vezes que os investigadores tenham efectuado conjuntamente os dois estímulos. Muitas pessoas que têm medo de cobras ou aranhas nunca tiveram uma má experiência com estas ou mesmo raramente as vêem. Contudo, tal como foi salientado por Martin Selingman, poucas pessoas têm fobias em relação a martelos ou facas apesar de terem muito maior probabilidade de serem feridas por estes instrumentos. Talvez a sua familiaridade com outras utilizações dadas a esses objectos obscureça o medo. As cabras montesas aprenderam a temer as avalanches ou desmoronamento de rochas e a empreender acções escapatórias. Quando as cabras ouvem o rumor de um desmoronamento por cima delas, erguem as caudas, baixam as orelhas e correm para um abrigo mais acima, caso o haja. Se não, batem com os cascos, encolhem-se e pressionam o corpo contra a montanha. Algumas cabras só fogem no último minuto.

Medos Sem Nome

Todos nós já experimentamos o medo sem um motivo aparente - no sentido que uma desgraça desconhecida nos ameace. Outras vezes o medo surge em resposta à sensação que nos encontramos num terreno que não nos é familiar, tal como as crias de tigre e leopardo de Singh. Sentimos que algo nefasto poderá acontecer, apesar de não sabermos bem o quê. O medo pode existir sem motivo, como uma vertigem do espírito. No Parque Nacional de Hwange, no Zimbabwe, os elefantes são anualmente depurados. Para esta operação de eliminação, os grupos de famílias de elefantes são empurradas por um avião até aos caçadores que os matarão todos excepto as crias jovens, que posteriormente serão reunidas para venda. Essas crias correm de um lado para o outro, gritando e procurando as mães. Um dia, um guia numa reserva privada, a 135 quilómetros do Parque, constatou que oitenta elefantes tinham desaparecido dos seus refúgios habituais no dia em que começara a selecção em Hwange. Ele descobriu-os alguns dias mais tarde, reunidos no extremo da reserva, o ponto mais afastado do parque até onde eles conseguiram chegar. Descobriu-se recentemente que os elefantes conseguem comunicar a grandes distâncias através de chamamentos subsónicos - sons com um timbre demasiado baixo para que os seres humanos consigam ouvir. Por isso não é de admirar que os elefantes da reserva aparentemente tenham recebido alguma mensagem aterrorizante dos elefantes de Hwange. Mas, a menos que a comunicação entre elefantes seja muito mais refinada do que alguém possa alguma vez ter especulado, essa mensagem não pode ter sido muito específica. Os elefantes da reserva podem ter sabido que algo de muito mau estava a acontecer aos elefantes de Hwange, mas dificilmente poderiam saber o quê. A razão do seu medo era incompleta, mas o medo, esse sim, era real.

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Receio pelos Outros

os seres humanos não só temem por si mas também podem recear pelos outros. Este sentimento está próximo da empatia, algo que as pessoas já não estão tão dispostas a conceder aos animais, como em relação ao medo. Apesar de os exemplos de animais que temem pelas suas vidas serem numerosos, os exemplos do receio pela vida dos outros já são escassos. Muitas vezes a situação é dúbia: um macaco que evidencia sinais físicos de medo ao observar outro macaco sendo atacado poderá recear por si como possível vítima em vez de (ou bem como) recear pelo outro macaco. As provas mais nítidas de animais que temem por outros - como se pode calcular - são dadas pelos progenitores que receiam pelos seus filhos. O biólogo da vida selvagem Thomas Bledsoe descreve a acção de Colarinho Vermelho, uma ursa-parda castanha cujas crias desapareceram enquanto ela pescava salmões no Rio McNeil, pólo de reunião de ursos. Primeiro, a ursa olhou para um lado e para o outro das margens, seguidamente correu para o alto da ribanceira e procurou ali, correndo cada vez mais depressa. Pôs-se em pé sobre as patas traseiras para ver mais longe, virando a cabeça em todas as direcções, ofegante e com baba a escorrer do focinho. Após alguns minutos, Colarinho Vermelho desistiu da busca e regressou à pesca. Neste ponto o seu comportamento causa uma certa perplexidade e é susceptível de variadas interpretações que vão desde a perda de interesse (facto com que os seres humanos teriam muita dificuldade em se identificar) até à convicção que nenhum desastre teria acontecido às suas crias. Valerá a pena referir que nas diversas ocasiões em que as crias de Colarinho Vermelho desapareciam das margens do rio, invariavelmente iam com outras mães ursas e respectiva família e estavam de facto em segurança. De acordo com Bledsoe, numa altura duas das crias de Colarinho Vermelho estiveram com outros ursos durante três dias até ela os encontrar e reclamar. Os progenitores não receiam apenas perder os filhos mas também que estes se possam magoar. Outra ursa castanha observada por Bledsoe, Mamã Grande, ficou alarmada quando as suas duas crias de um ano, muito curiosas, decidiram investigar observadores humanos, e correu no seu encalço bramindo chamamentos de alarme até as crias regressarem e deixarem os seres humanos em paz. Lynn Rogers, que estuda os ursos pretos com menor porte, afirma que quando confrontadas com situações de perigo, as mães ursas não só forçam as crias a subir às árvores como também as impedem de subir a árvores de casca macia como as faias a favor dos pinheiros de casca mais rugosa (mais fáceis de trepar para as pequenas crias). Paul Leyhausen observou diversas gatas que permitiam que os seus gatinhos caçassem ratos mas que interferiam se estes se lançassem numa caça a ratazanas. Testados longe das mães, os gatinhos provaram ser capazes de atacar ratazanas. Ao nível da cabra montês, as mães procuram vigilantemente evitar que as crias dêem quedas perigosas ou fatais. De acordo com Douglas Chadwick, as cabras procuram posicionar-se na encosta por baixo dos filhos, tanto quando as crias se deslocam de um lado para o outro como quando dormem. Devido à exuberância dos cabritos, as cabras têm de os vigiar constantemente. Chadwick relata o que se passou com uma das cabras: "Pude ouvi-la, literalmente, gritar quando a cria deu um grande tombo, e a mãe precipitou-se em direcção a ela para a lamber e aconchegar e depois a encorajar a mamar." O grito da mãe é muito semelhante à reacção humana quando se vê alguém a cair e constitui um caso perfeito de empatia. Um pai falcão peregrino atacava um dos seus filhos de cada vez que a cria se aproximava demasiado de observadores humanos.

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Finalmente a jovem ave mudou o seu comportamento, passando a evitar os observadores. O receio do pai pelo seu filho conseguiu alterar as acções da jovem ave. Os animais sociais podem temer por outros membros do seu grupo. Um investigador decidiu estudar a reacção de alguns jovens chimpanzés face a um "homem careca" e a um "homem tímido". O chimpanzé Lia evitou o homem careca, mas o chimpanzé Mimi lutou com ele. Um dia "o homem careca" dobrou o dedo de Mimi até esta gritar. Lia juntou-se ao ataque mas parou quando levou um murro. (É esta a elegância da investigação experimental.) Após isto, Lia consagrou todos os seus esforços no sentido de reter Mimi, agarrando-lhe as mãos e tentando afastá-la. Num grupo de chimpanzés mantidos em jaulas no Instituto para o Estudo de Primatas de Oklahoma, uma fêmea com uma cria, a quem tinham sido retiradas as crias anteriores, mostrou-se muito apreensiva com a aproximação dos cientistas. E também o fizeram os chimpanzés do grupo que se encontravam em jaulas próximas. Neste caso, contudo, não é bem claro se os outros chimpanzés estavam de facto receosos, poderiam estar meramente hostis. Os medos profundos que possam ser ocasionados num animal pelo facto de se encontrarem num laboratório nunca foram objecto de estudo. Possivelmente o dilema ético criado pelo facto de provocar um tal medo é demasiado transparente para que possa ser reconhecido pelo escrutínio científico.

O Espectro do Medo

O medo na sua forma mais moderada - a facilidade de temer - pode caracterizar-se por uma precaução ou estado de alerta e possui um valor de sobrevivência óbvio. A minhoca que está alerta ouve o pássaro que se aproxima e consegue fugir. Quando este sentimento se intensifica transforma-se em ansiedade, um estado de desconforto doloroso da mente. A psiquiatria tem prosperado com o facto de algumas pessoas parecerem ficar incapacitadas pelo grau de ansiedade que sentem, enquanto que outras consideram que essa ansiedade é exagerada.

Um medo enorme, tal como uma dor muito forte, pode produzir um estado de choque. O termo choque possui uma definição em termos médicos e não existe qualquer dúvida que os animais o experimentem. Hans Kruuk descreve aquilo que se afigura como estado de choque em gnus encurralados por hienas. Esses animais, praticamente, nem se tentam defender quando são imobilizados. Deixam-se estar no mesmo sítio, gemendo enquanto são dilacerados pelas hienas. Pandora, uma cabra montês de dois anos, a quem ia ser colocado um emissor de rádio no pescoço, foi capturada numa jazida de sal pelo biólogo da vida selvagem Douglas Chadwick e pela sua mulher. Ao princípio a cabra fez diversas tentativas enérgicas para fugir. Tentou saltar para fora da cerca, espetou um chifre em Chadwick e quando finalmente foi contida e obrigada a descer, tentou novamente pôr-se de pé. Quando a vendaram entrou em estado de choque e desmaiou. Pandora apenas se tinha ferido ligeiramente durante toda esta luta, por isso considera-se que a sua reacção tenha resultado do medo intenso que sentia. (Depois de lhe ter sido colocado o colar foi reanimada com sais de cheiro e libertada, não demonstrando quaisquer efeitos secundários.) Em África, um búfalo foi derrubado mas sem ser ferido por um leão, e simplesmente deixou-se ficar deitado no chão, em estado de choque, enquanto o leão (provavelmente um animal inexperiente) lhe ia

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mastigando a cauda. Esta ocorrência é outra demonstração de como o medo nem sempre conduz à sobrevivência.

Corajoso como um Leão

A coragem, muitas vezes considerada uma emoção, está relacionada com o terror. Infelizmente a coragem, ou bravura, possui uma definição medíocre ao nível dos seres humanos, por isso é difícil procurá-la nos animais. Muitas vezes considera-se que pressupõe uma medida contra o medo, ultrapassando-o ou colocando-o de lado. Mas será que uma acção perigosa poderá ser corajosa se não se sentir medo ao praticá-la? Ou só será corajosa se se sentir medo? Hans Kruuk relata o caso em que uma fêmea e uma cria gnu foram perseguidas por diversas vezes por hienas. De cada vez, sempre que as hienas se aproximavam da cria, a mãe virava-se e atacava-as, marrando com tanta violência que as conseguia derrubar. Talvez isto seja interpretado como coragem. Se não tivesse a cria, a fêmea gnu teria continuado a fugir. É obvio que é o medo que a faz correr. Por outro lado, um ser humano numa situação semelhante poderá declarar: "Estava tão furioso que me esqueci de ter medo." Talvez a mãe gnu estivesse tão furiosa que esquecesse o medo. Será que por isso é corajosa? Num programa televisivo sobre a Natureza, especificamente sobre chitas, foi filmada uma leoa a matar uma ninhada de pequenas chitas. Enquanto a leoa ainda ali se encontrava, a chita mãe regressou. Ao ver a leoa, a chita rondou em círculos, hesitou e disparou para bem perto da leoa até que esta se lançou na sua perseguição. As crias já tinham morrido, apesar de a chita provavelmente desconhecer esse facto. A mãe chita evidentemente temia que a leoa matasse as suas crias e também temia ser atacada por esta (que era obviamente muito maior). A sua tentativa de afastar a leoa parece qualificar-se como um acto de coragem. Depois da leoa ter partido, a chita encontrou as suas crias mortas, agarrou numa delas e levou-a consigo. No decorrer de uma súbita tempestade foi filmada sentada à chuva, debruçada sobre o corpo da cria morta. Quando a chuva parou, a chita foi-se embora sem sequer olhar para trás. Charles Darwin também manifestou interesse na coragem animal e deu-nos a seguinte descrição: Há alguns anos atrás, um tratador do Jardim Zoológico mostrou-me uns golpes profundos e ainda mal sarados na nuca que lhe tinham sido infligidos por um temível babuíno enquanto estava ajoelhado no chão. Um pequeno macaco americano, muito amigo deste tratador, vivia no mesmo compartimento e tinha um medo terrível do grande babuíno. Contudo, logo que viu o seu amigo em perigo, lançou-se em seu auxílio, e por meio de gritos e dentadas conseguiu distrair o babuíno podendo assim o homem escapar, depois - segundo a opinião dos médicos - de ter corrido um grande risco de vida.

Para Darwin, então, era indiscutível que um "simples" macaco podia ser um amigo e mesmo um amigo corajoso. Por proferir estas afirmações foi severamente criticado por um cientista moderno devido à sua "tendência para a antropomorfização do comportamento animal", cientista este que observou, "não admira que fosse capaz de encontrar provas de todos os atributos humanos [nos animais], mesmo comportamento moral e coragem". Aparentemente

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incomoda muito alguns cientistas que, particularmente Darwin, venha narrar uma história sobre a coragem de um pequeno macaco que coloca o seu próprio futuro genético em risco para salvar um membro de outra espécie com quem ele desenvolveu não uma relação de dependência mas sim de franca amizade. Coragem e bravura não são palavras que os cientistas estejam dispostos a ver aplicadas a um macaco pelo fundador da teoria da evolução. As crias de elefante, tal como os cabritos monteses ou pequenos ursos nem sempre temem aquilo que os mais velhos consideram que deveriam temer. Cynthia Moss, que se dedica ao estudo de elefantes no Quénia, relata que as crias mais pequenas aparentam, na sua grande maioria, não sentirem qualquer medo. Podem vir até ao seu Land Rover e examiná-lo - mesmo com pessoas dentro do jipe. Facto que frequentemente vai alarmar as respectivas mães e tias, produzindo um conflito visível. E segundo esta investigadora, aparentemente as fêmeas estão desejosas de afastar as crias mas têm medo de se aproximar o suficiente para o fazer. Mantêm-se completamente erectas, balançando para a frente e para trás ou abanando uma pata. Quando finalmente a cria regressa, as fêmeas puxam-na para o pé delas, examinam-na e fazem gestos ameaçadores para o veículo.

A Eventual Necessidade de Sentir Medo

Quando os elefantes completam o seu crescimento, provavelmente têm razão em recear outras coisas para além das pessoas sentadas em Land Rovers. Os objectos que justificam o medo vão surgindo na vida da maior parte das criaturas. Mas o que dizer de um animal tão protegido e abrigado que nunca encontra nada assustador? O que acontece à sua capacidade de recear? É possível que essa criatura sinta medo ainda assim, que a sua capacidade de temer se manifeste, concentrando-se num objecto que pareça arbitrário. Koko, uma gorila, nasceu num jardim zoológico e foi criada por seres humanos num ambiente protegido e carinhoso. Koko não foi nunca exposta a grandes gorilas mais velhos, a leopardos, caçadores ou a nada que a pudesse assustar. Contudo ela tem medos - de jacarés, por exemplo, apesar de nunca ter visto nenhum real. Durante anos ela fingiu ter medo de jacarés de brinquedo a menos que o maxilar inferior do boneco tivesse sido removido. Apesar de não ter medo do seu boneco jacaré, ela brincava a perseguições fictícias com este. Uma vez ameaçou uma auxiliar da Linguagem Gestual Americana de ser perseguida por um jacaré se não fosse preparar rapidamente o almoço. Koko parecia também ter medo de iguanas, especificamente de uma iguana mascote que via frequentemente. Apesar da iguana (descrita como "comatosa") nunca ter feito quaisquer movimentos ameaçadores na sua direcção, Koko fugia para o seu quarto se a iguana fosse colocada na sua presença. Possivelmente o medo de Koko de lagartos e jacarés é instintivo ou parcialmente instintivo, talvez seja reforçado pela falta de outra coisa qualquer que temer. Pode muito bem ser que o medo exija um objectivo, e independentemente de toda a segurança e protecção que possa envolver uma criança, vampiros, lobisomens ou carros de bombeiros podem conjugar-se para servir como esse objectivo. Mais tarde, talvez porque recebeu ofertas de dúzias de jacarés de brinquedo com as mais variadas formas, Koko pareceu perder-lhes o medo. A chimpanzé Viki, criada por seres humanos, tinha um medo tão grande de lonas que era possível impedi-la de entrar em zonas proibidas pelo simples facto de

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pendurar pedaços de lona nos puxadores da porta. Constatou-se que a famosa Washoe, a quem as lonas não causavam a mínima impressão, receava esfregonas. Moja, outra chimpanzé do mesmo grupo, não tinha medo de esfregonas mas achava as divisórias metálicas das cuvettes de gelo tão assustadoras que os investigadores tinham de as guardar em gavetas e armários para que, se Moja se mostrasse indisciplinada, a pudessem castigar tirando uma divisória do esconderijo e exibindo-lha. Numa espantosa utilização da narração, Washoe e os outros chimpanzés do seu grupo foram também levados a temer um imaginário "cão mau". Isto decorreu de um esforço no sentido de conseguir que a jovem e influenciável Washoe utilizasse o gesto não com maior frequência. Uma noite, o investigador Roger Fouts olhou pela janela do reboque onde se encontrava Washoe e gesticulou a Washoe que tinha visto um grande cão preto com grandes dentes que comia bebés chimpanzés. Perguntou a Washoe se queria sair e obteve um "não" muito enfático. Noutras ocasiões, quando Washoe estava a brincar lá fora e não queria entrar no atrelado, os investigadores mostravam-lhe, por meio de gestos, que tinham visto o grande cão preto a aproximar-se - e Washoe corria rapidamente para dentro.

A Intrepidez nas Ilhas

Os animais sem medo muitas vezes dão as boas-vindas aos viajantes que se deslocam a ilhas remotas. Essas intrépidas criaturas, em vez de fugirem dos seres humanos, poderão observar atentamente uma pessoa que se dirija a elas com uma rede ou uma arma. O botânico Sherwin Carlquist descreve o encontro com um tipo de mocho insular na sua própria toca. Ele aproximou-se e fotografou o animal, que se deixou estar e piscou os olhos preguiçosamente. Uma cobra deslizou por perto e Carlquist agarrou nela. Sem se perturbar a cobra colocou-se nos seus ombros e permitiu que ele a transportasse praticamente durante todo o dia. No mesmo arquipélago, Carlquist pôde fazer festas a elefantes-marinhos (Nota 12) deitados na praia e a mergulhões sentados sobre os seus ovos. Noutro local, uma espécie de chuckwalla (grande lagarto) da ilha era tão pacífica que nem ligou "a um ligeiro pontapé dado pelo sapato do biólogo". Uns biólogos que chegaram a uma ilha desabitada, após uma viagem acidentada, fizeram uma pausa para descansar. Um deles deitou-se na praia e adormeceu. Uma carriça (Nota 13) da ilha pousou-lhe no pé, examinou os atacadores das botas, saltitou ao longo do corpo, empoleirou-se-lhe no queixo e - para grande hilaridade dos companheiros do investigador adormecido - inspeccionou demorada e cuidadosamente cada uma das suas narinas antes de voar para longe. Esta intrepidez pode ser observada em espécies que habitam em pequenas ilhas com poucos ou nenhuns predadores. Carlquist argumenta: "A desconfiança em excesso não é uma virtude em termos de evolução. Se um pássaro passar grande parte do seu tempo a fugir de falsos alarmes, ficará com muito menos tempo para se alimentar e para outras actividades essenciais. Por isso, numa situação isenta de predadores, um animal razoavelmente distraído pode ser mais bem sucedido que outro que se encontre em perpétuo estado de nervosismo." Não foi relatado se as espécies domesticadas da ilha conservavam outros medos - das alturas ou da água -, mas afigura-se provável. Diversas espécies insulares foram calmamente ao encontro da sua própria destruição em virtude da ausência de medo. A

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grande torda-mergulheira (Nota 14) e o dodó (Nota 15) são apenas duas espécies que desapareceram por não terem fugido de seres humanos esfomeados ou dos seus companheiros animais.

O Outro Lado do Medo

Se o medo é um sentimento que algo de mau está iminente, então o seu oposto poderá ser a esperança, a sensação de que alguma coisa boa está prestes a acontecer. Nos seres humanos, a esperança, tal como o medo, pode ser irreflectida e irracional ou lógica e consciente. Uma das mais apreciadas características dos animais de estimação consiste na sua (bastante razoável) esperança de serem alimentados e na sua genuína alegria ante essa perspectiva. Os cães dão voltas devido à expectativa, os gatos ronronam bem alto, roçando-se contra objectos, pessoas ou outros animais. Quando Washoe cresceu, teve uma cria que morreu quatro horas após o parto devido a problemas cardíacos. Três anos mais tarde teve outro bebé, Sequoyah. Sequoyah era uma cria débil e apesar dos excelentes cuidados de Washoe morreu de pneumonia aos dois meses. Determinados a que Washoe conseguisse criar um filho, os investigadores fizeram todos os esforços para arranjar um substituto e finalmente encontraram Loulis, um chimpanzé com dez meses. Quinze dias após a morte de Sequoyah, o investigador Fouts aproximou-se do recinto de Washoe e disse-lhe através de gestos: "Tenho bebé para ti". Todo o pêlo do corpo de Washoe se eriçou de imediato. A macaca evidenciou sinais de grande excitação, gritando e andando como um bípede e fazendo repetidamente os gestos de bebé. "Então, quando ela gesticulou `meu bebé', vi logo que íamos ter problemas", afirmou Fouts. Quando o investigador regressou com Loulis, a excitação de Washoe desapareceu instantaneamente. O pêlo baixou e ela não quis pegar em Loulis ao colo. Mas ao cabo de uma hora, Washoe começou a aproximar-se de Loulis procurando brincar com ele. Nessa noite, tentou que ele adormecesse nos seus braços tal como fazia Sequoyah. Ao princípio não foi muito bem sucedida, mas na manhã seguinte estavam os dois abraçados e a partir daí Washoe tornou-se numa mãe dedicada para Loulis que acabou por aprender um vocabulário de cinquenta gestos com Washoe e com os outros chimpanzés do grupo. Parece assim bastante óbvio que, quando lhe foi dito que teria um bebé, Washoe esperava ver Sequoyah de novo. Ludwig Wittgenstein acreditava que os animais se pudessem sentir assustados mas não esperançosos. Escreveu este autor em 1940: "Podemos imaginar um animal zangado, assustado, infeliz, feliz, admirado. Mas, esperançado? (...) Um cão acredita que o seu dono está à porta. Mas poderá ele acreditar que o dono virá depois de amanhã?" Wittgenstein defendia que só aqueles que dominam o uso da linguagem podem ter esperança. Não só esta afirmação não foi ainda provada até hoje, como também não parece existir uma boa razão para duvidar que um animal possa imaginar ou mesmo eventualmente sonhar com o futuro. Os animais podem não possuir a linguagem da esperança, mas os sentimentos que lhe estão subjacentes são provavelmente partilhados de forma idêntica tanto por seres humanos como por animais. Se os animais podem recordar e sonhar com o passado, se o medo pode ser aliviado, porque é que eles não poderão imaginar e projectar um futuro em que o medo não seja necessário?

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O Amor e a Amizade

Numa noite de 1930, Ma Shwe, uma elefanta de trabalho, e a sua cria de três meses foram apanhadas, devido às cheias, na torrente de água da parte superior do Rio Taungdwin, no Mianmar. Os tratadores precipitaram-se para o rio quando ouviram os bramidos da cria mas nada puderam fazer para a ajudar, uma vez que as margens escarpadas tinham aproximadamente entre 3,5 e 4,5 metros de altura. As patas de Ma Shwe ainda se encontravam no leito do rio mas a cria já flutuava. Ma Shwe segurou o bebé elefante contra o seu corpo e sempre que começava a ser arrastada utilizava a tromba para empurrar a cria contra a corrente. A força da água logo lhe levou a cria para longe e Ma Shwe arremeteu rio abaixo cerca de 45 metros e conseguiu recuperá-la. Com a cabeça encostou a cria contra a margem, levantou-a no ar com a tromba e erguendo-se nas patas posteriores depositou-a numa reentrância rochosa que se encontrava a 1,5 metros acima do nível das águas. Ma Shwe caiu então de costas na torrente de água e desapareceu rio abaixo. Os tratadores voltaram a sua atenção para a cria que mal cabia na pequena saliência onde se encontrava a tremer, cerca de 2,5 metros abaixo deles. Meia hora mais tarde, J.H. Williams, o responsável britânico pelo campo de elefantes, olhava atentamente também para baixo, para o local onde se encontrava a cria, pensando como havia de salvá-la, quando ouviu "o mais grandioso som de amor maternal de que me posso recordar. Ma Shwe tinha conseguido atravessar o rio, subira para a margem e procurava regressar tão depressa quanto possível, barrindo sempre - um rugido assustador, mas para a cria era uma verdadeira música. As suas orelhinhas, como pequenos mapas da índia, ergueram-se para melhor escutar o único som que lhe importava, o chamamento da mãe." Quando Ma Shwe viu a sua cria em segurança na outra margem do rio, os barridos angustiados deram lugar a uns roncos que os elefantes fazem habitualmente quando se encontram satisfeitos. Os dois elefantes foram deixados onde se encontravam. Pela manhã, Ma Shwe tinha atravessado o rio, que entretanto retomara o seu leito habitual, e a cria já tinha saído da saliência.

Demasiadamente Nobre para Animais

Os seres humanos - que são ao fim e ao cabo primatas sociais - acreditam que sabem o que é o amor e valorizamno muito. Contudo, muitos teóricos não consideram o amor como uma emoção, mas sim um "impulso", tal como a fome. Quer se designe por emoção ou por impulso,

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em muitos círculos científicos é proibido afirmar que os animais amam. Se Williams fosse um comportamentalista animal para descrever Ma Shwe e a cria, provavelmente teria evitado referir a palavra amor para caracterizar o seu comportamento. Em vez disso poderia ter mencionado "uma ligação entre Ma Shwe e a sua cria". Numa crítica às experiências de privação realizadas por Harry Harlow, em que jovens macacos rhesus são obrigados a crescer sem as mães, a bióloga Catherine Roberts escreveu: "Será que ele não sabe que o amor humano é qualitativamente distinto do amor animal? Será que ele não sabe que uma mãe humana é única porque possui uma ideia abstracta de Deus e que por esse facto o amor humano - contrariamente ao amor animal - tem o seu início ontogénico na ligação espiritual entre mãe e filho?" Os animais, por outras palavras, não podem amar como pessoas porque as suas ligações não são espirituais. A abordagem evolucionista ressalta o valor de sobrevivência do amor sobre a sua autenticidade emocional. O autor de um livro destinado a um público mais popular observou que os animais que escolhem um par para toda a vida recebem a aprovação generalizada e acrescenta: "É importante recordar (...) que esses animais não estão a evidenciar `um verdadeiro amor' mas simplesmente a seguir os ditames dos seus próprios genes. São máquinas de sobrevivência e a sua missão consiste na multiplicação dos seus próprios genes no cadinho genético. Se um macho entendesse que a companheira seria capaz de criar a prole sem ele ir-se-ia embora num ápice. Mas isto não constituiria um abandono da forma como nós o entendemos, e como tal não devemos sentir pena da fêmea. Ambos têm como objectivo o próprio plano de vida que conduzirá ao melhor posicionamento dos seus genes, uma busca adaptativa e por conseguinte maravilhosa." Qualquer que seja a perspectiva científica sobre o acasalamento humano, a maioria das pessoas não aceitaria isto como uma forma rigorosa de encarar a pessoa amada e a sua família, contudo aqui não é referido onde se posiciona a diferença entre pessoas e animais. Será que o amor humano "mais belo" é aquele que vai em busca da reprodução dos genes dominantes? A circunstância de um animal ser descrito por um lado como uma máquina e por outro como um ser capaz de ponderar sobre se a companheira será capaz de educar os jovens sozinha, é apenas mais uma das inconsistências deste tipo de raciocínio. As afirmações ostensivamente objectivas como esta, que reduzem a complexidade da vida interior apenas e unicamente à sua função, são demasiadamente típicas. Talvez o amor, a emoção, possua um valor evolucionista. Elizabeth Marshall Thomas refere o caso de dois cães, Misha e Maria: Os preconceitos populares podem afirmar que o amor romântico, com o seu resultante benefício em termos de fidelidade, sexual e não só, não é um conceito que possa ser aplicado a cães, e fazê-lo será considerado um antropomorfismo. Tal como em qualquer história de amor humana, a história de Misha e Maria mostra o valor evolucionista do amor romântico. A força que motivou Romeu e Julieta não é menos forte ou importante pelo facto de ocorrer em espécies não-humanas, porque a força dessa ligação vai assegurar ao macho que é ele, e não, digamos, o Tybalt ou o Bingo, o pai de todas as crias entretanto nascidas e que ambos os progenitores partilham de um quadro de cooperação em relação à criação desses jovens. Apesar de a autora ter observado que a emoção poderia servir de fundamento lógico científico, foi muito criticada por ter utilizado a palavra amor em vez de ligação ao referir-se a cães.

Amor Parental

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A abordagem evolucionista sugere que o amor parental - o cuidado das crias - tem um importantíssimo sentido. O amor parental permite que um maior número de jovens sobreviva. Se os progenitores protegerem as crias, estas poderão crescer mais até conseguirem valer-se por si sós. Um babuíno pode até herdar o estatuto da mãe no bando e uma ursa negra adulta poderá mesmo utilizar o território da mãe enquanto esta ainda o ocupa. Um jovem animal pode aprender práticas de sobrevivência enquanto se encontra em segurança sob a protecção do seu progenitor. Talvez - e este assunto tem sido objecto de debate - esse progenitor ainda lhe possa ensinar algumas destas coisas. Nem todas as criaturas protegem as crias. A tartaruga põe os ovos na areia e vai-se embora. Presumivelmente não reconheceria - deixando de lado o amor - a sua prole. Mas se um animal põe ovos e os protege, tal como o fazem os crocodilos, tem de haver alguma coisa que os motive e que faça com que não coma as crias quando os ovos eclodem. Isto não tem forçosamente de ser amor - poderá ocorrer por acção de simples mecanismos tais como uma inibição de comer ovos e pequenos crocodilos. Mas a manifestação de cuidado pode ser uma prova de amor. Os crocodilos também retiram as crias do ninho quando os ovos eclodem, protegem-nas, transportam-nas na boca e respondem ansiosamente aos seus chamamentos de aflição. As fêmeas de borboleta diadema do sudeste asiático aparentemente guardam os ovos colocando-se em cima deles. Este facto vai provavelmente aumentar as suas hipóteses de sobrevivência, Contudo, a fêmea por vezes manterá esta postura até à morte, continuando o seu cadáver em decomposição a montar guarda ao lote de ovos ainda não eclodidos. As mães tarântulas não só vigiam os ovos como também transportam as crias às costas. Talvez as pequenas aranhas precisem de aprender técnicas de caça. Com maior probabilidade, elas apenas precisam de protecção enquanto crescem. J.T. Moggridge conta a história de uma aranha-alçapão (Nota 16) que tinha recolhido e decidido conservar em álcool. Embora ele soubesse que as aranhas se debatiam durante muito tempo após terem sido colocadas em álcool, acreditava-se ser produto de uma mera acção reflexa. Moggridge afastou as crias das costas da mãe e colocou-a em álcool. Decorrido algum tempo, supondo que a aranha evidenciava já "morte dos sentidos", introduziu no mesmo recipiente as vinte e quatro crias. Para seu grande horror a mãe aranha levantou as patas, envolveu as crias por baixo dela e abraçou-as até morrer. Depois disto Moggridge passou a utilizar clorofórmio. Poderá uma aranha amar os seus bebés? Terá sido um mero reflexo que levou a aranha de alçapão a recolher as crias? Neste caso afigura-se possível, mas é difícil ter a certeza. Podemos imaginar um simples instinto que funcione para qualquer coisa que se pareça com umas pequenas aranhas. Ou poderia mesmo ter agarrado em quaisquer objectos que pudessem eventualmente encontrar-se a flutuar no álcool. Uma mãe tarântula é tão atenciosa com outras crias de tarântula como com as próprias. Isto poderá ser ou não acompanhado de um estado emocional. Poderá uma aranha amar os seus ovos, algo que o escritor John Crompton comparou a amar uma caixa de bolas de bilhar? É tão difícil ter acesso ao que vai na mente da aranha que é quase impossível de imaginar com base no conhecimento actual. Contudo, as aranhas evoluíram na produção de venenos complexos e fluidos digestivos, e diferentes tipos de teias em espiral a partir de seis tipos distintos de glândulas produtoras de fios. A construção de uma teia de aranha é uma realização extremamente complicada. Poder-se-á argumentar que a aranha não é realmente um organismo simples e que o desenvolvimento do amor maternal poderá ser um passo evolutivo

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mais curto do que a construção da teia. Talvez um dia o possamos saber. O que aconteceria se fosse descoberto que quando uma mãe tarântula vê as crias o seu corpo fica inundado com uma hormona cuja presença é associada a sentimentos de amor em animais superiores? Constituiria uma prova de que as aranhas amam as suas crias? E se se tratasse de uma hormona característica das aranhas? Significaria que já não se tratava de amor? Ao tentar compreender as vidas interiores de criaturas tão diferentes de nós, é mais útil e rigoroso pensar não numa hierarquia em que os seres humanos estão situados no topo, mas sim no espectro da comunidade de criaturas. Uma aranha pode possuir uma vida interior rica com uma variedade de emoções, que incluem algumas tão diferentes que se fôssemos utilizar a nossa própria graduação emocional como pedra de toque só nos iria induzir em erro. Apesar de a questão de uma aranha poder sentir amor parental ser desconcertante, parecem já existir poucas dúvidas em relação aos animais "superiores". O seu comportamento é tão complexo que ignorá-lo como resultado exclusivo de inibições, reflexos e modelos de acções fixas é manifestamente inadequado. O cuidado parental revela-se na alimentação dos jovens, na sua lavagem, nas brincadeiras e na protecção que lhes é conferida face a perigos externos e àqueles que são fruto da sua própria inexperiência. Os mamíferos, mesmo os "primitivos" tais como ornitorrincos e papa-formigas, amamentam as crias. A mãe que amamenta é extremamente vulnerável, porque raramente se encontra no meio de animais adultos - apesar de que os diversos instintos de protecção a aconselhariam a fazer exactamente o contrário. Os mamíferos jovens encontram-se mais seguros nos seus próprios ninhos. Numa série de experiências clássicas realizadas com ratazanas, os investigadores colocaram crias no chão das gaiolas. As mães ratazanas, e nalguns casos outras fêmeas que não eram mães, mostraram-se muito zelosas na recolha dos bebés, levando-os para os seus ninhos. Elas tinham de atravessar uma rede electrificada para chegar às crias e recolher os bebés desconhecidos tão depressa como os próprios. Curiosos por saber durante quanto tempo é que isto duraria, os investigadores proporcionaram a uma das ratas nada menos que cinquenta e oito crias, que ela agarrou, uma a uma, e apinhou no seu próprio ninho. "A fêmea parecia estar tão ansiosa no final da experiência - que teve de ser interrompida porque já não dispúnhamos de mais crias - como no seu início." Este comportamento não estimulou a sua própria sobrevivência. E de igual forma, quando uns biólogos subiram a saliências rochosas para colocar anilhas em jovens alca-tordas de bico grosso (aves marinhas semelhantes a pinguins), a maioria dos adultos levantou voo em pânico, mas umas quantas aves mais leais permaneceram nos ninhos. Crias assustadas cujos progenitores tinham debandado procuravam os adultos restantes. "Não é invulgar ver uma fêmea motivada tentando, em vão, abrigar doze ou mais crias", observaram os biólogos de aves marinhas. Em contraste com as ratazanas zelosas e alca-tordas motivadas, ao nível dos cabritos monteses núbios que têm trigémeos em vez de apenas duas crias, foi observada a rejeição de uma delas. Presumivelmente, a fêmea não pode produzir leite para três por isso se conservasse todos ficariam os três malnutridos. Este "comportamento salva-vidas" poderá também ser uma forma de amor eticamente responsável. Quando a maioria das crias de uma leoa morre ou são mortas, esta pode abandonar o sobrevivente. Alguns biólogos sugerem que é ineficaz do ponto de vista energético para ela o esforço de criar uma ninhada com apenas uma cria, quando pode conceber de novo a curto prazo se assim não fizer e que o seu "sentido de investimento instintivo" assim lhe diz que faça. O que possa ser ou com o que se pareça um sentido de investimento, e como possa diferir das tomadas de decisão difíceis e por amor, sob condições de constrangimento, não está lá assim muito claro. Alguns

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progenitores humanos já empreenderam acções semelhantes. O que se passa na mente da cabra montês ou da leoa nesta situação é-nos ainda desconhecido. À medida que os pequenos mamíferos vão crescendo, os progenitores frequentemente alimentam-nos. Alguns animais simplesmente deixam os jovens roubar partes da sua própria alimentação enquanto que outros lhes trazem comida. Uma ave marinha pode começar por regurgitar alimentos parcialmente digeridos para a cria. Quando a cria cresce os progenitores vão por turnos buscar-lhe um peixe inteiro que seguram até que a avezinha consiga agarrá-la de forma adequada. À medida que as crias vão crescendo, muitos deles brincam frequentemente com os seus irmãos de ninhada e também com os pais. Tal como quem já tenha tido ocasião de observar gatinhos ou cachorros, as crias são por vezes muito brutas com os adultos. Os biólogos que se dedicam ao estudo dos cães selvagens em África constataram que quando outros cães adultos trouxeram comida para uma cadela com cachorros de três semanas de idade, as crias se mostraram muito agressivas com a partilha do alimento. Se a mãe tivesse abocanhado um pedaço de carne que uma das crias quisesse, esta mordia a parte lateral do focinho da mãe com os seus dentes aguçados, obrigando-a a largá-lo. Cachorros um pouco mais velhos seguiam os adultos caçadores e apoderavam-se das carcaças das presas, chegando mesmo a morder os adultos nas patas posteriores para assim os obrigar a saírem dali mais depressa. Uma das mais importantes tarefas dos pais consiste na protecção das crias. Os animais bebés são tipicamente pequenos, desajeitados e indefesos, constituindo assim refeições muito apetecíveis para os predadores. Alguns progenitores protegem as crias escondendo-as. Noutras ocasiões os pais têm mesmo de lutar para salvar as suas crias. Num caso típico observado, um leão investiu contra uma manada de seis girafas. A maioria fugiu mas uma das crias era muito lenta. A mãe procurou empurrá-la para que corresse mais depressa, mas ao ver que não dava resultado, colocou-se diante da cria e enfrentou o leão. A girafa mãe estava numa situação de perigo real uma vez que os leões habitualmente são bem sucedidos na caça às girafas. O leão ia circundando a girafa e esta ia rodando para estar sempre face a ele. Sempre que o felino se aproximava ela escoiceava-o com as patas anteriores. Ao cabo de uma hora o leão desistiu e partiu. As duas girafas juntaram-se então ao resto da manada. A força de vontade dos progenitores animais na defesa do jovens é bem conhecida, uma vez que são muitas vezes os seres humanos a constituir a ameaça. Mas os seres humanos são tão ameaçadores que esses encontros raramente se transformam em lutas reais. O último ninho de garças azuis de que há registo nos Estados Unidos, foi encontrado pelo ornitólogo e coleccionador de ovos, J.W. Preston, que descreveu assim: "Quando me aproximei do ninho, a ave, que se tinha afastado a alguma distância, regressou rapidamente (...) com as asas e cauda abertas e inclinadas, e a cabeça e espáduas paralelas à água. A ave começou então a atirar-me pedaços de musgo e pauzinhos de forma desafiadora; depois com um semblante que inspirava piedade alongou totalmente o corpo sobre a água, implorando-me que não tocasse no seu tesouro, que eu, de forma muito cruel, não fiz." Neste caso tanto pode tratar-se de uma garça macho como fêmea, uma vez que ambos chocam os ovos. Os animais procuram também afastar as suas crias de outros perigos que não os predadores, tal como o caso da gata que nunca entrara na água mas que saltou para uma piscina para salvar os seus gatinhos. Ao norte da Baía de Hudson, o explorador Peter Freunchen encontrou uma alcateia de seis lobos, dois adultos e quatro crias, a uivar. Uma das crias estava presa numa armadilha colocada sob um monte de pedras por cima de um depósito de comida. Os outros lobos tinham conseguido já retirar muitas das pedras maiores e escavado a terra gelada à volta

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da pedra à qual a armadilha estava atada, na tentativa de libertar a cria. Quando os seres humanos protegem os filhos desta forma, nós chamamos-lhe amor. Uma vez que a maioria dos exemplos dados de amor parental retratam o amor maternal, valerá a pena salientar que o amor paternal é visível em algumas espécies. Estima-se que os cuidados paternos directos são observáveis em 10 por cento do género mamífero. O cuidado paternal vai desde a ligeira à mais intensa devoção. O conservacionista Gerald Durrell descreveu o nascimento de saguins de penachos brancos no jardim Zoológico de Jersey. Depois da mãe ter parido gémeos, como é habitual nesta espécie, o pai pegou neles, lavou-os e transportou-os consigo para onde quer que fosse, frequentemente um em cada anca, levando-os apenas de regresso à mãe para mamar. A medida que iam crescendo, as crias só saíam de perto dele para pequenas explorações. Se o pai considerasse existir alguma eventual ameaça à sua segurança, corria imediatamente para eles e recolhia-os. Os machos saguins selvagens, de diferentes espécies, comportam-se da mesma forma. Muitas vezes chegam até a assistir ao parto. Foram já observados pais saguins de cabeça de leão a esmagar fruta com os dedos para dar às crias quando estas iniciam o desmame. Os pais macaco-coruja (ou macaco-da-noite) também transportam habitualmente as suas crias, brincam e partilham a comida com elas. Como resultado, o pai macaco-coruja segue bastante atrás da mãe e das crias mais velhas e só chega às árvores de fruto quando estas já estão parcialmente despojadas. A mãe aleita a cria e a seguir devolve-a ao pai. O investigador de raposas vermelhas David Macdonald descreve um pai novato, desvelando-se animadamente no cuidado das suas crias: Manchas era quase cómico com as suas diligências matrimoniais. Antes mesmo de comer um só pedaço, juntava o máximo de alimentos que conseguia introduzir por entre as mandíbulas em cunha e arrastava-os até à toca de Patas Brancas. Aí punha-se a ganir à entrada. Se ela não emergisse, usava a ponta do focinho como um taco de bilhar para empurrar a comida até à entrada e seguidamente para dentro da toca. Quando as crias cresceram, a maior ambição de Manchas era brincar com elas, coisa que a mãe e as tias nem sempre permitiam. Manchas rastejava por entre a vegetação, aguardando que Orelhas Grandes [tia materna] adormecesse e aí latia baixinho às crias que se esgueiravam para ir ter com ele dar cabriolas. Rapidamente a sua exuberância dava lugar a guinchos e rosnadelas que acordavam Orelhas Grandes que imediatamente vinha repreender energicamente Manchas. O paradigma psicanalítico de rivalidade assassina entre pais e filhos pretende representar a situação existente na Natureza. A psicanálise, tal como a sociologia, tem estado fundamentalmente interessada em observações que sustentam esta teoria. Os exemplos contrários tendem a ser ignorados: os pais zebra continuam a dar-se bem com os filhos adultos, que finalmente acabam por abandonar a manada, não porque sejam dela expulsos mas sim porque procuram outros para brincar com eles. Uns investigadores que estudavam as zebras selvagens decidiram uma vez marcar um macho que ainda vivia na manada do pai - embora tivesse já quatro anos e meio - para poderem seguir os seus percursos posteriores. Para sua grande pena, o dardo anestésico matou o animal. O velho macho aproximou-se por diversas vezes do corpo e tentou reanimá-lo. Mais tarde nesse dia, errou durante horas, de manada em manada, chamando pelo seu filho. Os cuidados paternos directos são observados em diversas espécies de aves, incluindo o aptérix (Nota 17), caso em que o pai incuba

os ovos e cria as avezinhas sem a ajuda da mãe. Em muitos outros exemplos - o

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pai castor que brinca com as crias, o pai lobo que deixa que os lobinhos lhe mordam a cauda, o pai mangusto anão que leva as crias com ele à procura de alimentos - sugere que estes amam os filhos ou que pelo menos apreciam a sua companhia.

Será Amor?

Destas e de outras maneiras os progenitores animais parecem agir em função do amor que têm aos filhos. Como contra-argumentação à afirmação que não pode ser comparado ao amor humano - tal como o afirmam diversos teóricos - eis um exemplo clássico daquilo que Roger Fouts designa por "regra de borracha", segundo a qual os padrões mudam consoante o comportamento é humano ou não-humano. Ao encarar a questão de se é possível saber se uma mãe macaca gosta da sua cria, valerá a pena perguntar se as pessoas da nossa rua gostam dos seus filhos. Alimenta-nos e cuidam deles. Fazem-lhes carinhos e brincam com eles. Defendem-nos com tudo o que possam. Mas tudo isso não é considerado como prova no caso dos macacos. Ao contrário dos macacos, as pessoas da nossa rua podem dizer que gostam dos seus filhos, mas como poderemos saber se dizem a verdade? Em última instância não podemos saber exactamente o que as outras pessoas querem dizer quando falam de amor. Contudo, na realidade, nós de uma forma geral temos quase a certeza de que amam essa criança. Se virmos uns pais com um bebé ao qual não professem amor ficaremos muito chocados. Quando tomamos conhecimento de casos de abusos de menores, ficamos indignados, em parte, porque consideramos que foi violada uma relação de amor. Na verdade, a maioria das pessoas acredita que a macaca gosta do seu macaquinho, que a cadela gosta dos cachorros e a gata dos gatinhos. Muitos cientistas também acreditam, apesar de estes hesitarem em afirmá-lo, pelo menos quando se trata de um documento científico. Um observador céptico poderá ainda assim objectar que uma macaca em relação à cria age apenas por mero instinto. Não poderá ser igualmente que as pessoas da nossa rua estejam a agir também apenas por instinto? Depende se o amor é definido como um instinto. E, em qualquer dos casos, se é designado por instinto, significa que nele não se podem encontrar também sentimentos de amor? No reverso do amor parental encontra-se o amor filial, o amor dos filhos pelos seus pais, que ainda é mais difícil de definir. Face a qualquer demonstração de afecto por parte de um animal ao seu progenitor - dos pequenos tigres que lambem a mãe, os lobinhos que correm a saudar o pai - os cépticos podem simplesmente argumentar que se trata de autointeresse. O jovem animal poderá apenas desejar estar perto da fonte de alimento, calor e segurança. As crias, regra geral, não lutam para proteger os pais. Contudo, um babuíno selvagem adolescente, Paul, tentou defender a mãe contra machos adultos do próprio bando, muito maiores do que ele. O jovem não foi muito bem sucedido, mas um observador científico foi da opinião que ele arriscou muito na defesa da mãe. Quando crescem, muitos animais estão tão relutantes em deixar a família que são mandados embora pelos próprios progenitores. Mas este facto, por si só, não prova que eles amem os pais. Poderão estar relutantes em deixar a segurança e os hábitos a que estão acostumados para entrar num território desconhecido. Nem todos os jovens animais são abandonados - nalgumas famílias os elos de afecto perduram. Os chimpanzés habitualmente ficam no mesmo

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grupo das mães. Passam bastante tempo uns com os outros e os jovens podem até ajudar a mãe a cuidar da nova geração. Os elefantes, também, vivem em manadas estáveis matriarcais e cooperam de forma extraordinária uns com os outros. As "tias" elefante desempenham um importantíssimo papel no cuidado das crias. Numa colónia de babuínos em cativeiro, os investigadores retiraram as fêmeas assim que estas reiniciaram os ciclos menstruais, após o nascimento de uma cria. Essas crias tinham de uma forma geral seis meses e ficaram abandonadas. Outras fêmeas da colónia assumiram o seu cuidado. Seis ou oito meses mais tarde, as mães originais foram devolvidas à colónia, muitas vezes anestesiadas. De cada vez que um babuíno inconsciente era transportado, o seu próprio filho lançava chamamentos de "bebé perdido". Logo que a fêmea era recolocada no recinto a cria ia ter com ela e a relação mãe-filho era retomada. Apesar dos excelentes cuidados que tinham recebido, os pequenos macacos ansiavam e reconheceram as suas mães. Os babuínos contudo são individuais e uma das crias preferiu ficar com a mãe adoptiva. Jane Goodall descreve a reacção de um chimpanzé macho de nome Flint, que tinha oito anos quando a mãe, FIO, morreu. Flint sentou-se em cima do corpo de FIO durante horas, ocasionalmente puxando-lhe a mão. À medida que os dias iam passando, ia-se tornando cada vez mais apático e letárgico. Numa ocasião singular, três dias após a morte da mãe, Flint foi visto a subir à árvore para contemplar o abrigo nocturno que partilhava com ela até há uns dias atrás. O seu estado de apatia foi progressivamente aumentando, acabando por morrer ao cabo de um mês, provavelmente devido a gastrenterite. A conclusão científica de Goodall foi a seguinte: "Afigura-se provável que as perturbações psicológicas e fisiológicas associadas à perda o tornassem mais vulnerável à doença." Sy Montgomery dá a interpretação pungente do senso comum para a mesma ideia: "Flint morreu de desgosto."

Adopção

A flexibilidade do amor parental pode ser observada nos animais que adoptam crias que não lhes são aparentadas. Os investigadores de ursos negros levam regularmente fêmeas selvagens a adoptar crias órfãs. Em África, uns investigadores raptaram babuínos hamadrias (Nota 18) bebés e adolescentes e libertaram-nos perto de bandos sem qualquer relação com eles. Invariavelmente esses pequenos macacos foram rapidamente adoptados por jovens babuínos machos, que cuidaram deles com todo o cuidado. De forma geral, quanto mais nova for a cria animal mais apta estará a ser adoptada. Uma flexibilidade ainda maior em termos de amor parental é demonstrada através de animais que adoptam crias de outras espécies. Os investigadores que deram a oportunidade à mãe ratazana de adoptar cinquenta e oito crias, continuaram a apresentar às mães ratazanas bebés mais estranhos. As ratazanas rapidamente adoptaram ratinhos e pequenos coelhos. Também recolheram gatinhos e tentaram evitar que os investigadores os voltassem a retirar do ninho. Mas, tendo em conta que os gatos mamam de uma mãe deitada e as ratazanas aleitam de pé, as ratazanas não conseguiam amamentar os gatinhos apesar das sua enérgicas tentativas para os colocar em posição. Curiosos por saber até onde é que isto poderia chegar, os investigadores arranjaram dois pintos de galinhas da índia e as ratazanas "ansiosa e repetidamente" procuraram encaixá-los nos seus ninhos. Esta

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ainda foi uma aposta pior, contudo, porque os pintos "começaram a piar muito alto e a bater as asas" quando as ratazanas tentaram agarrá-los pelo pescoço e arrastá-los para casa. Existem, é claro, inúmeros casos de cães ou gatos que adoptaram doninhas ou leitões órfãos, e imagens dessas estranhas famílias podem frequentemente ser vistas nos jornais. Existe uma velha história de adopção invulgar, não iniciada por seres humanos: Em Northrepps Hall, perto de Cromer, residência do defunto Sir Fowell Buxton, tinha-se estabelecido uma grande colónia de papagaios e araras, para os quais tinha sido arranjado um lar perto da casa principal, num grande aviário aberto, com abrigos onde as aves pudessem procriar. Mas estas, regra geral, preferiam os bosques (...) e só vinham a casa à hora de distribuição da comida, quando ao bem conhecido bater da colher na lata que continha a sua alimentação, um grande bando de aves de plumagem garrida se precipitava esvoaçando sobre os comedouros, proporcionando uma imagem raramente observável em Inglaterra. Como os abrigos estavam praticamente desertos, uma gata achou que um deles era um local ideal para colocar as suas crias. Enquanto a mãe gata saiu à procura de alimentos, uma das fêmeas papagaio foi por acaso inspeccionar esse mesmo local e vendo os gatinhos no seu ninho, adopto-os imediatamente como seus e foi encontrada por um criado de Lady Buxton cobrindo com as asas as suas estranhas e adoptadas crias. Outras espécies não parecem dispostas a efectuar adopções. De acordo com os investigadores, uma cria de gnu que se perca da mãe entre as vastas manadas não será adoptada e morrerá. Isto levanta a questão de até que ponto é considerada a selectividade em termos de amor. Os seres humanos não ficam decerto favoravelmente impressionados se uns pais não forem capazes de dizer se um bebé é deles ou não, mas também não gostam de ver pais a fazerem uma discriminação acentuada em relação aos bebés de outros. Não parece existir uma razão para que qualquer das respostas seja considerada

incompatível com amor parental, apesar de valorizarmos mais uma do que a outra.

Fixação

Os pequenos patos e gansos dedicar-se-ão e seguirão qualquer criatura que vejam no período que segue à eclosão dos ovos. Passam a ter uma "fixação" por essa criatura. Neste sentido um pato selvagem não nasce para amar apenas outro pato selvagem e um pato marreco não nasce para amar unicamente outro pato marreco. Eles irão amar quem se lhes apresentar como seu primeiro guardião. Para um pato selvagem é geralmente outro pato selvagem, e no caso do pato marreco outro pato marreco, mas os patos selvagens criados por seres humanos e que se tornam dedicados aos seus progenitores adoptivos humanos são um caso bastante comum. Diz-se muitas vezes de animais criados por seres humanos: "Ele pensa que é humano." Ou talvez ele pense que o ser humano é um pato marreco. Qualquer das hipóteses ilustra a flexibilidade criada no amor filial. Para além dos pais e filhos, o amor pode estender-se a outros membros da família. Um jovem elefante selvagem parecia gostar tanto da sua avó, Teresia, como da mãe. Muitas vezes mamava na mãe e a seguir ia ter com Teresia, que tinha mais de cinquenta anos, e ficava ao pé dela ou seguia-a. Em diversas outras espécies, do castor ao gibão (Nota 19), os animais jovens permanecem com os pais e ajudam a educar as novas crias. Os jovens colores muitas vezes continuam com os progenitores e auxiliam na criação das

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ninhadas seguintes. Os irmãos mais velhos podem alimentar, lavar, proteger e simplesmente tomar conta dos mais novos. Esta combinação, que se designa por "dllornothering" (Nota 20), vai claramente beneficiar os pais que necessitam de toda a ajuda possível para criar os mais pequenos, e também vai beneficiar igualmente estes últimos, que assim dispõem de um número superior de adultos encarregues do seu bem-estar. Em algumas ocasiões os ajudantes são irmãos dos pais e não das crias. Caso os progenitores sejam mortos, o irmão mais velho ou as tias e tios poderão criar os cachorros, caso estes não sejam demasiado pequenos. Numa matilha de cães selvagens da savana africana, a mãe de nove cachorrinhos morreu quando estes tinham apenas cinco semanas de idade. Aparentemente já tinham idade suficiente para passar à comida sólida, porque o resto da matilha, que era constituída por cinco machos, conseguiu criá-los. Evitando qualquer referência a carinho, os biólogos evolucionistas identificaram uma grande variedade de formas de como esta atitude vai beneficiar os irmãos assim como tios e tias. Provavelmente ficam com muito mais tempo para aprender tácticas de caça. Se não existirem bons territórios disponíveis para os coiotes, eles estão dispensados de partir em sua busca e de ter de lutar por um. Também aumentam as hipóteses de transmissão dos seus genes, uma vez que partilham muitos deles com os seus irmãos mais novos, sobrinhos e sobrinhas. Mas possivelmente também, eles amam as suas famílias. Os castores com um ano de idade conservam-se habitualmente junto dos pais e ajudam a cuidar dos irmãos mais novos. Françoise Patenaude, que procedeu à observação de castores selvagens no Quebeque, teve ocasião de ver esses jovens guardando as crias mais pequenas e buscando comida para elas. Durante o inverno, a família estava maioritariamente confinada à toca. Em mais de uma ocasião, em que uma cria caiu à água à entrada da toca, o jovem agarrava-a e transportava-a nas patas anteriores até ao chão seco da toca. (Os castores podem andar sobre as patas posteriores e transportar coisas, incluindo pequenos castores, nas patas dianteiras.) Esses jovens castores mais tarde brincavam com os irmãos mais novos e ajudavam na execução de todo o tipo de cuidados prestados pelos progenitores com excepção, é claro, da aleitação.

Animais Sociais

Os animais sociais, que vivem em grupos, comportam-se muitas vezes de forma amigável em relação a outros membros do grupo, mesmo que não sejam seus parentes. Os bandos de babuínos, assim como as manadas de zebras ou elefantes, não são uma multidão de estranhos. Isto pode ir muito para além da tolerância em relação a uma necessidade específica: um macaco mantido em isolamento trabalhará apenas pela simples recompensa de ver outros macacos, tal como um esfomeado trabalhará para poder comer. Os animais inseridos em grupos sociais possuem um relacionamento entre si, que por vezes pode ser afectivo. As leoas guardam os bebés de outras leoas, tal como frequentemente o fazem as gatas domésticas. Nos bandos de babuínos, muitos estabelecem alianças com outros babuínos, com quem podem contar como auxílio em situações de conflito. Os elefantes parecem evidenciar uma certa condescendência para com os outros membros da própria manada. Uma manada africana deslocava-se sempre com muita lentidão porque um dos seus membros nunca se recuperara

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totalmente de uma pata partida na infância. Um guarda de um parque relatou o seu encontro com uma manada em que uma das fêmeas transportava o corpo de uma pequena cria morta há já alguns dias, que ela colocava no chão sempre que tinha de comer ou beber. A fêmea deslocava-se muito devagar e os restantes elefantes esperavam por ela. Isto sugere que os animais, tal como as pessoas, agem em função dos sentimentos e não apenas motivados por uma questão de sobrevivência. É indicativo, também, que a abordagem evolucionista não é mais adequada para explicar os sentimentos dos animais do que os dos seres humanos. Um simples exemplo como este - independentemente da sua boa documentação - poderá não conseguir pôr totalmente em causa a globalidade do paradigma evolucionista em relação aos sentimentos, mas no entanto levanta questões que os biólogos têm de encarar. Parece existir um valor de sobrevivência tão reduzido no comportamento desta manada que talvez sejamos forçados a acreditar que eles se comportavam desta forma porque amavam a sua amiga pesarosa, que por sua vez amava o seu bebé morto, e como tal queriam dar-lhe o seu apoio. Tal como em relação aos seres humanos, por vezes a afeição entre animais combina-se com admiração que se pode estender a outras espécies. Os lobos evidenciam o que parece ser uma admiração pelos lobos dominantes (também designados por alfa) da alcateia. Ao nível dos parentes mais próximos do lobo, o cão, a sua capacidade de admirar líderes tornou a sua domesticação num sucesso. Um cão comum - na sua ânsia de agradar - trata os seus donos exactamente como um lobo actua em relação ao lobo alfa. Outros animais sociais estão frequentemente desejosos de conceder aos seres humanos este tipo de estatuto. A investigadora Jennifer Zeligs, que estuda e treina leões-marinhos, parece encontrar-se nesta posição em relação aos seus indivíduos experimentais. O sucesso do seu treino na recuperação de objectos debaixo de água e desempenho de outras tarefas parece resultar do desejo que os animais têm de lhe agradar e receber posteriormente elogios e atenção. Ela não os recompensa com comida e apenas inicia o trabalho com eles depois destes terem sido alimentados. Poderá objectar-se que isto não é amor, porque Zeligs proporciona aos leões-marinhos momentos de prazer: atenção, afagos e divertimento. Essa é a razão pela qual eles lhe dão tanta atenção. Mas será que o amor humano é assim tão diferente? Para ser real, o amor terá de não ser recompensado? O facto é que os leões-marinhos parecem conseguir manifestar amor e afecto. E a circunstância de serem capazes - em condições especiais - de estender esses sentimentos para além da sua própria espécie, a espécies estranhas, vem meramente demonstrar algumas das condições desses sentimentos. Dois leões-marinhos podem sentir afecto um pelo outro e Zeligs beneficia da extensão desse sentimento a um ser humano. Por vezes o benefício do comportamento social é óbvio, mas noutras ocasiões, a vantagem e menos nítida. O estudo de Hans Kruuk sobre as hienas malhadas demonstrou que o seu comportamento social era altamente vantajoso, mas este investigador ficou muito admirado quando centrou a sua atenção nos texugos europeus. Apesar de viverem em conjunto em tocas ou galerias comunais, os texugos não procuram comida em conjunto, nem patrulham o território juntos, não se defendem uns aos outros nem cooperam na educação das crias dos companheiros. "Os texugos não possuem um chamamento de alarme eficiente, por isso nem sequer podem avisar os membros do clã da aproximação de perigo." O único benefício material que Kruuk pôde assinalar foi a prática de dormirem amontoados para se manterem quentes. Se é verdade que a vida social não oferece aos texugos qualquer margem de sobrevivência, então porque é que eles vivem juntos? Talvez, pura e simplesmente, gostem de estar acompanhados.

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Amizade

De uma forma geral, os animais são amigáveis apenas com animais da sua própria espécie. As excepções mais significativas ocorrem em animais em cativeiro, frequentemente isolados de outros da sua espécie ou confinados com animais de outras espécies. Nestas circunstâncias, alguns animais travam amizade com outros de diferentes espécies, incluindo seres humanos. John Teal, que conduziu experiências com bois almiscarados em vias de extinção, ficou uma vez fechado com eles num cercado quando surgiram uns cães a correr. Para sua grande aflição, os bois almiscarados resfolegaram, bateram com os cascos no chão e dirigiram-se troando em direcção a ele. Antes do investigador ter tido tempo de efectuar qualquer movimento, os bois formaram um anel defensivo à sua volta e alçaram os chifres em direcção aos cães. É assim que os bois almiscarados protegem as crias dos predadores. Mas a amizade com animais de outras espécies não é uma garantia de amizade em relação a todos os seus membros: um leopardo alimentado à mão foi criado com uma cadela com quem adorava brincar, mas tentou matar outros cães, até cães que se assemelhavam muito à sua amiga. Apesar de ser raro, os animais selvagens já foram observados em associações de amizade. O biólogo Michael Ghiglieri esperou pacientemente que uns chimpanzés chegassem a uma árvore de frutos na floresta tropical da Tanzânia e ficou muito admirado quando o primeiro chimpanzé, um macho, chegou na companhia de um babuíno macho adulto. Os avanços amistosos nem sempre são bem recebidos. Os cães selvagens e hienas do Serengueti são competidores que regularmente roubam as presas uns aos outros. Um grupo de cães selvagens ficou sem a sua caçada, roubada por hienas malhadas, e encetou a perseguição de uma das hienas, mordendo-lhe o traseiro com uma tal ferocidade que esta teve de se sentar num buraco a rosnar até os cães partirem. No entanto, à noite, quando os cães selvagens se abrigaram para dormir e as hienas rondavam, uma jovem hiena (ainda coberta de penugem) aproximou-se do cão selvagem dominante, Baskerville, farejando-o animadamente. Baskerville, contraiu-se e rosnou-lhe, contudo, assim que tentava retomar o sono, a hiena aproximava-se cada vez mais. Esta começou então a lamber e cobrir de atenções Baskerville, que ao princípio parecia ignorar o facto. Não obstante, os observadores podiam ver que ele não estava a dormir, porque os olhos se lhe iam progressivamente arregalando à medida que a jovem hiena continuava com as suas práticas sociais. Baskerville enrolou-se completamente em bola e olhou para ela por cima do ombro, mas a jovem hiena deitou-se calmamente junto dele, aparentemente preparando-se para ali passar a noite. Isto foi demais para Baskerville. Pôs-se em pé rapidamente com um forte ladrido. A matilha acordou e saíram dali - perseguidos por sete hienas malhadas. Finalmente os cães selvagens conseguiram despistar as hienas, mas quando na manhã seguinte conseguiram matar uma gazela, as hienas roubaram-lhe novamente a presa. Dada a relação existente entre hienas e cães selvagens não é difícil entender porque é que Baskerville rejeitou os avanços da jovem hiena. Talvez diversos gestos de amizade entre animais selvagens recebam uma resposta fria, por razões semelhantes. Às vezes os animais tentam estabelecer uma amizade entre espécies diferentes por desespero. Em Madagáscar, um lémure (Nota 21) castanho foi caçado e transportado para outra área, de onde conseguiu escapar. Nesse local não existiam lémures castanhos, por isso ele juntou-se a um bando de

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lémures de cauda anelada. As duas espécies de lémures possuem colorações, chamamentos, glândulas odoríferas e hábitos de marcação de território distintos. Os lémures de cauda anelada não acolheram muito bem o lémure castanho, mas toleravam-no. Os machos davam-lhe um tratamento deferencial e assim, por definição, ele passou a ser o macho dominante do bando. As fêmeas não permitiam que ele as marcasse com o seu odor e habitualmente não deixavam que ele se sentasse ao seu lado e as catasse. Durante uma época de acasalamento ele fez diversos avanços a uma fêmea chamada Sorriso, que o deixou sentar ao pé dela apenas cinco vezes das vinte e quatro tentativas efectuadas, mas que se recusou a copular com ele, apesar de o ter feito com alguns machos de cauda listrada. A recepção mais amigável era-lhe dada pelos jovens lémures, que não só se sentavam ao pé dele mas também o catavam e por vezes eram eles que faziam a primeira abordagem. Apesar da sua aceitação no bando ser apenas parcial, este facto - claramente - significava muito para ele. Mesmo um animal não considerado social pode fazer amigos em cativeiro. Os ocelotes (Nota 22) que geralmente são considerados uns animais solitários, podem tornar-se bastante amistosos com os seres humanos. Perplexo com a disposição amigável do seu ocelote, Paul Leyhausen especulou que esses felinos possuem a capacidade de ser amigáveis enquanto crias, mas uma vez já adultos não conseguem deixar de ver outros felinos como rivais ou intrusos. Os seres humanos são suficientemente semelhantes para que deles se tornem amigos, contudo bastante diferentes para que não sejam tomados como rivais: "Uma tal amizade genuína e duradoura, de um tipo que nunca se verifica entre os próprios felinos é possível entre seres humanos e membros de diversas espécies de felinos solitários. Por outras palavras, caso a hipótese anterior esteja correcta, o gato selvagem a nível individual realmente `gostaria' de se dar bem com outros da sua espécie, mas sente-se em relação a eles tal como o excêntrico que ofende toda a gente e depois, quando lhe perguntam porque não tem amigos, responde muito admirado: "Gostaria muito, mas os outros todos são tão horríveis." É muito raro os animais travarem amizade com seres humanos se não se encontrarem em cativeiro, porque os da sua própria espécie constituem amigos mais adequados e os seres humanos são geralmente temidos. Os castores selvagens, com o tempo, poderão tolerar a presença de seres humanos bem comportados. Se estes lhe fornecerem a sua comida favorita, os castores associá-los-ão a ela, chegando ao ponto de lhes trepar para o colo para obter alimentos particularmente apreciados. Conseguem distinguir os seres humanos que conhecem dos estranhos. Contudo, não há razão para supor que os castores realmente gostem da companhia dos seres humanos. A ausência de medo não é sinónimo de amizade.

Quando os Animais Têm Mascotes

A amizade entre pessoas e animais ocorre na maior parte dos casos quando se trata de um animal de estimação. Os animais também possuem ocasionalmente mascotes - geralmente animais cativos, uma vez que ter um animal de estimação é um luxo. Lucy, uma chimpanzé criada por seres humanos, recebeu um gatinho para aliviar a sua solidão. A primeira vez que ela o viu, o pêlo eriçou-se-lhe todo. Aos gritos, agarrou-o, atirou-o ao chão, dando-lhe murros e procurando mordê-lo. O segundo encontro foi semelhante, mas no terceiro encontro Lucy já

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estava mais calma. À medida que a macaca ia andando de um lado para o outro, o gatinho seguia-a e decorrida meia hora Lucy agarrou-o, beijou-o e abraçou-o marcando assim uma completa mudança de atitude. Mais tarde acariciava e embalava o gatinho, andava constantemente com ele ao colo, fazia ninhos para ele e protegia-o dos seres humanos. Lucy comportava-se tal como as crianças pequenas carinhosas com ideias imperfeitas sobre o que realmente agrada aos seus animais de estimação. O gatinho "nunca pareceu estar ansioso por ser transportado pela chimpanzé" e não queria subir para cima da barriga de Lucy, por isso esta ou o transportava numa mão ou fazia com que ele subisse para as suas costas. Koko, a gorila, evidenciava um grande carinho em relação a um gatinho que ela própria designava por "Todo Bola". Isto é espantosamente semelhante a amor - ao verdadeiro - porque é escolhido independentemente do seu valor de sobrevivência. É comum os cavalos tornarem-se amigos de outros animais, tais como cabras, e mostram-se muito cuidadosos para não as magoar. Existem relatos de cavalos de corrida que ficam melancólicos e não correm bem quando são separados das suas amigas cabras. Estas cabras podem muito bem ser o equivalente de animais de estimação. Os cavalos não estão a fazer qualquer confusão entre espécies: sabem que a cabra não é um cavalo, mas gostam delas na mesma. Foi também observado um elefante em cativeiro que punha invariavelmente de lado uma pequena parte dos cereais que lhe davam para que um rato pudesse comer.

Amor Romântico

Por muito que as pessoas admirem a amizade e o amor familiar, o mais valorizado é o amor romântico, considerado o mais improvável de ser atribuído aos animais. Muitas pessoas consideram o amor romântico tão rarefeito que acreditam que nem os indivíduos de outras culturas o experimentam, quanto mais os animais. Considera-se que a ideia de amor romântico foi inventada na Europa medieval e que se trata apenas de um passatempo para os privilegiados. Em qualquer dos casos, os antropólogos que estudam os seres humanos não consideraram ser esta uma questão merecedora de estudo até que a Associação Antropológica Americana levou a cabo a primeira sessão sobre a antropologia do romance, em 1992. O antropólogo William Jankowiak afirmou que demorou três anos a organizar a sessão: "Eu convidava as pessoas e estas limitavam-se a rir." Quando lhe perguntaram porque é que o amor romântico tinha sido ignorado até aí, Jankowiak afirmou que os investigadores tinham partido do princípio que "esse tipo de comportamento era uma especificidade cultural". E apontou igualmente para um preconceito em relação à prova linguística: "O modelo dominante era o linguístico, que afirmava que, se algo não fazia parte da linguagem, então não era importante." Não só algumas culturas não possuem palavras para amor romântico, como também não é definido no léxico antropológico. "Eles próprios não possuem categorias para isto." Jankowiak contou também que ao pedir a diversos colegas que participassem na sessão sobre amor recebeu como resposta que o amor romântico não existia nas culturas por eles estudadas. Ao que ele contrapôs se as pessoas dessas culturas nunca tinham casos amorosos clandestinos, nunca tinham recusado um casamento previamente arranjado, nunca fugiam para casar ou cometiam suicídio por razões amorosas. A resposta foi sempre afirmativa, esses

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casos realmente aconteciam, mas os investigadores nunca as tinham examinado ou acompanhado. Outra razão para o amor romântico ter sido ignorado noutras culturas é por se partir do princípio de que é uma superficialidade. Tal como Charles Lindholm, um pioneiro neste campo, afirma: "O paradigma geral em antropologia, tal como em todas as ciências sociais, é a utilidade, a maximização do ganho. O amor romântico não parece encaixar-se muito bem neste paradigma. (...) Quando há pessoas que sacrificam as suas vidas por outras pessoas, não parece de forma alguma que se esteja a maximizar um ganho. (...)" E riu: "Outro aspecto é que é muito embaraçoso. Está-se a inquirir indivíduos sobre as suas relações pessoais e os antropólogos, tal como qualquer pessoa, não se sentem à vontade ao colocar este tipo de questões." Nem o meio académico em geral tem favorecido o estudo do amor: "Sabe, é uma coisa quase de cariz feminino. Não é lá muito bom para a carreira." Todos estes factores - a denegrição do amor como um luxo ou uma coisa feminina, a ausência de provas linguísticas, a ênfase dado à utilidade, o embaraço, a ausência de um enquadramento teórico, mesmo a preocupação em termos de carreira -- podem ajudar a explicar a falta de um estudo, em paralelo, do romance entre animais. Jane Goodall, cujo trabalho veio trazer luz sobre a vida emocional dos chimpanzés, argumentou contudo que os chimpanzés não conhecem o amor romântico. E descreve os chimpanzés Pooch e Figan, que repetidamente evidenciavam uma preferência um pelo outro sempre que Pooch se encontrava sexualmente activa, abandonando o grupo e retirando-se os dois para a floresta durante alguns dias. O que contrasta com os restantes chimpanzés que permanecem no grupo maior quando estão sexualmente activos. Goodall escreveu: "Não consigo conceber chimpanzés que desenvolvam emoções um pelo outro, comparáveis de qualquer forma ao carinho, protecção, tolerância e alegria espiritual que são marcos do amor humano no seu sentido mais profundo e verdadeiro. (...) O máximo que uma fêmea chimpanzé poderá esperar do seu pretendente é uma breve manifestação de cortejamento, um contacto sexual com uma duração aproximada de meio minuto e por vezes uma sessão de catagem social a seguir. Para eles não existe romance, mistério, as alegrias sem fronteiras do amor humano." Talvez isto seja verdade. E contudo nós não conseguimos entender totalmente o que os chimpanzés sentem ou se existem alegrias sem fronteiras de amor símio que os chimpanzés podem sentir e nós não. Alguns animais acasalam para toda a vida, mantendo-se juntos enquanto ambos estão vivos. Outros animais acasalam por uma estação e outros juntam-se e separam-se imediatamente. Entre os animais que formam relações de duração significativa, alguns formam pares e outros formam grupos maiores, tais como trios ou, como no caso dos elefantes-do-mar, "haréns". Os biólogos evolucionistas muitas vezes descrevem o acasalamento como um dispositivo para assegurar um cuidado parental adequado, mas nem sempre é claro que seja esse o caso. O peixe-borboleta dos recifes havaianos (Chaetodontidae), por exemplo, não fornece qualquer cuidado parental aos seus ovos ou larvas mas ainda assim forma um par duradouro. Algumas pessoas argumentam que não existe afecto entre animais que não constituam associações, que copulem apenas e depois se separem, mas isto é ilógico. A.J. Magoun e P Valkenburg, que utilizaram um pequeno avião para seguir carcajus (Nota 23) através da tundra, descreveram o acasalamento destes raros e solitários animais. Para um observador, escreveram eles, a maioria dos acasalamentos entre carcajus parece ser uma questão entre machos agressivos e fêmeas relutantes. Foram surpreendidos pelo comportamento de uma fêmea que designaram por F9 e um macho não identificado. F9 e o macho juntaram-se para a exploração de uma rocha que sobressaía da tundra. Brincaram. Rolaram depois pelo chão. Tal como uma cadela exuberante, F9 agachou-se

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e bateu com a cauda e foi-se embora aos saltos. Quando o macho não respondeu às suas farejadelas, F9 virou-se e deu-lhe uma pancada com as ancas. Depois de terem brincado, descansaram e então copularam. Dois dias mais tarde separaram-se, talvez para nunca mais se encontrar. Isto descreve uma interacção amigável e alegre, não uma luxúria unilateral ou um arranjo de conveniência. Será razoável chamar-lhe amor? Gostar? Interesse mútuo? F9 tinha apenas um ano, por isso a sua disposição para a brincadeira poderá ser atribuída à sua juventude. Mesmo que as suas emoções - e as do macho - tenham decorrido da sua juventude, não significa que não existam. Poderá ser contraposto que o que quer que um carcaju sinta em relação a outro não poderá ser amor porque o encontro é demasiado breve. Mas se fosse utilizada a duração como um instrumento de medição válido para o amor, muito amor entre seres humanos ficaria de fora.

Ao fim e ao cabo, minha outrora querida, Minha já não adorada, Deveremos dizer que não era amor Só porque já feneceu?

É razoável dizer que F9 e o seu consorte desfrutaram da companhia um do outro durante esses poucos dias em que gostaram um do outro. Não havia qualquer necessidade de brincarem juntos: fizeram-no porque lhes apeteceu. Se parece suspeito conceder qualquer romantismo aos carcajus e aos seus breves casos amorosos, o que dizer dos animais que acasalam para toda a vida? Esses são animais que cortejam, acasalam, criam os filhos e se acompanham um ao outro quando já não estão a educar as crias. Por vezes encontram-se num grupo maior de animais tal como um bando de cisnes. Outras vezes podem abandonar o grupo, tal como os cisnes quando procriam. Os casais habitualmente dormem juntos, afagam-se um ao outro e em alguns casos procuram comida juntos. Habitualmente alimentam-se um ao outro na fase de cortejamento ou quando um deles tem de permanecer com crias muito pequenas. Na maioria das espécies a actividade sexual está confinada a um breve período. A prova mais comum de amor, observável entre casais, é a mágoa que evidenciam quando um dos "cônjuges" morre. Konrad Lorenz descreve como um exemplo típico o comportamento do ganso Ado quando a sua companheira, Susanne-Elisabeth, foi morta por uma raposa. Ele permaneceu em silêncio ao lado do corpo da fêmea parcialmente devorado, atravessado no ninho. Nos dias que se seguiram, Ado arqueou o corpo, deixou pender a cabeça e os olhos começaram a encovar-se nas órbitas. O seu estatuto no bando caiu rapidamente uma vez que ele não tinha qualquer vontade de se defender dos ataques dos outros gansos. Um ano mais tarde, Ado finalmente recompôs-se e encontrou outra fêmea. Os animais podem apaixonar-se dramaticamente. Konrad Lorenz disse que dois gansos selvagens estão mais aptos a apaixonarem-se quando se conhecem desde muito jovens, foram separados e novamente se voltam a encontrar. Comparou-os a um ser humano muito admirado que pergunta, "És tu aquela rapariguinha que eu costumava ver de rabo-de-cavalo e aparelho nos dentes?" e continuou, "Foi assim que eu encontrei a minha mulher." De acordo com a especialista em comportamento de papagaios Mattie Sue Athan, é comum para algumas das maiores espécies de papagaios apaixonarem-se à primeira vista, facto que designam por "meteorito". Os animais não se apaixonam assim por qualquer um. Desejando arranjar uma companheira para

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uma catatua de leque, Athan comprou uma fêmea jovem de linda plumagem e colocou-os juntos. Para grande desgosto de Athan, "Ele fazia exactamente como se ela não estivesse ali." Uns meses mais tarde ofereceram a Athan uma fêmea mais velha, em muito más condições, com parte das penas arrancadas, um efeito do cativeiro. "Esta fêmea não tinha uma única pena do pescoço para baixo. A pele das patas estava toda nodosa. Tinha rugas à volta do bico. No entanto, o macho achou que era este o amor da sua vida." As duas aves imediatamente acasalaram e começaram a procriar uma ninhada de bebés catatuas. Os tratadores dos jardins zoológicos sabem, para seu grande desespero, que muitas espécies de animais não estão dispostos a procriar com qualquer outro animal da mesma espécie. Os orangotangos encontram-se entre os mais notoriamente selectivos, ainda que em habitat selvagem não formem casais duradouros. Sem dúvida que os animais selvagens são também selectivos, mas isto já é menos óbvio uma vez que não estão fechados com companheiros incompatíveis. Timmy, um gorila do Zoo de Cleveland, não se deu bem com duas fêmeas diferentes que lhe foram apresentadas e recusou-se a acasalar com elas. Mas quando encontrou uma gorila chamada Katie, imediatamente se dirigiram um ao outro, brincaram, copularam e dormiram juntos. Quando foi detectada a infertilidade de Katie os técnicos decidiram enviar Timmy para outro zoológico onde pudesse ter a oportunidade de procriar e contribuir para a proliferação dos genes da sua espécie, em vias de extinção. Na sequência da onda de clamor público resultante da eventualidade da separação de Timmy de Katie, o director do Zoo enfureceu-se: "Fico doente quando as pessoas lhes atribuem emoções humanas e assim aviltam os animais. Não podemos pensar neles como uma espécie de ser humano magnífico, eles são animais. Quando as pessoas começam a dizer que os animais possuem emoções, ultrapassam a fronteira da realidade." Esta resposta veemente mostra como o medo de cometer um antropomorfismo se pode encontrar mesmo em pessoas que trabalham com animais, ignorando as manifestações óbvias de alegria de cada um deles. E quando a sós, os animais continuam a ser fiéis um ao outro? Muito já foi dito sobre os significativos índices de infidelidade de algumas aves canoras (tanto macho como fêmea) demonstrado pela análise genética dos progenitores e crias e pela observação em campo dos progenitores. De uma forma não surpreendente, os cientistas não se deixaram arrastar para experiências de folhetim para ver se esses pássaros podiam resistir a tentações românticas apesar de se saber que alguns animais parecem rejeitar oportunidades de cometer infidelidades. Por exemplo, um arganaz (Nota 24) macho da pradaria que já constituiu um par com uma companheira repele os outros arganazes, quer se tratem de machos ou fêmeas. As elefantas africanas, na altura do cio, por vezes formam uma espécie de consórcios com os machos, mas não é muito claro se elas simplesmente preferem um determinado macho e querem apenas a sua companhia ou se, pelo facto de estarem com um macho - que ataca vigorosamente quaisquer outros que se tentem aproximar -, elas beneficiam de uma protecção contra a perseguição de outros machos. De acordo com Cynthia Moss, o comportamento de consorte é algo que as fêmeas elefante vão aprendendo, uma vez que as jovens fêmeas que não formam este tipo de união podem ser "perseguidas e acossadas" por diversos machos. Noutras espécies as fêmeas podem não ser tão vulneráveis. Os rinocerontes do Serengueti, apesar da sua reputação de solitários, por vezes parecem formar pares durante o cio. Um observador viu o macho de um desses casais ir-se embora, altura em que apareceu outro rinoceronte macho e procurou copular com a fêmea, mas foi repelido por esta. O macho com quem ela tinha acasalado regressou e eles copularam imediatamente. Facto que parece demonstrar que não se tratava

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apenas de uma simples falta de interesse em copular que levou a fêmea a rejeitar o segundo macho, mas sim um princípio de maior selectividade pessoal - talvez afecto - em causa. À luz destas observações, afigura-se possível que entre as aves canoras, cuja infidelidade tem sido tão cuidadosamente estudada, aqueles pássaros que permanecem fiéis aos seus companheiros demonstrem fidelidade com base nos seus sentimentos, e não na mera falta de outras oportunidades. A devoção que os dois membros de um casal manifestam um pelo outro também constitui uma prova de amor. Alguns pássaros constituem exemplos famosos de fidelidade. Os gansos, cisnes e patos mandarins são todos símbolos de devoção marital. Os biólogos de campo afirmam que esta imagem está correcta. Os Colores que são considerados um símbolo da velhacaria, dariam igualmente excelentes símbolos de devoção, uma vez que formam casais duradouros. As observações de coiotes em cativeiro indicam que eles iniciam a ligação com o seu par antes de serem sexualmente activos. Os pares de coiotes observados por Hope Ryden aninhavam-se juntos, caçavam ratos em conjunto, saudavam-se um ao outro com manifestações elaboradas de meneios e lambidelas, e executavam duetos de uivos. Ryden descreveu dois coiotes que copularam após terem estado a uivar em dueto. Em seguida, a fêmea deu palmadinhas no macho com uma das patas e lambeu-lhe o focinho. Depois aninharam-se os dois para dormir. Isto parece-se muito com amor romântico. Quaisquer que sejam as distinções que possam ser feitas entre o amor de duas pessoas e o amor de dois animais, a essência frequentemente parece ser a mesma. A capacidade de amar poderá eventualmente ter evoluído porque os animais que a detinham terão sido mais bem sucedidos - ou seja, deixado um maior número de crias - que os animais que não a possuíam. Mas esta capacidade de amar é flexível. O instinto pode fazer com que o animal ame, mas não define quem é que ele vai amar, apesar de dar fortes indícios. Esta capacidade é que vai instruir o animal a proteger e cuidar as suas crias, mas não identifica as crias. Os seres humanos não são assim tão diferentes. Um animal criado por outras espécies muitas vezes desejará um membro dessa espécie como companheiro quando cresce. Um pássaro, se for do tipo dos que formam casais, poderá ter a capacidade de amar uma companheira. Também poderá dispor de instintos muito específicos para a cortejar de determinadas formas. Quando Tex, uma garça azul fêmea alimentada à mão por seres humanos estava pronta a acasalar, rejeitou todas as garças macho. Em vez disso, sentia atracção por "homens caucasianos de altura média e cabelos escuros". Uma vez que as garças azuis se encontram tão próximas da extinção, foi considerado vital levar Tex a atingir as condições ideais de procriação por forma a que pudesse ser artificialmente inseminada. Para tal, o director da Fundação Internacional para as Garças, George Archibald, um caucasiano de cabelos escuros, passou diversas semanas cortejando Tex. "Os meus deveres consistiam em infindáveis horas de `só estar ali', diversos minutos de dança bem cedo pela manhã e novamente ao fim do dia, grandes passeios em busca de minhocas, construção do ninho e a defesa do nosso território contra os seres humanos. (...)" Este esforço foi bem sucedido e finalmente teve como resultado uma cria de garça. Se a dança e a construção de ninho das garças são padrões de acções fixas, o amor parece ser um impulso mais difuso. A garça cometeu um erro apesar de não ser por culpa própria. Se Tex tivesse sido criada entre garças, ela ter-se-ia apaixonado por uma, tal como o fazem a maioria das garças. Se George Archibald tivesse sido criado por garças, por quem se apaixonaria ele? Tibby, uma lontra descrita no livro de Gavin Maxwell, Raven, Seek Thy Brother ("Corvo, Procura o Teu Irmão"), foi criada por um homem que vivia numa ilha na costa da Escócia e que andava apoiado em muletas. Ao ficar gravemente doente, levou Tibby a Maxwell e pediu-lhe para

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tomar conta dela. O homem morreu pouco tempo depois e nunca mais voltou para a buscar. Tibby não gostava da vida no recinto que Maxwell lhe tinha arranjado e ganhou o hábito de fugir e fazer visitas à aldeia mais próxima. Foi ali que encontrou um homem com muletas e decidiu ir viver com ele. Tibby tentou construir um abrigo sob a casa deste mas o homem mandou-a embora. Algum tempo depois, Tibby desapareceu. Um dia, Maxwell recebeu um telefonema de uma pessoa assustada pelo comportamento estranho de uma lontra que tentava mesmo segui-lo para dentro de casa. Maxwell escreveu, "Num lampejo de inspiração perguntei-lhe: `Por acaso o senhor não usa muletas?' `Sim,' respondeu o homem com grande admiração na voz, `mas como diabo é que você sabe?"' Tibby podia ter uma fixação nos seres humanos que usassem muletas ou podia apenas gostar dessas pessoas porque lhe recordavam o homem carinhoso que desaparecera da sua vida. Apesar de geralmente acreditarmos que as outras pessoas podem e sentem amor, estamos às vezes particularmente cépticos em relação a um ser humano específico amar outro, independentemente do que ele diga. Existem pais que não gostam dos filhos, algumas crianças odeiam os pais, ou alguns maridos e mulheres ou irmãos e irmãs que não gostam uns dos outros. Contudo, continuamos a acreditar - a saber nos nossos corações - que existem pais, crianças, esposas e irmãos que amam. Tem todo o sentido utilizar o mesmo padrão para os animais. Porque é que a ideia do amor nos animais tem sido tão negligenciada? Porque é que estamos reduzidos às explicações francamente entediantes apresentadas pela abordagem evolucionista? Esta é a interpretação ensinada nas universidades, onde as suas implicações mais amplas são praticamente ignoradas. Dá a ideia que quanto mais elaboradas forem as tarefas paternais desempenhadas por um animal, mais vantajoso será existir uma emoção envolvente - tal como o amor - a conduzi-las. Se o comportamento parental se limita apenas a evitar comer as crias, não é necessária uma grande envolvente emocional. Mas já alimentá-las, lavá-las e arriscar a própria vida por elas - ou (talvez ainda mais difícil) deixar que elas mordam, roubem o próprio jantar e aturar o seu ruído - só por força de um grande amor, pelo menos nessa fase. Contudo, segundo a análise biológica, o amor, independentemente da forma como seja sentido, é principalmente um mecanismo através do qual as gerações seguintes são produzidas. Em vez de uma razão para a sua existência, isto traduzir-se-ia apenas numa das funções para que serve. As declarações "científicas" acerca do amor têm captado muito pouco da sua essência. O amor entre duas mulheres, entre um homem e o seu pai, entre pessoas e os animais que com elas coabitam e de animal para animal, raramente é iluminado pela ciência, sendo mais frequentemente tema de cogitação e enlevo em declarações pessoais, poemas, novelas e cartas. Libertando-nos da tirania de uma explicação puramente biológica, poderemos alargar os nossos horizontes. O amor entre animais poderá surgir como tão misterioso e desconcertante tal como o tem sido o amor entre seres humanos ao longo dos séculos.

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O Pesar, a Tristeza e os Ossos dos Elefantes

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Nas Montanhas Rochosas, a bióloga Marcy Cottrell Houle procedia à observação de um ninho de um casal de falcões peregrinos, Arthur e Jenny, enquanto ambos se encontravam atarefados a alimentar as suas cinco crias. Uma manhã, apenas o falcão macho regressou ao ninho. Jenny não voltou a aparecer e o comportamento de Arthur foi-se alterando acentuadamente. Ao regressar com comida, esperava ao pé do ninho pelo menos durante uma hora antes de voltar a partir para nova caçada, coisa que até aí nunca tinha feito. Arthur chamava repetidamente e mais uma vez aguardava a resposta da companheira ou então espreitava para dentro do ninho emitindo um hicap (Nota 25) interrogativo. Marcy Houle teve de se reprimir para não interpretar este comportamento como de expectativa e desapontamento. Jenny não apareceu nem no dia seguinte nem no outro também. No final do terceiro dia, empoleirado no ninho, Arthur emitiu um som não familiar, "um grito semelhante ao queixume estridente de um animal ferido, o lamento de uma criatura em sofrimento". A bióloga, muito impressionada, escreveu: "A tristeza contida no seu clamor era inegável; depois de o ter ouvido nunca mais duvidarei de que um animal possa sofrer emoções que nós, seres humanos, acreditamos pertencerem apenas à nossa espécie." Após dar esse grito, Arthur permaneceu imóvel no rochedo e não se mexeu durante todo o dia. No quinto dia do desaparecimento de Jenny, Arthur empreendeu uma caçada frenética trazendo comida às crias do nascer ao pôr-do-Sol, sem sequer parar para descansar. Antes de Jenny ter desaparecido os seus esforços não se revestiam de um tal frenesim; Houle observou que nunca mais viu um falcão a trabalhar de forma tão incessante. Quando os biólogos subiram até ao ninho, uma semana após o desaparecimento de Jenny, descobriram que três das crias tinham morrido de fome, mas as outras duas tinham sobrevivido e continuavam a desenvolver-se graças aos cuidados do pai. Houle soube mais tarde que Jenny provavelmente teria sido abatida. Os dois pequenos falcões sobreviventes conseguiram criar-se com sucesso. É impossível predizer a que grau de profundidade seremos afectados pela morte de alguém que nos é muito próximo. Por vezes as pessoas não evidenciam reacções externas, mas as suas vidas estão completamente destruídas. Talvez não sintam nada a nível consciente, ou até sintam alívio, quando por dentro estão completamente devastadas e talvez até nunca mais consigam recuperar. Os sinais exteriores de pesar indicam algo, mas podem não dizer tudo. A introspecção poderá revelar outras coisas também, mas pode igualmente induzir em erro. Confrontada com a profundidade da tristeza humana, a curiosidade científica deveria ser temperada com humildade: ninguém, e muito menos o psiquiatra de orientação somática (que receita remédios para a desgraça) pode falar com qualquer autoridade sobre a sua fonte, duração ou patologia. Diante das permutas de pesar e tristeza dos não-humanos, será necessária uma humildade ainda maior. Quando os não cientistas se referem à tristeza animal, a prova mais comum que dão é o comportamento de um dos membros de um casal quando o seu (ou sua) companheiro(a) morre, ou o comportamento de um animal de estimação quando o seu dono morre ou parte. Este tipo de pesar é considerado e respeitado, contudo existem muitos outros pesares que acontecem sem que ninguém se aperceba - a vaca separada da sua vitela e o cão deliberadamente abandonado. Estes são outro tipo de pesares que os seres humanos nunca vêem: lamentos que ninguém ouve na floresta, como rebanhos em montanhas remotas cujas perdas são desconhecidas.

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O Luto de um Amor Perdido

Foi possível observar animais selvagens evidenciando pesar pela morte de um companheiro. Segundo o naturalista Georg Steller, o actualmente extinto manatim (Nota 26) baptizado com o seu nome era uma espécie monogâmica, em que a família era habitualmente constituída por uma fêmea, um macho e duas crias de idades diferentes: "uma cria mais velha e uma pequenina e amorosa." Steller, naturalista de bordo, teve ocasião de observar que, quando a tripulação do barco matou uma fêmea cujo corpo foi dar à praia, o macho regressou ao pé do cadáver durante dois dias consecutivos "como se andasse à procura dela". Tal como demonstrado pelo destino dos três pequenos falcões peregrinos, a manifestação de sinais exteriores de pesar pode ser desastrosa para um animal selvagem. Não existe qualquer valor de sobrevivência em não comer, na melancolia ou nas manifestações de pesar. Enquanto que o amor pode rapidamente ser reduzido à função evolucionista (para quem tenha essa orientação), o desgosto pela perda de alguém amado - Outra expressão de amor - muitas vezes ameaça a sobrevivência. Assim, o pesar requer uma explicação nos seus próprios termos. A mágoa da privação é facilmente observável nos animais de estimação ou em cativeiro. Elizabeth Marshall Thomas faz-nos um relato comovedor de Maria e Misha, dois huskies que tinham formado uma ligação como casal, quando os donos de Misha decidiram dá-lo. Tanto ele como Maria se aperceberam de que algo de muito errado se passava quando os seus donos o vieram buscar pela última vez, por isso Maria debateu-se para tentar segui-lo para fora de casa. Ao ser impedida, a cadela correu para o banco por baixo da janela e com as costas voltadas para a sala viu Misha entrar no carro. Depois desse dia, permaneceu à janela durante semanas, sempre sentada ao contrário no assento, com o focinho virado para a janela e a cauda para a sala, espreitando e esperando por Misha. Finalmente, Maria deve ter compreendido que ele não ia voltar para casa. Algo se passou com ela nesse preciso momento. Perdeu todo o seu fulgor e passou a estar muito deprimida. Andava mais lentamente, evidenciava uma menor responsabilidade e aborrecia-se muito facilmente por coisas a que antes nem teria dado importância. (...) Maria nunca se recompôs da sua perda e apesar de não ter perdido o seu lugar como fêmea alfa, nunca mais mostrou interesse em formar uma ligação permanente com mais nenhum macho. (...) Maria sabia que tinha perdido Misha. O seu comportamento é uma reminiscência do pesar humano por uma separação permanente e a perda de alguém amado. Os lobos e coiotes - de quem os cães são parentes próximos - também formam casais. As condições em que os cães são mantidos são muito diferentes daquelas em que vivem os canídeos selvagens. Provavelmente o comportamento dos cães poderá ser mais flexível do que se supunha, mais fortemente ditado pelas condições que os seres humanos lhes proporcionam. Apesar de tanto o cão como a cadela se terem tornado símbolos de promiscuidade para muitos seres humanos, este comportamento teve origem na forma como os seres humanos os criam e mantêm. Não é intrínseco à sua natureza. Podemos assim questionar-nos quanta da chamada sexualidade "natural" humana não será igualmente produzida por condições e expectativas sociais Alguns animais que não formam pares no seu habitat natural são alojados aos pares em cativeiro e criam uma forte ligação entre si. Na maior parte dos casos o par é o único companheiro que esse animal possui. Akman e Alle, dois

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cavalos de circo, foram colocados juntos no estábulo. Não tinha sido observada qualquer ligação especial entre eles até se dar a inesperada morte de Ackman. Alle "gemia continuamente". A égua praticamente não dormia nem comia. Para a procurar distrair, retiraram-na desse estábulo, colocaram-na junto de novos companheiros e proporcionaram-lhe uma alimentação especial. Foi igualmente examinada e medicada, para o caso de estar doente. No espaço de dois meses, a égua definhou até à morte. Dois golfinhos kiko do Pacífico, de um parque aquático no Hawai, Kiko e Hoku, durante anos evidenciaram uma devoção mútua, procurando tocar-se habitualmente um ao outro com as barbatanas enquanto nadavam no seu tanque. Quando Kiko morreu subitamente, Hoku deixou de comer. O macho nadava lentamente em círculos, com os olhos fechados "como se não quisesse olhar para um mundo onde não se encontrasse a Kiko", escreveu a treinadora Karen Pryor. Foi-lhe arranjada uma nova companheira, Kolohi, que nadava ao seu lado e o acariciava. Finalmente ele abriu os olhos e voltou a comer. Apesar de ele ter acabado por se afeiçoar a Kolohi, os observadores consideram que ele nunca teve com esta fêmea uma ligação idêntica à que tivera com Kiko. Muito embora a interpretação de que Hoku não queria ver um mundo onde não existisse a Kiko não seja mais do que uma especulação, é indiscutível que Hoku evidenciou um grande desgosto. Os investigadores que apanharam um golfinho fêmea preso num anzol e a colocaram num tanque de apoio, logo começaram a desesperar pela sua vida. Pauline, assim foi designada, não conseguia sequer manter-se direita e tinha de ser sustentada constantemente. No terceiro dia do seu cativeiro, foi capturado um golfinho macho que colocaram no mesmo tanque. Isto animou-a bastante; o macho ajudava-a a nadar, por vezes empurrando-a até à superfície. Pauline parecia estar a fazer uma recuperação total quando subitamente, ao cabo de dois meses, morreu devido a um abcesso provocado pelo anzol. A partir daí, o macho recusou-se a comer e veio a morrer três dias mais tarde. A autópsia revelou a perfuração de uma úlcera gástrica, certamente agravada pelo seu jejum de consternação. Seria o fim da maioria das espécies se cada animal consternado morresse de desgosto. Estes casos devem ser extremos e pouco habituais. Morrer de desgosto não é a única prova de amor e afecto entre animais, mas estes incidentes vêm trazer luz sobre um grau de emoções e diversas possibilidades emocionais. Os animais em meio selvagem também manifestam pesar pela perda de companheiros que não o seu par. Os leões não formam casais, contudo foi relatado o caso de um leão que permaneceu ao pé do corpo de outro, atingido a tiro e morto, lambendo-lhe a pele. Com maior frequência, os elefantes proporcionam exemplos excepcionalmente semelhantes aos sentimentos humanos. Cynthia Moss - investigadora que tem vindo durante anos a estudar os elefantes selvagens africanos - descreve mães elefantas que parecem de perfeita saúde mas que se tornam letárgicas durante muitos dias após a morte da sua cria, arrastando-se atrás do resto da família. Um observador deparou-se um dia com uma manada de elefantes africanos rodeando a matriarca moribunda enquanto esta oscilava e caía no chão. Os outros elefantes apinharam-se à sua volta, tentando desesperadamente pô-la de novo em pé. Um jovem macho tentou erguê-la com as presas, colocou comida na sua boca e até tentou montá-la sexualmente, tudo em vão. Os outros elefantes tocavam-na com as trombas, uma cria ajoelhou-se e tentou mamar. Finalmente o grupo afastou-se, mas uma fêmea e a sua cria ficaram para trás. Essa elefanta, que estava de costas voltadas para a matriarca morta, de vez em quando esticava uma pata para lhe tocar. Os outros elefantes chamaram-na. Por fim, ela afastou-se lentamente. Cynthia Moss descreve o comportamento de uma manada de elefantes rodando em círculos à volta de um

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companheiro morto "desconsoladamente por diversas vezes, e se o animal caído permanece imóvel, param de uma forma ambígua. Encontram-se todos virados para o lado de fora do círculo, com as trombas pendentes. Passado um bocado poderão agitar-se e voltar novamente a rodar em círculos e mais uma vez parar, virados para fora". Finalmente - certamente quando é óbvio para eles que o elefante está morto - "arrancam ramos e tufos de erva da vegetação que os rodeia e deitam-na por cima e à volta do cadáver". A posição dos animais parados virados para fora sugere que os elefantes possam considerar essa visão dolorosa; talvez eles queiram estar por perto mas entendam ser uma intromissão observar um tal sofrimento; talvez este ritual tenham um significado que nós ainda não conseguimos entender. Antigamente acreditava-se que os elefantes se retiravam para morrer em cemitérios especiais para elefantes. Tendo sido provado não ser verdade, Moss especula que os elefantes possuem realmente um conceito de morte. Manifestam um grande interesse por ossos de elefante, e nenhum pelos ossos de outras espécies. A sua reacção relativamente a ossos de elefantes é tão previsível que os operadores de câmara não têm qualquer dificuldade em filmar elefantes a examinar ossos. Cheiram-nos, viram-nos, passam as trombas pelos ossos, chegam a agarrá-los, a senti-los e por vezes a transportá-los com eles durante uma certa distância antes de os largarem. Demonstram o maior dos interesses em esqueletos e presas. Moss põe a hipótese de eles estarem a tentar reconhecer o indivíduo em causa. Uma vez esta investigadora levou o maxilar de um elefante morto - uma fêmea adulta - para o seu campo, para procurar determinar a sua idade exacta. Umas semanas após a morte desta elefanta, a família passou por acaso pela zona do acampamento. A manada fez um desvio para poder velar e examinar o maxilar. Muito depois dos outros terem partido, a cria de sete anos dessa elefanta deixou-se ficar para trás, tocando o maxilar e virando-o com as suas patas e tromba. Não podemos deixar de concordar com a conclusão de Cynthia Moss de que a cria estava a recordar a mãe - talvez lembrando os contornos da sua face. Ele sentia-a ali. Parece óbvio que é a memória da cria a trabalhar neste caso. Quer este animal tenha experimentado um sentimento de nostalgia melancólica, pesar, ou talvez alegria ao recordar a mãe, quer tenha sido motivado por alguma experiência emocional que nós somos incapazes de identificar, será contudo difícil negar que estavam envolvidos alguns sentimentos. Tendo por base o seu comportamento, os sentimentos dos chimpanzés de Gombe (Nota 27) que testemunharam um dos seus cair e morrer, afiguram-se igualmente complexos. Três pequenos grupos de chimpanzés, na sua maioria machos, mas incluindo uma fêmea em cio, tinham-se reunido quando Rix, um macho adulto, caiu de repente numa ravina rochosa e partiu o pescoço. A reacção foi um pandemónio imediato - macacos aos gritos, investindo, exibindo-se, abraçando-se, copulando, atirando pedras, ladrando e choramingando aparentemente sem nexo. Finalmente, começaram a acalmar-se. Durante diversas horas os chimpanzés reuniram-se à volta do animal morto. Aproximaram-se e examinaram o corpo de Rix em silêncio, subiram para ramos de árvore para disporem de um melhor ponto de observação. Mas nunca lhe tocaram. Um macho adolescente, Godi, parecia particularmente afectado, choramingando e gemendo repetidamente enquanto contemplava Rix. Godi mostrou-se muitíssimo agitado quando diversos machos maiores se aproximaram muito do corpo. Decorridas algumas horas os chimpanzés foram-se embora. Antes de partir, Godi inclinou-se por cima de Rix e olhou-o fixa e atentamente antes de correr atrás dos seus companheiros. Durante este episódio os chimpanzés iam proferindo repetidamente o grito "wraab ", habitual quando os chimpanzés são perturbados por seres humanos estranhos ou pelo búfalo do Cabo, mas igualmente

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quando vêem um chimpanzé ou um babuíno morto. Numa ocasião os chimpanzés fizeram "wraabs" durante quatro horas após terem testemunhado a morte de um babuíno ferido numa luta com outros da sua espécie. Uma chimpanzé do jardim Zoológico de Arnhem, a quem muito confusamente foi dado o nome Gorila, teve diversas crias que morreram apesar dos seus extremosos cuidados. De cada vez que um bebé lhe morria, ficava visivelmente deprimida. Gorila sentava-se toda encolhida num canto durante semanas, ignorando os outros chimpanzés. Às vezes desatava a gritar. Esta história teve um final feliz: Gorila tornou-se numa mãe bem sucedida quando lhe foi entregue o cuidado de Roosje, um bebé chimpanzé de dez semanas, a quem ela aprendeu a dar biberon.

Solidão

A solidão parece afectar os animais que vivem em grupos sociais ou familiares. É provavelmente um factor que pode causar a morte de diversos animais em cativeiro. Para os castores em cativeiro, por exemplo, a presença ou ausência de um companheiro é um importante factor em termos de sobrevivência. Um biólogo da vida selvagem observou que as crias de um ano "se não tiverem companheiros, poderão simplesmente ficar sentadas no sítio exacto onde foram colocadas, até morrer". A solidão, um resultado frequente do confinamento e domesticidade, pode muitas vezes ser observada em animais em cativeiro. Um castor selvagem que se encontrasse só provavelmente partiria em busca de outros castores. Os animais procuram-se uns aos outros mais do que os biólogos antigamente supunham, talvez numa tentativa de evitar sentimentos de tristeza, solidão e mágoa. Nalgumas espécies, os machos "expulsos do ninho" pelas mães formam grupos masculinos. Os elefantes machos africanos reúnem-se em grupos em "áreas de solteiros". Muitos animais são habitualmente descritos como solitários, mas estudos de campo rigorosos realizados sobre animais famosos pela suas naturezas solitárias - tigres, leopardos, rinocerontes e ursos - revelam frequentemente que estes passam muito mais tempo em associações com outros do que previamente se pensava. O gato-selvagem europeu e o gineto são consideradas espécies solitárias, em que a fêmea e o macho copulam, separam-se e depois as fêmeas educam as crias sozinhas. Nos jardins Zoológicos, contudo, a fêmea e o macho são enjaulados em pares, com resultados interessantes. Habitualmente, o macho é retirado antes do nascimento das crias, para evitar que as possa magoar. No entanto, no Zoo de Cracóvia esta precaução foi omitida e em vez de atacar as crias o gato selvagem trazia a sua própria comida para a entrada da toca, e enquanto produzia uns sons persuasivos. De igual forma, no Zoo de Magdeburgo, o pai gato selvagem guardava a toca dia e noite e, apesar de habitualmente ser pacífico, atacava o tratador se este se aproximasse demasiado. Também trazia comida para a toca e quando as crias já tinham idade suficiente para sair e brincar, ele silvava e ameaçava qualquer passeante do Zoo que sobressaltasse os seus filhotes. Os ginetos do Zoo de Frankfurt também levavam uma surpreendentemente carinhosa vida familiar. O macho não só trazia comida como também se aninhava na toca com o resto da família. Era um pai tão conscencioso que se ele se encontrasse fora da toca e a fêmea saísse igualmente evidenciava uma grande ansiedade e recolhia-se para dentro da toca com as crias. Possivelmente estas espécies são menos

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solitárias do que aquilo que se julga ou talvez se trate apenas de mais uma demonstração da flexibilidade do comportamento animal. Paul Leyhausen, que observou estes felinos, especulou que apesar de os machos no habitat selvagem poderem não ter nada a ver com as companheiras e crias, em cativeiro podem estar "sujeitos a estímulos que despertam padrões comportamentais habitualmente adormecidos". Se é assim, poderemos ser levados a cogitar se um gineto que vagueie ao pé de um ribeiro ou através de uma floresta do sudoeste asiático nunca seja atingido por uma pontada desses padrões habitualmente adormecidos e se sinta só.

Aprisionamento

Mesmo quando os animais em cativeiro não estão confinados em solitário, o seu aprisionamento pode torná-los tristes. Diz-se muitas vezes sobre os animais dos zoológicos que a forma de ver se estão contentes é reparar se os jovens brincam e os adultos procriam. A maioria dos tratadores não aceita este padrão de felicidade. Tal como Jane Goodall referiu: "Mesmo em campos de concentração nasceram bebés e não existe qualquer razão que nos leve a acreditar que seja diferente no caso dos chimpanzés." O cativeiro é indiscutivelmente mais doloroso para alguns animais do que para outros. Os leões parecem evidenciar uma menor dificuldade em lidar com a situação de estarem estendidos ao Sol todo o dia do que os tigres, por exemplo. Contudo, mesmo os leões podem ser vistos em diversos zoológicos andando incessantemente para a frente e para trás, em movimentos estereotipados observados em inúmeros animais cativos. O conceito de funktionslust, a alegria decorrente das próprias capacidades, também sugere o oposto, o sentimento de frustração e infelicidade que invade um animal quando as suas capacidades não podem ser expressas. Se um animal desfruta com a utilização das suas capacidades naturais, é também possível que o animal sinta a falta de as poder pôr em prática. Apesar de uma tendência gradual na construção e concepção dos zoológicos, de fazer com que as jaulas se assemelhem mais ao habitat natural, a maioria dos animais dos jardins zoológicos, especialmente os de maior porte, tem muito poucas ou nenhumas oportunidades de usar as suas capacidades. As águias não têm espaço para voar, as chitas não têm espaço para correr, os bodes só têm um simples pedregulho ao qual trepar. Não há razão para não supor que a vida num zoo seja uma fonte de tristeza para a maioria dos animais ali prisioneiros, tal como pessoas refugiadas em tempo de guerra. Seria reconfortante poder acreditar que eles são felizes ali, encantados por receber cuidados médicos e gratos por terem assegurada a refeição seguinte. Infelizmente, na maioria dos casos, não existem provas que nos façam supor que são felizes. Grande parte deles aproveita a primeira oportunidade que tenha para fugir. A maioria não se reproduzirá. Provavelmente gostariam de ir para casa. Alguns animais em cativeiro morrem de tristeza quando são retirados do seu habitat selvagem. Muitas vezes essas mortes parecem atribuíveis a doenças, talvez porque um animal sob grande stress se torne vulnerável à doença. Já outras são muito obviamente mortes por desespero - quase suicídios. Os animais selvagens podem recusar-se a comer, matando-se da única forma que lhes é permitida. Não sabemos se eles têm consciência de que morrerão se não comerem, mas é indiscutível que eles ficam extremamente infelizes.

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Em 1913, asper Von Oertzen descreveu a morte de um jovem gorila exportado para a Europa: "Hum-Hum tinha perdido toda a alegria de viver. Ela conseguiu manter-se viva até Hamburgo e daí até ao Parque Animal de Stellingen, com todos os que dela cuidavam, mas a sua energia já não regressou. Evidenciando sinais da maior tristeza de espírito, Hum-Hum chorava o seu passado feliz. Não foi possível detectar qualquer doença fatal, aconteceu o mesmo que sempre acontece com estes animais tão dispendiosos: `Morreu de desgosto." Os mamíferos marinhos possuem um elevado índice de mortalidade em cativeiro, facto nem sempre aparente para os visitantes dos parques aquáticos e oceanários. Uma baleia piloto, muito célebre num oceanário, era na realidade nada menos que treze baleias diferentes, sendo cada uma delas sucessivamente apresentada ao público pelo mesmo nome, como se tratasse do mesmo animal. Basta reflectir um pouco para ver a grande diferença na vida dos mamíferos marinhos quando conservados num oceanário. As orcas chegam a atingir sete metros de comprimento e a pesar quatro toneladas e percorrem centenas de milhas por dia. Nenhuma jaula e certamente nenhuma das piscinas às quais estão confinadas em qualquer oceanário lhes poderão trazer satisfação - e isto, deixando de lado o aspecto da alegria. Calcula-se que estes animais possuam uma esperança de vida tão longa como a nossa. Contudo, no Sea World de San Diego - oceanário que detém o melhor índice de conservação de orcas vivas - elas duram em média onze anos. Se o tempo de vida de alguém fosse encurtado desta forma, será que se falaria de felicidade? À questão de se os seus animais eram felizes, diversos treinadores de mamíferos marinhos responderam que sim: eles comiam, tinham relacionamento sexual (é raríssimo uma orca procriar em cativeiro) e quase nunca estavam doentes. Estas afirmações podem significar que os animais não estão deprimidos, mas significarão também que são felizes? O facto de as pessoas colocarem constantemente esta questão é um indicativo de mal-estar, talvez mesmo de uma culpa profunda por sujeitar estes alegres viajantes do mar a um confinamento não natural. É difícil determinar quais os animais que mais sofrem em cativeiro. As focas costeiras muitas vezes crescem em oceanários e jardins zoológicos. As focas monge do Havai morrem quase invariavelmente - umas vezes recusam-se a comer, outras vezes sucumbem à doença. De uma forma ou de outra, tal como referiu um observador, "a melancolia apossa-se delas até à morte". A questão dos efeitos do cativeiro chegam a ser dolorosas quando se consideram os animais que não podem viver em mais nenhum sítio porque o seu habitat desapareceu - como é o caso de um crescente número de espécies - ou porque se encontram fisicamente incapacitados. Quando ficaram menos de uma dúzia de condores da Califórnia em habitat selvagem, surgiu uma grande controvérsia quanto à captura dos restantes animais para criação em cativeiro ou a deixar que a espécie morresse em liberdade, sem ter de passar pela ignomínia do cativeiro. O condor é uma ave planadora das alturas que consegue facilmente voar 80 quilómetros por dia, um tipo de vida que dificilmente pode ser simulado numa gaiola. Finalmente, as aves acabaram por ser capturadas e assim, durante algum tempo não existiram condores da Califórnia no seu meio natural. Desde então, as aves criadas em cativeiro tem sido libertadas numa tentativa de repovoamento da espécie. O facto de os animais poderem estar tristes deverá primeiro ser reconhecido, antes de ser estudado e compreendido. Os tratadores dos zoológicos perguntam se os animais estão saudáveis e se estão em condições de reproduzir, mas raramente se interrogam, "O que tornaria este animal feliz?" Assim como os estudos conduzidos pelos comportamentalistas animais não tem prestado grande ajuda. O Oxford Dictionary of Animal Behaviour observa: "Parece ser razoável admitir que os animais se possam sentir angustiados por não serem

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capazes de comer e beber, mexer as patas, dormir e ter uma interacção social com os seus companheiros, mas a dificuldade de definir angústia de uma forma objectiva e convincente tem sido um obstáculo à criação de legislação sobre o bem-estar animal mesmo em países em que existe um interesse público assinalável relativamente à forma como os animais são tratados."

Depressão e Impotência Adquirida

Nos seres humanos, a tristeza extrema é designada por depressão. De acordo com a utilização dada por psiquiatras e psicólogos, a depressão é um diagnóstico generalizado, que se refere a um estado de melancolia resultante de diversas fontes. Na procura da validação do modelo médico de psiquiatria, os cientistas tentaram recriar animais clinicamente deprimidos em laboratório - para cuja finalidade os investigadores conseguiram dar aos animais infâncias fantasticamente infelizes. Entre as experiências mais amplamente relatadas na história do comportamento animal estão aquelas que o psicólogo Harry Harlow praticou em macacos rhesus: os macacos bebés sob a sua égide que preferiram as mães falsas macias e que podiam abraçar às mais duras, de arame, mesmo sendo só as de arame que forneciam leite, são famosos e têm sido utilizados como prova de que os estudos psicológicos em animais - de facto, formas de tortura - podem levar os seres humanos a conhecer melhor as suas emoções. Apesar de o estudo sugerir que os sentimentos de segurança transmitidos pela mãe podem ser ainda mais importantes do que o seu valor de sobrevivência, esta experiência medonha não deixa de ter sido extremamente cruel a nível emocional, bem como totalmente desnecessária para provar este facto. Outros macacos resus de seis semanas de idade, foram colocados sozinhos na "câmara da depressão", ou câmara vertical, um compartimento de aço inoxidável concebido para reproduzir um "poço de desespero" psicológico. Os quarenta e cinco dias de confinamento solitário na câmara deram origem a macacos permanentemente afectados. Mesmo decorridos diversos meses sobre a experiência, esses macacos que tinham passado pela câmara continuavam apáticos, indiferentes e praticamente associais, encolhendo-se num canto e abraçando-se a eles mesmos. Não há qualquer tipo de aquisição de conhecimentos nem comprovação de nenhuma teoria que possam justificar um maltrato como este. De igual forma, cães, gatos e ratos a nível laboratorial foram induzidos a sentir um pessimismo global conhecido por "impotência adquirida". Numa experiência clássica, os cães eram presos por dispositivos de contenção e recebiam choques eléctricos em intervalos imprevisíveis. Não havia qualquer forma de fugir ao choque - nada que eles pudessem fazer poderia evitá-los ou diminuí-los. Seguidamente foram colocados numa câmara com divisões. Quando se fazia ouvir um determinado som, os cães tinham de saltar para o outro lado da câmara para evitar receber o choque. Diversos cães aprenderam rapidamente, mas dois terços dos canídeos a quem tinha sido administrados os choques sem escapatória permaneciam deitados, imóveis, ganindo e não esboçavam a mínima tentativa de lhes escapar. A sua experiência prévia tinha-lhes ensinado o desespero. Este efeito desaparecia ao cabo de alguns dias. Contudo, se os cães fossem sujeitos aos choques sem escapatória quatro vezes por semana, a sua "impotência adquirida" passava a ser permanente. O psicólogo Martin Seligman, principal investigador do

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estudo da impotência adquirida (e autor do best-seller Learned Optimism ["Optimismo Adquirido"]) defende que o animal que recebe o choque ao princípio está assustado, mas quando passa a acreditar que é inevitável, afunda-se numa depressão. Explicando como chegou ao conceito de realizar experiências sobre a impotência adquirida em animais Seligman cita a investigação de C.P. Richter durante os anos 50, "que concluiu que, para um rato selvagem, o facto de estar preso na mão de um predador como o Homem, sendo-lhe aparado os bigodes e depois colocado num tanque de água a ferver do qual era impossível conseguir fugir, produzia uma sensação de impotência no animal". A impotência adquirida tem sido experimentalmente produzida em seres humanos apesar de não através de choques eléctricos. Pessoas a quem são atribuídas tarefas que repetidamente são incapazes de realizar, rapidamente passam a acreditar que também não serão capazes de efectuar outras tarefas e por consequência realizam um mau desempenho, comparativamente àqueles que não tiveram de passar por uma sequência de falhanços. No mundo real, as mulheres espancadas podem não ser capazes de abandonar os seus agressores, apesar do risco de partir e não ter para onde ir se poder revestir da mesma importância que a percepção de que qualquer acção da sua parte no sentido de evitar um maltrato contínuo seja inútil. A pesquisa efectuada em animais, na realidade, não vem demonstrar absolutamente nada em relação aos seres humanos - o alegado objectivo para esta investigação - que não possa ser aprendido através de uma simples conversa com mulheres agredidas sobre as suas próprias vidas. Tendo conseguido produzir cães deprimidos, Seligman queria agora curá-los. Colocou cães "impotentes" na câmara e retirou a divisória para facilitar a sua passagem e evitar o choque, mas os cães desalentados não fizeram qualquer esforço para fugir e assim nem sequer descobriram que havia uma escapatória. Seligman entrou na câmara, chamou-os e ofereceu-lhes comida, mas os cães nem se mexeram. Finalmente, o investigador acabou por ter de arrastar os cães para a frente e para trás pelas trelas. Alguns animais tiveram de ser arrastados para frente e para trás duzentas vezes até perceberem que desta vez poderiam fugir aos choques eléctricos. De acordo com Seligman, a sua recuperação do estado de impotência adquirida foi completa e duradoura. Essa experiência, contudo, deverá ter produzido alguns efeitos permanentes nos animais. Muitos outros investigadores produziram estados de impotência adquirida nos seus laboratórios através de diversos meios, com alguns resultados perversos. Um investigador criou macacos rhesus em solidão, em jaulas de isolamento de paredes negras, desde a infância até aos seis meses, para induzir um "estado de impotência social". Seguidamente prendeu cada um destes jovens símios a um aparelho de contenção cruciforme e colocou-os durante uma hora por dia numa jaula com outros jovens macacos. Após um período de reserva inicial, os macacos que se encontravam soltos começaram a dar murros e cotoveladas nos macacos em contenção, puxando-lhes o pêlo, metendo-lhes os dedos nos olhos e forçando-os a manter a boca aberta. Os macacos presos tentavam-se debater mas não conseguiam escapar. Tudo o que podiam fazer era gritar. Após dois ou três meses submetidos a este tipo de abuso, o seu comportamento mudou. Deixaram de se debater, apesar de continuarem a gritar. E tal como o investigador observou: "Não tiravam partido das diversas oportunidades de morder o agressor que lhes introduzia, à força, dedos ou órgãos sexuais na boca." Estes macacos ficaram permanentemente traumatizados e tinham terror de outros macacos mesmo quando já não se encontravam presos. Tal como as outras experiências relatadas, esta distingue-se particularmente pela sua crueldade. Comparativamente, alguns seres humanos deprimidos tornaram-se assim por terem sido colocados em reclusão solitária durante grande parte da sua

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infância, ou por terem sido criados confinados à solidão e seguidamente torturados pelos seus iguais. De forma bastante estranha, o argumento apresentado pelos cientistas que conduzem este tipo de experiências tem sido que os animais são tão semelhantes a nós nos seus sentimentos que podemos aprender muito sobre a depressão humana através do estudo da depressão animal. Mas isto levanta uma importante questão ética que é colocada por muitos grupos de defesa dos direitos dos animais: Se os animais sofrem tal como nós, qual é a verdadeira justificação para estas experiências, efectuá-las não será um acto de puro sadismo? Indiscutivelmente pode-se fazer com que um animal fique extremamente infeliz, mas este facto poderia ser observado em condições de ocorrência natural, sem sujeitar criaturas sensíveis a uma crueldade sem sentido. Através de todas estas situações de pesar e tormento, os animais manifestam o seu desgosto nos seus movimentos, posturas e acções. Por vezes as vocalizações dos animais fornecem uma prova da sua tristeza. Os lobos parecem possuir um uivo específico de pesar ou de solidão que é diferente do habitual uivo de convívio. Outros animais foram observados gemendo, carpindo ou chorando. Quando Marchessa, uma fêmea gorila idosa, morreu, o macho de espáduas prateadas do seu grupo perdeu todo o cariz dominador e podia-se ouvi-lo frequentemente a choramingar - a única vez que foi ouvido um tal som emitido por um animal desta espécie. Estes dois gorilas selvagens poderão ter passado até trinta anos das suas vidas juntos. Um observador escreveu sobre os orangotangos: "Quando desapontados, os jovens espécimes habitualmente choramingam ou choram sem no entanto derramarem lágrimas." Ninguém sabe com certeza absoluta porque é que os seres humanos choram. Os bebés recém-nascidos choram, mas habitualmente sem lágrimas, até atingirem alguns meses de idade. Os adultos choram menos, e alguns adultos nunca derramam qualquer lágrima. As lágrimas foram classificadas em três tipos: lágrimas contínuas, que mantém os olhos humedecidos; lágrimas por reflexo, que expulsam objectos estranhos ou gases irritantes dos olhos; e lágrimas emocionais, as lágrimas de pesar, felicidade ou raiva. As lágrimas emocionais são diferentes porque contém uma percentagem mais elevada de proteínas do que as outras. Curiosamente, desde o estudo de Darwin sobre este assunto em 1872, o tema do choro tem sido pouco estudado, no entanto tem sido especulado que as lágrimas emocionais poderão revestir-se tanto de uma função social como de comunicação. Uma vez que é possível as pessoas sentirem uma grande infelicidade e não chorarem, também não é totalmente óbvio porque é que as lágrimas conseguem comunicar de uma forma tão eficaz. Poderá ser que a nossa reacção seja instintiva e talvez parte do respeito concedido às lágrimas decorra da possibilidade de serem apenas nossas. Considera-se que praticamente todas as secreções do corpo humano são nojentas (tais como as fezes, urina e muco) e a sua ingestão um tabu, com apenas uma excepção: as lágrimas. Este é o único produto corporal que pode ser singularmente humano e que por conseguinte não nos recorda o que temos em comum com os animais. Contudo, talvez não sejam só os seres humanos a ficar impressionados com as lágrimas. O chimpanzé Nim Chimpsky, que habitualmente procurava confortar as pessoas que lhe pareciam tristes, era particularmente carinhoso quando via lágrimas, que se apressava a limpar. Uma vez que Nim foi criado por seres humanos, pode ter aprendido a ligação entre lágrimas e infelicidade. Seria interessante descobrir se os animais que não tiveram a oportunidade de ganhar conhecimentos sobre as lágrimas respondem a estas como prova de tristeza nos seres humanos ou mesmo em outros animais. Facto que poderia ter resposta a nível experimental. Se um chimpanzé criado com outros chimpanzés visse outro que aparentasse estar a chorar com lágrimas, será que reagiria como o fez Nim? Se

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um chimpanzé habituado ao contacto com seres humanos visse uma pessoa chorar pela primeira vez, será que interpretaria o facto como um sinal de angústia? As lágrimas mantêm os olhos dos animais humedecidos. Os seus olhos também se enchem de lágrimas por acção de um agente irritante. As lágrimas podem correr dos olhos de um animal em sofrimento. Foram observadas lágrimas em olhos de animais tão distintos como um cavalo ferido e um papagaio recém-nascido. Uns animais são mais propensos a lágrimas do que outros. As focas, que não possuem canais nasolacrimais, para onde escorram as lágrimas, são particularmente aptas a ter lágrimas rolando pelas faces. Considera-se que as ajuda a arrefecer o corpo quando se encontram em terra. Charles Darwin, na pesquisa que antecedeu A Expressão das Emoções no Homem e no Animal, procurou provas de que os animais pudessem ou não libertar lágrimas emocionais. E lamentou-se: "O Macacus maurus que antigamente chorava de forma tão copiosa no jardim Zoológico teria constituído um excelente caso de observação; mas os dois macacos que agora lá se encontram - e que se consideram ser da mesma espécie - não choram." Darwin não foi capaz de observar animais derramando lágrimas emocionais e designou o choro como "uma manifestação característica do Homem". Darwin, contudo, anotou uma excepção: o elefante indiano. Foi-lhe relatado por Sir E. Tennant que alguns elefantes recém capturados no Ceilão (agora Sri Lanka), atados e mantidos imobilizados no chão, não manifestavam "qualquer outra indicação de sofrimento para além das lágrimas que lhe afluíam aos olhos e corriam incessantemente". Outro elefante capturado, ao ser atado, deixou-se cair para o chão "proferindo gritos abafados, e com lágrimas escorrendo-lhe pela face". Um elefante capturado foi também, geralmente, separado da sua família. Outros observadores no Ceilão asseguraram a Darwin que eles não tinham visto elefantes a chorar, e que os caçadores locais afirmavam que nunca tinham visto estes animais a chorar. Darwin, contudo, fez fé nas observações de Tennant, porque lhe foram confirmadas pelo tratador de elefantes do Zoológico de Londres que lhe contou que, por diversas vezes, tinha visto uma fêmea velha com lágrimas nos olhos quando o seu jovem companheiro foi retirado do recinto. Nos anos que passaram desde Darwin, o balanço das provas tem sido o mesmo: a maioria dos observadores de elefantes nunca os viram chorar - ou viram mas raramente, em situações em que os animais se encontravam feridos -, contudo alguns observadores reivindicam tê-los visto chorar sem estarem feridos. Um treinador de elefantes num pequeno circo americano contou ao investigador William Frey que o seu elefante, Okha, por vezes chora, mas que ele não faz a mais pequena ideia porquê. Okha às vezes derrama uma lágrima quando é repreendido, e pelo menos uma vez chorou enquanto passeava crianças. Ian Douglas-Hamilton, que passou diversos anos trabalhando com elefantes africanos, já viu elefantes a chorar, mas apenas quando feridos. Brotaram igualmente lágrimas dos olhos de Claudia, uma elefanta em cativeiro, durante o difícil parto da sua primeira cria. R. Gordon Cummings, um caçador da África do Sul do século XVIII, descreveu a morte do maior elefante macho que alguma vez tinha visto. Primeiro, deu-lhe um tiro no ombro para que o animal não conseguisse fugir. O elefante coxeou até uma árvore e encostou-se a ela. Decidindo contemplar o elefante antes de o matar, Cummings fez uma pausa para um café e então decidiu determinar experimentalmente quais eram os pontos vulneráveis do elefante. Decidido a isso, disparou vários tiros para diferentes pontos da cabeça. O elefante mexeu-se apenas o suficiente para tocar nas feridas provocadas pelas balas com a ponta da sua tromba. "Surpreendido e chocado por ver que estava apenas a atormentar e a prolongar o sofrimento da nobre criatura, que suportava todos estes tormentos com uma compostura tão dignificante", escreveu Cummings, o caçador decidiu

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acabar com ele e disparou por nove vezes para trás do ombro do animal. "Surgiram grandes lágrimas nos seus olhos, que ele abria e fechava lentamente; o seu porte colossal agitou-se convulsivamente e, caindo de lado, expirou." Este elefante deve ter estado numa situação de grande sofrimento, e esse facto por si só seria uma causa plausível para que derramasse lágrimas. Para além dos seres humanos, nenhum outro animal efectua experiências torturantes em outros animais. No seu livro Elephant Tramp ("O Elefante Andarilho"), George Lewis, um treinador de elefantes itinerante, relatou em 1955 que durante os anos em que trabalhara com elefantes apenas tinha visto um a chorar. Tratava-se de uma fêmea jovem e tímida de nome Sadie, que estava a ser treinada com outros cinco elefantes para actuar no Circo Robbins Brothers. Os respectivos desempenhos tinham sido ensinados aos elefantes com alguma rapidez porque o espectáculo teria início no espaço de três semanas, mas Sadie tinha dificuldade em entender o que se pretendia dela. Um dia, incapaz de perceber o que lhe mandavam fazer, a elefanta saiu da arena. "Trouxemo-la de novo e começámos a castigá-la por ser tão estúpida." (Com base nas informações que Lewis fornece noutro ponto do livro, provavelmente castigaram-na batendo-lhe na parte lateral da cabeça com um grande pau.) Para seu espanto, Sadie, que estava deitada, começou a soluçar violentamente e lágrimas escorreram-lhe dos olhos. Os estarrecidos treinadores ajoelharam-se ao pé de Sadie e afagaram-na. Lewis disse que nunca mais voltou a castigá-la e que ela acabou por aprender o seu papel e se tornou num "bom" elefante de circo. Os seus colegas domadores de elefantes - que nunca testemunharam tal ocorrência - evidenciaram um grande cepticismo. Mas os relatórios não se limitam aos comportamentalistas animais. Victor Hugo escreveu no seu diário a 2 de Janeiro de 1871: "On a abattu l'éléphant du Jardi des Plantes. Il a pleuré. On va le manger. " ["O elefante do jardim das Plantas foi abatido. Chorou. Vai ser comido."] Na índia, onde os elefantes têm sido mantidos desde há séculos, acredita-se vulgarmente que estes animais choram lágrimas emocionais. Conta-se que quando o conquistador Tamerlane capturou três mil elefantes numa batalha, foi colocado rapé nos olhos dos proboscídeos para que parecessem chorar a sua derrota. Douglas Chadwick soube de um caso de um jovem elefante indiano que verteu lágrimas quando foi repreendido por brincar de forma turbulenta e ter derrubado uma pessoa, e também de outro elefante que fugiu e quando foi encontrado pelo seu cornaca chorou juntamente com este. Ao observar crias de elefante órfãs em estabulação na Ásia, Chadwick constatou que uma delas estava a chorar. Um dos cornacas informou-o que os bebés choravam muitas vezes quando tinham fome e que estava quase na hora de estes serem alimentados. Mas, mesmo depois de ter comido, o pequeno elefante continuou a chorar. Os tratadores de elefantes dizem que os olhos destes animais se enchem de lágrimas com muita frequência, presumivelmente para os manter humedecidos. O fluido também pode ser proveniente das suas glândulas temporais, situadas entre os olhos e ouvidos. Mas ninguém que esteja familiarizado com elefantes se deixará confundir por estas afirmações. Possivelmente revestir-se-á de algum significado o facto de que diversos elefantes que libertam lágrimas estejam deitados, posição que não é habitual nestes animais. Talvez a posição impeça, de certa forma, a drenagem das lágrimas. Tanto quanto sabemos os elefantes frequentemente choram lágrimas de tristeza, mas se estiverem em pé, as lágrimas correm através dos canais nasolacrimais e pela parte interna das trombas. As lágrimas emocionais foram relatadas noutras espécies. O bioquímico William Frey, que estuda as lágrimas emocionais humanas, recebeu relatórios de cães - especialmente poodles - que vertem lágrimas em situações emocionais, tal como serem abandonados pelo dono, por exemplo.

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Mas, apesar de repetidos esforços, este investigador foi incapaz de confirmar estes factos em laboratório. Apenas os donos puderam testemunhar essas lágrimas e os poodles são uma raça caracterizada por um acentuado humedecimento da vista mesmo em situações de máxima alegria. Foi relatada a observação de focas adultas com lágrimas a escorrer dos olhos ao verem crias serem mortas à paulada por caçadores. Isto é indiscutivelmente verdade. Mas, considerando que as lágrimas rolam dos olhos das focas com muita frequência não pode ser considerado como prova de que se tratem de lágrimas emocionais. Suspeitou-se sempre que os castores choravam lágrimas emocionais. Os caçadores afirmam que um castor preso numa armadilha verte lágrimas, mas esses castores podem estar a chorar de dor. Contudo, um biólogo relatou que os castores também choram copiosamente quando apanhados à mão. Dian Fossey teve ocasião de constatar as lágrimas de Coco, uma gorila das montanhas órfã. Coco tinha três ou quatro anos quando toda a sua família foi morta diante dela, para concretizar a sua captura. A gorila tinha passado um mês numa pequena jaula antes de entrar na posse de Fossey e encontrava-se muito doente. Foi solta num recinto coberto mas com janelas. Quando Coco olhou pela primeira vez, através da janela do seu recinto, para o lado da montanha coberto de árvores, tal como a floresta onde tinha crescido, começou subitamente a "soluçar e a chorar lágrimas verdadeiras". Fossey afirmou que nunca - quer antes, quer depois - vira um gorila fazer algo assim. Montaigne, que poderá ter sido possivelmente o primeiro autor ocidental a expressar o seu desagrado pelas caçadas, escreveu no seu ensaio de 1580, "Sobre a Crueldade": No meu caso, nunca fui capaz de ver sem uma certa angústia um animal inocente, indefeso e que não nos causa qualquer mal, ser perseguido e morto. Tal como acontece frequentemente com o veado, sentindo-se ele mesmo sem fôlego e força, e sem outro remédio, se atira para trás e se rende a nós que o perseguimos, implorando-nos misericórdia através das suas lágrimas (...) espectáculo que a mim sempre me pareceu muito desagradável. No final, pouco importa se se trata de veados, castores, focas ou elefantes os que choram. As lágrimas não são a própria infelicidade, mas sim manifestações de infelicidade. As provas de pesar no comportamento dos outros animais são bem evidentes. É difícil pôr em dúvida que os elefantes soluçantes de Darwin não estivessem profundamente infelizes, mesmo que as suas lágrimas brotassem em virtude de causas mecânicas. Uma foca sente-se certamente triste quando a sua cria é morta, independentemente da questão dos olhos secos ou não. Tal como um psiquiatra não pode realmente saber quando é que uma pessoa cruza a fronteira da tristeza "normal" para o pesar "patológico", os seres humanos não podem afirmar que o universo da tristeza se encontra muito além das capacidades emocionais de qualquer animal. Tristeza, nostalgia, desalento são sentimentos que conhecemos por via da experiência directa; animais com quem lidamos intimamente mostram-nos os seus sentimentos paralelos nesse mundo obscuro. Se a ciência aceitar o desafio de procurar entender a infelicidade animal, mesmo a descrição mais rigorosa terá de ser complexa e subtil, deixando para trás as categorias grosseiras e as causalidades redutoras prevalecentes na psicologia da dor humana.

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Uma Capacidade para a Alegria

No alto mar, a frota pesqueira de atum rodeou um grupo de golfinhos fiandeiros, que nadavam por cima de um cardume de atuns, apanhando-os numa rede gigante. As lanchas pequenas, mas velozes, circundaram os animais criando um muro de som que desorientou e aterrorizou os golfinhos, que se afundaram silenciosamente na rede. Apenas o movimento dos olhos indicava quaisquer sinais de vida. Os biólogos que procuravam uma maneira de salvar os golfinhos olhavam para baixo desesperados. Mas quando um golfinho conseguiu passar por cima do rebordo com anéis de cortiça que marca o topo da rede, "ele sabia que estava livre. Atirou-se para a frente impelido por golpes poderosos e amplos da barbatana caudal (...) então [ele] mergulhou, nadando a toda a velocidade (... ) cada vez mais fundo e mais longe nas águas escuras, para depois emergir à superfície numa série de saltos consecutivos a grande altura". Ao relatar este episódio, o biólogo perito em golfinhos Kenneth Norris concentrou-se no estado dos golfinhos presos na rede, argumentando convincentemente que o seu comportamento não demonstrava apatia mas sim um medo profundo. Igualmente comovente é a alegria do golfinho que se consegue libertar saltando no ar e no mar. Os teóricos da alegria humana têm procurado dividi-la por categorias e analisar as suas causas em termos que vão desde "uma acentuada diminuição no declive do estímulo neurológico" até "àquilo que se obtém após um acto criativo ou socialmente benéfico que não tenha sido praticado com o intuito específico de obter alegria ou praticar o Bem". Estes teóricos tendem também a ignorar a eventualidade de os animais também se poderem sentir alegres. Não há ninguém que já tenha tido um cão ou um gato que ponha em dúvida o potencial de felicidade desse animal. A observação e a partilha da sua manifesta alegria é um dos grandes prazeres que as pessoas têm em relação aos animais. Vemo-los saltar ou correr, ladrar ou trinar, e traduzimos por palavras a sua alegria: "já estás em casa!"; "Vais-me dar de comer!"; "Vamos passear!" Tal como a felicidade humana sem inibições, o prazer é contagioso, por isso os animais de estimação vão servir como canalizadores de sentimentos prazenteiros. É raro encontrar uma pessoa tão manifestamente estática como um gato que espera a sua refeição ou um cão que aguarda o seu passeio. Se essa alegria não fosse mais do que uma mera fantasia de projecção antropomórfica, redundaria numa impressionante desilusão colectiva. A felicidade pode constituir uma recompensa, uma resposta ao prazer conferido pela concretização. Se um animal se sente bem pelo facto de fazer determinadas coisas que possuem um valor selectivo, certamente poderá afirmar-se que a felicidade tem um valor selectivo. Mas isto não quer necessariamente dizer que a felicidade só exista por possuir um valor selectivo. As árduas tarefas da sobrevivência - mesmo as de uma boa sobrevivência - não tornam uma série de gente feliz. Parte da felicidade reside muitas vezes na sua ausência de relação, ou mesmo na sua relação perversa, com qualquer fim racional, na sua total inutilidade. Existem boas provas de que os animais, tal como as pessoas, sentem esse tipo de alegria genuína. Um dos diversos sinais por meio dos quais é possível reconhecer a alegria nos animais é a vocalização. Os gatos domésticos são admirados por ronronarem, som que geralmente constitui um indicativo da sua satisfação, apesar de também poder ser utilizado para acalmar outro animal. Os grandes felinos também ronronam. As chitas ronronam bem alto quando se lambem umas às outras, e

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as crias ronronam quando descansam junto da mãe. Os leões ronronam, se bem que não com a mesma frequência do que os gatos caseiros, e apenas ao expirar o ar. Tanto os leões jovens como adultos possuem um suave zunido que manifestam em circunstâncias semelhantes - ao brincarem calmamente, quando esfregam o seu focinho contra o do companheiro, quando se lambem mutuamente ou ao descansar. Diz-se que os gorilas, quando estão contentes, cantam. O biólogo Ian Redmond relata que produzem um som - uma coisa situada entre o ganido de um cão e o canto humano - quando estão particularmente felizes. Num belo dia de sol, quando a procura de alimentos foi especialmente bem sucedida, os membros do grupo familiar comem, "cantam" e colocam os braços uns à volta dos outros. Os lobos, ao uivarem, podem estar a assinalar direitos territoriais ou a cimentar um relacionamento social, mas os observadores afirmam que isso também parece torná-los felizes. As crias de ursos pretos expressam as suas emoções com uma maior nitidez do que os adultos, afirma o biólogo Lynn Rogers. "Quando uma cria sente grande prazer, especialmente ao mamar, produz um som que eu designo por "som do conforto". Antes atribuía-lhe a designação de vocalização de aleitamento, até que os observei emitindo o mesmo som quando não estavam a mamar." E imitou o som, um guincho grave. "É um pequeno som de prazer que eles manifestam. Uma vez dei a um grande urso um pedaço de gordura quente. Ele pareceu gostar bastante. De facto, fez o mesmo som, mas num tom de voz mais grave. Por isso, não sei - será felicidade ou não? Será apenas conforto? De qualquer maneira, o animal estava satisfeito." A alegria pode ser expressa de forma silenciosa. Os observadores de quase todas as espécies animais rapidamente aprendem a conhecer a linguagem corporal de um animal satisfeito. Darwin citou as cabriolas de um cavalo solto na pastagem e os sorrisos de orangotangos e macacos quando acariciados. Numa carta particular faz um relato encantador da alegria animal: Há dois dias atrás, quando estava muito calor, fui à Sociedade Zoológica e pelo maior golpe de sorte, era a primeira vez este ano que o rinoceronte saía para o exterior. - Um espectáculo desta natureza raramente pode ser visto - um rinoceronte "aos pulos e às cangochas" (apesar de nenhum destes movimentos atingir grande altura) de alegria. - O elefante que se encontrava no recinto contíguo ficou muito admirado com as cabriolas do rinoceronte: aproximou-se da cerca e depois de olhar atentamente, ele próprio desatou a trotar com a cauda e tromba no ar, guinchando e barrindo tal como uma dúzia de cornetas desafinadas. Os sinais de felicidade não podem indubitavelmente ser mal interpretados. Um dos muitos factores que contribuem para o fascínio do golfinho-roaz é o seu permanente "sorriso", que se deve à forma dos seus maxilares mais do que a um estado emocional. Uma vez que os golfinhos não possuem mobilidade da face, eles "sorriem" mesmo quando estão furiosos ou melancólicos. Apesar disso o biólogo Kenneth Norris acredita que pessoas e golfinhos podem reconhecer a carga emocional contida em diversas manifestações mútuas. Ou seja, ambas as espécies conseguem reconhecer ou aprendem a reconhecer a amizade, a hostilidade ou o medo da outra espécie, mesmo não entendendo as vocalizações uns dos outros. E cita os latidos "peremptórios" de um golfinho fiandeiro, indicativos de uma postura dominante, comparativamente aos suaves estalidos que indicam um contacto amigável, muitas vezes entre macho e fêmea. A linguagem corporal das mães golfinho e humana com os respectivos bebés - segundo Norris - não só é comparável como também facilmente compreendida por ambas as espécies. Na Nova Inglaterra, com o chegar da Primavera, o gelo que cobria um lago de castores finalmente derreteu. Um castor macho e a filha de um ano mergulharam nele para observar o seu dique, "brincando aos golfinhos" pelo caminho, mergulhando por cima das costas um do outro.

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Seguidamente, nadaram juntos pela lagoa, rebolando, mergulhando, emergindo e dando saltos mortais, numa tal exibição de alegria, que mesmo quem não soubesse nadar facilmente a poderia identificar. Num exemplo de linguagem mais literal, o gesto correspondente a "feliz" foi ensinado a diversos macacos. Nim Chimpsky utilizava a palavra quando estava excitado, tal como quando lhe faziam cócegas. Koko, ao ser-lhe perguntado o que dizem os gorilas quando estão felizes, gesticulou "abraço de gorilas". Desconhecemos se Nim e Koko perceberiam a utilização recíproca do termo "feliz". Uma das críticas que é feita ao ensino da linguagem aos macacos é o facto de não serem, geralmente, ensinadas aos animais, com excepção da gorila Koko, palavras para expressar emoções, embora se afigure provável que eles queiram comunicar estados emocionais aos seus amigos e inimigos. Carolyn Ristau sugere: "Poderá valer a pena tentar ensinar a um chimpanzé a associação de gestos com esses estados mentais, tal como agressivo, assustado, com dores, com fome, com sede ou com vontade de brincar." Essas poderiam ser palavras que muito os interessariam. Num dia chuvoso em Washington, Mola e Tatu, dois chimpanzés que usavam linguagem gestual, tiveram a hipótese de sair para uma área de exercício. Moja, que detesta chuva, saiu mas escondeu-se num abrigo. Tatu trepou para uma estrutura de diversão e deixou-se estar à chuva exprimindo repetidamente o gesto "fora, fora, fora, fora, fora". Um observador afirmou: "Parecia exactamente que ela estava a cantar à chuva." Um comportamento igualmente expressivo designado por "dança de guerra" pode ser observado ao nível das cabras montesas e camurças. O animal empina-se, salta, investindo com os chifres, em rodopios. Um após outro todo o rebanho aceita o desafio. A dança de guerra das cabras ocorre com maior frequência no Verão, quando há abundância de comida. A visão de um monte de neve com um declive poderá dar início a uma dança de guerra e fazer com que o rebanho desate aos pinotes e piruetas, e deslize encosta abaixo, escoiceando a neve. Estes animais despendem tanta energia na sua dança que alguns deles foram vistos a executar duas rotações completas no ar num só salto. O que têm estas cabras para estar assim tão felizes? Não receberam notícias de uma herança, nem receberam uma oferta de emprego ou viram os seus nomes no jornal. Não têm razão alguma para estarem satisfeitas a não ser a vida, a luz do Sol e estarem bem alimentadas. Elas saltam de alegria. Por vezes a fonte de alegria é óbvia e reconhecível, tal como a excitação demonstrada por um grupo de chimpanzés selvagens que encontram um grande monte de comida. "Três ou quatro adultos poderão dar palmadas uns aos outros, abraços, dar as mãos, pressionar as bocas uns com os outros e gritar bem alto durante alguns minutos antes de se acalmarem o suficiente para começar a comer", relataram Goodall e Hamburg. As implicações afiguram-se óbvias. "Este tipo de comportamento," escreveram estes autores, "é semelhante ao evidenciado por uma criança humana a quem se diz que irá comer o seu prato favorito, poderá lançar os seus braços arrebatadamente à volta do portador da boa notícia e guinchar de prazer." A principal fonte de alegria dos animais sociais é a presença das famílias e dos membros do seu grupo. Nim Chimpsky foi criado numa família humana durante o seu primeiro ano e meio de vida. Quando tinha aproximadamente quatro anos, foi-lhe proporcionada uma reunião com a família que o tinha criado. Quando os viu, num lugar onde nunca antes tinha estado, Nim sorriu abertamente, guinchou estridentemente e deu saltos no chão durante três minutos, inspeccionando pela frente e por trás de cada um dos diferentes membros da família. Finalmente, acalmou-se o suficiente para se dirigir à mãe adoptiva e abraçá-la, sempre a sorrir, guinchando intermitentemente. Passou mais de uma hora a abraçar a sua família, acariciando-os e brincando com eles até estes se irem embora. Esta foi a única ocasião em que se viu Nim a

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sorrir durante mais do que uns poucos minutos. As reuniões na sequência de uma separação são uma fonte comum de alegria. Dois golfinhos-roaz machos de um oceanário não evidenciavam o relacionamento de rivalidade observável na maioria dos golfinhos machos quando confinados juntos. Um deles foi retirado para outro tanque durante três semanas. Quando regressou, ambos pareceram ficar muito excitados. Durante horas sulcaram a água à volta do tanque, lado a lado, emergindo ocasionalmente em saltos. Durante vários dias passaram todo o tempo juntos, ignorando o outro golfinho que se encontrava no tanque. O encontro entre dois grupos de elefantes aparentados parece constituir um momento muito emotivo, recheado de êxtase e manifestações dramáticas. Cynthia Moss relatou o encontro de dois desses grupos, um deles liderado pela velha fêmea Teresia e o outro por Orelha Fendida. A uma distância de aproximadamente 500 metros, começaram a chamar uma à outra. (Tendo em conta que os elefantes podem comunicar a longas distâncias com sons demasiado baixos para o ouvido humano, podem ter-se apercebido da presença uma da outra antes de iniciarem um chamamento audível.) Teresia mudou de direcção e apressou a passada. De cabeças e orelhas erguidas, e um fluido emergindo das glândulas temporais (pequenas glândulas situadas entre os olhos e as orelhas) de todos os elefantes da manada, pararam, chamaram, receberam uma resposta, mudaram ligeiramente de direcção e aceleraram em frente. O grupo de Orelha Fendida surgiu por detrás de umas árvores, correndo em direcção a eles. Os grupos precipitaram-se um para o outro, barrindo e gritando. Teresia e Orelha Fendida foram ao encontro uma da outra, tocaram nas presas e entrelaçaram as trombas, enquanto iam roncando e abanando as orelhas. Todos os outros elefantes executaram saudações semelhantes, rodando de um lado para o outro, encostando-se, esfregando-se, apertando as trombas e barrindo, roncando e gritando. Saía tanto fluido das suas glândulas temporais que já lhes escorria livremente pelas faces. Escreveu Moss: "Não tenho qualquer dúvida, mesmo nos meus momentos de maior rigor científico, que estes elefantes sentem alegria quando se voltam a encontrar. Poderá não ser semelhante à alegria humana, nem mesmo comparável, mas é alegria elefantina e desempenha um papel muito importante na globalidade do seu sistema social." A felicidade elefantina só pode ser identificada como tal porque se assemelha à alegria humana. Contudo, Moss tem razão quando afirma que não devemos concluir que se trata de uma alegria idêntica. Ao fim e ao cabo nós não fazemos a menor ideia como é que se sente alguém quando as suas glândulas temporais expelem fluido. Poderão existir formas de alegria na sociedade dos elefantes diferentes de qualquer alegria experimentada pelos seres humanos. O biólogo Lars Wilsson observou que Tuff, um castor fêmea, parecia intimidante quando tomava conta do seu bebé enquanto este nadava, e terrivelmente aborrecida se um estranho se aproximasse dele, mas quando o estava a amamentar ou a acariciá-lo "irradiava a mais pura das felicidades maternais". A principal fonte de prazer para muitos animais são as suas crias. Algumas características diferenciam os "animais bebés", tais como olhos enormes, marcha incerta, pés e cabeça grandes. Os seres humanos respondem com ternura a estas características não só em relação aos bebés humanos mas também aos animais bebés, assim como em alguns animais adultos. Alguns animais reagem a sinais de juventude com afecto, outros com uma ausência de agressividade ou mesmo com proteccionismo. O reconhecimento das características infantis é considerado ser fundamentalmente inato; os animais poderão eventualmente sentir o mesmo que sentem as pessoas quando afirmam que um bebé é adorável. A presença dessas características em dinossauros bebés levou o paleontólogo John Horner a afirmar que alguns dinossauros devem ter achado que as suas crias eram "amorosas".

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A ternura também pode saltar a barreira das espécies, com alguns animais evidenciando um explícito prazer em tomar conta de outros. Quando um pequeno pardal aterrou desastrosamente na jaula dos chimpanzés do Zoo de Basileia, um dos macacos imediatamente agarrou-o numa das mãos. Pensando que o pássaro ia ser devorado, o tratador ficou muito admirado por ver o chimpanzé embalar carinhosamente a aterrada avezinha na palma da mão, contemplando-a com o que parecia ternura. Os outros chimpanzés foram-se aproximando e o pássaro foi delicadamente passado de mão em mão. O último a receber a ave levou-a até às barras da jaula e entregou-a ao espantado tratador. Outra fonte de alegria humana é o orgulho, a sensação que fizemos alguma coisa bem feita. Não é exactamente explícito até que ponto pode ser designado por emoção autoconsciente ou até que ponto corresponde a funktionslust. Lars Wilson descreve a alteração no comportamento de Greta e Stina, quando estes castores em cativeiro conseguiram construir um dique no recinto em que se encontravam. Estes pequenos castores fêmea tinham sido capturados na infância e nunca tinham visto um dique. Até construírem o seu, não tinham evidenciado grande amizade uma pela outra e rosnavam reciprocamente se alguma se aproximasse demasiado. Depois da construção do dique passaram a comer lado a lado, proferindo sons de "conversa" amigável. Não só já não objectavam à presença uma da outra como se procuravam para emitir vocalizações ou se acariciarem. Greta e Stina também passavam mais tempo fora da toca, nadando e mergulhando na água à qual o seu dique tinha conferido maior profundidade. O orgulho no seu feito comum parece também ter dado origem à amizade. Um observador descreveu castores cujo dique tinha sido muito danificado por vândalos humanos numa altura do ano em que era difícil encontrar os materiais necessários à sua reparação. Este investigador arranjou forma de os ramos adequados serem depositados no lago enquanto os castores se encontravam a dormir. O macho do par estava a retirar troncos da sua própria toca para os transferir para o dique quando descobriu os ramos. Começou a nadar por entre os ramos, cheirando-os e emitindo uns fortes gritos de excitação. Um dos observadores foi da opinião que o castor estava "rejubilante", o outro que ele estava "maravilhado", mas depois de volta ao seu sentido científico, concordaram que os "sentimentos subjectivos do castor (...) estavam para além das nossas capacidades de avaliação". Alguns animais em cativeiro manifestam pouca alegria na vida. Para alguns, a exibição poderá constituir uma hipótese de trabalharem, de manifestarem coragem, de se sentirem orgulhosos. Um tigre que não pode caçar, que não pode acasalar com outros tigres, e que não pode explorar e vigiar o seu território, tem poucas chances de sentir orgulho. Talvez, para alguns tigres, a hipótese de saltar através de um aro em chamas seja melhor do que nada. Mas porque é que os tigres se terão de contentar com alguma coisa que seja melhor do que nada? Tornar estes animais magníficos em escravos, e degradá-los ainda mais levando-os a executar números para simples divertimento humano, diz tanto sobre a degradação humana como sobre as capacidades animais. Que um tigre seja condenado a uma morte lenta por aborrecimento a menos que tenha algum prazer nas suas actuações é um comentário muito triste sobre o que os seres humanos fizeram a esses magníficos predadores. Os resultados deste comportamento distorcido vão afectar os animais e também os treinadores. O domador Gunther Gebel-Williams tinha um tigre fêmea, de nome India, no seu número há mais de vinte anos. Quando entendeu que o animal estava muito velho e merecia um descanso deixou de o utilizar no número, mas de cada vez que ele passava pela jaula desta quando se dirigia para a arena com os outros tigres, ela "chorava". Gebel-Williams teve tanta pena de India que a voltou a colocar no número, com bastante maus

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resultados, porque esta acabou por ser atacada e ferida por outro tigre. A sua actuação poderia constituir uma fonte de orgulho e por conseguinte uma maior felicidade do que estar enjaulada numa reforma forçada, mas que era a única de que dispunha e que praticamente era da sua livre vontade. Tal como o orgulho, é importante reconhecer também a perda de dignidade. Se a dignidade animal tem sido pouco documentada, poderá dever-se ao facto de a história das relações entre seres humanos e animais proporcionar poucas ocasiões para a sua manifestação. A interpretação humana dos animais como seres "inferiores" por definição permite pouca margem à compreensão da sua perda. Defendendo que os golfinhos podem encontrar-se à beira de "aceitar a domesticação", Karen Pryor afirma que eles gostam de desempenhar tarefas que os seres humanos lhes definem. "já vi um golfinho a esforçar-se para conseguir executar na perfeição um truque de grande dificuldade atlética, e recusar comer o seu peixe "recompensa" até conseguir realizar perfeitamente o número." É difícil sustentar que o golfinho "gosta" do desafio, a menos que saibamos quais são as suas alternativas. Um golfinho selvagem teria algum prazer em realizar a mesma tarefa? Talvez este incidente signifique que os golfinhos possuem um sentido de justiça, ou de recompensa justa, mas é difícil afirmá-lo. Um comportamento semelhante em golfinhos selvagens teria mais impacto e dir-nos-ia muito mais sobre a sua sociedade. Os treinadores de cavalos observam, de uma forma geral, que alguns cavalos sentem orgulho. Secretariar, que venceu o Derby de Kentucky em 1973, era conhecido pelo seu orgulho. Como prova, tanto treinadores como jóqueis afirmaram que este se recusava a correr a menos que o deixassem fazer como ele entendia - utilizar o seu ímpeto de velocidade no início ou no final da corrida, à sua escolha - apesar de ser habitualmente um cavalo dócil e cumpridor. Ao ser-lhe perguntado se um cão que realiza um bom desempenho numa prova de obediência tem orgulho nele próprio, o treinador de animais Ralph Dennard respondeu cautelosamente: "Parece como se estivesse orgulhoso dele próprio. Eles dão a ideia de estar orgulhosos. Estão confiantes, estão contentes, ficam ali muito direitos", e atirou o peito para fora tal como o faria um cão. Mike Del Ross da Guide Dogs for the Blind descreve o desenvolvimento gradual do orgulho nos cães treinados para serem guias. Durante as primeiras fases, muitos cães não estão seguros deles mesmos. "É como se pensassem `Isto é muito difícil. Não consigo fazer isto.` Os olhos desses cães arregalam-se conferindo-lhes um aspecto desalentado. Podem-se deitar, ir para um canto, ou até aninharem-se em bola. "Se não nos apercebermos disso imediatamente, perdemos esse animal." Mas se o treinador fizer uma recapitulação, dispensar o animal do trabalho por um pouco, deixar que este se liberte da tensão e só então o traga de volta à tarefa (que às vezes pode ser tão simples como indicar o caminho em linha recta), o cão voltará a ganhar confiança. E o animal passa a entender o que se quer que ele faça. "De repente o seu trabalho passa a ser muito menos vacilante. (...) Tudo passa a fazer sentido para eles." A linguagem corporal desses cães diz muito sobre a sua autoconfiança e orgulho. "No final, eles chegam à conclusão: "Eu consigo fazer isto!" e ficam muito felizes. Têm orgulho neles próprios." Um cão-guia em treino parecia orgulhar-se de conseguir fazer coisas que não lhe tinham sido ensinadas. Os cães encontravam-se alojados em canis separados que davam para um grande cercado. Todas as manhãs quando os treinadores chegavam, os cães eram soltos para essa área. Uma jovem cadela pastora alemã aprendeu a soltar os trincos em forma de ferradura dos canis. Cada manhã, a cadela abria a sua própria porta, saía, e ia de baia em baia, soltar os outros cães. Os trincos em forma de ferradura foram substituídos por ganchos de corrente e ela aprendeu igualmente a abri-los. Finalmente, as baias foram fechadas com tiras de cabedal e os esforços

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da pastora alemã foram impedidos, mas a supervisora do canil, Kathy Fingers, sorri ao recordar o prazer da cadela quando ainda era capaz de abrir as portas: "Ela ficava tão orgulhosa de si própria. Vinha ter connosco a correr, na maior das felicidades, a abanar o rabo..." As pessoas experimentam um orgulho territorial; e talvez os animais também. A colónia de chimpanzés dos quais Washoe faz parte foi recentemente colocada noutras instalações maiores e novas, com áreas de exercício interiores e exteriores. Quando um dos companheiros humanos de Washoe a visitou pela primeira vez depois da mudança, Washoe levou-o pela mão e conduziu-o de sala em sala, mostrando-lhe cuidadosamente cada canto e fresta. Washoe poderá ter outras motivações, mas poderá igualmente ter muito simplesmente orgulho nas suas novas instalações espaçosas. O facto de partilhar a sua casa, e a felicidade que revela nisso, representa igualmente uma manifestação dos seus sentimentos de amizade.

O Desfrutar da Liberdade

A liberdade dá alegria. Os tratadores dos jardins zoológicos, os cientistas que efectuam experiências com animais, bem como outros com interesses interligados, muitas vezes defendem que, desde que as necessidades dos animais estejam colmatadas, não lhes faz qualquer diferença estarem ou não livres. Mas muitos animais em cativeiro, bem alimentados e bem tratados, tentam regularmente escapar, vezes sem conta. A liberdade é relativa. Na Primavera, altura em que é permitido pela primeira vez aos chimpanzés do Zoo de Arnhem sair das suas instalações de Inverno, verifica-se uma cena de rejúbillo à medida que estes gritam e silvam, se agarram e se beijam entre si, saltam para cima e para baixo e dão palmadas nas costas uns dos outros. Não estão livres, mas o espaço adicional, a relativamente maior liberdade encanta-os. Parece que isso lhes traz alegria. George Schaller faz a descrição de um panda de dois anos num centro chinês para criação destes animais, a quem foi dada a rarissima chance de ir para um cercado no exterior. O panda emergiu da sua jaula escura, subiu um monte aos saltos, com grandes passadas e deu um mortal para baixo. Novamente se lançou encosta acima e rolou para baixo. O animal "explodiu de alegria", escreveu Schaller. Uma das alegrias proporcionadas pela liberdade é certamente a capacidade de controlar o próprio destino e alguns cientistas defendem que os animais sentem a necessidade de ter esse tipo de controlo. O zoólogo J. Lee Kavanau deu a oportunidade a ratos de patas brancas (ratos veado) de ajustar o nível da iluminação das suas gaiolas através da pressão exercida sobre uma alavanca. Descobriu assim que os ratos preferem uma luz ténue a uma luz intensa ou à escuridão, e se lhes fosse permitido eles ajustariam o nível de iluminação em consonância. Mas se ele voltasse a colocar a luz no máximo, os ratos frequentemente em resposta deixavam a gaiola completamente às escuras. Inversamente, se ele pusesse a gaiola completamente às escuras os ratos torná-la-iam o mais iluminada possível. Constatou igualmente que se ele perturbasse o sono dos ratos de forma a que estes saíssem do ninho para investigar, rapidamente voltariam para dentro, mas se fosse ele a colocá-los manualmente no ninho, os ratos voltavam rapidamente a sair, independentemente do número de vezes que ele os metesse de novo no ninho. Estes roedores preocupavam-se mais com a possibilidade de escolha do que com o conforto. Quando lhes foi dada a oportunidade de dirigir o seu meio

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ambiente, lutaram ferozmente pelo seu controlo. Uma vez que os ratos de patas brancas selvagens possuem um controlo muito superior sobre as suas actividades e aquilo que os rodeia, este facto reveste-se ainda de maior importância para um animal em cativeiro. Mesmo que seja dado a um animal do zoo todos os materiais de que precise, poderá faltar sempre alguma coisa vital, algo de que precisa para ser feliz. Uma das alegrias da liberdade pode ser simplesmente a capacidade de fugir à obrigatoriedade. Do mesmo cariz é a história de Charles, um pequeno polvo submetido a experimentação no sentido de determinar se os invertebrados são capazes de aprender tarefas condicionadas, tal como os vertebrados. Juntamente com outros dois polvos, Albert e Bertram - instalados respectivamente em pequenos tanques -, Charles foi treinado para puxar um interruptor que acendia uma luz e então nadar em direcção a esta para receber a recompensa de um minúsculo pedaço de peixe. Albert e Bertram aprenderam a desempenhar esta tarefa e Charles, ao princípio, parecia conseguir fazer o mesmo. Mas então rebelou-se. Começou a anidar-se num dos lados do tanque dando puxões ao manípulo com tanta força que acabou por parti-lo. Em vez de aguardar por baixo da luz para receber a sua porção de peixe, Charles elevou-se acima da água, agarrou na lâmpada e arrastou-a para dentro do tanque. Finalmente, decidiu flutuar à superfície do tanque, com os olhos acima do nível da água, lançando jactos de água certeiros aos investigadores. "As variáveis responsáveis pela apreensão e a força necessária para retirar a lâmpada, assim como o comportamento de lançamento de jactos de água deste animal não foram certamente aparentes", observou formalmente o investigador. Num centro para a criação em cativeiro e libertação de papagaios de bicos grossos, localizado na floresta do Arizona, os papagaios que aguardavam a vez de serem libertados eram animais saudáveis, reluzentes e bem alimentados. Com abundante fornecimento de alimentos, água e companheiros, assemelhavam-se aos papagaios de estimação mais bem tratados. Ainda assim, os papagaios que podiam voar livremente pareciam incomparavelmente melhores aos observadores. Era difícil assinalar a diferença. Ambos os grupos de aves possuíam plumagem brilhante e olhos vivos. Era provavelmente o comportamento dos grupos que fazia a diferença. Os papagaios em cativeiro não estavam encurvados ou patéticos, mas os papagaios selvagens pareciam dez vezes melhores: mais fortes, mais felizes e mais confiantes. Mesmo quando perscrutavam o céu em busca de falcões, pareciam desfrutar da vida. No clássico de F. Frase Darling, A Herd of Red Deer ("A Manada de Veados Vermelhos"), uma observação semelhante é feita em relação a veados mantidos em estabulação comparativamente aos veados selvagens: falta-lhes alguma coisa. Poderão alguma vez os animais ser felizes em cativeiro? Poderá um jardim zoológico alguma vez ser um bom zoo no sentido de estar repleto de alegria? Uma vez que o comportamento animal é por vezes tão flexível, isto deveria ser possível, mas os animais não são mantidos em cativeiro por pessoas que se questionam sobre o que seria necessário para que esses animais fossem felizes. Perguntam sim o que será necessário para tornar o animal dócil ou para que este faça uma boa exibição ou se reproduza. A arte de tornar os animais do zoo felizes, interessados ou alegres não é uma questão de especialização técnica. Os lobos reproduzem-se em cativeiro, mas afigura-se bastante improvável que um lobo que está constantemente a ser observado de perto, um lobo sem um local para se esconder, um lobo que não possa contemplar a Lua, possa ser um lobo feliz. Poderá até ser que o lobo não esteja feliz enquanto desempenha uma boa exibição. Um guaxinim (Nota 28) poderá não ter provavelmente este problema, poderá ter outros que, contudo, não sejam menos distorcedores da sua natureza. Um animal feliz precisa de se sentir seguro durante a maior

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parte do tempo. Caso se trate de um animal social, necessita de companhia. Precisa de conseguir realizar alguma coisa. Um prato de comida três vezes por dia pode ser nutricionalmente equivalente a quatro horas de procura alimentar, mas não tem certamente a mesma carga emocional. Quando Indah, uma fêmea orangotango fugiu do seu recinto no Zoo de San Diego em junho de 1993, e escalou até ao corredor de observação, ela não se dirigiu para as colinas nem atacou as pessoas. Decidiu sim inspeccionar um contentor de lixo, pôr um saco na cabeça, provar o que ia encontrando, deitar um cinzeiro ao chão, tudo isto enquanto era rodeada de uma audiência interessada. Por outras palavras, ela não só libertou a sua curiosidade sobre o que se passava do outro lado do corredor de observação, como também a sua necessidade de agir no seu mundo à sua própria maneira. O que parece indicar que, circunscrita ao recinto, Indah estava entediada. Ela não estava realizada. Havia muitas coisas que gostaria de fazer e que não lhe eram permitidas. Nos Jardins Zoológicos, os visitantes muitas vezes constatam a expressão de manifesto tédio de muitos animais. Diversas pessoas experimentam uma sensação de desconforto, por compreenderem como eles próprios se sentiriam em semelhantes circunstâncias. Um animal também precisa de espaço para deambular, com as dimensões adequadas à sua espécie. Para alguns animais de menor porte, que apreciam a proximidade de uma toca ou ninho, uma jaula vulgar de zoológico, desde que dotada da complexidade apropriada, poderá ser suficiente. Nenhuma jaula é suficientemente grande para um urso polar ou para um puma. Se um animal sem liberdade de escolher o seu próprio meio ambiente, independentemente do tamanho das instalações, pode ser feliz, é uma questão à qual é preciso dar resposta. A liberdade de escolha não é fundamental para a sensação de felicidade? Não é assim surpreendente que a tarefa favorita dos animais em cativeiro seja a imitação da felicidade. Os golfinhos, confinados a um pequeno espaço, privados da maioria dos companheiros, a quem é negada a utilização de muitas das suas capacidades, são treinados para emergir nos ares lançando água, dançar através da superfície da água e saltar numa alegria aparente. A alegria até pode ser real, mas não reflecte toda a realidade da vida do animal cativo.

Brincar

A alegria expressa-se muitas vezes pelas brincadeiras que os animais realizam ao longo da sua vida. Brincar, que parece ser tanto um sinal como uma fonte de alegria, tem sido progressivamente objecto de estudo no decorrer dos últimos anos, depois de um longo período em que o assunto era considerado nos círculos profissionais como desprovido de qualquer respeitabilidade. Esta ausência de estudo tão longa, de acordo com Robert Fagen da Universidade de Pensilvânia, constituiu um recuo face ao trabalho de Karl Groos, que, no final do século XIX, defendia uma ligação entre o aspecto lúdico e a estética, considerando a brincadeira como uma forma simplificada de manifestação artística. Fagen observou que "o estudo das brincadeiras dos animais praticamente nunca foi capaz de ultrapassar o embaraço criado pela tentativa de Groos de tentar interligar a psicologia animal com a estética". Os biólogos continuam a ficar desalentados com o interesse público dos leigos nas eventuais ligações entre os jogos dos animais e a criatividade humana. Fagen não se intimida, e no final

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do seu livro sobre as brincadeiras dos animais escreve: Nas brincadeiras dos animais encontramos uma estética pura que francamente desafia a ciência. Desconhece-se a razão porque gatinhos ou cachorros se perseguem e dão patadas vigorosas uns aos outros reciprocamente sem se magoarem, repetindo este comportamento até à exaustão física. Contudo, este comportamento é fascinante, ou mesmo até encantador. Alguns investigadores também entendem que o estudo do divertimento tem sido negligenciado porque o comportamento lúdico tem tido uma definição desajustada. Diversas definições têm sido propostas, mais ou menos elaboradas. A frustração é manifesta na definição do etólogo Robert Hinde: "Brincar, é um termo genérico que caracteriza as actividades que se afiguram ao observador não terem qualquer contribuição imediata para a sobrevivência." Ou seja, brincar é qualquer coisa que é feita simplesmente pelo prazer que dá. Ainda assim, umas definições desajeitadas para o brincar (meras listas de comportamentos lúdicos) são provavelmente melhores do que nada. Marc Bekoff, professor de biologia da Universidade do Colorado, observou a tendência, ao nível de etólogos e. cientistas comportamentais, quer de elaboração de definições de conceitos dificílimos e com uma tal limitação que se tornam praticamente inúteis, quer de afirmarem que um conceito, pelo facto de ser de difícil definição, deve ser consequentemente impossível de ser estudado. "Por exemplo, alguns reivindicaram que as brincadeiras sociais não constituem uma categoria comportamental válida porque são extremamente difíceis de definir. Ao sugerirem que eliminemos as brincadeiras sociais por meio de uma definição que estipule a sua não-existência (ou definindo brincadeiras sociais como aquilo que não são de facto), poucas, se não nenhumas alternativas viáveis nos restaram; assim, ficámos sem nada." Brincar é importante para os animais e apesar de comportar riscos, uma vez que os animais se podem ferir ou mesmo morrer durante esses jogos, foram propostas uma diversidade de funções evolucionárias para essa diversão. Talvez seja uma forma de treino, uma aprendizagem quanto ao desempenho de tarefas, sugerem os teóricos; ou talvez isso exercite o seu desenvolvimento social, neurológico ou as suas capacidades físicas. Cynthia Moss pode ter falado em nome de muitos biólogos quando, ao observar elefantes africanos brincando à chuva - correndo, rodopiando, abanando as orelhas e trombas, aspergindo água uns aos outros, batendo nos ramos, dando barridos altos de diversão -, escreveu nas suas notas: "Como é que é possível elaborar um estudo sério de animais que se comportam desta forma?" Hans Kruuk, no seu estudo sobre hienas malhadas, queixou-se que brincar "é um termo antropomórfico, negativamente definido; usei-o apenas como um rótulo para algumas actividades que na nossa própria espécie seriam designadas dessa forma". Como exemplo dessas actividades, Kruuk citou quatro hienas adultas nadando num rio, saltando para dentro e fora da água, molhando-se reciprocamente e puxando-se umas às outras por baixo da água. Kruuk acrescenta que as hienas fizeram um desvio considerável no seu trajecto para chegar a essa lagoa. Os elefantes, tanto indianos como africanos, são particularmente dados à brincadeira. Um circo itinerante uma vez armou as tendas perto do pátio de uma escola que tinha um conjunto de baloiços. Os elefantes mais velhos estavam acorrentados, mas Norma, uma jovem elefanta, estava solta. Quando Norma viu as crianças a baloiçar ficou muito intrigada. Logo se dirigiu ao pátio, enxotou as crianças com a tromba, pôs-se de costas para um dos baloiços e tentou-se sentar nele. Não teve qualquer sucesso, mesmo usando a cauda para manter o baloiço quieto. Finalmente, atirou com o baloiço muito irritada e voltou para junto dos seus companheiros. As crianças voltaram a baloiçar-se de novo e mais uma vez a Norma foi tentar a sua sorte. Apesar das suas

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tentativas periódicas no espaço de uma hora, ela nunca conseguiu andar de baloiço. Norma pode ter procurado um entretenimento porque estava aborrecida. Não parecem existir razões para duvidar que os animais possam sofrer de tédio. Nim Chimpsky dava muitas vezes aos seus instrutores de linguagem gestual a ideia de estar aborrecido, e exigia que o levassem à casa-de-banho ou para a cama, apesar de os seus professores terem a nítida sensação de que ele apenas queria uma mudança nas suas lições, tal como qualquer criança de escola. A vida de diversos herbívoros é considerada por muitos seres humanos como intrinsecamente aborrecida. Os ruminantes comem, ao longo do dia, o mesmo tipo de alimentação, dia após dia. Facto que certamente causaria o tédio dos omnívoros como nós, mas talvez os búfalos possuam um índice superior de tolerância à monotonia. Pode ser que cada folha de erva seja completamente diferente da anterior. Talvez a sua vida seja uma complexa teia de excitação e intriga, mas a um nível sensorial tão afastado do nosso que nos é impossível entendê-lo. De qualquer forma, pressupor que um búfalo selvagem esteja aborrecido com a vida que leva porque ela entediaria alguns seres humanos, constitui um verdadeiro antropomorfismo. Foram observados búfalos do Alasca a brincar no gelo. Um de cada vez, partindo de uma elevação por cima de um lago gelado, os búfalos corriam para a margem e atiravam-se para o gelo, firmando as patas por forma a nele rodopiarem com as caudas no ar. Enquanto cada búfalo deslizava até parar, ia lançando a plenos pulmões um som do tipo "gwaaa" - e então, desajeitadamente, procurava regressar à margem para começar tudo de novo. Os animais podem brincar em completa solidão. Os ursos são brincalhões ao longo de toda a sua vida e deslizam em bancos de neve tal como as lontras - com a cabeça e patas para a frente, sobre a barriga, sobre as costas ou em saltos mortais. Dois ursos-pardos das Montanhas Rochosas foram vistos a lutar pela posse de um tronco. O urso vencedor deitou-se de costas e, tal como um malabarista, fez rolar o tronco nas suas patas enquanto rugia de prazer. Um urso-pardo mais calmo flutuava num lago da montanha num dia quente. Submergia o focinho sob a água e fazia bolhas - e depois tentava rebentá-las com as suas longas garras. As crias de tigre e leopardo adoram saltar dos ramos das árvores para a água, e fazem-no repetidamente. Os bonobos (chimpanzés pigmeus) do Zoo de San Diego jogam à cabra-cega sozinhos. O bonobo cobre os olhos com uma folha, um saco ou simplesmente colocando os dedos ou o braço sobre os olhos e depois trepa de forma vacilante pela estrutura metálica. Certa vez, o revestimento de ouro das cúpulas do Kremlin estava a ser riscado por corvos de crista. Os corvos não estavam a dar livre curso à sua lendária tendência para o roubo. Eles tinham pura e simplesmente descoberto que era extremamente divertido deslizar sobre essas cúpulas em forma de cebola, e as suas garras estavam a fazer um estrago considerável. Finalmente, foi possível afastá-los por meio de uma combinação de gravações de chamamentos aflitivos de corvos e patrulhas regulares de falcões amestrados. Os animais também podem brincar com objectos. Circunstância observável mesmo em alguns animais que não são conhecidos por brincarem com outros. Um dragão de Komodo em cativeiro, num jardim zoológico britânico, brincava com uma pá, empurrando-a ruidosamente à volta do seu recinto. Um jacaré com um metro de comprimento na Georgia passou quarenta e cinco minutos a brincar com as gotas de água que caíam de um cano para uma lagoa, colocando-se à entrada do cano, abocanhando as gotas, deixando que estas lhe caíssem no focinho para depois as agarrar no meio do ar. Os gorilas em cativeiro e chimpanzés gostam de brincar com bonecas e passam bastante tempo a brincar com outros jogos de imaginação, tal como Koko, a gorila que finge que lava os dentes com uma banana de brinquedo, ou quando o chimpanzé Loulis, brincando sozinho, coloca um

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cartão na cabeça, expressando o gesto "Isto é um chapéu". Ao nível dos outros animais, o objecto com que se brinca rapidamente se torna num jogo social. Um golfinho cativo num oceanário brincava com uma pena, transportando-a até à entrada de água, deixando que esta fosse arrastada pela corrente e depois lançando-se em sua perseguição. Juntou-se-lhe outro golfinho e de acordo com os observadores faziam a brincadeira por turnos. Noutro jogo, três ou quatro golfinhos competiam pela posse de uma pena, e os golfinhos selvagens brincam a jogos semelhantes de apanhada com diversos objectos. As belugas (Nota 29) transportam pedras ou algas sobre as cabeças que as outras baleias tentam retirar. Os leões, tanto adultos como crias, podem lutar por pedaços de casca de árvore ou raminhos que procuram tirar uns aos outros. A provocação também constitui uma forma de brincadeira, pelo menos para aquele que provoca o outro. Alguns animais provocam os seus congéneres; mas também se podem meter com membros de outras espécies. Um golfinho em cativeiro provocava uma tartaruga empurrando-a para fora da água e fazendo-a rolar pelo fundo do tanque. Outro golfinho implicava com um peixe que vivia numa fenda de uma rocha que havia no tanque, colocando pedaços de lula perto da entrada; sempre que o peixe saía para apanhar a lula o golfinho arrebatava-lha. Muitos visitantes de golfinhos em cativeiro têm ocasião de os ver provocando sem piedade os leões-marinhos e focas com quem partilham os tanques. Os corvos provocam os falcões peregrinos voando cada vez mais perto destes, grasnando, até que os falcões se lançam em sua perseguição. Os cisnes, com o seu porte majestoso, são muitas vezes alvo de provocações. Na água, pequenos mergulhões foram vistos a morder os rabos dos cisnes e seguidamente mergulhar. Em terra, os corvos podem puxar-lhe as penas da cauda repetidamente, recuando aos saltos de cada vez que o cisne se vira em direcção a eles. As raposas provocam as hienas menos ágeis, aproximando-se destas, rondando em círculos à volta delas, e depois dando uma corrida, até que a hiena, incapaz de continuar a ignorá-las por mais tempo, se lança em sua perseguição. Foram relatados diversos casos de hienas que acabaram por apanhar e matar uma raposa nestas circunstâncias. Talvez a raposa pretenda ganhar informações sobre o poder das hienas, muito úteis nas ocasiões em que a raposa lhe rouba pedaços das suas caçadas. Talvez a raposa esteja a acostumar a hiena à sua presença, também de grande utilidade para a pilhagem de presas. Isto dá-nos uma explicação prática para a persistência deste tipo de comportamento, mas não nos explica o que sente a raposa. Porque é que a raposa não poderá sentir a malícia imputada à sua espécie ao longo de séculos?

Os jogos

Outras formas de brincadeira parecem constituir uma diversão para todos os que nela participam. Os jovens animais, e muitas vezes os adultos também, combatem habitualmente em lutas a fingir, e perseguem-se uns aos outros. Os lémures si faka deitam-se de costas com as plantas das patas posteriores contra as de outros e "andam de bicicleta". Um dos jogos favoritos entre os animais jovens de diversas espécies, desde lobos até veados vermelhos, é o Rei do Castelo, no qual um dos jogadores ocupa um lugar mais elevado e defende-o contra os ataques dos outros. Bandos de lémures si faka e de cauda anelada muitas vezes provocam os

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outros impedindo a sua passagem, com animais saltando à frente uns dos outros, por cima ou em seu redor. Ao contrário das disputas territoriais genuínas, os dois grupos misturam-se e saltam em todas as direcções em vez de procurar um objectivo específico. Não está bem claro até que ponto os animais que brincam a jogos reconhecem nestes regras implícitas. Algumas vezes os treinadores têm sido bem sucedidos no ensino de jogos instituídos a animais. Uma versão simplificada de críquete foi ensinada aos elefantes do Circo Bertram Mills, após diversos meses de treino. Os elefantes compreendem o arremesso de objectos, mas o bater na bola e com ela percorrer o campo, levou algum tempo a aprender. Diz-se que após alguns meses os elefantes começaram "a entrar no espírito do jogo", passando então a jogar com grande entusiasmo. Num oceanário, diversos golfinhos foram treinados a jogar polo aquático. Primeiro, aprenderam a colocar a bola na baliza, tendo cada equipa uma baliza diferente. Os treinadores tentaram seguidamente ensiná-los a competir impedindo uma das equipas de marcar golos. Após três sessões de treino, os golfinhos aprenderam muitíssimo bem. Manifestando um total desinteresse pelas restrições contra a violência, os golfinhos entusiasticamente atiraram-se uns aos outros de uma forma tão pouco desportiva que o treino foi imediatamente cancelado e nunca mais lhes foram proporcionados jogos de competição. Não existe qualquer indicação que nos informe se os golfinhos, seguidamente, tentaram jogar polo sozinhos.

Brincadeiras Inter-espécies

Os animais por vezes encontram companheiros de jogos para além da barreira das espécies. Em cativeiro, espécies que muito improvavelmente se encontrariam em habitat selvagem muitas vezes são colocadas juntas. Assim, um leopardo e um cão podem brincar juntos, bem como um gato e um gorila. Uma família que tinha cangurus vermelhos no seu quintal juntamente com cães achou que os animais se portavam bastante amigavelmente uns com os outros, apesar de existirem algumas dificuldades. Os cães gostavam de perseguir e ser perseguidos pelos seus amigos ladrando, enquanto que os cangurus preferiam a luta livre e o boxe, passatempo que não era de grande agrado dos cães. De qualquer forma, arranjaram maneira de brincar juntos. Os jogos inter-espécies, apesar de não serem rotina, também podem ser observados em habitat natural. Os mangustos anões do Quénia foram vistos a tentar brincar com tâmias (Nota 30), lagartos e aves. Aqui novamente, os diferentes estilos de brincadeira podem constituir uma barreira. M'Bili, uma jovem fêmea mangusto repelida pelos seus companheiros mangustos, correu para um grande lagarto, saltando, lançando chamamentos de incitação à brincadeira e espalhando folhas mortas. Quando isto não produziu qualquer reacção, pôs-se a dançar à volta do lagarto, dando-lhe pancadinhas e fingindo mordiscar-lhe as costas, patas posteriores e face. O lagarto fechou os olhos e não deu qualquer resposta, e então M'Bili desistiu. Outro mangusto, Moja, tentou brincar com um tâmia africano tal como o faria com outro mangusto. Moja estava a brincar com outro mangusto quando a tâmia saltou para o meio deles e de pé sobre as patas posteriores parou a roer uma noz. Moja dirigiu-se à tâmia a correr, lançando "o chamamento de brincadeira", ergueu-se nas patas posteriores, colocou as patas anteriores nos ombros da tâmia, e começou

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a "valsar" com ela. Um mangusto brincalhão dá sequência a esta brincadeira fingindo agarrar a cabeça e o pescoço do outro animal, coisa que Moja fez, mas a que a tâmia não respondeu, mantendo-se simplesmente erguida em total passividade e dei xando-se ser conduzida nesse rodopio. Então Moja atirou-se ao rabo da tâmia e mordeu-a, altura em que esta fugiu e Moja atacou um raminho em alternativa. Tatu, outro mangusto, teve melhor sorte com um tecelão-de-cabeça-branca (Nota 31). Tatu perseguiu a ave, dando saltos no ar até chegar a ela. Em vez de fugir, o pássaro não esvoaçou mais do que a 30 centímetros do chão, rasando repetidamente a cabeça de Tatu e aterrando nuns ramos perto dela. Tatu foi a primeira a cansar-se deste jogo. Num jogo ainda mais bem sucedido, crias de lontras de rio selvagens e de castores foram vistas a brincar juntas. Os respectivos progenitores estavam presentes e não prestaram atenção quando duas crias de cada uma das espécies avançaram, se tocaram e se lançaram em perseguição umas das outras, quer nas margens do ribeiro quer na água. A brincadeira continuou até os pais lontra decidirem sair dali com a família. Jovens macacos mangabey (Nota 32) e macacos-de-rabo-vermelho, cujos bandos frequentemente procuram comida juntos na floresta tropical da Tanzânia, também lutam a fingir entre si. Os jogos inter-espécies, muito comuns na Natureza, têm um charme especial para os seres humanos. Se duas espécies de animais conseguem ultrapassar alegremente o fosso que as separa, afigura-se possível que os seres humanos possam igualmente cruzá-lo e partilhar a sua alegria. Por vezes a diferença entre espécies pode ser muito grande. Douglas Chadwick descreve um velho elefante macho bebendo água numa nascente em África. Perto de um lago encontrou uma minúscula tarambola (Nota 33). A ave abriu ferozmente as asas e guinchou de forma ameaçadora. O enorme animal partiu.

"Enquanto se ia embora, no entanto, o velho elefante saracoteou-se um pouco, abanando a cabeça, como se estivesse a rir para dentro." Chadwick reconhece que esta descrição pode ser considerada antropomórfica, que alguns insistiriam em dizer que o elefante "estava meramente a exibir um comportamento de deslocação, libertando um pouco de tensão que surgira em resposta à ameaça do pássaro. Mas qual é a diferença entre isto e inúmeras ocasiões que levam a encolher os ombros e abanar a cabeça, e a rir para dentro? De facto, foi exactamente o que eu fiz quando a tarambola avançou aos gritos para mim." Recusarmo-nos a reconhecer este traço comum entre pessoas e elefantes é alargar deliberadamente esse fosso. Outro fosso poderá situar-se entre o elefante e a ave. O elefante parece ter achado graça a este encontro, mas não existe qualquer razão que nos leve a afirmar que a tarambola percebeu a piada. Por vezes a distância pode ser desmesurada. No dogmático trabalho de Bert Hõlldobler e Edward O. Wilson sobre formigas, encontramos uma secção intitulada "As Formigas Não Brincam", onde os autores refutam a noção avançada por diversos observadores que as formigas podem ser vistas a brincar. As formigas lutadoras observadas por Huber e Stumper não estavam a brincar mas sim combatendo diligentemente, argumentam Hõlldobler e Wilson: os opositores eram membros de colónias distintas lutando para se vencer umas às outras. "Em resumo, estas actividades possuem uma explicação simples que nada tem a ver com brincadeira. Não conhecemos qualquer comportamento ao nível das formigas ou em quaisquer outros insectos sociais que permita a sua caracterização como jogo ou prática social comportamental aproximada à dos mamíferos." Contudo, a descrição do naturalista do século XIX Henry Water Bates das formigas Eciton do Brasil em nada se assemelha a luta: Tive ocasião de vê-las muitas vezes, entretidas ociosamente de uma forma que se assemelhava a diversão.

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Sempre que este facto ocorria, o local era invariavelmente um recanto ensolarado da floresta. (...) Em vez de se apressarem a andar para a frente diligentemente, angariando mantimentos à direita e à esquerda, pareciam ter sido todas atingidas por um súbito ataque de preguiça. Algumas vagueavam lentamente, outras esfregavam as antenas com as patas anteriores, mas a imagem mais divertida era vê-las limpando-se umas às outras. Aqui e ali podia ver-se uma formiga esticando primeiro uma pata e depois a outra, para ser esfregada e lavada por uma ou mais das suas companheiras, que executavam essa missão passando um dos membros entre os maxilares e a língua, terminando a operação com uma limpeza amigável das antenas. (...) As acções dessas formigas assemelhavam-se a uma simples entrega a um divertimento ocioso. Será que essas pequenas criaturas possuem, assim, um excesso de energia para além do que é indispensável ao trabalho imprescindível ao bem-estar da sua espécie, e por conseguinte a empregam de uma forma meramente desportiva, tal como borregos e gatinhos, ou em fantasias ociosas como os seres racionais? É provável que essas horas de relaxamento e limpeza sejam indispensáveis para o desempenho eficaz do seu árduo trabalho; mas ao contemplá-las, é irresistível concluir que as formigas estavam simplesmente entretidas a brincar. Talvez Bates esteja certo e algumas formigas realmente brinquem. Quando se pensa em termos de brincar com animais, a ideia que nos vem à mente é de brincadeiras com cães e gatos. É difícil imaginar-nos a brincar com uma formiga, mas não é uma razão para decidir que as formigas não possam brincar umas com as outras. Existe algo de comovedor no reconhecimento de que outras criaturas possam gostar tanto de brincar como nós. Jacques Cousteau descreveu as baleias como "criaturas sociáveis, afectivas, devotadas, gentis, cativantes, e dotadas de um excelente humor. A totalidade dos oceanos é o seu império - e seu campo de jogos. A sua sociedade é uma 'sociedade de lazer' que precede a nossa em cerca de quarenta e cinco milhões de anos. Passam menos que um décimo das suas vidas à procura de comida e a alimentar outras. O resto do tempo passam-no a nadar, divertindo-se nas águas, em "conversas" umas com as outras, cortejando o sexo oposto e criando os jovens - uma programação de actividades inofensiva como não existe outra." Tanto os cientistas como os leigos sentem desde há muito um fascínio pelas brincadeiras sociais dos canídeos - lobos, cães e coiotes - porque implicam indiscutivelmente uma com preensão partilhada da linguagem e das ligações sociais. A postura de brincadeira - quando um canídeo baixa as patas dianteiras no chão e abana o rabo - é uma forma de dizer: "Tudo o que vem a seguir é apenas um jogo. Estás pronto a brincar?" Os cães tentam brincar com outros animais, com os gatos por exemplo, mas geralmente ficam muito desapontados com a sua falta de fluência ou indiferença pela metalinguagem canídea. O que vai conceder especial relevância às brincadeiras entre um cão e o seu amigo humano, como se os cães reconhecessem que encontraram um companheiro a quem possam ensinar as regras do jogo. Nem eles parecem infelizes por tentar entender as regras humanas para os jogos a que pretendemos brincar com eles. A postura concentrada de um cão face a um pau que ele espera que o seu amigo humano atire pretende ser, obviamente, levemente humorística: faz parte do jogo. Participar nesses jogos é quase como olhar através de uma janela para a mente do cão. Vemos o que ele quer. E o cão também obtém um lampejo mais nítido das nossas mentes e sabe o que queremos. A brincadeira, o riso e a amizade atravessam a barreira das espécies.

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A Raiva, o Domínio e a Crueldade na Guerra e na Paz

No século XV, quando na Europa as girafas eram designadas por camelopárdales (Nota 34), Cosimo de Médici, encerrou uma girafa num recinto gradeado juntamente com leões, cães de caça e touros bravos, para determinar qual das espécies era a mais selvagem. Enquanto o Papa Pio II os contemplava, os leões e os cães cochilavam, os touros ruminavam calmamente e a girafa encolhia-se contra a vedação tremendo de medo. Estes líderes de homens ficaram muito desapontados pela ausência de um banho de sangue questionando-se sobre a razão desses animais não serem mais selvagens. Os textos de História, os jornais diários e as nossas próprias vidas testemunham o facto de os seres humanos serem movidos regularmente mais pela raiva e hostilidade, apesar do desejo de controlar ou pelo menos de disfarçar essas emoções. Em contraste, as pessoas estão frequentemente dispostas a apontar agressões entre animais, adjectivando-as de "animal", "brutal" ou "selvagem". Apesar de a agressão entre animais constituir um tópico favorável ao estudo dos etólogos, a palavra raiva não aparece muito no seu trabalho. Os animais parecem de facto ficar zangados; certamente cometem actos agressivos uns contra os outros, combatem por um pedaço de terra e lutam e matam-se entre si. Contudo, poderão não fazê-lo exactamente do modo que as pessoas esperariam que o fizessem. Tal como de Médici e Pio II, os cientistas tem visto as suas expectativas serem goradas em termos de agressão animal. Os etólogos que procuram classificar as hierarquias de dominância nos grupos de animais selvagens ficam muitas vezes frustrados por não conseguirem determinar qual é o animal dominante. Parecem supor que por meio da sorte ou de muito trabalho a verdadeira categoria dos animais acabará por emergir. Nem sempre lhes ocorre que as relações podem não ser apenas hierárquicas. É tal e qual como se uns animais parados ao pé de um poço devessem estar tão compostos como académicos em concurso para obtenção de um subsídio de um organismo. Certas pessoas acalentam a esperança de que os animais não sejam naturalmente agressivos - e se não todos, pelo menos algumas espécies mais apreciadas - excepto quando por razões de autodefesa. Nas alcateias de lobos, bandos de golfinhos ou de pombos, a harmonia não é mais do que mera imaginação. Se o leão não se deita ao lado do cordeiro, pelo menos os cordeiros deitam-se juntos entre si. Uma observação da realidade, contudo, mostra que embora os cordeiros se possam deitar lado a lado, também se levantam e começam às marradas entre eles. Pombos, golfinhos e lobos podem tratar-se uns aos outros com muita violência. O que não quer dizer que toda a sua vida social seja marcada por conflitos, mas sim que a esperança de existir uma espécie santificada que se torne no nosso guru de paz, amor e benevolência tem pouca probabi lidade de se concretizar. Talvez seja essa expectativa em si que não seja razoável. A agressão abarca toda uma amplitude que vai desde o ataque sem qualquer provocação à autodefesa. Quando um animal escorraça outro de ao pé da comida ou quando este se recusa a ser escorraçado, quando rosna a outro animal que se aproxima das suas crias ou afasta um inimigo, ele está a com portar-se de uma forma agressiva. Do ponto de vista da sobrevivência, este comportamento tem

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vantagens comparativas. O animal agressivo fica com mais comida, mantêm as suas crias em segurança, dispõe de melhores hipóteses de acasalar ou de enfrentar superiormente a competição. Todo este leque de opções permite-lhe deixar um maior número de descendentes. A raiva e outras emoções relacionadas com a agressão podem produzir este tipo de comportamento. De todas as formas de força física existentes no reino animal, as que se revestem de maior probabilidade de serem desculpadas pela crítica humana são a autodefesa e a protecção das crias. Um lobo que ataque um veado poderá ser classificado como selvagem e voraz, e a defesa do veado considerada corajosa e heróica. Os tigres ou ursos fêmea que defendam as respectivas crias são um arquétipo da situação justificável. Animais como os cangurus vermelhos fêmea, que em caso de perseguição cerrada, podem atirar para fora da bolsa marsupial o maior dos seus filhotes, já são encarados com muito desagrado. Um incidente deste tipo certamente que não constitui para ninguém a sua história preferida sobre animais.

O Incitamento à Guerra

Uma das mais graves acusações contra a raça humana é que são a única espécie a conduzir guerras. O escritor alemão Hans Magnus Enzensberger inicia o seu livro sobre a guerra civil europeia com a seguinte afirmação: "Os animais lutam mas não empreendem guerras." É suposto ficarmos muito envergonhados pelo facto de os animais não conduzirem guerras. Contudo, alguns animais fazem-no. As formigas guerreiras são as mais conhecidas, mas os insectos são suficientemente diferentes de nós para que as pessoas não tomem o caso a peito. Nos últimos anos, tornou-se bem claro que animais com um parentesco mais próximo connosco, tal como os chimpanzés, podem entrar em guerra. Os famosos chimpanzés de Gombe atacam outros bandos sem qualquer provocação e com intenções assassinas, não só patrulhando as suas fronteiras como também fazendo incursões para além delas. Podem matar e comer os adversários. Um relato, que inclui não só o testemunho de um comportamento terrorista como também o súbito reconhecimento de familiaridade, é particularmente evocativo das campanhas de guerra humanas. Quando um grupo de chimpanzés do grupo de Kasakela, de Gombe, encontrou uma fêmea estranha e a sua cria empoleiradas numa árvore, ladraram-lhe ameaçadoramente. Depois de alguns golpes terem sido esboçados na sua direcção, deu-se uma pausa durante a qual alguns chimpanzés se alimentaram na mesma árvore. A fêmea abordou um dos machos de forma submissa, tocando-o, mas não obteve qualquer resposta. Quando tentou ir-se embora, diversos machos bloquearam-lhe o caminho. Então, a fêmea aproximou-se submissamente de outro macho, Satan, e tocou-o nova mente. A reacção deste, num gesto de aparente xeno-fobia, foi agarrar nalgumas folhas e utilizá-las para esfregar o ponto onde ela lhe tinha tocado. Imediatamente, diversos chimpanzés atacaram-na e tiraram-lhe a cria. Durante oito minutos ela lutou sem qualquer sucesso pelo seu bebé, e finalmente conseguiu fugir, mas muito ferida. Um dos macacos de Kasakela bateu com a cria contra árvores e pedras, e depois atirou-a para o chão. Esta ainda não estava morta, e Satan agarrou-a com todo o cuidado, acariciou-a e colocou-a no chão. Durante as horas que se seguiram, três machos diferentes, incluindo Satan,

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transportaram a cria carinhosamente aconchegando-a e acariciando-a antes de a abandonarem para morrer em consequência dos ferimentos. É difícil dizer o que se deve concluir desta estranha história. Será possível atribuir remorsos, a sensação de terem ido longe demais, a estes chimpanzés? Terão eles sentido primeiro ódio e depois compaixão como o fazem frequentemente os combatentes humanos? Noutros encontros entre bandos, as crias têm sido mortas e devoradas. Este incidente sugere a ocorrência de sentimentos mistos, em que a cria passou de "inimigo" a "bebé". Grupos de mangustos anões também entram em batalhas, aparentemente por questões territoriais. Muitos ficam feridos e outros morrem. Uma batalha teve início quando se deu a aparição no território de um grupo, de um segundo grupo de mangustos. Respectivamente, cada grupo reuniu-se, gritaram alvoroçados, afagaram-se e marcaram-se uns aos outros com o próprio odor. O grupo residente então fez uma investida como um só corpo e logo o outro grupo veio ao seu encontro. Ambos os "exércitos" avançaram e recuaram e, de súbito, começaram a ferrar os dentes uns nos outros. A dada altura ambos os grupos retiraram, tal como se se tratasse de tréguas, mas logo retomaram a luta. Finalmente, os invasores bateram em retirada. Nenhum dos mangustos residentes foi morto, apesar de haver dedos dos pés arrancados, orelhas reduzidas a cotos e uma cauda partida. Uma fêmea estava tão ferida que já não se conseguia alimentar, tendo acabado por morrer. No confronto seguinte, foi este o grupo perdedor. Estes conflitos em massa parecem dar-se pelo território. Um grupo invade o território do outro e desencadeia-se a batalha. Hans Kruuk observou lutas entre hienas malhadas que ocorriam sempre que membros de um clã matavam uma presa na zona de raio de acção de outro clã. Estas disputas eram habitualmente ganhas pelos residentes após ameaças prolongadas e perseguições, mas às vezes o conflito sofria uma escalada de violência e algumas hienas acabavam por ser feridas ou mortas. Uma vez, para grande horror de Kruuk, uma hiena cujo clã tinha morto um gnu no território de outro clã, foi mortalmente ferida, Os seus atacantes dilaceraram-lhe as orelhas, patas e testículos e deixaram-no ali a sangrar, paralisado e parcialmente devorado. Quando Jane Goodall conseguiu mostrar chimpanzés que pareciam partir para a guerra, quase que se pôde ouvir um suspiro de alívio por parte da comunidade científica. Mas comparado com a nossa própria história, tal como o salienta o biólogo Richard Lewontin, é o "bip" mais ínfimo, que só adquire relevância pelo facto de anteriormente ser desconhecido. Nós não sabemos, nem Goodall pretende afirmar saber, até que ponto é comum. Em diversos aspectos parece-se com a história do homem que mordeu no cão, interessante por ser tão invulgar. O que é comum é o estado de paz generalizado em que os animais coabitam. A história humana é incomparavelmente mais violenta. Talvez se invertêssemos a nossa estratégia de pesquisa pudéssemos encontrar a explicação: Um Estudo da Agressão Humana pela Perspectiva da Pacificidade entre Elefantes.

A Agressão por Recursos

A agressão é utilizada por diversos animais para obter acesso a recursos tais como alimentos. Um dos principais prazeres dos investigadores na savana africana é seguir o rasto das hienas que mataram um gnu, dos leões que seguidamente lhes roubaram a carcaça (ou vice-versa) e

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dos chacais e abutres que lhes conseguiram depois roubar um bocado antes de serem enxotados. Esses conflitos proporcionam manifestações espectaculares. A maioria dos animais habitualmente não se defronta desta forma. O gnu em causa, enquanto se encontrava vivo, não conduziu batalhas sangrentas com nenhum outro gnu para determinar qual deles iria pastar num determinado pedaço de erva. A competição requer muita energia e muitas espécies parecem minimizar esse tipo de luta. Em diversos animais existem posturas de submissão que inibem o atacante da mesma espécie. O lobo deita-se de costas no chão e o macaco olha para outro lado e o atacante pára. O que sente um agressor quando o seu ataque é posto em causa desta forma? Para muitos animais, a criatura com mais hipóteses de ser o seu oponente mais próximo, a querer os mesmos alimentos ou o mesmo abrigo, é um da sua própria espécie, e nalguns casos o seu próprio companheiro. A investigação indica que as variações de tamanho nalgumas espécies lhes conferem vantagens em termos de sobrevivência. Por exemplo, a águia-pescadora fêmea é maior que o macho, e ambas apanham peixes de tamanhos diferentes, facto que vai reduzir a competição entre eles e aumentar o seu aprovisionamento conjunto de alimentos. Os papagaios domesticados muitas vezes embirram solenemente com alguns seres humanos ou com classes de seres humanos, muitas vezes até com todos os que pertençam a um dos sexos. Os veterinários estão fartos de ouvir os seus clientes afirmarem: "Detesta todos os homens. Um homem deve-o ter certamente maltratado no passado." São conhecidos casos de papagaios que detestam ruivos, morenos ou adultos. Apesar de todos os papagaios selvagens caçados terem sido maltratados, devido à crueldade implícita na sua captura e transporte, isso já não é tão provável em relação aos papagaios criados em cativeiro. Mas continua a não se saber se estas embirrações excêntricas também se podem encontrar em habitat selvagem. Talvez esses papagaios simplesmente gostem de ter inimigos. Isto poderá promover a solidariedade do bando, evitar o acasalamento entre espécies, reforçar a ligação do par ou possuir qualquer outra função valiosa. Outra possibilidade é que a irritabilidade dos papagaios esteja relacionada com as lutas pelo domínio dentro do próprio bando. Desde que foi anunciado em 1920 que as galinhas possuem hierarquias sociais os etólogos têm procurado e descoberto hierarquias sociais - agora designadas por hierarquias de dominância - por todo o lado. Segundo a hierarquia social, uma galinha é dominante em relação a outras e pode debicá-las e afastá-las da comida - a menos que se trate da galinha com o menor estatuto de todas. E, a menos que se trate da ave com o estatuto mais alto, haverá outras galinhas dominantes em relação a ela, que ela por sua vez deixará que lhe dêem bicadas e a afastem da comida. A ideia de animais dominantes e submissos encontrou uma grande popularidade junto do homem comum. Assim como a ideia de que a agressão passa a ser válida porque ajuda um determinado animal a dominar. Nos últimos anos, o conceito de hierarquia de dominância tornou-se mais controverso, com alguns cientistas levantando a questão se essas hierarquias serão reais ou apenas um produto das expectativas humanas. Dever-se-á salientar que, nos bandos selvagens, as aves não assumem hierarquias sociais rígidas tal como o fazem nos galinheiros. Alguns etólogos defendem agora que, apesar de as relações de dominância entre dois animais ("a fêmea cinzenta domina em relação à fêmea negra (Nota 35)) poderem ser reais, os graus de dominância atribuídos aos indivíduos ("a fêmea de segundo grau do grupo") não o são. Outros salientam que um animal pode dominar numa situação - competindo para comer em primeiro lugar mas já não noutra - competindo por um(a) companheiro(a). Contudo, outros afirmam que apesar de a dominância poder ser importante entre dois babuínos machos adultos, poderá não ser uma forma realista

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de descrever a relação entre uma fêmea e a sua filha adolescente. De longe, o mais sério golpe conferido às teorias sobre dominância foi ter-se descoberto que um dos seus pressupostos básicos nem sempre é verdade. Trata-se do pressuposto de que os machos dominantes podem acasalar com maior frequência e produzir um número superior de descendentes. Esses machos são romantizados - por alguns - como potenciais príncipes da sua espécie, heróis genéticos. Mas os estudos recentes vieram demonstrar que os machos dominantes nem sempre podem acasalar com maior frequência. Ao nível dos babuínos hamadria, por exemplo, o facto de as fêmeas gostarem ou não de um macho é mais significativo em termos do seu sucesso reprodutivo do que a sua dominância. Shirley Strum descobriu que entre os babuínos-verdes machos, quanto mais elevado fosse o seu nível hierárquico e maior a sua agressividade, menor probabilidade teriam de as fêmeas copularem com eles. Esses machos eram igualmente postos de parte aquando da descoberta de alimentos especiais, aparentemente por terem poucos amigos que com eles os partilhassem. Leyhausen observou há muito que, quando os gatos lutam por uma fêmea em cio, a gata provavelmente não irá copular nem com o vencedor nem com o vencido - facto que parece ter confundido muitos observadores. Esta evidência significa que muitas teorias acalentadas terão de ser reexaminadas. Uma análise exaustiva da dominância terá de incluir as emoções, quer dos animais dominantes, quer dos subordinados. De uma forma crescente, as tentativas para enquadrar as teorias de dominância na forma como os animais realmente vivem parecem requerer palavras como respeito, autoridade, tolerância, deferência em relação à idade e liderança; termos que começam a misturar conceitos emocionais com os relativos aos estatutos. Longe de tentar ganhar companheiros evidenciando domínio, muitos animais tentam parecer tudo menos dominantes ao cortejar o sexo oposto, para evitar assustar aquele(a) que é alvo das suas atenções. Um bode montês que corteja uma fêmea baixa as costas para parecer mais pequeno, mantém os chifres para trás e dá pequenos passos. Um urso castanho coloca-se numa posição de relaxamento, baixa as orelhas, tem o cuidado de não olhar fixamente para a fêmea, agindo de uma forma brincalhona. A ideia de observar os animais enquanto estes empreendem comportamentos misteriosos, classificando-os segundo uma hierarquia precisa capaz de produzir previsões testáveis, atrai muito os cientistas. Por vezes a ideia de que as hierarquias são inevitáveis e que isso vem provar determinadas coisas acerca dos seres humanos constitui também parte dessa atracção. Poderá ser esta a razão que leve diversos teóricos a prestar mais atenção às espécies agressivas do que às pacíficas, e mais atenção também às espécies em que são os machos a dominar mais do que àquelas em que são as fêmeas as dominadoras, tal como é o caso dos lémures. O interesse humano na dominância é tão grande que parece ser uma área particularmente fértil para erros causados pela projecção. O comportamento dos cientistas, neste caso, pode ser comparado ao dos caçadores desportivos que muitas vezes procuram os maiores machos como troféus. Esses animais, machos dominantes ou alfa, não são habitualmente os animais mais saborosos nem os mais fáceis de encontrar. Contudo, a dominância pode constituir um fenómeno real nos animais bem como nas pessoas. Das vidas humanas reconhecemos a orientação para o respeito ou para um estatuto que pode ser designado por ambição. Numa manada de órix-de cimitarra (Nota 36), numa reserva para a protecção da vida selvagem do Deserto de Negev, um macho de nome Napoleão estava velho e com falta de ar e tinha, por consequência, perdido o seu estatuto hierárquico. Em vez de abandonar a manada, ele continuava a desafiar outros machos e a perseguir as fêmeas. Os seus desafios eram ignorados, mas quando perseguia as fêmeas os outros machos atacavam-

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no e feriam-no com os seus chifres de cerca de 1 metro de comprimento. Os responsáveis pela reserva colocaram Napoleão sob custódia de protecção - num recinto de 5 ares. O animal conseguiu escapar logo no dia seguinte e foi ferido por outro órix. Foi recapturado e tratado - e voltou a fugir. Depois da oitava fuga do recinto, agora já enfeitado com ligaduras e talas, os responsáveis decidiram alterar a abordagem do problema. Uma vez que Napoleão não poderia ser retido à força, decidiram dar-lhe o que ele pretendia dentro do próprio cercado. Concluíram que o que ele queria não era atacar machos ou estar com fêmeas, mas sim ser dominante. Por isso, todas as manhãs o director da reserva entrava no recinto munido de um talo de bambu. Num cerimonial de batalha ritual, ele batia com o talo nos chifres de Napoleão e Napoleão ameaçava-o e investia até que o director permitisse que o vitorioso órix o expulsasse. Napoleão deixou de fugir e viveu nesse recinto até morrer de velhice, o órix mais importante do seu recinto, e aparentemente satisfeito. Valerá a pena colocar a questão de como se sentirá um animal ao perder o seu estatuto hierárquico. Será que os animais ficam deprimidos, adaptam-se, ou constituirá sempre uma forma de rendição?

Violação

A violação, uma forma de agressão sexual, tem sido observada em alguns animais. Os biólogos tiveram ocasião de constatar violações à força em orangotangos, golfinhos, focas, carneiros selvagens, cavalos selvagens e em algumas aves. No Arizona, uma tentativa de violação pôde ser observada em coatis (animais do tipo guaxinim de focinho comprido). Um grande macho irrompeu dos arbustos sobre um grupo de fêmeas e adolescentes, saltou para cima de uma fêmea jovem e tentou copular com ela. Esta gritou e, de imediato, três fêmeas adultas acorreram, rosnando ao macho, tendo-o expulsado e perseguido durante 50 metros pelo desfiladeiro fora. Em nenhuma destas espécies se afigura ser a violação uma norma, mas em diversas delas ocorre com regularidade. Por exemplo, apesar de os abelheiros de cabeça branca (aves africanas que constroem os ninhos em túneis) formarem casais, as fêmeas que saiam dos seus ninhos têm de se esquivar de machos que as tentam atirar à força para o chão para as violar. Os machos atacam preferencialmente as fêmeas que se encontrem em postura e que consequentemente possam pôr um ovo fertilizado pelo violador em vez de pelo companheiro. Entre as aves aquáticas, tais como patos selvagens, rabijuncos (Nota 37) e patos marrecos, uma pata selvagem pode ocasionalmente ser perseguida por um ou mais machos, do que pode resultar a sua morte por afogamento devido ao amontoado de machos por cima dela. Esta fêmea procurará lutar e fugir e o companheiro tentará afastar os agressores, mas os seus esforços defensivos nem sempre são bem sucedidos. Para além disso, o macho deste casal de patos selvagens tentará frequentemente copular com a fêmea imediatamente após a violação por parte de outro macho. Estas tentativas de acasalamento poderão não ser antecedidas das exibições habituais de cortejamento dos casais constituídos. Em muitos destes casos a fêmea visivelmente debateu-se mas em caso algum fugiu". A explicação sociobiológica para estas violações maritais é permitir ao esperma do companheiro ter melhores hipóteses de competir com o esperma do violador. Não aporta, contudo, qualquer luz sobre como o macho ou a fêmea se sentem. Nem este tipo de comportamento fornece qualquer prova de que a

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violação humana seja "natural", determinada biologicamente ou vantajosa em termos reprodutivos. Num parque aquático, em que era dado por companheiro aos golfinhos recém-capturados outro habituado ao cativeiro, os golfinhos-roaz nunca podiam ser utilizados como companheiros, em virtude de atormentarem e por vezes violarem o recém-chegado, se este pertencesse a outra espécie. Em habitat natural, os golfinhos-roaz - apesar da sua imagem popular- mente santificada - têm sido vistos formando gangs para sequestrar e violar fêmeas da sua própria espécie. Hans Kruuk testemunhou uma hiena macho malhada tentando copular com uma fêmea, que o repelia a cada tentativa. A cria desta, de dez meses de idade, encontrava-se nas proximidades e a hiena macho montou-a repetidamente e ejaculou nela. De acordo com Kruuk, a cria às vezes ignorava o facto e por vezes debatia-se "ligeiramente como se se tratasse de uma brincadeira". A mãe não interveio. Contudo, este tipo de com portamento parece ser raro em animais e é difícil encontrar relatos que os citem.

Raiva e Agressão

Na maioria dos debates sobre agressão e dominância, nada é dito sobre a raiva ou outras emoções que possam inibir esse comportamento. É muito difícil dizer quando a raiva está ou não envolvida na agressão. O comportamento agressivo nos seres humanos pode ser friamente calculado: o que quer que seja que o motive não parece ser a mesma coisa que leva as pessoas a gritar e a enfurecer-se. Acredita-se que os pinguins empurram um dos seus semelhantes para dentro da água, antes de todo o grupo mergulhar, para ver se existem focas-leopardo (Nota 38) à espera que eles mergulhem para os devorar. Se fosse possível provar essa ocorrência, seria bastante improvável que os pinguins cometessem esse acto tão agressivo motivados por raiva. Em algumas ocasiões o comportamento animal é comparável à experiência humana de raiva e irritação e talvez seja mais fácil entendê-lo desta forma, uma vez que não constituem reacções estereotipadas. As girafas parecem não gostar de carros. Quando um carro buzinou a uma girafa que estava parada na estrada, a girafa virou o carro e escoiceou-o vigorosamente. Outro condutor encontrou duas girafas a atravessar uma estrada à noite, parou e diminuiu as luzes dos faróis. Uma das girafas saiu da estrada mas a outra dirigiu-se ao carro, virou-se de costas para este e deu uma série de coices no radiador com ambas as patas posteriores. Para alguém que já tenha sido incomodado pela buzina de um veículo, esta é a verdadeira imagem de um comportamento irritado, até mesmo a concretização de uma fantasia. Karen Pryor observa que se estivermos a ensinar pessoas ou botos a executar uma tarefa pela qual anteriormente sempre foram recompensadas e depois deixarmos de as premiar, ambas as espécies parecem ficar irritadas: os seres humanos resmungarão e terão um ar muito carrancudo, os botos saltarão da água e encharcar-nos-ão dos pés à cabeça. Pryor também descreve Ola, uma falsa baleia assassina adolescente (semelhante às orcas), reagindo a uma ave chamada "mergulhão" (Nota 39). Um dia, durante a exibição no oceanário, um mergulhão aterrou perto do tanque de Ola. Ola levantou a cabeça da água e olhou fixamente para a ave. Como o mergulhão não se mexeu, Ola deu um salto em direcção a este com a boca aberta. O mergulhão permaneceu imóvel. Nesta altura, a maior parte do público já ignorava completamente o espectáculo e observava Ola e o pássaro. Ola

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movia-se violentamente à volta do tanque, produzindo grandes ondas que iam bater nas patas do mergulhão. Mesmo assim a ave continuava quieta. Ola submergiu, encheu a boca de água, veio à superfície e atirou-a em jacto acertando em cheio no mergulhão. A ensopada ave levantou voo e a audiência desatou a rir. Este riso contém um elemento de identificação. Estranhamente, os treinadores de cães não estão de acordo quanto aos cães poderem sentir raiva, apesar de geralmente concordarem que os cães conseguem reconhecer a ira nos seres humanos. Mike Del Ross, experiente treinador da Guide Dogs for the Blind, apesar de estar convicto que os cães sentem medo, tristeza, felicidade, frustração e outras emoções, duvida que sintam raiva ou inveja, mesmo quando se comportam de forma agressiva. Outra especialista em cães-guia, Kathy Finger, está em total desacordo, afirmando que os cães podem, de facto, sentir raiva. Esta diferença de opiniões pode resultar de distintas definições atribuídas à raiva, mas também poderá ter como base a situação que todos os treinadores de cães ouvem constantemente: o cão que desata a destruir coisas quando é deixado só. O dono tem a certeza que o cão está furioso por o terem abandonado e por isso morde a mobília, faz buracos, atira com coisas ao chão ou ladra por vingança. O treinador pode estar igualmente certo que o cão esteja profundamente entediado e que a solução reside em proporcionar melhores condições ao cão em vez de discutir o que o dono considera como uma raiva injustificada. Contudo, ambas as explicações são totalmente compatíveis. Um dos colegas do famoso Ivan Pavlov tentou descobrir qual o grau de precisão com que um cão seria capaz de diferenciar um círculo de uma elipse. O animal recebia uma recompensa alimentar pelo círculo mas não pela elipse. De cada vez que o investigador observava (aparentemente por constatar o fluxo de saliva do cão) que o cão conseguia separar as formas, era iniciada uma nova série de testes, com uma elipse mais curva. Após três semanas, o cão começou subitamente a piorar na realização dessa distinção. "O cão até aí calmo começou a ganir no canil, andando de um lado para o outro, rasgando com os dentes o aparelho de estimulação mecânica da pele e mordendo nos tubos que ligavam as instalações do animal ao observador, comportamento que anteriormente nunca se tinha verificado. Ao ser levado para a sala experimental, o cão desatava agora a ladrar violentamente, algo também bastante distinto do seu comportamento habitual; em resumo, apresentava todos os sintomas de um estado de neurose aguda." O senso comum dir-nos-ia que não se tratava de um cão neurótico, mas sim de um cão zangado e frustrado. A dificuldade em destrinçar a raiva da agressão está relacionada com os animais predadores, cuja forma de arranjar alimentos é mais directa do que tudo o que a maior parte das pessoas possa experimentar. (Ninguém considera uma pessoa que come um hambúrguer que se está a regozijar com o sofrimento das vacas.) Facto que já serviu por vezes de pretexto para argumentar que os animais são diferentes dos seres humanos na sua selvajaria. Os predadores são muitas vezes considerados cruéis, devido à sua própria natureza. Este atributo tem sido utilizado para justificar a caça de determinadas espécies que praticamente se encontram agora em vias de extinção, tal como o lobo e o tigre, e também é aplicado em relação a pequenos predadores como a raposa e o gaio azul. E uma vez que são cruéis uns para os outros - de acordo com esse conceito - os seres humanos têm o direito ou dever de os exterminar. Os casos em que os predadores matam mais animais do que os que podem comer ou começam a devorar a presa enquanto esta ainda se encontra viva são encarados com particular horror. A bibliografia que se insurge contra a protecção dos lobos, por exemplo, está repleta de relatos de veados "literalmente comidos vivos" por lobos. O cão-silvante (Nota 40) (o dhole de Kipling) da índia, em virtude dos seus dentes caninos serem pequenos, raramente

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mata a presa com rapidez, por isso é perseguido por ser traiçoeiro e feroz. É muito comum alguns predadores começarem a comer a presa antes de esta estar morta. Trata-se de uma rotina para eles matar e comer animais bebés diante dos olhos das respectivas mães. Será que este facto reflecte crueldade? Realmente aparenta uma indiferença ou falta de empatia. Em determinados lugares e ocasiões, a degustação de determinados animais vivos é considerada uma iguaria pelos seres humanos. Contudo, a questão não é se os seres humanos podem ser cruéis - a História demonstra-o irrefutavelmente. A questão é sim se os animais podem ser cruéis. Se os animais deverão ser desculpados pela prática de actos cruéis tais como comer o bebé diante da angustiada mãe, com base em que eles simplesmente não conseguem entender os sentimentos do outro animal, poderemos então acreditar que eles alguma vez possam ser gentis, compassivos ou empáticos, situações que igualmente requerem a compreensão dos sentimentos dos outros?

Tortura: o Gato e o Rato

A crueldade abarca uma série de situações que vão desde a falta de empatia até ao sadismo. Os animais cometem de facto actos cruéis. Mas será que são cruéis? Será que atormentam e torturam? Gostarão eles de fazer outros sofrer? (Os extremistas que negam que os animais possam sofrer também têm de negar que eles possam ser cruéis, uma vez que não podem desfrutar de um sofrimento inexistente.) Uma ocorrência familiar de um animal a torturar outro é-nos proporcionada pela observação de um gato e um rato. Inúmeras vezes trata-se de um gato bem alimentado que é visto a apanhar um rato que depois não come. Poderá não devorar o rato imediatamente. Poderá em vez disso atirar o roedor ao ar, deixá-lo correr um bocado e quase escapar e aí atacar de novo. Poderá conter a criatura que se debate sob a sua pata e observar as suas desesperadas tentativas para escapar, com uma expressão que muito se assemelha a prazer. Foi visto um leopardo a brincar com chacais capturados exactamente da mesma forma. As experiências de Paul Leyhausen e outros com gatos domésticos e felinos selvagens em cativeiro demonstram que um gato continuará a perseguir, a apanhar e a matar ratos muito depois de ter deixado de sentir fome. Eventualmente, poderá deixar de os matar mas continuará a persegui-los e a apanhá-los. Seguidamente poderá deixar de os agarrar, mas continuará a dar-lhes caça. Ao cabo de um grande bocado, poderá desistir dos ratos durante algum tempo. Mas a fase durante a qual o gato persegue e apanha o rato sem o matar e comer, assemelha-se muito a tortura. Analisemos então o que o gato mais aprecia: em primeiro lugar perseguir, depois apanhar, a seguir matar e por último comer o rato. Isto poderá parecer anti-ético em termos de sobrevivência, mas esta hierarquia de apetites corresponde ao que um caçador tem de poder fazer para ser bem sucedido. Um predador poderá ter de perseguir diversos animais antes de conseguir caçar apenas um, e não consegue matar todos os que apanha (algumas presas conseguem fugir), e eventualmente terá de caçar um número superior ao que consegue comer (tal como quando está a arranjar alimentação para as crias). Foi calculado que um tigre consegue apanhar a presa em uma de cada vinte tentativas. Os jovens tigres praticam as suas capacidades predatórias com presas caçadas pela mãe mas que esta não mata imediatamente. Foi possível observar uma leoa segurando entre

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as patas um javali vivo enquanto as crias desta contemplavam fascinadas, e chitas trazendo gazelas vivas para as crias. Será que um gato farto de matar ratos poderá ter prazer no seu sofrimento? Os caçadores desfrutam da sua pontaria certeira, da sua capacidade de encontrar a presa. Poderão gostar de matar o faisão ou o veado, mas a maioria dos caçadores reivindicará que não gosta de contemplar o sofrimento do faisão ou do veado. Em relação aos gatos, como poderá o mesmo ser testado? Consideremos presas que não sofrem. Um gato dificilmente terá qualquer prazer no sofrimento de uma bola de lã ou de papel. Um gato é atraído por determinados atributos da presa - uma corrida rápida ou passadas irregulares. Os ratos habitualmente evidenciam melhor esses atributos do que quaisquer bolas de lã ou de papel. Mas se uma bola de papel pudesse também guinchar e fugir rapidamente, seria igualmente atraente para o gato. Foram vistos gatos a brincar com bolas de papel enquanto os ratos corriam de um lado para o outro ao alcance das patas do felino. Para além do movimento da presa, a ideia da presa escondida exerce muitas vezes um grande fascínio sobre os gatos. Leyhausen relata que um serval (felino africano de grande porte, parecido com o lince) em cativeiro, quando já tiver saciado a sua fome, poderá apanhar um rato, transportá-lo delicadamente até um buraco ou uma fenda, e atirá-lo para aí. Se o rato não aproveitar a oportunidade para se esconder, o serval empurrá-lo-á mesmo para bem dentro do buraco com a pata anterior - e depois tentará "pescá-lo" de novo. Isto certamente não deve ser nada bom para os nervos do rato, mas os servais também brincam ao mesmo tipo de jogo com pedaços de casca de árvore. Em alternativa poder-se-á perguntar se outros felinos têm prazer no sofrimento das presas caso não implique um comportamento de fuga. Será que um gato gosta de ver um rato ser espancado ou dilacerado por um aparelho de tortura? Parece pouco provável - os ratos feridos apanhados em ratoeiras despertam pouco interesse nos gatos. (Se alguém sugerisse a realização deste tipo de experiências, obter-se-ia instantaneamente mais dados acerca da crueldade nos seres humanos.) Um gato rapidamente perde o interesse num rato demasiadamente ferido para poder fugir. Talvez o gato lhe bata com uma pata para ver se consegue induzir de novo a sua fuga, mas caso não o consiga, o gato desinteressa-se. O rato poderá estar manifestamente em sofrimento, arfando e sangrando, mas, se não procurar escapar, um gato bem alimentado não evidenciará qualquer interesse nele. A morte, em si, não se reveste de qualquer atractivo. De onde provém esse júbilo que parecia resplandecer na face do gato? O gato gosta de caça, de apanhar a presa, de triunfar. E muitos predadores também. Poderá afirmar-se que gostam de matar a presa. Eles não estão minimamente interessados em como se sente a presa. São os movimentos do rato e não o seu medo que fascinam o gato. A parte de apanhar a presa faz parte do seu trabalho e eles gostam de ser bem sucedidos.

Matanças em massa

As matanças em massa têm sempre enfurecido os pastores e avicultores desde que as pessoas começaram a criar animais. Num caso típico, uma doninha entra num galinheiro e mata todas as galinhas, muito mais do que poderá possivelmente comer; ou uma raposa salta uma vedação e mata um bando de gansos, levando consigo apenas um deles. Em termos de vida

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selvagem, as orcas atacam um cardume de peixes e vão dilacerando um após outro deixando os corpos a flutuar. Os ursos, confrontados com um rio cheio de salmões, tornam-se cada vez mais selectivos sobre quais as partes do peixe a comer, chegando às vezes, como se estivessem em transe, a apanhar e largar os salmões sem mesmo os matar. As hienas investem sobre um bando de gazelas à noite e matam-nas às dúzias, muito mais do que toda a matilha pode comer. Estes assassinos em massa estão carregados de crueldade, perversão e desperdício. O facto de os predadores matarem mais do que precisam para se alimentar é utilizado para os abater - ou seja, matar animais que os seres humanos também não necessitam para comer. Os predadores que matam em excesso são frequentemente animais que armazenam a comida para mais tarde a comer. As raposas e doninhas depositam os alimentos em esconderijos. As hienas, tanto em habitat natural como em cativeiro, foram observadas a armazenar alimentos em águas pouco profundas, o que evita que estes apodreçam tão rapidamente como se fossem deixados simplesmente ao ar. Talvez os predadores que armazenam a comida possuam a capacidade de executar essas mortes em massa porque frequentemente as presas em excesso podem ser guardadas em esconderijos. E poderão verificar-se ainda assim matanças em massa, mesmo quando o animal não possa armazenar o excedente, tal como a raposa que mata um bando de gansos quando apenas pode transportar um deles. Quando as hienas executam matanças em massa outros membros da matilha, incluindo as crias, muitas vezes comem parte do excedente. As orcas que matam uma multidão de peixes num frenesim conseguem comer mais do que se apenas devorassem o peixe que acabam de matar, enquanto o resto do cardume conseguia escapar. Estes animais poderão não fazer uma avaliação rigorosa de quantos peixes serão comidos pelo bando e como tal poderão matar peixes em excesso. Mas estes são simplesmente argumentos que se prendem com o valor de sobrevivência das matanças em massa. Do ponto de vista emocional, a questão é se algumas criaturas gostam de efectuar matanças em massa. Provavelmente algumas sim, não pelo facto de matarem mais do que necessitam mas porque estão a utilizar ao máximo a sua destreza, exercitando as suas capacidades. E evidenciam funktionslust, o prazer decorrente do seu poder. O cientista David Macdonald, autor de Running with the Fox, afirma o seguinte: "Tive ocasião de observar as matanças em massa realizadas por raposas. Certa mente que as suas posturas e expressões não eram nem agressivas nem frenéticas. Pareciam mais encontrar-se em plena diversão ou talvez meramente norteadas por um objectivo." Será que estamos a reivindicar apenas emoções simpáticas para os animais e não as desagradáveis? Afigurar-se-á provável que os animais possam ser gentis mas nunca cruéis? Seremos nós, como espécie, os únicos a deter a capacidade da crueldade?

O Alvo da Crueldade

Embora os predadores não sejam vistos torturando e comprazendo-se com o sofrimento das suas presas, poderão ainda assim desfrutar com o sofrimento uns dos outros. Não constituiria um desvio a um padrão bem conhecido colocar a hipótese de que o alvo da crueldade real sejam aqueles mais próximos da criatura - a sua família ou membros do seu grupo? Serão os gatos cruéis para outros gatos? As raposas terão prazer em ser cruéis para outras raposas, e as

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hienas em relação a outras hienas? Não existe grande disponibilidade de provas. De facto, por vezes as hienas e raposas agem de forma cruel em relação às suas congéneres. Mesmo enquanto crias, irmãos da mesma ninhada podem atacar e matar-se uns aos outros. É fácil argumentar que se trata de um benefício supremo evolucionista para aquele que mata, mas é difícil adivinhar o que este sente. Talvez esses animais sintam ódio, contudo o ódio não parece descrever a relação entre os predadores e a presa. Sob a perspectiva da evolução, os coelhos não teriam qualquer vantagem em odiar os mochos e não parecem fazê-lo. O medo é simultaneamente mais vantajoso assim como uma melhor descrição para o seu comportamento. Nem os mochos parecem odiar os coelhos. Contudo, existe alguma coisa semelhante a ódio, não obstante reservado aos competidores da mesma ou de outras espécies. A interacção entre leões e hienas parece ser por vezes profundamente hostil. Mesmo quando não lutam por uma presa, observam-se uns aos outros e atacam um animal enfraquecido ou isolado. Chalier ressalta que um leão que persegue uma hiena, chita ou leopardo não evidencia a face impassível de um leão em caçada. Exibe os dentes enquanto lança rugidos que utilizaria contra outro leão. Os animais também podem odiar rivais da sua própria espécie. Ninguém está mais bem equipado para competir com um animal do que um seu congénere - as suas necessidades podem ser idênticas. Um lobo pode não só ser desapossado da sua posição na alcateia como também ser selvaticamente ata cado, escorraçado e mesmo morto por outros lobos. Congo, um chimpanzé criado por seres humanos desde muito pequeno, ficou extremamente infeliz quando foi enviado para as instalações de um jardim zoológico. Esperava-se que a companhia das chimpanzés fêmeas lhe agradasse, mas ele odiou-as e rejeitou as suas manifestações de amizade. Começou a solicitar cigarros acesos aos visitantes do Zoo e brandindo-os, perseguia os outros macacos à volta da jaula, tentando queimá-los. Desconhece-se se ele sentia desprezo pelos chimpanzés não socializados ou simplesmente direccionava para outros alvos a sua raiva por ter sido abandonado pelos seus companheiros. Mas, indiscutivelmente, os seus sentimentos eram muito fortes. O mau humor do Congo foi diminuindo e finalmente deixou de atormentar as fêmeas. Morreu pouco tempo depois. O bode expiatório, a identificação de um animal como alvo de agressão de determinado grupo, pode ser observado já em alguns animais. Isto é especialmente notório quando os animais cativos estão confinados em alojamentos próximos. Leyhausen fechou diversos gatos em pequenos recintos para ver o tipo de relação que desenvolveriam. Num deles, a "comunidade dos doze", dois gatos passaram a párias sem motivo aparente. Se se aventuravam a descer de um esconderijo num tubo perto do tecto os outros gatos atacavam-nos imediatamente. Nem se atreviam sequer a descer para comer, a menos que Leyhausen estivesse de guarda. Mas é importante não nos abandonarmos à ideia de que este tipo de situações são inevitáveis, uma vez que Leyhausen descobriu que noutras "comunidades" não emergiam nem párias nem gatos dominantes. Ao nível do habitat natural, um pária pode partir, quer para viver em solitário ou procurar outro grupo. Contudo o que afasta os animais dos seus grupos por vezes assemelha-se muito a crueldade. Para responder à questão da crueldade ao nível dos animais teremos de observar de forma mais exaustiva como eles tratam os membros da sua própria espécie e não como se alimentam.

Ciúme: Uma Emoção "Natural"?

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Uma fonte de agressão ao nível dos animais sociais parece dever-se ao ciúme, sentimento que muitas vezes se expressa por raiva nos seres humanos. A abordagem evolucionista rapidamente atribuiu um valor ao ciúme. Entre irmãos de ninhada pode assegurar o acesso individual aos alimentos e às atenções dos progenitores. Entre membros de um casal poderá assegurar que ambos os progenitores concentrem o seu cuidado nas crias mútuas. Nos seres humanos, o ciúme é frequentemente repudiado. As pessoas ciumentas são muitas vezes repreendidas para que não tenham esse tipo de sentimentos. Os ciúmes românticos são algumas vezes considerados antinaturais, um mero artefacto cultural. Sem entrar na análise de se o ciúme é errado ou pouco inteligente, é possível examinar a afirmação de que se trata de um produto da cultura humana questionando se os animais algumas vezes estão ciumentos. (A eventualidade de se poder tratar de um produto da cultura animal já constitui uma questão mais subtil.) Apesar do ciúme poder surgir em qualquer situação que implique a reunião de animais é mais frequente, contudo, na relação entre irmãos e companheiros. Os irmãos de ninhada podem ser bastante maldosos, indo até ao ponto de se comerem uns aos outros. Não se sabe se o factor ciúme está envolvido. Outros membros do grupo, para além dos irmãos de uma mesma ninhada, podem constituir a fonte dos ciúmes. William Jordan descreveu o que se passou por ocasião do nascimento do primeiro bebé de um grupo de gorilas de um zoo. O grupo tornou-se mais fechado e unido - com excepção do irmão da mãe, César, que evidenciou hostilidade em relação à cria: atirando-lhe ramos, e dando-lhe palmadas na cabeça. Finalmente, trepou para fora do recinto "no que parece ser uma manifestação de ciúmes" e acabou por ser colocado noutra jaula. Num parque da Suécia, Bimbo, um jovem elefante macho, recebia atenções especiais por parte de Tabu, uma fêmea mais velha. Com a chegada de uma cria mais jovem, Tabu perdeu o interesse em Bimbo. Este, em resposta e sempre que tinha ocasião, cravava as presas sub-repticiamente em Mkuba, situação à qual Mkuba respondia com altos guinchos histriónicos de pedido de auxílio a Tabu. Este tipo de comportamento é tão reminescente das acções humanas que mesmo os cientistas mais fortes se sentem impelidos a respirar fundo e começar a dar números aos animais que observam, em vez de os designar por um nome. Freud formulou o conceito do complexo de Édipo em relação aos seres humanos, mas Herbert Terrace interpreta as acções do chimpanzé Nim Chimpsky sob esta luz. Tendo sido retirado à mãe apenas com cinco dias, Nim foi criado numa família humana. A sua mãe adoptiva, Stephanie, observou que Nim tanto evidenciava afecto como também uma certa hostilidade em relação ao seu marido. Uma vez, Nim, Stephanie e o marido estavam a fazer uma sesta durante a tarde numa grande cama, estando o primata - que na altura tinha seis meses - deitado entre eles. Nim parecia estar a dormir mas quando o marido de Stephanie a enlaçou com o braço Nim deu um salto e mordeu-o. Terrace não conseguiu resistir a descrever o comportamento de Nim como "completamente edipiano", apesar de serem possíveis outras explicações. O famoso papagaio cinzento Alex, que diz palavras cujo sentido entende, não é uma ave prodígio. A sua treinadora já trabalhou com pelo menos outro papagaio cinzento capaz de aprender com a mesma rapidez. Ao ser-lhe perguntado porque é que Alex conseguiu aprender muito mais do que centenas de outros papagaios domésticos ao longo de séculos, Irene Pepperberg atribui o seu sucesso ao método modelo/rival. (Poderia dar-se também o caso de que alguns desses papagaios domésticos compreendessem o sentido das palavras que proferiam, mas que ninguém acreditasse nisso.) Neste método, trabalham

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duas pessoas com o animal, um como treinador e outro como modelo ou rival. Assim, se a palavra a ensinar a Alex é "verde", mostra-se ao modelo (geralmente um estudante universitário) um objecto verde e pergunta-se-lhe de que cor é. Quando o estudante diz "verde", o treinador elogia-o(a) e dá-lhe esse objecto verde como recompensa. Quando o estudante se engana, não há recompensa. Alex, que esteve a observar, é seguidamente solicitado para realizar a mesma tarefa. O estudante pode ser considerado como modelo, que demonstra o que se pretende e em que consiste a recompensa. Mas o estudante pode igualmente representar um rival, alguém que faz com que Alex sinta ciúmes. Talvez Alex não queira realmente esse objecto verde até ver outra pessoa a recebê-lo. Talvez ele não goste que outro indivíduo seja elogiado em vez dele. Tratam-se apenas de meras especulações: a análise de Irene Pepperberg feita ao sistema modelo/rival centra-se na sua referencialidade, aplicabilidade contextual e interactividade, e não nos sentimentos de Alex. Os papagaios, que formam casais duradouros, muitas vezes parecem ter ciúmes do seu companheiro ou daquele que desejam para companheiro. Um papagaio doméstico poderá subitamente tornar-se hostil aos seres humanos se o dono passar a ter uma namorada. A especialista em comportamento de papagaios Mattie Sue Athan considera que um terço dos pedidos de ajuda que recebe resultam em consequência de "triângulos amorosos" em que um papagaio se apaixona por um dos membros de um casal humano e procura livrar-se do outro através de manifestações de hostilidade. As orcas podem também evidenciar ciúmes em virtude do acasalamento. Num Oceanário da Califórnia existiam três orcas, duas fêmeas e um macho. Quando Nepo, o macho, atingiu a maturidade sexual, manifestou uma acentuada preferência por uma fêmea de nome Yaka. A outra fêmea, Kianu, repetidamente interrompia a copulação destes saltando na água e caindo em cima deles. Por fim, atacou Yaka durante um espectáculo. Os cientistas que procedem à classificação do acasalamento entre animais definiram um determinado número de sistemas segundo os quais seria do interesse genético de um animal não permitir que o seu companheiro possa copular com outros. E referem palavras como "monopólio", "defesa" ou "guarda" dos companheiros, mas não em termos de amor e ciúmes. Contudo, o comportamento ciumento, no sentido de possessividade ou exclusividade aplicada ao acasalamento, pode certamente revestir-se de efeitos genéticos. Na famosa colónia de chimpanzés do Zoo de Arnhem, os machos de estatuto mais elevado podem frequentemente impedir que as fêmeas copulem com machos de níveis inferiores, atacando tanto as fêmeas como os machos. Frans de Waal relata que, durante o dia, as fêmeas podem declinar os incitamentos ao acasalamento por parte dos machos inferiores. Quando os chimpanzés são recolhidos para passar a noite, são então colocados em jaulas separadas. Durante este processo em que os machos dominantes estão encerrados, as fêmeas têm a hipótese de acasalar com machos de nível mais baixo sem medo de serem atacadas e, por vezes, chegam até a dirigir-se a correr às jaulas destes para copular através das grades. Se não fosse pelas jaulas as fêmeas talvez nunca se atrevessem a acasalar com chimpanzés de nível inferior. Os chimpanzés selvagens às vezes abandonam o grupo aos pares, em "matrimónios", facto que vai evitar ataques motivados por ciúmes.

Agressão e Não Agressão

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Frans de Waal salientou que, comparativamente, têm sido efectuados poucos estudos sobre a ausência de agressão, restabelecimento da paz e reconciliação ao nível dos animais ou dos seres humanos, apesar de se tratarem de aspectos vitais da vida social. Quando observava chimpanzés no Zoo de Arnhem em 1975, de Waal viu um macaco atacar outro, altercação na qual imediatamente tomaram parte outros membros do grupo, resultando num pandemónio de gritos. Verificou-se uma pausa e, então, os dois macacos que tinham dado origem à disputa abraçaram-se e beijaram-se enquanto todos os outros guinchavam de excitação. Ponderando sobre este episódio, de Waal subitamente entendeu-o como reconciliação. "A partir desse dia tive ocasião de observar que as reuniões emocionais entre agressores e vítimas eram bastante comuns. O fenómeno tornou-se tão óbvio que é difícil imaginar que tenha sido ignorado durante tanto tempo por mim próprio, assim como pelos registos de outros etólogos." De Waal tem desde então estudado a reconciliação em macacos rhesus, macacos-de-cauda-cortada e bonobos. Não só estes primatas procuram fazer as pazes uns com os outros depois de encontros hostis, como também procuram reconciliar outros que tenham tido um desentendimento. Mama, a fêmea mais velha da colónia de Arnhem, uma vez acabou com um conflito entre Nikkie e Yeroen, dois machos dominantes. Ela dirigiu-se a Nikki e pôs um dedo na boca dele - um gesto de tranquilização. Simultaneamente acenou a Yeroen e quando este se aproximou deu-lhe um beijo. Quando saiu Mama de entre os dois, Yeroen abraçou Nikkie e a sua zanga tinha terminado. O argumento de de Waal não é que os primatas não sejam agressivos, mas que a forma como lidam e difundem a agressão é tão importante como o antagonismo e merece igual atenção. O completo entendimento da reconciliação requer as provas das emoções sentidas pelos mediadores da paz. De igual modo, nunca entenderemos a agressão, a crueldade ou a dominância, e a atracção que possam eventualmente exercer, tanto sobre os animais como sobre os homens, enquanto não compreendermos os seus aspectos emocionais.

8

A Compaixão, o Auxílio e a Discussão do Altruísmo

Numa noite durante a época das chuvas no Quénia, uma fêmea de rinoceronte preto e a sua cria chegaram a uma clareira em que tinha sido colocado sal para atrair os animais. Depois de ter lambido um pouco de sal a mãe rino ceronte afastou-se, mas o pequeno rinoceronte ficou preso na espessa lama. Ele chamou e a mãe voltou, farejou-o, examinou-o e dirigiu-se novamente para a floresta. A cria chamou de novo, a mãe regressou e assim sucessivamente até o pequeno rinoceronte estar completamente exausto. Aparentemente a mãe rinoceronte ou não conseguia ver o problema a cria não estava ferida ou não sabia o que fazer nessas condições. Um grupo de elefantes chegou ao depósito de sal. A mãe rinoceronte carregou

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sobre o elefante que conduzia o grupo, que se desviou dela dirigindo-se para uma zona da salina sensivelmente a 35 metros do local onde se encontrava o bebé rinoceronte. Mais calma, a mãe foi novamente em busca de comida por entre as árvores. Um elefante adulto de enormes presas aproximou-se da cria presa na lama e passou a tromba por cima dela. Então, ajoelhou-se, passou as presas por de baixo do pequeno rinoceronte e começou a erguê-lo. Enquanto procedia a esta operação, a mãe rinoceronte surgiu à carga por entre as árvores, e consecutivamente o elefante foi-se embora, regressando à outra salina. Durante diversas horas, sempre que a mãe rinoceronte se embrenhava na floresta, o elefante tentava içar o pequeno rinoceronte para fora da lama, mas a cada tentativa a mãe acorria protectoramente e o elefante retirava-se. Finalmente, os elefantes partiram todos dei xando o bebé rinoceronte ainda atolado. Na manhã seguinte, quando os seres humanos se preparavam para o salvar, o pequeno rinoceronte conseguiu libertar-se, por si só, da lama agora mais seca, e juntar-se à mãe que o esperava. O elefante que tentou salvar o jovem rinoceronte correu algum risco de ser ferido pelos ataques da mãe. Porque é que ele se preocupou em ajudar? Obviamente que não teria qualquer ganho genético decorrente da sobrevivência do rinoceronte. Apesar de serem ambos paquidermes, não há razão para imaginar que os elefantes alguma vez possam confundir as crias de rinocerontes com as da sua própria espécie. Talvez o elefante se tivesse apercebido da juventude do rinoceronte e da situação difícil em que se encontrava e sentisse um impulso generoso de acorrer em seu auxílio. Os elefantes também podem ser bastante desagradáveis com os rinocerontes. Já foram vistos a implicar com um rinoceronte rodeando-o e atirando-lhe com pó para o focinho. No Parque Nacional de Aberdare, no Quénia, um encontro mortal entre elefantes e rinocerontes teve lugar numa noite em 1979. Os elefantes, ao chegarem a um poço de água, expulsaram um rinoceronte macho. Nesse momento, surgiu uma mãe rinoceronte com a sua cria, que começou a brincar com um dos bebés elefantes. A mãe elefanta agarrou no jovem rinoceronte e atirou-o para a floresta e parecia prestes a empalá-lo com as presas. Mas a rinoceronte fêmea carregou sobre ela e tanto a mãe como a cria rinoceronte conseguiram escapar. Nesta altura, o rinoceronte macho anteriormente expulso regressou de novo. A irada elefanta mãe carregou sobre ele, atirou-o a uma distância de 3 metros, ajoelhou-se sobre ele e perfurou-o com uma das presas, matando-o. Não deverá ser mais difícil interligar estes dois incidentes do que harmonizar comportamentos humanos igualmente diferentes. Por vezes, as pessoas comportam-se de forma generosa com uma criança desconhecida e noutras ocasiões com bastante malvadez. Contudo, apesar de por um lado não se ter verificado um movimento significativo para negar que os animais possam lutar e matar-se uns aos outros, muitos argumentam que os animais não se podem comportar de forma altruísta uns com os outros e que não dispõem da capacidade de sentir compaixão e generosidade. No entanto, as observações do que se passa de facto no mundo real não vêm confirmar esta opinião. Os animais jovens são muitas vezes defendidos por outros animais que não lhes são aparentados. Outros membros do grupo poderão defendê-los. Os jovens órix brancos são defendidos não só pela mãe como também por qualquer órix do grupo. Uma gazela thomson defenderá a cria de uma hiena colocando-se entre as duas - mas as outras fêmeas do grupo também o farão. Foram observadas quatro gazelas fêmea "distraindo" em simultâneo uma hiena de uma única cria. Poderá não ser condição fazer parte de um grupo para que um jovem animal seja defendido por adultos estranhos. Assim, um investigador que tentava marcar crias de rinoceronte descobriu, para sua grande aflição, que os gritos agudos do pequeno animal não só tinham chamado a mãe em seu auxílio como também todos os

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rinocerontes que se encontravam ao alcance sonoro. Um grupo de chimpanzés em Gombe estava a caçar javalis e o adolescente Freud conseguiu capturar um leitão. A fêmea javali carregou sobre ele e mordeu-o até ao osso. O leitão fugiu mas a javali continuou ferrada ao pobre Freud que gritava. Gigi, uma chimpanzé fêmea sem filhos, avançou para o javali que girou para a enfrentar. Apesar de gravemente ferido, Freud conseguiu trepar para uma árvore e Gigi libertou-se com um grande salto, escapando aos dentes do suíno apenas por centímetros. As zebras defendem energicamente dos predadores tanto as jovens como as adultas do seu grupo. Hugo van Lawick viu dois cães selvagens perseguirem um grupo de aproximada mente vinte zebras até conseguirem separar uma fêmea, uma cria pequena e outra adolescente. Enquanto o resto da manada desaparecia colina acima, a matilha rodeou as três zebras. O principal alvo era a pequena cria, mas a mãe e o adolescente conseguiram mantê-los afastados. Decorrido um certo tempo os cães selvagens começaram a saltar para cima da fêmea, agarrando-a pelo lábio superior - contenção que pra ticamente paralisa a zebra. Van Lawick pensou que os cães em breve iam conseguir os seus intentos e ficou muito admirado ao sentir o chão a tremer e, quando ergueu os olhos, viu dez zebras troando num tropel poderoso em direcção a esta cena. A manada continuou o seu galope, envolveu as três zebras combatentes nas suas fileiras, e galopou novamente para longe. Os cães selvagens seguiram-nas de muito perto até desistirem. Os animais jovens não são os únicos a ser defendidos. Os búfalos africanos às vezes defendem outros búfalos mesmo já adultos. Um leão lutava com um búfalo adulto quando diversos outros búfalos acorreram e escorraçaram esse leão bem como outros dois que estavam à espera ali bem perto. Nem todos os cientistas ficam extasiados com estes com portamentos. Nos meados do século XIX, o naturalista Henry Walter Bates deu um tiro num tucano de crista frisada perto do rio Amazonas para a sua colecção ornitológica. Ao erguê-lo apercebeu-se de que ainda estava vivo, e o animal começou a gritar. De súbito, tal como por magia, aquele recanto sombrio pareceu ganhar vida com essas aves, apesar de quando eu entrei na selva, não haver certamente nenhuma visível. Os tucanos desceram em direcção a mim, saltando de galho em galho, alguns baloiçando-se nas laçadas e cabos das lianas, grasnando todos e agitando as asas tal como um número idêntico de fúrias. Se tivesse uma vara comprida comigo poderia ter derrubado alguns. Depois de ter morto o tucano ferido, comecei a preparar-me para obter mais espécimes e punir aquelas megeras pela sua ousadia; mas uma vez cessados os gritos do companheiro, as aves regressaram às árvores e antes de eu poder carregar de novo a arma já todos tinham desaparecido. Apesar de Bates não correr qualquer risco por parte destas aves, elas poderiam ter conseguido salvar a companheira de um predador mais pequeno e menos bem armado. Considerem a seguinte afirmação, num artigo escrito em 1934 pelo então curador das espécies avícolas do Smithsonian (Nota 41) dirigido a uma audiência de psicanalistas. "Não existem casos de que eu tenha conhecimento de algo semelhante a compaixão ou piedade pelos feridos ao nível de qualquer ave (...) exis tem alguns registos de casos que parecem, à primeira vista, tratar-se de solidariedade ou compaixão face a outras aves. Assim, alguns papagaios eminentemente gregários nos seus hábitos alimentares exibem aquilo que se assemelha a uma forte ligação mútua entre membros de um bando. Se um dos seus for morto ou ferido por um caçador, os outros, em vez de voarem para longe aterrorizados, pairam por cima do companheiro caído chamando-o com grande clamor ('aos gritos', tal como descrito por alguns autores) e assim correndo eles próprios o risco de acabarem por ser vítimas do atirador que continua a disparar." Segundo o autor, "não se trata de verdadeira solidariedade e compaixão no sentido

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humano", mas sim de um sentimento do tipo "comportamento neurótico de fingimento em aves cujos ninhos, ovos ou crias se encontrem em perigo". A abordagem do escritor é mais psicanalítica do que comportamentalista, e no entanto, ao afirmar que as aves não são compassivas mas sim neuróticas, ele consegue uma negação equivalente das emoções animais. Outra forma de altruísmo no sentido de uma preocupação generosa manifestada em relação a outros é-nos exemplificada pelos animais que alimentam ou partilham a sua comida com outros animais, desistindo assim de um trunfo muito tangível para a sua sobrevivência. Tal como salientado pelos observadores de leões, as leoas velhas que já não procriam, cujos dentes estão gastos ou que já têm falta deles, conseguem sobreviver durante anos porque os leões mais jovens partilham as suas presas com elas. Apesar do biólogo e observador de raposas David Mac Donald ter escrito que "Não partilharás a tua comida" pare cerser um dos mandamentos do código comportamental das raposas vermelhas, ele teve igualmente ocasião de ver raposas trazendo comida a outras raposas adultas que se encontravam feridas. Uma raposa, Olhos Arregalados, foi ferida por uma debulhadora. (Macdonald levou-a ao veterinário que diagnosticou ferimentos fatais.) No dia seguinte, a irmã, Orelhas Grandes, veio trazer comida ao local onde Olhos Arregalados tinha sido ferida, ganindo tal como se chamasse as crias para a refeição (apesar de Orelhas Grandes não ter filhos) e deixou os alimentos no ponto ensanguentado onde a irmã estivera. De outra vez, um raposo espetou um espinho numa das patas, que acabou por infectar. A raposa dominante do grupo foi-lhe trazendo comida e o animal conseguiu recuperar.

Compaixão na Doença e Ferimentos

Tatu, uma fêmea mangusto anão, cuja separação acidental da família é descrita posteriormente neste capítulo, magoou a pata anterior com bastante gravidade durante uma luta com outro grupo de mangustos. Era incapaz de apanhar presas agarrando-as com ambas as patas. Como protegia a pata e as unhas cresciam cada vez mais, tornando-a cada vez mais inutilizável, Tatu deslocava-se lentamente e foi perdendo peso. Os outros mangustos passavam mais tempo com Tatu, cuidando da higiene dela a partir do momento em que esta deixou de o poder fazer a si própria. Nunca lhe trouxeram comida. Contudo, de acordo com a observadora Anne Rasa, começaram a procurar alimentos mesmo ao pé dela, a um ritmo mais acelerado. Quando apanhavam alguma coisa, ela pedia-lhes e os outros mangustos muitas vezes cediam-lhe a sua própria comida. Tratando-se de uma fêmea jovem tinha um "estatuto superior", não sendo assim surpreendente que desistissem dos alimentos a favor dela, mas sim que decidissem procurá-los perto dela para dar ocasião a que isso pudesse acontecer. De início, a observadora pensou tratar-se de uma coincidência, mas ficou rapidamente convencida de que se tratava de uma opção deliberada da parte dos outros mangustos. Apesar de Tatu, desta forma, receber quase metade da comida que necessitava, não foi possível evitar a sua morte. Quando morreu, num monte de térmitas, todo o grupo parou e só voltaram a deslocar-se de novo quando o corpo entrou em decomposição. Numa situação de compaixão por doenças menos dramáticas, uma mulher que trabalhava com Koko, a gorila que usava a linguagem gestual, um dia estava com uma indigestão e perguntou a Koko o que esta faria em

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caso de "estômago doente". Koko, a quem era dada uma dose extra de sumo de laranja sempre que estava doente, fez os gestos de "estômago tu laranja". Quando a senhora arrotou, Koko manifestou os gestos "estômago tu ali beber laranja" em que por "ali" se referia ao frigorífico onde estava guardado o sumo de laranja. A mulher bebeu um pouco de sumo, disse a Koko que já estava melhor e ofereceu-lhe sumo a ela. Só então Koko mostrou interesse no sumo para si própria. Dez dias mais tarde, quando a mesma senhora voltou a visitá-la e ofereceu a Koko um pouco de sumo, Koko deu-lho de volta e foi preciso assegurar-lhe que a visitante se sentia bem para que a macaca bebesse o sumo. Foram vistos elefantes machos transportando ramos tenros de árvores para um macho velho deitado no chão, demasiado doente para conseguir procurar a sua própria comida. Animais doentes ou feridos podem ser ajudados de outras formas para além da parte alimentar. Tal como seguidamente se refere, os golfinhos e baleias muitas vezes apoiam outros membros da sua espécie transportando-os até à superfície se estes se encontram com dificuldades respiratórias. É exactamente o que uma mãe golfinho faz com o filho recém-nascido e o que a "parteira" golfinho faz a outra fêmea durante o parto. Também se conhecem casos de animais que põem em risco a própria vida por membros da sua espécie que não lhes são aparentados. Uma baleia piloto adulta que nadava no Oceano Pacífico foi atingida e instantaneamente morta pelos tripulantes de um barco. O corpo flutuava em direcção ao barco quando surgiram outras duas baleias piloto, colocando-se de cada lado da companheira morta, pressionaram os focinhos no topo da cabeça da morta e mergulharam com ela. Conseguiram afastar-se tanto que não voltaram a ser vistas. Este facto é particular- mente digno de nota porque o pressionar para baixo desta forma não é conhecido como um comportamento estereotipado dos cetáceos. Foram igualmente observados golfinhos e baleias ajudando companheiros feridos a fugir de atacantes humanos, empurrando e mordendo os fios ligados às redes ou arpões quando outros são capturados. Disparar sobre leões com dardos anestésicos pode provocar diversos comportamentos, alguns de cariz altruísta e outros não. Os leões podem atacar outros leões nas vizinhanças se suspeitarem que foram estes os causadores do sofrimento. Quando o animal atingido desmaia, outros leões podem atacá-lo. Por vezes levantam os olhos para a árvore sob a qual se encontram, como se alguma coisa lhes tivesse caído em cima vinda dali, outras vezes investem contra o carro onde o autor do disparo se encontra sentado. Poderão fugir desse sítio colocando-se a uma distância relativamente perto, e por vezes chegam a subir a uma árvore. Frequentemente retiram o dardo com os dentes, embora em algumas ocasiões sejam outros leões a fazê-lo por eles. Cynthia Moss relata o caso de uma elefanta jovem com uma pata posterior muito estropiada, que partira sendo ainda cria. O animal não teria tido qualquer possibilidade de sobreviver se a sua mãe e outros membros do grupo não lhe tivessem feito algumas concessões, tais como evitar terrenos difíceis e esperar sempre que ela chegasse até junto deles. Os gorilas também se deslocam lentamente para permitir que companheiros feridos os consigam acompanhar. É difícil acreditar que não se trata de uma decisão deliberada e consciente. Ralph Dennard, um homem de voz pausada mas com um porte militar, passou quase vinte anos a treinar "cães-guias auditivos" para auxílio de pessoas surdas. Estes cães, que se expressam por sinais enérgicos, correm a alertar os donos sempre que ouvem a campainha da porta, o telefone, o temporizador, um despertador ou o detector de incêndios. Dennard acredita que os cães sentem algumas emoções, tais como medo, amor, pesar e curiosidade, mas duvida que possam sentir Compaixão. Uma família adquiriu um cão de sinalização a Dennard, para auxiliar o pai. Gilly, uma cadela collie, veio juntar-se-lhes uns

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meses antes do nascimento do segundo filho do casal, e eles ficaram um pouco preocupados temendo que esta se mostrasse ciumenta e hostil em relação ao recém-nascido. Na primeira noite que o bebé passou em casa, Gilly acordou a mãe de um sono profundo pondo-se a correr aflitivamente para a frente e para trás entre a cama e o berço do bebé. A mãe dirigiu-se ao berço e viu que o seu bebé de apenas um dia estava silencioso e azul. Tinha sufocado com secreções e deixara de respirar. A mãe conseguiu desimpedir as vias respiratórias da criança e este começou a respirar de novo. Mais tarde Gilly ganhou o hábito de avisar a mãe sempre que o bebé chorava. Noutro incidente, um "cão-guia auditivo" acordou a dona quando um gato que entrara em casa ao saltar para o fogão acidentalmente enchera a cozinha de gás. "Porque é que o cão reagiu a isso? Não sabemos", diz Dennard, salientando que não havia qualquer som - nem campainhas nem avisos vibratórios - que constituíssem um sinal que despoletasse a reacção do cão. Obviamente que um cão poderá não gostar do cheiro a gás e querer que um ser humano faça qualquer coisa para acabar com ele. Mas no caso do bebé, o que terá perturbado o cão? O bebé poderá ter emitido sons de sufocação, mas o cão não tinha sido treinado para fazer coisa alguma em relação ao bebé. Parece claro que o cão sabia que a criança precisava de ajuda e queria absolutamente consegui-la. Ao nível dos seres humanos, chamamos a isto sentir compaixão. Outro cão de sinalização, Chelsea, também evidenciava grande preocupação por bebés. Viajando com os donos de avião, Chelsea por diversas vezes envidou esforços para que estes acorressem em auxílio de um bebé que chorava. Finalmente, depois de um grande número de voos, conseguiram convencer Chelsea a deixar as crianças chorosas ao cuidado dos respectivos progenitores. Um relato afectuoso do comportamento solidário fala-nos de Toto, um chimpanzé em cativeiro cujo dono, Cherry Kearton, ficou doente com malária. De acordo com o texto de Kearton, datado de 1925, Toto sentava-se ao seu lado durante todo o dia. Quando o dono lhe mandava, trazia quinino e um copo. Quando Kearton pedia um livro, Toto punha um dedo num dos livros (eram menos de uma dúzia) até Kearton indicar que Toto estava a tocar o livro desejado, e aí Toto levava-lho. Por diversas vezes durante a sua convalescência, Kearton adormeceu em cima da cama completamente vestido e Toto retirava-lhe as botas. "Poderá dar-se o caso de que alguém, ao ler este livro, afirme que a amizade entre um homem e um macaco é absurda, e que Toto, sendo 'apenas um animal' não poderia ter sentido as emoções que eu lhe atribuo", escreveu Kearton. "Não diriam isso se tivessem tido ocasião de sentir a sua ternura e ver os seus cuidados tal como eu senti e vi naquela ocasião." Um animal doente, ferido ou infeliz também pode receber conforto, tal como nos cuidados prestados ao mangusto ferido Tatu, anteriormente descritos neste capítulo. Um chimpanzé selvagem adulto, Pequena Abelha, foi visto pelos investigadores a descer de uma árvore para trazer frutos de mabungo à sua mãe, já muito velha e cansada para subir ela própria à árvore. Já tinha sido anteriormente referido que Nim, um chimpanzé a quem foi ensinada a linguagem gestual, evidenciava grande ternura por pessoas a chorar. Também reagia a outros sinais de pesar. De facto, a sua mãe adoptiva declarou que durante um certo tempo, quando o seu pai se encontrava no hospital, às portas da morte em virtude de um cancro, Nim era mais directo e mais reconfortante em termos das reacções em relação à sua tristeza do que relativamente a qualquer outro membro da família. A trigésima sexta palavra do vocabulário de Nim era lamento, que ele usava sempre que um dos seus companheiros estava triste. A compaixão pode igualmente ocorrer por omissão. Numa experiência cruel e indesculpável, quinze macacos rhesus foram treinados para puxar uma de duas correntes para administração de alimentos. Decorrido algum tempo, foi introduzida uma

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nova faceta a este ensaio: se puxassem uma determinada corrente, outro macaco no compartimento adjacente recebia um potente choque eléctrico. Dois terços dos símios preferiram puxar a corrente que lhes fornecia comida sem dar choques ao outro macaco. Dois dos primatas, tendo presenciado a administração de um choque, recusaram-se a puxar qualquer das correntes. Se os macacos conhecessem os outros símios das jaulas contíguas evidenciavam menor vontade de lhes proporcionar um choque, tal como aqueles que já tivessem recebido um choque estavam menos dispostos a praticá-lo nos seus congéneres. O comportamento destes resistentes contrasta acentuadamente com a experiência anteriormente descrita, na qual macacos rhesus criados em isolamento foram atados a aparelhos de contenção cruciformes e colocados em celas com outros rhesus criados em jaulas em condições "normais". Os macacos livres subsequentemente puseram em prática diversas operações sádicas aos macacos atados. Embora tocassem e mordessem na fita de contenção, o investigador concluiu que não estavam a tentar libertar o macaco preso porque manipulavam a fita com menor frequência do que quando não se encontrava nenhum símio no aparelho de contenção. Embora se possa discutir a falta de capacidade do macaco preso para despertar compaixão ou a capacidade de um macaco de entender o conceito de desatar outro, a ausência de compaixão numa situação com um grupo de símios não invalida a existência de compaixão noutras condições por parte de outros indivíduos.

A Discussão do Altruísmo

O altruísmo nos animais tem sido alvo de uma discussão apaixonada ao longo dos anos, em que os seguidores de uma das escolas de pensamento defendem a impossibilidade da sua existência. O altruísmo neste contexto científico não é o mesmo que o altruísmo na vida do dia-a-dia. Significa um comportamento que vai beneficiar outros mas que reduz também as hipóteses de sobrevivência do altruísta. Por exemplo, Richard Dawkins escreveu: "O altruísmo, em termos dos nossos objectivos, pode ser definido como um comportamento auto-destrutivo realizado em benefício de outros." Como pode a selecção natural - processo através do qual apenas o mais apto sobrevive, transmitindo com sucesso o seu dote genético - alguma vez favorecer um animal que desperdiçou a sua energia ou arriscou a vida praticando acções desinteressadas? Defende-se que isto apenas poderá beneficiar o animal - ou melhor, os genes do animal - se aquele que receber ajuda for um membro da sua família. Procedeu-se a cálculos matemáticos exaustivos para demonstrar o grau de proximidade de parentesco de que o animal deverá dispor para que valha a pena, do ponto de vista genético, ajudá-lo. O altruísmo em relação a um parente próximo, de acordo com estas regras, não conta como altruísmo. No início do seu livro O Gene Egoísta, Richard Dawkins especifica que utiliza o termo altruísmo para caracterizar mais um comportamento do que "a psicologia da motivação". Mas o comportamento e a motivação não são assim tão fáceis de separar, e fazê-lo é ignorar uma questão fundamental. A discussão sociobiológica do altruísmo está profundamente confundida pela redefinição desta palavra de uso comum. Se a compaixão pelos familiares existe mais como uma emoção do que exclusivamente como um comportamento adaptativo, então a compaixão pelos não familiares também se afigura possível. Um exemplo de compaixão dos

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chimpanzés por aqueles que não lhes são nada - uma pessoa que não se encontrava, de facto, numa situação de grande sofrimento - ocorreu quando um grupo de chimpanzés de Gombe estava a ser seguido pelo investigador Gez Teleki. Este verificou que se tinha esquecido do almoço e tentou derrubar alguns frutos com um pau, enquanto os chimpanzés se alimentavam numa árvore próxima. Após dez minutos de esforços mal sucedidos, um chimpanzé macho adolescente, Fungadela, apanhou alguns frutos, desceu da árvore onde se encontrava e deu-os a Teleki. Isto é puro altruísmo de acordo com qualquer definição, uma vez que o ser humano e o chimpanzé não possuíam qualquer parentesco. A mãe de Fungadela morreu alguns anos mais tarde, e Fungadela adoptou a sua irmã de catorze meses, partilhando com ela a comida, levando-a para o seu abrigo para passar a noite e carregando-a consigo para todo o lado. Contudo, como a pequena chimpanzé não tinha ainda sido desmamada, não tinha hipóteses de sobreviver sem o leite da mãe e acabou por morrer ao cabo de três semanas. Um sociobiólogo não consideraria o comportamento de Fungadela como altruísmo, uma vez que este e a cria tinham genes em comum. Contudo, no sentido habitual do termo, uma compaixão semelhante, diferindo na sua intensidade, poderia ter sido considerada como a motivação para a adopção da irmã e para dádiva de fruta a um ser humano esfomeado. Algumas acções que se afiguram altruístas para o homem comum - correr riscos para proteger a própria cria, por exemplo - não são consideradas como altruísmo pela ciência. O sucesso reprodutivo vai garantir a multiplicação dos genes; se um animal não proteger as suas crias terá menor probabilidade de transmissão dos seus genes. O altruísmo é igualmente desvalorizado se a ajuda for dirigida a outro parente para além dos jovens. Foi demonstrado que alguns animais sem hipóteses de se reproduzirem podem ainda assim assegurar a transmissão dos seus genes através da ajuda prestada aos irmãos, sobrinhas, sobrinhos, progenitores e demais família, uma vez que partilham alguns genes com esses familiares. A sua forma física individual poderá não ser melhorada, mas a sua forma abrangente, com base no número de genes sobreviventes nas gerações seguintes, aumentará. Quanto mais genes um animal tiver em comum com um parente, mais vantajosa será, em termos evolucionistas, a ajuda que lhe possa prestar. Esta selecção familiar foi utilizada para explicar a existência da alomaternidade, em que um animal ajuda a educar crias que não são as suas. Um lobo que permanece com os pais e ajuda na educação da ninhada seguinte é um progenitor substituto. Talvez não exista disponibilidade de território para que este jovem lobo dê início à sua própria família, por isso a sua melhor hipótese de transmissão de genes reside eventualmente no auxílio que possa dar na criação dos seus irmãos, com quem detém uma média de 50 por cento de genes em comum. Ou talvez se trate apenas de um lobo zeloso, que ajuda a família. Os cálculos de Dawkins pretendem prever se o altruísmo em relação aos familiares poderá ocorrer. Por exemplo, ele descreve um animal hipotético deparando-se com uma zona cheia de cogumelos e indeciso se deverá emitir o chamamento característico para comida que atrairá o seu irmão, o primo e outro membro da sua espécie mas não da sua família para partilhar esse alimento. Se assim fizer ficará com menos cogumelos para si mas também irá beneficiar o irmão e o primo com quem partilha alguns genes. A equação de Dawkins em relação à vantagem da convocação dos familiares do animal implica um cálculo muito elaborado quanto ao custo/lucro. Não constitui uma surpresa descobrir que Dawkins não sugere que qualquer animal proceda, de facto, a esse tipo de computação. O que ele realmente pretende indicar é que "o cadinho genético se enche com genes que vão influenciar os corpos de forma a que estes se comportem como se tivessem efectuado esse tipo de cálculo". Noutro exemplo, esse autor debate se uma foca-elefante

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deverá atacar imediatamente outro macho que tenha acesso a diversas fêmeas ou se deverá esperar por uma ocasião mais propícia para executar o ataque. Após imaginar o debate interno que se processa na foca-elefante quanto a este assunto, Dawkins afirma: O solilóquio subjectivo constitui apenas uma forma de assinalar que a decisão tomada, quer se trate de lutar ou não, deveria idealmente ser precedida por um cálculo complexo - ainda que inconsciente - do custo/lucro. (...) É importante estarmos cientes de que não estamos a pensar na estratégia como sendo conscientemente elaborada pelo indivíduo. Recordem que procuramos imaginar o animal como uma máquina robótica de sobrevivência, com um computador pré-programado para o controlo dos músculos. Descrever a estratégia como um conjunto de instruções simples em inglês é apenas uma forma conveniente de pensarmos nisso. Através de um mecanismo não especificado o animal comporta-se como se estivesse a seguir essas instruções. Mas imaginar o animal como "uma máquina robótica de sobrevivência" parece um pouco perverso. Obviamente que se trata de uma criatura viva e que sente. Poder-se-á discutir se este "mecanismo não especificado" inclui também emoções. Tanto nas pessoas como nos animais o altruísmo é muito provavelmente acompanhado por emoções que deverão ser igualmente examinadas em consonância. No caso do comportamento altruísta este "mecanismo" inclui as emoções altruísticas da compaixão, empatia e generosidade. Estas emoções, mesmo servindo "genes egoístas", podem também transformar-se em altruísmo genuíno no sentido habitual. Ao debater o altruísmo, uma situação hipotética que os teóricos frequentemente utilizam consiste no salvamento de outros de um afogamento. Num debate sobre a forma como se poderá difundir um gene para salvar parentes de se afogarem, o biólogo J.B.S. Haldane observou que ele tinha salvo duas pessoas (possivelmente) prestes a afogarem-se sem sequer ter parado para pensar se o facto de o fazer poderia acarretar qualquer benefício genético. Richard Dawkins salienta: "Tal como podemos utilizar uma régua de cálculo sem nos apercebermos que de facto estamos a utilizar logaritmos, um animal pode de igual forma estar programado de forma a comportar-se como se tivesse elaborado um cálculo muito complicado." Na vida real, os animais salvam mesmo outros que não lhes são aparentados de um afogamento? Existem histórias antigas sobre golfinhos que salvaram seres humanos de morrer afogados, mas apesar de algumas delas serem plausíveis nenhumas estão documentadas. Parecem plausíveis em parte, porque golfinhos e baleias não só ajudam outros cetáceos como também transportam objectos inanimados sobre a cabeça, de tempos a tempos. Quando assim fazem, agem tal como uma mãe golfinho com a sua cria. Quando a cria morre, as mães cetáceo podem transportar o corpo à superfície durante vários dias. Os cientistas que observaram belugas fêmeas transportando troncos ou outro tipo de madeira flutuante na cabeça desta forma acreditam que são mães cujas crias morreram recentemente. Um golfinho-roaz do Atlântico transportou um tubarão-leopardo sobre o focinho durante oito dias. Talvez seja uma vaidade da sua espécie, mas também pode ser possível que os seres humanos sejam pelo menos tão atraentes como troncos ou tubarões mortos. Washoe, o famoso chimpanzé pioneiro na aprendizagem da linguagem gestual, viveu durante um certo tempo numa "ilha de chimpanzés" num instituto de investigação. Quando tinha sete ou oito anos, outro chimpanzé recém-chegado ao instituto foi colocado na mesma ilha, mas entrou em pânico, trepou pelo gradeamento electrificado e caiu no fosso com um enorme chapão. Enquanto o investigador Roger Fouts corria para o local no intuito de mergulhar e salvar o animal (empreendimento arriscado tendo em conta a força muito superior dos chimpanzés comparativamente à dos seres humanos), viu Washoe

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dirigindo-se rapidamente para o gradeamento, saltar por cima deste, aterrar numa faixa estreita na borda do fosso, esticar-se em direcção à lama e segurar-se às ervas com uma mão, puxando o chimpanzé para fora de água com a outra. Fouts salientou que os dois chimpanzés não se conheciam. Quando lhe foi perguntado se estava surpreendido com a acção de Washoe, Fouts fez uma pausa, confundido, "Só mais tarde, quando foi divulgada essa teoria e se passou a afirmar que o altruísmo não existia. Mas até aí..." e exclamou: "Sabe, eu estava quase a fazer o mesmo. Eu também não conhecia esse chimpanzé assim tão bem e ia-me atirar à água. Já estava até a tirar a carteira das calças e preparava-me para mergulhar e ir salvá-lo. Mas Washoe passou-me à frente. Por isso creio que estava a reagir ao mesmo estímulo que Washoe - indivíduo em apuros." Infelizmente, desconhecemos como o chimpanzé se passou a comportar em relação a Washoe após ter sido salvo por esta. Fouts citou igualmente um caso em que um chimpanzé adulto do Zoo de Detroit caiu no fosso. Os tratadores estavam com medo de o ajudar porque os chimpanzés adultos são muito fortes, mas um visitante deu um salto e salvou o macaco. Para poder ajudar os outros, habitualmente uma pessoa deve ser capaz de perceber que necessitam auxílio. Esse reconhecimento tem de ser instintivo, cognitivo ou ambos. Uma noite, numa baía do Árctico onde se reúnem as belugas, três belugas ficaram atoladas perto de terra em virtude da maré baixa. A barreira de seixos por cima da qual tinham saltado na maré cheia barrava-lhes agora o caminho. As três baleias, uma adulta e duas adolescentes, "gritavam, gemiam e produziam vibrações sonoras". As outras belugas, livres, nadavam para a frente e para trás do outro lado da barreira de seixos, respondendo-lhes. Um biólogo aventurou-se por cima da barreira de pedras, facto que teria resultado, em circunstâncias normais, na fuga das outras baleias. Desta vez, porém, dada a sua excitação, elas nem prestaram atenção. As baleias livres eram incapazes de ajudar os companheiros, mas os observadores conseguiram manter húmido o corpo dos cetáceos encalhados e estes conseguiram partir na maré seguinte. Esta é uma história de emoções primárias. As baleias encalhadas estavam assustadas e pediam ajuda. Os outros cetáceos estavam preocupados e acorreram em ajuda ou possivelmente para mostrar a sua preocupação. As baleias conseguem solicitar ajuda umas das outras e recebê-la em determinadas condições. Aqui, pareciam sentir medo e empatia, apesar de as baleias livres não poderem de facto prestar qualquer ajuda às que estavam presas. Os biólogos Kenneth Norris e Richard Connor observam: "Se (...) as histórias de golfinhos empurrando seres humanos até terra são verdade, deverão ser encaradas exactamente no mesmo contexto que seres humanos empurrando golfinhos encalhados de volta ao mar." Os animais também possuem uma capacidade de indiferença que tende a desanimar as pessoas. Com regularidade fazem coisas que nos chocam, tais como comer as crias mortas ou permitir que os filhos se comam uns aos outros. Uma leoa que perdeu todas as crias menos uma frequentemente abandonará o leãozinho sobrevivente. Um progenitor que defendeu vigorosamente os filhos de um predador, se o predador finalmente os conseguir apanhar, poderá afastar-se com aparente indiferença muito embora se possa tratar de desespero. Assim, tal como a bondade e a crueldade podem coexistir, também a compaixão e a indiferença podem andar lado a lado. Incidentes que sugerem a presença de uma destas emoções não excluem a presença da outra.

Compaixão Inter-espécies

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Tal como com qualquer emoção social, uma criatura terá maior probabilidade de evidenciar compaixão em relação a um membro da sua própria espécie. Alguns animais parecem admitir relações mais amplas do que "membro da minha espécie", tais como um "semelhante felino", um "semelhante ave" ou um "semelhante cetáceo". Para muitos seres humanos a maior emoção que um animal nos pode dar é tratar-nos como a um dos seus. Um assinalável exemplo de sentimentos em relação aos semelhantes é exibido pelas orcas, também designadas por baleias assassinas. Em contraste com os tubarões brancos, não se conhecem incidentes com orcas atacando mortalmente um ser humano no seu habitat natural, apesar destes carnívoros comerem tudo o que nade no mar, desde peixes grandes a baleias gigantes, passando por golfinhos, focas, aves e até ocasionalmente ursos polares. Apesar de facilmente poderem caçar seres humanos, elas têm decididamente evitado fazê-lo. Tendo em consideração o que são capazes de comer, o facto de não comerem seres humanos sugere um sentimento real em relação a um semelhante. Será que se trata de uma restrição por compaixão? Será que comporta um reconhecimento de comunidade? Se assim foi; a nossa espécie não tem retribuído da mesma forma. Apesar das nossas diferenças, os golfinhos muitas vezes tratam os seres humanos como pares em determinados níveis. Mesmo os golfinhos selvagens por vezes se mostram interessados em brincar com os seres humanos. Os famosos golfinhos selvagens da Praia de Monkey Mia, na Austrália, têm aparecido ao longo de anos para brincar com as pessoas. Embora seja tradição oferecer-lhes peixe, os golfinhos muitas vezes não os aceitam, ou aceitam-nos mas não os comem. Parece bastante lógico que uma criatura que pode tão facilmente apanhar peixe fresco não seja tentada por um espécime morto há horas. O que vai na cabeça de um golfinho quando aceita um peixe morto e depois o deixa a flutuar? Dois repórteres que visitaram Monkey Mia viram um golfinho receber um peixe de um turista e depois empurrá-lo em direcção a eles. Confusos, acei taram-no. Enquanto o golfinho os observava, eles sentiram-se socialmente embaraçados enquanto se questionavam sobre se deveriam comer aquilo, devolvê-lo ou fazer outra coisa qual quer. Estavam embrenhados nestas indecisões, quando o golfinho nadou até perto deles, lhes arrebatou o peixe e mergulhou para longe, deixando-os com a sensação de que tinham cometido um faux pas desconhecido. Outra forma como um animal pode tratar um ser humano como se fosse um dos seus é pedindo-lhe ajuda. A acção de pedir ajuda - solicitando compaixão - pode em si ser considerada como uma capacidade para a compaixão nessa espécie. Como é que um animal pode solicitar compaixão em relação a si se não souber do que se trata? Porque é que teria uma capacidade inata para solicitar algo que não existisse na sua própria espécie? Mike Tomkies conta-nos o salvamento de um texugo ferido: "O que explica o facto de ela viver sozinha, e talvez a razão pela qual, tendo farejado o nosso odor e depois de ter de certa forma sentido que éramos amigáveis, ela se aproximou de nós. Era estranho ver o número de criaturas selvagens doentes, incluindo um veado vermelho às portas da morte no Inverno, se aproximarem de nós, como se soubessem que iriam ser protegidos."

ELEFANTES CHORAM

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No livro de Hope Ryden, Lily Pond ("O Lago de Lily"), a autora narra como uma fêmea castor já idosa que ela observava há bastantes anos se precipitou em direcção a ela e a abordou com uma ferida na pata. Enquanto Ryden estava sentada nas margens do lago com os seus binóculos, a velha fêmea, Lily, nadou até ela, arrastou-se para fora da água, trepou para a margem, olhou para Ryden nos olhos e proferiu os sons de persuasão dos pequenos castores. A resposta de Ryden foi trazer-lhe ramos de álamo (muito apreciados pelos castores) até ao lago como suplemento alimentar de Lily. O álamo foi aceite. Apesar de Ryden já ter anteriormente trazido ramos para o lago, tinha-o sempre feito de forma sub-reptícia, no intuito de que os castores não se apercebessem que era ela a fonte. O filho mais velho de Lily, Huckleberry, evidenciava talvez menos compaixão, tentando frequentemente roubar ramos de álamo das patas da mãe. Cynthia Moss escreveu sobre uma elefanta muito doente que se dirigiu até à janela do seu Land Rover e ficou ali parada "levantando as pálpebras de vez em quando e olhando-me fixamente. Eu não sei o que ela estava a fazer; mas creio que de qualquer forma estava a tentar comunicar-me a sua aflição, e eu fiquei muito comovida e perturbada". Barry Lopez, autor de Of Wolves and Men ("Dos Lobos e dos Homens"), conta-nos o caso de um caçador que apanhou um grande lobo preto numa armadilha de preensão das patas. Quando ele se aproximou da armadilha - contou o caçador o lobo estendeu-lhe a pata presa e ganiu. Por vezes o aspecto de um incitamento à compaixão pode ser decepcionante. Um coelho in extremis, que por exemplo se encontre já entre as mandíbulas de um coiote, profere um grito de medo espantosamente forte. Os outros coelhos ignoram este grito, nem sequer se precipitam para ver o que se passa ou para eles próprios se porem a abrigo. O benefício do grito, acredita-se, reside no facto de ir atrair outros predadores ao local e, de facto, os gritos de medo dos coelhos atraem outros predadores. Aparentemente, no confronto gerado entre predadores, os coelhos por vezes conseguem escapar. Um aspecto da empatia que não é considerado geneticamente questionável é aquele que resulta da cooperação, situação em que ambas as partes têm a ganhar. Assim, se um leão percebe que outro leão está a caçar um grupo de gnus e se junta a ele ou o ajuda e partilha depois o resultado da caçada, isto é considerado cooperação e não altruísmo. De facto, parece que quando os leões caçam em cooperação conseguem apanhar substancialmente mais presas do que quando o fazem sozinhos. Se o leão ajudasse outro leão a caçar e depois não partilhasse a caçada, e caso esse leão não fosse seu filho ou parente próximo, isso já seria considerado altruísmo.

Compaixão pelos Seus

Infelizmente para o estudo do altruísmo em relação aos parentes e à própria selecção familiar, os observadores geralmente passam períodos de tempo frustrantes tentando descobrir quem é parente de quem. A maioria dos cientistas quando vêem um animal selvagem a ajudar outro não têm forma de saber se entre eles existe qualquer parentesco e com que grau de proximidade. Estudos de longo prazo, tais como os iniciados por Jane Goodall em Gombe, projectam alguma luz sobre o assunto. A maior parte dos estudos etológicos não têm também acesso a um grande historial. Mesmo em Gombe, os observadores podem saber qual é a mãe

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de um determinado chimpanzé mas apenas podem tentar adivinhar quem é o pai. Quando conhecem o parentesco familiar desses animais, muitas vezes ignoram se os próprios animais têm consciência de que o outro ou a outra são, por exemplo, sua irmã ou seu tio. Alguns estudos demonstraram que alguns animais parecem por vezes preferir os seus parentes em situações surpreendentes. Os macacos-rabo-de-porco preferiam brincar com outros macacos, seus meios-irmãos, do que com outros que não lhes eram aparentados, apesar de nunca os terem visto antes. Desconhece-se se esta circunstância está relacionada com um comportamento altruísta, com uma tentativa de evitar incestos ou com qualquer outra função. As pressuposições sobre os parentescos entre animais podem estar erradas. Entre as cabras montesas, os jovens podem ser vistos seguindo fêmeas com crias mais pequenas, tal como diversos animais seguem as mães durante um ano ou dois. Assim, os observadores, ao verem um grupo de cabras composto por uma fêmea, uma cria pequena, um cabrito de um ano e um adolescente de dois anos, podem frequentemente partir do princípio que se trata de uma família biológica. Contudo, descobriu-se que os cabritos monteses jovens muitas vezes seguem fêmeas que não as suas mães biológicas. O altruísmo em relação à família possui uma respeitabilidade científica, uma vez que pode contribuir para a sobrevivência dos genes da criatura em causa. Igualmente respeitável para os seres humanos é o altruísmo recíproco, segundo o qual os seres ajudam os outros na expectativa de receberem apoio em troca. Foi demonstrado que isto ocorre tanto nos animais como ao nível dos seres humanos. Contudo, as pessoas tal como os animais, muitas vezes ajudam outros que só muito improvavelmente os irão ajudar de volta. De facto, a sociedade espera que acções menores deste tipo sejam realizadas numa base diária e quando não têm lugar levanta-se uma grande indignação. No modelo teórico de altruísmo recíproco, os dois animais que procedem a um intercâmbio de ajuda beneficiam de uma vantagem geral decorrente. Um animal que não retribui a ajuda recebida é detectado pelos outros e deixará de a receber. Alguns investigadores que efectuavam o estudo do altruísmo recíproco gravaram o chamamento de macacos vervet (Nota 42) - sons que estes animais produzem para ameaçar outros da sua própria espécie e ao mesmo tempo solicitar a ajuda de outros macacos vervet - e mais tarde, escondidos no mato, passaram as gravações de diferentes indivíduos observando como os macacos reagiam a essas solicitações. Descobriram que os macacos vervet estão mais abertos a responder aos chamamentos de macacos não aparentados com eles se recentemente se tiverem catado em conjunto ou partilhado outro comportamento de afinidade. Em oposição, reagiam aos chamamentos de parentes próximos quer se tivessem ou não ajudado reciprocamente ultimamente. Foi assim sugerido que a necessidade de os animais sociais poderem monitorizar a sua gratidão recíproca contribuiu para o desenvolvimento da inteligência.

Gratidão

Apesar de um animal poder ter um registo do cômputo emocional de quem deve a quem, este tipo de comportamento pode também ser mediado de um ponto de vista mais emocional, envolvendo não só amor como também gratidão e estados de rancor. Infelizmente, a gratidão é uma das emoções mais difíceis de assinalar, de tal forma que os cínicos muitas vezes

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reivindicam que ela não existe ao nível das pessoas. Se A fizer alguma coisa por B e B for consequentemente muito simpático para A, poderá afirmar-se que B está grato. Outros discordarão contudo, dizendo que B espera mais favores por parte de A ou que B apenas aprecia a companhia de A ou que B está apenas a agir da forma como a sociedade espera que ele faça. Caso B seja um cão poderão ser aplicados os mesmos argumentos. Contudo, muitas pessoas acreditam que a gratidão existe porque eles próprios já se sentiram gratos. Porque é que os animais não poderão também sentir gratidão? A história humana da objectividade relativamente a este assunto não é impressionante. Talvez devido ao peso na consciência esta seria uma das emoções que os seres humanos gostariam que os animais principalmente sentissem - em relação a nós. Joseph Wood Krutch referiu-se a uma carta dirigida a uma publicação trimestral britânica, The Countryman, contando a história de uma borboleta agradecida. O leitor tinha visto um ácaro parasitando o olho de uma borboleta e tinha-o retirado cuidadosamente. A borboleta estendeu a língua e lambeu-lhe a mão. O leitor acreditou que isso era uma carícia de agradecimento. Tal como outros leitores salientaram, as borboletas muitas vezes lambem a pele humana, provavelmente devido ao sal. Afigura-se bastante improvável que uma borboleta interpretasse uma lambidela como um gesto de gratidão: elas não se lambem umas às outras como os cães. A hipótese de um insecto agradecer a um primata através deste gesto parece ser bastante reduzida. Os ornitólogos por vezes ouvem histórias de aves selvagens que dão mostras de gratidão pela ajuda recebida de seres humanos através do canto. Isto também parece ser improvável uma vez que não existe razão para supor que as aves saibam que as pessoas apreciam o canto dos pássaros, mas a ideia é muito atraente. No deserto de Negev, Salim, um entalhador de pedras, apanhou um caracal - gato do deserto do tipo do lince - que tinha atacado o seu galinheiro. Tinha a intenção de matá-lo, mas compadeceu-se do animal e passados três dias deixou-o partir. O animal fugiu, e no dia seguinte tinha morto outra galinha. Nos meses seguintes, esse caracal aparecia frequente mente, ao fim do dia, perto da casa de Salim, sentava-se num ramo de uma acácia e olhava fixamente para o homem, que se sentava numa pedra e lhe devolvia o olhar. Depois de ter morto a última galinha, o felino continuava a aparecer e a contemplar Salim. Talvez o caracal estivesse curioso. Talvez sentisse hostilidade em relação à pessoa que o tinha apanhado e mantido em cativeiro. Talvez estivesse apenas a manter a ligação entre eles. Talvez se sentisse grato. Os treinadores de papagaios por vezes procuram modificar a atitude de um papagaio hostil arranjando forma da pessoa de quem este não gosta poder salvar o animal de uma situação assustadora. Mattie Sue Athan, especializada no comportamento de papagaios, escreveu sobre uma situação em que este tipo de salvamento se verificou acidentalmente. Um papagaio cinzento africano muito hostil que vivia numa loja de animais tinha repelido todos os avanços de diversos treinadores. Quando Athan o libertou da gaiola, o papagaio voou como uma flecha para uma jaula com uma doninha. A doninha abocanhou a pata do papagaio numa mordidela sangrenta, segurando-o com ferocidade. O papagaio guinchou de dor e terror até Athan conseguir à força retirar-lhe a pata da boca da doninha. A ave tornou-se imediatamente dócil e amigável em relação a ela. O método de salvamento para ganhar a boa vontade de um papagaio funciona bastante bem e é muitas vezes explorado por treinadores sem escrúpulos, de uma forma cruel. Quanto ao papagaio salvo sentir gratidão em relação ao seu salvador, ou apenas confiança e admiração - a mesma questão se coloca em relação aos seres humanos que são salvos. Foi possível documentar melhor a gratidão de um determinado animal em relação a outro do que em relação aos seres humanos. No mato do

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Quénia, num fim de dia, Tatu, uma jovem mangusto anã, ficou separada da família em virtude de um antílope, assustado por um remoinho de poeira, ter irrompido pelo meio do grupo. Ao entardecer os mangustos retiram- se para um monte de térmitas, mas Tatu encontrava-se noutro monte a 45 metros da sua família e com medo de atravessar o terreno que os separava. Ela emitiu os chamamentos de "Onde estão?" enquanto saltitava para a frente e para trás no seu monte. A família respondeu-lhe repetidamente com sons cada vez mais altos de "Estou aqui", mas ela não se atrevia a atravessar. Quando já era praticamente noite, Tatu estava rouca e aninhou-se no topo do monte de térmitas. Os pais e outro mangusto (provavelmente a irmã) finalmente dirigiram-se a ela, mantendo-se a coberto na medida do possível enquanto o resto do grupo observava, perscrutando a terra e o céu em busca de predadores. Quando os três chegaram junto dela, Tatu voou para cima deles, lambendo-os e acariciando-os. Quando já tinha cumprimentado os três (primeiro a mãe, a seguir o pai e por último o terceiro mangusto), regressaram para junto do grupo. Tatu estava grata ou meramente satisfeita por voltar a ver a família? O pai fez algo pouco habitual quando Tatu o começou a acariciar, esfregando as glândulas das bochechas nela, atitude que os mangustos anões tipicamente empreendem quando se preparam para lutar uns com os outros. Provavelmente era indicativo de ira e Tatu queria acalmá-lo. Elizabeth Marshall Thomas afirma que os predadores podem expressar gratidão em relação à presa, dando o exemplo de um grupo de leões que tinham morto um cudu (Nota 43). Um dos leões segurou a cabeça do cudu entre as patas e carinhosa e cuidadosamente lambeu-a tal como o faria à face de outro leão. Enquanto assim fazia, uma cria juntou-se-lhe e também lavou a face do cudu. Noutra ocasião um puma foi visto a deitar-se e acariciar suavemente um carneiro das Montanhas Rochosas (Nota 44) que tinha acabado de matar. Este tipo de gratidão poderá não ser lá muito apreciado pelos cudus ou carneiros das Montanhas Rochosas, mas não o torna menos real ao nível do felino.

Vingança

O oposto da gratidão é certamente a vingança. Os papagaios são bem conhecidos por guardarem rancores. É sabido que um animal pode sentir uma grande aversão a um ser humano e tratá-lo com uma agressividade pouco comum. Para estar de boas relações com um papagaio é melhor não ser aquele que lhe corta as garras ou lima o bico. Se uma emoção é possível porque é que a outra não o poderá ser igualmente? Ola, uma jovem baleia assassina falsa de um oceanário, estava acostumada a uma equipa de mergulhadores humanos que trabalhavam no seu tanque. Um dos mergulhadores decidiu arreliar Ola sub-repticiamente. Os responsáveis do oceanário tiveram a primeira indicação nesse dia quando Ola colocou o focinho contra as costas do homem e o empurrou até ao fundo do tanque, mantendo-o preso ali. (Ele envergava um fato de mergulhador por isso não se afogou.) Procurando libertar o mergulhador, os treinadores davam ordens a Ola, tentavam espantá-la com sons muito ruidosos e ofereciam-lhe peixe, sem qualquer resultado. Decorridos cinco minutos, Ola largou o mergulhador. A investigação subsequente veio a revelar a provocação efectuada ao animal. A gratidão e a vingança - isto é, pagar emoções na mesma moeda - poderão revelar-se mediadores de altruísmo recíproco. Partindo das provas, pode-se defender que os animais

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possam ser capazes de sentimentos generosos e compassivos, e portanto de um comportamento altruístico no sentido habitual, de tal forma que, mesmo que esse sentimento tenha surgido por proporcionar uma vantagem genética, origine um comportamento que nem sempre tem de ser vantajoso. Alguns teóricos já admitiram ocasionalmente a possibilidade de um comportamento não vantajoso, facto que pode sugerir outras forças em acção. Assim, Richard Dawkins, ao discutir o fenómeno dos macacos que adoptam crias que não lhes são aparentadas, observa: "Na maior parte dos casos, deveríamos provavelmente encarar a adopção, por muito comovente que seja, como erro de alvo de uma regra inata. Isto porque a fêmea generosa não está a fazer qualquer bem aos seus próprios genes ao tomar conta do órfão. Ela perde o tempo e a energia que poderia investir nas vidas dos seus familiares, nomeadamente nas suas próprias futuras crias. É presumivelmente um erro que acontece demasiado raramente para que a selecção natural se tenha 'maçado' a alterar essa regra, tornando o instinto maternal mais selectivo." Considere-se a reacção a esta citação caso não se soubesse que se referia a animais. Uma generosa fêmea animal "cometendo um erro" dificilmente prova que essa generosidade - e altruísmo - não exista entre os animais. Contudo essa possibilidade geralmente desaparece e, assim, nas páginas finais de O Gene Egoísta, Dawkins afirma: É possível contudo que outra qualidade única do Homem seja a capacidade para o altruísmo genuíno e desinteressado. (...) Podemos até discutir formas de cultivar deliberada- mente e acalentar o altruísmo puro e desinteressado - algo que não tem lugar na Natureza, uma coisa que nunca existiu antes na história do mundo. Um relatório científico recente sobre a partilha alimentar em morcegos vampiros pôs em relevo que "o verdadeiro altruísmo nunca foi documentado em animais não-humanos, provavelmente porque um sistema unívoco deste tipo não é estável do ponto de vista evolutivo". Contudo, os resultados do estudo são ligeiramente diferentes. Os morcegos vampiros partilham a comida (o sangue de outros animais, habitualmente cavalos) com outros vampiros nas suas áreas de nidificação. Facto vital para a sobrevivência dos morcegos, uma vez que se não tiverem comida rapidamente morrem por inanição. Uma pequena colónia de morcegos em cativeiro foi pesquisada para determinar se eles partilhavam os alimentos com os familiares, amigos (num altruísmo recíproco) e com estranhos. Os morcegos que tinham sido bem sucedidos na caçada partilhavam de facto com familiares e com alguns amigos. "Apenas uma vez se verificou a partilha com estranhos", salienta o relatório. Em vez de demonstrar que os morcegos vampiros nunca se comportam de forma altruísta, este estudo evidencia que eles podem ser altruístas, mesmo que em raras ocasiões. A interpretação do investigador é que a partilha com estranhos se tratou de um equívoco. As acções altruístas, quando registadas, tendem a ser tratadas como raras excepções não merecedoras de nota. Para alguns seres humanos, muitos dos quais são cientistas, parece existir um poderoso fascínio relativamente à proclamação de que todo o mundo se rege pelo interesse próprio, provando que a simpatia, auto-sacrifício e generosidade são na melhor das hipóteses uma ingenuidade e na pior um suicídio. Projectar estes conceitos nos animais poderá constituir um dos principais exemplos ocultos do antropomorfismo na ciência. O facto de algumas pessoas serem assim não implica que os animais também o sejam. Contudo a hegemonia científica parece estar em jogo ao proclamar que a compaixão animal - algo em que toda a gente acredita a partir da experiência pessoal - está completamente errada. O provar que todo e qualquer comportamento é, em última instância, pura e simplesmente egoísta dá um especial prazer a determinadas pessoas. Robert Frank, autor de Passions Within Reason ("As Paixões Dentro da Razão"), salientou: "O investigador de olhos

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insensíveis não teme maior humilhação do que ter considerado determinada acção altruística e que mais tarde um colega seu, mais sofisticado, vir demonstrar que esta era apenas realizada em proveito próprio. Este medo certamente vem explicar o extraordinário rio de tinta gasto pelos cientistas comportamentais para desencantar motivos interesseiros que justifiquem acções aparentemente de auto-sacrifício." Não há dúvida que, no intuito de uma melhor comparação, a "política" daquilo que se escolhe como alvo de estudo desempenha um papel restritivo na com preensão do comportamento. Os seres humanos são habitualmente excluídos desses cálculos ou são apenas discutidos depois de um caso aparentemente inequívoco ter sido edificado para o egoísmo universal das criaturas - em que os sociobiólogos imediatamente anunciam tanto que o comportamento humano é ditado aproximadamente pelas mesmas normas como que os seres humanos constituem a única excepção. Nem todos os cientistas caem nesta cilada; alguns têm debatido a possibilidade de uma capacidade generalizada para o altruísmo. Richard Connor e Kenneth Norris indagaram se o altruísmo recíproco se poderia encontrar ao nível dos golfinhos e concluíram ser afirmativo, mas também que esse conceito é insuficiente para explicar um comportamento de altruísmo por parte dos golfinhos. Postularam assim a existência de tendências altruísticas generalizadas nos golfinhos; "as acções altruístas são manifestadas de livre vontade e não necessariamente em relação a animais que tenham possibilidade ou venham eventualmente a efectuar a reciprocidade. Não têm obrigatoriamente de se limitar às espécies do indivíduo altruísta". Na sociedade dos golfinhos, salientam Connor e Norris, os indivíduos podem ter consciência não só do estatuto de concessão de ajuda por parte de outros indivíduos em relação a eles próprios como também relativamente a outros golfinhos de forma geral. Concordam assim com o biólogo Robert Trivers que esse tipo de "situações de multiplicidade" podem recompensar um comportamento de altruísmo generalizado uma vez que os indivíduos podem passar a ser encarados pelos outros como trapaceiros (ou generosos). "Neste caso a selecção pode favorecer um determinado indivíduo A, ao manifestar altruísmo em relação a Outro indivíduo B mesmo quando A sabe que B não o irá recompensar totalmente ou mesmo de forma alguma no futuro. O eventual aumento da boa forma própria de A advirá de uma tendência crescente daqueles indivíduos que tomaram conhecimento do altruísmo de A para agirem de forma altruística em relação a ele." Uma vez debatido que a generosidade é teoricamente possível em animais, também pode ser debatido que se trata de um fenómeno real em determinadas espécies. Segundo a abordagem evolucionista, um animal tem maior probabilidade de receber compaixão por parte de um familiar do que de um parente afastado; por parte de um parente do que por parte de outro que não lhe é nada; por parte de um amigo do que por parte de um estranho; de um congénere do que por parte de um membro de outra espécie. Será de esperar ainda menor solidariedade de uma espécie que nem guarda os seus ovos. Mesmo que isto seja verdade, a compaixão poderá ser uma emoção envolvente que pode produzir e produz altruísmo comportamental, mesmo no sentido sociobiológico. A atribuição de altruísmo aos animais pode estar completamente errada, tal como numa interpretação da notória matança de golfinhos na ilha de Iki no Japão onde os pescadores mataram centenas de golfinhos para impedir que pudessem competir com eles, em termos de peixe. Este abate teve lugar anualmente, durante cinco anos, durante os quais os pescadores não tiveram qualquer dificuldade em cercar os golfinhos para os matar. Facto que causava a maior estranheza aos diversos observadores que tentavam impedir o seu abate, uma vez ser um credo generalizado a extrema inteligência dos golfinhos - até mesmo mais inteligentes do

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que os seres humanos. Uma teoria para explicar esta ocorrência sustentava que os golfinhos estavam a ser altruístas, permitindo que os caçassem e matassem na esperança de que o sentimento de horror desencadeado a nível mundial perante esse espectáculo (alvo de cobertura internacional dos meios de informação) provocasse sentimentos de repulsa e conduzisse à protecção dos animais selvagens. Eram mártires. Decorridos cinco anos, um grupo de golfinhos-roaz, em vez de se deixarem cercar, nadaram velozmente por baixo dos barcos que os rodeavam e fugiram dali. Talvez estivessem fartos do martírio. Quantos animais ajudam outros? Até que ponto pode ir um animal para ajudar outro? Quanto irá pôr em risco? Quantas pessoas ajudam outras, e contra que dificuldades? O Yad Va Shem em Israel, em memória do Holocausto, tem uma Avenida dos Justos para os não-Judeus que puseram as suas vidas em risco para salvar os Judeus do extermínio. À medida que vão sendo descobertos novos feitos de valentia, são adicionadas árvores em honra desses salvadores. Com que se pareceria uma ala arborizada deste tipo para animais? Talvez baleias cantando as epopeias de grandes actos de sacrifício por amor realizados por baleias fêmeas em épocas passadas.

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A Vergonha, o Rubor e os Segredos Mais Recônditos

Darwin defendia que só os seres humanos coravam. Desde essa altura, as emoções sociais autoconscientes, tal como a vergonha, a timidez, o embaraço e a autoconsciência - conjunto de sentimentos que giram à volta da forma como uma pessoa é apercebida pelos outros - têm habitualmente sido consideradas exclusivamente humanas. Contudo, existem provas de que muitos animais também as sentem e de que a vergonha pode constituir uma emoção surpreendentemente básica. Quando lhe perguntaram os chimpanzés selvagens se alguma vez manifestam vergonha ou embaraço, Jane Goodall riu-se. "Sim, de facto. Em habitat selvagem não temos ocasião de o verificar assim com tanta frequência. A melhor história que conheço de um nítido embaraço foi a do jovem Freud, quando este tinha aproximadamente seis anos. Ele estava a exibir-se - de facto, só se poderia descrever a atitude dele como de exibicionismo - para o Tio Figan, o macho alfa. Figan estava a tentar catar Fifi, o novo bebé estava ali e Freud andava de um lado para o outro às voltas, abanando ramos e comportando-se como um verdadeiro maçador. Subiu a uma bananada (Nota 45) bem alta, árvore que possui uns troncos muito frágeis da grossura de uma banana. Freud balouçava-se para a frente e para trás quando de repente o tronco se partiu e ele se estatelou no chão. O chimpanzé caiu de facto muito perto de mim, e por isso foi-me possível ver-lhe a cara. A primeira coisa que ele fez quando emergiu do capim foi lançar uma olhadela a Figan, e depois arrastou-se silenciosamente para longe e foi comer, Este episódio constituiu claramente uma grande perda de posição para ele." A vergonha é um dos sentimentos mais vivamente recordados. Quando recordam momentos

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de felicidade, medo ou raiva, as pessoas em geral não experimentam a emoção de novo ao relembrá-los. Mas a memória de um incidente embaraçoso ou vergonhoso pode frequentemente implicar um novo fluxo de vergonha. Aqueles que coram podem voltar a ruborizar-se com essa recordação. Ao nível da psicologia e psicoterapia humanas, durante anos foi prestada pouca atenção à vergonha. Mas ultimamente começou a ser considerada importante. Já recebeu a designação de "emoção fundamental" utilizada pelas sociedades para a aplicação das suas normas. A culpa refere-se a um acontecimento específico, mas a vergonha - mais global - considera-se dizer respeito ao indivíduo como um todo. Assim, uma pessoa pode sentir-se culpada por ter fugido à sua dieta e vergonha por ser gorda. A culpa pode igualmente resultar de um acontecimento privado, enquanto que a vergonha implica que os Outros saibam ou vejam ou mesmo que a pessoa imagine que o estejam a julgar. Algumas pessoas defendem - não de uma forma particularmente vigorosa, uma vez que até agora se depararam com pouca oposição - que apenas os seres humanos possuem emoções autoconscientes. Afirma-se que os animais são intelectualmente incapazes de autoconsciência - apesar de por esta via geralmente se pretender demonstrar o baixo nível do intelecto do animal mais do que uma ausência de emoções. Muito embora pareça lógico concluir que estas emoções não podem existir sem uma compreensão intelectual da forma como uma pessoa é vista pelas outras criaturas, não é obrigatório que seja exactamente assim. Não há qualquer razão para supor que um animal não possa sentir vergonha sem entender porquê. Tal como Darwin observou, a confusão mental é um sintoma proeminente de vergonha. "Sou incapaz de pensar claramente durante uma situação embaraçosa e não conheço ninguém que o consiga", escreveu o psiquiatra Donald Nathanson. A emoção pode existir quer se entendam ou não as razões para tal. Um animal pode estar envergonhado ou embaraçado sem estar totalmente consciente da razão que provoca esse estado; já outros poderão estar envergonhados ou embaraçados e entender perfeitamente porquê. A autoconsciência denota tanto estados emocionais como intelectuais. Emocionalmente pode tratar-se de um sentimento de desconforto por ser observado (ou por se observar a si próprio) - uma forma de embaraço. Intelectualmente, consiste no conhecimento reflexo da própria mente de uma pessoa, da sua existência e dos seus actos - um campo filosófico pejado de minas. Os estudos conduzidos em primatas com espelhos têm estado no centro de um debate sobre se os animais podem ou não ter autoconsciência. Um chimpanzé ao qual é permitido familiarizar-se com espelhos parece aprender que a imagem reflectida é a sua própria imagem. Se esses macacos fossem anestesiados e marcados na face com uma pinta de tinta e ao acordar lhes fosse dado um espelho, ao verem a tinta no seu reflexo tocariam a face com os dedos, examinariam os dedos e seguidamente procurariam remover a tinta. Os orangotangos também aprendem que a imagem do espelho é a sua; até agora os macacos não o conseguiram fazer. Para alguns observadores trata-se de uma prova de autoconsciência. Outros têm procurado demonstrar que não é nada disso. John S. Kennedy segue algumas críticas ao defender que é mais parcimonioso assumir que o chimpanzé meramente "forma uma associação, ponto por ponto, entre os movimentos da imagem no espelho e os seus próprios movimentos". Esta tortuosa explicação atribui poderes mentais ao chimpanzé que são no mínimo igualmente complexos ao afirmar que este sabe que se está a ver a si próprio ao espelho. O seu interesse reside simplesmente no facto de negar uma eventual autoconsciência num ser não-humano. Os chimpanzés Sherman e Austin, que fazem parte de uma experiência de linguagem com macacos em Atlanta, são monitorizados através de câmaras de vídeo que aprenderam a

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utilizar numa diversidade de formas. Após diversos meses de exposição à sua própria imagem nos monitores de vídeo, cada um deles parecia subitamente perceber que a imagem era de si próprio. E então usavam o monitor para se auto-observarem fazendo caretas, a comer ou a rolar água dentro da boca. Ambos aprenderam a distinguir entre uma imagem ao vivo e uma imagem gravada deles mesmos, fazendo testes para ver se as suas acções eram duplicadas no écran. Um dia, Sherman estava a utilizar um espelho de mão para orientar a sua aplicação de maquilhagem Crayola e, farto do espelho, fez o gesto para que passasse a ser a câmara de vídeo apontada à sua cara. Utilizou então a imagem para aplicar a pintura, bem como para localizar e remover qualquer mancha nos dentes. Numa outra ocasião, Austin fez enérgicas tentativas de utilização do monitor para perscrutar o fundo da sua garganta enquanto simultaneamente a iluminava com uma lanterna. A prática de salvar a face é outro comportamento dos chimpanzés que implica a consciência de si próprio. No zoo de Arnhem, o chimpanzé Yeroen ficou ligeiramente magoado em resultado de uma luta com outro chimpanzé, Nikkie. Para grande espanto dos investigadores, Yeroen passou a semana a coxear dramaticamente - mas só quando se encontrava à vista de Nikkie. Um chimpanzé que pretenda fazer as pazes com outro na maior parte das vezes não o abordará directamente mas sim fingirá ter descoberto um objecto inexistente e utilizar o consequente ajuntamento de diversos chimpanzés para restabelecer contacto com o anterior adversário, estratégia que Frans de Waal considera servir para salvar a face. Numa diversidade de espécies, as provas de que os animais sabem quando estão a ser observados sugere uma autoconsciência. Quando um babuíno macho boceja, os seus impressionantes caninos são ostensivamente exibidos. Ao observar babuínos selvagens, o biólogo Craig Packer descobriu que os machos com dentes gastos ou partidos bocejam consideravelmente menos do que outros machos com os dentes em bom estado - a menos que não se encontrem outros machos nas vizinhanças, caso em que bocejarão com a mesma frequência. É sabido que os chimpanzés evitam contemplar directamente uma fonte de alimentos de cuja existência tenham conhecimento mas que os outros ignorem. Em diversas ocasiões, no Serengueti, leões que tinham conseguido caçar uma presa no capim alto, quebraram o seu costume tradicional de começar a comê-la imediatamente. Em vez disso, o leão sentava-se e olhava à sua volta durante aproximadamente cinco minutos, como se não tivesse apanhado nada. Quando os outros leões que se encontravam na vizinhança partiam, o caçador começava calmamente a comer. Uma cabra montês que veja um predador muitas vezes afasta-se, calma e lentamente, e só quando já se encontra fora da linha de visão do predador dispara a correr a toda a velocidade. Estes animais agem como se tivessem consciência da percepção por parte dos outros do seu comportamento e pretendem influenciá-la. Este nível de autoconsciencialização talvez não permita que uma cabra olhe para um espelho e pense "Sou eu", mas pode ainda assim evidenciar uma autoconsciencialização. A auto-percepção não tem forçosamente de ser total ou inexistente.

Timidez, Modéstia e Embaraço

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O embaraço e a timidez, também consideradas emoções auto-apercebidas, parecem sempre verificar-se numa ocasião infeliz ou quando alguém não quer ser visto. Koko, a gorila que usava a linguagem gestual, mostrou uma forma de embaraço bastante comovente. Entre os seus diversos brinquedos encontram-se uma diversidade de bonecos e bonecas. Uma vez foi vista apontando o gesto "beijo" para o seu crocodilo de brinquedo. Noutra ocasião, Koko, exprimiu o gesto "beijo" para o seu boneco gorila azul e "mau, mau" para a boneca gorila rosa. Seguidamente gesticulou "perseguir cócegas" e apertou os dois bonecos um contra o outro, fazendo-os lutar enquanto indicava os gestos "bom gorila, bom, bom". Em cada uma destas ocasiões, bem como em situações semelhantes, assim que se apercebia que estava a ser observada, parava imediatamente de brincar. Os animais não envergam roupas para esconder partes do seu corpo que os seres humanos, de diversas culturas, consideram fundamental serem ocultadas pelos adultos. Não escondem uma diversidade de acções correspondentes àquelas que as pessoas frequentemente preferem ocultar. O que não quer necessariamente dizer que não exista algo que eles decidam esconder ou manter em privado. O processo de cortejamento de uma ave em cativeiro pode ser disso um exemplo. Alex, o papagaio africano cinzento de grande talento verbal, poderá ter uma fixação em seres humanos. De acordo com Irene Pepperberg, ele tenta cortejar alguns dos seus estudantes do sexo masculino. Ao cortejá-los, Alex regurgita a comida e executa uma pequena dança ritual. "Se ele estiver a cortejar um dos meus estudantes e eu entrar na sala, ele pára imediatamente", afirma Pepperberg. Talvez Alex fique embaraçado. Se, por um lado, ele apenas quer um pouco de privacidade, para que é que precisa dela? Talvez esteja a tentar evitar a competição. Será que é tímido? A timidez é uma emoção que parece confundir-se com o medo, o medo de ser visto, e poderá dar-se o caso de a vergonha estar também relacionada com o medo. A essência da vergonha é a sensação desagradável de dar uma má imagem de si - fraco, estúpido, sujo, impotente ou inadequado - e o terror de ser considerado assim. À primeira vista, a vergonha não tem forçosamente de estar ligada ao medo. Num oceanário (onde os animais nunca eram castigados) um boto, Wela, estava treinado para saltar fora da água e apanhar um peixe da mão de uma pessoa. Um dia, quando a sua proeza estava a ser fotografada, a treinadora Karen Pryor estava distraída e esqueceu-se de largar o peixe, como habitualmente fazia. Do que resultou que quando Wela agarrou o peixe, inadvertidamente, mordeu a mão de Pryor. Wela pareceu ficar "horrivelmente embaraçada", nadou até ao fundo do tanque, comprimiu o focinho contra uma esquina e recusou-se a sair dali até que a treinadora foi lá ter com ela, a acariciou e a conseguiu serenar. O comportamento de Wela é comparável ao de um cão que ladra e ameaça a pessoa que está a entrar em casa - e de repente se apercebe que essa pessoa é o seu próprio dono. De uma criatura ameaçadora, eriçada e a ladrar o cão fica reduzido a um cachorro que se meneia, gane e abana o rabo. Tem sido argumentado que esta mudança cómica operada no com portamento de um cão ou cadela não significa que o animal em causa esteja embaraçado mas sim que apenas procura acalmar um animal dominante - o seu dono - demonstrando-lhe submissão. Quer esta afirmação seja rigorosa ou não, não parece contemplar a atitude de Wela, que se assemelha a embaraço, uma forma de vergonha. A chimpanzé Washoe foi vista a cometer o mesmo erro, ameaçando um velho amigo (que entretanto crescera 10 ou 12 centímetros) antes de reconhecer de quem se tratava e reagir de uma forma que se poderia designar por embaraço caso Washoe fosse humana. Podemos dizer que este tipo de comportamento é meramente um rito de submissão, mas nesse caso a mesma descrição poder-se-ia aplicar às embaraçadas desculpas de um ser humano. Os

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treinadores de cães da Guide Dogs for the Blind afirmam que os cães velhos com relaxamento do esfíncter urinário ou anal parecem embaraçados ou envergonhados. Um cão de dezasseis anos - até aí saudável - nesta situação recusou-se a sair para o exterior como sempre fizera antes. Um texto sobre o comportamento animal evita reconhecer as emoções animais insistindo: "É certamente aceitável afirmar que o nosso cão que se comportou mal está a agir como se estivesse embaraçado. Seria totalmente destituído de fundamento afirmar que ele está embaraçado, apesar de admitirmos a probabilidade da existência de emoções ao nível dos animais."

Corar

O rubor constitui a primeira evidência de vergonha nas pessoas. Charles Darwin, que investigou a ruborização em profundidade, parece ter estado rodeado por pessoas que coravam à menor provocação. Este autor observou que geralmente era acompanhado por outros sinais de vergonha, tais como o desviar dos olhos, da cara ou de todo o corpo. Ele teve alguma dificuldade em conseguir explicar o valor deste fenómeno e, como tal, apresentou uma justificação do tipo lamarckista (Nota 46). Os seres humanos - afirmou Darwin - preocupam-se com o seu aspecto pessoal e com a opinião dos outros. Quando as pessoas sentem a atenção, especialmente a atenção crítica dirigida particularmente a elas, este facto "vai colocar em actividade a parte do sistema sensorial que recebe os impulsos dos nervos sensoriais na face provocando uma reacção através do sistema vasomotor nos capilares faciais. Através de repetições frequentes ao longo de inúmeras gerações, o processo tornar-se-á tão habitual (...) que mesmo uma eventual suspeita de (...) depreciação é suficiente para - sem qualquer cogitação consciente - relaxar os capilares das suas faces". Depois de questionar missionários britânicos designados para diversos pontos do globo sobre este assunto, Darwin concluiu que as pessoas de todas as raças coram e que não é incutido, uma vez que as pessoas cegas de nascença também se ruborizam. (Os seus dados vieram contradizer aqueles que defendiam a escravatura alegando que os negros não coravam porque eram incapazes de sentir vergonha e, como tal, não eram totalmente humanos.) Darwin designou o rubor como "a mais peculiar e a mais humana de todas as expressões. Os macacos ficam vermelhos de paixão mas seria necessária uma esmagadora quantidade de provas para podermos acreditar que qualquer animal seja capaz de corar". Teria sido interessante para Darwin saber que outros animais para além dos macacos também manifestam uma vermelhidão na pele. As orelhas de um diabo da Tasmânia (pequeno marsupial carnívoro) do Zoo de Frankfurt ficaram extremamente vermelhas "no decorrer de um estado de excitação". Alguns pássaros coram, tal como pode ser observado em determinadas áreas da pele não revestidas por penas. Tal como o peru, a melífaga (Nota 47) reluzente e a melífaga cinzenta possuem barbeias sem penas que ficam avermelhadas "quando o animal está excitado". Podemos ver as araras desprovidas de penas na face a corar. Este facto verifica-se quando excitadas ou furiosas e, segundo a comportamentalista especializada em papagaios Mattie Sue Athan, elas já foram vistas corar após quedas acidentais ao procurar descer de um poleiro. O que certamente se assemelha muito a embaraço. Por outro lado, a arara pode estar apenas irritada por ter caído. Talvez se

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venha a descobrir que os seres humanos são os únicos animais que coram de forma autoconsciente. De facto, os seres humanos são singularmente desprovidos de um corpo coberto de longos pêlos, penas e outro tipo de revestimento, e por isso constituem um enorme campo de observação desse efeito. Por outro lado, poderá dar-se o caso que a função de ruborização não seja - ou pelo menos na totalidade - uma função visual. O fenómeno do enrubescimento não precisa de ser visível. Muitas pessoas experimentam um formigueiro na pele - e vergonha - sem evidenciar qualquer ruborização. Se as pessoas corassem, empalidecessem e ficassem verdes com a frequência citada pela ficção, a sociedade seria certamente um local muito mais colorido. Talvez diversas espécies de animais corem sem se dar por isso. Nunca ninguém se deu ao trabalho de verificar se por baixo dos pêlos de um guaxinim ele estremece de mortificação ou cora de orgulho. Desconhece-se se as araras também coram nas partes do corpo cobertas de penas ou se os papagaios enrubescem por baixo das penas. Mas mesmo que não o façam, isso não implica necessariamente que se os animais que não coram, então não sentem vergonha.

As Vantagens da Vergonha

Se fosse possível provar que a vergonha está difundida pelo reino animal, a abordagem evolucionista imediatamente adiantaria que essa característica deveria conferir-lhes algum tipo de vantagem. Só que aquilo que pode ser adaptativo em termos de auto-acusação global não é imediatamente aparente. As emoções autoconscientes parecem ter lugar desde muito cedo nas vidas humanas. Numa série de experiências, os investigadores deram a crianças pequenas brinquedos propositada- mente concebidos para se desmancharem e procederam à gravação das suas brincadeiras em vídeo. Quando um brinquedo se estragava algumas crianças choravam; outras procuravam outros brinquedos; e diversas pareciam envergonhadas ou com um ar culpado. Certas crianças olhavam para outro lado evidenciando "prostração" corporal - considerada uma reacção típica de vergonha. Uma criança parecia tensa e desviou o olhar, mas depois tentou reparar o brinquedo, o que foi considerado como uma reacção de culpa. Helen Block Lewis, uma das primeiras teóricas no campo da vergonha e da culpa, encara estes sentimentos humanos como reguladores das interacções sociais no sentido de combater o narcisismo e punir as transgressões às tradições do grupo. O enrubescimento, para os outros membros do grupo, assinala que aquele que o evidencia reconhece essa transgressão e que como tal admite as regras do grupo. O psiquiatra Donald Nathanson não considera a vergonha uma emoção social. E cita a experiência em que bebés de três a quatro meses conseguiam controlar uma exibição de feixes de luzes coloridas apenas com o virar das cabeças. Os bebés aparentemente adoravam fazê-lo, dando guinchos de prazer sempre que as luzes se acendiam. Quando os investigadores mudaram o aparelho por forma a que os esforços das crianças fossem em vão, as cabeças e pescoços dos bebés descaíram, a respiração acelerou, aumentou-lhes o fluxo de sangue à face e viraram as cabeças para outro lado. Nathanson e outros teóricos interpretaram este comportamento como uma reacção primitiva de vergonha completamente independente do facto de se encontrarem ou não pessoas presentes e assim postularam que a vergonha não é necessariamente uma emoção social.

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(Não ficou claro porque é que o desapontamento e a frustração devem ser excluídos como explicações possíveis.) Na análise de Nathanson a vergonha é "um sistema biológico através do qual o organismo controla o seu output afectivo de forma a deixar de estar interessado ou contente quando já não seja seguro fazê-lo ou para que não continue a ser uma ressonância afectiva a um organismo que não consegue corresponder a padrões armazenados na memória". Ele acredita que recentemente tem evoluído comparativamente. Em termos de vantagens da auto-acusação global, Nathanson defende: "Se concebermos um sistema capaz de ensinar através da experiência e da auto-educação, poderemos igualmente dotá-lo da capacidade de ampliar o insucesso. A vergonha aumenta a nossa memória de fracassos e protege-nos de qualquer perigo que possa acontecer quando, num momento de necessidade, tentarmos algo muito para além das nossas capacidades." Outra possibilidade é que a vergonha faça com que os animais evitem atrair a atenção dos predadores. Os seres humanos sentem-se envergonhados não só dos seus erros actuais ou daqueles que são apercebidos, como também e muito frequentemente das suas diferenças em relação aos outros, mesmo quando essas diferenças são neutras ou até positivas. Sermos olhados fixamente pode ser muito enervante mesmo quando essa contemplação possa ser fruto da admiração. Muitas vezes as pessoas sentem-se desconfortáveis quando são louvadas. O facto de ser destacado, de uma forma qualquer, pode ser extremamente embaraçante - e dar origem até a uma sensação de perigo. Os predadores isolam a presa. Alguns seleccionam-na com base na sua condição física, escolhendo dessa forma animais doentes ou feridos, bem como crias. Poderão estudar as manadas de animais que sejam potenciais presas, perseguir alguns deles e fazer o maior esforço possível para apanhar apenas alguns. A análise da medula espinal de gnus mortos por leões revelou que a maioria se encontrava em más condições físicas. As hienas em caçada efectuam passagens ao acaso nas manadas e ziguezagueiam por entre elas, seguidamente param e observam os animais a correr, norteando a sua atenção de animal em animal, aparentemente em busca de uma potencial fraqueza. Um investigador, que estava a disparar dardos anestésicos sobre gnus para os poder medir e marcar, descobriu que se não tivesse cuidado esses animais seriam imediatamente mortos por hienas assim que ele os libertasse. Apesar de parecerem normais aos olhos dos seres humanos e darem ideia de conseguirem correr tão depressa como sempre, as hienas notaram qualquer diferença. O investigador teve de enxotar as hienas dali com o seu veículo até o gnu ter tido o tempo suficiente para se recompor. Os predadores também reparam noutras diferenças. Um investigador uma vez marcou alguns gnus pintando os seus chifres de branco. No espaço de poucos meses quase todos esses animais tinham sido mortos por hienas. Hans Kruuk registou diversas ocasiões em que as hienas perseguiram animais que presumivelmente se encontravam em boas condições físicas mas que agiam de forma estranha e como tal foram isolados por elas. Uma noite, encandeados pelos faróis de um carro os gnus começaram a correr de uma forma inusitada - sendo instantaneamente perseguidos por hienas. Longe dos faróis, os gnus rapidamente retomaram as suas capacidades e conseguiram escapar. Kruuk também teve ocasião de ver uma manada de diversas centenas de gnus em que apenas um comandava e evidenciava um comportamento territorial. Essas acções, que noutro contexto nada teriam de assinaláveis, imediatamente atraíram a perseguição de uma hiena. O gnu escapou com grande facilidade. O facto desse gnu escapar nessas circunstâncias vem sustentar a ideia que as hienas estavam a detectar diferenças mais do que pontos fracos. O comportamento de um cardume ou de um bando pode confundir alguns predadores de uma

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forma muito simples: evitando que eles se concentrem numa presa individualmente. Quando alguns membros de um cardume de pequenos peixes prateados foram pintados de azul, os predadores atacavam mais frequentemente não só esses peixes, como também os peixes prateados que se encontravam perto deles. Face a uma nuvem de peixes idênticos, o predador não consegue escolher um só, mas é capaz de apanhar o azul ou aquele que se encontra ao lado do azul. Os animais presas muitas vezes parecem perceber as decisões dos predadores. No Zaire, Paul Leyhausen viu dois kobs (Nota 48) (grandes antílopes) machos com um ar pouco à vontade perto de um rio. Nesse momento reparou em dois leões emboscados perto dos kobs, movendo-se por trás dos arbustos, passando de um para o outro. O kob que se encontrava mais perto dos leões pareceu acalmar-se e começou a pastar, mas o outro desatou a correr para a frente e para trás em sinal de alarme. Rapidamente se pode depreender dos seus movimentos - afir mou Leyhausen - que os leões tinham como mira o kob mais afastado, e que ambos os kobs o sabiam perfeitamente antes mesmo que o observador humano conseguisse entender que os leões não visavam a presa que lhes ficava mais próxima. Os animais presas também parecem ser capazes de detectar quando os predadores estão em atitude de caça ou quando estão apenas embrenhados nos seus assuntos, e ajustam a sua distância de fuga em conformidade. Um desejo de esconder a fraqueza e a diferença - comportamento resultante do medo e do não gostar de ser escrutinado - pode levar os animais a empreender acções para evitarem ser caçados. Podem fingir que não são fracos, minimizar as suas diferenças ou esconderem-se da vista dos predadores. Os predadores não são as únicas criaturas capazes de tirar partido de uma manifestação de vulnerabilidade ou fraqueza por parte de um animal. Animais da mesma espécie muito provavelmente são alertados pelos sinais dessa fraqueza e exploram-na. Quando alguns leões no Serengueti foram alvejados com dardos anestésicos, outros leões aproveitaram a oportunidade para os atacar (e tiveram de ser afastados pelos investigadores). Assim, a vergonha pode motivar os animais a esconder a sua fraqueza dos membros da sua manada ou bando. Se um caribu (Nota 49) parecer visivelmente fraco ou coxear será o primeiro da manada a ser atacado por lobos, mas já o lobo que aparentar estar fraco ou doente perderá o seu estatuto na alcateia. Facto que pode ter consequências decisivas em termos de deixar descendência. Assim, para sobreviver, um animal não só deverá estar em boa forma física como também terá de a aparentar. A sensação de vergonha, dolorosa de experimentar, pode fornecer a justificação emocional para esconder uma enfermidade. As doenças e os ferimentos são muitas vezes ocultados. Para desespero dos criadores de animais e veterinários, diversos animais em cativeiro escondem diligentemente qualquer sinal de doença até esta estar já tão avançada que seja completamente impossível salvá-los. As aves são particularmente adeptas deste tipo de comportamento, muitas vezes ocultando os sintomas e aguentando em segredo até ao momento em que, literalmente, caem dos poleiros. Os veados vermelhos da Escócia abandonam a manada quando estão doentes ou feridos. Uma vez foi sugerido que o faziam para o bem da manada, mas é bastante mais verosímil que um veado solitário tenha maiores probabilidades de ser detectado por um predador do que toda uma manada - e se uma manada de veados for detectada então será aquele que esteja doente ou ferido o que terá as maiores probabilidades de ser o primeiro animal atacado. Se o veado conseguir recuperar, regressa à manada. Se os predadores apontam à diferença e não apenas à fraqueza, os animais podem sentir-se vulneráveis ou envergonhados por coisas que atraiam a atenção de outros. Poderá parecer estranho que a vergonha possa levar ao enrubescimento. À primeira vista

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parece contraproducente um animal enrubescer visivelmente ou evidenciar um embaraço físico: não fica com bom aspecto, e o objectivo não é ter bom aspecto ou pelo menos não sobressair em relação aos outros? O prurido provocado pelo rubor pode concebivelmente levar aquele que enrubesce a esconder-se (ou dar-lhe uma razão para se esconder), que serve o objectivo de esconder a fraqueza original que embaraçava aquele que cora. Muitos animais não coram visivelmente, se é que o fazem de todo, por isso pode dar-se o caso de que os seres humanos (alguns de nós) tenham uma certa razão na reivindicação de sermos aqueles que coramos de forma mais visível, mesmo que não se consiga provar sermos os únicos a sentir vergonha. Os donos de animais de estimação afirmam frequentemente que os seus gatos ou cães detestam que se riam deles. Foi relatado por tratadores que elefantes alvos do riso de certas pessoas encheram as suas trombas de água e em resposta deram um duche àqueles que zombavam deles. Parece curioso que animais que não riam possam reconhecer e ressentir-se do riso. Talvez o riso deva ser considerado a expressão equivalente de algo que eles próprios sentem e de que são melhores tradutores do que nós.

Culpa

A culpa o sentir remorsos por uma acção específica - pode ser mais difícil de atribuir do que a vergonha. Uma acção que implica manifestações de culpa habitualmente é-o assim porque a nossa cultura nos informou que está errada. A culpa é facilmente confundida com o medo de ser descoberto e do consequente repúdio ou castigo. O chimpanzé Nim Chimpsky, tal como vimos, aprendeu o gesto de "lamento", que utilizava sempre que "se comportava mal", tal como Alex o papagaio disse "Desculpa" depois de morder a treinadora. Os exemplos das más acções de Nim que nos são citados - estragar um brinquedo ou saltar excessivamente de um lado para o outro - não parecem ser coisas que um chimpanzé naturalmente encarasse como más. Tal como as crianças humanas, sabia que se tratava de uma má acção porque lhe tinham ensinado que assim era. Por vezes Nim fazia o gesto "lamento" antes que os seus professores reparassem que ele o tinha feito. Não é assim tão óbvio se Nim sentia alguma coisa para além do desejo de evitar uma eventual manifestação de cólera. Por outro lado, é igualmente pouco óbvio também a nível dos seres humanos. O filho adoptado de Washoe, Loulis, um dia estava a meter-se com Roger Fouts, na brincadeira, e acertou-lhe com mais força do que o habitual, cortando Fouts com a unha: "Fiz uma grande fita, chorei e tudo mais. Mais tarde, sempre que lhe mostrava - para o fazer sentir-se culpado, para explorar a situação - ele fechava os olhos com força e virava-se para outro lado. Recusava-se a olhar para mim sempre que eu tentava mostrar-lhe ou falar sobre este velho arranhão que ele me tinha feito." Existe uma diversidade de interpretações possíveis para este comportamento extraordinariamente familiar, mas sugere-nos fortemente a sensação de culpa. Os cães são os animais que mais familiarmente evidenciam a sensação de culpa para a grande maioria das pessoas. Desmond Morris defendeu de forma persuasiva que os cães por vezes sentem remorsos das suas acções. Quando um cão que cometeu algumas asneiras saúda o ser humano de uma forma submissa não habitual antes mesmo de essa pessoa ter qualquer razão para adivinhar o que aconteceu - afirma Morris - não pode estar de forma alguma a receber indicações a partir do com portamento

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humano. "O animal compreende que fez algo de 'errado". A vergonha humana apenas recentemente passou a ser considerada como um campo respeitável de estudo. Donald Nathanson conta-nos como, no início da sua carreira, organizou um simpósio sobre a vergonha. Ao terminar, um amigo chamou-o de parte, congratulou-o pelo sucesso do seu simpósio e aconselhou-o a não realizar mais nenhum trabalho sobre a vergonha, para não correr o risco de ganhar uma má reputação por esse motivo. "Foi nessa ocasião que aprendi que a simples ideia da vergonha é embaraçosa para muitas pessoas", afirma Nathanson. Estas são emoções a esconder. Talvez os animais tenham sido bem sucedidos ao escondê-las dos nossos olhares. Se os animais sociais sentem culpa e vergonha, outros animais podem aprender a tirar partido disso. Quando um jovem chimpanzé faz figura de parvo - tal como Freud no incidente relatado por Jane Goodall - seria possível outros chimpanzés ridicularizarem-no, chamando a atenção dos companheiros para a situação e exagerando as suas reacções. No entanto não parecem existir provas de que eles efectivamente trocem uns dos outros dessa forma, e nesse caso diferem substancialmente dos animais humanos.

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A Beleza, os Ursos e o Pôr-do-Sol

Num fim de tarde, um estudante que observava chimpanzés na Reserva de Gombe decidiu fazer um intervalo e subir até ao cimo de uma zona montanhosa para ver o pôr-do-Sol sobre o Lago Tanganica. Enquanto contemplava a paisagem, o estudante - Geza Teleki - apercebeu-se primeiro de um, e depois outro chimpanzé que trepavam na sua direcção. Os dois machos adultos não vinham juntos e apenas se viram quando alcançaram o cimo da serra. Os dois macacos não viram Teleki e saudaram-se um ao outro com palmadas e apertos de mãos, sentando-se depois juntos. Em silêncio, Teleki e os dois chimpanzés contemplaram o pôr-do-Sol e a luminosidade do entardecer. A sensação de beleza não é habitualmente definida como uma emoção. Contudo, não parece tratar-se de uma experiência completamente intelectual. Por vezes, a beleza torna as pessoas felizes e outras vezes, tristes; talvez a experiência seja parcialmente cognitiva e emocional. De facto, os seres humanos têm preferido sempre reservar a sua apreciação exclusivamente para a nossa própria espécie. Os chimpanzés que observavam o pôr-do-Sol com Geza Teleki não são casos únicos. O primatólogo Adrian Kortland gravou um chimpanzé selvagem, durante o espaço de quinze minutos, imerso na contemplação de um pôr-do-Sol particularmente espectacular até ao cair da noite. Alguns investigadores que têm procedido à observação de ursos em habitat selvagem referem tê-los visto sentados sobre os quadris ao pôr-do-Sol, contemplando-o, aparentemente mergulhados em meditação. De acordo com estes registos afigura-se que os ursos estejam a apreciar o pôr-do-Sol, tendo prazer nessa experiência estética. Os cientistas riem-se da ingenuidade desta

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interpretação. Como pode um urso ser capaz de uma apreciação estética, de um estado contemplativo? Alguns estetas também consideram que as outras pessoas são incapazes de um estado desse tipo, ou de um tal refinamento; muitos cientistas do século XIX reivindicavam que as raças "inferiores" não eram capazes de apreciar as mesmas emoções que eles (na qualidade de membros de raças "superiores"). Podemos sem dúvida ir muito mais longe com isto, por exemplo, ao ouvirmos um urso que expira o ar, afirmarmos que o animal está a suspirar com uma consciência melancólica da transitoriedade das coisas, ao observar o seu mundo e pensando que um dia ele já não estará presente para testemunhar uma tal beleza - um Rilke ursino. A consciência momentânea da sua própria mortalidade é quase impossível de provar: a sensação de beleza é muito mais fácil. Porque é que qualquer criatura deverá possuir o sentido de beleza? Alguns têm afirmado que a criatividade artística humana tem as suas raízes num jogo exploratório. Talvez a sensação do belo nos recompense pela nossa caminhada através do mundo e por orientarmos os nossos sentidos nessa direcção. Achar que os nossos filhos e outros entes amados são bonitos tem muito valor. Num sentido mais amplo, poderemos ter evoluído e ver o mundo que nos rodeia como um espaço bonito e desfrutar do facto de podermos contemplá-lo, escutá-lo, respirá-lo, movendo-nos através dele, sentindo-o e provando-o. Talvez não tenha qualquer finalidade útil para além da satisfação que nos proporciona inerentemente, um valor intrínseco. Para um animal poder apreciar a beleza em alguns conjuntos de sensações, sons ou imagens, terá previamente de conseguir detectar fisicamente essas coisas, senti-las e aperceber-se delas. Os sentidos dos animais são pouco compreendidos, mas parecem ser tremendamente variáveis. Afirma-se frequentemente que os animais, ou que alguns deles, não vêem a cores. Esta dedução contra-intuitiva tem sido amplamente repetida como um facto científico durante décadas, figurando mesmo em alguns livros de estudo. Apesar de numerosos artigos da imprensa científica e popular relatarem a visão a cores nos animais (incluindo cães), a ideia que os ani mais podem ver a cores é ainda frequentemente descrita como um "mito". Os seres humanos possuem uma excelente visão a cores. Tal como diversos outros primatas somos classificados pelos cientistas oftalmológicos como tricromáticos, o que significa que construímos a graduação das cores que apercebemos a partir de três cores básicas. Uma pessoa e um macaco podem ver precisamente as mesmas cores quando contemplam um pôr-do-Sol. Muitos mamíferos, incluindo gatos e cães, são dicromáticos, utilizando duas cores básicas. Vêem a cores, apesar de não com as mesmas tonalidades que as pessoas. Alguns animais nocturnos, tal como as ratazanas, podem ser cegos à cor. Alguns pássaros usam quatro ou cinco cores básicas, talvez a sua visão a cores seja melhor do que a nossa. Há décadas que se sabe que alguns insectos podem ver a luz ultravioleta e recentemente descobriu-se que algumas aves, peixes e mamíferos o conseguem fazer igualmente. Pelo menos uma espécie de pássaro australiano, de olhos prateados, pode aparentemente "ver" - ou seja, detectar por meio da visão - os campos magnéticos.Se os animais não possuíssem visão a cores qual seria então o interesse da face e nádegas de cores garridas dos babuínos ou da cauda de um pavão? Contudo, mesmo entre aqueles que concedem ao pavão a capacidade de detectar as cores da plumagem, existem alguns que contrapõem que é improvável que possam apreciar essas cores. Um livro recente de história natural, dirigido ao público em geral, afirma o seguinte: Que será que existe no leque do pavão que predispõe a fêmea a acasalar: a sua iridiscência? A sua forma graciosa? As manchas que se assemelham a olhos? A verdade é que aquilo que impressiona os seres humanos pode não impressionar de forma alguma as pavoas. Em vez disso, as grandes dimensões do leque

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poderão ser a característica irresistível devido ao que elas dizem sobre o animal que a possui. Nomeadamente, se um pássaro com um grande leque consegue chegar até à idade de procriar apesar da sua pesada desvantagem, ele tem de ser forte e astuto. De igual forma, as fêmeas podem valorizar a plumagem colorida não pela sua beleza mas porque o esplendor mostra que o pássaro não possui parasitas. As fêmeas que conseguem aperceber-se dessas características superiores são recompensadas pela passagem dos seus genes aos seus descendentes que, tal como o pai "deficiente", terão maior probabilidade de sobreviver e de se reproduzir. Até que ponto é que isto deverá ser levado a sério? O conceito de que a pavoa não pode, por um lado, ser atraída pela beleza, mas pode, por outro lado pensar: "Penas reluzentes significam menor carga parasitária - vou acasalar com este para que os meus filhotes possam beneficiar dos seus genes", é completamente insustentável. Se alguma reivindicação fosse explicitamente elaborada sobre a capacidade da pavoa efectuar conclusões intelectuais, seria rapidamente rejeitada. Contudo, o conceito de que a pavoa não possui um sentido da beleza está em linha com as afirmações feitas rotineiramente no campo do comportamento animal. Se a pavoa não é considerada uma calculista angariadora de genes, o que poderá então sugerir a abordagem evolucionista sobre o que se está a passar? Se a causa próxima for o facto de ela admirar a cauda do pavão porque a acha linda - e ao nível dos seres humanos não é necessário nem um intelecto poderoso nem um treino estético intenso para o fazer -, então a fêmea poderá acasalar com ele, tendo como resultado final a selecção do macho com os melhores genes. Apesar de os seres humanos ocasionalmente se referirem aos outros em termos do seu potencial genético, não é isto o que geralmente se pensa passar pela mente de alguém apaixonado ou acometido por um desejo ardente. Regressando à questão dos sentidos dos animais, a audição apurada é habitualmente atribuída a alguns animais. No entanto foi preciso que Karl von Frisch, mais conhecido pelas suas descobertas no campo da linguagem das abelhas, demonstrasse que os peixes ouvem, num artigo intitulado "O Peixe-Gato Anão Que Se Aproxima Quando Lhe Assobiamos". Ultimamente descobriu-se que a audição de um número indeterminado de espécies vai muito além da nossa: os elefantes comunicam amplamente através de sons demasiadamente graves para que os possamos escutar, e os musaranhos (Nota 50), tal como os morcegos, realizam a ecolocação (Nota 51) por meio de sons demasiado agudos para os ouvidos humanos. No caso das aves, as implicações disto não são sempre compreendidas. As aves são aproximadamente dez vezes superiores aos seres humanos em termos da discriminação temporária de sons. Assim, num intervalo durante o qual ouvimos uma nota, uma ave pode ouvir dez notas. Quando se passam as gravações do canto dos pássaros a baixas rotações descobre-se que eles utilizam essa capacidade - em melodias que frequentemente contêm sequências de notas que passam de forma demasiado rápida para o ouvido humano. O canto de um melro que soa tal como o chiar de uma dobradiça ferrugenta aos nossos ouvidos pode soar de forma completamente distinta para o melro. Quando as pessoas escutam ou tentam imitar o canto dos pássaros, podem não se aperceber de uma grande complexidade sonora. As aves de companhia parecem frequentemente apreciar a música humana. Podem preferir determinados tipos de música ou reagir de forma diferente dependendo da melodia que estiver a tocar. Gerald Durreil relatou o caso de um pombo mascote que ouvia atentamente a maior parte dos diferentes géneros musicais e se aninhava junto do gramofone. Quando escutava marchas, punha-se a andar para a frente e para trás, arrulhando ruidosamente; com valsas rodava em círculos e flectia-se, arrulhando suavemente. Os papagaios cinzentos por vezes batem as asas de alegria ao ouvir a sua música favorita. Dada

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a diferença na acuidade auditiva, somos levados a pensar até que ponto é que a música humana não soará lenta e sepulcral para as aves ou se eles escutam sons emanados dos instrumentos que os interpretes nem têm consciência de produzir. Diversas espécies de animais proferem chamamentos longos e complicados que os seres humanos gostam de ouvir. Seria estranho se as baleias corcundas não apreciassem as suas próprias melodias ou se os lobos não gostassem do som dos seus uivos. Para que assim seja teremos de imaginar que todo o cuidado posto pela baleia corcunda na composição, execução e alteração da sua música não tenha uma implicação positiva ou negativa, tratando-se apenas de uma função comunicativa em relação à qual a baleia nada sente, e que as baleias escutam as canções de outras apenas para delas extrair dados. Esta perspectiva apresenta as baleias como criaturas bastante mais cerebrais do que nós; todas cérebro e nada de coração. O uivar dos canídeos não é um procedimento ao acaso; qualquer pessoa que já tenha uivado com um cão sabe que os cães ajustam o seu uivo de acordo com os outros sons que ouvem. Hope Ryden observou um par de coiotes a uivar que nunca o faziam na mesma nota musical. Quando o uivo do macho atingia a nota em que a fêmea se encontrava, esta imediatamente abandonava esse tom; quando era ela a uivar na nota do macho, ele instantaneamente mudava para um falsete. Acredita-se que esses duetos servem para passar a informação a outros coiotes que estão ali dois coiotes a uivar e não apenas um, indicando assim a presença de um casal territorial. Isto parece ser muito verosímil, mas não significa que os coiotes não possam achar que os seus uivos soam melhor dessa forma. Não há razão alguma para que o mecanismo através do qual obtêm este comportamento vantajoso não possa ser a apreciação estética de uma melodia. De igual forma o chamamento de um gibão parece revestir-se de uma função territorial, mas pode igualmente resultar ou ser uma manifestação de sensibilidade estética. Os gibões cantam em conjunto diariamente. Na grande maioria, se bem que não em todas as espécies, os chamamentos de fêmeas e machos são diferentes. Os duetos de pares, em que procedem a um intercâmbio de notas musicais, podem ser cantados espontaneamente ou em resposta a melodias de outros gibões. Na maior parte desta espécie de símios, os machos cantam longos solos e as fêmeas trinam "brados agudos". Muitas vezes os jovens também participam. Jim Noilman, cujo passatempo é tocar música com e para animais selvagens, foi ao Panamá em 1983 para tentar fazer música com macacos uivantes, que vivem em grupos familiares e passam o tempo em longos chamamentos. Noilman escreveu que um zoólogo (cujo estudo sobre este tipo de macacos teve a duração de uma década) predisse que os símios não teriam qualquer interesse na sua música, exceptuando talvez a manifestação de alguns uivos como reivindicação territorial. Tendo encontrado uma árvore com alguns desses macacos, Noilman sentou-se por baixo dela e começou a soprar na sua flauta sha kuhachi (Nota 52). A família de primatas, na sua totalidade, primeiro reagiu com uivos ruidosos. Seguidamente, um dos macacos começou a uivar entre as notas da flauta, numa aparente resposta. Após uma hora, a escuridão pôs fim a este intercâmbio. Nos dias seguintes, a família não uivou ao som da música do flautista, mas em vez disso desceram para uns ramos mais baixos da árvore e observaram o intérprete atentamente, apesar da sua reputação de grande timidez. O que quer que os macacos uivantes pensassem da melodia resultante da flauta de Noilman, é claro que a achavam cativante, apesar de terem consciência de que não era produzida por um dos seus. Talvez gostassem. E mesmo que não gostassem, isso poderia constituir uma opinião estética. Michael, um gorila que faz parte de um programa de linguagem gestual, gosta muito de música e aprecia tanto o canto do tenor Luciano Pavarotti que já por mais de uma vez recusou uma

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oportunidade para sair para o exterior quando a televisão transmitia um concerto de Pavarotti. Ele gosta de bater em canos e dedilhar fios soltos de sacos de serapilheira. Infelizmente, Michael é tão forte que seria muito difícil não destruir um instrumento musical. Desconhece-se completamente qual o papel - se é que existe - que pode desempenhar o prazer do paladar na alimentação de um animal. Siri, uma elefanta indiana confinada a um pequeno zoológico, foi frequentemente vista a colocar uma pata delicadamente sobre uma maçã ou uma laranja, parti-la ao meio e depois a esfregar os pedaços de fruta na sua cerca. O seu tratador acredita que Siri o fazia para perfumar a cerca. Um elefante selvagem come uma grande variedade de plantas, que presumivelmente possuem diferentes sabores. A dieta do cativeiro é muito mais monótona. A maioria dos animais, tal como nós, parece não apreciar sabores amargos e gosta de sabores doces, uma discriminação que tem um valor de sobrevivência em alguns casos. Nessas simples distinções poderão residir os primórdios de um sentimento estético. Comparativamente a muitos animais, os seres humanos captam pouquíssimo do reino sensorial do odor. Possuímos este sentido antigo, mas não intensamente, e fazemos uma utilização pouco consciente dele. Os caçadores aprendem a compensar o sentido superior do odor de muitas das presas animais aproximando-se delas contra o vento ou disfarçando o cheiro humano com outros odores. Tendo em conta o poderoso sentido do olfacto da maioria dos animais, é possível que eles possuam respostas estéticas a estímulos não detectados pelas pessoas. Um observador de coatis (Nota 53) no Arizona reportou que esses animais frequentemente se sentam com o corpo soerguido ou se recostam para trás e farejam o ar intensamente, presumivelmente reunindo informação. Comentou igualmente que uma fêmea velha - a Bruxa - por vezes se dirigia, durante os intervalos de relaxamento do grupo, para uma saliência de um penhasco, aproximava-se da sua beira e sentava-se ali durante sensivelmente cinco minutos, farejando o ar calma, lenta e profundamente. A ideia de que ela estivesse apenas a apreciar e não a avaliar o mundo que a rodeava ocorreu aos observadores, que não conseguiram evitar compará-la a um frequentador de concertos ou a um visitante de um museu. A alegação frequente de que as aves não possuem o sentido do olfacto é totalmente errada. Os bolbos olfactivos no cérebro de uma ave facultam-lhes esse sentido. A sua acuidade varia amplamente: os papagaios e aves canoras parecem ter um olfacto medíocre, enquanto que o dos albatrozes e aptérix é excelente. De uma forma não surpreendente, foi descoberto que alguns abutres possuem um olfacto óptimo, que utilizam para a localização de carne em putrefacção. Poderá ser agradável ou meramente interessante para o seu sentido estético. Muitas cobras possuem órgãos especiais para a detecção de calor. Tem sido descoberto um número crescente de criaturas marinhas nos oceanos com um sentido electromagnético de navegação. Existem alguns sentidos, tais como a capacidade de detectar campos magnéticos, de que a ciência só recentemente tomou consciência; poderão existir muitos mais. Qualquer sentido pode ser sujeito a uma preferência, e qualquer campo de pontos mais ou menos preferidos poderá ser percepcionado como bonito ou feio. Alguns animais podem admirar ou mesmo criar uma beleza subsónica, de infravermelhos ou electromagnética.Um cientista que compilou dados acerca das preferências visuais de macacos rhesus imaturos em cativeiro descobriu que estes gostavam de iluminação por ondas curtas. Preferiam o laranja ao vermelho, o amarelo ao laranja, o verde ao amarelo e gostavam ainda mais do azul. Mostravam-se mais interessados em imagens de outros animais do que nas de outros macacos, mas preferiam imagens de macacos às imagens de pessoas. Preferiam olhar para flores do que para uma tela de Mondrian (Composição, 1920) e as imagens de bananas era o

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que menos os interessava. Preferiam ver uma banda desenhada contínua a um desenho animado, mas preferiam este a ver imagens paradas. Preferiam os filmes focados e quanto pior fosse a focagem do filme menor o seu grau de interesse. Estas preferências foram categorizadas como "interesse" e "prazer". A preferência que parece revestir-se da maior probabilidade de ser puramente estética é pelas cores, uma vez que não existe uma razão para supor que uma parede completamente azul seja mais interessante que outra totalmente amarela. E não são apenas os rhesus os únicos a preferir o azul. O comportamentalista alemão Bernard Rensch também investigou as preferências em termos de cores e padrões ao nível dos primatas e noutros animais. Os macacos e símios geralmente preferiam desenhos regulares a irregulares e simétricos a assimétricos. Os seus gostos não eram também imutáveis: tendo-se procedido a novos testes após um intervalo, alguns deles efectuaram escolhas diferentes. Quando Rensch testou corvos e gralhas, estes animais também seleccionaram desenhos de formas regulares, mas os peixes pareceram mais interessados em formas irregulares. Os animais frequentemente escolhem os companheiros com base nas suas exibições ou melodias. Por vezes o critério empregue pode ser simplesmente quantificado: seleccionam o maior, o mais audível ou o mais possante. A viúva (Nota 54) fêmea é atraída pelos machos com longas caudas, por isso quando um ornitólogo colou penas caudais suplementares na ponta da cauda de alguns machos, esses machos passaram a ser mais populares. Tendem a preferir animais com uma aparência simétrica, preferência idêntica de alguns seres humanos. Contudo, por vezes parecem estar envolvidas escolhas estéticas mais subtis.Os lindíssimos e singulares bowerbirds (Nota 55) e aves-do-paraíso da Nova Guiné são um tema predilecto dos estudos ornitológicos. As diversas espécies de bowerbirds não formam casais. Em vez disso, a fêmea visita os locais de exibição, ou caramanchões, de diversos machos onde cada um deles executa exibições de cortejamento que podem ou não induzir a fêmea a acasalar com ele. Alguns machos - geralmente aqueles com a plumagem mais simples - constroem caramanchões muito elaborados semelhantes a alas, túneis, mastros, pátios ou a tendas de índios. Enfeitam-nos com objectos coloridos tais como flores, frutos, pedaços de insectos ou artefactos humanos e podem mesmo pintar algumas zonas do caramanchão com carvão e bagas esmagadas, recorrendo a um "pincel" feito de casca de árvore.Diferentes indivíduos de uma espécie de bowerbirds preferem cores distintas ao seleccionar curiosidades para a decoração dos seus caramanchões. Frequentemente visitam os caramanchões dos outros e roubam-lhes decorações. Ao seleccionar os adornos, o bowerbird satinado - espécie de olhos azuis - aprecia objectos azuis. Quando o macho decora o seu caramanchão, e quando (e se) a fêmea acasala com aquele cujo caramanchão prefere, parecem ter um determinado gosto. Quando os biólogos interferem e roubam adornos de determinados caramanchões, as fêmeas dão-lhes uma menor preferência e esses machos vêem reduzidas as suas oportunidades de acasalamento. Talvez por diversas razões directamente relacionadas com a boa forma física, os bowerbirds apreciadores do azul possuem uma vantagem reprodutora competitiva. A abordagem evolucionista sugeriria que a causa suprema da sua preferência artística será a de permitir ao macho demonstrar a sua boa forma física, o tempo que despendeu a coleccionar decorações e a defendê-las do roubo, e para que a fêmea tenha ocasião de o comprovar. A causa próxima, contudo, muito provavelmente não será nada deste género. É pouco verosímil que a fêmea avalie quantas horas o pássaro despendeu no caramanchão e se esse facto é indicativo de bons genes. O macho não decide decorá-lo com objectos azuis porque - digamos - estes são raros e sabe que constituirá uma indicação para as fêmeas que ele cobriu uma vasta

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área devido aos seus bons genes. É muito mais provável - e é uma teoria mais parcimoniosa - que tanto o macho como a fêmea bowerbird gostem da cor azul. O naturalista Bruce Beehler observou os caramanchões de bowerbirds raiados, aves que não são particularmente bonitas mas que têm de criar a sua própria beleza, por conseguinte os seus caramanchões. Estes assemelham-se às tendas cónicas com estacas centrais dos Índios, e na base a ave constrói uma elaborada parede de musgo decorada com objectos coloridos. Cada tipo de decoração encontra-se numa secção diferente da parede e o efeito é "bastante artístico e muito bonito". Observa Beehler: "Alguns biólogos acreditam que a assinalável construção do macho bowerbird é uma prova de um sentido estético. Outros preferem acreditar que esta exibição comportamental de sedução é o produto de uma aguerrida competição sexual entre machos para conseguir acasalar com as fêmeas - processo que Charles Darwin designou por 'selecção sexual'." Estas duas explicações não são opostas mas sim compatíveis. Contudo, algum facto importante é-nos indiciado pelo comentário de que alguns biólogos "preferem" acreditar na competição. Trata-se da questão do que as pessoas gostam de acreditar ou pensam que devem acreditar acerca dos animais. A mesma questão se coloca em relação às aves do paraíso, famosas pela lindíssima plumagem dos machos. No local de exibição do macho ave-do-paraíso de inferior categoria reúnem-se diversos machos. Todas as fêmeas que visitarem esse local poderão acasalar apenas com um dos machos e os biólogos têm-se questionado sobre qual a razão. Escreve Beehler: Alguns investigadores acreditam que é produto de uma acentuada discriminação feminina e que as fêmeas escolhem "o mais bonito" ou "o mais sexy" dos machos. Pessoalmente acredito que é causado, em parte, por um controlo despótico da hierarquia de acasalamento no "terreiro" [comum de procriação] por parte do macho dominante. O macho alfa, através de agressão física periódica e de intimidação psicológica contínua, consegue manter o controlo sobre os machos subordinados no "terreiro". As fêmeas conseguem aperceber-se desta hierarquia tal como os seres humanos conseguem ter a mesma percepção quanto à dominância e subordinação numa situação social. As fêmeas naturalmente tenderão a acasalar com o macho alfa, porque o seu material genético com maior probabilidade aportará à fêmea a melhor hipótese de produzir crias com as suas qualidades - as qualidades que poderão levar os seus filhotes machos a dominar o "terreiro" da próxima geração. Esta análise, centrando-se na agressão dos machos e nos seus ganhos, deixa por explicar as enormes penas caudais douradas que os machos fazem vibrar no decurso das suas exibições e que os seres humanos acham tão belas, a ponto de a própria existência de algumas espécies ter sido ameaçada pela caça para exportação. Se as fêmeas conseguem aperceber uma coisa tão complexa como a hierarquia e acasalam de acordo com ela, porque é que será impossível que elas apreciem e sejam atraídas pelo dourado tremeluzente? As tribos humanas da Nova Guiné possuem diferentes estilos de costumes rituais, que quase invariavelmente incluem penas de diversas espécies de aves-do-paraíso, habitualmente em ornamentos para a cabeça dos homens. Os bowerbirds muitas vezes recolhem artefactos humanos tais como papéis de embrulho de rebuçados de cores garridas, caixas de cassetes ou chaves brilhantes para decorar os seus caramanchões. Podemos imaginar as aves aproximando-se sorrateiramente das habitações humanas para roubar objectos coloridos e os seres humanos aproximando-se sorrateiramente das habitações das aves para roubar penas coloridas. Quando somos nós a fazê-lo, chamamos-lhe arte, quando são eles que o fazem, afirmamos que se trata de competição. Talvez as duas hipóteses estejam certas. O que é perturbador e irracional é a decisão de explicar o comportamento humano em termos espirituais e de um

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sentido de beleza, e o comportamento animal em termos mecânicos de demonstração de boa forma. O objectivo, mais uma vez, parece ser definir os seres humanos como superiores e únicos.

Criação Artística

A questão da criação artística ao nível dos animais é fascinante, mas muito poucos trabalhos têm sido conduzidos nesta área. Trata-se de uma das diversas actividades consideradas delimitadoras da fronteira existente entre seres humanos e animais. Diversos macacos, particularmente os chimpanzés, têm desenhado ou pintado em cativeiro, tal como os macacos-capuchinho. Alfa, um chimpanzé fêmea do laboratório de Yerkes, adorava desenhar e solicitava aos visitantes papel e lápis - mais do que comida - sentando-se depois num canto a desenhar. Uma vez, não dispondo de papel, tentou desenhar numa folha caída. Ao ser-lhe fornecido papel contendo já desenhos geométricos, descobriu-se que os seus desenhos eram influenciados pelo que previamente se encontrava no papel. Ela incorporava alguma figuras, rabiscava nas partes não preenchidas de outras, tal como um círculo com uma secção omitida, e acrescentava linhas que "equilibravam" outras figuras. Os seus desenhos tiveram de ser-lhe rapidamente retirados porque depois de desenhar em ambos os lados de uma folha de papel a chimpanzé os metia na boca. (Nota 56 - Legenda da figura) Na sequência deste trabalho, Desmond Morris não teve qualquer dificuldade em persuadir outro chimpanzé, Congo, a desenhar e pintar. Interrompido antes da conclusão de um desenho, Congo gritava furiosamente até que lhe fosse permitido acabá-lo. Congo também alterava os seus desenhos dependendo daquilo que já se encontrasse no papel. O seu desenho ou tema favorito era um leque de linhas radiais que executava de diversas formas e não apenas através de uma técnica única e estereotipada (Nota 57 - Legendas das figuras). Gorilas como Koko e Michael também produziram diversos desenhos. Nunca nenhum destes primatas realizou desenhos representativos incontroversos. Um chimpanzé, Moja, executou um desenho extremamente simples com curvas horizontais paralelas, e fez o gesto representativo de uma ave. Tendo-lhe sido pedido que desenhasse uma baga, realizou um desenho compacto num dos cantos do papel. Qualquer dos desenhos é plausível - mas não irrefutável - em termos representativos, mas os seres humanos também criam e valorizam arte não representativa. Numa experiência posterior, foi pedido a Moja e Washoe que desenhassem objectos tais como uma bola de basquete, uma bota, uma banana, uma maçã, uma chávena e uma escova, quer a partir dos próprios objectos quer mediante a projecção de slides. Em sessões posteriores, foi-lhes pedido que desenhassem os mesmos objectos que seguidamente foram analisados quanto à sua consistência. Os desenhos da bota eram inconsistentes, mas o da chávena e da escova evidenciavam semelhanças. Nenhum deles era um desenho que qualquer ser humano provavelmente identificasse como chávenas ou escovas: os pedidos de representação da chávena tinham sempre como resultado um leque vertical de riscos com maior solidez ao centro, enquanto que a escova se salientava por riscos verticais cruzando riscos horizontais. Os desenhos de flores incluíam padrões radiais e os desenhos de aves apresentavam sempre "um movimento pontiagudo" quer salientando um bico, o movimento de voo ou algo

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desconhecido. "O que nos desanimou relativamente a Moja, foi a bola de basquete, porque era apenas um rabisco ao longo da página", afirma Roger Fouts. Mas depois de Moja ter desenhado a mesma forma - ziguezagues verticais na parte inferior do papel - com um intervalo de semanas entre os desenhos, os investigadores compreenderam que poderia representar não a aparência da bola mas sim o seu movimento. As crianças pequenas por vezes produzem desenhos cinestéticos deste tipo. Embora o tédio do cativeiro possa constituir um factor de motivação para todos estes animais, eles parecem achar a acção de desenhar ou pintar muito gratificante em si. (Como algo para nos recordar que os animais continuam a ser indivíduos, alguns chimpanzés em cativeiro recusam-se absolutamente a desenhar ou a pintar.) Em 1980, foi atribuído um novo tratador a uma jovem elefanta indiana de nome Siri (a mesma que esfregou fruta na sua cerca), David Gucwa. Reparando que Siri fazia riscos no chão do seu cercado com uma pedrinha - que depois "manuseava" com a ponta da tromba - Gucwa decidiu dar a Siri um lápis e um bloco de desenho (que o tratador segurava no regaço). A reacção dela foi a produção de dúzias de desenhos. Poderiam ser todos definidos como abstractos ou gatafunhos, mas todos confinados ao limite do papel e, na opinião de diversos observadores, eram bastante líricos, energéticos e muito bonitos. Ela nunca foi recompensada com comida pelos seus desenhos, apesar de poder ter considerado que a atenção de Gucwa, só por si, era já uma recompensa. Gucwa e o jornalista James Ehmann enviaram cópias dos desenhos de Siri a cientistas, sobre os quais a grande maioria se recusou a emitir qualquer comentário, bem como a alguns artistas, muitos dos quais manifestaram grande entusiasmo. Os artistas Elaine e Wiliem de Kooning, em particular, olharam para os desenhos antes de ler a carta que os acompanhava e ficaram espantados pelo "talento, rigor e originalidade". Ao conhecer a identidade de quem os realizara, Wiliem Kooning observou: "Trata-se de um raio de elefante muito talentoso!" (Nota 58 - Legendas das figuras) (Tendo em conta as suas circunstâncias específicas, Siri dificilmente podia ser derivativa.) Foram mostradas cópias dos seus desenhos a outros tratadores que acharam não se tratar de algo inédito: os seus elefantes rabiscavam o chão com paus ou pedras constantemente. Então porque é que ninguém se lembrara de escrever sobre isto antes?As oportunidades de Siri de desenhar em papel terminaram passados dois anos devido a diferenças entre Gucwa e o director do zoológico, bem como à sua transferência para outro zoo no decurso de obras de renovação. Nunca lhe foi dado papel com desenhos previamente impressos para ver qual o efeito que isso teria no seu trabalho, mas em diversas ocasiões ela fez dois desenhos numa folha de papel, e aparentemente colocou o segundo em referência ao primeiro. Desconhecemos se nalguma ocasião Siri não gostou de algum dos seus trabalhos - será que alguma vez rasgou algum deles? Gucwa retirava-lhe sempre rapidamente os desenhos para que ela não os manchasse com a tromba molhada ao "manuseá-los". Se os outros elefantes também gostam de desenhar, qual seria a sua reacção face aos desenhos uns dos outros? Outros elefantes t~em produzido imagens em papel ou em tela, mas talvez nenhum deles com menor orientação do que Siri. Carol, uma elefanta indiana do Zoo de San Diego, foi ensinada a pintar como atracção para os visitantes, e o treinador vai-lhe dando indicações, dizendo-lhe quando utilizar o pincel, fornecendo-lhe as cores, rodando a tela por forma a que as pinceladas sejam dadas em diversas direcções e recompensado-a posteriormente com maçãs. Mas tal como a existência de kits de pintura por números não invalidam a existência da originalidade artística, as pinturas obedientes de Carol não invalidam a aparentemente espontânea necessidade de Siri de desenhar. Mais recentemente, Ruby, uma elefanta asiática do zoo de Fénix, no Arizona, foi

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encorajada a pintar. Seleccionada em virtude de ser a mais activa - mas não a única - entre os rabiscadores elefantinos, Ruby adora pintar e fica muito excitada só de escutar a palavra "pintura". O azul e o vermelho são de longe as suas cores favoritas. O biólogo Douglas Chadwick relata que ela pode seleccionar outras cores que correspondam a um objecto não familiar que se encontre por perto, como por exemplo se um camião com laranjas estiver estacionado à sua vista, ela poderá escolher a tinta laranja. "Um visitante do zoo subitamente sentiu-se mal enquanto se encontrava a observar as pinturas de Ruby e foram chamados os serviços de pronto-socorro ao local. Os enfermeiros usavam fatos azuis. Poderá tratar-se apenas de uma coincidência, mas depois deles se terem ido embora Ruby pintou uma bolha azul rodeada por um círculo vermelho." Ela continua a garatujar no pó do seu cercado. Um tratador é da opinião que os elefantes africanos que partilham o cercado com Ruby têm inveja das atenções que esta recebe, porque começaram a fazer desenhos muito visíveis nas paredes, utilizando as pontas de troncos. Um tipo diferente de criatividade pode ser observado em golfinhos de dentes irregulares. A treinadora Karen Pryor tinha esgotado os números para as exibições dos golfinhos e decidiu recompensar um deles, Malia, apenas pela execução de novas criações. Os treinadores esperavam até que Malia fizesse algo de novo e depois recompensavam-na assoprando um apito e atirando-lhe um peixe. Malia rapidamente aprendeu o que lhe estava a ser pedido nesse dia - bater com a barbatana caudal, e nadar para trás com movimentos da barbatana caudal - e executou esse movimento. No espaço de poucas semanas tinham já esgotado todos os novos movimentos. Após diversos dias frustrantes, Malia, começou subitamente a executar uma panóplia bastante dramática de actividades completamente inéditas, algumas das quais bastante complexas. Ela nadava de costas com a barbatana caudal no ar, rodava como um saca-rolhas, saltava da água de cabeça para baixo ou fazia linhas no fundo do tanque com a sua barbatana dorsal. Ela tinha compreendido que os treinadores não queriam determinadas acções mas sim novidades. Por vezes Malia mostrava-se muito excitada quando as sessões de treino estavam prestes a iniciar e os treinadores não conseguiam evitar pensar que Malia "passava a noite no seu tanque sentada a pensar em novos números, e se precipitava na primeira exibição com o ar de "esperem só até verem este". No intuito de proceder a um registo científico deste comportamento notável, os treinadores filmaram o mesmo processo com um segundo golfinho, Hou. Indivíduo menos optimista e excitável, Hou demorou mais tempo a entender a ideia, mas na décima sexta sessão de treino executou subitamente um conjunto de novas actividades e continuou a realizar novos números sessão após sessão. Pryor relata que esta experiência mudou Hou para sempre, "tendo passado de um animal dócil e inactivo para um ser activo, observador e cheio de iniciativa". Hou também passou a evidenciar mais sinais de irritabilidade, aparentemente em virtude de ter adquirido um temperamento artístico. Os dois golfinhos começaram a evidenciar novos comportamentos para além das sessões de treino, incluindo o abrir das portas dos tanques, saltar por cima dos portões, saltar da água e deslizar pelo cimento por forma a bater nos tornozelos dos treinadores. Apesar de alguns terem concluído que estes resultados vêm demonstrar o grau de inteligência dos golfinhos, Pryor discorda: ela repetiu a experiência com pombos, do que resultou aves que espontaneamente se deitavam de costas, se erguiam com as duas patas sobre uma das asas ou voavam no ar apenas 5 centímetros ficando ali a pairar. Não se espera esse tipo de criatividade por parte de espécies habitualmente consideradas intelectualmente inexpressivas, mas pode simplesmente

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demonstrar que, sendo-lhes possibilitada a hipótese de serem criativas, são mais inteligentes do que aquilo que nós pensamos.

A Cultura e o Conceito de Beleza

As emoções humanas ocorrem num contexto cultural, o que não significa que existam apenas por acção da cultura. O nosso sentido do belo é significativamente influenciado pela cultura. Diferentes culturas humanas apresentam-nos ideias de certa forma distintas sobre o que é considerado belo. Por exemplo, a música que delicia um grupo de pessoas pode parecer aos membros de outra cultura - ou subcultura - desafinada, deprimente ou horrível. Existe algo mais na percepção humana da beleza do que simplesmente a cultura, mas a sua quantificação exacta é que não está muito clara. Assim, a ideia de que os animais percepcionam e criam beleza conduz-nos à questão de a sua percepção estética estar de alguma forma relacionada com a cultura. A cultura e a sua transmissão incluem muitos aspectos cognitivos - que não é o objectivo deste livro -, contudo deverá ser salientado existirem diversos exemplos de cultura animal. Em bandos de macacos japoneses, foi possível observar dife rentes tradições dos próprios bandos: uns comem bivalves e outros não; alguns comem o caroço do muku e outros atiram-no fora; uns cuidam das crias dos outros e outros não. O mais famoso exemplo de transmissão cultural é-nos proporcionado pela história de Imo, o "macaco génio" que inventou diversas técnicas alimentares, tais como atirar punhados de cereais cobertos de areia para dentro de água por forma a que a areia se afundasse e os grãos pudessem ser recolhidos à superfície da água e comidos. Os métodos de Imo foram sendo gradualmente copiados por um número cada vez maior de macacos do seu bando até que todos os acabaram por pôr em prática. Elizabeth Marshall Thomas relatou que os bandos de leões no Deserto do Kalahari na África Austral possuíam uma tradição (mais tarde perdida) de coexistência com os seres humanos. Nos anos 50, quando Thomas viveu pela primeira vez no Kalahari, os leões tratavam os seres humanos - sobretudo os bosquímanos Juwa e Gikwe (Nota 59) - com um respeito ressentido. Eles permitiam, com relutância, que os seres humanos os afastassem das caçadas e não os atacavam. Nos anos 60 os bosquímanos foram afastados da área. Quando Thomas regressou nos anos 80, observou que os leões se comportavam de forma distinta. Esses leões, que já não viviam entre a população humana, tinham perdido as suas tradições culturais em relação a estes e pareciam muito dispostos a encarar a ideia de seres humanos como presas. Thomas também escreve que os leopardos de diferentes zonas utilizavam métodos diferentes para a caça de presas humanas. No que pode ser descrito como uma mutação cultural, um grupo de babuínos-verdes no Quénia foram observados a passar da ocasional ingestão de carne por parte de machos adultos para o hábito de caçar e comer as presas realizado por machos, fêmeas e adolescentes. Um exemplo curioso, ao nível de cativeiro, é-nos fornecido pelos chimpanzés do Zoo de Arnhem. Um macho dominante foi ferido numa mão durante uma luta e tinha de se apoiar no pulso para caminhar facto que levou os chimpanzés mais jovens a mancar igualmente apoiados sobre os pulsos. No grupo de chimpanzés que usam a linguagem gestual da Universidade de Washington, onde Loulis cresceu, os chimpanzés adultos tinham sido criados por Allen e Beatrix Gardner, que Loulis nunca tinha visto. Um dia, o casal Gardner

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foi fazer uma visita, acontecimento que não foi anunciado aos chimpanzés. Nenhum deles tinha voltado a ver os Gardner durante pelo menos um ano, e Washoe já não os via há onze anos. Os Gardner entraram. Quando os chimpanzés os viram, sentaram-se apenas contemplando-os fixamente - comportamento bastante invulgar. Não fizeram as habituais saudações amigáveis - gestos, toques, abraços - concedidas às pessoas que conheciam, nem se manifestaram como o faziam com estranhos, mas olhavam-nos pasmados. À excepção de Loulis, que começou a manifestar-se em relação a essas pessoas não familiares, com o pêlo eriçado, de pé e balançando-se e batendo nas paredes. Instantaneamente, Washoe e Dar, que estavam sentados de cada lado de Loulis, agarraram-no. Dar deu uma palmada na boca de Loulis. Washoe agarrou-lhe no braço e obrigou-o a sentar, o que o jovem símio fez com uma expressão muito admirada. Este tratamento era completamente novo para ele. Decorrido um momento, Washoe dirigiu-se aos Gardners, indicou os seus nomes, conduziu Beatrix Gardner para outra sala e começou a brincar a um jogo com ela tal como as duas faziam na infância da chimpanzé. Nesta ocasião foi transmitida uma informação cultural a Loulis. As capacidades de gesticulação dos chimpanzés não chegam ao ponto de poderem fazer a declaração "Estas são pessoas que tratamos com afecto e respeito", contudo Loulis certamente recebeu esta mensagem. A cultura tem sido descrita como mais um factor que torna os seres humanos únicos. Os exemplos de transmissão cultural tal como os atrás referidos são ignorados e considerados "meros casos curiosos". Podem ser muito mais do que isso. A transmissão cultural pode estar muito mais difundida entre os animais do que habitualmente se crê. Não foi defendido que alguma espécie animal viva numa cultura que se aproxime da complexidade da cultura humana. Contudo, a asserção que os animais não podem possuir um sentido da beleza porque a estética está limitada à cultura é desprovida de qualquer fundamento, e existem muitas provas a atestar exactamente o oposto. Tal como duas pessoas não acham as mesmas coisas belas, uma pessoa e um animal podem estar em desacordo. Mas descartar qualquer possibilidade de um animal ser capaz de ter a sensação de beleza revela estreiteza mental. Referindo-se ao canto das aves, Joseph Wood Krutch escreveu: Suponham que escutavam na ópera uma famosa prima donna cantando "Voi che sapete. (Nota 69) (...) Partem do princípio que [genuinamente gosta de música e experimenta alguma emoção relativamente ao que se encontra expresso nessa ária de Mozart. (...) Mas um cientista de outro tipo - um economista - que chega e diz, "Estudei os factos. E descobri que (...) a artista canta na realidade por diversos milhares de dólares por semana. De facto, ela não cantará em público a menos que lhe seja paga uma enorme quantia. (...) Você pode cantar no banho porque está feliz e gosta de o fazer. Mas tanto quanto sei, pelo menos no que respeita aos cantores profissionais, eles apenas cantam por dinheiro." A falácia - e é também a falácia de um número considerável de "interpretações" psicológicas, sociológicas e económicas do comportamento humano - é, de facto, a falácia de "a menos que" (...) não existe absolutamente nada na experiência ou conhecimento humano que torne improvável que o cardeal (Nota 61) que anuncia do alto de um ramo de uma árvore as suas reivindicações sobre determinado território, não esteja igualmente muitíssimo satisfeito por o fazer, muito alegre pela concretização do seu próprio vigor e dotes artísticos. (...) Quem ouça o canto de um pássaro e diga "Não acredito que haja qualquer alegria nele", não prova absolutamente nada sobre os pássaros. Mas revela, sim, muito sobre si próprio.] Os investigadores que estudam os elefantes no Quénia acampam no meio do mato da África oriental. Por vezes, à noite, cantam e tocam guitarra e os elefantes aproximam-se para escutar. Talvez estes animais estejam meramente

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curiosos, mas talvez tenham prazer na música. A curiosidade humana devia permitir-nos questionar se os elefantes acharão essa música bela, tal como o sentido de beleza humana nos permite apreciar a imagem desses majestosos animais deslocando-se lentamente na escuridão, ao som das melodias.

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O Impulso Religioso, a Justiça e o Inexprimível

Embora os animais não-humanos evidenciem provas irrefutáveis de vidas emocionais, não devem ser considerados emocionalmente idênticos aos seres humanos. Isto seria um verdadeiro erro antropomórfico, uma projecção incorrecta. Todos somos seres vivos em conjunto, mas não somos iguais - nem superiores nem inferiores, apenas diferentes. Grande parte da discussão sobre os animais e as emoções tem sido até à data principalmente baseada na defesa de que certas emoções são propriedade exclusiva da Humanidade. Mostrar que, pelo contrário, alguns animais sentem algumas emoções, ainda significa colocar novamente a questão para cada caso específico. O facto de os hipopótamos poderem sentir compaixão não significa que um determinado hipopótamo sinta compaixão numa ocasião específica. De igual forma, o facto de os búfalos serem capazes de amar não implica necessariamente que sintam vergonha. Assim, é possível também que existam emoções experimentadas pelas pessoas que nenhuns outros animais possam sentir. Deixando de lado a história inexpressiva das tentativas humanas de reivindicação de singularidade, deverá ser contemplado o facto de diversas espécies possuírem realmente atributos que outras não têm. Os pelicanos têm bicos invulgares, os elefantes têm trombas, os ornitorrincos têm aguilhões venenosos e talvez os seres humanos reivindiquem o temor religioso.

A Religião e a Alma

As pessoas possuem almas imortais e os animais não, de acordo com a maioria das religiões ocidentais. Os amantes de animais opõem-se a esta afirmação, citando as virtudes dos animais e afirmando que eles devem possuir almas: o Céu seria um local miserável se nele não existissem cães. A questão de quem possui e não possui uma alma é muitíssimo mais problemática do que a questão paralela das emoções. A ciência não aporta qualquer ajuda. Contudo, a visão teológica pode apontar para uma diferença entre as vidas emocionais dos seres humanos e as dos outros animais. Os animais não parecem precisar de acreditar em

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poderes supremos. Os animais não foram nunca observados em práticas religiosas, enquanto que as pessoas sim. Algumas tribos tradicionais de Madagáscar afirmam que quando os lémures sifaka se deitam nos ramos das árvores pela manhã, virados para o Sol com os olhos fechados, estão a adorar o Sol. Alguns dizem que os sifakas são encarnações dos seus próprios ancestrais adoradores do Sol. O primatólogo Alison Jolly comentou, "É difícil observar um lémure reverenciando o Sol sem ser antropomórfico, mas aos olhos ocidentais parece-se menos com um fervor religioso e muito mais com o nosso culto indolente de um domingo passado na praia." Não há razão para supor que os próprios sifakas sejam "lemuromórficos", que atribuam ao Sol qualidades das criaturas (apesar de não podermos provar que não o fazem) e adorem essas qualidades. A explicação de que isso se verifica por esses animais apreciarem o calor parece suficiente para explicar o seu comportamento, mas a justificação tradicional do povo mal gaxe possui uma vantagem poética. Tal como a arte, a religião não é uma questão destituída de emoção do intelecto puro. A reverência, a fé, a justeza, o rebaixamento, a adoração, a procura da salvação - todas possuem componentes emocionais. Alguns teóricos descrevem a reverência como uma forma de vergonha. Serão as emoções religiosas aquelas que os animais simplesmente não podem sentir? Ou tratar-se-ão de emoções que existem noutras partes da vida que ao nível dos seres humanos se centram no impulso religioso? As emoções animais podem trazer-nos alguma luz. Elizabeth Marshall Thomas compara o comportamento de uma pessoa humildemente ajoelhada a rezar e um cão que mostra a sua barriga - evidenciando submissão - a outra pessoa. O cão do seu marido - observa - mostra ritualmente a barriga logo pela manhã, tal como uma devoção matinal. No final, conclui Thomas que o paralelo não é exacto, que os cães provavelmente não pensam nos seres humanos como deuses, no entanto, "tal como precisamos mais de Deus do que Ele de nós, os cães precisam mais de nós do que nós deles e eles sabem-no." Um estudo mais aprofundado deste tipo de dinâmica poderá aportar uma luz comparativa sobre os ritos religiosos humanos.

A Moralidade e um Sentido de Justiça

O sentido de justiça tem sido considerado unicamente humano. Será que possui uma componente emocional? O sentido humano da justiça é acompanhado por diversas emoções, raiva e indignação em relação à injustiça, desejo de vingança e compaixão. As histórias de assembleias de corvos que efectuam tribunais e procedem ao julgamento dos seus membros são uma fantasia, mas manifestações menos organizadas daquilo que pode ser designado por sentido de justiça existem por exemplo em diversos relatos de chimpanzés justamente indignados. Nim Chimpsky aprendeu quando devia esperar louvores e quando esperar censura e aceitou estes padrões artificiais. Se estragasse um brinquedo, o castigo não o surpreendia e aceitava-o. Mas se um dos seus instrutores o castigasse por algo que os outros ignorassem, ou se alguém não o elogiasse por alguma coisa que os outros habitualmente recompensassem, Nim ficava amuado. Talvez Nim estivesse simplesmente aborrecido porque o seu mundo carecia de previsibilidade, porque as suas expectativas estabelecidas tinham sido violadas. Mas esta é uma parte importante da justiça entre os seres humanos. Os chimpanzés da colónia de

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Arnhem parecem reagir a uma noção de tratamento injusto por parte dos outros. Uma vez a chimpanzé Puist "raptou" uma cria de um ano à mãe e levou-a consigo para o cimo de uma árvore, com a cria gritando de terror. Depois de a mãe ter recuperado o filho, atacou Puist apesar desta ser maior e mais dominante. O macho Yeroen precipitou-se para junto delas e acabou a luta agarrando Puist e afugentando-a. Situação bastante invulgar, uma vez que Yeroen e Puist eram aliados, e em todas as outras ocasiões Yeroen tinha sempre intervindo do lado de Puist. Frans de Waal conclui que Yeroen concordou com a mãe chimpanzé que esta tinha toda a razão em protestar. Noutro incidente, Puist parece ter sido prejudicada no seu próprio interesse por apoiar Luit numa disputa com um grande macho. O macho fez uma manifestação ameaçadora a Puist, que esticou a mão em direcção a Luit. Luit não reagiu e Puist instantaneamente precipitou-se sobre este, ladrando e mesmo batendo-lhe, aparentemente porque ele tinha violado a tradição de apoiar aqueles que o apoiam. Este tipo de solidariedade faz parte de diversas noções humanas de justiça. Elizabeth Marshall Thomas dá-nos um exemplo que pode muito bem ilustrar o sentido de justiça ou talvez o sentido de propriedade subjacente à rectidão. A sua cadela husky, Maria, um dia descobriu que se corresse à volta de uma gaiola com ratos e periquitos, investindo contra os seus ocupantes, conseguia colocá-los num estado de frenesim histérico. O cão Bingo apareceu a correr, empurrou a cadela com o seu corpo - muito embora esta fosse muito maior do que ele - e quando Maria se atirou novamente à gaiola, ladrou bem alto e voltou a empurrá-la. Maria abandonou a sala. Elizabeth Thomas ficou bastante surpreendida, porque Bingo estava "apaixonado" por Maria e habitualmente nunca lhe fazia frente de forma alguma. Quer Bingo estivesse motivado por uma compaixão pelos ratos e periquitos, por uma delegação da posse desses animais ou por uma discordância em relação ao comportamento desordeiro de Maria, parece indiscutível que ele pretendia acabar com a sua agressão e levá-la a comportar-se melhor em relação aos outros animais. Os observadores de coatis selvagens do Arizona, sugerem que estes possuem um sistema de denominação manifestado através de uma diversidade de guinchos por parte das crias. Quando um animal mais velho lhes dá umas palmadas por terem ficado para trás em relação ao bando, a cria, encolhe-se e profere o guincho para "não me batas", aparentemente indicativo de não resistência. Em diversas ocasiões em que um animal sub-adulto cometeu a acção invulgar de tentar roubar a comida a uma cria batendo-lhe, a cria emitiu um guincho diferente - e logo uma fêmea adulta apareceu e afastou o adolescente, aparentemente aplicando a tradição da tolerância em relação às crias mais jovens. Poderá tratar-se meramente de diversos sentimentos de uma cria expressos em distintas ocasiões ameaçadoras, mas revelam-nos a existência de uma diferença. A aplicação e o respeito da hierarquia também desempenha um papel importante nos sistemas de justiça humana.

A Ânsia Narrativa

O desejo de contar histórias é outra das características da humanidade. As pessoas gostam de narrar acontecimentos, de tagarelar e de analisar. Os seres humanos falam com os animais e entre si. Será que a própria linguagem dá origem à ânsia narrativa, ou será que os seres

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humanos possuem essa necessidade mesmo sem a sua própria linguagem? Considerou-se que os animais a quem foi ensinada a linguagem gestual evidenciavam um reduzido desejo narrativo. Herbert Terrace, que possibilitou ao chimpanzé Nim Chimpsky a aprendizagem dos gestos, afirma que a maioria das articulações de Nim não passavam de imitações ou fragmentos de coisas que os seus professores se tinham limitado a gesticular, e defende que o mesmo se aplica a outros macacos que usam a linguagem de gestos. Terrace afirma igualmente que grande parte dos gestos utilizados pelos símios consistem em pedidos de alimentos, brinquedos e gestos de afecto tais como cócegas e abraços. Este facto, assim como a escassez de comunicação verbal espontânea, afiguram-se indicativos de uma reduzida ânsia narrativa. Em raras ocasiões Nim gesticulava sem lhe ter sido perguntado o nome daquilo que via. Muitas vezes gesticulava espontaneamente a designação de coisas que reconhecia em imagens, ao desfolhar livros e revistas. Talvez sejam estes os rudimentos de uma ânsia narrativa, à espera de estímulo e oportunidade. As lições de linguagem de Nim (tal como na maior parte das experiências) foram estruturadas de forma a dar-lhe hipótese de ganhar alimentos e outras recompensas, e por isso não é assim tão surpreendente que ele emitisse esse tipo de solicitações. Deverá também ter-se em consideração que os primeiros professores de Nim não eram fluentes neste tipo de linguagem. A maioria apenas conseguia improvisar algumas frases sobre um determinado tópico - eram incapazes de contar uma história a Nim, narrar os acontecimentos do dia ou de lhe transmitir uma tagarelice interessante. Nim começou a aprender os gestos aos cinco meses de idade, mas não teve um professor fluente (e não por muito tempo) até aos três anos e meio. Situação que não é invulgar. Os macacos que usam a linguagem gestual têm sido maioritariamente criados e ensinados por seres humanos que empregam uma linguagem gestual bastante rudimentar. Nenhum destes símios foi criado num ambiente de fluência de gestos. Imaginemos uma criança educada por adultos com um domínio deficiente e recém-adquirido da fala. Suponhamos igualmente que essa criança não tinha companheiros de brincadeiras ou colegas de turma com quem falar. Essa criança ficaria muitíssimo atrasada em termos linguísticos em relação a outras crianças cujos pais falassem aberta e literalmente entre si, com os outros assim como com os filhos. Uma criança que nunca presenciou a narrativa de uma história talvez seja incapaz de contar uma, mas isto não iria demonstrar os limites da capacidade narrativa humana. Terrace refere que quando Nim teve oportunidade de conhecer gesticuladores fluentes ficou completamente petrificado. Contemplava-os hipnotizado durante cerca de quinze minutos (muito tempo para um jovem chimpanzé) enquanto estes conversavam. Em contraste, a linguagem falada apenas suscitava o seu interesse durante alguns breves segundos. Terrace observa que, aos três anos e meio, quando finalmente foi atribuído a Nim um professor fluente em gesticulação - aparentemente o seu quadragésimo quarto professor - o animal já estava a entrar na adolescência. Este investigador é da opinião que a fluência de Nim teria progredido de forma mais rápida se ele tivesse tido um maior contacto com indivíduos fluentes em linguagem gestual desde a mais tenra idade. Washoe, a primeira de todos os chimpanzés a aprender a linguagem gestual, adoptou uma cria macho - Loulis - que aprendeu esta linguagem não através de tutores humanos mas sim com Washoe e outros chimpanzés da sua colónia. Contudo, a própria Washoe não aprendeu os gestos com indivíduos fluentes neste tipo de linguagem. É possível que os macacos não tenham sido adequadamente estimulados a adquirir uma fluência de gesticulação. Se assim for, ainda não se procedeu a um teste completo do seu eventual desejo narrativo. Outros chimpanzés que usam a linguagem gestual para além de Nim foram

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observados fazendo gestos de certa forma numa tentativa rudimentar de narrativa. Fazem gestos uns aos outros mesmo quando não se encontram seres humanos por perto (tal como revelado por uma câmara de vídeo remota) e tal como os seres humanos "falam" com eles mesmos. Washoe foi filmada, empoleirada numa árvore e escondida dos seus companheiros humanos, efectuando o gesto de "silêncio" para ela própria. Conseguem descrever as suas actividades para eles mesmos, gesticulando "eu para cima" e trepando seguidamente por uma parede. Já foram até vistos a utilizar um discurso imaginativo quando brincam sozinhos. Moja, que conhece muito bem a palavra "carteira", uma vez colocou uma carteira num pé e andou de um lado para o outro fazendo os gestos "Isto é um sapato". Este é o início de uma metáfora rudimentar. Existe uma situação na qual as abelhas são completamente narrativas, fazendo com que os outros membros da sua colmeia saibam onde se encontram as melhores flores e como chegar até elas. A descoberta mais revolucionária de Karl von Frisch respeitante à comunicação simbólica empregue pelas abelhas comuns: uma abelha que encontre flores executa uma dança de regresso à colmeia que vai informar as outras da distância a que se encontra esse alimento e em que direcção. Donald Griffin observa: "Há quarenta anos atrás, no clima científico de conceitos prevalecentes, seria totalmente chocante e incrível ouvir alguém afirmar que um mero insecto podia comunicar aos seus companheiros a direcção, distância e conveniência de algo que se encontrava a grande distância." Mas é exactamente isso que elas fazem. Os chimpanzés Sherman e Austin foram ensinados a comunicar por meio da iluminação de gestos num quadro. A investigadora Sue Savage-Rumbaugh observa que eles conseguem utilizar esses gestos para efectuar comentários espontâneos acerca das suas acções do momento ou em relação a acontecimentos que se passam ao seu redor, mas que o fazem com pouca frequência. "O seu comportamento vem sugerir que eles têm dificuldade em entender que os outros não têm acesso à mesma informação que eles possuem. Nos diversos paradigmas utilizados para estimular a comunicação entre eles era-lhes sempre necessário experimentar os distintos papéis de orador e ouvinte antes que o seu comportamento - na qualidade de orador - fosse indicativo de que sabiam que dispunham de uma informação que o ouvinte não possuía", escreveu Sue Rumbaugh. Muito embora Sherman e Austin tenham aprendido a eventual ignorância do ouvinte em situações individuais e não pareçam ter generalizado as suas observações, não é totalmente impossível que o possam fazer. Foram ensinados a partilhar alimentos um com o outro - procedimento muito invulgar ao nível dos chimpanzés - e acabaram por apreciar bastante esta partilha, apesar de a sua aprendizagem não ter sido aparentemente fácil. Talvez estes chimpanzés pudessem aprender a narração de forma semelhante. É possível que os grandes primatas nunca exibam uma maior capacidade em termos de linguagem do que a conseguida até hoje, que tenham atingido já os seus limites linguísticos. Poderá muito bem dar-se o caso de que a ânsia de confidenciar, de se vangloriar, de voltar a contar e de mitificar continue a ser uma característica humana, mas conhece-se muito pouco para se ter uma certeza total. Se, em vez de projectar condições laboratoriais nas quais os macacos aprendem a comunicar com os seres humanos através da nossa linguagem ou numa das suas variantes, os seres humanos se dirigissem silenciosamente até à floresta e escutassem o que lá já está a ser comunicado, aprender-se-ia muito mais. Alguns dos animais mais vocalizadores São POUCO compreendidos. Algumas espécies de baleias são clamorosas, emitindo incessantemente uma grande panóplia de guinchos, roncos, trinados, bramidos, chilreios, gemidos, latidos e assobios, assim como cliques e zunidos de ecolocação. Talvez todos estes sons queiram dizer apenas: "Estou aqui. Onde estás?" Uma perspectiva alternativa

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é-nos dada por Jim Noilman, que elaborou um comentário sobre as descobertas científicas do perito em baleias Dr. Roger Payne, segundo o qual as baleias corcundas conseguem repetir a mesma canção de um ano para o outro, "com ligeiras mas discerníveis diferenças. Aqui está um exemplo muito claro de uma tradição oral. Isso implica que as baleias corcundas possuam pelo menos os rudimentos de uma cultura adquirida". Talvez estejam a contar a história da sua espécie. A procura das emoções que os seres humanos sentem, e que os outros animais não, é muito antiga. Analisá-la no sentido inverso e procurar as emoções que os animais possuam, e nós não, vai violar o conceito habitual que os seres humanos são o término perfeito da evolução e os destinatários mais agraciados das dádivas da Natureza. Mas é impossível deixar de admitir as diversas coisas que alguns animais possuem e que nós não temos. Algumas delas orgulhamo-nos de não possuii tais como caudas, longa pelagem ou chifres. A outras encolhemos os om bros: um sentido do olfacto apurado. E outras invejamos: as asas.

Emoções Exclusivamente Animais

Alguns animais possuem sentidos que os seres humanos não têm, capacidades só ultimamente descobertas. Outros sentidos dos animais poderão continuar por descobrir. Por extensão, será que poderão existir sentimentos que os animais possuam e os seres humanos não e nesse caso, como poderemos sabê-lo? Será precisa uma grande humildade científica e criatividade filosófica para facultar mesmo o primórdio de uma resposta. Uma mãe leoa observada por George Schaller tinha deixado as suas três pequenas crias debaixo de uma árvore caída. Enquanto ela não estava por perto, dois leões de outro bando mataram as crias. Um macho comeu parte de uma delas. O segundo levou a cria consigo, abocanhando-a como se se tratasse de um bocado de comida e não um leãozinho. Ele parava de tempos a tempos lambia-a e mais tarde aninhou-a entre as patas. Dez horas mais tarde ainda não a tinha comido. Quando a mãe voltou e percebeu o que tinha acontecido, farejou a última cria morta, lambeu-a e depois sentou-se e comeu-a com excepção da cabeça e das patas anteriores. Esta mãe leoa estava a agir como um leão e não como uma pessoa. Mas para compreender o que os leões fazem, o que ela possa ter sentido faz parte da imagem. Talvez ela se sentisse mais perto dos seus rebentos mortos quando estes passassem a fazer novamente parte do seu corpo. Talvez ela detestasse desperdícios ou limpasse todas as porcarias que as crias faziam, como parte do seu amor. Talvez se trate de um ritual fúnebre dos leões. Ou talvez se trate de algo que apenas um leão é capaz de sentir. Os elefantes exibem um comportamento designado por "pandemónio de acasalamento". Quando uma elefanta em cio acasala, profere um ruidoso chamamento num registo sonoro demasiado grave para o ouvido humano. Ao ouvirem esse chamamento, os parentes dirigem-se a correr ao local, barrindo sonoramente, parecendo agitados ou excitados, e o pandemónio prossegue. Outros elefantes machos podem também ser atraídos. Grupos que não lhe são aparentados ignoram o chamamento ou abandonam a área. Tal como a observadora Joyce Poole observou: "Biologicamente, podemos dizer que o pandemónio de acasalamento serve para atrair um número superior de machos para (...) a fêmea, aumentando as hipóteses de aparecimento de um macho ainda mais dominante e que consiga afastar aquele que a guarda, acabando por ser aquele que a vá fertilizar. Pessoalmente

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creio que o pandemónio de acasalamento é mais do que isso, mas se terá alguma coisa a ver com territórios sociais, com algum tipo de apoio emocional à fêmea em cio ou ainda com outra coisa qualquer, não posso afirmar.Quais são as emoções dos parentes da fêmeas, daqueles que originam o pandemónio? A resposta não é clara. Podem sentir um misto de distintas emoções, conhecidas e desconhecidas. Após trinta anos de trabalho com chimpanzés, Roger Fouts duvida que eles possuam emoções que os seres humanos não tenham. De facto, se fossem descobertas emoções novas e desconhecidas, seriam com maior probabilidade detectadas em animais menos semelhantes a nós do que os grandes primatas. Num fim de tarde primaveril, George Schaller observou uma panda fêmea selvagem na China, Zhen-Zhen, que comia e depois - apesar de esta o estar a ver a observá-la - deitar-se sobre uns bambus, emitindo "grasnidos ruidosos" e adormecer. A sua aparente indiferença surpreendeu Schaller: Quando encontro um gorila ou um tigre, posso aperceber-me da relação que nos liga através das emoções que estes exprimem, curiosidade, amizade, aborrecimento, compreensão, raiva, medo, todas são reveladas na sua face e no seu corpo. Em contraste, Zhen e eu estamos juntos, contudo irremediavelmente separados por um imenso espaço. Os sentimentos dela permanecem impenetráveis e o seu comportamento inescrutável. As introspecções intelectuais enriquecem as experiências emocionais. Mas com Zhen corro o risco de sair dali de mãos vazias diante de uma montanha cheia de tesouros. Isto não quer dizer que os pandas sejam impossíveis de conhecer. Schaller acredita que seria possível aprender a compreendê-los: "Para a compreender, teria de me transformar num panda, deixar de ter consciência de mim próprio, concentrar-me nas suas acções e espírito de muitos anos, até que finalmente conseguisse obter novas introspecções." Este investigador teme que os pandas não durem o tempo suficiente como espécie para que os seres humanos consigam chegar a entendê-los.

Emoções Inconscientes

Mesmo se alguns animais possuem emoções, contrapõem alguns, eles não as sentem como os seres humanos, por que não podem ter consciência delas, trazê-las ao consciente e exprimi-las para si próprios. Talvez um elefante possa estar triste - prossegue esse argumento - mas se ele não pode dizer a si próprio: "Estou triste", então não pode estar triste exactamente como uma pessoa - que consegue descrever a tristeza, prever a tristeza, perder uma discussão com tristeza. Se isto for verdade, então é a linguagem o que concede aos seres humanos a sua tremenda ligação e vulnerabilidade em relação aos seus sentimentos. É uma imprudência, neste ponto do conhecimento, estarmos completamente convictos de que uma emoção que não pode ser expressa em linguagem, pelo menos numa linguagem reconhecida, não possa ser sentida com vigor. Os seres humanos acreditam que sofrem com emoções de que não têm autoconsciência e que são inarticuladas. Isto não significa que essas emoções não tenham significado ou que não possam na realidade ser sentidas. Poderá igualmente afirmar-se que a linguagem coloca a emoção a uma distância, que o simples facto de dizer "Estou triste" com todas as conotações que a palavra possui afasta um pouco esse sentimento, talvez tornando-o menos empedernido e menos pessoal. Herbert Terrace descreve o que pode ser considerado um exemplo actual da linguagem afastando os sentimentos num animal: Determinadas

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utilizações dos gestos por parte de Nim eram bastante inesperadas. Pelo menos dois deles (morder e zangado) pareciam funcionar como substitutos da expressão física dessas acções e emoções. Nim aprendeu os gestos morder e zangado de um livro de imagens que mostrava Zero Mostel a morder uma mão enquanto exibia uma expressão zangada. Durante o mês de Setembro de 1976, Amy deu início ao que julgou ser uma transferência normal para Laura. Por alguma razão, Nim não queria abandonar Amy e tentou afastar Laura. Quando Laura insistiu e tentou agarrá-lo, Nim fez um gesto como se estivesse prestes a morder-lhe. A boca abriu-se de par em par deixando ver os dentes à mostra e ele aproximou-se de Laura com o pêlo eriçado. Em vez de lhe morder, contudo, ele fez repetidamente o gesto morder perto da cara da investigadora com uma expressão feroz na cara. Depois de exibir estes gestos, pareceu relaxar e não voltou a evidenciar qualquer intenção de atacar Laura. Uns minutos mais tarde Nim transferiu-se para Laura sem qualquer gesto de agressão. Noutras ocasiões, Nim foi observado a gesticular tanto morder como zangado como um aviso. Na medida em que a linguagem afasta os sentimentos, o mundo das emoções, um mundo no qual os seres humanos por vezes se sentem alheados, pode muito bem ser um universo em que alguns animais vivam mais intensamente.

Intensidade Emocional

O facto de alguns animais poderem sentir emoções com maior ou menor intensidade do que os seres humanos poderá depender de quais as emoções envolvidas. Os animais indiscutivelmente sentem piedade uns em relação aos outros, algumas vezes mesmo ultrapassando a barreira das espécies, Mas parece improvável, apesar de não impossível, que a experimentem de uma forma tão elaborada ou tão intensa com os seres humanos. Por exemplo, é duvidoso que os golfinhos se preocupem tanto acerca das matanças dos seres humanos entre si como alguns seres humanos se preocupam com a matança de golfinhos perpetrada por outros seres humanos. Mas isto pode dever-se apenas ao facto de não possuírem o mesmo acesso à informação que os seres humanos. Talvez eles saibam e tenham regras de não-interferência nos assuntos humanos. Talvez os animais sejam verdadeiramente indiferentes, ou assumam uma perspectiva distanciada. Existem algumas emoções, por outro lado, que os seres humanos podem experimentar com menor intensidade que alguns animais. Muitas pessoas têm tido a sensação, por exemplo, que alguns animais parecem evidenciar uma maior capacidade de alegria. Uma das explicações para a popularidade da observação e escuta dos pássaros é o prazer de escutar as suas melodias, que se afiguram muito alegres, Tal como na descrição feita por Julian Huxley sobre o acasalamento das garças, entrelaçando os seus longos pescoços: "Sobre isto posso apenas dizer que parece revestir-se de um tal nível de emoção que eu só gostaria de ser uma garça para o poder também experimentar." A intensidade das emoções ao nível de outros animais tem sido uma fonte perpétua da inveja humana. Joseph Wood Krutch escreve: "É difícil entender como se pode negar que o cão - aparentemente fora de si com a perspectiva de um passeio com o seu dono - esteja a experimentar uma alegria cuja intensidade esteja muito para além das nossas possibilidades imaginar quanto mais partilhar. De igual forma o seu desânimo pode pelo menos afigurar-se

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não menos fundamentado. Talvez o tipo de pensamento de que somos capazes ofusque ambas, ao mesmo tempo que nos torna menos vítimas de qualquer uma delas. Podemos pensar, será que alguém, alguma vez, pareceu tão melancólico como um cão perdido? Talvez alguns animais possam sentir mais alegria e mais desolação do que algum homem jamais sentiu." Para examinar questões deste tipo é vital tratar os animais como membros das suas próprias espécies. Tratá-los quer como máquinas quer como pessoas vai denegri-los. O reconhecimento das suas vidas emocionais é o primeiro passo; entender que as suas vidas emocionais são deles próprios e não nossas é o segundo. Ao mesmo tempo, se os seres humanos não têm pares em termos de seres cognitivos e criaturas de culturas elaboradas, enquanto seres emocionais estamos tudo menos sós. Haverá alguma razão para que devamos compreender o mundo das emoções animais, que exista nalgum plano intangível entre o mundo mensurável dos níveis de oxitoxinas na corrente sanguínea de um gato e o seu ronronar de felicidade? Porque é que devemos evitar colocar a hipótese da felicidade do gato? A resposta é que as emoções são num sentido real o mundo em que vivemos, e aquilo que nos importa. A vida humana não pode ser entendida sem emoções. Deixar a questão das emoções animais para sempre inabordável e imponderável constitui uma impotência arbitrária em termos intelectuais.

Através da Barreira das Espécies

Em Janeiro de 1989, uns caminhantes que percorriam as florestas de Michigan encontraram uma ursa preta com duas crias, saídas recentemente da sua hibernação e aninhadas debaixo de uma árvore. Começaram a tirar fotografias e como lhes pareceu que a ursa não estava suficientemente real para as suas intenções artísticas puseram-se a gritar e a espicaçá-la com paus. O animal fugiu, deixando para trás as suas crias de doze semanas. Os guardas-florestais conseguiram localizar a mãe e compreenderam que ela não ia regressar. O biólogo de animais selvagens Lynn Rogers, do Instituto Superior Nacional de Florestas do Minnesota, concordou em tentar que as crias fossem adoptadas. Transportando consigo Gerry, a cria fêmea, Rogers e um fotógrafo, ambos munidos de calçado próprio para caminhar na neve, avançaram floresta adentro e localizaram Terri, uma ursa selvagem com duas crias, habituada à presença humana. Rogers imitou o grito das crias. "Coloquei a cria ao pé dela e imediatamente ela agarrou-a", recorda o biólogo. A cria fugiu de ao pé desse urso estranho de volta aos seres humanos. Para grande horror do fotógrafo, a cria pôs-se a trepar pela perna dele como se se tratasse de uma árvore. Estando este completamente paralisado, Terri aproximou-se, agarrou a cria com a boca, soltou-a da perna do homem e levou-a de volta ao seu covil. A adopção do irmão de Gerry por outra ursa foi também bem sucedida. Terri foi uma boa mãe, e Gerry passou a percorrer as florestas do Norte, aprendendo a procurar comida - irrompendo nos formigueiros, andando aproximadamente 65 quilómetros até a um local carregado de aveleiras, pastando na vegetação aquática - e dormindo debaixo de um pinheiro. Quando cresceu utilizava uma parte do território de Terri e teve as suas próprias crias. Durante uma altura em que Rogers estava de más relações com as agências governamentais, as entidades oficiais acusaram Gerry de ter atacado seres humanos. Foi capturada com uma das crias. Enjaulada, Gerry gemia

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constantemente. "Ela estava simplesmente a chorar o tempo todo," afirma Rogers. "Quando conseguimos apanhar as outras crias e as colocámos na jaula com ela, a partir desse momento a ursa ficou bem." As entidades oficiais planeavam enviar Gerry para um couto de caça, em que seria utilizada para criação e posterior venda das crias, e onde as unhas lhe seriam cortadas por razões de segurança. Condoído, Rogers conseguiu o seu envio para um pequeno zoo, onde ela vive agora num cercado de diversos acres. Quando as crias atingiram a idade necessária, foram libertas numa floresta da Carolina do Norte. "Aquela ursa era tão digna de confiança, mesmo com crias," lamenta-se Rogers, "podia aconchegá-la nos meus braços (...) e ela relaxava e olhava à sua volta." Quanto a Terri, avançou por uma zona de floresta não protegida e foi abatida por um caçador. Nesta história as fontes de tragédia não têm nada a ver com ursos e tudo se prende com erros cometidos pelos seres humanos. As vidas emocionais destes ursos não são inacessíveis para nós. Negar o terror dos ursinhos abandonados; o acolhimento afectuoso da mãe adoptiva, Terri; o desespero de Gerry com o desaparecimento de duas das suas crias, é desafiar a credibilidade. A curiosidade acerca dos sentimentos dos animais, que a ciência tão frequentemente procura retirar aos seus estudantes, poderá de facto ser recíproco por parte dos animais. Ao observar leões selvagens, Elizabeth Marshall Thomas descobriu que os leões estavam a devolver o escrutínio humano. Durante o dia os cientistas observavam os leões a dormir. À noite, as pegadas revelaram que quatro leões se tinham dirigido à cerca e tinham estado a contemplar os cientistas adormecidos. Tal como as pessoas examinaram os excrementos dos leões, estes remexeram na latrina humana e inspeccionaram o seu conteúdo, por vezes adicionando-lhe as suas próprias dejecções. Os chimpanzés selvagens que conseguem ultrapassar o medo dos seres humanos evidenciam uma considerável curiosidade em relação ao comportamento humano, apesar de nenhum parecer ter ido tão longe ao ponto de fazer disso uma carreira. No final, quando pensamos se devemos adjudicar uma emoção a um animal, a questão que devemos colocar não é:"Poderemos provar que outros seres sentem esta ou qualquer outra emoção", mas sim: "Existe alguma razão para supor que esta espécie animal não sinta esta emoção?" Em caso contrário, então poderemos perguntar se esse mesmo animal sente essa emoção específica nessa determinada ocasião. Se virmos um elefante parado em pé junto de outro às portas da morte, a resposta adequada não é afirmar que não temos forma de medir a pena e que não deveremos nunca, por conseguinte, falar em tristeza em relação aos elefantes. Em vez disso podemos observar o comportamento do elefante - os seus chamamentos, a sua linguagem corporal e as suas acções - e perguntar se não se assemelha a uma manifestação de infelicidade. A história pessoal do animal é relevante para este inquérito - esses animais eram estranhos entre si? Conheciam-se? Eram da mesma família? Mesmo que os animais não contem histórias (tanto quanto sabemos), eles certamente vivem cada pedaço da sua vida tal como os seres humanos o fazem. A humildade científica sugere que o completo entendimento dos outros animais poderá ser impossível. Mas poderemos chegar muito mais longe se não começarmos por insistir, logo à partida, que sabemos mais do que na realidade conhecemos quanto às características que eles não possuem. Para aprendermos a conhecer os outros animais, estes têm de ser considerados nos seus próprios termos e esses termos incluem os seus sentimentos.

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CONCLUSÃO

Partilhar o Mundo com Criaturas que Sentem

Quais são as implicações de descobrir que os animais têm vidas emocionais? Deveríamos mudar o nosso relacionamento com eles? Teremos obrigações em relação a eles? O teste de produtos para seres humanos em animais será defensável? As experiências realizadas em animais serão éticas? Poderemos nós prendê-los para nosso regozijo? Matá-los para nos cobrirmos, para sobrevivermos ou para nos adornarmos? Deveremos deixar de comer animais que possuem uma vida social complexa, que são capazes de relações apaixonadas entre si e que amam desesperadamente as suas crias? Nós, seres humanos, comportamo-nos frequentemente como se aquilo que é mais parecido connosco merecesse mais respeito do que aquilo que é totalmente distinto de nós. O racismo pode ser parcialmente descrito - se não explicado - desta forma. Os homens tratam melhor os outros homens do que as mulheres, baseados em parte na sua perspectiva de que as mulheres não são como eles. Muitas dessas supostas diferenças são meros disfarces para tudo aquilo que um poder dominante pode impor. A ideia básica parece ser que, se alguma coisa não sentir a dor da forma como um ser humano a sente, é permitido magoá-la. Apesar de isto não ser necessariamente verdade, a ilusão das diferenças é mantida pelo medo de que o reconhecimento das semelhanças possa dar origem à obrigação de garantir respeito e talvez mesmo igualdade. Esta parece ser a questão, particularmente quando se trata de sofrimento, dor, mágoa e tristeza. Nós não queremos causar esses sentimentos aos outros porque sabemos o que sentimos quando somos nós a experimentá-los. Ninguém defende o sofrimento como tal. Mas o que dizer das experiências em animais? A sua defesa gira à volta da utilidade, opondo o bem maior ao sofrimento menor. Habitualmente está implícita a maior importância daqueles que lucram com isso (por exemplo, os cientistas contratados pelas empresas de cosmética ou pelas farmacêuticas para realizar experiências em coelhos) comparativamente à menor importância daqueles que são sacrificados para o benefício dos primeiros. Inevitavelmente, um investigador que realiza experiências em animais negará quase sempre que os animais sofrem da mesma forma que os seres humanos. Caso contrário, estaria implicitamente a admitir a crueldade. O sofrimento experimental não é imposto ao acaso e sem consentimento aos seres humanos e proclamado ético com base nos enormes benefícios que proporcionará a outros. (Pelo menos já não o é hoje em dia.) Os animais sofrem. Podemos ou devemos medir o seu sofrimento, compará-lo com o nosso próprio sofrimento? Se for como o nosso, como poderá isto continuar? Tal como Rousseau escreveu no seu Discurso sobre a Origem da Desigualdade em 1755: "Parece que, se sou obrigado a não ferir qualquer ser igual a mim, não é tanto por se tratar de um ser dotado de razão, mas sim por se tratar de um ser sensível." Para além disso, porque é que o sofrimento tem de ser igual ao nosso para que não se justifique infligi-lo? Tem sido argumentado que nós, seres humanos, experimentamos a dor de forma mais acentuada porque a recordamos e prevemos; de acordo com os termos de Rousseau, porque somos "dotados de razão". Contudo, não é evidente que os animais não possam também fazer isso. Mas mesmo que não possam recordar ou prever a dor, não existe razão para supor que os

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animais sofram menos do que os seres humanos - eles são "sensíveis" - e existem mesmo certas razões que nos levam a supor que alguns possam sofrer ainda mais. A filósofa britânica Brigid Brophy, por exemplo, salienta que "a dor é capaz de preencher toda a capacidade de experimentação de uma ovelha, de uma forma que raramente nos acontece a nós, a quem o intelecto e imaginação são capazes de criar pausas no imediato das nossas sensações". Mas a questão não é que eles já sofrem o suficiente? Referindo-se à ligação entre sofrimento e amor desinteressado ao nível dos animais, Darwin escreveu: "Na agonia da morte, sabe-se de cães que acariciam o dono, e todos conhecemos o episódio do cão em sofrimento durante a vivissecção que lambeu a mão do operador; este homem, a não ser que a operação fosse totalmente justificada pelo aumento do nosso conhecimento ou a menos que tivesse um coração de pedra, deve ter sentido remorsos até ao último minuto da sua vida." Em relação aos animais, Darwin falava de acordo com a observação. Em relação aos seres humanos, era apenas optimista. Diz-se muitas vezes que, se os matadouros tivessem paredes de vidro, a maior parte das pessoas passaria a ser vegetariana. Se o público em geral soubesse o que se passa nos laboratórios de experimentação animal, estes seriam abolidos. Contudo, este paralelo não é exacto. Os matadouros são invisíveis porque o público não os quer ver. Todos sabem o que lá se passa; simplesmente não querem ser confrontados com isso. A maioria das pessoas não sabe a forma como os animais são utilizados nas experiências. Os matadouros permitem a presença de visitantes. Os laboratórios onde se efectuam pesquisas em animais são notoriamente dissimulados, não admitindo a presença de visitantes. Talvez aqueles que conduzem as experiências saibam que seriam impedidos se aquilo que fazem fosse conhecido mesmo até por outros cientistas. Talvez tenham vergonha. O Dr. Robert White, Director do Laboratório de Investigação Neurológica e Cerebral do Hospital Metropolitano Geral de Cleveland é uma figura proeminente na investigação dos transplantes cerebrais. Num artigo influente intitulado "Uma Defesa da Vivissecção", ele descreve a sua própria pesquisa: "Em 1964, fomos pela primeira vez bem sucedidos em termos da história médica ao conseguir isolar totalmente o cérebro sub-humano de um primata fora do seu corpo e mantê-lo num estado viável através da ligação ao sistema vascular de outro macaco ou através de um circuito de aspersão mecânico que incorporava unidades de engenharia concebidas para desempenhar as funções do coração, pulmões e rins enquanto simultaneamente circulava o sangue de e para o cérebro. Ficámos delirantes de alegria, uma vez que os cientistas vinham tentando construir este tipo de modelo cirúrgico durante os últimos cem anos sem qualquer sucesso. Já nos anos 30, o Dr. Alexis Carrel - prémio Nobel -, com a colaboração do Coronel Charles Lindbergh, tinha sido capaz de conseguir a viabilidade de quase todos os órgãos corporais num estado de isolamento. (...) Como um aparte, deverá ser mencionado que o Dr. Carrel teve alguns problemas com os anti-vivisseccionistas do seu tempo." Um grupo de experimentação animal pôs um anúncio pago num jornal, publicidade esta que acharam muito divertida e chamativa em termos de doações: "Enviem um rato para a Faculdade." Esta linguagem disfarça o objectivo dos ratos na Universidade. Os investigadores não se atreveram a dizer "Faça crescer um tumor num rato", assim como não se atreveram a dizer "Envie um gato ou um cão para a Faculdade", uma vez que as pessoas não gostam de pensar nos seus animais de estimação submetidos a experiências. Os ratos e ratinhos não são geralmente considerados como animais de estimação, mas sim como uma peste°, e têm poucos defensores. Contudo, a dor sentida por qualquer rato ou ratinho é em tudo tão real como a de qualquer animal de estimação. Nos laboratórios sofrem, e como qualquer pessoa que já tenha tido ocasião de os

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ouvir eles gemem, choram, choramingam e alguns chegam mesmo a gritar. Os cientistas dissimulam este facto insistindo que os animais estão meramente a executar vocalizações. Descartes continua vivo. Talvez esses sons não cheguem até aos cientistas porque não são imediatamente reconhecidos como uma forma de comunicação. Ao examinar a perspectiva humana das diferenças entre seres humanos e animais é óbvio que os seres humanos adjudicam um significado fundamental à fala. A nossa singularidade única, reivindicada por muitos filósofos, reside na nossa capacidade de falarmos uns com os outros. Por isso constituiu um choque o facto de que um simples papagaio cinzento africano não só "papagueasse" em fala humana, mas falasse, comunicasse as palavras utilizadas com significado. Quando a psicóloga animal Irene Pepperberg se preparava para deixar o seu papagaio, Alex, numa clínica veterinária para uma operação pulmonar, Alex chamou-a: "Anda cá. Gosto de ti. Desculpa. Quero voltar para casa." O animal pensou que tinha feito algo de errado e estava a ser abandonado como castigo. Imaginem o que aconteceria se um animal se nos dirigisse às portas de um abate eminente. Se, num matadouro, um porco se pusesse a gritar "Por favor, não me matem". Se quando o caçador olhasse nos olhos de um veado, o ouvisse dizer subitamente "Eu quero viver, por favor não me dê um tiro, os meus filhos precisam de mim", será que o caçador apertava o gatilho? Ou se um gato num laboratório pudesse exclamar "Por favor, não me torturem mais!", será que os cientistas conseguiam prosseguir? Este tipo de discurso não impediu que os reclusos dos campos de concentração fossem assassinados durante o Holocausto; nesses locais, os seres humanos tinham o mesmo valor que vermes e ratos. Ninguém parte do princípio que o porco quer morrer. Se ele pudesse, evitaria o abate. O animal sente o desejo de viver e a mágoa por ser morto, tanto quanto os seres humanos; a Única diferença é que não o consegue exprimir por palavras. As pessoas dizem que os sons que emitem parecem tal e qual gritos humanos. Os porcos estão a comunicar o seu terrível medo. Recentemente foi relatado o caso de um novilho a caminho do matadouro que conseguiu fugir quando já se encontrava muito perto deste, de forma a ouvir os gritos dos animais. Atravessou a cidade como uma flecha, tal como um prisioneiro condenado à morte. A sua súbita fuga para a liberdade fez com que todos fizessem uma pausa, até mesmo o condutor da caravana da morte. Estaria certo enviar para a morte um animal que queria tão desesperadamente viver? Talvez se pudesse salvar apenas este. E então o que dizer sobre os outros? Será que sentem exactamente o mesmo? Se a resistência deve ser respeitada, será que a ausência de resistência confere o direito de matar? Sabemos de facto o que a vaca quer: a vaca quer viver. A vaca não se quer sacrificar por qualquer razão. Uma vaca que se oferece de livre vontade como alimento é apenas uma fábula. Quando os seres humanos se recusam a infligir dor noutros seres humanos, certamente é porque partem do princípio de que eles sentem. Não é pelo facto da outra pessoa poder pensar, nem porque pode raciocinar, nem ainda porque pode falar, que são respeitados os seus limites físicos, mas sim porque sente. Sente a dor, a humilhação, a pena e outras emoções, mesmo até algumas que nós ainda não somos capazes de reconhecer. Nós não queremos causar sofrimento. Se, tal como acredito, os animais sentem a dor, a mágoa, e outras emoções, esses sentimentos não podem ser ignorados na nossa atitude em relação a eles. Um urso não irá compor a Nona Sinfonia de Beethoven, mas tão-pouco o nosso vizinho do lado o fará. Não é por esta razão que concluímos que temos a liberdade de efectuar experiências nele, caçá-lo por desporto, ou comê-lo como alimento. Os filósofos modernos parecem de certa forma mais dispostos a considerar as emoções animais do que os biólogos, e também se embrenharam mais a fundo nas questões dos direitos dos

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animais. Filósofos como Mary Midgley e Brigid Brophy em Inglaterra, Peter Singer na Austrália e Tom Regan e Bernard Rollin nos Estados Unidos, todos assumem uma posição enérgica em como os animais possuem emoções complexas. Numa passagem influente, Jeremy Bentham fez em 1789 a ligação dos sentimentos perceptíveis com os direitos da seguinte forma: Virá talvez o dia em que o resto da criação animal poderá adquirir esses direitos, que nunca lhes deveriam ter sido negados pela mão da tirania. Os franceses descobriram já que a negritude da pele não é razão para que um ser humano seja abandonado sem remédio aos caprichos de um torturador. Um dia, talvez seja possível reconhecer que o número de patas, a pilosidade da pele, ou a terminação do ossacrum (Nota 62), são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que mais existe que possa estabelecer essa linha insuperável? Tratar-se-á da faculdade da razão, ou talvez da faculdade do discurso? Mas um cavalo adulto ou um cão são inegavelmente animais mais racionais, e com quem se conversa melhor, do que um bebé com um dia, com uma semana, ou até mesmo com um mês de idade. Mas suponhamos que o caso fosse ao contrário, o que resultaria? A questão não é: "Será que eles podem raciocinar?" nem: "Será que eles podem falar?" mas sim: "Será que eles podem sofrer?" Peter Singer, em Animal Liberation ("A Libertação Animal"), explicitamente baseado no Utilitarismo (Nota 63) de Bentham do século XIX, defende que as criaturas que sentem a dor merecem ser protegidas dela, nomeadamente da experimentação científica e métodos pecuários dolorosos. O argumento é a perceptibilidade - a capacidade de ter experiências conscientes - exige uma consideração idêntica dos interesses de todas as criaturas. Contudo, apesar de nos fornecer uma base moral, esta posição não concede explicitamente direitos aos animais. Tom Regan, em The Case for Animal Rights ("A Questão dos Direitos dos Animais"), vai mais longe, defendendo explicitamente a protecção dos direitos dos animais "capazes de serem sujeito de uma vida". Cada animal utilizado numa determinada experiência num determinado laboratório, possui uma história de vida própria. Sentiu emoções fortes, amou e odiou, dedicou-se a outros da sua própria espécie. É um indivíduo, e está por conseguinte a ser violado ao ser tratado como um objecto. Teremos nós o direito de afastar este ser dos seus iguais e de tudo o que dá sentido à sua vida, e de o colocar num ambiente estéril, hostil e asséptico para ser torturado, mutilado, e finalmente destruído em nome seja do que for, ainda que seja ao serviço da nossa própria espécie? Ou, não tendo o direito, teremos apenas o poder de o fazer? O que se aprende a partir dessas experiências nem sempre é benéfico para os seres humanos. Foi recentemente relatado num jornal de psiquiatria alemão que um investigador deu Largactil - um tranquilizador neuroléptico - a uma aranha e conseguiu assim diminuir quer o tamanho quer a complexidade da sua teia, e mesmo impedir completamente a aranha de tecer a sua teia. Este artigo foi destacado como prova do grande valor da investigação animal para a psicologia. Significava - afirmava o investigador - que os fármacos anti-psicóticos podem ser administrados aos esquizofrénicos para assim os impedir de tecer teias, ou melhor, de criarem fantasias nas suas mentes. Mas porque é que as aranhas, ou neste caso os seres humanos, não podem construir teias se para tal estiverem inclinados? Quem nos atribuiu o direito de intervir e interferir, e em última instância destruir o delicado produto do ser mais íntimo de uma criatura? É também questionável se estes tipos de práticas, em última instância, vão favorecer a Humanidade. A microbiologista Catherine Roberts condena as experiências "odiosas" de Harry Harlow em macacos rhesus (debatidas no Capítulo 5), salientando que "degradam o humanismo daqueles que as concebem e as põem em prática". A Dra. Roberts também fez um comentário acerca das experiências de

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transplantes cerebrais do Dr. White. Afirmou: "Os detalhes das suas experiências são tão horrendos que parecem atingir o limite da depravação científica." Poderá ser difícil imaginar o universo consensual de outras espécies, mas não é impossível. O farejar intenso do nosso cão sugere que está a captar e a reagir a alguma coisa para além do nosso conhecimento. A sua capacidade de receber informações das quais nós não nos conseguimos aperceber é impressionante, as suas consequentes e súbitas mudanças de disposição são respeitadas. Sabemos que estamos em presença de algo diferente de nós, mas merecedor do nosso respeito. Uma das emoções mais comuns sentidas pelos seres humanos em presença de outra espécie é a reverência. A capacidade do falcão de se elevar nos ares, da foca de nadar a grande velocidade por entre as ondas, é maravilhosa e torna-nos mais humildes. É assim óbvio que os animais formam amizades duradouras, têm medo de ser caçados, têm horror ao desmembramento, desejam regressar à segurança da toca, desesperam pelos companheiros, cuidam e protegem as crias que amam. Como diria Tom Regan, são sujeitos de vidas, tal como nós. Apesar de os animais não escreverem autobiografias, tal como as entendemos, as suas biografias podem ser escritas. São indivíduos e membros de grupos, com histórias elaboradas que podem ocorrer num mundo concreto e envolver um grande número de estados emocionais complexos. Eles sentem durante todas as suas vidas, tal como nós. Jane Goodall salienta que "os chimpanzés diferem geneticamente do homo sapiens apenas em 1 por cento e, apesar de não falarem, ainda assim se comportam de forma semelhante aos seres humanos, podem sentir dor, partilhar as nossas emoções e possuir capacidades intelectuais sofisticadas". Ela advoga que cesse a sua escravatura, aprisionamento, encarceramento e tortura, e em vez disso sejam protegidos da exploração. "Se fosse possível aprender alguma coisa com o tempo que passei entre os elefantes", escreve o cientista Douglas Chadwick: seria até que ponto nós somos aparentados. O calor das suas famílias faz-me sentir bem. A sua capacidade de se deliciarem dá-me alegria. A sua capacidade para aprender e perceber as coisas é uma revelação contínua para mim. Se uma pessoa não conseguir ver estas qualidades ao olhar para os elefantes, é apenas porque não está disposta a fazê-lo. Os seres humanos reconheceram há muito que os animais possuem o potencial de ligação emocional aos seres humanos. Um dos mais antigos e populares contos indianos é acerca da ligação de vida e morte entre um brâmane e um mangusto. Assim é narrado no famoso Ocean of Story ("Oceano de História"), escrito aproximadamente em 1070 d.C., numa compilação de Caxemira: "Um Brâmane que dava pelo nome de Devasharman vivia numa certa aldeia. Possuía uma esposa igualmente oriunda de uma casta familiar elevada, chamada Yajnadatta. Ela ficou grávida e deu à luz um rapaz. O Brâmane, apesar de pobre, sentia-se como se tivesse recebido uma grande jóia. Depois do parto, a mulher do Brâmane foi ao rio tomar banho. Devasharman permaneceu em casa tomando conta do seu filho recém-nascido. Entretanto, uma serva surgiu da zona reservada às mulheres do palácio chamando o Brâmane, que vivia dos presentes recebidos por realizar cerimónias religiosas. (...) A guardar a criança, deixou um mangusto que tinha criado na sua casa desde a nascença. Assim que o Brâmane saiu, uma cobra subitamente deslizou em direcção ao bebé. O mangusto, vendo-a, matou-a por amor ao dono. Ao longe, o mangusto viu Devasharman de regresso. Feliz por o ver, correu na sua direcção manchado ainda com o sangue da serpente. Mas Devasharman, ao ver o sangue, pensou, 'Certamente matou o meu rapazinho", e no seu desgosto matou o mangusto com uma pedra. Quando entrou em casa viu a cobra morta pelo mangusto e o seu filho são e salvo. Sentiu uma profunda mágoa dentro de si. Quando a mulher regressou e soube o que se tinha passado, repreendeu-o dizendo-lhe:

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"Porque é que tu não pensaste antes de matar este mangusto que era teu amigo?" Isto é aquilo que Jan Harold Brunvand (The Choking Doberman [Doberman Engasgado"]) designa por uma "lenda urbana". Este autor escreveu o seguinte acerca das antigas fábulas populares de animais prestáveis: "Uma manifestação clássica europeia desta lenda é a galesa "Liewellyn e Gellert", na qual o fiel cão de caça Gellert é encontrado cheio de sangue e arquejante à entrada da casa do Príncipe Liewelyn. Imediatamente se supõe que o cão matou o bebé a quem tinha sido confiada a guarda, cujo berço se pode ver revirado através da porta aberta. o cão é morto, mas logo se encontra a criança sã e salva, assim como o intruso oculto de quem Gellert defendera o bebé - um enorme lobo - dentro de casa, morto pelos esforços defensivos do cão." O escritor observa: "Apesar de reverenciada por muitos no País de Gales como antiga lenda nacional - ou mesmo como História -, a história de Liewellyn e Gellert," segundo as palavras do historiador galês Prys Morgan, "claro que não passa de uma fantasia ou, mais exactamente, de uma inteligente adaptação de um famoso conto popular internacional." Não temos forma de saber se estes acontecimentos tiveram realmente lugar. A história não é assim tão improvável. Os mangustos são muitas vezes conservados como animais de estimação na India, e são de facto predadores de serpentes, incluindo najas (Nota 64) e outras espécies muito venenosas. Mas quer sejam baseados em factos quer não, estes relatos exercem um poderoso efeito na imaginação de diversas culturas diferentes: existem versões na cultura mongol, árabe, síria, alemã, e numa balada inglesa de William R. Spencer, além de outras. Referem-se claramente ao sentido da lealdade e clarividência animal, à arrogância e culpa humana, à consciência da precariedade dos julgamentos humanos. Estaremos à altura de honrar a profunda ligação que um cão ou mangusto pode formar connosco? A "lenda", se é disso que se trata, louva mais os animais do que os seres humanos. Talvez o mais famoso relato atestando pelo menos a esperança, e possivelmente o facto de uma ligação de gratidão, amizade e compaixão entre uma pessoa e um animal seja a antiga história de Andrócles e o leão. Uma primeira versão registada em latim surge em As Noites Áticas de Aulus Gellius no século II. O relato é prefaciado por uma reivindicação de veracidade: "O relato de Apion - um homem instruído que recebeu o cognome de Plistónices - do reconhecimento mútuo, devido a uma antiga amizade, que ele teve ocasião de testemunhar em Roma, entre um homem e um leão. (...) O autor declara que não ouviu nem leu sobre este incidente, que descreve no quinto volume da sua obra Maravilhas do Egipto, mas sim que o viu com os seus próprios olhos na cidade de Roma." Gellius passa então a citar Apion: No Grande Circo, exibia-se para o povo uma batalha grandiosa entre feras selvagens. Fui testemunha ocular desse espectáculo, uma vez que por acaso me encontrava em Roma. Havia diversas bestas selvagens, brutos assinaláveis pelas suas enormes dimensões e todos de aparência estranha ou de ferocidade invulgar. Mas muito para além de todos maravilhava o grande porte dos leões, e um deles, especificamente, ultrapassava todos os outros devido ao grande tamanho do seu corpo. (...) Foi então trazido o escravo de um ex-cônsul, de nome Andrócles. Quando o leão o viu ao longe parou imediatamente, como espantado, e depois aproximou-se do homem devagar e silenciosamente, tal como se o reconhecesse. Então, abanando o rabo terna e carinhosamente, da mesma forma que os cães submissos, aproximou-se do homem, agora já meio morto de medo, e lambeu-lhe suavemente os pés e as mãos. (...) A seguir pudemos ver o homem e o leão num intercâmbio de saudações efusivas, como se se tivessem reconhecido um ao outro. O Imperador Calígula quis saber porque é que o leão tinha poupado o homem. Andrócles contou como tinha fugido ao seu amo para a solidão do deserto e se tinha

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escondido numa gruta remota. Um leão entrou nessa gruta sangrando de uma pata, gemendo e chorando de dor. O leão, de acordo com o relato de Andrócles, "aproximou-se de mim mansa e suavemente, e ao levantar a pata estava evidentemente a mostrar-ma e a estender-ma num pedido de ajuda". Andrócles retirou-lhe da pata um enorme espinho e tratou-lhe a ferida. "Aliviado por essa atenção e pelo meu tratamento, o leão, colocando a pata na minha mão, deitou-se e adormeceu." Durante três anos partilharam a gruta, sendo o leão a caçar para ambos. Então Andrócles foi recapturado, reenviado para Roma e condenado à morte na arena. Tendo ouvido esta história, Calígula, depois do voto do povo, libertou o leão e o homem. Caminharam pelas ruas juntos "e todos os que os viam exclamavam: 'Este é o leão amigo de um homem, este é o homem que curou um leão." Será ficção, o testemunho de um antigo desejo do coração humano de amar e ser amado por outro animal tal como uma pessoa deseja amar e ser amada por outra pessoa? Não está assim tão afastado do relato de Joy Adamson sobre a leoa Elsa, que ela criou e depois libertou; porque anos mais tarde, Elsa regressou do meio selvagem para a visitar com as suas crias e o seu companheiro. A reciprocidade ao nível de Andrócles e do leão, este sonho da igualdade, poderá estar-nos vedado por enquanto. Mas podendo ou não ser concretizado, devemos alguma coisa aos animais. A ausência de exploração e abuso por parte da espécie humana deveria ser um direito inalienável de cada ser vivo. Os animais não existem para que nós lhes façamos furos, lhes coloquemos pinças, os dissequemos, os possamos abrir ao meio, os tornemos impotentes e submetamos a experiências agonizantes. John Lilly, um dos primeiros a trabalhar de forma científica com golfinhos, foi recentemente citado como tendo afirmado já não trabalhar com golfinhos porque "não queria gerir um campo de concentração para seres altamente desenvolvidos". Os animais são, tal como nós, espécies ameaçadas num planeta ameaçado, e somos nós que ameaçamos todo o mundo, os animais, o planeta e a nós próprios. São apenas inocentes sofredores num Inferno gerado por nós. Devemos-lhes, no mínimo, parar de fazê-los sofrer. Se mais não pudermos fazer, podemos deixá-los sossegados. Quando os animais já não forem colonizados e tornados nossa propriedade, poderemos aproximar-nos dos nossos primos em termos evolutivos. Talvez então a antiga esperança de uma ligação emocional profunda para além da barreira das espécies, de uma proximidade e participação num reino de sentimentos, agora ainda muito para além da nossa imaginação, possa ser posta em prática.

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_Notas:

Nota 1: Máxima atribuída a Guilherme de Ockham, filósofo e pensador inglês considerado a principal figura do Nominalismo e o percursor dos empiristas ingleses. (N. da T.)

Nota 2: Em alemão no original, que se poderá traduzir como "o desfrutar das funções". (N. da T.)

Nota 3: Em grego no original, derivado de automatos, "autómatos" em português. (N. da T.)

Nota 4: Em francês no original, "órgãos de sentimento" em português. (N. da T.)

Nota 5: Símio do tipo Macacus das índias Orientais. (N. da T.)

Nota 6: Cetáceo da família dos Delfinídeos, afim do golfinho, mas com o focinho relativamente curto e largo. (N. da T.)

Nota 7:

Doutrina filosófica, em rigor sem partidários, mas logicamente implicada na teoria idealista do conhecimento, segundo a qual não haveria, para o sujeito pensante, outra realidade para além da sua própria realidade. (N. da E.)

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Nota 8:

Doutrina que considera o Homem a figura principal e o centro do Universo. (N, da T.)

Nota 9: Tendência exagerada para o estudo dos animais, sem atender às suas relações de semelhança com o homem, o que está em oposição ao antropomorfismo. (N. da T.)

Nota 10: De cinomorfo, "semelhante ao cão". (N. da T.)

Nota 11: Mamífero da família dos golfinhos. (N. da T.)

Nota 12: Grande foca cujo apêndice nasal recorda a tromba de um elefante. (N. da T.)

Nota 13 : Pequena ave da família dos Dentirrostros, também designada por Cambaxirra.

Nota 14: Nome vulgar das aves alciformes da família das Alcídeas, género Alca. (N. da T.)

Nota 15: Espécie de cisne das vizinhanças de Madagáscar, extinto no século XVI. (N. da T.)

Nota 16:

Grande aranha peluda tropical, da família das Ctenizidas e ordem Araneas, inofensiva para o Homem, que escava o ninho sob a terra. Algumas espécies fabricam, com a terra e fios que elas mesmas tecem, uma espécie de alçapão para protecção da entrada. (N. da T.)

Nota 17: Grande ave neo-zelandesa, agora quase extinta. (N. da T.)

Nota 18:

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Grande macaco da Abissínia e Arábia, caracterizado pela sua bela juba; é também o macaco sagrado do Egipto. (N. da T.)

Nota 19: Primata da família dos Hilobatídeos, com longos braços e pernas curtas. É um hábil trepador. Habita nas florestas tropicais do Sudoeste Asiático e

Indonésia. (N. da T.)

Nota 20:

Cuidado infantil não-maternal. (N. da T.)

Nota 21:

Mamífero primata, da ordem dos Prossímios, que se distingue pelo seu focinho pontiagudo piloso. (N, da T.)

Nota 22:

Mamífero carnívoro parecido com o leopardo, existente na América Central e do Sul. (N. da T.)

Nota 23: Espécie de texugo americano. (N. da T.)

Nota 24: Espécie de rato silvestre de cauda tufada. (N. da T.)

Nota 25: Onomatopeia que descreve o pio dos falcões. (N. da T.)

Nota 26:

Mamífero aquático da ordem dos Sirénios, das águas atlânticas costeiras e de alguns rios da América e de África. (N. da T.)

Nota 27: Zona da Tamsânia (N. da T.)

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Nota 28: Variedade de carnívoro digitígrado americano, semelhante à raposa. (N. da T.)

Nota 29: Cetáceo das regiões árcticas, de pele branca. (N. da T.)

Nota 30: Mamífero roedor, família dos Curídeos, do qual existem vinte e cinco espécies diferentes na América e Ásia Setentrional, também designado por esquilo -da-terra, em virtude de as suas tocas serem no chão. (N. da T.)

Nota 31: Pássaro da família das Ploceídeas, o nome provém da forma elaborada como procedem à construção dos ninhos. (N. da T.)

Nota 32: Primata da família dos cercopitécideos. (N. da T.)

Nota 33: Nome vulgar de uma ave pernalta ribeirinha. (N. da T.)

Nota 34: * Família de mamíferos artiodáctilos ruminantes (segundo a classificação de Clauss) à qual pertence a girafa. (N. da T.)

Nota 35: trata-se de um trocadilho: em inglês pecking orders significa "hierarquias sociais", mas tu peck significa "debicar", "picar comida". (N. da T.)

Nota 36: Espécie de antílope sul-africano, distingue-se pelos seus longos chifres em forma de cimitarra, curvados para trás. (N. da T.)

Nota 37: Espécie de pato de cauda longa também designado por "arrabio". (N. da T.)

Nota 38: Grande foca carnívora que ataca pinguins, outras focas e golfinhos. (N. da T.)

Nota 39:

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Em inglês, booby; também é sinónimo de "pateta", por isso o jogo de palavras perde-se com a tradução. (N. da T.)

Nota 40:

Cão selvagem, semelhante ao chacal, que habita as florestas da Ásia Oriental e Ocidental, China, Coreia e Java. Alimenta-se de bagas, lagartos e insectos, bem como de pequenos mamíferos e de outros de maior porte. (N. da T.)

Nota 41: O Smithsonian Institution é o maior complexo de museus e centro de investigação a nível mundial, composto por catorze museus e galerias. Foi fundado em 1846 por decreto do Congresso dos EUA, de acordo com os termos estipulados no testamento do cientista britânico James Smithson, "como uma instituição para o incremento e difusão do conhecimento". (N. da T.)

Nota 42: Macaco africano catarríneo de cauda longa e fina e cor acinzentada. (N. da T.)

Nota 43: Grande antílope africano com 1,5 metros de altura até às espáduas. Caracteriza-se pelas riscas brancas verticais no lombo e longos chifres espirais. A fêmea é mais pequena que o macho e não possui chifres. (N. da T.)

Nota 44: Carneiro selvagem das Montanhas Rochosas, com 1 metro de altura até à espádua. Possui grandes chifres curvos que podem atingir 1,3 metros. A fêmea é mais pequena e os seus chifres são também menores. (N. da T.)

Nota 45: Planta herbácea, semelhante à bananeira. (N. da T.)

Nota 46: Relativo ao Lamarckismo, doutrina transformista exposta por Jean-Baptiste Lamarck, que considera a acção (directa ou indirecta) do meio como a causa fundamental da evolução das espécies através dos tempos. (N. da T.)

Nota 47: Também conhecido por "chupa-mel", ave passeriforme australiana. (N. da T.)

Nota 48: Bovídeo artiodáctilo da família Reduncinae. (N. da T.)

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Nota 49: Rena do Canadá. (N. da T.)

Nota 50: Mamífero insectívoro semelhante ao rato, também conhecido por rato-musgo. (N. da T.

Nota 51: Localização de objectos e presas através dos ecos de ultra-sons emitidos. (N. da E.)

Nota 52: Flauta de bambu japonesa; os monges budistas acreditam que este delicado instrumento representa o sopro da vida conducente à via da iluminação (N. da T.)

Nota 53: Mamífero carnívoro semelhante ao guaxinim, de focinho comprido. 'N. da T.)

Nota 54: Aves passeriformes, notáveis pelo facto de, na altura do cio, as penas caudais adquirirem uma forma e comprimentos extraordinários; após o cio ficam reduzidas à plumagem comum, razão pela qual recebem a designação de "viúvas". (N. da T.)

Nota 55: Ave estreitamente aparentada com a ave-do-paraíso. (N. da T.)

Nota 56: Fig. 10-1. Alfa, um chimpanzé de dezoito anos mantido em cativeiro numa jaula do Laboratório de Yerkes, durante anos pedia regularmente aos seres humanos papel e lápis para poder desenhar. Uma vez que não tinha papel desenhou numa folha morta. Se outro chimpanzé se encontrasse na mesma jaula quando ela se encontrava a desenhar, virava-lhe as costas ou colocava-se num canto da mesma. Este desenho foi realizado com lápis de cor, vermelhos e azuis, num papel branco de 2 cm durante um período de três minutos. Alfa nunca recebeu qualquer recompensa pelos seus desenhos e ignorava a comida se tivesse hipótese de conseguir papel e lápis. [de Journal of Comparative and Phycological Psychology, publicado pela Associação Americana de Psicologia]

Nota 57: Fig. 10-2A. Esta pintura (aguarela sobre papel) foi produzida pelo jovem chimpanzé Congo. Desmond Morris, que estimulou Congo a desenhar e pintar, observa que o padrão em leque, tal como este, era um dos temas favoritos de Congo. As linhas foram executadas através

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de movimentos do pincel em direcção ao seu corpo. Fig. 10-2B. Este padrão em leque foi realizado por Congo na mesma sessão que a pintura anterior mas, surpreendentemente, foi executado de forma completamente distinta: Congo moveu o pincel para longe do seu corpo, grunhindo suavemente sempre que fazia uma pausa para estudar as linhas. O facto de Congo conseguir realizar padrões semelhantes através de métodos diferentes mostra que ele não repetia simplesmente movimentos estereotipados.

Nota 58: Fig. 10-3A. Desenho feito por Siri, uma elefanta indiana, a lápis, num papel de 23x30 cm. Ela desenhou num bloco de esboços que o tratador David Gucwa segurava no regaço. Gucwa intitulou-o "Recordo-me dos Cisnes" e fez parte do lote enviado aos artistas Elaine e Willem de Kooning. Antes de saberem que tinha sido um animal a desenhá-los, estes admiraram o talento e originalidade dos esboços. Ao saber a identidade do artista, Willem de Kooning exclamou: "Trata-se de um raio de um elefante muito talentoso!" Fig. 10-3B. Este desenho (a lápis num papel de 23x30 cm), que Gucwa intitulou "Iris", foi também um dos submetidos ao casal Koonings. Antes de lhe ter sido dada a oportunidade de utilizar papel e lápis, Siri desenhava no pó do chão do seu cercado, rabiscando desenhos no cimento com paus e pedrinhas. Ela nunca recebeu qualquer recompensa pelos seus desenhos.

Nota 59: Tribos bosquímanos da África do Sul. (N. da T.)

Nota 60: Em italiano no original: "Vós que sabeis." (N. da T.)

Nota 61: Ave canora de cor predominantemente vermelha. (N. da T.)

Nota 62: Em latim no original, "osso sacro". (N. da T.)

Nota 63: Doutrina ético-filosófica, da autoria do filósofo inglês Jeremias Bentham, segundo a qual o procedimento é moralmente justo na medida em que pro move a maior felicidade do maior número de pessoas. (N. da T.)

Nota 64: Também designada por cobra-capelo ou áspide. Espécie de serpente venenosa das regiões tropicais cujo pescoço se dilata quando o animal se enfurece. (N. da T.)