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PESOS E MEDIDAS EM PORTUGAL
UM FACTOR DE PROGRESSO E COESÃO NACIONAL
por António Cruz
Sumário • A origem dos pesos e medidas
• A conquista do território e os pesos e medidas
• O poder e as medidas
• A uniformização
• Os povos e as cortes
• A origem do marco
• Alguns aspetos interessantes do sistema nacional
• A imperiosidade das Ordenações Manuelinas
• O avanço tecnológico e a universalidade do marco português
A origem dos pesos e medidas
• As primeiras comunidades sedentarizadas (troca em espécie) – Quantidades iguais
– Equivalências
• Os nómadas também mediam (distância percorrida, etc.)
• As sociedades organizadas (medição com padrões) – Padrões naturais
– Padrões manufaturados
O regresso às origens (conceptualmente)
1ª fase: Contagem de fenómenos naturais
(dia solar, ciclo lunar, etc.)
2nafase: Padrões antropométricos (pé, côvado, polegada,
etc)
3a fase: Materialização
Clepsidra, côvado graduado, balanças e pesos, etc.
Apropriação
Autonomização
Desmaterialização
4a fase: Fenómenos naturais (efeitos quânticos)
Homo sapiens
Realmente sapiens !
A representação do côvado
1 côvado = 7 palmos 1 palmo = 4 dedos
Reprodução de gravura cedida pelo PTB
Peso em pedra (±10 kg), Persépolis, com
inscrição: Eu sou Darius o Rei, rei dos
países, filho de Vistaap, …
(séc. V A.C.)
Contagem do tempo
Clepsidra egípcia do séc. III A.C., original no Instituto do Oriente em Chicago
Relógio de sol egípcio
Reproduções cedidas pelo PTB
Medição da massa, pesos
Romanos
Bizantinos
Sumérios, com caracteres cuneiformes
Assírios
Persas
Reproduções cedidas pelo PTB
Côvados encontrados em Tebas, Egipto
Côvado chinês (séc. XVI A.C. (Cahiers de Métrologie, T 11-12)
Côvado egípcio, original no Louvre, reprodução cedida por A. Eltawill do NIS Reproduções
cedidas pelo PTB
Medição do comprimento, côvados
Côvado grego
Em Portugal, exemplos das ocupações anteriores à nacionalidade
Museu Municipal de Torres Vedras Casa de Sarmento, Guimarães
Ocupação Romana 1as ocupações
Pesos árabes antigos
Reprodução cedida pelo PTB
A conquista do território e os pesos e medidas
• A criação do Condado Portucalense
• A fundação do Reino de Portugal e o avanço progressivo na conquista para sul
A Conquista do território
FORAL DE GUIMARÃES DO CONDE D. HENRIQUE
Reprodução da Casa de Sarmento, Guimarães (original no ANTT)
FORAL DE GUIMARÃES DO CONDE D. HENRIQUE (texto)
• Os Condes Portucalenses, D. Henrique e D. Teresa, concedem foral, com muitas prerrogativas aos povoadores de Guimarães. (1096?) Em nome de Deus. A mim, Conde Dom Henrique, e a minha esposa, Infanta Dona Teresa, aprouve-nos por boa paz e por boa vontade, fazermos carta de bons foros a vós, homens que viestes povoar em Guimarães e àqueles que aí quiserem habitar para sempre. Primeiramente, pelas vossas casas, pagareis, por ano, XII dinheiros, desde uma festa de Santo André até outra festa de Santo André. Da venda de cavalo e de égua pagareis XII dinheiros. Da venda de asno VI dinheiros. De carga de cavalo ou de égua XII dinheiros. De carga de asno VI dinheiros. De carga de peão III dinheiros. De pele de coelho …
• 1128, Abril, 27 O Infante D. Afonso Henriques confirma aos moradores de Guimarães o foral concedido por seus pais
Carga de peão ≈ 4 teigas Carga de asno ≈ 2 cargas de peão Carga de cavalo ≈ 2 cargas de asno
Depois da fundação
Peso não identificado (Museu de Metrologia, IPQ)
Côvado e vara na Fortaleza de Sortelha
Teiga de Guimarães (≈ 20 L) (cópia no Museu de Metrologia do IPQ)
Exemplo em outra latitude
Medidas de capacidade para cereais, Grabfeld, Alemanha
Reproduções cedidas pelo PTB
O poder e as medidas
À medida que a conquista ia avançando para Sul e Leste o rei ia reconhecendo os padrões tradicionais locais como meio de cobrança de impostos…
Não havia uma preocupação de uniformização - - como forma de não hostilização dos usos e costumes locais?
- mais fácil assimilação dos povos para a sua fixação?
Nos forais definiam-se os padrões de pesos e medidas
O foral de Coimbra de 1111 já refere o quarteiro de 16 alqueires e as posturas de Coimbra, de 1145, já referem diversas outras unidades: arrátel, libra, quintal, alqueire e almude. O arrátel é referido como o padrão do "peso" na carta de foral concedida à cidade de Lisboa, em 1179, por D. Afonso Henriques (1128-1185). Extrato do original, Museu da Cidade de Lisboa
A uniformização
Com a estabilização do território conquistado e o incremento das trocas entre as diferentes comunidades estabeleciam-se termos de troca nem sempre pacíficos, devido às diferenças dos padrões de medida que, mesmo com as mesmas designações, tinham valores por vezes muito díspares. E os povos queixavam-se nas Cortes…
Lei da Almotaçaria (D. Afonso III, 26 dezembro 1253)
Extrato do original, ANTT
A Lei da Almotaçaria pode considerar-se o primeiro marco histórico estruturador e uniformizador do sistema nacional de pesos e medidas. Nela se menciona o marco (marcha), a onça (uncia), o quintal (quintale), a arroba (arroua) o arrátel (arratal), … Porém, os efeitos de uniformização foram diminutos…
Os povos e as cortes Existem inúmeros relatos nas Cortes de queixas em relação
aos pesos e medidas e aos abusos dos senhores, quer de nobres, quer de clérigos…
Nas Cortes de Lisboa (D. Afonso IV, 1352) Os próprios reis contribuíam para a confusão: D. Dinis, D.
Fernando, … As Cortes de Elvas (D. Pedro I, 1361) tomaram nova resolução
de uniformização, sem grandes resultados também… As Cortes de Coimbra (D. João I, 1391), reforçaram essa
determinação As Cortes de Lisboa (D. Afonso V, 1455), desistiam da
uniformização As Cortes de Elvas, (D. João II, 1481), a pedido dos povos foi
determinada a mesma capacidade para as medidas As Cortes de Évora (D. João II, 1490), novo recuo
Extrato do original das Cortes de Elvas, ANTT
Extrato do original da Provisão de D. João II, 1488, Arquivo do Cartório da C. M. Porto
A origem do marco no nosso sistema
Desde 1253, na Lei da almotaçaria de D Afonso III
Até 1488, na Provisão de D. João II
Foi adotado o marco de Colónia, que representava no comércio, na Europa o padrão de peso mais vulgarizado
Mas a verdadeira reforma dos pesos e medidas estava reservada para o rei Venturoso…
Alguns aspetos interessantes do sistema nacional
O conceito de erros máximos admissíveis (e.m.a. ):
• nas Ordenações Afonsinas (1446), que compilam determinações reais de épocas anteriores, refere-se que as medidas tinham os e.m.a. seguintes:
- almude de vinho até 1 quartilho ≈ 2%
- arroba até 1 quarta ≈ 1%
- côvado e vara até 1 dedo ≈ 5%
- pesos para prata até1/8 onça ≈ 0,5%
- pesos de nobre até 1 grão ≈ 0,2%
Alguns aspetos interessantes do sistema nacional (cont.)
A evolução das penalidades: • No foral de D. Henrique (séc. XII): as penas passavam pela condenação aos
infernos e pela excomunhão; • Nas Ordenações Afonsinas (séc. XV): pela falta de afilamento e não
concordância com o padrão, eram aplicados 200 reais de multa e cadeia, “podendo além disso ser aplicado ao seu possuidor o castigo corporal consoante os casos e as culpas que se encontrassem”;
• Nas Ordenações Manuelinas: sofisticava-se o tratamento disciplinar e estabelecia-se coima de 280 reais e prisão “segundo a falsidade ou malícia em que for achado”;
• Na Carta de Almeirim de 1575: os Oficiais da Câmaras que consentirem medidas velhas ” terão um ano de degredo em África e a multa de 10 cruzados”
• Em alvará régio de 1586: … mandar açoitar e empicotar as pessoas baixas que praticassem fraudes”, sem apelo nem agravo. Os açoites só eram aplicados às pessoas de baixa condição; aos demais era aplicado o degredo
Regulamento do oficial de justiça de Wolfenbutel/ Alemanha (penas aplicadas aos falsificadores de peso, séc. XV)
Reproduções cedidas pelo PTB
O tratado e o mapa de Tordesilhas
A imperiosidade das Ordenações Manuelinas
• Portugal e os reinos de Espanha tinham dividido a exploração do globo, abençoada pelo Papa
• Portugal explorava todas as zonas do globo com civilizações evoluídas
• Os termos de comércio inter-civilizações eram regulados pelo sistema português…
• Lisboa era a plataforma atlântica do mundo comercial
O avanço tecnológico e a universalidade do marco português
Um padrão estável, sinónimo da capacidade técnica portuguesa da época
• O marco português (229 g, menos 10 g que o de Colónia)
• 250 anos depois da sua definição, o marco português e o espanhol diferiam menos de 1 g, comprovado pelo Sr. Tillet da Real Academia de Paris, o que pode significar que o segundo era uma cópia do primeiro
• 500 anos depois o marco chegou ao séc. XXI com praticamente o mesmo valor inicial!
• foi o padrão mundialmente utilizado do peso!
Da universalidade…
• Já aqui referimos a divisão do globo e a escolha estratégica de D. João II pela metade oriental
• Mas vejamos em detalhe a sequência das descobertas que revela o plano estratégico a que obedeceu
1419, Madeira, J.G. Zarco
1427-1452, Azores islands, several
1472, Terra Nova, Corte Real
1445, Cabo Verde islands, D. Dias
1474, S. Tomé islands, J. Santarém
1487, Cape (S.A.), B. Dias
1492, Cuba (America), C. Colón
1498, India, V. Gama
1500, Brazil, A. Cabral
1506, Ceylon, L. Almeida
1511, Moluccas, F. Magalhães
1512, Timor, L. Brito
1514, China, J. Álvares 1542, Japan, F. Zeimoto
1519-1522, 1st Circumnavigation, F. Magalhães
1522, Australia and New Zeland, C. Mendonça
1524, California, R. Cabrilho
Mapa da edição Magellan’s Voyage, ed. Yale Univ. 1969, pg. 32-33
Coloquemos num mapa mundo a sequência das descobertas portuguesas e vejamos o resultado:
Este sucesso não foi obra do acaso:
• Havia uma abordagem científica à navegação, os objetivos alcançados e os mapas traçados eram objeto de secretismo real absoluto;
• Havia uma escola e uma indústria naval profissionais e manuais próprios;
• Os navios para navegar à vela eram dos mais avançados do mundo;
• Havia uma política clara de estabelecer comércio pacificamente com as outras civilizações e de fundar colónias nos novos territórios
A propósito de comércio pacífico…
Extrato do original, com gravura da Ilha de Timor, Biblioteca Ambrosiana, Vaticano
Tradução em língua inglesa da Crónica de Antonio Pigafetta, “Primo viaggio interno al globo terraqueo”, ed. 1534,
O malogrado Fernão de Magalhães viria a morrer num ataque traiçoeiro na ilha de Cebu, ao norte de Timor, quando tentava estabelecer comércio com os locais
Um pormenor metrológico da crónica:
A propósito do modo de vida do povo da ilha de Zzubu (Molucas):
“este povo vive em justiça, tendo pesos e medidas e amando a paz e têm homens de boas intenções. Têm balanças de madeira em que o travessão é suspenso a meio por uma corda. Numa extremidade tem um peso de chumbo e na outra marcas como quartos, terços e libras. Quando pretendem pesar, suspendem-nas e colocam pesos nas marcas como nas nossas e assim pesam com rigor”
“Têm grandes medidas que não tem fundo”
A nau portuguesa Bom Jesus, da frota da Índia de 1533, viajando para Leste, não conseguiu dobrar o Cabo da Boa Esperança devido a uma forte tempestade e no regresso encalhou e foi engolido nas areias da costa da hoje Namíbia…
Finalmente, o comprovativo de um
testemunho recente…
Fotografia de Paulo Monteiro, Memória das Armadas, Academia das Ciências
Em recentes escavações (2008/2009) foi localizado e foi encontrada uma
cópia do marco…
Foto: http://ngm.nationalgeographic.com/2009/10/shipwreck/toensing-photography
O arqueólogo Dr. Noli no local das escavações na Namíbia com a cópia do
marco português
Agradecimentos
Ao PTB: slides de outras civilizações
Ao António Neves: recolha de imagens IPQ
Ao Comte Malhão Pereira e ao Dr. Noli: cedência de imagens das escavações da Namíbia
A todos vós, grato pela atenção
António Cruz