plutarco vidas de galba e otao

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Tradução do grego, introdução e notas José Luís Lopes Brandão Vidas de Galba e Otão Plutarco Colecção Autores Gregos e Latinos Série Textos

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  • Traduo do grego, introduo e notasJos Lus Lopes Brando

    Vidas de Galba e Oto

    Plutarco

    Coleco Autores Gregos e LatinosSrie Textos

  • Plutarco

    Vidas de Galba e Oto

    Traduo do grego, introduo e notas de

    Jos Lus Lopes BrandoUniversidade de Coimbra

  • Autor: PlutarcoTtulo: Vidas de Galba e Oto

    Traduo do grego, introduo e notas: Jos Lus Lopes Brando

    Editor: Centro de Estudos Clssicos e HumansticosEdio: 1/2010

    Coordenador Cientfico do Plano de Edio: Maria do Cu FialhoConselho editorial: Jos Ribeiro Ferreira, Maria de Ftima Silva,

    Francisco de Oliveira, Nair Castro SoaresDirector tcnico da coleco / Investigador responsvel pelo projecto

    Plutarco e os fundamentos da identidade euroPeia: Delfim F. LeoConcepo grfica e paginao: Elisabete Cao, Nelson Henrique, Rodolfo Lopes

    Obra realizada no mbito das actividades da UI&DCentro de Estudos Clssicos e Humansticos

    Universidade de CoimbraFaculdade de Letras

    Tel.: 239 859 981 | Fax: 239 836 7333000-447 Coimbra

    ISBN: 978-989-8281-48-7ISBN Digital: 978-989-8281-49-4

    Depsito Legal: 314208/10

    Obra Publicada com o Apoio de:

    Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis

    Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra

    Reservados todos os direitos. Nos termos legais fica expressamente proibida a reproduo total ou parcial por qualquer meio, em papel ou em edio electrnica, sem autorizao expressa dos titulares dos direitos. desde j excepcionada a utilizao em circuitos acadmicos fechados para apoio a leccionao ou extenso cultural por via de e-learning.

    Volume integrado no projecto Plutarco e os fundamentos da identidade europeia e financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia.

    Todos os volumes desta srie so sujeitos a arbitragem cientfica independente.

  • ndice

    Nota prvia 7

    Introduo

    O contexto histrico 9

    A tentativa de interpretao da crise 13

    Entre a Histria e a Biografia 18

    As mortes - relatos exemplares 30

    Vida de Galba 43

    Vida de OtO 87

    Bibliografia 117

    ndice de Nomes 121

  • Introduo

    PB 7

    Nota Prvia

    As Vidas de Galba e Oto, aqui apresentadas em traduo no mbito do Projecto Plutarco, representam a poro que sobreviveu na ntegra das Vidas dos Csares do Queronense colectnea que abarcaria os sucessivos imperadores romanos, a comear em Augusto e a terminar em Vitlio.

    Trata-se das Vidas de dois ilustres romanos ligados histria da Pennsula Ibrica: Galba foi governador da Hispnia Tarraconense nos ltimos oito anos de Nero e a foi aclamado imperador (em 68 d.C.); Oto desempenhou (de forma exemplar, segundo as fontes) o cargo de governador da Lusitnia, durante cerca de dez anos, at que se uniu a Galba na revolta contra Nero, seu antigo amigo.

    A traduo baseia-se na edio de Ziegler (Plutarchi, Vitae Parallelae. Vol. III. Fasc. 2. Accedunt Vitae Galbae et Othonis et Vitarum deperditarum fragmenta, Leipzig, Teubner, 1973). Quanto aos nomes

  • Jos Lus Lopes Brando

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    das obras citadas procura-se adoptar, na medida do possvel, as abreviaturas dos dicionrios de Liddell and Scott (Greek-English Lexicon), para os autores gregos, e de Glare (OLD), para os autores latinos.

    Cumpre-nos agradecer FCT e ao CECH o enquadramento institucional e o apoio prestado; ao Doutor Jos Ribeiro Ferreira a reviso da traduo; ao Doutor Delfim Leo, responsvel pelo Projecto e pela biblioteca on line Classica Digitalia, as muitas sugestes para melhoramento do texto e o acompanhamento da edio; e ao Dr. Nelson Henrique o paciente trabalho de formatao e edio.

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    Introduo

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    iNtroduo

    o coNtexto histrico

    A partir do momento em que Nero perdeu o apoio do senado, do povo, dos exrcitos e dos pretorianos, estava aberto o caminho para a guerra civil que havia de se estender pelo ano e meio a seguir morte do ltimo representante da dinastia jlio-cludia, em Junho de 68 d.C. Neste breve trecho, desfilaram em Roma quatro imperadores: Galba, Oto, Vitlio e, por fim, Vespasiano, o nico que se imps e deu incio dinastia dos Flvios. A revolta contra Nero tinha estalado na Glia, na Primavera de 68 d.C., com Vndex. Mas, se este governador da Glia Lugdunense, de ascendncia gaulesa, no punha em risco o trono do filho de Agripina por enquanto, a Urbe estava habituada a ter principes da mais pura nobreza romana , quando Galba, a convite de Vndex, se aliou revolta, a situao tornava-se mais sria: o velho general, que ento governava a Hispnia, era oriundo de uma linhagem de distintos polticos do passado; tinha sido prximo da casa de Augusto, atravs do favor de Lvia; prestara grandes servios e acumulara honras nos principados de Calgula e Cludio; dera provas de possuir excepcionais dotes administrativos e rigor no governo das provncias; era um paladino dos costumes antigos no fora a sua idade avanada e o facto

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    de no ter filhos e encarnaria o prncipe ideal. A ameaa da guerra civil paira, e o primeiro a cair justamente Vndex, derrotado por Virgnio Rufo, comandante da Germnia Superior, numa batalha talvez forada pelos soldados. Porm, o movimento j estava em marcha: rapidamente a revoluo atinge o corao do Imprio: os pretorianos abandonam Nero e o senado declara-o inimigo pblico, empurrando, assim, para o suicdio o ltimo dos Jlio-Cludios. E eis que Galba, reconhecido pelo senado, faz a sua caminhada triunfal para Roma.

    Mas os tempos tinham mudado. A parcimnia de Galba, elogiada por Tcito, leva-o a tomar, quando imperador, atitudes de conteno que geram descontentamento, como o facto de no atribuir aos soldados o donativo que o prefeito do Pretrio, Ninfdio Sabino, lhes tinha prometido, para os convencer a abandonarem Nero e prestarem o seu juramento a Galba. As medidas do novo imperador acabam por ser interpretadas como sinais de avareza de carcter, que, aliada a uma actuao incoerente e venal, levada a cabo pelos poderosos libertos (Vnio, Laco, celo), gerou o descontentamento de todas as ordens e das tropas.

    O exrcito da Germnia Superior agitava -se por se ver defraudado nas suas aspiraes, depois de ter vencido Vndex, e por o seu popular comandante, Virgnio Rufo, ter sido substitudo de modo pouco honroso (depois de haver recusado o cargo de imperador que os soldados lhe ofereciam). Rejeitavam, pois, um imperador eleito na Hispnia. A revolta alastrou ao exrcito da Germnia Inferior, comandado por Aulo Vitlio, que, embora

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    Introduo

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    dado aos prazeres da comida e da bebida, era da mais ilustre cepa de Roma; ele prprio prximo de Calgula, de Cludio e de Nero1.

    Pensava Galba que o problema era o facto de ser idoso e de no ter filhos, pelo que tratou de adoptar um jovem nobre, que seria o seu sucessor. A escolha de Galba acabou por recair, contra a opinio dos seus libertos, sobre L. Calprnio Piso Frgi Liciniano, jovem ilustre que dava provas de grande elevao moral, mas pouco conhecido. Ao fazer tal escolha, Galba estaria a pensar no interesse do Estado, mas o exrcito preferia Oto, um antigo amigo de Nero, de carcter licencioso e perdulrio. Sendo ento governador da Lusitnia, para onde Nero o afastara, talvez por razes passionais relacionadas com Popeia Sabina, logo se associou revolta de Galba e esperava vir a ser por este adoptado, pelo que no se poupava a despesas para conciliar o favor dos pretorianos.

    Ao desapontamento de Oto, por ter sido preterido, associou-se o ressentimento dos pretorianos, por Galba nem sequer ento lhes conceder o donativo, ao anunciar a adopo diante da parada. Em poucos dias, como nota Plutarco, o golpe foi perpetrado de uma forma um tanto temerria: era de tal modo reduzido o nmero de soldados que aclamaram primeiramente Oto no Foro, que o prprio acreditava que estava perdido. Mas, no caminho, outros se lhes juntaram e, uma vez no aquartelamento, a generalidade dos soldados foi-se aliando por inrcia, por medo ou por convico.

    1 Cf. Suetnio, Vit. 4-5.

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    Nesse mesmo dia, 15 de Janeiro de 69 d.C., Galba e Piso foram assassinados no Foro e, com eles, outros apoiantes.

    O novo prncipe conseguiu granjear o favor do senado e do povo ao castigar Tigelino, o prefeito do pretrio culpado de muitas atrocidades durante o principado de Nero, e ao proceder com moderao e justia. Mas o clima de insegurana era perpetuado pelos prprios soldados que quase levaram a cabo uma matana de senadores, a pretexto de que estes conspiravam contra o novo imperador. Paralelamente, havia o problema de Vitlio, entretanto tambm aclamado imperador. Como no foi possvel um acordo entre as duas partes, a guerra estava de novo no horizonte.

    Os exrcitos encontraram-se no norte de Itlia e a batalha principal deu-se em Betraco, pequena cidade perto de Cremona. Embora as circunstncias aconselhassem a esperar, Oto, incapaz de suportar por mais tempo um desfecho, ou pressionado pelos soldados, que desejavam travar combate e regressar a Roma, ordenou o ataque, enquanto ele prprio se retirava para Brixelo com um poderoso contingente militar, cometendo assim mais um erro crasso. A batalha, embora desfavorvel para Oto, ocorreu de forma difcil de esclarecer, e os relatos divergiam, pelo que o resultado no se apresentava definitivo. Alm disso, estavam a caminho tropas da Msia. Mas Oto tomou uma deciso que havia de ser unanimemente considerada a mais nobre da sua vida: decidiu sacrificar-se em prol do Estado, para que no houvesse mais guerra

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    Introduo

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    civil por sua causa. Considerava que, vivo, no seria to til res publica como o seria a sua morte, geradora de concrdia. E, depois de tratar da salvaguarda dos senadores e amigos que com ele estavam, suicidou -se, trespassando o peito com um punhal. O seu funeral torna patente a devoo dos soldados.

    De qualquer modo, o problema no foi sanado. No Oriente, as tropas aclamaram Vespasiano, que antes se tinha mostrado favorvel a Oto. Eclodiu de novo a guerra e, em Dezembro de 69 d.C., Vitlio era linchado no Foro. A estabilidade veio com a dinastia dos Flvios, que se finaria em 96, com o assassnio de Domiciano. Mas para este perodo no podemos contar com o testemunho de Plutarco, pois a Vida de Vitlio perdeu-se, tal como as suas restantes Vidas dos Csares de Augusto a Nero.

    a teNtativa de iNterPretao da crise

    Um perodo to terrvel, e ainda prximo, na altura em que Plutarco relatava os factos, leva os autores a buscarem as razes da crise. A parte perdida das Vidas dos Csares poderia esclarecer-nos mais sobre os objectivos do autor. Mas, no primeiro captulo da Vida de Galba, Plutarco atribui as culpas da situao aos impulsos irracionais dos soldados, que pem prova o carcter dos generais, e sua avidez desenfreada2. Sendo grego de formao, Plutarco serve-se como termo de comparao para os acontecimentos, no de episdios

    2 Vide Scuderi, 1995, 405-406.

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    das lutas civis do final da Repblica (como faz Tcito3), mas da realidade greco-helenstica4. Recorre, pois, aos exemplos de Ifcrates e de Emlio Paulo para salientar a necessidade de que o exrcito siga os seus comandantes, o que pressupe naturalmente que estes devem possuir experincia militar, conseguem avaliar as tropas e sabem com exactido o que pretendem delas. Caso contrrio, fracassaro, como acontecer com Hordenio, o general que ir substituir Virgnio Rufo no comando do exrcito da Germnia Superior. Na sua anlise dos acontecimentos, De Blois coloca a tnica na liderana, ou falta dela5. Para este autor, Plutarco procura demonstrar que os perigos resultantes dos exrcitos (salientados no incio da Vida de Galba) so o efeito da deteriorao da disciplina, causada pela actuao de maus lderes: uma srie de erros cometidos por Galba e pelos seus ministros corruptos; depois, por Oto; pelos comandantes da Germnia, Virgnio Rufo e Hordenio Flaco, como tambm pelos prefeitos do Pretrio. Tal incapacidade de liderar com eficcia abria a porta a usurpadores. Plutarco transita deste assunto para o seu mestre Plato (R. 376c), para pr a tnica na natureza nobre e na educao filosfica, como garantes da combinao da virtude da obedincia com a coragem, de modo a evitar os impulsos rudes e irracionais como os das foras militares romanas em 68-69 d.C. Evoca, por isso, o exemplo do exrcito macednio, comparado por Demades ao Ciclope cego, pelas movimentaes desordenadas que

    3 Cf. Hist. 1.50; 2.6, entre outros passos.4 Como assinala Schettino, 2005, 358 -359.5 Vide De Blois, 2008, 6 ss.

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    Introduo

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    fazia depois da morte de Alexandre. Alm disso, as lutas que ocorreram no Imprio so tambm comparadas ao combate dos Tits. E os imperadores so associados a tiranos cnicos que se sucedem no palco como actores, porque os objectivos nobres da revolta contra Nero foram pervertidos: e o primeiro a cair foi justamente Ninfdio Sabino, o prefeito do pretrio que corrompeu os soldados, para mais com um pagamento impossvel de reunir6. Segundo esta noo trgica da histria, os prncipes que se vo seguir, por mais que faam, cairo como os heris trgicos, devido a foras que no podem controlar. Mas esta histria trgica tem uma inteno moralizante.

    Para o religioso Suetnio, a par do carcter das personagens histricas, a tnica colocada no fim de um ciclo, bem delimitado pelo destino, como o ser, depois, o tempo da dinastia dos Flvios, determinado logo no incio da Vida de Vespasiano (Ves. 1.1). Este autor comea precisamente a Vida de Galba com a queda da casa dos Csares (da progenies Caesarum - e no apenas de Nero), prevista desde o princpio e anunciada com signa euidentissima. Recuando ao momento da fuso dos Jlios com os Cludios, pelo casamento de Augusto e Lvia7, Suetnio conta a histria da galinha branca que uma guia (ave associada ao poder supremo8) deixou cair no regao de Lvia. A galinha, matriarca de vasta prole

    6 Vide Stadter, 2005, 419-435; De Blois, 2008, 5-13.7 Vide Murison, 1992, 26. Muita da informao sobre Suetnio

    recuperada de Brando, J.L. 2009, passim.8 Cf. Suetnio, Aug. 94.7; 96.1; 97.1; Tib. 14.4; Cl. 7; Gal. 4.2;

    Vit. 9; Ves. 5.7.

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    de galinceos, trazia um ramo de louro no bico, que, depois de plantado, ficou ligado famlia jlio -cludia. Os ramos, retirados para as cerimnias dos triunfos, eram plantados de novo no lugar9. De cada vez que morria um imperador secavam as pernadas que tinha plantado. Verificou-se que, no ltimo ano de Nero, secou toda a moita e morreram todas as galinhas - diz Suetnio, exagerando, para demonstrar o seu ponto de vista10. O bigrafo latino salienta atravs destes sinais sagrados o tremendo impacto psicolgico que o fim da linhagem de Augusto teve sobre os Romanos11. Alm disso, acrescenta que o templo dos Csares foi atingido por um raio (tacta de caelo) e o ceptro foi arrebatado das mos de Augusto, prodgio cujo simbolismo evidente. Acabado o tempo que os deuses destinaram a esta dinastia, havia que

    9 Plnio, Nat. 15.136-137, diz que so os harspices que aconselham Lvia a preservar a galinha e a sua descendncia e a cuidar religiosamente do ramo. Para Flory, 1988-1989, 343-356, trata -se de uma manobra da propaganda de Augusto para fazer face hostilidade pblica. Segundo Don Cssio, 41.39.2, tambm na altura em que Jlio Csar se preparava para a campanha contra Pompeio, no final de 49 a. C., um milhafre deixou cair um ramo de louro sobre um dos homens que estavam com ele no foro. O prodgio teria inspirado Octvio a imit -lo uma dcada mais tarde, quando se encontrava em guerra com Sexto Pompeio: um conflito que tinha tornado o herdeiro de Csar impopular pelo embargo no fornecimento de trigo. Alm disso, era uma forma de legitimar o casamento com Lvia, que seria escandaloso (Lvia era casada e estava grvida de seis meses) e levantaria rumores, como prova o facto de Antnio encontrar nessa circunstncia motivo para a sua propaganda.

    10 Tal afirmao desautorizada por Plnio, Nat. 15.137, que assegura, no tempo dos Flvios, que as plantas continuavam vivas Vide Murison, 1992, 27.

    11 Como nota Flory, 1988-1989, 347.

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    comear de novo. Assim, Suetnio vai multiplicar os pressgios, em consonncia com este prefcio: na Vida de Galba so particularmente numerosos, quer no que toca ascenso, quer sua queda12; e incluem palavras do prprio fundador do principado13, e de Tibrio, que lhe prognostica o imprio numa idade avanada, pelo que no o considera uma ameaa ao seu poder14. Um papel importante ser atribudo Fortuna, cujo favor garante a ascenso de Galba15 e o desfavor lhe provoca a queda16, sendo ambas as situaes anunciadas atravs de sonhos.

    Para o historiador Tcito, os conflitos surgiam devido a tenses sociais, a sentimentos diversos nos vrios sectores da sociedade romana. Entre as legies e seus comandantes, foi revelado um segredo do imprio - o princeps podia ser

    12 Vide Gascou, 1984, 447-450.13 O dito, transmitido em grego, irnico, se considerarmos

    que Galba o principal agente do fim da dinastia jlio-cludia: tambm tu, meu filho, hs -de provar do nosso poder (Gal. 4.1). Lembra as palavras de Csar a Bruto, nos Idos de Maro de 44 a.C. Tcito, Ann. 6.20.2, e Don Cssio, 57.19.4, atribuem a frase a Tibrio.

    14 Gal. 4.1. Cf. Don Cssio, 57.19.4.15 A Fortuna aparece a Galha em sonhos a reclamar hospitalidade

    diante da sua porta, na altura em que este assumia a toga viril. Ao despertar, encontra uma esttua da deusa entrada e consagra -lhe uma diviso da casa na propriedade de veraneio de Tsculo (Suetnio, Gal. 4.3). Don Cssio, 54.1.2, coloca este sonho no perodo da revolta contra Nero. Ser uma efabulao da propaganda, na altura em que tentava conquistar o poder, ou uma histria posterior, elaborada a partir da devoo de Galba pela deusa Fortuna. Durante o principado, a Fortuna , com a Vitria, um destacado atributo da casa imperial; vide Murison, 1992, 35.

    16 Suetnio, Gal. 18.2.

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    aclamado em outro lado que no em Roma (Hist. 1.4.2) abriu-se assim uma brecha no sistema que tornava o imprio frgil, pois facultava o caminho a usurpadores. O problema em questo a investidura imperial17. A oposio passado/presente, em termos de degenerao, um factor determinante para o historiador: constata que os pretorianos j no suportam a austeridade de Galba e desprezavam a antiga disciplina, habituados que estavam aos vcios de Nero (Hist. 1.5.2).

    eNtre a histria e a Biografia

    As Vidas dos Csares de Plutarco parecem estar mais prximas da histria, como era entendida pelos antigos, do que as Vidas paralelas18. E, no que toca ao contedo das Vidas de Galba e Oto, o bigrafo de Queroneia est mais prximo do historiador Tcito do que do bigrafo Suetnio19. O prprio Plutarco, fazendo eco de Polbio (1.2.8), admite, em Galba 2.5, que a narrativa exacta e circunstancial pertence histria pragmtica (pragmatike historia), ou histria poltica, mas os incidentes que tiveram influncia nos feitos (erga) e sofrimentos (pathe) dos Csares no podem ser passados em claro numa biografia. No caso destes imperadores, a praxis, objecto da histria, tem influncia sobre o pathos, de

    17 Vide Scuderi, 1995, 405; Schettino, 2005, 354-355.18 Vide De Blois, 2008, 7 e n. 10. De resto, segundo

    Hershbell, 1997, 235, as Vidas de Plutarco parecem estar mais prximas da histria do que por vezes reconhecido.

    19 Vide Flacelire e Chambry, 1979, 140ss.

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    Introduo

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    que trata a biografia e que a aproxima da histria trgica20.

    O reconhecimento de que uma cedncia a factos que informam a histria poltica remete-nos imediatamente para a distino que Plutarco estabelece no incio da Vida de Alexandre, onde procura delimitar a historiografia da biografia: enquanto aquela relata as grandes empresas, a biografia prende -se com factos menores, como uma simples palavra ou gesto historicamente pouco significativos, mas mais importantes para iluminar o carcter do que grandes batalhas, preparativos militares, assdios de cidades. Plutarco desculpa -se, deste modo, das omisses de certos factos histricos com a necessidade de ser selectivo e de se cingir ao essencial: as caractersticas individuais. Est interessado sobretudo nas aces dos biografados enquanto manifestaes de virtudes e de vcios. A preocupao com o carcter (ethos) prende-se tambm com o facto de Plutarco pretender oferecer paradigmas de comportamento, de modo a promover, como sugere o autor no incio da Vida de Pricles (1-2), a imitao (mimesis), conceito importante para Plutarco21.

    A verdade que a biografia aplicada aos imperadores algo de inovador22. O gnero biogrfico

    20 Vide Hershbell, 1997, 239; Tagliasachi, 1960, 34 125-142.21 Hershbell, 1997, 225-243. Diz este autor (p. 238): In

    brief, for Plutarch, good Platonist that he was, poetry and other forms of imitation such as historical and biographical writings, exercised strong psychological effects on their readers, and could be used for educational purposes, especially for moral improvement.

    22 Como salienta Stadter, 2005, 421.

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    parece ser o mais indicado para historiar o governo da Roma imperial, em que havia coincidncia das instituies do Estado com a pessoa do imperador: pelo que as qualidades do carcter do prncipe as virtudes e os vcios se reflectem na conduo da histria. Se, durante a Repblica, se fixava a histria volta da rotao anual dos magistrados, com o Imprio, a unidade poltica definida pela durao de cada principado; e o registo dos acontecimentos tem como protagonista no tanto o senatus populusque Romanus como a figura do princeps, com os seus vcios e virtudes. O senador Tcito, na linha dos historiadores, ainda vai patenteando algum saudosismo republicano, mediante uma contraposio moralizadora entre passado e presente, virtude e decadncia moral; mas a administrao imperial evoluiu por um caminho que no tem retorno: a extenso do imprio territorial parece servir de pretexto para uma forte centralizao poltica23. O mtodo antigo dos Annales comea a revelar -se desadaptado ao tratamento do governo dos imperadores24. Assim, o prprio Tcito torna manifestas as dificuldades por que passava, naquela poca, a historiografia tradicional: por ignorncia ou por alheamento dos cidados em relao s decises polticas, por adulao ou por dio aos chefes, a verdade atraioada; e os relatos para a posteridade ficam marcados pela hostilidade ou pelo servilismo25. Corria-se sempre o

    23 Vide Bradley, 1985, 265.24 Com o Imprio, tornava -se impraticvel respeitar o princpio

    historiogrfico de Cato de fazer histria dos acontecimentos sem nomear os protagonistas; cf. Cornlio Nepos, Ca. 3.4.

    25 Hist. 1.1.

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    Introduo

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    risco de escrever a palavra errada, ou de ser interpretado de forma hostil26. Por outro lado, Tcito reconhece que, num Imprio pacificado e no expansionista, a falta de matria nobre da antiga historiografia (guerras infindveis, expugnaes de cidades, destituio de reis, lutas sociais) obriga os historiadores a lanarem mo de assuntos que, tradicionalmente, eram objecto da biografia27. Esbatem-se assim os limites entre dois gneros, teoricamente considerados distintos no contedo e no estilo, mas que, na prtica, no tinham fronteiras bem definidas28.

    Suetnio ir, no tempo dos Antoninos, servir-se da biografia para tratar os imperadores anteriores a estes (e de modo favorvel dinastia29). Ser de crer que Plutarco tenha feito algo do gnero a terminar no perodo que antecede o novo ciclo aberto pelos Flvios. Com efeito, As Vidas dos Csares podero ter sido redigidas no tempo de Domiciano30, ou mesmo durante o principado de Vespasiano, a partir de fontes contemporneas fala-se de

    26 Basta lembrar, no principado de Domiciano, as consequncias que as laudationes de Peto Trsea e Helvdio Prisco acarretaram para os autores, Aruleno Rstico e Hernio Senecio. Cf. Suetnio, Dom. 10.3; Don Cssio, 67.13.2; Tcito, Ag. 2; Plnio, Ep. 1.5. O historiador Cremcio Cordo, segundo Tcito (Ann. 4.34-35), e Don Cssio (57.24.3) foi condenado por Tibrio por dizer que Cssio e Bruto tinham sido os ltimos dos Romanos (Cf. Suetnio Tib. 61.3). Vide Baldwin, 1983, 80-81.

    27 Ann. 4.32-33. Para Don Cssio j no existe este dilema: organiza a sua obra segundo o esquema analstico, mas no hesita em usar elementos biogrficos. Vide Giua, 1990, 544-550.

    28 Vide Hershbell, 1997, 236.29 Cf. Dom. 23.2.30 Esta a datao proposta pela maioria: vide Scuderi, 1993,

    408; Little e Ehrhardt, 1994, 3-4; Schettino, 2005, 353.

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    uma fonte perdida comum ainda a Tcito e a Suetnio31. E parece provvel que fossem dedicadas a Mstrio Floro, filelenista influente na corte e responsvel pela concesso da cidadania romana ao nosso autor32, como tambm Suetnio haver de dedicar as suas Vidas dos Csares a Septcio Claro, prefeito do pretrio de Adriano.

    Nas Vidas de Galba e de Oto, Plutarco parece, pois, fazer concesses histria, dada a natureza das aces que rodearam o aparecimento de quatro imperadores em to curto espao de tempo. O predomnio das questes militares e o papel determinante dos soldados destacado na introduo Vida de Galba. Os soldados apercebem-se da sua fora e do seu papel na conduo da poltica imperial33. Trata-se de uma poca de guerra civil e de alguma anarquia, temida pelos oficiais da Germnia, factor que os leva a proporem a aclamao de Vitlio (Gal. 22.5). Parece, de algum modo, uma

    31 Vide Stadter, 2005, 428-432; Godolphin, 1935, 324-328; Flacelire e Chambry, 1979, 133-152. Plnio o Velho e Clvio Rufo so fontes possveis. Plutarco menciona Clvio Rufo e Jlio Secundo, o ab epistulis de Oto. Outros autores tm sido referidos, mas o resultado at data inconclusivo. E grandes autores, como Plutarco, no seguiam forosamente um nico autor, mas sabiam seleccionar material de provenincia variada, imprimindo-lhe um estilo original, como nota Scuderi, 1993, 408.

    32 Como mais tarde as Vidas Paralelas so dedicadas a Ssio Senecio. Vide Stadter, 2005, 428-432.

    33 Situao que j se vinha manifestando, como salienta Scuderi, 1995, 405-406: o exrcito da Germnia Inferior, morte de Augusto, aclamara Germnico; depois do assassnio de Calgula, os pretorianos impuseram Cludio, contra a vontade do senado; por altura da morte de Cludio, Agripina tratou de que o filho fosse aclamado pelos pretorianos; as legies da Germnia ofereceram o imprio a Virgnio Rufo, e s a recusa deste deixou o caminho livre para Galba.

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    antecipao da anarquia militar que se gerou no sc. III, depois da queda dos Severos, em que os usurpadores se multiplicavam pelo imprio. Tornam -se patentes as rivalidades, geradoras de instabilidade, entre as unidades militares: entre os exrcitos provinciais (Galba 22.8) e entre estes e os pretorianos (Otho 6.1-4). A hostilidade de Plutarco para com a guarda pretoriana determina a descrio que faz deste corpo militar, amolecido pela vida da cidade e pela falta de experincia de guerra (Otho 5.8; 9.1; 12.9). Esta uma das causas sugeridas para a perda de Oto (Otho 9.1): apesar da devoo dos soldados pelo imperador, grassa a arrogncia, a indisciplina, a desobedincia a oficiais superiores (Otho 6.1-4). A saudade da vida fcil gera ansiedade de travar combate (Otho 9.1). A averso do autor torna-se manifesta quando apelida os pretorianos de misthophoroi, sugerindo assim que eram comprados (Otho 3.3) trata-se do preconceito da literatura grega contra os soldados mercenrios34. Tornavam-se instrumentos para os usurpadores, que no olhavam as despesas. A revolta de Oto contra Galba era temerria - no ocorreu no campo todo. Inicialmente s alguns soldados estavam a par, e podia ter fracassado: ningum acreditou no sucesso. Como atrs se dizia, o prprio Oto, quando se deu conta do nmero exguo dos que o aclamavam, julgou estar perdido. A anterior tentativa do prefeito Ninfdio Sabino correu mal e ele foi morto. Parece existir nestas Vidas uma tenso entre o elogio da elevao de carcter de Virgnio Rufo e de Piso e o reconhecimento realista da incapacidade destes

    34 Como assinala De Blois, 2008, 5 e n. 3.

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    para fazer face aos problemas do momento, que exigiam uma liderana forte e determinada. A Virgnio quase censurado o recato (Gal. 10.7) e o receio (Otho18) em assumir o poder para que era solicitado.

    Evidenciam -se notrias diferenas de mtodo, na seleco e no uso de material, relativamente ao bigrafo Suetnio: como se trata de Vidas coincidentes a comparao torna -se inevitvel. Desde logo, as Vidas de Galba e Oto em Plutarco apresentam-se continuadas (o que faz supor que as restantes Vidas dos Csares perdidas tambm o seriam), um procedimento diferente do adoptado por Suetnio. A Vida de Oto comea no exacto momento em que terminara a anterior, com a subida do biografado ao trono, como uma espcie de eplogo da Vida de Galba35, ao passo que Suetnio redige ab initio cada Vida, a comear pela rubrica dos antepassados, alm de repetir os acontecimentos comuns ou repartir a informao sobre determinado acontecimento, segundo pertinente para a biografia de um Csar ou de outro: a revolta do exrcito da Germnia, em Janeiro de 69, diz respeito biografia de Galba, e de Vitlio; o assassnio de Galba s Vidas de Galba e de Oto; a guerra entre Oto e Vitlio interessa, em simultneo, s respectivas biografias36. Plutarco descreve operaes militares, como o caso das vicissitudes que conduziram batalha de Betraco e as circunstncias irregulares em que esta foi travada (Oth. 5-14), indicando inclusive que visitou os lugares na companhia de Mstrio Floro. Suetnio,

    35 Como sugere Schettino, 2005, 355.36 Vide Venini, 1974, 998.

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    apesar de ter tambm uma fonte prxima, o prprio pai, mostra-se, como habitualmente, pouco interessado em procedimentos militares, omite os primeiros recontros e reduz a descrio da batalha de Betraco a duas referncias vagas e separadas (Otho 9.2 e Vit. 10.1), detendo-se antes nas reaces de Oto e de Vitlio.

    Suetnio, seguindo um mtodo, por assim dizer, mais estritamente biogrfico, centra cada uma das Vidas na pessoa do biografado, pelo que tende a omitir ou desvalorizar a aco de terceiros, como o papel relevante que Plutarco atribui a Ninfdio37 e a actividade dos generais de Vitlio e de Oto, e a cindir a informao, conforme diz respeito a um ou outro imperador. Vejamos alguns exemplos significativos. No que respeita aclamao de Galba, enquanto, em Plutarco (Gal. 5.1), h, como assinala Paola Venini, um linha dupla (iniciativa de Galba, por um lado, e a iniciativa dos soldados e do povo, por outro), em Suetnio (Gal. 10.1.), salienta-se a iniciativa de Galba38: de facto, s depois de uma poderosa mise-en-scne de propaganda contra Nero (Diante dele, foi colocado o maior nmero possvel de retratos de condenados e executados de Nero; e ao seu lado, de p, estava um jovem nobre que, expressamente para este acto, mandara vir da mais prxima das ilhas Baleares, onde estava exilado) e de um discurso, em que deplora a situao dos tempos, que aclamado imperador.

    No caso de Vitlio, Suetnio quer mostrar a 37 Um papel muito mais determinante do que o que lhe d

    Tcito, como mostra Schettino, 2005, 355-357.38 Vide Venini, 1974, 996-997.

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    total passividade do imperador, por quem parece nutrir profunda antipatia (Vit. 8.1). O bigrafo latino acentua a espontaneidade da aclamao e condensa os vrios passos da revolta presentes em Tcito (Hist. 1.55-57) e Plutarco (Gal. 22). Assim, a aclamao de Vitlio transmitida por Suetnio desordenada e farsesca; e recorda a de Cludio pela passividade do imperador39. Tambm a este respeito nota Paola Venini que, enquanto em Tcito e Plutarco h duas directrizes, uma do exrcito e outra de Vitlio (em Tcito, a aclamao precedida da aco de Vitlio que envia mensagens revolucionrias s legies; em Plutarco, Vitlio j ponderara a possibilidade de assumir o poder antes da iniciativa de Valente, que o vem saudar como imperador), em Suetnio, h apenas uma directriz, que, ao contrrio do caso de Galba, parte de baixo (do exrcito) para cima40.

    O discurso de Suetnio polarizado em torno do prncipe levar subordinao de episdios blicos importantes descrio da personagem ou omisso de personagens relevantes para a histria poltica, mas que no dizem directamente respeito ao biografado em questo. assim que, atravs da narrativa centrada na personagem de Galba, Suetnio deixa de fora Virgnio Rufo; a batalha de Vesono, entre os exrcitos de Virgnio e Vndex, seguida do suicdio do ltimo (Plutarco, Gal. 6); o anncio da morte de Nero, pela boca de celo, que fizera a viagem de Roma a Clnia em apenas sete dias, e a chegada, dois dias mais tarde,

    39 Vide Martin, 1991, 229-230.40 Vide Venini, 1974, 997-1000; Venini,1977, 118-119.

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    dos mensageiros oficiais, comandados por Tito Vnio (Plutarco, Gal. 7)41. E, para manter a focagem em Galba, na altura da narrativa da morte, Suetnio omite o envio de Piso com o objectivo de testar os sentimentos da coorte pretoriana de guarda ao palcio (Plutarco, Gal. 25.8). Tcito (Hist. 1.29.2-30.3), desenvolve longamente o discurso de Piso aos soldados42, como hbito dos historiadores.

    De modo semelhante, Suetnio fragmenta o relato da revolta dos exrcitos que, na Germnia, levaram aclamao de Vitlio. Plutarco (Galba 22) apresenta -nos um relato contnuo, que comea com a recusa em renovar o juramento a Galba (pelas calendas de Janeiro de 69), por parte do exrcito da Germnia Superior, continua com a subsequente comunicao do facto ao exrcito da Germnia Inferior e culmina com a aclamao de Vitlio, por iniciativa de Fbio Valente. Tcito, na parte respeitante a Galba, limita-se a fornecer informaes essenciais (Hist. 1.12.1; 14.1) e deixa a exposio detalhada dos factos para o contexto da guerra entre Oto e Vitlio (Hist. 1.55-57). Suetnio desmembra a narrao deste facto entre a Vida de Galba (Gal. 16.2) e a de Vitlio (cf. Vit. 8.1), pelo que em cada parte silencia os factos que no dizem respeito ao imperador em questo. Na Vida de Galba, conta apenas a insurreio do exrcito da Germnia Superior, que, defraudado das recompensas merecidas pela campanha contra Vndex e os Gauleses, o primeiro a sublevar-se

    41 Vide Venini, 1974, 1012-101342 Vide Murison, 1992, 83.

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    e a rejeitar um imperador eleito na Hispnia e pede aos pretorianos que elejam um imperador capaz de reunir o consenso43. Na Vida de Vitlio (Vit. 8.1), Suetnio, silencia o contributo decisivo da armada da Germnia Superior para a aclamao e s a seguir refere a adeso deste exrcito revolta (Vit. 8.2), lembrando apenas de passagem que aquele corpo j recusara a obedincia a Galba. Suetnio dispor os factos de acordo com o seu relevo para a definio do carcter do biografado em detrimento da narrativa cronolgica, procedimento que resulta numa exposio consideravelmente diferente da de Tcito e de Plutarco44.

    Tanto Plutarco (Gal. 15.8) como Tcito (Hist. 1.37.3) acentuam o terror da entrada de Galba em Roma, precedida de uma srie de mortes. Mas, ao centrar -se na pessoa do biografado, Suetnio acaba por atribuir ao imperador aces que so da responsabilidade de outrem. Afirma, pois (Gal.11), que Galba no retoma a toga antes de esmagar os revoltosos: o prefeito do pretrio Ninfdio Sabino e os legados da Germnia, Fonteio Capito, e de frica, Cldio Macro. Mas, Plutarco (Gal. 14-15) mostra que Ninfdio foi morto pelos soldados no campo

    43 Suetnio, Gal. 16.2. Segundo Tcito (Hist. 1.12.1), as legies da Germnia Superior entregavam a eleio ao senado e ao povo romano, para atenuarem o carcter insurreccional do movimento. Venini, 1974, 999-100.

    44 Parece -nos estranho que, na notice destas Vidas de Plutarco, na edio de Les Belles Lettres, se interprete esta diferena de mtodo simplesmente como um discurso assez lche, souvent vague e diffus: vide Flacelire e Chambry, 1979, 141.

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    pretoriano, e Galba limitou -se a ordenar a execuo dos cmplices que no morreram com ele. Quanto a Fonteio Capito, Tcito (Hist. 1.7.1) diz que foi morto por Cornlio Aquino e Fbio Valente, sem que estes tivessem recebido instrues para tal, e que corria o rumor de que o assassinaram por no conseguirem persuadi -lo a revoltar -se. Numa posio intermdia se parece colocar Plutarco (Gal. 15.3), quando afirma que Galba eliminou Fonteio na Germnia atravs de Valente. Destes s Cldio Macro, que causava agitao por sua conta em frica (Plutarco, Gal.6.1-2; 15.3), ter sido condenado por ordem directa de Galba (cf. Tcito, Hist.1.7.1; 1.11.2; 4.49)45.

    Quanto aos discursos ficcionais, caractersticos da historiografia, Plutarco segue o mesmo procedimento, como se v por diversos passos. Um exemplo ser o discurso de Oto no momento em que, depois da batalha de Betraco, decide pr fim vida, para que a guerra civil se no prolongue: Plutarco (Oth. 15. 4-8), Tcito (Hist. 2.47) e Don Cssio (64.13) transmitem as mesmas ideias (recolhidas da fonte comum), mas elaboradas com exemplos pessoais. Suetnio, que no compe discursos, mas recolhe ditos clebres, relata apenas que Oto proclamou que no mais exporia ao perigo homens daquela envergadura e que to bem o serviram (Otho 10.1).

    45 Vide Murison, 1992, 60-61; Little e Ehrhardt, 1994, 64-65.

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    as mortes - relatos exemPlares

    A narrativa da mortes a acme das Vidas: o momento da revelao do ethos; e , por isso, tratado com especial cuidado. Na manh do dia em que foi assassinado, 15 de Janeiro de 69 d.C., Galba fazia um sacrifcio no Palatino, diante do templo de Apolo, construdo por Augusto (Tcito, Hist. 1.27.1; Plutarco, Gal. 24.5; Don Cssio, 64.5.2)46. Suetnio (Gal. 19) faz silncio sobre a presena de Oto no ritual. Do mesmo modo omite o relato da apressada aclamao de Oto no Foro, por iniciativa de uns poucos soldados, e a entrada do futuro imperador no campo pretoriano, pormenores que as outras fontes intercalam neste ponto. Como seu hbito, Suetnio prefere relatar esses acontecimentos na Vida do prprio (Otho 6.2-3).

    Ao saber do sucedido, Galba ficou hesitante: Tito Vnio aconselhava Galba a permanecer no palcio, enquanto Laco e Celso (Plutarco, Gal. 26.1), ou Laco e celo (Tcito, Hist. 1.32.2-33), o exortavam a dirigir-se ao campo pretoriano. Tcito lamenta que ele no tenha ido, porque, com a autoridade de imperador, poderia ter facilmente segurado a situao a seu favor. A reverncia pela presena fsica do imperador era partida uma vantagem sobre os usurpadores, como nota Plutarco (Gal. 18.6). Suetnio, para manter a narrativa focada em Galba, omite tambm o envio de Piso, na mira de assegurar a lealdade do corpo da guarda ao palcio (Plutarco, Gal. 25.8). E Tcito (Hist. 1.29.2-30.3) compe um discurso que coloca na boca de Piso. Quanto

    46 Vide Brando, 2009, 282-287.

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    interpelao que Galba faz ao soldado - Jlio tico, segundo Plutarco (Gal. 26.2), Tcito (Hist. 1.35.2) e Don Cssio (64.6.2) - que dizia ter matado Oto, no sentido de saber de onde partira tal ordem, que sabia no ter dado, Tcito interpreta -a como uma manifestao do carcter firme e incorruptvel do imperador.

    O relato da morte propriamente dita em Plutarco (Gal. 27.1) semelhante ao de Tcito (Hist. 1.41) e de Suetnio (Gal. 20.1). Suetnio e Tcito (Hist. 1.41.2) apresentam duas verses da reaco de Galba ao ataque: uma primeira menos dignificante, em que ter tentado chamar os soldados razo e apazigu-los mediante a oferta, tardia, de um donativo; e uma segunda, mais corajosa, em que se oferece como uma espcie de vtima voluntria. Uma verso ser privilegiada pelos detractores e outra pelos admiradores, como admite Tcito. Plutarco transmite s a segunda verso. As reaces no parecem mutuamente exclusivas: a segunda pode ser um acto de resignao, depois de ter percebido que estava condenado.

    A expresso que as fontes atribuem a Galba para incentivar os soldados a levarem a cabo o seu propsito (hoc agerent) faz eco das palavras dos assassinos de Calgula (Suetnio, Cal. 58.2) e remete para a metfora do sacrifcio: tratava-se de palavras rituais, usadas pelo sacrificador na altura de imolar a vtima. H, de facto, semelhanas com o assassnio daquele imperador: ambas as mortes so contadas em duas verses, com frmulas que sugerem um sacrifcio, acompanhadas de gestos rituais: golpe no pescoo e at desmembramento do

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    cadver. Mas h diferenas importantes: Galba mostra -se mais digno. Enquanto Calgula assume um papel apenas reactivo, Galba tem um papel activo e mostra a firmeza do general que fora; enquanto Calgula ajudado pelos carregadores e pela guarda germnica, Galba morre abandonado, como o bigrafo sublinha: Suetnio mostra-se perplexo com esta desero de todos.

    Enquanto Plutarco (Gal. 26. 8-10) e Don Cssio (64.6.4) louvam a ajuda desinteressada que lhe prestou um centurio, Semprnio Denso, e Plutarco47 at salienta que foi o nico entre tantos milhares que o sol viu mostrar-se digno do Imprio Romano, o bigrafo latino prefere acentuar, at ao exagero, o abandono a que Galba foi votado, situao que se lhe afigura quase inacreditvel: O que ter sido verdadeiramente extraordinrio que nenhum dos presentes tentou prestar ajuda ao imperador, e que todas as foras que foram mandadas chamar desprezaram a ordem, excepo de um destacamento do exrcito da Germnia. Estes soldados, por um recente favor pois, quando estavam doentes e incapacitados, Galba se no poupara a esforos para cuidar deles voaram em seu auxlio, mas, tomando um caminho errado, por no conhecerem os lugares, chegaram tarde de mais. De facto, feito o confronto com Tcito (Hist. 1.31.2-3), torna-se patente que Suetnio exagera, na mira de acentuar o drama do atraso. A afirmao de Tcito Germanica uexilla

    47 E, de modo semelhante, Tcito (Hist., 1.43.1), embora o apresente como defensor de Piso, que foi assassinado na mesma altura.

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    diu nutauere (Hist. 1.31.3) no compatvel com in auxilium aduolauerunt de Suetnio. Como Galba favoreceu este corpo militar, devem ter surgido vrias tentativas de explicao para o facto de os soldados no terem aparecido, como seria de esperar. De resto, a soluo apresentada por Suetnio no convence: se estavam acantonados, como diz Tcito, no Atrium Libertatis (que seria na rea dos Fora) e, para mais, h seis meses, dificilmente no conheceriam o caminho48. Mas os factos so confusos, como natural em poca de revoluo.

    O ultraje feito cabea lembra (embora Suetnio no o diga) a sorte de Penteu nas Bacantes de Eurpides (vv. 1139 ss). O bigrafo Plutarco (Gal. 27), sendo grego, no deixa de conectar directamente este feito com o das Mnades. De resto, j vimos que, logo no incio da Vida de Galba (1.7-8), se sugere que os acontecimentos deste perodo constituem uma histria trgica, em que os imperadores so joguetes das vicissitudes dos tempos. O horror dos pormenores relatados pelos bigrafos contrasta com a sobriedade de Tcito (Hist. 1.41.3 e 1.49.1), que tende a evitar pormenores srdidos49. De facto, se Plutarco (Gal. 27.3) refere a dificuldade em segurar a cabea devido calvcie e o transporte do macabro trofu no manto, Suetnio acrescenta a introduo do polegar na boca como forma de o soldado a poder segurar quando a entrega a Oto. Segundo este autor (Gal. 20.2), no foi o soldado que

    48 Como frisa Murison, 1992, 84-85.49 Vide Murison, 1992, xi.

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    cortou a cabea quem a colocou num pau; o soldado, limitou-se a lev-la ao sucessor de Galba. Suetnio acrescenta, pois, outros motivos de vilipndio: Este (Oto) deu -a aos seguidores do exrcito e aos serviais, que, depois de a espetarem num pau, a transportaram volta do acampamento sem deixarem de fazer troa, ao mesmo tempo que gritavam: Galba, Amor, goza a tua juventude! Incitava -os sobretudo a uma tal petulncia na chacota o facto de poucos dias antes ter sido propalado que ele, a um fulano que lhe louvava a beleza, como se fosse ainda jovem e vigorosa, respondeu: Ainda tenho o vigor intacto.

    Este trecho de Suetnio pe em evidncia o facto de a velhice de Galba motivar a troa de alguns (Plutarco, Gal. 13.6), habituados que estavam juventude Nero. Tinha setenta e trs anos, mas, sobretudo, estaria bastante incapacitado, devido artrite ou gota, e tinha uma hrnia descomunal que a custo continha, como noticia o bigrafo latino (Gal. 21). Segundo Plutarco (Gal. 8.1), o prefeito do pretrio, Ninfdio Sabino, tinha abusado dos seus poderes, na convico de que Galba dificilmente teria foras para aguentar a viagem da Hispnia at Roma. O verso grego (Ainda tenho o vigor intacto) com que o imperador responde ao adulador da Odisseia (21.426) e em vez de ser um dito despropositado ou ridculo para um homem daquela idade, revela antes o carcter espirituoso e a cultura helnica do velho general.

    A subida de Oto ao poder apresentava-se, partida, muito sangrenta, apesar de depois o imperador

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    se ter moderado. Mas, se diversas mortes seguiram a de Galba50, Plutarco (Gal. 27.9-10) acrescenta que muitos mais, mesmo sem terem tomado parte na matana, vieram reclamar recompensas por escrito, pelo que foram, mais tarde, executados por Vitlio com base nos documentos. Plutarco (Gal. 28.2) assinala que o senado se apressou a ratificar a aclamao de Oto, quando ainda jaziam no Foro os cadveres nas suas roupas consulares, o que pe implicitamente em evidncia a impiedade do comeo do novo principado. Uma viva hostilidade a Oto se percebe tambm na afirmao de que o senado ia prestar o juramento que o prprio Oto prestara e no guardara (Gal. 28.1).

    Plutarco assume que Galba tomava uma atitude digna de um bom imperador, quando se recusava a oferecer o donativo exorbitante prometido por Ninfdio Sabino - as vrias fontes registam a sua resposta clebre: costumava recrutar os soldados, no compr -los51 -, e elogia a forma como, pondo os interesses do Estado frente dos prprios, escolhe Piso, em detrimento de Oto, que se mostrava licencioso e perdulrio (Gal. 21.2-3). De resto, a modstia de Piso, perante o anncio de que seria adoptado, contrasta com a reaco excessiva de Oto (Gal. 23.5-6), e mostra que o velho imperador procedera com sageza ao escolh-lo e soubera reconhecer nele os antigos valores romanos52. Em consonncia,

    50 Don Cssio (64.6.5) alude genericamente decapitao de vrias vtimas.

    51 Suetnio, Gal.16.1; Plutarco, Gal. 18.4; Tcito, Hist. 1.5.2; Don Cssio, 64.3.3.

    52 Tanto a atitude de Galba, ao escolher o bem comum, como

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    na apreciao final, Plutarco (Gal. 29.3-5) demonstra grande admirao por Galba, pela forma desinteressada como assume o poder. Reconhece que cometeu um erro de julgamento, que lhe foi fatal, ao pensar que podia comandar, seguindo os valores antigos, homens como Tigelino e Ninfdio Sabino, degenerados pela sociedade neroniana53.

    Pelo contrrio, Suetnio tem de ser desfavorvel a Galba, uma vez que demonstra clara simpatia por Oto, sentimento particularmente notrio no relato da sua morte. Se verdade que a generalidade das fontes54 reconhece que a nobre morte deste imperador foi contrastante com a sua vida, Suetnio chega ao ponto de dizer que ele odiava as guerras civis j antes de subir ao imprio (e de que se no revoltaria contra Galba, se no confiasse que o golpe se podia resolver sem guerra). Tal favorecimento ficar a dever-se ao testemunho do prprio pai do bigrafo, Suetnio Leto, que participara na campanha como tribuno angusticlavo (Otho 10.1). Portanto, Suetnio tinha acesso a uma verso, que no era a tradicional de um senador, mas de uma fonte prxima, de origem militar55. Talvez por isso acaba por

    a atitude de Piso revelam princpios da ideologia estica que informa a filosofia poltica romana e que acaba por transparecer em Plutarco, apesar do seu confesso platonismo, como assinala Scuderi, 1995, 403-404.

    53 Vide Scuderi, 1995, 407.54 Cf. Plutarco, Oth. 15-18; Tcito, Hist. 2.46-50; Suetnio,

    Otho 9.3-12.2; Don Cssio 64.11-15. Vide Brando, 2009, 306 -308; 314-315.

    55 Vide Murison, 1992, 122-123. O uso de uma fonte oral uma forma de defender a memria de Oto contra uma tradio demasiado severa, segundo Gascou, 1984, 301-302.

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    nos facultar mais pormenores, que se no encontrariam na fonte comum.

    Se a morte o momento supremo da revelao do carcter, os ltimos momentos de Oto so de serenidade e de preocupao com os outros, a imagem clssica de uma morte bem-aventurada. Segundo Suetnio (Otho 10.2), Oto exorta o irmo (o que significa que este estaria j presente em Brixelo), o sobrinho e os amigos a porem-se a salvo e envia cartas irm, para a consolar, e viva de Nero, Estatlia Messalina, com quem projectara casar-se, para lhe recomendar os seus restos e a sua memria. S Suetnio fala destas duas cartas e da inteno de se casar com a viva de Nero56. Dir-se-ia que o bigrafo latino pretende evocar, de modo subtil, a lembrana daquele imperador e suscitar a comparao entre os dois suicdios. Oto destri ainda cartas comprometedoras, para proteger terceiros e distribui os haveres de que dispunha pelos da sua casa. Quando j est preparado para morrer, tumultos que se geraram, relacionados com o desagrado que a partida dos senadores provocou entre os soldados57, levam -no, segundo Suetnio (Otho 11.1), a adiar o fim: Acrescentemos exclama ele ainda esta noite nossa vida58. Tal frase, s referida por Suetnio, pretende mostrar que a morte de Oto no uma fuga. O imperador continua

    56 Plutarco, Gal. 21.1, e Tcito, Hist. 1.13.2, falam do plano de casamento com a filha de Vnio, no tempo em que Oto estava para ser adoptado por Galba.

    57 Segundo Plutarco, Otho 16.5-6, e Tcito 2.49.1. Tcito diz que estavam sobretudo irritados com Virgnio Rufo. Cf. Don Cssio, 64.15.1.

    58 Cf. Tcito 2.49.1.

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    a assumir o exerccio da sua autoridade, para proibir o uso de violncia contra quem quer que quisesse partir, preocupao bem patente tambm em Plutarco.

    A fonte comum noticia que bebeu gua e experimentou a ponta de dois punhais59, facto que parece aproximar esta morte da de Nero60. Escolhe um, que coloca sob a almofada (ou debaixo do brao, segundo Plutarco), e cai num sono profundo, revelador da sua serenidade de esprito, bem diferente da de Nero. Tambm diferente de Nero a forma como se suicida: enquanto este, com a ajuda de Epafrodito, trespassa o pescoo (Suetnio, Nero 49.3) os tiranos so degolados Oto trespassa o peito de um s golpe, o que confere dignidade ao gesto. S Suetnio (Otho 11. 2) diz que se feriu por baixo do mamilo esquerdo e que expirou ora tapando ora desvelando a ferida aos que acorreram ao seu primeiro gemido - exemplos do sentido do concreto e do gosto do bigrafo pelo horror e pelos pormenores mrbidos61. O facto de tapar e desvelar a ferida parece recordar, de algum modo, a morte de Petrnio (Tcito, Ann. 16.19), com quem Oto poder ter convivido e partilhava certa semelhana de carcter, se tomarmos em conta os dados da tradio. O funeral feito pressa, como tinha recomendado. Tcito (Hist. 2.49.2), acrescenta que Oto o solicitara, para evitar que

    59 Plutarco, Otho 17.1; Tcito, Hist. 2.49.2; Suetnio, Otho 11.1. Poulle, 1997, 250, pe em evidncia o simbolismo dos dois punhais, numa aluso dualidade tradicional dos tiranicidas, e a semelhana, tambm verbal, entre o gesto de Nero e de Oto.

    60 Cf. Suetnio, Nero 48.3; 49.2.61 Como salienta Gascou, 1984, 307-308.

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    lhe cortassem a cabea e a expusessem a ultrajes62, como os que aconteceram a Galba.

    A imagem positiva que Oto obtm na morte comum s fontes, mas as perspectivas so diferentes. Enquanto Plutarco (Oth. 18.3) compara Oto com Nero, assinalando que no viveu mais honestamente mas morreu mais nobremente, Tcito (Hist. 2.50.1) ope a morte digna de Oto (facinum egregium) ao infame assassnio de Galba; e Don Cssio, (64.15.2) ope a morte impiedade e perversidade anterior, uma morte ptima a uma vida pssima; Suetnio estabelece um contraste de natureza diferente, ao opor o modo de vida efeminado a uma morte viril, o que parece atenuar a viso negativa sobre a vida passada63.

    A reaco dos soldados sua morte de histeria colectiva, ao ponto de se suicidarem junto pira. Mas, quanto ao nmero dos suicdios, Suetnio transforma em muitos os alguns referidos por Tcito (Hist. 2.49.4), Plutarco (Oth. 17.10) e Don Cssio (64.15.12). S Suetnio e Don (64.15.2b) referem que muitos soldados se mataram uns aos outros64. Quanto reaco do pblico em geral, salienta-se um duplo julgamento que, em Suetnio, tende para a unicidade. Tcito (Hist. 2.50.1) diz que ele mereceu posteriormente uma fama to boa como m; Plutarco (Oth. 18.2) faz saber que os

    62 Gascou, 1984, 309, pensa que, se esta informao estava na fonte comum, Suetnio a ter calado por simpatia para com Oto, para no macular a imagem de uma morte perfeita. Recorde-se que o bigrafo no ignorara a informao no que se refere a Nero (Nero 49.4).

    63 Como nota Gascou, 1984, 311-31264 Vide Gascou, 1984, 313-314.

  • Jos Lus Lopes Brando

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    que louvaram a morte no foram menos importantes nem menos numerosos do que os que censuraram a vida. S Suetnio fala de quase unanimidade (magna pars hominum) no pstumo louvor de Oto65 e minimiza a infmia da morte de Galba (considerada facinus flagitiosissimum por Tcito, Hist. 2.50.1) com o suposto desejo de restaurar a res publica ac libertas para o povo romano66.

    Sobrevive assim, atravs de Plutarco, informao de cariz diferente da de Suetnio: um ponto de vista poltico e tico grego sobre uma poca conturbada. A figura controversa de Nero continua presente, ao mesmo tempo odiada e amada. Galba representa a reaco de cariz senatorial, mas a sua austeridade parece estar fora de moda. Em Oto, h alguma tentao em ligar a si o nome do antigo amigo, porque via que tal lhe granjeava simpatias, mas tambm averso. O elogio implcito da adopo de Piso por parte de Plutarco parece antecipar o principado adoptivo, elogiado, quando se torna efectivo, por Tcito, atravs do discurso de Galba. As figuras de Plutarco tendem a ser vistas de modo benvolo; e Galba, tendo embora defeitos e cometendo erros, apresentado como um grande homem. Suetnio, distanciando-se da tradio principal para favorecer Oto, acaba por obscurecer a grandeza moral de Galba.

    Em suma, Nas Vidas de Galba e de Oto, Plutarco apresenta-nos um relato que se aproxima, como ele prprio admite, da histria poltica antiga,

    65 Vide Gascou, 1984, 312; 776-777.66 Suetnio, Otho 12.2. Nenhum dos outros autores menciona

    tal facto.

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    pelos condicionalismos dos tempos, que eram de guerra civil, e pelo papel que os soldados desempenharam na conduo da poltica imperial. Assumem, pois, grande relevo as aces militares; e os protagonistas tornam-se vtimas da indisciplina e da cobia da soldadesca, a par de alguma impotncia e falta de capacidade de liderana dos imperadores e dos oficiais superiores. Plutarco no esconde um certo desprezo pela fora bruta e irracional das tropas e, de modo especial, pela arrogncia e ambio da guarda pretoriana. Escrevendo sobretudo para um pblico de lngua grega, como patenteia a preocupao de explicar certas realidades romanas por meio de referentes helnicos (corpos militares, calendrio, etc.), Plutarco apresenta a conduta dos soldados como o reverso da educao dos guardies do estado ideal, proposta pelo seu mestre Plato. Por outro lado, pelos elogios que faz dos protagonistas, particularmente de Galba, o autor aproxima-se de Tcito e da moral senatorial, que preconiza a exaltao dos valores antigos e condenao da decadncia do presente.

  • Vida de Galba*1

    1* Outras fontes para o conhecimento deste imperador so: Suetnio, Gal.; Tcito, Hist. 1.1-45; Don Cssio, 64.1-9.

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    1. 1. O ateniense Ifcrates1 julgava que o soldado mercenrio atreito s riquezas e aos prazeres, de modo que, ao aplicar -se em buscar os recursos para os seus apetites, combate de um modo mais temerrio, enquanto a maior parte das pessoas pensa que os soldados, como um corpo instvel, nunca devem mover-se por recurso ao prprio impulso mas ao do general. 2. Por conseguinte, tambm dizem que Emlio Paulo2, ao assumir o comando da fora militar na Macednia, cheia de tagarelas e intrometidos que brincavam aos generais, fez passar a ordem de que cada um tivesse a mo pronta e a espada afiada, mas que deixasse o resto por conta dele prprio. 3. E Plato3 constata que nada adianta ser um bom comandante ou um bom general, se o exrcito se no mostrar disciplinado e cooperante, mas pensa que a virtude da obedincia, tal como a virtude de um rei, requer uma natureza nobre e uma educao filosfica, que, acima de tudo, gentileza e humanidade associa, de forma harmoniosa, coragem e intrepidez. 4. Ora diversos acontecimentos, e em particular os que sobrevieram aos Romanos depois do

    1 Estratego que no sc. IV a.C. que ter aligeirado o armamento do corpo de mercenrios dos peltastas, tornando-o mais malevel que os hoplitas nas manobras. Usavam a pelta, pequeno escudo redondo.

    2 O vencedor de Pidna, batalha determinante para a derrota da Macednia e submisso da Grcia.

    3 R. 376 C.

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    fim de Nero, so testemunho e exemplo de que nada mais terrvel, no imprio, do que uma fora militar que segue impulsos rudes e irracionais. 5. Demades, aps a morte de Alexandre, comparou o exrcito macednio ao Ciclope depois de cego, por apresentar amide movimentaes desordenadas e errticas. 6. Uma espcie de sofrimentos, por assim dizer titnicos, e convulses tomaram conta do Imprio Romano, dividido em vrias faces, que, ao mesmo tempo e a partir de diversos lugares, se lanaram de novo sobre ele mesmo, no tanto por ambio dos imperadores aclamados, como pela cobia e desregramento da soldadesca, que descartava uns soberanos em troca de outros como se de pregos se tratasse. 7. certo que Dionsio4 referindo-se a [Plifron] de Feras, que governou a Tesslia durante dez meses e, de seguida, foi assassinado, denominava-o tirano trgico, ao gracejar com a rapidez da mudana. 8. Mas a morada dos Csares, o Palatino, acolheu sucessivamente, em menos tempo, quatro imperadores: faziam entrar um, faziam sair outro, como num palco5. 9. Ao menos era

    4 Provavelmente o Dionsio-o-Velho, tirano de Siracusa. Plifron reinou entre 370 e 369 a. C. O nome no aparece nos manuscritos: cf. Plutarco, Pel. 29; Xenofonte, Hell. 6.4.33-35.

    5 A seguir morte de Nero, sucederam -se Galba (de Junho de 68 a Janeiro de 69 d.C.), aclamado pelo exrcito da Hispnia, na sequncia de uma revolta que comeara com Vndex, na Glia; Oto (de Janeiro a Abril de 69), aclamado pelos soldados pretorianos em Roma; Vitlio (Abril a Dezembro de 69), aclamado pelo exrcito da Germnia; e Vespasiano (Dezembro de 69 a 79), aclamado pelos exrcitos do Oriente (estava na Judeia a combater a revolta dos Judeus, que terminou com a destruio do templo de Jerusalm), com o apoio do prefeito do Egipto, Tibrio Alexandre. Entre a morte de Nero e de Oto passaram apenas 10 meses.

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    uma consolao para os que sofriam males o facto de no terem necessidade de outra punio dos culpados alm de os ver matarem-se uns aos outros. O primeiro a cair e de forma mais justa foi o que seduziu e ensinou a esperar da mudana de Csar tudo quanto ele prprio prometeu, pervertendo a mais bela obra, ao transformar, por meio do pagamento, a revolta contra Nero em traio6.

    2. 1. Pois Ninfdio Sabino, que era, como se disse7, prefeito do pretrio juntamente com Tigelino, ao tomar por completamente desesperada a situao de Nero, j que era manifesto que este ia escapar para o Egipto, convenceu os soldados, como se ele no continuasse ali, mas tivesse j fugido, a aclamarem Galba imperador; 2. e at prometeu um donativo por cabea: aos soldados do palcio e aos ditos pretorianos sete mil e quinhentas dracmas8; e mil duzentas e cinquenta s tropas de fora, soma impossvel de reunir, sem causar milhares de vezes mais infortnios a todos os homens do que aqueles que Nero causou. 3. Foi isso, de facto, que deitou logo Nero a perder, e, pouco depois, Galba: pois a um abandonaram-no para receberem; a outro mataram-no, uma vez que no receberam. 4. De seguida, na busca daquele que lhes viesse a dar tal soma, consumiram-se em revoltas e traies, antes de obterem o que esperavam. 5. Narrar

    6 Foi Ninfdio Sabino, prefeito do pretrio, que corrompeu os soldados com promessas em nome de Galba: vide frente 2 e 8-14.

    7 Provavelmente na Vida de Nero perdida.8 Plutarco usa a moeda grega pelo denrio, que era a

    correspondente romana.

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    com exactido os acontecimentos um por um tarefa da histria poltica9, mas quanto digno de memria sobreveio pelos actos e sofrimentos dos Csares no me convm a mim pass-lo em claro.

    3. 1. Que Sulpcio Galba era o mais rico particular que alguma vez entrou na casa dos Csares facto consensual: apesar do grande valor da sua linhagem, a casa dos Srvios, ele prprio tinha mais orgulho na sua parentela com Ctulo10, que foi o primeiro varo em virtude e fama entre os do seu tempo, ainda que preferisse deixar a outros o exerccio do poder. 2. Galba estava tambm ligado a Lvia, esposa de Augusto, por laos de parentesco; e foi por essa razo, pelo favorecimento de Lvia, que ele saiu do palcio como cnsul11. 3. Mas diz-se que comandou de forma notvel o exrcito na Germnia12

    9 Plutarco alude distino, na antiguidade, entre histria e biografia: a primeira dedicada aos grandes acontecimentos polticos e a ltima a tudo o que possa contribuir para a definio dos traos de carcter, inclundo o aspecto fsico, ditos clebres, etc. Cf. Alex. 1.

    10 Nome de famlia de Galba era Sulpcio. Srvio era praenomen, mas este nome era usado por aquela famlia. Q. Lutcio Ctulo Capitolino foi cnsul em 78 a.C. e censor em 65-64, colega de Crasso. Em 63, foi derrotado por Jlio Csar na eleio para Pontfice Mximo.

    11 A notcia no exacta. Galba foi cnsul em 33 d.C. Lvia morrera em 29.

    12 No principado de Calgula. Galba foi enviado para restabelecer a disciplina e substituir Getlico, condenado na sequncia de uma conspirao, em que estaria envolvida tambm a prpria Agripina Menor, irm do imperador e me de Nero. Diz Suetnio (Gal. 6.2) que Galba restabeleceu imediatamente a disciplina, de tal modo que se difundiu pelo acampamento o verso: disce miles militare: Galba est, non Gaetulicus (Aprende, tropa, a andar na tropa: este Galba, no Getlico).

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    e, feito procnsul da Lbia13, foi elogiado como poucos. 4. A sua modstia no modo de vida, a parcimnia nos gastos e a simplicidade so os precedentes da sua avareza, quando se tornou imperador, pois carregava uma fama de severidade e moderao j fora de moda. 5. Foi enviado como governador para a Ibria por Nero14, que ainda no aprendera a temer os cidados de grande respeito, pois, alm da aparente natureza doce, a velhice acarretava confiana na prudncia.

    4. 1. Mas, uma vez que os criminosos procuradores de Nero andavam a saquear de forma cruel e selvtica a provncia dele, no teve outra forma de prestar ajuda, seno mostrar-se solidrio na partilha da dor e injustia sofridas, facto que ofereceu, de algum modo, uma lufada de ar fresco e consolao aos condenados e vendidos como escravos. 2. E, quando apareceram poemas contra Nero, que, por todo o lado, circulavam e eram cantados, no os impediu nem secundou a indignao dos procuradores, pelo que se tornou mais ainda objecto do amor das pessoas15. 3. que, nessa altura, j estava familiarizado com elas, pois cumpria o oitavo ano do seu governo quando Jlio Vndex16, propretor da Glia,

    13 Durante o governo de Cludio, em 45 d.C.14 Em 61 d.C.15 Suetnio (Gal 9.1) diz que Galba se entrega, paulatinamente,

    inrcia, para no ter de prestar contas a Nero. Suetnio , neste aspecto, menos favorvel que Plutarco e as outras fontes: Tcito, Hist. 1.49.4; Don Cssio, 63.23.

    16 Jlio Vndex era um nobre de origem Gaulesa. Foi depois derrotado e morto pelo exrcito da Germnia (comandado por Virgnio Rufo), mas a revolta j no parou. Diz Suetnio (Nero

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    se rebelou contra Nero. 4. Diz-se, na verdade, que, antes de a revolta se tornar manifesta, lhe chegaram cartas da parte de Vndex; mas, se no confiou nelas, tambm no as denunciou ou revelou o contedo, como fizeram outros governadores, que, recebidas as missivas, as enviaram a Nero, e arruinaram, no que deles dependia, a operao, qual, mais tarde, cmplices, deram o seu acordo; pelo que no se tornaram menos traidores para consigo prprios do que para com aquele revoltoso. 5. Mas, de seguida, Vndex , tendo declarado abertamente a guerra, escreveu a Galba a exort -lo a aceitar o poder imperial e a oferecer-se ele prprio a um corpo forte as Glias, que possuam dez mil homens armados e podiam armar um nmero ainda maior que buscava uma cabea; e Galba tomou conselho junto dos amigos. 6. Entre estes, havia os que achavam melhor aguardar, a ver se Roma daria ao movimento algum desfecho e impulso para a revoluo. 7. Mas o prprio Tito Vnio, comandante da guarda pretoriana17, disse: Galba, que tipo de resoluo tomaste? Ora o facto de inquirir se continuamos fiis a Nero, no prprio de quem ainda continua fiel. Ao considerar Nero inimigo, no se deve rejeitar a aliana com Vndex; ou ento temos de acusar este e mover-lhe guerra, j que ele antes quer que os romanos te tenham como governador do que Nero como tirano.

    45.2) que, em Roma, alguns descontentes, fingindo altercar com os escravos, clamavam por um Vindex (vingador).

    17 Neste caso, a guarda pessoal do governador e no a do imperador.

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    5. 1. Foi por isso que Galba indicou, atravs de um edicto, um dia em que iria conceder a libertao, sucessivamente, aos que a solicitassem. Uma vez que o alarido e o boato se espalharam, uma multido de pessoas congregou -se, empenhada na revoluo. Ainda ele no se tinha sequer apresentado sobre o tribunal e j todos o saudavam a uma s voz como imperador. 2. Ele no aceitou logo esta designao, mas, depois de acusar Nero e de lamentar a morte, por ordem deste, de homens ilustres, concordou em devotar os seus cuidados ptria, sem adoptar o nome Csar ou Imperador, mas o de general do senado e do povo romano. 3. Que Vndex fez bem os clculos ao chamar Galba para assumir o imprio confirma-o o testemunho de Nero; que este, que simulava menosprezar o primeiro e considerar de somenos a questo gaulesa, ao saber o que se passava com Galba (estava ele, por acaso, a almoar, depois de tomar banho), baldeou a mesa18. 4. No entanto, tendo o senado declarado Galba inimigo pblico, o prprio Nero, procurando gracejar e mostrar coragem perante os amigos, disse que no era nada m a oportunidade de lucro que se lhe deparava, j que estava necessitado de dinheiro19; 5. os recursos dos Gauleses, depois de serem submetidos, seriam transformados em despojos e esplio de guerra; e a propriedade de Galba estava mo para ser usada e vendida, j que este se apresentava como inimigo. 6. Assim, Nero mandou pr venda as coisas de Galba; e este, quando tal ouviu, tratou de

    18 Cf. Suet. Nero 42.1. O bigrafo latino acrescenta que Nero ficou inanimado.

    19 Cf. Suet. Nero 40.4.

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    colocar em hasta pblica quanto pertencia a Nero na Ibria, pelo que encontrou muitos compradores deveras interessados.

    6. 1. Dos muitos que se desligavam de Nero, quase todos aderiam a Galba; s Cldio Macro na Lbia e Virgnio Rufo na Glia, frente do exrcito da Germnia20, agiam por conta prpria, sem secundarem tal propsito. 2. Mas Cldio, tendo descambado para actos de pilhagem e assassnios por causa da sua crueldade e cobia, estava manifestamente num impasse, incapaz de manter o poder ou de desistir dele. 3. Quanto a Virgnio, embora comandasse as legies mais poderosas, que diversas vezes o proclamaram imperador e o pressionavam a aceitar o cargo, declarou que nem assumiria ele prprio o imprio, nem permitiria que este fosse dado a um outro que o senado no tivesse escolhido. 4. Tal situao causou, a princpio, no pequena perturbao em Galba. Mas quando os exrcitos de Virgnio e de Vndex comearam, de certo modo, a atiar os comandantes fora um contra o outro, quais cocheiros incapazes de controlar as rdeas, para travarem uma grande batalha, e Vndex se matou sobre vinte mil Gauleses cados em combate, correu a notcia de que, na sequncia de to expressiva vitria, todos queriam que Virgnio aceitasse o imprio, ou que ento se voltariam de novo para Nero. 5. Galba, ento j deveras receoso, escreveu a Virgnio, a apelar que

    20 Era o comandante do Exrcito da Germnia Superior. Derrotou Vndex na batalha de Vesono (Besanon).

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    unissem esforos e salvaguardassem os dois o imprio e a liberdade para os Romanos. 6. E voltou de novo com os amigos para a Ibria, para a cidade de Clnia, arrependido da conduta anterior e a lamentar o habitual e entranhado modo de vida ocioso, em vez se ocupar em fazer o que se mostrava necessrio21.

    7. 1. Era j Vero, quando um dia, pouco antes de anoitecer, chegou de Roma celo, seu liberto, que viajara sete dias. 2. Inteirando-se de que Galba estava a descansar sozinho, encaminhou-se imediatamente para o quarto dele, e, depois de abrir, contra a vontade dos criados de quarto, e de entrar, anunciou que o exrcito, primeiro, e, em seguida, o povo e o senado aclamaram Galba como Imperador, quando Nero era ainda vivo, mas no aparecia; e que, pouco mais tarde, foi anunciado que Nero estava morto. 3. Ele mesmo segundo disse , no se fiou em tais notcias, mas, depois de se aproximar do cadver e de o ver por terra, que ento partiu. 4. Tais novas deixaram Galba radiante, e sua porta acorreu uma multido, cheia de uma firme confiana, graas quele mensageiro. 5. A falar verdade, a sua rapidez era inacreditvel. Mas, dois dias mais tarde, Tito Vnio22 chegou com outros do campo militar com o relato de cada uma das resolues do senado. 6. Este foi ento promovido a uma posio honrosa. Ao liberto

    21 Segundo Suetnio (Gal. 9.1), Galba entregara-se ociosidade para no se tornar suspeito a Nero.

    22 Uma lacuna do texto torna este nome aqui uma suposio.

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    Galba concedeu anis de ouro23, pelo que celo, agora chamado Marciano, se tornava o mais influente entre os libertos.

    8. 1. Em Roma, Ninfdio Sabino tratou de arrebanhar para si prprio todos os servios, no de forma lenta e pouco a pouco, mas tudo de uma vez, na convico de que Galba estava velho e dificilmente teria foras para ser transportado at Roma de liteira devido idade, pois tinha setenta e trs anos. 2. E, mesmo na cidade, h muito que as tropas eram devotadas ao prefeito e, na altura, dependiam unicamente dele por causa da quantidade do donativo consideravam-no como benfeitor e Galba como devedor24. 3. Ordenou imediatamente ao colega no cargo, Tigelino, que pusesse de lado a espada, e, organizando recepes, convidou para jantar os cnsules e altos comandos, colocando tambm o nome de Galba nos convites. No acampamento, tratou de fazer com que muitos dissessem que se devia enviar a Galba uma delegao a solicitar para Ninfdio Sabino a prefeitura perptua sem colega. 4. Quanto o senado fez em prol do prestgio e poder dele, aclamando-o como benfeitor e acorrendo todos os dias sua porta, solicitando a sua iniciativa e ratificao para todos os decretos, ainda levou mais longe a sua

    23 Promove-o categoria de cavaleiro.24 Promessas que Galba no ratificou, com a sentena de que

    tinha por hbito recrutar os soldados, no compr-los (Suetnio, Gal.16.1) aparncia de honestidade (Tcito. Hist. 1.5.2) que ter contribudo para a fama de avaro que este imperador granjeou e que ter, em ltima anlise, precipitado a sua queda (cf. Don Cssio, 63.3.3).

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    audcia, de tal modo que, em pouco tempo, se tornou aos olhos dos obsequiosos no s motivo de inveja, mas tambm de terror. 5. Quando os cnsules escolheram escravos pblicos para levarem os decretos ao imperador e lhes entregaram os chamados salvo-condutos selados, cujo reconhecimento permitia aos magistrados de cada cidade apressarem com a muda do transporte o avano dos correios, ele ficou deveras irritado por no terem tomado dele o sinete e os soldados a enviar. 6. E diz-se que estava para tomar deliberaes contra os cnsules e que depois ps de parte a clera, perante as justificaes e splicas deles. Mas para agradar ao povo no impediu a destruio dos agentes de Nero que lhe caram nas mos. 7. Ento, no s despedaaram o gladiador Espculo, depois de o lanarem sob as esttuas de Nero, arrastadas pelo Foro25, como ainda abateram Apnio, um dos delatores, passando-lhe por cima com carros carregados de pedras; e muitos outros foram despedaados, alguns sem terem culpa de nada; 8. de tal sorte que Maurico, que era um dos melhores vares e, como tal, estimado, disse ao senado que temia que em breve viessem a desejar Nero.

    9. 1. Na prossecuo do caminho mais directo para as suas esperanas, Ninfdio Sabino no se esquivou a que se dissesse que era filho de Gaio Csar26, sucessor de

    25 Plutarco, porque escreve em grego, transpe para o seu universo de referncia e diz agora, como faz para outras realidades, tais como as designaes dos cargos civis e militares mas que traduzimos pela designao romana.

    26 Que ficou conhecido como Calgula.

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    Tibrio no governo do Imprio. 2. Pois Gaio, segundo parece, ainda moo, teria conhecido a me dele, cuja aparncia no era desprovida de encanto, filha de uma cortes a soldo de Calisto, liberto do Csar. 3. Mas o comrcio de Gaio com ela, foi, segundo parece, posterior ao nascimento de Ninfdio, e este tinha fama de ser filho do gladiador Marciano, de quem Ninfdia se enamorara por causa da sua fama; e, dada a semelhana de aspecto, parecia mais aparentado com aquele. 4. No entanto, aceitava que Ninfdia era sua me, mas considerava como obra exclusivamente sua a queda de Nero, e, porque achava que no tinha colhido da o devido preo com honras e riquezas e com o facto de se deitar com Esporo, favorito de Nero que mandou imediatamente chamar de junto da pira, quando o cadver ardia ainda, tomou por esposa e apelidou de Popeia27 , tratou de se fazer sucesso do imprio. 5. Para tal, ele mesmo procurou manobrar, em Roma, atravs dos amigos, com a colaborao secreta de algumas mulheres e de alguns homens do senado, e enviou para a Ibria um dos seus amigos, Geliano, com permisso28 para espiar.

    10. 1. Para Galba tudo corria bem, depois da morte de Nero. Mas o facto de Virgnio Rufo continuar flutuante causava -lhe apreenso: pois, sendo comandante de uma fora numerosa e combativa, depois de vencer Vndex e de dominar uma grande parte do Imprio

    27 Esporo era um eunuco que j Nero tomara por esposa (Suet. Nero 28.1). Popeia Sabina era a esposa de Nero, que morrera quando estava grvida.

    28 H dvidas no texto.

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    Romano em agitao e com propenso para a revolta, ou seja, toda a Glia, no fosse ele dar ouvidos aos que o requeriam para o poder. 2. que ningum tinha maior nome, ningum detinha uma glria igual de Virgnio, pois tinha ganho grande influncia nos assuntos romanos, por ter arredado de uma s vez uma cruel tirania e a guerra da Glia. 3. Mas ele, tambm ento, mantinha as decises iniciais de reservar para o senado a escolha do imperador. 4. No entanto, quando se tornou pblica a morte de Nero, a tropa comeou de novo a pressionar Virgnio; e um dos tribunos, desembainhando a espada, na tenda, mandou Virgnio escolher: ou o imprio ou o ferro. 5. Quando Fbio Valente, comandante de uma legio, se adiantou a fazer o juramento em favor de Galba e chegou uma carta de Roma com as resolues do senado, s com muita dificuldade logrou convencer os soldados a proclamarem Galba imperador. 6. Virgnio no s acolheu Hordenio Flaco29, que fora enviado para o substituir, como tambm, depois de lhe transmitir o comando, ele prprio foi ao encontro de Galba, que se aproximava, e acompanhou-o no regresso, sem receber qualquer manifestao de dio ou apreo. 7. Tal comportamento devia -se, por um lado, ao prprio Galba, que tinha considerao pelo homem, e, por outro, aos amigos, e, de modo especial, Tito Vnio, que, por inveja, pensava desmerecer Virgnio, mas ignorava que estava precisamente a cooperar com o bom gnio dele, que subtraa o homem s guerras e aos

    29 Ex-cnsul, fraco como comandante. Foi morto depois da vitria de Vespasiano.

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    males, ocupaes que dominam os outros chefes, para uma vida de bonana e uma velhice cheia de paz e de quietude.

    11. 1. Os emissrios do senado encontraram Galba em Narbona, cidade da Glia, saudaram-no e exortaram-no a mostrar-se rapidamente ao povo desejoso de o ver. E ele procedia em todas as outras entrevistas e encontros com humanidade e simplicidade para com eles. 2. E, no que respeita aos banquetes, embora tivesse mo numeroso mobilirio e o servio real, entre as coisas de Nero que Ninfdio lhe fez chegar, o facto de no usar nada disso, mas to -s o que lhe pertencia, contribuiu para a sua boa reputao, pois se mostrava homem de largos horizontes e superior vulgaridade. 3. Mas rapidamente Vnio, que ia declarando estas manifestaes de nobreza de carcter, de modstia e de civilidade como demagogia, e a elegncia incompatvel com a grandeza, l o convenceu a usar as riquezas de Nero e a no poupar o aparato real nas recepes. 4. E, em suma, o ancio dava a impresso de que iria ser dominado pouco a pouco por Vnio.

    12. 1. Vnio era completamente escravo do dinheiro, mais do que qualquer outro, e dado s depravaes das mulheres. 2. Pois, ainda novo, quando cumpria a sua primeira campanha30 s ordens de Calvsio Sabino, introduziu de noite no acampamento a mulher

    30 Como tribuno militar.

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    do comandante, que era uma bardina31, em roupas de soldado, e possuiu -a na residncia de comando a que os Romanos chamam principia. 3. Por causa disso, Gaio Csar meteu -o na priso, mas, com a morte deste imperador, teve a chance de ser libertado. 4. Num jantar em casa do Csar Cludio, furtou um copo de prata. Ao tomar conhecimento do facto, o Csar convidou-o de novo para jantar no dia seguinte e, quando aquele convidado chegou, ordenou as serventes que lhe no trouxessem nem lhe colocassem frente nada que fosse de prata, mas tudo de barro32. Verdade seja que tal facto, que ento se tornara mais cmico devido moderao de Csar, parecia motivo de riso, no de clera; 5. j quanto ele levou a cabo, com Galba sob o seu domnio e com um poder ilimitado em questes de dinheiro, foi para uns a causa e para outros o pretexto de sofrimentos trgicos e de grandes desgraas.

    13. 1 Ento Ninfdio, logo que chegou junto de si Geliano, que ele enviara at Galba como uma espcie de espio ao ficar a saber que fora designado como prefeito do palcio e da guarda pretoriana Cornlio Laco e que Vnio partilhava de todo o poder, enquanto quele (Geliano) nunca lhe foi dado estar perto de Galba nem encontrar-se com ele em particular, uma vez que todos suspeitavam dele e o vigiavam de perto ficou perturbado. 2. E, depois de reunir os comandantes do

    31 Segundo Tcito (Hist. 1.48.2), ela prpria teria entrado, movida por uma curiosidade torpe.

    32 Suetnio conta a mesma histria (Cl. 32) sem identificar o larpio, por o nome no ser relevante para a biografia de Cludio.

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    exrcito, disse-lhes que Galba era ele prprio um ancio avisado e moderado, mas que se atinha pouqussimo s suas decises e era mal orientado por Vnio e Laco. 3. Ora, antes que eles obtivessem secretamente o poder que Tigelino detinha sobre os assuntos do estado, era preciso enviar do campo emissrios ao imperador, para lhe explicarem que, bastava desfazer -se daqueles dois amigos e seria mais bem-vindo e desejado sua chegada. 4. Mas, uma vez que no convenceu com estas palavras, pois pareceu absurdo e despropositado ensinar a um velho imperador quais os amigos que devia ter ou no ter, como se se tratasse de um jovem que apenas comeava a degustar o poder, tomou outro caminho e escreveu a Galba, a alarm-lo, quer pelos muitos segredos e inseguranas que a cidade continha, quer pelo facto de Cldio Macro reter na Lbia o transporte do trigo, e ainda por as legies da Germnia se amotinarem e por chegar informao idntica sobre as foras da Sria e da Judeia33. 5. Mas, como Galba no fazia o menor caso disso nem acreditava nele, decidiu tomar a dianteira no ataque. Entretanto, Cldio Celso de Antioquia, homem sensato, que lhe era favorvel e leal, dissuadiu-o, dizendo no acreditar que alguma casa em Roma fosse nomear Ninfdio Csar. 6. Mas havia muitos que se riam de Galba, e Mitridates do Ponto34, troando da calvcie e das rugas dele, disse que parecia que, de momento, ele era algum para os Romanos, mas, quando o vissem,

    33 Estava em curso a revolta da Judeia de 66, que Vespasiano foi encarregado de debelar.

    34 Mitridates VII.

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    iria tornar-se manifesta a desgraa que eram todos dias em que ele fosse chamado imperador.

    14. 1. Ficou estabelecido que, por volta da meia noite, conduziriam Ninfdio ao acampamento para o proclamar imperador. 2. Mas, quando chegou a noite, o primeiro dos tribunos, Antnio Honorato, depois de reunir os soldados que tinha sob o seu comando, censurou -se a si prprio e censurou -os a eles por, em pouco tempo, levarem a cabo tamanhas reviravoltas, no segundo qualquer critrio racional ou para escolher os melhores, mas por causa de algum gnio que os conduzia de traio em traio. 3. Como motivao primeira havia as queixas contra Nero; mas agora iam abandonar Galba com que acusao de assassnio da me, ou de morte da esposa? Ou que tipo de teatro ou cantoria do imperador os envergonhava? 4. Ento no foi por estas razes que consentimos em abandonar Nero? E no o fizemos, convencidos por Ninfdio de que ele nos tinha abandonado primeiro e fugido para o Egipto? 5. Ento vamos agora sacrificar Galba, depois de Nero; e, para escolher o filho de Ninfdia como Csar, vamos matar o parente de Lvia35, tal como matmos o filho de Agripina? Ou vamos castigar este pelo que ele fez, de forma a nos mostrarmos vingadores de Nero e bons e fiis guardies de Galba?. 6. Quando o tribuno proferiu estas palavras, todos os soldados concordaram com ele; e, indo ao encontro dos outros, exortaram-nos a permanecerem fiis ao imperador e fizeram a maior parte

    35 Cf. 3.2.

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    deles mudar de atitude. 7. Como se elevou um clamor, ou porque fosse persuadido, como pensam alguns, de que os soldados o chamavam j, ou porque se apressasse a tomar desde logo as rdeas ao alvoroo e incerteza que persistia ainda, Ninfdio avanou, iluminado por muitas luzes, trazendo um discurso, redigido por Cingnio Varro, que tinha decorado para arengar aos soldados. 8. Mas, ao ver fechadas as portas do campo e muitos homens armados ao longo das muralhas, ficou receoso e, avanando, perguntou o que pretendiam e por ordem de quem se tinham armado. 9. Ecoou a resposta de todos a uma s voz, de que reconheciam Galba como imperador; e ele, juntando-se aos soldados, aplaudiu e mandou os que o seguiam fazerem o mesmo. 10. Quando os que estavam porta lhe facultaram a entrada, juntamente com uns poucos, foi imediatamente alvejado com uma lana: recebeu-a no escudo Septmio, que se interps. Mas como outros se precipitavam de espadas nuas, ps-se em fuga e, perseguido, acabou por ser morto no aposento de um soldado. 11. Quanto ao corpo, depois de o arrastarem para o meio do campo e de o rodearem de uma barreira, ofereceram-no, no dia seguinte, contemplao de quem queria ver.

    15. 1. Tendo deste modo sido derrubado Ninfdio, Galba, quando tal soube, mandou matar os cmplices dele que no tinham perecido na mesma ocasio; entre estes, Cingnio, que tinha escrito a arenga, e Mitridates do Ponto. No pareceu legal, se bem que fosse justo, nem humano eliminar homens no pouco ilustres antes

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    de serem julgados. 2. que todos tinham expectativas num outro gnero de governo, iludidos, como habitual, pelo que se dizia ao princpio. Afligiu-os ainda mais o facto de um homem, que tinha sido cnsul e fiel a Nero, ter recebido ordem para se matar: Petrnio Turpiliano36. 3. Pois, ao eliminar Macro na Lbia, por obra de Trebnio, e Fonteio na Germnia, por obra de Valente, tinha como motivo o facto de eles estarem armados e ao comando de campos militares. 4. Quanto a Turpiliano, velho sem armas nem proteco, nada o impedia de mudar de resoluo, se se tivesse a inteno guardar, de facto, a moderao apregoada nos escritos. 5. Tais so, pois, as censuras que lhe esto ligadas. E quando, no seu avano, se encontrava a cerca de vinte e cinco estdios da cidade37, deparou-se com uma horda barulhenta de marinheiros que ocupavam a estrada e refluam de todos os lados. 6. Tratava -se daqueles que Nero tinha feito soldados, incorporando -os numa legio; e o motivo da sua presena ali era confirmar o seu estatuto militar, pelo que no permitiam aos que vinham encontrar -se com o imperador serem vistos ou ouvidos por ele, mas armavam confuso aos gritos, a pedir insgnias e um quartel para a legio. 7. Como, por acaso, Galba adiou e os mandou voltar mais tarde, eles, tomando o diferimento por uma forma de negao, ficaram zangados e acompanharam-no sem poupar os gritos. Uma vez que alguns tambm desembainharam as

    36 Fora governador da Britnia e tinha participado na represso da conspirao dos Pises contra Nero. Vide Tcito, Hist. 1.6.1; Ann. 14.39; 15.72.

    37 Cerca de 4,5 km.

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    espadas, Galba mandou os cavaleiros carregarem sobre eles. 8. Nem um s de entre eles resistiu, mas foram mortos, uns logo de frente, outros enquanto fugiam38; pelo que no ofereciam nem bom nem auspicioso augrio a Galba, que entrava na cidade no meio de tanto sangue e de tantos cadveres. 9. Ora, se antes havia quem o desprezasse, ao v -lo como homem fraco e velho, tornou-se ento para todos terrvel e assustador.

    16. 1. No desejo de alardear uma grande mudana no que toca aos donativos desmesurados e s extravagncias de Nero, parecia que estava a passar das marcas da convenincia. 2. Tendo Cano tocado flauta para ele num jantar (Cano era um reputado executante), depois de aprovar com aplausos, ordenou que lhe trouxessem o cofre; e pegando em algumas moedas de ouro, deu -as a Cano, dizendo que o gratificava do seu prprio bolso, no dos cofres do estado39. 3. Depois de reclamar com veemncia os donativos que Nero tinha feito ao pessoal do teatro e da luta, excepo de uma

    38 Cf. Suetnio, Gal. 12.2. Don Cssio (64.3.1-2) diz que eram pretorianos de Nero, o que pouco provvel. Nero tinha formado a legio I Classicorum Adiutrix a partir de marinheiros. O estatuto de legionrios era claramente superior ao de marinheiros. Mas o texto de Tcito (Hist. 1.6.2) parece distinguir daquela legio os soldados massacrados por Galba, pelo que se poder deduzir que estaria em constituio uma II Adiutrix, cujo estatuto ainda no estaria totalmente regularizado em 68. Mas o episdio um tanto obscuro. Vide Murison 1992, 63.

    39 Suetnio apresenta recompensa apenas como sinal da avareza de Galba (Gal. 12.3) sem a inserir numa poltica de conteno contraposta prodigalidade de Nero. Tcito (Hist. 1.49.3) d uma imagem positiva da avareza de Galba.

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    dcima parte, como, ainda assim, reunia uma pequena e magra soma (pois a maior parte dos beneficirios tinham gasto tudo, sendo homens que levavam uma vida airada e despreocupada), tratou de descobrir os que tinham comprado ou deles tinham tomado o que quer que fosse e f-los pagar. 4. Como esta prtica no tinha limites, antes se amplificava largamente e se estendia a muitos, o prprio imperador ganhou m reputao40, mas a inveja e o dio eram para com Vnio, que tornava o imperador avaro e mesquinho para com todos os outros, enquanto ele prprio acumulava de modo execrvel, quer tomando quer vendendo tudo. 5. E j que Hesodo diz41

    enquanto se enceta e termina um jarro de vinho, deve-se beber saciedade,

    Vnio, ao ver Galba fraco e velho, tratava de se saciar da sorte, como se esta, uma vez comeada, esti