por que não sou um psicólogo cognitivista

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307 1 Artigo originalmente publicado em 1977 na revista Behaviorism, Vol. 5, nº 2, Fall, hoje Behavior and Philosophy, que autorizou a publicação da tradução. Tradução realizada por Olavo de Faria Galvão (Universidade Federal do Pará) e revisada por José Carlos Simões Fontes, em 1981. Resumos em português e inglês extraídos do texto original por Deisy das Graças de Souza; a publicação original não incluía resumo. RESUMO As variáveis das quais o comportamento humano é função estão no ambiente. Nós distinguimos entre (1) a ação seletiva deste ambiente durante a evolução das espécies, (2) seu efeito em modelar e manter o repertório de comportamentos que transforma cada membro da espécie em uma pessoa e (3) sua função como ocasião na qual o comportamento ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam essas relações entre organismo e ambiente, mas eles raramente lidam com elas diretamente. Em vez disso, eles inventam substitutos internos que se tornam objetivo de estudo de sua ciência. Tendo mudado o ambiente para dentro da cabeça na forma de experiência consciente e o comportamento na forma de intenção, desejos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitos das contingências de reforçamento como conhecimento e regras, os psicólogos cognitivistas colocam tudo isso junto para compor um simulacro interno do organismo, nada diferente do homúnculo clássico. O aparato mental estudado pela psicologia cognitivista é simplesmente uma versão bastante grosseira das contingências de reforçamento e seus efeitos. Eu não sou um psicólogo cognitivista por várias razões. Não vejo qualquer evidência de um mundo interior de vida mental que se relacione quer com uma análise do comportamento como uma função de forças ambientais, quer com a fisiologia do sistema nervoso. O apelo para estados e processos cognitivos é um desvio de atenção que pode ser responsável por muitas de nossas falhas para resolver nossos problemas. Nós escolhemos o caminho errado já de início, quando fazemos a suposição de que nossa meta é mudar “mentes e corações de mulheres e homens”. Precisamos mudar nosso comportamento e só podemos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e social. Palavras-chave : cognitivismo, behaviorismo, comportamento, causação ABSTRACT The variables of which human behavior is a function lie in the environment. We distinguish between (1) the selective action of that environment during the evolution of the species, (2) its effect in shaping and maintaining the repertoire of behavior which converts each member of the species into a person, and (3) its role as the occasion upon which behavior occurs. Cognitive psychologists study these relations between organism and environment, but they seldom deal with them directly. Instead they invent internal surrogates which become the subject matter of their science. Having moved the environment inside the head in the form of conscious experience and behavior in the form of intention, will, and choice, and having stored the effects of contingencies of reinforcement as knowledge and rules, cognitive psychologists put them all together to compose an internal simulacrum of the organism. The mental apparatus studied by cognitive psychology is simply a rather crude version of contingencies of reinforcement and their effects. I am not a cognitive psychologist for several reasons. I see no evidence of an inner world of mental life relative either to an analysis of behavior as a function of environmental forces or to the physiology of the nervous system. The appeal to cognitive states and processes is a diversion which could well be responsible for much of our failure to solve our problems. We choose the wrong path at the very start when we suppose that our goal is to change the “minds and hearts of men and women”. We need to change our behavior and we can do so only by changing our physical and social environments. Key words: cognitivism, behaviorism, behavior, causation PORQUE EU NÃO SOU UM PSICÓLOGO COGNITIVISTA 1 WHY I AM NOT A COGNITIVE PSYCHOLOGIST B. F. SKINNER HARVARD UNIVERSITY, USA REVISTA BRASILEIRA DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO / BRAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2007, VOL. 3, N O. 2, 307-318 As variáveis das quais o comportamento humano é função estão no ambiente. Nós dis- tinguimos entre (1) a ação seletiva deste am- biente durante a evolução das espécies, (2) seu efeito em modelar e manter o repertório de comportamentos que transforma cada mem- bro da espécie em uma pessoa e (3) sua fun- ção como ocasião na qual o comportamento ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam essas relações entre organismo e ambiente, mas eles raramente lidam com elas diretamente. Em vez disso, eles inventam substitutos in-

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1 Artigo originalmente publicado em 1977 na revista Behaviorism, Vol. 5, nº 2, Fall, hoje Behavior and Philosophy, que autorizou a publicação da tradução.

Tradução realizada por Olavo de Faria Galvão (Universidade Federal do Pará) e revisada por José Carlos Simões Fontes, em 1981. Resumos em português

e inglês extraídos do texto original por Deisy das Graças de Souza; a publicação original não incluía resumo.

RESUMO As variáveis das quais o comportamento humano é função estão no ambiente. Nós distinguimos entre (1) a ação

seletiva deste ambiente durante a evolução das espécies, (2) seu efeito em modelar e manter o repertório decomportamentos que transforma cada membro da espécie em uma pessoa e (3) sua função como ocasião na qual ocomportamento ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam essas relações entre organismo e ambiente, mas elesraramente lidam com elas diretamente. Em vez disso, eles inventam substitutos internos que se tornam objetivo deestudo de sua ciência. Tendo mudado o ambiente para dentro da cabeça na forma de experiência consciente e ocomportamento na forma de intenção, desejos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitos das contingências dereforçamento como conhecimento e regras, os psicólogos cognitivistas colocam tudo isso junto para compor umsimulacro interno do organismo, nada diferente do homúnculo clássico. O aparato mental estudado pela psicologiacognitivista é simplesmente uma versão bastante grosseira das contingências de reforçamento e seus efeitos. Eu nãosou um psicólogo cognitivista por várias razões. Não vejo qualquer evidência de um mundo interior de vida mentalque se relacione quer com uma análise do comportamento como uma função de forças ambientais, quer com afisiologia do sistema nervoso. O apelo para estados e processos cognitivos é um desvio de atenção que pode serresponsável por muitas de nossas falhas para resolver nossos problemas. Nós escolhemos o caminho errado já deinício, quando fazemos a suposição de que nossa meta é mudar “mentes e corações de mulheres e homens”.Precisamos mudar nosso comportamento e só podemos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e social.

Palavras-chave : cognitivismo, behaviorismo, comportamento, causação

ABSTRACTThe variables of which human behavior is a function lie in the environment. We distinguish between (1) the

selective action of that environment during the evolution of the species, (2) its effect in shaping and maintainingthe repertoire of behavior which converts each member of the species into a person, and (3) its role as the occasionupon which behavior occurs. Cognitive psychologists study these relations between organism and environment,but they seldom deal with them directly. Instead they invent internal surrogates which become the subject matterof their science. Having moved the environment inside the head in the form of conscious experience and behaviorin the form of intention, will, and choice, and having stored the effects of contingencies of reinforcement asknowledge and rules, cognitive psychologists put them all together to compose an internal simulacrum of theorganism. The mental apparatus studied by cognitive psychology is simply a rather crude version of contingenciesof reinforcement and their effects. I am not a cognitive psychologist for several reasons. I see no evidence of an innerworld of mental life relative either to an analysis of behavior as a function of environmental forces or to thephysiology of the nervous system. The appeal to cognitive states and processes is a diversion which could well beresponsible for much of our failure to solve our problems. We choose the wrong path at the very start when wesuppose that our goal is to change the “minds and hearts of men and women”. We need to change our behavior andwe can do so only by changing our physical and social environments.

Key words: cognitivism, behaviorism, behavior, causation

PORQUE EU NÃO SOU UM PSICÓLOGO COGNITIVISTA1

WHY I AM NOT A COGNITIVE PSYCHOLOGIST

B. F. SKINNER

HARVARD UNIVERSITY, USA

REVISTA BRASILEIRA DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO / BRAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2007, VOL. 3, NO. 2, 307-318

As variáveis das quais o comportamentohumano é função estão no ambiente. Nós dis-tinguimos entre (1) a ação seletiva deste am-biente durante a evolução das espécies, (2) seuefeito em modelar e manter o repertório decomportamentos que transforma cada mem-

bro da espécie em uma pessoa e (3) sua fun-ção como ocasião na qual o comportamentoocorre. Os psicólogos cognitivistas estudamessas relações entre organismo e ambiente, maseles raramente lidam com elas diretamente.Em vez disso, eles inventam substitutos in-

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ternos que se tornam objetivo de estudo desua ciência.

Tome-se, por exemplo, o tão falado pro-cesso de associação. No experimento de Pavlovum cão faminto ouve uma campainha e então éalimentado. Se isto ocorre muitas vezes, o cãocomeça a salivar quando ouve a campainha. Opadrão de explicação mentalista é de que o cão“associa” a campainha com a comida. Mas foiPavlov quem as associou! “Associar” significajuntar ou unir. O cão meramente começa a sa-livar ao ouvir a campainha. Não temos evidên-cia alguma de que ele o faça assim por causa deum equivalente interno das contingências.

Na “associação de idéias” as idéias são ré-plicas internas de estímulos, ao que retornareiadiante. Se nós já comemos limões, podemossentir o gosto de limão ao ver um limão ou verum limão ao saborear suco de limão, mas nãofazemos isso porque associamos o sabor com aaparência. Eles estão associados no limão. Pelomenos o termo “associações de palavras” estánomeado corretamente. Se dizemos “lar”quando alguém diz “casa”, não é porque nósassociamos as duas palavras, mas porque elasestão associadas no uso diário da língua. Asso-ciação cognitiva é uma invenção. Mesmo quefosse real, ela não avançaria na direção de umaexplicação mais do que as contingências nasquais é modelada.

Outro exemplo é abstração. Considere umexperimento simples. Um pombo faminto podebicar qualquer um de uma série de painéis comnomes de cores – “branco”, “vermelho”, “azul”,e assim por diante, e as bicadas são reforçadascom pequenas quantidades de comida. Qual-quer um de um conjunto de objetos – blocos,livros, flores, animais de brinquedo, etc. – po-dem ser vistos em um espaço adjacente. As se-guintes contingências são então arranjadas: sem-

pre que o objeto apresentado for branco, nãoimportando a forma ou o tamanho, apenas bi-cadas no painel marcado “branco” serão refor-çadas, quando o objeto for vermelho, apenasbicadas no painel marcado de “vermelho” serãoreforçadas, e assim por diante. Sob estas condi-ções o pombo eventualmente bica o painelmarcado “branco” quando o objeto é branco, opainel marcado “vermelho” quando o objeto évermelho e assim por diante; as crianças sãoensinadas a nomear cores com contingênciassimilares e nós possuímos repertórios compa-ráveis, sustentados pelas práticas reforçadorasde nossos ambientes verbais.

Mas o que se diz sobre o que está se pas-sando na mente? Karl Popper (1957) propôso problema clássico desta forma. “Podemosdizer ou que (1) o termo universal “branco” éum rótulo aposto a um conjunto de coisas ouque (2) reunimos o conjunto porque as coisascompartilham uma propriedade intrínseca de“brancura”.” Popper diz que a distinção é im-portante; os cientistas naturalistas podem op-tar pela primeira posição, mas os cientistassociais devem tomar a segunda. Devemos di-zer, então, que o pombo está atribuindo umtermo universal a um conjunto de coisas oureunindo um conjunto de coisas porque elascompartilham uma propriedade intrínseca?Claramente, é o experimentador e não o pom-bo quem “vincula” a chave branca aos objetosapresentados e quem reúne o conjunto de ob-jetos ao qual um evento reforçador particularé tornado contingente. Será que não devería-mos simplesmente atribuir o comportamentoàs contingências experimentais? E se assim for,porque não fazer o mesmo para crianças e nósmesmos? O comportamento fica sob controlede estímulos sob certas contingências dereforçamento. Contingências especiais

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mantidas por comunidades verbais produzem“abstrações”. Nós vinculamos, sim, rótulos fí-sicos a coisas físicas e agrupamos objetos físi-cos de acordo com propriedades rotuladas, masprocessos cognitivos comparáveis são invençõesque, mesmo se reais, não estariam mais próxi-mas de uma explicação do que as contingênci-as externas.

Outra explicação cognitiva dos mesmosdados afirmaria que uma pessoa, como tambémum pombo, forma uma idéia abstrata ou de-senvolve um conceito de cor. O desenvolvimen-to de conceitos é um campo cognitivo especial-mente popular. (A metáfora horticulturalminimiza as contribuições do ambiente. Nóspodemos acelerar o crescimento da mente, masnão somos mais responsáveis por sua caracte-rística final do que os fazendeiros pela caracte-rística das frutas e vegetais que eles tão cuida-dosamente nutrem). A visão de cores é parte dadotação genética da maioria das pessoas e ela sedesenvolve ou cresce no sentido fisiológico,possivelmente também em algum grau após onascimento. No entanto, a maioria dos estímu-los adquire controle por sua posição nas con-tingências de reforçamento. À medida que ascontingências se tornam mais complexas, elasmodelam e mantém comportamentos maiscomplexos. É o ambiente que se desenvolve, nãouma propriedade mental ou cognitiva.

Uma passagem de uma discussão recen-te do desenvolvimento da identidade sexualem uma criança poderia ser transcrita comose segue: “A criança forma um conceito basea-da no que ela observou e ouviu dizer sobre oque significa ser um menino ou uma meni-na.” (O comportamento de uma criança é afe-tado por aquilo que ela observou e lhe conta-ram sobre ser um menino ou uma menina).“Este conceito é super simplificado, exagera-

do e estereotipado.” (As contingências afetan-do o comportamento são simplificadas e exa-geradas e envolvem comportamento estereoti-pado da parte dos pais e outras pessoas). “Àmedida que a criança se desenvolvecognitivamente, seus conceitos e,consequentemente suas atividades se tornammais sofisticadas e realistas.” (À medida a cri-ança fica mais velha, as contingências se tor-nam mais sutis e mais intimamente relaciona-das ao sexo real da criança). As crianças nãosaem por aí formando conceitos de sua iden-tidade sexual e “consequentemente” se com-portando de maneiras especiais; elas mudamseu comportamento vagarosamente à medidaque as pessoas mudam as maneiras com que astratam por causa do seu sexo. O comporta-mento muda porque as contingências mudam,não porque uma entidade mental chamadaconceito se desenvolve.

Muitos termos mentalistas ou cognitivosnão se referem às contingências apenas, masao comportamento que elas geram. Termoscomo “mente’, “desejo” e “pensamento” sãomuitas vezes sinônimos de “comportamento”.Um historiador escreve: “Prevalece o que po-deria se chamar de estagnação do pensamen-to, como se a mente, exausta após erigir a es-trutura espiritual da Idade Média, tivesse seafundado na inércia”. Exaustão é uma metáfo-ra plausível quando um período estagnado sesegue a um ativo, mas foi o comportamentoque se tornou estagnado e inerte,presumivelmente porque as contingênciasmudaram. Certas condições sociais (“a estru-tura espiritual da Idade Média”) tornaram aspessoas ativas. Um segundo conjunto de con-dições, possivelmente produzido pelo própriocomportamento gerado pelo primeiro, as tor-nou muito menos ativas. Para compreender o

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que realmente aconteceu, deveríamos saber porque as contingências mudaram não porque opensamento se tornou estagnado ou inerte.

O comportamento é internalizado comovida mental quando é muito sutil para ser ob-servado por outros – quando, como dizemos, éencoberto. Um escritor apontou que “o maes-tro de uma orquestra mantém uma mesma ca-dência de acordo com o ritmo interno, e elepode dividir aquela cadência ao meio várias ve-zes com uma precisão que rivaliza a de qual-quer instrumento mecânico.” Mas existe umritmo interno? Manter a cadência é um com-portamento. Partes do corpo servem com fre-qüência como pêndulos úteis na determinaçãode velocidade, como quando o músico amadormarca o compasso com o pé ou como o tocadorde rock com todo o corpo, mas outros compor-tamentos bem cadenciados precisam ser apren-didos. O maestro marca o compasso de formaestável porque ele aprendeu a fazê-lo assim sobcontingências de reforçamento bastante preci-sas. O comportamento pode ser reduzido emescala até que não seja visível a outros. Aindaassim é sentido pelo maestro, mas é uma sensa-ção de comportamento, não de tempo. A his-tória do “desenvolvimento de um sentido detempo pelo homem” ao longo dos séculos nãoé uma questão de crescimento cognitivo, masda invenção de calendários, relógios e meios demanter registros – em outras palavras, de umambiente que “guarda tempo”.

Quando um historiador relata que em umdado período “uma classe governante saudável,brilhante e tradicional perdeu sua vontade” eleestá apenas relatando que ela parou de agir comouma classe governante saudável, brilhante e tra-dicional. O termo vontade sugere mudançasmais profundas, mas elas não são identificadas.Elas não poderiam ter sido mudanças em pes-

soas em particular, uma vez que o período du-rou mais que o tempo de uma vida. O quemudou foram, presumivelmente, as condiçõesque afetavam o comportamento dos membrosda classe. Talvez tenham perdido seu dinheiro,talvez classes competidoras tenham se tornadomais poderosas.

Sentimentos, ou as condições corporaisque sentimos, são comumente tomadas comoas causas do comportamento. Nós vamos daruma volta porque “nos sentimos a fim de ir”. Ésurpreendente quão freqüentemente a futilida-de de tal explicação é reconhecida. Um biólogode renome, C.H. Waddington (1974), revisan-do um livro de Tinbergen, escreveu assim:

“Não fica claro até que ponto ele (Tinbergen)

concordaria com o argumento de uma das dis-

cussões críticas mais perceptivas da etologia feita

por Suzanne Sanger, que argumenta que cada

passo em uma estrutura complexa do comporta-

mento é controlada, não por um conjunto hie-

rárquico de centros neuronais, mas pelos senti-

mentos imediatos do animal. O animal, ela afir-

ma, dá o próximo passo na seqüência não para

aproximar-se de um objetivo útil, ou mesmo

como um movimento em direção a uma consu-

mação agradável, mas porque ele se sente a fim

de fazer aquilo naquele momento.”

Evidentemente, o próprio Waddingtonconcorda de modo parcial com esta “visãoperceptiva.”

Mas suponha que Langer esteja certa.Suponha que os animais simplesmente fazem oque eles estão a fim de fazer. Qual é o próximopasso para explicar seu comportamento? Clara-mente, uma ciência do comportamento dosanimais deveria ser substituída oucomplementada por uma ciência dos sentimen-

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tos dos animais. Ela seria tão extensa quanto aciência do comportamento, porque haveriapresumivelmente uma sensação para cada ato.Mas os sentimentos são mais difíceis de identi-ficar e descrever do que os comportamentosatribuíveis a eles, e nós teríamos abandonado oobjeto de estudos objetivo em favor de um destatus dúbio, acessível apenas por meio dos ca-nais necessariamente defeituosos daintrospecção. As contingências seriam as mes-mas. Os sentimentos e o comportamento teri-am as mesmas causas.

Um político Britânico afirmou recente-mente que a chave para o crime nas ruas era afrustração. Os jovens assaltam e roubam por-que se sentem frustrados. Mas porque eles sesentem frustrados? Uma possível razão é o fatode estarem desempregados ou porque eles nãotêm a educação necessária para conseguir em-pregos ou porque não existem empregos dispo-níveis. Portanto, para resolver o problema docrime nas ruas, devemos mudar as escolas e aeconomia. Mas que função a frustração temnisso tudo? Será o caso de que quando alguémnão pode obter um emprego se sente frustradoe que quando alguém se sente frustrado assaltae rouba, ou será simplesmente o caso de quequando alguém não pode ganhar dinheiro essealguém mais provavelmente irá roubá-lo – epossivelmente experimentar uma condição cor-poral chamada frustração?

Considerando que muitos eventos que de-vem ser levados em conta ao se explicar o com-portamento estão associados com estados corpo-rais que podem ser sentidos, o que é sentido podeservir como uma pista para as contingências. Masos sentimentos não são as contingências e não aspodem substituir como causas.

Por sua própria natureza o comportamen-to operante encoraja a invenção de processos

mentais ou cognitivos que se diz iniciarem aação. No reflexo, condicionado ouincondicionado, há uma causa anterior conspí-cua. Algo dispara a resposta. Mas o comporta-mento que tenha sido reforçado positivamenteocorre em ocasiões em que, ainda que predis-ponham, nunca compelem sua ocorrência. Ocomportamento parece começar de repente, semaviso prévio, como se fosse gerado espontanea-mente. Daí a invenção de entidades cognitivastais como intenção, propósito ou desejo. Osmesmos problemas foram debatidos com rela-ção à Teoria da Evolução e pela mesma razão: aseleção é um modo causal especial não facil-mente observável. Porque as circunstânciascontroladoras que repousam na história dereforçamento de um organismo são obscuras, osubstituto mental tem sua chance. Sobreforçamento positivo, dizemos que fazemos oque estamos livres para fazer; daí a noção delivre arbítrio como uma condição iniciadora.(Eu acho que foi Jonathan Edwards quem dis-se que acreditamos em livre arbítrio porque sa-bemos sobre nossos comportamentos, mas nãosobre as suas causas).

Quando não sabemos por que uma pes-soa faz uma coisa ao invés de outra, nós dize-mos que elas “escolhem” ou “tomam decisões”.Escolher, originalmente significava examinar,escrutinizar cuidadosamente ou testar.Etimologicamente, decidir significa cortar ou-tras possibilidades, mover-se em uma direçãoda qual não há retorno. Escolher e decidir são,então, formas conspícuas de comportamento,mas psicólogos cognitivistas, não obstante, in-ventaram equivalentes internos. AnatoleRapaport (1973) coloca dessa forma: “Em umexperimento psicológico, um sujeito tem queescolher entre alternativas e selecionar uma al-ternativa entre outras”. Quando tal ocorre, ele

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diz: “o senso comum sugere que ele seja guiadopor uma preferência”. O senso comum de fatosugere isso, e também o fazem os psicólogoscognitivistas, mas onde está e o que é uma pre-ferência? É algo mais do que uma tendência afazer uma coisa ao invés de outra? Quando nãopodemos dizer de onde vem o vento e para ondevai, nós dizemos que ele “sopra caprichosamen-te” (ao pé da letra: “sopra para onde se inclina asoprar”). E o senso comum, senão a psicologiacognitivista, credita isso à preferência. (A pro-pósito, inclinar-se é um exemplo de termo comum referencial físico usado para se referir a umprocesso mental. Significa, naturalmente, in-clinar-se, como quando o navio balança. E umavez que as coisas usualmente caem na direçãoem que se inclinam, nós dizemos que as pesso-as se inclinam em favor de um candidato emuma eleição como uma forma grosseira de pre-dizer como elas vão votar. A mesma metáfora seencontra em “inclinação”; nós estamos “incli-nados a votar em X. Mas isto não significa quetenhamos tendências e inclinações internas queafetam o nosso comportamento).

“Intenção” é um termo bastante similar,que só significa antecipação. A versão cognitivaé uma questão crítica na lingüística atual. Aintenção do locutor deve ser considerada? Emuma análise operante o comportamento é deter-minado pelas conseqüências que o seguem emum dado ambiente verbal, e é de conseqüênciasque os psicólogos cognitivistas estão realmentefalando quando falam de intenções. Todo com-portamento operante “antecipa” um futuro,mesmo que as únicas conseqüências responsá-veis por sua força já tenham ocorrido. Eu vou aum bebedouro “com a intenção” de tomar umpouco d’água no sentido de que eu vou porqueno passado eu pude beber quando fui lá. (Euposso ir pela primeira vez seguindo indicações,

mas esta não é uma exceção; é um exemplo decomportamento governado por regras, do qualfalaremos mais tarde).

Já chega de internalização cognitiva decontingências de reforçamento e invenção decausas cognitivas do comportamento. Bem maisnociva para uma análise efetiva é a internalizaçãodo ambiente. Os gregos inventaram a mentepara explicar como o mundo real podia ser co-nhecido. Para eles, conhecer significava estarfamiliarizado com, ser íntimo de. O própriotermo cognição está relacionado a coito, no sen-tido bíblico em que se diz que um homem co-nheceu uma mulher. Não tendo uma física ade-quada do som e da luz, nem qualquer químicado paladar e do olfato, os gregos não podiamentender como o mundo fora do corpo, possi-velmente a alguma distância, podia ser conhe-cido. Devia haver cópias internas. Daí os equi-valentes cognitivos do mundo real.

A distinção entre realidade e experiênciaconsciente tem sido feita tão freqüentementeque agora parece auto-evidente. Fred Attneave(1974) escreveu recentemente que “a afirma-ção de que o mundo que conhecemos é umarepresentação é, em minha opinião, um truísmo– não há realmente nenhum jeito de estar erra-do”. Mas existem pelo menos duas maneiras deentender o que se quer dizer. Se a afirmaçãoquer dizer que nós podemos apenas conhecerrepresentações do mundo externo, isto é um“truísmo” apenas se não somos nossos corpos,mas habitantes localizados em algum lugardentro dele. Nossos corpos estão em contatocom o mundo real e podem responder a elediretamente, mas se estamos ocultos em al-gum ponto na cabeça, devemos nos satisfazercom representações.

Outra significação possível é a de que co-nhecer seja o próprio processo de construir có-

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pias mentais das coisas reais, mas se for esse ocaso, como conhecemos as cópias? Fazemos có-pias delas? Será infinita essa regressão?

Alguns psicólogos cognitivistas reconhe-cem que conhecer é ação, mas tentam defenderseu ponto de vista apelando para outros equi-valentes mentais. O conhecimento é entendi-do como “um sistema de proposições”. De acor-do com um escritor, “quando usamos a palavra“ver” nos referimos a uma ponte entre um pa-drão de estimulação sensorial e o conhecimen-to que é proposicional. Mas “proposicional” ésimplesmente um eufemismo de“comportamental”, e a “ponte” é entre estímu-los e comportamento e foi construída quandoos estímulos eram partes das contingências.

Teorias representacionais do conhecimen-to são construídas a partir do comportamentoprático. Nós fazemos sim cópias das coisas. Nósconstruímos trabalhos artísticos de representa-ção, porque olhar para eles é reforçado de for-ma bastante similar a olhar para o que eles re-presentam. Nós fazemos mapas, porque o nos-so comportamento de segui-los é reforçadoquando chegamos ao nosso destino no territó-rio mapeado. Mas existem equivalentes inter-nos? Quando devaneamos, primeiro construí-mos cópias dos episódios reforçadores que en-tão vemos ou simplesmente vemos as coisas denovo? Quando aprendemos a andar em umdeterminado território, construímos mapascognitivos que então seguimos, ou seguimos oterritório? Se nós seguimos o mapa cognitivo,devemos aprender a fazer isso, e tal aprendiza-gem irá requerer um mapa do mapa? Não hánenhuma evidência da construção mental deimagens para serem olhadas ou mapas para se-rem seguidos. O corpo responde ao mundo noponto de contato; fazer cópias seria um desper-dício de tempo.

Reconhecimento é um termo chave nateoria cognitiva, e ele cobre um extenso cam-po. Ele é freqüentemente contrastado com per-cepção. Dizemos que somos capazes de ver queexistem três pontos em um cartão, mas apenassabemos que existem treze após contá-los, em-bora contar seja uma forma de comportamen-to. Depois de notar que uma espiral pode servista como sendo contínua, mas que isso só sedescobre rastreando-a, Bela Julesz (1975) disseque “qualquer tarefa visual que não pode serdesempenhada espontaneamente, sem esforçoou deliberação, pode ser considerada como umatarefa cognitiva ao invés de perceptual,” embo-ra todos os passos naquele exemplo sejam cla-ramente comportamentais.

“Saber como fazer alguma coisa” é um equi-valente interno de comportamento em sua rela-ção com as contingências. Uma criança aprendea andar de bicicleta e então se diz que ela possuiconhecimento de como manobrá-la. O compor-tamento da criança foi mudado pelas contingên-cias de reforçamento mantidas por bicicletas; acriança não toma posse das contingências.

Falar em saber acerca de coisas é tam-bém construir um equivalente interno das con-tingências. Nós assistimos a um jogo de fute-bol e dizemos então possuir o conhecimentodo que aconteceu. Nós lemos um livro e dize-mos saber do que se trata. O jogo e o livroestão, de alguma forma, “representados” emnossas mentes: nós estamos “de posse de certosfatos”. Mas a evidência é simplesmente de quenós podemos descrever o que aconteceu nojogo e relatar sobre o que o livro versava. Nos-so comportamento mudou, mas não há ne-nhuma evidência de que tenhamos adquiridoconhecimento. Estar “de posse de fatos” não éconter os fatos dentro de nós mesmos, mas tersido afetado por eles.

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Posse de conhecimento implica emarmazenamento, um campo em que os psicó-logos cognitivistas construíram um grande nú-mero de equivalentes mentais do comportamen-to. Diz-se que o organismo internaliza e arma-zena o ambiente, possivelmente de alguma for-ma já processada. Suponhamos que uma meni-na tenha visto uma gravura ontem e hoje, quan-do solicitada a descrevê-la, o faz. O que aconte-ceu? Uma resposta tradicional seria mais oumenos assim: quando ela viu a gravura ontemela formou uma cópia em sua mente (a qual,de fato, foi tudo o que ela viu). Ela codificou agravura de forma adequada e armazenou-a emsua memória, onde permanece até hoje. Hojequando solicitada a descrever a figura, ela pro-curou em sua memória, recuperou a cópia co-dificada e converteu-a em algo semelhante àgravura original, para a qual ela então olhou edescreveu. A explicação é baseada noarmazenamento físico de memorandos. Faze-mos cópias e outros registros, e respondemos aeles. Mas fazemos qualquer coisa desse tipo emnossas mentes?

Se alguma coisa é “armazenada”, é com-portamento. Nós falamos de “aquisição” de com-portamento, mas de que forma ele é possuído?Onde está o comportamento quando o orga-nismo não está se comportando? Onde os com-portamentos que exibo quando estou ouvindomúsica, jantando, conversando com um ami-go, dando um passeio matinal ou coçando umapicada estão no presente momento e que formaeles têm? Um psicólogo cognitivista disse que ocomportamento verbal é armazenado como“memórias léxicas”. O comportamento verbaldeixa freqüentemente registros públicos quepodem ser armazenados em estantes e livrariase a metáfora da armazenagem é, portanto, par-ticularmente plausível. Mas essa expressão é

mais útil do que dizer que o meu comporta-mento ao jantar é armazenado como memóriasprandiais, ou coçar-se como memória pruriente?Os fatos observados são bastante simples: euadquiro um repertório de comportamento, par-tes do qual eu exibo em ocasiões apropriadas. Ametáfora de armazenagem e recuperação vai bemalém desses fatos.

O computador, juntamente com a teoriada informação planejada para lidar com siste-mas físicos, fez da metáfora da entrada-armazenamento-recuperação-saída um modis-mo. O esforço para fazer máquinas que pensamcomo pessoas teve como efeito apoiar as teoriasque sugerem que pessoas pensam como máqui-nas. A mente foi recentemente definida como“o sistema de organizações e estruturas perten-centes a um indivíduo que processa entradas...e provê saídas para os vários subsistemas e omundo.” Mas organizações e estruturas do quê?(A metáfora ganha força pelo modo como des-carta problemas trabalhosos. Falando de entra-da se pode esquecer todo o trabalho da psicolo-gia sensorial e da fisiologia; falando de saída seesquece de todo o problema de descrever e ana-lisar a ação; e falando de armazenamento e re-cuperação da informação pode-se esquivar detodos os problemas difíceis relacionados a comoos organismos são efetivamente mudados pelocontato com seus ambientes e como tais mu-danças sobrevivem.).

Freqüentemente se diz que os dados sen-soriais são armazenados como imagem, da mes-ma forma que se diz que as imagens represen-tam o mundo real. Uma vez dentro, elas sãomanipuladas de acordo com os propósitoscognitivos. Há um experimento conhecido so-bre generalização de cor em que um pombobica um disco de, digamos, luz verde, e o com-portamento é reforçado em esquema de inter-

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valo variável. Quando se desenvolve uma taxaestável de respostas não se dá mais nenhumreforçador e a cor do disco é mudada. O pom-bo responde a uma outra cor com uma taxaque depende de quanto ela difere da cor origi-nal; cores bastante semelhantes evocam taxasbastante altas, cores muito diferentes taxas bai-xas. Um psicólogo cognitivista poderia expli-car o problema desta forma: o pombo percebeuma cor nova (como “entrada”), recupera a cororiginal da memória, onde ela estava armaze-nada de alguma forma, põe as duas imagenscoloridas lado a lado, de forma que possamser facilmente comparadas e depois de avaliara diferença, responde com a taxa apropriada.Mas que vantagem se ganha indo de um pom-bo que responde a diferentes cores em um dis-co para um pombo interno que responde àsimagens coloridas em sua mente? O fato sim-ples é que por causa de uma história conheci-da de reforçamento, cores diferentes contro-lam taxas diferentes.

A metáfora cognitiva está baseada em com-portamento que ocorre no mundo real. Nósguardamos exemplares de coisas e as retoma-mos e comparamos com outros exemplares. Nósos comparamos no sentido literal de colocá-loslado a lado, para tornar as diferenças mais ób-vias. E respondemos a diferentes coisas de dife-rentes formas. Mas isso é tudo, todo o campode processamento de informação pode serreformulado como mudança no controle exer-cido pelos estímulos.

O armazenamento do conhecimentofactual levanta outro problema. Quando euaprendo, digamos, a separar um quebra-cabeçapor partes, parece improvável que eu armazenemeu conhecimento de como fazê-lo a partir deuma cópia do quebra-cabeça ou das contingên-cias que o quebra-cabeça apresenta para quem

tenta resolvê-lo. Contrariamente, a teoriacognitiva sustenta que eu armazeno uma regra.Regras são muito usadas como substitutos men-tais do comportamento, em parte porque elaspodem ser memorizadas e, portanto, “possuídas”,mas há uma diferença importante entre regras eas contingências que elas descrevem. Regras po-dem ser internalizadas no sentido de que pode-mos dizê-las a nós mesmos, mas ao fazê-lo, nósnão internalizamos as contingências.

Eu posso aprender a resolver o quebra-cabeça de duas maneiras. Posso mexer com aspeças para lá e para cá até conseguir uma res-posta que as separe. O comportamento será for-talecido, e se eu fizer a mesma coisa várias ve-zes, eventualmente serei capaz de separar aspeças rapidamente. Meu comportamento foimodelado e mantido por seus efeitos sobre aspeças. Eu posso, por outro lado, simplesmenteseguir as instruções impressas que vêm com oquebra-cabeça. As instruções descrevem o com-portamento que separa as peças, e se eu já tiveraprendido a seguir instruções, posso evitar oprocesso possivelmente longo de ter meu com-portamento modelado pelas contingências.

Instruções são regras. Assim como con-selhos, avisos, máximas, provérbios e leis ci-entíficas e governamentais, elas são parte im-portante de uma cultura, permitindo às pes-soas tirar proveito da experiência dos outros.Aqueles que adquiriram o comportamento pelaexposição às contingências descrevem as con-tingências, e outros, então, evitam se exporcomportando-se das formas descritas. Mas ospsicólogos cognitivistas defendem que algo domesmo tipo ocorre internamente quando aspessoas aprendem diretamente por meio dascontingências. Diz-se que elas descobrem re-gras que, então, elas mesmas seguem. Mas asregras não estão nas contingências, nem pre-

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cisam ser conhecidas por aqueles que adqui-rem comportamento sob exposição a estas. (Porsorte nossa isto é assim, uma vez que regrassão produtos verbais que surgiram muito tar-de na evolução da espécie).

A distinção entre e regras e contingênci-as é realmente importante no campo do com-portamento verbal. Crianças aprendem a falarmediante o contato com comunidades verbais,possivelmente sem instrução. Algumas respos-tas verbais são efetivas e outras não, e duranteum período de tempo mais e mais comporta-mento é modelado e mantido. As contingênci-as que tem esse efeito podem ser analisadas.Uma resposta verbal “significa” algo no sentidode que o locutor está sob controle de circuns-tâncias particulares; um estímulo verbal “signi-fica” algo no sentido de que o ouvinte respondea ele de maneiras particulares. A comunidadeverbal mantém contingências onde respostasque ocorrem em ocasiões particulares servemcomo estímulos úteis para ouvintes que, então,se comportam apropriadamente às ocasiões.

Relações mais complexas entre os com-portamentos do locutor e do ouvinte caem nocampo da sintaxe e da gramática. Até a épocados gregos, parece que ninguém sabia que ha-via regras de gramática, ainda que as pessoasfalassem gramaticalmente no sentido em quese comportavam efetivamente sob as contingên-cias mantidas pelas comunidades verbais, as-sim como as crianças de hoje aprendem a falarsem a necessidade de regras para seguir. Mas ospsicólogos cognitivistas insistem que falantes eouvintes devem descobrir as regras por si pró-prios. Uma autoridade inclusive, definiu falarcomo “engajar-se em uma forma de comporta-mento intencional governado por regras”. Masnão há evidência de que regras tenham qual-quer participação no comportamento do falan-

te comum. Usando um dicionário e uma gra-mática nós podemos compor sentenças aceitá-veis em uma língua que não falamos, e pode-mos ocasionalmente consultar um dicionárioou uma gramática ao falar nossa própria lín-gua, mas mesmo assim raramente falamos apli-cando regras. Nós falamos porque nosso com-portamento é modelado e mantido pelas práti-cas de uma comunidade verbal.

Tendo mudado o ambiente para dentroda cabeça na forma de experiência consciente eo comportamento na forma de intenção, dese-jos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitosdas contingências de reforçamento como conhe-cimento e regras, os psicólogos cognitivistascolocam tudo isso junto para compor um si-mulacro interno do organismo, um tipo dedoppleganger, nada diferente do homúnculoclássico, cujo comportamento é o objeto de es-tudo do que Piaget e outros chamaram de“behaviorismo subjetivo”. O aparato mentalestudado pela psicologia cognitivista é simples-mente uma versão bastante grosseira das con-tingências de reforçamento e seus efeitos.

Todo processo chamado cognitivo tem ummodelo físico. Nós associamos coisas colocando-as juntas. Nós armazenamos memorandos e re-cuperamos para uso posterior. Nós comparamoscoisas colocando-as lado a lado para enfatizar asdiferenças. Nós discriminamos coisas umas dasoutras separando-as e tratando-as de diferentesmaneiras. Nós identificamos objetos retirando-os do ambiente confuso. Nós abstraímos conjun-tos de itens de arranjos complexos. Nós descre-vemos contingências de reforçamento em regras.Essas são as ações das pessoas reais. É apenas nomundo fantasioso de uma pessoa interna que elasse tornam processos mentais.

A própria rapidez com que os processoscognitivos são inventados para explicar o com-

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portamento deveria suscitar suspeita. Molièrefez uma piada de um exemplo médico há maisde três séculos atrás. “Doutores estudados meperguntaram por que razão o ópio faz alguémdormir, ao que eu respondi que há nele umavirtude soporífera cuja natureza é a de aquietaros sentidos.” O personagem de Molière pode-ria ter citado evidências de introspecção, invo-cando um efeito colateral da droga, dizendo:“Ao que eu respondi que o ópio faz a pessoasentir sono”. Mas a virtude soporífera em si étotalmente uma invenção, e não deixa de terparalelos atuais.

Recentemente ocorreu na Europa umaconferência sobre o assunto da criatividade ci-entífica. Um relato publicado na Science (1974)começa revelando que mais de noventa por centoda inovação científica foi obtida por menos dedez por cento de todos os cientistas. A senten-ça seguinte poderia ser parafraseada desta for-ma: “Os doutores estudados me perguntarampela causa e a razão por que isso seria assim, aoque eu respondi que é porque apenas uns pou-cos cientistas possuem criatividade.” Similar-mente, os doutores estudados me perguntarampela causa e a razão porque as crianças apren-dem a falar com grande rapidez, ao que eu res-pondi que isso se dá porque elas possuem com-petência lingüística. “As audiências de Molièrecairiam no riso”.

Os psicólogos cognitivistas têm duas res-postas para a acusação de que o aparato mentalé uma metáfora ou um construto. Uma é queos processos cognitivos são conhecidos viaintrospecção. Todos os seres pensantes não sa-bem que pensam? E se os behavioristas dizemque não, será que eles não estão ou demons-trando uma mentalidade de ordem inferior ouagindo de má fé em defesa de sua posição? Nin-guém dúvida que o comportamento envolve

processos internos; a questão é quão bem elespodem ser conhecidos via introspecção. Comoeu argumentei noutra ocasião,autoconhecimento ou consciência se tornarampossíveis apenas quando a espécie adquiriu com-portamento verbal, e isso foi muito tarde emsua história. O único sistema nervoso até entãodisponível se desenvolveu por outros propósi-tos e não fazia contato com as atividades fisio-lógicas mais importantes. Aqueles que se vêempensando vêem pouco mais do que seu com-portamento perceptual e motor, aberto e enco-berto. Poder-se-ia dizer que eles observam osresultados de “processos cognitivos”, mas nãoos próprios processos – um “fluxo de consciên-cia” mas não o que causa o fluxo, a “ imagem deum limão” mas não o ato de associar aparênciacom sabor, seu uso de um termo abstrato masnão o processo de abstração, um nome lembra-do mas não sua recuperação da memória, e as-sim por diante. Pela introspecção nós não ob-servamos os processos fisiológicos por meio dosquais o comportamento é modelado e mantidopelas contingências de reforçamento.

Mas os fisiologistas os observam e os psi-cólogos cognitivistas apontam para as semelhan-ças que sugerem que eles e os fisiologistas estãofalando das mesmas coisas. O próprio fato deque os processos cognitivos se dão dentro doorganismo sugere que a abordagem cognitivaestá mais próxima da fisiologia do que as con-tingências de reforçamento estudadas por aque-les que analisam o comportamento. Mas se osprocessos cognitivos são moldados simplesmen-te com base nas contingências ambientais, ofato deles serem designados para um espaçodentro da pele não os traz mais próximos deuma abordagem fisiológica. Pelo contrário, afascinação com uma vida interior imaginada temlevado à negligência dos fatos observados. Os

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construtos cognitivos dão aos fisiologistas umaexplicação enganosa do que deveriam encon-trar dentro do organismo.

Em suma, então, eu não sou um psicólo-go cognitivista por várias razões. Não vejo qual-quer evidência de um mundo interior de vidamental que se relacione quer com uma análisedo comportamento como uma função de for-ças ambientais quer com a fisiologia do sistemanervoso. As respectivas ciências do comporta-mento e a fisiologia avançarão mais rapidamentese seus domínios forem corretamente definidose analisados.

Eu estou igualmente preocupado com asconseqüências práticas. O apelo para estados eprocessos cognitivos é um desvio de atenção quebem pode ser responsável por muito de nossafalha em resolver nossos problemas. Nós preci-samos mudar nosso comportamento e só pode-mos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e

social. Nós escolhemos o caminho errado já deinício, quando fazemos a suposição de que nossameta é mudar “mentes e corações de mulheres ehomens” ao invés do mundo em que eles vivem.

REFERÊNCIAS

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Tradução recebida em 29 de agosto de 2007