pensamento biocentrico

Upload: tlmc8

Post on 09-Jul-2015

2.294 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

O PENSAMENTO

PEDAGGICO BIOCNTRICO

AGOSTINHOMARIO DALLA VECCHIA

O PENSAMENTO

PEDAGGICO BIOCNTRICO

Editora e Grfica Universitria PELOTAS-2009

Obra publicada pela Universidade Federal de PelotasReitor: Prof. Dr. Antonio Cesar G. Borges Vice-Reitor: Prof. Dr. Manoel Luiz Brenner de Moraes Pr-Reitor de Extenso e Cultura: Prof. Dr. Luiz Ernani Gonalves vila Pr-Reitor de Graduao: Prof. Dra. Eliana Pvoas Brito Pr-Reitor de Pesquisa e Ps-Graduao: Prof Dr. Manoel de Souza Maia Pr-Reitor Administrativo: Eng. Francisco Carlos Gomes Luzzardi Pr-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Prof. lio Paulo Zonta Pr-Reitor de Recursos Humanos: Admin. Roberta Trierweiler Pr-Reitor de Infra-Estrutura: Mario Renato Cardoso Amaral Pr-Reitoria de Assistncia Estudantil: Assistente Social Carmen de Ftima de Mattos do Nascimento

CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Antonio Jorge Amaral Bezerra Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Prof. Dr. Isabel Porto Nogueira Prof Dr. Jos Justino Faleiros Prof: Lgia Antunes Leivas Prof Dr Neusa Mariza Leite Rodrigues Felix Prof. Dr. Renato Luiz Mello Varoto Prof. Ms. Valter Eliogabalos Azambuja Prof. Dr. Volmar Geraldo Nunes Prof. Dr.Wilson Marcelino Miranda Diretor da Editora e Grfica Universitria: Prof. Dr. Volmar Geraldo da Silva Nunes Gerencia Operacional: Daniela da Silva Pieper Chefe da Seo Grfica: Carlos Gilberto Costa da Silva Layout e Editorao Eletrnica: Jos Hermnio Barbach [email protected] Capa: Gilnei da Paz Tavares

S237p Dalla Vecchia, Agostinho O pensamento pedaggico biocntrico / Agostinho Mario Dalla Vecchia. Pelotas : Ed. Universitria PREC/ UFPEL, 2009. 78p. : il. ISBN : 978-85-7192-506-9 1. 2. Literatura Brasileira(arte) 3. 4. I. Ttulo. CDD 869.Dados de catalogao na fonte: (Marlene Cravo Castillo CRB-10/744) Impresso no Brasil ISBN: 978-85-7192-506-9 Edio: 2009 Tiragem: 500 exemplaresEditora e Grfica Universitria Rua Lobo da Costa, 447 Pelotas-CEP 96 010-150 Fone/fax (53) 3227 8411 e-mail: [email protected]

No aceitemos, passivamente, o que est escrito nos livros, mas saibamos avaliar o que est escrito, porque os livros tambm aceitam o que lhes opem os homens. Verifiquemos... Onde est o escrito?

SUMRIO1. PREFCIO ................................................................ I. ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO PEDAGGICO BIOCENTRICO ........................... FORMA: CAUSA FORMAL .................................. O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO ................ A NOS SENTIDOS .............................................. B NOS INSTINTOS ............................................. FATORES ESTRUTURAIS DA AFETIVIDADE . NAS EMOES ...................................................... C NOS SENTIMENTOS ...................................... NA RAZO: COMO INTELIGNCIA AFETIVA II. ESTRUTURA DINMICA DO PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO ........................... DINMICA: A CAUSA EFICIENTE .................... PRINCPIO BIOCNTRICO ............................... III. ESTRUTURAS EXPRESSIVAS OU MATERIAIS DO PENSAMENTO BIOCENTRICO .................... CAUSA MATERIAL .............................................. 11 13 14 14 15 16 19 24 25 28 37 37 45 47 49

IV. SIGNIFICADO DO CONHECIMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO: O BEM, ENQUANTO DESEJVEL, EXPLICA A CAUSALIDADE FINAL ........................................ 2. PRESSUPOSTOS PARA UMA ABORDAGEM DO SIGNIFICADO DO PENSAMENTO .......... 3. PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO Antecedentes histricos ....................................... Viso teocntrica .................................................. Viso antropocntrica .......................................... Viso biocntrica ................................................. 4. PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO: seu significado ......................... CONSIDERAES FINAIS ............................... BIBLIOGRAFIA .................................................

79 81 89 89 90 96 101 103 113 117

PREFCIO E/OU APRESENTAO

I. ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO PEDAGGICO BIOCENTRICOUm dos objetivos desta pesquisa e de uma das linhas de pesquisa do grupo A Teia da vida (CNPq) a investigao e ampliao do pensamento biocntrico tendo presente os pressupostos tericos estabelecidos por Rolando Toro a partir do Princpio Biocntrico, paradigma estabelecido e configurado a partir da sua percepo intuio e vivncia profunda de conexo com a vida. Para mim este um trabalho de ousadia. A inteno cooperar como sempre fiz com o desenvolvimento e operacionalizao deste modo de entender a realidade. Que seja para discusso de mais pessoas que sentem a paixo por esta viso de mundo e que acreditam nas suas reais possibilidades. Importante ressaltar aos leitores que vou estudar a teoria do conhecimento da viso e da educao biocntricas abraando o processo que envolve a caracterizao, anlise e interpretao do conhecimento pedaggico biocntrico. Busco apoio na abordagem do conhecimento biocntrico j existente ou implcito nos textos produzidos, nas experincias pedaggicas vivenciadas, partilhadas e refletidas por educadores biocntricos. Nossa trajetria de anlise passa pelas clssicas

12

Agostinho Mario Dalla Vecchia

causas do conhecimento estabelecidas por Aristteles1 e que permitem uma abordagem metdica, quem sabe, mais adequada e completa do assunto. Neste artigo abordarei as duas primeiras partes: a que se refere ao padro de organizao do conhecimento em ns (causa formal) e o processo dinmico do conhecimento (causa eficiente). Em artigo posterior trataremos das duas dimenses seguintes: as estruturas materiais resultantes desta construo (causa material) e do sentido deste conhecimento (causa final). Na edio anterior foi publicado o primeiro dos meus artigos sobre a epistemologia biocntrica com o ttulo: A Complexidade e o Pensamento Biocntrico.

FORMA: CAUSA FORMAL O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDOComeamos pelo padro de organizao, que se reflete na configurao das relaes e dos conhecimentos entre os outros componentes do sistema (processo, estrutura e significado) como uma rede auto-organizadora. O padro de organizao, segundo Capra (2002), determina o processo das relaes que se estruturam dentro de um organismo, de uma organizao a partir de um sentido identificado como razo de1

Aristteles afirma que o conhecimento e cincia consiste em ter em conta as causas. Perguntar a causa significa perguntar o porqu da coisa. H vrias espcies de causas. Primeiro, causa aquilo de que uma coisa feita, ex. o bronze causa da esttua; segundo, a causa a forma, modelo, essncia necessria ou substncia de uma coisa, ex. a causa do homem sua natureza racional; terceiro, causa o que d incio ao movimento ou repouso, ex. o autor de uma deciso a causa dela; o quarto sentido o fim, ex. a sade a causa porque se passeia. Causa material, causa formal, causa eficiente e causa final so todas as causas possveis segundo Aristteles. (Nicola Abbagnano, Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Editora Mestre Jou, 1960) Situamos o pensamento de Aristteles na concepo cosmocntrica do pensamento grego. Ao refletir sobre as organizaes Capra (2002) percebe uma semelhana entre a abordagem de Aristteles e sua prpria abordagem. Porm, podemos afirmar que Capra situa-se numa abordagem biocntrica das organizaes. este caminho que pretendo seguir utilizando o mesmo esquema na abordagem das estruturas do pensamento pedaggico biocntrico.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

13

sua existncia. semelhana da organizao, elementos imateriais e orgnicos determinam nosso comportamento afetivo, assim como biologicamente o potencial gentico determina a estrutura orgnica da pessoa, a pigmentao da pele, a cor dos olhos, a fisionomia, etc. Por analogia, semelhana da organizao, elementos imateriais e orgnicos determinam nossos processos de conhecimento. Ento, ns temos pr-condies para a vivncia da afetividade, para formao de estruturas de relaes grupais concretas com conscincia da finalidade especfica dessas vivncias. O conhecimento encontra suas pr-condies na mesma origem e tem como fundamento e motivao na afetividade. O conhecimento da Afetividade , acima de tudo, vivencial e deve teoricamente ser elaborado. Para isso, o Modelo Terico de Capra um indicativo para um caminho de investigao que se far caminhando. Em primeiro lugar, o padro de organizao ou de configurao das redes de conhecimento de uma pessoa, de um grupo, de uma organizao e da espcie hipoteticamente tem seu componente original no cdigo gentico. O registro do passado da trajetria do universo como um organismo vivo, a configurao dos conhecimentos que se estabelecem no desencadeamento dos conhecimentos, tem uma estrutura organizada no DNA, com a disposio originria vivncia na medida em que os fatores internos e externos acionam os instintos humanos, despertam a percepo deflagrando a emoo, a formao dos sentimentos, a constituio do saber integrado em nossa inteligncia afetiva, em nossa racionalidade cuja fonte originria o afeto. Por analogia podemos indicar a existncia de uma estrutura cognitiva, de natureza imaterial, com uma base corporal e orgnica (CAPRA, 2002), e que se concretiza em nosso potencial de afeto articulado a partir de nossas

14

Agostinho Mario Dalla Vecchia

informaes genticas, sustentadas em bases qumicas, dos nossos sentidos e da sua conseqente percepo sensvel, da emoo, dos sentimentos e do conhecimento elaborado por nossa inteligncia afetiva. Por natureza da prpria vida, essa estrutura auto-renovvel, auto-poitica (MATURANA E VARELA: 1987) assim como uma clula viva. Isso significa segundo F. Capra, que a vida existe onde existe uma estrutura material a ela integrada e que lhe d carter de realidade viva (CAPRA, 2002). Assim, o conhecimento tem uma base material, corporal, orgnica e racional que permite sua dinmica e sua expresso carregada de significado. Causa formal sinnimo de forma, parte intrnseca do composto que forma o padro de organizao. determinante e especificadora do que resulta quando colocada em ao. um potencial que acionado vai dar resultados de acordo com a sua natureza. Ex. uma semente de carvalho a causa formal da rvore carvalho que surge quando operado o processo de germinao, nascimento, crescimento, florescimento, frutificao. O potencial de conhecimento inerente nossa estrutura corporal dos sentidos, instintos, emoo, sentimentos e inteligncia, quando colocados em ao, vo resultar no conhecimento da complexidade. A dimenso principal da forma estrutural e originria ou padro de organizao do conhecimento a afetividade. Grande parte da estrutura da afetividade situa-se em nosso corpo. Originariamente o potencial afetivo, a capacidade de dar e receber amor, a capacidade de rejeitar, odiar, rechaar est registrada em ns. O contato com a realidade desencadeia em nosso organismo a srie complexa de sensaes, emoes e sentimentos oriundos dessa fonte. Esse potencial pode ser expresso e desenvolvido atravs de processos educativos indutores.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

15

O contato com a realidade de distintas dimenses afeta originariamente esta capacidade de querer, de gostar, de amar ou de sentir o contrrio. atravs das janelas dos sentidos que entramos em contato com a realidade e expressamos nossas sensaes, emoes e sentimentos afetivos e temos os elementos para a construo sistemtica do conhecimento. Vamos destacar cada uma dessas dimenses com o sentido que se trata de um ensaio e que, portanto serve para a discusso e manter um processo de construo de conhecimento aberto. A. NOS SENTIDOS: A afetividade estrutura-se em nossos sentidos, nessas janelas de conexo do homem com o mundo. Uma dessas estruturas so os olhos. Olhos: pela viso e pelas formas de olhar o outro, o aluno, a realidade. A complexidade da estrutura dos sentidos o palco do processo extremamente dinmico de nossa interao afetiva com o mundo, com o outro e conosco mesmo. Atravs dos nossos olhos expressamos aprovao ou reprovao, nossa atrao ou rejeio a algum. Atravs do nosso olhar e de suas diversas formas ns qualificamos, aprovamos, reconhecemos, limitamos ou acolhemos algum em nossa vida. Este fenmeno percebido vivencialmente por nossos educandos. Ouvidos pela audio podemos escutar, ouvir, acolher o outro, o aluno. Atravs dos ouvidos ns ouvimos o outro, ouvimos os sons, os ritmos, as harmonias e o barulho do mundo. Pela audio ns acolhemos a voz do outro, o canto do outro, seu grito emocionado, sua palavra de splica e de reconhecimento. Quando escutamos podemos amar ou rejeitar o que estamos ouvindo. o nosso afeto acionado.

16

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Pele: pelo tato temos o toque, a carcia, o abrao que permitem sentir a textura da pele do outro, do corpo dos objetos no ambiente. o toque o ato que nos pem em contato sensvel com o outro. Isto nos d acesso a algo invisvel, ao ser do outro. A carcia um ato profundamente afetivo quando feita com amor. Pode ser uma forma de ferir quando agimos com aspereza e toxidez. Tocar a pele do outro pode ser surpreendente e levar-nos ao ncleo da identidade humana. Aparelho do olfato: pelo olfato sentimos o aroma, cheiramos o outro. Quem no lembra o cheiro da pessoa amada ou detestada. Guardamos pela vida afora o cheiro das pessoas marcantes em nossa existncia. O aroma de uma fruta, o perfume de uma flor, o cheiro da floresta, nos atraem. Rejeitamos os cheiros da deteriorao de objetos orgnicos e o cheiro de pessoas que irradiam a falta de cuidado consigo mesmas. o afeto que est ligado a essas formas de percepo dos nossos sentidos. Boca: pelo paladar acessamos ao sabor das coisas, do outro. O afeto nutritivo do nosso ser e muitas pessoas ficam somente neste momento inicial do afeto e tornam-se obesas por comer demais, atribuindo aos alimentos o que no encontram de nutritivo nas outras pessoas. No nvel do amor diferenciado pelo parceiro a relao afetiva e o vnculo so expressos de uma forma muito forte porque nos comemos. Nos nutrimos do outro na sua totalidade e nutrimos ao outro num banquete de fuso e de orgasmo na entrega. B. NOS INSTINTOS: Os instintos so outras dimenses pelas quais se articula nossa afetividade.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

17

Gregrio: instinto de proteger-se, nutrir-se e unir-se a um grupo diante da ameaa; diante dos desafios; diante da necessidade de preservar a vida. Somos seres relacionais e temos necessidade de estar juntos. Em determinados momentos precisamos estar ss. a pulsao da vida e que existe em tantas dimenses do nosso ser. Em momentos de tragdias ou de grandes ameaas as pessoas tendem a juntar-se de forma solidria e proteger-se. Nos primrdios da humanidade em tempos de glaciao os homens se protegiam em conjunto nas cavernas. Assim sobreviveram. Exploratrio: impulso para inovar, investigar, descobrir e expressar a realidade. Nos primeiros anos de vida, quando a criana comea a crescer o instinto exploratrio est fortemente ativado na sua forma mais natural. Depois ele reprimido, negado em funo da disciplina, do bom comportamento, da comodidade dos pais. Os professores no suportam a agitao investigativa dos seus alunos e acabam desmotivando profundamente seus educandos. H um impulso forte de chegarmos ao conhecimento da realidade e de expressar o que isso provoca em nossa razo, em nossa sensibilidade, em nossa emoo. Um aluno deve apaixonar-se novamente pela pesquisa, pela investigao, saciar o interesse que brota de sua permanente experincia da vida, dos fatos, das situaes, dos seus contatos amplos e profundos. A cincia, a filosofia, a arte em todas suas formas so incrementadas por esse impulso de busca do conhecimento total e definitivo que jamais conseguiremos porque a realidade vai se revelando aos poucos e a vida um processo criativo permanente do novo, do surpreendente, do absolutamente novo. Sexual: o instinto relacionado reproduo e prolongao da vida. A sexualidade est intimamente ligada afetividade. Podemos encontrar situaes em que elas esto dissociadas na pessoa. Na eminncia de uma tempestade ou de

18

Agostinho Mario Dalla Vecchia

grandes catstrofes da natureza, h muitos insetos e animais que acionam seu instinto de reproduo como forma de preservao e reproduo da espcie. Enxames de formigas revoam agitadamente numa dana de reproduo nestas situaes. Quando um casal se ama profundamente, este amor torna-se fecundo. A necessidade de expresso desse amor orienta-se para a reproduo da vida. Surge como uma necessidade natural. Sobrevivncia biolgica: est implicada em movimentar-se e repousar. A sobrevivncia biolgica do nosso ser depende da nossa vida em ao, do movimento corporal, da nossa ao e repouso. Uma pessoa que vive de forma sedentria, com o tempo, acumula uma srie de deficincias orgnicas que afetam, cedo ou tarde, sua sade. Caminhar uma necessidade, assim como o repouso. Se a vida no acionada sua energia no tem expresso e perdemos a vitalidade. O nosso movimento tambm se refere aos nossos afetos que precisam expresso para realizar-se. Relacionar-se sexualmente envolve uma dana csmica em ritmo de amor e em harmonia com o universo. O movimento uma ao ontolgica de crescimento do nosso ser, de amadurecimento. Fuso e dissoluo, Integrao, ultrapassagem. Assim, a gnese biolgica da afetividade relaciona-se com o instinto de solidariedade intra-espcie, impulsos gregrios, tendncias altrusticas e rituais de vnculo. Exemplos do fato so mostrados em cardumes, bandos e manadas (TORO,1999:8). Mais elementarmente a Biologia Celular revela que h verdadeiras comunidades de clulas nos rgos de um organismo vivo, que integram aes bioqumicas de cooperao celular. Em casos de necessidade, chegam a alterar o comportamento bioqumico. Um choque afetivo, uma

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

19

perda afetiva profunda pode causar dissociaes orgnicas e resultar num processo celular cancergeno. No homem, os impulsos instintivos culminam em sentimentos altrustas e constituem a gnese do amor. A proximidade de uma pessoa pode provocar uma misteriosa qumica em ns. Dependendo, se a pessoa provoca atrao, ela provocar uma reao qumica saudvel em nossas clulas, mobilizando nossa mente, o sistema lmbico hipotalmico, o sistema endcrino e a produo de hormnios. Enfim, uma renovao orgnica e do nosso nimo. Se provocar repulso a sensao ser de mal-estar. A presena do educador importante na vida do educando, especialmente pela forma como se relaciona e da forma como e vive. Fatores estruturais da afetividade a - A Identidade. A afetividade est profundamente enraizada na Identidade compreendida no Princpio Biocntrico e que se constitui no desenvolvimento de cinco linhas de vivncia, cujo processo de integrao articulado pela afetividade. A Identidade, segundo essa concepo, tem dois movimentos: um ascendente e evolutivo, que inicia nas protovivncias do beb e que avana ininterruptamente ao longo de toda a vida, numa perspectiva infinita de crescimento; o outro pulsante e que ocorre no movimento de transe entre a conscincia aumentada e integrada com o todo e a regresso, na qual a pessoa se integra profundamente a si mesma. As linhas de vivncia que compem e dinamizam a Identidade humana so os potencias de contato e de vnculo na linha da afetividade; os potenciais de desejar e de sentir prazer, na linha da sexualidade; a

20

Agostinho Mario Dalla Vecchia

capacidade de fuso com o cosmo na linha da transcendncia; a capacidade de vida e de sade na linha da vitalidade e a capacidade de partilhar da criao do cosmos, de fazer surgir o novo na linha da criatividade, to importante tambm no processo educativo (TORO, 2002: 99-115). B - Nvel de Conscincia. o segundo fator estrutural da Identidade humana. A percepo do essencial e o nvel de expanso da conscincia vinculam o indivduo ao universo e aos outros seres humanos. A expanso da conscincia permite ao indivduo vincular-se a tudo o que est vivo. Suas tendncias so de exaltao e de devoo pelo milagroso fato de existir, amor infinito, compreenso e compaixo. As pessoas, cujo nvel da conscincia baixo, no tm viso e percepo da totalidade e vivem girando em torno de conflitos miserveis(TORO, sd:9). C - Nvel de comunicao. o terceiro fator estrutural da Identidade. H um nvel de comunicao semntica que visa transmitir informaes e que se mescla a frases habituais de gentileza. H, porm, um nvel de comunicao mais sutil, acompanhado de um tom de sinceridade, uma linguagem de compreenso ntima, de tcito acordo e que fala mais alma que ao intelecto. Nesse nvel de comunicao as pessoas se sentem vivas. A comunicao atravs da linguagem tem, geralmente, um sentido preciso, mas adquire significados novos segundo o tom da voz e o componente afetivo. H algo diferente em certas formas de comunicao que adquirem intensidade, calor, sensaes sutis, na

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

21

manifestao-ocultao de significados. H sinais mais complexos que falam uma nova linguagem de intimidade, de compreenso, uma espcie de acordo silencioso (TORO, sd:9-10). Na comunicao, segundo Jaspers flui a cumplicidade absoluta de viver o instante juntos (JASPERS apud TORO, sd:10). Sem a comunicao de convivncia no possvel viver. Exerccios vivenciais (de Biodanza) podem permitir a comunicao neste nvel sutil e romper a frieza de nossas relaes. A a vida flui. H certas tendncias culturais de manter a distncia (TORO, sd:10). O individualismo tpico do pensamento anglosaxo (indo-europeu) cria a respeitosa distncia entre as pessoas. Quantas vezes o professor age por esta concepo. Na realidade, no quer se comprometer. Alm de o educador ser atento natureza da prpria linguagem, a do educando, na comunicao ele precisa ser perceptivo para no reproduzir o individualismo tpico da nossa cultura (TORO, sd:10-11). d - Ecofatores e antecedentes biogrficos so o quarto fator determinante da afetividade. A possibilidade de que existam componentes genticos na afetividade est em discusso e em comprovao. Pelos estudos de Adrin, Paul Weis, Kennetth Roeder e Erich von Holts, a afetividade das pessoas pode estar determinada, em parte, pelas funes neuro-endcrinas (TORO, sd:11). As experincias infantis constituem determinantes das tendncias afetivas adultas de amor e de dio. Esses pressupostos so importantes para se atuar em aula. Conhecer a famlia e a histria de cada aluno seria o ideal. O contexto

22

Agostinho Mario Dalla Vecchia

social pode desencadear respostas agressivas nas massas humanas, diante da atuao de governos totalitrios. A afetividade pode ser determinada por fatores genticos fisiolgicos, culturais e ambientais. Somente um estado de expanso da conscincia pode regular as relaes humanas e transcender a malignidade que adquirem formas monstruosas no inconsciente coletivo (TORO, sd:11). importante o educador perceber que, o que define a Identidade so os ecofatores e os potenciais. Os ecofatores interferem sobre os potenciais, acionando suas possibilidades. No homem, o principal ecofator humano, a presena ativa do outro. A forma como eu vivo coincide com a dos outros. No somos indivduos. Isso iluso. O sentimento de estar sozinho no mundo de uma escassez muito grande. Se a clula desenvolve-se sozinha, fora do contexto, torna-se um cncer que mata todo o sistema na iluso de ser mais ela. O sistema de vida hoje sugere a viver cada vez mais sozinho, cada vez mais enclausurado. A mdia e o mercado reforam o viver sozinho. Enaltece-se o viver sozinho, um quarto incrementado com tudo que sugere o consumismo. Confunde-se a liberdade com o estar s. Para o pensamento burgus, ser livre ser proprietrio individual e exclusivo. O padro muito comercial. Temos que cuidar para no cair em padres, para no desaprender os vnculos, o viver com os outros, desaprender a afetividade. Isso d inabilidade de lidar com o outro, de educar. Para isso necessrio viver. A Biodanza resgata os ritos tribais de vnculo (MYRTHES GONZALES, palestra na Escola Biocntrica de Pelotas. Agosto de 2001). A linha da afetividade central na formao da Identidade. Em relao com a criatividade, a sexualidade, a transcendncia, a vitalidade, a afetividade tem uma

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

23

organicidade de teia. Lembramos a teoria da Matriz S, cuja abordagem filosfica nomeada bootstrap, segundo a qual o universo compreendido como uma teia de eventos interrelacionados, mas com a afetividade na posio central. Ela o eixo. Da mesma forma, a afetividade a categoria bsica para compreender as relaes econmicas, polticas, sociais e culturais que veremos em momento posterior. A afetividade complexa. Tendo durao no tempo torna-se um sentimento, participando tambm da conscincia e da representao simblica. A simbologia traduzida em todas as formas de mitos os quais tm uma linguagem da vida. A afetividade, dissemos, tem uma base instintiva. O instinto ativado provoca a sensao. A sensao desperta a emoo. Existem emoes que temos necessidade de elaborar. A passamos a simboliz-las. Nessa medida as sedimentamos. Quando as lembramos alguns dias depois, porque j se tornaram sedimentadas, se tornaram sentimento. A afetividade sentimento que brota do instinto, passa pela sensao, vivida como emoo; elaborada na conscincia se torna sentimento. Sentimentos so emoes com durao no tempo: amor, dio, cime, solidariedade... A emoo que lembramos depois de uns dias virou sentimento. No sentimento de abundncia afetiva, podemos esparramar esse amor. No sentimento de escassez, assumimos uma postura similar estereotipada pelo mercado que apregoa a reteno e a frugalidade para construir o lucro. A estrutura do ego tem a ver com a Identidade. O ncleo da Identidade formado pela interao entre os elementos genticos mais as influncias do ambiente. A estrutura do ego seria uma tnue na Identidade. s vezes ele se apresenta forte para no entrar em contato com a Identidade. s vezes fraco possibilitando a expresso da Identidade.

24

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Outro elemento afetivo ao qual o educador deve estar atento que a afetividade pode estar ligada sensibilidade ou no. H pessoas que so afetivas, mas que no conseguem expressar sua afetividade. Hitler era uma pessoa extremamente sensvel. A base do nazismo a esttica assentada na sensibilidade, na inteligncia e na falta completa do amor. O nazismo uma manifestao profunda das patologias da afetividade. Foi capaz das maiores brutalidades contra as diversidades dos cigamos, dos homossexuais, dos comunistas, dos semitas quais dirigiu sua investida. Um aspecto da educao exercitar para a sensibilidade, para a expresso das emoes e dos sentimentos, de forma integrada e saudvel. NAS EMOES O afeto surge da forte sensao mobilizadora de atrao ou repulsa. Amor, raiva, medo constituem exemplos de emoo. Segundo Maturana (1997) a emoo propriamente o elemento constitutivo ontolgico do ser. Surge da relao emocionada de vnculo com o outro, isto , o amor. Para Humberto Maturana, o homem surgiu no momento em que os primatas passam a utilizar da linguagem, originria em certa intimidade do viver cotidiano, na qual eles compartilhavam alimentos, sensualidade, criao dos filhos, cuidado com as crias. A linguagem permitia a coordenao dessas aes. Afirma o bilogo: ... mas o fundamento bsico do emocionar-se do mamfero e do primata que torna essa convivncia possvel. A emoo que torna possvel essa convivncia o amor, o domnio de aes que constituem o outro como legtimo outro, na convivncia, segundo o que eu digo (MATURANA: 1997: A ontologia do ser:46).

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

25

A emoo corporal e perpassa todo nosso organismo causando rubor, calor, ansiedade, mobilizao das vsceras, acelerao da pulsao, alterao na respirao, fluxos sanguneos diferenciados, etc. C - NOS SENTIMENTOS: Este amor se concretiza nos sentimentos de amor, de empatia, de repulsa, de amizade; de fraternidade; maternidade; paternidade; amor diferenciado; amor indiferenciado; solidariedade; cumplicidade; compaixo. Maturana entende que nossa evoluo se processa na intimidade da convivncia perpassada da emoo do amor como constitutivo da linhagem humana. Em sua obra Ontologia e realidade (1997: 110-122), o autor afirma: Nessa histria evolutiva, isso de estar na linguagem, nessa intimidade da convivncia, entrelaado com o emocionar-se que tem o amor como emoo fundamental, tudo isso se torna parte do viver que se conserva e que constitui a linhagem qual pertencemos (MATURANA: 1997: 46). Fica mais explicito o elemento constitutivo do amor na nossa corporeidade, nas dimenses neurofisiolgicas e anatmicas que ocorreram em milhes de anos. Isso se tornou um modo de viver humano ao mesmo tempo em que o homem se constituiu. Essa uma histria de vrios milhes de anos. E tem que ser assim porque as transformaes fisiolgicas, neurofisiolgicas e anatmicas que ocorreram no sistema nervoso, no organismo, no podem ter ocorrido em 10, 20 ou 50 mil anos. Isso requer muito mais tempo. Mas ao mesmo tempo em que ocorreu essa transformao no modo de viver

26

Agostinho Mario Dalla Vecchia

que era conservado, o humano se constitui (MATURANA: 1997: 46-47). A linguagem, permeada da emoo do amor, tornouse um modo de viver, um modo de ser, passou a ser a ontogenia do ser humano. A tal ponto isso se configura, que ns temos uma fisiologia dependente do amor. O linguajar e o emocionar juntos, ou seja, o conversar passam a constituir o modo de viver. As caractersticas desse modo de viver nos processos de desenvolvimento se tornaram, ento, parte do modo mesmo de ser, da ontogenia humana. Ento, ns somos animais dependentes de um viver no qual essas condies se dem tanto do ponto de vista das relaes como do ponto de vista da fisiologia. Ns temos uma fisiologia dependente do amor. E isso se nota em como se altera a fisiologia quando se interfere com o amor (MATURANA: 1997: 47). Enfim, o amor passa a ser a possibilidade da recuperao do processo ontolgico do homem quando ele adoece. Nota-se que as patologias que surgem nas interferncias com o amor, que so as neuroses, as alteraes psicomotoras, os distrbios da convivncia, corrigem-se com o restabelecimento do amor como um domnio de aes que constituem o outro como legtimo outro na convivncia (MATURANA: 1997: 47). Isto to importante no desenvolvimento corporal, emocional e social da criana que Maturana afirma o seguinte: Isto particularmente central na epignese, a histria de desenvolvimento da criana. Quando essas coisas se alteram a criana no cresce no amor, sua fisiologia se distorce, surgem problemas de desenvolvimento, problemas de relao,

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

27

problemas fisiolgicos, psicolgicos. Quando isso ocorre altera-se tambm seu ser social, se no cresce no amor, alterase sua fisiologia e, com isso, sua configurao de mundo. Porque o mundo em que a criana vive uma expanso de seu ser corporal e, portanto, de como ela vive sua corporalidade. A corporalidade pode ser vivida no respeito por si mesmo e no respeito pelo outro, que se d na confiana, uma confiana sincera, no hipcrita. Ento no cresce no amor, no cresce como um ser social (MATURANA: 1997: 47). Em relao questo do relacionamento Feliciano Flores (2006), lembra: Cabe aqui citar a expresso de Humberto Maturana (1997), em seu livro Emociones y Lenguaje en Educacin y Politica: A competio no e nem pode ser sadia porque se constitui na negao do outro WWW.pensamentobiocentrico.com.br, 5. Ed. A forma de ser e de viver competitivos tem como reflexo a negao do outro, da humanidade enquanto possibilidade de fraternidade, de solidariedade. E a negao do outro a negao da prpria humanidade, enquanto espcie, enquanto comunidade, enquanto irmandade. O trabalho cooperativo raramente considerado: o meu colega-adversrio ser um outro competidor no Vestibular e na exigente arena do citado mercado de trabalho (MATURANA: 1997: 48). E a escola nega a possibilidade natural de integrao, cooperao, interao saudvel e construtiva dos educandos e da comunidade escolar. Os movimentos instintivos de associao, cooperao, diviso de tarefas e integrao, tpicos dos organismos e comunidades vivos, so absolutamente negados na escola como

28

Agostinho Mario Dalla Vecchia

reflexo do que ocorre na sociedade. Neste particular, temos que admitir que a escola no poderia ser outra na sociedade em que vivemos (MATURANA: 1997: 49). NA RAZO: COMO INTELIGNCIA AFETIVA Numerosos estudos experimentais tm estabelecido relaes profundas entre o "mundo emocional" e a inteligncia. As emoes so inseparveis do pensamento. Isto verdadeiro no sentido de que as emoes podem inibir ou estimular a tomada de decises em um momento dado. Em realidade, a inteligncia faz parte de todas nossas funes e de nossa histria existencial. Pensamos no somente com o crebro mas com todo nosso corpo. Rolando Toro (Apostila, sd) considera que podemos considerar o instinto como uma inteligncia csmica, uma capacidade inata para responder a estmulos especficos que facilitam a adaptao e a conservao da vida. A vivncia uma experincia vivida com grande intensidade por um indivduo em um tempo "aqui - agora" (gnese atual), abarcando as funes neurovegetativas e sinestsicas. As vivncias constituem uma porta atravs da qual penetramos no puro espao do ser, onde o tempo desaparece e somos aqui e agora. A vivncia ao densa de emoo, movimento com emoo; o agir conectado com a vida. A vivncia tem, portanto, uma dimenso ontolgica que nos comunica com a profundidade de nosso ser; possui, alm disto, uma influncia reguladora quando contm uma qualidade afetiva. Estas duas instncias, instinto e vivncia, se encontram profundamente ligadas e formam parte de nossa raiz biolgica de vnculo com a vida.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

29

Os sentimentos so modos de sentir, sistemas de tendncias, predisposio a sentir determinadas emoes. Rolando Toro afirma que o fator permanente que integra e d estrutura inteligncia como funo global a afetividade. A Inteligncia Afetiva Rolando Toro2 estabelece uma teoria sobre o que chama de inteligncia afetiva. A afetividade determinante na evoluo do ser humano, em toda sua vida. O afeto a base estrutural da inteligncia. O conjunto da experincia humana, desde a mais originria se articulam na relao afetiva do homem com o mundo. A afetividade determina a evoluo completa do ser humano, desde a etapa intra-uterina at a maturidade. A inteligncia tem sua base estrutural na afetividade. Todo o processo de adaptao inteligente ao meio ambiente e a construo do mundo se organiza em torno das experincias primrias da relao afetiva. Podemos legitimamente falar de inteligncia afetiva (TORO, sd: 11). Da mesma forma Rolando coloca a Afetividade como o maior condicionante da aprendizagem, da memria e da percepo. O afeto seria a fonte originria da motivao para o conhecimento. Do mesmo modo seria o elemento chave para a constituio da memria e da percepo. A capacidade de aprendizagem, a memria e a percepo esto fortemente condicionadas pela afetividade. (Toro, sd: 11). A trajetria existencial do ser humano e suas motivaes para viver so marcadas pela emoo. As motivaes existenciais que, no fundo, desenham nossa trajetria pela vida so de natureza emocional. (Toro, sd: 11).2

Na Apostila da Escola Biocntrica de Formao de Facilitadores do Curso de Formao Docente em Biodanza, sd.

30

Agostinho Mario Dalla Vecchia

A valorao, as escolhas e preferncias e o prprio juzo esttico esto relacionados diretamente pela afetividade. A estrutura seletiva, as preferncias e o juzo esttico esto diretamente influenciadas pela afetividade(Toro,sd: 11). O processo valorativo que se d na subjetividade da experincia singular de cada um est determinado pela afetividade e no pela capacidade de lgica de pensar. Rolando chama a afetividade de inteligncia biocsmica. Na integrao da inteligncia e da afetividade se realiza a aprendizagem da linguagem, da literatura, da poesia, da arte como um todo. A conscincia tica no uma manifestao intelectual ou das funes lgicas; a afetividade a inteligncia biocsmica. A conscincia tica tem suas razes na forma de estruturar emocionalmente o mundo e a relao com os outros seres humanos. A aprendizagem da linguagem, da literatura, da poesia, da arte em geral, possui uma gnese afetiva.(Toro, sd: 11). Rolando entende ser urgente a necessidade de estudo aprofundado da estrutura da afetividade uma vez que nossa cultura encontra-se estruturada em uma profunda patologia afetiva. Neste sentido afirma que a afetividade o gnio da espcie. O gnio da espcie no a inteligncia mas a afetividade orientada para a tolerncia, a compaixo, a amizade e o amor (Toro, sd: 11) Um dos elementos da estrutura formal do conhecimento a Inteligncia Afetiva. A inteligncia afetiva no um tipo especial de inteligncia. Todas as formas diferenciadas de inteligncia motora, espacial, mecnica, semntica, social, etc., tm uma fonte comum: a Afetividade. Para compreender isto, necessrio examinar as relaes entre inteligncia, percepo, elaborao simblica e nvel de conscincia.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

31

Para Rolando Toro uma definio mais essencial de inteligncia seria a capacidade afetivo-motora de estabelecer conexes com a vida e relacionar a identidade pessoal com a identidade do universo. Todos os membros da humanidade possuem este potencial, sejam eles selvagens ou civilizados, cultos ou ignorantes, mas est profundamente bloqueada pela dissociao afetiva que enluta a sociedade. Conectar-se com a vida, participar da inteligncia csmica. Emoo e Afetividade O impacto causado pela difuso do conceito de Inteligncia Emocional nestes ltimos anos representa a preocupao popular por superar as tendncias abstrao nas concepes sobre inteligncia, dissociadas da totalidade do ser humano (TORO, 2006:182) Pois bem, Toro acredita que chegou o momento de pr um pouco em ordem intelectual esta legtima preocupao pelas novas formas de inteligncia e sua integrao com a totalidade das funes humanas. Esta preocupao coerente com a Teoria da Complexidade proposta por Edgar Morin (2002) e Murray Gell-Man3(1929). Segundo esta teoria, o conceito clssico de inteligncia extremamente simplista e no considera as implicaes com aspectos mais profundos e complexos da mente humana.3

Murray Gell-Mann (1929-) es un fsico estadounidense, se le otorg el Premio Nobel de Fsica en 1969 por sus descubrimientos sobre partculas elementales. La teora de Gell-Mann aport orden al caos que surgi descubrir cerca de 100 partculas en el interior del ncleo atmico. Esas partculas, adems de los protones y neutrones, estaban formadas por otras partculas elementales llamadas quarks. Los quarks se mantienen unidos gracias al intercambio de gluones. Junto con otros investigadores construy la teora cuntica de quarks y gluones, llamada cromodinmica cuntica. Murray Gell-Mann es el autor de The Quark and the jaguar, Adventures in the simplex and the complex, un ensayo de divulgacin cientfica con carcter autobiogrfico editado en Espaa por Tusquets bajo el ttulo El quark y el jaguar. Aventuras en lo simple y lo complejo.

32

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Na investigao de Ral Terrn e Rolando Toro revelou que a inteligncia aumentava com a prtica de biodanza. Estabelecimento da diferena conceitual entre emocionalidade e afetividade em relao com a inteligncia: (TORO, 2006:182-3). 1. AS EMOES1. As emoes so transitrias. So produzidas no aqui-agora.

2. AFETIVIDADEOs Afetos tm durao no tempo.

2, surgem a frente a um estimulo Tm uma evoluo lenta a de afinidades especfico (agradvel ou partir profundas. desagradvel) Alm do componente 3. Possuem um forte componente instintivo-vivencial, tm instintivo-vivencial. elementos de conscincia e elaborao simblica. 4. Tem um forte componente Tm padres expressivos introspectivo que no se neurofisiolgicos (expresso facial expressa atravs de padres e respirao). tpicos. Manifesta-se em nveis somticos profundos do inconsciente coletivo e do inconsciente vital.

5. Tm tendncia a manifestar-se atravs da motricidade e do sistema neurovegetativo. (simptico e parassimptico)

A afetividade gera inteligncia racional, 6. As emoes no geram inteligncia, amizade, ternura, mas comportamentos espontneos. compaixo. A afetividade promove a capacidade de identificao com outros.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

33

3. AS EMOES

4. AFETIVIDADE

7. As emoes no induzem empatia, A afetividade a base da mas expressividade e contgio conscincia tica. psquico. 8. As emoes reforam o ego. A afetividade d acesso transcendncia (transcendem o ego).

A afetividade se expressa 9. As emoes fundamentais so: a por: amor, amizade, raiva, o medo, a alegria e a tristeza. empatia, solidariedade e conscincia tica. Introduzem sentimentos 10. Induzem atitudes de rechao ou adaptativos de aceitao, atrao. compromisso e generosidade. A afetividade constitui uma funo mais complexa. Est ligada funo de registro permanente e evocao da 11. As emoes tm suma memria, elaborao representao anatomo-fisiolgica cortical de valores, tica, s no Sistema Integrador-Adaptativo- conscincia Lmbico-Hipotalmico (SIALH) estruturas simblicas do inconsciente coletivo (arqutipos) e s variaes endotmicas do humor (inconsciente vital)

A partir destas distines, descobrimos que a prtica de Biodanza eleva a inteligncia global e do detalhe (Critrio de Rorschach4), eleva a inteligncia abstrata (Critrio de4

O teste de Rorschach uma prova psicolgica projetiva desenvolvida pelo psiquiatra suo Hermann Rorschach. O teste consiste em dar possveis interpretaes a dez pranchas com manchas de tinta

34

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Raven), aumenta a inteligncia musical, motora, espacial e, sobretudo, a Inteligncia Afetiva(TORO, 2006:183) As expresses mximas da inteligncia humana so o amor e a amizade. O amor uma interao sutil entre duas identidades que buscam alcanar uma s identidade com outro. um impulso de fuso com outros. O amor no um estado momentneo, mas um "processo" que envolve toda a existncia (TORO, 2006:183-4). O conhecimento biocntrico se configura a partir da possibilidade de conhecermos a realidade, que est na totalidade do nosso organismo: os sentidos, os instintos, a emoo, o sentimento e a nossa racionalidade integrados num nico e complexo organismo. Em nossas clulas temos um potencial gentico de conhecimento que se alarga para a estrutura dos sentidos, dos instintos, da emoo, do sentimento e da racionalidade. Esta estrutura a estrutura formal do conhecimento pedaggico centrado na vida. A natureza mesma das coisas, do cosmo, do homem, tudo configura um processo de vida e conhecimento, uma dana viva, uma manifestao do novo, da beleza, da bondade, da amorosidade e da pulsao. A configurao de uma verdade que se manifesta gradativamente revelando sua luminosidade num horizonte que nos evoca a uma proximidade crescente e integradora do mistrio que constitui o prprio fenmeno da vida; mistrio crescente de verdade, beleza, de fora mobilizadora. Ao falar da categoria fundamental que caracteriza esta dimenso, Ruth Cavalcante se reporta a Rolando Toro que

simtricas. A partir das respostas obtidas pode-se obter um quadro amplo da dinmica psicolgica do indivduo. As pranchas do teste, desenvolvidas por Rorschach, so sempre as mesmas. No entanto para a codificao e a interpretao diferentes sistemas so utilizados.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

35

aponta para o conceito de Inteligncia Afetiva, distinguindo emoo e afetividade. Se priorizarmos o afeto porque ele vai histria vital, clula e surge quando a emoo se repete e cria um terreno permanente, que dura no tempo. Entendemos que a afetividade tem origem no vnculo, contribuindo para uma conectividade significativa orientada para a evoluo (CAVALCANTE, 2001:8). E a autora segue afirmando que ...a afetividade possui elementos de conscincia, de valores, de compromisso, de componentes simblicos. Vinculada percepo, estimula as estruturas cognitivas, favorecendo construo do conhecimento crtico, tendo como base metodolgica a problematizao, o dilogo e a vivncia (CAVALCANTE, 2001:8). Estes trs elementos seriam os modos de acionar este potencial de conhecimento. Encontramos uma construtora do conhecimento pedaggico biocntrico que nos mostra que, de acordo com essa metodologia muitos educadores biocntricos esto sistematizando a Educao Biocntrica a partir da ao pedaggica. um repensar a educao que ajude as pessoas a aprender a viver e a conviver, tendo como ponto de partida, o respeito vida e a convivncia amorosa, e como mtodo, um enfoque reflexivo e vivencial na prtica pedaggica, em que aprendemos pelo cognitivo, pelo intelectivo e tambm atravs das emoes, dos sentimentos, das sensaes e das intuies (CAVALCANTE, 2001:9).

36

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Estes educadores retomam os mesmos fundamentos formais do processo de conhecimento atravs da atividade educativa.

II. ESTRUTURA DINMICA DO PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICODINMICA: A CAUSA EFICIENTE A causa eficiente aquela que, por sua ao-fsica, produz o efeito. Um exemplo pode ser o seguinte: O escultor causa da esttua, como esttua. Em nvel afetivo o desencadeamento dos processos vivos de organizao da relao afetiva em rede, os processos pelos quais a Afetividade se realiza. a realizao dinmica do padro de organizao na essncia viva das relaes de afeto da pessoa consigo mesma, com o outro e com o cosmo. Em nvel do conhecimento, nesse sentido, os sistemas vivos so sistemas cognitivos, nos quais o processo de cognio est intimamente ligado ao padro de autopoiese. um sistema cognitivo amplo ligado ao padro de autoproduo do ser humano, no s uma reproduo biolgica, mas de autoproduo da prpria essncia desse ser de relaes afetivas, reproduo do grupo. Assim como os alimentos reproduzem e sustentam a vida em nosso organismo biolgico, a Afetividade nutre a existncia do prprio ser humano em suas dimenses espirituais e orgnicas. O padro em rede em si mesmo considerado imaterial (CAPRA, 2002, 99). Caracterizada, ento, teoricamente como processo, vamos encontrar a dinmica viva, presente e relacional da

38

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Afetividade sempre que se d a conexo com a realidade no fluxo da vida. A Afetividade viva, vivencial, emocionada, tornada emoo, sedimentada nos sentimentos, expressa numa racionalidade afetiva, a dimenso mais profundamente dinmica do fato da vida. A vida movimento aberto, acontecimento que se concretiza como Afetividade, Criatividade, sexualidade, vitalidade e transcendncia e com isso todo o conhecimento. O processo da vida em ao o prprio processo permanente do conhecimento em atividade. Ele brota da conexo do nosso ser com a realidade, viva e em movimento aberto e permanente, caracterstico da prpria vida. Tudo acontece pelo contato dos nossos sentidos com a realidade. Este provoca nossa mobilizao instintiva, porque o contato nos permite gostar ou no gostar daquilo que percebido. Quando somos atingidos por essas sensaes e percepes surge em ns um fenmeno conhecido como emoo. Ao gostarmos de algo que nos atrai que nos provoca afinidade, somos mobilizados em nosso afeto, em nossa capacidade de amar. A repetio da emoo afetiva origina o sentimento de amor. Ele se torna a fonte motivadora do conhecimento que vai se elaborar em nossa inteligncia. Na verdade conhecemos com o corpo inteiro, com a totalidade de nosso ser. Nessa estrutura dinmica, nessa potencialidade ativa do conhecer biocntrico vamos reconhecer o contato dos sentidos com a realidade, a mobilizao instintiva em funo da vida, o movimento emocional, a sedimentao dessas emoes repetidas, a motivao afetiva para conhecer, a mobilizao tica e poltica irreversvel diante do conhecimento da alteridade do outro na vida, a necessidade de expresso esttica diante da beleza, o cultivo e expresso do pensamento aberto pela conexo com a vida e o universo e a necessidade de recriar a tradio cultural a partir do novo

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

39

paradigma. Estamos falando do padro de organizao indicada antes, porm em ao, em pleno processo de conhecimento centrado na vida. No trabalho de construo da Educao Biocntrica e do Conhecimento Biocntrico so integradas a Educao Dialgica, o Construtivismo, o Holismo e a Educao Biocntrica. Conceitos, teorias e prticas esto conectados em rede entre si. O reflexo disso a expanso da Educao Biocntrica para a Ao Comunitria, penetrando nas organizaes, ajudando a criar em cada espao um mundo de harmonia, de fraternidade, de solidariedade, evidenciando a importncia de realizarmos uma prtica pedaggica voltada pra valorizar as dimenses do esprito e do afeto cultivando a inteligncia afetiva numa reeducao para a vida (CAVALCANTE, 2001:10). O cultivo da inteligncia afetiva essencial, na Viso Biocntrica, na percepo do Princpio Biocntrico, no processo da Educao Biocntrica e na construo da Cultura Biocntrica. O conhecimento biocntrico um conhecimento que acontece no processo vivencial, no fluxo do viver, no ser, no organizar, enfim em todo complexo de nossas aes e experincias, a partir da nossa conexo com a realidade. A construo do Conhecimento Pedaggico Biocntrico, desde seu germinar, crescer, expandir e frutificar acontece na constante ao integral do Educar Biocntrico e da reflexo centrada sobre ele, mobilizada pela inteligncia afetiva. Quando Rolando Toro falava originariamente da Educao Selvagem se referia possibilidade do ser humano vir a se manifestar por inteiro atravs dos seus instintos resgatados, garantindo a conservao e a qualidade de vida. Mover-se, conectar-se, expressar-se, nutrir-se, harmonizar-se

40

Agostinho Mario Dalla Vecchia

so aes de expresso da vida que delineiam o paradigma que d suporte estrutura terica da Biodanza: o Princpio Biocntrico. A Educao Selvagem estava voltada para a vida instintiva e ecolgica, apoiada no Princpio Biocntrico, at suas conseqncias psicolgicas, sociais e pedaggicas, para a enfocar duas dimenses que dialeticamente se constroem a partir do nascimento: a vida instintiva e a construo do conhecimento biolgico e social. Assim nascia a Ed. Biocntrica tendo como mediadora a Biodanza. O enfoque seria a construo do conhecimento crtico, tomada de conscincia e a conscientizao. A sua expresso exige uma ao no mundo atravs do dilogo com o outro para a transformao da realidade individual Para isso, fala Ruth Cavalcante, preciso desenvolver acima de tudo a afetividade e a criatividade. No mtodo biocntrico de construo do conhecimento o que fortalece a funo de conexo com a vida a estimulao, facilitao e formao de vnculos impulsionadores das estruturas cognitivas, tendo como referencia a vivencia, os instintos e a expresso dos potenciais genticos. Por coerncia, a avaliao ser realizada em forma de auto-avaliao e avaliao junto com o professor, respeitando o ritmo de aprendizagem e evoluo do aluno e do grupo. Os principais tericos so Paulo Freire, Vygotski, Rolando Toro, Cezar Wagner, Lima Gis, Ruth Cavalcante. Educao biocntrica um permanente dilogo entre teoria e prtica e, segundo Rolando Toro ela parte do novo paradigma o Princpio Biocntrico, cujo objetivo a conexo com a vida. A imagem de homem proposto a de um homem relacional, ecolgico e csmico. Por isso, na Educao Biocntrica podemos ultrapassar a abordagem culturalista da

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

41

educao para uma orientao sobrevivncia e restabelecimento das funes originrias da vida, e cultivar as funes que regulam o sistema vivente humano (Apostila do Mdulo de Educao Biocntrica). de grande especificidade o tratamento do tema Inteligncia Afetiva nesta teoria do conhecimento. Toro defende a utilizao de mecanismos pedaggicos para o desenvolvimento da Inteligncia Afetiva. Apresenta a hiptese que nossa inteligncia parte de todas as nossas funes e de toda nossa histria existencial. Pensamos no s com o crebro, mas com todo nosso corpo (Toro, Apostila do Mdulo de Educao Biocntrica). Toro entende que o fator permanente que integra e d estrutura inteligncia como funo global a afetividade. Isso nos leva a pensar que efetivamente a fonte nutritiva do processo de conhecer nossa afetividade que no seu momento originrio inicia no contato dos nossos sentidos com a realidade. Isto desencadeia em ns atrao ou recusa pelo objeto conhecido. De qualquer forma se trata de um tipo de informao que ativa nossa emoo e nosso sentimento para desencadear um processo de reflexo e de investigao, acionando nossa capacidade intelectiva permeando-a dessa mobilizao. Por essa razo, quando assumimos um objeto de pesquisa que realmente pertinente vida, experincia e vivncia, ele nos apaixona. Se no nos apaixonarmos na pesquisa ele efetivamente no acontece. uma ao sem ela, sem combustvel ou sem a fonte originria para mant-la em movimento. A dificuldade de encontrar dinmicas, tcnicas e desafios que mobilizem o aluno para a construo do saber com o sabor da vida fator que preocupa e frustra muitos educadores.

42

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Rolando acrescenta que a Inteligncia afetiva no um tipo especial de inteligncia, mas todas as formas diferenciadas de inteligncia: motora, espacial, mecnica, semntica, social, etc., tm uma fonte comum: a afetividade. Segundo Wallon, a afetividade no sinnimo de emoo, e sim as emoes so manifestaes da vida afetiva, da mesma forma que os sentimentos e os desejos. A Educao Biocntrica pretende despertar a afetividade nas pessoas, ampliando sua percepo e expandindo sua conscincia tica, o que no permite o controle, a domesticao ou o bloqueio da afetividade. Este bloqueio da afetividade ocorre na maioria das casas de ensino desenvolvendo um verdadeiro estmulo competio (CAVALCANTE, 2001:45). Desenvolver a Inteligncia afetiva vai ao sentido de um desdobramento da conscincia afetiva. o ponto de partida para a evoluo integrada de todas as formas de inteligncia. Organiza a percepo e o pensamento assim como todas as funes mentais. Cria a capacidade de estabelecer conexes com a vida, relacionar a identidade pessoal com a identidade do Universo (CAVALCANTE, 2001:45). Ruth Cavalcante acrescenta que essa capacidade potencial est profundamente bloqueada pela dissociao afetiva imperante em nossa cultura e em nossa sociedade, atingindo a auto-estima das pessoas, a sua capacidade de resolver conflitos e particularmente, a capacidade de compreenso e amor. A autora, assim como Rolando Toro, caracteriza a afetividade como uma das funes psicolgicas das mais reprimidas da nossa poca. Compreende-se, assim, que o processo de aprendizado, do estmulo ou impulso investigador, da fonte nutritiva do processo de construo do saber fica comprometido e o conhecimento prejudicado. Assim, ao darmos ateno, qualificao, cuidado especial a um

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

43

aluno ou a um grupo com dificuldades afetivas, podemos atingir um nvel de alegria, entusiasmo, respeito, engajamento do educando, construindo um conhecimento engajado, transformador e integrado com a emoo e os sentimentos. Uma relao afetiva integrada e em rede com um grupo a fonte de nossa autoridade baseada na fora do amor e da integrao. Em termos metodolgicos, ento, a construo desse conhecimento mediada pelo dilogo a servio da vida. A aprendizagem uma autodescoberta e uma autoconstruo. Por isso a construo do saber acompanhada pela expresso das emoes integradoras atravs da musica, do movimento e emoo. No mesmo processo busca-se a expresso dos potenciais criativos na relao dinmica entre a arte e a cincia. A criatividade existencial como possibilidade de ultrapassagem potente e fluida dos obstculos, dos desafios e das exigncias pessoais e sociais de toda ordem. A criatividade como possibilidade de expresso da emoo esttica desfrutada na conexo com a profundidade do ser que se revela. Talvez a principal e mais pertinente forma de articulao do conhecimento biocntrico seja a vinculao com o meio ambiente, ou seja, com o outro, consigo mesmo e com a natureza. Trata-se de ultrapassar aquele pretensioso olhar de objetividade moderna que, em seu antropocentrismo reduz tudo a algo que pode ser medido, pesado, dominado tecnicamente e submetido como propriedade dessa subjetividade fechada, individualista e competitiva. Com certeza a mais ampla forma de acesso ao saber o cultivo de rituais de vnculo consigo mesmo, com o outro e com a totalidade. Outro movimento metodolgico biocntrico o despertar o esprito de solidariedade e convivncia amorosa

44

Agostinho Mario Dalla Vecchia

atravs de uma conscientizao que brota de gestos amorosos, de vivncias afetivas, de cultivo da solidariedade, desejo natural e profundo do ser humano. Ento a educao passa a ser cooperao com o processo bsico de socializao do educando. Fundamentalmente o caminho da aprendizagem se faz pela interao, vivncia, reflexo como j foi afirmado acima. O amor passa a ser a fonte de re-ligao com a vida, por isso o exerccio de desenvolvimento e expresso da afetividade. Enfim, aprende-se a conhecer atravs da autopoise (Maturana e Varela), da autoconstruo. Viver conhecer, conhecer viver. Na perspectiva da relao professor aluno, o profundo respeito e cuidado do professor com seus educandos e vice-versa permite a interao orientada pela conscincia tica. As relaes no se estabelecem da ctedra para alunos em fileiras, mas numa relao horizontal, circular e transdimensional, ou seja, uma relao em rede caracteriza o processo de construo cooperativa do conhecimento. Fritjof Capra (2002) defende a tese que uma organizao, um grupo em rede de vnculos potencializa suas capacidades criativas, investigativas, polticas e sociais. A preciosidade que d consistncia e eficcia na construo deste saber centrado na vida a relao dialgica e amorosa. Por isso h uma cooperao afetiva e aprendizagem mtua. O ocidente marcado pelo individualismo, pela dissociao, pela competio e o saber um instrumento de poder, por isso no partilhado. Assim tudo depende do cultivo de vnculos, da relao de empatia (CAVALCANTE, 2001:55).

Princpio Biocntrico O Princpio constitutivo do Universo, Captado na VIVNCIA PROFUNDA E EMOCIONADA DE SENTIR-SE VIVO, O cosmo surgindo da Vida, O tecer da teia da Vida, Entrelaamento de nossas existncias, Experincia viva da fora arrebatadora, O brotar de cada semente, Fluindo nos riachos, ocultando-se nos rochedos, Iluminando o planeta. vida transbordando em nossos coraes, Perpassando nossos pensamentos, Surgindo em nossas emoes, Expandindo-se nos sentimentos. sopro de liberdade, Abrao terno da me em seu filho, a noite e a manh que pulsam em ns, movimento danante das ondas ocenicas, A irrupo vulcnica e a brisa suave, Princpio do pensamento centrado na Vida,

46

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Princpio da criao do Universo, Princpio da formao de cada ser vivo, Referncia do pensamento tico, Inspirao e integrao esttica, Princpio da expresso criativa, Princpio que move o desejo e premia com o prazer, Expresso da Vida em ao e repouso, Princpio que move a realidade, Princpio de integrao e harmonizao, Princpio de nutrio e proteo, de contato e de vnculo, Princpio da produo e da transformao da natureza, Princpio de articulao poltica do poder do amor, da democracia, que integra deciso e identidade, Princpio que une razo e corao, conhecimento e sentimento, Princpio do masculino e do feminino em ao, Princpio da re-criao e de expresso do belo em cada ser, Percepo sensvel da SACRALIDADE DA VIDA.

III. ESTRUTURAS EXPRESSIVAS OU MATERIAIS DO PENSAMENTO 1 BIOCENTRICOReitero aos leitores a importncia que tem para mim o estudo da Teoria do Conhecimento da Viso e da Educao Biocntrica considerando o processo que envolve a caracterizao, anlise e interpretao do conhecimento pedaggico biocntrico. Busco apoio na abordagem do conhecimento biocntrico j existente ou implcito nos textos produzidos, nas experincias pedaggicas vivenciadas, partilhadas e refletidas por educadores biocntricos. No artigo anterior A complexidade e o pensamento biocntrico abordei as duas primeiras partes: aquelas que se referem ao padro de organizao do conhecimento em ns (causa formal) e aquela que se refere ao processo dinmico do conhecimento (causa eficiente).1

Aristteles afirma que o conhecimento e cincia consiste em ter em conta as causas. Perguntar a causa significa perguntar o porqu da coisa. H vrias espcies de causas. Primeiro, causa aquilo de que uma coisa feita, ex. o bronze causa da esttua; segundo, a causa a forma, modelo, essncia necessria ou substncia de uma coisa, ex. a causa do homem sua natureza racional; terceiro, causa o que d incio ao movimento ou repouso, ex. o autor de uma deciso a causa dela; o quarto sentido o fim, ex. a sade a causa porque se passeia. Causa material, causa formal, causa eficiente e causa final so todas as causas possveis segundo Aristteles. (Nicola Abbagnano, Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Editora Mestre Jou, 1960) Situamos o pensamento de Aristteles na concepo cosmocntrica do pensamento grego. Ao refletir sobre as organizaes Capra (2002) percebe uma semelhana entre a abordagem de Aristteles e sua prpria abordagem. Porm, podemos afirmar que Capra situa-se numa abordagem biocntrica das organizaes. este caminho que pretendo seguir utilizando o mesmo esquema na abordagem das estruturas do pensamento pedaggico biocntrico.

48

Agostinho Mario Dalla Vecchia

No presente artigo tratarei da terceira dimenso: as estruturas materiais resultantes desta construo (causa material) para, em artigo posterior tratar do sentido deste conhecimento (causa final). Nossa trajetria de anlise passa pelas clssicas causas do conhecimento estabelecidas por Aristteles e que permitem uma abordagem metdica, quem sabe, mais adequada e completa do assunto. Iniciamos assim o esforo de identificao das estruturas expressivas ou materiais do corpo de um conhecimento pedaggico centrado na vida. Trata-se do terceiro ensaio de uma srie de quatro temas relacionados ao pensamento pedaggico biocntrico, integrando o modelo epistemolgico operacional utilizado por Aristteles, redescoberto por Fritjof Capra(2002) em sua abordagem das organizaes com uma viso de conhecimentos em rede, alicerado numa Viso Biocntrica do universo. Fazemos referncia tambm ao instrumental operacional da teoria da complexidade em Edgar Morin, tendo, contudo, como marco originrio o Princpio Biocntrico, a Viso Biocntrica formulados por Rolando Toro, integrados por uma viso da realidade e do pensamento em rede, assumidos como recursos epistemolgicos. O pensamento pedaggico biocntrico construdo no processo educativo vivo, refletido, entrelaado e sistematizado.

CAUSA MATERIAL:O corpo de um pensamento pedaggico centrado na vida. 1. Pressupostos da complexidade e seus reflexos operacionais. Neste terceiro ensaio busca-se identificar o resultado material das relaes afetivas em rede e da construo do conhecimento, estruturas que se constituem a partir do potencial afetivo colocado em ao por diferentes fatores internos e externos, e que podem ser induzidos pelo sistema de Biodana. Trata-se de uma rede viva de relaes de afeto que se expressam como modo concreto de ser e de viver, numa integrao orgnica pessoal, da identidade, dos grupos, das organizaes e das instituies. A partir dessa realidade que se constri o conhecimento, resultando numa rede de conceitos, de signos, de valores e expresses. Reforando, o processo vivo como o processo contnuo de incorporao do potencial que se apresenta em nvel gentico, instintivo, da sua conseqente percepo, da emoo afetiva, dos sentimentos de amor em geral e da inteligncia afetiva integrada de forma orgnica a esse padro em rede e o conseqente conhecimento resultante desse dinmico processo articulado pelo afeto. Podemos distinguir a afetividade em suas caractersticas e dinmicas e ao mesmo tempo relacion-la na

50

Agostinho Mario Dalla Vecchia

sua operacionalidade com a construo e concretizao do pensamento pedaggico biocntrico. A vivncia do afeto materializa-se em redes constitutivas de grupos de amizade, de famlias, de fraternidades, de grupos de atividade social, de grupos polticos vinculados a um processo amoroso de dar vigncia a processos participativos e qualificadores dos participantes do grupo e da comunidade. A organizao da cultura do afeto origina uma sociedade aberta, nutre e desenvolve uma sociedade do amor. Na integrao do afeto ao processo de conhecimento, ganha corpo uma realidade material constituda de redes de saberes articulados nesse movimento permanente e aberto. o conhecimento que vai constituindo organicamente e interagindo a cultura, as doutrinas, as teorias, os princpios, as normas, os valores, a tica e as produes estticas. Segundo Capra (2002), um grupo de pessoas que estabelece contatos e cria vnculos d origem a uma rede de relacionamentos em torno de objetivos comuns, de processos comunitrios e democrticos de qualificao, formando ali um novo organismo vivo. Onde h um organismo vivo e integrado h uma estrutura dissipativa em seu processo de desorganizao, ou seja, uma abertura para o processo evolutivo em seu processo de interao, uma flexibilidade para a mudana adaptativa ou de reestruturao, Contm em si a consistncia e flexibilidade adaptativa e evolutiva dinmica, evitando a fixidez, a perda de energia e rearticulando a conexo com os processos criativos, prazerosos, vitais e de harmonizao. Reitero que o padro em redes que os sustenta, considerado em si mesmo, imaterial (CAPRA, 2002: 101). semelhana da rede de relaes consistentes e flexveis nas relaes materiais de afeto, o conhecimento biocntrico forma uma rede consistente e flexvel de um saber sempre aberto ao novo, ao surpreendente. um saber ligado vida. E a vida

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

51

permanente crescente.

movimento

em

revelao

e

transformao

Neste sentido uma organizao pode ser complexa medida que as relaes, as atividades, a produo e o movimento dessa organizao se articulam a partir de relaes solidrias, qualificadoras, dando origem ao que Capra (2002) denominou de um novo organismo vivo no universo. A complexidade se estende a tudo no universo e ele mesmo movido, segundo Rolando Toro, pela amorosidade que perpassa todas as coisas. Essa amorosidade e cooperao so identificadas por Maturana e Varela nas suas anlises da microbiologia. Uma profunda cooperao articula o processo poitico da vida. A vida autopoitica e ela se mantm por essa profunda cooperao intrnseca no organismo vivo. Ao referir-me a um e-mail enviado por um aluno do Curso de Matemtica Distncia, apresento a seguinte nota:1

1

Edson: a quadridimensionalidade do universo... Impressionante: Aristteles, no estudo da realidade e do pensamento coloca o instrumental operacional - causa formal, causa inicial, causa originria (a natureza da coisa, a sua forma de ser), a causa eficiente, causa dinmica (a coisa em movimento, a coisa sendo), a causa material (as estruturas resultantes desse movimento) e a causa final, ou o sentido da coisa (a finalidade, teleolgica e tica). Voc fala de quatro dimenses que eu gostaria de saber. Vejo que alguma coisa se assemelha: quando colocas a estrutura (no sei se formal ou material), a unidirecionalidade (parece ser a finalidade), a relatividade do tempo (parece implicado em forma de rede na referencia dos espaos e dos movimentos do universo)... Esclarece-me isso. O que viriam a ser as 4 dimenses do universo? Vejo relao com o que E. Morin coloca em relao aos organismos, os quais apresentam: uma organizao (causa formal?), uma desorganizao (dinmica da ordem para o caos que traz a potencia do novo), a interao (a dinmica em rede de tudo com tudo) e a reorganizao (o surgimento do novo, uma estrutura resultante, algo que tem o sentido da coisa viva, tem a concretizao da finalidade) Vejo ainda relao com a redescoberta de Capra da estrutura do pensamento e das coisas de Aristteles. Aristteles movido por uma viso csmica do universo, centrada sobre uma racionalidade que o rege, por isso csmica, enquanto que Capra apresenta uma viso Biocntrica do universo como um organismo vivo, pulsante, com movimento de entropia e de neguentropia, com uma zona dissipativa e com processo de reorganizao da vida, do pensamento, dos afetos, dos corpos,

52

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Na teoria da complexidade a compreenso a de que a realidade se constitui do processo dinmico, orgnico, fluente da interao de tudo com tudo. A dialtica da totalidade superada pela dialogicidade. A totalidade quando fechada pode ser abordada pela dialtica. A totalidade aberta abordada pela dialogicidade. Sujeito e objeto no so separados no conhecimento. O sujeito no mais o centro de tudo como no pensamento moderno. Paulo Freire ao conceber seu pensamento pedaggico e a dinmica da ao educativa estabeleceu a dialgica como forma de articulao entre os sujeitos, do sujeito com as coisas e das coisas com o sujeito. E o conhecimento uma construo cooperativa e aberta da integrao dos conhecimentos num crculo de cultura. Sujeito implicar nas coisas e ser implicado. A forma circular tem a forma estrutural para o dilogo, para o cara a cara. A fonte originria da motivao do educando a prpria experincia, a prpria vivencia da realidade. Dewey tem a mesma considerao quando fala da articulao entre a vivencia e o conhecimento, a experincia e o saber. Pensar viver. A escola devia surgir como um prolongamento da vida e, ao mesmo tempo, esta devia ser destinatria das aprendizagens escolares adquiridas2. Esse o fundamento epistemolgico. A pesquisa deve estar conectada e nutrida pela experincia, pela vivncia, em ltima instncia pela afetividade. Chamam a nossa ateno as coisas que nos afetam, de uma forma ou de outra. Originariamente isso odos sentimentos, das emoes e assim vai... (eu estou entendendo assim) Na revista pensamento biocntrico eu tenho um artigo sobre isso. Veja s que loucura!!!! As coisas para mim no esto seguras, estou tateando e buscando incorporar uma compreenso que permita pensar o universo em forma de rede. Gostaria de discutir isso contigo e com outras pessoas que conheces como interessados nisso. Penso que para um matemtico seria maravilhoso matematizar a partir desses pressupostos tericos e operacionais. Grande abrao 2 O CONCEITO DE REFLEXO EM JOHN DEWEY Maria Conceio, Lalanda, Maria Manuela Abrantes (HACK,Jos L. Apostila da disciplina de Teoria e Prtica Pedaggica).

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

53

afeto: mobilizao dos nossos sentidos e nossos instintos por uma fora de atrao ou repulsa, por um desejo de aproximao ou afastamento, por empatia, quando se trata de uma pessoa. Assim, segundo Rolando Toro, a afetividade a base estrutural de todo conhecimento e a fonte da motivao, segundo Ruth Cavalcante e da paixo na investigao da realidade, segundo Dalla Vecchia. Ao se conectar com o que chama de Reorganizaes Genticas Edgar Morin faz a articulao entre a vida dele e as idias que ele professa at hoje. Em 1940 ele entendia que as idias avanavam sempre no antagonismo, nas contradies. Na perspectiva marxista entendia que a dialtica era uma unio de contrrios e que poderia levar a uma sociedade melhor, seguindo que Marx defendia a idia do homem genrico, o homem que no separa a natureza da cultura. O homem seria plenamente cultura e plenamente natureza. Mais tarde Morin, penetra mais profundamente nas idias de Marx, segundo as quais viria, no futuro, uma sociedade melhor. Substitui a palavra dialtica pela palavra dialgica. Dialtica supe um processo do conhecimento e da realidade a partir da fora emergente do confronto dos contrrios. Por exemplo, uma idia ou um pensamento que se apresente como totalidade origina uma idia contrria ou distinta provocando o confronto com a idia estabelecida. A partir dessa luta de opostos possvel o surgimento do novo que inclui algo de ambas as dimenses. Dos anos 60 em diante, Morin entra em contato com a teoria da informao, a teoria dos sistemas e a ciberntica. Esse contato foi o advento da complexidade, da construo das bases do pensamento complexo. O termo complexo vem de complexus, do verbo complectere, que simplesmente quer

54

Agostinho Mario Dalla Vecchia

dizer: aquilo que tecido em conjunto3. No oposio

3

Sendo a complexidade aquilo que tecido em conjunto, ela construda com a mediao de trs operadores. No pensamento complexo Edgar Morin refere-se aos operadores da complexidade, que efetivam essa construo como se fosse operador de cinema. O primeiro o operador dialgico e no dialtico, pelo que voc vai juntar coisas, entrelaar coisas, que aparentemente esto separadas. A razo e a emoo, o sensvel e o inteligvel, o real e o imaginrio, a razo e os mitos, a razo, a cincia e as artes, as cincias humanas e as cincias da natureza. No tem sntese. Pensamento complexo no um pensamento simples.(Vdeo-conferncia: Edgar Morin) O segundo o operador recursivo que opera o pensamento com o pressuposto que uma causa a gera o efeito b. O determinante a gera o determinado b. Alguma coisa que definida como recursiva significa algo em que a causa produz o efeito, que produz a causa. como se fosse um anel recursivo, um circuito recursivo, melhor dizendo. Na viso biocentrica o modelo terico apresenta uma espiral com movimentos de transtase na evoluo dos nossos potenciais e da nossa identidade, o que pode ser transferido para a esfera do conhecimento. Um exemplo: ns somos produzidos por uma unio biolgica de um homem e de uma mulher, portanto, somos produtos dessa unio e, ao mesmo tempo, somos produtores de outras unies. Ento ns somos recursivamente causa e efeito. Esse o segundo operador. O terceiro o operador hologramtico que permite ver de forma integrada, sem dissociar. Que quando voc v, no consegue dissociar parte e todo, ou seja, a parte est no todo da mesma forma que o todo est na parte. Ento, esses so trs bases que mobilizam o pensamento complexo. Com estes trs operadores voc vai construir a noo de totalidade, que nunca ser a soma das partes, sempre mais que a soma. Pode eventualmente ser menos que a soma. Porque totalidades so sempre abertas. Se elas forem totalidades fechadas, elas sero sempre iguais a soma das partes. Posso dize que um pensamento que forma uma totalidade fechada se torna rgido, inflexvel e politicamente serve para preservar ideologias de dominao. Essa idia de totalidade como mais ou menos que as partes fundamental ao pensamento. Podemos identificar na anlise de F. Capra a mesma idia operacional quando analisa a organizao como uma totalidade aberta e que potencializa as capacidades do grupo atravs dos vnculos qualificadores entre eles. Ns somos Homo Complexus, ns somos seres que criamos, ns somos vcolis, porque falamos. Somos faber porque fabricamos instrumentos, somos simblicos porque simbolizamos, criamos os mitos e as teorias, nossos dolos, nossas mentiras, nosso imaginrio. Aprendemos. O que no aprendemos, que somos complexos, porque somos inscritos em uma ordem biolgica que nos fez como somos agora e tambm ns somos seres produtores de cultura, ou seja, ns somos 100% natureza e 100% cultura. .(Vdeo-conferncia: Edgar Morin)

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

55

entre o simples e o complexo. Quer dizer aquilo que tecido junto. (Vdeo-conferncia Edgar Morin...). Combatendo a profunda dissociao provocada pelo pensamento e pela cultura moderna entre razo e emoo, conhecimento e sentimento, corpo e alma, dissociao essa que vai ganhar corpo em todas as instituies modernas, Morin afirma que o primeiro entrelaamento a unio corpo-alma, emoo e razo, o sentir e o pensar. Portanto, a est o primeiro entrelaamento do complexo. Seja sapiens, sapiens, demens. Morin considera que qualquer atividade de um sistema vivo... de homens reais: homo sapiens, sapiens demens; das sociedades animais: das formigas, das abelhas, dos primatas, qualquer atividade de sistema vivo guiada por uma tetralogia. Envolve relaes de ordem, de desordem, de interao e de reorganizao. Edgar M. chama Tetragrama Organizacional. Qualquer sistema vivo sempre foi: ordem: regularidade; desordem: desavenas, emergncias; interaes: coisas que comearam a interagir que no estavam previstas anteriormente e reorganizao: para onde o sistema vai. Da mesma forma, sendo resultado da reflexo do homem sobre sua ao, sobre as coisas, sobre a sociedade, sobre o universo, o pensamento apresenta esse movimento condizente com o movimento da vida.

A herana da razo nos legou essa idia que: os imaginrios, os mitos, as artes no faziam parte da cincia ou o considerado como cientifico era determinado como racional.O conhecimento, do ponto de vista do pensamento complexo, no est limitado cincia. H na literatura, na poesia, nas artes um conhecimento profundo. Podemos dizer que no romance h um conhecimento mais sutil de seres humanos do que encontramos nas cincias humanas, porque vemos os homens em suas subjetividades, suas paixes, seus medos de... Por outro lado, devemos acreditar que toda a grande obra de arte contm um pensamento profundo sobre a vida, mesmo quando no est expresso em sua linguagem. Quando voc v as figuras humanas pintadas por Rembrandt, h um pensamento sobre a alma humana. Portanto, eu acredito que devemos romper com a separao das artes, da literatura de um lado e o conhecimento cientifico do outro. (MORIN: Vdeo-conferencia Edgar Morin).

56

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Segundo Feliciano Flores a Fsica, atravs das Leis da Termodinmica, afirma que a tendncia do universo para a desagregao, para o aumento irreversvel da entropia, no caminho da ordem para o caos, em direo ao inexorvel entropic doom, quando alcanaria o equilbrio trmico. Baseado na Teoria Biocntrica, no Princpio Biocntrico, Flores (2008) levado a integrar na discusso o fenmeno da vida. A vida, no entanto, um processo organizador, que tende a aumentar sua complexidade desviando a entropia, caracterizando-se como uma estrutura dissipativa, e mantendo-se num estado de no-equilbrio (Prigogine & Stengers, 1991 apud FLORES F.2008, Apostila). Para alguns autores a vida um processo neguentrpico, termo decorrente da expresso entropia negativa usada por Erwin Schrdinger (1887~1961) para significar que a evoluo vai no sentido contrrio ao do aumento da desorganizao que ocorre no seu entorno (FLORES, apud Freire-Maia, 1988).(Texto extrado da apostila do Curso de Ps graduao em Ed Bioc da unisc prof Feliciano) Desde os primrdios do planeta, quando havia condies de desenvolvimento e expresso da vida, a partir de molculas em desordem, o processo evolutivo da vida deu origem a organismos simples que culminaram em um ser capaz de ter conscincia de si mesmo, o ser humano (FLORES, 2008). Segundo o comentarista da teoria de Edgar Morin (2008) o tetragrama ordem, desordem, interao e reorganizao aliado aos operadores da dialogia, da recursividade e do holograma constitui o bloco forte, a base fundamental do pensamento complexo.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

57

Ns temos um paradigma, um conjunto de regras, padres, teorias, modelos, vises de mundo que ns aprendemos. -nos legado inconscientemente. O paradigma cartesiano nos ensinou a dividir, a separar a razo da des-razo, a razo do mito, a razo do imaginrio. E com isso, o sensvel do inteligvel, a cincia da arte, a fsica quntica da antropologia. Isso foi dividindo, separando. Reformar o pensamento para Morin reaprender a pensar, a religar todas essas coisas separadas desde a viso cartesiana. um problema paradoxal, pois para reformar o pensamento necessrio, antes de tudo, reformar as instituies que depois permitam esse novo pensar. Mas para reformar as instituies necessrio que j exista um pensamento reformado (MORIN vdeo-conferencia). Aproximamos a operacionalidade do mtodo de Aristteles na anlise do pensamento e da realidade com a perspectiva de Fritjof Capra que redescobre essas dimenses operacionais na abordagem das organizaes como organismos vivos. Por um caminho diverso Edgar Morin concretiza a abordagem operacional da Teoria da Complexidade relacionando-a ao tetragrama organizacional dos organismos vivos. Neste as dimenses dos organismos vivos apresentam uma dinmica de organizao, de desorganizao e de interao, para se reconstituir na reorganizao, que para onde o sistema vai. A esse tetragrama somam-se trs pressupostos operacionais, j vistos, que podemos utilizar no processo de construo do conhecimento. Em Aristteles a Viso de mundo uma Viso Cosmocntrica, uma organizao racional que inclui uma idia de que tudo se organiza de uma forma racional. Os deuses principais como Zeus se identifica com um astro, esfrico, luminoso, fechado e auto-suficiente. O homem na sua

58

Agostinho Mario Dalla Vecchia

essncia uma racionalidade lgica e matemtica. Esse deus no tem nada a ver com quem vive debaixo da lua diz o Estagirita. Os homens tm por essncia uma alma racional. O homem uma alma pensante e no um animal racional. O processo de abordagem do conhecimento e da realidade em Aristteles se d pela investigao da causa formal, causa eficiente, causa material e pela causa final que constituem aquele objeto. Fazendo a leitura da discusso de Capra em relao s organizaes podemos pensar que uma organizao permeada pela Afetividade apresenta uma estrutura flexvel, uma estrutura dissipativa, dimenso pela qual possvel um processo dinmico, aberto para a transformao ativa, propiciado pela natureza das relaes de afeto: estreitamento relacional, proteo, cuidado, nutrio, acolhimento, compartilhamento, alegria que brota da vida e se manifesta em gestos e cerimoniais comemorativos. A natureza dos vnculos d organizao as caractersticas de um ser vivo: a capacidade de renovao e de auto-produo criativa, a potencializao de sua capacidade criativa, a potencializao da capacidade poltica de unidade e consistncia do grupo na cumplicidade em torno da qualificao, da autonomia, da capacidade de ao potencializada em todas as direes. Segundo a hiptese de F. Capra (2002), esses fenmenos ocorrem nas organizaes que se constituem em organismos vivos. De modo geral, as organizaes no Ocidente tendem rigidez piramidal, autoritria, sem vida, que so frgeis s turbulncias da globalizao. Sendo recheado da vida o pensamento biocntrico um pensamento vivo, materialmente constitudo das sensaes, das emoes, dos sentimentos, das percepes, das idias, dos raciocnios e da teoria entrelaados.

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

59

Assim, o pensamento biocntrico apresenta estruturas flexveis e dinmicas de conhecimento. Apresenta a cultura como forma prpria de ser e de viver em cada lugar e em cada poca, no aqui e agora. Contudo, no seu horizonte est sempre a possibilidade da mudana, da expresso do surpreendente, misterioso e dinmico processo da vida. As estruturas do pensamento sero sempre abertas, ao mesmo tempo em que so base para a ao e entendimento dos seres humanos em suas relaes. Atravs das cinco linhas de expresso da vida delineia-se em parte o paradigma que d suporte e estrutura terica Biodana: o Princpio Biocntrico. Estando a Educao Selvagem voltada para a vida instintiva e ecolgica, pode ampliar sua configurao pelo prprio fluxo da vida. Enquanto a pedagogia tradicional, de um modo geral, pensa na construo do conhecimento induzido de fora para dentro, a pedagogia biocntrica entende que o processo de formao humana e de conhecimento se d de dentro para fora com expresso dos potenciais humanos e com a expresso do prprio conhecimento elaborado pelo educando em interao criativa e investigadora do meio e a partir do prazer de conhecer, mobilizado pela experincia e pela vivncia, o que vem sendo chamado de inteligncia afetiva. Na abordagem biocntrica, h um novo paradigma epistemolgico, uma nova concepo de conhecimento que se configura a partir das manifestaes da vida em ns, na natureza. Da mesma forma, surge uma nova viso da tica, da educao, da esttica, da cultura e do homem.

60

Agostinho Mario Dalla Vecchia

2. O pensamento pedaggico biocntrico e sua configurao terica A partir deste momento continuamos a tomar como referncia de nossa busca de explicitao da teoria biocntrica do conhecimento alguns textos da Educao Biocntrica, da Biodana e do Modelo Terico criado por Rolando Toro. Buscamos neste artigo visualizar o carter material, de natureza essencialmente dinmica, deste pensamento pedaggico biocntrico como forma de ilustrar e permitir o entendimento da estrutura material do conhecer pedaggico centrado na vida, elaborado no processo ativo de educar. Retomaremos o artigo de Cavalcante em: Educao Biocntrica: A Pedagogia do Encontro, onde a autora busca o significado de uma viso educacional voltada para a evoluo de nova conscincia e suas implicaes para uma mudana filosfica e social. Para Ruth, somente a busca constante de vinculao vivencial intensa com a vida possibilita a formulao de qualquer contedo terico. Este seria o pressuposto vivencial, estrutural e formal da teoria do conhecimento biocntrica. A autora encontra a motivao para a sistematizao terica da Educao Biocntrica na prpria ao pedaggica. esta ao que permite a construo aberta e sistmica do saber pedaggico. a prpria vida em ao que facilita a vivncia, a percepo e a formao aberta e crescente do pensamento pedaggico biocntrico em uma inteligncia afetiva. Podemos inferir que a profunda reflexo sobre a ao pedaggica, ou qualquer outra ao permite a construo aberta e crescente do saber pedaggico biocntrico (CAVALCANTE,2001) Ao comentar a monografia de Las Bezerra Cavalcante mostra como essa facilitadora reorienta para a rea

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

61

educacional a tese da Cultura Evolucionria de Rolando Toro em oposio Cultura Ocidental. Esta tese trazia a proposta de permisso para a expresso das emoes, da alegria e do prazer, sendo o amor comunitrio a base da conscincia comunitria e da justia social (CAVALCANTE, 2001:34). Isto significa que o conhecimento que configura a conscincia comunitria no simplesmente um saber racional e sim um saber vivencial permeando e estruturando um saber racional. O reflexo desse paradigma vai se projetar para a dimenso educativa, permitindo Las Bezerra criar a denominao Tendncia Evolucionria da Educao. Assim poderamos avanar, por decorrncia desse princpio, para uma tica centrada na vida, uma vez que o amor seria a fonte originria desse saber, sendo antes mesmo, o momento originrio da tica viva, anterior a qualquer formulao terica. Essa tica viva aquela que brota da profunda, emocionada e potica mobilizao que irrompe de nosso ser diante do olhar, da manifestao, da expresso viva e histrica do outro. Essa mobilizao desperta irresistvel sentimento de compaixo e cuidado. Como duvidar de to intensa e legtima fora e do conhecimento integrado que nos oferece do outro sob a forma de misteriosa e intensa luz? O nosso saber racional pode dizer alguma coisa a partir dessa vivncia; a poesia pode avanar para mais prximo desse mistrio, mas definitivamente, s o nosso abrao inteiro, na fuso ntima com o outro pode nos revelar a intensidade do ser do outro vinculado e transcendente. A dimenso transcendente que caracteriza o ser do outro como liberdade4, no nos acessvel na totalidade. Da mesma maneira podemos configurar uma teoria do conhecimento poltico, econmico, familiar a partir desse princpio.4

No nos referimos aqui ao conceito burgus de liberdade.

62

Agostinho Mario Dalla Vecchia

Rolando ofereceu a Biodana como um caminho para a mudana no nosso estilo de viver. Nessa Tendncia Evolucionria Cavalcante integra tambm Fritjof Capra que, na sua obra o To da Fsica, nos mostra a crise atual da cultura masculina vigente e o surgimento de um pensamento e movimentos sociais que parecem caminhar, desde 1960, 1970... nessa nova tendncia, pela crescente preocupao com a ecologia, pelo misticismo, pela progressiva conscientizao feminista e pela redescoberta de acessos holsticos sade e cura. Entendemos, a partir dessa colocao que, a compreenso do universo e de seu movimento, numa perspectiva evolutiva da vida, configura um novo conhecimento. O universo impregnado de vida em todas as suas dimenses apresenta um movimento evolutivo, crescente e de integrao cada vez maior. A fora impulsionadora desse movimento originria dessa amorosidade, segundo Rolando Toro. O movimento uma manifestao da vida. Onde a vida acontece o movimento, acontece o processo integrativo, acontece ao mesmo tempo o conhecimento. Maturana e Varela, bilogos chilenos chegaram concluso de que onde existe vida existe conhecimento. Para Dewey tambm o processo da vida o processo do conhecimento e vice-versa. Toda pesquisa e construo metodolgica do conhecimento devem estar recheadas de vida, de experincia e de vivncia. A pesquisa deve responder sempre por um problema real. Deve iniciar sempre pela experincia, pela ao, por um problema concreto que precisa ser resolvido. Quando experimentamos a pesquisa como uma paixo, com motivao, ns nos ligamos vida, ns nos conectamos ao amor e afetividade. Toro afirma que o afeto a base estrutural do conhecimento, a fonte de motivao da construo do conhecimento, por isso, como diz Paulo Freire, a

O PENSAMENTO PEDAGGICO BIOCNTRICO

63

construo do conhecimento deve estar recheada de afeto em sala de aula. Muitos educadores e cientistas como F. Capra sabem da fora operacional de uma rede afetiva constituda numa organizao ou numa sala de aula. Nelas se potencializam os vnculos, a fora poltica do grupo, e se instalam as condies do processo de conhecimento integrado e a expanso da criatividade. Ao caracterizar a Tendncia Pedaggica Evolucionria, Cavalcante permite perceber algumas dimenses da teoria do conhecimento pedaggico. Um conhecimento construdo no compromisso pela vida identifica a solidariedade como uma nov